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CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 02

MONTEIRO LOBATO E OS ESTADOS UNIDOS:


REFLEXÕES NIETZSCHIANAS
Carmen Lúcia Felgueiras
(Professora do PPGSD/UFF)

No Whitehall Building (edifício em primeiro plano) localizava-se o escritório de Lobato em Nova York
Imagem disponível em http://lobato.globo.com

RESUMO ABSTRACT

N este artigo pretendo discutir um a concepção This article intends to discuss a conception
de sociedade norte-americana, vigente na primeira o f N o rth -A m eric an society, fo rm u lated at
m etade do século 20, m as cujos ecos ainda the beginning o f the tw entieth century, but
reverberam entre nós, dada a imensa e permanente extremely present-day because o f the enormous
influência de seu formulador. Tratam-se aqui das and perm anent influence o f its form ulator,
idéias de M onteiro Lobato e da inspiração que M onteiro Lobato, a Brazilian author and essayist
encontrou em N ietzsche para form ular sua visão , w ho has w ritten a vast literature for children
a respeito daquela sociedade. N o últim o Fórum and adults. Here I intended to show that the risks
Social M undial, José Saram ago nos advertia o f an utopia becoming “totalitarians fictions”, as
para os riscos das utopias tornarem -se ficções José Saramago advised in the last World Social
totalizantes. P retendo m ostrar aqui que essas Forum , w as very w ell understood by Lobato
im plicações foram plenam ente percebidas por when he looked at the paradox that is to base
Lobato, que se vê diante do paradoxo que resulta oneself in N ietzsche and to accept a model o f
em partir de N ietzsche e aceitar a existência de society as something desirable. The opportunity
um m odelo que funcione como utopia desejável. o f this return to Lobato is the possibility o f
Creio que este retorno a Lobato não deixa de reflection about our am bivalent relationship
ser oportuno e capaz de nos oferecer insights w ith “A m erica” that som etim es appears as a
esclarecedores, principalm ente se observam os desirable objects, sometimes as something that
ser constitutiva da condição do presente, em we should deny.
nossa sociedade, um a relação am bivalente com
a “A m érica”, seja com o objeto de desejo, seja
como aquilo que devemos repelir ou negar.
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um a vontade “naturalizada”, seja porque a ação


instrum ental escapa a qualquer avaliação sobre
valores, pois, o fator m otivador real é o desejo da
parte do ator de maximizar sua vantagem), Lobato
A preocupação com os Estados Unidos sempre
produz um a visão de Estados Unidos fundada na
esteve onipresente na obra de M onteiro Lobato,
idéia de força, mas de um a força impessoal, da
mas é em America que esta se revela de m odo a
qual nem os próprios norte-am ericanos possuem
perm itir um a interpretação mais articulada, como
síntese que é de form ulações anteriores. Publi­ o controle.
cado em 1932, América é o resultado literário Só as virtudes trogloditicas interessam realmente
da prim eira e única viagem do autor aos Estados ao homem comum, tão perto está ainda ele do tro­
Unidos, para onde em barca em 25 de amio de glodita. [...] O homem realmente só vibra quando
1927, como adido comercial do governo Washin- vibram dentro dele os milênios de peludos avós do
tempo das cavernas, dos ursos speleus, do tigre
gyon Luís .0 livro foi construído sob a form a de de dente de sabre. A coragem louca, a audacia
um longo diálogo entre o narrador e “Mr. Slang”, sem limite, ‘o vai ou racha’, a Força, em suma ...
personagem já conhecida dos leitores, um inglês (América, p. 100).
erudito e sábio, mas prosaico m orador do bairro
de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, com quem o A visão de homem norte-americano que resulta
narrador tem a agradável surpresa de reencontrar- de América é a do homem utilitário e dotado de
-se na América, para introduzi-lo (e ao leitor) em vontade de potência. Ao m oldar essa figura híbri­
sua “realidade am ericana” . N este livro, Lobato da, Lobato estaria se fazendo ponto de confluência
vincula os m otores do desenvolvim ento e da de dois pensam entos que não estão associados de
modernização da sociedade norte-americana a um modo evidente. Afilosofia de Nietzsche e o utilita­
ideal de homem, à expansão das forças m ateriais rism o anglo-saxão. Até pelo contrário. N ietzsche
que põe em m ovimento; forças com andadas por inicia sua A Genealogia da moral, com a crítica
homens dotados da vontade de potência (o he-man aos “psicólogos ingleses” . O ponto desta crítica
nietzschiano) em tudo opostos aos nossos homens é o sentido a-histórico que adquire a “genealogia
resignados, dos quais o caboclo é o protótipo. da m oral” dos utilitaristas, ao fundá-la nas pai­
A disciplina de que são dotados, originária xões do indivíduo e pior, no indivíduo burguês.
do m eio natural, torna-se, em se tratando dos Lobato parece ignorar tais com entários e, assim,
agentes, vontade com fins utilitários, em provei­ com patibiliza ambos como se este burguês fosse
to da eficiência e do aum ento de sua potência, um a versão atualizada das raças nobres de que
reaproxim ando-o da natureza. N o caso de seu fala N ietzsche, louvando-lhes
oposto, a ineficiência brasileira, suas fontes já
(...) a audácia louca, absurda, espontânea; a
não são apenas as naturais, mas tam bém sociais, própria natureza das suas empresas imprevistas e
conforme analisa o narrador de América: inverossímeis; a sua indiferença e o seu desprezo
da comodidade, do bem-estar, da vida; a alegria
(...) asformas da praxe, humilhantes, com que um terrível e profunda em toda a destruição, osprazeres
cidadão se dirige aos altosfuncionários brasileiros, da vitória e da crueldade (América, p.44).
