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S obreviver não é apenas um direito, é uma obrigação. Dentro dos mais estritos
limites, sob todas as pressões, até mesmo em face das mais humilhantes
concessões, é fundamental sobreviver. Amanhã é um dia novo, ninguém sabe o
que a história nos reserva, a felicidade pode estar na esquina, a solução a um
passo e, quando você pensa que não pode mais, ainda pode muito. E é melhor ter
mau hálito do que não ter hálito nenhum.
CONVERSA COM WALTER GONÇALVES, ODONTOLOGISTA. 1970
T emos que ser realistas e humanos com relação à situação presidiária do país.
Realistas para declarar que possuímos um dos piores sistemas penitenciários
do mundo. Humanos para tentar melhorá-lo A reforma do nosso sistema
carcerário teria efeitos revolucionários. Acredito mesmo que o péssimo estado
de muitas de nossas prisões é o que as impede de serem ocupadas por algumas
pessoas de nossa melhor sociedade.
CONVERSA COM DIDU DE SOUZA CAMPOS (HOMEM DO SOCIETY QUE, COM TEREZA DE SOUZA CAMPOS, FORMOU O
CASAL 20). 1959
E preciso lutarmos até por leis menores, como, por exemplo, uma que permita
às pessoas mudarem seus nomes aos 18 ou aos 21 anos. Às vezes as pessoas
têm que carregar, a vida inteira, um nome idiota dado por um pai idiota, apenas
porque a lei idiota não lhe permite o direito de escolha. Outras vezes a pessoa,
por ser idiota, acha seu nome admiravelmente brasileiro (João, por exemplo)
ridículo e prefere um nome brasileiramente ridículo (Washington, por exemplo).
Tem de tudo. Eu, que sempre me antecipei às leis, mudei meu nome de Milton
para Millôr aos 18 anos. E estou pensando em mudá-lo novamente para Bulbo
Raquidiano.
CONVERSA COM ESTERÔNIO VALVULAR DE ANDRADE, CHEFE DOS CONTÍNUOS DA CPI. 1965
S ou apenas um jornalista que trabalha para ganhar a vida. Sou melhor do que
a maioria, o que não é difícil, e inferior a muitos, muitos mesmo. Não há
dentro de mim nenhum sentimento de superioridade quanto aos primeiros, nem
de competição quanto aos outros. Minha vida não passa pela competição. Sou
um dos inventores do frescobol – o único esporte com espírito esportivo. Até
hoje ninguém inventou nesse jogo aposta ou ganhadores. Em volta de mim,
amados amigos, também ninguém ganha ou perde. Vive.
DECLARAÇÃO A CHICO-FIM-DE-NOITE, COMPOSITOR DA BOSSA NOVA. NUM FIM DE NOITE EM COPACABANA. 1989
Educacao e deseducacao
O s mapas das Geografias, por medidas também econômicas, não devem ter
cores, pois ninguém ignora, hoje, que as cores dos mapas são artificiosas e
inúteis. Quando uma criança cresce pode ter a decepção que tive a primeira vez
que cheguei a Buenos Aires e descobri que a Argentina não era cor-de-laranja.
JANTANDO COM JOSÉ CANOSA MIGUEZ, ARQUITETO. 1998
C omo é que se pode confiar na cultura ocidental se, autoritária na sua
imposição de dogmas místicos e, paradoxalmente, também racionalistas,
com nossas escolas teimando em aferir cultura e conhecimento por meio de
pontos, ainda assim continuamos a chamar o 9º, o 10º, o 11º e o 12º meses do
ano de SETembro, OUTubro, NOVembro e DEZembro?
DIÁLOGO COM JOÃO BETHENCOURT, ESCRITOR, DRAMATURGO. 1967
P ara que só sejam editados livros úteis e os editores não sofram pressões
indevidas, de vaidades menores, os direitos autorais serão pagos pelo autor
ao editor, na proporção das vendas ou não-vendas. O dinheiro assim apurado
deverá ser entregue a uma instituição de deseducação, encarregada de tirar da
cabeça de pessoas, formadas em várias especialidades, as noções erradas de tudo
que aprenderam.
ACERTO COM ZUENIR VENTURA, JORNALISTA, AGITADOR SOCIAL. 1979
T entar “formar” o caráter de uma criança é a única violência que não tem
perdão e merece a pena de morte.
CONVERSA COM SEIXAS DÓRIA, POLÍTICO SERGIPANO. 1970
U m idiota lê um livro pelo seu título e pelos seus autores, nunca pelas suas
idéias. Olha os quadros pelo seu valor econômico e não pela possível beleza
e importância social que eles contêm. Estima a ciência pelo que ela tem de
reacionário e prepotente. Daí a ser considerado um homem de grande cultura é
um passo.
CONVERSA COM NOEL NUTELS, MÉDICO, INDIANISTA. 1970
A frase mens sana in corpore sano é uma redundância e, como tal, inútil. Não
há corpo são sem mente sã, e vice-versa.
DIÁLOGO COM LEO GILSON RIBEIRO, ESCRITOR, CRÍTICO LITERÁRIO. 1972
O s homens são sábios, não pelo que lhes ensinam, mas por sua capacidade de
negar o que lhes ensinam.
CONVERSA COM BAPTISTA-BASTOS, JORNALISTA E ROMANCISTA PORTUGUÊS. 1973
T odo tempo de opressão é tempo de grandes sutilezas. Hoje você pode dizer
sem medo que “Nero tocava violino enquanto Roma pegava fogo.” Mas, na
época do fato, se noticiava apenas que: “Personalidade romana colocada na mais
alta cúpula, já famosa por ter, anteriormente, encurtado os dias de sua
progenitora, foi vista praticando uma sonata ao violino enquanto a capital do seu
país ardia numa conflagração sem igual”. Há muito que aprender com a história
em matéria de calar a boca.
CONVERSA COM TARIK DE SOUZA, POETA, CRÍTICO MUSICAL. 1971
O que levou todo mundo a confundir Genaro Hermano com Gênero Humano
complicou-se ainda mais com os meios de comunicação. A mídia, em mãos
impróprias, colocou o cidadão comum na angústia definitiva de não conseguir
decidir se um açougueiro branco que vende carne verde a um freguês preto é
pior ou melhor do que um russo branco que vende caviar vermelho no mercado
negro.
A POLUIÇÃO SEMÂNTICA, CONVERSA COM RICARDO CRAVO ALBIN, JORNALISTA, MUSICÓLOGO, AGITADOR SOCIAL.
1968
O terror do século é a apropriação dos termos por uma mídia que não sabe,
ela própria, o que está dizendo. Uma semântica desvairada aterroriza o
homem comum que, ao ler o jornal diariamente, encontra ali palavras que não
existiam ontem e vão se tornar moda, ou serão esquecidas, amanhã. Essas
palavras, se tomadas em seu significado exato e preciso, não têm sentido no uso
diário. Se tomadas no significado que adquiriram quando popularizadas, passam
a ser aterrorizantes, acenando para o homem comum com um mundo que ele não
compreende e muito menos quer. Daí o pânico geral. Daí vivermos no mundo
ideal para os psicanalistas.
CONVERSA COM LUÍS ALBERTO BAHIA, JORNALISTA. 1971
N unca conheci ninguém que falasse duas línguas. Cada palavra, nuança ou
ritmia que se aprende numa língua, se perde na outra. Além disso “falar
bem uma língua estrangeira é demonstração de absoluta falta de caráter”, no
mais amplo sentido da palavra. Como dizia Shaw: “Nenhum homem realmente
capaz em sua própria língua se interessa em dominar outra”.
CONVERSA COM MAURÍCIO ROBERTO, ARQUITETO. 1973
S e cada país tem que ter a sua imagem nacional, a efígie brasileira deveria ser
a do jogador de porrinha, posto em todas as praças vestindo a camisa do
Flamengo, o braço estendido, a mão fechada. Uma figura mais estranha do que a
Esfinge porque, feita de mármore do Paraná, jamais abriria a mão. Ninguém
jamais saberia quantos pauzinhos teria o herói nacional.
