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28/02/2016 Kinsey fala de sexo | Superinteressante

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HISTÓRIA

SEXO ORIGEM DAS COISAS

Kinsey fala de
sexo
Para uns, um
grande
pesquisador.
Para outros, um
devasso
fraudador da
ciência. Conheça
a vida e o
trabalho do Nome:

homem que Nasc.:


E-mail:
passou a vida
CEP:
tentando provar
12x R$ 17,50
que, no sexo,
tudo é normal

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28/02/2016 Kinsey fala de sexo | Superinteressante

Edição 211
Março de 2005

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POR Redação Super

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Álvaro Oppermann

Não era fácil viver no ambiente puritano
dos Estados Unidos no início do século
20. Em 1902, dois homens foram
internados num hospital de Nova
Orleans com o diagnóstico de
masturbação compulsiva. Em um deles,
foi colocado um anel no prepúcio, que
tornava extremamente dolorosa a
masturbação. O outro foi circuncidado
para ter a sensibilidade reduzida. Como
os tratamentos não funcionaram, ambos
foram castrados. Os pacientes não
resistiram aos procedimentos brutais e
morreram ainda no hospital.

Alfred Charles Kinsey tinha 8 anos
quando isso aconteceu. Seu pai era um
religioso fanático, que proibia o álcool, o
fumo e até as danças de salão. A
repressão em casa não ajudou muito
quando ele, adolescente, se deu conta
que sentia atração por garotas e garotos.
Kinsey se casou virgem aos 25 anos. Na

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lua­de­mel, uma nova descoberta: sexo
não era nada divertido. Seu pênis era
grande demais e a penetração,
terrivelmente dolorosa para sua esposa.

O jovem foi buscar ajuda com médicos e
viu que nenhum deles tinha a menor
noção do que estava acontecendo.
Naquela época, sexo era um assunto que
não deveria ser discutido nem entre
quatro paredes. Foi aí que Kinsey
decidiu estudar o assunto. Durante todo
o tempo, era guiado pela sua própria
necessidade de entender – ou justificar,
como afirmam alguns críticos – sua
falta de ortodoxia quando o tema eram
preferências sexuais. Kinsey investiu 30
anos de sua vida para provar que,
quando o que está em jogo é a
intimidade de cada um, o normal e o
anormal são meras convenções.

AULAS DE HIGIENE

Sexo não foi o primeiro interesse do
cientista Alfred Kinsey. Logo depois de
se graduar como zoólogo no Bowdoin
College, ele foi pesquisar vespas.
Obcecado pelo objeto de estudo, chegou
a catalogar 1 milhão de exemplares do
gênero Cynips. Tamanha dedicação lhe
rendeu respeito entre os colegas e um
convite para lecionar na Universidade
de Indiana. Foi lá que conheceu Clara
McMillen, a estudante de química que
se tornou sua esposa. Foi lá também que
começou a ministrar aulas no Curso de
Higiene (um eufemismo para o
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programa de educação sexual da
universidade). O jovem professor deixou
de lado metáforas e explicações teóricas
e exibiu slides com detalhes de
genitálias e órgãos reprodutores.

As respostas positivas dos alunos
atiçaram o desejo de Kinsey de
aprofundar­se no estudo da sexualidade
humana. Colocou a si mesmo a meta de
coletar 100 mil depoimentos sobre a
intimidade dos americanos nos dez anos
seguintes (um objetivo que ele nunca
alcançou).

A experiência na catalogação de vespas
deu a ele o instrumental metodológico
necessário para elaborar um complexo
questionário, com 521 perguntas que
iam de memórias na infância a
episódios de experiência sexual. “Kinsey
era um biólogo. Ele usou seu
treinamento científico para fazer
perguntas importantes sobre a biologia
sexual dos humanos e sua maneira de
pensar era essencialmente
classificatória”, diz o sociólogo Edward
Laumann.

