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Lucia na de Gouvêa Viana

01
INTRODUÇÃO À
MEDICINA LABORATORIAL

A MEDICINA LABORATORIAL rologia, bacteriologia, m icologia). moniwramento de


NA PRÁTICA E ENSINO MÉDICOS drogas rerapêuricas, laboratório forense, informática
laborawrial. gestão laboramrial, entre oucras.
A Pawlogia Clínica, recentemente denominada Nest e contexro, o pawlogisra clínico desempenha
Medicma Laborawrial. é uma especialidade médica um papel voltado tanto para a relação com os mé-
que pode ser definida como a área que conduz e in- dicos-assistentes, como consulcor, quanto atividades
terpreta restes laboracoriais, aplicando mewdologias t écnicas e relativas à gestão laborarorial.
químicas, físicas, imunológicas, mo rfológicas, gené- No Brasil, o médico parologista clínico passa por
ricas, encre oucras, em diversos materiais biológicos. formação q ue inclui, além dos seis anos regu lamenta-
Os objecivos principais da especialidade na assistência res do curso superior em Med1cina. mais crês anos de
à saúde são diagnosticar o u excluir doenças, definir residência médica. credenciada pela Comissão Nacio-
marcadores prognósticos, acompan har as repercu s- nal de Residência Médica, sendo um ano em clínica
sões terapêu ticas ou verificar a existência de fatores médica e dois anos em laboratório clínico. O título
de risco para agravos à saúde humana. de especialista pode ser obtido também po r médicos
A especialidade rem se cornada cada vez mais atuantes em laboratórios clínicos a parrir de exame
complexa, em função da rápida evolução tecno lógica, ministrado anualmente pela Sociedade Brasileira de
a qual tem permitido o aprimoramento e diversifica- Parologia Clínica/Medicina Laborarorial- SBPC.
ção das mecodologias analíticas e dos instrumentos de O mercado de trabalho para o parologista clínico
apoio na operac ionalização da assistência laborarorial. se encontra principalmente em laborató rios de hospi-
A colaboração de o urros profissionais, além daqueles tais, centros diagnósticos, clínicas especializadas com
de formação médica, sempre ocorreu e é crescente, recursos laboramriais integrados e instituições de en-
cirando-se: farmacêuticos-bioquímicos, biomédicos, si no e pesquisa. Ressalta-se que a Medicina Labora-
biólogos, químicos, entre outros. A s áreas específicas rorial cresce cada vez mais no que se refere à impor-
de aruação, no contexm da Medicina Laborarorial, tância científica e na sua utilização para a wmada de
abrangem diversas ram ificações e são, na prática, ver- decisões m édicas, havendo quem aponte que o peso
dadeiras subespecialidades. Destaca m-se: bioquími- das informações geradas pelo seror de diagnóstico
ca, genérica, hemarologia, imunologia, parasirologia, chega a ser de até 70% nos processos cognitivos dos
microbiologia (esta, por sua vez, subdividida em vi - médicos-assistentes.
A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO
na área de análises clínicas, patologia clínica e citologia.
LABORATÓRIO CLÍNICO Trata-se da RDC n°. 302, de 13 de outubro de 2005, ela-
borada a partir de um trabalho conjunto de técnicos da
A estrutura organizacional de um laboratório clínico ANVISA, Secretaria de Atenção a Saúde (SAS/MS), Secre-
deve concemplar as necessidades processuais das fases taria de Vigilância à Saúde (SVS/MS), Vigilâncias Sanitárias
pré-analítica, analítica e pós-analítica, ramo no que diz res- Estaduais, Laboratório de Saúde Pública, Sociedade Bra-
peico aos aspectos arquicecônicos, quamo em relação aos sileira de Patolog1a Clínica/Medicina Laboratorial, Socie-
equipamencos, equipe técnica e tecnologia de informação. dade Brasileira de Análises Clínicas, Provedores de Ensaio
A planra física do laboratório deve acender às exigên- de Proficiência e um consultor técn ico com experiência
cias legais para estabelecimentos de assistência à saúde. No na área. Esta RDC é aplicável a todos os serviços públicos
Brasil, cal regulamencação é feita pela Agência Nacional de ou privados que realizam atividades laboracoriais na área
Vigilância Sanitária - ANVISA, por meio da Resolução de de análises clínicas, patologia clínica e citologia.
Direwria Colegiada RDC n° 50, de 21 de fevereiro de 2002,
a qual dispõe sobre o Regulamento Técnico para planeja-
mento, programação, elaboração e avaliação de projecos A FASE PRÉ-ANALÍTICA
físicos de escabelecimencos assiscenciais de saúde. Deve-se
enfatizar a necessidade de contemplar a minimização dos Os estudos mais recentes têm apontado fatores pré-
riscos para a equipe técnica e para o pacieme. analíticos como responsáveis por até 70% dos erros re-
A tendência acual é a consuução de plataformas la- gistrados em um laboratório clínico. Antes da coleta de
borawriais horizonralizadas e flexíveis (modulares) com qualquer material biológico para a realização de exames
o máximo de integração processual e mecodológica. Tal laboratoriais. é importance conhecer, controlar e, se pos-
integração é tremendamente faci litada pela implantação sível, eliminar algumas variáveis que possam incerferir nos
de sistema de informatização laboracorial. Este tem papel resultados. Entre as causas comuns de variabilidade pré-
crucial na otimização dos processos, a partir do momenco analítica, têm-se: gravidez, atividade física, período neona-
em que impõe alto grau de automação, interfaceamento cal e infância, idade avançada, postura, dieta, uso de drogas
entre as etapas do processo, segurança, rasrreabilidade e terapêuticas ou de abuso, infusão de fármacos, hemólise,
eliminação do retrabalho. Quando o laboratório está in- lipemia, jejum, corniquete e variação cronobiológica.
serido em um contexto mulcidisciplinar, particularmente
hospitalar, é fundamental a integração das informações
geradas pela plataforma laboracorial com todo o aparato Gravidez
do serviço ao qual está vinculado. Tal eficiência na trans-
missão da informação relativa à assistência ao paciente Diversos analitos ap resentam significativa vanaçao
interfere, positivamente, na resolutividade do caso e nos nos valores de referência durance a gravidez, sendo pos-
aspeccos gerenciais relacionados, tais como eficiência no sível, inclusive, a estratificação pelos diversos períodos
facu ramento e na gestão de insumos. gescacionais e pós-parto (Tabela 1.1 ).
A existência de postos de coleta dissociados fisica-
mente da plataforma de processamento cria a necessi-
dade de estru turação de logística segura e eficiente para Atividade física
o material biológico, garantindo adequados armazena-
mento e transporte. Para tal, existe legislação específica A acividade física não deve ser considerada fator im-
no Brasil, definida pela Agência Nacional de Transportes peditivo ou limitante para a coleca da material biológico
Terrestres- ANTT, por meio da Resolução N° 420, de 12 para a realização de exames laboratoriais. Deve-se cer em
de fevereiro de 2004. mente. porém, que exercícios físicos extenuantes geral-
A ANVISA definiu, em 2005, os requisitos para o fun- mente elevam os níveis séricos de alguns analitos, tais
cionamento dos laboratórios clínicos e postos de coleta como laccaco, creatinoquinase, aldolase, alanina amino-
laboratorial públicos ou privados que realizam atividades transferase, asparcaco aminocransferase, fósforo, creatini-

2 [ M edicina laboratorial para o clínico


na, ácido únco, haproglobina, rransferrina. carecolaminas red ução na concentração de colesteroi- HDL e elevação
e leucóCito total. Albumina, ferro e sódio podem dlmi- de algumas substâncias, como corrisol e antígeno carci·
nwr. Tal InterferênCia pode perdurar por 12 a 24 horas. noembriônico - CEA. O etilismo, por sua vez. alcera ra-
Por ouuo lado. o repouso excessivo impostO em algu- pidamente a concentração plasmática de gl1cose. áodo
mas situações, como a hospitalização e/ou imobilização lárico e cnglicérides, entre outros. Já o consumo crónico é
no leito. também é causa de interferência. responsável. por exemplo. pela elevação da at1vidade de
gamaglutamil transferase.

Período neonatal, infância e idade avançada


Infusão de fármacos
Valores de referênc1a defimdos para a população adul-
ta geralmente não se aplicam à população pediátrica. As· A coleta de sangue deve ser realizada em local dis·
s1m, é necessána a utilização de referências apropriadas a rance de carecer. Se possível. esta deve ser real1zada pelo
cada faixa etána. Novas Investigações têm definido valo- menos uma hora após o final da infusão. mesmo que em
res de referênCia específ cos para a população idosa. local diferente.

Postura
Hemólise

Alterações repentinas na postura corporal podem


Representa a causa mais comum de re1e1ção de
causar variações na concentração sénca de d1versos ana-
amostra de sangue no laboratório clínico. Quando dis-
litos, tais como albumina. colesterol, rriglicérides, hema-
creta. interfere em poucas análises, mas. se intensa. causa
tócrito, hemoglobina e leucócitos.
elevação nos resultados de desidrogenase lá rica, bilirrubi-
na. potássio, creatinoquinase. alanina aminorransferase.
Dieta aspartaro aminotransferase e magnésio.

Alguns exames sofrem interferência da d1eta à qual o


lipemia e jejum
paoente está submetido, bem como a alterações brus-
cas nesta. A introdução de dieta hospitalar. por exemplo,
deve ser considerada como interferente em potencial A lipemia decorrente do estado pós-prandial pode
para tais determinações. interferir em algumas determinações laboratoriais. Com
o avanço metodológico. porém, a exigência do jejum,
preconizada até alguns anos atrás, tornou-se uma reco-
Uso de drogas terapêuticas ou de abuso mendação para a maioria dos exames. O jejum prolon-
gado também deve ser lembrado. sendo uma interferên-
Cons1dera-se boa prática laboratonal o registro, no cia franca nas dosagens de glicema, quando superior a
ato do atendimento, dos fármacos que o paciente usou 16 horas.
ou tem usado pelo menos nas últimas 72 horas que an-
tecedem a coleta de sangue. Tal medida visa à detecção
e alerta ao médico-assistente de possível interferência Aplicação do torniquete
m v1vo ou m v1tro em relação ao exame laboratOrial.
Merecem destaque o tabagismo e o etilismo, pela sua Na aplicação do tOrniquete por tempo supenor a
freqüência. No primeiro, têm-se elevação na concentra- dois minutos, haverá alterações metabólicas secundárias
ção de hemoglobina, elevação no número de hemácias à estase venosa, provocando aumento de poráss1o e lac-
e leucócitos e no volume corpuscular médio, além da tato e decréscimo de pH.

Introd ução à Medicina Laboratorial 3


Tabela 1.1 - Resul[ados de exames laborawriats durame a gravidez expressos como porcemagem da média dos valores
observados em mulheres não-grávidas

Percentual da média dos valores obtidos em mulheres não-grávidas


l 0 dia
Ana lito 12 semanas 28 semanas 32 semanas 36 semanas Termo
pós-parto
ACidO lHICO 68 79 92 106 120 135
Album1na 93 78 78 78 78 71
Bicarbonato 85 85 85 85 81 88
Bilirrubina mdireto 56 56 67 67 78 78
Có.c 98 94 94 95 97 94
Capac,dade de ligação do ferro 95 129 139 142 144 128
Cloreto 98 99 100 99 99 100
Colesterol HDL 121 121 119 127 130 116
Coleste1ol LDL 80 118 118 150 146 121
Colesterol total 100 132 144 148 156 138
CreatJmno 71 71 74 79 81 74
Ferrihna 81 33 33 37 59 81
Ferro 112 82 94 94 94 82
Fosfatase alcalino 90 131 203 274 347 284
Fósbo 108 99 97 103 96 106
Gilcem1o de jejum 98 94 94 91 94 94
Hemotocnto 94 89 91 94 97 91
Hemoglobina 95 89 90 93 96 89
leu óc to global 144 167 67 165 2.40 222
Magnésio 92 90 87 87 87 86
Potóss1o 95 95 95 98 100 98
Proteína 92 83 83 83 83 77
Sód·o 97 99 98 98 97 99
Tempo de protrombina 99 99 97 98 97 100
Tempo de trombaplostmo parcial otivodo 95 94 91 92 93 92
Triglicérides 141 244 300 356 3.49 328
U·éiO 77 63 63 63 77 72
Plaquetas 98 99 96 95 100 9.4
F;bnno ênio 119 132 154 157 165 161
T3 100 121 121 116 121 95
T4 98 71 72 62 74 80
TSH I II 106 122 III 139 III
Cort.sol 111 28.4 301 ?9? 309 238
Adaptado de: Jacob!. DS. Oxley Dk De'v\oa WR. Laboratory T~t Handbook. Hudson. Lex.-Comp tnc 2001

4 ~dicina laboratorial para o clínico


Variação cronobiológica
Tal sicuação justifica o registro, por parce do laboratório
clínico, da dara da última mensuuação, comando pos-
Esra corresponde às alcerações cíclicas da concentra- sível a correra correlação clínico-laborawrial e liberação
ção de determinado parâmeuo em função do rempo. O do respectivo valor de referência no laudo.
ciclo de variação pode ser diário, mensal, sazonal, anual,
e[c. A concemraçâo de cor[isol no soro corresponde a
um exemplo bastante ilusrrarivo de variação circadiana A SOLICITAÇÃO MÉDICA
de um analiro. Nesre caso, as coleras realizadas à carde
fornecem resultados aré 50% mais baixos em relação às Toda amostra biológica destinada à realização de
coleras realizadas pela manhã. Na Tabela 1.2 encontram- exames deve ser acompanhada de requisição formal
se ouuos exemplos de flutuações fisiológicas de resulta- adequada, na qual constem os dados de identificação
dos de exames laboracoriais. do paciente, o rnarerial biológico a ser colhido e os exa-
mes a serem realizados. A jusrificariva para a realização
Tabela 1.2 - Vanação torai em percenrual das concentra- dos exames é um dado de exuema importância e, para
ções séricas de analitos determ inadas em amosrras colhi- diversos serviços. obrigatória. No aco do atendimenw,
das às oito e 14 horas
cabe ao laboratório a confirmação de codos os dados de
identificação do paciente e seu responsável legal, quan-
Analito Va riaçã o Tota l (%) do pertinente, mediante apresentação de documentos
Sód io 1,9 oficiais, cal como a carreira de identidade. Recomenda-
se o registro dos seguintes dados cadastrais do paciente
Potássio ~1
pelo laboratório:
Cloreto 3,8 • número de regisrro gerado pelo laboratório;
Cálcio 3,2 • nome;
• idade, sexo e procedência;
Fósforo 10,7
• telefone e/ou endereço. quando aplicável;
Uréio 22.5 • nome e comaco do responsável em caso de menor
de idade ou incapacitado;
Creotinino 14,5
• nome do solicitante;
Ácido úrico 11 ,5 • dara e hora do arendirnenco;
Ferro 36,6 • horário da coleta, quando aplicável;
• exames solicitados e ripo de amosu a;
Colesterol 14,8
• quando necessário, informações adicionais, cais
Albumino 5,5 corno medicamentos em uso, dados do ciclo
Proteínas toto1s
menstrual, indicação/observação clínica;
4.8
• dara prevista para a entrega do laudo;
A sparto to a mino tra nsferase 25 • indicação de urgência, quando aplicável.
Ala nina ominotronsferose 56

Fosfa ta se a lcalino 20 O PREPARO DO PACIENTE


Desid rogenose ló tico 16
O laboratório deve fornecer orientações claras e, pre-
Adaptado de: )acobs DS. Oxfey DK. DeMon WR. Laboratory Test Handbook. fere ncialmente, por escrico, relativas ao preparo para a
Hudson. Lext-Comp lnc.. 2001 realização de exames. No aco do arendimenw, esre deve
ser verificado e, se a colera do material for realizada em
As variações hormonais dpicas do ciclo menstrual condições especiais ou com alguma rescrição, esras de-
representam ourro exemplo de variação cronobiológica. vem ser regisuadas. As particularidades referentes ao

Introdução à M edicina Laboratorial 5


preparo do paciente para realização de exames laboram- • rubos com edra (rampa roxa);
riais serão apresentadas nos respectivos capítulos. • cubos com fluoresco (rampa cinza).

Se forem utilizados frascos de vidro, deve-se obedecer


A COLHEITA, TRANSPORTE E à seguinte ordem:
ARMAZENAMENTO DO MATERIAL BIOLÓGICO • frascos para hemoculrura;
• cubos para soro siliconizados (rampa vermelha);
A punção venosa é o procedimento mais comumen- • tubos com cirraro (rampa azul claro);
re realizado para obtenção de amosrras sanguíneas para • rubos para soro com arivador de coágulo (rampa
realização de exames laboraroriais. Dá-se preferência às amarela);
veias basílica mediana e cefálica no membro superior, • rubos com heparina (tampa verde);
lembrando que a última é mais propensa à formação de • cubos com edra (rampa roxa);
hemaromas. Devem-se evitar áreas com terapia ou hidra- • rubos com fluorero (tampa cinza).
ração intravenosa, locais com cicatrizes de queimaduras,
áreas com hematomas, físculas arrério-venosas, membro Uma vez colerada e identificada adequadamente, a
superior próximo do local onde foi realizada masrecromia, amostra deverá ser encaminhada ao seror de processa-
cerererismo ou qualquer outro procedimento cirúrgico. mento em maletas isotérmicas que garantam a segurança
A utilização do torniquete para auxiliar na evidenciação no transporte. O tempo entre a colera do sangue e sua
da veia deve ser feira com cautela, pois, se empregado por centrifugação não deve exceder uma hora. Amostras co-
mais de dois minucos, causa alterações em diversas deter- lhidas com anticoagulante, nas quais o exame será realiza-
minações laboratoriais, podendo, inclusive, inviabilizar a do no sangue total. devem ser mantidas refrigeradas entre
utilização da amostra devido à hemólise. Recomenda-se 2 e goc aré o processamento. Todo cuidado deve ser to-
a higienização do local de punção com álcool isopropílico mado para que o prazo máximo e as condições ideais de
ou etílico 70%, limpando-o com movimentos circulares armazenamento do material biológico sejam respeitados.
do centro para a periferia. São necessários cerca de 30 se- evitando-se interferências no resultado dos exames.
gundos para secagem da área, evitando-se, assim, ardên- É fundamental que o laboratório clínico tenha meca-
cia no aro da colera e até hemólise. nismos que garanram a rastreabilidade de codo o proces-
Procede-se, a seguir, à colera do material. O sistema so pré-analítico. Vale mencionar, novamente, o grande
de colera a vácuo é o mais recomendado e utilizado no impacto desta fase nos erros verificados em resultados
mundo. Este apresenta como vantagem a possibilidade de exames laboratoriais.
de coleras múltiplas por meio de uma única punção. O
tubo de colera rem, em seu inrerior, quantidade de vá-
cuo proporcional à quantidade de anticoagulante, dan- A FASE ANALÍTICA: O PROCESSAMENTO
do ao fleboromisra a cerreza de que o volume de sangue DO MATERIAL BIOLÓGICO
colhido foi correto, bastando observar a marcação do
fabricante no cubo. Outra vantagem diz respeito à segu- Na fase analítica, as grandes preocupações referem-se
rança do profissional de saúde, uma vez que o sistema de aos reagentes, equipamentos gerais e específicos e qualida-
colera a vácuo é fechado, não havendo necessidade de de da água utilizada no laboratório (água reagente). Além
manipulação do material colhido pelo floboromisra. destas, a qualificação dos profissionais envolvidos e seu
Recomenda-se a seguinte seqüência de colera para compromisso com a educação continuada é fundamental.
cubos de plástico: O processo analítico deve ser o referenciado nas ins-
• frascos para hemoculcura; truções de uso do fabricante, em referências bibliográ-
• tubos com cirraro (rampa azul claro); ficas ou em pesquisa cientificamente válida conduzida
• cubos para soro com arivador de coágulo (rampa pelo laboratório. Assim, deve-se zelar pela utilização de
vermelha ou amarela); merodologias que reúnam sensibilidade, especificidade e
• tubos com heparina (rampa verde); cusro-efetividade adequadas e estas, quando implanta-

6 [ Medicina laboratorial para o clín ico ]f--- - -- - -- - - - - - - - - - -- - -- - - -- - - - - -


das, devem seguir rigorosamente as especificações do fa- • observações pertinentes.
bricante. A validação interna é considerada etapa essen- Quando for aceita amostra de paciente com restrição,
cial e preliminar à inuodução de qualquer merodologia esta condição deve constar no laudo. t fundamental que
analítica no laboratório. o laboratório defina os limites de risco, valores críticos ou
Tende-se, arualmente, à auromação da maioria dos de alerta para analitos cujo resultado necessite de imediata
processos analíticos, empregando-se analisadores robus- ação médica. Érecomendável que comentários relevantes
ros e inrerfaciáveis, ou seja, com capacidade de receber em relação ao reste e/ou resultado sejam adicionados ao
e transmitir informações ao sistema informatizado do la- laudo, com o intuiro de auxiliar a interpretação médica.
boratório. As técnicas man uais encontram-se remiras às A equipe técnica do laboratório clínico deve estar ca-
merodologias em relação às quais não foi possível aura- pacitada para avaliar a consistência dos resultados antes
mação com manutenção de adequadas sensibilidade e/ou de liberá-los, correlacionando-os com os dados cadastrais
especificidade. Muitas vezes não é possível o laboratório (idade, sexo, medicamentos em uso, etc.) do paciente e
Implantar merodologias de última geração em seu par- com as informações clínicas disponíveis. O julgamento
que tecnológico, o que fortalece o papel dos laboratórios pós-analítico é fundamental para assegurar ao médico e
de apoio. Estes são representados por estabelecimentos ao paciente a confiabilidade no laudo emitido.
de grande porre, alro nível tecnológico e de informatiza-
ção, capazes de receber e processar amostras de diversos
locais, com liberação rápida dos resultados. Assim, há de- CONTROLE DA QUALIDADE
soneração de rodo o processo do laboratório associado a NO lABORATÓRIO ClÍNICO
este, sem perda na qualidade do resultado.
A garantia da qualidade pode ser definida como um
conjunto de processos que visa à obtenção de resulta-
A FASE PÓS~ANALÍTICA: REPORTANDO dos laboratoriais confiáveis. Um programa de garantia da
RESULTADOS DE EXAMES LABORATORIAIS qualidade adequado deve abranger as fases pré-analítica,
analítica e pós-analítica. O RT do laboratório deve ela-
O laudo de um exame laborarorial deve comer, no borar uma lista abrangendo rodos os analiros e rodos os
mínimo, os seguintes itens: sistemas analíticos que utiliza. Para cada SIStema analítico,
• identificação do laboratório; deve haver um plano para controle interno (monirora-
• endereço e telefone do laboratório; ção da estabilidade do sistema analítico) e para contro-
• identificação do responsável técnico (RT); le externo (moniroração da exatidão ou da acurácia). O
• n° de registro do RT no respectivo conselho de programa de garantia e controle da qualidade deve do-
classe profissional; cumentar o material de controle ou de proficiência que
• identificação do profissional que liberou o exame; será usado, a freqüência de seu uso e os limites e critérios
• n° de registro do profissional que liberou o exame de aceitabilidade dos resultados. Todas as arividades re-
no respectivo conselho de classe do profissional; ferentes à garantia da qualidade devem ser registradas e
• n° de regisuo do laboratório clínico no respectivo analisadas criticamente de maneira regular que possibilite
conselho de classe profissional; a investigação de causas raiz de problemas que impactem
• nome e registro de identificação do cliente no a confiabilidade das análises.
laboratório;
• data da coleta da amostra;
• data de emissão do laudo; SEGURANÇA NO lABORATÓRIO CLÍNICO
• nome do exame, tipo de amosrra e método
analítico; Profissionais da área de saúde e outros trabalhadores
• resultado do exame e unidade de medição; que exercem suas arividades em laboratórios aruam sob
• valores de referência, limitações técnicas da meto- diversos riscos:
dologia e dados para interpretação; • riscos de aodentes;

Introdução à Me d icina l abora[Qria l 7


• riscos ergonômicos; • classe de risco III: risco individual elevado, baixo
• riscos físicos; risco comunirário. O ageme pawgênico podepro-
• riscos químicos; vocar enfermidades humanas graves, podendo
• riscos biológicos. propagar-se de uma pessoa infectada para outra,
entretanto, existe profilaxia e/ou tratamento. Ex:
Considera-se risco de acideme qualquer fator que co- Mycobacterium tuberculos1s;
loque o trabalhador em siwação de perigo e possa afetar • classe de risco IV: elevado risco individual e co-
sua integridade, bem-estar físico e moral. São exemplos munitá rio. Os agentes pacogênicos representam
de risco de acidente: as máquinas e equipamentos sem grande ameaça para as pessoas e animais, com
proreção, probabilidade de incêndio e explosão, arran- fác il propagação de um indivíduo ao outro, dire-
jo físico inadequado, armazenamento inadequado, etc. ta ou indiretamente, não existindo profilaxia nem
Considera-se risco ergonômico qualquer fator que possa tratamento. Ex: vírus ebola.
interferir nas características psicofisiológicas do traba-
lhador, causando desco nforto ou afetando sua saúde. Conforme os riscos definidos no laboratório, são ne-
São exemplos de risco ergonômico: o levantamento e cessários equi pamentos de proteção individual (EPI) e
transporte manual de peso, o ritmo excessivo de tra- coletiva (EPC) para minimizá-los ou el iminá-los. Luvas,
balho, a monotonia, a repetitividade, a responsabilidade óculos de proreção, proretor facial e jaleco são exemplos
excessiva, a poswra inadequada de trabalho, o trabalho de EPI. Cabine de segurança biológica, chuveiro de emer-
em wrnos, etc. Cons1deram-se agentes de risco físico as gência e lava-olhos são exemplos de EPC.
diversas formas de energia a que possam estar expostOs É preciso que o laboratório elabore uma lista dos ris-
os trabalhadores, tais como: ruído, vibrações, pressões cos a que a equi pe técnica pode estar sujeita, incluindo
anormais, temperawras extremas, radiações ionizantes, os produtos químicos utilizados. A cada produtO quí-
radiações não ionizantes, ultra-som, materiais cortantes e mico adquirido para uso, o laboratório deve solicitar ao
pontiagudos, etc. Consideram-se agentes de risco quími- fabricante a respectiva Ficha de Informação de Seguran-
co as substâncias, compostos ou produtos que possam ça de Produto Químico - FISPQ. É necessário, também.
penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas que o laboratório normacize os procedimentos relativos
de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores ou à segurança por meio de manuais ou instruções técnicas.
que, pela nacu reza da atividade de exposição, possam ter Estes devem conter, no mínimo:
contato ou ser absorvido pelo organismo através da pele • normas e condutas de segurança biológica, química,
ou por ingestão. Consideram-se agentes de risco biológi- física, ocupacional e ambiental;
co as bactérias, fungos, parasitos, vírus. entre outros. • instruções de uso para EPI e EPC;
A classificação do risco biológico é definida pela pa- • procedimentos em caso de acidentes;
togenicidade para o homem; virulência; modos de trans- • manuse1o e transporte de material e amostra
missão; disponibilidade de medidas profiláticas eficazes, biológica.
disponibilidade de tratamento eficaz e endemicidade.
• classe de risco 1: escasso risco individual e comu- São as seguintes as principais recomendações relati-
nitário. O microrgan ismo tem pouca probabilida- vas à segurança ocupacional em um laboratório clínico:
de de provocar enfermidades humanas ou enfer- • nunca pipetar com a boca; usar dispositivos de pi-
midades de importância veterinária; petagem mecânica;
• classe de risco 11: risco individual moderado. risco • não comer, beber, fumar, mascar chiclete ou utili-
comunitário limitado. A exposição ao agente pa- zar cosméticos no laboratório;
togênico pode provocar infecção, porém, dispõe- • evitar o hábiro de levar as mãos à boca, nariz,
se de medidas eficazes de tratamento e preven- olhos, rostO ou cabelo, no laboratório;
ção, sendo o risco de propagação limitado. Ex.: • lavar as mãos antes de iniciar o trabalho e após a
Schistosoma mansoni; manipulação de agentes químicos, material 1nfec-

8 Medicina laboratorial para o clín ico )1 ------ - - - - -- - - - -- - - - -- - - - - - -- - -


cioso, mesmo que cenha usado luvas de proceção, • depositar agulhas em recipientes rígidos. à prova
bem como ames de deixar o laboratório; de vazamento e embalados como lixo pacológico;
• não guardar objeros de uso pessoal no laboratório; • manter-se informado, através de treinamentos ofi-
• utilizar jaleco ou outro tipo de uniforme procecor, ciais. sobre as providências em caso de acidente,
de algodão, apenas dentro do laboratório. Não bem como sobre a localização e instruções de uso
utilizar essa roupa fora do laboratório; do lava-olhos, chuveiro de segurança e extintor de
• utilizar apenas sapacos fechados no laboratório; incêndio;
• utilizar luvas quando manusear material infeccioso; • informar à chefia imediata a ocorrência de qual-
• não usar jóias ou outros adornos nas mãos, que quer acidente.
podem impedir uma boa limpeza destas;
• manter a porra do laboratório fechada. restringin-
do o acesso à equipe técnica; REFERÊNCIAS
• não manter plantas, bolsas. roupas ou qualquer
outro objeco não relacionado com o trabalho 1. Brasil. M inistério da Saúde. Agência Nacional de Vigilân-
cia Sanitária. Resolução RDC n°. 302, de 13 de outubro
dentro do laboratório;
de 2005. D1spõe sobre Regulamemo Técnico para fun-
• usar cabine de segurança biológica para manusear cionamemo de Laboratónos Cl ín1cos. Diáno Oficial da
material infeccioso ou materiais que necessitem Un1ão da República Federativa do Brasil, Brasília, 14 de
de proceção contra contaminação; outubro 2005.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilân-
• utilizar dispositivos de contenção ou que minimi-
cia Sanitária. Resolução RDC n°. 50. de 21 de fevereiro de
zem as arividades producoras de aerossóis. essas 2002. D1spõe sobre Regulamento Técnico para planeja-
arividades incluem: centrifugação (usar copos de mento, programação, elaboração e avaliação de projetas
segurança). misturadores ripo vortex (usar cubos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. Diáno
com tampa). homogeneizadores (usar homoge- Oficial da União da República Federativa do Brasil, Brasí-
lia. 20 de março 2002 .
neizadores de segurança com copo metálico). en- 3. Brasil. Ministério dos Transportes. Agência Nacional de
tre outras; Transporte Terrestre. Resolução n°. 420. de 12 de feve-
• descontaminar todas as superfícies de trabalho reiro de 2004. A prova as Instruções Complementares ao
diariamente e quando houver respingos ou der- Regulamento do Transporte Terrestre de Produtos Peri-
gosos. Diário O fic1al da Un1ào da República Federativa
ramamentos;
do Brasil, Brasília, 31 de ma1o 2004.
• colocar todo o material com contaminação bio- 4. Jacobs DS, Oxley DK. DeMott WR. Laboratory Test
lógica em recipientes com tampa e à prova deva- Handbook. Hudson: Lexi- Comp; 2001.
zamento ames de removê-lo do laboratório para 5. Plebani M. Erros 111 clin1cal laborarories or erros in labora-
tory medicine? Clin Chem Lab Med. 2006;44(6):750-9.
autoclavação;
6. Sociedade Brasileira d e Patologia Clín ica/Medicina La-
• descontaminar por aucoclavação ou por desinfec- boratorial. Recomendações da Sociedade Brasileira de
ção química codo o material com contaminação Patologia Clínica/ M edicina Laboratorial para coleta de
biológica, como: vidraria, caixas de animais, equi- sangue venoso. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pato-
logia Clínica/ Med1cina Laboratorial; 2005. Disponível em
pamentos de laboratório. etc;
h t t p :/ / w ww . s b pc .o rg. b r / u pI o ad / conte u do /
• descontaminar codo o equipamento ames de 320070130154104.pdf.
qualquer serviço de manutenção;

Introdução à Medicina Laboratorial 9


Fernando Valadares Basques
02
INTERPRETANDO RESULTADOS DE
EXAMES LABORATORIAIS

A interpretação dos resulrados de exames laboram- valores observados em uma população saudável: os va-
riais requer o domínio da clínica e da epidemiologia da lores de referência. Por exemplo, a avaliação antropo-
doença, bem como o conhecimento da merodologia la- métrica de uma cnança requer valores de referência para
borarorial. Qual é o melhor mérodo para o diagnóstico elaborar-se uma h1pótese de déficit de crescimento. A
e acompanhamenro da doença7 Qual é o significado real Medicina Laborarorial não foge a esta regra. Os valores
de um resultado negativo ou positivo7 Neste capítulo se- de referência são comumente utilizados para a análise
rão revistos conceiros laboratoriais básicos para auxiliar o dos resultados dos exames laboratoriais.
clínico na interpretação dos resultados de exames. A definição do valor de referência, embora possa
Uma hipótese diagnóstica formulada com base nos co- parecer, não é ta refa simples. A maior dificuldade con-
nheCimentos sem1ológicos, clínicos e ep1dem1ológicos é a siste em determinar se um indivíduo é ou não saudável.
base para o sucesso diagnóstico e. na maioria das situações, A saúde é um conceiro relativo: para se defini r se um
os exames laboratoriais são complementares, cabendo ao indivíduo é saudável, há que se estabelecer um padrão,
laboratório a confirmação da hipótese formulada ou a quan- o que nem sempre é fácil. Além disso, afirmar que um
tificação de um resultado esperado. A utilização de exames indivíduo não tem doença é praticamente impossível.
laborawriais para "adivinhar" um diagnóstico é quase sempre O valor de referência é definido como o intervalo
um equívoco. onera o paciente e os sistemas de saúde e, algu- de valores obtidos pela observação ou quantificação de
mas vezes. pode até mesmo confundi r o médico-assistente. determinado parâmetro em indivíduos "de referência".
Com base na epidemiologia de algumas doenças e Os indivíduos "de referência" devem ser selecionados
no 1mpacto do diagnóstico precoce, existem exames por meio de cmérios como idade, sexo. farores genéti-
que são utilizados para rastrear hipóteses diagnósticas. cos e étnicos (farores endógenos). Esses critérios devem
Exemplos dessas situações são os exames solicitados nas ser considerados não só no momento da construção do
consultas pré-natais, diagnóstico do diabetes melito e a valor de referência, mas tam bém quando se avaliam os
triagem neonatal do hipotireoidismo e fen ilceronúria. resultados de um paciente. Ademais, devem ser deter-
minadas com precisão as condições em que as amostras
são coletadas, como: horário da coleta, tipo de alimen-
VALORES DE REFERÊNCIA tação no dia anterior, tempo de jejum. privação hídri-
ca e alcoólica (farores exógenos), bem como o tipo de
A forma mais habitual para o diagnóstico de uma amostra (soro ou plasma), o tipo de anticoagulante e a
doença é a comparação de um valor mensurado com merodologia utilizada (farores laboraroriais).
Outros aspectos importantes devem ser considera- referência não devem ser utilizados como único parâme-
dos na determinação de um valor de referência: tro para diagnóstico. Alguns pacientes com câncer de
• a mecodologia ucilizada deve ser rasueável a um próstata podem apresentar valores "normais" de PSA e,
mécodo de referência ou definitivo, denominado por ouuo lado, esre marcador tumoral pode estar ele-
"padrão-ouro"; vado na ausência de doença maligna da próstata, como
• as mensurações devem ser feicas obedecendo a em indivíduos com prosmice ou após exercícios físicos,
critérios de controle da qualidade laboratorial; manipulação ou massagem prostática.
• a seleção dos indivíduos "de referência" deve ser A esuarificação dos valores de referência em idade e
feita de forma aleatória ou por meio de ouuos sexo é muito importante em alguns casos. A hemoglobi-
mécodos estatísticos de seleção de grupo. na, a contagem global e específica de leucócitos e os hor-
mônios sexuais fem ininos e masculinos são exemplos de
Após a realização do teste laboratorial na população parâmetros que variam em relação à idade e ao sexo. Em
selecionada, os valores encontrados devem ser tabula- crianças, os valores de referência da contagem específica
dos. O valor de referência é formado pelos valores obti- de leucócitos variam muito rapidamente entre as faixas
dos em 95% dos indivíduos restados, com a exclusão de etárias. Nesres casos, os exames devem ser avaliados
2,5% dos menores e maiores valores (média ± 2 desvios- comparando-se os resultados obtidos com os valores es-
padrão) (Figura 2.1). Os valores outliers, aqueles numeri- pecíficos para a idade. Os hormônios sexuais variam não
camente discrepantes das demais observações, também só de acordo com a idade e o sexo, mas também com a
são retirados dos cálculos. fase do ciclo menstrual nas mu lheres em idade fértil.
A gravidez também pode influenciar de maneira im-
portante os resultados de exames laboratoriais. Os níveis
de fosfatase alcalina podem aumentar-se até 274% e os
rriglicérides variam de 114% na 14ª semana a 356% na 36ª
semana de gestação. Ouuos exemplos de analitos que
têm seus valores influenciados pela gravidez são creati-
nina, uréia, alfafetoproreína, proteínas torais e albumina,
contagem de leucócitos, ferri tina e colesterol.
Um resultado de exame nunca pode ser avaliado
isoladamente. O conhecimento fisioparológico corrobo-
rado por um conjunto de resultados laboratoriais rela-
cionados é a base para o sucesso diagnóstico e terapêu-
~· . 2dp fl fl + 2dp tico. Por exemplo, a suspeita clínica de anemia ferropriva
Figura 2.1 - Distribuição gaussiana de resultados para um analito não pode ser afastada simplesmente por um resulcado
hipotético, mostrando a média ± 2 desvios-padrão (dp).
de ferritina dentro dos valores de referência. A ferritina
é uma proteína de fase aguda, portanto, condições infla-
É recomendável a utilização do termo valor de refe- matórias podem elevar a sua dosagem, mesmo em um
rência em substituição ao termo valor de normalidade, de paciente com anemia ferropriva.
modo a evitar idéias equivocadas a respeiro do seu real O nível de decisão clínica fornece a melhor separa-
significado. Um resultado laboracorial dentro da faixa de ção entre duas ou mais categorias clínicas e não pode
referência, "normal", não significa ausência de doença, bem ser confundido com valor de referência. O valor de re-
como um resultado fora da faixa de referência, "anormal", ferência para a glicose plasmática de jejum é de 70 a 99
não significa doença. Além disso, muitos parâmetros bio- mg/dl, já o nível de decisão clínica para o diagnóstico do
lógicos não apresentam distribuição gaussiana, "normal". diabetes melito é de 126 mg/dl. O colesterol mral, HDL,
A dosagem do antígeno prostática específico (PSA), LDL e triglicérides são outros exemplos de parâmetros
largamente utilizada como rasueamento para o câncer laboratoriais (analitos), cujos resultados são comumente
de prósrara, é um exemplo clássico de que os valores de reportados acompanhados dos níveis de decisão clínica.

