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1) O livro discute como a sexualidade foi condenada pelo cristianismo a partir do século XVI e constituída como problema médico e jurídico.
2) A autora analisa como a Igreja, o Estado e a medicina passaram a controlar mais a sexualidade conjugal após o Concílio de Trento, entre 1545-1563.
3) Com o adiamento dos casamentos na Idade Moderna, o controle sobre a sexualidade dos jovens foi maior, e a sexualidade adolescente passou a ser vista como ameaça.
1) O livro discute como a sexualidade foi condenada pelo cristianismo a partir do século XVI e constituída como problema médico e jurídico.
2) A autora analisa como a Igreja, o Estado e a medicina passaram a controlar mais a sexualidade conjugal após o Concílio de Trento, entre 1545-1563.
3) Com o adiamento dos casamentos na Idade Moderna, o controle sobre a sexualidade dos jovens foi maior, e a sexualidade adolescente passou a ser vista como ameaça.
1) O livro discute como a sexualidade foi condenada pelo cristianismo a partir do século XVI e constituída como problema médico e jurídico.
2) A autora analisa como a Igreja, o Estado e a medicina passaram a controlar mais a sexualidade conjugal após o Concílio de Trento, entre 1545-1563.
3) Com o adiamento dos casamentos na Idade Moderna, o controle sobre a sexualidade dos jovens foi maior, e a sexualidade adolescente passou a ser vista como ameaça.
moderna, na FFrança rança Histoire de la sexualité à l’époque para a importância do prazer na sociedade greco-romana. Mas logo o estoicismo do moderne. pensamento de São Paulo vai indicar o pecado da carne como um problema de saúde. São BEAUVALET, Scarlett. Paulo introduz uma dissociação entre a “carne” e o espírito. Aos poucos a ideia da “carne” vai Paris: Armand Colin, 2010. 320 p. se confundindo com o “corpo” e os assuntos sobre o corpo tornam-se mais significativos nos discursos religiosos. Na visão da Igreja Católica, o pecado original fez os homens perderem a capacidade que Deus lhes tinha dado de subordinar suas Scarlett Beauvalet é historiadora professora paixões à sua vontade. Assim os seres humanos do Centro de História das Sociedades da tinham se insubordinado a Deus e, por isso, a Universidade de Picardie e do Centro de Bíblia fez representações da mulher como Pesquisas sobre as Civilizações da Europa aquela que tenta o homem, com a ideia de Moderna na Universidade de Paris IV, Sorbonne. que o pecado iniciou por causa dela. A visão Ela é uma estudiosa no campo de estudos de sobre o papel das mulheres oscilava, portanto, gênero e tem diversas publicações prestigiadas entre a Virgem Maria, com sua virtude, e aquelas na França, como Les femmes à l’époque que seriam perigosas e sem virtude. moderne (XVIe-XVIIIe siècles), pela editora Belin No Capítulo 2, intitulado “La sexualité em 2003, e Être veuve en France à l’époque conjugale: amour, sexe et procréation”, a autora moderne, pela mesma editora em 2001. Na aponta que a relação estreita sobre controle da própria Revista Estudos Feministas foi publicado, sexualidade inicia com o Concílio de Trento (entre em 2002, seu artigo intitulado As parteiras-chefes 1545 e 1563). Essa reunião, segundo ela, foi uma da maternidade Port-Royal de Paris no século forma de controle tanto do Estado quanto da XIX: obstetras antes do tempo? Igreja sobre a vida privada das pessoas. A autora apresenta nesta obra um A partir desse concílio, a sexualidade do importante e atual debate sobre a sexualidade casal foi percebida e relatada como um mar recreativa ou reprodutiva a partir das leituras revolto incontrolável – tudo isso para expressar o religiosas, jurídicas e médicas. Citando Maurice medo do exercício da sexualidade no leito do Godelier, ela revela que a sexualidade é casal. O controle passou a ser, inclusive, sobre configurada a partir de redes simbólicas sociais as posições sexuais do casal; por exemplo, a consideráveis nesses três campos. mulher não deveria ficar sobre o marido na Beauvalet aponta neste trabalho como a relação sexual, pois isso indicaria que ela era sexualidade foi pouco a pouco condenada superior a ele. pelo cristianismo, principalmente a partir do Beauvalet cita padres como Thomaz século XVI, e constituída ao estatuto de problema Sanchez, que discutia a permissão que a Igreja médico e jurídico. A obra se propõe a revisitar deveria dar para que existissem, entre o casal, as representações e as práticas da sexualidade “abraços, beijos e carícias”, por exemplo, antes na modernidade e a mostrar a relação existente das relações sexuais. Aqui a autora identifica entre as normas e as práticas sociais na França algo que será marcante em toda a sua obra e através de textos religiosos, médicos, jurídicos e talvez o mais significativo: a concordância dos testemunhos privados, além de obras literárias e sistemas médicos e jurídicos com a Igreja. Por artísticas. exemplo, os médicos estabeleciam uma O livro está dividido em cinco capítulos. relação direta, concordando com a Igreja, entre No primeiro, intitulado “Sexe bridé, sexe libéré”, sexualidade e procriação. Eles defendiam que a autora inicia falando sobre o papel da uma boa reprodução dependia da boa moral sexualidade no fim da Antiguidade, apontando
