Está en la página 1de 138
000000000 0CCCOCC COC OOE Ménica Medeiros Kother Macedo Leanira Kesseli Carrasco Orcs.) ‘ (CON)TEXTOS DE ENTREVISTA Olhares diversos sobre a interagio humana Autores: Advana Ampessan Angels Cristina Berio Pratini Seger Blanca Susana Guevara Werlang Carolina Neumann de Barros FaleSo Denise da Cost Hausen Dale Helens Aguilar Baldo Fabia Ramos Irani de Lima Arginson Jaqueline Pocrsch Morsia = Tanice de Oliveira Casithos Vila Juliana Rausch Poree Kelly Cardoso Paim Leanica Kessel Carrasco (org) Maria Licia Teles Nunes Marts Cin Monies Medsiron Kather Macedo (org) Nédia Masia Marques Nadir Helena Sanchocene de Souna Nelson Aénis Neri Mauricio Piceoloro Ricacdo Wainer Sissi Vigil Castet “Tectnha Rech SY wt Casa do Psicdlogo” (© 2005 Casapei Livraia Editors e Grifiea Ltda £ proiida + reprodego foal ou parcial dena psbigto, pars qulquer vilisie Sem nutornte por cite dor edocs. 1 edigio 2005, Edivores Ingo Bernd Gamer e Silesia Delphine Tost Produsso Grafica ¢ Editoracte Eleenice “André Cipriano Revisfo Ortogrifica Suzana Rehmerklen & Adriane Schirmer capa André Petry Dados Inteenacionais de Catalogagto na Publicagso (CIP) Camara Brasleen do Liveo, 3, Brasil) (Gonytentos de enerevica olbares divewos sobre a incrasio humana / Maia Medeioe Kather Maced, Leni Kessel Caras, (ongninadoras) ~~ Sie Taulo: Casa do Psicolago®, 2005. Varios autores Bibliograts ISDN 85-7396-381-6 1 Bnsrevion 2 Unveagéo Social 3. Picante |. Macedo, MBnica Medcos Kother, HL. Carrasco, Leanita Kessel. Il, Tilo: Olle divers sobre a inceragéo hurnana co 05-407: 158.3 Aantices para catlogo sitemiticn: 1. Baitevtes: Paicologin aplicada 158.3, Amprewo no Brasil Prined in Brash Resenados tos o& direitos de publicacao em Mogus porcuysess 8 G6 © 1005 Caps ira Bars « Gries Lada BEE B positne epesioso)on parca des ote para ZY (iguer finlade, Todor dices reversion gaa eats, L010 fa Melee laibeSP~ Het CEP 13253-400 — Tel: (11) 4524,6997 — www.casadopsicologn.com.br APRESENTAGAO “Imagine-se que um explorador chega a uma regido pouco conhecida onde seu interésse € despertado por extensa area de rufnas com restos de paredes, fragmentos de colunas € IGpides com inscrigdes meio apagadas e ilegfveis. Pode contentar-se em inspecionar 0 que esté visivel, em interrogar ‘os habitantes que vivam nas vizinhangas ~ talvez uma populagao semibérbara ~ sobre o que a tradigdo Ih¢s fala da historia e do significado desses residuos arqueol6gicos, anotando 0 que Ihe foi dito — ¢.entio seguir viagem. Mas pode agir diferentemente. Pode levar consigo picaretas, pas enxadas e colocar os habitantes para trabalhar com esses jnstrumentos Junto com eles, pode atacar as rufnas, remover ‘6 lixo e, comegando dos residuos visiveis, descobrir o que std enterrado. Se seu trabalho for coroado de sucesso as descobertas silo “auto-explicativas”: as paredes arruinadas sio parte das muralhas de um paldcio ou de uma tesouraria; ‘0s fragmentos de colunas podem reconstituir um templo; ‘as numerosas iriscrigées, que por um lance de sorte podem ser bilingies, revelam um alfabeto ¢ uma linguagem que, ‘uma vez decifrados e traduzidos, fornecem informagio nem sonhada sobre eventos do mais remoto pasado, para cuja comemoragio 0s monumentos foram construfdos. Saxa Joquuntur!™#1* ? Considerando a Psicandlise como tcoria que sustenta a com- preensdo do Homem em um espago de investigagao, vitalizado pela curiosidade entre 0 desconhecido e o conhecido, ¢ o tran- sito. entre o sinistro e o familiar, € poss{vel acompanhar os fei- tos dessas dualidades na via da repetigao. Por meio da psicand- lise podemos adentrar um labirinto caracterizando um caminho F71Ae pers Glam!) 2 FREUD, Sigmund ~ Felologia da Hiscera (1896), AE, Vol IL F192 if SOOCHHSHOHSOHSHSHOHSHOHSHHHHOCHHHOCHHHOOCHHOOEE ‘ (Con)extos de entrees oat divenos sobre a interagéo humana ser descoberto, um enigma a ser decifrado, um espago no qual a hospitalidade se faz. necesséria. O estrangeiro dentro de cada um nao deve inviabilizar os diferentes e diversos sentidos. da palavra hospitalidade. Hospitalidade remete a uma atitude tinseca a0 proceso de desvendar 0 sinistro de nossos analisandos na clinica psicanalitica, mas também faz alusio A capacidade de escuta entre os pares, A leitura de (Con)textos de Entrevista 6 uma oportunidade privilegiada para testar a capacidade de conviver com as dife- Tengas, nos referenciais tedricos, que sustentam a escuta dos autores que se apresentam nestas paginas. O territério comum entre eles so as inquietagdes que provocam 0 encontro com 0 ‘outro: como ouvi-lo, pensé-lo, responder a isso? A partir de diferentes concepgées tedricas de como responder & demanda que 0 outro formula, os autores deste livro construfram diver- sas posigdes de escuta. Penso que é necessério situar-se em uma certa posigao em relagdo & descoberta na arqueologia do outro, posig¢ao que, independe das diferengas, porque € ética. (Con)textos de Entrevista 6 um livro escrito a partir de ex- periéncias em diversos campos profissionais, mas o que chama a atengdo, porque no € comum em nosso meio, é que os auto- res nijo trataram a teoria como dogma ¢ se colocaram distantes da pratica viabilizada como receita. Todos, cada um em sua Perspectiva, propdem que pensemos a entrevista como o recur- 50 de “escutar” o outro, tanto na especificidade como na dade de cada encontro. A complexidade de um sistema aberto prevé a fecundidade no interedmbio. As organizadoras deste livro, Leanira Kesseli Carrasco Ménica Medeiros Kother Macedo, no capitulo de abertura, sus- tentam que “a entrevista, nas suas diferentes aplicagoes, é uma éenica de interacao social, de interpenetragao informativa que- téc brando, assim, isolamento grupais, individuais, sociais; pode Manica Medeiros Kother Macedo & Leanira Keweli Carrasco (Ones) z também servir a pluralizagio de vozes e & distribuigéo demo- crdtica da infortnaga0". Marcam com a flexibilidade do pensa- tiento académico voltado para a investigago um espago para que outros colegas se pronunciem também o que pensam sobre © que fazem. Passo a apresentago de cada capitulo, antecipo minhas des- culpas aos préximos leitores deste livro; por cometer 0 deslize de permanecer, por mais tempo, nas paginas, com aqueles au- tores com quem tenho “comemorado” as descobertas valiosas na construgio legada por Sigmund Freud. Per via de pore, uma intervencao psicanalitica? Capitulo escrito por Denise Hausen evidencia 0 lugar de compromisso que ocupa em relaggo psicandlise. Leva-nos a pensar sobre as diferengas das produgées psiquicas ¢ as conseqiiéncias nas inter- vengdes do analista. Recupera a proposta freudiana, na pedra bruta escultura-se 0 conflito, ¢ per via de levare encontra’a terapéiiti- ca de acesso ao contetido recalcado: aqui, propde que pensemos em intervengdes per via de porre considerando suas inquicta- gdes com as patologias que caracterizam a clinica atual. A escuta na Psicandlise e a Psicandlise da escuta, assina- do por Ménica Medeiros Kother Macedo e Carolina Neumann de Barros Falco, € uma reflexdo. Os questionamentos, entre linhas, sobre: Em que consistem a originalidade ¢ a singulari- dade da experiéncia analitica? O que se transmite na Psicandli- se?, Como se transmite? levam-nos a pensar que a experiéncia em psicandlise no tem outro sentido: é a experiéncia que cada um retira de sua prépria andlise. Uma escolha que nao pode ser Por fidelidade, nem por prescrigao, nem por reprodugiio; “o que visa ser escutado na psicandlise resulta em uma psicanilise da escuta”. Sissi Vigil Castiel ¢ Carolina N. de Barros Falco escre- vem A implicagéo do lugar do analista no destino do processo analitigo. Como as autoras, também penso que o campo 8 (Conyoxtos de encevisea:olhares divers sobre a interayo humana transferencial €, por exceléncia, 0 campo de aco da Psicandli- se. Assim, analista ¢ analisando, no jogo de dupla escuta, po- dem construir destinos “para as forgas pulsionais e inscrevé-las no universo da simbolizag0. Dentro desse contexto, a subli- magGo seria o destino pulsional que se relacionaria a formas alternativas de satisfagdo de desejo”. E um desafio & capacida- de do analista de colocar-se como objeto da pulsao ¢ sujeito da aco transformadora. Adriana Ampessan historiza um percurso te6rico-clinico muito peculiar para definir-se na escuta do padecer infantil. A singularidade da psicandlise infantil leva o leitor a aproxi- mar-se de aportes que sustentam a escuita no processo de ané- lise da crianga. As entrevistas iniciais, as bipéteses, a inclu- sao dos pais fazem parte de um circuito dinamico que funda- menta a terapéutica. Irani de Lima Argimon e Kelly Cardoso Paim relatam, em A entrevista motivacional, a experiéncia com pacientes em uma unidade de dependéncia quimica para apresentarem as inter- vengSes que consideram terapéuticas. Em Entrevista em psicoterapia cognitiva, Ricardo Wainer © Néri Mauricio Piccoloto apresentam os aspectos que conside- ram importantes no desenvolvimento das entrevistas nesta mo- dalidade terapéutica. Janice Castilhos Vitola ¢ Marta Regina Cemin movimen. tam-se no contexto de. entrevista a partir da afirmagio de que “o psicoterapeuta é uma caixa de ressonancia e um amplifica- dor da experiéncia do cliente, Percebe-se como um todo, no julga, ndo interroga, nao tranqililiza nem interpreta. Seu objeti- vo € acompanhar as descobertas do cliente na forma como,ele as vai experienciando.” Nadir Helena Sanchotene de Souza apresenta 0 eixo que sustenta a modalidade de sua escuta na Terapia Familiar ao escrever que “os conceitos-chave do pensamento sistémico Ménica Medeios Kothet Macedo & Leanica Ketseli Carrasco (Orgs) 3 dizem respeito a totalidade, & organizagao A padronizagio. Os eventos so examinados dentro-do contexto no qual ocorrem, ou seja, na familia, e a atengdo do terapeuta € centrada nas co- nexées € nas relagdes entre os membros, mais do que nas ca- racteristicas individuais” Em A circularidade sistémica na escuta clinica, Terezinha Rech afirma “a entrevista, primordialmente as primeiras, con- siste em lidar com situagdes complexas e ansiogénicas pela natureza da tarefa. Por um lado, exige do profissional um gran- de esforgo interpretativo e, por outro, de seus integrantes um esforgo para estabelecer a comunicagdo. Ambas as partes man- tam-se sob o efeito de uma forte carga emocional, dificultando ‘0 seguimento de um padrio determinado”. Entrevista de Triagem: espago de acolhimento, escuta ¢ ajuda terapéutica, de N&dia Marques, autora com longa'expe- rigncia em atendimento institucional que contribui com suas observagées acerca do valor das entrevistas de triagem. Neste modelo, o entrevistador.e 0 entrevistado tém objetivos espect- ficos © papéis diferenciados. Escreve a autora que as entrevis- {as de triagem sio realizadas dentro do enfoque psicodinamico e tém como objetivos elaborar uma histéria clinica, definir hi- poteses de diagndstico € a indicagdo terapéutica, Psicodiagnéstico: recurso de compreensio, no trabalho do psicélogo de Leanira Kesseli Carrasco e Juliana Rausch Potter, ‘em um momento de discussio em torno da utilizagao dos testes na psicologia, as autoras procuram contextualizar a aplicagao no proceso de psicodiagnéstico e, fazem, inclusive, uma rela- gio interessante com a identidade do psicdlogo. Entrevistas retrospectivas: autopsia psicoldgica de Blanca Suzana Guevara Werlang, Ménica Medeiros Kother Macedo e Nelson Asnis. Por meio deste capftulo os autores entram no campo do inédito: a entrevista em que o outro efetivamente est ausente, nilo do lugar, mas, sim, da vida. Na seriedade que SPOOOHHOOHROHSHHSHOHHOHOCHOHHHOHHASOHH OHO’ “] ee0e0 © @ e 10 (Conyentos de entseviste: olhares diversos sobre a interaco humana nortcia o trabalho destes autores, encontramos na pesquisa que realizam a maneira cientifica deste procedimento — as entre- vistas retrospectivas. Tal instrumento viabiliza a compreensao da morte por suicfdio, no qual, segundo ds autores, o “interesse € de organizar aquilo que é lembrado quanto & vida do objeto de estudo”. A complexidade desta “entrevista” exige do entrevistador um teinamento e uma formagao especial, além de indispensdvel qualificagdo e experiéncia clinica. E escutar “sobre” quem escolheu sair da vida; so hipéteses atravessadas pelos efeitos assustadores do ato. Entrevista como instrumento de pesquisa, capitulo assi- nado por Maria Licia Tiellet Nunes leva-nos a refletir sobre a entrevista como método atrativo ao pesquisador no qual a habilidade de conduzir uma conversagio se faz necesséria A autora aborda de forma clara ¢ didatica a entrevista semi- estruturada como procedimento de coleta de dados assim como, discorre sobre a andlise de contetido como método de andlise das entrevistas. © capftulo encerra com considera- Ges éticas cm relagdo a entrevista no contexto da pesquisa. Jacqueline Poersch Moreira, respaldada na sua experién- cia em Psicologia Escolar apresenta, de forma cuidadosa, um roteiro relevante para a entrevista realizada na escola. O psi- célogo, no contexto da escola, circula nos diversos lugares e nas indimeras situagdes, em que encontra, interagindo, seus possiveis entrevistados. Neste intercmbio de atitudes reti- ram a temética das entrevistas: a “queixa”. A intervengio é transformar a “queixa” em uma intengao de trabalho. A entrevista institucional, pensada por Dulce Helena Aguilar Baldo, sugere que hé peculiaridades neste contexto ~ a obser- vagio da instituigo, 0 diagnéstico institucional e a assessoria individual e/ou em grupos — e, portanto, exigem que o psicélogo estabelega um contrato explicito e claro. A agao do profissional deve facilitar que os impedimentos, as demandas e as expecta- tivas aparegam e mobilizem mudanga. Monica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesteli Carasco (Orgs) n Angela C. B.-Pratini Seger, em Entrevista clinica no con- texto hospitalar: revisdes e reflexdes, afitma que a interven- do terapéutica, bascada na psicoterapia breve focal, atende 0 paciente, considerando seu momento atual de crise, seu funcio- namento eg6ico e, eri especial, os recursos defensivos que pos- sui para enfrentar esté momento. A entrevista na empresa visa obter informagées a respeito das pessoas que estio se candidatando a uma oportunidade de trabalho, Para conduzi-la de forma estruturada, é preciso conhe- ccer os requisitos da funcio e da organizacio da empresa e, tam- bém, avaliar as condigies do candidato escreve Fabricia Ra- mos, em Entrevista na empresa: entrevista de selecao. Assim fui percorrendo cada capitulo de (Con)textos de Entrevista. Penso que os diversos leitores desde alunos de graduagio, que podem encontrar em suas paginas subsidios para pensar as intervengdes que cada entrevista potencializa, até os profissionais, na especificidade de suas praticas, en- contrarao sintonia nas reflexdes dos autores. A leitura do livro & um encontro com interlocutores que fazem da escuta um exercicio ético. Eurema Gallo de Moraes? » Psicloga. Patcanaica. Doutoranda em Psicanile ds Universidade Aurbnoma de Madid. Membro Plene do Niicleo de Estudos Sigmund Freud (Porto Alegre) © dx Sociedad Tscoanalties del Sue de Buenos Aiet ‘A Entrevista Clinica: um espaco de intersubjetividade. ‘Mowica Meneinos Koruce Macepo Leanina Kessos Cannasco Parte 2 - (CON)TEXTO PSICANALITICO .. Per via de porre, uma intervensio psicanalitica? Dexast FALSE ‘A escuta na Psicandlise a Psicanalise da escuta «. ‘Monica Meprnos Komier Macro (Canouina NEUMANN DE BARROS FaLcho A implicagio do lugar do analista no destino do processo aalltico eon Sissi Vien. Casts ‘Carouina Netnuann DE BARtos Fatcio A Singularidade da Psicanilise Infantil [ADRIANA AMPESSAN Parre 3 - (Con)rexTo CoGnitivo- (COMPORTAMENTAL vee A encrevista modivacional: importancin do acolhimento a dependentes quimicos. Tana De Tania ARGIwON Kez Cannoso Pam a Entrevista em Psicocerapia Cognitiva Rucanno WAIner [Next Mauricio Piccovsto Parte 4 - (Con)TeExTo HUMANISTA- FENOMENOLOGICO-EXISTENCIAL ‘A Entrevista Humanista-fenomenolégico-existencial... Janice Castiusios Vrrotn “Marra Reca Cena OOOO OOCOHOHOOOOOOHDOOCHEOOHHOHEH OHSS or 000 COOCCOHOOCOHOOOOCOOE Parte 5 -. (Con)TExTo FAMILIAR SISTEMICO .. A Familia em tera a Nain Hetena Sancuorene ne Souza A circularidade sistémica na escuta dlinica .. Terezinna Rect 129 145, Parte 6 - (Con) TEXTos DE AVALIACAO eesesseeee 159 Entrevista de Triagem: espago de acolhimento, escuta ajuda terapéutica soon 161 Nioia Marques Psicodiagnéstico: recurso de compreensio . Leanna Kessext Cannasco Juuana Rausc Porte Parte 7 - (Con)Textos Espectat Entrevistas Retrospectivas: Autéy Bunce Susana Guevara Went ane Monica Menexos Karnik Maceno Nason Asis Encrevisea como Instrumento de Pesquisa Mau Luca Tisitsr Nunes Panre 8 - (Con)TExTos DE INSTITUICOES.. Entrevista na Escola : Jacquene Posnsct Monsina 1 A Entrevista Institucional ... Durce Hetou Acuitan Baipo Entrevista clinica no contexto hospitalar: revises e reflexdes apreteetatares Anc#ia C.B. Prarini Secon Entrevista na empresa: Entrevista de selegao Fannicis Rawos sessenees 223 SOBRE OS(AS) AUTORES(AS) .--..... PREFACIO Nosso ponto'de partida para elaborar (Con)textos de Entre- vista ~ olhares diversos sobre a interagdo humana foram as vivéncias de compartilhar, como professoras, uma disciplina ministrada no curso de graduagdo da Faculdade de Psicologia da PUCRS. A disciptina de Fundamentos de Técnica de Entre- vista permitiu-nos criar, em um espaco de sala de aula, a possi- bilidade de elaborar um programa dinamico e atual para tratar do tema Entrevista, Eramos duas professoras, cada uma com sua turma de alunos, mas com um desejo comum: o de promover trocas entre a Univer. sidade ¢ os contextos extramuros nos quais 0 psicdlogo esta inse- ido. Este desejo foi ampliando-se e passou a contemplar, tam- bém, a vontade de reproduzir em forma de textos as ricas situagdes que vivenciamos durante os semestres, com os alunos € outros colegas, de modo que estas igualmente pudessem alcangar espa- gos mais amplos do que 0 da sala de aula. Acreditamos ser a Universidade, por exceléncia, um lugar de produgao e aquisi¢ao de conhecimento. £ fundamental'que esse ‘conhecimento produzido estabelega sempre pontos de conexao.com a realidade social na qual a Universidade se insere, Tal conexdo ‘taduz sua fecundidade no apenas quando as conhecimentos cir- culam de forma a transformarem a realidade, mas também de se transformarem e criarem novas sfnteses. O processo de aprendiza- ‘gemesidintimamente vinculado a essa idéia de movimento ¢ trans- formagao, Na sala de aula, os papéis de mestre ¢ aprendiz.nio sao rigidamente determinados. Acreditamos que, nas trocas intersubjetivas inerentes a relagio de ensino-aprendizagem, os pa- péis podem se alternar € promover ganhos em ambos os partici- Pantes do processo. Uma das dimensdes do percorride de forma- 40 de psicdlogos diz. respeito as reflexdes sobre o exercicio da 16 profisso. O contato com o profissional possibilita ao aluno a pro- ximidade com situagSes para as quais ainda no est4 habilitado, mas que esto no cere de seu projeto de vida académica. Escutar relatos de vivéncias, nas quais se evidencia a importancia de um embasamento tedrico e técnico qualificado, promove ainda maior conscientizagao de nossa responsabilidade diante da profissio que escolhemos. Dessa forma, durante o decorrer dos semestres tivemos 0 pra- zer de, juntamente com os alunos, partilhar de ricos depoimentos profissionais sobre diferentes possibilidades de intervengao do psi- logo. Percorremos os contextos da clinica privada nos enfoques psicanalitico, humanista-existencial, cognitivo-comportamental ¢ sistémico. Adentramos instituigdes como hospitais, escolas e em- presas. No aceite de nossos convites, psicélogos © psiquiatras, pertencentes ou nfo ao corpo docente da Faculdade, dispuseram- se a estabelecer intercmbios e contar suas experiéncias profissio- nais relativas a temaitica da referida disciplina. Nosso critério de escolha dos nomes dos profissionais convidados para a disciplina ¢, agora também como autores desse livro, sempre foi o da com- ‘peténcia e do dominio em sua dea de conhecimento ¢ atuagao. Te- ‘mos muita gratidao a esses profissionais pelas parcerias estabelecidas € pela possibilidade em compartilhar suas experiéncias. Foram, entdo, criando-se ricas ¢ criativas situagdes de inter- cAmbios que tiveram como palco as salas de aula em nossa Facul- dade, Através de olhares diversos sobre a utilizagao da entrevista como instrumento impiescindfvel da pritica do psic6logo, surgiu a idéia de um registro em forma de livro. Aqui esté, entio, (Conjtextos de Entrevista: olhares diver- 08 sobre a interagdo humana, um convite a percorrer os fecun- ‘dos caminhos da diversidade presente nas possibilidades de nos- sa atuago profissional. Monica Meperos Koraer Macevo ‘Leanma Kessett Carrasco Parte 1 S9OCHOSCOSHOHHOHHOOHOHOHSHSOHOHEHOHHEHHHHH OEE A ENTREVISTA CLINICA: UM ESPACO DE INTERSUBJETIVIDADE Monica Mepeiros KorHer MACEDO Leanira Kesseit Carrasco A entrevista é um importante e fundamental recurso que 0 psicélogo utiliza em seu trabalho. 6 muito comum associarmos a entrevista a clinica psicolégica, porém, do mesmo modo que ndo € um instrumento exclusivo do trabalho do psicélogo, a entrevista também nao limita sua aplicabilidade a uma area de atuacdo deste profissional. Ela se faz presente como recurso na escola, no hospital, nas empresas, no campo juridico, no cam- Po esportivo, além da prépria clinica, onde também poderd ser usada de diferemtes formas. Assim, consideramos importante e fecundo abrir um espa- 0 de teflexao sobre a entrevista como “técnica de conversa- «40” que tem como objetivo fundamental possibilitar ao psic- logo buscar informagées ou dados a respeito de séu cligite, Paciente, aluino, candidato, instituigao, etc. Pensamos' que, de modo geral, 6 necessério enfatizar a adequagio de estudar a entrevista € nao somente priorizar sua aplicabilidade nos diver- sos campos da Psicologia. A amplitude da definigao e da aplicabilidade da entrevista € evidenciada também fora do ambito da Psicologia. Por exem- plo, no campo da comunicacdo, Medina (1995) considera que a entrevista € uma forma de se alcangar o inter-relacionamento humano, uma vez que € uma técnica de interago. Na comuni- cago tem uma interpenetragio informativa que rompe com iso- lamentos individuais, grupais e sociais, pois distribui democra- ticamente a informagao. » (Contexts de enerevies: olhares diversos sabre a interagso humana Na proposta de explicitar a ampliagio do Ambito da entre- vista como uma prética humana, Garrett (1981) destaca que todas as pessoas, de uma maneira ou outa, sio envolvidas na entrevista na medida em que ora entrevistam, ora so entrevis- tados. Em qualquer uma destas situagées estardio presentes as- pectos objetivos ¢ subjetives. A autora tem como ponto basico de sua teorizaco a énfase no uso da técnica para a arte de en- trevistar, sendo essa a arte de ouvir, perguntare conversar. Con- sidera que Arte requer habilidade e aptidao do entrevistador, sendo 0 treinamento uma parte essencial que nao dispensa, con- tudo 0 cuidado que ele précisa ter com sua qualificagao e sensi- bilidade no uso do recurso técnico. Uma caracterfstica enfatizada por autores como Bohoslavsky (1977), Ribeiro (1986), Bleger (1976) e Vallejo- Nagera (2001) & que em qualquer tipo de entrevista haverd uma demanda de algo a quem se supde que possa corresponder a ela. Esta demanda pode ser por uma informagio sobre algo ocor- rido, uma simples opiniio sobre uma situago qualquer ou a solicitagdo de uma ajuda especi yada diante da constatagao de um sofrimento fisico ou psiquico Para fins deste capitulo pensamos trazet & discussdo os as- pectos relativos & entrevista clinica, uma vez que, neste campo, entendemos ser a entrevista uma condi¢o sine qua non para a compreensao do sofrimento daquele que busca ajuda. No que diz respeito, portanto, a dimensao psiquica, pensamos que a entrevista clinica semipre contempla dificuldades e complexi- dades pelo fato de que o ser humano é surpreendente ¢ incapaz de ser contido ou avaliado dentro de um sistema predetermina- do, Dificilmente poderé o profissional prever o que se sucederd em uma entrevista em acao, mesmo em referenciais que pres- supdem uma certa padronizacio de etapas. Até mesmo nestas situagdes “previstas e planejadas” 0 entrevistador poder se deparar com o inesperado: um questionamento, uma desistén- cia, uma nova descoberta, cabendo a ele, munido de uma técnica Manica Medei other Macedo & Leanira Keilt Carrasco (Ors) a ¢ uma teoria que the dé susténtagao, administrar tais situagdes. Bleger (1976) jé referia a-cntrevista como um campo, no qual muitos fenémenos acontecem. A propria dinamicidade que caracteriza as relagées huma- nas se faz presente na relaco estabelecida entre entrevistador- entrevistado. A partir disso, abte-se um espago para que muitos fendmenos relacionais acontegam. Tavares (2000) destaca que a entrevista clinica € um procedimento poderoso ¢ pelas suas caracteristicas € 0 nico capaz de adaptar-se & diversidade de situagdes clinicas relevantes ¢ de fazer explicitar particularidades que escapam a outros procedimentos, principalmente aos padronizados (p. 46). Basicamente a entrevista um procedimento utilizado pelo psi- c6logo.com 0 objetivo de conhecer, de buscar dados para interyir em uma dada situagao, entendendo-se esta intervengio sempre determi nada pela especificidade de cada situago. A entrevista tem por fi nalidade fazer um levantamento de informagées que possibilite relacionar eventos e experiéncias, fazer inferéncias, estabelecer con- clusdes e tomar decisées (TAVARES, 2000 & CRAIG, 1991). A entrevista é uma situagio de encontro entre dua ou mais, pessoas. Nela nao haverd participante de maior ou menor.im- Portincia. O5 espagos e fungdes de.cada um sio diferenciado's €,a0 mesmo tempo, interdependentes. Esta situago de interagio aque Gcorre. na entrevista psicalégica & assinalada por Bohidslavsky (1977; p. 120) ao defini-la.como.uma-situaco interhumana? e Muito se tem escrito sobre a entrevista clinica dentro de diferentes abordagens tedricas. Nosso objetivo neste capitulo rio é enfocar a entrevista a partir de um determinado referencial tedrico, mas, sim, refletir sobre aspectos que se fazem presen- tes em situagdes da clinica nas quais a entrevista parece-nos ser © principal instrumento de trabalho do psicélogo. Eniretanto, tomaremos algumas consideragdes do referencial psicanalitico eoeoet eooecoeoooaneoene Le 2 (Conytextos de entrevista: olhatesdiverce sobre a interagio humans que nos parecem pertinentes quando enfocamos a entrevista na clinica. Tais contribuigdes nos permitem ilustrar situagBes que aprofundam os tépicas