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JOAO JOSE REIS ¢ EDUARDO SILVA NEGOCIAGAO E CONFLITO A RESISTENCIA NEGRA NO BRASIL ESCRAVISTA INTRODUCAO (© personagem central deste livro & 0 escravo, O enredo é sua resisténcia permanente a ser um mero objeto nas malhas osistema, B a historia de homens e mulheres vivendo os seus ry ‘O primeiro capitulo diseute as limitagdes dos estudos que ‘fom a escravidao como um sistema absolutamente rigido, ‘quase um campo de concentrapfo, em que o escravo aparece como vitima igualmente absoluta; ou, ao contritio, dos es. ‘tudes que enfatizam 0 heroismo épico da rebeldia. Os es- cravos nio foram vitimas nem heréis o tempo todo, se siti ando na sua maioria ea maior parte do tempo numa zona de indefinicio entre um e outro pélo, O escravo aparentemente ‘acomodado e até submisso de um dia podia tornar-se 0 re- belde do dia sewuinte, a depender da oportunidade e das cir- cunstincias. Vencido no campo de batalha, o rebelde retor- nava ao trabalho diseiplinado dos campos de cana ou cafée a partir dali forcejava os limites da escravidio em negociagdes som fim, as vezes bem, as yezes malsucedidas. Tais nego iagtes, por outro lado, nada tiveram a ver com a vigeucia do relagies harmoniosas, para alguns autores até idilicas, entre eseravo e senhor. $6 sugerimos que, ao lado dt sempre pre- sente violéncia, havia um espago social que se tecia tanto de Darganhas quanto de conflitos. Essa abordagem que vé a es cravidio sobretudo da perspectiva do escravo, um eseravo 7 real, nfo reificado nem ‘yem ganhando corpo na historiografia bras ‘ capitulo seguinte discute um aspecto dessa resisténcia silenciosa. Em varias regides do Brasil — assim como em futras regis escravistas do Novo Mundo — os escravos fre- fqlentemente brigaram e conseguiram obter dos seuhores 0 guns eseravos puderam, 2 custa de duro empenho, acumular 0 capital necessirio para retrar-se, enquanto pessoa, do rol dos Instrumentas de produgio. ‘Além das fugase insurrecbes, a Uberdade podia ser ob- tide, ainda, através da criatividade, da inteligdnciae do azar. Alguns procuram aproveitar conjunturas favorévels, como Bento, escravo do tenente-coronel Fernando Martins Franca, {que solictou a Tesouraria Provincial do Parané empréstimo dda quantia necessdria A sua alforria, comprometendo-se, em ‘roca, a trabalhar como servente pelo tempo necessirio. ‘Outros, como Antonia, eserava de Fausto Bem Viana, esfal- favam-se em servigos extras e depositavam suas economias, de tostio em tostdo, na caderneta da Caixa Econémica. Outros, ‘como Domingos, mais confiantes na boa estrela do que em cadernetas, arriscam as economias em bilhetes de loteria e sonham com 0 prémio da liberdade. Outros, como os escravos de Morretes, agem em conjunto e, com 0 apoio do vigirio local, solicitam 0 seu quinho na esmola que © imperador era para a libertagio de escravos. Outros ainda, recorrem a ” expedientes consideradosilfitos, como 0 oubo, ou espremem ‘0 cérebro em complicados planos. A africana Rita e sua fi Tha Vicenea, por exemplo, apropriaram-se dos documentos necessios ese fizeram passar por libertas hom@nimas é fale- cidas.” A iniciativa dos eseravos revelase, sinda, quando re- correm as autoridades — seja através das irmandades do Ro- siti, que se organizam desde a era colonial, soja, mais tarde, através dos clubes abolicionistas — contra 0 arbtrio ou deso- nestidade dos senhores. A Tuta, as vezes, podia fazer-se também & moda burguesa, através de pressdes para o cumpri- ‘mento das les, Felizarda, por exemplo, recorreu ao Poder Ju- diciério contra Ana Maria da ConceigZo, sua proprietaria, ‘que pretendia abocankar as economias que ameathara para ‘comprar a propria liberdade.Jé Carlota, que pertenceu a Lino Ferreira, obteve a liberdade em Julzo conseguindo provar que ‘nha sido imporiada depois da Lei de 1831 — uma lei apenas ‘para “ings ver", como se dizia — e lutava, ainda, pela liber- taglo de seus ts filhos.” Mato tem sido revelado, rocentemente, gragas ao exame dde questbes téenicas relativas & especializagao do trabalho. [Uma das tecnologias mais complexas da época, a fabricacto ‘de scicar nfo seria simplesmente vidvel sem uma negociagio, ‘um acordo sistémico qualquer, entre senhores e eseravos. O problema foi muito bem colocado por Schwartz, em dois ‘Pontos: o isco de sabotagem, que era enorme, ea necessidade fe conhecimentos téenicos especificas. “Na producio de ‘agicar”, escreve ele, “a sabotagom era