vêm do tempo em que eles eram os agentes sagrados
do Rei, e a humanidade a rastejante serva dos reis P or outro lado, e de m odo não excludente
(América, p.284). com o irracionalism o nietzschiano, o burguês de
Lobato é um bárbaro “calculador”, possui um a
Por isso, já há m uito via com o única solução racionalidade e utiliza-se dela como um instru­
(...) mudar de política, fazer o que os Estados m ento de dominação, mas revestindo seus atos
Unidosfizeram. Arrancar do seio da terra oferro e com as boas intenções, o altruísmo de que se faz
transformá-lo em mil maquinas que nos aumentem portador. Lobato não excluiria nenhum a dessas
a eficiencia dos musculos. Arrancar o petroleo para características; seu burguês é exatam ente um a
o reduzir a essa potente energia mecanica que move
as maquinas. Não mais homens resignados que se síntese e, neste sentido, um a unidade complexa.
repimpam na anca de pobresjégues e cavalicoques - Como ocorre freqüentem ente com todo gran­
mas “he-men” que chispem em autos, que risquem o de autor, a leitura que Lobato faz de Nietzsche
ceu em aviões, que espantem os sururús das lagoas é m ultifacetada; tem as e questões estarão sendo
com a velocidade dos “motor-boats (Mundo lua e enfatizados, ora à m edida que filtra ou expressa
miscelanea, p. 101). orientações de época, ora quando, de forma idios­
Podemos supor então que, ao operar com o que sincrática, os articula a leituras de autorias e pre­
sociologicam ente se designaria como os paradig­ ocupações diversas.1 Lobato retira de N ietzsche,
mas da “ordem ”, incluindo tanto as explicações pondo-os em relevo, tem as como: a celebração
do meio e da raça, como o econôm ico e cultural, da criatividade, da experim entação; a critica
e os da “ ação”, cuja form a específica term ina da civilização, o poder frutificador do mito em
por cancelar as possibilidades de manifestação sua monum entalidade, a ênfase na vontade, na
do voluntarism o do ator (seja por que se trata de auto-criação e nas aspirações mundanas. Estes
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tem as percorrem o conjunto da sua obra e ali são Para afilosofia, Nietzsche, que é um tanque des­
sustentados de form a positiva e, creio, eviden­ bravador de tudo, e tem a coragem de nos dizer:
Vade mecum? Vade tecum Queres seguir-me? Segue-
ciando um a aposta no seu potencial de conferir
significado ao mundo. -te” (A barca de Gleyre , v.2, p. 155).
Também é certo que ele pretendia ir além de Dando por suposto que a filosofia de Nietzsche
Nietzsche. Faz parte seu entendim ento do vade estará onipresente em tudo quanto Lobato escre­
mecum vade tecum nietzschiano ultrapassá-lo e ve, alguns problem as deverão ser enfrentados,
isto significa, para Lobato, considerá-lo apenas na considerando a peculiaridade de sua leitura:
form a, pois acredita que alguém poderia seguir Lobato parece articular o vitalism o e o natura­
preceitos totalm ente contrários a N ietzsche e lismo, ou seja, Lobato faz um a leitura naturalista
ainda assim estar de acordo com ele, ao valer-se do vitalism o nietzschiano, à qual se agregam as
da autodisciplina e da vontade. M as, no fundo, teses do darw inism o social. N este sentido, ele
nada seria tão nietzschiana quanto esta pretensão prom ove um a naturalização da força e da von­
de superá-lo... tade: sua visão dos am ericanos como bárbaros
Por conseguinte, em um esforço de síntese, é conseqüência de um entendim ento da vontade
gostaria de sugerir que a incorporação de N ietzs­ e do interesse como determinações: prim eiro da
che por Lobato se dá em três direções: raça e do meio e, depois, das condições econô­
A prim eira se faz em tom o do vitalism o. De micas, que, como pudem os observar, estão sendo
acordo com Aschheim, o vitalism o de N ietzsche definidos como processos objetivos e im pessoais
influencia decisivam ente a Filosofia da Vida com e que cumprem um a trajetória de evolução. Além
sua defesa “da prim azia da intuição e da vida disso, Lobato possui um ideal de homem natural
sobre a estupidez da razão” {idem, p. 13). Este que se tom a referência para um a crítica da moral
vitalism o afirmativo congrega a crítica eugênica e da sociedade.
da fraqueza e das forças negadoras de vida e, con­ Lobato transform a o problem a da individua­
seqüentemente, a celebração da força e da saúde.2 lidade pessoal no problem a da individualidade
N esta m esm a direção cam inha Lobato, quando, coletiva. Resolvendo desta m aneira a oposição
por exemplo, analisa a novela de J.A .Nogueira, entre o utilitarismo e a filosofia nietzschiana, a que
“A vida de La R ioja”, na qual o pessim ism o da me referi anteriorm ente — o problem a ético aqui
personagem não resulta em suicidio porque é traduzir interesses pessoais (vontade pessoal)
(...) a vulgaridade do remedio não sôa bem aos em interesses coletivos. A questão mais geral que
espíritos fortes[...] subsiste sempre um fundo sub­ estará sendo colocada é a de como Lobato concilia
consciente de resistencias em reserva. Isto explica
porque não se suicida Schopenhauer, reflorindo a ênfase na individualidade e um a política com
mais tarde, ao contrario disso, em Nietzsche, na vistas à constituição da nacionalidade, com sua
mais esplendorosa afirmação da vida (Idéias de própria ênfase em processos coletivos.4
Jéca Tatú, p. 155). Lobato está plenam ente consciente desse di­
lema, tanto que aponta a urgência de se buscar
Com o correlato desta adoção do vitalism o, cam inhos novos para o indivíduo num m undo
N ietzsche norteia a crítica de Lobato à razão, que tende para a massificação. N o entanto, o faz
esboçada desde 1906: subordinando a questão ética, um a ética individu­
(...) [q]ue é que chamamos felicidade senão a alista, ao problema prático em que entram em jogo
perfeita harmonia entre corpo e alma, o perfeito interesses coletivos Deste modo, na construção da
funcionamento de ambos - a direção da vida entre­ idéia de homem e sociedade norte-americanos, o
gue aos instintos ou a vozes misteriosas do nosso prognóstico de Lobato já está presente no diag­
ignoto? Nunca entregue à razão. A razão é uma nóstico: ao prever o fim do indivíduo na América,
coisa cheia de padres e bispos, de professores e
filosofos, de tiranias e sedimentações de vontades como parte da tendência da sociedade industrial,
alheias (A barca de Gleyre ,v.l, p. 127) ele conta com um a concepção de força que desin-
dividualiza os membros daquela sociedade.5Para
Porém, o que tem em vista é um a teoria da isto, a principal operação que realiza será a de
Vida Perfeita, um a busca do equilíbrio: converter a idéia de indivíduo, central na filoso­
fia de N ietzsche, nas individualidades históricas.
