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Dols Avisdo que se desprende: Manet e o observador atento no fim do século xix Jonathan Crary Um dos desenvolvimentos mais importantes na historia da visualidade no sé- ~ culo x1x foi o surgimento, relativamente repentino, de modelos de visao sub- ‘jetiva em uma ampla gama de disciplinas, mais exatamente no perfodo de 1810 “= 1840. No espaco de poucas décadas, discursos dominantes e praticas do “olhar efetivamente romperam com um regime classico de visualidade e funda- mentaram a verdade da visio na densidade e materialidade do corpo. Uma das conseqiiéncias dessa mudanga foi que 0 funcionamento da visio tornou- se dependente da constitui¢do fisiolégica contingente do observador, tor- nando.a visao imperfeita, discutivel e até, argumentou-se, arbitrdria, A partir de meados do século, uma extensa quantidade de trabalhos na ciéncia, na filo- sofia, na psicologia e nas artes estava chegando a um acordo, de diferentes maneiras, quanto ao entendimento de que a visdo, ou qualquer um dos senti- dos, nao podia mais reivindicar uma objetividade ou certeza essenciais. Por volta de 1860, os trabalhos de Hermann Helmholtz, Gustav Fechner e muitos outros haviam definido os contornos de uma crise epistemolégica geral, na qual a experiéncia perceptiva perdera as principais garantias que uma vez mantiveram sua relagao privilegiada com a criacao do conhecimento. E foi como um dos aspectos da ampla resposta a tal crise que, no inicio dos anos de 1870, o modernismo visual tomou forma. A idéia da visio subjetiva — a nogao de que a qualidade das nossas sen- sagoes depende menos da natureza do estimulo e mais da constituigdo e do 67 68 funcionamento do nosso aparelho sensorial — foi uma das condig6es para o "surgimento histdrico das nogées da visio auténoma, isto é, para uma sepa- ragdo (ou liberacéo) da experiéncia perceptiva de sua relagao necessaria e determinada com um mundo exterior. Igualmente importante, a répida acu-_ mulacio de conhecimento sobre o funcionamento de um observador total- jente assumido como um corpo tornou a visao aberta a procedimentos de normalizagao, quantificagao e disciplina. Uma vez determinado 0 fato de que a verdade empirica da visdo situava-se no corpo, os sentidos — ea visao em particular — puderam ser anexados e controlados por técnicas externas de manipulagao e estimulagio, Essa foi a conquista historica da ciéncia da psico- fisica nos meados do século x1x — sobretudo o trabalho do cientista-filésofo Gustav Fechner — que tornou a sensagao mensuravel ¢ firmou a percepcao humana no dominio do quantificavel e do abstrato. A visao, assim, tornou-se compativel com muitos outros processos da modernizacao. A segunda metade do século x1x constituiu um limiar hist6rico critico, em que qualquer dife- renca qualitativa consideravel entre uma biosfera e uma mecanosfera comegou a dissipar-se. Realocar a percep¢do na espessura do corpo foi uma precon- dicdo para a instrumentalizacao da viso humana como um mero compo- nente de novas combinag6es mecanicas. Essa desintegracdo de uma distingao incontestavel entre 0 interior € 0 exterior tornou-se uma condi¢io para o sur- gimento de uma espetacular cultura modernizante. Talvez seja desnecessério acentuiar que quando utilizo a palavra “moder- nizacao” refiro-me a um processo completamente alheio a quaisquer nogGes de progresso ou desenvolvimento, e que é, a0 contrario, uma criagao inces- sante ¢ autoperpetuante de novas necessidades, nova producao ¢ novo con- sumo, As modalidades perceptivas estdo, assim, em um estado constante de transformagao ou, pode-se dizer, em um estado de crise. Paradoxalmente, foi esse momento, quando a légica dinamica do capital comegou a enfraquecer drasticamente qualquer estrutura estdyel ou duravel da percepgao, que essa, logica simultaneamente impés ou procurou impor um regime disciplinar de atengao, Foi também no fim do século x1x, nas ciéncias humanas e, em pai cular, no campo nascente da psicologia cientifica, que o problema da atengao tornou-se uma questo fundamental. A centralidade deste problema estaya diretamente ligada ao surgimento dé um campo social, urbano, psiquico € industrial cada vez mais saturado de informag6es sensoriais. A desatencao, em especial no contexto das novas formas de produgio industrializada, comegou a ser vista como um perigo e um problema sério, apesar de ser ela produzida quase sempre justamente pelas combinag6es muito modernizadas do trabalho. E possfvel ver como um aspecto crucial da modernidade uma crise continua da atencao; ver as configuracées varidveis do capitalismo impulsionando a atengao ea distracao a novos limites e limiares, com a intro- duco ininterrupta de novos produtos, novas fontes de estimulo e fluxos de informacoes, ¢ em seguida respondendo com novos métodos de administrar e regular a percepgao. Desde Kant, com certeza, parte do dilema epistemoldgico da moderni- dade tem sido sobre a capacidade humana de sintese em meio A fragmentagao © 8 atomizacao de um campo cognitivo, Esse dilema tornou-se especialmente acentuado na segunda metade do século xrx, junto com o desenvolvimento de varias técnicas para 0 estabelecimento de tipos especificos de sintese percep- tiva, desde a difusdo em massa do estereoscdpio no inicio da década de 1850 até as primeiras formas de cinema na década de 1890. Depois que as garantias filos6ficas de qualquer unidade cognitiva a priori vieram abaixo, o problema da“manutencao da realidad” passou a depender de uma faculdade de sintese contingente e meramente psicolégica, cujo fracasso ou mau funcionamento estava ligado, no fim do século x1x, a psicose e a outras patologias mentais, Para a psicologia institucional dos anos 1880 ¢ 1890, parte da normalidade ps(- quica era a capacidade de ligar as percepcées de modo sintético em um todo funcional, afastando desse modo a ameaga de dissociacao. Mas 0 que foi quase sempre rotulado como uma desintegracdo regressiva ou patolégica da percep- Go era de fato indicio de uma mudanga fundamental na relacao do sujeito com 0 campo visual. Em Bergson, por exemplo, novos modelos de sintese envolveram a ligagio de percepgdes sensoriais imediatas com as forcas criati- vas da meméria, e para Nietzsche a vontade de poder estava ligada a um domi- nio dinamico e a uma sintese de forcas. Esses outros pensadores estavam em contato com um sistema econd- mico emergente que demandava a atengao de um sujeito em relagao a uma ampla gama de novas tarefas produtivas e espetaculares, mas que também era um sistema cujo movimento interno estava erodindo continuamente a base de qualquer atencao disciplinar. Parte da légica cultural do capitalismo exige que aceitemos como natural a mudanca répida da nossa atencdo de uma coisa para outra. O capital, como troca e circulacao aceleradas, necessariamente produz esse tipo de adaptabilidade perceptiva humana e torna-se um regime de atengao e distragao reciprocas. O problema da atengao estd entrelacado, embora nao seja coincidente, conra historia da visualidade no fim do século x1x, Em uma grande variedade de discursos e praticas institucionais, nas artes ¢ nas ciéncias humanas, a aten- (40 tornou-se parte de uma densa rede de textos e técnicas ao redor da qual a yerdade da visao foi organizada e estruturada. E por meio da estrutura da 69 70 “estrutura histdrica e era articulado em relacao a normas determinadas so aten¢ao, um tipo de invers’io do modelo panéptico de Foucault, que 0 corpo que vé € organizado e tornado produtivo, seja como estudante, trabalhador, consumidor ou paciente. No inicio da década de 1870, e em toda a década de 1880, houve uma explosio da pesquisa ¢ reflexdio sobre essa questo; ela dominou o trabalho influente de Fechner, Wilhelm Wundt, Edward Bradford Titchner, Theodor Lipps, Carl Stumpf, Oswald Kiilpe, Ernst Mach, William James e muitos outros, com questées sobre o status empirico e epistemolégico da atengao. Além disso, a patologia ante uma aten¢ao supostamente normativa foi parte importante do trabalho inaugural de pesquisadores franceses como J. M. Charcot, Alfred Binet, Pierre Janet e Théodule Ribot. Na década de 1890, a aten¢do