FALANDO DE SEXO

O trabalho começou dentro do campus
da universidade, mas, em 1941,
despertou o interesse da Fundação
Rockefeller, que concedeu uma bolsa a
Kinsey. Com o dinheiro, conseguiu
ampliar o âmbito da pesquisa a várias
cidades americanas e contratar três
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colaboradores.

A ênfase da pesquisa era a diversidade
sexual. “Meu trabalho com insetos
salientou as variações individuais
dentro dos grupos. Procedo da mesma
maneira no estudo de seres humanos”,
dizia. Kinsey sempre negou que o
comportamento humano pudesse ser
dividido em categorias rígidas como
“hetero” e “homo” e classificava tal
mentalidade como “pensamento
binário”. Um dos melhores biógrafos do
pesquisador, James H. Jones, acredita
que o fato de o cientista privilegiar
padrões que fugiam à regra geral de
comportamento era uma forma de
entender sua própria sexualidade. Já a
mais ferrenha crítica de Kinsey, a
terapeuta e estudiosa do sexo Judith
Reisman, acredita que a tendência
homossexual do pesquisador invalida
seu trabalho. “Kinsey estava mais
preocupado em legitimar a nascente
ideologia gay do que em esboçar um
amplo painel sobre a sexualidade nos
EUA”, diz ela.

Junto com seu staff, Kinsey entrevistou
mais de 18 mil voluntários de costa a
costa nos Estados Unidos (veja box na
página ao lado). As entrevistas, contudo,
eram só uma parte do trabalho. Para
analisar as reações humanas durante a
penetração vaginal e anal, o coito e a
masturbação, Kinsey filmava relações
sexuais no sótão de sua casa. As
primeiras sessões – onde troca de casais
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e relações homossexuais eram regra –
contaram apenas com seus subalternos
e esposas. Com o tempo, Kinsey
conseguiu engrossar a lista de
voluntários com prostitutas, garotos de
programa e até personalidades (o
cineasta underground Kenneth Anger,
por exemplo, concordou em ser filmado
se masturbando).

O resultado das pesquisas foi publicado
em 1948, no livro Sexual Behavior of
Human Male (“Comportamento Sexual
do Homem”, sem edição no Brasil). A
obra revelava coisas que a sociedade
puritana do século 20 jamais havia
admitido em voz alta (veja box ao lado).
Foi um sucesso inesperado. Em dois
meses, 200 mil exemplares sumiram
das livrarias e Alfred Kinsey
transformou­se em celebridade. O
sucesso, porém, fez emergir diversas
críticas ao seu trabalho. Margaret Mead,
uma das maiores antropólogas da
cultura na época, viu na obra,
ironicamente, um puritanismo
disfarçado: em nenhum momento havia
a sugestão de que o sexo podia ser algo
prazeroso. Outro antropólogo, Geoffrey
Gorer, identificou problemas
estatísticos na pesquisa. Para ele, os
entrevistados – muitos deles
presidiários condenados por atentado
ao pudor e pedofilia – não
representavam uma amostra válida da
sociedade americana.

O ponto mais polêmico do livro,
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contudo, foram revelações sobre o
orgasmo infantil. Kinsey se
correspondia com regularidade com
homens pedófilos e foi acusado de
conivência pelos críticos. Judith
Reisman, por exemplo, costuma se
referir a ele como “o maior
propagandista de pedofilia na história
da ciência”. Grande parte dos dados
apresentados provinha das anotações de
um misterioso “Sr. X”, que havia
mantido relações sexuais com mais de
600 pré­adolescentes.

O livro seguinte, Sexual Behavior of
Human Female (“Comportamento
Sexual da Mulher”, também sem edição
no Brasil) saiu em 1953 e não escapou
das críticas. Prostitutas e presidiárias
ganharam uma participação
desproporcional nas páginas da obra,
enquanto 934 depoimentos de mulheres
negras do sul dos EUA (uma parcela
conservadora da sociedade americana)
foram excluídos do livro. Os críticos
acreditam que essa seleção visava dar ao
volume tons não puritanos.