(...) escuto a voz do corpo e a voz do espírito e E, de m odo correlato, converter um a questão de
ponho a Vontade ali de pé, muito solícita, para dar
estilo pessoal na de identidade nacional.
às duas vozes tudo quanto elas pedem (idem)?
Por outro lado, de m odo coerente com a na­
Esta é a segunda via de incorporação de N iet­ turalização da força que promove, Lobato une o
zsche, na qual se m anifesta o irracionalism o do voluntarism o irracionalista de N ietzsche a um
filósofo. voluntarism o coletivista o que torna problem á­
Em terceiro lugar, N ietzsche estará no centro tico atribuir a ele o desejo de form ulação de um
de sua preocupação com a form ação de um estilo projeto de desenvolvim ento nacional, dada sua
literário e artístico próprio: crença na irracionalidade dos processos coletivos.
Assim, o voluntarism o de Lobato não é de tipo
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individualista, o que fica explícito em sua crítica ca — a presença das teorias deterministas (“U m a
aos futuristas: criatura nascida e desenvolvida aqui não pode ser
igual aos demais seres humanos. H á de ser m ais” .
Formamos, os escritores, uma elite inteiramente América, p.255.) não é contraditório com a idéia
divorciada da terra [...] o público não os lê porque de homem norte-am ericano indissociavelm ente
não lhes entende mais as idéias nem a língua. O
resultado da campanhafuturista irá apressar opro­ ligada às noções de força (Lobato repetidas vezes
cesso de unificação entre línguafalada/escrita. [Mas demonstra ver o homem americano como um hér­
isso] “[n]ão é obra de um homem, nem de um grupo. cules, um titã).6 E quando Lobato fala de Henry
E obra do tempo e do povo (Na antevéspera, p. 112). Ford que o argumento se tom a ainda mais claro.
Ford, como portador da força natural comum a
E o sentido como Lobato trabalha com a idéia todos os americanos, é o protótipo de um a natu­
de um a vontade coletiva parece bastante próximo reza hum ana em sua expressão livre, voluntária.
da vontade orgânica de Tonnies, para quem Tal qual os bárbaros de que fala N ietzsche em
(...) é a vontade profunda do ser, aquela que ex­ Genealogia da moral, prescinde de modelos,
pressa a espontaneidade e o movimento da própria prescinde até de Lincoln.
vida. Como tal, é a fonte de toda criação e de toda O Lobato crítico da razão e o Lobato adepto
originalidade individual [...] Tendo sua origem no do vitalism o, e em busca de um a individualidade
passado, é motivada e evidente, manifestando-se essencialm ente original, estão unidos neste resu­
no prazer, no hábito e na memória (Freund, p.211). m o de biografia, escrito em 1926:
Evidentem ente, Lobato não chega a form ular [Ford] Nasceu mecânico e jamais trocou o estu­
tais conceitos, nem a defender a com unidade do direto das coisas pelo estudo falaz dos livros.
contra a sociedade, que, como sabemos, é o caso Educou-se a si mesmo e vem disso grande parte
de Tônnies, como pelo contrário, dada a inter­ da sua vitória. Quem entope a mioleira com a vida
venção de seu utilitarism o e, creio, tam bém por morta dos livros, é inábil para bem compreender
a vida viva das coisas humanas. Olhava com seus
um a avaliação da debilidade da nossa “vontade olhos, pensava com seu cérebro, fazia com suas
de força” , a “vontade reflexiva” deveria passar mäos'XPrefácio a “Minha Vida e Minha Obra”, p.
comandar o processo social, tal como verificamos 64, grifo meu).
em “A Grande Ideia”, onde ele afirma que
Esta atitude de um Ford tinha como funda­
(...) progredir, hoje, é menos encher a caixa dos
bancos ou o pé de meia plebeu do que aperfeiçoar, m ento algo que percebera com o essencial em
cultivar o cerebro. Só esta culturafornece indestrutí­ um artigo de 1932, quando Lobato com entava a
veis bases economicas [...]0 nosso magno problema idéia de Cicinato B raga sobre a possibilidade de
é, pois, o homem, o cerebro. E como a escola é o que extração do azoto do ar:
ofaz e o refaz, o nosso magno problema se reduz a
escolas (Na antevéspera, pp.215 e 220). Se tivermos espírito de iniciativa,7se aquelaflama
que chameja no cerebro norte-americano ardesse
Se em nosso caso, resta a saída artificial, em tambem no nosso, em vez de estarmos aqui a brunir
contrapartida, conform e sugeri, em América, a cidade para regalo do real olho de SM Alberto,
estavamos a armar turbinas nos despejadouros
Lobato localiza um a única fonte, a natureza, para do rio Paraná. E dentro de um ano, com todos os
a força do homem americano, sendo que esta pode problemas resolvidos, olharíamos d ’alto para a
ser representada tanto pelas “virtudes troglodí- soberba, ex-perfida albioon, e daríamos boas gar­
ticas”, que com põem algo como um a natureza galhadas quando nos falassem do milhardarismo
hum ana em estado puro e outra, “a força moral yankee (Na antevéspera, p.310, grifo meu).
de um Lincoln”, produto da interação daquela “Espírito de iniciativa” que significa vontade
natureza com a civilização. de poder, e de que dependem as realizações m a­
Eu me acho capaz de escrever para os Estados teriais, é um atributo am bicionado por Lobato
Unidospor causa do meu pendor para escreverpara não para um ou alguns - aqui, ele fala na prim eira
as crianças. Acho o americano sadiamente infantil pessoa do plural - mas para a sociedade brasileira.
