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Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública

Jornada Psicanálise, Autismo e Saúde Pública


Saã o Paulo, 22, 23 e 24 de março de 2013
Grupo de Trabalho 10 – intervençaã o precoce

Bebês em risco de autismo e os recursos do psicanalista para ajudá-los

Atualmente muito se fala sobre a origem do autismo, os meé todos de


tratamento e seus resultados. Entretanto, muitas pessoas desconhecem as
possibilidades de detecçaã o de sinais de sofrimento psíéquico em momentos iniciais
da vida, e sua relaçaã o com o autismo. Muitos tambeé m desconhecem o alcance da
intervençaã o precoce nesses casos e o quanto o trabalho do psicanalista, muitas
vezes associado ao trabalho de outros profissionais, eé capaz de mudar de forma
significativa os efeitos desses riscos.
Os psicanalistas que se ocupam de bebeê s e de crianças pequenas teê m muito
a dizer sobre a detecçaã o precoce do sofrimento desses bebeê s e dessas crianças e,
tambeé m, sobre as mudanças positivas decorrentes de suas intervençoã es e manejos
clíénicos. Essas possibilidades se devem ao fato da teoria psicanalíética, que
descobriu o inconsciente e se dedica ao seu estudo, tambeé m ter possibilitado
compreender como o psiquismo nascente do bebeê se organiza a partir da relaçaã o
dele com os outros e, prioritariamente e antes de tudo, com seus pais que saã o suas
refereê ncias principais.
A relaçaã o do bebeê com os pais tem certas caracteríésticas importantíéssimas
para o seu desenvolvimento bio-psíéquico-social, e eé por isso que sempre que
pensamos no bebeê , nos debruçamos sobre as funçoã es do pai e da maã e (ou de quem
os represente para o bebeê ), porque sabemos que o bebeê , sem os cuidados de um
adulto, naã o sobrevive nem fisicamente nem psiquicamente. Mais do que isso: naã o
se estruturaraé como um sujeito como um ser singular que sabe quem eé , e com
capacidade de interpretar os significados pessoais e sociais das diferentes
situaçoã es da vida cotidiana. Com base em muitas investigaçoã es clíénicas sobre a
organizaçaã o do psiquismo sabemos que essa capacidade naã o eé inata, mas depende
da ajuda dos responsaé veis pela criança, e seraé nas trocas relacionais precoces com
os adultos importantes que o bebeê inscreveraé memoé rias em seu psiquismo ainda

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em formaçaã o. Essas primeiras experieê ncias relacionais seraã o a base da construçaã o


da sua histoé ria.
Diante disso, eé importante lembrar que os bebeê s podem ser muito
diferentes entre si, em suas reaçoã es e nos tempos que marcam os seus ciclos vitais
como sono, alimentaçaã o, recolhimento e ritmos que pautam a interaçaã o com os
adultos de sua refereê ncia. Alguns podem ser sossegados e tranquilos, podendo
passar um bom tempo na presença do adulto sem solicitar sua atençaã o em
demasia. Outros, no entanto, podem se mostrar previsíéveis em suas atitudes e
ritmos. Outros ainda, muito ativos, podem exigir bastante atençaã o do adulto, por
serem bebeê s mais excitaé veis, que estabelecem um forte ritmo interativo com seu
cuidador.
Em nosso trabalho de psicanalistas, deparamos com toda sorte de encontros
e desencontros possíéveis que um bebeê teraé no primeiro ano de vida: estes
constituiraã o a sua histoé ria e sua maneira de estar no mundo, sua maneira de se
relacionar com os outros.
Em alguns casos, os esperados encontros podem naã o ocorrer de forma
satisfatoé ria para o bebeê , ou para os pais, ou para ambos. Existem bebeê s, por
exemplo, que naã o conseguem se alimentar, dormir ou estabelecer uma
comunicaçaã o com seu entorno. Nesse desencontro, que pode envolver aspectos
constitucionais, bioloé gicos, histoé ricos e culturais, podem ocorrer dificuldades tanto
por parte do bebeê como dos pais.
Portanto, se um bebeê ou criança pequena estaé se ligando a objetos, vivendo
em um mundo de sensaçoã es em detrimento das interaçoã es, evitando as emoçoã es ou
sucumbindo a elas, temos que pensar que mudar [ou treinar] o comportamento,
ainda que isso possa trazer atitudes momentaneamente mais aceitaé veis, naã o eé
suficiente para reformular a estrutura mental em risco de enrijecimento autíéstico.
Haé que se investir maciçamente na criaçaã o de oportunidades de relaçaã o que
ajudem a criança a regular e reconhecer seus estados emocionais, naã o por meio da
pura cogniçaã o, mas exatamente por meio de experieê ncias afetivas significativas
com o outro. Esta eé a tarefa da Psicanaé lise: buscar reconhecer os estados mentais
tomando por base a observaçaã o detalhada e sintonizada do comportamento naã o
verbal do bebeê /criança e seus pais, convocando para o contato a partir do que a
criança eé , e ampliando o movimento da criança em direçaã o ao contato com o outro.