um perigo constante. Fagulhas nos canaviais, limo nas tachas, dentes quebrados nna moenda — tudo podia arruinar a safra." Na verdade, a producio agucarcra’exigia destreza e arte: “O problema nnunea se limitava simplesmente a quantidade ou a produtvi dade dos trabalhadores, mas dependia também de suas quali ages ede sua cooperacaio"." ‘Mesmo nas fazendas de café, uma atividade muito mais simples quando comparada & sgroindéstria agueareira, & Gquebra desse “acordo” provocava grandes transtornos 40s 18 propritirios. Sebastiano, por exemplo, que sempre fora um bbom pedreio, “mestre de seu oficio”, perdeu, em 1856, a — digamos — disposigto de colaborar. O proprietirio mandou espaneé-lo durante um més inteiro, fazendo de suas costas “uma chaga viva”, mas Sebastiano no se emendava. Se con tinuassem os castigos, 0 senhor sofreria o prejulzo da morte de _umeseravo especializado e, por isso, resolveu vendé-10 0 mais ripido possivel. Temendo esse tipo de reagio obstinada, o bbarao de Pati do Alferes, dois anos mais tarde, ao desativar ‘uma velha fazenda improdutiva, nfo ousou — como seria de seu interesse — dividir seus 140 escravos por todas as suas propriedades, segundo as necessidades de cada uma. Pre- feriu, ao contrério, transferi-los para um Gnico lugar, @ fa- zenda da Conceigio, porque ‘'separar aqueles escravos uns ‘dos outros e dvidi-los pelas outras fazendas, estando acostu- ‘mados a viverem juntos em familia”, explica ele ao comissério nna Corte, “seria, além de impoliteo, desgosté-los separando- ‘os deuma tribo". Fazendeiro experiente, o bardo de Pati procurava, no sé ‘culo XIX, ser polltico com seus escravos para evitar © pior. Seguia, sem o saber, a orientagdo tragada um século e meio antes por Antonl: "Os que desde novatos se meterem em al- ‘guma fazenda, nio € bem que se tirem dela contra sua von- tade, porque failmente se amofinam e morrem”."" Ou se re- voltam, como poderamos acrescenta ‘A eapacidade de opor-se aos projetos do senhor foi, al- ‘gumas vezes, muito forte, Nem sempre os poderosos senhores, ‘a seus prepostos, conseguiram, mesmo no campo estrito da ‘produgio, impor suas vontades, ritmos e interesses. No en= sgenho Santana de Mhéus, em 1753, 0s eseravos trabalhavam menos de cinco horas por dia e, quando exortados a faina, respondiam, crticando abertamente a alimentagio que rece” Diam, que « “barriga puxa o boi”. O administrador — que temia esse tipo de resposta, fugas ¢ revoltas — j mo se atreva a repreendé-lose, muito menos, acastigh-los.” 9 (GUERRA E PAZ ‘Ainda no engenho Santana de lhéus, quase quatro dé- cadas depois, em tomo de 1789, alguns escravos rebelados expressaram claramente suas posigtes através de um Tratado cde Paz. "O documento, notével a muitos ttulos”, conforme a justa avaliagio de Barros de Casto, “‘vem levantar uma ponta do véu de ignorncia que encobre a atuagio dos escravos como agentes histéricos, capazes de traduzir os seus interesses em revindicagGes e exerver pressbes no sentido da transformago do regime que os oprime.” ‘Esse documento — que se encontra no apéndice 1, no final deste volume — foi divulgadooriginaimente por Stuart B. Schwartz" e, desde entdo, tem suscitado importante debate académico, Pode-s, realmente, defender — como 0 fizeram Schwartz e Castro —, ou negar — como fez Gorender — 0 cariter “revolucionério” das propostas expressas no Tratado. Seja como for, jf ndo é possvel pensar os eseravos como meros instrumentos sobre 0s quais operam as assim chamadas forgas transformadoras da hist6ria.” Nao podemos, tampouco, pensé-los como um bloco homogéneo apenas por serem e5- cravos. As rivalidades africanas, as diferengas de origem, lingua e religito — tudo 0 que os dividia nfo podia ser apa- ‘zado pelo simples fato de viverem um calyério comum, Os insubmissos de Santana de IIhéus pretendiam jogar 0 fardo ‘maior do sistema nas costas dos negros “mina”. Mina, no documento, significa “eseravos africanos", em oposigto aos revoltosos, que eram erioulos. Perceber esta divisto é extre- mamente importante porque ela indica possbilidades dife- rencladas de negociaco: maiores para os “ladinos”, conhe- cedores da lingua e das manhas para “passar a vida"; me- nores para os aficanos recém-chegados, que ainda desconhe- ‘lama lingua eas regras, os chamados “bocais’ ‘A hist6ria da rebeldia no engenho Santana do parou a. [Nos iniios do séeulo XIX, em 1821, seus eseravos novamente

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