Está en la página 1de 55

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO, CULTURA, ASSISTÊNCIA E RELIGIÃO

CLGT – ÉTICA CRISTÃ


Milas Aldrin Alves

CAPÍTULO I
“Não peço que os tire do mundo mas os livre do mal” Jo. 17:15

1. O Pensamento Cristão e a História da Ética:

1.1 Definição de Ética


Algumas definições:
 “Um estudo sistemático do modo de viver exemplificado e ensinado por Jesus, aplicado aos
múltiplos problemas e decisões da existência humana” (Georgia Harkness).
 “Ciência que trata das origens, princípios e práticas do que é certo e do que é errado, à luz das Santas
Escrituras, em adição à luz da razão da natureza” (L.S. Keyser).
 “O que Deus faz e quer é bom; tudo que se opõe a sua vontade é mau” (Brunner).

Nossa definição: “A ética é____________________________________________________________


_________________________________________________________________________________”

1.2 Quais sãos as vertentes da ética? Por que “estudar” Ética Cristã?
A ética pode ser divida em três partes segundo Walter Elwell:
Ética Filosófica: aborda a responsabilidade humana a partir daquele que pode ser conhecido pela razão
natural e no que diz respeito à existência temporal.
Ética Teológica: trata daquilo que pode ser aproveitado dos alegados entendimentos de uma determinada
comunidade, no tocante a esta vida ou a do porvir.
Ética Cristã: é o formato cristão da ética teológica.

Embora alguns tentem fazer a distinção entre ética pessoal da social, aqui propomos que uma nada
mais é do que a aplicação da outra. Os valores cristãos que seguimos devem encontrar gerar pontos de
diferença na sociedade em que vivemos. Na verdade poderíamos dizer que não se "estuda" ética, mas se
concebe (em Cristo) e se vive ética.
Vamos ver um pouco das três propostas:

1.1.1 Ética Filosófica


Neste ponto encontramos duas (2) propostas a Filosofia Moral e Teologia Moral. Observe o que
se segue abaixo:
Filosofia Moral: também conhecida como ética filosófica. De um modo geral, podemos afirmar que aí
predomina a razão, o homem com seus poderes mentais definindo, ora com base exclusivamente racional,ora
levando em conta outros fatores culturais como a ciência, os costumes, as ideologias, ora explorando

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R.


1
Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

realidades próprias do se humana, como o prazer, o ideal, a emoção, o desejo, uma grande variedade de
teorias éticas. O que resulta claro da apreciação da ética filosófica é que o homem está no centro de todas as
coisas.1
Teologia Moral: Essa expressão caracteriza a ética no campo da teologia católico-romana e é definida como a
ciência das leis que regulam o dever, verificando-se se conformam ou não com os padrões naturais da ética,
com a revelação e com a lei positiva da Igreja. No caso da ética, o plano de Deus está como que gravado na
própria natureza do homem, podendo ser conhecido pela razão. A lei natural é a lei da razão. 2

1.1.2 Ética Teológica


Para Walter Elwell a ética teológica e a cristã estão intrinsecamente ligadas, ou seja, ambas tem
um referencial em uma “ordem superior”, no caso Deus. Seu raciocino nos induz a concluir que nossas
atitudes são baseadas em alguma premissa.
Na Ética Teológica encontramos a razão de se viver em comunidade ou “família”. Os princípios
não são apenas dados ao individuo, mas, sobretudo, como este o aplicará em conjunto. Para tanto, utilizar-se-
ão de algum instrumento que os possam orientar.
Neste sentido observamos qual a é a importância de se ter uma ética pessoal para aplicá-la numa
ética social. Embora defendamos que uma coisa não é distinta de outra (ética pessoal de social), com Walter
Elwell afirmamos “o homem é um ser social e toda conduta sua tem um significado social.”
Portanto, vemos que a Ética Teologia nada mais seria do que um conjunto de princípios que
conduzem o individuo a se relacionar com Deus e seus semelhantes a luz das Escrituras Sagradas.

1.1.3 Ética Cristã


A Ética Cristã se assemelha muito com a teológica. A distinção se daria, pelo fato, de que ela se
propõe a esclarecer ao individuo estas premissas já mencionadas. Os princípios por si só não teriam efeito se
não houvesse indivíduos para realizá-los.
Quando dizemos que se faz mister a presença do individuo para aplicabilidade das premissas ou
princípios não estamos dizendo que a falta dele (individuo) anularia o princípio, mas que sem ele o
(individuo) o princípio estaria a serviço só do Criador. Sendo assim, a nossa certeza é de que o Criador não
precisa de tal embora se por ter criado o principio se submete a Ele. (Hb. 1:1-2)
A ética cristã será para o individuo nada mais do que o reflexo da Glória e Majestade do nosso
Deus. A glória, coroação, gratidão será para Ele por todas as coisas que fizermos. Pois que valor há em nós
que possamos nos gloriar. Neste sentindo queremos conflitar as idéias seguindo a linha de raciocínio de
Francisco Alves. Ele nos propõe o seguinte:
Ética Cristã Genuína: é absolutamente teocêntrica, com a afirmação plena da soberania e senhorio de Deus.
Se todas as coisas estão subordinadas a Deus, Ele é o bem supremo e todos os demais valores são valores
nEle e por causa dEle. Definir valores normas morais, padrões éticos à parte dEle, portanto com base
exclusivamente humana, é forma de rejeição, rebelião, de pecado.
Deixe-me esboçar da seguinte forma:

1
Antologia 437
2
Antologia 438

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 2


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Para aqueles que defendem o Cristianismo na sua plenitude podem afirmar como Emil Brunner o
fez: “Ele ordena a imitação obediente de sua atividade como Criador e Redentor”.

Visão Geral da Ética Secular e da Ética Cristã:

Visão Ética Secular Ética Cristã


Pv 14.12 Há caminho que ao homem
Depende da pessoa e das circunstâncias. O
parece direito, mas o fim dele são os
1- Antinomismo homem é seu próprio deus. Cada um age como
caminhos da morte. Devemos viver de
quer.
acordo com a palavra de DEUS.
A conduta de alguém deve ser julgada de Mc 13.31 Passará o céu e a terra, umas
2- Generalismo acordo com seus resultados. É o fim as minhas palavras não passarão. Os
justificando os meios. pecados separam o homem de DEUS.

No material cedido pelo Pr. Feitosa onde menciona que o propósito desse estudo fica, pois, definido:
mostrar as opções mais adequadas a partir do referencial bíblico para as questões modernas que geram
controvérsias ou descaso, tais como: a pobreza, o aborto, o controle de natalidade, a política e outros temas
afins. Passo a transcrevê-lo.

A. O que a Bíblia nos ensina sobre ética?

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 3


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Sim. O mais antigo código de ética que conhecemos é a listagem dos 10 mandamentos. Ali se
encontram as diretrizes que deveriam fundamentar o relacionamento do povo com Deus, o relacionamento de
hebreu com hebreu e o relacionamento com os estrangeiros. Esse código de ética é exposto em seu real
sentido no NT.
O vocábulo grego ethos é a palavra comum para designar costumes, ritos, procedimentos e maneiras.
É de onde deriva a nossa palavra ética. Os seus principais usos no NT são:
a. Costume, hábito (cf. Lc 1,9; 2,42; 22,39; Jo 19,40; At 25,16; 28,17; Heb 10,25)
b. Lei, norma (cf. At 6,14; 15,1; 16,21; 21,21)
Analisemos mais de perto o item b acima, a ética entendida como Lei, Norma.
(1) Estêvão é acusado de quebrar a ética vigente, e por isso deveria ser punido: "Este homem não cessa de
proferir palavras hostis contra o Lugar santo e contra a Lei; de fato nós o ouvimos dizer que esse Jesus, o
Nazoreu, destruiria este lugar e mudaria as normas que Moisés nos transmitiu" (TEB - At 6,14-15);
(2) A ética segundo a Lei de Moisés era o padrão requerido pelos judaizantes junto aos novos convertidos,
razão de conflito com a mensagem de Paulo (At 15,1; 21,21);
(3) Não apenas os judeus se sentiam ameaçados com a pregação da nova ética cristã. Os romanos assim
também argumentavam: "Esses homens lançam a perturbação em nossa cidade: são judeus e preconizam
normas de comportamento que não é permitido a nós, romanos, nem admitir nem seguir" (TEB - At 16,20b-
21).
Portanto, o que se configura é que a mensagem neotestamentária estabelece normas comportamentais
ideais, mais de acordo com o verdadeiro espírito da Lei de Moisés. A questão que se nos apresenta é como
esse novo padrão cristão, que já desde o início provocara polêmica com os judeus e romanos, deve ser
exercitado por nós cristãos modernos.

B. A Necessidade de Uma Ética Cristã como Característica Pessoal


O caráter cristão só pode ser formado e desenvolvido se tivermos a mente de Cristo (1Cor 2,16).
Paulo é enfático ao afirmar que o crente não tem o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus (1Cor
6,12).
Há dois vocábulos para a palavra mente:
(1) nous, conforme 1Cor 2,16 (cf. também, dentre outros, Lc 24,45; Rm 7,23.25; 11,34; 12,2; Ef 4,23). Trata-
se do entendimento, da compreensão. O ensino de Paulo é que tal entendimento humano deve ser na
perspectiva de Cristo – e não dos homens!
(2) nóema, conforme 2Cor 3,14; 4,4; 10,5; 11,3 e Fil 4,7. Trata-se dos sentidos, das percepções ou intenções
que temos. Por exemplo, Paulo afirma que o deus deste século cegou os entendimentos (nóema) dos
incrédulos (2Cor 4,4), razão pela qual eles não tinham condições de ver a luz do evangelho da glória de
Cristo.
Um texto bem conhecido, mas pouco compreendido, fala exatamente da necessidade de termos uma
mente transformada. Transformação implica necessariamente em movimento. Quando Paulo falou “... e não
vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 12,2). O apelo é
que a nossa mente, o nosso entendimento, não deve mais ficar nem a mercê do mundo, nem à nossa mercê,
mas segundo a mente de Cristo.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 4


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

APLICANDO: Para desenvolvermos essa “mente” de Cristo é necessário que conheçamos o que Cristo fez,
como fez e por que fez. Imagine-se aprendendo um novo idioma: (1) é necessário ouvir, (2) ouvir bem e
repetir de forma audível, (3) falar para alguém para testar a clareza daquilo que você aprendeu.

C. A Necessidade de Uma Ética Cristã nos Relacionamentos Interpessoais


Este tópico se refere à parte prática da ética cristã. Quando nos relacionamos com o próximo, que
postura a mente de Cristo exige que tenhamos?
Paulo foi enfático ao afirmar que, nos relacionamentos interpessoais, o cristão não deve pensar a
respeito de si mesmo além do que convém (Rm 12,3). Este é o primeiro passo: eu devo me relacionar com o
próximo sem que haja em mim qualquer sentimento de superioridade. Assim sendo, a minha sensibilidade de
julgamento sobre o que é certo ou errado no próximo estará submissa à consideração sobre a minha própria
pessoa.
APLICANDO. Temos opiniões diferentes sobre muitos temas. A solução proposta por Paulo é simples: seja a
paz de Cristo o árbitro em vosso coração (ARA - Col 3,15).

D. A Necessidade de Uma Ética Cristã nos Relacionamentos Seculares


É freqüente nos depararmos com situações sociais onde a consciência cristã (a mente de Cristo) nos
inquire se aquilo está correto ou não e, naturalmente, qual deve ser a nossa opinião e atitude diante de
situações controversas.
1. Opinião. Entendemos que o cristão deve coletar o máximo possível de informações a respeito de
um tema e passá-las pelo crivo da Palavra. Por exemplo, para respondermos sobre “o que você acha sobre o
aborto?”, um bom procedimento é conferirmos um conjunto de informações sobre o tema que nos permita
uma opinião mais adequada. Há muitos “eu acho” no nosso meio, oriundos de informações precárias sobre o
tema em pauta e, especialmente, sem que uma mentalidade cristã os norteie. A opinião pessoal é bem
enfatizada por Paulo: “Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja
inteiramente seguro em sua própria mente... assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus”
(Rm 14,5.12).
2. Atitude. Uma opinião deve levar a ação. Não importa quão razoável possa ser uma idéia – se ela
não implicar em ação torna-se idéia morta, inútil. Observemos dois exemplos:
(1) Uma rápida análise no que a imprensa fala, escreve e mostra, nos daria a certeza: é a imprensa quem
possui a solução e os mecanismos para um bom governo. Na inquirição de Rubem Amorese (autor do livro
ICABODE), um apanhado das observações do Boris Casoy, uma amostra apenas dos últimos seis meses,
seriam suficientes para canonizá-lo. Será que ele é tão bom quanto suas opiniões? 3
(2) O segundo exemplo pode ser visto no âmbito do discurso político partidário. A rigor, não há idéias anti-
éticas. Na análise enquanto discurso, as idéias são na verdade um primor de ética. O contra-senso se
evidencia é na descontinuidade opinião e atitude.
APLICANDO: Pois o que se requer da Igreja não é somente uma apresentação de um manual de ética para
os seus membros e para a sociedade. A postura da Igreja deve revelar opinião e atitude. Não é porque o
Estado, a TV, as personalidades formadoras de opinião acham algo sobre um tema que os cristãos assim
também devam achar. A pregação, o ensino e a atitude da Igreja devem ser reflexos de sua cristounous
(mente de Cristo).

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 5


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

APÊNDICE 1 - ÉTICA BÍBLICA

O termo ética se deriva do vocábulo grego ethos ou ethos. A palavra “maneiras” é usada para denotar
conduta ou prática; esse uso corresponde ao significado do termo grego em 1Co15.33, “bons costumes” (ethe
chresta). A ética se refere, portanto, à maneira de vida ou de conduta. No Novo Testamento o termo usado
para denotar a maneira de vida é, mais caracteristicamente, anastrophe, e seu verbo correspondente (cf. 2Pe
3.11). A ética bíblica diz respeito à maneira de vida que a Bíblia prescreve e aprova. De conformidade com
as Escrituras, entretanto, conduta ou “maneiras” nunca podem ser desassociadas do complexo de disposições
que se expressa em comportamento observável. A ética que é requerida pela Bíblia diz respeito ao coração do
homem, porque “dele procedem as fontes da vida” e “como imagina em sua alma, assim ele é” (cf. Pv 4.23;
23.7; Mc 7.18-21; Lc 16.15; Hb 4.12). Os mandamentos de Deus são freqüentemente vazados em termos da
ação externa requerida ou proibida. Porém, não devemos supor que esses mandamentos dizem respeito
meramente às ações (cf. Mt 5.28; Rm 13.9, 10).

I. A unidade
Poderia ser facilmente asseverado que não existe unidade básica na ética que a Bíblia prescreve e
que é exemplificada nas várias eras da história bíblica. Ao tratar dessa questão diversas observações e
distinções têm de ser feitas. (a) Precisamos admitir o fato e a significação de uma revelação progressiva.
Deus foi revelando Sua vontade progressivamente aos homens. Portanto, nos primeiros anos da história da
revelação, a regra de conduta não era tão plenamente revelada como o foi em períodos posteriores. A
revelação, no que respeita à história deste mundo, atingiu seu final no Novo Testamento, focalizado
principalmente na vinda e realização de Cristo. Temos nestes últimos dias a plenitude da revelação e da graça
de levar a revelação da vontade de Deus até sua frutificação mais rica. Para quem tanto é requerido, mas é
exigido. Isso explica porque certas práticas dos santos do Antigo Testamento, claramente inconscientes com
a ética do Novo Testamento, foram toleradas e não foram visitadas com penalidades religiosas ou civis
durante o período do Antigo Testamento. (b) A prática atual dos santos não deve ser equiparada com a ética
bíblica; esta última se refere àquilo que Deus exige, e não às falhas ou realizações dos homens. (c) A queda
do homem afetou materialmente o conteúdo da ética que governa a conduta do homem. Novas provisões
foram necessárias para tratar com a situação radicalmente diferente que foi criada. Por exemplo, por motivo
do pecado e da vergonha resultante, o vestuário seria uma instituição que não teria qualquer relevância
necessária num estado impecável (cf. Gn 2.25; 3.21). E as diversas sanções penais surgiram em vista da
presença do pecado. A unidade da ética bíblica toma plena consideração das exigências criadas pelo pecado e
pela culpa. (d) Devemos distinguir entre permissão e sanção, tolerância e aprovação, quando estivermos
tratando das práticas prevalecentes no período do Antigo Testamento. Nosso Senhor enuncia claramente essa
distinção em conexão com o divórcio permitido por Moisés (Dt 24.1-4). Moisés, diz ele, permitiu o divórcio,
“entretanto, não foi assim desde o princípio” (Mt 19.8). A ordenança original de Gn 2.24, para a qual Jesus
apelou (Mt 19.5), não provia a oportunidade de tal divórcio, e de modo algum devemos inferir que a
instituição de Gn 2.24 foi suspensa ou abrogada. Essa passagem, semelhantemente, diz respeito à questão da
poligamia, e a mesma distinção deve ser aplicada. (e) A redenção tem seu efeito sobre a história da
humanidade. Assim como a situação criada pelo pecado exigiu novas provisões reguladoras, assim também a
redenção introduz instituições que afetam profundamente a conduta humana que não teriam qualquer
relevância num estado não pecaminoso.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 6


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Há, entretanto, certa unidade que caracteriza a ética bíblica através de todos os períodos da história humana.
As ordenanças da criação são claramente estabelecidas em Gn 1 e 2. Essas são as ordenanças da procriação,
do encher a terra, de subjugá-la, de exercer domínio (Gn 1.28), do Sábado (Gn 2.2, 3), do trabalho (Gn 2.15),
do casamento e da monogamia (Gn 2.23, 24). É óbvio que a proibição de comer da árvore do conhecimento
do bem e do mal, por mais importante que fossem para Adão e Eva, bem como para a raça humana inteira,
pertence a uma categoria diferente; só podia ter relevância no estado original de integridade, e pode ser
distinguida como uma ordenança de provação. Quando examinamos essas ordenanças da criação vemos quão
relevantes elas são para os instintos básicos e para os interesses que estão mais próximos do coração, quão
inclusivas são das ocupações que teriam tido lugar no pensamento e na ação do homem, e como se
complementam e condicionam uma às outras. Tocam em cada área de vida e comportamento. Poderíamos
pensar que a alteração provocada pela entrada do pecado e suas misérias resultantes, haveriam de exigir a
abrogação ou pelo menos a modificação dessas ordenanças. Porém, tal não foi o caso. A santidade dessas
ordenanças é preservada, e sua relevância e obrigação permanentes são claramente estabelecidas na história
subseqüente da revelação (cf. Gn 3.16, 19; 4.1, 2, 17, 25; 5.1-3; 9.7; 11.1-8). Os Dez Mandamentos fornecem
o âmago da ética bíblica. Porém, pode-se perceber imediatamente quão íntimos são os pontos de contacto
entre o Decálago e as ordenanças da criação. Apesar de que condições e as circunstâncias foram
revolucionadas pelo pecado, a estrutura básica desta terra e da vida humana na mesma não foi destruída.
Poderíamos esperar que essa unidade só fosse realidade quanto a princípios gerais. O homem foi
criado segundo a imagem de Deus. A norma reguladora fundamental da obrigação humana deve, portanto,
ser semelhança a Deus naqueles pontos que são apropriados à natureza de criatura possuída pelo homem. A
lei de Deus para o homem é simplesmente a perfeição de Deus que se expressou visando regulamentar o
pensamento e a conduta humanos consoantemente com essa perfeição. Visto que Deus não muda, e visto que
a obrigação a Deus não pode ser abrogada, qualquer alteração radical na ética imperativa é algo
simplesmente inconcebível.

II. Conteúdo
O conteúdo da ética bíblica é a soma-total dos informes revelatórios exibidos nas Escrituras que
dizem respeito ao comportamento humano. Essa soma-total compreende grande variedade. Inclui o registro
dos erros cometidos, bem como a desaprovação divina contra os mesmos, e também os mandamentos e o
registro da boa prática e sua conseqüente aprovação divina. Que há muitos lados no testemunho bíblico é,
portanto, algo evidente, e até mesmo uma exposição passageira requeriria volumes para que se o fizesse.
Essa complexidade procede da complexidade da vida humana e da inumerável variedade das situações em
que os homens podem encontrar-se. A grandiosidade da revelação bíblica é que, por sua riqueza e plenitude,
ela é adequada para cada situação em que porventura sejamos colocados. As Escrituras foram designadas
para “a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda
boa obra” (vd 2Tm 3.16 e seg.).
Porém, embora exista essa variegada diversidade, torna-se igualmente claro que a Bíblia nos provê
com um sumário daquilo que é normativo par o pensamento, a vida e o comportamento. O testamento
bíblico, naquilo que respeita à complexidade da vida e ao vasto alcance da obrigação divina, está organizado
em torno de um âmago central de princípios éticos. Esses são os Dez Mandamentos. Conforme foram
promulgados no Sinai, foram a forma concreta e prática dos princípios que não estavam recebendo pela
primeira vez a sua relevância. Temos evidência explícita de que estavam em vigor e foram sancionadas antes

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 7


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

do Sinai (cf. Gn 1.2,3; Êx 16, 22, 23; Gn 4.10-12, 23, 24; 6.11; 9.5, 6; 26.9, 10; 39.9). Visto que não
começaram a ter relevância no Sinai, semelhantemente não cessaram de ter relevância quanto a economia
mosaica foi abrogada. Nosso Senhor mesmo, ao promulgar a lei do Seu reino, disse: “Não penseis que vim
revogar a lei ou os profetas” (Mt 5.17), e no discurso subseqüente Ele indicou como isso diz respeito ao
Decálogo. Ele passou a interpretar e aplicar diversos desses mandamentos e a vindicar sua santidade no reino
que veio estabelecer (Mt 5.21-26, 27, 28, 33-37). Paulo, semelhantemente, quando está tratando sobre os
detalhes da obrigação do crente, ilustra a lei que o amor cumpre ao citar cinco desses mandamentos (Rm
13.9). E Tiago, caracteristicamente zeloso pelas boas obras que são frutos e a prova da fé, mostra-se
insistente sobre a necessidade de ter consideração pela lei de Deus em sua inteireza, dizendo: “Pois, qualquer
que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele que disse:
Não adulterarás, também ordenou: Não matarás” (Tg 2.10,11). Nesses mandamentos temos um índice
daquilo que Tiago queria dizer ao falar sobre a lei da liberdade como critério do bem e norma de julgamento
(cf. 2.12).
Os Dez Mandamentos dizem respeito às mais fundamentais de nossas relações, primeiramente para
com Deus, e então para com nossos semelhantes humanos. Nenhum sumário poderia ser mais exclusivo.
Enunciam as santidades básicas que governam a crença, a adoração e a vida – a santidade do ser de Deus, de
Sua adoração, de Seu nome, de Seu dia como dia de descanso e adoração, a santidade da honra aos pais, da
vida, do sexo, da propriedade, da verdade, e do contentamento com nossa sorte. Que esses mandamentos
governam o comportamento na esfera da redenção é deixado claro desde a ocasião de sua promulgação no
Sinai. Sua santidade é destacada pelo seu prefácio: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito,
da casa da servidão” (Êx 20.2). Quanto maior é a obrigação da redenção da qual o Êxodo foi um mero tipo!