abordados. Acreditamos que na medida em que a entrevista configura uma situagio de didlogo pode ser. pensada como um meid pri- vilegiado de acesso ao outro, um instrumento que nos permite, por meio da palavra, estabelecer as condigdes necessérias para qué sé constitua Tima relag&o de ajuda. Nessa situagZo, a entre- vista, ao outorgar diferentes papéis ao entrevistado e a0 entrevistador, cria condigdes para que, mediante a criagad de lim espago de didlogo, se tenha acesso & gubjetividade em for- {ma de discurso, seja éle verbal ou ndo-verbal. * Bett Entendemos por discurso algo que vai além das palavras, refere-se a uma situagio de comunicacdo de algo, modos pelos quais a pessoa comunica algo a alguém. Atrasos, esquecimen- tos, mudangas bruscas de assunto, posigdes do corpo, gestos € até mesmo siléncios fazem parte deste rol de iniimeras possibi- lidades de comunicagao. Nesse sentido cabe ressaltar a dife- renga existente entre a entrevista tal qual descrevemos e uma conversa social também sustentada no didlogo. A segunda no tem compromisso algum com técnica ou teoria. J4 no que se refere & entrevista clinica, consideramos que é fundamental a interdependéncia e a articulagdo existentes entre a teoria ¢ a pratica clinica. Acreditamos que a toda pratica deve corresponder uma teoria que a sustente e que Ihe indique pariimetros de aplicabilidade. Em seu livro sobre epistemologia metodologia de pesquisa, Minayo (2002) afirma que Ciéncia se faz com teoria e método. Teoria é uma espécie de grade ou janela através da qual o cientista olha para a realidade que investiga. Isto quer dizer que ninguém consegue investigar um problema othando-o diretamente, como se houvesse possibilidade de compreendé-loc explica- lo em si mesmo. A compreensao da realidade & sempre mediada: por teorias, por crencas, por representagdes (p.17). ‘Monica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Ons) 2B As afirmativas da autora permitem-nos reafirmar a impor- tancia da teoria.como uma forma de “mediagao” entre o que & dito pelo entrevistado e 0 efeito que gera.a partir da escuta por parte do entrevistador. Cada corpo:conceitual encontra na entrevista uma rica for- ma de expresso de seus recursos técnicos. Nesse sentido, inde~ pendente do referencial te6rico que a sustente, torna-se impor- tante mencionar e salientar a necessidade de que a entrevista clf- nica esteja de acordo com o objetivo especifico a que se propée e a orientagiio tebrico-técnica do entrevistador. Tal idéia & corro- borada por Homstein (1989) ao afirmar que uma técnica no pode ser compreendida nem, portanto, aplicada se se desconhecerem os conceitos que a fundamentam. Toda a prética tem um efcito que Ihe & especifico, (...) Uma técnica que nao esteja bascada em um conhecimento te6rico daquilo que pretende transformar gera uma pritica cega que se esteriliza (p.23), A pnitica da clinica possibilita a experiéncia de confronta- ao da teoria viabilizando reformulagées, transformagdes que con- figuram uma situago de interdependéncia e retroalimentagao entre elas. Esse movimento caracteriza a dinamicidade existente entre teoria, método ¢ técnica. "AMPO DACLINICA PRATICA, se se 4 (Comers de ener oltre dveron sole ira humana Ao referir 0 termo epistemologia na figura 1, procuramos caracterizar os construtos tedricos como evidencia a origem do termo episteme: colocar-se em boa posigdo. Colocar-se em boa posigo para apropriar-se de um saber, que, mediado pelos re- cursos da técnica, resulta em uma pratica clinica, “Tavares (2000) ressalta que as técnicas de entrevista deve potencializar 0 aparecimento das particularidades de uma pessoa e constituem-se em um meio de acesso amplo ¢ profundo ao outro. Contextualiza-se nas situagdes de entrevista o que refere Homstein (1989) sobre a relacio entre 0 objeto tedrico e sua objetivagio como método e determinagao como técnica, permitindo transformacdes articulagdes sobre a realidade, No caso da entrevista clinica, 0 paciente ¢ sua realidade so 0 que precisam ser conhecidos. A. teoria € mediada pela técnica na intervengio clinica. Pelo fato de a entrevista clinica nao ser uma técnica tinica, ela estaré sempre intimamente relacionada com a forma do entrevistador compreender os fendmenos humanos, além do que os diferentes objetivos de cada tipo de entrevista serao determinantes em suas estratégias, possibilidades e limites. Pen- samos que teoria € prética devem estar sempre inter-relaciona- das. E necessdria uma constante vigilincia para que no se crie uma dissociagdo entre o ser clinico e o ser te6rico. O risco de privilegiar a teoria resulta em um distanciamento da relagao com aclinicae, da mesma maneira, privilegiar a clinica faz. com que a prética se converta em um fazer sem saber. Homstein (1990) destaca que estas situagdes de distorgao tazem 0 risco de que toda a teoria se formalize como “dogma e toda a pratica ritualize-se como receita” (p.106). Dessa forma pensamos que a interdependéncia entre teoria e pritica é 0 que ‘biliza a manutengo da caracteristica investigativa que deve predominar na situagao de entrevista. Preserv: sibilidade de nunca perder de vista a singularidade dos encon- tros humanos. Evidenciar 0 aspecto'de sifigularidade permite a interroga- ‘go sobre 0 complexo proceso de constituicao da subjetivida- de ao mesmo tempo em que sc resgata a importancia das trocas intersubjetivas na construgao do ser humano. Ao optarmos por uma concepgao de sujeito préxima a idéia de um sistema aber- to/que recebe e sofre influéncia do que esté fora dele, a dimen- sio social deixa de se referir apenas & nogio de sociedade ou de outras pessoas para incluir “relagGes situadas no tempo hist6ri- co, em condigdes determinantes de vida, permeadas de signifi- cages e linguagens especificas...” (BOCK, 1997, p.39). Res- gatar ou abrir espago para a singularidade do entrevistado em relagdo A sua hist6ria é também abrir espago para a singularida- de que marcaré a situagao de encontro entre aquele entrevistador e aquele entrevistado, A nogio de investigacao intrinseca ao conceito de entre- vista levard sempre em considerago a capacitagao ¢ a qualifi- cago de quem a conduz. A existéncia de dogmas por parte do entrevistador exclui a existéncia de uma efetiva e qualificada escuta do outro. A existéncia de um pré-saber inviabiliza 0 ver- dadeiro processo de investigagao transforma a situagdo de entrevista em um estéril espaco de confirmagao que empobrece a relacdo e a propria entrevista como instrumento técnico. Tavares (2000), buscando uma definigao de entrevista clinica, prope o seguinte: a entrevista clinica € um conjunto de técniéas de investigag4o, de tempo delimitado, dirigido por um entrevistador. treinado, que utiliza conhecimentos psicolégicos, em uma relagio profissional com 0 objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistémicos (individuo, casal, familia, rede social), em um processo que visa a fazer recomendagies, encaminhamentos ou propor algum tipo de intervengio em beneficio das pessoas entrevistadas (p. 45). SOCOSSHOSHOHHSHOHHHHHTDSOSHHHOHHHEHCOOHH* eee OOCOHOCCHCOHHOOHHHHOOOCOO 2% (Con}cexos de enuevsta:cthates divenos sole a interasio human A qualidade da relaco que se estabelecer4 entre 0 paciente , © 0 terapeuta dard a entrevista, seja no inicio, nd desenvolvi- \ mento ou na conclusio do processo,’uma determinada configu- ragdo. E a entrevista um instrumento fundamiental para 0 esta- belecimento, desenvolvimento ¢ manutengio de uma_relagao de ajuda. Cabe ressaltar a importancia que terd o terapeuta, con- siderando nao apenas seu conhecimento teérico e suas habili- dades profissionais, mas também tendo presente sua responsa- bilidade na condugdo do processo. As fungdes 0s papéis desempenhados por paciente & terapeuta sao diferenciados. O paciente busca uma ajuda e atri- bui ao terapeuta a capacidade de auxilid-lo em suas dificulda- des. No que se refere ao terapeuta cabe-Ihe situar a entrevista clinica no dominio de uma relagdo profissional. Se por um lado a0 assumir as responsabilidades profissionais que t¢m com 0 paciente implica reconhecer a assimetria presente na relagio terapéutica, por outro essa constatago confere ao terapeuta a responsabilidad sobre a condugo do proceso. ‘Tanto o entrevistado quanto o entrevistador so portadores de determinados conhecimentos que os caracterizam em suas diferengas. Por um lado, o entrevistado possui os dados de sua histéria, suas lamentagGes, seus sintomas, seus motivos e, por outro, o entrevistador & detentor de subsidios teéricos e técni- cos que o habilitam na ajuda 20 primeiro. Bueno (2002) desta- cao quanto esta assimetria é uma regularidade que faz parte de entrevistas, independente de serem entrevistas clinicas. Para a autora, a fungdo de entrevistador e entrevistado no campo da entrevista sio diferentes ¢ vio ser definidos de acordo com a fungdo ¢ 0 lugar de cada um. Em relagdo & entrevista clinica, ‘nem sempre a explicitagdo dessa condigao inerente de assimettia é bem entendida. Por vezes é tomada desde um ponto de vista que nos parece equivocado, uma vez que niio faz alusio nem justifica, portanto, uma leitura que atribua ao terapeuta uma espécie de poder em relagio ao paciente. Ao contrario, 0 ‘Monica Medeiros Kother Macedo & Leania Ketseli Carrasco (Orgs) a reconhecimento desta assimetria deve servir de reforgo A res Ponsabilidade ética'e técnica que cabe ao terapeuta, uma vez que de seu lado os saberes vio, como bem assinala Bueno (2002), “desde o qite pode estar sob seu dominio ~ técnica, ob- jetivos, fins, conhecimentos teéricos — até 0 que Ihe é atribuido Pelo contexto ou pelo interlocutor” (p.13). A observagio dos aspectos éticos sera fundamental na de- finigdo dessas responsabilidades para com o paciente, assim como os aspectos relativos A sua competéncia profissional Como observado na figura 2, os aspectos éticos, responsabili- dade do terapeuta, perpassam sua teoria, técnica € pratica em beneficio do outro e de si mesmo. ETICA A observancia aos aspectos éticos, somada & experiéncia, 20 conhecimento e 4 competéncia do terapeuta, contribuird de forma significativa para a adequacao na condugao do proces- So no qual ambos estio inseridos, A interdependéncia existente / 28 ‘(Cou rextos de entcevinto olhatesdiversos sobre a interagéo humana entre as habilidades interpessoais e 0 uso da técnica exige algu- mas caracterfsticas especificas do terapeuta; Para Tavares (2000), € necessério que 0 entrevistador tenha a capacidade de estar realmente disponivel para 0 outro de forma’a escuté-lo sem ‘a Limerferéncia de questées pessoais. Is: a facilitar a “construgio de uma adéquada alianga.de trabalho, assim coi 0 “conhecimento dos motivos.que o levaram a buscar ajuda. ~" @ terapeuta deve estar capacitado a buscar esclarecimen- tos, perceber contradigGes, tolerar situagdes de ansiedade rela- cionada a temas presentes na entrevista e também estar habili- tado a reconhecer as defesas ¢ os modos de estruturago do paciente. A compreensiio dé seus préprios processos psiquicos facilitaré a comunicagao a relagao terapeuta-paciente. O do- minio das técnicas utilizadas, baseadas em uma teoria que as sustente, possibilitara ao terapeuta mobilizar recursos adequa- dos frente a situagdes dificeis e inesperadas. Os aspectos mencionados referentes & capacitago do terapeuta so igualmente destacados por outros autores, que se preocupam com a existéncia de uma sélida fundamentagao teb- rica e técnica que resulte em uma eficaz utilizagdo da entrevista como instrumento de trabalho na clinica. Ribeiro (1986) ‘Zimerman (1999) destacam a importancia de que haja respeito pelo sofrimento do paciente; que, além da técnica, o terapeuta possa ser pessoa e assuma com senso de responsabilidade 0 proceso terapéutico, Na condugao da relagao com o paciente imprescindivel que o terapeuta possa efetivamente nao apenas ouvir, mas saber escutar. Entendemos que ouvir corresponde muito mais a uma con- digdo fisiolégica relacionada aos 6rgios sensoriais. Jd a capaci dade de escuta coloca-nos em uma outra posi¢do em relagao aquele que fala, O termo escuta é muito utilizado na psicandli- se, Mas, se 0 pensarmos relacionando-o & exigéncia de uma genuina atengdo aquele que fala de sua dor, acreditamos que 0 Monica Medeiros Kother Macedo & Leanira Keseli Carasco (Orgs) B uso deste termo transcende uma relago especifica com a psicandlise, podendo ser aplicado as outras modalidades de in- tervengio terapéutica. O,que se escuta-inconsciente, potencialidade ou crengas cognitivas) pode séf 0 elemento mais ¢streitamente.vinculado @ um campo tedrico, mas ndig $40 dé-escita € furidamental-20 terapeuta; Ela nos convoca & uti bar nossos conhecimentos e habilidades profissionais e pes- soais a servigo de uma demanda de ajuda. Escutar é buscar nas palavras de quem sofre um significado préprio é singular. A~ yerdadcira escuta precisa estar desprovida de preconceitds &, principaimente, excluir qualquer possibilidade de um pré- donhecimento a respeito daquele que-chega e, agora, fala. O terapeuta, para realmente poder escutar, precisa reconhecer que «nig sabe.a respeito do pacicate. "Sera na relagdo, a partir de"um processo de, construgio, que 0 enigmiético seré desvelado, 6 sofrimento sera nomeade € aaj se ‘coneretizard. + -Na érea clinica, quanto mais quialificado for 0 terapeuta,, “mais entrevista psicot6gica ~ como instrumento ~ atenderé a Stu objetivos ¢ demonstraré sua eficdcia: Por exemplo, caberé 20 paciente contar a sua historia, falar do que Ihe aflige, mas, muitas vezes, acredita nio saber 0 que se passa com ele. Seri na relagdo com o terapeuta que este desconhecido conhecido poderd ser cada vez mais explorado, que serio abertas novas possibilidades de atribuigao de sentidos, desde que 0 paciente sinta-se acolhido e & vontade na relagao com o terapeuta. Com isso, queremos demonstrar que, se a entrevista for pensada como um instrumento impessoal e de distanciamento, ficard restrita e, até mesmo, prejudicada na sua aplicabilidade. A necessidade de um treinamento na uilizago da entrevista visando a uma maior competéncia técnica nunca poderd estar dissociada do euidado com os aspectos afetivos € subjetivos que se fazem presentes. Conforme afirma Tavares (2000): 4 9000 OOOO08O0OHOEH00H0HHOHHHHOCEOO8 oe OO 00: 0:0: 60000000008 0OHO80OC8 oa 30 (Con}tetos de entrevista: olharesdiversos sobre 4 interagSo humana ‘Com a pritica a experiéncia, os aspectos mecdnicos da ‘técnica tomnam-se secundérios, ¢ 0 sujeito ¢ a relagdo passam 1 se destacar. Torna-se evidente uma integragao natural dos aspectos técnicos e a valorizagdo da relago com o sujeito. Assim, a entrevista flui e a atuagdo refinada do profissional transforma a técnica em arte (p.55). Diante da complexidade de uma situagao de entrevista, cria-se geralmente a expectativa de encontrar um modelo pronto e aparentemente correto a ser seguido, como um ma- nual de instrugdes que desconsidera as especificidades e sub- jetividades tanto do paciente como do terapeuta. Tal expecta: tiva por si s6 cria um paradoxo: como pensar em uma situa- do especialmente dinfimica como a entrevista clinica, de uma forma rigida, estereotipada, inflexivel? Acreditamos que a entrevista ocorre na sua prépria dinamica e, nesse sentido, serd sempre Gnica ¢ irrepetivel. Tomemos como exemplo uma situagio de supervisio. Caso‘o supervisionando fique com uma idéia de que deve apenas repetir as orientagdes e/ou palavras do supervisor com seu paciente, perde-se a verda- deira possibilidade de aprendizagem. Limitar-se-ia, assim, a supervisio, a uma mera repetig¢ao € nfo a um verdadeiro treinamento que qualifique o trabalho clinico e, como con- seqliéncia, prejudicaria também a construgdo de uma identi- dade profissional singular. Evidencia-se que a dindmica da entrevista aporta sempre complexidades ¢ dificuldades ao trabalho clinico, porém sera com 0 reconhecimento, o enfrentamento e a busca de alternati vas para essas que se dard a verdadeira qualificagio profissio- nal. Diante da imposigao da complexidade da entrevista como um importante instrumento utilizado na clinica, € necessétio produzir reflexdes que a problematizem com 0 objetivo de aprimoré-la como recurso de mediagao terapéutica no encontro com 0 outro. “digo de ajtidar quém soft’. Monica Medeios Kether Macedo & Leanita Kesseli Carrasco (Orgs) EN Um instrumento técnico seja ele qual for, por si $6, nao dé conta da pritica,profissional. A entrevista € um instrumento técnico, a competéncia na adequagio de seu uso esté direta- mente ligada as condigdes do terapeuta. Tal afirmativa por um lado reforea 0 aspecto de autonomia da prética clinica, mas, por outro lado, evidencia a responsabilidade que o terapeuta tem na condugao ética do processo terapéutico. +, ~ Acréditainios Gue a entrevista poe"em questo a necessida- de da pessoa do terapeutarestar seimpré.a frente da técnica utili- 2iida, ou seja, acima da técnica est a pessoa que a utiliza. Esta pessoa com sua escuta qualificada e sustentada em um saber te6tico-téenico; sua atengao aos cuidados éticos e seu senso de implicagao e responsabilidade assume efetivamente uma con- Referéncias bibliogréficas BOCK, A. M. B. Formacio do Psicélogo: um debate a partir do significado do fenémeno psicol6gico. Psicologia, Ciéncia e Profiss@o. V 17, n. 2, 37-42, 1997. BOHOSLAVSKY, R. Orientagdo vocacional: a estratégia cli- nica. So Paulo: Martins Fontes, 1977. BLEGER, J. Temas de psicologta- entrevista y grupos. Buenos Aires: Nueva Visi6n, 1976, BUENO, C. M. O. Entrevista espaco de construcdo subjetiva, Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. CRAIG, R. Entrevista clinica e diagndstica, Porto Alegre: Ar- tes Médicas, 1991. GARRET, A. A entrevista, seus principios ¢ métodos. Rio de Janeiro: Agir, 1981. HORNSTEIN, L. Introdugdo 4 Psicandlise. Si Paulo: Editora Escuta, 1989. 32 (Con)tertos de entevists:olhares diverts sabre a interagio humana Cura psicanalitica e sublimagéo. Porto Ale- gre: Artes Médicas, 1990. MEDINA, C. A. Entrevista - 0 didlogo posstvel. Sao Paulo: Atica, 1995. MINAYO, M. C. S. (org) Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2002 RIBEIRO, J. Teorias e técnicas psicoterdpicas. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. TAVARES, M. A entrevista clinica. In: Cunha, J. Psicodiagnéstico-V. Porto Alegre: Artmed, 2000. VALLEJO-NAGERA, J. A. Guta practica de psicologta. Parte 2 Madrid: ediciones temas de hoy, 2001 ‘ ZIMERMAN, D. Fundamentos psicanaliticos. Porto Alegre: (CoN) TEXTO PsICANALITICO Artmed, 1999. PER-VIA DE PORRE, UMA INTERVENGAO PSICANALITICA?* Denise Hausin Ao longo dos tempos ¢, mais especialmente no decorter do tiltimo século, 0 mundo e a humanidade vem experimentando as mais diversas formas de transformagées: nos valores, nos padres observados com referéncia aos distintos relacionamen- tos estabelecidos, na forma de composigio das familias, no tra- to das questdes relativas ao corpo, ao tempo, ao espago. As grandes transformagSes politicas, sociais e culturais ocorridas logo apés a Segunda Grande Guerra ingeriram mau- dangas no cotidiano de uma grande parte do mundo e inaugura- ram um tempo que traz no seu bojo uma intencaio de nao negar € substituir os movimentos anteriores, mas, sim, de incorporé- los, criticé-los e, mesmo, de transformé-los, em uma mescla de antigo ¢ nove (OLIVEIR AY 2003) A psicandlise também foi se transformando. Do ponto de vista da teoria, As neuroses de transferéncias se agregam outras. demandas. Teoriza-se acerca de manifestagdes psiquicas que ficam aquém do simbélico do sintoma psiquico e que se des- carregam de forma direta no corpo e no ato. Ao lado dessas demandas, também a exclusividade da interpretacao como for- ma de intervengio em psicandlise € polemizada. E rclevante ressaltar, cntretanto, o fato de as neuroses de transferéncia e da interpretagdo como intervengao classica € paradigmatica da * Apyadero aos académicos de Picologia Robercs Viel Giacobone« Dnichi Hausen Mizoguchi 2 dsponibildade com que me auailiaram, eepectivamente, na evisbo mecodoldgiea © de porsuguée 36 (Conyrextos de entrevista: olhares divertor sabre a interosio humana psicandlise continuarem ocupando o lugar de destaque no coti- diano dos analistas. No entanto, impde-se uma discussiio acer- ca de intervengdes que possam ir aquém ou além da interpreta- do e que se fazem presente nesse mesmo cotidiano. A proposta que faco que se possa ampliar, mais além das neuroses de transferéncia, 0 modo como se dé. trabalho do psi- canalista, demandado que € por patologias que transcendem aque- las que se visibilizam por meio do retomo do contesido recalcado. Trata-se de questdes que circundam © tema das identidades, da angistia livre descarregada no corpo, das drogadigdes, das somatizagdes, das chamadas patologias do vazio. Dessa forma, sigo 0 proposto por Freud (1904/1976), quan- do afirma haver muitas espécies de psicoterapia e muitos meios de praticd-la, propondo a eficiéncia de cada um a partir de sua eficdcia: “Todos os que levam meta da recuperago so bons. Nao menosprezo nenhum deles ¢ ulilizaria todas em condigies apropriadas”. Afirma ser o destino da psicandlise a destinagao que puder ser dada pelos jovens analistas, buscando respostas a singularidades que marcam cada paciente e cada tempo. E por essa época que Freud cita Leonardo Da Vinci (1452/ 1519), pintor italiano, que, em meio a seus trabalhos de dese- nho e escultura, escreveu os manuscritos de sua obra Trattato della pintura, cuja primeira edi¢ao, péstuma, é de 1651. Posti- la Leonardo, referindo-se as artes, que a pintura se di per via de porre enquanto que a escultura funciona per via de levare, Vai explicar sua proposta, dizendo que a pintura se faz por meio de se colocar no papel, na tela yazia, as tintas que ocupario esse espago com suas cores; enquanto que a escultura se processa mediante a retirada de um excesso, tirando-se material da pe- dra bruta para que emerja a estétua nela contida. Freud usard essa metéfora, teorizando a sugestio como uma intervengao que no faz caso da origem do que esti escondido dando forca ao sintoma, priorizando, entao, a interpretagao como Monica Medeiros Kother Macedo & Lenin Kesseli Canasco (Orgs) a principal ferramenta de trabalho do analista, que vai operar na busca da estétua oculta, do contetido recalcado. Caracteriza-o, por conseguinte, como 0 trataménto que deve se apoiar na ques- to do conflito intrapsiquico: vai utilizar-se de Leonardo Da Vinci para propor que a terapéutica deve se sustentar no pres- suposto da escultura, ou seja, per via de levare. perfil dos analisandos que buscam atendimento tem se ampliado, salientando-se um incremento de situagdes em que a queixa vem por intermédio de transtomos relacionados ao corpo, impossibilidade de ser identificada uma dor psiqi ca, em que 0 indicativo psicopatoldgico deixa de ser 0 deriva- do de um excesso de repressiio, mas que, com muita freqiién- cia, vem por decorréncia de uma impossibilidade do fazer sin- toma por conta de um excesso. que deve ser retirado. Algo deve ser posto. Podemos falar, ent, de uma intervengao que venha per via de porre? A catarse, ab-reagindo 0 traumatico O século dezenove comega a se despedir para abrir espa- 0 para aquele que seria 0 século da chamada modernidade. A psicanilise surge no contexto cientifico e cultural daquele fim de século emergindo dessa conjuntura, ao mesmo tempo em que nela vai fazendo regist-os. Faz parte, portanto, de uma re- viravolta, de uma forma de rebelido que se instala nos varios campos da cultura. Desde uma perspectiva freudiana, rebela-~ se com 0 segmento do proibido vinculado a sexualidade, des- nudando uma sexualidade descolada da genitalidade reprodutiva. Nesse momento, anuncia um inconsciente mar- cado por uma histéria infantil, singular, portanto, ¢ ative no cotidiano de cada sujeito. A imagem que 0 homem ocidental fazia de si 6, com isso, abelada (000000 0000090000090000000000 00000 00:06: 0:0: 00 00006060 0060000060 eoeoeocs 38 (Contents de eotreviseolares dives sobre ergo humana © ano de 1904 transcorria quando Freud, 0 inventor da Psi- canalise, foi chamado para proferie, diante do Colégio de Me- dicina de Viena, a conferéncia Sobre a Psicoterapia: Nela, se propunha a discorrer sobre 0 progresso que sua teoria sofrera desde que comegara a ser pensada, nos idos de 1895, com.as Cartas e rascunhos enviados a Fliess, entre os quais 0 Projeto para uma Psicologia Cientifica. Da mesma forma, como ocor- rera com o texto Estudos sobre a Histeria, escrito em parceria com Breuer, seu mentor e colega, a quem atribuia o lugar de pai da psicandlise, pois insistia no fato de que esta nascera com 0 ratamento de Berta Papenheim, a mitica Anna O. Breuer era seu analista, e Anna a primeira paciente a se submeter A cura pela palavra, expressio criada por ela mesma para nomear a forma como definia seu tratamento. A técnica foi nomeada por Breuer e Freud como 0 método catdrtico. Tal método buscava alcangar a ab-reago por meio da pos- sibilidade de 0 paciente, em tratamento, eliminar afetos patogénicos por conta da descarga e da lembranca dos fatos traumaticos que originaram seus sintomas. A catarse e a ab- reagio ofercciam-sc como técnica de cura sob a égide do postu- lado freudiano da tcoria do trauma, Propunha suas idéias acer- a dos efeitos causados pelos traumas psiquicos pela retengo do afeto, bem como a concepgdo dos sintomas histéricos como © resultado de uma excitagao transposta do animico para 0 cor- poral (FREUD, 1904/1976). Quase dez. anos antes, ao escrever a chamada Comunicagéio Preliminar (FREUD, 1893/1976) usara pela primeira vez os ter- ‘mos catarse ¢ ab-reago de forma impressa, postulando que 4 reagdo ao trauma somente exerce efcito inteiramente atirtico se for uma reago adequada como, por exemplo, a vinganga. Mas a linguagem serve de substituto para a ago; com sua ajuda, uma emogao pode ser “ab-reagida”, quase que com a mesma eficacia (p 49) Monica Medeirn Kother Macedo & Leanica Kessel Carrasco (Orgs) 39 Nesse mesmo texto, Freud afirma a quase impossibilidade de se-alcangar a’origem da patologia somente por meio da in- terrogagio ao paciente, sobretudo porque ele nao quer ou no pode lembrar, ou seja, ndo tem nenhuma suspeita da conexo causal entre’o evento desencadeador e o fendmeno patolégico. Sao experiéncias ausentes ou sumariamente presentes na me- méria dos pacientes quando em estado psiquico normal. Pro- Se a hipnose como método de provocar as lembrangas da épo- ca.em que o sintoma surgiu pela primeira vez; feito isso, torna- se possivel demonstrar a conexio causal da forma mais clara e convincente. Apenas quando o paciente é inquirido sob hipno- se € que essas lembrangas emergem, desaparecendo © sintoma quando € possfvel fazer essa conexlo