decorrente da religião. Outro exemplo que a “alberger”, é formado por permissões conce- autora relata é o de que os médicos revelavam didas pelos pais às suas filhas, que em dias de o cuidado necessário para não desperdiçar festas poderiam receber os namorados em seus sêmen, pois isso poderia acarretar problemas quartos. Esse costume acontecia não só na às gerações futuras; assim, concordavam com França, mas também no norte da Europa, na a Igreja, reprovando a masturbação. Suíça, na Alemanha e na Escandinávia; portanto, No Capítulo 3, intitulado “La sexualité não se pode dizer que as práticas de controle da préconjugale”, a autora aponta que, com a Igreja eram aceitas sem resistência. Essa pode mudança da sociedade rural para a urbana, ser uma pista interessante para a compreensão algumas transformações começam a acontecer; de uma antropologia da sexualidade no mundo com o adiamento dos casamentos, na Idade contemporâneo. Moderna, o controle sobre a sexualidade dos O Capítulo 4, intitulado “Le sexe alternatif: jovens foi ainda maior. Beauvalet descreve que vivre differémment sa sexualité”, demarca as as crianças até os seis ou sete anos de idade tipificações consideradas clandestinas da tinham contato e manipulavam tanto seus órgãos sexualidade. Mas a autora destaca algumas sexuais quanto os de adultos. Essa brincadeira peculiaridades interessantes em seu texto; muitas não era julgada perigosa, pois a criança não era vezes, por exemplo, a justiça fazia um papel tão considerada como alguém que tinha disciplinador quanto a própria Igreja, principal- sexualidade. mente em relação aos sexos. Por exemplo, o Mas a sexualidade adolescente foi pouco adultério era visto pela Igreja como um pecado, a pouco sendo vista como uma ameaça. Aqui tanto para os homens quanto para as mulheres, mais uma vez o conhecimento supostamente mas para os juristas era um crime apenas quando científico teve muita influência para o controle cometido pelas mulheres, e não pelos homens. da sexualidade. Por exemplo, alguns alimentos A imagem do “corno” era muito corriqueira eram indicados para o controle da sexualidade nas rodas de encenações e literatura burlesca e e outros, tidos como afrodisíacos, deveriam ser algo muito temido pelos maridos, pois colocava evitados, como o café e o chocolate. em xeque sua honra. A autora cita uma série de Já existia no século XVI uma forte poemas e obras que abordam o assunto, como, preocupação com qualquer coisa que pudesse por exemplo, L’Isle des hermaphrodites, de estimular a sexualidade. Esses tratados eram Charles Sorel, e L’école des femmes, de Molière, formas de controle e indicadores de “savoir- em que a temática do adultério era frequente. A vivre”. Podemos aqui identificar aquilo que maior parte dos adultérios, segundo a autora, Foucault 1 chamou de dispositivos da devia-se ao fato de os casamentos acontecerem sexualidade, tanto do ponto de vista da higiene por interesse político ou financeiro, e não por quanto da moral. amor. O amor por outro começa a ser citado Para as crianças e os adolescentes da como uma das causas das traições, não somente burguesia, a educação se dava principalmente a voluptuosidade e a impetuosidade dos desejos. através da internação em conventos, prática O livro apresenta algumas curiosidades, muito comum, onde o controle sobre a como a origem do termo “masturbação”, sexualidade era ainda maior. Existem diversos empregado pela primeira vez num tratado relatos da autora sobre manuais que orientavam escrito por um médico chamado Tissot. A autora como os preceptores dos jovens deveriam relata uma cruzada da medicina contra a proceder para evitar, por exemplo, que os alunos masturbação, pois os médicos acreditavam que entrassem em contato com o próprio corpo, o homem produzia uma quantidade limitada onde deveriam colocar suas mãos para evitar a de sêmen. Para as mulheres, a situação era a masturbação etc. mesma, mas com o agravante de que, para O interessante é que, ao mesmo tempo elas, Tissot considerava a prática “suicida e que a Igreja fazia o papel de controle da autodestrutiva” (p. 225). sexualidade, era lá que as meninas iam para se Sobre a sodomia, a autora aponta que a mostrar aos seus futuros pretendentes. Outro fato prática era condenada tanto para homens interessante é que nessa época já haviam livros quanto para mulheres, considerada uma que auxiliavam os/as jovens a entender como inversão. Mas somente foi chamada de conquistar o parceiro. Além disso, a autora “homossexualidade” a partir do fim do século apresenta vários relatos sobre documentos que XIX. Segundo a autora, a Itália era tida como apontam divergências entre os costumes locais uma terra onde a Sodomia se apresentava com e a própria Igreja. Um deles, chamado muita frequência, a cidade de Florença era