tornou-se uma questao importante para Freud e foi um dos proble- mas centrais de seu abandono do Projeto para uma psicologia cientifica e de sua mudanga para novos modelos psiquicos. Antes do século x1x, pode-se dizer que a atengao foi certamente um té- pico de reflexao filoséfica, e nas discusses sobre esse problema histérico com freqiténcia encontramos a afirmagao de que a categoria psicolégica moderna da atencao é realmente uma no¢ao mais rigorosamente desenvolvida da aper- cep¢ao, importante de maneiras muito diferentes para Leibniz e Kant. Mas de fato o que € crucial é a descontinuidade histdrica inequivoca entre o proble- ma da atengdo na segunda metade do século xix e seu lugar no pensamento europeu nos séculos anteriores. Edward Bradford Titchner, que se mudou de Leipzig para Ithaca, Nova York, e que foi o primeiro a importar a psicologia experimental da Alemanha para os Estados Unidos, afirmou categoricamente nos anos de 1890 que “o problema da atengao é essencialmente um problema moderno”, embora ele nao tivesse idéia de como 0 sujeito perceptivel parti- cular que estava ajudando a delinear iria se tornar um componente decisivo da modernidade institucional.2 A atencao nao foi apenas um dos muitos tépicos examinados experimen- talmente pela psicologia do fim do século x1x. Pode-se argumentar que uma certa no¢&o de atengao € de fato a condigao fundamental desse conheci- mento. Isto é, muitas das areas cruciais da pesquisa — seja de tempos de rea- @ condicionadas — pressupuseram um sujeito cuja atengao era o local de observacio, classificacéo e mensuragao, e portanto o ponto ao redor do qual , de uma atividade neutra, intemporal, tal como respirar ou dormir, mas sim do , de sensibilidade sensorial e perceptiva, de ato reflexo ou de respostas muit conhecimentos foram acumulados. Nao era uma questao, e surgimento de um modelo especffico de comportamento que tinha uma mente, Qualquer um familiarizado com a histéria da psicologia moderna sabe da importancia simbélica do ano de 1879 — 0 ano em que Wilhelm Wundt fandou seu laboratério na Universidade de Leipzig.3 Independente da natureza especifica do projeto intelectual de Wundt, esse espaco laboratorial e suas praticas tornaram-se o modelo para toda a organizacdo social moder- na da experimentacao psicolégica em torno do estudo de um observador atento a uma ampla gama de estimulos produzidos artificialmente. Para para- frasear Foucault, esse tem sido um dos espagos priticos e discursivos na modernidade no qual 0 ser humano “problematiza o que é”.4 Dada a centralidade da atenc4o como um objeto cientifico, ¢ preciso des- tacar que as décadas de 1880 €1890 produziram uma diversidade desordenada de tentativas contraditérias para explica-la.» Desde entao, o problema da aten- cdo permaneceu mais ou menos no centro da pesquisa institucional empirica, apesar de que, durante todo 0 século xx, posiedes minoritirias na filosofia e nas ciéncias cognitivas a rejeitaram como um problema pertinente ou mesmo significativo.$ Mais recentemente, vemos sua persisténcia nos procedimentos interdisciplinares generalizados das ciéncias sociais e comportamentais, com a diibia classificagao de uma “desordem de déficit de atencao” como um rétulo para criangas indéceis e outros? A proeminéncia da aten¢ao como problema, 0 que teve inicio no fim da década de 1870, é sinal de uma crise generalizada no status do sujeito percep- tivo, No perfodo apés 0 colapso dos modelos classicos de visao e do sujeito estavel e pontual que esses modelos pressupunham, a atengao tornou-se a area mal definida para descrever como um mundo pratico ou eficaz de objetos po- dia surgir para o sujeito que percebe. Inicialmente armado com 0 arsenal quantitativo e instrumental da psicofisica, 0 estudo da atengao pretendia racionalizar o que ele em tltima anilise revelou ser irracionalizavel. Questdes nitidamente especificas foram levantadas — como a atencao filtra algumas Sensagoes e nao outras?, a quantos eventos ou objetos uma pessoa pode pres- tar atengao ao mesmo tempo e por quanto tempo (isto é, quais so os limites quantitativos e psicolégicos da atencao)?, até que ponto a atencao é um ato automiatico ou voluntério, até que ponto ela envolve esfor¢go motor ou energia psiquica? No inicio do behaviorismo, sua importancia diminuiu e ela tornou- se meramente uma quantidade que podia ser mensurada externamente. Na maioria dos casos, no entanto, a aten¢do implicava algum processo de organi- za¢ao perceptiva ou mental no qual um mimero limitado de objetos ou esti- mulos eram isolados de um contexto maior de possiveis atragdes. postulado de Wunde de um centro de atengao localizado nos lobos cere- brais frontais, foi especialmente influente.$ Seu relato definiu a atencao como uma das funcgdes mais integrativas em um organismo cuja constituigio era 7 72 enfaticamente hierarquica, e (pela nogao de que “a ontogenia repete a filoge- nia”) trabalhos sobre a atengdo impregnaram-se de muitas das premissas sociais do pensamento evolutivo dos anos de 1870 € 1880. Talvez mais signifi- cativo tenha sido 0 fato de o modelo de atencao de Wundt, que ele eficazmente equiparou com a vontade, ter se baseado na idéia de que varios processos sen- soriais, motores e mentais eram necessariamente iibidos para se alcangar a claridade e 0 foco restritos que caracterizavam a atengao.? O fato dea inibigéo (ou repressao) ser parte constitutiva da percepsio indica uma reordenaco decisiva da visualidade, o que sugere a nova importancia de modelos baseados em uma economia de forgas e nao numa Stica de representagao. Isto é, um observador normal é conceituado nao apenas em relagao aos objetos de aten- 40, mas também em relagao ao que nao é percebido, as distragées, margens e periferias excluidas ou reprimidas do campo perceptivo. O que ficou claro, embora quase sempre evadido, em diferentes tipos de trabalho sobre @ atengdo, é que se tratava de um conceito volétil. A atengio sempre conteve em si as condic6es para sua propria desintegracao; ela foi assombrada pela possibilidade de seu préprio excesso — que todos nés co- nhecemos tao bem sempre que tentamos olhar para qualquer coisa por muito tempo, Em um sentido, a atengao foi uma caracteristica importante de um su- jeito produtivo e adaptavel socialmente, mas o limite que separava uma aten- cao socialmente util de uma atengao perigosamente absorta ou desviada era profundamente nebuloso e podia ser descrito apenas em relagdo a normas performativas. A atencao ea distracao nao eram dois estados essencialmente diferentes, mas existiam em um Unico continuum, e a atengao era, portanto, como a maioria cada vez mais concordou, um processo dinamico, que se in- tensificava e diminufa, subia e descia, flufa e refluia de acordo com um con- junto indeterminado de varidveis. Para manter essa introducao breve, men- ciono apenas outra parte importante da pesquisa e do discurso inaugurais sobre atencao do fim do século xrx — 0 estudo da hipnose, O hipnotismo, por iuitas décadas, manteve-se desconfortavelmente como um modelo extremo de uma tecnologia de atencao. Como a experimentacao pareceu mostrar, a linha divis6ria entre uma atencao normal focalizada e um transe hipnotico era indistinta; isto é eram essencialmente continuos, e a hipnose foi com freqiién- cia descrita como uma refocalizacao intensa e uma limitacdo da atengdo, acompanhada pela inibigdo de respostas motoras. Talyez mais importante foi a pesquisa ter reyelado uma proximidade aparentemente paradoxal entre 0 sonho, 0 sono ea atencao. Grande parte do discurso sobre a atengao procurou salvar algumas no- des relativamente estaveis da consciéncia e alguma forma de uma relacdo distinta entre sujeito e objeto, mas tendeu mais a descrever apenas uma imobilizacao transitéria de um efeito-sujeito e um congelamento efémero da diversidade sensorial num mundo real coeso. A atengao foi descrita co- mo aquilo que impede a nossa percepgao de ser um fluxo castico de sensa- ¢Ges, contudo a pesquisa mostrou-a como uma defesa incerta contra esse caos. Apesar da importancia da atengao na organizacao e modernizacao da produgao e do consumo, a maioria dos estudos indicou que a experiéncia perceptiva era instavel, que passava por mudangas continuas ¢ era, por a fixidez perceptiva ea apreensao da presenga, mas estava, ao contrério, relacionada & duragao € a0 fluxo, nos quais objetos € sensacao tinham uma existéncia mutante, provis6ria, e era isso em Ultima instancia que obliterava seus objetos. Os ‘discursos institucionais sobre a aten¢ao dependiam da maleabilidade e mo- bilidade dé quem percebia; ao mesmo tempo, procuravam tornar esse fluxo util, controlavel e sociavel. Quanto a sua posicao histérica, entao, a atengao é muito mais do que uma questao de contemplagao, de olhar, de opticidade. Na modernidade, mais ainda, a visao era meramente uma camada de um corpo que podia ser captu- rado, moldado, dirigido por uma gama de técnicas externas, um corpo que era também um sistema sensorial-motor em desenvolvimento capaz de criar e dissolver formas. Quero agora continuar essa discussdo sobre a nova importancia pratica e discursiva da atengio a partir de um ponto de vista mais localizado, por meio da estrutura de um quadro de Manet.£le é importante aqui, ndo tanto como uma figura emblematica que confirma alguns dos relatos mais influentes do modernismo, mas como um entre varios pensadores sobre a visio no fim da ultimo, dispersiva. A atengao parecia estar relacionada década de 1870, que trabalhou em um campo cuja textura discursiva e mate- rial jé estava sendo reconfigurada. Examinarei, portanto, certas caracteristicas do quadro Na estufa [Dans la serre] (1879), em relagao a sua posi¢go em um espaco social no qual a atencao iria cada vez mais se estabelecer como a garan- tia de certas normas perceptivas, e no qual a atengao, em uma ampla gama de discursos institucionais, seria afirmada como uma atividade sintética, uma energia centripeta que seria a cola que amalgama um “mundo real” contra varios tipos de colapsos sensoriais ou cognitivos [fig. 2a]. Segundo diversos criticos, uma das realizagées formais cruciais da obra de Manet, no contexto do inicio do modernismo, foram suas experiéncias de separacao entre fatos préprios da figura¢ao e da representa¢ao, de um lado, e fatos de substancia pictérica auténoma, de outro, e sua aproximacdo a um ponto de ruptura de “informidade” nas telas da sua fase final.1° Em 1878 e 1879, 73 74 24 Na estufa,1879,de Edouard Manet. por exemplo, em Auto-retrato com paleta, Retrato de George Moore e A leitora, ele danca préximo da fronteira dessa possivel ruptura [fig. 2.2]. Pintadas com suavidade e soltura, com uma espécie de velocidade manual; mas também” com uma desatengiio profundamente confiante no objeto e sua coerénci essas imagens apresentam 0 que Georges Bataille chamou de “suprema indi ferenga” de Manet.#* No entanto, escolhi dirigir o olhar para esse exemplo bastante diferente da pintura de Manet, do fim dos anos 1870, que na época foi visto — e conti- nuou a ser — como um afastamento das caracterfsticas de seu estilo mais ambicioso, Exposto no Salao de 1879, Na estufa provocou reacées fortes de criticos importantes da época. Jules-Antoine Castagnary escreveu com um escarnecedor tom de surpresa no jornal Le Siécle: “Mas 0 que ¢ isso? Faces € miaos tracadas mais cuidadosamente do que o usual: Manet esta fazendo con- cess6es ao ptiblico?”.+ Outras resenhas observaram 0 “cuidado” ou “talento” relativos com os quais Manet havia realizado seu trabalho, E a avalanche de comentarios sobre Manet nas ultimas duas décadas daquele século deu relativamente pouca atencio a esse quadro, de certo modo perpetuando sua avaliagéo como uma obra relativamente conservadora. Ele é normalmente classificado como uma das representacoes feitas por Manet da vida contempo- ranea e suas modas, de “la vie moderne”, como uma imagem que traz pouco da inventividade e audacia formal de O bar do Folies-Bergére (1881). Um dos principais estudiosos de Manet insiste que, ao contrdrio de outros quadros do final da década de 1870, 0 homem ¢ a mulher em Na estufa em nenhum momento “oscilam e desintegram-se na luz colorida”. Outros apontaram para “a técnica mais conservadora” e para os “contornos mais contidos” das figuras, em contraste com outros trabalhos de Manet dos mesmos anos.'3 2.2. Aleitora,1879, de Edouard Manet. 75 76 Gostaria de buscar aqui algumas das implicacdes das escolhas de Manet nessa imagem em particular, explorar o que talvez signifique sugerir que ele est4 mantendo algo coeso, trabalhando para “conter” coisas ow para evitar experiéncias de desintegragao. Nao acho que explique muita coisa dizer que a obra é simplesmente uma volta a um “naturalismo” mais convencional, nem mesmo dizer que, impelido por uma série de rejeigdes no Salado de 1870, ele tenha modificado seu estilo na esperanga de uma aceitagao mais ampla dos criticos, porque isso nao dé conta da verdadeira estranheza desse qua- dro, Ao contrario, acredito que Na estufa é, entre muitas outras coisas, uma tentativa de reconsolidar um campo visual que estava sendo de muitas ma- neiras desmontado, uma tentativa de agregar os contetidos simbélicos que resistiram a imobilizagao. Vejo 0 quadro como um mapeamento complexo das ambigitidades da atencao visual que Manet conhecia tao profunda e intuitivamente, e também como uma realizacao de sua prépria relagio mesclada e inconstante com 0 campo visual. O mais importante, talvez, seja ver esse quadro como uma figu- racao de um conflito essencial na légica perceptiva da modernidade, na qual duas tendéncias poderosas esto em jogo. Uma é uma integridade da visio, uma obsessao pela unidade da percepcao para manter a viabilidade de um mundo real funcional, enquanto a outra, mal contida ou aprisionada, é uma l6gica de troca psiquica e econémica, de equivaléncia e substituigdo, de fluxo e dissolugdo que ameaga ultrapassar por completo as posigdes e os termos aparentemente estdveis que Manet parece ter combinado sem esforgo. HA muitos sinais dessa energia de ligacao no quadro, mas talvez o mais surpreendente seja a face feminina cuidadosamente pintada. Como observa- ram criticos contemporaneos, essa face parecia ser uma indicacao clara de uma mudang¢a na pratica de Manet e, de fato, parte das caracteristicas especi- ficas do modernismo de Manet gira em torno do problema que Gilles Deleuze chamou de “rosticidade”.'4 Em grande parte da obra de Manet, a imprecisao e a amorfia da face tornam-se uma superficie que, junto com sua informalidade, nao mais revelam uma introspeccao ou uma auto-reflexio mas, ao contrétio, tornam-se um terreno novo e inquietante que se pode detectar nos tltimos retratos de Cézanne. Mas algo bastante diferente esté em acao em Na estufa,e claramente é mais do que apenas um endurecimento do que tem sido chamado de“o toque irregular e desordenado” de Manet, “seus planos vagos e descui dos”. E, ao contrério, uma volta a uma ordem mais firmemente délimitada da “rosticidade”, uma ordem que resiste ao desmantelamento e & con qualquer coisa externa & hierarquia articulada de um corpo socializado. E mo se para Manet a integridade relativa da face definisse (ou aproximasse) unt certo modo de conformidade a uma realidade dominante, uma conformidade que grande : parte de sua obra evita ou contorna. _ Sustentando essa rosticidade relativamente coesa, ¢ central para 0 efeito de todo o quadro, esta a figura da mulher com espartilho, cinta, pulseira, luva e compressao € restri¢ao.'° Em compa- shia da figura curvada e encolhida do homem, essas indicagdes de corpos regem muitos outros tipos de sujeicao e coagao incluidos nessa construgao de anel, marcada por todos esses pontos de sama corporalidade organizada e inibida. Também podemos observar o modo pelo qual os potes e vasos de flores sinalizam um limite, uma relativa clausura, como instrumentos de domesticagao — ao menos parcialmente, delimitam o rescimento proliferante da vegetacao que cerca as figuras. Até mesmo os su- ‘portes verticais torneados do banco séo pequenos ecos da figura cilhada da snulher, como se a madeira, como uma substdncia maledvel, estivesse compri- smiida no centro por uma presilha. (Esse traco também sugere a repetitividade “mecanica da figura sentada.) Assim, essa imagem é uma acdo que prende,uma teten¢ao de componentes-em circulagao, antes dispersos, em uma aparéncia de ‘unidade pictérica coesa, O resultado, no entanto, é um campo disjunto, com- primido e exaurido de espa¢o. E a tematica da pressao, da compressao é curio- ‘samente sugerida pelo titulo de Manet para esse quadro, Na estufa. A palavra francesa serre, “estufa”, originalmente significava apenas “um lugar fechado”. Etambém uma forma do verbo serrer, que significa apertar, segurar com forga, ‘prender com firmeza, comprimir, = Foi nessa época — fim dos anos 1870 e inicio de 1880 — que uma sobre- posicao extraordindria de problemas tornou-se evidente, nao s6 em algumas praticas do modernismo visual, mas também no estudo empirico da percep- 20 e da cognicao e no entao novo estudo de patologias da linguagem e da percep¢ao, em particular na Franga e na Alemanha. Se, por volta de 1880, cer- tas dreas do modernismo e das ciéncias empiricas estavam explorando 0 campo perceptivo recém-decomposto em varias unidades abstratas de sensagao e novas possibilidades de sintese, pesquisas contemporaneas sobre desordens ‘neryosas recém-identificadas, como histeria, abulia, psicastenia e neurastenia -descreviam varias fraquezas ¢ insuficiéncias da integridade da percepgao e seu colapso em fragmentos dissociados, Junto com a descoberta das desordens lin- giisticas agrupadas na categoria afasia, um conjunto de rupturas visuais afins foi descrito pelo termo ressoante agnosi 17 A agnosia foi uma das primeiras assimbolias, ou debilitagdes, de uma fungao simbélica hipotética. Essencial- ‘mente, ela descrevia uma consciéncia puramente visual de um objeto, isto €, uma incapacidade de fazer qualquer identificacao conceitual ou simbdlica de um objeto, uma deficiéncia de reconhecimento, uma condi¢ao na qual as ap 78 informagGes visuais eram experimentadas com um tipo de estranheza primor- dial. Utilizando a estrutura do trabalho clinico conduzido por Kurt Goldstein na década de 1920, podemos definir a agnosia como um estado no qual obje- tos,em um campo perceptivo, deixam de ser integrados em uma plasticidade pfatica ou pragmatica, com coordenadas intencionais ou vividas. Se o estudo da afasia estava limitado a uma reconfiguragao especifica~ mente moderna da linguagem, o estudo da agnosia e outras rupturas visuais produziram uma gama de novos paradigmas para a explicacao da percepeio humana. Para o pensamento classico, o sujeito que percebia era geralmente um receptor passivo de estimulos de objetos exteriores, os quais formavam Ppercepgoes que espelhavam o mundo exterior. As duas ultimas décadas do século x1x, no entanto, deram origem a nogées de percepgao nas quais 0 su- jeito, como um organismo psicofisico dinamico, construfa o mundo ao seu redor ativamente, por uma complexa disposi¢ao em camadas de processos sensoriais e cognitivos dos centros cerebrais superiores e inferiores. Com ini- cio na década de 1880 e continuagao durante a década de 1890, varios modelos de processos neurais holisticos ¢ integrativos foram propostos, em especial no trabalho de John Hughlings-Jackson e Charles Sherrington, que contestaram modelos delimitantes e associacionistas. Como resultado de seu trabalho nos anos de 1880, Pierre Janet postulou a existéncia do que chamou de “funcao de realidade”. Ele viu repetidas vezes pacientes apresentando o que pareciam ser sistemas fragmentados de resposta sensorial, que descreveu como uma capacidade reduzida de adaptagao a reali- dade. Um dos principais sintomas da perda da chamada fungao de realidade era a incapacidade de uma conduta atenta normal. Mas essa insuficiéncia po- dia tanto ser o enfraquecimento da atengao encontrado na psicastenia e nas abulias, quanto sua intensificacao observada em idéias fixas e monomanias. O trabalho de Janet, nao importa 0 quanto tenha sido desacreditado por sua “incorre¢ao” em relagao a histeria, é particularmente valioso por sua descricao formal de tipos diferentes de dissociacao perceptiva. O que é im- portante nao é a classificagao quase sempre exorbitante que Janet elabora acerca de varias neuroses, mas sim sua descricado de sintomas comuns que afetaram tantos tipos diferentes de pacientes: varias formas de divisao e fragmentacao da cognicao e da percepgao, o que ele chamou de désagréga- tion, capacidades amplamente varidveis para alcancar sinteses ¢ disjuncdes perceptivas, ou o isolamento de formas diferentes de resposta sens6ria.** Ele registrou repetidamente constelacoes de sintomas que envolviam desarran- jos perceptivos e sensoriais nos quais sensacées e percepcdes auténomas, por meio de sua dissociacao e cardter fragmentado, adquiriram um novo nivel de intensidade. Mas se destaco Janet, é simplesmente porque ele foi um entte muitos pesquisadores que descobriram quao volétil pode ser o campo perceptivo e quanto as oscilagGes dinamicas da consciéncia perceptiva e formas moderadas de dissociacao eram parte do que ele considerou com- portamento normal. A nogao de que a subjetividade é uma reuniao proviséria de componentes méveis e mutaveis estava implicita nessas teorias dinamicas de cognicao e per- cepgao, Ainda mais explicita, talvez, era a idéia de que a sintese efetiva de um “mundo real” era, em grande medida, sinénimo de adaptagao a um ambiente social. Assim, em varios estudos sobre a atencao havia uma tentativa firme, mas nunca totalmente bem-sucedida, de distinguir duas formas de atengio. A primeira era a atencao consciente ou voluntéria, normalmente orientada por tarefas e quase sempre associada com comportamentos mais elevados e desen- volvidos. A segunda era a atenc4o automética ou passiva, o que para a psicolo- gia cientffica inclufa as dreas da atividade habitual, fantasias, devaneios ou outros estados absortos ou moderadamente sonambulos. O limiar a partir do qual qualquer um desses estados podia se tornar uma obsessao socialmente patolégica nunca foi claramente definido e podia apenas tornar-se evidente com alguma falha clara de desempenho social. Voltemos agora para Manet: uma das caracteristicas mais ambivalentes significativas do quadro é 0 estado da mulher sentada. Como comecar a carac- terizd-la ou situd-la historicamente? Sem diivida, na obra de Manet existem muitas figuras e faces que podem ser associadas a esta, Ela é simplesmente um outro exemplo da palidez, do vazio psicalégico ou do descomprometimento, com freqiiéncia relacionados a Manet? Talvez. Mas acredito ser possivel espe- cificar e avancar essa leitura. Jean-Jacques Courtine e Claudine Haroche, no livro Histoire du visage, afirmam que no século x1x um novo regime de facia~ lidade tomou forma.!9 Depois de 0s significados da face humana terem sido explicados por trés séculos pela ret6rica ou linguagem, a face no século xix passa a ocupar uma posicao precaria ao pertencer a um ser humano tanto como organismo fisiolégico, quanto como sujeito individualizado, privatizado esocializado. Courtine e Haroche véem A expressdo das emogées no homem e nos animais, de Charles Darwin, publicado em 1872, como pertencente a um snundo nao mais em comunicacao com aquele de Le Brun. A obra de Darwin €indicativa do status de cisao que a face adquiriu — ela tornou-se ao mesmo tempo sintoma do funcionamento anatémico e fisiolégico dé um organismo e, em sua impenetrabilidade relativa, a marca do sucesso ou fracasso de um pro- <=sso de autodominio ¢ controle implicito na construcao social de um indivi- zo comum, Em especial, é no campo da patologia mental, com suas andlises 79 80 especificamente modernas de histerias, obsessGes, manias e ansiedades, que a face, com toda a sua mobilidade intrinseca, torna-se sinal de um continuum inquietante entre o somatico e 0 social. Com a idéia desse continuum em mente, e tomando a face e os olhos como uma chave especial, é posstvel ver a mulher como uma imagem clara de uma apresentagio publica de um dominio impassivel do ego (talvez um autodomi- nio em resposta a alguma observacao ou proposta verbais do homem), que, no entanto, coexiste com o fato de estar presa a algum comportamento total- mente ordindrio e involuntério ou automatico. E de novo Manet, que pintou a face com definicao incaracteristica, nos permite levantar questdes especifi- cas.2° Ela estd perdida em pensamentos, ou em absorc¢ao vazia, ou esté naquela forma de atencao imobilizada que faz fronteiracomumtranse? E dificil pensar em outra fisionomia de Manet com essa qualidade inerte de figura d de cera. Em certo sentido, nos é mostrado um corpo cujos ¢ olhos_ estao abertos, mas nao véem — isto é, néo apreendem, nao fixam, nao se apro- priam de um modo pratico do mundo ao redor deles, olhos que até mesmo denotam um estado momentaneo comparavel & agnosia [fig. 2.3]. Reafirmaria aqui que nao é tanto uma questao de visdo, de olhar fixo, quanto de um com- prometimento perceptivo e corporal mais amplo (ou talvez descomprometi- mento) com uma diversidade sensorial. Se é possivel ver aqui a sugestao de sonambulismo, é simplesmente como um estado de esquecimento em meio a vigilia, a persisténcia indefinida de um sonhar acordado passageiro. Pesquisas do inicio dos anos 1880 deixaram claro que estados aparentemente sem im- portancia e cotidianos de devaneio podiam transformar-se em auto-hipnose. William James, também ele pintor por um tempo, em seu Principles of Psycho- logy, que comegou a escrever em 1878, descreve como esses estados sao inse~ pardveis do comportamento atento: Esse estado curioso de inibigao pode, pelo menos por alguns poucos momentos, ser produzido pela vontade, fixando-se 0 olhar no vazio ... atividades mecénicas monéto- nas que acabam sendo realizadas automaticamente tendem a produzi-lo ... os olhos sto fixados no vazio, os sons do mundo fundem-se em uma unidade confusa, a aten- ¢ao torna-se dispersa de modo que todo o corpo é sentido como estd, de uma vez, e 0 primeiro plano da consciéncia é preenchido, se nao por qualquer coisa, por um tipo de sensacao solene de rendigéo ao passar vazio do tempo. No segundo plano obscuro da nossa mente, sabemos 0 que deveriamos estar fazendo: levantar, nos vestir, responder a pessoa que falou conosco... Mas de algum modo ndo podemos comegar. Esperamos que o feitico se quebre a cada momento, porque sabemos que nao hé nenhuma razéo para que ele continue, Mas ele continua, pulsacao apds pulsacao, e flutuamos com ele. 8&1 2.3 Detalhe de Na estufa, Sabe-se que tanto em estados sonambtilicos quanto em hipnoticos, sensa- Ges, percepcoes e elementos subconscientes podem desprender-se de uma sfntese unificadora e tornar-se elementos flutuantes, separados, livres para fazer novas conexées. E hé uma similaridade curiosa entre a relagdo espacial das figuras desse quadro e uma das primeiras formas de pratica terapéutica surgida dos trabalhos de Charcot, Janet € outros, no inicio dos anos 1880, no hospital de Salpétritre: um método de ficar atrds de pacientes supostamente histéricos e murmurar-lhes enquanto pareciam estar preocupados e desaten- tos aos seus arredores, 0 que fazia parecer possivel realmente comunicar-se com um elemento dissociado de uma subjetividade fragmentada.* O quadro de Manet é sobre uma experiéncia mais generalizada de disso- ciagéo, mesmo quando mantém uma superficie aparentemente unificada, mesmo quando afirma a eficdcia de uma “fungao de realidade”. Consideremos como Manet pintou os olhos do homem (ou, mais precisamente, como ele apenas os insinuou). Manet sugere aqui uma atengio e/ou distragao ainda mais ambiguas, nas quais a pontualidade da visio é desfeita, Nao ha dominio visual, nem forca ocular aqui. Seus dois olhos sao mostrados como separados, uma dissociagao literal — um olho, aparentemente aberto, olhando além e, talvez, um pouco acima da mulher abaixo dele. Do seu outro olho, tudo 0 que vemos é a pélpebra ¢ os cilios abaixados. Talvez esteja olhando para o guarda- chuva da mulher, sua mao enluvada ¢ a luva solta que ela segura, as pregas de sua saia, talvez até mesmo para o anel em seu dedo. Mas o que quer que ele veja, é como se fosse um campo desunificado, com dois eixos Gticos dispares, eele vé isso. com uma atencao que é continuamente desviada e desalinhada no mundo interno/externo comprimido da estufa.5 Assim, em uma obra que descreve duas figuras aparentemente atentas, Manet revela uma atencao que foi, na verdade, envolyida em dois estados dife- rentes de distracdo, nos quais a estabilidade e a unidade do quadro comegam a corroer. Essa superacao ou perturbacao da aten¢ao normal, seja como auto- hipnose ou algum outro estado moderado, similar a um transe, propicia con- dicdes para novas sinteses varidveis e transitérias, e vemos nesse quadro um conjunto completo de cadeias associativas que fazem parte de uma economia libidinosa que excede a ldgica forgada da obra. Freud, em particular, relacio- nou uma aten¢ao varidvel involuntéria com a hipnose e com 0 estado que pre- cede imediatamente o sono.*4 Existem os deslizes e deslocamentos metafori- cos dbvios € nao tao dbvios entre o charuto, os dedos, os anéis nos dedos, 0 guarda-chuva fechado, o pulso com bracelete ea cadeia de flores como se fosse um logogrifo que se torna orelha, olhos e depois flores novamente. Quo modo em que a extremidade do dedo do homem esté curiosamente atenuada em uma ponta como as enormes folhas verdes pontiagudas atras dele, ou 0 jogo entre as folhas da planta invasora & direita do homem e as pregas da saia da mulher. Podemos olhar para o deslocamento casual das pernas do homem na altura dos dois vasos de cor similar do lado inferior direito. E possivel prosse- guir, mas essas sao algumas das maneiras pelas quais a aten¢do, como uma fungao seletiva ou, alguns podem dizer, repressiva, afasta-se de si prépria, dis- persando a coesao da obra. E isso acontece em meio a compressio total do aco, que parece dobrar-se e ondular-se em certos pontos, em especial no canto inferior esquerdo onde estao os dois vasos, com sua relagao desorde- nada entre figura e fundo. Ao mesmo tempo, € possivel mapear uma trajetéria maior, na qual a quebra e a mudanca de uma atenc4o normalizadora para uma distracéo dispersiva é a condicdo para sua remontagem e seu reatamento nas leis repetitivas do inconsciente. Além do que sugeri até o momento, outro sinal dbvio da energia de liga- ao da obra vem com certeza das duas aliangas de casamento, préximas uma da outra, perto do centro do quadro.*5 Desde que 0 quadro foi exposto pela primeira vez, muito se tem especulado quanto & inten¢ao de Manet de mostrar um par conjugal (e de fato seus modelos para esse trabalho eram casados) ou um encontro afirmaria que essa indeterminagao é uma parte crucial do trabalho. Ela sugere a relagao dividida de Manct com seu tema — trata-se, ao mesmo tempo, de uma imagem de estado conjugal e de adultério. Isto é, os anéis de casamento € aunido que cles implicam esto relacionados a um campo de posicbes fixas, de (cito entre um homem e uma mulher casados com terceiros. Eu limites, de desejo contido e canalizado, um sistema no qual o casal € uma estagnagao que prende [fig. 2.4]. Um dos significados originais da palavra ale- ma bindung era a colocagao de arcos em um barril de liquido, isto é, um refrea- mento de fluxo, como o torso cintado, espartilhado da mulher que faz parte dessa “contengao” obsessiva. E ¢ possivel até sugerir que a estrutura da obra,na qual o masculino e o feminino sio mantidos separados pela grade do banco e diferenciados por seus dois campos de visao sem comunicagao, seja uma noiva ¢ um solteirao “desabrochantes” enredados em uma maquina verdejante de incompletude perpétua. Mas curiosamente, a traducdo francesa do bindung de Freud ¢ liaison.26 Isto 6, se a liaison (ligacdo) € 0 que mantém coisas juntas psiquicamente, a figuragao de uma ligacdo adtiltera nese quadro é também o que enfraquece essa propria ligacao. O adultério, no contexto da moderniza¢ao, nao tem mais © Status transgressivo, mas é 0 que Tony Tanner chama de “um cinicismo de formas”, meramente outro efeito de um sistema dominante de troca, circula- G40 e equivaléncia que Manet péde confrontar apenas indiretamente.7” 83 84 2.4 Detalhe de Na estufa. Os dedos que por pouco ndo se tocam é um nao-acontecimento central. Eles sugerem uma tatilidade que se tornou anestesiada ou mesmo paralisada. E uma imagem de atengao na qual hé uma inclinacao e uma distancia entre sistemas diferentes de resposta sensorial, uma atenuagao da consciéncia md- tua dos sentidos, digamos, entre o ato de ver e de cheirar,?8 Seria dificil nao considerar aqui a sugestao de uma aten¢ao olfativa do tipo descrito por Freud em uma carta a Wilhelm Fliess, na qual ele enfatizava que 0 cheiro das flores € 0 produto desintegrado de seu metabolismo sexual.