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HISTÓRIA EM PERSPECTIVA

O blog agora é livro!

André Wagner Rodrigues


Dedico este livro a todos os estudantes, ex-estudantes e meus amigos
professores do curso de História da UNIBAN/ANHANGUERA de Campo
Limpo. Aos meus alunos do Ensino Fundamental da EMEF CAROLINA
RENNÓ RIBEIRO DE OLIVEIRA e toda equipe de excelentes professores e
gestores. Dedico também a todos os estudantes das Escolas Públicas e
particulares por onde já lecionei. Aos leitores e seguidores do site
HISTÓRIA EM PERSPECTIVA. Aos meus familiares e amigos. E, em
especial à minha companheira Luciana.
SUMÁRIO

PREFÁCIO..................................................................................................... p. 4

Qual é a importância da História em tempos de esquecimento e


descrédito?................................................................................................... p. 5

Quer elaborar uma aula de História de sucesso? Aprenda com algumas


dicas............................................................................................................... p. 7

Procusto e as cegueiras do Conhecimento: Considerações sobre


formação de professores........................................................................... p. 11

A Construção do regime democrático e a contribuição intelectual de


SÓCRATES - “o pai da filosofia”............................................................... p. 15

A origem da Democracia grega e sua relação com a Filosofia: Sócrates,


Platão e Aristóteles.................................................................................... p. 17

Pensar bem por intermédio da contextualização de conceitos:


considerações pertinentes para o ensino de história atual................... p. 25

Cavaleiros Templários: Origem Histórica................................................ p. 38

O ENSINO DE HISTÓRIA EM BUSCA DE NOVAS REFERÊNCIAS: A


contribuição da proposta Neo-Humanista de Edgar Morin.................... p. 40

Positivismo, Marxismo e Escola dos Annales: Qual a diferença?........ p. 50

O CONHECIMENTO HISTÓRICO EM BUSCA DE NOVOS MÉTODOS:


Contribuições da Teoria da Complexidade de Edgar Morin................... p. 74

RELATOS DA JUVENTUDE: Uma experiência de valorização do


protagonismo infanto-juvenil.................................................................... p. 84

Atuação em Grêmios Estudantis e participação do Jovem na Política p. 92

Dicas uteis para alunos que participarão do próximo ENEM................. p. 95

Sugestão de livro para se trabalhar com o conhecimento histórico em sala


de aula......................................................................................................... p. 97
PREFÁCIO

No dia 16 de novembro de 2013 o site HISTÓRIA EM PERSPECTIVA


ultrapassou a expressiva marca de 1.000.000 visitas. O blog entrou na grande
rede em agosto de 2009. Sem muita expressão, a finalidade era oferecer um
canal de comunicação mas eficaz com os meus alunos. Os textos postados na
época eram de resenhas e trabalhos acadêmicos que já tinha realizado na
graduação e pós-graduação. Recebia em média 100 visitas ao mês.
Em 2010 comecei a pensar como poderia alcançar um público maior,
então publicava textos de ajuda para alunos pré-vestibulandos que desejavam
ingressar na Universidade. Com essa ideia começamos a ter um maior número
de inscritos, mas mesmo assim nosso alcance era pequeno, aproximadamente
500 visitas ao mês. Em 2011 o blog ganhou um domínio próprio
(www.historiaemperspectiva.com) e se tornou um site. Abrimos as publicações
para amigos professores e alguns alunos do curso de História da
UNIBAN/ANHANGUERA de Campo Limpo - SP. Dessa forma, o site alcançou
maior popularidade. Além de conteúdos relacionados à História, começamos a
postar textos de SOCIOLOGIA, FILOSOFIA, GEOGRAFIA E EDUCAÇÃO.
Assim conseguimos mais seguidores. Com as redes sociais tivemos uma
ampliação do número de visitas. Os compartilhamentos de nossas postagens
no facebook e twitter ampliou a captação de novos leitores. Com isso, a
margem de visualizações chegava a 300 por dia.
Em 2012 continuamos apostando na força das redes sociais, por isso,
ampliamos o número de postagens e seguidores. Novos professores-parceiros
nos ajudaram muito com seus textos, principalmente meu amigo VICTOR DE
SOUZA MARTINS. Sua ajuda foi fundamental para o crescimento e sucesso.
Em 2012 já tínhamos 700 visitas diárias. Em 2013 o site passou por algumas
mudanças em seu layout. A navegação ficou mais fácil. Foi o ano que
publicamos em maior quantidade (por conta dos parceiros) e também por
causa da divulgação de nosso site em revistas de Educação e sites de outros
Estados. Tudo isso fez o site HISTÓRIA EM PERSPECTIVA se tornar uma
referência para alunos, professores, pesquisadores e/ou curiosos pelo
conhecimento da História. A nossa média atual é de 4000 visitas por dia. E os
números não param de crescer, nos mostrando que podemos muito mais!
Muito obrigado a todos e todas que fazem do site HISTÓRIA EM
PERSPECTIVA uma ferramenta valiosa de pesquisa e estudo. Este livro foi
projetado à partir dos textos mais lidos e refletem o que penso sobre a
revolução qualitativa da Educação e do Ensino de História. Espero que gostem!

André Wagner Rodrigues, criador do site www.historiaemperspectiva.com


Qual é a importância da História em tempos de esquecimento e
descrédito?

A decisão de me tornar professor de História num país que não valoriza


a Educação, ou melhor, que não a reconhece como prioridade torna-se um
desafio, uma missão, um sacerdócio. Optei por enfrentar empecilhos e
obstáculos familiares, sociais, políticos, etc., com a certeza que não poderia me
arrepender e, se assim acontecesse, deveria ser forte para não ouvir aqueles
comentários: “Eu não disse para não ser professor”; “Sabia que você iria se
frustrar”;“Não adianta, em nosso país nunca a Educação será prioridade”... Por
isso, tomei minha decisão na perspectiva de lutar por ocupar meu espaço.
Queria ser reconhecido por meus pares, ser um exemplo aos meus alunos,
lutar pela transformação social no espaço de sala de aula, e foi assim que
trilhei e continuo o meu caminho.

Esse texto logicamente, não tem a proposta de ser mais um texto de


lamúrias e lamentações sobre o ofício do professor de História e sim de
entender um pouco mais sobre essa disciplina e esse campo de conhecimento.
Mas antes de responder o significado de História devemos entender a relação
entre Memória e o passado...

Nós vivemos os acontecimentos do tempo presente, a nosso memória


tem a função de guardar esses dados que nos são produzidos pelos nossos
sentidos. Dessa forma, a nossa interpretação dos acontecimentos fazem parte
daquilo que guardamos do momento histórico em que vivemos. Existem
também acontecimentos que não vivemos, mas que ouvimos nossos
antepassados contarem, assim como, aprendemos através de nossas leituras,
dos filmes que assistimos, etc. e isso depende da nossa particular formação e
vivência cultural.

A nossa memória, ou melhor, o conhecimento que temos do passado,


orienta as nossas opções futuras. Mas isso não significa que o historiador será
o profissional que melhor sabe projetar seu futuro, mas terá condições de fazer
análises mais fieis sobre o desenrolar social, político, econômico, cultural, etc.

Dessa forma podemos pensar a importância do resgate da memória do


passado. Sem o passado perderíamos muito do que somos e do que
poderíamos vir a ser. Ficaríamos sem direcionamento preciso para encarar
nossos principais dilemas. Não conheceríamos o que há a nossa volta, os
monumentos, as pessoas, os lugares, e nem seríamos capazes de saber
decidir o que fazer do nosso tempo e das nossas vontades. Portanto, saber e
conhecer profundamente o passado ajuda-nos a apreciar, aproveitar e lutar no
tempo presente.
Há muitas gerações que os homens e mulheres se dedicam a resgatare
interpretar a memória dos nossos antepassados, das Nações e das sociedades
que viveram anteriormente nesse planeta. Aprenderam pouco a pouco a
descobrir e a interrogar objetos, paisagens, construções, monumentos, assim
como os escritos e outros vestígios do passado. E, dessa forma, temos sempre
uma renovação de nosso olhar sobre a vivência, o pensamento e os dilemas
desses homens e mulheres que viveram em tempos longínquos.

Durante muito tempo uma geração de historiadores ocupava-se apenas


em resgatar a memória dos chamados “grandes protagonistas” do passado:
Reis, Príncipes, Governantes, Estadistas e, dessa forma, se preocupavam em
anunciar os grandes feitos, batalhas, leis promulgadas, terras descobertas...
Atualmente a produção de conhecimento histórico também está voltada e
aberta ao diálogo com outras áreas do conhecimento: a economia, a geografia,
o estudo da sociedade, as mentalidades, a arte e a vida cotidiana, as
paisagens, a arquitetura, etc. Pelas novidades no campo do conhecimento
científico, hoje o historiador deve ter maior criticidade e criatividade para
estudar qualquer atividade humana. Os métodos e as fontes de trabalho do
historiador tiveram gradativamente um salto qualitativo que ampliaram o olhar
dos historiadores.

O tempo presente também é objeto de estudo da História, isto porque o


passado continua participando de nossa vivência. Se os homens não podem
ser imortais, as suas obras o são: as vias férreas, as obras artísticas, livros,
etc., são evidencias de suas criações, crenças e tradições.

Estudar a História nos permite manter e desenvolver a memória dos


povos que viveram no passado, que nos ajuda, por sua vez, a melhorar e
aperfeiçoar a nossa própria existência. Não vivemos o melhor tempo de nossa
existência, mas imagine o tanto que podemos desfrutar de algumas conquistas
dos homens e mulheres que viveram no passado, sejam em relação à
comunicação, entretenimento, meios de transporte, da própria evolução
científica e tecnológica, na saúde, para termos acesso à cultura e participação
na vida política, etc., muitos outros seres humanos antes de nós batalharam,
sofreram, inventaram e, assim progrediram. A História é conhecimento, mas
também é vida!
QUER ELABORAR UMA AULA DE HISTÓRIA DE SUCESSO? APRENDA
COM ALGUMAS DICAS...

Trabalho há seis anos com formação de professores de História. Em


muitos momentos de minha curta carreira como docente do Ensino Superior,
proponho a cada aula, refletir com os meus alunos (futuros professores) um
pouco daquilo que acredito ser importante para a elaboração de uma boa aula.

Uma questão introdutória a ser feita nessa direção é: “Que tipo de


formação pretende-se oferecer?” Esse questionamento inicial é o ponto de
partida para se pensar sobre a concepção de sujeito que almejamos quando
vamos lecionar. Se você acredita que o seu aluno deve aprender História da
mesma maneira que você aprendeu no curso de graduação, você pensa seu
aluno como um “mini-historiador”: um sujeito que tem o hábito de questionar a
realidade, que se preocupa em avaliar a fidedignidade das fontes existentes
para o entendimento do passado, um ser que se interessa por leituras
específicas e de difícil compreensão, etc. Se sua compreensão busca esse
“sujeito ideal”, saiba que terá problemas com o ensino que pretende oferecer. É
bem provável que não terá sucesso nas relações de ensino e aprendizagem no
cotidiano escolar, pois seu aluno não será assim, salvo raríssimas exceções.

O aluno que costumamos encontrar nas salas de aula das Escolas


Municipais, Estaduais e também Colégios Particulares, são sujeitos que fazem
parte de um tempo específico, são alunos acostumados com o aprendizado
fora do espaço de sala de aula, pessoas que nasceram e conviveram com as
transformações tecnológicas e da informação (chamados por educadores de
NATIVOS DIGITAIS). São sujeitos preocupados com os dilemas do próprio
contexto Contemporâneo. Esta constatação, por mais obvia que seja, precisa
se tornar clara para muitos professores.

Outro questionamento importante antes da elaboração de sua aula é:


“Até que ponto esse assunto que preciso levar aos meus alunos é importante
para as suas vidas?”. Se a resposta for clara e você notar que faz sentido, a
segurança para lecionar esse tema se torna maior. Vivemos infelizmente, um
tempo dinâmico, onde as informações são rápidas e identificam as mudanças
do tempo presente. Dessa forma, o passado é visto como algo inútil para as
gerações mais novas. O presente é explicado por si só e o futuro visto como
um tempo incerto, por isso, em muitas ocasiões ensinar História torna-se uma
tarefa extremamente difícil, desgastante e incoerente para a juventude. Para
lecionarmos História evitando esse conflito com as gerações mais novas,
devemos entender primeiramente que a ciência histórica revela também a
possibilidade de uma interpretação mais rigorosa do próprio tempo presente.
Dessa forma, precisamos preparar nossas aulas pensando sempre na
possibilidade de articulação com os problemas escolares cotidianos. Evitar uma
briga em sala de aula a partir do diálogo pode ser elemento para uma aula
sobre Relações Políticas por exemplo. Um caso de disseminação de
preconceito pode se tornar uma ótima aula para discussões sobre Pluralidade
Cultural e respeito às diversidades. Os casos são múltiplos e as oportunidades
de criação no contexto escolar são enormes, precisamos para isso de
criatividade.

Para lecionar História também é necessário planejamento. Uma aula


deve ser construída didaticamente para organizarmos o nosso próprio
pensamento. A qualidade de sua aula está, além de sua proposta teórica (que
vem de sua formação acadêmica), na maneira que você irá transmitir suas
idéias e concepções. Por isso, temos que saber transpor nosso conhecimento
de uma maneira que seja inteligível para nossos alunos. O sucesso dessa aula
está na adaptação da linguagem, no cuidado com expressões técnicas de difícil
compreensão. A idéia não é transformar sua aula em algo superficial, mas de
fácil entendimento.

Nossos jovens gostam de aprender e respeitam o docente que pode lhes


oferecer algo “fora do comum”, isto é, se você propor um método de ensino de
História baseado em cópias frenéticas de livros, cobranças de trabalhos
escolares e provas punitivas, você estará declarando guerra com a sua sala de
aula. Pense em levar assuntos que sejam mais interessantes e próximos. A
intenção não é acreditar que com essa proposta, você terá uma aula perfeita.
Entretanto, devemos pensar em medidas práticas para minimizar os conflitos
escolares.

Enfim, devemos entender que a Escola não oferece alternativas


possíveis que sejam mais agradáveis do que o Mundo fora dos seus muros. E
não podemos ficar esperando que o Governo e as políticas públicas resolvam o
problema. Já que não temos recursos para propor uma mudança da Escola e
do currículo escolar, para acompanhar as transformações na maneira de
aprender que as novas tecnologias inauguram com rapidez, creio que a
transformação deve partir inicialmente do docente. Por receber muitos pedidos
de amigos professores e alguns alunos, vamos apresentar um modelo de plano
de aula de História...

DISCIPLINA: HISTÓRIA ANTIGA

PUBLICO ALVO: ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO CURSO DE HISTÓRIA

TEMA DE AULA: GUERRA DE TRÓIA – FICÇÃO OU REALIDADE?

OBJETIVOS GERAIS: I. Introduzir os alunos nos conhecimentos básicos do


ofício de historiador: as fontes, métodos e conceitos da História Antiga. II.
Fornecer aos alunos instrumentos adequados à análise e compreensão do
estudo da Historia da antiguidade Ocidental (Grécia e Roma), que lhes
possibilitem o exercício da pesquisa e magistério. III. Estimular a reflexão
histórica através do estudo dos processos de formação dessas Civilizações. IV.
Possibilitar a compreensão dos papéis dos fatores políticos, econômicos,
sociais e culturais envolvidos nesses processos. V. Despertar o interesse pelo
estudo da História Antiga, possibilitando, na leitura e análise dos textos, a
compreensão das especificidades de cada civilização. VI. Propiciar uma
síntese histórica da Antiguidade e suas contribuições estruturais para a
formação de nossa Civilização.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Pretende-se Apresentar um panorama Histórico


em tono da famosa GUERRA DE TRÓIA (séc. XIV a.C), tentando evidencias os
aspectos históricos, mitológicos e arqueológicos que estão envoltos nesse
estudo. Tentaremos evidenciar se a GUERRA DE TRÓIA existiu
historicamente, sendo que ainda há debates recente entre arqueólogos que
afirmam que HOMERO (autor de Ilíada e Odisséia) não teria existido ou, ao
mesmo, inventado essas narrativas.

METODOLOGIA:

Para isso, pensamos iniciar a aula perguntando aos alunos:

*A guerra de Tróia realmente existiu? O que teria motivado essa guerra


entre GREGOS E TROIANOS?Será que o rapto de HELENA por PARIS
seria o evento desencadeador do conflito?

Essas questões abertas provocariam a curiosidade dos alunos e estimularia


reflexões e uma discussão introdutória. Acreditamos que os alunos do curso de
HISTÓRIA trazem consigo um grande repertório informacional sobre esses
eventos. Em seguida, apresentaria uma vídeo-aula sobre o assunto, criada por
mim, em um canal no youtube, disponível em:http://youtu.be/99LFeV5jITU
Nessa vídeo-aula, os alunos seriam provocados a pensar nos fatores
mitológicos, históricos e arqueológicos que, até hoje, são pesquisados e, de
tempos em tempos, modificam-se e atualizam-se. Depois disso, os alunos
seriam convidados a fazer uma leitura de um texto documental que narra as
descobertas do arqueólogo alemão Heinrich Sclhiemann (apaixonado pelas
obras de HOMERO) que, de certa forma, comprovam a existência de Tróia e
do conflito.

O texto está disponível no site www.historiaemperspectiva.com criado por mim,


para compartilhar textos, vídeo-aulas, resumos de livros, etc. Esse documento
está no endereço eletrônico:

http://www.historiaemperspectiva.com/2011_07_01_archive.html

Depois da leitura os alunos seriam convidados para fazer uma redação com
base no vídeo, no documento e nas leituras do livro: “O Mundo de Homero” do
historiador helenista Pierre Vidal-Naquet, com o seguinte tema:

A GUERRA DE TRÓIA É UM EVENTO HISTÓRICO OU MITOLÓGICO?

A AVALIAÇÃO será pensada de acordo com a qualidade teórica expressa


pelos alunos na redação, além da participação das discussões e leitura dos
textos solicitados em aula.

BIBLIOGRAFIA:

FUNARI, Pedro Paulo A. Grécia e Roma. São Paulo: contexto, 2011

FINLEY, Moses Immanuel. Os gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1969.

VIDAL-NAQUET, Pierre. O Mundo de Homero. São Paulo: Cia das Letras,


2005.
Procusto e as cegueiras do Conhecimento:
Considerações sobre formação de professores

Procusto, segundo a mitologia dos gregos antigos, era um malfeitor que


morava numa floresta na região de Elêusis (península da Ática - Grécia). Ele
tinha mandado fazer uma cama que tinha exatamente as medidas do seu
próprio corpo, nem um milímetro a menos. Quando capturava uma pessoa na
estrada, Procusto amarrava-a naquela cama. Se a pessoa fosse maior do que
a cama, ele simplesmente cortava fora o que sobrava. Se fosse menor, ele a
espichava e esticava até caber naquela medida.

A simbologia por trás desse mito representa a Intolerância diante do


outro, do diferente, do desconhecido. Representa uma visão de mundo
totalitária daquele sujeito que quer modelar todos os seres a sua própria
imagem e semelhança. É a recusa da multiplicidade, da diversidade, da
criatividade, da originalidade.

Procusto ou “as cegueiras do conhecimento” esteve presente, por


exemplo, na consciência dos juízes de Sócrates, quando condenaram-no a
morte por ter “corrompido” a juventude ateniense; esteve presente também no
imaginário dos soldados romanos que perseguiam e matavam cristãos por
seguir uma religião que se opunha ao paganismo e a figura sagrada do
Imperador; continuou presente no Tribunal da “Santa” Inquisição que condenou
à fogueira todos àqueles que eram contrários aos seus dogmas: Giordano
Bruno, Galileu Galilei (foi poupado por ter negado suas teorias científicas) e até
Joana D´arc; esteve presente também na consciência dos reis absolutistas;
nas revoluções burguesas; no processo de escravidão mercantil; na formação
dos partidos nazi-fascistas; no extermínio de milhões de judeus nos campos de
concentração, de trabalho e também nas Guerras Mundiais... (só para citar
alguns poucos exemplos...)

O espírito de Procusto, esteve presente em várias etapas de nossa


História e ainda continua atormentando a Escola tanto quanto o processo
educativo, em outras palavras, está presente na consciência humana
produzindo “cegueiras”, erros e ilusões do conhecimento. Dessa forma:

Quanto sofrimento e desorientações foram causados por


erros e ilusões ao longo da história humana, e de maneira
aterradora, no século XX! Por isso, o problema cognitivo é
de importância antropológica, política, social e histórica.
Para que haja um progresso na base no século XXI, os
homens e as mulheres não podem mais ser brinquedos
inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias
mentiras. O dever principal da educação é de armar cada
um para o combate vital para a lucidez. (MORIN, 2003, p.
33)

Mas como perceber os erros, ilusões e cegueiras em torno do


conhecimento humano? Ou melhor, como reconhecer o fantasma de Procusto?
O filósofo francês Edgar Morin em seu livro: “Os sete saberes necessários à
Educação do futuro”, nos apresenta algumas explicações:

O conhecimento [...] é o fruto de uma


tradução/reconstrução por meio da linguagem e do
pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Este
conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução,
comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na
subjetividade do conhecedor, de sua visão de mundo e de
seus princípios de conhecimento[...] A projeção de nossos
desejos ou de nossos medos e as perturbações mentais
trazidas por nossas emoções multiplicam os riscos de erro.
(MORIN, 2003, p. 20)

Portanto, o conhecimento é um processo e produto da consciência


humana, na medida em que, colhe dados da realidade através de habilidades
de pensamento (tradução/reconstrução); dados que são construídos pela
percepção dos sentidos (tato, visão, audição, olfato e paladar); processados
por nossa imaginação e linguagem; armazenados na memória e transmitidos
pela oralidade. Através do processo de “tradução e reconstrução” corre-se o
risco do erro, pois a Interpretação (decorrente do processo do pensar) depende
da subjetividade do sujeito que conhece e de sua visão de mundo (conjunto de
costumes, tradições, hábitos, crenças, etc.) que são assimilados socialmente.

Nesse argumento conceitual em torno dos erros, ilusões e cegueiras que


são inerentes no processo do conhecimento humano, Morin expõe, pelo
menos, duas idéias que merecem ser problematizadas: “A subjetividade do
sujeito que conhece” e a “sua visão de mundo”.

Quando pensamos em “subjetividade do sujeito que conhece”, e nos


remetemos a outras leituras de Morin, entendemos que o ser humano é ao
mesmo tempo sapiens, no sentido de ser dotado da racionalidade, mas
também é demens, isto é, capaz de condicionar seu pensamento e ação de
acordo com sua afetividade, desejos, medos, perturbações mentais, por suas
emoções de maneira geral. Isto quer dizer que subjetivamente, somos
“atormentados” por nossas emoções que também condicionam nossas
atitudes. Dessa forma, sabemos que em muitas ocasiões temos uma alta
probabilidade de cometer erros e ilusões quando agimos de acordo com
“impulsos” afetivos, ao ponto de mentir para si próprio ou projetar no outro
nossos próprios erros, Segundo Morin:

Cada mente é dotada também de potencial de mentira para


si próprio (self-deception), que é fonte permanente de erros
e ilusões [...] a tendência a projetar sobre o outro a causa
do mal fazem com que cada um minta para si próprio, sem
detectar esta mentira da qual, contudo, é autor. (MORIN,
2003, p. 21)

Mas também, podemos cometer o erro de agir com tamanha


racionalidade, ao ponto de nos desumanizar (perdendo o senso de
solidariedade e coletividade), como nosso amiguinho Procusto, ou nossa
querida Escola que pode ser caracterizada como uma “Instituição
regularizadora, normalizadora de comportamentos, seletiva e discriminatória”
como alega a educadora Luiza Cortesão da Universidade de Coimbra em
palestra proferida no VI Colóquio sobre Instituições Escolares da Universidade
Nove de Julho em setembro de 2009.

A segunda consideração que permeia a definição de “cegueiras do


conhecimento” para Morin é a consciência de “visão de mundo” do sujeito, que
o autor irá classificar como “paradigmas do conhecimento”, estrutura que
condiciona os seres humanos a erros interpretativos da realidade, pois
direciona o seu conhecimento, pensamento e ação segundo concepções que
são inscritas culturalmente, é o que denomina imprinting cultural, “marca
matricial que inscreve o conformismo a fundo, e a normalização que elimina o
que poderia contestá-lo” (MORIN, 2003, p. 28). Portanto:

...O paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento


consciente, controla-o, neste sentido, é também
supraconsciente [...] o paradigma instaura relações
primordiais que constituem axiomas, determina conceitos,
comanda discursos e/ou teorias [...] Assim, um paradigma
pode ao mesmo tempo elucidar e cegar, revelar e ocultar. É
no seu seio que se esconde o problema-chave do jogo da
verdade e do erro. (MORIN, 2003, p. 26; 27)
O fantasma de Procusto é justamente essa “Visão de mundo” fechada
em si mesma, paradigmática, dogmática e totalitária que imprime uma matriz
cultural que permeia nossas ações e pensamentos e que inevitavelmente
conduz os seres humanos a erros, ilusões e cegueiras no processo do
conhecer, fruto da consciência humana. Essa “visão de mundo” imprime idéias,
valores, percepções falsas da realidade, e de certa forma, bloqueia o
conhecimento do ser humano e inevitavelmente suas ações.

A Instituição escolar vem reproduzindo essa “visão paradigmática” desde


a sua origem, e atualmente problemas como: evasão, repetência, indisciplina,
violência, etc. são decorrentes de uma educação que não é compatível com as
novas demandas culturais e sociais de educandos, e dessa forma, não oferece
um tipo de ensino pertinente, global, contextualizado, que orienta uma nova
leitura da realidade, ocultando possíveis erros, ilusões e cegueiras... chegar a
esse tipo de conhecimento será desafio ou utopia? Derrotar Procusto ou ser
seu amigo?