chamada de “a Nova Sodoma”. A descrição ordem social vigente. Na maioria das vezes, os perfeita de vários casos desses foi realizada por juízes entendiam que as vítimas eram cúmplices Jeffrey Richards, na obra Sexo, desvio e da própria violência que sofriam. Curiosamente, danação.2 Beauvalet narra com minúcias os essa situação é muito similar ao que ocorre nos relatos e as áreas dos encontros homossexuais dias de hoje, com a Lei Maria da Penha, como em Paris, onde, segundo informações da já pesquisado aqui no Brasil por Marisa Corrêa.3 época, existia uma comunidade homossexual O trabalho de Scarlett Beauvalet é não organizada mas já evidente. Essa, inclusive, interessante principalmente para historiadores parece ser uma informação interessante e que tratam sobre a temática da sexualidade inovadora na obra, não contida em outras do tentando entender a relação dessa com os mesmo gênero. sistemas religiosos, jurídicos e médicos. Apesar O quinto capítulo, intitulado “Derives de apresentar dados de arquivos e de literatura, sexuelles et sexe contraint”, aborda como no algumas partes das discussões abordadas pela início da modernidade houve uma preocupação autora já foram citadas por autores como contra os discursos populares, principalmente em Foucault e Richards. Talvez a sua principal relação ao “medo do mal”, através da figura do contribuição seja a relação direta estabelecida diabo e da bruxaria. Nesse período, vários manuais por ela entre estes três sistemas – religioso, jurídico foram lançados. Um grande exemplo é o Malleus e médico –, baseada nas informações bastante maleficarum (em português seu título é Martelo peculiares de arquivos e literatura que indicam das feiticeiras), publicado entre 1486 e 1487. como os costumes da época apontam para Nesses manuais, a bruxaria estava ligada a uma uma mudança dos comportamentos. relação sexual com o diabo. As mulheres bruxas Um dos obstáculos que a obra pode eram acusadas de manter uma paixão carnal apresentar é o fato de que algumas partes das com o demônio e de fazer sexo contra a natu- citações literais citadas estão em francês reza. Beauvalet aponta outros tratados menos arcaico, devido à antiguidade dos documentos conhecidos que também foram um estímulo para pesquisados, o que pode dificultar a leitura em a perseguição das mulheres após a publicação determinados trechos. do Malleus maleficarum. Esses tratados O livro apresenta, portanto, uma leitura apresentavam uma série de procedimentos de interessante para pesquisadores da área, princi- investigação para procurar marcas no corpo ou palmente os francófonos ou os estudiosos dos mesmo outros indícios sobre a suposta bruxaria sinuosos caminhos dos discursos da sexualidade, das acusadas. A autora aponta que esses eventos assim como para quem quer entender a são marcados tanto por um contexto político sexualidade como um fenômeno cultural, social quanto religioso muito específico, como a luta e político. contra os huguenotes e a constituição dos Estados Notas modernos. Ano após ano as perseguições foram 1 Michel FOUCAULT, 1993. sendo abandonadas e, no fim do século XVII, os 2 Jeffrey RICHARDS, 1993. inquéritos demonológicos desapareceram 3 Marisa CORRÊA, 1983. totalmente na França. Outra informação apontada pelo texto, Referências neste capítulo, é a de que, apesar de a violência CORRÊA, Marisa. Morte em família: representa- sexual contra as mulheres ser passível de pena ções jurídicas de papéis sexuais. Rio de de morte, poucas condenações desse tipo Janeiro: Graal, 1983. aconteceram. Existia uma tolerância muito FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a grande em relação a isso. Para os mais nobres, vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, a violência sexual se resolvia com um paga- 1993. mento de indenização e, para os mais pobres, RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as com algumas chibatadas. Isso porque se minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: considerava que as mulheres eram – e estavam, Jorge Zahar Editor, 1993. por natureza – suscetíveis a isso. Outro dado importante é que os crimes eram mais Leandro Castro Oltramari combatidos quanto maior fosse a ameaça à Universidade Federal de Santa Catarina