Documentos de Académico
Documentos de Profesional
Documentos de Cultura
1
Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública
2
Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública
Nos bebeê s que apresentam riscos de desenvolver distué rbios de tipo autíéstico
haé muita dificuldade no estabelecimento das interaçoã es do bebeê com os outros.
Entaã o, os parceiros – bebeê s e pais - como que se fecham em si mesmos, cada um em
circuito fechado, ocasionando um processo diferente, em que, no lugar dessa
construçaã o comum, teremos duas construçoã es que se confrontam. Na primeira, do
lado do bebeê , pode ocorrer uma dificuldade, ou ateé mesmo uma impossibilidade de
interaçaã o, de modo que as aquisiçoã es da maturaçaã o neuromotora naã o saã o
utilizadas para a relaçaã o com o outro; na segunda, do lado dos pais, pode ocorrer
uma grande perturbaçaã o em que todas as suas competeê ncias relacionais e a sua
capacidade de comunicaçaã o ficam suspensas na relaçaã o com seu bebeê , embora
fiquem intactas suas capacidades de linguagem e de comunicaçaã o.
Pesquisas com filmes familiares demonstraram que o autismo naã o se
apresenta desde o nascimento, e que, no primeiro ano de vida, os bebeê s podem
apresentar sinais de fechamento aà s interaçoã es ao mesmo tempo em que teê m
aberturas para momentos de trocas com seus pais. Essas pesquisas nos alertam
para o processo que pode levar aà instauraçaã o do quadro autíéstico propriamente
dito: o cíérculo vicioso que pode se instalar quando essas dificuldades do lado do
bebeê e do lado dos pais, reativas, naã o saã o percebidas como tais, resultando em
falhas graves na interaçaã o entre pais e bebeê .
O papel dessa intensa interaçaã o pais/bebeê eé fundamental, pois eé ela que
organiza o corpo do bebeê e seu funcionamento, seu comportamento e suas
representaçoã es, ou seja, sua entrada no mundo simboé lico e relacional. Por isso, a
abordagem psicanalíética procura restaurar a interaçaã o pais/bebeê , para recolocar
em marcha o “motor relacional”, para que o bebeê possa começar a se organizar, se
construir e se enriquecer pela identificaçaã o e pela imitaçaã o.
Por isso noé s, psicanalistas, estamos, sobretudo, preocupados em intervir
logo, antes que essas dificuldades relacionais se fixem como padroã es de relaçaã o
para o bebeê . Por queê ? Porque sabemos que nesse períéodo o bebeê possui uma maior
maleabilidade em seus aspectos orgaê nicos e em sua constituiçaã o psíéquica. Com
base em resultados de pesquisas, sabemos tambeé m que os fatores herdados
geneticamente podem ter sua expressaã o alterada de acordo com o ambiente, com
as viveê ncias subjetivas e a qualidade de vida de cada um. EÉ isto que possibilita
tanta riqueza no desenvolvimento do bebeê e em suas trocas interativas com o meio.
3
Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública
Principalmente no iníécio da vida, quando a natureza das experieê ncias e as viveê ncias
relacionais, com seus correlatos neuroquíémicos, teê m uma capacidade de influir na
formaçaã o das redes de funcionamento dos neuroê nios. EÉ essa maleabilidade que
propicia que intervençoã es nesse momento oportuno sejam muito mais eficazes e
duradouras, podendo evitar que essas dificuldades se potencializem, como bola de
neve, instalando-se como quadros cujo tratamento seraé mais difíécil apoé s a
primeira infaê ncia.
A avaliaçaã o e as intervençoã es do psicanalista sempre levam em consideraçaã o
a constituiçaã o subjetiva do bebeê , ou seja, estamos atentos aos processos
particulares e aos sinais que indicam falhas, dificuldades, impedimentos nesse
processo de constituiçaã o. EÉ importante destacar esse ponto porque a avaliaçaã o ou a
intervençaã o psicanalíética sempre eé feita considerando que um sinal sozinho naã o
indica nada, ele precisa estar associado a uma seé rie de outros sinais, compondo um
sentido ou tendo assim uma significaçaã o. Diante disso, eé necessaé rio considerar que
os fenoê menos subjetivos precisam de uma sucessaã o de observaçoã es ao longo do
tempo. Dessa forma, naã o haé uma avaliaçaã o momentaê nea e pontual, assim como os
efeitos de uma intervençaã o soé saã o verificados num momento posterior.