Essas questões estão no cerne dos debates educacionais nos


últimos anos e devem ser problematizadas na perspectiva de encontrar um
novo modelo de Educação, adequado com as transformações tecnológicas e
científicas da atualidade. Os desígnios do século XXI declaram novas matrizes
curriculares e novos ordenamentos disciplinares para receber essa nova
demanda de educandos. A complexidade dos problemas relativos à Educação
atual exige novos direcionamentos pedagógicos com a perspectiva de evitar
novos erros e cegueiras para as novas gerações e definitivamente aniquilar o
fantasma de Procusto.
A Construção do regime democrático e a contribuição intelectual de
SÓCRATES - “o pai da filosofia”

O século V a.C. foi definido pelos historiadores como “O Século de Ouro” – e


realmente foi um período de grandiosas realizações. No campo militar,
ocorreram as famosas “Guerras Médicas” (499 - 449 a.C.) entre os Persas de
Dario I e Xerxes. Essas campanhas militares, desde o historiador Heródoto,
foram cantadas como a vitória da civilização contra a barbárie, do Ocidente
sobre o Oriente. Era o pequeno exército grego de homens livres, ordenado pela
astúcia da razão democrática, que vencia o exército persa, constituído por uma
imensa multidão de servos e escravos.

Do ponto de vista da produção do conhecimento desse período,


destacam-se três filósofos: Sócrates, Platão e Aristóteles. Todos eles viveram
em Atenas, pelo menos durante o período central de sua produção, e foram
autores de obras que influenciaram não apenas o momento histórico em que
viveram, mas também o próprio desenvolvimento da Filosofia e da Ciência. A
preocupação desses filósofos era trazer para o centro de suas indagações o
HOMEM como ser capaz de produzir conhecimento através do
desenvolvimento de sua Moral. Acreditavam, portanto, que o Conhecimento – a
Filosofia – tinha uma função social, e por isso, consistia na formação de
cidadãos como tarefa indispensável para a transformação da sociedade.

Após a vitória sobre os Persas, a democracia ateniense – fundada após


as reformas dos legisladores Drákon (621 a.C.), Sólon (594 a.C) e Clístenes
(521 a.C.) – foi finalmente consolidada e fez de Atenas o “berço do regime
democrático”. Desenvolveram-se e praticaram-se as principais formas
representativas de poder político: a Assembleia popular reunida em praça
pública; as eleições diretas; os Conselhos e também as Magistraturas
exercidas alternadamente por todos os cidadãos.

Derivadas das experiências das polis (“cidade” em grego), surgiram não


somente nossa palavra “política”, como também as nossas práticas eleitorais, a
escolha de representantes, o costume de consultar a todos os cidadãos nas
questões mais importantes, a concepção de que existem decisões e poderes
que são legítimos e outros ilegítimos, etc.

A democracia ateniense estava, dessa maneira, no centro de todas as


grandes realizações desse período. O poder era exercido por Conselhos e
Magistrados eleitos anualmente, diretamente ou por sorteio. O poder mais alto
era a Assembleia popular, organizada por meio de votações realizadas com o
erguimento das mãos, logicamente destinado àqueles que tinham a habilidade
e a oralidade bem desenvoltas, como no caso específico dos “Eupátridas” (os
bem nascidos), a classe dos aristocratas que tinham acesso ao conhecimento.
Os “georgói” (pequenos proprietários) e os “Thetas” (artesãos e
marginalizados) podiam participar das decisões, mas muitas vezes eram
manipulados.

Podemos perceber, portanto, que havia uma grande contradição no


regime democrático dos atenienses. O poder não era exercido pelo povo como
entendemos na etimologia da palavra “DEMOKRATÓS”, e sim por uma
pequena porcentagem da população. A grande maioria da população,
composta de Metecos (comerciantes estrangeiros), mulheres e escravos,
estava absolutamente destituída do poder político e da participação na
Assembleia.

Portanto, pode-se dizer que, paradoxalmente, se a democracia


ateniense inventou a liberdade, inventou também o modo de produção
escravista clássico, que iria perdurar por toda a Antiguidade.

Essa contradição no regime democrático talvez nos explique o


julgamento e execução de Sócrates, em 399 a.C., que foi acusado de
corromper a juventude ateniense e de introduzir o culto a novos deuses.
Conforme relataram os seus contemporâneos (principalmente Platão), ao
retirar-se do tribunal, o filósofo ironicamente disse aos seus juízes que o
condenaram à amargura da cicuta (o veneno que tirou-lhe a vida): “Chegou a
hora de separar-me de vós e de irmos, eu a morrer e vós a viver. Quem leva a
melhor parte? Vós ou eu?”

Logicamente Sócrates levou a melhor parte quando pensamos na


produção do pensamento filosófico. Mesmo sem escrever uma única obra, sua
contribuição para o entendimento do homem (como ser cognoscível) e seu
relacionamento com a vida política, suas preocupações e a construção de sua
moralidade, representam para a posteridade a evolução do pensamento
político e da Filosofia.

A política na Grécia Antiga era inseparável das reflexões filosóficas.


Compreendemos melhor a construção e a evolução da maneira do homem
compreender e questionar o mundo ao analisar as relações históricas que os
gregos “legítimos” construíam na Polis, nas diversas discussões na Ágora.
Sócrates foi, sem rival, o catalisador da mudança que colocou o homem no
centro da investigação filosófica, “Conhece-te a ti mesmo”, dissera o Oráculo
de Delfos, e Sócrates apropriou-se dessa máxima, multiplicando-a numa série
de ideias.

Nascido em Atenas entre 470 e 469 a.C. – filho de um escultor,


Sofronisco, e de uma parteira, Fenareta –, Sócrates viveu o início da fase
áurea da democracia ateniense. Teria seguido, durante algum tempo, a
profissão paterna e é provável que tenha recebido a educação dos jovens
atenienses de seu tempo, aprendendo música, ginástica e gramática. Além
disso, beneficiou-se da própria atmosfera cultural da época. Atenas era, no seu
tempo, um ponto de convergência cultural e um laboratório de experiências
políticas, onde se firmara, pela primeira vez na história dos povos, a tentativa
de um governo democrático, exercido diretamente por todos os que usufruíam
do direito de cidadania.

Sócrates acreditava que a alma humana é a sede de sua faculdade


racional, o fator essencial que distingue o homem dos animais. Mas a alma
possui também um elemento irracional e, para o homem, o grande problema é
tornar-se verdadeiramente humano, isto é, permitir que o elemento racional
domine e controle o outro, pois nada disso tem sentido com o isolamento. A
sabedoria e a bondade só são verdadeiramente possíveis onde existe uma
relação, por um lado, entre o homem e o homem e, por outro, entre o homem e
o eterno. Daí o fato de o amor, a amizade, a piedade, a imortalidade e,
sobretudo, a justiça, se encontrarem entre os temas relevantes dos diálogos de
Sócrates.

Dessa forma, Sócrates obrigava os atenienses a repensarem as suas


imagens de belo e de bom, de justo e de injusto, de vida feliz, de ideal de
cidade. Assim como desde sua juventude abalara as próprias certezas, sempre
repetindo que apenas sabia que nada sabia, abalava também as certezas de
todos, pobres ou ricos, homens livres ou escravos, artesãos, políticos,
prostitutas, sofistas ou juízes. Todos diante de Sócrates eram obrigados a
repensar os seus fins.

A grande contribuição de Sócrates não está na discussão política e suas


contradições, nem na ideia de que a política e a justiça devem estar ligadas,
mas sim no modo radical e sistemático de análise dos problemas e na
perseverante insistência de que a política (e todo o comportamento) tem de ser
orientada racionalmente e julgada por normas éticas absolutas.

Dessa forma, está inserido “no Olimpo” como um dos grandes


educadores da antiguidade, tendo sido responsável pela elaboração de uma
metodologia de ensino voltada a “parir” o “verdadeiro bem” daqueles que o
acompanhavam: por intermédio da ironia e da maiêutica, levava os seus
discípulos ao reconhecimento de seu grau de ignorância e os incentivava a
buscar em si mesmos os melhores conceitos e direcionamentos para a vida na
Pólis. É possível arriscar que Sócrates buscava sempre retirar os homens de
seu tempo do “senso comum” e encaminhá-los em direção à razão.

Assim, quando em 399 a.C. a democracia condena-o à morte, ela se


defende de um filósofo revolucionário. Falharam assim, sem dúvida, os seus
juízes, e provaram a ironia da dialética ao receitarem a Sócrates a amargura da
cicuta. Ele, no entanto, certamente levou a melhor parte.
A origem da Democracia Grega e sua relação com a Filosofia: Sócrates,
Platão e Aristóteles.

Os séculos V e IV a.C. foram os séculos em que Atenas viveu seu


apogeu econômico, político e cultural. Nas palavras do historiador grego
Heródoto “O Século de Ouro” do governante Péricles, que após a vitória nas
Guerras Médicas contra os Persas de Dario I e Xerxes, investiu todos os
recursos adquiridos de outras cidades (Com a Liga de Delos) na valorização de
sua cultura. Aconteceu nesse período a exaltação dos valores dos atenienses
através de construções de palácios e monumentos; no incentivo de produções
artísticas, literárias, históricas e filosóficas tentando demonstrar o auge de sua
cultura e civilização alcançada com a consolidação do regime democrático.

Do ponto de vista da produção do conhecimento desse período,


destacam-se três filósofos: Sócrates, Platão e Aristóteles. Todos eles viveram
em Atenas, pelo menos durante o período central de sua produção, e todos
eles tem uma obra que influenciou não apenas o momento histórico que
viveram, mas também o próprio desenvolvimento da Filosofia e da Ciência. A
preocupação desses filósofos era trazer para o centro de suas indagações o
HOMEM, como ser capaz de produzir conhecimento através do
desenvolvimento de sua Moral. Acreditavam, portanto, que o Conhecimento – a
Filosofia – tinha uma função social, e por isso, consistia na formação de
cidadãos como tarefa indispensável para a transformação da sociedade.
Essa pesquisa tem como objetivo caracterizar o ambiente histórico
(político, econômico, social e cultural) da cidade-Estado de Atenas no período
Clássico (séc. V-IV a.C) como proposta de conhecer melhor o desenvolvimento
e construção do pensamento de Sócrates, Platão e Aristóteles. Além disso,
fazer um estudo mais aprofundado sobre a Política (sobretudo a construção e
desenvolvimento da Democracia) concretizada pelos atenienses nesse
período, que de certa forma, norteou a maneira de pensar desses filósofos.

ANÁLISE HISTÓRICA DE ATENAS NO PERÍODO CLÁSSICO: A


Construção do regime democrático e sua contradição.

O século V a.C. foi designado pelos historiadores de todos os tempos de “O


Século de Ouro”. Realmente, foi um período de grandiosas realizações. No
campo militar ocorreram as batalhas sobre os Persas. Essas campanhas
militares, desde o historiador Heródoto, foram cantadas como a vitória da
Civilização contra a barbárie, do Ocidente sobre o Oriente. Era o pequeno
exército grego de homens livres, ordenado pela astúcia da razão democrática,
que vencia o exército persa constituído por uma imensa multidão de servos.
Após a vitória sobre os Persas, a democracia ateniense, fundada após as
reformas dos legisladores: Drákon (621 a.C.), Sólon (594 a.C) e Clístenes (521
a.C.) foram finalmente consolidadas e fizeram de Atenas o “berço do regime
democrático”. Desenvolveram-se e praticaram-se as principais formas
representativas de poder político: a Assembléia popular reunida em praça
pública, as eleições diretas, os Conselhos, as Magistraturas exercidas
alternadamente por todos os cidadãos. Derivadas das experiências das polis
(“cidade” em grego) surgiram não somente nossa palavra “política” como
também as nossas práticas eleitorais, a escolha de representantes, o costume
de consultar a todos os cidadãos nas questões mais importantes, a concepção
de que existem decisões e poderes que são legítimos e outros ilegítimos, etc.

A democracia ateniense estava, dessa maneira, no centro de todas as grandes


realizações desse período. O poder era exercido por Conselhos e Magistrados
eleitos anualmente, diretamente ou por sorteio. O poder mais alto sempre
permanecia sendo a Assembléia popular, o poder direto que surgia das
votações realizadas com o erguimento das mãos, logicamente destinado
àqueles que tinham a habilidade e a oralidade bem desenvoltas, como no caso
específico dos “Eupátridas” (Os bem nascidos) a classe dos aristocratas que
tinham acesso ao conhecimento. Os “georgói” (pequenos proprietários) e
também aos “Thetas” (artesãos e marginalizados) podiam participar das
decisões mais muitas vezes eram manipulados, como afirma BENOIT:

“... grupos poderosos, defendendo seus interesses privados, utilizando todo


tipo de corrupção, contratando oradores profissionais (discípulos de
professores de retórica e de sofistas), manipulavam a escolha de cargos e
mesmo a Assembléia popular. O povo, assim conduzido e enganado, apesar
de decidir e votar, decidia e votava, muitas vezes, contra os seus próprios
interesses reais. (BENOIT, 1996, p. 19).

Podemos perceber, portanto, que havia uma grande contradição no regime


democrático dos atenienses. O poder não era exercido pelo povo como se
refere em sua etimologia e sim para uma pequena porcentagem da população.
Os considerados Cidadãos de Atenas eram aqueles que eram “legítimos”, ou
seja, filhos de pais atenienses, maior de 18 anos de idade e do sexo masculino,
cerca de 10% da população que vivia em Atenas na época de Sócrates, Platão
e Aristóteles. A grande maioria da população composta de Metecos
(comerciantes estrangeiros), Mulheres e Escravos estavam absolutamente
destituídos do poder político e da participação na Assembléia. E para se ter
uma idéia, segundo análises de um historiador da Antiguidade:

“a população de Escravos em Atenas no período Clássico era de


aproximadamente 300.000, cerca de 40% da população total.” (FINLEY, 1963,
p. 73).

Portanto, pode-se dizer que, paradoxalmente, se a democracia ateniense


inventou a liberdade, inventou também o modo-de-produção escravista
clássico, que dominará através de toda a Antiguidade...

“O escravo criado por Atenas, e que é base do modo de produção escravista, é


de outro tipo: é o chamado “escravo-mercadoria”, vendido e comprado num
mercado internacional de escravos e que, desvinculado totalmente de sua terra
de origem, de sua família e comunidade, tornava-se apenas, para usar a
expressão celebre de Aristóteles, “uma coisa viva”, ou seja, um mero
instrumento de trabalho, uma mera ferramenta de produção.” (BENOIT, 1996,
p. 20)
Essa contradição no regime democrático talvez nos explique o julgamento e
execução de Sócrates em 399 a.C. que fora acusado de corromper a juventude
ateniense e de introduzir o culto a novos deuses. Conforme relataram os seus
contemporâneos (principalmente Platão), ao retirar-se do tribunal,
ironicamente, disse aos seus juízes que o condenaram à amargura da cicuta (o
veneno que tirou-lhe a vida):

“Chegou a hora de separar-me de vós e de irmos, eu amorrer e vós a viver.


Quem leva a melhor parte? Vós ou eu?”(PLATÃO, col. Os Pensadores, p. 108-
109).

Logicamente que Sócrates levou a melhor parte quando pensamos na


produção do pensamento filosófico e, mesmo sem escrever uma única obra,
sua contribuição para o entendimento do Homem (como ser cognoscível) e seu
relacionamento com a vida política, suas preocupações e a construção de sua
Moralidade, representam para a posteridade a evolução do pensamento
político e da Filosofia.

Como vimos anteriormente a Política colidia constantemente com a Filosofia,


por vezes interferia com ela, e quando pensamos na construção e evolução da
maneira do Homem compreender e questionar o Mundo, entendemos melhor
através das relações históricas que os gregos “legítimos” construíam na Polis,
nas diversas discussões na Ágora. Sócrates, foi sem rival, o catalisador da
mudança que colocou o homem no centro da investigação filosófica, “Conhece-
te a ti mesmo”, dissera o Oráculo de Delfos, e Sócrates apropriou-se dessa
máxima, elaborando-a numa série de idéias. Segundo o Historiador português
MosesFinley no seu clássico “Gregos Antigos”, interpreta assim suas idéias:
“que o homem é capaz de se conhecer a si mesmo através de um pensamento
racional rigoroso, mediante o método dialético de análise, que contrabalança
entre si hipóteses ou explicações alternativas; que o verdadeiro conhecimento
em sentido estrito, não pode ser ensinado, mas deve ser apreendido por cada
um e dentro de si; que o auto-conhecimento do homem, na sua natureza, era o
verdadeiro objetivo do saber e, por conseguinte, da vida; que os homens só
praticam o mal por ignorância. A equação final corresponde a: Conhecimento
(sabedoria) é igual à Virtude que é igual à felicidade”. (FINLEY, 1963, p. 112)

Nascido em Atenas em 470 ou 469 a.C., na época em que findava a guerra


entre os gregos e os persas (Guerras Médicas) e quando a vitória da Grécia
marcaria o início da fase áurea da democracia ateniense, Sócrates era filho de
um escultor, Sofronisco, e de uma parteira, Fenareta. Teria seguido, durante
algum tempo, a profissão paterna e é provável que tivesse recebido a
educação dos jovens atenienses de seu tempo, aprendendo música, ginástica
e gramática. Além disso, beneficiou-se da própria atmosfera cultural da época,
das mais brilhantes da cultura grega. Atenas é, no tempo de Sócrates, um
ponto de convergência cultural e um laboratório de experiências políticas, onde
se firmara, pela primeira vez na história dos povos, a tentativa de um governo
democrático, exercido diretamente por todos os que usufruíam do direito de
cidadania. Entende-se portanto que:
“...nessa democracia, a função pública dos oradores torna-se fundamental e,
consequentemente, a palavra torna-se não apenas um instrumento de
ascensão política, como também um problema a preocupar retóricos e
pensadores. Preparar o indivíduo para a vida pública, conferir-lhe capacitação
ou virtude, representa, basicamente, adestra-lo na arte da persuasão através
da palavra”. (Col. Os Pensadores - Sócrates, 1999, p. 20).

Sócrates acreditava que a alma humana é a sede de sua faculdade racional, o


fator essencial que distingue o homem dos animais. Mas a alma possui
também um elemento irracional e, para o homem, o grande problema é tornar-
se verdadeiramente humano, isto é, permitir que o elemento racional domine e
controle o outro, pois nada disto tem sentido com o isolamento. A sabedoria e a
bondade só são verdadeiramente possíveis onde existe uma relação, por um
lado, entre o homem e o homem, por outro, entre o homem e o eterno. Daí que
o amor, a amizade, a piedade, a imortalidade se encontrassem entre os temas
relevantes dos diálogos de Sócrates – mas acima de todos, a justiça.
Dessa forma Sócrates obrigava os atenienses a repensarem as suas imagens
de belo e de bom, de justo e de injusto, de vida feliz, de ideal de cidade. Assim
como desde sua juventude abalara as próprias certezas, sempre repetindo que
apenas sabia o que não sabia, abalava também as certezas de todos, pobres
ou ricos, homens livres ou escravos, artesãos, políticos, prostitutas, sofistas ou
juízes. Todos diante de Sócrates eram obrigados a repensar os seus fins,
portanto:

“... para chegar ao conceito de algo, mostrava Sócrates, é necessário um


esforço similar ao de qualquer trabalho material: àquele dos artesãos diante da
fornalha, àquele dos escravos nas minas e dos lavradores nos campos que,
transformando a natureza, reproduziam a vida dos homens”.(BENOIT, 1996. p.
6-7)

O que Sócrates trouxe de novo não foi nem a discussão política e suas
contradições, nem a idéia de que a política e a justiça estavam ligadas, mas o
modo radical e sistemático de como se devem examinar os problemas e a
perseverante insistência em que a política (e todo o comportamento) tem de
ser orientada racionalmente e julgada por normas éticas absolutas.
Sua missão, acima de tudo, era levar todos os homens a buscar o verdadeiro
bem, Sócrates contrariava os interesses daquela minoria “os bem nascidos”
que detinha o poder na democracia ateniense. Assim, quando em 399 a.C. a
democracia condena-o a morte, ela não apenas o pune: ela se defende de um
filósofo revolucionário. Falharam assim, sem dúvida, os seus juízes, e
provaram a ironia da dialética ao receitarem a Sócrates a amargura da cicuta.
Ele levou, certamente, a melhor parte.

Platão nasceu um ano após a morte do estadista Péricles. Seu pai, Aristão,
tinha como ancestral o rei Codros e sua mãe, Perictione, tinha Sólon entre seus
antepassados. Inicialmente, Platão entusiasmou-se com a filosofia de Crátilo,
um seguidor de Heráclito. No entanto, por volta dos 20 anos, encontrou o
filósofo Sócrates e tornou-se seu discípulo até a morte deste. Pouco depois
de 399 a.C., Platão esteve em Mégara com alguns outros discípulos de
Sócrates, hospedando-se na casa de Euclides. Em 388 a.C., quando já
contava quarenta anos, Platão viajou para a Magna Grécia com o intuito de
conhecer mais de perto comunidades pitagóricas. Nesta ocasião, veio a
conhecer Arquitas de Tarento. Ainda durante essa viagem, Dionísio I convidou
Platão para ir à Siracusa, na Sicília. Platão partiu para Siracusa com a
esperança de lá implantar seus ideais políticos. No entanto, acabou se
desentendendo com o tirano local e retornou para Atenas.

Em seu retorno, fundou a Academia. A instituição logo adquiriu prestígio e a ela


acorriam inúmeros jovens em busca de instrução e até mesmo homens ilustres
a fim de debater idéias. Em 367 a.C., Dionísio I morreu, e Platão retornou à
Siracusa a fim de mais uma vez tentar implementar suas idéias políticas na
corte de Dionísio II. No entanto, o desejo do filósofo foi novamente frustrado.
Em 361 a.C. voltou pela última vez à Siracusa com o mesmo objetivo e pela
terceira vez fracassa. De volta para Atenas em 360 a.C., Platão permaneceu
na direção da Academia até sua morte, em 347 a.C.

Para Platão, o conhecimento (que para ele era fruto da reflexão do homem),
dependia, para ser atingido, da argumentação e da discussão que eram forma
de se validar cada passo da reflexão. Platão acreditava que a obtenção de
conhecimento e a sua transmissão não eram tarefas de e para todos os
homens, mas apenas daqueles que, por natureza (por sua alma), tinham as
condições para tanto. Estes, por meio de conhecimento, transformavam-se em
homens melhores e preparavam-se para o governo da cidade. O conhecimento
verdadeiro – ou reconhecimento – exigia um metódico esforço do homem para
que sua alma se lembrasse, para que o saber fosse, finalmente adquirido. Nas
palavras do historiador português Finley:

“ Para Platão (...) os homens são criados desiguais; não meramente no sentido
superficial da desigualdade no físico, na riqueza ou posição social, mas
desiguais na alma, moralmente desiguais. Alguns homens são potencialmente
capazes de uma conduta completamente racional e, por conseguinte, de juízo
moral correto; a maior parte não o é. Por conseguinte, a governação deveria
ser entregue à minoria moralmente superior – idealmente, nas mãos dos
filósofos autênticos.(...)”. (FINLEY, 1963, p. 113)

Esse saber real era o conhecimento da idéia, da essência que era universal e
não particular, imutável e não efêmera, necessária e não contingente. Platão
buscava, por exemplo, a Justiça e não as qualidades que definem este ou
aquele homem justo, e buscava, acima de tudo, o Bem, aquilo que a tudo une e
a tudo dá sentido.O verdadeiro conhecimento, para Platão, ao mesmo tempo
que iluminava o homem, permitindo-lhe melhor conhecer, era, ele próprio,
iluminador, o conhecimento esclarecia, dava transparência à realidade. No
entanto, esse conhecimento não era dado ao homem e, para ele chegar, era
necessário galgar vários degraus. Esse percurso iniciava-se no mundo sensível
e terminava quando se atingia o mundo das idéias:

“(...) o conhecimento começava com as imagens dos objetos sensíveis, às


quais correspondia só uma “representação confusa”. Passava-se a seguir aos
próprios objetos do mundo sensível, aos quais correspondia uma
“representação nítida”, que levava à crença; tanto a representação confusa
como a representação nítida referiam-se ao mundo sensível, mundo esse
passível apenas de um conhecimento no nível da opinião”. (ANDERY e
MICHELLETO – orgs., 2007, p. 75).

Nesse sentido, elaborou um sistema filosófico e um método de investigação


que objetivavam o que considerava o verdadeiro saber. Era esse saber que,
para ele, permitiria aos homens construírem uma cidade justa e mais perfeita.
A política, a transformação da sociedade e o governo constituíam-se, assim, na
pedra de toque de seu sistema.A concepção que Platão tem de conhecimento
está relacionada a sua concepção de sociedade; mais do que isso, prepara e
justifica para aquilo que Platão defendia para a sociedade na qual vivia – a
cidade grega. Platão pretendia organizar a cidade de forma a mantê-la estável,
ordenada; essa organização e estabilidade – distintas pela razão – dependiam
basicamente da divisão do trabalho e do estabelecimento de leis:

“(...) Platão estabelecia três atividades fundamentais para a cidade: a


produção, garantida pelos artesãos; a defesa, garantida pelos soldados; e a
administração interna pelos guardiães (...), defendia que era preciso descobrir,
em cada indivíduo, sua predisposição dominante para que se lhe pudesse
atribuir sua função, seu papel na polis e, assim, garantir sua felicidade, o bem-
estar e a justiça da polis. (ANDERY e MICHELLETO – orgs., 2007 p. 77)

Portanto, para Platão, a polis perfeita era aquela que visava o bem de todos e
não de grupos, isso seria possível se os seus governantes conhecessem o
Bem e se cada cidadão realizasse a função para a qual era, por natureza, mais
apto e para qual tivesse sido educado. Assim, cada homem deveria trabalhar
para o benefício da cidade, segundo suas aptidões e, desse modo, a cidade se
manteria íntegra e justa, atendendo a todos.A Democracia que ressaltava a
importância do homem, como indivíduo que era capaz de governar a si e aos
demais, como cidadão capaz de construir a sociedade por meio do
encaminhamento de propostas e de soluções aos problemas enfrentados, sem
dúvida alguma, marcaram o pensamento de Platão.

A maneira de pensar de Aristóteles diferia de Platão no que se refere à política.


Para Platão, além do objeto de conhecimento, a política era também objeto de
ação, já para Aristóteles, a política era também objeto de estudo, o que poderia
estar relacionado ao fato de ser um estrangeiro e, portanto, sem estatuto de
cidadão ateniense.

Aristóteles nasceu em 384 a.C. e morreu em 322 a.C, foi viver em Atenas aos
17 anos, onde conheceu Platão, tornando seu discípulo. Passou o ano de 343
a.C. como preceptor do imperador Alexandre, o Grande, da Macedônia.
Fundou em Atenas, no ano de 335 a.C, a escola Liceu, voltada para o estudo
das ciências naturais. Seus estudos filosóficos baseavam-se em
experimentações para comprovar fenômenos da natureza. O filósofo valorizava
a inteligência humana, única forma de alcançar a verdade. Fez escola e seus
pensamentos foram seguidos e propagados pelos discípulos. Pensou e
escreveu sobre diversas áreas do conhecimento: política, lógica,
moral, ética,pedagogia, metafísica, didática, poética, retórica, física,
antropologia, psicologia e biologia. Publicou muitas obras de cunho didático,
principalmente para o público geral. Valorizava a educação e a considerava
uma das formas de crescimento intelectual e humano.
Na filosofia aristotélica a política é um desdobramento natural da ética. Ambas,
na verdade, compõem a unidade do que Aristóteles chamava de filosofia
prática.Se a ética está preocupada com a felicidade individual do homem,
apolítica se preocupa com a felicidade coletiva da pólis. Desse modo, é tarefa
da política investigar e descobrir quais são as formas de governo e
as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva. Trata-se, portanto,
de investigar a constituição do Estado:

“As propostas políticas de Aristóteles parecem refletir o momento histórico em


que viveu, um momento de muita conturbação e em que a defesa da ordem
poderia significar a conservação de toda uma sociedade; mas,
indubitavelmente, refletem também sua concepção mais geral de mundo e de
conhecimento” (ANDERY e MICHELLETO – orgs., 2007, p. 96).

Aristóteles discordava, entre outras coisas, da organização econômica da


cidade-Estado ateniense do seu tempo, voltada para o comércio e intercâmbio
com o exterior, que, segundo ele, mantinha a cidade dependente e levava às
guerras. Discordava, ainda, das concepções mais alargadas de cidadania e
propunha restringir o estatuto de cidadão àqueles indivíduos completamente
liberados de todo trabalho manual, não entrando nessa categoria os artesãos e
os lavradores. Apenas aos cidadãos estaria reservada a prática da virtude, que
precisava ser exercida para que se desenvolvesse a política.
Pensar bem por intermédio da assimilação e contextualização de
conceitos: considerações pertinentes para o ensino de história atual.

O que se costuma solicitar à Filosofia é que ilumine


o sentido teórico e prático daquilo que pensamos e
fazemos, que nos leve a compreender a origem das
idéias e valores que respeitamos ou que odiamos,
que nos esclareça quanto à origem da obediência a
certas imposições e quanto ao desejo de transgredi-
las; enfim, que nos diga alguma coisa acerca de os
mesmos, que nos ajude compreender como, por
que, para quem, por quem, contra quem ou contra o
que as idéias e os valores foram elaborados e o que
fazer deles

Marilena Chauí

Pretende-se apresentar, nesse artigo, possíveis reflexões,


análises e sugestões relativas à disciplina de História a partir de algo que traz
conseqüências para o trabalho em de sala de aula: os efeitos da
acronia1(ausência de referência temporal) e atopia2 (ausência de referência
espacial)produzidos pelos meios de comunicação de massa. O objetivo é
discutir possíveis orientações em torno do resgate do sentido dessa disciplina
escolar em tempos de um possível “reducionismo” do passado.

Mas qual o sentido de recuperar o conhecimento do passado?


Porque resgatar o sentido e a função da História na atualidade? De acordo com
as considerações do pensador Edgar Morin (2003, p. 77):

É no encontro com seu passado que um grupo humano


encontra energia para enfrentar seu presente e preparar

1
Marilena Chauí em seu livro: “Simulacro e poder: uma análise da mídia” aponta como ausência de
referência temporal ou acronia, isto é: [...] os acontecimentos são relatados como se não tivessem
causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem
continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto são objetos de
transmissão e deixam de existir se não são transmitidos.
2
Elas são segundo Chauí (2006, p. 46): a ausência de referência espacial ou atopia, ou seja, “as
diferenças espaciais (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são apagadas; o aparelho de rádio e a tela
da televisão tornam-se o único espaço real. As distâncias e proximidades, as diferenças geográficas e
territoriais são ignoradas”
seu futuro. A busca do futuro melhor deve ser
complementar, mas não antagônica, ao reencontro com o
passado. Todo ser humano, toda coletividade deve irrigar
sua vida pela circulação incessante entre o passado, na
qual reafirma a Identidade ao restabelecer o elo com os
ascendentes, o presente, quando afirma suas
necessidades, e o futuro, no qual projeta aspirações e
esforços.

A perspectiva em torno desse estudo salienta a vontade de


enfrentar e combater os problemas de aprendizado que sãovisivelmente
observados no processo educacional, das novas gerações de educandos, além
de estruturar planos de ação para recuperar o sentido dialético da História e
romper com os efeitos negativos das informações veiculadas pela mídia,
responsáveis pelo fenômeno do presenteísmo.

Para isso, iremos analisar em princípio as teorias epistemológicas


de dois pensadores contemporâneos: o norte-americano MathewLipman
(2001), tendo como foco seus estudos sobre o desenvolvimento do que esse
autor caracteriza como: “pensamento de ordem superior” ou “pensamento
excelente” e do francês Edgar Morin (2007) em torno do que aponta como:
“Inteligência Geral” ou “Reforma do Pensamento”.

Pensar e Pensar Bem: A Estruturação de uma Educação para as novas


gerações.

Pensar é estabelecer relações de idéias ou conceitos entre si com


o propósito de produzir significados, explicações e conhecimentos.
Pensamento é esse processo de articulação de idéias.

A capacidade de pensar se desenvolve naturalmente


quando se vive em um meio social adequado e é
necessária para essa vida em sociedade, já que, para
participar normalmente desse contexto, é preciso pensar.
O que ocorre é que a capacidade de pensar, sobretudo de
pensar abstratamente, pode ser desenvolvida, estimulada,
aperfeiçoada, o que requer certo treinamento, e aí entra a
escola e toda a Educação formal [...] (DELVAL, 1997, p.
14).

Essas idéias de Delval – extraídas do livro “Aprender a aprender”


(1997) – nos oferecem indicaçõespara discutir a importância do ato de pensar
bem. A capacidade de pensar bem proporciona ao ser humano a possibilidade
de se relacionar socialmente e também de se inserir como agente crítico no
seu papel como cidadão que reconhece seus direitos, que julga, desenvolve
valores e novos juízos. Esses valores e juízos que o pensar bem proporciona
ao indivíduo são construídos de maneira muito intensa no ambiente escolar,
por isso a importância de repensar como o professor pode propor aos alunos
um trabalho que desenvolva a capacidade de pensar bem em sala de aula.

O pensar bem, segundo MathewLipman (2001, p. 46):

[...] envolve, por exemplo, a utilização de inferências bem


fundamentadas, a apresentação de razões convincentes,
a revelação de suposições latentes, a determinação de
classificações e definições defensáveis e organização de
explicações, descrições e argumentos coerentes. Em
geral, produz uma sensibilidade em relação aos aspectos
lógicos do discurso, que não foram desenvolvidos em
nosso atual sistema educativo.

Nesse mesmo sentido, Edgar Morin (2003, p. 100) defende esse


pensamento como sendo: “Um modo de pensar que permite apreender em
conjunto o texto e o contexto, o ser e seu meio ambiente, o local e o global, o
multidimensional, em suma, o complexo, isto é, as condições objetivas e
subjetivas”.

Ambos os pensadores e, além deles, vários outros, identificam


falhas na educação escolar atual que não cuida do desenvolvimento do que
denominam de pensar bem. Daí a indicação da necessidade de uma reforma
na Educação. Uma reforma que privilegie o desenvolvimento no educando de
habilidades de pensamento de uma outra ordem:

[...] Dada a importância de educação para a


compreensão, em todos os níveis educativos e em todas
as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita
da reforma das mentalidades; esta deve ser a tarefa da
Educação do futuro (Idem, p. 104)

Para MathewLipman, o “pensar bem” ou “pensamento de ordem


superior” (como esseeducador classifica) é a união entre um pensamento
crítico e ao mesmo tempo, criativo. Para ele a Escola na atualidade não
representa uma Instituição preparada para atender às novas gerações de
alunos que necessitam de outras demandas de informação e formação. Nesse
sentido, Lipman promove reflexões e indica caminhos no sentido de estimular
em sala de aula, habilidades de pensamento capazes de auxiliar os estudantes
para serem o tipo de pessoas que tanto eles, como a sociedade desejam e
precisam.

[...] O que é certo é que as escolas em toda parte são


acusadas porque os conhecimentos dos alunos têm se
mostrado muito deficientes, e o que é pior é que o pouco
que os alunos sabem é sustentado de maneira quase que
totalmente acrítica, e o pouco sobre o qual refletem é feito
de maneira destituída de imaginação. Estudantes como
estes não se transformaram nos cidadãos reflexivos que
uma democracia forte exige, como tampouco poderão
almejar a produtividade e o respeito a si mesmos de que
eles próprios necessitam enquanto indivíduos. (LIPMAN,
2001, p. 44)

É notório que a Escola, enquanto Instituição, está fora de seu


contexto na atualidade, isto é, está tentando formar um aluno que é abstrato 3,
ou seja, que não é o aluno de hoje e que, por sua vez, não se adapta a um tipo
de Escola e de Ensino que ainda continuam com modelos educacionais de
séculos passados. A Escola atual permanece com a mesma estrutura
arquitetônica e o mesmo modelo educacional desde as primeiras escolas
elementares que surgiram no Brasil no séc. XIX (PCN de História, p. 17), e
sabemos que as novas gerações de alunos que estão inseridos na Escola

3
O sentido da palavra “abstrato” se refere à educandos do tempo presente que estão recebendo uma
educação antiquada. Essa referência sofreu influência dos estudos sobre Indisciplina na Escola do
educador JulioGroppa Aquino no livro: “indisciplina na Escola: alternativas teóricas e práticas”, São
Paulo; Ed. Summus, 1996.
atualmente necessitam de uma nova Instituição escolar, de uma nova
formação, e do desenvolvimento de outra maneira de pensar.

O que se verifica nas escolas de modo geral, na atualidade, é a


simples reprodução de conteúdos que são desconectados da realidade dos
educandos. LIPMAN (2001) constata isso e aponta para um retrocesso de
paradigmas educacionais que se instalaram nas Escolas desde o seu
surgimento como Instituição no séc. XVI. Esse paradigma ele o caracteriza
como “paradigma padrão”. O mesmo é apontado por Aranha (1997) que assim
o caracteriza:

Uma transmissão de conteúdos daqueles que sabem para


os que não sabem em uma relação verticalizada; Um
conhecimento distribuído entre as disciplinas que não são
coincidentes, ou seja, são compartimentadas e não abre a
possibilidade de relação com a realidade do aluno; O
papel do professor é semelhante a uma autoridade do
saber e os alunos devem respeitá-lo enquanto senhor
desse saber, etc. (ARANHA, 1997, p. 24).
Essas observações se aproximam do que conhecemos como
“Educação Bancária” apontada por Paulo Freire. (FREIRE, 1987, p. 59).

Há, na verdade um quase consenso de educadores de diferentes


correntes quanto à existência insatisfatória desse padrão de trabalho em sala
de aula. E há propostas alternativas para reverter esse quadro educacional
tradicional. Uma dessas alternativas é a da denominada Educação para o
Pensar Bem, que pode ser caracterizada como o “paradigma reflexivo” da
Educação, segundo o que propõe Lipman (2001, p. 24):

O conhecimento como resultado da participação em uma


comunidade de investigação orientada pelo professor, o
responsável por estimular à compreensão e o julgamento
adequados; Que as disciplinas estabeleçam entre si um
vínculo e que este seja através da Filosofia; Que o papel do
professor seja o da falibilidade, ou seja, que esteja pronto
para admitir erros; Que o conhecimento nunca fique
restringido à aquisição de informações, mas sim à
percepção das relações contidas nos temas investigados,
etc.
Para isso faz-se necessária uma reforma curricular emergencial,
que possibilite a união entre as disciplinas, e que a Filosofia seja reconhecida
pelos agentes educacionais (professores, coordenadores, gestores, etc.) como
uma disciplina que auxilie as demais na proposição de uma Educação reflexiva,
crítica, criativa, isto é, que possa auxiliar a desenvolver nos educandos
habilidades de pensar e capacidade de relacionar os conteúdos de cada
disciplina à realidade social em que vivem.

A Educação para a Complexidade: O futuro como perspectiva.

Vivemos em uma era de incertezas, e cada um de nós está


inserido em contextos complexos, interdependentes e complementares. Diante
dessa realidade MORIN (2003, p. 38) salienta a importância de se perceber o
ser humano e a sociedade como unidades complexas. Para ele o ser humano
deve ser entendido, como de fato é, como um ser “ao mesmo tempo biológico,
social, afetivo e racional”, e a sociedade comportando “as dimensões histórica,
econômica, sociológica, religiosa”.Isto é, a sociedade é uma realidade
complexa assim como cada ser humano. Isso exige que as pessoas possam
compreender a sociedade e a si mesmas de maneira abrangente,
compreensiva, de tal modo a dar conta dessa complexidade. É necessária uma
“inteligência geral”, isto é, uma leitura abrangente de tudo. Daí que

A Educação deve favorecer a aptidão natural da mente em


formular e resolver problemas essenciais e, de forma
correlata, estimular o uso total da Inteligência Geral. Este
uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade
mais expandida e mais viva durante a infância e a
adolescência, que com freqüência a instrução extingue e
que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja
adormecida, de despertar (MORIN, 2003, p. 39)

De acordo com Edgar Morin (Idem, p. 43): “todo conhecimento é


uma tradução e uma reconstrução” e, portanto, “não podemos separar o mundo
que conhecemos das estruturas do nosso conhecimento”, pois há uma
“aderência inseparável entre nosso espírito e o mundo”. Se assim é, se o
mundo ou a realidade é complexa, nossa maneira de o pensar deve ser uma
maneira complexa. Uma maneira de pensar que consiga apreender o que está
abraçado junto, o que está relacionado na trama da realidade. Não uma
realidade concebida como constituída de elementos isolados uns dos outros.
Na realidade há interações, interligações, relacionamentos os mais diversos.
Tudo o que existe é resultante de múltiplas relações. Morin diz isso; Marx o diz;
Lipman também. Ora, se se concebe assim a realidade, o pensamento para dar
conta dessa trama inter-relacional precisa ser um pensamento capaz de captar
as relações dadas e as relações possíveis, é necessário desenvolver uma
maneira de pensar que saiba dar conta do global, do geral, das inter-relações.
Para tanto MORIN (2007) advoga a favor de uma educação escolar, por
exemplo, que dê ênfase não à separação ou à fragmentação dos
conhecimentos, mas à religação dos saberes.

Lipman também propõe uma escola na qual se dê atenção às


relações, às interdependências, pois, para ele o mundo é constituído de
complexos. E propõe como caminho para as escolas o desenvolvimento de um
pensar que seja capaz de contextualizar e que seja provido de capacidades ou
habilidades que favoreçam esse pensar bem. Um dos desenvolvimentos por
ele proposto é o desenvolvimento da atividade de conceituar bem. Ser capaz
de produzir conceitos, pois, pensar bem exige que se saiba relacionar
conceitos entre si produzindo significações e entendimentos. Mas como fazê-lo
se não há a produção e a clareza dos conceitos?

A Formação de Conceitos no cotidiano escolar e sua ligação com o


contexto: duas dimensões da prática pedagógica.

Todos nós temos conceitos que são representações superficiais e


muitas vezes imprecisas que são produzidos geralmente pelas informações
colhidas ao longo de nossas vidas. Conceitos como: Democracia, Reforma
Agrária, Escravidão, Feudalismo, Expansão Marítima, Renascimento,
Imperialismo, Reforma Protestante, Revoluções, Independência, Totalitarismo,
dentre outros, são comuns entre nós e mesmo entre alunos de diversas idades.
Conceitos são necessários e são a base do nosso processo de inteligibilidade
da realidade. É com eles que fazemos a leitura de tudo e é com eles,
relacionados entre si, que elaboramos nossos juízos. Se forem mal formados
lemos a realidade de maneira deformada.

Os conceitos podem ser considerados possibilidades


cognitivas que os indivíduos têm na memória disponíveis
para os arranjos que mobilizem, de forma conveniente,
suas capacidades informativas e combinatórias [...] a
construção de conceitos permite a instituição do poder
conceitual, isto é, o poder que o aluno tem de identificar e
ordenar cientificamente os elementos da realidade social e
que pode auxiliá-lo na organização, no reconhecimento e
na interpretação do mundo. (SCHMIDT apud
BITTENCOURT, 2006, p.62)

A apreensão e a construção dos conceitos quando não bem


realizadas frustram o processo de conhecimento e acabam propiciando nos
alunos visões e pensamentos imprecisos, incompletos, fragmentados, ligados a
interesses particularistas e até errôneos acerca da realidade que envolve os
seres e os acontecimentos. Isso porque não aprenderam da maneira mais
correta os significados que estão envolvidos no estudo desses conceitos e que
dependem de contextos sociais, ambientais e históricos, dentre outros.

A importância de se compreender conceitos em sala de aula,


especialmente de compreendê-los contextualizadamente, é fundamental e o
trabalho educativo nessa direção é caminho seguro para uma educação da
melhor qualidade. Em sala de aula, o Professor de História percebe que os
alunos utilizam e repetem os conceitos acima mencionados e outros, mas que
não sabem o significado dos mesmos. Até sabem, muitas vezes que esta é
uma excelente ocasião de trabalhar na direção aqui proposta. Mas, não o
fazem por diversas razões. Continua-se a trabalhar de maneira tradicional com
base em informações prontas, exigindo dos alunos somente memorização de
datas, de nomes de grandes personagens, narrando o passado de maneira
descritiva, sem nenhuma preocupação em refletir ou problematizar os
processos sociais, políticos, econômicos e culturais. A realização do
conhecimento da História exige outra postura: exige o domínio do significado
de cada palavra (o que significa o domínio do conceito que cada palavra
carrega) e exige que este domínio do significado se dê no contexto em que
cada palavra se encontra. Pois, o significado é dado pelo contexto como já dito
acima. E não só. A produção do conhecimento histórico exige pensamento
crítico que inclui o pensamento que pergunta, que indaga. Exige rigor; exige
fundamentação, exige abrangência ou contextualização, ou o que é o mesmo,
exige o dar-se conta das relações e inter-relações dos fatos entre si e com o
todo do movimento histórico.

O ensino da História acaba ocorrendo sem oferecer reflexões,


críticas, interpretações, contextualizações e domínio de significados. Nesse
sentido:

Quanto sofrimento e desorientações foram causados por


erros e ilusões ao longo da história humana, e de maneira
aterradora, no século XX! Por isso, o problema cognitivo é
de importância antropológica, política, social e histórica.
Para que haja um progresso de base no século XXI, os
homens e as mulheres, não podem mais ser brinquedos
inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias
mentiras. O dever principal da educação é de armar cada
um para o combate vital para a lucidez (MORIN, 2003, p.
33)

Pode-se exemplificar este caminho proposto para o Ensino de


História, através do trabalho que pode ser desenvolvido com um conceito como
o de Democracia. Se levado para a sala de aula para uma discussão
introdutória e houver um questionamento do professor para “diagnosticar” o
repertório dos alunos sobre esse conceito, este irá se certificar de que os
alunos poderão ter uma variedade de significados para essa palavra: igualdade
de direitos, poder do povo, união entre as pessoas, participação política,
cidadania, etc. Ou até alguns não terão para ela nenhum significado.
Normalmente serão conceitos ainda superficiais, desconexos, imprecisos. É
papel do professor se comportar como orientador de um estudo mais profundo,
buscar a origem desse conhecimento na História, reviver a formação da
Democracia e seu desenvolvimento na Grécia Antiga, por exemplo. Fazendo
assim provocará nos alunos uma “crise”, ou seja, os fará perceber que sabem
algo, mas que ainda é necessário saber mais a respeito.

Partindo daí pode-se ter um plano de investigação com vistas a


produzir uma compreensão mais abrangente do conceito de democracia. Um
dos aspectos será o de buscar no conhecimento histórico elementos para esta
compreensão. Isso deve estimular a pesquisa que é um passo importante na
direção da elaboração de conceitos no ambiente de sala de aula. Dessa
maneira pode-se construir um modo de recolocar o conceito do ponto de vista
histórico e pode-se propor aos alunos considerações relativas à importância de
estudar o passado da humanidade como caminho para refletir sobre os
problemas sociais, políticos e econômicos que vivemos. Analisando
circunstâncias objetivas históricas, inclusive circunstâncias nas quais não
houve democracia, podem os alunos produzir neles e por processos de
elaboração pessoal, uma compreensão cada vez mais aproximada do que é
democracia. Esta compreensão é a própria elaboração conceitual. E ela, por
sua vez, será iluminadora da continuação das pesquisas futuras, pois,
pesquisas se fazem guiadas por referências conceituais ainda que provisórias.
Este é o processo da produção continuada do conhecimento.

As aulas de História devem ser provocativas a ponto de fazer com


que os alunos sintam-se motivados a realizar uma reflexão crítica sobre o que
já sabem de tal modo que percebam que há sempre algo mais a saber e que
também há imprecisões e mesmo enganos naquilo que sabem ou julgam
saber. Uma boa regra é partir do que eles já sabem e partir de algo da própria
realidade deles ou próxima a ela. É necessário buscar e ter

[...] a adequação desses conceitos à realidade dos alunos,


a preocupação em situar os conceitos em contexto histórico
bem definido e o respeito ao processo de construção de
representação individual do aluno. (SCHMIDT apud
BITTENCOURT, 2006, p. 69)

Este não é um caminho fácil, até porque não usual. O novo sempre
encontra resistências. Uma das metodologias propostas para encaminhar aulas
na direção de um novo paradigma educativo escolar é sugerido por
MathewLipman (2001). Trata-se da proposta da metodologia da Comunidade
de Investigação também denominada de Comunidade Investigativa.

Pretende-se converter a sala de aula em uma comunidade de


investigação, como LIPMAN (2001, p. 30) sugere: “(...) uma sala de aula na
qual, os alunos dividem opiniões com respeito, desenvolvem questões a partir
de idéias de outros, desafiam-se entre si para fornecer razões a opiniões até
então não apoiadas, auxiliarem uns aos outros ao fazer inferências daquilo que
foi afirmado e buscar identificar as suposições de cada um.”A transformação da
Educação deve começar no espaço de sala de aula. É nesse espaço que
acontece a transmissão e recepção de conhecimentos, é na relação entre
professor e aluno que se estabelecem os estímulos necessários para a
valorização do saber.

Hoje se discute a falência da Educação, professores das mais


diversas disciplinas e educadores se preocupam em diagnosticar problemas
educacionais que acontecem com as novas gerações de alunos que estão
inseridos na Escola, tais como: A Indisciplina; A Violência; A Desvalorização do
Ensino das disciplinas; O Descrédito ao professor; entre outros... Todos esses
problemas, na verdade acontecem por que a Escola e todos os agentes
educativos costumam impor as condições, regras, determinações... Tudo isso é
encarado pelos alunos como regras que são impingidas pelo mundo adulto e
devem ser questionadas. Todos esses problemas que visualizamos na Escola,
podem ser minimizados se dermos atenção àqueles que estão na base da
pirâmide educativa: os alunos.

Faz-se necessária a transparência pedagógica, o acordo


contínuo, e principalmente, uma aula que seja construída conjuntamente. Não
se trata de uma aula não-diretiva, isto é, sem planejamento, sem uma
preocupação com os conteúdos; o que se sugere é uma valorização do
conhecimento prévio do aluno; o amadurecimento de suas reflexões, a
oportunidade de questionar continuamente suas inferências, indagações e
preocupações... Utilizando as palavras do autor:

Trata-se de um diálogo que busca harmonizar-se com a


lógica, seguindo adiante indiretamente como um barco
navegando contra o vento, mas no processo seu
progresso assemelha-se àquele do próprio pensamento.
Consequentemente, quando esse processo é
internalizado ou introjetado pelos participantes, estes
passam a pensar em movimentos que se assemelham
aos procedimentos. Eles passam a pensar como o
processo pensa. (LIPMAN, 2001, p. 31).

Essa relação dialógica construída no espaço de sala de aula


torna-se imprescindível, pois reconhece o aluno como agente do processo de
construção do conhecimento. O “professor-mediador” estabelece uma relação
horizontal com seus educandos, reconhecendo em suas idéias, inferências e
debates uma oportunidade efetiva de aprender com os mesmos. Nesse
sentido:

[...] o professor de história ajuda o aluno a adquirir as


ferramentas de trabalho necessárias para aprender a
pensar historicamente, o saber-fazer, o saber-fazer-bem,
lançando os germes do histórico. Ele é o responsável por
ensinar ao aluno como captar e valorizar a diversidade das
fontes e dos pontos de vista históricos, levando-o a
reconstruir, por adução, o percurso da narrativa histórica.
(SCHIMIDT apud BITTENCOURT, 2006, p. 30)

Essa proposta de ensinar História através de conceitos se insere dentro


de uma perspectiva muito maior que é a recuperação da memória social e
coletiva construída no passado, uma maneira de percebermos que fazemos
parte do fazer História, dessa forma, os alunos envolvidos no processo, além
de estimulados na direção de formas de pensar mais bem elaboradas, irão se
situar como agentes históricos, desenvolvendo capacidades de “enxergar”
relações e discrepâncias entre o passado e o presente.

Por isso, entendemos que os alunos serão envolvidos como parte


integrante desse processo de construção contínua de estabelecer vínculos com
o passado orgânico de outros povos e civilizações. Sendo assim, entender a
História e reconhecer no passado trajetórias, vivências, costumes e tradições
semelhantes que podem nos levar a uma interpretação enriquecida do tempo
presente. Para tanto o trabalho com a elucidação dos conceitos e através de
um percurso sempre investigativo pode ser de grande ajuda.

BIBLIOGRAFIA

AQUINO, JulioGroppa (org.). Indisciplina na Escola: alternativas teóricas e


práticas. São Paulo: Summus, 1996.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

______.(org.) O saber Histórico na sala de aula. 11. ed. São Paulo: Contexto,
2006.

CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo:


Fundação Perseu Abramo, 2006.

FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. 11. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2006.

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.


36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

______. Pedagogia do oprimido. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

LIPMAN, Mathew. O pensar na Educação. 3. ed. São Paulo: Vozes, 2001.

