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2% Jomalista morto num duelo com o principe Pierre Bonaparte © cujo funeral dew orasio a uma grande manifestagio republicans. wn 46 Gulley, HEnfermd p 276.277. 2° apud Calpe op itp. 81 8, p 136 (M, 303). 2 Sobre alguns motivos na obra de Baudelaire 1 Baudelaire contou com Ieitores que se veem em dif cauldades perante a leitura de um poema litico. O poema introdutério de As flores do mal dirige-se a eles. Com a sua forea de vontade, € portanto também com a sua capaci- dade de concentracio, nao se vai longe. Esses leitores pre- ferem os prazeres dos sentidos, estio familiarizados com o slr (aeancol), quedo gop de miseicrde no interesse e na capacidade de percepslo. & surpreendente encontrar um poeta que confia nesse publico, o mais, ingrato dos piblicos. E claro que ha uma explicagéo fécil para isso: Baudelaire queria ser compreendido e dedica 0 livro aqueles que com ele tém afinidades. O poema ao lei tor fecha com a apéstrofe: Hipécrita Ieitor, - meu igual, - meu imo!" ‘A questo toma-se mais fecunda se a reformularmos € dissermos: Baudelaire escreveu um livro que desde logo tinha poucas possbilidades de ser um éxito de piiblico jimediato, Ele contava com um tipo de leitor como aquele ‘que o poema introdutério descreve. E aconteceu que esse ‘dlculo correspondeu a uma visio de longo alcance. O lei- tor para o qual ele escrevia fo-the dado pela posteridade. A prova de que assim foi, isto é, de que as condigdes para a recepeéo da poesia tinham se tornado mais desfavoré- veis, pode ser dada por ts fatos, entre outros. Primeiro, porque o poeta lirco deixou de ser visto como 0 Poeta por exceléncia. Jé nao é “o bardo”, como Lamartine ainda 0 fora; inseriu-se no ambito de um género (Verlaine torna visivel essa especializacio; Rimbaud ja era esctérico © mantém © piblico ex ofco afsstado da sua obra). Um segundo fato: depois de Baudelaire nunca mais um livro de poesia foi um éxito de massas (@ poesia de Hugo encontrou ainds, ao ser publicada, uma grandiosa ress0- nincia, Na Alemanha, 6 0 Buch der Lieder” [Livro das can- ‘qes] que traga essa linha diviséria). Uma terceira ‘reunstincie, @ ser acrescentada as outras duas, & a seguinte: 0 piblico tornou-se mais renitente também em relagdo & poesia que the vinha do passado. O perfocto de que falo pode ser datado de meados do século XIX até hoje. Nesse mesmo periodo a fama de As flores do mal eres- ceu sem parar. O livro, que tinha contado com os leitores ‘menos benevolentes ¢ a principio ndo encontrou muita aceitagdo, tornou-se um cldssico com o decorrer dos decé- nos, ¢ também um dos mais editados. Se as condigSes para a recepcio da poesia lirica se deterioraram, é natural que imaginemos que essa poesia 36 excepcionalmente se encontra com a experiéncia dos leitores. E isso € possivel porque essa experiéncia se ‘modificou na sua estrutura. Tlver se aceite essa proposta, ‘mas 0 embarago ser certamente maior se tentarmos caracterizar essa mudange. Nessas citcunstancias, volta- ‘mo-nos para a filosofia e damos ai com uma situacéo sin- gular. Desde o fim do século passado ela fez uma série de tentativas de apropriacio da “verdadeira” experiéncia, em contraste com uma experiéncia que se manifesta na vida normalizada, desnaturada, das massas civiizadas. € cos- tume apor a essa5 propostas a etiqueta de “flosofia da vida" Lebensphilosophie). Compreende-se que elas nio tenham partido da existéncia dos individuos em socieds- de, Reclamavam da literatura, mais ainda de natureza e por fim sobretudo da idade mitica. A obra de Dilthey Das Erlebns und die Dicktung [A vivéncia e a literatura] é uma das primeiras de uma série que termina com Klages € Jung, que se comprometes com o fascismo.”" Matitre et ‘mémoire, uma das primeiras obras de Bergson, destaca-se dessa literatura como um monumento que claramente a ultrapasse, mantendo, mais do que as outras, a relacdo ‘com @ investigisio exata, nomeadamente ao se orientar pela biologia. O ticulo mostra que a estrutura da meméria € por ele considerada como decisiva para a estrutura filo séfica da experiéncia. De fato, a experiéncia € matéria da tradisdo, na vida coletiva como na privada, Constitui-se ‘menos partir de dados isolados rigorosamente fixados ‘na meméria, e mais a partir de dados acumulados, muitas ‘vezes néo conscientes, que afluem & meméri. Aligs, de modo nenhum é intencao de Bergson atribuir um lugar histérico especifico a meméria, Pelo contririo, ejita toda € qualquer determinacio histrica da experiéncia. Com {sso evita sobretudo aproximar-se daquela forma de expe- riéncia de onde nasceu a sua pr6pria flosofia, ou melhor, ‘contra a qual ela se perfilou. E a experiéncia indspita e ‘egante da época da grande indistria, O olhar que se fecha a essa experiéncia vé-se confrontado com uma expe- rincia de tipo que é uma espécie de sua imagem segunda. A filosofia de Bergson é uma tentativa ‘de pormenorizar essa imagem e de fixila. Fornece, assim, de forma mediatizada, uma alusfo 4 experiéncia que se apresemta de forma natural a Baudelaire na figura do seu leitor. n Matitre et mémoire determina a esséncia da experiéncia, nna