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Interseccionalidade e Sinergia Entre os marcadores de Desigualdade na

Produção da Guerra às Drogas

Intersectionality and Synergy Among the Markers of Inequality in Drug War


Production
RESUMO:

A droga e seus diferentes usos acompanham a história da humanidade. Cabe referir


que as drogas nem sempre foram combatidas e que o alçar da questão como uma
problemática social importante é uma construção social do século XX que chega ao
século XXI como uma das maiores questões para a sociedade. Sobre este tema e
buscando no encontro interseccional entre diferentes categorias como classe social,
raça/etnia e gênero, o amparo para olhar e compreender essa realidade é que trata
o artigo em tela.
Palavras Chaves: Interseccionalidade- Política sobre Drogas- Classe Social-
Raça/etnia.
ABSTRACT
The drug and its different uses accompany the history of humanity. It should be noted
that drugs have not always been combated and that raising the issue as an important
social problem is a social construction of the twentieth century that reaches the
twenty-first century as one of the major issues for society. On this subject and
seeking in the intersectional encounter between different categories such as social
class, race / ethnicity and gender, the amparo to look and to understand this reality is
that it deals with the article on screen.
keywords
Intersectionality- Policy on Drugs- Social Class- Race / ethnicity.

Introdução

O debate da política sobre drogas desde uma perspectiva antiproibicionista


tem ganhado folego no Brasil, sobretudo na última década. O fracasso da política
proibicionista de guerra às drogas têm sido confirmado nas estatísticas de letalidade,
encarceramento, e na crescente violência do comércio ilegal de drogas com uma
geopolítica mundial, além de notadamente não ter sequer cumprido com o seu
objetivo principal que era o de erradicar às drogas das sociedades. Compromisso
reafirmada e amplificado globalmente pela Convenção Única Sobre Entorpecentes
da ONU ocorrida no anos de 1961(emendada em 1972) e 1971, a XX Sessão
Especial da Assembleia Geral da ONU ocorrida em 1988 que estabeleceu uma
agenda para o mundo no que tange ao controle das drogas. Os países membros
que assinaram a convenção comprometeram-se a reduzir de forma mensurável a
circulação de drogas em seus territórios.
Mas foi a partir da conclamação dos EUA para o combate as drogas da
década de 70 que os contornos deste estatuto proibicionista moral, social,
econômico se materializaram em uma guerra ás drogas. Já no inicio da década de
1970, o presidente americano Richard Nixon declarava: “As drogas são nosso
inimigo público número um”. Ser reconhecida e catapultada como “inimigo público”
colocou a “droga” na mesma condição do terrorismo permitindo e legitimando ações
de perseguição e encarceramento. Essa política posteriormente foi adotada por
vários países no mundo, inclusive o Brasil, e que vêm re-editando o medo que
retroalimenta a guerra que retroalimenta o medo, que gera opostos onde há
vencidos e poucos vencedores.
Uma guerra que como qualquer outra, se alicerça no medo e no alarmismo
para movimentar um arsenal belicista para garantir sua perpetuação. Ainda que se
queira acreditar que caminhos/estratégias de enfrentamento diferenciados tenham
sido criados no Brasil ao longo do anos, com a transformação da política contra as
drogas em política sobre drogas, por exemplo, observa-se que estas sempre
obedecem ou atendem a direção dada pelo poder vigente. Informações da
Secretária Nacional de Política Sobre Drogas do Brasil informam que:

O primeiro levantamento epidemiológico sobre o consumo de drogas


realizado no Brasil ocorreu no final da década de 1980. Nesse período,
emergiu a política norte-americana de guerra às drogas. Tal política
resultou em um sentimento de pânico também no Brasil, pois as mídias
nacionais disseminaram notícias alarmistas sobre o tráfico e o consumo de
drogas, principalmente entre estudantes. Essas informações, porém, eram
basicamente fruto de suposições, uma vez que, na época, não existiam
dados estatísticos sobre essas questões. (BRASIL, 2016).