SUGESTÃO PARA JOÃO UBALDO RIBEIRO, JORNALISTA, ROMANCISTA. 1962
A língua (o povo) tem suas próprias razões, que ninguém jamais poderá
pesquisar. Quase todas as palavras em Português terminadas em eca tendem
ao ridículo: beca, breca, burreca, camoeca, careca, caneca, cueca, jaleca,
marreca, meleca, muleca, munheca, panqueca, peteca, rebeca, sapeca. Vá lá
alguém explicar. E tem gente que explica.
PAPO COM B. PIROPO, JORNALISTA, ENGENHEIRO, TÉCNICO E TEÓRICO DE INFORMÁTICA. 1956
A palavra foi sempre usada como mágica. Começou no começo, com o Fiat
Lux!. Passou pelos mandamentos do Sinai, fez o poder dos sacerdotes do
Egito, atravessou os séculos na semântica de todas as religiões, igrejas,
maçonarias, mãos negras. Como código secreto controlou parte substancial da
política da segunda guerra mundial, foi, e é, alicerce e mistério do poder
judiciário. E domina o mundo de nossos dias com a informática, cada vez mais
desnecessariamente complexa, erigindo e exaltando novos pajés, que enganam
os trouxas e obriga-os a consumir tudo quanto é amuleto – up-grade – vendido
nas catedrais da Sancta Theknológias.
ADVERTÊNCIA A ROSENTAL CALMON ALVES, JORNALISTA, REPÓRTER POLÍTICO, PROFESSOR & KNIGHT CHAIR IN
JOURNALISM , UNIVERSIDADE DO TEXAS. 1987
Metodos de ação. Trabalho
P ela primeira vez vejo um país, o Chile, experimentando na prática uma velha
proposta minha, que considero a melhor possibilidade de solução dos
problemas sociais: um capitalismo dirigido por socialistas. Ou vice-versa.
MÉTODOS. 1967
s vezes você busca soluções complexas e técnicas para problemas que podem ser
resolvidos de maneira bem simples. Por exemplo: se você aperta a barriga à
A altura do fígado e sente dor, em vez de procurar médicos e se submeter a
tratamentos complicadíssimos, o mais sábio é, simplesmente, deixar de apertar.
SOLUCIONÁTICAS. CONVERSA COM MÔNICA SILVEIRA. EMPRESÁRIA, ARTICULADORA SOCIAL, BELA MULHER
CARIOCA . 1969
C andidate-se. Por mais idiota que você seja sempre haverá um número
suficiente de idiotas maiores do que você para acreditar que você não o é.
CONSELHO A UM CANDIDATO. 1958
A medida de cada um não é a mesma e isso deve ser levado sempre em conta
na ação humana, onde, mais do que em qualquer outra ciência, quem pode
o mais pode o menos mas a recíproca não é verdadeira. Todo sábio, de vez em
quando, banca o idiota. Mas quando o idiota quer bancar o sábio só consegue
ficar mais idiota.
EXPLICAÇÃO PARA NELMA, SECRETÁRIA E NUME TUTELAR DO PASQUIM, JORNAL CARIOCA DOS ANOS 70. NO
AEROPORTO SANTOS DUMONT. 1972
D e modo geral a cada eleitor cabe um voto. Esse voto pode ser contra, a favor
ou muito pelo contrário. Um eleitor dando mais de um voto a um candidato
se chama voto qualitativo. Também se pode chamar fraude. Um candidato
aceitando mais de um voto de cada eleitor é um eleito.
TÉCNICAS DE PODER. CONVERSA COM FERNANDO PEDREIRA, JORNALISTA, EMBAIXADOR. 1967
A originalidade é a marca do gênio. Mas, para quem não pode almejar tanto, o
cultivo do lugar comum bem aplicado, do provérbio usado em boa hora,
também ajuda muito e, às vezes, até substitui o talento real. E, convém lembrar,
o domínio do óbvio está ao alcance de qualquer um.
LIÇÕES DE COISAS. 1959
VOLTOU . 1971
E preciso muita fé no ser humano para não acreditar na sua absoluta
incapacidade de se autogovernar. Pelo número de ditaduras que existiram e
existem no mundo, conclui-se que a suprema aspiração popular é a liberdade de
não ter que decidir coisa nenhuma.
MÉTODOS DE TRABALHO. 1955
S ó há uma coisa que a vida ensina: a vida nada ensina. Alguém precisa
aprender mais do que isso no ato de viver?
CONVERSA COM MARCO AURÉLIO DE MOURA MATOS, JORNALISTA E ESCRITOR MINEIRO. 1969
O mundo tem muitos canalhas mas, felizmente, estão todos nas outras mesas.
CONVERSA NO BAR VELOSO, COM TOM JOBIM, MÚSICO. 1962
V ocês devem estar bem lembrados de que, no meio do ano, quando quase
toda a população se queixava do frio violento, previmos a vinda de
dezembro assim que acabasse novembro, a entrada daquele mês trazendo
consigo, fatalmente, o verão. Avançamos mais ainda e previmos que em
dezembro deveria findar o ano de 1969, coisa que ninguém pode negar agora que
já estamos em janeiro de 1970.
RIDÍCULO DOS ORADORES RETÓRICOS. TESE PARA ANTÔNIO HOUAISS. 1970
S anto Agostinho disse que todos os pecados que ele cometeu foram
imediatamente punidos por Deus, na medida em que “toda perturbação da
alma é sua própria punição”. Mas Agostinho também disse, e com mais
sabedoria prática: “É preciso um mínimo de bens materiais para exercer as
virtudes do espírito”. Socialismo? Parece. Isso antes, muito antes de Proudhon
dizer que “toda propriedade é um roubo” e Shaw acrescentar que “todo lucro é
um roubo”, gritando ainda “Horace Halger morreu chorando pelo pobre. Eu
morrerei denunciando a pobreza”.
PAPO COM CHICO CARUSO, JORNALISTA, DESENHISTA, SHOW -MAN. 1990
O voto não resolve nada. A ausência do voto destrói tudo. O direito divino é
uma hipocrisia. O poder pela força é uma violência. O problema político
continua em aberto.
CONVERSA COM EDSON SILVA, ATOR. 1960
E claro que você deve ter a coragem das suas convicções e enfrentar as coisas
cara a cara e – desde que, naturalmente, não vá contra seus próprios e
inerradicáveis interesses, desde que, é óbvio, respeite fundamentalmente a
família (a sua e também a dos outros, é evidente, sem deixar de respeitar a
institucional, naturalmente), desde que observe que a verdade não pode estar
toda do seu lado e que o outro lado também tem sua parcela, desde que suas
idéias sejam sempre sadias e patrióticas e que você observe à risca os estatutos
vigentes, os decálogos em curso, as apostilas recomendadas, as orientações
gerais sobre aquilo em que é permitido opinar, as bases do que é respeitável
moral e civicamente, os exemplos de cima, até onde se pode chegar dentro do
sistema, até onde vão suas responsabilidades na sociedade em que se vive, não
fugindo também, o que é compreensível, das normativas propostas e
estabelecidas, evitando cair em erros ideológicos fundamentais, respeitando os
inúmeros estatutos parciais ou locais e jamais desrespeitando as bases em que
estão assentados os nossos princípios de povo e de nação assim como nossos
usos e costumes –, pode exteriorizar toda sua convicção e dizer tudo o que
pensa, contar tudo o que sabe, com coragem e destemor, doa a quem doer. Você
deve apenas tomar o cuidado, que acreditamos perfeitamente válido, de declarar,
antes de mais nada, a fim de não ferir susceptibilidades, que qualquer
semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência e que tudo, é
evidente, se passa em outra época e num país imaginário.
