Está en la página 1de 17

A Ditadura do Proletariado

Karl Kautsky
1918

Fonte: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Do livro: Ishay, Micheline R. (org.).


Direitos Humanos: Uma Antologia – SP Edusp, 2006 p. 533 a 545.
Tradução: Tradução conforme a edição de Karl Kautsky, A Ditadura do
Proletariado, trad. De Eduardo Sucupira Filho, São Paulo, Liv. Ed. Ciências
Humanas, 1979.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.

Liga Social Democrata Vermelha


O Problema

Pela primeira vez na história mundial, a Revolução russa


permitiu a um partido socialista tomar a direção de um grande
país. É acontecimento muito mais relevante do que a tomada
do poder pelo proletariado parisiense, em março de 1871.
Entretanto, num aspecto importante, a Comuna de
Paris sobrepujou a República soviética: a Comuna foi obra de
todo o proletariado; todas as correntes socialistas dela
participaram, nenhuma foi excluída nem se omitiu.

Ao contrário, o partido socialista que está hoje no poder, na


Rússia, tomou-o lutando contra outros partidos socialistas. Ele
exerce seu poder com a exclusão de outros partidos socialistas
de suas instâncias dirigentes.

A oposição das duas correntes socialistas não se funda em


mesquinhas rivalidades entre indivíduos, mas é a oposição de
dois métodos fundamentalmente diferentes: o
método democrático e o método ditatorial. As duas correntes
querem a mesma coisa: a emancipação do proletariado e com
ele a emancipação da humanidade pela via do socialismo. Mas
o caminho escolhido por uns é tido pelos outros como falso e
que deve conduzir apenas à ruína.

É impossível considerar com desinteresse um


acontecimento tão gigantes como o combate do proletariado
na Rússia. Cada um de nós sente-se obrigado a tomar partido,
a participar com paixão. E isso é tanto mais importante
porquanto os problemas que envolvem hoje nossos camaradas
russos poderão, igualmente, tornar-se amanhã, para a Europa
ocidental, de importância prática, dado que desde o presente
influenciam de maneira decisiva nossa propaganda e nossa
tática.

Entretanto, o dever de nosso partido, frente a essa luta


fratricida na Rússia, é o de não tomar partido nem por um nem
por outro, enquanto não examinarmosa fundo os argumentos
dos dois campos.
Alguns camaradas querem nos impedir de assim proceder.
Declaram que é nosso dever pronunciar-nos,
incondicionalmente, a favor da corrente do socialismo russo
que detém o governo. Qualquer outro comportamento
colocaria em perigo a Revolução e o próprio socialismo. Isso
significa que se aceita como certo algo que precisa ser
demonstrado, ou seja, que uma das correntes engajou-se na
linha justa e que devemos encorajá-la a persistir nessa
posição.

Efetivamente, a reivindicação pela livre discussão nos leva


de antemão ao terreno da democracia. A finalidade da ditadura
não é refutar a opinião oposta, mas suprimir violentamente sua
expressão. Assim, os dois métodos, a democracia e a ditadura,
opõem-se de maneira irredutível antes mesmo do começo da
discussão. Uma exige a discussão, outra recusa-a.

Mas, até o presente, a ditadura não reina ainda em nosso


partido; pode-se, ainda, discutir livremente entre nós. E o
fazemos não somente pelo direito, mas pelo dever de exprimir
livremente nossa opinião, porque uma decisão frutífera e
adequada só é possível depois de termos entendido todos os
argumentos. É preciso ouvir os dois sons do sino.

Eis por que vamos examinar, mais longamente, a


importância que representa a democracia para o proletariado,
o que é preciso entender por ditadura do proletariado e quais
são as condições criadas pela ditadura como método de
governo em prol da emancipação do proletariado.

Democracia e Tomada do Poder Político

Algumas vezes, faz-se diferença entre democracia e


socialismo, isto é, entre socialização dos meios de produção e
a própria produção, da maneira seguinte: diz-se que o
socialismo é nosso objetivo final, a razão de ser de nosso
movimento to, ao passo que a democracia não é senão o meio
de chegar a ele; e que a democracia, uma vez atingida, revela-
se inadequada e até mesmo um obstáculo.

Em verdade, não é o socialismo nosso objetivo final, mas a


abolição de
"toda espécie de exploração e de opressão,
quer seja dirigida contra uma classe, um
partido, um sexo ou uma raça" (Programa de
Erfurt).