12 ( Medicina laboratorial para o clínico


VARIAÇÃO BIOLÓGICA na qual 21/ 2 se refere a duas medidas seriadas; 1,96
é o valor de Z para 95% de probabilidade (p<0,05);
Uma das mais importantes fomes de variação dos CYA é o coeficiente de variação analítico; e CY 1 é oco-
resultados laboratoriais é a variação biológica, flucuação eficiente de variação biológica individual. A hemoglo-
fisiológica que se verifica em menor ou maior grau em bina, por exemplo, possui variação biológica individual
todos os analitos. Essa variação pode ocorrer seguindo muito baixa, 2,8%. Uma situação clínica para exempli-
um ritmo circadiano (cortisol e contagem específica de ficar a utilização do MYR é a avaliação de merrorragia
leucócitos), padrões de alimentação (ferro sérico e pro- em uma paciente em idade fértil com hemoglobi na
teínas plasmáticas), mudança poscural (proteínas plas- de 12,8 g/dl , com hemograma anterior realizado no
máticas), ritmo mensal (hormônios sexuais femini nos) e mesmo laborató rio (CVA de 1,4%), que mostrava he-
idade (contagem global e específica de leucócitos). moglobina de 14,2 g/dl . Embora as duas med idas se
Os parâmetros biológicos alteram-se ao longo da encontrem dentro dos valores de referência (11,7 a 15,5
vida e o grau dessa variação ou o coeficiente de variação g/dl ), a mudança observada foi de 15,6% e o MVR cal-
intra-individual depende do parâmeuo escudado. Por culado foi de 8,67%. Desta forma, pode-se afirmar com
exemplo, os valores do sódio sérico flu cuam muito pou- 95% de certeza que existe diferença significativa entre
co ao longo da vida, ao passo que a proteína C reativa e os dois valores.
os u iglicérides ap resentam grandes variações em curtos É evidente que no exercício clínico diário, o cálculo
períodos de tempo, sem que haja mudança no estado do MVR utilizando a variação biológica não é muito prá-
de saúde do indivíduo. tico. Nem sempre os dados necessários para o cálculo es-
Todos os exames laboratoriais apresentam variações tão disponíveis e o clínico não pode assumir que as boas
nos valores mensurados, que podem ser de dois tipos: práticas que visam a minimizar as variações pré-analíticas
a variação aleatória ou imprecisão e a variação sistemá- são respeitadas pelo laboratório, condições fundamen-
tica ou inexatidão. A pri meira é o grau de coincidência tais para a análise do MVR. Mesmo assim, a análise da
entre medidas repetidas de uma amostra obtida em variação biológica é uma importante ferramenta para
condições padronizadas. O laboratório clínico mede a o médico. Compreender que essa variação é inerente
imprecisão de um método pela dosagem diária de uma à Medicina Laboramrial e que muitas vezes ela é mais
amostra controle, um dos processos do controle inter- significativa que as variações analíticas (erro laboratorial)
no da qualidade laboratorial. A distribuição dos resulta- pode auxiliar de forma importante na interpretação dos
dos obtidos permite calcular o coeficiente de variação resultados e melhorar sobremaneira a prática clínica.
analítico (CVA), a imprecisão. A inexatidão é o grau de
coincidência enue o valor mensurado e o valor "verda-
deiro" da amostra. SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE
A análise da variação biológica pode indicar não só
mudanças no estado de saúde do indivíduo, como res- Avaliar a capacidade que um determinado método
posta à tera pêutica de forma mais precoce do que a ob- laboratorial tem para diagnosticar ou afastar uma do-
servação isolada dos valores de referência. Se as variações ença requer o conhecimento de alguns conceiws esta-
pré-analíticas forem controladas, as variações analíticas tísticos. A sensibilidade e a especificidade estão entre
estiverem denuo das especificações do método (dispo- os mais importantes deles. A sensibilidade é a probabi-
nível em http://www.wesrgard.com/biodata baselhtm) lidade de um teste ser positivo quando o indivíduo está
e a diferença entre dois ou mais valores de um analito doente. Quanto maior for a sensibil idade de um teste,
for maior que a especificada, pode-se assumir que existe maior será sua capacidade de detectar doença quando
mudança no "valor de referência individual" (MVR), de um resultado estiver fora dos valores de referência. A
acordo com a fórmula: especificidade é a probabi lidade de um teste ser nega-
tivo quando não existe doença. Um teste é muiw es-
pecífico quando a maioria dos resultados é negativo na
ausência de doença.

Int erpretando resultados de exames laboratoriais 13


VALORES PREDITIVOS
Apesar de sempre eiradas nos cesces diagnóscicos de
doenças infecciosas, raramence a sensibilidade e a especi-
fiCidade são mencionadas nos restes diagnóstiCOSde ou- Ouuos conceims estatísticos importantes para a ava-
eras doenças. Elas devem ser ucilizadas para caraccerizar liação de um método laboracorial são os valores prediti-
codos os cesces laboraconais. vos. O valor preditivo positivo (VPP) de um teste é a pro-
A relação emre a sensibilidade e a espeof1odade de babilidade de o indivíduo escar doente quando o ceste é
um cesce pode ser representada pela curva ROC do In- positivo. Já o valor predltlvo negatiVO (VPN) é a probabi-
glês Receiver Operating Characteristic. A curva ROC é lidade de o indivíduo não ter a doença quando o teste
formada pelos pomos da sensibilidade colocados no etxo é negativo. Além da sensibilidade e da especificidade do
y (taxa de verdadeiro-posicivos) e de "1 - especificidade" tesce, o cálculo dos valores predit1vos cambém leva em
no eixo x (caxa de falso-positivos) - (Figura 2.2) A análi- consideração a prevalência da doença na população e só
se da curva permite definir qual é o melhor ponto de se pode utilizá-los quando se conhece essa prevalência.
corte, valor que separa resultados positivos e negativos. O VPP do teste aumenta proporcionalmente com a pre-
Quanro menor for a distância enrre um ponto da cur- valência da doença. Assim, quanto maior for a prevalência,
va e o canto superior esquerdo (100% de sensibilidade e maior será o VPP, quando são comparados tesces com ames-
100% de especificidade), maior será a eficiência do teste ma sensibilidade e especificidade em populações diferentes.
(capacidade de diferenciar enue saúde e doença). A ob-
servação da curva permite concluir que sempre que se
aumenta a sensibilidade de um cesce, diminuindo-se o RESGATE DA IDÉIA CENTRAL DO CAPÍTULO
ponto de corte, dimtnui-se a especifiodade. O contrário
também é verdadeiro, sempre que se aumenta a espe- O conhecimento da fisiopatologia e da epidemiolo-
cificidade, aumentando o ponto de corte, diminui-se a gia das doenças são as bases para o sucesso diagnósLico.
sensibilidade do teste. Concluindo, não existem testes Os valores de referência são a forma mais hab1cual
100% sensíveis e 100% específicos simultaneamente. para o diagnóstico laboratorial de doença.
Grupos semelhantes de pacientes em relação a sexo e
idade devem ser usados para avaliar resultado dos exames.
Os valores de referência representam 95% dos resul-
tados esperados para uma população "saudável".
Os valores de referência isoladamente não definem
saúde ou doença.
A variação biológica é a flutuação aleatória de um re-
{l .60
o sultado laboracorial em corno do estado homeostáLico.
:;g
:.õ
· ;;;
Compreender conceitos estatísticos, como sensibili-
c
Jl dade, especificidade e valores preditivos, é fundamental
para a interprecação dos exames laboraroriais .

. 20
REFERÊNCIAS
I.Burns A. Ashwood E. Ttetz Texrbool of Cltntcal Chem1s-
0.0 .80
rry. 3th ed. Philadelphia: Elservter; 1998.
.20 .40 .60 1.0
1 - especifidode 2. Fraser C. Biological Vananon from Pnnctples w Prauce.
Washingmn: AACC Press; 2001.
Figura 2.2 - Curva ROC do PSA mostrando do1s níve1s de deosão. 4 3. Henry JB. Clinical Diagnosis and Managemem by Labora-
e 10 ~g/L Note-se que não ex1ste na curva um valor que represente rory Merhods. 201h ed. Phtladelphta: W.B. Sanders: 2001.
100% de sens1b1hdade e 100% especificidade('). Adaptado de TIETZ 4. NCCLS C28-2. How w Define and Dctcrmtne Reference
Textbook of Clin1cal Chem1stry. lmervals in the Clin1cal Laboratary. /\pprovecl Gu1dehne.
Dtsponível em: hnp://www.clst.org/source/Oiders/free/
c28-a2.pdf.

14 Medicina laboratorial para o clínico


Lucienne França Reis Paiva
03 Maria de Fátima Fi/ardi Oliveira Mansu r

DIAGNÓSTICO MICROBIOLÓGICO:
PRINCÍPIOS E TÉCNICAS

O Laboratório de Microbiologia Clínica desempe- COLETA, ACONDICIONAMENTO E


nha importante papel no diagnóstico e controle das TRANSPORTE DE AMOSTRAS
doenças infecciosas. Todavia, sua eficiência é limitada PARA EXAME MICROBIOLÓGICO
pela qualidade da amostra, pelos meios como é trans-
portada até o laboratório e pelas técnicas emprega- Dentre os conceicos básicos referentes à coleta, acon-
das para demonstrar a presença do microrganismo na dicionamento e transporte de materiais biológicos desti-
amostra. Como as doenças infecciosas podem surgir nados à análise microbiológica, destacam-se:
em qualquer parte do corpo, sistema ou órgão e po- • a amostra clínica deve ser material represemativo
dem ser causadas por uma grande variedade de mi- do verdadeiro local da infecção e deve ser coleta-
crorga nismos, incl uindo bacrérias, fungos, parasitos e da com um mínimo de contaminação, a partir de
vírus, a seleção do espécime para o exame laboracorial tecidos adjacentes, órgãos ou secreções;
é um pomo crítico no processo de d iagnóstico e a co- • devem ser estabelecidos períodos ótimos para co-
municação encre o médico-assistente e o laboratório leta de amostras, a fim de se conseguirem maiores
é, também, essencial. possibilidades para isolamento dos possíveis agen-
Além disso, a maior pane dos prococolos para tes- tes causais;
tes sofisticados tem pouco valor se a amostra coleta- • deve ser obtida quantidade de amostra suficien-
da não for representativa do local de infecção. Tendo te para a execução das téc nicas microbiológicas
em vista que muitas amostras enviadas ao laboratório solicitadas;
para análise são contaminadas durante a coleta pelos • utilizar dispositivos de coleta, recipientes para
microrganismos que colonizam a superfície de muco- amostras e meios de culturas adeq uados para as-
sas e pele, a interpretação do resultado de cultura con- segurar um ótimo isolamento dos microrgan ismos
taminado corna-se difícil e algumas vezes impossível, responsáveis pelo processo infeccioso;
pois a maioria das infecções é causada por microrga- • sempre que possível, coletar material antes da ad-
nismos endógenos. ministração de antibióticos;
O médico-assistente precisa estar consciente da • o recipiente de transporte da amostra para cultu-
complexidade dos exames e de suas limitações mecodo- ra deve ser adequadameme rotulado e estéril.
lógicas, inerentes ao processo, e conhecer o tempo real
necessário para obtenção dos resultados numa rotina O objetivo primário do transporte de amostras para
laboratorial para não criar falsas expectativas. diagnóstico microbiológico consiste em mantê-las o
mais próximo possível de seu estado original, com de- • meio de transporte para anaeróbios: frascos con-
terioração mínima, para que a recuperação dos micror- tendo vácuo e com meios específicos para cultura
ganismos não seja prejudicada. A s amostras devem ser anaeróbica. mantendo os microrganismos viáveis
enrregues ao laboratório o mais rápido possível, sendo por até 24 horas.
um padrão mrernacional considerar-se o prazo máximo
de uma hora para a maioria dos rnareriais (Quadro 3.1).
Quando amostras forem colhidas fora do laboratório, es- PROCEDIMENTOS TtCN ICOS D E COLETA
tas deverão ser colocadas em meios de transporte, den-
tre eles os mais indicados são: Secreção de ouvido
• meio de Stuart: meio de transporte que suporta
a viabilidade da ma1oria das bactérias, incluindo as Para se estabelecer o diagnóstico microbiológico
exigences, por até 24 horas; específico de 1nfecção do ouvido médio, é necessário
• meio Cary 8/air: 1ndicado para transporte de fe- eferuar uma timpanocentese com aspiração de líquido
zes ou swab recai quando se deseja cultura para do ouvido médio. Essa coleta não é muito usual, pois o
V1bno cholerae, Campylobacter ou outras bacté- tratamento de tal infecção geralmente é empírico.
rias enceroparogênicas, mantendo-as v1áveis por O material ideal a ser coletado no canal audit ivo
até 48 horas; externo é a secreção existente logo após a ruptu-
• meio de Amies com carvão: utilizado principal- ra da membrana timpânica. Este deve ser coletado
mente quando há suspeita de microrganismos exi- pelo ocorrino laringologisra com equipamento estéril.
gentes como Neisseria spp ou Haemophilus spp; Para coleta de material do ouvido externo, deve-se
• tampão de fosfato com glicerol: para patógenos proceder à descontaminação local, principalmente
encéricos comuns; quando há drenage m espontânea. Deve-se coleta r o
• frasco estéril: unhzado para transportar pequenos material da parte mais profunda, correspondendo a
fragmentos de tecidos ou biópsias, podendo-se adi- secreções mais recentes, e empregar dois swabs, um
cionar de 0,5 a 1.0 ml de salina estéril ou quando há destinado à cultura e ouuo para o preparo da lâmina
punção de abcessos, fezes. urina, escarro e outros; de bacterioscopia.

Quad ro 3.1 - Condições de acondicionamemo e transporte dos principais m ateriais enviados ao laboratório para exames
microbiológiCos

Material Acondicionamento Transporte


Líquor Enviar imediatamente Temperatura ambiente
Líquido pleural (manter em estufo 37°C até processamento)
Líquido sinoviol
Líquido pericárdico
Hemoculturo
Secreção ocular Tempero luro ambiente Temperatura ambiente
Secreção de ouvido !plantio mo1s rápido possível quando não envio-
Swab oroforinge do em me1o de transporte)
SecrP.çno genilol
Urino de 1° joio
Esperma
Fezes
Urino Manter refrigerado até processamento Em caixa térmico o .1 °(, com exceção
Escorro de amostras respiratórios, que deverão
Secreção brônquico ficar em temperatura ombienle
Secreção traqueal
Cateteres
Secreções em geral

16 [ Medicina laboratorial para o clínico


Secreção ocular
• colher dois swabs: um para microscopia e outro
para cultura. Deve-se utilizar de preferência um
Conjuntiva
swab de Dacron ou alginaw de cálcio.
• inmuir o paciente a comparecer ao laboratório
sem lavar o rosw; A coleta poderá ser realizada mesmo após o pacien-
• colher, preferencialmente, no fundo do saco con- te rer feiro higiene bucal e se alimentado. Na presença
jumival, rodando suavemente o swab para colher de pseudomembrana, como a que ocorre na difteria
secreção e células, evitando o comam com a bor- (Corynebacterium diphtheriae), deve-se coletar uma
da da pálpebra; porção dela e proceder à cultura em meio de Lóeffler e
• preparar o esfregaço para bacterioscopia no momen- coloração de Gram e Albert Laybourn.
m da coleta e, preferencialmente, semear o outro
swab imediatamente nos meios selecionados;
Seios paranasais
• coletar, separadamente, para o olho direiw e es-
querdo. A coleta de secreção dos seios para nasais é um proce-
di mento médico, sendo o material coletado diretamen-
te dos seios por meio de agulha e seringa. O transpor-
Pesquisa de Chlamydia em conjuntiva ocular
te deverá ser anaeróbico e o processamento imediato.
Esta coleta deve ser feita pelo oftalmologista ou por Ressalta-se que a cultura de amostras da nasofaringe não
profissionais especialmente treinados. tem valor algum.
• proceder à coleta empregando-se swab pequeno
ou espátula de Kimura;
Swab nasal
• fa zer esfregaço em lâmina limpa e desengordura-
da; deixar secar ao ar e fixá-lo com metanol ab- A coleta de swab nasal encontra-se restri ta à ava-
soluw. liação da microbiota de indivíduos hospitalizados ou
com aruação direta no ambiente hospitalar com o ob-
Úlcera de córnea jetivo de detectar portadores de microrga nismos de
interesse em surtos e controle de infecção hospitalar.
O raspado corneano deverá ser coletado pelo oftal- Em algumas situações, indica-se a coleta deste e de
mologista. Neste caso, o laboratório deve fornecer lâmi- swabs axilares e perianais para estudos mais amplos.
nas e os meios de cultura usuais para que o planeio seja
feito imediatamente após a coleta, pelo próprio médico.
Amostras das vias aéreas inferiores

Vias res piratórias superiores Escarro expectorado

Orojaringe • o paciente deve lavar a boca com água ames da


coleta da amostra, elimi nando assim secreções
• dirigir um foco de luz para a cavidade oral aberta orofaríngeas e saliva. Esse procedimento é fun-
e, com o auxílio de um abaixador de língua es- damental, já que a qualidade da amostra obt1da
téril, aplicar o swab estéril na área de inflamação irá validar o resultado do cultivo microbiológico.
(amídalas, faringe posterior e qualquer exsudaco Após, orientá-lo a tossir profunda mente e expec-
ou área ulcerativa). É preciso evitar a contami- to rar as secreções das vias aéreas inferiores dire-
nação da amostra com saliva, visto, na presença tamente em recipiente estéril e de boca larga;
de saliva, algumas bactérias podem crescer ex- • se possível, colher a primeira amostra da ma-
cessivamente. Por outro lado, o crescimento de nhã, porque contém o conjunto das secreções
Streptococcus do grupo A pode ser ini bido; norurnas;

Diagnóstico microbiológico: princípios e técnicas 17


• quando há dificuldade de coleta ou não há pro- baccérias, de modo que as amostras devem ser proces-
dução de escarro, a coleta poderá ser feira com in- sadas imediatameme.
dução de salina nebulizada. com um respirador de
pressão positiva, com supervisão direta da equipe Aspirado/lavado gástrico
de enfermagem ou da fisioterapia.
Coleca ucilizada especialmence em crianças ou em
outros pacientes que têm dificuldade de expectorar.
Secreção traqueal! Aspirado traqueal
quando da necessidade de estabelecer diagnóstico da
A coleta deste material é rea lizada em pacientes in- tuberculose.
cubados, através de sonda de aspiração. Embora esta
cultura seja realizada roti neiramente, os resultados mi-
crobiológicos podem refletir colonização local ou com Urina
outros patógenos nosocomiais. sendo a interpretação
clínica extremamente complicada. Urina (jato médio)

Deve-se evitar a contaminação da amostra com a


Lavado broncoa/veolar
microbiota indígena da uretra ou vagina. Recomenda-se
É um procedimento realizado por equipe médica a coleta da pri meira urina da manhã ou urina retida na
especializada. O material é obtido por meio de proce- bexiga por quat ro horas.
dimento broncoscópico, no qual são injetados cerca • mulheres: fazer rigorosa higiene da região vulvar
de 100 a 300 ml de solução salina e amostras são co- com água e sabão, enxaguar e secar com gaze es-
lhidas. sendo a primeira usada para citologia. a porção téril. Orientar a paciente para afastar os grandes
intermediária para cultivo microbiológico e microsco- lábios, evitando também qualquer contam de
pias e a porção final a mais recomendada para pesqui- partes do períneo com a urina coletada;
sa de micobactérias. Deve-se enviar ao laboratório com • homens: expor a glande e cuidadosamente lavar
urgência para que o processamento seja imediato. com água e sabão e depois enxaguar e secar com
O lavado broncoalveolar e cultura quantitativa gaze estéril;
estão indicados em casos de pneumonias graves. • instruir o paciente para desprezar o primeiro jaco,
que necessitem de suporte ventilatório, de evolução colher o jaco médio em frasco estéril e desprezar o
rápida ou em imunocomprometidos ou quando há restante da micção no vaso;
falha terapêutica empírica. É o material de escolha • crianças: a coleta deve ser realizada no laboratório
para pesq uisa de Pneumocystis carinii (renomeado P. por pessoal treinado. Fazer rigorosa ami-sepsia na
jiroveoi), vários fungos, micobactérias, inclusões virais região genital com água e sabão. Em seguida, adap-
e outros microrganismos.O material deverá ser obti- tar cuidadosamente o colecor pediátrico estéril. Se a
do antes de biópsias e de escovados, para evitar-se coleta não for realizada em até 40-60 minutos, subs-
excesso de sangue. tituir o coletor, repetindo codo o procedimenco;
• enviar imediatamente ao laboratório. Caso não
Amostra de broncoscopia seja possível. refrigerar a amostra. Tempo máximo
após coleta sem refrigeração: duas horas.
A broncoscopia com fibra ó ptica é uma técnica
empregada para obtenção de biópsias e outras amos-
Urina (paciente cateterizado)
tras transbronquiais, em particular em pacientes com
abcessos pulmonares ou outras infecções profundas de • retirar a bolsa e clampar a sonda; realizar desinfec-
pulmão. Se for utilizado broncoscópio "protegido", este ção na ponca da sonda com sabão neutro líquido,
constitui o material adequado para realizar culturas ana- reti rar o sabão com soro fisiológico; desprezar o
eróbicas. Os anestésicos podem inibir o crescimento das pri meiro fl uxo uri nário;

18 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - -- - - - - - - - - - - -- - - -- - - - - - - --


• fazer a desinfecção da sonda em sua parte inicial, • com swab próprio (de algodão ou fibra têxtil) fa-
com álcool a 70%, polvidine tópico por dois minu- zer a coleta no colo uterino, provocando uma leve
tos e novameme com álcool a 70%; raspagem para obter células do endocérvix. Um
• punciona-se a sonda com seringa e agul ha estéreis. swab é usado para preparar a lâmina de imuno-
Transferir o material para um frasco estéril; fluorescência para pesquisa de Chlamydia e outro
• enviar imediatamence ao laboratório. Caso não swab para colocar no meio de transporte para cul-
seja possível, refrigerar a amostra. Tempo máximo tura de Ureaplasma e Mycoplasma.
após coleta sem refrigeração: duas horas.
Quando solicitado, especificamente, pesquisa e cul-
tura para Neisseria gonorrhoeae. o sítio ótimo de coleta
Urina (aspirado suprapúbico)
é o endocérvix. Na presença de corrimento abundan-
Trata-se de amostra obtida por procedimentO médi- te. este é o material de excelência para exame a fresco,
co invasivo e sem a possibilidade de comaminação pela Gram e cultura de germes banais.
microbiota urecral. É o ún ico método válido para cultu-
ra anaeróbica e também útil para a coleta de amostras
Secreção uretra!
de crianças ou adultos incapazes de fornecer amostras
represemativas por meio dos procedimemos usuais. Os • o paCiente deverá comparecer ao laboratório pre-
cuidados com aco ndicionamento e transporte são os ferencialmente pela manhã, sem ter urinado e sem
mesmos utilizados para coleta de uri na do jaro médio. uso de qualquer medicação;
No local da punção deverá ser realizada anti-sepsia com • orientar o paciente para que retraia o prepúcio e
álcool a 70%. limpe o meato com gaze estéril umedecida com
soro fisiológico estéril;
• solicitar ao paciente que comprima a base do
Aparelho genital feminino e masculin o meato ureual e, com uma alça bacceriológi-
ca, coletar o material e preparar o esfregaço
Secreção vaginal para Gram no ato da coleta. Col her, também,
dois swabs para realização do exame a fresco
Quando for solicitado exame a fresco (pesquisa de e cultu ra.
fungos e Trichomonas), Gram e/ou cultura de germes
banais. deve-se: Caso seja solicitada pesquisa de Chlamydia e/ou
• instruir a paciente para comparecer ao laboratório cultura de Ureaplasma e Mycoplasma. proceder como
sem higiene vaginal e sem urinar por pelo menos se segue:
duas horas ames da coleta; • introduzir na uretra em mais ou menos 1,0 cm o
• colocar a paciente em posição ginecológica e in- swab próprio e, delicadamente, fazer uma raspa-
troduzir no canal vaginal dois swabs estéreis. O gem da mucosa com movimentos rotatórios;
primeiro será usado para bacterioscopia (Gram e • um swab é usado para preparar a lâmina de imu-
exame a fresco) e o outro para cultu ra. nofluorescência para pesquisa de Chlamydia e ou-
n o para ser colocado no meio de transporte pró-
Swab endocervical prio para cultura de Ureaplasma e Mycoplasma.