e 0 afeto é despertado e traduzido em palavras. Freud (1893/1976) afirma o efeito cura- tivo do método psicoterdpico descrito, uma vez que “pic termo @ forca atuante da representagZio que nio.fora‘ab-reagida no primeiro momento, ao permitir que seu afeto estrangulado en- contre uma saida”. O método da cura proposto par Rreuer ¢ Frend gerava re~ sisténcia nos médicos da época, acostumados que estavam aos pressupostos da fisiologia, Para eles, o método terapéutico afi- gurava-se como acientifico e tendendo ao misticismo. Derivado do método hipnético, a catarse fez o ritual de pas- sagem para que a psicandlise chegasse a método classico psica- nalitico da proposta da cura pela palavra mediante a associagio livre; mediante, portanto, 0 trabalho ps{quico que © préprio paciente faz no sentido da busca do elemento original para ligé- to, entdo, ao afeto. Com o tratamento de Dora, sua jovem paciente descrita em Fragmento da Andlise de um Caso de Histeria (1905/1976), Freud esclarece uma mudanga na técnica que, 20 longo dos anos, vinha introduzindo. Em Estudos sobre a Histeria, propunha partir dos sintomas evidenciados para chegar ao esclarecimento 40 (Con)textos de enerevista:olhares diversos see a interagfo humans de cada um deles, de forma direta, buscando uma origem, um fato, que desse conta da raziio de ser da manifestago sinto- mitica. Ao tratar Dora, abandona essa técnica, deixando.ao paciente a tarefa de escolher o tema com que, em cada ses- so, paciente e analista vdo se ocupar. O que tem a ver com cada sintoma vai emergir pouco a pouco e, também gradativamente, vai podendo se enlagar com uma multifacetada origem. Em face da imperfeigiio de meus resultados analiticos, nao me restou sendo seguir o exemplo daqueles descobridores cuja boa fortuna € trazer 4 luz do dia, apés longo sepultamento, as inestimdveis embora mutiladas reliquias da antiguidade. Restaurei 0 que faltava, valendo-me dos melhores modelos obtidos por mim em outras andlises; mas, como um arquedlogo consciencioso, nao deixei de nencionar em cada caso o ponto onde terminam as partes auténticas e comega meu trabalho de restaurago (FREUD, 1905/1976, p.10). Da mesma forma como fora com Bertha Papenheim, que ensinara a Breuer a qualidade de cura pela palavra, atribuida ao método terapéutico com que era tratada, Freud, em seus fe- latos clinicos, reporta-se ao fato de ser essa mesma cura pela palavra um tratamento conjunto entre paciente © analista (APPIGNANEST, 1992). Ao relatar 0 caso da Senhora Emmy von N, nome atribuido a sua paciente Fanny Moser, explicita 0 quanto ela o ensinou acerca da associagao livre, método até entdo escondido atris da hipnose. Fanny pediu-lhe que a poupasse das perguntas e da busca de detalhes que a ele, o médico, pareciam importantes. Logo disse com um tom decididamente queixoso que eu deixasse de perguntar de onde provinha este ou aquele sinal; a0 contrtio, que eu the permitisse dizer-me o que ela tinha a dizer. Acedi (FREUD, 1893/1976, p. 107). ‘Monica Medetos Kother Macedo & Leanira Keteli Carrasco (Ores) 4 Novamente € a clinica, €-uma paciente que alerta Freud acerca do fato de que era preciso, um espaco para a produgio singular de cada paciente. Per via de levare, Falarido da Interpretacao e da Construgao ‘Ao desenvolver a técaica da sugestio hipnética, Freud atinha-se a0 método catérrico, procedimento inaugurado por Breuer no seu atendimento a Anna O. Dedica-se a explord-lo e a construir sua técnica. Em Sobre a Psicoterapia (1904/1976), assevera que 0 método analitico de psicoterapia € 0 mais pene- trante, o que chega mais longe, aquele pelo qual se conseguc a transformagao mais ampla do doente. Pondo de lado, por um-momento, 0 ponto de vista terapéutico, também posso dizer dele que é método mais interessante, 0 Unico que nos ensina algo sobre a génese ea interagdo dos fendmenos patolégicos. Gragas a0 discernimento do mecanismo das doengas animicas que ele nos faculta, soments ele deve ser capaz. de ultrapassar a si mesmo ¢ de nos apantar o caminho para outras formas de influéncia terap@utica (FREUD, 1904/1976, p.270). Freud vai construinde sua teoria sempre permeada pela relagiio com a clinica: a nogio do tranmatismo psiquico vai cedendo espaco & nogo do conflito intrapsiquico. Da nogao de que a recuperago da cena traumética efetivamente vivida proporcionaria a cura sintomética (método catértico), vai se aproximando de um outro pressuposto te6rico: a nogao da fan- tasia: Dessa forma, recuperar a cena traumatica é insuficien- te, até porque a cena traumatica como tal deixa de ser consi- derada a origem exclusiva do sintoma, © método catértico cede espago para a necessidade de elaboragio do contesido emergido. COKeHCCEC OOH e e e e e e s e 2 (Conttextos de ensceviss:othare divers sobte interacio humana ei ener: ethane desc sobre a itevagao humana Acerca desse momento te6rico, o questionamento a res- peito da chamada teoria do trauma, Hornstein (1989) assim comenta; Rompendo.com a concepgiio de uma singularidade compacta retida dentro de um aparelho psiquico, que tem se descdrregado, passando a visualizar aquilo que produz sintomas como uma intrincada rede de significagdes que se juntam nos nédulos patéigenos (p.60). Em 1937, Freud escreve aquele que seré seu tiltimo texto tecnico, Texto em que discute as formas de intervencao que constituem o dia-a-dia do psicanalista. Construcdes em And- © paciente deve ser levado a recordar experiéncias e os impul- 808 afetivos por elas invocados € que, por forga da repressio, esqueceu, Reafirma a questo de o sintoma ser uma forma de atualizar as experiéncias reprimidas: fragmentos fornecidos Pelo paciente quer seja pelos sonhos, pela associagio livre, pela transferéncia: Nossa experiéncia demonstrou que a relagiio de transferéncia, que se estabelece com o analista, é especificamente calculada para favorecer 0 retomo dessas conexdes emocionais. E dessa matéria-prima — se assim Podemos descrevé-la — que temos de reunir aquilo de que estamos & procura (p. 292). Ao paciente cabe recordar 0 contetido esquecido, a0 ana- lista compete completar o que foi esquecido, a partir dos wagos que © paciente deixou para trés ou, diré Freud, construl-lo, or af que se faz o vinculo entre o paciente ¢ 0 analista, O traba. lho deste, propde Freud, assemelha-se a0 do arqueslogo, que €scava em busca de indicativos de uma hist6ria enterrada ~ 0 soterramento pela repressio, a escavagao pela andlise (FREUD, 1907/1976). O analista busca fropmentes das lem- brangas, das associagées e do comportamento do sujeito da Minica Meleiros Kother Macedo & Leanica Kessel Carrasco (Qxgs) 2 andlise, diferenciando-se, no entanto, do trabalho do arqueslo- g0. Este traballia com evidéncias mortas, enquanto que, na ané- lise, 0 material que se evidencia, embora date de tenra idade, atualiza-se, tomna-se vivo, por repeticdo, pela transferéncia. O material esquecido, ‘no entanto, nunca é vitima da destruigao total. Depende exclusivamente do trabalho analitico 0 sucesso em trazer & luz 0 que est completamente oculto, Ao trazer 2 luz 0 material oculto, constitui-se um trabalho que Freud cha- mou preliminar, pois ao paciente competé dar seguimento ao material apresentado pelo analista. O’analista completa um fragmento da construgio e 0 comunica ao sujeito da andlise, de maneira que possa agir sobre ele; constréi entio um outro fragmento a partir do ovo material que sobre ele se derrama, lida com este da mesma maneira e prossegue, desse modo alternado, até o fim (p. 295). O trajeto que se processa parte, entdo, da construgaio clabo- rada pelo analista para terminar acessando a recordagao do pa- inte ou gerando nele uma convicgao da verdade da constru- nento gera o mesmo resultado de uma me- cao. Este convenc méria resgatada, Finalizando, neste texto Freud tematiza acerca dé a inter- pretagao aplicar-se a um elemento isolado, a um corte transver- sal no material, exemplificando com surgimento dos chama- dos atos falhos, enquanto salienta que a construgdo oferece um fragmento da hist6ria infantil esquecida; trabalhando assim, de forma longitudinal, revela as conexées existentes entre 0 fato atual e a hist6ria infantil. Em seu livro Um intérprete em busca de sentido (1990), Aulagnier descarta a idéia de uma hierarquizagao entre os dois modos de trabalho do analista propostos por Freud, ressaltando ser a construgio uma forma de intervencdo que viabiliza ao analisando interpretar elementos da sua hist6ria, permitindo-Ihe, 4 (Con}textos de enuevista: olhares divers sobre a interagdo humana assim, recontar sua historia infantil. Pode-se, entao, reafirmar a eterna colaboragio, no processo analitico, entre a construgao ¢ a interpretacao. Per via de porre, falando da falta Até agora transitamos por um terreno conhecido, terreno que oferece como matéria-prima um inconsciente recalcado ¢ como instrumento de trabalho a interpretagdo e a construgdo (ou reconstrugao). Cabe ao paciente associar livremente para que, em conjunto com 0 analista, desvanecam-se as repressdes © emerja um material com o qual o paciente vai poder lidar de uma forma mais madura. Os sintomas, substitutos do contetido recalcado, vaio poder ceder espago a medida que o material re- cordado puder ser elaborado. Pela agio da transferéncia, é pos- s{vel atualizar-se 0 que foi mal vivido, gerador das fixagdes. Um didtogo entre o paciente e 0 analista estabelece-se para que surja 0 representado por destocamento no sintoma, enquistado que estd na queixa objetiva trazida pelo primeiro. Possibilita-se © retorno das conexées emocionais. Para que isso ocorra, a as- sociagao entre paciente ¢ analista & basica. A sustentagio da demanda é 0 motor do trabalho. Fernandes (2003) afirma ser [..J esta demanda que levaré a uma pesquisa do material inconsciente, dando acesso ao infantil e estabelecendo assim uma espécie de continuidade capaz de construir elos entre ahist6ria do paciente e a sua vida atual. Trata-se de recontar velhas histérias que, na novidade da repetigao instaurada pela wansferéncia, permitem a criagdo de outras histérias. O paciente oferece seu inconsciente recalcado. E os pacientes que acorrem sem poderem oferecer esse simb6lico? Que nao trazem uma hist6ria para contar, que nao se utilizam da transfe- réneia para recontar ¢ construir outras histérias? Podem eles ser parceiros na viagem de um desvendamento quando o que Monin Medeiros Kother Macedo & Leaita Kessel Camasco (Ons) 8 podem oferecer é um vazio de'representacées? Podem cles ser escutados via associago livre ¢ trabalhados a luz da interpreta- ‘go e/ou da construg0? Per via de levare é a indicago? Nova- mente seguimos Freud, é por intermédio da clinica que os ana- listas propGem as revisbes-conceituais e, com elas, a questio de como se trabalhar em anélise. ‘Tem-se constatado uma ampliac&io no dia-a-dia da elfnica psicanalitica. Além dos pacientes das neuroses de transferén- cias, que acodem ao tratamento com um relato, com uma hist6- ria, com 0 registro de um outro, mesmo que frégil, em séu apa- relho psiquico, chegam analisandos com novas apresentagdes: (© ato, mais do que © relato; o corpo sofrendo diretamente por meio das anorexias, bulimias, adig6es de toda espécie, das psicossomatizagdes, da impossibilidade de um livre associar. © vazio que aponta para freas do aparelho que nao foram ainda esbogadas nem construidas e clamam em siléncio, na auséneia de uma cadeia associativa, aprisionando 0 sujeito em uma hist6ria sem nome (PAIM & BORGES, 2003). “Se, no processo de avaliagao e no processo analitico, deparamo-nos com pacientes em que mais do que histérias mal vividas nos oferecem fendas psiquicas, encontramo-nos, entao, diante da demanda de “preencher a fenda aberta pela inexisténcia inconcebivel de um outro” (MCDOUGALL, 1982). ‘Aulagnier (1990) também contribui com a questo da pré- tica analitica nos tempos atuais quando enfatiza ser utopica a idéia de perenidade do modelo do qual somos herdeiros. Refe- re, assim, a dois desvios: “aquele que nos separa de Freud ¢ aquele que separa Anna O de uma parte dos analisandos de hoje” (p. 103). ‘Analisandos de hoje que, na observagaio de Green (1990), nfo trazem a representacdo como algo evidente, pois se apre- sentam com uma pobreza na capacidade de associar, com uma inibigo fantasmatica. SSOHOSHOHOHSHHHHSHSOHTEHOOHOHECHOHHEEEOOY' e e e e e ¢ ° e e ° ° e e e @. e e e 46 (Conktextor do entrevista: lars densa tbe a intra humana Todo 0 trabalho analitico esté af... o que distingue os chamados casos neuréticos dos casos denominados dificeis ,precisamente, que nos casos chamados dificeis o analista deve, ele mesmo, fazer um esforgo considerivel de Tepresentagio daquilo que o paciente ndo pode representar, (© €, 0 analista deve fazer como se colocasse seu préprio paretho mental em agéo, como auxiliar do aparelho mental do paciente (p. 65). Pode-se pensar que, dessa forma, o lugar do analista corre per via de porre, n20 no sentido da sugestio, mas na acepgao de preenchimento de um aparelho que se encontra empobreci- do de representagses, Botella (2002), teorizando acerca da questao da irrepresen- ‘abilidade, enfatiza que, diante da perda da figurabilidade, mote ara que a interpretagdo se faga, 0 analista perde seu enquadre. Aulagnier (1990) vai propor “um sujeito tributério da me- méria e de um saber materno”, ao referir-se ao empréstimo ne- cessario que o sujeito psiquico faz de um discurso familiar, uma vez que, pela precocidade, uma lembranga pessoal niio se faz Passivel de rememoragav. um branco na hist6ria que sera assivel reconstruir a partir de um a posteriori : Quando representacdo e passado se afastam da centralidade om nossa clinica, é preciso que o analista se presentifique nio Como um objeto da transferéncia no sentido da atualizagio rememiorago, mas como aquele que pode jogar tintas, per via de porre, na tela carente de representagées a serem recordadas € ressignificadas Monica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Orgs) a7 Referéncias bibliogréficas APIGNANESI, L. F. Las Mujeres de Freud. Buienos Aires: Edi- tora Planeta, 1996. AULAGNIER, P. Uni intérprete em busca de sentido (v. 1). Sao Paulo: Editora Escuta, 1990. BOTELLA, C. & Botella, S. O Irrepresentavel: mais além da representacdo. Porto Alegre: Criacio Humana, 2002. FERNANDES, M. H. Entre a alteridade e a auséncia: 0 corpo em Freud e sua funcao na eseuta do analista. Comunicagio pessoal em Estados Gerais da Psicandlise. Segundo Encontro Mundial. Rio de Janeiro, 2003. FREUD, S. Delfrios e Sonhos na Gradiva de Jensen. Edigao Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de ‘Sigmund Freud: (Vol.IX). Rio de Janeiro: Imago: (Publicagio Original em 1907), 1976, ——___ Construgdes em Anilise. Edigéio Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de Sigmund Freud: (Nol.13). Rio de Janeiro: Imago. (Publicagao Original em 1937), 1976. —_____ Estudo sobre a Histeria. Edi¢@o Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de Sigmund Freud: (Volt). Rio de Janeiro: Imago. (Publicago Original em 1893), 1976. Fragmento da Andlise de um caso de Histeria. Edicéo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Comple- tas de Sigmund Freud: (Nol.7). Rio de Janeiro: Imago. (Publi- cago Original em 1905), 1976. Projeto para uma Psicologia Cientifica. Edicdo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de Sigmund Freud: (Vol.1). Rio de Janeiro: Imago. (Publicagao Original em 1923), 1976. 8 (Con)textos de entrevista: olharesdiverios sobre a interagio humtona Sobre o mecanismo psiquico dos fendmenos his- téricos: comunicagdo preliminar. Edigdo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de Sigmund Freud: (Vol.2). Rio de Janeiro: Imago. (Publicagio Original em 1893), 1976. Sobre a Psicoterapia. Edigéo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de Sigmund Freud: (Vol.7) Rio de Janeiro: Imago. (Publicacao Original em 1905), 1976. GREEN, A. Conferéncias Brasileiras de André Green, Metapsicologia dos limites. Rio de Janeiro: Imago, 1990. HORNSTEIN, L. Introdugdo a Psicandlise. Sao Paulo: Edi- tora Escuta, 1989. MCDOUGAL, J. Em defesa de uma certa anormalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. BORGES, G. & PAIM, I. O mais além da construgdo freudiana, Comunicagao pessoal. Porto Alegre, 2003. OLIVEIRA C. P. O Armorial é Pés-Moderno. Disponivel em: http://www. ities.com/pistache_online/pistachel/ catiaoliveira2.htm. acesso em dezembro de 2003. A ESCUTA NA-PSICANALISE E A PsICANALISE DA ESCUTA‘ Monica Mepeinos Korier MACEDO ‘CAROLINA NEUMANN DE BARROS FALcAo Freud inaugura novos tempos: 0 tempo da palayra como forma de acesso por parte do homem ao desconhecido em si mesmo ¢ 0 tempo da escuta que ressalta a singularidade de sen- tidos da palavra enunciada. Ocupa-se, em suas produgies te6- ricas e em seu trabalho clinico, de palavras que desvelam ¢ ve~ lam, que produzem primeiro descargas; depois, associagées. Palavras que evidenciam a existéncia de um outro-interno, mas que também proporcionam vias.de contato com um outro-ex- temo quando qualificado na sua escuta. Estes tempos em Freud inauguram a singularidade de uma situacao de “comunicagao” entre paciente e analista. Um chega com palayras que deman- dam um desejo de ser compreendido em sua dor, © outro escuta as palavras por ver nestas as vias de acesso ao desconhecido que habita 0 paciente. A situagio analitica é, por exceléncia, uma situagdo de comunicagdo: nela circulam demandas, nem sempre Iégicas ou de fécil deciframento, mas as quais, em seu ceme, comunicam o desejo e a necessidade de ser escutadas. A capacidade de ir além da ciéncia de sua época esté inti- mamente ligada a possibilidade de Freud de buscar nas pala vras de seus pacientes e em suas préprias, mais do que padroes de adaptagao & moral e costumes vigentes, e sim uma fala atraves- sada pelo inconsciente e pela sexualidade: mensagens cifradas ¢ “Ege capa fi publiado originalmente como antigo, com 0 mesmo isl, em Pye Revises de Pricandine~ (SSN 1415-1138) ano IX 15, anljon!05 COU :O.@: 0000000000000 00:00 30 {(Can)iexcos de entrevista: olhatesdivetsos sabre a interago hunsina enigmaticas que demandaram outra qualidade de escuta para ser compreendidas. Ao se deparar como sofrimento histérico, Freud se pés a escutar um corpo que falava; nos sonhos, descobre a capacidade dos elementos se condensarem e se deslocaremi, crian- do uma outra cena; nos lapsos, percebe a’expressdo de algo via ‘uma inesperada inabilidade na execugdio de atos ou falas, até en- tio exitosas. Ao dar cada vez mais espago para o que “escutava” de forma diferente, no contato com seus pacientes, Freud pode construir “tanto um novo ramo do conhecimento quanto um método terapéutico” (FREUD, 1940 [1938], p91). A palavra que se impée A Psicandlise surge em reac ao niilismo terapéutico do- minante na psiquiatria alema do fim do século XEX, 0 qual pre- conizava a observagio do enfermo sem escuté-lo ¢ a classifica- ¢do da patologia sem 0 intuito de oferecer-Ihe tratamento (ROUDINESCO & PLON, 1998). Freud inquieta-se com tal conduta, Mesmo tendo uma formago médica, e, estando imerso em um couteato cientifico de caréter positivist, a condata psi- quidtrica da época nao 0 satisfaz. Freud propte a todo tempo — edesde o inicio de sua experiéncia clinicano Hospital Salpétriere com Charcot ~ que 0 paciente fosse escutado. Embora ainda distante de fundar a Psicandlise, Freud j4 comeca a demarcar 0 importante papel que atribuiria & palavra, Cabe ressaltar que estamos falando de uma palavra que lhe abritia novas possibilidades de compreensdo do sofrimento hu- mano. Desta forma, dois trabalhos impdem-se: 0 de escutar a palavra do outro, bem como o de produzir palavras que vies- sem ao encontro dessa demanda de ajuda. Talvez. se demarque, desde estes tempos iniciais, uma caracteristica essencial da psi- ccanélise como método e técnica: estar aberta & singularidade deste outro que fala, seja na dimensfo referente a seu softimento ¢ pedido de ajuda, seja no que diz respeito ao efeito de sua agao ‘Monica Medeitos Kather Macedo 6 Leanira Kesseli Carrasco (Ores) st terapéutica sobre ‘ele. Ao abrir caminhos para que o homem repense sua histéria, a prépria psicandlise escreve sua hist6ria de transformagdes e ampliagdes. Os tempos iniciais sto os de emprego da hipnose. Em esta- do hipnstico, o paciénte descreve cenas, conecta-se com o ma- terial raumético. Cabe a0 médico, entio, comunicar-Ihe 0 que havia sido dito e descrito, uma vez que retornando do transe, 0 paciente de nada se lembra. Os sintomas so esbatidos pelo uso deste método, mas o sujeito ndo se apropria ativamente de sua historia. Entdo, no decorrer de seus tabalhos, Freud vai aban- donando a hipnose e direcionando-se & necessidade de criar outra forma de escutar. Surge a associacao livre. Também neste trabalho de desconstrucao e construgio, a Palavra do paciente tem um efeito na teoria e na técnica. Emmy Von N. Ihe pediu, certa vez, que no a tocasse, nio a olhasse e nada falasse; queria apenas ser escutada. A palavra impée-sé, apontando uma mudanga no caminho de Freud: a cura viria por ela, mas nao mais a palavra de um sujeito ausente que delegava ao terapeuta uma funcdo de meméria de seus contetidos trau méticos e que colocava em agdo um recurso que priorizava a sugestio. Agora, é por meio das narrativas ativas de um sujeito acordado, de seu discurso cheios de lacunas, da presenca ¢ au- séncia da palavra que o paciente passa a ser escutado. Ao reti- rar a palavra do que-a nosografia diz sobre o paciente, Freud entrega a palavra ao paciente, para que ele fale sobre si mesmo. Surge, entdo, a psicanélise, marcada pelo convite a que o anali- sando, em uma posigio ativa diante do scu proceso de cura, comunique-se e associe livremente. Introduzindo © conceito de inconsciente, Freud desloca a fala até um outro lugar, muito além da intengao consciente de comunicar algo: ao falar, o sujeito comunica muito mais do que aquilo que inicialmente se propés. O inconsciente busca ser escutado ¢ ter seus desejos satisfeitos, comunicando-se por in- termédio de complexas formagées: sonhos, sintomas, lapsos, 32 (Con)tertos de enttevista:olhares divers sobe a interagio hum chistes, atos-falhos; fendmenos que apontam para este “desco- mhecido” que habita o sujeito. E assim, abre-se na palavra a dimensdo do que escapa ao préprio enunciante. O campo da patologia € 0 primeiro espago no qual Freud observa a existéncia do inconsciente, ao focar o seu olhar sobre ‘0s sintomas durante os seus trabalhos com as histéricas. Anos depois, esta observago se amplia, abrangendo também o que da ordem dos processos psicolégicos normais: os sonhos apon- tam para a existéncia universal do inconsciente. Por meio des- tes, Freud depara-se com a imperiosa necessidade da escuta na prética clinica: so as associagSes do paciente que possibilitam (© acesso aos significados de seus sonhos. Distancia-se, assim, apsicandlise de uma idéia de “cédigo universal de deciframento”, uma vez que, no processo de compreensio das produgSes do in- consciente, a palavra teré de ser dada ao paciente. Ao tratar da psicopatologia da vida cotidiana, Freud escre- ve a respeito de “falhas” que se operam no discurso: palavras esquecidas, palavras trocadas, palavras suprimidas, palavras equivocadas. E 0 inconsciente mostra-se operante nao apenas no dormir, mas também na vida de vigiia. Ao tratar dos chistes, Freud detém-se em trocadilhos, piadas, aforismos: palavras que, sob a égide da comédia, podem ser ditas. E 0 inconsciente mos- tra-se operante na vida de vigilia, ndo somente por meio da falha, mas também como “criador de novidade” (HORNSTEIN, 2003, p.151). Os textos freudianos desta primeira década da psicandlise retratam, em ditima andlise, 0 dominio permanente do inconsciente sobre a totalidade da vida consciente. E assim, a associagdo livre ganha destaque fundamental. De fato, a andlise dos fenémenos psicoldgicos normais e pato- légicos s6 se mostra possfvel por intermédio dela, ¢, como contrapartida, exige-se do analista uma capacidade de escuta que no reduza os espagos simbélicos: que a associagao livre viabilizou. Ao paciente cabe comunicar tudo 0 que the ocor- re, sem deixar de revelar algo que Ihe pareca insignificante, Monica Medeiros Kother Macedo & Leanica Kesteli Carrasco (Onts) 3 vergonhoso ou doloroso, enquanto que ao analista cabe escutar © paciente sem 6 privilégio; a priori, de qualquer elemento do seu discurso. Na efetivagdo desta regra fundamental, instaura- se a situagao analitica, abrindo possibilidades do desvelamento da palavea: No seio da associagao livre vai-se produzindo um deslocamento da imagem, do fato como fixo, ¢ este vai-se incluindo em miiltiplas imagens caleidoscépicas cujas combinages possiveis se multiplicam ¢ onde 0 ritmo, a cadéncia, a intensidade maior de alguns fonemas, a excitagao explicita no gaguejar de uma palavra, 0 sentido duvidoso de uma frase mal construida, tudo isso vai dando tonalidades diferentes a estas figuras que mio passam desapercebidas 4 escuta sutil da atengo flutuante. Ao mesmo tempo, ao ser escutado pelo analista, 0 proprio sujeito que fala se escuta (ALONSO, 1988, p.2). Associando, 0 paciente fala de um outro — 0 inconsciente ~ que the € desconhecido e que irrompe em sua fala, quando a J6gica consciente se rompe. ‘Torna-se, entdo, presente, em al- gum determinado momento da fala do paciente, a légica do in- consciente, do processo primério. A partir de sonhos, atos-fa- Ihos, chistes, esquecimentos, ambigiiidades, contradigdes, esta I6gica vai se desvelando e os contetidos vao sendo significados com a ajuda da interpretago, Nestes primciros tempos da psicandlisc, Freud apresenta 0 aparelho psiquico dentro de um modelo tépico, composto de tus “lugares” = consciente, pré-consciente e inconsciente ~ que se organizam em dois sistemas com principios reguladores e de funcionamento completamente distintos. Estes construtos te6- ricos sustentam uma técnica psicanalitica, a qual designa a0 ana- lista 0 trabalho de tornar consciente 0 inconsciente. O analista atua como um decifrador, 0 qual, com seus recursos técnicos, € capaz, de traduzir € revelar ao sujeito os seus desejos, forne- cendo-Ihe sentido:desconhecido, A escuta analitica sob este SPHOHOHSHHSHSHHHHHOHOTCHDOHOOCHHHHHOHHSOOS OO eco @:000800000C000F008800 0000609000 4 (Coa)texts de enerevsea:olhates divers sabre a aterago humans, preceito técnico de tornar consciente 0 inconsciente fica revestida de um saber e de um poder, ou, utilizando a expresstio lacaniana, o analista fica em um lugar de sujeito do suposto saber. Lugar este que quando delegado pelo paciente pode, nos ‘momentos iniciais da andlise, auxiliar que palavras sejam enun- ciadas'a este outro, visto pelo paciente como possuidor de um saber