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PIERRE BOURDIEU tradugéio Mariza Comréa RAZOES PRATICAS SOBRE A TEORIA DA ACKO i PAPIRUS EDITORA 4 ESPIRITOS DE ESTADO GENESEE ESTRUTURA DO CAMPO BUROCRATICO ‘Tentar pensar o Estado € expor-se a assumir um pensamento de Estado, a aplicar ao Estado categorias de pensamento produzi- das garantidas pelo Estado e, portanto, a nao compreender a verdade mais fundamental do Estado,’ Essa afirmagio, que pode parecer tanto abstrata quanto perempt6ria, impor-se-a mais natu- ralmente se, 20 fim da demonstraco, concordarmos em voltar a esse ponto de partida, 86 que municiados com o conhecimento de um. dos poderes principais do Estado, o de produzir e impor (especialmente por meio da escola) as categorias de pensamento que utilizamos espontaneamente a todas as coisas do mundo, € 20 préprio Estado. Mas, para apresentar uma primeira tradugo, mais intuitiva, dessa andlise ¢ mostrar o petigo que sempre corremos de set pensados por um Estado que acreditamos pensar, gostaria de citar 1. Ene texto 6a wars de uma conferéncia profes ema Arse, em uno de 1991, om ‘uma passagem de Maitres anciens, de Thomas Bernhard: “A escola € a escola do Estado, na qual transformamos jovens em criaturas do Estado, isto 6, nada mais do que ciimplices do Estado. Quando cntro na escola, entro no Estado, e como o Estado destr6i os seres, entro na instituigdo de destruicdo dos seres. [..] O Estado me fez entrar nele obrigatoriamente, como fez com todos os outros, e me tornou décil em relagao a ele, Estado, e fez de mim um homem estatizado, um homem regulamentado e registrado e vestido e lomado e pervertido e deprimido, como todos os outros. Quando vemos homens, s6 vemos homens estatizados, servidores do Estado, que, durante toda sua vida, servem ao Estado e, assim, toda sua vida servem & contra natureza."? A ret6rica muito particular de Thomas Bernhard, do excesso, da hipérbole, no anétema, convém bem a minha intenc3o de aplicar uma espécie de difvida hiperbélica 2o Estado e ao pensa~ mento de Estado, Quando se trata do Estado, nunca duvidamos demais. Mas o exagero literdrio sempre arrisca anular-se ao tornar- se itreal por seu proprio excesso. Entretanto, é preciso levar a sério © que diz Thomas Bernhard: para termos alguma probabilidade de pensar um Estado que se pensa mesmo através daqueles que se esforgam para pensé-lo (como Hegel ou Durkheim, por exemplo), € preciso tratar de colocar em questio todos os pressupostos ¢ todas as pré-construgées inscritas na realidade que se trata de analisar e no proprio pensamento dos analistas. £ preciso abrir aqui um paréntese para tentar esclarecer um. Ponto metodolégico essencial. © trabalho, dificil e talvez interminé- vel, necessério para romper com as prenogdes € 0s pressupostos, {sto €, com todas as teses jamais colocadas como tais, Jf que esto inscritas nas evidencias da experiéncia comum, com todo o substrato de impensavel subentendido no pensamento mais vigilante, € fre- quentemente malcompreendido, e niio apenas por aqueles chocados 2, 7. Bembard. Mattes anciens (Abe Meiser Komddie). Paris, Caliard, 1988, p. 4. 7 ‘em seu conservadorismo por esse trabalho. De fato, tendemos a reduzir a um tratamento politico, inspirado por precor pulsdes politicas (disposigSes anarquistas, no caso espect Estado, furores iconoclastas de beécio relativista, no caso da are, inclinagbes antidemocraticas, no caso da opinio e da politica), o que € e quer ser um tratamento epistemolégico. E muito provavel que, ‘como Didier Eribon mostrou bem no caso de Michel Foucault, esse radicalismo epistémico se enraize em puls6es e disposigdes subver- sivas, que sublima e transcende. Seja como for, 0 cetto € que, na medida em que leva a colocar em diivida nfo apenas 0 “conformis- mo moral” como o “conformismo légico", isto €, as estruturas fondamentais do pensamento, ele ataca tanto aqueles que, nao encontrando nada de novo a dizer ao mundo tal qual é, veem nele ‘uma espécie de tomada de posi¢ao decidida e socialmente imespon- sfvel, quanto aqueles que 0 reduzem ao radicalismo politico, como concebido por eles, isto é, a uma dentincia que, em mais de um caso, é um modo particularmente perverso de se colocar 0 abrigo de todo tratamento epistemol6gico verdadeiro (poderia multiplicar ao infini- to esses exemplos e mostrar como a critica “radical” das categorias do INSEE (Institut National de la Statistique ed des Enides Economi- ques), feitas em nome da teoria marxista de classes, permitiu a economia de uma critica epistemologica dessas categorias e do ato de categorizagio ou de classificacio, ou ainda, como a dentincia da cumplicidade do “filsofo de Estado” com a ordem burocritica ou com a “burguesia” mostrou claramente os efeitos de todas as distorgdes epistémicas inscritas no “ponto de vista escoléstico”). As verdatieiras revolugdes simbélicas sto, sem diivida, aquelas que, mais do que 0 conformismo moral, ofendem 0 conformismo légico, desencadeando a repressio impiedosa que suscita tal atentado contra 2 integridade mental. Pata mostrar 2 que ponto € necesséria e dificil a ruptura com © pensamento de Estado, presente no mais intimo de nosso pensamento, seria preciso analisar a batalha recentemente travada na Franga, em plena guerra do Golfo, a propésito deste objeto &

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