III. O Motivo
A confusão tem freqüentemente surgido com referência à palavra de Cristo que ensina que de dois
mandamentos dependem toda a lei e os profetas (Mt 22.37-40; Mc 12.30, 31; Lc 10.27; cf. Dt 6.5) e com
referência ao ensino de Paulo de que ‘o cumprimento da lei é o amor'(Rm 13.10). Tais textos tem sido
interpretados como se significassem que na ética cristã o amor substituiu a lei. Não podemos torcer tanto as
palavras de Jesus ou a afirmação de Paulo. O lugar do amor deve ser completamente apreciado. Mas o amor
não deve ser equiparado com a lei, nem se deve imaginar que possa abrogá-la.
Nas palavras de Jesus e de Paulo existe uma óbvia distinção entre o amor e a lei que depende do
mesmo, e entre o amor e a lei que aquele cumpre. O amor não é essa lei. Portanto, há certa parte da lei que
não pode ser definido pelo próprio amor. E Paulo deixa claro o que ele queria dizer por lei como algo
distintivo do amor, ao citar, no contexto anterior, diversos preceitos do Decálogo (Rm 13.9). Portanto, não
podemos falar sobre a lei do amor, se com isso estamos querendo dizer que esse amor é a própria lei.
O amor é o cumprimento da lei, porque constrange a assentimento e a cumprimento daquilo que a lei
prescreve. O amor é ao mesmo tempo emotivo e motivador. Visto que o amor é emotivo, cria afinidade com
um objeto e afeição pelo mesmo. O cumprimento que o amor constrange, portanto, não é forçado nem
involuntário, mas antes, trata-se de uma obediência alegre e espontânea. Fora desse constrangimento e amor
impelidor, não existe cumprimento da lei. Cumprimento é obediência, e obediência sempre subentende no
consentimento voluntário do coração e da vontade. Quando o amor é todo-infiltrador, então o cumprimento
da lei se torna completo. Esse é o testemunho das Escrituras, do princípio ao fim. O exemplo supremo é

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 8


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

aquele que é dado por nosso Senhor (cf. Sl 40.8; Jo 4.34). O salmista e o apóstolo confessam a mesma coisa
(Sl 119.97; Rm 7.22).
O pecado é inimizade contra Deus, e a inimizade é o oposto ao amor. Visto que todos pecaram,
somente pela força da redenção é que esse amor pode ser gerado no coração do homem. É da chama do amor
de Deus, manifestado no dom de Seu Filho, que o amor pode ser incendiado em nossos corações. Esse é
justamente o sentido da Escritura que diz: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19), e os
versículos anteriores (7-18) desdobram a seqüência. Neste ponto é que podemos encontrar a força
motivadora do amor. Quando o amor de Deus para conosco é derramado em nossos corações (cf. Rm 5.5),
então o amor por Ele cativa os nossos corações e nos impulsiona para a piedade. O constrangimento do amor
e da misericórdia só pode ser conhecido pelo indivíduo que é remido.

IV. O princípio
O princípio governador da ética pode ser afirmado de várias maneiras.
a. É semelhança com Deus. O alvo final do processo ético é conformidade com a imagem do Filho de Deus
(Rm 8.29; 2Co 3.18; Fp 3.21). Se esse é o alvo, deve ser constantemente regulador de todo comportamento.
O exemplo de nosso Senhor, por esse motivo, bem como por outros, é supremamente normativo. Jesus era
santo, inofensivo, sem mácula, e separado dos pecadores, e de nenhum outro poderíamos ser levados face a
face com as exigências da santidade e da verdade se não contemplando o Seu exemplo. Até mesmo as
realizações sem igual e transcendentais de Sua entrega são aduzidas como coisas que nos fornecem um
exemplo que nos permite seguir em Seus passos (cf. Mt 20.25-28; Mc 10.42-45; Fp 2.6-8; 1Pe 2.21-24), não
porque O sigamos na desincumbência dessas realizações sem paralelo, mas porque Sua devoção sem
reservas à vontade do Pai, em Sua tarefa distintiva, deve ser o exemplo para nós naquela chamada com a qual
fomos chamados. Essa conformidade ou semelhança com Cristo, entretanto, é igualmente conformidade com
a imagem de Deus. Eis porque a semelhança com o Pai é apresentada como a norma do comportamento do
crente. Esse é o próprio sumário de Jesus sobre a lei de Seu reino: “Portanto, sede vós perfeitos como
perfeito é o vosso Pai celeste”(Mt 5.48). Sendo criaturas feitas à imagem de Deus, estamos obrigados a nada
menos que perfeição conformável com aquela perfeição do Pai, como norma e alvo da exigência ética. É
semelhança com o Pai que João tinha em mente ao dizer: “E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta
esperança, assim ele é puro” (1Jo 3.3).
b. É obediência aos mandamentos de Deus. Esse princípio foi escrito a respeito da relação do homem para
com Deus desde o princípio: a interrogação feita a Adão registrou sua sanção (Gn 17.10; Ex 19.5; 20.1-17;
24.7). Nosso Senhor mesmo confirmou esse mesmo princípio ao dizer: “Se me amais, guardeis os meus
mandamentos” (Jo 14.15). E João, que conhecia a vontade do seu Senhor, reiterou a mesma coisa: “Ora
sabemos que o temos conhecido por isto: se guardarmos os seus mandamentos” (1Jo 2.3; cf. Rm 6.16, 17;
2Co 10.5; Hb 5.9).
c. Deve ser agradável a Deus. Nenhuma consideração brilha mais alto, no pensamento do indivíduo
santificado, que a necessidade de ser e fazer aquilo que é aprovado por Deus. Enoque andava com Deus, e o
tributo que lhe foi prestado é que agradou a Deus (Hb 11.5). A aplicação prática feita por Paulo quanto ao
ensino de sua epístola principal começa com a enunciação desse cânon (Rm 12.1, 2). Ele defende seu próprio
comportamento apelando para o mesmo como princípio orientador de sua vida (1Ts 2.4; cf. Gl 1.10; 1Ts 4.1).
A soberania de Cristo está ligada a este princípio. Cristo morreu e ressuscitou “para ser Senhor, tanto de
mortos como de vivos” (Rm 14.9; cf. Fp 2.9-11). O culto a Cristo como Senhor é a garantia de que somos

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 9


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

aceitos a Deus (Rm 14.18). A benção não pode implorar benefício maior do que ser tornado perfeito em cada
obra, para fazer a vontade de Deus, e isso é definido como operação em nós daquilo “que é agradável diante
Dele” (Hb 12.21).
De qualquer ângulo que esta questão seja considerada, pode ser reduzida até à instância que o zelo
pela submissão à vontade de Deus e conformidade com a mesma é o princípio orientador da vida
estabelecida nas Escrituras.

V. Poder
A impotência total da natureza humana caída é salientada no testemunho da Bíblia. ‘Portanto os que
estão na carne não podem agradar a Deus' (Rm 8.8). A única esperança para alguém realizar as exigências da
ética bíblica reside nas provisões da redenção, e somente aqueles trazidos para dentro do âmbito da redenção
é que são os participantes dessa provisão. Muitos fatores estão incluídos nessa provisão. Umas poucas delas
exigem atenção particular.
a. É a relação que o crente sustenta para com a morte e a ressurreição de Cisto que assegura a novidade de
vida que a ética bíblica exige. O crente morreu com Cristo e ressuscitou com Ele para novidade de vida (cf.
Rm 6.1-10; 2Co 5.14, 15; Ef. 2.1-7; Cl 3.1-4; 1Pe 4.1-4). Há um rompimento definitivo com o pecado, em
sua contaminação e poder, envolvido nessa união, e também há uma entrega definitiva à justiça e à santidade
(cf. Rm 6.14-18). Porém, a virtude derivada da morte e da ressurreição de Cristo é permanente; reside em
Cristo com quem os crentes estão unidos. É essa virtude, que emana de Cristo na qualidade de ressurreto e
assunto Senhor, que é o poder contínuo que faz a exigência ética produzir fruto. A comunhão permanente
com Cristo e a comunicação com Ele, são as garantias de desejar e fazer as coisas de acordo com a boa
vontade de Deus.
b. A ressurreição de Cristo está intimamente relacionada com a obra do Espírito Santo (cf. Jô 14.16, 17, 26;
15.26; 16.7; At 2.32, 33). Cristo mediante a ressurreição é feito Espírito vivificador (1Co 15.45), e Ele é o
Senhor do Espírito (2Co 3.18). O poder da ética bíblica é, por conseguinte, o próprio Espírito Santo na
qualidade de Espírito de Cristo. A novidade de vida que é conforme o padrão da ressurreição de Jesus é a
‘novidade de espírito' (vd Rm 7.6). Os filhos de Deus são conduzidos pelo Espírito (Rm 8.14), andam pelo
Espírito (Gl 5.16, 25), suas virtudes são conduzidos pelo Espírito (Gl 5.22-24), o amor que é o cumprimento
da lei é o amor do Espírito (Rm 15.30). O crente é controlado pelo Espírito que nele habita (cf. 1Co 2.15), e
visto que o Espírito Santo é o Espírito da verdade (Jo 14.17; 1Jo 5.6) e do amor, Sua presença permanente
traz a verdade até à realização e o amor até seu exercício eficaz.
c. Assim como a iluminação, a orientação e o poder do Espírito Santo são trazidos à consciência do crente,
nenhuma reação afeta o comportamento ético de modo mais profundo do que o temor de Deus. O
mandamento de amar ao Senhor de todo coração e alma e mente, é o primeiro e maior mandamento (mt
22.37, 38). É o primeiro e é o maior porque Deus é grande. E essa grandeza de Deus é a Sua majestade,
refletida na consciência humana em forma de respeito reverente. Esse temor de Deus é o coração da piedade,
e consiste na profunda apreensão de Sua majestade, o senso de Sua presença toda-penetrante, e a constante
consciência do fato que, em cada detalhe da vida, Sua boa vontade deve ser nossa principal preocupação.
Essa é a força constrangedora, e o amor é mero sentimento exceto quando é condicionado pelo senso da
grandeza de Deus. O amor precisa ser informado pela verdade, e o temor de Deus é o começo do
conhecimento e da sabedoria (Sl 111.10; Pv 1.7; 9.10).

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 10


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Quanto à ética que as Escrituras exigem e aprovam, a fé em Deus é sua fonte, o amor a Deus é seu
motivo impelidor, a lei de Deus é seu princípio orientador, e a glória de Deus é seu alvo dominante. Esses,
em resumo, são os critérios, e se inter-penetrarem mutuamente.

Bibliografia: P. Fairbairn, The Revelation of Law in Scripture , 1957; J. H. Thornwell, Discourses on


Truth, Collected Writings , II, 1886; R. S. Candlish, The Christian's Sacrifice and Service of Praise ,
1867; C. A. A. Scott, New Testament Ethics , 1930; C. F. H. Henry, Christian Personal Ethics , 1957; J.
Murray, Principles of Conduct, 1957; C. A. Pierce, Conscience in the New Testament , 1955; H.
Martensen, Christian Ethics, 1882, 1888; C. B. Eavey, Pratical Christian Ethics , 1959; D. Bonhoeffer,
Ethics , 1955; E. Brunner, The Divine Imperative , 1937; A. Nygren, Agape and Eros , 1953; S. Cave, The
Christian Way, 1949; C. H. Dodd, Gospel and Law , 1951; W. Elert, The Christian Ethos , 1957; T. W.
Manson, Ethics and the Gospel , 1960; K. E. Kirk, Conscience and its Problems , 1948.

Fonte: John Murray, “Ética Bíblica” em J. D. Douglas (ed.), Novo Dicionário da Bíblia (São Paulo: Vida
Nova, 1981), pp. 559-563.
Este artigo é parte integrante do portal http://www.monergismo.com/. Exerça seu Cristianismo: se vai usar
nosso material, cite o autor, o tradutor (quando for o caso), a editora (quando for o caso) e o nosso endereço.
Contudo, ao invés de copiar o artigo, preferimos que seja feito apenas um link para o mesmo, exceto quando
em circulações via e-mail.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 11


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

CAPÍTULO II
“Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração, para
desonrarem o seu corpo entre si” Rm. 1:25

2. Ética Cristã na Responsabilidade Social: A adoção e o Homossexualismo. Visão sociológica versus


Visão Bíblica

2.1 A adoção e o Homossexualismo

2.2 Visão sociológica versus Visão Bíblica

2.3 Implicações Práticas de uma visão baseada somente na Sociologia

APÊNDICE 2 - POLÍTICA

O Cristão e o Voto
“Voto é voto não importa de onde ele venha, muito menos a religião do eleitor. E quanto mais
melhor”.
Esta tem sido a lógica dos candidatos ao governo do Estado. Sérgio Cabral Filho, da coligação
Unidos pelo Rio, que assume ser católico, dias antes de iniciar a campanha, oficialmente, visitou em Niterói
o arcebispo da cidade, Dom Alano Maria Pena, ao qual pediu apoio para sua candidatura. No fim de semana
passada, o candidato esteve em São Gonçalo reunido com mais de 350 líderes evangélicos.
“Eu quero voto do eleitor. Não me importa qual a sua religião e nem para que time ele torce. Nós
vivemos num estado laico”, argumentou Cabral.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 12


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

O candidato do PRB, o senador Marcelo Crivella, que mesmo sendo identificado com a Igreja
Universal do Reino de Deus, da qual é bispo, vem tentando conquistar a simpatia dos católicos. Quando
lançou sua campanha fez questão de destacar que tinha dois católicos entre seus principais aliados. Referia-
se ao seu candidato a vice José Carlos de Assis e ao vice-presidente da República, José Alencar, seu colega
de partido.
Crivella disse que vai buscar o voto de quem quer mudar o Rio para melhor. Segundo o candidato,
Jesus não era evangélico ou católico. Ele pregava a paz para todos, sem discriminação.
“Nosso projeto, independentemente de religião ou credo, é construir uma verdadeira democracia
social no Rio. Não busco votos das pessoas pelo fato delas serem católicas, espíritas ou evangélicas”,
declarou.
Convicção - A candidata pela coligação Unir para Mudar, Denise Frossard, também católica, não
rejeitará votos de seguidores de outras religiões, mas ao contrário da maioria de seus adversários não
pretende buscá-los dentro de centros religiosos por acreditar que religião e política não devem se misturar.
“Eu sou católica por convicção e criação. Redutos religiosos não fazem parte da minha agenda
política. Inclusive é de minha autoria um projeto de lei que obriga um religioso a abdicar de suas funções se
quiser concorrer a um cargo eletivo”, disse.
O candidato tucano Eduardo Paes, que também é católico, e abriu oficialmente sua campanha
subindo as escadarias da Igreja da Penha, no subúrbio do Rio, diz não fazer distinção entre os seus eleitores
sejam eles espíritas, católicos ou evangélicos. “Política e fé não podem se misturar. Eu vou trabalhar dentro
da Evangélica e da Católica”, disse.
A candidata pelo PRP, Eliane Cunha, declarou que Deus é sua maior religião e que o governante
deve trabalhar para todos os segmentos religiosos. “Quando peço voto não pergunto a religião das pessoas”,
afirmou.
Preferência - A última pesquisa divulgada pelo Ibope mostra que Sérgio Cabral Filho é disparado, o
candidato preferido dos católicos, na comparação com o seu principal adversário, o senador Marcello
Crivella. O instituto não faz distinção de voto para os demais candidatos, tomando por base a religião. O
levantamento do Ibope mostra que Cabral detém 42% da preferência do público católico, enquanto que o
senador Marcelo Crivella seria votado por 9% das pessoas que professam esta fé. Entretanto, entre o público
evangélico, há praticamente um empate técnico entre os principais concorrentes. Enquanto 37% dos
evangélicos ouvidos pelo Ibope dizem que votarão em Crivella, 34% disseram que votariam em Cabral.

APÊNDICE 3 – A ÉTICA EVANGÉLICA NA POLÍTICA

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 13


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

CAPÍTULO III
“todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de
Deus...visto que a autoridade é ministro de Deus para o teu bem” Rm. 13:1a e 4a

3. Ética Cristã na Política

3.1 O Cristão na Política


3.1.1. O que a Bíblia tem a dizer sobre política?
Na verdade não encontramos na Bíblia a palavra “política” nem uma definição da mesma.
Obviamente não poderia porque a Escritura Sagrada não é um manual ou tratado político. Entretanto,
encontramos nela, do Gênesis ao Apocalipse, a idéia explícita de política.
A arte de bem governar e administrar com competência são exigências constantes de Deus.
Isaías é corretamente denominado pelos estudiosos de “profeta da justiça social”. Sua reivindicação pela
justiça social como resultado de uma política responsável e consciente era a reivindicação do próprio Deus
que o enviara a profetizar.
Neste sentido passo a transcrever algumas idéias propostas pelo Rev. Hernandes Dias Lopes:
A ORIGEM DA AUTORIDADE Rm 13:1-7
1. Procede de Deus - v. 1
Deus é a fonte de toda autoridade e os que exercem autoridade na terra o fazem por delegação divina.
A autoridade precisa reconhecer que sua autoridade é delegada. Quem exerce autoridade, a exerce debaixo da
autoridade de Deus. É a autoridade de Deus que se exerce, quando exercem as autoridades civis sua
autoridade a serviço do bem.

2. O compromisso de obedecer às autoridades - v.1,5


A atitude a assumir em face das autoridades é sujeição. O termo u`pota,ssesqai “hypotassesthai” não
implica de modo algum um servilismo. Trata-se de uma sujeição como convém no Senhor. Essa sujeição visa
evitar a desordem e promover a paz. Conforme o v. 5, a obediência à autoridade não tem o caráter de
resignada submissão inspirada pelo temor ou medo, seja de multa, seja de prisão. Sua obediência não é só
por medo de conseqüências. Você obedece por questão de consciência, pois aceita que a autoridade vem de
Deus e quando obedece a autoridade, obedece a Deus.

3. A atitude de não resistir a autoridade - v. 2


“Se opõe” = lançar em batalha contra. Paulo está falando de uma resistência formal, planejada,
proposital e sistemática. (Hai gobierno, soi contra). A resistência que podemos ter não é ao princípio de
autoridade, mas aos desmandos da autoridade. Quando a autoridade foge do seu caminho, quando deixa de
ser ministro de Deus para praticar e incentivar o bem e se torna opressor, corrompendo-se, burlando as leis
ou criando leis injustas de opressão, quando cria meios e instrumentos para espoliar os fracos, quando,
quando suborna os tribunais, quando arrebata o direito do inocente, quando ama o luxo em detrimento da
fome e da miséria do povo a quem governa, quando promove o erro e induz o povo a se desviar, quando
colabora com a depravação moral e com o desbarrancamento da virtude.

3.1.2 Jesus, Pedro e Paulo e a Política Mt. 22:15-22

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 14


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

O maior conceito de política que a Bíblia nos apresenta foi dado pelo Senhor Jesus Cristo.
Certa feita o mestre foi interpelado por pessoas mal intencionadas sobre a questão do pagamento de impostos
ao imperador romano. “É lícito pagar tributo a César, ou não?”, perguntaram.
Aqui faço minhas considerações. A palavra e;xestin (lícito) oferece-nos uma reflexão no que
tange a possibilidade, porém, embora alguns aqui tente defender que os tributos podem ser pagos de acordo
com a circunstância. Digo que se basear só nesta palavra é ter em mãos um argumento muito vazio e ínfimo
diante da grandeza do ensino que o texto proporciona.
Além do mais, a palavra não parte da boca do Senhor, mas, sim, como uma pergunta
teoricamente retórica, por parte dos herodianos que procuravam achar uma falha pública em Jesus.
Jesus pediu que mostrassem uma moeda e interrogou: “De quem é esta efígie e inscrição?”.
“De César”, responderam. Então lhes disse: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Em outras palavras o Mestre queria dizer: “Sim, devemos pagar imposto. Honrar a Deus não significa
desonrar o imperador”. Nisto percebemos que as autoridades instituídas devem ser respeita pelos princípios
éticos e, sobretudo bíblicos.
Quando Jesus diz em Mateus 22.21 “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”
não quis dizer, como bem observou Francis Schaeffer:

Sem dúvida os apóstolos Pedro e Paulo tinham em suas mentes o ensino de Jesus ao tratarem em
suas cartas de “alguns temas políticos”. Ambos enfatizam a importância da obediência e honra às
autoridades, pelo simples fato, de serem “ministros de Deus”, conforme a expressão usada por Paulo.

3.1.3 Justificativa na Desobediência Civil


A desobediência civil é justificada na Bíblia somente quando as autoridades
intencionalmente se opõem ao evangelho de Jesus para cometerem injustiças (cf. At 4.18,19). E se a
desobediência civil não fosse justificável somente nesse sentido, Pedro e Paulo jamais insistiriam em suas
epístolas pela obediência às autoridades (Rm 13.1-7; I Pe 2.11-17)
Por causa dessa autoridade que vem de Deus é que o povo tem deveres para com as
autoridades constituídas. E por causa dessa mesma autoridade vinda de Deus é que os políticos devem tratar

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 15


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

o povo com justiça e respeito. Porém, se o contrário acontecer ENTÃO ESSE GOVERNO PRECISA SER
ALERTADO.
 Como Amós alertou o rei Jeroboão II em Israel
 Como João Batista repreendeu Herodes em Jerusalém
 Como os apóstolos alertaram o Sinédrio dos judeus
 Como Lutero alertou a aristocracia feudal no século XVI
 Como Calvino alertou os tecnocratas genebrinos
 Como Wesley condenou o tráfego desumano dos escravos no século XVIII
 Como John Bunyan recusou obedecer as autoridades que lhe proibiram de pregar na Inglaterra
 Como Finney alertou sobre a impiedade da escravidão

APLICAÇÃO:
 Quando o governo desvia-se de sua rota e se rebela contra a autoridade de Deus, nós precisamos
resistí-la como MESAQUE, SADRAQUE e ABEDE-NEGO resistiram às ordens de Nabucodonosor
para adorar a sua imagem; como DANIEL resistiu à trama que lhe armaram seus inimigos políticos
para não orar a Deus.
 Como os CRISTÃOS PRIMITIVOS resistiram para não adorar ao imperador, ainda que selando essa
resistência com o próprio sangue, incendiados nos jardins de Roma e pisoteados no coliseu romano.