A questão que se evidencia é: a quem interessa este clima de medo e


alarmismo?
O preconceito e o desconhecimento alimentaram o alarmismo no Brasil e
reacenderam concepções de desvio e descontrole que por sua vez alimentaram
discursos carregados de prescrições disciplinadoras e controladoras que tinham cor
e endereço: jovens negros residentes em zonas vulneráveis e periféricas. Essa
afirmação se ampara na própria história do Brasil a qual traz em si a mancha do
período escravocrata, de uma abolição inconclusa que negou aos negros e negras
durante o período pós abolição o acesso ao trabalho assalariado, do poder dos
coronéis, da exploração dos pobres e que fomentou uma sociedade
hierarquicamente racializada.
Neste sentido uma perspectiva de análise que leia a realidade da política
sobre drogas brasileira e perceba que há marcadores sociais de desigualdade
inscritas na realidade é necessária. Esta política que se ancora na guerra às drogas
embora prejudicial para toda a sociedade, não atinge em mesma escala todos os
brasileiros. É plenamente verificável na realidade uma disparidade ao que tange as
vitimas desta guerra, desde a letalidade ao encarceramento quanto da dificuldade de
acesso a políticas públicas e o cerceamento de direitos mais básicos. Numa
tentativa de uma compreensão mais próxima do real estamos considerando a
interseccionalidade como uma necessária perspectiva teórica para a empreitada
anunciada.
Discutir desde uma perspectiva interseccional implica em lançar luz para a
vida cotidiana de pessoas historicamente invizibilizadas. Implica questionar os
discursos aceitos e trazer para o debate o indizível. São estudos que tem como
estofo as lutas feministas, mas que ampliam o olhar compreensivo e que podem
neste artigo compor e enriquecer as análises e reflexões.
Sobre essas autoras interseccionais e seus estudos, Piscitelli (2008) refere
que na década de 1990 há a potencialização dos debates que ampliam algumas
formas mais frequentes de análises da realidade, há um movimento que a autora
descreve como “emergência de categorias que aludem à multiplicidade de
diferenciações que, articulando-se a gênero, permeiam o social” (2008, p.263), e que
se articulam, dialogando entre si, são as interseccionalidades. Piscitelli cita várias
autoras como McKlintock, 1995; Crenshaw, 2002; Brah, 2006, Butler, 1990, Scott,
1988, Strathern, 1988, Haraway, 1991.
Algumas destas autoras questionavam a centralidade da categoria de gênero
nos estudos feministas. Já, a filosofa e militante feminista Angela Davis questionava
a centralidade da questão de classe nas análises argumentando que:

As organizações de esquerda têm argumentado dentro de uma visão


marxista e ortodoxa que a classe é a coisa mais importante. Claro que
classe é importante. É preciso compreender que classe informa raça. Mas
raça, também, informa classe. E gênero informa classe. Raça é a maneira
como a classe é vivida. (2016, p.12).

O que essas autoras questionam, em síntese, é a hierarquia entre as


categorias e os pressupostos que justificam essas relações hierárquicas delegando
maior ou menor importância a uma categoria em relação ás outras. Davis reitera
que:
A gente precisa refletir bastante para perceber, as intersecções entre raça,
classe e gênero de forma a perceber que entre essas categorias existem
relações que são mutuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode
assumir a primazia de uma categoria sobre as outras. (2016 p.12-13)