LORIERI, Marco A. & RIOS, Teresinha A. Filosofia na Escola: O prazer da


reflexão. São Paulo: Moderna, 2004.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o


pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

______ .Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez,
2003.

Secretaria de Educação. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS:


história e geografia. 2. Ed. Rio de Janeiro: 2000.
CAVALEIROS TEMPLÁRIOS: ORIGEM HISTÓRICA

A origem da “Ordem dos Cavaleiros Templários”, também conhecidos como


“Pobres Cavaleiros do Templo de Salomão” está relacionada ao movimento
das Cruzadas Religiosas. Em 1095 o Papa Urbano II promove um concílio na
cidade de Clermont, na França, convocando toda a Europa para um evento
militar com a proposta de conquistar Jerusalém, que estava sob o domínio
muçulmano. Em seu discurso, o Papa descreve Jerusalém como o “umbigo do
mundo”, “a terra onde jorra leite e mel”, dentre outros adjetivos. Além destes,
seria a terra prometida, a região onde estaria situado o famoso “Templo de
Salomão”, segundo as interpretações bíblicas, por isso, de grande interesse
para a Igreja Católica. Acreditava-se que a Mesquita muçulmana de AL-AQSA
teria sido construída sob as ruínas do Templo de Salomão e que em seu
interior e no seu subsolo, estariam escondidos alguns segredos lendários,
como: o Santo Graal (uma taça com o sangue de Jesus Cristo) ou o Sagrado
Sudário (tecido utilizado para cobrir Jesus Cristo após sua morte e que teria
marcas de sangue possíveis de reconstituir sua imagem).
Em 1096, os nobres de várias regiões europeias se uniram e formaram
um poderoso exército. É a primeira cruzada, conhecida como a cruzada dos
nobres (1096-1099). Com o objetivo de resgatar Jerusalém, travaram uma das
mais sangrentas batalhas da Idade Média, com milhares de mortos e o objetivo
alcançado. Jerusalém estava conquistada! Dessa forma, os cavaleiros
escolheram um líder para administrar a região, começando assim um governo
independente.
Em 1118, os cavaleiros optaram pela escolha do conde de Edessa para
ser seu terceiro líder, conhecido como Balduíno II. Nessa época o novo rei de
Jerusalém recebeu a visita de um cavaleiro cruzado de origem francesa,
chamado Hugo de Payens. Este foi o idealizador da criação de uma nova
ordem militar, cujo objetivo seria proteger os peregrinos que se dirigiam a
Jerusalém do ataque de ladrões e de muçulmanos. Estava fundada a Ordem
dos Templários. Com um grupo de nove cavaleiros na sua origem, se
transformaria em pouco tempo em um exército de milhares de integrantes.
Uma Ordem constituída por guerreiros e monges que faziam votos de pobreza,
obediência e celibato e que, futuramente, se tornaria a elite militar da Igreja
Católica. Foram reconhecidos oficialmente, somente em 1129, como ordem
monástica da Igreja Católica, e chamados “Cavaleiros do Templo”.

- Quais eram as características dos cavaleiros da Ordem?

Os Templários não eram somente monges guerreiros. Eram pessoas


orgulhosas pela pobreza. Um de seus símbolos apresenta dois cavaleiros
compartilhando o mesmo cavalo. Os pobres Templários precisavam apenas de
um cavalo e uma espada para realizar o trabalho de Deus. Na origem, um
grupo que protegia e servia os peregrinos em suas romarias até os locais
sagrados.
Eles construíram fortes, bases militares, faziam patrulhas e forneciam
suprimentos aos peregrinos. Em pouco tempo, a disciplina e o talento dos
Templários, mostraram à Igreja, que não eram só capazes de proteger e
atender os fracos e indefesos...

O que era preciso para se tornar um Templário?

Durante as cruzadas, os “Cavaleiros Templários” protegiam e eram


recompensados pelos peregrinos. Muitas das primeiras doações foram de
homens que queriam entrar para a Ordem. Esses recursos serviam de
investimento para a criação de uma rede de abastecimento que ligava todo o
continente europeu. Essa rede de abastecimento contava com inúmeras
fazendas, rede de estradas e transportes, além de bancos, etc., tornando a
Ordem uma Instituição financeira poderosa e com objetivos claros: financiar
operações militares no Oriente. A rede dava segurança e abrigo por todas as
rotas de comércio da Europa, assim como para Jerusalém. Os Templários além
de “soldados da Igreja” eram também uma Corporação Multinacional. Os
contatos comerciais e isenção de impostos fizeram da Ordem uma Instituição
extremamente rica. Para os Templários, a disciplina para arrecadar dinheiro,
tinha uma explicação: Financiar os cavaleiros que estavam em combate no
Oriente.

- Existia alguma subdivisão dentro da Ordem dos Templários? Qual?

A ordem dos Templários era subdividida da seguinte forma: O MESTRE


– considerado o “Guardião do Templo” e dos segredos de toda a Ordem. O
CAVALEIRO – “Protetor militar” da Ordem, conhecedor dos mistérios e instrutor
dos iniciados. E o APRENDIZ – “Iniciado”, àquele que ingressa na Ordem,
devendo ser um fiel aluno e atento aos ensinamentos.
O ENSINO DE HISTÓRIA EM BUSCA DE NOVAS REFERÊNCIAS:
A contribuição da proposta Neo-Humanista de Edgar Morin.

“Podemos, enfim, dizer que a globalização da nação, que


se concluiu ao final do século 20, confere ao planeta uma
característica de civilização e cultura comuns; ao mesmo
tempo, porém, o fragmenta ainda mais, e a soberania
absoluta das Nações cria obstáculos, justamente, ao
surgimento da sociedade-mundo. Emancipadora e
opressora, a nação torna extremamente difícil a criação de
confederações que responderiam às necessidades vitais
dos continentes e ainda mais difícil o nascimento de uma
confederação planetária.”

Edgar Morin. Os problemas do fim do século, p. 134

O que pretendemos nesse artigo é sintetizar algumas importantes


considerações teóricas do filósofo francês Edgar Morin, principalmente em
relação ao que denomina como “Terra-Pátria”; “cidadania planetária” ou ainda
“sociedade-mundo”, que insere o ser humano no centro dos dilemas
contemporâneos, advogando a favor de um pensamento que busque as
relações entre o local e o global, a unidade individual e a pluralidade cultural e
o entendimento da tríade indivíduo/sociedade/espécie. Assim, pretendemos
identificar em suas contribuições teóricas, alguns subsídios para promover
reflexões em torno da criação de propostas metodológicas para o Ensino de
História atual.

Antes de iniciarmos esse estudo é importante explicarmos a definição do


termo Humanismo, para assim entender se é válido para denominar o
pensamento e a produção teórica desse autor. Segundo o dicionário de
conceitos históricos, podemos definir o humanismo como:

[...] um empreendimento moral e intelectual que colocava o


homem no centro dos estudos e das preocupações
espirituais, buscando construir o mais alto tipo de
humanidade possível [...] Gerado no contexto das grandes
transformações culturais do fim da Idade Média, o
Humanismo possui estreitos laços com o Renascimento e
com a retomada dos estudos dos clássicos gregos e
latinos”. (SILVA, 2006, p. 193)

Essa é a definição do “Humanismo clássico” que está distante do Neo-


Humanismo. Isto porque a proposta dos renascentistas do final do séc. XV e
início do XVI que cunharam essa expressão tinham como perspectiva exaltar
as potencialidades humanas; as aspirações e conquistas da burguesia em
expansão, ou seja, situar o homem no núcleo do cosmos ou no “centro de
todas as coisas” (Antropocentrismo). Devemos destacar que estamos nos
referindo ao contexto da transição do Feudalismo para o Capitalismo. Dessa
forma, é válido destacar esse período como a passagem do Teocentrismo
cristão para o Antropocentrismo humano, destacadamente um tempo de
críticas aos dogmas clericais que prepararam a modernidade para a Reforma
Protestante e também para o desenvolvimento científico. Nesse sentido, o
Humanismo clássico pode ser pensado como a valorização do egocentrismo e
do hedonismo, ou seja, a busca incessante do prazer individual, o que acarreta
na exacerbação dos valores individuais ante os coletivos.

Podemos entender como Neo-humanismo uma proposta filosófica e


cultural que tende situar os valores humanos no centro dos debates
contemporâneos. Isto é, teorizar os principais dilemas do homem e da
humanidade do final do século XX e início do século XXI, principalmente
aqueles que ameaçam a vida no planeta, notoriamente: os problemas
ecológicos, éticos, culturais, sociais e econômicos que irrompem no nosso
tempo. Segundo Adalberto Dias de Carvalho, o Neo – Humanismo na obra de
Morinbusca, sobretudo destacar:

[...] noções-chave como as de autonomia, de Liberdade, de


amor, de indivíduo e de sujeito, denunciando aí, por um
lado, os equívocos em matéria de fundamentação científica
e ideológica, por outro, procurando sempre salvaguardar os
valores que lhes são inerentes, tudo isto em prol de uma
dignidade do homem potencialmente ameaçada. (1987, p.
33)
O Neo-humanismo se distingue do Humanismo clássico em, pelo
menos, três características: primeiramente devemos levar em consideração a
distância temporal entre ambas. Essa consideração por si só evidencia
contextos sociais, políticos, econômicos e culturais distintos. Em segundo
lugar, podemos interpretar o Neo-humanismo como a busca da valorização
dialógica entre indivíduo/sociedade/espécie, diferentemente do apelo
antropocêntrico do humanismo clássico. Em terceiro, devemos destacar que
há, nas proposições de Morin, uma tentativa de superação do pensamento
clássico, de origem renascentista, de modelo cartesiano, que separa o sujeito
do objeto, que disjunta para conceber a unidade, um tipo de pensamento que
divide em partes para depois conceber o todo, etc.

Nessas proposições podemos sintetizar três diferenças entre o


humanismo clássico e o Neo-humanismo: a distância temporal; as divergências
entre Antropo e Sócio-centrismo e as propostas epistemológicas que as
fundamentam, deixando claro que o Neo-Humanismo busca uma nova
concepção de sujeito que, não pode ser visto de maneira egocentrista ou
individualista (como no Humanismo clássico), e sim, em sua relação dialógica
com a sociedade com que se relaciona e também com a espécie de que faz
parte.

A definição de Neo-Humanismo sugere uma nova concepção de ser


humano, voltada para a sua inserção no contexto do final do século XX e início
do XXI. Um período marcado pelo desenvolvimento 4 científico, pela
especialização técnica, pelo auge da indústria em ritmo acelerado de produção
e pelo Capitalismo, sistema que regula as relações econômicas locais,
regionais, nacionais e mundiais em sua fase globalizada.5 Isso confere ao

4
A palavra de ordem do progresso capitalista no contexto do final do século XX, talvez seja
“Desenvolvimento”. Segundo Morin: “O desenvolvimento de nossa civilização produziu maravilhas: a
domesticação da energia física, as máquinas industriais cada vez mais automatizadas, as máquinas
eletrodomésticas que liberam os lares das tarefas mais escravizadoras, o bem-estar, o conforto, os
produtos extremamente variados de consumo, o automóvel (que, como indica seu nome, proporciona a
autonomia na mobilidade), o avião, que nos faz devorar o espaço, a televisão, janela aberta para o mundo
real e os mundos imaginários...” (Vide seus estudos no livro: “Terra Pátria”, p. 83-87)
5
A Globalização da Economia, como nos sugere Morin: “[...] é cada vez mais um todo interdependente:
cada uma de suas partes tornou-se dependente do todo, e, reciprocamente, o todo sofre as perturbações e
vicissitudes que afetam as partes. A queda da cotação do café, por exemplo, incita os camponeses da
planeta uma característica de civilização e cultura comuns, mas que ao mesmo
tempo, fragmenta e isola, na medida em que a soberania política de algumas
Nações e os mandonismos locais e regionais com sua autoridade cega,
impossibilitam a criação de uma confederação planetária. Por esses fatores,
Morin argumenta ainda que:

A vida democrática regride. Quanto mais os problemas


adquirem uma dimensão técnica, tanto mais escapam às
competências dos cidadãos em proveito dos especialistas.
Quanto mais os problemas de civilização se tornam
políticos, tanto menos os políticos são capazes de integrá-
los em sua linguagem e em seus programas. (MORIN,
2005, p. 84)

O desenvolvimento6 científico e tecnológico, motor do sistema


capitalista, acompanhado das teorias históricas e sociológicas que acreditavam
no progresso majestoso da civilização moderna Ocidental7, na verdade
apresentaram para o século XX: a barbárie e os resultados catastróficos de
duas guerras Mundiais; a escalada dos partidos nazi-fascistas ao poder; o
colapso do Capitalismo Mundial; a bipolaridade de dois sistemas ideológicos,
políticos e econômicos que colocaram em risco o destino da humanidade; a
desigualdade social em escala mundial; o xenofobismo; a miséria; a fome, etc.
E mais:

O desenvolvimento, do modo que é concebido, ignora


aquilo que não é calculável nem mensurável: a vida, o
sofrimento, a alegria, o amor, e o único critério pelo qual

Colômbia a cultivar a coca, que vai alimentar as redes planetárias de transformação e tráfico da droga, e
depois a lavagem do dinheiro em bancos de países como a Suiça [...]” (Vide estudos de Morin, no livro
Terra Pátria, p. 34)
6
Podemos entender esses reflexos do desenvolvimento do Capitalismo inclusive no Brasil. Segundo
Morin: A noção de desenvolvimento hoje corrente pode ser devastadora para os índios - e não apenas para
eles, mas para toda a humanidade, considerando que a integração dos índios à sociedade não pode
significar a desintegração da cultura indígena. Isso pode trazer consequências graves, como a degradação
da floresta pelo uso de pesticidas nos projetos agrícolas dos latifundiários. Claro, há também a questão
urbana e a favelização das cidades, tão grave como o crescimento do número de carros em circulação.
(Ver entrevista de Morin na íntegra para o Estado de São Paulo em 02/08/2009)
7
Nas palavras de Morin, o Ocidente sofre ainda e cada vez mais: “do domínio do calculo, da técnica do
lucro sobre todos os aspectos da vida humana, do domínio da quantidade sobre a qualidade, da
degradação da qualidade de vida nas megalópoles e da desertificação da zona rural, utilizada pela
agricultura e a pecuária industriais que já produziram várias catástrofes alimentares. (vide estudos sobre
essa temática, no livro “Os problemas do fim do século”, p. 93-101)
mede a satisfação é o crescimento (da produção, da
produtividade, da receita monetária). Definido unicamente
em termos quantitativos, ele ignora as qualidades: de
existência, de solidariedade, do próprio meio e também a
qualidade de vida. (MORIN, 1991, p. 117)

Por causa dos avanços tecnológicos e científicos de finais desse período


em conseqüência do consumo exacerbado, combustível do próprio sistema
capitalista, novos dilemas colocaram o destino do planeta e da humanidade no
centro das discussões políticas em escala Mundial. Muitas conferências
ecológicas, que propunham a redução da emissão de monóxido e dióxido de
carbono na atmosfera, promoveram divergências entre as Nações. A
Organização das Nações Unidas, de tempos em tempos, promove grandes
arrecadações para países que apresentam condições de miséria absoluta, de
grande parcela de sua população convivendo com epidemias e extremas
desigualdades sociais. Mas apesar do esforço da ONU, e de várias Instituições
e ONG´s que atuam em caráter regional ou Nacional, os problemas persistem.

Em face de todas essas considerações é importante perguntarmos se a


Teoria da Complexidade8 de Edgar Morin aponta caminhos para superarmos,
ou ao menos, compreendermos a nossa parcela de responsabilidade na
perspectiva de transformar o planeta em que vivemos. Indica Morin que:

“[...] a missão da educação para a era planetária é


fortalecer as condições de possibilidades de emergência de

8
A expressão “complexidade” pode soar como complicada, intrincada ou até mesmo difícil. Morin não
emprega este termo nesta conotação; ele o emprega no sentido originário do latim complexus que é
entendido como aquilo que é tecido em conjunto. Esta teoria foi herdada dos estudos de Morin sobre a
Teoria dos Sistemas, da Comunicação e da Cibernética.A teoria da Complexidade propõe que há na
realidade como um todo e, também no acontecer histórico, um tecido interdependente, antagônico e
ao mesmo tempo complementar. Assim, estão relacionados entre si o todo e as partes, as partes e o
todo, as partes entre si e as relações das partes entre si com o todo. Assim, também, na História: as
ações individuais; os acontecimentos; as transformações sociais, políticas, econômicas, culturais; o
acaso e a incerteza, etc., estão relacionados intrinsecamente entre si, complementarmente e
antagonicamente e, produzem desta forma, as transformações históricas no curso do tempo.A
complexidade da realidade, ou a sua trama, organiza-se, desorganiza-se e reorganiza-se, constituindo-se
de acordo com princípios que a operam, diz Morin. Assim, também a história humana.
uma sociedade-mundo composta por cidadãos
protagonistas, conscientes e criticamente comprometido
com a construção de uma civilização planetária” (2003, p.
98)

A proposta educacional, presente em sua teoria pode ensejar caminhos


para se pensar em possibilidades metodológicas alternativas para o Ensino de
História, como disciplina que pode promover debates e reflexões que levem as
novas gerações de alunos, a reconhecerem a sua parcela de contribuição no
agravamento de todos esses problemas, e principalmente no amadurecimento
de uma consciência e da responsabilidade necessária para uma postura
voltada para a transformação necessária do nosso planeta. Tentaremos situar
as contribuições educacionais de Edgar Morin nesse sentido.

Para ele é necessário que se dê aos alunos e adolescentes que irão


enfrentar o mundo do terceiro milênio um tipo de pensamento 9 e cultura que
possa prepará-los para “articular, religar, contextualizar, situar-se no contexto
e, se possível, globalizar, reunir os conhecimentos que adquiram” (2002, p. 29).
Entende ainda que no interior do espaço escolar, as disciplinas devem
colaborar para que tais questões estejam presentes, sendo importante somar a
isso a possibilidade da realização de jornadas temáticas, cada uma delas
centradas sobre um grande tema que permita religar as disciplinas. Jornadas
temáticas que ressaltem a importância de discutir: “o mundo, a terra, a vida, a
humanidade, literatura, poesia, línguas, artes, cinema, culturas adolescentes,
conhecimento” (Idem, p. 35). Para que esse tipo de educação aconteça, nossa
tradição escolar precisa transformar-se em uma forma de organização
transdisciplinar10 e complexa, capaz de produzir conhecimentos pertinentes,

9
Cabe agora ressaltar, que em algumas obras Morin, sugere: “[...] a busca sobre a compreensão do
mundo, do humano e da humanidade tendo como base os códigos de um conhecimento complexo, pois
este tem a pretensão de conceber, inseparavelmente, a dialógica da unidade e da diversidade humana”
(Vide estudos de Morin no livro “Introdução ao pensamento Complexo, p. 76). Essa consideração pode
indicar sua preocupação Neo-humanista.
10
Trans, significa través de. Isto é, pensar a disciplina escolar como campo do saber autônomo, que possa
atravessar os seus limites de conhecimento e atuação. Uma disciplina “aberta” está disposta a ampliar os
assuntos e temáticas comuns ao cotidiano escolar. Nossa tradição de ensino compartimentou o
conhecimento em áreas específicas do saber, por isso, os professores ainda são resistentes a promoverem
um debate que possa ser direcionado a uma transformação de sua disciplina. Mas as próprias necessidades
do mundo contemporâneo, aos poucos, nos mobilizam para pensar em propostas emergenciais de
transformação do currículo escolar.
onde docentes e discentes aprendam a se situar e a se compreender no
universo onde convivem e atuam para poderem construir uma identidade
individual, regional, da sociedade que representa e também da espécie, num
mundo com características comuns e problemas que também devem ser
compartilhados. A solidariedade deve ser uma característica desse aluno do
terceiro milênio. Isso pode ser dificultado pelo tipo de educação que temos,
pois,

nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar,


isolar, e não a ligar os conhecimentos, e portanto nos faz
conceber nossa humanidade de forma insular, fora do
cosmos que nos cerca e da matéria física com que somos
constituídos” (MORIN, 2000, p. 48)

Além de defender a aquisição de uma identidade planetária, devemos


acrescentar que um dos maiores desafios da Educação e do Ensino de História
seja trabalhar de maneira eficiente os temas ligados à diversidade ou
pluralidade cultural no contexto de sala de aula. Mesmo sendo temática
corrente e obrigatória nos PCN´s de História e Geografia, visualizamos poucos
trabalhos nessa direção. Os poucos que ocorrem servem para ilustrar algumas
datas, tais como: O dia do Índio ou o dia da Consciência Negra. Dessa forma,
gradativamente os alunos ficam com uma referência parcelada ou incompleta
do reconhecimento de suas origens. Conhecer a identidade terrena, cósmica e
planetária é indispensável ao ser humano e é proposta condizente com o novo
Humanismo.

As ideias de identidade e de diversidade nas obras de Morin são


conhecidas por um bom número de educadores e estudiosos, assim como sua
visão do ser humano. Este é concebido, por ele, biológica e culturalmente na
perspectiva dialógica “indivíduo,sociedade e espécie”. A identidade é
resultante, também, do envolvimento e reconhecimento do ser humano em seu
grupo de convívio, como parte integrante da cultura de seu tempo e de uma
relação com e compreensão dos seus antepassados. Esse entendimento está
presente nos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais de História e
Geografia, que apontam para a necessidade de ensinar aos alunos sua história
local, regional, nacional, mundial e planetária, reforçando que isso é importante
para a constituição da identidade dos alunos do Ensino fundamental e Médio o:

Levantamento de diferenças e semelhanças individuais,


sociais, econômicas e culturais entre os alunos da classe e
entre eles e as demais pessoas que convivem e trabalham
na escola: idade, sexo, origem,costumes, trabalho, religião,
etnia, organização familiar, lazer, jogos [...] (PCN´s de
História e Geografia, 2000, p. 54)

Além de:

“[...] Identificar as ascendências e descendências das


pessoas que pertencem à sua localidade, quanto à
nacionalidade, etnia, língua, religião e costumes,
contextualizando seus deslocamentos e confrontos
culturais e étnicos, em diversos momentos históricos
nacionais [...]” (PCN´s de História e Geografia, 2000, p. 62)

Porém, notamos ainda nas leituras de livros didáticos de História e nas


aulas em várias escolas de São Paulo11 uma maneira de apontar os sujeitos e
suas identidades como seres desvinculados de suas relações culturais, quase
como supra-humanos, destacando-os como os verdadeiros “construtores do
passado” os grandes lideres nacionais, reis, príncipes, estadistas, etc. Além
disso, eles não são considerados subjetivamente, isto é, como portadores de
emoções, sentimentos e até defeitos, de acordo com certos critérios de análise.
Isso pode levar o aluno a não se identificar com o seu passado, que parece
não existir, obscurecido por “personalidades” que parecem extemporâneas e
nem com o estudo desse passado, pois não se reconhece como partícipe do
processo de transformações históricas. O resultado mais drástico desse tipo de
ensino é o não reconhecimento identitário da juventude. Em face disso, a

11
Realizamos esse estudo com alunos (futuros professores de História) do curso de licenciatura em
História da Universidade Bandeirante de São Paulo (UNIBAN) no período de 2007-2009. Desse
resultado, produzimos um livro intitulado: “História através de conceitos: metodologias e práticas de
ensino voltados a uma educação para o pensar”, citado na bibliografia.
construção da identidade desses estudantes fica, de alguma forma,
comprometida nas aulas de História.

Outra reflexão importante a respeito da construção da identidade juvenil


é o estudo sobre a origem de Nação e do povo brasileiro. Acostumamo-nos
com um tipo de ensino que inaugura a História do Brasil a partir da chegada
dos colonizadores portugueses. Em cursos de licenciatura em História,
dividimos a História do Brasil em: Colônia, Império e República. Isto quer dizer,
que também na academia, ainda constatamos esse modelo de ensino. O Brasil
se constitui como civilização após o seu “descobrimento”. Há uma pergunta
que muitos jovens do ensino fundamental e médio fazem aos seus professores
de História: Não havia História do Brasil antes da chegada dos portugueses?
As populações indígenas não tinham história? Os índios não fazem parte da
civilização? Questões que ficam muitas vezes sem respostas e logicamente
contribuem para uma visão estereotipada de identidade. Os objetivos dos
Parâmetros curriculares Nacionais reforçam que é importante uma nova visão
dos estudos históricos e que também é necessária, para os alunos do Ensino
fundamental e Médio, a compreensão das origens e da diversidade étnica, da
formação do povo brasileiro. Daí a proposta de presença nas aulas de História
de:

“[...] Identificação do grupo indígena da região e estudo do


seu modo de vida social, econômico, cultural, político,
religioso e artístico [...] o território que habitam e que já
habitaram, organização das famílias e parentesco, a
produção e distribuição de alimentos, a divisão de trabalho
entre os sexos e as idades, as moradias e a organização
do espaço, os rituais culturais e religiosos, as relações
materiais e simbólicas com a natureza, a língua falada, a
vestimentas, os hábitos cotidianos de higiene [...]”(PCN´s
de História e Geografia, 2000, p. 55 e 56)

Questões relacionadas à formação da identidade brasileira devem se


constituir em temática importante nas aulas de História. É possível que o
conhecimento do passado ganhe interesse maior se os programas curriculares
apresentarem uma trajetória histórica sobre a constituição do povo brasileiro,
tentando resgatar a cultura produzida pelas civilizações indígenas em tempos
anteriores à colonização e suas influências presentes até hoje em nossa
cultura. Além disso, provavelmente oferecesse uma compreensão maior sobre
a identidade de povo brasileiro.

Entre os principais valores que a Escola deve promover e cultivar no


terceiro milênio está o respeito à diferença, que pode ser pensado como a
aceitação da pluralidade cultural e étnica, assim como a realização do diálogo e
do debate de ideias. Uma escola que esteja aberta para a novidade e
criatividade que as novas gerações, a cada ano, de maneira mais desafiadora
trazem consigo. Uma postura contestadora pode ensejar transformações
curriculares, metodológicas e de objetivos educacionais.
POSITIVISMO, MARXISMO E ESCOLA DOS ANNALES: Qual é a diferença?

“Os historiadores [...] afinando seus métodos, instrumentos,


assuntos, projetos, ganharam maturidade, interrogaram o passado e
suas memórias, oferecendo elementos de reflexão aos homens, para
que eles conheçam e compreendam seu passado, para que pensem
seu presente, enfim para que se preparem para enfrentar o futuro.”
PHILIPPE TÉTART, 2000, p. 7

Para a produção de conhecimento em História, há a necessidade, por parte


dos historiadores, de um olhar específico, uma concepção teórica que envolve
métodos, objetos, técnicas e abordagens. Dessa concepção, estrutura-se novos
enfoques e perspectivas para se recuperar a memória do passado da humanidade,
bem como construir entendimentos para o tempo presente e analisar possíveis
progressões para o futuro.

Conhecer e acompanhar as principais tendências da historiografia torna-se


necessário a fim de refletir sobre a evolução teórica e metodológica dessa literatura e,
se possível, pensar em novas ferramentas para a renovação da ciência histórica no
século XXI.

Essa é a proposta em torno desse capítulo. Pretende-se apresentar um breve


panorama histórico das principais correntes historiográficas, desde a
institucionalização da História enquanto ciência pelos historiadores positivistas no
século XIX, até as correntes mais recentes do século XX, tais como o Materialismo
Histórico Dialético e a ÉcoledesAnnales. A intenção é notar seus postulados científico-
metodológicos e, principalmente prováveis limitações teóricas que se tornaram
incompatíveis com o desenrolar histórico do século XXI.

Para iniciar essas observações faz-se necessário algumas definições teóricas


que estão no cerne desses estudos. A primeira delas é a definição da palavra
Historiografia. Segundo a historiadora francesa Marie-CaireJabinet, entende-se que:

Este vocábulo possui diversas acepções. Tendo surgido no


século XIX, em imitação aos historiadores poloneses e alemães, ela
significa, conforme os casos: a arte de escrever a história, a literatura
histórica ou, ainda, a história literária dos livros de História. Pode
também, conforme o contexto, referir-se às obras históricas de uma
época, às obras dos séculos posteriores sobre essa época ou ainda à
reflexão dos historiadores sobre essa escrita da história. (JABINET,
2003, p. 16)

Nota-se que o vocábulo “Historiografia” é essencial para o estudo da História. É


a partir da análise historiográfica que se torna possível entender a mentalidade de
gerações de historiadores, seus métodos e interpretações da ciência histórica. A
expressão “historiografia” começa a veicular na academia européia com os
historiadores franceses, alemães e do leste europeu da primeira metade do século XIX
e configura o olhar técnico e teórico do historiador para produzir conhecimento.
Próximo da acepção dessa expressão é importante entender o significado do verbete:
“Teoria ou Filosofia da História”. O historiador francês André Burguiére em seu
“dicionário das Ciências Históricas” sugere que pode ser representado por:

Uma análise do conhecimento histórico, de suas condições, de


seus meios, de seus limites [...] pode ser entendida também como
especulações sobre a evolução da humanidade considerada em seu
conjunto para dela extrair leis ou sua significação. Poder-se-ia falar
também em modelos evolutivos que exprimem esquematicamente o
destino das sociedades ou de toda a humanidade e propõem um
quadro para a ação presente. (BURGUIÈRE, 1993, p. 740)

A expressão “Filosofia ou Teoria da História” representa, portanto, o que


vulgarmente os historiadores classificam como “motor” da História, isto é, o
direcionamento teórico de análise do fato, ou ainda, tudo aquilo que orienta o olhar do
historiador diante de seu objeto. É a partir da “teoria da História” que gerações de
historiadores questionam o passado, proporcionando ao devir humano, determinações
que enquadram as ações políticas, sociais, econômicas e culturais em limites
específicos de análise.

É em torno do estudo sobre as teorias da História que podemos compreender


os métodos de apreensão do devir de cada escola historiográfica. Começaremos
analisando a primeira delas, quando o estatuto de ciência promove a História no
século XIX com o Positivismo ou Escola Metódica.

1.1 – “EM BUSCA DE UM MÉTODO CIENTÍFICO DE PRODUÇÃO”: A


INSTITUCINALIZAÇÃO DA ESCOLA METÓDICA NO SÉCULO XIX
A História enquanto campo de conhecimento e disciplina escolar recebeu o
estatuto de ciência com a definição de um método rigoroso de reviver a memória do
passado. Entretanto, os aportes teóricos e metodológicos da ciência histórica foram se
constituindo gradativamente. Os historiadores europeus acompanhavam as
transformações políticas, econômicas e sociais advindas da Revolução Industrial em
finais do século XVIII e início do XIX.

Essas mudanças conduziam o olhar dos historiadores para um cenário


conjuntural de consolidação das Nações Modernas, alicerçadas nas necessidades
próprias da Industrialização: busca desenfreada à novas jazidas de matérias-primas
(principalmente minérios de ferro, látex e petróleo); mercado consumidor e mão-de-
obra barata eram sustentáculos das ações imperialistas dos países europeus.
Conseqüências das novidades científicas e tecnológicas do período: um século
marcado por guerras (de Secessão nos Estados Unidos da América 1861-1864;
Guerra Franco-prussiana 1870-1871) e novos colonialismos (de praticamente todo
continente Africano e parte do Asiático), definiram as relações de divergências
políticas entre as Nações. O Mundo se preparava para a 1˚ Guerra Mundial.

Os assuntos políticos, portanto, acompanhavam o ritmo da produção científica


do período e simbolizavam a origem da Escola Positivista da História. Seus
pressupostos teóricos e metodológicos representam uma definição possível de
apreender a memória coletiva do passado e marcam uma evolução significativa das
técnicas e do trabalho do historiador.

1.1a - A HISTÓRIA POSITIVISTA

Conhecer o passado da humanidade tal como ocorreu constitui uma definição


de história característica da ciência positivista do século XIX. Os historiadores dessa
corrente de pensamento baseavam suas análises em perspectivas deterministas e
paradigmáticas que tendiam ao absoluto, isto é, ressaltavam, por intermédio de uma
variedade de documentos oficiais escritos, os fatos mais importantes; ordenavam-nos
seguindo uma ordem cronológica e linear de apreensão do tempo e descreviam-nos
com a perspectiva de reviver o passado real da humanidade. Por isso, receberam o
estigma de “metódicos” ou “historiadores narrativos”, pelos historiadores do século XX.
Pois, para os historiadores positivistas...

[...] os fatos falam por si próprios, basta sua reconstituição [...]


com a ajuda dos métodos de crítica textual à partir das ciências
auxiliares (sigilografia, paleografia e diplomática), que estabelecem a
autenticidade dos textos e os datam. Depois a crítica interna apóia-se
na interpretação do documento e, por fim, mede a distância entre o que
testemunha e os fatos já conhecidos, o que determina o seu grau de
veracidade. (BURGUIÉRE, 1993, p. 614)

A Escola metódica: “[...] pretendia fazer uma reconstituição única, ‘verdadeira’,


do que de fato se passou. A história narrativa tradicional procurava criar o consenso
onde havia conflito, pois era um olhar de cima, a partir das elites políticas” (REIS apud
CONDÉ, 2005, p. 95)

A intenção dos historiadores positivistas era ressaltar a importância dos


grandes heróis nacionais; A consolidação dos Estados Modernos; O auge da
civilização européia em ritmo acelerado de desenvolvimento após as novas
tecnologias advindas da Segunda Revolução Industrial. Nota-se uma preocupação em
assuntos de ordem política e social, porém resgatando uma sociedade “abstrata”, pois
centralizava-se na figura dos grandes líderes nacionais, estes sim, responsáveis pelas
transformações estruturais de sua Nação. Os diversos grupos sociais estavam
esquecidos, ou “à margem” do desenrolar histórico. Os historiadores positivistas...

Considerando somente a historicidade do escrito, [...] encerra-


se numa torre de marfim, evita confrontar-se com a análise, recusa o
poder da intuição, dos dados orais, etc. Em suma, evita confrontar-se
com as indeterminações da história. (TÉTART, 2000, p. 100)

Mesmo classificando os historiadores positivistas como dogmáticos, descritivos


ou metódicos, é notável sua contribuição para o amadurecimento e evolução da
ciência histórica. A França e a Alemanha (as Nações que respiravam o cientificismo no
século XIX) ainda eram retrógradas quanto a formulação de um método científico de
produção.

Os historiadores franceses ainda celebravam as conquistas da Revolução em


seus escritos legitimando o romantismo como tendência, seriam chamados de
“literários” pelos historiadores mais jovens. Enquanto os historiadores alemães
iniciavam um movimento patriótico em torno da unificação de sua Nação, e apoiavam
seus estudos na defesa de sua pátria, eram chamados de “eruditos”, mais com
métodos ainda sem consistência.

Isso mudaria em meados do século XIX quando há um salto qualitativo em


torno de uma teoria e um método responsável por oficializar a História-ciência. Para
entender essa transformação, faz-se necessário conhecermos algunsrepresentantes
da História positivista. Os franceses: Gabriel Monod, Ernest Lavisse, Charles
Seignobos e Charles Victor Langlois e o prussiano Leopold Von Ranke.

1.1b - GABRIEL MONOD (1844-1912)

Grande estudioso e apaixonado pelos escritos literários franceses e eruditos


alemães, fora responsável em estabelecer parâmetros para a profissionalização da
ciência histórica. É atualmente considerado pela historiografia francesa como “pai da
história positivista” (BURGUIÉRE, 1993, p. 562), recebeu esse cognome devido ao
método que configurou à História um modelo científico de produção.

Fundador da Revuehistorique, revista que anunciara os novos rumos da


historiografia, simboliza o momento de ruptura entre a geração romântica preocupada
em exaltar as glórias do Estado-Nação em formação, e a inauguração de um método
rigoroso de produção histórica que:

[...] prega unicamente o estudo das fontes escritas: coleta de


documentos (heurística), crítica externa (data, autor, origem...), crítica
interna (hermenêutica), resumo crítico, síntese e colocação em
perspectivas de dados. (TÉTART, 2000, p. 99)
O método de Monod como é conhecido, tornou-se um dogma na profissão dos
historiadores da Europa Ocidental, pelo menos, 50 anos após sua formulação, como
declarara o diretor da Revuehistorique, Charles Pfister, em texto escrito para o
cinqüentenário da revista: “Não temos programa novo a formular” (BURGUIÉRE, 2000,
p. 562).

O programa de Gabriel Monod consistia em uma Revisão histórica da produção


literária francesa, desde os estudiosos renascentistas do século XV e XVI até a
geração dos historiadores românticos no século XIX, concluindo essa revisão com as
obras de seu professor Jules Michelet (1798-1874). O método de Monod se tornaria o
fundamento teórico dos historiadores positivistas e definiria um modelo de ensinar
História, inclusive no Brasil no final do século XIX. A influência francesa fora assumida
no primeiro regulamento para a inserção da disciplina História no currículo em 1838 no
Colégio Pedro II. Assim:

[...] a História inicialmente estudada no país foi a História da


Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira História da
Civilização. A História da pátria surgia como seu apêndice, sem um
corpo autônomo e ocupando papel extremamente secundário. (NADAI,
1993, p. 146)

Desde a inserção da disciplina História no currículo em meados do século XIX,


percebemos nos manuais e livros didáticos, certa predileção pelo modelo francês. O
positivismo fora a escola de formação teórica e pedagógica dos estudiosos brasileiros
do início do século XX.

Sem dúvida, a influência da historiografia francesa fora fundamental para os


intelectuais brasileiros estruturar novas metodologias para interpretar a História
brasileira, sendo o método de Monod o principal programa de estudo para diversos
historiadores, pelo menos até a segunda metade do século XX.

1.1c - ERNEST LAVISSE (1842-1922)


Se o programa de Monod tornou-se o método, por excelência, dos
historiadores positivistas, sua divulgação em manuais escolares para fácil assimilação
fora mérito de Ernest Lavisse. É reconhecido na academia como o “cidadão-
pedagogo” (TÉTART, 2000, p. 101) do projeto positivista. Os manuais de Lavisse
educaram gerações de estudantes por sua facilidade e eficiência, porém com uma
proposta clara de exaltação do sentimento Nacional e civismo patriótico:

Neste livro, aprenderás a história da França. Deves amar a


França, porque a natureza a fez bela e porque sua história a fez
grande. (LAVISSE apud TÉTART, 2000, p. 101)

Seu compromisso com a evocação do sentimento nacional afastava-o da


imparcialidade sugerida pelo método de Monod, todavia seus manuais foram utilizados
para a formação de gerações de estudantes:

Preocupou-se [...] com o ensino primário, [...] para eles,


publicou instruções pormenorizadas sobre o ensino de história na
escola primária. [...] Redigiu uma série de manuais dos quais os
protótipos foram publicados em 1876. [...] O conjunto – o “pequeno
Lavisse” da memória coletiva – é uma espantosa obra-prima da
pedagogia [...] (BURGUIÉRE, 1993, p. 487-488)

Lavisse começou sua carreira como professor de História no liceu de Nancy,


sendo brilhante em suas palestras e argüições. Fora nomeado por Victor Duruy,
ministro da Instrução Pública, para ser preceptor do príncipe Imperial Napoleão III.
(BURGUIÉRE, 1993, p. 487) A partir de 1880, passou a lecionar na Sorbonne,
tornando-se, oito anos depois, professor titular da cadeira de história moderna e a
partir de 1904 foi diretor da Escola Normal Superior.

Sua atuação exerceu-se incansavelmente em três direções: a história, o ensino


e a ação cívica. Sua grande paixão era exaltar as glórias nacionais com o propósito de
educar as novas gerações:

Ao ensino histórico cabe o dever de fazer amar e de fazer


compreender a pátria... O verdadeiro patriotismo é ao mesmo tempo
sentimento e a noção de um dever. Ora, todos os sentimentos são
suscetíveis de uma cultura e toda nação, de um ensino. A história deve
cultivar o sentimento e precisar a noção. (LAVISSE apud BURGUIÉRE,
2000, p. 488)

Seu objeto de estudo caminhava em duas direções: às conquistas e


consolidação da França como Nação e os embates conflituosos em torno da guerra
franco-prussiana (1870-1871). Porém, com o objetivo claro de denegrir a imagem da
Prússia e sua tentativa de unificação, para confortar o sentimento nacional francês
diante da perda dos territórios franceses de Alsácia e Lorena para os alemães:

A Alemanha tinha-as tomado [a Alsácia e a Lorena] sem lhes


perguntar se queriam tornar-se alemães. Quando a França adquirira
Nice e a Savóia, fora com o consentimento dos habitantes. A França
não acredita que se tenha o direito de tratar homens como animais,
que mudam de dono, sem serem consultados. (LAVISSE apud
TÉTART, 2000, p. 102)

Para Lavisse, o ofício de historiador poderia ser considerado legítimo se este


estivesse ligado à ação pedagógica. Suas obras tornaram-se referências para a
formação da juventude francesa de finais do século XIX, sendo manuais do Ensino de
História positivista, inclusive nas escolas brasileiras já em meados do século XIX 12.
Sua influência e prestígio conduziram-no ao celeiro dos grandes intelectuais da ciência
histórica.

1.1d – LEOPOLD VON RANKE (1795-1886)

12
A inserção do Ensino de História positivista de modelo francês nos currículos das escolas brasileiras
tem sua origem em meados do século XIX: “A influência francesa fora assumida pelos idealizadores do
Colégio Pedro II. Bernardo Pereira Vasconcelos, ministro e secretário da Justiça do Império, discursando
na inauguração do Primeiro regulamento oficial de Ensino que incorporava o Ensino de História no
currículo em 1838, afirmou: ‘Foi preciso buscar no estrangeiro a experiência que nos faltava, a atuação
irresistível que então exerciam sobre nós as idéias, as instituições e os costumes, impôs-se o modelo
francês’”. Vide estudos da historiadora Elza Nadai em texto para a revista brasileira de História da Anpuh
– (biênio 1991-1993), intitulado: “O ensino de História no Brasil: trajetória e perspectiva (p. 143- 161)”
Esse historiador alemão, “pode ser considerado um dos fundadores da história
científica na Alemanha e um dos fundadores do cientificismo” (BURGUIÉRE, 1993, p.
645). Ranke exerceu um papel importante na configuração dos aportes teóricos que
possibilitaram fornecer um caráter científico à História. O historicismo 13 ou História
Narrativa é o nome dado à Teoria que pretende apresentar “os fatos históricos tal qual
realmente se passaram” (wieeseigentlichgewesen) (RANKE apud LÖWY, 2007, p. 68),
sua metodologia (o positivismo) tem como princípio a objetividade e neutralidade por
parte dos historiadores ao “reviver” a História. Os fundamentos teóricos de Ranke
estruturavam-se:

[...] nos pressupostos da singularidade dos acontecimentos


históricos. Cada fato histórico é único e sem possibilidade de repetição,
devendo a reconstrução de um passado ter como base a objetividade,
para ser “história verdadeira”. (BITTENCOURT, 2004, p. 140)

A objetividade e neutralidade diante do fato histórico exigiam dos historiadores,


um compromisso metódico diante dos documentos, comportavam-se como
verdadeiros “arquivistas”, isto é, obedientes ao rigor teórico e metodológico do
historicismo, praticamente eram obrigados a narrarem o passado histórico sem
acréscimo de juízo ou interpretação do acontecimento. Porém, essa tendência
historiográfica representou um salto qualitativo diante do passado enciclopédico e
racionalista dos filósofos iluministas que mais se aproximavam dos historiadores
românticos. O historicismo:

[...] apesar de suas ilusões passadistas e de sua visão idílica


do Antigo Regime, constitui um passo importante, essencial até, para a
compreensão da historicidade dos fatos sociais e para o
desenvolvimento da ciência histórica moderna. (LÖWY, 2007, p. 67)

13
As idéias essenciais do historicismo podem ser resumidas nas seguintes proposições: 1. Todo fenômeno
cultural, social ou político é histórico e não pode ser compreendido senão através de e na sua
historicidade. 2. Existem diferenças fundamentais entre os fatos naturais e os fatos históricos e,
conseqüentemente, entre as ciências que os estudam. 3. Não somente o objeto da pesquisa está imerso no
fluxo da história, mas também o sujeito o próprio pesquisador, sua perspectiva, seu método, seu ponto de
vista. (LÖWY, 2007, p. 65-66)
O historicismo de Ranke promovia a reprodução única e “verdadeira” de
resgatar o passado histórico. O historiador, para Ranke, deveria ser objeto no
momento da produção, isto é, para recuperar os dados únicos e irreproduzíveis dos
atos humanos, deveria deixar suas “paixões” e “interpretações” longe de suas
análises, se apoiando somente na “narração” dos documentos oficiais, na medida em
que:

[...] dando preferência aos documentos que abrem um acesso


imediato à compreensão das intenções e dos motivos dos atores da
história (memórias, diários, relatórios, relatos, testemunhos, etc.), ele
define a história como uma disciplina heurística e lhe atribui como
finalidade primeira a busca da objetividade: o historiador não deve ter
outra ambição senão “retraçar a maneira pela qual o passado se
desenrolou” (RANKE apud BURGUIÉRE, 1993, p. 645)

A “objetividade e imparcialidade” do historiador na reprodução do passado


históricoe o valor do “documento oficial” para a produção da “história verdadeira”
representam, de fato, as maiores contribuições de Ranke para a ciência positivista.
Entretanto, a importância dos acontecimentos históricos eram realizados pelos
grandes líderes nacionais: chefes de Estado, Reis, Príncipes, etc. Estes configuram o
“motor” das transformações e do progresso da História. Esse método de “fazer
História”14 cabe lembrar, representou para a História escolar o modelo de ensino para
gerações de estudantes e, pode-se afirmar, ainda é fundamento para a elaboração de
livros didáticos; para a preparação de aulas pela quantidade de dados (precedentes,
acontecimento, cronologia, etc.) e facilidade de exposição; nos currículos escolares,
etc.

A narrativa ou historicismo, apesar de duramente criticado na academia, por


“esquecer” ou não priorizar as contradições e lutas sociais (fundamento dos
historiadores marxistas) ou a análise das mentalidades coletivas (dos annales), ainda
assim, representa uma evolução de técnicas e aportes teóricos que oficializaram a

14
Segundo a historiadora Circe Bittencourt: A reconstituição do passado da nação por intermédio de
grandes personagens serviu como fundamento para a História escolar, privilegiando-se estudos das
ações políticas, militares e das guerras, e a forma natural de apresentar a história da nação era por
intermédio de uma narrativa. (Vide estudos no livro: “Ensino de História: fundamentos e métodos” p.
140-144)
História científica no século XIX. Ranke, com certeza, foi o grande “arquiteto” dessa
ciência.

1.1e - CHARLES-VICTOR LANGLOIS (1863-1929) e CHARLES SEIGNOBOS (1854-


1942)

Se o programa de Gabriel Monod representou o método e a Lavisse coube a


ação pedagógica do historiador positivista, podemos afirmar que os grandes alunos
Langlois e Seignobos15 souberam unir essas influências estabelecendo os retoques
finais a ciência positivista da História na França. São os autores da obra: “L´
introductionauxétudeshistoriques”, publicada em 1898, que se tornou o principal
“breviário, por assim dizer, oficial, dos estudantes de História” (BURGUIÉRE, 1993, p.
711).

A obra de Langlois e Seignobos, pode-se afirmar, define em suas linhas o


método positivista: análises quantitativas; grandes feitos políticos; exaltação dos heróis
nacionais; compilação de fatos em ordem cronológica; o documento oficial escrito
como fundamental à verdade dos fatos, etc. Na interpretação do historiador Philippe
Tétart, a obra de Langlois e Seignobos:

“[...] imprime duas evoluções paradoxais: por um lado, um


inegável progresso científico em termos de rigor; por outro lado, uma
limitação do campo de ação do historiador que, por falta de
curiosidade, não sonda senão a superfície do passado”. (TÉTART,
2000, p. 100)

O rigor metodológico advinha da descrição pormenorizada dos fatos contidos


nos documentos oficiais escritos, obedecendo a linearidade cronológica dos
acontecimentos, tendo em vista, principalmente os eventos de ordem política. A obra:

15
De fato, Seignobos fora aluno de Ernest Lavisse na Escola Normal Superior (1974-1977), sendo grande
colaborador de seu mestre. Consagrou-se com a obra “L´Historie politique de l´ Europecontemporaine
(1897), sendo conhecido do grande público culto. Em 1883, foi encarregado de um curso livre na
Sorbonne, onde viveu o auge de sua carreira. Vide em (BURGUIÉRE, 1993, p.711-712)
“L´ introductionauxétudeshistoriques” foi descrita por LuciénFebve (um dos fundadores
da ÉcoledesAnnales) como “a bíblia do método positivista” (FEBVRE apud
BURGUIÉRE, 1993, p. 712), pois, ao mesmo tempo, descritiva em relação à História
política da França, e obediente quanto ao método de apreensão do passado.

Fora, sem dúvida, o grande manual da história positivista, presente no Colégio


Pedro II servindo como referência fundamental na formação de gerações de
estudantes brasileiros e, por outro lado, definindo os alicerces acadêmicos do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro16, sendo o método, por excelência da formação das
novas gerações de historiadores. A proposta era a realização de estudos voltados à
genealogia da Nação brasileira; da miscigenação “harmônica e pacífica” entre as
raças: negra, índia e branca; da desigualdade social. Uma história “conservadora e
reacionária” (LÖWY, 2007, p. 66), porém, originária de uma tentativa científica de
análise do passado.

Essa corrente do pensamento historiográfico instituiu um modelo específico de


fazer História, oficializando as técnicas e o trabalho de gerações de historiadores,
porém, estigmatizando a História política dos grandes líderes nacionais como única
maneira de reviver o passado real da humanidade. A pequena preocupação com as
estruturas sociais e econômicas, viabilizaram severas críticas dos historiadores do
século XX17. É o caso de LuciénFebvreà respeito da grande obra de Langlois e
Seignobos:

[...] na “L´ introductionauxétudeshistoriques”, [...] o catecismo da


história factual, contribui com seu talento polêmico para credenciar,
entre as jovens gerações, a idéia de uma ‘história a moda de Langlois e
Seignobos’, cega e estéril sob o rigor da máscara ‘científica’, reduzida
aos fatos políticos, inconsciente do papel da economia e do peso do
social. (BURGUIÉRE, 1993, p. 712).

16
Os postulados da escola metódica foram preservados pelos primeiros historiadores, no Brasil.
Associados ao IHGB foram também, durante o século XIX, os professores do Colégio Pedro II e
transpuseram a concepção de História da academia para a escola secundária, ao se transformarem em
autores dos programas que seriam fundamentos para os exames a se realizarem em todos os
estabelecimentos escolares nacionais. (Vide texto da professora Kátia Maria Abud do programa de pós-
graduação em Educação da Universidade de São Paulo, intitulado: “A História nossa de cada dia: saber
escolar e saber acadêmico na sala de aula”, p. 107-117)
17
Para os Annales, a narrativa tradicional organizava os eventos em uma trama cujo fim já se conhecia
antecipadamente. O seu modelo era a biografia. Os eventos únicos e incomparáveis eram incluídos em
uma continuidade, organizados por uma teleologia, uma hipótese especulativa, que era vista como
constituidora da própria realidade histórica. [...] Ela tinha um sentido político claro: endurecer e legitimar
a ordem atual oferecendo-lhes a continuidade e a respeitabilidade de uma origem. (Ver estudos do
historiador José Carlos Reis no texto: “Teoria e história da ‘ciência histórica’: tempo e narrativa em Paul
Ricoeur”, p. 93-123)
É consenso entre os historiadores que a maior “armadilha” da história
positivista, tenha sido o pequeno enfoque às estruturas sociais, econômicas e
principalmente mentais que colaboram com uma visão mais abrangente da ciência
histórica. Essas análises, sínteses, interpretações do desenrolar histórico irão
configurar novos métodos de produção de conhecimento no século XX. Entretanto,
esse será o tema do próximo subcapítulo.

1.2- A LUTA DE CLASSES COMO MOTOR DE UMA HISTÓRIA MARXIZANTE

A Filosofia marxista configurou, de fato, um novo enfoque teórico de análise à


História. Enquanto os historiadores positivistas baseavam seus estudos na
“genealogia da Nação”, por intermédio dos documentos oficiais escritos, compondo
uma história das elites políticas, “reacionária” do ponto de vista teórico, Marx
acreditava na Luta de classes18como fundamento de uma História em movimento. Sua
teoria privilegiou a dinâmica econômica e social como princípios fundantes do
desenrolar histórico. Sem dúvida, o Materialismo Dialético promoveu um
amadurecimento teórico e metodológico à ciência histórica. Apesar de ter escrito
poucas obras especificamente de História19, Karl Marx (1818-1883) fora o criador do
Materialismo Histórico Dialético. Suas principais influências caminhavam em duas
direções: da filosofia de Friedrich Hegel (1770-1831) herdou o método dialético, a
dinâmica entre tese-antítese e síntese que simbolizam o movimento das idéias, assim
como, uma interpretação racional à História:

18
O conceito de lutas de classes é, sem dúvida o coração da doutrina de Marx, seus pressupostos são: “(1)
de que a existência das classes está ligada somente a fases determinadas do desenvolvimento da
produção; (2) de que a luta de classes resulta necessariamente na ditadura do proletariado; (3) de que essa
ditadura, ela própria, constitui apenas a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade
sem classes”. (MARX apud BURGUIÉRE, 1993, p. 503)
19
A história propriamente dita ocupa pouco espaço no conjunto da obra de Marx: As lutas de classes na
França, O dezoito Brumário, A guerra civil, os artigos sobre “A Revolução espanhola” e sobre “Bolívar”,
os capítulos do Capital sobre a “acumulação primitiva”, talvez alguns resumos do Manifesto Comunista.
Embora ele a queira ciência principal, a história não é o seu objeto. (Ver estudos de BURGUIÉRE, 1993,
p. 520-525)
Para Hegel, a racionalidade da História evidencia-se também
através da maneira como aquele objetivo tem sido alcançado: sob a
forma de uma ordem que é exibida pelos sucessivos estágios do
processo [...] exposta em sua obra: “A Ciência da Lógica”, Hegel
afirma: “As insuficiências de um primeiro conceito, ou “tese”, levam-nos
a afirmar sua “antítese”, e a tensão entre elas vem, afinal, a resolver-se
por meio de um terceiro conceito que efetua uma “síntese” dos
elementos precedentes – repetindo-se o processo na medida em que
cada qual das sínteses, submetida a mais acurada reflexão, venha a
tornar-se a tese de uma nova e “mais elevada” tríade. (HEGEL apud
DRAY, 1977, p 106-107)

O método dialético proposto por Hegel nos escritos sobre sua Filosofia da
História permite uma reflexão determinista do indivíduo e suas ações no passado e
também de seu devir. Marx promove à dialética de Hegel ao campo das análises
material e concreta da ciência histórica:

Mas uma vez que conseguiu se afirmar como tese, essa tese,
esse pensamento, oposto a si mesmo, se desdobra em dois
pensamentos contraditórios, o positivo e o negativo, o sim e o não. A
luta desses dois elementos antagônicos, encerrados na antítese,
constitui o movimento dialético. Tornando-se sim e não, o não
tornando-se sim, o sim tornando-se simultaneamente sim e não, o não
tornando-se simultaneamente não e sim, os contrários se equilibram,
se neutralizam, se paralisam. A fusão desses dois pensamentos
contraditórios constitui um pensamento novo, que é sua síntese.
(MARX, 2007, p. 99)

A dialética hegeliana (de que não podemos, neste capítulo, oferecer, mais que
um breve resumo) representa, de fato, a base filosófica da História marxista, porém
Marx transformou a teoria de Hegel (idealista do ponto de vista teórico) em um modelo
de análise concreto e material que situa as ações humanas e dão-lhes um sentido.

Outra influência importante para Marx, são as obras dos historiadores


franceses, sobretudo François Guizot (1787-1874) e Augustin Thierry (1795-1856),
assim como dos economistas e sociólogos do período, destacadamente David Ricardo
(1772-1823)20 dele, Marx herdou algumas categorias importantes que se tornaram
parâmetros teóricos e metodológicos para análises macro-econômicas e sociais.
Entretanto, “Ricardo, enfatiza Marx, apesar da profundidade científica de suas
análises, continua prisioneiro do horizonte burguês” (MARX apud LÖWY, 2007, p.108)

As leis da História seguiam um rumo mais concreto de abordagem e


direcionavam os olhares de seus discípulos21 (Eric Hobsbawm, Perry Anderson,
Cristopher Hill e Edward Thompson, no campo da História atual) para àqueles que até
então eram “esquecidos” ou “marginalizados” do processo histórico, os “vencidos” das
elites políticas, chefes de Estado, Reis, príncipes, etc., destacadamente: escravos,
servos, mulheres e o proletariado. Sem dúvida, a escola marxista da História, trouxe
para o cenário acadêmico e também para o escolar22, debates que suscitaram novas
preocupações e enfoques:

Os movimentos sociais, tais como os feministas, os


ambientalistas, os étnicos e os religiosos, seus confrontos e lutas com
as discriminações e preconceitos, além da continuidade das lutas por
direitos trabalhistas, situaram a história social no centro das
problemáticas das pesquisas históricas (BITTENCOURT, 2004, p. 148)

Para Marx, o “trabalho” (categoria fundante de sua filosofia) determina as


bases materiais da vida em sociedade, entretanto, as relações entre os homens se

20
Foi [...] de Ricardo sobretudo, que foi tomada de empréstimo a idéia – “É na economia política que
convém procurar a anatomia da sociedade civil” – que serve de mediação à “formação social” e ao modo
de produção, “história” e “economia”, “evento e “estrutura”, e que articula a “ideologia” com a
“sociedade civil”, ela própria arraigada no “modo-de-produção”. Todas essas palavras e expressões em
negrito são categorias do pensamento marxista, sendo herdadas dos estudos dos economistas franceses e
ingleses. (Ver estudos do Historiador André Burguiére, 1993, p. 520-521)
21
Seria impossível citarmos todos os “discípulos” seguidores do Materialismo histórico dialético, por
isso, lembraremos somente dos marxistas historicistas mais influentes: GyorgyLuckács (1885-1972), Karl
Korsch (1886-1961), Antônio Gramsci (1891-1937) e LucienGoldmann (1913-1970). Vide estudos de
Michael LÖWY (2007, p. 127-145) sobre essa corrente do pensamento marxista.
22
Os estudos da professora do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo, Circe Bittencourt,
nos oferecem dados para entender o impacto da teoria marxista na educação. Para a historiadora: “No
Ensino de História, a tendência marxista foi marcante a partir do fim da década de 1970 e ainda
permanece como base de organização de conteúdos de várias propostas curriculares e obras didáticas. Os
períodos históricos delimitados pelos modos de produção têm servido de referência, e, notadamente,
estuda-se o tempo do capitalismo. O denominado “Materialismo Histórico” serviu de base para a
elaboração de muitas obras didáticas, condição que consolidou a organização de conteúdos da história das
sociedades do mundo ocidental pelos modos de produção e pela luta de classes. Os conteúdos escolares
foram organizados pela formação econômica das sociedades, situando os indivíduos de acordo com o
lugar ocupado por eles no processo produtivo. Burguesia, proletariado, aristocracia, são os sujeitos sociais
que fornecem visibilidade às ações da sociedade, e os confrontos entre os diversos grupos sociais
explicam as mudanças e permanências históricas”. (BITTENCOURT, 2004, p. 146-147)
modificam de acordo com o modo-de-produção de determinado espaço e período
histórico. Isto é, durante a Idade Média (século V-XV), por exemplo, o “feudalismo
medieval europeu” representou o modo-de-produção (economia de base agrária, não-
comercial, voltada a subsistência), característico, onde a “terra” era a principal fonte de
recursos à população. As relações de trabalho eram antagônicas, na medida em que o
Senhor Feudal (dono da propriedade fundiária, dos instrumentos de produção: arado,
moinho, forno, etc.) retirava dos servos (camponeses que vivem com parte de sua
produção) o excedente do que produziam. Nessa relação de exploração de uma
classe sobre outra está o movimento dialético e material da História marxista. Em
várias obras ele situa essa relação antagônica:

Nos primeiros tempos da História, por quase toda parte,


encontramos uma disposição complexa da sociedade, em várias
classes, uma variada gradação de níveis sociais. Na Roma antiga,
temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos. Na Idade Média,
senhores feudais, vassalos, chefes de corporação, assalariados,
aprendizes, servos. Em quase todas estas classes, mais uma vez,
gradações secundárias. A Sociedade burguesa moderna, que brotou
das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos das
classes. Estabeleceu novas classes, novas condições de opressão,
novas formas de luta no lugar das antigas. (MARX, 2000, p. 9)

As leis da História, para Marx, podem ser representadas como uma sucessão
de modelos de produção que condicionam as relações sociais. Por exemplo: O modo-
de-produção comunista primitivo – das tribos ditas “pré-históricas” (do nomadismo, da
propriedade coletiva, do trabalho voltado à subsistência) – fora superado e substituído
pelo modo-de-produção asiático – das primeiras civilizações orientais – China, Índia,
Pérsia, Oriente Médio (sustentada pela teocracia e trabalho escravo), assim como
esses modelos foram sucedidos pelo: Escravista, Feudal, Capitalista, culminando no
modelo de transição, o Socialista – “a redenção do proletariado” (representado pelo
fim da propriedade privada e das classes sociais) e, por fim, o modo-de-produção
Comunista. Para Marx, as ações humanas são determinadas pelo conflito entre as
classes no seio do modo-de-produção que orientam as relações de trabalho. Esse
movimento garante à História um princípio contínuo e evolutivo, por isso, ainda
esperado pelos seguidores de Marx.
O “acontecimento” e “as ações individuais” (fundamentais para os historiadores
positivistas) provocadores de transformações e mudanças, são para os historiadores
marxistas, conseqüências naturais do estágio do modo-de-produçãoem curso:

[...] o destino do homem está ligado à prioridade estrutural e


dinâmica da classe social e do movimento econômico. Sem vínculo
cultural, sem retorno ao individuo, a história quantitativa deixa pouca
liberdade a seus atores [...] as histórias marxistas são freqüentemente
fechadas numa visão de organização das sociedades atemporal,
acultural, que recusa as transcendências da noção de classe [...] a
maior parte da historiografia marxista enclausura-se portanto no
reducionismo. (TÉTART, 2000, p. 116-117)

É consenso entre os historiadores da ÉcoledesAnnales (que será nosso objeto


de estudo no próximo subcapítulo) que o pequeno enfoque dado pela corrente
marxista às análises culturais e mentais, acarretaram uma visão parcial e determinista
da História, assim como, a “descaracterização” das ações individuais e o descrédito ao
“acontecimento”, que necessariamente provocam transformações, permanências,
rupturas, etc., simbolizam, de fato uma visão reducionista do passado e do devir
humano. Notoriamente, a história marxista “enclausurou” às ações humanas em
estruturas macro-econômicas, impossibilitando ao historiador uma visão abrangente
do processo histórico, por intermédio de análises das mentalidades coletivas, por
exemplo; das tradições culturais; dos ritos e mitos das comunidades primitivas; das
ações individuais, etc.

Entretanto, o materialismo histórico dialéticorepresenta um salto teórico e


metodológico qualitativo à ciência da História, na medida em que, direcionou o olhar
dos historiadores às questões sociais e econômicas, promovendo aos
“marginalizados” ou “excluídos” do processo histórico à categoria de sujeitos. Essa
corrente historiográfica fora responsável por tornar objeto de estudo àqueles que não
possuíam “voz” na academia, e por isso, contribuíram para o amadurecimento da
História enquanto campo de conhecimento e disciplina escolar.
1.3 – OUTROS OLHARES, NOVOS RUMOS: A CIÊNCIA HISTÓRICA À MODA DOS
ANNALES

A herança metódica advinda da Escola Positivista e a dimensão


socioeconômica do Materialismo Histórico dialético de Marx, possibilitaram um
amadurecimento teórico e metodológico à História. Os olhares para o passado
ganhavam outra tonalidade. A Ciência histórica atingia a fase adulta com novos
métodos, abordagens, fontes, problemas... Passou a ser analisada a partir do
presente. Entre em cena à ÉcoledesAnnales.

Essa corrente do pensamento historiográfico surgira em torno da revista 23:


“Anais de História Econômica e Social”, fundada em 1929 pelos historiadores Marc
Bloch (1886-1944) e LuciénFebvre (1878-1956) (ambos professores da Universidade
de Estrasburgo). A intenção era promover estudos relativos às estruturas econômicas
e sociais, favorecendo possíveis contatos interdisciplinares24 no seio das Ciências
Sociais. A importância maior da revista, sem dúvida, fora a ampliação do ofício do
historiador a um novo paradigma25, notadamente:

[...] Uma renovação dos métodos e do próprio objeto da ciência


histórica, mediante à atenção dada às estruturas e aos fenômenos
coletivos, assim como a abertura para outras ciências sociais, eram
desejadas e esperadas nos anos 30 e deviam necessariamente impor-
se à comunidade científica [...] a atenção prioritária concedida aos
grupos – e não mais aos indivíduos (herança do positivismo) -, às

23
O título original da revista mudou em algumas ocasiões, transformando também suas características,
primeiramente: “Annales d´histoireeconomiqueetsociale, depois Annales: économie-societe-civilisation,
em 1946, e, desde 1993, Annales: Histoire et sciencessociales.(Ver estudos de TÉTART, 2000, p. 108). A
rede de colaboradores e simpatizantes que se formou em torno da revista, a transformou, depois da guerra,
em Instituição Universitária, quando Febvre criou com Ernest Labrousse e Charles Mozaré a VI Seção da
EPHE (Escola Prática de Altos Estudos) (Citado em BURGUIÉRE, 1993, p. 49) Vamos, nesse texto,
enfatizar as propostas teóricas e metodológicas em torno da primeira fase da revista (1929-1946).
24
A abertura “interdisciplinar” promovida por Bloch e Febvre aos estudos históricos, nos primeiros anos
da revista, seriam ainda modestos para uma dimensão “Complexa” da História (como Morin emprega
esse termo). Como afirma o historiador francês André Burguiére: “[...] A herança do momento em que
criaram sua revista: a escola geográfica de Vidal La Blache, a economia estatística de Simiand, a
Sociologia de Durkhéim e a psicologia histórica preconizada por Henri Berr. (Ver estudos de:
BURGUIÉRE, 1993, p. 52)
25
Chamamos de “novo paradigma”, pois essa escola também apresenta limites teóricos de abordagem e
visões paradigmáticas, tais como: o peso dado às análises sócio-econômicas e às mentalidades coletivas.
Em suas críticas veementes à Escola Positivista, sobretudo à ênfase aos estudos sobre a política, Bloch e
Febvre abandonaram, por assim dizer, o papel dos dirigentes; das ações individuais e das instituições
políticas nos trabalhos dos Anais.
estruturas socioeconômicas e, de modo geral, aos fenômenos de
evolução lenta – e não mais aos acontecimentos [...] (BURGUIÉRE,
1993, p. 50-52)

Os fundadores da revista dos Annales não poupavam críticas à Escola


positivista da História, pois estes: exaltavam a ação “vazia” dos líderes políticos;
valorizavam os estudos biográficos de reis, príncipes, chefes de Estado; apoiavam
suas análises no “acontecimento” ou fato político, descartando as ações dos grupos
sociais e as transformações de caráter econômico; tinham a intenção “oca” de
recuperar dados referentes à genealogia das Nações, etc. Para os historiadores dos
Annales, a Escola Positivista visitara somente a superfície factual do passado
histórico:

O nascimento dos Annales é portanto um assunto de geração


intelectual e científica tanto quanto de poder. Trata-se de defender uma
liberdade nova e de dar fim ao “velho ídolo da história política factual”
(BLOCH apud TÉTART, 2000, p. 109)

O olhar dado ao passado, na perspectiva de Bloch (medievalista) e Febvre


(Modernista) estabelecia novos objetos à ciência histórica: análises demográficas
sobre deslocamentos de povos, “destacando as formas de ocupação social em
grandes espaços, em torno de mares e oceanos 26” (BITTENCOURT, 2004, p. 145)
com o auxílio da Geografia; estudos sobre as mentalidades coletivas juntamente com
as novidades da Psicologia; comparações socioeconômicas de caráter regional,
estadual e/ou nacional; Interpretações possíveis a respeito das tradições, costumes,
vestuário, crenças de camponeses, escravos, indígenas, povos primitivos, situando-os
dentro de uma perspectiva antropológica27, etc. Os horizontes de ação do historiador
ampliavam-se e possibilitavam recuperar o passado por intermédio de questões
colocadas pelo tempo presente, assim como a ampliação da noção de fonte que é
fundamental na Escola dos Annales:

26
Fernand Braudel ocupou-se de análises demográficas em torno do Mediterrâneo, Pierre Chaunu e
Frédéric Mauro do Oceano Atlântico. Historiadores franceses, na trilha de uma macro-história, passaram
a trabalhar com grandes estatísticas, registrando a produção em cifras e tabelas, comparando e destacando
as diferenças e semelhanças tanto das condições de infra-estrutura quanto da própria população. (Ver
estudos da Historiadora e Educadora Circe Bittencourt, 2004, p. 145)
27
Em relação às propostas de interligação entre História e Antropologia, destacam-se os trabalhos dos
historiadores: Jean Pierre Vernant, Pierre Vidal-Naquet e Pierre Levêque.
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. [...]
Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos se estes
não existirem. Com tudo o que a engenhosidade do historiador pode
lhe permitir usar para fabricar seu mel. [...] Paisagens, telhas. Formas
de campos e ervas daninhas. Eclipses lunares e cabrestos [...]
(FEBVRE apud TÉTART, 2000, p. 112)

E as décadas de 1920 e 1930 representavam realmente um cenário conjuntural


de profundas transformações. Nas relações políticas: um mundo destruído e abalado
pela guerra entre as Nações (1914-1918); Na economia: o colapso do Capitalismo
após o Crash da bolsa de valores de Nova York e o “fantasma” do Socialismo, como
alternativa possível à crise, simbolizado pelos planos quinqüenais de Stálin; Nas
relações sociais a predominância do “medo, insegurança, descrença no futuro”,
destacadamente a partir da ascensão dos partidos totalitários (fascismo, franquismo e
nazismo) com a proposta de “reconstruir” o que fora perdido. Notoriamente, um
período rico relativo aos caminhos teóricos atribuído às ciências sociais. As questões
que incomodavam o presente foram incorporadas como objetos de análises históricas:

No início dos anos 1930, Bloch escreve: “A história na vida


contemporânea, a análise do presente, fornecem o mapa e o
compasso da pesquisa histórica. Entre o passado e o presente não há
separação estanque” (BLOCH apud TÉTART, 2000, p. 113)

Categoricamente, uma História de combate à tradição narrativa dos eventos,


instituindo como fundamento de análise: os problemas do tempo presente. Nessa
perspectiva, entende-se os fundamentos mais precisos em torno dessa escola do
pensamento historiográfico. Não há fronteiras que limitam o trabalho do historiador. Os
objetos; As fontes; Os recortes temáticos; As metodologias de análise ganham uma
dimensão que depende dos problemas enfrentados no presente. A História deixa de
ser “narrativa” para ser “problema”:

Na história-problema, o historiador escolhe seus objetos no


passado e os interroga a partir do presente. Ele explicita a sua
elaboração conceitual, pois reconhece a sua presença na pesquisa:
escolhe, seleciona, interroga, conceitua. O historiador procura
demonstrar um problema, que ele próprio formulou, delimita seus
objetos, compara-os, interrogando-os em uma longa série homogênea,
inventa as suas fontes, ressignificando-as, utiliza técnicas quantitativas,
estatísticas e o computador. (REIS apud CONDÉ, 2005, p. 93)

Se o presente traz para a academia os questionamentos que viabilizam o


estudo sobre o passado, sem dúvida, a noção de tempo também se transforma. Para
as correntes anteriores, notamos que o recorte temporal é enquadrado dentro de
categorias específicas de análise. Para os Positivistas, por exemplo, o
“acontecimento”, o fato político, representa o “motor” das transformações históricas,
portanto, a noção temporal é linear e cronológica. Para os marxistas, a noção de
tempo é ampliada ao modelo de produção de uma determinada época, ou seja,
quando o objeto é a exploração da classe operária, a História é representada pelo
tempo do Capitalismo. Para os Annales, temos uma nova dimensão temporal de
análise. O tempo é dividido em três durações28:

[...] a da história lenta, com períodos muito longos, uma história


estrutural, como a história das mentalidades; a de média duração, uma
história conjuntural, com ondas relativamente curtas, como a história da
vida social; e uma história do tempo breve, episódica, a história das
biografias e dos acontecimentos. [...] trata-se de um pressuposto
metodológico essencial para a compreensão e o raciocínio históricos.
(SCHMIDT, 2006, p. 78)

A divisão entre “tempo do acontecimento, da conjuntura e da longa duração ou


estrutura” (BITTENCOURT, 2004, p. 146) possibilitaram uma ampliação da noção de
tempo à História e definiram novos aportes metodológicos para apreensão da memória
histórica. Porém, os historiadores da geração dos Annales, seguiram, sobretudo, a
“longa duração”, também conhecido como o “tempo das mentalidades coletivas”, pois

28
Essa classificação temporal é de autoria do historiador Fernand Braudel (1902-1985) um dos principais
representantes dessa corrente historiográfica. Para ele, as análises temporais, são divididas em três
períodos [...] o primeiro, o tempo mais lento, quase imóvel, pratica retornos insistentes, ciclos que
recomeçam sem parar, que definem os equilíbrios frágeis mais duradouros entre o homem e seu meio, os
animais e as plantas, a terra e o mar, o solo e o clima, e as soluções firmadas no interior da moldura das
civilizações: é o tempo geográfico. Depois, mais próximo e mais móvel, o tempo social do longo prazo: o
das economias, dos estados, das sociedades, das civilizações em sua dinâmica e sua relação conflitante.
Por fim o tempo individual, o tempo curto dos acontecimentos e dos homens: aquele ao qual os
historiadores se encontram, desde então, impedidos de limitar suas ambições. Ver estudos de
BURGUIÉRE, 1993, p. 110.
permite uma visão panorâmica e abrangente das transformações sociais e
econômicas. Estuda-se, por exemplo, “o pensamento da burguesia em tono da
Reforma Protestante” (BITTENCOURT, 2004, p. 145)

Se as transformações na sociedade e na economia ditavam os novos objetos


de análises, há, sem dúvida, uma clara aproximação teórica e metodológica entre os
Annales e o Marxismo29, segundo o historiador Ciro Flamarion Cardoso:

[...] dentre os pontos básicos apontados destacam-se o


abandono da história centrada em fatos isolados e a tendência para a
análise de fatos coletivos e sociais, a ambição em formular uma síntese
histórica global do social, a história entendida como “ciência do
passado” e “ciência do presente” simultaneamente. (CARDOSO apud
BITTENCOURT, 2004, p. 146)

As aproximações entre a ÉcoledesAnnales e o marxismo, são características


do próprio momento histórico em curso. As transformações nas relações sociais e
econômicas após a Primeira Grande Guerra (1914-1918), ditavam os objetos de
análises para os historiadores. Estes, sem dúvida, incorporaram o espírito investigativo
de seu tempo, transformando o enfoque teórico e metodológico herdado pela Escola
Positivista:

A extensão da curiosidade historiadora não tem mais limiar. A


ambição dos Annales é procurar um eixo unificador que permita
integrar toda a riqueza das ciências sociais e da história na arte de
“fazer história [...] (TÉTART, 2000, p. 110)

No campo educacional, o impacto das descobertas científicas introduzidas pela


corrente historiográfica dos Annales transformou o Ensino de História, notadamente a
partir da década de 1960, inclusive no Brasil. Novos objetos foram inseridos e
proporcionaram à História escolar um salto qualitativo considerável. Nos estudos da

29
March Bloch conhece a obra de Marx; LuciénFebvre a conhece mal, como a maior parte dos
historiadores do seu tempo. Ambos o admiram, mas denunciam, às vezes impiedosamente em suas
análises, os historiadores que usam o marxismo de maneira simplista ou dogmática: a idéia de uma
divisão preestabelecida e uniforme da realidade em três níveis, infra-estrutura econômica, contradições
sociais, estruturas mentais, prece-lhes incompatíveis com o espírito histórico de seu tempo. (citado em
BURGUIÉRE, 1993, p. 50-51).
historiadora Elza Nadai, podemos observar as novas perspectivas para o Ensino de
História, à partir das contribuições dos Annales:

[...] reconhecimento de que ensinar História é também ensinar


seu método e, portanto, aceitar a idéia de que o conteúdo não pode ser
tratado de forma isolada. Deve-se menos ensinar quantidades e mais
ensinar a pensar historicamente. [...] Compreensão de que alunos e
professores são sujeitos da história [...] assim, as propostas tem
procurado viabilizar a compreensão da História, enquanto movimento
social e enquanto memória, enquanto discurso construído sobre o
passado e o presente. [...] assim como, viabilizar o uso de fontes
variadas e múltiplas [...] incorporando também outros documentos, não
na condição de recursos, mas na dupla condição de sujeito e de objeto
do conhecimento histórico. (NADAI, 1993, p. 160)

Os grandes feitos políticos do passado, a preocupação com a memorização


mecânica de datas, grandes personagens, há muito deixaram de ser temas
privilegiados pela História escolar. As fontes e procedimentos para elaboração de
livros didáticos e formação dos currículos receberam a herança dos Annales.
Notadamente, à partir da década de 1980 no Brasil, a ANPUH (Associação Nacional
de professores e universitários em História, ou simplesmente Associação Nacional de
História), por intermédio da realização de encontros, seminários, simpósios,
congressos (de caráter regional, estadual e até Nacional), viabilizaram profundas
mudanças no Ensino de História, destacadamente, os ensinamentos da escola
historiográfica dos Annales, mostraram os futuros rumos e perspectivas científicas,
responsáveis pela inserção de novos referenciais teórico-metodológicos à disciplina
História.

Entretanto, o século XXI, traz para o cenário acadêmico novas preocupações


que estão longe de ser respondidas pelo enfoque dado à História pelos Annales.
Talvez uma nova ciência histórica esteja em curso nos últimos tempos para dar à luz
novas interpretações tanto para o passado quanto ao presente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
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Pelegrin. São Paulo: Edusc, 1994.

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Ricoeur. IN:______CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão (org.). Ciência , História e Teoria.
São Paulo: UFMG, 2005.

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Leônidas Hegenberg. 2˚ ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1977.

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marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 9˚ Ed. São Paulo: Cortez,
2007.

MARX, Karl. A Miséria da Filosofia: resposta à Filosofia da Miséria de Proudhon.


Tradução de Paulo Roberto Banhara. São Paulo: Escala, 2007.

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Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

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REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA. São Paulo. ANPUH/Marco zero, vol. 13, n˚
25/26, 1993.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene (org.). Ensinar história. São Paulo:
Scipione, 2005.