ORAÇÃO AOS JOVENS. CONVERSA COM O FOTÓGRAFO FRANCÊS JEAN MANZON, MUITO JOVEM ENTÃO. 1969
1 O ministro deve, a todo momento, ser encorajado na sua crença de que dirige
o Ministério. 2) A infalibilidade do ministro deve ser reafirmada em todas as
ocasiões. 3) Jamais se deve dar ao ministro mais informações do que necessita
para tomar a decisão certa, i.e., a decisão que os burocratas já decidiram. Um
bom ministro é aquele que segue cegamente a decisão de seus companheiros
burocráticos. 4) Um mau ministro é aquele que desenvolve idéias próprias
(erradas) a partir de informações dadas pelos burocratas. 5) Um ministro
perigoso é aquele que tem idéias novas e decisões próprias e exige dos
burocratas mais informações do que lhe foram dadas. 6) O ministro é um
amador. O burocrata é um profissional.
MINISTROS. COMO TRATÁ-LOS. 1953
O s diálogos não devem ter traços. Só um leitor muito idiota precisa desse
aviso para saber que um personagem está falando. Basta apurar o ouvido.
RECOMENDAÇÃO A CARMEM ÁLVARES, BAILARINA, ESPECIALISTA EM ENCADERNAÇÃO. 1988
A medicina pode ser melhorada com medidas simples: o nome do médico ser
sempre publicado junto aos avisos fúnebres do paciente falecido, o cliente
só pagar depois de curado e a morte do cliente obrigar o médico, logo depois, à
devolução de tudo que cobrou.
POR UMA MEDICINA REALMENTE SOCIAL. 1965
O humorista é o último dos homens, um ser à parte, tipo que não é chamado
para congressos salvadores do mundo, não é eleito para academias, não
está alistado entre cidadãos úteis da república, semeia ventos e colhe
tempestades. É um tipo que muitos acham engraçado e há até os que o louvam e
endeusam. Mas um dos defeitos que não pode ser tolerado pelo humorista é a
própria vaidade. A vaidade vai bem ao comediante, por natureza extrovertido. O
humorista, por natureza introvertido, sabe que bastará facilitar um pouco que o
transformarão em estátua e mito. Mas aceitar isso será perder a substância
fundamental do humorista.
DECÁLOGO DO HUMORISTA. 1955
E sabido que o fato novo assusta os indivíduos, que preferem o mal velho,
testado e vivido, à experiência nova, sempre ameaçadora Se você disser ao
cidadão desprevenido que o leite, por ser essencial, deve sair das mãos dos
particulares para cooperativas ou entidades estatais, se você disser que os
bancos, vivendo exclusivamente das poupanças populares, não têm nenhuma
razão de estar em mãos privadas, o cidadão o olhará com os olhos perplexos de
quem vê alguém propondo algo muito perigoso. Mas, se, ao contrário, você
advogar a tese de que a água deveria ser explorada por particulares, todos se
voltarão contra você pois – com toda razão – jamais poderiam admitir essa
hipótese, tão acostumados estão com essa que é uma das mais antigas
realizações comunitárias (comunistas?) do homem: a água é direito e serventia
de todos. Por isso o cidadão deve ficar alerta, sobretudo para com os malucos,
excepcionais e marginais, pois estes, quase sempre, são os que trazem as mais
espantosas propostas de renovação contra tudo que foi estabelecido.
DE OLHOS ABERTOS. VOANDO NUM AVIÃO COM UM MOTOR PARADO ENTRE LONDRES E HONG KONG. 1965
N ão conheço ninguém que, como eu, tenha tanta noção de ser um homem
medíocre. O que, desde logo, me torna um homem extraordinário.
CONVERSA COM JAIME LERNER, ARQUITETO, POLÍTICO. 1978
T oda regra tem exceção. E se toda regra tem exceção, então, esta regra
também tem exceção e deve haver, perdida por aí, uma regra absolutamente
sem exceção.
RECADO AO XARÁ MILLÔR (DUVAL), DE BELÉM DO PARÁ. 1995
A os desesperados, que pensam nada ser possível, aos que acreditam que o
mundo não tem correção, convém lembrar que com suas guerras múltiplas,
seus problemas inacreditáveis, seus acontecimentos aterrorizantes, o nosso
século pode ser considerado o mais interessante da história. E há apenas sessenta
e sete anos nem existia.
ENTRETENIMENTO COM IVAN MOURA CAMPOS, FILÓSOFO, ESPECIALISTA EM INTERNET. 1996
Q ualquer homem, andando uma média de doze horas por dia, levaria apenas
duzentos e oitenta e cinco dias para ir do Rio de Janeiro a Paris. Isso,
naturalmente, se não houvesse o Oceano Atlântico no meio.
IDEM
B asta você substituir o vódica por uísque e o suco de tomate por limão e
açúcar para transformar um Bloody Mary num uísque sauer.
CONVERSA COM LUÍSA CHAVES FERREIRA, EMPRESÁRIA. LISBOA. 1973
N unca vi um canalha que, nas reuniões íntimas, não invectivasse, com toda
sinceridade, os canalhas do mundo. Nem um ladrão que não fosse contra o
roubo. Mulheres e homens de comportamento desregrado são, em geral, os mais
ferrenhos moralistas. E a primeira coisa que um governo despótico faz é
inaugurar uma praça com o nome de Praça da Liberdade.
EM NOME DE DEUS. OBRAS COMPLETAS. 1970
S e a televisão fosse sem imagem se chamaria rádio e não teríamos que assistir
certos programas.
CONVERSA COM RAUL BRUNINI, RADIALISTA. 1960
S e você chegar a um país e quiser saber da liberdade política que têm seus
cidadãos, basta ler os jornais desse país. Se dizem que o governo é
admirável, seus mentores maravilhosos, dignos e capazes, é porque os
governantes são déspotas que liquidaram com a liberdade de expressão. Agora,
se os jornais dizem que os governantes são incapazes, hipócritas e estão levando
o país à ruína, o país está, pelo menos politicamente, muito bem.
CONFERÊNCIA NO INSTITUTO DE SURDOS-MUDOS, EM PRAGA. REALIZADA PELO MÉTODO BRAILE. 1956
O Amazonas seria bem menor do que Mato Grosso se não fosse maior do que
Sergipe.
CONVERSA COM FLÁVIO MIGLIACIO, DESENHISTA, COMEDIANTE. 1962
O s crimes são apenas os juros que, de tempos em tempos, temos de pagar por
viver no pequeno lado bom de uma sociedade gigantescamente imoral.
LEGISLAÇÃO, PRINCÍPIOS. 1966
C omo cada coisa tem seu preço, o homem já nasce devendo à mãe nove
meses de pensão. Não existe nada que não tenha um preço.
CONVERSA COM NORMA BENGUEL, ATRIZ. 1965
E verdade que o voto não enche barriga. Mas chega aquele momento em que o
povo já comeu o suficiente.
RECADO A FILINTO MÜLLER, CHEFE DE POLÍCIA DA DITADURA VARGAS. 1951
T emos que começar por baixo. Como os Estados Unidos, por exemplo:
começaram com um país só.
LIBERDADE, LIBERDADE, PEÇA DE TEATRO. 1966
A s conquistas técnicas foram tornando cada vez mais fácil outra conquista, a
das massas, passivas e alienadas. Já ninguém mais precisa se esforçar
longamente, viajar muito, perder anos até alcançar a discutível popularidade.
Hoje uma celebridade é todo débil mental que aparecer meia dúzia de vezes na
televisão.
PROPOSTA PARA USO DA MÍDIA. 1970
O fato é que toda essa andação pelas crateras da Lua trouxe muito pouca
coisa útil e serviu apenas para apunhalar nossa alma romântica (que
esperava da Lua pelo menos uma reação com monstrinhos de olhos verdes,
roedores satânicos ou uma exalação mefítica) e nos roubou, em troca de nada,
uma herança poética de milênios. E aí, como defesa a posteriori, foi que
começamos a perguntar: “Para que serve essa viagem?” “Com essa despesa toda
não se poderia encontrar a cura para a democracia?” “Não se poderia inventar
uma nova espécie de sexo sabor-virtude?”