Quando solicitada pesquisa de Chlamydia e/ou cul-


Urina de primeiro jato
tura de Ureaplasma e Mycoplasma, deve-se:
• realizar a coleta com o uso de espéculo vaginal; A coleta de urina de primeiro jaco está indicada
• remover com bola de algodão ou gaze estéril rodo quando não há secreção urerral ou esta for mu ito escas-
o muco ou secreção existente no colo uterino; sa. Para se proceder à coleta, deve-se:

Diagnóstico microbiológico: princípios e técnicas 19


• orienrar o pacienre para que faça limpeza com ro ou fazer esfregaços quando for UEilizar colora-
água e sabão do mearo uretra! e então colher no ção de Fonrana-Tribondeau. Neste caso. não fiam-
máximo 10 ml de urina do primeiro jaro, despre- bar a lâmina, fixando-a com líquido de Ruge.
zando o restante da micção no vaso;
• no laboratório. centrifugar o material e trabalhar Cancro mole (pesquisa de Haemophilus ducreyi)
com o sedimenro.
• limpar a área da lesão com gaze umedecida em
Quando a suspeita for de Trichomonas em secre- soro fisiológico estéril;
ção uretra! masculina e esta for escassa, introduzir um • com uma alça bacteriológica, coletar material do
swab próprio no mearo uretra! do paciente e raspar a centro da lesão e fazer esfregaços em uma única
mucosa, pois este microrganismo rem predileção pela direção, em lâminas limpas e desengorduradas,
parede uretra!. para coloração de Gram. Este procedimento é ne-
Quando solicitada cultura em canal anal. inserir um cessário para preservar as características morfoló-
swab próprio em aproximadamente 2 cm, fazendo mo- gicas típicas do microrganismo.
vimentos rorarivos. O proced imento é o mesmo para
homens e mulheres. Como o principal diagnóstico diferencial do cancro
duro é feiro com cancro mole e como as infecções po-
dem ser mistas. aconselha-se a pesquisa simultânea de T
Esperma
pallidum e H. ducreyi. Se o cancro for interno. na vagina.
A colera deve ser realizada por masturbação manual, deve-se usar o espéculo vaginal e. primeiramente. remo-
seguindo as orientações: ver o material vaginal. limpar com solução fisiológica e
• o paciente deverá lavar as mãos com água e sabão secar. Se for observada a presença de pomada sobre a
e com adequada rerração do prepúcio. lavar os ór- lesão, removê-la e orientar o paciente para fazer com-
gãos genitais e secar com toalha limpa; pressas mornas no local. rerornando em 24 horas.
• colher o esperma em trasco estéril de boca larga.
• se a coleta for realizada em domicílio do pacien-
te, a amostra deverá ser mantida em temperatura Fezes
ambiente e transportada o mais rápido possível
para laboratór o. Recomenda-se a colera de fezes para coproculru ra
na fase aguda (diarréica) da doença. O transporte ao
laboratório deve ser imediato para garantir a viabilida-
Lesões genitais de dos agentes infecciosos e para evitar qualquer alte-
ração das fezes, pois com o metabolismo bacteriano
Cancro duro (pesquisa de Treponema pallidum) o pH torna-se ácido, comando-se tóxico para Shigella.
O recipiente deve ser um frasco estéril com tampa de
• remover a crosta, quando presente; rosca. Não se deve usar swab, a não ser em pesquisas
• limpar a lesão com gaze umedecida em solução direcionadas, como em surcos hospitalares. levanta-
fisiológica estéril. não usar sabão ou anti-séprico; mentos epidem iológicos e quando da impossibilidade
• raspar a lesão com alça de platina até provocar do paciente de colher fezes. A quantidade de material
ligeiro sangramenro ou utilizar irritação química colhido com swab é escassa, diminuindo a sensibilida-
com éter ou xilol; de do exame.
• apertar a base da lesão. entre polegar e indicador, Para coleta de swab recai, recomenda-se:
e segurar aré exsudação de soro claro ou líquido • umedecer o swab em sa'ina estéril e inseri-lo no
seroso; esfíncrer reral. realizar movimentos rotatórios;
• colerar esse material com alça e preparar lâminas. • ao retirar o swab, certificar-se de que existe mate-
com lamínulas. para microscopia em campo escu- rial fecal no algodão;

20 Medicina laborarorial para o clínico ]1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - -- ------


• incroduzir o swab no meio de cransporce. O nú- meio de punção percucânea, utilizando agulha e seringas es-
mero de swabs depende do ripo de investigação téreis. Se o volume for pequeno, o material obtido deverá ser
solicitada . enviado em frasco ou tubo estéril com tampa de rosca. Se
o volume obtido for grande, este poderá ser inoculado em
frasco de hemoculrura, rendo o cuidado de retirar bolhas de
Tecidos e fragmentos ósseos ar. Neste caso, uma pequena quantidade deverá também ser
enviada ao laboratório para o preparo de bacterioscopias.
O melhor material é o obtido por procedimento cirúr-
gico, removendo-se e debridando-se o tecido desvitaliza-
do. Os tecidos devem ser obtidos de panes representati- Sangue
vas do processo infeccioso. eferuando-se, quando possível.
a coleta de múltiplas amostras. A amostra deve ser trans- Os facores mais importantes e que determinam o
portada em recipiente estéril com adição de solução salina sucesso de uma hemoculrura são a anti-sepsia do sírio
estéril para evitar o ressecamento, principalmente se for de punção e o volume de sangue processado. O volu-
obtida pequena amostra, como uma biópsia. O médico- me ideal corresponde a 10% do volume total do frasco
assistente deve informar todos os dados clínicos relevan- de coleta. Quanto maior o volume de sangue inoculado
tes, tais como: presença de gás, cheiro fétido (suspeita de no meio de cult ura, por amostra, melhor a recuperação
anaeróbios), mordida, suspeita de tuberculose, suspeita de do microrganismo, respeitando-se a pro porção sangue/
infecção fúngica e presença de imunossupressão. meio, pois o sangue em desproporção com o meio pode
Como o procedimento é invasivo, rodos os esforços dificultar a recuperação de microrganismos. Frascos que
devem ser feitos para assegurar a obtenção de amostra possibilitem coleta de até 10 ml são mais indicados.
adequada e também para isolamento dos microrganis- Não se deve coletar sangue para hemoculrura duran-
mos clinicamente significativos da infecção. te o pico feb ril, pois neste momento estão sendo libera-
das endocoxinas ou exotoxinas dos microrganismos, que
podem inibir a recuperação dos microrganismos. O mo-
Líquor e outros líquidos corporais mento ideal é no início do pico febril ou da bacteremia.
Não é recomendada a técnica de coleta através de cate-
Deve-se proceder à anti-sepsia da pele com álcool e teres ou cânulas para diagnóstico de infecção sistêmica,
solução de iodo (tintura de iodo 1 a 2% ou PVPI 10%) e quando punções venosas podem ser utilizadas. Também
remoção com álcool a 70%. O líquor deverá ser coleta- não se recomenda a troca de agulhas entre coleta e dis-
do em tubos estéreis com rampa de rosca e um volume tri buição do sangue nos frascos específicos.
de S-10 ml deve ser obtido. Em nenhuma circunstân- Como em qualquer solicitação de exame laborato-
cia a amostra deverá ser refrigerada ou aquecida. Caso rial. o médico-assistente deve registrar a suspeita clínica,
a colera permita somente a disponibilidade de um tubo, como endocardites, infecções fúngicas, suspeita de bac-
o laboratório de Microbiologia deverá ser o pri meiro a térias do grupo HACEK (Haemophilus, Actinobacillus.
manipulá-lo. E, caso haja colera de dois ou mais tubos. Cardiobacterium. Eikene/la, Kingella), pois são micror-
o laboratório de Microbiologia deverá ficar com o tubo ganismos de crescimento muico lento, necessitando de
que contiver menos sangue. Se não for possível o envio mais tempo de incubação. Diante da suspeita de bru-
imediato do líq uor ao Laboratório, este deve fornecer celose e leptospirose. o laboratório deve ser comunica-
tubos estéreis vazios e com meio de cultura (ágar choco- do previamente para providenciar o envio do material a
late) para que o material seja semeado no ato da coleta e centros de referência e indicar os meios específicos.
com instruções de acondicionamento e tra nsporte. Recomenda-se o seguinte procedimenco para colera
A colera de outros líquidos corporais deve ser antecedida de amostras de sangue para hemoculru ra:
pela anti-sepsia do sítiOda punção com álcool a 70% e tintu- • coletar em local fechado, sem correntes de ar;
ra de iodo. a qual deverá ser removida após o procedimento • lavar as mãos com sabão degermante, enxugar e
com álcool a 70%. Trata-se de procedimento médico. por secar adequadamente;

Diagnóstico microbiológico: princípios e técnicas 21


• desinfetar a tampa dos frascos de hemoculrura • utilizando luvas. examinar o local, verificando se
com álcool a 70%; há presença de edema, ericema, linfangite, calor,
• garrocear o braço do paciente e, pela inspeção ou dor e trombose venosa palpável;
palpação, selecionar uma veia adequada. Esta área • fazer a desinfecção local com algodão embebido
não deverá mais ser cocada com os dedos; em álcool a 70%, álcool-iodado ou PVPI 10% tópi-
• colocar as luvas de procedimento; co, removendo qualquer anrimicrobiano ou san-
• fazer anti-sepsia da pele com álcool a 70%, segui- gue presente na pele em torno do cateter;
do de solução de iodo 1 a 2%, depois remover • retirar o cateter com auxílio de pinça hemostática
o iodo com gaze embebida de álcool a 70% em estéril. A porção externa deve ser mantida para cima
movimencos centrífugos. Esperar um minuto para e afastada da pele. O cateter não deve tocar a pele;
secagem e para ação adequada do iodo; • enviar para o laboratório 5,0 a 7,0 cm da ponta distal
• coletar assepticamente e inocular nos frascos re- do cateter, ou seja, a que estava mais profundamen-
comendados e agitar levemente por inversão; te introduzida na pele. Cortar o fragmento com te-
• anocar no rótulo do frasco: dados de identificação soura estéril e colocar em um frasco estéril seco;
do paciente, data e hora da coleta, via de coleta • anocar informações cl ínicas, tais como: tipo de
(sangue periférico ou cateter). infusão, local ização anatômica, data da inserção e
Volume de sangue recomendado: remoção do cateter, suspeita ou infecção provável.
• 10-20 ml em adulcos; uso de antibióticos.
• 5,0-1 0 ml para crianças e adolescentes;
• 1,0-2,0 ml para recém-nascidos.
Exsudatos, transudatos, úlceras, feridas e abcessos
Número de amostras:
Deve-se coletar duas ou três amosuas a cada 24 horas. Deve-se evitar a contaminação com o material da su-
As coletas devem ser eferuadas em intervalos de 30 a 60 perfície, procurando-se obter amostras da parte profunda
minucos. Caso o paciente apresente choque séptico ou da ferida após limpeza de sua superfície. Pode-se obter ma-
seJa necessário instituir imediatamente antibioticoterapia, terial por aspiração com seringa e agulha de abscessos loca-
obter simultaneamente as três amostras em sítios diferen- lizados ou outros procedimentos cirúrgicos. Os aspirados
tes. Paciente com febre de origem indeterminada, coletar de um abcesso fechado devem ser obtidos do centro ou da
duas amostras em locais diferentes; se estiver com cateter, parede do abcesso e não da base do abcesso. Pode-se cole-
convém coletar uma terceira amostra pelo cateter. Manter ta r a drenagem de infecções do tecido mole por aspiração.
a mesma proporção de sangue da coleta por via periférica: Se não houver flutuação, pode-se infundir pequena quan-
1,0 ml de sangue para 5 ou 10 ml de meio de cultura/ tidade de solução salina no tecido e, a seguir, retirá-la para
caldo. Caso a febre persista e as hemoculruras continuem cultura. O volume ideal para pesquisa de bactérias varia de
negativas após 48 horas de incubação, coletar mais duas 1,0 a 5,0 ml e, para micobactérias, 3,0 a 5,0 ml.
amostras periféricas. Em se tratando de paciente neutro- Sempre que possível. deve-se evitar o uso de swab.
pênico com cateter de longa permanência, coletar uma Caso seja necessário usar swabs de algodão, deve-se colher
amostra pelo cateter. Diante da suspeita de endocardite, a maior quantidade possível de exsudato e aco ndicioná-
obter três amostras com intervalo de 30 a 60 minucos. Se lo em recipientes adequados. Para realização de cultura, a
negativas após 48 horas de incubação, coletar pelo menos imersão em meio de transporte é fundamental.
mais duas amostras com o mesmo intervalo.

RECEPÇÃO DE AMOSTRAS E O BSERVAÇÕES


Catet er venoso PRELIMINARES

A coleta de carecer venoso para cultura segue o se- A manipulação das amostras biológicas que chegam
guinte procedimento: ao laboratório de Microbiologia deve obedecer às nor-

22 Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - - - -- - - -- - - - - - -- - -- - - - - -- -- -


mas de segurança, utilizando-se das barreiras de prote- rações, desde os menores vírus até parasitos multice-
ção necessárias para cada procedimento, como uso de lulares maiores. O resulcado de uma análise microscó-
capela de fluxo laminar, equipamentos de proreção indi- pica auxilia no diagnóstico presuntivo de um processo
vidual (EPI) e um fluxo de trabalho bem estabelecido. As infeccioso e permite o início de terapia antimicrobiana
amostras deverão ser registradas num sistema informati- direcionada.
zado ou caderno de registro e processadas o mais rápido
possível. O laboratório deve avaliar as condições gerais
das amostras enviadas e critérios de rejeição devem ser EXAME DIRETO SEM COLORAÇÃO
aplicados, quando necessário.
Deve-se avaliar se a amostra e a solicitação médica Preparação com salina
dispõem dos dados necessários ao seu processamento:
• nome completo e legível/número de registro do Trata-se de uma preparação não corada examina-
paciente/leito; da à microscopia óptica comum, de campo escuro ou
• idade e sexo; data/hora de atendimento e hora contraste de fase. É útil para examinar a morfologia em
da coleta; geral de organ ismos e amostras biológicas, tais como
• nome do profissional solicitante; exame a fresco de secreção vaginal e secreção uretra!.
• exames solicitados e tipo do espécime clínico;
• informações adicionais, como uso de medicamen-
tos e outros de relevância; Gota pendente
• indicação de urgência, quando aplicável.
É utilizada para avaliar morilidade de bactérias Gram
Representam critérios de rejeição de amostras: negativo não fermentadoras de açúcares. A técnica con-
• quando as informações contidas no pedi- siste em colocar uma gota do caldo com a bactéria em
do médico não correspondem às da amostra estudo no centro de uma lamínula; pingar óleo em cada
(nome do paciente ou espécime clínico, por ponta; inverter a lamínula sobre a concavidade de uma
exemplo); lâmina com esta depressão. Resultado: a motilidade posi-
• transporte de amostras em temperatu ra im- tiva é observada quando as bactérias trocam de posição
própria; em relação a si mesmas.
• transporte de amostras após duas horas da coleta,
sem utilização de meio de transporte;
• amostra insuficiente para realização dos exames Solução iodada de lugol
solicitados, tais como swab único com múltiplas
requisições de testes microbiológicos; Adiciona-se iodo a preparações a fresco de amostras
• amostras enviadas em recipientes com vazamen- para exame parasitológico, a fim de aumentar o contras-
to, frascos quebrados ou com sinais de contami- te das estruturas internas. A técnica facilita a diferencia-
nação na superfície externa; ção entre amebas e leucócitos.
• amostras enviadas em formal ou outras soluções
fixadoras ou amostras ressecadas.
Preparação com hidróxido de potássio - KOH
(10% a 40%)
TÉCNICAS MICROSCÓPICAS
APLICADAS À MICROBIOLOGIA O KOH é utilizado para dissolver o material de fundo
(proteináceo) e facilitar a detecção de elementos fúngi-
O uso da microscopia no laboratório de Microbio- cos, que não são afetados pela solução alcalina forte. Po-
logia ajuda a definir as relações entre uma diversidade dem ser adicionados corantes como o lactofenol azul de
de microrganismos com o meio ambiente e suas inte- algodão para aumentar o contraste entre os elementos

Diagnóstico microbiológico: princípios e técnicas 23


fúngicos e o fundo da preparação. Éempregado no exa- do microrganismo, das condições de cultura e das habili-
me micológico de raspado de pele, unhas ou cabelo. dades de coloração do microscopista.
Entre as indicações para realização do exame bacte-
rioscópico pelo mécodo de Gram, destacam-se:
Preparação com tinta da China • fornecer resultados preliminares para os objetivos
clínicos e secundariameme para medidas do con-
Modificação do tratamento pelo KOH. em que se trole da qualidade do cultivo bacteriano;
adiciona tinta da China como material de contraste. • avaliação da qualidade de algumas amostras, tais
Corante utilizado principalmente para detecrar espé- como escarro, urina e secreções de feridas.
cies de Cryptococcus no líquor e outros líquidos or-
gânicos. A cápsula de polissacarídeo das espécies de É válido ressaltar que a grande limitação do reste é a
Cryptococcus afasta a tinta, criando um halo transpa- sensibilidade, pois para que uma célula bacteriana possa
rente ao redor da célula. ser observada por campo em aumento de 1.000x (lente
de imersão), a concentração deverá ser em torno de 105
células bacterianas/ml de espécime clínico.
Microscopia de campo escuro No Quadro 3.2 encontram-se as características mor-
fotlntoriais de diversos microrganismos de interesse mé-
São utilizadas as mesmas lentes do m1croscópio óp- dico.
tico. entretanto, usa-se um condensador especial que
impede que a luz transmitida ilumine diretamente a
amostra. Apenas a luz oblíqua e dispersa atinge a amos- Coloração de Ziehi-Neelsen
tra e passa pelos sistemas de lentes. fazendo com que a
amostra torne-se ilum1nada contra um fundo escuro. A Utilizada para corar micobacrérias, bem como outros
vantagem desse mécodo é seu poder de resolução, que é microrganismos ácido-resistentes. Os microrganismos são
significativamente superior ao da microscopia óptica. isto corados com carbolfucsina básica e resistem à descolo-
é, 0.02 versus 0,2 IJm. permitindo a detecção de bactérias ração com soluções de álcool-ácido. O fundo é contra-
extremamente finas. como Treponema pallidum. Borre/10 corado com azul de metileno. Os organismos aparecem
e espéoes de Leptosp1ra. vermelhos contra um fundo azul-claro. A captação de car-
bolfucsina requer o aquecimento da amostra (coloração
ácido-resistente a quente).
COLORAÇÕES DIRETAS

Coloração de Gram Coloração de Kinyoun

A coloração de Gram é a mais comumence utilizada Coloração ácido-resistente a frio (não exige aquecimen-
no laboratório de Microbiologia, constituindo a base de to). Mesmo princípio da coloração de Ziehi-Neelsen.
classificação dos principais grupos de bactérias (Gram po-
Sitivo e Gram negarivo). Arós fix<~ção ri<~ <~mo~rr<~ ~ l~mina
(tratamento pelo calor ou álcool). esta é exposta a uma Coloração auramina-rodamina
solução de cristal violeta e, a seguir, adiciona-se iodo (lugol)
para formar um complexo com o corante primário. Duran- Mesmo princípio de outras colorações áodo-resisten-
te a descoloração com álcool ou éter-acetona, o complexo tes, exceto que são utilizados corantes fluorescentes como
é retido nas bactérias Gram positivo, porém perd1do nas corante primário, enquanto o permanganato de potássio
bactérias Gram negativo; o contracorante (fucsina ou sa- (agente oxidante forre) é o contracorante que inativa os
franlna) é retido pelos microrganismos Gram negativo (cor corantes fluorocromos não ligados. Os organismos emitem
vermelha). O grau de retenção do corante é uma função fluorescência verde-amarelada contra um fundo preto.

24 ( Medicina laboratorial para o clínico


Quadro 3.2 - Características morfotinroriais de diversos Coloração ácido-resistente modificada
microrganismos de interesse médico

Utiliza-se um agente de descoloração fraco com


Cocos Gram positivo Gênero
qualquer um dos três corantes acido-resistentes. En-
Dispostos aos cachos Stophylococcus
quanto as micobactérias são fortemente ácido-resis-
Drspostos em cadeias Streptococcus, tentes, outros organismos coram-se mais fracamente
Enterococcus
(exemplos: Nocardia, Rhodococcus, Cryptosporidium,
Dispostos aos pores, encapsulados, Streplococcus
às vezes em chamo de velo pneumonioe /sospora, Sarcocystis, etc.). Esses organismos podem ser
Dispostos em grupos de quatro Micrococcus corados com mais eficácia utilizando-se um agente des-
(tétrode) corante fraco nas colorações ácido-resistentes. Os orga-
Cocos Gram neg ativo Gênero nismos que retêm este corante são conhecidos como
Aeróbios em formo de grãos de Neisserio parcialmente ácido-resistentes. É uma coloração utiliza-
café, dispostos aos pores da principalmente para diferenciar os gêneros Nocardia
Anoeróbios Veilonello (parcialmente ácido-resistente) do gênero Actinomyces.
Bastonetes G ra m n egativo Gênero
Bastonetes retas, normalmente Klebsiello,
pequenos, com cápsula enteroboctérios CO LORAÇÕES FLUORESCENTES
Formas diplobacilares Moroxello,
Acmetobocter
Neste tipo de microscopia são utilizados alguns com-
Bastonetes retas, normalmente mais Pseudomonos e outros
postos denominados fluorocromos, que podem absorver a
finas não fermentadores
luz ultravioleta ou azul-violeta e emitem energia num com-
Bastonetes curvos Vibrio
primento de onda maior vtsível. O microscópio emprega
Bastonetes curvos, mais curtos ou Mobiluncus
médios (esfregaça endocérvix/ uma lâmpada de vapor de mercúrio, halogênio ou xenônio
vaginal) de alta pressão, que emite um comprimento de onda de luz
Formas filamentosos, de extremida- Fusobocterium mais curro do que aquela emitida pelo microscópio óptico
des afiladas (fusifarmes)
tradicional. A luz emitida a partir do fluorocromo é aumen-
Bastonetes curtos ou médios, de Bocteroides tada por meio da objetiva e ocular tradicionais. As amostras
extremidades arredondados (ana-
eróbio) e organismos corados com fluorocromos aparecem ilumi-
Bastonetes Gram positivo não Gênero
nados de modo brilhante contra um fundo preto. embora
esporu lados as cores variem, dependendo do fluorocromo utilizado. O
Filamentos ramificados que, nos Nocordio (oeróbio). contraste entre o organismo e o fundo é grande o suficiente
tecidos, formam grãos Aclinomyces para que a amostra possa ser rapidamente visualizada com
(anaeróbio)
baixo aumento; uma vez detectada a fluorescência, o mate-
Bastonetes retas ou lrge~romente Coryneboc/erium rial é observado em maior aumento.
encurvados, com extremidades
claviformes e granulações
Bastonetes curtos Usterio
Bastonetes curtos com tendência à Erysipelothrix COLORAÇÃO PELO AZUL DE TOLUIDINA E AZUL
formação de filamentos DE METILENO
Bastonetes retas, finos e relativamen- Loctobocillus
te longos
Coloração utilizada principalmente para detecção
Bastonetes Grom positivo esporulo- Boci//us de Pneumocystis em amostras respiratórias. Os cistos
dos aeróbios. bastonetes nédios,
largos coram-se de azul-avermelhado a púrpura denso, com
Bastonetes Grom positivo esporulo- Closlridium fundo azul claro. A coloração de fundo é removida por
dos onoeróbios: bastonetes médios, solução sulfatada. Células leveduriformes coram-se. sen-
largos
do difícil diferenciá-las. Está sendo substituída por colo-
rações fluorescentes específicas.

D iagnóstico m icrobiológico: p rincípios e técnicas 25


Azul de metileno
aumentando seu número e se acumulando em co-
lónias (grupo de células que podem ser visua lizadas
Coloração tndicada para ser realizada junto com a sem a utilização de um microscópio) que contêm
coloração de Gram para sedimentos de líquor. As bac- milhares de células ou populações que agrupam bi-
térias Gram negativo como Haemophdus rnfluenzae e lhões de células.
Ne1ssena meningitidis freqüemememe não se desta- Os objerivos principais do cul tivo microbiano são
cam conua o fundo corado em vermelho da colora- o isolamemo de agemes etiológicos de determina-
ção do Gram. Com a utilização do azul de metileno. do processo infeccioso. distinguindo-os de prováveis
os leucócitos polimorfonucleados coram-se de azul concaminames e da f lora indígena. As cu/curas quan-
escuro e as baccérias são melhor visualizadas contra t itativas. por sua vez. cêm por fina lidade correlaciona r
um fundo cinza claro. a incens1dade do crescimemo com dada situação cl í-
nica. na qual a pamopação de agemes da microbioca
indígena é relevance.
COLORAÇÃO COM BRANCO DE CALCOFLÚOR Existe grande variedade de meios disponíveis comer-
cialmeme, porém a seleção de um pequeno número de
Utilizada para a detecção de elemenws fúngicos e meios seletivos e não seletivos é suficiente para o iso-
espécies de Pneumocystis. O corante liga-se à celulose e lamento da grande maioria de microrganismos envol-
quitina nas paredes celulares; pode-se misturar o corante vidos em infecções humanas. Esta seleção depende de
com KOH (mutws laboratórios substituíram a prepara- cmérios biológicos Individuais dos m icrorganismos e da
ção cradic1onal de KOH por esca coloração). origem do sítio de infecção. rendo como referência quais
são os pnnopa1s microrganismos envolvidos naquele sí-
rio específ1co.
COLORAÇÃO D E W RIGHT-GI EMSA Me1os seletivos são elaborados com o objecivo de
favorecer o crescimento da bactéria de interesse. impe-
Utilizada para detecção de parasiws no sangue, dindo o crescimemo das outras bactérias. Têm-se como
corpúsculos de inclusão virais e estruturas fúngicas de exemplos o ága r MacConkey-seletivo para baswnetes
micoses sistêm1cas e espécies de Borre/ia. Toxoplasma, Gram negativo. Meios não seletivos, como o ágar sangue
PneumocystJS. t uma coloração policromática que as- e o ágar chocolate, são isencos de inibidores e permitem
socia azul de metileno e eosina. Os uofozoícas dos pro- o crescimemo da maioria dos microrganismos isolados
wzoários possuem núcleo vermelho e ciwplasma azul- no laboratório clínico.
acinzentado; as leveduras intracelulares e corpúsculos
de inclusão coram-se tipicamente de azul; espécies de
Pneumocystrs coram-se de púrpura. CULTIVO SECUNDÁRIO

Quando são necessários procedimemos adicionais


CULTIVO PRIMÁRIO para o estudo de um microrganismo isolado no plan-
eio pnmário, subculcivos são realizados com o ob)et1vo
O cultivo primário é um processo de crescimen- de obter uma cultura pura originária de uma cultura
to de microrganismos presentes em um sírio infec- mista. isco é, com mais de um tipo de colónia. A téc-
cioso (m vivo) recuperado em um ambiente artificial nica consiste na transferência da colónia para oucro
(rn vitro). O êxito da cransição do meio in vrvo para meio de cultura.
o meio in vitro depende dos nucrientes e con dições Essa dinâmica da rotina microbiológica. classicamen-
ambientais adequados para que a bactéria desen- te lema. deve ser compreendida pelos médicos e uma
volva e se multiplique. Crescimento microbiano se comunicação com o laboratório deve ser estabelecida
refere ao número e não ao tamanho das células. Os a fim de evitarem-se prejuízos ao paciente, como o uso
mtcrorganismos em crescimento estão, na verdade, desnecessário de amimicrobianos.

26 ( Medicina laborarorial para o clínico


TESTES DE SENSIBILIDADE Difusão de discos (Kirby-Bauer) é a prova clássica,
A ANTIMICROBIANOS
usada há vários anos pela grande maioria dos laborató-
rios. É um método que oferece resultados qualitativos.
É uma atribuição fundamental do laboratório de ou seja. o microrganismo é avaliado como sensível (S),
Microbiologia realizar metodologias padronizadas que intermediário (i) ou resistente (R) aos diferentes antibi-
permiram a análise de sensibilidade dos microrganis- óricos resrados, de consranre pad ronização pelo Clini-
mos, com o objetivo de auxiliar a escolha do antimi- cal and Laboratory Standards lnstitute (CLSI), de fácil
crobiano mais adequado, contribuindo para o sucesso real ização e de custo razoável, razão pela qual é ainda
terapêutico. o mais utilizado pelos laboratórios de Microbiologia. O
O conhecimento das características do perfil de princípio básico consiste no contara de discos impreg-
sensibilidade de cada instituição hospitalar é peça fun- nados com antibiótico com a super fície úmida do ágar
damental para que a Comissão de Controle de Infecção Mueller-Hinron; a água é absorvida pelo papel de f iltro
Hospitalar possa instituir uma política de uso racional de e o antibiótico se difunde para o mei o circundante. Este
antimicrobianos. mécodo tem como prin cipais lim itações a impossibili-
O objetivo do antibiograma é verificar a sensibili- dade de liberação de resu ltados quantitat ivos e a não
dade ou resistência de um microrganismo frente a aplicação para m icro rganismos de crescimento lento,
uma concentração padronizada de antimicrobiano. É como fungos e anaeróbios, além da imprecisão em re-
indispensável para microrganismos que apresentam lação a antimicrobianos de fraca difu são em ágar. como
variações quanto à sensibilidade e resistência aos anti- as polimixinas.
microbianos, para bactérias isoladas de amostras clíni-
cas representativas de um processo infeccioso, no qual
a sensibilidade aos antimicrobianos não é p revisível, e CONSIDERAÇÕES FINAIS
para fins epidemiológicos.
O antibiograma apresenta limitações. como: Todo resultado liberado pelo laboratório de Micro-
• não prediz tOxicidade ou hipersensibilidade; biologia é conseqüência da qualidade da amostra re-
• não prediz resistência futura; cebida. O material coletado deve ser representativo do
• não reproduz as condições do sítio de infecção; processo infeccioso investigado, devendo ser eleito o
• não garante que o agente antimicrobiano testado melhor sítio de coleta, evitando-se contam inação com
renha acesso ao sírio de infecção. áreas adjacentes.
A colera e o transporte inadequados podem acarre-
Existem várias metodologias bem padronizadas que tar falhas no ISolamento do agente infeccioso, tanto em
podem ser utilizadas: relação ao isolamento de contaminantes, quanto ao não
• métodos quanmativos que determinam a con- isolamento do m icrorganismo responsável pelo proces-
centração inibitória mínima (cim): m icrodiluição, so em investigação.
macrodiluição e e-test; Muitas vezes é impossível definir o significado clí-
• métodos qualitativos, que dividem os microrga- nico de um isolado microb iológico, caracterizando-o
nismos em resistentes. sensíveis ou de grau de como patógeno ou mero contaminante. Tal decisão
suscetibilidade intermediário ao antimicrobiano deve ser pautada em evidências microbiológicas, clíni-
testado (disco difusão); cas e epidemiológicas.
• métodos automa tizados;
• méwdos que diretamente detectam a presença REFERÊNCIAS
de um mecanismo de resistência específica em
uma bactéria isolada; 1. Cl inical and Laborarory Standards lnstitute. CLSI. M100-
S15: normas de desempenho para testes de sensibilidade
• métodos especiais que medem interações do antlmicrobiana; 15° Suplemento Info rmativo. Disponí-
complexo anrimicrobiano - microrganismo. vel em: http://www.sbmlcroblologla.org.br/clsi_OPAS-
MlOOS15.pdf

Diagnóstico microbio lógico: princípios e técnicas 27


2. Forbes BA. Sham DF. We1ssfeld AS. Ba1ley's & Scon's D'- 6. Oplusnl CP. Zoccoh CM. Toboun NR. Smto SI. Proce-
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Wlnn )r WC. DiagnóstiCO MicrobiológiCO. s• ed. RIO de 7. Serufo JC. Clemente WT. Pnncíp1os Gera1s do D1agnóst1·
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4 Murray PR. Baron EJ. Pfaller MA, Tenover FC. Yolken RH. Rocha MOC. ClíniCa Méd1ca - 1\ntlblotlcorerapla - Belo
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t1m1crob1anos por d1sco-difusão: norma aprovada. s• ed. microb1anos por dllu1çào para bacréna de cresc1memo
D1sponível em: hnp://www.anvisa.gov.br/serv1cosaude/ aeróbio: norma aprovada. 6• ed. D1sponível em: hrrp:/1
manua1s/cls1/cls1_OPASM2 -A8.pdf. www.sbmlcroblologla.org.br/clsi_OPASM7_A6.pdf.

28 Medici na laboratorial para o clínico


Cybele de Andrade Paes
04 Sandra Guerra Xavier
Teresa Bunte de Carvalho

DIAGNÓSTICO HEMATOLÓGICO:
PRINCÍPIOS E TÉCNICAS

O exame do sangue periférico é necessariamen- lance. se preenchidos com volume adeq uado de sangue.
te solicitado na avaliação hemawlógica do paciente. Desta forma. tanto a morfologia quanto as contagens
Devido ao fácil acesso e proximidade com codos os das células são preservadas.
tecidos. o sangue pode proporcionar evidências pre-
coces de alterações no estado de saúde e no desen-
volvimento de doenças. As informações fornecida s FATORES FISIOLÓGICOS QUE
pela história clínica e exame físico aliadas à avaliação AFETAM OS RESULTADOS DOS TESTES
cuidadosa da morfologia celular e quantificação dos
elementos sangü íneos podem fi rmar um diagnósti- Fatores fisiológicos tais como sexo do paciente. ida-
co preciso e orientar quanto à instituição de tera- de, raça. atividade física. nível de hidratação e tempera-
pêutica adeq uada. tura corporal podem afetar significativamente os parâ-
metros hematológicos. Outros fatores, incluindo uso de
medicamentos. tabagismo e ansiedade. também podem
A COLETA DE AMOSTRAS PARA provocar alterações em alguns deles (Quadro 4.1). Em
EXAMES HEMATOLÓGICOS fu mantes, observam-se concentrações elevadas de car-
boxihemoglobina. que produzem eritrocitose absoluta
A coleta de amostra biológica adequada é funda- e níveis aumentados da concentração de hemoglobina
mental para a obtenção de dados laboratoriais confiá- e do hematócrito. sendo esse aumento proporcional ao
veis e precisos. devendo ser padron izada para reduzir-se consumo diário. Além disso, contagens mais baixas de
variabilidade nos resultados. neutrófilos podem ser encontradas nesses indivíduos.
Para o exame hematológico. o sangue é obtido por
punção venosa (flebocomia) e coletado em tubos con-
Quadro 4.1 - Facores que influenciam os parâmetros he-
tendo anticoagulante. Na sua impossibilidade, várias de- macológicos
terminações podem ser realizadas em amostras colhidas
em polpa digital. lobo de orelha ou superfície plantar do sexo uso de medicamentos
calcanhar ou hálux (crianças e recém-nascidos). Respei- idade temperatura corporal
raça tabagismo
tando-se a técnica de coleta adequada, é recomendada a tividade física ansiedade
a utilização de tubos a vácuo siliconizados comercializa- nível de hidratação
dos por conterem a concentração correta de anticoagu-
a) Variação fisiológica na contagem de erítrócítos sicos; e concentrações mais baixas de neuuófilos são
Variações na contagem de eritrócicos são mais acen- encontradas em indivíduos negros.
tuadas nas primeiras semanas de vida. Após a primeira c) Variação fisiológica na contagem de plaquetas
ou segunda semana de vida extra-uteri na, os níveis de Ao nascimento, a contagem de plaquetas rem seus
hemoglobina caem, em média, de 17 g/dL para 12 g/ valores de referência mais baixos que em crianças maio-
dL até os dois meses de idade. Após esse período. os res e adultos, podendo variar de 84 a 478 x 109/L. Estes
níveis permanecem relativamente constantes durante valores atingem os níveis de adultos após a primeira se-
o primeiro ano de vida. Crianças com concentrações mana de vida. Nas mulheres. contagens mais baixas são
de hemoglobina aba ixo de 11 g/dL devem ser conside- encontradas durante o período menstrual.
radas anêmicas.
Segundo o critério da O rganização Mundial de Saú-
de, uma concentração de hemoglobina abaixo de 12 g/ ASPIRADO DE MEDULA ÓSSEA
dL para mulheres e 13 g/dL para homens indica ane-
mia. Nos adultos de ambos os sexos, as taxas de hemo- A aspiração da medula óssea é o procedimento uti-
globina e de hemarócrito tendem a ser mais elevadas lizado para obtenção de material medular, objerivando:
nos homens. Após a meia-idade, os homens tendem a) escudo ciromorfológico. por meio do mielograma;
a apresentar queda nos parâmetros hematimétricos b) estudo citoquímico; c) escudo imunofenorípico, por
e nas mulheres estes podem elevar-se levemente ou imunofluorescência ou ciromerria de fluxo; d) estudo
manter-se inalterados. citogenético, por meio de citogenética clássica e/ou mo-
Na gravidez normal ocorre uma expansão gradativa lecular; e) estudo molecular, por meio de métodos de
do volume sangüíneo de 40 a 50%, mantendo-se até o biologia molecular; f) escudo do ferro medular; g) estu-
termo. Esse aumemo parece ser mediado pela ação de do microbiológico, por intermédio de métodos di retos e
estrógeno e progesterona. Observa-se, também, eleva- cultura, emre outros.
ção do número de eri trócitos conseqüente à hiperplasia A avaliação minuciosa da medula óssea deve incluir
eritróide da medula óssea. Apesar do aumento da eri- tanto a aspiração quanto a biópsia, sendo ambos os res-
tropoese, as concentrações de hemoglobina, hemácias e tes complementares. Diversos tipos de agulhas são utili-
hematócrito diminuem ligeiramente. zados para a aspiração; a maioria possui um mandril re-
Policitemia secundária à baixa pressão atmosférica movível para prevenir a sua obstrução, até que se atinja o
é observada em altas altitudes devido a aumento nos canal medular, momento em que será retirado e a agulha
níveis de eritropoerina plasmática. A exposição à hipó- acoplada a uma seringa, para que se proceda à aspiração.
xia ocasiona elevação transitória na concentração de Alguns modelos de agulha possuem um anteparo prote-
hemoglobina e do hematócríto devido a um rápido de- tor para aJUStar a profundidade da penetração no tecido
créscimo no volume plasmático seguido de aumento da ósseo (Figuras 4.1 e 4.2).
eritropoese per se.
b) Variação fisiológica na contagem de leucócitos
A leucomerria ao nascimento e nas primeiras 24
horas de vida apresenta grandes variações. Os neutró-
Filos são as células predominantes nessa fase, variando
de 6 a 28 x 109 /L e permanecendo em torno de 5 x
109/L a parti r da primeira semana. Ao nascimento, a
contagem de linfócitos é, em média, 5.5 x 109/Le assim
permanece até aproximadamente os sere anos, qua n-
do os neutrófilos passam a predomi nar. As contagens
de neutrófilos e de leucócitos tendem a apresenta r
um mesmo padrão de variação diurna, em um mesmo
indivíduo. Leucocitose está relacionada a exercícios fí- Figura 4.1 - Agulha de mielograma reutilizável.

30 [ M edicina laboratorial para o clínico


• esradiamento de rumores envolvendo a medula;
• possíveis infecções por organismos intracelulares;
• doenças metabólicas de depósiro;
• desordens imunológicas;
• doenças não hematopoéticas.

Ocasionalmente, a medula óssea encontra-se tão en-


volvida pelo processo infilrrativo que nenhum material
é aspirado (punção seca) e a biópsia representa a única
opção diagnóstica.
Figura 4.2- Agulha de m1elograma descarcável com anceparo
procecor.
BIÓPSIA DE MEDULA ÓSSEA
A escolha do sítio de coleta da amostra medular é
condicionada, entre outros fatores, à idade do paciente, à A biópsia de medula óssea é um procedimenro
sua condição clínica, à d1ficuldade de acesso e aos riscos amplamente utilizado na prática médica, não só para
envolvidos. Em recém-nascidos e lactentes, as punções o diagnóstico de diversas doenças hemarológicas ou
são realizadas na reg1ão nb1al média anterior; em crianças metastáticas, como também no acompanhamento das
maiores e adultos, na cnsta ilíaca postenor ou ante no r. Em primeiras. Embora menos simples e confortável que a
adultos, o manúbno e o corpo do esterno (na altura do punção aspirativa, a biópsia preserva a arquitetura me-
segundo espaço Intercostal) também são freq üentemen- dular e fornece dados importantes sobre sua estrutu-
te utilizados como local para aspiração de medula óssea ra, celularidade, topografia das células e grau de fibrose
havendo, no entanto, risco de complicações secundárias (através da impregnação das fibras de reticulina pela
à penetração acidental da cavidade torácica. prata). Por outro lado, devido à sobreposição de células
Procedimento técnico: e à desidratação das mesmas pelo formal (freqüente-
1. Definir o local do procedimento e realizar assepsia; mente utilizado como fixador), torna-se difícil a identifi-
2. Anestes1ar a pele, o tecido celular subcutâneo cação de estruturas isoladas, seu estágio de maturação
subjacente e o periósteo, com xilocaína 2% sem e detalhes morfológicos.
vasoconscritor (alguns pacientes pediátricos e No momenro do procedimento a biópsia de medula
adultos requerem sedação prévia); óssea deve ser realizada ames da punção aspirativa da
3. Introduzir a agulha acoplada ao mandril. com crista 11íaca, posterior ou amenor ou em um sítio con-
movimentos rotatórios, até a comcal óssea; tíguo ao da aspiração para eVItar hemorragia no local e
4. Retirar o mandril ao se atingir o canal medular; artefatos no material biopsiado. A agulha de biópsia é
5. Acoplar uma seringa de 20 ml à agulha e proce- mais calibrosa que a de aspiração e é acompanhada de
der à aspiração (a quantidade de material aspira- obturador, lâmina cortante e estilete para remoção do
do é dependente do estudo a ser realizado); fragmento ósseo (Figura 4.3). O procedimento consiste
6. Ret1rar a agulha e fazer curatiVO compressivo local. na retirada de um fragmenro ósseo cilíndrico de 2 a 3 cm
de comprimento e os cuidados prévios à realização da
As indicações para a aspiração da medula óssea in- biópsia são os mesmos aplicados à punção aspirativa.
cluem: Procedimento técnico:
• diagnóstico de leucemias agudas e crônicas; 1. Definir o local do proced1mento e realizar assep-
• mielodisplasias; sia local;
• controle de tratamento quimioterápico; 2. Anestesiar a pele, o tecido celular subcutâneo
• avaliação de citopenias; subjacente e o periósteo com xilocaína 2% sem
• depósiros de ferro e presença de ferro anormal em vasoconsrritor (alguns paciemes pediátricos e
precursores eritró1des; adultos requerem sedação prévia);

Diagnóstico hemacológico: princípios e técnicas 31


• doenças infecciosas;
• processos infiltrativos focais (carcinomas, linfomas
e outros rumores).

ADITIVOS UTILIZADOS NOS TUBOS DE CO LETA

Anticoagulantes são substâncias utilizadas para pre-

c venir a coagulação e retardar a deterioração do sangue.


Os mais utilizados em hemarologia são os sais dissódi-
cos ou dipotássicos do ácido etilenodiaminocerracétiCO
Figura 4.3 - Agul ha de b1ópsia de medula óssea descartável.
(EDTA), o cirrato trissódico ea heparina. O EDTA e o
cirraro trissódico impedem a coagulação removendo o
3. IntroduZir a agulha acoplada ao obturador, com cálcio do plasma por precip itação o u por ligação em for-
movimentos rotatório s, em sentido horário. até ma não ionizada. O EDTA é o anticoagulante de escolha
ultrapassar a cortical óssea; nas contagens hematológicas e na confecção de esfrega-
4. Retirar o obturador ao se at1ngir o cana l medular ços (produz distorções mínimas nas células sangüíneas.
e medir a parte da agulha ainda exteriorizada; impede a aglutinação das plaquetas) e o citrato trissó-
5. Prosseguir com movimentos no sentido horário dico nos estudos da hemostasia. A heparina, na presen-
até que se penetrem aproximadamente 2 a 3 cm; ça da antitrombina III plasmática. neutraliza a trombina
6. Q uebrar o fragmento biopsiado, que se encontra inibindo a interação de vários fatores da coagulação. Esse
na luz da agulha, forçando a agulha em movimen- aditivo não altera a morfologia e o tamanho cel ular, pre-
tos látero-laterais e longitudinais; vine a hemólise e seu uso está indicado nos testes de
7. Proceder à retirada da agulha com movim entos fragilidade osmótica dos eritrómos. Os esfregaços de
rotatórios, em sentido anti-horáno. devagar; sangue heparinizado adquirem coloração azulada quan-
8. Comprimir o local e realizar curativo com pressivo; do corados. contra-indicando sua utilização para estudo
9. Com auxílio do estilete, retirar o fragmento biop- ciromorfológico.
siado do interior da agulha, sempre em sentido
contrário. para não danificá-lo;
10. Realizar imprint do fragmento em lâmina de vi- CONFECÇÃO DO ESFREGAÇO DE
dro e rransferi-lo para um frasco com solução SANGU E PERIFÉRICO E MEDU LA ÓSSEA
fixadora;
11. Em seguida, a amostra deve ser descalcificada, O exame do esfregaço sangüín eo proporciona in-
parafinada, microcorrada e montada em lâminas formações importantes em uma ava liação hemaroló-
para coloração e estudos anatomopatológico e gica e complementa os dados o btidos pelo analisador
imunohistoquímico. hematológtco. O esfregaço é uma camada de células
estend ida sobre uma lâmina de microscopia. As célu-
As indicações da biópsia de medula óssea incluem: las. após serem fixadas e t ratadas com corantes espe-
• avaliação de aplasia e hiperplasia medular; ciais, adquirem colo ração adequada para seu estudo
• doenças mieloproliferativas; microscópico. Os esfregaços de sangue periférico po-
• mielodisplasias: dem ser preparados com amostras colhidas em EDTA
• m1eloma múltiplo; ou sem anticoagulante, co lhidas p or punção de polpa
• leucemia de células pilosas; d igital. Os esfregaços de sangue não anticoagulado,
• inflamação granulomatosa; quando confeccionados prontamente após a colhei ta,
• fibrose; preservam melhor a morfo logia e as características cin -
• doenças de depósito; roriais das células.

32 [ Medicina laboratorial para o clínico


O EXAME DO ESFREGAÇO DE
Uma gota de sangue ou de medula óssea é
colocada a 1 ou 2 cm da extremidade da lâmina. SANGUE PERIFÉRICO E MEDULA ÓSSEA
Uma segunda lâmina é posicionada a um ângulo
de 30 a 45 graus em relação à primeira e movi- O estudo morfológico da medula óssea e do sangue
da em direção ao sangue. Após a gota de sangue periférico consiste na análise quantitativa e qualitativa de
espalhar-se ao longo de sua borda, a lâmina é des- suas células por meio de microscopia óptica comum de
lizada rápida e uniformemente em sentido contrá- esfregaços corados. O escudo microscópico do esfregaço
rio, ao longo de 3 ou 4 cm, mantendo a mesma pode ser sistematizado em duas fases:
angulação, evitando-se que o sangue toq ue as 1ª fase: em aumento de 100 e 400 vezes - aspec-
bordas latera is da primeira lâmina (Figu ra 4.4). O tos gerais do esfregaço, observando-se a distribuição
esfregaço deve secar ao a r livre, antes de ser iden- das células, a qualidade da coloração, a cel ularidade do
tificado e corado. material, a presença de agrupamentos celulares e da
população megacariocítica (nos estudos de medula
óssea) e a escolha dos campos para o exame com a
objetiva de imersão;
2ª fase: em aumento de 1.000 vezes, sob imersão
A em óleo - contagem diferencial, avaliação das caracte-
rísticas citomorfológicas dos diferentes tipos celulares e
presença de parasitos. Essas células são definidas pela
B análise do contorno celular; tamanho do núcleo e re-
lação núcleo-citoplasmática; coloração e padrão de
cromatina nuclear, presença de nucléolos; coloração
c citoplasmática, presença e características dos grânulos;
presença de vacúolos, projeções ou inclusões.
O escudo da medula óssea pelo mielograma propicia
Figura 4.4 - Confecção do esfregaço. A: uma gota de san- uma excelente visualização da morfologia celular e enu-
gue ou de medula óssea é colocada a 1 ou 2 cm da extremi-
dade da lâmina. Uma segunda lâmina é posicionada a um meração de seus elementos. São aspectos analisados:
ângulo de 30 a 45 graus em relação à primeira e movida em • a celularidade e o aspecto do material e a celularida-
direção ao sangue. B: a gota de sangue espalha-se ao longo de relativa (índice gra nulocítico/eritrocítico - GE);
da segunda lâmina. C: a segunda lâmina é deslizada rápida • a maturação das células (séries eritrocítica, gra-
e uniformemente em sentido contrário, ao longo de 3 ou 4 nulocítica, megacariocítica, linfoplasmocitária e
cm, mantendo a mesma angulação. evitando-se que o san-
histiocítica);
gue roque as bordas lateraiS da prime1ra lâmina.
• atipias celulares;
• a presença de células de depósito. eritrofagocitose,
O esfregaço é dividido em três partes: cabeça ou infiltração por células tumorais e células necróticas;
porção inicial, corpo e cauda. No sangue periférico, • a presença de parasitos.
os neutrófilos polimorfonucleares e os monócitos
predominam nas margens e cauda do esfregaço e os A contagem diferencial da medula óssea de indiví-
linfócitos na parte central. A sua espessura depende duos normais pode apresentar grandes variações devi-
do tamanho da gota de sangue, da angulação e da do ao padrão naturalmente variegado de seus compo-
velocidade de deslizamento da lâmina. A camada de nentes. assim como a distribuição irregular das células
células adelgaça-se progressivamente da origem à nos esfregaços. Variações fisiológicas da celularidade
cauda do esfregaço; o local ideal para a anál ise indivi- são encontradas devido à idade. Nas crianças, a propor-
dual das células é na transição do corpo com a cau- ção de células hematopoéticas em relação à de tecido
da e na cauda, onde as mesmas se encontram lado a gorduroso é maior do que nos adultos. Estudos compa-
lado, sem se tocar. rativos de contagens diferenciais em aspirados medula-

Diagnóstico hematológico: princípios e técnicas 33


res mostram que as crianças apresentam 30 a 50% de Quadro 4.2 - Contagem diferencial de aspirados de med ula
óssea em indivíduos normais
linfóciws no primeiro ano de vida; estas po rcentagens
declinam até os valores apresentados pelos adulros por
Medula óssea Percentagem
volta dos quatro anos de idade. Da mesma forma, as
Série Eritrocítico:
crianças mais jovens tendem a apresentar contagens de 0- 1,6%
Proeritroblastos
eosinófilos mais elevadas que os adulcos. Na gravidez, a Eritroblosios bosófilos 0 -5,0%
medula apresenta hi perplasia leve a moderada, afetando Erilroblastos policromáticos 5,0-34,0%
Eritroblastos ortocromáticos 5,0-8,0%
ramo a erirropoese quanto a granulo poese. Um estudo
Série Granulocítica :
sistemático da medula óssea, fundamentado nos dados M ieloblastos o- 3,6%
clínicos e no exame do sangue periférico, muitas vezes Promielócitos o- 5.0%
dispensa a contagem diferencial para a definição de um Mielócilas neutrófilos 5,0-20,0%
M ielócitos eosinófilos o- 3,0%
diagnóstico preciso. M ielócitos basófi los 0-0,4%
A celularidade depende, tam bém, da representati- Metam ielócitos lneutr., eosin , basof.) 10.0 - 30,0%
Bastonetes e segmentados neuhófilos 7,0-30, 0%
vidade da amostra; aspiração excessiva pode ocasionar 0.2 - 3,0%
Bastonetes e segmentados eosinófilos
variáveis graus de dil uição com sangue periférico e a pre- Segmentados bosófilos o- 0, 4%
sença de fibrose pode proporciona r uma punção seca. Séne Linloplasmocitária:
Os esfregaços representativos geralmente contêm partí- Linfócitos 5,0-20,0%
Células plasmáticos 0,2-5,0%
culas medulares (Figura 4.5).
Monóc itos o- 1,0%
Célula s reticulares o- 2,0%
Índice G/E 1,5- 5,0

Observação: Esses valores são cons1derados apenas como referência aproximada e


devem ser Interpretados à luz do laudo méd1co

PRINCÍPIOS DE COLO RAÇÃO PANÓ PTICA

F1gura 4.5 - Esfregaço de aspirado de medula óssea corado por Os mecanismos pelos quais certos componentes da
May-Grunwald-G1emsa, contendo panículas medulares na exrre· estrutura celular se coram por determinados corantes
m1dade caudal. Ver pag111o 34 dependem de complexas diferenças de ligação desses co-
rantes a estruturas químicas e de interações entre as suas
Na análise do mielograma são contadas SOOa 1 000 cé- moléculas. Os corantes atualmente utilizados em hema-
lulas e o índice G/E consiste na relação entre o número de wlogia são modificações do corante de Romanowsky e
elementos granulocíticos e eritrocíticos. Devido à diversida- associam o azul de metileno e a eosina mais o azur B, de-
de de valores de referência apresentados na literatura espe- rivado do azul de metileno. O azul de metileno e o azur B
cializada, o Setor de Hematologia do Serviço de Medicina são corantes azuis básicos e a eosina é corante vermelho
Laboracorial do Hospital das Clínicas da UFMG elaborou o ácido. Esses corantes possuem a propriedade de corar os
Quadro 4.2, a partir de uma compilação dessas fontes. grânulos leucocitários distintamence. Os corances básicos
A maturação das séries eritrocítica e granulocítica ligam-se às estruturas ácidas do DNA nuclear, aos ribosso-
é interpretada pelo escalonamento maturativo de seus mos e grânulos do citoplasma e os corantes ácidos às es-
elemenws e pelo tipo de eritropoese e gran ulopoese, truturas básicas do citoplasma (hemoglobina e grânulos).
respectivamente. No aspirado de medula óssea, os me- Os citoplasmas dos proeritroblastos, dos eritroblas-
gacariócitos são analisados pela sua distribuição no es- tos basófilos e dos mielo blastos são basofílicos devido
fregaço e pela presença de plaquetas. As plaquetas são aos ribossomos das células imatu ras. As hemácias e os
derivadas de fragmentos citoplasmáticos dos megacari- eritroblastos ortocromáticos, devido ao seu conteúdo
ócitos, seus precursores. de hemoglobina, são eosinofílicos e coram-se em verme-

34 ( Medicina laboratorial para o clínico


lho alaranjado. As esrrururas coradas pela combinação Esterase específica (cloro-acetaco): identificação de
de ambos os corantes são neutrofílicas e apresentam co- células blásticas mielóides.
loração vermelho-violácea. Esterase inespecífica (u -naftilbutiraro ou u - naftila-
Os grânulos dos neutrófilos possuem leve excesso cetaro): identificação de células monocíticas.
de comeúdo básico e coram-se fracamente com o com- Coloração para ferro pelo azul da Prússia: identifica-
ponente azur. Os grânulos dos eosinófilos contêm force ção de sideroblascos e siderámos e avaliação do ferro
derivado básico da espermina e coram-se imensamen- medular (hemossiderina).
te pela eosina. Em conuaste, os grânulos dos basófilos
comêm uma proceína ácida, heparina, que tem afinidade
com o componente básico do corante. Coloração lmunohistoquímica
A maioria dos corames de Romanowsky é dissolvi-
da em álcool merílico e combina fixação com coloração. lmunohisroquímica é uma das mais importantes fer-
Entre os méwdos mais conhecidos estão os corantes de ramentas microscópicas utilizadas acualmente em his-
Giemsa, Wright, Leishman e May-Grünwald-G iemsa. O roparologia e ciroparologia. Geralmente, a detecção de
corante de Giemsa é particularmente indicado para co- antígenos em tecidos é designada imunohistoquímica
rar parasiws da malária e prorozoários. e a detecção em células, imunociroquímica. Ambos os
mérodos utilizam anticorpos monoclonais conjugados
a marcadores que se ligam especificamente às proceí-
COLORAÇÕES ESPECIAIS nas celulares investigadas (antígenos), permitindo sua
localização em áreas dentro das células, preservando
Diversas colorações especiais podem ser realizadas sua morfologia ou estrutura imerna. O marcador pode
nos esfregaços de sangue periférico, medula óssea, im· ser um corame fluorescente, metal colóide, hapteno,
prints e materiais de biópsia medular, as quais propor- marcador radioativo ou enzima, esta mais utilizada em
cionam informações adicionais sobre a linhagem celular microscopia óptica.
além das obtidas pelas colorações-padrão com corames
de Romanowsky ou de hemaroxilina-eosina. Elas geral-
mente enquad ram-se em duas categorias: colorações CITOMETRIA DE FLUXO
citoquímicas, que utilizam reações enzimáticas para
possibilitar a coloração, e corantes imu nociwquímicos, Ciromeuia de fl uxo é a técnica de identificação, ca-
que coram epiropos específicos das células. Esses co- racterização e isolamenro de células individuais a partir
rantes são particularmente úteis na caracterização de de suas propriedades físicas. químicas ou imunofenotí-
neoplasias hemawlógicas e metastáticas, distinguindo, picas, que podem ser medidas por meios ópticos. Emre
por exemplo, padrões de diferenciação de granulóciros essas propriedades encontram-se o tamanho e a esuu-
e monóciros imaturos nas leucemias. cura celular, comeúdo de DNA, dist ri buição ancigênica e
atividades enzimáticas.
Avanços nas técnicas imunológicas nas duas últimas
Colorações citoquímicas décadas permitiram a identificação de recepw res antigê-
nicos específicos na superfície, ciroplasma e núcleo das
Mieloperoxidase: os grânulos pnmanos das séries células leucocitárias (imunofenotipagem). Um grande
neuuofílica e eosinofílica contêm a enzima mielopero- progresso na identificação desses marcadores foi alcan-
xidase. Os monóciros coram-se fracamente, linfóciws e çado com a descoberta da técnica de hi bridomas para a
células vermelhas nucleadas são negativos. produção de reagentes puros e específicos em quantida-
Sudan Negro B: detecta fosfolipídios inuacelulares e des adequadas para uso laboratorial amplo: os anticor-
outros lipídios. A coloração é positiva em neuuófilos e pos monoclonais (AcMo).
eosinófilos, fracamente positiva em monóciros e usual- Os anticorpos monoclonais são conjugados a com-
mente negativa em linfóciros. postos fluorescentes (fluorocromos), que absorvem

Diagnóstico hemarológico: prin cípios e técnicas 35


energia luminosa de comprimenco de onda caraccerís- dispersão lacerai (side scatter, SSC) define a granulosidade
rico para cada composro. A cc-expressão de ancígenos e a complexidade interna da célula (Figura 4.7).
em uma mesma célula ou população de células pode ser No estudo imunofenotípico por cicometria de flu-
dececrada pelo uso de dois ou mais anticorpos conjuga- xo, obtêm-se dois tipos diferentes de informação para
dos a diferences fluorocromos com espectros de emissão cada célula e para cada marcador escudado: presença ou
discintos. A combinação de diversos anticorpos mono- ausência do marcador e a quantidade de fluorescência
clonais contra antígenos celulares permice a identifica- obt1da. A Intensidade da fluorescência corresponde à afi-
ção de populações celulares específicas (Figura 4.6). nidade da amoscra pelos corantes. refletindo o número
de moléculas de antígenos.

CD7 FITC CDJ RP~CD7 FITC


APLICAÇÕES HEMATO LÓG ICAS
~.f7o
O desenvolvimento de anticorpos monoclonais conju-
"-). CD45 PERCP
gados com fluorocromos e a marcação simultânea de dife-
CD45 PERCP rentes antígenos celulares levaram a importantes conquistas
no diagnóstico clínico. Entre elas. destacam-se a contribui-
Figura 4.6 - Marcação celular com amicorpos monoclonais con-
ção da citometria de fl uxo no escudo da hemacopoese nor-
jugados com fluorocromos. Diagrama represemando a conjuga-
ção dos amicorpos monoclonais C07, C03 e C045, marcados mal. das subpopulações linfocitárias em distintas doenças
com fluorocromos, a diferentes sírios antigênicos de uma célula. e o diagnóstico e classificação imunológica de leucemias e
linfomas. Além disto, o emprego dessa tecnologia tem de-
A nomenclatura CD (cluster differentiation) foi monstrado ser de grande utilidade em oueras áreas, como:
proposta e estabelecida em 1982 no 1st lnternational • qua ntificação de células pluripocenciais, em amos-
Workshop and Conjerence on Human Leukocyte Dijje- eras de medula óssea ou aférese periférica para
rentiatwn Ant1gens (HLDA), visando uma classificação transplante;
uniforme dos anticorpos monoclonais contra molécu- • análise de ciclo celular;
las de superfície leucocicárias (ancígenos) desenvolvidos • monitoramenco de doença residual mínima;
mundialmente. Por ocasião da oicava conferência reali- • diagnóstico de hemoglobinúria paroxística nocurna;
zada em 2004, 339 CDs já haviam sido identificados e • detecção de auto-a nticorpos e imunocomplexos;
caraccerizados. Cada CD é designado quando uma mes- • diagnóstico de crombocicopenias adquiridas;
ma molécula é reconhecida por mais de um anticorpo • contagem de reciculócicos;
monoclonal. cescando-se os padrões de expressão da • realização de provas linfocicárias cruzadas;
molécula-alvo em grande painel de células e tecidos. Es- • diagnóstico diferencial de neoplasias epiceliais;
tudos recentes estimam existirem mais de 4.000 diferen- • detecção de oncoproceínas, de receptores celula-
tes moléculas nas membranas leucocitárias. res para fa rores de crescimento e de hormônios.
A imunofenocipagem por citometria de fluxo é a téc-
nica pela qual células ou outras partículas em suspensão.
alinhadas uma a uma, passam diante de um feixe lumi- CITOG EN ÉTICA
noso (raio laser), possibilitando medir a percentagem e o
número de células positivas para os marcadores ucilizados. PRINCÍPIOS BÁSICOS DA CITOGEN ÉTICA
A maioria dos citômecros de fluxo possui dois cipos de sis-
temas ópticos de medida: de dispersão de luz e de fluores- O exame cirogenécico é a análise do conjunto cro-
cência. O feixe luminoso, ao acingir a célula ou partícula, é mossómica celular (cariótipo) em seus aspectOs morfo-
dispersado gerando sinais que são captados por detecto- lógico e numérico. A detecção das alterações do carió-
res adequados. A luz dispersada para freme é uma medi- tipo pode contribuir para o diagnóstico, prognóstico e
da do camanho celular (forward scatter. FSC). enquanto a acompanhamento de diversas doenças.

36 Medicina laboratorial para o clínico )f---- - - - - - - - - - - - - -- - - - - -- - - - - -- -


fiUOte~oe6ndo Votóo
Fluorew:inc10 lotuf'ltO
Flvoresdnc10 V•tm.'hg

R3

o
R2
·50
e ~o-~~ rc
o 50 100 150 200 250
f!IC-
Tamanho

Figura 4.7 - Desenho esquemátiCO demonstrando o pnncíp10 da


Otomema de Fluxo. Ver pog • a 37

O complemento genérico normal em humanos pode pertencer ao mesmo cromossoma ou ser originá-
é composto de 22 pares de aurossomos e o par de rio de ourro.
cromossomas sexuais, chamado de conjunto diplói -
de (2n). A Figura 4.8 exibe um cariótipo masculino
normal.
As alterações cromossômicas podem ser estruturais e/
ou numéricas e. resumidamente, serão descritas a seguir.
As alterações estruturais dentro de um mesmo cro-
u :f
2
••
3
l\ }r
4 5

mossoma podem ser:


Deleção (dei): ausência de parte do cromossoma. )} ,.,,
\! li· 1ê ii ...!t~ ;;
Inversão (inv): quebra com rotação de 180° do frag- 6 7 8 9 10 11 12
mento e posterior reunião ao ponto de quebra original.
Duplicação (dup): segmento de um homólogo pre-
sente em duplicação na seqüência original ou invertida. ii 13
~~
14
t!15 ~16' !
17 18
lsocromossomo (i): formado pelo mesmo braço cro-
mossômico, possivelmente a partir de erros na divisão
celular, permanecendo com duplicação de um dos bra- ~
& IIII ~
( I
ços e ausência de outro. 19 20 21 22 X y
Cromossoma em anel (r): formado a partir de duas
46,XY
quebras e posterior reunião das extremidades.
Figura 4.8- Foromicrografia de cariónpo masculino normal.
As alterações estruturais envolvendo mais de um
cromossoma podem ser:
Translocação (r): transferência de segmentos de um
cromossoma para outro. Cromossoma marcador (mar): formado por segmen-
Derivativo (der): formado a partir de rranslocações e to cromossómica de origem desconhecida, deve possuir
referido com o número do centrômero. cenuômero.
Inserção (ins): adição de material genérico entre dois As alterações numéricas referem-se ao número de
segmentos normais de um cromossoma. Esse material cromossomas. As células poliplóides possuem múl-

Diagnóstico hematológico: princípios e técnicas 37


tiplos do número básico haplóide que não o diplói- A definição de clone celular é adorada quando duas
de, como, por exemplo, criploidia (3n) e tecraploidia ou mais células apresentam cromossoma extra ou a
(4n). Variações numéricas que envolvam redução o u mesma alteração estrutural ou monossomia do mesmo
adição ao número, mas não de todo o conjunto, são cromossoma em mais de três células. A descrição dos
chamadas de aneuploidias, como as trissomias e as cariótipos é feita de acordo com o lnternational System
monossom1as. for Human Cytogenetic Nomenclature (ISCN 2005).
O estudo citogenético pode ser realizado em di- Como mado previamente, para o estudo mogené-
ferentes amostras biológicas, como sangue periférico, tico é necessário que as células estejam em divisão para
medula óssea e tecidos, devendo ser utilizadas as cé- a obtenção das meráfases. A citogenética convencional
lulas tumorais, que possuem d ivisão espontânea. O mostra alterações relativamente grosseiras, ou SeJa, a
material de escolha é o aspirado de medula óssea, que área envolvida deve comer pelo menos cinco milhões de
poderá ser processado imediatamente ou colocado pares de bases. Isto explica porque, em alguns casos que
em cultura na incubadora de co2ou estufa por 16, apresentam exame esuutu ral normal. é possível detectar
24 ou 48 horas. Caso não seja possível a aspiração me- a alteração genética (críptica) por téc nicas mais sensíveis,
dular, o material poderá ser obtido por biópsia. Para como os métodos genético-moleculares.
os pacientes com contagem de leucócitos superior A técnica de hibridação in situ com fluorescência
a 10 x 10 9 /L - sendo no mínimo 10% dessas células (FISH) é um método cicogenécico-molecular que permite
formas imaturas - poderá ser utilizada amost ra de a demonstração morfológica de seqüências de DNA ou
sangue periférico sem o estímulo com a fitohemaglu- RNA em células, cortes de tecidos e preparações cromos-
ti ni na, agente habitualmente utilizado na citogenética sômicas. O método baseia-se no princípio de que sequ-
clínica. Deverão ser colecados 1 a 5 ml de medula ós- ências de fica simples de DNA ou RNA (sondas) marcadas
sea ou 10 mi de sangue periférico utilizando-se como com fluorocromos ligam-se ao DNA ou RNA celular, em
anticoagulante a heparina sódica. Para o estudo cito- condições propícias, formando híbridos estáveis. A análi-
genético dos linfomas, deverá ser utilizado material se é realizada com microscópio de fluorescência e as me-
proveniente da biópsia de linfo nodos. táfases ou os núcleos são fotografados (F1gura 4.9).
Assim que são obtidas as células em divisão,
agentes mitogênicos (colchicina, co lcemide ou vin-
blastina) são adicionados à cultura para a obten-
ção das mecáfases, fase em que os cromossomas
são mais bem visualizados. A seguir, as células são
submetidas a choque hipmônico co m clo reto de
pmássio (KCI), para aumento do vo lume e melhor
espalhamento dos cromossomas e posterior fi xa-
ção com sol ução de t rês pan es de metanol e uma
de ácido acético (fixador de Carnoy) para conser-
vação. Após a fixação, a suspensão celular é goteja-
da em lâminas que são submetidas a bandamento
com tripsina (tratamento enzimático que permi te
a ind ividualização dos cromossomas), coradas com
corante de Wright e analisadas ao microscópio óp- Figura 4.9- H1bndação 1n s1tu com fluorescênoa para pesquisa do
tico. Deverão ser contadas e analisadas 30 células gene de fusão BCR ABL. Ver pog nn 38
de cada preparação disponível. Duas metáfases de
cada clone celular são fotog rafadas, recortadas e o O FISH, apesar do alto custo e de visar à detecção de
cariótipo é montado. Em substituição à fotografia e anormalidades genéticas específicas, cem como vanta-
ao recorte para a montagem do cariótipo, pode ser gens a rapidez de execução, sensibilidade e especificida-
uti lizado um sistema de digitalização das imagens. de altas e a possibilidade de utilização de núcleos inter-

38 ( M edicina laboratorial para o clínico ]r-- - - - -- -- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - -


fásicos. No entanto, deve-se salientar que a cirogenética na reação em cadeia da polimerase (PCR), até as mais
convencional permanece como método imprescindível, complexas, como os microarrays.
já que permite detecm alterações cromossômicas adi-
Clonais presentes no diagnóstico e no decorrer do uata-
mento de neoplasias hemacológicas. APLICAÇÕES HEMATOLÓGICAS

O estudo genético-molecular de mutações que de-


APLI CAÇÕES HEMATOLÓG ICAS terminam uma variedade de doenças hematológicas
hereditárias é método de rotina para o diagnóstico de
Um dos objetivos do estudo cicogenético na área algumas delas, particularmente na fase pré-natal. Alguns
de hematologia é o estudo de quebras cromossômicas exemplos dessas doenças incluem:
feito em pacientes com síndromes que apresentam ins- • herança autossômica recessiva: anemia falciforme,
tabilidade cromossômica, tais como anemia de Fanconi, talassemias e doença de Gaucher;
ataxia telangiectasia e síndrome de Bloom. Esses pacien- • herança autossômica dominante: esferocitose he-
tes apresentam quebras espontâneas, as quais têm sua reditária, trombofilia devida ao fator V de Leiden e
freqüência aumentada pela adição de drogas indutoras várias formas da doença de von Willebrand;
específicas do meio de cultura. • ligação com o cromossoma X: deficiência de gli-
No estudo das leucemias, a detecção de alterações cose-6-fosfato desidrogenase e hemofilias A e B.
cromossômicas específicas por citogenética convencio-
nal e FISH permite d1ferenciar subgrupos com compor- Por ourro lado, um alto número de doenças hema-
tamento clínico-biológico particular. além de contribuir cológicas adquiridas, como as leucemias e os linfomas,
para o melhor entendimento da doença e auxiliar na resulta de alcerações em vários genes regu latórios. Al-
escolha da melhor opção terapêutica. Durante o acom- gumas dessas alterações não podem ser detectadas
panhamento, a utilização dessas técnicas permite a de- por meio da cicogenética convencional (crípticas), mas
tecção de recaída e de evolução clonai. o produto qUimérico pode ser evidenciado por técnicas
Ademais, a cicogenética convencional e o FISH po- moleculares. A utilização dos testes moleculares para o
dem ser utilizados para avaliação de quimerismo. O qui- estudo dessas doenças tem grande importância não só
merismo é a coexistência de células de dois organismos para o diagnóstico, como também para a esrratificação
diferences (provenientes de dois zigotos distintos) em de risco e a identificação de alvos para o monitoramen-
um único indivíduo. Na avaliação de pacientes subme- co da doença residual mín ima (ver capítulo 29) e para a
tidos a transplante de células-tronco hematopoéticas terapêutica dirigida.
(TCTH), a utilização dessas mecodologias apresenta a Ouuas aplicações de importância dos métodos ge-
limitação de que doador e recepcor devem possuir se- nético-moleculares na hemacologia incluem:
xos diferences, po1s a análise é realizada comparando-se • a detecção de polimorfismos de nucleotídeo
a constituição cromossômica sexual dos mesmos. No único (SNPs) nos genes que codificam o com-
caso de doador e receptor do mesmo sexo, a monitora- plexo de histocompatibilidade (HLA - human
ção apenas poderá ser feita se um deles possuir algum leucocyte antlgens). Arualmeme, o status dos an-
heteromorfismo cromossômico. tígenos HLA é investigado para avaliação da com-
patibilidade por metodologia molecular, ames de
transplantes de célu las-tronco hematopoéticas e
MÉTODOS GENÉTICO-MOLECULARES de outros órgãos;
• a análise de quimerismo, método cada vez mais
Em alguns centros de referência, é crescente a dispo- utilizado para a monicorização da presença do
nibilidade de diferences metodologias moleculares para a enxerto no paciente no período pós-TCTH. Nessa
detecção das alterações genéticas associadas a doenças fase do rratamenco, essa análise pode auxiliar na
hematológicas, desde as mais simples, como as baseadas detecção precoce de recaída ou rejeição.

Diagnóstico hematológico: princípios e técnicas 39


CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS
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40 Medicina laborat orial para o clín ico


os
Myriam de Siqueira Feitosa
Rosângela Fátima Di Lorenzo Pires

DIAGNÓSTICO BIOQUÍMICO:
PRINCÍPIOS E TÉCNICAS

ESPECTROFOTOMETRIA PRINCÍPIO

As dererminações especrroforomérricas ganha- Quando uma rad iação elerromagnénca (luz) ime-
ram significariva popularidade no laborarório clínico, rage com a maréna, os áromos e moléculas emirem
principalmente pela sensibilidade, especificidade e fa- uma energia radtanre, que pode ser derecrada na for-
cilidade na execução das dererminações bioquímicas ma de luz visível ou invisível. Newron descobriu, em
em amosrras biológicas, das récnicas manuais às gran- 1600, que a luz branca é uma misrura de várias cores.
des auromações. Mais rarde, Thomas Young demonsrrou que a luz se
Quase rodas as subsrâncias de inreresse clínico para o propagava em ondas cujo comprimenco define a cor
diagnósrico e comrole rerapêurico de doenças humanas da luz, variando de 380 nm a 760 nm a região do es-
podem ser quamtflcadas por merodologia especrroforo- pectro visível. A região acima e abaixo corresponde à
mérrica, que é a capacidade de uma subsrância ou um região do infravermelho e ulrravioleca, respecrivamen-
produro derivado de reação bioquímica em absorver ou ce. De faro, essas regiões são someme uma pequena
emirir luz, em um dererminado comprimemo de onda, parre da família da radiação conhecida como espectro
sob condições físico-químicas esrabelecidas. (Figura 5.1) eleuomagnécico.
Cor é a sensação fisiológica associada a um com -
Espectrofotometria primemo de onda. Objeros possuem cor porque refie-
rem comprimemos de onda específicos, porramo, cor
relaciona-se com o espectro de energia radiame. Todas
as cores somadas resultam na cor branca. As subsrâ n-
cias emirem cores diferences daquelas que absorvem.
feixe feixe
incidente emergente Por exemplo, uma solução de cor azu l absorve rodas
as cores, excero o azul, que é reflerido. As cores absor-
Solução vidas e reflecidas são dicas complemencares.
A maioria das análises bioquímicas rea lizadas no la-
borarório clínico baseia-se no princípto da quamidade
de luz absorvida ou reflerida, de acordo com as leis de
Cu beta Beer e Lambere:
Figura 5.1 - Pnncípto da espe([roforomerria.
1° Lei de Lambere quando a concentração de um Exemplo: Dosagem de glicose em plasma sanguíneo
analiro é consrame. a absorção depende do comprimen- Padrão =100 mg/dL
to do caminho óptico. Abs (00)=0,120
2° Lei de Beer: quando o camtnho óptico é constante Fator de calibração =100 I 0,1 20=833
e igual a 1, a concentração é diretamente proporcional Absorvância (abs) da amostra= 0,095
àquantidade de luz absorvida ou inversameme propor- Concentração de glicosena amoscra =0,095 x 833=79 mg/dL
cional ao logarítimo da luz transmitida, em relação à luz Quando uma substância não segue a lei de Beer, ou
incidente: seja. não há linearidade entre absorção e concentração.
A= abc= log (100 I %T) onde usa-se uma curva de calibração por meio de gráfico da
A= absorvância absorvância de padrões de concentrações conhecidas. A
a= absortividade do composto, sob determinadas concentração desconhecida é calculada interpolando-se
condições os valores na curva.
b= diâmetro da célula analítica (cubeta)
c= concentração do composto
%T= porcentagem de transmitância. (Figura 5.2) ESPECTROFOTÔMETRO

Os principais componentes do espectrofotômetro


são a fome de luz. o monocromador, o compartimento
<t: para amostra, o detector e o dispositivo de leitura. A
o fonte de luz incandescente de tungstênio é usada para

c
•O
> comprimento de ondas na região visível (320 a 1000
~
..0 nm) e de deutério para região UV (100 a 390 nm). O
<t:
monocromador separa a luz em bandas individuais. O
compartimento para amostra, ou cubetas, geralmente
concentração é de quartzo, quadrada, com 1 cm 2. Para medir peque-
nas amostras, microcubetas podem ser usadas. Um
tipo de dispositivo foi desenvolvido para facilitar e agili-
zar a rotina laboratorial, o fl uxo contínuo, cuja amostra
é levada para a cubeta através de tubos de teflon, por
·º bomba peristáltica. O detector converte a radiação ele-
tromagnética em sinal elétrico. Há relação direta entre
a intensidade da radiação e o sinal elétrico produzido.
Hoje, com o avanço tecnológico, os especcrofotôme-
tros microprocessados permitem funções automáticas,
armazenamento de dados, cálculo de curva-padrão, mais
concentração
sensibilidade e confiabiltdade nos resultados, menor vo-
Figura 5.2 - Relação da absorvânCia (A) e porcenragem de trans- lume de amostra e reagentes, controle de temperatura e
mitânCta (%T). facilidade operaoonal.

A determinação da concentração do analito é feita


a partir da comparação de uma solução padrão de con- ELETROFORESE
centração conhecida da mesma substância. Quando a
concentração tem relação linear com a absorção. calcu- PRINCÍPIO
la-se o fator de calibração, que é multtplicado pela absor-
vânoa da substância a ser quantificada, encontrando-se t a separação de moléculas baseada na sua carga
assim a concentração. elétrica sob a ação de um campo elétrico externo.

42 [ Medicina laboratorial para o clínico ) 1 - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - -


Quando uma voltagem é aplicada a uma solução, ge- consiste de duas câmaras não comunicáveis entre si, nas
ra-se uma corrente eléuica pelo fluxo dos íons: cátions quais é colocado o tampão e nivelado entre os dois lados.
(partículas com carga positiva) migram em direção ao Entre as duas câmaras, que possuem os eleuodos respon-
pólo negativo (catado) e ânions (partÍculas com carga sáveis pela passagem da corrente elétrica, fica um suporte
negativa) em direção ao pólo positivo (anodo). Muitas no qual é colocada a amostra biológica a ser analisada (Fi-
moléculas orgânicas são anfotéricas, ou seja, podem gura 5.3). Vários tipos de tampões e meios de suporte po-
estar carregadas positiva ou negativamente, depen- dem ser usados, dependendo da substância a ser separada
dendo do pH da solução. A mobilidade, ou taxa de mi- e quantificada. A evolução dos meios de suporte, com ele-
gração, da molécula é dependeme de vários fawres: vado grau de pureza e propriedades bem definidas, per-
• carga elétrica: quamo maior a carga, mais rápido mite separação mais nítida e estável dos elementos:
ela se move no meio de suporte; ou seja, mais se
afasta do ponto de aplicação;
• tamanho: quamo maior o peso molecular (pm), ~ ~

~
ponte
menor o deslocamento; / I
• propriedades do meio de suporte: meio poro- / tampão tampão
so separa as partículas por carga e por tamanho,
meio viscoso diminui a mobilidade e adsorção da
partícula;
• força do campo elétrico: quanto maior a volta- I Eletrodo (+) Eletrodo (·li
gem, mais rápida a migração;
• e ndosmose: quando o meio de suporte adsor-
ve íons hidroxila do tampão, w rnando-se car- I fonte
I
regada negativameme, há retardo na migração Figura 5.3 - Diagrama de uma câmara de eletroforese.
das moléculas;
• força iônica do tampão: quanto menor a força • acetato de celulose: material desenvolvido para
iónica, mais rápida a migração; reduzir a natureza polar do papel. através da aceti-
• temperatura: o aumento da temperatura aumen- lação do radical hidroxila da celulose. O material é
ta a taxa de migração. prensado em fitas resistentes. algumas das vanta-
gens do seu uso são o baixo custo e a necessidade
Portanto, tendo em vista wdos os fato res influentes de menor volume de amostra (1 a 2 ~L);
sobre a migração elet roforética, ao ser aplicada uma di- • gel de amido: é preparado aquecendo-se uma so-
ferença de potencial a uma mistura de macromolécu- lução de amido a 100 °c, colocado sobre um su-
las com taman ho e/ou cargas diferentes, as moléculas porte. É trabalhoso e pouco usado;
migrarão com velocidades e/ou direções diferentes, de- • gel de agarose: mais fácil de manusear que o ami-
pendendo de seus tamanhos e cargas. Deve haver equi- do, com menos adsorção da amostra;
líbrio entre todos os fatores citados, de modo a permi- • gel de poliacrilamida: formado pela polimeriza-
tir modelos de migração sem distorção, com exatidão, ção de dois compostos monoméricos, a acrilami-
sensibilidade e qualidade dos resultados obtidos. da e a n,n-metileno-bis-acrilamida.

Os corantes mais usados são a ninhidrina, sudan bla-


SISTEMA DE ELETROFORESE ck B, Ponceau S, Fat Red 7B e amido black.
O densitômetro mede a absorvância do corante no
O sistema de eletroforese é composto de uma cuba meio de suporte, por meio de um mecan ismo ótico. O
com tampa, meio de suporte, reagentes (tampão, corante sistema percorre a fita, registra a densidade ótica de cada
ou revelador, fixado r, transparentizador), fonte elétrica de fração e traça o perfil eletroforético. Atualmente, exis-
corrente contínua, densitômetro. A cuba de eletroforese te no mercado densitômetro integrado ao sistema de

Diagnóstico bioquímico: princípios e técnicas 43


elecroforese capaz de capcurar o traçado elecroforécico. por alea resolução. cem sido considerada efeciva no diagnóscico
analisar e imerprerar os resulrados abridos. da esclerose múlcipla. além do escudo das doenças linfoprolife-
rativas. especialmente doenças de cadeia leve.
Eletroforese capilar: também chamada de eletrofo-
APLICAÇÃO CLÍN ICA rese de zona capilar ou elecroforese capilar de alta perfor-
mance, é um avanço na cécnica de separação, auwma-
A eletroforese encontra apl icações cama na pesquisa cizada e com resultados rápidos nas identificações das
e no desenvolvimento biocecnológico (DNA recombi - frações de proceínas no soro, urina, líquor e hemoglobi-
name) quanto nos diagnósticos clínico e forense. nas variantes.
A aplicação da eletroforese no laboratóno clínico é
diversificada. sendo utilizada na separação e quantifi-
cação de proceínas séricas. análise de isoenzimas (LDH. CROMATOGRAFIA
CPK. fosfatase alcal1na), hpoproceínas. hemoglobinas e na
separação de ácidos nucléicos. A cromacografia pode ser definida como um sistema
Pelo pri ncípio da eletroforese, novas mecodologias que separa os componentes de uma mistura (solução)
foram desenvolvidas com o objecivo de melhorar a espe- pela inceração do composco com uma fase estacionária
cificidade e sensibilidade do reste, diminuir o volume de e outra móvel à medida que atravessa o meio de supor-
amoscra, tempo de análise e aucomatização do processo: te. A fase estacionária é aquela composta pelo meio de
Focalização isoelétrica: a base de separação é pela suporte e qualquer solvente e a fase móvel aquela em
carga da molécula em um gradiente de pH. A principal que há o fluxo de gás (cromacografia à gás) ou líquido
aplicação tem sido o escudo de isoenz1mas da fosfata- (cromacografia líquida) pelo sistema. O mécodo croma-
se alcalina em eritrócicos e soro. proceínas em biópsias e tográfico classifica-se geralmente de acordo com o mé-
bandas monoclonais em líquor. todo de separação (princípio cromatográfico. o tipo da
Eletroforese de proteínas em alta resolução: a técnica fase móvel e fase estacionária).
envolve o uso de gel de agarose sob alta voltagem e com o Quanco aos mecanismos de separação físico-quími-
resfnamenro do SIStema. Aelerroforese de proteínas em líquor, cos, a cromacografia classifica-se em (F1gura 5.4):

Papel

Camada delgada
em a lta resoluçã o

Ca mada delgado

Figura 5.4 - Class1ficação da cromatografia.

44 Medicina labora torial para o clínico )1-- - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - -


• cromatografia líquida por: Os princípios de separação das cromacografias líqui-
adsorção (líquida/sólido) da e gasosa têm os mesmos fundamentos. As bases físi-
partição (líquida/líquido) co -químicas do processo de separação fundamentam-
troca iónica se em dois equilíbrios: o de fase e o de distribuição. O
permeação (filtração por gel ou molecular). equilíbrio de fase refere-se ao estado de equilíbrio entre
• cromatografia gás por: sólido, líquido e gasoso, como, por exemplo, as técnica s
adsorção (gás/sólido) de sublimação e outras de destilação. Os equtlíbrios de
partição (gás/líquida) distribuição referem-se às diferenças de solubilidade e
adsorção de uma substância entre duas fases imiscíveis.
Encontra-se no Quadro 5.1 a classificação de croma-
tografia quanto ao princípio da técnica:
Na cromatografia por adsorção (líquida/sólido. ou CROMATÓGRAFO
gás/sólido). o composto é adsorvido a um suporte sóli-
do, como a sílica ou alumina. Na cromatografia por par- O cromatógrafo é o equipamento usado para a reali-
tição (líquido/líquido. L/L ou gás/líquido. G/L). os solutos zação da separação cromatográfica. Ele consiste de cinco
são separados pelas diferenças na distribuição entre as unidades básicas: um sistema para o suprimento da fa se
fases líquidas ou entre o gás e a fase líquida. A troca ió- móvel, injetor de amostra, uma coluna ou coluna aberta.
nica usa coluna com grupos iónicos ligados covalente- um detector (fotómecros. fluorômetros. sistemas elecro-
mente a um polímero na fase estacionária. onde pode químicos, condutividade térmica, ionização de chama) e
haver troca iónica, de forma reversível. com a fase móvel. um processador de dados. O sistema para o suprimenco
Na filtração por gel. os solutos são separados conforme da fase móvel pode variar de um simples cilindro de gás
o tamanho das partículas, em relação aos poros do gel a um complexo mecanismo de êmbolos conectados a
na fase estacionária. quatro ou cinco reservatórios de solventes.

Quadro 5.1 -Classificação dos méwdos cromawgráficos.

Princípio cromatográfico Tipo de fase móvel Dispositivo da fase estacionária Tipo de cromatografia
Adsorção Gás Coluna Gás/ Sólido (GS)
Competição entre um Líquido (LI
odsorvenfe sólido e o fase móvel Coluna
HPLC •
Líquido
Delgado (D)
Camada plano
Popei(P)
Partição Gás Coluna Gás/ Líquido iG/ LI
Competição entre o fase estacionário Líquido/ líquido (LL)
líquido e o fase móvel líquido Coluna
HPLC •
Troco iônico
Troco iônico (TI)
Competição entre a resina de troco
iônica da fase estacionário e o fase Líquido Coluna
móvel líquido
HPIC * *

Permeação
Competição entre o polímero do motriz Líquido Coluna Filtração por gel
e o fase móvel líquido

• t tPLChigh performance liquid chromarography


·· HPICh1gh performanceionchromarography

Diagnóstico bioquímico: princípios e técnicas 45


APLICAÇÃO CLÍN ICA presença de uma fonte com voltagem constante, cha-
mada de eletrodo de referência. O eletrodo usado para
Devido ao grande número de combinações entre as a medição é chamado de eletrodo indicador. A concen-
fases móvel e estacionária, a cromatografia é um procedi- tração de determinados íons em uma solução pode ser
mento importante no laboratório clínico, permitindo se- obtida medindo-se a diferença de potencial entre esses
parar misturas complexas, identificando e quantificando dois eletrodos, pelo potenciómetro.
as substâncias individualmente, sendo o método de refe-
rência em toxicologia (drogas terapêuticas e de abuso).
Em geral, a cromarografia a gás é usada para a sepa- ELETRODOS DE REFERÊNCIA
ração de materiais voláteis. A cromatografia líquida se-
para líquidos não voláteis e sólidos. Muitas substâncias Existem vários tipos de eletrodos de referência. O ele-
não voláteis, tais como aminoácidos, esteróides, ácidos trodo saturado de calomel e o de prata/cloreto de prata
graxas de alto peso molecular, são derivatizadas em sub- (Ag/Agcl) são muito usados na prática. O eletrodo de
produtos voláteis e dosados por cromatografia gasosa. referência tem potencial fixo, independentemente da
Peptídeos, polipeptídeos, proteínas e outros biopolíme- atividade do analito. Nos equipamentos de medida, esse
ros são separados somente por cromatografia líquida. A potencial é comparado ao potencial gerado por um ou
evolução da cromatografia líquida de alta pressão, inicial- mais eletrodos indicadores, para calcular a atividade do
mente para separar e medir a concentração de drogas analito desejado.
e seus metabólicos nos líquidos corporais, alcançou os
limites de picogramos para uma grande variedade de
compostos de interesse clínico. ELETRODOS ÍON SELETIVOS
A cromatografia líquida em coluna e a cromatografia
a gás têm algumas desvantagens: tempo de preparo da Potenciais de membrana são causados pela perme-
amostra, tempo de análise, necessidade de pessoal alta- abilidade de certos tipos de membrana a determinados
mente capacitado e custo elevado do equipamento e cátions ou anions. Um eletrodo íon seletivo consiste em
sua manutenção. uma membrana seletiva para o íon a ser medido, sepa-
rando-se uma solução de referência de concentração
fixa para esse mesmo íon e um elemento de referência
ElETROQUÍMICA de uma solução a ser analisada. Émuito sensível e especí-
fica para o íon a ser analisado. A complexidade do design
Eletroquímica engloba a medida da voltagem ou cor- depende da composição da membrana que determina a
rente elétrica gerada pela atividade de íons específicos. No seletividade da mesma. Existem vários tipos de eletrodos
laboratório clínico, são especialmente usados os procedi- íon seletivos, como eletrodos de vidro, eletrodos líquidos
mentos baseados na potenciometria e amperometria. de troca iónica e eletrodos de fase sólida.

POTENCIOM ETRIA ELETRODOS DE VIDRO

Potenciometria é a diferença de voltagem ou po- Eletrodos de vidro são feitos de vidro especialmente
tencial elétrico entre dois eletrodos numa célula eletro- formulado com diferentes composições, para determi-
quím ica, quando nenhuma corrente externa é aplicada nar a seletividade para H+, Na+, K+, Li+ e outros. Eles fo-
e a célula está em equilíbrio. A célula eletroquímica é ram os primeiros e ainda são os mais comuns para medir
composta de dois eletrodos conectados por uma solu- pH. São também muito usados para medir Na+ no soro.
ção eletrolítica conducora. Um eletrodo consiste em um Eletrodos com superfície achatada têm sido usados para
condutor metálico único em uma solução eletrolítica. medir Na+ diretamente na pele para diagnóstico de fi-
Para medir o potencial de um eleuodo, é necessária a brose cística.

46 Medicina laboratorial para o clín ico ]1---- -- - -- - -- - - -- - -- - - - - - - - -- --


ELETRODOS DE FASE SÓLIDA
Alguns biossensores desenvolvidos nos últimos anos
incorporam a amperomerria para medir alguns analiws.
Podem ser de membranas homogêneas ou hetero- Essa tecnologia tem se expandido para atender à de-
gêneas. O eletrodo de clorew de prata rem sido usado manda de restes realizados em laboratórios-satélite ou
para medir direrameme a atividade de Cl-. em unidades de tratamento intensivo e/ou de emergên-
cia. O primeiro biossensor desenvolvido foi para medir
glicose e, desde então, alguns outros estão disponíveis,
ELETRODOS DE TROCA IÓN ICA como uréia, bilirrubinas e lactaro. À medida que novos
sensores tornam-se disponíveis, cresce a demanda por
Uma membrana líquida de troca iónica consiste outros sensores.
numa substância carreadora de íons seleriva envolvida
por um solvente inerte. A membrana líquida pode ser se-
parada da solução a ser restada por uma membrana de AUTOMAÇÃO EM QUÍMICA CLÍNICA
colódio; ou uma matriz porosa pode ser embebida pela
membrana líquida. Essas membranas são muito usadas Analisadores automáticos no laboratório permitem
para medir K+, NH4+,e Ca 2+ que sejam processadas muitas amostras em curw perí-
odo de tempo, graças à maior velocidade de realização
das análises. Em uma hora, podem ser feitas centenas ou
ELETRODO DE pC0 2 milhares de análises nesses equipamentOs. A auwmação
permite também a eliminação de passos ou tarefas repe-
Incorpora os dois elecrodos, referência e indicador, titivas e monównas, que podem levar à instabilidade ou
em um mesmo sensor. A amostra fica em comam com erro nas análises. melhorando de forma significativa a re-
a membrana que, nesse caso, é permeável ao gás e não à produtibilidade dos restes. Embora a melhoria da repro-
solução. O gás difunde-se através da membrana e entra dutibilidade não seja acompanhada necessariamente de
em coma to com uma solução de bicarbonaw, alterando maior exaridão, já que esra está ligada ao méwdo analíti-
o pH dessa solução, que é medido por um eletrodo de co usado, houve melhoria significativa na qualidade dos
vidro interno. exames laborawriais nos últimos anos. lsw ocorreu devi-
do à combinação de equipamentos automatizados. cada
vez mais bem projetados. com bons méwdos analíticos
AMPEROMETRIA e programas eficazes de garantia da qualidade.
Em geral, os sistemas auwmatizados são versões me-
É baseada na medida da corrente que passa através canizadas de técnicas e procedimentos laborawriais ma-
de uma célula eletroquímica quando é aplicada uma vol- nuais, tais como:
tagem constante aos elerrodos. Uma importante aplica- • identificação da amostra e do paciente;
ção dessa tecnologia é o elerrodo de p0 2. descriw ori- • medida e adição de reagentes;
ginalmente por Clark. O sensor consiste em um carodo • pipetagem da amostra;
de platina, um anodo de prata, uma solução elerrolítica • homogeneização de amostra e reagente;
e uma membrana gás permeável. Uma voltagem cons- • incubação da mistura;
tante é mantida entre o catodo e o anodo. O oxigênio • calibração do ensaio;
da amostra passa através da membrana e é reduzido no • medida e leitura da reação;
catodo. Ao chegar ao anodo, ele doa os elérrons recebi- • liberação do resultado e armazenamento dos dados.
dos. A quantidade de oxigênio reduzido é direramenre
proporcional ao número de elétrons recebidos no caro- As amostras são transportadas dentro do equipa-
do. Assim, pode-se determinar a quantidade de oxigênio menw de modos diferentes, dependendo do tipo de
na solução medindo-se a mudança na corrente (fluxo de equipamento. Em analisadores de fluxo contínuo, o flu-
elétrons) entre carodo e anodo. xo é feiw por bombas perisrálricas. Em analisadores de

Diagnóstico bioquími co: princípios e técnicas 47


TESTES LABORATORIAIS REMOTOS
acesso randômico, o transporte pode ser feiro por serin-
gas, probóscides com ponteiras descartáveis acopladas
e agulhas de aspiração. A pipetagem dos reagentes tam- Após a introdução dos analisadores de bancada no
bém é feira por seringas ou agulhas. Os reagentes ficam início dos anos 80, surgi u uma nova geração de lnsrru-
armazenados no próprio equipamento, em geral em menros cada vez mais compacros. auromarizados e de
quamidade suficieme para trabalhar horas ou mesmo mais fácil manuseio. Existem agora muiros instrumentos
dias. As diluições das amostras e reagenres também são compactos. para uso fora do laboratório central, em salas
feitas por seringas ou agulhas adaptadas para aspiração. de emergência, unidades de rraramemo intensivo, blo-
As diluições podem ser previamente programadas, assim cos cirúrgicos. asilos, etc. Esses instrumentos podem ter
como os volumes de amostra e reagentes utilizados. A grande variedade de restes d1sponíveis e usar vários tipos
incubação da reação é feita de maneira a manter a tem- de amostra. preferencialmeme sangue rotai. eliminando-
peratura constante, com mínimas variações. se a etapa de preparo da amostra. A maioria usa peque-
A dosagem dos analiros baseia-se tradicionalmente nos volumes de amostra, menores que 50 ~ L. e libera
na espectroforomerria. Alguns analiros, íons como só- resulcados em até 15 minutos. Os reagentes usados, em
dio, porássio e cloro, são medidos pela inclusão nesses geral, são prontos para uso. assim como os calibradores
equipamentos de elerrodos íon-selerivos. Mérodos al- e controles. O crescimemo rápido desses insrrumemos
ternativos incluem forometria de reflectânCia, como nos rornou-se possível pelo avanço tecnológico dos micro-
equi pamentos de qu ím1ca seca e fl uo romema. processadores, elerrodos íon-selerivos e biossensores.
A introdução de computadores nos instrumentos Já existe no Brasil regulamentação do funcionamen-
laboraroriais permitiu que os usuários visualizassem os ro dos laborarónos clínicos deliberando sobre o com role
resultados em diversos formaros. Entre outras funções, da qualidade em rodos os procedimentos. incluindo os
eles podem fazer cálculos, curvas de calibração e con- restes laboraroriais remoros. O manuseio, controle da
trole Interno da qualidade. Podem acumular dados dos qualidade e treinamento do pessoal envolvido deve ser
pacientes, do controle da qualidade e das calibrações. supervisionado e documentado pelo laboratório clínico.
Os resultados podem ser enviados direramenre ao
sistema do laboratório, evitando-se a transcrição manual REFERÊNCIAS
dos mesmos, onde poderão ser avaliados para serem li-
1. Barker K. Na Bancada - manual de 1n1C1ação o encífica em
berados para o paciente e/ou médico-assistente.
laborarónos de pesqUisas bioméd1cas. Porto Alegre: Arr-
A escolha do instrumento ou equipamenro a ser uti- med; 2002.
lizado em cada serviço dependerá de inúmeros aspec- 2. Henry JB. Ciln1cal d1agnosis and managemenr by labo-
tos técnicos e económicos. Nenhum instrumento pode rarory merhods. 20th ed. Phdadelph1a: W. B. Saunders;
2001.
atender todas as necessidades de laboratórios de porres
3. Kaplan LA. Pesce Aj. Clmical chem1srry- rheory, analys1s,
diferences. Existe no mercado uma demanda crescente correlarion. 3th ed. SL Louis: M osby Year Book; 1996.
de eficiência e rap1dez. levando os laboratórios a prover 4. T1erz NW. Texrbook of clinical chem1srry. Philadelph1a:
serv1ços de mane1ra mais rápida, com menor cusro e W. B. Saunders; 1986.
a automação em química clínica se estendeu a outras 5. Ward KM . Lehmann CA. Le1ken AM. Ciln1cal laborarory
1nsrru menrat1on and auromat1on-pnnc1ples, applica t~ on
áreas do laboratório, especialmente para a dosagem de and selectlon. Phdadelphia: W. B. Saunders; 1994.
hormônios e imunoensaios.
Muiros dos princípios analíticos usados para determi-
nação de constitUintes séricos são também usados para
analisar os mesmos constitUintes na urina. A auromação
de dosagens urinárias é mais difícil, pois muiros consti-
tuintes estão presentes em concentrações bem menores
que no soro, exigindo menor limi te de detecção e maior
faixa de linearidade da reação. que permitam a medida
de concentrações maiores do anal iro sem diluições.

48 [ Medicina laboratorial para o clínico ]r-- - - - - -- - - - -- - - - - - - - -- -- - - - - - - -


Leonardo de Souza Vasconcellos
06 Silvana Maria Eloi Santos

DIAGNÓSTICO IMUNOLÓGICO:
PRINCÍPIOS E TÉCNICAS

Define-se como teste sorológico todo ensaio labora- de partículas em suspensão. que são aglutinadas quan-
torial que envolva uma reação imunoquímica de ligação do da formação dos imunocomplexos. Na floculação,
de moléculas de anticorpo a um ou mais determinantes técnica utilizada na reaçào de VDRL, o antígeno empre-
antigênicos, levando à formação de imunocomplexos. gado. um composto de cardiohpina-lecitina-colesterol.
IStO é. complexos antígeno-anticorpo. não se encontra sob a forma de partícula. mas. por
sua composição hpíd1ca. também não é solúvel. Ass1m,
cunhou-se o termo floculação para a reação que se for-
PRINCÍPIOS GERAIS ma quando da combinação de anticorpos séricos com o
DOS TESTES SOROLÓGICOS antígeno do VDRL, uma vez que flocos são visualizados
à microscopia óptica.
Na prática do laboratóno clínico, o teste sorológi- Outros métodos sorológ~eos envolvem uma se-
co pode ser empregado tanto na procura de antígenos gunda etapa, na qual um segundo anticorpo. antii-
quanto na procura de anticorpos. Como uma reaçào munoglobulina humana, encomra-se conjugado com
química, há o envolvimento de uma constante de asso- algum marcador que pode ser detectado por diferen-
Ciação e uma constante de dissociação cujo efeito soma- tes maneiras. Nas técnicas de imunofluorescência, o
tóno produz uma constante de equilíbrio. marcador utilizado é a molécula de 1sotiocianato de
fluoresceína que, quando excitada pela luz ultravioleta.
emite uma cor esverdeada, que é visualizada em um
Ag + Ac =; AgAc
microscópio apropriado. Já nas técnicas imunoenzimá-
ticas, utilizam-se compostos enz1máticos e seus respec-
tivos substratos para a pesquisa do imunocomplexo. A
Os diferentes tipos de reações sorológicas são nome- reação final é mensurada por um espectrofotômetro.
ados em função dos princípios utilizados na detecção que avaliará a mudança de cor da solução do substrato.
do 1munocomplexo formado. Assim, resumidamente. Nas reações de radioimunoensaio, agora em desuso,
temos a precipitação, em que antígenos e anticorpos são utilizados compostos rad1oat1vos que em item raios
solúveis são misturados e ao reagiram entre si formam gama detectados por contadores de radioatividade e.
um precipitado insolúvel que pode ser visualizado. Na nas técnicas de quimiluminescência. empregam-se
aglutinação. outra reação imunológica clássica, um ou compostas capazes de emitir fótons. que serão detec-
ambos os componentes da reação estão sob a forma tados por leirores de luz.
CONCEITOS BÁSICOS DE IMUNOLOGIA Já o sistema imune adaptativo envolve a participa-
ção de recepto res antigênicos em linfócitos T e B ge-
Para o bom entendimento de tais técnicas, torna-se rados por rearranjo genético clone-específico, de forma
necessário relembrar alguns conceiros básicos da imuno- que individualmente tais células expressam em sua su-
logia e da imunoquímica. perfície apenas um único tipo de receptor antigênico,
No final do século XIX, o termo "amicorpo" foi utiliza- que é capaz de reconhecer um limitado número de (ou
do para indicar o fator presente no soro responsável pela um único) determinantes antigênicos. Outra caracterís-
resposta à administração de um "amígeno", ouu o vocá- tica do sistema imune adaptativo é o desenvolvimen-
bulo introduzido para designar qualquer substância (na to de uma resposta anamnéstica, isto é, uma resposta
ocasião, princi palmente células e microrganismos) capaz imune secundária à exposição antigénica subseqüente à
de induzir uma resposta imune contra si. Vários outros exposição primária. Essa resposta secundária que ocorre
termos foram historicamente usados para indicar dife- após um tempo considerável depois da primeira exposi-
rentes atividades dos anticorpos (agluti ninas, preopitinas, ção ao antígeno é geralmente mais rápida e intensa.
opsoninas), uma vez que as características físico-químicas Assim, o braço adaptativo do sistema imune é res-
dos antígenos e dos anticorpos não eram conhecidas. ponsável pelas suas propriedades relativas à "memória"
A partir de Paul Ehrlich (1 854-1915), que sugeriu que e à "especificidade", que serão, muitas vezes, avaliadas
reações imunológicas ti nham uma base química, uma pelas reações sorológicas.
nova fase da imunologia foi desencadeada, a fase da imu-
noquímica. Em 1936, Heldelberger e Kendall purificaram
anticorpos a partir da dissociação de precipitados por CARACTERÍSTICAS DAS IMUNOGLOBULI NAS
soluções salinas concentradas. Posteriormente, foram
aplicados métodos de ultracentrifugação (1937) e eleuo- São proteínas plasmáticas pertencentes ao grupo das
forese (1938), quando se confirmou que os anticorpos gamaglobulinas, que são as proteínas séricas com a mais
pertenciam à fração globulina das proteínas séricas de lenta mobilidade elerroforérica. São produzidas por li n-
baixa mobilidade, designadas então de gamaglobulinas. fócitos B diferenciados e medeiam a chamada resposta
Atualmente, considera-se que o sistema imune hu- imune humoral. Sua estrutura molecular básica consiste
mano seja produto de milhões de anos de evolução de na presença de um par de cadeias polipeprídicas meno-
sistemas primordiais presentes ta nto em invertebrados res (cadeias leves, constituídas por um domínio constan-
(de onde provavelmente deriva o chamado sistema imu- te - CL e um domínio variável - VL) e um par de cadeias
ne inato) quanto em vertebrados (de onde deriva o siste- polipepcídicas maiores (cadeias pesadas, constituídas por
ma imune adaptativo). um domínio variável - VH e domínios constantes - CH)
Por sistema imune inato emende-se o conju nto unidas por ligações covalentes. A porção Fc é constituída
de fenômenos moleculares e celulares que envolvem pelas porções constantes das cadeias pesadas e a porção
algumas linhagens celulares (macrófagos, granulóci- Fab pelas porções variáveis das cadeias leves e pesadas
tos, células dendríticas, células NK) que utilizam um (Figura 6.1). São descri ros dois tipos de cadeias leves: ka-
número limitado de receptores protéicos codificados ppa (K) e lam bda (À). De cadeias pesadas, temos cinco
na linhagem germinal (germ-line encoded proteins), tipos: alfa (a ), gama (y), delta (8), mi (~) e epsilon (e), as
conservados ao longo da evolução (também conhe- quais determinam os isótipos, ou classes, de imunoglo-
cidos como receptores de reconhecimento de pa- bulinas (lgA, lgG, lgD, lgM e lgE, respectivamente).
drão primitivo ou RRPP), que reconhecem padrões
(motifs) moleculares comuns (lipídios e carboidratos)
altamente conservados nos microrganismos. Entre as PRO DUÇÃO DE IMUNOGLOBULI NAS NA CRIANÇA
pri ncipais ações do sistema imune inato, destaca-se a
ativação do complemen to, fagocitose, citotoxicidade Apesar de linfócitos pré-Bserem detectados no fígado
celular e produção de ci tocinas, quimioci nas e peptí- fetal humano desde a oitava semana de gestação e células
deos antimicrobianos. Bexpressando lgM de superfície serem detectadas na 10a

50 [ Medicina la borarorial para o clínico ]f-- - - - - - - - - - -- - - - -- - - - -- - -- - - - -


semana de gestação, o recém-nascido a termo produz pe- lulas Bem relação à especificidade antigênica, passando
quena quantidade de anticorpos. Entretanto, em seu soro, de altamente específica a antígenos estranhos para mais
há elevada concentração de lgG materna, devido ao trans- específica a antígenos próprios.
porte ativo transplacentário que ocorre desde o terceiro Embora indivíduos idosos renham mais alto núme ro
mês de gestação. Isso faz com que os níveis de lgG no plas- de auto-anticorpos, não se pode afirmar que isso reflita
ma do recém-nascido seJam próximos aos do materno, ao em manifestações subclínicas de doenças auco-imunes.
nascimento, caindo a seguir devido ao catabolismo das Auto-anticorpos associados a doenças auco-imunes
lgGs maternas e arraso no início da síntese das próprias geral mente são antígenos específicos. ao contrário de
lgGs. Como conseqüência, entre seis e nove meses de vida, auto-anticorpos naturais apresentados por idosos que
as crianças apresentam hipogamaglobulinemia fisiológica. apresentam resposta à ampla variedade de antígenos de
Após esse período, os níveis elevam-se. atingem 60% dos diferentes tecidos (ver capítulo 61).
adultos no primeiro ano de vida e tornam-se comparáveis
aos dos adulms por volta dos sete anos de idade. A lgM
pode ser detecrada no sangue do cordão devido à pro-
dução fetal. Após uma semana de vida, a síntese de lgM
acelera-se. mrnando-se a principal lg do recém-nascido.
Atinge 50% dos níveis adultos aos seis meses e 80% aos
12 meses de vida. lgA, lgD e lgE não são sintetizadas em
quantidades significativas pelo neonato. Suas concentra-
ções no sangue do cordão são muito baixas e aumentam
lentamente durante o primeiro ano, atingindo, então, 10%
a 25% dos níveis adultos.

PRODUÇÃO DE IMUNOGLOBU LI NAS PELO IDOSO Cadeias pesadas

Figura 6.1 - llusuação esquemática da estrutura de um monômero


O processo de senescência do sistema imune é ca- de imunoglobulina. As cade1as leves (que podem ser da classe K ou
racterizado por mudanças principalmente na imunidade À) possuem dois domínios: um variável (VL) e um constante (CL). As
celular e parece estar associado a diferentes fatores, sendo cadeias pesadas da lgG. lgAe lgD possuem 1 domínio variável (VH) e
os mais expressivos a diminuição da atividade do timo e a 3 domínios constantes (CH). Os monômeros de lgM e lgE possuem
permanente estimulação antigênica ao longo da vida. um domínio extra na porção constante da cadeia pesada.
A porção Fab, composta pelos domínios VL e VH, contém o sítio
Idosos saudáveis demonstram decréscimo de 10% a
de ligação com o amígeno (paratopo) que é tridimensionalmente
15% na contagem de linfócitos totais. Observa-se eleva- complememar ao epitopo (porção antigênica). O reconhecimento
ção do número de linfócims T imaturos (CD2+CD3-) as- antigênico se dá através das ligações não-covalentes que se estabe-
sociada ao aumento simultâneo de células NK, aumento lecem enrre estas duas superfícies.
dos linfócitos T de memória (expressando CDLíSRO) e
depleção de linfócitos T virgens (expressando CD4SRA).
Em relação à imunidade humoraL no envelheci- TERMOS COMUMENTE
mento humano ocorre decréscimo na resposta de UTILIZADOS EM SO RO LOG IA
anticorpos a antígenos específicos, contribuindo para
o aumento da suscetibilidade e gravidade de doenças Afinidade e avidez
infecciosas, assim como na menor eficiência de vacinas
em idosos. Verifica-se também aumento no número
de células B secretoras de anticorpos que reconhecem Afinidade: medida da força de ligação entre um sítio
antígenos próprios (auto-antígenos), sugerindo que no de combinação de anticorpo e um determi nante antigê-
envelhecimento ocorra mudança na população de cé- nico. Écalculado pela lei de ação das massas.

Diagnóstico imunológico: princípios e técnicas Sl


Avidez: é a somatória das afinidades individuais único tipo, provenientes de um único linfócito B, daí
e da proporção de cada amicorpo em um sistema o nome monoclonal (Figura 6.2).
policlonal (ex: uma amostra de soro), que comém
anticorpos de diferences afinidades para um ancíge-
no. Em restes imunoenzimácicos, a avidez pode ser Efeito prozona
aferida pela eiUição dos anticorpos de menor afini-
dade por me1o do emprego de agentes caotróp1cos Na formação dos imunocomplexos, para que ocor-
que desfazem as reações antígeno-anticorpo de baixa ra a reação é necessária a equivalência das concentra-
afinidade. ções relativas de antÍgenos e anticorpos. O excesso de
qualquer um favo rece uma reação subótima que pode
não ser detectada. Considera-se como efeito "prozona"
Anticorpos polidonais e monodonais a ausência de reação sorológica detectável em um sis-
tema de teste na presença de altas concentrações de
Anticorpos podem ser utilizados como ferramentas anticorpos séricos. A Figura 6.3 apresenta a ilustração
para o reconhecimento de moléculas antigénicas es- do fenômeno de prozona.
pecíficas com grande precisão e podem ser induzidos
artificialmente. Dependendo da forma de obtenção. e
conseqüente clonalidade, são classificados em policlo- Epitopo
nais ou monoclonais.
Anticorpos Policlonais: Entende-se por anticor- Mesmo que determinante antigênico. São regiões es-
pos policlonais o conjunto de anticorpos isolados a truturais dos antígenos, que são reconhecidas pelos an-
partir do soro de animais (geralmente coelho ou ca- ticorpos. Quanto maior a complexidade dos antígenos.
bra), obtido após imunização com preparação anti- maior a heterogeneidade de epitopos presentes e maior
gênica purificada. Apesar de serem uma miscura de a clonalidade da resposta desencadeada.
anticorpos de diferences especificidades individuais,
isco é, provenientes de dis[lntos clones de linfócitos B
responsivos ao mesmo ancígeno, apresentam alta es- Fase sólida
pecificidade dev1da aos processos de purificação rea-
lizados após sua obtenção. Podem ser produz1dos em Substrato ou porção fixa dos métodos de imune-
grande quantidade e são amplamente utilizados em ensaios, geralmente constituída de vidro. celulose ou
diferentes testes sorológicos. plástico, onde os componentes antigênicos ou anticor-
Anticorpos Monoclonais: Em 1975, Kohler e M1lstein pos estão fixados e onde se processam e ev1denciam as
desenvolveram um clone celular capaz de produzir um só reações. São apresentados habitualmente na forma de
anticorpo com especificidade bem definida para o ancí- placas. partículas, esferas, tubos. grades, pentes. fitas.
geno pesquisado. originando. então, o denominado anti-
corpo do tipo monoclonal. Em reconhecimento aos seus
estudos. foram congratulados com o prêmio Nobel de Janela imunológica
Med1cina em 1984.
AntiCOrpos monoclonais são obtidos a partir da Período de tempo compreendido entre a exposição à
fusão de linfócitos B esplênicos de animais imuniza- fonte de infecção e o surgimento de algum marcador so-
dos (geralmente camundongos) com células humanas rológico detectável pelos testes sorológicos disponíveis.
de mieloma múltiplo. que consistem em plasmócicos É naturalmente observada durante o curso natural das
monoclonais com taxa de divisão maior que a de infecções e sua duração é variável, dependendo especial-
plasmócitos normais e intensa produção de imune- mente da natureza do agente infeccioso, do tamanho do
globulinas. O hibridoma resultante é mantido em inóculo, da eficácia da resposta imune do hospedeiro e
cultura e seu sobrenadance contém anticorpos de um do imunoensaio empregado.

52 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1 -- - - - - - - - - - - - - - - - - -- -- - - - - - - - - -


Imunização
Linfócitos B Clo nagem

·r'
extraídos do baço

'( )f Cultura

.~.t: 1
Fusão

Hibridoma
Seleção dos 'f Anticorpos monoclonais
Cultura de células
hibridomas de presentes no sobrenadante
de mieloma ....
. . . . ... ... '<I interesse da cultura
...........

.... ~
...
A " A
..:

Figura 6.2- Produção m v1tro de anr1corpo monoclonal a parm da fusão de linfóCito Bespecífico para o anrígeno alvo {proven1enre de an1mal
1mun1zado) +células provenienres de culcura de células de m1eloma múlnplo humano {plasmóciros monoclona1s).

PRO ZONA PÓS.ZONA


!excesso de anticorpos) ZONA DE EQUIVAl ~NCIA !excesso de onngenas)

J- A ~
~A > <t>-i)
<({ \~~ y>
~t! ~~
~ v
YJ_;,-
i) (f
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.f. ~ A"k,~ ~v~i) i)(f
(f i) i) (f

{A~A ~ i) v>
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v~i) ~
~ <({<({~ y>
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~ ~ ~
~ J.A~ i) i) i)
i>
(f

~<({~A~ v v
Figura 6.3 - Na presença de excesso de anrtcorpos (prozona de equivalência) ou anrígeno (pós-zona de equtvalênoa). não ocorre formação
de complexos grandes. necessános para visualização da reação. O fenómeno de prozona é causa de resultados falso-negattvos em algumas
reações sorológicas. como o VDRL.

Resposta anamnéstica PRINCIPAIS MÉTODOS SOROLÓGICOS

MÉTODOS DE AGLUTINAÇÃO
Resposra imune secundária que se segue após expo-
SIÇÕes posreriores ao amígeno. Geralmeme mais rápida
e imensa. Nos mérodos de aglurinação, que podem ser re-
alizados em rubos ou em placas, um dos dois com-
ponenres da reação anrígeno-anricorpo deve esrar
Título fixado na superfície de panículas insolúveis. Após a
formação do imunocomplexo. é possível visualizar a
É expresso como o tnverso da úlrima diluição de soro formação de agregados. A imensidade da reação po-
que apresemou reação posiriva. derá ser medida considerando-se o ramanho final dos

Diagnóstico imu nológico: princípios e técnicas 53


agregados formados, podendo variar desde negativa,
na ausência de agregados, até fonemente positiva, na
presença de agregados maiores (Figura 6.4). Vários fa-

Partícula
correodoro
+ ••
••
Antígenos
solúveis
- Partícula
sensi bilizado

wres interferem na aglutinação, como a classe a que


pertence o amicorpo pesquisado (a lgM, por sua es-
trutura pentamérica e presença de 10 sítios de ligação
ao antígeno, é 750 vezes mais eficiente em aglutina r
panículas que lgG), concentração de eleuóliws, pH
(ideal entre 6,0 e 8,0), tempo de incubação antígeno- Partículas Anticorpos Aglutinação
anticorpo e temperatura. sensibilizados visível

Fi gura 6.5 - Aglutinação indireta: Partículas ou células sensibi-


lizadas (impregnadas por amígenos) são aglutinadas por ação
Antígenos e ou anticorpos Aglutinação intenso de anticorpos, formando grumos visíve1s.

/ ®/
porticulodos são
adiciono dos
e misturados
Reações de hemaglutinação

! / Aglutinação fraco
Os testes de hemaglutinação indireta são am-

/0 / / ®/ plamente empregados na pesquisa de anticorpos.


Exemplo clássico é a reação de hemaglutinação ln-
direta (geralmente abreviada por HAI) para pesqui-
Ausênc ia de aglutinação sa de anticorpos no d iagnóscico de diversas doen-
"""
/ 0 /
Figura 6.4 - Método de aglutinação em placa: aglutinação daspartículas
ças infecciosas, como sífilis, toxoplasmose, doença
de Chagas, entre oucras. Nesses casos, antígenos
provenientes dos agentes infecciosos são fixados
é graduada de negativa a 1mensa. dependendo da formação de grumos. na superfície de hemácias de carneiro ou humanas
do grupo O. que são fixadas com formaldeído ou
glutaraldeído para melhor conservação. Para a exe-
Caso os determinantes amigênicos sejam constituin- cução dos testes. amostras de soro dos pacientes,
tes de estruturas naturalmente insolúveis, como bacté- em diferentes diluições, segundo recomendações do
rias, protozoários, fungos ou hemácias, a reação é cha- fabricante, são incubadas em microplacas com sus-
mada de aglutinação direta. É geralmente utilizada para pensão de hemácias sensibilizadas, isto é revestidas
a detecção de microrganismos ou de antígenos eritro- com a preparação antigência. Após o tem po preco-
citários, a partir do emprego de anticorpos específicos. nizado para incubação. é realizada leitura da reação:
Seus usos clínicos mais freqüemes são no diagnóstico de no teste considerado positivo, verifica-se a formação
infecção por clamídia, salmonelose, brucelose, nckettslo- de fina camada homogênea de hemácias recobrindo
se e em imunohematologia. na cipagem de grupos san- o fundo da cavidade, enquanto nos testes negativos
guíneos e na detecção de auto-anticorpos amieritromá- a ausência de aglutinação permite que as hemácias
nos nas hemólises imunológ1cas. se sedimentem no fundo da cavidade, formando um
Se o méwdo necessitar da fixação artificial de pequeno círculo compacw. O título da amostra será
algum dos dois componentes da reação antígeno- a maior diluição em que ainda se observa reação po-
anticorpo na superfície de panículas insolúveis (geral- sitiva. Pe la HAI, detectam-se anticorpos das classes
mente hemácias, poliestireno (conhecidas como látex) lgM e lgG em concentração superior a O.Ol~g/ml.
ou bentonita), ele é chamado de aglutinação indireta Entre suas vantagens estão: apresentam baixo custo,
ou passiva. Os teste de aglutinação são examinados a não necessitam de equi pamentos automatizados e
olho nu, após período de incubação curw, em geral são testes semiquantitativos, podendo ser utilizados
menor que cinco minutos (Figura 6.5). na monitoração de títulos (Figura 6.6).

54 ( M edicina laboratorial para o clínico


de látex são revestidas com anticorpos, monoclonais ou
policlonais, que reconhecem antígenos microbianos e os
restes são, em geral, qualitativos, sugerindo a presença
ou não do agente infeccioso.

TESTE DE FLOCULAÇÃO- AGLUTINAÇÃO DE


CRISTAIS DE COLESTEROL

No caso da reação de VDRL- Venerai Disease Research


Laboratory, não são empregadas partículas sensibilizadas e
sim suspensão antigênica alcoólica de cardiolipina junca-
Figura 6.6 - Hemaglurinação indireta em placa: Os testes mente com cristais de colesterol com lecirina (ver capítulo
negativos (por exemplo: A2. A3. AS) são identificados pela
54). Trata-se de um método de pesquisa de anticorpos an-
compactação das hemáms sed1memadas na base do poço
(presença de um pomo hemátiCO central) e os posi6vos (por ricardiolipina que estão presentes em diferentes situações
exemplo: ALi, B3, BS, C4. Dl), pela formação de um tapete no clínicas, especialmente na sífilis, no lúpus eritematoso sis-
fundo da placa. têmico e na síndrome antifosfolípide. Os anticorpos anti-
cardiolipina presentes no soro formam imunocomplexos
Reações de aglutinação de látex
com a cardiolipina que são precipitados sobre os cristais
de colesterol, que são refringentes. A leitura do teste é fei-
As partículas de látex são esferas de poliesrireno que ta microscopicamente, sendo positivo quando há forma-
podem ser utilizadas como suportes na adsorção de pro- ção de flocos refringentes e negativo quando se apresen-
reinas solúveis e anrígenos polissacarídeos, para emprego ta homogêneo e sem agregados (Figura 6.7).
em reações de aglutinação. Foi descrita inicialmente por
Singer e Plorz. em 1956. para a pesquisa do faror reuma-
tóide, mas ainda é basta me utilizada, servindo como base MÉTODOS DE PRECIPITAÇÃO
para ensaios qualiranvos. semiquamitativos e até automa-
tizados. Apesar de poder ser empregada tanto na pesqui- Reações que envolvem precipitação de imunocom-
sa de antígenos quanto de anticorpos. seu uso clínico mais plexos solúveis, tam bém chamadas de ensaios de imuno-
freqüente é na pesquisa de antígenos. Uma utilização clás- precipitação, são freqüentemente adoradas em ensaios
sica da reação de aglur1nação de partículas de látex ainda laboratoriais, sendo os principais métodos a nefelometria
é a pesqu1sa de fato r reumatóide (auto-anticorpo da classe e a turbid1merria. Heidelberg, em 1935. já havia descrito
lgM que reconhece porção Fc de lgG humana), em que que a formação de imunocomplexos solúveis depende
parrículas de látex sensibilizadas com porções Fc de lgG de vános fatores, entre eles a equ ivalência na concentra-
humanas são incubadas com diferentes diluições de soro ção de antígenos e anticorpos, a avidez e afinidade entre
e verifica-se qual a maior dilUição em que se observou eles, condições do meio (tampão, pH, força iônica da so-
aglutinação das partículas de látex. Outras indicações fre- lução) e presença de polímeros (por ex. polierilenoglicol),
qüentes são a semiquantificaçào de proteína C reativa e a que aumentam a sensibilidade, a faixa de detecção e a
pesquisa de hCG. Nesses casos. partículas de látex encon- velocidade do ensaio.
rram-se sens1b1lizadas, respecrivamente, com anticorpos Ao receber uma luz incidente, imunocomplexos for-
am1proreína C reariva ou amicadeia ~ do hCG. mados em solução podem provocar dispersão, absorção,
Outra unlização clín1ca seria na detecção de antíge- reflexão e alteração da rransmissão da luz. Esses fenôme-
nos polissacarídeos bacterianos, como os estreptococos. nos são proporcionais ao tamanho, forma e concentra-
os esrafilococos e os meningococos. e na detecção de ção das partículas e quanto maior a precipitação entre
microrganismos em diferences líquidos biológicos (soro. ancígeno e ancicorpo, maior a dispersão e a reflexão da
secreção, urina. líquor, erc.). Em tais situações, parrículas luz incidente e menor a sua rransmitância.

Diagnóstico imunológico: princípios e técnicas ss


Fonte
de luz

Detector B

Detector A
Figura 6.8- Princípios da automação para mensuração da re-
ação ancígeno-anricorpo por métodos de precipitação. A luz
incidente no cubo pode ser capeada pelo detector A (nefelo-
metria - que quantifica a dispersão da luz) ou pelo detector
B(rurbidimerria - que mede a absorção da luz), cuja leitura
final apresenta correlação com a concentração de anrígeno
ou anticorpo da amostra resrada.

Na determinação de compostos de baixo peso


molecular, como hormônios, drogas e outros hapte-
Figura 6.7 A e B- A: reste negar1vo - ausência de floculação, nos, utiliza-se a nefelomecria de inibição, em que os
com dispersão de antígenos na placa. B: Teste positivo - for- haptenos a serem dosados competem com haptenos
mação de "flocos", conseqüentes à formação de imunocom- conjugados com proteínas carregadoras pelos sítios no
plexos, evidenciando presença de anticorpos no soro reste. anticorpo específico, havendo inibição na formação de
precipitados. O emprego de micropanículas inertes,
tais como látex (esferas de poliestireno) recobertas com
Nefelometria antígeno ou anticorpo, aumenta a sensibilidade dos en-
saios nefelométricos. Essas panículas são usadas como
A nefelometria é um método direto de med ida da suporte dos reagences, amplificando a precipitação e a
dispersão de uma luz incidente, em um determinado dispersão da luz.
ângulo, sendo sensível para dimensionar as reações de Vantagens: reação precisa, rápida, de fácil realização e
precipitação. Geralmente, os aparelhos, chamados de tmalmente automatizada. Com partículas amplificado-
nefelômetros, utilizam, como fome de luz, lâmpadas ras apresenta elevada sensibilidade (na ordem de 1J.lg/
de rungsrênio, mercúrio, xenônio, hélio-neônio (laser), ml e de 1ng/ml).
etc. Os feixes de luz ou do laser são coletados por Desvantagens: alto custo do nefelômetro e dos anti-
lemes focalizadoras e atravessam o tubo comendo a corpos, reações inespecíficas em amostras lipêmicas ou
amostra e a solução reagente. Outras lentes coletam hemolisadas e a necessidade de múltiplas diluições quan-
a luz emergente em ângulo de 70° e a focalizam para do os antígenos do teste estão muito concentrados.
um detector eletrônico, q ue amplifica o sinal. Este é Aplicação: quantificação de drogas, hormônios, pro-
convertido em unidades de registro digital que são teínas (por ex. imunoglobulinas, componentes do com-
relacionadas com a concentração do anrígeno ou do plemento, faror reumatóide e proteína C reativa), imu-
anticorpo na amostra (Figura 6.8). nocomplexos, lipoproteínas, etc.

56 [ Medicina laboratorial para o clínico


Turbidimetria
excitadas com luz de alta energia, absorvem parte dessa
energia, emitindo luz de um comprimento de onda maior
É um mérodo muiw semelhante à nefelometria, mas e menor energia. fenômeno denominado de fluorescên-
que mede a diminuição da imensidade de luz transmiti- cia. Assim, a leitura das reações é feira em microscópios
da, em relação à incidente, por meio de uma suspensão de fluorescência, que possuem uma fome de luz de alta
de panículas, devido a: reflexão, absorção ou dispersão imensidade (geralmenre lâmpadas de quarrzo-halogênio),
do seu feixe de luz. As leicuras são conduzidas em uni- filtros de excitação e de barreira, que permitem alta trans-
dades de absorbância que refletem a relação entre luz missão da fluorescência emitida. Pode-se então dizer que
incidente e luz transmitida. Assim como na nefelome- a reação de imunofluorescência associa as propriedades
tria, partículas amplificadoras (por ex. polierilenoglicol) da fluorescência, da reatividade anrígeno-anricorpo e ain-
podem ser admadas, aumentando a sensibilidade do da da microscopia óptica. Devido a essa última caracterís-
reste. Nesses casos têm-se os restes PETIA (imunoensaio tica, é realizada em lâminas. O substrato utilizado deve ser
rurbidimérrico com partículas de látex amplificadoras) e visível à microscopia órica (células, micoorganismos) e a
PETINIA (imunoensa1o turbidimémco de inibição com técnica não é passível de automação. uma vez que exige a
partículas de látex amplificadoras). atuação de pessoal treinado na leicura microscópica.
A comparação entre as técnicas de nefelomerria e O reste de imunofl uorescência oode ser realizado de
turbidimerria depende mais da qualidade dos apare- forma direta ou indirera (Figura 6.9).
lhos de leitura do que do princípio do mérodo pro-
priamente dico.
Vantagens: reação precisa, rápida, de fácil realização, au- lmunofluorescência direta
tomatizada e econôm1ca. Não necessita de separação en-
tre as fases e as amostras podem ser ensaiadas d1retamente Nessa técnica, empregada na pesquisa de microrganis-
sem a necess1dade de pré-tratamento. A turbidimerria ten- mos e na localização de anrígenos em células ou tecidos,
de a ser mais precisa, ma1s reprodutível e mais s1mples que utiliza-se anticorpo específico, monoclonal ou policlonal.
a nefelomema. A utilização do especrroforômetro, que é marcado com fluorocromo (chamado de conjugado). Na
um aparelho mais comum, reduz o seu cusw. lâmina de vidro, onde ocorre a reação. fixa-se a amostra a
Desvantagens: reações inespecíficas em amostras ser examinada, geralmente líquidos corporais, secreções
lipêmicas ou hemolisadas. A curbidimeuia rende a ser do paciente ou cortes h1srológ1Cos, que podem comer
menos sensível que a nefelometria. os antígenos que serão reconhecidos pelo anticorpo flu-
Aplicação: quantificação de drogas, hormônios, pro- oresceinado. Após incubação, este se fixa ao anrígeno,
teínas (por ex. pré-albumina, albumina e proteína C rea- formando um complexo estável. Posteriormente, a lâm i-
riva), lipoproteínas. etc. na é lavada para remoção dos anticorpos não ligados e
levada ao microscópio de fluorescência para leitura da
reação. Na reação positiva, a estrutura comendo o antí-
IMUNO FLUORESCÊNCIA geno apresenta-se com a típica cor esverdeada brilhante
da fluoresceína, enquanto na reação negativa a estrucura
Descrita com sucesso pela primeira vez por Coons et apresenta-se não corada ou, em alguns casos, corada por
ai. em 1941, envolve a capacidade da molécula de anti- coloração de fundo, que geralmente é empregada para
corpo se ligar covalenremenre a fluorocromos sem perder facili tar a leitura final.
sua reatividade específica. Isso é possível, pois geralmen- Vanragens: além da especificidade, que é dependente
te a conjugação do fluorocromo com o anticorpo se faz do anticorpo utilizado, permite a localização do amíge-
por me10 dos grupos am no da lisina, que não são críticos no no substrato utilizado.
para a reat1v1dade do anticorpo. Fluorocromos (por ex. Desvantagem: sensibilidade relativa, demorada, não
1smioe~anaro de fluoresceína, isonoe~anaro de tetrame- passível de automação, requer a aruação de profissional
tilrodamma, lisamina-rodamina B e ácido d1metli nafra- bem treinado para a leitura e microscópio com manu-
lenossulfônlco) são substâncias complexas que, quando tenção rigorosa.

Diagnóstico imunológico: princípios e técnicas 57


A

<: ..
Lavagem

' +

Antígeno presente no Solução de anticorpos Complexo


amostro o ser testado específi cos marcados o ntígen<Xlnticorpo
(p.ex . Chlomydia trochomotis) com fluoresceíno fluoresce nte

+ ..
Lavagem
+ ..
Lavagem

An tígeno lixado no Anticorpos Complexo Antiimunoglobulinos Complexo


lâmina de vidro presente ontígencranticorpo marcados ontígeno-onticorpo
(Trypanosomo cruz~ no soro do (fluorocromo) fluorescente
paciente

Figura 6.9- Exemplos de técnicas de imunofluorescência di reta e indireta. A) lmunofluorescência di reta: utiliza-se de um prepa-
rado de anticorpos específicos marcados com fluoresceína para a pesquisa de antígenos em amostras do paciente. Na ilustração,
pesquisa de Chlamydia trachomatis por imunofluorescênc1a di reta. B) lmunofluorescência indireta: utiliza-se preparado antigêni-
co fixado a uma lâmina de vidro (na ilustração, uma suspensão de T cruzi). para pesquisa de anticorpos no soro do pac1ente (na
ilusuação. pesqu1sa de anticorpos an tiT cruzl). A revelação é feita com anticorpos ami1munoglobulina humana marcados com
fluoresceína.

Aplicações: principalmeme na imunocitoquímica e Após lavagem, a preparação é reincubada com anticor-


na demonstração de vários amígenos de células e te- pos. geralmente de cabra ou coelho amiporções cons-
cidos. além da pesquisa de alguns agemes infecciosos tantes de imunoglobulinas humanas, conjugados com
como clamídia, treponemas, amebas. etc. fluoresceína. Utilizando-se diluições seriadas do soro é
possível determinar o título de amicorpos, que será a
máxima diluição em que se observa fluorescência.
lmunofluorescência indireta Resumidamente: para facilitar o entendimento das
duas formas de fluorescência (direta ou indireta), lem-
Nas reações chamadas indireras. emprega-se uma se- brem-se de que no método direto o reagente fornecido
gunda preparação de amicorpos, que será aquela que es- no kit é a preparação de amicorpos específicos conjuga-
tará complexada com a fluoresceína. Esse mécodo é ge- dos com a fluoresceína. O amígeno será pesquisado na
ralmeme empregado na pesquisa de amicorpos séricos. amostra do paciente. Já na reação de imunofluorescência
Nesses casos, preparações amigênicas padronizadas, ge- indireta, o kit fornece as lâminas comendo a preparação
ralmeme protozoários. bactérias ou células. encomram- antigênica e os amicorpos serão pesquisados no soro do
se fixadas à lâmina de vidro. Diluições de soro do pa- paciente. Nessa reação, o kit também fornece uma pre-
ciente são colocadas sobre o substraco e incubadas para paração de anticorpos de origem an imal que reconhe-
permitir a formação do complexo antígeno-anticorpo. cem anticorpos humanos conjugados com fluoresceína.

58 Medicina laboratorial para o clínico


Vantagens: alta sensibilidade e especificidade litativos, quantitativos ou semiquantitativos. Nos ensaios
Desvantagens: as mesmas da fluorescência direta. de quantificação de antígenos. uma curva-padrão é traça-
Aplicações: Além da pesquisa de anticorpos em do- da a partir de diferentes amostras de referência contendo
enças Infecciosas. como sífilis (FTA-ABS), roxoplasmose. concentrações conhecidas do antígeno. Na pesquisa de
ciromegalovírus. herpes simples, doença de Chagas e anticorpos, cujas concentrações são mais variáveis, a quan-
malária, é o mécodo de escolha para pesquisa de aura- tificação ou semiquamificação envolve esrabelecimemo
anticorpos na pesquisa de anticorpos antinucleares. de um limiar de afinidade ou pomo de corte (cut-ofj), aci-
ma do qual os valores serão considerados positivos.

REAÇÃO DE IMUN OPEROXIDASE


Métodos imunoenzimáticos para
Empregada essencialmente em ensaios de imuno- detecção de anticorpos
histoquímica, foi descrita inicialmente em 1966 com o
objetivo de detectar e localizar antígenos celulares, em- Os ensaios de detecção de anticorpos solúveis po-
pregando microscopia óptica comum e ação da enzima dem ser conduzidos basicamente por dois mérodos: in-
peroxidase. Segue o mesmo princípio da imunofluores- direro e de captura dos anticorpos lgM. O método indi-
cência, exceto pela utilização da enzima no lugar do fluo- rero é o mais amplamente empregado (Figura 6.10).
rocromo. Essa enzima converte o substrato em produro No método indireto, microplacas de poliestireno
insolúvel que precipita no sítio da reação. sendo visível contendo vários pequenos poços são sensibilizadas com
no microscópio óptico comum. Outras enzimas. como preparações antigênicas. Amostras de soro em diluições
a fosfatase alcalina e a glicose oxidase. também podem recomendadas pelo fabricante são incubadas por perío-
ser empregadas. Uma grande vantagem da peroxidase do preestabeleCido para permitir a reação dos anticorpos
está no seu baixo peso molecular, permitindo maior pe- presentes na amostra com o antígeno fixado na micro-
netração celular e conseqüentemente melhor definição placa. Após lavagem dos poços, um preparado de anti-
das estruturas. A detecção simultânea de dois ou mais corpos anciimunoglobulinas humanas conjugados com
constituintes celulares pode ser conduzida com a utiliza- enzimas é adicionado. Esse conjugado antiimunoglobu-
ção de dois ou ma1s cromógenos. lina humana reage com o anticorpo capturado pelo antí-
As principa1s vantagens da imunoperoxidase em rela- geno da fase sólida e a reação é revelada com adição do
ção à imunofluorescência estão no fornecimento de pre- substratO específico para a enzima utilizada. Em casos de
parações mais duradouras. no baixo custo e na utilização reações positivas, ocorre mudança de cor na solução e a
de microscopia óptica comum. Amplificadores como intensidade da cor é estimada colorimeuicamente, sendo
avidina (ligada à enzima) e biotina (ligada ao anticorpo) proporcional à concentração do anticorpo pesquisado.
podem ser utilizados em escudos de imunociroquímica Caso o antiCOrpo a ser pesquisado seja da classe lgM.
e imunohisroquímica. é freqüente a ocorrência de resultados falso-negativos
ou falso-positivos. Por isso, emprega-se o método de
captura de anticorpos lgM. Nesse teste, a fase sólida é
ENSAIOS IMUNOENZIMÁTICOS sensibilizada com anticorpos anncade1a pesada da lgM
(cadeia 1-1). Os soros em teste são incubados, capturando
Os ensaios imunoenzimáticos (ELISA) são aqueles todos os lgM da amostra. A seguir, incuba-se com anrí-
nos quais é empregada marcação de anticorpos com en- geno solúvel e posteriormente com preparações de an-
zimas e a leitura se faz pela medida da ação enzimática ticorpos específicos para o antígeno, marcados com en-
sobre substrato cromogênico, levando à mudança de cor zima. Como nos demais testes, após lavagem dos poços
da solução. As enzimas mais utilizadas como marcadores para retirada dos componentes não fixadas, o substrato
nos ELISA são peroxidase e fosfatase alcalina. enzimático é adicionado e a intensidade da cor é lida em
São métodos mu1ro empregados e têm substiwído am- especuofotômeuo, sendo diretamente proporcional à
plamente a reação de imunofluorescência. Podem ser qua- concentração do anticorpo (lgM) pesquisado.

Diagnóstico imunológico: princípios e técnicas 59


>--
+ ~-<
Lavagem

> + i>-- Lavagem

> >-- ~
>--
:) ~
Fase sólido Anticorpos Complexo Anti-imunoglobino Complexo ontígeno- anticorpo
+ ontígeno do amostro ontígeno-onticorpo marcado com peroxidose - onti-imunoglob ino marcado

>-- o
Lavagem

>-- + u c::=~>

>--
Complexo ontígeno - anticorpo Adição de Formação de precipitado
- onti-imunoglob ino cromógenos

Figura 6.10 - Pesqutsa de amtcorpos pelo metódo imunoenzi mático indirero: amostra de soro ou plasma é incubada em mi-
croplacas contendo antígenos fixados. para detecção de anticorpos específicos. Após lavagem para retirada de anticorpos não
fixados. são adicionados anticorpos anriimunoglobulina humana conjugados com enztma. Após incubação e posterior lavagem
para retirada dos anticorpos não ligados. ad iciona-se o substrato da enztma conJugada e a reação é revelada pela mudança de
cor. A imensidade da cor é diretamenre proporcional à concentração do anncorpo pesquisado.

Medida da avidez de lgG Métodos imunoenzimáticos para


detecção de antígenos

Em algumas sicuações clínicas, especialmente


no diagnóstico de infecções em gestantes, rorna- Já os ensaios de imunoenzimáticos para pesquisa de an-
se úril a medida da avidez das lgGs séricas pelos cígenos podem ser conduzidos por mécodos de captura (ou
antígenos. É sabido que lgGs mais recentes apresen- sanduíche). de competição com anticorpo marcado e de
tam menor avidez que aquelas produzidas há mais competição com antígeno marcado. Entretanto, por apre-
cem po. Assim. a avaliação da avidez das lgGs circu- sentarem sensibilidade moderada. têm sido substituídos
lantes pode contribuir para considera r o processo por outras mecodologias. como a quimioluminescência.
infeccioso como agudo ou não. A técnica envolvida O mécodo de captura é o mais adorado para pesqui-
na medida da avid ez envolve a realização do reste sa de antígenos polivalentes. As placas (fa se sólida) são
imunoen zimático em duplicata. Um teste é realiza- sensibilizadas com anticorpo específico para o amígeno
do de forma convencional. enquanto no outro. é a ser testado. Após incubação da amoscra com a fase
ac rescentada uma etapa de adição de solução que sólida. lava-se o sobrenadame. A seguir, incuba-se no-
favorece a dissociação do imunocomplexo. Q ua nto vamente com amicorpo específico marcado com uma
maior a estabilidade da interação antígeno-ancicor- enzima. Faz-se a segunda lavagem. A reação é revelada
po. maior resistência à ação da solução dissociante. com a adição de um subscraco e a atividade enzimática
A medida do índice de avidez é feita pela razão: final (taxa de degradação desse subsuaco pela enzima) é
leicu ra do teste com solução dissociante I le icura direcameme proporcional à concentração inicial do antí-
do cesce co nvencional. Se o índice (razão x 100) for geno na amostra testada.
maior que 60%, admite-se alta avidez. Se inferior a No mécodo de competição com amicorpo marca-
30%. co nsidera-se baixa avidez. Valores intermediá- do, a fase sólida é sensibilizada com antígenos. Adiciona-
rios são inconclusivos. se a amostra teste e amicorpos marcados com enzima.

60 [ Medicina laborarorial para o clínico


Os anticorpos se ligam tanto aos antígenos da amostra, Vantagens: elevada sensibilidade para a análise quanti-
quanto aos da fase sólida. A densidade óptica encontra- tativa das reações anrígeno-ancicorpo, facil idade de con-
da é inversamente proporcional à concentração inicial jugação do isócopo, permite medidas rápidas e precisas,
do antígeno na amosua testada. derecra sinais sem orimizaçào e estabilidade contra faw-
No méwdo de competição com antígeno marca- res interferentes no ensaio. Mesmo em preparações não
do, a fase sólida também é sensibilizada com anticorpo purificadas, apresenta limiar de detecção na ordem de
específico para o ancígeno a ser testado. Adiciona-se a nanogramas ou picogramas. Omro pomo positivo está
amosua teste e o conjugado (antígeno-enzima). A den- na detecção de pequena concentração de analitos, mes-
sidade óptica encontrada é inversamente proporcional à mo quando o volume da amostra é bastante escasso.
concentração inicial do antígeno na amoscra testada. Desvantagens: cusro elevado, vida média curra
Vantagens: sensibilidade e especificidade elevadas, ra- dos reagentes e necessidade de proteção no uso de
pidez, precisão, estabilidade dos reagentes, objetividade radioisótopos.
da leitura e possibilidade de automação. Apl icações: na toxicologia, farmacologia, endocrino-
Desvamagens: a atividade enzimática pode ser afeca- logia, sorologia, etc. Pode ser utilizado para quantificar
da por constituimes plasmáticos. Comparada com os ra- drogas, marcadores tumorais, hormônios, alérgenos,
dioimunoensaios, a mensuração da atividade da enzima antígenos e anticorpos virais, bacterianos, fúngicos, etc.
pode ser mais complexa e com menos sensibilidade do Adorado também para pesquisas, em detecção de no-
que a mensuração dos radioisótopos. Possibilidade de vos antígenos.
ocorrência de efeito gancho (ver capítulo 59) no método
de capwra, comum nas dosagens hormonais.
Aplicação: o método de ELISA é o mais empregado na ENSAIOS IMUNOQU IMIOLUMINESCENTES
prática da soroimunologia laborawrial. Sua proliferação
pode também ser atribuída ao emprego de anticorpos Entende-se por q uimioluminescência o fenôme-
monoclonais e antígenos recombinantes específicos. no no qual ocorre emissão de luz eletromagnética
(inclusive ultravioleta ou infravermelho) a partir de
reação química. A reação de imunoquimiolumines-
RA DIOIMUNOENSAIOS cência é outra variação dos imunensaios, muito se-
melhante aos imunoenzimoensaios, porém muito
Berson et a/. foram os pioneiros nesse método em mais sensível, na q ual a fosfatase alcalina (conjugada a
1956, em pesquisas envolvendo anticorpos anciinsulina. anticorpos antiimunoglobu lina humana) acua hidroli-
O radioimunoensaio (RIA), que era muito utilizado na sando um substrato quimioluminescenre e gerando
prática laboratorial, acualmeme vem perdendo espaço um prod uto instável, o qual após estabilização gera
para outros métodos que utilizam marcadores não ra- emissão de fótons (amplificados). Os ensaios imuno-
dioarivos, ficando sua atuação cada vez mais restrita em quimiolu minescemes são geralrrente automatizados
atividades de pesquisa. e a leirura se dá em aparelhos chamados lum inôme-
O princípio do método é praticamente o mesmo vis- tros, emendendo-se por luminometria a medida da
co nas reações imunoenzimácicas, variando apenas a mar- luz emitida por composros quimiolum inescentes.
cação molecular que, no caso, consiste de componentes Os agentes quimioluminescentes mais comuns são
radioativos em vez de componemes enzimáticos. A me- luminol, isolum inol, luciferina (presente nos vaga-lu-
dição da reação é feita por contadores de radioatividade. mes), derivados de acridina, indol. Em 1989, Bronstein
Vários radioisócopos podem ser utilizados, sendo os isóto- desenvolveu um substrato quimioluminescenre (ad-
pos com 1125 (vida média de 57.5 dias) e 1131 (vida média de mantil 1.2-dioxietano-fosfaro) para a fosfatase alca-
8 dias) os mais empregados. Diferentes variações do métO- lina que, ao contrá rio dos demais, não necessita de
do foram desenvolvidas, emre elas o ensaio imunorradio- molécula adicional para a emissão de luz quimiolu-
méuico (IRMA), descrito inicialmente por Miles e Hales, minescente. Atualmente, novos marcadores estão
em 1968, utilizado na detecção de antígenos proréicos. em escudos e, por apresentarem alta sensibilidade, os

Di agnósrico im unológico: princípios e récnicas 61


ensaios imunoquimioluminescenres vêm se rornan- compostos de diversos componentes protéicos. Para a
do cada vez mais rotineiros. técnica de western-blot. a preparação antigênica é pre-
Vantagens: elevada sensibilidade, linearidade da cur- viamente submetida à eletroforese em gel de poliacrila-
va dose-resposta (emissão de luz tende a ser proporcio- mida. de alta definição, a fim de separá-la em diferentes
nal à concentração do analito em análise), rapidez (sinal bandas, de acordo com seus tamanhos e cargas. Poste-
é gerado em poucos segundos e pode permanecer por riormente, todo o conteúdo proréico presente no gel é
várias horas), custo mais baixo (pouca concentração de transferido para a folha de nitrocelulose, mantendo-se
reagentes), procedimento simples, possibilidade de au- conservado o perfil eleuoforético. Dessa forma, a folha
mentar a sensibilidade com uso de amplificadores. de nitrocelulose contém o preparado antigênico apresen-
Desvantagens: reações oxidativas, como as do lu- tado sob a forma de bandas proréicas individualizadas.
mina i, podem sofrer interferência de inúmeros fatores Essa fira de nitrocelulose sensibilizada é submetida a um
presentes no sistema, aumentando a inespecificidade processo semelhante ao da reação de ELISA Isto é, após
do exame. ser incubada com soro diluído do paciente e lavada, é
Aplicação: pela alta sensibilidade são amplamente reincubada com anticorpos antiimunoglobulina humana
empregados na dosagem de hormônios. antígenos. vira- marcados com enzima. Substrato cromógeno adequado
minas e marcadores tumorais. é adicionado e. ao sofrer ação da enzima. muda de cor e
colore as bandas nas quais houve reconhecimento pelos
anticorpos do paciente (Figura 6.11).
ENSAIOS IMUNOFLUORIMÉTRICOS A reação de western-blot foi e ainda é amplamente
utilizada na confirmação do diagnóstico da infecção
Esse método é muito semelhante ao ensaio imuno- pelo HIV. Variações da técnica original foram desenvol-
quimioluminescente, exceto por empregarem substratos vidas. Uma das mais promissoras e mais empregadas é a
fluorigênicos que, após ser estimulado por um compri- utilização de antígenos recombinantes no lugar do ex-
mento de onda de excitação étimo, há emissão de fluo- trato antigênico bruto proveniente de lisado de células
rescência máxima. Essa fluorescência é captada por flu- infectadas. Essa variação é conhecida como imunoblot
orômetro equipado com um multiplicador de fótons. A recombinante (RIBA- recombinant immunoblot assay) e
intensidade da fluorescência é direramente proporcional rem sido bem aceita pelos laboratórios devido à pureza
à concentração inicial de antígeno ou anticorpo pesqui- do antígeno e conseqüente facilidade de leitura.
sado na amostra testada. Vantagens: elevada sensibilidade e especificidade.
Vantagens: praticamente as mesmas dos ensaios Desvantagens: resultados qualitativos, cusco elevado.
imunoquimioluminescentes. Os sinais gerados são supe-
riores aos observados nos ensaios imunoenzimáticos.
Desvantagens: pode haver presença de substâncias TESTES RÁPIDOS
interferentes na amostra. emitindo luz fluorescente, fal-
seando os resultados. São geralmente testes de triagem que produzem
Aplicação: semelhante à dos ensaios imunoquimio- resultados em, no máximo. 30 minutos, sem utilização
luminescentes. de equipamentos. São também chamados de testes re-
motos. pelo faca de poderem ser realizados distante do
laboratório (a beira do leito, ambulatório, trabalhos de
REAÇÃO DE WESTERN-BLOT campo). Existem atualmeme inúmeros testes rápidos no
mercado para detecção de antígenos e anticorpos em
É um método sorológico no qual é possível identifi- amostras biológicas. produzidos por vários fabricantes e
car as frações do preparado antigênico reconhecidas pe- utilizando diferentes princípios técnicos. Geralmente, os
los anticorpos do paciente. Isco é. nos ensaios descritos restes rápidos são qualitativos. de metodologia simples e
acima, os anticorpos do pacientes eram incubados com acondicionados em embalagens individualizadas. permi-
homogeneizados antigênicos, geralmente complexos, tindo a resragem individual das amostras.

62 Medicina laboratorial para o clínico


A) Etapa de produção da fita de nitrocelulose contendo as frações protéicas antigênicas

Aplicação Separação Transferência


em gel de eletroforético dos elétrico poro
poliocri-
lomido
proteínas com
formação de bandos
membranas de
nitrocelulose
~
c:=::~> c:=====~> c:=::~>

?>
Extraio Eletroforese em gel Gel de poliocri- Folho de nitrocelu-
ontigênico em de poliocrilomido lomido contendo os lase contendo os
solução SDS-PAGE bandos protéicos bandos protéicos

B) Etapa da reação de western-blot

-- Adição de
Anti-imunoglobulino
humano marcado
com enzima
Amostro do paciente

substrato

- <::===:::::J
-
Leitura Final

lmunocomplexo Formação do Tiro de nitrocelulose


reoção ontígeno- contendo os
anticorpo bandos protéicos
Figura 6.11 - Reação de western-blot: Inicialmente, o preparado antigênico é submetido à eletroforese em gel de poliacrilamida.
para separação das diferentes proteínas de acordo com seus pesos moleculares. e posteriormente rransferido para membrana de
nitrocelulose acravés de corrente elétrica. Posteriormente, é realizada reação imunoenzimática na fira de nitrocelulose contendo
as diferentes bandas amigênicas.

Utilizam como suporte sólido para os antígenos fi- Desvantagens: são testes principalmente de triagem
xados diferentes materiais como membranas de celulo- e seus resultados são apenas qualitativos.
se ou nylon, látex, microparrículas ou carreias plásticas.
Entre os mais adorados está o dipstick, que emprega
matriz de nitrocelulose como suporte. Para detecção IMUNOFENOTIPAGEM POR
da reação, utiliza-se corante coloidal, enzimas ou ouro CITOMETRI A DE FLU XO
coloidal. Nos kits para detecção de antígeno, usa-se um
anticorpo de captura, ligado à membrana, e um anti- Diferentemente dos métodos descritos, que são uti-
corpo marcado específico para esse antígeno. já nos kits lizados geralmente na detecção de antígenos ou anticor-
para detecção de anticorpo, emprega-se um antígeno pos solúveis presentes em líquidos biológicos, a imuno-
ligado à membrana e um anticorpo antiimunoglobulina fenotipagem por citometria de fl uxo. em laboratórios
específico marcado. clínicos, tem sido adorada essencialmente nos estudos
Vantagens: rapidez do resultado, simplicidade da téc- de caracterização fenotípica de células em suspensão,
nica, fácil interpretação, elevado valor preditivo negativo. principalmente leucócitos do sangue periférico e células

Diagnóstico imunológico: princípios e técnicas 63


da medula óssea. Qualquer célula ou parcícula em sus- CONSIDERAÇÕES FINAIS
pensão medindo 0,2-SOjJm de camanho pode ser ana-
lisada no cirômerro de fluxo. Células de cecidos sólidos Nas últimas duas décadas, os mérodos sorológicos
devem ser desagregadas para permitir sua análise. Como passaram por importantes avanços que resultaram na
o próprio nome indica, crara-se de um mémdo de feno- disponibilização de restes de alta sensibilidade, especi-
tipagem celular realizada a partir de anticorpos que re- ficidade e reprodutibilidade. Emrecanro, mesmo com a
conhecem antígenos presemes na superfície celular. Para utilização de amicorpos monoclonais, anrígenos recom-
ranro, anticorpos (em geraL são empregados anticorpos binames, peprídeos sintéticos, marcadores específicos e
monoclonais, disponíveis comercialmente) enconcram- sensíveis, o reste sorológico é essencialmente biológico,
se marcados com fluorocromos, que absorvem uma luz não possuindo a precisão das reações químicas puras.
incidence e emitem outra luz de comprimenw de onda É sempre bom recordar que anticorpos não possuem
maior e específico. Há diversos fluorocromos, cada um especificidade absoluta e que diferences agemes infec-
com seu padrão panicular de absorção e emissão de ciosos podem compartilhar determinames antigênicos
luz, o que possibilita a utilização simultânea de vários Emão, a detecção de amicorpos exclusivameme especí-
amicorpos, cada um conjugado com um diference flu- ficos para algum ageme específico é uma meta pratica-
orocromo. O emprego clínico mais comum da imuno- mente impossível de se atingir. Enfim, a interpretação de
fenoripagem por ciromerria de fluxo está na contagem um reste sorológico depende principalmeme da situação
de linfócims T CD4+ circulantes no moniroramento da clínica envolvida e do paciente individualmeme. Isso por-
infecção pelo HIV (ver capítulo 44) e no diagnóstico e que a produção de anticorpos no indivíduo é particular e
classificação imunológica de leucemias e linfomas (para variável: cada paciente rem seu perfi l de resposta imune,
maiores detalhes ver capítulo 4). resultado de sua genérica e de sua experiência imunoló-
De maneira simplificada, pode-se dizer que o citô- gica prévia. Assim, os exames sorológicos só podem ser
merro de fluxo é uma combinação de um contador au- interpretados à luz de informações clínicas.
romático de células, similar ao empregado na realização
auromarizada de hemograma (vide capítulo 4), com um REFERÊNCIAS
derecror de fl uorescência. Isso permite a determinação
1. Burris (A, Ashwood ER, Bruns DE. Tierz Texrbook of
simultânea de múltiplas propriedades físicas das células
Clinical Chem1srry and Molecular D1agnosrics. 4 th ed. Sr.
examinadas: tamanho, complexidade interna e emissão Lou1s: Elsevier Saunders; 2006.
de fluorescência. 2. Ferreira AW, Ávila SLM. D1agnósnco laboraronal das
No cirômetro, a suspensão de células previamente principais doenças 1nfecc1osas e auro-imunes. 2• ed. R1o
incubadas com as preparações de anticorpos fluorescen- de janeiro: Guanabara Koogan; 2001.
3. jacobsDS, DeMorr WR, Oxley DK. Laborarory resr hand-
tes é colocada em tubos de ensaio, de onde é aspirada e book. srh ed. Cleveland: Lexi-comp; 2001.
levada até uma câmara onde um feixe de luz laser incide 4. McPherson RA, Pincus MR, Threarre GA, Woods GL.
sobre cada célula individualmente, permitindo a análise Henry's Clin1cal Diagnos1s and Managemem by Labora-
individual de cada células, em suas diferences proprieda- wry Merhods. 21th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders;
2007.
des. As alterações no feixe de luz induzidas pela célula
5. SriresDP, Terr AI, Parslow TG. Basic Clinical lmmunology.
são detectadas por diferences sensores e transformadas grh ed. London: Prennce-Hall; 1994.
em impulsos elérricos convertidos em sinais digitais, po- 6. Vaz AJ, Take1, k, Bueno. EC. lmunensaios: Fundamentos e
dendo oferecer os resultados em diferences formas de Aplicações. R1o de jane1ro: Guanabara Koogan; 2007.
análise, cais como hiswgramas, dot-plot, entre outros. O
sistema óptico permite identificar as células pelo seu ta-
manho e sua complexidade interna e o sistema de filtros
permite a idemificação da fluorescência emitida.

64 [ Medicina laboraro rial para o clínico ]1-- - -- - -- - - - - - - - -- - -- -- - - - - - - - --


Edi/berto Nogueira Mendes
07 Paula Prazeres Magalhães
Guilherme Birchal Coi/ares

, ,
DIAGNOSTICO GENETICO:
PRINCÍPIOS E TÉCNICAS

A descrição da estrutura da molécula de D A há ESTRUTURA E FUNÇÃO DE ÁCIDOS NUCLÉICOS


cerca de 50 anos, por Watson e Crick, constituiu o
pomo de partida para o desenvolvimento de diversas Áodos nuclé1cos são macromoléculas que con-
técnicas de estudo de ácidos nucléicos, cujas aplica- sistem de subun1dades denominadas nucleotídeos.
ções, no campo da bioanálise e do biodiagnósrico, são constituídas por uma pentose, uma base nitrogena-
virtualmente ilimitadas. De faro. pôde-se testemunhar, da e um gru po fosfato. Dois tipos de pentose po-
nos últimos 25 anos, um avanço sem precedentes na dem ser observados. ri bose e desoxirribose, que di-
compreensão de diferentes fenômenos biológicos, ferem pela presença/ausência de um grupo hidroxila
que expandiu nosso conhecimento sobre as bases na posição 2' do anel do açúcar. As bases nltrogena-
moleculares das doenças e. ao mesmo tempo. forne- das, ligadas à pos1ção 1' do anel da pentose, podem
ceu. aos profissionais da área de saúde, novas manei- ser pmm1dinas (CitoS111a, timina e uracila) ou punnas
ras para estabelecer o diagnóstico e o prognóstico e (adenina e guanina). que possuem, respectivamente,
monirorar o curso das mesmas. um e dois anéis heterocícl icos de carbono e nitrogê-
Os mérodos de genérica molecular. ou seja. o nio. Ligado às posições 5' e 3' de pentoses adjacen-
conjunto de técnicas que empregam ácido nucléico tes e, portanto, responsável pela formação da cadeia
como alvo. vêm sendo paulatinamente incorporados polinucleotídica. encontra-se o grupo fosfato. que
à prática médica, particularmente nas diversas áre- confere carga negativa à macromolécula. O nucle-
as da Medicina Laboratorial. Características como otídeo terminal de uma das fitas de ácido nucléico
simplicidade. rapidez. confiabilidade, sensibilidade apresenta o grupo 5' livre; na outra extrem idade, o
e especificidade conferem. aos métodos genéricos. grupo 3' encontra-se livre. Convencionou-se que a
posição de destaque no campo do diagnóstico labo- seqüência de nucleocídeos da fita deve ser apresen-
rarorial. Tais métodos possibilitam a caracterização, tada no sentido 5'-3'.
inclusive de mutações e polimorfismos. e a análise da Existem dois tipos de ácidos nucléicos, ácido de-
expressão gênica. tanto no que se refere ao hospedei- soxirribonucléico (DNA) e ácido ribonucléico (RNA).
ro como. no caso de doenças infecoosas, ao agente que apresentam diferenças estruturais e funcionais. O
etiológico do processo. DNA é responsável pelo armazenamento e pela trans-
O objetivo deste capítulo é apresemar os pnncípios ge- missão da informação genética e o RNA está envolvi-
rais e as aplicações das técnicas de genética molecular mais do no processo de síntese protéica, também denomi-
comumeme empregadas no diagnósnco laboratonal. nado rradução.
O DNA é uma molécula de fica dupla, cuja pen- PRINCIPAIS TÉCNICAS DE GENÉTICA
cose é a desoxirribose e cujas pirimidinas são citosina MOLECULAR APLICADAS AO DIAGNÓSTICO
e timina. As cadeias que consticuem a molécula são
antiparalelas, ou seja, a orientação de uma das ficas é Diversos métodos que analisam DNA ou RNA po-
5'-3' e da fica complementar 3'-5'. O pareamento en- dem ser empregados no diagnóstico laboratorial. sendo
ue as firas, para formação da dupla hélice. é mamido agrupados em duas caregorias. Os mérodos baseados
por ligações entre bases nicrogenadas complemen- em amplificação são, na maioria das vezes, mais sensí-
tares (A-T e C-G) e interações entre pares de bases veis, permitindo a detecção de pequena quantidade do
adjacentes. (Figura 7.1) ácido nucléico alvo e, portamo, são especialmente úteis
para realização de diagnóstico a partir do espécime clí-
nico. Embora a quantidade de ácido nucléico necessária
extremidade 5'
seja consideravelmente maior, os métodos que não en-
volvem amplificação são utilizados. na prática, em diver-
sas situações, inclusive na confirmação da identidade de
produtos amplificados.

TÉCNICAS QUE NÃO ENVOLVEM AMPLI FICAÇÃO


DE ÁCIDOS NUCLÉICOS
( cu,
o-~-o­
o Os dois mécodos de genétiCa molecular que não

0 11
•••.• •
~~v ~ . envolvem amplificação mais utilizados na prática labo-
racorial são hibridização e análise com endonucleases de
O= r-o·
restrição. Ambos possuem numerosas aplicações, sendo

~·· o
o
p o
particularmente úteis na condução de investigações de
natureza epidemiológica.

Figura 7.1 - Represemação esquemática de molécula de DNA. (C-


otostna; G - guanina; A - adenosina: T - tinína). Hibridização

Hibridização é um conceito fundamenta l na bio-


O RNA, que apresenta citosina e uracila como química de ácidos nucléicos. A técnica baseia-se na
bases pirimídicas e ribose como açúcar, é uma mo- propriedade de pareamento entre seqüência alvo e
lécula de fita simples, mas exibe diversas regiões de sonda. A sonda é uma cadeia curta de nucleotídeos
fita dupla, em decorrência do pareamento entre bases complementar à seqüência de interesse e pode ser sin-
nicrogenadas complementares (A-U e C-G). Existem tetizada in vitro ou obtida pelo tratamento de uma ca-
três tipos principais de RNA: mensageiro, transpor- deia polinucleotíd ica com endonucleases de restrição.
tador e ribossômico, que são uanscritos de DNA. O Para permitir a detecção dos híbridos. a sonda deve
RNA mensageiro carreia a informação codificada no ser marcada. Essa marcação pode ser feita com ISÓW-
DNA para a síntese protéica. o RNA transportador é po radioativo, que torna o método mais sensível. mas
responsável pelo carreamento do aminoácido a ser apresenta os riscos inerentes à manipulação de mate-
1ncorporado na cadeia polipepcídica em formação e rial radioacivo, ou com subscratos quimioluminescen-
o RNA ribossômico é um consticuinte estrutural dos tes ou cromogênicos, que são reagentes mais estáveis,
ribossomos, organelas complexas que catalisam a cra- facilitando a padronização e a reprodutibilidade do
dução da informação gênica em uma seqüência de método. A forma de detecção varia de acordo com o
aminoácidos. (Figura 7.2) tipo de marcação empregada.

66 Medicina laboratorial para o clínico


anti c odon

S GCGGAUUUAOCUC~AGCGCCAGA CUGAAYAY CUGGAGGUCCUGUG CAC AG AAUUCGCA - 3'

Figura 7.2 -Representação esquemática de molécula de RNA rransportador (A- adenina; C - cirocinina; G - guanina; U - uracila)

Em linhas gerais, a hibridização envolve as seguintes ferentes origens. Sondas de DNA ou de RNA podem ser
etapas, apresentadas esquemacicamente na Figura 7.3: ucilizadas para dececção de seqüências complementa-
ligação do ácido nucléico alvo a uma membrana; des- res; podem ser obcidos híbridos DNA/DNA. DNA/RNA
naturação da fira dupla de ácido nucléico, quando for o ou RNA /RN A. Devido à facil idade de processamento
caso; adição da sonda em condições de cemperacura e inicial, de armazenamento e de rransporre do mace-
força iônica adequadas; remoção do excesso de sonda ria!, bem como à possibilidade de análise simulcânea de
não hibridizada e dececção da seqüência híbrida. numerosas amostras, a hibridização é parcicu larmente
A hibridização pode ser empregada em diversas si- adequada para escudos epidem iológicos que envolvem
cuações, visando, na maioria das vezes, a invescigação de obcenção de macerial em locais que não dispõem de
semelhanças entre moléculas de ácidos nucléicos de di- infra-escrucura adequada.

gel membrana

Transferência d o
acido nuc léico do gel
paro o membrana

sonda marcada d etecção do alvo

Figura 7.3 -Representação esquemática de técnica htbridização.


1 -d
Diagnóstico genérico: princípios e récnicas 67
A tecnologia de microarray, um tipo particular de hibri- limitação é a sensibilidade baixa, ou seja, resultados falso-
dização mais recentemente desenvolvido, emprega sonda negativos poderão ser obtidos quando a quantidade de
marcada ligada a um suporte sólido ao qual as amostras ácido nucléico alvo não for adequada. O desenvolvimen-
teste são adicionadas. Por ser uma técnica miniaturiza- to de métodos que envolvem amplificação, em especial
da, requer pequenos volumes de reagentes, o que reduz PCR, contribuiu para a solução deste problema e incre-
o cusco do teste. Os microarrays são manufaturados por mentou a utilização de métodos de genética molecular
diversos fornecedores, que utilizam diferences supones no diagnóstico laboratorial.
sólidos, encre os quais o vidro, o mais comumeme empre- Apesar de a PCR ser a estratégia de amplificação
gado. A metodologia ainda não se encontra disponível na de ácidos nucléicos mais util izada, outras metodolo-
imensa maioria dos laboratórios de diagnóstico. gias têm sido desenvolvidas. Além da ampli ficação
do ácido nucléico alvo, elas podem envolver ampli fi-
cação da sonda (oligonucleotídeo) ou do sinal (mar-
Análise com endonucleases de restrição cador da sonda). Esse grupo de métodos apresenta,
como principal vantagem, a combinação de sensi-
Endonucleases de restrição são enzimas produzidas por bilidade e especificidade elevadas, sendo util izado,
microrganismos, que reconhecem pequenas seqüências pa- especialmente, nas áreas de Oncologia e de doenças
lindrômicas específicas de nucleotídeos e clivam a molécula infecciosas e hereditárias. Kits d iagnósticos que em-
de ácido nucléico. O tratamento de ácidos nucléicos com pregam algumas dessas técnicas vêm sendo ampla-
tais enzimas gera fragmentos de diferences tamanhos, de mente comercializados.
acordo com a distância entre os sítios de clivagem presentes
na molécula. O perfil de restrição da amostra pode ser reve-
lado por eletroforese em gel do produto da reação. PCR
Para investigação do perfil de restrição, pode ser em-
pregado DNA obtido di retamente da amostra ou DNA A PCR é uma reação química simples, pr-omovida
amplificado por reação de polimerização em cadeia (PCR). in vitro, que combina os princípios de hibridização com
Existe uma ampla gama de endonucleases de restrição dis- aqueles de replicação de ácidos nucléicos. Permite a am-
poníveis no mercado; a escolha das enzimas pode ser feita plificação exponencial de seqüências genômicas de in-
com base na seqüência do alvo em questão ou de maneira teresse, sendo considerado um método de diagnóstico
aleatória. O número de enzimas utilizado em determinado extremamente sensível e específico.
teste pode variar de acordo com o propósito do estudo e
Digestão por endonuclease
o emprego de diferences enzimas aumenta o poder discri-
minatório do método. Exemplo: EcoR 1

Em síntese, a técnica consiste em submeter a amostra de


DNA à clivagem por endonuclease(s) de restrição nas con-
3'- C - T - T - A - A t G - 5'
dições físico-químicas adequadas para que a reação ocorra. 5'- C lA- A- T- T - C - 3'
O produto da digestão enzimática é, então, discriminado
sitio de reconhecimento
por eletroforese em gel. A comparação entre os perfis de
restrição obtidos permite a investigação de semelhanças ~ Eletroforese em gel

entre ácidos nucléicos de diferences origens (Figura 7.4).


--

1-t--- Padrão de restrição


TÉC NICAS QUE ENVOLVEM AMPLI FICAÇÃO DE
ÁCIDOS NUCLÉICOS
- -
Embora as técnicas que não envolvem amplificação Figura 7.4 - Representação esquemática da análise empregando
do alvo apresentem especificidade elevada, sua principal enzima de restrição.

68 ( Med icina laboratori al para o clínico Jr-~~~~~~------------~~~~~~~~~~~-


Para a realização da PCR, alguns consEiwinces são da para deEecção de um alvo específico, o que implica
fundamentais: a) o molde (DNA), ao qual se liga o a necessidade de se conhecer previamente a seqüência
par de primers; b) os primers, usualmente seqüências da região a ser investigada. A PCR é um procedimentO
curtas de DNA de fita simples (15 a 25 nucleotídeos), de execução simples, cujo resultado pode ser obtido de
cada um deles complementar a uma das fitas de DNA forma rápida.
molde; c) os desoxi rribonucleosídeos trifosfaEados Diversas modificações que aumentam a aplicabilida-
(dNTPs), que são adicionados de maneira comple- de da técnica têm sido desenvolvidas. Entre elas, podem
mentar à seqüência do molde; d) a DNA polimerase ser citadas PCR multiplex, nested PCR, arbitrarily-primed
termoescável, usualmente Taq DNA polimerase, que, PCR (AP-PCR), reverse-transcriptase PCR (RT-PCR) e
após ligação dos primers, catalisa a adição de desoxir- PCR em tempo real.
ribonucleotídeos às fitas em formação. A concentra- A PCR multiplex é a variação na qual mais de um
ção de cloreto de magnésio, outro reagente essencial, par de primers é incluído na reação, o que permite a
influencia o desempenho da técnica, podendo ser detecção de diferentes alvos. A principal lim itação da
ajustada para tornar adequadas a especificidade e a técnica é a dificuldade de padronização, decorrente
sensibilidade da reação. da utilização simultânea de primers com proprieda-
Cada ciclo de amplificação inclui três etapas: desna- des químicas e físicas distintas. Em conseqüência da
turação, anelamento e extensão. A desnaturação é o pe- possibilidade de detecção de múltiplos alvos em uma
ríodo no qual a fita dupla de DNA é desfeita. O processo mesma reação, a PCR multiplex torna a relação custo/
é promovido pela exposição do material à temperatura benefício mais favorável.
de aproximadamente 95°C. Durante a fase seguinte, os Nested PCR envolve o uso de dois conjuntos de pri-
primers ligam-se a regiões homólogas no DNA molde. mers, empregados em reações seqüenciais. O amplicon
Esta etapa ocorre em temperatura mais baixa, influen- produzido na primeira reação é utilizado como molde
ciada pela seqüência de bases niuogenadas dos primers. na segunda. As vantagens desta técnica são sensibili-
No período de extensão, promovida em torno de 72°(. dade e especificidade aumentadas, em decorrência do
temperatura ideal para ação da Taq DNA polimerase, número elevado de ciclos de amplificação e do uso de
ocorre formação da cadeia complementar de DNA. um conjunto de primers que se anelam a regiões do
cujo tamanho é determinado pela posição de anela- produto amplificado na primeira reação, respectiva-
mento dos pnmers. mente. As principais desvantagens são o custo elevado
Os produtos da reação ou amplicons, produzidos em e a necessidade de mani pulação do produto amplifica-
quantidades extremamente elevadas (cerca de 2n, n = nú- do na pri meira reação.
mero de ciclos de amplificação), o que diminui de forma AP-PCR emprega primer que se liga a alvos aleató-
significativa o limite mínimo de detecção, podem ser evi- rios na molécula de DNA produzindo fragmentos de
denciados pelo emprego de diferentes técnicas, incluindo diferentes tamanhos. À semelhança da análise com en-
eletroforese em gel. colorimetria, fluorimetria e quimiolu- donucleases de restrição, a técntca é útil para a detecção
minescência, entre outras (Figura 7.5). de semelhança entre genomas de diferentes origens.
A aplicação da PCR, sem dúvida o principa l avanço RT-PCR utiliza RNA como alvo. Na primeira fase da
técnico recente na área de Genética Molecular, tem re- reação, DNA complementar (cDNA) é produzido pela
volucionado o conhecimento relativo aos organismos ação da enzima transcriptase reversa. A seguir, este DNA
vivos. O impacto da técnica afeta rodos os campos da é empregado como molde para amplificação, como des-
Biologia, tanto na área básica como aplicada, sendo em- crita anteriormente para PCR convencional. Encomra-se
pregada para diagnóstico clínico, esrudo de doenças disponível, atualmeme, uma DNA polimerase termoes-
hereditárias e análise forense, entre outros. Merece des- tável que, em condições adequadas, possui também ati-
taque sua utilização no campo das doenças infecciosas, vidade de uanscriptase reversa. As principais aplicações
para a compreensão da relação entre microrganismos e da técnica incluem o estudo da expressão gênica e o
hospedeiro, o diagnóstico etiológico e a investigação de diagnóstico de doenças infecciosas por vírus cujo geno-
resistência a drogas antimicrobianas. A técntca é utiliza- ma é constituído por RNA.