pleno ¢ absoluto. Entretanto, 4 medida que 0 processo avanga, cabe ao analista a recusa da ocupagdo deste lugar. A condugio do processo analitico deve possibilitar a descoberta, por parte do paciente, de que ele é quem sabe de si: um saber que é patriménio de um territério desconhecido de si mesmo. Para alcangé-lo, além de ser escutado, o paciente deverd escu- tar-se, E somente ao assumir a posigdo de que nao sabe a res- peito de quem chega com uma demanda de ajuda, que o analis- ta poderd efetivamente exercitar a escuta analitica. A proporgio que avanga em suas formulagées tedricas, Freud vai construindo, modificando e reconstruindo concep- ‘98es técnicas, de forma a garantir a validade da psicandlise como método terapéutico. Em seus artigos sobre a técnica psicanali tica podemos acompanhar os dilemas de Freud. Como pensar “regras” para os procedimentos psicanaliticos sem cair em uma esterilizagdo da técnica; como construit um método ~ caminho a seguir ~ sem perder de vista a singularidade do encontro entre paciente ¢ analista. O risco era o de propor regras que passas- sem a ser tomadas como verdades absolutas — as quais nao caberia nenhum questionamento — levando, entdo, a um distanciamento dos preceitos de autonomia, liberdade e sin- gularidade da psicandlise. De fato, Freud sempre salienta.que © dominio da técnica é alcangado, principalmente, pela ex- periéncia clinica. Experiéncia clinica que ndo diz respeito apenas a0 atendimento de pacientes, mas também, e funda- mentalmente, & experiéncia clinica da andlise pessoal. O cui- dado com a escuta de si mesmo aparece no texto freudiano Monica Medeiros Kother Macedo & Leanita Ketseli Carrasco (Ores) 55 como condigao sine qua non para a possibilidade de exercer uma escuta em rela¢ao ao outro. De uma arte interpretativa a escuta da repeticio Sio as aventuras clinicas, com’ seus fracassos e sucessos terapéuticos, ¢ as aventuras da psicanalise aplicada, que vio conduzindo Freud a importantes formulagées te6ricas. A intro- dugdo de conccitos como narcisismo e transferéncia, bem como a constatagao do fendmeno da repeticao, é decisiva para evolu- go até um novo tempo da técnica psicanalitica. Em Além do Principio do Prazer (1920), Freud analisa esta evoluco, sa- lientando que, no principio, a psicandlise era, acima de tudo, uma arte interpretativa. Isto é, 0 intento do psicanalista redu. zia-se em descobrir, deciftar, reunir © comunicar o material inconsciente do paciente, combatendo permanentemente as re= sisténcias imbufdas a este processo. Tomou-se cada vez mais claro que o objetivo que fora ‘stabelecido ~ que o inconsciente deve tomar-se consciente ~ndo era completamente atingivel através desse método. O Paciente ndo pode recordar a totalidade do que nele se acha recalcado, € © que nao € possivel recordar pode ser exatamente a parte essencial (p.31). A conceitualizagao da pulsio de morte e da compulsio a repetigdo como sua manifestagdo clinica impuseram uma nova "Apsianlie pliearefes wilaso des apres prcalisos come mice de compretnsto &iexprezcio em tives campos do saber, odendeabraner par engl sinerpy 4s obras em fungi da vid da tuon ou ue nepcacto penta We exo eee, © objivo pind de Feed no empreg dpc pha er neds aga a fiiilse a campo medio, a0 procedinentetrpauticn, 7m todos ot sus cen sensiderados da cfr da pian pleads, com ef, pedemos consatar seiscninie um segundo objetivo, ee parame fs [Aus edo bre Lecudo Da Wied fesse das plcbingrafas habia, murano um pve sant nto ds eto Ls} Do mesma mado. Tm e Taba uaa ox lnts de sis erent ceolopas {ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 607-08) 56 (Con)textos de entrevista: ohare diversos sobre intoragio humana demanda técnica: além de ter alcance sobre 0 que nao é acessivel por causa do recalcamento, € preciso alcangar também 0 que ¢ inacessivel por ser desligado, nao representado. B, assim, a escu- ta psicanalitica transforma-se e amplia-se radicalmente: a tarefa do psicanalista nao mais consiste somente em recuperar uma his- {6ria, sen%o em possibilitar simbolizagées estruturantes. Neste sentido, a transferéncia ganha forga como espago pri- vilegiado do trabalho analitico. Na transferéncia, a palavra dirigida ao analista terd de ser remetida as suas originais deter- minagées, evidenciando o valor de uma histéria sempre tinica e singular. Talvez ai se faga presente com mais clareza o que esté além da palavra escutada no proceso analitico: a transferéncia como ferramenta técnica fundamental 56 € possfvel na medida ‘em que Freud vai valorizando 0 complexo encontro que ocorre entre © paciente ¢ © analista, Fora do papel de decifrador, 0 analista depara-se com um psiquismo aberto, que produz e re- produz continuamente efeitos de uma historia. Em Andlise Termindvel e Intermindvel, Freud (1937) aponta © efeito da escuta no campo analitico: a andlise é um processo “terminavel”, enquanto se refere “uso” da capacidade de escuta do analista, mas intermindvel enquanto se refere a capacidade adquirida pelo paciente de escutar-se. O processo analitico, a partir da escuta do psicanalista, envolve, assim, a instrumentalizagio da escuta do paciente em relacao a si mesmo. O encontro na clinica psicanalitica Luis Hornstein (2003), psicanalista argentino, ao trabalhar Monica Medes Kother Macedo 6 Leann Kesseli Caraseo (Orgs) 37 A ciéncia, em um primeiro momento, preconiza a possibi- lidade de predizer toda a realidade do mundo, 2 medida que fossem estabelecidas as leis gerais de funcionamento da natu- reza. Entretanto, a fisica - ciéncia da qual Freud vale-se de muitas nogées para as suas formulaces sobre o funcionamento do aparclho psiquico— passa, desde a época freudiana, por trans- formagées radicais em muitos de seus construtos, abrindo es- Pago para 0 quantico, o relativo, o complexo, 0 instével, 0 cria- tivo. Transformagées que levam ao questionamento da viséo determinista do mundo, ao renascimento da nogio de impre- visto e 2 incorporacio, pels ciéncia, da noc&o de probabilidade. Transformagdes que levam A quebra do paradigma do determinismo, o qual minimiza a criagdo e a liberdade. Condu- zindo tais transformagées € suas implicagées ao terreno psica- nalitico, é possivel compreender o psiquismo como um sistema aberio, que tem uma organizacio determinada, mas que pode modificar-se ¢ adquirir novas propriedades. “Pensar 0 sujeito ‘como um sistema aberto a intersubjetividade, nao somente no passado, sendo na atualidade, exige refletir sobre as tramas relacionais € seus efeitos constitutivos da subjetividade” (HORNSTEIN, 2003, p.97). O que é da ordem da relagdo ga- mha destaque, acima de tudo a partir dos seus efeitos sobre 0 sujeito, uma vez que esta concepsao de psiquismo como siste- ma aberto pressupde um permanente intercambio e uma com- plexa rede de inter-relagdes entre sujeita e abjeto A busca pela historizagao do individuo torna-se imprescin- divel. Freud sempre manteve a aspiracao de recuperar a verda- de histérica a partir da histéria narrativa do paciente. Hornstein (2003) aponta para a possibilidade de articulagdio dos aconteci- as relagdes entre intersubjetividade e clinica psicanalitica, res- mentos histéricos significativos com as montagens salta © quao importante sao 0s suportes teéricos do analista, fantasmaticas que acompanham suas representacées psiquicas. ‘uma que vez que sio eles que caracterizam e sustentam a praxis. Encontrar relagées entre circunstancias reais ¢ fantasméticas ¢ E desde os seus preccitos tedricos que 0 analista enxerga 0 articulé-las, ainda, com a interpretagao que 0 sujeito elabo- paciente como ser psfquico ¢ sustenta a sua escuta diante dele. rou acerca do vivenciado. Historizar implica considerar que i i 0005 C0000 COCO EDOCEOOO EC OEDOOLEE 58 (Con)textos de enuevisa: oaresdiversos sobre a interag humana, a historia no € uma estrutura invariavel, nem um conjunto de acontecimeintos imprevisiveis. Desde a primeira sesstio a “hist6ria oficial” € confrontada com aquela que 0 analista ajuda a construir, analisando as formages de compromisso. Os testemunhos do passado 0 6s sintomas, as transferéncias, as repetigdes, as formagies de cardter, os sonhos ¢ também as recordagées (HORNSTEIN, 2003, p.102). Justifica-se, entiio, a andlise dos suportes teéricos que sus- tentam a préxis do analista. Considerar 0 psiquismo como um sistema aberto, levar em conta que o psiquismo produz.e repro- duz continuamente efeitos de uma hist6ria, implica colocar a escuta em um campo intersubjetivo, ou seja, no campo da trans- feréncia. Entretanto, ainda que analista e analisando estejam incluidos no mesmo campo, nao hé entre eles uma relagiio de simetria. E a capacidade de escuta do analista que garante a assimetria necesséria ao processo. Escuta da pulsfo que insiste no alicerce de cada palavra. Escuta da pulsio evocada por cada palavra, Vivéncia pulsional reatualizada, repetida, insistente na busca por satisfaco, " Escuta que mantém a transferéncia, mas nfo se confunde com cla, no cede & convocatéria constante do paciente: © analisando se dirige ao analista como sendo 0 titico des- tinatério de sua palavra, o que nao é mais que a tentativa que 0 analisando faz de articular seu desejo a uma presenga concreta. De atribuir ao desejo um objeto para nao reconhecer que o de- sejo, em sua impossibilidade de satisfazer-se, implica em uma falta, em uma auséncia (ALONSO, 1988, p.3). Escuta que pressupse a abstinéncia do analista, impedindo uma satisfagio substituta do desejo e remetendo, assim, 0 su- jeito as origens infantis do seu amor. Desejos que, a0 nfo se- rem satisfeitos, abrem a possibilidade de ressignificagio. Monica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Camasco (Otes) 8 Andlise: interjogo de possibilidades e limites da escuta A importincia da escuta na psicanilise vai se evidenciando na medida em que percorremos os textos freudianos. As reco- mendagées da técnica, assim como os desenvolvimentos teéri- Cos, apontam sempre para a preocupagao de Freud de que a psicandlise no perca 0 que a diferenciava das demais possibi- lidades teraputicas: 0 valor dado ao autoconhecimento e, tam- bém, a liberdade pessoal. O que visa ser escutado na psicandli- se resulta ém uma psicandlise da escuta. Os lapsos, os sonhos, as repetigdes, os sintomas; enfim, as formas de subjetividade — livres de uma classificagao ou de r6tulos — abrem espagos de singularidade, A teoria psicanalitica no pode ocupar o lugar da histéria de vida do paciente. Os fantasmas do analista no podem ensurdec8-lo no encontro com o paciente. Desta forma, 0 fa- ‘oso tripé — formagao tedrica, atividade de supervisionar-se andlise pessoal ~ passam a ser recursos na qualificagio do pro- cesso de escutar 0 outro. A prépria historia da psicandlise, nos relatos clinicos de Anna O. e de Dora, atestam os riscos da “surdez” do analista. Como bem assinala Hornstein (2003): E possivel pretender que férmulas simples permitam compreender 0 processo analitico? Nao, analisar hipercomplexo: escutar com atengao flutuante, representar, fantasiar, experimentar afetos, identificar-se, recordar, auto. analisar-se, conter, assinalar, interpretar e construir (p.105), De fato, a preocupagao com a formagao do analista esta presente desde os tempos iniciais, Quando Jung, a partir de seu trabalho em parceria com Bleuer na Clinica do Burghélzli, tem a idéia de “tratar os alunos como pacientes” (ROUDINESCO & PLON, 1998, p.17) esta lancada a se- mente para o que depois tornat-se-ia a exigéncia da andlise 60 (Conptextos de encrevista olhares diveesos sobee 9 inceragho humana didatica na formagao de futuros analistas. E fundamental des- tacar, porém, que em 1925, quando foi instituida na Associ- ago Psicanalitica Internacional (IPA), a obrigatoriedade da andlise pessoal para a formagao psicanalitica visava a socia- lizagdo entre professor ¢ aluno ¢ o afastamento das priticas de idolatria e imitagio a Freud. Parece que, todavia, o intui- to inicial disiorceu-se, pois a0 longo dos anos, a IPA se havia transformado num vasto aparelho atormentado pelo culto da personalidade (..} Reencontrou-se, assim, na andlise didética, 0 poder da sugestio que Freud havia banido da pratica da psicandlise. Em conseqiiéncia disso, seus herdciros passaram a correr 0 risco de se transformar em discipulos devotos de mestres med{ocres, quer por se tomarem por novos profetas, quer por aceitarem em siléncio a esclerose institucional ({ROUDINESCO & PLON, 1998, p.18)- Talvez af tenha se perdido o que deveria ser o ponto maior de identificagiio com Freud: a liberdade de pensamento, Perce- ‘be-se, assim, que na intengo de criar regras de qualifieagiio do analista em sua escuta clinica, outros temas foram se interpon- do entre 0 processo de ser escutado para ser um psicanalista ¢ ‘© cumprimento das exigéncias para fer autorizagao de ser um psicanalista. Mas criam-se sombras diante dos temas que alu- dem a questio da andlise pessoal, ¢ que tentam permanecer disfargadas atras dela, Sombras que, uma vez existentes, pare~ cem transformé-la muito mais em uma busca’em atender x- péctativas preestabelecidas e institucionais, do que em uma busca em cuidar de si proprio como condigao fundante da pré- pria capacidade analitica. ‘Alonso (1988) demarca com propriedade que os mesmos fatores que podem oferecer possibilidades ao analista em rela- ‘¢&0 & sua escuta também podem limité-Ia. Em toro do analista esto 0 seu Fantasma, sua histéria pessoal, sua teoria e, ainda, a \ | Monica Medettos Kother Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Ores) “ hist6ria ¢ a atualidade do movimento psicanalitico, Escutar-se de fato em sua analise pessoal permite a instrumentalizagao do analista e oferece, conseqiientemente, a possibilidade de utili- zagdo de todos estes fatores como recursos que incrementam a sua capacidade de escuta ¢ de verdadeira sustentacio do seu lugar. Em contrapartida, a adesdo dogmitica e a conversdo em um estereétipo de psicanalista provocam, inevitavelmente, a limitagao: 0 “fantasma toma-se limite para a escuta nos pontos cegos. A teoria passa a ser limitadora da escuta quando entra na sessfio para ser aplicada ou confirmada” (p.5). Assim, alcance da escuta do analista também esté intrinse- camente vinculado a um proceso de historizagio, Historizagao que implica a apropriago de um fazer-se psicanalista, a compre- ‘ensfio que este € um processo complexo, continuo e intermina- vel. E 0 reconhecimento que “a possibilidade de escuta est no prprio desejo do analista, recuperado a cada momento pelo tran- sito das associagSes que Ihe permitem reconhecer seu desejo pes- soal em jogo para poder a ele renunciar, levando-o a nfo ter a necessidade de querer assegurar seu Jugar ~ nem pela rigidez. do setting, nem pela rigidez do gesto” (ALONSO, 1988, p4). ‘Ao propormos percorrer a hist6ria da escuta na psicanéli- se, chegamos a escuta da psicanilise. Ao langarmos nosso olhiar para a importancia dada pelo analista As palavras de seu anali- sando, demarcou-se o fundamental papel da escuta do analista em relacdo & si proprio, em sua andlise pessoal. De fato, a escu- tada Psicandlise encontra sua vitalidade na capacidade do analis- ta reconhecer o valor e a necessidade de ser ele proprio es- cutado, promovendo em si uma capacidade que esté fora do dominio da Tigidez ou da padronizagdo ¢ que, por isto, abre vias de acesso a escuta do outro. Assim recupera-se no tempo de cada analista, a criatividade e a vitalidade dos novos tempos inaugurados por Freud: 0 reconhecimento do inconsciente ¢ dos recursos de acesso & compreensio de seus efeitos. SCOHOHSOHSSSHSHHOSHECESODOSCLCOHOHSCHOHOOEOCOD: POHOHOHCCENHECOCHOCEHOCOS enccsccveseseoseo: a (Con)textos de enttevsts:elhates diverdos sone a interagio humana, Referéncias bibliograficas ALONSO, S. L. (1988). A escula psicanalitica. Texto disponi- vel na Internet www.uol.com.br/per. ais/pes atigo0120-htm. Acessado em 24 mai 2003. BARROS FALCAO, C de; KRUG, J. & MACEDO, M. Do passado a atualidade: a psique pede passagem. In: Macedo, M. (org). Neurose: leituras psicanaliticas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. HORNSTEIN, L. Intersubjetividad y clinica, Buenos Aires: Paidés, 2003. FREUD, S. (1920). Além do principio do prazer. Edigao Standard das obras psicolégicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 24v. V.18. ~ Esboco, 1940 [1938] (1937). Andlise termindvel e interminavel. Edigio Standard das obras psicolégicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 24v. V.23. (1940 [1938]. Esbogo de psicandlise. Edigio Standard das obras psicolgicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 24v. V.23. MACEDO, M. K. Transferéncia: uma esperada visita inespera- da. In: Macedo, M. (org). Newrose: leituras psicanaliticas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. ROUDINESCO, E; Plon, M. Diciondrio de psicandlise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, BY, J (1969). Artigos sobre Técnica: Introdugdo do Edigdo Standard das obras psicolégicas comple- tas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 24v. V.12. A IMPLICACGAO DO LUGAR DO ANALISTA NO DESTINO DO PROCESSO -ANAL{TICO Stsst Vien. Caste. Carouna NEUMANN DE Barros FALcio. Na cultura atual, a teoria e a técnica psicanalitica jé nao ‘ocupam o lugar de ideal de ego de outrora. As caracteristicas da modernidade so razées justas para tal acontecimento. Na ver- dade, observa-se uma resisténcia da cultura & psicandlise. Con- fuudo, entender isto apenas como um fendmeno extramuros & do considerar a crise em sua totalidade, eximindo os psicana- listas de suas responsabilidades. Jacques Derrida (2001), em Estados-da-alma da Psicand- lise, aponta para a existéncia, nfo de uma, mas de uma dupla resisténcia em curso: uma, do mundo a psicandlise e outra, da Psicanilise a cla mesma bem como ao mundo, ou seja, da psi- candlise a psicandlise como ser-no-mundo. Para além das resist@ncias da psicanilise ao mundo e vice- versa, vamos nos deter, a partir da afirmagio de Derrida, na questo de que a psicandlise resiste a ela mesma. Dentro do contexto metapsicolégico e clinico, em que se insere essa afir- ‘magdo? O autor afirma que & em seu poder de pér em crise que a psicandlise esté ameagada ¢ entra, portanto, em sua propria crise. Para ele o que deveria acontecer em cada sesso de an: se seria uma espécie de microrevoluco, e, portanto, a psicand lise deveria ser um processo de parte a parte revolucionsrio (DERRIDA, 2001), eo (Con)rextos de enttevise:olhares diverss eobre a interagfo humana Se nao nos cabe diivida de que a psicandlise foi, e continua sendo, a prética clinica capaz. de transformar 0 sofrimento hu- mano, de que forma ela acaba impedindo sua propria vigéncia quando resiste a si mesma? Estariam os préprios psicanalistas de hoje resistindo & andlise? A afirmativa de Derrida introduz a uestao do lugar do analista na clinica, no sentido do que cabe~ ria ao psicanalista para que cada sessdo tivesse efetivamente um cardter revolucionério. ‘A técnica analitica foi claborada a partir da teoria e vice- versa. Dessa forma as observagdes clinicas implicaram em no- vos aportes metapsicolégicos que por sua vez se desdobraram ‘ém novas perspectivas para a terapia analitica. Tendo isso em vista, tentamos recuperar nesse estudo como as ampliagdes fei- tas na metapsicologia ¢ na teoria da técnica freudiana possibili- tam repensar o lugar do analista de forma que 0 processo analf- tico seja transformador. Retomando 0 discurso freudiano, temos que, em um pri- meiro momento, a técnica analitica objetivava tornar conscien- te 0 inconsciente: 0 sujeito deveria conhecer suas representa- ‘goes recalcadas. Na clinica, por meio da interpretagdo, seria possfvel realizar 0 deciframento do inconsciente, de maneira a revelar ao sujeito a verdade ¢ o sentido de seu desejo. Neste procedimento técnico, a interpretagdo apresentava um modelo t6pico (FREUD, 1893-95). No quadro da primeira teoria das pulsdes, suporte metapsicolégico da técnica deste periodo inicial, 0 discurso - freudiatio apresentava as pulsdes sexuais reguladas pelo prin- cipio do prazer, enquanto que as pulsdes autoconservativas es- tavam reguladas pelo principio da realidade. No campo da ex- periéncia clinica, esta formulagio seria transformar 0 processo primério em processo secundério, de forma que © ego passaria a defender-se da sexualidade (FREUD, 1911). Assim, poderia- ‘mos formular que, neste tempo da técnica, ante a constatagao ‘Monica Medeitos Kother Macedo & Leatta Kessll Caraséa (Ores) 6 da verdade do seu desejo, 0 sijeito deveria abdicar dele, por meio do juizo de condenagao (FREUD, 1909). A concepgdo da ética que perpassa essa concepgio da téc- nica é a de que seria necesséria uma rentincia ao desejo por parte do sujeito, na medida én que.a satisfago deste colocaria em risco a sua conservagao. Portanto, o objetivo da técnica ana- Iitica relacionava-se ao decif:amento das verdades inconscien- tes para que pelo uso da razfio o sujeito pudesse renunciar a elas. Nesse process, entdo, estavam em evidéncia 0 ego, a ra- Zo ¢ a renticia. ‘Que jugar ocupa 0 analista dentro dessa concepeo técni- ca? O de intérprete de uma verdade que esta inconsciente, c, nesse sentido, 0 analista contaria com ego do paciente como aliado para poder decifrar tais verdades. O lugar do analista teria relacdo com uma posigio intelectual diante do paciente: aquele que saberia decifrar as verdades do sujeito. No entanto, Freud comega a dar-se conta da intensidade da Fepeticdo na andlise, passanco a apontar como questio basica da transferéncia o que é possivel ser vivido por intermédio dela (FREUD, 1914a). De fato, a repetigo feita pelo paciente deter- mina que, quanto mais o processo analitico se aprofunda, mais a resistencia por meio da regresso busca satisfagao das pulsdes no campo da transferéncia, A verdade revela-se por meio da repeticdo, denunciando a realidade psiquica do sujeito. Por ou- tro lado, a neurose buscada em um passado longinquo torna-se também atual. Desta forma, as patologias psiquicas se expres- sariam na clinica, sobretudo, pela repeti¢ao € no marco da rela- 40 analitica achardo sua possibilidade de resolugio. Repetem- se fragmentos do édipo organizados sob o signo da neurose de transferéncia, Esta repeti¢do permite a expressao da neurose histérica como poténcia atual. Quando 0 paciente repete na transferéncia, néo est empe- nhado em recordar, pois 0 ego obtém satisfagao a partir da re- POPOOSHHEHOHOSEHOVISGSHOHOHOHROZOOD SCHOCOCHOOHHHOOCEEOHHEHAHOESCEEHOSESCOO! | | | “ {(Con)extos de entevss: olharesdvecos sobre a interac humana Petigdo, posto que est investido de sexualidade (FREUD, 1914b). Esta constatacao de Freud, feita em 1914, parece mot var a pergunta sobre qual é 0 papel do ego no proceso analiti- co. Em outras palavras, poderia 0 analista contar com 0 ego no intento de recuperar a representagio recalcada, uma vez que este é parte interessada na repetigo? Assim, fica questionado o €g0 como lugar de retificagio das fantasias sexuais. Desde o onto de vista terapeutico, de nada serviria o conhecimento pelo go da representagao recalcada, na medida em que este se en- contra implicado neste processo (CASTIEL, 2003). Por outro lado, em As Pulsdes e seus Destinos, Freud (1915) Fetoma 0 conceito de pulsao, definindo uma quarta caracterfsti- a para esta — presso (Drang). Joel Birman (1991) salienta esse aspecto, afirmando que neste texto a pulsio € pensada por Freud, primordialmente por seu aspecto econdmico, como uma forga que impde ao psiquismo um trabalho. A irrupgao pulsional seria justamente 0 que obrigaria o sujeito a ter de realizar um trabalho sobre as excitagdes para que fosse possf- vel dominar a forga da pulsio como irrupgao. Assim, seria Preciso um campo de objetos por meio dos quais existisse a satisfagao e, a partic disto, a inscri¢o destas experigncias em um campo de representagées, Esta constatacdo tem uma repercussio técnica. Se néo é Possivel contar com 0 ego como aliado na tentativa de recupe- far a representacao recalcada, ¢ se o analista pode se constituir €m um objeto para a pulsio, isto quer dizer que o que se repete fa andlise 6 0 circuito pulsional. Dessa forma, os representan- tes pulsionais podem se tornar conhecidos, pela experiéncia intersubjetiva com 0 analista. Isto implica dizer que 0 analista interpreta as vicissitudes desta neurose hist6rica feita neurose de transferéncia em sua relagio com o complexo de castragiio, Por outro lado, a poténcia atual da neurose implica que o fator Quantitativo também esteja em jogo, colocando, desta forma, o econdmico em pauta ¢ no mais somente 0 t6pico. Monica Medeiros Kathér Macedo & Leanira Kesseli Carasco (Orgs) a Em Além do Priricipio do Prazer, quando Freud (1920) for- mula a segunda teoria-das pulsées, retoma o tema da repetigao. Descreve as repétigdes que se estabelecem como uma compulsio, ou seja, se repetem experiéncias do passado que no tem nenhuma ligagdo com o desejo de prazer e que nao foram representadas. A experiéncia analitica passa, entio, a suceder-se cada vez mais a partir do automatismo da repeticao, © que consistitia a neurose de transferéncia, Seu propésito pas- saa sero de colocar a compulsdo a repetigiio no cixo da trans- feréncia, buscando, deste modo, a sua simbolizacio. O campo da analise, entio, refere-se A dialética entre a for- a pulsional © sua simbolizagao, de modo que a condiguio de Possibilidade da segunda esté dada pela transferéncia. A’ expe- rigncia analitica passa a ser, cada vex mais, uma experiénci intersubjetiva. Assim, o “outro-analista” 6 quem possibilitard a simbolizagao do repetido. Esta concepeio da técnica fica mais enfatizada, a medida em que é possivel colocar de um lado Eros, como possibilidade de ligagao ~ representada na andlise pelo espaco de intersubjetividade por meio da transferéncia — © de outro, a puilsdo de morte — representada pela compulséio & repetigao. Assim, as elaboragdes teéricas ¢ técnicas feitas a partir de 1915 permite pensar que a andlise passa a referir-se a duas classes de atos ps{quicos: a0 conteiido representado e que, por isto, pode transformar-se em palavra e a uma outra dimensio de atos psiquicos que no se acham inseritos e que somente poderao articular-se como palavra, pertencentes a uma cadeia simbélica, pelo caminho da transferéncia ¢ da experiéncia intersubjetiva com o analista Na medida em que existem experiéncias que nao esto re- presentadas € que, portanto, nao podem ser recordadas, a inter- vengao do analista nfo pode mais restringir-se soiente 2 inter- Pretagdo, Diante desta constatacio, Freud (1937b) formula-o 68 (Con)textos de entrevista olhates dlversos sobre a interagio humana conceito de construgao, referindo-se A elaboragtio que 0 analis- ta deve realizar na andlise “essencialmente destinada a reconstituir nos seus aspectos reais e fantasisticos uma parte da historia infantil do sujeito” (Laplanche e Pontalis, 1994, p.97). Ou seja, construcdo é a soma da transferéncia com a hist6ria As intervengoes do analista ~ construgées ¢ interpretagdes ~ levam perlaboragiio, que seria a passagem de uma acei puramente intelectual do conteiido inconsciente a uma convic~ do baseada na vivéncia do pulsional, via transferéncia, e sua vinculagao com a hist6ria. A perlaboragdo seria, deste modo, a maneira pela qual a repetigao vai determinando o registro da simbolizagio. Por meio do trabalho perlaborativo, € possivel ces- sar a insisténcia da repeti¢ao do inconsciente (FREUD, 1914a). A partir de Andlise Termindvel ¢ Intermindvel (19372), € no Esboco de Psicandlise (1940), Freud apresenta a pulsfio de mor- te como 0 elemento mais poderoso no que se refere 20 éxito da andlise, Com isto esta colocando em evidéncia que a simbolizagao da forca pulsional, ou seja, a transformagio da pulsao de morte em Eros, pela transferéncia, ndo é sempre possivel. ‘Assim, de acordo com estes pressupostos, a anélise passa a ser um espago de intersubjetividade, circulagdo ¢ representa- Gao do pulsional cujo objetivo é sua transformagio no sentido do desejo. A andlise implica que analista e analisando possam, juntos, construir destinos para as forgas pulsionais e inscrevé- las no universo da simbolizagéo. Dentro deste contexto, a su- blimacio seria o destino pulsional que se relacionaria a formas alternativas de satisfagao do desejo. Efetivamente, Freud indicou em um momento mais tardio de suas formulagdes tedricas e técnicas que 0 rumo do trabalho analitico estaria, de algum modo, relacionado & sublimagdo (FREUD, 1940). Esta constatagdo de Freud € possivel justamen- te pelas modificagées de énfase na técnica, na qual a circulagio do pulsional ¢ a tansferéncia assumem a prioridade na clinica. ‘Monica Medelros Kother Macedo & Leaniea Kessel Carrasco (On) o Este segundo momento da técnica analitica faz. pensar em ‘uma outra concepso ética da-andlise, tendo em vista que nio est mais em pauta a rendincia ao pulsional. Assim, a problem4- tica que se estabelece para a éxperiéncia analitica é a de como construir caminhos alternativos para que as forcas pulsionais possam ter satisfagdo no universo psfquico e no campo da alteridade de acordo com a castracao. Essa seria uma outra con- cepgio ética da analise, segundo a consideragao do desejo € formas sublimatérias de satisfagio deste. De fato, essa virada da técnica em Freud possibilita uma outra dimensao do lugar do analista. Este entra com sua presen- ¢a, oferece-se como um objeto para a pulsdo ~ no no sentido da satisfago, mas, sim, criando umacircularidade. Froud (1937) afirma que a andlise deve ser levada a cabo num estado de frustagdo, destacando, com isto, que a circularidade pulsional na andlise € dada pela posigio de abstinéncia do analista. Isto dito nas palavras de Lacan: sustentar a demanda para que 0. desejo possa se manifestar (LACAN, 1958). E ao no respon- der A convocatéria de satisfagao vinda do paciente que 0 analis- ta abre espaco & manifestagéo do pulsional. Nesse processo, © analista esté implicado como pessoa, exilando-se do proprio ego e, portanto, em certo sentido ausen- te, mas presente com seu inconsciente, © processo analitico s6 verdadeiramente ocorreré a partir da condigao do analista de conseguir ocupar esse lugar de objeto ~ por meio do qual a pulsio tenta se satisfazer — e de sujeito da ago terapéutica. Essa ndio € uma posicao ficil de se aceder, e neste sentido pode- se compreender a afirmago lacaniana de que toda a resisténcia 6, na verdade, do analista (LACAN, 1958). Dentro desse con- texto, Derrida (2001) diz que o lugar do analista é “sem 4libi”, o que parece caracterizar bem a radicalidade desta posigao-de se oferecer como objeto, ao mesmo tempo, sustentar a deman- da, estar e ndo estar. SHCOHPHSSSHSSHSHOTROSSESSNDOGCHOHSOSCHHAOCTOTOHS: @eorvet e SOSOHOHHOHOECOHOHOCHHARACLED 10 (Contents de entrevst:olharesdiverioe sobre a interagSo fimana E ao tratar da hospitalidade que Derrida (2003) aponta a necessidade de, diante do que chega — ao Chegante ou Estran- geiro ~“que o deixe vir, que the ceda lugar, que 0 deixe chegar, sem exigir reciprocidade, nem mesmo o seu nome” (p. 28). E possivel relacionar 0 posicionamento do autor com este lugar radical de viver 0 processo analitico, de estar inteiro e ao mes- ‘mo tempo, exilado de si mesmo. Assim, percebe-se uma marcante diferenga no que diz. res- peito ao lugar do analista nestas duas perspectivas técnicas em Freud. Na primeira delas, estd presente a razo, 0 ego do ana- lista, revestido de um poder, sujeito suposto saber. A implica- ‘so disto é a intelectualizagao do paciente a respeito do conhe- cimento de si préprio, o que niio quer dizer transformacio pulsional. A segunda, ao contrério, € uma posicao do analista ‘que precisa ser atingida, no sentido da transformagao dos desti- nos pulsionais, muito além da intelectualizagao. Considerar estas duas perspectivas do lugar do analista abre espago para o questionamento do fendmeno da Reagio Terapéutica Negativa. Freud (1923) define a RTN em O Eyo eold: hd pessoas que se conduzem muito singularmente no Proceso analitico. Quando thes damos esperancas e nos ‘mostramos satisfeitos pela marcha do tratamento se mostram. descontentes ¢ pioram marcadamente (p.50).. Em Andlise Termindvel e Intermindvel (19372), remonta a RTN a pulstio de morte. Ainda que a RTN seja definida como uma resposta do pa- ciente ao destino da andlise, parece-nos que ela estd diretamen- te relacionada ao lugar que ocupa o analista no processo anali- lio. Se 0 éxito da andlise depende da simbolizagao da pulsao de morte, ocorre uma RTN quando isto nao é possivel. E verda- de que esta simbolizagio depende do paciente, mas, por outro Monica Medeisos Kothet Macedo & Leanira Keseeli Curssco (Ores) nu lado, depende tambéin da capacidade do analista de colocar-se como objeto da pulsao ¢ como sujeito da aco terapéutica, com todas as implicagdes que advém deste fato, Se © analista nao ultrapassa a perspectiva intelectualizante do deciftamento, a anélise ndo adquire uma dimensio terapéutica, © que pode re- dundar em uma RTN. ARTN, entendida desde a perspectiva do lugar do analista, €, em nosso entender, a resisténcia da psicanilise a ela mesma, isto €, a psicandlise resiste a ela mesma quando o analista nao estd em seu lugar. No entanto, € a radicalidade do lugar do ana- lista © que possibilita a psicandlise o estatuto de ser a forma terapéutica vigente, na qual é possivel dar conta da transforma- ao da economia libidinal. Transformagio esta que resulta em modificagses significativas e singulares no que diz respeito a apropriacio, pot parte do sujeito, de seu desejo. Referéncias bibliogréficas BIRMAN, J. Hreud e a interpretagio psicanalitica. Rio de Ja~ neiro, Relume-Dumard, 1991. CASTIEL, Sissi V. Implicaciones Metapsicolégicas y élinicas de la conceptuacién de la sublimacién como proceso psiquico en la obra de Freud. Tese. (Douturado em Psicologia). Univer- sidade Autonoma de Madrid, Madrid, 2003 DERRIDA, J. Estados-da-alma da psicandlise: 0 impossivel para além da soberana crueldade. Sao Paulo: Escuta, 2001 . Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida @ da falar da hospitalidade. Sio Paulo: Escuta, 2003. FREUD, S. Sobre la psicoterapia de la histeria, In: Breur, Freud, S. (1893-95). Estudios sobre la histeria. Obras comple- tas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994. 24v. V.2. 2 (Conjeentos de entrevsts: olhates divesos sobre a interagto humana (1909), Andlisis de la fobia de um nifio de cinco afios. Obras completas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994, 24v. v.10. (1911). Formulaciones sobre los dos principios del acaecer pstquico. Obras completas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994. 24v. V.12. (1914a). Recordar, repetir y reelaborar. Obras completas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994, vol-12. (1914b). Introduccién del narcisismo. Obras com- pletas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994, 24v. V.14. _____ (1915). Pulsiones y destinos de pulsién. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1994, 24v. V.14. (1920). Mas alld del principio de placer. Obras completas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994, 24v. V.18. ____ (1923). El yo y el ello, Obras completas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994. 24v. V.19. (1937a), Andlisis terminable e interminable. Obras, Ccompletas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994. 24v. V.23. __(1937b). Construcciones en andlisis. Obras com- pletas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994. 24v. V.23. (1940). Esquema del psicoandlisis. Obras com- pletas. Buenos Aires, Amorrortu, 1994,. 24v. V.23. LACAN, J (1958). A diregao do tratamento c os principios de seu poder. In: Lacan, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. LAPLANCHE J. & PONTALIS, J-B. Vocabulario da psicand- lise. Si Paulo: Martins Fontes, 1994. A SINGULARIDADE DA PsICANALISE. INFANTIL ADRIANA. AMPESSAN HA quinze anos, quando termine! o curso de graduagdo em Psicologia e recém- ingressava na formagdo analitica, encontra- va-me emi ir. momento em que o tema que este capitulo prépoe, no que diz respeito & Psicandlise Infantil, ocupava uma posi¢ao secundaria em nosso meio, e também no meu interesse. Na nossé cidade, Porto Alegre, naquela época, a tinica for- macio psicanalitica existente, com reconhecimento internacio- nal nio permitia o ingresso de psicélogos. Estavam surgindo novos grupos de formagio, do qual fiz parte, que permanece- ram gragas zo reconhecimento de sua profunda seriedade em nosso meio. Foram cursos quase que exclusivamente voltados 20 atendimento de pacientes adultos. Produzia-se uma valorizacao crescente ao retomno a Freud ¢ sua Metapsicologia, por um lado, ¢ a Lacan por outro. A es- cola inglesa da corrente de Melanie Klein (1981), que havia predominado no trabalho clinico infantil, até entao, ¢inclufa na sua proposta a técnica do brinquedo como recurso analitco (cria- da entre 1920 e 1940), perdia espaco. 'A posigdo primeira era sobre a clinica da linguagem, em detrimento daqueles que desejassem trabalhar com uma popu- lagdo que seencontrava num momento evolutive em que a pala- vra, somente, no era o instrumento possivel de andlise. ‘As dificuldades na busca dagueles psicanalistas que dese- javam iniciar-se, em algum momento, na pritica analitiea in- fantil, nao eram poucas. As contribuigées da senhora Klein e SPOOCHSHSHSHSSHSHSASOSCEHHSTSHEVHOSEHOHEDEODEG | ( 600650006009 O00S SECO ODO COLVCCC CLOSES 4 (Con)textos de entrevista: elhares diveres sabre #Interago himana seus guias técnicos estavam sendo postas & prova por nio res- Ponder aos obstéculos que surgiam na clinica psicanalitica de criangas daquele momento. Como trabalhar ento com-outros referenciais que dessem conta da singularidade teérico-técnica de paciente neste momento evolutive, se no contévamos com rincipios diretivos claros nem com guias técnicos para dar conta do que surgia na clinica com criangas? A situagao era a seguinte: alguém que sc aventurasse a tra- balhar na clinica infantil, com outros referenciais, que no 0 Meiniano, deparava-se com um “mix” te6rico e técnico que le- vava os analistas, muitas vezes, a intervengdes mais psiquidtri- cas do que psicanaliticas, No meu caso, em particular, ndo escapei de uma Perambulagao teérico-técnica na busca de profissionais mais experientes para a pratica supervisionada. Procurava integrar meu estudo teérico, que era transmitido no curso de formagio (um estudo profundo da obra de Freud e com 0 qual me identi- ficava), com 0 encontro de uma técnica infantil coerente dentro dessa mesma linha te6rica A busca fot longa, mas nela tive a oportunidade de encon- trar grandes profissionais entre eles, a psicanalista Silvia Bleichmar, que ajudou a nortear minha pritica clinica com crian- as. Essa autora parte de um eixo teérico dentro da obra de Freud que entende 0 inconsciente sendo formado por meio da relagao com o semethante. Refere que essa vivencia serd regis- trada no psiquismo incipiente € softerd os efeitos dos movi- mentos pulsionais que Ihe sio inerentes (BLEICHMAR, 1993), Silvia Bleichmar viabiliza a coeréncia que buscava entre 0 referencial psicanalitico freudiano ¢ a elfnica infantil. Inicia seu trabalho em Freud, trabalha suas idéias e define seus préprios pardmetros para a psicandlise, Encontrei em suas ricas contri buigdes tedrico-clinicas aportes para pensar, a partir do motivo de consulta, com sua produgdo de sintomas, um modelo diag. néstico e um modo de trabalhé-to. Monica Medeizos Kather Macedo & Leanira Kessel Carrasco (Oras) 15 Trilhando entio esse caminho dentro da proposta freudiana desenvolvida nos textos:de Freud (1915) da Metapsicologia ¢ redefinindo novos parametros técnicos, chegamos'& clinica com criangas. Trata-s¢ de campo privilegiado de descobertas, mas, também, o lugar onde as dificuldades técnicas se fazem mais Presentes. Pensemos um pouco em como se dé 0 processo das entrevistas iniciais na clinica infantil. Entrevista com os pais Iniciar um processo no campo da psicandlise com criangas, criando as melhores condigdes de entrada, resulta em diividas as quais todo analista jé deve ter vivenciado no seu trabalho cotidiano, Receber os pais antes da crianga, a crianga antes dos pais, deixar a escolha a critério dos pais e receber quem vier, ou se posicionar de inicio a respeito dé quem deve comparecer 20 primeiro encontro? Como lidar com situagdes cada vez mais treqiientes de casais separados ou da inclusdio de outros parcei- ros ou, ainda, como receber as novas composigdes famniliares que surgem nos tempos atuais? Como nao acredito ser possivel um “procedimento padrdo” penso que todas as opgdes devem ter como escolha a metapsicologia implicita nos atos de cada psicanalista. Quando os pais decidem consultar, por algum motivo, hormalmente o primeiro passo em dirego ao analista é por intermédio de um contato telefénico e, na maioria das ve- zes, é a mie quem o faz. Porém, mais importante do que o comparecimento de determinada pessoa ser a sustentagdo da posigao analitica (tarefa nada ficil!) de “escuta”. Escutar com quem a mie, se for ela quem ligou, pensou em vir, com quem ela estabelece vinculos e o que propée neste primeiro contato. 16 (Conltextos de entrevista olhares diversos sobve 4 interago humana Certa ocasido, ao perguntar a uma mae com quem pensara vir & consulta, ela respondeu, sem hesitar, que com a crianga porque as duas compartithavam todas as situagdes de vida. Essa senhora, que jé tinha uma experiéncia analitica anterior, ao en- trar no meu consultério, sentou-se inicialmente na minha pol- trona e depois me conton que 0 motivo da consulta era a culdade do filho em aceitar qualquer regra do colégio no qual recém: ingressara, A mulher ido carregava a idéia de espagos diferenciados entre ela ¢ o filho, ¢ o pai da crianga nao era cita~ do em nenhum relato a nao ser quando se fizesse alguma per- gunta sobre ele. Pergunto no telefonema pelo pai, ndo pelo marido, porque no sei, a principio, se uma muther que tem um filho tem um marido. E tampouco me importa a realidade conjugal dela. Nés, analistas, néo ocupamos uma posigiio religiosa ou pedagégica; ‘© modelo do pensamento psicanalitico € outro, no sendo eu quem deva decidir que relacao hé entre sexualidade, matemi- dade ou matrimonio. Normaimente pergunto, se 0 pai ndo for mencionado, se ele sabe, se esta interessado em comparecer € ‘me posiciono (somente depois de ter ouvido a posi¢ao de quem fez 0 contato), assinalando que prefiro uma primeira entrevista sem a presenga da crianga. Pais que contam no consult6rio tudo diante de seus filhos, ou, o que é muito comum, que baixam seu tom de voz para contar algo que 0s filhos nao deveriam ouvir, agindo na presenga deles como se estes nao estivessem presentes; so pais que contam tudo em todos os lugares. Estes pais nao tém claro o efeito que o que contam causa nos filhos. Sio pais que nfo podem criar espagos de diferenciagao © de discriminagao de papéis lugares. Adotar uma escuta do modo como sé posicionam 03 pais que nos ligam apés a primeira consulta e receber 0 que puderem nos contar é trabalho do analista. Trata-se de, posteriormente, auxiliar na demarcagdo dos espagos ¢ tratar de auxilié-los na Manica Medeios Kother Macedo & Leanisa Keseli Carrasco (Orgs) n construgo ‘de um espago de diferenciagdo para ver como se segue 0 processo a partir de eritao. Outro aspecto no qual, propositalmente, nio me detenho inicialmente, neste primeiro ou segundo encontro com os pais, € na hist6ria da crianga. A histéria, como adverte Silvia Bleichmar (1994), pode fascinar a escuta analitica ou produzir uma saturagio de sentido, impedindo o analista de conhecer 0 que deve encontrar. Esta entrevista € a iltima que realizo antes da devolugio. A partir daf, detenho-me a entender o motivo da consulta tratando de diferenciar 0 que é da ordem do sintoma’e 0 que € da ordem do posicionamento desejante dos pais. Exemplifico: ‘uma criancinha encaminhada pelo colégio apresentava certa dificuldade de concentrar-se e apreender os contetidos, mas, na entrevista com os pais, estes a descreviam como inteligente, porém, distrafda - devemos ter claro 0 que faz parte do desejo dos pais e 0 que € da realidade. Uma crianga pode estar distraida porque nao pode parar de pensar no nascimento de um irm&ozinho recém-chegado, por exemplo; ou porque esté dian- te da intensidade de representantes pulsionais que invadem seu ‘ego sem que este possa exercer seu papel de filtrar estimulos (FREUD, 1895). O diagnéstico diferencial é importantissimo, mais ainda na clinica da infancia, para estabelecer a estratégia adotada pelo analista, € a escolha de interveng0es adequadas, elementos determinantes no processo da cura analitica. © motivo de con- sulta deve responder, por um sintoma ~ “retomo do recalcado” ‘como no modelo da neurose do adulto, ov, por um destino pulsional anterior ao do recalcado, vicissitudes de patologias mais sérias. Cabe ao analista estar capacitado para dar conta do diagndstico diferencial de forma clara. ‘A entrevista com os pais e o que eles puderem nos trans- mitir consciente ¢ inconscientemente, por meio do motivo de 8 (Con)textos de entrevista: olhares diversas wbre a interagto humana consulta da crianga, ajudam a conceber a realidade do incons- ciente infantil. Inconsciente este marcado pelo encontro com a figura materna, ¢ mais tarde paterna, causando um efeito na estruturago da sexitalidade infantil. Ao escutar os pais, vou levantando hipdteses que vo ou no sendo confirmadas ao longo da entrevista, com respostas as perguntas que vou formulando. Eu testo minhas préprias hi- p6teses para chegar a um possfvel diagnéstico, que s6 é impor- tante na medida em que define uma estratura e resulta na esco- Iha de uma estratégia terapéutica eficaz. s pais vio nos dando elementos, a partir do que relatam e, com eles, vamos buscando entender como & constitu{do in. consciente infantil. © objeto da Psicanélise de criangas é o in- consciente, no dos pais, nem da familia, mas da propria crian- gae a Psicandlise é um método de indagagdo dos processos psiquicos. As perguntas formuladas aos pais devem ter uma direglo, inquire-se a realidade sobre certos elementos para dar conta de uma hipétese, Hé um tempo, questionava uma supervisionanda sobre 0 porqué de perguntar tal coisa aos pais, e ela me respondeu: “Para. saber um pouco mais”. Um pouco mais do qué? ‘Temos que saber 0 que buscamos, 0 que estamos querendo saber e, tam- bém, depois poder ouvir outras coisas que vio surgindo. Perguntar aos pais se a crianga se interessa pelo movimen- to do liquidificador, na cozinha, pode parecer absurdo ou bizar- 0, mas no se a hipétese diagnéstica que estou formulando for de Autismo. A pergunta deve ter como meta a delimitagio de um campo, para armarmos o método. Por fim, neste primeiro ou segundo encontro, esclarego todo © processo diagnéstico aos pais, Cabe destacar que esses mo- mentos de entrevistas com os pais costumam ter uma duraga0 maior do que o habitual. Falamos de como se dari todo processo Manica Medeiros Kother Macedo & Leanira Keseli Cartsco (Orge) z= e, assim, Ihes forneco uma estimativa do tempo que levara. Com- binamos também como falar com a crianga sobre a vinda em meu consult6rio, Proponho um projeto de trabalho. ‘Telefonema dos pais Antes do encontro com a crianga, solicito aos pais que me telefonem, para me colocarem a par do que disseram & crianca, quando contaram da sua vinda ao meu consultério. Verifico assim, como se posicionou transferencialmente a crianga, para saber com que transferéncia vou me deparar de entrada. E mui- to importante 0 modo como as criangas sfio colocadas em ané- lise € como esté centrada a resisténcia. Tento criar boas condi- goes de chegada. Sabemos que nenhuma crianga se recusa a vir consulta se 08 pais acreditam na Psicanélise. As criangas nfo pedem aos pais para ir & escola, vo porque os pais esto convictos da ne- cessidade. Algumas pessoas rezam porque sofrem, outras pro- ‘curam um psicanalista. O que faz os pais buscarem atendimen- to 6 a convicgao de que a andllise beneficia; isso é uma crenga cultural, e, se os pais a tem, transmitem & crianga. ‘Tomo 0 cuidado de s6 receber uma crianga se existe a pos- sibilidade de trabalhar com ela, porque qualquer passagem pelo consultério tem um efeito importante. Entrevista com a crianga . Desde sempre assoviamos brincadeiras ¢ brinquedos com as criangas. Eles tém uma fungo simbélica e de prazer, pata nés, analistas, mais do que isto, constituem 0 meio de acess ao seu inconsciente, S40 formas de viabilizar trocas, de promo- ver intercmbios humanos. | ' i Sao ESSEC 80 (Con)textos de entrevista: olhates divers sobre a imeragto humana O importante na escolha dos brinquedos do consultério é que eles sejam capazes de expressar fantasias para serem anali- sadas. Escolho objetos que permitam as criangas pensarem. £ por meio dos brinquedos que expressam suas fantasias e cabe a0 analista ir dando-ihes um sentido. A interpretaco é ofereci- da por intermédio do que for surgindo na brincadeira. © analista de criangas tem o direito de recuperar seus aspectos Itidicos e trabalhar com 0 humor. O material é ape- nas 0 ponto de partida, nao € 0 objeto da andlise, mas deve ser prazeroso para ambos, analista ¢ paciente. Em meu con- sultério hé uma mesinha baixa com duas cadeiras, varios tipos de material gréfico & disposigfio ¢ comum a todas as criangas (blocos de papel, lapis de cor, giz de cera, marcadotes coloridos, cola, tesoura, durex, cordao, massa. de modelar...); além disso, tenho uma casinha de boneca “Fische-Price” com todo 0 mobilidrio e distintos persona- gens representados com faixas etdrias distintas. Posso tam- bém perguntar aos pais, durante a primeira entrevista, com 0 que a crianga gosta de brincar em casa e incluir esse material em sua caixa individual. Possuo uma cémoda com varias gavetas chaveadas, que é de uso individual de cada crianga. La dentro néo coloco nada que estrague fécil ou que precise ser substituido — esse mate- rial fica disponfvel sobre a mesa. Coloco na gaveta jogo de ché, animais de fazenda, pequenos bonecos, paninhos, trens, carros, avides e outros materiais que julgo interessantes de- pendendo da faixa etdria e do sexo da crianga, todos como instrumentos de facilitagio da expresso de seus desejos ¢ fantasias. Moveis, brinquedos e material gréfico, no meu consult6rio esto colocados de uma maneira tal, que, ao entrar, a crianga tem uma visio do que ofereco para comunicar-se comigo, sem precisar ser dito. Em geral, dirigem-se diretamente para 14. ‘Monica Mederos Kother Macedo & Leann Kearelt Carrasco (Orgs) La Procuro nio usar jogos prontos, pelo menos, néo os ofe- rego & crianga, Posso até jogar por um tempo, mas niio o fago como hatito. O jogo, as vezes, néo produz criagio e pode au- mentar a resisténcia, mas deve-se respeitar a singularidade de cada crianga. O Iudico em psicandlise niio é jogar — 0 modo de posicionar-se diante das coisas. Recebo a crianca, ndo como a professora da escolinha ou como um “bebé oligofrénico”. Devemos ter 0 cuidado para nfo tomer pueril a andlise com criangas. Somos analistas estamos para ajudar a pensar, entender o motivo de consulta ¢ depois, caso fique em tratamento conosco, analisar. A primeira entrevista com a crianga € para nos conhecer~ mos. Nela me apresento, digo quem eu sou ¢ 0 que fago. Con- versamos sobre por que veio, o que pensa sobre isso, explora- mos os rinquedos ¢ falamos. ‘No término, posso pedir um desenho se a entrevista foi pobre de conteddo para que a crian- ‘ga no saia com a sensagfo de vazio. Na segunda ¢ terceira entrevistas, caso a crianga esteja falando e brincando, seguimos:o ritmo do-encontro, senao, ‘posso pedir um desenho livre e outro da familia, Sto alterna- tivas que me ajudam a pensar no inconsciente infantil, princi palmente se tenho diividas diagnésticas. Realizo também, em algumas situagées, testes como 0 TAT, dependendo da faixa etéria e do nivel intelectual. Testes como esses exploram o mundo fantasmético infantil, permi- tem ver como esté organizada a estrutura edjpica. Nao realizo testes que tenham um cardter pedagégico. Se existir a neces- sidade de realizar um WISC, encaminho a um colega. Geral- mente o fago se tenho sérias dividas com diagnésticés dife- renciais envolvendo suspeita de psicose. Se a suspeita for de algo orgénico, encaminho a um neurologista. SHOCSSOHOSHHAEEHESOOHOHOSOCOHEOHLER= peCeOCCeEHO! es e e e e e e 6. e e e e e @ e. e © A ENTREVISTA MOTIVACIONAL: IMPORTANCIA DO ACOLHIMENTO A DEPENDENTES QUIMICOS TRANE DE LIMA ARGIMON Ketty Carposo Pam Considerando a importincia do primeiro contato com 0 Paciente, nos centraremos no acolhimento ao pacieiite depen- dente quimico, quando da sua internagiio em uma tinidade de tratamento para dependéncia quimica. © O principal objetivo de um trabalho terapéutico é facilitar mudangas comportamentais que diminuam 0 sofritnento € au- mentem as contingéncias reforgadoras; para que isso acontega € necessério pensar na relagdo terapéutica. Rangé (2001) afir- ma.que 0 paciente que estd buscando ajuda é privilegiado pelo trabalho do terapeuta capacitado em técnicas e procedimentos especificos ao mesmo tempo em que utiliza habilidades soc importantes como a empatia. Um primeiro objetivo esté relacionado a consteuir a rela- ‘go favorecendo a confianga e cooperagio do paciente, mobi- lizando-o na busca de ajuda e possibilidade de alivio de seu sofrimento, Um acothimento