CONVERSA COM NELMA QUADROS, FIGURA TUTELAR DO PASQUIM. 1970
B asta você parar diante de uma vitrina e olhar garrafas, latas, invólucros,
vidros, metais e plásticos para ficar maravilhado com a infinita capacidade
da tecnologia inventar, todos os dias, mais e mais objetos absolutamente
dispensáveis.
PROGRESSO CONTIDO. 1967
O ridículo do século XIX foi a fúria com que rejeitou todas as inovações,
desde reformas trabalhistas essenciais até o último direito feminino, usar a
saia mais curta, passando pela máquina a vapor, propostas artísticas e avanços
morais. O ridículo do século XX é a pressa com que aceita qualquer estupidez
social, qualquer reivindicação absurda, qualquer invenção consumística, sem
reflexão nem demora, por medo da pecha de reacionarismo. A maior
transformação do século XX foi a facilidade com que se passou a aceitar
qualquer transformação.
MENSAGEM DE FELICITAÇÕES NO 96º ANIVERSÁRIO DE PABLO CASALS. 1972
A televisão foi um meio inventado pelo homem medíocre para ser utilizado
pela mediocridade para a mediocridade. Deveria se chamar mediovisão.
MÍDIA. 1971
E xiste uma média de vida mas que não serve como garantia para a vida
individual. Ninguém é tão velho que não possa viver mais um ano, ninguém
é tão moço que não possa morrer já. Aqui e agora, aproveita a vida, irmão.
Talvez já tenha passado mais tempo do que você pensa.
CONSELHOS AOS JOVENS TURCOS. OBRAS COMPLETAS. 1970
Q uem fala em amor livre? Com o amor livre, ai dos feios, dos
demasiadamente desinteressantes. Amor livre, sim, de alguns tabus que se
incrustaram doentiamente nas relações entre homem e mulher. Mas só. Quem
fala em amor livre nunca ouviu falar em impotência masculina.
UTOPIAS. OBRAS COMPLETAS. 1970
A os pobres que acham, com razão, que é muito difícil ficar rico, deve-se
advertir que para os ricos é ainda mais difícil ficar pobre. Qualquer
movimento que façam nesse sentido é imediatamente censurado – senão punido
– por sanções familiares, dos amigos, dos sócios e de críticos ocasionais que
nem têm nada com isso. E, o que é pior, quando um rico resiste à riqueza, abre
mão dos seus bens, investe em obras de caridade, doa para organizações
culturais e artísticas, mesmo isso, inúmeras vezes, resulta em lucros
absolutamente inesperados.
IDEM
S e você passa a vida dizendo exatamente o que pensa depois não venha se
queixar.
DIÁLOGO COM MÁRIO PRATA. 1971
N ão pense. Se pensar, não fale. Se, por acaso, for obrigado a falar seu
pensamento, evite escrevê-lo. Se escrever seu pensamento, não deixe que o
publiquem. Se o publicarem, recuse assiná-lo. Se o seu pensamento aparecer
assinado em qualquer lugar, corra para casa imediatamente e escreva um
desmentido.
COMO SOBREVIVER EM REGIME DITATORIAL. 1969
L iberdade existe. Não só existe como é feita de concreto e aço e tem cem
metros de altura. Foi doada pelos franceses aos americanos em 1886 porque
os franceses naquela época tinham excesso dela e os americanos, pouca.
Recebendo-a dos franceses, os americanos colocaram-na na ilha de Bedloe, na
entrada do porto de Nova York. Nunca entrou completamente nos Estados
Unidos.
LIBERDADE. LIBERDADE. 1965
N osso lema é o mesmo dos antigos desvairados de Ouro Preto: Libertas quae
sera tamen. Tamen ou também? Nunca se soube. Repare bem, a mesma
estrutura sintática do Podes crer, amizade.
CONVERSA COM PAULO GRACINDO, ATOR. 1973
O ato de ser preso é, para o homem médio, uma humilhação irreparável. Para
o verdadeiro marginal, que vive permanentemente em regime de
humilhação social, pouco importa. Donde a absoluta inutilidade das prisões.
CONVERSA COM FERNANDA MONTENEGRO. 1967
P ara efeito e medida da punição existe uma responsabilidade pessoal que age
acima da responsabilidade coletiva. Quero dizer, no caso arquetípico do
cidadão que rouba o pão porque a sociedade não lhe deu as menores condições
de ganhar o pão, quem é o culpado? Mas a própria sociedade que cria as
condições fundamentais para o roubo do pão é que vai julgar o ladrão do pão.
Que faria você como juiz? Ponha-se nessa posição e decida-se pelo grau de pena,
que são muitos e muito imaginosas as suas formas em todas as sociedades: forca,
exílio, ergástulo, castigo corporal, simples reprimenda, seis ave-marias e dezoito
salve-rainhas. Ou você acha que basta o remorso? Dizem que Judas se enforcou
numa figueira. Eu não vi, não sei.
CONVERSA COM EVARISTO DE MORAIS FILHO, ADVOGADO. 1973
Relacoes naturais e artificiais
C omo sexo as mulheres são insuportáveis, mas na hora do sexo, não tem
nada melhor.
ENTREVISTA COM BETTY FRIEDAN, QUE CHUTOU A MESA. 1970
s que aspiram a uma permissividade total, inclusive e sobretudo nos hábitos de
O vestir (despir) podem perder as esperanças. A nudez total jamais vai
triunfar enquanto houver fábricas de produtos têxteis.
CONVERSA COM MAURÍCIO BEBIANO, INTELECTUAL E PLAYBOY. 1963
N ada é tudo e tudo não prova nada. Slogans sobre a família que rezando
unida, ou trabalhando unida, ou se divertindo unida, permanecerá unida,
não têm nada a ver com a realidade. E, mesmo permanecendo unida, que é que
isso quer dizer? Que permanece feliz? É duvidoso. Apenas porque reza, apenas
porque trabalha, apenas porque come unida? Para mim a família que permanece
unida permanece unida. E só.
REFORMA DE CONSCIÊNCIAS. 1967
P ara distinguir entre a realidade e a moda basta verificar se o fato pode ser
alterado fundamentalmente com a nossa intervenção, no momento ou
mesmo num período mais longo. Não temos como alterar a queda do corpo do
alto do edifício, o fluxo das marés, o nascer e o morrer do Sol. Podemos intervir
(e modificar rapidamente) na preferência por cores, maneiras de vestir, gosto
musical. Moda é tudo que passa de moda.
MODISMOS. 1967
A natureza fez o pescoço com uma mobilidade que possibilita uma visão de
360 graus. Portanto devemos olhar a coisa de todos os ângulos.
CONVERSA COM GERALDO QUEIROZ, DIRETOR DE TEATRO. 1960
A final de contas, ser branco não é, em si mesmo, uma coisa tão maravilhosa
assim. Se vocês vissem os tipos de branco que, em Joanesburgo, pátria do
apartheid, passam os dias sentados nos bancos em que está escrito “só para
europeus”, certamente cairiam numa razoável depressão a respeito de nossa
decantada superioridade racial. Mesmo fisicamente.
RACISMO E LIBERALISMO. 1959
D e vez em quando alguém repete aquela expressão de quem não tem o que
dizer: ser carioca é um estado de espírito. Mas, qual será,
fundamentalmente, esse estado de espírito? Para mim, embora pareça estranho
num povo extrovertido, a qualidade fundamental do carioca é a discrição. Porque
se seu estado de espírito, em massa, é o da ostentação lúdica do futebol e do
carnaval, individualmente o carioca é discretíssimo e sempre meio envergonhado
diante do elogio: “Pera lá, quem sou eu?”.
DEFESA CONTRA OS GRUPOS PREDATÓRIOS. CONVERSA DE PRAIA. 1972
Relacoes de poderes
O plutocrata ambicioso mas sensível e progressista, nem por isso deve andar
desprotegido contra a inveja e a incompreensão ocasionais da massa.
