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BNDES Setorial

40

setembro de 2014
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

Presidente
Luciano Coutinho

Vice-presidente
Wagner Bittencourt de Oliveira

Editor
Antônio Marcos Hoelz Ambrozio

BNDES Setorial
Publicação semestral editada em março e setembro

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo,


necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução parcial ou total
dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.

BNDES Setorial, n. 1, jul. 1995 -


Rio de Janeiro, Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, 1995 - n.
Semestral. ISSN 1414-9230
Periodicidade anterior: quadrimestral até o n. 3.

1. Economia - Brasil - Periódicos. 2. Desenvolvimento


econômico - Brasil - Periódicos. I. Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social.
CDD 330.05

Av. República do Chile, 100


Rio de Janeiro - RJ - CEP 20031-917
Tel.: (21) 3747-9983 Fax: (21) 2172-6273
http://www.bndes.gov.br
ISSN 1414-9230
Sumário

Inserção internacional das empresas farmacêuticas:


motivações, experiências e propostas para o BNDES __________ 5
Vitor Paiva Pimentel
Renata de Pinho Gomes
Thiago Leone Mitidieri
Felipe França
João Paulo Pieroni

Estimativa de investimentos em aterros sanitários


para atendimento de metas estabelecidas pela Política
Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019_____________ 43
Marcos H. F. Vital
Martin Ingouville
Marco Aurélio Cabral Pinto

O setor de bebidas no Brasil _____________________________ 93


Osmar Cervieri Júnior
Job Rodrigues Teixeira Junior
Rangel Galinari
Eduardo Lederman Rawet
Carlos Takashi Jardim da Silveira

Análise econômico-operacional do setor de transporte


aéreo – indicadores básicos_____________________________ 131
Sérgio Bittencourt Varella Gomes
Paulus Vinicius da Rocha Fonseca

A experiência do edital Inova Agro: dificuldades e


oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação
no agronegócio _____________________________________ 163
Gisele Ferreira Amaral
Diego Duque Guimarães
Felipe Machado Bellizzi
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?_____________ 205
Pedro Sérgio Landim de Carvalho
Pedro Paulo Dias Mesquita
Marco Aurélio Ramalho Rocio

Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva


do material rodante __________________________________ 235
Luiz Felipe Hupsel Vaz
Bernardo Hauch Ribeiro de Castro
Daniel Chiari Barros
Carlos Henrique Reis Malburg
Filipe de Oliveira Souza
Allan Amaral Paes de Mesentier

Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer


à luz de seu posicionamento competitivo e estratégia
de crescimento ______________________________________ 283
André de Barros Rüttimann
Paulus Vinicius da Rocha Fonseca
Rafael de Carvalho Cayres Pinto

Panorama de mercado – painéis de madeira________________ 323


André Carvalho Foster Vidal
André Barros da Hora

Além da engenharia: panorama do capital nacional


na indústria automotiva brasileira e insights para uma
política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia
automotiva no Brasil _________________________________ 385
Bernardo Hauch Ribeiro de Castro
Daniel Chiari Barros
Luiz Felipe Hupsel Vaz

Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil ___________ 427


Ricardo Rivera
Ingrid Teixeira
Complexo Industrial da Saúde
BNDES Setorial 40, p. 5-42

Inserção internacional das empresas farmacêuticas:


motivações, experiências e propostas para o BNDES

Vitor Paiva Pimentel


Renata de Pinho Gomes
Thiago Leone Mitidieri
Felipe França
João Paulo Pieroni*

Resumo
Desenha-se um cenário de concorrência mais acirrada no mercado farma-
cêutico brasileiro nos próximos anos, para o qual novas estratégias serão
necessárias a fim de manter a competitividade da indústria no país. O tra-
balho aprofunda as motivações de uma estratégia particular, a inserção
internacional, distinguindo entre movimentos de aquisição de novas com-
petências e alavancagem das vantagens competitivas atuais. Na conclusão,
discutem-se os possíveis papéis do BNDES no apoio a essa estratégia, como
o financiamento à internacionalização e às exportações.
* 
Respectivamente, economista, engenheira, economista, estagiário de economia e gerente setorial do
Departamento de Produtos para a Saúde da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem às em-
presas e instituições visitadas, o apoio dos colegas das áreas Internacional e de Exportação do BNDES
e os comentários críticos de Pedro Palmeira, Antônio Ambrósio e Eduardo Costa.
6 Introdução
Alavancada pela pujança do mercado doméstico e pelas oportunidades
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

geradas pelas políticas públicas, a indústria farmacêutica brasileira fortale-


ceu-se significativamente nas últimas décadas. Entretanto, um cenário de
concorrência mais acirrada desenha-se para os próximos anos, em que as
empresas devem enfrentar mais dificuldades na formação de preços e na
gestão de seus portfólios. Entre os principais fatores que condicionam esse
cenário, estão o fortalecimento do varejo farmacêutico e dos pagadores
institucionais e a redução do número de patentes de medicamentos a ex-
pirar. Espera-se que essas pressões resultem em queda de rentabilidade do
mercado brasileiro, ainda que as perspectivas de crescimento da demanda
permaneçam altamente positivas (14% a.a.).
Em estudo anterior conduzido pela equipe do BNDES [Gomes et al.
(2014)], delinearam-se estratégias que vêm sendo adotadas pelas empresas
brasileiras para manter e ampliar sua competitividade diante do que deno-
minam um novo cenário de concorrência. No presente trabalho, o objetivo
é aprofundar as motivações de uma estratégia particular, a inserção inter-
nacional das empresas farmacêuticas brasileiras.
Para isso, realizou-se breve revisão bibliográfica das teorias da em-
presa multinacional (EMN). Em seguida, é discutida a experiência de in-
ternacionalização de empresas farmacêuticas, com foco nas seguidoras
de países em desenvolvimento, que têm na indústria indiana a principal
referência setorial.
Com base no referencial teórico e nas experiências internacionais, o
trabalho busca fundamentar as possíveis oportunidades de inserção inter-
nacional da indústria farmacêutica brasileira. Ao fim, apontam-se as estra-
tégias desejáveis do ponto de vista do desenvolvimento econômico, social
e tecnológico, adicionando um componente setorial à análise do processo
de internacionalização da indústria brasileira.
A pesquisa apresentou duas frentes de trabalho. Na pesquisa bibliográ-
fica, procurou-se enfatizar os aspectos da internacionalização que mais se
adequavam a uma visão dinâmica de evolução da indústria farmacêutica
brasileira, tanto no plano teórico quanto no plano das experiências de outros
países. Em particular, o caso indiano foi escolhido tendo em vista o suces-
so desse país em projetar suas empresas farmacêuticas no mercado global.
Na segunda frente, foram realizadas entrevistas com pessoas-chave do 7
ambiente de internacionalização e da indústria farmacêutica no Brasil:

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• empresas brasileiras de controle nacional;
• empresas brasileiras de controle estrangeiro que exportam;
• Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
• Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(Apex-Brasil);
• Associação da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmoquímicos
(Abiquifi), gestora do Projeto Setorial Integrado de internacionaliza-
ção em parceria com a Apex-Brasil e demais associações do setor;
• áreas Internacional e de Apoio à Exportação do BNDES.
O trabalho divide-se nas seguintes seções, iniciando-se por esta intro-
dução. Na segunda seção, empreende-se uma breve revisão das motiva-
ções para o surgimento das EMNs, primeiramente de países desenvolvidos
e, depois, dos países em desenvolvimento. Em seguida, discute-se a his-
tória da internacionalização da indústria farmacêutica, focalizando a ex-
periência indiana como um caso de sucesso de inserção de um país em
desenvolvimento. Na quarta seção, resgata-se a trajetória recente da in-
dústria farmacêutica brasileira, explorando as motivações para que esta
amplie sua inserção internacional e discutindo as principais iniciativas
em curso nessa direção. Na quinta, descrevem-se as políticas públicas
de apoio adotadas no mundo e no Brasil, buscando identificar o papel do
BNDES nesse contexto. Ao fim, são tecidas considerações e propostas
para atuação do Banco.

Inserção internacional e empresas multinacionais


As EMNs estão entre as instituições mais relevantes da economia con-
temporânea. Respondem por aproximadamente 10% do Produto Interno
Bruto (PIB) e um terço das exportações mundiais [UNCTAD (2013)]. Além
de seu indubitável papel econômico, tais empresas são objeto de opiniões
políticas divergentes quanto a sua influência no cenário geopolítico interna-
cional: enquanto alguns as veem como difusoras de tecnologia e das melho-
res práticas de gestão, outros tendem a enfatizar possíveis efeitos deletérios
quanto à soberania de países [Grauwe e Camerman (2003)].

BS40-book 7 20/10/14 20:50


8 Mesmo que alguns autores relacionem o surgimento das EMNs à época
de formação dos Estados nacionais, a disseminação das corporações multi-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

nacionais modernas veio a ocorrer somente após a Segunda Guerra Mundial,


com a participação de empresas norte-americanas na reconstrução dos países
europeus [Dias, Caputo e Marques (2012)].
Além das motivações intrinsecamente empresariais, foco desta seção,
é impossível dissociar o crescimento e a consolidação das multinacionais
de um contexto maior. Movimentos como a globalização e a liberalização
financeira e comercial condicionam o escopo de atuação dessas empresas.
Da mesma forma, o avanço tecnológico tem permitido uma drástica redução
dos custos transacionais da atuação em vários países, com destaque para
telecomunicações e logística [IMF (2000)].

Teorias da empresa multinacional


A atuação em mercados externos envolve, necessariamente, a escolha do
arranjo institucional que viabiliza o ingresso de recursos da empresa, como
produtos e tecnologia, em países estrangeiros. Do ponto de vista dos fluxos
econômicos, deve-se definir a base de onde os recursos deixam a empresa:
o país de origem ou o país de destino [Dias (2012)].
No primeiro caso, a empresa passa a obter receita no exterior, por meio
da exportação de bens físicos, de serviços e do licenciamento de tecnologias,
marcas e patentes, por exemplo. Os produtos ou serviços deixam a empre-
sa sem sofrerem alterações significativas. Por oposição, quando a empresa
realiza investimento estrangeiro direto (IED) no país de destino, seu rol de
recursos é ampliado e passa a ser influenciado pelo ambiente do destino.
Surge uma nova empresa, a subsidiária, e o resultado passa a ser principal-
mente remessa de lucros para a matriz, além de eventuais compras de recur-
sos intermediários.
Para efeitos deste trabalho, uma empresa é “multinacional” ou “interna-
cionalizada” quando ela realiza investimentos externos diretos, enquanto o
termo “inserção internacional” fará referência a empresas que se utilizam de
todas as possíveis formas de relacionamento com outros países e mercados,
inclusive exportações e parcerias internacionais.
Tendo em vista a complexidade e a multiplicidade de abordagens para
o assunto, serão tratadas neste trabalho três das mais influentes teorias
da EMN:1 o modelo OLI [Dunning (2001)], o fluxo de estabelecimento 9
[Johanson e Vahlne (2009)] e a visão baseada em recursos [Teece (2014)].

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O modelo OLI busca sintetizar três variáveis que justificariam as
vantagens de uma multinacional sobre empresas locais: propriedade
(ownership), localização (location) e internalização (internalization). Os
ativos proprietários seriam aqueles que, por “imperfeições” estruturais de
mercado, outras empresas não conseguiriam acessar ou construir facilmente.
Incluem-se nessa categoria recursos e capacitações tecnológicas, habilida-
des gerenciais e propriedade industrial (marcas e patentes). As vantagens de
localização referem-se à natureza geográfica dos ativos da empresa, como
acesso exclusivo a recursos naturais escassos, matérias-primas-chave e in-
fraestrutura logística. Por fim, a variável de internalização busca incorporar
eventuais vantagens decorrentes da minimização dos custos de transação
pela estrutura hierárquica da EMN, que facilitaria a transferência de ativos
e recursos em seu interior. Assim, as empresas avaliariam suas vantagens
e desvantagens em relação aos mercados de destino e escolheriam o modo
de entrada ótimo [Dunning (2001)].
Entretanto, observações empíricas sobre multinacionais pioneiras in-
dicam um padrão sequencial de inserção internacional, fundamentando a
construção do modelo de fluxo de estabelecimento (establishment chain),
oriundo da escola Uppsala. Segundo este, empresas buscariam inserção
internacional por meio de exportações esporádicas e não sistemáticas
(ad hoc). Em seguida, formalizariam o processo por acordos com represen-
tantes comerciais nos mercados mais relevantes. Em caso de sucesso, os
representantes terceirizados seriam substituídos por equipe comercial pró-
pria, até que o tamanho do mercado justificaria a realização de investimen-
tos diretos para a produção no local de destino [Johanson e Vahlne (2009)].
Assim, do ponto de vista temporal, o processo de internacionalização
poderia ser dividido em três etapas – inicial, de crescimento e madura. Cada
uma seria marcada por custos e benefícios em função do ambiente interno
(país de origem), do ambiente externo (local de destino) e das capacitações
específicas da empresa. Além de uma dinâmica linear em relação ao modo
de entrada, a empresa iniciaria por mercados cuja distância psíquica fosse
menor, ou seja, países similares quanto a cultura, língua e instituições, e iria
gradativamente ampliando seu escopo [Bruche (2011)].
1
  Para uma revisão mais ampla da literatura, ver Dias (2012).
10 O fenômeno da distância psíquica foi posteriormente estudado por
diversos autores, com diferentes ênfases, como distância transnacional,
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

distância cultural, distância institucional e a abordagem cultural, admi-


nistrativa, geográfica e econômica (Cage). Uma característica comum
aos estágios iniciais do processo de internacionalização é a procura por
investimentos em países vizinhos ou em estágio similar de desenvolvi-
mento, com o objetivo de minimizar tais distâncias. Nesse sentido, uma
empresa de um país próximo teria vantagem competitiva em relação a
empresas distantes e menos desvantagem em relação às empresas locais
[Dias (2012); Yeoh (2011)].
Reduzidas as restrições da fase inicial, à medida que expandem sua atua-
ção no mercado externo, as empresas ganham mais experiência e acabam
alcançando legitimidade pela conformação a normas institucionais e sociais
locais, auferindo ganhos que compensam os elevados custos iniciais de
entrada [Bruche (2011)].
Por fim, a visão baseada em recursos, proposta em Teece (2014), entre
outros, tem como objetivo ampliar o conceito de competências dinâmicas
ao escopo da EMN. Tais competências seriam definidas como a capaci-
dade da empresa de articular seus recursos (posição) por meio de rotinas
(processos) com o objetivo de realizar suas atividades. As competências si-
multaneamente possibilitam e delimitam o escopo de atuação da empresa,
inclusive no que diz respeito às oportunidades de inserção internacional, já
que não estão disponíveis no mercado e devem ser construídas pelas em-
presas ao longo do tempo.
Estariam mais aptas ao sucesso em âmbito internacional empresas ca-
pazes de construir e reconfigurar rotinas e modelos de negócio superiores
às melhores práticas do mercado e detentoras de recursos valiosos, raros,
difíceis de imitar e não substituíveis. Note-se, portanto, alguma compati-
bilidade entre as abordagens. A propriedade sobre ativos e recursos, apesar
de definida em termos estáticos no modelo OLI, pode ser explicada como
consequência das competências específicas e irreprodutíveis construídas
pela empresa na visão baseada em recursos [Teece (2014); Dunning e
Lundan (2010)].
Em suma, as teorias da internacionalização de empresas argumentam
que as empresas precisam ser dotadas de vantagens competitivas para que
possam iniciar seus processos de internacionalização.
Multinacionais de países emergentes 11

Antes restrito aos países desenvolvidos, nas últimas décadas, tem-se ob-

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servado o crescimento de EMNs oriundas dos chamados países emergentes.
Em particular, o forte crescimento dos asiáticos nas décadas de 1970 e 1980
permitiu que alguns desses países passassem a exportar capital nas décadas
posteriores. Concentrados em setores de manufatura, comércio e serviços de
alta tecnologia, países como China, Coreia do Sul, Índia, Cingapura, Malásia
e Taiwan tornaram-se alguns dos principais centros dinâmicos da economia
mundial nas décadas de 1990 e 2000 [UNCTAD (2013)].
Esse movimento fica expresso na crescente participação dos países em
desenvolvimento nos fluxos de saída de IED global, que superaram 30% em
2012. Ainda que expressivos, os resultados devem ser cotejados diante da
forte desaceleração dos fluxos de investimento globais em função da crise
de 2008. Conforme o Gráfico 1, considerando-se a década anterior à cri-
se, a participação dos emergentes saiu de 8% em 1998 para 20% em 2008.

Gráfico 1 | Investimento estrangeiro direto, fluxos de saídas de capital, 1998-2012

2.500 35

30
2.000
25
US$ bilhões correntes

1.500
20
%

1.000 15

10
500
5

0 0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Participação dos países Desenvolvidos Em desenvolvimento


em desenvolvimento

Fonte: Elaboração própria, com base em UNCTAD (2005; 2008; 2013).

As empresas oriundas de economias emergentes confrontam restrições


ainda maiores para competir em mercados externos. Em geral, esses países
apresentam mercados financeiros pouco desenvolvidos, em especial para
investimentos de maior prazo e risco, além de eventuais problemas insti-
tucionais e macroeconômicos. Tais desafios afetam em particular o estágio
12 inicial de inserção internacional, em que a empresa precisa legitimar sua
estratégia internamente [Bruche (2011)].
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

Também no estágio inicial, empresas oriundas de países em desenvol-


vimento enfrentam uma percepção negativa quanto à qualidade de seus
produtos por parte dos consumidores, o chamado “efeito país de origem”.
Por esse motivo, projetos greenfield são em geral preteridos, já que parce-
rias e aquisições de empresas e marcas locais podem minimizar tais efeitos
[Kumar e Sing (2008)].
Por outro lado, as multinacionais emergentes possuem vantagem compe-
titiva se comparadas às multinacionais de países desenvolvidos no momento
de entrada e operação em outros mercados emergentes, uma vez que sua
experiência em operar em seus países de origem constitui uma capacidade
inimitável [Kumar e Sing (2008); Yeoh (2011)].
Dunning, Kim e Park (2008) notam, entretanto, que essas novas mul-
tinacionais buscaram a inserção internacional em um estágio competitivo
anterior ao que se observou nas pioneiras norte-americanas. Ou seja, as em-
presas oriundas de países em desenvolvimento não apresentavam as vanta-
gens competitivas necessárias para viabilizar o sucesso de longo prazo de
suas estratégias de inserção internacional.
Nesses casos, a internacionalização seria uma forma de acelerar estraté-
gias de convergência (catch-up) dos países emergentes por meio da aquisição
de competências tecnológicas e organizacionais nos países desenvolvidos. O
movimento dos países emergentes, portanto, opõe-se às teorias abordadas na
seção anterior, levando a uma ampliação da teoria da EMN para se adequar
à crescente participação das empresas oriundas de economias emergentes
[Dunning, Kim e Park (2008)].
Cantwell (2014) ressalta que as multinacionais não são meramente em-
presas com atuação em vários países. Sua estrutura organizacional modifica
e é modificada pelos múltiplos ambientes em que está inserida, tornando-
-se mais heterogênea à medida que se internacionaliza. A EMN integra
recursos e competências específicos das diversas localidades em que está
inserida, como conhecimentos tácitos associados aos sistemas nacionais de
inovação, funcionando como um elo das cadeias globais de valor. Nesse
sentido, o acesso a competências e a busca pelo aprendizado podem ser en-
tendidos também como motivação para as empresas se internacionalizarem
[Dunning e Lundan (2010); Teece (2014)].
Assim, podem-se relacionar esquematicamente as duas motivações – ex- 13
plorar vantagens competitivas e buscar ativos não disponíveis – a momen-

Complexo Industrial da Saúde


tos distintos da história recente da internacionalização de empresas, mesmo
se considerado apenas o caso dos países hoje desenvolvidos. O Quadro 1
resume as diferentes formas de entrada e o papel do governo nas duas mo-
tivações para inserção internacional.
As multinacionais estabelecidas, oriundas de Estados Unidos e Europa
nas décadas de 1950 e 1960, buscavam se aproveitar de suas vantagens com-
petitivas existentes, e por isso optavam por subsidiárias de controle integral
em projetos novos (greenfield), provavelmente com o objetivo de limitar a
difusão de seus conhecimentos táticos. Por outro lado, as empresas japonesas
e coreanas, quando seus respectivos países ainda eram emergentes, tinham
como objetivo ampliar suas competências, e, assim, preferiam realizar par-
cerias (joint ventures) e adquirir empresas locais, para acelerar o processo
de construção de conhecimentos tácitos, tanto tecnológicos quanto sobre o
mercado-alvo [Dias (2012)].

Quadro 1 | Esquema comparativo entre multinacionais


oriundas de países desenvolvidos e emergentes

Critério Multinacionais Empresas de países


estabelecidas emergentes

Motivação Explorar vantagens Buscar ativos, recursos


competitivas existentes e competências

Forma de entrada Investimento greenfield Alianças estratégicas,


em subsidiárias de parcerias e joint ventures
controle integral
Papel do governo Missões comerciais, Condução de estratégias
financiamento, deliberadas de
seguros e garantias convergência (catch-up)
Fonte: Adaptado de Dunning, Kim e Park (2008).

Internacionalização na indústria farmacêutica


Expansão internacional das farmacêuticas líderes
O mercado farmacêutico global aproxima-se da marca de US$ 1 trilhão
em 2014, sendo cerca de 70% da demanda oriunda dos países da chamada
14 tríade – Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão [IMS Health (2014)].
Esses países são também a origem das maiores empresas do setor, denomi-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

nadas “big pharmas”, gigantes que usualmente figuram na lista das mais
importantes multinacionais do mundo [Fortune (2014)]. As vinte maiores
empresas detêm aproximadamente 60% do mercado e todas possuem receita
anual superior a US$ 10 bilhões (Tabela 1).

Tabela 1 | Ranking das vinte maiores empresas


farmacêuticas por receita, US$ bilhões, 2013

Empresas Origem US$ bilhões Participação (%)


1 Novartis Suíça 51 6
2 Pfizer EUA 44 5
3 Safoni-Aventis França 38 4
4 Merck & Co EUA 36 4
5 Roche Suíça 36 4
6 GlaxoSmithKline Reino Unido 33 4
7 Johnson & Johnson EUA 31 4
8 AstraZeneca Reino Unido 30 3
9 Teva Israel 24 3
10 Eli Lilly EUA 23 3
11 Amgen EUA 19 2
12 Abbvie (ex-Abbott) EUA 18 2
13 Boehringer Alemanha 17 2
Ingelheim
14 Bayer Alemanha 17 2
15 Novo Nordisk Dinamarca 14 2
16 Takeda Japão 13 2
17 Actavis Reino Unido 13 1
18 Mylan EUA 11 1
19 Bristol-Myers- EUA 11 1
Squibb
20 Gilead Sciences EUA 11 1
Parcial – vinte 491 56
maiores
Total mundial 875 100
Fonte: IMS Health (2014).
Em geral, as big pharmas são empresas verticalmente integradas, envolvi- 15
das em todas as fases necessárias para o lançamento de medicamentos, como

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pesquisa e desenvolvimento (P&D), regulatório, manufatura, marketing e
vendas. Além disso, atuam nos maiores mercados globais e nas diversas clas-
ses terapêuticas [Rosen (2005)].
A história de crescimento dessas empresas confunde-se com a da própria
indústria farmacêutica. Até a primeira metade do século XX, a farmacêutica
era uma divisão da indústria química, liderada por empresas alemãs e suíças
da chamada Segunda Revolução Industrial. A indústria farmacêutica ameri-
cana, à época, era fragmentada, com empresas de pequeno porte focadas na
comercialização [McKelvey e Orsenigo (2001)].
A entrada das empresas norte-americanas no cenário global ocorreu
com a revolução da penicilina, descoberta na Inglaterra em 1928 e cujos
intermediários de síntese (sulfonamidas) foram obtidos pela primeira vez em
1935 nos laboratórios da alemã Bayer. Destacam-se, nesse sentido, o papel
da demanda do Estado norte-americano, em esforço de guerra, e do acesso às
competências das empresas europeias por meio de joint ventures, aquisições
e relacionamentos informais prévios [Athreye e Godley (2009)].
O sucesso comercial dos antibióticos alterou significativamente o interes-
se da indústria por atividades de P&D, estreitando seus laços com a medicina
e a farmacologia. Assim, na segunda metade do século XX, a indústria expe-
rimentou seu auge, com taxas de crescimento da demanda em dois dígitos nos
países desenvolvidos e um amplo universo de alvos terapêuticos e necessida-
des de saúde não atendidas [McKelvey e Orsenigo (2001)].
Nesse contexto, as empresas mais bem-sucedidas foram justamente aque-
las que abandonaram o foco exclusivo em seus países de origem e buscaram
ampliar sua inserção internacional. As vantagens competitivas passaram a
residir em medicamentos patenteados oriundos de laboratórios internos de
P&D, produtos que poderiam atender a enormes populações (one size fits
all), e que atingiam vendas globais superiores a US$ 1 bilhão, os chamados
blockbusters. Em um cenário de apropriabilidade forte, principalmente nos
países desenvolvidos, em que os resultados da P&D eram protegidos por re-
des de patentes de produto e processo, a expansão internacional pôde realizar-
-se principalmente por meio de acordos comerciais e licenciamentos mútuos
[Radaelli (2006)].
16 Em paralelo, atividades de manufatura, tanto de princípios ativos quan-
to de formulação, foram também internacionalizadas. Embora relevantes
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

em determinados produtos, as atividades industriais não eram, de forma


geral, consideradas estratégicas pelas empresas, que geralmente focam
seus recursos nas atividades de P&D e na comercialização [Lindman,
Timsio e Ozbek (2008)].
Apesar dos movimentos de terceirização e realocação da manufatu-
ra em direção aos países asiáticos, principalmente a partir da década de
1990, a distribuição geográfica das plantas industriais das farmacêuticas
líderes ainda reflete o legado de sua história. Conforme Gráfico 2, 66%
das instalações produtivas dessas empresas2 ainda se localizam nos prin-
cipais mercados globais, enquanto apenas 13% das unidades de P&D das
maiores farmacêuticas localizam-se fora dos países da tríade EUA, Europa
e Japão [Lindman, Timsio e Ozbek (2008)].

Gráfico 2 | Número de unidades industriais das cinquenta


maiores empresas farmacêuticas globais, 2007

EUA
159
Outros 17%
305
34%

Europa
368
Japão
40%
78
9%

Fonte: Lindman, Timso e Ozbek (2008).

Na mesma direção, ao longo das décadas de 1990 e de 2000, também


atividades de P&D têm sido terceirizadas e internacionalizadas. Ainda que
tenham sido em parte revertidos após a crise de 2008, tais movimentos

2
  Os autores levantaram informações das cinquenta maiores empresas em termos de receita no ano
de 2005.
permitiram alguma disseminação do conhecimento do P&D farmacêuti- 17
co, antes restrito aos países desenvolvidos [Gomes et al. (2012); Pieroni

Complexo Industrial da Saúde


et al. (2009)].
Como atividade central para a competitividade das empresas, a inter-
nacionalização da P&D envolve a preservação das competências neces-
sárias à condução do processo, na medida em que a empresa comporta-se
como nó central de uma rede de relacionamentos direcionada à absorção
de conhecimentos externos. Nesse processo, a geografia das unidades de
P&D segue um claro padrão de centralização de atividades nos principais
centros de excelência globais, com destaque para a Califórnia (Estados
Unidos) e ambas as regiões de Cambridge (Estados Unidos e Reino
Unido) [Lindman, Timsio e Ozbek (2008)].
Ainda que apresente grandes empresas com atuação global, o merca-
do de medicamentos é altamente fragmentado, tanto por países quanto
por classes de produtos. As autoridades nacionais detêm a prerrogativa
de conceder autorização para o comércio de medicamentos (registro) e
a maioria pratica alguma forma de controle de preços. Mesmo o sistema
de propriedade intelectual, peça importante dos movimentos de redu-
ção das fronteiras na década de 1990, ainda é de competência nacional.
Assim, a indústria é mais bem descrita como internacionalizada, ou seja,
que atua e se adapta à realidade particular de cada país em que atua
[Radaelli (2006)].

Farmacêuticas de países emergentes e o caso indiano


O estudo da internacionalização das empresas farmacêuticas baseia-se
tradicionalmente na observação das empresas dos países da tríade, em ra-
zão de sua relevância no cenário mundial. Apenas na última década, as
chamadas “empresas de economias emergentes” ou “seguidoras de países
com industrialização recente” começaram a despertar a atenção do mundo,
em função de sua crescente importância no mercado.
Essas empresas, em geral, não tiveram como motivação primária para
a internacionalização o aproveitamento de vantagens competitivas já exis-
tentes, mas sim a possibilidade de construção de vantagens competitivas.
A internacionalização seria uma forma de pular etapas (leapfroging) e su-
perar suas desvantagens de seguidoras [Bruche (2011)].
18 Nesse caso, abordagens mais agressivas, baseadas em aquisições,
por exemplo, permitiriam às empresas criar pontos de inflexão em suas
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

trajetórias cumulativas de aprendizado. A aquisição de uma empresa


que atue como garantidora de padrões de qualidade e segurança no país
de destino pode ajudar a entrante a superar de forma mais efetiva pro-
blemas de legitimidade e credibilidade, em particular em uma indús-
tria intensiva em tecnologia e altamente regulada como a farmacêutica
[Yeoh (2011)].
Apesar de existirem estudos sobre internacionalização relacionados a
vários setores e países emergentes, a indústria farmacêutica indiana tem
sido amplamente discutida por muitos autores em função do desempenho
positivo observado de suas principais empresas e de seu extenso histórico
de atuação [Bruche (2011)].
Ao longo de sua trajetória, a indústria farmacêutica indiana ampliou
suas capacitações em desenvolvimento de medicamentos e tecnologias de
produção, estando, atualmente, à frente de outros países emergentes em
relação à capacidade de P&D e ao conjunto de medicamentos sintéticos
de maior complexidade. Nesse contexto, mão de obra industrial qualifi-
cada, capacidade imitativa e uma forte base em química foram essenciais
para que atingisse seu estágio atual [Kale (2007)]. Algumas empresas
criaram, ainda, competências organizacionais singulares que permitiram
que se movessem ao longo da cadeia de valor, além da competitivida-
de em custos – tradicionalmente o ponto forte das empresas de econo-
mias emergentes – e criassem posições sustentáveis em mercados globais
[Ramachandran, Mukherji e Mukesh (2006)].
Historicamente, as empresas farmacêuticas indianas beneficiaram-se da
exploração do ambiente institucional de seu país. Em particular, a Lei de
Patentes vigente de 1970 até meados da década de 1990 reconhecia patente
de processo, mas não de produto, viabilizando a era da engenharia reversa,
em que as empresas indianas produziam moléculas protegidas em outros
países por meio de processos não infringentes.3 Por esse motivo, as em-
presas indianas cresceram com alto grau de verticalização, já que precisa-

3
  Enquanto em 1970 o mercado indiano era claramente dominado por EMNs, após duas décadas da
promulgação da Lei de Patentes, o mercado indiano passou a ser dominado por empresas locais, cuja
participação saiu de 10% em 1970 para 70% em 1989. Em 1996, apenas quatro das dez maiores da Índia
eram multinacionais estrangeiras [Athreye e Godley (2009)].
vam produzir os princípios ativos dos medicamentos que comercializavam 19
[Radaelli e Paranhos (2013)].

Complexo Industrial da Saúde


O fraco mercado interno impulsionou os primeiros esforços de inserção
internacional, ainda no fim da década de 1970, em direção aos mercados
asiáticos e outros países em estágio similar de desenvolvimento. Os mer-
cados desenvolvidos, entretanto, ainda eram inalcançáveis, tendo em vis-
ta as elevadas barreiras à entrada, em função das patentes de produto e da
exigência de ensaios clínicos para produtos não inéditos.
Tal situação alterou-se significativamente com a regulamentação dos
medicamentos genéricos nos Estados Unidos, maior mercado farmacêutico
do mundo.4 Mesmo simplificadas, as capacitações necessárias para transi-
tar em um ambiente regulatório novo foram desenvolvidas frequentemente
por meio de parcerias e joint ventures. Além disso, em um ambiente des-
conhecido, gerado após a promulgação da lei, não havia exemplos a serem
seguidos ou modelos de negócios já consagrados, exigindo das empresas
inúmeras tentativas e experimentação, com comprometimento de recursos,
o que tornava o ambiente ainda mais incerto [Ramachandran, Mukherji e
Mukesh (2006)].
Durante a década de 1990, algumas transformações no ambiente comercial
indiano mudaram a perspectiva da indústria, já fortalecida, que passou a ter
maior concorrência no mercado local, especialmente com a entrada da Índia
na Organização Mundial do Comércio (OMC) [Athreye e Godley (2009)].
Nesse período, a internacionalização na forma de investimentos no ex-
terior foi um importante aspecto na estratégia de pular etapas da indús-
tria farmacêutica indiana. Os investimentos no exterior aumentaram
drasticamente a partir de 1990 e foram redirecionados para os países
desenvolvidos do ocidente.
Já estabelecidas no cenário farmacêutico global, nos anos 2000, as far-
macêuticas tornaram-se as mais agressivas investidoras em países estrangei-
ros entre todos os setores industriais indianos. Se joint ventures e parcerias
eram as formas de entrada mais adotadas, as aquisições tornaram-se mais
importantes a partir de então. Possuindo, em geral, um vasto portfólio de
produtos e produção de baixo custo, as empresas indianas buscavam, com

4
  Lei Hatch-Waxman, de 1984. Antes dos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido já possuíam leis
de medicamentos genéricos. Entretanto, a entrada nesses mercados por empresas indianas era limitada
pela fragmentação e baixa escala da demanda [GaBI (2014a); Kale (2007)].
20 a aquisição de empresas europeias e americanas, maior poder de distribui-
ção, capacitações regulatórias e tecnológicas, além de ativos que pudes-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

sem aumentar suas capacitações para terceirização – Contract Research


Organization (CRO) e Contract Manufacture Organization (CMO). Com
esse esforço, as empresas indianas conseguiram aproveitar o movimento
de terceirização e internacionalização tanto de atividades produtivas quan-
to de serviços tecnológicos já com algum grau de especialização [Kumar
e Sing (2008)].
A partir do início de 2014, no entanto, em função da intensificação da
vigilância e dos padrões regulatórios nos Estados Unidos, algumas empre-
sas indianas produtoras de farmoquímicos passaram a ter a qualidade e ade-
quação de processos questionadas pelos órgãos fiscalizadores americanos,
trazendo preocupações reais quanto à volta do estigma “do país de origem”,
que parecia já superado [GaBI (2014b)].
Ao longo da trajetória da indústria farmacêutica indiana, observa-se
que as empresas que iniciaram sua inserção internacional ainda nas décadas
de 1970 e 1980, como a Ranbaxy, obtiveram resultados mais positivos no
longo prazo. Essas empresas conseguiram se preparar melhor para o fortale-
cimento da concorrência gerado pela liberalização comercial, além de terem
adquirido mais experiência com erros e acertos no mercado norte-americano
de genéricos. No entanto, empresas cuja entrada ocorreu no fim da década de
1980 e início de 1990, caso da Dr. Reddy’s, tiveram que adotar estratégias
mais agressivas e arriscadas de inserção internacional, uma vez que encon-
traram um cenário competitivo mais estável e com boa parte dos espaços já
ocupados [Yeoh (2011)].
O momento e a forma de entrada das empresas em mercados inter­
nacionais podem em parte ser explicados por seu perfil de lideran-
ça. Empresas de economias emergentes, em geral de origem familiar,
tendem a ter processos de decisão mais fortemente centralizados e
influenciados pelo comportamento e pelos valores do líder. Essa ca-
racterística é ainda mais intensificada no caso de estratégias de lon-
go prazo, que requerem grande comprometimento de tempo e recursos,
como é o caso dos processos de inserção internacional [Ramachandran,
Mukherji e Mukesh (2006)].
Trajetória e posicionamento atual da 21
indústria farmacêutica brasileira

Complexo Industrial da Saúde


Histórico
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, a indústria farmacêutica bra-
sileira permaneceu fragmentada e baseada na imitação de produtos
patenteados em outros países, com grande foco nas atividades de comer-
cialização no mercado interno. Nesse período, o Brasil não reconhecia
patentes farmacêuticas.5
Na década de 1990, houve grande desmobilização produtiva, princi-
palmente em função da baixa competitividade da indústria brasileira em
um cenário de abrupta abertura comercial [Abifina (2003)]. Além disso,
ao aderir ao Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights (acordo TRIPs), firmado em 1994, o Brasil optou por não utilizar o
período de transição de dez anos, promulgando uma nova Lei de Patentes6
já em 1996 [Pimentel et al. (2012)].
Conforme abordado na seção anterior, a indústria farmacêutica indiana
foi capaz de crescer e até se internacionalizar nas décadas de 1980 e 1990,
mesmo tendo passado por mudanças semelhantes no cenário internacio-
nal, como o acordo TRIPs e a abertura comercial. Em parte, isso pode
ser atribuído às diferenças sutis de aplicação das flexibilidades disponí-
veis, como as patentes de processo e o período de transição [Radaelli e
Paranhos (2013)].
Após um período de retração nos anos 1990, a década de 2000 marca
a retomada da indústria farmacêutica brasileira, em função de dois fato-
res principais. Primeiro, uma explosão da demanda por medicamentos
e outros produtos de saúde, resultado do aumento do poder aquisitivo e
da melhoria da distribuição de renda, combinados com os processos de
transição epidemiológica e demográfica. Assim, o mercado farmacêutico
cresceu a taxas de dois dígitos na última década, aproximando-se da cifra
de R$ 56 bilhões em 2013 [IMS Health (2014); Pimentel et al. (2012)].
Segundo, os medicamentos genéricos, estabelecidos7 em 1999, re-
presentaram uma nova janela de oportunidade para a indústria brasi-

5
  Lei 5.772, de 1971.
6
  Lei 9.279, de 1996.
7
  Lei 9.787, de 1999.
22 leira, principalmente após a ampliação das barreiras à entrada com a
introdução de patentes. Os genéricos passaram a liderar o crescimento
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

do mercado farmacêutico brasileiro, com taxas de crescimento anuais


superiores a 25% em quantidade no período 2004-2013. Esses produ-
tos tornaram-se também reguladores de preço, viabilizando o acesso de
milhões de pessoas que vinham sendo incluídas no mercado de consumo
[Gomes et al. (2014)].
O crescimento acelerado da demanda doméstica e a redução das bar-
reiras à entrada proporcionada pela instituição dos genéricos foram apro-
veitados principalmente pelas farmacêuticas de capital nacional. Conforme
o Gráfico 3, a participação das empresas de capital nacional no mercado
brasileiro superou a marca dos 50% em 2013, e as principais empresas
ultrapassaram R$ 1 bilhão de receitas anuais. Além disso, elas vêm gra-
dativamente adquirindo competências e ampliando seus esforços de ino-
vação: o investimento em atividades inovativas já representa 4,8% da
receita da indústria, dos quais aproximadamente 2,4% dedicados às ativi-
dades internas de P&D, enquanto os mesmos índices para a indústria de
transformação permanecem estagnados em 2,5% e 0,7%, respectivamente
[IBGE (2013)].

Gráfico 3 | Participação dos laboratórios de capital


nacional no mercado brasileiro (em R$ bilhões)

100

80

60
%

40

20

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Empresas de controle nacional Empresas de controle estrangeiro

Fonte: Elaborado por Sindusfarma, com dados do IMS Health.


Em paralelo aos movimentos de demanda, construiu-se no país uma 23
nova estrutura regulatória e de políticas públicas para a indústria farma-

Complexo Industrial da Saúde


cêutica. O movimento, iniciado com a criação da Anvisa em 1999, ganhou
força ao longo dos anos 2000, com destaque para instituição das Boas
Práticas de Fabricação (BPF), prerrogativa para a produção e comerciali-
zação de medicamentos.
Apesar do crescimento da participação das empresas de capital nacio-
nal no mercado brasileiro, a base industrial brasileira não tem sido capaz
de atender plenamente à demanda doméstica por medicamentos, o que se
expressa em saldos negativos crescentes na balança comercial, que atin-
giram US$ 8 bilhões em 2013.
O crescimento do déficit não é um fenômeno específico da indústria far-
macêutica, sendo relevante também no total da indústria de transformação.
Entretanto, enquanto setor intensivo em tecnologia e conhecimento, apresen-
ta um resultado ainda mais negativo que a média. Conforme se observa no
Gráfico 4, a participação das importações no mercado farmacêutico brasilei-
ro8 cresceu sistematicamente acima do índice da indústria de transformação,
em particular após 2009, superando a marca de US$ 10 bilhões em 2013.

Gráfico 4 | Participação (%) de produtos importados


no mercado doméstico, 2003-2013

45
38,6
40

35
27,6
30

25 20,5
20
15,2
15

10

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012* 2013*

Farmoquímicos e farmacêuticos Indústria de transformação

Fonte: Elaboração própria, com base em CNI (2014).


* Estimativas.

8
  Foi utilizado o “Índice de Penetração das Importações”, conforme denomina CNI (2014).
24 O forte crescimento da demanda doméstica reflete-se em uma disposição
para exportar inferior à da indústria de transformação brasileira. Entretanto,
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

nota-se, na última década, um sistemático crescimento da participação das


exportações na receita das farmacêuticas brasileiras, enquanto o mercado
internacional perdeu espaço como destino da indústria de transformação
(Gráfico 5). Assim, a farmacêutica aparece como o setor da indústria cujo per-
centual de exportações na receita mais cresceu nos últimos dez anos (73%),
atingindo US$ 2,3 bilhões em exportação em 2013. Tal crescimento pode
ser atribuído à maior presença das empresas brasileiras em mercados
latino-americanos e à exportação de insulina para a Dinamarca, provavel-
mente em função do uso do Brasil como plataforma de exportação pela
multinacional Novo Nordisk.

Gráfico 5 | Participação (%) das exportações na receita


das empresas brasileiras, 2003-2013

25
20,5

20
16,0

15

10,0
10
5,8

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012* 2013*

Indústria de transformação Farmoquímicos e farmacêuticos

Fonte: Elaboração própria, com base em CNI (2014).


* Estimativas.

Por fim, o forte crescimento da demanda levou também a uma mudança


na composição da balança comercial. Na década de 1990, os insumos far-
macêuticos respondiam por aproximadamente 70% do déficit, enquanto em
2013 são os produtos acabados que respondem por participação semelhan-
te. Dentre os principais medicamentos acabados importados, destacam-se
aqueles obtidos por rota biotecnológica – oito dos dez principais produtos
farmacêuticos com maior valor de importação. Nesse caso, as competências 25
para o desenvolvimento e a produção são diferentes daquelas construídas

Complexo Industrial da Saúde


pelas empresas brasileiras ao longo da última década, configurando-se espe-
cialmente em um déficit de conhecimento [Reis, Landim e Pieroni (2011)].

Posicionamento atual
A despeito do sucesso da indústria farmacêutica brasileira na última dé-
cada, em particular das empresas de capital nacional, a continuidade das
estratégias adotadas até o momento pode não ser suficiente para sua sus-
tentação. Um novo cenário de concorrência na indústria delineia-se, com-
posto por pressões nos mecanismos de formação de preços e na dinâmica
de reposição de portfólio.
Tais pressões devem atingir mais diretamente as margens e a rentabili-
dade da indústria, já que as perspectivas de mercado continuam positivas.
Projeta-se que o mercado farmacêutico brasileiro seguirá crescendo a dois
dígitos, com possibilidade de ultrapassar Alemanha e França e se tornar o
quarto maior mercado global já em 2018, atrás de Estados Unidos, Japão e
China [IMS Health (2013)].
No que diz respeito à formação de preços, observa-se crescente
concorrência entre as próprias empresas atuando no Brasil, cada vez
maiores e mais consolidadas, e fortalecimento dos compradores, tanto
das grandes redes de farmácia quanto dos pagadores institucionais pú-
blico e privados. Já as pressões de portfólio referem-se à redução do
horizonte de medicamentos de síntese química com patentes a expi-
rar e à possível equiparação dos medicamentos similares aos genéricos
[Gomes et al. (2014)].
Nesse contexto, novos modelos de negócio, estratégias e compe-
tências tecnológicas são necessários. Uma primeira opção estratégica,
apontada em Reis, Landim e Pieroni (2011), é a produção local de me-
dicamentos biossimilares. Tendo em vista a baixa capacitação do país
para o ingresso nessa nova trajetória, o catch-up poderia envolver trans-
ferência de tecnologia e o estabelecimento de parcerias de codesenvol-
vimento com empresas estrangeiras de base tecnológica. Além disso,
tem sido implementada uma agenda de políticas públicas com o objeti-
vo de induzir esse movimento, envolvendo financiamento, regulação e
compras governamentais.
26 Outra estratégia seria a ampliação dos investimentos em P&D inter-
na, fortalecendo as competências já detidas pelas empresas, em busca de
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

produtos que envolvam inovação incremental com reais ganhos terapêu-


ticos para os pacientes. Nessa direção, combinações de princípios ativos,
redução do número de doses e troca de via de administração estão entre
as possibilidades de inovação na qual as empresas brasileiras já detêm
competências [Gomes et al. (2014)].
Em ambos os casos, a ampliação do escopo de mercado das farmacêu-
ticas brasileiras poderia funcionar como um catalisador. Portfólios mais
amplos e completos, que incluam produtos de maior valor agregado, mes-
mo biossimilares e medicamentos com inovações incrementais, demandam
maior investimento de capital, o que poderia ser diluído pela atuação em
mercado ampliado. Ao mesmo tempo, na medida em que se deseja o de-
senvolvimento de produtos inovadores, o mercado nacional pode não ser
suficiente para compensar os custos de P&D envolvidos.
Dessa forma, a trajetória e o posicionamento atual da indústria farma-
cêutica brasileira devem empurrar as empresas para uma maior inserção
internacional. Na próxima seção, serão analisados alguns dos principais
movimentos das empresas farmacêuticas brasileiras para isso, à luz das
teorias da internacionalização e da experiência indiana.

Principais iniciativas de inserção internacional em curso


Conforme abordado na seção teórica deste trabalho, há duas motiva-
ções fundamentais para que as empresas busquem a inserção internacional:
explo­rar suas vantagens competitivas e buscar competências e recursos não
disponíveis no país de origem.
As farmacêuticas brasileiras que já buscam inserção internacional inicia-
ram o processo pelas exportações, principalmente direcionadas aos merca-
dos latino-americanos, que representaram o destino de mais da metade das
exportações do setor entre 2009 e 2013 (Gráfico 6). Em comparação a seus
pares latinos, as empresas brasileiras apresentam vantagens competitivas
relacionadas à escala e à qualidade sanitária. As economias de escala decor-
rem do tamanho do mercado brasileiro, que responde por aproximadamente
45% do mercado da região e cresce a taxas médias ligeiramente superiores
[Abiquifi (s.d.); IMS Health (2014)].
Uma segunda vantagem competitiva advém do elevado padrão regula- 27
tório exigido pela Anvisa, tanto no que diz respeito às informações neces-

Complexo Industrial da Saúde


sárias para registro quanto na qualidade e segurança exigida das operações
industriais no país. A norma que estabelece as BPF9 aproxima-se do guia da
União Europeia,10 o que propicia maior segurança e previsibilidade, princi-
palmente em relação aos concorrentes asiáticos. Além disso, a Anvisa pos-
sui participação nos diversos fóruns internacionais e é reconhecida como
referência, principalmente na América Latina.11 Por esses motivos, alguns
países da região aceitam o dossiê brasileiro sem muitas alterações, ou mes-
mo integralmente. Ainda, as operações industriais brasileiras atendem aos
padrões internacionais exigidos para exportação para a América Latina sem
grande necessidade de investimentos.

Gráfico 6 | Exportações brasileiras de medicamentos,


por região de destino, 2009-2013

Resto do mundo
7%
Emergentes**
6%

América Latina
52%

Desenvolvidos*
35%

Fonte: Elaboração própria, com base em AliceWeb/MDIC. Foram considerados os valores do


capítulo 30 da NCM brasileira.
* Alemanha, Canadá, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão,
Reino Unido.
** China, Rússia, Índia, Turquia, Polônia, Arábia Saudita, Indonésia, Tailândia,
Ucrânia, África do Sul, Egito, Romênia, Argélia, Vietnã, Paquistão e Nigéria.

9
  Resolução da Diretoria Colegiada 29, de 2005.
10
  Ver ICH (2000).
11
  Atualmente, a Anvisa possui mais de trinta atos internacionais com agências sanitárias de outros países.
28 O tamanho do mercado e a regulação também fazem do Brasil
uma das portas de entrada para as empresas estrangeiras que dese-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

jam ampliar sua participação no mercado latino-americano. Em 2013,


seis das dez maiores empresas exportadoras que participam do pro-
jeto setorial da Apex-Abiquifi são subsidiárias de multinacionais.
Dentre as empresas de controle nacional, destaca-se a Blanver, que
obtém da exportação de insumos farmacêuticos parte significativa de
sua receita.
Além das exportações, a América Latina também aparece como destino
preferencial dos investimentos externos diretos da indústria farmacêutica
brasileira, sendo o local de sete das oito subsidiárias de empresas farma-
cêuticas mapeadas por Dias (2012). Apesar de com estratégias e ritmos
diferentes, algumas das principais empresas de capital nacional vêm se
internacionalizando na região. Dentre elas, destacam-se o Cristália, com
uma aquisição na Argentina, o Laboratório Blau, que adquiriu uma em-
presa colombiana, e a Eurofarma, que realizou seis aquisições. As aquisi-
ções tiveram como motivações tanto a ampliação dos mercados (força de
vendas, registros) quanto o melhor aproveitamento da capacidade instalada
no Brasil [Abiquifi (2014); Scaramuzzo (2011; 2013a)].
A inserção internacional da indústria brasileira parece alinhar-se aos
modelos mais tradicionais, no que diz respeito tanto ao processo quan-
to às motivações. A atuação na América Latina inicialmente pela via das
exportações coaduna-se com o fluxo de estabelecimento, baseando-se nas
vantagens competitivas detidas pelas empresas brasileiras nesses merca-
dos, além da proximidade cultural e geográfica.
Posteriormente, as empresas passaram a realizar aquisições pontuais,
com o objetivo de aprender gradativamente as características dos países
de destino. Além disso, a motivação principal tem sido a utilização das
vantagens competitivas existentes, com destaque para economias de es-
cala, reconhecimento da qualidade dos produtos brasileiros e disponibi-
lidade de recursos financeiros (capital próprio). No entanto, as empresas
brasileiras ainda não se tornaram players regionais relevantes na América
Latina, como a argentina Roemmers, presente em dez países.
Esses movimentos aproximam-se da expansão das empresas indianas
nas décadas de 1980 e 1990, aproveitando-se das vantagens de proximi-
dade e do maior grau de desenvolvimento econômico do país de origem.
Entretanto, ressaltam-se duas diferenças entre os casos indiano e brasilei- 29
ro. Em primeiro lugar, a farmacêutica brasileira tem se expandido com

Complexo Industrial da Saúde


foco em produtos acabados, com baixo grau de verticalização da produ-
ção. Outra é o esforço brasileiro, desde o momento inicial, de construção
de uma imagem de qualidade sanitária, capitaneada pela Anvisa e refor-
çada pelas empresas e associações de classe do setor.
Também nos moldes indianos, mais recentemente algumas empresas
brasileiras têm voltado seus esforços de inserção internacional para a bus-
ca de competências e ativos inexistentes no Brasil. Contudo, essa inserção
relaciona-se menos às atividades produtivas e mais à busca por parcerias
de P&D que possam aportar conhecimento no sistema de inovação bra-
sileiro, em particular no caso da biotecnologia moderna. Assim, algumas
empresas de base tecnológica, como Recepta e PharmaPraxis, entre ou-
tras, têm firmado parcerias de codesenvolvimento no exterior e acelerado
o desenvolvimento de competências de inovação no país [Goes (2013)].
Em um contexto de redução de fontes de financiamento de empresas
inovadoras nos Estados Unidos e Europa, após a crise de 2008, o porte
de algumas farmacêuticas brasileiras já lhes permite acessar conheci-
mentos de sistemas de inovação de países desenvolvidos, por meio de
parcerias, joint ventures ou aquisições. Um exemplo é a Brace, subsi-
diária da brasileira EMS nos Estados Unidos, cujo objetivo é inserir-se
no sistema de inovação norte-americano. Nesse caso, há uma conjuga-
ção do aproveitamento de vantagens competitivas – a disponibilidade
de recursos financeiros em meio a um cenário de escassez internacio-
nal – com a busca por ativos tecnológicos não disponíveis no Brasil
[Scaramuzzo (2013b)].
Do ponto de vista da construção e do fortalecimento da indústria,
ambas as motivações devem ser vistas como complementares. Ao atuar em
mais mercados, o retorno potencial dos investimentos em P&D aumenta,
já que a empresa terá maior poder de barganha caso o produto de fato
chegue a mercado. Assim, a exploração das vantagens competitivas
existentes contribui para a ampliação do porte e da capacidade financeira
da empresa, o que é fundamental para sustentar os longos prazos de
maturação dos investimentos mais arriscados.
Por outro lado, a concorrência na indústria farmacêutica é pautada pelo
constante deslocamento da fronteira da ciência, cujos desenvolvimentos
30 estão dispersos globalmente. Assim, as empresas que se restringem
às competências tecnológicas disponíveis internamente podem ter
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

dificuldades para criar e sustentar vantagens competitivas dinâmicas.

Políticas públicas de apoio à inserção internacional


Experiência internacional
A participação do Estado no apoio à inserção internacional é amplamente
disseminada, tanto no mundo desenvolvido quanto nos países emergentes.
O Quadro 2 revela que os principais países desenvolvidos e em desenvol-
vimento possuem instrumentos de apoio público ao processo de internacio-
nalização de suas empresas. Em um cenário de concorrência global cada
vez mais acirrada, empresas oriundas de países que não dispõem de tais
instrumentos acabam em desvantagem competitiva.

Quadro 2 | Instrumentos de apoio à internacionalização de empresas


em países desenvolvidos e em desenvolvimento selecionados
Informação e Financiamento Seguros e
assistência técnica garantias

Países desenvolvidos

Alemanha X X X
Coreia do sul X X X
Dinamarca X X
Estados Unidos X X X
França X X
Itália X X X
Japão X X X
Noruega X X X
Reino Unido X X
Suíça X X X
Países em
desenvolvimento
Brasil X X
China X X X
Índia X X X
Fontes: Além (2005) e CNI (2013).
Em relação à experiência recente de apoio público à inserção internacio- 31
nal de empresas, merece destaque o desempenho dos países asiáticos, em

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particular Japão, Coreia do Sul, Índia e China. O caso japonês, nas décadas
de 1960 e 1970, é considerado paradigmático por conjugar o apoio à inter-
nacionalização com as políticas industrial e tecnológica. O monitoramento
em relação ao cumprimento das metas pelo governo japonês contribuiu para
que as empresas se capacitassem, tornando-as seguidoras competentes e, ao
mesmo tempo, internalizando competências tecnológicas [Além (2005)].
Podem-se dividir as ações do Estado em quatro modalidades. Na primei-
ra, os centros de informação oferecem serviços de inteligência comercial,
contábeis e jurídicos e assistência técnica para a adaptação dos serviços e
mercadorias às exigências do consumidor externo. Já as ações destinadas
a proteger os investimentos das empresas nacionais (exportadoras de ca-
pital) no exterior incluem, por exemplo, acordos bilaterais de promoção e
proteção recíproca de investimentos (APPIs) e acordos sobre propriedade
intelectual, como o TRIPs.
Por sua vez, os seguros e as garantias cobrem os riscos políticos e co-
merciais, destinando-se a empresas exportadoras, investidores e bancos
financiadores. Por fim, o financiamento público visa compensar eventuais
restrições de capital das empresas, o que é particularmente sensível na in-
serção internacional de empresas oriundas de países emergentes. O finan-
ciamento pode ser tanto às exportações quanto ao IED.
O financiamento estatal à exportação constitui atividade consagrada
e, em geral, pouco controversa, já que amplia a geração de divisas e de
empregos para o país financiador. Já os resultados para o país emissor do
IED quanto à geração de externalidades positivas, como criação de em-
prego, geração de divisas e aumento da produtividade, são bastante discu-
tidos na literatura: por um lado, ao tornar as empresas mais competitivas,
a internacionalização por si já teria efeitos benéficos ao país emissor do
IED; por outro, o apoio ao investimento em países estrangeiros competi-
ria com os recursos disponíveis para investimento na economia doméstica
[Além e Madeira (2010); Catermol (2010)].
Em relação à geração de emprego, os impactos são indefinidos. Do lado
negativo, haveria criação de postos de trabalho no exterior em detrimento
do emprego gerado no país de origem. Do lado positivo, o crescimento da
empresa, aliado às necessidades de gestão das atividades no exterior, pode
32 levar a um aumento do número de empregos e da qualificação profissional
dos funcionários, conforme indicam estudos empíricos [CNI (2013); Dias,
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

Caputo e Marques (2012)].


Também do ponto de vista da balança comercial, os resultados do IED
são dúbios. Por um lado, ele pode levar à substituição de exportações pela
produção no local de destino. Por outro, estimula as exportações de insu-
mos (equipamentos e materiais). Assim, as consequências do apoio público
à internacionalização para o país de origem não podem ser generalizadas.
A unidade de análise relevante, nesse caso, é cada projeto individualmente,
tanto na proposta quanto no monitoramento de sua implementação.

Experiência e instituições brasileiras


Apesar de relativamente pequeno em relação ao fluxo de IED mundial
(0,5% em média), o estoque de investimentos brasileiros apresentou cres-
cimento expressivo, em valores absolutos, passando de US$ 50 bilhões em
2001 para US$ 266 bilhões em 2012 [CNI (2013)].
Ao segmentar a análise pelas EMNs brasileiras, nota-se uma razoável
diversidade setorial, embora a especialização produtiva se sobressaia: das
47 empresas brasileiras com maior inserção internacional, destacam-se os
setores de serviços de engenharia e tecnologia de informação (sete empresas)
e aqueles intensivos em recursos naturais (seis companhias). As empresas
farmacêuticas não constam no estudo [Cretoiu (2013)].
As principais instituições oficiais brasileiras que apoiam empresas
com projetos de inserção internacional são a Apex Brasil e o BNDES. A
Apex-Brasil atua em duas frentes: promoção de exportações e atração de
IED. O trabalho de promoção das exportações baseia-se em promoção co-
mercial, informações sobre os mercados externos e capacitação de empresas.
Desde 2009, a Abiquifi, em parceria com a Apex, coordena um projeto
para ampliar a inserção internacional da cadeia farmacêutica. Entre as ini-
ciativas, destacam-se o “projeto comprador” em que são realizadas roda-
das de negócios entre empresas estrangeiras e brasileiras com o objetivo de
atrair potenciais compradores de produtos nacionais e o “projeto imagem
sanitária”, que envolve a recepção de delegações estrangeiras, de agências
reguladoras, empresas farmacêuticas e instituições compradoras, para reu-
niões com a Anvisa, visitas às unidades fabris de empresas brasileiras e
workshops setoriais.
Quanto ao BNDES, atualmente a instituição dispõe de dois principais 33
instrumentos para apoiar a inserção internacional de empresas brasileiras, as

Complexo Industrial da Saúde


linhas de financiamento às exportações e o financiamento à internacionali-
zação. A linha de financiamento às exportações brasileiras (BNDES Exim),
criada em 1990, possui duas modalidades. Na pós-embarque, o Banco finan-
cia a comercialização dos bens e serviços brasileiros no exterior, oferecendo
prazo ao importador para o pagamento das exportações brasileiras, sendo
a modalidade mais indicada para o apoio à exportação de bens de capital
e serviços de engenharia, por exemplo. Já na modalidade pré-embarque, o
BNDES financia o capital de giro de empresas exportadoras, sendo aplicável
a um rol maior de setores industriais, inclusive o farmacêutico.
Na linha de financiamento à internacionalização, criada em 2005, o
BNDES pode apoiar investimentos de empresas brasileiras no exterior (IED),
entre eles a compra de participação societária, a aquisição, implantação,
ampliação ou modernização de plantas produtivas, canais de comerciali-
zação e centros de P&D.12 Ressalta-se que a linha de internacionalização
do BNDES atualmente utiliza custos de mercado como base para o finan-
ciamento. Foram realizadas vinte operações de apoio à internacionaliza-
ção, das quais nove de financiamento reembolsável e 11 via participação
acionária (BNDESPar). No setor farmacêutico, foi realizado financiamen-
to reembolsável para a aquisição do laboratório argentino Quesada pela
brasileira Eurofarma.

Considerações finais e proposta de atuação setorial


Neste trabalho, utilizou-se de três abordagens complementares para dis-
cutir a inserção internacional das empresas farmacêuticas brasileiras: as teo-
rias da EMN, experiências de internacionalização da indústria farmacêutica
e a trajetória particular do setor no Brasil.
Como fenômeno relativamente recente, as teorias que versam sobre
EMNs ainda são controversas. Duas variáveis aparecem com frequência
no debate. Primeiro, a distância psíquica e suas variantes, que condicio-
nam o escopo de atuação de uma empresa em seus primeiros movimen-
tos no mercado internacional. Segundo, as competências dinâmicas, base

  O BNDES é a principal fonte de financiamento de longo prazo às exportações e, a partir de 2005,


12

quando passou a apoiar também o IED, tornou-se a principal instituição do Estado brasileiro engajada
no apoio à inserção internacional de empresas brasileiras [CNI (2013)].
34 das vantagens competitivas, fundamentam as motivações principais para a
inserção internacional de uma empresa: exploração de vantagens compe-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

titivas existentes e busca por ativos e conhecimentos não disponíveis no


país de origem.
Em função do constante deslocamento da fronteira tecnológica, a co-
existência de tais motivações é uma característica marcante da indústria
farmacêutica. As empresas e os países que tiveram êxito em ingressar na
indústria foram aqueles que pularam etapas por meio do acesso a conheci-
mentos externos. Ao mesmo tempo, uma vez obtidos os ativos necessários,
a atuação em mercado amplo potencializa significativamente o retorno do
investimento. Essa dinâmica tem se repetido ao longo da história da in-
dústria, tanto de países desenvolvidos, como Estados Unidos, quanto para
países em desenvolvimento, como no caso indiano.
A história da farmacêutica indiana revela, por outro lado, outra via para o
ingresso nesse mercado, a imitação criativa. Contudo, apesar de ter crescido
significativamente e se tornado a “farmácia do mundo”, essa trajetória ainda
não proporcionou as competências necessárias para ingressar no universo
de inovações radicais. Por esse motivo, após uma etapa inicial voltada para
a ampliação do escopo de mercado de seus produtos, as empresas indianas
têm redirecionado seus esforços de inserção internacional para a aquisição
de competências de P&D nos países desenvolvidos.
A indústria farmacêutica brasileira apresenta algumas similaridades e di-
ferenças em relação ao caso da Índia. Em um cenário institucional diferen-
te, e com alguns anos de atraso, a indústria brasileira ganhou força a partir
dos genéricos. Entretanto, foi o dinamismo do mercado interno o principal
impulsionador das empresas brasileiras, apoiadas pelas políticas públicas e
por uma estrutura regulatória equilibrada.
Por esse motivo, a inserção internacional do Brasil é ainda limitada, já
que o mercado local tem sido mais do que suficiente para sustentar o cres-
cimento das empresas brasileiras. Entretanto, em um cenário de concorrên-
cia mais acirrada, com provável redução da rentabilidade, e menos espaços
competitivos para o lançamento de genéricos de síntese química, a inserção
internacional deve ser uma das alternativas para a continuidade da expan-
são acelerada das empresas brasileiras e a internalização de competências
tecnológicas. O Quadro 3 busca resumir os fatores impulsionadores e limi-
tantes desse movimento.
Quadro 3 | Fatores impulsionadores e limitantes da inserção 35
internacional das empresas farmacêuticas brasileiras

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Fatores impulsionadores Fatores limitantes
Redução de margens no mercado interno Continuidade do crescimento
da demanda doméstica
Adequação internacional do Baixa diferenciação de produto
regulatório brasileiro
Empresas com porte e elevada Pequeno histórico de
capacidade financeira inserção internacional
Fonte: Elaboração própria.

Ao fim, discutiram-se as políticas públicas de apoio à inserção interna-


cional, com ênfase em dois aspectos. Primeiro, o apoio do Estado à atuação
de empresas no exterior, muitas vezes questionado, deve ser compreendi-
do do ponto de vista geopolítico. Em alguma medida, os países sem polí-
ticas ativas com esse fim podem condenar suas empresas a uma situação
de desvantagem na concorrência internacional. Na atuação que ultrapasse
o papel de nivelador, as políticas públicas podem buscar induzir comporta-
mentos que gerem externalidades positivas para o país. Nesse contexto, os
bancos de desenvolvimento podem influenciar o comportamento de seus
beneficiários demandando deles o cumprimento de um padrão de desem-
penho relacionado à gestão e à convergência com os objetivos das políticas
públicas, além de contrapartidas específicas [Amsden (2001)].
No caso da indústria farmacêutica, observa-se nos últimos 15 anos uma
convergência positiva entre as estratégias empresariais e os objetivos das
políticas públicas. Destacam-se, por exemplo, a adesão das empresas à po-
lítica de genéricos, fundamental para a ampliação do acesso da população
a medicamentos, os investimentos para adequação das instalações produti-
vas às BPF determinadas pela Anvisa, a ampliação consistente do investi-
mento empresarial em inovação e a diversificação produtiva em direção à
biotecnologia moderna.
Considerando a trajetória e o estágio atual da indústria farmacêutica
brasileira, são desejáveis movimentos de internacionalização que visem
à aquisição de competências e conhecimentos tecnológicos não disponí-
veis no país, que normalmente envolvem maior risco e prazo de maturação
mais longo. Nesses casos, as externalidades positivas para o mercado e a
sociedade são indiretas, necessitando de maior comprometimento das par-
36 tes envolvidas. Pela característica de flexibilidade, o uso dos instrumentos
de participação acionária, por meio da BNDESPar, parece mais adequado
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES

para um eventual apoio do BNDES.


Nesses casos, a negociação de contrapartidas específicas para o desen-
volvimento da indústria farmacêutica brasileira seria desejável. A reali-
zação de atividades produtivas no país, por exemplo, deve ser priorizada
caso os produtos advindos do exterior cheguem a mercado, não apenas
para atender ao mercado interno como também para que o Brasil torne-se
plataforma de exportação para os mercados globais.
No que diz respeito a possíveis contrapartidas relacionadas a atividades
de inovação, uma primeira possibilidade seria a ampliação dos investi-
mentos em P&D acima da média da indústria farmacêutica brasileira. Os
projetos poderiam contemplar ainda o desenvolvimento de fornecedores
na cadeia de P&D e serviços tecnológicos no país, não apenas pela gera-
ção de demanda para os prestadores de serviços locais, mas também por
meio de parcerias e investimento nessas empresas e da disponibilização
de informações sobre melhores práticas internacionais que possam dire-
cionar seus esforços.
Etapas prioritárias da cadeia de P&D seriam o fortalecimento da
infraes­trutura para realização de ensaios pré-clínicos e clínicos de fase I,
ainda incipientes no país, ou a participação ativa de instituições brasi-
leiras em ensaios clínicos multicêntricos. Outras possibilidades incluem
a participação em fundos de investimento para empresas de base tecno-
lógica e o apoio à cooperação entre instituições científicas tecnológicas
brasileiras e internacionais.
Já o uso dos instrumentos tradicionais, por meio de linhas de crédito
reembolsáveis, deve ser preferencialmente indicado para projetos de ex-
pansão comercial, em que a empresa alavanca as vantagens competitivas
que já detém. Nesse caso, projetos que demonstrem a existência de exter-
nalidades positivas de curto prazo para a sociedade, como a ampliação de
exportação e criação de novos mercados para produtos brasileiros, pare-
cem mais adequados a esse instrumento.
Assim, o apoio do BNDES à inserção internacional das empresas far-
macêuticas pode distinguir entre seu papel nivelador de mercado e seu pa-
pel indutor de comportamentos, alinhando-se à teoria sobre as motivações
dessa estratégia nas empresas. Projetos relacionados à expansão de mer-
cados, de empresas motivadas por alavancar vantagens competitivas exis- 37
tentes, podem ser financiados pelas linhas de crédito reembolsáveis, tanto

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de exportação pré-embarque quanto de internacionalização. Já a partici-
pação acionária, por meio da BNDESPar, poderia ser reservada a projetos
de empresas farmacêuticas que visem à aquisição de competências tec-
nológicas que não estejam disponíveis no sistema de inovação brasileiro,
com o requisito de que essas competências sejam internalizadas no país.

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Estimativa de investimentos em aterros


sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de
Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

Marcos H. F. Vital
Martin Ingouville
Marco Aurélio Cabral Pinto*

Resumo
O presente artigo analisa a política nacional para resíduos sólidos urbanos
(RSU) residenciais nos municípios brasileiros, estimando-se o investimento
necessário para a disposição final adequada (em aterros sanitários). Para
tanto, foram realizadas estimativas para atingir uma das metas previstas
no Plano Nacional de Resíduos Sólidos: a extinção de lixões até agosto de
2014.1 Conforme se pôde concluir, serão necessários recursos na ordem de
R$ 2,5 bilhões para constituição de infraestrutura de aterros sanitários que
atendam ao desafio de erradicar os vazadouros a céu aberto (lixões) e os
aterros controlados no Brasil.

* 
Respectivamente, economista e engenheiro do Departamento de Meio Ambiente da Área de Meio
Ambiente do BNDES; e engenheiro do Departamento de Gestão Pública da Área de Infraestrutura Social
do BNDES. Colaboraram com o trabalho: Ana Elisa F. Vital, Odette Lima Campos, Raphael Duarte Stein,
Guilherme Martins, Marcos Ferran, José Guilherme Cardoso, Gabriel Rangel Visconti e Thaíse Nunes.
1
  Na data de publicação do presente artigo, ainda não se havia cumprido a referida meta.
44 Introdução
A disposição inadequada de RSU pode gerar tanto custos sociais quan-
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

to privados. No Brasil, alagamentos causados pela conjunção mudanças


climáticas/disposição inadequada de resíduos afetam tanto consumidores
quanto empresas – quando de danos em infraestrutura capazes de compro-
meter o escoamento da produção ou o funcionamento do comércio.
Desde 2010, o país enfrenta o desafio de implementação planejada de
sistemas de coleta, seleção, tratamento e disposição adequada de RSU do-
miciliares, comerciais e industriais. O desafio tem sido enfrentado com o
estabelecimento de marcos regulatórios e com compartilhamento de respon-
sabilidade entre os entes federativos e a sociedade organizada.
A Lei 12.305 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),
que imputa responsabilidades compartilhadas pela gestão integrada e
pelo gerenciamento dos resíduos sólidos (incluindo os perigosos) aos ge-
radores de resíduos, ao poder público (União, estados e municípios) e aos
instrumentos econômicos aplicáveis. A referida lei foi regulamentada pelo
Decreto 7.404/10, que estabelece normas e procedimentos para sua imple-
mentação, incluindo a obrigatoriedade de elaboração de planos municipais
e estaduais de gerenciamento de RSU, assim como de Plano Nacional de
Resíduos Sólidos. Para implementação dos termos previstos na lei, foi esta-
belecido comitê interministerial com atribuições de planejamento e gestão.
Em 2011, elaborou-se, em versão preliminar, o Plano Nacional de
Resíduos Sólidos. O plano aborda diagnóstico da situação recente da gera-
ção, coleta, tratamento e disposição de resíduos no país, metas quantitativas
e as respectivas ações necessárias para atingi-las, assim como diferentes
cenários institucionais. Dentre as metas da PNRS, destacam-se:
i) extinção dos lixões a céu aberto até 2014;
ii) redução em até 70% dos resíduos recicláveis ou reutilizáveis dis-
postos em aterros;
iii) redução na geração de lixo de 1,1 kg/hab./dia para 0,6 kg/hab./
dia; e
iv) inserção de 600 mil catadores.
Pretende-se, no presente trabalho, estimar o montante de investimentos
necessários para que o país construa, entre 2015 e 2019, parque nacional
de aterros sanitários capaz de receber a quantidade de RSU ainda disposta 45
de modo inadequado no ano de 2012.

Saneamento Ambiental
Para cumprir esse objetivo, depois desta introdução, o artigo está estru-
turado em mais quatro seções. Na próxima seção, examina-se a PNRS. A
terceira expõe e analisa diagnóstico da situação dos RSU no Brasil, com a
finalidade de obtenção de parâmetros necessários para aplicação no modelo
de estimativa de investimentos proposto. A lógica que permeia as estima-
tivas bem como a análise dos resultados são apresentadas na quarta seção.
As conclusões e propostas compõem a quinta seção.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos


A PNRS reúne conjunto de (i) princípios; (ii) objetivos; (iii) instrumen-
tos; (iv) diretrizes; (v) metas; e (vi) ações com vistas à gestão integrada e
ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos no Brasil.

Princípios
Prevenção e precaução
Os princípios de prevenção e precaução induzem o poder público e a
coletividade a agir de modo a evitar ou prevenir a ocorrência de ações dolo-
sas para a sociedade. Em seu livro Direito Ambiental Brasileiro, Rehbinder
define o princípio da precaução como:
(...) o princípio da precaução reflete o conhecimento de que as ativi-
dades humanas tendo um impacto sobre o ambiente, muitas vezes têm
consequências negativas que não podem ser completamente previsí-
veis ou verificáveis antes da ação. Em sua aplicação, o princípio da
precaução requer que uma ação não deva ser executada se ela coloca
um risco desconhecido de dano. Procedimentalmente, o princípio da
precaução impõe, sobre aqueles que desejam empreender uma ação,
o ônus da prova de que ela não prejudicará o ambiente [Rehbinder
apud Wolfrum (2004, p. 28)].

Poluidor-pagador e protetor-recebedor
Enquanto o princípio do poluidor-pagador pode ser encontrado em
diferentes normativos brasileiros de cunho ambiental, o princípio do
protetor-recebedor é relativamente novo. Conforme é possível inferir, tais
princípios têm como objetivos imputar penalidades aos poluidores do meio
46 ambiente e incentivar os agentes econômicos que atuem de modo contrá-
rio – premiando quem conserva e protege o ecossistema em que se insere.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

Para implementar tais princípios, a Lei de Crimes Ambientais foi alterada


para incluir novas infrações e penalidades. No caso do protetor-recebedor,
prevê-se, por exemplo, a possibilidade de descontos em impostos como
o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU).

Desenvolvimento sustentável
Outro princípio que norteia a PNRS é o de desenvolvimento sustentá-
vel. De acordo com UN (1987), o desenvolvimento econômico de uma dada
nação pode ser dito “sustentável” (ao longo do tempo) se o uso de recursos
no presente para atender às “necessidades do presente” não compromete a
disponibilidade de recursos para que outras gerações satisfaçam suas “ne-
cessidades no futuro”.2
O reaproveitamento dos RSU apresenta relação direta com o cresci-
mento econômico e com o conceito de desenvolvimento sustentável, uma
vez que o uso econômico dos RSU recicláveis reduz as pressões sobre
matérias-primas específicas – como papel e papelão (intensivos em terra e
água) e petróleo e nafta (emissores de CO2).

Responsabilidade compartilhada
Um dos pilares da PNRS é o da responsabilidade compartilhada en-
tre consumidores, comerciantes e distribuidores, fabricantes, importadores
e o poder público sobre a gestão do ciclo de vida dos produtos, ou seja, do
retorno de parte dos produtos recicláveis para o sistema de produção e/ou
da disposição adequada/tratamento de resíduos. O princípio está em linha
com as melhores práticas internacionais, mas seu êxito depende de mu-
danças significativas na cultura de como entender, tratar e relacionar-se
com os resíduos.
Os sistemas de logística reversa3 são a materialização do princípio da
responsabilidade compartilhada, por meio do qual os agentes econômicos
(fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e
titulares de serviços públicos de limpeza e manejo) definem seus papéis

2
  “Humanity has the ability to make development sustainable to ensure that it meets the needs of the
present without compromising the ability of future generations to meet their own needs” [UN (1987)].
3
  Sistemas de logística reversa são bastante complexos, contemplando, de modo genérico: (i) sistemas de
coleta seletiva ou postos de coleta; (ii) estações de transbordo e/ou triagem; (iii) reutilização/reciclagem;
(iv) tratamento e disposição ambientalmente adequada dos resíduos.
em cada etapa do ciclo de vida do produto, desde a fabricação até a desti- 47
nação adequada dos resíduos. Vale notar que, de acordo com a referida lei,

Saneamento Ambiental
os sistemas de logística reversa são obrigatórios para os seguintes setores:
(i) agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; (ii) pilhas e baterias; (iii)
pneus; (iv) óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; (v) lâmpadas
fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; (vi) produ-
tos eletroeletrônicos.
Enquanto alguns setores, por já possuírem legislação específica anterior
à Lei 12.305/10, apresentam sistemas de logística reversa mais evoluídos
(óleos lubrificantes usados e contaminados, embalagens de agrotóxicos e
pneus inservíveis, por exemplo), outros setores ainda possuem acordos se-
toriais em fase de elaboração ou apreciação pela sociedade civil organizada
(eletroeletrônicos, pilhas e baterias e lâmpadas mercuriais) – através da sub-
missão a audiências públicas ou mesmo a normativos federais específicos.4
Dessa forma, os produtos citados na lei e mencionados no texto não cons-
tituem conjunto exaustivo, finito ou estático. Outrossim, o desenvolvimento
tecnológico das nações (com viés em elevado ritmo de inovações de pro-
duto, notoriamente, em bens de consumo)5 e a diversificação dos produtos
fabricados imputam caráter dinâmico às questões associadas à fabricação,
ao consumo e ao descarte de produtos.

Reutilização e reciclagem
O reconhecimento do resíduo sólido reutilizável como bem econômico
abre oportunidades industriais, comerciais e financeiras na exploração de
todas as etapas, desde a produção até a reabsorção pela natureza, incluindo
o duplo caráter (social e econômico) da participação dos catadores e de sua
inclusão nos sistemas de logística reversa, qual seja: a geração de empre-
gos formais e renda.
O conjunto de todos os princípios que norteiam a Lei 12.305/10 encon-
tram-se no Anexo II.

Objetivos e diretrizes
Constam da PNRS mais de 15 objetivos (e diretrizes), enunciados no
Anexo III, dos quais se destacam os explicitados a seguir.

4
  O Ministério do Meio Ambiente fará a avaliação das propostas de acordo setorial apresentadas.
5
  Vale notar a dinâmica associada à indústria e ao mercado de produtos eletroeletrônicos.
48 Proteção à saúde pública
A disposição inadequada de RSU no país tem gerado bolsões de miséria
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

e favelas ao redor dos lixões (vazadouros a céu aberto), com subsequen-


tes problemas de saúde pública, valendo citar: náuseas, irritação nas nari-
nas, problemas pulmonares e até mesmo câncer por exposição ao metano
oriundo da decomposição do lixo orgânico. Dada a variabilidade das con-
centrações de metais pesados e outras substâncias no chorume,6 os efeitos
são diferenciados, sendo consenso que idosos, crianças e gestantes são a
população mais atingida.
Muito do que se denomina, atualmente, de “doenças negligenciadas”7
(doença de Chagas, doença do sono, leishmanioses, malária, febre amare-
la, tuberculose, entre outras) também pode ter sua origem no tratamento
inadequado do lixo.

Não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento


e disposição adequados de resíduos sólidos urbanos
A redução da geração de resíduos pode ser atingida de diferentes for-
mas. Uma delas é reduzir o consumo de bens e serviços. Isso remonta
questões sociológicas relacionadas ao consumo de massa e ao conceito
explícito de crescimento da produção e da riqueza material como sinôni-
mo de desenvolvimento das sociedades. Sob tal paradigma, uma vez que o
consumo é importante driver da demanda agregada de curto e longo pra-
zos, mantendo-se todo o restante constante, a filosofia da não geração pode
ter efeitos recessivos.

Estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo


Outra forma de se reduzir a geração de RSU é através da alteração dos
sistemas de produção industriais, de modo a aumentar a eficiência do uso
de materiais. Para que a produção continue a crescer sem que haja pres-
são sobre o uso de matérias-primas acima de seu nível intertemporal ótimo
(nível de consumo presente que possibilita a produção e o consumo futu-
ros), são necessárias inovações tecnológicas que permitam o mesmo nível

6
  Líquido escuro, de odor desagradável e altamente poluente que escoa de massas de lixo orgânico ou
de aterros sanitários, resultante da decomposição física, química e biológica de resíduos e da lixiviação
por água das chuvas.
7
  O termo “doença negligenciada” data da década de 1970 e se refere a doenças causadas por agentes
infecciosos e parasitários.
de produção e consumo com menor utilização de insumos (aumento na 49
eficiência do uso dos recursos).

Saneamento Ambiental
Adoção e aprimoramento de tecnologias limpas
A PNRS cria espaço para o desenvolvimento de novas tecnologias8 que
possam reduzir os impactos ambientais (uso de matérias-primas e tratamento
dos rejeitos) dos processos de produção e consumo.
Vale notar que, do ponto de vista intertemporal, gastar menos com tra-
tamento adequado de resíduos no presente significa gastar mais com saúde
pública no futuro.
Nesse sentido, vale lembrar o conceito de ecodesign, no qual os pro-
cessos e produtos são concebidos de forma a ter menor impacto am-
biental ao longo de todo o seu ciclo de vida. São exemplos: (i) redução
na quantidade/volume de embalagens geradas por unidade de produto
fabricado; (ii) utilização de tecnologias capazes de gerar produtos com
maior grau de degradabilidade e absorção pelo meio ambiente 9; (iii)
utilização de materiais passíveis de serem reciclados; (iv) aumento da
durabilidade dos produtos.10
Pode-se argumentar que não é parte do fenômeno inflacionário nacional
a elevação dos custos de tratamento e disposição final, mas sim a internali-
zação dos custos relacionados a coleta, transporte e tratamento adequados
de resíduos, anteriormente ignorados. Vale notar que a sociedade já arca-
va com tais custos, não na forma de uma parcela dos preços dos produtos,
mas na forma de custos sociais e ambientais (externalidades negativas do
processo de produção e consumo), como internações médicas e remediação
de solos e corpos hídricos.
No que concerne a padrões de produção e consumo e geração e tratamento
de resíduos sólidos, ressaltam-se os principais aprimoramentos capazes de
resultar em impactos relevantes sobre as variáveis discutidas:
i) metanização da fração orgânica do lixo;

8
  O termo “tecnologias limpas” refere-se a processos produtivos que se utilizem de menos matérias-primas,
energia e outros materiais além de produzirem bens menos agressivos ao meio ambiente.
9
  O aprofundamento dos conceitos de economia ecológica pode ser encontrado em Ruth (1993).
10
Entre fabricantes geradores de resíduos industriais, de um lado, e consumidores geradores de resíduos
domiciliares urbanos, encontram-se empresas de gerenciamento de resíduos que terão a oportunidade de
diversificar seu portfólio de tecnologias e oferecer serviços de valor agregado mais elevado.
50 ii) implementação de sistemas de coleta seletiva;
iii) triagem de resíduos;
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

iv) processos de reciclagem e reutilização;


v) combustíveis derivados de resíduos;
vi) compostagem; e
vii) coprocessamento.

Os planos de gerenciamento de resíduos sólidos


Municípios e estados, assim como a União, devem elaborar planos de
gerenciamento de resíduos, constando: (i) inventários de resíduos; (ii) pas-
sivos ambientais a serem remediados; (iii) explicitação dos responsáveis por
cada etapa do gerenciamento de resíduos; (iv) procedimentos operacionais;
(v) soluções consorciadas ou compartilhadas com outros geradores.
A elaboração dos planos permitirá o monitoramento e gestão estratégica
dos resíduos, de acordo com o perfil (quantidade e qualidade) do resíduo
gerado em cada município. O diagnóstico é importante para identificação
das tecnologias e dos modelos de gestão a serem implementados.

Responsabilidades da União: o Plano Nacional de Resíduos Sólidos


Coube à União estabelecer o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que
define os princípios e diretrizes que orientam os planos de resíduos dos esta-
dos e municípios e dos principais geradores industriais. O Plano Nacional de
Resíduos Sólidos apresenta, ainda, metas quantitativas a serem cumpridas,
como a extinção dos lixões, que deveria ocorrer até agosto de 2014,
por exemplo.
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos foi inicialmente elaborado em
2011, com base em diagnóstico da situação dos RSU no Brasil desenvolvido
por Ipea (2012). Em 2014, o plano encontra-se ainda em versão preliminar,
datada de setembro de 2011, em análise para submissão e aprovação em
audiência pública.

Responsabilidades dos estados


Os planos estaduais têm especial importância em aglomerados municipais
e nas regiões metropolitanas. Considerando que a maioria dos municípios
brasileiros é de pequeno porte e têm limitada capacidade financeira e de 51
recursos humanos para planejar e executar as ações necessárias para lidar

Saneamento Ambiental
com os seus resíduos sólidos, os estados têm a essencial função de articular
os municípios de modo a criar soluções que permitam o compartilhamento
e a minimização dos custos. Um bom exemplo é o que ocorreu em Minas
Gerais, onde o governo estadual, em parceria com os municípios, desen-
volveu um edital de concessão para os serviços de tratamento e disposição
final de RSU que abrange a região metropolitana de Belo Horizonte, com
exceção da própria capital.

Responsabilidades dos municípios


É sobre os municípios, entretanto, que recai a maior responsabilidade,
devido ao entendimento constitucional de que a geração de resíduos é uma
problemática de âmbito local, sendo sua solução de competência municipal.
O problema se torna mais grave ao constatar-se que os municípios não
contam com a arrecadação de receitas específicas para o gerenciamento
dos resíduos (como é o caso da iluminação pública) e recorrem a seu or-
çamento ordinário. As soluções desenvolvidas têm sido a criação de em-
presas municipais de gerenciamento de resíduos e autarquias responsáveis
por seu gerenciamento – são exemplos: Companhia de Limpeza Urbana do
Rio de Janeiro (Comlurb/RJ);11 Autoridade Municipal de Limpeza Urbana
de São Paulo (Amlurb); Superintendência de Limpeza Urbana (SLU)/Belo
Horizonte;12 Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb)/Salvador;
Empresa de Limpeza Urbana do Recife (Emlurb); entre outras – e a conces-
são dos serviços de coleta, triagem (quando for viável) e disposição final.
Apesar de a PNRS prever recursos federais para auxiliar os municípios a
implantar suas soluções, o acesso a esses recursos dependia da elabora-
ção, até agosto de 2012, dos planos municipais de gerenciamento de resí-
duos sólidos. Raros são os casos, porém, dos municípios que atenderam a
essa obrigação legal.

Outros responsáveis
Por fim, a PNRS incumbiu aos grandes geradores de resíduos sólidos
e aos geradores de resíduos perigosos a obrigatoriedade de desenvolver

  Empresa de economista mista.


11

  Amlurb e SLU são parcerias público-privadas.


12
52 seus próprios planos de gerenciamento de resíduos, independentemente
dos serviços municipais de resíduos. Os geradores são responsáveis pelo
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

tratamento e destinação final dos resíduos por eles gerados e respondem civil
e criminalmente pelos seus danos ambientais, mesmo que terceirizem esses
serviços a empresas especializadas. Seus planos deverão ser apresentados e
aprovados pelos órgãos ambientais competentes e servirão como condição
para a renovação de suas licenças ambientais.

A PNRS e a inserção social dos catadores


A PNRS traz consigo uma preocupação social ao prever a participação
de cooperativas e outras formas de associações de catadores de materiais
recicláveis e reutilizáveis em seus arranjos e destaca sua importância, desde
a coleta seletiva até a logística reversa.
O sistema de coleta seletiva de resíduos sólidos e a logística
reversa priorizarão a participação de cooperativas ou de outras
formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis
e recicláveis constituídas por pessoas físicas de baixa renda
[Brasil (2010b), art. 40].

A PNRS destaca, ao longo de seu texto, a participação dos catadores e


os coloca como importantes agentes, participativos e colaboradores, poden-
do ser inseridos no sistema produtivo. Com isso, valoriza a função social e
contribui para a melhoria do meio ambiente (ao retirar dele materiais como
papel, papelão, garrafas PET, latas de alumínio etc.). Em sistemas de logís-
tica reversa, as cooperativas possuem importante papel, por ser o primeiro
elo do processo produtivo (coleta).
Entretanto, no Brasil, ainda que existissem, em 2012, entre 400 mil
e 600 mil catadores e aproximadamente 1.100 organizações coletivas
em funcionamento, apenas 10% dos catadores participavam de algu-
ma dessas organizações. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em média, apenas 27% dos municípios declaram ter
conhecimento da atuação dos catadores de material reciclado no proces-
so de destinação final dos resíduos. Em áreas urbanas, esse percentual
sobe para 50%. A inclusão dos catadores é meta quantitativa (inclusão de
600 mil catadores em sistemas formais de coleta) do Plano Nacional de
Resíduos Sólidos.
Diagnóstico da situação dos resíduos sólidos 53
no Brasil: uma perspectiva regional

Saneamento Ambiental
Com base em estudos [Abrelpe (2013); Fade e BNDES (2013)], apre-
senta-se uma síntese de diagnóstico da situação da geração e destinação de
RSU no Brasil, em 2012.

Panorama geral: Brasil


No Brasil, entre 2000 e 2012, o percentual de RSU destinado para ater-
ros sanitários aumentou significativamente, passando de 35,4% para 58,3%,
enquanto o volume destinado para aterros controlados e para lixões apre-
sentou, respectivamente, reduções de 24,2% para 19,4% e de 32,5% para
19,8% [Abrelpe (2013)]. Tais percentuais, entretanto, mantiveram-se está-
veis de 2008 a 2012, conforme Gráfico 1.
De acordo com Abrelpe (2013), o Brasil gerou, em 2012, 62 milhões de
toneladas de RSU, fração correspondente a aproximadamente 326 kg/hab.,
ou cerca de 0,94 kg/hab./dia.

Gráfico 1 | Evolução da destinação de RSU no Brasil (1991-2012)

100

90

80
Destinação adequada (%)

70
57,6% 58,1% 58%
56,8%
60 54,8%

50
40,6% 38,6%
40

30

20 11%
10 4,7%

0
1991 1995 2000 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Elaboração própria, com base em FADE (2012).

A geração, coleta e forma de destinação dos RSU diferem substancialmen-


te entre as diferentes regiões brasileiras e sua distribuição espacial depende
54 da concentração populacional e da concentração de renda. Tais correlações
são mostradas na Figura 1.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

Figura 1 | Correlação entre PIB e geração de RSU/Brasil

Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013) e IBGE (2010).

Em 2012, Nordeste e Sudeste foram responsáveis, em conjunto, pela


geração de 75% do total de RSU do país. Enquanto no Nordeste apenas
35,4% dos RSU foram destinados a aterros sanitários, em 2012, na Região
Sudeste 72,2% dos RSU tiveram tal destinação.
Do ponto de vista socioambiental, lixões e aterros controlados possuem
impactos semelhantes, sendo ambos tratados como formas inadequadas de
destinação de resíduos.
[...] aterro controlado, que se constitui em áreas de antigos lixões que
passaram por um processo de isolamento do entorno para minimizar
os efeitos do chorume gerado, além da canalização deste chorume
para tratamento adequado, remoção dos gases produzidos em dife-
rentes profundidades do aterro, recobrimento das células expostas na
superfície, compactação adequada, e gerenciamento do recebimento
de novos resíduos [Cerbato e Argolo (2012, p. 6)].

Definiu-se, para fins de modelagem, RSU tratado de modo inadequa-


do como soma dos volumes destinados a lixões e a aterros controlados,
conforme Tabela 1.
Em média, em 2012, 51,5% dos RSU no Brasil ainda eram destinados 55
de modo inadequado.

Saneamento Ambiental
Tabela 1 | Geração e destinação do RSU por região do Brasil (2012), em t/dia
RSU Aterros Aterros Lixões Total Total de RSU
gerado sanitários controlados (%) de lixo destinado
(t/dia) (%) (%) D destinado inadequadamente
A B C de modo (t/dia)
inadequado
(C+D)
(%)
Norte 13.754 35,1 29,8 35,1 64,9 8.926
Nordeste 51.689 35,4 33,0 31,6 64,6 33.391
Centro-Oeste 16.055 29,4 48,1 22,5 70,6 11.335
Sudeste 98.215 72,2 17,3 10,5 27,8 27.304
Sul 21.345 70,3 18,2 11,5 29,7 6.339
Brasil 201.058 48,48 29,28 22,24 51,52 103.585
Fonte: Abrelpe (2013).

Ainda que a Região Nordeste seja responsável pela geração de apenas


25,7% dos RSU no país, responde por 32,3% do total não tratado (lixões
ou aterros controlados). Ou, expondo-se de outra maneira: ainda que a ge-
ração de RSU na Região Nordeste seja menor do que na Região Sudeste, o
elevado percentual destinado a aterros controlados e lixões acaba por ge-
rar, em termos absolutos, maior quantidade de RSU a ser tratada do que na
Região Sudeste.
A discussão acerca da distribuição espacial dos RSU no território faz
interseção com a discussão de adensamentos populacionais. Regiões com
grandes aglomerações de indivíduos geram grandes volumes de RSU, en-
quanto pequenos municípios são menores geradores. A Tabela 2 apresenta as
substanciais diferenças de densidade populacional entre as regiões do país.
Outra informação relevante na compreensão do equacionamento das
questões relacionadas ao tratamento de RSU consiste no percentual de ha-
bitantes residentes em grandes centros urbanos (o que permite soluções con-
centradas de grande escala) vis-à-vis o percentual de habitantes residentes
e dispersos em pequenos municípios. A questão é especialmente relevante
dado o fato de a Constituição Federal definir como responsabilidade de
cada município o gerenciamento de seus próprios resíduos. Isso faz com
56 que grandes municípios, com maior pujança de receitas, possam investir
em grandes aterros ou terceirizar as atividades de disposição e tratamento.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

Por outro lado, pequenos municípios, com menor escala de arrecadação de


impostos, ficam limitados a soluções de pequena escala ou alternativas tec-
nológicas para tratamento de seus resíduos.

Tabela 2 | Densidade demográfica – Brasil 2010


Região Território % População % Densidade
(km²) território população populacional
(hab./km²)
Norte 3.853.575,62 45,32 15.865.678 8,32 4,12
Nordeste 1.554.387,73 18,28 53.078.137 27,83 34,15
Sudeste 924.596,06 10,87 80.353.724 42,13 86,91
Sul 563.802,08 6,63 27.384.815 14,36 48,57
Centro-Oeste 1.606.366,79 18,89 14.050.340 7,37 8,75
Total 8.502.728,27 100,00 190.732.694 100,00 22,43
Fonte: IBGE (2010).

A Tabela 3 apresenta a distribuição dos municípios brasileiros por porte


e região do país.

Tabela 3 | Número de municípios, por porte e região do país


Até 30 Entre 30 mil Entre 250 mil Acima de Total
mil e 250 mil e 1 milhão 1 milhão
Norte 338 103 6 2 449
Nordeste 1.446 329 15 4 1.794
Sudeste 1.301 318 44 4 1.667
Centro-Oeste 394 65 5 2 466
Sul 1.017 155 14 4 1.190
Total 4.496 970 84 16 5.566
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).

Geração e destinação de RSU no Brasil (2012): análise regional


Sudeste
Com população equivalente a 42% do total nacional (80 milhões de ha-
bitantes) e Produto Interno Bruto (PIB) correspondente a 50% do PIB bra-
sileiro, o Sudeste respondeu por 48,8% do total de RSU gerado no país, no
ano de 2012, equivalentes a 98 mil toneladas por dia. Vale notar que, com 57
apenas 10% do território nacional (924.000.000 km2), a região apresenta o

Saneamento Ambiental
maior índice de densidade demográfica (86,9 hab./km2).
Em 2012, na Região Sudeste, foram geradas 98 mil toneladas por dia
de RSU, das quais 72% destinadas a aterros sanitários. O restante, cerca de
27.300 t/dia de RSU (ou 26,3% do total de RSU tratado de modo inadequa-
do no país), ainda necessitava ser tratado (Tabela 1).
A Tabela 4 apresenta a geração de RSU por estado da Região Sudeste,
bem como a quantidade ainda destinada de modo inadequado (fração não
tratada) em cada estado.

Tabela 4 | Geração de RSU e RSU não tratado – Sudeste


RSU gerado RSU não % da fração não tratada em cada
em 2012 tratado estado pelo total não tratado na
(t/dia) (t/dia)* região
SP 56.626 15.742 57,65
MG 17.592 4.891 17,91
RJ 21.041 5.849 21,42
ES 2.956 822 3,01
Total 98.215 27.304 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).
* Quantidade estimada.

O estado de São Paulo foi o maior responsável pela geração dos RSU do
Brasil (25%), seguido do Rio de Janeiro (10,5%), de Minas Gerais (8,75%)
e do Espírito Santo (1,5%).
Das regiões brasileiras, o Sudeste apresenta a maior concentração de
habitantes (83,8% dos indivíduos) em municípios de médio e grande por-
tes (acima de 30 mil habitantes), sendo mais de 50% deles residentes em
municípios com população superior a 250 mil habitantes, percentual equi-
valente a aproximadamente 40 milhões de indivíduos. Apenas 16% da po-
pulação da região reside em municípios com menos de 30 mil habitantes,
como mostra Tabela 5.
Tal configuração espacial da população e, consequentemente, da
geração de RSU requer soluções com porte/dimensões compatíveis,
conforme discussão de resultados, exposta na subseção “Resultados”
na quarta seção.
58 Tabela 5 | Perfil dos municípios – Sudeste
Habitantes Número de População % da população
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

municípios
Até 30 mil 1.301 12.919.464 16,08
Entre 30 mil e 250 mil 362 25.555.424 31,80
Entre 250 mil e 1 milhão 44 19.632.630 24,43
Acima de 1 milhão 4 22.246.206 27,69
Total 1.711 80.353.724 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).

Por apresentar maior grau de adensamento populacional em centros ur-


banos do que as regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, soluções associa-
tivas para o tratamento de resíduos podem ser exploradas – uma vez que
a distância (custo de transporte) é fator imprescindível para a viabilidade
econômica da prestação de serviços de tratamento de RSU.
As figuras 2, 3, 4, 5 e 6 apresentam distâncias entre as grandes aglo-
merações populacionais das regiões analisadas, mostrando ser economi-
camente inviável associações para fins de compartilhamento de aterros.
Entretanto, ao redor de tais aglomerações, é possível observar certo número
de municípios de pequeno e médio portes, possibilitando que esses muni-
cípios se utilizem dos aterros das grandes cidades. Pode-se citar o exemplo
da implantação de aterro com capacidade de 2.000 t/dia no município de
Rosário (MA) que atende não somente a São Luís, mas também ao próprio
município de Rosário. Espera-se, com o passar do tempo, que outro muni-
cípio também venha a utilizar a referida instalação. A aglomeração de mu-
nicípios na Região Sudeste é ilustrada na Figura 2.
Ressalta-se que, representando apenas 10% do território nacional e ge-
rando 50% dos RSU do país, a destinação de RSU torna-se preocupante
questão socioambiental para a região. Nesse caso, em que se observa eleva-
da concentração espacial do RSU, espera-se que o custo de disposição seja
mais elevado do que em outras regiões do país, assim como o preço pago
pelos serviços de tratamento (gate fee).
Assim sendo, enquanto os valores médios aplicados pelos municípios
brasileiros para serviços de coleta de RSU e demais serviços de limpeza
urbana, em 2006, giraram ao redor de R$ 49,80 e R$ 83,76 por habitante,
respectivamente; na Região Sudeste, observaram-se valores de R$ 55,92 e
R$ 96,72 por habitante [Abetre e FGV (2009)].
Figura 2 | Distribuição da população no Sudeste – “zonas de saturação” 59

Saneamento Ambiental
Fonte: IBGE (2010).

Nordeste
Composta por nove estados, a Região Nordeste abriga 53 milhões de
brasileiros em um território de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, per-
fazendo índice de 34,15 hab./km2.
De acordo com Abrelpe (2013), foram geradas 51,7 mil toneladas
por dia de RSU no Nordeste, em 2012 (Tabela 6). Naquele ano, o per-
centual de RSU destinado a aterros sanitários na região foi de apenas
35,4%, restando, portanto, aproximadamente, 33,4 mil toneladas por dia
de RSU, ainda destinadas a lixões e aterros controlados, necessitando
tratamento adequado.

Tabela 6 | Geração de RSU e RSU não tratado – Nordeste


Estado RSU gerado em RSU não Razão entre RSU não
2012 (t/dia) tratados tratado no estado e RSU
(t/dia)* não tratado no
Nordeste (%)
AL 2.807 1.813 5,43
BA 13.620 8.799 26,35
CE 9.060 5.853 17,53
(Continua)
60 (Continuação)
Estado RSU gerado em RSU não Razão entre RSU não
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

2012 (t/dia) tratados tratado no estado e RSU


(t/dia)* não tratado no
Nordeste (%)
MA 6.754 4.363 13,07
PB 3.405 2.200 6,59
PE 8.471 5.472 16,39
PI 3.033 1.959 5,87
RN 2.795 1.806 5,41
SE 1.744 1.127 3,37
Total 51.689 33.391 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).
* Quantidade estimada.

Bahia, Ceará e Pernambuco ressaltam-se como maiores geradores,


sendo responsáveis, em conjunto, por 60% do total de RSU gerados
na região.
Conforme Tabela 7, a Região Nordeste é caracterizada pelo elevado
número de municípios com pequenas populações (com 1.446 municí-
pios com população abaixo de 30 mil habitantes), e grande parte da po-
pulação nordestina (17 milhões de indivíduos) habita municípios com
população inferior a 30 mil habitantes, sugerindo que parte substancial dos
resíduos a serem tratados na região encontra-se espacialmente dispersa nes-
ses pequenos municípios.

Tabela 7 | Perfil dos municípios – Nordeste


Habitantes Número de População % da população
municípios da região
Até 30 mil 1.446 17.872.259 33,67
Entre 30 mil e 250 mil 344 19.924.746 37,54
Entre 250 mil e 1 milhão 15 7.608.240 14,33
Acima de 1 milhão 4 7.672.892 14,46
Total 1.809 53.078.137 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).

É de se esperar que os RSU no Nordeste estejam espacialmente


distribuídos conforme a distribuição de sua população. Diferentemente
do Sudeste, a Região Nordeste apresenta elevado percentual de sua popu- 61
lação residente em municípios de pequeno e médio portes. Um terço da

Saneamento Ambiental
população reside em municípios com população inferior a 30 mil habitantes
e outro terço reside em municípios com população entre 30 mil e 250 mil
habitantes. O perfil de concentração populacional do Nordeste permite inferir
que os RSU também se encontram mais esparsos no território, o que pode
requerer soluções individualizadas, com menor possibilidade de associações
entre municípios e menores escalas de aterros sanitários.
Como foco de soluções de médio porte, apontam-se as regiões ao redor
de Campina Grande (PB), Vitória da Conquista (BA) e Itaúna (BA). Me-
recem atenção os municípios com população entre 250 mil e 1 milhão de
habitantes, passíveis de investimentos em aterros com capacidade para tra-
tamento de 500 t/dia a 1.000 t/dia. Destacam-se Teresina (PI), Picos (PI),
Codó (MA), Sobral (CE), Iguatu (CE), Mossoró (PB), Aracaju (SE), Feira
de Santana (BA), Iatuba (BA) e Vitória da Conquista (BA).

Figura 3 | Distribuição da população no Nordeste

Fonte: IBGE (2010).

Apenas 7 milhões de habitantes vivem em grandes municípios do Nor-


deste, a saber: Salvador (BA), Recife (PE), São Luís (MA) e Fortaleza (CE).
Acredita-se que o porte de tais municípios permita a participação da inicia-
62 tiva privada como parte das soluções relativas à coleta e destinação de RSU
na região. Tomando-se o território nordestino, é possível perceber oito re-
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

giões definidas para logística dos RSU, conforme apresentado na Figura 3.


Para fins de tratamento analítico, dividiu-se a Região Nordeste em três
aglomerados. Isso se justifica pela extensão do território nordestino e pelo
peso de cada um desses aglomerados no total de RSU gerado na região.
Conforme Tabela 8, cada aglomerado respondeu em 2012 pela geração de
aproximadamente um terço do total de RSU da região.

Tabela 8 | Geração e disposição de RSU, em 2012 – Nordeste


RSU RSU destinado % do total de
gerado inadequadamente RSU destinado
(t/dia)* (t/dia) inadequadamente na
região
Aglomerado 1 19.847 13.055 36
(MA/PI/CE)
Aglomerado 2 18.222 13.161 36
(RN/PB/SE/PE/AL)
Aglomerado 3 (BA) 13.620 9.456 28
Total 51.689 35.672 100
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).
* Quantidade estimada por meio da multiplicação do total gerado em cada estado pela fração destinada
de modo inadequado em cada região.

Centro-Oeste
Com extensão territorial de aproximadamente 1,6 milhão de quilôme-
tros quadrados e população de apenas 14 milhões de habitantes, a região
se ressalta pelo baixo índice de densidade demográfica (8,75 hab./km2). A
região possui outras peculiaridades, como elevado percentual de habitantes
residentes em municípios de pequeno porte. Tal conjunção de fatores requer
soluções específicas, conforme será discutido na próxima seção.
Na Região Centro-Oeste, foram geradas, em 2012, cerca de 11,3 mil
toneladas por dia de RSU (Tabela 9). Desse volume, 70% (equivalentes a
cerca de 7,9 mil t/dia) foram dispostos de modo inadequado (vazadouros a
céu aberto e aterros controlados).
Assim, o Centro-Oeste brasileiro se ressalta não pelo elevado ní-
vel absoluto de geração de RSU, mas pela elevada fração não trata-
da. Do ponto de vista socioambiental, investimentos que elevem a 63
taxa de destinação adequada de RSU na região podem ter impactos

Saneamento Ambiental
bastante relevantes.13

Tabela 9 | Geração de RSU e RSU não tratado – Centro-Oeste


Centro-Oeste RSU gerado RSU não tratado Razão entre RSU não tratado
em 2012 (t/dia) (t/dia)* no estado e RSU não tratado
no Centro-Oeste (%)
DF 4.126 2.912 25,70
GO 6.330 4.468 39,43
MT 3.079 2.173 19,18
MS 2.520 1.779 15,70
Total 16.055 11.334 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).
* Quantidade estimada.