Refletir sobre as formas como o Estado brasileiro vem construindo sua


política em relação às drogas a partir das categorias classe social, raça/etnia,
gênero permite sugerir que: - há uma elaboração de discursos que reforçam a noção
de “desvio” e que são construídos por um grupo especifico e dirigido àquele que não
corresponde ao padrão. Este padrão pode estar relacionado à forma física, a
inserção no mundo do trabalho, ao nível educacional, ao estilo de vestir, mas toma
dimensões dramáticas quando envolve a cor da pele e a condição social/econômica;
- os atuais discursos descriminalizantes e antiproibicionistas amplificados na última
década disputam, ainda que não em pé de igualdade com os discursos
proibicionistas uma hegemonia; - a política proibicionista das drogas está
atravessada por marcadores de raça e classe o que impõe que isso seja denunciado
e que seja dada visibilidade para que possa ser combatido.
Desta forma, a guerra ás drogas embora um fenômeno mundial, se apresenta
de forma particular em cada país. No Brasil se construiu notadamente racista e
classista e se materializa no crescimento do aparato policial localizado nas favelas e
comunidades pobres e no encarceramento da população jovem e negra. Essa forma
de enfrentamento reitera que somente nestes lugares a droga está presente e de
que o “problema das drogas é um problema do pobre preto” o que justifica a
manutenção da hierarquia racial.

1. Guerra às drogas e racismo no Brasil

O Brasil foi o último país a pôr fim ao regime escravagista, e mesmo no pós-
abolição os negros continuaram segregados da modernização do país à luz do
referencial europeu (ALMEIDA, 2017). O processo de tentativa de branqueamento,
com a iniciativa de trazer imigrantes europeus para os trabalhos remunerados nas
plantações, além da negação ao trabalho assalariado aos negros alforriados,
reiterou o processo de negação de identidade e empurrou os negros e negras para a
marginalização ao negar-lhes o direito ao trabalho e subsistência. Este projeto
colonizador europeu foi de forma veloz e silenciosa deslocando os (as) negros (as)
dos espaços de visibilidade que foram por eles conquistados a duras penas em sua
trajetória individual e coletiva no período que antecedeu a República (ALMEIDA,
2017, p.34).
Para entender a questão racial no Brasil é necessária uma lente crítica, que
considere a constituição das condições econômicas, sociais, culturais e políticas dos
negros e as representações do escravismo e da abolição inconclusa com suas
reedições cotidianas, “ na formação social em termos de produção econômica e
reprodução da cultura, das subjetividades e do pertencimento racial” (Madeira, 2017,
p.25). Este saldo do colonialismo se reedita na política sobre drogas e no
encarceramento da população negra e periférica brasileira. Assim pretende-se
apresentar algumas contribuições para o debate intersecional entre raça, classe e o
proibicionismo das drogas, ainda que sem o aprofundamento necessário
considerando o limite desta escrita de artigo.
Cabe referir que as drogas nem sempre foram combatidas e que o alçar da
questão como uma problemática social importante é uma construção social do
século XX que chega ao século XXI como uma das maiores questões para a
sociedade. Pode-se inferir que cada pessoa se perguntada sobre o que pensa sobre
a questão das drogas poderia emitir uma opinião, um depoimento, uma história.
Embora a discussão ainda se situe numa polarização entre contra e a favor, proibir
ou regulamentar, algumas questões importantes ainda não estão devidamente
colocadas no debate.
No Brasil o proibicionismo das drogas sempre esteve pautado pelo racismo
institucional, as marcas escravocratas da constituição da democracia brasileira
sempre foi uma constante, embora fosse se transformando guardava a essência
racista e classista em seu bojo. Precisa ser demarcado que, por ser o racismo
estrutural, se constitui como elemento alicerçante das divisões de classe,
permanente na sociedade capitalista, assim não ficou restrito ao modo de produção
escravista colonial (MADEIRA, 2017, p.27). Associada a essa discussão destaca-se
que na última década o Brasil promoveu políticas compensatórias e ações
afirmativas a fim de:
aliviar e remediar as condições resultantes de um passado de discriminação
cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático:
assegurar a diversidade e a pluralidade social. Constituem medidas
concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a
igualdade deve moldar-se no respeito à diferença e à diversidade. Por meio
delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e
substantiva (Piovesan, 2005. P.49)

Essas ações, voltadas para comunidades tradicionais de matriz africana,


quilombolas e ciganas são ainda insuficientes para superar o processo de exclusão
historicamente vivido por este segmento, ainda que tenham tido o propósito de
promover a igualdade racial com alguns resultados sensíveis como o aumento do
ingresso da população negra nas universidades, ampliação do acesso a concursos
públicos e, portanto ao mercado de trabalho.
Quanto á intersecção entre política sobre drogas xviolência estatal x racismo
é urgente a seriedade na denúncia.