(A barca de Gleyre, v. 2, p.293). N esse sentido, para entender este salto, da atitude
individualista de um Ford para qualidades perten­
Isto porque: centes ou necessárias a um povo, encontramos
O lindo da criança, o ultra lindo das crianças na literatura um a referência a um a experiência
está em que são naturais. Com o crescer mete-se histórica que procurou
a educação a fazer do animalzinho natural o ani-
malejo social. Educar vale dizer socializar, isto é, (...) conciliarpressupostos nietzschianos, a ênfase
artificializar. Daí a estupidez adulta. Educação... na individualidade com a necessidade de conduzir
Meio de arruinar a exceção em proveito da regra, uma política coletiva e nacional com uma tendência
disse Nietzsche. Meio de destruir a coisa única que burguesa para incorporá-la numa moldura coletiva
dá valor - personalidade, individualidade. Mas... e nacional (Aschheim, 1992, p. 116)
(América, p. 211).
O que se traduziu num a tensão pois, na verda­
Assim, o argumento desenvolvido em Améri­
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de, este não se constituía num problem a nietzs- visão de sociedade norte-am ericana fundada na
chiano, ou seja, para N ietzsche a “personalidade idéia de força . Cabe-m e agora exam inar mais
autônom a era posse de poucos e seria um grande detidam ente esta hipótese, confrontando-a com
erro generalizá-la” (idem, p. 117). Aschheim, em o que chamarei de a Am érica do espírito, quando
sua análise sobre as várias interpretações pelas Lobato assume um a perspectiva de análise que
quais passou o pensam ento de N ietzsche na A le­ parece dificultar a constituição de um m odelo de
manha, associa àquela preocupação ao “Youth sociedade a ser incorporado.
M ouvem ent” .8
A transição efetuada por Lobato da individuali­ Cada vez me sinto mais americano. Tudo na Amé­
dade à coletividade9 parece, então, se resolver no rica me interessa, e se leio coisas antigas daí, ou
sentido semelhante ao desse m ovim ento alemão, vejo desenhos antigos, como os vistos nas revistas de
livros que me tens mandado, sinto uma tal saudade...
resultado de um a leitura de N ietzsche em que a Creio que na última encarnação fui americano. Ou
fui americano em muitas encarnações. Uma gravura
(...) se a personality tiver realmente importância,, antiga daqui não me diz nada. Um aspecto qualquer
a raça futura não poderia existir numa isolada doAlden Pond, de Concord, da velha Charleston ou
auto-absorção; ela teria que estar integrada numa da Filadélfia do Velho Penn me comove. Estranho,
comunidade. A realização pessoal nietzschiana foi isto. Tão estranho que só me explico como efeito
portanto dissolvida [por este movimento] na nação. de vidas anteriores passadas aí. Comprova isso o
[...] Uma cultura saudáveF, ou, seu principaljornal fato de que o que me interessa nos States (é) ser o
proclamava, “uma vida nacional saudável, precisa país antigo, dos trails, dos wagons, dos salloons de
de uma devoção dionisíaca (Aschheim, 1992, pp. Denver. Um romance de Alencar ou Macedo não me
117 e 119). acorda coisa nenhuma na alma; já os livros de Jack
London, de Melville e mesmo os de Mark Twain com
Confirmando m inha suposição de que, em re­ cenas do Mississipi bolem comigo. E minha fúria
petrolífera e ferrífera talvez não passem de ecos
lação a Nietzsche, M onteiro Lobato dem onstrou
(Cartas escolhidas, v.2, p. 216).
ter sido sempre um excelente discípulo (“N unca
o li totalm ente, de mêdo de assim ilá-lo demais e O interesse de Lobato por esta A m érica “não
tornar-m e nietzschiano” [Conferências, artigos convencional”, tom a-se surpreendente se o con­
crônicas, p.223]),10verem os que, em América, é frontam os com a idéia de força, fundam ento de
efetuada operação semelhante à desse movimento sua narrativa, quase sem pre elogiosa, de um a
alemão: os Estados Unidos, em vez de ponto final m odernidade radicada na idéia de progresso,
de um processo evolutivo de caráter universal, são em busca de riqueza e poder, um a sociedade da
(como coletividade e nacionalidade) um a indivi­ força, em tudo oposta à com preensão da América
dualidade única. Conforme veremos, a principal como associada a orientações no sentido da per­
conseqüência disto é que, de form a coerente com manência, estabilidade e agrupando em torno de
o irracionalism o nietzschiano, Lobato percebe si as noções de cultura e tradição.11 Confirmando
o quão problem ático será vê-los como m odelo a hipótese das “ duas A m éricas” , a referência
a ser copiado, ou seja, os EU A não são apogeu sem mediações entre a A m érica do passado e o
da racionalidade. C aberá então, considerá-los abandono de sua “fúria petrolífera”, no texto que
como referência, como form a e não exatamente acabei de citar, estaria claram ente indicando a
em seus conteúdos, o que nos leva a crer que sua passagem de uma concepção d e Am érica da força,
A m erica da fo r ç a seja na verdade o resultado de produto de seu voluntarism o, para &Am érica do
um a estilização do real. espírito, produto de um desejo de com preensão
O modo de incorporação de N ietzsche por L o­ do significado, do sentido daquela sociedade.
