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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

José Paulo Antunes Teixeira

O discurso de Juliano Moreira:


psiquiatria e política no processo de modernização do Brasil republicano

Rio de Janeiro
2013
José Paulo Antunes Teixeira

O discurso de Juliano Moreira:


psiquiatria e política no processo de modernização do Brasil republicano

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
História, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
História política.

Orientador: André Luiz Vieira de Campos

Rio de Janeiro
2013
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

M838 Teixeira, José Paulo Antunes


O discurso de Juliano Moreira: psiquiatria e política no
processo de modernização do Brasil republicano / José Paulo
Antunes Teixeira. - 2010.
110 f.

Orientador: André Luiz Vieira de Campos.


Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
. Bibliografia.

1. Moreira, Juliano, 1873-1933. 2. Psiquiatria – História –


Brasil - Teses. I. Campos, André Luiz Vieira. II. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. III. Título.

CDU 616.89

Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que
citada a fonte.

_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
José Paulo Antunes Teixeira

O discurso de Juliano Moreira:


psiquiatria e política no processo de modernização do Brasil republicano

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em História, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração:
História Política.

Aprovada em 25 de março de 2013.


Banca Examinadora:

___________________________________________
Prof. Dr. Andre Luiz Vieira de Campos (Orientador)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ
__________________________________________
Profª. Dra. Ana Teresa Acatauassú Venancio
Fundação Oswaldo Cruz
__________________________________________
Profª. Dra. Marilene Rosa Nogueira da Silva
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UERJ

Rio de Janeiro
2013
AGRADECIMENTOS

Cada vez mais o estudo parece intrínseco à minha vida. Não que em algum momento
tenha tido a expectativa de parar de estudar, muito ao contrário, sempre fui um menino
disposto neste âmbito da vida. Contudo, a história, isto é, o estudo dela, me permitiu algo que
em tempos de garoto nunca poderia imaginar: estar sempre estudando, mesmo quando não
aparento. Os eventos do cotidiano, as conversas de bar, o assistir o jornal (ok, também a
novela) com a esposa, em geral agora me remetem ao aprendizado, às relações históricas, à
crítica e a possibilidade do uso deste material como ferramenta de reflexão ou mesmo de
exemplificação para o entendimento de um período.
Tornar-me um pesquisador, e ainda um professor de história, me transformou em algo
que alguns poderiam considerar um chato, e que eu, por autopreservação, prefiro chamar de
apaixonado. Fazer referências, arremessar opiniões, vociferar “verdades”, propor questões sem
resposta objetiva, isto é o que aqueles que comigo convivem têm de aturar, e por isto estarão
presentes aqui, neste humilde agradecimento.
Pelas conversas, estímulos e suportes pessoais e intelectuais, agradeço e dedico esta
dissertação a meus amigos mais antigos: meu pai José Augusto, e meus irmãos, Cesar e
Gustavo. Que o tempo que passamos continue tendo a mesma qualidade, e talvez um pouco
mais de frequência, até o final dos tempos.
Mesmo que o tempo seja uma importante medida, certamente podemos reconhecer
outros apoiadores mais recentes. Neste sentido, agradeço ao Marcelo, amigo de faculdade, de
vida e padrinho da minha filha, pela presença, apoio e interesse nestes últimos tempos de
academia.
Pelo suporte na produção da dissertação em si, agradeço ao Programa de Pós-
Graduação em História da UERJ, seu corpo docente, bem como à CAPES pelo custeio deste
estudante bolsista. Agradeço, e mesmo atribuo esta dissertação ao meu orientador André Luiz
Vieira de Campos, professor dedicado, leitor incansável e corretor infalível para este
displicente orientando. Obrigado professor, pelas chamadas e pelos elogios.
Agradeço também à banca examinadora, isto é, às professoras Marilene Rosa e Ana
Venâncio pelo interesse e contribuição para minha formação já na defesa de projeto. Destaco
aqui ainda a participação da última professora, da Casa de Oswaldo Cruz, pela atenção e
empréstimo de grande parte dos textos que serviram de fonte nesta pesquisa.
Por último, ofereço este trabalho à minha família, isto é, Gabriela, minha esposa,
Cecília, a filha humana, e Amora, a filha cadela. A primeira por ser praticamente co-autora
deste trabalho. Sua leitura, críticas, procura e impressão de fontes fez dela tão conhecedora de
Juliano Moreira quanto eu. À Cecilia, agradeço simplesmente por existir e por, neste exato
momento, invadir meus pensamentos com seu olhar intrigante e seu sorriso inspirador me
trazendo a mais pura e ingênua felicidade. À Amora agradeço por estar deitada, também neste
exato momento, sobre os meus pés, aguardando o final da escrita e a possibilidade de um
afago. Adaptando a mim mesmo: “que nossos sorrisos continuem enfeitando a minha vida, os
meus pensamentos e as minhas projeções por toda a existência que nos cabe”.
RESUMO

TEIXEIRA, José Paulo Antunes. O discurso de Juliano Moreira: psiquiatria e política no


processo de modernização do Brasil republicano. 2013. 110 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

O período de reestruturação e reordenação da cidade do Rio de Janeiro ao princípio da


história republicana do Brasil, que culmina na chamada Belle Époque Carioca, é analisado aqui
sob a ótica higienista. Neste sentido, a política assume uma postura de adequação do cotidiano
embasada na medicina social e na intervenção sobre os costumes considerados indevidos,
degenerantes. Um campo de conhecimento importante neste processo de adequação e
imposição de uma nova ordem é a psiquiatria. Renovada pelas proposições de Juliano Moreira,
a ciência seria responsável pela conceituação de novos padrões de anormalidade, as chamadas
personalidades psicopáticas, e pelo afastamento destes perturbadores da ordem em relação ao
convívio com a sociedade.

Palavras-chave: Juliano Moreira. História da psiquiatria. Brasil republicano.


ABSTRACT
TEIXEIRA, José Paulo Antunes. Juliano Moreira’s speech : psichyatry and politics on the
modernization of brazilian republic. 2013. 110 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2013.

The period of restructuring and reordering of the city of Rio de Janeiro at the beginning
of Brazil´s republican history, which culminates at the so called Belle Époque Carioca, is
analyzed here under the perspective of the hygienism. In that way, politics assumes a posture
of adequacy of the everyday based on social medicine and on intervention over the manners
considered improper, degenerating. An important field of knowledge in this process of
adequacy and imposition of a new order is psychiatry. Renewed by the propositions of Juliano
Moreira, that science would be responsible by the conceptualization of new standards of
abnormality, the so called psychopathic personalities, and by the withdrawal of these disturbers
of the order in relation to the interaction with society.

Keywords: Juliano Moreira. History of psychiatry. Republic in Brazil.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 8
1 A PSIQUIATRIA DO SÉCULO XIX: O DISCURSO FRANCÊS E OS
ECOS NO BRASIL............................................................................................... 10
1.1 Introdução .............................................................................................................. 10
1.2 Pressupostos teóricos da psiquiatria ................................................................... 11
1.3 O corpo em foco ................................................................................................... 22
1.4 O quadro institucional da psiquiatria brasileira ................................................ 32
1.5 Conclusão ................................................................................................................ 41
2 O DISCURSO DE JULIANO MOREIRA: PERMANÊNCIAS E
RUPTURAS............................................................................................................. 42
2.1 Introdução .............................................................................................................. 42
2.2 A influência alemã e as anormalidades ............................................................... 43
2.3 Juliano Moreira, Nina Rodrigues e a Lei Federal de 1903 ................................ 53
2.4 A assistência proposta por Juliano Moreira ....................................................... 59
2.5 O sentido da anormalidade em espaços cariocas ................................................ 61
2.6 Conclusão ................................................................................................................ 66
3 A MODERNIDADE REPUBLICANA E A NORMALIDADE
PSIQUIÁTRICA..................................................................................................... 68
3.1 Introdução ............................................................................................................. 68
3.2 A República no Brasil e a busca do moderno ..................................................... 68
3.3 O Rio de Janeiro no princípio do século XX ...................................................... 78
3.4 O discurso modernizador da psiquiatria e da política: resistências e
afirmações ............................................................................................................... 84
3.5 A normalidade como campo institucional e sua crítica ..................................... 90
3.6 Conclusão ................................................................................................................ 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 97
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 100
  8

INTRODUÇÃO

A compreensão sobre o papel da medicina psiquiátrica na organização do cotidiano na


passagem do século XIX para o XX no Brasil implica na pesquisa sobre diversos conceitos,
bem como a observação de diversos personagens. Um destes personagens – escolhido e
analisado nesta dissertação – e que se insere neste contexto, é o médico baiano Juliano
Moreira, considerado o fundador da psiquiatria científica no Brasil. Moreira, por sua dedicação
às publicações científicas sobre a loucura, e por seus cargos de destaque em instituições de
assistência aos então chamados alienados, ocupará posição de respeito no cenário médico e
político no país, no período de consolidação da República. Proponho-me então a descrever tal
cenário, e a relevância daquele intelectual naquele contexto de transformação da realidade do
país.

Para atingir minhas metas, procurei estabelecer etapas de análise, centrados em uma
análise cronológica e epistemológica, do ponto de vista do desenvolvimento e aplicação da
psiquiatria no Brasil. Neste sentido, não me ocuparei apenas das atitudes de Juliano Moreira
em seu exercício da profissão, porém também discutirei as considerações que fez sobre o
passado, sobre os trabalhos que o antecederam, e suas projeções futuras sobre o cotidiano e a
saúde mental do povo brasileiro a partir da aplicação de suas teorias.

No primeiro capítulo, a proposta é de observar aquilo que antecedeu a produção de


Moreira, isto é, o que o mesmo conheceu e apreendeu em sua formação. Para reconstruir tais
condições, utilizarei as palavras do próprio Juliano Moreira, que em um texto programático
chamado “Notícias sobre a evolução da assistência a alienados no Brasil” faz um relato
daquilo que ele, Juliano, consideraria de maior relevância no cenário médico psiquiátrico no
Brasil. Complementando com suportes historiográficos, e outras referências primárias, buscarei
dissertar não apenas sobre a emergência e aplicação dos primeiros princípios alienistas no
Brasil no século XIX, como também questionarei até que ponto o relato de Juliano Moreira
deve ser encarado como fonte estatística dos avanços da psiquiatria ou como discurso,
expressando emoções, anseios e interesses.
  9

Já no segundo capítulo, a produção psiquiátrica de Juliano Moreira ganha maior


destaque. Discuto os estudos de Moreira no Brasil para evidenciar sua estada em universidades
do exterior, onde complementou sua formação e apreendeu conceitos importantes para o
desenvolvimento de uma nova matriz teórica para a psiquiatria. Diversos artigos do psiquiatra
baiano serão utilizados e trechos serão reproduzidos com o objetivo de descrever aquilo que
poderá ser considerado inovação ou permanência de estudos anteriores dentro do campo de
conhecimento em discussão. Mais uma vez Juliano Moreira será estudado a partir de suas
próprias palavras, para que suas teorias transpareçam e seus objetivos quanto à prática da
psiquiatria no Brasil sejam encarados como produtos de um indivíduo inserido em um contexto
histórico e com ambições profissionais e intelectuais.

No último momento desta dissertação, tratarei do contexto e da aplicação das


construções teóricas de Juliano Moreira no Brasil, em especial, no espaço onde seu discurso
reverberou e atingiu com maior impacto, a cidade do Rio de Janeiro. Para atingir tal objetivo,
será preciso contextualizar o cenário político, social e cultural pelo qual passava a cidade na
passagem do século XIX. Igualmente importantes serão os conceitos que envolviam tal
cenário de transformação, como modernidade, civilização e progresso. Tais conceitos,
advindos da Europa, espaço que irradiava novos costumes e tradições para o Brasil
republicano, serão explicados a partir de discursos de políticos, cronistas e outros profissionais
envolvidos com a assistência na época. Com isso, será possível observar uma finalidade
comum, bem como o compartilhamento de valores, os quais me refiro como “normalidade”.

Ao final de todo este trabalho, pretendo apontar a relevância da assistência psiquiátrica


no cenário de regeneração da cidade do Rio de Janeiro no princípio do século XX, e do
envolvimento de Moreira naquele momento. Da mesma forma, o que espero é contribuir com
diferentes olhares sobre a produção teórica de Juliano Moreira naquela passagem de séculos
colocando em questão estigmas há algum tempo estabelecidos e enaltecendo propostas
historiográficas mais recentes.
  10

1 A PSIQUIATRIA NO SÉCULO XIX: O DISCURSO FRANCÊS E OS ECOS NO


BRASIL

1.1 Introdução

Neste capítulo analiso aquilo que podemos chamar de precursores do surgimento da


produção acadêmica de Juliano Moreira enquanto médico psiquiatra. Deverá ser discutida
aqui a emergência da psiquiatria francesa de Philippe Pinel ao princípio do século XIX, seu
desenvolvimento por alunos ou críticos ao longo de sua trajetória oitocentista e finalmente a
recepção de suas ideias pelos médicos brasileiros em décadas posteriores. O objetivo a partir
de tal estudo será identificar os conceitos a que Juliano teve acesso, que crenças sobre a saúde
pública permeavam suas publicações e que tipo de barreiras precisaria atravessar ou
simplesmente reforçar em relação ao tratamento da loucura no Brasil.

Embora tenha sido apresentado desta forma, é preciso destacar que não é o objetivo
deste capítulo acreditar em uma dinâmica da história baseada em simples causas e
consequências diretas. Estudar aquilo que antecedeu o surgimento das propostas de Juliano
Moreira nos permitirá compreender a sua singularidade e mesmo o teor de inovação que seus
trabalhos acadêmicos apresentarão na passagem do século XIX para o XX. Em análise de
artigos escritos ou referidos por ele, a proposta aqui é mapear o que o próprio psiquiatra
enalteceu ou criticou em relação à produção dos chamados “alienistas” do século XIX.

Para me aproximar deste olhar de Moreira sobre a produção médica, utilizei um texto
programático dele mesmo, “Notícias da Evolução da Assistência a Alienados no Brasil”,
publicado em 1905 nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins,
periódico do qual foi editor em parceria com o também médico e psiquiatra Afrânio Peixoto.
Tal texto pode ser encaixado historiograficamente em um conjunto de publicações
denominadas “clássicas”, ou “positivistas”, e podem ser associadas ao interesse na afirmação
profissional da medicina e, em especial, no destaque do progresso alcançado pelas ciências ao
longo do século XIX e naquele início do XX (EDLER, 1998. VENANCIO; CASSILIA,
2010.).
  11

Em seu artigo, ao descrever todo o processo de construção da teoria psiquiátrica no


Brasil ao longo do XIX, o psiquiatra nos permite observar não uma verdade, como talvez
pretendesse um médico ao falar dos avanços da medicina no século retrasado, mas sim o seu
olhar sobre aquilo que encarou como avanço frente a conhecimentos que considerava
ultrapassados. Tal celebração da psiquiatria o fez produzir referências sobre artigos que leu,
criticou, assimilou e, naquele texto, nos expõe ao contato para também analisar e associar à
sua própria obra. É a partir deste artigo/depoimento que foram selecionadas e recolhidas as
fontes primárias analisadas e criticadas neste capítulo, de maneira a buscar uma reconstituição
dos passos do médico, funcionário da administração estatal, e também do editor Juliano
Moreira.

Em tempo, a utilização de um texto jornalístico do psiquiatra baiano não terá apenas


um caráter informativo, mas também fará parte de uma argumentação em torno de sua
importância exatamente enquanto um produtor de um discurso específico. Neste sentido, o
“porta-voz” Juliano Moreira poderá ser identificado não apenas por suas propostas curativas
em resposta aos males do corpo e da mente, como também por seu papel na produção, e no
estímulo à produção, intelectual em sintonia com o direcionamento político do Estado em sua
época.

1.2 Pressupostos Teóricos da Psiquiatria

Um olhar sobre a ordem e o funcionamento do saber psiquiátrico em determinado


momento da história implica, inicialmente, na necessidade do estabelecimento de referenciais
teóricos a respeito do surgimento e dos propósitos deste campo de conhecimento. Definir a
matriz discursiva da psiquiatria, relacionando seus procedimentos às aplicações dentro da
estrutura social, será importante para observar a crescente propagação desta ciência no meio
intelectual brasileiro ao longo do século XIX, culminando em sua instrumentalização pelo
poder público no princípio do século XX. Assumir uma postura descritiva, em princípio,
possibilitará a observação sobre a sua emergência, bem como no desenvolvimento de
conclusões a respeito das continuidades e descontinuidades de seu trajeto rumo à
institucionalização.
  12

O trabalho de observação sobre a psiquiatria se inicia a partir do olhar específico e do


reconhecimento da loucura enquanto doença, sendo por este motivo, passível de tratamento e,
portanto, de cura. Estas concepções, inauguradas na passagem do século XVIII para o XIX,
propõem uma mudança significativa no diálogo construído entre a razão e a alienação. Se esta
caracterização última é associada à estranheza, ao indivíduo alheio à ordem vigente, o mesmo
pode ser dito do tratamento da sociedade para com os loucos até o final do XVIII. Naquele
momento, tinha a loucura o mesmo parâmetro de tratamento que era dado a todos aqueles que
se percebiam como indesejáveis, como os leprosos na Idade Média, ou os mendigos e
criminosos citadinos da modernidade. Era apenas um mal que atingia a sociedade, devendo,
portanto ser afastado do convívio e posto em isolamento, antes que configurasse a perturbação
do meio, por serem, em um olhar macro, apenas representações de uma ameaça à segurança
pública e ao bem estar da população (FOUCAULT, 1972).

O que se percebe a respeito da relação entre o Estado e a loucura, é que esta surge,
bem como os demais males citados, imersa em uma questão político-administrativa, isto é,
voltada à organização e à disciplina do corpo social, e não para uma conduta que exigiria
atenção específica à doença, diagnósticos e tratamentos. No entanto, naquele momento uma
limitação poderia ser observada na atitude para com aqueles passíveis de isolamento. Esta
consiste nas discussões a respeito da tutela, constantemente confusa, entre os papéis do
público e do privado, isto é, relacionada ao impasse em estabelecer os cuidados providos pelo
Estado ou pelas próprias famílias dos alienados. Em suas considerações a respeito do louco
enquanto ameaça à ordem social e do desinteresse pelas especificidades de seus diagnósticos
pela medicina até então, Michel Foucault estabelece:

Era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas eram o lugar
onde se exercia a separação; mas não eram nunca recolhidas nem escutadas. Jamais,
antes do fim do século XVIII, um médico teve a ideia de saber o que era dito (como
era dito, por que era dito) nessa palavra que, contudo, fazia a diferença. Todo este
imenso discurso do louco retornava ao ruído; a palavra só lhe era dada
simbolicamente. (FOUCAULT, 1971)

Mudanças nesta prática passam a ser percebidas apenas a partir das revoluções
burguesas e da emergência de uma ordem política liberal baseada em um modelo
contratualista de organização. Naquele momento, o que se pretende é uma racionalização das
  13

instâncias responsáveis pela circulação, organização e pelas atividades dos indivíduos,


abolindo as sequestrações arbitrárias e concedendo a livre atuação e livre iniciativa nos
campos político, social e cultural. A sanção do Estado à repressão e ao encarceramento ficaria
restrita àqueles que transgredissem de forma consciente a ordem jurídica e econômica
estabelecida em forma de Lei. Dessa maneira, os indivíduos estariam desrespeitando
deliberadamente os parâmetros contratuais de uma sociedade, abrindo assim o precedente para
a punição (CASTEL, 1978).

Como no caso dos loucos, não se pode estabelecer a consciência de transgressão


devido à possibilidade de atuação intelectual comprometida, aquela mesma racionalização dos
mecanismos de controle deverá estabelecer um discurso alternativo. Caberá à medicina
constituir fundamentos para a sequestração e repressão da loucura nos casos em que esta se
constituir em uma ameaça à ordem vigente. A partir de uma analogia em relação aos limites
para a aplicação de punições a crianças, cuja tutela não é responsabilidade do Estado e sim da
família, o louco passará a ser submetido ao médico como seu tutor legal, único responsável
pela assistência aos alienados e pela resposta às suas complicações judiciais (CASTEL, 1978).

Esta perspectiva paternalista, que tão bem descreve a relação inicial entre o médico e o
louco no momento de surgimento da psiquiatria, é fundamentada, inicialmente, pelo psiquiatra
francês Philippe Pinel, quando determina que

longe de serem culpados que se deva punir, são doentes cujo estado penoso merece
todas as considerações dadas à humanidade sofredora e cuja razão perdida devemos
procurar os meios mais simples de restabelecer. (PINEL, 1809)

Dessa maneira, o médico assume, para fins estatais, a responsabilidade político-


administrativa sobre a loucura, superando o formalismo jurídico e estabelecendo um sistema
de controle mais ágil e eficiente, uma vez que não depende da iniciativa individual para iniciar
um processo, e ainda garante a preponderância do poder público de intervenção sobre a
autonomia privada das famílias. Tudo isto agregado a um discurso filantrópico de valorização
do bem-estar e da reeducação normativa do desviante.

Como baluarte deste direcionamento assistencial, Pinel será o médico responsável pela
crítica aos castigos corporais, ao uso de correntes e celas nas instituições de isolamento dos
  14

loucos, e à atuação de leigos na condução do cotidiano dos hospícios. Pregará, neste sentido, a
conformação de um espaço no qual a razão seja predominante, razão esta estabelecida e
orientada a partir de critérios médicos. Dessa maneira, a imposição física não será mais o
referencial aos condutores da assistência, uma vez que

[...] não é como pessoa concreta que ele vai enfrentar a loucura, mas como ser de
razão, investido exatamente por isso, antes de todo combate, da autoridade que lhe
vem do fato de não ser louco. A vitória da razão sobre o desatino era antes
assegurada apenas pela força material, e numa espécie de combate real. Agora, o
combate já se apresenta sempre como tendo existido: a derrota do desatino está
antecipadamente inscrita. (FOUCAULT, 1972)

Dessa forma, dentro do hospício, o médico será capaz de estabelecer um vínculo com o
paciente através da apresentação dos critérios para um convívio racional em sociedade. Será
neste momento que a psiquiatria de Pinel revelará a sua ambientação amparada no pensamento
liberal. Isto porque, para o médico francês e, portanto, para o arcabouço teórico da psiquiatria
naquele princípio de século XIX, a origem e o desenvolvimento da loucura pelos indivíduos
estavam fortemente associados às condições vivenciadas por eles em sociedade. Reflete-se
naquele momento sobre a questão social (CASTEL, 1998), isto é, o artificialismo urbano1, as
condições de vida dos mais pobres e as buscas por satisfações pessoais desvinculadas da
ordem produtiva capitalista, como os agentes determinantes na aquisição da doença mental,
como garante Pinel:

[...] o hábito do vício como o da bebedeira, a galanteria ilimitada e sem escolha, o de


um comportamento desordenado ou de uma despreocupação apática podem aos
poucos degradar a razão e levar a uma alienação declarada. (PINEL, 1809. P.122)

O hospício se afirmaria, segundo o psiquiatra, como um espaço livre destes males


característicos das sociedades urbano-industriais. A partir de uma estruturação minuciosa
baseada em um discurso assistencial, o que se buscava era uma instituição asilar que

1
O termo artificialismo aqui utilizado diz respeito à perspectiva de que o crescimento das grandes cidades e a
vivência urbana a partir do advento industrial apresenta um cenário distante do natural e mesmo da natureza para
a população europeia no século XIX. É neste contexto que se insere a reflexão sobre as consequências da vida
citadina e o pensamento bucólico, que valorizava a vida no campo. Cf: CASTEL, R. Metamorfoses da Questão
Social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
  15

funcionasse como antítese da realidade exterior, capaz de oferecer a reeducação social a partir
de um rígido acompanhamento normativo. Em termos gerais, substituía-se a repressão física
pela imposição de uma conduta ideal dentro dos limites do asilo.
Esta lógica interna, entretanto, não seria a única idealização psiquiátrica na primeira
metade do século XIX. Naquele contexto, era interessante dar conta daquilo que se formulava
além dos muros do hospício, fortalecendo a perspectiva da medicina enquanto instância
administrativa da doença.

Dessa forma, em especial na França, poderá ser percebida a cristalização de duas


vertentes para a prática médica. A primeira, destinada à clínica e à fisiologia, estava associada
aos estudos sobre o funcionamento do corpo, aos tratamentos experimentais e às aulas de
anatomia e patologia em anfiteatros repletos de estudantes. Esta prática, naquele princípio do
XIX, seria bastante desacreditada pela ausência de resultados, e criticada pelo sofrimento
provocado pelos tratamentos, a princípio, considerados inúteis. Por este descrédito, e também
pelas urgentes condições geradas pela “questão social”, a segunda vertente da medicina seria
enaltecida pelo seu caráter salvacionista, tornando-se uma referência de produção no campo
científico: o higienismo, ou a medicina social. Neste campo, a pregação se dava para uma
atuação que superasse os limites do hospital, estabelecendo normas e instrumentos de cuidado
sobre a sociedade, de forma a constituir um espaço higiênico, livre das doenças e dos
costumes que pudessem levar ao desenvolvimento delas (ACKERNECHT, 1948).