durée de tal modo que o leitor tem de dizer a si préprio: 56 0 poeta pode ser 0 sujeito adequado de uma tal experi- enc. E foi, de fato, um poeta que pds & prova a teoria da experiéncia em Bergson. A obra de Proust A la recherche du temps perdu pode ser lida como a tentativa de reconstituir por via sinsética a experiencia tal como Bergson a enten- as condigdes sociais de hoje ~ jé que a sua reconsti- ‘micio por via natural é qualquer coisa com a qual cada vvez menos poderemos contar. Proust nio se furta, als, na sua obra, & discussto desse problema, Acrescenta-the até nova dimenséo, que implica eritica imanente a Berg- son. Este nao deixa de acentuar 0 antagonismo que domina a relagdo entre a vita activa e uma vita contemplativa particular que deriva da meméria. Mas ficamios com @ impressdo de que em Bergson a virada para a presentifica- ao visiondria da corrente vital € questao de uma decisio livre. Proust anuncia desde logo na terminologia a sua discordincia. A meméria pura (mémoire pure) da teoria bergsoniana transforma-se nele em ménoite involontair, uma forma de meméria que nfo depende da vontade. Proust confronta imediatamente essa meméria involunté- ria com @ voluntéria, que se encontra sob a tutela da inte- ligncia. A intengZo das primeiras péginas da grande obra a de esclarecer essa relagSo. Na passagem que introduz esse termo, Proust fala do modo precirio como, durante muitos anos, apresentou-se 2 sua lembranga a cidade de Combray, onde, afinal, tinha passado grande parte da infincia, Até aquela tarde, diz Proust, em que o gosto da ‘madeleine, 0 pequeno bolo a que depois regressaré varias vezes, transportou-o de novo pare os velhos tempos, ele ‘estivera limitado aquilo que a meméria, sujeita aos apelos ‘da atengio, punha a sua disposigio. Essa era a mémoire volontaie, a memoria dependente da vontade, que trans- rite informagées sobre o que se passou’ sem reter nenhum trago disso. “O mesmo acontece com © nosso passado. E trabalho baldado procurarmos evocé-to, todos 1s esforgos da nossa inteligncia slo intteis."" Por isso Proust nifo hesita em afirmar, em sintese, que o passado “esti escondido, fora do dominio e do alcance da nossa inteligénci, em algum objeto material [..] de que nio suspeitamos. Depende do acaso encontrarmos esse objeto antes de morrermos, ou ndo o encontratmos".” Segundo Proust, depende do acaso cada individuo adquirir ou no uma imagem de si proprio, ser ou nfo capac de se apropriar da sua experitncia, Ndo & de modo algum evidente essa dependéncia do acaso, As coisas da nossa vida interior ndo tém, por natureza, esse carster rie vado sem alternativa. $5 0 adquirem depois de se terem reduzido as possibilidades de os fatos exteriores serem assimilados & nossa experitneia. © jornal € um dos mui- tos indicios dessa redugio. Se a imprensa tivesse se pro- posto como objetivo que o leitor incorporasse as suas informagées como parte da sua propria experiéncia, nfo aleangaria 05 seus fins. Mas a sua intengio & exatamente @ ‘posta, e por isso ela alcanga os seus fins. Essa intengio & ade isolar os acontecimentos em relacao aquele dominio fem que poderiam interferir na experiéncia do leitor. Os principios da informagao jornalistca (novidade, concisSo, clareza e sobretudo a no relacéo das noticias umas com as outras) contribuem tanto para esse resultado quanto a paginacdo e 0 registro de linguagem (Karl Kraus nfo se cansou de demonstrar como 6 estilo dos jornais tolhe a capacidade de imaginacio dos seus leitores). © isola- ‘mento da informacio em relagdo a experiéncia explicavse, ‘em segundo lugar, pelo fato de a primeira nao se invegrar na “tradiglo". Os jornais tém tiragens altas. Nenhum lei- tor disp6e tio facilmente de qualquer coisa que 0 outro ““queira saber” a seu respeito. Historicamente existe uma concorréncia entre as diversas formas de comunicaséo, Na substituigéo do antigo relato pela informacio e desta pela sensagéo refletese a crescente redugdo da experiéncia. “Todas essas formas, por seu lado, destacam-se da narrati- ‘va, que € uma das ‘mais antigas formas de comunicacao. Para ela, no era importante transmitir a pura objetivi- ‘dade do acontecimento, como faz a informacéo; integra-o na vida do contador de histérias para passé-lo aos ouvin- tes como experiéncia. Por isso, o contador de historias ddeixa na experiéndia as suas marcas, tal como 0 oleito ‘deixa as das suas mos no vaso de barro, Os oito volumes da obra de Proust do uma ideia do ‘que seria necessério para restitair 20 presente a figura do ‘contador de histérias. Proust dedicou-se a isso com uma extraordindria coeréncia, Nessa empresa, chegou desde Jogo uma tarefa elementar: dar noticia da sua propria infincia, E mediu toda a sua dificuldade 20 apresentar ‘como coisa do acaso a possibilidade da sua recuperagéo. E no contexto dessas reflexes que cunha 0 conceito de ‘ménoireinvolontaire que traz as marcas da situarao que lhe ‘dew origem. Pertence ao inventirio do individuo a varios titulos isolado. Nas situagBes em que domina a experién- ‘da no sentido estrito do termo, conjugam-se na meméria

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