Tentamos atingir esse objetivo ajudando a luta de classes


do proletariado, porque o proletariado, na condição de classe
mais baixa, não pode libertar-se sem abolir todas as causas da
exploração e da opressão; e porque o proletariado industrial é,
entre as camadas mais exploradas e oprimidas, aquela cuja
força, assim como suas possibilidades e ardor combativo,
crescem cada dia mais, sendo por isso inelutável sua vitória.
Eis por que, hoje, todo adversário sincero da exploração e da
opressão deve tomar parte na luta de classes do proletariado,
qualquer que seja sua classe de origem.

Por essa luta, nós nos propomos estabelecer um modo de


produção socialista, dado que parece ser, hoje, o único meio
que corresponde às condições técnicas e econômicas dadas
para conseguir nosso fim. Se se chegasse a demonstrar que
estamos errados em não acreditar que a libertação do
proletariado e da humanidade em geral possa realizar-se,
unicamente, ou mais comodamente, na base da propriedade
privada dos meios de produção — como Proudhon continuou a
crer — então deveríamos rejeitar o socialismo, sem renunciar,
entretanto, a nosso fim, e deveríamos fazê-lo, precisamente,
no interesse de nosso objetivo final.

Não se pode opor democracia e socialismo ao dizer que um


é meio e outro é fim. Todos os dois são meios para um mesmo
fim.

A diferença entre ambos está em que o socialismo, como


meio de emancipação do proletariado, é impensável sem
democracia. Certamente, o modo de produção social é também
necessário sobre uma outra base que não a democrática. Em
situação de subdesenvolvimento, uma economia de tipo
comunista podia tornar-se diretamente a base de um
despotismo. Já em 1875 Engels o constatava ao se referir ao
comunismo aldeão, tal como tem existido na Rússia e na Índia
até nossos dias (Da Questão Social na Rússia, "Volksstaat",
1875).
Em Java, a política colonial dos Países-Baixos repousava na
apropriação coletiva do solo, na época do chamado “sistema
de civilização”, que consistia em organizar a produção agrícola
em proveito do governo e a expensas do povo.

Mas, é sobretudo o Estado dos jesuítas do Paraguai, no


século XVIII, que nos dá o exemplo mais patente de uma
organização não-democrática do trabalho coletivo. Recorrendo
a métodos ditatoriais, os jesuítas, como classe dominante,
haviam organizado o trabalho do povo indígena primitivo de
uma maneira impressionante: não praticavam a violência, mas
sujeitavam pelo afeto.

Para os homens de hoje, tal sistema político paternalista


não seria suportável. Ele não é praticável senão onde os
dominadores levam vantagem sobre os dominados, e quando
estes últimos não são absolutamente capazes de atingir o
mesmo nível de saber dos dominadores. Uma camada ou uma
classe que luta por sua emancipação não pode aceitar tal
sistema de tutela para atingir seu fim. Deve, ao contrário,
recusá-lo radicalmente.

Assim, para nós, o socialismo sem democracia não é digno


de consideração. E, por socialismo moderno, não entendemos
somente a organização coletiva da produção, mas, igualmente,
a organização democrática da sociedade. Por conseguinte,
consideramos que o socialismo está indissoluvelmente ligado à
democracia. Não há socialismo sem democracia.

Não se pode, ao contrário, inverter facilmente essa frase. A


democracia não é realizável sem o socialismo. Contudo, uma
democracia pura é possível sem o socialismo, como se dá nas
comunidades de camponeses pobres que se baseiam na
propriedade privada dos meios de produção, e, ao mesmo
tempo, permitem igualdade completa de condições
econômicas.

Pode-se, pois, dizer que a democracia é possível sem o


socialismo, e que pode mesmo ser realizada antes dele. Parece
que aqueles que pensam que a democracia está para o
socialismo como o meio está para o fim, consideram tal
democracia como sendo pré-socialista. Mas, quase sempre,
apressam-se a acrescentar que ela não pode ser,
verdadeiramente, meio adaptado ao fim. Tal posição deve ser
contestada energicamente, porque se encontrasse aprovação
geral influenciaria de maneira nefasta nosso movimento.

Por que, então, a democracia deveria ser instrumento


inadequado para atingir o socialismo?