*? Também temos a sepa- ragao entre a mao enluvada da mulher e a outra mao desnuda, pronta para receber ou iniciar uma carfcia. Mas a mao do homem parece conformada em um dedo que aponta, como se a indicar um foco de atengao que diverge de sew jé ambivalente olhar, e em uma dire¢ao oposta aquela indicada pelo guarda- chuva, Poderia ele estar apontando para a mao estranhamente desligada do corpo e para o pulso excessivamente inclinado da mulher? Uma curvatura que éanatomicamente tao extrema quanto muitas imagens de contratura histérica? (Alfred Binet, Richard Krafft-Ebing e outros, na década de 1880, observaram uma prevaléncia, em especial em homens, de um fetichismo das maos.) De qualquer modo, o caréter congelado da cena, ou 0 que poderfamos chamar de seu sistema vigoroso de fixaces e inibiges, coexiste com uma outra légica de errance, com a errancia de um corpo sensorial que procura caminhos fora dos compromissos estabelecidos de todos os tipos. Bum olho nao fixo que esta sempre na dobra entre a aten¢ao ea distragao. Esta mesma dobra, onde a atengao produz sua prépria dissolucao, assume forma concreta nas pregas da saia da mulher, quase como a extremidade sem pernas de uma sereia encalhada no banco da estufa, e abre toda uma nova organiza¢io da distragao, com a qual muito da obra final de Manet estd entre- facada. Ele nos mostra aqui uma imagem bastante detalhada do que é clara~ mente uma moda de 1879, o chamado vestido de passeio estilo princesa, com seu espartilho bem ajustado, na altura dos quadris, saia dupla e mangas justas com punhos levemente alargados nos pulsos. E com 0 surgimento do mundo mercantil da moda que a efemeridade da atencdo entra em jogo como um componente produtivo da modernizacao. O que esté exposto aqui, cujo corpo serve simplesmente de armagao para a mercadoria, é um congelamento mo- mentaneo da visao, uma imobilizagao temporaria em uma economia de fluxo ¢ distracao permanentemente instalada. ~~ Manet, em 1879, encontra-se préximo de um momento decisivo do status visual do artigo de moda — foi por volta de um ano depois que Fredric Ives patenteou seu processo de impressao em meio-tom, que permitiu que as fotografias fossem compostas e reproduzidas na mesma pagina que a tipo- grafia, em escala, um novo campo virtual da “mercadoria como imagem” e que estabeleceu novos ritmos de atengo os quais irao cada vez mais se tor- nar uma forma de trabalho: o trabalho como consumo visual. Nesse quadro, temos Manet desvelando com elegancia o que Walter Benjamin iria articu- lar sem rodeios no Trabalho das passagens (Das Pasagenwerk); além de for- necer uma imagem do que 0 filésofo alemao chamou de“o entronamento da mercadoria”, o quadro ilustra a observagio de Benjamin de que a esséncia da moda “reside em seu conflito com 0 orgdnico. Ela une o corpo vivo ao mundo inorganico, Em oposi¢ao ao vivo, a moda afirma os direitos do cadé- ico”.3° Assim, apesar do jogo de Manet com a imagem de mulheres ‘adornadas como uma flor entre flores, ou da moda ver 0 apelo sexual do inorgani como um avanco florescente em uma apari¢do luminosa do novo, a merca- doria é parte da ampla organizacao sufocante do quadro. A moda trabalha para prender a atengao em sua prépria pseudo-unidade, mas ao mesmo tempo é a mobilidade ¢ a transitoriedade intrinsecas dessa forma que en- fraquecem a tentativa de Manet de integrd-la na fisionomia de um espaco 85 86 Pictérico coeso ¢ que contribui para o desarranjo da atengao visual plane- jada cuidadosamente em sua superficie. La Derniére mode, a revista publicada por Mallarmé em 1874, foi uma das primeiras e mais penetrantes exploragdes desse novo terreno de objetos e eventos. La Derniére mode é uma decomposicao e um deslocamento caleidos- c6pico dos objetos que sio evocados com tanto brilho.A atengao em Mallarmé, como observou Leo Bersani, sempre se afasta de seus objetos, minando qual- quer possibilidade de uma presenca totalmente percebida.>'O mundo emer- gente dos artigos de moda e da vida estruturada como consumo, ao menos durante varios meses no outono de 1874, revelou para Mallarmé um presente impossivel de ser apreendido, um mundo insubstancial que parecia alinhado com sua prépria negacao sublime do imediato. Manet, em certo sentido, fornece uma solidez e presenga palpavel ao que permanecia evanescente para Mallarmé, mas mesmo aqui 0 artigo de moda esta presente como um tipo de vacancia, assombrado pelo que Guy Debord descreve como seu deslocamento inevitdvel do centro de aprovacdo ea revela- cao de sua pobreza essencial. Nesse novo sistema de objetos, baseado na pro- dugao continua do novo, a atengao, como ensinaram os pesquisadores, foi mantida e realgada pela introducao regular da novidade. Historicamente, esse regime de atengao coincide com 0 que Nietzsche descreveu como um niilismo moderno: um esgotamento do significado, uma deterioracao dos sinais, A aten- 540, como parte de um relato normalizador da subjetividade, passa a existir apenas quando as experiéncias da singularidade e da identidade sao sobrepu- jadas pela equivaléncia e troca universais. Parte da precariedade de Na estufa esté em como o quadro figura a aten- 40 nao somente como algo constitutivo de um sujeito na modernidade, mas também como aquilo que dissolve a estabilidade e a coeréncia de uma posicao do sujeito. E em um sentido crucial, a obra, no seu uso das duas figuras, esta equilibrada em um limiar além do qual uma visao atenta iria sucumbir em um afrouxamento de coeréncia e organizagao, Manet talvez soubesse intuitiva- mente que o olho nao € um 6rgao fixo, que ¢ marcado pela polivaléncia, por intensidades desiguais, por uma organizagao indeterminada, ea atengao con- tinuada em qualquer coisa atenuaré o carater fixo da visio. Gilles Deleuze, escrevendo sobre o que chama de “a relacao especial entre a pintura e a histeria’, Sugere que para 0 histérico os objetos esto muito presentes, que um excesso de presenca torna a representagao impossivel e que o pintor, se nao for re- freado, tem a capacidade de desprender os aspectos da representacao.:3 Para Deleuze, o modelo classico de pintura esta relacionado a afastar a histeria que estd to prdxima de seu amago. Na estufa, como indiquei, revela portanto Manet (por varias possiveis raz6es) tentando recuperar de modo ambivalente alguns dos termos daquela classica supressao e limitacdo. Mas 0 resultado é algo bastante diferente de um retorno aum modelo anterior, e procurei sugerir a gama de disjungées na ati- vidade sintética de Manet nessa obra. Talvez a caracteristica mais notavel do quadro para evitar 0 estado de circunscricao, de estar preso ou fechado (“dans Ja serre”), seja a malha emaranhada de verde atrds das figuras.