As principais aglomerações populacionais do Centro-Oeste encon-


tram-se ao redor das capitais: Goiânia (GO), Cuiabá (MT), Campo Grande
(MS) e Brasília (DF). Goiás ressalta-se como maior gerador (39,4% do to-
tal de RSU gerado na região), com grande volume de resíduos não tratados
(4,5 mil toneladas por dia).
As distâncias entre tais aglomerados é, em média, de 700 km, o que per-
mite inferir a necessidade de implementação de soluções locais de grande
porte para os centros urbanos, individualizadas e em conformidade com as
aglomerações populacionais da região, Figura 4.
O perfil das aglomerações populacionais do Centro-Oeste brasilei-
ro difere do de outras regiões do país. Conforme Tabela 10, o número de
habitantes dispersos em municípios com população abaixo de 30 mil ha-
bitantes (3,6 milhões de habitantes) equivale ao número de habitantes aglo-
merados nos dois maiores centros urbanos – 3,8 milhões de habitantes em
Goiânia (GO) e Brasília (DF).

13
  Vale ressaltar que os grandes municípios das regiões menos desenvolvidas são aqueles passíveis
de implementação de sistemas mais modernos de tratamento de RSU. Isso porque uma vez que tais
regiões não possuem sequer as etapas iniciais de coleta, ao serem implementados, os novos sistemas de
tratamento podem ser instalados, desde sua concepção, já contemplando a coleta seletiva, estações de
triagem, reciclagem e outras alternativas de extração de riqueza dos RSU.
64 Figura 4 | Distribuição da população no Centro-Oeste
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

Fonte: IBGE (2010).

Isso pode significar que a região requer soluções bastante heterogêneas


no tocante ao tratamento dos RSU. Ao mesmo tempo em que se faz neces-
sária a implementação de grandes aterros em poucas capitais, será necessá-
ria também a implementação de pequenos aterros que atendam à população
dos pequenos municípios.

Tabela 10 | Perfil dos municípios – Centro-Oeste


Habitantes Número de População % da população da
municípios região
Até 30 mil 394 3.601.436 25,63
Entre 30 mil e 250 mil 70 4.202.019 29,91
Entre 250 mil e 1 milhão 5 2.382.030 16,95
Acima de 1 milhão 2 3.864.855 27,51
Total 471 14.050.340 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).

Norte
Com aproximadamente 3,8 milhões de quilômetros quadrados de ex-
tensão (equivalentes a 40% do território nacional) e população de apenas
15 milhões de habitantes, a Região Norte apresenta a menor densidade po-
pulacional do país (4,12 hab./km2), sendo responsável por apenas 10% dos 65
RSU gerados no Brasil em 2012.

Saneamento Ambiental
Na região, foram geradas cerca de 13,7 mil toneladas por dia de RSU,
em 2012 (Tabela 11). Desse volume, 65% foram destinados de modo ina-
dequado (8,9 mil toneladas por dia).

Tabela 11 | Geração de RSU e RSU não tratado – Norte


Norte RSU gerado RSU não tratado Razão entre RSU não tratado no
em 2012 (t/dia) (t/dia)* estado e RSU não tratado no
Norte (%)
AC 565 367 4,11
AP 585 380 4,25
AM 3.811 2.473 27,71
PA 6.164 4.000 44,82
RO 1.200 779 8,72
RR 354 230 2,57
TO 1.075 698 7,82
Total 13.754 8.926 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).
* Quantidade estimada.

Pará e Amazonas (Belém e Manaus) destacam-se como centros geradores


de RSU na região, sendo responsáveis, conjuntamente, por 70% dos RSU
gerados em 2012. A concentração dos RSU propicia, conforme se vem ar-
gumentando, soluções de grande escala.
Conforme Tabela 12, dos 455 municípios da Região Norte, Manaus e
Belém requerem solução em grande escala. Já os outros 338 municípios
abaixo de 30 mil habitantes requerem soluções tecnológicas de pequena
escala e modelo de implementação com muitas unidades distribuídas ou,
eventualmente, soluções tecnológicas alternativas.
A Região Norte apresenta 66% de seus habitantes residentes em muni-
cípios com população inferior a 250 mil indivíduos, ou seja, com elevado
percentual de habitantes residentes em municípios pequenos e médios.
Finalmente, os seis municípios (Boa Vista, Santarém, Rio Branco, Ma-
capá, Porto Velho e Ananindeua) com população entre 250 mil e 1 milhão
de habitantes requerem solução em escala intermediária.
66 Tabela 12 | Perfil dos municípios – Norte
Habitantes Número de População % da população da
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

municípios região
Até 30 mil 338 3.987.710 25,13
Entre 30 mil e 250 mil 109 6.472.369 40,79
Entre 250 mil e 1 milhão 6 2.211.043 13,94
Acima de 1 milhão 2 3.194.556 20,14
Total 455 15.865.678 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).

Figura 5 | Distribuição da população na Região Norte

Fonte: IBGE (2010).

Conforme será discutido na próxima seção, soluções de pequena esca-


la são mais onerosas do que soluções concentradas de larga escala. Para
os pequenos municípios da Região Norte, em sua maioria com menos de
5 mil habitantes e muito distantes uns dos outros, soluções individualiza-
das e com outras tecnologias específicas que não aterros sanitários podem
se fazer necessárias.

Sul
A Região Sul do país apresenta a melhor situação geral de tratamento
de RSU no país. Com território de 563.000 km2 e população de 27 milhões

BS40-book 66 20/10/14 20:50


de habitantes, a região tem os maiores índices de densidade demográfica 67
do Brasil (48,57 hab./km2).

Saneamento Ambiental
Em 2012, foram geradas cerca de 21,3 mil toneladas por dia de RSU
na Região Sul do Brasil (Tabela 13). Desse total, 70% foram destinados a
aterros sanitários, restando-se aproximadamente 6,3 mil toneladas de lixo
a serem tratadas (apenas 6,1% do total de RSU destinado de modo inade-
quado no país).

Tabela 13 | Geração de RSU e RSU não tratado – Norte


Sul RSU gerado em RSU não Razão entre RSU não tratado
2012 (t/dia) tratado (t/dia)* no estado e RSU não tratado
no Norte (%)
PR 8.507 2.527 39,85
SC 4.613 1.370 21,61
RS 8.225 2.443 38,53
Total 21.345 6.339 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).
* Quantidade estimada.

Paraná e Rio Grande do Sul ressaltam-se como maiores geradores na re-


gião. Comparativamente a outras regiões do país, o Sul apresenta a melhor
situação no que concerne a coleta, destinação e uso alternativos de técnicas
de tratamento de resíduos.

Tabela 14 | Perfil dos municípios – Sul


Habitantes Número de População % da população
municípios da região
Até 30 mil 1.017 8.326.221 30,40
Entre 30 mil e 250 mil 169 11.070.818 40,43
Entre 250 mil e 1 milhão 14 4.830.941 17,64
Acima de 1 milhão 4 3.156.835 11,53
Total 1.204 27.384.815 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).

Com 1.204 municípios (um quinto do total nacional) e apenas 6,25%


do território brasileiro, a Região Sul se destaca pelo elevado percentual
de habitantes residentes em municípios com menos de 250 mil habitantes
68 (19,3 milhões de indivíduos ou 70% da população). Ressalta-se o grande
número de pequenos municípios (1.017 municípios com menos de 30 mil
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

habitantes, conforme Tabela 14).

Figura 6 | Distribuição da população na Região Sul

Fonte: IBGE (2010).

A Região Sul, portanto, com pequena geração e elevada destinação


adequada, aponta como alvo prioritário de políticas públicas segmentos de
coleta seletiva, reciclagem e educação ambiental, bem como a introdução
de soluções inovadoras.

Geração per capita de resíduos, por região do país

Tabela 15 | Geração de RSU per capita, por região (em kg/hab./ano)


Regiões 2011 2012 Variação (%)
Norte 1,154 1,145 (0,78)
Nordeste 1,302 1,309 0,50
Centro-Oeste 1,250 1,251 0,10
Sudeste 1,293 1,295 0,10
Sul 0,887 0,905 2,00
Fonte: Abrelpe (2013).
Figura 7 | Variação na geração de RSU no Brasil, 2011-2012 69

Saneamento Ambiental
Figura 7A | Geração de RSU (t/ano)

Figura 7B | Geração de RSU per capita (kg/hab./dia)

381,6 383,6

0,4%

Fonte: Abrelpe (2013).

De acordo com a Tabela 15, o perfil de geração de RSU em termos


de kg/hab./dia difere de acordo com a região do país. Note que os maiores
geradores em termos absolutos (Sudeste e Nordeste) também são os maio-
res geradores em termos per capita. Ressalta-se que no Nordeste tal rela-
70 ção não somente é a maior apresentada no país, mas também teve a maior
elevação registrada no período analisado, de 0,5%. O caráter turístico de
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

certas regiões pode ser considerado possível fator explicativo para as dis-
crepâncias observadas.
Com crescimento de 1,3% na geração total de resíduos e 0,9% da po-
pulação brasileira, observou-se elevação de 0,4% no índice de geração de
resíduos per capita no Brasil, conforme ilustrado Figura 7.
Municípios pequenos apresentam elevados valores de geração (em
kg/hab./dia), enquanto municípios maiores apresentam valores menores.

Investimentos necessários para extinção de lixões no país


Dada a atual situação de geração e disposição de resíduos no país
(exposta na terceira seção), pergunta-se: qual o investimento necessário
para implementação de aterros sanitários suficientes para tratar a fração
dos RSU ainda destinados de modo inadequado no país pelos próximos
quatro anos (2015-2019)?

Parâmetros de modelagem
As estimativas propostas dependem fundamentalmente de três parâmetros:
1) quantidade de resíduos disposta inadequadamente no Brasil em cada
região (Tabela 1);
2) custo de implementação de aterros sanitários de diferentes por-
tes – pequeno (100 t/dia), médio I (500 t/dia), médio II (1.000 t/dia)
e grande (2.000 t/dia); e
3) distribuição espacial dos RSU destinados de modo inadequado no
território nacional (utilizou-se como proxy a distribuição espacial da
população de cada estado).
A fração ainda não tratada ou disposta inadequadamente em 2012, por
região, é apresentada na Tabela 16, os custos de implementação de aterros
sanitários de diferentes tamanhos são apresentados nas tabelas 17 e 18, e a
distribuição da população por estado e porte de município utilizada como
peso para ponderação dos resultados na Tabela 19.
Fração de RSU não tratada no Brasil, por região 71
A fração de RSU destinada de modo inadequado em cada região do país

Saneamento Ambiental
foi analisada na Tabela 1. As informações relevantes para fins de estimativa
são reproduzidas na Tabela 16.

Tabela 16 | Fração não tratada, por região, em 2012


SE NE N CO S
0,278 0,646 0,649 0,706 0,297
Fonte: Abrelpe (2013).

Custo de implementação de aterros sanitários no Brasil, por porte


Composto principalmente por obras civis, o custo de implantação de
aterros sanitários varia, de forma simplificada, em função de sua capaci-
dade de recebimento total de resíduos, comumente mensurada pelo fluxo
de recebimento diário (expresso em t/dia), bem como do tempo de vida
útil do aterro.
De modo geral, os aterros sanitários são repartidos em diferentes regiões,
ou células. Inicialmente, apenas uma célula é aberta e operada durante
um período médio de três a quatro anos até que sua capacidade tenha sido
exaurida. Após tal período, faz-se necessário investimento incremental em
nova célula. E assim sucessivamente, até que a capacidade total do aterro
seja completamente utilizada.
As estimativas do presente modelo consideram os custos de pré-implan-
tação e implantação apenas da primeira célula. Como o tempo de vida útil
total de um aterro é de vinte anos, para obtenção do custo de solução para
toda a sua vida útil, grosso modo, o leitor pode multiplicar os valores en-
contrados nos resultados por cinco.
Concluídas as operações, segue-se etapa de fechamento do aterro, geralmente
por meio de cobertura vegetal. Por fim, o aterro segue sendo monitorado até ga-
rantir que seus efeitos sobre o meio ambiente estejam devidamente estabilizados.
Conforme Abetre e FGV (2009), os investimentos em aterros sanitários
podem ser divididos em cinco etapas: pré-implantação, implantação, ope-
ração, encerramento e pós-operação.
72 Tabela 17 | Custos de implementação de aterros sanitários por etapa (em R$)
Grande – Médio I – Médio II – Pequeno –
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

2.000 t/dia 1.000 t/dia* 500 t/dia* 100 t/dia


Pré-implantação 4.065.461 2.032.730 1.355.153 608.087
Implantação 18.169.781 9.084.890 6.056.593 2.669.178
Operação 461.494.052 230.747.026 153.831.350 45.468.163
Encerramento 6.488.889 3.244.444 2.162.963 486.667
Pós-encerramento 35.575.984 17.787.992 11.858.661 3.212.354
Total 525.794.167 262.897.083 175.264.722 52.444.449
Fonte: Abetre e FGV (2009).
* Abetre e FGV (2009) apresentam custos para três tamanhos de aterro (100 t/dia, 800 t/dia e
2.000 t/dia). Procedeu-se à construção de uma curva de economia de escala com esses três pontos
da qual se puderam obter, por extrapolação, os custos dos aterros de 1.000 t/dia e 500 t/dia.

Com base em Abetre e FGV (2009), foi possível estimar o custo das
etapas iniciais de pré-implantação e implantação de aterros de diferentes
portes, conforme Tabela 17. Optou-se por considerar apenas os custos de
pré-implantação e implantação por dois motivos: em primeiro lugar, a im-
plantação de empreendimentos costuma gerar demanda por recursos; em
segundo lugar, o objetivo do estudo é estimar a necessidade de capital inicial
a ser imobilizada de modo a implantar a quantidade necessária de aterros
para tratar os RSU ainda não tratados em 2012.
Adotou-se como premissa que, uma vez implantado o aterro e aber-
ta a primeira célula, a atividade de prestação de serviços de aterramen-
to ao longo da vida útil da primeira célula (em média, quatro anos) gera
receitas suficientes para cobrir os custos de operação e as necessida-
des de investimento futuras para a expansão das novas células. Portan-
to, a abertura das células subsequentes e as etapas de encerramento e
pós-encerramento não representam necessidade de novos recursos. A ren-
tabilidade média, bem como fluxo de caixa de aterros sanitários, pode ser
vista em Martins (2014).
Vale notar que, uma vez que a base de dados disponível apresentava
valores nominais de 2007, foi necessária atualização desses valores. Para
tanto, tomou-se por base a evolução do Índice Nacional da Construção
Civil – Disponibilidade Interna (INCC-DI), calculado pela Fundação Getu-
lio Vargas, entre 2008 e 2014. A Tabela 18 mostra tanto os valores nominais
de 2007 como o valor total de implementação atualizado.
Tabela 18 | Custos de implementação de aterros (em R$) 73
Grande – Médio I – Médio II – Pequeno –

Saneamento Ambiental
2.000 t/dia 1.000 t/dia* 500 t/dia* 100 t/dia
Pré-implantação 4.065.461 2.032.730 1.355.153 608.087
Implantação 18.169.781 9.084.890 6.056.593 2.669.178
Total 22.235.242 11.117.620 7.411.746 3.277.265
Total atualizado 34.760.000 18.012.000 11.060.000 5.135.000
Fonte: Elaboração própria, com base em Abetre e FGV (2009).
* Abetre e FGV (2009) apresentam custos para três tamanhos de aterro (100 t/dia, 800 t/dia e
2.000 t/dia). Procedeu-se à construção de uma curva de economia de escala com esses três pontos
da qual se puderam obter, por extrapolação, os custos dos aterros de 1.000 t/dia e 500 t/dia.

Parâmetros de calibragem de resultados: distribuição dos


municípios brasileiros, por porte e estado da federação
Apesar da quantidade (fluxo diário) de RSU destinado de modo inade-
quado em 2012 ser bem conhecida, não se pode dizer o mesmo de sua dis-
tribuição espacial. Assim, utilizou-se a distribuição espacial da população,
por classes de municípios, para fins de ponderações das estimativas. Como
exemplo, se 11,6% da população do estado de São Paulo vive em cidades
com menos de 30 mil habitantes (Tabela 19), supôs-se, por sua vez que,
aproximadamente, 11,6% dos RSU gerados no estado encontram-se nesse
porte de municípios. Disso depende o porte ou o tipo de solução tecnológica
a ser adotada. Estados formados por muitos pequenos municípios deverão
requerer maior participação de soluções consorciadas e/ou de pequenas es-
cala do que estados formados por poucos grandes municípios (sugerindo
peso maior em soluções de grande escala).

Tabela 19 | Distribuição percentual de habitantes por porte de município


Até 30 mil Entre 30 mil Entre 250 mil e Acima de
habitantes (%) e 250 mil (%) 1 milhão (%) 1 milhão (%)
SP 11,6 34,4 24,9 28,8
MG 34,6 36,3 16,9 12,1
RJ 5,1 27,2 22,8 44,7
ES 4,2 22,2 8,65 64,8
AL 53,2 46,7 0,0 0,0
BA 35,0 39,7 6,1 19,0
(Continua)
74 (Continuação)
Até 30 mil Entre 30 mil Entre 250 mil e Acima de
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

habitantes (%) e 250 mil (%) 1 milhão (%) 1 milhão (%)


CE 22,8 44,3 3,8 28,9
MA 43,4 56,5 0,0 0,0
PB 48,8 21,6 29,4 0,0
PE 22,6 37,9 21,9 17,4
PI 68,6 31,3 0,0 0,0
RN 40,3 26,0 33,5 0,0
SE 36,7 35,6 27,6 0,0
DF 0,0 0,0 0,0 100,0
GO 34,6 48,5 16,8 0,0
MT 37,7 35,7 26,5 0,0
MS 33,8 34,0 32,1 0,0
AC 29,0 25,1 45,8 0,0
AP 19,4 21,0 59,5 0,0
AM 21,0 27,2 0,0 51,7
PA 19,5 52,0 10,1 18,3
RO 31,5 41,0 27,3 0,0
RR 37,0 0,0 63,0 0,0
TO 55,8 44,1 0,00 0,0
PR 30,8 33,4 18,9 16,7
SC 33,6 46,4 19,9 0,0
RS 28,1 43,6 15,0 13,1
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de IBGE (2010).

O modelo – extinção de lixões e aterros controlados até 2019


O presente modelo permite estimar o investimento total em aterros sa-
nitários necessários para se tratar a fração que atualmente está disposta de
modo inadequado no país. O cálculo segue o seguinte roteiro:
Passo 1: Estimativa da quantidade de RSU não tratada, por estado da
federação
Primeiramente, obteve-se a quantidade de resíduos gerados em cada es-
tado/região (tabelas 4, 6, 9, 11 e 13). Multiplicou-se, então, pela fração não
tratada em cada estado/região (Tabela 16) para se obter a quantidade de re- 75
síduos não tratados por estado/região (tabelas 4, 6, 9, 11 e 13).

Saneamento Ambiental
Passo 2: Ponderação dos RSU não tratados em função da concentra-
ção da população em diferentes portes de municípios
Em seguida, multiplicou-se o resultado obtido no passo 1 pela fração
de habitantes correspondente a cada classe de município (Tabela 19) com
a finalidade de se estimar a quantidade de resíduos gerados em cada estado
da federação, por porte de município.
Passo 3: Módulos de investimento
Foram especificados quatro módulos de investimento em aterros
sanitários, em função da capacidade (módulo I: 100 t/dia; módulo II: 500 t/dia;
módulo III: 1.000 t/dia; módulo IV: 2.000 t/dia).
Passo 4: Estimativa da quantidade de aterros, por escala e porte de
município
Para estimar o número de aterros de cada porte a ser implantado em
cada estado da federação, procedeu-se o seguinte cálculo: (1) obteve-se a
quantidade de RSU não tratado em cada estado de acordo com a classe de
município; (2) dividiu-se o resultado encontrado (t/dia) de RSU não tra-
tado em municípios de pequeno porte em dado estado pela capacidade do
aterro módulo 1. O mesmo procedimento foi repetido para municípios de
portes superiores.
Passo 5: Investimentos necessários
Determinada a quantidade de aterros, por porte de município em cada
estado da federação, multiplicou-se essa pelos respectivos custos de in-
vestimentos para estimar os custos de implementação dos respectivos
mix de aterros.
Dessa forma, o modelo permite estimar a quantidade de investimentos
necessária para tratar os resíduos dispostos de modo inadequado em cada
estado da federação por escala de aterro, por período de três a quatro anos
(tempo de vida útil de cada célula), conforme análise a seguir.14

  Vale notar que a problemática envolvendo os RSU consiste em um fenômeno dinâmico. Como tal,
14

os conceitos de “estoque” (passivo ambiental ou RSU acumulado no tempo) e “fluxo” (RSU gerado a
cada ano) se fazem presentes. O estoque ou passivo ambiental consiste nos RSU acumulados nos últimos
anos. O fluxo consiste na quantidade de RSU ainda a ser gerada nos próximos anos, dependendo do
crescimento populacional e do PIB.
76 Resultados
Sudeste
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

A leitura da Tabela 20 permite inferir com base nas estimativas que, na


Região Sudeste, seriam necessários 39 aterros com escala para tratamento
de 100 t/dia, 18 aterros com capacidade para tratamento de 500 t/dia, seis
aterros com capacidade para tratamento de 1.000 t/dia e quatro aterros com
capacidade para tratar 2.000 t/dia de RSU.

Tabela 20 | Número de aterros necessários para tratar os RSU


destinados de modo inadequado na Região Sudeste
Resíduos não Pequeno – Médio I – Médio II – Grande –
tratados 100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
SP 15.742,03 18,35 10,86 3,93 2,27
MG 4.890,58 16,93 3,55 0,83 0,30
RJ 5.849,40 3,02 3,19 1,34 1,31
ES 821,77 0,35 0,37 0,07 0,27
Total 27.303,77 38,65 17,97 6,17 4,14

Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).

Os resultados apresentados pelo modelo proposto merecem discus-


são. Sugere-se a implementação de 39 pequenos aterros (100 t/dia) para
atender à totalidade dos 1.301 municípios com população abaixo de
30 mil habitantes na região. À primeira vista, tal número pode parecer
insuficiente ou irrealista. Análise mais detalhada permite argumenta-
ção que corrobora tal resultado. Conforme discutido na terceira seção,
a proximidade (densidade populacional) entre tais municípios propicia
soluções compartilhadas.
Para fins ilustrativos, tome-se o seguinte exemplo didático: dividindo-se
a área total da Região Sudeste (925.000 km2) por 39 aterros, obtém-se co-
bertura média de 23.000 km2/aterro. Dividindo-se, para fins analíticos, a
Região Sudeste em 39 sub-regiões circulares, é possível encontrar o raio
médio de cobertura de cada aterro. No exemplo em questão, observa-se que
a implementação desses 39 aterros permitiria raio de cobertura de 85 km
para cada aterro. De acordo com a literatura, dentro desses limites, soluções
associativas podem se mostrar economicamente viáveis. Nesse caso, os con-
sórcios teriam que ser formados por aproximadamente trinta municípios. O
modelo sugere a implementação desses consórcios, sobretudo, nos estados 77
de São Paulo e Minas Gerais.

Saneamento Ambiental
Vale notar que as duas colunas à direita apresentam números fraciona-
dos. Adotou-se tal procedimento pela seguinte razão: entende-se que meio
aterro de grande escala (com capacidade para processar 2.000 t/dia) equiva-
leria a um aterro de 1.000 t/dia; que meio aterro de 1.000 t/dia equivaleria
a um aterro de 500 t/dia; e assim por diante. De outro modo, o arredonda-
mento do valor 0,3 aterro de 2.000 t/dia levaria, por exemplo, à conclusão
de que o ES não necessitaria de nenhum aterro de grande escala (uma vez
que 0,3 seria arredondado para baixo), distorcendo as conclusões. De fato,
0,3 x 2.000 t/dia = 600 t/dia. Assim, a leitura dessas colunas merece atenção.
A Tabela 21, por sua vez, apresenta a distribuição da necessidade estimada
de investimentos em aterros sanitários, por porte de aterro e estado da região.
De acordo com as estimativas, o Sudeste necessitaria de investimentos
de R$ 652 milhões para implementar seu parque de aterros sanitários.

Tabela 21 | Estimativas de investimento – Sudeste (em milhões de R$)


  Pequeno – Médio I – Médio II – Grande – Total
100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
SP 94,25 120,06 70,86 78,99 364,16
MG 86,95 39,30 14,91 10,30 151,47
RJ 15,49 35,30 24,06 45,47 120,32
ES 1,78 4,05 1,28 9,27 16,37
Total 198,47 198,71 111,11 144,02 652,31

Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013), IBGE (2010) Abetre e FGV (2009).

Vale notar que o Sudeste requer recursos da mesma ordem de grande-


za tanto para implantação de aterros com capacidade para tratamento de
100 t/dia de RSU (da ordem de R$ 198 milhões) quanto para implementa-
ção de aterros com capacidade para tratamento de 2.000 t/dia (ao redor de
R$ 144 milhões).

Nordeste
A Tabela 22 permite inferir com base nas estimativas do modelo proposto
que a Região Nordeste necessitaria da construção de 121 aterros de peque-
no porte (100 t/dia), além de outros 27 aterros médios I (500 t/dia), quatro
78 aterros médios II (1.000 t/dia) e outros dois grandes aterros (2.000 t/dia).
Novamente, vale notar as duas colunas à direita, com números fracionados.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

No estado da Bahia, por exemplo, os valores de 0,83 aterro grande (equiva-


lente a 1.660 t/dia) e de 0,54 aterro médio II (equivalente a 540 t/dia) mos-
tram a necessidade de implementação de aterros de médio e grande portes.

Tabela 22 | Número de aterros necessários para tratar os RSU


destinados de modo inadequado na Região Nordeste
RSU não Pequeno – Médio I – Médio II – Grande –
tratado 100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
AL 1.813,32 9,66 1,69 0,00 0,00 
BA 8.798,52 30,82 6,99 0,54 0,84
CE 5.852,76 13,38 5,19 0,22 0,85
MA 4.363,08 18,95 4,94 0,00 0,00
PB 2.199,63 10,75 0,95 0,65 0,00
PE 5.472,27 12,37 4,16 1,20 0,48
PI 1.959,32 13,45 1,23 0,00 0,00
RN 1.805,57 7,29 0,94 0,61 0,00
SE 1.126,62 4,14 0,80 0,31 0,00
AL 33.391,09 0,00 0,00 0,00 0,00
  120,81 26,89 3,53 2,17
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013) e IBGE (2010).

Assim como na Região Sudeste, os resultados propostos pelo modelo


para a Região Nordeste merecem discussão. Nesse caso, sugere-se a im-
plementação de 121 pequenos aterros (100 t/dia) para atender à totalidade
dos 1.446 municípios com população abaixo de 30 mil habitantes na região.
Dividindo-se o número de municípios de pequeno porte pelo total de pe-
quenos aterros, obtém-se a relação de 12 municípios compartilhando cada
aterro. Para que isso seja viável, entretanto, faz-se necessário que a distância
entre eles esteja dentro do raio econômico da atividade.
Tome-se o exemplo didático utilizado anteriormente. Dividindo-se a
área total da Região Nordeste (3,8 milhões de quilômetros quadrados) por
121 aterros, obtém-se cobertura média de 31.404 km2/aterro. Dividindo-se,
para fins analíticos, a Região Nordeste em 121 sub-regiões circulares é
possível encontrar o raio médio de cobertura de cada aterro. No exemplo
em questão, observa-se que a implementação desses 121 aterros permitiria
raio de cobertura de 100 km para cada aterro. De acordo com a literatura, 79
dentro desses limites, soluções associativas tendem a apresentar viabilida-

Saneamento Ambiental
de econômica.

Tabela 23 | Estimativas de investimento – Nordeste (em milhões de R$)

  Pequeno – Médio I – Médio II – Grande – Total


100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
AL 49,61 18,74 0,00 0,00 68,35
BA 158,25 77,32 9,76 29,19 274,52
CE 68,71 57,38 4,05 29,47 159,62
MA 97,29 54,60 0,00 0,00 151,89
PB 55,21 10,55 11,66 0,00 77,42
PE 63,51 45,98 21,63 16,62 147,73
PI 69,05 13,59 0,00 0,00 82,65
RN 37,41 10,42 10,92 0,00 58,74
SE 21,28 8,87 5,60 0,00 35,76
Total 620,34 297,45 63,62 75,28 1.056,69

Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013), IBGE (2010) e Abetre (2009).

A Tabela 23 apresenta conclusão interessante: ainda que o Nordeste seja


responsável por apenas 25% dos RSU gerados no país, o baixo índice de
tratamento, em conjunto com o perfil de distribuição dos municípios (grande
número de municípios abaixo de 30 mil habitantes), faz com que a região
necessite de mais investimentos do que a Região Sudeste. Para implemen-
tar o parque com a combinação de aterros proposta na Tabela 22, seriam
necessários valores próximos de R$ 1 bilhão.
A grande concentração de habitantes em cidades de pequeno e mé-
dio portes requer a concentração de recursos nesses municípios. Em
particular, a necessidade de recursos para atender aos pequenos muni-
cípios nordestinos (ao redor de R$ 620 milhões) é praticamente equiva-
lente à quantidade de recursos necessária para atender a toda a Região
Sudeste (R$ 652 milhões).

Centro-Oeste
A Tabela 24 permite inferir, com base nas estimativas do modelo propos-
to, que a Região Centro-Oeste necessitaria da construção de 150 aterros de
80 pequeno porte (100 t/dia), além de outros sete aterros médios I (500 t/dia),
dois aterros médios II (1.000 t/dia), além de um grande aterro (2.000 t/dia)
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

para atender a Brasília (DF). Assim como nas outras regiões, o número de
1,6 aterro de 1.000 t/dia poderia ser substituído por um aterro de 1.000 t/dia
e outro de 500 t/dia.

Tabela 24 | Número de aterros necessários para tratar os RSU


destinados de modo inadequado na Região Centro-Oeste
RSU não tratado Pequeno – Médio I – Médio II – Grande –
100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
DF 2.912,96 0,00 0,00 0,00 1,46
GO 4.468,98 15,47 4,34 0,75 0,00
MT 2.173,77 8,21 1,55 0,58 0,00
MS 1.779,12 6,01 1,21 0,57 0,00
Total 11.334,83 29,69 7,11 1,90 1,46
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).

Assim como na Região Nordeste, os resultados propostos pelo mode-


lo para a Região Centro-Oeste são passíveis de ressalvas. No caso da Re-
gião Centro-Oeste, sugere-se a implementação de trinta pequenos aterros
(100 t/dia) para atender à totalidade dos 394 municípios com população abaixo
de 30 mil habitantes na região. Dividindo-se o número de municípios de peque-
no porte pelo total de pequenos aterros, obtém-se a relação de 13 municípios
compartilhando cada aterro. Para que isso seja viável, entretanto, faz-se ne-
cessário que a distância entre eles esteja dentro do raio econômico da ati-
vidade. Conforme Tabela 2, a baixa densidade demográfica da região pode
dificultar soluções compartilhadas.
Tome-se novamente o exemplo didático utilizado. Dividindo-se a
área total da Região Centro-Oeste (1,6 milhão de km2) por trinta ater-
ros, obtém-se cobertura média de 52.800 km 2/aterro. Dividindo-se,
para fins analíticos, a Região Centro-Oeste em trinta sub-regiões circulares,
é possível encontrar o raio médio de cobertura de cada aterro. No exemplo
em questão, observa-se que a implementação desses trinta aterros permitiria
raio de cobertura de 128,5 km para cada aterro. De acordo com a literatura,
dentro desses limites, soluções associativas mostram-se economicamente
inviáveis para atender à região. Nesse caso, vale notar que as soluções de-
vem ser individualizadas, o que tende a aumentar o custo médio de imple-
mentação de sistemas de tratamento nessas regiões em comparação ao custo 81
de implementação de aterros em regiões onde certos custos fixos (estradas,

Saneamento Ambiental
canteiros, balanças, custo da terra etc.) podem ser compartilhados por mais
de um município.

Tabela 25 | Estimativas de investimento – Centro-Oeste (em milhões de R$)


  Pequeno – Médio I – Médio II – Grande – Total
100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
DF 0,00 0,00 0,00 26,23 26,23
GO 79,42 48,02 13,54 50,63 191,60
MT 42,17 17,18 10,38 0,00 69,72
MS 30,88 13,40 10,30 0,00 54,58
  152,47 78,60 34,21 76,86 342,14
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).

A Tabela 25 reflete o elevado custo de implementação de grande número


de pequenos aterros na Região Centro-Oeste. Ressalta-se que a estimativa
de investimentos em aterros de pequeno porte (ao redor de R$ 152 milhões)
é duas vezes a necessidade de recursos a serem aplicados em aterros de
grande porte (2.000 t/dia) na região.

Norte
A Tabela 26 permite inferir, com base nas estimativas do modelo pro-
posto, que a Região Norte necessitaria da construção de 22 aterros de pe-
queno porte (100 t/dia), além de outros sete aterros médios I (500 t/dia),
um aterro médio II (1.000 t/dia) e um grande aterro (2.000 t/dia). No-
vamente, note que o estado do Amazonas necessita de 0,5 aterro de
2.000 t/dia, ou seja, de um aterro de 1.000 t/dia, ou, ainda, dez aterros de
100 t/dia. Já o estado do Pará necessitaria de 0,3 aterro de 2.000 t/dia (ou
seja, um aterro de 600 t/dia) e 0,37 aterro de 1.000 t/dia (equivalente a qua-
tro aterros de 100 t/dia). A configuração final do parque de aterros de cada
região acaba por ser definida com base na distribuição espacial dos RSU
em cada uma.
O resultado apresentado pelo modelo proposto sugere a implementação
de 22 pequenos aterros (100 t/dia) para atender à totalidade dos 338 com
população abaixo de 30 mil habitantes na região.
82 Tabela 26 | Número de aterros necessários para tratar os RSU
destinados de modo inadequado na Região Norte
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

RSU não Pequeno – Médio I – Médio II – Grande –


tratado 100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
AC 366,69 1,06 0,18 0,17 0,00
AP 379,67 0,74 0,16 0,23 0,00
AM 2.473,34 5,19 1,35 0,00 0,64
PA 4.000,44 7,82 4,16 0,40 0,37
RO 778,80 2,46 0,64 0,21 0,00
RR 229,75 0,85 0,00 0,14 0,00
TO 697,68 3,89 0,62 0,00 0,00
Total 8.926,35 22,01 7,11 1,16 1,01
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).

Para fins ilustrativos, tome-se o seguinte exemplo didático: dividindo-se


a área total da Região Norte (3,8 milhões de quilômetros quadrados) por
22 aterros, obtém-se cobertura média de 172.727 km2/aterro. Dividindo-se,
para fins analíticos, a Região Norte em 22 sub-regiões circulares, é possível
encontrar o raio médio de cobertura de cada aterro. No exemplo em ques-
tão, observa-se que a implementação desses 22 aterros permitiria raio de
cobertura de 234,5 km para cada aterro. De acordo com projetos de estações
de transbordo e aterros ao redor de grandes regiões metropolitanas finan-
ciados pelo BNDES, observam-se raios econômicos que variam de 60 km
a 90 km. Assim, parece razoável considerar, ao atual custo dos combus-
tíveis e gate fees, que 100 km seja a distância limítrofe para que a ativi-
dade de coleta, transporte e destinação se viabilize sem a necessidade de
subsídios governamentais.
Sabidamente, tais distâncias inviabilizam a possibilidade de com-
partilhamento de aterros entre municípios, sugerindo que o modelo
proposto não é o mais adequado para tratar a problemática dos RSU
na região. Provavelmente, essa região requererá outros tipos de tec-
nologias, além dos aterros sanitários, para tratamento e destinação
de seus resíduos.
A Tabela 27 apresenta a necessidade total de investimentos na re-
gião, da ordem de R$ 247 milhões, ou 10% do total de investimentos
requeridos no país.
Tabela 27 | Estimativas de investimento – Norte (em milhões de R$) 83
Pequeno – Médio I – Médio II – Grande – Total

Saneamento Ambiental
100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
AC 5,47 2,04 3,03 0,00 10,53
AP 3,78 1,77 4,07 0,00 9,62
AM 26,67 14,89 0,00 22,26 63,82
PA 40,13 46,03 7,28 12,75 106,20
RO 12,63 7,08 3,83 0,00 23,54
RR 4,37 0,00 2,61 0,00 6,97
TO 19,99 6,82 0,00 0,00 26,81
Total 113,04 78,63 20,82 35,01 247,50
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013) e Abetre e FGV (2009).

Sul
A Região Sul do país não somente gera menos RSU que outras regiões
do país (apenas 10 % dos RSU gerados) como, além disso, destina elevado
percentual a aterros sanitários, sendo responsável por apenas 5% dos RSU
tratados de modo inadequado.
A Tabela 28 permite inferir que a Região Sul necessitaria da construção
de 19 aterros de pequeno porte (100 t/dia), além de outros cinco aterros
médios I (500 t/dia) e um aterro médio II (1.000 t/dia).

Tabela 28 | Número de aterros necessários para tratar os


RSU destinados de modo inadequado na Região Sul
RSU não Pequeno – Médio I – Médio II – Grande –
tratado 100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
PR 2.526,58 7,78 1,69 0,48 0,21
SC 1.370,06 4,61 1,27 0,27 0,00
RS 2.442,83 6,87 2,13 0,37 0,16
Total 6.339,47 19,26 5,10 1,12 0,37
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).

A proximidade entre centros urbanos na região propicia a formação de


consórcios, principalmente ao redor de regiões metropolitanas. Com 1.017
pequenos municípios, o modelo proposto sugere que cada aterro seja compar-
tilhado por aproximadamente 54 municípios. Com extensão 563.802,08 km2,
84 seguindo o exemplo didático proposto, cada aterro teria um raio de cober-
tura de 97 km.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

Tabela 29 | Estimativas de investimento – Sul (em milhões R$)


Pequeno – Médio I – Médio II – Grande – Total
100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
PR 40,0 18,7 8,6 7,3 74,7
SC 23,7 14,1 4,9 0,0 42,7
RS 35,3 23,6 6,6 5,6 71,1
Total 98,9 56,4 20,2 12,9 188,4
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013).

De acordo com as estimativas, seriam necessários ao redor de R$ 188 mi-


lhões em investimentos para implementar o parque de aterros necessário
para tratar os RSU não tratados na região.

Conclusões e propostas
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu metas a serem
cumpridas até agosto de 2014. No momento da publicação deste artigo, parte
das metas ainda não havia sido cumprida. Entre elas, observa-se a previsão
de extinção de todos os lixões (vazadouros a céu aberto) no Brasil. O pre-
sente estudo trata o tema com enfoque nas necessidades de investimentos
necessárias para a destinação dos RSU em aterros sanitários.
Procurou-se estimar a monta de investimentos necessários para a substi-
tuição dos lixões (e também dos aterros controlados) por aterros sanitários.
Para tanto, foram utilizados dados informados por Abrelpe (2013) acerca
da geração e destinação de RSU no Brasil.
A sugestão de uma modelagem de cálculo de estimativas de investimen-
tos apresenta, de modo geral, dois desafios: (i) o desenvolvimento da lógica
com a qual as varáveis se inter-relacionam de modo a obter os resultados;
e (ii) a existência de dados que possam definir as condições de cálculo. No
caso do presente artigo, observou-se dificuldade em obter base de dados
atualizada e sistematizada com valores nominais do custo de implementa-
ção de aterros sanitários de diferentes escalas.
Os resultados do modelo apontam para algumas conclusões. As regiões
Nordeste e Sudeste respondem, juntas, por 70% do total de RSU gerados no
país e também por 70% do total de RSU destinado de modo inadequado no 85
Brasil. Dessa forma, mostram-se regiões prioritárias como alvo de políticas

Saneamento Ambiental
públicas para o setor.
As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm os maiores déficits de
aterros sanitários, com apenas 30% dos resíduos sendo tratados com essa
tecnologia, enquanto Sul e Sudeste destinam, em média, 70% de seus RSU
a aterros.
As regiões brasileiras, por possuírem distribuição populacional bastante
heterogênea, apresentam também heterogeneidade na concentração/dispersão
dos RSU no território, que se refletem nas tecnologias a serem implantadas
em cada região.
Com relação às estimativas de investimento, de acordo com o mo-
delo proposto, estimou-se a necessidade de investimentos da ordem de
R$ 2,5 bilhões em aterros sanitários de diferentes portes para atender à ne-
cessidade de tratamento de RSU que até o ano de 2012 ainda eram destina-
dos a lixões e aterros controlados no Brasil. A distribuição de investimentos
por região é sumariada na Tabela 30.

Tabela 30 | Investimentos necessários para extinção de


lixões no Brasil (em milhões de R$) – 2015-2019
Região Investimentos necessários
Nordeste 1.056,68
Sudeste 652,31
Centro-Oeste 342,14
Norte 247,50
Sul 188,40
Total 2.487,04
Fonte: Elaboração própria, com base em Abetre e FGV (2009) e Abrelpe (2013).

No Nordeste, verifica-se maior quantidade de resíduos destinados de


forma inadequada, aproximadamente 33,4 mil toneladas por dia, e, ao mes-
mo tempo, registra-se elevada concentração populacional, 34,15 hab./km.
Somando-se as precárias condições de saúde pública e infraestrutura de
saneamento, tais fatores sugerem que o Nordeste deveria ser prioridade
na implantação de aterros sanitários (erradicando-se os vazadouros a céu
aberto). Destacam-se os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco como foco
86 de política, uma vez que, juntos, somam 60% dos resíduos destinados ina-
dequadamente na Região Nordeste. Estimou-se que seriam necessários va-
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

lores em torno de R$ 1 bilhão para implantar parque de aterros sanitários


capaz de tratar a totalidade dos resíduos que hoje são destinados a lixões e
aterros controlados na região.
De acordo com as estimativas documentadas no referido artigo, tal parque
deveria ser formado por mix de aterros de grande (2.000 t/dia), médio (de
500 t/dia a 1.000 t/dia) e pequeno porte (100 t/dia). Em particular, a distân-
cia média existente entre pequenos municípios da região indica necessidade
de número elevado de pequenos aterros – encarecendo-se o custo total de
implementação, dadas as economias de escala observáveis. Não se deve,
entretanto, negligenciar a situação de grande número de pequenos municí-
pios onde os outros 40% do volume total de RSU não tratados na Região
Nordeste estão dispersos. Para tais municípios, estimou-se necessidade de
implementação de 121 pequenos aterros (100 t/dia). No caso do Nordeste,
em que o raio médio de cobertura desses 121 aterros é inferior a 100 km,
soluções consorciadas apresentam atratividade econômica.
A Região Norte possui pequena participação no PIB nacional (e, por-
tanto, na geração de RSU), baixa densidade demográfica (com elevada
concentração de geração de RSU em poucos municípios de grande porte:
notoriamente, Manaus, Belém e Porto Velho) e reduzida taxa de destinação
adequada. Destarte, ainda que a geração seja pequena, em volume e percen-
tual, as elevadas taxas de destinação inadequada trazem à tona a necessidade
de endereçar a questão. Os investimentos totais em aterros foram estima-
dos em R$ 250 milhões, sendo 50 % em pequenos aterros (22 unidades
de R$ 5 milhões) e os outros 50% em médios e grandes (nove unidades de
diferentes portes). Merecem atenção sistemas tecnológicos em municípios
passíveis de cheias de rios intermitentes.
O Centro-Oeste brasileiro apresenta, de acordo com a Figura 4, gran-
des aglomerados populacionais distantes uns dos outros (Brasília, Goiânia
e Cuiabá encontram-se a 700 km de distância umas das outras e possuem,
ainda, diversas cidades em suas cercanias), sugerindo a necessidade de solu-
ções de médio e grande portes. Ainda que os resultados do modelo apontem
a necessidade de investimentos em pequenos aterros tanto na Região Norte
quanto na Centro-Oeste, a distância entre os pontos de geração de RSU em
cada região pode facilitar ou dificultar a implementação desses pequenos 87
aterros bem como a formação de consórcios intermunicipais.

Saneamento Ambiental
Tais argumentos apontam necessidade de soluções para tratamento dos
resíduos na fonte de geração, por meio de outras tecnologias a depender da
composição do resíduo.
O Sul e o Sudeste contam com boa cobertura de serviços de coleta e
destinação adequada de resíduos, em comparação com o restante do país.
No Sudeste, entretanto, o estado de São Paulo ainda é responsável por
58% dos resíduos dispostos de forma inadequada na região e deve ser prio-
rizado na instalação de aterros de médio e grande portes. A densidade demo-
gráfica é propícia aos consórcios intermunicipais. A tendência nessas regiões
é a difusão de outras tecnologias que visam à valorização de resíduos, seu
aproveitamento energético e econômico na indústria. Implementação de
sistemas de logística reversa, reciclagem, compostagem, coprocessamento,
entre outras tecnologias de maior valor agregado e investimento já começam
a surgir dentro dos portfólios de empresas nessas regiões. Os locais onde
estão instalados os aterros sanitários acabam por transformar-se em parque
industrial de valorização de resíduos. Apoiar essa transformação pode ser
uma perspectiva desejável para as regiões Sul e Sudeste.
O modelo sugere que há regiões, principalmente onde se verificam
maiores concentrações populacionais, onde os consórcios entre municípios
viabilizam o compartilhamento de aterros sanitários. Percebe-se que essa
modalidade de atuação ainda tem sido pouco utilizada. Em Minas Gerais, o
governo do estado lançou um edital de parceria público-privada englobando
a região metropolitana, exceto Belo Horizonte, que poderia ser replicado
em outras regiões.
O modelo sugere ainda que, em outras regiões, principalmente no Nor-
te e no Centro-Oeste, o consórcio entre municípios é insuficiente para so-
lucionar, de forma economicamente viável, o problema da destinação dos
RSU apenas via aterros sanitários. Para essas regiões, deve-se verificar a
aplicabilidade de outras tecnologias.
Ressalta-se, portanto, a necessidade de políticas regionais específi-
cas (taylor made) para o tratamento dos RSU, dependendo da região
analisada, uma vez que existem diferenças significativas no perfil de
88 geração de RSU, na distribuição de riqueza e renda, assim como nas
taxas de coleta, destinação e tratamento entre as regiões brasileiras.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

Anexo I | Conceitos e definições (Cap. II, Art. 3, Lei 12.305/10)


Capítulo II – Art. 3 Das definições
I – Acordo Setorial Ato de natureza contratual firmado entre o setor público e
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, tendo
em vista a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do
produto.
II – Área Local onde há contaminação causada pela disposição, regular ou
contaminada irregular, de quaisquer substâncias ou resíduos.
III – Área órfã Área contaminada cujos responsáveis pela disposição não sejam
contaminada identificáveis ou individualizáveis.
IV – Ciclo de vida Série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a
do produto obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o
consumo e a disposição final.
V – Coleta Seletiva Coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua
constituição ou composição.
VI – Controle Conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam
Social à sociedade informações e participação nos processos de
formulação, implementação e avaliação das políticas públicas
relacionadas aos resíduos sólidos.
VII – Destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem,
Destinação final a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético
ambientalmente ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do
adequada Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final,
observando normas operacionais específicas de modo a evitar
danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os
impactos ambientais adversos.
VIII – Distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas
Disposição final operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde
ambientalmente pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais
adequada adversos.
IX – Geradores de Pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado,
resíduos sólidos que geram resíduos sólidos por meio de suas atividades, nelas
incluído o consumo.
X – Gerenciamento Conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas
de resíduos sólidos de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final
ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos, de acordo com plano
municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou com plano de
gerenciamento de resíduos sólidos, exigidos na forma desta Lei.

(Continua)
(Continuação) 89
Capítulo II – Art. 3 Das definições

Saneamento Ambiental
XI – Gestão Conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os
integrada de resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política,
resíduos sólidos econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e
sob a premissa do desenvolvimento sustentável.
XII – Logística Instrumento de desenvolvimento econômico e social
reversa caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos
e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos
resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento,
em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos ou outra destinação
ambientalmente adequada.
XIII – Padrões Produção e consumo de bens e serviços de forma a atender
sustentáveis de as necessidades das atuais gerações e permitir melhores
produção e consumo condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o
atendimento das necessidades das gerações futuras.
XIV – Reciclagem Processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve
a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou
biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos
produtos, observadas as condições e os padrões estabelecidos
pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e
do Suasa. 
XV – Rejeitos Resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades
de tratamento e recuperação por processos tecnológicos
disponíveis e economicamente viáveis, não apresenta outra
possibilidade que não a disposição ambientalmente adequada.
XVI – Resíduos Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de
sólidos atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se
procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder,
nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos
em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável
o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos
d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente
inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
XVII – Conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos
Responsabilidade fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos
compartilhada consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza
urbana e de manejo dos RSU, para minimizar o volume de
resíduos e rejeitos gerados.
XVIII – Processo de aproveitamento dos resíduos sólidos sem sua
Reutilização transformação biológica, física ou físico-química, observadas as
condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes
do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa.
XIX – Serviço Conjunto de atividades previstas no art. 7º da Lei nº 11.445,
público de limpeza de 2007. 
urbana e de manejo
de resíduos sólidos
90 Anexo II | Princípios e Objetivos (Cap. II, Art.6 e Art. 7, Lei 12.305/10)
Princípios Objetivos
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

I – Prevenção I – Proteção da saúde pública


II – Poluidor-pagador e o II – Não geração, redução, reutilização,
protetor-recebedor reciclagem e tratamento...
III – Visão sistêmica... III – Estímulo à adoção de padrões
sustentáveis de produção e consumo
IV- Desenvolvimento sustentável IV – Adoção, desenvolvimento e
aprimoramento de tecnologias limpas...
V – Ecoeficiência V – Redução do volume e da
periculosidade
VI – Cooperação entre diferentes esferas VI – Incentivo à indústria de reciclagem...
de governo
VII – Responsabilidade compartilhada VII – Gestão integrada de resíduos sólidos
pelo ciclo de vida do produto
VIII – Reconhecimento do resíduo sólido VIII – Articulação entre diferentes esferas
reutilizável como um bem econômico do setor público
IX – Respeito às diversidades locais e IX – Capacitação técnica...
regionais
X – Direito à informação X – Regularidade, continuidade,
funcionalidade...
XI – Razoabilidade e a proporcionalidade XI – Prioridade nas aquisições e
contratações governamentais para:
(a) produtos reciclados e recicláveis;
(b) bens, serviços e obras que
considerem...
XII – Integração dos catadores de
materiais reutilizáveis
XIII – ... implementação da avaliação do
ciclo de vida do produto
XIV – Incentivo ao desenvolvimento de
sistemas de gestão ambiental empresarial
XV – Estímulo à rotulagem ambiental e ao
consumo sustentável

Anexo III | Instrumentos selecionados pelos autores (Cap.II, Art. 8, Lei 12.305/10)
Instrumentos
I – Os planos de resíduos sólidos
II – Os inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos

(Continua)
(Continuação) 91
Instrumentos

Saneamento Ambiental
III – A coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas
relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos
IV – O incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras
formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis 
V – O monitoramento e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária
VI – A cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado
VII – A pesquisa científica e tecnológica
VIII – Educação ambiental
IX – Incentivos fiscais, financeiros e creditícios
X – O Fundo Nacional de Meio Ambiente e o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico
XI – Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir)
XII – Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa)
XIII – Os conselhos de meio ambiente e, no que couber, os de saúde
XIV – Os órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos serviços
de resíduos sólidos urbanos
XV – O Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos
XVI – Os acordos setoriais
XVII – No que couber, os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente
XVIII – Os termos de compromisso e os termos de ajustamento de conduta
XIX – O incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de cooperação
entre os entes federados, com vistas à elevação das escalas de aproveitamento e à
redução dos custos envolvidos.
Fonte: Brasil (2010a).

Referências
Abetre – Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos;
FGV – Fundação Getulio Vargas. Estudo sobre os aspectos econômicos e
financeiros da implantação e operação de aterros sanitários. Rio de Janeiro:
FGV, 2009.
Abrelpe – Panorama dos resíduos sólidos no Brasil. 2012. 2013. Disponível em:
<www.abrelpe.org.br>. Acesso em: 11 jun. 2014.
Brasil. Casa Civil da Presidência da República, Lei 12.305, de 2 de agosto de
2010. Diário Oficial da União, 3 ago. 2010a.

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92 ______. Casa Civil da Presidência da República. Decreto 7.404, de 23 de
dezembro de 2010. Diário Oficial da União, 23 dez. 2010b, edição extra.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019

______. Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Resíduos Sólidos.


Versão preliminar. Brasília, ago. 2012.
Cerbato, F.; Argolo, J. Análise técnica e Socioambiental do Aterro Controlado
do Município de Amargosa-BA. Entrelaçando – Revista Eletrônica de Culturas e
Educação, n. 5, ano III, jan.-abr. 2012. ISSN 2179.8443.
FADE-UFPE; BNDES – Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da
Universidade Federal de Pernambuco; Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social. Análise das diversas tecnologias de tratamento e
disposição final de resíduos sólidos urbanos no Brasil, Europa, Estados Unidos
e Japão. Dez. 2013.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Diagnóstico dos resíduos
sólidos urbanos. Brasília, 2012.
Martins, G. Atuação do BNDES no setor de resíduos sólidos urbanos. Rio de
Janeiro: BNDES, 2014.
Ruth, M. Integrating economics, ecology and thermodynamics. Netherlands:
Kluwer Academic Publishers. London, 1993.
Wolfrum, R. O Princípio da Precaução. In: Varella, M. D.; Platiau, A. F. B.
(org.). Princípio da Precaução: Coleção Direito Ambiental em Debate. Belo
Horizonte: Ed. Del Rey, 2004.
UN – United Nations. Our common future – report of the World Commission on
Environment and Development. New York, 1987.

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Bebidas
BNDES Setorial 40, p. 93-130

O setor de bebidas no Brasil

Osmar Cervieri Júnior


Job Rodrigues Teixeira Junior
Rangel Galinari
Eduardo Lederman Rawet
Carlos Takashi Jardim da Silveira*

Resumo
O presente trabalho traz um panorama da evolução recente do setor de bebi-
das através da análise de dados oficiais de produção, consumo, investimentos
e balança comercial. Além disso, comentam-se as principais características
de mercado que atualmente impactam a competitividade das empresas pro-
dutoras de bebidas. Busca-se, assim, analisar dados e organizar informações
a fim de traçar perspectivas para o setor nos próximos anos.

* 
Respectivamente, engenheiro, gerente, economista e estagiários do Departamento de Bens de Consumo,
Comércio e Serviços da Área Industrial do BNDES.
94 Introdução
Este artigo discute alguns dos principais temas relativos ao setor de
O setor de bebidas no Brasil

bebidas, caracterizado no passado recente por um forte crescimento e, em


relação ao futuro próximo, por questões que vão além das variáveis mais
tradicionais, passando por segmentações de alto valor agregado e chegando
ao que vem sendo chamado de “economia da experiência”.
No Brasil, a produção de refrigerantes destaca-se como o principal item
do setor de bebidas, aparecendo em seguida a produção de cervejas. Esses
ramos apresentam números robustos, respondendo por fração significati-
va do valor adicionado da indústria de transformação. Mesmo não sendo
um setor de trabalho intensivo, em termos absolutos o setor é responsável
pela geração de dezenas de milhares de postos de trabalho. Em relação ao
comércio exterior, cervejas e refrigerantes mostram baixíssima penetração
das importações, embora o saldo comercial seja deficitário, por conta de
insumos-chave, por exemplo o malte. Os números do setor de bebidas são
apresentados na próxima seção.
Além de números expressivos, o setor ostenta ampla difusão regional,
o que se deve às características do produto, composto quase integralmente
por água. Esse aspecto faz com que a opção por produzir localmente seja
mais racional, com a redução nos custos logísticos compensando eventuais
economias de escala que poderiam ser obtidas por meio de maior concen-
tração da produção. Esse aspecto dá ao setor certa ubiquidade, tornando-o
um elemento que contribui com a dinamização de regiões pouco industria-
lizadas, até mesmo por conta da cadeia produtiva envolvida, que inclui,
por exemplo, distribuição, armazenagem, comercialização, obtenção de
insumos e produção de embalagens. A terceira seção apresenta de modo
resumido os principais processos produtivos do setor, incluindo-se breve
descrição das cadeias.
As estruturas de mercado da indústria de cervejas e da de refrigerantes
mostram-se fortemente concentradas e caracterizam-se pela presença de em-
presas e marcas líderes. Em relação ao padrão de concorrência, destacam-se
como variáveis estratégicas maciços investimentos em marketing e contro-
le de canais de distribuição. A quarta seção discute o mercado de bebidas.
O setor de bebidas deve seu peso econômico à atuação das grandes em-
presas, que se dedicam à produção em larga escala de semicommodities com-
petindo via marca e aumentando as margens de lucro por meio de ganhos
de produtividade. Contudo, há um crescente segmento em que predominam 95
empresas pequenas e médias que enfatizam a diferenciação como forma de

Bebidas
competição, oferecendo produtos premium destinados ao público da classe
de consumo A. A quinta seção aborda esse fenômeno ao estudar três casos:
cervejas especiais, cachaça artesanal e exploração turística do vinho.
Com demanda correlacionada diretamente ao crescimento econômico e
a novos padrões de consumo, o setor de bebidas possui boas perspectivas
de expansão, sobretudo nos segmentos de maior valor agregado. A última
seção deste artigo, além de apresentar as conclusões, deixa reflexões sobre
os desafios e oportunidades associados ao setor de bebidas.

O setor de bebidas no Brasil e no mundo


As variedades produzidas no Brasil
A fim de estipular um conjunto de variáveis que reflitam a composição
recente da produção brasileira de bebidas industrializadas, o presente traba-
lho adotou a lista de produtos da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1 para o setor. Por esse critério,
as bebidas estão agrupadas em cinco segmentos, correspondentes às cinco
classes de atividades econômicas da CNAE de fabricação de bebidas. Sendo
assim, o universo dos dados utilizados na análise que segue está limitado
aos produtos da referida lista.
A Tabela 1 indica, para o acumulado do período, os percentuais de parti-
cipação de cada classe CNAE (em negrito) na produção da Divisão 11 (be-
bidas), além dos percentuais de participação de cada bebida nas respectivas
classes CNAE e no setor “bebidas”. Os percentuais foram calculados para
volume e valor das vendas. Os números oferecem, com base em médias,
uma ideia da composição da produção da indústria brasileira. Os refrigeran-
tes despontam como o principal produto do setor, seguidos da produção de
cervejas – juntos, ultrapassam 75% do valor total da produção de bebidas,
exclusive xaropes. Aguardentes e outras bebidas destiladas, vinhos e águas
envasadas completam o quadro.

1
  A Lista de Produtos da Indústria (Prodlist-Indústria) é uma lista detalhada de bens e serviços industriais
investigados através da PIA-Produto, elaborada segundo conceitos de harmonização e articulação entre
a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), a Classificação Nacional de Atividades Econômicas
(CNAE) e a Classificação Central de Produtos (Central Product Classification – CPC).
96 Tabela 1 | Composição do setor de bebidas, segundo valor das vendas
e volume produzido – Brasil, acumulado 2005-2011 (em %)
O setor de bebidas no Brasil

Segmento Participação

Na classe No setor
Valor Volume Valor Volume
Refrigerantes e outras 100,0 100,0 45,7 46,5
bebidas não alcoólicas
Refrigerantes 73,1 96,9 33,4 45,1
Preparações em xarope 23,9 0,4 10,9 0,2
para elaboração de
bebidas, para fins
industriais
Bebidas não alcoólicas 1,5 1,8 0,7 0,8
de outros tipos, exceto
guaraná natural, sucos ou
refrescos de frutas
Bebidas isotônicas 1,0 0,6 0,5 0,3
Águas minerais ou 0,3 0,3 0,1 0,1
águas gaseificadas
com adoçantes ou
aromatizantes
Bebidas energéticas 0,1 0,1 0,1 0,0
Preparações em xarope 0,1 0,0 0,0 0,0
para elaboração de
bebidas, exceto para fins
industriais
Malte, cervejas e chope 100,0 100,0 42,7 37,3
Cervejas ou chope 100,0 100,0 42,7 37,3
Aguardentes e outras 100,0 100,0 6,6 5,0
bebidas destiladas
Aguardente de cana- 48,8 79,0 3,2 3,9
de-açúcar (cachaça ou
caninha); rum ou tafiá
Bebidas alcoólicas 24,8 10,6 1,6 0,5
destiladas, de outros tipos
(aguardente de frutas, gim,
genebra etc.)
Uísques 11,2 1,7 0,3 0,1
Vodca 10,7 6,3 0,7 0,3
Aguardente de vinho ou de 4,5 2,5 0,7 0,1
bagaço de uva (conhaque,
brande etc.)
(Continua)
(Continuação) 97
Segmento Participação

Bebidas
Na classe No setor
Valor Volume Valor Volume
Vinhos 100,0 100,0 2,8 1,3
Vinhos de uvas, exceto do 57,9 64,9 1,6 0,8
tipo champanha
Misturas de bebidas 18,5 20,2 0,5 0,3
fermentadas ou de bebidas
não alcoólicas com
fermentadas
Vinhos de uvas frescas, 14,3 6,1 0,4 0,1
tipo champanha
Sidra ou outras bebidas 6,4 5,8 0,2 0,1
fermentadas
Vermutes ou outros 2,9 3,0 0,1 0,0
vinhos de uvas frescas
aromatizados
Águas envasadas 100,0 100,0 2,3 9,9
Águas minerais naturais, 99,2 97,1 2,2 9,7
sem adoçantes ou
aromatizantes, inclusive
gaseificadas
Água purificada 0,8 2,9 0,0 0,3
adicionada de sais
minerais, sem adoçantes
ou aromatizantes, inclusive
gaseificadas
Fonte: IBGE – PIA-Produto.

Comparando os percentuais de participação em valor das vendas e vo-


lume produzido, é possível estabelecer uma noção de valor agregado para
os produtos. O caso mais emblemático é o dos xaropes concentrados desti-
nados à indústria de refrigerantes. No acumulado do período representaram
23,9% do valor das vendas de sua classe e apenas 0,4% do volume produ-
zido, evidenciando que se trata de um produto de elevado valor agregado.
O mesmo pode ser dito do uísque, da vodca, de outras bebidas alcoólicas
destiladas e dos vinhos de uva frescas tipo champanha, cuja qualidade vem
sendo reconhecida em anos recentes. Por outro lado, os refrigerantes, os vi-
nhos de uvas (exceto do tipo champanha) e as aguardentes de cana-de-açúcar
destacam-se como produtos de valor agregado relativamente baixo,
98 uma vez que, dentro de suas respectivas classes, a participação no valor
das vendas desses produtos é substancialmente inferior à participação
O setor de bebidas no Brasil

na quantidade produzida.

Produção, emprego e comércio exterior do Brasil


De acordo com informações da PIA 2011 do IBGE (PIA-Empresa), o
setor de fabricação de bebidas responde por aproximadamente 4% do valor
adicionado da indústria de transformação brasileira. Por ser intensivo em
capital, o setor tende a ser menos expressivo no que tange ao fator traba-
lho. Ainda assim, emprega cerca de 144 mil pessoas no mercado formal, o
que corresponde a 2,2% do pessoal ocupado na indústria de transformação
do Brasil.
Em razão do fácil acesso a fontes de água no Brasil (um dos principais
insumos da produção de bebidas), a localização geográfica das plantas in-
dustriais do setor é orientada pela proximidade a seus mercados consumido-
res. Sendo assim, essa indústria encontra-se distribuída por todo o território
nacional. A Tabela 2 ilustra esse fato, demonstrando que o emprego no setor
ao longo do espaço geográfico brasileiro assemelha-se à distribuição da po-
pulação, o que revela também sua importância enquanto gerador de postos
de trabalho em áreas periféricas do país.

Tabela 2 | Distribuição regional do emprego nos segmentos que


compõem o setor de bebidas e da população brasileira, 2012 (em %)
Segmento Região natural Total
(%)
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
(%) (%) (%) (%) Oeste
(%)
Fabricação de 0 54 38 6 1 100
aguardentes e
outras bebidas
destiladas
Fabricação de 2 13 25 60 0 100
vinho
Fabricação de 5 23 48 10 14 100
malte, cervejas e
chopes

(Continua)
(Continuação) 99
Segmento Região natural Total

Bebidas
(%)
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
(%) (%) (%) (%) Oeste
(%)
Fabricação de 6 36 37 12 9 100
águas envasadas
Fabricação de 8 24 44 12 11 100
refrigerantes e de
outras bebidas não
alcoólicas
Total emprego no 6 28 43 13 10 100
setor de bebidas
População (2010) 8 28 42 14 7 100
Fontes: MTE – Rais 2012; IBGE – Censo Demográfico 2010.

O setor vem apresentando grande dinamismo. Segundo o Gráfico 1, que


apresenta informações da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE (PIM-PF),
o crescimento acumulado da produção física de bebidas no Brasil che-
gou a 50% no período 2004-2013. Nesse período, a taxa média de cres-
cimento do volume produzido foi de 4,2% a.a. Dado que nesse intervalo
de tempo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a uma taxa
média real de 3,7% a.a., esses números revelam como o setor apresentou
uma resposta elástica ao crescimento da renda da população. Contudo,
uma pequena queda na produção de refrigerantes, o baixo crescimento
do PIB registrado desde 2011 e alterações tributárias contribuíram para
a estagnação da produção física no passado recente, o que não anula, po-
rém, o caráter expressivo da trajetória observada ao longo dos últimos
dez anos.
Como visto anteriormente, a produção nacional tem no refrigerante e na
cerveja2 seus dois grandes produtos. Juntos, esses dois segmentos represen-
tam aproximadamente 82% do volume produzido e 76% do valor total das
vendas de bebidas no Brasil. Dessa forma, a dinâmica do setor de bebidas
no país é substancialmente dependente do desempenho desses dois seg-
mentos. Os gráficos 2 e 3 complementam o anterior, evidenciando os bons
resultados da produção de cervejas e refrigerantes no Brasil.

2
  Segundo informação obtida em vista a um grande fabricante, o volume de chope (cerveja não pasteu-
rizada) produzido e consumido no Brasil representa entre 2% e 3% do volume da cerveja.
100
grafico 01
Gráfico 1 | Índice acumulado do crescimento da produção
física de bebidas – Brasil, 2004-2013 (2003=100)
O setor de bebidas no Brasil

160

150

140

130

120

110

100
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: IBGE – PIM-PF.

grafico 02
Gráfico 2 | Produção de cervejas – Brasil, 2005-2013 (em milhões de litros)

16.000
14.220 13.937
14.000 13.743
13.043
12.576
12.000
10.849
10.450
9.905
10.000 9.216

8.000

6.000

4.000

2.000

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013*

Fonte: IBGE – PIA-Produto.


*
Dados estimados por meio de estatísticas obtidas do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe).
grafico 03
Gráfico 3 | Produção de refrigerantes – Brasil, 2005-2013 (em milhões de litros) 101

Bebidas
20.000

18.000 17.540
16.516 16.569 16.908
16.000
13.627 14.171
14.000 13.078
12.000 11.552
10.594
10.000

8.000

6.000

4.000

2.000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013*

Fonte: IBGE – PIA-Produto.


Dados estimados por meio de estatísticas obtidas do Sicobe.
grafico 04
*

Gráfico 4 | Balança comercial brasileira de bebidas –


2001-2012 (em milhões de US$)

1.500
1.143

1.000

473
500 339

352
271
210
0

(264)
(500)
(790)

(1.000)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Importação Exportação Saldo

Fonte: AliceWeb/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

A balança comercial brasileira de bebidas vem apresentando déficits cres-


centes nos últimos anos, conforme ilustra o Gráfico 4. As exportações cresce-
102 ram no período a uma taxa média de 2,4% a.a. As importações, por seu turno,
avançaram em ritmo mais forte, acelerando a partir de 2006. De 2001 a 2006,
O setor de bebidas no Brasil

as importações cresceram em média 6,9% a.a. e, de 2006 a 2012, essa taxa su-
biu a 15,8% a.a.
O Gráfico 5 desagrega os resultados da balança comercial em três grupos:
bebidas alcoólicas, bebidas não alcoólicas e maltes – principal insumo agríco-
la para a fabricação da cerveja. Na média do período analisado, os grupos de

grafico 05
bebidas alcoólicas e não alcoólicas responderam, respectivamente, por 50%
e 4% do déficit. O restante (46%) foi representado pela importação de maltes.
Gráfico 5 | Composição do déficit da balança comercial
brasileira de bebidas – 2001-2012 (em milhões de US$)

50

0
62
(50)

(100)

(150)

(200)

(250)
(324)
(300)

(350)

(400)
(408) (404)
(450)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Bebidas não alcoólicas Bebidas alcoólicas Maltes

Fonte: AliceWeb/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

As bebidas produzidas em grandes volumes, destinadas basicamente ao


mercado interno, têm como característica uma relativa homogeneidade. No
entanto, o crescimento da renda acarreta mudanças de hábitos de consumo,
que em parte dos compradores reflete-se em busca por diferenciação via aqui-
sição de produtos mais sofisticados. Esse processo, que vem ocorrendo no
Brasil, leva ao aumento da procura por produtos importados.
O crescimento dos coeficientes de penetração das importações reforça a
ideia dessa tendência para o mercado brasileiro. Os dados da Tabela 3 mos-
tram que os vinhos figuram como a principal bebida estrangeira procurada.
Tabela 3 | Coeficiente de penetração das importações de 103
segmentos do setor de bebidas – Brasil, 2005-2011 (em %)

Bebidas
Bebida 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Vinhos 12,40 14,80 17,70 18,90 16,60 18,30 18,50
Destilados 2,70 3,30 3,20 2,80 2,70 3,50 4,40
Refrigerante e 0,25 0,23 0,25 0,29 0,28 0,28 0,43
outras bebidas
não alcoólicas
Cervejas 0,02 0,03 0,06 0,10 0,08 0,10 0,21
Águas 0,06 0,09 0,12 0,14 0,09 0,11 0,19
Fonte: AliceWeb/MDIC.

A indústria de bebidas no mundo


O consumo de cervejas e refrigerantes
O Brasil conquistou em anos recentes a terceira posição na lista dos maio-
res consumidores mundiais de cervejas e refrigerantes. Conforme evidencia

grafico 06
o Gráfico 6, o consumo brasileiro é inferior apenas ao verificado nos Estados
Unidos da América (EUA) e na China.
Gráfico 6 | Maiores consumidores mundiais de cervejas e
refrigerantes, 2011 (em milhões de hectolitros)

EUA
69% 31%

China
21% 79%

Brasil
57% 43%

México
71% 29%

Alemanha
48% 52%

Rússia 29% 71%

Reino Unido 54% 46%

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

Refrigerantes Cervejas

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Kirin Beer University (para cervejas) e da IndexMundi
(para refrigerantes).
104 Por outro lado, no que tange ao consumo per capita, os números brasi-
leiros são relativamente tímidos. Ao consumir uma média de 67 litros de
O setor de bebidas no Brasil

cerveja/habitante/ano, o país ocupa apenas a 24ª posição do ranking


de consumo per capita mundial, que é liderado por República Tcheca
(147 litros/habitante/ano), Áustria (108 litros/habitante/ano) e Alemanha
(108 litros/habitante/ano), segundo informações da Kirin Beer University.
Em relação aos refrigerantes, o Brasil consome cerca de 85 litros/habi-
tante/ano, o que o faz ocupar a 12ª posição do ranking mundial, em cujas
primeiras posições estão os EUA (170 litros/habitante/ano), o México
(146 litros/habitante/ano) e o Chile (127 litros/habitante/ano), de acordo
com dados do Euromonitor.

A produção de cerveja
Com relação à cerveja, a Tabela 4 lista os dez países que mais produziram
em 2012, conjunto que respondeu por 66,4% da produção mundial. A tabela
também apresenta um comparativo com os respectivos desempenhos no ano
de 2000. Nesse intervalo, Brasil, Rússia e Alemanha alternaram posições
no ranking entre as colocações três e cinco. No entanto, a partir de 2010, o
Brasil consolidou-se como o terceiro maior produtor mundial.
Cabe destacar o grande aumento na produção dos chamados BRICS:
Brasil (+61%); Rússia (+77%); Índia3 (+254%); China (+123%); e África
do Sul4 (+28,6%). Por outro lado, entre os dez maiores produtores, as re-
duções mais acentuadas couberam ao Reino Unido (-24%), Japão (-22%)
e Alemanha (-14%).
Tabela 4 | Principais produtores de cerveja do mundo nos anos 2000 e 2012

País Ranking Produção Market share


(milhões hectolitros) 2012
2012 2000 Variação 2012 2000 Variação Por Acumulado
país
China 1o 2o ↑1 490,200 220,000 +122,8 25,1 25,1
EUA 2 o
1o
↓1 229,314 232,500 -1,4 11,8 36,9
Brasil 3 o
4o
↑1 132,800 82,600 +60,8 6,8 43,7
Rússia 4o 8o ↑4 97,400 54,900 +77,4 5,0 48,7
(Continua)

3
  Índia não figura na tabela, pois ocupa a 20ª posição no ranking 2012.
4
  África do Sul não figura na tabela, pois ocupa a 11ª posição no ranking 2012.
(Continuação) 105
País Ranking Produção Market share

Bebidas
(milhões hectolitros) 2012
2012 2000 Variação 2012 2000 Variação Por Acumulado
país
Alemanha 5o 3o ↓2 94,618 110,429 -14,3 4,8 53,5
México 6 o
6o
- 82,500 57,812 +42,7 4,2 57,7
Japão 7o 5o ↓2 55,465 70,998 -21,9 2,8 60,6
Reino 8o 7o ↓1 42,049 55,279 -23,9 2,2 62,7
Unido
Polônia 9o 12o ↑3 37,800 24,000 +57,5 1,9 64,7
Espanha 10o 9o ↓1 33,000 26,400 +25,0 1,7 66,4
Demais 656,135 457,503 +43,4 33,6 100,0
Mundo 1.951,281 1.392,421 +40,1
BRICS 739,900 363,000 +103,8 37,9
Mundo 1.211,381 1.029,421 +17,7 62,1
sem
BRICS
Fonte: Barth-Haas Group.

No que se refere às grandes companhias mundiais de cerveja, des-


taque para a belga-brasileira Anheuser-Bush InBev S.A. (AB InBev)5
(Tabela 5). A empresa foi criada em 2004 pela fusão entre a brasileira
Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) e a belga Iterbrew, dan-
do origem à InBev, que passou a ser a maior fabricante mundial de cer-
veja. Em 2008, a InBev adquiriu a segunda maior fabricante à época,
a companhia Anheuser-Busch, dos EUA (cuja marca de cerveja mais
conhecida é a Budweiser).
Tabela 5 | Maiores companhias de cerveja do mundo
em 2012, segundo o volume produzido

Companhia País Produção Market share 2012


(milhões de
Por Acumulado
hectolitros)
companhia (%)
(%)
AB Inbev* Brasil e Bélgica 352,900 18,1 18,1
(Continua)
5
  A AB InBev possui produção e acordos comerciais nos principais mercados do mundo. Com mais
de duzentas marcas de cerveja em seu portfólio, teve em 2013 uma receita de US$ 43,2 bilhões. A
companhia emprega mais de 150 mil funcionários em 24 países.
106 (Continuação)
Companhia País Produção Market share 2012
O setor de bebidas no Brasil

(milhões de
Por Acumulado
hectolitros)
companhia (%)
(%)
SABMiller** Reino Unido 190,000 9,7 27,8
Heineken Holanda 171,700 8,8 36,6
Carlsberg Dinamarca 120,400 6,2 42,8
China China 106,200 5,4 48,2
Resources
Snow
Breweries Ltd.
Tsingtao China 78,800 4,0 52,3
Brewery Group
Grupo Modelo México 55,800 2,9 55,1
Molson-Coors EUA e Canadá 55,100 2,8 58,0
Yanjing China 54,000 2,8 60,7
Kirin Japão 49,300 2,5 63,3
Demais 717,081 36,7 100,0
companhias
Total 1.951,281
Fonte: Barth-Haas Group.
*
Ainda sem considerar a incorporação do Grupo Modelo, concluída em jun. 2013.
**
Sem considerar a joint venture com a China Resources Snow Breweries Ltd.

O case da Ambev
A Ambev resultou da associação, em 1999, entre a companhia Cervejaria
Brahma e a companhia Antarctica Paulista. Foi criada com o objetivo de se
transformar em uma empresa com atuação multinacional, de porte compatí-
vel com os players já estabelecidos no exterior e em condições de competir
no mercado mundial de cervejas e refrigerantes, em especial na América
Latina. Atualmente, é responsável pelas operações do Grupo AB-Inbev nas
Américas, operando em 14 países.
Quando de sua criação, em 1999, a produção de cerveja das companhias
Brahma e Antarctica foi de aproximadamente 52,3 milhões de hectolitros.6
Segundo dados divulgados pela Ambev, sua produção no país, em 2013,
atingiu 83,0 milhões de hectolitros de cerveja e 30,2 milhões de hectolitros
6
  Segundo estatísticas do Sindicerv. Não foi possível encontrar o dado referente a refrigerantes.

BS40-book 106 20/10/14 20:50


de refrigerantes e bebidas não alcoólicas e não carbonatadas. Nas operações 107
internacionais,7 o volume de vendas no mesmo ano alcançou 52,0 milhões de

Bebidas
hectolitros, considerando todos os produtos comercializados.
Hoje a Ambev possui um parque fabril de 35 plantas no país e 42 no
exterior.8 Sua rede de distribuição no Brasil está presente em aproxima-
damente 1 milhão de pontos de venda (o país possui cerca de 1,2 milhão
de pontos de venda). A estrutura de distribuição nacional está dividida em
uma rede de 153 distribuidores terceirizados exclusivos e um sistema pró-
prio composto de 83 centros de distribuição direta, próximos às grandes
regiões urbanas.
Os fortes investimentos de expansão realizados pela companhia ao lon-
go dos últimos anos contaram, além de captações nos mercados de capital
nacional e internacional, com linhas de crédito disponibilizadas pelos prin-
cipais bancos estrangeiros e brasileiros, entre os quais o BNDES. A classifi-
cação de risco da companhia como “grau de investimento” pelas principais
classificadoras de risco internacionais proporcionou à empresa acesso a
instrumentos adequados de financiamento.

Cadeias produtivas
Uma forma possível de descrever as cadeias produtivas das bebidas in-
dustrializadas consiste em agrupar seus processos em três conjuntos, ten-
do como elo central a fabricação, como elo a montante o fornecimento de
insumos e, por fim, como elo a jusante a distribuição do produto acabado
até o ponto de venda.
Com base nesse critério, as cadeias produtivas dos dois principais pro-
dutos do setor brasileiro de bebidas – cerveja e refrigerante – serão ca-
racterizadas a seguir. As duas bebidas oferecem grandes oportunidades
de economias de escopo e, por esse motivo, são muitas vezes produzidas
em uma mesma unidade industrial. Contudo, seus processos de fabricação
guardam diferenças importantes em nível de complexidade. Dessa forma, o

7
  De acordo com relatórios disponibilizados no website da Ambev, a representatividade dos mercados
na receita líquida em 2013 está assim agrupada: Brasil (cervejas – 52,9% e refrigerantes e não carbona-
tadas – 10,4%); América Latina Sul – Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile (20,3%); Canadá
(12,2%); e Hila-Ex – El Salvador, Equador, Guatemala, Nicarágua, Peru e República Dominicana (4,1%).
8
  Assim localizadas: Argentina (13); Bolívia (8); Canadá (6); Uruguai (4); Peru (2); Paraguai (2);
Guatemala (2); República Dominicana (2); Equador (1); Chile (1); Saint Vicente (1); e Dominica (1).
108 compartilhamento de operações entre as duas bebidas acontece no início da
cadeia, na aquisição de embalagens, e ao fim, quando os produtos entram
O setor de bebidas no Brasil

no sistema de distribuição.

Cerveja – fornecedores
Insumos agrícolas
A cerveja é produzida a partir do malte, produto resultante da germi-
nação parcial dos grãos da cevada. No entanto, a legislação9 brasileira
permite que parte do malte seja substituída por outras fontes de carboi-
dratos fermentáveis, denominadas adjuntos cervejeiros, em uma propor-
ção de até 45% em peso. A lei considera adjuntos cervejeiros os cereais
aptos ao consumo humano e os amidos e açúcares de origem vegetal,
sendo o milho e o arroz os mais empregados pelas cervejarias brasilei-
ras. Dessa forma, a cadeia produtiva da cerveja se inicia no campo, com
a possibilidade de utilização dos insumos agrícolas que oferecerem os
melhores preços.

Maltarias
Depois de colhida – entre fim de outubro e início de dezembro, no
Brasil –, a cevada segue para a maltaria. Nessa etapa, os grãos recebem água,
a fim de desencadear um processo de germinação. Estocados em ambiente
com temperatura e umidade controladas, a germinação é interrompida por
meio de secagem. Após um processo de torrefação, a cevada está transfor-
mada em malte.
A produção das maltarias brasileiras atende a cerca de um terço da deman-
da interna, e está concentrada em quatro unidades industriais: Rio Grande
do Sul (2); Paraná (1); e São Paulo (1). Como visto na seção sobre a ba-
lança comercial, o malte é um produto em que o Brasil é deficitário. Entre
os anos de 2005 a 2012, as importações líquidas cresceram a uma taxa de
24% a.a., totalizando no acumulado do período um déficit de aproximada-
mente US$ 2 bilhões. Os grandes volumes são provenientes do Uruguai e
da Argentina, contudo, a produção das chamadas cervejas gourmet e cer-
vejas artesanais demanda maltes específicos, provenientes em sua maioria
de países da Europa.

9
  Decreto 6.871, de 4 de junho de 2009, Art. 36.
As companhias que adotam a estratégia de verticalização costumam 109
possuir maltarias próprias. É o caso da empresa líder do setor no Brasil

Bebidas
(Ambev S.A.), que possui duas maltarias no Rio Grande do Sul, duas no
Uruguai e três na Argentina.

Máquinas e equipamentos
Os principais bens de capital empregados nas cervejarias consistem em
silos de armazenagem, moinhos, filtros, tanques, caldeiras, trocadores de
calor e esteiras. Esse maquinário é comum a outras indústrias, principal-
mente as do setor de alimentos. Seu estágio tecnológico é considerado ma-
duro, e as principais fontes de melhoria estão relacionadas a temas como
diminuição do consumo de água e de energia e redução das emissões de
CO2 e de resíduos.
Com relação aos equipamentos de envase, cabe ressaltar que as grandes
empresas, que operam fábricas com linhas de alta velocidade de enchimento
de latas e garrafas, dispõem de poucas opções de fornecedores. Tais máqui-
nas possuem um conteúdo tecnológico dominado por poucos fabricantes10
de atuação mundial. Já as unidades produtivas de menor capacidade podem
contar com fornecedores locais.

Embalagens
O suprimento para embalagens envolve garrafas de vidro, rótulos, rolhas
metálicas (“tampinhas” para garrafas) e latas de alumínio. A empresa líder do
setor verticaliza toda sua necessidade de rótulos e rolhas metálicas e parte de
sua necessidade de garrafas. O restante da demanda da indústria cervejeira é
atendido por empresas atuantes no Brasil. Também são fornecidos pelo mer-
cado interno materiais como caixa-cartão, engradados, pallets, filmes plásti-
cos, entre outros.

Cerveja – fabricação
Cervejarias de grande porte
Embora existam variações de aromas e sabores entre as cervejas fabri-
cadas pela grande indústria e aquelas produzidas por microcervejarias, ou
mesmo por cervejeiros artesanais, elas são produzidas seguindo basicamente

10
  Os principais fabricantes são: Krones (Alemanha); KHS (Alemanha); e Sidel (Suíça).
110 o mesmo processo de fabricação. A descrição de um processo genérico pode
ser sintetizada em quatro etapas: mostura; fervura; fermentação; e maturação.
O setor de bebidas no Brasil

Ao ingressar na linha de produção da cervejaria, o malte recebe água, ca-


lor e lúpulo,11 visando à obtenção de uma mistura líquida açucarada chamada
mosto, que é a base para a futura cerveja. O processo de produção do mosto
baseia-se exclusivamente em fenômenos naturais, consistindo basicamente
em um cozimento.
Após seu preparo, o mosto recebe a levedura12 e é colocado em tanques
fermentadores. Nesse período, os açúcares do mosto são transformados em
álcool e gás carbônico. Uma vez concluída a fermentação, a cerveja passa
por um processo de maturação. Nesse período, sutis transformações ocor-
rem para aprimorar o sabor da cerveja. Ao fim dessa etapa, a cerveja está
praticamente concluída, restando apenas um processo de filtragem, que visa
eliminar partículas em suspensão.
O envase pode ser feito em garrafas, latas ou barris. Nessa fase, a cer-
veja é submetida à pasteurização, a fim de garantir esterilidade microbio-
lógica ao produto, o que resulta em maior prazo de validade. Quando não
pasteurizada, a cerveja recebe o nome de chope (ou chopp), e geralmente é
envasada em barris de alumínio.
Em uma unidade de grande escala, o processo produtivo descrito pode
ser concluído em até dez dias. Já em uma microcervejaria, ou na produção
artesanal, em que se buscam características bastante particulares de aroma
e sabor, o tempo de produção pode ultrapassar os vinte dias.

Microcervejarias
Em uma indústria caracterizada pela concentração de mercado, as micro-
cervejarias vêm despontando regionalmente. Estima-se que o Brasil possua
cerca de duzentas microcervejarias. A maior parte delas está localizada nas
regiões Sul e Sudeste, porém a atividade vem se tornando popular nas de-
mais regiões do país.

11
  Lúpulo é a flor de uma planta trepadeira, responsável pelo aroma e amargor característicos da cerveja,
além de atuar como conservante natural. Embora seja um insumo totalmente importado, sua participação
no valor da produção da cerveja é marginal.
12
  Levedura é um fermento natural responsável pela transformação dos açúcares do malte em álcool
e gás carbônico.
As microcervejarias, em sua maioria, prezam pelo cumprimento da Lei 111
Alemã de Pureza,13 com o objetivo de ofertar no mercado uma bebida ela-

Bebidas
borada e de características especiais, sem visar à concorrência em preço
com as marcas das grandes companhias.
O crescimento da renda da população tem sido um fator importante para
a migração dos consumidores para produtos mais caros. Contudo, em vir-
tude do limitado raio de distribuição, esses fabricantes costumam atender
apenas ao município onde estão instalados.

Cervejeiros artesanais
Os cervejeiros artesanais são apreciadores da bebida que exercem a pro-
dução como um hobby. Trata-se de um mercado para os insumos da fabrica-
ção artesanal, e não da bebida em si. Apesar de ainda incipiente no Brasil,
se comparado às experiências vistas nos EUA e na Europa, o comércio de
maltes, leveduras e lúpulos especiais – em sua maioria importados – é uma
atividade que tem apresentado bom ritmo de crescimento no país.

Cerveja – distribuição
O modelo de distribuição usual das grandes cervejarias consiste em
dois canais: centros próprios de distribuição direta e contratos com em-
presas terceirizadas. Através dos centros próprios de distribuição direta, as
companhias atendem a importantes clientes das grandes regiões urbanas.
Já as distribuidoras contratadas buscam os produtos diretamente nas fá-
bricas para realizar outras entregas. O comércio atacadista completa esse
elo da cadeia atuando nos pontos de venda que não são atendidos direta-
mente pelos centros de distribuição ou pelas distribuidoras terceirizadas.

Refrigerante – fornecedores
Matérias-primas
Os refrigerantes são bebidas constituídas basicamente pela mistura de
quatro ingredientes: água; açúcar (ou edulcorantes); extratos concentrados
e gás carbônico. Participam também substâncias coadjuvantes, principal-
mente conservantes, acidulantes e antioxidantes.

13
  A Lei Alemã de Pureza limita em quatro os ingredientes utilizados na fabricação da cerveja: água,
lúpulo, malte (de cevada ou de trigo) e levedura. É proibido o uso de qualquer conservante ou cereal
não maltado.
112 Os extratos concentrados são os responsáveis pelas características
de cor, aroma e sabor dos refrigerantes. Os tipos mais consumidos no
O setor de bebidas no Brasil

Brasil são o tipo cola, o guaraná e o sabor frutas (laranja, limão, uva
etc.). São produzidos em unidades industriais próprias – principalmen-
te a fim de guardar sua fórmula sob segredo industrial – e depois entre-
gues aos fabricantes de refrigerantes. Como visto na seção sobre o perfil
da produção brasileira, os xaropes concentrados apresentam alto valor
agregado. Na classe de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas, res-
ponderam, no período analisado, por 24% do valor da produção e apenas
0,4% do volume.
O açúcar é utilizado para conferir sabor doce e encorpar a bebida. É
totalmente adquirido no mercado interno e possui preço atrelado a cota-
ções internacionais e ao dólar. Nos refrigerantes de baixa caloria, o açúcar
é substituído por edulcorantes, sendo os mais empregados a sacarina e o
ciclamato. Os edulcorantes também são adquiridos no mercado interno.
O dióxido de carbono é um gás industrial de inúmeras aplica-
ções. É um insumo que pode ser comprado de empresas fornecedoras,
ou produzido dentro da própria fábrica de refrigerantes. Injetado nas
bebidas – processo conhecido como carbonatação –, sua função é realçar
o paladar e a aparência do produto. A expansão do gás quando o líquido é
ingerido confere a sensação de refrescância característica dos refrigerantes.

Máquinas e equipamentos
Os bens de capital empregados consistem em tanques, filtros, equipa-
mentos de geração de frio, carbonizadores (máquinas que injetam o gás
carbônico no líquido), esteiras, sopradores de pré-formas de embalagens
PET, entre outros. Tais equipamentos são comuns a outras indústrias, sua
tecnologia é difundida e podem ser adquiridos internamente.
Da mesma forma que na cadeia produtiva da cerveja, no que se refe-
re ao maquinário de envase em linhas de alta velocidade nas grandes fá-
bricas, são poucas as opções de fornecedores, e os principais fabricantes
são estrangeiros. Já as unidades produtivas de menor capacidade podem
contar com fornecedores locais, principalmente para o envase de emba-
lagem PET.
Embalagens 113
Os refrigerantes são envasados em garrafas de vidro, latas de alumínio

Bebidas
e predominantemente em embalagens PET.14 O PET inicia seu processo
em uma fábrica de bebidas em pré-forma, que consiste em um tubo de
pequenas dimensões que é aquecido e soprado dentro de um molde, no
formato da garrafa que receberá a bebida. Em grandes fábricas, o PET
chega em granulado, para ser transformado em pré-forma. As garrafas de
vidro e as latas de alumínio também são adquiridas no mercado nacional,
bem como engradados, pallets e filmes plásticos.

Refrigerante – fabricação
Grandes fabricantes
A produção dos refrigerantes resume-se à mistura de poucos ingre-
dientes, sendo consideravelmente simples se comparada à fabricação das
cervejas. Apesar de os grandes fabricantes e pequenas empresas regio-
nais diferirem substancialmente quanto à escala de produção, o proces-
so de fabricação é basicamente o mesmo, consistindo na diluição dos
extratos concentrados em água carbonatada e adoçada (com açúcar ou
edulcorantes). Também são adicionados antioxidantes, que previnem a
influência negativa do oxigênio na bebida, acidulantes, que realçam o
sabor, e conservantes.
Os grandes fabricantes responderam em 2013 por aproximadamen-
te 78% do market share do mercado de refrigerantes. A maior com-
panhia mundial está presente no Brasil desde 1942. A The Coca-Cola
Company atua no país através do Sistema Coca-Cola Brasil, formado pela
Coca-Cola Brasil em parceria com grupos empresariais independentes,
chamados de fabricantes autorizados. Em regime de franquia, essa estru-
tura deteve em 2013 aproximadamente 60% de market share no mercado
brasileiro de refrigerantes.
A Ambev S.A., por sua vez, possui instalações próprias para a fabri-
cação de suas marcas e também é responsável pela produção e distribui-
ção dos produtos da PepsiCo no Brasil. A companhia adota a estratégia
da verticalização na produção do guaraná utilizado na fabricação de seu

  Como será visto mais à frente, dados do Sicobe mostram que 77% do volume de refrigerante produzido
14

no Brasil é envasado em garrafa PET. 


114 concentrado, contratando também a produção de agricultores independen-
tes da Região Amazônica.
O setor de bebidas no Brasil

Fabricantes regionais
As empresas de menor porte, fabricantes das chamadas “tubaínas”
ou refrigerantes de “marca B”, representaram aproximadamente 22% do
market share de refrigerantes em 2013. De atuação regional, elas atendem
à demanda próxima de suas fábricas, uma vez que não possuem sistemas
de distribuição como os das grandes companhias. A introdução das emba-
lagens PET foi o grande impulso ao crescimento desse tipo de fabricante,
que pôde colocar seus produtos em supermercados, em embalagens de
grande volume.

Refrigerante – distribuição
Refrigerantes e cervejas produzidos pelas grandes companhias são es-
coados através dos mesmos canais: centros próprios de distribuição direta
e via empresas distribuidoras contratadas. Já os refrigerantes “tubaínas”
realizam entregas diretas a pontos de venda próximos às fábricas, especial-
mente supermercados, e contam com os comércios atacadistas para escoar
o restante da produção.

Características do mercado brasileiro


e fatores de competitividade
Concentração
O mercado de bebidas no Brasil apresenta elevada concentração, po-
rém com acirrada rivalidade entre os fabricantes. Essa tendência é dada
em virtude da existência de altas barreiras à entrada de novos com-
petidores, e também pelas características das cadeias produtivas dos
produtos mais importantes, que demandam grandes escalas nas opera-
ções a fim de obter custos competitivos e explorar oportunidades de
economias de escopo.
Conforme ilustra o Gráfico 7, no ano de 2013, quatro companhias res-
ponderam por 98% do volume total de cerveja produzido no Brasil, en-
quanto apenas duas companhias foram responsáveis por 78% do volume
total de refrigerante.
grafico 07
Gráfico 7 | Market share dos produtores brasileiros de cerveja
e refrigerante em 2013, segundo o volume produzido
115

Bebidas
Cerveja Refrigerante
Outras
Heineken 1,6%
8,4% Ambev/Pepsi
18,4%
Brasil Kirin
10,8% Ambev Coca-Cola
67,9% 59,9%

Petrópolis
11,3%
Outros
21,7%

Fonte: Ambev.

A tendência à concentração não é exclusividade do mercado brasileiro.


Essa característica tem avançado em âmbito global no setor, cujas trans-
formações ocorridas nas últimas décadas tiveram nas fusões, aquisições e
licenciamentos de marcas entre diversas companhias de atuação mundial
o principal fator de dinamismo. Foge do escopo deste estudo, no entan-
to, uma narrativa mais detalhada a respeito dos recentes movimentos de
compras, associações e parcerias das principais companhias estrangeiras.
Cabe destaque, contudo, ao caso brasileiro da Ambev. Empresa for-
mada em 1999 pela fusão das rivais companhia Cervejaria Brahma e
companhia Antarctica Paulista e transformada nos anos seguintes na
maior empresa de produção e comercialização de bebidas do mundo,
a AB Inbev, após juntar-se à belga Interbrew e comprar a maior cerve-
jaria americana, a Anheuser-Bush (fabricante, entre outras, da cerveja
Budweiser), em 2008.

O poder das marcas


Dado que a forte competição entre os principais concorrentes se dá
através de atributos subjetivos relacionados às preferências pessoais dos
consumidores e que o poder de fixação de preços acontece via construção
116 de marcas, o setor demanda altos gastos com propaganda, tendo nessa ne-
cessidade uma das grandes barreiras a novos entrantes.
O setor de bebidas no Brasil

Com relação aos investimentos em propaganda, as principais ferra-


mentas utilizadas são as campanhas publicitárias em comerciais de tele-
visão, cinema, rádio, veículos de informação impressa e virtual, além de
patrocínios em atividades esportivas, sociais e culturais. Segundo as in-
formações apresentadas na Tabela 6, o setor de bebidas brasileiro investiu
R$ 5,864 bilhões em anúncios no ano de 2013. Ressalte-se que, nesse
ano, o setor de bebidas ocupou a oitava posição do ranking setorial de
investimentos em publicidade no Brasil, enquanto a Ambev se posicionou
no quarto lugar no ranking empresarial, atrás de Unilever Brasil, Casas
Bahia e Genomma.
Tabela 6 | Investimentos em publicidade das empresas do
setor de bebidas – Brasil, 2011-2013 (em R$ bilhões)

Ano Setor de Cerveja refrigerante Demais


bebidas bebidas
2013 5,864 2,744 1,475 1,645
2012 5,278 2,709 1,314 1,255
2011 4,803 2,385 1,239 1,180
Fonte: Ibope.

Distribuição
Outra grande barreira à entrada de novos competidores no setor de
bebidas é a distribuição. Nesse elo da cadeia, a competição entre as
companhias é agressiva, e não raro ela chega a ser motivo de dispu-
tas judiciais, quando acordos de distribuição são caracterizados como
concorrência desleal.
A eficiência logística dos fabricantes nacionais, que vencem o desa-
fio de levar suas bebidas a milhares de pontos de vendas espalhados pelo
Brasil, é talvez a principal barreira à entrada de companhias internacio-
nais. Fusões, aquisições e parcerias acabam sendo a melhor estratégia para
empresas estrangeiras ingressarem no mercado interno, que conta com
algo em torno de 1,2 milhão de pontos de venda.
Grandes centros de distribuição próprios e acordos com várias reven-
das terceirizadas são o modelo usual entre os maiores fabricantes de be-
bidas. Além disso, a atuação de equipes de vendas providas de sistemas 117
on-line de registro de pedidos é crucial para a distribuição alcançar agili-

Bebidas
dade na entrega a custos competitivos. Algumas companhias adotam prá-
ticas de compartilhamento de caminhões com outras empresas, inclusive
de fora do setor de bebidas. Os exemplos mais comuns incluem parcerias
com fabricantes de alimentos e outros produtos comercializados nos mes-
mos pontos de venda.
Construção de pavilhões para estocagem, aquisição de frota de cami-
nhões e equipamentos de movimentação de carga são os itens de maior
participação nos investimentos das empresas que firmam contratos de dis-
tribuição com os fabricantes.

Embalagens
As estratégias de concorrência de mercado entre as principais compa-
nhias incluem as embalagens nas quais os produtos são envasados. O design
de recipientes é uma importante ferramenta para os fabricantes atingirem
diferentes classes de consumidores, seja em razão do apelo visual atribuído
ao produto, seja atendendo a preferências e hábitos de consumo. Além dis-
so, o uso de determinados tamanhos, materiais e formatos é um facilitador
para a distribuição.
Com base nos dados fornecidos pelo Sicobe, da Receita Federal, expres-
sos na Tabela 7, os tipos de embalagens utilizados para envase de cervejas
e refrigerantes ficaram assim distribuídos:
Tabela 7 | Tipos de embalagens utilizados para o envase de
cervejas e refrigerantes (em %), por região brasileira

Cervejas (2010-2014)
Brasil Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul
Oeste
Lata 39 34 30 48 41 43

Vidro 58 66 69 52 55 52
retornável
Vidro 3 1 2 0 4 4
descartável
e outros

(Continua)
118 (Continuação)
Refrigerantes (2010-2014)
O setor de bebidas no Brasil

Brasil Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul


Oeste
Lata 16 13 16 15 17 13
PET 77 77 75 77 77 81
Vidro e 7 10 9 8 7 6
outros
Fonte: Sicobe – Receita Federal.
Nota: Percentuais médios com base nos volumes produzidos no período 2010-2014. Cabe frisar
que a tabela informa os tipos de embalagens empregadas nas fábricas. Sendo assim, os percentuais
não refletem, necessariamente, a distribuição nos pontos de venda das regiões do país.

Conforme mostra a Tabela 7, os refrigerantes são envasados predo-


minantemente (77%) em embalagens PET. A possibilidade de utilização
desse material abriu grandes possibilidades para as empresas regionais, fa-
bricantes das chamadas “tubaínas”, ou refrigerantes de “marca B”. Como
exposto anteriormente, o market share de refrigerantes em 2013 teve uma
fatia de 21,7% para “outras marcas”, enquanto para a cerveja essa parcela
foi inferior a 2%.
Essas empresas concorrem basicamente em preço e exploram a deman-
da local perto de suas fábricas. As vendas de tubaínas são concentradas em
supermercados – em sua maioria em garrafas PET de dois litros –, uma vez
que a colocação de seus produtos em pontos de venda como bares e restau-
rantes exige uma complexa rede de distribuição. Além disso, a utilização
do PET elimina a necessidade de manutenção de grandes estoques de em-
balagens de vidro retornável.
No mercado da cerveja, a garrafa de vidro retornável responde por 58%
do volume. Apesar de demandar maior consumo de água nas fábricas por
conta de sua lavagem, e além de exigir um processo logístico de retorno dos
vasilhames, esse tipo de embalagem torna-se uma opção mais barata para o
consumidor, que paga apenas pelo líquido.
Já as latas de alumínio atendem a hábitos de consumo em que a conve-
niência de transportar e consumir a bebida em pequenas quantidades é im-
portante. As embalagens, de forma geral, são um meio de comunicação dos
fabricantes e são utilizadas para reforçar a marca e manter um relacionamento
com os consumidores. As grandes companhias costumam lançar várias latas
temáticas ao longo do ano, sendo muitas delas apenas de alcance regional.
Renda e demanda 119

Com clima tropical, de temperaturas quentes na maior parte do ano

Bebidas
e na maioria das regiões, o país tem um ambiente ideal para o consumo
de bebidas geladas. O contingente populacional, com aproximadamente
202 milhões de pessoas (em maio de 2014), também se configura em grande
demanda potencial, especialmente por boa parte da população ser jovem.
Tendo em vista essas condições naturais, o crescimento da renda da
população é o principal propulsor das vendas das companhias de bebidas.
Uma vez que os produtos do setor não são itens de primeira necessidade nas
escolhas de consumo das pessoas, o aumento do poder aquisitivo é o fator
que materializa o potencial natural da demanda brasileira.
Com base na relação observada, por meio do Gráfico 8, entre o cresci-
mento do PIB e o crescimento das vendas dos principais produtos do setor
(cervejas e refrigerantes), tem-se uma amostra de como a demanda interna
pode responder de forma elástica ao incremento da renda, ao que se acres-
centam os movimentos redistributivos que, independentemente de variações
na renda total, têm gerado camadas médias de consumo de produtos não
essenciais por meio da migração de famílias das classes de consumo E e D
grafico 08
para as classes C e B.
Gráfico 8 | Crescimento acumulado do PIB e das vendas
de cervejas e refrigerantes – Brasil, 2005-2011

170

160 158

150 149

140

130 128

120

110

100
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Refrigerantes Cervejas PIB

Fontes: IBGE – PIA-Produto; IBGE – Contas Nacionais.


120 Oportunidades
Pode-se creditar às recentes transformações socioeconômicas verificadas
O setor de bebidas no Brasil

no Brasil, sobretudo o crescimento com distribuição de renda e a emergên-


cia da chamada nova classe média, parte significativa do bom desempenho
apresentado pelo setor de bebidas do país. Independentemente da continui-
dade ou não dos fatores que determinaram a ampliação da demanda por
esses produtos, a indústria de bebidas do Brasil poderá incrementar suas
receitas nos próximos anos por meio de canais alternativos. Entre as op-
ções, elencam-se o desenvolvimento de produtos de maior qualidade, com
foco em segmentos específicos de consumidores, e a exploração do turis-
mo associado à produção de bebidas. A presente seção aborda esses temas,
apresentando como exemplos o caso das cervejas especiais, o das cachaças
artesanais e o do enoturismo.

Cervejas especiais
Embora não haja uma definição universalmente aceita do que se conven-
cionou chamar de cervejas especiais, pode-se dizer que estas compreendem
as variedades produzidas a partir de matérias-primas superiores, por meio
de processos produtivos que primam pela qualidade do produto final. Já as
cervejas artesanais, um subconjunto das especiais, são definidas por crité-
rios mais objetivos. Segundo a Brewers Association, as cervejas artesanais
são aquelas produzidas em baixa escala (até 6 milhões de barris por ano),
por produtores independentes (o mestre cervejeiro detém, pelo menos, 75%
do capital da cervejaria) e sob a égide de determinada tradição, que pode
ser entendida como a perpetuação de características singulares do produto.
O consumo dessas cervejas apresenta alta elasticidade-renda, e a pre-
ferência dos consumidores por esses produtos é pautada mais por critérios
de qualidade e de diversidade de ingredientes, aromas e sabores do que
por seu preço em si. Sua demanda também é influenciada pelo desejo de
diferenciação, isto é, pelo status social proporcionado pelo consumo de
rótulos especiais. Inclui-se aí o consumo personalizado, isto é, a demanda
por rótulos desenvolvidos sob encomenda, que atendem a especificações
elaboradas pelos clientes.
A produção e o consumo de cervejas especiais no Brasil vêm crescen-
do a um ritmo acelerado nos últimos anos. Segundo matéria publicada na
Folha de São Paulo,15 no período 2007-2013, as vendas de cervejas espe- 121
ciais fabricadas no país cresceram 131%, enquanto as de cervejas de origem

Bebidas
importada cresceram 184%. O aumento do poder aquisitivo das famílias,
a melhoria da distribuição de renda e a sofisticação do padrão de consu-
mo (que tipicamente acompanha esses processos) são os principais fatores
explicativos desse fenômeno. Apesar disso, em comparação com outros
países, em especial os EUA, onde as cervejas artesanais representaram
7,8% do volume e 14,3% do faturamento do mercado cervejeiro em 2013
(Brewers Association), o mercado brasileiro ainda é pouco expressivo: no
mesmo ano, a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) estima que o vo-
lume produzido de cervejas artesanais no Brasil tenha respondido por me-
nos de 1% do total.
O mercado de cervejas especiais no Brasil é composto pelas artesanais
(nacionais e importadas) e por cervejas de qualidade superior, controladas
por grandes grupos, como a Baden Baden e a Eisenbahn. A produção na-
cional de cervejas especiais é empreendida, principalmente, em microcer-
vejarias e em cervejarias de médio porte. Segundo o Portal Cervesia16 e o
Sindicerv, em 2011 o Brasil contava com cerca de 170 microcervejarias e
trinta cervejarias regionais. A maior parte das empresas do país está loca-
lizada nas regiões Sul e Sudeste (80%), com destaque para os estados de
São Paulo (24%), Rio Grande do Sul (17%) e Santa Catarina (13%). Essas
regiões concentram também a maior parte da produção domiciliar, isto é,
os microprodutores caseiros, que distribuem seus produtos para clubes de
cerveja, ou desenvolvem a atividade como um hobby.
A comercialização das cervejas especiais é realizada principalmente por
meio de lojas especializadas, bares e clubes de cerveja, ou diretamente por
algumas cervejarias. No entanto, a oferta de rótulos em redes de supermer-
cados tem se tornado cada vez mais comum. Ao contrário da grande indús-
tria, cuja diferenciação depende de vultosos investimentos em marketing,
os produtores de cervejas especiais adotam outras estratégias para divulgar
seu portfólio: matérias em revistas especializadas, concursos, feiras regio-
nais, nacionais e internacionais, formação de beers sommeliers e cursos
de cervejeiro. Ressalte-se que as revistas, os concursos e feiras cumprem

15
  Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1400627-cerveja-premium-ganha-
-espaco-ate-em-favelas-brasileiras.shtml>. Acesso em: 9 jun. 2014.
16
 <www.cervesia.com.br>.
122 não só a função de divulgar e difundir rótulos, mas também de estimular
a criação e o aperfeiçoamento de receitas e de influenciar as preferências
O setor de bebidas no Brasil

dos consumidores.
Na atual conjuntura, espera-se que o mercado de cervejas especiais,
bem como sua produção nacional industrial e caseira, continue se expan-
dindo a um ritmo acelerado. De acordo com a Abrabe, a perspectiva do
mercado é de que o market share das cervejas artesanais suba, em até dez
anos, para 2%.

