IVAN SANT'ANNA – BURRICE GLORIOSA 05 DE MARÇO, 2018
Caro leitor,
Após o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro
de 1941, os Estados Unidos declararam guerra ao Japão, como não podia deixar de acontecer.
Sendo os japoneses integrantes do Eixo, junto com a Alemanha
e a Itália, Hitler fez o mesmo com os Estados Unidos. A Segunda Grande Guerra tornou-se de fato uma Guerra Mundial.
Como o front europeu se expandira, ao sul, até o norte da
África, para chegar lá, levando tropas, armas, munições e equipamentos dos mais diversos, os americanos necessitavam ter uma base na América do Sul, onde seus aviões a caminho do continente africano pudessem fazer uma escala técnica de reabastecimento.
O local escolhido foi Natal, no Rio Grande do Norte, um dos
pontos sul-americanos mais próximos do teatro de guerra no Saara. Só que, para isso, o presidente Roosevelt precisava do consentimento de Getúlio Vargas. O encontro dos dois estadistas aconteceu na própria cidade de Natal, em janeiro de 1943. Getúlio, que pendera ligeiramente para os nazistas, quando tudo indicava que estes iriam vencer a guerra, agora abria os braços para os americanos. Mas não cedeu a base de graça. Pediu uma contrapartida: a construção de uma usina siderúrgica no Brasil. 2
IVAN SANT'ANNA – BURRICE GLORIOSA 05 DE MARÇO, 2018
Naquela época fabricar aço era coisa de país grande,
desenvolvido, tal como a Alemanha, o Japão, a Grã-Bretanha e, é claro, os Estados Unidos, onde as duas maiores usinas, United States Steel e Bethlehem Steel, ficavam na Pensilvânia, sendo a a US Steel, em Pittsburgh, o mais importante complexo siderúrgico do mundo.
Passaram-se os anos e, aos poucos, a siderurgia deixou de ser
exclusividade dos países ricos. Além do Brasil, outras nações em desenvolvimento, como a China, a Coreia do Sul, a Índia e a Turquia, tornaram-se grandes produtoras e exportadoras do produto.
A partir do final dos anos 1970, a US Steel e a Bethlehem Steel
foram perdendo a competitividade, iniciando um processo de decadência. Contribuíram para isso o alto custo de mão de obra e sindicatos metalúrgicos fortes. Não dava para concorrer, por exemplo, com a Usiminas brasileira e a Tata indiana. Agora a economia americana sobressaía principalmente nos setores de serviço e de alta tecnologia.
Vieram então as eleições presidenciais de 2016, nas quais o
candidato Donald Trump surgiu com a bandeira nacionalista “Let’s make America great again”. Seu discurso incluía reavivar setores como o de exploração de carvão e o siderúrgico.
A Pensilvânia, na qual os candidatos democratas venciam
desde 1988, deu 20 votos no colégio eleitoral para Trump e zero para Hillary Clinton, uma vez que no estado todos os votos populares vão para o candidato mais votado: “The winner takes all”. Entre outras razões, o republicano venceu com os votos dos desempregados da indústria siderúrgica. 3
IVAN SANT'ANNA – BURRICE GLORIOSA 05 DE MARÇO, 2018
Para cumprir sua promessa, Trump acaba de impor uma tarifa
aduaneira de 25 por cento sobre o aço importado pelos Estados Unidos. Só que os compradores norte-americanos do produto estrangeiro irão repassar o acréscimo de preço aos consumidores. O mesmo acontecerá no setor americano de alumínio, também protegido por Trump na semana passada através da imposição de uma alíquota de 10 por cento sobre as importações.
O curioso é que esse protecionismo de Donald Trump é
próprio de uma plataforma democrata. E mesmo esse partido não impõe suas medidas com o tom de deboche do bilionário fanfarrão.
“Guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”, disse ele.
Jimmy Carter, por exemplo, o democrata plantador de
amendoins da Georgia que venceu a corrida presidencial de 1976, dizia em sua campanha:
“Os americanos têm dois carros na garagem. Um está parado
por causa do custo do combustível (que vinha subindo desde 1973). O outro é japonês.”
Carter não se reelegeu, embora sua derrota para o
republicano Ronald Reagan nada tenha tido a ver com protecionismo. Seu insucesso eleitoral se deveu principalmente a uma tentativa fracassada de resgatar reféns americanos presos na embaixada dos Estados Unidos em Teerã, no Irã, que deixou oito soldados mortos no caminho (explosão de helicópteros no deserto) e não libertou nenhum dos prisioneiros. Nem mesmo chegaram perto da capital iraniana. 4
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Desde seu discurso de posse, Reagan se mostrou
antiprotecionista, numa atitude tipicamente republicana. Sua mensagem foi clara:
“As empresas que não se enquadrarem nas práticas
comerciais modernas e não aumentarem a produtividade vão quebrar. E o governo nada fará a respeito disso”.
Foi o início da Reaganomics, logo seguida na Grã-Bretanha
pelo Thatcherism de Margaret Thatcher, com resultados esplêndidos, tanto para os dois países, como para o mundo.
No Brasil também tivemos um presidente extremamente
protecionista, embora sua postura de discrição tenha sempre sido a oposta da do exibido Donald Trump. Refiro-me ao general Ernesto Geisel, penúltimo dos governantes do período militar (1964-1985).
Quase todas essas estatais com sedes faraônicas foram
incentivadas por Geisel. Ele criou reserva de mercado na área de informática, que atrasou o desenvolvimento do País em mais de uma década.
O general Geisel rompeu o acordo militar com os Estados
Unidos. Quis dinamizar o comércio do Brasil com países da África, em detrimento das nações desenvolvidas.
Cada qual a seu modo, Geisel e Trump se parecem no trato
da lógica do comércio. Um praticou e o outro está praticando o protecionismo burro. Por isso, se conclui que a burrice não é de direita nem de esquerda, não é democrata nem republicana, não é militar nem civil. 5
IVAN SANT'ANNA – BURRICE GLORIOSA 05 DE MARÇO, 2018
Como dizia o maior filósofo brasileiro de todos os tempos (é
óbvio que estou me referindo a Nelson Rodrigues):
“Invejo a burrice porque é eterna”.
Ou o economista e pensador liberal Roberto Campos:
“A burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro
promissor”.
Só duvido que os dois gênios (Nelson morreu em 1980;
Campos, em 2001) pudessem, mesmo em seus piores pesadelos, imaginar que os Estados Unidos da América viessem a ter um néscio caricato na presidência, governando o país mais rico do mundo através de impulsos inconsequentes.
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