Do que se trata é da tomada do poder político. Diz-se que


ela é possível se os social-democratas conseguem maioria,
numa eleição parlamentar, em um país democrático, onde, até
então, um governo burguês detinha o poder, e que as classes
dominantes não hesitariam em recorrer a todos os meios de
repressão à sua disposição para impedir o advento da
democracia. Essa seria a razão pela qual o proletariado não
poderia tomar o poder político pela via democrática, mas
unicamente pela revolução.

Sem dúvida, quando num Estado democrático o


proletariado ganha força, deve-se esperar tentativas da classe
dominante no sentido de impedir, por meios repressivos, a
realização da democracia pela classe ascendente. Mas, mesmo
assim, a inutilidade da democracia para o proletariado não está
provada. Se, nas condições descritas, as classes dominantes
recorrem à violência, é porque elas receiam, sobretudo, as
conseqüências da democracia. E sua violência não levaria
senão ao desmoronamento da democracia.

As conseqüências dessas tentativas previsíveis da classe


dirigente no sentido de abolir a democracia não provam, pois,
a inutilidade da democracia para o proletariado, mas
demonstram a necessidade de defendê-la, em qualquer parte,
de forma tenaz. Com efeito, se se faz crer ao proletariado que
a democracia é, no fundo, apenas ornamento inútil, isso
impedirá a mobilização das forças necessárias para defendê-la.
Mas a massa do proletariado está, apesar de tudo, bastante
presa a seus direitos democráticos para que se espere sua
renúncia voluntária a esses direitos. Ao contrário, o mais
provável é que ela defenda esses direitos com tal firmeza que,
se os oponentes procurarem destruir pela violência os direitos
do povo, sua resistência resoluta transforrnar-se-á em
subversão política. Isso se torna muito mais provável quando
o proletariado manifesta respeito pela democracia e lhe é fiel.

Em contrapartida, não é preciso crer que o desenrolar dos


acontecimentos, tal como aqui é descrito, seja em toda a parte
inevitável. Não devemos ser pessimistas. Quanto mais o Estado
é democrático, mais seus instrumentos de dominação - neles
compreendidas as forças militares - dependem da vontade do
povo (milícias). Os instrumentos de dominação podem,
igualmente, tornar-se, em uma democracia, meio de supressão
violenta do movimento proletário, no momento em que o
proletariado é, ainda, numericamente muito fraco - isto é, em
um país agrícola - ou politicamente muito fraco porque não está
organizado, nem é intelectualmente autônomo. Mas, se num
Estado democrático o proletariado se desenvolver até tomar-
se tão numeroso e poderoso para tomar o poder político pela
simples aplicação das liberdades dadas, então a “ditadura
capitalista” terá muitas dificuldades para mobilizar os
instrumentos de repressão necessários à supressão violenta da
democracia.

Com efeito, Marx considerava possível — e mesmo


verossímil — que o proletariado, tanto na Inglaterra como na
América, pudesse tomar o poder político pela via pacífica.
Depois do fechamento do Congresso de Haia, da Internacional,
em 1872, Marx pronunciou um discurso numa reunião popular
de Amsterdã, no qual explicou, entre outras coisas, o seguinte:

O operário deve assumir, um dia, a supremacia política para


estabelecer a nova organização do trabalho; deve derrubar a
velha política, sustentáculo das velhas instituições, sob pena,
como os antigos cristãos que a haviam negligenciado e
desdenhado, de nunca ver seu reino neste mundo. Mas não
pretendemos que para alcançar esse fim os meios sejam
idênticos em toda a parte. Sabemos o papel desempenhado
pelas instituições, pelos costumes e pelas tradições dos
diferentes países; e não negamos que existem países, como a
América, a Inglaterra e, se eu conhecesse melhor vossas
instituições, acrescentaria a Holanda, onde os trabalhadores
podem alcançar seus fins por meios pacíficos. Mas, esse não é
o caso em todos os países.
É preciso saber se a esperança de Marx realizar-se-á.