2. “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro” – Política Sobre


Drogas e Seletividade Penal.

O título faz uma referência a uma composição da banda O Rappa, além de


um provocação é uma denúncia sobre o racismo institucional, onde os negros estão
bastante representados nos presídios e nos dados estatísticos de homicídios e
ferimentos por armas de fogo e de maneira oposta , são minoria em espaços de
poder, e produção de conhecimento como magistratura, academia etc. Se a guerra
é contra as drogas por que a letalidade desta guerra se mostra esmagadoramente
maior com relação as pessoas negras? Por que os negros representam grande parte
das pessoas no regime carcerário brasileiro?
Difícil apontar uma resposta, numa relação direta e causal, mas o fato é que
as estatísticas têm nos apontado para uma articulação entre racismo, proibicionismo
e criminalização da pobreza, ou seja, uma relação interseccional o que permite
ampliar e complexificar a compreensão e analise da realidade, pois,
Remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender a complexidade das
identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um enfoque integrado.
Ela refuta o enclausuramento e a hierarquização dos grandes eixos da diferenciação
social que são as categorias de sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade,
deficiência e orientação sexual. O enfoque interseccional vai além do simples
reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a partir
dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das
desigualdades sociais (BILGE, 2009, p. 70 Apud, HIRATA, 2014, p.2-3).
A articulação entre diferentes categorias ou a interseccionalidade ao impedir
que o estudioso seja submetido a categorias a priori é “uma das formas de combater
as pressões múltiplas e imbricadas, e, portanto como um instrumento de luta
política” (HIRATA, 2014, p.9). Assim que, articular essas categorias sem hierarquizá-
las oferece ferramentas analíticas para apreender a articulação de múltiplas
diferenças e desigualdades. É importante destacar que já não se trata da diferença
sexual, nem da relação entre gênero e raça ou gênero e sexualidade, mas da
diferença, em sentido amplo para dar cabida às interações entre possíveisdiferenças
presentes em contextos específicos (Piscitelli, p.266).
O fato é que no território de encontro interseccional tem-se a violência como
“prática política permanente e não episódica” (OLIVEIRA, 2016, p.34) com o intuito
de manter a ordem social alicerçada nestes termos racista e classista,
concentradora de riquezas só é possível a partir da permanência de instrumentos de
repressão continuada. (OLIVEIRA, 2016, p.34).
Em sociedades desiguais como a brasileira, o sistema jurídico atua para
manutenção da ordem e aliada aos interesses da classe dominante, onde a
segurança pública atuaria como instrumento de repressão direta no cotidiano das
cidades, com uma constância maior de atuação nos territórios periféricos. O que
para FLAUZINA: “Nas periferias do capitalismo a violência com que operam os
sistemas penais é de tal ordem, que dá mais superficial observação da realidade
emergem toda a incongruência inscrita neste aparato” (2006, p.28). Violência que no
Brasil não está dissociada da proibição das drogas. Que não atuam somente no que
tange a proibição das mercadorias ilícitas, mas se retroalimenta por uma ampla rede
de violações das leis e dos direitos humanos. Para exemplificar FIORE refere que,
A produção e o comércio de drogas ilícitas são, junto com o tráfico de
armas, o maior mercado criminoso do mundo. Funcionando sem nenhum
tipo de regulação, o comércio dessas drogas envolve, na maior parte das
vezes, exploração de trabalho, inclusive infantil, contaminação ecológica,
corrupção de agentes públicos e, o que é mais grave, utilização de violência
armada para demarcação de interesses e outros conflitos. (2012, p.14)
Se por um lado caracteriza-se como um negócio altamente rentável, com
movimentando cifras bilionárias ao redor do globo, por outro produz um “saldo
negativo” em termos de desigualdades sociais, violência e perdas de vidas
humanas. O movimento dialético do capitalismo que gera acumulação de riqueza
para poucos e disseminação da pobreza para tantos. Para manutenção da lógica do
capital tem-se os marcos legais do sistema penal e a segurança pública, como
instrumento de repressão direta no cotidiano das cidades. Sobre a especificidade da
política sobre drogas Boiteux refere que,