É possível perceber na historiografia, como é o caso da produção do sociólogo


Edmundo Campos Coelho, “As Profissões Imperiais – Medicina, engenharia e advocacia no
Rio de Janeiro 1822-1930”, questionamentos à dimensão tomada por esta última vertente da
medicina no que diz respeito ao compartilhamento de poderes com o Estado no controle físico
e moral dos indivíduos. Contudo, como o mesmo autor observa, é inegável observar o
montante da produção científica da medicina social francesa na primeira metade do século.
Neste sentido, estas obras higienistas terão ampla propagação sobre a intelectualidade
francófila brasileira, sendo percebidas as suas leituras em diversas sociedades científicas
brasileiras, bem como na Academia Imperial de Medicina.2

2
Para ver uma crítica da versão dos autores ditos foucaultianos, como Roberto Machado e Jurandir Freire Costa,
ao processo de medicalização da sociedade brasileira no final do século XIX e início do XX, ver: COELHO, E.
C. As profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro (1822 – 1930). Rio de Janeiro:
Record, 1999.
  16

A influência europeia sobre os médicos psiquiatras brasileiros não fugirá ao contexto


de valorização da higiene. Assim, é possível dar destaque à obra de um alienista francês do
período: Jean Etienne Dominique Esquirol. Dedicado aos princípios de uma psiquiatria como
ciência política, atuante em sociedade e preventiva em relação à alienação resultante da
perversão moral, este psiquiatra francês será um importantíssimo referencial tanto na França,
quanto para a produção brasileira. Em parte por se tratar de um seguidor de Pinel, e, portanto,
um defensor da centralidade do médico enquanto tutor legal do doente, e também por assumir
as proposições um tanto quanto missionárias do higienismo francês. Contudo, o que se
apresenta com maior relevância na obra de Esquirol, é a sua dedicação à produção de uma
nosografia psiquiátrica, isto é, a elaboração de uma série de descrições e identificações de
doenças mentais. Estas classificações submetidas aos círculos científicos pelo alienista francês
serão referência para a produção de artigos e teses sobre o tratamento da loucura no Brasil.

Os ecos da produção de Pinel e Esquirol, bem como os caracteres principais de suas


proposições, serão observados aqui a partir da análise da tese “Considerações Gerais Sobre a
Alienação Mental”, do médico brasileiro Antônio Luiz da Silva Peixoto, apresentada à
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no ano de 1837. Nesta obra, Dr. Peixoto se propõe
a estruturar uma leitura brasileira de todos os pressupostos teóricos da psiquiatria então
estabelecidos pelos alienistas franceses. Embora em alguns momentos possam ser
reconhecidas discordâncias no que diz respeito às diversas origens da lesão, ou à utilização de
castigos corporais como formas de tratamento ou não, em seus aspectos gerais a voz da
psiquiatria brasileira naquele momento pode ser percebida e descrita como em consonância
aos critérios estabelecidos na França.3

Tal afinidade pode ser apontada ainda no preâmbulo da tese, quando o médico
brasileiro afirma a partir do XIX, o estabelecimento da medicina como recurso científico para
a explicação da loucura, em detrimento dos caracteres baseados nas crenças religiosas,
afirmando que

3
Como já apontado na introdução do capítulo, a tese do Dr. Peixoto é um a dar obras tidas como de referência da
psiquiatria brasileira do século XIX por Juliano Moreira. Observar as acepções deste médico é seguir uma
linearidade traçada pelo próprio psiquiatra baiano em MOREIRA, J. “Notícia Sobre a Evolução da Assistência a
Alienados no Brasil” In: Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins. Rio de Janeiro, 1(1):
52-98, 1905.
  17

[...] o estudo da alienação mental foi por muito tempo influenciado pelos prejuízos, e
por isso era ela atribuída a causas sobrenaturais. Assim, os antigos, não procurando
definir nem estudar esta moléstia com exatidão, davam como causa de sua existência
o demônio, os espíritos animais no cérebro, através dos quais a alma não podia sentir
nem pensar com precisão. (PEIXOTO, 1837. P.II)

O que se pode perceber nesta obra do século XIX, distante do advento da


medicalização em princípios do século XX é, grosso modo, uma tentativa de assumir critérios
médicos para a análise das patologias mentais. Dr. Peixoto afirmava a posição da psiquiatria
brasileira voltada para uma aproximação com os princípios pinelianos, considerando a atenção
dada aos loucos como caótica e próxima a barbárie, pela ausência de critérios científicos e
higiênicos. O desenvolvimento da prática psiquiátrica estaria, portanto, condicionada a um
afastamento em relação às instituições religiosas, e isso trazia à tona questões de caráter tanto
intelectuais quanto políticos, no que diz respeito à gestão dos espaços de acolhimento de
alienados. Como destacaria Pinel, sobre as necessidades básicas para o tratamento da loucura,
em seu “Tratado Médico Filosófico Sobre a Alienação Mental”:

as opiniões religiosas, num hospital de alienados, só devem ser consideradas sob um


aspecto meramente médico, isto é, deve-se pôr de lado qualquer outra consideração
de culto público e político, devendo-se apenas procurar saber se é importante opor-se
à exaltação das ideias e dos sentimentos que podem nascer dessa fonte para
concorrer eficazmente para a cura de certos alienados. (PINEL, 1809. p. 265)

Neste momento fica clara uma tentativa de direcionamento do discurso de valorização


do papel da medicina enquanto saber específico e isonômico, tal qual se acreditava que uma
ferramenta administrativa de um Estado liberal deveria ser (CASTEL, 1978; FOUCAULT,
1972). Contudo, por envolver indivíduos engajados em um espaço de convívio, os médicos, o
que se pode perceber em relação aos estudos desenvolvidos por Pinel e Esquirol e absorvidos
pela psiquiatria brasileira é a sua suscetibilidade aos valores e ao padrão de normalidade da
classe dominante naquele contexto. E isto poderá ser percebido através da própria
classificação sobre os sintomas da loucura, que concebe até mesmo, em casos específicos,
uma atuação consciente do louco em relação ao seu estado delirante. O estabelecimento dos
tipos de loucos apontariam para os maníacos, dementes, idiotas e monomaníacos.
  18

Os maníacos seriam definidos, então, como delirantes em geral, dotados de “agitação,


irascibilidade e furor”. Aqui, o que se pode perceber é uma sintomatologia fundamentada a
partir do movimento e da, então julgada, incapacidade de controle sobre o movimento.
Maníacos seriam incapazes de manter uma conduta racional. Descontrolados, abririam
precedentes para a tutela médica de suas percepções e sentidos (PEIXOTO, 1837).

Já os dementes têm como característica principal a “obliteração ou debilidade acidental


das faculdades intelectuais”. A utilização do termo “acidental” pelo médico está relacionada
ao desenvolvimento de sintomas de perda intelectual ao longo da vida. Assim, a demência
poderia ser caracterizada como “senil” ou “precoce”, em decorrência de idade avançada ou
não, respectivamente (PEIXOTO, 1837).

Dentre as mais complexas, pode ser percebido o idiotismo. Este também diz respeito à
“obliteração ou debilidade das faculdades intelectuais”, contudo, se difere da demência por
não apresentar caracteres “acidentais” e sim “congeniais”. Sobre este termo, o que se busca é a
afirmação de que a debilidade não é adquirida, apenas manifesta de acordo com o gênio, a
própria índole ou natureza do indivíduo. A partir disso, é subdividido em duas categorias:
idiotismo propriamente dito e imbecilidade. Estes são caracterizados pela intensidade da
obstrução da inteligência, que permite, no primeiro caso, a suscetibilidade a algum tipo de
educação, e no segundo, até mesmo a obliteração total do intelecto, permitindo apenas um
estado vegetativo (PEIXOTO, 1837).

Sobre esta classificação dos doentes, cabe o comentário de que os três primeiros, ou
seja, os maníacos, os dementes e os idiotas, não são responsabilizados pelos seus atos, uma
vez que são portadores de deficiência intelectual capaz de invalidar sua atuação em uma
sociedade organizada sob preceitos racionais. Já nos últimos, portadores da monomania, tipo
de enfermidade notadamente mais raro, pode ser percebida a categoria de “delírio parcial”,
isto é, momentâneo e relacionado a alguma adversidade enfrentada pelo indivíduo em sua
vivência. Reconhecer a existência da monomania significava, naquele contexto, estabelecer a
capacidade de interação do louco para com a sociedade e, mais do que isso, a problemática no
momento de identificação da enfermidade e da necessidade de sequestração. Sobre isto, Dr.
Peixoto adverte:
  19

[...] alguns alienados tem bastante discernimento para ocultar o estado de desordem
de sua razão: eles procuram mesmo provar por meio de argumentos, aliás, muito
convincentes, que não estão doidos; que os dão por tais para lhes roubarem o uso dos
seus direitos civis. (PEIXOTO, 1837. P.21)

Para desenvolver estas enfermidades, são apresentadas diversas possibilidades de


origem, isto é, de condições adversas propiciadoras para a loucura. Em sua maioria, estas
condições dão ênfase às consequências das vicissitudes sociais e da educação falha conferida
aos indivíduos nas grandes cidades. No caso dos homens, as profissões que apresentam algum
tipo de instabilidade, como os “negociantes especuladores”, ou os "militares decadentes”4,
bem como aquelas que expõem os trabalhadores à insolação ou à aspiração dos vapores do
carvão, estão certamente ligadas à predisposição da alienação. Em análise sobre as mulheres, a
loucura é, em sua maioria, associada ao não cumprimento do dever natural da maternidade e
até mesmo da primeira menstruação. Contudo, os fatores preponderantes apresentados por este
discurso higienista tanto para homens como para mulheres são fiéis ao que propõe o alienismo
francês.

Uma educação viciosa pode ser causa de alienação mental. Pinel e Esquirol citam
alguns fatos a respeito. [...] Por exemplo, o uso imoderado de vinho e das bebidas
alcoólicas predispõe a loucura, enfraquecendo as faculdades intelectuais [...] os
prazeres venéreos levados em excesso e sem escolha, degradam e enfraquecem a
razão do homem: o celibato, sobre tudo quando forçado, também concorre para
aliená-la. (PEIXOTO, 1837. p.5)

A construção que se percebe aqui é a do estabelecimento de um discurso da correção e


no precedente médico de intervenção higiênica. Esta realidade teórica, entretanto, aponta em
diversos momentos para um discurso ainda repleto de lacunas no que diz respeito aos aspectos
de uma verdade científica, ou seja, dotada da ambientação laboratorial em evidência ao longo
do século XIX, como a finalidade de alcançar o estabelecimento de leis gerais, previsibilidade,
quantificação, etc. Quando determina que “empresa temerária seria o pretender traçar um

4
Por negociantes especuladores ou militares decadentes, pode-se supor que Dr. Peixoto esteja fazendo menção a
homens de passado glorioso que sofreram algum tipo de frustração, como homens ricos que perderam posses, ou
líderes militares reformados. Cf: PEIXOTO, A. L. da S. Considerações Gerais Sobre a Alienação Mental. Tese
defendida no ano de 1837 para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
  20

quadro completo das causas morais da loucura. Não há talvez circunstâncias na vida que não
possam tornar causas da alienação mental” (PEIXOTO, 1837. P.8), Dr. Peixoto reconhece os
limites daquele saber psiquiátrico fundamentado no princípio do XIX. Ao apontar “o amor
levado ao excesso”, “os revezes da fortuna” ou os “desgostos domésticos” como possíveis
causas para o desenvolvimento da alienação, o discurso médico sobre a loucura assume o risco
de se tornar um tanto genérico e carente de uma etiologia, isto é, de um discurso que desvende
os limites e reações corporais ao invés de fazer menção à adversidades sentimentais
ocasionadas pela convivência em sociedade.

Este tom semiológico, isto é, que diz respeito aos sinais e sintomas de uma doença em
referência a um conjunto de valores em exercício, em detrimento do etiológico, voltado para a
análise das reações orgânicas com interesse marcadamente corporal, será característico da
primeira metade do século XIX na psiquiatria francesa. (CASTEL, 1978). E ainda será a
referência determinante para o crescimento da psiquiatria no Brasil, apesar de demonstrar
carências, tanto na etiologia, como nos próprios parâmetros de sintomatologia e tratamento.

Sobre as lacunas deixadas pela psiquiatria – francesa – até então, a respeito das origens
da alienação, Dr. Peixoto confirma:

São tão numerosos, quantas combinações possíveis do pensamento; tão diferentes


como nossas paixões, educação, prejuízos e afeições. Quem poderá, diz Esquirol, se
lisonjear de ter observado e poder descrever todos os sintomas da mania, mesmo em
um só indivíduo? (PEIXOTO, 1837. P.10)

Já sobre as reações corpóreas condicionantes ao desenvolvimento da doença mental, o


olhar médico acredita na cura a partir do afastamento e da postura normativa, baseada em um
cuidado minucioso para com a alimentação, o vestuário, a limpeza e os exercícios. Esta
postura é suficiente para estabelecer um círculo vicioso, onde o indivíduo é afastado de um
meio condicionante à loucura, reeducado, estruturado e equilibrado para retornar ao convívio
com todos os elementos de uma conjuntura que já o levara ao isolamento.

Em algumas obras sobre o tema, neste contexto de afirmação da psiquiatria é apontada


a preponderância de caracteres morais sobre os psicofisiológicos na administração desta
loucura, embasando o surgimento de um sistema que apenas substitui a punição física pela
  21

imposição intelectual da razão, revelando uma prática não menos agressiva (MACHADO,
1978; COSTA, 1980; PORTOCARRERO, 2002). Embora se reconheça aqui a construção
deste saber psiquiátrico no princípio do XIX, associado aos ditames racionalistas do
liberalismo francês, o que se deseja enfatizar aqui é a psiquiatria de Pinel e Esquirol como o
estabelecimento do primeiro passo na atenção específica sobre a loucura. E observar ainda
como os ecos destas formulações teóricas e práticas serão importantes para a afirmação
psiquiátrica na organização do espaço público brasileiro. A geração de Pinel e Esquirol, bem
como a geração de seus colegas brasileiros, como o Dr. Peixoto, ainda deixariam por
completar um sistema de controle onde a verdade médica fosse mais favorecida, através de
discursos majoritariamente orgânicos.

1.3 O corpo em foco

Embora possamos atribuir às construções teóricas da psiquiatria na primeira metade do


século XIX um caráter majoritariamente semiológico, termo que, como já dito, na medicina
diz respeito aos sinais prévios ou sintomas da própria doença5, é possível também creditar a
estes médicos algum interesse nas relações entre os aspectos biológicos e intelectuais do
corpo. Estas discussões convergem inicialmente a partir da análise da relação entre as reações
do homem ao clima e os processos de degeneração mental, e são sequenciadas, já na segunda
metade do século, pela observação sobre o cruzamento de raças e as possíveis consequências
para a constituição física e intelectual do indivíduo. A intelectualidade brasileira, por estar
baseada em um palco de observações diferenciadas em relação ao espaço europeu, tanto no
que diz respeito ao do clima tropical, quanto à quantidade de raças em convívio e em
miscigenação, terá foro privilegiado na observação sobre tais relações e consequências
médicas.

Ainda em análise sobre a tese de Antonio Luis da Silva Peixoto, o que se pode
perceber é o reconhecimento do clima como um dos fatores determinantes para o
desenvolvimento da degeneração mental. Mesmo que a discussão sobre este tópico seja

5
Tal definição pode ser encontrada em qualquer dicionário da Língua Portuguesa e não se trata de um conceito
em questão.
  22

reduzida quando comparada aos demais fatores condicionantes, como a insalubridade urbana e
os comportamentos viciosos, Dr. Peixoto observa:

Podem os climas ser causa da loucura, e assim, nos temperados, sujeitos a grandes
variações atmosféricas, e principalmente nos que são de uma temperatura
alternativamente fria e úmida, úmida e quente, a alienação é mais freqüente.
(PEIXOTO, 1837. p.2)

Estas considerações, contudo, garantem a princípio o mesmo status analítico


semiológico, uma vez que se afirma certa probabilidade de alienação em ambiente climático
úmido e alternante entre o quente e o frio, sem discutir exatamente a reação biológica que
constitui essa relação. Não se discute exatamente uma informação teórica para a origem desta
doença, e sim uma informação empírica baseada na observação e em experiências e sinais
anteriores. Esta seria a principal característica das análises dos médicos higienistas brasileiros
interessados nas discussões sobre este campo específico da medicina diagnóstica sobre a
loucura (DALGARRONDO, 2000).

Uma proposta de explicação para estas relações de causalidade entre o clima tropical e
a alienação, poderia ser percebida em um trabalho relacionado a outra corrente médica
existente e circulante no Brasil em meados do século XIX: o naturalismo. Expoente desta
escola, o médico naturalista francês José Francisco Xavier Sigaud6, em sua obra “Do clima e
das doenças do Brasil” faria considerações sobre diversas enfermidades desenvolvidas no
território nacional que poderiam ser relacionadas não apenas com a questão social, o
alcoolismo e o esgotamento, como também com a questão climática. Seria o caso, segundo
Sigaud, das “Doenças Nervosas”:

Longe de rejeitar inteiramente a influência da alimentação como causa produtora


destas afecções nervosas, eu a mantenho, acrescentando as influências das condições
atmosféricas [...] É com a aproximação dos temporais, que se renovam durante
meses inteiros, que nosso corpo, como a terra, cede sua parte de eletricidade à
atmosfera, e que, assim privado deste elemento vivificante, se abate em estado de
langor, lassidão, sem energia muscular. (SIGAUD, 2009. P.248)

6
Sigaud, bem como do Dr. Peixoto, é um dos médicos citados e referenciados por Juliano Moreira em seu texto
informativo. Cf: MOREIRA, J. “Notícia Sobre a Evolução da Assistência a Alienados no Brasil” In: Arquivos
Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins. Rio de Janeiro, 1(1): 52-98, 1905.
  23

Estas reflexões sobre o clima, longe de questionar a relevância da perspectiva


higienista, ao contrário, a fortaleciam, uma vez que, naquele momento seria inegável atestar a
dificuldade em atingir o status ideal de higiene no país, devido ao espaço excessivamente
úmido. A cidade do Rio de Janeiro seria alvo de análises da Sociedade de Medicina neste
sentido, a partir dos relatórios e discursos da Comissão de Salubridade Geral, liderada pelo
médico e presidente da Sociedade, José Martins da Cruz Jobim. Além das críticas à associação
das condições insalubres naturais e artificiais da cidade que levavam ao desenvolvimento de
enfermidades nos relatórios da Comissão, em seu “Discurso sobre as moléstias que mais
afligem a classe pobre do Rio de Janeiro”, lido em uma sessão pública da Sociedade de
Medicina, no ano de 1835, Jobim afirmaria que:

A cidade do Rio de Janeiro, situada aos 22 g. 54 m. de L. S. encerra todas as


condições para ser um dos países mais úmidos dos trópicos: fundada sobre uma
planície com pouca diferença do nível do mar, e pequeno declive para o esgoto das
lagoas, que nestas regiões caem com grande abundância [...] Do seu terreno
encharcado e rico de húmus vegetal, exalam-se contínuos vapores aquosos, e extrai-
se agoa a poucos palmos de profundidade. (JOBIM, 1835)

Estas discussões em princípio revelam a tentativa de estabelecer especificidades


biológicas ao desenvolvimento de doenças no território brasileiro e, no que interessa aqui, à
degeneração mental. Discutir a influência do clima bem como da geografia necessariamente
remetia a uma reflexão sobre as reações corpóreas a partir da exposição a determinados males
como os “vapores aquosos” ou as tempestades responsáveis pelo excesso ou falta de
“eletricidade”. Embora sejam percebidas tentativas de aproximação entre a medicina geral e a
psiquiatria, propostas a respeito do desenvolvimento da doença mental permaneciam um tanto
genéricas.

Esta necessidade de ênfase no estudo do corpo, e de seu funcionamento biológico em


casos de degeneração, seria uma constante nos círculos intelectuais e não estaria isolada no
Brasil. A década de 1860, na França, é marcada por uma série de questionamentos ao modelo
psiquiátrico proposto por Pinel e Esquirol. Ali está cada vez mais exposto o embate entre as
causas morais ou orgânicas para a loucura, bem como o dilema entre o estudo dos sintomas da
loucura ou a busca pela origem da doença. É sob esta atmosfera que se formam e se reúnem
alguns alienistas interessados em uma resolução para este embate, em busca de uma nova
  24

forma de abordagem, menos descritiva e semiológica. O objetivo seria o entendimento sobre a


doença mental e seu desenvolvimento a partir do estudo da sua evolução (CASTEL, 1978).

Ao adotar a perspectiva evolucionista, este grupo de alienistas, cujo expoente é


Benedict Augustin Morel, se baseia em uma medicina não mais interessada na descrição dos
sintomas de determinada doença, mas na sua lógica de funcionamento, privilegiando assim, o
estudo sobre o corpo. De que forma este corpo pode reagir, conservar e até mesmo transmitir
determinadas intempéries adquiridas pelo organismo ao longo de uma vida (CASTEL, 1978).

É importante ressaltar aqui, que o conceito de evolução que estimula estas


perspectivas, não está associado à teoria de seleção natural darwinista, desenvolvida na
segunda metade do século XIX, mas sim à consideração sobre os caracteres adquiridos de
Lamarck, ainda no princípio do século XIX. O afastamento acadêmico entre os dois
intelectuais, acrescido da questão das diferentes nacionalidades, o primeiro inglês e o segundo
francês, bem como a predominância de uma intelectualidade francófila brasileira, faz com que
as perspectivas de evolução tanto no Brasil como na França privilegiem o lamarckismo até as
primeiras décadas do século XX (STEPAN, 2005).

A abordagem etiológica de Morel a respeito da degeneração mental, bem como dos


fatores condicionantes a ela, são teorizados a partir do conceito de degenerescência. Este
consiste em um desvio identificado em relação à normalidade, uma doença mental de fato, que
é transmitida de maneira hereditária. Não se trata mais de uma abordagem sobre os sintomas
ou sobre a caracterização da loucura, e sim sobre o desenvolvimento da degeneração a partir
de diversas origens. Para Morel, em dado momento a alienação poderia advir de :

Intoxicações diversas, influências do meio social ou da hereditariedade, doenças


adquiridas ou congênitas... Mas, uma vez que a doença se instala, ela segue seu curso
e se transmite aos descendentes até a extinção da linhagem. (CASTEL, 1978. P.259)

Os estudos sobre a hereditariedade permitem, então, localizar a psiquiatria de Morel


como uma concepção teórica em processo de distanciamento das discussões sobre causalidade
a partir da questão social e da desordem, para se colocar cada vez mais próxima do estudo
  25

biológico da doença. Consciente disso, Morel afirma: “Procurei seguir minha ideia
predominante que era a de vincular, de maneira mais vigorosa do que se tinha feito até então,
a alienação mental à medicina geral.” (MOREL, 1857. P.12). A loucura se traduz, portanto,
em uma lesão orgânica. Não mais em uma consequência de uma adversidade social ou
sentimental. Em tempo, o que Morel sugere é um interesse na descrição da doença e seu
desenvolvimento, ao invés da dedicação a uma infindável quantificação de diagnósticos.

Estabelecia-se aí uma possibilidade de crítica aos próprios espaços asilares, uma vez
que esta loucura, que se mostrava tão diversa, não necessariamente seria passível de
intervenção, cura ou tratamento em um único espaço de correção. Neste sentido, o discurso
psiquiátrico de Morel será eficiente por contribuir para o fortalecimento da medicina
organicista francesa, ao compor uma leitura para a doença mental. Além disso, surgirá em
uma década de 1860 onde os hospitais de alienados franceses receberão diversas críticas
relativas à superlotação, incapacidade de tratamento e ineficiência no isolamento. Em relação
a isto, a teoria moreliana contribuiria da seguinte forma:

Por um lado, os prognósticos pessimistas comandados por uma etiologia orgânica, o


aumento do número dos incuráveis, o aparecimento dos ineducáveis, irão fechar a
noite asilar sobre si mesma. Enormes morredouros, onde a referência médica se torna
cada vez mais paródia. Por outro lado, abre-se um campo infinito de intervenções:
prevenção, profilaxia, despistagem. (CASTEL, 1978. P.265)

Assim, a hereditariedade se estabelecia como o principal condicionante da degeneração


mental. E, não intervir sobre estes fatores, poderia representar uma verdadeira ameaça sobre a
população em geral, sobre o modelo de assistência a alienados e sobre o país. Isto porque, a
crença de hereditariedade, no que diz respeito à transmissão das enfermidades, seria
extrapolada pela teoria da degenerescência, sendo a primeira uma crença na simples
transferência de caracteres enquanto a segunda defendia uma herança cumulativa e mesmo
progressiva entre as linhagens. A partir da última, não só seria verificada a transferência de pai
para filho de determinadas intoxicações, moléstias ou distúrbios adquiridas ao longo da vida,
como também o agravamento da doença ao longo da descendência até que a família fosse
extinta. Com isso, a degenerescência se estabelecia como
  26

[...] baseada no pressuposto de que haveria progressiva degeneração mental


conforme se sucedessem as gerações: nervosos gerariam neuróticos, que produziriam
psicóticos, que gerariam idiotas ou imbecis, até a extinção da linhagem defeituosa.
(ODA, 2001)

No Brasil, estes preceitos que relacionavam a degeneração mental a fatores congênitos,


serão propagados em um momento de fortes questionamentos em relação ao caráter
miscigenado do povo brasileiro, ao final do século XIX. O cruzamento racial, do qual
resultava grande parte da população brasileira, seria colocado em xeque, como uma das causas
centrais da incidência de enfermidades mentais em determinados círculos intelectuais. Isto,
mais uma vez, pode ser associado à proximidade entre a intelectualidade brasileira e a
francesa, e o contato com obras de estudiosos como o Conde de Gobineau e Gustave Le Bon,
que trabalhariam com afinco para estabelecer critérios médicos que comprovariam a
influência degenerativa da mestiçagem (CORREA, 1982; SCHWARCZ, 1993).
Em sintonia com estes temas/autores, o circuito médico brasileiro passaria a buscar nos
indivíduos que fugiam aos padrões fenotípicos europeus, isto é, de cor dos olhos, pele e
cabelos escuros, uma predisposição para o desenvolvimento de enfermidades. No caso da
psiquiatria, enfermidades mentais. A ciência se direcionava, portanto, em sentido a reforçar as
teses de superioridade racial europeia sobre os demais povos e consolidar o chamado
atavismo7 como a possibilidade de repetição de determinadas tradições ou comportamentos de
acordo com a herança genética. Através destas condições, seria possível intervir na sociedade,
remediar aquilo que se colocasse como indesejável e, principalmente, prevenir o
desenvolvimento de desvios de comportamento (ODA, 2001).

Estes entendimentos serão assimilados, em princípio, pela Faculdade de Medicina da


Bahia, que se colocará, no Brasil, como um polo de estudos que propunham a relação entre o
cruzamento racial e o clima excessivamente úmido, à falência inevitável do povo brasileiro,
pela incidência de criminalidade, loucura e degeneração. Neste campo, sobressai a figura do
médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) como expoente na promoção de
críticas à mestiçagem e seus desdobramentos para a constituição política, social e econômica
do país (SCHWARCZ, 1993).