afetuoso, sem risco de censura, serviré como um facilitador e como um instrumento para auxiliar na mudanga do comportamento ¢ das crengas disfuncionais do paciente. A alianga passa a ser colaborativa e no impositiva permitindo que 0 paciente possa se sentir seguro para compar- tilhar suas dificuldades. E importante que o terapeuta mostre 88 (Con)textas de entrevista: olhares divesos sobre a inreragto humane uma atitude flexivel, porque, neste momento, o paciente inter- nado necessita de empatia, naturalidade por meio da forma do terapeuta olhar, falar, apertar a mao, expressar uma postura amigavel, ter firmeza quando necessério, usar uma linguagem compreensiva para o paciente, atengdo, aceitagio. Falando sobre a dependéncia qufmica Entendemos a dependéncia quimica como uma relagao disfuncional entre uma pessoa ¢ seu modo de usar (consumir) uma determinada substancia psicoativa. Segundo Laranjeiras (2002) as substincias utilizadas possuem potencial de abuso podendo vir a desencadear a auto-administragao repetida, que geralmente resulta em tolerancia, abstinéncia e comportamen- to compulsivo de consumo. : A dependéncia quimica implica uma “necessidade” psico- 16gica e/ou fisicad droga; centra-se na necessidade do uso para atingir um nivel maximo de sentimento de bem-estar e & adap- tagao fisiolégica ao uso cronico da substancia, com envolvimento de sintomas quando a droga é interrompida ou retirada Por esses fatores compreendemos que deixar de usar uma substancia, da qual a pessoa 6 dependemte fisica e/ou psico- logicamente, ndo € uma decisao fécil de ser tomada. Pelo contrério, € necessério que esteja disposta a enfrentar mui- tas dificuldades, entre elas, a sindrome de privagdo da dro- ga. com seus sintomas desconfortdveis, ¢ 0 vazio deixado pela falta de uma “companheira”, como muitos pacientes se referem A droga ulilizada, que antes era (do presente na sua rotina. Dessa forma, para mudar e permanecer abstinente, é preci 50 motivago para a mudanca. Miller & Rollnick (2001) refe- rem que motivagio € o interesse e 0 entusiasmo que temos para Monica Medeiros Kother Macedo & Leaita Kessli Coraco (Ores) 89 agir e nos movimentarmos em diregao As mudangas positivas necessirias para a nossa vida, ou seja, €um estado de prontidao ou vontade de mudar. Em nossa experiéncia, os, pacientes, que se internam ein uma Unidade de Dependéncia Quimica, expressam sentimento de ambivaléncia em relagao A decisao de mudar. Uns,em maior intensidade, como no caso de internagées involuntérias € ou- tros mais amenamente quando j4 se conscientizaram de que a mudanga é necesséria, mas que, mesmo assim, questionam-se sobre a necessidade do tratamento, sentindo medo ou vontade de desistir. Por essa razo, 0 nosso papel é estimular a motiva- ‘go paraa mudanga com o objetivo de facilitar a superagio das dificuldades de permanecer em abstinéncia. Entrevista Motivacional A Entrevista Motivacional € uma intervengdo estruturada {ue tem sido muito utilizada atualmente no tratamento de com- portamentos dependentes (MILLER & ROLLNICK, 2001; OLI- VEIRA, 2001). Para Knapp (2000), o ponto principal no mode- lo cognitivo é auxiliar o paciente a identificar a forma como ele consir6i ¢ entende seu mundo ¢ facilitar de forma colaborativa experimentar novos jeitos de se relacionar com diferentes as- pectos de sua vida. Portanto a Entrevista Motivacional tem como objetivo aumentar a motivaco do paciente, fazendo com que a mudanga venha de dentro, em vez de ser imposta de fora. Podemos dizer que a motivagzo € o ponto-chave na tomada de decisio entre abandonar ou continuar com o padréo de uso problemitico de substincia. Quando o paciente percebe que est tendo problemas e que isso tem de ser mudado, ele proprio pode identificar as habilidades e os recursos necessdrios para realizar essa mudanga ou procurar ajuda especializada e comprometer-se com um tratamento (MILLER & ROLLNICK, 2001). SPOHOSSOSOCHSHSOHRECHESHSCHCHOHSSHHOHESCBOHE ; 2OODAOHOROHHHOOHHOHOOOOHOHORO 600 90 (Con)eextos de esteevista:cthaes diverts sobre a interagio humana Quando o paciente esté diante de uma decistio de abando- nar 0 comportamento de dependéncia, passa por um periodo de ambivaléncia entre, manter © comportamento dependente ou abandoné-lo, surgem questionamentos tais como: “Por que mudar? Para que mudar? O que ird acontecer se eu mudar?”. A resolugiio dessa ambivaléncia diante da mudanga do comporta- mento-problema é uma das principais metas da Entrevista Motivacional (OLIVEIRA, 2001). A fundamentagao te6rica da Entrevista Motivacional quanto 0 processo de mudanga’ est baseada no modelo transtedrico da mudanga proposto por Prochaska e DiClemente (1982) pelo qual se pode identificar os estigios motivacionais em que se encontram os pacientes. Estes autores propuseram seis esté- ios, que se inserem em uma “espiral de mudanga” pela qual 0 paciente usualmente circula varias vezes antes de alcangar a mudanga estavel Os pacientes diferenciam-se no grau em que reconhecem 0 seu consumo de substincia psicoativa como problemitica e na sua prontiddo pessoal para mudar. Os estégios motivacionais idemtficados por Prochaska & DiClemente sio os seguintes: Pré-contemplagao: O paciente nao percebe que tem im problema ¢ precisa de ajuda, por isso no considera a possibili- dade de mudanga em seu comportamento. Assim, nio se dé conta € nao tem planos de mudanga. A postura do, terapeuta nesse estigio € flexibilizar sobre a evidéncia da dependéncia, evantar dividas, estimular a percepgio do paciente sobre os riscos e problemas do comportamento atual. Contemplagao: O paciente passa a ter alguma consciéncia de que existe problema, mas encontra-se ambivalente em pro- mover a mudanga, Nesse estégio, 0 terapeuta deve inclinar a balanga, ou seja, evocar as razSes para a mudanga, os riscos de nao mudar, fortalecer a auto-suficiéncia do paciente para a mudanga do comportamento atual Ménica Medeiros Kother Macedo & Leanica Kesseli Carraco (Orgx) 3 Determinagao: Nesta etapa hé a percepgao do problema, bem como da necessidade de promover mudangas. O papel do terapeuta é de ajudar o paciente a determinar a melhor linha de agdo a ser seguida na busca da mudanga. Agdo: 0 paciente’ esta pronto para transformar-se. O terapeuta ajuda o paciente a dar passos rumo & mudanga. Manuten¢ao: Existe a incorporagio da mudanca no seu estilo de vida. © terapeuta deve reforcar 0 sucesso, ajudar 0 paciente a identificar ¢ a utilizar estratégias de prevengdio de recaida, Recaida: Se a mudanga nao se mantém, 0 estégio é 0 de tecaida no qual o paciente retorna aos comportamentos ante- riores precisando novamente evoluir nos estéigios motivacionais (O terapeuta ajuda o paciente a renovar os processos de contem. plagiio, determinagio e agdo, sem, que este fique imobilizado ou desmoralizado em conseqiiéncia da recaida O caminho entre os estégios motivacionais pode scr evolutivo ou regressivo, nos quais a ambivaléncia é 0 principal obstaculo para uma boa evolugio. Entre os principios que estruturam a Entrevista Motivacional, Miller & Rotinick (2001) descrevem cinco prin cipios clinicos a seguir descritos: Expressar empatia: Este principio sugere que 0 terapeuta de- senvolva um estilo terapéutico empatico durante todo 0 processo, Desenvolver discrepancia: E ajudar o paciente a ver e sen- {ir scu comportamento problemético ¢ 0 quanto este o impede de alcangar suas metas, evidenciando onde a pessoa este aon- de ela quer chegar. Evitar argumentacao: Pressupdc que a resisténcia do pa- ciente é fortemente influenciada pela forma como o terapeuta se dirige a ele. A confrontagao gera resisténcia e € 0 sinal para 92. (Con)textos de entrevista: olhates diveraos sobre a interagto humana, fo terapeuta mudar as estratégias. Assim, ao evitar a argumenta- ‘co, o terapeuta estaré evitando que. paciente fique ainda mais resistente, ‘Acompanhar a resisténcia: A relutancia ¢ a ambivaléncia sdlo reconhecidos como naturais e compreens{veis pelo terapeuta, ‘Acompanhar a resisténcia inclui 0 envolvimento ative do terapeuta no processo de solugio de problemas. Estimular a auto-eficdcia: Uma das principais metas € au- mentar a percepgio do paciente no que diz respeito a sua capa- ‘cidade de enfrentar 0s obstdculos que se apresentam ao longo do caminho da mudanga. O Acolhimento ‘Toda e qualquer internagAo hospitalar tem um cardter ansiogénico. Permanecer em um lugar estranho, longe da fami- Tia c de sua casa € uma situaco estressante. Em uma intemagio por causa do uso abusivo de substancia psicoativa se somam os Sentiments de culpa, vergonha, medo do desconhecido & ambivaléncia além de sintomas fisiolégicos decorrentes da sindrome de abstinéncia. ‘A chegada do paciente a uma Unidade de Dependéncia Quimica é um momento de sofrimento ¢ intensa ambivaléncia, Portanto € de extrema importncia o acolhimento deste pacien- te com empatia e aceitagdo incondicional como forma de ate~ nuar tais sentimentos € proporcionar uma atmosfera de segu- ranga. Assim, estaremos intervindo em sua motivagao para mudanga. Um ambiente em que o paciente receba apoio favo- rece que ele possa ser capaz de explorar suas experiéncias de forma aberta ¢ identificar estratégias para resolucao de seus problemas. © papel do terapeuta no ¢ ditetivo no sentido de fornecer solugdes; em vez disso, ele precisa oferecer trés condigées para Monica Medeirar Kother Macedo & Leaniea Kesteli Carruco (Orgs) 3 preparar o caminho & mudanga:natural: empatia, aceitagao incondicional ¢ autenticidade, Na Entrevista Motivacional, © clemento empatia é um ponto determinante na motivagao para mudanga do paciente e: consiste na capacidade do terapeuta de se colocar de maneira efetiva no lugar de seu paciente compreendendo a sua perspectiva e os seus senti- mentos, demonstrando, que apesar de no necessariamente concordar com eles, aceita-os € os considera legitimos (MILLER & ROLLNICK, 2001). Muitos pacientes iniciam o tratamento no estagio de moti- vagiio para mudanca “Pré-contemplagio”, quando nfo perce- bem a necessidade daguele, pois acreditam nao terem proble- mas com o uso de substancias. Como nesses casos hé um inten- s0 conflito psicol6gico que gera muito sofrimento, o acolhi- mento € uma poderosa intervengo terapéutica. Trazemos como exemplo 0 caso de uma jovem de 20 anos que chamaremos de Virginia. Foi levada 4 Unidade de Dependéncia Quimica por seus pais que solicitaram a internago por causa do uso exces- sivo de alcool e maconha, Apés a avaliago médica e quando confirmada a necessidade de internagio, ela ingressou na Uni- dade de desintoxicago. Virginia, muito contraida, nfo enten- dia 0 motivo da internagio e mostrava-se muito agressiva com ‘a equipe, necessitando permanecer restrita em scu quarto. Fo- mos até cla ¢ nos apresentamos. Virginia manifestou seus sen- timentos sobre a situagdo. Disse ela: “Eu nio preciso estar aqui. Sou uma pessoa normal e nao tenho que ficar trancada aqui. ‘Meus pais estdo fazendo isto de propésito, eles nfo entendem que qualquer guria na minha idade bebe e fuma maconha”. Nesse momento nossa intervengao foi a de que realmente sua situa- ¢&o era muito angustiante por estar em um lugar estranho, lon- ge da sua familia e com vontade de ir embora. Mas que estva- mos ali pata ajudé-la c farfamos o possivel para isso, que podia contar conosco. 9S5OCOHOHTHTCHOCHHHHTOCHHHOCHHOHOOROHO CORO CEHHAHOOHOHHEOOHE C@0008908408 4 (Con)extor de entreviss:othaces diversas sobre a interagfo humana Nessa intervengo, fomos empaticos ¢ explicitamos nossa possibilidade de ajuda, pois entendiamos que estava sofren- do muito. Essa atitude pode ser definida pela palavra “acei- tagéio" © requer escuta reflexiva habilidosa pela qual o terapeuta procura colocar-se no lugar do paciente, aceitando ‘sua perspectiva e seus sentimentos, sem julgar ou criticé- los. A ambivaléncia é aceita como parte normal da expe- riéncia humana diante de mudangas e € esperado que 0 pa- ciente apresente relutncia em abandonar o comportamento dependente, Virginia estava irritada, gritava e chorava muito, deixando © ambiente extremamente tenso. Perecbemos que, nesse mo- mento, seria importante a nossa aproximago propondo uma atividade que pudesse distraf-la e a deixasse mais A vontade no ambiente. Foi af que a convidamos para jogar dama: “Sabes Jogar dama? Gostarias de jogar uma partida comigo?”. Ela res- pondeu: “Vamos jogar, entio, talvez assim o tempo passe mais répido”. No decorrer do jogo, percebemos 0 quanto tal atividade foi terapéutica, pois Virginia foi se tranqiilizando e se descontraindo, quando até mesmo passou a aceitar o contato com a equipe. Com essa intervengao, facilitamos dois princfpios da En- trevista Motivacional descritos por Miller e Rollnick (2001) que so: evitar a argumentagao ¢ acompanhar a resisténcia, ou seja, nfo afirmar ao paciente que ele tem um problema que pre- cisa ser mudado, pois isso faz com que ele defenda a posigao contréria. Ao convidarmos Virginia para jogar, estavamos res- peitando sua resisténcia, pois ela estava com muitas dificulda- des para falar sobre seu consumo de drogas, entio, evitamos a confrontagio ¢ acompanhamos sua resisténcia. Jogar naquela hora foi o modo que encontramos para evitar a produgio de Monica Medeiros Kocher Macedo & Leanita Keseli Carrasco (Orgs) 9 Um outro cxemplo foi o de Eduardo, 56 anos, casado, em- presdrio. Chegou para internagao trazido pelos filhos, em con- seqii@ncia de uma recafda, tendo voltado a consumir excessiva- mente bebidas alcoélicas, No primeiro dia de internagao, Eduar- do apresentava fortes siritomas de abstinéncia, tais como, tre- ‘mores, insOnia, agitagdo, sudorese’e mal-estar geral. Com mui- ta ansiedade ¢ humor deprimido, chorava e dizia: “Eu estou sofrendo muito. Quero ir para casa. Nao vou conseguir ficar aqui, eu estou muito ansioso” Nossa intervengao foi: “Enten- demos que estd sendo muito dificil para ti, mas lembras que estés em um local onde estas sendo cuidado e toda a equipe esta aqui para te ajudar neste momento dificil”. Colocamos a mao em seu ombro e permanecemos ao seu lado. Percebemos que 0 acolhimento com empatia e a aceitagao incondicional foram de extrema importancia para a superagio daquele mo- ‘mento de grande sofrimento. O fato de estar ao seu Tado e Ihe oferecer seguranca 0 deixaram mais calmo ¢ decidido-a conti- nuar o tratamento. Rangé (2001) menciona a importancia de encorajar 0 pa- ciente de forma clara e direta durante 0 processo do tratamento. No caso de Eduardo, explicar que os sintomas sentidos faziam parte de uma sindrome de abstinéncia e o encorajar a supérar tais dificuldades foram essenciais naquele momento para sua permanéncia na Unidade. Dias depois quando ja nao sentia os desconfortos préprios de uma desintoxicagio, isso era lembra- do ressaltando seus esforgos em superar momentos dificeis ¢ sua capacidade de mudar. relacionamento entre paciente e terapeuta comega a ser construido no primeiro momento do contato entre os dois. Edwards (1999) ressalta a importincia do terapeuta mostrar afeto empatia pelo paciente. No caso de Juliano, 42 anos, que buscou tratamento por iniciativa propria, jé vinha em acompanhamento psiquidtrico e 96 (Con)tentes de entrevista: olbates divers sobte interasio humana entendia a necessidade de buscar ajuda especializada para a dependéncia do Alcool. O paciente encontrava-se em um es- tégio de motivagao para mudanga “determinagao”, pois es- tava decidido a realiz4-la. Em uma entrevista inicial, em que conversamos sobre 0 consumo de substancia, Juliano, mes- mo determinado a mudar, manifestou ambivaléncia, explicitando davidas sobre se realmente estava a fim de in- ternar-se, dizendo: “Nao sei se devo abandonar tudo 14 fora para ficar aqui, deixar minha familia e meu trabalho. Além disso, me sinto culpado por fazer minha esposa sofrer, todos vio olhar para ela e vao dizer aqucla é a esposa de um alcoolista”. No momento da internagao, a ambivaléncia esté presen- te em todos os pacientes, pois a tomada de decisio para fa- zer uma grande mudanga no seu estilo de vida, inevitavel- mente, gera dtividas. Por isso a importancia do terapeuta ser empatico em relagdo a seu paciente, aceitando sua ambivaléncia sempre com um olhar reflexivo, Sendo assim, nossa intervencao foi a seguinte: “Entendemos que voc te- nha diividas em relagdo a esta mudanga que certamente po- der ser importante na sua vida, a possibilidade de mudan- gas leva a pensar sobre custos € beneficios ¢ se realmente vale a pena mudar, No entanto, vocé referiu nfo querer mai “fazer sua esposa sofrer” ent quem sabe agora esta é uma oportunidade, nao é?”, Essas e outras intervengdes tém 0 objetivo de estabele- cer 0 vinculo e favorecer que paciente possa confiar no terapeuta para entender ¢ atender as suas necessidades © dificuldades. A qualidade da relagdo terapéutica, que pode ser estabelecida desde 0 inicio da intervengao, é fundamental para a continuidade do acompanhamento psicolégico. Monica Medeiros Kather Macedo & Leanira Kessel! Carasco (Orgs) Cl Referéncias bibliogréficas EDWARDS, G.; MARSHALL, E. J.; & COOK, C. H. O irata- ‘mento do alcoolismo: um guia: para profissionais da satide. 3 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. KNAPP, P. Prevengiio da Recafda no Alcoolismo: Abordagem Cognitiva-Comportamental. In CORDIOLI, A.V. (org). Psicoterapias: Abordagens Atuais. Porto Alegre: Artes Médi- cas, 2000. LARANJEIRAS, R. et al.. Usudrio de substancias psicoativas: abordagem, diagnéstico € tratamento. Séo Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de Sao Paulo/ Associagio Médica Brasileira. 2002 MILLER, W. R. & ROLLNICK, S. Entrevista Motivacional. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. OLIVEIRA, M. 8. A eficicia da intervengdo motivacional em dependentes de alcool. Tese de doutorado nao-publicada. UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina, Sao Paulo. 2001. PROCHASKA, J. 0.; & DICLEMENTE, C. C. Transtheoretical therapy: toward a more integrative model of change. Psychotherapy: theory, research and practice. 20. P. 161-173. 1982. RANGE, B. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um di- logo com a psiquiatria. Sto Paulo: ARTMED, 2001. POMOC OHSEOHOHEHOHSESHHOROOHEH EE OOHO eecouns eonevesesverceos Cavesecrores ENTREVISTA EM PsICOTERAPIA COGNITIVA Ricarpo Warner Net Mauricio Picootoro Introdugao No contexto das psicoterapias, as Terapias Cognitivo- Comportamentais (TCC) apresentaram, desde o fim da década de 1950 (KELLY, 1955; ELLIS, 1962) até os dias atuais, uma vasta gama de abordagens ¢ de técnicas para o tratamento dos mais distintos transtornos mentais. As psicoterapias. engloba- das pelo titulo de Terapias Cognitivas, apesar de suas diferen- as, possuem em comum 0 fato de considerarem a mediagZo cognitiva responsével pelo gerenciamento do comportamento humano e, dessa forma, como ponto a ser trabalhado para a obtengao da mudanga terapéutica. Como se percebe, nessa abor- dagem psicoterapéutica, a elucidagao das psicopatologias ido se reduz ao efeito de contingéncias ambientais ou a explica- ges via inconsciente positivo, do Behaviorismo e da Psicand- lise, respectivamente. Assume, porém, que o transtomo mental € 0 resultado das estruturas e/ou dos processos cognitivos que se encontram disfuncionais em determinado momento da vida dos sujeitos (WAINER, 1997) Grandes avangos ocorreram desde 0 inicio das TCCS até os dias atuais. Os modelos teéricos, bem como as ténicas em- pregadas, alcangaram maior eficécia e abrangéncia, sendo que atualmente as TCCs sio aplicadas por um ntimero cada vez maior de terapeutas ¢ em praticamente todos o8 transtornos psicopatolégicos conhecidos, 300 (Contexts de enteeviet:olhaes diveeos sobre a interas30 humana Importante salientar que as TCCs sio utilizadas como op- ¢40 primeira para muitos tipos de psicopatologias, posto ter sido Confirmado em diversas pesquisas comparativas 0 poder terapéutico dese modelo psicoterdpico (distirbios de ansieda- de, transtornos alimentares, etc.) em relago a outros modelos clinicos anteriores (APA, 1998; BARLOW, 1999). Os pressupostos fundamentais que unificam as TCCs so, segundo Dobson (1988): “1. a atividade cognitiva afeta o com- portamento; 2. a atividade cognitiva pode ser monitorizada ¢ alterada; 3. as modificagdes comportamentais desejadas podem ser conseguidas por meio de mudangas cognitivas” (p. 4). Na avaliag&o das convergéncias entre os diversos modelos terapéuticos das TCCs, hé ainda, em um &mbito mais Sbvio, a preocupacio em desvendar a génese do sofrimento psiquico, de forma a obtengio de métodos psicoterdpicos mais proficuos e mais répidos (WAINER; MADEIRA & PICCOLOTO, 1999). Pode-se citar a énfase dada a0 método cientifico em todos os modelos psicoterapeuticos, nos quais tanto o terapeuta quanto © paciente comprometem-se na busca da redugiio do sofrimen- to em questio. Por fim, outra concepgdo basica das TCCs é a crenga de um ser humano agente sobre seus pensamentos, suas emogdes e seus comportamentos. Um sujeito que, a medida que monitora, gerencia e reorganiza seus pensamentos, consegue modificar seus comportamentos de uma forma mais adaptada ao meio biopsicossocial que 0 cerca. Estrutura das Entrevistas Entrevistas iniciais Um dos objetivos fundamentais da Terapia Cognitiva € possibilitar ao paciente a compreensao do proceso terapéutico, Manica Medetuos Kother Macedo && Leanira Kesell Carrasco (Orgs) 0 ‘ou seja, 0 desenvolvimento de um acordo ou combinagao terapeuta-paciente em tomo dos objetivos e parimetros da te- rapia (forma, freqiéncia, tempo), levando-se em conta,a mensuragiio das dificuldades do paciente. Cabe salientar que essas demandas so baseadas em evidéncias iniciais, passiveis de ajuste ao longo da psicoterapia, nfo sendo, portanto, absolu- las e inflexiveis (BECK, 1997). As combinagdes a respeito da condugao da psicoterapia cognitiva, tdo importantes para adesao progresso do tra~ tamento, necessitam de um dado fundamental: a concei- tualizagao dos problemas do paciente. Somente diante des- ses dados & que se pode estimar as informag6es a serem transmitidas ao paciente sobre aspectos basicos do seu tra- tamento ¢ utilizar o seu préprio exemplo para a compreen- so dos principios da abordagem cognitivo-comportamental (FREEMAN, 1998). Nesse contexto, a avaliagao diagnés- tica segundo a psicopatologia descritiva (ateérica) faz-se fundamental, tendo como base de conhecimento os manuais diagnésticos de maior referéncia na atualidade (DSM-IV- TR c/ou CID 10). As sessdes iniciais, portanto, implicario uma avaliagao diagnéstica descritiva, que embasard o fu- turo entendimento cognitivo a construgdo do modelo te6- rico-explicativo referente ao caso em questo, 0 que por sua vez servird de alicerce para a escolha das estratégias terapéuticas (Figura 1). O estudo psico-patologico descri- tivo, aplicado ao longo da psicoterapia e mais enfaticamente nas sessées iniciais, é, portanto, fundamental para o terapeuta cognitivo, fornecendo-Ihe preditores de curso, prognéstico e riscos associados ao quiadro clinico do pa- ciente € substancia a elaboracao de expectativas mais re~ alistas que envolvem a evolugao do referido quadro (WAINER, 1997). SPCHOHOHHHOHSHHSHHHOHCSHHEHOHHSOHHEOHEEO’ eoocucs e ° ° e e e e e e e e @. @ e e es e e e e e e s e e 102 (Conjexzos de entrevica: ohares verze sabe 9 incragSo humana Figura 1 ~ Bsquema da interagto entre as Psicopatologias Ateérica ¢ Cognitiva A avaliagao diagndstica deve envolver itens como o(s) Motivo(s) da Busca de Atendimento, segundo a avaliagio do paciente e dos familiares, isto é, os aspectos motivadores para a procura do tratamento, seja de que natureza forem; a Historia Psiquidtrica/Psicoldgica Atal, que inclui 0 Exa- me do Estado Mental, com sinais e sintomas proeminentes ¢ dados relevantes do episédio presente, como os prejuizos funcionais, as condutas de risco e o uso de medicamentos: a Historia Pregressa, que envolve epis6dios ou eventos ante- tiores relacionados a sintomatologia psiquidtrica e tratamen- tos psicoterdpicos e/ou farmacoterapicos jé utilizados; a His ‘ria Psicossocial, relacionada ao contexto social no qual paciente esté inserido ¢ a Histéria Familiar, que avalia preditores genéticos e aspectos importantes do funcionamen- toda familia. ‘Manica Medeiros Kocher Macedo & Leanira Kesseli Carrsco (Orgs) 103 Os Modelos Cognitivos envolvem Transtornos de Eixos T € II, apresentando-secomo construtos tedricos que buscam explicar 0 funcionamento cognitivo associado a psicopatologia, sendo apresentados 20 paciente de uma forma esquemitica ¢ acessivel, para que ele possa compreender as distorgdes na interpretagdo dos eventos associadas as suas di- ficuldades e ao seu sofrimento, bem como o entendimento das técnicas que serao utilizadas durante o tratamento. Nesse sentido, busca-se um favorecimento da adesao do paciente e da sua autopercepgao como integrante do processo terapéutico. Ap6s a avaliagao psicopatolégica ateérica, o terapeuta poderd reunir as condigdes necessérias para a elaboragio deste mo- delo explicativo (psicopatologia explicativa ou te6rica), ain- da nas sessdes iniciais, mantendo em aberto a possibilidade de reavaliag6es em qualquer etapa do proceso. _, Outro aspecto inerente ao inicio da psicoterapia é 0 es- tabelecimento de uma Alianca Terapéutica satisfatoria, o que ocorre de forma crucial durante as sess6es ditas iniciais (CA- MINHA & ILABIGZANG, 2003). Nesse ambito, a postura do terapcuta, envolvendo sua busca de entendimento e empatia, tom de voz e expresso corporal, além de interven- Ges claras ¢ ndo-impositivas, visam proporcionar ao pa- ciente um ambiente seguro, cordial, compreensivo ¢ colaborativo. Nao obstante os pacientes com diagnésticos de Eixo II podem requerer uma maior demanda para o esta- belecimento da alianga terapéutica, fato esse que nio sur- preenderé 0 profissional com adequade embasamento psicopatolégico. A partir das informagdes recolhidas nos varios Ambitos descritos, as sessées iniciais atingem o seu limiar na clabo- ragdo das metas terapéuticas, embasadas em dados abrangentes ¢ clarificados, referenciais tedricos concisos expectativas realistas, no limite das possibilidades. 