Em 2006, o Brasil editou uma “nova” Lei de Drogas, no 11.343/06, que traz
avanços formais no reconhecimento de direitos de usuários e na estratégia
de redução de danos prevista. Esta lei, apesar de ter previsto a
despenalização do usuário (artigo 28), 15 aumentou a pena mínima do
delito de tráfico (artigo 33), de três para cinco anos, o que é apontado como
a principal causa do superencarceramento brasileiro. O país ocupa o 4o
lugar em números absolutos de presos, atrás somente dos EUA, da China e
da Rússia, com mais de 500 mil presos no total, sendo o tráfico a segunda
maior causa de encarceramento (cerca de 26%). (2015, p.02)

Esta legislação embora tenha representado um fôlego na descriminalização


dos usos de drogas e tenha sido comemorada pelos defensores do
antiproibicionismo e dos direitos humanos parece ter produzido um efeito colateral
ao produzir aumento vertiginoso do encarceramento. Pois ao distinguir usuário de
traficante sem determinar objetivamente a distinção, relegou a avaliação subjetiva
dos agentes de segurança esta questão. Se o racismo é institucional ele alicerça as
instituições, e o aparelho repressor do Estado não poderia ser diferente. Sobre o
sistema carcerário Pimenta refere que
Dentre os 506.906 presos e presas no sistema penitenciário brasileiro com
informações disponíveis sobre cor/raça, 312.625 são negros – somados
pretos e pardos. Representam, assim, 62% do total da população prisional,
percentual que não difere muito para os homens (62%) ou mulheres (61%)
presas” (2016, P.78).

O autor salienta ainda que as estatísticas de pessoas encarceradas não é


absoluto, visto a dificuldade de se obter dados absolutos e as estatísticas oficiais
darem conta somente dos presos condenados, excluindo um universo de presos
provisórios em carceragens de delegacias em camburões aguardando celas etc.
Estes números podem ser superiores, mesmo assim já revelam que os presos
brasileiros tem cor. E não só os negros são encarcerados em maior número mas são
em maior número também vitimas da violência. Carvalho destaca que:
A seletividade racial é uma constância na historiografia dos sistemas
punitivos e, em alguns casos, pode ser ofuscada pela incidência de
variáveis autônomas. No entanto, no Brasil, a população jovem negra,
notadamente aquela que vive na periferia dos grandes centros urbanos, tem
sido a vítima preferencial dos assassinatos encobertos pelos “autos de
resistência” e do encarceramento massivo, o que parece indicar que o
racismo se infiltra como uma espécie de metarregra interpretativa da
seletividade, situação que permite afirmar o racismo estrutural, não
meramente conjuntural, do sistema punitivo.(2015, p.649)

Então pode-se afirmar que este em marcha um projeto societário de


anulamento e extermínio da população negra? Isso soa um tanto desproporcional
em uma sociedade que ainda sequer aceitou que é racista, logo não há divisão por
racial. Embora uma questão atordoante é necessária, não só como uma provocação
para enxergar os que as estatísticas estão apresentando, mas sobretudo para
entender que os números neste caso representam vidas humanas. E nunca é
demais afirmar que todas as vidas importam. Embora o sistema capitalista insista
em hierarquizar em importância as pessoas. Mesmo queos negros estejam em
maior representatividade nos presídios, é inegável que esta política proibicionista e
criminalizadora tem produzido efeitos deletérios para toda a sociedade. Neste
sentido tanto o racismo e mesmo patriarcalismo, são fundamentais para
compreender a realidade, pois se constituem enquanto,

Sistemas de opressão que antecedem e se distinguem da opressão


classista, devendo ser analisados de maneira específica. Operando de
maneira particular na sujeição dos indivíduos, essas variáveis, portanto,
devem ser observadas desde um ângulo próprio, que situe sua conexão
peculiar com o sistema penal. Se é bem verdade que, como sistema
subsidiário das funções do controle social informal, o aparato criminal tem
funcionado como um regulador da mão-de-obra e do consumo,
posicionando sob o espectro da criminalização os segmentos que não se
adequam à lógica de mercado, servindo, nesse sentido, aos propósitos
classistas, há que se compreender que mesmo essas relações são
condicionadas pelo sexismo e o racismo (FLAUZINA, 2006, p.125).