Cachaça artesanal
A bebida alcoólica tipicamente associada ao Brasil, conhecida por di-
versos nomes populares, como cachaça, aguardente, pinga, caninha, bran-
quinha etc., possui dez variedades, segundo a legislação brasileira. A maior
parte delas corresponde a atributos (adição de açúcar e tempo envelheci-
mento) imputados aos dois tipos básicos da bebida: a aguardente de cana e
a cachaça. Segundo a Instrução Normativa 13, de 29 de junho de 2005, do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a primeira é definida
como a bebida com graduação alcoólica de 38% a 54%, a 20ºC, obtida do
destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto
fermentado do caldo de cana-de-açúcar. A segunda é a denominação típica e
exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoó-
lica de 38% a 48%, a 20ºC, obtida pela destilação do mosto fermentado do
caldo de cana-de-açúcar, com características sensoriais peculiares, poden-
do ser adicionada de açúcares até 6 g/l. Com vistas a simplificar a análise,
o presente trabalho utilizará a denominação “cachaça” para representar as
supracitadas variedades existentes.
Boa parte da população brasileira tem a visão de que a cachaça é um pro-
duto forte, de qualidade inferior a destilados típicos de outros países, como
o uísque. Essa ideia é diretamente relacionada com a alta percentagem do
consumo da chamada cachaça industrial no país, cujos preços convidativos
e o maior acesso aos canais de distribuição as tornam mais presentes no
comércio varejista do Brasil. Contudo, há outro segmento do mercado de
cachaça, o das bebidas artesanais, que, por contar com produtos de alta qua-
lidade e preços inferiores aos produtos premium do mercado internacional,
possui potencial de expansão, tanto no mercado interno como no externo.
A cachaça industrial é produzida em larga escala por meio de equipa- 123
mentos conhecidos por colunas de destilação que, em geral, são fabricados

Bebidas
de aço inoxidável, material que compromete algumas características sen-
soriais do produto final. Já a cachaça artesanal geralmente é produzida em
alambiques de cobre, material dotado de propriedades que resultam em uma
bebida mais fina quanto a sabores e aromas.
Características próprias dos processos de fabricação também influen-
ciam no diferencial de qualidade dos produtos obtidos por métodos indus-
triais e artesanais. Rota (2008) explica que, durante a produção da cachaça
artesanal, a destilação do mosto é empreendida de forma descontínua, per-
mitindo melhor eliminação de compostos secundários. Nesse processo,
a separação das substâncias dotadas de diferentes graus de volatilidade é
realizada em distintas etapas. O volume destilado é separado em três par-
tes: a cabeça, onde estão as substâncias mais voláteis (de pior qualidade),
a cauda, onde estão as substâncias menos voláteis (também de baixa qua-
lidade), e o coração, que é a fração intermediária e mais nobre. Esta última
parte corresponde a aproximadamente 80% do volume total destilado. Já a
produção industrial é empreendida de forma contínua. Esse processo conta
com a vantagem de ser relativamente rápido, porém tem como consequên-
cia uma separação menos apurada da parte nobre da cachaça, acarretando
perda de qualidade.
Em função de economias de escala na produção, o custo médio da cacha-
ça industrial é inferior ao da artesanal, o que implica em uma segmentação
do público-alvo desses produtos. A primeira geralmente é consumida por
pessoas de menor poder aquisitivo, enquanto a segunda é mais demandada
pelo público de renda relativamente elevada, que foca mais a qualidade do
produto que seu preço.
O Brasil possui uma capacidade de produção de cachaça da ordem de
1,4 bilhão de litros anuais, segundo informações da ExpoCachaça.17 A maior
parte dessa capacidade (mais de 80%) destina-se a obter a bebida pelo mé-
todo industrial. O estado de São Paulo destaca-se como o maior produtor
por esse método, enquanto Minas Gerais lidera a produção artesanal.
De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), existem no
país cerca 40 mil produtores de cachaça, dos quais 98% são constituídos de

  Disponível em: <http://www.expocachaca.com.br/bh/numeros-da-cachaca.shtml>. Acesso em:


17

6 jun. 2014.
124 micro e pequenos empresas (MPME). Estima-se que 85% dessas MPME
encontram-se operando de maneira informal. Um dos desafios para tornar
O setor de bebidas no Brasil

a cachaça artesanal um produto competitivo e difundido pelo território na-


cional consiste na regularização desse grande contingente de empresas que,
enquanto mantidas na informalidade, encontram-se sem acesso ao crédito
e aos canais formais de distribuição.
Outro desafio do setor consiste em tornar a cachaça mais conhecida no
mercado externo. Apenas 1% da produção nacional é exportado, valor so-
bremaneira inferior ao de destilados associados a outros países. Segundo o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),18 a
Escócia exporta cerca de 80% de sua produção anual de uísque. Enquanto o
Brasil obtém receitas de pouco mais de US$ 17 milhões com a exportação
da cachaça, o México obtém US$ 300 milhões com a tequila. Para reverter
esse quadro, é necessário tornar o produto desejável por classes superiores de
renda, tanto no mercado interno como no externo. Para tal, é imprescindível
regularizar a produção informal, ampliar os investimentos para divulgação
do produto, valorizando sua brasilidade, além de investir na promoção das
marcas e em design de embalagens.
Destaque-se que o potencial da cachaça como bebida a ser inter-
nacionalizada nos próximos anos vem sendo acompanhado por gran-
des grupos econômicos. O comportamento de grandes multinacionais
de bebidas em solo brasileiro evidencia esse fato, com as aquisições da
Sagatiba (pela Campari, em 2011), da Ypioca (pela Diageo, em 2012) e da
Natique (pela Osborne, em 2013).

O turismo associado à produção e ao consumo de bebidas


A geração de valor pela cadeia produtiva de algumas bebidas não se res-
tringe aos elos industriais, agrícolas e serviços complementares (marketing,
transporte, comércio etc.). A vitivinicultura, por exemplo, é capaz de gerar
um produto marginal, ainda pouco explorado no país, e que poderá ganhar
maior relevância econômica nos próximos anos: o enoturismo – atividade
composta por um mix de serviços de entretenimento, comércio, alojamento
e alimentação, por meio dos quais o turista é posto no centro da experiência
da produção e do consumo de vinhos, com visitas guiadas a cultivos de vi-

18
  Disponível em: <http://www.sebraemercados.com.br/oportunidades-para-a-cachaca-no-mercado-
-interno-e-externo/>. Acesso em: 6 jun. 2014.
deiras, a instalações destinadas à produção e ao armazenamento de vinhos, 125
além de lojas, bares ou restaurantes dedicados à venda, à degustação ou à

Bebidas
harmonização da bebida com pratos especiais.
Além de ampliar as receitas dos produtores, o enoturismo gera exter-
nalidades positivas para a região em que é desenvolvida. O turismo na
Serra Gaúcha, por exemplo, antes concentrado nas cidades de Gramado e
Canela, vem ampliando suas fronteiras, dado o desenvolvimento do eno-
turismo no Vale dos Vinhedos, região que compreende os municípios de
Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Valduga (2012) des-
taca que, a reboque do enoturismo, algumas atividades da região vêm
apresentando crescente dinamismo, sobretudo pequenas firmas como res-
taurantes, queijarias, hotéis etc. Em 2011, a região recebeu 228 mil pes-
soas, um aumento de mais de 60% em relação a 2007, evidenciando o
progresso do setor.
Além dos passeios turísticos, o enoturismo no Brasil conta também com
eventos tradicionalmente realizados em regiões produtoras. Dentre eles,
destacam-se, a Festa Nacional do Vinho, a Festa do Champanha, a Festa da
Vindima e a Festa Nacional da Uva. Esta última corre desde a década de
1930 e em 2013 mais de 600 mil pessoas passaram por ela.
A despeito dos bons resultados já obtidos pelo enoturismo na Região
Sul do Brasil, ainda há espaço para sua ampliação. Em roteiros tradicio-
nais da Europa, sobretudo da França, Espanha, Portugal e Alemanha, o
enoturismo chega a competir com visitações a museus e importantes mo-
numentos históricos. Reconhecendo o potencial do enoturismo no Brasil, o
Ministério do Turismo vem promovendo algumas iniciativas que contem-
plam incentivos ao setor. O projeto Talentos do Brasil Rural busca promo-
ver a comercialização de produtos e serviços da agricultura familiar. Entre
os roteiros que o integram, estão incluídos o Caminhos do Vinho (PR) e o
Vale dos Vinhedos (RS). O projeto Economia da Experiência tem por obje-
tivo fortalecer os pequenos negócios, apoiando os empreendedores locais
agregando valor aos produtos turísticos do país. Nesse projeto, a Região da
Uva e Vinho novamente se faz presente. Por fim, o ministério divulgou um
mapa completo do Brasil, por meio do qual analisa o turismo por unidade
da federação. Nesse estudo, o Vale do São Francisco, na Bahia, é apontado
como nova fronteira para o enoturismo do país.
126 O apoio do BNDES
Os financiamentos do BNDES para o setor de bebidas tiveram um
O setor de bebidas no Brasil

grande crescimento em anos recentes, em especial no período entre 2004 a


2012, no qual os desembolsos avançaram a uma taxa média de 37% a.a. O
Gráfico 9 mostra os recursos totais liberados anualmente, destacando a desti-
nação dos financiamentos segundo as classes de produtos. A Tabela 8 indica
a participação, triênio a triênio, de cada classe de bebidas nos desembolsos
do BNDES para o setor.
grafico 09
Gráfico 9 | Desembolsos do BNDES para o setor de
bebidas – Brasil, 2000-2013 (em R$ milhões)

1.600

1.400

1.200

1.000

800

600

400

200

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Malte, cervejas e chope Refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas


Vinhos Aguardente e outras bebidas destiladas Águas envasadas

Fonte: BNDES.

Tabela 8 | Participação nos desembolsos do BNDES para o setor de bebidas (em %)

Classes do setor Participação


de bebidas 2005-2007 2008-2010 2011-2013
Malte, cervejas 74,2 65,0 68,1
e chope
Refrigerantes e 17,8 27,4 19,2
outras bebidas
não alcoólicas
Vinhos 3,6 3,2 5,3
(Continua)

BS40-book 126 20/10/14 20:50


(Continuação) 127
Classes do setor Participação

Bebidas
de bebidas 2005-2007 2008-2010 2011-2013
Aguardentes e 3,0 2,7 3,2
outras bebidas
destiladas
Águas envasadas 1,5 1,7 4,1
Fontes: BNDES; IBGE – PIA-Produto.

Observa-se que a liderança da cerveja nos financiamentos se dá em pro-


porção bastante superior a sua participação relativa na produção do setor
de bebidas. O fato é reflexo da maior complexidade de sua produção em
comparação aos processos produtivos das outras bebidas.
Por fim, nota-se em geral que as classes demandaram financiamentos
cada vez maiores nos triênios referidos na tabela. No entanto, o último triê-
nio indica um crescimento na participação dos desembolsos para as classes
de águas envasadas e vinhos. Esse fato aponta para um provável aumento
de importância relativa desses segmentos nos próximos anos.

Considerações finais
Os números apresentados no presente trabalho evidenciam a importância
da produção de bebidas para a economia brasileira. Com importante contri-
buição para o valor adicionado da indústria de transformação, o volume de
produção coloca o Brasil na terceira posição entre os maiores produtores
e consumidores de cervejas e refrigerantes no mundo. O setor é relevante
também em função do número de pessoas que emprega, bem como pela
distribuição regional de suas plantas produtivas, que favorece a criação de
postos de trabalho por todo o território nacional.
O setor destaca-se ainda como um notório exemplo de uma indústria
tradicional que soube aproveitar bem as oportunidades geradas pelo cres-
cimento econômico brasileiro nos últimos anos e pela emergência de uma
nova classe de consumo no país. Reconhecendo o quadro econômico favo-
rável, as empresas do setor investiram em capacidade produtiva, obtiveram
ganhos de produtividade e ampliaram a variedade de produtos ofertados.
Como consequência, as vendas do setor cresceram proporcionalmente mais
do que o PIB do país.
128 Ainda que a conjunção de eventos tão favoráveis a essa indústria não
venha a ocorrer em um futuro próximo, a indústria de bebidas conta ainda
O setor de bebidas no Brasil

com grandes oportunidades de crescimento. Não obstante, as vias a percor-


rer e os desafios a enfrentar são agora menos óbvios. Além da necessidade
de manter os investimentos promotores da produtividade do parque indus-
trial, oportunidades estão abertas no campo da diferenciação de produtos e
no dos serviços voltados à experiência de consumo. Com vistas a ilustrar
essas oportunidades, o presente trabalho elegeu as cervejas especiais, a ca-
chaça artesanal e o enoturismo como possíveis fronteiras de expansão das
receitas do setor.
É interessante destacar que a essência dessas oportunidades está na va-
lorização de atributos intangíveis, como a qualidade dos produtos, a pro-
moção das marcas e o design de embalagens. Nesse sentido, a indústria de
bebidas não se distingue das demais indústrias tradicionais e, caso venha a
ser tão bem-sucedida como o foi no passado recente, poderá, mais uma vez,
tornar-se um exemplo a ser seguido por toda essa classe industrial.

Referências
Abrabe – Associação Brasileira de Bebidas. Categorias. Disponível em:
<http://www.abrabe.org.br/categorias/>. Acesso em: 9 jun. 2014.
Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução
Normativa 13, de 29 de junho de 2005. Dispõe sobre os destilados de
cana. Diário Oficial da União, 30 jun. 2005.
Brewers Association. Brewers Association: craft continues to brew
growth. Press Releases. Boulder, 18 mar. 2013. Disponível em:
<http://www.brewersassociation.org/pages/media/press-releases/
show?title=brewers-association-craft-continues-to-brew-growth>. Acesso
em: 4 jun. 2014.
Casado, L. Potencial da cachaça atrai investimento das múltis. Valor
Econômico, São Paulo, 24 jul. 2013.
Figueiredo, R. Diferenças entre Cachaça Artesanal X Cachaça Industrial.
Mapa da cachaça, 25 mai. 2011. Disponível em: <http://www.
mapadacachaca.com.br/artigos/diferencas-entre-cachaca-artesanal-e-
cachaca-industrial/>. Acesso em: 6 jun. 2014.
Kirkegaard, M. What is “craft beer”. Australian Brews News, 26 jan. 2011. 129
Disponível em: <http://www.brewsnews.com.au/2011/01/what-is-craft-

Bebidas
beer/>. Acesso em: 4 jun. 2014.
Locks, E. B. D.; Tonini, H. Enoturismo: o vinho como produto turístico.
Revista Turismo em Análise, São Paulo, v. 2, n. 16, nov. 2005.
Reinold, R. M. O mercado cervejeiro brasileiro atual: potencial de
crescimento. Cervesia. Disponível em: <http://www.cervesia.com.br/
dados-estatisticos/760-o-mercado-cervejeiro-brasileiro-atual-potencial-
de-crescimento.html>. Acesso em: 6 jun. 2014.
Rota, M. B. Efeito da bidestilação na qualidade sensorial da cachaça.
Dissertação (Mestrado em Ciência de Alimentos) – Universidade
Estadual Paulista, Araraquara, 2008.
Telles, D. Dossiê Cerveja Artesanal. Revista Galileu, Porto Alegre,
n. 270, p. 30-41, jan. 2014.
Valduga, V. O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos.
Revista de Cultura e Turismo, Ilhéus, n. 2, jun. 2012.

Sites consultados
Alambique da Cachaça – <www.alambiquedacachaca.com.br>.
ExpoCachaça – <www.expocachaca.com.br>.
Aeronáutica
BNDES Setorial 40, p. 131-162

Análise econômico-operacional do setor de


transporte aéreo – indicadores básicos

Sérgio Bittencourt Varella Gomes


Paulus Vinicius da Rocha Fonseca*

Resumo
O setor de transporte aéreo apresenta muitas especificidades, notada-
mente quanto aos aspectos econômicos e operacionais das empresas.
Nesse contexto, o presente artigo apresenta os principais indicadores
econômico‑operacionais utilizados no mercado, a fim de situar determina-
da empresa ou grupo de empresas em seu espaço de atuação. Indicadores
como ASK, RPK, load factor, RASK, CASK, utilização diária da frota,
etapa média, peso da conta de combustível, entre outros, são muito utili-
zados no mercado. Valores típicos desses indicadores, tanto para empre-
sas como agregados para países como o Brasil e os Estados Unidos da
América (EUA), são exibidos e comentados. Isso permite obter-se um
quadro inicial mais completo que serve de base para a subsequente análise
econômico-financeira, pilar para a concessão (ou não) do crédito bancário.
Na conclusão, o artigo aponta que o RASK e o CASK são os dois indica-
dores mais importantes de todos e mostra o porquê disso.

Respectivamente, gerente do Departamento de Comércio Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do


* 

BNDES e PhD em Dinâmica de Voo (Cranfield University, Inglaterra); e contador do Departamento de


Comércio Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES, com MBA em Controladoria e Finanças
pela Universidade Candido Mendes (Ucam).
132 Introdução
O setor de transporte aéreo comercial de passageiros ocupa, na era
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

contemporânea, um lugar de destaque na mídia em geral. Com um


fatura­m ento global agregado previsto de US$ 746 bilhões em 2014
[Rostás (2014)], o setor constitui apenas 1% do Produto Interno Bruto
(PIB) mundial. O destaque dado na mídia, porém, apenas reflete o interes-
se do grande público, o qual se considera, na atualidade, legítimo usuário
real ou potencial desse modal.
Tal quadro resulta de dois fatores essenciais. O primeiro pode ser des-
crito como a massificação desse meio de transporte, ocorrida em escala
global ao longo das últimas décadas. Isso se deveu essencialmente à queda
no valor real das tarifas e ao paulatino crescimento da renda média nos paí-
ses emergentes. O segundo fator tem a ver com a mudança estrutural dos
canais de distribuição do setor: hoje, a predominância é claramente detida
pela internet, com a redução de custos daí decorrente. Isso é válido tanto
para o caso do usuário que faz uso de seu computador pessoal (ou mesmo
de seu tablet ou telefone celular), como para quando a aquisição do bilhete
e/ou a escolha de itinerários ainda se dê por meio de agentes de viagem.
Por outro lado, para além do público viajante em geral, o transporte aé-
reo também desperta o interesse de todos os agentes envolvidos com sua
operação cotidiana, sua regulamentação, sua infraestrutura, seus investimen-
tos, o fornecimento de seus insumos (incluindo a indústria aeronáutica) etc.,
ou seja, os chamados stakeholders do setor. Para todo esse vasto público,
a necessidade de um conhecimento técnico básico do setor é fundamental,
pois só assim tais agentes poderão otimizar seu posicionamento no ambiente
geral hoje existente.
No caso do BNDES, de sua Área de Exportação (AEX) é exigido um
conhecimento técnico aprofundado sobre a indústria do transporte aé-
reo em geral. Isso para respaldar as análises de crédito para as empre-
sas aéreas que adquirem aeronaves fabricadas no país – notadamente as
da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer) – e daqui expor-
tadas. Além disso, diversas consultorias e agentes do sistema financeiro
nacional já cobrem o setor de transporte aéreo, dado que, das principais
empresas do país, duas têm ações listadas em bolsa de valores e uma ter-
ceira deverá realizar oportunamente sua Oferta Primária de Ações (OPA)
(em inglês, Initial Public Offer – IPO).
A proposta do presente artigo é atender a essa necessidade de conhe- 133
cimento técnico básico por meio da apresentação e explanação dos prin-

Aeronáutica
cipais indicadores de desempenho econômico-operacional das empresas de
transporte aéreo e, assim, permitir que a análise, feita por meio desses in-
dicadores, leve rapidamente à composição do quadro econômico-operacio-
nal associado a qualquer empresa aérea – ou mesmo ao setor –, seja em
sua expressão por país, por região do mundo ou mesmo de forma global.
É importante destacar que, no setor de transporte aéreo, a análise de de-
sempenho econômico-operacional, assunto deste artigo, forçosamente prece-
de a análise baseada em indicadores financeiros, ou seja, aquela com fulcro
nas demonstrações financeiras consolidadas. Isso porque essa última análise
é vista como o desdobramento final da primeira e só poderá ser entendida,
em sua plenitude, de forma conjunta com aquela. Tal particularidade do se-
tor de transporte aéreo deve-se a sua natureza essencial e às especificidades
a ela associadas.
Tanto isso é verdade, que boa parte dos indicadores que serão aqui
apresentados integra uma convenção, assinada pela maior parte dos países,
inclusive pelo Brasil. Conhecida como a Convenção de Chicago de 1944,
esta foi, na verdade, a ocasião que fundou a Organização da Aviação Civil
Internacional (ICAO, na sigla em inglês) – órgão vinculado à Organização
das Nações Unidas (ONU), com sede em Montreal, no Canadá. Por com-
promisso entre os estados-membros que integram a ICAO, a autoridade
aeronáutica de cada país fornece, anualmente, ao banco de dados daquela
organização os valores dos principais indicadores econômico-operacionais
que são o objeto deste artigo, apurados por empresa aérea e também de
forma agregada para o país.
Isso faz com que o transporte aéreo seja um dos ramos da atividade
econômica mundial com mais disponibilidade de dados acerca de seu de-
sempenho ao longo do tempo. Complementando a proposta mencionada an-
teriormente, popularizar as análises que se tornam possíveis por meio de
indicadores econômico-operacionais é, assim, o outro objetivo do presente
artigo. Além disso, serão apresentadas comparações entre valores de indi-
cadores de empresas americanas e brasileiras, elaboradas com base em da-
dos publicados pela ICAO, demonstrativos financeiros de empresas aéreas
e dados extraídos do banco de dados The Airline Analyst.
134 O artigo encontra-se dividido em quatro seções, com esta introdução.
Na segunda, são apresentados os conceitos dos indicadores de tráfego, eco-
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

nômicos (estes com a análise do caso JetBlue para exemplificar), de frota,


de pessoal, singulares e indicadores para validação de análises comparativas.
A terceira seção traz algumas inferências sobre o uso dos indicadores,
seguida da última parte, que traz as conclusões do artigo.

Indicadores econômicos e operacionais de empresas aéreas


Muitos são os indicadores usualmente utilizados para a análise
econômico‑operacional de companhias aéreas. Neste artigo, serão apre-
sentados os conceitos e algumas comparações dos mais utilizados, pas-
sando pelos aspectos mais relevantes da operação de uma empresa aérea.

Indicadores de tráfego
Entende-se por tráfego, em transporte aéreo, a movimentação de pes-
soas, carga aérea, mala postal etc., enfim, tudo aquilo que se desloca pelo
ar, por meio de aeronave comercial, de um local A para outro local B.
Desnecessário dizer que praticamente todo esse tráfego é pagante, porém,
por diversos motivos, as empresas transportam sempre um resíduo de trá-
fego não pagante, boa parte do qual é constituído por seus próprios em-
pregados em deslocamentos entre as bases da empresa. Compreendendo-se
assim que o transporte aéreo envolve tanto pessoas como coisas sendo
deslocadas espacialmente, chega-se à formulação do que constitui oferta –
de serviços de transporte aéreo – e demanda – por viagens aéreas, sinteti-
zadas por meio dos dois indicadores fundamentais do setor: ASK e RPK.

Quadro 1 | Indicadores de transporte de passageiros

Indicador Definição Observação

De Available seat.km (assentos oferecidos Empresas americanas trabalham


oferta: vezes quilômetros): resultado da com o indicador available
ASK multiplicação do número de assentos seat.miles (ASM).
de cada aeronave da empresa pela Multiplicando-se ASM por 1,609,
distância percorrida em cada voo. obtém-se o corres­pondente ASK. É
É, assim, o número de unidades um número cuja ordem de grandeza
produzidas, ao longo do ano, na situa-se na casa dos bilhões para a
modalidade transporte de passageiros. maioria das empresas aéreas.
(Continua)
(Continuação) 135

Indicador Definição Observação

Aeronáutica
De Revenue pax.km (passageiros pagantes Para as americanas, é o RPM
demanda: transportados vezes quilômetros): (converter usando o fator 1,609,
RPK resultado da multiplicação do número como em ASK). É um número
de passageiros pagantes transportados cuja ordem de grandeza situa-se na
pela distância percorrida em cada casa dos bilhões para a maioria das
voo. É, assim, o número de unidades empresas aéreas.
vendidas pela empresa ao longo do
ano na modalidade transporte
de passageiros.
Fonte: Elaboração própria.

O terceiro indicador fundamental surge da necessidade de se saber


quanto da oferta posta no mercado transformou-se, de fato, em demanda
por viagens aéreas.

Quadro 2 | Indicador de aproveitamento da oferta de transporte de passageiros

Indicador Definição Observação

Load factor Load factor (fator de Situa-se normalmente entre 55%


(LF) (%) ocupação, aproveitamento): e 85%, e a média mundial situa-se
é igual a RPK dividido por atualmente na casa dos 80%. Abaixo
ASK, ou seja, é o percentual de 50% dificilmente a empresa será
de vendas sobre a produção. rentável, e acima de 85%-90%, dado que
Como tal, é o indicador esse indicador é uma média, a empresa
básico da eficiência já estará deixando gente no chão ou
de comercialização perdendo passageiros para a concorrência
da empresa. Também (ponto de saturação, spill). Só empresas
conhecido como “charteiras” – de fretamentos turísticos –
aproveitamento. podem (e devem) operar com LF na faixa
de 95%-100%.
Fonte: Elaboração própria.

Pode-se observar, no Gráfico 1, que o mercado brasileiro de transporte


aéreo de passageiros apresentou taxas de crescimento significativas, com
ocupação média das aeronaves subindo de 67,5% em 2007 para 75,5% em
2012. Isso permite concluir que a demanda vem apresentando um cresci-
mento maior que a oferta, resultando em maior aproveitamento nos voos.
Por outro lado, o mercado norte-americano, já maduro, além de ser o maior
do mundo [Fonseca, Gomes e Queiroz (2014)], sofreu uma redução na
demanda entre 2007 e 2012. Isso foi acompanhado de uma redução ain-
da maior na oferta, resultando no aumento do load factor de 80,1% para
136 82,9%, conforme demonstra o Gráfico 2, e refletindo uma busca de maior
aproveitamento e rentabilidade.
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

grafico 01
Gráfico 1 | Evolução da oferta (ASK), da demanda (RPK) e do aproveitamento (LF)
das empresas brasileiras, no período de 2007 a 2012

90
160

85
140

80
120
74,5%
ASK e RPK (bilhões)

72,4% 75

Load factor (%)


100
70,6%
67,3% 70
80 66,8% 65,9%
65
60

60
40

55
20

50
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012

ASK total RPK total Load factor

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

grafico 02
Gráfico 2 | Evolução da oferta (ASK), da demanda (RPK) e do aproveitamento (LF)
das empresas norte-americanas, no período de 2007 a 2012

1.800 90

1.600
82,2% 82,2% 82,9% 85
80,1% 79,8% 80,5%
1.400 80
1.200
ASK e RPK (bilhões)

75
Load factor (%)

1.000
70
800
65
600
60
400

200 55

0 50
2007 2008 2009 2010 2011 2012

ASK total RPK total Load factor

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.


Quadro 3 | Indicadores de transporte de passageiros 137

Aeronáutica
Indicador Definição Observação

Pax Número de passageiros Como regra geral do mercado,


transportados no ano. considera-se que uma nova empresa
Dá uma ideia do porte da aérea (start-up) está consolidada no
empresa, de sua fatia de mercado a partir da marca de
mercado dentro de um país, 1 milhão de pax/ano.
região etc. e entra no cálculo
de outros parâmetros.

Número Número de passageiros que Também apresentado como número de


de pax efetivamente embarcaram embarques realizados, ou emplanement
embarcados – em cada voo da empresa em inglês. Equivale ao número de
emplanements (ou do país, do mundo etc.) bilhetes ou cartões de embarque
ao longo do ano. emitidos. No mercado dos EUA, o
número de emplanements chega a ser
superior, em média, 47% ao de pax
[18th Annual Internacional Aviation
Forecast Summit (2013)].

Fonte: Elaboração própria.

grafico 03
Gráfico 3 | Pax transportados nos mercados domésticos brasileiro e americano no
período de 2007 a 2012

700 647 250


628 640
612 619
594
Evolução do número de pax (%) (2007 = 100%)

600
191% 200
177%
500
Pax transportados (milhões)

150%
150
400
125%
118%
300 100% 95% 97% 98% 100%
92% 100

200

89 50
100 69 82
45 52 57

0 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012

Brasil EUA % Brasil % EUA

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

Enquanto no mercado norte-americano é transportado aproximada-


mente o dobro do número de habitantes do país durante um ano, no
138 Brasil esse índice está próximo de 0,5. Por outro lado, a quantidade de
passageiros (pax) no mercado doméstico norte-americano, em 2012,
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

representou pouco mais de sete vezes o total transportado por aero-


naves no Brasil, proporção esta que estava em 14,5 vezes (Gráfico 3)
em 2007.
Foi, portanto, notório o crescimento do número de passageiros trans-
portados no Brasil, com um aumento de 191% entre 2007 e 2012. Já
no caso dos EUA, em função da crise econômica que afetou a econo-
mia mundial a partir de setembro de 2008, houve uma queda de 8%
no número de passageiros transportados em 2009 em relação a 2007
(Gráfico 3). Somente em 2012, o mercado doméstico norte-americano
voltou a transportar o mesmo volume de 2007.
Por outro lado, como visto, as empresas aéreas também transpor-
tam carga aérea, mala postal etc., que geram receitas significativas. Em
um extremo, têm-se as empresas que possuem aeronaves apenas para
o transporte de passageiros, tais como a Gol, a American Airlines; tais
empresas transportam carga aérea nos porões utilizados essencialmen-
te para o transporte das bagagens, auferindo assim receitas adicionais
na faixa de 10% a 20% da receita total do período, em média. No ou-
tro extremo, têm‑se as empresas exclusivamente cargueiras, tais como
a Federal Express, UPS, com aeronaves assim dedicadas, operando sob
contratos de longo prazo com seus clientes, para o transporte de bens
de alto valor agregado. Na faixa intermediária, estão as empresas que
combinam as duas modalidades anteriores, tais como a Lufthansa e a
Korean Air.
Dessa forma, quando é preciso estudar os desempenhos de empresas
que apresentam graus variados de percentuais de transporte de passa-
geiros e carga, é mais indicado utilizar uma régua comum para as com-
parações. Nesse caso, converte-se cada assento oferecido ou passageiro
transportado em determinado valor de massa. A convenção mais utiliza-
da é a de atribuir-se ao passageiro médio a massa de 75 kg, aos quais se
soma a bagagem média de 20 kg, chegando-se à unidade de oferta ou de-
manda média de 95 kg. Feita essa conversão para a capacidade ofertada
por cada aeronave de passageiros e da demanda que ela veio a transpor-
tar, podem-se agregar as demais cargas transportadas e trabalhar com os
indicadores apresentados no Quadro 4.
grafico 04
Gráfico 4 | Oferta agregada (pax + carga) (ATK), demanda agregada (pax + carga) (RTK) 139
e load factor geral (LF-geral) do mercado americano, no período de 2007 a 2012

Aeronáutica
300 70

68
ATK e RTK (milhões de toneladas-quilômetros)

250
66

64
200 62,4% 62,5%
61,9%
60,8% 61,0% 62
60,4%

LF-geral (%)
150 60

58
100
56

54
50
52

0 50
2007 2008 2009 2010 2011 2012

ATK RTK LF-geral (%)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

Quadro 4 | Indicadores de transporte de cargas e passageiros

Indicador Definição Observação


De oferta: Available ton.km (toneladas Empresas americanas trabalham
ATK oferecidas vezes quilômetro): é o com available ton.miles (ATM).
número de unidades produzidas Converter usando o fator 1,609,
pela empresa, ao longo do ano, de como explicado no Quadro 1. É um
forma geral – em relação à massa número cuja ordem de grandeza
transportável x distância – para situa-se na casa dos bilhões para a
o atendimento da demanda de maioria das empresas aéreas.
passageiros + carga aérea.
De demanda: Revenue ton.km (toneladas voadas Empresas americanas trabalham
RTK vezes quilômetro): é o número de com revenue ton.miles (RTM).
unidades vendidas pela empresa ao Converter usando o fator 1,609.
longo do ano de forma geral – É um número cuja ordem de
relativo à massa transportada x grandeza situa-se na casa dos
distância – incorporando o tráfego bilhões para a maioria das
de passageiros + carga aérea. empresas aéreas.
LF-geral (%) Load factor geral: obtido calculando- Para empresas que não são
se a razão RTK/ATK. Também exclusivamente cargueiras (a maioria),
conhecido como aproveitamento a receita de carga representa, em regra,
total pax & carga. de 15% a 35% da receita operacional
líquida. Assim, quanto maior for
o LF só da carga tanto melhor,
não havendo uma preocupação
quanto a faixas ótimas para esse
parâmetro.
Fonte: Elaboração própria.
140
grafico 05
Gráfico 5 | Oferta agregada (pax + carga) (ATK), demanda agregada (pax + carga) (RTK)
e load factor geral (LF-geral) do mercado brasileiro, no período de 2007 a 2012
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

70
20

18 68
ATK e RTK (milhões de toneladas-quilômetros)

16 66

14 63,2% 63,4% 64

12 62

LF-geral (%)
10 59,0% 60
57,6%
8 58

6 56
53,6% 53,0%
4 54

2 52
0 50
2007 2008 2009 2010 2011 2012

ATK RTK LF-geral (%)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

Indicadores econômicos

Quadro 5 | Indicadores econômicos

Indicador Definição Observação

Yield É a receita unitária, obtida Certas empresas incluem a receita de


dividindo-se a receita da carga transportada ou receitas advindas
venda de passagens pelo RPK de outras fontes, portanto é preciso ter
(nos EUA, a divisão é pelo cuidado. É apresentada em centavos de
RPM). US$/RPK, situando-se na faixa de 15 a
quarenta centavos de US$/RPK.
CASK É o custo unitário, obtido É uma medida da eficiência econômica
(CASM nos dividindo-se o custo da empresa. É apresentado em
EUA) operacional total pelo centavos de US$/ASK. Utilizado
ASK (nos EUA, a divisão em comparação direta com a receita
é pelo ASM). Conhecido unitária e, principalmente, com os
universalmente pela sigla valores das demais empresas que
CASK (ou CASM, nos operam nos mesmos mercados.
EUA).
Custo/ATK Custo unitário, porém com Não é apenas um medidor de eficiência
(Custo/ATM relação ao output total (pax + como o custo/ASK, mas também uma
nos EUA) carga, já convertidos para função do marketing da empresa, na
unidade de massa – tonelada) medida em que o ATK incorpora a
da empresa, ATK. carga aérea, mala postal etc.
(Continua)
(Continuação) 141

Indicador Definição Observação

Aeronáutica
RASK Sigla de revenue per Quando comparado ao custo por
(RASM nos available seat.km ou revenue ASK, dá uma ideia do equilíbrio da
EUA) per available seat.mile. É empresa de acordo com seu output
obtido dividindo-se a Receita real. Valores em centavos de
Operacional Líquida (ROL) US$/ASK.
pelo ASK. Conceitualmente, A diferença entre RASK e CASK dá a
é a receita por unidade margem operacional da empresa, em
produzida (mas não centavos de US$/ASK, ou seja, por
necessariamente vendida). unidade de produção.
PRASK Sigla de pax revenue per É geralmente uma parcela do RASK,
(PRASM nos available seat.km ou pax pois este incluirá receitas auxiliares
EUA) revenue per available seat. (embarque prioritário, despacho de
mile. É obtido dividindo-se a bagagens, marcação de assentos etc.).
receita de venda de passagens A subtração do CASK dá a margem na
aéreas (que é geralmente venda de passagens, em centavos de
inferior à ROL) pelo ASK. US$/ASK.
Break-Even É o ponto de equilíbrio Comparado com o LF, serve para
Load da empresa, abaixo do demonstrar quão longe (ou perto) a
Factor (%), qual ela dará prejuízo com empresa está do prejuízo operacional
ou seja, a venda de passagens. se considerar-se exclusivamente a
BELF É obtido dividindo-se o venda de passagens. Indica também
CASK pelo yield. Também quantos ASK restam para ela
conhecido como ocupação ou preencher até chegar à saturação
aproveitamento de equilíbrio. (aproximadamente 90% de LF).
Fonte: Elaboração própria.

Os principais indicadores utilizados na análise de desempenho econô-


mico de empresas aéreas permitem que rapidamente se forme um juízo de
valor sobre a gestão da empresa em seu ambiente de mercado. Por isso, são
muito utilizados como ponto de partida de qualquer análise, muito antes, na
verdade, do que a análise de balanço patrimonial e de demonstrações finan-
ceiras em geral, mesmo por analistas do mercado financeiro. Os principais
são os indicados no Quadro 5.
À primeira vista, pode parecer um pouco excessiva a quantidade de
indicadores econômicos. Na verdade, a relação apresentada reflete muito
mais uma evolução histórica do setor do que propriamente a necessidade
de se contar com muitos indicadores. Originalmente, nas primeiras décadas
após a Segunda Guerra Mundial, as análises baseadas no yield, no CASK
e no BELF (este sempre em comparação com o LF efetivamente apurado)
eram suficientes para as empresas aéreas e autoridades aeronáuticas. Era o
142 tempo das tarifas estabelecidas pelos governos e em que o preço da passa-
gem englobava tudo o que viesse a fazer parte do voo (refeições, bagagem
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

despachada, marcação de assentos etc.). Portanto, se a empresa lograsse ter


um CASK compatível com o mercado (vide Gráfico 6) e um bom marketing
que propiciasse um yield razoável, o que geraria um BELF relativamente
baixo, o sucesso estaria assegurado. Isso ocorreria mesmo que houvesse,
às vezes, a complementação da Receita Operacional Líquida (ROL) por
meio de subsídio governamental. Era assim em praticamente todo o mundo.
Com a progressiva desregulamentação econômica do transporte aéreo a
partir da década de 1980, quando as tarifas passaram a ser livremente estabe-
lecidas pelas empresas aéreas, os três indicadores mencionados passaram a
ser insuficientes. Em especial, o yield, embora ainda relevante para a empresa
aérea, deixou de ser o principal indicador de receita unitária para os analistas
de mercado em geral. Isso porque no denominador do cálculo do yield tem‑se
RPK, ou seja, são computados apenas aqueles ASK que foram “voados” por
passageiros pagantes. E quanto aos demais ASK, será que há muitos deles ou
poucos deles, já que agora as tarifas foram liberadas?

grafico 06
Gráfico 6 | Comparação da evolução entre os custos unitários
médios (CASK) das empresas aéreas brasileiras e americanas

14

12

10
CASK (centavos de US$)

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Brasil EUA

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

Havia assim a necessidade de ter um indicador que fosse uma espécie de


interseção entre o yield e o load factor, ou seja, o nível de ocupação médio
das aeronaves da empresa. Considerando-se que o CASK já significava o 143
custo de “voar” um assento, vazio ou ocupado, por um quilômetro, criou-se

Aeronáutica
o RASK. Este nada mais representa do que a receita auferida ao se “voar”
um assento, vazio ou ocupado, por um quilômetro. Assim, caso o RASK
supere o CASK, em magnitude de centavos de US$, pode-se inferir rapi-
damente que a empresa apresenta lucratividade operacional, ou seja, uma
constatação fundamental para o início de qualquer análise.
Fica, porém, a pergunta: por que tratar isso no nível unitário de recei-
tas (RASK) e custos (CASK) e não simplesmente no nível agregado to-
tal, como em qualquer outro tipo de negócio ou empresa? A resposta é
que, ao se descer ao nível unitário de RASK e CASK, está‑se apurando
o que ocorreu, respectivamente, com as receitas e despesas da empresa
vis-à-vis os assentos-quilômetros ofertados (ASK). Estes, por sua vez,
refletem como a empresa operou no mercado em termos da capacidade
de assentos de cada voo, das frequências desses voos (ao longo do ano) e
das distâncias percorridas (os quilômetros) ao longo do ano, isto é, todo
o esforço de transporte realizado. Daí a denominação de indicadores
econômico‑operacionais e que, dessa forma, agregam mais informação do
que as tradicionais rubricas contábeis padronizadas aplicáveis a qualquer
empresa ou tipo de negócio.
A seguir, tem-se o caso da criação do PRASK (vide Gráfico 7), em
complementação ao RASK. Com a proliferação das empresas de baixos
custos e (às vezes) baixas tarifas, conhecidas universalmente pela sigla
LCC (sigla em inglês de low-cost carrier), houve a disseminação nos
últimos dez anos, em todo o mundo, da chamada fragmentação tarifária,
conhecida universalmente pela expressão fare unbundling. Tendo como
objetivo oferecer tarifas cada vez mais baixas e atraentes, as empresas
LCC – e agora, cada vez mais, aquelas que não seguem esse modelo de
negócios – passaram a cobrar, separada e opcionalmente para o passagei-
ro por itens originalmente inclusos no preço de qualquer passagem aé-
rea: refeições a bordo, bebidas de todos os tipos, despacho de bagagens,
marcação de assentos, embarque preferencial etc. Esse tipo de receita
recebeu a denominação de receitas auxiliares, e o usuário do transporte
aéreo passou assim a ter, diante de si, um verdadeiro cardápio de ser-
viços tarifados independente. Com isso, os analistas do setor sentiram
dificuldades em rastrear o verdadeiro comportamento das tarifas aéreas
144 stricto sensu e o que elas representavam no agregado de receitas
da empresa.
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

grafico 07
Gráfico 7 | Comparação da evolução entre as receitas médias auferidas
exclusivamente nas vendas de passagens (sem receitas auxiliares), por unidade
ofertada (PRASK), das empresas aéreas brasileiras e americanas

10

8
PRASK (centavos de US$)

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Brasil EUA

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

O PRASK veio a preencher essa lacuna, uma vez que, em seu nume-
rador, entra o valor apurado essencialmente com a venda do transpor-
te stricto sensu do usuário, o qual reflete, de fato, o core business da
empresa (a título exemplificativo tem-se o comportamento do PRASK
dos mercados norte‑americano e brasileiro no Gráfico 7). Nesse novo
ambiente, auferir receitas auxiliares crescentes tornou-se meta a ser
perseguida por praticamente todas as empresas. Em algumas LCCs,
tais como a Ryanair, tal rubrica já representa aproximadamente 25% da
ROL, mas, nas empresas tradicionais, conforme se depreende de suas
demonstrações financeiras publicadas, a média ainda está na faixa de
10% a 20% da ROL.
Por fim, tem-se o caso do BELF. Em vista do fato de que, em sua for-
mulação original, o cálculo baseia-se no yield, uma apuração descuidada
desse indicador no ambiente atual de fragmentação tarifária, conforme
visto anteriormente, pode resultar em um valor irrealisticamente alto (vide
Gráfico 8). Se for esse o caso, tal impropriedade pode ser corrigida acres-
centando‑se, ao denominador da fração do BELF (ou seja, ao yield), as 145
receitas auxiliares (divididas pelo RPK), fazendo-se as devidas ressalvas

Aeronáutica
quanto a esse ajuste. Ter-se-á assim um BELF-integral que poderá ser então
corretamente cotejado com o valor de load factor efetivamente registrado
nas operações da empresa aérea.

O caso JetBlue
Para exemplificar o uso de indicadores no contexto empresarial,
apresenta-se o caso da JetBlue, empresa de baixo custo que atua majori-
tariamente no mercado doméstico americano [Fonseca, Gomes e Queiroz
(2014)] – vide gráficos 8 e 9 a seguir. Os números apresentados referem-se à

grafico 08
totalidade da operação da empresa nos mercados doméstico e internacional.

Gráfico 8 | Evolução dos principais indicadores de tráfego da JetBlue: ASK, RPK, LF e BELF

70 95

60 90

50 85

Load factor e BELF (%)


40 80
ASK e RPK
(bilhões)

30 75

20 70

10 65

0 60
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
ASK (milhões) 21.945 30.428 38.138 46.008 51.334 52.199 52.386 55.308 59.906 64.481
RPK (milhões) 18.547 25.310 32.502 37.522 41.411 41.948 41.762 45.501 49.393 54.003
Load factor (%) 84,50 83,20 85,20 81,60 80,70 80,40 79,70 79,80 82,40 83,80
BELF (%) 72,76 78,71 87,03 82,06 81,84 84,22 81,91 82,19 91,05 91,73

Fonte: Elaboração própria, com base nos relatórios anuais divulgados pela empresa JetBlue.

Com início de suas operações em 2000, houve apenas um breve perío-


do de estagnação por conta da crise econômico-financeira deflagrada em
2008. A gestão da JetBlue também foi capaz de manter o aproveitamento
em 80% ou acima, em linha com as melhores práticas do mercado para
empresas que seguem esse modelo de negócios. O Gráfico 8 mostra o
crescimento contínuo tanto da oferta como da demanda de tráfego.
146 O BELF, no início do período analisado, estava 12 pontos percentuais
abaixo do load factor, o que leva à conclusão de que as receitas obtidas
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

com a venda de passagens aéreas eram mais que suficientes para pagar os
custos da operação dos voos. A partir de 2008, essa situação se inverte: o
BELF passa a ser definitivamente superior ao LF, chegando a 11 pontos
percentuais em 2012. Nessa situação, dados os valores de yield pratica-
dos, a empresa passa a não prescindir mais de receitas auxiliares (como
vendas a bordo, cobrança para marcação de assentos, venda de espaço
publicitário, transporte de cargas etc.) para se manter operando com re-
sultado operacional positivo.
Por outro lado, na receita por assento-quilômetro oferecido (RASK),
a empresa (vide Gráfico 9) apresentou crescimento ao longo do período
analisado, porém, os custos cresceram em ritmo maior em 2011-2012. No
entanto, ao se comparar o custo por assento-quilômetro oferecido (CASK)
sem os custos de combustível (CASK ex-fuel), observa-se que os gastos
com combustível foram o principal elemento do aumento de custos. Isso
demonstra que a gestão da empresa conseguiu manter os demais custos
sob controle.
grafico 09
Gráfico 9 | Evolução dos principais indicadores econômico-
operacionais da JetBlue – yield, CASK, CASK ex-fuel e RASK

23

21

19
CASK, RASK e yield

17
(centavos de US$)

15

13

11

7
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
CASK 9,80 9,81 11,23 12,58 13,48 15,88 14,87 15,96 19,47 20,00
CASK ex-fuel 8,06 7,64 7,92 8,35 8,80 9,56 10,19 10,80 10,88 11,25
RASK 11,39 10,76 11,55 13,29 14,34 16,80 16,23 17,51 17,63 18,26
Yield 13,47 12,47 12,90 15,33 16,48 18,86 18,15 19,42 21,38 21,80

Fonte: Elaboração própria, com base nos relatórios anuais divulgados pela empresa JetBlue.
Indicadores de frota 147

Para o grande público, a parte mais visível e tangível de uma empresa aérea

Aeronáutica
são suas aeronaves. Por outro lado, do ponto de vista histórico, o dispêndio
com a compra ou aluguel de aeronaves comerciais a jato era o item número
um dos gastos ou investimentos da empresa, algo só alterado nas últimas
décadas, em razão dos dispêndios com querosene de aviação. Dessa forma,
os indicadores relativos à frota da empresa têm importância fundamental
para o analista determinar se esses ativos estão sendo bem selecionados e
utilizados. Os principais são os seguintes:

Quadro 6 | Indicadores de frota

Indicador Definição Observação

Idade da frota É a média de idade Até 5-7 anos de idade, a frota é


de todas as aeronaves considerada jovem e atual. Entre 8 e 10
da frota da empresa. anos, é a faixa do razoável. A partir de
Reflete a atualização 12 a 15 anos de idade, considera-se que a
(ou não) do principal empresa – se for de primeira linha – deve
ativo da empresa. estar com problemas.
Utilização É o número médio de Block hour utilization, em inglês;
média diária horas de utilização de situa-se entre 5h/dia (desempenho ruim,
da frota cada tipo de aeronave da dificilmente a aeronave vai se pagar assim)
frota (ex.: B737, ERJ-145, a 10h-12h/dia, este último caso sendo
B767, A320 etc.). geralmente o de empresas de baixos custos.
No caso das aeronaves do transporte aéreo
internacional de longo curso, pode chegar a
15h-18h/dia. Essa avaliação deverá ser feita
em conjunto com yield, RASK e CASK.
Horas voadas Total acumulado pela
frota no ano.
Km voados Total acumulado pela
frota no ano.
Custo/hora de Custo unitário de Custo unitário de produção da frota aérea.
voo produção da frota aérea.
Fonte: Elaboração própria.

O último indicador (custo/hora de voo) é muito utilizado internamente


pela empresa aérea na avaliação e seleção de aeronaves em seu processo
de planejamento de frota. A monitoração desse custo para cada um dos ti-
pos da frota atual da empresa, vis-à-vis as projeções e estimativas feitas
para as aeronaves no estado da arte sendo desenvolvidas e entregues pelos
148 fabricantes aeronáuticos, constitui prática fundamental para manter a com-
petitividade da empresa.
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

A idade média da frota também é um indicativo relevante para a


análise de uma empresa aérea, pois aeronaves mais antigas têm custos
de operação, principalmente de consumo de combustível, e de manu-
tenção mais elevados, além de não serem muitas vezes mais adequa-
das ao mercado atual da empresa. Para exemplificar, o Gráfico 10
traz a idade média da frota de aeronaves de algumas empresas aére-
as norte-americanas em 2011, com dados extraídos do banco de dados
The Airline Analyst.

grafico 10
Gráfico 10 | Idade média da frota de aeronaves de algumas empresas aéreas
norte-americanas em 2011

18

16

14
Idade média da frota (anos)

12

10

0
American

Jet Blue

Airtran

Republic

Alaska

Continental

Delta

Hawaiian
Spirit

Southwest

Skywest

Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.

Por outro lado, o indicador utilização média diária tem uma importân-
cia autoexplicável: avião só gera receita para a empresa se voar o máxi-
mo possível (naturalmente, com elevados load factor e yield), dadas as
limitações da infraestrutura aeronáutica (capacidade dos aeroportos e dos
sistemas de navegação e controle do tráfego aéreo) e meteorológicas, além
dos requisitos técnicos de manutenção e operação da própria aeronave
(vide Gráfico 11). A manutenção de aeronave(s) de reserva, para os casos
imprevistos, é medida essencial para assegurar o cumprimento da malha
(rede de rotas) diária da empresa, extraindo-se a máxima utilização média 149
diária de cada aeronave. Ou seja, planeja-se a máxima utilização média

Aeronáutica
diária, ao mesmo tempo em que, em caso de imprevistos, a(s) aeronave(s)
de reserva estará(ão) lá para garantir o cumprimento diário da malha de
rotas da empresa.

grafico 11
Gráfico 11 | Média diária de horas voadas por empresas norte-americanas
em 2011

14

12
Média de horas voadas diariamente

10

0
American

Hawaiian
Jet Blue

Airtran

Republic

Alaska

United

Continental

Delta

Skywest
Spirit

Southwest
Virgin

Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.

Indicadores de pessoal

Quadro 7 | Indicadores de pessoal

Indicador Definição Observação


Peso dos recursos Percentual da A faixa de 20%-30% é a normal
humanos folha salarial (com para empresas bem administradas.
encargos) sobre a Nos EUA, 35% é um percentual
Receita Bruta. É normal para as empresas tradicionais
relevante porque a (American, United etc.).
atividade de transporte
aéreo é bastante
intensiva em mão de
obra.
(Continua)
150 (Continuação)

Indicador Definição Observação


Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

Número de empregados Obtido dividindo-se o Os paradigmas situam-se em torno


por aeronave total de empregados de 150 (American Airlines, United
pelo total de etc.) para as americanas, 200 para
aeronaves na frota da as europeias e brasileiras e 250-300
empresa. Representa para as asiáticas tradicionais. Muito
um indicativo de abaixo disso (aproxima­damente
produtividade da 100 ou menos) indica possível
empresa aérea. terceirização de muitas funções em
grau elevado, tais como manutenção,
apoio em solo etc.
Receita por empregado Obtida dividindo-se a Reflete a produtividade média
Receita Operacional de cada empregado em termos
Líquida pelo número financeiros, considerada adequada
de empregados (staff) a partir de US$ 200K/empregado
da empresa. (Gráfico 12).
ASK/empregado Obtido dividindo- Reflete a produtividade média
se o valor de ASK de cada funcionário em termos
pelo número de físicos.
funcionários da
empresa.
RPK/empregado Obtido dividindo- Reflete a produção vendida por
se o valor de RPK cada funcionário em termos
pelo número de físicos.
funcionários da
empresa.
ATK/empregado Ambos refletem a Às vezes a empresa pode ser
produtividade da mão “inchada” em funcionários,
ATK/custo dos de obra na empresa, porém, tem um nível baixo
empregados mas o segundo índice de salários. Por isso, a análise
a quantifica em dos dois índices em conjunto é
unidades monetárias. fundamental.
Fonte: Elaboração própria.

Como atividade econômica, o transporte aéreo não prescinde do uso


intensivo de recursos humanos. Isso ocorre apesar de todos os avanços
da informática e de processos de automação que modificaram processos e
reduziram as necessidades de pessoal de diversos outros setores ao longo
das últimas décadas. Portanto, os indicadores que cobrem esse aspecto das
empresas aéreas têm importância equivalente a todos os demais vistos até
aqui e podem ser sintetizados como:
grafico 12
Gráfico 12 | Receita por empregado em 2011, empresas dos EUA 151
600

Aeronáutica
Receita por empregado em milhares de US$

500

400

300

200

100

0
Us Airways

Shuttle

Frontier

American

American

Jet Blue

Airtran

Republic

Alaska

United

Continental

Delta

Hawaiian

Compasss
Spirit

Southwest

Skywest

ExpressJet
Virgin

Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.

É importante ter em mente que, ao analisar determinada empresa aérea,


o levantamento dos indicadores listados só será plenamente útil caso se dis-
ponha dos valores correspondentes para outras empresas, a fim de permitir
as necessárias comparações. É preciso atentar, porém, para o fato de que
essas comparações devem levar em conta se as empresas no rol levantado
seguem o mesmo modelo de negócios, pois, do contrário, podem não fazer
sentido. Grosso modo, os principais modelos de negócios hoje existentes
são os da empresa “tradicional” (legacy carrier, em inglês); da empresa
regional, que, sob contrato expresso, serve de “alimentadora de tráfego”
(feeder) da “tradicional”; da empresa de baixos custos e (quase sempre)
baixas tarifas (LCC); e das empresas de modelo “híbrido”, ou seja, que com-
binam algumas características dos modelos anteriores em graus variados.

Indicadores singulares
Nesta seção, foram agrupados quatro indicadores de grande importân-
cia geral, mas que não se enquadram nas categorias anteriores. Isso porque
servem para avaliar aspectos ligados tanto à gestão da empresa quanto à
qualidade do serviço de transporte prestado. Portanto, sua apuração é rigo-
rosamente necessária para se formar um juízo de valor mais preciso sobre
a empresa aérea analisada.
152 Quadro 8 | Indicadores singulares

Indicador Definição Observação


Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

Peso da conta Percentual dos gastos A faixa normal vai de 25%-45%, com
de combustível com combustível sobre a média em torno de 30%-40% para
as despesas operacionais. as empresas bem administradas (e/ou
É relevante porque a que fazem hedge) e fora de eventuais
atividade de transporte aéreo crises de petróleo.
é extremamente sensível
a variações no preço do
combustível.

Despesas Também chamado de A faixa de 6%-7% das despesas e


administrativas overhead corporativo. custos totais é considerada aceitável.
corporativas Só se consegue obter quando o
Relatório da Administração claramente
especifica as despesas de administração
comercial, administração operacional,
de reparos e manutenção etc., o que
nem sempre ocorre.
Índice de Representa o número de É apurado pela autoridade aeronáutica
pontualidade voos que operaram no do país da empresa. A faixa boa/ótima
(%) horário publicado sobre o situa-se em 95%-100%, mas acima
total de voos realizados pela de 85% é aceitável. Abaixo de 80%, é
empresa no ano (havendo considerada insatisfatória, indicando a
uma tolerância de até 15 existência de problemas sérios na área
minutos no início e até de operações da empresa. No caso
trinta minutos nas escalas de empresas dos EUA e da Europa,
intermediárias e destino baixos índices de pontualidade
final). É um dos mais são aceitáveis apenas na época do
importantes parâmetros para inverno e/ou de furacões, em função
os clientes da empresa e o de neve, gelo, baixa visibilidade ou
mais importante índice de ventos que afetam parte substancial
eficiência operacional. das operações.
Índice de Representa o número É apurado pela autoridade aeronáutica
regularidade de voos efetivamente do país da empresa. Naturalmente,
(%) realizados pela empresa no quanto mais próximo de 100%, melhor
ano sobre o total de voos para a avaliação da empresa. A faixa
previstos e publicados aceitável fica acima de 90%. Abaixo
no Official Airline Guide disso, revela problemas sérios de
(OAG) ou equivalente. organização e operações e/ou práticas
eticamente duvidosas.
Fonte: Elaboração própria.

A chamada conta de combustível traz grande preocupação para todos


os stakeholders do setor de transporte aéreo. Ela representa a principal
despesa que está essencialmente fora do controle da gestão da empresa
(Gráfico 10), a não ser por operações que, por sua própria natureza, são 153
apenas parciais e temporárias, como a contratação de hedge. Normalmente

Aeronáutica
estruturadas sob a forma de derivativos de crédito, as operações de
hedge permitem que a empresa “trave” o preço unitário do combustível
em determinado valor, por determinado prazo e percentual, de sua conta
de combustível. Ocorre que, se no prazo e valores contratados no hedge,
a variação do preço do combustível for na direção oposta à esperada pela
empresa aérea, esta terá de compensar financeiramente sua contraparte
no contrato, na exata medida da variação ocorrida. Contratar hedge não
se configura assim, hodiernamente, como um seguro em que, pago de-
terminado valor como prêmio, recebe-se a indenização correspondente
em caso de sinistro. O termo “hodiernamente” foi aqui utilizado porque,
embora até exista a contratação de hedge de preço de combustível sob a
forma de seguro, o preço do prêmio cobrado nos mercados internacio-
nais para esse tipo de cobertura é proibitivo para a maioria das empresas
aéreas, que recorrem, quando podem, essencialmente aos mercados de
derivativos de crédito.
Para as empresas norte-americanas, o peso da conta de combustí-
vel tem se situado entre 30% e 40% em média nos últimos cinco anos,
aumentando assim a exposição das empresas a custos não totalmente
administráveis e pressionando as margens de resultado das empresas
(Gráfico 13). Empresas como a Skywest, ExpressJet e Compass sofrem
menos com o peso da conta de combustível por serem regionais, com
contratos de prestação de serviços com as legacy carriers, que em di-
versos casos preveem que o combustível utilizado será fornecido pela
empresa contratante.
Outro problema que afeta a conta de combustível, possivelmente o
mais importante, é o elevado grau de volatilidade historicamente apre-
sentado pelo preço dessa commodity. Variações de até 50% não são inco-
muns, em prazos de apenas alguns meses, nesse insumo que representa
entre um terço e metade dos custos das empresas aéreas. Isso faz com
que as empresas tenham de manter níveis elevados de liquidez corrente
(caixa e disponibilidades de curto prazo), sendo usuais percentuais de
25% a até 50% da ROL dos 12 meses anteriores. Os problemas de ges-
tão financeira que tal situação acarreta para as empresas aéreas em geral
não devem ser subestimados.
154 grafico 13
Gráfico 13 | Participação da conta de combustível na composição dos custos
operacionais de empresas aéreas atuantes no mercado norte-americano em 2011
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

45
Participação do combustível nos custos da empresa (%)

40

35

30

25

20

15

10

0
Airtran

Jet Blue
Virgin
American

Delta

United

Us Airways

Continental

American

Alaska

Frontier

Republic

Shuttle

Compasss
Spirit

Southwest

Skywest

ExpressJet
Hawaiian

Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.

Por fim, deve-se atentar para problemas de “regularidade” da empre-


sa em aeroportos congestionados. Existe uma prática de ética duvidosa
de certas empresas – levada a cabo em aeroportos de grande demanda,
como o de Congonhas em São Paulo, e cujos horários de pousos e de-
colagens (hotrans, no jargão oficial da autoridade aeronáutica) estão sa-
turados – que consiste em manter um número de hotrans excessivo em
relação a suas necessidades, apenas para evitar que as concorrentes se apo-
derem deles. De forma a reduzir custos, essas empresas frequentemente
cancelam voos que seriam operados em hotrans próximos, concentrando
todo o tráfego de passageiros em apenas um dos voos previstos. Isso faz
com que o índice de regularidade da empresa caia, cabendo à autorida-
de aeronáutica coibir tais práticas danosas à concorrência e ao bem-estar
do consumidor.

Indicadores para a validação de análises comparativas


Existem alguns indicadores cuja determinação não é finalística, ou seja,
não vale por si só, mas servem para utilização em outros indicadores ou
como referência para comparação entre eles. Entre esses, tem-se:
Quadro 9 | Indicadores para validação de análises comparativas 155

Indicador Definição Observação

Aeronáutica
Etapa média É a média aritmética das Do inglês, average stage length. É a
voada (km) distâncias percorridas em medida por excelência utilizada para
ou mapa de cada ligação realizada verificar se as comparações feitas entre
rotas pela empresa aérea ao duas ou mais empresas são razoáveis ou
longo de um ano. não. Na ausência desse dado, usa-se, em
uma primeira aproximação, o mapa de
rotas da empresa.
Tamanho É a média do número de Do inglês, average aircraft capacity.
médio de assentos oferecidos em Como o parâmetro anterior, é utilizado
aeronave cada aeronave da frota da para verificar se as comparações feitas
(TMA) ou empresa aérea. entre duas ou mais empresas são
tipo de frota razoáveis ou não. Na ausência desse
dado, comparam-se as composições da
frota de cada empresa de maneira geral.

Fonte: Elaboração própria.

A etapa média voada tem importância fundamental nas comparações


dos indicadores econômicos (CASK, RASK etc.) entre empresas aéreas.
Empresas com etapas médias relativamente longas, se tudo o mais conti-
nuar constante, terão valores de CASK inferiores àquelas com etapas re-
lativamente mais curtas, uma vez que os valores de ASK do denominador
serão, na média, maiores. Mas isso não significa necessariamente maior
competitividade. Portanto, não se devem realizar comparações diretas, por
exemplo, entre empresas regionais (etapas médias relativamente curtas)
com empresas nacionais (etapas médias intermediárias) ou de longo curso
internacional (etapas médias longas). O mais aconselhável nesses casos é
elaborar um gráfico em que o indicador econômico em questão seja apresen-
tado em função da etapa média, havendo um número suficiente de empresas
para que a curva média possa ser traçada e sirva assim de paradigma geral
de referência para as comparações (vide Gráfico 14). Alternativamente,
podem-se ajustar matematicamente os valores do indicador de interesse
(CASK, RASK etc.) das diversas empresas para uma única etapa média
“comum” e, aí sim, proceder-se à comparação pretendida.
Pelo Gráfico 14, observa-se que o custo operacional unitário (CASK) é
mais alto para empresas regionais (como a American Eagle) e mais baixo
para empresas internacionais de longo curso (como a United) ou de baixos
custos (como a Southwest Airlines).
156
grafico 14
Gráfico 14 | Custo operacional unitário (CASK) em função da etapa média
voada – empresas dos EUA, mercados doméstico e internacional,
excluindo custo de combustível (CASK ex-fuel)
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

7,0

6,5 American Eagle


Frontier
CASK ex-fuel (centavos de US$)

6,0 AMR Corp


US Airways
Delta United
Continental Hold
5,5

Skywest
5,0
Southwest
4,5
Jet Blue
4,0
0 500 1.000 1.500 2.000 2.500

Etapa média voada no ano (km)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.

Algumas inferências
Uma vez que o conjunto de quase trinta indicadores aqui apresentados
tenha sido bem compreendido pelo analista de transporte aéreo, é natu-
ral que se faça a pergunta: como eles podem ser utilizados para se extrair
uma conclusão sobre a real situação econômico-operacional de determi-
nada empresa aérea, ou mesmo sobre o agregado do setor de transporte
aéreo de um país, região ou de todo o planeta? A resposta passa necessa-
riamente pela análise conjunta dos valores dos indicadores, cada um dos
quais revelará um aspecto relevante de um enredo cuja coerência o analista
busca racionalizar.
Ora, para além dos nexos causais existentes entre diversos dos indi-
cadores listados, que são aparentes já a partir da própria definição des-
ses indicadores, existe a experiência acumulada, ao longo das últimas
décadas, pelos analistas de mercado que cobrem, por dever profissional,
o mercado de transporte aéreo. Essa experiência, refletida em livros, ar-
tigos da imprensa financeira especializada, de pesquisas acadêmicas etc.,
permite que se façam algumas inferências que representam, de fato, uma
espécie de consenso básico no setor de transporte aéreo. Entre as mais 157
significativas, podem ser citadas:

Aeronáutica
• Em mercados com total liberdade tarifária (EUA, Brasil, Europa
etc.), as empresas aéreas não têm como elevar imediatamente as
tarifas, por exemplo, em uma crise de petróleo ou, em alguns
casos, em uma simples ameaça de crise. A saída é reduzir a ofer-
ta, ou seja, reduzir o ASK; em um primeiro momento, isso leva
ao aumento do load factor e do RASK; em uma etapa a seguir, ao
aumento no yield.
• No exemplo anterior, é prudente analisar-se o comportamento do
CASK. Este deve subir, refletindo o aumento de custo do combus-
tível, embora tal subida possa hipoteticamente ser amortecida por
uma eventual política de hedge no preço de combustível. Mas o
comportamento do CASK ex-fuel, isto é, com a exclusão da conta
de combustível (fora do controle da empresa), é que revelará se a
gestão da empresa foi a contento ou não.
• Mercados – aqui, na acepção de pares de cidades – em que há
concorrência elevada tendem a apresentar, por parte das empresas
que os servem, load factors elevados (acima de 80%) e yields re-
lativamente baixos; o oposto ocorre em mercados em que há baixa
ou nenhuma concorrência, mas, nesse último caso, a lucratividade
tende a ser maior. Isso pela possibilidade de a empresa operar com
uma aeronave dimensionada exatamente para o tráfego demandado,
o que otimizará custos e receitas.
• Situações na qual a empresa (ou o país, ou a região etc.) deve redu-
zir a oferta – diminuição de ASK – se a queda de ASK for inferior
à queda de RPK (resultando em aumento do load factor), a empresa
“operou” na direção certa; também o fez na situação oposta, ou
seja, se ao aumento de ASK no mercado colheu um aumento supe-
rior de RPK (resultando novamente em aumento do load factor).
• A análise da situação descrita no item anterior não estará comple-
ta se não for analisado o que ocorreu com o yield e o RASK no
mesmo período. Estes têm de se mover essencialmente na direção
positiva, dado que o transporte aéreo é um negócio que apresenta,
historicamente, margens líquidas muito baixas, além de oscila-
158 rem em torno de zero ao longo dos ciclos do capitalismo (vide

grafico 15
gráficos 15 e 16).
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

Gráfico 15 | Evolução do lucro e da margem líquida do agregado


do transporte aéreo mundial consolidado pela ICAO
30 5,5% 6
5,1%

Margem líquida em função da receita total (%)


20 3,5% 4,0% 4
Lucros líquido e operacional (bilhões de US$)

3,1% 3,3%
3,1%
10 1,7% 2,0% 1,7% 1,5% 1,5% 2
1,5% 2,1%
1,6%
0,9%
0 0,4% 0
-0,8% -0,9%
-1,9%
-10 -2
-2,5% -2,5% -2,4%
-20 -4
-3,9%
-4,4%
-30
-5,2% -6

-7,1% -7,1%
-40 -8
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Lucro líquido Lucro operacional Margem líquida

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

grafico 16
Gráfico 16 | Evolução da Receita Operacional Líquida (ROL) e margem operacional
do setor aéreo mundial – agregado dos países participantes da ICAO

500 8

450 5,9% 5,6% 6,2%


5,6% 6
4,9% 5,0% 4,8%
400 4,1%
3,4% 3,4% 3,8% 4,5% 4,0% 3,8% 4
Margem operacional (% da ROL)

350 2,8% 2,2%


1,8% 2
ROL (US$ bilhões)

300 2,0%
0,5% 1,4%
250 0,4% 0
-0,6%
-0,7%
200 -1,0% -1,2% -1,3%
-2,0% -2
150
-4
100
-5,1%
50 -6

0 -8
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012

ROL Margem líquida

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da ICAO.

BS40-book 158 20/10/14 20:51


Conclusão 159

O conjunto de indicadores econômico-operacionais apresentados ao

Aeronáutica
longo do presente artigo foi originalmente concebido para fornecer uma
ferramenta valiosa ao analista. A proposta é que este possa formar um juízo
de valor preliminar sobre uma empresa aérea qualquer, sobre o agregado
das empresas de determinado país, região do mundo ou mesmo sobre o que
ocorre no planeta.
Tal orientação ganha relevância quando se considera que, como negó-
cio, o transporte aéreo parece fugir a alguns paradigmas aplicáveis à maio-
ria dos outros tipos de negócios. De outra forma, como explicar o fato de
que – em um contexto global – empresas aéreas de porte relativamente pe-
queno (Transbrasil), de porte médio a grande (Varig) e megatransportadoras
(American Airlines) operassem anos a fio com patrimônio líquido negativo
até que se tornasse imprescindível sua liquidação ou recuperação judicial?
Como explicar que, durante esses mesmos períodos, tais empresas obti-
veram crédito de seus fornecedores, inclusive para a compra ou aluguel
de aeronaves?
A resposta a tais indagações, segundo o consenso do setor, passa por
dois aspectos fundamentais e, o que é mais intrigante, complementares.
O primeiro refere-se ao fato de que qualquer empresa aérea, a partir de
certo porte, tem um número razoável de stakeholders que, assim a história
demonstra, farão todo o possível para fomentar seu sucesso, ou ao menos a
continuidade de sua operação no mercado. Aqui entram governos em geral,
incluindo-se a legislação,1 fabricantes e empresas de leasing de aeronaves,
agentes do sistema financeiro (capital markets, fusões & aquisições etc.),
consultorias e fornecedores dos mais variados tipos.
O segundo aspecto é a própria natureza do negócio, que faz com que
ele seja percebido, por boa parte dos stakeholders, como essencialmente
constituído por um gigantesco, permanente e maleável fluxo de caixa. Isso
porque, ao mesmo tempo em que a empresa fatura vendas de passagens
24 horas por dia, 365 dias por ano (via website acessível de qualquer do-
micílio do planeta), o pagamento de fornecedores, de pessoal, de credores

1
  Nos EUA (assim como no Brasil), a lei de bankruptcy protection permite que a empresa aérea em
concordata continue operando normalmente, enquanto o conjunto de credores encomenda um plano de
recuperação judicial para ser – dentro de certos prazos estabelecidos pelo juiz – eventualmente aprovado
em uma Corte de Justiça especializada.
160 etc. pode sempre ser “flexibilizado” em função da percepção desse fluxo
contínuo de recebíveis e do interesse na continuidade do negócio por essa
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos

comunidade de stakeholders.
Não é por outro motivo que, para muitos analistas de mercado, os dois
indicadores mais importantes e frequentemente citados são justamente o
RASK e o CASK. No limite, o critério básico (grass roots) para o “atestado
de vida” da empresa aérea passa a ser que a diferença entre eles seja posi-
tiva, que as disponibilidades da empresa sejam elevadas (20% ou mais da
ROL) e que o CASK – ajustado pela etapa média voada – esteja alinhado
com as demais empresas que atuam em seus mercados.
Nesse contexto, o conjunto de indicadores aqui apresentados poderá
fornecer um quadro mais completo para análise, complementando as di-
ligências e demais avaliações e projeções das demonstrações financeiras
auditadas que tanto o BNDES como os demais agentes financeiros do
país já praticam cotidianamente em suas atuações no setor de transporte
aéreo mundial.

Referências
18th Annual International Aviation Forecast Summit, 2013, Baltimore.
Enplanement Forecasts 2014-2022 & Canada-US Trans-border
Forecasts. Baltimore, Maryland, Nov. 3-5, 2013.
Fonseca, P. V. R.; Gomes, S. B. V.; Queiroz, V. S. O mercado do
transporte aéreo dos Estados Unidos e perspectivas para o financiamento
à exportação de jatos comerciais brasileiros. BNDES Setorial, Rio de
Janeiro, n. 39, p. 5-49, mar. 2014.
ICAO – Organização da Aviação Civil Internacional: banco de dados,
contratado pelo BNDES. Disponível em: <https://stats.icao.int>. Acesso
em: jun. 2014.
JetBlue. Relatórios financeiros anuais 2003-2012. Disponível em:
<http://investor.jetblue.com/phoenix.zhtml?c=131045&p=irol-sec>.
Acesso em: mai. 2014.
Rostás, R. Iata corta em 3,8% a projeção de lucro no ano. Valor
Econômico, p. B6, 3. jun. 2014.
The Airline Analyst: banco de dados, contratado pelo BNDES. 161
Disponível em: <www.theairlineanalyst.com>. Acesso em: jun. 2014.

Aeronáutica
Bibliografia
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Ascend: banco de dados, contratado pelo BNDES.
Belobaba, P.; Odoni, A.; Barnhart, C. The global airline industry. Reino
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Doganis, R. The airline business. 2. ed. New York: Routledge, 2006.
______. Flying off course: airline economics and marketing, 4. ed. New
York: Routledge 2010.
Fonseca, P. V. R.; Gomes, S. B. V.; Queiroz, V. S. A aeronave como
garantia do financiamento. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 39,
p. 27-68, jun. 2013.
Gomes, S. B. V. A indústria aeronáutica no Brasil: evolução recente
e perspectivas. BNDES 60 anos: perspectivas setoriais, v. 1, Rio de
Janeiro: BNDES, out. 2012.
Gomes, S. B. V.; Fonseca, P. V. R.; Queiroz, V. S. O financiamento a
arrendadores de aeronaves – modelo do negócio e introdução à análise de
risco do leasing aeronáutico. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 37,
p. 129-171, mar. 2013.
Jenkins, D. Handbook of airline economics. 2. ed. Washington: Aviation
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Vasig, B.; Fleming, K.; Tacker, T. Introduction to air transport
economics: from theory to applications. Ashgate, 2008.
Agroindústria
BNDES Setorial 40, p. 163-204

A experiência do edital Inova Agro:


dificuldades e oportunidades do plano de
fomento conjunto à inovação no agronegócio

Gisele Ferreira Amaral


Diego Duque Guimarães
Felipe Machado Bellizzi*

Resumo
Lançado em maio de 2013 e encerrado em maio de 2014, o Edital de
Seleção Pública Conjunta MCTI/BNDES/Finep de Apoio à Inovação
Tecnológica no Setor do Agronegócio recebeu uma demanda não qualifica-
da de R$ 5,7 bilhões em planos de negócio (PN) de 171 empresas líderes.
Ao fim do edital, foram selecionados 49 PNs, no valor de R$ 2,1 bilhões.
Em razão da abrangência temática do edital, foram envolvidos sete depar-
tamentos do BNDES e sete técnicos do Departamento de Agronegócio e
Alimentos da Finep – Inovação e Pesquisa na análise dos PNs. Este artigo
apresenta o histórico e as estatísticas do edital, contextualiza os temas pas-
síveis de subvenção, analisa os resultados preliminares e descreve algumas
dificuldades e oportunidades percebidas pelas equipes que participaram
desse instrumento de apoio conjunto à inovação.
*
Respectivamente, gerente, economista e engenheiro do Departamento de Agroindústria (DEAGRO) da
Área Agropecuária e de Inclusão Social do BNDES. Os autores agradecem a colaboração da estagiária Júlia
Soihet Martins, dos demais colegas do DEAGRO, de Felipe dos Santos Pereira, André Camargo Cruz e
Letícia Magalhães da Costa, do Departamento de Indústria Química do BNDES, e de André do Nascimento
Moreno Fernandes e Marcelo Luiz Campos Valente, do Departamento de Agronegócio e Alimentos da
Finep, isentando-os de qualquer responsabilidade por incorreções porventura existentes no artigo.
164 Introdução
O artigo está dividido em seis seções, com esta introdução. A próxima seção
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

aborda o histórico e as estatísticas do edital Inova Agro e nela são apresentados


o cronograma, a demanda de recursos em cada etapa e a distribuição regional
e por porte das 49 empresas líderes selecionadas no edital.
Em razão da diversidade de temas envolvidos no edital, a terceira seção
traça uma contextualização dos temas que foram passíveis de subvenção eco-
nômica: (a) no âmbito da genética e melhoramento genético animal e vegetal,
o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (OGM) próprios
e de cultivares não OGMs de soja e milho e o melhoramento genético de pei-
xes; (b) o desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos por meio de
novas fontes (minerais, orgânicas e subprodutos industriais) para fertilizantes,
incluindo produtos, processos e equipamentos para produção; (c) tecnologias
aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com alegação de propriedades
funcionais; (d) tecnologias aplicadas a programas de redução de patógenos
em alimentos; (e) máquinas, equipamentos e implementos agropecuários para
horticultura; e (f) tecnologias e equipamentos para a pecuária de precisão.
A análise dos resultados preliminares dos resultados do edital é exposta
na quarta seção.
A quinta seção apresenta as dificuldades, oportunidades e propostas de
aperfeiçoamento no instrumento de apoio conjunto, com base na experiên-
cia do edital Inova Agro.
E, por fim, na sexta, são feitas as considerações finais.

Histórico e estatísticas do edital Inova Agro


O Inova Agro – plano conjunto BNDES-Finep para apoio à inovação
tecnológica no setor de agronegócio – teve sua origem no Plano Inova
Empresa, lançado em 14 de março de 2013 pelo Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI).
O Plano Inova Empresa busca estender para outras áreas da economia
o modelo desenvolvido por BNDES e Finep, inicialmente, para o Plano
Conjunto BNDES-Finep de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos
Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS), em 2011, e depois repli-
cado no Inova Petro, de 2012.
O Plano Inova Empresa teve como concepção um novo modelo de fo- 165
mento à inovação, no qual se preveem a articulação de programas de di-

Agroindústria
versas instituições públicas e o uso coordenado de seus instrumentos de
apoio (crédito, renda variável e recursos não reembolsáveis), bem como
uma gestão integrada com redução de prazos e simplificação administrativa.
Entre os objetivos do Inova Empresa, estão o fomento e a seleção de PNs
que contemplem atividades de pesquisa, desenvolvimento, engenharia e/ou
absorção tecnológica, produção e comercialização de produtos, processos
e/ou serviços inovadores, e demais ações necessárias para que estes sejam
levados ao mercado de forma competitiva, visando ao desenvolvimento
de empresas e tecnologias brasileiras. Além do PAISS e Inova Petro 1 e 2,
o Inova Empresa compreendia, em junho de 2014, Inova Energia, Inova
Saúde, Inova Aerodefesa, Inova Agro, Inova Sustentabilidade, Inova Telecom
e PAISS Agrícola.
O Inova Agro busca apoiar o desenvolvimento tecnológico nas três etapas
do agronegócio, denominadas no edital de “linhas temáticas”: de insumos
agropecuários, de processamento de alimentos e de máquinas e equipa-
mentos voltados para o agronegócio. Como o apoio ao setor canavieiro foi
contemplado no âmbito do PAISS, esse setor foi excluído explicitamente
das linhas do edital do Inova Agro.
As linhas temáticas e os temas do edital são os seguintes:
• Linha 1: Insumos (exceto cana-de-açúcar)
a) genética e melhoramento genético animal e vegetal;
b) produtos fitossanitários para controle de pragas, doenças e plantas
daninhas, incluindo processos;
c) fertilizantes, incluindo produtos, processos e equipamentos para
produção;
d) medicamentos e vacinas para saúde animal;
e) unidades de demonstração de novas tecnologias e de práticas de
manejo mais eficientes, incluindo fazendas-modelo.
• Linha 2: Processamento (exceto cana-de-açúcar e derivados)
a) tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com
alegação de propriedades funcionais – conforme o item 3.3 da
166 Resolução 18/1999 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), ou resolução que venha revogá-la e substituí-la – e/ou à
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

redução dos teores de gordura e sódio nos alimentos processados;


b) embalagens com novas funcionalidades;
c) aditivos para a indústria alimentícia;
d) tecnologias para controle e mitigação de riscos biológicos e
químicos;
e) produtos e processos da indústria de alimentos.
• Linha 3: Máquinas e equipamentos para o agronegócio (exceto
cana‑de-açúcar e derivados)
a) novas tecnologias voltadas ao armazenamento de produtos
agropecuários e desenvolvimento de tecnologias que permi-
tam redução significativa do custo de transporte da produção
agropecuária;
b) máquinas, equipamentos e implementos agropecuários;
c) máquinas e equipamentos para indústria de processamento de
produtos agropecuários e de alimentos;
d) máquinas e equipamentos para produção de insumos para ativida-
des agropecuárias e aditivos para indústria alimentícia;
e) rastreabilidade (software, hardware e semicondutores);
f) agricultura e pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos;
g) equipamentos para diagnóstico e monitoramento de pragas de
vegetais e doenças de animais.
A definição inicial dos temas nas linhas temáticas foi realizada em con-
junto pelas equipes da Finep e do BNDES. Após essa definição inicial,
foram consultados o MCTI, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio (MDIC) e o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa), que auxiliaram não só na definição dos temas mais relevantes a
serem incluídos nas linhas temáticas, mas, principalmente, na definição dos
subtemas que seriam passíveis de apoio não reembolsável.
O orçamento previsto para o Plano Inova Agro foi de R$ 3 bilhões, a
serem divididos igualmente entre Finep e BNDES. Desse valor, foram alo-
cados para o edital R$ 1 bilhão, podendo o valor ser aumentado até o limite 167
de R$ 3 bilhões.

Agroindústria
Em 9 de abril de 2013, foi aprovado o Acordo de Cooperação Técnica
entre o BNDES e a Finep, visando operacionalizar o edital do Inova Agro
pelas duas instituições, lançado oficialmente em 28 de maio de 2013.
No dia 17 de junho de 2013, foi apresentado pelas equipes do BNDES
e da Finep, no auditório do centro de estudos do BNDES, o edital Inova
Agro para as empresas que solicitaram participar do evento. Na ocasião,
foram respondidas as dúvidas levantadas pelo público presente. Depois
dessa data, foram feitas apresentações pelas equipes também na Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e na Associação Brasileira
da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
Em 15 de agosto de 2013, data-limite para o envio das Cartas de Mani­
festação de Interesse (CMI) por parte das empresas e institutos de ciência e
tecnologia (ICT), foram apresentadas 370 cartas, das quais 171 de empresas
líderes, 112 de empresas parceiras e 87 de ICTs.
Desse total, 132 empresas líderes foram classificadas para a etapa de
workshop, bem como 132 empresas parceiras (incluindo as líderes que fo-
ram reclassificadas) e as 87 ICTs. O Workshop de Instrução e Fomento de
Parcerias, realizado no Centro de Convenções SulAmérica, em 21 de outu-
bro de 2013, foi uma oportunidade para as empresas e ICTs se conhecerem
e conversarem sobre futuras parcerias.
Em 6 de dezembro de 2013, foram apresentados 83 PNs pelas empre-
sas líderes, representando uma demanda consolidada de R$ 2,9 bilhões.
Desses PNs, foram qualificados 71, e as empresas líderes responsáveis
por eles foram convidadas a ir ao BNDES apresentar e defender seus
PNs para as equipes do BNDES e da Finep no período de 13 de janei-
ro de 2014 a 16 de janeiro de 2014. Das 71 empresas convidadas, ape-
nas uma não participou da sabatina. Nos PNs enquadrados nas linhas
com recursos não reembolsáveis, houve participação de especialistas
ad hoc na sabatina.
Com base nos projetos apresentados nos PNs e nas informações pres-
tadas pelos representantes das empresas, foram selecionados 49 PNs para
receberem oferta de apoio da Finep e/ou do BNDES, totalizando uma de-
manda de R$ 2,1 bilhões (Tabela 1).
168 Tabela 1 | Resumo das etapas do Inova Agro: empresas líderes
Edital Estimativa Parceiros Fase do edital (posição 30.5.2014)
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

conjunto de recursos/
lançamento Submissão Seleção das Submissão Seleção de
das Cartas de empresas de planos de planos de
Manifestação líderes negócio negócio
de Interesse

Inova R$ 1 bilhão em BNDES e 171 empresas 132 empresas 83 empresas 49 empresas


Agro mai. 2013 Finep R$ 5,1 bilhões R$ 3,7 bilhões R$ 2,9 bilhões R$ 2,1
bilhões

Fontes: BNDES e Finep.

Esses 49 PNs selecionados envolvem a participação de 49 empresas


líderes, 25 empresas parceiras e 38 ICTs. A distribuição regional dos PNs
selecionados pode ser vista na Tabela 2.

Tabela 2 | Distribuição regional dos PNs selecionados


Regiões Estimativa de apoio (R$ mil) Participantes – número e %

Norte 0 0 (0%)

Nordeste 57.889 4 (8%)

Sudeste 1.538.805 30 (61%)

Sul 428.470 11 (23%)

Centro-Oeste 85.615 4 (8%)

Total 2.110.779 49

Fontes: BNDES e Finep.

A distribuição das empresas líderes, por porte, pode ser vista no Gráfico 1.
O cronograma final do edital do Inova Agro terminou com os prazos
indicados na Tabela 3.
Em 17 de abril de 2014, as 49 empresas líderes receberam e-mail com o
Plano de Suporte Conjunto (PSC) oferecido pelas instituições apoiadoras.
Dos 49 PNs, trinta receberam oferta de apoio do BNDES – crédito e/ou Fundo
Tecnológico (Funtec) –, totalizando R$ 1.145,1 milhões; e 21 receberam
oferta de apoio da Finep via crédito e/ou subvenção econômica, totalizando 169
R$ 965,6 milhões.

Agroindústria
Diante da abrangência dos temas contemplados no edital, optou-se por
discorrer apenas sobre os temas passíveis de apoio com recursos não reembol-
sáveis. A próxima seção apresenta uma breve contextualização desses temas.

Gráfico 1 | Distribuição por porte das empresas líderes

4%
8%
27%

10%

51%

Microempresa Pequena empresa Média empresa Média-grande empresa Grande empresa

Fontes: BNDES e Finep.

Tabela 3 | Cronograma final do edital Inova Agro

Etapa Data-limite

Submissão das Cartas de Manifestação de Interesse 15.8.2013

Resultado de seleção das empresas 17.9.2013

Divulgação do resultado da seleção das empresas após recursos 2.10.2013

Workshop de instrução e fomento a parcerias 21.10.2013

Apresentação dos planos de negócios 6.12.2013

Resultado de seleção dos planos de negócios 18.2.2013

Divulgação do resultado da seleção dos planos de negócios após recursos 18.3.2014

Estruturação dos planos de suporte conjunto A partir de 19.3.2014

Fonte: Edital Inova Agro.


170 Contextualização dos temas passíveis de
apoio com recursos não reembolsáveis
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

Como mencionado na seção anterior, os temas das linhas temáticas


foram definidos, conjuntamente, pelas equipes da Finep e do BNDES e
do MCTI, Mapa e MDIC.
Os temas da Linha Temática 2 foram elaborados com base no
diagnóstico apresentado no artigo “Inovação na indústria de alimen-
tos: importância e dinâmica no complexo agroindustrial brasileiro”
[Sidonio et al. (2013)]. Os temas das Linhas Temáticas 1 e 3, por sua vez,
foram elaborados com base na experiência das equipes envolvidas na aná-
lise de projetos e na participação de eventos do setor.
Para o apoio não reembolsável, através dos instrumentos de subven-
ção econômica da Finep e do Funtec, foram priorizados segmentos de
alguns dos temas escolhidos, levando em consideração não só o maior
risco tecnológico envolvido, mas também o impacto que inovações
nesses segmentos terão na agropecuária e na indústria de alimentos.
Assim, foram indicados os seguintes subtemas, que são contextuali-
zados nesta seção:
• Desenvolvimento de eventos OGMs próprios e de cultivares não
OGMs de soja e milho, na Linha Temática 1, em “(a) genética e
melhoramento genético animal e vegetal”.
• Melhoramento genético de peixes, na Linha Temática 1, em
“(a) genética e melhoramento genético animal e vegetal”.
• Desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos por meio
de novas fontes (minerais, orgânicas e subprodutos industriais),
na Linha Temática 1, em “(c) fertilizantes, incluindo produtos,
processos e equipamentos para produção”.
• Tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com
alegação de propriedades funcionais, na Linha Temática 2, em
“(a) tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com
alegação de propriedades funcionais (conforme o item 3.3 da
Resolução 18/1999 da Anvisa, ou resolução que venha a revogá-la
e substituí-la), e/ou à redução dos teores de gordura e sódio nos
alimentos processados”.
• Tecnologias aplicadas a programas de redução de patógenos em 171
alimentos, na Linha Temática 2, em “(d) tecnologias para controle

Agroindústria
e mitigação de riscos biológicos e químicos”.
• Implementos para horticultura, na Linha Temática 3, em “(b) má-
quinas, equipamentos e implementos agropecuários”.
• Pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos, na Linha
Temática 3, em “(f) agricultura e pecuária de precisão: tecnologias
e equipamentos”.

Genética e melhoramento genético animal


e vegetal, especificamente para:
Desenvolvimento de eventos OGMs próprios e de
cultivares não OGMs de soja e milho
A genética pode ser definida como a ciência que estuda os genes, os
quais são os responsáveis pela transmissão das características biológicas
de geração para geração.
O melhoramento genético, por sua vez, busca aumentar a eficiência
produtiva de animais e vegetais, através da seleção e disseminação das
características de interesse econômico nesses organismos. Entre as carac-
terísticas selecionadas mais comuns, estão a maior produtividade e resis-
tência a pragas e doenças [Borém (2005)]. O responsável por realizar o
melhoramento genético é denominado melhorista.
No melhoramento genético convencional, a transmissão das caracte-
rísticas genéticas desejadas, expressas por genes específicos, é realizada
através de cruzamentos sexuais controlados, dentro da mesma espécie ou,
em alguns casos raros, entre espécies aparentadas, visando ao desenvolvi-
mento de uma raça ou linhagem genética pura superior [Teixeira (2008)].
Os cruzamentos de raças ou linhagens genéticas puras diferentes geram
indivíduos chamados de híbridos, que são, algumas vezes, preferidos por
apresentar características médias superiores a seus genitores. Entretanto,
para que não ocorra a perda parcial ou total dessas qualidades, deve-se
evitar o cruzamento entre os híbridos.
Já no melhoramento não convencional, a transmissão dos genes dese-
jados é realizada diretamente através de técnicas de engenharia genética,
172 podendo envolver também espécies diferentes (transgenia). Apresenta
grandes vantagens em relação ao convencional, ao tornar possível a trans-
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

genia e possibilitar grande segurança e maior rapidez na seleção e disse-


minação de genes pelo melhorista [Borém (2005)].
A soja, o milho e o algodão são as principais culturas agrícolas do
mundo, e, por essa razão, são as culturas com maior uso e disponibilidade
de variedades transgênicas [Teixeira (2008)].
No entanto, por ser relativamente recente, a transgenia ainda gera
desconfianças em relação a sua segurança ambiental e alimentar, sendo
seu plantio e/ou sua comercialização restritos em vários países (prin-
cipalmente, Japão, Coreia e alguns da União Europeia). Embora essas
desconfianças venham se reduzindo ao longo do tempo, esses países
ainda pagam um prêmio ou dão preferência pela soja e pelo milho não
transgênico, por serem destinados, direta ou indiretamente, à alimen-
tação humana.
Mesmo que já bastante usada – e questionada – na agricultura, na pe-
cuária a transgenia ainda se encontra em estágio laboratorial e de testes,
sofrendo questionamentos éticos ainda maiores. É, contudo, bastante usada
em estudos genéticos de animais, visando identificar como determinados
genes se expressam. Esses animais “de teste”, entretanto, não devem ser
comercializados ou usados para consumo humano, pois dependem de au-
torização de entidades governamentais.
Em 2013, foi submetida à agência reguladora norte-americana de
alimentos e medicamentos (Food and Drug Administration – FDA) a
aprovação para a comercialização do salmão do Atlântico transgênico
(AquAdvantage Salmon®), com genes do salmão Chinook do Pacífico e
da enguia. Esse salmão cresce mais e mais rapidamente que o tradicional,
atingindo o peso ideal para abate na metade do tempo [Tonelli, Araújo e
Resende (2013)].
O FDA “[...] já sinalizou positivamente, declarando que ele não repre-
senta ameaça ambiental significativa para os Estados Unidos, desde que
cultivado em tanques fechados. Isto leva a crer que sua liberação para co-
mercialização deva ocorrer em breve” [Tonelli, Araújo e Resende (2013)].
Caso seja liberado, esse salmão “[...] será o primeiro animal genetica-
mente modificado autorizado para consumo humano” [Tonelli, Araújo e
Resende (2013)].
Esse subtema do edital do Inova Agro engloba, na verdade, dois itens: 173

• desenvolvimento de eventos OGMs1 próprios; e

Agroindústria
• desenvolvimento de cultivares não OGMs de soja e milho.
O primeiro subitem busca incentivar o desenvolvimento de OGMs no Brasil
pelas empresas, já que, dos 32 eventos OGMs registrados no país, apenas um
não tem como detentor da tecnologia uma empresa estrangeira2 [Brasil (2014)].
O segundo subitem busca viabilizar alternativas convencionais ao culti-
vo transgênico da soja e do milho, já que ainda há, no mercado internacio-
nal, a percepção de que a versão convencional desses grãos seria preferível
aos similares transgênicos, apesar destes últimos serem mais vantajosos ao
produtor rural.
Em termos de área plantada no Brasil, a produção transgênica já respon-
de por 92% do total na soja, 90% no milho e 47% no algodão, de acordo
com relatório do International Service for the Acquisition of Agri-biotech
Applications (ISAAA), somando 40,3 milhões de hectares plantados
[Escobar (2014)].
Assim, dados a importância das culturas da soja e do milho no Brasil,
a participação da transgenia e o receio internacional de sua adoção nessas
culturas, é recomendável que o Brasil não fique totalmente dependente
dessa tecnologia. A existência de alternativas convencionais competitivas
reduziria o risco, para o país, da perda de eficácia ou da descoberta de efei-
tos indesejados de eventos transgênicos nessas culturas.

Melhoramento genético de peixes


Apesar de ser um fato pouco divulgado, os pescados 3 são as carnes
mais consumidas no mundo, seguidas pelas de suínos, aves e bovinos
[FAO (2012; s.d.)]. Os pescados podem ser obtidos de forma extrativa (pesca
extrativa) ou através de criações em cativeiro (aquicultura ou aquacultura).

1
  Também chamado de transgênico, é usado para os organismos que receberam genes de outra(s)
espécie(s), animal(is) ou vegetal(is), através de engenharia genética. No Brasil, estão autorizados
eventos de modificação genética em soja, milho, algodão e feijão [CTNBIO (2014)], e a empresa que
os desenvolve passa a deter a tecnologia por 15 anos (Lei de Proteção de Cultivares, artigo 11).
2
  Estão registrados cinco eventos OGMs para a soja, 18 para o milho, nove para o algodão e um para o
feijão. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) detém sozinha a tecnologia do evento
do feijão, e parcialmente, com a BASF, de um evento da soja.
3
  O termo pescados inclui peixes, crustáceos e moluscos.
174 Embora a pesca extrativa (ou de captura) ainda tenha representado qua-
se 59% da produção de pescados em 2011 [FAO (2012)], esse percentual
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

vem caindo consistentemente nas últimas décadas, como pode ser visto no
Gráfico 2. Isso se deve tanto à estagnação da produção da pesca extrativa, que
desde meados da década de 1990 oscila em torno de 90 milhões de toneladas,
quanto ao crescimento acelerado da aquicultura.

Gráfico 2 | Produção mundial de pescados (em milhões de toneladas)

160

140
4%
8%
120 27%

100

80

60
10%
40
51%
20

0
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

Aquicultura Pesca extrativa

Fonte: FAO (2013).

Dessa forma, cabe à aquicultura não só atender ao crescimento da deman-


da mundial por pescados, mas também aliviar a pressão de captura sobre os
estoques naturais das espécies com sobrepesca.4
Entretanto, apesar de sua importância mundial, os pescados ainda são
pouco consumidos e produzidos no Brasil [Sidonio et al. (2012)]. O Brasil
apresenta, historicamente, balança comercial deficitária e consumo per capita
abaixo da média mundial em pescados [Brasil (2011)], a despeito de figurar en-
tre os maiores produtores e exportadores mundiais de carnes de frango, bovina
e suína [FAO (s.d.)].
Em 2010, em termos internacionais, destacaram-se como grandes pro-
dutores aquícolas mundiais a China (quase 61% da produção mundial), a
4
  A sobrepesca é a pesca além da capacidade de equilíbrio populacional da espécie, ou seja, quando há
sobrepesca, há uma redução progressiva dos estoques pesqueiros.
Indonésia (quase 8%) e a Índia (quase 6%). Nesse ano, o Brasil foi apenas 175
o 19° maior produtor mundial de pescados, responsável por 0,75% do total

Agroindústria
em toneladas.
Apesar de ter ficado mais bem ranqueado internacionalmente na aqui-
cultura do que na pesca extrativa (17° e 25°, respectivamente), a produção
pesqueira brasileira mais relevante é a extrativa: em 2010, foram produzidos
cerca de 785 mil toneladas de pescados nessa modalidade, perante apenas
479 mil toneladas através da aquicultura [Brasil (2011)].
Em 2011, a aquicultura brasileira cresceu para 628 mil toneladas de
pescados (dados internacionais por país ainda não disponíveis para aquele
ano), das quais 544,5 mil toneladas de peixes e o restante de camarões
(principalmente) e mexilhões, ostras e vieiras. Dentre os peixes, desta-
cam-se a tilápia (47% do total de peixes), o tambaqui (20%), o tambacu
(9%) e a carpa (7%).
Apesar do cenário atual dos pescados no Brasil, o Rabobank, prin-
cipal financiador agrícola do mundo, projeta que o Brasil tem potencial
de se tornar um grande fornecedor mundial de pescados aquícolas até
2022, por possuir um litoral extenso, uma das maiores reservas de água
doce do mundo e ampla oferta de grãos, milho e soja, para a produção
de rações aquícolas [Mendes (2013)].
Dentre os produtos apontados com maiores potenciais, destacam-se a tilápia
e outros peixes, respondendo, na previsão deles, por 87% da expansão no perío-
do até 2022. Os moluscos e outros crustáceos responderão pelos 13% restantes.
Para concretizar esse potencial, a genética é o elo mais importante da
cadeia piscícola, pois
Sem alevinos de boa qualidade, toda a cadeia fica comprometida: as
taxas de conversão caem, não há padronização, a qualidade da carne
é inferior e os custos de produção sobem. Algumas empresas, cientes
dessa importância têm investido na verticalização de suas atividades
também nessa fase, realizando estudos e pesquisas e passando a
produzir alevinos [Sidonio et al. (2012, p. 450)].

Dessa forma, em razão do desenvolvimento recente da atividade piscí-


cola no país, o melhoramento genético dos peixes ainda está muito incipien-
te, sendo muitas vezes realizado pelas próprias empresas responsáveis pela
engorda e abate.
176 Apesar de a verticalização das atividades dessas empresas, por si só, não
ser ruim, traz algumas desvantagens, pois pode haver sobreposição de pes-
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

quisas (várias empresas gastando recursos, que são escassos, para pesquisas
semelhantes) e desvio de parte dos investimentos produtivos para as pesqui-
sas, ocasionando a evolução mais lenta do segmento.
Assim, o incentivo à cooperação entre as empresas, e destas com univer-
sidades e institutos de pesquisa, bem como à constituição e fortalecimento de
empresas especializadas em genética de peixes, tende a produzir melhores re-
sultados para a piscicultura brasileira quando comparado a iniciativas isoladas.

Fertilizantes: produtos, processos e equipamentos para


produção – desenvolvimento de tecnologias,
produtos e processos por meio de novas fontes
(minerais, orgânicas e subprodutos industriais)
A indústria de fertilizantes está fortemente relacionada ao agronegócio.
O crescimento da população mundial, que veio acompanhado pela elevação
da renda em mercados emergentes e mudança na dieta das pessoas, criou
uma demanda crescente na produção de alimentos. Como os recursos agrí-
colas são limitados e as áreas disponíveis para o plantio cada vez mais es-
cassas, o aumento da produção via expansão da fronteira agrícola já não é a
melhor opção, tornando-se necessária a elevação do rendimento por hectare
plantado (produtividade).
Um dos componentes mais importantes para o desenvolvimento da agri-
cultura, principalmente no que diz respeito ao aumento da produtividade
agrícola, é o uso eficiente de corretivos e de fertilizantes. Segundo dados
da FAO, cada tonelada de fertilizante mineral aplicado em um hectare, de
acordo com princípios que permitam sua máxima eficiência, equivale à
produção de quatro novos hectares sem adubação.
Fertilizantes minerais são materiais, naturais ou manufaturados, que
contêm nutrientes essenciais para o crescimento normal e o desenvolvi-
mento das plantas. A indústria de fertilizantes tem desempenhado, por
mais de 150 anos, um papel fundamental no desenvolvimento da agricul-
tura e no atendimento das necessidades nutricionais de uma população
continuamente crescente. Os fertilizantes, ao promoverem o aumento de
produtividade agrícola, protegem e preservam milhares de hectares de
florestas e de matas nativas, assim como a fauna e a flora, além de terem
se tornado ferramenta indispensável na luta mundial de combate à fome 177
e à subnutrição.

Agroindústria
Os fertilizantes são usados na agricultura para: (i) suplementar a disponi-
bilidade natural do solo com a finalidade de satisfazer a demanda das culturas
que apresentam um alto potencial de produtividade e levá-las a produções
economicamente viáveis; (ii) compensar a perda de nutrientes decorrentes da
remoção das culturas, por lixiviação ou perda gasosa; e (iii) melhorar condi-
ções adversas ou manter as boas condições do solo para produção das culturas.
O Brasil é um gigante na agroindústria mundial, pelo volume da pro-
dução e exportação, e, além disso, é um dos poucos países do mundo com
enorme potencial para aumentar sua produção agrícola, seja pelo aumento
de produtividade, seja pela expansão da área plantada. Por outro lado, o gi-
gantismo do agronegócio brasileiro, que representa cerca de 30% do Produto
Interno Bruto (PIB) nacional, contrapõe-se à altíssima dependência externa
de importações de nutrientes para a agricultura.

Cadeia produtiva de fertilizantes


Os fertilizantes, que constituem um dos principais insumos agrícolas,
têm como fontes de matéria-prima produtos oriundos da petroquímica e
da mineração.
Os elementos químicos presentes nos fertilizantes, conforme a quantidade
ou proporção, podem ser divididos em duas categorias: macronutrientes (car-
bono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e
enxofre) e micronutrientes (boro, cloro, cobre, ferro, manganês, molibdênio,
zinco, sódio, silício e cobalto). Se o solo não dispuser de suficiente quanti-
dade de qualquer dos nutrientes mencionados, mesmo aqueles minimamen-
te necessários, há prejuízo no crescimento e no desenvolvimento da planta.
As deficiências mais comuns são de nitrogênio (N), fósforo (P) e potás-
sio (K), daí a fórmula básica dos fertilizantes, NPK, que indica o percentual
de nitrogênio na forma de N elementar, o teor percentual de fósforo na for-
ma de pentóxido de fósforo, P2O5, e o conteúdo percentual de potássio na
forma de óxido de potássio, K2O. Portanto, do ponto de vista do processo
produtivo, o nitrogênio, o fósforo e o potássio são os mais importantes.
Os demais macro e micronutrientes, apesar da importância biológica, não
têm expressão econômica na indústria de fertilizantes, nem valorização co-
mercial significativas, por serem utilizados em quantidades muito pequenas.
178 Figura 1 | Cadeia de produção da indústria de fertilizantes
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

GÁS NATURAL
PETRÓLEO ENXOFRE NATURAL ROCHA FOSFÁTICA
ROCHA POTÁSSICA
RESÍDUOS PESADOS PIRITAS “IN SITU”
NAFTA

MATÉRIAS-PRIMAS

AMÔNIA ENXOFRE ROCHA FOSFÁTICA

PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS

ÁCIDO ÁCIDO
NÍTRICO SULFÚRICO

ÁCIDO
FOSFÓRICO

FERTILIZANTES BÁSICOS

NITRATO DE SULFATO DE
UREIA TERMOFOSFATO
AMÔNIO AMÔNIO

SUPERFOSFATO ROCHA
TRIPLO PARCIALMENTE
ACIDULADA
NITROCÁLCIO MAP

SUPERFOSFATO
SIMPLES

CLORETO
MAP
DE POTÁSSIO

GRANULAÇÃO E MISTURA DE FORMULAÇÃO NPK

DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Fonte: Dias e Fernandes (2006).

Na Figura 1, é exibido um fluxograma de toda a cadeia produtiva de


fertilizantes minerais, cujo complexo produtor envolve atividades que vão
desde a extração da matéria-prima até a composição de formulações apli-
cadas diretamente na agricultura.
O primeiro elo da cadeia é formado pela indústria extrativa mineral, que
fornece as matérias-primas básicas (rocha fosfática, rocha potássica, enxofre
e gás natural ou nafta) para a produção de fertilizantes. Em seguida, entra-se
na indústria de fabricação de produtos químicos inorgânicos, que, a partir dos
insumos obtidos da indústria extrativa, produzem as matérias-primas básicas
e intermediárias, como o ácido sulfúrico, ácido fosfórico e amônia anidrida.
A indústria de fabricação de fertilizantes simples e intermediários compõe o
terceiro elo da cadeia, do qual resultam: superfosfato simples (SSP); super- 179
fosfato triplo (TSP); fosfato de amônio (MAP e DAP); nitrato de amônio;

Agroindústria
sulfato de amônio; ureia; cloreto de potássio; termofosfatos; e rocha fosfática
parcialmente articulada.
O quarto elo contempla o processo de granulação e mistura dos ferti-
lizantes, que origina os fertilizantes finais, mais conhecidos como NPK.
Por fim, estes são distribuídos e comercializados no quinto elo, sendo uti-
lizados pelo produtor rural na agricultura.

Panorama atual do mercado de fertilizantes no Brasil


Como um grande produtor agrícola, o país é também um grande consumidor
de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos, de acordo com
dados da International Fertilizer Industry Association (IFA). O consumo de
fertilizantes no Brasil está concentrado em algumas culturas – principalmente
soja e milho –, que representam, juntas, mais da metade da demanda nacional.
Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda),
foram entregues 31,1 milhões de toneladas de fertilizantes em 2013, das
quais 9,3 milhões de toneladas foram de produção nacional. Apesar do
elevado consumo, a utilização de fertilizantes por hectare no Brasil ainda
é baixa em relação a outros países da Europa e à China. Contudo, o país
vem apresentando uma taxa de crescimento da demanda superior à taxa de
crescimento mundial e de países desenvolvidos.
No Brasil, os fertilizantes mais consumidos são os potássicos, que, no
ano de 2013, responderam por 37% do total de nutrientes demandados,
enquanto fosfatados e nitrogenados foram responsáveis por 27% e 36%,
respectivamente. A soja, que é a principal cultura consumidora, utiliza
pouco nitrogênio e muito potássio para sua produção, explicando o maior
consumo desse tipo de nutriente.
Apesar de ser o quarto maior consumidor, o Brasil ocupa, segundo a
IFA, somente a décima posição em relação à produção mundial de nu-
trientes. A indisponibilidade de matérias-primas básicas, além de questões
logísticas, tributárias e ambientais, vem sendo gargalo para novos inves-
timentos que poderiam elevar a produção interna de modo a atenuar esse
grande desbalanceamento entre oferta e demanda. Dessa forma, o aten-
dimento ao consumo interno vem ocorrendo principalmente via aumento
das importações.
180 A produção interna de fertilizantes nitrogenados no ano de 2013 aten-
deu aproximadamente a 20% da demanda. Os fertilizantes fosfatados são
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

os que exibem a situação mais favorável, porém ainda insuficiente, com


a produção nacional atendendo a cerca de 47% das necessidades do país.
Por fim, em relação ao potássio, a situação é mais preocupante. Apesar
de ser o nutriente com maior demanda pelo setor agrícola brasileiro, a
produção nacional é muito inferior à demanda e tem atendido somente a
8% do consumo interno.
Em virtude do alto grau de importação, a demanda por fertilizan-
tes apresenta um impacto considerável sobre a balança comercial bra-
sileira. Além disso, a alta dependência externa deixa o país vulnerável
a flutuações de câmbio, preços e outros eventos externos, trazendo
risco de escassez de insumos básicos e perda de competitividade do
agronegócio brasileiro.

Inovações: fontes alternativas de matéria‑prima


para produção de fertilizantes
O setor não tem um caráter muito inovador no Brasil, contudo existem
pesquisas iniciais para a produção de fertilizante organomineral e o uso de
polímeros para liberação controlada. Esses dois tipos de fertilizantes trazem
mais qualidade e menos perdas, melhorando o aproveitamento do nutriente
na lavoura. Além disso, viabilizam a utilização de fontes alternativas em
substituição às fontes convencionais de fertilização.
O fertilizante organomineral é a associação de adubos orgânicos en-
riquecidos com nutrientes minerais que são fornecidos por fertilizantes
tradicionais fabricados industrialmente. A matéria orgânica presente nos
fertilizantes organominerais, fornecida por resíduo orgânico de diferentes
espécies, tem a propriedade de potencializar os efeitos dos nutrientes mine-
rais postos à disposição das raízes das plantas, em função da carga orgâni-
ca que é colocada no campo. Dessa maneira, com a adoção do fertilizante
organomineral, economiza-se grande quantidade de fertilizantes minerais,
por terem os organominerais fórmulas com menor concentração de NPK e
serem fabricados em associação com o fertilizante orgânico, que aumenta
a eficiência em fornecer nutrientes aos vegetais.
Outra iniciativa é a utilização de polímeros que têm a função de encapsu-
lar o fertilizante, reduzindo problemas com a lixiviação, podendo diminuir
em até 50% a perda do mineral. No entanto, são necessárias mais iniciati- 181
vas de pesquisa para entender o comportamento e a eficácia desses novos

Agroindústria
tipos de fertilizantes.
Tendo em vista a importância estratégica dos fertilizantes para o país,
é necessário reduzir a participação das importações no consumo nacional,
elevando a capacidade de produção interna e reduzindo os custos de pro-
dução. A manutenção desse cenário de dependência externa tende a im-
pactar consideravelmente a competitividade das principais commodities
produzidas pelo Brasil no futuro. Tal fato realça a necessidade de fo-
mento ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor
e à busca por inovações que minimizem esses efeitos adversos sobre o
agronegócio nacional.

Tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos


com alegação de propriedades funcionais (conforme o
item 3.3 da Resolução 18/1999 da Anvisa, ou resolução
que venha revogá-la e substituí-la), e/ou à redução dos
teores de gordura e sódio nos alimentos processados
Os alimentos funcionais podem ser definidos como aqueles que pro-
porcionam benefícios para a saúde, além da nutrição básica, incluindo os
alimentos fortificados, enriquecidos ou melhorados que têm efeito poten-
cialmente benéfico para a saúde, quando consumidos como parte de uma
dieta variada, com regularidade, em níveis eficazes [Sousa et al. (2013)].
Os novos aromas, corantes, amidos modificados, enzimas e moléculas,
criados pela indústria de ingredientes e aditivos, assim como os micror-
ganismos probióticos, antioxidantes, imunopeptídeos, isoflavonas e outros
componentes adicionados aos alimentos, caracterizando-os como funcio-
nais, representam a maioria das inovações no processamento de alimentos
[Gouveia (2006)].
A pesquisa por componentes e pelas quantidades adequadas no pro-
cessamento de alimentos funcionais para que tenham efeitos benéficos
ao ser humano e, ao mesmo tempo, sejam seguros é um desafio para a
indústria de alimentos. Exemplos que foram muito bem recebidos pelo
mercado são os iogurtes e pães que preservam o trato digestivo [Sidonio
et al. (2013)].
182 O Japão foi o pioneiro na produção e comercialização de alimentos
funcionais (conhecidos como Foshu, Foods for Specified Health Use).
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

Nesse país já foram registrados mais de duzentos alimentos funcionais,


com selo de aprovação do Ministério da Saúde e Bem Estar, sob regu-
lação desde 1997. Vários países contam com uma legislação específica.
No Brasil, as regras foram instituídas a partir de 1999 pela Anvisa. Para
obter o registro de um alimento com alegação de propriedades funcionais
e/ou de saúde, deve ser formulado um relatório técnico-científico bastante
detalhado, comprovando os benefícios e a segurança de uso do alimento
[Gouveia (2006)].
De acordo com o item 3.3 da Resolução 18/1999 da Anvisa:
são permitidas alegações de função e ou conteúdo para nutrientes e
não nutrientes, podendo ser aceitas aquelas que descrevem o papel
fisiológico do nutriente ou não nutriente no crescimento, desenvolvi-
mento e funções normais do organismo, mediante demonstração da
eficácia. Para os nutrientes com funções plenamente reconhecidas
pela comunidade científica não será necessária a demonstração de
eficácia ou análise da mesma para alegação funcional na rotulagem
[Brasil (1999)].

São profundas as mudanças no perfil de consumo alimentar da população,


caracterizadas pelo aumento do consumo de alimentos fora do domicílio e de
alimentos processados, pela diminuição do consumo de alimentos básicos e
tradicionais e pelo consumo insuficiente de frutas, verduras e legumes. Esses
novos padrões de consumo trazem grandes desafios à saúde pública, particu-
larmente no âmbito das doenças crônicas, como a hipertensão e a obesidade.
A indústria de alimentos brasileira, responsável por quase 15% do fatu-
ramento do setor industrial e por empregar mais de 1,6 milhão de pessoas
[Abia (2013)], tem conseguido seguir as tendências internacionais na área
de produção, mas ainda precisa desenvolver trajetórias mais consistentes
na área de inovação. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com o
objetivo de criar novos produtos de maior valor adicionado, podem garantir
o sucesso de empresas que se mobilizam para acompanhar o crescimento
do consumo de alimentos saudáveis e de preparo rápido.
Para isso, a legislação tem um papel relevante na indução de inovações
tecnológicas no setor de alimentos. De acordo com Nilson et al. (2012), em
relação aos alimentos processados, estabeleceu-se, em 2007, um termo de
cooperação entre o Ministério da Saúde e a principal associação representa- 183
tiva do setor produtivo no Brasil, a Associação Brasileira das Indústrias de

Agroindústria
Alimentação (Abia), com o objetivo principal de elaborar propostas para a
reformulação dos alimentos processados. A primeira conquista dessa coopera-
ção foi a redução no uso de gorduras trans em grande parte das categorias de
alimentos no país, vinculada às metas de eliminação. A partir de 2010, a redu-
ção dos teores de sódio foi incluída como nova pauta nessa agenda conjunta.
A construção de estratégias para a redução do teor de sódio em alimentos
processados faz parte de um conjunto de iniciativas para diminuir o consu-
mo desse nutriente no Brasil – dos atuais 12 g de sal por pessoa ao dia para
menos de 5 g por pessoa por dia (2.000 mg de sódio), conforme recomen-
dação da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2020.
As reduções nos teores de gordura e de sódio nos alimentos processados
exemplificam bem como a regulação pode induzir as inovações no setor, ao
exigir das indústrias de alimentos e química pesquisa de compostos mais
saudáveis que não modifiquem os processos, a conservação e o sabor dos
alimentos, uma vez que o hábito e a memória alimentar do brasileiro asso-
ciam sabor a grandes quantidades de sal e açúcar [Sidonio et al. (2013)].
O mercado mundial de alimentos funcionais tem crescido a taxas anuais
superiores a 10% [Bianco (2008)]. Os maiores produtores são, geralmente,
companhias internacionais com recursos para subsidiar pesquisas funda-
mentais e arcar com os custos de desenvolvimento. Algumas delas são
Unilever, Bestfoods, Kellogg’s, Nestlé, Danone e PepsiCo. Para o Brasil,
esse mercado revela-se um campo fértil de pesquisa e oportunidades comer­
ciais, trazendo o desafio de investir em tecnologias aplicadas ao desen-
volvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais. Nesse
contexto, as parcerias entre empresas do setor de alimentos e instituições
de ciência e tecnologia são fundamentais para o surgimento de novas tec-
nologias no setor de alimentos.

Tecnologias para controle e mitigação de riscos biológicos


e químicos; especificamente para: tecnologias aplicadas
a programas de redução de patógenos em alimentos
Patógeno é definido como qualquer agente biológico capaz de cau-
sar doenças. A ação desses agentes patogênicos depende da precarieda-
de das condições de higiene do meio e da suscetibilidade do hospedeiro
184 humano. Considerando apenas os agentes biológicos patogênicos para
o homem – bactérias, vírus, protozoários, parasitas e toxinas naturais –,
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

vê-se que um grande número é transmitido pela água e, principalmente,


pelos alimentos. Isso tem tido implicações graves para a saúde humana
[Anvisa (s.d.)].
A contaminação de um alimento pode ocorrer em qualquer uma das
várias etapas da cadeia de produção e pode ser classificada em três tipos:
contaminação biológica, contaminação química e contaminação física.
Os perigos biológicos compreendem bactérias patogênicas e suas toxinas,
vírus, parasitas e príons; os físicos incluem cacos de vidro, espículas de
osso, fios de cabelo, entre outros. Alguns podem causar somente injúrias,
mas outros podem necessitar de intervenções cirúrgicas; já os químicos
têm como exemplo os defensivos agrícolas, antibióticos, micotoxinas,
sanitizantes e uma grande quantidade de produtos que podem entrar em
contato com o alimento [Anvisa (s.d.)].
Enquanto os perigos químicos são os mais temidos pelos consumidores
e os perigos físicos os mais comumente identificados (pelos, fragmentos
de osso ou de metal etc.), os perigos biológicos são os mais sérios do
ponto de vista de saúde pública e representam a maioria das ocorrên-
cias totais, ocasionadas, grande parte das vezes, por bactérias [Balbani e
Butugan (2001)].
Sendo assim, a indústria de alimentos deve garantir a inocuidade dos
alimentos que produz. Estes não devem apresentar qualquer risco à saú-
de dos consumidores, visto que os alimentos são excelentes substratos
para o desenvolvimento de microrganismos, comportam-se como autên-
ticos meios de cultura e, portanto, constituem veículo importante para a
transmissão de doenças.
As doenças transmitidas por alimentos manifestam-se pelo consumo
de alimentos contaminados com microrganismos patógenos e/ou toxinas
microbianas. Por isso, cada alimento deve ser cuidadosamente avaliado
para determinar que tipos de microrganismos patógenos podem apresentar
como risco, os níveis de contaminação que podem existir inicialmente, a
capacidade do microrganismo para se desenvolver no alimento, os efeitos
das condições as quais o alimento estará exposto durante seu armazena-
mento e distribuição etc.
Métodos ou processos de controle microbiano em alimentos 185
A produção de alimentos com grande qualidade microbiológica, e, por-

Agroindústria
tanto, seguros do ponto de vista sanitário para os consumidores, ocorre
graças a boas condições higiênico-sanitárias, à utilização de programas de
controle de qualidade microbiológica sistemáticos e eficazes e à existên-
cia de processos seguros, utilizados durante o processamento, transporte,
armazenamento e distribuição dos alimentos.
Para tanto, é de extrema importância utilizar as análises adequadas,
que permitam assegurar a inocuidade do alimento. Os métodos tradicio-
nais que são utilizados atualmente têm as vantagens de sensibilidade e
baixo custo, mas são muito demorados e requerem muito mais tempo
para obter resultados. Na última década, houve avanços significativos no
desenvolvimento de testes rápidos para a análise de microrganismos pa-
tógenos em alimentos, nos quais o principal objetivo é obter resultados
confiáveis e em menor tempo [Gandra et al. (2008)].
Para controle microbiano em alimentos, o processamento térmico
constitui-se no tratamento mais eficaz, uma vez que pode resultar em sua
esterilização, e é amplamente utilizado atualmente [Guedes et al. (2009)].
No entanto, não é aplicável para alguns produtos. Daí o crescente interes-
se no uso de outros métodos físicos para descontaminação de alimentos,
seja na superfície de sólidos, seja no volume de líquidos.
Alguns processos não térmicos vêm sendo aplicados para a preser-
vação de alimentos sem causar os efeitos adversos do uso do calor. Um
desses processos é a irradiação de alimentos com luz ultravioleta de on-
das curtas (UV-C), que tem sido bastante estudada por sua eficiência na
inativação microbiológica em água e superfície de diversos materiais. A
tecnologia de radiação UV constitui processo emergente e não térmico
para descontaminação de alimentos e, potencialmente, pode fornecer pro-
dutos alimentícios com melhores características e mais frescos [Guedes
et al. (2009)].
O advento de novas técnicas de análise de contaminantes e de tecno-
logias voltadas para a garantia da segurança de alimentos tem valorizado
os produtos que são submetidos a esse controle de qualidade e, portan-
to, oferecem menos riscos à saúde humana. Além disso, a intensificação
de barreiras sanitárias restritivas ao comércio internacional é outro fator
186 que tem impulsionado a P&D de inovações nos métodos ou processos de
controle e redução de patógenos em alimentos.
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

Máquinas e equipamentos e implementos agropecuários,


especificamente para implementos para horticultura
Antes de abordar a importância do desenvolvimento de implementos para
a horticultura, é necessário definir o que é horticultura. De acordo com o
periódico oficial da Associação Brasileira de Horticultura (ABH), a horti-
cultura pode ser entendida como cultivo de “hortaliças, plantas medicinais,
condimentares e ornamentais” [ABH (2014)].5
De acordo com a Resolução 12 da Comissão Nacional de Normas e
Padrões para Alimentos, de 24 de julho de 1978, adotada pela Anvisa,6 horta-
liça “[...] é a planta herbácea da qual uma ou mais partes são utilizadas como
alimento na sua forma natural”. E “[...] será designado: verdura, quando
utilizadas as partes verdes; legumes, quando utilizado o fruto ou a semen-
te, especialmente das leguminosas e, raízes, tubérculos e rizomas, quando
são utilizadas as partes subterrâneas”. O cultivo de hortaliças é denominado
olericultura, e inclui, entre as hortaliças, o melão, a melancia e os morangos.
As culturas mais importantes da olericultura em 2012, em termos de valor
bruto da produção (VBP), foram as de mandioca,7 tomate, batata-inglesa,
cebola, melancia e melão [IBGE (2013)].
As plantas medicinais, também chamadas de ervas, são utilizadas para
a produção de chás medicinais e para a extração de compostos usados em
medicamentos. Já as plantas condimentares são usadas para temperar ou
realçar o sabor dos alimentos (pimentas, salsa, cebolinha etc.), enquanto as
ornamentais incluem as plantas decorativas (usadas na decoração de inte-
riores e no paisagismo) e as flores.
Apesar de serem também de ciclo curto, essas culturas diferenciam-se
das grandes culturas internacionais (soja, cana-de-açúcar, milho, trigo, algo-
5
  Alguns autores costumam incluir também a fruticultura e a arboricultura como partes da horticultura,
mas adotou-se aqui a definição mais usual e seguida pela principal associação representativa.
6
  Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/anvisalegis/resol/12_78_hortalicas.htm>. Acesso em: 7
mai. 2014. Pelo conceito da Anvisa, abre-se a possibilidade de considerem-se as leguminosas (grãos
contidos em vagens, como a soja, os feijões e o amendoim) hortaliças. Entretanto, tradicionalmente
[Melo (2013)], excluem-se as leguminosas do grupo das hortaliças.
7
  Cabe destacar que alguns autores consideram como hortaliça apenas a chamada “mandioca-de-mesa”
(aipim ou macaxeira), excluindo a mandioca para uso industrial (amarga ou brava, para produção de
farinha e fécula). Para o ranqueamento por VBP, considerou-se a mandioca em geral.
dão) pelo fato de que, como são, na maioria das vezes, adquiridas in natura 187
pelos consumidores, a aparência final do produto é fundamental para que

Agroindústria
possa ser comercializado [Cortez et al. (2002)]. Por essa razão, na fase da
colheita, a mais sensível para o aspecto final do produto, o índice de meca-
nização geralmente é muito baixo. Além disso, são, geralmente, praticadas
em unidades menores de produção, em comparação com as grandes cultu-
ras, e, dada sua maior perecibilidade, tendem a se situar mais próximas dos
centros consumidores.
Essas características exigem não só implementos agrícolas8 menores,
mas também que tenham especificidades próprias a cada cultura, por cau-
sa da fragilidade dos produtos finais. Como apresentam escalas produtivas
muito menores em relação às grandes culturas, a horticultura em geral des-
perta menor interesse das grandes fabricantes de implementos agrícolas em
desenvolver produtos específicos para ela.
Dessa forma, a horticultura faz parte das chamadas “culturas agrícolas
negligenciadas”, ou seja, culturas que, apesar de importantes, não recebem
grande atenção das empresas que desenvolvem novas tecnologias de produ-
tos e processos, por apresentarem mercados pequenos e com características
diferenciadas em relação às grandes culturas.
Um exemplo disso é o fato de que as culturas da soja e da cana apre-
sentam, isoladamente, no Brasil, um VBP maior que o de todas as culturas
hortículas somadas.

Desafios
Embora existam desafios técnicos e tecnológicos nas fases de plan-
tio e trato cultural, a fase da colheita/embalagem é mais crítica para
os produtos hortícolas, especialmente naqueles consumidas in natura
[Cortez et al. (2002)]. Nesses casos, há um predomínio da colheita/embalagem
manual, situação que ocorre também com as frutas.
Com o encarecimento e a crescente falta de mão de obra no campo, alia-
dos à insuficiência de implementos adequados, essas culturas ficam muito
vulneráveis na fase da colheita, já que demandam muita mão de obra nes-
se período. Apesar de os horticultores poderem repassar ao consumidor o

8
  Implementos agrícolas são equipamentos mecânicos que, acoplados a um trator ou animal, desem-
penham funções específicas na agricultura, como o arado, a grade, a plantadeira, a colheitadeira, o
pulverizador e a raspadora ou niveladora.
188 custo maior da mão de obra, uma parte da colheita pode estragar por não
chegar a tempo no mercado, além de se criar um aumento indesejado no
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

custo de vida das cidades.


Dessa forma, há um grande potencial no mercado brasileiro para o de-
senvolvimento de máquinas ou sistemas semimecanizados, que poupem a
cada vez mais escassa e cara mão de obra nas atividades hortícolas e que
agilizem o processo produtivo para que o produto final chegue ao consu-
midor mais rapidamente, sem abrir mão dos padrões de qualidade. Por
outro lado, o baixo VBP de algumas dessas culturas podem inviabilizar
economicamente o desenvolvimento de máquinas e equipamentos especí-
ficos para elas.

Pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos


De acordo com Laca (2009), a pecuária de precisão é a exploração dos
múltiplos níveis de heterogeneidade e respostas não lineares dos animais
nos processos produtivos, visando ao aumento da lucratividade e à redução
dos impactos ambientais.
Também denominada zootecnia de precisão por Chizzotti et al.
(2013, p. 17), pode ser definida como
[...] processos produtivos ou de controle que buscam integrar prin-
cípios biológicos e de engenharia tecnológica para obter maior
eficiência no uso dos recursos, qualidade dos produtos, segurança
alimentar, sustentabilidade, bem estar e lucro. A aplicação dos con-
ceitos da zootecnia de precisão presume a avaliação individual de
cada animal, considerando a variabilidade existente entre os mesmos,
ajustes e tomadas de decisões fundamentadas em algoritmos baseados
em uma série de processos interligados, os quais atuam juntos em
uma complexa rede interativa de informações.

Partindo dessas definições mais abrangentes para algo mais específico, a


pecuária de precisão, termo utilizado neste artigo, seria a ampliação do concei-
to de agricultura de precisão com a incorporação da interação e respostas dos
animais aos vários componentes integrantes dos sistemas de produção: água,
solo, plantas, ração, suplementos, manejo, genética, vacinas, outros animais etc.
Antes de discorrer sobre as tecnologias e equipamentos utilizados na
pecuária de precisão, é oportuno conceituar a agricultura de precisão como
uma nova forma de gestão ou de gerenciamento da produção agrícola. De
acordo com Swinton e Lowenberg-Deboer (1998), trata-se de um elenco de 189
tecnologias e procedimentos utilizados para que as lavouras e os sistemas de

Agroindústria
produção sejam otimizados, tendo como elemento-chave o gerenciamento
da variabilidade espacial da produção e dos fatores nela envolvidos.
De acordo com Coelho (2005), desde a década de 1980, a agricultura de
precisão vem sendo apresentada sob vários conceitos que englobam aspectos
da variabilidade dos solos, clima, diversidade de culturas, performance de
máquinas agrícolas e insumos (físicos, químicos e biológicos) naturais ou
sintéticos, usados na produção das culturas em diversos países.
Esse mesmo autor cita um conjunto de tecnologias disponíveis para a
agricultura de precisão que também são adotados na pecuária de precisão,
conforme citado por Carvalho (2009); Chizzotti et al. (2013); Laca (2009):
I) Computadores e programas – tal como na agricultura, a
pecuária de precisão requer aquisição, manejo, processamen-
to e análise de grande quantidade de dados que variam no
espaço e no tempo. Programas de computadores que podem
facilmente armazenar, manipular e analisar esses dados são
de grande importância para o desenvolvimento da pecuária de
precisão, principalmente para a gestão e controle dos sistemas
de produção.
II) Sistema de Posicionamento Global (GPS) – o GPS é uma
tecnologia que possibilita determinar a posição em qualquer
parte do globo terrestre. Desenvolvido pelo Departamento de
Defesa dos Estados Unidos, está disponível para diversos usos
civis, desde a pesca até a navegação. O uso de colares com
GPS em ruminantes tem possibilitado o registro detalhado de
informações sobre o posicionamento dos animais por longos
períodos, permitindo melhor compreensão dos hábitos e causas
da distribuição espacial dos animais.
III) Sistemas de Informação Geográfica (SIG) – SIGs são definidos
como um conjunto de programas, equipamentos, metodologias,
dados e pessoas (usuários), perfeitamente integrados, de forma
a tornar possível a coleta, o armazenamento, o processamento e
a análise de dados georreferenciados, bem como a produção de
informação derivada de sua aplicação [Tozi (2000)]. Entre as
possibilidades de utilização dos SIGs na pecuária de precisão,
190 citam-se: localização e comportamento dos animais, pastoreio e
alimentação remotos, controle sanitário e rastreabilidade.
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

IV) Sensores – sensores são instrumentos que transmitem


impulsos elétricos em resposta a estímulos físicos tais como
calor, luz, magnetismo, movimento, pressão e som. Utilizando
computadores para armazenar o impulso emitido pelo sensor,
o GPS para medir a posição e o SIG para analisar e mapear
os dados, qualquer informação gerada pelo sensor pode ser
detalhadamente mapeada. Laca (2009) menciona que a adoção
de sensores na pecuária pode ser útil para estimar a taxa de
ingestão no pastejo dos animais, ganho de peso e alterações
no comportamento que permitam detectar problemas de saú-
de, antes de comprometer a produtividade dos animais, entre
outras possibilidades.

Aspectos econômicos na avaliação da pecuária de precisão


A pecuária de precisão ainda é pouco utilizada no Brasil, em razão do
elevado custo das tecnologias disponíveis.
Um dos aspectos mais importantes relacionados à avaliação econômica
da pecuária de precisão é que o valor é proveniente das informações (dados)
coletadas no campo e não do uso em si das tecnologias. Assim, as tecno-
logias disponíveis, discutidas anteriormente, irão possibilitar a geração de
dados que devem ser analisados e transformados em informações práticas,
que poderão influenciar as decisões no manejo dos animais. Conclui-se que
os ganhos provenientes da pecuária de precisão são resultantes das decisões
de manejo e não do uso das tecnologias disponíveis.
Outro aspecto importante é que o retorno econômico é altamente depen-
dente da capacidade humana de manejar a variabilidade espacial e temporal.
Por exemplo, podem-se estimar os custos das tecnologias disponíveis e, com
base nos princípios zootécnicos, prever as diferenças na eficiência da produção.
Entretanto, o retorno econômico pode não ser satisfatório se a decisão zootéc-
nica não foi correta ou se o equipamento não foi adequadamente calibrado.
Cabe destacar que, dos países que já utilizam tecnologias da pecuária
de precisão (Estados Unidos, Canadá e União Europeia), a maior parte usa
sistemas de produção intensivos, e, a despeito dos ganhos de produtividade
advindos da adoção de tecnologias da pecuária de precisão, torna-se funda-
mental avaliar a relação custo-benefício na adoção dessas tecnologias em 191
sistemas de produção extensivos, como é o caso do Brasil.

Agroindústria
Enfim, a aplicação das tecnologias de pecuária de precisão no Brasil re-
quer estímulos ao setor, especialmente aos fabricantes de máquinas e equi-
pamentos, para que se invista em novas tecnologias com custos de produção
factíveis com as características da pecuária brasileira.

Análise dos resultados preliminares do Inova Agro


Ainda é prematuro avaliar os resultados do Inova Agro, pois o resul-
tado final dos PSCs selecionados foi divulgado em 21 de maio de 2014,
mês anterior ao fechamento deste artigo. Dessa forma, ainda não é possí-
vel prever quantos PSCs serão concretizados nem o valor final de apoio a
essas operações.
Entretanto, a partir do resultado final dos PSCs selecionados e do próprio
processo de fomento estruturado proporcionados pelo edital, já é possível
identificar e mensurar alguns resultados preliminares.
O processo de divisão do apoio do edital em linhas temáticas, te-
mas e subtemas permitiu que se tivesse uma noção da demanda existen-
te por cada uma delas, tanto em termos de valor quanto em termos de
empresas e ICTs interessados. Além disso, permitiu a comparabilidade
das propostas, ao reunir diversas propostas de empresas e ICTs com fi-
nalidades similares. Essa comparabilidade entre os projetos, aliada à
sabatina das empresas e à convocação de especialistas externos nos te-
mas apoiados por recursos não reembolsáveis, permitiu às equipes téc-
nicas do BNDES e da Finep avaliarem com maior precisão as propostas
mais interessantes.
Outro resultado importante do edital foi estimular a formação de consórcios
empresariais e parcerias entre empresas e ICTs. Dos 49 PSCs selecionados, 32
envolvem algum tipo de parceria, e 26 delas incluem instituições de pesquisa.
Por outro lado, a previsão do edital de apenas um PN por empresa foi
um grande problema para as equipes de análise, dado que os temas e linhas
temáticas eram muito diversos entre si. Dessa forma, ao unir temas diferen-
tes, foi muito difícil avaliar o PN que reunia um bom projeto em um tema e
um mau projeto em outro tema.
192 A avaliação desta seção, sobre os temas mais e menos demandados do
edital, foi feita com base no enquadramento do PN nos temas, pois a maio-
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

ria dos PNs demandou mais de um tema e, em muitos casos, mais de uma
linha temática.
Na Tabela 4, verifica-se que a maior demanda e aprovação no edital
pelas empresas líderes concentrou-se na Linha Temática 1, que envolveu
os temas ligados aos insumos agropecuários. Os temas que atraíram mais
empresas líderes nessa linha foram os de unidades de demonstração (tema
“e”, com 46 propostas e 13 selecionadas) e de fertilizantes (tema “c”, com
41 propostas e 11 selecionadas).

Tabela 4 | Demanda e resultado final por linha temática do Inova Agro


Linhas temáticas Quantidade demandada¹ Quantidade selecionada²
por linha por linha
Linha 1 – insumos 95 27
Linha 2 – processamento 51 17
Linha 3 – máq. e equip. 90 20
Total 236 64
Fontes: BNDES e Finep.
¹ As empresas puderam se inscrever em mais de um tema e linha temática, por isso os totais são
superiores ao número de empresas líderes inscritas.
² Quantidade estimada com base no resultado final dos PSCs.

Por outro lado, a Linha Temática 2, com temas ligados ao processamento


de alimentos, teve a menor demanda do edital. Os temas “embalagens com
novas funcionalidades” (tema “b”, com nove propostas e duas selecionadas)
e “aditivos para a indústria alimentícia” (tema “c”, com 12 propostas e quatro
selecionadas) foram os menos demandados.
Em relação aos subtemas apoiados com recursos não reembolsáveis, na
Tabela 5 constam a demanda das empresas líderes selecionadas para a segun-
da fase (apresentação de PNs) e as que tiveram, em seus PSCs selecionados,
subprojetos envolvendo esses temas.
Os subtemas mais demandados, e também com maior aprovação, foram o
de desenvolvimento de fertilizantes a partir de novas fontes e o de tecnologias
aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com propriedades funcionais. Os
menos demandados foram os que previam o desenvolvimento genético de
peixes e a redução de patógenos em alimentos.
Tabela 5 | Demanda e resultado final por tema não reembolsável do Inova Agro 193

Subtemas de subvenção Quantidade Quantidade

Agroindústria
demandada¹ selecionada²
Subtema 1.a)i desenvolvimento de 6 5
OGMs e não OGMs
Subtema 1.a)ii melhoramento 1 1
genético de peixes
Subtema 1.c) desenvolvimento de 17 8
fertilizantes de novas fontes
Subtema 2.a) desenvolvimento de 10 7
alimentos com propr. funcionais
Subtema 2.d) redução de patógenos 2 1
em alimentos
Subtema 3.b) implementos para 6 5
horticultura

Subtema 3.f) pecuária de precisão 7 3


Total 49 30
Fontes: BNDES e Finep.
¹ As empresas puderam se inscrever em mais de um tema e linha temática, por isso os totais são
superiores ao número de empresas líderes inscritas.
² Quantidade estimada com base no resultado final dos PSCs. Nem todas
foram indicadas para receber recursos não reembolsáveis.

Dessa forma, a demanda nos temas envolvendo recursos não reembolsáveis


seguiu o mesmo perfil verificado em relação às linhas temáticas: os temas da
Linha Temática 1 foram, em geral, os mais demandados, com destaque para o
desenvolvimento de fertilizantes a partir de novas fontes, e os temas da Linha
Temática 2, em geral, os menos demandados.
Essa menor demanda no edital em determinados subtemas/temas pode ter
várias causas: a existência de poucas empresas determinadas ou capazes de
inovar nesses subtemas/temas; o risco maior nesses casos, desestimulando
investimentos; o porte dos investimentos menor que o valor mínimo previsto
para o PN no edital; o conhecimento prévio das empresas atuantes nesses
temas das duas instituições (Finep e BNDES), não necessitando participar
do edital; ou, ainda, o prazo exíguo exigido entre a apresentação do edital
e a submissão das propostas.
Conhecer as causas exatas da menor demanda seria importante para
estimular um fomento estruturado mais adequado e/ou focado nesses
temas/subtemas, que são, como mencionado na seção anterior, de grande
importância para o país.
194 Dificuldades e oportunidades de apoio à
inovação através do edital Inova Agro
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

Dificuldades
Prazos entre as etapas do edital inadequados
Entre o prazo final de submissão das CMIs do edital do Inova Agro (15 de
agosto de 2013) e a estruturação dos PSCs (26 de maio de 2014), decorreram
cerca de nove meses. Ao somar a esse espaço de tempo a tramitação dos PSCs
nas instituições apoiadoras (IA), o prazo total entre a submissão das propostas
e sua contratação pode levar mais de 12 meses para ser concluído.
Em experiências anteriores, como no caso do PAISS, o intervalo médio
entre as etapas do edital foi de cerca de quatro meses. No Inova Agro, a média
dos prazos entre as etapas originalmente foi de apenas um mês. Contudo, o
alto volume de operações demandadas, o excesso de documentações físicas
exigidas pelo edital e a capacidade de análise dos pleitos pelas equipes impli-
caram em quatro prorrogações no cronograma do Inova Agro. Dessa forma,
o prazo médio entre as etapas ficou em aproximadamente três meses.
Outra consequência das prorrogações no cronograma original foi o nível
de envolvimento de especialistas externos às IAs no processo seletivo, opção
prevista no item 8.2 da chamada pública. Em decorrência de o período das en-
trevistas ter coincidido com o período de férias acadêmicas, apenas um terço
das empresas que disputavam recursos não reembolsáveis contaram com os
especialistas internos.
Apesar disso, a qualidade da avaliação não foi comprometida, uma vez que
os projetos apresentados não possuíam conteúdo tecnológico desconhecido
pelas equipes internas de análise das IAs.
Após a conclusão do edital com a indicação dos instrumentos de apoio
por parte das instituições apoiadoras, as empresas precisam se submeter aos
processos de análise e concessão de crédito de cada uma dessas instituições,
o que resulta em um tempo adicional para o recebimento do apoio financeiro.
Em virtude desse longo tempo dispendido, é necessário refletir sobre
os ganhos das empresas que passaram por todas as etapas sem que estives-
sem enquadradas nos temas que dispunham de apoio não reembolsável. As
condições oferecidas a essas empresas foram as mesmas já disponíveis para
apoio pelas duas instituições.
Por essa razão, as IAs propuseram, após a realização do workshop, que 195
essas empresas saíssem do edital, para que seus projetos já começassem a ser

Agroindústria
analisados. Entretanto, nenhuma empresa aceitou a proposta, permanecendo
todas até a conclusão das etapas do edital.
Esse fato, aliado ao observado na fase de sabatina, leva à percepção de que
as empresas creditaram ganhos em marketing ao ter seus projetos selecionados
pelo edital; ou tiveram receio em sair e perder algum benefício que não estava
sendo explicitado; ou não estavam com seus PNs maduros suficientes a essa
altura do edital. Contudo, dados o custo e o tempo despendidos para as IAs,
talvez seja mais adequado que os próximos editais não envolvam temas que
contem apenas com recursos reembolsáveis. Ou, caso se mantenham linhas
apoiáveis apenas com reembolsáveis, que o trâmite nesses casos seja mais
simplificado, com menos etapas.

Agilidade nos processos internos


Como mencionado no item anterior, depois do prazo decorrido nas etapas
do edital, o trâmite dentro das instituições deveria ser simplificado, de forma
a não punir as empresas por participarem do processo.
Como o processo é novo nas IAs, especialmente no BNDES, é necessário,
caso ocorram outros editais semelhantes ao Inova Agro, tentar aprimorar os
processos internos e formulários dos editais de forma a agilizar a análise e o
trâmite das operações nas instituições.

Diversidade de temas
Diferentemente do PAISS, que teve como base um diagnóstico prévio
e amparado na estratégia de elevado nível de focalização e articulação,
com o intuito de induzir as empresas brasileiras a investir no desen-
volvimento de novas tecnologias dedicadas ao setor sucroenergético
[Nyko et al. (2013)], o Inova Agro envolveu 17 temas e subtemas compreen-
didos nas categorias de insumos, processamento e máquinas e equipamen-
tos, o que impediu uma análise prévia mais aprofundada dos temas. Para
dar conta dessa enorme abrangência, foi necessária a participação de seis
departamentos do BNDES nas etapas de análise das CMIs e PNs, além da
ajuda de consultores externos.
196 Restrições na dotação orçamentária de recursos subvencionáveis
No edital do Inova Agro, foram previstos R$ 30 milhões para apoio através
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

de subvenção às empresas. Esse apoio, em razão do baixo valor da dotação or-


çamentária, foi limitado a até 20% dos PNs enquadrados em subtemas objetos
de subvenção, respeitando, adicionalmente, o valor máximo de R$ 10 milhões
por PN e a regra de contrapartida explicitada na Tabela 6.9

Tabela 6 | Critérios usados como contrapartida para subvenção


Classificação por porte Faturamento bruto em Percentual de
2012 contrapartida

Microempresa e Até R$ 16.000.000,00 10%


pequena empresa
Média empresa De R$16.000.000,01 50%
a R$ 90.000.000,00
Grande empresa Acima de 100%
R$ 90.000.000,00
Fonte: Finep.

Muitas empresas participaram do edital atraídas pela oportunidade de


obter recursos não reembolsáveis em seus PNs. Ao fim do processo seletivo,
apenas dez das 29 empresas que pleitearam subvenção foram contempladas.
O valor previsto para subvenção às empresas foi muito pequeno em re-
lação aos recursos previstos pelo edital, R$ 1 bilhão, fato que pode ter de-
sestimulado algumas empresas a inscrever seus projetos no edital.

Inadequação dos instrumentos disponíveis para apoio à inovação


Algumas empresas apresentaram PNs com elevado conteúdo tecnoló-
gico, mas, por serem de pequeno porte ou pré-operacionais, não puderam
avançar no processo de concessão do crédito, em virtude do elevado risco
financeiro envolvido.
Além disso, os produtos disponíveis pelas IAs possuem prazos de ca-
rência incompatíveis com o prazo de execução de alguns desses projetos.
A forma alternativa de apoiar essas empresas, prevista no edital do Inova
Agro, seria via capital de risco. Entretanto, há uma série de condições para
9
  Critérios utilizados nos demais editais do Plano Inova Empresa e editais anteriores de subvenção
econômica.
que esse apoio ocorra, condições essas que não foram atendidas, inviabili- 197
zando o apoio através desse instrumento.

Agroindústria
Uma alternativa que poderia ser estudada seria a criação de um fundo
garantidor para perdas com projetos de inovação, o qual teria como funding
recursos não reembolsáveis. Esse fundo permitiria às IAs arriscarem mais,
apoiando algumas empresas que normalmente não teriam acesso ao crédito
daquelas instituições.
Outra alternativa possível seria a constituição de um fundo de renda
variá­vel exclusivo para apoio às operações dos Inovas, com característi-
cas mais adequadas ao perfil de empresas que têm participado dos editais.

Dificuldade na padronização do conceito de inovação


entre as instituições apoiadoras
Um grande desafio do Plano de Fomento Estruturado foi compatibi-
lizar os conceitos de inovação disseminados em cada uma das IAs. Essa
dificuldade foi superada na época das sabatinas e também nas reuniões do
Comitê de Avaliação.
A participação de especialistas ad hoc também foi importante nos casos
de dúvidas e/ou divergências.

Vedação à participação de cooperativas, no edital,


que poderiam ter bons projetos
Várias cooperativas agropecuárias brasileiras estão comprometidas
com a P&D.
Mesmo não podendo participar do edital, pelo fato de esse tipo de orga-
nização não ter sido incluída nos editais do Plano Inova Empresa, oito co-
operativas inscreveram-se como “empresas líderes” e uma como “empresa
parceira”. Essa limitação impediu a entrada de potenciais clientes e o apoio
a PNs com projetos inovadores.

Oportunidades
Integração entre equipes de departamentos
do BNDES e entre BNDES e Finep
Tendo em vista a abrangência temática do edital e a setorialização da es-
trutura organizacional do BNDES, a participação de outros departamentos
198 no processo de análise e seleção de PNs foi fundamental para dar maior con-
sistência ao processo seletivo. Além disso, permitiu a identificação de temas
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio

fronteiriços que podem ampliar a integração entre as equipes do BNDES.


Ademais, o edital permitiu disponibilizar às empresas um guichê único
para acessar os instrumentos do BNDES e da Finep. Outro fator positivo
foi permitir às equipes das IAs se conhecerem e trocarem experiências no
apoio à inovação, compartilhando o conhecimento e a forma de atuação
no agronegócio.

Atração de novas empresas e possibilidade de fomento


às empresas que saíram do edital
Das 171 empresas líderes que enviaram CMIs, 136 não tinham relaciona-
mento prévio com BNDES e 112 não tinham com a Finep. Ao fim do processo,
das 49 empresas contempladas, somente 13 tinham relacionamento prévio com
BNDES e 14 com a Finep.
A atração de novas empresas, mesmo as que foram eliminadas nas etapas
anteriores, torna possível a estruturação de um plano de fomento por parte
das duas instituições para divulgação de seus produtos.

Incentivo à cooperação entre empresas e ICTs


O workshop realizado com o objetivo de aproximar empresas e ICTs teve
seu propósito atendido, além de ter sido um momento útil para a divulgação
das próximas etapas do edital. Muitas perguntas foram respondidas e esclare-
cimentos prestados sobre os produtos oferecidos pelas instituições apoiadoras.

Etapa de entrevista presencial com as empresas


A realização das sabatinas auxiliou o Comitê Avaliador no esclarecimento
de dúvidas sobre os PNs, tendo sido determinante na pontuação de alguns
parâmetros e critérios do edital. A participação de especialistas ad hoc tam-
bém enriqueceu o processo de análise.

Considerações finais
O Plano Inova Empresa foi criado como um novo modelo de fomento
à inovação, prevendo a articulação dos programas de diversas instituições
públicas e o uso coordenado de seus instrumentos de apoio.
A experiência do Inova Agro, no âmbito do Plano Inova Empresa, trou- 199
xe à tona algumas fragilidades e oportunidades de aperfeiçoamento desse

Agroindústria
instrumento para apoio à inovação.
Dentre as principais fragilidades, destacam-se: a abrangência dos temas
contemplados no edital, impedindo um aprofundamento do conhecimento
sobre estes; a ausência de instrumentos de apoio adequados por parte das
IAs para determinados tipos de projetos e empresas com elevado conteúdo
tecnológico, porém não enquadráveis nos requisitos para concessão de cré-
dito das IAs; e a pequena dotação orçamentária para a subvenção econômica
perante os recursos disponíveis no edital.
Já entre as maiores oportunidades desse instrumento de apoio à inova-
ção, elencam-se: fomento e atração de novas empresas para as carteiras das
IAs, mesmo aquelas desclassificadas; estímulo às operações de maior ris-
co através dos recursos não reembolsáveis; e incentivo à cooperação entre
empresas e entre elas e as ICTs.
O maior volume de projetos apresentados e selecionados nos temas do
setor de insumos, sobretudo fertilizantes, enseja um aprofundamento fu-
turo das razões para tal tendência; como proposta, sugere-se uma reflexão
sobre essas razões e a criação de novos instrumentos de apoio financeiro à
inovação por parte das IAs.

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BNDES Setorial 40, p. 205-234

A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:


uma oportunidade para a indústria brasileira?

Pedro Sérgio Landim de Carvalho


Pedro Paulo Dias Mesquita
Marco Aurélio Ramalho Rocio*

Resumo
Este artigo tem o propósito de apresentar um quadro da indústria de geração
de energia fotovoltaica no mundo e no Brasil e, em particular, da produ-
ção de seu principal insumo, o silício cristalino em grau solar (SiGS), com
o qual se produzem as células fotovoltaicas. Inicialmente, apresentam-se
as características e a ocorrência do silício e suas principais aplicações,
enfatizando sua utilização na produção de módulos fotovoltaicos. Em
sequência, discorre-se sobre a produção e o mercado global tanto de energia
fotovoltaica quanto de SiGS. São feitas considerações sobre a viabilidade
da produção, no Brasil, de SiGS pela rota metalúrgica, para suprimento do
mercado interno e para que possa vir a ser um fornecedor em nível mundial,
bem como para incentivar e ampliar o uso da energia fotovoltaica no país.
Por fim, apresenta-se o papel que o BNDES pode desempenhar no estímulo
ao desenvolvimento e fortalecimento da produção doméstica desse insumo.
Respectivamente, gerente, economista e geólogo do Departamento de Indústria de Base da Área de
* 

Insumos Básicos do BNDES. Os autores agradecem a colaboração do pesquisador João Batista Ferreira
Neto, do Centro de Tecnologia em Metalurgia e Materiais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do
Estado de São Paulo (IPT), e da Companhia Ferroligas de Minas Gerais (Minasligas).
206 O silício e suas aplicações
Silício
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

O silício, de símbolo Si, é um elemento químico pertencente ao


grupo 14 (IV-A) da Classificação Periódica dos Elementos, de número
atômico 14 (14 prótons e 14 elétrons) e com massa atômica igual a 28 u.
À temperatura ambiente, encontra-se no estado sólido. Apresenta-se tan-
to na forma amorfa quanto na forma cristalina, em estrutura octaédrica,
de coloração azul acinzentado e brilho metálico. É um elemento relati-
vamente inerte e resistente à ação da maioria dos ácidos, mas reage com
halogênios e bases. O silício transmite mais de 95% dos comprimen­tos
de onda das radiações infravermelhas. Está presente em minerais como
as argilas, os feldspatos e o quartzo, normalmente na forma de dióxido
de silício ou sílica (SiO2) e de silicatos (compostos contendo silício,
oxigênio e metais). É o principal componente do vidro, do cimento e
da cerâmica, da maioria dos componentes semicondutores eletrônicos
e dos silicones.
Industrialmente, a produção de silício se dá na forma de silício me-
tálico (metalúrgico) ou na forma de liga ferrossilício. A liga ferrossilício
responde por cerca de 94% da produção de silício, com base no peso, e por
cerca de 75% em conteúdo de silício. Os maiores produtores mundiais de
ferrossilício são China, Rússia, Estados Unidos da América (EUA), Brasil
e Ucrânia. Em termos de silício metalúrgico, os maiores produtores são,
respectivamente, China, Brasil, EUA, França e Noruega.
A produção mundial de silício metalúrgico somada à de silício contido
na liga ferrossilício foi de 7.700 mil toneladas, em 2013. O Gráfico 1 apre-
senta a participação dos principais produtores na produção mundial de silí-
cio (metalúrgico e contido em ferrossilício) nesse ano.
Apesar de ser um dos maiores produtores mundiais, o Brasil, com uma
produção de 170 mil toneladas em 2013, apresentou queda de cerca de 19%
em relação ao ano anterior.
Cabe observar que o silício metalúrgico é a matéria-prima para a
produção do silício cristalino, usado na produção de células fotovoltai-
cas, que representa atualmente entre 8% a 10% do total do consumo do
silício metalúrgico.
grafico 01
Gráfico 1 | Participação dos principais países produtores 207
na produção mundial de silício, 2013

Metalurgia
Outros
10,6%
África do Sul
1,7%
França
2,2%
Noruega
2,3%
Brasil
3,0%

EUA
4,7%

Rússia China
9,1% 66,4%

Fonte: USGS (2014).

Ocorrência na natureza
O silício não é encontrado no estado nativo; apenas seus compostos po-
dem ser encontrados na natureza. É o segundo elemento mais abundante e
perfaz mais de 28% da massa da crosta terrestre. Em abundância, fica atrás
apenas do oxigênio, que compõe quase a metade da crosta. Na água do mar,
sua concentração é relativamente baixa, com apenas três miligramas por
litro. No espaço, pode-se encontrar um átomo de silício para cada 30 mil
átomos de hidrogênio.
O principal componente mineral em que o silício está presente, e principal
fonte de exploração, é o quartzo (SiO2), um dos mais abundantes minerais
da crosta. O elemento está presente ainda nos minerais de argila, como a
caulinita (silicato de alumínio hidratado) e a montmorillonita (silicato de
alumínio, magnésio e cálcio hidratado). O silício também é um componente
essencial da maioria das rochas que formam a crosta terrestre, por exemplo,
arenitos e granitos.

Aplicações
O silício é um elemento indispensável em várias indústrias. A areia
quartzosa e a argila, por exemplo, são importantes constituintes na

BS40-book 207 20/10/14 20:51


208 produção do cimento portland. É também utilizado para a produção
de ligas metálicas, de silicones e de cerâmicas industriais e, por ser
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

um material semicondutor abundante, tem um interesse muito espe-


cial na indústria eletrônica, em que é empregado como material bási-
co para a produção de transistores para chips, de células fotovoltaicas e
de circuitos eletrônicos.
Outros importantes usos do silício são como componente em:
• vidros e cristais;
• carboneto de silício, um importante abrasivo;
• fontes de laser.

Uso do silício na geração fotovoltaica


O uso de células fotovoltaicas (Figura 1) para a obtenção de eletri-
cidade vale-se da conversão da energia proveniente da radiação solar.
A essa conversão dá-se o nome de efeito fotovoltaico. A primeira gera-
ção de células fotovoltaicas é constituída por células de silício cristalino,
que consistem de uma lâmina de silício na qual é formada uma junção
metalúrgica P-N.1
O efeito fotovoltaico foi descoberto, em 1839, por Edmond Becquerel
(1820-1891). Entretanto, só após 1883 as primeiras células fotovoltaicas
foram construídas, por Charles Fritts (1850-1903), que cobriu o selênio
semicondutor com uma camada extremamente fina de ouro, de modo a
formar junções. Atualmente, cerca de 89% das células fotovoltaicas são
produzidas com silício.
O silício – elemento semicondutor – possui quatro elétrons em sua últi-
ma camada, compartilhados por ligações covalentes sem liberdade de mo-
vimentação. O silício não é um bom condutor de eletricidade. Quando o
silício é dopado com fósforo (elemento do Grupo V da Tabela Periódica),
por exemplo, que tem cinco elétrons na última camada, restará um elétron
livre ou não compartilhado. Uma pequena energia é capaz de movimentar

1
  Denomina-se junção P-N a estrutura fundamental dos componentes eletrônicos comumente denomi-
nados semicondutores, principalmente diodos e transistores. É formada pela junção metalúrgica de dois
cristais, geralmente silício e germânio, de natureza P (positivo) e N (negativo), segundo sua composição
em nível atómico. Esses dois tipos de cristais são obtidos ao se doparem cristais de metal com impurezas,
normalmente algum outro metal ou composto químico, como o boro e o fósforo [Wikipédia (2007)].
esse elétron. Esse tipo de silício dopado com fósforo é chamado tipo N 209
(N, de carga negativa).

Metalurgia
Quando o silício é dopado com boro (elemento do Grupo III da Tabela
Periódica), que tem três elétrons na última camada, restará uma lacuna
(ausência elétrons) para ser ocupada por um elétron. Constitui-se, assim,
um silício do tipo P (P, de carga positiva).
Na junção P-N, ocorre um desequilíbrio de cargas e, consequentemente,
um campo elétrico é formado.
A incidência de luz (fótons) excita os elétrons, o que os faz fluir de um
lado a outro. Esse fluxo de elétrons produz uma corrente elétrica e uma di-
ferença de potencial elétrico. Assim funciona a geração fotovoltaica.

Figura 1 | Corte transversal de uma célula fotovoltaica

Fonte: Elaboração própria, com base em Centro de Pesquisa em Energia Elétrica (Cepel).

O conjunto de células fotovoltaicas chama-se placa fotovoltaica. As pla-


cas fotovoltaicas baseadas em silício não são as mais eficientes. A eficiência
teórica fotovoltaica de uma célula de silício chega a 33%. O rendimento de
conversão de uma célula comercial produzida com silício monocristalino é
de 18% a 20%, enquanto o da célula com silício multicristalino é de 15%
a 16%. O melhor material para aplicação fotovoltaica é composto de arse-
nieto de gálio. Entretanto, o silício é muito mais viável economicamente,
já que o gálio é um elemento escasso.
210 O SiGS – rotas tecnológicas
O silício comercial é obtido a partir da sílica de alta pureza em forno de
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

arco elétrico pela redução2 do dióxido de silício (SiO2) com eletrodos de


carbono a uma temperatura superior a 1.900°C.
O silício líquido se acumula no fundo do forno, de onde é extraído e
resfriado. O silício produzido por esse processo é denominado metálico ou
metalúrgico e apresenta um grau de pureza de até 99,5%.
Para a construção de dispositivos semicondutores, é necessário um silí-
cio de maior pureza, que pode ser obtido por métodos físicos ou químicos.
Os métodos físicos de purificação do silício metalúrgico baseiam-se
na maior solubilidade das impurezas contidas no silício líquido, de forma
que este se concentre nas últimas zonas solidificadas. O primeiro método,
usado de forma limitada para construir radares durante a Segunda Guerra
Mundial, consiste em moer o silício de forma que as impurezas se acumulem
nas superfícies dos grânulos, dos quais, por dissolução ácida, obtém-se um
pó mais puro. A fusão por zonas, o primeiro método de obtenção industrial,
consiste em fundir a extremidade de uma barra de silício e, depois, deslocar
lentamente o foco de calor ao longo da barra, de modo que o silício vai se
solidificando com uma pureza maior, em razão do arrasto, na zona fundida,
de grande parte das impurezas. O processo pode ser repetido várias vezes
até se obter a pureza desejada, cortando-se, então, a extremidade em que se
acumulam as impurezas.
Os métodos químicos de purificação do silício atualmente emprega-
dos atuam sobre um composto de mais fácil purificação, que se decompõe
para a obtenção do silício. Os compostos mais usados são o triclorossilano
(HSiCl3), o tetracloreto de silício (SiCl4) e o silano (SiH4).
No processo Siemens de purificação, as barras de silício reduzido ou
metalúrgico (cujo grau de pureza chega até a 99,5%) são expostas, à tem-
peratura de 1.150°C, ao gás triclorossilano, que se decompõe e deposita o
silício puro nas barras, fazendo com que se atinja uma pureza aproximada
de 99,9999999%. A decomposição do triclorossilano se dá segundo a se-
guinte reação:

2
  Redução é diminuição algébrica da carga formal ou do número de oxidação de uma espécie quí-
mica. Forçosamente, isso se dá através da transferência de elétrons vindos de outra espécie química
[Wikipédia (2004)].
2HSiCl3 → Si + 2HCl + SiCl4 211

O silício obtido por esse método e por outros similares apresenta uma

Metalurgia
fração de impurezas de uma parte por bilhão ou menos e é denominado si-
lício policristalino.
O processo DuPont consiste em reagir tetracloreto de silício, à tempe-
ratura de 950°C, com vapores de zinco, na reação:
SiCl4 + 2Zn → Si + 2ZnCl2
Esse método, entretanto, está repleto de dificuldades (por exemplo, o clo-
reto de zinco, subproduto da reação, solidifica-se e provoca a obstrução das
linhas de produção), por isso foi abandonado em favor do processo Siemens.
O silício policristalino pode ser produzido em diferentes graus de pu-
reza. O silício de grau eletrônico (SiGE) apresenta o mais alto grau de
pureza e é utilizado para a fabricação, pelo método Czochralski, do silício
monocristalino, que é usado nas indústrias de semicondutores e fotovoltai-
ca. Esse silício de alta pureza requer mais energia para sua purificação em
comparação com o SiGS, de pureza inferior, que é utilizado para fabricar
lingotes ou faixas policristalinas. A vantagem do silício monocristalino re-
side em resultar em módulos de mais alta eficiência quando comparado ao
silício policristalino.
Pelo fato de a indústria fotovoltaica permitir o uso de silício menos puro
do que a indústria de semicondutores, os passos da rota química tradicional
foram modificados para consumir menos energia. A destilação, nesse caso,
pode ser conduzida mais facilmente e a deposição do silício pode ser feita
em um reator de leito fluidizado, em vez de em um reator de tipo Siemens.
Outra possibilidade é a purificação do silício de grau metalúrgico
(SiGM) por meio de rota metalúrgica para a produção do chamado silício
de grau metalúrgico melhorado (SiGMM), a partir do qual se obtém o SiGS
[De Wild-Scholten (2008)].

O mercado fotovoltaico e o mercado do silício cristalino


A energia fotovoltaica é uma das principais fontes renováveis a despontar
como alternativa às fontes tradicionais de geração de energia.
A Europa é líder em capacidade de geração acumulada e responde por
aproximadamente 70% da capacidade mundial. Em 2012, na União Europeia,
212 a energia fotovoltaica apresentou a maior expansão em termos de adição de
nova capacidade instalada entre os diversos meios de geração de energia elé-
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

trica, com adição de 16,7 GW de capacidade, contra 11,7 GW de energia de


geração eólica e 5,0 GW de geração a gás (saldo líquido, incluindo desmo-
bilizações), segundo dados da European Photovoltaic Industry Association
[EPIA (2013)]. Para ter uma referência da dimensão desse aporte de capa-
cidade, cita-se a Hidrelétrica de Itaipu, no Brasil, que possui capacidade de
14 GW de geração.
Ainda segundo dados da EPIA, a capacidade de geração fotovoltaica
acumulada mundial superou a marca de 100 GW, volume capaz de gerar
110 TWh anualmente, suficiente para suprir o consumo de 30 milhões de
residências europeias.
A partir da rápida expansão observada na última década, a indústria fo-
tovoltaica é, atualmente, o principal demandante do silício metálico produ-
zido mundialmente, superando em larga escala a demanda voltada para a
indústria de semicondutores.

A cadeia fotovoltaica
A indústria fotovoltaica é composta pelas empresas envolvidas nas di-
versas etapas de produção de sistemas fotovoltaicos, como mostrado pela
Figura 2.

Figura 2 | Cadeia produtiva da indústria fotovoltaica

Fonte: Elaboração própria.


A cadeia é composta principalmente pelas empresas responsáveis pela 213
produção de módulos, células, wafers e SiGS. A indústria inclui, também,

Metalurgia
os produtores dos demais componentes que integram o sistema de geração
(baterias, controladores de carga e inversores), a exemplo das brasileiras
Moura e Weg. O elo final da cadeia é o investidor que decide pela aqui-
sição dos sistemas fotovoltaicos, a partir da análise dos ganhos potenciais
com a geração da energia.
Os módulos fotovoltaicos são formados por células, produzidas a par-
tir dos wafers (lâminas) de silício cristalino, que, por sua vez, derivam de
processos de cristalização do SiGS.
A produção mundial de silício cristalino, estimada em 228 mil tonela-
das em 2013, é muito concentrada em um número pequeno de empresas,
as quais respondem por 90% da produção total. Os principais líderes em
produção são as empresas Wacker Chemie (Alemanha), Hemlock (EUA),
GCL Solar (China) e OCI Company (Coreia do Sul).
Já a produção de wafers tende a ser mais pulverizada, enquanto a pro-
dução de células é muito concentrada na China, liderada pela Suntech
Power, que também é a maior produtora mundial de módulos. Em geral,
a montagem do módulo é realizada nas unidades produtoras de células,
sendo estas as etapas com maior ocorrência de verticalização na cadeia
produtiva. Em alguns casos, a montagem pode ser realizada em unidades
menores próximas aos mercados consumidores, a fim de reduzir o custo
de transporte.
Trata-se de uma cadeia pouco verticalizada, com fluxo importante de
comércio entre as diversas etapas, o que é refletido na alternância de po-
sição das empresas entre as líderes de produção em cada etapa.
A cadeia tem vivenciado uma situação de sobreoferta nos últimos anos,
o que tem pressionado as margens e elevado a pressão sobre os custos,
levando à migração de unidades produtivas para países asiáticos, com
custos mais competitivos.
Somando-se a isso o avanço da política chinesa de desenvolvimento
interno da tecnologia fotovoltaica, o mercado deverá observar, nos próxi-
mos anos, uma concentração ainda maior da cadeia em produtores chine-
ses e de demais países asiáticos.
214 Evolução da energia fotovoltaica e da
demanda por silício de alta pureza
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

O mundo e, principalmente, a Europa assistiram, a partir de 2000, a


uma rápida evolução na geração de energia fotovoltaica, com um cresci-
mento médio anual de 44% da capacidade instalada acumulada entre 2001
e 2012. O Gráfico 2 apresenta a evolução da capacidade instalada acumu-
grafico 02
lada mundialmente.

Gráfico 2 | Evolução da capacidade instalada acumulada


de potência fotovoltaica (em MW), 2000-2012

120.000

100.000

80.000

60.000

40.000

20.000

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Resto do mundo China Américas


Pacífico Asiático Europa

Fonte: EPIA (2013).

A expansão da capacidade acumulada, que se deu em larga escala na


Europa, é resultado de incentivos de diversos países na busca de uma ma-
triz enérgica mais limpa e renovável, avanços na regulação voltada para
geração e distribuição da energia gerada e tecnologias aplicadas à produ-
ção, com a consequente redução nos custos dos equipamentos.
A renovação da matriz energética através de fontes de energia lim-
pas e renováveis é uma estratégia consolidada na busca conjunta da re-
dução de emissões de CO2 e consequentes impactos ambientais. Assim,
programas de incentivos têm sido utilizados para encorajar a indústria
fotovoltaica a atingir a escala necessária para competir com outras fon-
tes de geração de energia. Tais programas possuem ainda outras mo-
tivações, como a promoção de independência energética e o domínio 215
da tecnologia aplicada.

Metalurgia
Esses programas, associados à definição de regras claras para a geração
e comercialização e à redução progressiva do custo de geração, levaram ao
crescimento robusto da nova capacidade instalada a cada ano, com refle-
xo direto na elevação da demanda por SiGS, o qual representa atualmente
90% da demanda total mundial por silício cristalino. Em 2012, a demanda
mundial pela indústria fotovoltaica foi de aproximadamente 6,5 vezes a
demanda da indústria de semicondutores.
A evolução ocorrida nos últimos anos demonstra uma dependência
muito grande do volume anual de novas instalações de sistemas de ge-
ração fotovoltaicos em relação aos programas de incentivos adotados.
Como exemplo, o mercado observou taxas explosivas de crescimento en-
tre 2004 e 2011, suportadas principalmente pela expansão em dois países,
Alemanha e Itália, como reflexo de elevados incentivos implementados
por ambos. Por conta disso, a projeção da demanda futura é um grande
desafio para os analistas, que constantemente subestimam a demanda real
observada a cada ano.
A evolução irregular da demanda, associada ao longo prazo e elevado
investimento para implantação de novas plantas, tem levado historicamen-
te a um comportamento cíclico do mercado, alternando entre períodos de
escassez e excesso de oferta, com reflexo direto nos preços do silício, que,
por sua vez, replicam esse comportamento cíclico, com elevada amplitude
entre os preços máximos e mínimos nos últimos anos.
O cenário recente do mercado de silício foi marcado por uma bai-
xa taxa de crescimento de novas capacidades em potência fotovoltaica.
Segundo dados de EPIA (2013), o volume instalado no mundo, em 2012,
cresceu apenas 2,32% (Gráfico 3) em relação ao ano anterior, enquanto
na Europa houve no mesmo ano uma redução de 23,43%, parcialmente
explicada por uma relativa estabilização do mercado alemão e pela queda
brusca das novas instalações na Itália, após o boom verificado em 2011.
Assim, o mercado observou uma queda da participação da Europa em
2012, o que deve ser uma tendência também para os próximos anos, com
crescimento mais acelerado nos países com maior potencial de geração
solar (maiores taxas de irradiação) em comparação com um mercado eu-
ropeu mais maduro e menos impulsionado por políticas de governo.
grafico 03
216 Gráfico 3 | Acréscimo anual de capacidade em
potência fotovoltaica (em MW), 2000-2012
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

35.000

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Resto do mundo China Pacífico Asiático


Oriente Médio e África Américas Europa

Fonte: EPIA (2013).

Para os próximos anos, são projetados cenários considerando tanto o


mercado atuando livremente como dirigido por políticas de incentivo, o
que demonstra o quanto, no estágio atual, o mercado ainda é influenciado
pelas decisões políticas, enquanto o desenvolvimento pelas leis de merca-
do depende da redução dos preços dos sistemas de geração, a exemplo do
ocorrido em 2012.
Considerando a realidade atual de adoção de políticas de governo vol-
tadas para a geração de energia fotovoltaica, espera-se um crescimento da
demanda por silício cristalino em torno de 20% ao ano de 2014 a 2017, al-
cançando um volume em torno de 250 mil toneladas em 2014 e quatrocentas
mil toneladas em 2017, de acordo com dados divulgados na apresentação
de Schmid Silicon Technology no V Congresso Brasileiro de Energia Solar,
realizado no Recife, de 31 de março a 3 de abril de 2014.

Oferta
Impulsionado pelos programas de incentivos e pelo crescimento acele-
rado da nova capacidade instalada em 2007 (158%) e em 2010 (130%), o
mercado observou uma grande elevação da oferta nas diversas etapas da
cadeia fotovoltaica nos últimos anos.
Segundo relatório de junho de 2012 da Associação Brasileira da Indústria 217
Elétrica e Eletrônica (Abinee) [Abinee (2012)], ao fim de 2011 a capacidade

Metalurgia
anual de produção de células fotovoltaicas era de 57,9 GW, enquanto a de-
manda por nova capacidade nesse ano foi de 30,4 GW. As taxas de cresci-
mento da oferta situaram-se entre 36% e 120%, de 2007 a 2011, notando-se
maior crescimento na Ásia, com China e Taiwan respondendo, juntas, por
68% da oferta mundial em 2011.
A partir do aprofundamento da crise iniciada em 2008, principalmente na
Europa, o mercado observou uma redução da taxa de crescimento da deman-
da, o que agravou o excesso de capacidade da indústria, levando à mais acen-
tuada reversão observada no setor. Segundo Meza (2014), em 2013 os gastos
com equipamentos para geração solar reduziram-se para US$ 1,73 bilhão,
o menor valor em oito anos, em contraste com o pico de gastos de aproxima-
damente US$ 13 bilhões em 2011. O excesso de capacidade levou também
à queda acentuada dos preços dos sistemas de geração nos últimos anos,
causando o fechamento de fábricas de células menos competitivas, obriga-
das a deixar o mercado.
Com base nos dados de EPIA (2013), haveria uma sobrecapacidade ain-
da maior para produção do silício cristalino, o que justificaria a queda mais
acentuada verificada nos preços. O pico dos gastos com equipamentos e a
consequente elevação dos preços do silício cristalino levaram ao aumento
da capacidade produtiva, em um cenário que já era de sobreoferta de siste-
mas de geração. O excesso de capacidade para produção de silício levou à
queda significativa das taxas de utilização mesmo dos grandes produtores
de baixo custo, ocasionando queda acentuada dos preços.
A elevada disponibilidade de oferta de silício e a difusão de tecnologias
de purificação mundialmente configuram um mercado muito competitivo,
de margens operacionais reduzidas. Além disso, a expansão futura da ge-
ração de energia fotovoltaica depende da competitividade dessa fonte em
relação às demais fontes de energia, o que pressiona ainda mais a indústria
a reduzir os custos de produção dos sistemas geradores.
A queda do preço da energia solar, possibilitada pela queda dos cus-
tos dos sistemas de geração, observada ao longo dos anos, gera um oti-
mismo em relação ao alcance futuro da paridade de preços com formas
convencionais baseadas em combustíveis fósseis, o que levaria a enorme
expansão do mercado fotovoltaico. Segundo o prêmio Nobel de Economia
218 Paul Krugman [Krugman (2011)], “se a tendência de queda de preços
continuar – e parece que de fato está se acelerando –, em poucos anos atin-
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

giremos o ponto em que a eletricidade gerada pelos módulos solares se tor-


na mais econômica que a eletricidade gerada pela queima de carvão”. Essa
expectativa e a busca do domínio das tecnologias de purificação e fabrica-
ção de mais baixo custo podem ser consideradas fator indutor da oferta de
silício cristalino.
Em 2012, o preço de SiGS atingiu o valor mínimo de US$ 15,35/kg, e
os principais produtores de silício cristalino, Wacker Chemie (Alemanha),
Hemlock Semiconductor (EUA), GCL Solar (China) e OCI Chemical
Corporation (Coreia do Sul), responderam, juntos, por mais de 60% da pro-
dução mundial. A China é o maior produtor mundial de silício cristalino,
com produção em torno de 70 mil toneladas em 2012, voltada para o aten-
dimento da demanda interna da indústria chinesa, que concentra a produção
de células fotovoltaicas, liderada pela Suntech. A produção dos demais paí-
ses, após atendimento de suas demandas internas, é parcialmente exportada
para fabricação de células e módulos chineses.
Por fim, pode-se constatar que os anos de 2011, 2012 e 2013 foram ca-
racterizados por um enorme desequilíbrio do mercado gerado por escalada
de elevação de oferta, em um contexto de pico da demanda pela geração
fotovoltaica em 2010, não sustentada nos anos posteriores. Para os próxi-
mos anos, espera-se que o crescimento da oferta ao longo da cadeia ocorra
em patamares mais sustentáveis, amenizando os desequilíbrios entre oferta
e demanda observados historicamente.
Nos itens “Preços” e “Tendências de preços e custos”, a seguir, faz-se
uma análise mais detalhada do comportamento recente dos preços e custos
para uma avaliação das tendências do mercado de silício.

Preços
Nos primeiros quatro meses de 2011, em função da expectativa favorá-
vel de aumento da demanda por energia fotovoltaica, o estoque mundial de
painéis atingiu um volume equivalente a 10 GW. Nesse processo de estoca-
gem, toda a cadeia produtiva sofreu pressão de alta de preços, especialmente
os preços do silício cristalino, produto de maior consumo na fabricação de
módulos fotovoltaicos. Todo esse movimento, entretanto, deu-se em uma
estrutura de oferta que já apresentava sobrecapacidade.
Na segunda metade do ano, três das maiores produtoras mundiais de 219
silício cristalino colocaram em marcha novas capacidades. Além disso, a

Metalurgia
Noruega começou a aumentar a oferta de wafers no mercado spot, fazendo
com que os preços desses produtos e, consequentemente, do silício crista-
lino começassem uma trajetória de queda.
Como consequência desse movimento, muitas pequenas empresas chi-
nesas que operavam, em sua maioria, no mercado spot e apresentavam cus-
tos de produção na casa dos US$ 30,00/kg começaram a sair do mercado,
sendo substituídas por capacidades com maiores escalas e menores custos
médios de produção.
É interessante observar uma alteração na correlação de preços e
de volume de importação de silício cristalino da China. Antes desse
movimento, à medida que aumentavam as importações chinesas, o preço
spot do silício cristalino aumentava. Agora, apesar do aumento das im-
portações, o preço spot tem apresentado queda. Empresas de custos de
produção competitivos, por exemplo, a Hemlock Semiconductor e a REC
Silicon, dos EUA; a OCI, da Coreia do Sul; e a Wacker, da Alemanha,
têm suprido parcela do mercado doméstico chinês, em substituição às
empresas locais menores.
Cabe destacar, que, em outros países, empresas menos competitivas
também pararam a produção, como na Itália, na Rússia e até mesmo na
Coreia do Sul.
Apesar de os grandes produtores operarem com contratos de longo prazo,
os preços desses contratos têm sido influenciados pelo preço spot. Ainda
em 2011, os principais fornecedores renegociaram preços com seus clientes
refletindo o ajuste dos preços spot.
Em 2012, um dos principais movimentos do mercado foi o de desova
de estoques. Empresas chinesas produtoras de silício cristalino, que aban-
donaram as operações, começaram a se desfazer de seus inventários, para
obterem liquidez, vendendo-os no mercado spot, a baixos preços, pressio-
nando ainda mais os preços que já se encontravam muito abaixo da média
dos últimos anos. Como resultado, os níveis de utilização da capacidade
instalada (Nuci) de várias plantas produtoras apresentaram quedas expres-
sivas. Na Coreia do Sul, por exemplo, a OCI chegou a operar em um nível
de utilização da capacidade de 40%, no fim do ano.
220 Durante o ano de 2012, o preço spot internacional caiu 52%, mesmo
depois da queda de 58% observada em 2011, chegando a fechar o ano no
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

valor de US$ 15,35/kg, praticamente a metade dos preços dos contratos de


longo prazo.
A queda severa nos preços fez com que se iniciasse uma segunda onda
de fechamento de unidades, principalmente na Coreia do Sul e na China.
Em novembro de 2011, o Departamento de Comércio dos EUA iniciou
um processo antidumping relativo aos preços de módulos fotovoltaicos
contendo células fabricadas na China. Em janeiro de 2012, o Ministério de
Comércio da China solicitou uma investigação antidumping e antissubsídio
na produção norte-americana e coreana de silício cristalino.
O resultado da ação norte-americana foi anunciado em outubro de 2012.
Esperando que as ações chinesas fossem anunciadas em abril de 2013, hou-
ve antecipação das importações de silício por parte de empresas chinesas,
fazendo com que o preço spot batesse o valor de US$ 18,60/kg. Como o
Ministério de Comércio Chinês postergou o anúncio das medidas, o preço
cedeu um pouco, chegando a US$ 16,60/kg em julho, mas fechou o ano de
2013 em US$ 19,00/kg.

grafico 04
O Gráfico 4, a seguir, apresenta o movimento recente dos preços spot
do silício policristalino.

Gráfico 4 | Evolução do preço médio spot do silício policristalino (em US$/kg)

70

60

50

40

30

20

10

0
2º sem. 2010 1º sem. 2011 2º sem. 2011 1º sem. 2012 2º sem. 2012 1º sem. 2013 2º sem. 2013 mai. 2014

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da PVInsights (2014).


consumo
Tendências de preços e custos 221

Em uma distribuição cumulativa de custos de produção de SiGS, in-

Metalurgia
cluindo todas as tecnologias disponíveis, em 2012, das cerca de 350 mil
toneladas de capacidade instalada, aproximadamente 55% operaram
com custos de produção abaixo de US$ 20,00/kg. Com uma deman-
da mundial por SiGS, em 2012, de 189 mil toneladas, ou seja, com um
Nuci de 54%, o preço de 2012 fechou próximo a esse valor (custos
marginais de produção).
A indústria fechou o ano de 2013 com uma capacidade instalada apro-
ximada de 290 mil toneladas de SiGS e um Nuci de 76%. No ano, cerca
de 77% da capacidade industrial operou com custos de produção abaixo
de US$ 18,00/kg, fazendo com que os preços fechassem próximos a esse
valor (US$ 19,00/kg).
Graças ao movimento anteriormente apresentado pelo mercado, a ten-
dência é que novas instalações, que estão substituindo instalações menos
competitivas, venham a operar com custos abaixo desses valores. Em 2014,
deverão entrar em produção cerca de 60 mil toneladas, com baixos custos.
Cabe destacar uma pequena reação nos preços, nos primeiros meses de 2014,
fazendo o do silício spot atingir o valor de US$ 21,00/kg.
Esperam-se, para os próximos anos, custos marginais entre US$ 15,00/kg
e US$ 17,00/kg, podendo os preços, em cenário de baixa demanda, assu-
mir esses valores.
Mesmo em cenários mais otimistas, dificilmente, nos próximos três anos,
os preços spot chegarão a valores superiores a US$ 30,00/kg.

Brasil – oportunidades e perspectivas


O Brasil é considerado um país com potencial elevado para geração
de energia fotovoltaica, em virtude da oferta elevada de energia solar,
representada pelos bons níveis de irradiação solar apurados em seu ter-
ritório. Segundo dados disponíveis no site do projeto Solar and Wind
Energy Resource Assessment (SWERA), o Brasil é o quinto país com
maior potencial solar no mundo, de 24.993.114.080 MWh/ano, diante de
618.698.987 MWh/ano da Alemanha, país com a maior capacidade insta-
lada de geração fotovoltaica (36 GW, em 2013).
222 Dentre os principais benefícios advindos da expansão da energia foto-
voltaica no Brasil, destacam-se:
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

• Sinergia com a carga: no Brasil, os maiores picos de utilização


de energia são registrados em dias de intenso calor, por causa do
uso massivo de equipamentos de ar condicionado. Os dias mais
quentes são, em geral, dias ensolarados; portanto, a geração foto-
voltaica levaria a um aumento da carga gerada coincidente com
aumento da demanda.
• Complementaridade com a geração hidrelétrica: mais de 70%
de toda a eletricidade gerada no Brasil é proveniente da geração
hidrelétrica, a qual depende dos níveis dos reservatórios, determi-
nados pelo volume de chuvas em cada período. Logo, em períodos
de maior escassez de chuvas e, consequentemente, com maior
incidência de radiação solar, a maior produtividade da geração
fotovoltaica poderia compensar parcialmente quedas de produção
das hidrelétricas.
• Empregos e geração de renda em regiões de baixo desenvolvi-
mento: a quantidade de empregos gerados pela indústria fotovol-
taica é significativa quando comparada à das outras fontes. A maior
parte dos empregos é concentrada em empresas de instalação dos
sistemas, enquanto a fabricação dos módulos seria responsável por
aproximadamente 25% dos empregos gerados. O potencial de ge-
ração de emprego é especialmente importante no caso da geração
fotovoltaica no Brasil, pelo fato de as regiões com maior irradiação
e, portanto, maior potencial de geração solar, serem, em muitos
casos, regiões muito pobres, com baixo nível de desenvolvimento
e carentes de empregos. Dessa forma, as instalações fotovoltaicas
representariam uma atividade dinamizadora da economia dessas re-
giões, graças à geração de empregos diretos e indiretos, resultantes da
injeção de renda.
O setor fotovoltaico brasileiro conta com uma capacidade instalada acu-
mulada em torno de somente 20 MWp (megawatts-pico) e pode ser carac-
terizado pela presença de empresas atuantes apenas nas extremidades da
cadeia: produção de silício metalúrgico e montagem de módulos.
A Figura 3 mostra de forma simplificada a cadeia da indústria fotovol-
taica partindo do silício metalúrgico.

BS40-book 222 20/10/14 20:51


Figura 3 | Cadeia simplificada da indústria fotovoltaica 223

Metalurgia
Fonte: Elaboração própria.

O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de silício metalúrgico,


com produção atual de 170 milhões de toneladas, 8% da produção mundial
em 2013. Cerca de 82% da produção nacional é voltada para a exportação.
No Brasil, concentram-se as maiores reservas mundiais de quartzo de
alta qualidade, no qual é encontrado o óxido de silício processado para ob-
tenção do silício metalúrgico. A qualidade das jazidas brasileiras é um dos
fatores de competitividade das indústrias brasileiras, que exportam grande
parte da produção para abastecimento dos fabricantes de células no exterior.
O silício metalúrgico é comercializado a US$ 2,00/kg a US$ 3,00/kg,
enquanto o silício cristalino foi comercializado em torno de US$ 20,00/kg
ao fim de 2013, um valor da ordem de dez vezes maior. A produção de si-
lício cristalino no Brasil ainda é inexistente, assim como a produção de cé-
lulas, tendo em vista as economias de escopo envolvidas nos processos de
fabricação. No entanto, há alguns projetos em curso para desenvolvimento
e internalização de tecnologias de purificação, os quais poderão começar a
colher resultados nos próximos anos.
O setor fotovoltaico conta com apenas um fabricante de módulos: a
empresa Tecnometal, que iniciou sua produção em 2010, com capacida-
de de produção de 25 MWp ao ano. A empresa importa as células e faz a
montagem dos módulos em sua planta local. Este pode ser o início do de-
224 senvolvimento da cadeia fotovoltaica brasileira, a exemplo do ocorrido na
China – que iniciou sua produção pelas etapas finais da cadeia e atualmente
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

lidera o mercado mundial.


A indústria fotovoltaica pode ser considerada um setor estratégico, seja
pelos benefícios aqui expostos, seja pela trajetória de aumento da eficiência
e queda dos custos de implantação dos sistemas de geração e consequente
expectativa de avanço em direção a uma energia cada vez mais competitiva
em relação às demais fontes. O setor tem sido alvo de políticas de incentivos
de diversos países que vislumbram a evolução para um mercado de grandes
cifras. Trata-se de um mercado em desenvolvimento, no qual o Brasil deve
avançar para a produção ao longo de toda a cadeia e evitar a dependência
externa nos elos de maior valor, a exemplo do ocorrido na indústria eólica.
Relatórios de consultorias internacionais, em 2014, já demonstram a
paridade de rede da energia fotovoltaica (custo de geração equivalente ao
preço oferecido na rede) na Alemanha e na Itália. O Brasil é considerado
uma nação com elevado potencial, contudo os altos preços de instalação
seriam o maior obstáculo para o desenvolvimento da energia solar no país.
A redução dos preços de instalação, no entanto, somente é possível a par-
tir da consolidação de demanda mínima capaz de atrair novos agentes para
produção e distribuição dos sistemas de geração no Brasil.
Dessa forma, o aumento da demanda da indústria fotovoltaica deve ser
incentivado, o que vem ocorrendo em um movimento bem recente de par-
ticipação da energia solar em leilões de geração de energia e estímulo à in-
serção da energia solar no mercado de geração distribuída, caracterizada por
plantas de pequeno porte localizadas próximas aos centros de carga, sem
depender, necessariamente, do sistema nacional de transmissão.
O Brasil apresenta grande potencial para inserção da geração fotovoltaica na
forma de sistemas de geração distribuída, que ganharam maior destaque a partir
do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa),
de 2004. O programa, cujo objetivo era aumentar a participação da energia
eólica, da biomassa e da energia gerada em pequenas centrais hidrelétricas
(PCH) através de projetos conectados ao Sistema Elétrico Interligado Nacional
(SIN), não incluiu a energia solar, por esta apresentar, naquele momento, custo
de produção consideravelmente superior às demais fontes.
A partir de 2004, foram estabelecidas as primeiras diretrizes para gera-
ção e comercialização da energia proveniente de geração distribuída. Em
2012, como resultado de consulta e audiência públicas realizadas em 2010 225
e 2011, respectivamente, com objetivo de reduzir barreiras à geração dis-

Metalurgia
tribuída, a Resolução Normativa 482 estabeleceu as condições gerais para
o acesso de micro e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição
de energia elétrica, e criou o sistema de compensação de energia elétrica
correspondente (net metering).
O sistema definido na Resolução Normativa 482 tem a finalidade de
regular a troca de energia entre concessionária e usuários/geradores. Com
o sistema, o consumidor pode compensar seu consumo de energia a par-
tir da energia injetada à rede com micro ou minigeração distribuída, que é
abatida no momento da cobrança. O governo lançou em março de 2014 um
caderno para orientação ao público sobre o sistema. Espera-se que o desen-
volvimento do sistema impulsione nos próximos anos uma expansão mais
acelerada de projetos de micro e minigeração de consumidores comerciais
e residenciais, para os quais o custo de geração fotovoltaica já é bem pró-
ximo da tarifa final de energia (paridade de rede).
O ano de 2014 tem sido marcado pelo desabastecimento dos reservató-
rios de água e problemas para geração hidrelétrica, com a necessidade de
acionamento de usinas termelétricas e encarecimento do preço da energia
ao consumidor final. Enquanto os grandes projetos de geração não ficam
prontos, o governo busca promover projetos de geração menores, o que abre
mais espaço para a energia fotovoltaica. As previsões quanto às condições
geoclimáticas brasileiras indicam maior ocorrência de situações extremas
(como ausência prolongada de chuvas), tornando ainda mais representativo
o caráter complementar da energia fotovoltaica no sistema nacional.
Em 27 de dezembro de 2013, o estado de Pernambuco lançou o primeiro
leilão específico de energia solar no Brasil, com a contratação de 122,82 MW
de geração, em torno de seis vezes mais a capacidade acumulada instalada
atual. O leilão garantiu o início da instalação das primeiras seis usinas sola-
res de grande porte no país e estabeleceu um preço mais realista, em média
R$ 228,63/MWh, para futuras concorrências.
A energia solar já havia estreado nos leilões de energia do governo fe-
deral realizados no fim de 2013, mas competindo com usinas eólicas e à
biomassa. No entanto, o valor máximo estabelecido para a energia vendida
nos leilões A-3 (R$ 126,00/MWh) e A-5 (R$ 122,00/MWh), na prática, in-
viabilizava os projetos fotovoltaicos.
226 Com a realização de leilões específicos, espera-se gerar a demanda mí-
nima necessária para a instalação no Brasil das indústrias atuantes nos elos
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

de maior valor da cadeia fotovoltaica. Ao que parece, o leilão específico


para energia solar feito pelo estado de Pernambuco foi apenas o primeiro,
pois já há estudos para realização de leilões como esse pelo estado de São
Paulo e pelo governo federal. Recentemente, o governo federal anunciou,
ainda para outubro de 2014, leilão de energia de reserva, com contratos es-
pecíficos para energia solar.
De acordo com Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), em palestra durante o Energy Summit 2013 [Farid (2013)],
a energia fotovoltaica poderá superar todas as projeções de crescimento e
registrar um fenômeno de expansão, como ocorrido com a energia eólica.
A previsão, que, segundo ele, deverá ser revisada, é de que o país terá uma
nova capacidade de 1,4 GWp (gigawatts-pico) instalada nos próximos dez
anos. Trata-se de uma previsão muito conservadora, quando comparada à
expansão da energia eólica, a qual se encontra em um estágio mais avançado
de desenvolvimento no país e deverá alcançar uma capacidade acumulada
em torno de 10 GWp em 2015.
Com a evolução da energia fotovoltaica no Brasil, pode-se esperar que
o país comece a apresentar uma adição de capacidade fotovoltaica mais ex-
pressiva, a exemplo do que já ocorre na Europa, onde a energia fotovoltaica
foi responsável por 27,2% da nova capacidade em 2012.
Uma nova capacidade fotovoltaica de 2 GWp, instalada nos próximos
dez anos, representaria uma demanda brasileira em torno de 12 mil tone-
ladas de SiGS no período. Considerando um preço médio de US$ 20,00 a
25,00/kg, tratar-se-ia de um mercado de US$ 240 milhões-US$ 300 milhões
e um volume de cerca de 1,2 mil toneladas ao ano.
Há, no país, expectativa de implantação de unidades produtoras de SiGS,
nos próximos anos, de cerca de oitocentas toneladas ao ano. Inicialmente,
deverão ser feitos investimentos em plantas-piloto comerciais de até cem
toneladas ao ano, para ajustes e adaptações dos processos desenvolvidos a
partir dos resultados de pesquisas que estão sendo desenvolvidas.
Um importante aspecto a ser observado é a redução progressiva dos custos
de geração fotovoltaica. Esta tem sido uma realidade, ao passo que tem se
elevado o custo de geração do sistema elétrico. O Brasil vive um momen-
to oportuno para o desenvolvimento da indústria fotovoltaica e, diante das
oportunidades vislumbradas, as empresas já estão se engajando em projetos 227
de produção de SiGS no país.

Metalurgia
No início da cadeia produtiva, há atores relevantes que já fabri-
cam silício metalúrgico. Os principais são os seguintes: Dow Corning,
Liasa, Minasligas e Rima. Dentre esses, destaca-se a iniciativa das
brasileiras Minasligas (em parceria com o IPT e o BNDES) e Rima de inves-
tir em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) na rota metalúrgica de
produção do SiGS. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em par-
ceria com a brasileira Tecnometal, também está realizando P,D&I na rota me-
talúrgica, cujo projeto – no âmbito do Fundo Tecnológico (Funtec) – está em
análise no BNDES.
Destacam-se, ainda, investimentos da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUC-RS) – que possui acordo de cooperação
com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel/Eletrobras) – e do
Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec-MG) em P,D&I de
purificação de silício na rota química. Segundo informações no site do Cepel,
a PUC-RS atingiu em seus painéis solares, em testes laboratoriais, níveis de
eficiência energética superiores aos de produtos equivalentes no mercado.
No tocante à produção local de painéis fotovoltaicos, no Brasil, há
a Tecnometal, que possui uma linha de produção de 25 MWp ao ano e
intenciona expandir sua capacidade produtiva.
Vários grupos estrangeiros estão prospectando o mercado nacional, seja
para comercialização de suas tecnologias, seja para a implantação de li-
nhas de produção no país. São exemplos as empresas Oerlikon, SunPower,
Saint-Gobain e CEA-Liten.
Apesar do momento oportuno, o desenvolvimento da indústria foto-
voltaica ainda enfrenta desafios relacionados à capacidade do sistema de
distribuição em receber e gerir um maior volume de energia fotovoltaica,
dada a intermitência natural do recurso que causa súbita queda de geração
no sistema.
Além disso, a situação do setor elétrico, após a Medida Provisória
579/2012 e em um momento de preços mais elevados da energia no curto
prazo, a partir do aumento da geração térmica, tem representado um proble-
ma para a sustentabilidade das indústrias de silício metalúrgico. A produção
de silício metálico é eletrointensiva, a energia elétrica chega a representar
228 até 35% dos custos de produção do silício metalúrgico. Há incerteza quan-
to à energia disponível para negociação futura no mercado livre, o que tem
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

impedido a renovação de contratos de fornecimento de longo prazo, funda-


mentais para a sustentabilidade das indústrias desse segmento.
A incerteza relacionada à contratação de energia futura pode induzir ao
adiamento de projetos de produção do SiGS no Brasil, por meio do desen-
volvimento da rota metalúrgica de purificação do silício. A rota metalúrgi-
ca beneficia-se da experiência metalúrgica brasileira e os projetos poderão
alcançar em pouco tempo um processo competitivo mundialmente.

A inovação brasileira para a produção


de SiGS via rota metalúrgica
Até o fim da década de 1990, a fonte de silício para a indústria de pai-
néis fotovoltaicos era de rejeitos gerados na produção do silício empregado
na fabricação de circuitos integrados (SiGE, o qual tem aproximadamen-
te 99,9999999% de pureza), já que o nível de pureza do silício exigido na
produção de células solares, de 99,999% a 99,9999%, é inferior ao da in-
dústria eletrônica.
No entanto, com o aumento da demanda pela energia solar fotovoltaica,
o qual não foi acompanhado pela indústria de semicondutores, houve a ne-
cessidade de instalação de unidades cativas para a produção de SiGS, que
hoje já supera a produção de SiGE, conforme já visto. Paralelamente, em
função da necessidade de redução de custos de produção, iniciou-se uma
corrida por processos alternativos de obtenção de SiGS.
Uma primeira consequência desse panorama foram os investimentos
que os produtores de SiGE fizeram, na tentativa de adaptar etapas menos
onerosas ao processo químico de produção de SiGE, conhecido como pro-
cesso Siemens-C.
Outra importante consequência foram os investimentos realizados por
parte de empresas, institutos e universidades para tentar obter um SiGS a
partir da purificação direta do SiGM.
O Brasil não conta com nenhuma indústria química de produção de SiGE,
as quais, como mencionado anteriormente, são grandes indústrias químicas
e de alta tecnologia, voltadas ao mercado de equipamentos eletrônicos. É
importante observar que dificilmente se pode dissociar a indústria de pro-
dução de SiGE da de produção de SiGS pela rota química, já que essa rota 229
é derivada da rota do SiGE, com algumas etapas a menos. Portanto, para a

Metalurgia
produção de SiGS a partir da rota química, há necessidade de aproveitamento
de escala e de escopo de uma unidade de SiGE.
A principal rota de produção do SiGS que está sendo investigada no
Brasil é a rota metalúrgica. Na rota metalúrgica, o desafio é muito mais
tecnológico do que econômico (como é o caso da rota química), já que as
operações envolvidas na purificação do silício por essa rota (por exemplo,
fusão, solidificação controlada, refino piro e hidrometalúrgico) são muito
mais próximas do que é dominado hoje pelas indústrias brasileiras produtoras
de SiGM, facilitando sua adaptação. Além disso, a técnica de purificação até
o grau solar não está ainda totalmente dominada, ou seja, ainda há espaço
para competição, diferentemente da rota química, em que as empresas que
já são produtoras de SiGE levam grande vantagem.
O país conta com institutos de pesquisa que já têm experiência na puri-
ficação do silício metalúrgico, podendo-se citar o IPT e a Unicamp.
Contando com o apoio do BNDES, através de recursos do Funtec, dois
projetos visando à produção de SiGS solar estão sendo desenvolvidos: (i) um
pelo IPT, em parceria com a empresa Minasligas; e (ii) outro pela Unicamp,
com a interveniência da Tecnometal.
No projeto que está sendo desenvolvido pelo IPT em parceria com a
Minasligas, a rota de purificação está praticamente desenvolvida, faltando
apenas definir quais etapas são mais vantajosas do ponto de vista econô-
mico e a qualificação do produto, que será feita por meio das medidas fí-
sicas realizadas em lâminas obtidas após a cristalização do silício. Pode-se
afirmar que se atingiu o refino pretendido, ou seja, aumento da pureza do
silício de 99,5% (SiGM) para um teor maior que cinco noves de pureza
(>99,999% – SiGS).
Apesar de ainda haver possibilidade de ajustes ou pequenas alterações nos
processos desenvolvidos até o momento, a empresa interveniente Minasligas
está iniciando o estudo de viabilidade econômica da rota tecnológica desen-
volvida. Cabe ressaltar que a Minasligas submeteu projeto, no âmbito do
Plano Inova Energia, pleiteando apoio financeiro a seu plano de negócios, o
qual objetivará, em um primeiro momento, a instalação de uma planta-piloto
de purificação de silício com capacidade anual de cem toneladas.
230 Pode-se ainda citar a inciativa da empresa Solven, que, também no âmbi-
to do Plano Inova Energia, está pleiteando financiamento para a construção
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

de uma planta-piloto com capacidade de produção anual de 72 toneladas de


SiGS pela rota metalúrgica e de wafers.
É importante destacar que a inovação brasileira no processo de
purificação do silício pela rota metalúrgica, além de se ater à questão da
eficiência fotovoltaica, deve se preocupar com os custos dos processos em
escala industrial, por causa da tendência de preços baixos e do movimento
de instalações de novas unidades que estão substituindo instalações menos
competitivas e que deverão operar com custos cada vez menores.

O papel do BNDES
A evolução recente observada no setor elétrico brasileiro abre oportuni-
dades para negócios no âmbito de novas fronteiras tecnológicas, incluindo
o desenvolvimento da indústria fotovoltaica brasileira. Com a realização
dos primeiros leilões fotovoltaicos, espera-se gerar uma demanda capaz de
estimular a produção brasileira nos diversos elos da cadeia. A energia solar
também acaba de receber impulso gerado pela recente normatização dos
critérios de inserção e comercialização da geração distribuída pela Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
No mercado, há propostas de empresas com planos de negócios para
explorar tanto a comercialização de equipamentos (por exemplo, painéis
fotovoltaicos) para os consumidores finais quanto a própria implantação de
usinas geradoras. Além disso, também estão em curso projetos de desenvol-
vimento de processos de purificação de silício e produção ao longo da cadeia.
O Programa Inova Energia, lançado em parceria com a Finep – Inovação
e Pesquisa e a Aneel, já selecionou projetos para desenvolvimento produ-
tivo em elos de maior valor, como a produção de SiGS, e pode ser o início
de um período de apoio crescente a novos projetos na cadeia.
Como principal instituição de financiamento de longo prazo para a rea-
lização de investimentos no Brasil, o BNDES possui linhas e programas de
financiamento capazes de suportar projetos que visem ao desenvolvimento
de processos de fabricação e instalação de plantas produtivas da nascente
indústria fotovoltaica no Brasil.
Conclusões 231

Nos últimos cinco anos, observou-se uma evolução bastante pronunciada

Metalurgia
de instalações de unidades de potência fotovoltaica em todo o mundo. Esse
crescimento, mesmo que se dê a taxas menores que as verificadas nesse
período, deve continuar de forma robusta nos próximos anos, ancorado em
uma estratégia consolidada de renovação da matriz energética por meio de
fontes de energia limpas e renováveis.
Um dos aspectos fundamentais no desenvolvimento da cadeia produtiva
fotovoltaica, que tem como etapa de maior desafio tecnológico a produção
de SiGS, é a necessidade de se obterem baixos custos de produção, para
fazer frente a um cenário mundial de instalação de novas capacidades com
custos cada vez menores.
Entre os países com maior potencial solar no mundo, o Brasil, que con-
ta com jazidas de quartzo de alta qualidade – um dos principais fatores de
competitividade na produção de silício metalúrgico –, realizou seu primei-
ro leilão específico e garantiu o início da instalação das primeiras usinas
solares de grande porte.
As recentes iniciativas brasileiras para a promoção da energia fotovol-
taica, que incluem também o incentivo a projetos de micro e minigeração
de consumidores comerciais e residenciais, poderão consolidar demanda
mínima capaz de atrair o interesse de investidores para o desenvolvimento
da produção nas diversas etapas da cadeia fotovoltaica no país.
A exemplo do ocorrido na China, que iniciou sua produção pelas eta-
pas finais da cadeia e atualmente lidera o mercado mundial, o Brasil pode
verticalizar a montante a produção de módulos fotovoltaicos e viabilizar a
produção de SiGS em escala, podendo vir a ser um fornecedor desse im-
portante insumo para a geração de energia fotovoltaica.

Referências
Abinee – Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica.
Propostas para inserção da energia solar fotovoltaica na matriz elétrica
brasileira. [S.l.]: Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica –
Grupo Setorial de Sistemas Fotovoltaicos, jun. 2012.
232 Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica. Micro e minigeração
distribuída: sistema de compensação de energia elétrica. Brasília: Aneel,
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?

mar. 2014, 28 p. (Cadernos Temáticos Aneel).


De Wild-Scholten, M. J. et al. LCA comparison of the Elkem solar
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European Photovoltaic Solar Energy Conference, 23, 1-5 set. 2008,
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Metalurgia
Sites consultados
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SWERA – Solar and Wind Energy Resource Assessment – <en.openei.
org/apps/SWERA/>.
Ferroviário
BNDES Setorial 40, p. 235-282

Transporte sobre trilhos no Brasil:


uma perspectiva do material rodante

Luiz Felipe Hupsel Vaz


Bernardo Hauch Ribeiro de Castro
Daniel Chiari Barros
Carlos Henrique Reis Malburg
Filipe de Oliveira Souza
Allan Amaral Paes de Mesentier*

Resumo
O presente artigo busca traçar um panorama da indústria de material rodan-
te, tendo em vista a perspectiva de aumento do investimento em novas fer-
rovias para carga e para transporte urbano sobre trilhos no Brasil. Para tal,
são apresentados os principais tipos de transporte sobre trilhos, explorando
suas particularidades, aplicações e identificando os maiores produtores glo-
bais. Apesar de ainda pouco relevantes em termos mundiais, o Brasil possui
plantas de algumas das principais empresas do mundo, além de produtores
nacionais. Contudo, até o momento, a produção local tem sido altamente
volátil e marcada por grande incerteza. Discutem-se, portanto, as implica-
ções dos novos investimentos para estabilização e crescimento do mercado
brasileiro, propondo algumas medidas para um planejamento de longo prazo.

Respectivamente, engenheiro, gerente e economista do Departamento das Indústrias Metal-Mecânica


* 

e de Mobilidade da Área Industrial do BNDES; e gerente, arquiteto e economista do Departamento


de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano da Área de Infraestrutura Social do BNDES. Os autores
agradecem os comentários de Antonio Marcos Ambrozio e Haroldo Fialho Prates, além do auxílio
de Marcos Fernandes Machado e de Suzana Gonzaga da Veiga, isentando-os da responsabilidade por
erros remanescentes.
236 Introdução
O Brasil é um país de dimensões continentais, exportador de commodities
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

e com grandes centros urbanos densamente povoados. O transporte sobre


trilhos para aplicação tanto em cargas como em passageiros tem maior po-
tencial quando utilizado justamente nessas condições. Ao longo de sua his-
tória, porém, o meio ferroviário nunca figurou como centro das políticas
de transporte. Assim, o transporte rodoviário ocupou gradativamente essa
ausência, tornando-se o meio mais utilizado no país.
Há ampla literatura discutindo escolha de modos de transporte. Diferentes
autores abordam os benefícios e limitações de cada opção, seja o modo
ferroviário, rodoviário, aéreo, aquaviário ou dutoviário [Lacerda (2002);
Marchetti e Ferreira (2012); Herdy, Malburg, e Santos (2012)]. Contudo,
pouco se discute um aspecto essencial uma vez definido o modo de transpor-
te: o material rodante. Material rodante ferroviário é composto de material
de tração, como locomotivas, além de trens, metrôs, carros de passageiros
e vagões para carga [ANTF (2014a)].
Como há investimentos previstos de mais de R$ 100 bilhões em trans-
porte sobre trilhos até 2017, a tendência natural é alavancar a demanda por
material rodante novo. Esse montante se divide em R$ 46 bilhões para trans-
porte urbano sobre trilhos e mais R$ 57 bilhões do Plano de Investimentos
em Logística (PIL) do governo federal, anunciado em agosto de 2012.
O plano consiste na construção de novas ferrovias e recuperação de tre-
chos degradados. Há também, em um horizonte ainda indefinido, mais
R$ 35,6 bilhões para a construção do trem de alta velocidade (TAV) ligando
o Rio de Janeiro a São Paulo [Logística Brasil (2014)].
Para grandes distâncias (em geral acima de 1.500 km) e cargas de alta
tonelagem, o transporte ferroviário tende a ser mais competitivo quando
comparado ao rodoviário. Um vagão graneleiro, por exemplo, com capa-
cidade de carga de cem toneladas, é capaz de substituir 3,57 caminhões.
Um trem com cem vagões, por conseguinte, substitui 357 caminhões
[ANTF (2014b); CNT (2013)].
A matriz de carga brasileira, porém, é fortemente baseada no meio ro-
doviário. Segundo o Instituto Ilos, 67% de toda a carga no país é transpor-
tada por esse meio, contra 18% pelo ferroviário, mesmo este último sendo
consideravelmente mais competitivo (Tabela 1). Como comparativo, nos
Estados Unidos da América (EUA), o meio mais utilizado para cargas é jus-
tamente o ferroviário, com 37% do total, seguido pelo rodoviário com 31%, 237
dutoviário com 21%, aquaviário com 10% e aéreo com 0,3% [Ilos (2014)].

Ferroviário
Tabela 1 | Transporte de cargas: participação e custos
operacionais em 2012 (Brasil e EUA)
Meio Brasil EUA
TKU (%) US$/mil TKU TKU (%) US$/mil TKU
Rodoviário 67 133 31 310
Ferroviário 18 22 37 29
Aquaviário 11 30 10 10
Dutoviário 3 25 21 9
Aéreo 0,04 1.060 0,3 1.107
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Ilos (2014).
TKU: toneladas transportadas por quilômetro útil.