3.2 O Cristão e o Voto

“SOMOS UMA IGREJA MAIS PROPENSA A SENTIR DO QUE A PENSAR”


PAULO ROMEIRO
Texto áureo no que tange a participação do cristão através do voto é: “Quando os justos
triunfam, há grande alegria; mas, quando os ímpios sobem, os homens escondem-se” Pv 28.12).
De todas as áreas da vida do cidadão, a política tem sido uma em que muitos cristãos não
têm sido bem sucedidos, por não se conduzirem de modo digno diante de Deus, diante da pátria, da
consciência e de seus pares, como o fizeram Daniel e seus companheiros no reino babilônico.

3.2.I. Conceito de Política

1. Política. “O vocábulo política vem do grego, polis, ‘cidade’. A política, pois, procura
determinar a conduta ideal do Estado, pelo que seria uma ética social.
A crise ética chega aos políticos evangélicos a ponto de expô-los a mídia trazendo sobre nós
igreja uma certa desconfiança mais acentuada por parte da população com quem vivemos e trabalhamos no
dia-a-dia.
Cargos públicos, o que era para ser, não tem sido motivo de diferença na ética política do
país, pois o universo político evangélico não constitui, pelo menos por enquanto, uma referência ética para a
sociedade. Basta ver que, nos últimos anos, o envolvimento da maioria dos evangélicos com a política
produziu mais males do que benefícios. A própria CPI do orçamento revelou o triste fato de deputados e
organizações evangélicas roubando o tesouro público. Vários políticos evangélicos sucumbiram aos
subornos, mentiram, venderam votos e tornaram-se assunto de piada por parte dos incrédulos. Creio que a

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 16


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

crise da ética vivida por grande parte da igreja atualmente exige de seus líderes respostas e ações urgentes.
Muitos jovens evangélicos colam nas escolas e acham que não há nenhum problema em fazê-lo. Pastores
que, quando alguém liga para sua casa, instruem os filhos a dizer no telefone que o pai não está, ensinando-
os a mentir. Basta ir às livrarias evangélicas para constatar o grande número de cheques sem fundos emitidos
por crentes. Como vamos ensinar aos políticos brasileiros algo que não praticamos?
Devemos entender e pregar que “o teto de uma casa só existe se houver alicerce e paredes”. A igreja
precisa, com urgência, colocar o ensino e a prática da ética bíblica na sua agenda de prioridades. Ensinar e
viver a ética cristã é o caminho a ser percorrido por nós, se quisermos, de fato, ser o sal da terra e a luz do
mundo (Mt 5: 1 3-16).
Vamos ver algumas situações práticas para nossa reflexão conceitual:
A. O Cristão como Cidadão dos Céus
A.1 Nascidos de novo
Registrados no livro da vida; o propósito de Deus é livrar os que pertencem ao seu povo, cujos
nomes estão escritos “no livro” (i.e., no “livro da vida”, ver Fp 4.3; Ap 3.5; 21.27). Esses colocaram sua fé,
em definitivo, em Jesus como seu Messias, Salvador e Senhor.
A.2 Nossa pátria está nos céus
Hb 11.14 Porque os que isso dizem claramente mostram que buscam uma pátria.
v.15 E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de
tornar.
v.16 Mas, agora, desejam uma melhor, isto é, a celestial. Pelo que também Deus não se
envergonha deles, ode se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade.

B. O Cristão como Cidadão Na Terra

1. Os direitos políticos.
O cristão, como cidadão brasileiro, tanto pode votar, como candidatar-se a cargos eletivos.
Capítulo I, do Título II da CF/88, localizamos as normas cogentes, que tratam dos direitos e
garantias fundamentais em consonância com os direitos e deveres individuais e coletivos da pessoa. Desse
modo e, agora, especificamente sobre o tema proposto, o artigo 5º da CF/88 assim estabelece:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa fixada em lei.”
2. O cristão como eleitor.
Uma verdadeira igreja é marcada pela ação do Espírito Santo, que, entre outras coisas, separa
dentre os seus membros alguns que são enviados como profetas e evangelistas (At. 13:1-3). O Espírito não
indica na igreja candidatos a cargos políticos, como não indica professores, administradores de empresas,
jornalistas, etc. Isto não impede que haja candidatos evangélicos. O que a igreja deve fazer é produzir

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 17


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

cristãos maduros que possam ocupar os mais diferentes postos na sociedade, onde, se fiéis a Cristo, irão
destacar-se pela lisura, responsabilidade e trabalho. Se um candidato não tem habilidades para a função, não
tem consciência do que lhe espera, nem comprovada maturidade e testemunho de vida irrepreensível, não
merece nosso voto, mesmo que seja membro de uma igreja evangélica.
a) Antes de votar.
Orar é sempre a melhor solução, antes de se fazer qualquer coisa, pois a vontade de DEUS é
soberana (Mt 6.10; 7.21; 10.29; 12.50; 18.14; 21.31; 26.42; Mc 3.35)
Devemos questionar seriamente os candidatos que prometem usar os seus cargos para a pregação do
evangelho. Naturalmente um cristão que ocupa um cargo público será um embaixador de Cristo, mas isto
todos nós somos, em qualquer lugar, em qualquer tempo, em qualquer função.
b) Jamais vender seu voto.
O voto do cristão deve ser dado de forma consciente, ou seja, sem anular ou sem deixar a cédula em
branco, mostrando respeito pelas coisas públicas e pensando no bem-estar da população (Gn 6.9,10; 1 Jo
3.17,18; Rm 13.10), e não visando interesses pessoais. Não é assim que acontece quando muitos dão o seu
voto por um par de sapatos, por uma receita médica, óculos, materiais de construção etc., sem nenhuma
noção do que está fazendo (Am 2.6; 8.6).
c) Preferência por candidato cristão.
Nossa formação moral, ética e espiritual nos dá plena condição para melhor servir à sociedade em
qualquer área, inclusive na política:
 Jó 34.30 para que o ímpio não reine, e não haja quem iluda o povo.
 Sl 71.4 Livra-me, Deus meu, da mão do ímpio, do poder do homem injusto e cruel,
 Pv 17.15 O que justifica o ímpio, e o que condena o justo, são abomináveis ao Senhor, tanto um
como o outro.
 Pv 18.5 Não é bom ter respeito à pessoa do ímpio, nem privar o justo do seu direito.
 Pv 28.15 Como leão bramidor, e urso faminto, assim é o ímpio que domina sobre um povo pobre.
 Pv 29.2 Quando os justos governam, alegra-se o povo; mas quando o ímpio domina, o povo geme.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 18


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

CAPÍTULO IV
“Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho não se desviará dele.” P. 22:6

4. Ética Cristã e o Ensino

4.1 O cristão e a Pedagogia


4.1.1 Relativismo ou Valores Absolutos?
O construtivismo tem encontrado muita dificuldade em manter coerência filosófica nas premissas
que foram abraçadas. Por um lado, uma grande maioria dos seus simpatizantes prega o relativismo moral e a
inexistência de valores absolutos. Por outro lado, uns poucos, forçados pela observação das sociedades
humanas e até pela realidade das salas de aula incontroláveis, vêem a necessidade de admitir a realidade de
valores morais universais, como escreveu um construtivista:
Existem valores morais que transcendem as classe sociais, porque são universais — a liberdade de
consciência, a felicidade dos homens, o bem-estar universal, a justiça, a paz, o amor à verdade, a
solidariedade, etc. Estes valores devem ser transmitidos a todos, indistintamente. 43
Entretanto, essa constatação, por mais verdadeira que seja, é rapidamente esquecida e não serve de
base para o desenvolvimento das idéias apresentadas. A norma é a apresentação relativista dos conceitos
morais. O mesmo educador piagetiano Henrique Nielsen, que escreveu o parágrafo acima, com sua
apreensão da dialética marxista, observa que Karl Marx (1818-1883) demonstrou de tal modo a relação entre
os valores e a estrutura social (ideologia), que a “questão ética deixou de ser vista de modo absoluto e com
metas almejadas e conceitos previamente definidos. Com Marx, os valores referem-se sempre à realidade
concreta vivenciada pelas pessoas.” 44
Nielsen também defende o trabalho de Friedrich Nietzsche (1844-1900), dizendo que ele criticou
radicalmente as “doutrinas filosóficas defensoras de uma concepção metafísica dos valores. Para este
filósofo, a visão tradicional dos valores, alicerçada na ascese cristã, nada mais era do que uma ética do
ressentimento.” 45 Traduzindo o linguajar “filosofês” do autor, ele está dizendo que Nietzsche se posicionou
contra os que defendiam a tese de que os valores têm raízes que ultrapassam a existência do homem, ou seja,
que seriam derivados da divindade. Na opinião de Nietzsche, “a ética cristã refletiria apenas o ressentimento
e frustração de objetivos não alcançados”.

4.2 O ensino Construtivista e sua implicação


4.2.2 Construtivismo e Relativismo Moral
O construtivismo é exatamente a “libertação dos absolutos” proclamada pelo homem pós-moderno.
Nielsen identifica bem a questão quando afirma: “O construtivismo de Piaget (1967) encaminha-nos para
uma posição em que o erro, como oposição ao acerto, deve ser revisto ou interpretado de outro modo…
Aquilo que é errado em um contexto, pode estar certo em outro.” 54
Ainda de acordo com esse autor, Paulo foi mal sucedido em Atenas (apenas dois convertidos) porque
não reconheceu “os valores culturais dos ouvintes gregos. Eles eram irreconciliáveis com os do
cristianismo.” 55 Ainda em sua opinião, foi a aplicação dos valores cristãos, a partir do quarto século, que
impediu “a especulação filosófica, científica, afastando todo o espírito de curiosidade acerca do mundo.” 56 O
cristianismo adotou, portanto, “um comportamento anti-intelectivo.” 57 A fé cristã, em sua opinião, não
representa redenção, mas uma barreira às aspirações das pessoas.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 19


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

A nossa sociedade, permeada pelo pecado e com suas recém-adquiridas liberdades pós-modernas,
reflete e acolhe o abandono dos valores morais, e providencia um solo fértil para a pregação permissiva do
construtivismo. Nesse ambiente, nossos filhos vão aprendendo a amoralidade como postura comportamental
normal e aceitável. Como exemplo disso, a revista Nova Escola trouxe, em um de seus números, uma
matéria publicitária travestida de matéria editorial, com instruções para a realização de uma aula de educação
sexual de adolescentes. 59 A matéria, patrocinada por diversas marcas de preservativos, pretende ensinar a
jovens em uma classe mista, com bastante detalhes gráficos e exercícios, como devem “se proteger” da
gravidez, da AIDS e de outras doenças sexualmente transmissíveis. Dentre as cinco alternativas para prevenir
a gravidez não aparece a abstinência como uma das opções. É como se ela simplesmente inexistisse, quando,
na realidade, seria a única postura comportamental compatível com os preceitos morais que Deus deu às
pessoas solteiras (Êx 20.14; At 15.20; Ef 5.3; 1 Ts 5.3). Portanto, como no quadro acima, terminamos com a
“liberdade sexual” como o “novo valor” a ser ensinado.

4.1.3. Proposições Bíblicas Anti-Construtivistas


Dentre as muitas proposições das Escrituras que tratam da questão do conhecimento e do
entendimento, sendo relevantes ao nosso exame e antagônicas às premissas do construtivismo, destacamos as
seguintes:
1. O conhecimento não é fruto de um agente “facilitador,” mas de um agente “transmissor.” Por
exemplo, no Salmo 39.4 lemos: “Dá-me a conhecer, Senhor, o meu fim...” Se redefinirmos “conhecer” para
significar “construir compreensão,” as expressões que identificam conhecimento com transmissão de saber (e
respectiva compreensão subseqüente) ficam sem sentido, como vemos em Mateus 13.11: “... a vós outros é
dado conhecer os mistérios...”
2. Conhecimento (apreensão dos fatos) e entendimento (correlação adequada dos fatos) não são
conceitos subjetivos, mutáveis, mas objetivos, representando algo que se pede a Deus (1 Rs 3.11: “... mas
pediste entendimento para discernires”; At 15.18: “...diz o Senhor que faz estas cousas conhecidas desde
séculos”). É tão objetivo que é comparado a um tesouro (Pv 10.14; Cl 2.3). Em 1 Jo 2.4 temos o
conhecimento considerado como algo bastante objetivo – seus mandamentos: “Aquele que diz: Eu o
conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso e nele não está a verdade.”
3. Mesmo considerando a finitude, imperfeição e pecado das pessoas, o conhecimento verdadeiro é
uma possibilidade bíblica para o ser humano (Jo 8.32 – “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”).
As limitações do homem se apresentam na sua impossibilidade de conhecer exaustivamente, ou seja, de
esgotar o conhecimento. Isso não significa que aquilo que lhe é dado conhecer (e, na esfera espiritual, o
conhecimento verdadeiro é possibilitado pelo Espírito Santo), ele não o conheça verazmente. Esse é o
ensinamento de Paulo, quando fala concretamente sobre o conhecimento do amor de Cristo em Ef 3.18-19.
Primeiro ele indica que as suas instruções estão sendo dadas para que tenhamos um conhecimento comum
“com todos os santos” da dimensão desse amor; em termos bem concretos – largura, comprimento, altura,
profundidade.

Conclusão
Portanto, o conhecimento que temos condição de ter é verdadeiro e concreto. Por outro lado, em
segundo lugar, ele nos indica que esse mesmo “amor de Cristo... excede todo o entendimento,” ou seja, não
temos condição de esgotar o seu pleno conhecimento. Isso não muda o fato de que o que dele sabemos é

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 20


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

verdadeiro. Os ensinamentos de Paulo sobre Cristo não são subjetivamente construídos em nossas mentes,
mas são ministrados. Os fatos e as doutrinas nos são transmitidas para que conheçamos a altura, a
profundidade e a largura do seu amor.

APÊNDICE 4 – EDUCAÇÃO CRISTÃ


Uma Avaliação Teológica Preliminar de Jean Piaget e do Construtivismo

Introdução: A Relevância do Tema


Nas últimas décadas o ensino brasileiro foi submetido a várias tentativas de atualização. Técnicas
modernas têm sido empregadas e as metodologias utilizadas são cobertas de uma auréola de pesquisas
científicas. Nossos injustamente mal-remunerados profissionais de ensino têm procurado capacitar-se cada
vez com maior afinco. No entanto, a realidade é que vivemos uma crise em nossas escolas. A crise não é
gerada somente pela falta de investimentos no setor ou pela deficiência acadêmica das escolas públicas. Ela
está profundamente enraizada na filosofia de educação recebida desde a tenra infância. Ela se reflete
concretamente no nosso lar, na formação dos nossos filhos, no conhecimento que recebem ou que deixam de
receber, na visão de vida que tendem a desenvolver, nos padrões de aferição que constroem para sua
existência, na suposta “apreciação da vida com responsabilidade” que leva jovens a viver
irresponsavelmente.
É necessário que procuremos conhecer a filosofia que vem sendo crescentemente aplicada há mais
de três décadas em quase todas as escolas e que tem servido de base para a formação de gerações de
professores dos nossos filhos. É necessário que venhamos a aferi-la por um padrão maior de julgamento. É
imprescindível que consideremos a questão educacional no seu contexto moral e, portanto, não como uma
atividade autônoma do esforço humano, mas como sujeita às determinações e diretrizes que o Criador de
todas as pessoas colocou em sua Palavra, para nossa orientação.
Se procurarmos a filosofia predominante em nossas escolas e na formação pedagógica das últimas
décadas, esbarraremos no construtivismo, que considera o conhecimento como sendo resultado das
interações da pessoa com o ambiente onde vive. Nesse conceito, todo conhecimento é uma construção que
vai sendo gradativamente formada desde a infância, no relacionamento com os objetos físicos ou culturais
com os quais as crianças travam contato. De uma forma simplificada, podemos dizer que o construtivismo
postula que o conhecimento é algo que cresce subjetiva e individualmente, como um cristal em uma solução
salina. Nesse sentido, não é algo que deva ser transmitido ou dado pelo professor. O mestre é apenas um
agente facilitador nesse processo de crescimento. De acordo com o construtivismo, o direcionamento dos
professores (e, por inferência, dos pais e de todos os envolvidos no processo educativo da criança) pode ser
algo prejudicial e não benéfico ao estudante, principalmente se eles não compreenderem os estágios de
assimilação cognitiva das crianças 1 e procurarem agir como agentes transmissores de suas próprias
realidades.
O construtivismo é a filosofia atual de maior alcance, abrangência ou influência na sociedade
brasileira. Essa afirmação ousada é respaldada pela constatação da sua aceitação praticamente universal pelas
escolas de primeiro grau, tanto as seculares como as chamadas evangélicas. Portanto, a indiferença não é
uma postura possível às pessoas conscientes. Você pode nunca ter ouvido o termo; você pode não ter o
mínimo interesse em filosofia educacional; você pode não ter familiaridade com os nomes dos principais

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 21


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

proponentes dessa corrente, mas são altíssimas as possibilidades de que o construtivismo já influenciou ou
vai influenciar a sua vida. Se você tem filhos em idade escolar, há mais de 90% de probabilidade de que
estão sendo orientados com uma visão educacional construtivista. Mesmo que a prática pedagógica em uma
escola específica não seja coerentemente construtivista, essa filosofia, que abraça não somente a forma de
desenvolver o conhecimento, mas também a formação dos sistemas de valores e relações interpessoais, terá
participado ativamente da formação dos alunos.
I. Objetivos deste Ensaio
Nosso objetivo não é fazer uma exposição detalhada do construtivismo. Existem muitos trabalhos
que podem realizar esse propósito. Queremos demonstrar, partindo da constatação da aceitação abrangente e
acrítica do construtivismo na quase totalidade do cenário educacional brasileiro, que ele é muito mais do que
uma metodologia de educação. Na realidade, é uma filosofia que possui muito conteúdo e está fundamentada
em postulados epistemológicos, comportamentais e morais que contradizem princípios da fé cristã. Além
disso, o ensaio não pretende trazer uma palavra final sobre conceitos do construtivismo e como eles se
relacionam com as Escrituras, mas introduzir o assunto e destacar alguns pontos contrastantes de
inquestionável importância. A intenção é despertar um amplo debate cristão, pedagógico e teológico sobre o
construtivismo.
Os educadores cristãos devem fazer um exame criterioso do construtivismo, à luz das Escrituras. É
necessário discernir se praticam realmente uma metodologia, ou se abraçaram uma filosofia e, qualquer que
seja o caso, se existe respaldo na Palavra de Deus para o que estão colocando em prática e se essa escola é
coerente com a totalidade das premissas cristãs de vida.
Os pais cristãos devem se aperceber de que nas escolas onde os seus filhos estudam a questão vai
muito além de “como as coisas estão sendo ensinadas”; na realidade, os pais devem demonstrar profundo
interesse pelo conteúdo ministrado às suas crianças e pelo tipo de formação existente na escola, inquirindo
persistentemente – o questão ensinando aos nossos filhos?
II. Jean Piaget Lança os Fundamentos
Jean Piaget (1896-1980) foi um estudioso e pesquisador que apresentou características extremamente
precoces. Aos 11 anos, em 1907, já era assistente do museu de história natural de Neuchâtel, na Suíça, sua
cidade natal. Piaget interessou-se intensamente pela biologia e com 21 anos de idade, em 1917, possuía em
torno de 25 trabalhos publicados nessa área, na qual obteve o seu doutorado. Seu interesse por esse ramo da
ciência iria nortear seus trabalhos subseqüentes em outros campos, o ponto de considerar a biologia “uma
nova dimensão: como ciência da vida, pode ter a chave de explicação de todas as coisas.” 2 Muito cedo ele
desenvolveu o apreço pela metodologia científica que o levaria a revolucionar o campo da psicologia
educacional e da pedagogia, realizando experiências e pesquisas em vez da simples emissão de idéias.
A originalidade de Piaget “consiste na abordagem experimental dos problemas filosóficos.” 3 Essa
frase, escrita por uma educadora construtivista, apreende e expõe um dos pontos mais mal-entendidos na
obra de Piaget. Enquanto ele é propagado e reconhecido como educador, tendo o seu nome adornado
centenas de escolas primárias, especialmente no Brasil, que se colocam como praticantes do seu “método,”
Piaget não desenvolveu nenhum método específico, mas examinou e estabeleceu premissas filosóficas. Esse
fato é reconhecido, com uma percepção rara no meio pedagógico, por essa sua seguidora, que escreveu
ainda: “Os problemas enfrentados pelo empreendimento intelectual de Piaget são tipicamente filosóficos, já
que seu interesse predominante foi responder a questões clássicas da filosofia, naquilo que se refere ao
conhecimento.”4 Certamente não pairam dúvidas de que Piaget estabelece alicerces filosóficos, como revela

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 22


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

a mesma educadora: “O edifício teórico construído por Piaget está impregnado do diálogo filosófico.” 5 O
foco das preocupações de Piaget foi “explicar a passagem da evolução biológica, e principalmente
psicológica, do ser humano, para a construção das matemáticas e das ciências formais em geral.” 6 Um dos
seguidores de Piaget cristaliza bem a sua compreensão naturalista da evolução do conhecimento no
indivíduo, dizendo que, na visão construtivista de Piaget sobre as atividades metafísicas das pessoas, “o
desenvolvimento do conhecimento é um processo biológico.” 7 O objetivo de Piaget foi desenvolver uma
teoria do conhecimento e sua progressão, no indivíduo, de um estágio simples a um mais complexo.
Inicialmente buscou teorizar sobre o desenvolvimento cognitivo partindo de uma visão evolutiva da
humanidade – desde o homem primitivo até os dias atuais (filogênese), mas passou a se concentrar no
desenvolvimento do conhecimento desde o nascimento até a idade adulta (ontogênese). Muito do seu
trabalho é classificado como psicogenética, na qual procura descrever os estágios pelos quais passa a criança
desde os primeiros passos (aquisição de uma inteligência prática) até a postura lógica-dedutiva que
caracteriza a adolescência e a idade adulta. Partindo de suas pesquisas, Piaget postulou quatro estágios, ou
períodos, no desenvolvimento mental da criança:
1. O período sensório-motor – do nascimento aos 2 anos;
2. O período pré-operatório – dos 2 aos 7 anos;
3. O período das operações concretas – dos 7 aos 12 anos;
4. O período das operações formais – dos 12 aos 15 anos. 8
A revolução acadêmica provocada por Piaget atingiu praticamente todas as correntes pedagógicas, no
sentido de que pelo menos as metodologias de qualquer persuasão foram repensadas. Nesse sentido,
podemos registrar nos últimos anos alguns melhoramentos saudáveis no sistema educacional, tais como: (1)
O processo educacional passou a ser mais interativo e participativo – mais interessante para o aluno; (2) A
individualidade dos alunos passou a ser observada pelos professores com maior intensidade e consideração;
(3) As limitações dos alunos não foram descartadas; (4) Os pais, e não somente a escola, foram considerados
uma parte importante para o conhecimento dos educandos; (5) O material didático produzido passou a
apresentar não somente conteúdo, como também forma, sendo que esta última acentuou a atratividade
estética, procurando despertar o interesse dos alunos.
Podemos dizer que o construtivismo sacudiu os acomodados, mas infelizmente não podemos creditar
os avanços acima descritos à implantação coerente dessa filosofia nas escolas. Para podermos entender os
conflitos e contradições inerentes ao construtivismo, um autor construtivista afirma que o sistema escolar não
deve ser um “adestramento domesticador dos jovens para conformá-los às regras, valores e símbolos da
sociedade adulta.”9
III. Piaget, a Objetividade das Pesquisas e as Implicações Morais do Construtivismo
Educadores e pedagogos admitem que os estudos sobre a teoria construtivista começaram com
10
Piaget, mas o termo construtivismo não tem sua origem nem popularização nas suas obras, como adverte
um autor construtivista: “A palavra ‘construtivismo’ não é ‘clássica’ na obra de Jean Piaget. Creio que ele
passou a empregá-la na última fase de sua produção escrita (ou seja, nos últimos vinte anos dos sessenta em
que escreveu sistematicamente sobre Epistemologia).” 11
As idéias de Piaget apareceram na forma de conclusão de observações e experiências. Diferiam,
assim, das meras opiniões emitidas até então por educadores e psicólogos. Pareciam mais “científicas” por
estarem respaldadas em dados e experiências. Ocorre que essas pesquisas foram bastante limitadas e
subjetivas. Muitos educadores, até mesmo construtivistas convictos, têm, com justiça, criticado a

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 23


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

extrapolação das afirmações tão conclusivas do construtivismo sobre a epistemologia da humanidade com
base em levantamentos experimentais e dedutivos tão restritos. 12
O fato é que Piaget, sendo autor prolífico e contando com inúmeros colaboradores e colaboradoras
em suas pesquisas, ampliou suas atividades na área psico-educacional, e não ficou restrito à mecânica do
aprendizado. Uma de suas áreas de interesse foi a questão do julgamento moral e do ensino da moralidade às
crianças, cristalizadas em seu livro O Juízo Moral na Criança, escrito em 1932. Ele levou a esse campo os
postulados já emitidos na área da epistemologia. Uma das conclusões de Piaget, ao pesquisar como as
crianças aprendiam, foi de que direcionamento pedagógico é igual a coação intelectual. Com isso estabeleceu
bases libertárias para o construtivismo, inibindo a ação orientadora dos professores como transmissores de
conhecimento. Semelhantemente, na área das convicções morais, Piaget realizou pesquisas para postular que
direcionamento ético é igual a coação moral. Ele considerava suas conclusões nos dois campos
extremamente paralelas, afirmando que “a coação moral é parente muito próxima da coação intelectual.” 13
As implicações dessa espiral abrangente no trabalho de Piaget e seus seguidores não pode ser
ignorada. O construtivismo nunca pode ser entendido como uma metodologia educacional, mas como uma
filosofia que atinge tanto a esfera cognitiva como a moral, com conseqüentes reflexos na totalidade da
existência tanto dos educandos como dos educadores. No campo do aprendizado moral, Piaget se posicionou
firmemente contra o realismo moral, que ele definiu como a “tendência da criança em considerar deveres e
valores a ela relacionados como subsistindo em si, independentemente da consciência e se impondo
obrigatoriamente.” 14 Procurando que as crianças construíssem os seus próprios sistemas de valores, Piaget
rejeitava qualquer tentativa de estabelecer fontes externas de padrões morais. Em seu entendimento, o
realismo moral deve ser rejeitado porque nele o “bem se define pela obediência.” 15
A filosofia da fé cristã tem uma posição singular e específica nessa questão. Ela não se alicerça no
“realismo moral,” como definido por Piaget, nem nas conclusões libertárias e subjetivas do construtivismo.
Na verdade, a filosofia da fé cristã tem em comum com o “realismo” o fato de aceitar absolutos morais como
realidades objetivas que devem ser alvo de instrução, sendo utilizadas na formação das crianças. Como
acreditamos que os valores morais procedem de Deus e são um reflexo dos seus atributos no ser humano, não
aceitamos que tais valores existam “independentemente da consciência.” Cremos que de Deus procedem
unidade, metafísica e física. Mesmo conscientes de que o pecado perturba o equilíbrio e o conhecimento,
sabemos que quando proposições objetivas e determinações morais corretas são transmitidas às crianças,
encontram eco em suas consciências. Seus valores não são firmados em um vácuo, mas alicerçados numa
criação gerada à imagem e semelhança de Deus. Como cristãos, não aceitamos que o bem seja algo
formulado pela sociedade. Nem tampouco é algo subjetivo, “definido pela obediência.” Antes, o bem, para o
ser humano, é o reflexo concreto da justiça e bondade de Deus, colocado tanto na constituição das pessoas
como nas proposições da lei moral revelada nas Escrituras.
IV. O Construtivismo e o Conhecimento Objetivo da Verdade
Segundo Piaget, o conhecimento resulta de uma inter-relação entre o sujeito que conhece e o objeto a
ser conhecido. 16 A inferência é que não existe forma de se conhecer a verdade objetiva, uma vez que o
conhecimento é um reflexo subjetivo, gerado na mente do que aprende. Um autor construtivista afirma que
Piaget “evidentemente via que a verdade absoluta – como um padrão desejável – não é compatível com uma
opinião estritamente construtivista.” 17 Segundo as premissas do construtivismo, nem poderíamos saber se a
verdade objetiva existe, ou se o que assim achamos que seja representa apenas uma das muitas reações que
podem ocorrer a um dado fato ou incidente. O mesmo autor acima citado diz que “premissas metafísicas

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 24


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

estáticas e uma visão plenamente construtivista são pontos de vista que se excluem mutuamente.” 18 Ou seja,
o construtivismo coerente não pode aceitar a realidade de âncoras metafísicas. Por outro lado, a fé cristã está
exatamente alicerçada e edificada sobre âncoras metafísicas estáticas, no sentido de que representam
realidades objetivas que nos foram reveladas pelo próprio Deus, que é imutável (Tg 1.17: “...em quem não
pode existir variação nem sombra de mudança”; Ml 3.6: “Porque eu, o Senhor, não mudo”). Deus é a nossa
grande âncora metafísica, perceptível e revelado ao nosso intelecto e coração pelo seu Espírito (Rm 1.19; Mt
13.11).
De acordo com certo autor, os componentes filosóficos do construtivismo “têm sido utilizados
durante anos por empiricistas, instrumentalistas, operacionalistas, idealistas e outras correntes, em sua
argumentação contra a possibilidade das pessoas possuírem a possibilidade de conhecer, sem ambigüidades,
a realidade.” 19 Essa negação da possibilidade de se conhecer a realidade e a verdade objetiva se faz presente
em uma das frases prediletas de Piaget – “o conhecimento não é uma cópia da realidade.”
O construtivismo apresenta, nesse aspecto, um forte paralelo com o conceito epistemológico neo-
ortodoxo e pós-moderno de que a história objetiva e os fatos da realidade são irrelevantes ao conhecimento
cristão. Um exemplo de como esse conceito, no campo teológico, contradiz as Escrituras, diz respeito à
ressurreição. Para os neo-ortodoxos, o fato relevante não é se a ressurreição realmente ocorreu, mas sim que
a descrição dos eventos é um reflexo religioso das impressões das ocorrências nas mentes dos narradores.
Essa impressão, e não os fatos em si, tem valor espiritual e religioso, aproximando-nos subjetivamente de
Deus.
Em oposição a esse subjetivismo, a Palavra de Deus declara categoricamente a realidade da
ressurreição como história concreta (fatos objetivos) e Paulo substancia essa realidade com o testemunho de
muitas pessoas (prova objetiva). A Bíblia, portanto, não trata o conhecimento como fruto da interação do
objeto com a mente do sujeito. Na visão divina, o conhecimento não é algo que tem que ser construído, mas
sim transmitido e desvendado. O construtivista pode declarar: “Cristo pode ter ressuscitado, ou não. Na
realidade não é muito importante se isso realmente aconteceu; o importante é como você constrói as suas
ilações dos reflexos religiosos de alguma coisa importante que ocorreu há dois mil anos atrás, conforme
lemos nesses livros da Bíblia.” Todavia, para Paulo, o fato da ressurreição em si tinha tanta importância que
ele declara em 1 Co 15.17 e 19 que “se Cristo não ressuscitou é vã a vossa fé” e “somos os mais infelizes de
todos os homens.” É como se ele estivesse dizendo: “O conhecimento do fato da ressurreição é real e
objetivo (o fato realmente aconteceu) e me foi desvendado (ou revelado) por um professor não construtivista,
que preocupou-se em ensinar-me verdades objetivas. Mas se esse fato (história bruta) não aconteceu, e eu
estou enganado, então de nada adiantam os meus reflexos de fé, as minhas impressões ou construções
religiosas. A nossa fé seria vazia e eu seria o mais miserável dos homens, pois além de estar me enganando,
enganaria a outros.”
Nesse e em outros exemplos, a Palavra de Deus reafirma fortemente a existência do conhecimento
objetivo e da verdade objetiva. Nada encontramos que respalde o conceito construtivista de conhecimento e
verdade subjetiva e a noção popular relativista, tão freqüentemente ouvida: “A sua verdade não é a minha
verdade.” Existe verdade real e singular na Palavra. O próprio Jesus Cristo indicou: “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). As Escrituras são a representação da
verdade, como está expresso na oração de Cristo em Jo 17.17: “Santifica-os na verdade, a tua Palavra é a
verdade.”
V. O Construtivismo e a Irrelevância das Respostas

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 25


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

De acordo com o construtivismo, o que interessa é a pergunta e não a resposta. 20 Numa tenra idade,
quando os alunos mais necessitam de direcionamento e de respostas às questões a serem compreendidas,
concede-se-lhes uma autonomia indevida para que pesquisem o que ainda não têm a capacidade de entender
e compreendam o que não lhes foi ensinado.
Emília Ferreiro, uma das maiores expoentes do construtivismo, é também uma grande atração no
circuito de palestras do mundo pedagógico. Para muitos, ela é considerada a última palavra em educação
contemporânea, como expressa esta notícia extraída de um jornal de grande circulação:
A psicolingüista argentina Emília Ferreiro, de 59 anos — uma das mais importantes educadoras em
atividade e idealizadora do Construtivismo — lotou ontem o auditório da Escola de Aplicação da Faculdade
de Educação da USP. Emília falou por cerca de duas horas para um público de 300 pessoas sobre “A
Diversidade: um tema para a pesquisa psicolingüística e para repensar a educação para o próximo século.” 21
Apesar do título bastante ousado da palestra, parece que não foram fornecidas muitas respostas e
diretrizes “para o próximo século” (pois se assim fosse contrariar-se-ia a própria premissa do
construtivismo), uma vez que o artigo é encerrado com a seguinte colocação: “Para mudar o quadro, Emília
não trouxe respostas. ‘Sei que é um problema muito importante, cabe aos educadores pensá-lo’, concluiu a
psicolingüista.” 22
Uma música “rap” escrita por Artis Ivey, Jr. (Coolio) expressa muito bem o niilismo e o desespero
que toma conta das mentes que clamam por orientação, mas são abandonadas a construir autonomamente o
seu futuro. Um de seus trechos afirma:
They say I’ve got to learn, Eles dizem que eu preciso aprender,
But nobody’s here to teach me. Mas ninguém está aqui para me ensinar.
They think they understand, Eles acham que entendem,
But how can they reach me? Mas como podem me alcançar?
I guess they can’t, Acho que eles não podem,
I guess they won’t. Acho que eles não o farão. 23
Ausência de direcionamento é o que o construtivismo defende. Na prática, essa situação está
expressa nos versos acima, mas o resultado de tal omissão não é “conhecimento construído,” mas caos
educativo implantado. Com tantos anos de prática dessa filosofia, não podemos nos surpreender quando a
frustração e a indisciplina tomam conta das salas de aula. Não deveríamos ficar abismados quando os alunos,
deixados à sua inclinação natural, começam a “construir” formas hedonísticas de satisfação e são levados à
marginalidade e às drogas. Deveríamos entender que a busca do conhecimento sem direcionamento leva ao
envolvimento com as mais diversas questões que competem entre si pelo prêmio da irrelevância suprema na
vida que se descortina aos futuros cidadãos.
Martin Lloyd-Jones contesta a visão didática moderna e pós-moderna, a qual ele chama de “culto da auto-
expressão,” que retira o direcionamento e a correção de rumo das salas de aula, pois seriam fatores inibidores
da construção moral e intelectual esperada das crianças. Ele chama a atenção para as escolas “onde o antigo
programa de ensinar às crianças as três instruções básicas não é mais popularmente aceito. O resultado da
atual noção popular de que a finalidade da educação consiste primordialmente em treinar a criança a
expressar-se pode ser visto por toda a parte, tanto no colapso do controle paterno, como no aumento da
delinqüência juvenil.” 24
Do ponto de vista bíblico-teológico, o direcionamento deveria estar sempre presente, pelo
reconhecimento do elemento do pecado e pela possibilidade desse direcionamento moldar vidas para um

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 26


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

comportamento responsável em sociedade, mesmo quando falamos de descrentes e pessoas não regeneradas
pelo sacrifício de Cristo. Mesmo em sua natureza pecaminosa, os seres humanos são capazes de agir pela lei
da natureza, que procede de Deus, e são habilitados pela ação do seu Espírito (o que os teólogos chamam de
graça comum) a concretizar valores morais em suas ações (ver Mt 7.11 — os homens, mesmo sendo maus,
sabem procurar o bem de seus filhos). Esse bem é relativo, no sentido de que não possui validade espiritual
eterna, pois não procede de um coração regenerado que conscientemente realiza as ações para a glória do
Criador (Pv 21.14; Rm 8.8). Entretanto, o bem assim praticado, considerado intrínseca e isoladamente, é uma
ação de valor. Abrir mão de direcionamento e disciplina é promover o caos, a irresponsabilidade social e o
descontrole total nas salas de aula.
VI. A Experiência de Summerhill
Os postulados do construtivismo fizeram parte dos conceitos de Alexander Neill (1883-1973),
praticados na desastrada experiência da escola Summerhill, 25 na Inglaterra. Neill foi um educador escocês
entusiasmado com as chamadas “modernas técnicas de educação.” Em 1917, visitou uma comunidade de
delinqüentes juvenis que era administrada sob a premissa da “bondade inata das crianças.” 26 Em 1921, Neill
fundou a escola Summerhill. Duas premissas básicas da escola são a rejeição de qualquer autoridade no
processo educacional e a importância do bem-estar emocional da criança acima do seu desenvolvimento
acadêmico. A escola passou por várias localizações e hoje está situada na cidade de Leiston, na Inglaterra,
onde é administrada pela filha de Neill, Zoe Readhead. Como na escola Summerhill, dentro dos seus
princípios, as crianças brincam o tempo que querem e a freqüência às aulas é opcional, além de outras
peculiaridades, como o nado coletivo sem roupas, 27 a escola tem sido alvo de pressão e inspeção do governo
inglês, no sentido de que se enquadre em padrões morais e acadêmicos aceitáveis.
Um autor construtivista escreve o seguinte sobre Summerhill:
Com base na doutrina de Rousseau, que fundiu com teses de Sigmund Freud e Wilhelm Reich, Neill
se propôs a realizar o postulado de uma educação sem violência. Afinal, para Rousseau e também na opinião
do educador escocês, o homem recém-nascido é bom em essência [grifo nosso]. Se ele puder crescer em
plena liberdade, sem uma direção autoritária, sem influência moral e religiosa, sem ameaças e sem coação,
só conhecendo o limite, o direito e a liberdade do outro, aí a criança se transformará em um homem feliz e,
conseqüentemente, bom. 28
Esse entendimento é inteiramente oposto ao conceito bíblico-teológico do pecado. Não apenas se
contradiz a essência da natureza humana caída (Rm 3.10-23; 5.12), como também se determina a salvação
pela ausência de autoridade. Pelas idéias de Neill, o ser humano encontra a felicidade na ausência de
“influência moral e religiosa.” Ainda segundo Neill, “a religião diz: sê bom e serás feliz. Mas o inverso é
mais certo: sê feliz e serás bom.” 29 Ocorre que, nesse ponto, Neill estava certo: a religião verdadeira, a
revelação divina, coloca a felicidade como um sub-produto do enquadramento nos preceitos de Deus (Sl 1.1-
3). A observância dos seus mandamentos produz uma vida harmônica na sociedade e a verdadeira liberdade.
O construtivismo, proclamando essa falsa libertação praticada por Neill e pela escola Summerhill, leva à
escravidão.
VII. O Sistema de Valores do Construtivismo
A autonomia individual ou a definição personalizada dos rumos do conhecimento, do crescimento
intelectual, é um dos princípios básicos do construtivismo. Essa visão, entretanto, não está restrita ao
desenvolvimento do conhecimento próprio. Já fizemos alusão, em ponto anterior, ao fato de que o
construtivismo não está restrito à mecânica do aprendizado, mas tem abrangência na área do julgamento

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 27


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

moral das pessoas. Com efeito, o construtivismo também reivindica autonomia na formação moral, em
paralelo à formação intelectual do ser humano. Esse é um passo gigantesco e de grandes implicações
teológicas. Não apenas os psicólogos e especialistas educacionais construtivistas, supostamente apoiados em
suas experiências, passam a ditar o que se conhece e como se conhece, mas tratam as questões morais, os
sistemas de valores, em paridade com a formação intelectual, postulando igual individualidade e
subjetivismo. Esse ponto procede dos trabalhos de Piaget, como bem claramente apresenta um autor
construtivista:
Para Piaget, ter assegurado o direito à educação, significa ter oportunidades de se desenvolver, tanto
do ponto de vista intelectual, como social e moral… Para que esse processo se efetive, é importante
considerar o principal objetivo da educação que é a autonomia, tanto intelectual como moral. 30
Como vemos, a filosofia construtivista não ficou restrita ao campo educacional. Ao determinar essa
autonomia “tanto intelectual como moral,” o construtivismo elimina qualquer possibilidade de absolutos
morais, uma vez que eles são subjetivamente construídos em cada indivíduo. Os construtivistas passaram das
teorias relacionadas com a formação do conhecimento nas pessoas (epistemologia própria), para teorizar
sobre a questão dos valores morais (ética). Um dos livros mais famosos de Piaget (já citado neste ensaio) é O
Juízo Moral na Criança, no qual ele disserta sobre comportamento moral e demonstrações de moralidade nos
alvos de suas experiências. Suas conclusões, largamente utilizadas pela psicologia educacional, resultaram na
falta de direcionamento moral nas escolas. Suas teorias foram construídas fora das premissas bíblicas da
existência do pecado e dos dados bíblicos sobre o pecado original. É exatamente neste passo ilegítimo dado
pelo construtivismo que ocorrem as maiores contradições entre o trabalho de Piaget e de seus seguidores e a
Palavra de Deus.
VIII. A Gênese do Dever Moral na Filosofia de Piaget
O teólogo reformado John H. Gerstner (1913-1996) observa que a origem do próprio senso de
moralidade [da criança] mostra ter conexão direta com a sua constituição inata e com o ensinamento dos seus
pais. Escreve ele:
Nem a Bíblia, nem qualquer outro tipo de literatura religiosa, é a fonte da consciência moral, porque
senão a existência dessa conscientização moral fora da Bíblia ou de outras tradições religiosas permaneceria
sem explicação… Nem o cristianismo nem as demais comunidades religiosas possuem o monopólio da
consciência… A Bíblia ensina em Rm 2.14-16 que os homens possuem uma consciência moral independente
da própria Bíblia. 31
Jean Piaget defende um pensamento totalmente contrário. Em sua visão, as pessoas são tabula rasa
no sentido moral. 32 Nada possuem de referencial inato de moralidade, e muito menos de inclinação para o
mal em função do pecado original. Alguns trabalhos acadêmicos que defendiam essa posição, mesmo
empiricamente (sem abstraí-la das verdades das Escrituras), foram duramente contestados por Piaget, como
por exemplo o de Helena Antipoff, que reconhecia nas crianças a existência de “uma ‘estrutura moral’
elementar, que a criança parece possuir muito cedo e que lhe permite apreender, de uma só vez, o mal e a
causa deste mal, a inocência e a culpabilidade.” 33 Contra a existência dessa “manifestação moral inata,
instintiva, e que, para se desenvolver, não precisa, em suma, nem de experiências anteriores nem da
socialização da criança entre seus semelhantes,” 34 Piaget postula que as reações da criança nessa idade,
assim interpretadas, são fruto de “toda espécie de influências adultas” 35 e nada têm de intrínseco à natureza
ou formação constitucional da criança. Ou seja, Piaget não aceita o ensinamento bíblico da existência e
noção do mal nas pessoas (teologicamente chamada de “pecado original”), desde o seu nascimento.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 28