TÉTART, Philippe. Pequena História dos Historiadores. Tradução de Maria Leonor


Loureiro. São Paulo: Edusc, 2000.
O CONHECIMENTO HISTÓRICO EM BUSCA DE NOVOS MÉTODOS30:
Contribuições da Teoria da Complexidade de Edgar Morin

De fato, sempre existe um jogo retroativo entre presente e


passado, no qual não somente o passado contribui para o
conhecimento do presente, o que é evidente, mas igualmente no
qual as experiências do presente contribuem para o
conhecimento do passado e, por meio disso, transformam-no.

Edgar Morin. Para onde vai o mundo? 2010, p. 12

Edgar Nahounnasceu em Paris (França) no dia 8 de julho de 1921. Filho único


de Vidal Nahoun e Luna Bressi. O sobrenome Nahoun descende de famílias de judeus
sefarditas, expulsos da Espanha no processo de sua unificação política no séc. XV.
Adotou o sobrenome Morin posteriormente. Sua formação teórica e acadêmica dialoga
com diversas áreas do conhecimento humano. Graduou-se em História, Geografia,
Direito. Desenvolveu também estudos nas áreas de Ciência Política, Sociologia,
Filosofia e Economia. Todos esses estudos e o conhecimento profundo das ciências
humanas e naturais serão sustentáculos para a criação da Teoria da Complexidade.

A expressão “complexidade” pode soar como complicada, intrincada ou até


mesmo difícil. Morin não emprega este termo nesta conotação; ele o emprega no
sentido originário do latim complexus que é entendido como aquilo que é tecido em
conjunto. Isto é, há na realidade como um todo e, também no acontecer histórico, um
tecido interdependente, antagônico e ao mesmo tempo complementar. Tudo aí, na
composição da realidade, está relacionado com tudo como numa grande trama.
Assim, estão relacionados entre si o todo e as partes, as partes e o todo, as partes
entre si e as relações das partes entre si com o todo. Assim, também, na História: as
ações individuais; os acontecimentos; as transformações sociais, políticas,
econômicas, culturais; o acaso e a incerteza, etc., estão relacionados intrinsecamente
entre si, complementarmente e antagonicamente e, produzem desta forma, as
transformações históricas no curso do tempo.

30
Método aqui é entendido como uma disciplina do pensamento, algo que deve ajudar a qualquer um
elaborar sua estratégia cognitiva, situando e contextualizando suas informações, conhecimentos e
decisões, tornando-o apto para enfrentar o desafio onipresente da Complexidade. (Vide estudos de Morin
em: Educar na Era Planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e
incerteza humana, p. 13)
Suas obras estão intimamente ligadas com sua experiência de vida, por esse
motivo, é importante destacarmos alguns episódios históricos de seu tempo que
colaboraram para a sua formação teórica e de vida. Como era de família judia, sofreu
na sua infância com o preconceito, sendo hostilizado em muitos momentos por seus
colegas de classe. Viveu sua infância e adolescência encarando as contradições de
um mundo marcado pela barbárie: Nazismo, Fascismo, Franquismo e o Comunismo
eram ideologias e sistemas políticos que dividiam o mundo europeu. Além disso, com
os reflexos da crise econômica mundial em solo francês, passou por situação de
desemprego e pobreza, sentindo na pele os efeitos drásticos de um Mundo que se
preparava para a 2º Guerra Mundial (1939-1945). Nesse período, se alista nas forças
de resistência da França e, ao mesmo tempo filiou-se ao Partido Comunista
(trabalhando inclusive como redator de periódicos do Partido em alguns momentos de
sua vida), sendo um defensor dos ideais socialistas de liberdade e igualdade. As
ideias de Marx o influenciaram e fundamentaram as bases de seu pensamento. Mas
por ser um crítico do regime Stalinista e também da ideologia do partido Comunista,
que na sua visão, tinha uma proposta que seguia na “contra-mão” daquilo em que
acreditava, principalmente em relação ao dogmatismo e qualquer forma de ditadura,
acabou sendo expulso do Partido em 1951. Nesse mesmo ano, é convidado a
ingressar como pesquisador no Centre National de RechercheScientifique (CNRS),
dedicando-se à investigação científica. Nessa Instituição permanecerá até 1989.

A experiência da guerra, da pobreza, das novidades tecnológicas e


audiovisuais do período (especialmente o Cinema), do “endurecimento” do regime
Comunista e da sua relação com a morte (perdeu sua mãe na infância por uma lesão
no coração, vítima da gripe espanhola e muitos amigos na guerra), foram ingredientes
para a publicação de seus primeiros livros. Publicou ao longo de sua carreira mais de
quarenta livros onde apresenta uma visão integrada das ciências e, sobretudo da
relação entre conhecimento, pesquisa e ensino. Para isso é importante apresentarmos
uma visão de métodos científicos desenvolvidos por esse grande pensador do século
XXI.

Em sua ampla produção bibliográfica e em sua trajetória enquanto


pesquisador, ele desenvolveu também métodos de análise para se compreender as
transformações econômicas, políticas, sociais, culturais, mentais que estão em
ebulição nesse tempo chamado “pós-moderno”. Como ele mesmo ressalta: “Precisei
improvisar um método adequado para passar do singular ao geral e do geral ao
singular” (MORIN, 2010b, p. 169). O acontecimento, para Morin, representa o que é
singular em nossa totalidade do real, por isso, pode revelar uma parcela das
transformações históricas em curso. Paillard reforça que “[...] o acontecimento é a
figura visível da mudança social e da evolução histórica”. (PAILLARD, 2008, p. 36)

A evolução científica e tecnológica globalizada transforma os hábitos,


costumes, tradições, gostos e atitudes do homem contemporâneo. Estudar essas
transformações que irrompem no tempo presente e provocam crises, alterações e
mudanças na torrente histórica foram objeto de análise de Edgar Morin. O método de
análise do “acontecimento contingente31” recebeu o nome de método “In vivo” ou
“Sociologia do presente32” que pode ser entendido como uma “ciência do devir que, ao
transcender as filosofias da história, se afirmaria imediatamente como transdisciplinar”
(PAILLARD, 2008, p. 34).

Transcende as filosofias da História, pois consiste numa relação original entre


pesquisador e fenômeno pesquisado. O “método In Vivo” é uma pesquisa de
abordagem multidimensional, consiste em analisar o acontecimento em sua
contingência, isto é, no momento de sua irrupção e, em busca do entendimento de sua
complexidade. Para tanto, deve contar com uma equipe transdisciplinar, na medida em
que a pesquisa:

[...] deve estar atenta aos múltiplos desdobramentos do


fenômeno estudado que exigem do pesquisador uma
curiosidade em todas as direções, um olhar polidirecional, e a
faculdade de desenvolver uma estratégia de pesquisa adaptada
e evolutiva. (PAILLARD, 2008, p. 39)

A tradição positivista da História separa o pesquisador do fenômeno estudado.


A relação entre sujeito pesquisador e objeto pesquisado era determinada por uma
distância que impossibilitava, por exemplo, a interação entre ambos; a reflexão em

31
O “acontecimento contingente” pode ser entendido por meio da fórmula “o acontecimento é ‘produtor
de efeitos’ e, por isso, um produtor de história. Isso é verdade porque sua irrupção diante da cena é ação e
atuação. O acontecimento faz surgir novos personagens em ação, muda os dados de um problema ou faz
emergir novos. Em resumo, ele constitui um momento-chave no processo de transformação social”.
(citado no livro “Edgar Morin em foco”, em texto intitulado: “A Sociologia do Presente” de Bernard
Paillard, 2008 p. 35). Nessa medida, o acontecimento intervém na realidade social, transformando-a e, por
isso, deve ser entendido em sua complexidade e integrado às ciências históricas.
32
Dois imperativos se apresentam para a sociologia do presente. O primeiro é o de interrogar um
acontecimento imprevisível, de constatar o que ele revela, modifica, inova. O segundo consiste em
dedicar-se ao conhecimento de uma realidade concreta. (vide entrevista de Morin à DjénaneKarehTager
no livro “Meu Caminho”, 2010, p. 168) assim como devemos entender que: “A pesquisa in vivo não se
aprende, ela deve ser vivida e experimentada. Seus princípios não se baseiam em receitas, nem em
doutrinas. São orientações que devem ser atualizadas em função das pesquisas e dos investigadores. (Vide
estudos de Bernard Paillard, 2008, p. 43)
torno do objeto; a autocrítica do sujeito em relação aos mecanismos de análise
objetiva; a comparação de dados com outras áreas do conhecimento humano; etc.,
por isso, o acontecimento contingente que muda o curso do tempo presente, para a
ciência positivista era visto como “o resíduo irracional da pesquisa objetiva” (MORIN,
1977, p. 22). Dessa forma, o determinismo unidimensionalizou, recortou, separou,
isolou o acontecimento das transformações históricas em curso e consagrou a História
como a ciência que estuda o passado. O presente é ignorado como objeto de análise.

A História é a “ciência que estuda o passado para melhor compreender o


presente e possibilitar projeções ao futuro”. Essa definição de História nos soa ainda
como familiar, e ainda ressoa em cursos de graduação, em livros didáticos e algumas
aulas tradicionais de História. Porém foi elaboradano século XIX pelo historicismo e
amplamente divulgada na academia. Os historiadores positivistas acreditavam ser
possível por intermédio de uma análise objetiva e criteriosa, com base em documentos
oficiais escritos, reconstituir o passado “verdadeiro”, e, dessa forma, estabelecer
parâmetros de comparação com os fatos do presente e também projetar o futuro.

Entretanto, devemos questionar se o passado pode oferecer respostas e


nortear nossas ações no presente, assim como nos preparar para o futuro? E ainda na
idéia inversa de entender se o olhar para os acontecimentos do tempo presente não
seria a “chave” para reavaliarmos o passado e as análises que os historiadores
fizeram do passado, assim como nos prepararmos para as eventualidades, crises,
barbáries, acasos, bifurcações, Incertezas que o futuro poderá orquestrar?

Na teoria marxista da História podemos observar o acontecimento inserido


dentro da lógica dialética, isto é, todo acontecimento está imerso no modelo-de-
produção em voga. Não é reconhecido em sua particularidade, está determinado pelas
relações sociais e econômicas em curso33. Morin acrescenta que:

É este o sentido do marxismo, que pretende ser uma teoria geral


apta para captar o acontecimento significativo para enriquecer e
confirmar a teoria (como se deu com o 18 Brumário de Luís
Napoleão Bonaparte), mas parece-nos que a cartilha marxista
[...] não pode assimilar o acontecimento porque não dispõe de
uma força de auto-revisão e autocorreção que possa, diante de

33
Para Morin, podemos encarar a cartilha marxista como um paradigma disjuntor e redutor que não
consegue fazer uma leitura complexa da realidade. Em suas palavras: “A interpretação economista da
história esquece a incidência das estruturas e fenômenos não econômicos, ignora os acidentes, os
indivíduos, as paixões, a loucura humana. Ela julga perceber a natureza profunda da realidade numa
concepção que a torna cega à natureza complexa dessa realidade” (Vide estudos no livro: “Terra Pátria”,
2005, p. 125)
um acontecimento tão pouco ortodoxo, dominar o temor do
‘revisionismo’. (MORIN, 1977, p. 26)

Morin sustenta em vários de seus estudos a ideia que “a relação com o objeto
da pesquisa apresenta para o pesquisador um problema de permanente autocrítica”.
(MORIN, 1977, p. 30) O que parece inexistente na teoria marxista da História que:
“tem grande dificuldade em integrar a categoria ‘juventude’ e a categoria ‘mulher’ em
seus esquemas e não procura esclarecê-las de nenhuma maneira” (MORIN, 1977, p.
26).

A preocupação de Morin em torno da análise marxista da História caminha em


duas direções. A primeira se situa no plano do método de abordagem do passado, na
medida em que não oferece dispositivos de autocrítica para compreender o
acontecimento em sua particularidade e em sua relação com as transformações em
curso, como Morin sugere. A segunda reforça a primeira, pois integrar o
acontecimento para reforçar a teoria, pode tratar de assuntos importantes, tais como a
“juventude e o papel da mulher na sociedade contemporânea 34”, de maneira a não
questioná-los em sua singularidade, como produtores de novas mudanças e
reordenamentos teórico-metodológicos.

As pesquisas que conduziram o olhar de Morin à Sociologia do presente e à


elaboração do método In vivo originaram-se de duas solicitações conforme ele relata:

Uma, em 1963, do jornal Le Monde, para elucidar um


acontecimento aparentemente incompreensível, a ‘Noite da
Nação’[...]. A outra, de Georges Friedmann, meu protetor e
amigo, que me pedia para participar de uma pesquisa
pluridisciplinar em terreno concreto: a comuna de Plozévet, na
região de Pont-l’ Abbé, na Bretanha. (MORIN, 2010b, p. 168)

34
Em várias de suas obras o tema “juventude” e “valores femininos” são abordados em suas
particularidades em consonância com as transformações históricas. Para citar alguns exemplos, vale
consultar: “A promoção dos valores femininos” e “Juventude” no livro “O Espírito do Tempo: Neurose,
edição brasileira de 1962. E também os temas: “tendências e contratendências”; “A crise Juvenil”; A
Crise feminina” no livro: “O Espírito do tempo: Necrose”, edição brasileira de 1977.
A “Noite da Nação35” aos olhos da mídia sensacionalista foi sintetizada nas
expressões “vandalismo e delinqüência” da juventude. O enfoque jornalístico produz o
efêmero, o circunstancial. Noticia o evento levando em consideração a ideologia do
grupo que o financia, os valores que defende e também o retorno esperado de vendas
e aceitação. Essas considerações são relevantes, pois podemos confundir e
estabelecer parâmetros de comparação do “Método In vivo” com a produção de uma
notícia ou reportagem. Como reforça Paillard:

Ao ultrapassar a estrita observação do tratamento midiático, o


acontecimento é considerado em todas suas dimensões sociais.
Isso porque, longe de ser concebido como um epifenômeno puro
[...] ele intervém na historicidade social. (PAILLARD, 2008, p. 20
e 21)

O método de Morin para entender a complexidade desse acontecimento insere-


se dentro de uma preocupação muito maior, que consiste em “analisar a história
contemporânea enquanto ela acontece e estudar seus mecanismos de evolução”
(PAILLARD, 2008, p. 34). Dessa maneira, o acontecimento é um ponto do holograma
para a compreensão da totalidade histórica, isto é, revela uma parte significativa da
constituição do presente que transforma o nosso olhar sobre o passado. O passado
deve ser constantemente revisado, reinterpretado, num exercício de permanente
autocrítica por parte dos historiadores. Dessa forma, podemos mudar nosso olhar e
enfoque sobre o passado, possibilitando novas hipóteses e direcionamentos teóricos.
A História deve ser uma ciência em processo de historicização. Podemos exemplificar
com o estudo da Revolução Francesa que tem sofrido nos últimos tempos novas
análises e demonstrado ser um objeto de estudo que caminha para uma direção
complexa, para Morin:

A Revolução é constantemente reinterpretada. A sua história


varia em função da história. O que nos sugere que a história da
Revolução não está acabada. Ela será de novo reinterpretada
em função das experiências do futuro. Uma primeira lição que os

35
Para se entender o acontecimento “Noite da Nação”, para Morin, “é preciso se reportar à época. A
surpresa foi total depois que em Paris, em 22 de junho de 1963, o programa musical ‘Olá, Companheiros’,
da rádio Europa 1, organizou um concerto gratuito na Place de La Nation.Cerca de duzentos mil jovens
invadem a praça. Subitamente, para estupefação geral, a festa transforma-se em violência, os jovens
quebram tudo e quase nenhum cantor consegue subir ao palco. Jacques Fauvet, então redator-chefe do Le
Monde, pede minha opinião sobre o fato e eu publico, em seguida, três artigos inserindo o evento no
surgimento de uma cultura adolescente e na autoafirmação de uma classe de idade, liberada do ninho
protetor da infância e reivindicando autonomia em relação ao homem adulto”. (MORIN, 2010b, p. 177)
historiadores deveriam tirar seria a de se historicizarem eles
próprios. (MORIN, 1993, p. 30)

O acontecimento provoca quedas, acelerações, mudanças, e assim novos


direcionamentos históricos. Essa constatação modifica nosso olhar em relação ao
ofício do historiador. Este deve olhar para o seu objeto de maneira estratégica, ou
seja, deve reordenar o seu olhar sempre que seu objeto de análise estabelecer novos
direcionamentos metodológicos ou teóricos. Assim como, enriquecer suas análises
com idéias de outras áreas do conhecimento humano sofisticam e complementam o
olhar sobre o passado.

As pesquisas transdiciplinares na Comuna de Plozévet 36 delinearam os


fundamentos teóricos e metodológicos do método in vivo e, constituem uma nova
maneira de entender a relação entre o pesquisador e o objeto de suas análises,
levando em consideração a subjetividade do pesquisador e a sua participação efetiva
nos diferentes rumos e direcionamentos que o acontecimento pode revelar. De
maneira a superar a visão da pesquisa baseada em questionários que recortam e
acabam delimitando o objeto de estudo, Morin inova quando exige de seus
colaboradores: “100% de subjetividade, ou seja, de envolvimento pessoal, simpatia e
amor, e 100% de objetividade, ou seja, ao mesmo tempo distanciamento e não
indulgência” (MORIN, 2010b, p. 169). Para a pesquisa na Comuna de Plosévet, Morin
recrutou uma equipe com formação acadêmica variada para dar conta de entender o
processo de modernização37 que transformava Plosévet. Morin pretende estabelecer
um olhar multidimensional em relação aos acontecimentos dessa Comuna:

Em busca de uma ‘visão antropossociológica geral’[...] religa


conhecimentos dispersos apoiando-se em trabalhos de biologia,
pré-história, antropologia, história, e da psicologia das
profundezas. Não negligencia, por isso, nem a poesia, nem a
literatura, nem a arte. (PAILLARD, 2008, p. 53)

36
A pequena Comuna de Plosevét, na região de Pont-l’Abbé, na Bretanha estava sofrendo um processo
de modernização na década de 1960, e o DGRST (Comissão Geral para a pesquisa Científica e Técnica)
financiou uma pesquisa de caráter interdisciplinar para entender esse processo. Edgar Morin foi
convidado a dirigir essa pesquisa a pedido de seu amigo Georges Friedmann.
37
Na visão de Morin: “um processo de modernização, simultaneamente econômico, técnico, sociológico
e psicológico, que atravessava a França e “metamorfoseava”, segundo a expressão que empreguei, a
comuna de Plosévet” (MORIN, 2010b, p. 168). O resultado dessa pesquisa culminou na publicação do
livro: A Comuna na França, a metamorfose de Plozévet, publicado em 1967.
A pesquisa in vivoé amparada em procedimentos metodológicos, mas está
distante de ser uma “receita” de interpretação do presente. Assim como o
acontecimento deve ser pensado como provocador de transformações, os métodos de
análise acompanham-no e se modificam no decorrer da pesquisa. Para entendermos
melhor a pesquisa in vivo devemos pensar em alguns de seus procedimentos, o que
Paillard chama de “três vias” (PAILLARD, 2008, p. 41). O primeiro consiste na
“observação fenomenográfica” e pode ser comparado ao que nós conhecemos como
“observação participante”, isto é:

[...] exige presença máxima e participação na vida local (bistrôs,


locais de encontro, festas, cerimônias e outros), que se viva
junto a população[...] e que se aproveitem as oportunidades [...]
Nada pode ser desprezado e o papel da observação deve ser
permanente. No decorrer da pesquisa, qualquer acontecimento
deve receber atenção especial. (PAILLARD, 2008, p. 41)

O segundo procedimento complementa a “observação fenomenográfica”, na


medida em que parte para a ação efetiva do pesquisador, pode ser chamado de
“Entrevistas em profundidade”, suas linhas gerais podem ser assimiladas em seu
procedimento que se inicia:

[...] com pessoas escolhidas segundo critérios que não são


utilizados normalmente (idade, sexo, categorias sócio-
profissionais). A amostra ‘representativa’ é substituída por uma
amostra ‘significativa’ constituída por pessoas-chave para a
pesquisa. Isso porque essas pessoas vivem situações
reveladoras, ocupam posições estratégicas ou representam
posturas sociais muito típicas ou muito originais [...] Essas
trocas, gozam de uma liberdade muito grande, baseiam-se numa
bateria de questões, por vezes de grande precisão (PAILLARD,
2008, p. 41)

Para finalizar o entendimento em torno das “vias” ou procedimentos da


pesquisa in vivo, devemos acrescentar o terceiro que é a “Intervenção sociológica” e
que mais tarde, será praticado na academia com o nome de pesquisa-ação. Muito
utilizada na pesquisa etnográfica consiste em “viver” e “interagir” no processo da
pesquisa, dessa forma intervindo no acontecimento e possibilitando diálogos, revisões
e a autocrítica constante de seu objeto. Nas palavras de Morin: “o acontecimento não
é a espuma da realidade, como pensa a sociologia determinista. Ela a manifesta de
modo enigmático como a esfinge”. (MORIN, 2010b, p. 188). Acrescentaria que a
História Positivista também pensa o acontecimento de maneira determinista e sem a
possibilidade de interação e integração com outros saberes.

Podemos considerar e concluir a partir desse estudo, que a nossa tradição


positivista de pesquisa não possibilita entender o acontecimento como um microcosmo
de possibilidades analíticas para se conhecer de maneira abrangente o nosso
presente, assim como faz do sujeito da pesquisa um observador passivo que delimita
e recorta seu objeto, analisando-o a partir do seu referencial teórico sem a
possibilidade de interligar conhecimentos de outras disciplinas, dessa forma, o
conhecimento sobre o objeto se torna um “recorte” incomunicável com as mudanças
complexas que interferem em nossa realidade transformando-a, assim como o estudo
que se faz do passado histórico torna-o separado de sua relação dialógica com o
presente e o futuro.

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Ciências, Letras e Filosofia da Universidade do Porto. Lisboa: 1987.

CARVALHO, Edgar de Assis e ALMEIDA, Maria da Conceição (orgs.). Educação e


Complexidade: Os sete saberes e outros ensaios. 4º Ed. São Paulo: Cortez, 2007.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

______. Cultura e barbárie européias. Tradução de Daniela Cerdeira. Rio de


Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

______. Cultura de massas no século XX: O Espírito do tempo (1-Neurose).


Tradução de Maura Ribeiro Sardinha. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984.
______. Cultura de massas no século XX: O Espírito do tempo (2-Necrose).
Tradução de Agenor Soares Santos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.

______. Em busca dos fundamentos perdidos: textos sobre o marxismo. Tradução


de Maria Lúcia Rodrigues. 2˚ed. Porto Alegre: Sulina, 2004.

______. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2007

______. Meu Caminho (entrevistas com DjénaneKarehTager). Tradução de Edgar de


Assis Carvalho. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a.

______. O Método 4: habitat, vida, costumes, organização. Trad. de Juremir Machado


da Silva, 4º Ed. Porto Alegre: Sulina, 2008

______. O método 5: a humanidade da humanidade. Trad. de Juremir Machado da


Silva. Porto Alegre: Sulina, 2007.

______. Para sair do século XX. Tradução de Vera Azambuja Harvey. Rio de
Janeiro: Nova fronteira, 1986.
RELATOS DA JUVENTUDE
Uma experiência de valorização do protagonismo infanto-juvenil

“[...] transformar a experiência educativa em puro


treinamento técnico é amesquinhar o que há de
fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu
caráter formador [...]”. Paulo Freire

INTRODUÇÃO

O projeto “RELATOS DA JUVENTUDE” foi implantado na E.M.E.F.


CAROLINA RENNÓ R. DE OLIVEIRA no início de abril de 2013. A ideia inicial
era colher informações sobre nossos alunos com o intuito de nós, professores,
mudarmos as ideias e representações que tínhamos do nosso público. Na sala
dos professores, era comum o posicionamento dos professores em relação a
muitos alunos como: delinquentes, rebeldes, indisciplinados (para ficar nos
termos mais "leves") e assim, criávamos um grande obstáculo nas relações
com nossos alunos e, dessa forma, os mesmos respondiam com atos
indisciplinados e até de repulsa aos professores mais "autoritários". O resultado
era um clima de hostilidade entre professores e alunos. De um lado,
professores revoltados com a postura de seus alunos, "descontavam" nas
páginas e mais páginas do livro de ocorrências. De outro, muitos professores a
ponto de desistir do magistério, inclusive com afastamentos médicos por
depressão, pânico e outros tantos problemas que ocorriam pelo embatimento
diário com os alunos pela tentativa de sucesso em lecionar apenas uma aula
com o respeito deles...
Notamos que nos últimos tempos a INDISCIPLINA ESCOLAR tornou-se
um dos temas nucleares nos debates educacionais, nas relações entre pais e
filhos, nas reuniões pedagógicas, etc. Os comportamentos disruptivos são
característicos do adolescente. Toda forma de contestação das normas, leis e
obrigações criadas pelo mundo adulto podem ser justificáveis na medida em
que geram conflitos com os interesses dos mais jovens. Logicamente a ideia
não é saudar a INDISCIPLINA como ato positivo contra as “figuras de
autoridade”, entretanto, acreditamos que o tema deve ser melhor
contextualizado.
A proposta é entender os problemas, dificuldades, aspirações, desejos e
sonhos desses alunos, pois acreditamos que a mudança curricular,
metodológica e de relacionamento entre professores e alunos deve partir da
compreensão sobre a representação que temos (ou deveríamos ter) da
juventude atual. Se pensarmos nosso aluno como delinquente, irresponsável,
imaturo, rebelde, etc. não iremos transformar a realidade “problemática” de sala
de aula e, tampouco almejar a transformação sociocultural de nossos alunos. O
problema é grave e, se não partirmos para a ação e a mudança faremos parte
de uma Educação que não promove, que não transforma. Seremos parte de
uma realidade estática. E as dificuldades permanecerão.

METODOLOGIA

A juventude atual tem uma necessidade de expor suas vontades,


desejos e aspirações. Nas redes sociais, blogs e canais de comunicação
virtuais estão expressas parte dessa manifestação da juventude. Esses alunos
“NATIVOS DIGITAIS” conseguem, muitas vezes, aprender muito mais “fora”
dos muros da escola do que nas salas de aula. E gostam de utilizar as mídias
digitais para relatar os seus próprios dilemas. Por isso pretendemos ouvi-los.

Proposta: Será solicitado dos alunos, num primeiro momento, um


registro escrito de suas memórias. Os estudantes receberam um LIVRO (um
caderno de brochura), da coordenação pedagógica e da direção da Escola. A
iniciativa visa criar condições para o aluno desenvolver habilidades de
pensamento (criatividade, criticidade, autonomia, análise, síntese) a partir da
escrita, além de motivá-los a refletir sobre seus próprios interesses, sonhos e
conflitos.

