Está en la página 1de 7
Desde o final do século XIX, a distingdo entre espago public e espaco privado tem sido 0 centro tedrico do pensamento urbanistico sobre a cidade ocidental. Os planos de expansio, as leis de desapropriagdo, os parques ‘metropolitanos ou as grandes obras civis tem sido exemplos admiraveis de distingao clara do dominio publico em relagdo ao privado. E reforgar esta distingdo era desejavel enquanto permitia precisamente aumentar € melhorar 0 piblico € trata-lo como superior ao privado. Esta motivacdo, fundamentalmente reivin dicativa, tem suas raizes no pensamento utopista do século pasado, onde os modelos ideais de cidade equilibrada (como objetivo) e 2 municipalizacdo (como instrumento} eram 05 pilares ideolégicos de toda politica urba~ nistica progressista. Ainda hoje, muitos administradores piblicos € téenicos comprometidos fazem a defesa das areas verdes, das reservas viarias, das areas de equipamento © dos espagos livres urbanos Espacos publicos e espacos coletivos MANUEL DE SOLA-MORALES como 0 objeto principal do urbanismo. E as associagées de vizinhos e as partidos politicos, seguindo o mesmo esquema, mantém a defesa do metro quadrado publico como o melhor ‘camino para fazer as cidades mais disponiveis para o cidadao. A partir da importante reflexao teérica sobre a cidade dos anos 70, a distingio entre espaco piiblico ¢ privado avangou segundo duas linhas principais: uma, baseada nos estudos mono- graficos de cidades, defende o valor do bom passado dos alinhamentos como instrumento definidor dos principais elementos tipolégicos do forma urbana (ruas, parques, expansdes, centros). Estas propostas caminhavam paralelas a outras que, a partir da confianga na “arqui- tetura da cidad . enfatiza o papel protagonista das grandes pegas arquiteténicas na definiao simbélica e figurativa da cidade e de sua meméria histérica. Uma € outra postura - @ do valor da cidade como arquitetura, ¢ 2 do tragado urbano como lol 102 projeto - conduziram respectivamente ao *urbanismo desenhado” ¢ ao “urbanismo ur- bano” como hipéteses metodolégicas para superar a abstracdo funcionalista dos planos de “manchas e zonas", ¢ chamar atengao forma da cidade como construgdo espacial concreta. A urbanistica catala do inicio da década de 80 exemplifica este momento. Qs melhores programas urbanos atuais tém saido daquela aceleragao tedrica que nos anos 70 fez das cidades 0 objeto cuidado & espléndido do pensamento urbanistico, politico © sociolégico. Nos anos recentes, 2 realizagio espetacular de espacos ¢ edificios publicos em algumas grandes cidades européias - em parte seguindo de longe e em parte esquecendo aqueles principios - esté ines brilhantes do desenho € do consumo estético, imagens competitivas da comunicagao macica, mas sem argumentos urbanisticos significativos de longo prazo. fazendo delas Em Barcelona, com a chegada dos governos democraticos, a saida para 0 espaco piblico foi espetacular. Parecia que tudo ia ganhar espago puiblico, arrumd-lo ¢ festejé-lo. Vieram as pragas duras e as menos duras, ocupando 0 vazio entre as edificagdes. Entre 1978 e 1982, 0 maior esforco foi orientado para aproveitar estes espacos ¢ criar uma imagem nova de cidade, um estilo ¢ uma légica diferentes, ¢ isto se conseguiu com notavel sucesso - nem tanto pelos acertos dos desenhos, mas porque a impressiio de ver mudar a paisagem urbana a partir de seus vazios, em contraposigio ao quieto e pesado corpo edificado, era uma experiéncia nova € tejuvenescedora para qualquer um. Na cidade, alguns nao quiseram reconhecé-lo; de fora, todos admiravam. Depois, em 1982, vieram os parques. Uma fomada de espagos puiblicos maiores, de implantagdo € tamanhos fortuitos, que o desmantelamento de chacaras ou instalagées obsoletas permitia apropriar para a cidade. Os parques, como as pracas, iam aparecendo onde podiam, ali onde a intervengo municipal era facil por existir uma afetacdo urbanistica an- terior (La Mercé, Raval), pelos vazios indus- triais obsoletos (Espanha Industrial, Pegaso), por transferéncia de areas piiblicas sem uso (Moll de la Fusta, Escorxadors, Plaza de Sants), ou simplesmente como redesenho de pragas publicas anteriores (Plaza Real, Plazas de Gracia). Mesmo que posteriormente se busquem coeréncias espaciais a estas atuagées, ¢ evidente ¢ légico que a oportunidade era o critério de localizagdo fundamental. Opor- tunidade de atuar em solo piblico, por uma administracdo atuando por si mesma, melho- rando € aumentando a quantidade de espacos, de dominio, propriedade e desenho municipais. Patrimonio e agem municipais iam se identificando cada vez mais, de forma que, no final, a Barcelona destes anos tem ensinado como a modernidade pode fazer-se ofi- Gialmente, ¢ como conseqiléncia pode-se dar aos espacos pblicos urbanos de tituleridade piiblica uma imagem forte ¢ inclusive pro- tagonista, ce roe Sortie Ieee Mas seria perigoso se nos preocupassemos com a forma da cidade somente naquilo que é dominio exclusive da administragdo. Nesses anos nao se tem apresentado propostas incisivas no tecido privado, que poderiam resultar inovadoras, por exemplo, no campo da habitagdo ou dos escritérios. E assim pode- se estar produzindo, junto a espléndidas vantagens de enriquecimento da cidade com passtios, parques, pracas, cinturdes, estadios, museus ¢ cendrios de mérito indiscutivel, uma descolagem no tom da cidade comum, que leva & hipertrofia do proprio espago puiblico, A importéneia do espaco publico ndo esta certamente, em ser mais ‘ou menos extenso, quantitativamente dominante ou protagonista simbdlico, sendo referir entre si os espagas privados fazendo também deles patrimanio coletivo. Dar carater urbano, piblico, aos edificios ¢ lugares que sem isso seriam somente 104 privados, esta & a fungao dos espacos publicos - urbanizar o privado, quer dizer, converté-lo em parte do pablico. Tomemos como exemplo a Cidade Velha, As aberturas de Raval sio, em boa parte, herangas do planejamento, antiqiiissimas, perpétuas. Em grande parte so atuagdes sobre solo disponivel por afetagdes publicas. Em outras zonas do bairro, os espacos livres so demo- ligdes definidas por perimetros parcelados de casas ou quarteirdes, nada mais. Nas ruas, os alinhamentos mostram, onde se produzem, 0 contra-senso da construgao tect ja ao encaixar-se no tecido antigo, ¢ a linguagem moderna resulta, de to pouco funcional, pa~ tadoxalmente retérica, Aatuagio publica na Cidade Velha concentra se substancialmente em moradias novas, pracas ¢ estacionamentos, ¢ talvez este simplismo de programa possa ser a origem da esquematica dureza do resultado, As formas do espago na Cidade Velha se referem, certamente, a discussio sobre 0 destinatario social da remodelacao deste baino, e, portanto, as opgdes sobre 0 programa ¢ os tipos dos novos projetos sto prévias & critica dos projetos € de seu resultado urbanistico, Talvez um refinamento menos monogrifico dos programas tivesse permitido pensar em projetos que entendessem, como espacos pitblicos na Cidade Velha, novas formas de alojamento transitério, pensdes, bares ¢ clubes mais modernos, agrupamentos tipolégicos para artesdos e vendedores ou outras funcdes ambiguas € complexas, mais do que esta~ belecer moradias familiares para a classe média ou novas bibliotecas universitarias. E 0s rinedes fragmentados do tecido atual, sete vezes remodelado, poderiam sugerir solugdes muito mais aptas 4 convivéncia de pessoas naquele distrito do que os amplos vazios do urbanismo sanitério centro-curopeu. A suposta revi- talizagdo destas imponentes cirurgias nao parece produzir-se, e 0 rétulo de “piblico”, que acompanha espagos, moradias e estacionamentos, no comporta imediata- mente o desejivel atributo de apropriagao coletiva com a qual quiseram se identifica. Nao que sejam ruins os projetos realizadas na Cidade Velha. £ 0 tom somente “piblico” que os torna insuficientes para uma tarefa tao dificil: € a hipertrofia da cidade “oficial”, 0 que pode descuidar, inclusive expulsar, certas formas de vida coletiva, O espace coletivo é muito mais e muito menos que 0 espaco publico, se caracterizarmos este apenas como propriedade administrativa. A riqueza civil e arquiteténica, urbanistica e morfologica de uma cidade, sao seus espagos coletivos, todos os lugares onde a vida coletiva se desenvolve, representa ¢ recorda, Talvez estes sejam, cada dia mais, 05 espacos que nao sdo nem piblicos nem privados, se nao am- bos a0 mesmo tempo. Espacos publicos absorvidos por usos particulares, ou espacos privados que adquirem uma utilizacdo coletiva. As grandes lojas na Plaza Catalunya sao um lugar privado ou puiblico? Certamente privado na sua exploraco econémica, mas ndo no uso no significado para a cidadania, Nao por acaso levou-se cinco anos discutindo sua fachada. E Santa Maria del Mar é publi privada? E 0 campo de Barca ou o Pavilhio da ou Juventude? As categorias do privado © do piiblico se diluem hoje, servem menos, Tam- bém certos lugares piblicos por exceléncia, como a praca Sant Jaume ou as Ramblas, pi blicos plenamente por sua significagdo ¢ do- minio, se convertem em coletivos pela apro- priagdio que deles fazem livremente, Muitos outros lugares podem ser exemplos, em Barcelona, de locais mistos cuja importancia & serem coletivos. 0 Mercado da Boqueria é, talvez, 0 exemplo mais espléndido: um lugar onde a propriedade e a gestao piiblica se com- binam perfeitamente com a iniciativa € as ati vidades particulares dos cidadios, sejam vendedores, compradores, curiasos, turistas ou trabalhadores dos miltiplos afazeres com- plementares que a vida do mercado gera diariamente no seu entomo. Come eram, com ‘0s mesmos atributos, os desaparecidos faro- feiros da praia Barceloneta a escola dos Mas, também o bar da esquin filhos, a banca de jomal ou a estagdo de metrd sido um tecido de direitos e obrigagdes, que, como espacos piblicos, mas também coletivos, configuram os itinerdrios mestres da vida do cidadio. Entre estes, também os espagos estri- tamente puiblicos tém um papel importante, mas parcial, e, quem sabe, cada dia menos necessario, Um centro de vendas ou um hipermercado periférico, um parque de diversées ou um estidio, um grande estacionamento ou uma galeria comercial so os lugares significativos da vida cotidiana, os espacos coletivos moder- nos. O transporte publico, sobretudo nas grandes cidades, € 0 lugar comum de refe- réncia, pela freqiiéncia ¢ volume do seu uso macico, pela variedade do seu piiblico ¢ pelo peso psicoldgico que adquirem como signi- ficantes da vida metropolitana. 0 iiltimo filme de Eric Rohmer o descreve perfeitamente, a0 contrario da visio do espago urbane como objeto, de Wim Wenders Os hotéis, os restaurantes de fim de semana e de turismo, as discotecas suburbanas so os espacos ambiguos onde se manifesta a forma piiblica de nossas cidades. A periferia me- tropolitana, verdadeiro centro - paradoxal- mente - da vida futura das cidades ¢ feita destes espagos que, sem a ret6rica da repre- | significardo os lugares de interesse comum. Esta € 2 tarefa para os sentatividade forma desenhistas piblicos nos modemos projetos de cidade: fazer destes lugares intermediairios - nem publicos, nem privados - espagos nao estéreis, nao deixados somente a publicidade € ao lucro, mas partes estimulantes do tecido urbano multiforme, além de deslocar o Keynesianismo da “welfare city” - urbanidade subvencionada - a terrenos mais escorregadias, ‘menos evidentes, mais interessantes. Outra coisa seria ficar nas categorias do espaco urbano barroco, ainda que com linguagens disfarcadas e materiais de moda. Versalhes nao € © modelo da nova cidade, mesmo que todo seu espaco seja piiblico e livre. Reconhecer isto € extraordinariamente