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Mais uma vez, Gerstner aponta para a operação harmônica de Deus tanto internamente nas pessoas,
como na natureza. Ele afirma que a natureza procede de Deus; conseqüentemente, o discernimento moral
derivado da natureza deve refletir os valores de Deus. Pode o Deus verdadeiro revelar, sobrenaturalmente,
obrigações morais adicionais que venham a contradizer as leis da natureza? Os canibais normalmente
procuram sanção divina (de suas divindades) para as suas práticas de alimentação, mas a maioria da
humanidade discorda de suas práticas e julgamento de certo e errado. A nossa rejeição das práticas dos
canibais resulta não de negarmos a possibilidade de revelação divina, mas do fato de que a revelação especial
não contradiz a revelação natural e nem a revelação especial é contraditória em si mesma, porque ambas
procedem de um Deus que não se contradiz. 36
A lei revelada tanto confirma a lei natural como é confirmada por esta. Cada uma diz a mesma
história, porém uma com maior precisão do que a outra. 37 Tanto a lei natural quanto a especial (revelada) nos
ensinam o que é certo e o que é errado, nos instruem sobre o pecado original e nos comunicam o conceito da
depravação total das pessoas, desde a sua concepção.
Ao lermos Piaget, no entanto, ficamos com a impressão de que para ele a realidade divina é
irrelevante, pois a neutralidade moral das pessoas é que é uma realidade indisputável. 38 As crianças
nasceriam destituídas do senso de certo e errado, absorvendo isso dos adultos. Essa interferência adulta na
construção do pensamento e dos valores das crianças não é bem-vinda; antes, em seu pensamento, é deletéria
e prejudicial. Na realidade, Piaget afirma com relação às regras de justiça retributiva 39 que “se o adulto não
interviesse, as relações sociais das crianças entre si bastariam para constituí-las.” 40 Baseado nessa premissa
da neutralidade moral, Piaget não pode aceitar qualquer inclinação para o mal na criança. Os atos errados
recebem o nome de apenas mais uma “experiência física.” 41 Os atos claramente errados e moralmente
questionáveis recebem o revisionismo rotulador do construtivismo, como, por exemplo, nas duas definições
a seguir, extraídas de um autor construtivista: 42
Agressividade — conduta demonstrada quando existe frustração, quando as aspirações da vida não são
realizadas, quando os desejos fracassam.
Violência — comportamento presente quando a frustração vai além do que o indivíduo pode suportar.
O contraste teológico desses conceitos com a revelação bíblica do pecado original e da depravação
total das pessoas é bastante claro. Os três primeiros capítulos da Epístola aos Romanos transmitem uma visão
totalmente diferente da natureza humana, mostrando a necessidade universal e genérica de direcionamento,
correção e, especialmente, de salvação da perdição eterna, em função do pecado que nos afasta do Deus
Santo.
O erro de Piaget e do construtivismo nesse sentido deveria ser por demais evidente aos educadores
cristãos, mas infelizmente não encontramos muitas vozes de protesto, proclamando a realidade do pecado
original e de suas implicações para a nossa filosofia de educação. Parece que somos todos vítimas de uma
capitulação coletiva à pressão acadêmica para aplicação da visão construtivista no ensino.
IX. Relativismo ou Valores Absolutos?
O construtivismo tem encontrado muita dificuldade em manter coerência filosófica nas premissas
que foram abraçadas. Por um lado, uma grande maioria dos seus simpatizantes prega o relativismo moral e a
inexistência de valores absolutos. Por outro lado, uns poucos, forçados pela observação das sociedades
humanas e até pela realidade das salas de aula incontroláveis, vêem a necessidade de admitir a realidade de
valores morais universais, como escreveu um construtivista:

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 29


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Existem valores morais que transcendem as classe sociais, porque são universais — a liberdade de
consciência, a felicidade dos homens, o bem-estar universal, a justiça, a paz, o amor à verdade, a
solidariedade, etc. Estes valores devem ser transmitidos a todos, indistintamente. 43
Entretanto, essa constatação, por mais verdadeira que seja, é rapidamente esquecida e não serve de
base para o desenvolvimento das idéias apresentadas. A norma é a apresentação relativista dos conceitos
morais. O mesmo educador piagetiano Henrique Nielsen, que escreveu o parágrafo acima, com sua
apreensão da dialética marxista, observa que Karl Marx (1818-1883) demonstrou de tal modo a relação entre
os valores e a estrutura social (ideologia), que a “questão ética deixou de ser vista de modo absoluto e com
metas almejadas e conceitos previamente definidos. Com Marx, os valores referem-se sempre à realidade
concreta vivenciada pelas pessoas.” 44
Nielsen também defende o trabalho de Friedrich Nietzsche (1844-1900), dizendo que ele criticou
radicalmente as “doutrinas filosóficas defensoras de uma concepção metafísica dos valores. Para este
filósofo, a visão tradicional dos valores, alicerçada na ascese cristã, nada mais era do que uma ética do
ressentimento.” 45 Traduzindo o linguajar “filosofês” do autor, ele está dizendo que Nietzsche se posicionou
contra os que defendiam a tese de que os valores têm raízes que ultrapassam a existência do homem, ou seja,
que seriam derivados da divindade. Na opinião de Nietzsche, a ética cristã refletiria apenas o ressentimento e
frustração de objetivos não alcançados.
X. Valores ou Costumes?
Tanto Nietzsche como o construtivista Nielsen parecem confundir e misturar o conceito de valor com
o de costume. Os cristãos diferenciam muito bem esses dois conceitos comportamentais. Enquanto os valores
procedem dos atributos de Deus, são explicitamente revelados na lei moral contida nas Escrituras e estão
impressos na natureza humana (reconhecidamente afetados pelo pecado), os costumes representam regras
temporais geradas por uma diversidade de razões (algumas derivadas de valores, outras não). O cristianismo
não despreza os costumes, e não gera choques indevidos quando esses são “moralmente neutros,” isto é,
quando não entram em contradição aberta com qualquer determinação da lei moral de Deus. A fé cristã
reconhece a necessidade de manutenção de um testemunho tranqüilo e pacífico em meio às diversas
sociedades, com relação aos seus costumes peculiares. 1 Tm 2.2 e 2 Tm 3.24 falam que o apreço e a
intercessão pelas autoridades, requeridas do servo de Deus, têm como objetivo a possibilidade de se viver
“uma vida tranqüila e mansa” e que o mesmo não deve caracterizar-se por uma vida de contendas. O próprio
Jesus Cristo, conforme registra Lucas 2.52, cresceu em conhecimento 46 e, paralelamente, “em graça diante
de Deus e dos homens.” Certamente não foi desconsiderando os costumes que Jesus cresceu no favor dos
circunstantes. Paulo, em 1 Co 11.2-16, transmite princípios construídos ao redor do costume local e temporal
de “cobrir a cabeça.” Lucas, em At 18.18, registra a conformação e observância por Paulo dos costumes
temporais, cumprindo as etapas do voto de nazireu. A adaptabilidade e flexibilidade de Paulo está retratada
em 1 Co 9.19-23, mostrando a sua predisposição de conformação para que os seus objetivos de proclamação
do evangelho não fossem comprometidos.
O cristão não é, entretanto, pragmatista, pois, com relação aos valores, reconhece o seu caráter
transcendental, defendendo-os na medida em que refletem a natureza de Deus e suas determinações ao ser
humano. Nas palavras do teólogo R. C. Sproul, “Deus é, e onde ele é, existe dever… Deus tem um direito
eterno e intrínseco de impor obrigações, de subjugar a consciência de suas criaturas.” 47 Nesse sentido, os
cristãos não são pacíficos e tranqüilos e estão prontos a subverter a sociedade para apresentar esses valores
centralizados no evangelho de Cristo (como lemos em At 17.6, onde os cristãos são descritos como os “que

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 30


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

têm transtornado [subvertido] o mundo”). “O Evangelho nos liberta do julgamento mortífero da lei. Ele nos
liberta da maldição da lei mas nunca denigre a lei de Deus. O Evangelho não nos salva do dever, mas para o
dever, pelo qual é estabelecida a lei de Deus.” 48 Colocando um dos alicerces fundamentais da ética cristã,
Paulo ensina em Romanos 14 e 15 sobre a necessidade de se evitar choques culturais através da quebra de
costumes (o assunto discutido era o comer carne sacrificada aos ídolos — um costume), mas não confunde
tais costumes com os valores morais, que são derivados dos padrões eternos e imutáveis da pessoa de Deus.
Na opinião construtivista expressa por Nielsen, os valores não são absolutos ou eternos. “Os valores
são constituídos em conformidade com a época, local ou ambiente e circunstância da sociedade onde estão
inseridos, variando segundo o seu tipo, regime político, religiões dominantes, etc.” 49 Nessa visão, não existe
qualquer aspecto transcendental ou metafísico nos valores, que “são criados pelos homens.” 50 Os valores do
passado são educativos e importantes para o entendimento cultural e evolutivo do homem, mas são
meramente referenciais e não devem ser considerados “como herança a ser defendida.” 51
R. C. Sproul faz a seguinte referência ao relativismo da época em que vivemos, alertando quanto à
anarquia ética para a qual nos dirigimos:
A nossa era apresenta um antinomianismo 52 sem precedentes… todos fazem o que parece correto
aos seus próprios olhos. O relativismo ético é como um gêmeo siamês, unido pelos quadris ao ateísmo
prático. Nossa cultura ainda abraça um deísmo teórico, mas na prática vivemos como se Deus não existisse.
Cumprimos o axioma de Dostoyevski: “Se não existe um Deus então todas as coisas são possíveis.” 53
XI. Construtivismo e Relativismo Moral
O construtivismo é exatamente a “libertação dos absolutos” proclamada pelo homem pós-moderno.
Nielsen identifica bem a questão quando afirma: “O construtivismo de Piaget (1967) encaminha-nos para
uma posição em que o erro, como oposição ao acerto, deve ser revisto ou interpretado de outro modo…
Aquilo que é errado em um contexto, pode estar certo em outro.” 54
Ainda de acordo com esse autor, Paulo foi mal sucedido em Atenas (apenas dois convertidos) porque
não reconheceu “os valores culturais dos ouvintes gregos. Eles eram irreconciliáveis com os do
cristianismo.” 55 Ainda em sua opinião, foi a aplicação dos valores cristãos, a partir do quarto século, que
impediu “a especulação filosófica, científica, afastando todo o espírito de curiosidade acerca do mundo.” 56 O
cristianismo adotou, portanto, “um comportamento anti-intelectivo.” 57 A fé cristã, em sua opinião, não
representa redenção, mas uma barreira às aspirações das pessoas.
A nossa sociedade, permeada pelo pecado e com suas recém-adquiridas liberdades pós-modernas,
reflete e acolhe o abandono dos valores morais, e providencia um solo fértil para a pregação permissiva do
construtivismo. Nesse ambiente, nossos filhos vão aprendendo a amoralidade como postura comportamental
normal e aceitável. Como exemplo disso, a revista Nova Escola trouxe, em um de seus números, uma
matéria publicitária travestida de matéria editorial, com instruções para a realização de uma aula de educação
sexual de adolescentes. 59 A matéria, patrocinada por diversas marcas de preservativos, pretende ensinar a
jovens em uma classe mista, com bastante detalhes gráficos e exercícios, como devem “se proteger” da
gravidez, da AIDS e de outras doenças sexualmente transmissíveis. Dentre as cinco alternativas para prevenir
a gravidez não aparece a abstinência como uma das opções. É como se ela simplesmente inexistisse, quando,
na realidade, seria a única postura comportamental compatível com os preceitos morais que Deus deu às
pessoas solteiras (Êx 20.14; At 15.20; Ef 5.3; 1 Ts 5.3). Portanto, como no quadro acima, terminamos com a
“liberdade sexual” como o “novo valor” a ser ensinado.
XII. Tese, Antítese, Síntese e a Filosofia da Fé Cristã

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 31


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Ao cristão deveria ser evidentemente falsa uma visão filosófica que apresenta a esquematização
superada de tese-antítese-síntese como sendo a forma construtiva de valores e procedimentos. Essa
compreensão parte da premissa de que os valores primários são relativos e passíveis de serem superados por
outros e de que o processo de contrastes irá gerar uma forma superior, mais aceitável e mais moderna de
valores. No exemplo acima, uma filosofia que mostra (corretamente) a promiscuidade se contrapondo à
virgindade, mas que (erroneamente) chega à liberdade sexual como antídoto para essa promiscuidade, ou
como uma forma superior de comportamento, não se sustenta em bases lógicas e filosóficas, nem encontra
abrigo na ética cristã.
Sobre a questão específica da promiscuidade, retratada no quadro acima, John Gerstner indica que,
mesmo independentemente da revelação especial das Escrituras, a lei da natureza (que procede de Deus e
não é contraditória à revelação especial) “encoraja o casamento e opõe-se à promiscuidade.” 60 Teríamos,
portanto, um valor não substituível ou superável. Dando um exemplo sobre a questão da promiscuidade,
Gerstner observa que, apesar da “lei da natureza,” da revelação especial e de todos os impedimentos sociais
existentes, um homem pode recusar-se a obedecer esses deveres e entregar-se à promiscuidade, envolvendo-
se com várias mulheres, seja isso certo ou errado. Entretanto, esse autor observa que “a recusa [do homem]
no reconhecimento de um dever não é prova contrária à existência desse dever.” 61
É evidente que a suposta síntese corretiva do contraste inicial (virgindade vs. promiscuidade gerando
liberdade sexual) não existe, na realidade, nem abole o valor inerente da virgindade, castidade ou pureza. A
abordagem isenta da questão mostra que o que temos é apenas uma nova rotulação da posição contraditória
— liberdade sexual é apenas um novo nome para promiscuidade. Ou seja, como alguém declarou
corretamente, a nova moralidade não passa da velha imoralidade sob novos nomes.
Infelizmente, muitos autores e pensadores evangélicos têm sucumbido diante dessa forma de análise
filosoficamente superada para o estabelecimento de posições. Eles acreditam que Deus forma contrastes e
desses contrastes gera sínteses determinantes da postura e dos rumos a serem tomados pelos indivíduos e
pela própria Igreja. 62 Não se contentam em absorver e aplicar as singelas escalas de valores retratadas na
Escritura. Confundem costumes com valores. Prescrevem aos seus ouvinte e leitores a dúvida e o
questionamento sobre tudo o que é antigo, ignorando as advertências bíblicas quanto à preservação das
verdades imutáveis e pela continuidade dos atos de Deus na história.
O cristão não pode abraçar esse relativismo moral. Os seus valores e padrões estão firmados no
caráter imutável do Deus soberano e adequadamente revelados em sua Palavra. Esta se constitui em uma
coletânea de proposições objetivas inter-relacionadas, sujeitas ao exame e escrutínio, sob a orientação do
Espírito, dos verdadeiramente fiéis. A expectativa é que esses valores, assim apreendidos, passem a ser
aplicados na vida de pecadores redimidos e a integrar a mensagem que proclamam ao mundo. A nossa fé
cristã, quando consistentemente compreendida e aplicada, sob a iluminação do Espírito Santo, é a verdadeira
filosofia de vida abrangente que compreende todas as esferas de nossa existência.
XIII. Proposições Bíblicas Anti-Construtivistas
Dentre as muitas proposições das Escrituras que tratam da questão do conhecimento e do
entendimento, sendo relevantes ao nosso exame e antagônicas às premissas do construtivismo, destacamos as
seguintes:
1. O conhecimento não é fruto de um agente “facilitador,” mas de um agente “transmissor.” Por exemplo, no
Salmo 39.4 lemos: “Dá-me a conhecer, Senhor, o meu fim...” Se redefinirmos “conhecer” para significar
“construir compreensão,” as expressões que identificam conhecimento com transmissão de saber (e

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 32


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

respectiva compreensão subseqüente) ficam sem sentido, como vemos em Mateus 13.11: “... a vós outros é
dado conhecer os mistérios...”
2. Conhecimento (apreensão dos fatos) e entendimento (correlação adequada dos fatos) não são conceitos
subjetivos, mutáveis, mas objetivos, representando algo que se pede a Deus (1 Rs 3.11: “... mas pediste
entendimento para discernires”; At 15.18: “...diz o Senhor que faz estas cousas conhecidas desde séculos”). É
tão objetivo que é comparado a um tesouro (Pv 10.14; Cl 2.3). Em 1 Jo 2.4 temos o conhecimento
considerado como algo bastante objetivo e que é objetivamente retratado, contrastado com a mentira e
comprovado por ações compatíveis com a revelação objetiva de Deus – seus mandamentos: “Aquele que diz:
Eu o conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso e nele não está a verdade.”
3. Mesmo considerando a finitude, imperfeição e pecado das pessoas, o conhecimento verdadeiro é uma
possibilidade bíblica para o ser humano (Jo 8.32 – “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”). As
limitações do homem se apresentam na sua impossibilidade de conhecer exaustivamente, ou seja, de esgotar
o conhecimento. Isso não significa que aquilo que lhe é dado conhecer (e, na esfera espiritual, o
conhecimento verdadeiro é possibilitado pelo Espírito Santo), ele não o conheça verazmente. Esse é o
ensinamento de Paulo, quando fala concretamente sobre o conhecimento do amor de Cristo em Ef 3.18-19.
Primeiro ele indica que as suas instruções estão sendo dadas para que tenhamos um conhecimento comum
“com todos os santos” da dimensão desse amor; em termos bem concretos – largura, comprimento, altura,
profundidade. Portanto, o conhecimento que temos condição de ter é verdadeiro e concreto. Por outro lado,
em segundo lugar, ele nos indica que esse mesmo “amor de Cristo... excede todo o entendimento,” ou seja,
não temos condição de esgotar o seu pleno conhecimento. Isso não muda o fato de que o que dele sabemos é
verdadeiro. Os ensinamentos de Paulo sobre Cristo não são subjetivamente construídos em nossas mentes,
mas são ministrados. Os fatos e as doutrinas nos são transmitidas para que conheçamos a altura, a
profundidade e a largura do seu amor.
XIV. A Rendição dos Pedagogos Cristãos ao Construtivismo
Pedagogos e psicólogos cristãos têm penetrado nesses estudos relacionados com o desenvolvimento
da inteligência do ser humano e, conseqüentemente, com o processo de ensino e aprendizado, de uma
maneira acrítica. Constatamos uma absorção passiva do que é apresentado e, principalmente, da filosofia
construtivista. Existe uma rendição à abordagem e às experiências supostamente científicas, como se
estivessem frente a uma forma de revelação divina, absoluta e inquestionável. Nesse sentido, estabelece-se
uma dicotomia entre aquilo que a Palavra de Deus revela sobre a constituição moral e psicológica do ser
humano e os estudos dedutivos das correntes psicológicas e pedagógicas contemporâneas. Isso tem ocorrido
na exposição das idéias e experiências de Jean Piaget e de seus seguidores. Na maioria das vezes todo o
campo da psicologia educacional é estudado como se fosse uma área estanque e segregada do conhecimento
humano, intocável e imune às proposições reveladas na Palavra de Deus. É como se as premissas
estabelecidas não fossem diferentes daquelas estabelecidas pela fé cristã e da sua compreensão da natureza
das pessoas.
A dissociação moderna e pós-moderna que é feita entre a fé cristã e os campos de atuação do ser
humano é o reflexo de uma doutrina diluída, estranha à Palavra de Deus, que se concentra na autonomia do
homem às custas da soberania de Deus. É uma visão presente na maior parte do evangelicalismo moderno,
mas que deve ser desafiada e combatida, especialmente pelos pressupostos da fé reformada de Lutero e
Calvino.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 33


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

A situação encontrada hoje em dia entre os acadêmicos cristãos dá a impressão de que a fé cristã
deveria ficar limitada a expressões metafísicas da religiosidade humana, de preferência aos domingos. É
como se as premissas do cristianismo não tivessem interferência no dia-a-dia de cada um; como se Deus não
tivesse nada a dizer às diversas áreas da atuação humana; como se não vivêssemos em um universo criado
por Deus, mas em um mundo autônomo, no qual ele interfere aqui e ali, sem exigências reais no que diz
respeito à produção intelectual do ser humano. Esse retraimento do exame crítico das concepções filosóficas
acerca do conhecimento humano é o maior entrave ao verdadeiro progresso do pensamento cristão, gerando
nos crentes um complexo indevido de inferioridade intelectual. Deixamos que as forças do mal tripudiem
impunemente nas áreas de erudição, sem levar à frente a obrigação, que foi colocada em nossas mãos pelo
Deus verdadeiro, de desafiá-las e de proclamar as verdades de Deus em todas as esferas (Gn 1.28). Tornamo-
nos anões acadêmicos sem refletir a glória do Senhor do universo. Queremos participação e respeitabilidade,
e o preço pago por isso é a retração do desafio e da controvérsia, quando eles devem estar presentes.
Nessa área da psicologia e pedagogia, a questão é ainda mais grave. Apesar de crentes, servos de
Deus, participantes da iluminação do Espírito no entendimento da sua Revelação aos homens, abrimos mão
de toda essa compreensão. Ao estudarmos as pessoas, em vez de procurarmos na Palavra aquilo que ela
revela objetivamente sobre o ser humano, sua constituição, formação e intelecto, somos vítimas dos estudos
dedutivos das correntes psicológicas e pedagógicas. Estas, mesmo quando fruto de procedimentos
aparentemente científicos, 63 procuram nos apresentar repetidas experiências através das quais deduzem qual
a constituição interna do homem.
Por exemplo, Yves de La Taille, escrevendo o prefácio à edição brasileira do livro de Piaget O Juízo
Moral na Criança, diz que para estudarmos os aspectos ambíguos e paradoxais do homem “…basta cada um
observar atentamente os seus semelhantes ou olhar honestamente para si mesmo.” 64 Com essa afirmação, ele
não está simplesmente indicando a melhor alternativa de estudo, mas a única possibilidade que a psicologia
tem de procurar definir o homem — deduzir o que ele é, pelo que ele faz. Partindo desse ponto, passam a
postular a sistemática do nascimento, evolução e desenvolvimento, não apenas da inteligência humana, como
também da formação moral das pessoas. Um autor construtivista faz a seguinte afirmação: “Hoje, está mais
do que comprovado que os motivos sociais são adquiridos.” 65
Qualquer filosofia que tenha a pretensão de trazer conclusões sobre fatores internos da constituição
intelectual e cognitiva humana e que despreze as verdades reveladas pelo autor do homem nas Escrituras,
não pode ser aceita passivamente pelos cristãos; antes, deve ser submetida ao mais intenso crivo e exame à
luz da objetiva revelação divina da Palavra de Deus.
XV. Escolas Evangélicas, Construtivismo e a Importância dada à Educação
Se pedagogos, psicólogos e educadores cristãos se renderam ao construtivismo, não é de surpreender
que a maioria das escolas ditas “evangélicas,” que se propõem a apresentar as verdades e ensinamentos sob o
ponto de vista da Palavra de Deus, abracem a mesma filosofia, sem qualquer questionamento teológico. Os
professores cristãos foram submetidos a um martelar contínuo de que as idéias do construtivismo se
constituem na última palavra pedagógica e na única abordagem moderna admissível no ensino. Por essa
razão, na melhor das hipóteses, ouvimos apenas as seguintes críticas: “O problema não está no
construtivismo, mas na aplicação errada dos seus métodos”; ou ainda: “Somos construtivistas, mas
mantemos a abordagem cristã no ensino.” Tais declarações evidenciam falta de discernimento de que existem
incompatibilidades de premissas filosóficas e que o construtivismo, como já temos demonstrado, não