Existem, certamente, nos países citados, frações das


classes dominantes que se inclinam a aumentar a violência
contra o proletariado. Mas, de outra parte, existem igualmente
outras frações cujo respeito pela força crescente do
proletariado aumenta, e que têm o desejo de conservar o bom
humor deste, fazendo-lhe concessões. Apesar do estado de
guerra e durante sua duração, que, em todos os lugares, limita
sensivelmente a liberdade de movimento das massas
populares, o proletariado inglês, apesar de tudo, conseguiu
ampliar consideravelmente o direito de voto. Hoje, não
podemos ainda prever em que medida a democracia
influenciará, nos diferentes países, o desenvolvimento da
tomada do poder político pelo proletariado, nem até que ponto
deixará, de uma parte e de outra, de recorrer a métodos
violentos, substituindo-os unicamente por meios pacíficos. Em
todo o caso, a existência da democracia não deixa de ter
importância. Em uma república democrática onde os direitos
do povo estão enraizados desde decênios, e mesmo séculos,
direitos que o povo conquistou recorrendo à revolução, que
tem mantido ou expandido, obrigando também a classe
dominante a respeitar a massa do povo, as formas de transição
serão, certamente, diferentes do que num Estado ou tirania
militar que até o presente tenha empregado, sem restrições,
os mais violentos instrumentos de repressão, habituando-se a
mantê-la subjugada.

A importância da democracia numa etapa pré-socialista não


se limita a influenciar as formas de transição para o regime
proletário. Para nós, ela é da mais alta importância durante
essa etapa, por sua influência sobre o processo de
amadurecimento do proletariado.

Democracia e Maturidade do Proletariado

Para que sua realização seja possível e necessária, o


socialismo exige condições históricas particulares. É o que é
geralmente admitido. Pelo contrário, a unanimidade não existe
entre nós no que concerne às respostas sobre as questões
seguintes: que condições devem se dar para realizar um
socialismo moderno? O desacordo sobre tão importante
questão não é fundamental; contudo, é atitude positiva e
necessária ocupar-se desse problema desde agora. Isso porque
tal necessidade origina-se do fato de que, para a maioria de
nós, o socialismo não é algo que se realizará daqui a muitos
séculos, como queriam nos fazer crer no começo da guerra
muitos renegados. O socialismo, como problema prático, está
hoje na ordem do dia.

Quais são, pois, as condições prévias para a realização do


socialismo?

Cada ação humana consciente tem por condição a vontade.


Querer o socialismo é a primeira condição de sua realização.
Essa vontade é criada pela grande empresa. Em uma sociedade
onde a pequena empresa domina, a massa da população é
constituída pelos proprietários dessas empresas. O número dos
não-possuidores é limitado. O ideal dos que nada possuem é
adquirir uma pequena propriedade. Caso a situação se
apresente, essa esperança pode revestir aspectos
revolucionários, mas a revolução social não pode, então,
transformar-se em revolução socialista, porque não tem por
objeto senão redistribuir os bens existentes, de tal forma que
cada um se torne pequeno proprietário. A pequena empresa
sempre alimentou a vontade de manter ou adquirir a
propriedade privada dos meios de produção com os quais se
trabalha, mas jamais criou a vontade de transformá-la em
propriedade social visando o socialismo.

O desejo pelo socialismo só pode formar-se nas massas


onde a grande empresa já está desenvolvida, onde sua
supremacia sobre a pequena empresa é incontestável, onde a
dissolução da grande empresa seria impossível — e mesmo
retrógrada —, onde os operários das grandes empresas podem
ter sua parte da propriedade dos meios de produção,
unicamente em suas formas sociais, e lá onde as pequenas
empresas, embora existentes, se degradam cada vez mais, de
tal maneira que seus proprietários não mais possam extrair
lucros delas. É desse modo que nasce o desejo pelo socialismo.

A existência da grande empresa cria, também, a


possibilidade material de realizar o socialismo. Quanto mais o
número de empresas, independentes umas das outras,
aumenta, em um país, mais difícil se torna organizá-las
coletivamente. Essa dificuldade diminui na medida em que o
número de empresas diminui e as relações entre elas se
tornam mais regulares e estreitas. Finalmente, além da
vontade da base material — matéria-prima do socialismo, por
assim dizer — é preciso também a força para realizar o
socialismo. Os que desejam o socialismo devem tornar-se
fortes, mais fortes do que aqueles que são contra. Isso
acontecerá graças ao desenvolvimento da grande empresa: de
uma parte, pelo aumento do número de proletários que têm
interesse na realização do socialismo; de outra, pela redução
do número de capitalistas, isto é, de sua redução relativa,
proporcional ao número de proletários. Com relação às
camadas intermediárias — camponeses pobres e pequeno-
burgueses —, o número de capitalistas pode crescer durante
certo tempo, mas é o proletariado que cresce mais depressa
na sociedade.