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Nos bebeê s que apresentam riscos de desenvolver distué rbios de tipo autíéstico
haé muita dificuldade no estabelecimento das interaçoã es do bebeê com os outros.
Entaã o, os parceiros – bebeê s e pais - como que se fecham em si mesmos, cada um em
circuito fechado, ocasionando um processo diferente, em que, no lugar dessa
construçaã o comum, teremos duas construçoã es que se confrontam. Na primeira, do
lado do bebeê , pode ocorrer uma dificuldade, ou ateé mesmo uma impossibilidade de
interaçaã o, de modo que as aquisiçoã es da maturaçaã o neuromotora naã o saã o
utilizadas para a relaçaã o com o outro; na segunda, do lado dos pais, pode ocorrer
uma grande perturbaçaã o em que todas as suas competeê ncias relacionais e a sua
capacidade de comunicaçaã o ficam suspensas na relaçaã o com seu bebeê , embora
fiquem intactas suas capacidades de linguagem e de comunicaçaã o.
Pesquisas com filmes familiares demonstraram que o autismo naã o se
apresenta desde o nascimento, e que, no primeiro ano de vida, os bebeê s podem
apresentar sinais de fechamento aà s interaçoã es ao mesmo tempo em que teê m
aberturas para momentos de trocas com seus pais. Essas pesquisas nos alertam
para o processo que pode levar aà instauraçaã o do quadro autíéstico propriamente
dito: o cíérculo vicioso que pode se instalar quando essas dificuldades do lado do
bebeê e do lado dos pais, reativas, naã o saã o percebidas como tais, resultando em
falhas graves na interaçaã o entre pais e bebeê .
O papel dessa intensa interaçaã o pais/bebeê eé fundamental, pois eé ela que
organiza o corpo do bebeê e seu funcionamento, seu comportamento e suas
representaçoã es, ou seja, sua entrada no mundo simboé lico e relacional. Por isso, a
abordagem psicanalíética procura restaurar a interaçaã o pais/bebeê , para recolocar
em marcha o “motor relacional”, para que o bebeê possa começar a se organizar, se
construir e se enriquecer pela identificaçaã o e pela imitaçaã o.
Por isso noé s, psicanalistas, estamos, sobretudo, preocupados em intervir
logo, antes que essas dificuldades relacionais se fixem como padroã es de relaçaã o
para o bebeê . Por queê ? Porque sabemos que nesse períéodo o bebeê possui uma maior
maleabilidade em seus aspectos orgaê nicos e em sua constituiçaã o psíéquica. Com
base em resultados de pesquisas, sabemos tambeé m que os fatores herdados
geneticamente podem ter sua expressaã o alterada de acordo com o ambiente, com
as viveê ncias subjetivas e a qualidade de vida de cada um. EÉ isto que possibilita
tanta riqueza no desenvolvimento do bebeê e em suas trocas interativas com o meio.