7
O atavismo é um conceito que ganha projeção ao final do século XIX e diz respeito à crença na transmissão de
valores e comportamentos a partir da herança biológica. O uso destes princípios daria embasamento a diversas
tentativas de interrupção de linhagens. Cf: CORREA, Mariza. “Antropologia e medicina legal: variações em
torno de um mito” In: EULÁLIO et al. Caminhos Cruzados: Linguagem, antropologia e ciências naturais. São
Paulo: Brasiliense, 1982.
  27

Este posicionamento é exposto em diversas produções do médico da Faculdade de


Medicina da Bahia. Para explicitá-lo utilizarei aqui o artigo “Mestiçagem, degenerescência e
crime”, publicado nos Archives d´Anthropologie Criminelle, no ano de 18998. Nele será
possível perceber impressões de Nina Rodrigues sobre a população brasileira e sua
viabilidade, bem como sua leitura a respeito das concepções de Morel sobre a alienação, e
finalmente, sobre a periculosidade de uma conduta leniente da medicina psiquiátrica em
relação às consequências dos cruzamentos raciais.

A questão da mestiçagem, a ser tratada no artigo, é apresentada logo de início uma vez
que considera:

Não se trata mais de saber se os mestiços são, sim ou não, eugenésicos, mas se são
um produto normal, socialmente viável, ou, se, ao contrário, constituem raças
abastardas, inferiores, uma descendência incapaz e degenerada. (RODRIGUES apud
BENCHIMOL, 2008. p.1152)

Dessa forma, o que Nina Rodrigues sugere é que não se trata de uma eugenesia dos
mestiços, isto é, uma incapacidade reprodutiva que possa ameaçar o crescimento ou a
resistência fisiológica do povo brasileiro, e sim de uma questão de organização social, que diz
respeito à impossibilidade não apenas de tornar possível o convívio, como de obter a
excelência, aos moldes europeus de civilização. E para responder esta pergunta, embasado em
critérios orgânico-científicos, Nina Rodrigues recorre ao arsenal acadêmico de fundamentação
do racismo científico da época, citando autores franceses já relacionados, como Arthur de
Gobineau, Gustav Le Bon, além de Louis Agassiz, e também ingleses, como Herbert Spencer,
responsáveis pela roupagem social do darwinismo (RODRIGUES apud BENCHIMOL, 2008).

Apesar de mostrar segurança em suas conclusões a respeito da inviabilidade de uma


população mestiça, Nina Rodrigues reconhece a carência de documentação de caráter
científico na comprovação destes fatos. Para isto, justifica que

A razão principal para essa ausência de documentação é a dificuldade de separar de


maneira segura a influência do cruzamento da raça de muitas outras causas, de
ordem biológica e social, que podem ter simultaneamente exercido influência na

8
A versão deste artigo aqui utilizada está disponível na Revista “História, ciências, saúde: Manguinhos. v. 15; n.
4 (out.-dez.2008). Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2008.”.
  28

degenerescência ou na decadência precoce desses povos mestiços e que são dadas ou


invocadas como provas da ação degenerativa da mestiçagem. (RODRIGUES apud
BENCHIMOL, 2008. p.1152)

Uma forma de suprir esta lacuna na produção científica brasileira é sugerida por Nina
Rodrigues ao se debruçar sobre um estudo de caso: a pequena comunidade do interior da
Bahia chamada Serrinha. Ali, segundo o médico maranhense, seria possível observar os
impactos do clima, do trabalho camponês, dos comportamentos viciosos e finalmente dos
cruzamentos raciais nos processos de degeneração mental. Os indivíduos daquela
circunscrição são apresentados como tendo uma reputação de trabalhadores, pacíficos, e de
grande sobriedade, além, obviamente, de serem, em sua maioria formada por mestiços, negros
e índios. Além disso, a cidade não apresenta problemas considerados viciosos em larga escala
como a mendicância, a promiscuidade ou o consumo excessivo de cachaça, tal qual nas
grandes cidades, mesmo do Brasil naquela época (RODRIGUES apud BENCHIMOL, 2008).
A partir de um olhar mais atento e minucioso sobre a organização e a produção desta
pequena comunidade, Nina Rodrigues, entretanto, conclui que

Em primeiro lugar, se ela não padece de uma indolência invencível, como muitas
outras, não obstante está longe de ser realmente trabalhadora. Os procedimentos de
cultivo são de fato primitivos [...] o que só exige deles um trabalho intermitente,
leve, bom para mulheres e crianças mais do que para homens. As pessoas se dedicam
à criação de gado, mas utilizam o mais primitivo dos sistemas. (RODRIGUES apud
BENCHIMOL, 2008. p.1155)

E finaliza com a seguinte afirmação:

Nada mais apropriado para manter o gosto da vida nômade nesse povo semibárbaro.
[...] Entre os raros indivíduos que fazem exceção a essa regra, o espírito
empreendedor é pouco progressista, sempre estreito e quase nulo. (RODRIGUES
apud BENCHIMOL, 2008. p.1155)

Além disso, o resultado de uma análise corpórea sobre a mesma população adquire
perspectivas pessimistas, uma vez que a degenerescência se verifica de maneira tão acentuada
ali como numa população citadina, esgotada e viciosa. Assim, a propensão e a incidência de
enfermidades mentais e comprometimentos do sistema nervoso são percebidas como
excessivas. As relações de consanguíneas são assumidas por Nina Rodrigues como principais
  29

responsáveis pelo desenvolvimento destes desvios, contudo, além disso, para afastar a
centralidade de outros fatores como o alcoolismo ou os excessos venéreos, o autor constrói um
argumento no qual:

[...] é preciso atentar para a tendência que a degenerescência cria em relação a essas
bebidas, de modo que a embriaguez, em vez de ser uma causa, poderia muito bem
ser o simples sintoma de um desequilíbrio mental destinado a se agravar sob a
influência, tanto no indivíduo quanto em sua descendência. (RODRIGUES apud
BENCHIMOL, 2008. p.1160)

A partir da formulação deste argumento a respeito da relação entre as bebidas


alcoólicas e outros excessos classicamente relacionados à degeneração mental, o que se
percebe no discurso de Nina Rodrigues é a utilização das concepções teóricas de Morel. Estas
são apresentadas a partir de um deslocamento epistemológico das causas para a degeneração
mental em prol da utilização destas enquanto chamarizes para a existência de uma condição
doentia. Neste sentido, o álcool não levaria à doença, e sim evidenciaria a sua existência e
atestaria a sua evolução, uma vez que os degenerados possuem tendência ao alcoolismo. A
hereditariedade e a mestiçagem são cada vez mais reforçadas enquanto principais causadoras
das enfermidades.

E, mesmo quando em discussão de uma alternativa aparentemente à parte das questões


do cruzamento racial, como as condições climáticas, Nina Rodrigues usa um argumento para
justificá-la. Determina que a inviabilidade de sobrevivência da raça branca em climas tropicais
se dá porque submetida ao cruzamento com raças mestiças. Sobre isto ainda determina que:

Esta eliminação das raças inadaptáveis se dá naturalmente por processos de


degenerescência que tem como mediadores os estados anormais ou mórbidos cuja
frequência entre os mestiços brasileiros nos parece abundantemente demonstrada
neste estudo. (RODRIGUES apud BENCHIMOL, 2008. p.1166)

A partir da retórica de comprovação da inferioridade das raças mestiças, o artigo de


Nina Rodrigues cumpre a sua finalidade ao apresentar diversos estudos de caso e
determinados artigos científicos que atestam a periculosidade dos negros e mestiços a partir do
  30

desenvolvimento de patologias tendenciosas ao cometimento de crimes. Em um deles, Nina


Rodrigues descreve José d´Araújo, de Santo Antonio das Queimadas, uma criança recolhida à
casa de correção até completar os 17 anos por matar seu pai, com a justificativa de evitar um
castigo imposto por seu responsável. Contudo, o que o artigo traz como relevante é o fato de
que, anos mais tarde, seria percebida na família do mestiço uma série de deformidades físicas
e motoras, evidenciando a linhagem defeituosa. A intenção aqui é justificar a necessidade de
uma imposição e de uma intervenção médica sobre estes cruzamentos raciais. Torná-los
perigosos não apenas pela inadequação aos padrões progressistas do final do século XIX,
como também pela ameaça à ordem, ao desrespeito à legislação e a desconsideração sobre os
princípios fundamentais da vida em sociedade (NEVES; HEIZER, 1998).

As conclusões a respeito do conceito de herança atávica sugerem uma postura


reinterpretada da medicina psiquiátrica brasileira, utilizando embasamento e conceitos
organicistas de Morel, de forma diferente da própria apresentação destes pelo alienista
francês, um intelectual “convencido da unidade da espécie humana”, segundo o próprio Nina
Rodrigues. Contudo, o médico maranhense

[...] faz o combate à mestiçagem aparecer sob uma roupagem de cientificidade. A


mestiçagem será considerada negativa para a composição de uma sociedade
civilizada em que os padrões de progresso não devem ser ameaçados pela geração de
indivíduos suscetíveis de degeneração física e moral, consequência da união de raças
diferentes, que ao se cruzarem os transmitem à descendência, formando raças mais
fracas. (PORTOCARRERO, 2002)

Naquela segunda metade do século XIX seria consolidada, então, uma ruptura para
com um modelo psiquiátrico descritivo e semiológico, baseado na acumulação de referências
e sintomas vinculados a um interesse na manutenção de uma ordem social. Em sequência, é
adotado um padrão de análise da doença a partir de sua evolução, caracterizando um olhar
etiológico, capaz de vislumbrar suas diversas causas, bem como seus possíveis
desenvolvimentos e transmissões. Contudo, o que se percebe em determinados círculos da
intelectualidade européia e brasileira, é a apropriação de determinados conceitos como
hereditariedade e degenerescência em prol do fortalecimento de um discurso paralelo,
condizente a um estudo não das enfermidades mentais especificamente, e sim provenientes da
constituição de um discurso civilizador europeu sobre as ditas raças inferiores em fins do
  31

século XIX. Em um momento onde o dogmatismo científico era a chave para ordenar o
funcionamento da sociedade, das relações humanas, a medicina social se empenhava em
estabelecer lugares sociais para os indesejáveis, agora a partir de justificativas biológicas.

1.4 O quadro institucional da psiquiatria brasileira

Os ecos do alienismo francês poderiam ser percebidos no Brasil não apenas a partir do
desenvolvimento de novas concepções teóricas acerca da identificação, da observação e do
tratamento da loucura. De modo complementar a este trabalho acadêmico de discussão e
propagação do novo campo de conhecimento, poderemos perceber um engajamento político e
social dos médicos da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, em reformular, de maneira
profunda, o tratamento dos loucos naquela cidade. Assim como o corpo teórico, estas
proposições práticas da psiquiatria brasileira buscariam uma maior autonomia em relação a
outras instituições envolvidas com práticas de cunho médico ou asilar, como as ordens e
irmandades religiosas, sem, no entanto, se afastar da chancela e dos recursos do Estado
Imperial.

Até a primeira metade do século XIX, o recolhimento e o atendimento aos alienados


no Brasil é tão indiscriminado quanto na França do século XVIII, isto é, anterior ao
surgimento das propostas de Pinel e Esquirol. A prerrogativa para recolhimento de indivíduos
considerados anormais pertenceria à Santa Casa de Misericórdia. Esta instituição religiosa,
contudo, teria como principal interesse a prática da caridade, trabalhando para a manutenção
de uma moral cristã católica, e demonstrando pouco interesse na absorção teórica dos
preceitos higienistas franceses desenvolvidos naquela primeira metade do século XIX
(ENGEL, 2001). O discurso de afirmação da psiquiatria enquanto ferramenta de gestão do
espaço público, diagnóstico sobre a alienação e cura para ressocialização permaneciam, dessa
maneira, apenas como um discurso, uma vez que a prática administrativa da doença
permanecia sob o controle de uma instituição religiosa e imersa em seus critérios.
  32

Críticas, e um verdadeiro combate a esta situação podem ser percebidas em princípio,


de maneira indireta. Assim como Pinel denunciaria a impossibilidade de atuação dos
princípios religiosos em um hospital de alienados na França, os tratados científicos brasileiros
da mesma maneira afirmavam que o recém-surgido campo da psiquiatria não deveria ser
influenciado por qualquer temática de cunho religioso. Não deveria ser aberta qualquer brecha
para a elaboração de interpretações sobre a loucura que fugisse aos aspectos físicos,
biológicos ou terrenos, de forma a desprivilegiar os julgamentos sobrenaturais, místicos sobre
determinado comportamento. Sobre a leitura religiosa da loucura, Dr. Peixoto, em sua tese
sobre a degeneração sugere:

Recorramos a historia, e dela colheremos que o estudo da alienação mental foi por
muito tempo influenciado pelos prejuízos, e por isso era ela atribuída a causas
sobrenaturais. Assim, os antigos, não procurando definir nem estudar esta moléstia
com exatidão, davam como causa de sua existência o demônio, os espíritos animais
no cérebro, através dos quais a alma não podia sentir nem pensar com precisão.
(PEIXOTO, 1837 )

Dessa maneira se fundamentava um olhar diferenciado sobre a alienação, um olhar


racional e contratualista, capaz de tornar qualquer interpretação prévia como inadequada,
atrasada, e próxima da noção de barbárie. Olhar este capaz de interpretar na degeneração
mental um produto das condições insalubres naturais e artificiais do meio, no caso, a cidade
do Rio de Janeiro. Considerada uma ameaça à saúde pública, a condição higiênica da urbe
carioca levaria o mesmo Dr. Peixoto a defender a seguinte ferramenta de controle e tratamento
da loucura:

A construção e direção de uma casa de alienados influi muito para o bom êxito do
tratamento. Um estabelecimento deve ser feito fora das grandes povoações e cidades,
em um lugar plano e elevado, e disposto de modo que o ar possa renovar-se
facilmente. (PEIXOTO, 1837. P.30)

Neste sentido, o discurso de investimento em uma psiquiatria livre de crendices e


misticismo, associado às necessidades urbanas de reformar a insalubre cidade do Rio de
Janeiro, seria inserido na atuação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. Empenhada
  33

em reclamar à iniciativa do Estado a construção de um espaço de aplicação específica do saber


psiquiátrico, isto é, um hospício, os clamores de médicos como Dr. Jobim e Dr. Peixoto, entre
outros, serão cada vez mais comuns em documentos institucionais e periódicos científicos.

Além dos Relatórios da Comissão de Salubridade Geral, publicados no “Semanário de


Saúde Pública”, que denunciavam as condições higiênicas da cidade, podemos citar também
denúncias à própria situação dos loucos no convívio com o restante da população:

Em 1835, Dr. Sigaud assinalava no Diário de Saúde os inconvenientes do livre


trânsito pela cidade de alienados que expostos à irritação dos garotos chegavam até a
cometer crimes. (MOREIRA, 1905. p.67)

E por fim, perceberíamos também críticas às próprias condições dos espaços de


recolhimento já existentes. A denúncia sobre a utilização dos castigos corporais, do
encarceramento, entre outros, seria mais uma das bandeiras defendidas por estes médicos
alienistas:

Em 1839, o Dr. Luiz Vicente de Simoni, no 6º número (Setembro) da Revista


Médica Fluminense publicou sua memória sobre a “Importância e necessidade de
criação de um manicômio ou estabelecimento especial, para o tratamento dos
alienados. Nesse artigo aquele excelente prático que durante quinze anos insistira
junto às provedorias da Santa Casa pela urgência de melhoras na sorte dos alienados
contava ao vivo o que esses pobres sofriam. (MOREIRA, 1905. P.67)

Como resultado das constantes iniciativas da Comissão de Salubridade Geral, de seu


presidente, Dr. José Martins da Cruz Jobim, e de médicos interessados na reformulação da
prática alienista no Rio de Janeiro

[...] operou-se uma grande reforma no tratamento dos alienados dessa cidade, devido
às enérgicas representações dos médicos, concernentes à terrível condição destes
doentes no hospital da Misericórdia e seu abandono nas cidades, no meio da
população sadia, sem serem detidos ou submetidos a um tratamento qualquer.
(SIGAUD, 2008. P250)

Acolhidas pela representação Imperial, as críticas dos médicos brasileiros dariam


origem a um decreto firmado no dia 18 de Julho de 1841, aniversário da Maioridade,
  34

comunicando a abertura de aplicação em fundos de subscrição e permissão para doações


voluntárias, com o objetivo da fundação do Hospício de Pedro II. Sob a ótica da Sociedade de
Medicina do Rio de Janeiro, este seria um lugar onde, tal como os hospitais franceses, o trato
dos loucos e os estudos médicos caminhariam lado a lado em um regime complementar
(MOREIRA, 1905).

Com as estruturas completas apenas em 1852, o Hospício seria um importante passo


para o desenvolvimento dos estudos sobre a loucura no Brasil, possibilitando uma profunda
reformulação teórica da psiquiatria com o advento dos preceitos de Morel. Contudo, duas
considerações a respeito da funcionalidade do Hospício devem ser feitas para que se
compreenda a sua posição e utilidade em meados do século XIX.

Em primeiro lugar, deve ser comentado o fato de que a instituição permaneceria sob a
tutela da Santa Casa de Misericórdia, respondendo desta maneira, ainda a ditames do mesmo
dogmatismo católico criticado ao longo de toda a metade do século XIX pela gestão de um
espaço não específico de tratamento. Recursos deveriam ser buscados e justificados junto a
um provedor leigo da Santa Casa, bem como caberia a este a nomeação dos médicos
responsáveis pela condução do Hospício, como fica explícito no decreto de fundação:

Hei por bem fundar hum Hospital destinado privativamente ao tratamento de


alienados [...] o qual ficará annexo ao Hospital Santa Casa de Misericórdia desta
Corte, debaixo de Minha Imperial Proteção, applicando desde já para principio de
sua fundação o producto das subscripções promovidas por uma Comissão da Praça
do Comércio, e pelo Provedor da sobredita Santa Casa. (ATOS DO EXECUTIVO,
1841. p.49).

Esta submissão, sob a interpretação de Juliano Moreira em seu texto informativo, teria
como resultado a relativa escassez de mão-de-obra específica dos laboratórios e enfermarias
do Hospício. Segundo o médico, a inexistência de uma cadeira para estudo de psiquiatria na
faculdade de medicina, criada apenas na década de 1880, bem como de cursos de enfermagem
no Rio de Janeiro, também contribuiria para que predominasse naquela instituição a
concentração de responsabilidades sobre médicos generalistas e irmãs de caridade para
atender aos serviços da administração interna dos doentes e do próprio Hospício (MOREIRA,
1905).
  35

Embora a opinião de Juliano em relação aos métodos de assistência e a atenção do


governo à estruturação da psiquiatria deva ser respeitada, deve-se lembrar que suas “notícias
sobre a assistência a alienados” também partem de um lugar de fala, isto é, de um momento
em que o psiquiatra assumia a direção do Hospício Nacional de Alienados. Nesta posição,
deveria salientar a tamanha “evolução” da medicina psiquiátrica desde o período imperial,
como o próprio título de seu artigo já sugere. Dessa forma, não se deve tomar as
interpretações daquele artigo como verdades absolutas ou sequer estatísticas no que diz
respeito à prática do Hospício de Pedro II.

Trabalhos mais recentes que se debruçam sobre as correspondências entre médicos do


hospício e os diversos provedores da Santa Casa de Misericórdia ao longo da segunda metade
do século XIX revelam que em muito importava a opinião específica dos médicos no que diz
respeito ao cotidiano de tratamento, a seleção de internados e à gestão de recursos e
contratação dentro do Hospício desde os anos 1850. Mesmo que compartilhassem esta
responsabilidade com a filosofia moral e a teologia católica, tais médicos conseguiriam
garantir certa autonomia em prol da busca do conhecimento e da cura (EDLER;
GONÇALVES, 2009; GONÇALVES, 2011).

O que se pode dizer sobre as relações entre a medicina e o acolhimento cristão


estabelecidos por uma provedoria de caráter religioso é que manteriam as feições caritativas
do Hospício de Pedro II. A variação entre o hospital enquanto área de isolamento dos
incapazes de cumprimento do contrato social, ou como unidade de assistência aos desvalidos,
seria, respectivamente, uma importante diferença entre a apresentação dos hospícios franceses
pós-revolução francesa e a experiência asilar brasileira em meio à afirmação monárquica
(VENANCIO, 2003). Contudo, o esforço médico perduraria, de forma a valorizar os aspectos
curativos da instituição, evitando assim a concretização do estigma de um “depósito de
loucos”.

Outra consideração diz respeito ao fato de que, até a década de 1870, o Hospício
receberia todos os alienados que eram remetidos pelas autoridades públicas, desde indigentes
internados sob a solicitação da Polícia da Corte, pacientes de outras províncias e até militares
em retorno da Guerra do Paraguai. Tal condição levaria o Hospício a um estado de
  36

superlotação e, por isso, a admissão de enfermos naquele espaço se tornaria cada vez mais
restrita.

Aqui, mais uma vez a interpretação de Juliano Moreira se faz de forma a apresentar o
Hospício na Corte Imperial como um espaço desinteressado nas práticas de tratamento, sendo
relegado à assistência “dos favorecidos pela proteção dos poderosos ou os que podiam
pagar” (MOREIRA, 1905. P.74). A prática de desvio das internações provenientes das classes
desfavorecidas para espaços mais genéricos no acolhimento e tratamento da marginalidade
urbana, como prisões, casas de correção ou o Asilo de Mendicidade seria vista por Juliano
como uma demonstração de diferenciação do Estado no tratamento de classes. Assim fica
registrado na seguinte passagem:

O governo deixando-se privar de um direito que sempre lhe assistiu, o de requisitar a


internação dos alienados, consentiu em que pouco a pouco fosse enchendo de loucos
o asilo de mendicidade e até as prisões. (MOREIRA, 1905. p.74)

Contudo, através da análise posterior de Edler e Gonçalves, pode-se destacar a


solicitação dos médicos do hospício ao provedor da Santa Casa para que não desse
continuidade ao envio de pacientes àquele estabelecimento devido ao estado de superlotação.
O interesse daqueles profissionais em meio a condições adversas seria receber cada vez mais
pacientes passíveis de cura, de forma a tornar possível o atendimento de um número mais
elevado da população. O desvio de alienados para o Asilo de Mendicidade, ou a Casa de
Correção, são observados pelos historiadores supracitados não apenas como uma escolha dos
médicos responsáveis, bem como um aspecto positivo em relação à representatividade da
prática psiquiátrica no Rio de Janeiro. Devido à existência do Pedro II, a cidade assumiria uma
posição de referência para as outras províncias no atendimento aos doentes, e isso faria com
que não abarcasse toda a demanda então apresentada (EDLER; GONÇALVES, 2009;
GONÇALVES, 2011).

Naquele momento, seria o Hospício um excelente espaço de atuação e principalmente


de afirmação do estudo da psiquiatria no Brasil. Tal campo de atuação da medicina, por dar
ainda seus primeiros passos na análise dos problemas sociais e mentais dos brasileiros, carecia
de exemplos, estudos de caso, postulados, diagnósticos, entre outros requisitos básicos de uma
  37

ciência de tratamento humano. Neste sentido, um espaço de convergência das necessidades da


saúde pública mental da população carioca e do desenvolvimento de pesquisas e observações
acadêmicas da psiquiatria brasileira dava seus primeiros passos na consolidação do campo da
psiquiatria. Sobre isto, e refutando a tese do hospício enquanto ferramenta do clientelismo
imperial, Edler e Gonçalves afirmam:

Por meio dos documentos pudemos apreender, sobretudo, que o empenho dos
médicos e mesmo do provedor (que apoiava as reivindicações dos facultativos do
estabelecimento) se voltava para o intuito de tratar indivíduos acometidos por
distúrbios mentais. O que se contrapunha ao interesse de diversas famílias, senhores
de escravos, e setores do governo, que visavam utilizar o hospício como um depósito
de alienados incuráveis, tratados como indigentes. (EDLER; GONÇALVES, 2009)

Embora houvesse o interesse e até mesmo a autonomia para o tratamento, a


superlotação permanecia como um entrave, e a necessidade de outro espaço era urgente,
mesmo para diferenciar os considerados curáveis dos incuráveis. Neste mesmo período da
segunda metade do século XIX, tais problemas de superlotação e de poucas alternativas
poderiam ser verificados em hospícios franceses. É este o momento de ascensão dos preceitos
de Morel, fazendo profundas e abrangentes críticas ao modelo asilar inaugurado por Pinel.

Este acreditava na consideração do hospício como um espaço medicalizado, em que a


atenção aos loucos partiria de uma suposição de homogeneidade da degeneração mental, na
qual fossem percebidas apenas ramificações de diagnósticos de uma mesma doença: a loucura.
Como Morel defendia uma especificidade cada vez maior da medicina sobre a enfermidade
mental, através de uma postura organicista, o que se colocava em xeque seria a própria
sustentação médica do hospício enquanto espaço viável de tratamento. Uma vez que abrigava
uma série de pacientes com diferentes diagnósticos, todos carentes de observação
individualizada e compartilhando pouco em comum, exceto o fato de que habitavam o mesmo
espaço de reclusão, o hospício passava a ser problematizado (CASTEL, 1978).

É sob este conjunto de fatores que Morel evoca uma postura mais higiênica e
profilática sobre o tratamento da loucura. O isolamento enquanto ferramenta de controle sobre
a loucura era inviabilizado em prol de uma postura de disciplina e vigilância sobre os
costumes para combater as patologias em sua origem. Seria uma forma de combater as
  38

perspectivas curativas de Pinel e Esquirol que até então haviam se mostrado falhas no intento
de combater a loucura, justamente pela manutenção de sua aplicação limitada ao espaço físico
do hospital psiquiátrico.