Todos esses fatos têm sua origem direta no


desenvolvimento econômico. Eles acontecem pela intervenção
humana, mas sem a intervenção proletária; acontecem
unicamente pela ação dos capitalistas que têm interesse no
desenvolvimento da grande empresa. Esse desenvolvimento é
em primeiro lugar industrial e urbano. O desenvolvimento
agrícola não é dele senão pálido reflexo. O socialismo partirá
das cidades, da indústria, e não dos campos.

Além das condições necessárias, já citadas, para a


realização do socialismo, existe uma quarta: não é suficiente
que o proletariado tenha interesse no socialismo; que encontre
diante de si condições materiais prévias para sua realização e
que possua bastante força para utilizá-las. Deve, também, ter
a capacidade de tomá-las e utilizá-las judiciosamente.
Somente então o socialismo, como método durável de
produção, poderá ser realizado.

Para que o socialismo possa desenvolver-se, é preciso que


a maturidade do proletariado se acrescente à maturidade das
condições e ao nível necessário de desenvolvimento industrial.
Mas isso não se dá unicamente pelo desenvolvimento industrial
ou pela fome de lucros dos capitalistas. O proletariado apenas
obtém estas condições opondo-se ao Capital.
Sob o regime de pequena empresa, os não-proprietários se
dividem em dois grupos: o primeiro constitui-se de aprendizes,
jovens filhos de camponeses. Para eles, o fato de nada ter não
é senão etapa transitória. Esperam o dia em que se tornarão
proprietários e, por conseguinte têm interesse na propriedade
privada. O outro grupo constitui o lumpemproletariado,
camada inútil e nociva no seio da sociedade, composta de
parasitas sem formação, sem consciência de si, sem espírito de
solidariedade. Estão, certamente, prontos a expropriar os
proprietários onde a ocasião se apresente, mas não têm
capacidade, e menos ainda intenção de construir um novo
sistema econômico.

O modo de produção capitalista apodera-se desses não-


proprietários cujo número cresce consideravelmente no
começo do capitalismo. Ele os transforma de parasitas inúteis
e nocivos em sustentáculos econômicos indispensáveis à
produção, e, portanto, à sociedade.Por isso, o modo de
produção capitalista aumenta sua força pelo aumento de seu
número, mas os deixa na ignorância, na brutalidade e na
impotência. Tenta mesmo rebaixar toda a classe operária a
esse nível. Com efeito, pelas horas suplementares, pela
monotonia e pelo embrutecimento do trabalho, pelo emprego
de mulheres e crianças, ele leva freqüentemente a classe
operária abaixo do nível intelectual do lumpemproletariado. É
desse modo que se agrava, em proporções espantosas, a
miséria do proletariado. É de tal situação que parte o primeiro
impulso para o socialismo, como aspiração a colocar um fim na
crescente miséria das massas. Mas parece que tal miséria torna
o proletariado incapaz de emancipar-se por si mesmo. É da
compaixão burguesa que-ele deveria esperar o socialismo.

Percebe-se; desde logo; que ele nada tem a esperar de tal


compaixão. Somente aqueles que manifestam vivo interesse
pelo proletariado podem responder a seu desejo de construir
uma força suficientemente poderosa para edificar o socialismo.
Uma força suficientemente poderosa para edificar o socialismo
não se pode esperar senão daqueles que manifestam interesse
pelo proletariado. Mas, este último não está desesperadamente
corrompido? Não é este o caso em relação ao conjunto do
proletariado. Existem, ainda, algumas frações com bastante
força e coragem para lutar contra a miséria. Esperava-se desse
pequeno grupo tudo o que os utopistas não puderam realizar:
tomar o poder do Estado por um golpe de mão e trazer o
socialismo ao proletariado. Esta era precisamente a convicção
de Blanqui e de Weitling. Os proletários, muito ignorantes e
corrompidos para poderem dirigir-se por si mesmos, deviam
ser organizados e dirigidos por um governo composto de uma
elite saída de suas próprias fileiras, a exemplo dos jesuítas, que
organizaram e dirigiram os índios do Paraguai. [...]