104 (Con)texos de entrevista: olbare diverios sobre a interac humana As sessGes iniciais, como todas as sessdes de Terapia Cognitiva, seguem uma estruturago basica na sua forma. Os terapeutas em formagao so geralmente orientados a seguirem mais fidedignamente a estrutura de t6picos preestabelecidos, para aumentarem a efetividade da sesso. J4 0s profissionais experientes podem eventualmente desviarem-se desse forma- to, pois tendem a desenvolver uma sistemstica de atendimento que engloba automaticamente os itens da sesso, de forma me- nos rigida. A estrutura bésica de uma Sessio de Fase Inicial, poste- rior as sessdes de avaliagdo diagnéstica ate6rica, envolve basi- camente os itens listados a seguir: + atualizagdo sobre a situagao do paciente, incluindo even- tos importantes desde a sesso anterior e checagem de hu- mor com escores objetivos; © estabelecimento de agenda para a sessdo atual, elaborada pelo terapeuta e pelo paciente de forma conjunta (inicial- mente, a tend@ncia é de que o terapeuta tenha maior parti- cipago, havendo um gradual equilibrio ao longo do trata- mento). Os t6picos listados devem ser discutidos em or- dem de prioridade, verificados pela dupla terapéutica. Os temas ndo-avaliados por escassez de tempo sero acresci- dos na agenda da sessdo seguinte, de acordo com 0 grau de importancia daqueles. Nas sessdes iniciais, os itens agendados podem incluir aspectos descritos abaixo, por sugestao do terapeuta; + educagao do paciente sobre o Modelo Cognitive, por meio ‘de exemplos que envolvam situagdes vivenciadas pelo pré- prio paciente, relacionando suas experiéncias, seus pensa- ‘mentos automsticos disfuncionais, suas emogdes e os com- portamentos resultantes; + idemtificagao das perspectivas do paciente em relagio a terapia, com 0 questionamento da validade de expectati- vvas irreais, exageradamente positivas ou negativas; Monica Medeiros Kother Macedo & Leanica Kesteli Carraseo (Orgs) 405 + combinacdo sobre Taréfa de Casa, quando conveniente. Nas sessdes iniciais as tarefas de casa podem envolver temas como a identificagio de expectativas ¢.a reflexao sobre 0 modelo cognitivo; + elaboragdo de Resumo da Sessdo, considerada uma pritica importante da entrevista cognitiva, objetivando um reforgo sobre 0s t6picos mais importantes da sessio e sobre a(S) tarefa(s) combinada(s) até o préximo encontro. O terapeuta & mais ativo nas sessdes iniciais, encorajando 0 paciente a elaborar os resumos das entrevistas 4 medida que o trata- mento avanga; + obtengéo do Feedback, que consiste na verificagao dos pen- samentos do paciente a respeito da terapia ¢ do terapeuta. Essas cognigSes, apesar de no se constitufrem na esséncia da abordagem cognitiva, devem ser monitoradas freqiientemente, evitando-se dessa forma um prejuizo ve~ lado ac andamento do processo terapéutico; Entrevistas Intermediarias ¢ Finais A psicoterapia atinge 0 ponto intermedisrio apés conside- ravel avanco na claborago dos diagnésticos atéorico e te6rico, jétendo possibilitado, até mesmo, 0 processo de psicoeducagao do paciente quanto 20 seguimento terapéutico tipico das TCCs (para que tenhamos o empirismo colaborativo) € quanto ao fun- cionamento psiquico ¢ comportamental disfuncional que esté acarretando o softimento. ‘A partir desse ponto do tratamento, a abordagem do psicoterapeuta para com 0 paciente se transforma, consistindo em seguir uma estratégia especifica, de acordo com 0 objetivo terapéutico mais apropriado para 0 caso ¢, conseqilentemente, para a estratura diagnéstica hipotetizada, Dentre as estratégias terapéuticas mais utilizadas poderfamos citar: SOHOHSHSHOHOHHHSHCHESOSHHOHOCOEHHOOL OHA! ee 08000 2) 3) 4) 5) (Con)textos de ennevista:olharesdiversos sobre a interago humana Reestruturagdo Cognitiva: Nesta estratégia, 0 terapeuta direciona suas intervengées a fim de levar o paciente a re- ver e identificar pensamentos automticos que geram emo- ‘ges € condutas disfuncionais. Além disso, as entrevistas direcionam-se a auxiliar 0 cliente a checar evidéncias empfricas para ter indicios mais realistas (racionais) sobre suas crengas sobre si mesmo, o mundo e o futuro. Resu- mindo, com essa estratégia, busca-se que 0 paciente modi- fique a valencia de seus esquemas mentais, para que es- quemas mais funcionais sejam ativados em momentos em que, normalmente, esquemas disfuncionais, estdo tendo ativagao automatica. Automonitoramento: O objetivo terapéutico na estratégia de automonitoramento é 0 aumento da habilidade cognitiva de metacognigio, que se mostra diminuida ow ineficaz. Dentro dos estudos da Psicologia Experimental Cognitiva, Enot6rio que a elevada capacidade metacognitiva € preditora deeficdcia em qualquer tarefa cognitiva. Assim sendo, con- sidera-se que esta habilidade é crucial para o estado de eutimia, Resolugao de Problemas: 0 terapeuta auxilia 0 pacienté a ser mais eficiente na resolugdo de problemas, direcionando a entrevista rumo & identificagio da(s) etapa(s) de resolu- ao de problemas cm que esto ocorrendo as dificuldades de resolugao e também simulando estratégias alternativas de resolugio. Inoculagao de Estresse: O propésito das entrevistas nesta estratégia € gerar aproximagGes gradativas do paciente com 08 objetos/eventos estressores a fim de que ocorra uma dessensibilizagao do sujcito para com esses estfmulos por intermédio do pressuposto da inibigao reciproca. Disputa Racional: O terapeuta conduz as entrevistas de for- ‘maa fazer com que o paciente perceba a irracionalidade de Monica Medeiros Kothér Macedo & Leanica Keseli Carrasco (Ors) tor 6) 1d utilizadas de forma prioritéria conforme a classe bboa parte de suias idéias e, portanto, busque tomar suas de- cisOes, bem'como se comportar de acordo com principios mais racionais. Treino de Habilidades Sociais: Esta estratégia é muito uti- lizada em pacientes que apresentam auséncia ou perda de repert6rios comportamentais, como, por exemplo, pacien- tes com esquizofrenia que comegam a apresentar forte de- créscimo de fungdes mentais (sintomas negativos) ¢, entio, necessitam ser treinados a reaprenderem rotinas comportamentais didrias cruciais para suas vidas. Prevengao de Recaida: Bstratégia surgida inicialmente no tratamento das adigdes, mas que avangou ¢ hoje é utilizada Para espectro maior de psicopatologias. Pressupfe um au- mento da capacidade de autoconhecimento do paciente @ fim de evitar situagdes de risco eri que possa no apresen- tar estratégias de enfrentamento adequadas para suportar a dificuldade. © terapeuta também trabalha nas entrevistas no sentido de melhorar as estratégias de enfrentamento para situagées estressoras (coping skills). As estratégias que foram apresentadas anteriormente sio igndstica do paciente, pois para cada psicopatologia tem-se objetivos mais ‘ou menos compativeis com cada uma destas estratégias. A se- guir, pode-se visualizar as estratégias mais utilizadas para cada tipo de classe nosografica: ‘Transtomos de Humor: 1, 2 ¢ 3; ‘Transtomnos de Ansiedade: 4,2 ¢ 3; Transtornos de Personalidade: 1, 2; ‘Transtornos Alimentares: 2, 3, Le 4; ‘Transtomos Psicéticos: sintomas negativos: 6; sintomas positivos: 2 e 5; : Disfunsdes Sexuais: 4, 3 ¢ 1. * Trabalho nos Topicos da Sessi + Feedback da sesso pelo pacient 108 (Conyrextas de entrevista: olhazes divers sobre a interago hua Em consonancia com o procedimento relativamente estruturado das sessdcs iniciais, as sessGes intermedidrias € nais das TCCs apresentam uma seqiiéncia de passos IWégicos, que consiste em: + Checagem do humor do paciente durante a semana. + Agenda da Sessao, na qual sao avaliados os assuntos que serdo tratados naquele encontro. Tanto 0 paciente quanto 0 terapeuta definem t6picos. Um aspecto importante desse ponto da entrevista € o estimulo para que o paciente anote, durante a semana os assuntos que julgar relevantes para 0 tratamento, buscando a otimizagzo do tempo da sesso. Di- ferentemente de outras modalidades terapéuticas, aqui o terapeuta é bastante diretivo, no permitindo uma defini- ‘go de t6picos por associacao livre ou por tematica do dia. = Checagem da Tarefa de Casa, Baseadas no principio de que, nas TCCs, a psicoterapia ocorre nos 365 dias do ano, durante as 24 horas do dia, as tarefas de casa so muito importantes para o paciente absorver a tecnologia do tra- tamento e poder vir a se transformar em seu proprio: terapeuta. Assim sendo, as tarefas de casa so cruciais ¢ devem ser sempre verificadas a cada sessdio. Muitas vezes, a ndo- realizagdo de tais atividades pode indicar di- ficuldades do paciente ou mesmo resisténcias, as quais de- vero ser trabalhadas na sessio. Conforme as técnicas con- tidas nas estratégias psicoterépicas adequadas para 0 caso. + Combinagées da Tarefa de Casa da semana. 5 Re mo da Sessdo pelo terapeuta, jd descrito no Ambito SSGES das s as TCCs, a relagao de poder entre paciente e terapeuta é muito simétrica; portan- to, torna-se muito importante que sejam checadas as decodificagdes que ambos fizeram do que foi tratado na ses- so. Assim sendo, € nesse momento que sero comparadas, ‘Manica Medsicos Kother Maced & Leanice Keseti Carrasco (Orgs) 109 as percepgSes que o paciente-teve da sessfio com as que 0 terapeuta teve. Caso ocorra-um descompasso muito evi- dente entre ambos, a sesso ndo deve ser finalizada sem ‘uma minima harmonizagao. Referéncias bibliogréficas AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnos-tic and statistical manual of mental disorders (Ath ed.). Washing- ton, DC, 1994. BARLOW, D. Manual clinico dos transtornos psicolégicos. Porto Alegre, Artes Médicas, 1999. BECK, A.T. Thinking and Depression: I. Idiosyncratic Content and Cognitive Distortions. Archives of General Psychiatry, V.9,. 36-46, 1963. BECK, A.T. Depression: clinical, experimental and theoretical aspects. New York, Haper & Raw, 1967. BECK, A. T. Cognitive therapy and emocional disorders. New York, Internacional Universitis, 1976. BECK, A. T. Cognitive therapy, behavior therapy, psychoanalysis and pharmacotherapy: a cognitive continuum In: MAHONEY, ‘A; FREEMAN. A. Cognition and Psychotherapy. New York, Plenum, 1985. BECK, A. T. Terapia cognitiva da depressao. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1981. BECK, A. T. Cognitive models of depression. Journal of Cognitive Psychotherapy, V-1 p. 5-38, 1987. BECK, A. T. Cognitive therapy and emotional disorders. New York, Penguin Books, 1989. SPOHHSOHSHSHOEHHOHROEHHOHOHOHCHOHSOOHOHOHOOHR! 110 (Con)extos de entrevista: ehares divers vbte a intecagfo humana BECK, A. T. & FREEMAN, A. Terapia cognitiva dos trans- tornos de personalidade. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993. BECK, J.S. Terapia. Cognitiva — Teoria e Pratica. Porto Ale- gre, Actes Médicas, 1997. CAMINHA, R. M. & HABIGZANG, L. F. Avaliagao Cognitivo-comportamental. In: CAMINHA, R. M.; WAINER, R.; OLIVEIRA, M. & PICCOLOTO, N. M. Psicoterapias Cognitivo-comportamentais. Sio Paulo, Casa do Psicélogo, 2003 DOBSON, K. S. Handbook of cognitive behavioral therapies. New York, Guilford Press, 1988. ELLIS, A. Reason and emotion in psychotherapy. New York, Lyle Stuart, 1962. FREEMAN, A. Desenvolvimento das conceitualizagées de tra- tamento na terapia cognitiva. In: FREEMAN, A. & DATTILIO, E.M. Compreendendo a Terapia Cognitiva, Sio Paulo, Edito- rial Psy, 1998. KELLY, G. The psychology of personal constructs. New York, Norton & Co,, 1955. KNAPP, P. Principios Fundamentais da Terapia Cognitiva. In: KNAPP, P. Terapia Cognitivo-comportamental na Pratica Psi- quidtrica. Porto Alegre, Artes Médicas, 2004. MATHEWS, A. & MACLEOD, C. (1994). Cognitive approaches to emotion and emotional disorders. Annual Reviews Psychology, v.45, p. 25-50, 1994, ORGANIZACAO MUNDIAL DA SAUDE. Classificagao de Transtornos Mentais ¢ de Comporiamento da CID 10. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993. Monica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Canaseo (Oras) ua WAINER, R.; MADEIRA, M. J. P. & PICCOLOTO, N. M. Psicotcrapias cognitivas: Convergéncias e divergéncias entre as abordagens construtivista e do processamento da informa- gio. Alethéia, v.10, p, 59-66, 1999. WAINER, R. Pardmétros cognitivos e afetivos de um modelo da depressio em adultos femininos.-Dissertago de mestrado, Faculdade de Psicologia, PUC-RS, Porto Alegre, 1997. Parte 4 (Con) TEXTO HUMANISTA- FENOMENOLOGICO-EXISTENCIAL s ® e e s e e e e e s e e e e e es e e e e e e e e e e e e es e s @0000000800008 eoovnss e@ e e e e @ e e e e A Entrevista HuMANISTA- FENOMENOLOGICO-EXISTENCIAL Janice Casriios’Viroia Maza Recmva Cenon Abordar o tema em questio — a entrevista — implica esclarecer de forma breve a visio de homem e os funda- mentos filos6ficos norteadores do referencial humanista. fenomenolégico-existencial, uma vez que estes ira permear todo 0 trabalho realizado por intermédio das en. trevistas em psicoterapia, sendo de suma importancia para compreender as atitudes do entrevistador ¢ as intervengdes por ele utilizadas. © humanismo compreende a pessoa saudével como uma gestalt integrada: um ser Unico, voltado paraaconsciéncia, digno de confianga, auto-regulado e auto-apoiado num constante vir- a-ser integrado ao contexto. Na psicotcrapia, seu propésito é 0 de facilitar a auto-realizagao, reconhecendo o poder do homem sobre si € usando como método abordagens compreensivas no lugar de abordagens explicativas ou interpretativas (MATSON, 1985; RIBEIRO, 1999). Os alicerces filoséficos da abordagem encontram-se sedimentados nas perspectivas fenomenolégica ¢ existencial. A fenomenologia, sistematizada no inicio do século XX por Edmund Husserl, autor de grande influéncia na filosofia con- tempordnea, valida o estudo da experiéncia humana, por meio da observagao dos dados trazidos pela consciéncia no “aqui ¢ agora”, consistindo num exame disciplinado da experiéncia subjetiva (SHULTZ & SHULTZ 2002; TRIVINOS,1987; CAPRA, 2003). 16 {Cou)textos de entrevista: olharesdiverss sobte a interagio humana 34a filosofia existencialista concebe a pessoa como capaz de escolher seu destino. Para ela, o homem saudavel é singular, livre e consciente. Na psicoterapia, sua influéncia se d no sen- tido de resgatar a questdo antropoldgica, situando a pessoa exis- tencialmente no curso de sua histéria. Seu originador foi Kierkegaard. Martin Burber, Gabriel Marcel e Merleau-Ponty tiveram especial influéncia, dada sua visio positiva do homem; Sartre e Nietzsche, pensadores que escreveram no pos-guerra {que tinham uma visio menos otimista da existéncia humana, compareceram com menor peso. As principais teorias psicolégicas surgidas a partir da Psi- cologia Humanista, nas décadas de 1940 e 50, foram a Logoterapia (Victor Frankl), a Abordagem Centrada na Pessoa (Carl Rogers) e a Gestaltterapia (Fritz & Laura Perls). Em que pese cada uma dessas escolas possuir teorias prdprias € especificidades quanto aos procedimentos psicoterépicos, to- das clas estdo alicercadas nas bases filoséficas j4 referidas. Nosso propésito neste capitulo é enfocar a entrevista clinica a partir da Abordagem Centrada na Pessoa e da Gestalt-terapia ‘A entrevista clinica na Abordagem Centrada na Pessoa Carl Rogers foi, sem diivida, uma das maiores expresses da Psicologia Humanista. Desenvolveu sua teoria sob a nogao central da tendéncia & atualizagio, ou seja, a idéia de que as pessoas vo se mover no sentido da satide, quando as condi- ‘Ges para 0 crescimento so criadas e restauradas A Psicoterapia Centrada na Pessoa devolve ao homem 0 poder sobre si mesmo, recriando, por intermédio da relagdo terapeuta-cliente®, as condigdes necessdrias para a retomada do Tx Abonapem Centra na Pessoa usa terminologla cliente para efesitse a peson en fomerapes to lag de soar pacient mfr radical baseada a telgfo medic pach {ROGERS.1987). Monica Medekos Kocher Macedo & Leanita Kessel Carrasco (Ores) ut desenvolvimento e do fortalecimento da Tendéncia Atualizante, com abordagens compreensivas baseada no método fenomenolégico. Este tipo de psicoterapia requer o desenvolvi- mento de algumas atitudes essenciais ao psicoterapeuta: + empatia: é a capacidade de perceber o outro tal qual ele se percebe, Requer abertura 4 experiéncia, capacidade de sintonia ¢ sensibilidade do psicoterapeuta, para ser per- medvel aos sinais enviados pelo cliente, deixando-se “en: tre parénteses”, + aceitagao positiva incondicional: significa considerar, aco- ther, atentar para o fluxo da cnergia que ha no cliente em si mesmo sem julgar. Nao é concordar com tudo que a pes- soa faz, mas acolhé-Ia na sua experiéncia. + congruéncia: 6 a capacidade de estar totalmente presente € ser auténtico, verdadeiro e honesto na relagao. Para isso € importante que o psicoterapeuta perceba-se, sinta-se na re- ago € permita-se comunicar ao cliente seus sentimentos, A partir dessa visdo, € indispensavel que o psicoterapeuta tenha tais atitudes e saiba transmiti-las ao cliente, impregnando a estrutura e 0 contetido de suas respostas. O psicoterapeuta é uma caixa de ressonancia e um amplificador da experiéncia do cliente, Percebe-0 como um todo, nao julga, nao interroga, nao tranqililiza nem interpreta. Seu objetivo é acompanhar as des- cobertas do cliente na forma como ele as vai experienciando. A intervengao caracteristica da Terapia Centrada na Pessoa & conhecida como Resposta-Reflexo, consistindo esta em acen- tuar a comunicagao manifesta pelo cliente. Este tipo de interven- 0 pode parecer simples, mas nio ¢, pois exige do psicoterapeuta grande habilidade em acompanhar o cliente sem apressé-lo, ou, entao, abandond-lo. & um exercicio de sintonia empitica e pre- senga permanente, com objetivo de ampliar a consciéncia. e e e e e e@ e e e e e e e e e e e e (Conyers de entrevista: ehares diverses sobre a inkeragto humana As respostas-reflexos podem ser: Reiteragéio ou reflexo simples: Refere-se apenas a0 con- tetido da comunicagio, devendo ser feita de forma'breve, resumida e nao necessariamente com as palavras da pes- soa, desde que nao se introduzam elementos novos ao cam- po: Este tipo de intervengo vai preparando o terreno para que 0 proprio cliente tome consciéncia cada vez maior de si. Segundo as palavras de Rogers: O reflexo simples se emprega principalmente quando a atividade do cliente é descritiva, isto €, quando carece de substncia emocional ou quando o sentimento esta a tal Ponto inerente ao contetido material que o terapeuta demonstre uma atitude investigadora, analitica, contréria As suas inteng6es, se procurasse deduzir daf alguma significagao implicita (ROGERS & KINGET, p. 64, 1977). E pot meio da reinteragdo que se estabelece no campo tcrapéutico um clima de seguranga emocional, de forma que a pessoa se sinta compreendida e respeitada. + Reflexo de sentimento: Procura apreender o que esté impli cito ao discurso, o que est por tras das palavras. O obj vo é a tomada de consciéncia dos sentimentos subjacenies na verbalizag3o. “Enquanto 0 reflexo simples estabiliza a figura, o reflexo do sentimento a amplia” (LERNER, p. 79, 1974), + Elucidagao: Capta e cristaliza certos elementos que no esto fazendo parte do campo fenomenolégico, ou seja, sentimentos e/ou atitudes que nao foram explicitados pelo cliente, mas que estio impregnando o seu campo perceptual, E um tipo de resposta mais intelectualizada, que parte de uma dedugao do terapeuta, sendo assim mais suscetivel de conter elementos estranhos ao cliente podendo nao ser reconhecida por ele. Aconselha-se, ao formular tal inter- vengao, que esta seja acompanhada de expressées como Monica Medeiros Kather Macedo & Leanica Kessel Carrasco (Orgs) ng “Deixe-me vet se compreendo...”, “Fale-me se eu estiver enganado...”,"“Parece-me que o que tu ests me dizendo é..", pois estas asseguram ao cliente que o seu discurso ser entendido sob o seu ponto de vista, e nao sob o do terapeuta Impressio Integrativa: E um tipo de resposta intuitiva, que reflete sentimentos e que visa integrar informagées, fragmentos da experiéncia do cliente ¢ devolvé-las a cle de forma que o ajude a organizar sua experiéncia num novo nfvel de consciéncia. Esta modalidade de resposta foi mencionada por Rogers mais tarde na sua teoria, no que ele denominou primeiramente de “empatia sensitiva” (ROGERS, 1987); portanto, nao esta descrita no roi das intervengdes publicadas nos scus Primeiros trabalhos. A entrevista clinica na abordagem da Gestalt-terapia O termé Gestalt-terapia foi utilizado pela primeira vez por Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman em 1951, sendo estes Considerados co-fundadores desta abordagem. E um tipo de abordagem que ensina aos pacientes 0 método de explorago fenomenolégica pelo uso da awareness,’ ou seja, 0 paciente usa seus sentidos para se tornar consciente (aware) do que esta fazendoe de como pode transformar-se (YONTEF, 1998). Seus Pressupostos filoséficos siio, como na Abordagem Centrada na Pessoa, humanistas-fenomenoldgicas~existenciais. Como teo- rias de fundo, utiliza-se da Psicologia da Gestalt, a Teoria de Campo de Kurt Lewin ¢ « Teoria Holistica de Kurt Goldstein (RIBEIRO,1935), Nestacando-se que a visti das fendmenos 7 Termo amare € conserva para mehr pectio de tendo, Aner cient, sbados, basco, ‘onheceor, insirada (Coline Dictionary. p. 38, 1979) Pe 120 (Conjtextos de enrsevists:ofhares diverios sobre a tnceragao humana ‘como totalidade, princ{pio da Psicologia da Gestalt, surgida na ‘Alemanha, no inicio do século XIX em oposigao a0 elemen- tarismo € um dos alicerces para 0 pensamento ecolégico sistmico contemporaneo (CAPRA, 2003; ENGELMANN, 2002). Os primeiros trabalhos de Perls revelaram uma aborda- gem, um tanto mais diretiva, digamos assim, uma vez que focada em experimentos, chamados freqiientemente de técnicas. Na atualidade, alguns Gestalt-terapeutas mantém-se trabalhando com €nfase neste tipo de abordagem mais tecnicista, enquanto outros valorizam fortemente uma psicoterapia fenomenol6gica~ existencial baseada na relagio dialégica Eu-Tu (BUBER,1977) enfatizada por Laura Perls desde os primérdios da Gestalt-tera- pia (YONTER, 1998). A partir deste olhar, toda a experiéncia na busca de consciéncia se da por meio da relag%o paciente/ psicoterapeuta aqui e agora, ou seja, no ha a utilizagao de téc- nicas escolhidas a priori, Neste capitulo, a énfase € posta neste tipo de entrevista: uma psicoterapia na qual a awareness, 0 en- contro e 0 dilogo sao a esséncia. A entrevista dialégica Os gestalt-terapeutas acreditam que o ser humano tem um impulso natural para sadde. Em Gestalt-terapia, 0 paciente apre- ende por meio de seus sentidos, experimentando-se na relagao. uma psicoterapia abrangente, integrativa ¢ multidimensional, ‘na qual o fundamental € 0 proceso. ‘Todas as entrevistas — individuais, familiares ou grupais — siio fenomenol6gico-existenciais, ou seja, possuem seu foco na andlise da experiéncia imediata e buscam retomar o poder auto- responsdvel da pessoa sobre si mesma. A cada entrevista, 0 psicoterapeuta observa cuidadosamente o fendmeno no aqui e ‘agora, como manifestago holistica do cliente em um impulso Monica Medeiros Kother Macedo & Leanirm Kesseli Carratco (Orgs) ma natural para integrar-se. Todo ¢ qualquer sintoma deverd, assim, ser entendido no contexto: holisticamente. Tom de voz, cor da pele, postura corporal, incongiuéncias verbais sio essenciais na observaco do psicoterapeuta, constituindo, assim, informa G6es da totalidade/organismo do. cliente, 0 proprio self? em contato, ou seja a psicoterapia ocorre na fronteira do contato paciente/psicoterapeuta; no didlogo verdadciro. didlogo genuino explorando o “entre” Eu-Tu 6 a base da psicoterapia na abordagem gestéltica. Cura, desta forma, 6a restauragao da totalidade pela relagdo pessoa-a-pessoa, ¢ quais- quer propostas do psicoterapeuta devem partir do contexto dialégico, incluindo o campo total ¢ suas conexdes figura/fiin- do. Por exemplo, no caso de um processo saudavel, a conexio figura/fundo ocorre da seguinte maneira: do fundo surgem fi- guras singulares a cada pessoa; estas figuras sio gestalten abertas que, no contato, no entre, na relagdo, se fecham € retornam ao fundo integrando-se ao organismo. O encontro psicoterapeuta/paciente propée-se restaurar 0 contato figural fundo da pessoa consigo mesma e com o mundo. Portanto, as intervengdes terapéuticas sero no sentido de facilitarfampliar a consciéneia dos bloqueios ou interrupgdes no contato, awareness de si e do outro, por meio da vivéncia da prépria relagio psicoterdpica. © foco sera direcionado ao proceso dialégico singular “aqui e agora”, incluindo o passado expresso “aqui” e exigin- do respostas tinicas para perguntas tinicas, sempre tendo a pers- pectiva do todo/organismo. Nao haverd, desta forma, regras rigidas. No entanto, é essencial a postura dialégica de respei- to ao outro na sua totalidade e alteridade. A entrevista, 0 pro- cesso, a abordagem eo objetivo sdo dialégicos no seu cnfoque global. 1 Self Fangio do organism eo te poser de forma haemdnicy, diferencads ¢potencialnente intencions,chamada consiéncis (BUARQUE 1998). 0000001 000000: 000000060 000000008 m (Con)rextos de entrevista: alhares diverts sobre a interago humana gestalt-terapeuta acompanha o paciente nas suas desco- bertas, em lugar de interpretar e modificar atitudes preexistentes, Ele préprio, paciente, vai dando a diregao de suas mudangas reguladas organismicamente e 0 psicoterapeuta acompanha, confirmando-o. O psicoterapeuta inteiro volta-se para 0 pa- ciente, é presente no contato, suspendendo temporariamente seus preconceitos pressupostos para de fato estar acompanhando a ‘experiéncia do outro. E consciente de si no momento da entre- vista, percebendo-se até mesmo nas limitagSes. Sua perspec va € horizontal, na medida em que considera o paciente partici- ante ativo em interagio consciente na busca de consciéncia de si (awareness), scm com isso querer dlizer que terapeuta e pa- ciente estejam indefinidos em seus papéis. Quando entender necessério para 0 aumento da awareness do pacicnte, 0 gestalt- crapeuta, compartilha com este sua perspectiva, criteriosamente € com discriminagao. Inclui-se e posiciona-se © tanto quanto possivel na experiéncia do outro, sem analisar/interpretar ¢, a0 ‘mesmo tempo, resguarda o sentido de sua propria presenga dis- tinta, Nesse sentido, hé clareza de fronteiras, e tanto uni como outro tém responsabilidade sobre o processo. Com 0 objetivo de criar condigdes para que o fluxo da cons- ciencia seja cada vez mais intenso poderd utilizar-se de pergun- tas fenomenolégicas como, por exemplo: “Como vocé pensa que eu iria reagir?”, “O que aconteceu quando voce sorriu?”, ““O que deu certo para vocé sentir-se melhor?”