Dessa forma, a posição reformista assumirá proposições diversificadas, questionando a


internação e o isolamento em espaços fechados. A noção de isolamento será reformulada a
partir da ideia de que internação e isolamento não seriam sinônimos. Isolar o alienado do
ambiente, ou do condicionante que o conduziu a degeneração mental não seria o equivalente a
isolá-lo de toda a sociedade. É sob este arcabouço teórico que surgiriam as colônias como
alternativas à imagem do hospício (CASTEL, 1978).

As colônias seriam espaços restritos, interessados na construção de um espaço


bucólico, observado pelos médicos e capaz reinserir os enfermos em um convívio social
através do trabalho. Manter a normalidade dentro deste ambiente seria possível uma vez que o
internado era afastado de todos os estímulos, físicos ou sociais capazes de deflagrar um
episódio maníaco (COSTA, 1980).

No Brasil, maior relevância seria dada às colônias, bem como ao tratamento


psiquiátrico preventivo a partir do estabelecimento do Estado Republicano. Naquele
momento, uma vez criados organismos específicos para atender a uma classe médica formada
especificamente para o atendimento à doença mental e a partir da criação das cadeiras de
psiquiatria na faculdade de medicina, a atuação de médicos como Juliano Moreira ganhará
maior destaque.

O compromisso com a ordem e com o progresso, característicos da implantação do


regime republicano no Brasil seriam extremamente favoráveis a esta renovação institucional e
intelectual uma vez que naquele momento parâmetros de modernidade seriam associados à
ideia de renovação, ruptura com o tradicionalismo e estimulo à evolução, como fica expresso
na fala do poeta francês Charles Baudelaire, contemporâneo e afim aos preceitos do
movimento

O prazer que obtemos com a representação do presente deve-se não apenas à beleza
de que ele pode estar revestido, mas também à sua qualidade essencial de presente.
[...] Trata-se de tirar da moda o que esta pode conter de poético no histórico, de
extrair o eterno do transitório. [...] A Modernidade é o transitório, o efêmero, o
  39

contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável.


(BAUDELAIRE, 1996. p.8 - 24)

Tais preceitos expostos por Baudelaire em muito contribuem para um olhar crítico
sobre a escrita de “Notícias sobre a evolução da Assistência a alienados no Brasil” de Juliano
Moreira. A expectativa de afirmação da medicina em um ambiente positivista9 republicano
torna a visão de Juliano Moreira simplista e mesmo equivocada em certos momentos. Neste
sentido, a sua importância como editor sugerida no princípio deste capítulo supera a de
médico, uma vez que a produção de um enunciado foi responsável em determinados
momentos pela disseminação de um discurso particular sobre a psiquiatria no século XIX. Em
dados momentos atua de forma reducionista, relegando o corpo teórico desenvolvido pela
psiquiatria naquele momento a alguns poucos indivíduos interessados e dedicados, contudo
carentes de conhecimento, e em outros como um adversário político de fato, ao associar o
insucesso da prática psiquiátrica ao tratamento secundário dado por um Estado Imperial
marcado pelo misticismo e pela corrupção.

Juliano Moreira deve ser descrito pelas suas contribuições ao ambiente psiquiátrico e
mesmo científico brasileiro. Contudo, deve-se ter cuidado ao descrever suas rupturas com o
que se produziu no século XIX no Brasil, evitando a ignorância daquilo que aproveitou e
mesmo reproduziu em seu discurso.

1.5 Conclusão

Nas páginas antecedentes, busquei reconstruir através de referências bibliográficas e


textos de época o ambiente intelectual em que se formou o psiquiatra baiano Juliano Moreira.
Através do testemunho de alguns médicos interessados na temática da alienação e de uma
explanação do próprio Moreira, foi possível reconstituir suas impressões sobre o surgimento
da psiquiatria na Europa, no princípio do século XIX, e sua repercussão no Brasil em décadas
posteriores.

9
Considerações sobre o positivismo e mesmo sobre a direção do Estado Republicano no Brasil a partir de sua
proclamação serão apresentadas no capítulo 3.
  40

A partir de um estudo sobre os conceitos primordiais da psiquiatria ao longo do século


XIX, foi possível também mapear as orientações existentes para os médicos brasileiros. Neste
sentido, tal conteúdo será utilizado em sequência, quando me ocuparei em descrever os
preceitos psiquiátricos defendidos por Juliano Moreira, e seu caráter inovador ou não.

Estabelecendo o princípio de uma discussão, procurei ambientar também a emergência


e o desenvolvimento da assistência a alienados no Brasil ao longo do período imperial,
destacando o discurso de Moreira sobre aquele período, bem como análises historiográficas
mais recentes sobre o mesmo momento. Neste sentido, a intenção foi estabelecer um contraste
entre o que o médico afirma e o que o estudo das fontes permite concluir.

Resta, portanto, observar como Juliano Moreira atuará neste quadro institucional. Que
tipo de modificações aplicará no tratamento psiquiátrico a partir do advento da República. E
de que forma alcançará o reconhecimento enquanto responsável pela superação do alienismo e
consolidação da medicina psiquiátrica no Brasil.
  41

2 O DISCURSO DE JULIANO MOREIRA: RUPTURAS E PERMANÊNCIAS

2.1 Introdução

Um segundo capítulo de uma obra tem caráter de continuidade no que diz respeito ao
desenvolvimento de um estudo. Este não será diferente. Uma vez explicitadas as concepções
teóricas da psiquiatria no século XIX tanto no exterior quando em território nacional, pode-se
compreender aquilo que foi apreendido ou refutado pela retórica de Juliano Moreira. Assim,
este será o momento para se discutir as propostas institucionais do psiquiatra baiano, e de seus
colegas, partícipes neste tratamento, na passagem do século XIX para o XX.

Uma vez que trata de discursos, ideias, críticas e concepções, o teor deste capítulo é
descritivo e utiliza artigos de periódicos, discursos e relatórios escritos e publicados pelo
próprio Juliano Moreira, de forma a privilegiar sua ótica e os termos escolhidos por ele.
Embora a produção de Juliano tenha sido vasta, bem como sua atuação política, dei
preferência a artigos publicados entre 1903 e 1908. Neste período em que este ainda retornava
de seus estudos no exterior, Moreira se consolidava no espaço acadêmico nacional e
internacional como referência, compondo e por vezes presidindo sociedades intelectuais de
renome, além de ser este o momento em que assumiria cargos de gestão importantes como a
direção do Hospício Nacional de Alienados.

A crítica que buscarei aqui, tende a dissociar em parte a atuação de Juliano Moreira da
noção apresentada por Vera Portocarrero em sua obra de referência “Arquivos da Loucura”10,
quando aponta uma descontinuidade histórica da psiquiatria a partir do surgimento deste
expoente no cenário científico brasileiro. Como será demonstrado, as perspectivas organicistas
de Juliano Moreira, embora buscassem novas matrizes de inspiração alemã, assumiam
perspectivas continuístas no que diz respeito ao organicismo apresentado por Morel. Também
perpassa por este as críticas ao Hospício como instituição única de referência para o
tratamento de alienados em sua totalidade. E, finalmente, o fato de que é atribuída ao
psiquiatra a apresentação de uma perspectiva curativa da medicina psiquiátrica embasada por

10
PORTOCARRERO, V. M. Arquivos da Loucura – Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da
psiquiatria. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2002.
  42

critérios científicos positivistas do final do século XIX, quando sabe-se que, apesar do
discurso contrário do próprio médico baiano, a cura teria sido sempre uma ambição dos
médicos do Hospício Pedro II, no período imperial.

É preciso demarcar que tais perspectivas apresentadas aqui não retiram de Juliano
Moreira sua relevância no cenário psiquiátrico brasileiro, nem ao menos seu destaque na
prática das ciências de uma forma geral. O objetivo aqui é problematizar uma noção que o
apresenta como um deslocado, uma mente virtuosa, elucidativa e mesmo “clarividente” no
cenário médico brasileiro. Juliano defendeu posições importantes, atravessou barreiras e
alcançou dimensões institucionais de renome, isto por que pertenceu a um cenário favorável a
tais tendências naquele final de século XIX e início do XX e pela possibilidade de
aproveitamento de perspectivas já instituídas.

2.2 A influência alemã e as “anormalidades”

Os avanços na constituição de uma medicina mental específica observados no curso da


segunda metade do século XIX, no espaço acadêmico, nos permitem afirmar a percepção da
permanência de um discurso generalista das ciências naturais enquanto norteador das
pesquisas e, portanto, das conclusões sobre o desenvolvimento da loucura no Brasil. Os ecos
das propostas morelianas tiveram grande impacto sobre a intelectualidade brasileira,
apontando para a perspectiva de utilização da ciência psiquiátrica como ferramenta para
solucionar os ditos problemas sociais ou populacionais do país. Contudo, permitiu a aplicação
de um olhar elitista interessado na exclusão social, equilíbrio da ordem pública e, por vezes,
sem a pretensão de cura por parte das instituições responsáveis atuantes apenas no isolamento.
Mesmo que colocada em questão por diversos médicos do período, esta sobreposição dos
interesses privados sobre os públicos torna ainda presente o parâmetro de alienismo para a
psiquiatria, como um campo responsável por indivíduos inadequados, indesejáveis, isto é,
alienados, em sua acepção mais vaga e geral do termo.

Frente a este panorama, que compreende o louco ainda como um alienado, ou seja,
estranho, alheio à ordem vigente, a teoria psiquiátrica no período republicano busca
renovação, embasada em uma postura voltada para a classificação das enfermidades mentais e
  43

para o estudo das origens orgânicas de tais doenças. O psiquiatra baiano Juliano Moreira
surgirá neste contexto, liderando tais propostas e pregando uma abordagem evolucionista11
sobre o estudo das anormalidades e dos comportamentos desviantes, em contraposição às
correntes atávicas e racistas da medicina brasileira. Trato aqui de conferir historicidade a esta
etapa do desenvolvimento deste saber no Brasil, voltado para suas aplicações científicas,
institucionalização acadêmica e a consequente consolidação naquele princípio de regime
republicano12.

Uma vez adquirido o seu diploma na Faculdade de Medicina da Bahia, Juliano Moreira
não se mostraria restrito ao convívio e aos estudos daquela localidade, construindo uma rede
intelectual muito mais abrangente. Seu trânsito por universidades europeias, a construção de
relações com professores de cadeiras diversas em outros países e a leitura de periódicos
estrangeiros revela na trajetória do médico um interesse em alinhar os conhecimentos
brasileiros com os estrangeiros em relação às descobertas clínicas. Entre os diversos estudos
do campo da medicina, pode se destacar a aproximação com a psiquiatria, que se dá através do
prosseguimento dos trabalhos do professor alemão Emil Kraepelin. A exaltação a este aparece
nas próprias palavras de Juliano Moreira, como uma percepção de que o Brasil se encontrava
em atraso em relação às demais nações:

Demais a adoção de suas ideias por uma bela plêiade de psiquiatras franceses,
ingleses, americanos, italianos, etc. demonstram que não somente para o Brasil foi
inventada a notoriedade de Kraepelin, como malignamente já foi assoalhado.
(MOREIRA; PEIXOTO, 1905b. P.205)

Kraepelin naquele momento apresentaria propostas laboratoriais, metódicas e


classificatórias, de forma a privilegiar o olhar orgânico sobre o sociológico a respeito da
alienação. A proposta do psiquiatra alemão permitiria não apenas um mapeamento de doenças
mentais, em relação aos diagnósticos e seus respectivos sintomas, como também levaria a uma
modificação do olhar sobre a doença mental, abandonando o status de uma doença do

11 Cabe ressaltar que o termo evolução é utilizado pelo próprio psiquiatra em seus textos, como uma forma de
defender o estudo da loucura a partir da observação da doença em curso, e não do interesse em defini-la a partir
de uma possível origem hereditária, ou relacioná-la imediatamente a alguma particularidade familiar, hereditária.
12 Embora o contexto político seja extremamente relevante para estas discussões, a relação entre a República e a
ascensão de Juliano Moreira no cenário científico brasileiro será apenas tangenciada aqui, e aprofundada no
terceiro capítulo deste trabalho.
  44

convívio, provocada pela sociedade, para alcançar origens corpóreas. (VENANCIO;


CARVALHAL, 2005)

Juliano Moreira afirmaria ser essencial a propagação desta postura em relação à


doença mental e de sua visão a respeito dos usos da psiquiatria no Brasil. Nos Arquivos
Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, Moreira juntamente com Afrânio
Peixoto – seu colega de profissão – divulgariam o interesse em defender os novos
conhecimentos do campo, como aponta o próprio Juliano:

Interpelados por alguns de nossos colegas sobre a classificação do notável professor,


julgamos útil resumi-la de acordo com a ultima edição de seu excelente tratado. Não
se infira daí que seguimos servilmente a mesma classificação tanto assim que cada
um de nós tem sua modificação que mais tarde será publicada. (MOREIRA;
PEIXOTO, 1905b. p.205)

Juliano defende então uma assimilação das ferramentas Kraepelianas para o estudo da
psiquiatria. Contudo, percebe-se na última frase do trecho citado a tentativa de equilibrar as
proposições teóricas do alienismo europeu e brasileiro. Adotar a matriz alemã não deveria
significar apenas uma transcrição dos valores europeus em uma espécie de cartilha
psiquiátrica no Brasil. Juliano não abriria mão da autonomia brasileira para lidar com suas
próprias condições, e desenvolver seus próprios estudos, contudo, sempre sobre um único
embasamento científico, que seria o estimulado por Kraepelin. Isto fica mais uma vez claro
quando determina:

O ensaio nosográfico de Kraepelin tendo por base a clínica e sobretudo a evolução


das psicoses merece a atenção dos Práticos visto como é muito avantajado o espírito
de observação do autor e não menor seu grande amor à verdade. (MOREIRA;
PEIXOTO, 1905b. p.205)

Ao destacar o compromisso com a verdade, Juliano ambienta a psiquiatria em sua


pretendida vocação científica do final do século XIX. Naquele momento, a experiência
laboratorial deveria garantir a conclusão e o estabelecimento de leis gerais e universais sobre o
funcionamento da natureza, do homem e até mesmo da sociedade (SEVCENKO, 1998). O
psiquiatra baiano, em suas palavras, buscava aproximação cada vez maior da psiquiatria com
  45

discurso médico objetivo, em detrimento do olhar filosófico e subjetivo do alienismo. A partir


disso, sobre o método kraepeliano, Moreira prossegue:

[...] analisa ele as bases sobre as quais tem sido estabelecidas as classificações de
moléstias mentais: a anatomia patológica, as causas e os signais clínicos; mostra a
insuficiência destas bases tomadas isoladamente e conclui que somente o quadro de
conjunto dos casos clínicos seguidos em sua evolução do começo ao fim da moléstia
pode fornecer elementos necessários a seu agrupamento com os fatos análogos.
(MOREIRA; PEIXOTO, 1905b. p.205)

É neste sentido que Juliano Moreira estabelece a noção de doença mental como uma
doença corpórea, tal como as demais enfermidades estudadas pela medicina clínica brasileira.
Traçando este paralelo, seria possível promover diversas inferências e analogias entre ambos
os campos. Numa delas, afirmava que

Não há muito tempo todas doenças as eram hereditárias: para tomar só uma delas, a
tuberculose. [...] agora, Berend demonstrou-o, filhos de hecticos [sic] até, ninguém
traz originariamente a semente de Koch e só mais tarde, nós todos, na vida, vamos
ficando mais ou menos tuberculosos. (MOREIRA; PEIXOTO, 1905c. P.7-8)

Estabelecer contato entre doenças tratadas pela medicina clínica, como a tuberculose, e
pela psiquiatria, como a sífilis ou a paranoia, que ainda viriam a ser classificadas, amparava a
recém-surgida ideia de enfermidade mental numa matriz teórica em ascensão acadêmica e
mesmo cultural13, como a medicina laboratorial representada pela descoberta de Richard
Koch, citada no trecho. A utilização deste padrão de causalidade a respeito das doenças
mentais seria mais uma marca de Kraepelin, cuja obra mais conhecida, o Compêndio de
Psiquiatria (1883), tratava para além das noções de classificação de doenças também da
adoção de modelos teóricos em evidência como se expõe na passagem a seguir:

13
Como apresenta Nicolau Sevcenko em seu texto introdutório d´A História da Vida Privada no Brasil Vol.3, os
sucessos da farmacologia, bem como as demais inovações tecnológicas da segunda metade do século XIX na
Europa, fazem parte de um contexto no qual os europeus passam a conceber o alcance da modernidade e do
progresso, passando a definir seu status de civilização, em um período demarcado como a Bélle Epoque. Cf:
SEVCENKO, Nicolau. “O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso” In: NOVAIS,
Fernando. História da Vida Privada no Brasil – Vol. 3. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998.
  46

Kraepelin conclui que a psiquiatria só poderia desenvolver uma abordagem


igualmente poderosa, se aspectos clínicos fossem separados e agrupados, de modo
que uma determinada causalidade comum pudesse ser assumida. Além disso, a causa
– a qual deveria ser focalizada como o princípio organizador da nosologia – tinha de
ser acessível para a manipulação de modo análogo aos germes identificados por
Louis Pasteur e Robert Koch. (ROELCKE, 1997 apud VENANCIO; CARVALHAL,
2005. p.74)

Embora sem negar as possíveis influências da hereditariedade moreliana, o que o


psiquiatra buscava era a observação do desenvolvimento da loucura a partir da vivência e da
exposição, em determinado meio, a agentes físicos e sociais capazes de desencadear um
desvio de comportamento. Os indivíduos seriam todos potencialmente saudáveis em
nascimento, e as enfermidades observadas seriam resultado de tudo aquilo que ocorresse a
partir daquele instante. O enquadramento neste raciocínio da desigualdade14 permitia o
entendimento de que a doença mental possuiria majoritariamente origem nas condições sociais
e econômicas do meio, sendo estas, frutos da própria ação do homem em suas escolhas.
Juliano Moreira, em suas considerações, determinava que

O atavismo é mera fantasia [...] sempre em suas qualidades fundamentais, a


humanidade foi a mesma e a mesma seria, se a vida mesológica – física e civil – não
nos viesse deformando, alterando, adaptando. [...] é a educação, a disciplina, a
cultura, que as submetem, modificam, adaptam, dando-lhes por fim essa identidade
social. (MOREIRA; PEIXOTO, 1905c. p.7-8)

O que este novo olhar da psiquiatria estruturava, portanto, era um pensamento crítico
não relacionado às possíveis consequências da miscigenação do povo brasileiro, mas voltado
para a solução de uma realidade urbana profundamente marcada por uma série de
esgotamentos condicionantes a um processo de degeneração. Traria exemplos, como o mental,
devido ao excesso de trabalho, o venéreo, ocasionado pela promiscuidade e pelas perversões
sexuais e, finalmente, o fisiológico, associado aos hábitos intoxicantes como o alcoolismo e o
“cocainismo” (PORTOCARRERO, 2002). Neste sentido, quando justificava a maior
incidência de desvio mental na população negra no Brasil, Juliano Moreira atribuía

14
Tal colocação do termo desigualdade diz respeito a uma proposta apresentada por Lilian Moritz Schwarcz em
“O Espectáculo das Raças”, no qual discorre sobre a diferença, um termo utilizado para ambientar a crença na
inferioridade racial dos negros e mestiços, e sobre a desigualdade, termo que diz respeito às diferenças de classe
e acesso aos direitos sociais. Cf: SCHWARCZ, L.M. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras: 1993.
  47

responsabilidade à forma como aquela etnia foi integrada ao território brasileiro. Assim, o
principal agente responsável pela exposição daquela população à hábitos degenerantes seria a
própria colonização portuguesa, quando

[...] foi buscar à África, às zonas de população mais embrutecida, os milhões de


negros com cujo auxílio explorou este país. [...] O álcool representou nesse bárbaro
processo de colonização o maior papel imaginável. Com ele procuravam aumentar a
pacatez das vítimas, mas simultaneamente foram-se-lhes infiltrando nos neurônios os
elementos degenerativos que, reforçados através do tempo, dão a razão de ser de
muita tara atual, atribuída à raça e à mestiçagem por todos aqueles que se não
querem dar ao trabalho de aprofundar as origens dos pactos. (MOREIRA, 1905.
p.53)

Dessa maneira, o que Juliano procurava estabelecer era a relação claramente


sociológica existente entre os comportamentos característicos de uma sociedade que ainda não
atingira o status de civilização ideal, e as consequências orgânicas destes comportamentos em
relação à degeneração e ao desenvolvimento da doença propriamente dito. Com isso, dava
continuidade ao processo organicista iniciado por Morel, afastando-se de uma caracterização
sociológica da loucura, tal qual se idealizara no princípio do século XIX, para uma
identificação fisiológica da doença, ocasionada por hábitos ou condições nocivas ao bom
funcionamento do corpo e da mente. Promovia, contudo, um revisionismo em relação a estas
recentes propostas, visto que permitiam a relação entre os componentes raciais à maior
incidência de doenças mentais. A causalidade do desenvolvimento da loucura deveria ser
associada majoritariamente às intoxicações, às verminoses e às condições sanitárias e
educacionais adversas. (ODA; DALGARRONDO, 2000. P.178-179)

Na procura de uma ambientação organicista para suas teorias psiquiátricas, Juliano


Moreira colocaria em xeque não apenas a influência das questões raciais como também
determinadas teorias que apresentavam algumas doenças como típicas dos climas quentes.
Propostas de reformulação dos estudos sobre a origem das doenças mentais por Juliano
Moreira passariam dessa forma pelo questionamento sobre ao determinismo climático. Não
seria possível adequar qualquer postulado de orientação organicista europeu caso fossem
verificadas diferentes condições físicas de exposição. Dessa forma, a ideia era equiparar a
universalidade e igualdade dos indivíduos à universalidade e igualdade de possibilidades no
  48

contato com determinada enfermidade, independente do trópico em que se localizava. Ainda


em seus Arquivos, Juliano afirmava:

O clima não influi em nada sobre os sintomas de diversas psicoses. É no grau de


instrução do indivíduo que reside a causa das diferenças que podem se apresentar. O
descendente puro de dois caucasianos, igualmente puros, criados no interior no meio
de pessoas ignorantes, apresentam os mesmos delírios rudimentares que os
indivíduos de cor desprovidos de instrução. (MOREIRA; PEIXOTO, 1906. p.238)

Equiparando as condições naturais, sejam físicas ou climáticas, entre o Brasil e a


Europa, no que diz respeito à sua relação com a potencialização das enfermidades mentais, as
novas propostas da psiquiatria brasileira conquistam, de fato, a possibilidade de adequar e
relacionar os diagnósticos estudados por Kraepelin, em Munique, Alemanha. A utilização
destes conhecimentos demarca a adequação da medicina psiquiátrica brasileira, e por que não
dizer da própria cultura brasileira, em um caráter universal de pensamento. Através da
identificação das perspectivas de desvio da ordem europeias, a produção acadêmica brasileira
se adequava aos padrões de civilização tão almejados naquela passagem de século XIX para o
XX. E, em acréscimo a isto, ainda abria um precedente para um equiparar que deixasse de
lado as diferenças raciais tão marcantes em uma sociedade marcada pelos “vícios de
pensamento” da vivência em um modelo hierárquico imperial e escravocrata recentemente
superado (VENANCIO; CARVALHAL, 2005).

É então a partir do estudo do Compêndio de Psiquiatria de Kraepelin, que passa a se


desenvolver no Brasil a classificação das doenças e a enumeração de seus sintomas. Até então,
Juliano Moreira afirmava não ser possível diferenciar as formas de desvio sendo, da mesma
maneira, impossível ordenar o tratamento de acordo com um distúrbio específico. A
psiquiatria, em busca de moldes científicos, questionava:

[...] ora se descrevem doenças diversas com o mesmo nome, ora enfermidades
idênticas com outros nomes, ora finalmente, algumas designações qualificativas
precisam espécies mórbidas que se não podem conter dentro do mesmo gênero. É
um verdadeiro estado de Babel ou confusão psiquiátrica em que a gente se arrisca,
no fim, a não sair à luz com uma ideia definida. (MOREIRA; PEIXOTO, 1905c.
p.05)

Para solucionar tal questão, apresentava-se a adoção dos parâmetros do professor de


psiquiatria alemão. Ali seriam estabelecidas diversas classificações para as doenças mentais,
  49

enumerando-as em: psicose infectuosa, psicose por esgotamento, psicose tireogena, demência
precoce, paralisia geral, psicoses por lesões no cérebro e psicoses de involução.
O primeiro caso, a psicose infectuosa poderia ser associada à perturbações gerais do
organismo, e manifestadas através de delírios febris, delírios infectuosos e estados de
enfraquecimento. Já a psicose por esgotamento, seria descrita a partir do gasto excessivo ou
restauração insuficiente dos elementos nervosos a partir de moléstias agudas ou hemorragias
abundantes, que levariam a uma perturbação intelectual profunda, à dificuldade na
coordenação das ideias e na faculdade de pensar. Descrições mais simplistas seriam
apresentadas para as psicoses tireogenas, que se dariam devido à lesão no “corpo thyroide”,
para a demência precoce, como um estado de enfraquecimento psíquico, para a paralisia geral,
para as psicoses nas lesões do cérebro, associadas a doenças cerebrais degenerativas como a
esclerose, a sífilis e a corea de Huntington e finalmente para as psicoses de involução, como
perturbações regressivas, que levariam à senilidade, como a melancolia, o delírio pré-senil e a
demência senil (MOREIRA; PEIXOTO, 1905b).

Kraepelin não deixaria de mencionar ainda as intoxicações como uma doença


propriamente dita e classificada em sua nosografia. As psicoses, desenvolvidas a partir da
introdução de toxinas no corpo, ganhariam destaque na obra do psiquiatra alemão, bem como
na atuação de Juliano Moreira na nova configuração da medicina mental brasileira. O médico
alemão avaliaria que as intoxicações pudessem produzir estados delirantes, percepções falsas,
perturbações sensoriais, entre outros, dividindo-se em intoxicações agudas ou crônicas. As
agudas seriam adquiridas através do uso de clorofórmio, ópio, oxido de carbono, enquanto as
crônicas seriam adquiridas através de ingestão voluntária de álcool, morfina ou cocaína. A
ingestão de tais substâncias é associada não apenas à embriaguez como ainda ao delírio e à
modificação de caráter (MOREIRA; PEIXOTO, 1905b).

É, portanto, a partir da imensa influência de Kraepelin, e dos trabalhos publicados por


ele, que se desenvolve a relação entre a doença mental e comportamentos condicionantes a
ela, como o alcoolismo, a epilepsia, a sífilis, entre outros. Contudo, a identificação e
classificação destas doenças não seriam os únicos legados – embora já bastante
representativos – na elaboração de novas teorias e práticas psiquiátricas de caráter científico
como pretendido no Brasil da passagem do século XIX para o XX.
  50

A leitura do psiquiatra alemão permitiria ainda o entendimento sobre a noção médica


de conduta anormal, conceituada e denominada como “personalidades psicopáticas”. Isto
significava que os indivíduos entregues a determinados vícios, ou acometidos por determinada
doença, apesar de não manifestarem traços de alienação já trilhavam sentido a tal condição, e
isto já poderia ser caracterizado como enfermidade, cujo tratamento seria indispensável. Sobre
aqueles que mantinham tais hábitos, Juliano Moreira alertava:

[...] olhando-se para a vida com uma certa acuidade, descobrem-se destes indivíduos
o que se poderia chamar de temperamentos ou caracteres paranoicos; não são
predispostos porque a anomalia já existe, falta apenas a irrupção. (MOREIRA;
PEIXOTO, 1905c. p.10)

A partir desta aproximação da psiquiatria desenvolvida no Brasil por Juliano Moreira,


com os saberes do mesmo campo de conhecimento propagados na Alemanha por Kraepelin, é
possível perceber uma reformulação do olhar científico sobre a composição populacional
brasileira e suas possibilidades. Isto se deve inicialmente ao discurso de ambientação contrário
aos determinismos raciais e climáticos que distanciavam o saber médico nacional e
estrangeiro. Esta adequação, teria o objetivo de tornar possível a utilização da classificação de
enfermidades descrita pelo psiquiatra alemão e chancelada pelo psiquiatra baiano, conferindo
critérios científicos para a identificação e tratamento da loucura como uma doença mental de
fato. Além disso, o alienado, apesar de manter o seu posicionamento na estrutura social como
aquele que vive distante, ou evita a ordem vigente, perde esta caracterização generalista para
ser diagnosticado com diferentes enfermidades específicas, com causas e tratamentos
igualmente específicos. Tal concepção apresenta então um indivíduo organicamente doente,
com diversas alternativas de diagnósticos, ao invés de um corpo indesejável ao convívio social
e taxado/tratado dessa forma (VENANCIO, 2004).

E para aqueles cuja atuação pode levar a um agravamento das condições mentais, tais
como os usuários do álcool, da cocaína ou da morfina, isto é, as chamadas “personalidades
psicopáticas”, uma nova terminologia seria utilizada: a “anormalidade”. A intenção aqui seria
tornar estes indivíduos doentes, e não apenas sujeitos ao desenvolvimento da doença, como já
dito, construindo, dessa forma, um arcabouço teórico capaz de justificar a intervenção sobre
atitudes consideradas indesejáveis pela medicina social do final do XIX e princípio do século
XX.
  51

Em seus escritos, a adoção do princípio da igualdade entre os povos serve como


passaporte para a entrada do Brasil no rol dos países civilizados: o Brasil poderia
constituir, pela melhoria da educação e das condições sociais, uma sociedade
fundada pelo ideal da igualdade moral dos indivíduos, sem que, para tanto, fosse
necessário descartar a existência de uma desigualdade eminentemente física,
enraizada apenas no plano das unidades orgânicas e que, em si mesma, não
comprometia o projeto de uma civilização brasileira. (VENANCIO; CARVALHAL,
2005. p.83)

A medicina psiquiátrica de Juliano Moreira consolidava, através de sua teoria, uma


noção de tratamento profilático para a enfermidade mental no Brasil. Para se fundamentar,
entretanto, precisou de aceitação institucional do governo, bem como de suporte acadêmico,
através da divulgação em periódicos, e isto, ainda não se verificava em todas as regiões do
país.

É fato que, já no princípio do século XX, Juliano pode ser identificado como uma
verdadeira personalidade do campo científico, uma vez que seria nomeado Diretor do
Hospício Nacional de Alienados em 1903, participaria da fundação da Sociedade Brasileira de
Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins; e representaria o país em diversos congressos
médicos no exterior, como em Lisboa (1906), Amsterdã (1907), Milão (1907) e Londres
(1913). Contudo, o psiquiatra baiano sofria ainda com questionamentos em relação a suas
proposições raciais. Tais questionamentos tinham origem na Faculdade de Medicina da Bahia
e eram personificados pelo já citado no capítulo anterior Dr. Raimundo Nina Rodrigues.

2.3 Juliano Moreira, Nina Rodrigues e a Lei Federal de 1903

O novo olhar de Juliano Moreira sobre a população brasileira e suas possibilidades de


adequação a um padrão civilizatório foi certamente inovador. A sua forma de justificá-lo ao
buscar um discurso acadêmico alternativo ao circuito francês, até então preponderante no
Brasil, foi igualmente importante. Contudo, não se pode dizer que Juliano rompeu
  52

completamente com os conhecimentos prévios morelianos em evidência ao final do século


XIX, em especial com o conceito de degenerescência, ao qual o médico baiano virá sugerir
nova interpretação. Ao fazer isso, estabelecerá oposição ao também baiano Dr. Nina
Rodrigues, cuja utilização de tal teoria estava relacionada à construção de um discurso de
afirmação racial de brancos sobre negros, e à sugestão de uma abordagem excludente sobre a
miscigenação racial no Brasil, compartilhada com a então recém-surgida medicina legal
(ODA, 2001).

Sendo uma importante ramificação da medicina voltada para a exclusão da desordem


social, ainda que sob a capa do discurso médico psiquiátrico em alguns momentos, a medicina
legal surgirá a partir da influência dos princípios italianos de Cesare Lombroso (1835-1909).
Para Lombroso, a análise de perfis psicológicos ou mesmo físicos permitiam uma ênfase não
mais na investigação sobre o crime, mas sobre o criminoso, seus atributos físicos e os
comportamentos prévios que poderiam identificá-lo. Neste sentido, utilizando as palavras de
Leonídio Ribeiro, um famoso discípulo de Afrânio Peixoto na Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, a medicina legal chegaria a conclusões tais como:

Na criança de um ano é, às vezes, possível já reconhecer o futuro criminoso. É na


primeira infância, ou na puberdade, que se revelam as primeiras tendências para as
atitudes anti-sociais, que se concretizam e agravam progressivamente, sob a
influência geral do ambiente. Existem, na criança, os chamados sinais de alarme de
tais predisposições e tendências ao crime, sinais que podem ser de natureza
morfológica, funcional ou psíquica. (citado por CORREA, 1982. P.60-61).

Mobilizado para evitar a deflagração destes comportamentos e para o estudo sobre as


personalidades criminosas, pregando até mesmo de isolamento dos perversos em potencial,
Nina Rodrigues será um forte opositor da miscigenação racial, como já dito no capítulo
anterior deste estudo. Contudo, será também um questionador contumaz das perspectivas
curativas apresentadas a partir do viés de degenerescência apresentado pelas novas teorias
psiquiátricas daquele princípio de século XX (ODA, 2001).

A já discutida interpretação de Nina Rodrigues para a degenerescência diria respeito a


uma visão fatalista do doente, ou do miscigenado, uma vez que para o médico, ambas as
denominações representavam os mesmos males. Observar o cruzamento racial no Brasil seria
compreender toda a sua população como fadada a degeneração e a progressão dos
  53

diagnósticos indesejáveis. A medicina legal entraria neste contexto enquanto instrumento de


seleção daqueles considerados propensos à desordem, e mesmo ao crime, também como
forma de afastamento destes em relação ao convívio (ODA, 2001).

Em caminho oposto a este, Juliano Moreira repudia a degenerescência enquanto fator


determinante para o desenvolvimento da loucura. Como já dito, tal perspectiva excluiria o
indivíduo brasileiro de um modelo de tratamento universal, tal qual a medicina psiquiátrica
alemã, inglesa ou mesmo francesa aplicavam em seus respectivos países. Contudo, tal posição
de Juliano pode ser associada a outras perspectivas da classe médica naquele princípio de
século.

Em um ambiente marcado pela intensa mistura de raças, por profundas diferenças


sociais e pela precária estrutura sanitária como se verificava a cidade do Rio de Janeiro ao
final do século XIX e princípio do XX, apresentar uma perspectiva lamarckista15 da medicina,
e mesmo da psiquiatria, favorecia o papel do médico na resolução dos problemas da sociedade
(STEPAN, 2005). Tal importância do psiquiatra em sua contribuição para os problemas
sociais transparecia no discurso de Juliano especialmente em um momento no qual a
patologização da loucura expunha uma questão de ordem jurídica relacionada às dicotomias
loucura e ameaça ou loucura e perigo16.

Para melhor fundamentar a participação dos médicos sob esta atmosfera, partiria então
do Congresso Nacional a promulgação da primeira Lei Federal de Assistência a Alienados, o
Decreto 1.132, de 22/12/1903. Elaborada sob o endosso do pensamento de Juliano Moreira, tal
legislação submetia todas as instituições de alienados no Brasil, públicas e particulares, ao
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, e tornava a loucura um caso de assistência médica
com finalidades de segurança pública (ENGEL, 2001).

15
O lamarckismo aqui deve ser relacionado à teoria de que as heranças deixadas aos sucessores de uma linhagem
no que diz respeito às características do corpo podem ser adquiridas ao longo da vida. Neste contexto,
significaria afirmar que caso a pobreza ou a doença fossem alvo de assistência, educação e cultura a população
brasileira vivenciaria um processo de regeneração. Cf: STEPAN, N. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação
na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005.
16
Naquele princípio do século XX, a ciência procurava buscar as relações entre o estado de sanidade mental de
determinados indivíduos e sua propensão ou não à criminalidade. Casos clássicos de estudo das relações entre a
loucura e o crime ficariam eternizados em processos como o de Custódio Alves Ferrão. Cf: CARRARA, S.
Crime e loucura: o surgimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro/ São Paulo:
Eduerj / Eduesp, 1998.
  54

Tal lei, em princípio, poderia ser vista como a consolidação da visão de dois
personagens nos espaços urbanos. Se antes haveria algum espaço para a imagem irreverente,
incomum e até mesmo de escárnio, quando se refere às peculiaridades cometidas por
alienados nas ruas do Rio de Janeiro, agora, o louco era apresentado como um problema, por
vezes perigoso. Além disso, a mesma lei faria do psiquiatra uma autoridade sobre qualquer
caractere do comportamento desviante, uma vez que era de sua responsabilidade a análise
sobre eventos que fugissem a normalidade e a determinação do destino de indivíduos que
perturbassem a “ordem pública ou a segurança das pessoas” e que “cometessem desatinos em
público” (ENGEL, 2001).

Esta lei é de fato um marco para as instituições médicas no Brasil, inicialmente porque
definia condições bastante favoráveis para a sequestração do louco em relação ao convívio
social e sua devida internação para tratamento em asilos, contrariando os princípios básicos de
liberdades individuais definidos e acordados em Constituição pela República. Contudo, o que
se tornaria mais relevante no texto seria a abertura dada ao médico psiquiatra, para que este
definisse e julgasse o que de fato seriam os tais “desatinos” capazes de pôr em risco a
“segurança das pessoas”. Ansioso pelo combate a tudo aquilo que impedisse a sociedade
brasileira de se equiparar aos moldes de civilização europeus, o Estado republicano conferia à
prática psiquiátrica, poderes arbitrários para identificar o que de fato seria a loucura, e resolvê-
la para a melhoria do convívio social nas cidades (ENGEL, 2001).

A percepção sobre esta arbitrariedade do período não ficaria imune à crítica social.
Mesmo que fora daquele contexto, em tratamento a períodos anteriores, pode ser citada aqui a
obra “O Alienista”, de Machado de Assis, na qual o mesmo descreveria uma autoridade
psiquiátrica, Simão Bacamarte, e a fundação de uma “casa de loucos” na cidade de Itaguaí,
onde seriam reclusos todos os que fossem julgados loucos pelo médico. O desenvolvimento da
trama teria como consequência o avanço da ciência, personificada por Bacamarte, sobre toda a
população da cidade, até que não se soubesse mais diferenciar a loucura do estado de
normalidade, ou saúde mental. Esta tendência faz com que, em determinados momentos da
trama, o psiquiatra optasse por internar um indivíduo vaidoso, ou uma supersticiosa, chegando
até mesmo à conclusão de que todos deveriam ser soltos, sendo apenas ele, o próprio Simão
Bacamarte, o único a ser isolado e protegido da anormalidade e da loucura, comuns a todos os
habitantes daquela cidade (ASSIS, 1882).
  55

Guardadas as devidas proporções em tal comparação, a obra realista de Machado,


cercada de ironias, nos mostra semelhanças à impressão sobre o que com a sociedade ao
perceber a transposição dos muros do hospício pela “ordem” psiquiátrica e o apontamento
possíveis traços de desvio em grande parte da população. Tamanha seria a autoridade
reclamada pela psiquiatria que aqueles profissionais se posicionariam com direitos a
intervenção sobre diversas atitudes individuais, não apenas caracterizadas pela loucura, mas
por qualquer traço de perversão social. Mais tarde, Juliano Moreira, reconheceria que

O conceito de doença mental, que se deve à percepção da loucura como um


comportamento indisciplinável, se estende a todos os outros tipos de comportamento
indisciplinável, que devem ser tratados e estudados pela medicina mental. O crime,
como anormalidade que é, também fica patologizado, e por isso deve ser tratado pela
psiquiatria. (MOREIRA apud PORTOCARRERO, 2002)

O pano de fundo para tais discussões seria o embate entre a perspectiva de existência
de loucos criminosos, ou de criminosos loucos. O despertar para tal questão se dava através do
caso de um estudante chamado Custodio Alves Ferrão, jovem de 21 anos que seria preso pelo
assassinato de um funcionário público de idade avançada e sua empregada, em cenário de
“loucura e sangue” segundo a imprensa da época. Então frequentadores de sua casa,
conhecidos de sua irmã e, segundo esta, alvos da perseguição do próprio Custodio, e não o
contrário, suas mortes fariam surgir a contraposição entre um assassinato cometido em um
momento de monomania ou por um criminoso responsável por seus atos. Tal momento seria
determinante por contrapor ambos os campos: as ciências médica e jurídica em um espaço de
julgamento (CARRARA, 1997).

A defesa apresentaria a tese de loucura, acenada pelo delegado responsável pelas


investigações, e corroborada por peritos médicos atuantes no caso atribuindo o problema à
degeneração. Custódio seria inocentado das acusações, livrando-se do encarceramento no
presídio, contudo seria conduzido ao Hospício Nacional de Alienados. Mesmo que ainda
submissa ao julgamento da autoridade jurídica, a medicina surgiria ali como uma ferramenta
na exposição do crime e, principalmente na diferenciação entre o criminoso e o doente17
(CARRARA, 1997).

17
Mais tarde, a fuga de Custódio do Hospício, que então colocava em prática a política de uma assistência sem
grades provocaria uma grande exposição do então diretor responsável Henrique Teixeira Brandão, que por sua
vez apontaria a irresponsabilidade em colocar um criminoso nato junto aos doentes mentais em recuperação. Tais
discussões que levariam à criação do Manicômio Judiciário, não pertinentes aqui, foram alvo de análise na obra
  56

Em meio a este contexto, enquanto Nina Rodrigues defenderia a criação de um espaço


de reclusão para tais “loucos” considerados perigosos, Juliano discorda, e apresenta opinião
contrária, determinando que o tratamento de doentes com vistas à cura e não à simples
reclusão:

[...] como diz um notável alienista alemão, é a compenetração pública da necessidade


de tratar os alienados como doentes e não somente como gente perigosa de que nos
precisamos livrar e preservar. (MOREIRA, 1907. p.221)

A simpatia de Nina Rodrigues pelo envolvimento do judiciário em questões de ordem


psiquiátrica seria tamanha a ponto de defender a participação de juízes no ato de internação,
de forma a garantir a idoneidade do processo (MOREIRA, 1907. p.231). Juliano prontamente
rechaça tais possibilidades, uma vez que afirma:

Esse modo de pensar está completamente em desacordo com as tendências modernas


de psiquiatria, cujos melhores cultores se esforçam por diminuir o mais possível o
número dos alienados que não devem ser tratados como doentes comuns, isto é,
como doentes de outro qualquer órgão que não o cérebro. (MOREIRA, 1907. p.231)

E ainda conclui:

Acho bem preferível deixar ao paciente o direito de recorrer ao juiz dos tribunais
contra uma possível ou suposta sequestração [arbitrária] do que o deixar sequestrado
com os sacramentos da autorização do juiz. (MOREIRA, 1907. P.231)

CARRARA, S. Crime e loucura: o surgimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro/
São Paulo: Eduerj / Eduesp, 1998.
  57

Entre discordâncias, críticas e conflitos acadêmicos, Nina Rodrigues e Juliano Moreira


compartilhariam uma perspectiva comum: o reconhecimento da diversidade de diagnósticos, e
a impossibilidade de tratamento singular para os mesmos no Hospício Nacional de Alienados.
Enquanto Nina defenderia a criação de um anexo ao Hospício, ou mesmo um pavilhão para os
considerados “perigosos” (ANTUNES, 1999), Juliano propunha uma diversidade maior no
tratamento, chegando a considerar a internação como último caso, como fica claro no trecho:

Os doentes que voluntariamente queiram ser tratados entram naquela categoria dos
que devem ir para as clínicas psiquiátricas, para os hospitais psicopáticos urbanos,
ou para os serviços especiais nos hospitais gerais, de onde sairão curados sem terem
passado pelos trâmites de uma internação, como a entendem os juristas. Caso se
apure que ele é perigoso à segurança das pessoas, a própria ou alheia, é indicada a
sua remoção para um manicômio. (MOREIRA, 1907. P.225)

Assim, mesmo que em referência aos que voluntariamente reconhecem a patologia em


si, Juliano Moreira admite diversas possibilidades que vão alem da simples internação. Tal
pensamento estabelece sintonia mais uma vez com a psiquiatria de Morel, quando este, na
França da segunda metade do século XIX, reconhece a ineficiência dos Hospitais Gerais e põe
em xeque o modelo pineliano de tratamento ou administração da loucura.

Em vistas de constituir um processo com ênfase na cura e não apenas no isolamento,


questões como a profilaxia, a ressocialização e mesmo a participação familiar no tratamento
começam a ser defendidas pelo psiquiatra. Em paralelo ao discurso teórico, Juliano Moreira
conduzia a direção do Hospício Nacional de Alienados, para onde fora nomeado no ano de
1903.

2.4 A assistência proposta por Juliano Moreira

A nomeação de Juliano Moreira como diretor do Hospício Nacional de Alienados18 se


daria após um longo período de estudos deste no exterior. Por intermédio de Afrânio Peixoto e
do Ministro da Justiça e Negócios Interiores J. J. Seabra, Juliano se tornaria o sucessor de

18
A instituição só viria a ser chamada de Hospital Nacional de Alienados a partir de 1911.
  58

Antônio Dias de Barros, cuja administração seria envolvida em uma série de escândalos, tais
como maus tratos a pacientes, promiscuidade entre crianças e adultos e má conservação do
ambiente. (VENANCIO; CARVALHAL, 2005) A presença de Juliano deveria trazer ordem
ao funcionamento, especificidade ao quadro de atendimento e, em especial, legitimidade à
aplicação da psiquiatria enquanto campo científico no Brasil.

Logo em seu princípio, a administração de Juliano Moreira no Hospício Nacional


significaria uma série de reformas para adequação do espaço às determinações da Lei Federal
de 1903, na qual constava que todos os hospícios deveriam

[...] instalar-se e funcionar em edifício adequado, situado em lugar saudável, com


dependências que permitam aos enfermos exercícios ao ar livre; [...] possuir
compartimentos especiais para evitar promiscuidade dos sexos, bem como para
separação e classificação dos doentes, segundo o número destes e a natureza da
moléstia de que sofrem. (MOREIRA, 1905. p.81)

O que se observa naquela passagem do século XIX para o XX, portanto, é o


desenvolvimento de uma série de reformas no campo teórico e prático da psiquiatria no Brasil.
O objetivo destas reformas, segundo o próprio Moreira, seria o de transformar as feições do
tratamento estatal à loucura cada vez mais em assistência a doentes, ao invés de atender ao
desejo da sociedade em isolar os inadequados, perigosos e indesejados, como se expõe:

Elevado que foi à categoria de mero doente do cérebro é evidente que a casa de
Orates se humanizou paralelamente, transformando-se pouco a pouco de prisão em
depósito e depois em hospital. (MOREIRA, 1908. p.374)

É certo que tomar o depoimento de Juliano Moreira sobre o passado do tratamento


psiquiátrico no Brasil Imperial traz problemas, uma vez que sua posição política e suas
perspectivas profissionais o impeliam a adotar uma visão progressista da atuação psiquiátrica.
Atribuir aos médicos do século XIX, ou ao próprio Hospício de Pedro II algum parâmetro
científico, ou mesmo interesse médico seria o mesmo que promover um elogio à monarquia,
algo descabido em um momento de afirmação republicana, em especial para um funcionário
público. Contudo, como já dito no primeiro capítulo deste estudo, não se pode ignorar as
perspectivas curativas do Hospital Pedro II, nem de seus médicos responsáveis, mesmo que
  59

estes ainda não representassem a especificidade psiquiátrica por sua carência acadêmica até
1880 (EDLER; GONÇALVES, 2009).

Contudo, a análise do funcionamento das instituições asilares, em especial as do


Distrito Federal, as quais contavam com maior influência de Juliano, no faz perceber uma
diversificação maior no intuito de atender à diversificação dos diagnósticos então evidente. O
incentivo do psiquiatra baiano a esta diversificação e ao afastamento da figura do Hospício
como espaço viável para o tratamento da doença mental pode ser percebido não apenas em
discurso, como em projeção:

O antigo asilo fechado tende a desaparecer, sendo transformado em hospital urbano


para tratamento imediato dos casos agudos de alienação mental. Sendo assim, não
lhes é mais permitida a antiga feição de cárcere com as suas pesadas grades e
correlatos horrores. (MOREIRA, 1908. P.375)

Note-se que o hospital urbano ficaria aí caracterizado como um espaço de atendimento


emergencial, tal qual uma unidade de pronto-socorro que atende a fraturas ou ferimentos
graves. A perspectiva de associação a trâmites da medicina clínica regular seria importante no
distanciar dos questionamentos sobre a sequestração e seu caráter jurídico, no que Juliano
chamaria de “embaraço com delongas inúteis a hospitalização de um doente” (MOREIRA,
1908. P).

Tal paralelo com a medicina clínica se faz também quando Juliano Moreira idealiza o
hospital urbano ideal para assistência imediata aos males de caráter psiquiátrico:

O hospital urbano quando tenha de comportar mais de 30 doentes deve ser em


pavilhões separados como os bons hospitais gerais modernos. Deve possuir, pois,
sala, ou melhor, pavilhão de observação para os doentes recém-admitidos, sala, ou
melhor, pavilhão para os casos agudos com vigilância contínua aos agitados e aos
propensos ao suicídio. (MOREIRA, 1908. P.377)

Dessa forma, estava sendo fundamentada e esclarecida a diferença entre aqueles


doentes que por algum motivo deveriam ser vigiados constantemente, daqueles considerados
inofensivos e capazes de gozar de certa liberdade. Para estes últimos, a nova assistência
idealizada reservaria um espaço de portas abertas, cujas varandas e trepadeiras afastariam o
  60

aspecto exterior dos caracteres opressores dos antigos hospícios e a organização interior faria
lembrar a moradia comum, uma sugestão de lar e de convívio em sociedade. Este seria o
chamado “asilo colônia”. Sobre a caracterização singular dos espaços de assistência, Juliano
afirmaria:

No hospital e na colônia há sempre a preocupação de afastar tudo o que possa


lembrar caserna ou casa de detenção. Não há mais aquelas divisões simetricamente
dispostas, uniformemente arrumadas, nem aqueles altos muros, separando seções,
nem aquelas grossas grades que tanto afeiavam [sic] as janelas e irritavam os
doentes. (MOREIRA, 1908. P.379)

E ainda sobre a organização interna do asilo colônia e sua preocupação em diferenciar


os diagnósticos:

Sendo o asilo colônia, ou melhor, hospital colônia, todo em pavilhões separados,


pode haver um agrupamento cuidadoso dos doentes do modo mais conveniente ao
tratamento deles. Há pavilhões, verdadeiras vilas, maiores e menores (de 15 a 40
doentes) desiguais e construídos de acordo com a natureza dos pacientes que os tem
de habitar. (MOREIRA, 1908. p.379)

O que Juliano propunha a partir desta diversificação de estruturas era adequar a prática
de assistência aos doentes da psiquiatria ao arcabouço teórico que ele mesmo procurava
consolidar através de seu trabalho editorial com os periódicos Arquivos Brasileiros de
Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, e Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e
Medicina Legal. Se era reconhecido o preceito da doença sobre os loucos, deveria se buscar a
cura ou, ao menos, a definição e a exposição dos casos curáveis ou não curáveis.

Este direcionamento levaria à organização de três grandes grupos de doentes a serem


dispostos nos diferentes níveis de assistência a alienados: os doentes atingidos de psicoses
agudas curáveis ou presumíveis, que deveriam ser hospitalizados nos pavilhões de tratamento
e vigilância contínua; um segundo grupo seria composto por alienados crônicos, incuráveis,
porém válidos fisicamente e que deveriam ser aproveitados em trabalhos agrícolas e em
trabalhos manuais nas oficinas aproveitando o máximo de liberdade possível; e finalmente em
terceiro lugar estariam os alienados enfermos, inválidos, “entrevados”, “senis” e “idiotas
profundos” os quais não poderiam trabalhar e por isso seriam isolados do ambiente que
proporcionou a doença e acompanhados pela assistência familiar. (MOREIRA, 1908)
  61

Contudo, mesmo ao desenvolver uma nova forma de organização da assistência, seguir


em busca de um padrão de cura cada vez mais amplo e propondo um olhar acadêmico mais
específico, a atividade psiquiátrica de Juliano Moreira teria ainda de contornar um velho
problema, já latente desde os anos de 1860: a superlotação. Evitar que o hospital colônia
crescesse em demasiado obrigaria os alienistas a pensarem em novos artifícios como uma
divisão ainda mais específica. O momento de reformulações na assistência permitiu até
mesmo a recorrência à assistência das famílias dos enfermos, como já poderia ser verificada a
aplicação na Colônia do Juquery, pelo então colega de profissão Dr. Franco da Rocha.
(MOREIRA, 1906)
A problemática de crescimento dos hospitais colônia, em especial aquele vislumbrado
por Juliano Moreira para a Capital Federal, já havia sido alvo de algumas tentativas de
contorno. A própria legislação federal apresentada em 1903 pelo Congresso Nacional
representava uma destas tentativas, ao estabelecer como responsabilidade das presidências de
estado a construção e o investimento contínuo em formas de assistência aos alienados. O
assunto era tratado com tamanha seriedade que incluiria a criação de órgãos de fiscalização e
tornavam, ora o próprio presidente de estado, ora o diretor da respectiva instituição, passíveis
de punições como a reclusão ou mesmo a destituição do cargo. (ANTUNES, 1999)

O tratamento psiquiátrico naquele momento se subdividia em diversos espaços de


tratamento diferenciados: em asilos fechados, quando possível, modernizados; em asilos de
portas abertas; em colônias agrícolas, anexas ao asilo; em colônias familiares também anexas
ao asilo; em colônias familiares próximas ao asilo; em colônias familiares independentes; em
aldeias de alienados; por meio de tratamento em domicílio desde o início do diagnóstico; por
meio de tratamento em domicílio em seguida à internação. (MOREIRA, 1908)

No entanto, a tendência à superlotação estaria longe de ser solucionada. Ao contrário,


as novas perspectivas de classificação da enfermidade mental de Juliano Moreira a respeito
das chamadas “anormalidades” ou “personalidades psicopáticas” fariam com que a
diversidade dos tipos passíveis de internação e tratamento desenvolvesse uma expectativa que
tendia ao aumento. Tais diagnósticos consistiam na análise da loucura a partir de condutas
distantes da normalidade, contudo, consideradas comuns da cidade do Rio de Janeiro na
passagem do século XIX para o XX, como o alcoolismo e a promiscuidade.
  62

A exemplo de países europeus, Juliano Moreira pregava o tratamento diferenciados


destes males como viria a dizer:

Assim vão pouco a pouco os países mais civilizados cuidando de diferenciar a


assistência de acordo com as diversas formas de doenças do cérebro, fazendo
hospitais colônia especiais para epiléticos, para alcoolistas e para deficientes:
imbecis e idiotas. (MOREIRA, 1908. P.387)

2.5 O sentido da anormalidade em espaços cariocas

A partir da classificação metódica das enfermidades mentais empreendida por


Kraepelin e reverberada por Juliano Moreira, e da inserção das chamadas “personalidades
psicopáticas” nesta coletânea, o objeto da medicina mental se tornava tudo aquilo que se
adequasse ao diagnóstico, deveras arbitrário, da anormalidade. Caberia ao psiquiatra atuar
junto à sociedade, não apenas sobre o alienado, mas sobre o degenerado ou em vias de
degeneração, tecnicamente saudável, porém exposto a um cotidiano condicionante ao
desenvolvimento da loucura. Esta postura, de caráter higienista, assumida por Juliano Moreira
naquele princípio de século XX, identificava no lugar e na atuação social do médico uma
resposta a uma enfermidade produzida também por um caráter social.

A associação do acometimento da loucura à condutas consideradas imorais, como a


promiscuidade ou o alcoolismo, não representava exatamente uma inovação no que diz
respeito aos estudos médicos europeus ou brasileiros. Já no princípio do século XIX, podemos
perceber a associação destes comportamentos de forma bastante semelhante (PEIXOTO,
1837).

Entretanto, com Juliano Moreira, a psiquiatria brasileira adquiria pressupostos teóricos


orgânicos, um discurso cientificista para assumir este caráter de intervenção sobre os
costumes, não apenas tratando daquilo que se verificava como doença mental, mas prevenindo
o desenvolvimento desta através de uma postura educacional e higiênica. A atuação sobre a
loucura deveria se dar em vistas da coletividade, propagando a prevenção e mesmo destoando
  63

do discurso liberal excludente em evidência durante a Primeira República do Brasil, quando


Juliano determina:

Em países civilizados não se perdem mais palavras para demonstrar que a


coletividade tem obrigação de amparar com a sua assistência efetiva aqueles, cujo
cérebro baqueou durante a concorrência vital. (MOREIRA, 1908. p.374)

Uma postura como esta, quando relacionada ao ambiente histórico na qual está
inserida, isto é, no Rio de Janeiro na passagem do século XIX para o XX, ganha significado
especial, uma vez que se reconheciam naquela cidade necessidades urgentes no combate à
insalubridade e às patologias sociais. Não é equívoco dizer que tais patologias seriam
fortemente condenadas pela filosofia moral, contudo sua apresentação seria ainda mais
ameaçadora quando associada à ação sobre o córtice cerebral que levaria ao cenário de
desenvolvimento de sintomas que traduziam perturbações do corpo e da mente (VENANCIO,
2004).

Apesar de reconhecer a existência de enfermidades avassaladoras sobre a


personalidade desde o nascimento, capazes de um abatimento à capacidade de viver em
sociedade, Juliano Moreira deteve sua atenção primordialmente à análise de doenças
orgânicas que deveriam levar ao desvio de comportamento. Muitas destas doenças, originadas
pelo dito mau comportamento que fugiria aos valores tradicionais da vida familiar católica
brasileira.

Sobre a considerada pior dentre elas, a sífilis, Juliano afirmava que esta enfermidade
poderia causar distúrbios psíquicos, lesões neurológicas e processo degenerativo tão graves
quanto o alcoolismo. Tanto uma quanto o outro, quando não encaradas como
potencializadores, eram vistos também como sintomas, e agrupados a outro mal bastante
controverso até então: a epilepsia. Sobre a visão destas doenças enquanto sintomas, Juliano
discorre:

O degenerado hereditário ou adquirido, pela miopragia do seu sistema nervoso, está


predisposto para as auto ou hetero toxicoses que despertam as tendências delirantes.
[...] A concepção da epilepsia passa atualmente, como a histeria, por um processo
revisor, cuja extensão é impossível prever. Em todo caso, sempre há de ficar um
  64

grupo de degenerados, em que as reações convulsivas são apenas um modo de


descarga nervosa, podendo alternar com outros modos psíquicos de exteriorização
doentia. (MOREIRA, 1912 apud VENANCIO; CARVALHAL, 2005. P.81)

Naquele contexto, no que diz respeito ao ofício do médico e, por consequência, do


psiquiatra, era preciso imprimir o sentido modernizador associado ao controle destes males, e
também das patologias sociais resultantes daquele processo. Antecipar as deficiências, educar
maus hábitos e evitar perversões seria essencial no estabelecimento de uma sociedade
civilizada. Juliano surge pregando esta “regeneração” do povo brasileiro através da atuação
preventiva. A partir do combate/assistência às vítimas das patologias sociais, seus princípios
receberão respaldo político. Isto será suficiente para sustentar uma prática que irá buscar uma
normalização da sociedade e uma tentativa de adequação do espaço urbano carioca aos moldes
de ordenação concebidos e importados da Europa ao final do XIX. Como previa o próprio
Juliano:

Almejara eu, aliás, que já estivéssemos naquela fase social em que o mecanismo
dessa assistência tivesse atingido tal perfeição, que apenas necessitássemos cuidar do
problema, para mim de valia ainda maior, da profilaxia das doenças mentais.
(MOREIRA, 1908. P.373)

2.6 Conclusão

A análise sobre o discurso de Juliano Moreira, e sua contribuição para a psiquiatria no


Brasil, proposta no início deste capítulo priorizou a utilização das palavras do médico em seus
artigos e conferências nos periódicos e sociedades científicas. Através do estudo das fontes e
da crítica sobre elas, considero que foi possível retomar as propostas daquele psiquiatra para a
classificação, o tratamento e mesmo a prevenção da loucura no Brasil.

Além da descrição de sua visão sobre os saberes psiquiátricos no Brasil e no exterior,


busquei também manter contato com a bibliografia existente sobre o período, ora escolhendo
caminhos semelhantes, ora apontando discordâncias em relação ao caráter de ruptura dado a
Juliano Moreira por determinados autores. Considerei importante destacar também que ao
assumir diversos cargos importantes na organização do tratamento sobre a loucura, e ao
  65

fomentar editorialmente novas teorias para a psiquiatria, Moreira pôde colocar em prática
propostas que não necessariamente eram novas, e mesmo exclusivas daquele psiquiatra
baiano.

Contudo, para alcançar conclusões de fato sobre a importância de Juliano Moreira no


controle das anormalidades, será necessário estabelecer suas relações com o ambiente
institucional que o acolheu. Descrever o cenário ideológico de aplicação da República no
Brasil, compreendendo os parâmetros que definiam importantes conceitos como a civilidade, a
modernidade e o progresso, será de extrema importância no estabelecimento do cenário
intelectual que estimulou – e foi contemplado com – o trabalho de Moreira. Seja sob o estigma
da ferramenta política, ou do interesse científico, as teorias e práticas psiquiátricas analisadas
neste capítulo tomarão rumos semelhantes aos objetivos republicanos das primeiras décadas
do século XX.
  66

3 A MODERNIDADE REPUBLICANA E A NORMALIDADE PSIQUIÁTRICA

3.1 Introdução

No capítulo anterior, foi discutido o papel de Juliano Moreira na elaboração de novas


teorias e práticas do campo psiquiátrico brasileiro. Contudo, a todo o momento, foram
pontuadas questões relacionadas ao contexto político, social e cultural que o cercava.
Enquanto intelectual e produtor de enunciados, Juliano Moreira refletiu seus conhecimentos
prévios, suas experiências do presente, assim como o imaginário que o cercava.

Neste capítulo, pretendo analisar o contexto da produção de Juliano Moreira, que


constituiu um pano de fundo, de sua atuação juntamente com suas relações nos círculos
intelectuais que integrava, bem como sua importância para o governo republicano que o
acolheu e nomeou para diversos cargos. Para isso, será importante assumir um caráter
descritivo, observando os direcionamentos políticos e mapeando a produção de diferentes
campos de saber e escolas filosóficas atuantes no país.

Ao final, espero tornar mais clara a semelhança entre os discursos políticos e


científicos na aplicação dos parâmetros de civilização, progresso e modernidade no Brasil. Da
mesma forma espero destacar a importância da produção intelectual de Juliano Moreira neste
processo, apontando sua atuação profissional no tratamento dos males que acometiam a
população brasileira, bem como sua produção bibliográfica, que ajudou a tornar a produção
intelectual e científica no Brasil mais conhecida no exterior.

3.2 A República no Brasil e a busca do moderno

A análise da conjuntura na qual se estabelecia a atuação intelectual e política de


Juliano Moreira no princípio do século XX nos remete à necessidade de identificação de
determinados processos – como o surgimento e a consolidação dos ideais republicanos – bem
  67

como de determinados conceitos – como as noções de progresso, civilização e modernidade


naquele período. A historiografia brasileira que aborda a Primeira República (1889 – 1930)
trata as reformas urbanas promovidas pelo prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Francisco
Pereira Passos, como uma síntese da profunda transformação pela qual a ordem política e
social do país passava. Também estão associadas a estas reformas urbanas, mudanças
estruturais e culturais determinantes para uma melhor compreensão daquele novo
direcionamento intelectual e político da sociedade brasileira, do qual Moreira pertenceu e
contribuiu para formação.

Para discorrer sobre o impacto das transformações sobre aqueles que foram de fato
alvos das reformas, é importante promover uma leitura do que considero ser um sentido
modernizador, bem como sua interação e aceitação junto àqueles que foram seus objetos.
Antes de alcançar o momento de aplicação de tais reformas, considero importante que se faça
aqui um estudo do amadurecimento de tal sentido modernizador, que se dá em conjunto com o
fortalecimento do movimento republicano no Brasil. Desta forma, a primeira tarefa que se faz
relevante aqui é a observação das estruturas políticas e culturais que se formavam na segunda
metade do século XIX e princípio do século XX, e que se consolidam na Primeira República.

Sob estas considerações, estabeleço o princípio da discussão a partir do surgimento de


tendências antimonarquistas ainda em meados do século XIX. Críticas ao “arcaísmo estrutural
e político brasileiro” surgiriam a partir da década de 1870, tendo como principal alvo a figura
do Imperador sob a visão de que, com ele, as instituições governamentais seriam incapazes de
lidar com as especificidades de cada localidade – as províncias – por seus moldes
centralizadores. Pedro II é tido ainda como o representante de uma postura avessa ao processo
de modernização industrial e urbana, em evidência a partir das influências culturais e
econômicas do padrão de desenvolvimento europeu. (SINGER, 2004)

Neste contexto se dá o avanço do pensamento liberal na política brasileira,


fundamentando-se na defesa de valores essenciais como a igualdade de direitos e a liberdade
de atuação e expressão política, por meio de estruturas representativas. Associado a este
posicionamento, por interesse dos grupos políticos que o defendiam, estava um discurso
voltado para a descentralização política brasileira, formulada e espelhada aos moldes do
federalismo, consolidado ao longo do século XIX, nos Estados Unidos.
  68

O discurso de oposição à monarquia se fez apresentando então os perigos de uma


centralização excessiva do poder, capaz de estabelecer tirania, supressão dos interesses
públicos e privados e rompimento do contrato social de representação do povo, a que toda
estrutura de governo liberal se submete. Sob este modelo, buscava-se o estabelecimento de
uma de sociedade caracterizada pelas relações individualistas e pela mínima intervenção
estatal sobre a ordem do mercado regiões. O resultado desta tendência é uma menor
preocupação da sociedade com o interesse coletivo, já que este seria solucionado a partir da
criação dos mecanismos de representação. A ênfase é dada à busca da realização pessoal,
direcionada para a dedicação aos ganhos econômicos e para a produtividade. (CARVALHO,
1998A)

É sob estas concepções que se fundamenta o pensamento liberal brasileiro na segunda


metade do século XIX. Isto porque testemunhava profundas mudanças no que diz respeito a
um princípio de desenvolvimento do capitalismo industrial e na diversificação de uma
economia onde se esboçava agora, com a progressiva transição da mão de obra escrava para a
livre, a formação de um mercado interno considerável. Estas alterações no âmbito estrutural
da economia e sociedade brasileiras sugerem ainda uma divisão clara entre a geração de
caráter empresarial paulista que se adaptará à produtividade moderna e a que não investirá nos
novos instrumentos da produção – em sua maioria – de café, isto é

Enquanto nas zonas pioneiras os fazendeiros introduzem nas fazendas métodos mais
aperfeiçoados, substituindo o escravo pelo trabalhador livre, os fazendeiros das
zonas mais antigas – atingidos pela decadência e ruína dos cafezais cuja
produtividade diminuía consideravelmente, apegavam-se a formas tradicionais de
produção e ao trabalho escravo. (COSTA, 1977. P.307).

O sucesso e o crescimento destes pioneiros demarcava a emergência de um poderio


econômico desvinculado da ordem política imperial, e introduzia sérios obstáculos para
soluções tradicionais a tais questões. Não se tratava da adoção de um ou outro modelo, uma
vez que para estabelecer uma decisão final estava posto que diferentes regiões priorizavam
diferentes medidas. O sistema federativo saía fortalecido como principal resposta para tal
modernização da economia. (COSTA, 1977)
  69

Este entendimento se manifesta inclusive na elaboração de projetos separatistas por


determinadas regiões, como a província de São Paulo19, onde se considerava não haver a
devida representação do Estado, ou pelo menos não tanta representação quanto se observava
em áreas historicamente consolidadas no que diz respeito à manipulação do poder, como o
Vale do Paraíba Fluminense, na província do Rio de Janeiro. Embora alvos de favorecimento
político, os fazendeiros do Vale do Paraíba perdiam cada vez mais relevância no panorama
econômico, devido à manutenção de uma estrutura arcaica de produção escravista que levava
inevitavelmente a uma produção defasada e a um empobrecimento regional. (COSTA, 1977)

Esta profunda modificação nas bases da economia brasileira teria ainda como
consequência uma dinamização da sociedade, verificada acima de tudo pela intensificação da
urbanização e do fortalecimento dos laços entre os setores produtivos monocultores e a
estrutura de abastecimento citadina. Formava-se então um indivíduo diferenciado, ativo
economicamente no campo, e esclarecido politicamente ao vivenciara difusão de ideias e a
troca de influências características da urbe. O resultado destas movimentações conflui para o
fortalecimento do movimento republicano, cristalizando uma proposta definida para o
combate e substituição da instituição monárquica no Brasil. (NEVES, 2003)

Em paralelo a este movimento liberal republicano e também associado aos valores das
esferas produtivas e da integração do país à modernidade estaria o projeto positivista, adotado
em larga escala pela jovem oficialidade do Exército. O positivismo no Brasil surgiria como
uma adequação à filosofia francesa de August Comte, cujo lema defenderia o “amor como
princípio, a ordem como base e o progresso como fim”, determinando a formação de
estruturas voltadas para a inserção brasileira no ideal de civilização organizado ao longo do
século XIX na Europa. Grosso modo, isto significava a ordenação da sociedade, promovida
sob a tutela dos militares formados pela Escola Militar da Praia Vermelha que, pelo estudo
nesta instituição, se tornavam privilegiados no acesso aos saberes necessários para a tutela do
país. Isto configuraria uma República centralizada, representante de seu povo, condutora para
um status quo de progresso social, político e cultural. (NEVES, 2003)

19
Sobre tais movimentos e tais campanhas ver: COSTA, Emilia Vioti da. “A Proclamação da República” In: Da
Monarquia à República – Momentos decisivos. São Paulo: Ed. Grijalbo, 1977.
  70

Estes discursos situavam a política brasileira em um novo arranjo, capaz de conceber a


condução do Estado não mais a partir da figura legítima do rei D. Pedro II. Seu modelo
governamental centralizador, tradicionalista e taxado como improdutivo, deveria ser superado
por instituições representativas, conduzidas de modo a permitir a introdução da sociedade
brasileira no contexto de modernização europeia e norte-americana. (CARVALHO, 1998A)

Romper com as estruturas arcaicas e estabelecer um novo padrão político associado ao


progresso técnico e ao individualismo faziam parte também do contexto europeu do século
XIX, envolvido em um momento a que a historiografia reconhece como Segunda Revolução
Industrial. Sobre este momento, adoto a perspectiva de Nicolau Sevcenko, de que aquele
evento superava o aspecto de uma continuidade do advento industrial inglês no século XVIII,
caracterizado pelo desdobramento de novas técnicas voltadas para o estímulo da produção
fabril. (SEVCENKO, 1998)

Tratava-se, então, de uma intensa mudança no caráter de observação da existência


embasadas em novas descobertas científicas e tecnológicas capazes de romper barreiras
físicas, espaciais e temporais. Não apenas a produção aumentaria “vertiginosamente”, mas
também a expectativa de vida a partir dos estudos sobre medicina, farmacologia e profilaxia, e
ainda o contato e o espaço de divulgação destas novas formas de conhecimento através de
novos meios de comunicação, tomariam considerável amplitude devido ao advento das
grandes cidades como palcos de discussão e difusão de ideias. Tal cenário pela quantidade de
avanços e descobertas em um curto espaço de tempo levaria a população europeia da época a
considerar o momento em que viviam como a Belle Époque. (SEVCENKO, 1998)

Poderá ser percebido o estabelecimento e a imposição de novos valores neste palco em


que ocorre a efervescência da troca e o cosmopolitismo característico das metrópoles. A
urbanidade adquire sentido qualitativo no que diz respeito à educação, às boas maneiras, à
polidez no traquejo social. O comportamento, os trajes, a cultura dos espaços urbanos devia
sua deferência ao parâmetro do que se apresentava como civilizado. A cultura da população de
baixa renda, por sua vez, perdia espaço tal qual uma manifestação do indesejado, do atraso
colonial e do problema a ser solucionado. (SEVCENKO, 1998)

Tais tranformações, essenciais para o desenvolvimento das sociedades ocidentais


contemporâneas, tornam possível a concepção de modernidade discutida aqui, como a
  71

construção de um referencial de organização política e econômica ideal aos olhos das nações
europeias do século XIX. As novas descobertas tecnológicas e científicas, e uma consequente
reformulação de hábitos e costumes da população, caracterizam o binômio civilização e
progresso, como um objetivo a ser atingido e estimulado, não só em território europeu ou
norte-americano, como também em âmbito mundial. Isto é, nesta nova leitura, a concepção de
progresso determinava um padrão de organização ideal para os povos, e este padrão era o de
uma economia capitalista industrial e de uma política liberal republicana. A crítica construída
então recai sobre aqueles, no caso, os países latino-americanos, ainda não inseridos nesta
ordem mundial, considerados carentes de um processo civilizatório. A perspectiva
eurocêntrica pressupõe que seriam reconhecidos não como diferentes em seus sistemas
culturais, e sim desiguais por não terem desenvolvido a mentalidade ideal pretendida a todos
pelo raciocínio dominante. (NEVES, 1998)

Embora, como já explicitado anteriormente, tais perspectivas de modernização já


estivessem em curso no país, estas se davam com a manutenção de Pedro II no trono. E em tal
condição não se percebia mudança, uma vez que a figura do imperador representava um
conjunto de valores que ultrapassavam o arquétipo de um simples governante. Para abalar os
fundamentos da monarquia no Brasil, era necessário combater uma representação que
abarcava valores tradicionais na religião, na economia e na defesa do território.
(CARVALHO, 1998B)

O princípio do desgaste da figura do Imperador em relação às instâncias de poder que


representavam as bases de sustentação para seu regime tem início na década de 1870, em um
contexto denominado Questão Religiosa (1872-1875). O seu posicionamento contrário à
diocese de Olinda quando desenvolvidas críticas à maçonaria, farão estremecer as relações
entre o Estado Imperial e a Igreja Católica, influenciando assim a opinião pública de forma
negativa a seu respeito. Naquele contexto, o âmbito religioso conferia importante legitimidade
na conexão entre o indivíduo e a nação. Isto porque no imaginário popular, a independência e
a consolidação do Estado Imperial brasileiro se colocam também como um padrão imposto
através da autoridade do rei e do embasamento dogmático religioso. Para boa parte da
população brasileira o vínculo estabelecido entre o próprio país e seu povo se dava em menor
escala pela ideia de pertencimento, fraternidade ou autogoverno, e de forma muito mais
  72

incisiva pela tradição de um rei enquanto autoridade cultural e religiosa valendo-se da


afirmação católica20. (CARVALHO, 1998B)

Podemos tomar ainda como um agravante a este contexto de crise monárquica, o abalo
provocado pela Lei Áurea à classe senhorial tradicionalmente escravocrata do Vale do Paraíba
Fluminense. A crise daqueles que se colocavam como importantes alicerces da política
imperial, próximos ideológica e geograficamente, fará com que esta perca vigor e estabilidade.
(COSTA, 1977)

O apoio determinante perdido neste contexto de superação da monarquia seria o


daqueles considerados como monarquistas de formação e republicanos por ocasião, a alta
oficialidade do Exército. Recém-vitoriosos na Guerra do Paraguai (1865-1870), cristalizada à
época como uma verdadeira luta da civilização contra a barbárie21, os militares retornariam a
um país incapaz de assimilá-los ao jogo político nacional. Seja pela questão do estatuto
interno que os diferenciava dos civis, ou pelo fato de que a política se mantinha como espaço
privilegiado da retórica dos bacharéis e não da prática dos militares. É neste sentido que se
configura a dita Questão Militar, tendo como conseqüência

A visão de que entre a Nação e o Estado, entre as classes, os escravos e o Império


havia um estamento cívico, provado na luta, que merecia o respeito e queria exercer
o poder [...] Nascia assim um sentimento de pertencer a uma espécie de ordem
privilegiada, mas cujo privilégio, na ideologia de seus membros, derivava de
abstinências e privações: um espírito de renúncia material que deveria compensar-se
pela ampliação dos poderes de interferir para o bem da pátria. (CARDOSO, 2004.
P.32).

Assim, é das insatisfações do alto escalão, associadas ao radicalismo positivista, que


podemos compreender a destituição do Imperador no movimento de concretização da

20
Não é objetivo deste trabalho discutir a identidade nacional brasileira no século XIX, contudo, houve esforços
do Estado brasileiro ao longo daquele século no sentido de fortalecimento do nacionalismo, através da criação do
IHGB, dos Institutos Históricos nas províncias e dando suporte ao movimento romântico na constituição de um
ideário nacional para as elites. Cf: GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O
Instituto Histórico e Geográfico e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 1,
1988, p. 5-27.
21
Embora importante para o estudo da desestruturação do Estado Imperial, a caracterização da Guerra do
Paraguai, e mesmo a uma descrição da atuação do Exército brasileiro naquele conflito não serão abordadas aqui.
Para aprofundamento conferir DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
  73

República: o 15 de Novembro. A ação militar, entretanto, como se pode supor, não seria
desvencilhada de participação civil.

Tratava-se de uma articulação entre os interesses liberais republicanos dos grandes


proprietários – majoritariamente paulistas –, interessados na aplicação do federalismo e na
modernização econômica capitalista, associados ao ímpeto de uma jovem oficialidade disposta
à adequação do Estado brasileiro à ordem e ao progresso, bem como as civilizações europeias
que os inspiravam. Em meio a este processo, o que se pode verificar é a ausência de
mobilização, envolvimento ou compreensão popular a respeito do que ocorria, sendo estes
descritos pelo jornalista Aristides Lobo como meros espectadores “bestializados”
(CARVALHO, 1987).