Aconselha-se pois que vista sempre, por baixo do seu casaco de casimira inglesa,
um colete de malha de aço com pelo menos três polegadas de espessura. Que,
aliás, já existe de fabricação nacional.
IDEM
U ma frase que cada dia adquire mais significado: a união faz a força Não só.
Só a União tem a força.
CONVERSA COM BRITO VELHO, O MOÇO. 1963
O adversário tem que ser tratado com realismo, sem concessões e sem
provocações. Só o apaziguador nato, tíbio compulsivo, teima em alimentar
um tigre na esperança de que ele dê leite de vaca.
CONVERSA COM HUGO BIDET, JORNALISTA. 1970
N ão é verdade que quando um não quer dois não brigam. Toda concessão,
como tem provado a história, traz apenas novas reivindicações por parte de
quem foi contentado na primeira investida. Ou você coloca o adversário na sua
posição, de saída, dando-lhe apenas aquilo a que tem direito, ou não há paz
possível. Quando um quer dois brigam.
CONVERSA COM O COMERCIANTE E ATLETA RAUL MATA DE LEI, FORA DA ARREBENTAÇÃO NA PRAIA DE IPANEMA.
1971
O Poder não se explica. O Poder não garante nada. O Poder, enfim, não tem
compensação a não ser o próprio Poder. Não há nenhum motivo para se
tentar a escalada suicida. Sobe-se porque a montanha está lá.
CONVERSA COM SEBASTIÃO LACERDA, EDITOR. 1974
F ala-se nas penas da lei como se esta fosse uma galinha prodigiosa. As penas
da lei são as penas dos homens, sempre classistas, preservadores dos direitos
dos que dominam o jogo social.
LEGISLAÇÃO. 1956
S er livre, é bom notar, não é ser libertado. “Eu te dou toda liberdade”, é a
restrição suprema.
CONVERSA COM RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES. 1963
A lei escrita é sempre muitos anos atrasada em relação ao direito real, aquele
que está no ar e pertence ao nosso tempo de vida. A Justiça não só é cega
mas sua balança desregulada e sua espada sem fio. É fundamental impor um
direito mais amplo do que o que está escrito, obrigar o juiz a funcionar acima da
mediocridade do regime em que vive.
DIÁLOGO COM EMMANUEL VIVEIROS DE CASTRO, MANINHO, ADVOGADO. 1967
O julgamento feito a partir de uma faixa etária em que um adulto, apenas por
ter mais de dezoito anos, é sempre culpado em relação a uma menor de
dezoito anos, não tem nenhuma base real, não encerra qualquer justiça. A
verdade é que as menores seduzidas são, em geral, extraordinariamente
sedutoras.
IDEM
A defesa do status quo chega a seu extremo na “boa educação” quando são
impostos, inclusive, ridículos hábitos de “como sentar à mesa”, “como falar
aos mais velhos”, “como se vestir para sair” com orientação precisa, inclusive,
quanto a gestos e palavras que devem ou não ser ditas em determinados lugares e
ocasiões. Quaisquer dessas regras quebradas significa perda de status para o
indivíduo, a família e o clã ao qual o indivíduo pertence. Com esse processo se
busca defender todo um sistema no qual, afinal, sobrevivem poucos e lucram
pouquíssimos. A respeitabilidade é o leão-de-chácara da burguesia.
CONVERSA NA PRAIA COM RAUL RIFF, JORNALISTA. 1971
U m bom caixa de banco, para contar dinheiro, sempre deve molhar a ponta
dos dedos numa esponja a fim de evitar que duas notas passem por uma.
Esse cuidado é desnecessário nas operações de depósito.
ENTRE O RICO E O POBRE. TESE DEFENDIDA NO CAFÉ LAMAS. 1963
A os que violentam e não o sabem, aos que roubam e nem suspeitam de que o
que fazem é um roubo e aos que prevaricam sem consciência, aconselho
mais reflexão. Também tenho uma tia, que passou por prostíbulos, tem seis
filhos e se diz, e se considera, sinceramente, virgem e inocente.
IDEM
S
ver.
éculos de egoísmo, exploração do homem pelo homem, escravatura,
inconsciência e ambição desmedida. O resultado está aí para quem quiser
O rico, que come mais do que o pobre, inventou a boa educação para que seus
iguais não vivam arrotando à mesa.
CONVERSA COM CARLOS LEMOS. 1970
A Justiça, de qualquer forma, aí está, com sua cabeça erguida, seu olho rútilo,
mesmo coberto pela venda que, teoricamente, a impede de ver errado. Para
o dicionário, é uma virtude. Para o jurista, um direito organizado, pragmatizado
e institucionalizado. Para o teólogo, arma de amparar o respeito do homem pelo
homem, feito à imagem e semelhança de Deus. Para o cidadão comum, um
recurso supremo, quer dizer, uma derradeira e vaga esperança. Para os homens
da lei, quase sempre apenas um ganha-pão monótono. Para o Poder, um
instrumento político. Só a impostura das sociedades modernas faz crer ao
cidadão comum que a justiça é com maiúscula e pode funcionar
independentemente do Poder Político, acima dele, pairando soberba e solene, lá
bem alto, como um Concorde subsônico. Essa justiça existe e se chama Justiça
Criminal, mas julga apenas elementos da baixa classe média em processos que,
socialmente, não têm a menor importância.
CONVERSA COM GRANDE OTELO, ATOR. 1956
T enho a nítida impressão de que todos os meus amigos são puros, todos os
lugares que freqüento impolutos, todas as mulheres que conheço
sacrossantas. Ladrões são os outros, sujos são os locais a que os outros vão,
prostitutas apenas as mulheres dos vizinhos. Há trinta anos que em vão tento me
corromper. Só me oferecem cargos de sacrifício, postos em que se necessita um
salvador ocasional, campanhas “em prol de”, sem que eu possa me beneficiar de
nada. Ilibados amigos meus – eu quero dinheiro, glória, cargos, opulência, sexo
farto e fácil.
CONVERSA NO PASQUIM, COM A PATOTA. 1972
T emos que lutar com nossos próprios recursos, mantendo a fé, no meio do
ódio e da necessidade. Pois é bem possível que isto seja apenas uma
astronave tentando escapar de mundos ainda piores.
DISCURSO NA PRAÇA. 1968
D epois de alguns milhares de séculos de lutas, o mal está cada vez mais bem
plantado, o crime não só compensa como está institucionalizado, o
masoquismo não só não é combatido como é até estimulado. Temos que
reconhecer que Deus envelheceu e o Demônio evoluiu.
CONVERSA COM GLAUCO RODRIGUES, PINTOR. 1973
A classe média, sem aspirações nem grandeza, é uma entidade que não sobe
nem desce, não quer nem deixa, e está em toda parte ao mesmo tempo.
CONVERSA COM VILMAR, DESENHISTA. 1972
E preciso que as armas que você tem para lutar – culturais ou não – sejam
adequadas ao tipo de processo e ação em que você está integrado. Não
adianta nada você ter as melhores mãos de pôquer quando está jogando canastra.
CONVERSA COM PEDRO ALVERGA. 1972
N ão reclame o pouco que lhe coube. A mais íntima das formas de vida é a
ameba. Daí surgiram os grandes homens.
TEORIA E PRÁTICA. 1967
C ada um de nós tem que escolher com precisão seu campo de batalha,
conhecendo as próprias limitações e possibilidades. Dentro disso há uma
escolha: ou passar para a escala superior com meios próprios ou ficar na própria
média alcançada. De um limite a outro há uma imensidão de possibilidades.
Dependendo de sua própria escolha você pode ser o último dos rápidos ou o
vencedor dos lentos.
RECEBENDO UMA EQUIPE DE FUTEBOL AMADOR DE CONCEIÇÃO DE MATO DENTRO. 1971
C ada um tem sua função e todos precisam cumpri-la. Citando Lincoln: “Se
Deus quisesse que uns homens só comessem e não trabalhassem e outros só
trabalhassem e não comessem, teria metade dos homens só com bocas e sem
mãos e a outra metade só com mãos e sem boca”. Mas é mesmo, Lincoln?