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 34


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

consiste apenas em um método alternativo de educação ou de administração escolar, mas em uma filosofia
niilista real.
Por vezes, ouvimos: “A orientação desta escola é construtivista, mas a aula é clássica,” ou “... é
apenas uma aplicação parcial do construtivismo.” Já apontamos que, teoricamente, o construtivismo tem sido
aceito quase que na totalidade do sistema educacional brasileiro. Concordamos que, na prática, as idéias não
são aplicadas em sua maior dimensão e existem incoerências com as premissas básicas da corrente.
Não devemos inferir, entretanto, que a falta de aplicação do construtivismo em sua totalidade,
significa uma influência insignificante na formação das crianças. Muitas escolas e professores deixam de
lado parte da metodologia acadêmica prescrita (mais difícil de compreender e executar), mas prontamente
acatam os postulados de suposta “liberdade” e “ausência de direcionamento” (mais fáceis de entender, de
acolhida rápida pelos alunos, mais entrelaçados com a sociedade permissiva na qual vivemos). Mesmo nos
casos de aplicação parcial do construtivismo, os reflexos prejudiciais à formação das crianças continuam
intensamente presentes.
As escolas seculares, particulares ou públicas, são construídas em cima de premissas que divergem
das bases da fé cristã. Não devemos ter a pretensão de convencer pela lógica aqueles que rejeitam
aprioristicamente a revelação de Deus e a visão bíblica da constituição do ser humano. As escolas seculares,
mesmo construindo cabanas de palha filosóficas que não se sustentam em coerência intrínseca, estão
tentando ser fiéis às suas próprias premissas anti-Deus e anti-cristãs. Entretanto, com relação às escolas
cristãs, não podemos ter a mesma visão tolerante. Elas têm a obrigação de analisar todas as coisas sob a ótica
das Escrituras e de, corajosamente, até mesmo suportar a rejeição das esferas acadêmicas, ao se
posicionarem pela interpretação bíblica da realidade. O filósofo holandês Hermann Dooyeweerd (1894-
1977) bem expressou essa situação quando, conclamando à coragem para os posicionamentos perante o
mundo, escreveu: “A filosofia cristã não deve hesitar na aceitação da ‘ofensa da cruz’ como a pedra
fundamental da sua epistemologia. Assim fazendo, sabe que conscientemente corre o risco de ser mal-
entendida e dogmaticamente rejeitada.” 66
Com a nossa crítica ao construtivismo, não estamos defendendo métodos arcaicos e desinteressantes
de ensino e aprendizado; devemos sempre aplicar as mais modernas técnicas educacionais possíveis e o
maior esmero no ensino criativo. Os bons professores deixarão a criança “descobrir” aquilo que necessita ser
transmitido. Não estamos dizendo que o conhecimento prévio não serve de base e alicerce para novos
entendimentos e para uma compreensão mais ampla da realidade – sabemos que o entendimento se
“constrói,” nesse sentido. Mas não precisamos abraçar novos rótulos e muito menos novas filosofias para
expressar o que sempre foi reconhecido como boa prática pedagógica. Com muito mais veemência, não
podemos abraçar uma construção filosófica que faz violência ao conceito judaico-cristão do que é o ser
humano, como se o construtivismo fosse apenas mais uma metodologia neutra, esterilizada e inocente,
aplicável em qualquer situação e contexto acadêmico, sem confrontá-la com a Palavra de Deus.
A preocupação com um ensino bom e eficaz sempre foi uma constante no âmbito cristão, com resultados
excelentes que devem ser retomados. Em uma carta dirigida aos prefeitos das cidades alemãs, Martinho
Lutero já expressava a importância da educação, que viria a nortear e caracterizar os protestantes: “Em
minha opinião,” escreve ele, “não há nenhuma outra ofensa visível que, aos olhos de Deus, seja um fardo tão
pesado para o mundo e mereça castigo tão duro quanto a negligência na educação das crianças.” 67 Até hoje,
a fórmula de batismo da Igreja Presbiteriana requer dos pais que trazem a sua criança à cerimônia a promessa

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 35


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

de que a ensinarão a ler, para que possa compreender as verdades de Deus, reveladas em sua Palavra e
transmitidas por meio da linguagem escrita através das gerações.
Esse apreço cristão pela educação decorre do “mandato cultural” (Gn 1.28), no qual o ser humano é
comissionado a dominar a criação (e obviamente ele não pode dominá-la se não conhecê-la), bem como do
conceito bíblico do ser humano. O cristão vê, tanto empiricamente como pela revelação das Escrituras, que
as pessoas se diferenciam dos animais não por estarem “mais adiantadas na escala evolutiva,” mas em sua
essência e por desígnio divino. “Um dos aspectos mais nobres da semelhança de Deus no homem é a
capacidade de pensar… Somente o homem tem o que a Bíblia chama de ‘entendimento’ (Sl 32.9),” 68 escreve
John Stott, que complementa indicando que a racionalidade básica das pessoas, em virtude da criação, é
admitida em toda a Escritura. A expectativa, portanto, é que as pessoas sejam educadas e se comportem
diferentemente dos animais, como estabelece o restante do verso já citado: “Não sejais como o cavalo ou a
mula, sem entendimento,” ou ainda o Salmo 73.22: “Eu estava embrutecido e ignorante; era como um
irracional à tua presença.”
Que Deus capacite os nossos educadores com o discernimento necessário ao exame das filosofias nas
quais foram treinados e que são chamados a aplicar nas salas de aula. Que haja o desenvolvimento de uma
verdadeira filosofia de educação cristã, contrapondo-se ao subjetivismo e à permissividade do
construtivismo. Que haja coragem da parte de nossas escolas de orientação e formação evangélica para
desafiarem o status, imprimindo excelência educacional com coerência teológica, mesmo que isso lhes custe
muita luta e eventual perda financeira. Assim fazendo, pela misericórdia de Deus, estaremos formando
cidadãos verdadeiramente responsáveis e cristãos conscientes, e teremos tranqüilidade com o que estão
ensinando aos nossos filhos.

http://www.solanoportela.net/artigos/jean_piaget.htm
NOTAS DE REFERÊNCIA
1 Ver a descrição dos quatro estágios na seção “Jean Piaget Lança os Fundamentos,” logo adiante.
2 Maria da Graça Azenha, Construtivismo: De Piaget a Emilia Ferreiro (São Paulo: Ática, 1995), 8.
3 Ibid.
4 Ibid. , 18.
5 Ibid.
6 Franco Lo Presti Seminério, Piaget: O Construtivismo na Psicologia e na Educação (Rio de Janeiro: Imago,
1996), 13.
7 Quanto mais simplificada for a visão epistemológica e mais relacionada com as ciências físicas (no caso,
aqui, a biologia), mais apropriadas parecerão as experiências e questionários utilizados na formulação dos
postulados e na extrapolação dos mesmos em uma filosofia educacional e de valores. A frase citada é de
Robert L. Campbell, em palestras proferidas no “Objectivist Studies Summer Seminar,” em Charlottesville,
Virginia, Estados Unidos, intituladas Jean Piaget’s Genetic Epistemology: Appreciation and Critique,
disponíveis na Internet no endereço: http://hubcap.clemson.edu/~campber/index.html.
8 Esses quatro estágios são, às vezes, reduzidos a três, bem como cada estágio específico é subdividido
em até seis etapas. A essência de toda essa esquematização de Jean Piaget está contida em seus livros: A
Construção do Real na Criança, 3ª ed. (Rio de Janeiro: Zahar, 1979); O Nascimento da Inteligência na
Criança, 4ª ed. (Rio de Janeiro: Zahar, 1982) e A Formação do Símbolo na Criança: Imitação, Jogo e Sonho,
Imagem e Representação (Rio de Janeiro: Zahar, 1975).

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 36


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

9 Lauro de Oliveira Lima, A Construção do Homem Segundo Piaget (São Paulo: Summus Editorial, 1984),
149.
10 A Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro apresenta um breve resumo do
construtivismo sob o título “Os Pressupostos da Teoria Construtivista de Jean Piaget.” Esse artigo pode ser
encontrado na Internet, no endereço: http://www.rio.rj.gov.br:80/multirio/cime/ME03/ME03_001.html.
11 Lino de Macedo, Ensaios Construtivistas (São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994), XVI.
12 Azenha, Construtivismo, 96.
13 Jean Piaget, O Juízo Moral na Criança, trad. Elzon Leonardon (São Paulo: Summus, 1994), 93.
14 Ibid .
15 Para Piaget, no realismo moral “...é bom todo o ato que testemunhe uma obediência à regra ou
mesmo uma obediência aos adultos.” Juízo Moral, 93.
16 Secretaria Municipal de Educação, “Pressupostos da Teoria Construtivista.”
17 Herbert F. J. Muller, How Constructivist is Piaget’s Theory? Ensaio não publicado, disponível na Internet
no endereço: http://www.mcgill.ca/douglas/fdg/kjf/15-R9MOR.htm.
18 Ibid .
19 Brian Campbell, Realism versus Constructivism: Which is a More Appropriate Theory for Addressing the
Nature of Science in Science Education? Ensaio não publicado da Southwestern Oklahoma State
University, disponível pela Internet no endereço: http://unr.edu/homepage/jcannon/ejse/ejsev3n1.html1.
20 Macedo, Ensaios Construtivistas, 24.
21 Jornal da Tarde , São Paulo (31 de outubro de 1996), 15A.
22 Ibid.
23 Artis Ivey, Jr. (Coolio), Gangsta’s Paradise, música tema do filme Mentes Perigosas (Dangerous Minds,
1995). Esse filme, apesar de não mostrar muita coerência em sua mensagem, retrata uma escola de uma
área urbana deteriorada dos Estados Unidos, na qual os estudantes, carentes de direcionamento, amor e
disciplina, rendem-se à tutela de uma nova professora, ex-militar, que enfatiza a necessidade do estudo e
da ordem.
24 D. Martin Lloyd-Jones, A Procura de Verdade (São Paulo: Fiel, 1976), 7.
25 Essa escola foi estabelecida totalmente sem regras, objetivando a formação mais moderna e a
educação sem fronteiras das crianças e adolescentes ali colocados. Saudada como a maior experiência
educacional de vanguarda, a escola de Sumerhill está para fechar as portas, após décadas de deficiência
acadêmica e disciplinar de seus alunos.
26 A Brief History of Summerhill – parte do site, na internet, destinado a arregimentar apoio amplo às
medidas necessárias para salvar a escola Summerhill, diante das recentes medidas do governo inglês que
prevêem o enquadramento em uma disciplina e formato educacional mais rígido, ou o fechamento da
instituição. Endereço: http://www.s-hill.demon.co.uk/history.htm.
27 A direção da escola diz que a escola “não força o nadar sem roupas” e que, na realidade, em anos
recentes, “quase todo mundo nada vestido...” Ver a seção “Mitos e Realidades” no endereço:
http://www.s-hill.demon.co.uk/hmi/myths.htm
28 Moacir Gadotti, História das Idéias Pedagógicas (São Paulo: Ática, 1995), 175.
29 Citado por Gadotti, História, 175.
30 Secretaria Estadual de Educação, “Pressupostos da Teoria Construtivista.”
31 John H. Gerstner, Reasons for Duty (Morgan, Pensilvânia: Soli Deo Gloria, 1995), 3.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 37


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

32 Muitos construtivistas farão objeções a essa declaração, uma vez que Piaget se posiciona fortemente
contra o empirismo – negando a idéia da tabula rasa. Mas é exatamente nas suas considerações morais
que Piaget apresenta essa grave contradição intrínseca ao seu próprio pensamento. Quando tratava
apenas de epistemologia, realmente ele se contrapôs à idéia da tabula rasa, procurando um meio termo,
uma síntese: as pessoas não possuíam apenas conhecimento desde o nascimento (inatismo), nem apenas
como resultado de percepções e informações (empirismo); ele procurava a aceitação de ambos. Mas a
pergunta permanece: Por que então, quando trata da questão moral, ele coloca toda ela como sendo
absorção externa impingida?
33 Helena Antipoff, citada por Piaget, Juízo Moral, 178.
34 Helena Antipoff, Ibid.
35 Piaget, Juízo Moral, 178.
36 Gerstner, Reasons for Duty, 21-27.
37 Ibid. , 37.
38 Essa é uma conclusão pouco construtivista, mas presente em muitos autores da escola. Verificamos,
na realidade, que a filosofia nega a existência das “realidades indisputáveis” dos outros, enquanto que
postula as suas próprias.
39 Incluindo-se aqui os conceitos de culpabilidade, inocência e formação de uma “estrutura” moral.
40 Piaget, Juízo Moral, 178.
41 Ibid. , 142.
42 Henrique Nielsen Neto, Filosofia da Educação (São Paulo: Abba Press e Melhoramentos, 1988-1990),
62-65.
43 Ibid. , 24.
44 Ibid. , 17.
45 Ibid . O autor indica que as idéias de Scheler, Kierkegaard, Sprangler, Husserl, Marcel, Heidegger,
Merleau-Ponty e até Sartre foram reflexões sobre os temas marxistas e nietzschianos, numa tentativa de
combatê-los.
46 Essa é uma afirmação de profundas implicações epistemológicas, partindo do pressuposto da
divindade, que muito deve nos ensinar sobre a realidade da encarnação e sobre a intensidade da
natureza humana de Cristo.
47 R. C. Sproul, no prefácio do livro de Gerstner, Reasons for Duty, viii.
48 Sproul, ibid.
49 Nielsen Neto, Filosofia da Educação, 18.
50 Ibid .
51 Ibid. , 19.
52 Ausência de lei ou norma.
53 Sproul, prefácio de Gerstner, Reasons for Duty, viii.
54 Macedo, Ensaios, 64.
55 Nielsen Neto, Filosofia da Educação, 21.
56 Ibid .
57 Ibid ., 22.
58 Ibid ., 20.
59 “Jogo de Corpo,” Nova Escola (Editora Abril), nº 129 (Jan-Fev 2000), 18-19.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 38


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

60 Gerstner, Reasons for Duty, 194.


61 Ibid ., 194-195.
62 Ver o livro de Caio Fábio D’Araújo Filho, Vivendo em Tempo de Mudanças: Percebendo o Mover de Deus
na História (São Paulo: Cultura Cristã, 1996), adequadamente resenhado por Augustus Nicodemus Lopes
em Fides Reformata I:2 (Julho-Dezembro 1996), 152-154.
63 Já expressamos o nosso reconhecimento de que houve bastante progresso acadêmico nas áreas
psicológica e pedagógica, uma vez que as opiniões categóricas, sem qualquer embasamento real, deram
lugar às pesquisas e testes, numa tentativa de substanciar as conclusões. O trabalho de Jean Piaget traz
essa “chancela,” pelo seu treinamento prévio no método científico de investigação, em função de sua
primeira formação nas ciências biológicas. Mas já indicamos, igualmente, que o exame mais acurado das
experiências de Piaget, demonstra que elas são, na realidade, bastante limitadas e não tão extensas
assim para permitir deduções tão firmes da constituição da criança (e, conseqüentemente, do ser
humano). Se elas são insuficientes para asseverar o que é o homem, quanto mais ainda para que delas
venha a se inferir a psicogênese do pensamento humano, os pontos formativos da inteligência. Não
satisfeitos, entretanto, com essas extrapolações, os especialistas nos indicam que eles têm condições de
fazer afirmações inequívocas quanto à formação do julgamento moral das pessoas, bem como determinar
as escalas de valores e o que deveria ou não ser ensinado, na área moral do aprendizado. É preciso muita
fé e credulidade para aceitar, sem questionamentos, todos esses postulados.
64 Piaget, Juízo Moral, 13.
65 Nielsen Neto, Filosofia da Educação, 61. Onde se lê “motivos sociais,” deve-se entender
“comportamentos certos ou errados das pessoas.” O autor cita trabalhos de dois comportamentistas
americanos, John B. Watson e Ernest Ropiquiet Hilgard (autor de Teorias de Aprendizagem [São Paulo:
EPU, 1973]), como comprovação para a sua afirmação.
66 Citado por J. M. Spier, An Introduction to Christian Philosophy (Filadélfia: Presbyterian and Reformed,
1954), 155.
67 Martinho Lutero, Carta aos Prefeitos e Conselheiros de Todas as Cidades da Alemanha em Prol de
Escolas Cristãs, citado por Moacir Gadotti, História das Idéias Pedagógicas (São Paulo: Ática, 1995), 71.
Ver texto integral em Rui J. Bender, Martin N. Dreher e Ricardo W. Rieth, eds., Educação e Reforma,
Coleção Lutero Para Hoje (São Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 2000).

68 John Stott, Crer é Também Pensar, trad. Milton A. Andrade (São Paulo: ABU, 1978), 12.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 39


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

CAPÍTULO V
“O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me dá a vida.” Jó 33:4

5. Ética Cristã no Controle de Natalidade e o Aborto

5.1 Controle de Natalidade na visão Sociológica


Em alguns países espalhados pelo mundo o assunto ABORTO tem sido relevado em virtude do
Controle de Natalidade proposto pelo governo. Nestes mesmos países podemos observar como são
administrados o uso de anti-concepcionais. Por exemplo:
“Entre as regiões em desenvolvimento, os níveis de uso de anticoncepcionais variam amplamente,
de uma média de 15% na África sub-Saara a 68% na América Latina e Caribe. Os níveis de
fertilidade correspondem aproximadamente aos níveis de uso de anticoncepcionais. Nos países
onde o uso de anticoncepcionais está disseminado, a fertilidade é baixa, mas naqueles em que o
uso de anticoncepcionais não é muito comum, a fertilidade é alta.”
(ver Tabela 1)
No país de Cuba o aborto é 100% permitido desde o triunfo da revolução, em 1959. A gestante tem
até 3 meses pra efetuá-lo.
Segundo a revista Population Reports o aumento do uso de anticoncepcionais têm sido a causa direta
principal das quedas de fertilidade no mundo em desenvolvimento. Nos países em desenvolvimento do
mundo inteiro, uma crescente porcentagem de mulheres – tanto casadas como não casadas – estão usando a
contracepção.

Observe os dados abaixo no quadro:


Atuais Passados
Atualmente, estima-se que 55% das mulheres Em contraste, estima-se que 41% das mulheres
casadas do mundo em desenvolvimento estão usando casadas de países em desenvolvimento usavam a
algum tipo de contracepção, e 50% estão usando um contracepção em 1990, comparado a 33% em 1983
método moderno

Estes níveis de uso da contracepção foram ponderados segundo o tamanho da população e, portanto,
são fortemente influenciados pelos níveis de uso na China e Índia, os dois países mais populosos do mundo.
Estima-se que, sem estes dois países, seria de 42% ao invés de 55% a porcentagem de mulheres casadas de
idade reprodutiva que usam atualmente algum método anticoncepcional nos países em desenvolvimento.
Dados dos 38 países em desenvolvimento onde foram feitas várias pesquisas DHS ou RHS desde
1990 mostram que o uso de algum método de planejamento familiar entre as mulheres casadas aumentou em
pelo menos 10% em todos os países, à exceção de El Salvador, Gana, Jamaica, Mali, Ruanda, Turquia e
Zimbábue. Os níveis de uso anticoncepcional baixaram somente em Ruanda – em mais de 40% - onde a
guerra civil e os conflitos étnicos dos anos 90 perturbaram a vida familiar.
O aumento do uso de anticoncepcionais nos países em desenvolvimento desde 1990 dá continuidade
a uma tendência de mais longo prazo. Entre 1975 e 1995, o uso de anticoncepcionais entre as mulheres
casadas aumentou em 30 dos 31 países em desenvolvimento onde foram feitas duas ou mais pesquisas. Além
disso, os níveis de uso de anticoncepcionais entre as mulheres não casadas mas sexualmente ativas também

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 40


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

aumentou 10% ou mais nos anos 90 nos 24 países em desenvolvimento para os quais foram coletados tais
dados.
Neste sentido podemos dizer que as visões relacionadas a tal tema visam a trazer-nos a discussão
sobre os benefícios e malefício sociais.

5.2 Aborto e suas Implicações


5.2.1 Implicações Físicas
A partir do segundo mês de gestação, os métodos mais comuns e corriqueiros utilizados por
profissionais para provocar o abortamento são a curetagem e a aspiração uterina.
Para fazer a curetagem, o médico, após alargar a entrada do útero da paciente, introduz dentro dela a
chamada cureta, que é um instrumento cirúrgico cortante, em forma de colher. Servindo-se da cureta, um
médico habilidoso pode ir cortando o feto em pedaços, e retirá-los um a um de dentro do útero. Além do feto,
também a placenta deve ser retirada e cortada. Em geral, aplica-se anestesia local, de modo que a paciente
permanece consciente, ainda que tenha de permanecer em uma posição que a impede de observar a operação.
Após concluído o procedimento, o médico deve remontar os pedaços do corpo do feto em uma mesa à parte,
para certificar-se de que não restou pedaço algum no útero da gestante.
O procedimento de aspiração uterina distingue-se da curetagem porque, em vez de o médico
introduzir a cureta no útero da gestante e retalhar manualmente o feto, ele introduz uma cânula de vidro,
cujas extremidades internas são cortantes. A cânula está acoplada a um aparelho de vácuo e, quando o vácuo
é produzido, o feto é sugado pelo equipamento e vai sendo cortado em pedaços à medida em que seus
membros passam pela cânula. Como a cabeça do feto é muito grande para ser sugada pelo aparelho, o
médico deve primeiro esmagá-la manualmente, antes do fim do procedimento, para que possa ser retirada
pelo aparelho de sucção. Em ambos os procedimentos devem o médico certificar-se rigorosamente de que
não restou pedaço algum do feto no útero da paciente.
Qualquer pedaço do feto que permanecer no interior do útero, após a interrupção da gravidez,
desencadeia uma reação inflamatória imediata. Esta inflamação aumenta e se agrava progressivamente
enquanto estes pedaços permanecerem dentro do útero. Sendo o útero um órgão intensamente vascularizado
durante a gestação, o pus acumulado em decorrência da inflamação acaba por penetrar paulatinamente na
corrente sanguínea da gestante, o que provoca septicemia ou infecção generalizada, que é uma das causas de
morte materna por abortamento. O único recurso capaz de vencer a septicemia é a retirada imediata do resto
fetal ainda presente no útero da mulher e uma forte dose de antibióticos. Se a septicemia já estiver bastante
avançada, far-se-á necessária a imediata internação da paciente em uma unidade de terapia intensiva (UTI).