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Principalmente no iníécio da vida, quando a natureza das experieê ncias e as viveê ncias
relacionais, com seus correlatos neuroquíémicos, teê m uma capacidade de influir na
formaçaã o das redes de funcionamento dos neuroê nios. EÉ essa maleabilidade que
propicia que intervençoã es nesse momento oportuno sejam muito mais eficazes e
duradouras, podendo evitar que essas dificuldades se potencializem, como bola de
neve, instalando-se como quadros cujo tratamento seraé mais difíécil apoé s a
primeira infaê ncia.
A avaliaçaã o e as intervençoã es do psicanalista sempre levam em consideraçaã o
a constituiçaã o subjetiva do bebeê , ou seja, estamos atentos aos processos
particulares e aos sinais que indicam falhas, dificuldades, impedimentos nesse
processo de constituiçaã o. EÉ importante destacar esse ponto porque a avaliaçaã o ou a
intervençaã o psicanalíética sempre eé feita considerando que um sinal sozinho naã o
indica nada, ele precisa estar associado a uma seé rie de outros sinais, compondo um
sentido ou tendo assim uma significaçaã o. Diante disso, eé necessaé rio considerar que
os fenoê menos subjetivos precisam de uma sucessaã o de observaçoã es ao longo do
tempo. Dessa forma, naã o haé uma avaliaçaã o momentaê nea e pontual, assim como os
efeitos de uma intervençaã o soé saã o verificados num momento posterior.
Vale lembrar que, muitas vezes, um bebeê ou uma criança pequena pode dar
mostras de uma diversidade de distué rbios, geralmente leves ou ateé moderados,
quando estaé respondendo a questoã es relacionadas a algum conflito passageiro que
estaé enfrentando em algum momento de sua vida ou da vida de sua famíélia. Nessas
situaçoã es, eé importante a famíélia contar com uma rede de sustentaçaã o formada por
pessoas de refereê ncia para os pais.
Na condiçaã o de psicanalistas, ficamos alertas quando um bebeê se mostra
impossibilitado de exercer suas competeê ncias, tanto no contexto das interaçoã es
quanto na organizaçaã o de sua funcionalidade, ao longo de seu desenvolvimento
fíésico, que lhe permita prosseguir nas etapas do crescimento neuro-sensoé rio-motor
(rolar, andar, sentar, pegar usando as maã os, olhar direcionado, atençaã o a sons,
mastigar) ateé a organizaçaã o dos seus ritmos de sono/vigíélia, fome/saciedade,
brincadeiras/descanso. Pode aparecer, assim, pouco interesse na interaçaã o,
comunicaçaã o e contato afetivo/lué dico, dificuldade de aceitar e apreciar o contato
fíésico e de se aconchegar ao colo, auseê ncia de pedido de aproximaçaã o, apatia,
pobreza de troca de olhares e poucas vocalizaçoã es em resposta aà convocaçaã o dos

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pais, dificuldade de se deixar consolar pelo adulto, com isso arranjando um jeito
proé prio de se consolar, tendo prefereê ncia pela manipulaçaã o de objetos.
Vulnerabilidade e desarmonia tambeé m podem se manifestar no contexto de
recusas alimentares, doenças somaé ticas de repetiçaã o, refluxos gastresofaé gicos,
doenças respiratoé rias, irritabilidade excessiva chegando ateé ao impedimento do
sono, flacidez ou outras alteraçoã es do toê nus muscular. Reconhecemos nessas
demonstraçoã es do bebeê que ele naã o estaé bem, e chamamos a essas dificuldades,
que se expressam em maior ou menor grau, de sinais de sofrimento precoce ou
indicadores de risco (risco para o desenvolvimento, e risco psíéquico).
Geralmente, quando os pais chegam para o trabalho com o psicanalista,
muitos desses sinais podem jaé estar presentes, embora tenham sido pouco
valorizados como algo que mereça atençaã o de um profissional. Muitos pais jaé se
inquietam, teê m dué vidas e sensaçoã es de estranheza no contato com o filho que pode
ser pouco responsivo e pouco se comunicar. Ao acolher tais inquietaçoã es dos pais
desde cedo, o psicanalista pode traduzir e amplificar os apelos do bebeê ,
legitimando as percepçoã es dos pais e favorecendo a relaçaã o entre eles.
Nesse momento da intervençaã o, o psicanalista entende que o atendimento
conjunto dos pais com o bebeê eé fundamental para a compreensaã o do que acontece
entre eles. Durante os encontros, o trabalho do psicanalista eé o de fazer a leitura
dos apelos que o bebeê faz, do modo pelo qual ele convoca ou evita o encontro com
os pais e de ajudar aos pais a dar novos sentidos aà movimentaçaã o do bebeê . EÉ a isso
que chamamos de “leitura das situaçoã es relacionais” dos pais com o bebeê , que
englobam tanto a movimentaçaã o do bebeê na direçaã o de seus pais quanto a
movimentaçaã o dos pais na direçaã o do bebeê que, ao se mostrarem durante as
sessoã es, seraã o nomeadas pelo psicanalista.
O trabalho do psicanalista eé o de dar lugar aà s palavras, naã o quaisquer
palavras, mas aquelas que servem aà quela famíélia porque teê m a ver com a histoé ria
singular daquele nascimento, somada aà histoé ria de vida daquele casal.
Por tudo isso que se passa nesses encontros, dizemos que o psicanalista “se
empresta” como mediador e tradutor durante os atendimentos, nomeando o
sofrimento de ambos (pais e bebeê ), desculpabilizando os pais e legitimando a força
e o potencial do bebeê .