O livro não teve uma reação tão calorosa
do público. As vendas foram minguadas
e, para piorar, a Fundação Rockefeller
retirou­lhe o financiamento no ano
seguinte. Com a saúde já debilitada pela
idade e pelas experiências masoquistas
que infligia a si mesmo (para testar os
limites humanos da dor, Kinsey
introduzia objetos pela uretra e fez a
circuncisão em si mesmo sem
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anestesia), Kinsey morreu em 25 de
agosto de 1956, vítima de complicações
cardíacas.

SEXO DEPOIS DE KINSEY

Kinsey mudou a história da ciência
sobre sexo. “Ele foi um pioneiro e nos
ajudou a dar os primeiros passos em
pesquisas sexuais”, diz Beverly Whipple,
uma das sexólogas mais renomadas da
atualidade. O instituto criado por ele em
1947 continua a fazer pesquisas no
campo da sexualidade humana. O foco,
no entanto, não é mais a catalogação de
diferenças comportamentais. “Hoje não
estamos mais tão interessados no que as
pessoas fazem, mas sim no porquê de o
fazerem”, afirma Vern Bullough, do
Centro de Pesquisa sobre o Sexo da
Califórnia.

A repressão sexual, no entanto, ainda
está longe de desaparecer e o país natal
de Kinsey é um dos melhores exemplos
disso. No estado do Texas, por exemplo,
relações homossexuais eram
consideradas crime até junho de 2003.
E, em novembro de 2004, quando o
filme do cineasta Bill Condon que
retrata a vida de Kinsey foi lançado, a
reação de uma parte dos americanos
não foi nada receptiva. Grupos
fundamentalistas montaram piquetes
na entrada das salas de cinema para
impedir a exibição e espalharam
mensagens acusando o diretor de fazer
um retrato suave do “homem que
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degradou os valores morais da
América”.

Usando como justificativa os alarmantes
dados sobre doenças venéreas no
mundo, os conservadores – entre eles, o
governo Bush – se opõem à liberdade
sexual (que classificam como
libertinagem) e pregam a abstinência
até o casamento, uma recomendação
muito parecida com a que era dada nos
Cursos de Higiene da Universidade de
Indiana em 1938. A cruzada de Kinsey,
pelo visto, ainda não terminou.

O fracasso na lua­de­mel mostrou a
Kinsey que sexo era tabu até entre
cientistas. Ele resolveu investigar o que
os americanos faziam na cama

Kinsey catalogou detalhes da intimidade
de pelo menos 18 mil homens e
mulheres. Foi pouco, perto do projeto
inicial

As revelações do sexólogo causaram
tanto alvoroço que Kinsey virou uma
celebridade. Seu nome foi parar em
letras de música de gente como Cole
Porter e da cantora pop Martha Raye

Apesar de escritos numa área
linguagem científica, Comportamento
Sexual do Homem lançado em 1948
(capa preta) e Comportamento Sexual
da Mulher lançado em 1953 (capa de
azul), tornaram­se best sellers e
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iniciaram uma cruzada contra a
repressão sexual nos EUA

Olho no olho
Como eram feitas as entrevistas que compõem
os relatórios

Kinsey contratou o antropólogo Paul
Gebhard, o psicólogo Wardell
Pomeroy e seu aluno Clyde Martin
como ajudantes. Treinou­os de forma
obstinada até que estivessem prontos
para as entrevistas. Mudanças no tom
de voz, na expressão facial e no olhar
eram ensaiadas de forma minuciosa, a
fim de ganhar a cumplicidade do
entrevistado. O nome de todos os
voluntários era mantido em sigilo. Os
quatro percorreram todos os estados
americanos, concentrando­se em
grandes cidades como Nova York, Los
Angeles e Chicago. Os locais
preferidos para entrevistas eram
universidades, prisões, bares e
banheiros públicos. Lugares gays,
onde era possível falar de sexo sem ser
literalmente apedrejado, entravam na
lista com freqüência.