bato parece ter, portanto, um alcance mais amplo, Assim sendo, Lobato com põe um a visão de
configurando tam bém a relação deste últim o com A m érica peculiar. D ados os atributos de sua na­
a Am érica da força. tureza e de sua cultura, os EU A preservaram vivo
aquele ímpeto original não generalizável, excluin­
do um a única via, um único movim ento global
A A m érica que Lobato nos apresenta é fruto em direção à racionalização e à burocratização
de um certo ponto de vista que, inevitavelm en­ contínuas. D oravante, passa a com partilhar do
te, traz em si um a avaliação. Am erica e alguns espectro de preocupações do autor o m odo como
livros da obra adulta de Lobato expressam um os valores tradicionais deveriam ser incorporados,
posicionamento, em geral positivo, diante daque­ o que dará outra feição ao ideal lobatiano de cul­
la sociedade, e, por conseguinte, o objetivo de tura, cuja prim azia antes estava na produtividade
exam inar em que m edida é possível que ela nos voltada para resultados e projetada para o futuro.
sirva de modelo. Teria a experiência am ericana E, tal como há duas Américas, não é singular o
algum a utilidade para nós, é a pergunta im plícita entendim ento da história e da sociedade que atra­
que percorre o texto de Lobato, qualquer que seja, vessa sua obra, ou seja, constituem perspectivas
quando se trata daquele povo e daquele país. diversas que, conjugadas, irão configurar suas
Com o vimos, Lobato procura responder afir­ visões diferenciadas de A m érica.12
m ativam ente àquela pergunta, através de um a N a A m érica da força, como poderem os ob-
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servar na passagem citada a seguir, está presente que produzira um a A m érica singular, produto da
um a certa noção de m onum entalidade,13 a partir ação cotidiana de seus membros, começa a ganhar
da qual são enfatizados caracteres gerais, capa­ destaque em sua interpretações.
zes de servir de modelo, de exemplo, para outras Creio que duas passagens ilustram a percep­
experiências nacionais. ção bem clara que Lobato tem da diferença entre
um uso abusivo do exem plo e um a utilização
pragm ática desse exemplo, seja sob a form a de
Washington é um simbolo de pedra. A historia
americana está toda ali. Basta uma visita á cidade m onum ento seja sob sua form a antiquária, e que
para que os fatos capitais da formação politico da venho aproxim ando do cotidiano, através da pre­
America se desenhem para sempre em nosso espi­ ocupação comum com as minúcias.
rito. Daí a forte reamericanização que sofrem os
americanos de visita á capital. Saem de Washington
mais americanos, mais exaltados na tremendafé em Tendes sede? No bar só há chopps, grogs, co­
si próprios que acima de tudo os caracteriza. Povo cktails, vermouths. Tendesfome? Dão-vos sandwi­
eleito para os mais altos destinos, Washington é o chs de pão alemão e queijo suíço. Lá apita um trem:
crisol mistico onde se sublima essa fé cega. From é a Inglesa. Tomais um bonde: é a Light. Cobra-vos
Washington we go home better americans’’ (Amé­ a passagem um italiano. Desceis num cinema: E
rica, p.32). íris, Odeon, Bijou. Começa a projeção: é uma tolice
francesa de Pathé ou uma calamidade da Itália (O
Já na Am érica do espírito encontra-se presente Saci-Pererê: resultado de um inquérito, p. 12-3).
um a certa visão “docum ental”,14 com sua própria
ênfase no singular, nas tradições especificamente A outra passagem mostra justam ente o inverso,
nacionais. Tanto um a quanto a outra América car­ m antendo-se com edido no uso da perspectiva
rega consigo um conjunto de term os associados: antiquária, Lobato adota não a atitude reverente
em torno da Am érica da fo r ç a estão a virilidade, e o uso indiscrim inado do que é estrangeiro, mas
os negócios, a produção artificial da vida, a racio­ uma utilização pragmática deste mesmo elemento.
nalidade instrum ental; em torno da Am érica do Conheço um que não cessa de catonizar contra os
espírito, ou “do cotidiano”, estarão associados: Estados Unidos e sua nefasta influencia na vida bra­
literatura, feminilidade, produção natural da vida, sileira. [...] No dia em que mo apresentaram estava
subjetividade e sensações. ele num bar a sorver regaladamente um ice cream
soda, muito bem posto em seu terno de Palm Beach.
M as, o uso que L obato pretende fazer da Viera da Tijuca de bonde, estivera no escritorio a
Am érica, sua utilidade para a “vida nacional” ditar cartas á datilografa, tinha falado tres vezes
encontra seus lim ites tanto na estetização15 que ao telefone e dado um pulo ao Leblon, numa Buick
constitui a A m érica m onum ental, como em seu de praça, para concluir um negocio. Depois do ice
espírito, nas coisas menores, nas quais se tropeça. iria ao Capitolio ver a Gloria Swanson na Folia.
[...] Sem a influencia do americano esse homem
M ais nietzscheano do que pretendia (“N unca o teria de via da Tijuca a pé, cavalo ou de carro de
li totalm ente, de mêdo de assimilá-lo demais e boi. Gastaria tres horas e chegaria escangalhado.
tom ar-m e nietzscheano” [Conferências, p. 223]) Sem o americano consumiria ele tres horas no
essa A m érica do espírito tam bém im porta na minimo para fazer o que fez com as telefonadas.
justa m edida de sua utilidade para a vida, mas Sem o americano teria de gastar seis horas para
a ida ao Leblon, se não morresse pelo caminho de
aqui, dada sua singularidade, aquelas m inúcias insolação. Sem o americano teria de escrever á
de que se compõem acabarão por constituir um unha suas cartas, com poucas probabilidades de
estorvo para o próprio Lobato, quando lhe dizem se fazer entendido no seu aranhol de gatafunhos.
ser im possível dar form a à A m érica (ou ao B ra­ E se acaso depois de tamanha trabalheira inda lhe
sil), constituir-se num semideus, através de sua restassem forças para tomar uma hora de teatro,
sem o americano teria de ir ver a sua beiçuda e
vontade modem izante. morrinhenta cozinheira afigura de “estrela negra”
N a verdade, em bora Lobato aprofunde e ra­ no Largo do rocio, em vez de maravilhar-se com o
dicalize sua crítica à estetização rom ântica do encanto da sereia de olhos de gata, que é a Gloria
mundo, quando concebia a A m érica da fo r ç a , Swanson (Na antevéspera, p. 197).