[...] A luta de classe de proletariado exige a democracia.


Mesmo que não se trate exatamente de democracia "absoluta"
ou "pura", é, apesar de tudo, necessário ter bastante
democracia para organizar as massas e informá-las
regularmente. Esse fim jamais pode ser atingido de maneira
satisfatória na ilegalidade. Alguns folhetos não podem
substituir um jornal diário especializado. Não se pode organizar
as massas na ilegalidade, e, ademais, uma organização ilegal
não pode ser democrática. Esse tipo de organização leva
sempre à ditadura de um ou de muitos dirigentes, e os
membros comuns são transformados em meros executantes.
Tal situação se torna necessária apenas onde as camadas
oprimidas estão totalmente privadas de democracia e essa
situação, longe de favorecer a autonomia e a independência
das massas, não faz senão reforçar a crença que têm os chefes
de ser messias, assim como sua tendência para a ditadura. [...]

[...] Em sua carta sobre a crítica ao programa do Partido de


Gotha, escrita em maio de 1875 [...], diz ele [Marx]:

Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista


medeia o período da transformação revolucionária da primeira
na segunda. A este período corresponde também um período
político de transição, cujo Estado não pode ser outro senão a
ditadura revolucionária do proletariado.

Infelizmente, Marx deixou de indicar mais detalhadamente


como seria essa ditadura. Literalmente, a palavra ditadura
significa supressão da democracia. Mas é evidente que, tomada
ao pé da letra, essa palavra significa também o poder de um
só indivíduo que não está sujeito a nenhuma lei. Poder de um
só, que se distingue do despotismo por ser compreendido não
como uma instituição de Estado permanente, mas como
medida extrema, transitória.

A expressão "ditadura do proletariado", isto é, ditadura não


de um só indivíduo, mas de uma só classe, prova que Marx não
se referia à ditadura no sentido literal da palavra.

Ele fala aqui não de uma forma de governo, mas de


uma situação que deve, necessariamente, produzir-se onde
quer que o proletariado tenha conquistado o poder político. O
que prova que Marx não tinha em vista urna forma de governo
é a opinião que tinha de que na Inglaterra e na América a
transição podia fazer-se pacificamente, ou seja, por via
democrática.

É verdade que a democracia não nos dá ainda certeza da


transição pacífica, mas infalivelmente essa transição é
impossível sem democracia.

Mas, para saber o que pensava Marx acerca da ditadura do


proletariado, não é necessário adivinhar. Se Marx, em 1875,
não expôs detalhadamente o que entendia por ditadura do
proletariado, é porque, provavelmente, alguns anos antes, ele
já se pronunciara sobre esse tema em sua obra A Guerra
Civil em França (1871), e declarara:

A Comuna era, essencialmente, um governo da classe


operária,o resultado da luta da classe operária,o resultado da
luta de classe dos produtores contra a classe dos
apropriadores, a forma política finalmente encontrada para
realizara emancipação econômica do Trabalho. A Comuna de
Paris foi, portanto, como assinala explicitamente Engels em
sua introdução à 3ª edição da obra de Marx, "a ditadura do
proletariado"? Ao mesmo tempo, a Comuna não significava o
aniquilamento da democracia, mas estava baseada sobre sua
aplicação mais profunda, à base do sufrágio universal. O poder
do governo devia ser submetido ao sufrágio universal.

A Comuna compôs-se de conselheiros municipais eleitos


por sufrágio universal nos diversos distritos da cidade [...]
O sufrágio universal devia servir ao povo organizado em
comunas, do mesmo modo que o sufrágio individual serve ao
empregador em busca de operários etc.

Marx fala aqui, constantemente, do sufrágio universal de


todo o povo, e não do direito de voto de urna classe específica
e privilegiada. A ditadura do proletariado é para Marx um
estado que decorre necessariamente da democracia pura
quando o proletariado constitui a maioria.

Ao examinar essa questão, é preciso tomar cuidado para


não confundir ditadura como estado de coisas e ditadura como
forma de governo. Só esta última concepção é questão
controvertida em nossas fileiras. A ditadura como forma de
governo é sinônimo de supressão dos direitos da oposição;
tiram-se desta o direito de voto, a liberdade de imprensa e de
associação. A questão é saber se o proletariado vencedor tem
necessidade dessas medidas e se, graças a elas, ou somente
com elas, é realizável o socialismo.