A tutela militar a partir da instituição republicana em princípio se torna inevitável,


tendo em vista que o aparato e a organização do Exército seriam essenciais para a imposição
de uma ordem política que não era exatamente um fruto do clamor popular. Além disso, era
necessário controlar as tendências monarquistas, romper com as estruturas fundamentadas na
religião católica e, por fim, controlar a turbulência política, social e econômica causada pela
abolição da escravidão e pela entrada em massa do trabalho imigrante não mais restrita à São
Paulo, mas em diversas localidades do país (CARVALHO, 1998B).

É sob esta ótica que observamos os governos dos presidentes Deodoro da Fonseca
(1889 – 1891) e Floriano Peixoto (1891 – 1894), como um período de consolidação da
República no Brasil. Neste sentido, a aliança entre os interesses liberais republicanos e as
forças militares comandadas por Deodoro e Floriano seriam essenciais para promover a
superação de um momento inicial marcado por desequilíbrios econômicos e suas consequentes
contestações sociais.

O pacote fazendário elaborado por Rui Barbosa, que teria como resultado a crise
chamada de Encilhamento, é um exemplo, visto que consistia na emissão de moeda e crédito
voltado para a produção industrial, sem, contudo, atentar para o controle da especulação e dos
altos índices de inflação provocados pelas negociatas do novo regime. A política de caráter
artificialista em relação ao desenvolvimento de uma economia industrial logo provocaria
reações negativas, como as críticas e a oposição da burguesia cafeeira e mesmo greves de
trabalhadores urbanos. Além disso, marca o período também a eclosão de movimentos da
  74

Armada em oposição ao regime dos comandantes do Exército, demonstrando insatisfação pela


ausência de participação na estrutura republicana. A busca por estabilidade em meio a essa
convulsão social se faz pelo uso da força, em princípio, de um marechal com formação
monárquica e que caminhava no sentido a um golpe ditatorial; e ao final, por outro marechal,
este positivista, valendo-se de um pulso de ferro frente às contestações (NEVES, 2003).

No entanto, apesar da atuação marcante dos militares e da denominação desta


“República da Espada”, não se deve perder de vista o fato de que

[...] mesmo sob a ditadura de Deodoro ou sob o férreo controle de Floriano, o jogo
dos interesses regionais foi mantido. Estes sempre se fizeram representar junto ao
Governo Central, detendo pastas importantes nos Ministérios e, enquanto a energia
republicana voltou-se contra setores (real ou supostamente) ligados à ordem
imperial-escravocrata, o democratismo agrário-regional dos grandes Estados não
teve por que opor-se à conduta militar. (CARDOSO, 2004. P.43).

O governo que se seguiu aos governos militares marca o princípio da condução


paulista na construção do regime republicano, com a ascensão de Prudente José de Morais e
Barros (1894 – 1898). O primeiro presidente civil encontraria um período não menos
conturbado que seus predecessores, desta vez, por fatores externos, representados pela
desvalorização do café no mercado internacional e, em fatores internos, relacionados às
disputas intra-oligárquicas pela preponderância política e pelo constante desejo de autonomia
para aplicação do poder das elites locais.

O que o sistema passa a buscar então neste período é uma despolitização da


presidência, ou seja, a autonomia regional garantida por um Executivo Federal exclusivamente
administrativo. O cientista político Renato Lessa propõe um estudo sobre este período a partir
do entendimento de uma dicotomia entre os conceitos de demos e polis, sendo o primeiro a
parcela da população votante composta pela reduzida massa crítica das cidades – o eleitorado
– e o segundo relacionado ao conjunto de artífices do monopólio representativo – os oligarcas.
Neste sentido, para a classe oligárquica o interessante seria a supressão do demos e da polis
nacional, representadas pela capital federal, o Rio de Janeiro, e a realização do jogo político
no plano dos Estados da federação, conduzido naturalmente de acordo com a vontade dos
coronéis (LESSA, 1990).
  75

É nesse panorama de fortalecimento das oligarquias regionais que a República


consagrou, estimulando a concentração de terras e de renda, e tendo como consequência a
pobreza, a miséria e a opressão sobre a maioria, que surge a principal revolta a ser combatida
pelo governo Prudente de Moraes: a sublevação dos camponeses do arraial de Canudos. Este
movimento, que ocorre no sertão baiano, é manipulado pelo poder central que emanava do
sudeste como a manutenção de resquícios da tradição monárquico-católica no imaginário
popular, sendo dessa maneira perigoso pelo potencial de questionamento ao regime
republicano e pelo fomento a possíveis fragmentações do território nacional. Mais tarde, a
partir de uma abordagem narrativa e intimista promovida por Euclides da Cunha o
entendimento da revolta se dá a partir da estruturação de uma sociedade excludente em
relação aos revoltosos de Canudos, relegando-os a uma situação marginal em relação aos
benefícios e à modernização republicana. O homem do sertão brasileiro se tornava bárbaro
pela ausência de contato com os ditames da civilização construída e que se tentaria imprimir
ao meio urbano22 (SEVCENKO, 1985).

Dessa forma, no plano estadual, eram construídas relações sociais alicerçadas “no
privilégio, no arbítrio, na lógica do favor, na inviolabilidade senhorial dos coronéis e nas
rígidas hierarquias assentadas sobre a propriedade, a violência e o medo” (NEVES, 2003.
P.15). Já no meio urbano, especificamente na cidade do Rio, o que se buscava era a
reprodução dos “modos de viver, os valores, as instituições, os códigos e as modas daquelas
que eram vistas como as nações progressistas e civilizadas” (NEVES, 2003. P.19). A
República se constituía a partir de um distanciamento da realidade do campo para com a
cidade.

Em meio a esta necessidade de promover equilíbrio às relações e conflitos intra-


oligárquicos assume a presidência o também paulista Manuel Ferraz de Campos Sales (1898 –
1902). O traço político de maior relevância em seu governo reside na formulação do tratado
político a que ele mesmo denominou como “Política dos Estados”. Esta consistia na
elaboração de um acordo que garantisse autonomia regional suficiente para que as elites locais

22
Como já dito anteriormente, constituir-se-ia naquele momento uma definição para o termo urbano, ou
urbanidade, como uma qualidade ou característica relacionada à ideia de educação, cultura e polidez,
características ambicionadas pela direção política da época. Cf: AZEVEDO, Andre Nunes de. Entre o progresso
e a civilização: O Rio de Janeiro na grande reforma de 1903 a 1906 In: Da Monarquia à República:Um Estudo
dos Conceitos de Civilização e Progresso na Cidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906.( Tese de Doutorado
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2003)
  76

manejassem a ordem e até mesmo o processo eleitoral. Em troca desta liderança institucional
tudo o que o poder federal exigia era o respaldo político, através dos votos em eleições
fraudadas ou manipuladas, para a manutenção do status quo de condutor do equilíbrio
republicano.

Como representação deste poder federal, a cidade do Rio de Janeiro enquanto capital
deveria operar não apenas como um centro irradiador de reflexão política e da implantação de
inovações administrativas agora republicanas, mas como um espaço de culto ao regime e à
modernização proposta por ele. Deveria representar tudo aquilo que se desejava assimilar
nesta passagem do século XIX para o XX: uma sociedade civilizada, disciplinada, ordenada
em direção ao tão discutido e idealizado progresso. A cidade se estabeleceria enquanto uma
“Vitrine do Progresso” (NEVES; HEIZER, 1998), e tal qual uma vitrine, teria como
funcionalidade única e exclusiva a representação de um produto desenvolvido a uma distância
considerável dali, produto este, diga-se de passagem, a própria política republicana.

3.3 O Rio de Janeiro no princípio do século XX

Uma nova leitura – ou escrita – da cidade do Rio de Janeiro como baluarte da


modernidade e do progresso da República perpassava a pretensão de ambientar aqui uma
verdadeira “Paris dos trópicos”, revivendo os grandes salões, as largas avenidas, a vestimenta
e até mesmo o branqueamento de sua população. Estas características desejadas, entretanto,
esbarrariam na realidade populacional e na estrutura material do espaço urbano da capital.

No princípio do século XX, a descrição feita pelos higienistas sobre a cidade contava
com a caracterização de espaços físicos compostos por vielas estreitas, que dificultavam a
circulação de pessoas e veículos, morros que cercavam a cidade impedindo a circulação de ar,
além da predominância da precariedade nas moradias, os cortiços. Nestes a grande maioria de
sua população vivia em condições miseráveis, por partilharem cômodos limitadíssimos,
condições insalubres e estarem expostos à dita promiscuidade de seus habitantes. Estas
condições do espaço de convívio eram apontadas como os principais problemas para a
reprodução de uma civilização aos moldes europeus no Rio de Janeiro, juntamente com o
caráter fortemente miscigenado de seu povo. A presença do elemento estrangeiro aqui se fazia
  77

desejável ao extremo por possibilitar, neste processo, um considerável embranquecimento da


população, e a superação de questões até então associadas exclusivamente à raça
(SKIDMORE, 1976). Além disso

[...] num momento de intensa demanda por capitais, técnicos e imigrantes europeus,
a cidade deveria operar como um atrativo para os estrangeiros. Mas, ao contrário, ela
era acometida por uma série de epidemias, que assolavam e vitimavam sua
população e, eram ainda mais vorazes para com os estrangeiros, os quais não
dispunham dos anticorpos longamente desenvolvidos pela população local. [...] Por
isso a cidade tinha, desde o século XIX, a indesejável reputação de túmulo do
estrangeiro. (SEVCENKO, 1998. P.18).

Uma vez percebido que a simples abertura política e cultural brasileira em relação às
influências estrangeiras não seria suficiente para “regenerar” um povo e constituir em
definitivo o modelo de civilização baseado no progresso e na modernidade, o discurso das
elites se volta para a reforma urbana. Ao lançar seu olhar sobre a intensa pobreza
característica das ruas da cidade-capital, a imensa quantidade de cortiços amontoados no
centro da cidade, a ausência de saneamento, de potencial de crescimento e de organização
para a superação daquelas estruturas distantes do padrão civilizatório que se buscava, o que os
dirigentes na nova República concluiriam era a necessidade de reforma. O discurso
reformador não surgia a partir daí como opção de desenvolvimento tomada pela sociedade,
mas como uma imposição do progresso a partir dos entendimentos técnicos e científicos do
novo regime. E essa imposição se fazia em favor da superação de tudo aquilo que se
reconhecia como arcaico, decrépito, e, na prática, um resgate ao atraso monárquico e a tudo o
que ele representava (RODRIGUES apud AZEVEDO, 2002).

Os valores de ordem e progresso, bases da filosofia positivista, deveriam orientar a


nova realidade, bem como os hábitos e o cotidiano da sociedade. Para isto, os administradores
públicos não hesitaram em reprimir todas as manifestações do passado “colonial” que
pretendiam apagar. É exatamente dessa maneira que se posicionam os mentores destas
reformas urbanas, durante a administração do prefeito Pereira Passos: os engenheiros Lauro
Muller, Paulo de Frontin e Francisco Bicalho.

[...] como era de se esperar, se voltaram contra os casarões da área central, que
congregavam o grosso da população pobre. Porque eles cerceavam o acesso ao porto,
  78

porque comprometiam a segurança sanitária, porque bloqueavam o livre fluxo


indispensável para a circulação numa cidade moderna. Iniciou-se então o processo de
demolição das residências da área central, que a grande imprensa saudou
denominando-o, com simpatia, de a Regeneração. (SEVCENKO, 1998. P.19).

Inicialmente, o fenômeno conhecido como o “bota abaixo” determinaria a superação


da estrutura urbana do Rio de Janeiro como se conhecia até então. A nova realidade traria
largas avenidas que privilegiavam o passeio, edifícios modernos em estilo eclético, inspiradas
na Bélle Epoque, e por fim a estruturação de um porto capaz suprir as necessidades comerciais
de uma grande capital internacional. Assim confirmava o então presidente Rodrigues Alves ao
Congresso Nacional:

As condições gerais de salubridade da capital, além de urgentes melhoramentos


materiais reclamados, dependem de um bom serviço de abastecimento de águas, de
um sistema regular de esgoto, da drenagem do solo, da limpeza pública e do asseio
domiciliar. Parece-me, porém, que o serviço deve começar pelas obras de
saneamento do porto, que têm de constituir a base do sistema e hão de concorrer não
só para aquele fim utilíssimo, como evidentemente para melhorar as condições do
trabalho, as do comércio e o que não deve ser esquecido, as da arrecadação de nossas
rendas. (MENSAGENS PRESIDENCIAIS, 1903. p.311-312)

Além desta abordagem estrutural, do ponto de vista estético e produtivo funcional, o


avanço da chamada Regeneração contou também com o embasamento científico do médico
sanitarista Oswaldo Cruz. Este:

[...] empregando as novas descobertas da pesquisa médica e biológica, atacou a febre


amarela, a peste bubônica e a varíola. Brigadas sanitárias percorreram a cidade
inspecionando, limpando, desinfetando, mandando reformar ou derrubar casas.
(CARVALHO, 1998C, p.11-12).

Como já pode ser percebido, tais reformas assumiam um caráter interventor sobre o
espaço urbano e seus habitantes. Este caráter se torna um fomentador no que diz respeito às
revoltas populares. Estas revoltas, caracterizadas pela reação contrária à chamada vacina
obrigatória, ganham sentido quando inseridas neste contexto maior. Dessa forma, sejam
voltados contra a intervenção governamental sobre a propriedade em um avanço desrespeitoso
do público sobre o privado, ou manifestações contra a violação da intimidade corpórea, os
  79

movimentos populares reagiam principalmente revelando sua hostilidade ao novo regime que
as impunha (CARVALHO, 1984). Excluídos de qualquer forma de participação na construção
republicana, a marginalidade carioca, composta pelos malandros, ambulantes e prostitutas se
revoltava contra a imposição de valores a que eram completamente indiferentes, senão
contrários.23

A eclosão da Revolta da Vacina (1904) e a resistência popular às reformas permitem


encarar a transformação estrutural da cidade aos moldes parisienses como inadequada para
aquela população, seja relacionada às práticas e costumes originais ou mesmo à suas
moradias. Esta mesma população passa a ser taxada como incapaz de atingir os trâmites
progressistas que a elevariam ao status quo de civilização. A solução não estaria então apenas
nas reformas urbanas, mas na abdicação de qualquer herança do passado histórico brasileiro
que estabelecesse relação conflituosa com a nova realidade, e isso, em linhas gerais,
significava a supressão das manifestações culturais nocivas à nova ordem estabelecida pela
República. O apoio da elite intelectual ao avanço das reformas governamentais, mesmo com o
atropelo de quaisquer obstáculos, transparece na Crônica de Olavo Bilac:

A avenida já não é um sonho, e o povo já compreendeu que só o amam


verdadeiramente aqueles que, em lugar de engambela-lo com discursos, querem dar-
lhe saúde e vida decente, dando-lhe uma capital moderna e esplêndida. Para ver
como o povo já sente a extensão dos benefícios que lhe estão preparando o governo e
a prefeitura, basta lembrar a alegria com que se celebrou, há poucos dias, a queda da
última das casinholas da rua Treze de Maio. Sustentada pela birra, escorada pela má
vontade, ela era o último protesto contra o progresso. Isolada no meio da rua, como
uma excrescência mórbida, o casebre indecente berrava contra a iniciativa do
Prefeito; as suas vigas podres, os seus tecidos arrebentados, os seus portais
carcomidos, as suas janelas tortas diziam: “não! Não saio daqui porque sou o
passado, porque sou a feialdade, porque sou a treva, porque sou a imundície; não
saio daqui, porque não admito o progresso (...) Chegou o dia em que a
desapropriação por força de lei conseguiu obter o que não obtivera a persuasão. O
torpe casebre caiu, e o povo correu para buscar uma banda de música, e
triunfalmente passou e repassou sobre os destroços de monstros aniquilados,
celebrando a vitória do ar e da luz. (BILAC apud AZEVEDO, 2003. P.263)

23 Há outras interpretações para a Revolta da Vacina, como a apresentada por Sidney Chalhoub em “Cidade
Febril”, onde relaciona a obrigatoriedade da vacina contra a varíola a uma imposição contra as práticas religiosas
de origem africana, que a entendiam como ritual semelhante ao da variolização como a manifestação de
Obaluaie, a entidade da doença. Cf: CHALHOUB, Sidney. “Cortiços” In: Cidade Febril – Cortiços e Epidemias
na Corte Imperial. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996.
  80

Contudo, o fenômeno do “bota abaixo” e da Regeneração, a despeito de abordar os


aspectos espaciais da cidade, determinando uma nova regulamentação destas habitações,
portanto, não se restringiu às estruturas e aos espaços físicos de convívio. A higiene não se
voltava apenas para a manutenção da limpeza urbana, para o afastamento dos riscos de
proliferação de doenças e para a manutenção da ordem pública. A higiene assumiu na
reestruturação carioca na Primeira República também suas feições interventoras de conotação
física e comportamental. (SEVCENKO, 1998)

Inserido em um contexto de imposição cultural, validada pelo respaldo político


modernizador, o movimento aqui chamado de higienismo pode ser caracterizado pela
idealização de um padrão populacional brasileiro. Modelo este disciplinado, ordenado e
conduzido pelo discurso liberal republicano, ávido pela estruturação de um Rio de Janeiro
civilizado, moderno, legítimo na representação dos avanços trazidos pela República brasileira.

Limpar a cidade, naquele momento, não se limitava mais a um combate às ocupações


desordenadas, ao saneamento precário e ao potencial de proliferação de doenças. O
afastamento da desordem não poderia ser promovido apenas pelo discurso pragmático da
engenharia e do controle sanitário. O próprio significado do termo civilidade – a qualidade
daquele que vive a civilização – segundo a concepção da época, afirmaria tal perspectiva uma
vez que se refere a um “conjunto de formalidades, observadas pelos cidadãos entre si, quando
bem educados; delicadeza, cortesia” (CANDIDO FIGUEIREDO apud AZEVEDO, 2003,
P.240). Neste sentido, atingir a civilização e mesmo caminhar rumo ao progresso no Rio de
Janeiro significaria reformular não apenas as estruturas materiais, como modificar os hábitos
de sua população caso não fossem adequados ao padrão europeu.

Embora o crescimento urbano, a modernização e industrialização citadinas fossem de


fato desejados pela direção política do Estado, era preciso encarar o fato de que a implantação
deste modelo acarretaria o acúmulo populacional em condições muitas vezes insalubres ou
degenerativas24. Era preciso imprimir o sentido modernizador associado ao controle destes
males, e também das patologias sociais resultantes daquele processo. É a partir deste âmbito

24
Considerações sobre as mazelas da industrialização no século XIX já foram comentadas nesta dissertação no
primeiro capítulo, contudo é importante ressaltar que, mesmo o progresso das nações europeias foi acompanhado
do consequências como o esgotamento físico e mental, exploração do trabalho feminino e infantil, proliferação
dos vícios e da criminalidade. Cf: STEPAN, N. L. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.
  81

que toma força a figura do médico, capaz de superar o individualismo das consultas ou a
restrição dos muros dos hospitais para tratar a comunidade. Este médico, higienista, pensará
não só no combate às bactérias e aos grandes surtos epidêmicos, mas também às reconhecidas
e denominadas “deficiências” gerais da população. Antecipar estas deficiências, educar maus
hábitos e evitar “perversões” seria essencial no estabelecimento de uma sociedade civilizada.
(SCHWARCZ, 1993)

Embasada em uma retórica fortemente científica, a medicina social higienista no Rio


de Janeiro cristalizava no combate aos vícios o seu alvo. E segundo as concepções da época

[...] como o maior vício possível em um ser humano é o não-trabalho, a ociosidade,


segue-se que aos pobres falta a virtude social mais essencial; em cidadãos nos quais
não abunda a virtude, grassam os vícios, e logo, dada a expressão classes pobres e
viciosas, vemos que as palavras pobres e viciosas significam a mesma coisa.
(CHALHOUB, 1996, p.21).

É baseado nesta linha de raciocínio que se promove a exclusão das classes pobres,
associadas ao perigo por sua evidente exposição à vícios tais como, a promiscuidade, o
alcoolismo, entre outras intoxicações. Sobre estas classes, seus comportamentos e seus hábitos
de moradia se debruçará a política nos primeiros anos da República no Brasil. Vistos como
nocivos à sociedade pelo acúmulo de pobreza e degradação, os cortiços serão demolidos pelas
intervenções reformistas, que, além disso, vão impor políticas sanitárias contra epidemias, e,
no limite sobre os chamados “maus costumes” da população (CHALHOUB, 1996).

Para operacionalizar estas modificações do convívio, a medicina do comportamento –


a psiquiatria – deveria se debruçar sobre os hábitos do povo. Toda a manifestação dissociada
da nova realidade deveria ser patologizada, tratada e erradicada. A higiene ganhava conotação
liberal, e teria um importante papel na conservação do espaço público urbano livre do
meretrício, da vadiagem e das patologias sociais de maneira geral. Uma nova sociabilidade,
cuja valorização se dava a partir da organização e vivência familiar e doméstica, se
apresentava à cidade do Rio de Janeiro e seus habitantes. Esta seria dada como a única forma
de estabelecer a desejada Paris dos trópicos em uma cidade, até então, caracterizada pelo
atraso, pela insalubridade e pela demarcação de um passado/presente colonial.
  82

3.4 discurso modernizador da psiquiatria e da política: resistências e afirmações

A nova matriz psiquiátrica apresentada por Juliano Moreira seria de extrema


importância naquele contexto reformista que acabamos de descrever. Os então ditos
comportamentos viciosos, tais como a promiscuidade, o alcoolismo e a vadiagem,
apareceriam na literatura do psiquiatra baiano, não como condicionantes à degeneração, mas
sim como demonstrações de uma doença já instalada e manifesta. Tais diagnósticos
receberiam ainda a denominação de “anormalidades”, facilitando ainda mais a compreensão e
a defesa da normalidade. Não se tratava mais de um padrão de vida familiar tradicional
defendido pela moral burguesa, mas de um objetivo traçado pela medicina e a considerada
imparcialidade científica.

A profunda modificação do cenário da cidade do Rio de Janeiro ganhava, então mais


um espaço de legitimação, agora voltado para as manifestações do pensamento. Mais esta
ferramenta no processo de Regeneração se fazia importante uma vez que reafirmava o
princípio higienista, no qual ficava clara

[...] a ideia de que uma cidade pode ser administrada, isto é, gerida de acordo com
critérios unicamente técnicos ou científicos: trata-se da crença de que haveria uma
racionalidade extrínseca às desigualdades sociais urbanas, e que deveria nortear a
condução não-política, competente, eficiente, das políticas públicas. (CHALHOUB,
1996. P.20)

O fato de ser “não-política”, ou “extrínseca às desigualdades sociais urbanas”, tornava


o discurso reformista, e da mesma forma o discurso psiquiátrico, objetivo, distante dos
interesses privados e, acima de tudo, inquestionável. Isto em um momento no qual tal sentido
modernizador recebia suas críticas pelo caráter truculento e ignorante, no sentido de
desconsiderar os valores e os sentimentos da população alvo das intervenções urbanas.

O individualismo levado aos exageros destruidores do egoísmo, enfraqueceu os laços


de solidariedade... Infelizmente [...] a noção de sacrifício se extingue com os
progressos do individualismo revolucionário, cujo preceito supremo é o cada um por
si.
  83

O Rio de Janeiro é o cosmopolitismo, é a ambição de fortuna de todas as criaturas,


talvez, de todas as nações da terra, cada qual querendo vencer e dominar pelo
dinheiro e pelo luxo, de qualquer maneira e a qualquer preço. (BARRETO apud
SEVCENKO, 1985. P.56)

Se a dissolução dos costumes que todos anunciam existente, há antes dela houve a
dissolução do sentimento, do imarcescível sentimento de solidariedade entre os
homens. (BARRETO apud SEVCENKO, 1985. P.56)

Sob a perspectiva do filósofo polonês Bronslaw Baczko, a reação do imaginário social


ao ter contato com determinado conjunto de ideias incoerente ao ambiente pré-estabelecido
tem como iniciativa rechaçá-lo. Baczko observa ser improvável que tal cultura, semelhante ou
relacionada, se afirme sem nenhuma forma de afinidade sociocultural capaz de ambientar o
pensamento (BACZKO, 1985). Neste sentido, caberia a psiquiatria trabalhar sobre este
imaginário popular de forma a reprimir as atitudes e vozes indesejadas ao bom andamento da
aplicação da civilização e do progresso no país e, em particular, no Rio de Janeiro25.

Isto porque o ato de civilizar a população carioca apresentava-se, primeiramente, como


uma necessidade para dar continuidade ao progresso em curso no país, tornando-a partícipe do
estabelecimento da cultura moderna apresentada pelo corolário republicano. O paulista
Francisco de Paula Rodrigues Alves, imbuído destes princípios, afirmaria seu papel como
presidente da República:

Quando em 15 de Novembro de 1902, assumi o governo, tomei o compromisso


formal de empenhar todos os meus esforços em prol dos grandes interesses nacionais
(...); cuidar, em suma, da vida econômica do país, e, especialmente do saneamento e
remodelação desta capital, como condição indispensável para que todos os elementos
de progresso possam ser ativados eficazmente. (RODRIGUES ALVES, 1906. P.377)

Entretanto, tais necessidades apresentavam-se também como obstáculos aos mais


céticos, que enxergavam ali a preguiça, o ócio e desobediência imutáveis. Para responder a
tais críticas, o discurso oficial afirmava:

25
A curiosidade aqui se dá pela inversão das significações dos conceitos na cidade do Rio de Janeiro neste
período de reformas urbanas. Enquanto o sentido da Civilização seria o de finalidade do progresso material de
uma sociedade, aqui a mesma Civilização se apresenta como meio para possibilitar tal progresso. Cf:
AZEVEDO, André Nunes de. Entre o progresso e a civilização: O Rio de Janeiro na grande reforma de 1903 a
1906 In: Da Monarquia à República:Um Estudo dos Conceitos de Civilização e Progresso na Cidade do Rio de
Janeiro entre 1868 e 1906. Tese de Doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2003.
  84

Onde vai perdida nossa fama de povo preguiçoso, amolentado pelo clima e pela
educação, incapaz de longo esforço e tenaz trabalho? [...] já é tempo de se recolher
ao gavetão onde se guardam os chavões inúteis, essa lenda tola da nossa incurável
preguiça. (BILAC apud SEVCENKO, 1985. P 45)

Atingir a civilização, o progresso, a modernidade exigiam não apenas legislações,


vontade política estatal, como também engajamento da sociedade como um todo. Solucionar
problemas da ordem dos costumes e contribuir para a constituição de uma sociedade liberal na
cidade já se mostrava como um desejo desde o final do século XIX, quando os discursos
políticos na câmara afirmavam:

Há o dever imperioso por parte do Estado de reprimir e opor um dique a todos os


vícios que o liberto trouxe de seu antigo estado, e que não podia o efeito miraculoso
de uma lei fazer desaparecer, porque a lei não pode de um momento para o outro
transformar o que está na natureza.

[...] A lei produzirá os desejados efeitos compelindo-se a população ociosa ao


trabalho honesto, minorando-se o efeito desastroso que fatalmente prevê como
consequência da libertação de uma massa enorme de escravos, atirada no meio da
sociedade civilizada, escravos sem estímulos para o bem, sem educação, sem os
sentimentos nobres que só pode adquirir uma população livre. (MAC-DOWELL
apud CHALHOUB, 1996. p.24-25)

Percebe-se na fala do deputado a referência aos problemas trazidos pela inserção dos
escravos na sociedade a partir de sua libertação. Contudo, a abordagem se assemelha à de
Juliano Moreira quando percebe não na raça, ou na constituição hereditária, os problemas de
adaptação em uma sociedade civilizada. Segundo o referido discurso político, bem como
também para a psiquiatria do princípio do século XX, a resolução dos vícios e a regeneração
da cidade caminhavam lado a lado com a assistência preventiva, isto é, com a educação
higiênica e a intervenção sobre as anormalidades praticando a internação dos “doentes” em
espaço adequado.

Em conferência realizada no dia 24 de Outubro de 1912 nos salões da Biblioteca


Nacional, Juliano Moreira afirmaria o “Progresso das Ciências no Brasil”, e faria questão de
criticar tal discurso fatalista em relação à capacidade de evolução do povo brasileiro e de seu
corpo científico, estabelecendo suas críticas.
  85

Durante algum tempo colecionei os mais divertidos disparates escritos a nosso


respeito. [...] Não há muito li, transcrito como verdade atual, o trecho de Buckle, em
que tal mal se diz de nós. Escreveu aquele historiador da civilização, depois de
enumerar os esplendores de nossa natureza: “tais são a efusão e a abundância vitais
que distinguem o Brasil entre todos os países do mundo. Mas em meio desta pompa,
deste esplendor de natureza, não há lugar para o homem. Este é reduzido à
insignificância pela majestade que o cerca... O Brasil todo, apesar das grandes
vantagens que parece ter, sempre ficou sem a menor civilização. Seus habitantes são
selvagens errantes incapazes de combater os obstáculos que a riqueza mesma da
natureza lançou em seu caminho. (MOREIRA, 1912. P.43-44)

O psiquiatra baiano evoca o caráter higienista, seu interesse na regeneração do povo e


na capacidade do estabelecimento de avanços sociais e materiais no Brasil, segundo o modelo
estabelecido no continente europeu. Todavia, sobre tais avanços, Juliano Moreira é taxativo,
bem como a mentalidade política da época a respeito da modernização teórica e prática das
ciências no Brasil, ao reafirmar a importância da adequação do pensamento brasileiro ao
estrangeiro:

Não me proporei o esforço pseudo-patriótico de fazer apenas a bibliografia dos


trabalhos empreendidos pelos nossos compatriotas nos diversos ramos das ciências.
Não só porque a internacionalização crescente do saber humano no-lo impede, como
ainda porque no Brasil, como de resto em todos os países, as ciências nunca
progrediram sem o concurso de gente vinda dos povos mais antigos. (MOREIRA,
1912. P.32)

Já aqui podemos perceber a afinidade entre o discurso político republicano, sintetizado


a partir das mensagens presidenciais de Rodrigues Alves, e o pensamento intelectual,
representado pela figura de Juliano Moreira em conferência a toda a sorte de bacharéis e
doutores de ciência da elite carioca. Ambos, o presidente e o psiquiatra, consideram uma
matriz europeia como inspiração para as modificações na mentalidade e nas estruturas
materiais no Brasil. Bem como determinam a crença de que a absorção deste padrão virá a
promover o estabelecimento da civilização e do progresso em um país até então de feições
coloniais primitivas e atrasadas.

A postura de Juliano Moreira, no entanto, chama atenção não apenas por sua afinidade
junto ao pensamento liberal capitalista defendido pelo Estado. Há também, nas palavras do
psiquiatra, o reconhecimento da ciência como resposta para todas as questões nacionais.
Através do estudo do meio, da sociedade e dos indivíduos haveria de se encontrar respostas
  86

para todas as questões que atravancavam o progresso da nação. Tal mentalidade se engloba no
conjunto de perspectivas atribuídas por Luiz Otávio Ferreira ao positivismo, quando em seu
trabalho afirma:

[...] o positivismo não foi simplesmente uma doutrina de referência ou um elemento


de retórica para o movimento cientificista brasileiro do final do século XIX, mas a
fonte essencial do ethos – motivações, valores, compromissos, regras de conduta,
repertório conceitual e linguístico – importante dos intelectuais e cientistas
brasileiros do início do século XX que, engajados em modalidades de ação coletivas
típicas da época [...] identificavam nas formas de sociabilidade, nos arranjos
institucionais e nos conhecimentos gerados pela atividade científica a chave para a
reorganização da sociedade brasileira. (FERREIRA, 2007. P.2)

Neste sentido, quando se reuniam nos círculos intelectuais, como a Sociedade


Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins – mais tarde Sociedade Brasileira de
Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal – médicos psiquiatras como Juliano Moreira e
Afrânio Peixoto, cultuavam a perspectiva de que as ciências quando aplicadas na
modernização do país, apresentavam caráter infalível. Também a engenharia e outros campos
de estudos no Brasil foram reconhecidos pelo psiquiatra por sua eficiência na modificação do
cenário de atraso. Contudo, para Moreira, as ciências médicas constituíam o campo científico
de maior progresso no país, de forma inconteste, naquela passagem do século XIX para o XX,
e representavam a esperança de alcance da civilidade para sua população. (MOREIRA, 1912)

Tal expectativa de mudança era compartilhada pelos positivistas. Contrário a estes, se


estabelecia a ideia de que o Brasil seria um país inviável no que tange a adequação dos
padrões civilizatórios. Isto seria atribuído ao passado colonial português que teria cultivado
aqui “uma cultura de submissão à autoridade e não do respeito à razão, uma cultura de
conservação da ordem social e não da mobilidade e transformação das estruturas”
(FERREIRA, 2007. P.3).

Para Moreira, tais afirmações sobre a capacidade de evolução atribuída ao povo


brasileiro em nada atrapalhavam suas aspirações. Ao contrário, o psiquiatra baiano deixaria de
lado as discussões a respeito do progresso – ou pela capacidade de progresso – estabelecido
pelas ciências, e em especial pela medicina psiquiátrica, ao longo das últimas décadas do
século XIX, para reafirmar a importância da parceria com o Estado na aplicação das ciências
na modernização:
  87

Não perderei tempo em [...] insistir sobre os deveres do Estado para com os
[insanos]. Em países civilizados não se perdem mais palavras para demonstrar que a
coletividade tem obrigação de amparar com a sua assistência efetiva aqueles, cujo
cérebro baqueou durante a concurrência [sic] vital. [...] No Brasil há ainda tanto a
fazer relativamente à assistência a alienados que bem me parecer não ser ainda
completa a compenetração pública daqueles deveres elementares aos quais acabo de
referir-me. (MOREIRA, 1908. P.374)

As adversidades ocasionadas pela resistência à um novo modelo cultural, o extenso


trabalho a ser feito, e mesmo as críticas à possibilidade de modernização do povo brasileiro
em nada fariam esmorecer a dedicação de Juliano Moreira. Este simplesmente respondia
através da convocação de apoio, político e intelectual, para alcançar o caminho e o destino
desejados. Neste sentido, afirmava: “Não deixemos, porém, parar o movimento do nosso
progresso. Muito sabemos de tudo o que diz respeito a nossas coisas; muito mais nos falta
saber! Trabalhemos.” (MOREIRA, 1912. P.47)

3.5 A normalidade como campo institucional e sua crítica

O trabalho a que se referia Juliano Moreira é assumido em duas frentes. A primeira


delas, já discutida aqui no segundo capítulo desta dissertação, seria a reformulação da prática
psiquiátrica, através das reformas no Hospício Nacional de Alienados – do qual fora nomeado
diretor – da aplicação do tratamento aos pacientes em colônias e demais reformatórios, bem
como na defesa do aproveitamento da assistência heterofamiliar. Este é o trabalho de Juliano
Moreira que mais refletiria suas finalidades pragmáticas de alcance da mudança do cenário
social brasileiro, eliminando os vícios, a anormalidade, e alcançando a civilização.

Entretanto, assistência direta aos enfermos e aos seus devaneios não seria a única
preocupação de Juliano como figura central da psiquiatria nas primeiras décadas do século
XX. Pode ser reconhecida neste médico também sua atuação como porta-voz dos novos
conhecimentos e novas produções científicas, através de sua dedicação editorial a diversos
periódicos, que tratavam do tema da medicina psiquiátrica e a higiene mental. A importância
da divulgação dos saberes produzidos por brasileiros é defendida pelo psiquiatra como tão
  88

relevante quanto a aplicação do conhecimento, uma vez que equiparava o Brasil aos países
mais maduros no que diz respeito à produção intelectual. Mais importante do que isso,
mostrava a capacidade brasileira aos círculos acadêmicos de tais países. Tal intento ficaria
evidente na seguinte passagem:

Como expoente de nosso progresso nos domínios das ciências médicas temos ainda
o seguinte: excelentes associações que animam a produção científica: publicam-se no
país revistas que rivalizam com as da Europa e Norte América não somente pelo lado
tipográfico como ainda pelo valor das monografias nelas contidas; em terceiro lugar
os trabalhos nacionais já são largamente citados nos trabalhos e revistas europeias, e,
o que é mais, os grandes chefes do movimento científico no velho mundo já se
dignam honrar aos trabalhadores brasileiros, solicitando-lhes a colaboração
remunerada em seus livros e revistas. (MOREIRA, 1912. P.47)

Neste sentido, Moreira acrescenta através da divulgação dos avanços e conquistas do


cenário científico brasileiro através dos periódicos da academia. Contudo, mais importante
seria observar o quão afinados estavam os discursos governamentais e intelectuais – da
psiquiatria – no objetivo de modificar o cenário da capital e das demais cidades do Brasil, bem
como de adequar os costumes da população brasileira aos hábitos civilizados da Europa.

Em momentos anteriores, outros médicos já reclamariam a necessidade de participação


do Estado no reordenamento de tais ambientes considerados imorais. Em sua introdução à um
Projeto de Posturas apresentado à Câmara Municipal da cidade do Rio de Janeiro em 1866, o
Dr. José Pereira Rego reclamava:

O aperfeiçoamento e progresso da higiene pública em qualquer país simboliza o


aperfeiçoamento moral e material do povo, que o habita; é o espelho, onde se
refletem conquistas, que tem ele alcançado no caminho da civilização.
Tão verdadeiro é o princípio, que enunciamos, que em todos os países mais cultos os
homens, que estão à frente da administração pública, procuram, na órbita de suas
atribuições, melhorar o estado da higiene pública debaixo de todas as relações, como
um elemento de grandeza e prosperidade desses países...
Entre nós, porém, força é confessar que as municipalidades têm-se esquecido um
pouco dos melhoramentos materiais do Município e do bem-estar, que deles pode
resultar a seus concidadãos, tanto que sobre alguns pontos essenciais e
indispensáveis ao estado higiênico, parece que ainda nos conservamos muito
próximos aos tempos coloniais. (REGO apud CHALHOUB, 1996. p.34)
  89

Tais problemáticas não seriam alteradas até o acolhimento republicano aos princípios
da psiquiatria de Juliano Moreira. É durante o estabelecimento deste regime de governo, em
sua fase de consolidação na passagem do século XIX para o XX, que se deu a criação das
instituições utilizadas por Moreira na normatização da sociedade. A reorganização da
Assistência a Alienados, a Lei Federal de Assistência a Alienados e a sua nomeação para a
Direção do Hospício Nacional, todas em 1903, demarcam a importância dada pelo Estado
republicano às propostas e ao trabalho de Juliano Moreira no controle das ditas
anormalidades.

Cabe ressaltar aqui a importância do intermediário das relações entre Rodrigues Alves
e Juliano Moreira, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores, e também baiano, José Joaquim
Seabra, amigo pessoal do psiquiatra. Sobre o político, Moreira assume que

dentre os beneméritos da Assistência a Alienados sempre será citado o Ministro do


Interior, Dr. J. J. Seabra pela continuidade de cuidados que dedicou a esse ramo da
administração pública. (MOREIRA, 1905. P.83)

Sobre estas relações entre a administração e a ciência, não pode ser percebida nenhuma
espécie de sobreposição. Transparece, no entanto, uma sinergia entre Estado e ciência, na qual
cabe ao primeiro legitimar a aplicação do conhecimento, enquanto a atribuição do segundo é
embasar teoricamente o processo de normalização e higienização da cidade do Rio de Janeiro.
Ambos – Estado e ciência – instrumentalizados pelo direcionamento intelectual liberal se
voltam para a mesma finalidade: a superação do atraso brasileiro e a busca da modernidade.

Dessa forma, no momento em que o espaço urbano carioca cresce exponencialmente e


se depara com os contratempos da falta de estrutura corpórea, mental ou cultural de sua
população para este crescimento:

O apoio imediato do regime republicano às reivindicações e prescrições [da


psiquiatria] foi, em si mesmo, extremamente significativo. O que eles apoiavam, no
fundo, era um conjunto de pressupostos e afirmações deste saber capazes de criar
instrumentos eficazes de disciplinamento. Partilhavam da preocupação do alienismo
em relação ao preço do progresso pelo qual ansiavam: a loucura e a degeneração.
(CUNHA, 1990)
  90

Com um enunciado científico e progressista, o discurso do psiquiatra baiano Juliano


Moreira apontava patologias e propunha diagnósticos para comportamentos ditos anormais,
fortalecendo a ideologia de aplicação da modernidade vigente na época, e complementando os
intentos materiais da engenharia no processo de “regeneração”. Os comportamentos viciosos
em questão é bem verdade já recebiam diversas críticas, contudo, todas embasadas pela
filosofia moral e por isto tomadas como vozes da elite que repudiava a população pobre da
cidade (SEVCENKO, 1998.) O discurso dissonante em relação às propostas republicanas
ficaria imortalizado sob as palavras de Lima Barreto, quando afirma que

A polícia, não sei como e por que, adquiriu a mania das generalizações, e as mais
infantis. Suspeita de todo o sujeito estrangeiro como nome arrevesado, assim os
russos, polacos, romaicos são para ela forçosamente cáftens: todo cidadão de cor há
de ser por força um malandro; e todos os loucos hão de ser por força furiosos e só
transportáveis em carros blindados. (BARRETO apud CHALHOUB, 1996. p. 23)

O argumento de Lima Barreto consiste em associar os interesses no alcance da


civilidade à afirmação de uma ordem excludente, responsável pela marginalização de
determinados segmentos, como certos grupos de estrangeiros, negros ou “loucos”. O próprio
Barreto, internado no Hospício em alguns momentos da Primeira República, admitido por
alcoolismo, seria um crítico da patologia das anormalidades e do tratamento dado à a
população pobre e marginalizada quando internada por estas razões (BARRETO, 2004).
Contudo, com Moreira, tais grupos ou comportamentos abandonavam a denominação de
indesejáveis, para adquirir a alcunha de nocivos à saúde pública do povo brasileiro e suas
perspectivas de civilização.

Por este motivo, a psiquiatria de Juliano Moreira é tratada aqui não apenas como fruto
da dedicação ao estudo da conservação corpórea – mesmo que também o seja – mas sim como
demonstrações da legitimação de uma ideologia. Contribuindo para a adequação do
comportamento ao padrão liberal de modernidade, estimulando o esvaziamento nas ruas e
fortalecendo a lógica de relação doméstica, familiar, o discurso médico sobre a loucura
assumia, cada vez mais, o papel de ferramenta. Dessa forma, respaldar a psiquiatria enquanto
instituição responsável pelo comportamento público a validava como instrumento na
administração dos costumes, revelando a olhares mais atentos uma afinidade entre seus
postulados e o direcionamento cultural e político do Estado. (MACHADO, 1978)
  91

A engenharia do “bota abaixo” teve importante papel ideológico no contexto das


reformas urbanas de Pereira Passos e de modernização da cidade do Rio de Janeiro. Da
mesma maneira, função semelhante seria conferida aos reformatórios psiquiátricos, atuando
sobre endemias sociais como o esgotamento físico e mental, o alcoolismo, a sífilis – associada
ao comportamento promíscuo –, entre outros. Tal visão permite a abordagem da psiquiatria
enquanto

[...] uma ciência política, já que respondeu a um problema de governo. Ela permitiu
administrar a loucura. Mas deslocou o impacto diretamente político do problema
para o qual propunha solução transformando-o em questão puramente técnica.
(CASTEL, 1978. P.19).

Por esta proximidade com o direcionamento político da época, e pela projeção e


abrangência garantidos naquele momento, podemos reconhecer que

[...] [a psiquiatria] é um pensamento triunfante. De uma certa maneira, pode-se dizer


que ela previa, no interior de suas prescrições terapêuticas, uma espécie de sociedade
modelo, cujo ensaio estava contido em suas primeiras experiências asilares e
sobretudo no padrão asilar que se tentou implantar em todo o país: um mundo sem
conflitos, capaz de exprimir a vitória da razão, a possibilidade de ordem, a
viabilidade do progresso (mesmo no mundo pelo avesso da loucura) sob o comando
inquestionável da ciência. (CUNHA, 1990).

Após este conjunto de afirmações, reservo um espaço nesta dissertação para apresentar
a crítica ao conceito de medicalização, isto é, às análises orientadas por estudos foucaultianos
no Brasil que enxergam nos médicos do princípio do século XX uma espécie de agentes do
Estado. Para tal corrente de pesquisadores, a psiquiatria, como campo da medicina, é
associada a uma ferramenta de controle social de caráter inquestionável frente às necessidades
de intervenção sobre os costumes para o estabelecimento da ordem (VENANCIO; CASSILIA,
2010).

O sociólogo Edmundo Campos Coelho, em sua obra “As Profissões Imperiais –


Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro”, produz uma crítica a esta visão. A
partir da análise da trajetória da Academia Imperial de Medicina ao longo do século XIX – e
Academia Nacional de Medicina já durante a República – Coelho aponta a pouca relevância
da instituição como órgão consultivo do governo para o estabelecimento de projetos de saúde
  92

pública. Em um estudo das formulações de medidas higienistas, projetos de posturas e etc. o


sociólogo evidencia a reduzida articulação entre as propostas médicas e as determinações do
Estado brasileiro até mesmo na Primeira República, como se verifica na passagem, na qual
afirma:

[...] as soluções dos engenheiros, sobretudo na virada do século, terminariam por


impor aos médicos um desconfortável regime de condomínio na esfera da saúde
pública, com ponderáveis dúvidas a respeito de quem era efetivamente o síndico.
(COELHO, 1999. P. 142-143)

Tais visões sobre a atuação médica no Brasil, tanto a medicalização quanto a sua
negação por Edmundo Campos Coelho, podem ser encaradas como extremos de um exercício
de análise do contexto. Ao estudar a medicina na passagem do século XIX para o XX, e seu
papel político e social, deve ser priorizado o rigor sobre as fontes, bem como deve ser levado
em consideração o reconhecimento da dedicação profissional dos indivíduos estudados. A
visão defendida – e praticada – nesta dissertação buscou atender a ambos os aspectos, de
forma a buscar Juliano Moreira sempre como um referencial na edição de textos e no
apontamento de saberes. Suas palavras nem sempre foram tomadas como verdade, mas como
opinião defendida em meio a um círculo de intelectuais influenciados pelo mesmo momento
histórico, por valores semelhantes e por objetivos compartilhados pela categoria de progresso,
em busca dos parâmetros de civilização e modernidade. Tomar a psiquiatria como um campo
de saber, ao invés de uma simples ferramenta faz parte, neste sentido, de um exercício
descritivo do historiador sobre seus objetos. Assim como tomar o psiquiatra enquanto um
profissional permite considerar não apenas sua utilidade em determinado momento, como suas
ambições em se fazer relevante, ou mesmo necessário em um contexto de afirmação das
ciências aplicadas à sociedade. (HUERTAS, 2001)

Neste sentido, através deste estudo, procurei

[...] entrecruzar o interesse por uma história dos sintomas, das doutrinas e das teorias
psiquiátricas com o contexto sociopolítico, cultural e profissional do período [...]
[alem de] pensar a psiquiatria como racionalidade científica submetida a fatores
socioculturais de seu tempo e lugar, recebida e reelaborada ativamente pelos agentes
que dela se apropriam. (FACCHINETTI et al In: BENCHIMOL, 2010. P.531)
  93

3.6 Conclusão

Procurei privilegiar neste capítulo o discurso de modernização assumido por diversos


setores da sociedade brasileira ao longo da segunda metade do século XIX, e posto em prática
de forma mais evidente a partir do princípio do século XX, com as reformas urbanas da cidade
do Rio de Janeiro. O alcance desta modernização foi exposto enquanto um processo atrelado a
mudanças políticas, estruturais e intelectuais. Dessa forma, foi importante expor a transição
republicana, as ações sobre as estruturas arquitetônicas da cidade e a propagação de uma
ideologia de valorização da ciência como instrumento de modificação da sociedade.
Através de tais considerações busquei tornar claro o compartilhamento de discursos
existente entre a psiquiatria recém-desenvolvida e propagada por Juliano Moreira, bem como
os objetivos estabelecidos pelo governo republicano para o país e seu povo. A importância do
psiquiatra baiano pôde ser demonstrada, não apenas pelos cargos a que foi nomeado, e pelo
tratamento que conduziu nos hospitais, clínicas, colônias e reformatórios que concebeu, mas
também pelo estímulo à ciência de forma geral, reverenciando outros campos científicos e
fortalecendo a mentalidade civilizatória do governo e sua busca pelo progresso.
  94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora ao final de cada capítulo tenha pontuado as conclusões alcançadas para cada
etapa do estudo, fazem-se necessárias ponderações ao final do trabalho, que apresentem um
vínculo entre os capítulos e suas respectivas conclusões. O interesse é tomar um sentido de
análise mais amplo e retomar perspectivas do princípio do estudo e da escrita.
Ao longo desta dissertação procurei sempre me ater ao discurso de Juliano Moreira,
expresso através de seus artigos científicos e conferências em sociedades intelectuais. Desta
forma, o produto de Moreira foi utilizado como fonte para compreender suas atitudes, seus
interesses e seus valores. Por vezes, suas palavras reforçaram as perspectivas progressistas da
República. Da mesma forma, pronunciamentos sobre a importância da ciência psiquiátrica na
transformação do convívio da sociedade brasileira o identificaram como um positivista. E
finalmente, nos momentos em que destacou o próprio trabalho, e as modificações impostas
pela psiquiatria no processo de modernização do país revelaram o indivíduo Juliano Moreira,
e a defesa do papel social do médico psiquiatra.
Este conjunto de observações foi inserido num contexto, no caso, a transição para a
república e as reformas da cidade do Rio de Janeiro, na passagem do século XIX para o XX.
Ali, podem ser percebidas mudanças pelas quais passou a cidade, não restritas ao âmbito
material, mas também ao intelectual e cultural. Neste sentido, a medicina psiquiátrica teve
grande relevância ao tratar de temas como o alcoolismo, a promiscuidade e outros vícios do
cotidiano carioca. Em um espaço urbano marcado pela transição do escravismo para o
trabalho livre, pelo crescimento desordenado e pela industrialização desvinculada de uma
política de assistências, a insalubridade, a pobreza, a criminalidade, isto é, um conjunto que
traduziria a dita “degeneração” ganharia cada vez mais amplitude.
Unir ambos os eixos de análise, isto é, as teorias e postulados voltados para a
transformação da assistência aos chamados alienados na cidade do Rio de Janeiro – e nos
demais núcleos urbanos do Brasil – e as políticas públicas de “regeneração” estrutural e
populacional da mesma, nos fez deparar com assuntos coincidentes. O ambiente propício, e
mesmo a funcionalidade das ideias transformaram seu autor, Juliano Moreira, num
personagem chave para o entendimento do processo de modernização do povo brasileiro
durante a fase de consolidação da República no Brasil (1889-1930).
  95

Moreira foi um assíduo editor de textos a respeito dos critérios científicos utilizados na
civilização do povo brasileiro. Através de suas conferências, ou de artigos de colegas
psiquiatras acolhidos por ele em seus periódicos, foi possível compreender o ideal de
organização pretendido pela categoria de médicos psiquiatras da época. Analisar a
proximidade entre estas expectativas médicas e pronunciamentos do Presidente da República,
legislações da época e mesmo crônicas da elite intelectual permitiram a reconstituição daquele
cenário de intervenção e reformulação dos costumes.
Dessa forma, ao final, tornaram-se mais claras as razões pelas quais Moreira ocupou
cargos como o de Diretor do Hospício Nacional de Alienados, Diretor da Assistência a
Alienados, ou como consultor para a elaboração da Lei Federal de Assistência a Alienados.
Em todos estes, não assumia apenas as atribuições de um agente do Estado. Da mesma forma
não atuava apenas como um médico psiquiatra. É da conjunção de ambas as atribuições que
resultará o entendimento sobre a obra de Juliano Moreira e os valores que defendeu, uma vez
que mesmo um expoente de determinada área de atuação deve ser retirado de tal condição
para ser enxergado como indivíduo, profissional, político, humano.
  96

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