IDEM
O s que acham que não têm força, os que pensam que não têm meios, devem
lembrar-se de que Cristo começou com uma cruz só.
BILHETE PARA A JORNALISTA SUSAN SONTAG. 1968
N ossa tarefa, a missão essencial do ser humano, é apenas livrar o mundo dos
políticos corruptos, da crescente violência, da possibilidade de fabricação
de bombas nucleares domésticas, da emigração indesejável, das “fronteiras
móveis” entre países mais fortes e mais fracos, do turismo desenfreado, dos
conglomerados internacionais que ameaçam os países subdesenvolvidos, da
Conspiração Amarela para dominar a Raça Branca, da poluição dos plásticos
(sem falar em todas as outras já catalogadas: a da água, ar, luz, sexo, moral,
roupas), das marandubas africanas organizadas em exércitos, do neonazismo, do
neofascismo, do gás néon, dos bumerangues a baixa altitude, dos raios manta e
dos raios laser mal aplicados, da bomba de cobalto usada criminosamente na
eutanásia, da reimplantação internacional do sistema de castas, da elefantíase,
dos ateus, dos hereges, dos antipapistas e outros fanáticos anti-religiosos, de
vulcões não extintos, da conspiração internacional dos porcos chauvinistas, da
luta da Mão Negra contra a Máfia, dos pintores primitivos, dos alto-falantes nas
praças, das tempestades de areia, das pistas de tráfego com três e quatro andares,
da ameaça do degelo no Polo Ártico, da conspiração internacional homossexual,
dos sedutores de menores, do boom da impotência, dos Panteras Negras, do
Setembro Negro, do Capitalismo Negro, da Lei e da Ordem, da especulação na
bolsa de valores, da especulação com os trabalhos artísticos, da sodomia, da
legalização das drogas, da superpopulação, dos sinistros movimentos geológicos,
das explosões solares, dos delatores de modo geral, dos torturadores sem pátria,
dos mosquitos gigantescos da África do Sul, dos jigabôs e telêmacos, dos
maníacos depressivos, do trabalho forçado, dos materialistas sem Deus e sem
moral, da volta da febre amarela, do voodoo, da magia negra, da macumba e da
maçonaria, do monossódio e hexacloreto de coentro, da censura aos meios de
comunicação sem censura, do underground, do establishment, dos colonialistas
negros e dos missionários santimoniosos, das virgens profissionais, da
prostituição de menores, das nuvens de barata vindas da Grécia, da conspiração
internacional das agências de publicidade, da epidemia de tiques nervosos, dos
mulatos liberais, da conspiração internacional dos psicanalistas, da
arteriosclerose, dos caçadores de cabeças mercenários, dos vôos charters sem
itinerário, dos ciganos em desespero, do aumento espantoso de monstros
nazistas, dos cursilhos, dos autos-de-fé, dos menores delinqüentes, das guardas
pessoais, dos alcoólatras, dos exploradores do câncer, das comunas hippies e dos
campings da classe média, das bombas atômicas extraviadas, das touradas e
outras selvagerias para a idolização dos toureiros e outros selvagens, da
conspiração internacional das companhias de seguros, dos solitários maníacos
sexuais, dos ditadores analfabetos, da organização militar das atividades
religiosas, da organização mística das atividades militares, do rompimento de
gigantescos interceptores de esgotos, de desastres com petroleiros de um milhão
de toneladas, dos terremotos, dos maremotos, das donas de casa incompetentes,
dos ricos totalmente ociosos, das estradas mal sinalizadas, dos contrabandistas,
dos navios navegando com bandeiras piratas, dos bloqueios navais, dos
antropólogos pretensiosos, dos peixes contaminados, dos psicologismos e
economismos, das construções inseguras, do vitiligo, das pelagras e outras
doenças de subnutrição, da violação de correspondência, de incêndios, de
enchentes, de aquecedores a gás defeituosos e da terapia grupal. Aí teremos feito
da Terra um paraíso. Teremos conquistado o Milênio.
SOBRE TAREFAS SOCIAIS. CONVERSA COM PAULO AUTRAN, ATOR. 1965
E preciso ser muito primário para achar que sexo é um ato físico.
CONVERSA COM JAGUAR, JORNALISTA, DESENHISTA. 1969
O “diz-me com quem andas que eu te direi quem és” não quer dizer nada.
Judas andava com Cristo. E Cristo andava com Judas.
CONVERSA DO LADO DE FORA DA PUC. 1970
T rês coisas sem fim e sem compensação mas que são ambicionadas por
qualquer ser humano: a busca da verdade, a luta pela liberdade, a prática da
fraternidade.
TRÍADES. 1973
N o EnJU Satsuyoo, o mais precioso livro sobre a vida humana jamais escrito,
aprendi, com fervor e devoção, muito do que hoje sei sobre andar na terra e
olhar os mares. Gensaku, o sacerdote, que o escreveu em 1578, viveu 98 anos,
experimentando quase tudo na prática, sem falar do que viu e anotou. Descobriu
que o Homem e o Universo são exatamente iguais ou, pelo menos, têm muitas
semelhanças. A cabeça do Homem é redonda, seus pés são quadrados: o céu é
redondo, a Terra é quadrada. O Sol e a Lua são como os olhos do mundo. Os rios
são o sangue e a saliva do ser humano. Os ventos são a respiração. E as árvores,
os cabelos da cabeça.
MINHA PROVERBIAL SABEDORIA CHINESA. 1967
H omens que “vieram de baixo”, que lutaram durante dez anos até atingir a
posição de mando, poder e riqueza de que atualmente desfrutam, tendem a
declarar nas entrevistas à imprensa que as horas mais puras que viveram, as mais
felizes e alegres, foram as dos antigos dias da mocidade, quando não sabiam se
teriam ou não a próxima refeição. É tudo mentira. Ou falta de memória.
ENCONTRO COM JOSÉ CANOSA MIGUEZ, ARQUITETO, ILUMINADOR DO RIO DE JANEIRO. 1998
U ma criatura bela traz na beleza a sua forma de talento, assim como uma
criatura de talento traz no talento a sua forma de beleza. Os burros e feios
trazem na burrice e feiura a sua forma de feiúra e burrice.
CONVERSA COM A PANTERA SÍLVIA AMÉLIA. 1968
Q uando Carlyle afirmou que “o homem é o único animal que ri” não fazia
com isso uma mera constatação biológica. Biologicamente a hiena também
ri. Fazia uma constatação psicológica e social. Seu erro era apenas admitir o riso
como uma qualidade humana, quando é um defeito. O homem, da maneira por
que vive, não tem do que rir. Por isso, à frase de Carlyle deve-se acrescentar: “E
é rindo que ele mostra o animal que é”.
NOTA SOBRE OS DEZ DOCUMENTOS BEM ESCRITOS DOS COMPANHEIROS DE CALABAR. 1971
P ode ser até que haja vida inteligente em outro planeta. Neste, até agora, não
se viu a menor demonstração.
CONVERSA COM PEDRO PORFÍRIO, HOMEM DE TEATRO, POLÍTICO. 1972
E nquanto se combate o uso de drogas, apenas pelo fato de que elas são
chamadas com esse nome e, portanto, atemorizam (a semântica é capaz de
todos os crimes e todas as pressões), o futebol, praticado sem nenhum controle,
continua sendo permitido e até mesmo divulgado em todas as camadas sociais,
sobretudo as mais inferiores, que não têm, em relação a ele, qualquer defesa. E,
no entanto, se essa lamentável prática fosse diversificada e o tempo e a energia
úteis dos cidadãos se derivassem para outras atividades, tais como tênis, natação,
remo, peteca, voleibol, etecetera, o mal seria muito menor. Enquanto a repressão
combate a maconha e afins, a hipertrofia do futebol cria dependência,
ajuntamentos perigosos de multidões, motiva violência, causa engarrafamentos
sinistros nas grandes cidades e leva inúmeras pessoas a crimes tais como
mentiras, subornos e agressões. Sem falar em desentendimentos internacionais.