O cenário é semelhante no transporte de passageiros. Não há, no país,


um sistema nacional de transporte entre cidades, tradicional ou de alta
velocidade, limitando as opções ao transporte aéreo e ao rodoviário, ou
a aplicações restritas ao transporte entre grandes cidades e suas respec-
tivas regiões metropolitanas. A Coreia do Sul, por exemplo, país com
área 85 vezes menor que a do Brasil, possui 412 km de linhas de alta ve-
locidade em operação e mais 562 km em construção, visando aos Jogos
Olímpicos de Inverno de 2018 em PyeongChang. A Turquia iniciou sua
malha de alta velocidade em 2003 e já conta com 888 km, com desta-
que para a linha que conecta Ankara a Istambul, maiores cidades do país.
A China iniciou sua malha ferroviária de alta velocidade em 2007 e, no
fim de 2012, já contava com a maior rede do mundo, totalizando mais de
10.000 km de vias.
A China também lidera os números globais no transporte urbano de
passageiros sobre trilhos. Xangai e Pequim possuem as duas maiores ma-
lhas de metrô do mundo, tendo a primeira mais de 500 km de rede e 337
estações, apesar da relativa recente inauguração, em 1995 (Tabela 2). Entre
os sistemas brasileiros, o maior é o de São Paulo, com 75,2 km e 68 esta-
ções, sendo o 41º maior do mundo. A região metropolitana de São Paulo
tem população próxima à da Cidade do México, que possui a malha mais
extensa da América Latina, com 180 km, transportando mais de 4 milhões
de pessoas por dia.
238 Tabela 2 | Maiores sistemas de metrô do mundo por tamanho da rede
Região Milhões País Abertura Rede Estações Passageiros
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

metropolitana de (km) por dia


habitantes
1 Xangai 23,7 China 1995 533 337 6.240.000
2 Pequim 21,2 China 1969 442 262 6.740.000
3 Londres 13,6 Inglaterra 1863 402 270 3.210.000
4 Nova York 19,8 EUA 1904 368 468 4.530.000
5 Seoul 25,7 Coreia do 1974 326,5 302 6.900.000
Sul
6 Moscou 17 Rússia 1935 325,5 194 6.550.000
7 Tóquio 36,9 Japão 1927 304,5 290 8.500.000
8 Madrid 6,4 Espanha 1919 286,3 282 1.470.000
9 Guangzhou 16,8 China 1999 256,2 166 5.000.000
10 Paris 12,2 França 1900 219,9 383 4.180.000
11 Délhi 21,8 Índia 2002 198,3 149 1.660.000
12 Cidade do 20,1 México 1969 180 195 4.410.000
México
13 Shenzhen 11,9 China 2004 178,4 131 362.000
14 Hong Kong 7,1 Hong 1979 175 95 3.960.000
Kong
15 Washington 5,9 EUA 1976 171,2 90 597.000
16 Mumbai 20,8 Índia 2014 171 73 1.500.000
17 Chongqing 6,3 China 2005 168 100 1.100.000
18 São 5,9 EUA 1972 166,9 44 304.000
Francisco
19 Chicago 9,5 EUA 1892 166 152 608.000
20 Cingapura 5,2 Cingapura 1987 150,8 106 2.180.000
41 São Paulo 20,8 Brasil 1974 75,2 68 2.400.000
78 Brasília 2,6 Brasil 2001 42 24 151.000
79 Rio de 11,9 Brasil 1979 42 36 581.000
Janeiro
82 Recife 3,8 Brasil 1985 39,5 28 225.000
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Metrobits.org (2014) e consulta a órgãos locais.

O cenário apresentado aponta a grande lacuna existente entre o Brasil


e os demais países em relação ao transporte sobre trilhos. Fica clara a ne-
cessidade de investimentos no setor para aumentar a competitividade do
país em cargas e facilitar a vida dos cidadãos no transporte de passageiros.
Estimativas indicam que as populações das maiores regiões metropolitanas 239
brasileiras estão entre as que mais demoram no deslocamento casa-trabalho

Ferroviário
em todo o mundo [Pereira e Schwanen (2013)].
Os investimentos em infraestrutura e transporte sobre trilhos têm o ob-
jetivo justamente de reverter esse quadro. Com o consequente aumento
da demanda por material rodante, o objetivo do presente artigo é traçar
um panorama global dessa indústria e discutir seu atual estágio no Brasil,
possibilitando um maior conhecimento do segmento e subsidiando futuras
ações do BNDES.

Breve histórico das ferrovias no Brasil


O surgimento das primeiras ferrovias no país remonta ao Brasil Império.
Em 1852, o Império instituiu a Lei de Garantia de Juros, por meio do
Decreto 641, que estabeleceu um dos primeiros sistemas de concessões
da história do país. O decreto autorizava a construção e a exploração das
ferrovias por um prazo de até noventa anos [CNT (2013); Ipea (2010);
DNIT (2014)].
Entre os diversos incentivos do decreto, três merecem destaque.
Primeiramente, havia garantia de retorno de até 5% sobre o capital inves-
tido na construção da ferrovia: o governo pagaria ao investidor privado,
com recursos públicos, o montante necessário para garantir a viabilidade
econômica do projeto. Em segundo lugar, o decreto isentava do imposto
de importação trilhos e equipamentos ferroviários em geral. Por fim, a lei
proibia a construção de outra ferrovia em um raio de cinco léguas (aproxi-
madamente 33 km), garantindo monopólio do transporte para o investidor
na região e melhorando o retorno sobre o investimento [CNT (2013)].
Apesar de as medidas terem incentivado o investimento privado, houve
uma série de problemas. Como não foi criado um órgão regulador, o cres-
cimento da malha foi desordenado e sem planejamento. Um exemplo é o
uso de diferentes tipos de bitola, o que inviabiliza a integração entre as vias.
Em paralelo, os desembolsos governamentais para garantir a taxa de retorno
aos investidores se tornaram insustentáveis para o Tesouro Nacional, bem
como a isenção fiscal gerou grandes déficits às contas nacionais. Como úni-
ca saída, o Império diminuiu os incentivos da lei, o que resultou no menor
interesse de investidores privados. O próprio governo passou, então, a rea-
240 lizar os investimentos em novos trechos e a participar como acionista em
ferrovias privadas. Em 1889, fim do Império, a malha nacional era de
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

9,5 mil km, sendo o governo dono de um terço desse montante [CNT (2013)].
Com a Proclamação da República, houve novo ímpeto para a construção
de novas ferrovias. À época, a economia era fundamentalmente agrícola e
agroexportadora, daí a necessidade de se transportar commodities do interior
para portos exportadores. A ferrovia Madeira-Mamoré, em Rondônia, por
exemplo, foi inaugurada em 1912 com o objetivo de transportar borracha
da Amazônia aos rios para exportação. A mesma lógica balizou os investi-
mentos no Centro-Sul, especialmente durante o ciclo do café [Ipea (2010)].
Contudo, mais uma vez, não houve um planejamento para articular o
território nacional e integrar a rede. Pequenas ferrovias dispersas e isoladas
foram construídas, mas logo perderam sua viabilidade financeira com o fim
dos ciclos econômicos. Em 1922, o país contava com 29.000 km de ferro-
vias, 2 mil locomotivas a vapor e 30 mil vagões [DNIT (2014)].
A partir da década de 1920, houve um aumento do investimento em ro-
dovias, que passaram a competir com as ferrovias pelos recursos públicos.
Com a escassez de verbas e a fragmentação da malha, aumentavam as difi-
culdades de gestão das ferrovias nacionais. Mesmo assim, as ferrovias ga-
nharam sobrevida no país, principalmente em virtude do advento da tração
elétrica, em 1930, em substituição aos trens movidos a vapor, e posterior-
mente, em 1939, pela tração diesel-elétrica, que gerou considerável ganho
de eficiência [CNT (2013)].
A inflexão ocorre de fato na década de 1950. Com o processo de industria-
lização e urbanização do Brasil, houve grande demanda pelo tráfego de car-
gas, que foi atendida pelos crescentes investimentos em rodovias. As ferrovias
ficaram em segundo plano, o que deflagrou diversas falências. O governo,
então, em 1957, decide estatizar diversas companhias ferroviárias e centrali-
zar o comando em duas empresas: a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA),
que uniu 42 ferrovias; e a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), que englobava
as ferrovias do estado de São Paulo. O objetivo central era eliminar trechos
deficitários e focar em transporte de cargas, em detrimento ao de passagei-
ros [DNIT (2014); Ipea (2010)].
As décadas seguintes foram de grandes dificuldades para as ferrovias.
Com a crise do petróleo nos anos 1970 e as sucessivas crises vividas pelo
Brasil nos anos 1980, o investimento caiu e houve sucateamento da infraes-
trutura e do material rodante. A opção do governo, dessa vez, foi pela 241
privatização das ferrovias sob controle estatal. A RFFSA foi incluída no

Ferroviário
Programa Nacional de Desestatização (PND), entrou em liquidação em 1992
e seus ativos foram leiloados em 1996. A malha da Fepasa foi incorporada à
RFFSA e concedida a investidores privados. A RFFSA foi totalmente extinta
em 2007 e, atualmente, as principais ferrovias nacionais encontram-se sob
gestão de grandes grupos privados [CNT (2013); Ipea (2010)].

Principais tipos de material rodante


A primeira etapa para melhor compreensão do material rodante é entender
os dois principais tipos de tração, que podem ser usados no transporte tan-
to de passageiros como de cargas. Fundamentalmente, a diferença consiste
em onde está localizada a unidade de força. A primeira e mais antiga forma
é com o uso de locomotivas, nas quais toda a força de tração está locali-
zada em um único elemento. A locomotiva concentra toda a tração, sendo
capaz de puxar (ou empurrar) vagões de carga ou passageiros ao longo da
via [Delcan Arup (2010)].
Com o passar do tempo e a necessidade de manobras rápidas, em especial
em ambiente urbano, a tração precisava ser descentralizada. Ao realizar tal
alteração, não haveria mais a necessidade de acoplar uma nova locomotiva
no fim de um trem para realizar a viagem de volta. Bastaria que os coman-
dos do trem fossem disponibilizados nas duas pontas e o operador mudaria
de lado nas estações finais. A técnica utilizada consistiu no emprego de pe-
quenos motores ao longo do trem, em vez de um grande motor centralizado
na locomotiva. Dessa forma, alguns carros teriam tração e outros não, sen-
do carregados pelos motorizados [Railway Technical Web Pages (2014a)].
Essa configuração é conhecida como litorina ou “trem unidade” (ou ain-
da, em inglês, multiple unit – MU). Segundo a Associação Nacional dos
Transportes Ferroviários (ANTF), “Trem Unidade é o conjunto de dois
ou mais carros de passageiros, tendo pelo menos um carro motor ligado a
carro(s) reboque(s), formando uma unidade distinta” [ANTF (2014a, p. 59)].
A utilização de trem unidade para o transporte urbano também é favore-
cida por outros motivos, além da mais fácil e ágil manobra. A configuração
de tração descentralizada permite uma aceleração mais rápida, o que be-
neficia sua utilização em sistemas que requerem paradas constantes, como
metrôs. A descentralização também permite que o trem continue viagem
242 caso haja falha em algum motor. A configuração centralizada só permitiria
continuar caso houvesse mais de uma locomotiva, o que nem sempre é viá-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

vel. Por fim, há uma distribuição melhor do peso, o que admite a operação
em trilhos dimensionados para tensões menores e gera menor desgaste do
material [UIC (2003)].
Os trens unidade podem ser elétricos ou a diesel. Os elétricos são de-
nominados trem unidade elétrica (TUE), ou electric multiple unit (EMU),
e são alimentados via catenária (com corrente alternada) ou terceiro trilho
(com corrente contínua).1 Já os movidos a diesel são chamados trem unidade
diesel (TUD), ou diesel multiple unit (DMU), e são independentes de ali-
mentação externa, já que possuem toda a motorização e todo o tanque de
combustível embarcados. Em compensação, há maior ruído e vibração nos
trens [Delcan Arup (2010)].
Já para o transporte de cargas, a opção mais usual é a tração por locomo-
tivas. Isso ocorre em virtude da maior flexibilidade proporcionada. Desde
que a carga seja mantida dentro da capacidade da locomotiva, qualquer
quantidade de vagões pode ser acoplada. Como cada vagão é projetado para
uma aplicação distinta (conforme será abordado na subseção “Vagões”), a
adoção de uma tração descentralizada resultaria na incorporação de tração
em um número grande de diferentes tipos de vagões. Isso poderia resultar
em um maior custo do material rodante e menor flexibilidade. Com a uti-
lização de locomotivas, podem-se acoplar diversos vagões, de inúmeras
aplicações, às locomotivas, de acordo com a demanda [Railway Technical
Web Pages (2014a); Delcan Arup (2010)].

Carga
Locomotivas
As primeiras locomotivas comerciais datam do início do século XIX.
Eram equipamentos movidos a vapor, gerado pela queima de madeira ou
carvão. Todo o combustível para queima e a água para resfriamento das
caldeiras eram transportados dentro da locomotiva. Esse padrão se manteve

1
  Do ponto de vista de transmissão de energia, a corrente alternada (CA) pode ser transmitida a altas
tensões via condutores de menor diâmetro, como as linhas da catenária. Já a corrente contínua (CC)
necessita de um condutor maior, como um próprio trilho, daí a utilização do denominado terceiro trilho.
Em geral, usa-se CA para longas distâncias e CC para curtas, como transporte urbano. Linhas CC, na
maioria das vezes, vão até 3.000 V e linhas CA ficam entre 15.000 V e 50.000 V [Railway Technical
Web Pages (2014b)].
predominante até a Segunda Guerra Mundial, mesmo com o surgimento das 243
locomotivas elétricas, já no fim do século XIX.

Ferroviário
A tração elétrica possui a vantagem de ser muito mais eficiente ener-
geticamente. Nela, a locomotiva capta energia via pantógrafo de linhas
eletrificadas ao longo da via, chamada catenária. Contudo, em virtude de
elevados custos fixos de manutenção da infraestrutura e obsolescência dos
equipamentos, a tração simplesmente elétrica em locomotivas foi sendo
substituída por um modelo híbrido.
Apesar de também datarem do fim do século XIX, os motores de combus-
tão interna a gasolina e a diesel não foram muito aceitos em locomotivas. Os
principais motivos eram o tamanho e o peso extremos, além da dificuldade
em transmitir torque às rodas. A solução foi a adoção de um modelo híbri-
do: um motor a diesel aciona um gerador que produz energia elétrica para
movimentar motores de tração. Nascia, assim, locomotiva diesel-elétrica, o
formato mais adotado no mundo até hoje. Por fim, há também a locomoti-
va diesel-hidráulica. Nessa configuração, a força é transmitida às rodas por
um conversor de torque, que é acionado pelo motor a diesel e movimenta
o fluido que gera movimento.

Vagões
O segundo elemento do material rodante de cargas é o vagão. Há diversos
tipos, para as mais variadas aplicações e tipos de produto transportado. A
norma brasileira de classificação de vagões NBR11691 organiza essa gama
em alguns principais tipos, conforme o Quadro 1.

Quadro 1 | Tipos de vagões e suas aplicações segundo a NBR11691


Tipo de vagão Aplicação Classificação
Fechado Granéis sólidos, ensacados, caixarias, cargas F
unitizadas e produtos em geral que não podem ser
expostos ao tempo
Gôndola Granéis sólidos e produtos diversos que podem ser G
expostos ao tempo, como minério de ferro
Hopper Fechados para granéis corrosivos e granéis sólidos H
que não podem ser expostos ao tempo e abertos para
os granéis que podem ser expostos ao tempo, como
grãos e farelo de soja, milho e calcário agrícola
Isotérmico Produtos congelados em geral I
(Continua)
244 (Continuação)
Tipo de vagão Aplicação Classificação
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

Plataforma Contêineres, produtos siderúrgicos, grandes volumes, P


madeira, peças de grandes dimensões
Tanque Cimento a granel, derivados de petróleo claros e T
líquidos não corrosivos em geral
Especial Produtos com características de transporte S
particulares, tais como lingotes, placas de aço, sucata,
escória e produtos siderúrgicos de alta temperatura
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).
O tipo do vagão é o primeiro passo para sua classificação. Segundo a
norma NBR11691, cada vagão em circulação no Brasil obedece a um cri-
tério de classificação de acordo com seu tipo, subtipo, peso bruto máximo
(também denominado “manga de eixo”) e proprietário. O Apêndice traz o
procedimento completo de categorização.

Passageiros
Existem diversas opções de transporte de passageiros sobre trilhos. Os
tipos e as aplicações se estendem desde pequenos trens movimentando pes-
soas dentro de um complexo, como um aeroporto, até composições de alta
velocidade conectando diferentes cidades. Entre esses diferentes propósitos,
é possível dividir o transporte de passageiros em urbano e regional.

Transporte urbano
O transporte urbano pode, por seu turno, ser subdivido em diferentes ti-
pos, de acordo com a área de abrangência e capacidade de carga.
Para pequenas áreas de abrangência e baixa capacidade, como um par-
que temático ou um aeroporto, o material rodante é comumente chamado de
people mover (Quadro 2A). Segundo a Associação Americana de Transporte
Público (APTA), um people mover é composto por um ou mais carros, tra-
fega em vias eletrificadas e opera de forma automatizada, sem operadores
a bordo. Pode operar tanto em intervalos regulares, ou sob demanda espe-
cífica de passageiros [APTA (2014)].
Apesar de também operarem tradicionalmente em regiões menores,
como parques temáticos, os sistemas de monotrilho não são necessariamen-
te people movers. O que os distingue dos demais tipos de material rodante
é sua concepção. Fundamentalmente, um monotrilho é um sistema consti-
tuído por um único trilho (ao contrário dos sistemas tradicionais de trilhos 245
paralelos), em que o trem é necessariamente maior que a via (Quadro 2B).

Ferroviário
As vias, por sua vez, são sempre eletrificadas e segregadas, sendo a maio-
ria elevadas, mas podem ser também subterrâneas ou ao nível da rua [The
Monorail Society (2014); APTA (2014)].
O monotrilho vem ganhando aplicações de maior porte recentemente.
Algumas cidades usam esse sistema para transporte dentro dos centros urba-
nos (como Seattle, nos EUA) e outras como opção de transporte de massa,
como é o caso da cidade chinesa de Chongqing, que possui a maior linha
de monotrilho do mundo, com 72 km de vias. No Brasil, foram anunciados
investimentos em linhas de monotrilho em São Paulo (linhas 15 – Prata e
17 – Ouro) e no Rio de Janeiro (Linha 3), em ambos como transporte de
massa, não restritas ao centro.
No passado, eram os bondes que dominavam os centros urbanos
(Quadro 2C). Eles serviram em diversas regiões metropolitanas como o
principal meio de transporte de passageiros. Contudo, à medida que as ci-
dades cresceram, os bondes ficaram restritos a um papel coadjuvante ou
apenas turístico, já que sua baixa capacidade de transporte e velocidade
reduzida inviabilizavam uma expansão para os subúrbios [Cervero (1998)].
Com avanços tecnológicos recentes, os bondes ganharam uma ver-
são mais moderna: o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ou Light Rail
Transit (LRT) (Quadro 2D). Os VLTs podem circular tanto em faixas
compartilhadas com o restante do tráfego (o que diminui o custo de im-
plantação), como em linhas totalmente segregadas, e possuem maior capa-
cidade de carga que os bondes. Esse sistema pode receber, ainda, controle
automatizado pleno, eliminando a necessidade de operadores. Esse siste-
ma possibilita maior aproveitamento do carro, já que não há necessidade
de cabine dedicada à condução, aumentando a capacidade de carga útil.
Esses sistemas são chamados de Advanced Light Rail Transit (ALRT)
[APTA (2014); Cervero (1998)].
Já os sistemas denominados heavy rail,2 como o metrô, transitam em
faixas exclusivas, totalmente segregadas, em geral subterrâneas, a veloci-
dades superiores e com ainda maior capacidade de carga (Quadro 2E). A

2
  As denominações em inglês são importantes para o entendimento da capacidade de carga. Light e
heavy denotam justamente a capacidade de carga do sistema; light se refere a uma capacidade de carga
mais “leve” (isto é, menor) e heavy a uma capacidade mais “pesada” (ou seja, maior).
246 tração é elétrica e se utiliza de TUEs. No centro da cidade, as estações são
subterrâneas e pouco espaçadas. À medida que se afastam do centro, as es-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

tações ficam mais distantes entre si e o trajeto pode ser realizado pela su-
perfície, em elevado. Uma vez que a implantação demanda obras pesadas
de engenharia, como escavações, além de custos como desapropriações e
um material rodante mais caro, os sistemas de heavy rail só se justificam
em áreas densamente povoadas [Cervero (1998)].

Quadro 2 | Tipos de transporte local e urbano de passageiros sobre trilhos

(A) People mover (B) Monotrilho – monorail

(C) Bondes (D) VLT – light rail

(E) Metrô – heavy rail (F) Trens de subúrbio

Fotos: Wikimedia Commons.

Para maiores distâncias, em especial para conectar municípios vizinhos


ao centro, são usados os trens de subúrbio (Quadro 2F). Esses trens podem
ser elétricos (usando TUEs) ou puxados por locomotivas diesel-elétricas,
têm estações bem espaçadas e trafegam em velocidades maiores, em linhas
totalmente segregadas. Os trens de subúrbio não circulam pelo centro. Em 247
vez disso, eles param em uma estação principal adjacente ao centro. A partir

Ferroviário
daí, os passageiros utilizam outros meios, como VLT, metrô ou ônibus, até o
destino final. Um exemplo dessa aplicação são os trens de subúrbio do Rio
de Janeiro. Tais trens conectam municípios vizinhos, como Duque de Caxias
e Magé, até a estação Central do Brasil, nas imediações do Centro do Rio
de Janeiro. De lá, os passageiros têm a opção de trafegar pelo Centro por
outros meios, como metrô e ônibus.
A Tabela 3 busca comparar os principais sistemas urbanos sobre trilhos
com uma opção rodoviária: o Bus Rapid Transit (BRT). Fundamentalmente,
os custos de implementação são menores do que as opções sobre trilhos, já
que utiliza a própria via. Dependendo do projeto, a via pode requerer reforço,
uma vez que suportará cargas maiores oriundas dos ônibus, ou até mesmo
eletrificação, caso seja utilizado ônibus elétrico (trólebus). Já a velocidade
média, como o VLT, depende da segregação da via. Se a via for integrada
ao tráfego, fazendo com o que o transporte pare em sinais de trânsito, a ve-
locidade será naturalmente menor. Se a via for segregada, a velocidade de
ambas as opções aumentará.

Tabela 3 | Comparação entre tipos de transporte urbano

Bus Monorail Light rail Heavy rail Trens de


Rapid (VLT) (metrô) subúrbio
Transit
(BRT)
Uso Urbano Local e Urbano Urbano Ligação entre
urbano municípios
vizinhos
Vias Mistas Inteiramente Mistas Inteiramente Inteiramente
segregadas segregadas segregadas
Tração Diesel, Elétrica Elétrica ou Elétrica Elétrica nos
elétrico diesel vagões ou
(trólebus), locomotiva
híbrido
Velocidade 20-30 30-35 20-35 30-40 40-60
média (80 máx.) (80 máx.) (80 máx.) (120 máx.)
(km/h)
Espaço entre as 0,3 km- 0,5 km- 0,3 km- 0,7 km- 1,0 km-
estações 1,0 km 1,5 km 1,0 km 1,5 km 5,0 km
(Continua)
248 (Continuação)

Bus Monorail Light rail Heavy rail Trens de


Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

Rapid (VLT) (metrô) subúrbio


Transit
(BRT)
Passageiros por 6.000- 12.000- 2.000- 15.000- 15.000-
hora por 12.000 30.000 25.000 80.000 40.000
direção
(pphpd)
Custo do 0,3-0,8 02-06 02-05 02-05 01-03
material
rodante
(US$
milhões)
Custo de 0,5-15 40-100 13-40 45-350 05-25
implementação
(US$
milhões/km)
Vida útil do 12 10 a 20 25 a 30 25 a 30 25 a 30
material
rodante (anos)
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Cervero (1998), IMRT (2013),
TRB (2013) e Peña, Jiménez e Mateos (2013).

É importante ressaltar as considerações sobre a capacidade desses


diferentes sistemas, medida em passageiros por hora por direção
(pphpd). A amplitude e variedade de valores são bastante grandes, pois a
capacidade depende de uma série de fatores particulares a cada projeto.
Pode-se citar, por exemplo, o tamanho de cada trem, que depende
fundamentalmente do tamanho da plataforma de embarque prevista no
projeto. A quantidade de trens, o intervalo entre as composições e a
automação plena do sistema também impactam diretamente nesse valor.
Essa métrica determina, ainda, a capacidade máxima técnica do sistema,
não necessariamente a real. Sistemas funcionando muito perto do limite
técnico, caso apresentem problemas, irão gerar um acúmulo rápido
de passageiros e impactos consideráveis na rede [Wright e Fjellstrom
(2003)]. Portanto, a opção entre qual tipo de sistema adotar é técnica.
Não há um melhor, simplesmente existem aplicações distintas, cada
um com vantagens e limitações, como discutido em Cervero (1998)
e Wright e Fjellstrom (2003). O gestor deve ter ciência desses fatores para
tomar a decisão mais prudente.
Transporte regional 249
O transporte regional sobre trilhos é caracterizado pela velocidade do

Ferroviário
trem. Contudo, segundo a União Internacional de Ferrovias (UIC), não há
uma definição universal e padronizada do que é alta velocidade. O conceito
mais usado deriva da diretiva 96/48/EC do Conselho da União Europeia: para
uma linha ser caracterizada como de alta velocidade, dois critérios devem
ser compatíveis entre si. Primeiramente, a infraestrutura da linha deve ser
construída ou adaptada especificamente para esse uso. Em segundo lugar,
o material rodante deve atingir uma velocidade de, no mínimo, 250 km/h
em linhas construídas especialmente para alta velocidade; ou um mínimo de
200 km/h em linhas preexistentes que foram adaptadas para alta velocidade
[Conselho da União Europeia (1996); UIC (2014)].
Portanto, os trens que não alcançam tais critérios são chamados apenas
de regionais (Quadro 3A). Já os que atendem à norma são denominados de
alta velocidade (Quadro 3B).

Quadro 3 | Tipos de transporte de passageiros entre cidades sobre trilhos


(A) Trens regionais – intercity trains (B) Trens de alta velocidade

Fotos: Wikimedia Commons.

O primeiro TAV entrou em funcionamento em 1º de outubro de 1964,


no Japão. Desde então, esse sistema cresceu em todo o mundo e, no fim de
2012, mais de 2.770 trens desse tipo estavam em operação, com 21.472 km de
vias em 15 países. A maior parte do material rodante está na Europa (1.670),
seguida pela Ásia (1.087) e, por último, a América do Norte (20).
O material rodante de alta velocidade possui algumas características
particulares. É sempre autopropelido, com composição fixa e bidirecio-
nal. Sua engenharia é voltada para uma aerodinâmica que ofereça menor
resistência, a fim de atingir e sustentar as altas velocidades com máxima
eficiência energética.
250 A velocidade máxima que o trem pode atingir depende de alguns as-
pectos do projeto. O raio das curvas ao longo da rota, por exemplo, é um
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

limitador, pois pode causar grande desconforto aos passageiros. Em ge-


ral, o traçado é projetado o mais reto possível entre os destinos. Há trens
equipados com sistemas pendulares capazes de inclinar até 8º em relação
aos trilhos, possibilitando curvas em velocidades de até 250 km/h e que
reduzem o desconforto na cabine.
O recorde de velocidade para um trem é de 574,8 km/h e foi atingido
em 2007 pelo TGV V150, em uma linha entre as cidades de Estrasburgo
e Paris. Contudo, velocidades acima de 500 km/h desgastam sobrema-
neira o material rodante e são atualmente inviáveis para uso regular. A
alternativa para viagens a tais velocidades pode ser a levitação magnética
(Maglev). Tal tecnologia consiste em usar atração e repulsão magnéti-
cas para levitar o trem sobre os trilhos, sem utilização de rodas, eixos
e rolamentos.3
Os TAV trafegam em vias totalmente segregadas, mas não necessa-
riamente exclusivas. Em diversos países, como China e Alemanha, a via
é compartilhada com trens de carga e trens regionais. A UIC possui um
levantamento histórico de custos de construção, aquisição e manuten-
ção de material rodante e vias de alta velocidade na Europa, conforme
a Tabela 4.

Tabela 4 | Estimativas de custos para linhas de alta velocidade na Europa

Item Custo estimado

Construção de 1 km de via € 12 a € 30 milhões

Manutenção de 1 km de via € 70 mil por ano

Custo do material rodante € 20 milhões a € 25 milhões


(para um trem 350 passageiros)

Manutenção do material rodante € 1 milhão por ano


(€ 2/km; 500.000 km/trem ano)
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UIC (2012).

3
  Mesmo que tais barreiras sejam rompidas, há um limite técnico de velocidade para o trem. Ao se
aproximar da velocidade do som, perto de Mach 0,8 (ou 80% da velocidade do som), o trem entra em
uma zona de escoamento crítica, na qual as ondas de choque causadas pelo eventual rompimento da
barreira do som trariam danos irreparáveis aos trilhos e ao material rodante.
Panorama internacional 251

Tamanho do mercado e investimentos

Ferroviário
A UNIFE – Associação Europeia da Indústria Ferroviária estima que o
mercado ferroviário global movimentou cerca de € 146 bilhões em 2011 e
que deverá crescer a uma taxa anual composta equivalente (CAGR) de 2,6%
ao ano até 2017, chegando a aproximadamente € 170 bilhões.4 A Europa
Ocidental e a Ásia concentram a maior parte dos investimentos, conforme
pode ser visto na Tabela 5. Mesmo com um crescimento bem acima da mé-
dia nos próximos anos, UNIFE (2013) ainda projeta as Américas Central e
do Sul como os menores mercados em volume total de investimento.

Tabela 5 | Mercado ferroviário global por região


Região 2011 2017 CAGR (%)
€ milhões Share (%) € milhões Share (%)
Europa 41.839 28,7 46.991 27,7 2,0
Ocidental
Ásia e 40.822 28,0 45.608 26,8 1,9
Pacífico
América do 24.766 17,0 29.229 17,2 2,8
Norte
Rússia 17.636 12,1 19.832 11,7 2,0
Europa 10.275 7,0 12.041 7,1 2,7
Oriental
África e 5.725 3,9 9.114 5,4 8,1
Oriente
Médio
Américas 4.745 3,3 7.116 4,2 7,0
Central e do
Sul
Total 145.807 169.930 2,6
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UNIFE (2013).

Esse mesmo volume de investimento pode ser partido entre diferentes


segmentos de atuação (Tabela 6). O maior montante (€ 66 bilhões em 2017)
é destinado a serviços, que abrangem manutenção de vias, de material ro-
dante e toda a cadeia de prestadores associada ao funcionamento do sistema

4
  Não inclui obras civis.
252 sobre trilhos. A aquisição do material rodante ocupa a segunda posição, com
uma estimativa de atingir cerca de € 55 bilhões em 2017.
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

O terceiro maior segmento é o de infraestrutura, que trata da instalação e


construção das vias, o que inclui fornecimento de trilhos, dormentes e ele-
trificação. As obras civis não estão contempladas, uma vez que dependem
significativamente da geografia e particularidades locais, o que poderia
distorcer os números.
Com o maior crescimento entre os diferentes segmentos, estima-se que o
controle de vias movimentará € 14 bilhões em 2017. Esse valor contempla
serviços de sinalização e de telecomunicações, aqui incluídos os de automa-
ção plena. Tais sistemas possibilitam uma operação totalmente controlada
por computador, sem necessidade de operadores a bordo do trem. Em 2013,
havia 674 km de vias automatizadas no mundo em 32 diferentes cidades,
inclusive em São Paulo. Estima-se que esse mercado deve crescer para até
1.800 km de vias até 2025 [UITP (2013); UNIFE (2013)].
Por fim, há o segmento de projetos denominados turn-key. Tais projetos
consistem na contratação de apenas uma empresa para toda a solução ferro-
viária. Essa empresa irá estruturar desde a infraestrutura até a aquisição do
material rodante. Trata-se de uma estruturação diferente do usual, na qual
o sistema é fragmentado em lotes e dividido entre diferentes fornecedores.

Tabela 6 | Mercado ferroviário global por segmento


Região 2011 2017 CAGR
€ milhões Share (%) € milhões Share (%) (%)

Material 47.705 32,7 54.791 37,6 2,3


rodante
Serviços 55.158 37,8 65.651 45,0 2,9
Infraestrutura 30.220 20,7 34.320 23,5 2,1
Controle 12.037 8,3 14.351 9,8 3,0
Projetos 687 0,5 817 0,6 2,9
turn-key
Total 145.807 169.930 2,6
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UNIFE (2013).

Ao olhar especificamente a aquisição do material rodante, a UNIFE es-


tima que as Américas Central e do Sul terão o maior crescimento global até
2017, com um CAGR de 9,8% ao ano (Tabela 7). Tal investimento fará com
que a região ultrapasse locais como o Oriente Médio e até mesmo a Europa 253
Oriental. Merece destaque, também, o encolhimento do mercado asiático,

Ferroviário
influenciado pela diminuição da demanda chinesa, em especial no material
rodante de alta velocidade.

Tabela 7 | Investimento em material rodante por região


Região 2011 2017 CAGR (%)
€ bilhões Share (%) € bilhões Share (%)
Europa 12,4 26,0 14,8 27,0 3,0
Ocidental
Ásia e 15,5 32,4 13,3 24,2 (2,5)
Pacífico
América do 5,8 12,1 7,5 13,7 4,5
Norte
Rússia 6,9 14,4 8,7 15,9 4,0
Europa 2,8 5,9 3,5 6,3 3,5
Oriental
África e 2,3 4,7 3,4 6,1 6,9
Oriente
Médio
Américas 2,1 4,5 3,8 6,8 9,8
Central e do
Sul
Total 47,7 54,9
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de UNIFE (2013).

O segmento de alta velocidade é, justamente, o único previsto com re-


dução significativa na demanda para os próximos anos. O principal motivo
para tal é a China já ter realizado grande parte dos investimentos em sua
rede, diminuindo consideravelmente o ritmo de construção de novas vias
e consequente aquisição de novos trens. Há também previsão de queda na
demanda por locomotivas, mas de forma branda. Os demais materiais ro-
dantes terão crescimento, com destaque para sistemas de metrô e vagões
de carga (Tabela 8).

Tabela 8 | Estimativas de demanda por material rodante até 2017


Material rodante Share (%) Estimativa Observações
Alta velocidade 5 Queda Diminuição na
China
(Continua)
254 (Continuação)

Material rodante Share (%) Estimativa Observações


Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

Metrô 22 Alta Crescimento na


Europa, Rússia, Ásia
e América do Sul
Trens regionais 27 Estável Projetos em
andamento na
Europa, Rússia e
Oriente Médio
VLT 7 Alta Crescimento na
Ásia e na Rússia
Locomotivas 1 Queda Diminuição na
América do Norte e
na Ásia
Vagões 24 Alta Crescimento na
América do Norte,
Rússia e Ásia
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Pélerin (2012) e UNIFE (2013).

Principais empresas
Há uma grande relação entre os principais mercados ferroviários e a
origem das grandes empresas de material rodante. A Tabela 9 apresenta
as dez maiores empresas de 2009 a 2012, de acordo com a receita em eu-
ros. Estima-se que, em 2012, as dez maiores responderam por 40,6%5 das
receitas do setor. Cabe ressaltar o grande crescimento das chinesas CNR
e CSR, que ocupam as duas primeiras posições, à frente das tradicionais
Bombardier, Alstom e Siemens.

Tabela 9 | Ranking das maiores empresas globais


de material rodante por receita (em €)
Empresa 2012 2011 2010 2009
CNR 1 1 3 4
CSR 2 2 1 3
Bombardier 3 3 2 1
Alstom 4 4 4 2
Transmashholding 5 6 6 10
(Continua)

5
  Estimativa dos autores.
(Continuação) 255
Empresa 2012 2011 2010 2009

Ferroviário
Stadler 6
Siemens 7 5 5 5
GE Transportation 8 7 10 6
Uralvagonzavod 9
Trinity Industries 10
CAF 8 7 8
Hyundai Rotem 9 8
Kawasaki 10 9 7
EMD 9
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Leenen (2014) e Leenen e Wolf (2012).

A Tabela 10 expõe informações mais detalhadas de todas as 14 empresas


listadas na Tabela 9 e possibilita algumas análises. Primeiramente, é pos-
sível notar que as empresas que fabricam material rodante para transporte
urbano, em geral, oferecem todos os tipos, incluindo VLTs, metrôs, trens
de subúrbio, trens regionais e TAVs. Segundo UIC (2012), existem apenas
14 fornecedores no mundo de TAV. Também de fornecimento restrito, com
apenas três dos 14 fornecedores listados, é o monotrilho. Tal fato pode ser
um critério relevante no momento de uma cidade optar por esse tipo de
transporte. Como há poucos fornecedores, isso pode acarretar em processos
licitatórios com menos concorrência, dificuldades na manutenção e proble-
mas com reposição de peças.
Algumas das empresas atuam também com sistemas eletrônicos e de si-
nalização, com destaque para os sistemas de automação plena de trens. Tais
sistemas são particularmente relevantes no transporte urbano, mas requerem
alguns cuidados. É importante que uma cidade, ao implantar um sistema de
automação, certifique-se que o sistema é compatível com material rodante
de outros fornecedores. Isso é importante para se evitar lock-in, ou aprisio-
namento [Hax e Wilde (1999)]. Ou seja, um sistema de automação só teria
compatibilidade com o material rodante do mesmo fornecedor. Tal situação
deixaria o sistema “aprisionado” para futuras aquisições de material rodante
com uma única empresa. Para evitar tal situação, é importante assegurar a
independência do sistema de automação em relação ao fabricante do ma-
terial rodante, garantindo a compatibilidade com o maior número possível
de fornecedores.
256 Em relação ao transporte de cargas, apenas quatro fabricam vagões,
sendo a americana Trinity Industries e a russa Uralvagonzavod especiali-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

zadas nesse segmento. Justamente essas duas empresas são as únicas que
não fabricam locomotivas, material rodante produzido por todas as outras e
único ramo de atuação em material rodante das americanas EMD (do grupo
Caterpillar) e General Electric (GE).

Tabela 10 | Principais empresas de material rodante


Material rodante Receita
em 2013

Funcionários em 2013 (transportes)


Sistemas eletrônicos e sinalização
(bilhões)
Trens de subúrbio e regionais

Outros negócios
Trens de alta velocidade
Monorail (monotrilho)
Empresa

Heavy rail (metrô)


Light rail (VLT)

Sede
Locomotivas

Transporte
Vagões

Grupo
Alstom Energia, € € 26.700 França
smart 5,50 20,30
grids

Bombardier Aeroespacial US$ US$ 38.500 Canadá


8,8 18,2
CAF - € 1,50 7.000 Espanha

CNR - US$ 14,9 87.913 China

CSR - US$ 14,0 85.181 China

EMD (Caterpillar) Construção US$ US$ 4.055 EUA


civil 2,2 55,6
GE Diversos US$ US$ 12.000 EUA
5,8 146
Hyundai Rotem Diversos US$ US$ 3.800 Coreia
3,1 49,4 do Sul
Kawasaki Diversos US$ US$ 34.620 Japão
1,3 12,7
Siemens Diversos € € 26.000 Alemanha
6,30 75,90
(Continua)
(Continuação) 257
Material rodante Receita

Ferroviário
em 2013

Funcionários em 2013 (transportes)


Sistemas eletrônicos e sinalização
(bilhões)

Trens de subúrbio e regionais

Outros negócios
Trens de alta velocidade
Monorail (monotrilho)
Empresa

Heavy rail (metrô)


Light rail (VLT)

Sede
Locomotivas

Transporte
Vagões

Grupo
Stadler - € 2,00 6.000 Suíça

Transmashholding - US$ 4,8 53.000 Rússia

Trinity Industries Diversos US$ US$ 13.000 EUA


3,5 4,9
Uralvagonzavod Defesa € € 32.000 Rússia
1,8  2,96
Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas.

CNR e CSR
Com o estrondoso crescimento da economia chinesa nos últimos anos,
houve aumento considerável na demanda por transporte sobre trilhos para
cargas e passageiros. Em 1949, o país possuía 22.000 km de vias, 43.000 km
em 1978, 52.000 km em 1985, 90.000 km em 2010 e mais de 100.000 km em
2013. O segmento de cargas foi impulsionado pela necessidade de transportar
carvão e minério de ferro do interior para as regiões costeiras industrializa-
das. O segmento de passageiros, tanto urbano como regional, cresceu pela
necessidade de um transporte eficiente entre áreas densamente povoadas.
Tal crescimento foi fruto da priorização do transporte sobre trilhos pelo
governo chinês. Antes do processo gradual de abertura econômica, a China
importava material rodante da antiga União Soviética. Somente a partir de
1978, o país passou a importar também de países ocidentais, em formato
complete knock down (CKD). Em 1986, foi estabelecida, dentro do Ministério
das Ferrovias, a Locomotive and Rolling Stock Industrial Corporation, que
teve seu nome mudado para China National Railways Locomotive and
Rolling Stock Industrial Corporation em 1989. O papel dessa empresa era
258 montar os trens de forma centralizada, inicialmente em CKD e, posterior-
mente, realizando todo o processo produtivo na própria China.
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

Já no início dos anos 2000, como parte de uma transição de um sistema


monopolista para um de mercado mais aberto, a China National Railways
Locomotive and Rolling Stock Industrial Corporation se dividiu em duas
empresas: a China North Locomotive and Rolling Stock (CNR) e a China
South Locomotive and Rolling Stock (CSR).
A seguir, o governo realizou um pacote de investimentos significativos
para o período de 2006 a 2010. Foram gastos cerca de US$ 200 bilhões para
compra de 1.500 locomotivas, 4 mil carros de passageiros, 150 mil vagões
de carga e mil TUEs. Como àquela época uma empresa estrangeira só podia
entrar na China por meio de uma joint venture com uma empresa local, a
CSR estabeleceu joint ventures com a Bombardier e com a Kawasaki, en-
quanto a CNR com a Alstom e com a Siemens. Todos esses acordos previam
transferência de tecnologia [Adachi (2013)]. Resultado desse investimento,
as empresas CNR e CSR cresceram rapidamente, como foi possível notar
na Tabela 9.
Com a diminuição da demanda no mercado local, as empresas chinesas
tendem a buscar novos mercados. Atualmente, cerca de 58% de todas as
receitas da CSR são oriundas do governo chinês e apenas 8% do mercado
externo [Leenen (2014)].

Panorama brasileiro e atuação do BNDES


O Brasil possui 30.129 km de trilhos em seu território. Desses, 28.692 km
são destinados ao transporte de carga e 1.437 km ao de passageiros (Tabela 11).
Nota-se que o transporte sobre trilhos a longas distâncias é predominante-
mente voltado para cargas, ficando o de passageiros mais restrito ao trans-
porte urbano. Em virtude de problemas históricos de expansão da malha
(Seção “Breve histórico das ferrovias no Brasil”), há diferentes bitolas6 em
utilização, o que gera dificuldades na integração da rede nacional.

6
  Bitola é a distância entre as faces internas das partes superiores dos trilhos, sobre os quais deslizam
as rodas dos veículos. O padrão internacional, adotado na Conferência Internacional de Berna, em 1907,
é denominado standard e possui 1,435 m. As bitolas abaixo desse valor são chamadas estreitas e as que
estão acima, largas. No Brasil, a bitola estreita é a métrica (de 1,0 m) e a larga é a 1,6 m. As vias podem,
ainda, ter três ou mais trilhos, para permitir a passagem de veículos com bitolas diferentes. Nesse caso,
a bitola é denominada mista [ANTF (2014a)].
Tabela 11 | Extensão da malha brasileira por perfil de bitola (em km) 259

Ferrovia Bitolas

Ferroviário
Larga Métrica Mista Total
(1,6 m) (1,0 m)
ALL Malha Norte 617 617
ALL Malha Oeste 1.945 1.945
ALL Malha Paulista 1.463 243 283 1.989
ALL Malha Sul 7.254 11 7.265
Estrada de Ferro Carajás 892 892
Estrada de Ferro Paraná Oeste 248 248
Estrada de Ferro Vitória a Minas 905 905
Ferrovia Centro-Atlântico 7.910 156 8.066
Ferrovia Tereza Cristina 164 164
MRS Logística 1.632 42 1.674
Transnordestina Logística 4.189 18 4.207
Ferrovia Norte-Sul 720 720
Total | Transporte de cargas 5.324 22.858 510 28.692
Metrôs* 216,5 71,7 305,6
VLTs 45,7 45,7
Trens urbanos** 474,1 180,4 671,5
Trens turísticos e culturais 117,4 117,4
Trombetas-Amapá***-Jari 68 35 297
Total | Transporte de passageiros 759 450 1.437
Total geral 6.083 23.308 510 30.129
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de CNT (2013).
* O metrô de São Paulo possui 17,4 km em bitola standard (1,435 m).
** 17 km em bitola de 1,1 m.
*** 194 km em bitola standard (1,435 m).

Os investimentos do PIL preveem ampliação e recuperação de


11.000 km de vias. Em cargas, estão previstos R$ 99,6 bilhões, sendo
R$ 57 bilhões no período de 2014 a 2017, que englobam investimentos em
infraestrutura, modernização e aquisição de material rodante.

Perfil da frota e perspectivas de investimento


Para melhor compreender a frota de material rodante de carga no país, é
necessário olhar o que é transportado. Ao longo desses mais de 28 mil qui-
lômetros de ferrovias, foram transportadas, apenas em 2013, 490 milhões de
260 toneladas úteis de carga, com predomínio de minérios e carvão mineral, se-
guidos de produtos agrícolas, conforme visto no Gráfico 1 [ANTF (2014b)].
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

Gráfico 1 | Participação dos produtos transportados pelas ferrovias (em % de TKU)

Produtos
siderúrgicos
3,86%

Minérios, Agronegócio
15,21%
carvão mineral
77,49%

Derivados de
petróleo e etanol
2,86%

Insumos de
construção civil
e cimento
0,58%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014b).

A frota de vagões está, de fato, alinhada com esse perfil de produtos. O


vagão mais comum no país é do tipo gôndola, seguido do hopper (Tabela 12).
De acordo com a ANTF, a idade média dos vagões no país era de 25 anos
em 2010, mostrando considerável renovação em relação a 1990, quando era
de 42 anos. A projeção para 2020 é de continuidade da melhoria, passando a
18 anos. Como, em média, um vagão possui uma vida útil entre trinta e 35
anos [ANTF (2014b)], há uma clara perspectiva de renovação da frota atual.

Tabela 12 | Frota de vagões no Brasil em 2013


Tipo Quantidade Percentual do total
Fechado 7.269 7,27
Gôndola 44.437 44,43
Hopper 28.940 28,94
Plataforma 11.158 11,16
Tanque 6.689 6,69
Outros 1.517 1,51
Soma 100.010 100,00
Fonte: ANTF (2014b).
Já a frota de locomotivas apresenta um quadro diferente, conforme ilus- 261
trado no Gráfico 2. Apesar de uma recente renovação da frota, que atingiu

Ferroviário
29% do total de ativos, 59% das locomotivas do país possuem mais de trin-
ta anos, com concentração significativa na faixa de trinta a quarenta anos.
Parte desses ativos mais antigos data da época da RFFSA e passam por es-
tudos da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) e ANTF
para renovação [Revista Ferroviária (2014)].

Gráfico 2 | Distribuição das idades da frota ativa de locomotivas no Brasil

99% 100%
1.200 1.155
100
88%
80% 90
1.000

Percentual da frota total (%)


Quantidade de locomotivas

849 80

800 70

60
600 50
41%
31% 40
29%
400 316
287 30
252
200 20
74
26 10
0
0
Até 10 10 a 20 20 a 30 30 a 40 40 a 50 50 a 60 acima de 60

Idades das locomotivas (em anos)

Quantidade de locomotivas Percentual acumulado da frota total

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Segretti (2014).


Nota: Não tiveram as idades informadas e não constam no gráfico 51 locomotivas da FCA.

Dessa frota, dois fabricantes concentram cerca de 90% de todas as lo-


comotivas ativas: GE e EMD. A primeira possui 1.931 locomotivas em ati-
vidade no Brasil, ou 64,2% do total, e a segunda, 773, ou 25,7% do total.
Dez outros fabricantes dividem os 10% restantes do mercado (Gráfico 3).
O cenário para o material rodante de passageiros é semelhante ao de lo-
comotivas. Há indicativos de uma renovação recente, apontada pelo fato de
32% dos TUEs no país terem menos de dez anos. Contudo, há uma grande
concentração de ativos com mais de trinta anos, totalizando 45% do total
da frota (Gráfico 4).
A perspectiva de investimentos em passageiros se divide no TAV e em
mobilidade urbana. Para o TAV, estão previstos R$ 35,6 bilhões [Logística
Brasil (2014)], mas atrasos frequentes no processo licitatório dificultam
262 precisar quando seria executado. Já o transporte urbano possui diversos
investimentos em andamento e prevê R$ 53 bilhões no período de 2014 a
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

2017. Esse montante se divide entre metrôs, trens de subúrbio, VLTs, mo-
notrilhos e BRTs. Excluindo-se os BRTs e olhando só o investimento em
transporte sobre trilhos, o valor é de R$ 46 bilhões.

Gráfico 3 | Quantidade de locomotivas da frota ativa por fabricante

GE 1.931
EMD 773
Macosa 126
Villares 53
MX 53
ALCO 29
ALL Brasil 19
Hitachi 13
Stadler 7
EFCB 3
Ziyang 2
Toshiba 1

0 400 800 1.200 1.600 2.000

Quantidade de locomotivas

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Segretti (2014).


Nota: As locomotivas GM foram incorporadas aos números da EMD.

Gráfico 4 | Distribuição das idades da frota ativa de TUEs no Brasil

100%
300 95%
100
88%
250 90
226
80
234
Percentual da frota total

200
Quantidade de trens

70
55%
60
150
40% 50
108
32% 40
100
30
59
50 46 36
20

10
0
0
Até 10 10 a 20 20 a 30 30 a 40 40 a 50 50 a 60

Idades dos trens (em anos)

Número de trens Percentual acumulado da frota total

Fonte: Elaboração própria, com base em Revista Ferroviária (2013).


Do montante total de R$ 53 bilhões, 73%, ou R$ 38,7 bilhões, serão 263
voltados às regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Apenas

Ferroviário
São Paulo corresponde a R$ 26,5 bilhões, com destaque para a construção
de 31 km de metrô nas linhas 2, 5 e 6, além de 57 km de monotrilhos das
linhas 15, 17 e 18. A expectativa é de que a rede passe dos atuais 75 km para
cerca de 163 km na próxima década. O investimento no Rio de Janeiro é de
R$ 12,7 bilhões, com destaque para a Linha 4 do Metrô, a implantação do
monotrilho Niterói-São Gonçalo e o VLT do Centro da cidade. As demais
regiões metropolitanas possuem perspectiva de investimentos metroferro-
viários, como Porto Alegre (15 km), Curitiba (18 km), Salvador (36 km),
Fortaleza (12 km) e Belo Horizonte (15 km).
Tal volume de investimentos impacta diretamente na aquisição de ma-
terial rodante. Tendo em vista os projetos em andamento e as projeções do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é possível estimar os volu-
mes destinados a cada material rodante, tanto em quantidade de carros como
em volume financeiro. Dessa forma, estima-se que até 2017 serão gastos
cerca de R$ 10 bilhões somente na aquisição de material rodante, com o
metrô capturando a maior parte dos investimentos (Tabela 13).

Tabela 13 | Investimentos previstos em material rodante urbano, 2014-2017


Material 2014 2015 2016 2017
R$ milhões 538 1.466 1.122 2.161
Metrô 144 453 238 550
Monotrilho 0 245 103 510
VLT 114 403 233 187
Trem de subúrbio 280 365 548 914
Número de carros* 146 546 390 662
Metrô 37 116 59 142
Monotrilho 135 63 212
VLT 53 191 112 48
Trem de subúrbio 56 104 156 260
Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos como os estados, municípios
e concessionárias.
* Não é o mesmo que o número de composições. Cada composição pode ser
composta de vários carros. Do ponto de vista de planejamento industrial,
é mais indicado projetar o investimento dessa forma.
264 O principal motivo para esse volume de investimento é o descontingen-
ciamento realizado pelo governo federal e a aplicação de recursos em pro-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

jetos de mobilidade urbana por meio do PAC Mobilidade Urbana – Grandes


e Médias Cidades. Desde a estabilização da moeda na década de 1990 e o
controle do endividamento do setor público, os empréstimos do BNDES
dependem de descontingenciamentos, autorizados pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN).
Inicialmente os estados ou municípios interessados em contrair finan-
ciamento apresentavam suas consultas e eram inscritos no Cadip – Sistema
de Registro de Operações de Crédito com o Setor Público do Banco Central
do Brasil (Bacen). Periodicamente, o CMN definia uma margem global de
endividamento e eram autorizadas as contratações, por ordem cronológica
de entrada, até atingir-se o teto descontingenciado. Também estavam des-
contingenciados os recursos de financiamento no âmbito dos Programas de
Ajuste Fiscal (PAF), celebrados pelos estados com a Secretaria do Tesouro,
com margens de endividamento revistas anualmente.
A partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, essa margem
passou a ser setorial, abordando segmentos como saneamento, habitação e
transporte. O CMN definia uma margem por setor, cabendo ao Ministério
das Cidades estabelecer os critérios de seleção e realizar a hierarquização
dos projetos apresentados, sendo autorizada a contratação dos mais bem
colocados até o limite estabelecido pelo CMN.
Com o lançamento do PAC em 2007, este passou a ser o mecanismo de
descontingenciamento. Além dos PAF dos estados, somente os projetos con-
templados no âmbito dos PAC contam com recursos descontingenciados.
Especificamente em relação aos transportes, após cerca de cinco anos sem
autorização de novas contratações, o processo só foi retomado com o PAC
das Cidades-Sede da Copa 2014, seguido dos PAC Mobilidade – Grandes
Cidades e Médias Cidades.
Os números de contratação e execução das obras do PAC, no entanto,
ainda estão muito baixos se comparados aos grandes valores já descontin-
genciados, resultado, sobretudo, da ausência de projetos constatada no setor.
Situação que deve ser revertida nos próximos anos, quando os estudos esti-
verem prontos. A falta de projetos é reflexo da descontinuidade nos descon-
tingenciamentos, que gera imprevisibilidade de contratação e leva o gestor
público a não fazer os investimentos prévios (estudo de demanda, viabilidade
econômica e financeira, priorização, projeto básico, licenciamento, busca 265
de financiamento, análise de crédito, licitação), pois isso demanda tempo

Ferroviário
e gastos sem certeza de viabilização dos projetos. Se os gestores públicos
não têm como planejar-se, a indústria sofre.

Produção local e balança comercial


A fabricação brasileira de produtos ferroviários é bastante particular.
Como o país, historicamente, não possuiu uma política de longo prazo vol-
tada para esse meio, a produção é absolutamente volátil. Os gráficos a seguir
buscam analisar tal comportamento. Neles, a linha mais escura representa
a produção anual, e as barras indicam três informações relativas às médias
móveis dos últimos cinco anos. O traço superior é a média móvel do máxi-
mo produzido nos últimos cinco anos, enquanto o traço inferior corresponde
ao mínimo e o quadrado à média. A amplitude das barras ilustra a grande
lacuna existente na produção anual nos diferentes anos.

Gráfico 5 | Fabricação de vagões de carga no Brasil

8.000

7.000

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
2009
2005
2003

2007
1999
1989

2001
1995
1993
1979

1997
1985
1983

1987

2013
1975
1973

1991
1977

1981

2011
1971

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014).

É importante notar que a produção nesse setor é predominantemente


puxada. Os ativos, em geral, são produzidos sob encomenda e dependem,
em alguns casos, de determinadas especificações. O Gráfico 5 e o Gráfico 6
mostram o cenário para cargas e o Gráfico 7 para passageiros. Apesar de
uma retomada do setor a partir dos anos 2000, há claramente uma grande
266 oscilação na produção. Em 2005, por exemplo, foram produzidos 7.597
vagões, mas, logo depois, em 2007, esse número já caiu para 1.327, subiu
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

novamente em 2008 para 5.118 e caiu para 1.022 em 2009 (Gráfico 5).

Gráfico 6 | Fabricação de locomotivas no Brasil

120

100

80

60

40

20

2009
2005
2003

2007
1999
1989

2001
1995
1993
1979

1997
1985
1983

1987

2013
1975
1973

1991
1977

1981

2011
1971

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014).

Gráfico 7 | Fabricação de carros de passageiros no Brasil

500

450

400

350
300
250

200

150

100

50

0
2009
2005
2003

2007
1999
1989

2001
1995
1993
1979

1997
1985
1983

1987

2013
1975
1973

1991
1977

1981

2011
1971

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014).


Tamanha incerteza reflete-se em grande dificuldade de planejamento. 267
Como consequência, torna-se complexo dimensionar uma fábrica no país

Ferroviário
e sua capacidade instalada. A Tabela 14 ilustra essa realidade, mostrando
como o setor operou bem abaixo da capacidade em 2013.

Tabela 14 | Capacidade instalada e utilização da indústria brasileira em 2013


Material rodante Capacidade Produção em Taxa de
instalada 2013 utilização (%)
Vagões de carga 12.000 3.000 25
Carros de passageiros 1.000 350 a 400* 35 a 40
Locomotivas 250 100 40
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abifer (2014) e Abifer (2013).
* Números preliminares.

Mesmo operando abaixo da capacidade instalada, o setor é deficitário.


As exportações são modestas e as importações, mesmo apresentando um
pouco de queda nos últimos anos, são bastante significativas (Gráfico 8). Os
mercados para os quais o Brasil exportou nos últimos anos são a América
Latina, a África e os EUA. Já os principais mercados dos quais o país im-
portou são: EUA, Espanha, China, Japão, Alemanha, França, Itália, Polônia,
Canadá, Suíça, Índia e Coreia do Sul.

Gráfico 8 | Balança comercial de produtos ferroviários (em milhões de US$)

1.600

1.200

800

400

-400

-800

-1.200

-1.600
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011

Exportação Importação Saldo

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014).


268 De todo o montante importado e exportado, o material rodante desem-
penha relevante função. O Gráfico 9 ilustra que tais itens constantemente
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

correspondem a mais da metade de todas as importações brasileiras do seg-


mento ferroviário. Se forem adicionados as peças e os componentes, esse
número se aproxima de 75% de todo o valor importado. Dentre as princi-
pais peças e componentes importados, destacam-se: mancais, eixos, rodas,
freios, ganchos, para-choques e truques. O último item, infraestrutura, é
predominantemente importação de trilhos, já que não há fabricação no país
e, consequentemente, esse item possui alíquota zero de importação.

Gráfico 9 | Participação do material rodante no total de


importações brasileiras (em milhões de US$)

100

38 96 253 95 66 44 18 115 155 228 169 427 209 894 606 543 394 75

32 21 50 %

33 74 73 214
72 205
199
41 37 104 223 271
80 458
25

22
18 28 27 27 49 20 33 65 50 48 91 44 197 306 168 159
23 0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Peças e componentes Infraestrutura Material rodante

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014).

As exportações, por sua vez expostas no Gráfico 10, são historica-


mente dominadas por peças e componentes, e os itens mais comercia-
lizados são rodas e eixos. A participação de infraestrutura é pequena,
com as talas de junção como principal item da pauta. O material rodan-
te teve anos bastante significativos em 2010 e 2011, com participação
dos três principais segmentos (locomotivas, TUEs e vagões), mas tal de-
sempenho não se sustentou em 2012 e 2013. Nota-se que o comporta-
mento geral das exportações brasileiras é bastante volátil, assim como a
produção local.
Gráfico 10 | Participação do material rodante no total de 269
exportações brasileiras (em milhões de US$)

Ferroviário
100
1

4 7 10
12 8 14 23 22 112 152 75 58 27
7 99 75
189 16
3
3 12 18
4
4 5 537
8 271
6 13 50
41
40 25
14 43 167
18 71
13 169
22 24 132 154 25
22
80 18 77
10
48
54 0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Peças e componentes Infraestrutura Material rodante

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014).

Gráfico 11 | Balança comercial de material rodante (em milhões de US$)

1.000

500

-500

-1.000
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Vagões TUEs Locomotivas Outros

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Secex/MDIC (2014).

O Gráfico 11 permite analisar mais detalhadamente a balança comercial


especificamente de material rodante. Os valores negativos correspondem às
importações e os positivos às exportações. Verifica-se um crescimento dos
valores, principalmente por causa de TUEs, resultado dos investimentos em
270 mobilidade urbana. É importante notar, contudo, que, como são ativos de
vida útil elevada, as aquisições não são tão frequentes. Uma vez adquirido
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

um material rodante, este servirá por um período considerável, daí a dificul-


dade em estabilizar tais números. O que movimenta o mercado local são os
novos investimentos e as perspectivas de renovação do material existente.
Justamente esses fatores vêm atraindo novas empresas para o país e podem
alavancar a indústria ferroviária no país.

Principais fabricantes no Brasil


O Brasil possui plantas de algumas das principais empresas globais,
conforme o Quadro 4. No transporte de passageiros, há configurações
diversas de atuação: multinacionais independentes (como Alstom, CAF
e Bombardier), joint ventures com empresas nacionais (MPE/Scomi,
IESA/Hitachi e IESA/Hyundai Rotem) e empresas de capital nacional (como
Bom Sinal, T’Trans e Coester).
Em geral, essas plantas trabalham com projetos associados. A fábrica da
MPE/Scomi, no Rio de Janeiro, por exemplo, opera sob o contrato de forne-
cimento de 24 composições de monotrilho para a Linha 17 de São Paulo. A
capacidade no local é de seis monotrilhos por mês. A planta da Alstom, em
construção também no Rio de Janeiro, focará em VLTs para fornecimento
para o projeto da cidade.
Em cargas, o cenário é um pouco distinto. Há a presença de três princi-
pais empresas fabricantes de locomotivas, incluindo as grandes e diversifi-
cadas multinacionais EMD e GE. No segmento de vagões, o predomínio é
nacional. A Amsted-Maxion é uma joint venture entre a americana Amsted
Industries e a brasileira Iochpe-Maxion. Já a Usiminas e a Randon são em-
presas brasileiras e que atuam em outros setores, além do ferroviário.

Quadro 4 | Principais fabricantes de material rodante com plantas no Brasil


Empresa Local da planta Material rodante fabricado
Alstom São Paulo (SP) Metrôs, trens de subúrbio
Deodoro (RJ) Trens de subúrbio
Taubaté (SP)*
VLTs
Amsted Maxion Hortolândia (SP) **
Vagões
(Continua)
(Continuação) 271
Empresa Local da planta Material rodante fabricado

Ferroviário
Bom Sinal Barbalha (CE) VLTs
Bombardier Hortolândia (SP) Monotrilhos
CAF Hortolândia (SP) Metrôs, trens de subúrbio,
VLTs
Coester São Leopoldo (RS) Aeromóveis, APMs
EIF Três Rios (RJ) Locomotivas
EMD Sete Lagoas (MG) Locomotivas
Empretec Guarulhos (SP) Vagões especiais
GE Contagem (MG) Locomotivas
IESA/Hitachi Araraquara (SP) ***
Monotrilhos
IESA/Hyundai Rotem Araraquara (SP) Trens de subúrbio
MPE/Scomi Rio de Janeiro (RJ) Monotrilhos
Randon Caxias do Sul (RS) Vagões
Araraquara (SP)* Vagões
T’Trans Três Rios (RJ) VLTs
Usiminas Santana do Paraíso Vagões
(MG)
Fonte: Elaboração própria, com base em dados dos sites das empresas.
* Plantas em construção.
** Também possui fábrica em Cruzeiro (SP) para fabricação de peças e componentes.
*** Em estudo.

O BNDES possui linhas de apoio à comercialização, à produção e ao in-


vestimento em material rodante e transporte sobre trilhos. A primeira forma
é a de comercialização de material rodante, via produto Finame. Tal linha é
especialmente relevante para o setor de cargas, em que se estima que cerca
de 78% dos vagões e 34% das locomotivas comercializados nos últimos
dez anos tiveram apoio do BNDES. Os desembolsos são crescentes nesse
produto, conforme ilustrado no Gráfico 12.
A segunda forma de apoio é à indústria, ou seja, ao fabricante do equipa-
mento. Empreendimentos que tenham por objetivo implantação, moderniza-
ção, expansão da capacidade produtiva e aumento da produtividade podem
ser apoiados. Merecem destaque os apoios às atividades de engenharia para
melhorias de VLT da Bom Sinal, no Ceará, e ao incremento de capacidade
produtiva da fábrica da Randon no Rio Grande do Sul, este último de cer-
272 ca de R$ 100 milhões de apoio financeiro. Estimativas da Abifer preveem
investimentos de R$ 310 milhões até meados de 2016 “na ampliação e mo-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

dernização das instalações fabris, aplicação de novas tecnologias e treina-


mento de mão de obra da indústria ferroviária brasileira” [Martins (2014)].

Gráfico 12 | Desembolsos do BNDES Finame para


locomotivas e vagões (em R$ milhões)

1.200

968
1.000

800 747
R$ milhões

648 647

600 519
557
400

200
86 69 205 222

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: BNDES.
Nota: Valores em R$ de dezembro de 2013, corrigidos pelo IGP-DI (FGV).

A terceira forma de apoio é à execução do projeto de investimento em


transporte sobre trilhos. Podem ser apoiados investimentos em aquisição e
modernização de material rodante; construção e adequação de estações e
terminais; implantação, expansão e modernização de sistemas de sinaliza-
ção e controle; e eletrificação de vias. Destaca-se a aprovação em 2014 de
R$ 4,47 bilhões para a implantação da Linha 6 (laranja) do Metrô de São
Paulo, no trecho entre as estações Brasilândia e São Joaquim, que terá 13,3 km
de extensão, 15 estações, pátio de manutenção, vinte trens e transportará
mais de 600 mil passageiros por dia útil.
Mais recentemente, o BNDES criou, ainda, o Programa Fundo Clima,
com condições diferenciadas, que visa à redução de emissões de gases do
efeito estufa. Podem ser apoiados investimentos em transporte sobre trilhos
que reduzam a emissão de poluentes locais no transporte coletivo urbano de
passageiros e que melhorem a mobilidade urbana, tanto para a fabricação
de material rodante como para a infraestrutura.
Conclusões 273

Com os recentes investimentos de mais R$ 100 bilhões anunciados em

Ferroviário
novas ferrovias para carga e no transporte urbano sobre trilhos, há uma na-
tural tendência de crescimento da demanda por material rodante novo. O
presente artigo buscou, portanto, traçar um panorama dessa indústria e as
perspectivas para o desenvolvimento desse setor no Brasil.
Historicamente, o meio ferroviário no país sofreu com um crescimento
desordenado, sem planejamento ou priorização, e à margem do rodoviário.
Outros países, ao contrário, sempre tiveram os trilhos como prioridade, seja
para carga ou para passageiros. É o caso do Japão, da China, dos EUA e de
europeus, como Alemanha e França. Justamente esses países são sede de
algumas das principais empresas de material rodante, impulsionadas pelos
fortes mercados interno e regional.
É importante notar que, mesmo em países desenvolvidos, o investimento
em infraestrutura possui forte participação estatal. O crescimento da demanda
por material rodante no Brasil, acima da média mundial, é justamente
atrelado a esse movimento. Com isso, apesar de ainda pequeno em relação
aos demais mercados globais, o brasileiro começa a demonstrar boas
perspectivas, evidenciado pela atração de alguns dos grandes players glo-
bais. Contudo, para se desenvolver, o Brasil precisa focar em alguns pontos.
O primeiro desafio é a estabilização da produção local, que ainda é ex-
tremamente volátil e marcada por incerteza. Como se trata de uma produção
com elevados custos fixos, a necessidade de escala é fundamental. Mas a
própria natureza do segmento ferroviário pode auxiliar nesse processo. Por
se tratar de investimentos vultosos e de longo prazo de execução, é possível
transmitir aos fornecedores de material rodante certa previsibilidade. Se uma
cidade, por exemplo, planeja construir um sistema de metrô e essa execução
irá demorar cinco anos, é possível passar esse planejamento à empresa de
material rodante com razoável antecedência, facilitando seu planejamento
produtivo. Com um plano nacional consistente e de longo prazo, e não ape-
nas investimentos pontuais, essas demandas se espalham ao longo do tempo,
aumentando a previsibilidade. Para tanto, é necessária uma continuidade
nos descontigenciamentos para que exista previsibilidade nas contratações.
Da mesma forma, é necessário que a indústria local esteja pronta para
responder à demanda. Para tal, é importante o desenvolvimento da cadeia de
fornecedores. Medidas como índice de nacionalização mínimo para material
274 rodante em obras financiadas com recursos públicos estimulam fabricantes
locais, mas, dependendo do número de fornecedores disponíveis e das cur-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

vas de aprendizado, podem acrescentar custos ao projeto. Uma alternativa


pode ser o estímulo à formação de joint ventures entre empresas brasileiras
e detentores de tecnologia estrangeiros, como já ocorre pontualmente em
sistemas não disponíveis no Brasil, como os monotrilhos.
A internacionalização é um caminho natural da indústria. Mesmo com
as medidas mencionadas para estabilização da demanda local, mercados
estrangeiros trazem novas oportunidades de crescimento, diversificação
de receitas e hedge natural contra as oscilações locais. Dessa forma, uma
alternativa para fortalecimento das empresas estabelecidas no país é a re-
visão dos incentivos à exportação de material rodante e de componentes.
Finalmente, os investimentos na malha ferroviária brasileira, para cargas
e passageiros, devem ser parte de um plano contínuo de desenvolvimento
de longo prazo, pensado de forma integrada entre as esferas federal e esta-
dual, e não somente marcada por casos pontuais. Tal planejamento poderá
alavancar o mercado nacional, fortalecer as empresas, trazer novos players
e resultar em maior competitividade e eficiência.

Apêndice
Classificação de vagões
A classificação de vagões obedece ao critério representado na Figura A1.
A categorização, o Bloco 1, é composta por três letras. A primeira (X1) de-
termina o tipo de vagão, a segunda (X2) o subtipo e a terceira (X3) seu peso
bruto máximo, também chamado de “manga do eixo”. As duas primeiras
são apresentadas na Tabela A1 e a terceira na Tabela A2.

Figura A1 | Classificação de vagões

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).


Tabela A1 | Tipos e subtipos de vagões 275
Tipo de Especificação segundo Norma BR 11691 (Bloco 1)

Ferroviário
vagão
1ª letra 2ª letra Detalhamento

Gaiola A C Com cobertura, estrado e estrutura metálica (inclui


réguas de madeira)
M Com cobertura de madeira
R Para animais de raça
V Para aves
D Descoberta
Q Outros tipos
Caboose C C Convencional
B Com compartimento para bagagens
Q Outros tipos
Fechado F R Convencional, caixa metálica com revestimento
S Convencional, caixa metálica sem revestimento
M Convencional, caixa de madeira
E Com escotilhas e portas plug
H Com escotilhas, tremonhas no assoalho e portas plug
L Com laterais corrediças (all-door)
P Com escotilhas, portas basculantes, fundo em lombo
de camelo
V Ventilado
Q Outros tipos
Gôndola G D Para descarga em giradores de vagão
P Com bordas fixas e portas laterais
F Com bordas fixas e fundo móvel (drop-bottom)
M Com bordas fixas e cobertura móvel
T Com bordas tombantes
S Com semibordas tombantes
H Com bordas basculantes ou semitombantes com fundo
em lombo de camelo
C Com bordas tombantes e cobertura móvel
B Basculante
Q Outros tipos
Hopper H F Fechado convencional
P Fechado com proteção anticorrosiva
(Continua)
276 (Continuação)

Tipo de Especificação segundo Norma BR 11691 (Bloco 1)


Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante

vagão
1ª letra 2ª letra Detalhamento

Hopper H E Tanque (center-flow) com proteção anticorrosiva


T Tanque (center-flow) convencional
A Aberto
Q Outros tipos
Isotérmico I C Convencional com bancos de gelo
F Com unidade frigorífica
Q Outros tipos
Plataforma P M Convencional com piso de madeira
E Convencional com piso metálico
D Convencional com dispositivo para contêineres
C Para contêineres
R Com estrado rebaixado
T Para autotrem
G Para serviço piggyback
P Com cabeceira (bulkhead)
B Para bobinas
A Com dois pavimentos para automóveis
H Com abertura telescópica
Q Outros tipos
Tanque T C Convencional
S Com serpentinas para aquecimento
P Para produtos pulverulentos
F Para fertilizantes
A Para ácidos e líquidos corrosivos
G Para gás liquefeito de petróleo
Q Outros tipos
Especial S T Torpedo (produtos siderúrgicos de alta temperatura)
B Basculante
P Plataforma para lingotes, placas de aço etc.
G Gôndolas para sucata, escórias etc.
Q Outros tipos
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).
Tabela A2 | Peso máximo por bitola 277
Peso máximo admissível por bitola

Ferroviário
Bitola Carga máxima por eixo (t) Peso bruto máximo (t)
1,0 m 1,6 m
A O 7,50 30
B P 11,75 47
C Q 16,00 64
D R 20,00 80
E S 25,00 100
F T 30,00 120
G U 35,00 140
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).

O Bloco 2, de seis algarismos, indica o proprietário do vagão. O primei-


ro algarismo (Y1) varia de acordo com o proprietário conforme indicado na
Tabela A3. Os demais algarismos (Y2 a Y6) obedecem à numeração própria
da empresa detentora do ativo. A terceira e última parte da identificação (Z1)
é um dígito verificador que obedece a um algoritmo preestabelecido na nor-
ma para verificação da numeração.

Tabela A3 | Classificação de vagões conforme proprietário


Proprietário 1º algarismo Faixa numérica
Particulares 0 000000 a 099999
CVRD 1, 2 100000 a 299999
Fepasa 3, 4, 5 399999 a 599999
RFFSA 6, 7, 8, 9 600000 a 999999

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).

Referências
Abate, V. Vicente Abate (presidente Associação Brasileira da Indústria
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Aeronáutica e Defesa
BNDES Setorial 40, p. 283-322

Perspectivas para o apoio do BNDES à


Embraer à luz de seu posicionamento
competitivo e estratégia de crescimento

André de Barros Rüttimann


Paulus Vinicius da Rocha Fonseca
Rafael de Carvalho Cayres Pinto*

Resumo
As indústrias aeronáutica e de defesa, em virtude do uso intensivo de
tecnologia e alto valor agregado de seus produtos, assumem grande im-
portância para a política pública. No Brasil, o desenvolvimento desses
setores está diretamente associado ao sucesso da Embraer, que se con-
solidou como um dos maiores fabricantes mundiais de aeronaves civis,
e cuja atuação vem crescendo em produtos do setor de defesa. Assim, a
efetiva contribuição ao desenvolvimento do setor requer a articulação do
apoio com as necessidades estratégicas da empresa. Este artigo analisa as
estratégias adotadas pela Embraer e discute potenciais implicações para
o apoio do BNDES, destacando algumas iniciativas que o Banco poderia
desenvolver, tais como: parcerias com instituições financeiras multilate-
rais, estatais e privadas na África, Leste Europeu e Ásia; aprofundamento
da parceria com empresas de arrendamento de aeronaves; financiamento
de aeronaves usadas; e aumento do apoio ao setor de defesa.

Respectivamente, gerente, contador e economista do Departamento de Comércio Exterior


* 

1 da Área de Comércio Exterior do BNDES (AEX/DECEX1). Este artigo foi elaborado


com base na monografia de conclusão do MBA Executivo de André Rüttimann [Rüttimann
(2014)] e contou com as valiosas contribuições da superintendente da AEX, Luciene Ferreira
Monteiro Machado; do chefe da AEX/DECEX1, Marcio Nobre Migon; e do gerente da
AEX/DECEX1, Sérgio Bittencourt Varella Gomes.
284 Introdução
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

As indústrias aeronáutica e de defesa caracterizam-se pelo alto valor agre-


gado de seus produtos e pelo uso intensivo de novas tecnologias, o que as
qualifica como importantes indutoras de desenvolvimento de um país. Essas
indústrias apresentam grande sinergia entre si e são consideradas estratégicas
pelos Estados nacionais, uma vez que conferem importantes meios para exercer
a soberania nacional e a defesa do território. Assim, trata-se de um setor que
possui natural interesse para implementação de políticas públicas e, conse-
quentemente, para o apoio de bancos públicos com foco no desenvolvimento
econômico do país, como é o caso do BNDES. No Brasil, a principal empresa
do setor é a Embraer, que se consolidou como uma das quatro maiores fabri-
cantes mundiais de aeronaves civis nas últimas décadas, atuando também de
forma crescente na aviação militar e em outros segmentos do setor de defesa.
O presente artigo busca identificar necessidade de diversificação na forma
de apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e de
sua estratégia de crescimento em cada um dos três principais segmentos em que
atua: aviação comercial, aviação executiva e defesa e segurança. Primeiramente,
é apresentado um breve histórico e descrição da Embraer, seguindo-se uma aná-
lise das características da indústria e dos mercados em que atua. Em seguida,
descrevem-se as estratégias e ações adotadas nos últimos anos e o posiciona-
mento competitivo para cada segmento de negócio e apresentam-se os resulta-
dos obtidos. Por fim, reflete-se sobre as perspectivas para o apoio do BNDES à
Embraer à luz de seu posicionamento competitivo e sua estratégia de crescimento.

Histórico da Embraer1
A história da Embraer confunde-se com a história da indústria aeronáutica
brasileira. A Embraer foi criada em 19 de agosto de 1969, como uma com-
panhia de capital misto e controle estatal, fruto de um processo iniciado pelo
Estado brasileiro na década de 1940, quando foram constituídos uma escola
de engenharia aeronáutica – o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) – e
um centro de pesquisas e desenvolvimento em seu entorno – o então Centro
Técnico da Aeronáutica (CTA) –, com o intuito de dotar o país do domínio
da tecnologia aeronáutica e assim reforçar o exercício de sua soberania.

1
  Esta seção foi elaborada com base em Gomes (2012).
Desde o início, a empresa desenvolveu-se com base na demanda 285
associada às compras do governo brasileiro para o segmento militar e

Aeronáutica e Defesa
no desenvolvimento de aeronaves civis destinadas ao nicho de mercado
de aviação regional nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa.
Já na década de 1970, a primeira aeronave civil desenvolvida pela em-
presa, o Bandeirante, destacou-se no mercado internacional, iniciando
a vocação exportadora da Embraer.
Na década seguinte, a empresa concebeu e fabricou o EMB-120 Brasília,
que teve mais de 350 unidades exportadas para empresas aéreas nos cinco
continentes entre as décadas de 1980 e 1990. Ainda na década de 1980, no
mercado militar, a empresa desenvolveu e fabricou aeronaves em parceria
com as italianas Aeritalia e Aermacchi, sob a égide de um acordo entre
os governos do Brasil e da Itália. Nesse período, o desenvolvimento do
Programa AMX, aliado ao sucesso de vendas do Brasília, proporcionou à
empresa um salto de capacitação e desenvolvimento, com investimentos
em máquinas e equipamentos de última geração, treinamento e capacita-
ção de pessoal e domínio de novas tecnologias aeronáuticas. A Embraer
também forjou nesse período uma estratégia de sucesso utilizada ao lon-
go de sua história de formação de parcerias internacionais com relevan-
tes empresas do setor para capacitação em tecnologias como materiais
compostos, software embarcado e projetos digitalizados em computador.
Na década de 1990, em meio a dificuldades financeiras oriundas de um
contexto econômico adverso, da menor demanda e da redução do apoio
do governo brasileiro, a Embraer foi incluída no Programa Nacional de
Desestatização, vindo a ser privatizada em dezembro de 1994. Os no-
vos controladores capitalizaram a empresa com recursos da ordem de
US$ 500 milhões e concluíram o desenvolvimento de um novo jato regio-
nal de cinquenta assentos, o ERJ-145, em parceria de risco com diversos
fabricantes internacionais de partes da aeronave, tais como a fabricante
de motor Rolls‑Royce. O ERJ-145 foi um sucesso, suprindo as necessida-
des da aviação regional norte-americana, representando, assim, a redenção
da empresa nos anos subsequentes. No fim da década de 1990, a Embraer
lançou uma nova família de jatos regionais, para atender ao segmento de
setenta a 120 assentos, replicando a estratégia de parceria de risco com de-
mais fabricantes. Mais uma vez a empresa foi bem-sucedida e tornou-se,
em poucos anos, a líder de mercado nesse segmento.
286 Ainda como marcos pós-privatização destacam-se: (i) o aprofundamen-
to do processo de internacionalização da empresa, com operações fabris,
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

de pesquisa e desenvolvimento (P&D), apoio técnico e inteligência de


mercado em todo o mundo; e (ii) a concepção e paulatina implementação
da estratégia de diversificação do portfólio de negócios, visando redu-
zir a dependência do mercado dos jatos comerciais por meio do ingresso
no mercado de aviação executiva e da ampliação do escopo de atuação
no segmento militar.

Principais características da Embraer


Atualmente, a Embraer é uma empresa com atuação global que projeta,
desenvolve, fabrica e comercializa aeronaves e sistemas, além de forne-
cer suporte e serviços de pós-venda, por meio de três unidades de negócio
principais: aviação comercial; aviação executiva; e defesa e segurança.
Em 2013, sua receita líquida foi de US$ 6,2 bilhões, a carteira de pedidos
firmes alcançou US$ 18,2 bilhões e suas unidades de produção (Figura 1)
empregaram 19.278 funcionários, dos quais cerca de 90% no Brasil.

Figura 1 | Presença global da Embraer

Fonte: Embraer.

Desde 2006, a Embraer é uma companhia de capital pulverizado, com


apenas uma classe de ações ordinárias, o que permitiu sua adesão ao
Novo Mercado 2 da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). A

  Segmento da Bovespa para empresas que atendem a critérios de elevados padrões de governança corporativa.
2
empresa também possui ações na Bolsa de Valores de Nova York por meio 287
de American Depositary Receipts. Os principais acionistas da empresa são

Aeronáutica e Defesa
fundos de investimento e previdência, como o Oppenheimer Funds (9%),
Thornburg Investment (8%), Previ (7%) e Blackrock Inc. (5%), além da
BNDESPAR (5%). O governo brasileiro possui uma ação de classe espe-
cial (golden share), que lhe dá direito de veto em algumas matérias estra-
tégicas para a empresa e para o Estado brasileiro.

Características da indústria e dos


mercados aeronáutico e de defesa
Para melhor entender o posicionamento competitivo da Embraer,
faz‑se necessário realizar uma breve análise da indústria e dos mercados
aeronáutico e de defesa.
Conforme Coelho Netto (2005), a indústria aeronáutica constitui um
subconjunto da indústria aeroespacial. Esta, por sua vez, destaca-se como
um setor econômico altamente dinâmico, graças ao tamanho do mercado,
à geração de empregos diretos e indiretos, à facilitação das atividades eco-
nômicas através do transporte de passageiros em larga escala, a questões
de segurança nacional e ao desenvolvimento de tecnologia de ponta, entre
outros fatores. A indústria aeroespacial pode ser decomposta entre mísseis;
veículos espaciais; e aeronáutica. Esta última divide-se entre fabricação de
motores, aviônicos e aeronaves. Já a fabricação de aeronaves pode ser seg-
mentada entre o mercado militar (aeronaves de treinamento, caças, patrulha
e sensoriamento remoto, helicópteros militares etc.) e o civil (aeronaves
comerciais de diversos portes, executivas e de aviação geral e helicópteros).
Os mercados civil e militar têm como características comuns: a necessida-
de de atendimento a rígidos padrões de qualidade, desempenho e confia-
bilidade; alto valor agregado e longo ciclo de vida dos produtos; produção
pautada por encomendas; e a alta intensidade em capital para fazer frente
às elevadas despesas de desenvolvimento tecnológico.
Trata-se de uma indústria com grandes níveis de investimento em tec-
nologia e inovação, que apresenta elevada sinergia entre os mercados mi-
litar e civil. Com frequência, os investimentos em inovação tecnológica
promovida pelos Estados nacionais com fins militares resultam em apli-
cações competitivas para o mercado civil, tanto aeronáutico quanto em
outras indústrias. Nesse contexto, vale destacar o papel preponderante
288 dos Estados nacionais na promoção da indústria aeronáutica e de defe-
sa, dado seu caráter estratégico para soberania nacional e para o desen-
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

volvimento tecnológico de um país. Esse papel se dá tanto no poder de


compra dos governos na área militar como no financiamento de investi-
mentos em P&D e de vendas externas e internas da aviação civil e militar.
Outra característica relevante das indústrias aeronáutica e de defesa é que
ambas são amplamente globalizadas, tanto entre fabricantes como entre
fornecedores e compradores.
Assim, destacam-se como dimensões-chave para competitividade das
fabricantes de aeronaves: capacidade de inovação em processos produtivos
e desenvolvimento de produtos; ampla presença global; e qualidade das
políticas públicas em seus países.
No caso brasileiro, destaca-se o papel do BNDES no financiamento aos
investimentos e à comercialização dos produtos como importante fator de
apoio ao desenvolvimento do setor aeronáutico. No que se refere a políti-
cas públicas que incentivem os investimentos por meio de uma demanda
consistente para o setor de defesa, o Brasil ainda apresenta grandes desafios
com histórico de orçamento limitado e sujeito a atrasos e descontinuida-
de de projetos, porém novas iniciativas visando alterar essa limitação têm
sido implementadas nos últimos anos, como será comentado na subseção
“Aviação militar e indústria de defesa e segurança”.

Perfil das principais fabricantes de aeronaves


De um modo geral, a indústria aeronáutica tem um elevado grau de
concentração entre as fabricantes de aeronaves. Deve-se ter em conta que
a competição entre as empresas se dá em cada segmento de atuação, o
que gera maior ou menor rivalidade nos diversos segmentos de mercado.
Ademais, as fabricantes de aeronaves têm estratégias de atuação diferen-
ciadas. Algumas, como a Embraer, atuam nos três segmentos principais
(comercial, executiva e militar), mas com foco em nichos específicos em
cada um desses segmentos, enquanto outras focam em apenas um ou dois
segmentos. Há ainda aquelas que apresentam uma estratégia de diversifi-
cação para outros mercados, como é o caso da Bombardier, que também
atua no mercado de transporte ferroviário.
A Embraer atua fundamentalmente na indústria aeronáutica, por meio
da fabricação de aeronaves civis e militares. Com objetivo de diversi-
ficar seus negócios e dar maior sustentabilidade a seu crescimento, a 289
empresa tem ampliado seu escopo de atuação nos últimos anos, redu-

Aeronáutica e Defesa
zindo a participação da aviação comercial no total da receita de 95%,
em 2001, para 53%, em 2013,3 como mostra o Gráfico 1. Essa evolução
foi resultado da combinação de sua entrada paulatina na aviação execu-
tiva a partir de 2001 e da diversificação de sua atuação na indústria de
defesa nos últimos anos. Com a criação da subsidiária integral Embraer
Defesa & Segurança em 2010, a empresa ampliou o escopo de sua atua-
ção para além das aeronaves militares, incluindo veículos aéreos não tri-
pulados (Vant); radares; satélites; e sistemas integrados de inteligência,
vigilância e reconhecimento.

grafico 1
Gráfico 1 | Evolução da receita da Embraer por segmento de negócio

100 2%
5% 6% 7% 8% 9%
3% 12% 11% 11% 15%
90 6% 15% 17% 19%
7% 14% 14% 11% 1%
8% 11% 13% 1% 1%
80 7% 1%
8% 7%
70 16% 16% 14% 22% 20%
95% 16% 21%
27%
60 89%
50
75%
71% 71% 67%
40 64% 64% 64%
62% 61% 60%
30 53%

20

10
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Defesa e segurança Serviços aeronáuticos e outros Aviação executiva Aviação comercial

Fonte: Embraer.

O Quadro 1 exibe uma seleção de sete entre as principais empresas do


setor, os segmentos em que atuam e alguns de seus indicadores financeiros
que permitem inferir o tamanho e o foco de atuação de cada empresa. De sua
3
  A receita absoluta da aviação comercial cresceu aproximadamente 20% entre 2001 e 2013, passando
de US$ 2,8 bilhões para US$ 3,3 bilhões. Porém, como se pode observar no Gráfico 5, o crescimento
total da receita da Embraer foi da ordem de 113% no mesmo período, passando de US$ 2,9 bilhões
para US$ 6,2 bilhões.
290 análise, pode-se observar que o porte da Embraer é pequeno quando compa-
rado com as principais empresas da indústria, apresentando, porém, resultados
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

financeiros que chegaram a ser superiores aos de seus pares em anos recentes.
As margens positivas obtidas, nos últimos anos, por todas as empre-
sas pesquisadas indicam que a atual estrutura da indústria proporciona
bom nível de lucratividade para as fabricantes de aeronaves, seja pelo ta-
manho e tendência de crescimento do mercado, seja pela concentração entre
os participantes. Esses fatores tendem a proporcionar aos fabricantes relati-
vo equilíbrio de forças ou maior poder de barganha com os compradores e
com os fornecedores da indústria, a depender do segmento de atuação e do
porte da fabricante.

Quadro 1 | Perfil das principais fabricantes de aeronaves

Fabricante Atuação Receita Carteira Pessoal Margem


(% receita vendas 2013) (2013) (dez. 2013) operacional
(2012-2013)

Embraer - Aviação comercial (53%) US$ 6,2 US$ 18,2 19 mil 10% / 11%
(Brasil) - Aviação executiva (27%) bilhões bilhões
- Defesa e segurança (19%)
- Outros (1%)
Bombardier - Transporte ferroviário (49%) US$ 18,2 US$ 69,7 72 mil 5% / 5%
(Canadá) - Aviação executiva (27%) bilhões bilhões
- Serviços aeronáuticos (10%)
- Aviação comercial (7%)
- Outros (7%)

Boeing - Aviação comercial (61%) US$ 86,6 US$ 441 168 mil 9% / 9%
(EUA) - Defesa (39%) bilhões bilhões
Airbus - Aviação comercial (67%) US$ 83 US$ 960 144 mil 4% / 5%
(Europa) - Defesa e espacial (21%) bilhões bilhões
- Helicópteros (12%)
General - Sistemas militares (41%) US$ 31,2 US$ 46 92 mil 3% (*2012)
Dynamics/ - Sistemas de informação bilhões bilhões
Gulfstream e TI (33%)
(EUA) - Aviação (26%)
Lockheed - Aviação militar (31%) US$ 47,2 N/d 116 mil 9% (*2012)
Martin - Sistemas de bilhões
(EUA) informação (19%) (*2012)
- Sistema aeroespacial (18%)
- Outros – defesa (32%)
(Continua)
(Continuação) 291
Fabricante Atuação Receita Carteira Pessoal Margem

Aeronáutica e Defesa
(% receita vendas 2013) (2013) (dez. 2013) operacional
(2012-2013)

BAE - Defesa e segurança US$ 29 US$ 68 100 mil 9% / 5%


Systems - Aeroespacial bilhões bilhões
(Reino
Unido)*
Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas fabricantes.
* A empresa não fornece abertura da receita por segmento de atuação.

Características do mercado
A seguir, apresenta-se uma breve análise dos segmentos de aviação
comercial, executiva e de defesa e segurança com base na “metodologia
das cinco forças” de Porter (2008).4

Aviação comercial
Segundo estudo de mercado para aviação comercial publicado pela
Embraer denominado Market Outlook 2012-2031, após quarenta anos de
forte crescimento da aviação civil, estimulado pela globalização da econo-
mia, pelo desenvolvimento tecnológico e pelo crescimento econômico de
países como EUA e da região da Europa Ocidental e da Ásia, espera-se que
a demanda por transporte aéreo siga crescendo a uma taxa de 4,5% a.a., com
base no crescimento econômico e na ascensão de nova classe média nos paí-
ses emergentes. Essa expansão deverá gerar uma demanda por 32.800 novas
aeronaves, com valor estimado de US$ 3,6 trilhões nos próximos vinte anos.
Hoje existem 19.615 aeronaves em serviço no mundo, das quais 21%
pertencem ao segmento de trinta a 120 assentos. A previsão para 2031 é de
que o total passe a 36.595, das quais 20% no segmento de trinta a 120 as-
sentos. O mercado potencial estimado pela Embraer para esse segmento nos
próximos vinte anos é de 6.795 novas aeronaves com valor de mercado de
US$ 315 bilhões, das quais 3.765 (55%) no segmento de 91 a 120 assentos
e 2.625 (39%) no segmento de sessenta a noventa assentos. Do total, 47%

4 
A metodologia das cinco forças é um modelo de análise da lucratividade de uma empresa com base
na caracterização da indústria em que atua, considerando cinco aspectos, ou forças: rivalidade entre
concorrentes; ameaça de novos entrantes; ameaça de substituição; poder de barganha dos compradores;
e poder de barganha dos fornecedores. As cinco forças determinam a atratividade da indústria, refletindo
o padrão de lucratividade nesta.
292 devem responder ao crescimento do mercado e 53% atenderão à necessidade
de substituição de frota.
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

Não obstante o maior crescimento dos mercados emergentes, principalmente


da China, os EUA continuarão sendo o maior mercado, respondendo por 32%
da demanda por novas aeronaves (porém, com apenas 8% para atender ao cres-
cimento do mercado e 92% para substituição de frota), seguidos da Europa, com
21%, China, com 15%, e América Latina, com 11%. Atualmente, os EUA respon-
dem por aproximadamente 50% do mercado global de aviação civil e por mais
de 30% das aeronaves em serviço no mundo. Estima-se que, em 2031, a parcela
da frota de aeronaves em serviço nesse país diminua para cerca de 22% do total.
Rivalidade entre fabricantes
No segmento de aviação comercial, forma-
ram-se, nas últimas décadas, dois duopólios: Boeing e Airbus, para aerona-
ves a jato acima de 120 assentos, que atendem tanto a voos de curto e médio
alcance de maior densidade como a voos internacionais de longo alcance; e
Embraer e Bombardier, para jatos de trinta a 120 assentos, que atendem a
voos de curto e médio alcance nacionais e internacionais de menor densidade.
Essa estrutura consolidou-se na década de 1980, quando a Boeing adquiriu a
McDonnell Douglas, as canadenses Canadair e a De Havilland foram adqui-
ridas pela Bombardier, a British Aerospace e a sueca SAAB saíram do mer-
cado de aviação civil, e a holandesa Fokker assim como as alemãs Fairchild
e Dornier descontinuaram suas atividades. No caso específico do segmento
de atuação da Embraer, pode-se afirmar que, não obstante o duopólio com a
Bombardier, a rivalidade entre as empresas é razoável, dado que frequente-
mente disputam as mesmas campanhas. Nas campanhas bilionárias ocorri-
das no mercado norte-americano na segunda metade da década de 1990 para
aeronaves de cinquenta assentos5 e, mais recentemente, para aeronaves de
76 assentos, observou-se uma disputa acirrada entre as fabricantes. Porém,
na família atual de jatos de setenta a 120 assentos, verifica-se um ambiente
competitivo mais favorável para a Embraer, o que tem se refletido na lide-
rança de mercado conquistada a partir de 2004 com o advento dos E-Jets6 e
em uma margem de lucro operacional da empresa de cerca de 10% nos úl-
5
  Ocasião em que a disputa comercial foi tão acirrada, que motivou abertura de contenciosos na
Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o apoio financeiro dos respectivos governos às
vendas de suas fabricantes.
6
  E-Jets é o nome dado pela Embraer a sua família de jatos de setenta a 120 assentos composta por
E-170, E-175, E-190 e E-195. Segundo dados divulgados pela Embraer, a empresa alcançou a marca de
51% de participação de mercado nas vendas no segmento de setenta a 120 assentos em 2013.
timos anos. A vantagem dos E-Jets pode ser atribuída, entre outras razões, 293
à maior diferenciação dos produtos da fabricante brasileira, especialmente

Aeronáutica e Defesa
concebidos para esse nicho de mercado (enquanto o produto da Bombardier
é oriundo de seus jatos executivos), e à maior diversificação de mercados
e aplicações de suas aeronaves (especialmente no subsegmento de noventa
a 120 assentos).

Ameaça de novos entrantes e análise de barreiras de entrada


A tendência na aviação comercial é de uma nova fase de aumento da ri-
validade entre as fabricantes, em função de quatro novos entrantes de peso:
as russas Sukhoi e Irkut Corporation, a japonesa Mitsubishi e, em menor me-
dida, a chinesa Comac. Todas estão investindo pesadamente, com apoio de
seus respectivos governos, para lançar novos produtos tanto no nicho de atu-
ação da Embraer (de setenta a 130 assentos) como no segmento inferior de
atuação da Boeing e Airbus (de 150 a 220 assentos). O Quadro 2 apresenta uma
visão geral do ambiente competitivo na aviação comercial, destacando os mo-
delos de aeronave em serviço ou em projeto para cada segmento do mercado.
Das novas entrantes, a Sukhoi largou na frente, e sua aeronave Superjet
(SSJ 100/95) de noventa a cem lugares já está em operação desde 2011.
Porém, esses jatos ainda não dispõem da nova tecnologia de motores que
proporcionam maior economia de combustível. As aeronaves SSJ 100 con-
tam com uma carteira de pedidos firmes de mais de 280 aeronaves (compa-
rável com o de 429 alcançado pela Embraer em 2013), com mais de trinta
entregas até 2013 e previsão de até quarenta novas entregas de aeronaves
em 2014 (contra estimativa de 95 entregas de E-Jets em 2014). Não obstante
os clientes ainda estarem concentrados na Rússia e em países de sua influ-
ência geopolítica, a Sukhoi logrou vender vinte SSJ 100/95 para a empresa
mexicana Interjet. Além de herdar a tradição aeronáutica russa, a Sukhoi
conta, nesse projeto, com alta prioridade do governo russo e com parce-
rias internacionais de peso – com a americana Boeing, a francesa Snecma
(para o desenvolvimento do motor) e a italiana Alenia Aermacchi, como
acionista. Se, por um lado, o projeto russo para aeronaves no segmento de
atuação da Embraer já é uma realidade e está avançando, por outro lado,
o projeto para aeronaves de 150 a 220 assentos desenvolvido pela Irkut
Corporation tem como previsão preliminar de entrada em operação o ano
de 2016, estando sujeito ainda a muitas incertezas.
294 Quadro 2 | Ambiente competitivo por segmento,
incluindo aeronaves em desenvolvimento
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

Segmento Embraer1 Bombardier2 Sukhoi3 Mitsubishi4 Comac5 Airbus Boeing


(número e Irkut
de assentos)
66-83 E-170 CRJ700
E-175; SSJ100/75 MRJ70
76-88 CRJ900
E2-175 ARJ-21
80-103 CRJ1000 MRJ90
E-190; SSJ100/95
97-114
E2-190 CS100
108-125 E-195
A318 B737-600
118-132 E2-195
CS300
120-150 A319 B737-700
150-189 C-919 A320 B737-800
MS-216
185-220 A321 B737-900
A330;
250+ B787;777;747
A380
Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas e Gomes (2012).
1
A nova geração de E-Jets da Embraer está prevista para entrar em serviço em 2018 (E2-190), 2019
(E2-195) e 2020 (E2-175).
2
Novas aeronaves C-Series 100 e 300 com previsão de entrada em serviço em 2015 e 2016,
respectivamente.
3
O SSJ100/95 entrou em operação em 2011. O SSJ 100/75 deve entrar em operação até 2015.
4
Na configuração de duas classes, o MRJ90 disputa com o E-175 na configuração de 76 assentos
para o mercado dos EUA. Previsão de entrada em serviço em 2016.
5
A certificação e a carteira de clientes dos jatos chineses ainda são incertos. A previsão original de
entrada em serviço do ARJ-21 era para 2006 e, após diversas revisões, está atualmente estimada para
2015. Não há previsão para início de operação do C-919.
6
O MS-21 está sendo desenvolvido pela empresa russa Irkut Corp., com previsão de início de operação
para 2016.
Nota: As cores correspondem aos modelos de aeronaves que disputam diretamente entre
si pelo critério de faixa de assentos. Porém os modelos E2 da Embraer não deverão
sofrer concorrência relevante do SSJ100 nem do ARJ-21 devido ao fato destas aeronaves
utilizarem uma tecnologia de motor anterior com maior consumo de combustíveis.

A Mitsubishi, com seus MRJ 70 e 90, de, respectivamente, 78 e 92


lugares na configuração-padrão, também poderá vir a ser um concor-
rente de peso no segmento de atuação da Embraer. Apesar de a entra-
da em operação de suas aeronaves terem sido adiadas de 2013 para
2016, o projeto já conta com mais de cem pedidos de compra no dis-
putado mercado norte-americano. Além de receber apoio do governo
japonês, o projeto tem o respaldo de ser desenvolvido por um conglome-

BS40-book 294 20/10/14 20:51


rado industrial7 global com mais de 140 anos de tradição, com cerca de 295
350 mil empregados.

Aeronáutica e Defesa
Já a chinesa Comac, com os projetos do ARJ 21 para a faixa de setenta
a cem assentos e do C-919 para a faixa de 150 a 190 assentos, não deverá
representar uma concorrência forte, pois não conta com a nova versão de
motores que irá equipar o C-Series da Bombardier, o E2 da Embraer e o
MRJ da Mitsubishi, além de ter adiado o prazo para entrada em operação do
primeiro jato consistentemente, passando da previsão original de 2006 para
a estimativa atual de 2015. O projeto do C-919 não tem previsão de entrada
em serviço, mas, segundo o site especializado <www.aviationweek.com>,
isso não deverá ocorrer antes de 2017. Ainda segundo essa mesma fonte, a
Comac é oriunda de uma agência do governo chinês e não tem tradição na
produção e venda de aeronaves.
Por fim, completa a nova fase de acirramento da concorrência na aviação
comercial o lançamento de novas aeronaves C-Series 100 e C-Series 300 da
Bombardier e da nova versão dos E-Jets da Embraer, remotorizada e com
nova asa e sistemas, denominada E-2.
Não obstante o gradual aumento da concorrência no nicho de atuação da
Embraer na aviação comercial ao longo dos próximos anos, os novos entrantes
devem demorar alguns anos para se consolidar no mercado, e alguns desses
novos projetos possivelmente não lograrão sucesso internacional (ainda que
contem com certa reserva de mercado em seus países de origem, no caso da
China e da Rússia), pois ainda não contam com a reputação de excelência
técnica e consagrado apoio pós-venda dos fabricantes estabelecidos.
Outras barreiras de entrada que os novos entrantes terão de superar são:
(i) a necessidade de cumprimento de uma série de requisitos técnicos para
certificação da aeronave pelos órgãos reguladores de países como os EUA
e os da União Europeia; e (ii) a construção de uma diversificada e ampla
carteira de clientes operando as aeronaves, de forma a conferir liquidez ao
ativo e valorizá-lo no mercado perante clientes e financiadores.
Dada a determinação e os recursos disponíveis dos governos da Rússia,
China e Japão para apoiar suas respectivas fabricantes, a tendência é que
em médio e longo prazos o aumento da concorrência se concretize, ainda

7
  Além do setor de aviação, a Mitsubishi atua nos setores automobilístico, de mineração, telecomuni-
cação, serviços financeiros, seguro, eletrônico, estaleiro, petróleo e gás e construção.
296 que nessa primeira onda de novos projetos a maior parte não obtenha sig-
nificativa participação de mercado.
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

Ameaça de substituição
A ameaça de produtos substitutos na indústria é limitada a algumas
missões ou aplicações, mas não de forma universal. Não há, no horizon-
te previsível, possibilidade de algum novo produto substituir de forma
economicamente viável viagens aéreas internacionais de longo alcan-
ce, tal como ocorreu com o advento da aviação comercial em substi-
tuição à navegação marítima. Por outro lado, a difusão de trens de alta
velocidade pode substituir, em certa medida, as aeronaves como opção
de transporte de média distância em mercados com ampla e moderna
infraestrutura ferroviária.

Poder de barganha dos compradores


Os compradores na aviação comercial são essencialmente as empre-
sas aéreas e as empresas de arrendamento de aeronaves. Do ponto de vista
das empresas aéreas, apesar de existirem aproximadamente duzentas pelo
mundo, apenas 10% dessas concentram 95% do tráfego internacional de
passageiros. Assim, aquelas que efetivamente têm poder de compra direta-
mente com os fabricantes são poucas. Destaca-se que o poder de barganha
dos compradores no mercado dos EUA aumentou nos últimos anos com
a consolidação das empresas aéreas americanas para apenas quatro gran-
des empresas que responderam por cerca de 90% da oferta no mercado
americano, contra 66% em 2000.
Já as empresas de arrendamento de aeronaves têm ganhado cada vez mais
importância como compradores, na medida em que se caracterizam como
um relevante canal de distribuição para os fabricantes por sua capacidade
de capilaridade na oferta competitiva de aeronaves para empresas aéreas de
todos os portes. Por comprarem aeronaves em volumes relativamente altos,
essas empresas costumam ter um bom poder de barganha com as fabricantes.

Poder de barganha dos fornecedores


Dentre os fornecedores dos fabricantes de aeronaves, destacam-se os
fabricantes de motores; os fabricantes de aviônicos (sistemas eletrônicos
das aeronaves); e produtores de estruturas aeronáuticas.
Os mercados desses componentes são heterogêneos quanto à concen- 297
tração da oferta, à complexidade tecnológica, à importância das barreiras à

Aeronáutica e Defesa
entrada etc. Nesse contexto, a relação de poder de barganha entre fabricantes
de aeronaves e seus principais fornecedores varia caso a caso. No caso dos
motores, ela é favorável aos fornecedores, graças à concentração da ofer-
ta, a barreiras à entrada e à alta complexidade da produção. Os setores de
aviônicos e estruturas aeronáuticas, por sua vez, têm uma menor concen-
tração de fabricantes e são caracterizados por um “equilíbrio” entre o po-
der de barganha dos compradores e vendedores [Coelho Netto (2005)].
Por fim, a relação é amplamente favorável aos fabricantes de aeronaves
no caso dos fornecedores de partes, equipamentos e serviços de menor
valor agregado.
Destaca-se ainda que essa relação de poder também varia em função do
tamanho da fabricante. Nessa dimensão, a Embraer apresenta uma desvan-
tagem competitiva quando comparada às demais fabricantes estabelecidas
no mercado, dado seu porte relativamente menor de produção.

Aviação executiva
O mercado de aviação executiva é dividido em nove segmentos por cri-
tério de tamanho e alcance de voo das aeronaves, descritos no Quadro 3.
Segundo dados da Embraer, o mercado de aviação corporativa totalizou
US$ 21,2 bilhões em vendas no ano de 2013. A frota mundial de jatos exe-
cutivos supera 19 mil aeronaves, com cerca de 63% nos EUA, seguidos
de 4% no Brasil e 3,7% no México [Davies (2014)].