5.2.2 Implicações Espirituais


O aborto na Bíblia.
“Se alguns homens pelejarem, e ferirem uma mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém se
não houver morte, certamente aquele que feriu será multado conforme o que lhe impuser o marido da mulher
e pagará diante dos juízes.” Êxodo 21:22
Deus, além de exigir a proteção de pessoas viventes, também exigia a proteção de crianças ainda por
nascer.
(1) O versículo 21 refere-se a uma mulher dando à luz a uma criança prematura por causa de violência
cometida contra a gestante. Se isso acontecesse, quem causasse o aborto tinha que pagar uma multa.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 41


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

(2) Se houvesse lesões graves na mãe ou no filho, o culpado tinha que pagar segundo a lei da retaliação. Note
que se a violência causasse a morte da mãe ou do filho, o transgressor seria réu de homicídio e teria que
pagar com a própria vida (v. 23). Noutras palavras, o nascituro é considerado nesse texto bíblico como um
ser humano: provocar a morte desse feto é considerado assassinato.
(3) Note que essa é a única circunstância em que a lei exige a pena de morte por homicídio acidental (Dt
19.4-10). O princípio está claro: Deus procura proteger aqueles que têm menos condições de se protegerem
(i.e., os que ainda estão por nascer).
“Não haverá alguma que aborte, nem estéril na tua terra; o número dos teus dias cumprirei.” Êxodo
23:26
O aborto é muitas vezes considerado uma maldição.
Deus vinculou a remoção das enfermidades entre o seu povo, à sincera devoção desse povo a Ele. Ao
mesmo tempo, esse povo devia manter-se separado da impiedade ao seu redor. No entanto, não devemos
partir do pressuposto de que a doença de determinado indivíduo é uma evidência certeira de que ele
conformou-se ao curso iníquo deste mundo. Esse trecho, de fato, sugere que o mundanismo do povo de
Deus, como um todo, fará com que Ele retire desse mesmo povo parte da sua bênção e poder. Neste caso, até
os justos entre o povo crente em geral, serão afetados (1 Co 12.26).
APLICANDO:
Com exceção do caso em que a vida do bebê não foi totalmente desenvolvida, constitui-se uma
ameaça de morte para a vida plenamente desenvolvida da mãe, não há motivo justificável à luz da Bíblia
para a realização do abortamento.
5.2.3 Quando o Aborto é Justificado
O aborto não é nem o assassinato de uma pessoa humana, nem uma mera operação ou ejeção
de um apêndice do corpo feminino. É uma responsabilidade séria tirar a vida de um ser humano em
potencial. As únicas circunstâncias moralmente justificáveis para o aborto são aquelas em que há um
principio moral superior que possa ser cumprido.
l. O Aborto por Razões Terapêuticas — Quando é um caso nítido de, ou tirar a vida do Nenê não nascido, ou
deixar a mãe morrer, exige-se o aborto. Uma vida real (a mãe) é de maior valor intrínseco do que uma vida
potencial (Nenê não nascido). A mãe é um ser humano plenamente desenvolvido; o Nenê é um ser humano
não-desenvolvido. E um ser humano realmente desenvolvido é melhor do que um que tem o potencial para a
plena humanidade, mas ainda não se desenvolveu. Podemos ser tentados a concordar que uma vida humana
potencialmente boa é melhor do que uma vida humana realmente má, se pudéssemos ter certeza de antemão
que o nenê acabaria sendo bom. Mas isto exigiria um tipo de onisciência que somente Deus possui. Os
homens finitos devem contentar-se com as conseqüências imediatas, baseadas nos valores intrínsecos,
conforme os vêem. Logo, o valor intrínseco maior de uma mãe não deve ser determinado por aquilo que ela
faz, mas, sim, por aquilo que ela é. E a humanidade real da mãe é de maior valor do que o potencial do Nenê
não nascido.
2. O Aborto por Razões Eugênicas — Há várias razões eugênicas pelas quais abortos têm sido recomendados
por alguns, tais como o mongolismo, outros por deformações devidas à talidomida ou drogas semelhantes, e
alguns, por retardamento ou outras deformidades devidas ao sarampo, ou a outras causas. Estes são motivos
legítimos para um aborto? Os cristãos diferem entre suas respostas a estas situações. No entanto, do ponto de
vista da ética hierárquica o princípio básico é o seguinte: o aborto eugênico é requerido somente quando as
indicações claras são que a vida será sub-humana, e não simplesmente porque talvez venha a ser uma pessoa

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 42


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

deformada. O feto potencialmente humano tem um direito moral à vida, mesmo que a vida venha a ser
dalguma maneira defeituosa?
3. O Aborto na Concepção Sem Consentimento — Uma mãe deve ser forçada a dar à luz uma criança
concebida pelo estupro? Há uma obrigação moral de gerar uma criança sem consentimento? Isto levanta a
questão inteira do dever moral da maternidade. Alguém pode ser forçada a ser uma mãe contra sua vontade?
Sua madre é mero utensílio para a tirania das forças externas da vida? Esta é uma pergunta delicada, mas
parece que envolve uma resposta delicada. A mãe tem o direito de recusar que o corpo dele seja usado como
objeto da intrusão sexual. A violação da sua honra e personalidade foi mal suficiente sem piorar sua triste
situação ao ainda forçar sobre ela uma criança indesejada. Mas o que se diz do direito de a criança nascer a
despeito do modo maligno segundo o qual foi concebida? Neste caso o direito da vida potencial (o embrião)
é eclipsado pelo direito da vida real da mãe. Os direitos da mãe plenamente humana tomam precedência
sobre o direito do embrião potencialmente humano.

4. O Aborto na Concepção mediante o Incesto — A concepção incestuosa pode envolver o estupro e as


conseqüências eugênicas e, portanto, pode providenciar uma base ainda mais firme para um aborto
justificável. Por qualquer dos motivos isoladamente, parece que nenhuma obrigação moral possa ser imposta
sobre uma moça para levar a termo sua gravidez incestuosa. Sua personalidade foi violada e a personalidade
potencial do nenê não nascido pode ser seriamente danificada por defeitos eugênicos também. Alguns males
devem ser extirpados pela raiz. Deixar um mal desabrochar em nome de um bem em potencial (o embrião)
parece um modo insuficiente de lidar com o mal, especialmente quando o bem em potencial (o embrião)
pode acabar sendo outra forma do mal. O incesto pode ser errado nos dois lados: na concepção e nas suas
conseqüências.

5.2.4 Quando o Aborto não é Justificado


Agora que algumas das circunstâncias segundo as quais um aborto pode ser exigido foram
discutidas, as situações nas quais não é certo devem ser discutidas. Como regra geral, o aborto não é
justificado.
1. O Aborto Não é Justificável Depois da Viabilidade — A primeira consideração a ser feita, e a mais básica,
é que nenhum aborto é justificável, como tal, depois do feto se tomar viável, i.e., depois do nascimento ser
possível. Nesta altura, já não seria sequer uma questão de aborto (i.e., tirar uma vida potencialmente humana)
mas, sim, matar uma vida humana real. Tirar a vida de um feto viável sem justificação ética superior seria
assassinato. Deste a concepção e no decurso das oito primeiras semanas, o não nascido é chamado um
embrião. A partir deste tempo, é chamado um feto. A partir de cerca de seis meses, é possível dar à luz um
Nenê que pode viver e respirar sozinho, e que pode desenvolver-se num ser humano maduro. Qualquer
aborto justificável que deve ser realizado, deve ocorrer antes deste ponto de viabilidade, para ser qualificado
como aborto. A partir deste ponto, qualquer ato alegadamente justificável de tirar a vida teria de ser
classificado como eutanásia, que é uma questão ética ainda mais séria.
2. O Aborto Por Causa de Crianças não desejadas não é Justificável — O simples fato de que uma mãe não
deseja o Nenê não é motivo suficiente para apagar uma vida humana em potencial. Os caprichos ou desejos
pessoais de uma mãe não tomam precedência sobre o valor do embrião ou do seu direito de viver. O não
nascido tem um direito à vida, quer sua vida tenha sido humanamente planejada ou desejada naquela ocasião,
quer não. Além disto, muitos filhos que não eram desejados inicialmente vieram a ser benquistos, ou pêlos

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 43


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

seus pais, ou por outra pessoa. Por que a criança "não planejada" não pode receber a oportunidade de nascer
e de ser amada por alguém?
3. O Aborto para o Controle da População Não É Justificável — Outro abuso contemporâneo do aborto é um
tipo de método de controle de natalidade "depois do fato". Em ermos francos: uma vez que a concepção
ocorreu, é tarde demais para resolver que não deveria ter sido feito. Porém se houver um programa de
controle de natalidade promoido pelo Estado, então este deverá se encaixar no ponto acima (2) para praticar
o ato abortivo.
Há meios eficazes do controle de natalidade, sem chegar-se ao aborto. Dispositivos intraceptivos têm
sido aperfeiçoados ao ponto de garantirem virtualmente que a concepção não ocorrerá. A esterilização é
garantida como método de controle populacional. Realmente, em vista destes não há necessidade alguma de
dar-se ao uso moralmente injustificável do aborto para controlar a população. Seria uma opção eticamente
correta?
4. Aborto por causa de deformação prevista não é Justificável — O argumento em prol do aborto pela razão
da deformidade prevista é insuficiente. Em primeiro lugar, a porcentagem de possibilidade de deformidade
não é tão alta como às vezes é antecipada. Por exemplo, quase metade dos nenês que nascem com defeitos os
têm em grau menor, que não precisam de tratamento médico algum. Dos defeitos sérios, metade não se
tornam aparentes a não ser depois do nascimento, o que é tarde demais para um aborto. Além disto, em cerca
de metade dos casos em que as crianças nascem com defeitos sérios, o defeito pode ser corrigido ou
compensado de modo satisfatório mediante operações ou ajudas artificiais. Mesmo no caso da rubéola, há
uma chance de 80-85 por cento de nascer uma criança normal, se a mãe foi afetada pela enfermidade depois
do primeiro mês.
A segunda razão, e a mais básica, contra o aborto em razão da mera deformidade, é que uma criança
deformada é plenamente humana e capaz de relacionamentos interpessoais. A deformidade normalmente não
destrói a humanidade da pessoa. Logo, o aborto artificial de um feto deformado, mesmo nos poucos casos
em que isto possa ser sabido com certeza de antemão, é tirar o que pode tornar-se uma vida plenamente
humana. Os defeituosos são humanos e têm o direito de viver. O aborto impede de antemão este direito.

APÊNDICE 5 - ABORTO: OS DOIS PONTOS CRUCIAIS

A legislação sobre o assunto


O artigo 128 do Código Penal brasileiro (que é de 1940) permite o aborto quando há risco de vida
para a mãe e quando a gravidez resulta de estupro. Porém, apenas sete hospitais no pais faziam o aborto
legal. Esse ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a
obrigatoriedade de o SUS (Sistema Único de Saúde) realizar o aborto nos termos da lei. O projeto, porém,
permite ao médico (não ao hospital) recusar-se a fazer o aborto, por razão de consciência – um
reconhecimento de que o assunto é polêmico e que envolve mais que procedimentos médicos mecânicos. Por
exemplo, o ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, disse ser contrário à lei e comparou aborto a um
assassinato. Além disto, médicos podem ter uma resistência natural, pela própria formação deles (obrigação
de lutar pela vida). “O juiz que autoriza o aborto é co-autor do crime. Isso fere o direito à vida”, disse o
desembargador José Geraldo Fonseca, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em entrevista ao jornal Estado de
São Paulo (22/09/97). Segundo ele, o artigo 128 do Código Penal não autoriza o aborto nesses casos, mas

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 44


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

apenas não prevê pena para quem o pratica. No momento, existem projetos de ampliar a lei, garantindo o
aborto também no caso de malformação do feto, com pouca possibilidade de vida após o parto.

O ensino bíblico
O assunto é particularmente agudo para os cristãos comprometidos com a Palavra de Deus. É
verdade que não há um preceito legal na Bíblia proibindo diretamente o aborto, como “Não abortarás”. Mas
a razão é clara. Era tão inconcebível que uma mulher israelita desejasse um aborto que não havia necessidade
de proibi-lo explicitamente na lei de Moisés. Crianças eram consideradas como um presente ou herança de
Deus (Gn 33.5; Sl 113.9; 127.3). Era Deus quem abria a madre e permitia a gravidez (Gn 29.33; 30.22; 1 Sm.
1.19-20). Não ter filhos era considerado uma maldição, já que o nome de família do marido não poderia ser
perpetuado (Dt 25.6; Rt 4.5). O aborto era algo tão contrário à mentalidade israelita que bastava um
mandamento genérico, “Não matarás” (Êx 20.13). Mas os tempos mudaram. A sociedade ocidental moderna
vê filhos como empecilho à concretização do sonho de realização pessoal do casal, da mulher em especial, de
ter uma boa posição financeira, de aproveitar a vida, de ter lazer, e de trabalhar. A Igreja, entretanto, deve
guiar-se pela Palavra de Deus, e não pela ética da sociedade onde está inserida.

A humanidade do feto
Há dois pontos cruciais em torno dos quais gira as questões éticas e morais relacionadas com o
aborto provocado. O primeiro é quanto à humanidade do feto. Esse ponto tem a ver com a resposta à
pergunta: quando é que, no processo de concepção, gestação e nascimento, o embrião se torna um ser
humano, uma pessoa, adquirindo assim o direito à vida? Muitos que são a favor do aborto argumentam que o
embrião (e depois o feto), só se torna um ser humano após determinado período de gestação, antes do qual
abortar não seria assassinato. Por exemplo, o aborto é permitido na Inglaterra até 7 meses de gestação.
Outros são mais radicais. Em 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos passou uma lei permitindo o aborto,
argumentando que uma criança não nascida não é uma pessoa no sentido pleno do termo, e portanto, não tem
direito constitucional à vida, liberdade e propriedades. Entretanto, muitos biólogos, geneticistas e médicos
concordam que a vida biológica inicia-se desde a concepção. As Escrituras confirmam este conceito
ensinando que Deus considera sagrada vida de crianças não nascidas. Veja, por exemplo, Êx 4.11; 21.21-25;
Jó 10.8-12; Sl 139.13-16; Jr. 1.5; Mt 1.18; e Lc 1.39-44. Apesar de algumas dessas passagens terem pontos
de difícil interpretação, não é difícil de ver que a Bíblia ensina que o corpo, a vida e as faculdades morais do
homem se originam simultaneamente na concepção.
Os Pais da Igreja, que vieram logo após os apóstolos, reconheceram esta verdade, como aparece
claramente nos escritos de Tertuliano, Jerônimo, Agostinho, Clemente de Alexandria e outros. No Império
Romano pagão, o aborto era praticado livremente, mas os cristãos se posicionaram contra a prática. Em 314
o concílio de Ancira (moderna Ankara) decretou que deveriam ser excluídos da ceia do Senhor durante 10
anos todos os que procurassem provocar o aborto ou fizesse drogas para provocá-lo. Anteriormente, o sínodo
de Elvira (305-306) havia excluído até a morte os que praticassem tais coisas. Assim, a evidência biológica e
bíblica é que crianças não nascidas são seres humanos, são pessoas, e que matá-las é assassinato.

A santidade da vida
O segundo ponto tem a ver com a santidade da vida. Ainda que as crianças fossem reconhecidas
como seres humanos, como pessoas, antes de nascer, ainda assim suas vidas estariam ameaçadas pelo aborto.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 45


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Vivemos em uma sociedade que perdeu o conceito da santidade da vida. O conceito bíblico de que o homem
é uma criatura especial, feito à imagem de Deus, diferente de todas as demais formas de vida, e que possui
uma alma imortal, tem sido substituído pelo conceito humanista do evolucionismo, que vê o homem
simplesmente como uma espécie a mais, o Homo sapiens, sem nada que realmente o faça distinto das demais
espécies. A vida humana perdeu seu valor. O direito à continuar existindo não é mais determinado pelo alto
valor que se dava ao homem por ser feito à imagem de Deus, mas por fatores financeiros, sociológicos e de
conveniência pessoal, geralmente utilitaristas e egoístas. Em São Paulo, por exemplo, um médico declarou
"Faço aborto com o mesmo respeito com que faço uma cesárea. É um procedimento tão ético como uma
cauterização". E perguntado se faria aborto em sua filha, respondeu: "Faria, se ela considerasse a gravidez
inoportuna por algum motivo. Eu mesmo já fiz sete abortos de namoradas minhas que não podiam sustentar
a gravidez" (A Folha de São Paulo, 29 de agosto de 1997).

Conclusão
Esses pontos devem ser encarados por todos os cristãos. Evidentemente, existem situações
complexas e difíceis, como no caso da gravidez de risco e do estupro. Meu ponto é que as soluções sempre
devem ser a favor da vida. C. Everett Koop, ex-cirurgião geral dos Estados Unidos, escreveu: “Nos meus 36
anos de cirurgia pediátrica, nunca vi um caso em que o aborto fosse a única saída para que a mãe
sobrevivesse”. Sua prática nestes casos raros era provocar o nascimento prematuro da criança e dar todas as
condições para sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, é preciso que a Igreja se compadeça e auxilie os
cristãos que se vêem diante deste terrível dilema. Condenação não irá substituir orientação, apoio e
acompanhamento. A dor, a revolta e o sofrimento de quem foi estuprada não se resolverá matando o ser
humano concebido em seu ventre. Por outro lado, a Igreja não pode simplesmente abandonar à sua sorte as
estupradas grávidas que resolvem ter a criança. É preciso apoio, acompanhamento e orientação.
Augustus Nicodemus Lopes é paraibano e pastor presbiteriano. É bacharel em teologia pelo
Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de
Potchefstroom (África do Sul) e doutor em Interpretação Bíblica pelo Westminster Theological Seminary
(EUA), com estudos no Seminário Reformado de Kampen (Holanda). Foi professor e diretor do Seminário
Presbiteriano do Norte (1985-1991), professor de exegese do Seminário JMC em São Paulo, professor de
Novo Testamento do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (1995-2001), pastor da
Primeira Igreja Presbiteriana do Recife (1989-1991) e pastor da Igreja Evangélica Suíça de São Paulo (1995-
2001). Atualmente é chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pastor auxiliar da Igreja
Presbiteriana de Santo Amaro. É autor de vários livros, entre eles O Que Você Precisa Saber Sobre Batalha
Espiritual (CEP), O Culto Espiritual (CEP), A Bíblia e Sua Família (CEP) e A Bíblia e Seus Intérpretes
(CEP). É casado com Minka Schalkwijk e tem quatro filhos – Hendrika, Samuel, David e Anna.
http://www.monergismo.com/textos/etica_crista/abordo_pontos_cruciais_nicodemus.htm

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 46


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

APÊNDICE 6 - ABORTO

Questionário
1. Se você conhecesse uma mulher que está na nona gravidez, dos oito filhos, três são surdos, dois são
cegos, um é retardado mental, e ainda, ela tem sífilis, o marido é alcoólatra e espanca os filhos com
grandes possibilidades de que este filho que ela espera seja também surdo, provavelmente setenta
por cento destes filhos vão morrer antes de completarem a idade adulta; você recomendaria que ela
fizesse um aborto?
( ) sim ( ) não

2. Quais são os tipos de aborto?

3. Quando o ser humano, no útero, passa ater alma e espírito?

4. Na sua opinião, qual deve ser a posição do cristão diante do aborto chamado natural?

5. Qual a penalidade para quem ferisse, ou ferisse e matasse o feto de uma mulher grávida no Antigo
Testamento?

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 47


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

CAPÍTULO VI
“A eutanásia é uma das mais importantes questões em debate hoje em dia. O fruto deste debate poderá
afetar profundamente as relações familiares, a relação médico-paciente, e os mais elementares princípios
éticos. As respostas a perguntas comuns que se seguem pretendem ser uma introdução a este assunto.”

Apresentamos uma adaptação de um texto da International Anti-Euthanasia Task Force.

6. Reflexões sobre Eutanásia e Suícidio

6.1 O que é a eutanásia?


A eutanásia é o ato de, invocando compaixão, matar intencionalmente uma pessoa.

A. Qual é a diferença entre a eutanásia e o suicídio assistido?


 Usa-se o termo eutanásia quando uma pessoa mata diretamente outra. Por exemplo, quando um
médico dá uma injecção letal a um paciente.
 Usa-se o termo suicídio assistido quando uma pessoa ajuda outra a matar-se a si própria. Por
exemplo, quando um médico prescreve um veneno, ou quando uma pessoa põe no paciente uma
máscara ligada a uma botija de monóxido de carbono e lhe dá instruções sobre como ligar o gás de
forma a morrer.

Hoje em dia, em geral, utiliza-se o termo eutanásia para designar tanto a eutanásia
propriamente dita como o suicídio assistido.

B. A eutanásia não é a garantia de uma morte digna?


“Morte com dignidade” tem sido um “slogan” muito usado pelos defensores da eutanásia,
mas não há nada de dignificante nos meios que advogam. Por exemplo, uma organização pró-eutanásia
distribuiu um panfleto que explicava como sufocar uma pessoa com um saco de plástico. Muitos dos
“sujeitos” - como ele lhes chama - de Jack Kevorkian [o “Doutor Morte”, o mais conhecido ativista e
praticante da eutanásia americano] foram gaseados até à morte com monóxido de carbono e alguns dos seus
corpos foram deixados em carros abandonados em parques de estacionamento. Qual é a dignidade de tais
atos?
A legalização da eutanásia não serviria para que os pacientes morressem pacificamente,
rodeados pelas suas famílias e médicos, em vez de serem sufocados por sacos de plástico ou gaseados com
monóxido de carbono?
Não. Os defensores da eutanásia muitas vezes dizem isso, mas não é verdade. Nos três
lugares onde foram aprovadas leis que permitem a eutanásia, ficou claro que a legalização apenas legitimiza
o uso dos sacos de plástico e do monóxido de carbono para matar pessoas vulneráveis.
Por exemplo:
1. Imediatamente após a aprovação da Medida 16, que legalizou a eutanásia no Estado americano do
Oregon, os seus apoiantes admitiram que esta permitia o tipo de “atividades” de Jack Kevorkian.
Também disseram que, quando são usados comprimidos para causar a morte, um saco de plástico
deve também ser usado para garantir que a morte de fato ocorre.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 48


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

2. Algo de semelhante aconteceu no Território do Norte, na Austrália, onde os defensores da eutanásia


pintaram o quadro de uma morte calma e pacífica do paciente, cercado pelos seus entes queridos.
Nas linhas de orientação para os médicos, escritas após a legalização (posteriormente anulada), foi
reconhecido que o uso de monóxido de carbono era permitido. Foi também recomendado que, caso a
morte fosse causada através de drogas, os membros da família fossem avisados de que podiam
querer sair do quarto, já que a morte podia ser desagradável (As injecções letais freqüentemente
causam convulsões violentas e espasmos musculares).
3. O Dr. Philip Nitschke, um dos maiores ativistas pró-eutanásia australianos, propôs um método de
eutanásia que usava um computador de forma a permitir ao médico sair do quarto antes do paciente
morrer.