Deve-se combater de maneira enérgica a implantação do vício a partir dos
pequenos campos do Interior (como se faz com os campos de maconha) onde
experts traficam com a inocência infantil que começa bem cedo a ser envolvida
pela prática posteriormente incurável.
O ESPORTE BRETÃO. CONFERÊNCIA NA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TÊNIS. 1966
A brindo uma enciclopédia qualquer, britânica, gálica, latina, saxônica,
qualquer uma, refletindo no que está dito a respeito das figuras ali
imortalizadas, concluímos facilmente que toda aquela grandeza, dignidade e
nobreza é pura e simples invenção. Fora os compromissos (Los interesses
creados, de Benavente) que fizeram aqueles homens serem registrados como
soberbos, eles são, sem exceção, usurpadores, exploradores da comunidade,
santos de fancaria, tubarões econômicos, guerreiros impiedosos, cientistas
egocêntricos, artistas cuja arte principal foi uma desvairada autopromoção. Uma
cambada.
DIÁLOGO COM JUDITH FERNANDES, IRMÃ. 1964
A parentemente não há nada parecido com a vida humana num raio de alguns
milhões de quilômetros. O que torna evidente também que a vida – da
maneira como a conhecemos – é algo sem sentido, inteiramente par hasard. Por
que um Deus Todopoderoso ou um mecanismo cibernético extremamente
aperfeiçoado colocaria a vida exatamente nas condições em que a temos? A
Terra é um saco de gatos, sem qualquer programação. Come-se mal, as
condições são lamentáveis e, o que é pior: chove dentro.
CIRCULAR SOBRE A SITUAÇÃO GERAL. 1959
N ão é que você não tenha o mesmo impulso. Apenas lhe falta coragem. Pois
algumas pessoas matam. Outras se satisfazem lendo notícias sobre o
assassinato.
CONVERSA COM RUTH FERNANDES, IRMÃ. 1960
A arte pela arte é, também, uma criação da indústria da arte a fim de valorizar
comercialmente certos artistas. E, num terreno não aferível como é o do
valor artístico, temos que nos curvar, afinal, aos preços e valores do próprio
mercado. Depois de criado o monstro Picasso (independentemente de seu exato
valor), os interesses investidos nele passaram a ser irreversíveis. Nenhum grande
diário, semanário ou crítico pode destruir o mito, já que, direta ou indiretamente
– dada a extraordinária produção de Picasso – todos têm algum capital
empenhado nele. O capitalismo não tem condições de desvalorizar Picasso.
OS MITOS INTELECTUAIS CRIADOS PELA ECONOMIA. 1970
A moldura que serve para um quadro vagabundo pode ser usada também
numa obra-prima, desde que o tamanho das duas obras seja igual.
CONVERSA COM O MARCHAND FRANCO TERRANOVA. 1961
E tão visível a decadência das artes plásticas que, nas exposições, as poucas
pessoas que olham os quadros com atenção estão apenas querendo que todo
mundo veja que elas estão olhando os quadros com atenção.
DIÁLOGO COM O COLECIONADOR GILBERTO CHATEAUBRIAND, COLECIONADOR DE ARTE. 1967
Formas de lideranca
A queda de um chefe não deve ser encarada como uma desgraça para nós,
mas como uma promoção.
INTERPRETAÇÕES. 1978
O esforço social, praticado por homens de elite, exige destes uma extrema
generosidade pois, não tendo a ganhar senão a realização pessoal, têm,
materialmente, tudo a perder dentro do sistema em que foram gerados e
educados. Uma das contradições da cultura burguesa é que ela não só não
resolve nossos problemas como faz com que possamos ser presos por causa dos
problemas no Extremo Oriente.
OBRAS COMPLETAS. 1970
E m qualquer caso, circunstância, por pior que seja, por mais estranha,
esdrúxula, visivelmente errada ou visceralmente destinada ao fracasso, a
conduta dos superiores é sempre impecável e digna dos maiores encômios.
CONVERSA COM GLAUCO OLIVEIRA, JORNALISTA. 1973
J usta ou injustamente, não sei por quê, me vem sempre à cabeça a imagem do
desaparecido Cienfuegos, herói cubano. Mas toda revolução vitoriosa paga
seu preço de injustiças e até mesmo crimes contra os que ajudaram a criá-la.
Diante do herói incômodo só resta um recurso – fuzilá-lo e erguer-lhe uma
estátua.
COMO LIDAR COM AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS. CONVERSA COM ORIANA FALACI, ROMA. 1965
O difícil é você se livrar dos idiotas que pretendem lutar ao seu lado
interpretando a sua negação da cultura dominante como uma afirmação de
louvor à ignorância.
CONVERSA COM CÉSAR THEDIN, ARQUITETO. 1963
T oda revolução fracassa por se esquecer, afinal, de que o homem tem uma
suprema ambição social e política: voltar pra casa.
CONVERSA COM ODUVALDO VIANA FILHO, ATOR, DRAMATURGO. 1965
Formas de opressao
P rimeiro o troglodita ordenou à mulher que não saísse mais da gruta porque
cá fora era muito perigoso, e dividiu o mundo em duas metades: metade
dominadores e metade dominados. Depois, quando lhe nasceram os filhos, ele
ordenou à mulher que cuidasse deles e a eles que obedecessem ao sistema de
vida que sua geração tinha criado. E o mundo ficou dividido em um terço de
dominadores (homens) e dois terços de dominados (mulheres e crianças). Aí o
troglodita encontrou homens como ele mas, como tinham a cor da pele diferente,
gritou que eram inferiores e aprisionou-os. E aí o mundo ficou dividido em um
sexto de dominadores, dois terços de dominados (mulheres e crianças) e um
sexto de dominados pelos dominadores e dominados. Para facilitar foram
chamados de escravos. Mas aí, metade do um sexto (um doze avos) dominador
quis dominar a outra metade e inventou Deus. A luta, tremenda, terminou em
empate. E a Terra foi dividida em Poder Temporal e Poder Espiritual. E ambos
concordaram em que tinham que inventar um slogan básico para manter todos os
outros cinco sextos da humanidade na posição em que estavam. E criaram o
maior e mais belo slogan de todos os tempos: “O dinheiro não é tudo”. E como,
por mais rico que o homem seja, não está garantido contra o desastre e o
infortúnio, contra a doença e contra a morte, foi fácil convencer a maior parte da
humanidade (gastando-se nisso, é verdade, rios de dinheiro) de que “é mais fácil
um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos
céus”; de que “no Juízo Final, os humildes herdarão a Terra”, de que “a riqueza
não traz felicidade”, etecétera. Até o dia em que o Millôr chegou, olhou a
miséria em volta, trazendo como conseqüência o analfabetismo, a sujeira, o ódio
e a opressão, e concordou tranqüilamente: “Sim, o dinheiro não é tudo. Tudo é a
falta de dinheiro”.
ANÁLISE DAS ESTRATIFICAÇÕES SOCIAIS. TESE DEFENDIDA NA FACULDADE DE PESQUISAS SOCIAIS DE TORONTO.
TÓQUIO. 1961
O ditador Selassié, o rei dos reis, o mais antigo rei do mundo, de uma dinastia
que vem do início dos tempos; Mao, o comunitário absolutista, cuja
dinastia começa em si mesmo; Nixon, eleito pelo povo, e todos os outros, Tito,
Fidel, Chiang-Kai-Chek, Papadopoulos, Marcelo Caetano, acreditam e provam
que o homem é o lobo do homem, tem que ser governado com mão de ferro
porque é perigoso e irredimível. Portanto, em dúvida, não saia de casa.
CONVERSA COM LAN, DESENHISTA. 1970
D entro da faixa de possibilidades sociais que lhe são dadas, o homem não
tem fuga. Em média, se não for atropelado ficará no desemprego, se não
ficar desempregado vai pegar um enfisema, será humilhado, abandonado pela
mulher, arrebentado sentimentalmente pelos filhos, mordido de cobra, ficará
impotente e, mesmo escapando de tudo, ficará velho, senil, babando num asilo.