As questões que serão propostas pela equipe de professores versarão


sobre as dificuldades de ser jovem; os problemas econômicos, sociais,
culturais e ecológicos que ameaçam a vida e o planeta; as aspirações, sonhos
e desejos que estão no imaginário juvenil; os gostos, estilos, ideias que são
próprias da juventude. Os alunos, pensamos, são parte de um contexto
histórico, por isso, carregam a marca de seu tempo. São sujeitos situados num
tempo de transformações estruturais que, por isso, merecem serem ouvidos e
entendidos em suas particularidades.
Nossa proposta é fazer questões aos jovens do tipo: “Quem sou eu? O
que gosto de fazer quando estou fora da escola?”; “O que mais gosto na
escola? O que menos gosto? Se não fosse obrigatório ir à Escola será que eu
iria?”; “Quais são as minhas preferências artísticas”; “Na minha opinião, quais
são os grandes problemas do Mundo? Se eu pudesse fazer algo o que faria”;
“O que representa o FUNK pra mim? O que as letras e canções me ensinam?”,
etc. Essas questões são abertas e versam sobre saberes filosóficos,
sociológicos, culturais, mentais, biológicos, matemáticos e assim se conectam
com um saber multidisciplinar. Com essas questões, pretendemos aproveitar
as respostas dos alunos para entende-los em suas particularidades, anseios,
sonhos, etc. acreditamos que, assim, podemos reverter o triste e alarmante
estado que a Educação formal é situada.
Com o material produzido com seus relatos de memória, faremos
exposições em reuniões pedagógicas, de pais e em eventos escolares.

Alguns “relatos de memória” serão divulgados (com as devidas


permissões) em blogs e redes sociais. E alguns alunos serão entrevistados e
terão suas memórias publicadas em plataformas de divulgação de vídeos na
internet.

Na fase inicial, o projeto busca conhecer melhor os alunos. Mas estes


alunos são um reflexo da própria realidade social do entorno de uma escola
situada numa região periférica de São Paulo, com dificuldades, carências e um
histórico de problemas relacionados à violência, vícios, falta de oportunidades,
etc.
A segunda fase do projeto será a divulgação dos resultados obtidos para
a Comunidade de pais e responsáveis, assim como a agentes escolares
externos (diretores e gestores de outras U.E´s) com a perspectiva de
influenciar novos projetos para a gradativa transformação do processo de
ensino e aprendizagem aplicados nas salas de aulas atuais.
Os alunos são convidados a responder as questões colocadas por seus
professores. A prática da escrita é de fundamental importância para a
execução de nosso projeto. Os alunos com as melhores respostas são
convidados ainda a digitarem seus relatos e publicarem no blog da escola. Os
mesmos são convidados para uma entrevista que é registrada num pequeno
filme. Esse registro é disponibilizado em plataformas de divulgação de vídeos
na internet.
A reflexão sobre as questões que são solicitadas pelos professores,
fazem os alunos recorrerem a pesquisas e leituras, exercitando também
habilidades de pensamento, tais como: a criatividade, criticidade, abrangência,
análise, síntese, etc. Muitas dessas questões versam sobre: Os dilemas
contemporâneos, a Democracia e Isonomia, ideia sobre Moral individual e
Coletiva, as questões políticas, etc. A reflexão, discussão e exposição de seus
relatos ajudam-nos a entender que fazem parte de um todo, isto é, começam a
reconhecer a essência de sua identidade com demandas, sonhos e
necessidades que são compartilhadas por muitos de seus amigos. Entendem
que sua individualidade está inserida no interior de um contexto Local,
Nacional, Mundial, Planetário. Dessa forma, acreditamos, que o
desenvolvimento de valores como: solidariedade, humanitarismo, cooperação,
etc. são desenvolvidos durante o processo.
O projeto visa a Transdisciplinaridade, isto é, a ideia de estudar os
relatos dos jovens e entendê-lo como ser humano situado num contexto
histórico, com dilemas locais e também globais, com carências e dificuldades
próprias da vivência na periferia, seus gostos, estilos, projetos para o futuro.
Para entender a juventude em sua organicidade, devemos partir do
conhecimento integral dos nossos alunos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Partimos de duas concepções teórico-metodológicas. A primeira é o


pensamento do filósofo francês Edgar Morin. A sua concepção de “reforma do
pensamento” é emergencial para se pensar em mudanças no currículo escolar
e na postura do profissional da Educação no século XXI. Os saberes
produzidos na academia e nos cursos de formação de professores servem de
modelo para o currículo escolar atualmente. Dessa forma, visualizamos um
modelo de ensino verticalizado e separado por disciplinas. Nas escolas não
vemos a união desses saberes e, assim, acabamos reproduzindo um saber
dividido, parcelado, fragmentado. E, em sala de aula os estudantes não
conseguem estabelecer vínculo do que aprendem com o seu contexto.
A segunda concepção é do educador Paulo Freire. Em seu livro
Pedagogia da Autonomia aprendemos que é requisito para todo educador o
“respeito pelos saberes dos educandos”. Dessa forma, não posso ensinar aos
estudantes à partir de uma posição superior, de um saber erudito,
sistematizado, contextualizado àquele que não é reconhecido no processo. Nas
salas de aula atualmente ainda notamos uma concepção de ensino e
aprendizagem pautada em uma EDUCAÇÃO BANCÁRIA, isto é, de um
professor que se reconhece como superior aos seus alunos (do latim alumna –
que não tem luz), que não pensa o seu aluno como sujeito pensante e sim
como submisso, temeroso, obediente. Esse aluno (ainda almejado por muitos
professores) não está mais em sala de aula. O estudante do século XXI,
acostumado com a informação rápida e a disponibilidade de recursos
tecnológicos dos mais diversos, está exigindo uma educação para além do livro
didático, do conhecimento acadêmico. Uma saída para nós, educadores, é
partir dos anseios, sonhos e perspectivas dos nossos estudantes.

MUDANÇAS ESTRUTURAIS, PEDAGÓGICAS E DISCIPLINARES.

O projeto político-pedagógico da E.M.E.F. Carolina Rennó Ribeiro de


Oliveira, de maneira geral, busca em suas práticas pedagógicas unir
professores e alunos para o bem comum: Uma Educação de qualidade, onde
há respeito e cooperação no processo de aprendizagem. O projeto “Relatos da
Juventude” também tem essa preocupação. Acreditamos que valores como
solidariedade, cooperação, respeito mútuo (que estão gradativamente sendo
esquecidos nas relações sociais) devam ser norteadores das relações que
acontecem no espaço escolar.
Crianças, adolescentes, jovens e adultos são sujeitos históricos situados
num tempo de transformações políticas, econômicas, sociais e culturais. Dessa
forma, representam-se como espelho do nosso tempo presente, com
problemas, aspirações, desejos, ambições... Todos precisam ser ouvidos e
entendidos em suas particularidades.
Entender o indivíduo é o primeiro passo para propor medidas no Projeto
pedagógico da Escola pensando na mudança gradativa do relacionamento
entre alunos, professores, funcionários e gestores no espaço escolar. Esse
projeto foi criado com este intuito. A ideia inicial é entender melhor as crianças
e adolescentes que estão inseridos na escola atualmente, dessa maneira,
propor uma nova ideia de ensino e aprendizagem. Uma Educação que deve
partir dos anseios de seu próprio público. Que esteja vinculada às novidades
informacionais e tecnológicas do nosso tempo. O projeto, nesse sentido,
colabora com a educação integral de seus alunos, pois tem a missão de
incentivá-los à produzir conhecimentos que são inerentes à sua identidade, isto
é, partem do princípio de seguir na contramão do saber escolar dividido em
disciplinas que geram um conhecimento parcelar, desconectado, disjunto, etc.
do que é o ser humano.
As políticas públicas valorizam, cada vez mais, uma Educação gratuita e
de qualidade a todos. Dessa forma, amplia a inauguração de novas Escolas, a
contratação de novos professores, o incentivo a práticas de ensino que sejam
inovadoras, etc. Entretanto, esquecem de valorizar e incentivar a mudança
estrutural da Escola. A Escola atual da maneira que ainda sobrevive está longe
de garantir um ensino de qualidade a sua clientela. O modelo que temos de
Educação formal foi inaugurado no século XVII e ainda é a via de acesso para
a transformação social de nosso país, entretanto, com as transformações na
área comunicacional e tecnológica do nosso tempo, não consegue oferecer ao
jovem uma possibilidade de aprendizado que seja mais interessante do que
está disponível nas redes sociais, videogames, internet... (para citar
pouquíssimos exemplos). E assim, cada vez mais, multiplicam-se os casos de
indisciplina, evasão, violência entre alunos e professores, etc.
Nosso projeto pode influenciar novos e baratos investimentos da política
pública na Educação atual. Em nossa visão, se ainda não podemos pensar
outro modelo educacional, precisamos, ao menos, conhecer a nossa juventude
atual. A geração de professores e professoras que se formaram nas décadas
de 1950, 1960, 1970 e 1980 estão acostumados com um modelo educacional
que era reflexo das transformações estruturais do próprio período. Dessa
forma, estão distantes do que as novas gerações de alunos inseridos nas
escolas atuais necessitam. A nova geração de alunos de finais da década de
1990 e, principalmente do século XXI, chamados “Nativos Digitais”, por muitos
educadores, precisam ser motivados para um novo modelo educacional, mais
próximo de suas demandas e desejos. Nosso projeto pretende seguir nessa
direção. Conhecer os jovens é o primeiro passo.
RESULTADOS

O que podemos perceber hoje é que as conversas nas salas de


professores já são diferentes. Temos um clima de maior compreensão da
juventude atual e pensamos agora em mecanismos que possam ser úteis para
equilibrar as relações sociais positivas com o nosso público. Por outro lado, o
projeto nos mostra que ouvir nossos alunos é premissa fundamental para fazê-
los autores de sua própria história. Durante esses meses, percebemos que os
alunos são mais participativos, críticos e autônomos. Eles percebem que
podem mudar os rumos de suas próprias vidas, na medida em que são "porta-
vozes" da juventude atual. Os alunos que participam, relatando suas
impressões sobre os problemas cotidianos, a importância ou não da Escola, o
bullying e os seus impactos negativos, a reflexão sobre a cultura do FUNK na
periferia, etc... Estão mostrando a nós professores e também aos adultos que
não podemos lecionar com qualidade se não fazemos de nossos alunos
coautores das aulas. Se aproximar de nosso público nos torna professores
mais íntimos, amigos e, assim, mais respeitados.
Nosso projeto foi um dos finalistas do PRÊMIO PAULO FREIRE de
qualidade do Ensino Municipal, ocorrido na CÂMARA DOS VEREADORES DE
SÃO PAULO no dia 19 de setembro de 2013. Participar de um evento desse
porte com nossos alunos (representantes da 7º e 8º séries) foi realmente muito
gratificante. Não ganhamos o prêmio, mas isso não importa. Nosso projeto está
ainda em fase inicial e já nos mostra que temos potencial para mudar a
realidade de nossa escola, primeiramente, e de outras num futuro breve.
A Escola atual carece de uma maior democratização das relações entre
alunos, professores, funcionários e gestores. Uma escola que se quer
democrática deve, saber ouvir os seus principais agentes, isto é: OS ALUNOS!
Os resultados obtidos quantificáveis de nosso projeto são:

1. A diminuição dos registros de ocorrências.


2. Uma mudança da representação de nós professores para com o nosso
público.
3. Maior autonomia, criticidade e participação dos alunos nas aulas.
4. Relações sociais mais amistosas nas salas de aula, na Escola e fora dela.
5. Uma compreensão maior de ser professor nos tempos de transformações na
tecnologia e informação.

Para maior esclarecimento sobre o projeto, visitem o blog da escola:


http://emefcarolinarenno.blogspot.com.br/
Atuação em Grêmios Estudantis e participação do Jovem na Política

Entrevista cedida para a REVISTA WEEKEND (edição 173 de março de 2013,


p. 33-35) sobre a participação e atuação política da Juventude.

-lo podem ser benéficas


quanto ao engajamento e a conscientização política do adolescente?

A expressão “Política” deriva da palavra grega PÓLIS e significa “a


organização da vida na cidade”. Quando associamos essa expressão à criação
de grêmios estudantis, acreditamos na possibilidade de uma organização da
juventude a favor da reflexão a respeito de boas práticas que podem ser
executadas no ambiente escolar para o bom convívio entre alunos,
professores, funcionários e gestores. Além disso, devemos acrescentar que a
criação e participação em grêmios estudantis, favorecem o desenvolvimento de
habilidades necessárias à formação cidadã: à reflexão e discussão de
propostas para entender o seu papel social; à conscientização sobre direitos e
deveres a cumprir; o entendimento sobre o respeito coletivo; à postura solidária
e colaborativa, etc. Dessa forma, entendemos que a criação e gestão do
grêmio estudantil são práticas que colaboram para o engajamento e a
conscientização política do adolescente.

alunos “populares” que, mesmo não sendo engajados, são convidados para
atrair possíveis votos. Como reverter essa iniciativa para algo positivo, de modo
que esse aluno também passe a ser politicamente consciente?

O processo de formação de “chapas” dos grêmios estudantis é similar à


organização de grupos de interesses que originam partidos políticos. Há uma
necessidade de atrair pessoas “populares”, pois dessa forma, há uma garantia
do partido ter uma maior representatividade na contagem de votos. Pensando
no caso do grêmio estudantil, os alunos “populares” são atraídos com o mesmo
objetivo: acrescentar popularidade à própria chapa e, assim, ser eleita entre o
grupo de alunos.

Para que os alunos “populares” desenvolvam o espírito de liderança e


engajamento político, é necessário que entendam a sua real posição política.
Os alunos “populares” são reconhecidos entre os seus como “modelos a serem
seguidos”, pelo seu estilo e maneira de se comportar, entretanto, faltam-lhes
(na maioria dos casos) a mesma liderança para cuidar das questões coletivas.
O reconhecimento de sua própria posição entre os seus é o primeiro passo.
Quando reconhecemos que falta a mesma liderança nos assuntos que
representam a classe ou o grupo de pertencimento, temos a percepção que
devemos exercer a mesma “popularidade” nos assuntos de interesses do
grupo. A conscientização política, portanto, acontece no mesmo momento que
os alunos “populares” se identificam com os interesses coletivos.

pode ajudá-lo a ter interesse por assuntos relacionados à política?

Os alunos advindos de famílias conscientes e/ou engajadas


politicamente desenvolvem (na maioria dos casos) uma infraestrutura psíquica
necessária para a vivência em sociedade. Aprenderam valores, tais como:
solidariedade, respeito aos mais velhos, responsabilidade, etc. que são
imprescindíveis para uma boa formação cidadã. Entretanto, em muitos casos,
os alunos que pertencem a famílias com essas características, também podem
nutrir um profundo sentimento de “repulsa” a assuntos políticos, pois se
frustraram com muitos episódios de corrupção, escândalos públicos, falsas
promessas, desrespeito, etc. que são comuns na vida política. Para estes, o
conselho é... “Aprendam com os acertos e erros de seus pais e/ou familiares
para superarem as suas conquistas e mostrem-lhes a sua contribuição para o
seu tempo”.

haja o hábito de acompanhar o noticiário político, por exemplo, incentivar os


pais e irmãos a acompanhar notícias do gênero, por exemplo? E o quão
importante é o incentivo da família nesse sentido?

Acreditamos que o interesse político da juventude tem sua origem no


momento que há um amadurecimento do sentimento de pertencimento a um
grupo. Esse sentimento de pertença pode se tornar o momento catártico para o
anuncio de suas ideias para o grupo de convívio e, assim, o encorajamento dos
seus entes para a defesa da mesma causa. Entretanto, a real conscientização
política demanda o comprometimento e o estudo sobre os assuntos que
permeiam os interesses desse jovem enquanto classe, por isso, há uma
necessidade de um acompanhamento de notícias e livros que possibilitem uma
formação teórica que irá prepará-lo para a luta em prol de seus interesses.

O incentivo da família nesse processo é importante. Lembrando que a


primeira etapa de formação do ser humano acontece nas relações familiares. O
convívio com as figuras de “autoridade” (principalmente os pais) são
fundamentais para o desenvolvimento moral e ético. O entendimento sobre os
deveres, interesses e direitos dos filhos começam com o respeito com os seus
pais. No processo de Educação formal notamos isso. Na escola, as crianças
que tiveram bom convívio familiar e aprenderam a respeitar e valorizar os mais
velhos (na grande maioria dos casos), não apresentam comportamentos
indisciplinares, enquanto as crianças que tiveram uma formação familiar difusa,
geralmente, têm dificuldades de respeitar seus professores.
ento é saudável? E, caso o aluno ultrapasse
limites, como alertá-lo a respeito, mas sem coagi-lo?

O questionamento é uma habilidade inerente ao “fazer” político. É o


fundamento básico para o início da transformação da realidade. Quando
questionamos, estamos discordando daquilo que é, na maioria das vezes,
imposto, pelas Instituições ou “figuras” de autoridade.

Contudo, devemos saber que o questionamento é diferente da revolta. O


adolescente geralmente ultrapassa limites justamente porque não mede
esforços para transformar “a força” aquilo que não aceita. E dessa forma,
acaba gerando conflitos com seus pais e/ou gestores escolares. Esse
comportamento deve ser corrigido sem a coação desnecessária que irá gerar
novos desentendimentos e novos problemas. Mas como podemos alertá-los
sem coagi-los? Os jovens devem entender que ocupam uma posição
significativa na sociedade, e devem ser orientados para a organização coletiva.
O grêmio estudantil, por exemplo, seria uma ótima possibilidade de mobilização
de seus interesses.

formação do senso de cidadania do aluno?

A conscientização política é adquirida coletivamente. O grêmio estudantil


é um órgão de representatividade política que representa a classe dos alunos.
Como representação discente, o grêmio estudantil caracteriza-se pela
articulação de interesses e reflexão sobre propostas de transformação da
realidade da escola. Dessa forma, a criação e gestão do grêmio são por si só,
politicamente educadoras. A participação dos jovens nesse órgão de
representação discente acrescenta a conscientização de quê a mudança
acontece quando entendemos nosso papel na sociedade. E isso é um
pressuposto para a valorização do outro e a vida em sociedade
DICAS ÚTEIS PARA ALUNOS QUE PARTICIPARÃO DO PRÓXIMO ENEM
CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS – HISTÓRIA

Se você é aluno concluinte do Ensino Médio e deseja ter um bom desempenho


no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), essas dicas irão lhe ajudar!

Procure buscar interpretar a História utilizando também conhecimentos de


outras áreas, tais como: Filosofia, Sociologia, Geografia, Economia e até Psicologia.
Isso não é novo, muitos vestibulares como o da UNICAMP e UNESP (principalmente)
também elaboram suas provas buscando a união entre as disciplinas. Proposta
conhecida como Interdisciplinaridade. Dessa forma, é importante alertar sobre a
necessidade de estudar ATUALIDADES. A prática de ler Jornais diários, ouvir
programas de notícias, assistir telejornais, etc. são dicas valiosas para o sucesso no
exame.

Uma visita ao conteúdo de jornais como a FOLHA DE SÃO PAULO pode lhe
ajudar: http://www.folha.uol.com.br/

Além disso, já se foi o tempo de estudar História tentando decorar datas,


acontecimentos, grandes personagens, etc. O conhecimento do passado atualmente
exige do estudante uma análise mais abrangente e significativa do passado. Isto quer
dizer que algumas habilidades de pensamento serão de extrema importância para a
realização de uma boa prova. Para isso, você terá um bom desempenho se souber
analisar gráficos, inferir a partir da leitura de imagens, interpretar mapas e
documentos, refletir dados produzindo novos conhecimentos, etc.

Já pensou em estudar gráficos? Uma visita ao site do IBGE seria fundamental!

http://www.ibge.gov.br/home/

Lembre-se que a História não revela somente a voz dos vencedores! Reis,
Príncipes, Autoridades Eclesiásticas foram significativos para o seu tempo assim como
camponeses, operários, crianças, mulheres, escravos, etc. Há nos exames do ENEM
de anos anteriores uma tendência de levar os alunos a refletirem sobre a participação
das minorias no processo do fazer histórico.

Visite sites e blog´s de História que privilegiam essas novas abordagens sobre
o conhecimento histórico.

Uma dica é o site HISTORIANTE: http://www.ohistoriante.com.br/

Assuma uma postura de “sujeito estudante” (e isso serve para responder com
qualidade qualquer questão), isto é, faça uma leitura crítica de cada pergunta,
tentando fazer uma espécie de diálogo com o autor. Há informações importantíssimas
nas questões que são desconsideradas por muitos alunos. Por exemplo: a autoria do
documento. Muitas perguntas são extraídas de documentos históricos e muitos alunos
não procuram saber quem foi o responsável pelo documento. Saber que Martinho
Lutero foi autor das “95 teses contra a Igreja Católica” permite ao aluno associar esse
nome ao início da Reforma Protestante. Assim como saber que a princesa Isabel foi
responsável pela assinatura da famosa Lei Áurea auxilia muitos alunos no acerto de
questões relacionadas à abolição da escravatura.

Ser “sujeito estudante” para a área de Ciências Humanas também é possuir um


forte senso de Tempo e Espaço. Isso não quer dizer que o aluno deve saber todas as
datas de acontecimentos históricos ou a capital de vários países. Ter noção de Tempo
e Espaço é saber se situar histórica e geograficamente. Como assim? Quando você,
futuro vestibulando, ler o enunciado da questão é importante verificar “onde e quando”,
isto é, saber que tempo e espaço o texto se refere. Se for um texto do Papa Urbano II
datado de 1096, o bom estudante saberá relacionar o discurso do Papa ao início das
Cruzadas Religiosas apenas pela leitura do período histórico que o documento foi
produzido, assim como associar o documento a idade Média, com isso, poderá
eliminar alternativas que sejam de outro período histórico ou estejam ali para
confundir. A leitura do espaço tem o mesmo sentido. Nos enunciados percebemos que
são citados regiões associadas à eventos históricos. Saber que a região de
“Champagne” está situada no território Francês e que serve de referência para o início
do Comércio das Feiras no século XIII, evita o aluno de confundir esse nome com uma
bebida frisante de baixo teor alcóolico.

O bom estudante é aquele que entende profundamente o significado de sua


missão. A formação do bom estudante não deve acontecer somente uma semana
antes da prova. A formação do estudante de sucesso exige dos jovens uma postura de
ir além das aulas de seus professores. Por isso exige-se criatividade! É importante
saber articular os ensinamentos que recebe a cada dia em sala de aula. Exige-se
disciplina! O bom estudante separa, pelo menos, duas horas do seu dia, para revisar o
conteúdo transmitido pelos professores. Exige-se perseverança. O bom estudante ao
errar um problema de matemática, por exemplo, não desiste dos estudos, vai buscar
novas informações e refaz continuamente o exercício até chegar ao acerto. Exige-se
rigor. O bom estudante sabe onde pode pesquisar com confiança. Sabe que há muitos
sites na internet que são verdadeiras plataformas de inutilidades. Saber verificar a
fidedignidade das informações é requisito imprescindível para boas pesquisas.

Seguir essas orientações é de fundamental importância aos jovens - futuros


vestibulandos - de nosso país. Bons estudos a todos e todas!
Sugestão de livro para se trabalhar com
o conhecimento histórico em sala de
aula.

As novas gerações estão


vivendo numa espécie de presente
contínuo, ou seja, estão relacionando
sua vivência com os prazeres do
momento instantâneo e imediato
proporcionado pelas informações que
recebem, em seu cotidiano, e isto
promove um total desinteresse e
desapego em relação ao conhecimento
do passado. A Globalização da
informação acompanhada pelo avanço
das tecnologias na informática
possibilita, aos nossos jovens, acesso a
uma quantidade imensa de notícias e
informações em alguns minutos diante
de um computador ou através de
instrumentos de divulgação midiática,
tais como: televisão, rádio, cinema,
jornais, revistas, cartazes, livros,
folhetos etc. ou até em instituições mais
específicas, tais como: livrarias, bibliotecas, museus, salas de espetáculos,
centros culturais, circos, fábricas, galerias, estações de metrô etc.

A ausência de referências espaço - temporais é um dos fenômenos mais


característicos do século XXI, da era chamada “pós-modernidade”. As novas
gerações de alunos que chegam às salas de aula atualmente não conseguem
estabelecer vínculos de sua vivência com as disciplinas escolares transmitidas
diariamente (principalmente com a História que lida com o passado). É notória
a preocupação de historiadores e educadores, no sentido de “corrigir” os
efeitos dos meios de comunicação na formação desses novos educandos, mais
ainda o sentimento de “desalento” e repulsa que os mesmos nutrem pelo
conhecimento do passado e também pelo professor de História na atualidade.

Todos nós temos uma representação superficial e muitas vezes


imprecisa em nossa imaginação de vários conceitos que são produzidos
geralmente pelas informações colhidas ao longo de nossas vidas em todos os
meios de comunicação; através de conversas cotidianas com amigos,
parentes, professores; em observações de anúncios e propagandas, entre
outros. Esses conceitos, tais como: Democracia, Reforma Agrária, Escravidão,
Feudalismo, Expansão Marítima, Renascimento, Imperialismo, Reforma
Protestante, Revoluções, Independência, Totalitarismo, dentre outros, são
comuns entre nós e mesmo entre alunos de diversas idades. O contato com
essa infinidade de conceitos que nem sempre são bem compreendidos, torna-
se frustrante para o aluno que às vezes acaba formando visões e pensamentos
(pré) conceituosos, isso porque não aprenderam da maneira mais correta os
significados históricos que estão envoltos no estudo desses conceitos. As
relações entre Ensinar e Aprender - construídas entre o professor de História e
seus alunos em sala de aula - constituem o cerne dessa pesquisa. O presente
livro propõe-se a encontrar novas possibilidades de trabalhar com o
conhecimento histórico e desenvolver uma Metodologia de ensino que
possibilite ao professor uma maneira efetiva de trabalho com essa disciplina.
Diante dos inúmeros entraves para se trabalhar com o conhecimento do
passado em sala de aula, pretende-se desenvolver a idéia de Ensino da
História através de Conceitos.

Dados técnicos do livro:

RODRIGUES, André Wagner. HISTÓRIA ATRAVÉS DECONCEITOS:


metodologias e práticas de Ensino voltadas a uma educação para o
pensar. São Paulo: Andreolli, 2009.

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