>4 Seria isso 0 que também preenche o outro lado da sala, um possivel objeto da atencao ou distragao da mulher? Manet aplicou uma camada tao espessa de tinta na vege- tagao ao redor das figuras que ela se destaca como uma saliéncia invasora ao redor delas; o verde esta assim fisicamente mais perto da nossa visao do que as pr6prias figuras. Essa zona turbulenta de cor e proliferacao excede sua domes- ticacao simbélica e deixa de funcionar como parte da relagao figura/ fundo. Ela torna-se o sinal de uma ordem perceptiva alheia as relacoes que Manet procurou congelar ou estabilizar ao redor das duas figuras. E um local no qual a atengao € envolvida em sua prépria dissolugio, na qual pode passar de um estado fixo para um mével. E em meio a continuidade entre esses estados que a ‘visdo pode se desgarrar das coordenadas de seus determinantes sociais. E isso €0 que a compressao de Manet pode controlar apenas imperfeitamente — um estado de aten¢ao que iria se perder fora daquelas distingdes. Quanto ao projeto m: importante sugerir algumas outras organizacGes da atencao visual, outras redes de ligacao e sintese perceptivas que estavam tomando forma nessa época. Na série Luva [Glove], de Max Klinger, que ele trabalhou no fim da década de 1870, 0 campo perceptivo € mantido unido por um tipo bastante diferente de confi- gurasao libidinosa e uma experiéncia bastante diferente de ambigilidade visual [figs. 2.5, 2.6].35 A luva e outros pontos potenciais de fixagao em Na estufa nao tém nada do investimento sobrecarregado que a luva tem em Klinger, onde a atengao ultrapassa qualquer sintese normalizadora para se tornar exclusiva- mente determinada por um contetido singular. O que é crucial sobre o ciclo de Klinger é 0 modo como a visao, embora obsessivamente delimitada e focada, amplo do qual este trabalho faz parte, talvez seja estd ao mesmo tempo dispersa em movimentos seriais e metamérficos. A aten- 40, mesmo estando aparentemente ligada 4 luva, abre-se delirantemente como um proceso dinamico e produtivo. Ela traca um caminho mével e desigual de imagem em imagem, paralelo aquele terreno social emergente no qual fluxos de desejo e a circulagdo das mercadorias iro sobrepor-se incessantemente, Em um breve aparte histdrico em seu livro sobre cinema, Gilles Deleuze insiste que a crise de percepcao no fim do século xrx coincide com 0 momento no qual nao era mais possivel manter uma determinada posi¢ao, e ele indica a 87 88 2.5. A luva: ado [A Glove: Action], 1881, de Max Klinger. 2.6 A luva: ansiedade [A Glove: Anxieties], 1881, de Max Klinger. 2.7 Disco do zoopraxisnoscépio. 89 90 ampla gama de fatores que introduziram cada vez mais movimento na vida psi- quica.s* E especialmente significativo que as duas primeiras imagens da série Luva sejam sobre patinar: 0 observador novamente como um corpo cinético que vé, colocado em movimento, para deslizar ao longo de trajetérias sociais incertas. Além disso, tanto a estufa quanto o ringue de patinagao eram dois dos “espacos de sonho” publicos, como chamados por Benjamin, o que abriu novas arenas de consumo visual e proporcionou a possibilidade para itinerarios ¢ encontros libidinosos antes desconhecidos. As tarefas futuras de um sujeito atento também foram prenunciadas em 1879, quando Eadweard Muybridge construiu seu zoopraxinoscépio, um dis- positivo de projecao para a criagado de imagens em movimento que operava por meio de uma ligagao tenologicamente induzida de sensagdes visuais [fig. 27]. Ele o levou a Paris em 1881, para algumas célebres demonstracées dirigidas a grupos de artistas e cientistas.s7 Esse dispositivo é um dos muitos elementos empregados na automagio da percepgao e na sintese mecdnica da chamada realidade objetiva que foram iniciados em meados do século x1x ¢ que seguem ainda hoje as mesmas linhas em outras atividades. Apesar de suas diferencas, Muybridge e Klinger estao relacionados reciprocamente por seus desdobra- mentos temporais de aten¢ao: 0 primeiro como uma redundancia de posigao métrica e inflexivel, o segundo, como um sistema némade de transformagées psiquicas. Mas, logo no inicio do século xx, esses dois pélos irdo se tornar ele- mentos que se sobrepdem em uma organizacao generalizada do espetéculo. Mesmo antes da invengio real do cinema em 1890, no entante, fica claro que as condigées da percepcao humana estavam sendo remontadas em novos componentes, A visdo, em uma ampla gama de locagées, foi refigurada como dinamica, temporal e sintética, O declinio do observador classico pontual ou ancorado come¢ou no inicio do século x1x, cada yez mais deslocado pelo su- jeito atento instavel, cujos contornos variados procurei esbogar aqui. Trata-se de um sujeito competente tanto para ser um consumidor quanto um agente na sintese de uma diversidade prospera de “efeitos de realidade”, um sujeito que ird se tornar 0 objeto de todas as induistrias da imagem e do espetaculo no século xx. Mas se a padronizacao e regulacao da atencao constituem um ca- minho para os espacos do video e cibernéticos do nosso presente, a desordem dinamica inerente ao estado de atencao, que a obra de Manet comeca a desvelar, expressa outro caminho de invengao, dissolugao e sintese criativa que supera a possibilidade de racionalizacao e controle. Notas Veja meu Techniques of the Observer: On Vision and Modernity in the Nineteenth Century, Cambridge: arr Press, 1990. Experimental Psychology, Nova York: Macmillan, 1901, ¥.1,p. 186. Sobre Wundt e os primérdios do laboratério de psicologia, ver Kurt Danziger, Constructing the Subject: Historical Origins of Psychological Research, Cambridge: Cambridge University Press, 1990, pp. 17-33. Ver também Didier Deleule,The Living Machine: Psychology as Orga- nology”, em Jonathan Crary & Sanford Kwinter (orgs.), Incorporations, NovaYork: Zone, 1992, Pp. 203-33. Michel Foucault, The Use of Pleasure, trad. Robert Hurley, Nova York: Random House, 1985, p.10, [Histéria da Sexualidade 1r, 0 uso dos prazeres, trad. Maria Thereza da Costa Albuquer- que, Sao Paulo: Graal, 1984.] Alguns dos muitos trabalhos sobre esse tema durante esse periodo sao: William James, The Principles of Psychology, v.1 [1890], reimpr., Nova York: Dover Publications, 1950, pp. 402-585 Théodule Ribot, La Psychologie de attention, Paris: F Alcan, i889; Edward Bradford Titchner, Experimental Psychology: A Manual of Laboratory Practice, Nova York: Macmillan, 1901, pp. 186-328; Henry Maudsley, The Physiology of Mind, Nova York: Appleton, 1893, pp. 308-21; Oswald Kiilpe, Outlines of Psychology (orig. pub.em 1893), trad. para o inglés de E. B.'Titchner, Londres: Sonnenschein, 1895, pp. 423-54; Carl Stumpf, Tonspsychologie, Leipzig: S, Hirzel, 1890, v. 2 pp. 276-317; E. H. Bradley, “Is There Any Special Activity of Attention”, Mind 11, PP-305-323,1886; Angelo Mosso, Fatigue (orig. pub. em 1891), trad. para o inglés de Margaret Drummond, Nova York: G, P. Putman, pp. 177-208; Lemon Uhl, Attention, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1890; George Trumbull Ladd, Elements of Physiological Psychology, Nova York: Scribners, 1887, pp. 480-97, 537-47: Eduard von Hartmann, Philosophy of the Unconscious (orig. pub. em 1868), trad. para o inglés William C, Coupland, Nova York: Harcourt Bruce, 1931, pp. 105-8; G, Stanley Hall, “Reaction Time and Attention in the Hypnotic State”, Mind 8, pp.170-82, abril de 1883; Georg Elias Miiller, Zur Theorie der sinnlichen Aufimerksamkeit (orig. pub. em 1873), Leipzig: A. Adelmann, s..; James Sully,"The Psycho-Physical Processes, Attention”, Brain 13, pp. 145-64, 1890; John Dewey, Psychology, Nova York: Harper, 1886, Dp. 132-35; Henri Bergson, Matter and Memory (orig. pub. em 1896), trad. para o inglés de \W.S, Palmer ¢ NM. Paul, Nova York: Zone Books, 1988, pp. 98-107; Theador Lipps, Grundtat- sachen des Seelenlebens, Bonn: M. Cohen, 1883, pp. 128-39; L. Marillier, “Remarques sur Ie mécanisme de attention”, Revue philosophique, v. 27, pp.566-87.1889; Charlton Bastian, “Les Processus nerveux dans attention et la volition”, Revue philosophique, v. 33, pp. 353-84, 1892; James McKeen Cattell, “Mental Tests and Their Measurement”, Mind 15, pp.373-B0, 1890; Josef Clemens Kreibig, Die Aufinerksamheit als Willenserscheitung, Viena: Alfred Holder, 18975 H. Obersteiner, “Experimental Researches on Attention”, Brain 1, pp. 439-53, 1879; Pierre Janet, “Btade sur un cas d’aboulie et d'idées fixes”, Revue philosophique, v. 31, pp. 258-87, 382-407, 1891; Sigmund Freud, “Project for Scientific Psychology”, em The Origins of Psycho-analyses, trad, para o inglés de Eric Mosbacher e James Strachey, Nova York: Basic Books, 1954,p. 415-45: Edmund Husserl, Logical Investigations, trad. para o inglés de J. N. Findlay, [1899-1900], reimpr, Nova York: Humanities Press, 1970, v1, pp. 374-86. Ver, por exemplo, a desvalorizacao da atengao como um problema em Maurice Merleau- Ponty, The Phenomenology of Perception, trad. de Colin Smith, Nova York: Routledge, 1962, pp. 26-31 [Fenomenvlogia da percepcao, Si Paulo: Martins Fontes, 1999]. Muitos estudos 91 92 10 uu 2 3 4 5 16 7 18 desde os meados do século xx trabalharam com as noses de processamento cognitive e capacidade de canalizar emprestadas da teoria da informacio, Um relato moderno influente sobre atencio é a“teoria do filtro” de Donald Broadbent em seu Perception and Communica tion, Nova York: Pergamon, 1958. Exemplos de pesquisas recentes sio Alan Allport, “Visual Attention”, em Michael Posner (org.), Foundations of Cognitive Science, Cambridge: mrt Press, 1989, pp. 631-82, ¢ Gerald Edelman, Bright Air Brilliant Fire: On the Matter of Mind, Nova York: Basic Books, 1992, pp. 137-44. Um dos primeiros relatos explicitamente socioldgicos sobre atengio € de Théodule Ribot, Psychologie de Vattention (1889), no qual determinacdes de raga, geneto, nacionalidade e classe sao centrais para suas avaliagdes. Para Ribot, entre os caracterizados por capacidade deficiente de atengao estao as criangas, as prostitutas, os selvagens, os vagabundos ¢ os sul- americanos. O livro de Ribot foi uma das fontes para as reflexes de Max Nordau sobre aten- ‘Gao em Degeneration, Nova York: Appleton, [1892] 1895, pp. 52-7. Wilhelm Wundt, Grundziige der physiologischen Psychologie, 6, ed., [1874], reimpr., Leipzig: Engelmann, 1908, v.3, pp. 306-64; em inglés como Principles of Physiological Psychology, trad para o inglés de Edward Bradford Titchner, [1874], reimpr. Londres: Sonnenschein, 1910, ¥.1, p. 315-20. Para um panorama detalhado desse problema no século x1x, ver Roger Smith, Inhibition: History and Meanting in the Sciences of Mind and Brain, Berkeley, Los Angeles, Londres: Uni- versity of California Press, 1992. Ver, por exemplo, Jean Clay, “Ointments, Makeup, Pollen”, October 27, pp. 3-44, invernor de 1983, Georges Bataille, Manet, trad. para o inglés de Austryn Wainhouse e James Emmons, Nova York: Skira,s.d., p.82. Jules-Antoine Castagnary, Le Siecle, 24 jun. 1879. Citado em George Heard Hamilton, Manet and His Critics, Nova York: Norton, 1969, p.215. Hamilton, op. cit., p.212. Gilles Deleuze & Félix Guatarry, A Thousand Plateaus, trad. para o inglés de Brian Massumi, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1987, pp. 167-91. [Mil platos, Sao Paulo: 34, 1995- 199755 ¥.] Hamilton, op. cit,, pp. 165,198. Ver David Kunzle, Fashion and Fetishism, Totowa, ny: Rowman e Littlefield, 1982, p. 31: “O abotoar e desabotoar do espartilho eram rituais que conservavam niveis antigos de sim- bolismo e associagdes magicas de conceitos como ‘prender’e“afrouxar’. Em linguagem po- pular, servir de parteira de uma crianga ou ser deflorada, era ser'libertada’; desprender era liberar formas especiais de energia ... O estado de estar bem espartilhada é uma forma de tensao erstica e constitui ipso facto uma demanda pela liberacdo erética, que pode ser deli- beradamente controlada, prolongada e adiada”. Carl Wernicke, Der aphasische Symptomencomplex, Breslau: Cohn and Weigert, 1874, foi um marco nos trabalhos sobre afasia. Um dos primeiros relatos clinicos completos sobre agno- sia é de Hermann Lissauer, “Ein Fall von Seelenblindheit nebst einern Beitrage zur Theorie derselben”, Archiv fiir Psychiatrie und Nervenkranhheiten, v. 21, pp. 222-70,1890. Para uma cexitica clinica e histérica recente do problema, veja Martha J, Farah, Visual Agnosia, Cam- bridge: str? Press, 1990. Para os primeitos trabalhos de Janet sobre desordens perceptivas e para o seu relato sobre “la désagrégation psychologique”, ver L’Aulomatisme psychologique, Paris: Pélix Alcan, 1889. 19 Be 23 7 33 Jean-Jacques Courtine & Claudine Haroche, Histoire du visage, Paris: Rivages, 1988, pp. 269-5. Uma outra abordagem para essa obra ¢ sugerida pela discussio de T. J. Clark sobre classe social e aface da moda’ em seu capitulo sobre O Bar do Folies-Bergére, quadro de Manet de 1889, em The Painting of Modern Life, Princeton: Princeton University Press, 1984, pp.25 “A moda ea reserva afastariam a face de uma pessoa de qualquer identidade, da identidade em geral. O visual resultante é especial: publico, exterior, blasé no sentido de Simmel, im- passivel, ndo entediado, ndo cansado, ndo desdenhoso, ndo tao focado em qualquer coisa". James, op. cit., p. 444. Pierre Janet, The Mental State of Hystericals (orig, pub. em 1893), trad. para o inglés de Caro- line Corson, Nova York: Putnam, 1902, pp. 52-53, Essa traducao deve ser utilizada com cautela Sobre a organizacao do olhar fixo nos quadros de Manet, ver Michael Fried,“Manet in His Generation: The Face of Painting in the 1860s", Critical Inquiry 19, pp. 59-61, 1992. Sigmund Freud, The Interpretation of Dreams, trad. para o inglés de James Strachey, Nova, York: Avon, 1965, p. 134. [A interpretacao dos sonhos, Rio de Janeiro: Imago, 1999. A ambivaléncia de Manet sobre essa area critica do quadvo ¢ revelada, em parte, pela forma anatomicamente andmala da mao esquerda da mulher. Ela parece ter um polegar e apenas trés dedos, desse modo colocando em questao a localizagao (e a significagio) exata dos seus ancis. Ver J. Laplanche & J.-B. Pontalis, The Language of Psycho-Analysis, trad. para o inglés de Donald Nicholson-Smith, NovaYork: Norton, 1973, pp. 50-2. [O vocabuldrio da psicaniilise, 10. ed., $a Paulo: Martins Fontes, 1988.] Tony Tanner, Adultery in the Novel: Contract and Transgression, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1979. ‘Nas discussdes sobre atencdo, havia um debate considerdvel sobre a possibilidade de uma pessoa prestar atengio a mais de um sentido ao mesmo tempo. Ver, por exemplo, 0 argu- mento negative em Ernst Mach, Contributions to the Analysis of Sensations (orig. pub. em 1885), trad. para o inglés de C. M. Williams, Chicago: Open Court, 1897, p. 112. Sigmund Freud, The Origins of Psycho-Analysis: Letters to Wilhelm Fliess, Drafts and Notes, 1887-1902, trad. Eric Mosbacher e James Strachey, NovaYork: Basic Books, 1954, pp. 144-43. Walter Benjamin, Reflections, trad. para o inglés de Edmund Jephcott, NovaYork: Harcourt Brace, 1978, pp. 152-53. [Reflexdes: a crianga, o brinquedo, a educagdo, Sao Paulo: Summus, 1984.1 Leo Bersani, The Death of Stéphane Mallarmé, Cambridge: Cambridge University Press, 1982s PP. 74-5. Guy Debord, The Society of the Spectacle, trad. para o inglés Donald Nicholson-Smith, Nova York: Zone Books, 1994, pp.13-45. [A sociedade do espeticulo, Lisboa: Edigoes A rodite, 1972. Gilles Deleuze, Francis Bacon: Logique de la sensation, Paris: Editions de la différence, 1981, pp. 36-8. A relacio paradoxal entre representacdo e presenca no quadro é um dos temas princi- pais do ensaio de Mallarmé de 1876 sobre Manet. Se for para exagerar a representagio, sugere ‘Mallarmé, um tipo particular de atencao tem que ser alcangado:“O olho deve esquecer tudo. ‘© que ja tiver visto, e aprender de novo com a ligao anterior. Ele deve abstrair-se da memeéria, vendo apenas aquilo que olha, ¢ isso como se fosse pela primeira vez; ¢ a mao deve tornar-se uma abstracao impessoal guiada apenas pela vontade, sem prestar atencdo a toda a destreza anterior” (Stephane Mallarmé, The Impressionists and Edouard Manet”, em Penny Florence, Mallarmé, Manet, and Redon, Cambridge: Cambridge University Press, 1986, pp. 11-8). Sobre a importancia estrutural da cor verde na obra de Manet, ver Gisela Hopp, Edouard Manet: Farbe und Bildgestalt, Berlim: Walter de Gruyter, 1968, pp. 54-58, 116-3; 93 o4 3 36 37 A primeira edigao dessa série em dgua-forte apareceu em 1881, embora os desenhos a nanquim tenham sido exibidos em 1878. Ver Christiane Hertel, “Irony, Dream, and Kitsch; Max Klinger’s Paraphrase of the Finding of a Giove and German Modernism”, Art Bulletin 74, pp. 91-114, mar, 1992. Gilles Deleuze, Cinema: The Movement-Image, trad. de Hugh Tomlinson, Minneapolis: Uni- versity of Minnesota Press, 1986, p. 56. [Cinema: a imagem-movimento, trad. de Stella Senra, Sao Paulo: Brasiliense, 1985.] Muybridge passou quase seis meses em Paris entre setembro de 1881 e marco de 1882, Sua primeira demonstragio européia do zoopraxinoscépio foi durante uma recepeao artistica na casa de Jules-Etienne Marey que contou com a presenga de Helmholtz ¢ do fotdgrafo Nadar, entre outros. Para discussdes sobre essa visita, ver Robert Bartlett Haas, Muybridge: Man in Motion, Berkeley, Los Angeles, Londres: University of Calilornia Press, 1976, pp. 127-32, € Anson Rabinbach, The Human Motor, NewYork: Basic Books, 1990, pp. 100-02.

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