Quadro 3 | Cenário competitivo por segmento da aviação executiva

Ano de Modelo Assentos/ Concorrentes


certificação alcance

Entry 2008 Phenom 100 Até oito • Cessna - Mustang/M2


ocupantes/ • HondaJet
1.178 mn

Light 2009 Phenom 300 Até 11 • Cessna - CJ2+/CJ3/CJ4


ocupantes/ • Bombardier - Learjet 40XR/70
1.971 mn

(Continua)
298 (Continuação)

Ano de Modelo Assentos/ Concorrentes


Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

certificação alcance

Midlight Em desen- Legacy 450 De 7 a 9 • Bombardier - Learjet 45XR/75


volvimento passageiros/ • Cessna - XLS+/ Latitude
2.300 mn
Midsize Legacy 500 de 8 a 12 • Bombardier - Learjet 85
passageiros/ • Cessna - Sovereign
3.000 mn • Gulfstream - G150
Super 2001 Legacy 600 De 13 a 14 • Bombardier - CL300/CL850
midsize passageiros/ • Cessna - X/Longitude
3.400 mn • Dassault - Falcon 2000S
• Gulfstream - G280
Large 2010 Legacy 650 De 13 a 14 • Bombadier - CL605/GL5000
passageiros/ • Dessault - Falcon2000LXS/
3.900 mn 900LX
• Gulfstream - G350/G450
Ultra • Bombardier -L6000/GL7000/
long range GL8000
• Gulfstream - G500/G550/G650
• Dassault - Falcon 7X
Ultra 2008 Lineage De 13 a 14 • Airbus - ACJ 318/319/320
large 1000 passageiros/ • Boeing - BBJ/BBJ2/BBJ3
4 .500 mn
Fonte: Embraer.

A Embraer estima, em sua projeção de dez anos para o período de 2014


a 2023, crescimento do mercado executivo mundial da ordem de 6,5% a.a.,
destacando-se o crescimento da região da Ásia-Pacífico (12% a.a.), onde
a China deverá responder por 40% do faturamento projetado para a região
no período. No entanto, o mercado norte-americano continuará sendo o
principal mercado para jatos executivos no mundo, com a maior parcela da
frota e de operadores.
As projeções anteriormente citadas indicam um faturamento de vendas
do setor ao longo dos próximos dez anos da ordem de US$ 250 bilhões,
correspondente a 9.250 novos jatos. Conforme detalhado no Gráfico 2, a
maior parte desse valor (33%) estará concentrada no segmento de ultralon-
go alcance (ultra long range), no qual a Embraer ainda não atua, seguido
pelos segmentos de aeronaves grandes (large) e supermédias (supermid),
em que a Embraer atua com os Legacy 650 e 600, respectivamente – que
somados deverão responder por 38% da demanda –, e pelos segmentos
médio (midsize) e médio-leve (midlight), nos quais a Embraer está entrando 299
com os novos Legacy 500 e 450, respectivamente – que somados deverão

Aeronáutica e Defesa
alcançar 14% de participação no mercado.

grafico 2
Gráfico 2 | Projeção de mercado 2014-2023

1.200 Previsão de entregas (un.) Unidades US$


225 17,3
1.000 1345
Ultra large
Ultra long range 1670 82,2
800

Large
1270
600
Supermid 920 64,7
400 Midsize 1140
Midlight 31,1
200 1780 17,8
Light
17,3
0 Entry 900 15,8 4,2
Entregas Receitas
2009

2020
2008

2022
2010

2023
2016

2019
2018
2014
2012

2021
2015
2013

2017
2011

Total 2014-2023

Fonte: Embraer.

Rivalidade entre fabricantes


O ambiente competitivo na aviação executiva, quando comparado
com o da aviação comercial, afigura-se mais desafiador, uma vez que
o número de fabricantes é maior, destacando-se seis que somam mais
de 90% do faturamento do setor e mais de 95% das unidades entregues
anualmente, a saber: as norte-americanas Cessna, Gulfstream e Hawker
Beechcraft;8 a francesa Dassault; a canadense Bombardier; e a brasilei-
ra Embraer. Essas fabricantes atuam nos diversos segmentos da avia-
ção executiva com ampla gama de aeronaves de variados tamanhos,
alcance, aplicações e preços, conforme se pode observar no Quadro 3.
Devem-se ainda citar a Airbus e a Boeing, que atuam apenas no seg-
mento ultra large, com variações de suas aeronaves da família A320 e
B737, respectivamente.
8
  A Hawker Beechcraft indicou que deverá retirar-se do segmento de jatos executivos, limitando sua
atuação a aeronaves executivas com hélice.
300
grafico 3
Gráfico 3 | Participação de mercado da aviação executiva por receita
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

$ 21,8 Bi $ 17,3 Bi $ 18,2 Bi $ 18,1 Bi $ 17,7 Bi $ 21,2 Bi


100 5%
5% 6% 10% 7% 5%
90

80 29% 28% 30%


27% 33% 33%
Porcentagem – total receita US$

70
6%
60 13% 7%
19% 9% 10%
50 16%
18% 22% 15% 17%
40 12%

30
23% 21% 25% 35%
21% 27%
20

10 4,2% 6,4% 6,9% 5,9% 7,3% 7,8%


8% 8% 6% 4%
0 3% 1%
2008 2009 2010 2011 2012 2013

Outros Bombardier Cessna Dassault Gulfstream Embraer Hawker-Beech

Fonte: Embraer.

A Dassault e a Gulfstream fabricam aeronaves de maior porte e alcan-


ce, com maior valor agregado, enquanto Cessna e Hawker Beechcraft têm
maior foco em aeronaves menores, com menor valor de mercado relativo,
resultando em menor participação no faturamento. A Bombardier possui
um amplo espectro de aeronaves, cobrindo sete dos nove segmentos, à
exceção do segmento de menor valor agregado denominado entry e do
segmento de maior tamanho denominado ultra large. Efetivamente, os
principais concorrentes do setor são a Bombardier e a Gulfstream, que
obtiveram respectivamente o segundo (30%) e o primeiro (35%) lugares
na participação de mercado em 2013, medida pelo faturamento, segundo
dados constantes do Gráfico 3. Nessa mesma estatística, a Embraer fi-
gura em quarto lugar, com 7,8% de participação de mercado e receita de
US$ 1,6 bilhão. Já na participação de mercado por número de unidades,
a Embraer alcançou aproximadamente 15% do total de vendas em 2013,
com 119 unidades entregues no ano, no mesmo nível de Dassault e Cessna
e atrás apenas da Bombardier e da Gulfstream.
Não obstante ter ingressado apenas recentemente no mercado executi-
vo, com o lançamento do Legacy 600 em 2001, a Embraer tem aumentado
significativamente sua participação, especialmente a partir de 2009, como
resultado do lançamento de dois novos jatos especialmente projetados para
atender à aviação executiva nos dois segmentos inferiores do mercado,

BS40-book 300 20/10/14 20:51


os Phenom 100 e 300. O último alcançou grande sucesso comercial, atin- 301
gindo a posição de jato executivo mais vendido de 2013, dominando seu

Aeronáutica e Defesa
segmento, em que respondeu por 47% das vendas, conforme se observa no
Gráfico 4. Ainda em 2008, a Embraer lançou o Lineage 1000, oriundo do
jato comercial E-190, para ocupar o segmento de mercado ultra-large. A
mais recente iniciativa da empresa na aviação executiva foi o lançamento de
dois novos modelos para ocupar os segmentos intermediários do mercado, o
Legacy 450 e o Legacy 500, que devem entrar no mercado em 2015 e 2014,
respectivamente. Assim, faltará a Embraer entrar apenas no segmento mais
competitivo e de maior valor agregado, o ultra-long range, com alcance
capaz de unir quaisquer duas cidades no planeta.
grafico 4
Gráfico 4 | Evolução do market share do Phenom 300

2% 1% 6% 4%
100 2%
11% 11% 2%
90 8% 12%
5% 13%
11%
80 12% 10% 12%
Porcentagem – total receita US$

70 16% 15% 15%


15%
60
26%
50 18%
20% 34% 31%
40

30 17%
39%
20
34% 34%
30%
10 24%
0 1%
2009 2010 2011 2012 2013

SJ-30-2 H 400XP Learjet 40/70 Premier IA CJ2+ CJ3 CJ4 Phenom 300

Fonte: Embraer.

Segundo Migon et al. (2011), nos últimos 15 anos, a quantidade de mo-


delos disponíveis no mercado aumentou consideravelmente, adensando o
número de modelos por faixa de preço e levando a uma segmentação qua-
se contínua, em relação a tamanho da cabine, alcance e faixa de preço da
aeronave. A entrada de novos modelos de aeronaves no mercado nos próxi-
mos anos deverá mudar a dinâmica competitiva hoje existente. Atualmente
existem pelo menos 11 novos projetos em desenvolvimento nos diversos
segmentos do mercado – três pela Bombardier, quatro pela Cessna, dois pela
Dassault e dois pela Embraer. Essa constante movimentação dos fabricantes
302 por um contínuo aperfeiçoamento dos modelos já fabricados e lançamento
de novas aeronaves que atendam às necessidades dos mais variados tipos de
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

clientes responde à dinâmica competitiva do setor na busca por ampliação


ou manutenção da participação de mercado e conquista de novos mercados.

Ameaça de novos entrantes e análise de barreiras de entrada


No mercado de aviação executiva, o único novo entrante no momento é
a Honda, com um novo jato de cinco passageiros, o Hondajet.
A exemplo do mercado de aviação comercial, o mercado executivo apre-
senta uma série de barreiras de entradas relativas à complexidade tecnológi-
ca, certificações técnicas e alto volume de investimento necessário. Porém,
essas barreiras são menores nos segmentos inferiores do mercado, o que
facilita a entrada de novos concorrentes a partir desse segmento, como se
observou no recente caso da Honda. Outra forma de entrar nesse mercado
minimizando riscos e investimentos é adaptando aeronaves comerciais já
em operação no mercado, tal como fez a Embraer quando entrou no mer-
cado com o Legacy 600 (oriundo do ERJ 135) e ao ingressar no segmento
de jatos grandes com o Lineage 1000 (oriundo do E-190).

Ameaça de substituição
Na aviação executiva, a ameaça de substituição guarda semelhança com
a análise feita para aviação comercial, devendo-se destacar, porém, que a
própria aviação comercial e a opção por substituir reuniões de negócios
presenciais por videoconferências (ou outras formas de trabalho remoto em
equipe) podem substituir parcialmente a demanda por voos executivos em
momentos de crise econômica.

Poder de barganha de compradores


Segundo informações da Embraer, mais da metade dos compradores de
jatos executivos são empresas que adquirem apenas uma unidade para suas
necessidades, seguidas por departamentos de voo de grandes empresas e
táxi aéreo/charter, que juntos somam cerca de um quinto da frota mundial,
e os demais um quarto da frota foram divididos entre governos, empresas de
propriedade compartilhada de aeronaves, revendedores, indivíduos de alta
renda, entre outros. Os principais operadores de aviação executiva são pe-
quenas empresas, com cerca de 75% do universo de empresas compradoras
operando apenas uma aeronave. Dentre as principais razões para utilização 303
de jatos executivos, destacam-se a economia de tempo e outras razões rela-

Aeronáutica e Defesa
cionadas à produtividade, como possibilidade de trabalhar com privacidade
durante o voo e a alta capilaridade que se traduz no acesso a aeroportos mais
convenientes e/ou não servidos pelas empresas aéreas comerciais.
A maior concentração e o maior tamanho das fabricantes de aeronaves
quando comparados com a variedade e pulverização dos compradores indica
que as primeiras têm maior poder de barganha. Por outro lado, comprado-
res especializados em oferecer serviços de propriedade compartilhada de
aeronaves, como no caso da norte-americana Flight Options, apresentam
maior poder de barganha na compra de modelos novos no mercado, por sua
capacidade de popularizar tais modelos entre os usuários.

Poder de barganha de fornecedores


O poder de barganha dos fornecedores no mercado de aviação executiva
é equivalente àquele analisado na aviação comercial, pois se trata, em li-
nhas gerais, das mesmas empresas fornecedoras e dos mesmos fabricantes.

Aviação militar e indústria de defesa e segurança


Segundo Correa Filho et al. (2013), os mercados de defesa e segurança
são complementares, razão pela qual se convencionou tratá-los de forma
conjunta. A principal diferença conceitual é que a defesa é voltada contra
ameaças externas, enquanto a segurança tem um enfoque interno ao país.
Em ambos os casos, porém, o principal contratante é o governo, seja atra-
vés das Forças Armadas ou de órgãos de segurança. Como consequência
dessa característica, trata-se de um mercado com maior estabilidade e pre-
visibilidade na ponta da demanda, na medida em que o fabricante responde
às solicitações de projeto e fabricação em série de novas aeronaves e de-
mais equipamentos de defesa com o respaldo orçamentário e financeiro do
governo demandante.
Nesse contexto, destacam-se as boas perspectivas de novos negócios vis-
lumbradas para o setor de defesa no Brasil no âmbito das recém-lançadas
Política Nacional de Defesa (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END),9
9
  A PND, lançada em 2005, é focada em ações estratégicas de médio e longo prazos e objetiva modernizar
a estrutura nacional de defesa, atuando em três eixos estruturantes: reorganização das Forças Armadas;
reestruturação da indústria brasileira de material de defesa; e política de composição dos efetivos das Forças
Armadas. Já a END, lançada em 2008, fornece diretrizes para ações que concretizem o previsto na PND.
304 o que já tem levado muitos grupos e empresas de grande porte a investir ou
analisar a possibilidade de investir no país.
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

Por fim, o estudo de Correa Filho et al. (2013) ressalta ainda que, uma
vez consolidado um determinado produto de defesa pela demanda inicial
do governo de dado fabricante, este passará a buscar clientes entre outros
governos, configurando assim um relevante mercado internacional de
produtos de defesa. O comércio exterior de equipamentos de defesa movi-
mentou US$ 247 bilhões nos dez anos compreendidos entre 2003 e 2012,
destacando-se aeronaves (US$ 108 bilhões), navios (US$ 37,7 bilhões),
mísseis (US$ 32,7 bilhões) e veículos blindados (US$ 29,3 bilhões).

Rivalidade entre fabricantes


Em seu artigo, Correa Filho et al. (2013) caracterizam a oferta no mercado
de defesa e segurança de forma pulverizada por vários segmentos industriais
e de serviços. Não obstante, os segmentos industriais e de serviços dedica-
dos aos produtos de defesa apresentam estrutura oligopolizada, sendo os
principais atores grandes conglomerados com atuação diversificada. A maior
parte utiliza uma estratégia de diversificar suas atividades, aplicando as tec-
nologias desenvolvidas no setor de defesa em mercados civis. Em 2011, os
dez maiores grupos mundiais faturaram US$ 220 bilhões em vendas para o
setor de defesa. Entre as maiores empresas do setor aeroespacial militar, a
maior parte é de capital norte-americano, destacando-se Lockheed Martin,
Boeing, Raytheon, Northrop Grumman, United Technologies e General
Dynamics. Dentre as empresas europeias, destacam-se Thomson Marconi
Sonar (parceria entre a francesa Thomson e a britânica GEC), Eurocopter
(parceria entre a francesa Aérospatiale e a alemã DASA), British Aerospace,
o grupo Airbus, Finmeccanica e Daimler-Benz Aerospace.
Diante de um ambiente competitivo dominado por grandes corpora-
ções internacionais e de um orçamento de seu governo nacional limitado, a
Embraer optou por atuar em nichos específicos e, mais recentemente, tem
aumentado seu leque de produtos e serviços no setor de defesa e segurança
buscando aproveitar as oportunidades oferecidas pela PND e pela END.
Atualmente, o escopo de atuação da empresa brasileira inclui fabricação de
aeronaves leves de ataque e treinamento militar; aeronaves de vigilância;
manutenção aeronáutica e suporte logístico; modernização de aeronaves
militares usadas; Vants; e radares.
Ameaça de novos entrantes e análise de barreiras de entrada 305
Na indústria de defesa e segurança, em razão dos altos investimentos em

Aeronáutica e Defesa
P&D e da consequente concentração de grandes conglomerados no mer-
cado, bem como da intensiva participação dos Estados nacionais no setor,
existe uma forte barreira de entrada para novas empresas, as quais tendem
a buscar nichos específicos de atuação e dependem de incentivos dos res-
pectivos governos nacionais para prosperarem nesse mercado.

Ameaça de substituição
Tendo em vista a natureza peculiar dos produtos de defesa e segurança,
não foi possível identificar ameaças de produtos substitutos para aeronaves
militares ou outros segmentos específicos. Porém, existem produtos substi-
tutos dentro do próprio contexto dos equipamentos de defesa, como o Super
Tucano da Embraer – uma aeronave turboélice que, por sua eficiência ope-
racional a baixo custo de aquisição e operação, substitui aeronaves a jato
no nicho de missões de ataque leve e treinamento.

Poder de barganha de compradores


Nos mercados militar e de segurança, os diversos Estados nacionais são
os únicos compradores, seja através das Forças Armadas, seja através dos
órgãos de segurança do governo.
Segundo Correa Filho et al. (2013), após o desenvolvimento de produtos
especificamente demandados por cada Estado para suprir suas necessidades
de soberania nacional, os Estados garantem a demanda da indústria nacional
por meio de encomendas públicas para equipar suas Forças Armadas com
os produtos desenvolvidos. Assim, nessa indústria, não obstante o tamanho
das empresas participantes, o poder de barganha dos compradores é alto.

Poder de barganha de fornecedores


No segmento de aviação militar, existe maior verticalização da produção
por parte dos fabricantes de aeronaves, sendo certo, no entanto, que os for-
necedores de motores e aviônicos são os mesmos da aviação comercial e da
executiva. Nesses segmentos, portanto, o poder de barganha dos fornecedores
é alto e, por se tratar de um setor estratégico para os Estados, implica ainda
uma dependência de autorização dos países fornecedores para exportação
de um dado produto pela fabricante que recorre a fornecimento externo.
306 Atratividade das indústrias aeronáutica e de defesa e segurança
Pode-se concluir da análise anterior que a atratividade da indústria
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

aeronáutica é média-alta, dado que as forças competitivas que atuam sobre


a indústria, em sua maioria, não têm intensidade alta, o que se reflete em
razoável margem de lucro operacional obtido pelas principais empresas
do setor nos últimos anos conforme observado no Quadro 1. No entanto,
a tendência de longo prazo indica que a atratividade da aviação comer-
cial deve sofrer algum grau de redução, como consequência da provável
consolidação de novos entrantes no mercado, do atual processo de con-
centração dos compradores e da maior rivalidade entre os fabricantes. De
toda forma, em função da tendência de continuidade do crescimento do
mercado ao longo dos próximos vinte anos, especialmente entre os emer-
gentes como China, Rússia, América Latina e África, afigura-se como
provável um cenário em que o setor continuará apresentando margens
operacionais positivas.

Posicionamento competitivo e estratégia de


crescimento da Embraer: ações e resultados obtidos

Posicionamento, estratégia e ações


Segundo informações obtidas no Relatório Anual de 2012 da Embraer,
a estratégia de crescimento da empresa está calcada na diversificação de
sua carteira de negócios, guardando sinergia com as competências centrais
da empresa. Além da diversificação de negócios, sua estratégia corporativa
privilegia o crescimento orgânico e o aumento da margem de lucratividade
por meio de contínua melhoria do processo produtivo.
A empresa tem como visão continuar a se consolidar como uma das
principais forças globais dos mercados aeronáutico e de defesa, sendo líder
nos segmentos em que atua e reconhecida por sua excelência empresarial.
A Embraer busca assim gerar valor para seus acionistas, maximizando seu
valor e garantindo sua perpetuidade.
A seguir, são apresentadas as metas e ações tomadas pela empresa à
luz desse objetivo estratégico para cada um de seus segmentos de negócio,
suas iniciativas de entrar em novos segmentos de negócios e os resultados
obtidos em cada uma dessas ações.
Aviação comercial 307
Na aviação comercial, a meta da empresa é solidificar a posição de liderança

Aeronáutica e Defesa
em seu segmento de atuação, expandindo a base de clientes, trabalhando no aper-
feiçoamento dos E-Jets e buscando a excelência no modelo de suporte ao cliente.
Em linha com sua meta declarada, a Embraer decidiu remotorizar sua
atual família de E-Jets, lançando o E2, projetado para economizar de 16%
a 23% de consumo de combustível por assento, utilizando-se para tal fim:
(i) da mesma tecnologia de motor Pratt&Whitney utilizada pela Bombardier
e pela Mitsubishi em suas novas aeronaves, C-Series e MRJ, respectiva-
mente; (ii) de uma nova asa com aerodinâmica mais moderna; e (iii) de
melhorias nos sistemas e no design da cabine da aeronave. A versão E2
contará com três aeronaves (em vez de quatro como na versão original
dos E-Jets) elencadas por ordem de entrada em serviço: E2-190 (2018),
E2-195 (2019) e E2-175 (2020).10
Destaca-se ainda a decisão da empresa de aprimorar a versão atual do
E-175 ainda em 201311 com introdução de novo winglet na asa e outros
ajustes que proporcionaram economia de cerca de 6% de consumo de com-
bustível, reforçando o posicionamento competitivo dessas aeronaves nas re-
centes disputas bilionárias por campanhas de empresas norte-americanas.12
O modelo aprimorado do atual E-175 foi, ao lado do lançamento do E2,
um dos principais responsáveis pelo excepcional ano de vendas da Embraer
em 2013, quando obteve aproximadamente 350 novas encomendas, aumentan-
do sua carteira de pedidos firmes de 185 para 42913 aeronaves, um crescimento
de 132% sobre o ano anterior.
Outra decisão estratégica relevante que a distinguiu da estratégia segui-
da pela Bombardier e pela novata Comac foi a de não entrar no segmento
inferior de atuação da Airbus e da Boeing para aeronaves na faixa de 125
a 150 assentos. Conforme pôde ser observado no Quadro 2, o programa
E2 ampliou o escopo de atuação da Embraer apenas marginalmente, au-
mentando seu segmento de atuação de setenta a 120 assentos para oitenta

10
  A Embraer sairá do segmento de setenta a oitenta assentos relativo ao E-170, lançando o E2-175 para
faixa de oitenta a 88 assentos (com uma fileira adicional em relação à versão original), o E2-190, de 97 a
106 assentos, e o E2-195, de 118 a 132 assentos (com três fileiras adicionais em relação à versão original).
11
  Essa é a razão pela qual o E2-175 foi definido como último dos novos modelos a entrar em operação.
12
  A Embraer obteve cerca de 80% do total de mais de US$ 5 bilhões contratados pelas empresas
norte-americanas.
13
  Das 429 aeronaves em carteira, 188 aeronaves são de E-175 e 150 são dos três novos modelos E2.
308 a 132 assentos. Nessa faixa a Embraer se posiciona, através de seu mode-
lo E2-195 (118 a 132 assentos), em concorrência apenas com os modelos
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

menos eficientes da Airbus e da Boeing, respectivamente o A318 (107 a


132 assentos) e o B737-600 (110 a 132 assentos), oriundos dos modelos
A320 e B737-800, que foram projetados para otimizar a operação para
a faixa de 125 a 150 assentos. A proposta da Embraer para seu E2-195 é
que este seja uma opção para absorver crescimento de demanda em mer-
cados de operadores atuais dos E-Jets e que possa operar de forma com-
plementar aos tradicionais A320neo (150 a 180 assentos) e 737-800Max
(150 a 180 assentos) em mercados de média densidade.
A decisão de atualizar a família atual de jatos em vez de criar uma nova
família tem o mérito de reduzir os riscos de desenvolvimento do projeto,
minimizar os investimentos necessários (que são estimados em cerca de
US$ 1,7 bilhão) e permitir uma transição mais suave entre a versão atual e
o E2. Esse último efeito é alcançado pelo alto grau de comunalidade entre
ambas as versões, o que deverá reduzir ao mínimo o custo dos clientes com
treinamento de pilotos que operam a versão atual para capacitá-los a operar
as novas aeronaves. Outra iniciativa da Embraer com finalidade de suavizar
a transição para a nova família de E-Jets é a venda combinada de aeronaves
da primeira geração, com acordo para substituição destas por aeronaves da
segunda, quando de sua entrada em operação.
Vale ainda destacar a contínua diversificação de sua base de clientes,
que já soma mais de 65 empresas aéreas operadoras de E-Jets em 45 países,
com meta de ultrapassar a marca de cem clientes em cinquenta países até
o fim de 2017. A Embraer tem focado esforços nas empresas de arren-
damento de aeronaves (com a conquista de vendas para empresas de re-
nome da ILFC, Air Lease, BOC Aviation, CIT, Aldus e Jetscape) como
forma de atingir esse objetivo e conferir maior liquidez e valorização aos
E-Jets, favorecendo sua compra pelos clientes e seu financiamento pelas
instituições financeiras.
A adoção dos E-Jets pelas empresas de arrendamento é um fato que
fornece à Embraer uma importante vantagem competitiva sobre os no-
vos concorrentes, na medida em que constituem um relevante canal de
distribuição na aviação comercial. Atualmente cerca de 40% das aero-
naves em operação nas empresas aéreas são arrendadas e muitas empre-
sas aéreas, antes de contarem com sua própria frota, alugam-nas entre
as opções oferecidas pelas empresas de arrendamento. Nesse contexto, 309
a Embraer tem acertadamente perseguido a meta de expandir sua base

Aeronáutica e Defesa
de clientes por meio da parceria com essas empresas, sendo significa-
tivo o fato de a ILFC, uma das maiores empresas de arrendamento de
aeronaves do mundo, ter sido o cliente lançador dos modelos E2-190 e
E2-195, com encomenda firme de cinquenta aeronaves e outras cinquenta
opções de compra.
Como resultado das ações anteriormente citadas, a Embraer ampliou
sua liderança em vendas no segmento de setenta a 130 assentos em 2013,
alcançando 51% de participação de mercado contra a média de 40% que
vinha apresentando nos anos anteriores.

Aviação executiva
Na aviação executiva, a meta é consolidar-se como um dos principais
fabricantes de jatos executivos no mundo, conquistando participação de
mercado compatível com crescimento da margem de lucro, investindo no
desenvolvimento de novos produtos e mantendo elevados níveis de satis-
fação dos clientes no que se refere aos serviços de atendimento e suporte.
As principais ações da Embraer para alcançar seus objetivos nes-
se segmento têm se concentrado: no desenvolvimento dos novos mo-
delos Legacy 450 e 500; no investimento na fábrica da empresa em
Melbourne (EUA) para produção dos Phenom 100 e 300 e dos Legacy 450
e 500 destinados ao mercado norte-americano; e no investimento no
aumento de centros de serviços ao cliente próprios e autorizados em
todo o mundo (em 2013, a Embraer aproximou-se da marca de setenta
centros de serviços).
Alguns indicadores que demonstram que a Embraer tem sido bem-sucedida
em alcançar a maior parte de seus objetivos nesse mercado são: (i) a evolu-
ção de seu market share na soma dos segmentos em que a empresa atua, que
evoluiu de 5% em 2002, quando estava presente apenas em um segmen-
to com o Legacy 600, para 22% em 2013, ano em que sua atuação já cor-
responde a cinco dos nove segmentos do mercado de jatos executivos;
(ii) a liderança obtida pelo Phenom 300 em seu segmento, com 47% de
participação nas vendas de 2013; e (iii) o aumento na participação da uni-
dade de aviação executiva na receita total da Embraer de 7% em 2005
para 27% em 2013.
310 Defesa e segurança
No segmento de defesa e segurança, a Embraer pretende ser protagonista
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

da cadeia de valor do Brasil, diversificando a carteira de produtos e serviços


e expandindo a atuação internacional, além da busca pela excelência no su-
porte ao cliente. O crescimento nesse segmento pauta-se tanto na estratégia
de aquisições como no crescimento orgânico.
Dentre as principais iniciativas da Embraer nesse mercado, destacam-se:
(i) o desenvolvimento do KC-390, uma nova aeronave militar de transporte
de carga e tropa e de reabastecimento de aeronaves de combate em voo, en-
comendada pela Força Aérea Brasileira (FAB) e que já conta com intenção
de compra de outros cinco países (Colômbia, Argentina, Chile, Portugal
e República Tcheca); e (ii) o desenvolvimento de uma carteira de produ-
tos e serviços diversificados, incluindo o início das atividades da Visiona
Tecnologia Espacial S.A. (constituída por Embraer e Telebras para contra-
tação do sistema satelital geoestacionário do Brasil) e a participação como
prime contractor na primeira fase de implantação do Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) do governo brasileiro.
Vale ressaltar ainda que, em 2010, a Embraer alterou sua razão so-
cial de Embraer – Empresa Brasileira de Aeronaves S.A. para Embraer
S.A., com o intuito de ampliar seu âmbito de atuação. Nesse mesmo ano,
a empresa criou a subsidiária integral Embraer Defesa & Segurança, a
qual vem adquirindo participação em outras empresas do setor, tais como
a fabricante de radares Orbisat (64,7%); a desenvolvedora de sistemas
de comando e controle Atech (50%); a fabricante de sistemas aviônicos
embarcados em aeronaves AEL Sistemas (participação de 25%, sendo o
controle exercido pela israelense Elbit); e a fabricante de aeronaves re-
motamente pilotadas e de simuladores Harpia Sistemas S.A. (51%). A
Embraer também estabeleceu parcerias com a Avibras e a própria AEL para o
desenvolvimento de Vants.
Atualmente, a Embraer conta com as Forças Armadas de cinquenta
países como clientes e uma carteira de pedidos firmes no segmento de
defesa e segurança da ordem de US$ 3,6 bilhões em 2013 (contra ape-
nas US$ 1,1 bilhão em 2006). As receitas da empresa nesse mercado têm
crescido a uma taxa anualizada de 27% entre 2006 e 2013, atingindo
US$ 1,2 bilhão no ano passado, o que levou a participação desse segmento
no total de receitas da Embraer a aumentar de 6% para 19% nesse período.
Novos segmentos de negócios 311
Por fim, vale destacar que a Embraer tem realizado estudos e iniciati-

Aeronáutica e Defesa
vas de diversificação para além de seus três consagrados segmentos de ne-
gócios. No início de 2013, chegou a anunciar uma parceira com a italiana
AgustaWestland para produzir localmente modelos de helicópteros da empre-
sa controlada pela Finmeccanica para uso civil (principalmente para atender
ao setor de petróleo e gás) e militar no Brasil e na América Latina. Porém,
o acordo com a parceira italiana não foi concluído e a Embraer desistiu
do negócio por ora.
Após a desistência da iniciativa no setor de helicópteros, a Embraer
anunciou, ainda em 2013, a criação da Embraer Sistemas, por meio da qual
pretende alavancar sua capacitação em integração de sistemas a outras
áreas industriais além de aeronáutica e defesa e segurança, tendo como alvo
principal o setor de petróleo e gás.
Em relação a essa última iniciativa de diversificação, vale destacar,
conforme se pode observar no Quadro 1, que as duas empresas com maior
foco na indústria de defesa também apresentam forte atuação no segmen-
to de sistemas de informação e serviços de soluções tecnológicas, o que
indica a correlação entre esses últimos segmentos e a indústria de defesa,
configurando um precedente positivo para a Embraer diversificar e am-
pliar seu campo de atuação, guardando sinergias com as competências
centrais da empresa.

Resultados obtidos
Analisando os indicadores financeiros e resultados divulgados pela em-
presa ao longo dos últimos anos, pode-se perceber que a Embraer tem tido
relativo sucesso em seus objetivos corporativos. Desde 2001, a empresa
viu sua receita crescer mais de 100% com ampla diversificação entre os
três segmentos de negócios, aliada à manutenção e, mais recentemente, ao
aumento de sua margem de lucro.
O Gráfico 5 mostra que a receita da Embraer aumentou 113% entre 2001
e 2013, saindo do patamar de US$ 2,9 bilhões para US$ 6,2 bilhões. Isso
representou um crescimento anual médio de 6% nesse período. Esse cresci-
mento sofreu dois momentos de interrupção, o primeiro em 2002-2003, em
virtude da crise deflagrada pela bolha da internet e ampliada pelo atentado
312 de 11 de setembro de 2001, e o segundo em 2009-2010, em razão da crise
econômica deflagrada a partir de 2008.
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

grafico 5 barras
Gráfico 5 | Evolução receita operacional e volume de entregas de aeronaves

300
7.000

250 6.000

200 2 5.000
98
34

US$ milhões
77
Unidades

13 126 83 90 90 4.000
150 5
35
8 21
14
22 3.000
100 13 27 18 16 29 30

2.000
50 153 121 87 134 120 98 130 162 122 100 105 106 90 97
1.000

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 0

Receita operacional Comercial Executivo Phenom

Fonte: Embraer.

Nesse mesmo gráfico, observa-se o constante aumento da entrega de


aeronaves executivas no total de aeronaves entregues, com destaque para
as aeronaves Phenom (100 e 300) a partir de 2009, compensando a queda
nas entregas de aeronaves comerciais verificada a partir do mesmo ano.14
Percebe-se daí que a introdução dessa nova família de jatos executivos foi
providencial para manutenção do nível de receita e atividade da empresa,
o que também se refletiu na redução da concentração das receitas na avia-
ção comercial.
Em relação ao nível de lucratividade da Embraer nos últimos anos,
vê-se, no Gráfico 6, que, apesar da queda das margens operacional e de
lucro entre 2009 e 2011, ainda sob impacto da crise de 2008, a empresa
logrou permanecer lucrativa e a partir de 2012 voltou a elevar sua lucra-
tividade, alcançando em 2013 margem operacional de 11,4% e lucro de
US$ 342 milhões.

  Destaca-se o papel relevante da disponibilidade de financiamento para as vendas dos jatos Phenom
14

no Brasil pelo BNDES na alavancagem das vendas desse modelo a partir de 2009.
grafico 6 barras
Gráfico 6 | Evolução dos indicadores de lucratividade 313

Aeronáutica e Defesa
800 11,4%
12

700 9,9%
10
600
8,5%
7,3%
500 8
6,9% 5,5% 5,6% 5,5%
400 6,2%
6
300
379 465 392 330 713 342 4
200
1,9% 612 348
100 2
328 112
0
0
2009 2010 2011 2012 2013

Margem Operacional Margem Lucro Lucro EBIT

Fonte: Embraer.

Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer


A seguir, apresentam-se uma breve reflexão sobre as perspectivas de apoio
do BNDES à Embraer à luz dos objetivos da empresa de buscar manter ou
conquistar uma posição de liderança nos mercados de aviação comercial e
executiva e de ser main contractor do governo brasileiro nos nichos em que
atua no mercado de defesa.

Aviação comercial
Quanto a volume de desembolso, a aviação comercial é o segmento no
qual a Embraer contou com mais apoio do BNDES.
Entre meados das décadas de 1990 e de 2000, o apoio concentrou-se na
exportação do ERJ-145. No total, 624 aeronaves dessa família tiveram a
exportação financiada através da linha BNDES-Exim Pós-Embarque. Uma
característica dessa fase foi a concentração quanto ao destino das aeronaves
apoiadas, com predominância dos EUA. Em particular, o apoio do BNDES
foi determinante nas grandes aquisições pelas empresas American Eagle e
Continental, que resultaram na colocação de mais de trezentas unidades
ERJ-145 no concorrido mercado americano.
314 A partir de 2004, com o advento dos E-Jets, observa-se crescente parti-
cipação do mercado no financiamento das vendas da Embraer. Como mos-
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

tra o Gráfico 7, nos primeiros anos de venda, os E-Jets obtiveram 100% de


financiamento via mercado, porém, a partir de 2008, o apoio do BNDES
ganhou relevância, alcançando 50% das vendas do ano de 2010 e 21% das
vendas de E-Jets até 2013. Destaca-se o suporte oferecido em sucessivas
campanhas bilionárias (Republic, United, SkyWest) no mercado america-
no, a partir de 2013. O apoio aos E-Jets, entretanto, foi mais diversificado
geograficamente e quanto ao tipo de cliente, incluindo o financiamento a
empresas especializadas em arrendamento.
grafico 7 barras
Gráfico 7 | Participação financiamento BNDES nas vendas de E-Jets

100
50
90
45
80
40
70
50% 35
63% 53%
60
73% 80% 30
50
85% 21% 25
100% 100% 100% 100% 18% 18%
40
15% 20
30
9% 15
20 50% 37% 47%
5% 10
10 27% 20%
0% 0% 0% 0% 5
15%
0
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Acumulado BNDES Mercado BNDES

Fonte: Embraer.

Mais recentemente, o desenvolvimento da nova família de E-Jets (E2)


contou com o apoio do BNDES, com recursos dos programas Inovação e
Proengenharia e Bens de Capital. Do financiamento, iniciado este ano e
cujo valor atinge R$ 1,4 bilhão, a maior parte (R$ 1,2 bilhão) foi destinada
à primeira fase do desenvolvimento da família E2, o restante dos recursos
constituindo uma suplementação de apoio anterior ao desenvolvimento do
jato executivo Legacy 500.
Como visto, a estratégia da Embraer para defender sua posição de li-
derança tem como principais elementos a maior penetração nos canais de
distribuição (notadamente, as empresas de arrendamento de aeronaves) e 315
o aumento da liquidez de seu ativo por meio da contínua diversificação de

Aeronáutica e Defesa
operadores e países com aeronaves de sua fabricação. Esses fatores intro-
duzem a necessidade de novas formas de suporte pelo BNDES.
No que se refere à estratégia de maior penetração em empresas de arren-
damento de aeronaves, destacam-se duas operações que receberam o apoio
do BNDES, as quais figuram entre as primeiras empresas de arrendamen-
to que estabeleceram parceria com a Embraer, a saber: a norte-americana
Jetscape e a irlandesa Aldus. Ambas as empresas, apesar de terem uma par-
ticipação relativamente baixa no mercado de arrendamento de aeronaves
(vide Tabela 1), destacam-se por seu foco no produto da Embraer (no caso
da Aldus, esta trabalha exclusivamente com E-Jets). O apoio do BNDES à
operação de financiamento para Aldus mereceu o prêmio Regional Jet Deal
of the Year de 2011 do Airfinance Journal por sua estrutura financeira ino-
vadora, apoiada em uma carteira de arrendamentos diversificada que conta
com uma série de mitigantes e regras de alocação de risco. Nesse sentido,
vislumbra-se como oportuna a possibilidade de estruturar novas operações
customizadas para empresas de arrendamento de aeronaves, que, além de
serem alvo estratégico da Embraer, também atuam de forma alinhada aos
interesses do BNDES como credor, uma vez que têm no ativo dado em
garantia o eixo de seu negócio.

Tabela 1 | Principais empresas de arrendamento de jatos regionais em 2011


Posição Empresa Valor Frota Variação
(US$ milhões)

1 GECAS 3.848 422 (30)


2 Jetscape 698 31 17
3 Air Lease 255 9 9
4 GOAL 236 14 (2)
5 CDB Leasing Company 228 9 7

Fonte: FlightGlobal Insight – Aircraft Finance 2012.

Outra forma de apoiar o objetivo de diversificação de operadores das


aeronaves da fabricante brasileira seria a estruturação de operações de fi-
316 nanciamento a empresas aéreas de risco mais elevado, com menor escala
de operação e localização em países de maior risco político e legal. Para
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

responder a esse desafio, um caminho que o BNDES tem buscado trilhar é


o estabelecimento de parcerias com instituições financeiras multilaterais ou
estatais, tais como o Afreximbank, que atua em diversos países na África, o
ChinaExim e instituições afins do Leste Europeu. Através dessas parcerias,
o BNDES poderia alavancar seu apoio financeiro ao mitigar os riscos via
cofinanciamento ou garantias de parceiros preferenciais.
Cabe destacar ainda o desafio de fomentar o mercado secundário de
aeronaves de fabricação da Embraer como forma de alavancar vendas da
nova geração de aeronaves (vendas combinadas com o modelo anterior),
conquistar novos clientes e valorizar o ativo, conferindo maior liquidez
aos investidores que assumem o risco do valor do ativo representado pela
aeronave. Até o momento, o BNDES nunca financiou aeronaves usadas da
Embraer, focando sua atuação no apoio à comercialização de aeronaves no-
vas. Assim, esse tema constitui um desafio na forma tradicional pela qual
o BNDES vem atuando, exigindo uma visão mais abrangente do fomento
à exportação e à internacionalização das empresas brasileiras e o desenvol-
vimento de estruturas específicas para esse fim.
Por fim, outra forma de fomentar a venda de aeronaves comerciais para
mercados mais sofisticados seria a estruturação conjunta entre o BNDES e
bancos comerciais, de soluções de mercado de capitais por meio de cofinan-
ciamento, sindicalização de crédito e/ou garantia para bancos comerciais,
favorecendo a liquidez e valorização do ativo.

Aviação executiva
O apoio do BNDES às atividades no ramo de aviação executiva é mais re-
cente, tendo como início o financiamento às vendas domésticas do Phenom 100
a partir de 2009. Essa operação destacou-se como importante fator de sus-
tentação das vendas da Embraer no segmento executivo, diante do contexto
da crise financeira de 2008 [Gomes (2012)]. A primeira operação de apoio
à exportação foi o financiamento de uma aeronave Lineage 1000 à empresa
dos Emirados Árabes Unidos Al Jaber, em dezembro de 2010. Além desta,
o BNDES apoiou a empresa norte-americana Flight Options, que já finan-
ciou sete aeronaves Phenom 300 entre 2012 e 2013. Além da comerciali-
zação de jatos executivos, o BNDES ofereceu suporte ao desenvolvimento
da aeronave Legacy 500 por meio duas operações. Em 2011, foi celebrado 317
contrato de R$ 384 milhões para o desenvolvimento do novo modelo e,

Aeronáutica e Defesa
em 2014, um financiamento suplementar de R$ 206 milhões foi aprovado
(com o financiamento ao desenvolvimento do E2), destinado à realização
de ensaios e certificações do modelo, cujo primeiro voo de teste foi reali-
zado no fim de 2013.
No mercado executivo, no qual a Embraer é a nova entrante, o maior de-
safio para a empresa está na rivalidade com as concorrentes estabelecidas.
A empresa precisa seguir investindo em consolidar sua marca e ampliar o
suporte ao cliente com novas bases de apoio nos diversos mercados em que
atua, antes de ter condições de tentar entrar no último segmento do mercado,
o de aeronaves de longo alcance, que é também o de maior participação em
receita no mercado executivo.
Um mercado promissor no que se refere à formação de uma base de
clientes, dado o grande potencial de crescimento, é a China, país em rápi-
do desenvolvimento econômico de grande extensão territorial, mas onde a
aviação executiva começou a se desenvolver apenas recentemente. Outras
regiões com potencial para crescimento da aviação executiva são África,
a Índia e países do Sudeste Asiático. A exemplo da iniciativa para diversi-
ficação de clientes na aviação comercial, o BNDES vem estudando opor-
tunidades de parceira com instituições financeiras estatais na China e com
órgãos multilaterais e bancos comerciais na África e na Índia.
Além dos mercados externos emergentes, espera-se que as aeronaves
executivas dos segmentos médio e médio-leve tenham grande potencial de
inserção no mercado brasileiro. Assim, a experiência do BNDES no finan-
ciamento de bens de capital pode ser usada para reproduzir o sucesso do
apoio ao Phenom 100 no mercado doméstico.

Defesa e segurança
O apoio do BNDES à Embraer no setor de defesa e segurança está
concentrado no financiamento de aeronaves Super Tucano, normalmente
associadas a pacotes de serviços e material de reposição (pacotes logís-
ticos). Atualmente, o volume acumulado de exportações financiadas no
segmento alcança US$ 181 milhões.
Além do crédito para exportação, o BNDES tem participado da for-
mulação e implementação da política governamental para o setor. No mo-
318 mento, destaca-se o papel do banco no Inova Aerodefesa, programa que
envolve também a Finep – Inovação e Pesquisa, o Ministério da Defesa e
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

a Agência Espacial Brasileira. O programa, cujo edital foi lançado em 17


de maio de 2013, tem como objetivos: a diminuição da dependência tec-
nológica; o apoio à inovação nos complexos industriais aeroespacial, de
defesa e segurança; e a promoção de integradores e do adensamento das
cadeias de produção.
É importante observar que, em contraste com o que ocorre nos segmen-
tos de aviação comercial e executiva, o apoio ao setor de defesa e segurança
não se concentra no apoio à Embraer, uma vez que há maior quantidade de
empresas brasileiras atuando.
Como visto, neste mercado, a Embraer tem uma posição de diferenciação,
concentrando-se em nichos bem definidos de mercado. Essa estratégia tem
sido bem-sucedida com o Super Tucano e a Embraer viu a oportunidade,
a partir de uma necessidade da FAB, de replicá-la no projeto do KC-390.
Produtos como esse demandarão amplo apoio a sua exportação, uma vez
que, a exemplo do Super Tucano, trata-se de um bem de alto valor agrega-
do e destinado, em sua maior parte, a mercados de países emergentes, que
nem sempre contam com recursos para a compra à vista da aeronave, de-
mandando financiamentos de longo prazo.
Além do projeto da aeronave cargueira, dentro das subsidiárias da
Embraer Defesa & Segurança, estão sendo desenvolvidos diversos pro-
dutos de utilização dual, como radares, satélites, sistemas de controle de
tráfego aéreo, entre outros, que também deverão demandar apoio do Banco.
Além disso, para que a estratégia da empresa de diversificar sua atuação
seja bem-sucedida, será importante a continuidade de uma política go-
vernamental que vise reforçar as Forças Armadas nacionais e a indústria
de defesa do país. Nessa perspectiva, o sucesso do Inova Aerodefesa e a
continuidade da política de apoio ao setor terão impacto positivo sobre a
estratégia adotada pela Embraer.
O BNDES, por sua vez, desempenha papel importante nesse sucesso,
uma vez que os projetos no âmbito do Inova Aerodefesa representam in-
tenções de investimentos da ordem de R$ 8,4 bilhões, o que deverá gerar
demanda adicional de apoio à cadeia produtiva do setor de defesa, cujos
produtos envolvem grande desenvolvimento tecnológico e alto investimento
em pesquisa e inovação. Nesse aspecto, o BNDES será peça fundamental
para o financiamento desses desenvolvimentos e, posteriormente, produção 319
e comercialização dos produtos gerados.

Aeronáutica e Defesa
Outra frente que se abre e que poderá vir a demandar apoio oficial, tanto
da parte do orçamento da União, quanto de financiamentos de longo prazo
do BNDES, está relacionada à aquisição de 36 aeronaves de caça da sueca
SAAB, o Gripen NG, que será em grande parte produzido e montado no
Brasil. Dadas sua experiência e sua capacidade como integradora, espera-se
que a Embraer venha a ter uma participação relevante nele.

Conclusão
Os setores aeronáutico e de defesa caracterizam-se em todo o mundo
por demandarem elevados investimentos e pelo apoio dos países a seus res-
pectivos fabricantes como forma de desenvolver um setor estratégico para
a economia e a soberania nacional. No Brasil, não obstante as limitações
orçamentárias, o Estado foi o indutor do nascimento da Embraer e sempre
atuou ativamente no financiamento aos investimentos e às exportações da
empresa através, principalmente, do BNDES.
Nas últimas décadas, a Embraer adquiriu maior destaque em seus nichos
de atuação, notadamente na aviação civil comercial de até 120 assentos,
obtendo ampla aceitação de seu produto no mercado aeronáutico e finan-
ceiro. Além da estratégia de lançar uma nova geração de jatos regionais
para defender a liderança nesse segmento diante de novas entrantes de peso,
a empresa também tem logrado diversificar seus negócios, introduzindo
novos produtos no mercado de aviação executiva e adquirindo empresas
no mercado de defesa.
Nesse contexto, vislumbra-se que o BNDES continuará exercendo re-
levante papel no apoio à estratégia de crescimento da Embraer tanto na
aviação civil, em que a introdução da nova geração de aeronaves na avia-
ção comercial e de novas aeronaves na aviação executiva bem como a
crescente diversificação de clientes em ambos os segmentos requerem a
diversificação das formas de apoio do Banco, como na aviação militar e
demais segmentos do setor de defesa, em que a atuação do BNDES ainda
é pequena e limitada ao apoio à exportação de aeronaves.
Para isso, dentre algumas iniciativas que já têm sido avaliadas e, em
alguma medida, implementadas pelo BNDES e que merecem um estudo
320 mais aprofundado para melhor orientar a atuação futura do Banco, mere-
cem destaque: (i) a parceria com instituições financeiras multilaterais, es-
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento

tatais e bancos comerciais com atuação em países da África, Leste Europeu


e Ásia; (ii) o aprofundamento da parceria com empresas de arrendamento
de aeronaves por meio de operações estruturadas; (iii) o financiamento de
aeronaves usadas de fabricação da Embraer como forma de facilitar a tran-
sição para a nova geração de aeronaves comerciais da empresa, fomentar a
conquista de novos clientes e valorizar o produto da Embraer por meio do
aumento da liquidez de seu mercado secundário; e (iv) o aumento do apoio
ao setor de defesa de modo a garantir a implementação dos programas de
fomento desse setor em curso pelo governo brasileiro e a alavancagem das
empresas nacionais envolvidas, fomentando a inovação e a competitividade
dessas empresas no mercado nacional e internacional.

Referências
Coelho Netto, L. E. S. Alianças estratégicas como fontes geradoras
de vantagens competitivas sustentáveis: o caso Embraer. Dissertação
(Mestrado em Administração) – COPPEAD/UFRJ, Rio de Janeiro, 2005.
Correa Filho, S. L. S. et al. Panorama sobre a indústria de defesa e segurança
no Brasil. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 37, p. 373-408, set. 2013.
Davies, A. Top 50 countries by number of business jets registered.
Corporate Jet Investor, 11 fev. 2014. Disponível em: <http://www.
corporatejetinvestor.com/articles/top-50-countries-number-business-jets-
registered-343/>. Acesso em: 2 jun. 2014.
Embraer. Relatório Anual 2012. Disponível em: <http://ri.embraer.com.
br/arquivo/Relatorio_Anual_2012_Port.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2014.
______. China Market Outlook 2012-2031. Disponível em: <http://
www.embraer.com.br/Documents/Embraer_China_Market_
Outlook_2012_2031.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2014.
Gomes, S. B. V. A indústria aeronáutica no Brasil: evolução recente e
perspectivas. In: Lage, F. (org.). BNDES 60 anos – perspectivas setoriais.
v. 1. Rio de Janeiro: BNDES, 2012, p. 138-184.
Migon, M. N. et al. Panorama-síntese da aviação executiva a jato.
BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 34, p. 95-132, set. 2011.
Porter, M. E. As cinco forças competitivas que moldam a estratégia. 321
Harvard Business Review, São Paulo, n. 86(1), p. 55-69, jan. 2008.

Aeronáutica e Defesa
Rüttimann, A. B. Análise do posicionamento competitivo da Embraer
e de sua estratégia de crescimento. Monografia (MBA Executivo) –
COPPEAD/UFRJ, Rio de Janeiro, 2014.
Produtos Florestais
BNDES Setorial 40, p. 323-384

Panorama de mercado – painéis de madeira

André Carvalho Foster Vidal


André Barros da Hora*

Resumo
A demanda brasileira por painéis de madeira reconstituídos vem apresen-
tando crescimento acelerado, acima do Produto Interno Bruto (PIB) e da
construção civil, sobretudo o Medium Density Fiberboard (MDF) e, em
menor medida, o Medium Density Particleboard (MDP). Esses produtos
foram beneficiados pelas condições macroeconômicas que resultaram em
um melhor ambiente para os bens de consumo no país e pela substituição
de serrados e compensados. O principal cliente da indústria de painéis de
madeira é o fragmentado setor moveleiro, que possui pouco poder de bar-
ganha em relação à concentrada indústria de painéis, a qual ainda se favo-
rece de uma baixa concorrência internacional, dado que seu produto não é
costumeiramente transacionado por longas distâncias. Entretanto, a oferta
brasileira vem crescendo em ritmo mais vigoroso do que a demanda e exis-
tem indícios de ociosidade, apesar de os dados de rentabilidade de várias
empresas do setor indicarem margens elevadas.
* 
Respectivamente, administrador e gerente setorial do Departamento da Indústria de Base Florestal
Plantada da Área de Insumos Básicos do BNDES.
324 Introdução
Motivação e objetivos
Panorama de mercado – painéis de madeira

Os painéis de madeira são um dos principais produtos fabricados a


partir das florestas. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de
Florestas Plantadas (Abraf), em 2012, o valor bruto da produção, a par-
tir de florestas plantadas, de painéis de madeira industrializada foi de
R$ 6,5 bilhões, enquanto o de madeira processada mecanicamente, de
R$ 5,8 bilhões (Gráfico 1).

Gráfico 1 | Estimativa do valor bruto da produção florestal dos principais


segmentos associados ao setor de florestas plantadas, em 2012

Siderurgia e
carvão vegetal
4,1%
Madeira processada
mecanicamente
10,3%

Painéis de madeira
industrializada
11,6% Celulose e papel
53,7%

Móveis
20,3%

Fonte: Abraf (2013).

Os painéis de madeira industrializada, ou reconstituídos (PMR), são


os painéis cuja demanda vem crescendo a taxas mais elevadas no país,
sobretudo o MDF, mas também o MDP. Adicionalmente, é uma indús-
tria bastante concentrada, com cerca de dez produtores instalados no país
e cuja oferta vem crescendo em ritmo ainda mais vigoroso do que a de-
manda. Por tais razões, o foco deste artigo será nesses tipos de painéis,
ainda que os compensados sejam abordados, com menor nível de deta-
lhes. Um dos empecilhos encontrados para analisar o segmento de com-
pensados é a falta de informações disponíveis, em virtude da enorme 325
pulverização do setor.

Produtos Florestais
Caracterização técnica
Descrição dos produtos
Esta seção traz uma breve descrição dos serrados e dos painéis de madei-
ra, com base em ABIMCI (2013), Biazus, Da Hora e Leite (2010), Mattos,
Gonçalves e Chagas (2008), Remade (2003a; 2003b; 2007) e informa-
ções da Associação Brasileira da Indústria de Painéis de Madeira (Abipa)
e da Associação Brasileira da Indústria de Piso Laminado de Alta
Resistência (Abiplar).

Madeira processada mecanicamente


São produtos obtidos a partir da madeira maciça:
• Serrados: os produtos obtidos a partir da madeira serrada possuem
diversas denominações, dependendo de suas três dimensões (espes-
sura, largura e comprimento). Suas principais aplicações residem
na construção civil (estrutural), embalagens, beneficiados e móveis.
• Produtos de maior valor agregado (PMVA): o reprocessamento da
madeira serrada, com enfoque na agregação de valor ao produto pri-
mário, resulta nos chamados PMVA. Alguns dos PMVA produzidos no
país são portas, molduras, pisos, edge glued panel (EGP), entre outros.
• Laminados: obtidos pelo corte de toras de madeira maciça em lâmi-
nas, dividem-se em dois grupos. Os torneados são utilizados preva-
lentemente na fabricação de compensados. Já as lâminas faqueadas
são utilizadas para revestimento de superfícies de madeira e paredes.
• Painéis de madeira processados mecanicamente: categoria basica-
mente composta pelo compensado, ainda que algumas classificações
incluam o EGP (madeira serrada, em geral sarrafos, colados lateral-
mente). Existem diversos tipos de compensados, a depender de sua
composição, que garante diferentes propriedades.

PMR
Os PMR são fabricados com base no processamento químico da madei-
ra, que passa por diferentes processos de desagregação. Costumeiramente,
326 dividem-se em dois grupos: os formados por partículas de madeira e os
compostos por madeira em estágio ainda mais avançado de desagregação,
Panorama de mercado – painéis de madeira

de fibras. Simplificadamente, o processo produtivo constitui-se em redu-


zir a madeira a pequenos pedaços, mesclá-los com resinas e, depois, com
a ação de pressão e temperatura, formar os colchões de madeira, que são,
então, cortados.
Os PMR apresentam várias vantagens em relação à madeira maciça
e até mesmo aos compensados, como: (i) aproveitar quase integralmen-
te as toras; (ii) não haver necessidade do uso de toras de largo diâmetro,
sendo possível trabalhar com resíduos; (iii) permitir a produção de pai-
néis de grandes dimensões, em que o fator limitador consiste nas dimen-
sões das prensas e não nas das árvores; (iv) caracterizar-se pela disposição
aleatória das partículas, que minimiza o fator anisotrópico que a madeira
maciça possui e; (v) ter mais facilidade de impregnação com produtos re-
pelentes a insetos (como cupins ou vespas), umidade e retardantes de fogo
(os chamados aditivos).
Os PMR podem ser produzidos crus, pintados ou revestidos (maior va-
lor agregado). É válido notar que, apesar de ser produzido cru, ele pode ser
posteriormente revestido ou pintado pela indústria moveleira. O revestimento
tem a função de proteger e decorar o painel, podendo ser aplicado em ambas
as faces ou em uma só, com padrões madeirados ou em cores e com texturas
lisas ou rugosas. Os principais tipos de painéis revestidos em fábrica, oferta-
dos pela indústria de PMR no Brasil, são:
• Lâmina de madeira (LM): revestimento de lâmina de madeira na-
tural (faqueada) e colagem com resina ureia-formaldeído (UF). Esse
revestimento vem sendo cada vez menos usado no Brasil.
• Finish foil (FF): a película de papel é primeiramente pintada,
no padrão desejado, e depois colada, também com resina UF, ao
painel. Acabamentos brilhantes ficam prejudicados no revesti-
mento FF e, por isso, muitos fabricantes aplicam verniz ao fim do
processo produtivo.
• Baixa pressão (BP): uma folha de papel, previamente pintada, é
impregnada com resina melamínica e fundida ao painel pela ação de
temperatura e pressão. O BP apresenta um fechamento de alta resis-
tência a riscos e manchas nas superfícies e reduz a proliferação de
micro-organismos. Em relação ao FF, é mais resistente, tem melhor 327
aparência e maior valor no mercado.

Produtos Florestais
Os principais tipos de PMR são:
• Chapa de fibra: também conhecida como chapa dura (hardboard),
é uma chapa de espessura fina, que resulta da prensagem a quente
de fibras de madeira, costumeiramente por meio de um processo
úmido, que reativa os aglutinantes naturais da própria madeira (sem
a adição de resinas) e confere ao produto alta densidade. É utiliza-
da na fabricação de móveis, principalmente em fundo de gavetas e
fundo de armários, mas vem perdendo participação para o MDF e
seus correlatos.
• Insulation board: também chamado de chapa de fibra isolante, possui
baixa densidade, sendo produzido a partir de fibras de madeira. É
empregado o processo úmido de fabricação, e a secagem das chapas
é uma fase muito importante para sua consolidação. Em função de sua
constituição em baixas densidades, as chapas isolantes são empregadas
para aplicações que requeiram isolamentos térmico e acústico, como
divisórias e forros.
• MDP: também conhecido como aglomerado. Como matéria-prima,
no mundo, são empregados especialmente resíduos e madeiras de
qualidade inferior. Porém, no Brasil, utiliza-se madeira de florestas
plantadas. A partir da metade da década de 1990, as empresas brasi-
leiras investiram em modernização tecnológica, passando do processo
de prensagem cíclica para prensagem contínua, o que conferiu ao
produto melhores características de resistência, e implementaram a
modificação da nomenclatura para MDP, ou painel de partículas de
média densidade, em uma tentativa de dissociar o novo produto do
aglomerado tradicional. É majoritariamente utilizado na fabricação
de móveis retilíneos (tampos de mesas, laterais de armários, estantes
e divisórias).
• MDF: similar ao MDP, com a diferença de que, no processo produtivo,
as partículas são cozidas, o que leva a um maior grau de desagregação
(fibras). Como possui maior consumo de madeira e resina por metro
cúbico do que o MDP, seu valor é mais elevado. Uma das principais
vantagens do MDF em relação ao MDP é que suas características
328 mecânicas o aproximam da madeira maciça, permitindo grande
capacidade de usinagem, usos e aplicações mais versáteis do que o
Panorama de mercado – painéis de madeira

painel de partículas. Seus correlatos – high density fiberboard (HDF)


e super density fiberboard (SDF) – apresentam maior densidade,
menor espessura e possuem outras possibilidades de aplicações,
como pisos.
• Oriented strand board (OSB): o painel de tiras orientadas é formado
por tiras ou lascas de madeiras orientadas perpendicularmente em
diversas camadas. Ainda que também empregado em móveis, é mais
largamente usado em painéis decorativos, em embalagens e na cons-
trução civil, em que concorre com os compensados na utilização em
formas para concreto e tapumes.
Nos últimos anos, no Brasil, vêm ganhando bastante popularida-
de os pisos laminados, fabricados com PMR de alta densidade, adi-
cionados de três camadas de revestimento, que fornecem: resistência
a riscos, abrasão e absorção de líquidos; estabilidade dimensional; e
padrão decorativo.
A variabilidade quanto à origem da matéria-prima e das resinas utili-
zadas no processo produtivo permite a existência de outros tipos de pai-
néis que utilizem não somente a madeira como principal componente.
Dentre esses painéis, vem se destacando nos últimos anos o wood plastic
composites (WPC), compósitos que mesclam madeira com plásticos
(geralmente oriundos de resíduos). Além do apelo ambiental, por ser pro-
duzido com material reciclado, os WPC têm como diferencial a resistência
à umidade e o baixo custo de manutenção, o que faz com que tenham alta
aplicação para uso em decks e em áreas externas.
Dados o escopo do artigo e a limitação na disponibilidade de informa-
ções públicas, o foco será em MDF, MDP e chapa de fibra, especialmente
no caso brasileiro, ainda que comparações com o desempenho de outros
produtos de madeira também sejam realizadas. Dessa maneira, salvo quando
explicitamente mencionado, as estatísticas de PMR no artigo compreende-
rão a soma de MDF, MDP e chapa de fibra. Em relação aos painéis de ma-
deira (ou simplesmente painéis) as estatísticas se referem à soma dos PMR
com os compensados.
Panorama global 329

Demanda

Produtos Florestais
Globalmente, o consumo de painéis de madeira1 guarda forte ligação
com a construção civil (pela construção direta de escritórios e residências,
acabamento ou mobiliário). Tomando a produção de cimento como uma
proxy da construção civil, pode-se observar que o consumo de painéis de
madeira vem apresentando desempenho inferior ao registrado por esse
setor (indicando que a madeira pode estar perdendo terreno para outros
materiais). Entretanto, seu desempenho desde 1995 é superior ao PIB e
muito melhor do que a estagnação registrada pelos serrados. O Compound
Annual Growth Rate (CAGR, taxa composta anual de crescimento) da
produção global de cimento, entre 1995 e 2012, foi de 5,9% e o do con-
sumo de painéis de madeira foi 4,7%; enquanto o PIB registrou 3,7% e os
serrados, 0,3%. É válido destacar o choque ocorrido no consumo global
de madeira decorrente da crise financeira de 2008 que afetou drastica-
mente os mercados imobiliários desenvolvidos: apenas em 2011, o con-
sumo de painéis de madeira recuperou o patamar registrado em 2007 e,
em 2012, o consumo de serrados ainda foi 6% inferior ao nível pré-crise.
O Gráfico 3 mostra a evolução histórica no consumo de painéis2 e
serrados, entre os países emergentes e desenvolvidos. A queda no con-
sumo de 2012 versus de 2007 nos países desenvolvidos foi de 26% nos
serrados e de 21% nos painéis. Em contrapartida, nos emergentes, houve
crescimento de 25% nos serrados e de 44% nos painéis. É válido notar
a maior predileção pelo consumo de painéis em detrimento dos serrados
no caso dos emergentes (46% versus 54%), comparados aos desenvolvi-
dos (35% versus 65%). Além de questões relacionadas à qualidade dos
produtos ofertados localmente, existem fatores culturais que impactam o
consumo de madeira. Por exemplo, nos EUA, no Canadá, na Austrália, na
Nova Zelândia e em muitos países da Europa (maioria dos que compõem
o grupo dos desenvolvidos), é bastante difundido o uso de serrados para

1
  Nesta seção, os dados de PMR incluem consumo de OSB na Europa, Estados Unidos da América
(EUA) e Canadá, conforme dados da United Nations Economic Commission for Europe (UNECE), e
de insulating board, conforme a Food and Agriculture Organization (FAO).
2
  Ao contrário do Gráfico 2, neste não consideraram-se os dados de OSB, em razão da limitação na
disponibilidade de dados fora dos países cobertos pela UNECE.
330 a construção de casas, enquanto em muitos emergentes, é mais comum o
uso de cimento, ferro e tijolo.
grafico 02
Panorama de mercado – painéis de madeira

Gráfico 2 | Crescimento global do PIB, da produção de cimento e do


consumo de serrados e painéis de madeira, base 100 em 1995

280

260

240

220

200

180

160

140

120

100

80
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011
Cimento PIB Painéis de madeira Serrados
5,9% a.a 3,7% a.a 4,7% a.a 0,3% a.a

Fontes: FAO, UNECE, IMF e Minerals USGS.

grafico 03 A
Gráfico 3 | Consumo em países emergentes e desenvolvidos

Gráfico 3A | Serrados

300

250

200
Milhões m³

150

100

50

0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011

Emergentes Desenvolvidos
grafico 03 B
Gráfico 3B | Painéis 331

Produtos Florestais
300

250

200
Milhões m³

150

100

50

0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011
Emergentes Desenvolvidos

Fonte: Elaboração própria, com base em FAO e IMF.

Em relação ao desempenho por produtos, pode-se observar que os grandes


destaques globais são o MDF e o MDP (Tabela 1 e Gráfico 4). O primeiro foi
o que apresentou a maior variação, tanto em termos absolutos quanto relati-
vos, entre todos os tipos de painéis, e passou de 5% do consumo mundial em
1995 para 26% em 2012. O MDP, apesar de ter perdido participação no total
(de 46% em 1995 para 32% em 2012), em parte por causa da concorrência do
MDF, manteve a liderança como o principal painel de madeira consumido
no mundo. Além da substituição por MDF em muitas aplicações, houve tam-
bém uma forte queda na demanda global de MDP em função da crise, visto
que o consumo nos países desenvolvidos é mais voltado ao painel de partí-
culas do que ao de fibra: em 2012, a distribuição de consumo entre MDP e
MDF, nos países desenvolvidos, foi de 80% e 20%, respectivamente, ao passo
que nos países em desenvolvimento foi de 59% e 41% (impulsionado pelo
enorme consumo de MDF na China).
Outro destaque entre os PMR foi o OSB, que, a despeito de as estatís-
ticas representarem apenas EUA, Canadá e Europa, bem como os já men-
cionados impactos da crise (o consumo de OSB, em 2012, foi 30% inferior
ao de 2007), esse produto já aparece como o terceiro mais relevante PMR,
tendo superado a chapa de fibra (que também perdeu relevância em razão
da substituição por MDF). Por ser um dos produtos mais recentes (segundo
a UNECE, só houve produção relevante no mundo a partir de 1998) e por
332 suas possibilidades de uso mais amplas do que o MDP/MDF (inclusive subs-
tituindo os compensados), é provável que esse painel ganhe mais relevân-
Panorama de mercado – painéis de madeira

cia no futuro, especialmente quando a economia (e o mercado imobiliário)


das regiões desenvolvidas se recuperar.

Tabela 1 | Consumo de painéis de madeira no mundo


Tipo de Consumo (mil m³) Consumo % do CAGR (%) Variação no
painel de total volume (m3) a.a.
madeira
1995 2003 2012 1995 2003 2012 1995- 2003- 1995- 2003-
2003 2012 2003 2012

PMR 85.493 166.134 222.463 61 70 73 8,7 3,3 10.080 6.259

Chapa de 6.644 9.195 13.698 5 4 4 4,1 4,5 319 500


fibra

MDF 7.637 32.389 80.606 5 14 26 19,8 10,7 3.094 5.357

MDP 64.949 92.023 98.452 46 39 32 4,5 0,8 3.384 714

OSB 282 25.109 20.095 0 11 7 75,3 (2,4) 3.103 (557)

Insulating 5.981 7.417 9.612 4 3 3 2,7 2,9 179 244


board

Compensados 54.630 72.508 84.017 39 30 27 3,6 1,7 2.235 1.279

Total 140.124 238.641 306.480 100 100 100 6,9 2,8 12.315 7.538

Fontes: FAO e UNECE.

grafico 04
Gráfico 4 | Consumo de painéis de madeira no mundo

120

100

80
Milhões m³

60

40

20

0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011

OSB Chapa de fibra MDF Insulating board MDP Compensados

Fontes: FAO e UNECE.


Por fim, aparecendo como o terceiro painel mais consumido no mundo, 333
figuram os compensados. Pelos dados da FAO, apesar de ter perdido im-

Produtos Florestais
portância relativa (passando de 39% do total em 1995 para 27% em 2012),
esse painel ainda apresenta crescimento. É válido destacar que os dados da
The International Tropical Timber Organization (ITTO) revelam um consu-
mo anual de compensados ao redor de 14.000.000 m3, acima do reportado
pela FAO, porém com CAGR total menor (de 2003 a 2012, de 1,3%, contra
1,7% divulgado pela FAO). A ITTO informa estatísticas de compensado se-
gundo o tipo de árvore: tropical, conífera e demais (Gráfico 5). Dessa ma-
neira, segundo a organização, a participação do compensado tropical caiu de
28% do total em 1995 para 19% em 2012, fruto tanto do aumento dos preços e
da concorrência por outros produtos quanto das maiores restrições à madeira
ilegal, oriunda de desmatamento, sejam por maior fiscalização nos países de
origem da madeira, sejam por maiores restrições dos compradores (exigindo

grafico 05
certificações e comprovantes sobre a origem da madeira).

Gráfico 5 | Consumo de compensados no mundo, por tipo de madeira

50
4,1% a.a.
45

40
1,2% a.a.
35

30
Milhões m³

25
-0,2% a.a.
20

15

10

0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011

Coníferas Tropicais Demais

Fonte: ITTO.

Em aspectos regionais, o maior destaque do consumo global de painéis


de madeira é a China, com 35% do total mundial em 2012. Uma das prin-
cipais particularidades desse país é o enorme consumo de MDF, visto que
esse produto responde por 46% do total de painéis consumido, perante 18%
no resto do planeta. Ao contrário da indústria de MDF do Brasil, que possui
334 produção concentrada em grandes e modernas linhas industriais de proces-
so contínuo, na China, segundo a consultoria Research in China, a maio-
Panorama de mercado – painéis de madeira

ria dos produtores possui linhas com capacidade inferior a 30.000 m3/ano,
ao passo que, no resto do planeta, 69% das linhas possuem patamar supe-
rior a 100.000 m3/ano [Research in China (2010)]. Na China, apenas 20%
da capacidade instalada é composta por plantas contínuas de tecnologia
importada, o que acarreta diferenças relevantes no padrão de qualidade dos
produtos ofertados entre as empresas.
Além da China, outro grande consumidor são os EUA, com 13% do mer-
cado e com a maior parte do consumo (49%)3 voltada para o MDP (chamado
no país de painel de partículas e majoritariamente fabricado com resíduos).
Nos EUA, existem diversos clusters produtivos, nos quais as toras de ma-
deira mais grossas são destinadas à produção de serrados e as toras finas
e os resíduos são direcionados à produção de PMR ou celulose. À ex-
ceção desses dois países, o consumo de painéis é bastante disperso pelo
globo (Tabela 2).

Tabela 2 | Maiores consumidores de painéis de madeira no mundo, em 2012


País Chapa Insulating MDF MDP Compensados Total Participação Painéis per População
de fibra board (mil m³) (mil m³) (mil m³) painéis (%) capita (mil
(mil m³) (mil m³) (mil m³) (m3/ano/mil habitantes)
habitantes)

China 6.273 131 47.261 13.156 34.920 101.741 35,5 73,9 1.377.065

EUA 330 4.848 2.344 18.449 11.994 37.964 13,3 119,6 317.505

Rússia 1.038 28 1.834 7.206 1.761 11.867 4,1 82,9 143.170

Alemanha 1.146 1.552 606 7.276 1.215 11.795 4,1 142,5 82.800

Japão 54 387 784 1.441 6.101 8.767 3,1 68,9 127.250

Turquia 248 (16) 3.955 4.108 255 8.550 3,0 115,6 73.997

Canadá 202 569 602 3.734 3.166 8.274 2,9 237,5 34.838

Brasil 277 61 3.654 3.168 1.111 8.270 2,9 41,6 198.656

Polônia 24 156 1.808 5.061 406 7.455 2,6 195,1 38.211

França 152 164 1.185 3.420 577 5.498 1,9 86,0 63.937

Demais 3.955 1.731 16.573 31.433 22.511 76.203 26,6 16,6 4.600.657
países

Mundo 13.698 9.612 80.606 98.452 84.017 286.385 100,0 40,6 7.058.086

Fonte: FAO.

3
  Importante destacar que esse percentual não leva em conta o consumo de OSB, que é bastante relevante
no país: 12,5 milhões de metros cúbicos em 2012, segundo a UNECE.
O Brasil, que aparece como oitavo maior consumidor, representou ape- 335
nas 3% do mercado, mas parece haver potencial para mais: dos dez maiores

Produtos Florestais
consumidores, é o que registrou o menor consumo per capita (42 m3 por mil
habitantes), atrás de emergentes como Turquia (116 m3), Rússia (83 m3) e
China (74 m3), mas acima do consumo no restante da América do Sul (18 m3).
Porém, como já destacado, o consumo de painéis guarda mais relação
com padrões culturais, hábitos e oferta local de produtos do que com de-
senvolvimento econômico, ainda que a relação renda versus consumo
seja maior nos painéis do que nos serrados. Os dados de 2012 de uma
regressão linear entre PIB per capita em US$ Purchasing Power Parity
(PPP, paridade de poder de compra) e consumo per capita de serrados4
(Gráfico 6) indicam um coeficiente de determinação (R2) de apenas 0,22,
ao passo que a relação entre renda e consumo de painéis é um pouco
mais forte (0,43).

grafico 06 A
Gráfico 6 | PIB per capita em US$ PPP e consumo per capita

Gráfico 6A | Painéis de madeira

700

600
Consumo (m³) per capita

500

400

300
2
R² =0,43
200

100

0 20 40 60 80 100

PIB (mil US$ PPP) per capita

  Considerando 167 países, que respondem por mais de 98% do consumo mundial de serrados e painéis.
4
grafico 06 B
336 Gráfico 6B | Serrados
Panorama de mercado – painéis de madeira

700

600
Consumo (m³) per capita

500
2
R² =0,2244
400

300

200

100

0 20 40 60 80 100
PIB (mil US$ PPP) per capita

Fonte: Elaboração própria, com base em FAO e IMF.

Oferta e comércio internacional


A Tabela 3 apresenta os maiores produtores mundiais de painéis e re-
vela bastante semelhança com a tabela dos maiores consumidores (os qua-
tro primeiros são os mesmos). Isso porque a comercialização dos painéis,
especialmente dos PMR, tende a ser regional, isto é, produção e consumo
ocorrem em um mesmo país ou em países próximos, em função dos altos
custos relativos de frete dos produtos acabados.

Tabela 3 | Maiores produtores de painéis de madeira no mundo, em 2012


País Produção de painéis de madeira Consumo Saldo
aparente comercial
Chapa Insulating MDF MDP Compensados Total % do
de board painéis total
fibra
China 6.541 133 50.225 12.891 44.512 114.301 39,6 101.741 12.560

EUA 377 4.876 2.083 15.265 9.493 32.095 11,1 37.964 (5.870)

Rússia 975 - 1.316 6.753 3.146 12.190 4,2 11.867 323

Alemanha 2.297 1.288 1.478 6.781 178 12.022 4,2 11.795 226

Canadá 80 430 767 7.475 1.824 10.576 3,7 8.274 2.302

Brasil 365 61 3.678 3.261 2.456 9.821 3,4 8.270 1.551

Polônia 165 648 2.363 4.879 388 8.443 2,9 7.455 988

Turquia - 15 4.000 3.950 116 8.081 2,8 8.550 (469)

(Continua)
(Continuação) 337
País Produção de painéis de madeira Consumo Saldo

Produtos Florestais
aparente comercial
Chapa Insulating MDF MDP Compensados Total % do
de board painéis total
fibra

Indonésia 40 178 229 125 5.178 5.750 2,0 3.310 2.440

Malásia 237 - 1.460 123 3.887 5.707 2,0 1.513 4.194

Demais 2.112 1.800 14.690 36.966 14.398 69.965 24,2 85.645 (15.680)

Total geral 13.188 9.429 82.288 98.470 85.576 288.951 100,0 286.385 2.566

Fonte: FAO.

Dados do International Trade Centre (ITC) revelam que os PMR de par-


tículas (nos quais se incluem o MDP e o OSB) são produtos que costumam
viajar pouco (Tabela 4): a distância média dos fornecedores,5 em 2012, foi
de 1,6 mil km, contra 3,5 mil km dos PMR de fibras (que incluem MDF
e chapa de fibra), 4 mil km nos serrados e 5,2 mil km nos compensados.
Como referência, papel e produtos de papel (categoria notória, por também
ser mais direcionada ao mercado local), viajaram, em média, 4 mil km.
Celulose e aparas, uma categoria mais reconhecida por ser amplamente ne-
gociada internacionalmente, apresentou uma distância média de 6,8 mil km.
Analogamente, a concentração média dos fornecedores – com base no
Índice Herfindahl-Hirschman (HHI)6 – na celulose, mercado marcado pela
concentração em grandes produtores (como o Brasil), foi de 13%, diante
de 5% nos painéis de partículas e 3% nos de fibra.

Tabela 4 | Dados de comércio internacional de produtos florestais selecionados


Código Produto 2012 CAGR (%)
NCM Valor Distância Concentração do valor
exportado média média dos exportado
(US$ (km) do fornecedores ago. 2012
bilhões) fornecedor
47 Celulose e 44,5 6.817 0,13 7
aparas
48 Papel, papel 165,8 3.095 0,03 2
cartão e
produtos de
papel
(Continua)
5
  Média das distâncias de cada país fornecedor ao país importador, ponderada pelo valor exportado.
6
  O HHI é calculado por meio da soma dos quadrados das participações nas importações mundiais de
cada país.
338 (Continuação)
Código Produto 2012 CAGR (%)
Panorama de mercado – painéis de madeira

NCM Valor Distância Concentração do valor


exportado média média dos exportado
(US$ (km) do fornecedores ago. 2012
bilhões) fornecedor
44 Madeira, 118,4 4.070 0,05 3
artigos de
madeira e
carvão vegetal

4410 Painéis de 7,2 1.602 0,05 2


partículas

4411 Painéis de 9,5 3.510 0,03 1


fibras

4407 Serrados 31,2 4.040 0,06 3

4412 Compensados 14,3 5.214 0,05 5


Fonte: ITC.

Uma das explicações para isso é o maior valor agregado de determina-


dos produtos. Segundo dados da FAO, sobre o preço médio de exportação,
ajustado para valores de 2012 pelo consumer price index (medida de infla-
ção ao consumidor dos EUA), é possível visualizar (Gráfico 7) que o preço
médio da chapa de fibra, no período de 1995 a 2012, foi de US$ 613/m3,
seguido pelos compensados (US$ 525/m3), MDF (US$ 374/m3), MDP
(US$ 294/m3)e serrados (US$ 292/m3). É possível também perceber que,
à exceção da chapa de fibra, todos os demais produtos apresentaram re-
tração em seu valor real (CAGR negativo entre 1,5% e 2,2%), especial-
mente em razão da queda no valor dos produtos exportados no período
pós-crise. É válido ressalvar que os dados da FAO não segregam produ-
tos entre revestidos e não revestidos, o que pode trazer distorção a essa
análise de preço.
Quanto a volume, as exportações de PMR apresentam a melhor evolução
no período 1995-2012 (Gráfico 8), CAGR de 5%, ante 1,6% dos compen-
sados e 1,3% dos serrados, porém, a despeito dessa evolução percentual, os
PMR negociam apenas 40% do volume dos serrados. É importante também
destacar os impactos da crise internacional: o volume exportado em 2012,
frente a 2007, foi 18% menor no caso dos PMR, 12% nos compensados e 339

grafico 07
10% nos serrados.

Produtos Florestais
Gráfico 7 | Preço médio das exportações mundiais de serrados e painéis

900

800

700
3
US$ de 2012/m³

600

500

400

300

200

100

0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011
Chapa de fibra MDF MDP Compensados Serrados

Fonte: Elaboração própria, com base em FAO e US Bureau of Labor Statistics.

grafico 08
Gráfico 8 | Exportações globais de serrados, PMR e compensados

160

140 1,3% a.a.

120
Milhões de m ³

100

80

60 5% a.a.

40

20
1,6% a.a.
0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011

PMR Compensados Serrados

Fonte: FAO.
340 Ainda segundo dados da FAO, em 2012, o maior coeficiente de expor-
tação foi registrado pelo compensado (30%), seguido dos serrados (29%),
Panorama de mercado – painéis de madeira

chapa de fibra (28%), MDP (24%) e MDF (20%), como mostra o Gráfico 9.
No caso do MDF, a queda nos últimos anos em seu coeficiente de exporta-
ção reside em um efeito estatístico da participação cada vez maior da China
no mercado (uma vez que o país apresenta baixo coeficiente de exportação,
por sua vez explicado pelo baixo nível de qualidade do produto ofertado no
país). Se fosse considerado o coeficiente de exportação mundial excluindo
a China, em 2012, tal razão estaria ao redor de 40%.
grafico 09
Gráfico 9 | Coeficientes de exportação de painéis de madeira e serrados

70

60

50

40
%
30

20

10

0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1995

1997

2012
2011

Chapa de fibra MDF MDP Compensados Serrados

Fonte: FAO.

Panorama nacional
Demanda
O Gráfico 10 ilustra que de 1996 a 2012 o CAGR no consumo de painéis
de madeira no Brasil foi de 7,9%, acima do registrado pelo cimento (4,4%),
do PIB (3,0%), da construção civil (2,6%) e dos serrados (-1,5%). Esse
crescimento registrado pelos painéis de madeira foi positivamente impac-
tado não apenas pelo desempenho da construção civil e da substituição dos
serrados, mas também pelo avanço do poder aquisitivo da população, dado 341
pelo aumento da massa salarial, pela melhor distribuição de renda e pela

Produtos Florestais
maior disponibilidade (e menor custo) do crédito.

Gráfico 10 | Consumo de cimento, painéis de madeira, serrados e


desempenho do PIB e da construção civil no Brasil, base 100 em 1996

340

300

260

220

180

140

100

60
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2010
2001
1997

2012
2011
Painéis de madeira Cimento PIB Construção civil Serrados
7,9% a.a. 4,4% a.a. 3,0% a.a. 2,6% a.a. -1,5% a.a.

Fontes: IBGE, Abipa, ABIMCI e SNIC.

O crescimento do setor de construção civil tem apresentado desempenho


próximo ao do PIB, porém mais volátil (Gráfico 11). Mas, a despeito da
proximidade dessas taxas de crescimento, ainda existe no país um eleva-
do déficit habitacional, que pode indicar potencial na construção de novas
residências, que, por sua vez, devem impulsionar a compra de mobiliá-
rio. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
apesar de ter ocorrido uma melhora no déficit habitacional brasileiro, ele
permanece elevado (Tabela 5): em 2007, era de 5,5 milhões de domicílios
(10% do total existente), caindo para 5,2 milhões em 2012 (ou 8,3% do to-
tal), um CAGR negativo de 1,3%.
Segundo a Duratex [Szachnowicz (2012)], pode se estimar um consumo
médio de PMR por domicílio de 0,6 m3, de maneira que a resolução do dé-
ficit habitacional brasileiro (segundo a estimativa do Ipea) adicionaria mais
de 3.000.000 m3 ao consumo nacional de PMR (um acréscimo de mais de
40% sobre a demanda de 2013). 


BS40-book 341 20/10/14 20:51


342
grafico 11
Gráfico 11 | Variação real anual do PIB e da construção civil no Brasil
Panorama de mercado – painéis de madeira

12

10

6
%
4

-2

-4
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011
Construção civil PIB

Fonte: IBGE.

Tabela 5 | Estimativas do Ipea para o défict habitacional


brasileiro, discriminado por renda
Número de 2007 2008 2009 2011 2012 CAGR
domicílios (%)
Total Brasil 55.918 57.703 58.685 61.470 62.997 2,4
Déficit 5.593 5.192 5.703 5.409 5.245 (1,3)
habitacional
Sem 95 88 108 162 126 5,8
declaração
Até 3 s.m. 3.954 3.644 4.061 3.949 3.864 (0,5)
De 3 a 5 s.m. 733 727 770 633 609 (3,6)
De 5 a 10 s.m. 582 535 547 492 493 (3,2)
Acima de 229 202 217 173 152 (7,9)
10 s.m.
Déficit 10,0 9,0 9,7 8,8 8,3 (3,6)
total (%)
Fonte: Neto, Furtado e Krause (2013).

Existe, no Brasil, um declínio da indústria de madeira tropical para


serrados e compensados em função de diversos fatores. Pela ótica da
oferta, podem-se citar: (i) maior fiscalização de madeira ilegal; (ii) mo- 343
rosidade no processo de licitações de florestas públicas; (iii) dificuldades

Produtos Florestais
logísticas; e (iv) baixa taxa de retorno econômico-financeiro da ativi-
dade. Por outro lado, também existem restrições na demanda: (i) maior
número de consumidores conscientes exige madeira legal e rastreada,
seja no exterior ou no mercado local; e (ii) concorrência dos compensa-
dos com PMR com propriedades cada vez melhores graças às constantes
inovações de produto.
Em relação ao consumo de serrados (Gráfico 12), é interessante obser-
var que, apesar de o CAGR acumulado do período 1996 a 2012 ter sido
de -1,5%, houve retração apenas nos anos mais recentes (CAGR 2007 a
2012 de -8%), puxada pela queda no consumo de serrado tropical.

Gráfico 12 | Consumo aparente de serrados no Brasil

25.000 70

60
20.000

50

15.000
40
%
Mil m³

10.000 30

20
5.000
10

0 0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1997

2012
2011

Tropical Pínus Pínus/total


-5% a.a. 3,6% a.a.

Fonte: ABIMCI.

No caso dos compensados (Gráfico 13), os dados também sugerem uma


retração no consumo de madeira tropical, ainda que não da mesma mag-
nitude da ocorrida nos serrados. Outra diferença é que o consumo interno
acelerou-se após 2007, ao passo que houve retração no caso dos serrados.
Houve uma sensível redução no coeficiente de exportação de compensados,

BS40-book 343 20/10/14 20:51


344 mas os produtores nacionais têm conseguido colocar parcela cada vez maior
de sua produção para atender ao mercado interno. É válido ainda destacar
Panorama de mercado – painéis de madeira

as enormes variações do consumo aparente ano a ano (chegando até mesmo


a 70%), o que pode indicar problemas na confiabilidade dos dados, prova-
velmente causados pelo pequeno tamanho do mercado (cerca de 1/10 do de
serrados), pelo alto peso da exportação ante o consumo interno (de maneira
que o consumo aparente é distorcido por variações no estoque) e pela gran-
de dispersão produtiva.

Gráfico 13 | Consumo aparente de compensados no Brasil

90
1800
80
1600

1400 70

1200 60

1000 50 %

800 40

600 30

400 20
200
10
0
0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1997

2012
2011

Tropical Pínus Pínus/total


-0,8% a.a. 3,7% a.a.

Fonte: ABIMCI.

Já o consumo de PMR (Gráfico 14) apresentou CAGR de 1996 a 2013


de 10,2%, muito acima do registrado pelos serrados ou compensados, de tal
maneira que, em 2012, os PMR representaram 82% do total de painéis de
madeira consumidos no país, contra apenas 18% dos compensados. Mesmo
nos últimos cinco anos, com uma base de consumo maior, o crescimento
médio dos PMR permanece bastante expressivo (7,8% a.a.). Entre os três
produtos informados pela Abipa – chapa de fibra, MDP e MDF –, o último
é o que vem apresentando melhor desempenho.

BS40-book 344 20/10/14 20:51


Gráfico 14 | Consumo aparente de PMR no Brasil 345

Produtos Florestais
9.000 60

8.000
50
7.000

6.000 40
Mil m³

5.000
30
%
4.000

3.000 20

2.000
10
1.000
0
0
2000

2006

2009
2004

2008
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011
Chapa de fibra MDF MDP MDF/total

grafico 15
Fonte: Abipa.

Gráfico 15 | Média móvel de três anos da variação no


consumo aparente de MDF e MDP no Brasil

40

35

30

25
%
20

15

10

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

MDF MDP

Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.

Algumas das explicações para o avanço do MDF, ante o MDP, são:


(i) maior leque de aplicações, como pisos; (ii) utilização em substituição a
serrados e chapa de fibra; (iii) maior capacidade de usinagem e maior faci-

BS40_09-DEFLOP_16out.indd 345 20/10/14 21:13


346 lidade para se trabalhar, o que leva marceneiros a preferir esse tipo de ma-
deira; e (iv) sucesso em uma estratégia de marketing que posicionou o MDF
Panorama de mercado – painéis de madeira

como “superior” ao MDP em todas as aplicações, a despeito de a principal


vantagem do primeiro ser sua capacidade de usinagem. É válido ainda notar
a queda na demanda por chapa de fibra: desde 1995, o maior consumo apa-
rente no país foi registrado em 2001, com 353.000 m3, enquanto em 2013
a demanda nacional foi de 257.000 m3. Existem apenas dois produtores no
país, e a capacidade instalada vem encolhendo. É provável que o consumo
desse painel cesse ou chegue a valores desprezíveis em um futuro próximo,
grafico 16
sendo substituído especialmente pelo MDF e HDF.

Gráfico 16 | Razão entre consumo aparente de MDF e MDP


pelo PIB no Brasil, média móvel de três anos

24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

MDF MDP

Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa e IBGE.

O Gráfico 15 apresenta a média móvel de três anos (para suavizar as


bruscas oscilações do indicador) da variação no consumo aparente de MDF
e MDP no país. A tendência dos anos recentes aponta para uma redução no
nível de variação da demanda por MDF, em patamar próximo a 10% a.a.,
ante uma estabilidade em torno de 5% a.a. para o MDP. De maneira análo-
ga, o Gráfico 16 reapresenta esse crescimento, porém dividindo-o pela va-
riação do PIB. Nos últimos anos, o aumento no consumo nacional de MDF
foi próximo a quatro vezes o PIB e o do MDP, de uma vez e meia. Dada a
elevada variação na demanda por PMR nos anos recentes e um quase con-
senso entre economistas de que o modelo de crescimento brasileiro baseado 347
em consumo está esgotado, é provável que, para os próximos anos, o cres-

Produtos Florestais
cimento do MDF e do MDP em relação ao PIB seja inferior ao registrado
nesses últimos anos.
É válido destacar que, a despeito de falta de estatísticas oficiais, existe um
incipiente consumo de OSB no país. A única planta do Brasil iniciou opera-
ções ao fim de 2002, com capacidade de 350.000 m3/ano. Nos últimos anos,
o consumo deve ter oscilado entre 120.000 m3 (caso a planta tenha operado
a 50% da capacidade) e 300.000 m3 (planta operando a 100% da capacida-
de). Quando a fábrica ainda era da Masisa, a Abipa divulgava alguns dados
sobre os usos de OSB no país, que indicavam que a construção civil res-
pondia por 40% das vendas internas, seguida da indústria de móveis (25%),
embalagens (20%), outros (13%) e construção seca (2%). É justamente
a resistência do OSB que permite seu maior uso na construção civil, in-
clusive substituindo os compensados. Entretanto, desde sua introdução
no mercado brasileiro, o consumo de OSB segue em patamares bastante
reduzidos, ao contrário do enorme crescimento registrado na América do
Norte e Europa.

Tabela 6 | Aplicações das vendas domésticas de PMR no Brasil (em %), 2012
Aplicações MDP MDF Chapa de Total
domésticas fibra
Indústria de 95 45 42 68
móveis
Revenda 4 46 9 25
Construção 0 1 14 1
civil
Pisos 0 3 0 2
Outros 1 5 35 4
Vendas 3.230 3.563 263 7.056
domésticas
(mil m3)
Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.

Sobre os usos de PMR, estatísticas da Abipa para as vendas internas


de 2012, conforme Tabela 6, ilustram dois pontos: primeiramente, a maior
parte das vendas é direta, uma vez que apenas 25% delas são destinadas à
revenda (apesar de esse percentual ser bem mais elevado no caso do MDF
348 graças a seu grande uso em marcenarias); o segundo ponto é a concentração
das vendas na indústria moveleira – considerando-se as vendas diretas, a
Panorama de mercado – painéis de madeira

indústria de móveis representa 91% das vendas de PMR (ou 68% do total),
sendo essa dependência maior no caso do MDP (99% das vendas diretas).

Setor moveleiro
Segundo Galinari, Junior e Morgado (2013), a fabricação de móveis,
em especial os de madeira, pode ser considerada uma das mais tradicio-
nais atividades da indústria de transformação. O setor reúne características
como elevada utilização de insumos de origem natural, emprego relativa-
mente intensivo de mão de obra, reduzido dinamismo tecnológico e alto
grau de informalidade.
Existem baixas barreiras à entrada, em virtude do reduzido investimen-
to em ativos físicos para se iniciar na atividade. As inovações tecnológicas
concentram-se nos fornecedores de insumos e bens de capital, e as condi-
ções de apropriabilidade de uma das principais fontes de diferenciação de
produtos, o design, são extremamente baixas.
É grande a heterogeneidade do setor no tocante ao uso de tecnologias.
Alguns tipos de produto admitem processos de fabricação com eleva-
da automação, como os móveis retilíneos (majoritariamente elaborados
com PMR), enquanto outros demandam grande quantidade de trabalhos
manuais, como os móveis artesanais de madeira maciça.
Pelo critério de processo de fabricação, as empresas podem ser agrupa-
das nas seguintes categorias:
i) Seriados: Isto é, móveis padronizados, cujas características físi-
cas não podem ser alteradas pelos consumidores. A maior parte é
composta por móveis retilíneos, produzidos por empresas médias e
grandes, utilizando redes atacadistas nacionais como distribuidores.
ii) Modulados: semelhantes ao seriado, mas produzidos em módulos
adaptáveis a um determinado projeto.
iii) Planejados: são móveis modulados, porém com pequenas adap-
tações e ajustes de acordo com as necessidades do cliente.
iv) Sob desenho: tudo é feito a partir do zero, de acordo com o projeto
definido pelo cliente.
Embora o setor moveleiro em geral seja constituído por um enorme 349
número de micro e pequenas empresas, no segmento de móveis seriados

Produtos Florestais
verifica-se um formato de negócios “business to business” no qual as re-
des varejistas são atendidas por diversos médios e grandes fabricantes de
móveis, muitos deles com maquinário moderno e competitivo. A indústria
de móveis seriados também evoluiu o processo tecnológico de impressão
sobre painéis de madeira, que lhe assegurou redução de custo, simplifi-
cação e menor dependência na administração de padrões. Essas empresas
são importantes clientes dos produtores de PMR, geralmente realizando
compras diretas de painéis MDP não revestidos.
É válido ainda destacar o caso da empresa Móveis Bartira, fundada
pelas Casas Bahia, que se integrou a montante. A companhia informa que
possui capacidade de produção de 28.000.000 m2 de chapas de madeira/
ano. Se considerar-se o tamanho-padrão de espessura de chapa de PMR ao
redor de 15 mm, isso equivale a um consumo de painéis de 420.000 m3,
suficiente para suportar uma planta industrial em porte ótimo.
Já os fabricantes de móveis modulados estabeleceram a comercializa-
ção por meio de rede própria de franquias (como a Todeschini), desenvol-
vendo assim suas marcas e relacionamento direto com os consumidores
e influenciadores de opinião. Esse grupo de empresas também compra
diretamente dos fabricantes de PMR, e sua característica é o consumo de
painéis revestidos. As demais micro e pequenas empresas são tradicional-
mente atendidas pelas revendas de matéria-prima.
Os fabricantes de móveis localizam-se em polos especializados, cuja vo-
cação para essa atividade desenvolveu-se ao longo do tempo. Os principais
polos localizam-se no Sul e no Sudeste (Figura 1), a despeito do forte acrés-
cimo da demanda no Norte e Nordeste em anos recentes.
Segundo a Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio
Grande do Sul (Movergs), considerando apenas a produção de móveis
(excluindo colchões), em 2012, os 11 principais polos moveleiros do país
responderam por 28,9% das 17,5 mil empresas instaladas no país, empre-
gavam 58% dos quase 300 mil empregados no setor e produziram 59%
das 272 milhões de peças fabricadas. O Gráfico 17 demonstra como a pro-
dução é mais concentrada, dado que Bento Gonçalves produziu 18,1% do
total de peças fabricadas no país e os cinco maiores polos, 48,1% do total.
350 Figura 1 | Concentração de empresas moveleiras no Brasil, 2012
Panorama de mercado – painéis de madeira

Fonte: Elaboração própria, com base em Movergs (2013).

grafico 17
Gráfico 17 | Milhões de peças fabricadas nos principais
polos do país e % do total, 2012

Lagoa Vermelha 0,2%

Linhares 0,8%

Grande RJ 1,5%

Grande BH 2,3%

Curitiba 2,4%

São Bento do Sul 3,8%

Interior SP 5,7%

Ubá 6,4%

Arapongas 8,9%

Grande SP 9%

Bento Gonçalves 18,1%

0 20 40 60 80 100

Fonte: Elaboração própria, com base em Movergs (2013).

Ainda segundo a Movergs, o número de peças fabricadas pela indústria


moveleira no Brasil apresentou CAGR de 5,3% entre 2007 e 2012 (como
comparação, nesse mesmo período o desempenho da produção nacional dos
PMR foi de 7,8%). O vetor de aceleração do crescimento do setor moveleiro
foi o mercado interno e não as exportações: como o Gráfico 18 demonstra, 351
desde 2003 o coeficiente de exportação7 vem caindo ano a ano, de maneira

Produtos Florestais
que, em 2012, o saldo comercial do setor foi quase zero. Entretanto, o país
nunca foi um exportador relevante no cenário internacional, respondendo por
menos de 1% das exportações globais desde 2002, em um mercado dominado
pela China. Os dados parecem indicar que, mantidas as condições de compe-
titividade atuais, o crescimento da produção de móveis de madeira no Brasil
deve se pautar pelo crescimento do mercado interno e não das exportações, o

grafico 18 barras
que limita o crescimento do consumo de PMR.

Gráfico 18 | Saldo comercial e coeficientes de exportação


e importação de móveis no Brasil

900 18
800 16
700 14

Saldo comercial (US$ milhões)


Coeficientes de comércio

600 12
500 10
400 8
300
6
200
4
100
2
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Saldo comercial Coef. exportação Coef. importação

Fonte: Elaboração própria, com base em Movergs (2013) e Secex.

Oferta
Assim como no caso da demanda, a produção nacional de PMR também
foi bastante superior à dos compensados, que, por sua vez, foi acima da re-
gistrada pelos serrados. De 1996 a 2012, o CAGR da produção nacional
foi de 10% para os PMR, 2,7% para os compensados (Gráfico 20) e -1,5%
para os serrados (Gráfico 19). Isso decorre não somente do consumo inter-
no (conforme visto na seção anterior), mas também do enfraquecimento das

7
  Como alguns itens de comércio exterior de móveis são informados em unidades e outros em peso,
calcularam-se os coeficientes de exportação e importação em termos monetários.
352 exportações e das restrições ao setor de compensados e serrados oriundos
de florestas tropicais.
Panorama de mercado – painéis de madeira

Gráfico 19 | Produção brasileira de serrados

30.000 70

60
25.000

50
20.000
40
%
Mil m³

15.000
30

10.000
20

5.000 10

0 0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1997

2012
2011
Tropical Pínus Pínus/total
-5% a.a. 3,6% a.a.

Fonte: Abimci.

Gráfico 20 | Produção brasileira de compensados

4.500 90

4.000 80

3.500 70

3.000 60
Mil m³

2.500 50 %

2.000 40

1.500 30

1.000 20

500 10
0
0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1997

2012
2011

Tropical Pínus Pínus/total


-3,9% a.a. 6,6% a.a.

Fonte: Abimci.

Segundo Abimci (2013), cerca de 90% das 538 empresas do setor de ma-
deira processada mecanicamente são de pequeno porte, em geral descapitali-

BS40_09-DEFLOP_16out.indd 352 21/10/14 11:36


zadas e sem capacidade de investir, com maquinário antigo e não integradas 353
à produção florestal. Já as demais empresas apresentam maior porte, com

Produtos Florestais
melhores equipamentos, melhor qualidade dos produtos ofertados e, muitas
vezes, integração à produção florestal.
No caso do pínus, existe um encolhimento cada vez maior das áreas plan-
tadas com esse gênero florestal no país, especialmente fora da Região Sul.
Dados de Abraf (2013) demonstram que, de 2006 a 2012, as áreas planta-
das com pínus no país recuaram em 324 mil hectares, um CAGR negativo
de 3%. A produção sustentável teórica8 anual se reduziu em 3,3 milhões de
metros cúbicos, uma queda de 5% em relação ao valor de 2006 (Gráfico 21).
Para a indústria de serrados e compensados existe um fator de pressão adi-
cional: a migração de plantios de pínus para ciclos mais curtos (que geram
menor volume de toras largas do que ciclos mais longos), fato que não ocorre
nos PMR (que trabalham com toras finas).

Gráfico 21 | Área plantada de pínus no Brasil e sua produção sustentada teórica

80
2.000

1.800 70

Produção sustentada teórica (milhões m³)


1.600
60
Área plantada (mil hectares)

1.400
50
1.200

1.000 40

800 30
600
20
400
10
200

0 0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Demais regiões Sul Produção sustentada

Fonte: Elaboração própria, com base em Abraf.

Já no caso da oferta dos PMR no Brasil, a trajetória da produção foi muito


próxima à da demanda, por causa do baixo nível de comércio internacio-
nal (em 2013, o coeficiente de exportação foi de 4% e o de importações,
1%). O CAGR da produção nacional de 2003 a 2013 foi de 14,3% no MDF

8
  Área total plantada multiplicada pela produtividade média das árvores cortadas naquele ano.

BS40-book 353 20/10/14 20:51


354 (versus 14,8% no consumo aparente), 6,2% no MDP (contra 5,8% do con-
sumo aparente) e -3,2% na chapa de fibra (-1,1% no consumo aparente).
Panorama de mercado – painéis de madeira

No Brasil, a indústria de PMR utiliza somente madeira oriunda de


florestas plantadas. O Gráfico 22 ilustra a evolução histórica no consu-
mo de madeira para produção de PMR no país, segundo informado pela
Abraf, com destaque para a cada vez menor utilização de pínus no mix
produtivo: em 2005, esse gênero era responsável por 75% do consumo de
madeira da indústria nacional, perante 56% em 2012. Existem algumas dife-
renças nos PMR produzidos com pínus e os com eucalipto. Segundo Foekel
(2008), as fibras longas, mais flexíveis e maleáveis dos pínus garantem
melhor aderência umas às outras, proporcionando um produto final mais
fácil de ser prensado e com uma coloração clara que é bastante apreciada,
principalmente no mercado internacional. Adicionalmente, PMR produzi-
dos a partir de pínus absorvem menos tinta quando pintados (qualidade não
relevante no caso dos painéis revestidos).
A tecnologia de fabricação de PMR é plenamente disponível, com os
EPCistas fabricando as plantas na modalidade turn-key. Dessa maneira, o
acesso a florestas a um baixo custo e com a maior proximidade possível à
fábrica, torna-se um importante diferencial competitivo com impacto rele-
vante e direto no custo de produção. Não por acaso, ao contrário do mo-
delo praticado em muitos outros países, no Brasil os produtores de PMR
costumam deter a maior parte da base florestal necessária a sua produção
(cerca de 70%).
Além da tecnologia disponível, o valor de investimento em uma planta
em escala ótima de PMR é relativamente baixo para um setor intensivo em
capital (e ainda menor no caso das plantas cíclicas chinesas), o que resulta
em baixas barreiras à entrada, o que pode ser ilustrado pela quantidade de
novas empresas que iniciaram atividades no setor de PMR no Brasil nos
últimos anos: a chilena Masisa instalou sua primeira unidade fabril no país
em 2001; em seguida veio a Fibraplac em 2003; ao fim de 2008 e início
de 2009 foi a vez de os produtores de compensados Sudati e Guararapes
iniciarem produção de MDF com prensas cíclicas chinesas; em 2010 outra
produtora de compensados, a Floraplac, também iniciou produção de MDF
com prensas chinesas; e, em 2011, mais um produtor de compensados, a
Repinho, iniciou operações de MDP por meio da aquisição de uma máquina
usada. No total, foram seis novas empresas em dez anos, desconsiderando

BS40-book 354 20/10/14 20:51


a chilena Arauco, que entrou no país por meio da aquisição da Placas do 355
Paraná em 2005, e a estadunidense Louisiana-Pacific Corporation (LP), que

Produtos Florestais
comprou a linha de OSB da Masisa em 2008.
Além dos produtores de compensados migrando para a produção de
PMR, paira no setor a ameaça de integração a montante de empresas mo-
veleiras. Segundo a Wood Based Panels International (WBPI), a Todeschini
estaria estudando a instalação de uma planta de MDP no Rio Grande do Sul.
Se esse projeto for adiante, a Todeschini teria toda a integração na cadeia,
desde a produção da chapa de madeira até o atendimento ao consumidor
final. Caso esse projeto seja efetivamente implementado e funcione, tal-
vez se vejam outros fabricantes de móveis, como a Bartira, integrando-se
a montante na cadeia.
Outro projeto de novo entrante que tem sido noticiado é o da Placas do
Brasil, formada por 48 empresários de ramos diversos (entre os quais, su-
postamente, vários do ramo moveleiro), para a instalação de uma fábrica de
MDF em Pinheiros, norte do estado do Espírito Santo, visando ao estabeleci-
mento de um novo polo moveleiro na região. Algumas fontes relatam start-up
para 2015 e outras para 2019, e a capacidade instalada também varia, entre
180.000 m3/ano e 300.000 m3/ano. Outro possível novo entrante é oriundo do
grupo paulista Asperbras, que possui negócios diversos, incluindo pecuária
e plantio de eucalipto no Mato Grosso do Sul, e que pretende instalar uma fá-
brica de MDF nesse estado, no município de Águas Claras, com partida em
2017 e capacidade instalada de 200.000 m3/ano.
Adicionalmente, as grandes empresas do setor também têm planos de
expansão: a Berneck deve colocar uma linha de MDP de 800.000 m 3/ano
(que inicialmente operaria limitada a 430.000 m3/ano), em sua planta de
Curitibanos (SC) com início previsto para 2015. A Fibraplac também tem
planos para uma nova linha em Glorinha (RS), de MDP, com capacidade de
600.000 m3/ano e suposto início para 2016. E a Duratex anunciou aquela que
será a maior fábrica de painéis de madeira do Brasil, localizada no Triângulo
Mineiro, com duas linhas de MDP e MDF, de 700.000 m3/ano cada, e start-up
previsto para 2016 e 2017, respectivamente.
O Gráfico 22 ilustra dois costumeiros índices de concentração apli-
cados à capacidade instalada de PMR no Brasil (incluindo OSB): o já
citado HHI e o CR4 (participação de mercado dos quatro principais
players). Ambos os índices revelam trajetória muito semelhante: vinham
356 em um lento processo de declínio de 1996 até 2009, quando movimen-
tos de fusões e aquisições alteraram o panorama da indústria nacio-
Panorama de mercado – painéis de madeira

nal, pela fusão da Duratex com a Satipel e pela compra da Tafisa pela
Arauco. Posteriormente, a entrada de diversos produtores de compensados
traduziu-se em uma pequena queda da concentração. Entretanto, é válido
notar, o CR4 nunca foi abaixo de 60% no Brasil.