Sistemas que convergem, produzindo não uma hierarquia de opressão, mas


uma sinergia para produção de desigualdades sociais e marginalização. Assim, não
é possível analisar de forma unidimensional, os sistemas, todos eles, têm de ser
colocados em perspectiva para análise.

3. Considerações finais, mas não conclusivas

A Interseccionalidade ou as interseccionalidades instigam a refletir e analisar


os fenômenos e processos sociais em sua dinamicidade e diversidade. A ampliar a
lente sobre eles rompe com o olhar caolho que hierarquiza categorias e descortina
vivamente as contradições e complexidade
Por sua novidade, desconcerta e exige criatividade. Refletir sobre como o
Brasil vem construindo e executando a política de drogas tendo como categorias
raça/etnia e classe social como marcadores sociais mostraram um quadro pintado
com cores bem definidas. E, ao analisar as estatísticas sobre encarceramento,
homicídios e pessoas assassinadas em operações policiais os números denunciam
esta intersecção de marcadores sociais expressos também em uma operação
seletiva dos discursos que serão amplificados dos que não merecem crédito. Nega-
se nossas heranças escravocratas, insiste-se em dizer que não é uma sociedade
racista.
Ao negar o racismo impede-se a criação das condições necessárias para sua
superação, isso embora óbvio ainda precisa ser dito, demarcando uma necessária e
urgente revisão. Esta negação não se esgota em si mesma, é uma negação que
produz verdades e modos de vida e encontra em outros discursos conservadores
solo fértil para a negação dos direitos e a marginalização das pessoas que fogem,
resistem a viver de acordo com esta regulação social racista e conservadora. Pode-
se dizer que os usuários de drogas se inscrevem neste processo de resistência e
suportabilidade de exclusão social.
Se há um evidente processo de criminalização da população negra e pobre,
há um processo de resistência desta população em forjar mecanismos de luta para
denunciar estes processos e para resistir coletivamente “ (...) São nestes territórios
negros e periféricos que a força do capital e do Estado fincam suas mais perversas
raízes. Porém são nestes territórios que surgem expressões de resistências culturais
e políticas. (...)” (NOGUEIRA, 2017p. 5)
Há um imbricamento moral, social, racista e classista no que tange aos usos
de drogas. Ou seja, não é somente um discurso de negação do racismo, ou uma
aceitação dos traços escravocratas ainda presentes, trata-se de compreender como
este imbricamento legitima privilégios por um lado e produz desigualdades,
humilhações e potencial encarceramento por outro.
Dito isso de outro modo, a nova lei de drogas distingue usuário de traficantes,
mas não estabelece de forma objetiva como determinar se um ou outro, o que fica a
critério do agente de segurança que fez abordagem. Então, uma sociedade
construída subjetivamente e objetivamente pelo racismo e constituição de classes,
isso pautará a decisão do agente de segurança? Se o racismo institucional está
enraizado nas instituições, também pauta as relações e processos de trabalho, da
policia inclusive.
Não se pode pensar numa política sobre drogas descolada da discussão
sobre racismo e classe social. Se há uma disputa ideológica de modelos um
proibicionista e outro antiproibicionista, cabe ao modelo mais progressista pautar um
antiproibicionismo das drogas, pautado na igualdade racial, de gênero e no
anticapitalismo.
A guerra nunca foi contra as drogas. A guerra é contra as pessoas. A guerra
tem cor, raça e endereço.

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