impor- 105 los. tante para a projecdo urbana, e abre um campo. de reflexdo de escalas miiltiplas. Estariamos, questionando a classica explicago dos espacos civicos modelares - na antigiiidade, no gético, na cidade industrial - como expressio dos valores consensuais de uma sociedade coe- rente. E, portanto, a condigdo do piiblico como forma excelente do social 0 fato é que, muito ao contrario, a cidade é precisamente o lugar onde o particular pode set - e amitide € - social: tanto ou mais que 0 ptiblico, a boa cidade & aquela em que os cdificios particulares - sobretudo as bons edificios - tém valores sociais que os extra- polam, ¢ nisso esta seu modo de ser urba- nos. Os palacetes do Passeio de Gracia ou as lojas da Calle Fernando foram feitos urbanos além da sua privacidade imobiliria - como 0 sto as fachadas dos bulevares de Paris e as entradas dos grandes arranha-céus nova- iorquinos. Nao se leia este argumento como um canto neoliberal a autonomia privada. 0 que dele se deduz é 0 contririo, que @ fungao inter vencionista do setor publico atende, ndo so a0 modo privado - as suas areas de pro- priedades - como procura dar qualidade cole- tiva a0 que ndo o € Quem sabe seja mais atraente ¢ facil para um administrador mu- nicipal desenhar um parque ou uma calgada do que discutir a possibitidade de melhorar 5 projetos privadis sem executé-los. Acredito que lutar pela qualidade desses espagos coletivos - ao mesmo tempo privados e puiblicos, publicos e privados - € a principal tarefa do arquiteto na cidade. Porque a boa cidade € a que consegue dar valor publico ao privada. E, assim como uma boa cidade é feita tanto de boas casas, de boas lojas, de bons bares e bons jardins privados, cla também o é de passeios piblicos, de monu- mentos € de edificios representatives. Portanto, a qualidade do individual & condigio para que, sendo semanticamente coletivizado, resulte em riqueza coletiva, Nao sio os bares da Barcelona notuma um dos feitos urbanos mais interessantes dos tiltimos anos? Porque sua privacidade nao esta separada de uma preocupacéo por interesses e valores coletivos. Os espacos coletivos sto a tiqueza das cidades historias e so, também, certamente, a estru- tura principal da cidade futura. Quem sabe se ‘em nossas cidadles sejam os espagos ambiguos em sua titularidade, terao a cada dia um significado maior para a vida social cotidiana, podendo usar-se e apropriar-se de formas. diversas pelas diferentes tribos urbanas? Quem sabe as formas da cidade “distépica” de que fala o socidlogo Frederic Jameson caraterizem, em nosso entorno, a perda simultinea do espago piblico ¢ da autoridade privada, Dizem que a literatura “cyberpunk” descreve bem esta situacéo moderna, onde a distingo entre espago piiblico e privado se epaga ao suprimir-se as diferencas que as provocaram. Dizem que Blade Runner suprime estas diferencas. E também as suprimiu Humberto Eco, quando falou do novo cardter medieval do territério contemparaneo. Portanto, levar muito sério, fechados em si ‘mesmos, 0s “espacos urbanos”, as “espacos pui- blicos” como lugares para construir arquitetura sem volume, ou como objetos de desenho consistentes em si mesmos, me parece um erro tebrico de certa envergadura. Como pro- grama, a “urban beautification” tem, sem diivida, a grande virtude de estabelecer a importancia estética das obras de urbanizacao; mas, como projeto urbano mais ambicioso, nem © neomanualismo no estilo de Durand, considerando os elementos da obra publica como construcdes tipicaveis, nem o hiper- desenho (neo-site, no fundo}, que confia a0 cenario arquiteténico a sorte dos espacos civicos (e os programas de desenho urbano das principais cidades européias que se consideram “modemas” sdo filhos de uma dessas duas posturas), reconhecem a natureza complexa do espago urbana coletivo como espaco de experiéncia, mais do que de prejuizo. 107

También podría gustarte