6.2 Suicídio Assistido


As pessoas não deveriam ter o direito a cometer suicídio? As pessoas habitualmente têm o
poder de cometer suicídio. O suicídio e a tentativa de suicídio não são em geral criminalizados, como,
aliás, em Portugal.
Breve comparação:

O suicídio é um ato trágico de um indivíduo A eutanásia não é um ato privado


O suicídio significa permitir que uma pessoa pratique A eutanásia significa permitir que uma pessoa facilite
sua própria morte a morte à outra

A eutanásia não consiste em dar direitos à pessoa que morra, mas em alterar a lei e a prática
de forma a que os médicos, parentes e outros possam direta e intencionalmente acabar com a vida dessa
pessoa.
Esta alteração não daria direitos à pessoa que morre, mas à pessoa que mata. Por outras
palavras, a eutanásia não diz respeito ao "direito a morrer", mas sim ao direito a matar.
A eutanásia não estaria disponível apenas para doentes em estado terminal? Definitivamente,
não. Há dois problemas nessa questão: a definição de “terminal” e as alterações que já tiveram lugar e
que estenderam a eutanásia a doentes não terminais. Há muitas definições da palavra “terminal”.
Por exemplo:
 Quando falou no National Press Club em 1992, Jack Kevorkian definiu uma doença terminal
como “qualquer doença que encurte a vida nem que seja em um só dia”.
 Algumas leis definem condição “terminal” como aquela na qual a morte decorrerá “em
relativamente pouco tempo”.
 Outras declaram que “terminal” significa que a morte é esperada em seis meses ou menos.
Ora, mesmo quando uma esperança de vida definida (tal como seis meses) é referida, os
médicos reconhecem que é virtualmente impossível predizer a esperança de vida de um paciente. Além
disso, algumas pessoas a quem é diagnosticado uma doença terminal não morrem senão ao fim de anos,
se é que morrem da doença que foi diagnosticada.
No entanto, cada vez mais os defensores da eutanásia deixam cair a expressão "doença
terminal" e substituem-na por outras mais abrangentes como "doente sem esperança", "doente
desesperado", "doente incurável", "estado desesperado" e "vida sem sentido".

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 49


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

APÊNDICE 7 - EUTANÁSIA
“nas tuas mãos entrego o meu espírito; tu me remiste, SENHOR, Deus de verdade”.
Salmo 31.5

Introdução:
Mesmo que a maioria das correntes de pensamentos atribua valor à vida, o critério de valor difere
muito em cada uma dessas. Muitas contradizem o ensinamento da Palavra de Deus levando a decisões
meramente utilitárias quanto ao término da vida humana. Essa situação faz com que o servo de Deus
necessite basear suas convicções sobre a rejeição da eutanásia naquilo que a Bíblia nos revela sobre essa
questão fazendo-o assumir uma postura positiva na preservação da vida e no cuidado aos que sofrem.
Simplificadamente, definimos eutanásia como o esforço humano no sentido de apressar a morte
própria, ou a de um parente ou de alguém que está em sofrimento. Ela é apresentada pelos defensores como
sendo uma extensão dos direitos humanos, no sentido de que cada um deveria ter o direito a decidir sobre a
própria vida. O assunto, entretanto, transcende o suposto direito ao suicídio, pois postula o direito de alguém
decidir sobre a vida de outro, baseado em uma condição arbitrária e intangível – a existência ou não de
qualidade naquela vida a ser terminada.
Quando tratamos de eutanásia, não estamos falando de pena de morte, que é a execução de uma
sentença punitiva, retributiva, procedente de um tribunal legalmente estabelecido e seguindo procedimentos
uniformes. É verdade que a pena de morte envolve a decisão sobre a vida de outros, mas eutanásia baseia-se
na aferição subjetiva da vida que deveria ser terminada, examinando-se se ela perdeu o sentido, a qualidade
ou o seu propósito.
Normalmente a maioria dos argumentos, tanto dos oponentes como dos defensores da eutanásia é
baseada apenas na experiência e nos relatos de casos:
a. Os proponentes da eutanásia, apresentarão uma experiência após outra de dor, sofrimento, despesas
indevidas, que sacrificaram os vivos e sãos, somente para resultar na inevitável morte.
b. Aqueles que se colocam contra a eutanásia, desfilam experiência após outra de casos aparentemente
perdidos, de pessoas que se encontravam em extremo sofrimento e que só aguardavam (ansiosamente) a
morte, para depois se recuperarem e viverem vidas produtivas e, principalmente, abençoadas para vários com
quem mantiveram contato.
Reconhecemos que sensibilidade e entendimento provêm da experiência, mas o cristão tem por dever
procurar sua postura ética e firmar a sua reação perante os problemas existenciais que a sociedade lhe aponta,
como resultado de um desejo intenso e sincero de conhecer o que a Palavra de Deus fala, indica ou infere
sobre o assunto. O que terá a Bíblia a dizer sobre a Eutanásia? Encontramos casos de término abreviado ou
induzido da vida, aprovados por Deus? O que terá a Palavra de Deus a nos ensinar sobre esse assunto?
Questões sobre a eutanásia são bastante complexas e não poderiam ser examinadas em todos os
detalhes nesse espaço nem respondermos a todas. Gostaríamos, entretanto, de levantar alguns princípios
bíblicos que podem nortear a nossa discussão e firmar nossas convicções.

1. A Relevância do Debate sobre a Eutanásia


Eutanásia é um assunto que vem recebendo cada vez mais atenção em todo o mundo. Você sabia que
existe uma organização mundial chamada ERGO (Euthanasia Research & Guidance Organization --
Organização de Pesquisa e Direcionamento sobre a Eutanásia), que publica seus anúncios e trabalhos na

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 50


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

Internet? Na realidade, existem tantas organizações defensoras da Eutanásia, que elas se estruturaram em
uma federação mundial (a World Federation of Right to Die Societies, ou Federação Mundial das Sociedades
do Direito à Morte). Nos Estados Unidos, o estado do Oregon promulgou uma legislação que permitia a
eutanásia, em 1987, chamado de Ato de Morte com Dignidade. Esta lei foi, posteriormente, em 1994 e 1997,
submetida a dois plebiscitos, que a repeliram. Vários estados, dos Estados Unidos, possuem atos legislativos
que estão presentemente sendo questionados na Corte Suprema daquele país, equivalente ao nosso Superior
Tribunal Federal. Na Austrália, o território do Norte emitiu legislação permitindo a eutanásia, em 1995. Essa
lei foi, em 1997, repelida pelo Parlamento Federal Australiano. Em paralelo a tudo isso, provavelmente todos
já acompanharam as notícias contemporâneas sobre o trabalho do médico norte-americano, Dr. Jack
Kevorkian, inventor da máquina do suicídio, que auxiliou pessoalmente várias pessoas a encontrarem a
morte. Este médico, presentemente, responde a vários processos criminais, em função de suas ações em favor
da eutanásia.

2. O Valor da Vida.
O humanismo secular reconhece valor à vida, mas atribui a essa uma qualidade que é circunstancial
(dependente das circunstâncias). Nesse sentido, a aferição subjetiva da qualidade de vida é determinante no
julgamento se esta vida deve ser terminada ou não. A visão bíblica apresenta o valor da vida, como uma
questão inerente ao fato de que ela é um dom de Deus. A própria criação da vida humana representa o ápice
do trabalho criativo de Deus (Gn 1.26) e é chamado na Bíblia como sendo a “coroa da Criação”. Como o
homem foi criado à imagem e semelhança de Deus o seu valor não se desvanece.
A visão humanista identifica sofrimento como sendo um fator que diminui essa “qualidade” de vida,
chegando a legitimar o término dessa, quer voluntariamente, quer pelo arbítrio ou determinação de outro,
como, por exemplo, a de um parente próximo.
A visão bíblica, além de atribuir valor intrínseco à vida, e não circunstancial, possui outra visão do
sofrimento. Ela reconhece que sofrimento não é algo desejável e pode diminuir o nosso desfrutar imediato
desta vida, numa visão meramente temporal, como registra Paulo em 1 Co 1.8, “...a tribulação que nos
sobreveio... foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida”. O sofrimento
também pode ocorrer como resultado direto do pecado (Tg 4.8-9), mas, em várias ocasiões, ocorre dentro
dos propósitos insondáveis de Deus, com a finalidade didática de nos ensinar alguma coisa. Nesse sentido,
paradoxalmente, em vez de retirar qualidade da vida, pode adicionar qualidade real. O sofrimento pode fazer
com que nos acheguemos e dependamos mais de Deus e capacitar, tanto ao que sofre como aos que dele
precisam cuidar, ao aprendizado de lições preciosas para o crescimento conjunto dos fiéis, como ensina 2 Cr
1.3 e 4, que diz: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de
toda a consolação, que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que
estiverem em alguma tribulação, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus”. Com
essa visão, pensando nos resultados benéficos, podemos até nos gloriar nas tribulações (Rm. 5.3-4).
Paulo também nos escreve que “aprendeu o segredo de estar contente em qualquer e toda situação”
(Fl. 4.12). Não podemos confundir o direito de procurar a felicidade (dádiva de Deus aos homens), com o
direito inexistente de se obter felicidade (prerrogativa da soberania de Deus). Ou seja, a ausência de
felicidade aparente e temporal não diminui a qualidade de vida e não nos dá nenhuma prerrogativa sobre a
decisão de vida ou morte, nossa e de outros, como defendem os proponentes da eutanásia.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 51


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

3. Uma visão errada da morte.


Os proponentes da eutanásia olham a morte como uma “libertação” do sofrimento, mas possuem
uma visão distorcida da existência, pois não consideram:
 Que a morte é algo não natural, ou seja, é fruto do pecado e sobrevem ao homem em função da
queda (Rm. 5.12).
 Que a morte dos justificados por Deus, pelo trabalho de Cristo Jesus, é “preciosa aos olhos do
Senhor” (Sl 116.12) porque por ela já se encontrarão com o seu criador, mas em nenhuma passagem
há aprovação para que essa morte seja apressada ou para que a vida seja terminada arbitrariamente,
essa morte ocorre no seio da providência divina.
 Que a morte dos ímpios, longe de ser liberação de sofrimento, é o início do sofrimento eterno maior
(Hb 9.27 e 10.31).
Qualquer compreensão meramente utilitária da vida e da morte, que não leve em consideração o
fator “pecado” e o trabalho de redenção do nosso Senhor Jesus Cristo, não pode ser abraçado ou defendido
pelo crente, pois fugirá aos ensinamentos da Palavra de Deus, nossa única regra de fé e de prática.

4. A Eutanásia e o Aborto.
Aqueles que defendem a eutanásia não gostam de classificar o aborto como tal, mas existe muita
semelhança, porque o aborto, como está sendo amplamente praticado em vários países do mundo ocidental, é
o término de uma vida humana, baseado numa decisão utilitária de outra pessoa. Também diz-se que o feto
não possui ainda “qualidade de vida”. Podemos ver, assim, a semelhança da argumentação com a defesa da
eutanásia. Não é nosso propósito tratar do aborto, mas esse é claramente contrário à palavra de Deus, que se
refere ao feto como uma pessoa em vário trechos (ex.: Salmo 51.5; Lucas 1.41).

5. Qual Seria o Padrão Para Determinar o Término da Vida?


Os que defendem o término prematuro da vida dizem que a definição de interrupção da vida não é
aleatória, mas segue certas regras pré-estabelecidas. Por elas o julgamento seria exercitado. Mas essas regras,
quando examinadas, mostram-se subjetivas e realmente aleatórias. Por exemplo, os defensores do aborto
dizem que o padrão de julgamento para sua execução é unicamente a mera vontade da mãe: “a mulher é dona
de seu próprio corpo...”, dizem e se a gravidez não tiver sido desejada a vida pode ser terminada. Nos abortos
chamados de “terapêuticos” os pontos a considerar são a possibilidade de morte da mãe e a possibilidade de
problemas físicos ou mentais, do bebê a nascer. É fácil de ver que assim que abrimos portas começamos a
atravessar barreiras éticas estabelecidas pela Palavra de Deus e a tomar decisões egoístas, que não nos
competem e que fogem à nossa capacidade de conhecimento. Se as definições nesse campo forem
meramente práticas podemos, com facilidade, cair no que ocorre na Índia onde o aborto é praticado, ainda
que ilegalmente, como base de seleção do sexo da criança. Semelhante definição é encontrada em muitas
tribos de índios, que matam o primeiro recém-nascido se for do sexo feminino (a antiga prática da tribo Dâw,
no norte do Amazonas, por exemplo, é a de deixar o primeiro recém-nascido, se do sexo feminino, ao relento
para morrer por falta de cuidado).
Será que o padrão de término de uma vida pode ser assim subjetivamente estabelecido? Ele poderia
ser dependente apenas da cabeça e das conclusões de cada um? Se esse padrão, ou essa maneira de gerarmos
padrões, for aceita, o que impedirá de partirmos da eutanásia e aborto voluntário para a eutanásia e aborto
imposto? O que impedirá que as pessoas virem vítimas, não apenas de seus próprios pecados e decisões

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 52


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

erradas próprias, mas também de políticas populacionais, sociais, ou raciais, estabelecidos por um organismo
maior – governamental ou eclesiástico? Vamos passar a defender o aborto obrigatório para diminuir os
bolsões de pobreza? Não podemos esquecer o que já aconteceu na história. Na Alemanha Nazista do III
Reich havia uma expressão: leibensunwertes Leben – “a vida que não vale a vida”. Com esse moto
justificou-se o genocídio e a matança de judeus, ciganos e pessoas aleijadas, pois a vida deles não “valia a
pena ser vivida”. Hoje em dia vemos a nossa sociedade usurpar o lugar de Deus e procurar passar a
determinar sobre quem deve ou pode morrer, fugindo totalmente aos padrões estabelecidos por Deus, em Sua
Palavra.

6. Alguns Pontos Essenciais a Lembrar.


No meio desse debate, vamos nos lembrar desses seguintes pontos essenciais que nos são ensinados
na Bíblia:
a. A vida é uma dádiva preciosa de Deus (Gen 1.20-25).
b. A vida humana é especialmente preciosa, porque Deus fez o homem à sua imagem e semelhança.
Devemos portanto preservá-la e não tirá-la (Gen. 1.26 e 9.5-6).
c. A morte não é o fim e nem uma fuga em si ao sofrimento, mas ela é o resultado do pecado (Rom. 6.23).
d. Muitas vezes ela ocorre com sofrimento e dor, nos propósitos insondáveis de Deus, como tribulação e
dor podem ocorrer sem relacionamento direto com a morte (2 Cor. 4.8-10).
e. Esse sofrimento nem sempre é uma conseqüência direta do pecado (João 9.3), mas ocorre para que Deus
seja glorificado.
f. O destemor da morte é uma característica do servo de Deus (Fil. 1.21).
g. É verdade que servos de Deus muitas vezes expressaram o desejo de morrer antes do tempo
apontado por Deus, buscando encontrá-lo (Fil. 1.23), mas submeteram-se à vontade de Deus em suas
vidas, sendo o exemplo maior o do nosso Senhor Jesus Cristo (Mat. 26.39).
h. O homem é limitado em sua perspectiva e não pode definir os seus passos pelos resultados que
espera (pragmatismo) pois esses não lhe são conhecidos (Mat. 26.29).
Os padrões éticos do crente são encontrados na Palavra de Deus e nela achamos todo o incentivo para
valorizarmos a vida e nos empenharmos em preservá-la, suportando as tribulações com paciência e
perseverança, para a Glória de Deus.

Conclusão
Como dissemos no início, eutanásia é um assunto complexo e nem todas as questões podem ser
respondidas. Nossas experiências variam, mas as Escrituras fornecem uma âncora às decisões individuais
que devem ser tomadas com a consciência tranqüila perante Deus. Os princípios são claros e devem ser
observados, mas a aplicação específica nem sempre é tão evidente ou fácil. A maioria de nós terá que tomar
decisões, cedo ou tarde, sobre o cuidado de nossos amados que podem se achar em situação de prolongado
sofrimento. Outros trabalham em hospitais superlotados e mal equipados onde as possibilidades para salvar
vidas são limitadas e escolhas são feitas a cada dia – quem deve ser salvo? Qual o caso mais grave? Quem
melhor “potencial” de vida? Quem tem “pior qualidade” de vida? Como decidir o que não conhecemos?
Podemos até nos encontrar em uma situação na qual seremos participantes involuntários das decisões de
outras pessoas de maior autoridade.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 53


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

É importante sabermos que não nos compete tomar a vida, mas temos, sim, o dever de preservá-la.
Temos que nos lembrar que Deus ama aos Seus e está ciente dos seus sofrimentos e das suas dores. Ele pode
nos sustentar e nas ocasiões em que tivermos de tomar decisões, vamos buscar a sua presença em oração, e,
com a Palavra de Deus na mão, aplicar os Seus princípios.
Pb. Solano Portella
http://www.solanoportela.net/artigos/eutanasia.htm

APÊNDICE 8 - EUTANÁSIA

Um artigo numa revista científica intitulado “Suicídio e Comportamentos que põem a Vida em
Risco” descrevia orientações para o suicídio assistido de pessoas em “estado desesperado”. Este “estado” foi
definido como incluindo doença terminal, dor física ou psíquica intensa, debilidade ou deterioração física ou
psíquica, ou qualidade de vida já não aceitável para o indivíduo. Isso inclui, evidentemente, o estado de
qualquer pessoa com um impulso suicida. Num discurso à American Psychiatric Association (Associação
Psiquiátrica Americana) em Maio de 1996, George Delury (que em 1995 ajudou a sua mulher com esclerose
múltipla a morrer) sugeriu que “as pessoas desenganadas ou com mais de 60 anos são candidatas a uma
licença para morrer” e que essa licença deveria ser dada sem necessidade de exame médico.
É também necessário referir que, pelo menos nos E.U.A., é permitida a eutanásia de recém-nascidos
deficientes (sentença “Bowen vs American Hospital Association” de 1986).
1. A eutanásia não seria só a pedido do paciente, não seria sempre voluntária?
Não. Um dos principais argumentos dos defensores da eutanásia é a de que esta deveria ser
considerada “tratamento médico”. Se se aceita essa idéia de que a eutanásia é algo de bom, então não só será
desapropriado mas discriminatório negar esse “bem” a uma pessoa com base em que a pessoa é muito nova
ou mentalmente incapaz de fazer esse pedido.
De fato, para efeitos legais, a decisão de um representante é geralmente tratada como se tivesse sido
tomada pelo próprio paciente. Isso significa que crianças e pessoas que não podem tomar as suas próprias
decisões podem ser sujeitas a eutanásia.
Suponhamos no entanto, que não fosse admitida a opção de morte tomada por um representante. O
problema de quão livre é um pedido de morrer continua em aberto.
Se a eutanásia for aceita, quer legalmente quer apenas em termos práticos, um certo grau de coerção,
mesmo que involuntária, é inevitável. O caso da Holanda é muito claro: quando se aceita a eutanásia
voluntária, a involuntária segue-se como conseqüência inevitável (ver artigo sobre a eutanásia na Holanda
neste número).

2. A eutanásia não se poderia tornar num meio para conter os custos dos sistemas de saúde?
Nos últimos anos a preocupação com os custos dos sistemas de saúde tem sido crescente. Em tal
clima, a eutanásia pode aparecer como um meio de contenção de custos.
Por exemplo, imediatamente após a aprovação da Medida 16 do Oregon, o diretor estadual da
Medicaid, Jean Thorne, anunciou que o suicídio assistido seria pago como “cuidado de conforto” no Plano
de Saúde do Oregon, que fornece cobertura médica a cerca de 345 mil habitantes desse estado. Dezoito

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 54


Apostila Ética Cristã
Milas Aldrin Alves

meses depois da aprovação dessa lei, o Estado anunciou planos de cortar a cobertura dos cuidados de saúde
dos pobres aí residentes.

3. Se a morte é inevitável, a pessoa que está a morrer não tem o direito a cometer suicídio?
É importante perceber que o suicídio de uma pessoa a quem foi diagnosticada uma doença terminal
não é diferente do de uma pessoa que não é considerada doente terminal. A depressão, conflitos familiares,
sentimentos de abandono, desespero, etc conduzem ao suicídio, independentemente do estado de saúde da
pessoa.
Diversos estudos mostram que se a dor e a depressão são tratadas de forma adequada num doente
terminal - da mesma forma que o seriam num suicida não terminal - o desejo de cometer suicídio desvanece-
se. O suicídio dos doentes terminais, como o suicídio entre a população em geral, é um acontecimento
trágico que mata as vítimas e deixa sobreviventes arrasados.

4. A eutanásia não é por vezes a única forma de aliviar uma dor insuportável?
Pelo contrário. Os ativistas da eutanásia exploram o medo natural que as pessoas têm do sofrimento e
da morte, e muitas vezes concluem que quando a cura é improvável só há duas alternativas: eutanásia ou dor
insuportável. Por exemplo, um funcionário da organização pró-eutanásia “Escolha na Morte”, disse que
recusar a liberalização da eutanásia “seria, de fato, abandonar o paciente a uma morte horrível”.
Uma afirmação irresponsável como essa esquece que virtualmente qualquer dor pode ser eliminada
e, nos casos raros em que não pode ser eliminada, pode ser muito reduzida desde que tratada adequadamente.
É um escândalo que haja tanta gente que não receba tratamento adequado da dor. Mas matar não é a resposta
para esse escândalo. A solução é melhorar a formação dos profissionais de saúde nessa área, melhorar o
acesso aos serviços de saúde, e informar os pacientes sobre os seus direitos como consumidores.

5. Já que o suicídio não é criminalizado, porque é que deve ser ilegal ajudar alguém a cometer
suicídio?
Nem o suicídio nem a tentativa de suicídio são criminalizados em Portugal, nos E.U.A. ou em muitos
outros países, mas não por causa de um “direito” ao suicídio. O suicídio não é penalizado por motivo
evidente: o suicida morre e, por isso, não pode ser punido. A tentativa de suicídio deixou de ser penalizada
para facilitar que as pessoas que a cometem possam recorrer a ajuda antes de a morte chegar e também
porque não há necessidade de penalizar quem já sofre com um mal que a leva a dar esse passo. A lei
portuguesa pune, apenas, quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim.

6. Onde é que a eutanásia é legal?


Até há alguns meses o Estado americano do Oregon tinha a única lei no Mundo que permitia
explicitamente a um médico prescrever drogas letais com vista a terminar a vida do paciente, ou seja,
suicídio assistido. Na Holanda, a eutanásia é muito praticada desde há muitos anos, mas só há uns meses foi
legalizada. Essa lei entrou em vigor no dia 1 de Abril de 2002.
Em 1995 o Território do Norte australiano aprovou a eutanásia. Essa lei entrou em vigor em 1996,
mas foi anulada passados poucos meses por uma decisão do Parlamento australiano.
http://go.to/juntospelavida
Adaptado de Vários Autores, “Eutanásia”, Ed. São Paulo, Lisboa, 1994.

Faculdade Teológica A.B.E.C.A.R. 55

También podría gustarte