O mundo não tem lugar senão para um terço da humanidade.
DISCURSO NUM JANTAR NO PORTO, PORTUGAL. 1973
C omo acreditar que todos os homens são iguais perante a lei se uns são
condenados a morrer de indigestão e outros a morrer de fome?
NOTA INTRODUTÓRIA AO PEDIDO DE CASAMENTO DE UMA TIA. 1947
O mal da censura é que ela não tem função crítica, atingindo a todos nociva e
indiscriminadamente. Para proibir uma pessoa de fumar é preciso, antes de
tudo, saber se ela fuma.
CONVERSA COM ZIRALDO, HUMORISTA, NA ARQUIBANCADA DO MARACANÃ. MAIO. 1968
O pior da censura é que ela não só cala as poucas vozes dissidentes mas
desperta nas outras um extraordinário desejo de subserviência.
CONVERSA COM WILSON AGUIAR, JORNALISTA. 1968
A lém de oito, dez, doze horas de trabalhos diários, você ainda se preocupa
com as possibilidades (impossibilidades) de seu próprio futuro. Se é
extremamente moço encara, com uma certa angústia, os velhos que passam. Se é
velho pensa, dia a dia, no dia imediato, você mais velho e mais marginalizado do
processo existencial. O dinheiro falta ou, se não falta, pode vir a faltar. A mulher
possuída pode desaparecer amanhã levada pelo ímpeto de uma outra paixão. Se
não lhe aconteceu até agora nenhum desastre físico, nenhuma mutilação
importante, você, estatisticamente, está mais sujeito a ela a cada hora que passa.
E desfilam, à sua frente, um cego, um idiota, um traído, um monótono, um
nojentamente gordo, um tisicamente magro. Mas para que se preocupar tanto? O
cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria-prima.
SOBRE “MANEIRA CORRETA DE ENFRENTAR AS CONTRADIÇÕES EXISTENCIAIS”. DISCURSO NA UNIVERSIDADE DO
MEYER. 1945
O homem que, enquanto é pobre, pensa mais nos outros do que em si próprio,
jamais, obviamente, chegará a ser rico. Nos estágios iniciais da vida
econômica é fundamental preservar ao máximo nossas reservas naturais de
egoísmo e cupidez, combatendo violentamente qualquer sentimento de
generosidade ou espírito humanitário que teime em nos aparecer. Esse tipo de
procedimento tem um alto conteúdo social pois, uma vez milionário, você
poderá praticar a generosidade e a filantropia em escala muito mais ampla e,
além disso, deduzi-las do Imposto de Renda.
CONVERSA COM PAULO MERCADANTE, ECONOMISTA. 1969
A lei e a ordem. Isso significa que você deve sempre diminuir um pouco a
marcha e verificar se não há nenhum guarda por perto, antes de avançar o
sinal. Só.
DIÁLOGO COM HÉLIO FERNANDES, JORNALISTA. 1964
C algum tempo. Você pode ser a favor de algumas pessoas todo o tempo. Mas
você não pode ser a favor de todas as pessoas todo o tempo.
PARA AS ALUNAS DO COLÉGIO STELA MARIS. 1958
O único democrata autêntico que conheci em minha vida foi o Papa Doc, do
Haiti. Fuzilava inimigos, amigos e até parentes com absoluta
imparcialidade.
CONVERSA COM PAULO GARCEZ, FOTÓGRAFO. 1971
E m toda parte onde ando, neste pequeno mundo, Grécia, Espanha, Portugal
ou Suíça, vejo bandos de japoneses e só japoneses em bando. Estou
convencido de que não existe o japonês individual.
CONVERSA COM MARIA KOUTSIKOS, EMPRESÁRIA DE MODA. FLORENÇA. 1968
N ão há homens puros. Mas todo homem tem seu núcleo de pureza quase
nunca descoberto e pouco suspeitado.
CONVERSA COM LUCIANA VILLASBOAS, JORNALISTA, EDITORA. 1987
S e não fossem os grandes bêbedos – para não falar dos grandes homossexuais
– o Império Britânico jamais teria conquistado a sua majestade histórica, o
seu imenso lugar no mapa (dos outros). A tradição heróica e a vastidão
geográfica da Inglaterra não foram feitas com contenções puritanas, abstenções
etílicas e rigores antialcoólicos. Em cada leme de bergantim, em cada proa de
brigue, em cada ponte de fragata, o que a nossa memória nos lembra não é a
figura do almirante uniformizado e solene, digno, áspero e reto, mas, ao
contrário, a de um pirata de galé, barbudo e sujo, roufenho e rude, uma garrafa
de brandy vagabundo na mão, um papagaio no ombro, uma mulata (às vezes um
mulatinho) do Caribe a tiracolo, berrando a seus homens, criminosos e párias,
quase todos também devidamente aquecidos pela bebida, para que contenham os
cabos e recolham as velas que vamos atravessar o cabo Horn e essas ondas de
trinta metros que vêm aí não são de nada.
COMO SE FAZ UMA COLETIVIDADE. ARENGA NA PRAIA DO CAJU. 1972
O escritor americano Gore Vidal afirma que se vamos medir pelo número de
vezes, quantitativamente, então o único ato sexual realmente normal é a
masturbação. Eu, por mim, que sou a favor de alguma mitificação sexual (sem
isso o sexo vira um ato puramente animal) e contra todos os tabus, tenho que, de
todas as taras sexuais, a mais estranha é, sem dúvida alguma, a abstinência.
ENCONTRO COM CARLOS IMPERIAL, MÚSICO, E JECE VALADÃO, ATOR. 1969
S e você beber duas doses de uísque durante 29.200 dias, terá bebido
exatamente 3.000 garrafas de uísque. E, o que é melhor, estará completando
oitenta anos.
COMO MODERAR OS EXAGEROS. 1970
P or mais hábil que seja, o jogador acaba sempre perdendo, na corrida longa.
O jogo está sempre acima do jogador.
CONVERSA COM LEON ELIACHAR, JORNALISTA, HUMORISTA. 1954
A s guerras deveriam ser evitadas, senão por outro motivo, pelo motivo
mesmo do desperdício econômico que representam. Enquanto milhares de
homens se aniquilam nas frentes de batalha, uns poucos na retaguarda
enriquecem mais do que nunca. Tome-se a guerra do Vietnã. Nunca, no campo
dos conflitos humanos, tantos deram tanto dinheiro a ganhar a tão poucos.
RETIFICANDO O ESTILO DA VIDA COMUNAL. 1965
A Bomba Atômica, explodida a todo momento por mais uma nação neurótica
e odienta que não quer ficar em inferioridade na corrida do Apocalipse, traz
porém consigo uma esperança. A de eliminar de uma vez por todas a causa
fundamental de todas as guerras: o ser humano.
DIÁLOGO COM JOMICO AZULAY, CINEASTA. 1965
T oda a história dos brancos (leia-se os que detêm o poder nos últimos
séculos) trata com infinito desprezo e imensa superioridade os sacrifícios
feitos às divindades pelos povos primitivos. E, no entanto, os brancos não fazem
nenhuma transmissão de poder, nenhuma disputa de mercados, nenhum domínio
territorial, sem imensos sacrifícios a seus deuses econômicos que, sanguinários e
insaciáveis, só aceitam as vidas mais jovens dos países que os protegem.
CONVERSA COM JORGE ZAHAR, EDITOR. 1969
E fique dito que não pretendemos provar nada com tudo o que fizemos ou não
fizemos, escrevemos ou deixamos de escrever. A não ser que o ser humano
está acima (e abaixo também) de todas as teorias e previsões e que há, soltas no
mundo, palavras demais, não querendo dizer absolutamente nada.
CONVERSA COM WALTER SALLES, CINEASTA. 1992
F363L
ISBN: 978.85.254.0784-9