De começo, convém constatar que, ao falar de ditadura


como forma de governo, não podemos falar de ditadura de uma
classe, pois uma classe, como já assinalamos, pode apenas
dominar, mas não governar. Se se entende, portanto, por
ditadura não um estado de coisas, mas um modo específico de
governo, deve-se falar então de ditadura de um só ou de uma
só organização, isto é, que não se fale do proletariado, mas de
um partido proletário. Pelo contrário, o problema complica-se
logo que o próprio proletariado se divide em muitos partidos.
A ditadura de um desses partidos não é, obviamente, e em
nenhum caso, a ditadura do proletariado, mas a ditadura de
uma fração do proletariado sobre outra. A situação complica-
se ainda mais quando os próprios partidos socialistas se
dividem em razão de suas divisões frente às camadas não-
proletárias; por exemplo: quando um partido toma o governo
graças a uma aliança entre os proletários da cidade e os
camponeses. Então, a ditadura do proletariado se torna não
somente uma ditadura de proletários sobre outros proletários,
mas também de proletários e camponeses sobre proletários.
Eis uma forma bem bizarra de ditadura do proletariado.

Por que motivo a dominação do proletariado há de revestir-


se necessariamente de uma forma incompatível com a
democracia? Aquele que se baseia na breve sentença
de Marx sobre a ditadura do proletariado não deve esquecer
que não se trata de um estado que pode sobrevir em
circunstâncias específicas, mas, ao contrário, de um estado que
deve produzir-se forçosamente em todas as circunstâncias.

É possível, pois, supor que o proletariado não tomará


normalmente o poder senão onde constitua a maioria da
população, ou pelo menos a tenha atrás de si. Ao lado da
necessidade econômica, a arma do proletariado em suas lutas
políticas é sua existência numérica. Somente onde existem
massas — a maioria da população — com ele, poderá levar a
melhor sobre instrumentos de repressão das classes
dominantes. É isso que Marx e Engels imaginaram. Eis por que
eles declararam no Manifesto Comunista:

Todos os movimentos históricos precedentes foram


movimentos minoritários, ou em proveito de minorias. O
movimento proletário é movimento consciente e independente
da imensa maioria em proveito da imensa maioria.

Esse foi, igualmente, o caso da Comuna de Paris. A primeira


tarefa do novo regime revolucionário foi a consulta pelo
sufrágio universal. A eleição, realizada com a maior liberdade,
deu, em todos os distritos de Paris e com raras exceções,
grande maioria a favor da Comuna. Foram eleitos 65
revolucionários contra 21 oposicionistas, dos quais quinze
verdadeiros reacionários e seis republicanos radicais da
tendência de Gambetta. Entre os 65 revolucionários, todas as
tendências do socialismo francês de então estavam
representadas; e embora se combatessem, não exerciam
nenhuma ditadura umas sobre as outras.

Um regime tão solidamente apoiado nas massas não tem


nenhuma razão para atentar contra a democracia. Ele nem
sempre poderá dispensar a força, nos casos em que a força for
posta em ação para abater a democracia. Não se pode
responder à força senão pela força. Mas um regime que conta
com o apoio das massas só empregará a força para defender a
democracia, e não para aniquilá-la. Ele cometeria verdadeiro
suicídio, se quisesse destruir seu fundamento mais seguro: o
sufrágio universal, fonte profunda de poderosa autoridade
moral.

A ditadura, como supressão da democracia, só pode ser


uma saída em situações excepcionais, sempre que a ocorrência
de circunstâncias extraordinárias favoráveis permita a um
partido proletário tomar o poder, mesmo que não tenha de seu
lado a maioria da população, ou que esta esteja radicalmente
contra ele.

Em um povo que conhece, desde decênios, uma educação


política e onde os partidos estão consolidados, tal vitória devida
ao acaso é quase impossível. Ela apenas indicaria uma situação
bastante retardatária. Se em tal situação o sufrágio universal
se pronunciasse contra o governo socialista, conviria então que
este último fizesse o que até o presente temos exigido de todo
governo: que se dobre à expressão da vontade do povo,
mantendo a firme resolução de continuar a luta para conquistar
o poder de Estado de maneira democrática; ou, ao contrário,
deve ele, para manter-se, derrubar a democracia? [...]

También podría gustarte