ele não deixava de operar com um a vontade es-
tetizante. (“ O ferro esponja, Rangel! Eis a beleza O que norteia esse m ovim ento de Lobato na
suprem a” [A barca de Gleyre, p.312]). Se seu direção do pragm atism o é a preocupação com o
pensam ento se coloca contra a visão rom anti­ presente e a form ação da nacionalidade; seja em
zada de nossos bacharéis, contra um a literatura 1916, com a “urgência em resgatar o elemento
preocupada com “o chazinho que beberica no nativo brasileiro, fosse ele um papagaio, cur-
A lvear”,16 a estrutura polifônica com que conce­ rupira, macaco, bicho preguiça, tico-tico ou o
be América tanto reitera a crítica à estetização ...saci “(Inquérito, p.64), seja em 1933, quando
rom ântica do m undo,17 como abre cam inho para ainda procura contra os “nossos bucolizantes”
um a autocrítica (não serão poucas as referências à desvencilhar-se de um olhar arm ado pelo es­
sua própria ingenuidade, vide subtítulo de Na an­ trangeiro, tom ando-se capaz de transm itir a “ [a]
tevéspera: “Reações mentais de um ingênuo”)18 sensação da m ata virgem, a inicial, a envolvente,
e isto precisam ente quando a “visão docum ental” a sensação a que todas as mais se ligam, como
CONFLUÊNCIAS - REVISTAINTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO-PPGSD-UFF - página 08

as cam biantes se ligam ás cores fundamentais, é Trata-se de um a visão evolucionista que pro­
única e inesquecível” (Na antevéspera, p.259). cede segundo o m étodo nietzschiano de destruir
Assim, o modo como Lobato vê a incorporação para criar:
das tradições, a partir de um a perspectiva pragmá­ N este sentido, as idéias verdadeiras não se
tica da história,19term ina por apresentar a m oder­ m antêm em virtude de sua antigüidade mas de
nidade ianque como um m ovim ento de ruptura sua tradução de sentimentos e m anifestações co­
com o passado. “Corromper, Mr. Slang, não será letivas. D iante das “intrépidas m anifestações do
um sinônim o colérico de evoluirT \ América, am ericanism o”, a atitude dos “verdadeiros gran­
p .58). Essa ruptura não supõe entretanto partir de des homens do país” (que produzirão o Nietzsche
um a tabula rasa. “O que foi, foi. D eixou os seus am ericano por ele aguardado) deveria ser “ costas
residuos positivos em nosso im o com o material voltadas para a Europa e berros dionisíacos na
para a construção do A m anhã” (idem, p.260). boca” (idem).
E deste futuro20 portanto que se retira os Com o acabamos de ver, essa dialética entre a
critérios para julgar criticam ente o passado, um preocupação com a permanência, com a dura­
passado que, entendido como civilização, deve ção, visível na identificação que estabelece entre
ser superado para dar lugar a novas formas (idem, perpetuar e glorificar,22 e a preocupação com a
p. 102, 105). O arranha-céu é então a nova forma mudança im porta em que o entendim ento de
para um novo conceito de habitação. A m archa Lobato sobre os móveis do progresso sofra da
para frente em m atéria de arte, realizada na A m é­ m esm a ambigüidade, ora operados por um prin­
rica, está calcada num a atitude de “desrespeito cípio de destruição criadora, ora por resquícios
barbaresco, cujo alcance não pode ser com preen­ do passado como “resíduos positivos em nosso
dido de longe [da perspectiva européia]” (idem, im o” constituindo “material para a construção do
p .121). A m anhã” {idem, p.260).
Evidentem ente, encontramos na obra de L o­
bato um a crítica à sociedade industrial. O meu
A arquitetura limita-se a ser a arte de construir
honestamente [autenticamente ou de acordo com ponto, porém, é que essa crítica é mais extensa,
sua natureza ou essência que é a funcionalidade], pois encontra-se aplicada à própria civilização em
logicamente, sem vergonha, sem pretensão ou sub- seu todo. Por outro lado, o enigm a da existência
serviencia para com as formas do passado que já sim ultânea de um a crítica à sociedade norte-
não se coadunam com a vida moderna (idem, p. 155). -am ericana e o nascim ento de um a civilização
natural nos Estados Unidos resolve-se com a in­
Lobato é prolixo ao afirmar (e aprovar) essa re­ corporação da idéia de duas Américas. Ou seja, se
lação pragm ática dos am ericanos com os valores não distinguirmos as duas visões de Lobato sobre
tradicionais; além das que já foram apresentadas, a A m érica não entenderem os porque os Estados
há várias outras dem onstrações em Am erica. Por Unidos podem vir a ser a fonte de criação de um a
exemplo, a relação de afinidade que Lobato es­ nova sociedade.
tabelece entre as linhas helénicas e o caráter de Assim, o que cham o a A m érica do espírito
Lincoln. E certo que viria do passado sua força é tam bém o resultado de um a visão irônica de
moral. M as, independentem ente de sua origem, Lobato a respeito da A m érica da força. O futuro,
transform ado em puro símbolo (herói ou semi­ com preendido sob o signo da força, embora tenha
deus), Lincoln torna-se também fonte inesgotável sido experimentado, tom a-se um a saudosa utopia
da nacionalidade. Assim, ao invés de ocorrer uma a partir do m om ento em que se verifica sua im ­
rarefação dos valores tradicionais com a conso­ possibilidade de realização em terras nacionais.
lidação da racionalidade cap italista,21 tem -se, Faz sentido, portanto, que ele abandone um
sim ultaneam ente à crítica desta racionalidade, o voluntarismo da ação, com seu ímpeto estetizante,
resgate daqueles valores, através de um consu­ e adote um a postura voltada para a pedagogia,
mo que não im plica em perda, em desgaste do através de sua literatura infantil, contribuindo
objeto. “Consom e-se Lincoln com o se consome dessa form a para a obra coletiva que é a feitura
‘hot-dog’. Consome-se George W ashington como da sociedade.