O que Kinsey revelou


Comportamentos "anormais" eram regra na
intimidade dos americanos

O que eles fazem


Os dados divulgados por Kinsey eram
chocantes e foram contestados por
muitos cientistas. Pesquisas
posteriores mostraram números bem
mais baixos em vários dos quesitos
relacionados em seus relatórios
• 90% dos americanos se masturbam

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• 37% já tiveram alguma relação
homossexual
• 10% são exclusivamente
homossexuais
• 11% fazem ou já tentaram fazer sexo
anal com suas esposas
O que elas fazem
O relatório sobre comportamento
feminino provava que a mulher era
tão sexualmente ativa quanto o
homem. Por causa das informações
que divulgou, Kinsey foi acusado de
comunista e de querer destruir os
lares americanos
• 69% têm fantasias sexuais com
outros homens que não os maridos
• 62% das mulheres se masturbam
• 26% traem os maridos
• 19,1% praticam sexo oral antes do
casamento
• 13% já tiveram alguma relação
homossexual
• 3% a 6% são exclusivamente
homossexuais
Sobre crianças
A parte mais polêmica das pesquisas
de Kinsey tratava da sexualidade
infantil. Colhendo depoimentos de
homens pedófilos, o sexólogo montou
tabelas de estimulação erótica em
crianças. Veja algumas das
informações que ele recolheu
• Um bebê de 11 meses teria tido 10
orgasmos em uma hora
• Uma menina de sete anos teria tido 3

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orgasmos em uma hora
• Um menino de 13 anos podia chegar
a 19 orgasmos por hora

Ascensão e queda
Reportagens da imprensa americana mostram a
trajetória da vida de Alfred Kinsey

O primeiro volume da pesquisa


é recebido com grande
entusiasmo
"As descobertas do Dr. Kinsey
oferecem uma nova base para a
compreensão do sexo. Precisamos
revisar nossos conceitos morais e
legais sobre o assunto."
The New York Times, 4/4/1948, após
o lançamento de seu primeiro livro
"O doutor Kinsey colocou o sexo em
pauta até na mesa de jantar. O sucesso
da obra é merecido. Ela é
revolucionária."
The New York Times, 16/5/1948.
Comportamento Sexual do Homem já
era um best seller
A reação do público e da mídia
ao segundo livro, sobre
mulheres, é menos
entusiasmada
"Estamos em dívida com Kinsey por
causa da sua contribuição à ciência.
Trata­se, porém, de uma contribuição,
e não de um tratado definitivo. Ao
leitor, recomenda­se cautela."
Revista Time, 13/9/1953, após o
lançamento de Comportamento
Sexual na Mulher

A polêmica em torno de seu


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A polêmica em torno de seu


trabalho fez Kinsey perder o
patrocínio
"Kinsey afirma que grupos religiosos
têm feito pressão para que a
Universidade de Indiana e a Fundação
Rockefeller acabem com o patrocínio
para seus estudos"
The New York Times, 6/5/1954,
alguns meses antes de ele perder o
patrocínio
"O presidente do Comitê para
Assuntos Sexuais disse ontem que os
fundos da Fundação Rockfeller para o
Dr. Kinsey foram retirados porque seu
instituto não solicitou uma renovação
do patrocínio"
The New York Times, 24/8/1954, um
dia após o sexológo perder o
patrocinador

Para saber mais


Nos cinemas:
Kinsey ­ Vamos falar de sexo ­ Direção
e roteiro de Bill Condon. Lançamento:
11 de março
Na livraria:
Alfred. C. Kinsey: A Life ­ Ralph
Keyes, St. Martin’s Press, EUA, 2004
Na Internet:
Kinsey Institute ­ www.indiana.edu/
˜kinsey
The Institute For Media Education ­
www.djrudithreisman.com

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