Gráfico 22 | Índices de concentração da capacidade instalada de PMR no Brasil

0,25
90

80
0,20
70

60
0,15
CR4 (%)

HHI
50

40 0,10
30

20 0,05

10
0,00
0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011

CR4 HHI

Fonte: Elaboração própria, com base em empresas, Abipa, STCP e WBPI.

Ainda com base nas estimativas de capacidade, o Gráfico 23 ilustra a ca-


pacidade instalada de PMR no Brasil ao fim de 2013 (considerando OSB),
com a liderança da Duratex, seguida de Arauco, Berneck, Masisa, Eucatex
e Fibraplac. Esse gráfico também ilustra as capacidades de MDP e MDF e
mostra que a Berneck, Duratex e Fibraplac parecem ser as empresas mais
equilibradas entre os dois produtos, haja vista que a Arauco é mais voltada
para o MDF e a Masisa ao MDP.
Geograficamente, as plantas de PMR do Brasil localizam-se estrate-
gicamente nas proximidades dos polos moveleiros ou em locais cuja lo-
gística favoreça o escoamento da produção para os clientes. A Figura 2
ilustra a capacidade instalada, por empresa e por tipo de produto (o ta-
manho da figura geométrica é proporcional ao tamanho da planta), ao
mesmo tempo em que destaca o número de peças produzidas nos princi-
pais polos moveleiros (em que o círculo também ilustra o tamanho relati- 357
vo da produção de cada polo). A única planta de PMR não destacada é a

Produtos Florestais
Floraplac, no Pará.

Gráfico 23 | Capacidade de PMR no Brasil em 2013

Gráfico 23A | PMR


Demais 6 empresas
10%

Fibraplac
8%

Eucatex
8%
Duratex
38%

Masisa
9%

Berneck
13% Arauco
14%

Gráfico 23B | MDP


Repinho Bonet
2% 1% Arauco
8%
Masisa
16%

Berneck
13%

Fibraplac
10%

Eucatex
9%

Duratex
41%

BS40_09-DEFLOP_16out.indd 357 20/10/14 21:13


358 Gráfico 23C | MDF

Sudati
Panorama de mercado – painéis de madeira

Floraplac 3%
3%
Guararapes
3%
Masisa Arauco
5% 22%

Fibraplac
8%

Eucatex
5%
Berneck
15%

Duratex
36%

Fonte: Elaboração própria, com base em empresas, Abipa, STCP e WBPI.

A maior parte da capacidade produtiva, em torno de 60%, concentra-se


no Sul do país. O Paraná é o estado que possui mais empresas instaladas (cin-
co): Arauco, Berneck, Masisa, Repinho e a fabricante de OSB LP, sendo que
a Arauco e a Berneck detêm quase 80% da capacidade instalada do estado. Em
Santa Catarina, a recém-chegada Berneck disputa espaço com Guararapes,
Sudati e Bonet (a única que, por enquanto, produz MDP), porém a Berneck
já detém mais de 50% do total do estado e, com a expansão de MDP prevista,
esse número deve chegar próximo a 80%.
Já no Rio Grande do Sul, apenas três empresas – Duratex, Masisa e
Fibraplac – possuem capacidade produtiva, em relativo equilíbrio e pró-
ximas ao maior polo moveleiro do Brasil, de Bento Gonçalves. Quase
toda a capacidade produtiva nesse estado é de MDP, mais consumido por
grandes produtores de móveis seriados. Em São Paulo, estado que possui
mais empresas moveleiras do Brasil, também existe bastante concentra-
ção, dado que apenas a Eucatex e a Duratex possuem plantas industriais
(em todo o Sudeste, apenas essas duas empresas possuem capacidade). No
caso da Duratex, a única planta da companhia fora do Sudeste localiza-se
no Rio Grande do Sul, em Taquari, e responde por menos de 20% de sua
capacidade instalada.
A despeito do aumento da renda, do maior acesso a crédito pela população
no Norte e Nordeste do país e dos recentes investimentos em bases florestais
sem destinação definida nessas regiões, o estímulo à construção de fábricas de

BS40-book 358 20/10/14 20:51


painéis de madeira continuou baixo, com a pequena Floraplac sendo a única 359
empresa ali presente (e sem nenhum novo projeto mapeado para os próximos

Produtos Florestais
anos). Dentre os motivos, podem-se destacar: (i) falta de mão de obra qualifi-
cada, prejudicando a vertente industrial desse tipo de investimento; (ii) porte
relativamente pequeno e grandes distâncias entre polos moveleiros existentes
nessas regiões; e (iii) concorrência com os produtos fabricados com madeira
de lei (o serrado e o compensado tropical), sem a devida fiscalização.

Figura 2 | Plantas de PMR e principais polos moveleiros

Fonte: Elaboração própria, com base em empresas, Abipa, STCP, WBPI e Movergs.

Uso da capacidade instalada


Primeiramente, faz-se necessário expor a grande dificuldade que é enten-
der qual a real capacidade instalada de PMR no Brasil. A fonte oficial, a Abipa,
divulga a capacidade instalada ano a ano por tipo de produto que, acredita-se,
realiza algum ajuste de ramp-up nos dados. Por outro lado, as empresas alegam
que esses dados não refletem a realidade do setor e estariam superestimados,
pois consideram a produção em todos os dias do ano e com a manufatura de
apenas um tipo de espessura de chapa. Segundo essas empresas, como exis-
tem paradas obrigatórias de manutenção e diversas espessuras produzidas, não
seria possível atingir a capacidade nominal das plantas conforme divulgado
pela associação.

BS40_09-DEFLOP_16out.indd 359 21/10/14 11:02


360 Um exemplo de divergência é a Duratex, que sempre divulgou ao
mercado sua utilização de capacidade com base nos valores nominais,
Panorama de mercado – painéis de madeira

porém, pela primeira vez, no 3T09 (que, como será visto, foi o pri-
meiro ano de grande queda na capacidade instalada do mercado), fez
um ajuste de ramp-up no uso da capacidade instalada. No 4T10, pas-
sa a informar a “capacidade efetiva”, sem explicitar seu conceito. Já
no 2T11, pela primeira vez, a companhia definiu “capacidade efetiva”
como um ajuste “nas linhas já instaladas, após os períodos de ramp-up
e investimentos periféricos”, calculando não apenas sua própria “capa-
cidade efetiva”, mas também a de todo o mercado, com ajuste dos da-
dos divulgados pela Abipa. Até o presente momento, a Duratex, em
todos os resultados trimestrais, ajusta sua capacidade e a do resto do
mercado, para termos “efetivos” e “disponíveis” (“sem investimentos
periféricos mencionados”).
Acredita-se que um fator que contribui para essa divergência origi-
na-se da capacidade nominal da prensa em relação ao que a empresa
pode efetivamente produzir: em anos recentes, algumas empresas re-
alizaram investimentos em grandes prensas, que ficavam limitadas à
capacidade inferior até a realização de investimentos adicionais em des-
gargalamentos de processos auxiliares, para que a prensa pudesse atingir a
capacidade total.
Segundo a visão do Sr. Bernard Fuller, presidente da Cambridge Forest
Products Associates, existe sobreoferta de PMR no Brasil, e o país pa-
rece apresentar comportamento similar ao da China, ou seja, o de estar
colocando capacidade sem planejamento adequado. Ele acredita que os
números da Abipa, se estiverem superdimensionados, o estão apenas mar-
ginalmente. Segundo seu conhecimento, no mercado norte-americano, a
produção de MDF e MDP sempre teve nível de utilização da capacidade
instalada (Nuci) entre 80% e 90% (à exceção da crise atual), sem a reali-
zação de qualquer ajuste para capacidade “efetiva”. Ele ainda afirmou que
nos EUA se produzem painéis com as mais diferentes espessuras e dimen-
sões sem que isso tenha qualquer impacto extremo no uso da capacidade,
como alegam as empresas brasileiras. Adicionalmente, mencionou que as
modernas prensas contínuas que foram instaladas no Brasil nos últimos
vinte anos são ainda mais eficientes na troca de espessuras e tempo de
set-up do que as antigas prensas cíclicas.
Isso posto, tomando por base a capacidade instalada de PMR de 361
cada ano divulgada pela Abipa, o Gráfico 24 ilustra a variação líqui-

Produtos Florestais
da de capacidade de MDF e MDP desde 1995, além do percentual que
essa adição representou diante da capacidade instalada dos dois tipos
de painéis no ano anterior. Acrescentou-se também a capacidade que
será adicionada no mercado até 2018 (com base nos projetos mapeados)
ajustando por ramp-up.
O investimento se dá em ciclos, com três fases de altos investimen-
tos bem delineadas: uma em 1996, outra de 2001 a 2003 e a mais recen-
te, de 2009 a 2011. É válido destacar que o ano de 2009, justamente o
que coincidiu com o mais forte reflexo para o Brasil da crise financei-
ra internacional, foi também o ano em que se observa grande volume de
investimentos em termos absolutos e percentuais. Para o futuro, com
base nos projetos anunciados até o momento, há um mercado um pou-
co mais estável, mas ainda com crescimento médio de capacidade
em torno de 5% a.a.

Gráfico 24 | Variação líquida na capacidade de MDP e MDF no Brasil

2.000 40

1.800
35

Variação frente ao ano anterior (%)


1.600
Adição capacidade líquida (mil m³)

30
1.400
25
1.200

1.000 20

800
15
600
10
400
200 5

0
0
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998

2001

2010

2016

2018
2014
1995

1997

2012

2015
2013

2017
2011

MDP MDF Variação %

Fonte: Abipa.

Observando o Nuci da indústria de PMR no Brasil, segundo informado


pela Abipa (Gráfico 25), é possível observar que, no período 1994-2008,
a média foi de 79%. Em 2009, um grande volume de nova capacidade foi
362 adicionada ao mercado ao mesmo tempo em que a demanda ficou estagna-
da, o que derrubou o Nuci a 65%, menor nível da série histórica até aquele
Panorama de mercado – painéis de madeira

momento. Com a demanda tendo voltado a crescer a taxas bastante expressi-


vas de 2010 em diante, seria esperado que o Nuci retornasse a patamar pró-
ximo a 80%, entretanto não foi isso que ocorreu, visto que o Nuci médio em
2009-2013 foi de 68%.

Gráfico 25 | Nuci do setor de PMR no Brasil

105

95

85 Média 1994-2008 = 79%

%
75

65

Média 2009-2013= 68%


55

45
2006

2009
2000

2008
2004
2002

2005
2003

2007
1996

1999
1998
1994

2001

2010
1995

1997

2012

2013
2011

Fonte: Abipa.

A seguir, elencam-se cinco possíveis hipóteses que podem expli-


car tal fenômeno e, posteriormente, procede-se uma análise acerca de
cada uma:
1) O Nuci de um produto específico (MDF, MDP ou chapa de fibra)
pode estar distorcendo esse indicador para a indústria.
2) Dada a concentração industrial do setor, o Nuci de uma empresa
específica pode estar distorcendo o Nuci geral.
3) Efeitos de ramp-up não computados corretamente poderiam dis-
torcer o Nuci.
4) A maior complexidade operacional, com aumento expressivo do
número de Stock Keeping Unit (SKU) e maiores tempos de set-up,
em função da produção de chapas para diferentes finalidades e com 363
diferentes espessuras, podem ter levado as máquinas a produzir

Produtos Florestais
em volume abaixo de seu potencial teórico.
5) A manutenção de elevada capacidade ociosa reflete-se em barreiras
de entrada a potenciais novos players.

Hipótese 1
O Gráfico 26 ilustra o Nuci de cada um dos três produtos divul-
gados pela Abipa (excluíram-se os dados de 1994 a 1996, pois nes-
se período ainda não havia produção de MDF no Brasil). A chapa de
fibra, produto que está em declínio e que perdeu quase 30% de sua ca-
pacidade instalada no período, é o que registra o melhor Nuci, além
de apresentar a menor variabilidade nessa taxa, inclusive nas diferen-
ças entre os dois períodos, o que mostra que a Hipótese 1 está correta,
ou seja, o problema está focado no MDF e MDP, com mais intensidade
neste último.

Gráfico 26 | Nuci de MDF, MDP e chapa de fibra no Brasil

Gráfico 26A | Chapa de fibra

105

95
Média 1997-2008 = 86%
85

%
75 Média 2009-2013 = 85%

65

55

45
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011
364 Gráfico 26B | MDP
Panorama de mercado – painéis de madeira

105

95

85
Média 1997-2008 = 75%
% 75
Média 2009-2013 = 66%
65

55

45
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011
Gráfico 26C | MDF

105

95

Média 1997-2008 = 80%


85

% 75
Média 2009-2013 = 69%

65

55

45
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011

Fonte: Abipa.

Hipótese 2
Com base nos únicos dados disponíveis de empresas (a extinta Satipel
e a Duratex) sobre o uso de capacidade instalada nominal (antes e após a
fusão), calcularam-se dois Nucis: o da Duratex9 e o do restante do mercado

9
  Foi necessário fazer alguns ajustes em determinados períodos por falta de dados.
(baseou-se em dados da Abipa, mas, dada a limitação de informações dis- 365
poníveis, só foi possível calcular os dados a partir de 2003). O Gráfico 27

Produtos Florestais
ilustra esses valores (mantendo a mesma escala dos gráficos 26 e 25 para
facilitar a comparação visual).

Gráfico 27 | Nuci de MDF e MDP da Duratex e do restante do mercado

Gráfico 27A | MDP

105

95

85

% 75

65

55

45
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Duratex Demais empresas

Gráfico 27B | MDF


105

95

85

% 75

65

55

45
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Duratex Demais empresas

Fonte: Elaboração própria, com base em Duratex, Satipel e Abipa.


366 Os dados indicam que, tanto para o MDP quanto para o MDF, o Nuci
da Duratex é quase sempre inferior ao do resto do mercado, talvez por ter
Panorama de mercado – painéis de madeira

sido a empresa que realizou o maior volume de investimentos nos últi-


mos anos e pelos possíveis efeitos de ramp-up já considerados pela Abipa,
explorados na Hipótese 3 a seguir. Também se mantiveram as tendências de
maior Nuci do MDF perante o MDP, bem como o menor Nuci no período
2009-2013 em relação ao período 2003-2008 (seja para a Duratex ou para
o resto do mercado).

Tabela 7 | Resumo do Nuci de MDF e MDP da Duratex e do restante do mercado


Empresa Produto Média no período (%) 2009-2013 vs
2003-2008 2009-2013 2003-2008 (%)
Duratex MDP 72 62 (9)
MDF 75 54 (21)
Demais MDP 79 69 (10)
empresas MDF 86 82 (4)
Demais MDP 8 7 (1)
empresas vs MDF 12 28 16
Duratex
Fonte: Elaboração própria, com base em Duratex, Satipel e Abipa.

Hipótese 3
Conforme já exposto, acredita-se que a Abipa realiza ajustes de ramp-up,
o que provavelmente explica parte da discrepância no Nuci da Duratex ante
o resto do mercado, conforme exposto no Gráfico 27 e na Tabela 7.
Para testar essa hipótese, realizou-se uma simulação com ajustes de
ramp-up a partir dos dados originais divulgados pela Abipa, de maneira
que, em cada ano, apenas 50% da variação líquida de capacidade é efetiva-
mente disponível naquele ano, sendo os demais 50% alocados no ano se-
guinte, com o resultado ilustrado no Gráfico 28. No caso do MDP, produto
que teve menor dinamismo nas expansões, o efeito de ajuste no ramp-up
foi praticamente nulo. No caso do MDF, haveria um aumento de 7 p.p. no
Nuci durante o primeiro período e de 1 p.p. no segundo período. Porém,
tal ajuste levaria o Nuci do MDF em 2001 para impossíveis 114%, contra
102% nos dados originais da Abipa para o ano de 2000, o que leva a crer
que muito possivelmente a associação já realiza algum ajuste de ramp-up 367
em sua série de dados.
grafico 28A

Produtos Florestais
Gráfico 28 | Nuci ajustado por ramp-up de MDF e MDP no Brasil

Gráfico 28A | MDP

105

95

85

Média 1997-2008 = 75%


% 75
Média 2009-2013 = 66%
65

55

45
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011

Gráfico 28B | MDF

105

95 Média 1997-2008 = 87%

85

% 75 Média 2009-2013 = 70%

65

55

45
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010
1997

2012

2013
2011

Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.


368 Hipótese 4
Difícil de ser testada pela falta de dados sobre o mix de vendas da in-
Panorama de mercado – painéis de madeira

dústria. Porém, mesmo considerando que, em uma indústria que trabalha


com grande complexidade de SKUs como a de PMR, o atingimento da ca-
pacidade instalada nominal é difícil, isso não explica a queda do Nuci no
período 2009-2013 diante dos períodos anteriores analisados. Ainda que
a complexidade operacional tenha aumentado nos anos mais recentes, se-
ria esperada uma queda suave ao longo dos anos, e não da forma abrupta
como os dados sugerem. Outro argumento contrário à Hipótese 4 é que o
MDF, painel que possui maior variabilidade na produção (visto que podem
ser fabricados painéis mais finos e densos como HDF e SDF), possui Nuci
maior do que o MDP, quando o esperado seria o oposto.

Hipótese 5
A favor dessa hipótese está o fato de que os mais recentes e plane-
jados investimentos de novos entrantes estão todos fora do raio de atua-
ção das plantas com menor Nuci da indústria: a Floraplac lançou-se em
um mercado novo, no Norte, enquanto a Sudati e a Guararapes atuam
em Santa Catarina, a Repinho no Paraná e as supostas futuras entran-
tes Placas do Brasil e Asperbras se localizariam no Espírito Santo e em
Mato Grosso do Sul, respectivamente. Adicionalmente, para essas pe-
quenas empresas, pode não ser interessante colocar plantas próximas
às das empresas líderes, dado seu poder de mercado. A atuação em ni-
chos fica favorecida pelo fato de os PMR não serem produtos que ab-
sorvam fretes de longa distância no preço, especialmente em um país
de dimensões continentais e de sistema logístico complexo e oneroso,
como o Brasil.
Como exercício de projeção, com base nos projetos mapeados e con-
siderando efeitos de ramp-up (como se acredita que a Abipa considera),
o Gráfico 29 ilustra a evolução da capacidade instalada de MDP em três
cenários de CAGR da demanda para o período 2014-2018, de 2%, 4% e
6% (como comparação, o CAGR da demanda no período 2009-2013 foi
de 4,9%). No primeiro caso, a média do Nuci seria de 61%; no segundo,
64%; e, no terceiro, 68%. Portanto, a menos que a demanda cresça em
patamares muito elevados ou que parte desses projetos sejam adiados ou
cancelados, o Nuci do MDP continuará em níveis ainda bastante reduzidos.
grafico 29 2%
Gráfico 29 | Nuci de MDP no Brasil até 2018 em diferentes cenários de demanda 369

Produtos Florestais
105

95 Média 2014-2018
Dem @ 6% = 68%
Média 1997-2008 = 75%
Dem @ 4% = 64%
85 Dem @ 2% = 61%

% 75

65

Média 2009-2013 = 66%


55

45
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010

2016

2018
2014
1997

2012

2015
2013

2017
2011
grafico 30 4%
Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.

Gráfico 30 | Nuci de MDF no Brasil até 2018 em diferentes cenários de demanda

105

95 Média 2014-2018
Dem @ 12% = 90%
85 Dem @ 8% = 81%
Dem @ 2% = 72%

% 75

65

Média 1997-2008 = 80% Média 2009-2013 = 69%


55

45
2000

2006

2009
2008
2004
2002

2005
2003

2007
1999
1998

2001

2010

2016

2018
2014
1997

2012

2015
2013

2017
2011

Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.

O Gráfico 30 mostra projeção semelhante para o MDF e com cenários


de CAGR para a demanda no período 2014-2018 de 4%, 8% e 12% (como
referência, o CAGR do período 2009-2013 foi de 12,4%). Dessa maneira,
o Nuci projetado seria de 72%, 81% e 90%, respectivamente. Isso demons-
tra que o mercado de MDF continua mais equilibrado do que o de MDP, ao
370 menos com base nos projetos mapeados até o momento e com a demanda
ainda crescendo em, pelo menos, 4% a.a.
Panorama de mercado – painéis de madeira

Competitividade
A tecnologia não é um entrave para a entrada no segmento de PMR,
entretanto não quer dizer que não se constitua um elemento de dife-
renciação competitiva, uma vez que tanto a escala quanto a qualida-
de do equipamento costumam ter a contrapartida de maior eficiência
produtiva e melhores margens operacionais, além de um produto com
qualidade ligeiramente superior (em compensação, requerem maior
intensidade de capital).
Hoje, as empresas brasileiras de PMR podem ser agrupadas em dois
grandes clusters: um, de grandes empresas, com maquinário moderno,
de linhas contínuas e com plantas de escala superior a 200.000 m3/ano,
formado por Duratex, Berneck, Arauco, Fibraplac, Eucatex, Masisa e
LP. O segundo cluster de empresas possui plantas de escala inferior a
200.000 m3/ano de prensas cíclicas, em um grupo formado por Bonet,
Guararapes, Floraplac, Sudati e Repinho. Geralmente o segundo cluster
também possui uma oferta de produtos mais restrita e de menor qualidade,
competindo no mercado com o cluster das grandes empresas por preço ou
com atuação restrita a nichos.
Entre as grandes empresas, diferenciais competitivos residem: (i) em
uma eficiente gestão florestal, com o menor raio médio possível entre as
florestas e a unidade fabril e com alta parcela de integração nas atividades
florestais; (ii) em uma logística do produto acabado para o cliente também
eficiente; (iii) no aumento da escala; (iv) na integração com a produção
de resinas,10 insumo mais relevante nos custos produtivos depois da ma-
deira (no caso dos painéis não revestidos); (v) na diversidade e qualidade
dos revestimentos de painéis ofertados; e (vi) na integração produtiva da
planta industrial, isto é, diferentes produtos (inclusive energia a partir de
biomassa) sendo fabricados na mesma unidade, de modo a maximizar o
uso da madeira.
Sobre os preços de venda de PMR no Brasil, não existe qualquer fon-
te pública de dados. Em função da não uniformidade na divulgação pela

  Como é o caso da planta de resinas da Duratex em Agudos (SP), ou mesmo de plantas de fornecedores
10

externos dedicadas.
Eucatex (empresa de capital aberto) de informações relativas à Receita 371
Líquida, a única maneira de analisar os preços no mercado local ao lon-

Produtos Florestais
go do tempo se dá pelos dados disponibilizados pela líder de mercado
Duratex e pela extinta Satipel. O Gráfico 31 ilustra a Receita Líquida e
o EBITDA por metro cúbico da “antiga” Duratex, da Satipel e da “nova”
Duratex (dados pré-fusão calculados pelo somatório da Satipel com a “an-
tiga” Duratex11). O preço médio de venda da “nova” Duratex apresentou
CAGR de 2004 a 2013 de 3,2%, inferior à inflação no período, ao passo
que o EBITDA unitário elevou-se em 5,1% a.a. Porém, nos anos após a
fusão, observa-se maior aceleração desses indicadores: de 2009 a 2013,
o CAGR da Receita Líquida unitária foi de 6% e do EBITDA unitário
de 12%. Entretanto, é válido notar que, como os dados não distinguem o
tipo de produto ou a destinação das vendas, essa evolução deve ser vista
grafico 31
com ressalvas.

Gráfico 31 | Receita líquida e EBITDA unitários da


divisão madeira da Duratex e Satipel

1.000

800

600
R$/m³

400

200

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Receita “antiga” Duratex Receita “nova” Duratex Receita Satipel


EBITDA “antiga” Duratex EBITDA “nova” Duratex EBITDA Satipel

Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas.

De maneira análoga, o Gráfico 32 ilustra a margem EBITDA dessas


companhias, adicionando dados da Eucatex.12 O desempenho financeiro da

11
  No caso da Duratex, considerou-se apenas a unidade de negócio “madeira”.
12
  A Eucatex possui outras unidades de negócios (a mais relevante é a de tintas), e a divisão de PMR
responde entre 70% a 80% da receita da empresa.
372 “antiga” Duratex era superior ao da Satipel, resultado provavelmente expli-
cado pelo mix de venda com produtos de maior valor agregado, pela maior
Panorama de mercado – painéis de madeira

escala e pelo melhor maquinário da primeira quando comparada à segun-


da (que, até o início de 2009, ainda possuía uma planta de 200.000 m3/ano
de processo cíclico). Já o desempenho da Eucatex foi bastante abaixo da

grafico 32
“nova” Duratex, tendo apresentado margem EBITDA, de 2009 a 2013,
8 p.p. a 15 p.p. menor.

Gráfico 32 | Margem EBITDA da Satipel, Eucatex e da divisão “madeira” da Duratex

45

40

35

30

% 25

20

15

10

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

“Antiga” Duratex “Nova” Duratex Satipel Eucatex

Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas.

Já o Gráfico 33 adiciona às empresas listadas no Gráfico 32 a Fibria,13


para comparar o desempenho das empresas brasileiras de PMR com as de
celulose. No caso, o indicador ilustrado no gráfico é a relação EBITDA/ativo
imobilizado,14 uma proxy de retorno sobre o capital empregado. Com ex-
ceção de 2004 e 2005, em todos os demais anos o desempenho da “nova”
Duratex foi superior ao da Fibria, indicando que o retorno sobre o capital
empregado é maior no setor de PMR do que no de celulose (ainda mais
relevante a esse fato é que tal rentabilidade ocorre a despeito da elevada
ociosidade na divisão “madeira” da Duratex). Mesmo uma empresa de porte
menor, como a Eucatex, apresentou relação de EBITDA/ativo imobilizado
muito próxima à da Fibria.

13
  Dados anteriores a 2009 obtidos pelo somatório das antigas VCP e Aracruz.
14
  Também inclui o valor do ativo biológico.
É válido destacar que o investimento em manutenção das florestas pró- 373
prias (além de manutenção industrial) não se reflete no EBITDA e é bastante

Produtos Florestais
expressivo em ambas as indústrias. Como nem sempre as empresas divul-
gam o investimento (CAPEX) entre expansão e manutenção, não é possível
montar uma série temporal precisa da razão EBITDA subtraída do CAPEX
de manutenção pelo ativo imobilizado (uma melhor proxy de retorno sobre
o capital empregado). A Tabela 8 ilustra alguns dados e estimativas próprios
para esse indicador, para as três empresas no ano de 2013. A Fibria foi a úni-
ca que explicitou quanto do investimento foi destinado à manutenção e, no
caso da Eucatex e Duratex, buscou-se uma estimativa bastante conservadora
(CAPEX de manutenção elevado). Tanto no caso da Duratex quando no da
Eucatex, a redução na rentabilidade do ativo imobilizado, ao levar em conta
o CAPEX de manutenção, foi menor do que no caso da Fibria, indicando
que esse investimento é proporcionalmente mais relevante para o negócio
de celulose do que para o de PMR. Isso indica que a melhor rentabilidade

grafico 33
sobre capital empregado do setor de PMR em relação à celulose, ilustrada
no Gráfico 33, é ainda maior.

Gráfico 33 | EBITDA/ativo imobilizado da Duratex, Satipel e Fibria15

45

40

35

30

% 25

20

15

10

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

“Nova” Duratex “Antiga” Duratex Satipel Fibria Eucatex

Fonte: Elaboração própria, com base em dados das empresas.

  Adoção do novo padrão contábil internacional (IFRS), entre 2009 e 2010, resultou em um aumento do
15

ativo das companhias florestais, especialmente pela reavaliação do ativo biológico (madeira), a preços
de mercado em vez do custo histórico de formação.
374 Tabela 8 | EBITDA/ativo imobilizado da Duratex, Satipel e Fibria, em 2013
Indicadores Fibria Duratex Eucatex
Panorama de mercado – painéis de madeira

EBITDA (R$ milhões) 2.797 1.200 230


CAPEX total 1.287 543 109
(R$ milhões)
CAPEX manutenção 1.214 300 80
(R$ milhões)
At. imobilizado 13.248 4.582 1.401
(R$ milhões)
EBITDA/At. imob. 21% 26% 16%
(EBITDA - CAPEX man.)/ 12% 20% 11%
At. imob.

Fonte: Elaboração própria, com base em empresas.

No tocante aos custos e segundo a Duratex, em 2013 o custo pro-


dutivo unitário na divisão “madeira” foi de R$ 621/m 3, na qual a ma-
deira (incluindo exaustão) respondeu por 19% e as resinas por 16%,
figurando como maiores custos, com exceção do grupo “outros mate-
riais”, com uma expressiva parcela de 35% (alguns dos prováveis itens
desse custo são revestimentos, aditivos e embalagens). Em uma análise
alternativa, recalculou-se o custo da Duratex excluindo itens não caixa
(como depreciação, amortização e exaustão) e utilizando um custo de
mercado para a madeira. Nesse caso, o peso desse insumo iria a 31%
do custo, a resina a 16% e outros materiais a 32%.
A Eucatex, até o 3T13, divulgava abertura de custos por tipo de pro-
duto, o que permite proceder-se a uma análise mais detalhada. A cha-
pa de fibra, por exemplo, produzida por processo úmido, não consome
resinas em sua fabricação. O MDF consome (proporcionalmente) mais
madeira e resina do que o MDP, o que aumenta o peso desses insumos
produtivos ante os demais. No caso dos pisos laminados, que costumam
conter três camadas de revestimento, o custo relativo desse insumo
é bastante elevado.
Gráfico 34 | Custo dos produtos vendidos e custo-caixa 375
da divisão “madeira” da Duratex em 2013

Produtos Florestais
Gráfico 34A | Custo dos produtos vendidos R$ 621/m³3

Outros materiais Madeira


33% 19%

Resina
16%

Combustíveis
3%

Depreciação e Mão de obra


amortização 12%
9% Energia elétrica
8%

grafico 34B
Gráfico 34B | Custo-caixa R$ 644/m³3

Outros materiais Madeira


32% 31%

Combustíveis
3%

Resina
Energia elétrica 16%
7%
Mão de obra
11%

Fontes: Duratex e estimativas BNDES.

É importante destacar que existe uma exposição cambial em diversos


itens de custo: no caso da madeira, cerca de 20% de seu custo de formação
florestal está atrelado ao dólar, bem como a maioria dos custos relacionados

BS40-book 375 20/10/14 20:51


376 à resina, revestimento e combustíveis. Portanto, grosso modo, quase metade
do custo-caixa da produção de PMR está atrelado a variações cambiais, per-
Panorama de mercado – painéis de madeira

centual maior no caso de painéis revestidos. Adicionalmente, considerável


parcela dos investimentos é importada.

Gráfico 35 | Abertura dos custos da Eucatex por tipo de painel produzido no 3T13

grafico 35A
Gráfico 35A | Chapa de fibra

Depreciação
10%
Madeira
17%
Energia térmica
7%

Energia elétrica Revestimento


8% 8%

Outros materiais
Mão de obra 25%
25%

grafico 35B
Gráfico 35B | MDF/HDF

Depreciação
11%

Energia térmica Madeira


3%
23%

Energia elétrica
6%

Mão de obra
8%
Outros materiais
13%

Resina
36%

BS40-book 376 20/10/14 20:51


grafico 35C
Gráfico 35C | MDP 377

Produtos Florestais
Depreciação
7%
Madeira
Energia térmica
14%
4%

Energia elétrica
5%

Mão de obra
7%

Revestimento
27%

Resina
20%

Outros materiais
16%

grafico 35D
Gráfico 35D | Pisos laminados

Energia térmica Depreciação


1% 2%
Madeira
Mão de obra 7%
3%

Resina
15%

Revestimento
61%

Outros materiais
11%

Fonte: Eucatex.

Análise estratégica e conclusões


Análise estratégica
Os números sobre a rentabilidade das empresas, expostos na seção an-
terior, demonstram a força da indústria de PMR no Brasil, a despeito da

BS40-book 377 20/10/14 20:51


378 ociosidade na capacidade instalada. Uma análise baseada no modelo das
cinco forças de Porter aplicada à indústria brasileira de PMR ajuda a escla-
Panorama de mercado – painéis de madeira

recer os motivos (Figura 3).

Figura 3 | Modelo de cinco forças de Porter aplicado à indústria brasileira de PMR

Fonte: Elaboração própria.

• Força dos produtos substitutos: muito baixa. Uma das alavancas


no crescimento da demanda por PMR no Brasil nos últimos anos foi
a substituição de serrados e compensados, uma vez que esses pro-
dutos possuem custo mais elevado do que os PMR e estão sofrendo
pressões na oferta (tanto os constituídos por pínus quanto por madeira
tropical). A substituição de PMR nacionais via importações também
é dificultada, já que este não é um produto que comporta fretes para
longas distâncias.
• Poder dos clientes: muito baixa. Existe uma grande diferença na con-
centração produtiva entre a indústria de PMR (na qual seis empresas
detêm 90% do mercado) e a fragmentada indústria moveleira, com-
posta por 17 mil empresas, milhares delas sendo pequenas e médias
empresas (PMEs). Existem algumas poucas grandes empresas, que
produzem móveis seriados e que possuem maior poder de barganha,
mas para as demais empresas a capacidade de negociar preços, prazos
e condições comerciais é claramente desbalanceada em favor das
fabricantes de PMR.

BS40-book 378 20/10/14 20:51


• Potencial de novos entrantes: é alto. A necessidade de capital é 379
relativamente pequena para uma indústria intensiva em capital.

Produtos Florestais
Entretanto, a manutenção da alta ociosidade da capacidade instalada
da indústria, bem como a complexidade operacional, cria algum grau
de dificuldade para potenciais novos entrantes.
• Poder dos fornecedores: é médio. A madeira, principal insumo
produtivo, é, em sua maior parte, detida pelos fabricantes de PMR.
Porém, o fornecimento de resinas e de papéis para revestimento é
feito por terceiros, que são empresas especializadas e com boa parcela
dos custos atrelada a preços internacionais. Em relação ao CAPEX,
o fornecimento de equipamentos também é bastante concentrado, es-
pecialmente no caso das prensas contínuas, nas alemãs Siempelkamp
e Dieffenbacher.
• Rivalidade na indústria: é baixa. Por se tratar de um mercado regio-
nal, as unidades fabris das empresas atendem aos polos moveleiros
próximos a sua região geográfica, o que faz com que a competitividade
seja mais regional do que nacional.
Para entender o futuro e as perspectivas da indústria de PMR brasilei-
ra, valeu-se de outra ferramenta, a análise SWOT. Do lado das forças, a
indústria: (i) trabalha apenas com florestas plantadas, em sua maioria pró-
prias e com um dos maiores índices de produtividade florestal do planeta;
(ii) possui grande poder de negociação em relação a seu principal cliente, a
fragmentada indústria moveleira; (iii) em sua maior parte, detém um parque
industrial moderno, com máquinas no estado da arte e de elevada escala; e
(iv) é concentrada, com empresas bastante organizadas.
Em contrapartida, podem-se listar como fraquezas da indústria: (i) a
distância geográfica não permite que as exportações sejam viáveis do pon-
to de vista econômico, o que restringe a atuação das empresas ao mercado
interno; (ii) a dependência do setor moveleiro; (iii) assim como no caso das
exportações, a distância da maioria das plantas industriais para as regiões
Norte e Nordeste do Brasil (onde o consumo tem crescido a taxas superiores
à média nacional) encarece o frete do produto e tira parte de sua competi-
tividade; e (iv) exposição cambial em parcela relevante dos custos, sem a
contrapartida de receitas, em nível semelhante, atreladas a moedas externas.
No campo das oportunidades, existem diversos vetores positivos, como:
(i) espaço para substituição de serrados e compensados; (ii) o ainda eleva-
380 do déficit habitacional brasileiro; (iii) ampliação do uso, que ainda é bas-
tante insipiente, de PMR na construção civil; (iv) crescimento de plantios
Panorama de mercado – painéis de madeira

florestais sem destinação específica, especialmente na “nova fronteira flo-


restal brasileira”, que inclui os estados de Mato Grosso do Sul, Maranhão,
Piauí e Tocantins, que podem ser eventualmente utilizados pela indústria
de PMR (ainda que condicionados a estabelecimento de polos moveleiros);
e (v) inovações de produto e processo, especialmente as que tragam novas
propriedades, usos e aplicações ao produto final, bem como reduzam o con-
sumo de insumos e, consequentemente, o custo produtivo. Nesse quesito,
uma das últimas novidades é o WPC, que, a despeito de ainda estar em fase
inicial de uso, possui grande potencial, por ter características de ambos os
materiais, um leque de aplicações amplo e fortes credenciais ambientais.
Em diversas oportunidades, consultorias como Poyry e STCP vêm desta-
cando o potencial desse novo material, ainda que, como é o caso de todos
os produtos de madeira, dependa muito da aceitação cultural dos clientes
para ter seu uso difundido (parece ser o caso do OSB, que, apesar de estar
há quase uma década no mercado brasileiro, continua com participação di-
minuta no mercado de painéis).
Em contrapartida, listam-se como ameaças: (i) a possibilidade de contí-
nuo baixo crescimento da economia nacional, em especial quando se rela-
ciona ao poder de compra da população; (ii) o risco de novos entrantes; e
(iii) pressão em custos, como mão de obra (pela baixa taxa de desemprego
e aumentos reais do salário mínimo), resinas (desequilíbrio entre a oferta e
a demanda) e energia elétrica, além do risco de desvalorizações cambiais.

Principais conclusões
Nos últimos anos, a despeito da crise financeira internacional que afe-
tou fortemente os mercados imobiliários das economias desenvolvidas, o
consumo global de painéis de madeira apresentou crescimento acima do
registrado pelo PIB mundial. Apesar de ser positivamente correlacionada
com renda, a distribuição de consumo de painéis entre os países (bem como
outros produtos de madeira sólida, como serrados) é mais afetada por há-
bitos, padrões culturais e oferta local de produtos.
Globalmente, na ótica da oferta, os maiores produtores (o Brasil é o
sexto) costumam ser os mesmos países que se encontram entre os maiores
consumidores, uma vez que os painéis de madeira não são amplamente ne-
gociados internacionalmente, ainda que produtos com maior valor agregado, 381
como o MDF, a chapa de fibra e os compensados, apresentem coeficientes

Produtos Florestais
de exportação maiores.
Em se tratando da demanda no Brasil, os painéis de madeira obtiveram
crescimento muito acelerado nos últimos anos (acima do PIB ou da cons-
trução civil), sobretudo o MDF e, em menor medida, o MDP. Os PMR be-
neficiaram-se das condições macroeconômicas que resultaram em aumento
de demanda por bens de consumo no país (dado que são majoritariamente
utilizados na confecção de móveis), na redução do déficit habitacional e
na substituição dos serrados e compensados. Nesse sentido, o prognóstico
para os próximos anos é misto, pois, se de um lado ainda existe espaço para
substituição de compensados e serrados, do outro, o modelo econômico bra-
sileiro baseado em consumo pode estar chegando a seu limite.
No caso da oferta de PMR, produto que revela baixos coeficientes
de exportação e importação, a indústria nacional tem adicionado novas
capacidades mais do que suficientes para atender à elevação da deman-
da. As barreiras a novos entrantes são baixas, o que se revela nas novas
companhias que iniciaram produção no país recentemente. De acordo
com projetos anunciados na mídia, existem pelo menos três novos entran-
tes potenciais para os próximos anos. Apesar de ter observado o ingres-
so de novos players, a indústria segue bastante concentrada, e projetos
previstos para as grandes companhias do setor devem manter a baixa
dispersão produtiva.
Especificamente sobre a capacidade instalada de PMR no Brasil, apesar
das dificuldades em obterem-se números precisos, os dados da Abipa suge-
rem que houve uma queda no Nuci de MDF e MDP no período 2009-2013
ante o período 1997-2008. Para o futuro, com base nos projetos anunciados,
continua-se enxergando um Nuci em níveis menores, especialmente no MDP.
No que tange à rentabilidade, a despeito da elevada ociosidade na capaci-
dade instalada, o setor apresenta números bastante saudáveis com elevadas
margens EBITDA e indicador EBITDA/ativo imobilizado igual ou maior
do que o registrado pela brasileira Fibria, maior produtora de celulose de
mercado do mundo. A baixa força dos produtos substitutos (seja dos serrados
e compensados ou de PMR importados) e dos clientes (são 12 empresas de
PMR perante 17 mil no setor moveleiro) ajuda a explicar a força dessa in-
dústria, a despeito do alto risco de novos entrantes. É válido ainda destacar
382 a exposição cambial em parcela relevante dos custos, em uma indústria que
tem suas receitas fundamentalmente atreladas à moeda interna.
Panorama de mercado – painéis de madeira

Referências
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Mecanicamente. Estudo Setorial 2013 – Ano-Base 2012.
Curitiba, 2013.
Abraf – Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas.
Anuário Estatístico Abraf 2013 – Ano-Base 2012. Brasília, 2013.
Biazus, A.; Da Hora, A.; Leite, B. Panorama de mercado: painéis de
madeira. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 32, p. 49-90, 2010.
Foekel, C. Fabricação e produção de chapas MDF a partir dos pinus.
PinusLetter, n. 5, mai. 2008. Disponível em: <www.celso-foelkel.com.br/
pinus_05.html>. Acesso em: abr. 2014.
Galinari, R.; Junior, J.; Morgado, R. A competitividade da indústria de
móveis do Brasil: situação atual e perspectivas. BNDES Setorial, Rio de
Janeiro, n. 37, p. 227-272, 2013.
Mattos, R.; Gonçalves, R.; Chagas, F. Painéis de madeira no Brasil:
panorama e perspectivas. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 27,
p. 121-156, 2008.
Movergs – Associação das Indústrias de Móveis do Estado do
Rio Grande do Sul. Panorama do Setor Moveleiro no RS e Brasil.
2013. Disponível em: <www.movergs.com.br/views/imagem_pdf.
php?pasta=panorama_setor_moveleiro>. Acesso em: abr. 2014.
Neto, V.; Furtado, B.; Krause, C. Nota técnica – estimativas do déficit
habitacional brasileiro (PNAD 2007-2012). Brasília: Ipea, 2013.
Remade. A indústria brasileira de painéis de madeira. Revista da
Madeira, n. 71, mai. 2003a. Disponível em: <www.remade.com.br/br/
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Produtos Florestais
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Research in China. China Medium Density Fiberboard Industry Report,
2009. Mar. 2010. Disponível em: <www.researchinchina.com/FreeReport/
PdfFile/634127307527452500.pdf >. Acesso em: abr. 2014.
Szachnowicz, R. Brazil’s Wood Panels – Will supply match growing
demand? In: Latina Conference, São Paulo, 2012.

Sites consultados
Abipa – Associação Brasileira da Indústria de Painéis de Madeira –
<www.abipa.org.br>.
Aliceweb – <www.aliceweb2.mdic.gov.br>.
FAO – Food and Agriculture Organization – <www.faostat.fao.org>.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
<www.ibge.gov.br>.
IMF – International Monetary Fund – <www.imf.org>.
ITC – International Trade Centre – <www.trademap.org>.
ITTO – The International Tropical Timber Organization –
<www.itto.int>.
Minerals UGSG – <www.minerals.usgs.gov>.
SNIC – Sindicato Nacional da Indústria do Cimento –
<www.snic.org.br>.
UNECE – United Nations Economic Commission for Europe –
<www.unece.org>.
US Bureau Of Labor Statistics – <www.bls.gov>.
WBPI – Wood Based Panels International – <www.wbpionline.com>.
Automotivo
BNDES Setorial 40, p. 385-426

Além da engenharia: panorama do capital nacional


na indústria automotiva brasileira e insights para
uma política pública rumo ao desenvolvimento
de tecnologia automotiva no Brasil

Bernardo Hauch Ribeiro de Castro


Daniel Chiari Barros
Luiz Felipe Hupsel Vaz*

Resumo
A indústria automotiva brasileira é uma das mais relevantes econômica,
técnica e politicamente na economia nacional. No mundo, ela figura tam-
bém como uma das grandes fontes de inovação. Vários países dispõem de
políticas setoriais para o setor automotivo. No Brasil, o setor passou por
fases com maior e menor presença de empresários locais e, atualmente,
é dominado por empresas multinacionais. Neste artigo, propõe-se, com
base na análise de casos em países emergentes, no histórico da indústria
automotiva no Brasil e no panorama atual, construir um modelo que auxilie
a proposição de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento tecnológico
e à aceleração da trajetória de acumulação de conhecimento no setor.

Respectivamente, gerente, economista e engenheiro do Departamento das Indústrias Metal-Mecânica


* 

e de Mobilidade da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Haroldo


Fialho Prates, além do auxílio de Suzana Gonzaga da Veiga, isentando-os da responsabilidade por
erros remanescentes.
386 Introdução
A indústria automotiva brasileira é complexa, diversificada e pos-
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

sui grande importância na composição do Produto Interno Bruto (PIB)


industrial – representou 21% do produto industrial em 2012 [Anfavea (2014)],
sendo peça fundamental para a geração de inovações no país. Como dis-
cutido em Castro, Barros e Vaz (2014), a importância dessa indústria na
cadeia inovativa decorre não apenas de seu peso na economia brasileira,
mas também do amplo efeito de encadeamento produtivo e do dinamismo
característico do setor, que requer uma constante introdução de novos pro-
dutos e tecnologias para a boa performance de mercado.
A realização local da engenharia cumpre ainda papel decisivo na de-
finição dos fornecedores e no desenvolvimento local das soluções. A
maior ou menor participação do país nas atividades de engenharia e de-
senvolvimento de produtos, tendo em vista a configuração atual da indús-
tria automotiva brasileira com predomínio de empresas multinacionais,
depende de diversos fatores. Quando um produto é desenvolvido fora
da matriz, há uma concorrência intercompany entre as subsidiárias das
montadoras espalhadas ao redor do mundo. Além da própria estraté-
gia de cada montadora, a importância relativa da subsidiária e do mer-
cado locais, a existência de uma adequada infraestrutura de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), a oferta de mão de obra qualificada, a estrutura
de financiamento local, a conjuntura macroeconômica etc. são fatores que
influenciam na participação do país no desenvolvimento de novos veículos
e soluções automotivas.
Também discutido no artigo supracitado, o Brasil já percorreu boa
parte da trajetória de acumulação de conhecimento do setor, sendo hoje
um país produtor de veículos que realiza desenvolvimentos de engenha-
ria significativos. O Brasil, todavia, não se encontra na vanguarda do
segmento, ou ainda no estágio de desenvolvedor e exportador do que há
de mais moderno no mundo automotivo. A tendência é que as montado-
ras concentrem as inovações disruptivas em suas matrizes. Ainda que as
subsidiárias ganhem competências e que o país e a filial reúnam atribu-
tos para realização local de P&D e engenharia, a efetiva realização des-
sas atividades dependerá sempre do crivo da matriz. A subsidiária tem,
portanto, autonomia reduzida, ainda que amplie seu papel no desenvol-
vimento de produtos e processos dentro da empresa, como explicita o 387
trecho a seguir.

Automotivo
Quanto a essa mudança de papéis, Ferdows apresenta alguns
mecanismos que poderiam ser utilizados para impulsioná-la; ba-
sicamente, trata-se de aumentar a competência da unidade, que
gradativamente assume maiores responsabilidades, passando, na
sequência, pela manutenção dos processos, pela seleção de forne-
cedores e gestão da logística local, pela melhoria dos processos,
pelo desenvolvimento de fornecedores, pelo desenvolvimento de
processos, pela melhoria de produtos, pelo seu desenvolvimento
completo, pelo fornecimento dos produtos a mercados globais até
tornar-se um centro mundial de conhecimento de produto e/ou pro-
cesso. Entretanto, a passagem de um “nível” para outro, a aquisição
de maiores responsabilidades, passa sempre pelo crivo da matriz,
em se tratando de subsidiárias, ainda que estas possuam certa au-
tonomia. A sequência proposta por Ferdows faz mais sentido para
o estabelecimento de estratégias do ponto de vista da matriz, que
optaria pelo progresso tecnológico de suas filiais, delegando a elas
maiores responsabilidades, e não da subsidiária que deseje aumentar
suas competências, nem dos países onde as filiais estão localizadas e
que desejem atrair para seu território atividades de desenvolvimento
tecnológico [Dias (2003, p. 109)].

Um dado que ilustra bem essa concentração do P&D nas matrizes é a


quantidade de patentes no setor. Observando-se o tema “reduções de emis-
sões e eficiência energética em transportes”, que tem figurado como uma
das grandes ênfases nos trabalhos de pesquisa no setor automotivo, nota-se
que os países que sediam montadoras têm, em média, quase três vezes
mais patentes que a média dos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e mais de oito vezes a média mun-
dial. O Gráfico 1 mostra essa análise.
Há uma lógica econômica, portanto, que indica que, entre outros bene-
fícios, montadoras de capital nacional contribuiriam para o avanço do país
na direção da fronteira tecnológica do setor. Bahia e Domingues (2010)
ressaltam ainda que a estrutura de inovação no setor automotivo é mais
frequente a jusante que a montante, ocorrendo da montadora para os forne-
cedores, o que reforça o papel das empresas do topo da cadeia. Na matriz
SWOT apresentada no relatório da ABDI (2009), é apontado que a ausência
de uma montadora (e sistemista) de capital nacional dificulta o investimento
388 pesado em tecnologias disruptivas no país, atrapalhando o desenvolvimento
das tecnologias de propulsão.
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

Gráfico 1 | Depósitos de patentes internacionais por país de residência do inventor


de tecnologias para “redução de emissões e eficiência energética em transportes”

300

250

200

150

100

50

0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Brasil China Média países-sede montadoras Média mundo

Fonte: Elaboração própria, com base em OECD (2014).

Na história da indústria automotiva brasileira, surgiram muitas inicia-


tivas de montadoras de capital nacional, tendo algumas, inclusive, obtido
certo destaque, como a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a Gurgel.
Atualmente, o Brasil tem montadoras de capital nacional, mas que, em sua
maioria, atendem a nichos de mercado, sem vislumbrar grandes escalas.
Diante do exposto, o objetivo do presente artigo é apresentar um breve
histórico das iniciativas de capital nacional ao longo do tempo, buscando
identificar elementos comuns nessas experiências, os principais desafios e
obstáculos enfrentados, além de debater quais são os atributos mais importan-
tes em uma montadora nacional. A partir das experiências acumuladas, algu-
mas considerações serão tecidas de modo a contribuir para a reflexão sobre
o tema. As perspectivas de atuação do BNDES também serão apresentadas.
O artigo contará com seis seções, com esta introdução. Na segunda, será
apresentado um breve panorama das montadoras ao redor do mundo. Em
seguida, será realizado um levantamento histórico das principais iniciativas
de montadoras de capital nacional que encerraram suas atividades. Na quar-
ta seção, serão discutidos os atributos mais importantes em uma montadora
nacional e a relevância de cada um. Para tanto, serão também expostos os 389
resultados de um levantamento com especialistas do setor. Na quinta se-

Automotivo
ção, as montadoras de capital nacional em operação serão abordadas; e, na
sexta seção, serão apresentadas as perspectivas de atuação do BNDES e as
considerações finais.

Montadoras nacionais em países emergentes


A indústria automotiva nasceu no fim do século XIX, ganhando escala
a partir do início do século XX, com mais pujança nos Estados Unidos da
América (EUA) e na Europa. Com as escalas crescentes, diversas montado-
ras foram surgindo nos países hoje desenvolvidos, como EUA, Alemanha,
França, Itália e Japão. Em uma segunda fase, mais recente, montadoras
surgiram também em países emergentes como a Coreia do Sul, a China, a
Índia, a Rússia e a Turquia.
Nesta seção, serão apresentadas experiências selecionadas dos países
emergentes que lograram maior sucesso. O objetivo é identificar os elemen-
tos comuns, mas também os particulares, nessas trajetórias, com o objetivo
de enriquecer a discussão do caso brasileiro.

Índia
Caso Tata
A Tata Motors foi constituída em 1945 e pertence ao Grupo Tata, fun-
dado em 1868 e que compreende mais de cem empresas atuando em sete
ramos de negócios (comunicações e tecnologia da informação, engenharia,
materiais, serviços, energia, bens de consumo e químicos). O Grupo Tata
é o maior empreendimento privado da Índia e tem o capital aberto em bol-
sa de valores. A Tata Motors começou produzindo locomotivas. Em 1954,
iniciou a produção de comerciais médios sob licença da Daimler AG. Após
um avanço lento, cresceu a partir de fins da década de 1980 e início da dé-
cada de 1990. Em 1986, foi produzido o primeiro veículo comercial leve
desenvolvido localmente, o Tata 407. Em 1991, o primeiro veículo de pas-
sageiros, o Tata Sierra, foi lançado. Desde então, vários modelos leves e
pesados foram lançados em ritmo mais intenso. Os mais famosos são o Tata
Indica e o Tata Nano, projetado para ser o automóvel mais barato do mundo.
Em 2008, a Tata Motors adquiriu a Jaguar Land Rover da Ford. A monta-
dora permanece firmando joint ventures com montadoras de outros países,
390 como exemplo, com a italiana Fiat e a brasileira Marcopolo, ambas as par-
cerias realizadas em 2006. O Grupo Tata Motors faturou US$ 32,5 bilhões
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

no exercício financeiro 2012-2013,1 13,4% acima do registrado no exercí-


cio anterior.2

Caso Mahindra
O Grupo Mahindra foi fundado em 1945 e sua entrada no segmen-
to automotivo se deu em 1947, produzindo o Jeep Willys sob licença.
Atualmente, o grupo opera em 18 indústrias, tendo alcançado faturamen-
to de US$ 7,3 bilhões no exercício financeiro 2012-2013.3 Com maior
tradição em utilitários, a empresa produz veículos em todos os segmen-
tos (automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões), fornecendo uma
gama relativamente vasta de modelos. A Mahindra desenvolveu e produz
o carro elétrico Mahindra e2o, que utiliza tecnologias modernas, como a
de frenagem regenerativa. Em 2011, a Mahindra adquiriu a sul-coreana
Ssangyong Motor, fabricante de utilitários leves, ampliando sua atuação
no setor automotivo.

Outros casos
Também merece destaque a Ashok Leyland, montadora com atuação
marcante no segmento de veículos pesados e que, por meio de joint venture
com a Nissan, entrou no segmento de comerciais leves. A empresa é a quar-
ta maior fabricante de ônibus do mundo e a 16ª maior de caminhões. O fa-
turamento da empresa no exercício 2012-2013 foi de US$ 2,3 bilhões.4 A
empresa faz parte do Grupo Hinduja, de origem indiana, mas agora sediado
no Reino Unido. Há também algumas montadoras de menor porte, como
a Hindustan Motors, que fabrica o Ambassador, tradicional táxi indiano, a
Premier Ltd, que produz a Sport Utility Vehicle (SUV)5 Rio e o comercial
Roadstar, e a Bajaj Auto, que fabrica o tradicional triciclo conhecido popu-
larmente como tuk-tuk.

1
  Faturamento consolidado do Grupo Tata Motors em rúpias indianas convertido para dólar, de acordo
com a taxa de câmbio de 13 de maio de 2014 (US$ 1 = 59,4749551 rúpias indianas). O ano financeiro
na Índia vigora de abril a março.
2
  Fonte: Tata Motors.
3
  Idem ao cálculo realizado para a Tata.
4
  Fonte: Ashok Leyland.
5
  SUV é um veículo baseado no conceito das caminhonetes, desenvolvido para suportar percursos
fora de estrada.
China 391

Com o acelerado crescimento econômico, a indústria automotiva chi-

Automotivo
nesa vem se expandindo a taxas muito elevadas. Em 1999, a China produ-
ziu 1,8 milhão de veículos e figurava apenas como o nono maior produtor
mundial. Uma década depois, a China tornar-se-ia o maior produtor de
veículos do mundo. Em 2009, produziu 13,8 milhões de veículos. No mes-
mo ano, o Japão, então segundo produtor mundial, produziu 7,9 milhões.
Em 2013, a produção chinesa alcançou 22,1 milhões de veículos, mais do
que o dobro dos EUA, que, desde 2011, passou a ocupar o posto de se-
gundo produtor mundial. A taxa de crescimento anual média ponderada
(CAGR) da produção de veículos foi de 19,5% no período de 1999 a 2013.
Concomitantemente a esse ganho de importância, surgiram mais de cem
montadoras nos últimos anos na China [Bomey (2013); Shirouzu (2012)].
Há, todavia, uma grande concentração em torno de algumas grandes mon-
tadoras. A SAIC, maior empresa automotiva chinesa, tem cerca de 23%
do mercado local.6 Dongfeng, FAW, Changan, Beijing, Ghangzou, Chery,
JAC, BYD, Brilliance e Geely são outros players locais bastante represen-
tativos no setor. A despeito da má qualidade das informações, é possível
observar padrões recorrentes. Com exceção da Geely, todas as empresas
mencionadas são estatais. A maior parte possui marca(s) própria(s) e tam-
bém atua por meio de joint ventures com empresas de outros países, produ-
zindo veículos de marcas estrangeiras. A SAIC, que possui joint ventures
com a Volkswagen, a General Motors e a Iveco; a FAW, com a Toyota
e a General Motors; a Dongfeng, com a Peugeot Citroën e a Nissan; a
Changan, com a Ford; e a Brilliance, com a BMW, são alguns exemplos das
parcerias mais importantes.

Coreia do Sul
Caso Hyundai
Em 2011, o Grupo Hyundai era o segundo maior chaebol (conglome-
rado de empresas) coreano, atrás apenas da Samsung e à frente de outros
importantes, como a SK Group, a Hanwha, a LG, a Lotte, a Kumho etc.
Em 2011, a Hyundai Motor foi responsável por 11% do PIB da Coreia

6
  Fonte: SAIC Motor.
392 do Sul [Lee (2013)]. A Hyundai Motor teve faturamento consolidado de
US$ 85,2 bilhões em 2013.7
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

A Hyundai Motor foi fundada em 1967. Inicialmente, por meio de uma


associação com a Ford, produziu o Cortina. Em 1974, a Hyundai lançou
o Hyundai Pony, o primeiro automóvel da empresa.8 Dali em diante, vá-
rios lançamentos contribuiriam para consolidar a marca, como o Sonata,
em 1988, e o Elantra, em 1990. Pouco mais de vinte anos após sua funda-
ção, a Hyundai ganhava o mercado internacional, inclusive o norte-ame-
ricano. Outro momento importante foi a aquisição da Kia pela Hyundai,
em 1998, de acordo com informação disponível no site da Hyundai Motor.
Em 2012, a Hyundai ocupou a posição de quarta maior montadora mun-
dial em volume de produção.9
A Hyundai foi beneficiada pela estratégia de desenvolvimento adotada
pelo governo coreano de apoiar a formação de grandes conglomerados em-
presariais a partir da década de 1960. A estratégia bem-sucedida tornou a
Coreia do Sul um caso emblemático e bastante estudado. Segundo Lee (2013),
o PIB per capita atual é cem vezes o verificado em 1962. De modo ge-
ral, o governo fez vasto uso de diversos instrumentos com o objetivo de
fortalecer os grupos econômicos com boa performance. Esses instrumen-
tos, desde a disponibilização de crédito a juros baixos quanto o uso de
licenças seletivas de importação e de taxas múltiplas de câmbio, foram
extensamente discutidos em Nelson (1993). O sucesso de Samsung, LG,
Kumho, assim como o da própria Hyundai, deve-se, em parte, à política de
consolidação dos chaebols.

Caso Kia
A fundação da Kia ocorreu em 1944. Inicialmente, a Kia dedicou-se à
fabricação de bicicletas. Posteriormente, fabricou veículos e equipamentos
militares. Em 1962, lançou o primeiro caminhão produzido na Coreia, o
K-360, e, em 1974, o primeiro automóvel Kia, o Brisa, que também con-
tava com uma versão tipo caminhonete. Um ano depois, iniciou a expor-

7
  Faturamento convertido para dólar de acordo com a taxa de câmbio de 15 de maio de 2014
(US$ 1 = 1.025,33 won coreanos).
8
  O modelo Pony foi apresentado em 1974 no Salão Automóvel de Turim, na Itália. Contudo, o Pony
utilizava tecnologia da Mitsubishi, como o motor, a transmissão e a suspensão, e foi desenhado pelos
estúdios de design italianos da Giugiaro.
9
  Fonte: OICA.
tação do Brisa. Mesmo com o lançamento de veículos importantes, como 393
o Bongo, em 1981, e a Sportage, em 1993, a Kia passou por dificuldades

Automotivo
financeiras na década de 1990. Como comentado, em 1998, foi adquiri-
da pela Hyundai. Os anos seguintes marcaram uma ampla reestruturação
da empresa. A Kia investiu maciçamente na ampliação e modernização
de seu parque produtivo e na renovação de sua linha de produtos, com
foco em tecnologia, qualidade e design. Além da fábrica coreana, pro-
duz nos EUA (fábrica inaugurada em 2010), na China (três fábricas, a
última iniciou a produção em janeiro de 2014) e na Eslováquia (planta
concluída em 2007). Atualmente, fabrica automóveis e comerciais leves
de sucesso, como o Soul, o Sportage, o Picanto, o Cerato e o Sorento.
Em 2013, a Kia Motors faturou US$ 46,4 bilhões.10 A montadora co-
mercializou 2,83 milhões de veículos em 2013, dos quais 2,29 milhões
fora da Coreia do Sul.11

Turquia
A Turquia ocupa um posto intermediário na indústria automoti-
va. Em 2013, foi o 17º maior produtor mundial, com 1,13 milhão de
veículos. De acordo com a Automotive Industry Exporters’ Union of
Turkey (OIB), entidade representativa do setor, o país possui quatro mon-
tadoras de capital exclusivamente nacional. Todas atuam no segmento de
veículos pesados. A Temsa fabrica ônibus; a Otokar, ônibus, veículos de
defesa e modelos da Land Rover Defender sob licença; a BMC produz
ônibus e caminhões; e a Karsan, ônibus de marca própria e caminhões
sob licença da Hyundai Motor. Em conjunto, as quatro montadoras têm
capacidade produtiva de 133 mil veículos por ano.12 Além disso, há outras
três montadoras de capital majoritariamente turco que produzem veícu-
los de marcas estrangeiras sob licença (Tofas Fiat, Anadolu Isuzu e Ford
Otosan). As três têm capacidade para produzir 743 mil veículos por ano.
Como a capacidade instalada total da indústria turca é de 1,58 milhão, as
empresas de capital exclusivamente ou majoritariamente turco respondem
por 55,4% desse valor.

10
  Idem ao cálculo realizado para a Hyundai.
11
  Fonte: Kia Motors.
12
  Os dados referentes à capacidade da indústria turca são do ano de 2013.
394 Rússia
Caso Avtovaz
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

A Avtovaz foi fundada em 1966 como empresa estatal. É a maior monta-


dora russa e proprietária da marca Lada. As origens da empresa remontam
a uma parceria estabelecida com a Fiat. Os primeiros modelos, inclusive,
foram baseados no Fiat 124. Embora nas décadas de 1980 e 1990 a em-
presa tenha emplacado alguns modelos de sucesso, como o Lada Riva,
e conseguido exportar seus produtos para dezenas de países, inclusive
para o Brasil, problemas como a defasagem tecnológica e o design pouco
atrativo levaram à queda da aceitação da marca. Com a recente crise europeia,
a empresa passou por graves dificuldades financeiras, com queda abrupta de
produção e corte de pessoal. Em meio à crise, em 2008, a Renault adquiriu
25% do capital da empresa. Em 2012, a Renault-Nissan assumiu o controle
acionário da Avtovaz adquirindo 50% mais um das ações. Isso se deu por
meio da criação de uma joint venture com a estatal Russian Technologies,
na qual a Renault-Nissan possui 67,13% das ações. Essa joint venture, por
sua vez, representa 74,5% do capital da Avtovaz.
Em relação a mercado local, a Lada continua na liderança em produção e
vendas. Em 2013, a Rússia produziu 1,9 milhão de veículos, com a monta-
dora produzindo 438,4 mil, 23% do total. Em relação às vendas, a Lada tem
cerca de 16% do market share na Rússia. A aliança Renault-Nissan-Lada
tem aproximadamente 30%. No primeiro semestre de 2013, a Lada foi a 31ª
marca mais vendida no mundo, considerando apenas veículos leves de pas-
sageiros, com 258,4 mil unidades comercializadas, sendo a maior parte para
o mercado doméstico.13
No segmento de veículos comerciais, o grande destaque é o Gaz Group,
empresa sediada na Rússia, que detém 50% do mercado de comerciais le-
ves e cerca de 65% do de ônibus no país. O grupo possui 13 plantas em
oito regiões do país. Além de fabricar veículos de marcas próprias, o Gaz
Group atua por meio de joint ventures com Volkswagen, General Motors e
Daimler, produzindo veículos dessas montadoras sob licença. Possui ainda
parcerias industriais com empresas estrangeiras para a produção de peças
e partes, conforme site da empresa.

13
  Fonte: focus2move.com.
Síntese 395

Automotivo
Quadro 1 | Síntese das experiências internacionais selecionadas
País Principais Perfil mapeado

produtos automotivos

milhão de unidades
Produção (milhões

Vendas (milhões montadoras

Exportações de

(USD bilhões)

Patentes* por
locais
de veículos)

de veículos)

produzidas
Patentes*
2013 2012 2011
Coreia 4,5 1,5 Hyundai, Kia - Chaebols 72 149,67 32,1
do Sul (conglomerados)
- Presença de
marcas próprias
Rússia 2,2 3 Avtovaz, - Presença de 1 11 5,5
Gaz Group estatais
- Presença de
marca própria
- Produção sob
licença
China 22,1 22 SAIC Motor, - Presença de 43,1 85,41 4,6
Dongfeng, estatais
FAW, - Joint ventures
Chang’an, com estrangeiros
Beijing, - Presença de
Ghangzou, marcas próprias
Chery,
JAC, BYD,
Brilliance,
Geely
Índia 3,9 3,2 Tata Motors, - Joint ventures 10 18,01 4,6
Mahindra, com estrangeiros
Ashok - Produção sob
Leyland, licença
Hindustan, - Algumas
Premier, aquisições de
Bajaj Auto montadoras
estrangeiras
- Conglomerados
- Presença de
marcas próprias

(Continua)
396 (Continuação)
País Principais Perfil mapeado

produtos automotivos
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

milhão de unidades
Produção (milhões
montadoras

Vendas (milhões

Exportações de

(USD bilhões)

Patentes* por
locais

de veículos)

de veículos)

produzidas
Patentes*
2013 2012 2011
Turquia 1,1 0,9 Temsa, - Marcas locais 14,8 3,98 3,3
Otokar, restritas a
BMC, veículos pesados
Karsan, Tofas - Produção
Fiat, Anadolu sob licença em
Isuzu, Ford veículos leves
Otosan - Joint ventures
com estrangeiros
Brasil1 3,7 3,8 Agrale, - Presença de 13 4,35 1,3
Hyundai marca própria em
Caoa, MMC veículos pesados
e comerciais
leves
- Produção
sob licença em
veículos leves
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da pesquisa, OICA (2014), OECD (2014), WTO
(2013) e das empresas.
* Refere-se a depósitos de patentes internacionais por país de residência do inventor de tecnologias
para “redução de emissões e eficiência energética em transportes”. Há casas decimais porque há
alocações proporcionais quando uma patente tem mais de um inventor.
1
Listado para fins de comparação. Dados sobre o Brasil estão disponíveis nas seções subsequentes.

O Quadro 1 mostra uma síntese das experiências internacionais


selecionadas.14
É possível observar que vários países têm políticas específicas para o setor
automotivo. Enquanto China e Rússia optaram por ter montadoras estatais,
os demais países, via de regra, têm parte da produção feita sob licença,
utilizando marcas estrangeiras, e parte com marca própria, especialmente
em veículos pesados ou específicos para o mercado local. Uma característica
que parece perpassar os casos de China, Índia, Coreia do Sul, Turquia e
14
  Não é objetivo deste artigo entrar a fundo nas experiências internacionais. Portanto, optou-se por
selecionar casos mais recentes. Há diversos países que contam com montadoras locais há mais tempo,
por exemplo: Alemanha (Volkswagen, Mercedes, BMW), EUA (GM, Ford), França (Renault, PSA),
Itália (Fiat), Japão (Toyota, Honda, Nissan, Mitsubishi) e Suécia (Volvo).
Rússia é a preocupação com a localização do centro de decisão de parte da 397
indústria. Embora isso efetivamente só possa ser confirmado por meio de

Automotivo
uma análise das políticas para o setor nesses países, o que não é objetivo
deste artigo, a estrutura da indústria tende a transparecer essa preocupação.
De certa forma, o Brasil também transitou por algumas dessas políticas
durante o período de implantação de sua indústria automotiva. Houve uma
estatal e parcerias com grupos locais, além da produção sob licença, como
será visto a seguir.

Histórico das montadoras de capital nacional no Brasil


Até o início da década de 1950, a indústria automotiva brasileira con-
tava basicamente com unidades de montagem de veículos a partir de
kits importados e com uma nascente indústria de autopeças voltada ao
mercado de reposição. O Plano de Metas lançado no governo Juscelino
Kubitschek (1956-1961) foi determinante para o desenvolvimento do setor
automobilístico no país, dando início a uma série de importantes investi-
mentos industriais. A evolução do setor ao longo dos anos e a importância
do BNDES para sua formação e consolidação foram tratadas em Santos e
Burity (2002) e em Barros e Pedro (2012). No fim da década de 1950 e no
início da década seguinte, o mercado nacional, ainda pequeno, cresceria
sobremaneira, de apenas 31 mil veículos, em 1957, para 190 mil veículos,
em 1962 [Anfavea (2014)]. Na disputa por esse crescente mercado, muitas
montadoras instalaram-se e, embora as iniciativas de estrangeiras tenham
sido em maior número, algumas montadoras nacionais também ingressaram.
Desde o início da produção de caminhões pela FNM em 1949 até os dias
atuais, o país sediou diversas iniciativas de montadoras nacionais, algumas
com relativo destaque, por exemplo, a própria FNM, a Vemag e a Gurgel.
Na presente seção, serão destacadas as principais iniciativas que já se
encerraram ou que ainda operam, mas com capital estrangeiro, e, em se-
ção posterior, serão destacadas as montadoras de capital nacional que se
encontram ativas.
Além das iniciativas nascidas à época do Plano de Metas na década de
1950, a maior parte ocorreu até o fim da década de 1970. Concentradas no
estado de São Paulo, principal polo automotivo do país, a maior parte das
empresas buscou entrar no segmento de automóveis e outra parte relevante
398 em comerciais leves. Do levantamento realizado, apenas a FNM, a Puma e
a Engesa fabricaram produtos do segmento de pesados. Muitas se dedicaram
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

a veículos esportivos, como a Puma e a Miura; algumas a réplicas, como a


Lafer, a Avallone e a Envemo (também realizava adaptações em veículos
de outras marcas). A maior parte das montadoras possuía projeto próprio,
mas utilizava mecânica da Volkswagen. Uma análise mais detalhada será
traçada adiante para as iniciativas de maior destaque.
O Quadro 2 exibe, em levantamento não exaustivo, as principais monta-
doras de capital nacional que já encerraram suas atividades e as que ainda
estão em operação, mesmo que com controle de capital estrangeiro, apre-
sentando o ano de início e de encerramento da produção, os produtos fabri-
cados, uma estimativa de produção acumulada e o local da fábrica.

Quadro 2 | Principais montadoras de capital nacional com atividades encerradas


ou em operação com controle estrangeiro (levantamento não exaustivo)
Empresa Início da Encerramento Produtos Unidades Local
produção da produção produzidas*
FNM 1949 1986 A, C, O 47.000 Duque de
Caxias (RJ)
Willys 1954 1970 A, CL 470.000 São
Bernardo do
Campo (SP)
Vemag 1956 1967 A, CL 115.000 São Paulo
(SP)
Romi1 1956 1961 A 3.000 Santa
Bárbara
D'Oeste
(SP)
Puma 1964 1990 A, C, O 23.047 Matão (SP)
Brasinca 2
1965 1967 A 76 São Caetano
do Sul (SP)
Gurgel 1969 1996 A, CL 32.000 Rio Claro
(SP)
Adamo 1971 1991 A 1.700 São Paulo
(SP)
Lafer 1974 1990 A 4.300 São
Bernardo do
Campo (SP)
Santa 1975 1997 A 937 Três Rios
Matilde (RJ)
(Continua)
(Continuação) 399
Empresa Início da Encerramento Produtos Unidades Local

Automotivo
produção da produção produzidas*
Engesa 1975 1993 CL, C 4.129 São Paulo
(SP)
Avallone 1976 1990 A 200 São Paulo
(SP)
Bianco 1976 Meados da A n.d. Diadema
década de (SP)
1980
Miura 1977 1992 A 9.500 Porto Alegre
(RS)
Farus 1978 1990 A n.d. Belo
Horizonte
(MG)
Envemo 1979 1995 A, CL 202 São Paulo
(SP)
Corona 1979 1985 A 300 São Paulo
(SP)
Dacon 1983 1995 A 180 São Paulo
(SP)
Companhia 1990 1995 CL 3.000 São Carlos
Brasileira (SP)
de Tratores
(CBT)3
JPX 1992 2001 CL 3.000 Pouso
Alegre
(MG)
Troller 1997 Em operação CL 15.000 Horizonte
(CE)
Bramont4 2007 Em operação CL 4.800 Manaus
(AM)
Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2006; 2014), Baldocchi (2014), Bastos (2006),
Berezovski (2002; 2003; 2004; 2005a; 2005b; 2006a; 2006b), Bramont (2014), Cabral (2012),
Castaings (2000; 2001a; 2001b), Ford (2013), Gandra (2005), Laguna (2012), Lopes (2011; 2012),
Monegato (2011), Okubaro (2001), Pereira (2009; 2010), Quatro Rodas (1990), Revista Chapa
(2010), Romi (2011), Samahá (2001; 2002; 2007), Seixas e Arantes (s.d.) e Troller (2014).
Legenda: A = automóveis, CL = comerciais leves, C = caminhões e O = ônibus.
* Estimativa da produção acumulada de veículos (inclui automóveis, comerciais leves, caminhões e
ônibus). Para as montadoras em operação, a produção estimada está acumulada até 2013.
1
A Romi foi fundada em 1930. De 1956 a 1961, a Romi produziu o automóvel Isetta sob licença da
empresa italiana Iso.
2
Em 1965, a Brasinca iniciou a produção do 4200 GT. Em 1966, a Sociedade Técnica de Veículos
(STV) adquiriu os direitos de produção e o fabricou até 1967.
3
A CBT, fundada em 1959, produzia tratores. De 1990 a 1995, produziu o Jipe Javali.
4
A Bramont, fundada em 2007, monta, sob licença, os veículos utilitários da
Mahindra. Em 2011, foi vendida para o grupo chileno Gildemeister.
400 Ao analisar o histórico das montadoras nacionais no país, é possível cons-
tatar algumas características recorrentes. Focando apenas nas iniciativas de
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

maior destaque (aquelas com produção acumulada acima de 9 mil veículos),


observa-se que a FNM e a Vemag, embora estampassem suas marcas nos
veículos, não tinham projeto próprio. A FNM, fundada em 1942, produziu
caminhões sob licença da Isotta Fraschini a partir de 1949 e, posteriormen-
te, caminhões e automóveis sob licença da Alfa Romeo, até ser adquirida
por esta em 1968.15 A Vemag iniciou suas atividades em 1945, mas como
Distribuidora de Automóveis Studebaker Ltda. Montou veículos de outras
marcas no início da década de 1950, mas apenas em 1956 iniciaria a pro-
dução de veículos da marca DKW alemã, sob licença da Auto Union. A
produção sob licença de empresas estrangeiras criou instabilidades nos dois
casos. A FNM precisou encontrar novo parceiro quando a Isotta Fraschini
foi à falência, ainda em 1949. Já à época de produção sob licença da Alfa
Romeo, o alto grau de dependência de produtos importados da empresa
italiana e a elevada taxa de despesa de assistência técnica fixa (prevendo
o contrato a fabricação de número de veículos muito superior à produção
efetiva) contribuíram para deteriorar a situação da FNM [Paiva (2004)].
Em situação complicada, a alienação para empresas estrangeiras aparecia
como uma alternativa, e a proposta da própria Alfa Romeo acabou vingan-
do. No caso da Vemag, sua compra pela Volkswagen do Brasil, em 1967,
e o fim da produção dos DKW pouco depois ocorreram na esteira do mo-
vimento da Volkswagen alemã, que, ao adquirir a Auto Union em 1964,
também pôs fim à produção dos automóveis da marca DKW. A alterna-
tiva da Vemag de encontrar outro parceiro, em vez do desfecho ocorrido
com sua venda para a Volkswagen, foi prejudicada pela situação finan-
ceira delicada da empresa e pela dificuldade para a obtenção dos recur-
sos necessários à readaptação de sua linha de montagem para a fabricação
de novos veículos.
A Willys-Overland do Brasil foi inaugurada em 1952 como licenciada
da Willys americana. Com capital majoritariamente nacional, iniciou sua
produção em 1954 (ainda com baixo índice de nacionalização de compo-
nentes) a partir de projetos estrangeiros. Em 1967, a Willys foi vendida para
a Ford, que continuou produzindo por alguns anos sob a marca Ford-Willys
até descartar integralmente a marca.

15
  Em 1976, a Fiat assumiu o controle da Alfa Romeo.
As empresas Puma, Miura e Gurgel têm algumas semelhanças impor- 401
tantes. Nas três empresas, o projeto dos veículos era nacional e o material

Automotivo
usado na carroceria foi a fibra de vidro, mais barato e mais leve do que o
aço. As diferenças aparecem quanto à fabricação de motor próprio. Puma
e Miura dedicaram-se à produção de modelos esportivos e utilizaram ex-
clusivamente motores de outras empresas, principalmente da Volkswagen.
Embora a Gurgel também tenha utilizado motores de outras empresas
durante grande parte de sua trajetória, a empresa desenvolveu e fabricou
seu próprio motor, o Gurgel Enertron de dois cilindros, que equipou pri-
meiro o BR-800, em 1988, e, posteriormente, o Supermini e outros auto-
móveis da empresa. A Gurgel também produziu o utilitário Itaipu E400,
veículo elétrico movido a baterias, somando 87 unidades entre 1981 e
1985.16 Puma, Miura e Gurgel encerraram suas atividades em 1990, 1992
e 1996, respectivamente. Embora algumas particularidades de cada em-
presa tenham contribuído para o fim dessas iniciativas, algumas caracte-
rísticas comuns são relatadas em notícias da época, tais como dificuldades
financeiras, dívidas, problemas de gestão, baixo volume de vendas, es-
cala de produção reduzida, desconfiança dos consumidores e acirramen-
to da concorrência em virtude da abertura comercial ocorrida no início
dos anos 1990.
A Troller nasceu em 1997 como uma montadora nacional. O pri-
meiro jipe de série desenvolvido e produzido foi o RF Sport. Em
2001, o jipe sofreria modificações diversas, passando a se chamar T4.
O jipe teve grande aceitação, e a marca consolidou-se. O sucesso da
marca e a possibilidade de extensão dos incentivos fiscais para sua
fábrica em Camaçari (BA) atraíram a Ford do Brasil, que, em 2007, ad-
quiriu a empresa e, desde então, conduz o desenvolvimento e a produção
dos Troller T4.
O Quadro 3 traz o detalhamento das iniciativas de maior destaque. Em
razão da dificuldade de se resgatar cada um dos modelos de veículos das
empresas, optou-se por escolher o modelo de maior destaque e, então, apre-
sentar a origem do projeto, o material da carroceria, o motor e o fabricante
do motor.

16
  Fonte: Anuário Anfavea.
402 Quadro 3 | Montadoras de capital nacional com atividades encerradas ou em
operação com controle estrangeiro – detalhamento de casos selecionados
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

Empresa Origem Marca Modelo Projeto Material Motor Fabricante


do (N/E) base (N/E) da utilizado do motor
capital carroceria
(N/E)*
FNM1 N N D-11.000 E Aço Motor Alfa
(1958) Alfa Romeo
Romeo
1610 seis
cilindros
Willys N E Jeep Willys E Aço Motor Willys do
(1959) BF-161 Brasil
seis
cilindros
Vemag N N Belcar E Aço Motor Vemag
(1961) DKW-
Vemag
três
cilindros
Puma N N Puma GTE N Fibra de Motor Volkswagen
(1970) vidro VW 1600
quatro
cilindros
Gurgel N N BR 800 N Fibra de Gurgel Gurgel
(1991) vidro Enertron
dois
cilindros
Miura N N Targa N Fibra de Motor Volkswagen
(1979) vidro VW 1600
quatro
cilindros
Troller E E T4 N Aço e fibra MWM MWM
(status (2014) de vidro Maxxforce
atual)2 3.2H EGR
Fonte: Elaboração própria, com base em Bartolomais Júnior (1991), Bedani (2012), Marazzi (1970),
Marzanasco Filho (1979), Quatro Rodas (1961), Revista Automóveis e Acessórios, Seixas e Arantes
(s.d.), Stammer (2007) e Troller (2014).
* N/E = Nacional ou estrangeiro.
1
Os primeiros motores do FNM D-11.000 eram italianos. Posteriormente, passaram a ser fabricados
no Brasil.
2
O T4 foi projetado e desenvolvido pela Troller antes da aquisição pela Ford Brasil em
2007. Com a aquisição, o controle e a marca Troller passaram a ser estrangeiros.

De forma geral, embora o controle de capital fosse nacional e, em mui-


tos casos, utilizasse uma marca própria, o projeto tendia a ser estrangeiro.
Nos casos de projetos nacionais, sua posterior fabricação tendia a ser em
fibra de vidro, material mais barato e que exige menos capital fixo na produ- 403
ção. Na maior parte dos casos, o projeto do motor também era estrangeiro,

Automotivo
ainda que algumas vezes fosse fabricado no Brasil.

Atributos relevantes em uma montadora nacional


Com base no levantamento das iniciativas brasileiras do passado e dos
exemplos internacionais selecionados, cinco atributos destacam-se: controle
do capital, marca, fabricação local, engenharia local e motorização própria.
Com maior ou menor grau de importância, eles aparecem sistematicamente
nos exemplos listados. Como tais atributos compõem a base da pesquisa de
campo realizada, discute-se sinteticamente cada um deles a seguir.

Controle do capital
Talvez o atributo mais óbvio seja justamente a nacionalidade do contro-
le do capital societário da montadora. Em países como a China e a Rússia,
como visto anteriormente, o desenvolvimento de uma indústria automotiva
local teve como um de seus pilares a presença do Estado no capital. Já em
países como a Coreia do Sul e o Japão, ainda que o Estado não participasse
do capital das empresas, os chaebols e os keiretsus, respectivamente, eram
grupos empresariais de controle nacional fomentados e favorecidos por polí-
ticas públicas. Mesmo no Brasil, as principais iniciativas nos primórdios da
indústria local tinham capital nacional, como a FNM, a Vemag e a Willys.

Marca própria
O uso de uma marca de terceiros envolve custos de licenciamento e
deixa a empresa a mercê dos interesses do licenciador. Exemplificando, a
exportação pode ficar comprometida, visto que os acordos de uso da mar-
ca normalmente têm restrição regional. Em outras palavras, o domínio de
uma marca gera mais autonomia ao empresário. Todos os países listados no
Quadro 1 têm alguma marca local.
Nos exemplos históricos do Brasil, algumas montadoras locais fracas-
saram, pois suas licenciadoras entraram em crise ou foram adquiridas por
outras empresas.
Por fim, construir uma marca não é algo barato e exige um longo tempo
para a aceitação do produto, assim como sua mera aquisição não é algo tri-
404 vial. Não por acaso, vários dos maiores anunciantes (em volume de recursos
publicitários) no Brasil são ligados à indústria automotiva.
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

Fabricação local
Uma das principais preocupações de um país que visa se desenvolver é
promover sua indústria local. Os ganhos de produtividade inerentes a esse
processo alavancam o crescimento econômico do país. Assim, a produção
local torna-se algo fundamental para países como o Brasil, assumindo um
ponto central nas políticas voltadas ao desenvolvimento.
Por outro lado, em um mundo globalizado, é frequente, ao menos em
outras indústrias, a fabricação terceirizada. A terceirização não tem frontei-
ras. Várias empresas de calçados e vestuário desenham seus produtos em
suas sedes, mas os produzem em outros países.
Em um produto complexo e regulado como um veículo, em que uma
decisão de terceirização envolve muito mais questões do que em outras
indústrias, a fabricação local ganha outra dimensão. Fatores como a dispo-
nibilidade de peças ou características específicas de cada mercado podem
exigir uma fabricação local, freando esse impulso pela globalização.
Casos como a aquisição da Chrysler pela Fiat, concluída em 2014, e da
Jaguar-Land Rover pela Ford e depois pela Tata Motors em 2008 mostram
que talvez a fabricação local tenha um peso relevante, dado que é muito difícil
conceber que a Chrysler seja meramente italiana, assim como a Jaguar seja
meramente indiana. Há algo que as prende ao país em que foram criadas, que
se inicia na fabricação local, mas que vai mais adiante, com uma cadeia pro-
dutiva estabelecida e uma relação com o próximo tópico, a engenharia local.

Engenharia local
Dois fatores surgem do levantamento realizado. O primeiro é o design
dos modelos comercializados. O desenho industrial dos veículos é protegido
e pode ser licenciado a fabricantes locais. Na história brasileira, há alguns
casos de fabricação sob licença. Ao não criar seus próprios modelos, ainda
que projete derivados de um modelo desenvolvido em outro país, a mon-
tadora torna-se refém da estratégia de sua licenciadora, funcionando quase
como uma subsidiária. Não há autonomia para o lançamento de outros mo-
delos, mesmo havendo interesse da licenciada.
O segundo fator é relacionado à capacitação que um projeto automo- 405
tivo envolve. Portanto, ainda que o projeto conceitual seja criado por

Automotivo
um escritório de design, por exemplo, depende da montadora sua trans-
formação em um produto viável, bem como sua conexão a uma plata-
forma da montadora. O design, o desenvolvimento da plataforma e seu
casamento são trabalhos de engenharia. Criar esse tipo de capacitação
envolve algo além dos bancos das universidades, visto que requer expe-
riência prática, ou seja, depende da existência e diversidade de empresas
em território nacional.

Motorização própria
O motor é o coração do veículo. É possível imaginar um veículo sem
vidros, sem capota, sem pneus (usando esteiras, por exemplo) ou até
sem toda a carroceria, mas nunca sem motor, pois sua utilidade final é
o movimento. Portanto, implantar uma montadora sem fornecimento de
motores torna-se uma tarefa praticamente impossível.
As maiores montadoras de veículos leves no mundo têm fabricação
própria de motores. A escala de produção de veículos leves justifica
esse investimento. Montadoras que não dispõem de motor próprio ficam
sujeitas a acordos de fornecimento, o que pode gerar conflitos caso o
mercado seja de interesse da fornecedora. Os fornecedores de motores,
portanto, tendem a ser: montadoras globalmente menores, que enxergam
nesse fornecimento uma possibilidade de atingir uma escala de produção
mais econômica; ou montadoras fornecendo a parceiros em joint ventures.
Nos veículos pesados, poucas montadoras têm escala suficiente para
produzir toda a gama de motores necessária a suas linhas de montagem.
Em função disso, existem empresas especializadas na fabricação de mo-
tores pesados. Essa independência em relação às montadoras torna mais
simples o fornecimento a novos entrantes.
Em consequência da necessidade de um motor, um padrão aparece na
maior parte das iniciativas de montadoras em países emergentes. As iniciati-
vas em veículos leves normalmente são construídas a partir de joint ventures
com montadoras já estabelecidas em outros países ou por meio de licen-
ciamento. Por outro lado, montadoras de capital exclusivamente nacional
frequentemente se dedicam a veículos pesados.
406 Objetivos do levantamento
Dos cinco atributos, vários deles aparecem ou apareceram em iniciativas
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

de montadoras nacionais. Porém, frequentemente de forma isolada. Algumas


empresas possuíam apenas controle de capital nacional e fabricação local,
sem nenhum dos demais atributos. Outras possuíam quase o conjunto com-
pleto, com exceção da motorização. Apenas a Gurgel perpassou todos os
atributos, como se viu no Quadro 2.
Tendo em vista que a política pública deve ter foco e ser seletiva, optou-se
por perguntar a um determinado grupo de especialistas que atributos são
mais importantes e, portanto, devam ser privilegiados.
Há atributos mais relevantes que outros para o desenvolvimento de
projetos nacionais na indústria automotiva?

Com base em estudo dos casos internacionais, de que possivelmente há


benefícios em projetos nacionais, os respondentes foram consultados na
tentativa de antever possíveis impactos da disseminação de empresas de
capital nacional no setor automotivo, a fim de confirmar (ou não) a expec-
tativa inicial.
A existência de empresas nacionais na indústria automotiva traria
impactos positivos sobre o desenvolvimento tecnológico e sobre a
cadeia produtiva local?

Questionário e perfil dos respondentes


O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário es-
truturado com três blocos de perguntas – um voltado para cada teste de hi-
pótese e o terceiro para qualificação do respondente. Ele foi disponibilizado
em link na internet em maio de 2014. Os respondentes foram convidados
por e-mail a responder o questionário.
Foram enviados 68 convites a especialistas do setor automotivo liga-
dos direta ou indiretamente ao governo ou à academia e foram recebidas
43 respostas, ou seja, uma taxa de resposta de 63%.
Todos os respondentes trabalham, trabalharam, estudam ou estudaram o
setor automotivo, e 65% estavam na faixa de 31 a cinquenta anos de idade e
30% tinham acima disso. Quanto à formação, 91% tinham concluído algum
tipo de pós-graduação, e 63% tinham mestrado ou doutorado.
Há atributos mais relevantes que outros para o desenvolvimento 407
de projetos nacionais na indústria automotiva?

Automotivo
Foi solicitado ao painel de especialistas que marcasse, entre os atribu-
tos a seguir, quais os três mais importantes em uma montadora nacional. O
Gráfico 2 mostra esse resultado.
Os dados mostram um forte alinhamento em torno do atributo “en-
genharia local”, com 79%. De fato, como apontado por Castro, Barros
e Vaz (2014), as atividades de engenharia têm papel fundamental para
a indústria automotiva, configurando-se como “componente importan-
te para a construção de uma indústria automotiva nacional e competitiva
globalmente” (p. 187).
Em seguida, aparece o atributo “controle do capital”, com 65%.
Em uma visão pragmática de que os acionistas são, em última ins-
tância, os responsáveis pela tomada de decisões estratégicas pela em-
presa, o resultado não chega a ser surpreendente. Finalmente, há três
atributos com percentuais muito próximos uns dos outros: “fabricação
local”, com 49%, “matriz localizada no Brasil”, com 47%, e “marca
própria”, com 42%.

Gráfico 2 | Importância relativa de atributos


selecionados em uma montadora nacional

Engenharia 79%
local

Controle do 65%
capital

Fabricação 49%
local

Matriz localizada 47%


no Brasil

Marca 42%
própria

Motorização 19%
própria

0 20 40 60 80 100

Fonte: Dados da pesquisa.


408 A fabricação local gera desdobramentos importantes em cadeia produ-
tiva e engenharia de produtos. Em um setor que lida com produtos de alto
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

valor agregado, como o automotivo, em que o desenvolvimento de novos


produtos tem que considerar a economicidade de sua posterior produção,
não há razoabilidade em uma completa terceirização para outros países,
como ocorre em outros setores. Assim, a resposta positiva parece ter um
fundamento relevante.
É de esperar também que a existência de uma marca própria esteja
fortemente relacionada à fabricação local. É possível que, em função
dessa relação, tenha havido menos respostas nesse item. Da mesma for-
ma, a localização da matriz normalmente pressupõe uma instalação fa-
bril. Assim sendo, é possível que as respostas tenham se dividido entre
os três atributos por diferenças de entendimento de cada um dos respon-
dentes. De fato, há uma dicotomia nas respostas para esses três itens,
em que, ao assinalar um deles, o especialista tendia a não assinalar
os outros dois.
Por fim, o atributo “motorização própria” apareceu como o de menor
importância na opinião dos especialistas. Infere-se que o foco brasileiro em
veículos pesados, no qual o fornecimento de motores é feito por terceiros,
pode ter influenciado as respostas para esse atributo. Não obstante, várias
experiências brasileiras focam em jipes e comerciais leves, em que a legis-
lação permite o uso de motores a diesel, cujo fornecimento é mais simples.
Atualmente, a legislação proíbe registro, licenciamento e emplacamento
de veículos a diesel com capacidade de transporte inferior a uma tonelada,
incluindo os pesos do condutor, motorista, passageiros e carga. A única ex-
ceção são os jipes, assim denominados os veículos com tração nas quatro
rodas, guincho ou local para recebê-lo, além de atender a alguns requisitos
dimensionais.17
As respostas, portanto, geram evidências de que há três grupos de atribu-
tos relevantes, quais sejam, a engenharia local, o controle de capital e algum
ativo no Brasil, seja tangível, como uma fábrica, seja intangível, como uma
marca consolidada no setor.

  Para outros detalhes, vide Ato Declaratório (normativo) 32, de 28 de setembro de 1993, da
17

Coordenação-Geral do Sistema de Tributação; a Portaria 23, de 6 de junho de 1994, do Departamento


Nacional de Combustíveis (DNC); e a Resolução 292, de 29 de agosto de 2008, do Conselho Nacional
de Trânsito (Contran).
A existência de empresas nacionais na indústria automotiva 409
traria impactos positivos sobre o desenvolvimento

Automotivo
tecnológico e sobre a cadeia produtiva local?
Foi perguntado, ao mesmo painel de especialistas, que impactos uma
montadora nacional traria ao setor. Os resultados são apresentados na
Tabela 1.

Tabela 1 | Impactos de uma montadora nacional


sobre atributos selecionados (em %)
Atributos Diminuiria Não alteraria Elevaria
Preço dos veículos 16 81 2
Qualidade dos 2 77 21
veículos produzidos
no Brasil
Poder de barganha 53 44 2
das montadoras
estrangeiras
Qualidade do 0 67 33
emprego no setor
Interesse de outras 7 70 23
empresas em
fabricar no Brasil
Nível dos salários 0 81 29
praticados no setor
Interesse de outros 2 49 49
players em ter
P&D/engenharia no
Brasil
Chance de o país 0 30 70
tornar-se uma
plataforma de
exportações de
veículos
Adensamento da 0 26 74
cadeia de autopeças
local
Desenvolvimento 0 7 93
tecnológico local
Fonte: Dados coletados na pesquisa.

É possível observar que, na opinião da maioria dos especialistas, al-


guns dos atributos não se alterariam com uma montadora nacional, quais
sejam: o preço dos veículos, a qualidade dos veículos produzidos no Brasil, a
410 qualidade do emprego, o interesse de outras empresas em fabricar no Brasil
e o nível dos salários praticados.
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

Em dois dos atributos, não é possível identificar uma clara tendência.


Quanto ao poder de barganha das empresas estrangeiras, há uma leve pre-
dominância de uma opinião em relação a sua diminuição. O outro atributo
diz respeito ao interesse de outros players em ter P&D/engenharia no Brasil.
Tal falta de clareza no interesse de outros players em ter P&D/engenharia
no Brasil é curioso, tendo em vista que o atributo de maior concordância dos
respondentes (93%) foi justamente o aumento no desenvolvimento tecno-
lógico local. Assim, conclui-se que, para os especialistas, a maior parte do
incremento no desenvolvimento tecnológico surgiria da própria montadora
nacional e de suas relações.
Dois outros atributos apresentaram uma tendência de elevação. São
eles: a chance de o Brasil tornar-se uma plataforma de exportações de veí-
culos e o adensamento da cadeia de autopeças local.

Montadoras de capital nacional no Brasil


Atualmente, o país possui algumas montadoras de capital nacional. A
maior parte atua em nichos de mercado específicos produzindo réplicas de
automóveis clássicos, esportivos fora de série, jipes e buggies. Algumas
empresas atuam em outros nichos, como o de tratores agrícolas e de veí-
culos especiais. Há ainda montadoras que produzem ou montam comer-
ciais leves sob licença, como é o caso da Hyundai Caoa e da Mitsubishi
do Brasil. Por fim, entre as montadoras tradicionais, a Agrale desenvolve e
fabrica veículos nos segmentos de comerciais leves, chassis de ônibus, ca-
minhões e tratores. No Quadro 4, será apresentado o cluster de atuação de
cada montadora (buggies, jipes, réplicas e esportivos, licenciadas, tradicio-
nais, tratores e veículos especiais). Do levantamento realizado (não exaus-
tivo), há predominância, em quantidade, de fabricantes de buggies, que são
veículos normalmente com carroceria de fibra de vidro e mecânica simples.
Em geral, usam motor Volkswagen e são dedicados a terrenos acidentados
e a percursos fora de estrada. Observou-se uma relativa desconcentração
espacial nas iniciativas de capital nacional, com predominância da Região
Sudeste, mas também com boa presença das regiões Nordeste e Sul. Embora
haja montadoras instaladas há bastante tempo no Brasil, a maior parte foi 411
constituída a partir da década de 1980 [Consiglio (2013)].

Automotivo
Quadro 4 | Montadoras de capital nacional em
operação (levantamento não exaustivo)
Empresa Cluster Produtos Local Vendas

empregados

Capacidade
Número de

da fábrica
fundação

2013
Ano de

Agrale 1965 Tradicional Jipe 2.182 Caixas do n.d. 6.313


(comercial Sul (RS)
leve), trator,
caminhão e
ônibus
Volare 1998 Tradicional Miniônibus 12.846 ** Caxias do 7.500 5.480
(Marcopolo) Sul (RS)
Grupo Caoa 2007* Licenciadas Comerciais 2.000 Anápolis 86.000 25.665***
leves (GO)
(Hyundai)
Grupo 1991 Licenciadas Comerciais 3.000 Catalão e 46.000 40.955***
Souza leves Itumbiara
Ramos (Mitsubishi e (GO)
Suzuki)
TAC 2004 Jipes Comerciais n.d. Sobral 1.440 n.d.
Motors leves (CE),
Joinville
(SC)
Randon 1949 Veículos Caminhões 12.115** Caxias do n.d. 1.316
Veículos especiais fora-de- Sul (RS)
estrada,
tratores
Avibrás 1961 Veículos Veículos 1.400 São n.d. n.d.
especiais militares e de José dos
uso especial Campos
(SP)
Rucker 1980 Veículos Veículos n.d. Carapicuíba n.d. n.d.
especiais aeroportuários (SP)
e tratores
Edra 1989 Veículos Comerciais n.d. Rio Claro n.d. n.d.
especiais leves (SP)
Jacto 1952 Tratores Tratores 3.443 Pompeia n.d. n.d.
agrícolas agrícolas (SP)
(Continua)
412 (Continuação)
Empresa Cluster Produtos Local Vendas

empregados

Capacidade
Número de

da fábrica
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

fundação
2013

Ano de
Stara 1953 Tratores Tratores 2.079 Não-Me- n.d. n.d.
agrícolas agrícolas Toque (RS)
Budny 1990 Tratores Tratores 450 Içara (SC) n.d. n.d.
agrícolas agrícolas
Selvagem 1967 Buggies Buggies 19 Parnamirim 120 13
(RN)
BRM 1969 Buggies Buggies 20 São Paulo 240 120
(SP)
Bugre 1970 Buggies Buggies 12 Rio Bonito 240 36
(RJ)
Peixoto 1983 Buggies Buggies n.d. Fortaleza 120 n.d.
Veículos (CE)
(Fyber)
Wake Motors 2009 Buggies Buggies 30 Curitiba 120 120
(Superbuggy) (PR)
Chamonix 1987 Réplicas e Réplicas n.d. Jarinu (SP) 70 n.d.
esportivos
Lobini 1999 Réplicas e Esportivo 4 Cotia (SP) 12 1
esportivos
Fontes: Sites das montadoras, entrevista com as montadoras, Consiglio (2013), Maia (2013), Revista
Quatro Rodas, Tabela FIPE, Fenabrave, AutomotiveBusiness e dAuto.nl.
* Ano de inauguração da fábrica. A Caoa existe como distribuidora de veículos desde 1979.
** Números do grupo.
*** Não inclui veículos importados. Outros fabricantes não listados: Baby Buggy,
Cauype/RDK, Emisul, Fer-Car, Fibravan, Kadron, Kaltec/Magnata (buggies), Americar/
Guedala, Cobra Motosport, Kitcar, Kremer, Sportscar, SS Fiberglass, WW Trevis
(réplicas) e San Vito (esportivos). O Brasil dispõe ainda de uma série de fabricantes
de carrocerias para ônibus e de reboques e semirreboques de capital nacional.

Das empresas relacionadas, talvez a mais emblemática seja a Agrale,


fundada em 1965. Embora tenha foco na produção de ônibus, caminhões
e tratores, a empresa já fabricou motocicletas e fabrica atualmente uma
família de jipes. Baseado em modelo da Engesa, o Marruá usa motores
a diesel fornecidos pela Cummins e pela MWM, assim como os ônibus e
caminhões da marca, e tem aplicações civis e militares. Embora a Agrale
fabrique motores, eles não equipam o Marruá. São motores menores (mo-
nocilindro, com 0,7 litro), que equipam alguns tratores da empresa voltados
à agricultura familiar.
A Volare constitui-se em uma unidade de negócios para venda de veículos 413
completos pela Marcopolo. Nessa operação, há uma lógica de comerciali-

Automotivo
zação diferente do padrão brasileiro de chassi mais carroceria para ônibus e
que se aproxima da lógica das montadoras que atuam na fabricação de co-
merciais leves, motivo pelo qual também foi listada no Quadro 4. As vendas
dos miniônibus da marca Volare alcançaram 5.480 unidades, em 2013. O
Quadro 5 mostra uma síntese dos clusters relacionados às montadoras ins-
taladas no Brasil e uma avaliação em relação a cada atributo. Para fins com-
parativos, foi incluído outro cluster, de montadoras de capital estrangeiro.
Percebe-se que as iniciativas em operação guardam grandes semelhan-
ças com as relacionadas na história da indústria no Brasil e apresentadas
em seção anterior deste artigo. A indústria de capital nacional tem atuado
em nichos de mercado em que o custo de entrada é mais baixo, ou seja,
que dependem de forma menos significativa de ter uma engenharia local
ou uma motorização própria. Em consequência disso, respondem por um
faturamento substancialmente menor que o do segmento das estrangeiras,
que, grosso modo, concentram mais de 90% do faturamento das montadoras.

Quadro 5 | Síntese dos atributos principais nos clusters


selecionados de empresas em operação no Brasil
Cluster Réplicas e Buggies Jipes Licenciadas Veículos Estrangeiras
esportivos especiais e
tratores
Capital Nacional Nacional Misto Nacional Misto Estrangeiro
predominante
Engenharia Limitada Limitada Limitada Limitada Sim Sim
local
Fabricação Sim Sim Sim Sim Sim Sim
local
Material Fibra de Fibra de Misto Aço Aço Aço
predominante vidro/ vidro
alumínio
Marca Sim Sim Sim Não Sim Sim
própria
Matriz/ Sim Sim Sim Limitada Sim Limitada
autonomia
decisória
(Continua)
414 (Continuação)
Cluster Réplicas e Buggies Jipes Licenciadas Veículos Estrangeiras
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

esportivos especiais e
tratores
Motorização De De De De De Própria
terceiros terceiros terceiros terceiros terceiros
Estimativa de < 0,1 < 0,1 0,5 6,5 n.d. 155
faturamento
do segmento
(R$ bilhões)
Fonte: Elaboração própria.

Com base nos levantamentos realizados e apresentados no Quadro 2 e


no Quadro 4, estimou-se a participação das empresas de capital nacional na
produção de veículos no Brasil, conforme apresentado no Gráfico 3.

Gráfico 3 | Participação das empresas de capital majoritariamente


nacional na produção de veículos no Brasil

50

45

40

35

30

% 25

20

15

10

0
2009
2005
2003

2007
1969

1999
1989

2001
1959

1965
1963

1995
1979

1993

1997
1967

1985
1983

1987

2013
1957

1961

1975
1973

1977

1991
1981

2011
1971

Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2006; 2014), Baldocchi (2014), Bastos (2006),
Berezovski (2002; 2003; 2004; 2005a; 2005b; 2006a; 2006b), Bramont (2014), Cabral (2012),
Castaings (2000; 2001a; 2001b), Ford (2013), Gandra (2005), Laguna (2012), Monegato (2011),
Okubaro (2001), Pereira (2009; 2010), Quatro Rodas (1990), Revista Chapa (2010), Samahá (2002;
2007), Seixas e Arantes (s.d.), Troller (2014) e Webmotors (2011; 2012).
Nota: A Volkswagen e a Fiat no Brasil tinham participação de capital nacional, embora não
majoritário. Segundo Revista Quatro Rodas (1987), o Grupo Monteiro Aranha detinha 20%
da Volkswagen do Brasil em sua fundação, em 1953, que foram alienados em duas etapas
iguais: uma em 1980 para o Governo do Kuwait e outra em 1987 para a matriz alemã. Já o
Governo de Minas Gerais detinha 18,17% da Fiat, que também foram alienados à matriz.
É possível observar que a indústria brasileira começa com um percentual 415
elevado de participação nacional, girando em torno de 40%. Nos anos de 1967

Automotivo
e 1968, sofre uma grande inflexão, decorrente principalmente da venda
da Willys do Brasil e da Vemag. Com a entrada dos Grupos Caoa e Souza
Ramos na produção de veículos, observou-se um leve aumento na partici-
pação nacional nos últimos anos.