se consome sorvete”(A m érica, p.33). Há, neste P o r conseguinte, in terp reto o pessim ism o
caso, obediência à um etos, pois Lincoln, George de Lobato com o estritam ente relacionado à sua
W ashington são fontes de valores, mas ao mesmo vontade de estetizar a realidade (as tentativas re­
tempo, dada a intim idade profana com que os formistas dos personagens - refiro-me à Reforma
am ericanos os tratam, eles são pragm aticam ente da Natureza e à A chave do tamanho - são m al­
utilizados com o objetivo de torná-los signos de fadadas), à possibilidade da vontade de im por um
força moral. projeto utópico, do qual faz parte a A m érica da
Defato é assim tudo na America. Evolução a galo­ força. Por outro lado, este pessimismo desvincula-
pe, mas sempreprocurando conciliar asformas [não -se da crença na possibilidade de que a sociedade
a essência, o espírito] do passado com a essencia do conduza sua própria transform ação, da crença no
presente. [..JA coragem dasformas novas não vem espírito criador dos seus membros, que se revela
de chofre. Leva tempo a formar-se (idem, p. 105).
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO-PPGSD-UFF - página 09

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CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 10

NOTAS imagem de América masculina, baseada na força que


produz resultados materiais e outra feminina, que atua
1 Se o interesse por Nietzsche na Europa está no plano mais abstrato da própria força vital.
orientado por uma revolta contra o positivismo e o
materialismo, uma rebelião geral contra a burguesia 8Aschheim se refere ao movimento contracultural
liberal, pela descoberta do inconsciente, configurando surgido na Alemanha na primeira metade do século,
um a era do irracionalismo e do neo-romantismo, e da cuja natureza regeneradora, antidecadentista, e cujo
emergência do modernismo (Cf. Steven Aschheim, naturalismo, de modo semelhante a inúmeros outros
1992, p. 12), veremos que os motivos de Lobato serão que povoaram a Alemanha Imperial antes da primei­
em certa medida opostos, ou seja, positivista e materia­ ra guerra, expressavam ironicamente uma época de
lista, liberal e burguês, em luta contra o romantismo e rápida industrialização.
contrário ao modernismo nas artes plásticas e visuais.
9 Cf. Na Antevespera, quando comenta os bene­
2 O eugenismo de Lobato é reforçado pela atmos­ fícios que o direito de secessão traria (não só a São
fera social-darwinista da época. Ver Hofstadter, 1963, Paulo) aos povos: “o [benefício] de se agruparem
p. 82. as populações ao sabor das suas personalíssimas
exigencias vitais, e não como no passado ou hoje,
3 Lobato parece aqui antecipar a preocupação in­ ao sabor dos interesses políticos da ficção “estado”,
telectual da década de 20 — Auerbach é um exemplo de acordo com planos preconcebidos pelas dinastias
- de definir a “autenticidade” como unidade corpo ou pelo critério ideologico dos estadistas.” (p.210).
- espírito. Gumbrecht, Hans Ulrich, 1994, p.98.
10 Em 1907, escrevia a Rangel: “Quanto a Niet­
4 Em Idéias de Jéca Tatú, por exemplo, Lobato zsche , meu conselho é que passes por ele a galope
trabalha com tal conversão do estilo pessoal para no cavalo da tua inteligencia; no rabo desse cavalo
o coletivo. “Não ter cara é um mal tamanho que amarrarás o iman do teu temperamento, de modo que
as cidades receosas de cria-la propria importam na galopada o iman só atraia, só aproveite, só chame,
mascaras alheias para fingir que tem uma” (p.24). aquilo que te convier e que, portanto, te virá aumentar.
“Nossas casas não denunciam o pais. Mentem á terra, Se o forças a atrair o que te parece bom, bonito, util,
ao passado, á raça, á alma, ao coração. Mentem em embora não seja essa a opinião do teu temperamento
cal, areia e gesso, e agora, para maior duração da ficas abarrotado, mas não aumentado.” (A Barca de
mentira, começamos a mentir em cimento armado .” Gleyre, v. 1, p. 162).
(p. 25). E conclui, citando povos capazes de indivi­
dualidade (holandeses, ingleses, japoneses, chineses, 11 Essa coexistência do tradicional e do moderno já
americanos) (p.26). fora notada, ainda que referida ao contexto bastante
preciso da crítica de arte, por Chiarelli, para quem
5 Além das referências em America (cf. Capítulo Lobato apóia sua crítica do modernismo nos cânones
XXXII), Lobato comenta em carta a Alarico Silveira tradicionais do naturalismo e, inversamente, num
[ na época, 1928, chefe da casa civil de Washington segundo momento, recorre, ao que nele constitui argu­
Luís] que sem o ferro os norte-americanos acabariam mento mais freqüente, à crítica do passado na defesa
chininizando-se, ou seja, ao invés de um a massa rica, da modernidade. Segundo Chiarelli (1995), trata-se,
seriam uma massa pobre (Cartas Escolhidas, v. 1, em Lobato, de uma crítica simultânea e recíproca à
p.235). tradição e ao moderno. A meu ver, a dualidade é cons­
titutiva do pensamento de Lobato; conseqüentemente,
6 C f America, pp. 50 e 254. a observação de Chiarelli faz sentido, com a ressalva
7 Esse espírito de iniciativa, empreendedor, do de que nem sempre sua referência ao passado pode
qual a América é o paradigma estaria, num primeiro ser taxada de tradicionalismo. Ver, por exemplo, sua
momento, associado às imagens viris construídas em
admiração pelo programa de rádio “Amos and Andy”
ao qual qualifica como “obra d ’arte que vive e que
tom o do dinheiro, por oposição às imagens femininas
associadas à literatura. “— Como vai ser? Perguntou todos os dias por quinze minutos impregna o ar, donde
Pedrinho voltando-se para Narizinho. Como iremos é captada pelos milhões desses receptores que estão
abrir o nosso poço, se estamos completamente lim­ dando um sexto sentido ao americano’XAmerica,
pos de capitais?—Isso é lá com você que é homem, p. 113). Esta arte de massa possui uma verdade, já
respondeu a menina. Dinheiro é assunto masculino que é fruto da pesquisa, da observação da realidade.