Vale lembrar que, muitas vezes, um bebeê ou uma criança pequena pode dar
mostras de uma diversidade de distué rbios, geralmente leves ou ateé moderados,
quando estaé respondendo a questoã es relacionadas a algum conflito passageiro que
estaé enfrentando em algum momento de sua vida ou da vida de sua famíélia. Nessas
situaçoã es, eé importante a famíélia contar com uma rede de sustentaçaã o formada por
pessoas de refereê ncia para os pais.
Na condiçaã o de psicanalistas, ficamos alertas quando um bebeê se mostra
impossibilitado de exercer suas competeê ncias, tanto no contexto das interaçoã es
quanto na organizaçaã o de sua funcionalidade, ao longo de seu desenvolvimento
fíésico, que lhe permita prosseguir nas etapas do crescimento neuro-sensoé rio-motor
(rolar, andar, sentar, pegar usando as maã os, olhar direcionado, atençaã o a sons,
mastigar) ateé a organizaçaã o dos seus ritmos de sono/vigíélia, fome/saciedade,
brincadeiras/descanso. Pode aparecer, assim, pouco interesse na interaçaã o,
comunicaçaã o e contato afetivo/lué dico, dificuldade de aceitar e apreciar o contato
fíésico e de se aconchegar ao colo, auseê ncia de pedido de aproximaçaã o, apatia,
pobreza de troca de olhares e poucas vocalizaçoã es em resposta aà convocaçaã o dos
4
Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública
pais, dificuldade de se deixar consolar pelo adulto, com isso arranjando um jeito
proé prio de se consolar, tendo prefereê ncia pela manipulaçaã o de objetos.
Vulnerabilidade e desarmonia tambeé m podem se manifestar no contexto de
recusas alimentares, doenças somaé ticas de repetiçaã o, refluxos gastresofaé gicos,
doenças respiratoé rias, irritabilidade excessiva chegando ateé ao impedimento do
sono, flacidez ou outras alteraçoã es do toê nus muscular. Reconhecemos nessas
demonstraçoã es do bebeê que ele naã o estaé bem, e chamamos a essas dificuldades,
que se expressam em maior ou menor grau, de sinais de sofrimento precoce ou
indicadores de risco (risco para o desenvolvimento, e risco psíéquico).
Geralmente, quando os pais chegam para o trabalho com o psicanalista,
muitos desses sinais podem jaé estar presentes, embora tenham sido pouco
valorizados como algo que mereça atençaã o de um profissional. Muitos pais jaé se
inquietam, teê m dué vidas e sensaçoã es de estranheza no contato com o filho que pode
ser pouco responsivo e pouco se comunicar. Ao acolher tais inquietaçoã es dos pais
desde cedo, o psicanalista pode traduzir e amplificar os apelos do bebeê ,
legitimando as percepçoã es dos pais e favorecendo a relaçaã o entre eles.
Nesse momento da intervençaã o, o psicanalista entende que o atendimento
conjunto dos pais com o bebeê eé fundamental para a compreensaã o do que acontece
entre eles. Durante os encontros, o trabalho do psicanalista eé o de fazer a leitura
dos apelos que o bebeê faz, do modo pelo qual ele convoca ou evita o encontro com
os pais e de ajudar aos pais a dar novos sentidos aà movimentaçaã o do bebeê . EÉ a isso
que chamamos de “leitura das situaçoã es relacionais” dos pais com o bebeê , que
englobam tanto a movimentaçaã o do bebeê na direçaã o de seus pais quanto a
movimentaçaã o dos pais na direçaã o do bebeê que, ao se mostrarem durante as
sessoã es, seraã o nomeadas pelo psicanalista.
O trabalho do psicanalista eé o de dar lugar aà s palavras, naã o quaisquer
palavras, mas aquelas que servem aà quela famíélia porque teê m a ver com a histoé ria
singular daquele nascimento, somada aà histoé ria de vida daquele casal.
Por tudo isso que se passa nesses encontros, dizemos que o psicanalista “se
empresta” como mediador e tradutor durante os atendimentos, nomeando o
sofrimento de ambos (pais e bebeê ), desculpabilizando os pais e legitimando a força
e o potencial do bebeê .
5
Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública
6
Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública