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Cultura,
Saúde e Doença
Segunda edição
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CECIL G. HELMAN
MB, ChB, Dip. Soe. Anthrop., MRCGP Lecturer,
Department of Primary Health Care, University
College and Middlesex Medical School;
Research Fellow, Department of Anthropology,
University College, London
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Tradução:
Eliane Mussr
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LIVRARIA
MINA.S LT
OA.
Composição e arte-final:
PENA - Composição e Arte Ltda.
Fone: 223-3044
CDU 611./619:572.5
LOJA CENTRO
Rua General Vitorino, 277 - Fone 225-8143
90020-171 Porto Alegre, RS, Brasil
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
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Este livro teve sua primeira edição publicada em 1984 e desde então tem sido
adotado como livro-texto em universidades e escolas de Medicina em vários países.
Entretanto, os últimos cinco anos têm presenciado um aumento significativo nas
pesquisas que abordam as questões culturais presentes na problemática da saúde
e da doença, bem como o surgimento de artigos, revistas e livros a respeito do
tema. Ao mesmo tempo, observa-se, tanto entre os cientistas sociais como entre
muitos outros profissionais de saúde, um crescente interesse pela Antropologia
médica.
Ao preparar esta segunda edição, tentei manter a estrutura essencial e grande
parte do conteúdo da primeira edição, mas também acrescentei, onde necessário,
material que tomasse a abordagem do livro mais atual. Para tanto, agradeço as
críticas construtivas de muitos revisores da primeira edição. Muitos deles aponta
ram, com razão, a necessidade de um foco específico sobre as questões de gênero,
reprodução e nascimento. Assim sendo, acrescentei um capítulo inteiro (Capítulo
6) que aborda as teorias antropológicas sobre gênero, as "culturas de gênero" de
homens e mulheres em diferentes sociedades, a relação gênero-saúde e gênero
cuidado à saúde, a relação entre gênero e sexualidade e a gradual "medicalização"
de vários aspectos do ciclo de vida feminino, incluindo a menstruação, a
menopausa e o nascimento de filhos. Na segunda parte do Capítulo 6, descrevi
algumas das "culturas de nascimento", tanto referentes à obstetrícia ocidental
moderna, quanto a muitas comunidades em países em desenvolvimento; o
crescimento da obstetrícia hospitalar, tecnológica, e a insatisfação de muitas
mulheres com este crescimento; conceitos de fertilidade e infertilidade em
diferentes comunidades; atitudes em relação ao aborto, à contracepção e ao
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Ceei! G. Helman
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO
Cecil G. Helman
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de estudar como todos estes fatores relacionam-se com a saúde e a doença. Na
Europa, na América do Norte e em todos os outros lugares, a sua preocupação
fundamental tem sido a de melhorar a saúde e a assistência à saúde da população.
Em particular, como fazer com que o sistema de assistência à saúde seja mais
eficiente, socialmente responsável, culturalmente apropriado, efetivo em termos
de custo e adequado às necessidades das comunidades a que serve. Nos países em
desenvolvimento esta abordagem tem sido orientada, freqüentemente, no sentido
de ir ao encontro das necessidades de grupos marginais, desavantajados, como
os pobres urbanos, os camponeses, grupos indígenas, emigrantes e refugiados.
Mais recentemente, entretanto, tem havido uma ênfase crescente no estudo do
próprio sistema de saúde, sua "cultura" e organização social, com o objetivo de
compreender as limitações da Biomedicina, e como ela pode ser aperfeiçoada. Por
exemplo, muitos têm criticado os seus altos custos, sua superespecialização, sua
dependência da alta tecnologia e a ênfase em curas a curto prazo ao invés de
estratégias preventivas de longo prazo.
Muitas das questões levantadas por antropólogos médicos europeus e norte
americanos em suas pesquisas podem ser relevantes para o Brasil, bem como para
outros países latino-americano. Por exemplo: Qual o papel da privação social,
material e econômica e do subdesenvolvimento na etiologia e tratamento das
doenças? Que papel desempenham os fatores culturais e religiosos neste
processo? Por que alguns grupos sociais apresentam índices mais altos de
alcoolismo, abuso de drogas ou doenças cardíacas do que outros? Por que algumas
condições são consideradas como "doença" em um grupo, mas como uma
evidência de "bruxaria", "mau-olhado", ou "punição divina" em outros? Por que
um comportamento é considerado "mau" (bad) em uma comunidade ou classe
social e "louco" (mad) em outra. Por que algumas pessoas modificam sua dieta
quando estão doentes, menstruadas, grávidas, amamentando ao peito, de uma
forma que possa ser perigosa para a sua saúde? Qual o papel do gênero na causa
e apresentação da doença? Qual o padrão de comportamento sexual que pode
aumentar ou reduzir a disseminação da AIDS, da hepatite B e de outras infecções
venéreas? Como a subcultura dos drogadictos, das prostitutas, ou de outros
grupos, é relevante para a transmissão destas doenças - e o que pode ser feito
para melhorar esta situação? Na comunidade, que formas de assistência à saúde
existem fora do sistema médico formal - e quais são suas vantagens e
desvantagens? Quais as características das formas nativas de cura (como aquelas
das comunidades da Índia), ou de grupos religiosos populares (como a Umbanda,
o Candomblé e o Espiritismo)? Por que algumas pessoas preferem consultar
curandeiros tradicionais (como chaseiras ou benzedeiras) para algumas condições,
e médicos para outras? Por que os tratamentos tradicionais (como chás, ervas e
cura espiritual) são tão amplamente utilizados na comunidade, mesmo quando as
pessoas podem pagar por um tratamento médico? Por que algumas pessoas
rejeitam certas formas de tratamento médico (como a terapia de reidratação oral)
ou estratégias preventivas (como o uso de contracepção), mas aceitam outras?
r
r Algumas das respostas para estas tantas questões - cada uma delas relevante
para a execução da assistência à saúde moderna, podem ser encontradas nos
relatos de casos deste livro, os quais foram retirados de muitas partes do mundo.
Outras podem ser respondidas por outras pesquisas, a serem desenvolvidas por
outros antropólogos médicos, tanto no Brasil como em outros países.
Ao apresentar esta tradução do livro, gostaria de ressaltar a hospitalidade e
ajuda dos meus amigos e colegas brasileiros, que me apresentaram ao seu país
maravilhoso, sua cultura e seu sistema médico, especialmente Carlos e Dóris
Grossman, Airton Stein, Magda Costa, Fernando Lokshin, Ronald Pagnoncelli de
Souza, Cláudio Eizirik, Bruce Duncan, Maria Inez Schmidt, Ernesto de Freitas
Xavier, Ondina Fachel Leal, Ruben Oliven e Ceres Víctora.
Como a maior parte deste livro não diz respeito especificamente ao Brasil,
são apresentados a seguir alguns títulos-chave brasileiros, tanto de livros como de
artigos, que espero possam ser úteis aos leitores que não estejam familiarizados
com o campo da antropologia cultural e com a antropologia médica. Agradeço a
Ceres Víctora por sua ajuda na organização desta lista.
Espero que este livro seja útil não apenas para profissionais da saúde, mas
também para antropólogos, sociólogos e outros cientistas sociais que· estejam
trabalhando no Brasil.
Ceei! G. Helman
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LEITURA RECOMENDADA
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SUMÁRIO
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Capítulo 7 Dor é cultura .................... .. ...... .. ...................... 165
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n1cos .......................... 280
Referências bibliográficas .............-..................... 290
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I, ndice .. ........................... ; ....................
rem1ss1vo 309
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO:
A ABRANGÊNCIA DA
ANTROPOLOGIA MÉDICA
O conceito de "cultura"
Mas afinal, o que vem a ser cultura - um termo que será muitas vezes
empregado no curso deste livro? Os antropólogos têm apresentado várias defini
ções; a mais famosa, talvez seja a de E. B. Tylor's(3), em 1871: "Um complexo
formado por conhecimento, crenças, artes, moral, leis, costumes e toda e qualquer
capacidade ou hábito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade."
Keesing(4), em sua definição, enfatiza o aspecto ideativo da cultura. Segundo ele,
as culturas compreendem "sistemas de idéias compartilhadas; sistemas de concei
tos, regras e significados que modelam e são expressas nas formas como os
humanos vivem."
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A partir destas definições, podemos observar que cultura é um conjunto de
princípios (explícitos e implícitos) herdados pelos indivíduos enquanto membros de
uma sociedade em particular. Tais princípios mostram a eles a forma de ver o
mundo, de vivenciá-lo emociona /mente, e de comportar-se dentro dele em relação
a outras pessoas, a deuses ou a forças sobrenaturais, e ao meio ambiente natural.
Ele também lhes fornece a forma de transmitir estes princípios para a geração
seguinte - através do uso de símbolos, linguagem, ritual e artes. De certa forma,
a cultura pode ser considerada como uma "lente" herdada, através da qual os
indivíduos percebem e compreendem o mundo que habitam, aprendendo viver
dentro dele. Crescer dentro de qualquer sociedade é uma forma de
"endoculturação"*, processo através do qual o indivíduo adquire gradualmente a
"lente" cultural daquela sociedade. Sem essa percepção compartilhada do mundo,
a coesão ou a continuidade de qualquer grupo humano seria impossível.
Um dos aspectos da "lente cultural" é a divisão do mundo e das pessoas que
o habitam em diferentes categorias, cada uma com denominação própria.
Por exemplo, todas as culturas dividem seus membros em diferentes categorias
sociais, a saber: homens ou mulheres, crianças ou adultos, jovens ou velhos,
parentes ou estranhos, classe alta ou classe baixa, capazes ou incapazes, normais
ou anormais, loucos ou maus, sadios ou doentes. E todas as culturas possuem
formas elaboradas tanto para transferir um indivíduo de uma categoria social para
outra (como da categoria de "doente" para a de "sadio"} quanto para confiná-lo
-por vezes contra a vontade do mesmo-à categoria na qual foi enquadrado (no
caso dos velhos, loucos ou deficientes, por exemplo)(S).
Os antropólogos, tais como Leach, observaram que, na prática, todas as
sociedades possuem mais de uma cultura dentro de seus limites. A maioria das
sociedades possui, por exemplo, alguma forma de estratificação social em classes,
castas ou posições sociais. Cada estrato caracteriza-se por atributos culturais
distintivos próprios, incluindo formas de linguagem, comportamentos, modos de
vestir, padrões alimentares e habitacionais e assim por diante. Ricos e pobres,
poderosos e fracos - cada um tem a sua própria perspectiva cultural herdada. De
certa forma, homens e mulheres podem ter sua própria cultura característica dentro
da mesma sociedade. Deles espera-se que se ajustem a diferentes normas e
expectativas. Além dos estratos sociais, podemos observar que, atualmente, a
maior parte das sociedades complexas contemporâneas - como o Reino Unido
e os Estados Unidos - compõe-se também por minorias étnicas e religiosas,
turistas, estudantes estrangeiros, refugiados políticos, imigrantes recentes e traba
lhadores migrantes - cada um com cultura própria. Muitos deles sofrerão algum
grau de aculturação, e incorporarão alguns atributos culturais da sociedade
dominante. Podemos observar ainda outra subdivisão da cultura dentro de uma
sociedade complexa nas várias subculturas profissionais existentes-tais como os
grupos de médicos, enfermeiros, militares e profissionais da lei. Em cada caso,
formam um grupo à parte, com seus próprios conceitos, regras e organização
24 / Ceei/ G. Helman
crenças culturais e comportamentos "puros" do contexto social e econômico em
que ocorrem. Por exemplo, as pessoas podem agir de determinada forma (comer
certos tipos de comida, morar em uma casa com muitas pessoas, ou não consultar
um médico quando ficam doentes) sem qu� isto seja uma norma de suas culturas,
mas simplesmente porque são muito pobres e não têm condições de proceder
diferentemente. Elas podem apresentar altos níveis de ansiedade nos seus dia-a-dia
não porque sua cultura os deixe ansiosos, mas por sofrerem discriminações ou
perseguições de outras pessoas. Desta forma, para compreender a saúde e a
doença, é importante evitar "culpar a vítima"-isto é, ver seu mau estado de saúde
como decorrente exclusivamente da cultura em que vive ao invés de considerar
também sua situação econômica e social. Os fatores econômicos, particularmente,
constituem causas importantes de doenças, uma vez que a pobreza e o desemprego
podem resultar em precária nutrição, habitações superlotadas, vestuário inadequa
do, estresse psicológico e abuso do álcool. A distribuição desigual de riquezas e
recursos - entre países e dentro de um mesmo país -podem causar situações
deste tipo. Um exemplo disso é o Black Report(7) de 1982, cujos dados
demonstraram como a saúde, no Reino Unido, estava claramente relacionada com
a renda. Os indivíduos pertencentes a classes sociais mais pobres tinham mais
doenças e apresentaram uma taxa de mortalidade muito mais elevada do que seus
conterrâneos de classes mais abastadas. Também nos países em desenvolvimento
- seja qual for a cultura local - as más condições de saúde geralmente estão
vinculadas com baixa renda o que, por sua vez, influencia o tipo de alimentação,
de água, de saneamento e de moradia que a população pode pagar (8). Uma cultura,
portanto, nunca pode ser analisada num vácuo, mas sim como um componente de
um complexo de influências que se refere àquilo em que as pessoas acreditam e ao
modo como vivem.
Um último uso indevido do conceito de cultura, especialmente no caso de
atenção à saúde, ocorre quando sua influência é supervalorizada na interpretação
da maneira como as pessoas apresentam seus sintomas aos profissionais da saúde.
Sintomas ou comportamentos podem ser atribuídos à cultura da pessoa, quando,
na verdade, são causados por um transtorno mental ou físico subjacente.
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e observá-lo, aprendendo a ver o mundo através de seus olhos mas mantendo,
simultaneamente, a perspectiva objetiva do cientista social. Este trabalho envolve,
muitas vezes, estudos quantitativos tais como a contagem da população, a medição
da renda e da alimentação, além da relação dos habitantes dos diversos grupos
familiares. Então, a etnografia passa para um segundo estágio: a abordagem
comparativa, que busca distinguir as principais feições de cada sociedade e cultura
e compará-las com outras sociedades e culturas, a fim de extrair conclusões a
respeito da natureza universal do homem e seus agrupamentos sociais.
Em seus primeiros anos, a Antropologia ocupava-se principalmente com o
estudo de pequenas sociedades tribais localizadas dentro dos impérios coloniais ou
nos seus limites. A Antropologia contemporânea, contudo, ocupa-se igualmente
de fazer etnografias nas sociedades complexas ocidentais. A "tribo" de um
antropólogo contemporâneo pode, perfeitamente, ser uma seita de Nova .Iorque,
um subúrbio em Londres, um grupo de médicos de Los Angeles, ou pacientes de
uma clínica em Melbourne. Em todos os casos, são utilizadas tanto a abordagem
etnográfica quanto a comparativa - bem como algumas técnicas de entrevista e
medição da Sociologia e da Psicologia.
A Antropologia médica
26 / Ceei/ G. Helman
também examinar a organização social de saúde e doença daquela cultura (o
"sistema de assistência à saúde"). Isso inclui as formas com que as pessoas são
reconhecidas como "doentes", o modo como apresentam a doença aos outros, os
atributos daqueles a quem a doença é apresentada, e as formas com que a doença
é tratada. Um grupo de "curandeiros" de diferentes tipos pode ser encontrado em
todas as sociedades. Os antropólogos estão particularmente interessados nas
características deste grupo social particular- sua seleção, treinamento, conceitos,
valores e organização interna. Além disso, estudam o modo como esses indivíduos
estão enquadrados no sistema social como um todo - que categoria ocupam na
hierarquia social, seu poder político e econômico, e como dividem o trabalho entre
si e com os outros membros da sociedade. Em alguns grupos humanos, os
curandeiros desempenham outras funções além da de curar. Podem, por exemplo,
atuar como "integradores" da sociedade, responsáveis por reafirmar regularmente
os valores da mesma (ver Capítulo 9); ou como agentes de controle social,
colaborando para rotular e punir socialmente o comportamento desviante (ver
Capítulo 10). Seu foco pode não ser apenas o indivíduo doente, mas a família,
comunidade, vilarejo ou tribo "doente" do mesmo. Por conseguinte, no estudo das
percepções e reações dos indivíduos às doenças e dos tipos de tratamento a que
recorrem, é importante conhecer algo sobre os atributos sociais e culturais da
sociedade em que vivem. Esta é uma das tarefas principais da Antropologia médica.
No extremo biológico do espectro, a Antropologia médica utiliza as técnicas
e descobertas da medicina e seus diversos campos: a microbiologia, a bioquímica,
a genética, a parasitologia, a patologia, a nutrição e a epidemiologia. Em muitos
casos é possível estabelecer relações entre as mudanças biológicas verificadas
através dessas técnicas e os fatores sociais e culturais de uma dada sociedade. Por
exemplo, uma doença hereditária transmitida por um gen recessivo pode ocorrer
com maior freqüência numa determinada população por sua preferência cultural
pela endogamia, ou seja, por seus indivíduos casarem apenas com membros da
família ou parentes locais. Para detectar esse problema, são necessárias várias
perspectivas: a Medicina clínica (para identificar a manifestação clínica da doença),
a patologia {para confirmar a existência da doença ao nível celular ou bioquímico),
a genética {para identificar e prever a base hereditária da doença e sua ligação com
um gen recessivo), a epidemiologia {para demonstrar sua alta incidência numa
determinada população pelo "agrupamento" de gens recessivos decorrentes dos
costumes matrimoniais) e a Antropologia social ou cultural (para expl!car os
padrões de casamento daquela sociedade, e identificar quem pode casar com quem
dentro da mesma). A Antropologia médica procura resolver esse tipo de problema
clínico, utilizando não só descobertas antropológicas, mas também aquelas das
ciências biológicas - por ser, em outras palavras, uma "disciplina biocultural."
)
envolvidos com a prática médica, programas de educação da saúde ou assistência
médica a estrangeiros - focalizam mais seus aspectos aplicados da assistência
médica e da Medicina preventiva.
, O interesse no campo da Antropologia médica aplicada cresceu constante
mente nos últimos anos. Os antropólogos médicos têm desenvolvido uma variedade
de projetos multidisciplinares em muitas partes 'do mundo, com o intuito de
1
melhorar a saúde e a atenção à saúde. Além de trabalhar em países em
desenvolvimento, eles têm atuado também em cidades e subúrbios da Europa e da
América do Norte. Alguns antropólogos têm ampliado o enfoque em seus trabalhos
a fim de incluir mais amplamente as macroinfluências sobre a saúde, tais como as
desigualdades políticas e econômicas existentes não só entre as sociedades atuais,
como também dentro das mesmas.
Um exemplo desse problema é a alta incidência dos diversos tipos de diarréia
nos países em desenvolvimento, o que, segundo a OMS (11), significa um
importante problema de saúde mundial. Essas doenças encontram-se geralmente
associadas à pobreza, e aos problemas de má nutrição e infecção resultantes, além
de causar a morte de 5 a 7 milhões de pessoas por ano. Não cabe à ciência médica
dar uma solução a longo prazo para esse problema. Isso envolve grandes mudanças
estruturais - econômicas, políticas e sociais - dentro de cada país e em suas
relações com o resto do mundo. (8)
Em termos de tratamento, a terapia de reidratação oral (ORT) é um meio
seguro e barato de prevenir e tratar a perigosa desidratação associada a essas
doenças em crianças e bebês. Contudo, em muitas partes do mundo, as mães
relutam em usar esse recurso de tratamento relativamente simples. Pesquisas
antropológicas indicaram que isso se deve, em parte, pelas crenças nativas sobre
as causas e os perigos da diarréia e como deve ser tratada (12).
Um estudo recente realizado por Mull e Mull (13) na zona rural do Paquistão
indicou um amplo desconhecimento e rejeição à terapia de reidratação oral (TRO)
por parte das mães, apesar de o Ministério da Saúde daquele país promover o seu
uso ao nível nacional desde 1983. Postos de saúde do governo distribuem pacotes
de soro reidratante (ORS = oral rehydration solution) gratuitamente, e a indústria
farmacêutica do Paquistão produz mais de 18 milhões de pacotes de soro
reidratante anualmente. Os pesquisadores observaram que muitas mães desconhe
ciam a maneira de usar o soro; algumas delas viam a diarréia - muito comum
naquela área - como parte "natural" e esperada do processo de dentição e
crescimento, e não como uma doença. Outras julgavam ser perigoso interromper
a diarréia, pois o "calor" nela contido poderia espalhar-se para o cérebro,
provocando febre. Outras, ainda, explicavam a diarréia nos bebês como decorrên
cia de determinadas doenças populares (ver Capítulo 5) tais como nazar (mau-olhado),
28 / Cecil G. Helman
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jinns (espíritos maJ�ficos) e sutt (moleira funda ou "caída", tida como causadora de
dificuldades de· sucção em bebês). Nestes casos deveria ser tratada com remédios
tradicionais ou por curandeiros tradicionais, sem o recurso do soro. Algumas mães
não associavam a moleira funda com desidratação grave e tentavam "levantá-la"
aplicando substâncias pegajosas, no topo da cabeça do bebê, ou empurravam o
palato para cima com o dedo.
Muitas mães viam a diarréia como uma doença "quente" (ver Capítulo 3) que
requeria um tratamento do tipo "frio", como uma.mudança. µa alimentação da mãe
ou alimentar o · bebê com determinadas ervas para recolocar· o bebê doente na
temperatura normal. Elas tam��m classificavam como "qµentes" a maior parte dos
medicamentos ocidentais·, tais como os antibióticos e até as vitaminas e, portanto,
inadequados para um bebê com diarréia. Um pequeno grupo rejeitou o soro de
reidratação oral que contém sal por acreditarem que sal era "ruim para diarréia".
Leitura recomendada
Antropologia médica
Keesing, R. M. (1981) Cultural Anthropology. New York: Holt, Rinehart and Winston.
Leach, E. (1982) Social Anthropology. Glasgow: Fontana. Técnicas de pesquisa em antropologia.
Peito, P. J. e Peito, G. H. (1978) Anthropological Research: the Structure of lnquiry. Cambridge
University Press.
DEFINIÇÕES CULTURAIS DE
ANATOMIA E FISIOLOGIA
30 / Cecil G. Helman
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2. Crenças sobre a estrutura interna do corpo.
3. Crenças sobre suas funções.
Os três grupos são influenciados pelo background social e cultural e podem
produzir efeitos importantes sobre a saúde do indivíduo.
Em toda sociedade, o corpo humano tem uma realidade social e uma física,
isto é, a forma e o tamanho do corpo de uma pessoa, assim como seus adornos,
comunicam informações sobre a posição que ela ocupa na sociedade. Essas
informações incluem gênero, status social, profissão e adesão a determinados
grupos religiosos ou seculares. Incluídos nesta forma de comunicação encontram
se os gestos e posturas corporais, os quais freqüentemente diferem entre as culturas
e entre diferentes grupos dentro de uma mesma cultura. As linguagens corporais
de, por exemplo, médicos, pastores religiosos, policiais e vendedores são muito
diferentes umas das ou�ras, transmitindo tipos diferentes de mensagens a outras
pessoas. A vestimenta também é particularmente importante para indicar posição
social e ocupação: no mundo ocidental, os casacos de pele e as jóias são usados
como demonstração de riqueza, em contraste com as roupas malcosidas dos
pobres. Da mesma forma, o jaleco branco do médico ocidental ou o quepe
engomado do enfermeiro, além de seu aspecto prático - a limpeza e a prevenção
de infecções - também têm uma função �ocial, indicando sua filiação a um grupo
profissional poderoso e prestigiado, com seus direitos e privilégios específicos (ver
Capítulo 9) ... uma ·mudança· na posição social é geralmente seguida por uma
mudança na vestimenta: o vestido e o xale pretos adotados pelas viúvas num vilarejo
grego são indicadores públicos de sua transição da condição de mulher casada para
a de viúva solitária. Os formandos de uma universidade ocidental vestem um
uniforme composto pela toga e pelo quepe acadêmicos. Portanto, muitos aspectos
dos adornos do corpo, especialmente a vestimenta, têm tanto uma função social
(transmitir informações sobre a posição atual de um indivíduo na sociedade), como
a função prática mais óbvia de proteger o corpo do meio ambiente.
As mudanças artificiais na forma, tamanho e parte externa do corpo - muito
difundidas por todo o mundo -também podem ter uma função social. Isto também
se aplica às formas mais extremas de mutilação corporal, que serão mencionadas
a seguir. Inerentes à maioria destas encontram-se as noções culturalmente definidas
de beleza e de tamanho e forma ideais do corpo. Polhemus (2) listou algumas das
formas mais extremas de alteração corporal praticadas historicamente e, nos
tempos atuais, entre os povos não-industrializados. Dentre elas estão: a deforma
ção artificial do crânio na primeira infância em algumas regiões do Peru; desgastes
e entalhes na arcada dentária praticadas no México pré-colombiano e no Equador;
escarificações no peito e membros do corpo na Nova Guiné em regiões da África
)
Central; a atadura dos pés das mulheres na China Imperial; o engorde artificial de
meninas em algumas regiões da África Ocidental; a tatuagem do corpo no Taiti e
entre alguns índios america�os; a inserção de grandes ornamentos nos lábios e
lóbulos das orelhas no Brasil, Africa Oriental e Melanésia; e o uso de brincos no nariz
e nas orelhas do povo do Timbuktu, Mali. Os riscos à saúde de tais mutilações
corporais são óbvios, mas podem também trazer benefícios à população. Enquanto
a circuncisão na mulher, ainda praticada em algumas regiões da África, é perigosa
por oferecer riscos de infecção, formação de tecido cicatricial e dificuldade em
partos futuros (3), a circuncisão precoce no homem é tida como fator de prevenção
do câncer cervical nas mulheres (4). Além disso, como foi observado entre os Mende
de Siérra Leone, a prática da escarificação ritual numa comunidade pode fazê-los
aceitar a "escarificação 'ritual" da vacinação mais entusiasticamente do que em
grupos que não possuem esta prática (C. P. MacConnack, 1982, comunicação
pessoal). Tanto a escarificação quanto a tatuagem (que oferecem riscos de infecção
local e de hepatite) são raramente vistas no Ocidente atualmente, exceto entre os
marinheiros e operários.
Nas sociedades industrializadas ocidentais, as mulher�s, em particular, prati
cam diversas formas de automutilação ou alteração corporal para se adequarem aos
padrões de "beleza" definidos culturalmente. As mais comuns são o uso de
aparelhos ortodônticos para corrigir os dentes da frente; a cirurgia plástica de nariz,
orelhas e queixo; a perfuração das orelhas; os exercícios de musculação; as próteses
de seio; a cirurgia plástica de rosto; os implantes de cabelo para a calvície; e o uso
de prótese dentária, cílios e unhas postiços, além das várias formas de dieta
utilizadas pelas mulheres para reduzir o peso a dimensões "atraentes". Há hipóteses
de que a anorexia nervosa seja uma forma patológica extrema de insatisfação com
a imagem corporal, numa sociedade que valoriza e recompensa a esbelteza
feminina (5), e portanto só pode ser compreendida dentro do contexto de certos
valores culturais (6). Ademais, Orbach (7) sugeriu que a anorexia possa representar
uma "greve de fome" simbólica por parte de algumas mulheres contra sua posição
oprimida na sociedade ocidental. Por outro lado, em algumas regiões da África
Ocidental, os ricos freqüentemente enviaram suas filhas para "clínicas de engorde"
onde eram alimentadas à base de gorduras e faziam o mínimo de exercício físico
para ficarem "rechonchudas" e pálidas, uma forma culturalmente definida que
indica riqueza e fertilidade. (8) Entretanto, a cultura ocidental vê a"obesidade" como
um problema de saúde, sendo também portador de um importante estigma social.
Ritenbaugh (9) ressalta que as descrições médicas das causas da obesidade -
superalimentação e pouco exercício físico - são, em geral, apenas uma versão
moderna da tradicional reprovação moral à gula e à preguiça, como também à falta
de autocontrole.
A adequação aos padrões culturais não se dá apenas através da alteração das
formas do corpo, mas também através do uso de determinadas roupas - como os
espartilhos femininos e outras roupas íntimas apertadas - e de sapatos de
plataforma ou salto alto, que podem produzir efeitos negativos sobre a saúde. Os
cosméticos e os desodorantes, que podem causar alergias de.pele ou dermatites de
32 / Cecil G. Helman
contato, também fazem parte do modelo de comunicação ocidental, na qual o odor
do corpo é considerado ofensivo - diferente do que pode ocorrer em outras
culturas.
Enquanto o corpo é protegido pelas roupas e pela camada de pele, algumas
áreas de sua superfície são consideradas mais vulneráveis do que outras. Em meu
estudo (10) sobre as crenças dos ingleses acerca de "calafrios", "gripes" e "febres",
por exemplo, a imagem leiga do corpo inclui determinadas áreas da pele - o topo
da cabeça, a parte de trás do pescoço e os pés - como mais vulneráveis do que
_outras à penetração do frio, da umidade ou de correntes de ar do ambiente.
Segundo esse modelo, uma pessoa pode "pegar uma gripe" se "sair na chuva sem
um chapéu (ou após cortar o cabelo)", ou "pisar numa poça d'água ou no chão frio".
Ao mesmo tempo, as febres são tidas como o resultado da penetração de "germes",
"insetos" ou "vírus" através de outras "aberturas" na superfície do corpo - orifíçios,
tais como o ânus, a uretra, a garganta, as narinas e as orelhas.
Portanto, como ilustram os dados acima, cada ser humano possui, em certo
sentido, dois corpos: um corpo individual (físico e psicológico), adquirido no
nascimento, e também um corpo social necessário ao primeiro para viver em
determinada sociedade.
O corpo social é uma parte importante da imagem do corpo, pois fornece a
cada pessoa uma base para perceber e interpretar suas próprias experiências físicas
e psicológicas. (11) É também o meio através do qual a fisiologia do indivíduo é
influenciada e controlada pelos princípios que regem a sociedade em que vive. A
grande sociedade maior - ou o "corpo político" - exerce um controle poderoso
sobre todos os aspectos do corpo individual: sua forma, tamanho, vestimenta, dieta
alimentar e postura; seu comportamento com relação à doença e à saúde além de
suas atividades reprodutoras, profissionais e de lazer. (12)
Para a maioria das pessoas, a estrutura interna do corpo é uma questão a ser
especulada. Sem o auxílio das dissecações anatômicas, de gráficos do esqueleto e
das estruturas orgânicas e das radiografias, as idéias a respeito da composição do
organismo baseiam-se em conhecimentos transmitidos por folclore, livros e
revistas, experiências pessoais e teorizações. A imagem do "interior do corpo" é
importante porque influencia a percepção e a apresentação das queixas das
pessoas, bem como suas respostas ao tratamento médico. Por exemplo, uma
londrina de 20 anos de idade teve, com base na sua história, um diagnóstico de
"heartburn "*, tendo-lhe sido prescrito um preparado antiácido. Uma semana
depois, com o mesmo sintoma, admitiu para mim que não havia tomado o
antiácido. Quando lhe perguntei por que não havia seguido a orientação de seu
* Expressão que se refere à azia. Foi mantida em inglês para dar sentido ao relato. Sua tradução
literal é queimadura no coração. (N. T.)
34 / Ceei/ G. Helman
de imagem do corpo atualmente idealizada no mundo contemporâneo-um corpo
saudável, alegre, independente e com perfeito controle de suas faculdades. (16)
Num estudo sobre transtornos psicossomáticos (17), por exemplo, os pacientes
culpavam determinada parte do corpo que julgassem "fraca" ou "de pouca
confiança" por seus sintomas constrangedores - tais como vômitos ou diarréia
inesperados - a qual se encontrava apenas parcialmente sob seu controle. Assim,
culpavam, por exemplo, um ''cólon irritado", um "estômago nervoso" ou um "peito
fraco ,, .
O efeito da imagem do corpo no diagnóstico clínico também é observado na
apresentação de sinais ou sintomas não-orgânicos, ou seja, psicogênicos. Waddell
et ai. estudaram a distribuição de sinais físicos para os quais não foram encontradas
causas orgânicas em 350 pacientes ingleses e norte-americanos com dor lombar.
A distribuição desses sinais (tais comodormência, fraqueza e tremor) não correspondia
à distribuição neuroanatômica conhecida, e sim a divisões leigas do corpo em
regiões, como joelho, virilha e cintura. Em outra estudo, realizado por Walters (19),
a "dor histérica" ou a "dor localizada psicogênica" ocorriam em distribuições que
correspondiam às imagens do corpo dos pacientes, em particular às suas crenças
sobre as partes do corpo e determinados "nervos" que as sustentam, diferente da
enervação anatômica real. Exemplos disso são as distribuições "em luva" ou "em
meia" da dor histérica, da dormência ou da paralisia.
Kleinman et ai. descrevem um caso que ilustra a importância clínica das crenças
dos pacientes sobre seus corpos e como estas afetam seu comportamento, além
da reação dos clínicos às mesmas. Uma mulher de 60 anos de idade, branca, foi
admitida na ala clínica do Massachusetts General Hospital apresentando edema
pulmonar secundário à doença ateroesclerótica cardiovascular e deficiência cardí
aca congestiva crônica. À medida que ia recuperando-se, ela começou a comportar-se
de forma esquisita: induzia o vômito e urinava na cama com freqüência. Um
psiquiatra foi chamado para opinar sobre o caso. Descobriu, através de questionário
minucioso, que do ponto de vista da mulher, aquele comportamento fazia sentido.
Os médicos haviam lhe dito que ela tinha "água nos pulmões". Esposa e filha de
encanadores, julgava que o tórax estava ligado à boca e à uretra através de "canos".
Por isso, urinava e vomitava com freqüência para remover o máximo da água de
seus pulmões. Explicou o fato de urinar muito pela ingestão de "pílulas diuréticas"
que, segundo havia sido informada, eliminaria a água do tórax ao fazê-la urinar.
Após receber esclarecimentos sobre o real funcionamento dos "encanamentos" do
organismo humano (com o auxílio de diagramas), o comportamento estranho
cessou imediatamente.
O funcionamento do corpo
Equilíbrio e desequilíbrio
36 / Ceei/ G. Helman
to às Américas do Sul e Central e às Filipinas (embora alguns antropólogos tenham
encontrado indícios de crenças humorais nativas na América Latina que precediam
a conquista européia). (21) Hoje, a medicina humoral que se mantém na base das
crenças leigas sobre saúde e doença em grande parte da América Latina, é
proeminente no mundo islâmico, e um dos componentes da tradição médica
Ayurvédica na Índia.
Na Medicina popular latino-americana, a teoria humoral - freqüentemente
denominada de "teoria das doenças quentes e frias" - postula que a saúde pode
ser mantida (ou perdida) simplesmente pelo efeito do calor ou do frio no corpo. (22)
Segundo Logan (23), o "frio" e o "quente" aqui não correspondem à temperatura
real, mas a um poder simbólico contido na maior parte das substâncias, dentre elas
o alimento, as ervas e os remédios. Ademais, todos os estados mentais, doenças,
forças naturais e sobrenaturais são agrupados num sistema binário dentre das
categorias quente ou frio. Par-a manter a saúde, é preciso manter o equilíbrio entre
os dois poderes opostos que determinam a "temperatura" interna do corpo,
evitando principalmente a exposição prolongada a qualquer uma destas qualidades.
Em caso de doença, a saúde é reparada através do restabelecimento do equilíbrio
da temperatura interna através da exposição ou ingestão de itens de uma qualidade
oposta a que se acredita seja responsável pela doença. Determinadas doenças são
. consideradas quentes, resultantes da superexposição ao sol ou fogo, ou da ingestão
de alimentos ou bebidas quentes. Tanto a gravidez quanto a menstruação são
consideradas como estados quentes e, como outras condições quentes, são tratados
com ingestão de alimentos ou remédios frios, ou com lavagens com esponja e água
fria. Estas crenças podem produzir perigosos efeitos na saúde da mulher. Por
exemplo, as mulheres menstruadas ou em período pós-parto em algumas regiões
da América Latina evitam determinadas frutas e verduras por classificá-las como
"frias" e, portanto, capazes de coagular o sangue menstrual "quente". Em mulheres
que já têm uma alimentação pobre em vitaminas, o ato de evitar tais frutas e verduras
pode eliminar ainda mais as vitaminas de sua dieta. Segundo um estudo americano,
algumas porto-riquenhas em pós-parto acreditavam que os lóquios seriam "coagu
lados" pela ingestão de determinados alimentos, sendo absorvidos pelo organismo,
provocando, assim; nervosismo ou até insanidade mental. Como medida preven
tiva, bebem tônicos à base de substâncias quentes, tais como o chocolate, o alho
e a canela.
A Medicina humoral é também um componente do sistema médico pluralista
do Marrocos, conforme decreto por Greenwood (25), mas com maior ênfase neste
caso em dois dos humores: o sangue e o fleuma. Como na América Latina, esta
teoria leiga da saúde e da doença relaciona o funcionamento interno do corpo a
influências externas, tais como a alimentação e o meio ambiente. Além dos
alimentos frios e quentes, há também os fatores ambientais, cujo desequilíbrio pode
também causar doenças frias ou quentes, tratadas com alimentos de qualid�de
oposta. Os alimentos são normalmente usados como tratamento, pois sua maioria
é considerada quente, e a maioria das doenças, fria. Sangue em excesso é
éaracterística de doenças quen.tes, e fleuma em excesso é característica de doenças
38 / Ceei! G. Helman
e repouso numa cama quente. O aforismo• resume esse pensamento. Vários
"tônicos" ind}-.lstrializados eram utilizados para a prevenção de gripes e resfriados,
tais como o Oleo de Fígado de Bacalhau e o Extrato de Malte - para gerar calor
dentro do organismo. Como disse certa vez um paciente idoso, se você saísse à rua
após ter tomado um tônico, "·sentir-se-ia quente por dentro", pois o tônico era uma
proteção interna contra o frio excessivo. (10)
A Medicina humoral desapareceu, também, é claro, da Medicina científica
contemporânea. Entretanto, a Fisiologia moderna inclui numerosos exemplos de
doenças causadas por deficiência ou excesso de determinadas substâncias no
corpo, tais como hormônios, enzimas, eletrólitos, vitaminas, elementos traços e
hemácias. Tais desequilíbrios podem ser corrigidos pela reposição da substância
deficiente ou neutralização de seu excesso. O princípio da reação negativa em curva
da endocrinologia, no qual a elevação de um hormônio na circulação sangüínea
resulta no declínio de outro, pode também ser interpretado como uma noção de
doença baseada no princípio do equilíbrio/desequilíbrio, embora inclua simultane
amente noções de deficiência/excesso.
40 / Cecil G. Helman
- - --- - ---------------�
42 / Cecil G. Helman
determinados hábitos alimentares inadequados. Outro fato importante ocorre
entre determinados grupos de mulheres latino-americanas. Outro aspecto entre
algumas mulheres latino-americanas é o uso de alimentos "frios" e "quentes"
durante a gestação, independente das suas propriedades nutricionais para manter
seu "equilíbrio" interno. Algumas mulheres do subcontinente indiano possuem
crenças semelhantes. Homans (31) cita uma mulher, de origem indiana nascida na
Inglaterra: "Minha mãe me disse para não comer coisas 'quentes', não sentar em
frente ao aquecedor e não beber Coca-Cola... O corpo absorve muito calor, e isso
pode provocar aborto."
As crenças sobre o estado do útero no período de gestação também podem
afetar a saúde da gestante. No estudo de Michigan (33), uma crença muito comum
entre as pacientes era de que o útero era um órgão oco que ficava "hermeticamente
fechado" durante a gravidez para evitar a perda do bebê. Uma mulher acreditava
que, quando grávida, não contrairia doenças venéreas (e por isso não precisava ·
tomar precauções contra as mesmas), pois durante a gravidez "o útero está fechado
e os germes não podem entrar".
As crenças sobre a fisiologia e os perigos da gravidez têm tanto aspectos sociais
quanto físicos. Elas separam as mulheres grávidas, como uma categoria especial de
pessoa, cercadas de tabus e costumes que, segundo a cultura em que vivem, existem
para protegê-las, além de contribuir para explicar retroativamente qualquer dano
físico· ou deformação do recém-nascido. Ambos os aspectos, como foi ilustrado
acima, podem produzir efeitos danosos tanto para a gestante quanto para o feto.
·-
Cultura, Saúde e Doença / 43
ruim entre nós"), ferimentos físicos (sangramentos, hematomas), gênero (menstrua
ção), perigo (sangue menstrual e sangramento pós-parto) e alimentação ("sangue
fino", causado por uma dieta inadequada). O médico deve, portanto, estar atento
para o possível simbolismo contido em qualquer conceituação leiga do sangue.
, Ngubane (36) relatou as crenças sobre o sangue menstrual entre o povo Zulu
da Africa do Sul. Acredita-se que às mulheres menstruadas possuem uma poluição
contagiosa, perigosa aos outros seres humanos e ao mundo natural. A virilidade
masculina pode ser enfraquecida por esse sangue, especialmente se um homem
tiver relações sexuais com uma mulher menstruada. A mulher deve evitar aproxi
mar-se de pessoas doentes ou de seus remédios durante o período menstrual. Se
ela caminhar pelas plantações, estas serão destruídas; se caminhar entre o gado,
44 / Ceei/ G. Helman
este ficará doente. Em outras sociedades africanas, as mulheres são confinadas
mensalmente numa "cabana menstrual" isolada para proteger a comunidade de sua
poluição perigosa. Crenças semelhantes sobre a "sujeira" e o poder poluidor do
sangue menstrual ocorrem também em outras culturas ou grupos religiosos do
mundo todo, especialmente entre os homens. (37)
Snow (38) descreve um caso de crença leiga muito comum entre pacientes de
baixa renda do Sul dos Estados Unidos, brancos ou negros, denominada de "alto
Like e Ellison (39) relatam o caso de uma mulher de 48 anos, das Ilhas Cabo
Verde, admitida na ala de neurologia em um hospital nos Estados Unidos. Ela
apresentava paralisia, dormência, dor e tremor no braço direito. Foi descoberto
que, dois anos antes, ela havia sofrido fraturas de Colles bilaterais nos pulsos, e
depois disso seus sintomas neurológicos apareceram gradativamente. Não foi
encontrada nenhuma causa física para a doença até que se percebesse que a mulher
acreditava sofrer de uma doença popularmente conhecida no Cabo Verde como
"sangue adormecido" (sangue dormido). Segundo a concepção leiga, os ferimentos
traumáticos (no caso, as fraturas nos pulsos) podem fazer com que o "sangue vivo"
normal de uma pessoa "vaze" por dentro da pele, escureça (i.e., forme um
hematoma), e se transforme em "sangue-adormecido". Teme-se que o sangue
possa sedimentar-se mais profundamente, entre os músculos e os ossos, e se não
for removido, poderá expandir-se em volume com o passar do tempo, obstruindo
a circulação distal à área traumatizada. Ademais, a circulação interna de sangue vivo
pode ser obstruída, provocando diversos distúrbios, tais como dor, tremor,
paralisia, convulsões, derrame, cegueira, enfarte, infecção, aborto espontâneo e
doença mental. A paciente explicava seus distúrbios neurológicos pelo "bloqueio"
resultante de sangue adormecido. O tratamento finalmente prescrito foi coleta de
12 ml de sangue do pulso direito (o sangue dormido)-por duas vezes, e aplicação
* Repolho picado conservado numa salmoura feita com sal e o sumo do repolho. (N.T.)
** Sal cristalino e branco (sulfato de magnésio) usado principalmente como catártico. (N.T.)
46 / Ceei{ G. Helman
de compressas frias, após as quais o tremor, a paralisia e a dor desapareceram
completamente.
Foster e Anderson (40) ressaltam que uma crença muito comum em diversas
regiões do mundo é a de que o sangue é um líquido não-regenerativo e que, quando
perdido por ferimento ou doença, não pode ser reposto, deixando sua vítima
enfraquecida para sempre. Na América Latina, "as pessoas são mais resistentes a
separar-se de seu sangue precioso". Talvez esta seja uma das razões pelas quais os
bancos de sangue latino-americanos obtêm menor número de doações do que os
dos Estados Unidos.
Leitura recomendada
Boyle, C. M. (1970) Differences between patients "and doctors" interpretation of some common
medical terms. Br. Med. J. ii, 268-289.
Fisher, S. (1968) Body image. ln: Sills, D. (ed.) International Encyclopaedia of the Social Sciences.
Nova Iorque: Free Press, pp. 113-116.
Polhemus, T. (ed.) (1978) Social Aspects of the Human Body. Harmondsworth: Penguin. Uma
coletânea de leituras básicas sobre o assunto.
Scheper-Hughes, N. e Lock, M. M. (1987) The mindful body: a prolegomenon to future work in
medical anthropology. Med. Anthropol. Q. (New Series) 1, 6-41. Uma crítica abrangente da
literatura moderna sobre a imagem do corpo.
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CAPÍTUL03
DIETA ALIMENTAR E
NUTRIÇÃO
48 / Ceei{ G. Helman
e em que ocasiões, a ingestão do alimento acontece; a ordem em que os pratos são
servidos dentro de uma refeição; e a maneira como os indivíduos comem. Todos
esses estágios de ingestão do alimento são padronizados rigorosamente pela
cultura, e constituem uma parte do modo de viver consagrado por aquela
comunidade.
Em muitas partes do mundo, o preparo real do alimento é geralmente tarefa
das mulheres (2), mas em muitas sociedades elas também se envolvem diretamente
com a produção - ordenha de animais, cuidado de aves domésticas e gado, além
da plantaç�o, cuidado e colheita de uma grande variedade de produtos. Em muitas
zonas rurais do Terceiro Mundo, as mulheres também desempenham o papel
principal no c9mércio do alimento-como por exemplo das famosas "feirantes"
do Oeste da Africa, do Caribe e de algumas regiões da América Latina.
Classificação do alimento
Cada cultura define quais são as substâncias comestíveis e quais não são,
embora estas definições geralmente omitam substâncias que, de fato, possuem
valor nutritivo. No Reino Unido, por exemplo, cobras, esquilos, lontras, cachorros,
gatos e camundongos são comestíveis, mas raramente classificados como alimento.
Na França, caramujos e pernas de rãs são classificados como alimento, mas não
50 / Ceei/ G. Helman
alimentar também é uma característica de hinduísmo e, segundo Hunt (5), muitos
devotos hindus "jejuam" dois ou três dias por semana - isto é, ingerem somente
alimentos "puros", tais como leite, frutas, nozes e raízes amiláceas, como a
mandioca e a batata.
Os tabus rígidos contra determinados tipos de alimentos são característicos de
várias crenças religiosas:
1. Hinduísmo Os hindus ortodoxos são proibidos de matar ou comer qualquer
animal, particularmente a vaca. O leite e seus derivados podem ser ingeridos desde
que não impliquem na morte de animal. Peixes e ovos são consumidos raramente.
2. Islamismo O porco e seus derivados são proibidos. A única carne permitida
é a dos mamíferos ungulados ruminantes, e deve ser halal ou abatida em ritual.
Somente podem ser ingeridos os peixes que possuírem barbatanas e escamas;
mariscos e enguias são, portanto, proibidos.
3. Judaísmo Como no islamismo, todos os derivados do porco são proibidos,
assim como peixes sem barbatanas ou escamas, aves que servem como presa e
carniça. Os únicos animais permitidos são os mamíferos ungulados ruminantes que
foram abatidos em ritual. Estes são considerados kesher, e podem ser ingeridos.
Pratos à base de carne e de leite nunca são misturados numa mesma refeição.
4. SikhismoA carne de boi é expressamente proibida, mas a carne de porco
é permitida - embora seja consumida raramente. A carne também deve ser abatida
em ritual especial.
5. Rastafarianismo Muitos "rastafaris" são vegetarianos, embora alguns
obedeçam a restrições alimentares semelhantes às do judaísmo. (6) Como em
outros grupos religiosos, o álcool é estritamente proibido.
Um exemplo mais secular de tabu alimentar é o movimento contemporâneo
pela alimentação integral encontrado no Reino Unido e nos Estados Unidos. Neste
caso, a dicotomia sagrado/profano se dá entre o natural e o artificial, estando os
alimentos integrais de um lado e os "alimentos junk", * de outro. A comida "junk"
está associada à idéia de impureza e perigo, especialmente por conter aditivos,
corantes, conservantes e outros poluentes. Da mesma forma, o movimento
moderno de vegetarianismo - visto por Twigg (7) como "uma alternativa material
de salvação de corpo" - considera a carne e seus vários derivados como perigosos
e "profanos". Os vegetarianos associam a dieta vegetariana à pureza, leveza,
integralidade e espiritualidade, enquanto que, por outro lado, a carne e o sangue
são associados à agressividade, instintos sexuais primários, "natureza animal" e a
um mundo em desarmonia.
Em todos os casos de tabus alimentares, a classificação de um gênero
alimentício como profano - e por isso proibido - pode excluir nutrientes
essenciais à alimentação, como ilustrarei a seguir.
�
Classificações paralelas dos alimentos
f
A divisão dos gêneros alimentícios em dois grupos principais, geralmente
denominados "quentes" e "frios", é uma característica de muitos grupos culturais
no mundo islâmico, no subcontinente indiano; na América Latina e na China. Em
todas essas culturas, esse sistema binário de classificação inclui muito mais do que
alimento: remédios, doenças, estados físicos e mentais, poderes naturais e
sobrenaturais-todos agrupados segundo as categorias "quente" e "frio". A teoria
fisiológica que fundamenta esta classificação, e que relaciona a saúde ao equilíbrio
entre as duas categorias, foi descrita em detalhes no capítulo anterior.
Em muitos casos essa visão da saúde e da doença representa resquícjos da
teoria fisiológica humoral, especialmente na América Latina e no Norte da Africa.
Na China e na Índia também encontramos a dicotomia quente/frio; em cada lugar,
porém, a genealogia é diferente - respectivamente, nos sistemas Yin-Yang e
Ayurvédico. As noções de quente e frio não se referem à temperatura real, e sim
a determinados valores simbólicos referentes a cada categoria de gênero alimen
tício. Uma vez que a "saúde" é definida como o equilíbrio entre as duas categorias
(quente e frio), as doenças são tratadas pela adição de alimentos ou remédios
quentes ou frios à dieta, a fim de restaurar o equilíbrio. Por exemplo, para alguns
grupos latino-americanos que vivem nos Estados Unidos, uma doença fria como a
artrite pode ser tratada com medicamentos ou alimentos quentes, enquanto que no
Marrocos, as doenças quentes - como a insolação - são tratadas com substâncias
frias. Na maior parte dos casos, essas classificações paralelas dos alimentos não são
fundamentadas num princípio lógico consistente, e nem os gêneros alimentícios
classificados como quentes em uma cultura são necessariamente quentes em outra
cultura.
Os fatores históricos e culturais locais, assim como idiossincrasias pessoais,
podem influenciar a designação dos alimentos em uma destas duas categorias.
Greenwood (8), por exemplo, em seu estudo no Marrocos, encontrou diferenças
significativas entre seus informantes sobre quais alimentos eram quentes ou frios,
embora todos eles concordassem em gestos, efeitos fisiológicos e o suposto valor
terapêutico de cada categoria. Em alguns casos, a escolha de uma categoria era
baseada principalmente na experiência pessoal. Um homem, por exemplo, notou
que a carne de cabra tinha gosto azedo e causava indigestão e rigidez nas
articulações (condições frias), e que as cabras não toleravam ficar ao ar livre no
inverno, enquanto que os bois e as vacas suportavam o frio. Portanto, a carne de
cabra era fria e a carne de boi, quente.
As classificações paralelas dos alimentos incluem, por vezes, categorias
intermediárias, tais como "tópico" ou "neutro", havendo, portanto, um espectro
entre o quente e o frio, ao invés de uma divisão bem determinada entre as
categorias. Um exemplo desta forma de classificação foi descrito por Harwood (9)
entre um grupo de porto-riquenhos na cidade de Nova Iorque. Embora eles
classificassem as doenças dentro das categorias "quente" e "frio", os gêneros
alimentícios e os medicamentos eram divididos em quente (caliente), tépido
52 / Ceei/ G. Helman
(fresco) ou frio. Artrites, gripes, menstruação e dores nas articulações eram
doenças frias, enql.lan"to que a constipação, diarréia, erupções cutâneas, tenesmo
e úlceras eram quentes. Os remédios quentes incluíam aspirina, óleo de rícino,
penicilina, óleo de fígado d� bacalhau, ferro e vitaminas, enquanto que os remédios
frios eram bicarbonato de sódio, manitol, beladona e leite de magnésia.
Tabela 3.1
Classificação quente-frio de alimentos entre os
porto-riquenhos de Nova Iorque
Tabela 3.2
Classificação quente-frio de alimentos entre
os indianos no Reino Unido
Quente Frio
Trigo Arroz
Batata Bananeira
Leite de búfalo Leite de vaca
Peixe Leitelho
Galinha Vagem verde
Leguminosas Ervilha
Amendoim Feijão
Perna de ave Cebola
Abóbora Tomate verde
Cenoura Abóbora
Rabanete Espinafre
Feno-grego Manga madura
Alho Banana
Manga verde Goiaba
Mamão papaia Limão
Tâmara
54 / Ceei! G. Hel�an
alguns casos, isto acarretava na restrição considerável das fontes nutritivas
disponíveis para a mãe. Nesse caso, como em outros, as classificações paralelas dos
alimentos são geralmente utilizadas pelos pacientes como uma forma de
automedicação que, em determinadas circunstâncias, pode resultar em prejuízo à
saúde.
Alimentos sociais
56 / Ceei/ G. Helman
e serve o alimento, quem come com quem, assim como quem limpa depois.
Determinam também os horários e situações de cada refeição, as ordem dos pratos
em uma refeição, os talheres e louça utilizados, e o modo exato com que os
alimentos devem ser consumidos - ou os "modos à mesa". O alimento propria
mente dito é sujeito a padronizações culturais, que determinam seu tamanho,
forma, consistência, cor, cheiro e gosto apropriados. Tanto a ocasião formal de
uma refeição quanto os tipos de alimento servidos podem, portanto, ser conside
rados como uma linguagem complicada, que pode ser decodificada para revelar
dados sobre os relacionamentos e valores dos indivíduos que tomam parte da
mesma. Cada refeição é uma confirmação e uma recriação desses valores e
relacionamentos.
Diferentes tipos de refeição transmitem mensagens diferentes àqueles que
tomam parte nelas. Farb e Armelagos (13) ressaltam que os cocktails norte
americanos sem refeição são para as relações de pessoas pertencentes a um status
social mais baixo; as refeições precedidas de bebidas alcoólicas são para amigos
próximos e convidados de honra; um lanche frio está "no limiar da intimidade", mas
não exatamente lá; a intimidade social é simbolizada pelo convite para uma refeição
completa, com uma seqüência de pratos alternada por quentes e frios; o buffet e
o churrasco estendem a amizade a laços mais fortes do que um convite para um café
de manhã, mas não mais do que um convite para uma refeição completa à mesa.
As refeições podem também simbolizar status social, em que geralmente são
servidos pratos raros e caros - e que Jelliffe (3) chama de "comida de prestígio".
Segundo ele, são, geralmente, proteínas (freqüentemente animal), difíceis de
encontrar ou preparar (por serem raros, caros ou importados), e amiúde vinculados
historicamente a um grupo social dominante (como a carne de veado, reservada às
classes altas da Europa na Idade Média). Dentre os alimentos de prestígio, pode
se identificar a carne de veado e de aves de caça no Norte da Europa, o filé de carne
de gado na América, a corcova de camelo entre os árabes beduínos, e o porco na
Nova Guiné. Pode-se adquirir status também oferecendo enormes banquetes, nos
quais grandes quantidades de comida são consumidas e desperdiçadas. Um
exemplo conhecido disso, da literatura antropológica, é o banquete potlach dos
indianos do Noroeste dos Estados Unidos e do Canadá. As diferentes famílias
competem oferecendo umas às outras banquetes imensos e perdulários, cada um
maior do que o último, nos quais desperdiçam enormes quantidades de comida. O
objetivo é humilhar as famílias rivais, cada qual oferecendo um banquete que não
possa ser superada pelas demais.
Em outras sociedades, a exibição e divisão do alimento é usada para obter
prestígio, mas sem a característica perdulária do potlach. Nas Ilhas Trobriand,
próximas a Papua-Nova Guiné, por exemplo, um fazendeiro que produziu grande
quantidade de alimento em determinada estação é considerado possuidor de
grande habilidade e destreza na agricultura, além de ter sido especialmente
favorecido por poderes sobrenaturais. Ele pode então demonstrar seu sucesso, e
de ascender em status exibindo montes enormes de alimentos plantados por ele
em uma das cerimônias tribais (tais como os rituais de luto ou de colheita), e
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cozida reforçada passou a ser servida entre 16 e 18 horas e foi denominada de
"jantar". O café da manhã reforçado persistiu por 18 meses após a migração, e o
"almoço" passou a ser preparado com as sobras do primeiro. Finalmente, foi
estabelecido um novo padrão, com três refeições: café da manhã -compreenden
do ovos, que podiam ser acompanhados de bacon ou salsicha, biscoitos quentes,
pão "leve" e café; almoço com sanduíches, sopa, bolachas, frutas frescas e um suco
de frutas; e jantar, com alimentos cozidos ou fritos. Os tradicionais cafés da manhã
reforçados foram reservados para fins-de-semana, dias de folga e feriados.
Segundo ilustra o estudo de Jerome, a estrutura interna e o conteúdo das
refeições podem ser notavelmente uniformes dentro de um grupo social ou cultural.
Um estudo semelhante sobre as refeições da classe operária inglesa foi realizado
por Douglas e Nicod (17). Eles observaram que as refeições, diferente dos
"lanches", eram eventos altamente estruturados, com determinadas combinações
de alimentos servidas na seqüência apropriada. O café da manhã, em que os pratos
eram servidos em qualquer ordem, geralmente não era considerado uma "refei
ção". As refeições caracterizavam-se por combinações cuidadosas de alimentos
salgados e doces, secos e úmidos, quentes e frios. Se o alimento era muito quente,
deveria ser acompanhado de uma bebida gelada, enquanto que a sobremesa,
quando acompanhada de uma bebida quente, deveria ser fria, seca e sólida (bolo
ou biscoitos). Douglas e Nicod conseguiram decifrar a "gramática" subjacente e
reincidente dessas refeições, e ressaltaram que qualquer tentativa de aperfeiçoa
mento de suas qualidades nutritivas deveria levar esta estrutura em conta, e não
impor as opiniões de um dietista de classe média.
Devido à função principal de definir e recriar a identidade e a coesão grupal,
as refeições e os banquetes comunitários assinalam muitas ocasiões importantes da
vida em grupo. Exemplos disso são os banquetes associados a casamentos,
batismos, velórios, barmitzvaha, festas e cultos religiosos. Os alimentos consumi
dos durante as ocasiões religiosas possuem mais um significado simbólico de que
nutritivo - como a hóstia da comunhão católica, ou o matzoh da Páscoa dos
judeus. O consumo desses alimentos confirma e restabelece o relacionamento entre
o homem e sua divindade, como também entre o homem e o homem. Outras festas
de grupos seculares, nas quais o grupo celebra sua história e experiências, também
utilizam alimentos especiais, tais como o peru servido no Dia de Ação de Graças
americano. Farb e Armelagos (18) observam como a abóbora, originalmente uma
verdura usada de màneira comum, foi gradualmente assumindo uma importância
mais simbólica do que nutritiva como na decoração de Dia das Bruxas ou do Dia
de Ação de Graças. Eles estimam que, a cada outono, são vendidas aproximada
mente três milhões de abóboras em Massachusetts, das quais 90% não serão
ingeridas, mas transformadas em "jack-o-lanters"* ou usadas para a decoração de
varandas, peitoris de janela e mesas de jantar.
Outro exemplo de alimento social com importância ritual é o bolo de
casamento inglês. Charsley (19) sugere que este bolo -que contém três camadas,
* Abóbara entalhada de modo que pareça um rosto, usada como lanterna (com uma vela em seu
interior) em brincadeiras, no Dia das Bruxas. (N.T.)
Cultura e má nutrição
60 / Ceei/ G. Helman
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causadas por gafanhotos ou outros insetos e parasitas. Outro fator, descrito por
Keesing (20), é a economia política internacional de produção e consumo de
alimentos. Ele observa que, em muitas regiões do Terceiro Mundo, tanto durante
quanto depois do colonialismo, as pessoas foram encorajadas (e algumas vezes
obrigadas) a plantar produtos para exportação - tais como o fumo e o algodão -
ao invés de gêneros alimentícios básicos para consumo interno. Em grandes áreas
do mundo em desenvolvimento, a quantidade de terra destinada à produção dos
"produtos lucrativos" para exportação foi sempre cada vez maior. Na década de 7 O,
por exemplo, as plantações desses produtos ocupavam, segundo estimativas, 55%
da terra plantada nas Filipinas, 80% em Maurício e 50% de toda terra cultivada no
Senegal. Muitos países,em desenvolvimento estão, portanto, à mercê das oscila
ções do mercado mundial no que diz respeito às plantações lucrativas, além de
depender cada vez mais de alimentos importados para sua subsistência. Além disso,
a propaganda das empresas dos países industrializados tem promovido o uso de
alimentos menos nutritivos, mais artificiais e mais caros, tais como os refrigerantes,
a comida enlatada e os compostos alimentares para bebês (ver abaixo).
Em cada caso de má nutrição, portanto, os fatores culturais - bem como os
fatores pessoais, tais como a ignorância e a idiossincrasia - constituem apenas
uma parte do complexo de influências atuante sobre o indivíduo, o que determina
se sua dieta alimentar é adequada em termos nutritivos ou não.
Para ilustrar o papel da cultura na má nutrição, discuto três tópicos a seguir,
com exemplos.
A maior parte dos grupos de imigrantes leva consigo sua própria "cultura
alimentar" - suas crenças e práticas tradicionais relativas ao alimento. Esse fato
não só garante um sentido de continuidade cultural com relação a seus países de
origem, como também desempenha funções simbólicas, religiosas e sociais na vida
diária. Os hábitos alimentares consistem em um importante indicador de aculturação.
Juntamente com o vestuário, comportamento e estrutura familiar, a "cultura
alimentar" é, geralmente, um dos últimos traços culturais a desaparecerem caso os
imigrantes desejem desvincular-se das suas culturas originais. Além dos hábitos
alimentares, outros fatores - que escapam ao controle dos próprios imigrantes -
podem afetar sua saúde e nutrição. Dentre eles, estão: discriminação ou rejeição
por parte da comunidade anfitriã; desemprego; violência física ou perseguição
racial; (21) condições de moradia precárias ou superlotadas; baixa renda; poucas
horas de lazer e muitas horas de trabalho; isolamento social; e os efeitos
estressantes da mudança cultural propriamente dita (ver Capítulo 1 i).
Stroud (22) investigou os problemas de nutrição mais comuns na Asia (da India,
Paquistão e Bangladesh) e dos imigrantes do Oeste indiano no Reino Unido. Entre
eles estão a osteomalácia e o raquitismo entre os asiáticos, várias formas de anemia
• Na Índia, pão ou bolo sem fermento, feito com farinha, água e sal. (N. T.)
62 / Ceei/ G. Helman
asiática são, em menor ou maior grau, vegetarianos; que muitos asiáticos, na
verdade, consomem grandes quantidades de produtos laticínios; e que se deve
também considerar o efeito positivo da alimentação vegetariana como fator de
proteção contra as doenças cardíacas.
. O raquitismo nutricional também foi observado em bebês da Índia Ocidental
cujos pais pertencem à religião rastafari. Ward et ai. (23) descreveram quatro casos
de crianças na faixa de 11 a 20 meses com raquitismo clínico. Seus pais eram
rastafarianos ortodoxos e praticavam o vegetarianismo, que excluía também o
peixe. Eles eram amamentados até a segunda metade do primeiro ano de vida,
quando eram desmamados e passavam a uma alimentação essencialmente vege
tariana, conhecida como "1-tal". Nenhum deles havia recebido suplementos
vitamínicos durante a primeira infância ou cumprido um sistema completo de
imunizações. Como muitos asiáticos, eles possuíam baixa renda e viviam em zonas
de depressão no interior das cidades, onde as oportunidades de brincar ao ar livre
eram raras, e a exposição ao sol era provavelmente limitada.
Stroud (22) também relata alto índice de anemia por deficiência de ferro em
bebês e crianças asiáticos e do Oeste da Índia. Isto se deve, em parte, pela
amamentação prolongada ou pela passagem direta, após o desmame, para o leite
de vaca, uma vez que os dois tipos de leite_ são deficientes em ferro, contendo 0.3
e 1.0 mg/1 respectivamente. Segundo Hunt (5), a dieta dos adultos asiáticos é
destituída de ferro, que é facilmente assimilado de fontes animais. Embora o ferro
seja acrescentado à farinha do chapatti, somente 3% do elemento é absorvido
quando inserido numa dieta asiática. Em alguns casos, a anemia pode resultar de
infestações de vermes (Ancylostoma) por causa da demanda de proteína animal
decorrente dessas infestações, embora - de acordo com Stroud - isto seja raro
em todas as comunidades do Reino Unido. Hunt também ressalta que as anemias
megaloblásticas - pela deficiência do ácido fálico ou da vitamina B12 - são mais
comuns entre os asiáticos residentes no Reino Unido, especialmente os hindus. Os
hábitos da culinária asiática eliminam grande parte do ácido fálico - como, por
exemplo, o costume de ferver os legumes por uma hora, ou de aquecer, branda e
prolongadamente, alimentos cortados em pedaços finos. Além disso, o hábito de
ferver leite, folhas de chá e água em conjunto para preparar um chá elimina muito
da vitamina 8 12, especialmente importante para os hindus cuja dieta vegetariana
é deficiente em outras fontes de vitamina B12.
Um último problema encontrado entre os imigrantes no Reino Unido foi o da
supemutrição, uma condição que não está confinado às comunidades imigrantes
ou minorias étnicas. Na opinião de Stroud, as crianças da Índia Ocidental residentes
no Reino Unido correm um risco maior de obesidade do que de subnutrição. Uma
vez que a maior parte dessas famílias vêm de comunidades em que a má nutrição
é fato comum, "muitas mães indianas ocidentais parecem ter um desejo profundo
de ver seus filhos como bebês grandes e gordos, e não se sentem satisfeitas com
seu crescimento médio durante os primeiros seis meses de vida."
64 / Ceei/ G. Helman
vamente com leite em mamadeira. As razões mais comuns apresentadas pelas /
mães imigrantes por não amamentarem eram constrangimento, inconveniência e
insuficiência de leite materno. Dois terços das crianças asiáticas amamentadas, o
foram por, no mínimo, seis meses; apenas 5% dos bebês africanos foram
amamentados por mais de um ano, mas as mães chinesas, em geral, amamentavam
de 1 a 3 anos e a maior parte delas não dava alimento sólido aos filhos antes de
1 ano de idade. As crianças asiáticas nascidas no Reino Unido ingeriam sólidos
· antes dos 6 meses (mas, se nascidas antes da imigração, recebiam sólidos só quando
chegassem à idade de 1 ano). As crianças africanas e escocesas recebiam sólidos
com 6 meses. Os autores sugerem que todas as crianças asiáticas devem receber
suplementos de vitamina D, uma vez que 12,5% delas apresentaram raquitismo.
Taitz (31) estudou 261 bebês nascidos a termo em Sheffield, ao nascer e com
6 semanas vida. Apenas 21 dos bebês foram amamentados ao peito. Segundo o
autor, a maioria dos bebês aleitados artificialmente estava substancialmente acima
do peso estimado para sua idade - 6 semanas. Por exemplo, 40,4% dos meninos
e 3 7,3% das meninas estavam acima do percentil 90 para suas idades, de acordo
com a tabela de percentil de Tanner. Taitz atribui esta supemutrição à recomen
dação de médicos, clínicas de assistência social, fiscais de saúde e avós, e à "idéia
popular do bebê "fofinho" com bochechas e braços gordinhos, barriga protuberante
e os demais sinais da síndrome de "Michelin Tyre Man". Além disso, "a pouca
resistência aparente das mães atuais ao choro do bebê e a tendência a gratificá-los
instantaneamente de forma calórica também é um fator importante". Taitz ressalta
os perigos da supernutrição na primeira infância, que pode resultar em obesidade
na segunda infância ou na idade adulta.
66 / Ceei/ G. Helman
Estes quatro estudos demonstram a diversidade de práticas de alimentação
infantil nas diferentes comunidades da Inglaterra e Escócia, e os efeitos que estas
podem produzir sobre a saúde dos bebês. Entretanto, como foi observado acima,
os efeitos dos fatores culturais na alimentação materna e, por conseguinte, na saúde
do bebê, são também relevantes. Por exemplo, o raquitismo fetal e neonatal entre
os bebês asiáticos foi relatado no Reino Unido como o resultado da deficiência de
vitamina D nas mães. (24) As razões da escolha de um tipo, ou de algun� tipos, de
alimentação infantil dentre outros são muitas; algumas delas foram mencionadas
anteriormente. Podemos citar também conceitos culturais do que é considerado um
bebê saudável e "fofinho", do tipo de vida que a mãe deve seguir ªJ?ÓS o parto, e
se a amamentação ao peito pública é socialmente aceita ou não. E interessante
lembrar também que, em algumas regiões do mundo, a lactação é considerada um
contraceptivo eficaz, o que pode influenciar na escolha do tipo de aleitamento do
bebê. Em algumas sociedades, esta noção é corroborada por tabus que proíbem a
relação sexual até que o bebê seja desmamado. Onde a amamentação é opcional
e há outros métodos de concepção disponíveis, as crenças culturais e os modismos,
assim como os fatores econômicos, são os determinantes da escolha desta ou
daquela forma de alimentação.
L
Cultura, Saúde e Doença / 67
saiu de moda e foi substituído pelos cereais empacotados de pouco teor fibroso. Nas
sociedades não-ocidentais que se "ocidentalizaram", a alimentação tradicional é
geralmente alterada pelo acréscimo de açúcar, a substituição dos cereais de alto teor
fibroso pelo pão branco, e freqüentemente pelo aumento do consumo de carne.
Burkitt ressalta que em nenhum dos casos de doenças ocidentais e deficiência de
fibras consiste no fator causal único, mas pode ser importante fator etiológico.
O estudo de Burkitt demonstra como as mudanças na tecnologia e na cultura
alimentar podem estar relacionadas ao crescimento na incidência de determinadas
doenças. Os modismos alimentares e o alto prestígio dado ao pão e arroz brancos
em algumas culturas contribuem para isso.
68 / Ceei/ G. Helman
sejam principalmente relevantes onde há alimento suficiente para uma nutrição
apropriada. Nas tentativas de modificar ou aperfeiçoar as dietas alimentares deve
se, portanto, levar em conta os importantes papéis culturais que os alimentos
desempenham em todas as sociedades e grupos culturais.
Leitura recomendada
TRATAMENTO E CURA:
AS ALTERNATIVAS
DE ASSISTÊNCIA
À SAÚDE
70 / Ceei! G. Helman
Aspectos sociais e culturais de pluralismo médico
72 / Ceei/ G. Helman
A maioria dos tratamentos de saúde nesta alternativa ocorre entre pessoas
ligadas uma à outra por laços de parentesco, amizade, residência comum ou de
associações a organizações profissionais ou religiosas. Isto significa que o paciente
e o curandeiro compartilham concepções semelhantes sobre saúde e doença, e que
serão comparativamente raros os mal-entendidos entre ambos. (3) A alternativa
informal é constituída por uma série de relações de cura informais e não-pagas, de
duração variável, que ocorrem na própria rede social do paciente, particularmente
na família. Os encontros terapêuticos acontecem sem regras determinadas de
comportamento ou ambiente. Em outra ocasião os papéis podem ser invertidos:
o paciente de hoje poderá ser o curandeiro, amanhã. Há determinados indivíduos,
contudo, que tendem a atu�r como fontes de aconselhamento à saúde mais do que
outros. São eles:
1. Aqueles com longa experiência em uma doença específica, ou num
determinado tipo de tratamento.
2. Aqueles com larga experiência em acontecimentos da vida, como mulheres
que criaram muitas crianças.
3. Os profissionais paramédicos (enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas
ou recepcionistas de médicos), consultados informalmente a respeito de problemas
de saúde.
4. Esposas ou maridos de médicos, que compartilham as experiências de seus
cônjuges, às vezes até com algum treinamento na área.
5. Indivíduos tais como cabeleireiros, vendedores ou até gerentes de banco,
que se relacionam com freqüência com o público e, algumas vezes, atuam como
confidentes ou psicoterapeutas leigos.
6. Coordenadores de grupos de auto-ajuda.
7. Membros ou oficiantes de determinados cultos de cura ou igrejas.
Todos eles são considerados como recursos de aconselhamento e assistência
sobre questões de saúde por amigos ou familiares. Suas credenciais são, principal
mente, suas próprias experiências, mais do que instrução, status social ou poderes
ocultos especiais. Uma mulher que já passou por várias gestações, por exemplo,
pode aconselhar informalmente uma mulher mais jovem na primeira gravidez,
falando a ela sobre os sintomas esperados e a forma de lidar com eles. Da mesma
forma, uma pessoa com longa experiência com uma medicação específica poderá
"emprestar" um pouco a um amigo com sintomas semelhantes.
As experiências pessoais com doenças são, por vezes, compartilhadas em
grupos de auto-ajuda, que podem atuar como repositórios de conhecimento sobre
uma enfermidade ou uma experiência em particular, a ser utilizado em benefício
de outros membros ou do restante da sociedade. Esses grupos podem trazer muitos
outros benefícios a seus membros, tais como o compartilhar de aconselhamentos
sobre estilos de vida o'u condutas estratégicas, além de atuar como refúgio para
indivíduos solitários, especialmente aqueles em condições estigmatizadas - como
obesidade, alcoolismo ou homossexualismo.
As experiências com doenças e sofrimento são também compartilhadas em
cultos de cura e igrejas. Por exemplo, McGuire (5) descreveu alguns dos grupos de
A alternativa popular
74 / Ceei! G. Helman
Contudo, alguns se organizam em associações de curandeiros, com regras de
admissão, códigos de conduta e troca de conhecimentos.
Grande parte das comunidades possui curandeiros populares seculares e
sagrados. Por exemplo, em seu estudo sobre curandeiros populares negros em
zonas urbanas americanas, Snow (9) descreveu "médicos herboristas", "médicos
raizeiros", espiritualistas, magos ou magas, houngans ou mambos voadores,
pastores curandeiros e curandeiros pela fé, "profetas" locais, "vovós" e vendedores
de ervas mágicas, raízes e medicamentos industrializados. Os curandeiros espiritu
ais - que não atuam em templos, igrejas ou lojas de religião - são especialmente
comuns, e tratam de doenças que julgam ser causadas por feitiçarias ou punição
divina. As doenças seculares são tratadas por automedicação ou por "vovós" ou
herboristas locais. Na prática, no entanto, há alguma sobr�posição entre essas
técnicas e abordagens. Na comunidade Zulu do Sudeste da Africa também existe
uma sobreposição entre os curandeiros sagrados e seculares. Enquanto que a
divinização sagrada é de responsabilidade das mulheres isangomas, os tratamentos
com ervas medicinais africanas é feito por homens inyangas. Ambos, entretanto,
reúnem informações sobre o background cultural da vítima, assim como detalhes
da doença, antes de fazer o diagnóstico. (10)
Um exemplo de curandeiro puramente secular é os sahi, ou trabalhadores de
saúde,, como descreveram Underwood e Underwood (11) em Raymah, na Repú
blica Arabe do lêmen. Eles surgiram no lêmen recentemente, e sua prática consiste
principalmente na aplicação de injeções de diversas drogas ocidentais. Têm pouco
treinamento (normalmente uma associação breve com um profissional de saúde;
em um caso, uma experiência de um mês como funcionário ·de limpeza num
hospital), habilidades diagnósticas limitadas; utilizam pouco aconselhamento ou
influência psicológica. Para os habitantes de Raymah, contudo, os sahi praticam
o que é considerada a quinta-essência da Medicina ocidental - o tratamento de
doenças com injeções. Há outros exemplos dessa corrente no Terceiro Mundo,
mencionados por Kimani (12), no Quênia. Lá, "bush doctors"* sem instrução
prescrevem medicamentos e aplicam injeções, e "meninos que trabalham na rua
ou em garagens de ônibus" distribuem cápsulas antibióticas, adquiridas através do
mercado negro.
Grande parte dos curandeiros populares compartilham os mesmos valores
culturais básicos e visões de mundo das comunidades em que vivem, incluindo
crenças sobre a origem, significado e tratamento de doenças. Nas sociedades em
que as causas das doenças e outras formas de infortúnio são creditadas a forças
sociais (bruxarias, feitiçarias, mau-olhado) ou sobrenaturais (deuses, espíritos ou
fantasmas de ancestrais), os curandeiros populares sagrados são particularmente
comuns. Sua abordagem é, geralmente, holística, pois trata de todos os aspectos
da vida do paciente, inclusive seus relacionamentos com outras pessoas, com o
meio ambiente natural e com poderes sobrenaturais, além de seus sintomas
emocionais e físicos. Em muitas sociedades não-ocidentais, todos estes aspectos da
vida fazem parte da definição de "saúde", considerada fruto do equilíbrio entre o
homem e seus meios social, natural e sobrenatural. Um distúrbio em qualquer um
• De "Bush-man", denominação dos membros de antigas tribos' colonizadas do Sudeste da África
Ocidental.
7 6 / Ceei/ G. Helman
dúvida. Sob uma perspectiva moderna, esse tipo de curandeiro, acompanhado de
assistentes e dos familiares do paciente, forma uma equipe eficiente de atenção
primária à saúde, especialmente por tratar também de problemas psicossociais.
Fabrega e Silver (15) examinaram as vantagens, para o paciente, de outro tipo de
curandeiro popular, o h "ilol de Zinacantan, no México, em comparação aos
médicos ocidentais. Em especial, verificaram que há proximidade, afeto,
informalidade e visões de mundo semelhantes nas consultas, além do uso de
linguagem coloquial; a família e outros membros da comunidades são envolvidos
no tratamento; o h "í 1o 1 é uma figura crucial na comunidade e acredita-se que os seus
atos resultem em benefício para o paciente, para a comunidade e para os deuses.
O curandeiro pode influenciar a sociedade como um todo, em particular as relações
sociais do paciente, é capaz de influenciar o comportamento futuro do paciente,
ressaltando a importância de seus atos passados na doença atual. O tratamento
acontece num ambiente familiar - a casa do paciente ou um santuário religioso.
Uma vez que os curandeiros populares (como os h "ilol) articulam e reforçam os
valores culturais da comunidade em que vivem, eles estão em vantagem em relação
aos médicos ocidentais. Estes últimos estão geralmente separados de seus padentes
por classe social, posição econômica, gênero, educação especializada e, algumas
vezes, por backgro und cultural. Os curandeiros são mais aptos a definir e tratar uma
"doença" (íllness)-isto é, as dimensões sociais, psicológicas e morais associadas
com a mesma ou com outras formas de infortúnio (ver Capítulo 5)*. Eles também
fornecem explicações culturalmente familiares das causas e duração da doença, e
sua relação com os mundos social e sobrenatural.
Em geral, os curandeiros populares possuem pouco treinamento formal, se
comparados à escola médica ocidental. Eles adquirem determinadas habilidades
através do aprendizado com um curandeiro mais velho, de experiências de
determinadas técnicas e estados de saúde, ou de um "poder de cura" adquirido ou
nato. Há várias maneiras de um indivíduo transformar-se em curandeiro popular,
tais como:
1. Herança - por ter nascido numa "família de curandeiros".
2. Posição dentro da família, como no caso do "sétimo filho do sétimo filho"
na Irlanda.
3. Sinais ou presságios no nascimento, como uma marca de nascença ou o
"choro no útero", ou ainda a membrana amniótica envolvendo o rosto ("caul"**,
na Escócia).
4. Revelação - descoberta de que um indivíduo "tem o dom da cura". A
revelação pode ocorrer sob a forma de uma experiência. emocional intensa durante
uma doença, um sonho ou um estado de transe. Em casos extremos, segundo
ressalta Lewis (13), a vocação pode ser anunciada através de "um estado de
* As noções de disease e illness, cujas diferenças serão tratadas erspecialmente no Capítulo 5, não
possuem equivalente na língua portuguesa. Por esta razão , para efeitos de tradução foi utilizada a noção
de enfermidade como disease e a doença como illness. (N.R.)
** Membrana que envolve o feto e que, cobrindo a cabeça, é considerada um feitiço contra afogamento.
(N.T.)
78 / Cecil G. Helman
O setor profissional
Tabela 4.1
O sistema médico
80 / Ceei! G. Helman
sociedade maior a que pertencem. Ao lidar com a população, o sistema médico
reproduz muitos dos preconceitos sociais subjacentes, assim como os conceitos
sociais do que seja "bom" ou "mau" em termos de comportamento. Por exemplo,
Littlewood e Lipsedge (20) sugerem que o preconceito racial desempenha um. papel
importante na forma como os pacientes afro-caribenhos no Reino Unido são
classificados como "loucos" pelos psiquiatras, mesmo quando há evidências do
contrário (ver Capítulo 10), e Wing (21) sugere que um processo similar ocorre na
URSS; onde a conduta do psiquiatra depende de sua posição política.
"'-Outros comentários críticos sobre o sistema médico ocidental incluem os de
Illich (22), que afirmou que a Medicina moderna de alta tecnologia tem se tomado
cada vez mais perigosa para a saúde da população, por reduzir sua autonomia -
fazendo com que fique dependente da profissão médica -, e por prejudicar sua
saúde com os efeitos colaterais das drogas e das intervenções cirúrgicas. Além disso,
o sistema médico tem uma relação simbiótica com os fabricantes de equipamentos
médico e farmacêutico, não defendendo necessariamente os interesses do pacien
te.
Como Illich, outros críticos do sistema médico sustentam que a Medicina
contemporânea, além de controlar microorganizações, também pretende contro
lar o comportamento da população, especialmente pela "medicalização" do
comportamento desviante, como também de muitos estágios normais do ciclo vital
humano. Stacey (23) e outros autores sugerem que este fenômeno é particularmen
te evidente no caso feminino, sobretudo durante a gravidez e no parto (ver Capítulo
6). Ademais, grande parte das doenças ocidentais causada por outros fatores -
pobreza, desemprego, crise econômica, poluição ou perseguição-é freqüentemente
ignorada pelo sistema médico, pois seu foco principal é, cada vez mais, o paciente
individual, e os "fatores de risco" presentes em seu estilo de vida. (24)
Por isso, a fim de compreender qualquer sistema médico, deve-se sempre
considerá-lo no contexto de valores básicos, ideologia, organização política e
sistema econômico da sociedade em que foi criado. Neste sentido, a alternativa
profissional de assistência da saúde - a exemplo das outras duas alternativas -
sempre é, de certa forma, "delimitado culturalmente".
82 / Ceei! G. Helman
sua tendência é ministrar doses maiores do que seus colegas europeus de profissão.
Na psiquiatria, por exemplo, as doses de algumas drogas utilizadas são até dez vezes
maiores nos Estados Unidos do que as doses ministradas em outros países. As
razões que determinam esta linha de assistência médica são várias, incluindo os
tipos de pagamento que os médicos americanos recebem por seus serviços e a
ameaça do serem processados legalmente por faltas profissionais. Entretanto, a
exemplo dos médicos dos três países europeus, são os valores ct.Jlturais subjacentes
de sua sociedade que influenciam nos métodos de diagnosticar e tratar as doenças.
A profissão médica
84 / Ceei/ G. Helman
ala hospitalar formam uma "comunidade temporária de sofrimento", unidos por
comiseração, fofocas sobre suas alas e conversas sobre os próprios estados de
saúde. No entanto, esta comunidade não se assemelha nem substitui as comunida
des em que eles vivem e, ao contrário dos grupos de auto-ajuda, suas aflições não
lhes dão o direito de tratar outras pessoas, pelo menos no ambiente hospitalar.
Na maior parte dos países, o setor profissional também inclui os médicos
generalistas locais e os médicos de família, que, normalmente, estão profunda
mente enraizados na comunidade. Há semelhança entre esses médicos (ou
enfermeiros) e os curandeiros do setor popular, especialmente por sua familiarida
de com os aspectos social, familiar e psicológico das doenças, mesmo que ·seus
tratamentos sejam baseados em premissas inteiramente diferentes.
Redes terapêuticas
A alternativa informal
86 / Ceei! G. Helman
semanas anteriores, apenas 16% deles haviam consultado· um médico. A
automedicação era, normalmente, um recurso alternativo à consulta médiea; o
médico teria a função de tratar de condições mais graves. A idéia da automedicação
com determinado medicamento industrializado vinha de diversas pessoas,_ dentre
elas: cônjuges (7%), pais e avós (18%), parentes (5%), amigos (13%) e do médico
{100/4). 57% do grupo de amostra considerava o farmacêutico local uma boa fonte
de aconselhamento médico para muitas doenças. Os dados de um estudo de Sharpe
(38) confirmam esta afirmativa. Segundo ele, certa farmácia londrina recebeu, num
período de dez dias, 72 solicitações de aconselhamento de saúde, principalmente
para problemas de pele, infecções do trato respiratório, problemas dentários,
vômitos e diarréia.- Num estudo de Jefferys et ai. (39) em um conjunto residencial
de classe operária, dois terços das pessoas entrevistadas usam automedicação,
seguidamente acompanhada de uma droga prescrita. Laxativos e aspirinas eram,
freqüentemente, usados em automedicação. As aspirinas e outros analgésicos eram
usados para diversos sintomas, entre eles "artrite e anemia, bronquite e dor nas
costas, distúrbios menstruais e sintomas da menopausa, crise de nervos e neurite,
gripe e insônia, resfriados e catarro, além de, obviamente, dores de cabeça e
reumatismo."
O armazenamento e a troca de medicamentos industrializados e prescritos são
hábitos comuns no Reino Unido. As pessoas que estiveram doentes atuam,
algumas vezes, como "médicos por-trás-do-muro" - segundo denominação de
Hindmarch (40) -por trocarem drogas prescritas para si mesmas com amigos,
parentes e vizinhos com sintomas semelhantes aos seus. Warburton (41), em
Reading, descobriu que 68% dos adultos jovens em sua pesquisa admitiam ter
recebido drogas psicotrópicas de amigos ou parentes. Uma pesquisa de Hindmarch
(40) em Leeds revelou que uma média de 25. 9 comprimidos ou cápsulas prescritas
eram armazenadas, por pessoa, entre moradores de uma determinada rua.
Decisões sobre usar ou não os medicamentos prescritos também fazem parte da
cultura informal de saúde, e a avaliação leiga da droga, determinando se o uso da
mesma "faz sentido" ou não, pode, segundo Stimson (32), influenciar a não-adesão
ao tratamento. A incidência da "não-adesão" foi estimada por Stimson em 30% ou
mais.
Poucos estudos foram realizados sobre a eficácia da alternativa informal de
assistência à saúde na Inglaterra. Blaxter e Paterson (42), em seus estudos sobre
mães da classe operária de Aberdeen, constataram que as doenças infantis comuns
- como uma infecção no ouvido - eram normalmente ignoradas se não interferissem
no ritmo diário da criança. Contudo, num estudo realizado por Pattison et ai. (43),
as descobertas foram bem diferentes: as mães eram capazes de identificar as
doenças de seus bebês e procuravam auxílio médico mesmo nos casos de primeiro
filho.
Um componente importante da alternativa informal é a grande variedade de
grupos de auto-ajuda - que vêm aumentando no Reino Unido desde a II Guerra
Mundial. Como outras partes do setor informal, é a experiência de seus integrantes
- e não a formação acadêmica - que importa, especialmente se relacionada a um
88 / Ceei! G. Helman
por Levy (45) - 41 deles reservavam suas vagas a indivíduos que sofressem de algum
problema em particular; oito eram constituídos principalmente por familiares de
indivíduos com problemas. Alguns grupos sobrepõem-se à alternativa profissional,
como a Sociedade da Psoríase: seus 4000 membros são divididos entre indivíduos
portadores do problema e seus familiares, médicos, enfermeiros e empresas de
cosméticos e farmacêuticas. (46) Outros são hostis à Medicina ortodoxa, e mantêm
uma postura antiburocrática e antiprofissional.
Robinson e Henry (47) apresentam diversas razões para explicar o desenvolvi
mento destes grupos na alternativa informal, dentre elas: a constatação do fracasso
dos serviços médicos e sociais existentes na satisfação das necessidades dos
indivíduos; o reconhecimento do valor da ajuda mútua entre os membros destes
grupos; o papel dos meios de comunicação, na divulgação da dimensão de
problemas compartilhados na "comunidade". Outras razões podem ser: a nostalgia
de uma "comunidade", especialmente a comunidade que é uma extensão da família
- num mundo impessoal e industrializado; um mecanismo de defesa dos indivíduos
marginalizados por suas condições de saúde ou por seus status social; além de uma
forma de explicar e manejar os infortúnios de uma maneira mais pessoal.
A alternativa popular
90 / Cecil G. Helman
námentô, credendais e auto-imagem· oos. médicos ortodoxos; e constituindo,,
progressivamente� 01ganizações profissionais com estrutura educacional e registro
de sócios autorizados. Algumas estão organizadas em forma de colegiados, a
exemplo de outras profissões na Inglaterra. Exemplos disso são a Associação
Britânica de Acupuntura, Instituto Nacional de Médicos Herboristas, Sociedade dos
Homeopatas e o Conselho e Registro Geral de Osteopatas. Em i 979, a Associação
Inglesa de Acupuntura ofereceu um curso de treinamento de do"is anos de duração
para licenciatura e mais um ano de estudo para bacharelado em acupuntura. O
curso teve l 00 alunos no Reino Unido, 33 formados em Medicina e 420 sem
qualificação médica profissional {Secretaria, Associação Inglesa de Acupuntura e
Registro Ltda., 1979, comunicação pessoal).
Na outra ponta do espectro estão os métodos mais individuais de cura
populares: clarividentes, astrólogos, curandeiros psíquicos, clariaudientes, quiro
mantes, médiuns celtas, tarólogos, ciganos adivinhos e profetas irlandeses, cujos
trabalhos são divulgados em jornais populares, revistas, folhetos e publicações
como o "Odd Moore's Almanack. Muitos deles atuam como orientadores ou
psicoterapeutas leigos: "Você tem um problema de saúde sem solução? Tem uma
preocupação pessoal ou familiar e precisa de conselhos? Talvez eu possa ajudá-lo.
Sou o Sétimo Filho do Sétimo Filho". (56) A maioria deles utiliza métodos de
adivinhação com moedas, dados ou cartas de Tarô para decifrar as influências
sobrenaturais e cósmicas atuantes sobre o indivíduo, e revelar as causas de sua
infelicidade, problema de saúde ou outro infortúnio. Do ponto de vista do paciente,
este método é conveniente por colocar a responsabilidade do problema além de seu
controle; assim, o "destino", "azar" ou sinal no nascimento são apontados como
causadores do infortúnio, e não o comportamento do paciente.
Nos últimos anos, a Medicina convencional tem sido criticada em algumas
regiões; paralelamente, vem aumentando o interesse sobre todas as farmas de
Medicina alternativa e complementar e o número de organizações associadas às
mesmas. O Conselho para a Medicina Complementar, por exemplo, foi fundado
"para promover e manter os padrões mais altos de treinamento, qualificação e
tratamento na Medicina complementar e alternativa, além de facilitar a divulgação
de informações relacionadas às mesmas." (57) O Conselho de Pesquisa da Medicina
Complementar, além de fomentar a pesquisa na área, visa elevar os padrões de
treinamento e desenvolver "uma política visando à integração destes métodos com
os serviços médicos existentes." (58) O Instituto de Medicina Complementar possui,
hoje, 80 organizações afiliadas, e está desenvolvendo um registro de praticantes
treinados. (59) A Associação Britânica de Medicina Holística, uma das organizações
mais antigas, possui 1159 membros (médicos e leigos), dos quais dois terços são
profissionais em exercício da saúde (médicos, enfermeiros, assistentes sociais que
atuam na área da saúde e praticantes da Medicina complementar). Segundo a
Associação Britânica, a emergente Medicina holística "representa uma tentativa de
curar a ciência médica propriamente dita, através da reintegração das dimensões
psicológicas e espirituais no tratamento de saúde." (60)
O setor profissional
92 / Ceei/ G. Helman
Cada uma destas categorias oferece determinada forma definida de tratamento;
podem, no entanto, ser consultadas informalmente, enquanto parte do setor
informal.
No Reino Unido, há duas formas complementares de assistência médica
profissional: o Serviço Nacional de Saúde e os serviços médicos particulares. Os
profissionais atuantes em um dos serviços pode, ocasionalmente, atuar também no
outro.
O setor hospitalar
94 / Ceei( G Helman
dos curandeiros populares - eles fazem consultas domiciliares, e tratam de mais
de uma geração na mesma família. Diferentemente do setor hospitalar, as doenças
tratadas pelos PGs são, geralmente, de pouca gravidade. Em estudo sobre a
morbidade em 2500 pacientes atendidos por PGs do Serviço Nacional de Saúde
em um ano, 1365 tiveram "doenças brandas", 588, "doenças crônicas", e apenas
288 tiveram "doenças graves". Segundo Levitt, o PG é o primeiro consultor para
aproximadamente 90% dos indivíduos que procuram auxílio profissional através do
SNS, embora as consultas tenham, em média, apenas 5 ou 6 minutos de duração.
(72)
O médico generalista do SNS, associado ao restante do "grupo de atenção
primária à saúde", possui determinados atributos da alternativa popular; dentre
eles, particularmente, o que se refere à ênfase dada à "doença" (ver Capítulo 5) -
ou seja, as dimensões social, psicológica e moral dos problemas de saúde.
A atividade de enfermeiro
Tabela 4.2
continua
96 / Ceei/ G. Helman
Tabela 4.2 (continuação)
98 / Ceei! G. Helman
idade, que viera procurar o médico devido a uma dor nas costas. Não havia
consultado ninguém antes porque "não tinha nenhum amigo e, por isso, se eu
tivesse de comprar alguma pomada, não haveria ninguém para aplicá-la em minhas
costas".
Elliott-Binns (36) repetiu este estudo 15 anos depois em 500 pacientes da
mesma área clínica em Northampton. Surpreendentemente, os padrões de
automedicação e orientação leiga haviam permanecido praticamente sem mudan
ças. 55,4% dos pacientes usaram automedicação antes de ir ao médico; em 1970,
o índice fora de 52,0%. As únicas mudanças significativas foram o aumento no uso
de fontes impessoais de orientação - livros de Medicina caseira e TV - e a queda
no uso de remédios caseiros tradicionais (embora ainda perfizessem 11,2% das
orientações médicas). Ademais, a orientação farmacêutica cresceu de 10,8% em
1970 para 16,4% em 1985. Em resumo, o estudo sugere que, no Reino Unido,
a automedicação ainda permanece como a principal fonte de tratamento de saúde
para o paciente médio.
Leitura recomendada
Kleinman, A. (1980) Patients and Healers in the Context of Culture. Berkeley: University of
Califomia Press. Ver Capítulos 2 e 3 para urna discussão das três alternativas de assistência à saúde
e urna comparação entre os sistemas de saúde transculturais.
Dunnell, K. e Cartwright, A. (1972) Medicine Takers, Prescribers and Hoarders. Londres: Routledge
e Kegan Paul. Um estudo sobre a automedicação no Reino Unido.
Fulder, S. (1988) Handbook of Complementary Medicine. Londres: Oxford University Press. Uma
pesquisa sobre os métodos de cura alternativa e complementar na Grã-Bretanha moderna.
Janzen, J.M. (1978) The Quest for Therapy: Medical Pluralism in Lower Zaire. Berkeley: University
of Califomia Press. Um exemplo africano de pluralismo médico.
MacGuire, M.B. (1988) Ritual Healing in Suburban America. Nova Brunswick: Rutgers University
Press.
Robinson, D. e Henry, S. (1877) Self-help and Health: Mutual Aid for Modem Problems. Londres:
Martin Robertson. Grupos de auto-ajuda no Reino Unido.
Snow, L. F. (1978) Sorceres, saints and charlatans: black healers in urban America. Cult. Med.
Psychiatry 2,69-106.
V
. CAPÍTULOS
�''
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
/.
1 'l 1 {(� ,(
(;; /( )),( . � '
"Adoecer"
pes oas ao seu redor. Neste sentido, adoecer é um recesso socjaLque envolve
outras essoas, além do_Qaciente. A cooperação dos outros é necessária para que
a pessoa adote os direitos e os benefícios d_Q__papel de d_gente - ou seja, do papel
socialmente aceito de "pessoa doente". As pessoas definidas como doentes são
aliviadas_d.e_s_uas_o_b...rigações com respeito aos grupos sociais aos quais pertencem
- família, amigos, colegas de trabalho ou grupos religiosos. Ao-mesmo tempo,
e�tes grupos normalment� sentem-se obrigados a cuidar _dQs_companheiros
doentes. Portanto, o papel de doente proporciona, segundo ressalta Fox (9), "um
canal semilegítimo de isolamento das responsabilidades de adulto e uma base para
a elegibilidade do cuidado por parte de outros." Na maior parte dos casos, a
condição de doente é mais respeitada se revalidada por um médico ou por outro
I profissional da saúde. Em geral, este cuidado ocorre dentro da alternativa informal
de atenção à saúde, especialmente na família, onde então os sintomas do paciente
' . são discutidos e avaliados para a posterior decisão sobre a existência ou não de
doença e, se for o caso, como ele deve ser tratado.
O processo de "adoecer" envolve, portanto, experiências subjetivas de
mudanças físicas ou emocionais e - com exceção dos indivíduos completamente
isolados - a confirmação dessas mudanças por parte de outras pessoas. Para que
haja esta confirmação, deve haver um consenso entre todos os envolvidos sobre
o que constitui um estado sadio e um sinal ou sintoma anormal. Deve haver também
uma conduta padronizada através da qual uma pessoa doente possa chamar a
atenção sobre essas mudanças anormais para que receba cuidados e apoio.
Segundo Lewis (15), "cada sociedade ossui conven�ões sobre a maneira como as
pessoas devem comportar-se_quando estão doentes... na �ria dôs casos, existe
uma interação entre as respostas voluntárias e involuntárias na manifestação da
doença. O paciente possui algum controle sobre a maneira através da qual ele
demonstra sua doença (illness) e sua atitude em relação à mesma." Tanto a
apresentação da doença (illness) quanto a reação dos outros à mesma são, em
grande parte, determinadas por fatores socioculturais. Cada cultura ossui sua
liT)gu_9gemde sofrimento própria, que faz a ligação entre as experiências subjetivas
de mal-estar e o seu reconhecimento social. Os fatores culturais determinam -quais
os sinais ou sintomas são percebidos como anormais; eles também ajudam a dar
forma às mudanças físicas e emocionais difusas, colocando-as dentro de um padrão
identificável tanto para a vítima quanto para as pessoas que a cercam. O padrão
resultante dos sintomas e sinais pode ser denominado de "entidade doença
(illness)", e representa o primeiro est�gio do adoecimento.
o modelo explicativo
. Kleinman (16), da Harvard University, propôs um método útil de considerar
o processo através do quál a doença (illness) é padronizada, interpretada e tratada,
denominado por ele de modelo explicativo {ME). O modelo é definido como "o
conjunto das idéias de todos os envolvidos no processo clínico sobre um episódio
,._
l
escolhas entre as teraJ:>ias e os terapeutas disponíveis, assim como_para elaborar
os significados pessoal e social da experiência da doença..- "Especificamente os MEs
ex licam cinco aspectos das doenças (illness):
1. A etiologia a con ição.
2. A duração e as características do início dos sintomas.
3. Os processos fisiopatológicos .envolvidos.
14. A história natural e a severidade da doença.
( 5. Os tratamentos indicados para a condição.
Estes modelos são construídos como resposta a um episódio particular de
doença (illness); não são idênticos às crenças generalizadas sobre as doenças
(illness) sustentadas pela sociedade. De acordo com Kleinman, os MEs leigQs_
tendem a ser idiossincrásic.9�, mutáveis, e fortemente influenciado� p_ela 12ers9na
lidade e J:>Or fatores culturais. São em_parte, conscientes, mas também inconscien
tes, e caracterizados por "imprecisão, multiplicidade de significados, mudanças
freqüentes e falta de exatidão nos limitese ntre as icléias e a experiência "-:--PõrõUfro
la o, os mo e os explicativos os mé icos tam ém são e a orados para tratar de
� isódio em articular mas são baseados principalmente "na seqüência causal
--.exclusiY..a..da.lQgica científica". Portanto, os MEs são utiliza os pe os indivíduos para
explicar, organizar e manejar episódios particulares de mal-estar. As consultas
médicas são, na verdade, as transações entre os MEs lei o e médico de uma doença
específica. Contudo, esses modelos só podem ser compreendidos pela análise do
contexto específico em que são empregados, uma vez que este exerce uma
influência importante sobre os mesmos. O contexto de um modelo ex licativo pode
incluir a organização social e econômica e a ideologia dominante (Qu religião) da
sociedade onde o indi'{íduo adoeceu e consultou. Por exemplo, a avaliação que as
pessoas doentes fazem da gravidade de uma doença (illness) (e a maneira com esta
afeta sua vida) pode depender não apenas do modo como ele explica a origem da
doença (illness), mas também de sua possibilidade de falhar o trabalho, suas
condições para arcar com o seguro de saúde particular, e se o governo lhe
proporcionará tratamento médico gratuito e pagamento por incapacidade enquan
to ele estiver impossibilitado de trabalhar. O contexto social e econômico também
irá influ�nciar o tipo de tra1amento que eles podem pagar, e se buscará principal
mente a alternativa informal, p.Qp!Jlar oµ_p_rofissional.
As Jnaneiras com que os MEs leigos e médicos interagem na consulta médica
são influenciadas não só pelo contexto físico em que ocorrem (ala hospitalar ou
consultório médico) (17), mas também pela classe social e o gênero das duas partes
envolvidas. O poder atribuído aos médicos em virtude_ae seu bacJigroUna_ e_s-=u=ª-
- formação profissional pode dar-lhes o direito de moldar o ME do paciente de modo
que se aâapte ao modelo médico das enfermidades (diseáses) ao invés de permitir
ue o pacien e expresse sua própria perspectiva dá doença (illness) emergente.
Outra maneira de considerar as explicações leigas dos problemas de saúde é
examinar os tipos de pergunta feitas pelas pessoas quando elas percebem que estão
Rubel (19) definiu as doenças (illness) populares como "síndromes das quais
os membros de determinado grupo dizem ser vítimas e para as quais sué!_ cultura
reconhece
- - uma etiologia, um diagnóstico, --- -preventivas e sistemas de cura."
medidas
Byron Good (20) descreveu um exemplo deste tipo de doença (iUness) popular
- narahatiye galb ou "mal-do-coração" - em Maragheh, Irã. E uma doença
(illness) complexa, manifestada geralmente por sintomas físicos - tais como
"tremor", "batidas descompassadas ou violentas" do coração - e sentimentos de
ansiedade ou infelicidade também associados ao coração ("Meu coração está
inquieto"). Esta doença (illness) é "um complexo que reúne sensações físicas de
anormalidade no ritmo cardíaco e sentimentos de ansiedade, tristeza ou raiva." O
ritmo cardíaco anormal é associado tanto a estados afetivos desagradáveis quanto
a experiências de estresse social.
É mais freqüente nas mulheres iranianas, e expressa alguns estados de tensão
e conflitos de suas vidas. O mal-do-coração ocorre freqüentemente após episódios
de briga ou conflito familiar, morte de um parente próximo, gravidez, parto,
conhecimento de infertilidade ou uso de pílula anticoncepcional (considerada uma
ameaça à fertilidade e à lactação). É, principalmente, uma doença (illness) popular
denominada pela cultura em que ocorre, que expressa uma grande variedade de
problemas físicos, psicológicos e sociais ao mesmo tempo; a denominação "mal
do-coração" é "uma imagem que reúne o conjunto de símbolos, situações, motivos,
sentimentos e estresse arraigados ao ambiente estrutural em que vive o povo de
Maragheh." Contudo, a apresentação da doença se dá, basicamente, sob a forma
de sintomas físicos comuns associados ao coração.
11 O / Ceei! G. Helman
---��-- -----=-�===--=-=====�
Metáforas da AIDS
• Deusa da mitologia grega que presidia a ordem moral das coisas, fiscalizando e punindo qualquer
violação do equilíbrio natural. (N.T.)
Como foi observado acima, as teorias leigas sobre as doenças (illness) fazem
parte de concepções mais abrangentes sobre a origem dos infortúnios em geral.
Além disso, são baseadas em crenças relacionadas à estrutura, funcionamento e
mau funcionamento do corpo. Ainda que fundamentados em premissas cientifica
mente incorretas, os modelos leigos normalmente possuem consistência e lógica
internas,o que ajuda a vítima a encontrar sentido e motivo para o que lhe aconteceu.
O mundo sobrenatural
O mundo social
O mundo natural
O paciente
Figura 5.1
São elas:
1. Debilitação
2. Degeneração
3. Invasão
4. Desequilíbrio
5. Estresse
6. Causas mecânicas
7. Irritantes ambientais
· '1 8. Predisposição hereditária
Estas e outras etiologias leigas serão discutidas mais detalhadamente a seguir.
--p O paciente
As teorias leigas que situam a origem do problema de saúde no indivíduo tratam
principalmente dos problemas de mau funcionamento do org�nismo'-ª1gumas
v�zes re aciona os ª- mudanças de alimentaçã_o ou com ortamenJQ.:_Nestes casos,
a responsabilidade da doença (illness) recai principalmente (embora não total
mente) sobre o paciente (01). Esta crença é comum em es ecial no_mundo
ocidental, onde é freqüentemente estimulada por programas de educação para a
saúde do governo, e os problemas de saúde são atribuídos cada vez mais à
"negligência" com relação à alimentação, vestuário, higiene, estilo de vida,
relacionamentos, exercício físico e aos vícios - fumo e álcool. O problema de
saúde, portanto, é umg.�vidência desta negligência e a vítima deve sentir-se culpada
por tê-la provocado: Isto se aplica sobremaneira a condiçõe�estigmatizadas tais
como obesidade, alcoolismo doen as sexualmente transmissíveis, e de certa forma
à AIDS, como foicomentado anteriormente. Há ainda outras condições comuns
associadas ao comportamento incorreto: no Reino Unido, gripes e resfriados
podem ser causados por alguma ação "anormal" - por exemplo, "sair à rua com
febre", "sentar perto de uma corrente de ar depois de um banho quente" ou "andar
descalço no chão frio". Uma alimentação errada também pode causar pro_blemas
de saúde. Por exemplo, como foi descrito no Capítulo 2, no Sudeste dos Estados
Unidos, o "baixo nível de sangue" e a "pressão baixa" são considerados como
resultantes da ingestão de alimentos muito ácidos ou adstringentes - limão,
vinagre, picles, azeitona e sauerkraut; por outro lado, o "alto nível de sangue"
resultaria da ingestão de alimentos muito ricos, principalmente a carne vermelha
(33). Em outro estudo (34), um quarto das mulheres entrevistadas acreditava que
a alimentação devia ser alterada durante a menstruação para evitar problemas de
saúde. Doces, por exemplo, contribuiriam para prolongar o fluxo menstrual; outros
alimentos causariam sua interrupção ,_ resultando em cólicas menstruais, esterilida
de, enfartes ou "tuberculose aguda". As mulheres grávidas, aplicavam-se restrições
alimentares semelhantes. Outros exemplos de responsabilidade pessoal por proble
mas de saúde são determinados danos traumáticos (também atribuídos à "negligên
cia"), ou danos evidentemente auto-infligidos -tentativas de suicídios malsucedidas,
por exemplo.
O fato das pessoas perceberem ou não as doenças como conseqüência de
próprio comportamento depende de uma série de fatores. Pill e Stott (35), em seu
estudo sobre 41 mães da classe operária de Cardiff, País de Gales, constataram que
a_crença pessoal de que a saúde�é dete..r_mioada por _ ações pessoais (e não pela
"sorte", "acaso" ou "poderosas forças externas") estáva�correlacionada com vari
áv�is socioeconômicas, tais corno_educação e osse de bem imóvel. _As pesso_as que
-1
1
tinham maior controle econômico sobre suas vidas aceitavam melhor as respon
sabilidades por problemas de saúd�_do_que aquelas que se consideravam impotentes
social e economicamente. No último grupo, a doença (illness) era considerada uma
decorrência da ação de forças externas, sobre as uais a vítima não tinha cõntr�le
algum e não sentia a men_9r resgonsabilidade .,
Há outros fàtores etiológicos relacionados ao corpo e alheios ao controle
co_nsciente da vítima. Dentre eles, estão incluídas idéias de vulnerabilidade pessoal_
- psicológica, física ou h�reditá�ia. Os fatores de personalidade incluem "o tipo de
pessoa que alguém é" e, em especial, se ele é excessivamente ansioso ou
preocupado. No estudo de Pill e Sott, isto é ilustrado por citações como a seguinte:
"Algumas coisas que se traz consigo, como os nervos, ou coisas parecidas, são
prejudiciais, de certa forma, pelo tipo de pessoa que você é. Como, por exemplo,
o meu caso: eu sou um pouco tenso". A vulnerabilidade física 1,;:é baseada em
conceitos leigos de resistência e fraqueza. Algumas pessoas do grupo de amostra
eram consideradas mais "resistentes" às doenças do que outras: "Acho que
determinadas pessoas possuem uma resistência do corpo maior do que outras. Não
sei, na realidade, por que -talvez tenha a ver com o grupo sangüíneo." (35) Esta
resistência podia ser aumentada através de hábitos adequados de alimentação e
vestuário, do uso de tônicos fortificantes, e assim por diante, mas, em geral, era
considerada hereditária e constitucional. "Algumas pessoas nasceram resistentes
a gripes e outras coisas." Da mesma forma, a fraqueza podia ser herdada ou
adquirida. No Reino Unido, determinadas fraquezas são consideradas "de família"
("toda nossa família tem fraqueza no peito"), mas os indivíduos contaminados num
ambiente de gripe podem também adquirir uma fraqueza permanente -ou uma
falha nas defesas - naquela parte do corpo ("fraqueza no peito"). Segundo
classificação de Chrisman (32), a debilitação - fra ueza do corQO resultante de
excesso de trabalho, desgaste mental doen a crônica ou um "ponto fraco" do
organismo -era uma etiologia leiga muito comum. Havia também a predisposi-
ão hereditária -· transmissão genética de uma doença {illness), qualidade ou
traço particular, inclusive "fraqueza". Além disso, o autor menciona também .a
degeneração de e.;;t_rutura e funcionamento de estrutura e funcionamento de
tecidos e órgãos do corpo - como o que ocorre no processocle eii.vel ecimento
- e a invasão ue., nos Estados Unidos, compreende as áreas "individual" e
"natural" da etiologia, e onde a doença (illness) é causada tanto por uma invasão
externa de um "germe" ou outro corpo estranho quanto pela disseminação interna
de um problema já existente -como, por exemplo, o câncer. Outras etiologias
individuais.comuns são: o dese uilíbriQ -percebido como um estado de falta de
equilíbrio, excesso ou deficiência, como a "deficiência vitamínica" ou "deficiência
de elementos no sangue" - e· as causa mecânicas, tais como o funcionamento
anormal de órgãos ou_sisíemas ("má circulação"), danos a determinadas partes do
corpo, "obstrução" de órgãos ou· artérias e "pressão interna" em órgãos ou
membros.
As explicações de problemas de saúde centradas no paciente são importantes,
pois determinam se os indivíduos arcam com a responsabilidade de sua saúde ou \
vêem a origem e cura das doenças como algo além de seu controle.
'1
O mundo natural
O mundo social
• Expressão que tem o valor em seu idioma, cuja tradução literal é "um bichinho barrigudinho". (N.T.)
O mundo sobrenatural
. --
importância reside · na percepção detalhada dos eventos fisiológicos do corpo
humano; sua falha está no desconhecimento dos processos sociais e _Qsicológicos
que precederam o início dos sintomas. Nos sistemas externos, ocorre o inverso.
- Outroas ecto das ex lica ões externas para as doen as é o fato de as mesmas
tomarem a forma de uma narrativa ou estória sobre as causas e da maneita_como
determinada essoa adoeceu.A estória pode incluir episódios da vida do paciente,
A consulta médico-paciente
Neste caso, o paciente sente que "algo está errado", em sua vida - física,
emocional ou socialmente - mas, apesar de seu estado subjetivo, o médico lhe diz,
após exame físico, que "não há nada de errado com você". Contudo, em muitos
casos, o mal-estar e a insatisfação persistem. Estão incluídas nesta categoria as
diversas emo ões ou �ensações físicas desagraaaveis ara as guais não se
encontram causas físicas. A maioria delas � 2rovocada pelo estresse da vida �ária;
por vários distúrbios sicossomáticos (cólon irritado, torcicolo e� asmódico,
Problemas de terminologia
Problemas do tratamento
Para que o tratamento médico se·a bem recebido pelos pacientes, este deve
_ _faz.e sentido para os mesmos, segundo seus modeiõs explicativos. O consenso
sobre a forma e o propósito do tratamento são tão importantes, aqui, quanto o
cÜnsenso na denominação do diagnóstico. Isto é verdade, prjncipfilmente se..o
tratamento prescrito envolver sensações físicas desagradáve_is ou �f eJtQ.s_c..olaterais
- isto é, se o mesmo induzir a uma forma temporária de "doença" (illneJs). Este
O papel do contexto
Melhorar a comunicação
sobre o papel de seu próprio background so.çial, sua cultura, _filatus econômico,
religião, ecfucaçâo,gênero recÕnceitos essoais e poder 12I..Ofissional no sentig_o
de melhorar a c_gmuniçaç_ão com o paciente e na provisão de uma-ªssis_!ência à
saúde efetiva.
\
auto-ajuda, agências de empregos, de habitação, ou organizações comunitárias e,
até, em alguns casos, com um curandeiro popular culturalmente legitimado. Desta
forma, é possível tratar todas as dimensões da "doença" (il/ness) do paciente, bem
como qualquer "enfermidade" (disease) física.
Para que se entenda melhor uai uer intera ão médico- adente _geve-se
avaliar sempre os papéis dos contextos internos e externos descritos anteriormente.
.J
É particularmente importante que se entendam os contextos externos, tais como
fatores sociais e econômicos (incluindo a pobreza e o desemprego) os quais podem
contribuir para a origem, apresentação e prognóstico de um problema de saúde.
A consideração do contexto também auxilia o médico na decisão sobre quem é o
verdadeiro paciente, e se o enfoque do diagnóstico e do tratamento deve recair
sobre o indivíduo doente, sua família, sua comunidade ou para a sociedade em que
vive.
Leitura recomendada
Eisenberg, L. (1977) Disease and illness: distinctions between professional and popular ideas of
sickness. Cult. Med. Psychiatry 1, 9-23.
Kleinman, A. (1980) Patients and Healers in the Context of Culture. Berkeley: University of
California Press. Ver Capítulos 3 e 4 para uma discussão sobre os modelos explicativos leigo e
profissional.
Lock, M. e Gordon, D. (eds.) (1988) Biomedicine Examined. Dordrecht: Kluwer. Uma coletânea de
ensaios sobre a cultura e a ideologia da Medicina moderna.
Currer, C. e Stacey, M. (eds.) (1986) Concepts of Health, Illness and Disease. Leamington Spa: Berg
Publishers. Uma coletânea de ensaios básicos sobre as crenças leigas sobre saúde.
Foster, G.M. e Anderson, B.G. (1978) Medical Anthropology. Nova Iorque: Wiley. Ver Capítulo 4
sobre Etnomedicina.
Helman, C.G. (1978) "Feed a cold, starve a fever": folk models of infection in an English suburban
community, and their relation to medical treatment. Cult. Med. Psychiatry 2, 107-137.
CAPÍTUL06
GÊNERO E REPRODUÇÃO
Gênero
As culturas de gênero
\
Grécia rural que o papel dos homens é o de proteger_ a honra da família através
da imposição de respeito a si próprio ou do senso de honra (philotimo), enquanto
que a modéstia ou o pudor sexual (dropi) das mulheres devem ser protegidos através
do controle cauteloso, por parte dos homens, de seus comportamentos. Para
proteger suas dropi, as mulheres devem exercer um autocontrole considerável na
vida pública e privada. A honra familiar e o valor social são particularmente
importantes, e estão sob o escrutínio constante das outras famílias. Shepherd (8)
descreve uma divisão sexual semelhante entre os swahílis muçulmanos em
Mombasa, no Quênia. Lá, os homens julgam as mulheres como ''sexualmente
entusiásticas e irresponsáveis, basta dar-lhes oportunidade".
Espera-se que elas sejam dependentes dos homens; estes, ao mesmo tempo,
temem o poder poluidor do sangue menstrual. Por outro lado, dos homens espera
se que sustentem e, assim, controlem as mulheres e os filhos. Este controle é
considerado mais eficaz quando exercido sobre a virgindade de suas filhas solteiras,
mas menos eficaz com relação à fidelidade das esposas. Para uma jovem desta
comunidade, o casamento e sua consumação são "o único caminho para a idade
adulta da mulher."
Em cada caso citado acima - e em outras partes do mundo - a divisão da
sociedade humana em duas culturas de gênero constitui um dos elementos básicos
da estrutura social, e uma parte importante do sistema simbólico de qualquer
sociedade. Entretanto, parte dessa estrutura binária manifesta a ambivalência com
que alguns homens percebem as mulheres de sua comunidade: às vezes, são vistas
como mães nurturant ou curandeiras (ver Capítulo 4); outras, como bruxas
maléficas (ver Capítulo 5) ou fontes perigosas de poluição menstrual (ver Capítulo
2).
l
Cultura, Saúde e Doença/ 141
Em outras, as mulheres desempenham um papel importante no sistema
econômico. Em algumas sociedades industrializadas, elas são, principalmente,
assalariadas - nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 50% das mulheres
casadas, hoje, trabalham fora de casa. (9)
Em grande parte das sociedades camponesas, as mulheres, além de manter a
função doméstica, estão envolvidas também na criação do gado; no plantio, cultivo
e colheita de safras; na fabricação de roupas, cerâmicas e diversos artesanatos
destinados ao comércio.
_Al_guns antro12ólog9�sl}.geriram que a sub<2_rdif!.é!ção feminina (especialmente
a sua relegação à esfera "doméstica" e não "pública" da vida) é um fenômeno
universal, çomum a todas as socied2-des_h�manas. (l 0)._Çont!:!do,outros antro]'.)Ó
logos argumentam contra este pressuposto e ressaltam_gue a situação é muito mais
complexa e que cada caso deve ser avaliado distintamente. Em primeiro lugar, ?m
todas as sociedades, os homens invejam os poderes biológicos das mulheres de criar
e trazer a vida ao mundo, além de sustentá-la com o leite de seu seio (4)-sobretudo
porque este poder é reforçado através de ritos e religiões. Em segundo lugar, as
mulheres de muitas sociedades tradicionais -_m-inci almente a� mais idosas,
casadas e com filhos - exercem grande poder pessoal, simbólico e econômico __
além de terem considerável autonomia. Algumas vezes, exercem um contraponto
chave nas relações de poder naquela sociedade. Segundo ressalta Keesing (4) "os_
poderes exercidos pelas mulheres por trás dos pano_S__ Q__odem., de certa forma ser
_ mais genuínos do gue Q.S poderes exercidos12elos homens no centro do palco"; estes
.1_alveL signifiquem meras "posturas e pompas inúteis".
Mais adiante, neste capítulo, descrevo algumas relações entre as várias culturas
de gênero e a saúde. Excluídas as diferenças fisiológicas entre os sexos, é possível
observar como cada cultura de gênero pode ser tanto protetora da saúde quanto
patogênica, dependendo do contexto. Ou seja, as crenças e os comportamentos
característicos de determinada cultura de gênero pode contribuir para a causa,
apresentação e reconhecimento de vários tipos de problemas de saúde.
A profissão de enfermeira
..
_
quanto nos Estados Unldos, muitos enfermeiros, hoje, são pós-graduados em várias
áreas de especialização e subespecialização. Atualmente, a enfermagem está
definida como profissão independente na área da saúde, com seus direitos próprios.
Nos últimos anos, o conceito de medica/ização tem sido proposto tanto por
críticos da Medicina moderna, como Illich qÚanto por sociólogos médicos. Gabe e
Calnan (22) definem a medicaUzaç_ã<Lcoma "a maneira_pela.quaLa jui:isdição- da 1
Medicina moderna vem se expandindo nos últimos anos e abrange, hoje, muitos
problemas que, inicialmente, não eram definidos como entidades médicas. "Dentre
eles estão diversos fenômenos, como as várias etapas normais do ciclo vital
feminino (menstruação, gravidez, parto e menopausa), bem como a velhice,
infelicidade, solidão, isolamento social, além das conseqüências de problemas
sociais maiores - pobreza ou desemprego.
Existem muitas explicações_para a medicaUzação. Muitos sociólogos médicos
argumentam que a Medicina moderna atua cada vez mais como um agente do
contrgle social (especialmente sobre as vidas das mulheres) (24) - o_çiue torna as
pessoas dependentes da profissão médica e do vínculo com a indústria farmacêutica
e outras. (21) Além disso, também tem sido visto como uma forma de controle do
çomp_ortamento social desviante, denominado de "loucos" ou "doentes" - e não
de "maus" ou "perversos" - aqueles indivíduos que não se adaptam às normas
sociais. Talvez o mais importante_s_eja que_o dedínio_da_visão-de-mundo_religiosa�
e a substituição gradual da "saúde:__ como_modelo de moralidade do_universo
determinaram a difusão das ex lica ões médicas ara certos as ectos da vida -
e infortúnios - com-os quais a Medicina não havia se preparado para Tidãr. tfoje,
a idéia de que "um estilo de vida pouco saudável"' por exemplo, pode causar
problemas de saúde substitui Qs _antigos_ conceitos religiosos de que "um
comportamento pecaminoso" levava ao castigo divino. q;.!e processo foi,
Rrovavelmente Javoreciclo pelas con uistas indubitáveis da tecnologia e da ciência
(inclusive da ciência médica) com rel�ão à melhoria da expectativa e da qualidade
de vida de várias maneiras. A medicalização ocorre com maior freqüência no caso
em que o corpo é entendido como uma máquina, e no caso em que ele é
considerado à parte de seu contexto social e cultural (ver Capítulo 2). Finalmente,
outra razão' ossível ara o aumento da medicaliza ão, e que já foi sugerida
anteriormente na discussão da controvérsia nature/nurture é a de que, se alguns
h..9mens ainda vêem as mulheres e sua fisiologia feminina como representantes da
"_Datureza" (nature) a qual é sem controle, imprevisível e perigosamente poluidora -
- então os rituais médicos e a tecnologia médica representam uma forma__de
"domesticar" o incontrolável (principalmente na era do feminismo) e de torná-lo
_mais "cultural" no processo.
Na discussão de casos descritos por alguns sociólogos e antropólogos como
exemplos de medicalização, esta seção dispensa atenção especial para:
-» 1. Os aspectos estressantes da vida da mulher, e a relação destes com a
- �prescrição de drogas psicotrópicas.
� 2. Os aspectos da fisiologia e do ciclo vital femininos, como a menstruação e
a menopausa e, mais adiante,_neste capítulo, o parto.
Menstruação
!
Cultura, Saúde e Doença / 149
t
conservador, fazendo com que a experiência da mulher deponha contra ela mesma,
pois ela, de fato, opta, embora inconscientemente, por manifestar suas queixas
num momento em que sabe que as mesmas serão rejeitadas, como ilegítimas
Menopausa
Doenças do gênero
A medicallzação do nascimento
--
Culturas de nascimento não-ocidentais
--
marici_o_g_mulh_?r durante dete_rmir!_ado períodq_de tempo, muito comum em várias
culturas. Em alguns casos, o tempo pode ser de muitos meses. Entre grande parte
dos chineses tradicionais nos Estados Unidos, por exemplo, o contato sexual é,
algumas vezes, interditado por, até, 100 dias após o parto. (34)
Fertilidade e infertilidade
J
aborto enfoca principalmente a capacidade da mulher de controlar seu próprio
__f9rpo e sua fertilidade, como também a cQnsideração do feto como" essoa" =
com os mesmo direitos de qualquer outro.membro da sociedade ou, simplesmente,
c�mo um órgão ou conjunto de células.
Os homens e a gravidez
• Do latim cubare - estar deitado, designa o costume de algumas tribos primitivas, só um grupo porta
este costume entre os muitos grupos indígenas brasileiros, de se recolherem os maridos à rede
enquanto suas mulheres dão à luz. (N.T.)
Leitura recomendada
Ember, C. R. e Ember, M. (1985) Cultural Anthropology. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. Ver
Capítulo 9, Sex and culture.
Hahn, R. A. e Muecke, M. A. (1987) The anthropology of birth in five US ethnic populations:
implications for obstetrical practice. Curr. Probl. Obstet. Gynecol. Fertil., 10, 133-171. Uma
pesquisa das culturas de nascimento em cinco grupos de americanos: brancos de classe média,
negros de classe operária, mexicanos, chineses e Hmong.
DOR E CULTURA
-
O comportamento de dor
-- ---
-Do gonto de vista fisioló_ ico,_a dor àdeser êonsia� segundo a definiçãg
de Weinman (2): "Umaes éde de alertaqiiecfiama a at<::Q.ÇaO sõfüeuma lesao de
1:ecidO ou um mau u c o QJD.enlo.llslcló_gic.n "-A.,do.LSur.ge_quand0-um_nervo1 ou
terminação nervosa é afetado por um e.slímulo...n.o_cjy_o_originário-1anto_de_deniro
como de fora do organismo. É, ortanto de importância crucial para--ª m.ote@o
e sobrevivência do co o ue vive num meio ambiente cercado de gerigos em
potencial. Devido ao a el bioló ico da dor às vezes assume-se ue a mesma
/4
./
.- .. ;O
<J,. '
r, O"-
independe da cultura, no sentido de gue consiste em uma reação biológica universal
a um tipo específico de estímulo - como um objeto pontiagudo ou extremos de
frio.
.._ Contudo, � os antrop6iõgosestabefeceram diferenças entre as-duas formas-
'Gesta êãção:
1. Orna reação involuntária instintiva, como o recuo diante de um.objeto
pontiagudo. -----:---- �- r
2. - ma reação voluntária, tal como:
a) A eliminação da fonte de dor e providenciar no tratamento do sintoma
(tomando uma aspirina, por exemplo).
b) Requerendo a ajuda de outra pessoa para aliviar o sintoma.
As reações voluntárias que envolvem oUtras pessõas--sãopãrticularmente
influenciadas por fatores sociãis e culfirrais.1 e serão descritas mais adiante,
detalhadamente, com exemplos. Segundo Engel (3), <à. dor ossui dois comQ_Qnen
tes: "a sensa ão ori inal e a rea ão à sensa ão". Essa reaçáO:VOluntánaOurrãu·;
da
·-oi denorülna por Fabrega e Tyma (4) -de comportamento ae dor; e inclui
determinadas mudanças na expressão facial, caretas e modificações na conduta ou:
nas atividades, bem como sons produzidos pela vítima, ou palavras usadas para
descrever seu estado ou pedir auxílio. No entantº, é yossível ex ressar um
comportamento de dor sem o estímulo doloroso ou, por outro lado, não haver
manifestação desse comportamento apesar da presença do estímulo. Para escla
recg_este aspecto, devemos identificar â0is--ttpos de comportamento aeãor, ou
reações à dor priúacla e à dor pública.
A dor privada
Engel (3) ressalta que a dor é um "dado privado", isto é, para sabermos se Ufl}a
pessoa tem dor <legendemos de uma demonstração ve_rbal ou não-verbªLgor gart�
da pessoa. a respeito deste fato. Quando isto acontece, a exp_e_ri�_ .ncia._e._ p_eLcep_ç_ão
Rrivadas da dor tornam-se um aconteciment0_p_úblico e_sD_cLal.; a dor rivada
tar nsforma-se em dor pública. No entanto, a_ dor pode permanecer rivada em
determinadas circunstâncias: se não houver sinal ou indício externo de que a pessoa
está experimentando a dor. Esse tipo de comportamento é comum em sociedadés
que valorizam o estoicismo e autocontrole, como por exemplo o "stiff upper lip "*
anglo-saxônico diante de um sofrimento. Essa reação é mais esperada de homens,
especialmente de jovens e de guerreiros. Em algumas culturas, a capacidade de
suportar a dor sem esquivar-se, isto é, sem manifestar o comportamento de dor,
pode ser um sinal de virilidade, e faz parte dos rituais de iniciação que marcam a
transição do menino em-homem. Entre os índios Cheyenne das Grandes Planícies,
por exemplo, os homens jovens que queiram demonstrar virilidade e adquirir
prestígio social submetiam-se a rituais de autotortura na cerimônia da Dança do Sol.
• Expressão que indica a firmeza de caráter demonstrada por aquele indivíduo que não se queixa
quando em sofrimento. (N.T.)
....
\,-
,:'
. -, (:': .r- e. <.
\,
) ("' 1
Uma das torturas consistia em ficar pendurado num mastro por ganchos cravados
no peito, e aceitar a dor sem queixas (5). Outras formas menos dramáticas de
ausência do comportamento de dor ocorrem em indivíduos semiconscientes,
paralisados ou em bebês muito jovens para expressar seu sofrimento, ou ainda em
situações em que tal comportamento possa ser mal-recebido por outras pessoas.
Portanto, a ausên_cia_do comp_octam�.nto_cle__d_o.Lnão_signilica.necessariamente a
ausência da "dor privada".
Dor pública
- -� -�-- -
Zborowski assinala que, da mesma forma, na Polônia e em outros países, as
dores provenientes do trabalho de parto são esperadas e aceitas, enquanto que nos
Estados Unidos não são aceitas e a analgesia é muitas vezes solicitada. Estas atitudes
frente à dor são ad uiridas cedo na vida e fazem arte essencial das rátiqis de
socializa ão das crian as em uai uer cultura. Embora a dor física seja um sintoma
particular_mente_yívido e emocionalmente carre ado esta só pode ser comP-reen
dida num contexto cultural se vista como parte de um aspecto mais amplo do
infortúnio; a dor -como_as doen as em eral - é a nas um ti o es�cífico de
sofrimento. Como tal, pode originar as mesmas indagações provocadas por outras
formas de infortúnio: "Por que isto aconteceu comigo?" ou "O que eu fiz para
merecer isto?" l'{_o caso da do� ser recebida como enitência divina or um la so
·' comportame.otaL..s_uas.JLitimas_pr_ovavel ente relutarão em buscar alívio; Qois o ato
de experimentar a dor sem queixa torna-se, em si mesmo. uma forma de expiação.
,Poderão, ainda, solicitar outros tratamentos dolorosos por parte de seus médicos,
. como uma cirurgia ou uma injeção. Se a dor é vista como o resultado de
transgressões morais, a resposta pode ser uma_ enitência auto-im osta - tais
como jejum ou rezas - �ojnvés de l!.m_q_consulta.com_um..pr.o.fissional de saúde.
S,e as causas da dor são atribuídas a malevolências interpessoais tais como:
feitiçarias, alquimias ou magia negra, a estraté ia utilizada para remissão da dor
pode ser indireta -um ritual de exorcismo, por exemJ)lo.
Uma vez que a dor é considerada a enas um ti o de sofrimento num espectro
am lo de infortúnios, a mesma encontra-se. Jig ada,_emmuitaLculturas.3Loutras
formas de sofrimento. Essas ligações ocorrem de várias maneiras. Dentre elas, por
exemplo, o fato de haver uma etiologia comum (uma punição divina ou feitiçaria)
e, por isso, requerem a aplicação de formas de tratamento semelhantes (rezas,
penitência ou exorcismo). É comum umª vis�o mais am la da dor em sociedades
T),210-ocidentais. Nestas, seus membr_o2 odem_considerar incom leto e insatisfatório
o tratamento ocidental secular da dor-a_prescrição de_drqgç1s Qara sua remissão.
Embora a Medicina ocidental admita a existência da dor "psicossomática" ou
"psicogênica" sua conduta em rela ão à "dor or. ânica" não leva em conta os
elementos sociais, morais e psicológicos normalmente associados a ela. Entretanto,
o idioma da dor no in lês contem orâneo ainda está relacionadQ. a outras Jarmas
de sofrim�nto, incluind__o o estresse emocional,_conJlitos interp_ess9ais e infortúnios
inesperados. Tais formas de sofrimento são freqüentemente descritas por metáfo
ras da dor física: "/ was sore at him" (Ele me machucou), "she hurt him deeply"
(ela o feriu profundamente), "a biting comment" (um comentário mordaz), "a
painful experience" (uma experiência dolorosa), "a mere pin-prick" (uma simples
alfinetada), "it was a blow to me" (isso foi um golpe para mim), "tortured sou/"
(alma torturada) e "heart-sore" (ferida no coração). NC!? socied_ç1des mais tr..adici.o
nais a li a ão entre a dor física· e os as ectos sociais morais e religiosos é
eralmente muito mais direta, além de influenciar diretamente
- a- -maneira como as
-- - --
pessoas ercebem os ró riosroblemas de saúde.
Comportamento·
1 Indivíduo t----------------------1
... Sociedade
Resposta ao comportamento de dor
Esquema 7.1
Leituras recomendadas
Engel, G. L. (1950) 'Psychogenic' pain and the painprone patient. Am. J. Med. 26,899-909.
Wolff, B. B. & Langley, S. (1977) Cultural factors and the responses to pain. ln: Landy, D. (ed) Culture,
Desease and Healing: Studies in Medical Anthropology. New York: MacMillan, pp. 313-319.
Zborowski, M. (1952) Cultural Components in responses to pain. J. Soe. Issues 8,16-30.
//
CULTURA E FARMACOLOGIA
_ ;_- , em um caso específico, as rea ões de diferentes ssoas a uma mesma medica ão
\p .1 i Rodem variar muito. Contudo _no ca�o de dro as muito oderosas, tais como certos
''
� venenos, o efeito é devido inteiramente à� suas ações farmacológi�as.
O efeito placebo
O efeito lacebo ode ser inte retado como o efeito total da droga sem a
Qresença da droga. Muito se tem pesquisado sobre o fenômeno nos últimos anos.
Estas pes uisas realizadas rinciQalmente no setor médico, esclareceram também
outros fenômenos, tais como o hábito e a dependênciaae rogas, o a coo ismo e
os efeitos terapêuticos dos rituais de cura em muitas culturas7'Jaiteratura médica,
os placebos são, em geral, considerados meras substâncias farmacologicamente
inertes administradas - em um teste du lo-ce o como uma nova drog9. Outros
autores ressaltam que o efeito placebo é muito mais amplo do que isto. Wolf (2),
por exemplo, define-o como "qual uer efeito atribuível a um com rimido, poção
ou procedimento que não sua farmacodinâmica ou propriedades específicas." Para
Shapiro (3), o placebo constitui-se no" efeito psicológico, isiológico ou psico isiológico
{ de qualquer medicação ou rocedimento rescritos com inten ão Teraêutica,
2 independente ou pouco relacionado aos efeitos farmacológicos da medicação ou
( aos efeitos esrecífkos do prÕcedimento, que opera atravésae um mecanismo
sico ó ico." E, portanto, a confiança na eficácia por parte de quém recebe (e/
ou administra) uma substância ou procedimento placebo que pode produzir efeitos
psicológicos e fisiológicos.
Em uma revisão de literatura, Benson e Epstein (4) observam que os placebos
podem afetar praticamente qualquer sistema orgânico do corpo humano. Há
relatos de que os placebos oferecem alívio a uma série de condições, dentre elas
angina de peito, artrite reumaJóide e degenerafüla, dor, febre do feno, dor de
cabeça, tosse, úlcera péptica e hipertensão essencial. Dentre seus efeitos psicológi
cos estão o alívio de ansiedade, depressão e até de esquizofrenia. Outros estudos
indicam que os placebos podem até causar efeitos colaterais (como sonolência) (5)
ou dependência psicológica - s�ndo ambos os fenômenos exemplos do efeito
nocebo, descrito no Capítulo 11. Embora o poder do efeito placebo tenha sido
relatado com freqüência em várias situações, ainda não se conhece exatamente o
seu mecanismo. Há, contudo, algumas tentativas de explicação da analgesia
placebo de um ponto de vista científico. Em um estudo realizado por Levine et al.,
por exemplo, h_ouve alívio de dor odontoló ica P-Ós-operatório com a administraÇ_ão
de lacebos, mas este efeito des_apareceu quando os pacientes receberam nªloxon_g.
f Surgiu a hipótese de que o efeito placebo houvesse sido mediado por narcóticos
endógenos ou endorfinas, cujq_ efeito fora neutralizado pelo naloxone. Ainda estão
sendo investigados outros efeitos fisiológicos de placebos.
eÍ Para que o efeito placebo ocorra, é necessário que haja uma atmosfera ou
ambiente determinados. O�placebos, sejam medicações ou procedimentos, são
geralmente delimitados culturalmente. Ou seja, são administrados em um
r '(\
A dependência psicológica de drogas foi definida por Lader (17) como "a
i:iecessidade que o paciente tem de seus efeitos psicológicos. Esta necessidade pode
ser de dois tipos. O paciente ode desejar intensamente os sintomas ou as
/ mudanças de humor induzidas pela dro a - um sentimento__.d_e_eJ J f.o.ria....oJ1 11ma
diminuição da tensão, por exemplo. Ou pode usar a mesma para protelar os
sintomas da abstinência." �ersonalidade e os fatores socioculturais são, aqui, tão
importantes quãnto ãTarmacologia da droga utilizada, nos casos de dependência
tanto psicológica quanto física. Em alguns destes, a farmacologia pode ser
relevante, como na dependência psicológica de um placebo, ou no uso rolongaçlo
�e uma drog_?�j.,? não tem mai� neDhum efeito físico. Ao estudarmos tais
fenômenos devemos considerar os contextos social e cultural em que se dá a
prescrição da droga, sua administração e seu uso - que contribuem para o efeito
total da droga.
Alguns desses fatores foram examinados no caso de drogas psicotrópicas, tais
como tranqüilizantes e soníferos. Estes constituem a categoria das drogas mais
prescritas anualmente no mundo ocidental, índice que cresceu com regularidade
nos últimos 20 anos. No Reino Unido, por exemplo, de 1965 a 1970, o número
de prescrições para tranqüilizantes aumentou para 59%; para hipnóticos não
barbitúricos, 145%. (18) Em 1972, os médicos generalistas do Serviço Nacional de
Saúde emitiram 45.3 milhões de prescrições de psicotrópicos só na Inglaterra
(17, 7% do número total de prescrições). (19) Nos Estados Unidos, os psicotrópicos
de benzodiazepina são as drogas prescritas mais comuns (20). Em 1973, foi
estimado que o número de prescrições para uma dessas drogas - o diazepam
(Valium) - vinha aumentando numa proporção de 7 milhões anualmente. (21) O
fornecimento da maior parte dessas drogas dá-se através de prescrições repetidas
ou refills, ambos utilizados por muitos anos. No estudo de Paris em Birmingham
(22), 14,9% da amostra de pacientes haviam usado psicotrópicos regular��nte
durante um ano ou mais, enquanto 4.9%, durante cinco anos ou mais. Entretanto,
Williams (23), do Instituí of Psychiatry de Londres, cjta estudos que demonstram g�
a maioria dos hipnóticos perde suas "propriedades de promover o sono" num
Reríodo de 3-14 dias deJISO cQntínuC L12e1º_ p§cie.nte_ e que há poucos dados
evidentes de que as benzodiazepinas sejam eficazes no tratamento de ansiedade
após quatro meses de tratamento contínuo. Pode-se concluir, portanto, que muitas
pessoas usam psicotrópicos por outras razões que não seus efeitos farmacológicos.
,-
(
de bebidas alcoólicas, em quatro grandes grupos:
1. Culturas abstinentes
2. Culturas ambivalentes
3. Culturas permissivas
4. Culturas excessivamente permissivas
Esta classificação se refere às atitudes em relação ao consumo do álcool
consideradas como partes "normais", da vida diária, e àquelas relacionadas à
embriaguez. N_as culturas_?bstinentes, Q us_Q do álcool é estritamente proibido em
qualquer circunstância; suas normas estimulam sentimentos intensamente negati
vos com relação ao mesmo. Exemplos disso são as culturas muçulmanas do norte
da África e do Oriente Médio, e certas igrejas protestantes ascéticas do mundo
ocidental (como a Batistas, a Metodista, a Mórmon e Adventista do Sétimo Dia).
Vma vez que o consumo "normal" do álco9l é raro nessas culturas, o consumo
problemático ("anormal") é relativamente mais alto nestas do ue nas culturas mais
permissivas, especialmente como uma conseqüência de problemas pessoais.
O'Connor cita estudos que demonstram que no sudeste dos Estados Unidos, onde
a tradição de abstinência é muito forte, "foi verificada uma relação entre a
reprovação paterna quanto ao consumo de bebidas e o aumento na porcentagem
de consumidores problemáticos". Da mesma forma, outro estudo revelou alta
incidência de consumo pesado de bebidas alcoólicas e de intoxicação entre Uf1!
grupo de estudantes "mórmons", -� ue o consumo de álcool nos grupo.?
abstinentes não é controlado por normas de consumo, aumentando, desta forma, �
a probabilidade de i!}cidência de alcoolismo entre eles.
As normas de consumo de bebidas alcoólicas constituem-se em regras tácitas,
que determinam quem pode beber, com quem, em quais ambientes e quanto pode
ser consumido. Q alcoolismo,_12.ortanto, consiste no uso excessivo do álcool e no
-comportamento descontrolado, pelas normas sociais.
As culturas ambivalentes apresentam duas condutas contraditórias com
relação ao álcool. O'Connor aplica este rótulo aos irlandeses. Por um lado, o
consumo do álcool faz parte da vida cotidiana do irlandês: "do útero à tumba, vemos
irlandeses bebendo em batizados, casamentos e funerais. Toda a vida econômica
e social gira em torno do uso do álcool." Por outro lado, vários movimentos pela
abstinência têm manifestado profunda desa.prova ão por todo tipo de consumo do
álcool, nos últimos 150 anos. Conseqüentemente, não há uma postura consistente,
generalizada e coerente sobre essa questão na Irlanda." Nessa situação, a cultura
_Qão possui um sistema bem integrado de controles,-º-que deixa o indivíduo numa
situação de ambivalência, a Q)Jfil_pode conduzir ao alcoolismo."
1
O hábito de fumar
As drogas sacramentais
Leituras recomendadas
Benson, H. e Epstein, M. (1975) The placebo effect: a neglected asset in the care of patients. JAMA
232, 1225-1227.
Claridge, G. (1971) Drugs and Human Behaviour. Londres: Allen Lane. Um bom resumo das
pesquisas
realizadas sobre o efeito placebo, citadas no Capítulo 2.
Helman. C. G. (1981) "Tonic", "food" and "fuel": social and symbolic aspects of the long-terrn use of
psychotropic drugs. Soe. Sei. Med. 15B, 521-533. Um estudo dos significados simbólicos das
drogas psicotrópicas para quem as usa regularmente.
O'Connor, J. (1975) Social and cultural factors influencing drinking behaviour. lrish Med. Sei.
Suplemento (Junho), 65-71.
....
,.�
Cultura, Saúde e Doença / 195
CAPÍTUL09
O que é ritual?
Os símbolos do ritual
· Formação em Medicina
Licença para exercer a profissão
Vínculo com a profissão médica
Estar de acordo com uma organização profissional
Posse de conhecimento especializado, de difícil acesso
Poder para:
Requerer histórico médico
Obter detalhes íntimos da vida dos pacientes
Examinar o corpo dos pacientes
Solicitar exames diversos
Prescrever medicamentos ou outros tratamentos
Tornar decisões que envolvem vida ou morte
Controlar seus subordinados na hierarquia profissional, por exemplo; residente, ....
enfermeiros, estudante de Medicina
Orientação para atendimento e alívio de sofrimento
Orientação científicas de conceito e técnicas
Confidencialidade
Credibilidade, eficiência
Imparcialidade emocional e sexual
1. Correção
Respeitabilidade e status social elevado
Familiaridade com situações de doenças, sofrimento ou morte
Tipos de ritual
Embora haja muitos tipos de rituais priyados, os antropólogos têm descritq_ três
tipos de rituais públicos:
1. Rituais de ciclo cósmico ou calêndricos*
2. Rituais de transição social (rites de passage)
3. Rituais de infortúnios
• Relacionados ao calendário. (N.T.)
Van Gennep (8) descreveu três está ios dos rites de pa_ssage. São eles:
S§parqção transiçã _ o_eJncorpora_ção. No _rimeiro estágio o indivíduo é rivado
çie sua vida social normal; depois é segregª-d_Q_por diversos costumes e tabus, por
um período de tempo variável. Após esse estágio de transição, outr_os_rituais
celebram o terceiro estágio, a incorporação, no qual o indivíduo é trazido de volta
ao convívio social normal e admitido no novo papel social. O último estágio é
freqüentemente celebrado através de "banhos" rituais ou outros ritos de purificação
simbólica. O esquema 9.1 ilustra os três estágios identificados no trabalho de Van
Gennep e Leach.
1
transição ou
1
inicial social
marginalidade
T
Rituais de Tabus rituais Rituais de
separação e prescrições incorporação
l l
---
Hertz (12) examinou uma das formas dos rituais de transição social: aquelas
associadas à morte e ao luto. Observou os costumes funerários de várias sociedades,
e encontrou aspectos comuns entre eles. Na maior parte das sociedades humanas,
a�pessoas têm efetivamente, dois ti os de morte:_Jlma biológica e outra_ social.
Entre os dois,J:iá um "perJo_do de_te.rnpo variáv�l", que pode durar dias, meses ou
até anos. Enquanto que a morj:� biQlQgica re12resenta o fim do organismo humano,
a "morte social" é o fim da identidade social do indivíduo. A_mon_e..s.._o_ciaLQoorr.enum
processo çiue compreende uma série de cerimônias, incluindo o funeral, no qual a
so�i?_dade oficjaliza a despedida de um dos seus e reafirma sua ç_g_ntinuidade sero
eje. Hertz ressalta que, na maioria das_s_o.ciedades não-ocidentais, a morte não é
vista co o U1IL.._a_e_0ntecimento.isolado no tempo, mas como um processo,_atr_avé-5
do ual o individuo recém-falecido_é transl_erido da terra dos vivos_para a_do.s mortos.
Simultaneamente_._há um periodo_de transição_entre as_ identidades_s_oc_ _i_ais_Q�
"Ressoa viva" à "ancestral morto". Durante esse �ríodo intermediário entre a
morte biológica e a morte social final, considera-se que a alma do falecido �nconti:_a
se num esta - o cfe limbo. Isto é, ela ainda é considerada como membr--º--{parcial da
sociedade, mas potencialmgnte eri osa ara as outras essoas or estar
"vagando livremente". � fase de transtção a alma---ª1nda tem alg11-ns direito�
sociais, especialmente sobre seus familiares em luto. �s devem realizar
determinadas cerimônia_.s, comportar-se e_v�e modo especial e, geralmente,
isolar-se da vida comum. Assim como a alma do morto, eles também se encontram
num estado socialmente ambíguo entre identidade, perigoso tanto a outras pessoas
e a si próprios. Em_muitas culturas, uma viúva recente é 12roibida de CãS(:!r
nQ\La.tQente_durnnte_de_te_JJJ)ioa.dº-P-eJío_do_Àe._t_e_rn_p_o_após a morte do marido. Na
visão de Hertz, a viúva também é uro_estado.Jníermediário, pois a viúva ainda está
casada com a alma do marido até o momento final da morte social.
l l
Alma no limbo Ancestral morto
1
Pessoa viva
Rituais de hospitalização
l
Pessoa doente Paciente Pessoa saudável
T
hospitalar curada
Rituais de infortúnio
(
Funções do ritual
As funções psicológicas
21 O / Ceei/ G. Helman
1
t
As funções protetoras
Os_rituais que lidam COI!l doen as odem roteger seus articipantes de duas
maneiras: psicológica ou fisicamente. Já foi relatado o papel dos rituais na proteção
contra ansiedades e insegurança associadas à doença, morte e outros infortúnios.
De outras formas, a_gbservância de rituais oo_e__p_r_oie.g_e.LéLp.essoa_doente ou_
fr.9gilizada de eri os físicos co_mo _ or exemplo uma infec _ção. Alguns rituais
relacionados à gravidez, nascimento ou período pós-parto, por exemplo, podem
proteger a mãe e seu filho de fontes de infecção ou de outros danos, especialmente
se envolverem seu isolamento da vida social normal. A reclusão de um doente -
como arte de um rih,ial ge transiç�o social -_pode também limitar a dissemina@o
de doenças infecciosas. Contudo, um ritual de cura realizado pu_blicamente pode
produzir efeitos exatamente opostos. Ritos de limpeza e purificação desemp_e1 1 ham
Turner (22) descreve os ritos curativos entre o povo Ndembu em Zâmbia. Esse
povo atribui todas as doenças persistentes ou severas a causas sociais - malefícios
secretos de bruxas ou feiticeiros, punição de espíritos ancestrais. Os espíritos, por
exemplo, provocam doenças em um indivíduo se sua família e demais pessoas de
suas relações não estiverem "convivendo bem", se estiverem nutrindo rancores
entre si ou brigando. Uma vez que a morte, a doença ou outros infortúnios são,
geralmente, "atribuídos a tensões exacerbadas nas relações sociais", a realização
do diagnóstico (adivinhações) ocorre publicamente, tomando uma forma de
"análise social", enquanto que as terapias são orientadas no sentido de "preencher
as possíveis lacunas existentes entre os relacionamentos e, simultaneamente, livrar
o paciente de seus sintomas patológicos. "O especialista Ndembu em rituais, o
chimbuki, coordena as sessões de adivinhação em que participam a vítima, seus
amigos e vizinhos. O adivinho já está familiarizados com a posição social do
paciente, seus familiares, os conflitos que o cercam, além de outros dados que
reuniu através de fofocas e opiniões de vizinhos e parentes. Através de entrevistas
com essas pessoas e de suas próprias observações, ele é capaz de montar um quadro
do "campo social" do paciente e das diversas tensões que o envolvem. A
adivinhação propriamente dita ocorre quando o chimbuki olha fixamente para o
conteúdo de um grande pilão antigo, onde estão as águas medicinais, e pede para
ver a "alma assombrada" do espírito ancestral responsável pela aflição. Poderá,
também, detectar entre os espectadores a bruxa ou o feiticeiro causadores da
doença. O adivinho chama todos os familiares do paciente para junto de um
santuário sagrado para os ancestrais, induzindo-os a confessar seus rancores e
outros sentimentos que possam nutrir contra o paciente. Este também deve assumir
publicamente seus rancores tom relação aos companheiros, no sentido de eliminar
sua aflição. Nesse processo, todas as tensões sociais ocultas do grupo são
manifestadas em público e, assim, resolvidas gradativamente. O tratamento
envolve rituais de exorcismo para remover as influências malignas do corpo do
Leitura recomendada
Hertz, R. (1960) Death and the Right Hand. Londres: Cohen e West, pp. 27-86. Uma discussão dos
rituais fúnebres nas diferentes sociedades.
Katz, P. (1981) Ritual in the operating room. Ethnology 20, 335-350. Um estudo sobre os rituais
cirúrgicos nos Estados Unidos.
Leach, E. (1968) Ritual. ln: International Encyclopedia of the Social &iences. Nova Yorque: Free
Press/Macrnillan, pp. 520-526. Um resumo das diversas teorias antropológicas do ritual.
Turner, V. W. (1974) The Ritual Process. Harmoddsworth: Penquin.
A PSIQUIATRIA TRANSCULTURAL
ATRAVÉS DAS CULTURAS
..
•
"ritos de inversão" ou "inversões simbólicas", definidos por Babcockl como
"qualquer ato manifestado que inverta, contradiga anule ou, de alguma maneira,
apresente uma alternativa aos códigos, valores, normas culturais comuns, sejam
eles lingüísticos, literários ou artísticos, religiosos, sociais ou políticos."
As ocasiões especiais mencionadas - determinados festivais, carnavais (na
América Latina e no Caribe), bacanais ou mardigras -envolvem, algumas vezes,
uma inversão de comportamento normal e papéis. Em seu estudo do carnaval em
São Vicente nas Índias Ocidentais, por exemplo, e do belsnickling (espécie de
"mumming"* cristão) nas Ilhas La Have, Nova Escócia, Abrahams e Bouman (2)
ressaltam que ambos envolvem "um alto grau inversão de simbólica, travestismo,
permissividade sexual, além do costume de alguns homens de se fantasiarem de
animais ou seres sobrenaturais, e outros comportamentos completamente opostos,
o que caracteriza, teoricamente, a vida diária. ''No cenário ocidental, esses
comportamentos temporariamente anormais são comuns no dia Primeiro de Abril
(Dia dos Bobos), em bailes à fantasia, em festas acadêmicas beneficentes, em festas
de Ano-Novo e Dia das Bruxas. Pode-se encontrar também alterações ou inversões
similares em alguns cultos de possessão espirituais das mulheres africanas descritos
por Lewis. (3) Neles, mulheres que ambicionam o poder e aspiram a papéis
normalmente monopolizados pelos homens representam investindo as partes
masculinas, com impunidade, com total aprovação da audiência. "Todas estas
formas de comportamento público anormal que envolvem um grande número de
pessoas são, contudo, rigidamente controladas por normas que estabelecem o
contexto em que podem ocorrer e seu tempo de duração.
A um nível mais individual, as manifestações de comportamento consideradas
anormais para os padrões de vida diária devem, também, ser analisadas à luz do
background da cultura em que aparecem. Assim como o comportamento coletivo
nos ritos de inversão, também são controladas (em grau variável) por normas
culturalmente implícitas, que determinam quando e como eles podem ocorrer. Em
muitas culturas - especialmente nas não-ocidentais - os indivíduos envolvidos em
conflitos interpessoais ou acometidos de sentimentos de infelicidade, culpa, raiva
ou desamparo podem expressar suas aflições numa linguagem padronizada de
sofrimento (ver Capítulo 5). Essa linguagem pode ser exclusivamente verbal, ou
envolver mudanças radicais de vestuário, comportamento ou postura. Para o
observador de formação ocidental, algumas linguagem de sofrimento podem
assemelhar-se intimamente às entidades diagnósticas do modelo psiquiátrico
ocidental. Podem incluir, por exemplo, frases do tipo "Fui enfeitiçada", ''Fui
possuída por um espírito (ou por Deus)", ou "Ouço as vozes de meus ancestrais
falando comigo". Num contexto ocidental, as pessoas que afirmam coisas seme
lhantes serão, provavelmente, diagnosticadas como psicóticas ou esquizofrênicas.
Contudo, vale lembrar que, em muitas partes do mundo, as pessoas admitem
livremente serem "possuídas" por forças sobrenaturais, serem intermediária de
vozes e atos espirituais, terem sonhos ou alucinações que lhes transmitem
• Costume inglês que consiste no uso de máscaras e na perambulação de casa em casa, à época de
Natal, com apresentação de pequenas pantomimas. (N .T.)
·mensagens importantes. Na maior parte dos casos, esses fenômenos não são
considerados patognomônicos de doenças m·entais. ,Um exemplo disso é a crença
muito difundida - especialmente nas re· giões .da Africa - de que a possessão
espiritual seja causadora de doença mentais ou físicas. As mulheres, especialmente,
são vítimas da possessão de -espíritos malign.os e patogênicos, que revelam suas
identidades através de sintomas espe·cíficos ou mudanças. de comp·ortamentó.
Nessa sociedade segundo observa _Lewis (3),, a pos- sessão é uma experiência
norn1ativa. As pessoas, encontrando-se ou não em estado ·real ou transe, só estarão
possuídas quando acreditarem nisso e quando o seu estado for endossado pelos
outros membros· da sociedade. Isto não significa que a possessão espiritual seja
· ormal, no sentido de que a maioria das pessoas espera viver essa experiência na
n
vida. Ao contrárioj constitui um modo específico de uma dete1·n1inada cultura de
apres�ntar e explicar uma série de desordens físicas e psicológicas sob dete·rn1ina
das circunstâncias. Lewis relata que, n · essas sociedades, ''a crença de espíritos e
possessões é normal, aceita por seus membros. A realidade da possessão por
espíritos ou da feitiçaria faz parte de todo um sistema de idéias e pressupostos
religiosos. Portanto, onde as pessoas acreditam, de um modo geral, que suas
aflições podem ser ·causadas pela possessão de espírito · s malignos (ou feitiçaria), o
catecismo com relação ao poder espiritual (ou o poder dos feiticeiros) é de uma
anormalidade impression.ante. Representa uma rejeição bizarra e excêntrica dos
valores de norrr1alidade. A alimentação cultu_ral ·dos ,dissidentes seria., na verdade,
quase equivalente à daqueles indivíduos que, em noss-a sociedade secular atual,
-acreditam ser possuídos ou enfeitiçados'' (3).
O .fenôme·no da possessão, portanto, é uma forrna: anorrnal de comporta-
mento, que está ern conformidade· com os valores ctiltu.rais e cuja manifestação é
controlada rigidamente por normas culturais. Essas .normas estabelecem quem
pode ser possuído, em quais circunstâncias e de que maneira, bem como o modo
com que a possessão é cómunicada às outras pessoas.
Outra farma de comportamento anor· rnal controlado é a glos·solalia, fala de
idiomas desconhecidos. Para quem acredita, esse fenômeno resulta da ·invenção de
·
um poder· sobrenatural no indivíduo que ,, controla os órgãos da fala , através do
Espírito Santo, que reza através do locutor, em linguagem celestial .." (4) E um estado
dissociativo, semelhante ao transe, em que os participantes geralmente mantêm os
olhos fechados , movimentam-se em contrações, caem, se ruborizam, suam, e,
alg.umas, vezes arrancam as próprias roupas.''
. , Esse costume
.,
é um aspecto das
.
.
práticas religiosas em algumas partes da ln.dia, Caribe, Africa, Sul da Europa,
América do Norte e em muitas igrejas pentecostais n · o Reino Unido (incluídas as dos
imigrantes hindus). Acredita-se que haja cerca de 2 milhõ.es de .praticantes da
glossolalia nos Estados Unidos, com denominações di\lersas-, incluindo ig,rejas
luteranas, episcopais e presibiterianas. -A glosso-la:/ia ge. ralmente ocorre em
ambientes específicos (a igreja). e em horários especiais durante o culto. Pode ser
considerada como uma forma de ' anormalidade controlada'' que, para um
1
psiquiatra ocidental, pode ser uma evidência de doença mental. Entretanto, nada
indica que isto seja verdade. Ao contrário, existem evidências, em várias culturas,
A abordagem biológica
• •
A abordagem da rotulação social
A abordagem combinada
Somatização
•Diz-sedas pessoas maldosas. O termo foi mantido por referir à palavra "black", preto. (N.T.)
Lau et ai. (38) estudaram 213 casos de depressão (142 mulheres e 71 homens)
apresentados a uma clínica particular generalista em Hong Kong, num período de
seis meses. As principais queixas que os levaram a consultar o médico eram:
desconforto epigástrico (18, 7%), tontura (12,2%), dor de cabeça (9,8%), insônia
(8,4%), fadiga generalizada (7,5%), febre (9.8%), tosse (4.7%), distúrbios menstru
ais (3,3%) e dor lombar (3,3%). Inicialmente, os sintomas somáticos perfizeram
96% da amostra. Praticamente nenhum paciente deprimido mencionou sofrimen
to emocional como queixa principal. Muitos apresentaram dor como queixa única
ou coexistente; 85% tinham dores de alguma espécie. Os autores alertam para os
riscos da omissão do diagnóstico de depressão, que pode ser mascarado pelos
sintomas somáticos.
'
processo pode ser interpretado como uma forma de "aculturação" através da qual
o paciente adquire um novo sistema explicativo dos infortúnios (neste caso, os seus),
segundo os modelo junguiano, freudiano, kleiniano ou lacaniano. Essa visão de
mundo gradualmente compartilhada por paciente e terapeuta é, na maior parte dos
casos, inacessível para a família e a comunidade do paciente, as quais, de qualquer
modo, não participam das consultas terapeuta-paciente.
Em algumas regiões do mundo não-ocidental, particularmente em sociedade
rurais ou de pequeno porte, o quadro é diferente. Como foi observado no Capítulo
5, as doenças (ilinesses) sejam somáticas ou psicológicas - e seus tratamento são
considerados um evento mais social, que envolve, intimamente, família, amigos e
comunidade do paciente. Em muitos casos, o problema de saúde é interpretado
como um indicador de conflitos ou tensões no tecido social. Kleiman (44) usa a
expressão cura cultural quando os rituais de cura destinam-se a tratar rupturas
sociais. O tratamento ocorre em vários níveis: o restabelecimento da saúde
acontece não só para o paciente, mas também para a comunidade em que vive.
Objetivo do tratamento, portanto, é resolver os conflitos causadores de suas
doenças (illness), restabelecer a coesão do grupo, reintegrar o paciente à sociedade
normal. Ao contrário do que ocorre no mundo ocidental, os transtornos psicoló
gicos são muitas vezes considerados úteis à comunidade. Por exemplo, Waxler
(15) observa que, em sociedade menores, a doença mental é útil e até necessária:
incorre em obrigações entre as pessoas (como as obrigações da família, amigos e
vizinhos de participar e financiar um ritual público de cura), além de ter função
integradora - fortalecer laços dentro e entre os grupos. Nessas sociedades, há
outras poucas instituições especializadas que promovem esse tipo de integração
(como uma organização legal, política e burocrática centralizada), e os desvios como
a doença mental podem desempenhar este papel. Isto ocorre em um sistema
cognitivo comum, em que todos interpretam a etiologia dos infortúnios e dos
problemas de saúde de formas semelhantes. Se a doença mental de determinado
indivíduo é atribuída a bruxarias ou feitiços de um membro de outro grupo (outra
família, clã ou tribo ), esse último incorre em obrigações para com o grupo da vítima,
que devem ser cumpridas em cerimônia pública. Esse processo restabelece os
vínculos entre os grupos, e reafirma os limites entre os mesmo. Assim, o doente
mental é reintegrado à sociedade. Segundo Waxler, o processo de reintegração e
o papel fundamental da família nos cuidados com os paciente significam que, em
sociedades tradicionais não-ocidentais, a cura da doença mental aparece mais fácil,
e a duração da doença, menor. A autora compara esse dados com o Ocidente, onde
o tratamento psiquiátrico não tem uma função integradora, que é desempenhada
pela sistema político, burocrático e outros. No contexto ocidental a doença mental
contribui para alienar ainda o mais o indivíduo doente. Além disso, o tratamento
ocidental determina limites para o paciente, sem criar ou reestabelecer os laços
sociais entre os parente e outros grupos (exceto talvez dentro da família nuclear).
O psicótico ocidental é tido como um portador de processo crônico de doença,
reincidente, e sob o risco constante de recorrência; quando recuperado, é referido
como um "esquizofrênico em remissão", e não como "um indivíduo que teve
/
238 / Ceei/ G. Helman
esquizofrenia". A autora ressalta a ausência de uma função integradora nos longos
cursos das doenças dos psicóticos ocidentais.
Kleinman (44) observa que a "cura cultural" pode curar estresses sociais,
"sejam quais forem os efeitos que tenham produzido nos pacientes que propiciam
a ocasião do tratamento. Em algumas sociedades, a resolução dos conflitos sociais
pode não ser tão benéfica ao doente quando Waxler sugere. Ela pode envolver
confinamento, morte ou afastamento da comunidade. Por exemplo, entre os novos
hebreus e os fiji do passado, era rotina enterrar vivas as pessoas "possuídas" por
espíritos do mal. No entanto, na maioria das sociedades não-industrializadas, os
doente mentais são geralmente bem tratados por suas famílias e comunidades.
O tratamento da doença mental nessas sociedades é realizado pelos curandei
ros populares, tais como os tang-ki no Taiwan, os chimbuki Ndembu, os
curandeiros latino-americanos ou os isangoma, Zulu. Algumas práticas e função
psicoterapêuticas desses curandeiros rituais já foram descritas neste livro. Talvez os
mais conhecidos sejam os shamans, encontrados em muitas culturas do Alaska à
África. Como o doente mental possuído por espíritos, o shaman também se
permite ser temporariamente possuído por determinados espíritos. Lewis (45)
ressalta que, ao contrário do que acontece com o paciente, a possessão do shaman
é controlada durante a sessão de cura, ocorrendo somente quando e onde ele
decidir. Nesta condição de "anormalidade controla", o fato de o shaman ser capaz
de dominar ou neutralizar os espírito transmite grande segurança à comunidade.
Ele também pode identificar e exorcizar os espíritos malignos que possuem o doente
e neste processo atenuar ansiedade, medo, culpa e conflitos. Murphy (46)
descreveu alguns aspectos psicoterapêuticos do shaman ismo enquanto parte de
um ritual de cura cultural. Dentre eles, estão: trabalhar no universo das crenças
compartilhadas pelo grupo, reforçando-as; envolver o indivíduo e a comunidade no
ritual, para que, durante este, o paciente esteja cercado por amigos e familiares;
tornar-se "possuído" para demonstrar domínio sobre os espíritos causadores da
doença; identificar, durante a sessão, a causa da doença mental (como, por
exemplo, a violação de um tabu); prescrever condutas expiatórias apropriadas, as
quais se acredita efetuar a cura e demonstrar que o paciente está, de fato,
recuperado. Isto é, sugestão e pelo envolvimento pessoal do paciente na cura, as
expiação públicas, no futuro, a confirmação psicológica de que o paciente
recuperou seu estado sadio. De acordo com Lewis, o shaman não é menos do que
um psiquiatra; ele é mais do que isso, pela ampla função que desempenha na vida
religiosa da sua comunidade.
Há poucos estudos conclusivos sobre os benefício terapêutico da cura cultural
para transtornos psicológicos. Em um estudo detalhado da cura realizada em um
templo espiritualista do México, Finkler (4 7) constatou que a cura popular é ineficaz
para as psicoses, mas é útil como psicoterapia para "transtornos neuróticos,
problemas psicofisilógicos e síndromes somatizadas." Esse tipo de tratamento
habilita o paciente a abandonar seu papel de doente, retomar o comportamento
normal e eliminar a "sensação de estar doente ". Em outro estudo sobre os
famílias, como os grupos cwlturais maiores, também têm sua visão de mundo
particular, seus códigos de comportamento, seus papéis de gênero, conceito de
tempo e espaço, gíria e linguagem pró.prios, história, mitos e rituais.Além ·di. sso,
possuem também seus .meios· de comunicar sofrimento psicológicos aos outros
membros e à comunidade.
A ·cultura familiar pode ·ser tan · to protecionista quanto pato.gênica à saúde,
dependendo do contexto. Por exemplo, determinados tipos de estrutura familiar
podem contribuir para o desenvolvimen·to de abuso do álcool nos filhos mais tarde
(ver Capítulo 8), enquanto o.utras podem proteg·ê-los do mesmo mal.
A família pode ser vista também:como um ''sistema'' no qual o padrão das inter
relações exerce importantes influências sobre o estado de saúde e d· e doença. (49)
Esta ''teoria dos sistemas'' ·OU modelo cibernético sugere que as dinâmicas familiares
possuem, de um modo geral, O· objetivo .de manter um estado de equilíbrio entre
estes vários relacionamento, ainda .que às ·custas do ''bode-expiatório'' psicológico
de um membro. Minuchin et ai. (50), por exemplo, demonstram que deterrr1inados
tipos de família são mais. propensos a gerar t·ranstornos psicossomáticos - como
a anorexia nervosa - em alguns de seus membros. As ''famílias psicossomáticas''
garantem sua .coesão, continuidade e equilíbrio· produzindo o distúrbio em um dos
integrantes, e contribuind·o para que este se mantenha.. A recuperação do t'paciente
identific·ado'' {aqui, a menina. anoréXica) pode causar, de fato, a ruptura da· família
patológica. Neste caso, como em outros, o enfoque exclusiva no. indivíduo,
desconsiderando a. fam · ília, dificulta a compreensão.
Byn_g-hall (51) descreve o conceito de script farn.il:ia·r, transmitido através das
gerações. Os scripts são forrr1as de comportamento, de interp.retação da mundo
e de reações emocionais. Como ocorre nas culturas em geral, a maior parte dos
scripts é assimilada inconscientemente. Sua fun.ção é promover um se-nso de
estabilidade, além de transmitir uma série de princípios que serão os regentes do
teatro diário da vida em família. Freqüentemente, os scripts contribuem para evita.r
conflitos potencial.mente perigos ao meio familiar. Cada g�ração nova toma
conhecimento de seu pa· pel pré-determinado neste teatro ininterrupto. E às vez:es
os papéis podem determinar momentos e formas de adoecer, e até de morrer. O
script pode influenc1ar também um. conjunto típico de sintomas de uma familia em
particular, e de que maneira eles são transmitidos de pai para filho. (52) Os sc.ripts
familiares são mantidos pelos mitos e folclores próprio.s, passado de uma geração
para outra. Em alguns casos, os m . itos vêm de séculos do nascimento dos memb.ro
atuais (51); muitos .anos depois, ainda continuam exercend:o um efeito negativo
sobre a saúde mental e físíca dos seus membros.
A relação da cultura com a dinâmica familiar é complexa e, até certo ponto,
controversa. Em 1982, McGoldrick e·t ai. (5·3) forn·e· ceram · uma seleç· ão. · abrangente
de minietnografias das culturas familiares e.m. diferente grupos étnicos norte
americanàs tais como ''a família irlandesa, a família italia.na, a família inglesa
a.mericana, e dos problemas com que se· defrontam o.s terapeutas de família no
tratamento desta. Embora seja possível.fazer generalização sobre, por exemplo, as
famílias italiana e seus temas culturais mais comuns,. ainda há o risco de estereotipia
Portanto, como foi ilustrado nesta seção, o campo da terapia familiar constitui
se numa das áreas mais frutíferas ·da ·colaboração entre a psicologia, a psiquiatria
e a Antropologia médica, e a tendência é que as pesquisas sobre o assunto evoluam
cada vez mais no futuro.
Leitura recomendada
Dow, J. (1986) Universal aspects of symbolic: a theoretical synthesis. Am. Anthropo/. 88, 56-69.
Uma comparação dos temas comuns entre a psicoterapia ocidental, a cura religiosa e o shamanismo.
Foster, G. M. e Anderson, B. G. (1978) Medical anthropo/ogy. Nova Iorque: Wiley. Ver Capítulo
5 sobre etnopsiquiatria, para uma boa pesquisa sobre o assunto.
Littlewood, R e Lipsedge, M. (1989) A/iens and Alienists. 2, ed Londres: Unwin Hyman. Um estudo
da doença mental entre as minorias étnicas no Reino Unido, e as influências sobre os diagnósticos
dessas doenças.
Kleinman, A. e Good (1985) Cu/ture and Depression; Berkeley: University of Califomia Press.
Simons, R. C. e Hughes, C. C. (1985) The Cu/ture-Bound Syndromes. Dordrecht: D. Reide!. Uma
pesquisa abrangente sobre as síndrome � delimitadas culturalmente em muitas regiões do mundo.
ASPECTO.S CULTURAIS DO
ESTRESSE
A natureza do estresse
O conceito de estresse foi descrito, pela a primeira vez, por Hans Selye, em
1936. (1) Desde então, já foram publicados 110.000 trabalhos sobre o assunto. (2).
Segundo Selye, o estresse representa a resposta generalizada do organismo às
exigências ambientais. É um mecanismo fisiológico inerente, que prepara o
organismo para reagir em face dessas exigências. Nem todo estresse é prejudicial;
em um nível moderado (eutress) possui a uma função protetora e adaptadora. Num
nível mais elevado (dystress), entretanto, a reação pode causar mudanças patoló
gicas, e até a morte. A influência ambiental real que produz o estresse -seja física,
psicológica ou sociocultural-é denominada de.fator estressan te. Selye descreveu
a seqüência de eventos através dos quais um organismo responde a um fator
estressante como a síndrome generalizada de adaptação (SGA). De um modo geral,
essa síndrome apresenta três estágios:
1. O estágio de alarme, em que o organismo se conscientiza da presença de
um estímulo nocivo específico.
2. O estágio de resistência ou adaptação, no qual o organismo recupera-se em
um nível funcional superior àquele anterior ao estresse.
3. O estágio de exaustão, em que os processo de recuperação, sob o efeito
contínuo dos fatores estressante, não são mais capazes de atingir e restabelecer a
homeostase. Nesse estágio final as mudanças fisiológicas ocorridas já se tornaram
patológicas, resultando em doença ou morte. Do ponto de vista fisiológico, a
Estresse "culturogênico"
Alguns exemplos
e à morte súbita. Engels analisou relatos de 150 casos de morte súbita (23) e
•
encontrou determinados temas comuns à maioria deles. Em sua maior pa· rte,
envolvem episódios que não podem ser ignorados pela vítima. O · · indivíduo
experimenta uma agitaçã.o emocional imperiosa e acredita; assim, não ter ·mais
domínio sobre a situação. Dez dos casos envolviam morte súbita associada à perda
de status ou de auto-estima. Dois homens que esperavam, confiantes_, p.romoções
profissionais importantes; caíram mortos. quando s·uas expectativas foiam inespe
radamente frustradas. Várias hipóteses avançar.am no sentido de explicar o
mecanismo da morte culturogênica súbita. Segundo Carmon (24), esse tipo de
morte se deve à super.atividade dos sistema nervoso simpático - a reação de ''lutar·
ou fugir'' - numa sitoa.ção em que a vítima encontra-se imobilizada (culturalmente)
e nada pode fazer. De· acordo com Engels (25), a morte súbita deve-se à sincope
vasovagal e arritmias cardíacas num paciente com doença cardiovascular
preexistentes; isto ocorre em casos de intensa atividade emocional e insegurança
psicológica, em que tanto o sistema simpático ( ''luta-fuga'' ) quanto o parassimpátic·o
(''conservação-afastamento'' ) são ativados simultaneamente. Na visão de Lex (26),
a ativação simultânea ocorre em contextos característicos de ''.morte mágica'' .
Nesse estado, o sistema netvoso está ''sintonizado'' ou hipersensibilizado, tornando
o indivíduo, portanto, mais vulnerável à sugestão de que poderá morrer através da
magia. Além disso, ele também fica vulnerável à híperatividade parassimpática
aguda ou à morte vagai.
A morte mágica é uma forrna extrema. e dramática de resposta cultur0gênica
ao estresse. Represe.nta o inverso do modelo de luto de Hertz (27) (ver Capítulo 9),
pois, na morte mágica, a ''morte social'' precede a·''morte biôlógica'' em um período
de tempo variável. Num contexto ocidental, a internação prolongada em institui-
Estresse e emigração
Ocidental) foram comparadas com aquelas d·os cabo-verdia.nos que haviam emigra
do para o leste dos Estados Unides. Os imigrantes, nas idades respectivas,
apresentaram pressões arteriais elevadas, e uma di.ferença significativa entre jovens
e velhos, maior do que a dos nativos que permaneceram na ilha. Outros estudos
revelaram índices mais altos de hipertensão-entre imigrantes irlandeses nos Estados
Unidos (32%) comparados com seus co.mpatriotas que viviam na Irlanda (21 o/o). Na
visão de Cassell, é pouco provável que os dad·os encon.trados nesses estudos se
expliquem pelas diferenças -genéticas entre aqueles que imigram e aqueles que
permanecem no país de origem. Ma. s, possivelmente, às diferenças genéticas que
se referem à suscetibilidade desses indivíduos migrantes às influências do meio
ambiente. Tais in .fluências incluem fatores físicos, tais como ingestão de calorias,
atividade física., ingestão de sal e ausência de deter. minados parasitas e doenças no
país-a. nfitrião que, no país de origern
. , geralmente causam perda de peso· anemia
1
•
Relato de caso: Doença mental entre imigrantes em Manchester,
Reino Unido
Embora esses estudos. sejam úteis para ilustrar· o alto nível de respostas ao
estresse entre imigrantes, eles não fomece·m dados suficientes sobre o modo como
as p.ráticas culturais e a visão de mundo dos imigrantes - . e da comunidad·e anfitriã
propriame.nte dita - interagem na situação migrante. Por exemplo, que. aspectos
culturais nas comunidades emigran · tes atuam como proteção· contra o estresse. ou
predispõem a ele.? Em determinados ·grupos culturais, a experiência da em . .igração
é menos ''estressante'' do que e:m ou·tros? O st·at·us de emigrante temporário (como
a dos gastarbeiters) é mais ou menos estressante do que a de emigrante
permanente, refugiado ou exilado? Quais são os efeitos da discriminação e do
.preconceito racial (individual e institucional) sobre a saúde mental e física dos
imigrantes? S · eriam algumas culturas anfitriãs mais estressantes para os imigrantes
do que outras?
Leitura recomendada
Parkes, C. M. (1971) Psycho-social transitions: a field for study, Soe. Sei. Med. 5, 101-115.
Selye, H. (1976) Forty years of stress research: principal remaining problems and misconceptions.
Can. Med. Assoe. J. 115, 53-37.
World Health Organization (1971) Society, stress and disease. WHO Chron. 25, 168-178.
Young, A. (1980) The discourse on stress and the reproduction of conventional knowledge. Soe. Sei.
Med. 14B, 133-146. Uma crítica dos modelos médico e leigo de estresse.
Helman, C. G. (1987) Heart disease and the cultural construction of time: the type A behaviour partem
as a Western culture-bound syndrome. Soe. Sei. Med. 25, 969-979. O papel dos valores culturais
ocidentais na doença cardíaca coronariana.
OS FATORES .. CULTURAIS
EM EPIDEMIOLOGIA
Como foi mencionado, os fatores culturais podem atuar como causa, contri
buição ou proteção no que se refere aos problemas de saúde. Nesta seção, listei uma
série deles, muitos já descritos em maiores detalhes nos capítulos anteriores. Esta
lista não pretende ser muito extensa, e sim fornecer uma seleção daqueles fatores
comumente examinados por antropólogos e epidemiologistas. Sua importância
será demonstrada mais adiante, em uma série de relatos de casos.
Este· fator envolve questões como: distribuição de· riquezas, numa sociedade;
as condições financeiras .do grupo de amostra com relação ao restante da
sociedade; as condições de renda se são suficientes para moradia, alimentação e
vestuário adequados; os valores culturais associados à riqueza, pobreza, emprego
e desemprego, bem como a unidade econômica básica (para aquisição, acumulação
e divisão ·de riquezas) - se é individ.ual, familjar ou comunitá.ria.
Estrut1,ra familiar
Papéis de gênero
Padrões matrimoniais
Comporta1nento s·exual
Padrões contraceptivos
Política demográfica
Envolve as crenças culturais sobre o tamanho ideal das famílias (como, por
exemplo, a política ·do ''filho único'' rtq China) e sob,re o gênero ·dos filhos·. As
incidências de infanticídio e de aborto auto-induzido podem estar associadas a ·essas
crenças. Wagley (15) descreve uma. tribo indígena. brasíle: i. ra, os Teneteha.ra, que
. acredita que a mulher não deve ter mais de três filhos, e que os três não devem ser
do mesmo sexo. Se. uma mulher que. já tem dua.s filhas-dá à luz a uma terceira, �sta
é morta. Ao longo do tempo, essas cre,nças podetn a.fetar o tamanho e .â
composição das comunidades locais.
•
Alimentação
Vestuário
Condições de moradia
Condições de saneamento
Profissões
Religião
•
•
•
'1 \v
�
f''
Cost111nes funerários
Diz respeito à maneira com que os mortos são preparados., e. por quem;
:costume de enterrar ou cremar imediatamente o cadáver ou, ainda, de exibi-lo em
público durante algum te·mpo (o que pode contribuir para a disseminação , de
doenças infecciosas); e aos loca.is de enterro, cremação ou exibição do cadáver -
se .ocorrem próximos .a residências, reservatórios d'' água ou provisões de g.êneros
alimentícios.
Estre-ss.e cult11rogêrdco
• :Situação do emigrante
.
A adaptaçã· o dos emigrantes à nova cultura .em termos de comportamento,
alimentação, língua e vestuário; sua suj.eição a ·discrimina, ções ,. . racismo ou per
seguições por parte dé) comunidade anfitriã; a preservação de sua estrutura familiar
e visão de_ mundo religiosa após a emigração; a cultura da comunidade anfitriã e
suas atitudes com relação à imigração.
Atividades de laze.r
� ..-·-- - -- 1
pré ou ,extraco·.njuga.is (por exemplo, o· s mórmons e os, adventistas. do sétimo dia);
o tipo B, em que somente as mulheres o são, enquanto os homens são encorajados
a ter �uitas relações. sexu�is .desse tipo, especialmen . te com prostitutas, a exemplo
de -muitas sociedades. latino;-americanas e da sociedade européia d · o século XIX; e
o tipo C- , ·em que tanto -homens quanto mulheres têm vários parceiros sexuais ao
longo de suas vidas (como ocorre na sociedade ocidental moderna e '�permissiva'')..
A incidência de câncer cervical é ·mais baixa . na sociedade tipo A, e mais alta ·no tipo
B. Nos grupos de tipo A Oudeus, mórmons, adventistas do sétim·o .dia) a baixa
incidência pode ser explicada pelos- casamentos endogâmicos e os padrões
monogâmicos de comportamento
: sexual, bem como pelo hábito raro de procurar
prostitutas. Em um estudo citado por Skegg, 91 o/o dos estudantes colombianos ·e
do sexo masculino relat-aram relações sexuais pré...con · jugais e 92o/o destes havia.m
tido relações sexuais com prostitutas. Os autores sugerem que- isto pode explicar
a alta incidência de câncer ceIVical na América Latina, uma vez que as pros.titutas
podem rep.resentar um depósito de infecção. Da mesma forma, a .queda na
morta.lidade por e.sta doença no Reino Unido e nos Estados Unidos (sociedade tipo
C) provavelmente d.eva-se ,à · mudança dos padrões de comportame.nto sexual
masculino, com -índice meno.r de procura de prostitutas numa sociedade mais
,., . . . .,,
perm1ss1va .
Relato de caso: Comparação dos índ'ices de ci:r u-rgi.a .nos Estad·os ·Unidos,
Canadá, Inglaterra e Pa·ís de Gales
•
Cultura, .Saúde e Doença / 277
histerectomia fQra_m du_qS 1/ezes. mais: �ltos no ·Ca . nadá e nos Estados l}nidos do que
na amostra brit�nica. Na cómparação de leitos hospitalares élisponíveis, a amostra
britânica tinha, e_ntre as três, o número mais baixo (e também o menor número de
cirurgias) :em 197.6 , . en.qua·nto que ·O Can·adá tinha 30 . %' mais leitos . ho
· spitalare.s do
•
Cult11ra e ecologia
causar sérios danos à saúde humana. Embora os fatores econômicos tenham uma
.importância fundamental (tais. como os luc r· os que e.nvolvem: a produção, prom · oção
e venda desses produtos), as crenças e condutas influenciadas culturalmente são
igualmente importantes:. N.o caso dos ae r. ossóis que c . ontê·m clorofluorcarbonos
(CFCs), utilizados em desodorantes, purificadore·s de ar, sprays de cabelo e lustra
móveis, 0 uso desses preparados
: tarribé·m é influenciado por determinados valores
cu 1 turais,. principalmente n0 mundo industrializado ocidental. Tais·valores enfatizam
a importância de viv�r num ·mundo .�nodorq . se� o� odores naturais do corpo· e
outros cheiros ·do ambien : te domésti-có. Promovem ·determinados pe. nteados e
tingimentos de cabelo (particularmente aqueles que sugerem uma aparência mais
jovem) e valorizam superfície-s brilhantes nos móveis domésticos, como um
• indicador de ordem e riqueza.
Portanto, como demonstram esse pequen.o exemplo, freqüentemente há uma
ligaçã.o direta ou indireta entre as condutas e· as crenças culturais humanas, a
. .
Leit1,ra recomendada
Brabin, L. e Brabin, B. J. (1985) Cultural factors and trans.mission of hepatitis B virus. A·m. J.
Epidemio/. 122, 725-730.
. pidemiological eviq�nce. ln: Christie, M. J. e Mellett, P. G.
Mar1r1ot, M. (1981) Culture and . Illness: e
eds.) Foundations of Psychosomatics. Chichester: Wiley, pp. 323-340. •
Marmot, M. G. e Syme, S. L. (1976) Acculturation and coronary heart disease in Japanese Americans.
Am. J. Epidemio!. 104� 225-247.
Skegg, D. C. G.,. Coiwin, P. A.. , Paul, C. e Doll, R. (1982) lmportance of the male factor in ca_ncer of
the. cervix. Lancet ii, 581-583.
'
Cuitura, Saúde e Doença / 279
ANEXOI
QUESTIONÁRIOS CLÍNICOS
Capítulo 2:
Definições culturais de anatomia e fisiologia
Capítulo 3 :.
Dieta alimentar e ;nutrição
'
d) as ·crenças da mãe.sobre.tamanho, constituição física e peso ideais de seu
bebê?
11. Na alimentação do bebê, de que maneira os fato.res.· econômicos afetam:
a) a ·escolha de aleitamento matemo ou de alimentação. artificial
b) o tempo de duração . do aleitamento matemo ou dá alimentaçã.o artificial
c) as técnicas de desmame e os tipos de alimentos substitutos utilizados?
Capítulo 4:
·Tratamento e c11ra: as alter11ativas de assistência à saúde . -
•
Capítulo 5:
,Relação médico-paciente.
c) backgroung cultural _ · •
• •
d) status econômico?
2. Pode a etiologia (ou apresentação) do problema de saúde do paciente estar
relacionado ao seu/sua:
a) aspectos individuais (idade, sexo, pe·rsonalidade, experiência, precon-
ceitos)
b) educação ou subcultura (étnica, religiosa ou profissional)
c) background cultural
d) status econômico?
3. Como o paciente interpreta o significad0 e à importância de seu problema de
sau'd?
e.
4. Qual o modelo explicativo utiliza·d.o? Q.u:al suas respostas às seguintes
perguntas?:
a) o que acontec·eu? (rótulo da condição)·
b) por que aconteceu? (etiologia)
e) por que comigo? (referências à dieta, coínporta.mento, perso.nalidade,
hereditariedade}·
d) por que ag.ora? (circunstâncias, modo como iniciou a doença)
e) ô que aconteceria se eu não tomasse nenhuma providência? (curso,
resultado, prognóstico e riscos prováveis)
f) quais os possíveis, efeitos sobre outras pessoas? (família·, amigos, vizinhos,
empregadore·s, etc.)
g) o que devo fazer- ou a quem devo recorrer para obter ajuda? (automedica
ção, consulta a orientadores leigos, curandeiros populares ou pr· of. issionais
da saúde)
5. O paciente acredita sof. rer de uma doença popular?
6. Qual a visão da família e amigos do paciente sobre seu pro·blema? Qu· ais os
modeles explicativos utilizados por eles? Na consulta:
7. Q. paciente tem uma ''doença'' (illness) e uma ''enfermidade;' (disease)?
8. ,O paciente tem .uma ''doen . ça'' (illness), mas nenhuma ''enfermidade''
(disease)?
9. O paciente tem uma ''enfermidade'' (disease), mas nenhuma ''doença''
(illness)?
10. Tanto a ''doença'' (.illness) quanto a ''enférmidade'' (d·isea·se) do paciente
estão sendo tratadas?
11. O diagnóstico/tratamento./prognóstico que o paciente recebeu são
congruentes com seu m · odelo explicativo? Há consenso entre o profissional
e o paciente no que se refere ao diagnóstico/tratamento/prognóstico de seu
problema?
Após o a consulta:
Capítulo 6:
Gênero e reprodução
Capítulo 7:
Dor e cultura
Capítulo 8:
Cultura e far1nacologia
•
12. No hábito norrr1al de beber,: quais· são as regras que ditam:
•
.·
·a)quem pode beber (idade ,. sexo,. et.nia, classe)
· b)
na companhia de quem . a bebida é permitida
c)
o que se pode beber
d)
em que horários se pode be.ber
e) em que ocasiões se pode ·beber
f) a relação do hábito de beber
· como festas sociais e religiosas?
. 13. O que o álcool simboliza para ,o usu�rio? Qual seu papel simbólico e·m:
a) suas atividades diárias
b) sua auto-imagem
e) suas relações s-ociais •
Capítulo 9:
Ritual e manejo dos infortúnios
Capítulo 1 O:
A psiquiatria transcultu.ral através das culturas
c) status econômico
d) pressões sociais externas?
Capítulo 11:
Aspectos culturais do estresse
Capítulo 12:
O.s fatores culturais e_m epidemiologia
b) do profissional de saúde?
A
adicção a drogas, 186, 272
comportamento sexual,142
Aborto, 161, 268,267 metáforas, 112-114
Abrahams, R. D., comportamento cerimonial, morte social associada, 114
218 padrões contraceptivos e disseminação, 268
Abuso de crianças, 269 uso comum de agulhas, 186, 272
Acidentes, rituais de infortúnio, 208 Álcool
Aculturação, 23 como conforto químico, 147, 185
Acupuntura,70 condutas culturais
hepatite B, 272 abstinência, 188
no Reino Unido, 90, 91, 92 ambivalência, 188
Adivinhação, excessivamente permissiva, 188, 189
associação, hábito normal/anormal de beber, 188
transe, valores associados, 190, 272
Adler, H. M., efeito placebo, 178, 180 efeitos físicos, 187
Aerosóis, valores culturais e uso de, 279 espectro de comportamento, 219
África gênero e, 147, 268
alterações no corpo, 32 variáveis que influenciam o consumo
alucinógenos, 194 ambiente, 190-191
brain fag, 11 O atitudes culturais, 187-188
circuncisão feminina, 32 estrutura familiar, 42
cultos de possessão zar, 144 Alcoolismo, 116, 227, 241
culturas de nascimento,158, 162 desenvolvimento do, 188-190
Ashanti, 162 grupos de auto-ajuda, 74
assistentes tradicionais de parto, 159 imigrantes, 243
engorde artificial em meninas, 31-32, 32 Aleitamento matemó
escarificação, 31 alimento artificial preferido ao, 269
esgotamento mental, 132 alimentos quentes-frios e,55
glossolalia,219 Alemanha,
problemas de saúde, herzinsuffizienz, 82
causas sobrenaturais, 121 kreislaufkollaps, 82
feitiçaria e, 119 kur, 82
uso de drogas alucinógenas, 194 sistema médico, 81
Agárico (Amanita muscaria), 194 Alimentação de bebês
Agorafobia (doença das donas-de-casa), 235- no Reino Unido, 64-67
236 síndrome Michelin Tyre Man, 66
AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adqui nas sociedades não-ocidentais, 63-64
rida) supemutrição, 66
..
Cultura, Saúde e Doenço / 3
Bying-Hali, J., scripts familiares, 241-242 Charsley, S., alimento enquanto símbolo, 60
Chimbuki, 212, 239
Chineses
c amarração dos pés, 31, 152,269
hsieh-ping, 221, 235
Cafe como conforto químico,185 koro, 110,221,235
Calnan, M., medicalização, 145-146 parto,tribo Lan Tsu Miag,162
Caminhantes no fogo,tolerância à dor, 169 período pós-parto, 158
Camuflagem cultural, 242 poder poluidor das mulheres, 158
Canadá política do filho único,268
índices cirúrgicos,277-278 no Reino Unido
práticas de prescrições, 82 alimentação de bebês,65-66
sistema médico,82 alimentos quentes-frios e leite matemo,
vindigo,235 55
Câncer sistema yin/yang
dieta alimentar, 68 alimento, 53
enquanto metáfora, 111-112 doença, 122
procura tardia de auxílio médico,127 medicamento, 38
estresse do diagnóstico, 256 Chrisman,N. J.
Câncer cervical etiologias leigas das doenças, 115,117,118
circuncisão masculina como proteção do,32 sistemas de atenção à saúde, 72
na América Latina,fatores culturais,273- Cipriotas, costumes de funeral,206
274 Círculos de cura,no Reino Unido,90
enfermidade (disease) sem doença (illness), Circuncisão,204, 269
130 enquanto ritual, 202
sexo extraconjugal e,142 feminina,32
Câncer de pulmão,263 masculina, 32, 38
Cannon,W., morte uudu, 255 Cirurgia cosmética, 269
Caplan, P., comportamento sexual, 143 Cirurgia, fatores culturais e,277-278
Caribe Cirurgia plástica,cultura de gênero e,152
alucinógenos, 194 Claridge, G.
carnavais, 218 drogas, 185
crenças sobre feitiçarias, 119 efeito placebo, 179, 180
glossolalia,219 medicação, 176
Carillo, E.,síndromes delimitadas culturalmente, Classe social
236 alcoolismo e, 187
Carnavais, 218 alimento e,59, 60
Carpenter, L., imigração e doença, 259 saúde e,25, 116,264,267
Cartwright,A Clorofluorcarbonos (CFCs), 279
efeito placebo, 179 Cole,J. O., diagnóstico psiquiátrico, 229
problemas de saúde, 106 Colômbia, alucinógenos, 195
assistência informal à saúde, 86-87 Cólon irritável,130
Casm-e-sur, 120 Comadronas, 158
uer também Mau olhado Cominos,E. D.,AIDS,114
Cassell,E. J., relação médico-paciente, 103- Cominsky, S., nascimento, 160
104 Complexo de desistência, 251, 254
Cassell,J., emigração e doença, 258-259 e morte súbita, 255
Cassens, B. J., AIDS, 114,256 Comportamento
Cay,E. L.,sucesso do tratamento,133 anormal
Cerimônia de casamento controlado,
bolo, 60 glossolalia, 218-219
rituais, 202 possessão por espíritos, 218
Cesariana, 277-278 delimitado culturalmente, 219
Chá como conforto químico,185 espectro, 219
L
Linforeticulose benigna (cat-scratch disease), imigrantes no Reino Unido, 61-63
272 e pobreza, 25, 60
Linguagem de sofrimento ver também Dieta alimentar, Alimento
doença mental, 230-231 Mandrágora. (Mandragora officinarum), 194
feminina, 153 Maoris, 162
interpretações errôneas, 129 Maranhão, T., cultura familiar, 242
masculina, 152 Mardi gras, 218
resposta ao estresse, 252 Mares, P., assistência à saúde, 62
Like, R., sangue dormido, 47 Marmot, M., DC emjaponeses, 265-266, 275
Lipkin, M., síndrome de couvade, 163 Marrocos
Lipsedge, M. alimentos quentes frios, 53
doença mental, 227, 230 condições climáticas e doença, 118
imigrantes e doença, 243-244 medicação humoral, 37
síndromes delimitadas culturalmente, 235 Marsh, A., tabagismo, 193
sistema médico ocidental, 80 Martin, M., curandeiros populares, 77
Littlewood, J., enfermagem, 145 Matheson, J., tabagismo, 193
Littlewood, R. Mau-olhado, 76, 221, 235
doença mental, 227, 230, 231-232 diarréia infantil, 2s'
imigrantes e doença, 243, 244 doença causada por, 119, 120
síndromes delimitadas culturalmente, 235 Mauritius, colheitas lucrativas, 60
sistema médico ocidental, 80 Mayhew, H. E., crenças leigas sobre a gravidez,
Lock, M. M., menopausa, 149-150 42-43
Logan, M. H., teoria do quente-frio, 37 McClelland, H. A., efeito placebo, 180
Loudon, J. B., rituais, 197, 208 McCready, W. C., consumo de álcool, 189
Lowenfels, A. B., dieta alimentar e câncer, 68 McCulloch, J. A., queixas psicogênicas, 35
Lunn, J. E., não-adesão ao tratamento, 132 McGoldrick, M., cultura familiar, 74, 78
Luto Mechanic, D.
cultural, 258 doença dos estudantes de Medicina, 128
espaço vital, 250 melhorando a comunicação, 135
índice de morte em viúvos, 250 Medicalização
estresse, 248, 249, 250 ciclo de vida feminino, 148-151, 268
ver também Morte, velório, rituais de drogas psicotrópicas, 146-147
Luto cultural, 258 gravidez, 81, 150-151, 156-158
menopausa, 149-151
menstruação, 148-149
síndrome pré-menstrual, 148-149, 151
M conceito, 145-146
controle social, 81, 146
MacCormack, C. P. controvérsia natun,rnurture e, 146
escarificação ritual, 32 explicações da, 146
posição durante o parto, 158 problemas pessoais, 145-146, 147
Maconha (Cannabis indica, C. sativa), 194, Medicação
219 enquanto alimento, 57
Mal de ojo, 120 auto, 86, 132
Mal occhia, 120 não-adesão ao tratamento, 87, 130, 132-
Malaio, arquipélago, costumes de funeral, 206 133
Malásia, amok, 110, 221, 235 efeito placebo, ver Efeito pia cebo
Malawi, condições de atendimento médico, 79 efeito total da droga, 176
Mali, alterações corporais, 32 estocagem, 87
Mambos, 75 padrões da prescrição,81-82, 146-147, 183
Má nutrição quente/fria, 54
alimentação de bebês, práticas de, 63-64 simbolismo, 178-179, 200-201
no Reino Unido, 64-67 uso de, cultura popular de saúde, 87
fatores, 60 uso impróprio, nos porto-riquenhos, 133
·-
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