- arrume-se.” {O Poço do Visconde, p. 71). A mulher 12O argumento passo a expor transpõe para Lobato
americana, ao se profissionalizar como escritora, se os conceitos de monumento, antiquário e crítica tal
tom aria um “bipede que se por fora ainda usa saias, como os desenvolve Nietzsche (1985), quando postula
por dentro é toda calças masculinissimas ”(Mundo os benefícios e os prejuízos causados à vida, respec­
da Lua e Miscelanea, p. 159). No âmbito de sua vida tivamente, pelo uso e pelo abuso das três espécies de
privada, vemos Lobato escondendo da mulher e dos história, a monumental, a antiquária e a crítica.
filhos sua falência na bolsa. Essa cisão entre masculino
e feminino reforça a idéia da ambivalência entre uma
CONFLUÊNCIAS - REVISTAINTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO - PPGSD-UFF - página 11

13 "O f what use, then, is the monumentalistic con­ ,1994b, p.127.


ception o f the past, engagement with the classic and
rare o f earlier times, to the man o f the present? He 18Tendo amenizado seu voluntarismo, ele o substi­
learns from it that the greatness that once existed was tui por uma visão de si, marcada pela ironia: "S.Paulo,
in any event once possible and may thus be possible 10/5/1947. Prezado Sr. J.Henriques. Recebi a sua
again: he goes his way with more cheerful step, fo r the carta de 2 deste, na qual me pede um verdadeiro
doubt which assailed him in weaker moments, whether ‘compte-rendu 'da minha vida em beneficio da obra a
he was not perhaps desiring the impossible, has now publicar-se Os Grandes Vultos do Brasil ’. Respondo
been banished. [...] and yet to learn something new declarando que, em sã consciência, não posso atendê-
straightawayfrom this example how inexact, fluid and -lo: mas se por acaso a empresa Histórica Nacional
provisional that comparison would be! How much houver, por bem, um dia, dar a público uma obra
o f the past would have to be overlooked i f it was to que muitíssima falta nos faz. Os Grandes Idiotas do
produce that mighty effect, how violently what is in­ Brasil ’, terei o máximo gosto em responder a todas as
dividual in it would have to be forced into a universal perguntas e até tomarei a liberdade de insistir para
mould and all its sharp corners and hard outlines que me coloque num dos primeiros lugares. Com a
broken up in the interest o f conformity! [...] Until that maior estima e sensibilizadíssimo pela honra que me
time [em que a singularidade estiver predeterminada] fez considerando-me 'vulto ', assino-me cordialmente
monumental history will have no use for that for that Monteiro Lobato" (Cassiano Nunes, 1998, p.9).
absolute generalities, in making what is dissimilar
look similar; it will always have to diminish the di­ 19 Essa perspectiva é semelhante àquela dos ho­
fferences o f motives and instigations so as to exhibit mens históricos, àquela que "looking to the past impels
the effectus monumentally that is to say as something them towards the future andfires their courage to go
exemplary and worthy o f imitation, at the expense o f on living and their hope that what they want they will
the causae: so that since it as far as possible ignore still happen, that happiness lies behind the hill they
causes, one might with only slight exaggeration call it are advancing towards" (Nietzsche, p.59).
a collection o f effects in themselves ', o f events which 211" 0 passado não mede, não define, não traduz o
will produce an effect upon future ages" (Nietzsche, que criamos de novo" (America, p. 160).
p.69-70)
21 "Quando o ascetismo [ exercido como conduta
14 Estarei aproximando esta visão documental de racional baseada na idéia de vocação] foi levado
Lobato da perspectiva da história antiquaria de Niet­ para fora dos mosteiros e transferido para a vida
zsche, cujo interesse está em "to preserve for those profissional, passando a influenciar a moralidade
who shall come into existence after him the conditions secular, fê-lo contribuindo poderosamente para a
under which he himself came into existence - and thus formação da moderna ordem econômica e técnica
he serves life [...] The trivial, circumscribed, decaying ligada à produção em série através da máquina, que
and obsolete acquire their own dignity and inviolabi­ atualmente determina de maneira violenta o estilo
lity through the fact that the preserving and revering de vida de todo indivíduo nascido sob esse sistema,
soul o f antiquarian man has emigrated into them and e não apenas daqueles diretamente atingidos pela
there made its home" (idem, p.72). aquisição econômica, e, quem sabe o determinará
até que a última tonelada de combustível tiver sido
15 O efeito estetizante produzido pela perspectiva
monumental aproxima-a da invenção poética e da
gasta'' (Weber,1985, p .131).
ficção mítica porque derivam do mesmo estímulo, o 22 "[Estes são] termos que se eqüivalem. Gloria,
de valorizar o efeito em detrimento das causas (Niet­ afinal de contas, éficar na memoria dos homens, seja
zsche, p. 70). como santo, seja como aquele inteligente Erostrato
16 Para ele tratava-se de compreender a sua verda­
que incendiou o templo de Diana em Efeso [pois
deira missão, pois "a epopeia, a tragédia, o drama e celebrizou-se]” (idem, p.98).
a comedia do café serão os grandes temas de quantos
sentirem em si a fagulha divina. Hoje, coitadinha,
anda ela tão entretida com o seu chá das cinco, com
rodopios em torno de meninas histéricas, com a cintu­
ra dos almo fadinhas, com as escorrencias mercuriais
que o francês nos exporta, que é bom, mesmo, não
se meta a estragar com mãos de mico o nobre tema"
(Onda Verde, p.5).
17A estetização do mundo promovida pelo roman­
tismo europeu centrava-se na valorização da figura do
sujeito que converte o mundo, as diferentes experi­
ências em "motivos estéticos cuja única finalidade é
despertar seu p raz e r’. Cf.

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