Perspectivas com a eletrificação veicular


A mudança de paradigma para propulsão veicular, com a consequente
difusão de veículos elétricos no futuro próximo, tem figurado como opor-
tunidade para a indústria brasileira [Gorgulho (2011)]. Como discutido em
Castro e Ferreira (2010), a mudança de um paradigma mecânico para um
eletroeletrônico traz consigo uma profunda transformação de componentes.
Assim, fornecedores de componentes eletrônicos e de equipamentos elé-
tricos tendem a crescer de importância em detrimento de fornecedores de
componentes para sistemas mecânicos.
Algumas projeções mostram que os veículos híbridos e elétricos podem
chegar a uma produção mundial entre 7 milhões e 15 milhões em 2020 (entre
7% e 14% da produção prevista), a partir de uma estimativa de 1,5 milhão
em 2013 (cerca de 2% da produção) [Castro (2014)]. O mercado brasileiro
tende a acompanhar esse crescimento, criando oportunidades para fabri-
cantes de autopeças brasileiros nos mercados de reposição, na nacionaliza-
ção de sistemas de veículos importados ou no fornecimento para eventual
produção local.
Além de possibilitar a entrada de novos fornecedores na indústria,
o novo paradigma permite pensar em novos usos e arquiteturas para os
veículos. Considerando essa possibilidade, alguns projetos têm surgi-
do no cenário brasileiro. Em diversos estágios de desenvolvimento, as
propostas visam à atuação em nichos de mercado. Entre as iniciativas
de veículos elétricos, podem-se citar, em levantamento não exaustivo:
Edra (modelo Aris, comercial leve), Electric Dreams (modelo esporti-
vo), Fiel (modelo Tree, antigo Pompéo, city car), Vez do Brasil (modelo
Seed, city car com versão utilitária), VO2 (carros compactos especiais) e
ZoomCar (carros compactos especiais).
416 Considerações finais e perspectivas de atuação para o BNDES
Com base no estudo realizado, é possível notar que a indústria automoti-
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

va tem feito parte das políticas de diversos países em diferentes níveis, bus-
cando seus efeitos de transbordamento. A existência de empresas de capital
nacional é disseminada em alguns países, pois possibilita uma indústria de
porte global. Da mesma forma, permite que o país participe da tomada de
decisões estratégicas, como os focos prioritários para pesquisa e desenvol-
vimento, que tendem a estar concentradas nas matrizes.
No Brasil, ainda que as subsidiárias de multinacionais desempenhem
um importante papel na consolidação da indústria automotiva, agregando
gradualmente mais atividades nobres localmente, como a engenharia de
novos modelos, é notório que, por fazer parte de uma corporação com sede
e acionistas em outro país, a decisão final sobre assuntos mais estratégicos
não estará na subsidiária. Embora possa ser idealizada e proposta inicial-
mente pela subsidiária, a construção de uma nova unidade industrial ou o
desenvolvimento de um novo modelo de automóvel dependerá da chancela
da matriz.
A autonomia decisória, portanto, parece ser crucial para o desenvolvimen-
to de tecnologia automotiva local que tenha alguma ambição de uso global.
Em outras palavras, elevar o Brasil nos rankings de inovação envolve ter
empresas em setores mais intensivos em tecnologia com centro de decisão
no país. Tal conclusão reflete-se diretamente nas estatísticas de patentes no
setor automotivo, como visto anteriormente.
As montadoras nacionais no Brasil seguem um desenho semelhante desde
que a indústria local foi implantada. As iniciativas em veículos leves nor-
malmente estão presentes via licenciamento. Isso ocorreu nos casos mais
emblemáticos do passado, como Willys e Vemag, e ocorre nos casos recen-
tes, como os dos Grupos Caoa e Souza Ramos. Já as iniciativas em veículos
a diesel, por vezes, dispensam uma ligação muito próxima das multinacio-
nais, ou seja, dispondo de autonomia estratégica. A diferença entre leves e
pesados decorre fundamentalmente de sua escala de produção.
A grande dependência da escala de produção leva a tratá-la como um
ponto de atenção para o desenvolvimento local de iniciativas mais ousadas.
Ao mesmo tempo, para que o Brasil atinja um estágio de desenvolvedor
de tecnologia automotiva, é preciso galgar outros estágios, como proposto
por Castro, Barros e Vaz (2014). A Figura 1 sugere algumas rotas possíveis
para o fortalecimento da indústria local, rumo ao topo do gráfico, ou seja, 417
com maior desenvolvimento tecnológico.

Automotivo
Figura 1 | Rotas propostas para fortalecimento da indústria automotiva

Fonte: Elaboração própria.

Segundo os especialistas ouvidos, as principais vantagens de ter monta-


doras locais são: um possível impacto nas exportações, dado que o Brasil
figuraria como peça central e não como uma das plataformas de exportação
das montadoras, bem como a possibilidade de internacionalização; um pos-
sível adensamento da cadeia produtiva; e o aumento no desenvolvimento
tecnológico local.
Cabe, no entanto, frisar que as multinacionais instaladas no Brasil cum-
prem papel fundamental no desenvolvimento da engenharia automotiva e
como demandantes das indústrias de autopeças locais. O incentivo à cres-
cente incorporação de atividades de P&D às operações locais, portanto,
parece gerar desdobramentos positivos para a economia brasileira. Assim,
a constituição de centros de P&D locais, ainda que atrelados às montadoras
estrangeiras, tem papel importante, visto que eles permitem a criação de uma
massa crítica de conhecimento, aumentando a disponibilidade de pessoal
qualificado. Como mencionado anteriormente, o trabalho em atividades de
P&D requer não só uma formação escolar de ponta, mas experiência em
projetos na indústria.
418 Da mesma forma, é possível notar a necessidade de tecnificação de al-
gumas montadoras no Brasil. Especialmente nas montadoras de veículos de
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil

nicho, o ganho de escala é ponto central para que possam alçar voos mais
longos. A adoção de tecnologias mais modernas de construção veicular,
bem como a diversificação de seu portfólio de produtos, pode contribuir
para esse ganho.
Nas empresas licenciadas, observando-se o que ocorreu em outros paí-
ses e, principalmente, comparando-se ao histórico brasileiro, dois pontos
parecem ser cruciais, a fim de evitar alguns dos problemas do passado: o
desenvolvimento de uma competência em engenharia de novos modelos e
a criação de uma marca própria.
No caso dos veículos pesados, em que o Brasil efetivamente possui uma
montadora local, a rota mais evidente, inspirada no que aconteceu em outros
países, é a entrada gradual em veículos menores, inicialmente comerciais
leves e, via licença ou joint venture, até em automóveis.
Como mencionado em Castro e Ferreira (2010), há uma interessante
oportunidade para a constituição de autopeças nacionais por meio da difu-
são dos veículos elétricos e híbridos. Da mesma forma, um adensamento
tecnológico das montadoras tem que estar acompanhado do desenvolvi-
mento das autopeças.
O BNDES dispõe de diversos instrumentos de apoio a essas iniciati-
vas. O Banco é o maior financiador de projetos de P&D e engenharia no
setor automotivo no Brasil, com projetos contratados que somam quase
R$ 4 bilhões entre 2008 e 2013. Além disso, há linhas de financiamento
voltadas à diversificação da produção. Em iniciativas de grande valor es-
tratégico para o país, a participação acionária em empresas brasileiras pode
ser utilizada, apoiando toda a estratégia de inovação da empresa.
Nas empresas menores, como é o caso de diversas montadoras de nicho,
o BNDES Finame, o BNDES Automático e o Cartão BNDES podem figu-
rar como interessantes alternativas para o financiamento do investimento.
Por fim, há um espaço importante para a constituição de centros de ex-
celência em tecnologias emergentes. No caso da indústria automotiva, a
eletrificação dos veículos aparece como a rota tecnológica mais evidente a
se materializar nos próximos anos ao lado da eletrônica veicular, conside-
rando, inclusive, o desenvolvimento de veículos autônomos. Esse conjunto
relativamente restrito de temas pode ter um valor fundamental na competi- 419
tividade futura da indústria brasileira e no posicionamento local como uma

Automotivo
das matrizes de conhecimento do setor. Em relação à eletrificação veicular,
o BNDES vem estimulando a construção de capacidade produtiva por meio
de condições financeiras diferenciadas no Fundo Clima e a comercializa-
ção de ônibus elétricos, híbridos ou outros modelos com tração elétrica por
meio do BNDES PSI. Ademais, o Banco vem atuando de forma proativa
no fomento a novas operações, na constante elaboração de temas específi-
cos no âmbito do BNDES Funtec, voltados a projetos inovadores de com-
ponentes centrais da tecnologia, e via ações estruturadas como o Plano de
Ação Conjunta Inova Energia em curso, que integra instrumentos de apoio
de outros órgãos do governo.

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Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

Ricardo Rivera
Ingrid Teixeira*

Resumo
Uma nova eletrônica se descortina com o surgimento de novos materiais
orgânicos semicondutores, a eletrônica orgânica (EO). Para fins de com-
paração, a EO está atualmente no estágio de desenvolvimento tecnológi-
co equivalente ao que a eletrônica tradicional baseada no silício estava
há quarenta anos. Entretanto, a EO já é realidade: os displays Organic
Light-Emitting Diode (OLED, Diodo Emissor de Luz Orgânico) embarca-
dos em smartphones premium representam a primeira aplicação em massa
dessa nova tecnologia. Estados Unidos da América (EUA), Europa, Japão,
Coreia e China já posicionaram seus institutos de pesquisa, empresas e
governos para aproveitarem o novo mercado a ser formado pelos dispo-
sitivos flexíveis, transparentes, finos, biodegradáveis e com possibilidade
de serem produzidos a baixo custo, com uso de técnicas de impressão. O
presente artigo mostra os esforços e investimentos feitos pelo Brasil, bem
como apresenta oportunidades para o país alcançar posição de destaque
nesse segmento da eletrônica no futuro.
* 
Respectivamente, gerente setorial e engenheira do Departamento de Tecnologia da Informação e
Comunicação da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem ao professor Roberto Faria, do
Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC/USP), e ao professor Marco
Cremona, do Instituto de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IF/PUC-Rio),
a receptividade durante as visitas, discussões e contribuições sobre o tema e aos revisores anônimos
do texto.
428 Introdução
As tecnologias emergentes, por vezes, substituem outras correntes em
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

um curto espaço de tempo, por exemplo, a adoção do smartphone. Empresas


então líderes ou bem posicionadas rapidamente perderam mercado, e setores
como a produção fonográfica e de computadores pessoais foram afetados
de maneira assertiva em um intervalo de tempo inferior a meia década. Há,
todavia, aquelas tecnologias que, apesar de disruptivas, demoram a maturar.
Além de se tornarem econômicas do ponto de vista produtivo, necessitam
enfrentar a reação das concorrentes já estabelecidas, que reduzem custos,
elevam barreiras de entrada e melhoram sua performance. O veículo elétri-
co é um exemplo de tecnologia que precisa vencer um longo percurso para
chegar a deslocar suas pares já estabelecidas.
O presente artigo tem como tema central a EO, com especial interesse
nos métodos de produção contínuos proporcionados pela eletrônica impres-
sa (EI). A EO iniciou seu desenvolvimento na década de 1970 e hoje ainda
possui um largo campo de possibilidades e interrogações, mas já tem sua
primeira aplicação de mercado de escala: os displays OLED. No lugar do
silício, a EO utiliza-se de insumos químicos (polímeros ou moléculas) que
combinam as propriedades de condutividade elétrica dos semicondutores
tradicionais com as virtudes do plástico e outros substratos flexíveis, mol-
dáveis e transparentes, criando novos mercados – como em biossensores,
absorvíveis pelo corpo humano; painéis solares orgânicos, que, por não
esquentarem, serem leves e translúcidos, podem ser dispostos em uma re-
presa de uma hidroelétrica sem afetar a vida aquática local; ou painéis de
iluminação leves, flexíveis e de diversas geometrias, que podem ser usados
em ambientes internos de aeronaves ou automóveis.
Contudo, talvez a característica mais importante da EO seja o potencial
de produção de componentes e produtos em processo de produção contínua,
revolucionando a escala e, por conseguinte, tendo o potencial de reduzir
custos de investimento de produção de semicondutores da casa dos bilhões
para centenas ou dezenas de milhões de dólares. Trata-se da EI que, embora
venha sendo usada há muitos anos em componentes inorgânicos,1 avanços
nas técnicas de impressão deverão permitir uma ampliação significativa de
suas aplicações, com possibilidade de customizar ou produzir em massa pro-

1
  Por exemplo, impressão de condutores nas janelas dos carros para evitar o embaçamento dos vidros.
dutos que vão dos citados displays OLED a circuitos e sistemas integrados, 429
roupas, papéis etc. e células solares.

Complexo Eletrônico
O mercado estimado pela consultoria IDTEchEx para a EI, ou eletrô-
nica potencialmente impressa, quer envolva os orgânicos, quer os inor-
gânicos, quer os compostos, é de algumas centenas de bilhões de dólares
em 2025. Quando comparados com os do universo da eletrônica baseada em
silício, os números são relativamente tímidos. Mas os benefícios que essa
tecnologia oferece – como baixo custo, robustez pela flexibilidade, leveza,
possibilidade de impressão em grandes áreas,2 transparência, possibilidade
de integração de diversos componentes eletrônicos em objetos inteligentes,
benefícios ambientais e menor consumo de energia – a posicionam como
uma das plataformas mais promissoras na eletrônica, com potencial de tor-
nar-se ubíqua em futuro não tão longínquo.
Não por menos, na Europa já existe mais de quatrocentas instituições e
empresas formando cerca de 17 clusters em 13 países e há intenso incentivo
dos governos, que enxergam na EO e na EI uma possibilidade de reativar
suas economias e empregos [OE-A (2013)]. EUA, Japão e Coreia também
realizam investimentos de monta significativa.
Desde 2008, o BNDES vem tratando a EO como uma área promisso-
ra tecnologicamente, dedicando a ela a qualidade de foco na utilização do
BNDES Fundo de Desenvolvimento Tecnológico (Funtec). Trata-se de uma
das mais nobres fontes de recursos do Banco, composta por parte dos lu-
cros da instituição, destinada a focos setoriais muito específicos que possam
alavancar o desenvolvimento tecnológico brasileiro. Desde então, cerca de
R$ 80 milhões foram enquadrados para estruturação de operações de finan-
ciamento do BNDES na área de EO.
Com a crescente utilização dos recursos não reembolsáveis do Banco,
os autores julgaram pertinente dar luz ao tema (EO) e destacar a EI como
ponto de atenção para as políticas tecnológicas na área, com ênfase especial
em dois campos aparentemente promissores para a entrada do país em ní-
vel competitivo globalmente para o desenvolvimento e produção de células
fotovoltaicas e dispositivos de iluminação. Ambas as aplicações preveem
a produção em tecnologias de impressão no futuro, apresentando potencial

2
  Na Europa, usa-se o termo Organic and Large Area Electronics (OLAE) em referência à eletrônica
orgânica, impressa e flexível.
430 de composição de novas cadeias globais de produção e, por conseguinte,
abrindo oportunidade para o país.
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

Além de realizar revisão bibliográfica e estudos prospectivos de consulto-


rias especializadas, os autores visitaram projetos em andamento, participaram
de conferência mundial e entrevistaram especialistas da área e formuladores
de políticas públicas. O artigo se divide na presente introdução, seguida por
uma seção de conceitos básicos sobre EO e EI e, na sequência, apresenta
os elos gerais da cadeia de valor. Na quarta seção, os principais mercados
para EO são analisados, ao passo que a quinta concentra-se nos modelos de
apoio governamentais, nas propostas de políticas e modelos para o Brasil.
A última seção traz as conclusões.

Conceitos básicos
Semicondutores orgânicos
Os semicondutores são materiais que possuem um valor de condutividade
elétrica intermediário entre os materiais isolantes (como o vidro) e os con-
dutores (como o cobre). Isso se deve, em linhas resumidas, a características
desses materiais quanto ao distanciamento entre as camadas de valência e
de condução, que permitem o controle pelo projetista de suas propriedades
elétricas. São, portanto, muito utilizados na fabricação de componentes ele-
trônicos, elétricos, ópticos e optoeletrônicos. Os semicondutores historica-
mente mais conhecidos são os inorgânicos, dentre os quais, destacam-se o
silício, o germânio e o arsieneto de gálio (GaAs).
Até o início dos anos 1970, os polímeros eram situados na faixa dos ma-
teriais isolantes, com baixíssima condutividade elétrica. Em 1969, o doutor
Kawai demonstrou ser possível gerar eletricidade por meio de um polímero
sintético. Essa descoberta levantou interesse de pesquisa sobre a possibili-
dade de que outros polímeros também tivessem características elétricas. O
professor Shirakawa, estudando a polimerização do acetileno, observou a
formação de um filme brilhante na superfície da solução em análise. Esse
filme ainda não era condutor elétrico. A partir de 1975, Shirakawa uniu-se
a Alan Heeger e Alan MacDiarmid (EUA) e, conjuntamente, em suas in-
vestigações sobre os polímeros, alcançaram em 1977 a produção de políme-
ros condutores, descoberta com enorme impacto na comunidade científica
mundial, atribuindo-lhes o Prêmio Nobel de Química em 2000. Em 1987,
foi apresentado por C. Tang e S. VanSlyke, da Eastman Kodak, o primei- 431
ro dispositivo emissor de luz eficiente baseado nesses materiais, que ficou

Complexo Eletrônico
conhecido por OLED. Desde então, a ciência dos polímeros conjugados
condutores (Figura 1) tem avançado rapidamente, na chamada EO.

Figura 1 | Condutividade dos polímeros comparada com a de outros materiais

Polímeros conjugados

Isolantes Semicondutores Metais

Condutividade (S/m)
10 10 10 10 10 10 10
-16 -12 -8 -4 -4 o 3

Quartzo Diamante Vidro Silício Germânio Cobre


Ferro
Prata

Fonte: BNDES, adaptado de NobelPrize (2000).

Principais rotas da EO
Para fins didáticos, a EO pode ser dividida em duas grandes rotas, com
propósitos diferentes: a miniaturização e a eletrônica de grandes áreas.
Para fins de comparação entre os dois domínios, tome-se o referencial
dado pela Lei de Moore,3 na qual se estabeleceu que, a cada 18 ou 24 meses,
seria possível integrar na mesma área o dobro de transistores. Caminhando-se
no sentido da miniaturização, na busca de mais funcionalidades, tem-se o
subdomínio do More Moore. A inovação é feita a fim de atender a requisitos
de processamento, capacidade de armazenamento e comunicação intensos
em escalas reduzidas e de baixo consumo de energia. O objetivo é, por-
tanto, o de auxiliar a rota tecnológica estabelecida a superar seus desafios,
usando-se outros materiais, como o grafeno.
Pode-se ir além da miniaturização dos transistores, o que se denomina
beyond CMOS4 ou beyond Si (Silício), com o emprego de nanotecnologia
para se conseguir aumento de desempenho, em que, no limite, um átomo

3
  Gordon E. Moore, cofundador da Intel Co., quem apresentou, em 1965, a tendência de que o número
de transistores iria dobrar a cada 18 ou 24 meses.
4
  Complementary Metal-Oxide Semiconductor (CMOS) é uma tecnologia empregada na indústria de
semicondutores convencional para construir os transistores e os circuitos integrados.

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432 (eletrônica convencional) ou uma molécula poderia representar a menor
unidade de processamento nos circuitos.
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

No subdomínio More than Moore, há a introdução de funcionalidades não


digitais, que não necessariamente escalam de acordo com a Lei de Moore.
Exemplos incluem conversão de informação não digital como mecânica,
térmica, acústica, química, óptica em dados digitais, como os dispositivos
que agregam micro mechanical devices (MEMS), microfluídica e funcio-

Figura 2
nalidades biológicas (sensores).

Figura 2 | Roadmap tecnológico em eletrônica

Lei de Moore Eletrônica de grandes áreas

Sistemas
Domínio

Além do More than


More Moore Much More than Moore Eletrônicos em
CMOS/ Si Moore
Folha
Tecnologias

Materiais Funções Dispositivos com fotônica


Nanotecnologia Eletrônica Orgânica
Avançados Analógicas integrada

nm 10s nm mm mm a cm (poucos) mm x cm

Fonte: BNDES, adaptado de OE-A (2013).

Caminhando para a rota da eletrônica de maiores dimensões, passa-se


pelo subdomínio dos sistemas inteligentes miniaturizados, com o uso de
dispositivos heterogêneos integrados, no campo da fotônica, sistemas
Micro Nano Bio Systems (MNBS), no que se denomina Much More than
Moore. Seguindo para dispositivos de maiores dimensões, denomina-
dos por alguns países e autores de Organic and Large Area Electronics
(OLAE, Eletrônica Orgânica de Grandes Áreas), a inovação ocorre para
atender primordialmente a novas aplicações com flexibilidade, transparên-
cia, biocompatibilidade e portabilidade, sendo a miniaturização e o desem-
penho objetivos secundários.
Baseado em materiais semicondutores orgânicos ou híbridos (com ele-
mentos orgânicos e inorgânicos), esse ramo da EO aplica-se diretamente
ao domínio dos sistemas inteligentes miniaturizados (Figura 2), pois abre
possibilidade de aplicações que requerem maiores áreas e/ou flexibilidade,
como o papel ou o plástico. Utilizam-se, para tanto, materiais menos tóxi-
cos, disponíveis e baratos comparando-se com a eletrônica tradicional. A 433
tecnologia envolvida é a de manufatura escalável, geralmente com méto-

Complexo Eletrônico
dos aditivos (como impressão) em substratos flexíveis (como papel, filmes
plásticos ou folhas de metálicas).

Cadeia de valor
A cadeia de valor da indústria de semicondutores orgânicos pode ser
organizada conforme indicado na Figura 3.

Figura 3
Figura 3 | Cadeia de Valor da EO

Componentes Deposição Filmes fotovoltaicos Luminárias OLED


orgânicos orgânicos
Exemplos

Processos Componentes e
Materiais Aplicações
produtivos dispositivos

• Componentes • Impressão (Ink jet, silk • Dispositivos • Displays (celulares, TVs,


orgânicos screen, gravura etc.) outdoors)
• Displays OLED
Polímeros e
• Deposição (a vácuo, • Luminárias (móveis,
moléculas • Módulo de
laser etc.) escritórios, carros)
iluminação OLED
• Solventes (água,
• Fotolitografia • Fotovoltaicos (BIPV,
químicos) • Filmes
fontes de energia
• Coating fotovoltaicos
• Substratos (vidro, móveis)
orgânicos
plástico, metal,
• Sistemas inteligentes
têxtil, papel) • Componentes
(RFID, lab-on-chip,
eletrônicos (OTFT,
• Encapsulamento monitores biológicos)
memórias,
(metal, vidro,
processadores,
filmes)
sensores, baterias,
supercapacitores)

Fonte: BNDES, adaptado de OE-A (2013). Imagens © CSEM Brasil, © CSEM Suíça e © CERTI.

Embora há mais de vinte anos Europa, EUA, Japão e Leste Asiático in-
vistam no desenvolvimento tecnológico e industrial para dominar a cadeia
de valor, ainda há muito o que se desenvolver quanto a processos, novos
materiais e aplicações. Por conseguinte, existe uma forte necessidade de
integração e colaboração nessa cadeia, pois uma inovação em um dos elos
pode afetar o direcionamento de todos os outros.
434 Materiais e processo de produção
As formas como os componentes são criados dependem intimamente do
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

processo de produção e dos materiais utilizados. Apesar de aparentar trivial,


essa afirmação é crítica para EO, pois todos os elos da cadeia estão em de-
senvolvimento e afetam-se mutuamente. Em outras palavras, da escolha de
um determinado tipo de molécula – por exemplo, polímero – para um dado
processo de produção – por exemplo, impressão inkjet –, resultará o grau
de eficiência e a durabilidade do dispositivo – por exemplo, 3% de eficiên­
cia de conversão energética durante cinco anos para painéis de Organic
Photovoltaics Modules (OPV) –, que poderão ser influenciados pelo meio
onde esse dispositivo será instalado – por exemplo, janelas de edifícios.
A ciência dos materiais avançados é peça fundamental nessa nova
eletrônica, seja ela orgânica, seja de novos elementos inorgânicos, e nela
reside a maior parte da propriedade intelectual (PI) gerada na área. Empresas
como DuPont, UDC, NovaLed, Plextronics e Merck possuem milhares de
patentes – somente esta última possui mais de 2.500 patentes em EO.
Os materiais são divididos em condutores, semicondutores e dielétricos
(isolantes). A Figura 4 mostra um esquema genérico de um transistor e um
diodo, ressaltando os diferentes materiais usados em sua construção.

Figura 4 | Esquemas genéricos


Figura 4A
Figura 4A | Diodo

Semicondutor Semicondutor

p-type n-type

Pentaceno
Fluoreno

+ V -
Figura 4B
Figura 4B | OLED 435

Complexo Eletrônico
Ânodo (ITO)
Catodo (AI)
+
Alq 3 (ETL + EML)

TPD (HTL) Substrato

Luz

(b) OLED - Diodo Emissor de Luz

Figura 4C
Figura 4C | Transistor

Eletrodos
Metais
Materiais condutores
Nanopartículas
V GS Materiais poliméricos

Dielétrico
G Polímeros isolantes

s D
Semicondutor

Polímero conjugado
V DS Poly-3-alkylthiophene (P3AT)

Canal devido ao Substrato


campo elétrico

Filme fino
Poliéster

Fonte: BNDES, adaptado de Cremona (2006).

Os materiais condutores podem ser compostos orgânicos – por exemplo,


o PEDOT:PSS (polímeros), que possui alta condutibilidade, boa transmis-
são óptica no espectro visível e alta estabilidade – e inorgânicos (metais e
436 óxidos de metais).5 Uma grande variedade de materiais pode ser utilizada
como dielétricos. Polímeros orgânicos como polipropileno, poli vinil fenol,
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

poli metil metacrilato, entre outros, podem ser usados como dielétricos e são
comercialmente disponíveis com um baixo custo de produção.
Normalmente, os componentes e dispositivos orgânicos utilizam uma ou
mais camadas semicondutoras orgânicas. Os semicondutores são a classe
de materiais cujas propriedades são mais difíceis de controlar e os mais
complicados para se depositar, sendo a pureza dos materiais e sua reprodu-
tibilidade de importância fundamental para o sucesso do dispositivo final.
Os materiais que compõem essa classe podem ser as pequenas moléculas e
os polímeros (grandes moléculas).
O sucesso do dispositivo orgânico depende também das características
do substrato onde ele é fabricado. Os substratos mais utilizados são o vidro
(em que se busca superfície extremamente plana, transparente, com baixa
rugosidade, baixo conteúdo de impurezas), e os tipo poliméricos (flexibili-
dade, estabilidade temporal, ou seja, minimizar os efeitos de temperatura e
umidade na variação dos compostos orgânicos). Dependendo da técnica de
deposição do material, devem-se observar também a resistência a altas tem-
peraturas e a interação com os demais materiais durante o processo produtivo.
Além do tipo de material e do substrato utilizado, o encapsulamento tem
um papel essencial na construção dos dispositivos, pois evita a deterioração
das camadas, causada principalmente pela água e pelo ar em contato com
o material ativo orgânico. A camada de encapsulamento pode ser forma-
da por vidro cavado, desumidificador e camada adesiva. Encapsulamento
com vidro rígido normalmente leva a maior tempo de vida, superior a dez
anos, mas obviamente compromete a flexibilidade da aplicação. O uso de
polímeros como substrato pode permitir a flexibilidade, mas traz desafios
para a construção (podem se movimentar durante o processo de produção)
e de durabilidade mais limitada.
Os processos de produção (deposição dos materiais) podem ser por:
• Deposição por vapor: usada com pequenas moléculas, o material
é depositado por meio de vaporização física das moléculas no

5
  Ressalta-se que na construção de dispositivos tidos como da área da EO, como os displays OLED,
há em geral a presença de compostos inorgânicos, como o óxido de índio com estanho – ITO (um
óxido de metal), utilizado na camada de touch panel por apresentar alto índice de transparência e boa
estabilidade térmica e química.
substrato em câmaras a vácuo. Esse processo é mais difundido na 437
produção de displays e iluminação OLED – dominado pelos Small

Complexo Eletrônico
Molecules OLEDs (SMOLEDs) –, pois confere maior eficiência
(todas as cores disponíveis com alta luminância e tempos de vida
adequados das três cores básicas) e há ampla disponibilidade de for-
necedores de matérias-primas em função da menor complexidade de
produção se comparada com a dos polímeros, que possuem poucos
fornecedores, como a japonesa Sumitomo e a Merck. A principal
crítica à atual tecnologia SMOLED é a baixa eficiência do processo
em razão do alto desperdício de material.6
• Solução-processada (impressão): a camada semicondutora orgâni-
ca é depositada por processamento de solução no substrato, via téc-
nicas de impressão. Apesar de disponível para pequenas moléculas,
esse processo surgiu com os polímeros, que apresentam como grande
vantagem a maior flexibilidade para adicionar funcionalidades sem
alterar os atributos existentes, por exemplo, incorporar uma nova
molécula que absorve luminosidade em uma faixa do espectro não
absorvida pelas outras do polímero original.
A impressão pode utilizar o formato folha a folha (sheet-to-sheet ou S2S)
ou rolo a rolo (roll-to-roll ou R2R), e este último tende a ser mais econô-
mico para grandes volumes, embora de maior complexidade no controle do
processo de produção. Dado o potencial de redução de custos pela escala
e a versatilidade de tamanhos e características que podem ser produzi-
dos por meio de impressão R2R, as células Organic Photovoltaic (OPV),
baterias, sensores e outros diversos dispositivos estão tendo esse tipo de
impressão como principal rota de desenvolvimento. Inclusive os displays
podem no longo prazo convergir para técnicas de impressão [IDTEchEx
(2013); Melnick (2012)].
As diferentes formas de impressão para EO em geral derivam de
técnicas existentes para a produção de bens não eletrônicos e são apre-
sentadas no Quadro 1. A EI tende a se apropriar de alguma(s) dessas
técnicas atuais e desenvolver os ajustes para construção de dispositi-
vos eletrônicos.

6
  Muito embora o grau de aproveitamento utilizando a técnica de Organic Vapor Physical Deposition (OVPD),
da empresa alemã Aixtron AG, venha sendo aprimorado ao longo do tempo.
438 Quadro 1 | Técnicas de impressão em EI
Técnicas de Exemplos Descrição Vantagens Desvantagens
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

impressão
Impressão Silkscreen A tinta passa Permite uma grande Não é aplicável
de grandes por uma faixa de viscosidade a filmes finos.
áreas tela onde das tintas. Relativa Resolução atual
o desenho facilidade em 35 µm, taxa
está feito, grandes formatos. de produção
os buracos Flexibilidade e e interações
na trama facilidade de uso. em impressões
permitem a Escalabilidade multicamadas.
passagem da provada
tinta. industrialmente.
Impressão Gravura Utilizado em Muito rápido, Quantidade de
de grandes embalagens, relativamente tintas, custo de
áreas publicações, simples, imagens capital, tinta com
laminados. com mais qualidade. baixa viscosidade,
Resolução sem rota clara de
25 µm-30 µm. escalonamento
produtivo.
Impressão Flexografia Aplicações Independência Limitação
de grandes gráficas para da espessura da espessura
áreas embalagens e do filme e da do filme
publicidade. imagem, resolução (2 µm-10 µm),
melhorada (30 µm), durabilidade/
alta velocidade (500 deformação dos
m/min), impressão rolos devido aos
suave. solventes usados.
Sem rota clara de
escalonamento
produtivo.
Impressão Inkjet É um Rota clara de Deposição das
digital processo escalonamento gotículas, filmes
(impressão bastante produtivo, finos, taxa
sem difundido em grande base de de produção,
impacto) uso. Permite conhecimento limitação de
um controle científico, sem partículas.
digital da contato, controle
impressão e digital, menor
customização volume de líquido,
a cada uso. resolução 50 µm.
Estamparia/ Estamparia a Transfere Alta velocidade, Limitação do
relevo quente folha por calor e independência da uso de substratos
pressão para espessura do filme e devido à alta
o substrato a da imagem. temperatura.
tinta fluida.

(Continua)
(Continuação) 439
Técnicas de Exemplos Descrição Vantagens Desvantagens

Complexo Eletrônico
impressão
Outros Nanolitografia É o processo Filmes finos, Apenas em
mais popular resolução e filmes finos,
usado nas qualidade, complexidade
gráficas. experiência. para fabricação da
Livros, máquina, controle
revistas, e setup, limitada a
embalagens reologia “grossa”,
etc. sem rota clara de
escalonamento
produtivo.
Fonte: BNDES, adaptado de Dörsam (2013).

O processo de impressão pode ser subdividido, de maneira geral, nos se-


guintes passos: escolha da tinta, pré-dosagem e dosagem da tinta, transferên-
cia da tinta para o substrato, dinâmica do fluido no substrato e solidificação
[Dörsam (2013)]. A combinação da técnica de impressão, formato (rolo ou
folha) e as tintas determinam a capacidade e qualidade da imagem de cada
tecnologia. Por exemplo, a técnica de silkscreen é limitada pelo tamanho da
trama utilizada para a produção de imagens que não possuem a melhor defi-
nição permitida, por exemplo, pela técnica de nanolitografia. Esta, por outro
lado, não permite o uso de maior variedade de tintas de baixa viscosidade que
o silkscreen. Inkjet pode ser compatível com uma grande variedade de subs-
tratos e permite que cada peça seja única, diferentemente do silkscreen e da
nanolitografia. Entretanto, a técnica de inkjet é de certa forma limitada pela
viscosidade dos fluidos, tempo de secagem e reprodutibilidade da impressão.

Figura 5 | Processo de produção em rolo de células OPV usando flexografia

Fonte: © CSEM Brasil.


440 Existe claramente uma curva de aprendizado para cientistas e engenheiros
com propósito de definir a estratégia para a impressão de múltiplas camadas
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

e interconexões e conseguir um meio confiável para integrar silício e EI de


forma barata e em alto volume. Atualmente, há baixo controle e entendimento
das técnicas, ainda consideradas artesanais, havendo necessidade, portanto,
de se ter um processo efetivamente mais estável e reprodutível de produção.

Componentes eletrônicos e dispositivos


Seguindo passo adiante na cadeia de valor, os componentes eletrônicos
e dispositivos são elementos-chave, em princípio não comercializáveis iso-
ladamente, que irão compor as diversas aplicações. O domínio tecnológico
e produtivo desses elementos pode ser visto como o primeiro resultado tan-
gível em direção às aplicações. Os componentes eletrônicos mais elemen-
tares a semicondutores são basicamente dois: os diodos e os transistores.
Os diodos são estruturas mais simples, contendo dois eletrodos que
realizam o processo de injeção de portadores de cargas: o ânodo, responsável
por receber os elétrons quando aplicada uma tensão entre os dois eletrodos,
e o cátodo, que irá emiti-los. Entre os dois eletrodos, há uma camada ativa
semicondutora orgânica,7 podendo haver camadas auxiliares, que realiza o
transporte elétrico. Os dispositivos criados com diodos que mais se destacam
na EO são os diodos emissores de luz orgânicos (OLED) e os diodos foto-
voltaicos orgânicos (OPV).8 Tanto os OLEDs quanto os dispositivos OPV
são dispositivos de multicamadas, nos quais, além da camada ativa que irá
determinar sua funcionalidade, são depositadas camadas intermediárias que
auxiliam sua operação. Pela simplicidade da estrutura, esses dispositivos
tendem a ser desenvolvidos com maior facilidade por meio de processo de
impressão, o que, como já dito, representa um potencial de redução signi-
ficativo de custos e aplicações imediatas.
Os transistores são os elementos principais dos sensores e circuitos
integrados que, além da função de transporte de cargas, operam
principalmente como amplificadores e interruptores de sinais elétricos.
Dentre os transistores, destacam-se os transistores orgânicos de filmes finos

7
  Essas duas camadas, conhecidas também por junção p-n, possibilitam a injeção de portadores e o
transporte elétrico, ao estarem submetidas a uma tensão elétrica.
8
  No OLED, na camada ativa, as cargas emitidas pelos eletrodos se recombinam, emitindo luz. No
OPV, ocorre o processo inverso, na camada ativa, há absorção de energia da luz solar e há dissociação
de cargas capturadas pelos eletrodos.
por efeito de campo – Organic Thin Film Transistor/Organic Field Effect 441
Transistors (OTFT/OFETs). Sua estrutura é um pouco mais complexa do

Complexo Eletrônico
que a do diodo, por conter três eletrodos: fonte, dreno e porta, sendo esta
última a que controla a passagem e a intensidade da carga entre fonte e dre-
no. Os dispositivos criados com os transistores podem ser, por exemplo,
papel eletrônico, memórias, circuitos integrados e sensores.
Atualmente, os transistores orgânicos de filmes finos, OTFT, são ainda
de baixo desempenho em mobilidade elétrica quando comparados com
os construídos por semicondutores inorgânicos (cerca de 1% destes).9
Pode-se dizer que em EO a tecnologia para processadores, por exemplo,
compara-se ao nível que estava a eletrônica tradicional de semiconduto-
res décadas atrás.
Em 2011, quarenta anos após o primeiro microprocessador de silício ser
produzido, Intel 4004, Interuniversity Microelectronics Centre (IMEC) e o
centro de pesquisa Holst (holandeses) apresentaram o primeiro processador
plástico totalmente produzido a temperaturas abaixo de 250oC [Lombaers
(2013)]. Esse dispositivo revolucionário foi considerado o “micropro-
cessador mais lento do mundo”, pois tinha frequência de operação de até
40 Hz. Entretanto, em 2013, foi apresentado um novo microcontrolador de
propósito geral de oito bits, que opera até 2,1 kHz, mais avançado, porém
ainda 1 milhão de vezes mais lento que os processadores dos computadores
pessoais, que operam na ordem de GHz. Naturalmente, os primeiros nichos
de mercado são os que não requerem elevado processamento, mas que não
podem utilizar os semicondutores tradicionais, seja, por exemplo, pela in-
flexibilidade, seja pela biocompatibilidade, seja por questões ambientais.
Todavia, pode-se pensar que a EO irá evoluir segundo uma nova Lei de
Moore, que está em desenvolvimento.
Existe uma diversidade de áreas de conhecimento e tecnologias en-
volvidas, e não é possível afirmar que exista uma solução única de
material-deposição-substrato-encapsulamento para todas as aplicações.
Trata-se de um momento da evolução da EO caracterizado por um intenso
processo de investigação e experimentação. Como se trata de uma tecno-
logia não madura, espera-se que um conjunto de tecnologias conviva, cada
uma ocupando um determinado nicho de mercado, até que o surgimento
de um novo material, processo ou tecnologia modifique o quadro vigente.
9
  Fonte: <http://www.hpl.hp.com/techreports/2012/HPL-2012-66.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014.
442 Aplicações
Segundo Associação de Eletrônica Orgânica e Impressa da União
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

Europeia (OE-A) (2013), o roadmap de mercado para as aplicações baseadas


em EO prevê uma crescente complexidade em cada um dos cinco grupos de
aplicações: (i) fotovoltaico orgânico, (ii) displays OLED, (iii) Iluminação
OLED, (iv) eletrônicos e componentes (ex.: baterias, transistores, circuitos)
e (v) sistemas inteligentes integrados (ex.: RFID e novos substratos, como
tecido), conforme a Quadro 2.
Essas aplicações têm o potencial de estabelecer novos produtos, que po-
derão deslocar tecnologias já maduras ou criar novos mercados, baseados
em atributos como menor consumo de energia, leveza, flexibilidade e custo
de produção. Diversas publicações têm avaliado que o mercado da EO será
formado em grande parte por novas aplicações, abrindo uma janela de
oportunidade para países e empresas entrantes em um setor de alta tecnologia.

Quadro 2 | Roadmap para as aplicações em EO


Aplicações Existentes Em desenvolvimento Planejados
(2013) (2014-2020) (2021+)
Fotovoltaico Carregadores Eletrônicos de consumo, Integração predial
orgânico Portáticos fontes móveis de energia, conectada à rede
integração predial para
consumo
Displays Displays em Displays OLED dobráveis, TVs OLED enroláveis
OLED pequenas LCD plástico, outdoors, e telemedicina
aplicações displays OLED enroláveis e
(semi)transparentes
Iluminação Projetos design Baterias recarregáveis Iluminação em geral
OLED de célula única, displays
impressos, baterias
multicélulas impressas, chip
impresso flexível
Eletrônicos e Baterias de Módulos de iluminação Baterias impressas,
componentes célula única, decorativos, módulos etiquetas inteligentes
pequenas flexíveis de iluminação
memórias
Sistemas Roupas com Rede de sensores, OLED sobre tecidos,
Integrados sensores empacotamento inteligente, BIPV
Inteligentes antifurto, sensores sobre tecidos,
sensores pequenos displays, RFID
impresso
Fonte: BNDES, adaptado de OE-A (2013).
Desafios da EO 443

Visão integrada na cadeia de valor orientada a mercado

Complexo Eletrônico
A EO é composta pela ciência e tecnologia dos materiais, sendo uma
tecnologia transversal nas áreas de conhecimento da física, química, enge-
nharia eletrônica e outras engenharias para definição de processos, quali-
dade, deposição dos materiais etc. Há desafios em toda a cadeia produtiva,
que, todavia, encontra-se em formação, desde a produção dos materiais
orgânicos, passando pelos produtores de máquinas e equipamentos até o
produto final, sendo necessário um olhar integrado sobre toda a cadeia de
valor [IDTEchEx (2013)].
Atualmente, a maior concentração de empresas (60%) está na produ-
ção dos componentes e dos dispositivos – displays OLED, iluminação
OLED, filmes fotovoltaicos orgânicos, transistores, baterias etc. – vide
Figura 6. Outro grupo expressivo, 27%, concentra os fornecedores de
química, tintas, papéis. Dessa forma, percebe-se que há um maior es-
forço das empresas em empurrar a tecnologia – technology push – em
oposição a empresas de integração e design dos produtos, com 3% de
empresas pensando nas necessidades dos usuários – user pull. Por isso, o
estudo IDTEchEx observa que a tendência, pelo menos enquanto a massi-
ficação tecnológica da EO não ocorrer, é de que as empresas estejam en-
volvidas não somente com o produto, mas também com os dispositivos,
Figura 6
materiais e processo de produção.

Figura 6 | Necessidade de integração da cadeia de valor da EO

Technology push

Fornecedores de
química, tintas, User pull
filmes e papéis Grande
27% Poucas empresas de
número de
integração ou
componentes
designers envolvidos
e dispositivos
Produção de 3%
60%
máquinas e
conhecimento
10%

Fonte: BNDES, adaptado de IDTEchEx (2013).


444 Design de produtos
Flexibilidade, novas geometrias e leveza dos produtos feitos com EO per-
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

mitirão o desenvolvimento de novos mercados. Por exemplo, com a EO, uma


única aplicação construída por sucessivas camadas com células solares em
OPV, bateria impressa e iluminação OLED totalmente integradas, ou em
grandes células de energia solar portáteis e flexíveis (em formato de rolo)
para serem transportadas, por exemplo, de helicópteros para lugares re-
motos ou em situação de calamidade pública. As possibilidades de novas
luminárias OLED construídas com filmes finos permitem fontes de luz di-
fusas aplicadas a diversos ambientes não planos, como forro do teto de ae-
ronaves e automóveis. Essa aplicação também não teria viabilidade com o
uso do silício em virtude principalmente da rigidez, do peso e do custo de
produção de grandes áreas.

Materiais
Como as rotas tecnológicas inorgânicas seguem em evolução, o avanço
nos materiais orgânicos é chave para que a EO se consolide nos diferentes
segmentos de mercado. Entre outros desafios, os materiais orgânicos preci-
sam de melhorias de desempenho elétrico, processamento, escala (custos),
estabilidade e compatibilidade com os solventes (para EI) para atender a
aplicações mais complexas.

Figura 7A
Figura 7 | Fluxo elétrico formado nos polímeros condutores e no silício

Figura 7A | Fluxo elétrico no polímero (ex.: OPV)

Transparent anode

+
-

-
Polymer

Aluminum cathode
Figura 7B
Figura 7B | Fluxo elétrico no silício 445

Complexo Eletrônico
SI SI SI SI
Elétron
Átomo Lacuna Livre
boro

B SI P SI
Elétrons
Átomo partilhados
fósforo átomos
próximos

SI SI SI SI

Fonte: Adaptado © CSEM Suíça.

Se por um lado, a morfologia dos polímeros permite produzir uma grande


variedade de estruturas com relativa facilidade, por outro, condiciona o fluxo dos
elétrons, mais complexo (Figura 7A) se comparado com a estrutura cristalina e
ordenada do silício (Figura 7B). Por isso, alcançar o nível de reprodutibilidade no
processo para construir circuitos minimamente complexos ainda é desafiador.10

Processos
Dada a característica morfológica dos materiais orgânicos, o desafio
da reprodutibilidade no processo de produção na EO (e especialmente
na EI) é sensivelmente superior ao da indústria tradicional de semicon-
dutores, que utiliza materiais inorgânicos muito estáveis, com processo
de deposição a vácuo extremamente preciso, em que as propriedades
mecânicas e elétricas são controladas a nível atômico.
Outra restrição que aparece na EO com relação aos processos pro-
dutivos é a necessidade de se atender a requisitos de velocidade, tem-
peratura, solventes, condições de ambiente, vácuo, entre outros fatores,
para cada aplicação. Por exemplo, o uso de substratos plásticos tipo PET
possui requisitos tais que impedem o uso de métodos de produção que
envolvem altas temperaturas, como o laser printing.

10
  Entrevista com o pesquisador Alberto Salleo, Universidade de Stanford, EUA, concedida ao Boletim
da SBPMat.
446 A redução da dimensão (pitch) conseguida pela técnica de impressão
está atualmente em 0,5 µm e parece insuficiente para algumas aplicações,
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

como os displays OLED, precisando ainda transpor a barreira de 1 µm a


5 µm, em direção a escalas submicron.

Encapsulamento
Além de vencer os desafios de construção, o tempo de vida e a con-
fiabilidade dos produtos devem ser prolongados. Para tanto, é necessá-
rio que o substrato e o encapsulamento possuam baixa permissividade
à água e ao oxigênio, além de resistência elevada a variações térmicas,
ao calor e à luz ultravioleta (UV) – por exemplo, no silício amorfo, a
resistência à luz UV nas células solares é superior a dez anos, e sua
eficiência energética é estável ao longo desse tempo, o que ainda não
ocorre na célula OPV. Conseguir encapsulamentos flexíveis e transpa-
rentes a baixo custo continua sendo um grande desafio [OE-A (2013)].
Substratos não rígidos significam produtos mais robustos. O vidro,
por mais leve que seja, apresenta trincas quando sujeito a pressões me-
cânicas. Conseguir a substituição, por exemplo, do vidro (LCD) usado
nos displays dos smartphones, tablets e computadores pelos displays
OLED certamente irá conferir aos produtos maior resistência a quedas.
Outros benefícios seriam: maior leveza, menor espessura, facilidade
no transporte e maior facilidade em montagem do produto acabado.
Os desafios não podem ser tratados independentemente. Melhores materiais
podem reduzir os requisitos de encapsulamento. A resolução depende das técni-
cas de produção envolvidas e da vazão necessária para atingir-se a economia de
escala na aplicação (OPV, OLED iluminação, OLED displays, etiquetas RFID
etc.). Portanto, as variáveis aqui levantadas pretendem mostrar brevemente
a complexidade de buscar soluções tecnológicas para um ambiente bastante
heterogêneo em área de conhecimento que viabilizem as aplicações de EO.

Panorama do mercado mundial


Segundo OE-A (2013), a EO acabou de passar pelo período de euforia
de meados dos anos 2000, quando se imaginava que rapidamente haveria
uma revolução para o paradigma de produção de dispositivos orgânicos e
integração destes em roupas, pessoas etc. O processo excessivamente em-
purrado pela tecnologia (technology push), com pouca visão sobre a via-
bilidade econômica das soluções apresentadas, bem como a inexistência 447
de ferramental pronto para integrar diferentes áreas do conhecimento con-

Complexo Eletrônico
tribuíram para que essa visão não fosse alcançada no prazo vislumbrado.
A visão de longo prazo da OE-A para EO, comparativamente com o
ecossistema dos semicondutores e a indústria de displays tradicionais, pode
ser vista no Gráfico 1.

grafico 1
Gráfico 1 | Expectativa de crescimento do mercado de EO

Bi US$ Mercado de eletrônicos


300

250

200

Semicondutores
150

100
Displays tela plana
Eletrônica orgânica
50

0
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020

Fonte: BNDES, adaptado de OE-A (2013).

O quadro geral indica que atualmente a EO está no ponto em que pre-


cisa superar a etapa de demonstração da tecnologia e avançar para opera-
ções em nível piloto. Entretanto, tal quadro varia de acordo com o grau de
amadurecimento tecnológico (materiais, componentes, dispositivos etc.)
em cada uma das áreas de aplicação [OE-A (2013)].
O primeiro passo para o estabelecimento das cadeias produtivas foi dado
com a introdução da produção em massa de displays OLED. Todavia, para
uma consolidação da EO, é necessário desenvolver outras “aplicações ma-
tadoras” (killer applications), sejam elas em substituição a outras existentes,
criando novas aplicações, sejam elas se combinando com as existentes para
trazer melhorias funcionais ou de custo.
Existem diversas organizações mundiais tentando realizar as previsões
de mercado para EO. Porém, dado o nível de incertezas inerentes a uma
plataforma tecnológica emergente, há ainda muita divergência entre essas
448 estimativas (vide Quadro 3). Também pelo mesmo motivo, não há um recor-
te claro sobre as estatísticas, com organismos internacionais e consultorias
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

considerando os mercados de EO (organic electronics), EO para grandes


áreas (OLAE), EI ou potencialmente impressa (printed electronics), eletrô-
nica plástica (plastics electronics), entre outras nomenclaturas.

Quadro 3 | Estimativas de mercado global em EO


Consultoria/estudo Curto prazo Longo prazo Comentários
Smithers –Printing US$ 7 bilhões a US$ 190 Displays OLED serão a
Industry Research US$ 9 bilhões bilhões (2025) maior aplicação.
Academy (PIRA) – (2012)
2013
IDTechEx – 2013 US$ 16 bilhões US$ 77 bilhões Mercado por aplicação:
(2013) (2023) •Displays OLED: 84%
(US$ 65 bilhões);
•OPV: 6,5% (US$ 5 bilhões);
•Iluminação OLED: 1,7%
(US$ 1,3 bilhões).
Transparency US$ 8,2 US$ 44 bilhões Displays OLED serão a
Market Research – bilhões (2012) (2018) maior aplicação (US$10
2012 bilhões em 2018);
concentração de receitas
na Ásia (50%), seguida da
Europa.
Fonte: BNDES, adaptado de Smithers-PIRA (2013), IDTEchEx (2013) e
Transparency Market Research (apud PRNewsWire-2012).

Importante ressaltar que, apesar de diferirem muito entre si em suas es-


timativas nominais, há um padrão de crescimento estimado do mercado da
EO, que seria lento até 2016-2017 e, a partir daí, exponencial.
Segundo o relatório Electronics CA Publications, há mais de 3 mil or-
ganizações em atividade relacionada à EO pelo mundo, entre as quais fi-
guram líderes em outros mercados – como BASF, Corning, Kodak, Merck,
OSRAM, Philips, Samsung, Seiko, TDK, Pioneer – e empresas nascen-
tes ou spin-offs de grandes multinacionais, como Aixtron, Cambridge
Display Technologies (CDT), Poly-IC, Plastic Logic, Univision Technology,
Oled Technologies & Solutions (OTS), entre outras.
Dependendo da aplicação, espera-se que, entre cinco a vinte anos, a EO
consiga começar a ter destaque na indústria eletrônica mundial. Esse hori-
zonte de tempo é importante oportunidade para o país se posicionar como
um participante nessa indústria. A seguir (Quadro 4), serão apresentadas as 449
previsões de mercado para cada um dos principais segmentos da EO, bem

Complexo Eletrônico
como o estágio atual de lucratividade das aplicações e tendências de evo-
lução no curto-médio prazo.

Quadro 4 | Estado de comercialização da EO em 2013


Aplicações Tempo de 2013 Rentável Crescimento
desenvolvimento
Displays Displays Quinze anos US$ 10

Iluminação
OLED
Iluminação Cinco anos
bilhões
US$ 15
ü ö
OLED
Eletrônicos Sensores Dez anos
milhões
US$ 160
Ï ö
e
componentes
milhões ü ö
Fotovoltaico Filmes Dez anos Sem
fotovoltaicos
orgânicos/
dados Ï ð
DSSC
Fonte: BNDES, adaptado de IDTEchEX (2013).

OLED displays
Posicionamento da tecnologia
Os displays OLED representam mais de 85% no mercado projeta-
do para EI em 2023 [IDTEchEx (2013)]. Os fornecedores de displays
LED-LCD estão sob maior risco com a viabilidade econômica dos
displays OLED. As vantagens dos displays OLED sobre os atuais de LED
backlight LCD podem ser resumidas em: (1) melhor imagem, melhor
contraste, cores mais vivas e melhor taxa de refresh; (2) menor consumo
de energia; (3) melhor ângulo de visão; (4) possibilidade de ser cons-
truído de forma curva, flexível, dobrável e em substratos transparentes,
pois não precisam do backlight; (5) mais finos e leves.
Inicialmente comercializados em massa em displays pequenos –
smartphones, câmeras fotográficas etc. –, os displays OLED tendem a avan-
çar sobre aplicações maiores, como TVs e monitores. Os recentes investi-
mentos anunciados pela LG para construção de uma fábrica de geração 8,
que permitiria a produção econômica de TVs de 55 polegadas, indicam
que os principais desafios tecnológicos vêm sendo superados.
450 Os grandes fabricantes usam processo de produção baseado na eva-
poração a vácuo utilizando pequenas moléculas,11 no qual o desperdício
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

de material e a dificuldade de escalar a produção em baixos custos são


questões ainda a serem vencidas. Além dessas barreiras, há também o
desafio de garantir uma vida útil do material orgânico compatível com
o uso de dez ou mais anos de TV.

Panorama competitivo
Como uma das tecnologias críticas que garantem vantagem competitiva
na indústria eletrônica – uma vez que boa parte dos produtos hoje em dia
carrega algum tipo de display embarcado nos mais diversos setores da eco-
nomia (eletrônica de consumo, automotivo, aeroespacial, defesa etc.) –, os
displays historicamente tiveram a liderança do desenvolvimento das
tecnologias nos EUA, Europa e Japão. Na tecnologia vigente do LCD,
a despeito de a produção ter se deslocado para o Sudeste Asiático, a PI
dos insumos e equipamentos manteve-se em boa parte com esses três
atores [IDTEchEx (2013)].
O OLED parece ser uma ruptura nesse paradigma, com as empresas
do Sudeste Asiático, especialmente as coreanas LG e Samsung, liderando
o desenvolvimento tecnológico e a produção de dispositivos e produtos
para displays OLED, puxadas pela crescente adoção dessa tecnologia em
smartphones e tablets. A aquisição de fornecedores-chave, como a Novaled,12
e participação de 5% na Sharp, pela Samsung, e a divisão OLED da Kodak,
pela LG, exemplificam como a participação dessas empresas nos insumos
críticos deverá ser sensivelmente maior do que foi no LCD. Ambas lança-
ram, a partir de 2013, TVs OLED de grande dimensões (entre 55” e 77”),
flexíveis ou curvas, reforçando o comprometimento desses dois maiores
fabricantes de displays e TV do mundo.
As empresas taiwanesas como a CMI e a AUO13 bem como as chine-
sas BOE, China Star e Visionox e as japonesas TDK e Pioneer também
11
  Uma das exceções que podem ser destacadas seria a Panasonic, que produz displays a partir da
tecnologia impressa (inkjet) de polímeros da CDT/Sumitomo [IDTEchEx (2013)]. Todavia, em 2013,
Sony e Panasonic desfizeram uma joint venture para fabricar painéis OLED com a tecnologia PLED.
Fonte: <http://news.oled-display.net/sony-and-panasonic-stop-their-oled-tv-partnership/>. Acesso em:
ago. 2014.
12
  Empresa alemã que participou dos esforços de desenvolvimento da comunidade europeia nos FP6
e FP7 para tecnologia de OLED e foi comprada pela Samsung em 2013.
13
  Terceiro e quarto maiores fabricantes de painéis do mundo.
concorrem no mercado de displays OLED, embora ainda estejam majo- 451
ritariamente focadas em displays de menor tamanho.

Complexo Eletrônico
Apesar de ainda caros e com desafios tecnológicos e produtivos a
serem superados, os displays já ultrapassaram a barreira “lab-to-fab”,
já tendo se consolidado com produção em escala. De acordo com
IDTEchEx (2013), as receitas com displays OLED devem alcançar
US$ 30 bilhões em 2020.

Perspectiva para o Brasil


Como será apresentado no item “Modelos de desenvolvimento”, em
meados dos anos 2000, o governo brasileiro tinha como estratégia a en-
trada no segmento de displays OLED baseado em polímeros (PLED) –
tecnologia esta que ao menos atualmente está sendo superada no mercado
pelas pequenas moléculas (SMOLED).
Todavia, segundo a Gartner, as empresas de displays já estão
trabalhando em escala laboratorial em processo de produção impresso –
embora a consultoria IDTEchEx acredite que o processo de apren-
dizado será longo [IDTEchEx (2013)]. Nesse cenário, é provável
que os investimentos necessários para uma fábrica caiam da ordem
de bilhões para milhões, abrindo nova oportunidade de produção
local no Brasil.

Iluminação (OLED lighting)


A Iluminação responde por cerca de 20% do consumo de energia
nos EUA [US DoE (2013)], e as tecnologias de estado sólido de ilu-
minação – tal como o Light Emitting Diode (LED) e o Organic Light
Emitting Diode (OLED) – têm o potencial de reduzir em até 217 TWh
até 2025, razão pela qual são classificadas como tecnologias estratégicas
não só pelo governo americano, mas também pelos governos de outras
regiões do mundo.

Posicionamento da tecnologia
O OLED apresenta alguns atributos especiais (conforme mostra Quadro 5)
que o qualifica como tecnologia promissora de iluminação, entre os quais
a possibilidade de construção de luminárias de grandes áreas com baixo
consumo energético, baixo brilho, designs diferenciados, cores ajustáveis
452 e mornas, utilizando materiais ambientalmente sustentáveis,14 e principal-
mente, com potencial de custos extremamente reduzidos via processo de
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

produção em rolo (R2R).

Figura 8 | Luminária OLED

Fonte: ©CERTI.

Para alcançar a potencialidade de seus atributos, há barreiras a serem


superadas, entre as quais o incremento da eficácia luminosa (lumens/watt)15
e da vida útil do elemento orgânico, além da redução do custo de produ-
ção. Essa tarefa se torna mais árdua na medida em que ocorrem avanços no
LED, reduzindo os ganhos que o OLED pode proporcionar, como a possi-
bilidade de aplicação em superfícies não planas por meio de guias de ondas
(waveguides) [IDTEchEx (2013)].
Ainda assim, o OLED é tido como uma tecnologia complementar ao
LED, pelo fato de a luz gerada ser difusa (não focal), permitindo conforto
visual ao se olhar diretamente para a fonte e reduzindo as sombras provo-
cadas por uma luz pontual, pela qualidade da luz e pelas possibilidades de
design a partir de superfícies homogêneas de luz que pode gerar.

14
  Lâmpadas fluorescentes utilizam mercúrio.
15
  O US DoE (2013) posiciona como meta a taxa de 190 lm/W para o OLED em 2025.
Quadro 5 | Comparativo entre os diferentes tipos de iluminação 453

Complexo Eletrônico
Descrição Eficácia Tempo de Vantagens Desvantagens
luminosa vida (h)
(lm/W)

HID (descarga As lâmpadas 50-100 6.000-12.000 Excelente para Poluição:


de alta de metal iluminação utiliza
intensidade) halide externa e mercúrio e
Metal Halide são mais interna (com argônio
eficientes que tetos altos) Alto custo para
as de vapor Luz branca mais fabricação
de mercúrio e semelhante à
as halógenas luz natural
Low pressure São lâmpadas 100-200 16.000-20.000 Maior eficácia Monocromática
sodium com bastante Excelente para Controle
eficácia iluminação óptico
externa Descarte da
Permite lâmpada
religamento Potência sobre
a quente da tempo de vida
lâmpada
Fluorescente Bastante 50-100 10.000-16.000 Alta eficiência Requer o reator
linear popular em Alta eficácia em Luz tem
escritórios, operação em sensibilidade
indústria alta frequência à temperatura
Grande ambiente
variedade de Utiliza
escolha de cores mercúrio
Fluorescente Facilidade 40-65 6.000-12.000 Tamanho Sensibilidade
compacta de uso com compacto térmica
a facilidade Alta eficácia Position
incandescente Alta CRI sensitive
Longo tempo de Requer reator
vida (embutido)
Excelente Custo inicial
manutenção do superior à
lúmen incandescente

Incandescente Mais 5-15 1.000 Baixo custo Menor eficácia


popular nas inicial Sensível à
residências e Baixo custo de voltagem
comércios dimerização Pequeno tempo
Temperatura de vida
da cor (alta Geração de
renderização) calor

(Continua)
454 (Continuação)
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

Descrição Eficácia Tempo de Vantagens Desvantagens


luminosa vida (h)
(lm/W)

LED Iluminação 20-120 20.000-100.000 Baixo Lâmpadas


por estado consumo de LED ainda
sólido energia caras
(semicondutor) Longa Luz focada
durabilidade Cor da luz
Pouca geração
de calor
Design
modular
Baixo custo
de fabricação
Grande
resistência
a choques,
vibração
OLED Iluminação 50 Ainda em Baixo Módulos ainda
por estado desenvolvimento consumo de caros
sólido energia
(semicondutor Baixo custo
orgânico) de operação
Luz difusa
(diferente do
LED)
Temperatura
da cor
Fonte: BNDES, adaptado de Bardsley (2014) e Edson Tech Center (2014).

Todavia, além dos ganhos em eficiência luminosa e vida útil, os filmes


ainda necessitam ser produzidos em grandes áreas a baixos custos – os pro-
tótipos atuais ficam em torno de 100 cm², produzidos em processo de folha
a folha [US DoE (2013)].
Atualmente, as luminárias OLED não podem ser usadas como fonte
primária de iluminação dos ambientes em razão de sua limitada potên-
cia e alto custo e estão sendo utilizadas mais em aplicações decorativas.
A entrada da tecnologia no mercado deverá ser feita em nichos onde a
sensibilidade ao preço e tempo de vida não sejam atributos tão priori-
tários quanto o design e a criatividade dos projetos. Espera-se que os
primeiros mercados alcançados pela tecnologia sejam os segmentos de
hospitalidade – hotéis,clubes etc. –, shopping/comércio, arquitetura em
geral e automotivo.
Com a queda dos custos de produção, a expectativa é de uma penetração 455
razoável também no segmento residencial. No longo prazo, caso os OLEDs

Complexo Eletrônico
se tornem competitivos em custos e eficiência, poderiam penetrar nos seg-
mentos empresarial e industrial (Gráfico 2).
grafico 2
Gráfico 2 | Eficácia luminosa histórica e prevista para as fontes de luz

200

lâmpada LED
Eficiência luminosa (lumens per Watt)

branca
150

HID alta potência


100
fluorescente linear

HID baixa potência


50
fluorescente compacta
painel OLED
halógena branco
Incandescente

0
1940 1960 1980 2000 2020

Fonte: US DoE (2013).

Panorama competitivo
grafico 3
Gráfico 3 | Projeção de mercado de iluminação OLED

Bi US$
1,4

1,2

1,0

0,8

0,6

0,4

0,2

0
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023

Fonte: IDTEchEx (2013).


456 Espera-se que o mercado atinja US$ 1,3 bilhão em 2023, quando re-
presentará ainda uma pequena fração dos US$ 25 bilhões esperados para
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

a tecnologia LED (Gráfico 3).


O desenvolvimento da cadeia de OLED para iluminação vem se be-
neficiando dos investimentos realizados na indústria de displays OLED,
pois a maioria dos fabricantes mundiais dessa indústria utilizam pequenas
moléculas, os SMOLEDs, o que vem reduzindo os custos de materiais e
equipamentos de produção pelo efeito da escala, com um número cres-
cente de fornecedores de materiais com pureza comparável.
Dentre as fabricantes de painéis e luminárias, destacam-se as eu-
ropeias Philips e OSRAM, que disputam a fronteira do desenvolvi-
mento da tecnologia com empresas asiáticas como a LG Chemicals –
que já comercializa luminárias OLED com níveis de eficácia de
60 lm/W –, Konica Minolta, Panasonic, Sharp, CDT/Sumitomo,16 entre
outras. Dessas, US DoE (2013) identifica que apenas a LG possui li-
nha de produção já voltada para comercialização de produtos finais, ao
passo que as demais comercializam produtos a partir de linhas de P&D.
Há uma expectativa de que o OLED para iluminação entre no mer-
cado efetivamente entre 2018 e 2020 quando o custo total de fabri-
cação do painel em US$/m2 deve cair de US$ 6.000/m2 em 2013 para
US$ 1.000/m2 em 2020, como função de aumento de escala, substitui-
ção dos PhD das linhas de produção por técnicos, redução dos custos
dos materiais etc. Além disso, a Convenção Mimata – pacto das Nações
Unidas para limitar o uso e a emissão de mercúrio internacionalmen-
te, firmado em 2013 – estabeleceu que devem ser banidas até 2020 as
lâmpadas compactas fluorescentes de até 30 W, que ultrapassam 5 mg
de mercúrio, e algumas lâmpadas fluorescentes tubulares (halofostato
de cálcio). Portanto, as luminárias OLED podem se beneficiar dessa
mudança no mercado.

Perspectivas para o Brasil


Analisando-se os diferentes elos da cadeia de valor apresentados na se-
ção “Cadeia de valor”, fazem-se a seguir algumas análises sobre possíveis
oportunidades para o país.

16
  Talvez a única exceção relevante de tecnologia de polímeros para OLED iluminação.
• Materiais e processo produtivo – como o processo produtivo mais 457
propagado atualmente se baseia em moléculas pequenas e deposi-

Complexo Eletrônico
ção a vácuo, que demandam escala, eleva-se a barreira de entrada
para investimentos fabris na área. Soma-se a esse fato a presença de
grandes fabricantes de fontes de luz, como Philips, OSRAM e LG
investindo valores consideráveis nessa tecnologia. Por outro lado, os
avanços obtidos no processo de displays serão incorporados por esses
fornecedores de materiais e processos de produção para iluminação,
o que tende a aumentar a concorrência na área. Posto isso, parece
pouco provável que haja oportunidades para o país alcançar o passo
(leapfrog) do core dessa tecnologia em processo ou materiais.
Contudo, há que se levar em conta uma estratégia de atração de
investimentos nessas áreas, ainda mais se considerado o roadmap
produtivo em processo contínuo (R2R), quando os valores de inves-
timentos deverão ser relativamente baixos.
• Dispositivos e aplicação – dados os recentes desenvolvimentos da
tecnologia LED quanto a consumo, vida útil e qualidade de cores, o
horizonte de médio prazo aponta para uma aplicação de nicho de alto
valor agregado para o OLED em iluminação, em que a qualidade de
uma luz distribuída uniformemente possa ser valorizada, como no setor
moveleiro, automotivo, aeronáutico, entre outros. O desenvolvimento de
luminárias e novas estruturas de encapsulamento parece ser uma grande
oportunidade para o Brasil, haja vista a diversidade industrial presente
no país, com a possibilidade de desenhar produtos (carros, móveis etc.)
considerando os ganhos que a iluminação OLED pode oferecer.
Para apoiar esse desenvolvimento tecnológico, há um conjunto de insti-
tutos de tecnologia que trabalham com tecnologia OLED para iluminação,
destacando-se o Inmetro, que possui maquinário para fabricar em escala
protótipo OLEDs de 10 cm x 10 cm.
O BNDES apoiou recentemente um projeto envolvendo a CERTI
e a Philips, no qual a instituição tecnológica brasileira: (1) construiu
uma tecnologia de encapsulamento do OLED fornecido pela Philips e
luminárias-conceito; (2) iniciou o desenvolvimento de mercado junto a
fabricantes de mobiliários; e (3) estruturou um laboratório e linha-piloto
para interconexão, montagem e encapsulamento das fontes de luz, assim
como a cadeia de fornecedores nacionais da eletrônica embarcada e do
encapsulamento.
458 Entre outros resultados, foram criadas a placa controladora da luminá-
ria living sculpture, apresentada na Euroluce 2013, em Milão, que integra
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

portfólio da Royal Philips (Figura 8) e já recebeu encomendas pela Philips


Internacional; e a luminária para mobília undershelf light, lançada na feira
Euroshop 2014, em Düsseldorf.
Outro subproduto desse projeto foi o desenvolvimento local de um fil-
me PDMS, que está restrito ao ambiente laboratorial atualmente, mas que
potencializa em até 36% [Vicente (2014)] a eficiência luminosa do OLED
fornecido pela Philips. Estudos realizados com parceiro tecnológico do pro-
jeto, o Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, e com
a rede CI Brasil apontam para interessantes arquiteturas da eletrônica de
acionamento e chips dedicados para agregação de funcionalidades e valor
aos OLEDs. Além de posicionarem o país como alternativa para a Philips
escalar a tecnologia de produção, os investimentos do projeto capacitaram
e equiparam a CERTI para desenvolvimentos futuros em produtos basea-
dos em células fotovoltaicas orgânicas (OPV), tema do próximo tópico. A
seguir, no Quadro 6, uma análise estratégica para o país atuar no segmento
de iluminação OLED.

Quadro 6 | Análise SWOT17 do OLED lighting para o Brasil


Forças Fraquezas
• CERTI-Philips: Projeto bem- • Dificuldade de retenção de
sucedido em parceria com mão de obra
grande player • Dificuldade de articular projetos
• Estrutura de P&D (ex.: Inmetro) existentes e concentrar recursos de P&D
• Existência de clientes locais • Ainda que em construção, cadeia
(indústria moveleira, produtiva encontra-se fora do Brasil
designers etc.) (principalmente Europa)
• Fontes de recurso para
P&D – BNDES e Finep
Oportunidades Ameaças
• Atração de investimentos em • OLED pode não se consolidar no mercado
OLEDs (Philips ou concorrentes) e atingir processo de produção R2R
• Desenvolvimento local de • Concorrentes avançam mais rapidamente
luminárias OLED e outros elos
da cadeia (ex.: drivers)

Fonte: BNDES.

17
  Strengths, Weakness, Opportunities, Threats (Força, Fraqueza, Oportunidade e Ameaça).
Células fotovoltaicas orgânicas (OPV) 459

Posicionamento da tecnologia

Complexo Eletrônico
Quadro 7 | Comparativo entre tecnologias de energia solar
Silício Silício (Si) amorfo Células Filmes finos Orgânico
junção
(III-V)
c-Si (cristalino) a-Si DSSC GaAs (single CdTe CIGS OPV
junction)
Eficiência da célula
em laboratório

13,4% 29%
24,7% 11,4% 18,7% 20,4% 12%
(LG (Alta
(Panasonic) (NIMS) (First Solar) (EMPA) (Heliatek)
Electronics) Devices)

•Eficiência alta • Tecnologia •Eficiência •Eficiên- •Eficiência • Eficiência •Eficiência da


•Disponibilidade madura energética cia alta média (12%- alta (16%- taxa de conversão
de material •Fábricas mais •Resis- 16,5%) 20,3%) energética mais
(cSi) disponíveis imune à tente à •Fácil •Possibi- imune à variação
•Alto tempo de •Possibilidade variação de radiação processamento lidade de de temperatura
vida da célula de módulos temperatura UV •Baixo custo módulos •Eficiência pouco
•Processo de flexíveis •Baixo custo (uso em de fabricação  flexíveis afetada pela
reciclagem de produção satélites) •Baixo custo inclinação da
Vantagens

•Sem toxicidade •Módulos •Módulos de produção incidência solar


flexíveis de pouca •Possibilidade de
e pouca espessura baixo custo de
espessura produção
•Uso indoor •Módulos
•Trans- flexíveis e pouca
parência/ espessura
colorido •Uso indoor
•Transparência
•Eficiência • Baixa •Eletrodo •Mais • Potencial de •Tecnologia • Eficiência
da taxa de eficiência líquido pesado escassez da complexa ainda menor
conversão do módulo muito que o matéria- •Diferentes que as demais
energética (10%-12,1%) suscetível à silício -prima tecnologias tecnologias, mas
variável com •Efeito variação de •Alto •Atualmente, • Toxicidade
Desvantagens

evoluindo
o aumento de degradação temperatura custo de módulos e reciclagem •Degradação com
temperatura induzido pela •Degradação produção rígidos apenas •Custo e UV
•Qualidade luz com UV •Toxicidade e escassez
do material •Processo de reciclagem (In, Se)
baixa (defeitos manufatura •Custo e
de cristal + de alto custo escassez
impureza) (Te, Cd)

Fonte: BNDES, adaptado de PV: research and applications (2011) e Science & Technology trends.
460 As tecnologias fotovoltaicas podem ser classificadas em: (1) silício
cristalino, utilizado em quase 88% dos módulos [Wolden et al. (2010)];
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

(2) filmes finos inorgânicos (a-Si, DSSC, CdTe, CIGS); (3) filmes finos
orgânicos (OPV); (4) semicondutores III-V, utilizados em satélite e con-
densadores de energia. As principais vantagens e desvantagens são apre-

grafico 4
sentadas no Quadro 7.

Gráfico 4 | Comparativo das diferentes tecnologias FV

Flexibilidade
10

8
Bandgap Estado da tecnologia
6

Método de Eficiência do módulo


Impressão (%)

Preço (US$/W) Tempo de vida

c-Si CIGS CdTe a-Si DSSC OPV

Fonte: BNDES, adaptado de IDTechEX.

Comparando as diferentes tecnologias fotovoltaicas sob os aspec-


tos de eficiência do módulo, estado da tecnologia, tempo de vida, preço
(US$/W), flexibilidade, uso do método de produção por impressão, bandgap
(vide Gráfico 4), percebe-se que o OPV destaca-se por oferecer flexibilida-
de e possibilidade de produção por impressão e tem desafios para vencer a
eficiência e o tempo de vida da célula [IDTEchEx (2014)].
O Gráfico 6 mostra a evolução na eficiência das células fotovoltaicas.
Observa-se que o OPV, apesar de ainda apresentar a menor eficiência, foi
o que conseguiu elevá-la de forma mais significativa nos anos recentes.
A construção de células orgânicas é realizada utilizando-se ou a cons-
trução de multicamadas ou por meio da mistura de materiais em escala
nanométrica. A primeira técnica é utilizada para processos de produção a 461
vácuo (por exemplo, Heliatek), enquanto a segunda se aplica a métodos de

Complexo Eletrônico
produção por materiais processáveis ou impressão (por exemplo, CSEM
Brasil e Beletric).
Acredita-se que, ao conseguir superar a barreira “psicológica” dos
10-10 (10% de eficiência e dez anos de tempo de vida), será possível tornar
as células solares orgânicas bastante competitivas no mercado de geração
fotovoltaica de filmes finos, particularmente porque os custos de manufatu-
ra esperados são muito pequenos. Considerando os materiais e dispositivos
existentes, o payback energético do OPV é estimado entre 0,3 a 3 anos18
[Wolden et al. (2010)].

grafico 5
Gráfico 5 | Maturidade das tecnologias solares e algumas aplicações

Fonte: Gartner Hype Cycle 2013.

18
  Essa faixa elevada de tempo deve-se ao grau de premissas usadas a essa tecnologia em maturação.
462
grafico 6
Gráfico 6 | Evolução de eficiência da célula (%)
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

44%

32%
29%

25%
24%
20%
20% 19%
18%
15%
13%
12% 12%
11%
11%

3%

2000 2005 2010 2013

OPV a-Si CIGS GaAs


DSSC CdTe c-Si Multijunção

Fonte: BNDES, adaptado de National Research Energy Labs (NREL).

Todavia, os atributos de peso reduzido, flexibilidade, semitransparência


(e transparência controlada), facilidade de integração com outros produtos,
baixo impacto ambiental durante o processo de fabricação e operação e,
fundamentalmente, a perspectiva de fabricação em custos significativa-
mente menores comparados com tecnologias inorgânicas criam nichos de
aplicação que não podem ser avaliados por parâmetros “tradicionais” de
eficiência como quando integrados a janelas de prédios, carros, sobre
estruturas leves e em superfícies sensíveis, como em lagos e represas.
Por esse motivo, as métricas comumente utilizadas para avaliar a evolu-
ção da tecnologia são outras, como energia gerada por peso (W/kg), por
área (W/cm²), por watt gerado no pico energético (W/Wpic), vida útil na
aplicação (tempo), entre outras.
Para se tornar uma tecnologia madura, o OPV ainda precisa superar
desafios relacionados à estabilidade e ao encapsulamento dos materiais
orgânicos, além de transpor o processo laboratorial para o industrial em
grandes módulos.
Panorama do mercado 463
Dado o grau de maturidade da tecnologia, as perspectivas do IDTEchEx são

Complexo Eletrônico
de operação em nichos por pelo menos dez anos alcançando US$ 86,5 milhões
em 2023. Essa estimativa aparentemente é conservadora, já que novas apli-
cações em desenvolvimento, como os módulos OPV flutuantes em superfície
de lagos bem como colocados sobre os tetos de automóveis, podem elevar
as previsões de mercado atuais.
As empresas formadas para explorar o mercado de OPV são jovens, tendo
a Konarka representado um marco para o avanço da tecnologia e, por outro
lado, uma ruptura no desenvolvimento do mercado ao ter declarado falência
em 2012.19 Essa empresa, fundada pelo prêmio Nobel Alan Heeger, recebeu
mais de US$ 170 milhões em capital de risco e mais de US$ 20 milhões em
recursos governamentais e chegou a atingir eficiências produtivas superiores
a 8%. Com um hall de tecnologias na área de polímeros impressos, parte
das patentes da Konarka foi adquirida pela Merck.
Em outra rota tecnológica, a de moléculas pequenas, a alemã Heliatek20
afirma ter alcançado eficiência de 12%, em 2013, ante 6%, em 2009, de-
monstrando a rápida evolução da tecnologia. A empresa tem parceria com
a AGC, uma das maiores empresas de vidro do mundo para o fornecimento
de painéis solares integrados (BIPV) às janelas para construção civil.

Figura 9 | Painéis solares integrados (BIPV)

Fonte: © CSEM Suíça.

19
Após ser envolvida nos debates políticos para a eleição presidencial sobre os milionários incentivos
para a indústria solar, a falência da Solyndra e o default de cerca de US$ 500 milhões de empréstimos
públicos [SI Staff (2008)].
20
Que tem, entre outros acionistas de venture capital, a Basf e Bosch.
464 As americanas Solamer e Plextronics, as europeias Armor, Eight19, Disa
Solar entre outras, compõem um quadro geral de empresas pequenas e mé-
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

dias nascentes, com grandes desafios tecnológicos e diferentes processos


de produção e propostas de valor.

Perspectivas para o Brasil


As dificuldades financeiras da Konarka abriram uma oportunidade para
um projeto de desenvolvimento de OPV em processo R2R que está sendo
conduzido pelo CSEM Brasil, que possui equipe formada por profissio-
nais com experiência na própria Konarka, além da Kodak, IBM, Universal
Display Technologies e ARM. Esse projeto possui apoio financeiro do go-
verno de Minas Gerais, financiamento do BNDES e do fundo de capital de
risco FIR e está posicionado entre os mais avançados processos de produ-
ção em impressão contínua pela Merck, talvez a principal fornecedora de
polímeros para EO.
O OPV já apresenta alguns modelos de comercialização que podem
rentabilizar os primeiros investimentos, principalmente em aplicações
offgrid – painéis integrados em bolsas, exército e defesa civil etc. – e en-
capsuladas em vidro (que aumentam a vida útil), como em teto solares de
automóveis e janelas de edifícios. Todavia, há ainda aspectos técnicos a
serem superados, e a cooperação entre empresas e a possível consolidação
setorial poderão ser relevantes para enfrentar os desafios de desenvolver a
tecnologia, escalar a produção e desenvolver mercados.
O Quadro 8 apresenta uma matriz FOFA para entrada do Brasil em OPV.

Quadro 8 | Análise SWOT para OPV no Brasil

Forças Fraquezas
CSEM Brasil: projeto na fronteira Dificuldade de retenção de mão de obra
tecnológica mundial, com equipe
qualificada e parcerias tecnológicas com
principais centros de P&D
Elevada incidência solar Dificuldade de articular projetos existentes
e concentrar recursos de P&D
Existência de clientes locais (indústria Atrair empresas com porte para levar
automotiva, de vidro, agentes do setor soluções ao mercado
elétrico etc.)
(Continua)
(Continuação) 465
Forças Fraquezas

Complexo Eletrônico
Fontes de recurso para P&D – Aneel, Ainda que em construção, cadeia
BNDES, Finep etc. produtiva encontra-se fora do Brasil
(principalmente Europa)

Oportunidades Ameaças
Janela de oportunidade tecnológica Tecnologia OPV pode não se consolidar
relativamente ampla no mercado ou haver desistência de
grandes fornecedores de insumos
(polímeros)

Baixo interesse das grandes empresas Concorrentes em OPV avançam mais


mundiais (concorrência) rapidamente

Consolidar parceria ou fusão/aquisição de Outras rotas tecnológicas se consolidam


concorrentes (produtos substitutos)

Fonte: BNDES.

Sistemas inteligentes integrados e componentes eletrônicos


Posicionamento da tecnologia
O custo de componentes eletrônicos-chave (circuitos integrados, senso-
res, baterias etc.) tende a corresponder à maior parcela do custo de todos
os componentes dos dispositivos eletrônicos, especialmente os de menor
complexidade (capacidade de processamento e armazenamento). Baterias,
memórias, processadores, sensores, transmissores (RFID) e outros circui-
tos em EO e EI possibilitam o desenvolvimento de sistemas integrados
inteligentes em novos substratos e em custos baixos. Roupas, embala-
gens e etiquetas com capacidade de interagir com o ambiente, produtos
e pessoas abrem uma gama de possibilidades, especialmente onde os dis-
positivos utilizados atualmente possuem mais capacidade do que a neces-
sária para desempenhar funções simples, como em brinquedos, cartões de
embalagens etc. [Gartner (2012)].
Uma área de aplicação com boas perspectivas já no curto prazo é a de
sensores, que, apesar de madura em silício, pode ser uma grande oportuni-
dade para a EO e a EI em virtude de sua flexibilidade, conformidade, mol-
dabilidade e viabilidade de construção em grandes áreas. Nestas últimas,
por exemplo, possibilita a criação de redes de sensoriamento para monitorar
as estruturas de um avião como forma de antever desgastes.
466 Quadro 9 | Potencial dos sistemas inteligentes
integrados e componentes eletrônicos
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

Componente Potencial Barreiras atuais

Bateria Substituição das baterias de Performance, escala (redução


“moeda” e aplicações que requerem de custos) e padronização de
baterias ultrafinas tamanhos

Circuitos Novas aplicações integradas de Performance e miniaturização


integrados baixo custo, biocompatíveis etc.

Sensores Biossensores, sensoreamento de Custos de produção e integração


grandes áreas e sistemas integrados

Fonte: BNDES, adaptado de OE-A.

Apesar de grande esforço dedicado aos transistores orgânicos, as aplica-


ções de EO para memórias, chips e transmissores (RFID) e demais circui-
tos ainda precisam percorrer um longo caminho tecnológico até chegar ao
mercado. Como comentado na introdução deste estudo, a EO está em sua
infância, especialmente para esses dispositivos de mais alta complexidade.
Todavia, o potencial de alcançar um processo produtivo de baixo custo,
personalizável com capacidade de impressão em superfícies não planas,
entre outros atributos, ratifica os investimentos em transistores orgânicos
(especialmente impressos), que atualmente estão mais concentrados nos
institutos de tecnologia.
As áreas mais promissoras no curto prazo envolvem novas aplicações
em sistemas inteligentes, como embalagens e etiquetas. A embalagem
inteligente consiste de impressão de memória, sensor e lógica, para a de-
tecção de uma determinada propriedade – por exemplo, a temperatura de
um alimento sensível a variações térmicas –, e registro do dado sobre o
histórico dessa propriedade do produto para futura leitura e exibição (por
exemplo, vacinas, vinhos etc.). Aplicações em medicina, como as etique-
tas inteligentes aderentes à pele que armazenam pequenas quantidades de
medicamentos e os libera ao longo do tratamento médico, monitoramen-
to de diversas doenças (auxiliando no diagnóstico e até acompanhando o
tratamento) também são promissores, pois a EO possibilita o uso de subs-
tratos flexíveis, transparência, biocompatibilidade e até mesmo serem
digeridos pelo ser humano.
Dadas as barreiras iniciais a serem superadas, empresas e institutos, como
o holandês Holst, têm apostado em soluções híbridas, que combinam a EO
com componentes da eletrônica convencional (de silício). Tal abordagem 467
tende a extrair os benefícios de ambas as rotas tecnológicas e deverá ser

Complexo Eletrônico
especialmente atrativa para os sistemas inteligentes.

Panorama de mercado
O mercado para sensores orgânicos é estimado em US$ 1 bilhão em 2023,
ao passo que o de baterias não chegará a US$ 200 milhões [IDTEchEx (2013)].
Em ambos os casos, a perspectiva é que a EO e a EI ocupem um percentual
diminuto do mercado total.
Empresas baseadas em soluções inteligentes ou são start-ups advin-
das de universidades (como CDT), ou surgiram como spin-offs de gran-
des empresas (como a PolyIC, originada na Siemens), caracterizando
o período como um período ainda nascente da tecnologia. Pela mes-
ma razão, diversas empresas encerraram suas atividades com transisto-
res orgânicos (por exemplo, Motorola, Seiko Epson, PrintedSystems e
PolymerVision), e outras se reposicionaram (como a PolyIC, que trocou
seus investimentos em RFID para uma aplicação mais imediata em filmes
condutores transparentes).

Perspectivas para o Brasil


A área de componentes e sistemas eletrônicos orgânicos e impressos
apresenta uma grande oportunidade para o país. Dado o estágio atual da
tecnologia e a diversidade de dispositivos e produtos que ela pode entregar,
entende-se que há uma boa janela de oportunidade, sobretudo quando se
trata de dispositivos impressos.
Nos médio e longo prazos, as iniciativas em curso no Brasil baseadas na
eletrônica de silício podem convergir para a utilização de eletrônica híbrida
e impressa. A Unitec Blue do Brasil (ex-SIX Semicondutores) tem como
rota estratégica o desenvolvimento e a produção de dispositivos híbridos
(por exemplo, circuitos integrados de fotônica) e de microfluídicos (por
exemplo, biossensores).

Modelos adotados para incentivo à EO e à EI


Embora promissoras, EO e EI são áreas do conhecimento extrema-
mente jovens, que demandam amadurecimento tecnológico para que
se possam alcançar os mercados de massa com rentabilidade mínima.
468 Compreendendo esse aspecto fundamental, os países desenvolvidos estão
alocando parcelas significativas de recursos para pesquisa e desenvolvimento
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

(P&D) nessas áreas.

Focos estratégicos
A Europa está fortemente comprometida com essas áreas, enxergando
nelas uma alternativa para construir um novo ecossistema, após a perda
da cadeia de semicondutores tradicionais para a Ásia. Entre 2007 e 2013,
mais de € 120 milhões de recursos públicos foram aplicados via chamada
FP7 para criar o ecossistema (infraestrutura de P&D e arranjos produtivos).
Mais de quatrocentas entidades (institutos de ciência e tecnologia, pequenas
e grandes empresas) formam mais de 17 clusters em 13 países europeus
(Alemanha, Inglaterra, Áustria, Suíça, Holanda, França, Finlândia, Grécia)
[OE-A (2013)]. A região tem liderança na base da cadeia (materiais orgâni-
cos) e processo produtivo (impressão e deposição a vácuo), contudo enfrenta
dificuldades para estimular as gigantes empresas de tecnologias da infor-
mação e comunicação – com exceção à área de iluminação OLED. Esse
diagnóstico embasa o novo framework Horizon 2020, no qual os objetivos
da União Europeia se estendem para estimular novos modelos de negócios
e empreendedorismo na área.
Por a questão energética ser estratégica para os EUA, seu departamen-
to de energia (USDOE) acompanha as áreas de iluminação e energia foto-
voltaica. Investimentos significativos foram feitos em tecnologia orgânica,
como pela Konarka – falida em 2012 –, e em projetos OLED de ilumina-
ção, havendo atualmente maior ênfase em tecnologias inorgânicas, entre
as quais o CIGS (fotovoltaico) e LED (iluminação) [IDTEchEx (2013);
US DoE (2013)]. Há forte interesse na EI, com liderança mundial no núme-
ro de produtos impressos já desenvolvidos [IDTEchEx (2013)], e empre-
sas start-ups em componentes e sistemas surgindo especialmente no Vale
do Silício (Santa Clara e San Jose) e no entorno de universidades fortes no
tema (Filadélfia e Massachusetts).
Na Ásia, Japão e Coreia têm se destacado no principal mercado –
displays – e também nos esforços de criação do TFT orgânico/impresso
para alcançar, nos médio e longo prazos, a produção por impressão de
displays. Esses avanços serão fundamentais para a evolução da tecnologia de
transistores – que possibilitarão a criação de chips orgânicos e impressos
com desempenho superior. Nesses países, a presença das grandes empresas 469
é intensa – e menor de start-ups –, e elas estão voltadas não somente para o

Complexo Eletrônico
fornecimento de materiais, mas também de equipamentos e produtos finais.
Apesar de poucas informações disponíveis, IDTEchEx (2013) entende que,
em dez anos, a China também estará fortemente presente em EI.
Todavia, todas essas regiões estão desenvolvendo tecnologia de im-
pressão para transistores (por estes se empregarem em diversas aplicações
eletrônicas) e fotovoltaicos (pela questão energética) [IDTEchEx (2013)].

Modelos de desenvolvimento
Em todos os países citados, o papel do Estado para organizar, incentivar
e principalmente financiar os desenvolvimentos é central. Os institutos de
tecnologia estão entre os principais protagonistas, uma vez que a tecnolo-
gia ainda tem muito para evoluir até atingir mercados de grandes volumes.
E o empreendedorismo é outro elemento incentivado, dada a agilidade das
novas empresas em testar os nichos de mercado iniciais.
Na Europa, um modelo muito interessante é o adotado pelo VTT, prin-
cipal instituto de tecnologia da Finlândia, com papel central no desenvol-
vimento da Nokia, entre outras empresas. O instituto é responsável pelo
amadurecimento da tecnologia, com especial foco no desenvolvimento de
soluções híbridas – orgânica e inorgânica – impressas, e tem forte intera-
ção e parceria com os demais centros de P&D no mundo, além de realizar
a prestação de serviços tecnológicos para as empresas que orbitam o seu
ecossistema. Um grande programa para promoção de start-ups – incluin-
do coaching, rodadas de venture foruns, aceleração etc. – é executado para
estimular os novos empreendedores. Em 2014, esse programa já promoveu
três business cases com 10 mil a 100 mil peças produzidas com base em
18 empresas aceleradas.
Nos EUA, são utilizados os instrumentos tradicionais para inovação:
grants dos departamentos de energia e defesa – embora relativamente tí-
midos [IDTEchEx (2013)] –, as universidades e (em poucos casos ainda)
os fundos de venture capital.
No Japão, a organização e articulação entre academia, institutos de pes-
quisa e indústria é notória, tendo a Japan Advanced Printed Electronics
Technology Research Association (JAPERA), com cerca de trinta institutos
de P&D, a função de estimular e promover as parcerias necessárias tanto
470 das grandes quanto das pequenas empresas. Quadro semelhante é encon-
trado na Coreia, com a Korea Printed Electronics Association (KOPEA)
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

realizando esse papel.

Posicionamento estratégico e oportunidades para o Brasil


Quadro geral da EO no país
Como em diversas outras áreas do conhecimento, ao longo dos últimos
vinte anos, o Brasil construiu uma considerável atividade científica em EO.
Podem-se citar o Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (Pronex), de
1996, e a criação do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo), finan-
ciado em sua fundação em 2001 pelo programa Institutos do Milênio. O Ineo
congrega 35 grupos de pesquisa, com 65 pesquisadores e mais de duzentos
estudantes de mestrado e doutorado, e tem por objetivo consolidar a rede
de pesquisadores no país, colocando-se em posição de destaque em relação
às pesquisas básicas e de aplicações em EO, fortalecer a pós-graduação na
área, difundir a EO trabalhando em parceria com o setor público e privado.
Desde 2009, as instituições participantes do Ineo formaram 72 doutores
e 140 mestres e publicaram mais de setecentos artigos em jornais indexados
internacionais. O objeto das pesquisas realizadas pelo Ineo cobre desde a
síntese e purificação de moléculas eletrônicas até a fabricação e caracteri-
zação de dispositivos, naturalmente em escala laboratorial.
A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) de
2004 definiu a nanotecnologia como uma das áreas portadoras de futu-
ro e, mais recentemente, em 2013, o governo federal lançou a Iniciativa
Brasileira de Nanotecnologia (IBN), com cerca de R$ 150 milhões de
investimento,21 destinados para ações em nanoeletrônica, incluindo estru-
turação de laboratórios, cooperação internacional, subvenção econômica,
entre outras destinações.
Além desses recursos, há uma série de outros instrumentos de finan-
ciamento que podem ser acessados para desenvolvedores de tecnologia
em EO. Desde 2007, o BNDES posicionou a EO como área portadora
de futuro, sendo a área foco de apoio do Funtec, fundo de recursos não
reembolsáveis para apoio de projetos de tecnologia desenvolvidos por
institutos de ciência e tecnologia para empresas intervenientes. Ao todo,

21
  Fonte: <http://nano.mct.gov.br/investimentos/>. Acesso em: 5 jun. 2014.
foram submetidos mais de R$ 80 milhões em pedidos de apoio na área, 471
envolvendo projetos de displays e iluminação OLED, OPV e impressão

Complexo Eletrônico
de antenas para etiquetas RFIDs. Até junho de 2014, o Banco possuía
R$ 47 milhões contratados em EO.
Em 2013, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), BNDES e
Finep – Inovação e Pesquisa lançaram uma chamada conjunta no setor de
energia elétrica, buscando combinar os instrumentos de apoio das três insti-
tuições – crédito, subvenção, participação acionária e recursos obrigatórios
em P&D dos agentes do setor elétrico – em planos integrados de inovação,
denominando-se Plano Inova Energia. Com temáticas diversas, ao todo,
foram aprovados cerca de R$ 3,6 bilhões, dos quais R$ 57 milhões foram
destinados a um plano de inovação para desenvolvimento de tecnologia
fotovoltaica orgânica (OPV), tendo sido esse plano contemplado inclusive
com subvenção econômica.
Embora haja uma razoável disponibilidade de recursos humanos e fi-
nanceiros para EO, até o presente momento essas ações estão concen-
tradas ou no âmbito científico – mais especificamente no campo dos
materiais –, com pouco resultado tecnológico mensurável, ou em pou-
cos exemplos de projetos de produtos finais que ainda não alcança-
ram escala comercial, como a língua eletrônica – Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) –, nariz eletrônico – Petrobras e
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/Universidade Católica de
Pernambuco (Unicap) –, OPV – CSEM Brasil – e OLED para iluminação
(Fundação CERTI-Philips).
Não por menos, apenas 16 pedidos de patentes22 foram realizados na
área, e o esforço para formação de recursos humanos especializados acaba
sendo dispersado pela ausência de empresas e institutos capazes de reter
esses talentos.

Oportunidades de geração de valor local


A relevância dos institutos de tecnologia e do empreendedorismo
Esse resultado tímido é compatível com o estágio de desenvolvimento da
EO. Com consideráveis desafios tecnológicos e produtivos nos mais diver-
sos nichos, talvez à exceção da área de displays OLED, na qual o mercado

22
  Contabilizadas patentes de instituições vinculadas ao Ineo.
472 já atingiu maturidade razoável, a EO demanda uma atuação ativa do poder
público para compartilhamento de riscos e apoio na organização do setor.
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

O roadmap tecnológico será atingido em compasso com o roadmap de


mercado, o que significa dizer que as aplicações de nicho precisam ser con-
solidadas para que haja estímulo para avanço nos investimentos em escala
para redução de custos e consequente aumento das aplicações e ampliação
dos nichos de mercado até que se atinja um mercado de massa. É essa a
sequência natural de entrada de uma tecnologia disruptiva, especialmente
quando se trata de criar novos mercados. Como frisado anteriormente, esse
processo pode demorar cinco, dez ou vinte anos.
Essa incerteza sobre a maturidade da tecnologia, aliada, entre outros
fatores, à necessidade de testar e desenvolver diferentes mercados e às
baixas barreiras de entrada da EO – especialmente a obtida por meio de
impressão –, acaba por tornar o setor mais apropriado para empresas pe-
quenas, mais ágeis e propensas a pensar “fora-da-caixa”.
Esse diagnóstico já foi apontado por Assunção (2011), indicando a ne-
cessidade de buscar fortalecer o conhecimento dos institutos de tecnologia
em compasso com o incentivo ao empreendedorismo na área.

Oportunidades para o Brasil


À época dos estudos iniciais do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
(CGEE) em 2007, vislumbrava-se como uma aposta a aplicação em dis-
plays orgânicos (OLED), sensores e células fotovoltaicas [Vaz (2007)]. É
possível dizer que, para a primeira das apostas – os displays –, é imprová-
vel que o país consiga atingir um protagonismo mundial com o paradig-
ma tecnológico e produtivo atual. As empresas asiáticas que dominam a
cadeia da tecnologia vigente (LCD) decidiram investir de forma intensa
na substituição tecnológica, adquiriram os principais ativos produtivos e
de conhecimento para OLED23 e escalaram a produção para estágios hoje
dificilmente alcançáveis para o desenvolvimento de tecnologias centrais
para displays OLED no país.24

23
  Por exemplo: em 2007, a japonesa Sumitomo adquiriu a britânica CDT por R$ 285 milhões; a
Samsung adquiriu, em 2013, a alemã Novaled por US$ 350 milhões.
24
  Por exemplo: em 2013, a LG anunciou investimentos de US$ 650 milhões em fábrica de geração
8 de displays OLED.
O quadro atual (2014) indica que, no médio prazo, há oportunidades para 473
o desenvolvimento em células fotovoltaicas (OPV) – pelo fato de existir

Complexo Eletrônico
projeto no Brasil na fronteira tecnológica em processo de produção –, em
sensores e sistemas inteligentes, pois as cadeias produtivas ainda estão em
formação no mundo em todos os seus elos – nos materiais, processos de
produção, dispositivos, produtos e, fundamentalmente, nos mercados.
Em iluminação OLED, a presença de grandes players de iluminação e
os avanços que são compartilhados com a já dinâmica indústria de OLED
para displays dificultam o desenvolvimento de tecnologias centrais de ma-
teriais, produção ou do bare-OLED. Há ainda potencial significativo de
diferenciação em luminárias e projetos arquitetônicos, além de ser possí-
vel atrair investimentos fabris desses players para compartilhar o risco de
escalar a tecnologia.
Em todos os segmentos, a virtual ausência de uma indústria de química
fina brasileira, somada com o fato de que há grandes players envolvidos,
torna pouco provável que o país tenha protagonismo no desenvolvimento
de materiais, sejam pequenas moléculas ou polímeros. Todavia, há de se
observar que, no longo prazo, em alguns segmentos, o domínio tecnológico
do elo dos materiais torna-se relevante para a manutenção da competitivi-
dade – por exemplo, Samsung adquiriu a NovaLed.

Quadro 10 | Oportunidades e desafios para o país


Materiais Processos Componentes Aplicações
produtivos & dispositivos

Displays OLED

Iluminação OLED

OPV

Componentes e
Sistemas Inteligentes

Desafio: desenvolvimento de pesquisa e fornecedores locais


Oportunidade: atração de investimento produtivo local
Oportunidade: atração de investimento produtivo e desenvolvimento locais

Fonte: BNDES.
474 No longo prazo, há um conjunto de competências que serão relevantes
caso o Brasil deseje ter protagonismo não só nas áreas de EO, mas também
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

em todos os outros materiais inorgânicos:


• técnicas de impressão, como forma de desenvolver uma eletrônica
de baixíssimo custo;
• impressão de transistores, base para diversos dispositivos eletrônicos;
• integração de dispositivos híbridos, sendo relevante para poten-
cializar investimentos que estão sendo feitos na área de eletrônica
convencional no país, como o CEITEC e a Unitec Blue (ex-Six),
destacando-se os chips híbridos.

Proposta de modelo para o Brasil


Partindo das premissas de que: (1) há ainda desafios tecnológicos signi-
ficativos em EO e EI; (2) as inovações e primeiros negócios dependem de
integração ao longo da cadeia de valor e parcerias tecnológicas; (3) o em-
preendedorismo será chave, pois se trata de desenvolver novas aplicações
e novos mercados; (4) há a necessidade de concentrar e manter o aporte
de recursos públicos, pois se trata de um desenvolvimento de longo prazo;
propõe-se o modelo de desenvolvimento apresentado na Figura 10.

Figura 10 | Modelo de desenvolvimento para EO e EI

Ecossistema Eletrônica Orgânica e Impressa


Produtos

Instituto Empresas
Institutos e de tecnologia estrangeiras
Fotovoltaicos
universidades
parceiras
Start-ups
Sensores
Conhecimento Técnicas de Técnicas de e Spin-offs
em materiais produção integração
Universidades orgânicos e (foco: em novos
brasileiras inorgânicos impressão) dispositivos
Empresas locais
Sistemas
(ex.: gráficas) inteligentes

- Pesquisa básica - ICT-empresa Iluminação


- Pré-competitivo
- Formação e cooperação - Seed capital

Financiamento

Fonte: BNDES. Imagens de © CSEM Suíça, © CSEM Brasil e © CERTI.


A concentração de recursos no instituto de tecnologia está em linha com 475
os diagnósticos que apontam a dispersão e desarticulação de recursos de

Complexo Eletrônico
P&D como um dos principais problemas do sistema de inovação no país
e foi um dos principais motivadores da criação da Empresa Brasileira de
Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Tal modelo seria muito importante para complementar a cesta de ins-
trumentos de financiamento para todo o ciclo de amadurecimento tecno-
lógico até a chegada ao mercado. Na base, o financiamento da pesquisa
básica em materiais, engenharia etc. deveria ser feito com ênfase em for-
mação e fortalecimento de universidades na área – por exemplo, Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No ex-
tremo oposto, o financiamento para estimular parcerias entre institutos
de ciência e tecnologia e empresas – por exemplo, Embrapii, BNDES
Funtec e Finep ICT-Cooperativo e Plano Inova Empresa – bem como in-
centivo ao empreendedorismo – por exemplo, Serviço de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas (Sebrae), Agência Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI) etc. – são essenciais.
Cumpre comentar que, como em qualquer área dependente do sur-
gimento de novas empresas, o ambiente de negócios e a facilidade
para abrir e fechar empresas são dificuldades brasileiras estruturais
que devem ser consideradas.
Todavia, há uma importante lacuna a ser preenchida no âmbito da
pesquisa pré-competitiva, realizada na Europa por instrumentos como os
frameworks FP7 e Horizon 2020. Recursos destinados à pesquisa tecnoló-
gica de longo prazo são essenciais para o amadurecimento da tecnologia.
A inserção internacional por meio de parcerias com institutos tec-
nológicos e o rápido acesso a insumos e componentes para pesquisa e
produção local são partes indispensáveis no desenvolvimento de qual-
quer plataforma tecnológica hoje no mundo.
Por fim, a formação de pessoal deve ser considerada em contexto
multidisciplinar – pois envolve áreas do conhecimento diversas, entre as
quais química, materiais, eletrônica e engenharia – e internacional (por
exemplo, Ciência Sem Fronteiras), já que essa nova eletrônica está se de-
senvolvendo fora do Brasil.
476 Conclusões
O tão falado “bonde da história” não passa apenas uma vez quando se
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil

trata do campo das tecnologias de informação e comunicações. A desco-


berta de novos materiais semicondutores orgânicos (e inorgânicos) abre
uma oportunidade de desenvolvimento de longo prazo para o país, espe-
cialmente quando se trata de técnicas de impressão que têm o potencial de
reduzir significativamente os investimentos produtivos e fazer manufaturas
em massa customizadas.
O domínio das técnicas de impressão dos elementos básicos – diodos e
transistores – é chave para que o país participe dessa nova eletrônica que se
descortina. A evolução da ciência dos materiais, com surgimento de novas
moléculas, polímeros e novos sistemas nanoestruturados a cada ano – por
exemplo, grafeno, perovskitas etc. –, reforça a importância de desenvolvi-
mento de competência nesse elo da cadeia de valor.
Nos países líderes, os investimentos na plataforma tecnológica de EO
estruturam-se em clusters cooperativos entre empresas, governo e univer-
sidades. No Brasil, há tradição na pesquisa científica na área, mas ainda há
muito a fazer no campo da pesquisa tecnológica e no desenvolvimento de
produtos e mercados.
O BNDES tem desempenhado um importante papel ao apoiar projetos
na área de EO. Contudo, para que o país dê saltos maiores, é importante
que sejam desenvolvidos instrumentos de financiamento pré-competitivos.
Para além disso, é importante que haja uma política articulada de lon-
go prazo no governo federal – entre Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI), CNPq e Finep; Ministério da Fazenda (MF); Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC); BNDES; e
Planalto – priorizando o tema e as estratégias para criação de instituto tec-
nológico de referência, formação de talentos, entre outras ações.

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