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Geralmente cabe ao psicanalista estender essas palavras e sua compreensaã o


da dinaê mica relacional da famíélia, a partir de sua percepçaã o e leitura dos fatos
clíénicos, aos outros profissionais que estaã o em contato com a famíélia e o bebeê . Em
nossa praé tica, na troca com outros profissionais, fica evidente o quanto eé
organizador para a equipe a compreensaã o do psicanalista que os ajuda a ver com
igual importaê ncia as dificuldades do bebeê e as dos seus pais.
As dificuldades encontradas por essas famíélias, em tempos taã o iniciais do
desenvolvimento de seus pequenos filhos, geralmente causam um grau de
desorganizaçaã o intensa, que inclui desde as mudanças nos ciclos de sono e vigíélia,
alimentaçaã o, ateé as vaé rias situaçoã es de adoecimentos do bebeê e cansaço extremo
dos pais. Nesse contexto de alteraçoã es na rotina da casa, e desafios para a
conviveê ncia do casal e famíélia, damos muita importaê ncia aà rotina dos
atendimentos, que pode marcar a constaê ncia das trocas interativas entre o
psicanalista, os pais e o bebeê , e favorecer a regularizaçaã o dos ritmos interativos dos
pais com seu bebeê no ambiente familiar.
Haé duas operaçoã es fundamentais no trabalho do psicanalista: a primeira
operaçaã o eé a detecçaã o precoce, e a segunda operaçaã o eé a intervençaã o precoce. Mas,
situamos aíé uma sutileza clíénica que tem enormes consequeê ncias, porque a
detecçaã o precoce refere-se ao risco psíéquico para o desenvolvimento em geral, e
naã o somente ao risco de autismo.
Atualmente, o fato de a categoria TEA (Transtorno de Espectro Autista)
englobar quase todos os transtornos especificamente psíéquicos tem tido as
seguintes consequeê ncias: 1) uma falsa epidemia do autismo; 2) uma supressaã o de
categorias causando confusaã o e diagnoé sticos inespecíéficos e; 3) significativos
atrasos para o tempo de iníécio das intervençoã es precoces, porque os profissionais
ficam induzidos, paradoxalmente, a esperar a definiçaã o do autismo para indicar
intervençaã o. E isso faz grande diferença em relaçaã o aos resultados que se obteê m
quando as intervençoã es saã o tardias.
Diante de tudo o que foi exposto, eé importante estarmos atentos para a
forma como estaé se estabelecendo a relaçaã o pais/bebeê , pois, ao localizarmos sinais
de risco e sofrimento precoce, estes podem nos alertar sobre as dificuldades de
desenvolvimento dos bebeê s. Nossa experieê ncia clíénica com inué meras famíélias cujos
bebeê s foram acompanhados por uma rede de cuidados iniciais, incluindo o

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psicanalista, demonstra como eé possíével mudar significativamente os rumos do


desenvolvimento de um bebeê em risco de autismo, e favorecer vias alternativas
para sua construçaã o psíéquica.

Participantes e colaboradores diretos do texto: Alfredo N. Jerusalinsky (Centro


Lydia Coriat, APPOA), Leda M. F. Bernardino (APC, FEUSP), Eloisa Lacerda (SEDES,
Carretel), Mira Wajntal (SEDES), Ineê s Cataã o (COMPP (SES-DF), HCB, PREAUT
BRASIL, Escola Letra Freudiana), Sonia Mota (ABENEP/RJ), Maria Eugeê nia
Pesaro (Lugar de Vida – Centro de Educaçaã o Terapeê utica), Augusta Mara Fadel
(Lugar de Vida – Centro de Educaçaã o Terapeê utica), Cristina Hoyer (Associação
Projeto Espaço Vivo), Mariangela Mendes de Almeida (SEDES, SBPSP, Unifesp),
Vera Zimmermann (SEDES, CRIA/Unifesp), Mayra Castro (Equipe Nós), Mariana
Garcez (Grupo Laço), Maria Eduarda Lyrio Searsonn, Nathaé lia Campana (poé s
graduanda IPUSP), Maria Cecíélia Pereira da Silva (SEDES), Vera Regina Fonseca
(SBPSP), Joaã o Luiz Paravidini (GECLIPS), Cirlana Rodrigues de Souza (GECLISPS),
Aline Sieiro (GECLISPS), Regina Orth Aragaã o (ABEBE), Rafaela Duque (CPPL),.

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