. Este tipo de intervengdo ~ as perguntas — trazem gradualmente para 0 pa- ciente/cliente clareza de seu campo fenomenolégico, definin- do, assim, a figura, Outro caminho possfvel na entrevista é fa- cilitar a focalizagao do paciente na relagao pessoa-pessoa, usan- do afirmagées como estas: “estou como voce”, “me ajud entender”, “deixe a mente vagar”, “permaneca com isso”. A psicoterapia € construida por ambos, paciente/psicoterapeuta, como se exemplifica no seguinte didlogo: Monica Medeios Kother Macedo 6 Lean Keseli Curasco (Ores) 1s P: (Voz chorosa, reclamante) Eu nao sei o que fazer hoje. T: (Olha, mas néo fala nada) P: Eu poderia falar sobre minha semana. (Olha inquisi- doramente para o psicoterapeuta). T: Estou me sentindo artastado por vocé neste exato mo- ‘mento. Eu imagino que vocé quer que eu 0 conduza, P: Sim. O que hé de errado nisto? T: Nada. Eu prefiro nio direcions-lo neste exato momento. P: Por que no? T: Vocé & capaz de dirigir-se... Dito de outra forma, o gestalt-terapeuta “rastreia” (HYCNNER, 1997) o paciente, acompanhando todas a8 resso- nancias do vivido na relagao, pois a experiéncia score num fluxo continuo, ¢ os seus caminhos sempre so uma novidade. E nesse movimento de sintonia, aqui e agora, pode propor fan lasias dirigidas, dramatizagao e exercicios com materiais grafi- cos. Neste sentido, a Gestalt-terapia difere da Abordagem Centrada na Pessoa, uma vez que esta opta por nao utilizar ex- Perimentos, por entender que estes podem interferir demasia- damente no campo expetiencial do paciente. Na Gestalt-tera- pia hé uma postura ativa do psicoterapeuta no didlogo no cam- po fenomenolégico do paciente. 0 didlogo proposto neste tipo de psicoterapia, portanto, 6 vivido na idéia do organismo sem dicotomias ¢ amplia-se na totalidade do possivel a cada momento, sendo algo feito por ambos, paciente/psicoterapeuta, durante todo o proceso. Tra- ta-se de um contato com possibilidade de transformagao, que tende a se ampliar até o infinito, pela possibilidade de a cada momento adquirir novas propriedades (RIBEIRO, 1999). Em outras palavras, a psicoterapia & fungio de contato, ¢ a totali- dade, a consciéncia & 0 contato so o tripé da mudanca. a O uso das técnicas em Gestalt-terapia A utilizagiio de técnicas em Gestalt-terapia foi alvo de criticas, porém estas criticas se referiam ao scu uso sem crité rios, ou seja, de forma indiscriminada que nao considerava 0 contexto psicoterdpico. Nao h4 como pensar em técnicas sem pensar no “aqui ¢ agora”, aqui agora da psicoterapia; seu campo fenomenolégico. Caso contrério, o psicoterapeuta corre © risco de ser intrusive e desconsiderar 0 fato de que todo experimento deve estar a servigo do paciente, facilitando sua livre expressio e a desobstrugdo do fluxo de energia bloqueadora da awareness. ‘Ogestalt-terapeuta usa a si mesmo na situagio psicoterapica para, na relagdo, perceber 0 momerito propicio para um experi- mento a partir de toda sua experiéncia de vida acumulada e integrada. As técnicas, portanto, sao sempre um ato de criagio, © 0 gestaltista pode dar asas a sua imaginagao, dentro de uma postura holistica contextualizada que integre corpo-mente, fan- tasia ¢ realidade (RIBEIRO.1994). Consideragées finais Tanto em Gestalt-terapia quanto na Abordagem Centrada na Pessoa, a entrevista nfo se resume a0 Ambito da clinica. Sua aplicabilidade se expande a vérias outras areas, como, escolas, hospitais, instituig6es em geral, bem como a atividades espect- ficas, como a entrevista de triagem ¢ 0 psicodiagnéstico. O trabalho com criangas requer, além das atitudes bisicas e intervengées caracteristicas, uma linguagem adequada & sua faixa etéria, bem como a disponibilizagao de recursos lidicos que facilitem a expresso infantil. Existe considerdvel biblio- grafia a respeito. Manica Medeiros Kother Macedo & Leana Kesseli Corasco (Ones) us As psicoterapeutas ‘Virginia Axline (Abordagem Centrada na Pessoa) ¢ Violet: Oaklander (Gestalt-terapia) foram os maiores expoentes da ludoterapia nas suas aborda- gens. Discorreram sobre principios e técnicas, que norteiam a psicoterapia infantil que nao foram explanados neste capitulo; para estes, sugerimos consultar bibliografia especifica Desenvolvemos neste capftulo o que consideramos essen- cial-para qualquer entrevista neste referencial. Uma entrevista que privilegia o contato Eu-Tu, uma entrevista permedvel a to- dos os estimulos do “aqui e agora”, uma entrevista que privile- gia o homem na sua satide e na sua capacidade de se tornar cada vez mais complexo ¢ dirigido por ele mesmo no processo. psicoterapico. Um homem consciente, capaz. de transformar- se, por meio da facilitagdo e fortalecimento de seus recursos ptdprios. E, como nfo poderia deixar de ser, um psicoterapeuta humano, que também se transforma a cada sesso. Referéncias bibliograficas BUARQUE, Sergio. Corpo e Organismo. Revista do IV Encon- tro Goiano da Abordagem Gestaltica, 4, 1998. BUBER, Martin, Eu e tu. S40 Paulo: Cortez e Moraes, 1977. CAPRA, Fritjof. As conexdes ocultas. Sao Paulo: Cultrix, 2003. ENGELMANN, Amo. 4 psicologia da gestalt e a ciéncia empirica contempordnea. Psicologia: Teoria e Pesquisa, na/abril 2002, vol.18, n.1, p. 1-16. ISSN 0102-3772. GOBBI, Sérgio Leonardo & MISSEL, Sinara Tozzi Missel. ‘Abordagem centrada na pessoa: vocabulério e nogées basicas. Tubariio. Fd. Universitéria UNISUL, 1998. 000000000080 OOHHEOHHHHHHHHHHOCEEO! eoceove COOOOO 000000000 H0OOOCCOOOOOE 126 (Con)testos de entrevista: olaces diverts HYCNER, Richard & JACOBS, Lynne. Relagdo e cura em Geltalt-terapia. So Paulo: Summus, 1997. MATSON, Floyd W. Teoria Humanista: A terceira Revolugao em Psicologia. In: GREENING, Thomas C. (org.). Psicologia Existencial-Humanista. Rio de Janeiro: Zahar, [s/d]. p.67-82. ROGERS, Carl & KINGET, Marian. Psicoterapia e & rela- ges humanas: teoria e prtica da terapia no-diretiva. 2.ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1977. ROGERS, Carl. Psicoterapia e consulta psicolégica. Sio Pau- lo: Martins Fontes, 1987. RIBEIRO, Jorge Ponciano, Gestalt terapiat 0 processo grupal: uma abordagem fenomenol6gica da teoria do campoe holistica. So Paulo: Summus, 1994. RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia de curta duragao. ‘Sao Paulo: Summus,199, SANTOS, Antonio Monteiro dos; ROGERS, Carl R,; BOWEN, Maria Constanga Villas-Boas. Quando fala o coragéio: a essén- cia da psicoterapia centrada na pessoa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987 SCHULTZ, Duane P. & SHULTZ, Sydney Ellen. Hisiéria da psicologia moderna. So Paulo: Cultrix, 2002. TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdugdo @ pesquisa em ciéncias sociais: a pesquisa qualitativa em educagio. S40 Pau- lo: Atlas, 1987. YONTEF, Gary. Proceso, didlogo e awareness: ensaios em Gestalt-terapia. Sao Paulo: Summus, 1998, Parte 5 (Con) TEXTO FAMILIAR SisTEmIco A FAMiLIA EM TERAPIA NApir HELENA SANCHOTENE DE Souza Compreensio da familia como um sistema O movimento da Terapia Familiar teve sua origem na dé- cada de 1950, num contexto oritico pés-guerra, carente de'mu- dangas e de novas acomodagGes. A partir dessa crise, surgiram importantes movimentos sociais, como 0 anti-racista, 0 movi- mento feminista e o movimento ecoldgico (CORDIOLI, 1998). A Terapia Familiar tem como premissa fundamental a con- cepgio da familia como um sistema, inserido em outros siste- mas, influenciando ¢ sendo influenciado. Seu conceit pro- vém da Teoria Geral dos Sistemas, cujo desenvolvimento se deve ao bidlogo alemao Ludwig Von Bertalanffy. Ele contri- buiu significamente com suas publicagdes para as Ciéncias Sociais, mesmo sendo de outra drea do conhecimento. Porém foram Gregory Bateson e Nathan Ackerman os pioneiros na concepgio das familias como sistemas. Além desses, muitos outros marcaram 0 modelo sistémico, destacando-se entre outros Salvador Minuchin, Charles Fishman, Jay Haley, Carl Whitaker e Virginia Satir (PAPP, 1992; NICHOLS & SCHWARTZ, 1998). Esses pionciros da Terapia Familiar, respaldados em sua experiéncia clinica com criangas, esquizofiénicos e delingiien- tes, passaram a questionar o modelo psicanalitico vigente se aventuraram a incluir a familia nos atendimentos a esses pa- cientes, Surgin dai o novo paradigma que sustenta a idéia de que os dinamismos familiares estfo associados & preservagio da saide e A instauragao da patologia. 0000 OOOOOHO8HOHOHHOHHHHHHHHHHOHOOO | @ecoooe @O0O0O000000OOC8H0O088 0 (Contexts de enrevst:olhares divers sobre a ineragso humana A Teoria esté fundamentada no fato de que o homem no é um ser isolado, ele sobrevive em grupos. Considerado um mem- bro ativo e reativo, sua experiéncia é determinada pela troca com 0 meio ambiente, o qual cle também influencia (MINUCHIN & FISHMAN, 1990 & MINUCHIN, 1982). Es- ses conceitos nao so novos; porém, ao fundamentarem técni- cas psicoterdpicas, constituiram-se numa nova abordagem. Os conceitos-chave do pensamento sistémico dizem res- peito a totalidade, a organizagao e & padronizagao. Os even- tos sdio cxaminados dentro do contexto no qual ocorrem, ou seja, na familia, e a atengao do terapeuta é centrada nas conexdes e nas relagdes entre os membros, mais do que nas caracteristicas individuais. As idéias centrais dessa teo- ria s4o as de que o todo é considerado mais do que a soma das partes, na medida em que cada parte s6 pode ser enten- dida no contexto do todo, de tal forma que uma mudanga em qualquer uma das partes, afeta todas as outras partes, € 0 todo se regula por intermédio de uma corrente de feedback. A troca do individuo com 0 meio ambiente ocorre, primor- dialmente, na familia, na qual se desenvolve um sentido de pertencimento ¢ um sentido de individuago. O primeiro dé-se com a acomodagao da crianga ao grupo familiar dentro de uma determinada estrutura; 0 segundo, por sua vez, decorre da par- ticipagao em diferentes contextos familiares e em grupos extrafamiliares. O aprendizado desses componentes’acontece na familia, considerada a matriz do desenvolvimento psicossocial de seus membros. Dentro dessa perspectiva, a fa- miflia deve acomodar-se a uma sociedade e assegurar-se de sua continuidade (MINUCHIN, 1982). A familia, como unidade da sociedade, vive as mudangas pelas quais esta atravessa. Ela tem duas fungdes primordiais: uma de cunho intemo, a protegdo psicossocial de seus membros; Monica Medeiros Kother Macedo & Leantn Keseli Carasco (Ores) BL © a outra, de cunho externo, que revela a necessidade de acomodagao a uma cultura e da transmissao dela para seus membros Como conseqiiéncia do modeto sistémico, varias escolas de Terapia Familiar desenvolveram-se. Nichols ¢ Schwartz, 1998, citam as seguintes principais linhas de Terapia Familiar: ‘Terapia Familiar Estrutrural, Terapia Familar Psicanalitica, Te- Experiencial, Terapia Familiar Comportamental, iar Boweniana, Terapia Familiar Estratégica Modelos Emergentes dos anos 90. Apesar de algumas diferen- as, todas essas escolas de Terapia Familiar tém 0 compromis- 80 tedrico de trabalhar com o proceso de interago familiar, A familia desde a perspectiva estrutural Neste capitulo nao é poss{vel aprofundar cada escola tera- péutica. Assim sendo, serdo descritos os fundamentos basicos da Terapia Familiar Esteutural, cujo maior expoente € Salvador Minuchin. Essa escola apresenta uma formulagao teérica que serve como um mapa para analisar, diagnosticar ¢ tratar as interagées familiares. Seus conceitos bésicos tm sido funda- mentais no trabalho com familias até hoje. Sao trés os componentes essenciais da Teoria Estrutural da Familia: estrutura, subsistemas e fronteiras. Dentro do sistema familiar, existe sempre uma estrutura, descrita por Minuchin (1982, p. $7) como “um conjunto invis vel de exigéncias funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da familia interagem”. Assim, a estrutura familiar é composta por um conjunto de regras que governam as transagdes da familia. Quando essas transagées sao repetitivas, revelam padres duradouros de interagao, que, por sua vez, reforgam a unidade do sistema 132 (Con)eextos de encrevista:olhares diversos sobre a interagio hismana A estrutura familiar e seus padrées de fincionamento nao sfo facilmente percebidos. Para cntendé-los, € necesséria a ob- servacdo da familia em interago (NICHOLS & SCHWARTZ, 1998). ‘As estruturas familiares so tidas como conservadoras, po- rém modificdveis pois devem ser capazes de se adaptar, quan- do as circunstancias se modificam. A sobrevivéncia da familia a0 longo do seu ciclo vital como um sistema depende de uma gama extensa de padrées, que incluem os transacionais altema- tivos e a flexibilidade para acioné-los, quando necessério. Dessa forma, o padrdo de organizacio familiar ndo € estati- co nem sagrado. A familia é uma unidade flexivel, que se adap- ta gradativamente As influéncias sociais ¢ econdmicas, agindo sobre elas tanto de fora quanto de dentro. Uma questo importante, enfatizada pelos autores que se baseiam na Perspectiva Estrutural, é que a familia funcional no pode ser diferenciada da familia disfuncional pela auséncia de problemas, mas, sim, pela maneira como os administra, Nesse sentido, para analisar a familia, o pesquisador, ou o terapeuta, deve ter um esquema conceitual do funcionamento familiar, esquema esse que revela trés componentes: a estrutura da fami- lia € um sistema sociocultural aberto ¢ em transformago; a familia passa por estégios de desenvolvimento que requerem adaptagio; a familia adapta-se a circunstancias, a fim de man- ter a prépria continuidade e de favorecer 0 desenvolvimento psicossocial de cada membro (MINUCHIN, 1982). Dentro dessa perspectiva, as familias disfuncionais so aquelas presas a padres ineficazes, mas que transmitem uma certa seguranga por serem habituais. Essas famflias, geral- mente, temem mudar e também no sabem como fazé-lo. O trabalho do clinico frente a uma familia disfuncional é com- preender seus padres, redefini-los e explorar novos cami- nhos com eles. Manica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Carasco (Or) oy A abordagem da Terapia Familiar Estrutural sustenta que a chave para mudar 0 individuo:é.mudar seu contexto, néo im- porta 0 quio patolégico um membro da familia parega ser. Se a estrutura familiar for melhorada, vai despertar uma maior com peténcia nesse membro, que; por sua vez, Vai contribuir para reforgar a mudanga na familia. Na estrutura da familia, hd sempre algum tipo de, hierar- quia, com pais ¢ filhos em diferentes graus de poder. Nela, tam- bém hé reciprocidade e complementaridade de fungdes entre seus membros. sistema familiar global é composto por diferentes partes ‘ow grupos, qule silo chamados de subsistemas. Cada individuo tum subsistema, e diades ou grupos maiores formam outros subsistemas, agrupados por diferentes critérios como: geragio, ‘género, interesse ou fungdes. Assim sendo, cada membro da fa- nflia pertence a diferentes subsistemas, possuindo diferentes ni- veis de poder, em que aprendem diversas habilidades. Entre os subsistemas, existem barreiras invisfveis, defini- das nessa teoria como fronteiras (NICHOLS & SCHWARTZ, 198). Blas servem para proteger a autonomia da familia diante da sociedade ¢ de seus subsistemas, sugerindo proximidade ou isolamento ¢ hierarquia. 5 subsistemas que nao so protegidos adequadamente por fronteiras tendem a resiringir 0 desenvolvimento de suas habi lidades, prejudicando o relacionamento de seus membros, por exemplo: quando os pais sempre interferem nos conflitos dos fillhos, esses tendem a ndo resolvé-los sozinhos. {As familias podem apresentar fronteiras rigidas, nitidas ou difusas. As fronteiras rigidas, por um lado, sao restritivas, por- que dificultam © acesso entre os subsistemas, resultando em isolamento e distanciamento. Por outro lado, as fronteiras difusas revelam intromissio, pouco distanciamento, dificultando a independéncia ¢ a autonomia dos membros. As fronteiras aaeied ® e e e e e e e 2 e e e e e e e e e e e e e e e e e 4 (Con}eexts de entrevisc:oares diversas sabe a interagfo humana nitidas, por sua vez, demarcam a unidade dos subsistemas, si- nalizando a diferenciagao ¢, a0 mesmo tempo, permitindo o contato © a troca entre os subsistemas (MINUCHIN, 1982, RIOS-GONZALEZ, 1994 e NICHOLS & SCHWARTZ, 1998). A,avaliagio dos subsistemas ¢ do funcionamento das fron- teiras e aliangas propicia aos terapeutas familiares um diag- néstico, orientando, a partir daf, suas intervengdes terapé cas, Muitas vezes, os terapeutas de familia funcionam como criadores de fronteiras entre og subsistemas, transformando as difusas em nftidas e flexibilizando aquelas inadequadamente rigidas. Sao trés 0s subsistemas descritos por Minuchin (1982) como componentes da estrutura familiar: © subsistema conjugal, o subsistemna parental e o subsistema fraternal. ‘Osubsistema conjugal é formado por marido e mulher, que, a partir de um vinculo afetivo, unem-se a fim de compartilhar interesses, metas, objetivos e aspiragdes. Esse subsistema, como os demais, tem tarefas e fungdes especificas. A comple- mentaridade ¢ a acomodagao miitua so habilidades fundamen- tais para o subsistema conjugal ¢ vital para o funcionamento da familia. A primeira tarefa do casal é a adaptagio métua, que requet realinhamento das relagées com a familia de origem, com grupos sociais e de trabalho. Outras questdes cotidianas de vida prética também devem ser negociadas, ajustando expectativas ¢ desejos de cada cnjuge, sendo, muitas vezes, essas questées menores do cotidiano as que mais provocam conflitos entre os casais (RIOS- GONZALEZ 1994 e NICHOLS & SCHWARTZ 1998). No processo de adaptag’io de um ao outro, 0 casal deve negociar as fronteiras entre si € com 0 mundo externo, princi- palmente com as familias de origem. Os cOnjuges, geralmente, provém de familias com diferentes estruturas, trazendo para 0 Seu casamento expectativas do tipo de proximidade que existia Monica Medeiros Kother Macedo && Leanira Kessli Cerasco (Ores) bs em suas familias. Geralmente, as expectativas diferem, ¢ os conflitos daf resultantes podem ser de dificil superagao, O subsistema-conjugal deve funcionar como tim refigio para as exigéncias da vida e como uma matriz para relaciona- mentos com outrés sistemas sociais, podendo favorecer a apren- dizagem, a criatividade © 0 crescimento. Os cOnjuges, no pro- cesso de acomodagao miitua, podem valorizar aspectos criati- vos de seus parceiros que estavam latentes e, assim, apoiar e revelar as melhores caracteristicas um do outro, Entretanto, os ‘casais podem também estimnular aspectos negativos mutuamente (MINUCHIN, 1982). A complementaridade, por sua vez, diz respeito as caracte- risticas, as dreas de competéncia de cada cénjuge, que, na interagao com 0 outro, formam um todo. Cada um deve estar na relagdo sem a sensacio de que renunciou & sua individualidade, Ambos, marido ¢ muther devem conceder partes de si para for- mar a unidade conjugal. O exagero de papéis complementares pode afetar 0 desen- volvimento ¢ 4 interag&io conjugal. A complementaridade mo- derada permite a divisdo de tarefas e de fungdes pelos cOnju- ges, além de sugerir apoio ¢ enriquecimento individual. O de- senvolvimento de padrdes adequados de complementaridade Permite que cada cOnjuge se entregue ao’ vinculo conjugal sem perder sua individualidade (MINUCHIN, 1982). ‘Também, no que se refere complementaridade, Satir (apud ANDOLFY, 1995) afirma que tanto homens como mulheres tém Partes intuitivas ¢ cognitivas. Para o melhor funcionamento do casal, essas partes devem ser desenvolvidas e integradas. O re- lacionamento conjugal sadio pressupde que as duas pessoas se sintam com igual valor uma em relago A outra. Rios-Gonzélez (1998), por sua vez, refere-se a complementaridade recfproca como aquela em que os papéis diretivos ¢ de submissio se intercalam com assiduidade e fluidez. Por outro lado, a 136 (Con)testos de entrevista: olharesdiversos sobre a interagfo humana complementaridade rfgida pressupde papéis estanques, com um dos cOnjuges na posigao diretiva, e o outro, submetido. O segundo subsistema que compoe a estrutura familiar € 0 parental, inaugurado com o nascimento do primeiro filho. Esse subsistema tem as tarefas de nutrir, guiar e controlar o filho, desse modo, exigindo do subsistema conjugal apoio mituo. E também de fundamental importancia uma certa flexibilidade, que permita & crianga acesso a ambos os pais, mantendo, no entanto, © espago conjugal preservado. __ O estilo de parentalidade depende da idade dos filhos. Os bebés necessitam de cuidados, atengdo ¢ protecio (MICHAEL & SCHWARTZ, 1998). Os filhos em idade escolar requerem supervisdo nas tarefas escolares, orientagdes, controle € envolvimento em diversas atividades (SOUZA, 2001). Os ado- lescentes precisam do estabelecimento de regras, de didlogo ¢ do entendimento da necessidade gradativa de autonomia e de responsabilidade (MINUCHIN & FISHMAN, 1990; CARTER & MCGOLDRICK, 1995). O grupo familiar necessita de lideranga. Eo subsistema parental que deve assumir a lideranga, revelando autoridade e poder diferentes dos filhos. Essa lideranga deve ser diferencia. da, dependendo da idade dos filhos, e também democritica, podendo ser questionada ou assumida por uma ou outra figura parental, a fim de promover o crescimento emocional dos mem- bros da familia (FERES-CARNEIRO, 1992). ‘Complementando a estrutura bésica da familia, o subsistema fraternal, constituido por irmaos, pode ser considerado o pri- meiro laborat6rio social, em que as criangas aprendem a se re- lacionar com os iguais. Entre si, as criangas aprendem a nego- ciar, a cooperar e a competir. Podem assumir diferentes postu- ras, ter prestigio, fazer amigos, aliados, ou se colocarem como bodes expiatérios. Os papéis experienciados pelos membros nesse subsistema € no sistema familiar mais amplo tendem a her Macedo 6 Leanira Kessli Carrasco (O15) Br ser significativamente marcantes’e carregados ao longo da vida (MINUCHIN, 1982; MINUCHIN & FISHMAN, 1990). A estrutura familiar, com séus subsistemas, opera dinami- camente e responde as exigéncias extemas do sistema maior, a sociedade. Desenvolvimento, mudanga ¢ satide na familia A familia 6 um sistema vivo, aberto, em continuo processo de mudanga, Ela est4 sujeita as demandas internas, que dizem respeito as mudangas evolutivas de seus membros e subsistemas, € A pressio externa, decorrente das exigéncias econémicas, s0- ciais e culturais. O desenvolvimento da famflia transcorre em etapas que denotam uma complexidade crescente. HA perfodos de equili- brio e de desequilibrio, que ocorrem tanto no ciclo de vida indi- vidual como no ciclo de vida familiar (MINUCHIN & FISHMAN, 1990; CARTER & MCGOLDRICK, 1995). Os pe- riodos de equilibrio so caracterizados pelo dom{nio das tare- fas ¢ das atitudes. Os perfodos de desequilibrio, tanto indi dual como familiar, sio mais estressantes, ansiogénicos ¢ im- pulsionam para o avango de um novo estégio mais complexo, com novas tarefas e habilidades. O stress familiar & geralmente maior nos pontos de transi- ao de um estégio do ciclo de vida para o outro. Ha uma ten- déncia de 03 sintomas aparecerem quando ha uma interrupgio do ciclo de vida familiar, por exemplo, no nascimento, no caso de-doenga debilitadora, na morte de um membro da familia, em situagio de desemprego, de mudanga de residéncia, divércio, dentre outros. As estratégias do terapeuta de familia, nessas si- tuagées, so de auxilio aos membros da familia na sua reorganiza- ‘¢do, a fim de prosseguirem no seu proceso de desenvolvimento (CARTER & MCGOLDRICK, 1995). e e e e e e e e e e e e e e e e e s e e e e e e e e e e e e e e e e 000000000 8 (Conhtexos de entteviea: ollsres divest tobre » interao humana Quando as familias buscam a terapia, 0 objetivo é eliminar © sintoma, sem mudar o sistema. Partindo-se do principio de que um sistema familiar busca a estabilidade a fim de manter 0 equilibrio, e que, muitas vezes, esse equilibrio inclui um sinto- ma que impede a familia de seguir 0 seu processo de desenvol- vimento, cabe a0 terapeuta conectar 0 sintoma ao sistema ¢ ‘mostrar a familia que eles estio interligados e que um ndo pode mudar sem mudar o outro. Desta feita, o terapeuta familiar coloca a familia diante do dilema da mudanga Wagner e Féres-Carneiro (1998) afirmam que a familia constitui o ambiente social mais intimo, o que faz com que seja a fonte principal de stress quando as coisas ndo vao bem. Po- rém, se existe urn bom funcionamento familiar, esse se conver- te no principal nticleo de apoio soci O ciclo de vida familiar, segundo Cartere McGoldrick (1995), inctui todo o sistema emocional de pelo menos trés ou quatro geragdes. Embora as familias vivam em uma determinada estru- tura doméstica, delimitadas pelo aqui e agora, elas so subsistemas emocionais, que carregam relacionamentos passados ¢ que exer- cem influgncias importantes no funcionamento global do siste~ ma. O ciclo de vida familiar € por ela definido em fases, que se iniciam com a safda de casa do jovem solteiro, passando pelo casamento, pela familia com filhos pequenos, pela familia com filhos adolescentes, langando os filhos e seguindo em frente, ter- minando com o estégio tardio de vida da familia. Complementando esses postulados, Groisman (2000, p.19) tefere que a familia carrega o passado com o presente. Atirma que, querendo ou néo, somos “atravessados por uma cruz”, em que a parte vertical representa 0 que vivemos ¢ compartilhamos, © que foi transmitido por nossos pais, avés, bisavés, que corresponde aos tabus, aos mitos, aos segredos, as lealdades, aos valores € 3s crengas de nossa familia de origem. A parte horizontal refere-se & hist6ria atual que estamos construindo, Maica Medeivos Kother Macedo 6 Leanira Kes Carrasco (Orgs) 139 que inclui nossa familia atual, as relagdes amorosas, sociais ¢ Profissionais. O autor enfatiza que as relagées estabelecidas com a famflia de origem sao as mais importantes da vida, consti- tuindo-se como uma base do comportamento futuro. O desenvolvimento sadio da familia depende, iminentemen- te, do cumprimento de suas funcdes essenciais, as quais dizem respeito A reciprocidade de relagdes entre os papéis familiares © a busca de caminhos para a solugio de conflitos. Os niveis de adaptagiio Familiar dependem dos graus de éxito ou de fracas- sos das fungdes familiares. O maior ou o menor grau de adapta- ‘gi familiar resulta do modo como seus membros enfrentam os problemas, delimitando-os e encontrando, ou ndo, uma solu- ‘fo adequada para eles (ACKERMAN, 1986). Cabe ressaltar que, em todas-as familias, ha a predisposi- ‘¢40 tanto para a satide emocional como para a enfermidade. O «que faz com que uma dessds tendéncias se sobreponha A outra & @ maneira como se processa a interago entre os setis membros, A terapia A busca do atendimento psicoterdpico pode ocorrer a partir de um encaminhamento da escola, ou de algum profissional da satide. Outras vezes se dé por intermédio de um membro da fa- mnflia que pede ajuda para si ou que est sensibilizado pelo pro- blema de um familiar, como, por exemplo: filho ou c6njuge. Nesse primeiro contato, geralmente telefénico, 0 terapeuta deve buscar algumas informagdes sobre 0 motivo da procura. ‘Com as informagdes obtidas, o terapeuta avalia quem deve cha- mar para a primeira consulta, se toda a familia ou algum subsistema, propondo isso para o solicitador. Na primeira entrevista diante do paciente identificado © a sua familia, inicia-se 0 diagnéstico que, inegavelmen- te, € um processo dindmico e longitudinal. A andlise de wth ee Eee

También podría gustarte