Diagnóstico genético: princípios e técnicas 69


amplicans do tamanho
esperado

I ?
I ',..:::J llllllllr..
I S.---'

1 ... '.r"J

.
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...,
DNA (li•a dopla) / S.:::J'-....
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I 1 Primers
1

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R
'
desnaturação/ extensã o \
anelomen to

PRIMEIRO C ICLO SEGUNDO CICLO TERCEIRO CICLO

Figura 7.5 - Representação esquemác1ca de PCR.

A PCR em tempo real é um mérodo que alia às primers e sondas para utilização no diagnóstico de uma
vantagens da PCR tradicional a capacidade de quan- ampla variedade de doenças. a seleção de estratégias
tificar o DNA alvo. ou seja. permite avaliar, por exem- adequadas para a obtenção de seqüênoas de interesse
plo. a carga de microrgan1smos infecranres. t uma para emprego na tecnologia de DNA recombiname. o
tecnologia recentemente desenvolvida. baseada na reconhecimento de mutações e do seu significado. a
detecção e quantificação de uma molécula repóner comparação entre diferences seqüências visando estu-
fluorescente. cuja concentração é medida a cada ciclo dos filogenéticos. o esclarecimento da etiopawgenia de
da reação. Para detecção e quantificação do produw diversas doenças e o desenvolvimento de estratégias
amplificado. duas abordagens são usualmente empre- para prevenção. controle e tratamenco das mesmas. en-
gadas: sondas ou corantes intercalantes que se ligam tre outras numerosas aplicações.
ao amplicon. Embora o cusw ainda seja um fawr li- O conhecimento da seqüência de nucleotídeos
mitante para o emprego dessa merodologia. a PCR de um determ inado gene elucida não apenas sua es-
em tempo real apresenta duas grandes vantagens: di- trutura. mas também permite deduzir a seqüência de
minuição da chance de contaminação, uma vez que aminoácidos codificados. Além disro. por comparação
o amplicon é detectado durante a reação. e rapidez com genes previamente descriws. novos genes podem
com que o resultado é obtido. ser mais facilmente localizados no genoma e ter suas
funções deduzidas com base na similaridade entre as
seqüências dos mesmos.
Seqüenciamento O seqüenciamento de DNA é realizado por PCR. em-
pregando-se o método de terminação de cadeias. que
O seqüenciamento de ácidos nucléicos é reconhe- consiste em utilizar. em adição aos precursores habituais
cido, atualmente, como uma técnica fundamental no (dNTPs). didesoxirribonucleosídeos trifosfacafos (ddN-
campo da Genética Molecular. Porém. sua aplicação ain- TPs). Esses compostos são semelhantes aos dNTPs. mas
da é limitada pelo custa elevado. desprovidos do grupamento hidroxila na posição 3', sítio
A determinação da ordem exata dos nucleotídeos de ligação ao nucleotídeo adjacente e. portamo. funda-
que constituem os ácidos nucléicos possibilita o conhe- mental para o alongamento da cadeia.
cimento profundo do genoma dos organismos. A partir Para execução da técnica. quatro misturas de re-
desse conhecimenco. é possível o desenvolvimento de ação são preparadas. Todas contêm tampão. DNA

70 [ Medicina laboratoria l para o clínico ]1---- - - - --


Reação em cadeia da ligase (lCR)
molde, DNA polimerase e os quatro dNTPs e a cada
uma delas é acrescentado um único ddNTP. Quan-
do o ddNTP é incorporado à cadeia em formação, O princípio básico da LCR, mécodo que envolve am-
ocorre interrupção da síntese de DNA. Os producos plificação do oligonucleotídeo (sonda). é a ligação entre
da reação são submetidos à eleuoforese em gel des- dois oligonucleocídeos adjacentes catalisada por uma
nacurante de poliacrilamida, em paralelo, o que per- DNA ligase cermoescável. Os oligonucleocídeos anelam-
mite a detecção de uma série de bandas seqüenciais se de forma específica às regiões alvo das fitas de DNA.
que identificam moléculas nas quais a síntese de DNA A seguir. são unidos entre si pela ação de duas enzimas:
foi interrompida na posição correspondente à incor- fragmento Scoffel de Taq DNA polimerase e DNA ligase
poração do ddNTP. A seqüência de DNA é obtida a termoestável. Os fragmentos resultantes da ligação entre
parcir da leicura da banda de menor peso molecular os oligonucleotídeos são. então. empregados como mol-
e. assim, seqüencialmenre até a banda de maior peso de para amplificação nos ciclos subseqüenres.
molecular (Figura 7.6). Primers ou ddNTPs marcados A técnica é extremamente útil no screenmg de muta-
com isócopos radioativos ou com fluoróforos podem ções de pomo relacionadas com resistência a drogas ami-
ser empregados. microbianas e com alterações de propriedades associadas à
Os avanços tecnológicos permitem que. acualmenre, pacogenicidade microbiana, emre outros. Embora seja mais
a reação seja realizada em um único cubo, empregando acurada com a utilização das duas enzimas. a reação pode
ddNTPs marcados com fluoróforos d1ferences. Além ser realizada empregando-se apenas a DNA ligase rermoes-
disco. os eqUipamentos ma1s modernos são docados de tável. Neste caso. os oligonucleotídeos anelam-se a regiões
sistemas de detecção que d1spensam execução de ele- adjacentes da f1ta alvo e a enzima catalisa as ligações cova-
uoforese em gel de poliacrilamida. lemes que unirão os pares de oligonucleocídeos entre s1.

G A C T

T
G

1 ~t
c
G

Figura 7.6 - Representação esquemánca de seqüenoamento de áodo nucléico.

Diagnóstico genético: princípios e técnicas 71


Nucleic acid sequence-based amplification (NASBA) APLICAÇÕES CLÍNICAS DO DIAGNÓSTICO
GENÉTICO
NASBA é um sistema de amplificação isocérmica
do alvo que utiliza três enzimas: cranscriprase rever- O desenvolvimento das téc nicas de genética molecu-
sa, RNase H e T7 RNA polimerase. Na primeira fase lar represemou grande avanço na propedêucica labora-
da reação, um primer contendo sício de ligação para torial para diagnóscico e acompanhamento de doenças
a T7 RNA polimerase liga-se ao ácido nucléico alvo. de diferences categorias, como as de etiologia infecciosa,
A seguir, a u anscriprase reversa catalisa a síntese de oncológicas e de natureza hereditária. Sensibilidade e es-
cDNA e, então, a RNase H degrada a fira molde de pecificidade elevadas, rapidez de execução e possibilida-
RNA, o que possibilita o anelamenro do segundo pri- de de utilização de uma ampla gama de espécimes bioló-
mer. Na seqüência, a arividade de DNA polimerase da gicos para análise, incluindo material fixado em parafina,
cranscriprase reversa caralisa a síntese de uma cópia representam im portantes vamagens dessas técnicas.
do cDNA comendo o sítio de ligação da T7 RNA po- O diagnóstico genético de doenças infecciosas tem sido
limerase. Essa enzima produz grande quantidade de cada vez mais ucilizado, represemando uma imponame
cópias de fitas simples de RNA iguais ao alvo, que ser- alternaciva às técnicas convencionais, muicas vezes craba-
virão como molde nos ciclos subseqüentes da reação. lhosas e de execução demorada. Tais mécodos podem ser
Quando o molde é DNA, o processo é o mesmo, ex- empregados não apenas para detecção de agentes infeccio-
cero pela necessidade de um ciclo inicial de desnatu- sos, mas cambém para sua quantificação, sua caracterização
ração ames da adição das enzimas. O mérodo envol- genética e pesquisa de resistência a amimicrobianos.
ve caprura em suporte sólido e detecção com sonda Técnicas de genética molecular são particularmente
marcada. Uma das grandes vantagens da técnica é úteis quando microrganismos não cultiváveis, de difícil
a sensibilidade excremamenre elevada. Sua principal cultivo ou de crescimento lemo, como vírus e micobac-
aplicação é a quantificação de RNA virai na infecção térias, são os agentes do processo. Entretanto, o método
pelo vírus da imunodeficiência humana e a caracteri- não perm1ce o isolamento de microrganismos para outros
zação de amostras do vírus resistentes a drogas. estudos. Emre as técnicas de diagnóstico genético, PCR é
a mais amplamente utilizada. Embora apresente as vanta-
gens mencionadas, possui algumas limitações importantes.
Branched DNA (bDNA) Na maioria das vezes, os primers utilizados são específicos,
razão pela qual resultados negativos não excluem infec-
Branched DNA é um sistema de amplificação ção por outro microrganismo e resultados positivos não
extremamente sensível, que se baseia em múltiplos excluem infecções mistas. Devido à possibilidade de detec-
ciclos de hibridização de ácidos nucléicos seguidos ção de quantidades ínfimas de microrganismos, a positivi-
por uma única etapa enzimática durante a fase de dade do reste não significa, necessariamente, identificação
derecção. Inicialmente, o ligonucleorídeos de capru- do ageme etiológico da infecção. Como detecta material
ra ligados a uma fase sólida hibridizam-se ao alvo e genético, é possível a obtenção de resultados positivos na
imobilizam o mesmo. Na seqüência, oligonucleotíde- presença apenas de microrganismos inviáveis ou larentes
os bivalentes de detecção ligam-se a regiões do alvo, que, naquele momento, não estão envolvidos na etiopa-
servindo também como subscraros para hibridização togenia do processo. Assim, o emprego de PCR não é ade-
do bDNA, que caprura oligon ucleorídeos marcados quado em algumas situações específicas, como avaliação
com uma enzima. Entre as vanragens do mérodo, da eficácia do tratamento de pacientes com tuberculose.
podem ser citadas a obcenção de dados quantitati- A PCR encontra-se incorporada à prática clínica para
vos, a menor possibilidade de contaminação e a faci- o diagnóstico de hepatites virais, in fecção por HIV e HPV,
lidade do processamento inicial do espécime clínico, uretrites, cervicites, tu berculose e ciromegalovirose. Exis-
que dispensa remoção de inibidores enzimáticos, e tem diversas variações de técnica que permitem, entre
da manutenção do mesmo. outros, avaliação de carga virai e de resposta ao trata-

72 [ Medicina laboratorial para o clínico ]f-- - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


mento com antimicrobianos especialmente em pacien- Estes métodos apresentam vantagens sobre a deter-
tes com infecção por HIV, hepatites e ciwmegalovirose. minação do cariótipo, que requer a obtenção de células
Outra possibilidade de aplicação das técnicas de em divisão. Além disto, técnicas de genética molecular
genética molecular na abordagem do paciente com são mais sensíveis, uma vez que o método convencional
doença infecciosa é a detecção de resistência do não detecta anormalidades submicroscópicas. Por ou-
agente etiológico a antimicrobianos. É importante tro lado. como os métodos genéticos são direcionados
salientar que a ausência do gene não significa sus- para a pesquisa de uma anormalidade específica, resul-
cetibilidade à droga, uma vez que a resistência pode tados negativos não excluem a presença de alteração.
ser conferida por outros mecanismos. Além disco, a Ainda, a cariotipagem detecta variações numéricas de
presença de um gene de resistência não indica neces- cromossomas, como trissomias e monossomias, que
sariamente sua expressão. Apesar dessas limitações, a não são identificadas por PCR.
alteração da amibioticoterapia deve ser considerada A pesquisa de alterações genéticas associadas ao cân-
quando genes de resistência são detectados. A pes- cer não é recomendada para rastreamento da doença na
qu isa de genes de resistência é particularmente útil população geral. já que o cusco-benefício é desfavorável
quando a realização de testes de suscetibil idade não e o diagnóstico pode levar a sofrimento desnecessário.
é possível ou é dificultada pelo tempo de geração do Além disto, as medidas a serem adoradas caso uma alte-
microrganismo. Uma das principais indicações desta ração associada a risco elevado para o desenvolvimento
pesquisa é fornecer subsídios para a escolha de es- de neoplasia seja detectada não estão estabelecidas. Um
quema terapêutico para tratamento de pacientes exemplo que ilustra esta situação é a detecção de muta-
com tuberculose. quando há suspeita de resistência ções em brcA1 e brcA2. Embora tais alterações genéticas
aos tuberculostáticos habitualmente empregados. estejam presentes em apenas aproximadamente 2,5%
Vários genes de resistência a antimicrobianos têm das mulheres com câncer de mama, estão associadas
sido estudados, entre eles rpoB, relacionado com re- à transmissão hereditária da neoplasia, que apresenta
sistência a rifampicina, e katG, inhA e ahpC. associa- padrão autossômico dominante de herança e risco de
dos à resistência à isoniazida. desenvolvimento do tumor superior a 50% em indivídu-
Técnicas de genética molecular são úteis também no os com até 50 anos de idade. podendo atingi r valores
diagnóstico e acompanhamento de doenças oncológi- próximos de 90% a partir da sétima década de vida. Des-
cas. A rransformação maligna das células requer. geral- te modo, a detecção dessas alterações poderiam levar a
mente, ativação múltipla de proto-oncogenes ou desre- conduta radical. como a mastectomia profilática. Assim,
gulação de genes supressores de tumor. Por meio destas tornam-se fundamentais estudos epidemiológicos mais
técnicas é possível identificar oncogenes e mutações em profundos relativos ao tema.
genes supressores de tumor. Para se atingir esses objeti- Detecção de alterações genéticas pode ser util iza-
vos, podem ser utilizados PCR. empregando-se primers da. ainda, como marcador prognóstico e no acompa-
para detecção de alguns oncogenes. e seqüenciamento, nhamento de tratamento de pacientes com neoplasias
para pesquisa de mutações. diversas. Nessas situações, a importância da detecção
Entre várias possibilidades, tais métodos podem ser de marcadores genéticos de câncer já está mais bem
utilizados para auxiliar no diagnóstico diferencial entre estabelecida. Por exemplo. a presença de translocação
linfoma folicular e hiperplasia folicular de tecido linfóide (12;21) em pacientes com leucemia linfoblástica aguda
por meio da detecção, por PCR, de rearranjos do gene está relacionada com mel hor prognóstico e respos-
bcl-2; da leucemia mielóide crônica pela detecção do ta adequada à quimioterapia convencional e algumas
segmento bcr!abl resultante da translocação (9;22); de mutações do p53 estão associadas a prognóstico pior
câncer de mama e ovário por meio de seqüenciamen- em alguns tumores gastrintestinais. de bexiga. pulmão,
to de brcA1 e brcA2 para pesquisa de mutações; e de ovário, mama e próstata. Informações mais detalhadas
carcinoma medular da tireóide e neoplasia endócrina sobre o uso de técnicas de genética molecular no diag-
múltipla, pelo seqüenciamento dos exons 10, 11. 13, 14 e nóstico e acompanhamento de leucemias encontram-
16 do gene ret, para pesquisa de mutações. se nos capítulos 29, 30 e 31.

Diagnóstico genético: prin cípios e técnicas 73


Com a elucidação do genoma humano, têm sido geralmente atinge valores superiores a 99,99%. Méro-
descobertas diversas alterações genéticas relacionadas dos semelhantes podem ser usados em perícia criminal
a doenças hereditárias. Mérodos de genética molecular para investigação de materiais biológicos. na tentativa de
são cada vez mais empregados para detecção dessas al- identificar um indivíduo suspeiw.
terações na prática clínica, entre eles, seqüenciamento Apesar da grande utilidade das técnicas de genética
de ácido nucléico, PCR e hibridização. Quando a PCR é molecular no diagnóstico e acompanhamenro de do-
utilizada, primers específicos para a mutação procura- enças de diferences etiologias, sua aplicação na prática
da e para o gene selvagem devem ser empregados para médica é, ainda, pouco difundida. O custo desses testes
identificar-se a presença do gene murado em homozi- ainda é tido como um faror limitante para sua utilização.
gose ou heterozigose. Como exemplo, pode ser citada a Deve-se lembrar que os benefícios do método genético
fibrose cística; o quadro já foi associado a mais de 1.000 de diagnósnco, entre eles rapidez e acurácia, podem con-
mutações e, geralmente, os testes genéticos são capazes tribuir para uma relação custa-benefício mais favorável.
de detectar apenas as mais comumente relatadas. possibilitando redução da necessidade de outros exames
Outras aplicações de tais métodos na área de do- complementares, instituição de tratamento mais eficaz
enças genéticas incluem o diagnóstico da síndrome e diminuição do número e da duração de internações.
do X frágil, de hemocromarose hereditária, de disrrofia Outros fawres limitantes, talvez mais importantes que
muscular Duchenne/Becker e de ataxia espinocerebelar. o cusw elevado, são o desconhecimento das técnicas e
bem como detecção de mutações nos genes da metile- de suas aplicações e a falta de pessoal capacitado. Assim,
notetrahidrofolaro redutase, da protrombina e do fator é fundamental que se promova maior disseminação de
V de Leiden, associadas à trombofilia. e nos genes pkd1 informações referentes a indicações e benefícios da in-
e pkd2, relacionados à doença renal policística aurossô- clusão de técnicas de genética molecular na abo rdagem
mica dominante. laboratorial do paciente.
É importante ressaltar que, devido à narureza irre-
versível das alterações provocadas, é sempre importante REFERÊNCIAS
o aconselhamento pré e pós-reste visando avaliar o pa-
1. Clark DP. Russell LD. Molecular Biology M ade Simple and
ciente e informar as indicações do ensaio, o significado
Fun. 3rd ed. Sr. LoUis: Cache R1ver Press; 2005.
da presença das alterações em homozigose e em herero- 2. Coleman WB, Tsongal is GJ. Molecu lar Diagnostics for
zigose para a doença pesquisada, a necessidade ou não che Clinical Laboracorian. 2nd ed. Torowa: Humana Press,
de acompanhamento clínico e psicológiCo pós-teste, os 2004:567.
3. Forbes BA. Sahm DF, We1ssfeld AS. Molecular mechods
possíveis riscos de transmissão da doença ou da altera-
for mlcroblalidentlficatlon and characrerizanon.ln: Badey
ção genética para os descendentes e a necessidade de & Scmr's Diagnosnc M 1crob1ology. Se. Lou1s: Mosby; 2002.
avaliação posterior de outros membros da família. p. 188-207.
Os métodos de genética molecular são aplicados no 4. Louie M. Lou1e L. S1mor AE. The role of DNA ampllfica-
tlon rechnology 111 rhe d1agnos1s of 111fecnous d1seases.
diagnóstico de paternidade. O teste pode ser realizado
Can Med Ass J. 2000;163:301-9.
por meio da amplificação, por PCR, de regiões denomi- S. Mon1s PT. G1gl1o S. Nucle1c ac1d amplificaCion -based
nadas short tandem repeats, caracterizadas pela presen- rechniques for pathogen derecDon and 1demificarion.
ça de número variável de repetições de um segmento de lnfecr Gen Evol. 2006;6:2-12.
crês a sere pares de bases localizadas cm diversos loci cm 6. Wagener C. Molecular d1agnost1cs. J Moi Med.
1997;75728-44.
regiões não traduzidas do genoma humano. Cada indiví- 7. Yang S. Rorhman RE. PCR-based diagnostics for lllfec-
duo apresenta dois alelos de tamanhos variáveis em cada rious diseases: uses. limitaDons, and future applicarions
um desses loCI. O diagnóstico é feiro a partir da análise de in acure-care serrings. Lancer. 2004;4:337- 348.
12 a 25 /oo e comparação dos alelos do filho com os ma- 8. Zimnng JC. Noite FS. Polymerase chain reacrion and
orher amplificarion technology. ln: Henry JB; editor Cl ini-
ternos e com os do suposw pai. Os resultados são ana- cal D1agnosis and Management by Laborarory Merhods.
lisados em softwares que consideram a freqüência dos Phdadelph1a: Sa unders Company; 2001. p. 1287-95.
alelos encontrados na população local e liberados como
probabilidade de paternidade que, quando confirmada,

74 Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - - - - -- - - -- - - - - - - - -- - - -- - - - -


Guilherme Birchal Cofiares

08 Lucienne França Reis Paiva


Hyllo Baeta Marcel/o júnior

,
MICROBIOTA INDIGENA

O ser humano é isento de germes somente enquan- tes de seu metabolismo, e colabora com os mecanismos
to habita, em condições normais, o útero materno, de proteção antiinfecciosa, mas, também, constitui um
tornando-se colonizado por microrganismos a partir do reservatório de microrganismos potencialmente pato-
momento do nascimento. Em contara com o meio ex- gênicos. Além disso, conhecendo a microbiota indígena,
terior, as superfícies corporais são colonizadas principal- é possível interpretar melhor os resultados de culturas,
mente por bactérias e, em menor escala, por fungos e valorizando ou não o isolamento de determinados mi-
protozoários. Essa coleção de microrganismos que habi- crorgan ismos em determinados sítios.
tam o corpo é comumente denominada de "microflora
normal". Outros termos muito usados são "flora nor-
mal", "microbiota indígena" e "microbiota autóctone". MICROBIOTA INDÍGENA
De todos, os mais corretos são "microbiota indígena" e
"microbiota autóctone", pois inferem uma coleção de Mecanismos regulatórios do hospedeiro (fatores
microrganismos que são nativos do corpo. "Flora" e "mi- autógenos) e fatores externos (alogênicos) são respon-
croflora" são conotações botânicas infelizes, derivadas sáveis pela presença de determ inados microrganismos
dos tempos em que as bactérias e outros m icrorganis- no corpo e pela elimi nação de o utros. Diferenças bio-
mos eram considerados semelhantes às células vegetais. químicas e fisiológicas em diferentes regiões do corpo
A m icrobiota indígena habita a superfície da pele, a ca- (temperatura, pH, potencial de oxirredução, osmola-
vidade oral, o t rato respiratório superior, o trato diges- ridade, nutrientes, receptores na superfície de células
tivo e os tratos urinário e genital, variando qualitativa e epiteliais, entre outros) proporcionam ambientes pro-
quantitativamente nos diversos locais. pícios para determinados microrganismos e desfavo -
O número de microrganismos presentes na m icro- ráveis para outros. A capacidade de adesão a superfí-
biota indígena chega a superar o número de células cies do corpo, que é célula-específ ica e rel acionada à
de seu próprio hospedeiro. Enquanto um adulto hu- expressão de adesinas, é um dos principais requisitos
mano é constituído de aproximadamente 1013 células para a colonização.
eucarióticas, as suas superfícies podem ser colonizadas A microbiota pode ser classificada em transitória
pelo total de 1014 células microbianas procarióticas e ou residente. A m icrobiota residente é praticamente
eucarióticas. constante em determinada topografia e faixa etária.
O conhecimento da microbiota é importante porque Após seu estabelecimento, e em condições normais,
ela exerce ações benéficas para o hospedeiro, decorren- não é al terada; e quando isto ocorre, é prontamente
resrabelecida por si só. Esrá firmemente aderida aos podem ser encontrados habicando normalmeme a pele
receptores reciduais acravés de ligações covalentes, hi- humana e são representados pelos difreróides aeróbi-
drogênio-iônicas. entre outras, só podendo ser remo- cos (Corynebactenum sp e Brev1bactenum sp) e pelos
vida pela morte microbiana ou alterações no recepcor. difteróides anaeróbicos. Bastonetes Gram negativo são
Os nossos tecidos representam seu habitat natural e raramente encontrados como membros da microbiota
quando o equilíbrio é mantido, não provoca doenças, da pele, a não ser em pacientes hospicalizados. O Qua-
atuando como barreira amiinfecciosa. A microbiota dro 8.1 lista os microrganismos mais freqüentemente
uansitória pode colonizar tecidos temporariamente isolados da pele. O conhecimento dessa microbiora se
por algumas horas. dias ou semanas, não sendo res- faz importante já que microrganismos da pele podem
tabelecida por s1 só. A sua imeração com os recepco- aparecer como contaminantes de culturas de diversos
res teciduais é reversível, podendo ser removida. Ge- materiais, como nas uroculturas, hemoculruras e cultu-
ralmente. origina-se do meio amb1ente ou de outros ras de secreções diversas.
tecidos do hospedeiro e não representa problema se
a microbiota residente permanecer inalterada, mas
pode originar doenças na sua alteração. MICROB IOTA DO TRATO RESPIRATÓRIO
A 1nteração da microbiora com os tecidos é alta-
mente específica e é determinada por facores locais do O trato respiratório inferior é estéril abaixo da carina.
hospedeiro, como especificidade dos receptores, supri- As vias aéreas superiores são colonizadas predominame-
mento sangüíneo, nutrientes, temperatura, umidade. mente por cocos Gram positivo, sendo Staphylococcus
pH. potencial de oxirredução, presença de enzimas e aureus e Staphylococcus ep1derm1dis as espéoes ma1s
anticorpos lgA. Os fatores ambientais. como o tipo de isoladas. Bastonetes Gram positivo, como os difterói-
dieta, háb1tos de higiene. polu1ção, saneamento básico. des. também podem ser encontrados com freqüência .
utilização de anrimicrobianos ou anti-sépticos e hospi- O Quadro 8.2 lista os principais microrganismos da
talização, tam bém influenciam na constituição da mi- microbiota do trato respiratório superior. t importan-
crobiota indígena. te ressaltar que microrganismos considerados patóge-
Cada parte do corpo contendo suas características nos primários. como Streptococcus pyogenes, Neisseria
estruturais e microbianas pode. por definição, ser consi- memng1tidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus
derada um ecossistema. Como cada ecossistema abriga mfluenzae. podem ser isolados nessa topografia. normal-
uma m1crobiora característica, a microbiora indígena hu- mente como componentes da microbiota.
mana pode ser dividida em m1crobiota da pele, do trato
respiratório superior. cav1dade oral. microbiota gasrrin-
restinal e do trato geniturinário. MICROBIOTA DA CAVI DADE ORAL

A cavidade oral apresenta grande densidade


MICROBIOTA DA PELE microbiana. comparada apenas à da m1crobiota in-
testinal. Microrganismos anaeróbios estritos como
A m1crobiora da pele é constituída principalmente bacteróides. Fusobacterium e Veillonella superam nu-
pelos Staphylococcus spp. coagulase negativos. sendo mericamence as espécies facultativas. Streptococcus
Staphylococcus epiderm1d1s a espécie mais freqüente. mutans. presentes normalmente na microbiora oral,
Outros cocos Gram posmvo podem ser encontrados. podem contribuir para a formação da placa dentá-
entre eles: Micrococcus. Peptococcus saccharolytlcus. ria, possibilitando o desenvolvimento da cárie. Os
Streptococcus viridans e Enterococcus. Outro importan- microrganismos mais comumente encontrados na
te membro da microbiota da pele é o Staphylococcus cavidade oral humana estão listados no Quadro 8.3.
aureus, presente em cerca de 20% das pessoas. poden- É importante ressaltar que microrganismos presentes
do estar relaoonado a infecções como impetigo. folicu- na microbiota o ral podem representar importantes
lite e furunculose. Bastonetes Gram positivo também contaminantes de culturas de escarro.

76 [ Medicina laboracorial para o clínico


Quadro 8.1 -Microrganismos comumenre dereclados na pele humana

Cocos Gram positivo Bastonetes Gram Bastonetes Gram Leveduras Aracnídeos


positivo negativo
Slophylococcus S. simulons Coryneboctenum Acinetobocter Malossezio furfur Demodex
oureus S. worner Jei erum JOhnsonii folliculorum
5 ounculores S. Xyfosus C ureo/yt1Cum
S cop,s Micrococucus luteus C mmullsstmum
S cohntt M.lyloe Proprombocterium
S. epidermidis M. nishinom1yoensis ocnes
S. hoemolyticus M. krislinoe P. ovidum
S. hominis M sP.denlorius P. gronulosum
S socchoroltticus M. roseus Breviboctenum
S. soprophyticus M. vorions eptdermidts

Modrflcado de lannod .. GW Normal M rcroflora1

Quadro 8.2 - M1crorgamsmos comumente detectados no trato respiratório superior

Porção anterior das Nosoforinge Orofaringe


normas
Stophylococcus Stophylococcus Todos os do nosofonnge, m01s. S. morbillorum S. pneumonioe
epidermidis eprdermidis Streptococcus ongmous S. salivorius S. pyogenes I< 10% do
S. oureus S oureus S. constellotus S. uberis população humanal
Corynebocterium sp Coryneboctenum spp S. inlermedius S. gordonir Hoemophilus potarn·
Moroxello cororrholis S soguis S. mutons fluenzoe
Hoemophdus ínfluenzoe S. oro/is S. cricectus Mycoplosmo solivorius
Nersse1i0 meningitidis S. mitis S. rattus M. oroles
N . mucoso S. ocidomintmus S. sobnnus
N . sicco S crrsto
N subflovo

Mod fiCado de: Tannock GW ormal M•croflora 2

Quadro 8.3 - M1crorgamsmos comumenre detectados na cav1dade oral de seres humanos

Bastonetes G rom positivo Bastonetes Grom negativo


e bactérias filamentosos
Actinomyces :srae/1; Prevotelo meloningogemco F IUSSII C. gingivolis
A. viscosus P intermedio F peridoncticum Compylabocter rectus
A. noeslund11 P. loescheii F. olocis C. curvus
Eubacterium olocto/ylicum P. denticolo F sulci Veillonello p01vulo
E. saburreum Porphyromonas gingivolis Leptotrichio buccalis V otyprca
Lactobocillus cosei P. assocharo/ytica Selenomonos sputigeno V dispor
Bifidobocterium denltum P. endodontalis S. flueggei
Corynebocterium mafruchotii Fusobacterium nucleatum Copnocytophaga ochracea
Propronibocterivm sp F. naviforme C spvtagena
Rothto dentoconoso

Modrf•cado de Tannod. G\V 1\orma MICroflora 2

M ICROBIOTA GASTRINTESTINAL
O estômago. devido ao baixo pH, não abnga micror-
ganismos em condições no rmais. No JntescJno, a po-
O esôfago normalmente contém apenas microrga- pulação bacteriana aumenta no sentido céfa lo-caudal,
nismos provenientes da microbioca oral e dos alimentos. sendo que na ampola retal podem ser encontradas até

Microbiota indígena 77
1012 UFC por grama de fezes. O bolo fecal é consticu- ressaltar que Candida albica ns, agente causador d e
ído principalmente por microrganismos anaeróbios es- vaginites, pode estar presente como parte da micro-
tri tos numa relação de aproximadamente 1.000 bacté- biora indígena vaginal.
rias anaeróbias estritas para cada anaeróbio facultativo.
Os principais anaeróbios encontrados são bacteróides, Quadro 8.5 - Gêneros bacterianos comumente encontra-
dos no lavado vaginal de humanos
Fusobacteriumm spp., Clostridium spp. e lactobacilos. En-
tre os facultativos, destacam-se as enterobactérias, como
Cocos Gram positivo anaeróbios
Escherichia coli, Klebsiella spp, Enterobacter spp e Pro teus
spp. O Quadro 8.4 lista os principais microrganismos en- Bocteroides Mycoplosmo
Condido Propionibocterium
contrados no bolo fecal. Corynebocterium Stophylococcus
Eubocterium Streplococcus
Gordnerello Ureoplosmo
Quadro 8.4 - Gêneros bacterianos comumente encontra- Loctobocillus
dos nas fezes humanas
Mod1ficado de: Tannock, GW: Normal Microflora
Acidominococcus Loctobocillus
Bocleroides Megomonos
Bifidobocterium Meghosphoero
Clostridium Methonobrevibocler IMPORTÂNCIA DA MICROBIOTA INDÍGENA
Coprococcus Methonosphoero
Enterobocter Peplostreptococcus
Enterococcus Proteus
Escherichio Ruminococcus A microbiota indígena, quando em equilíbrio e na
Eubocterium Veillonello ausência de fatores que comprometem a imunidade do
Klebsiello
hospedeiro, apresenta vários efeitos benéficos, atuando
Mod1fícado de: Tannock, GW: Normal M icroflora na própria defesa antiinfecciosa e contribuindo na nutri-
ção do hospedei ro.
Certos membros da microbiora intestinal são capa-
MICROBIOTA DO TRATO GEN ITURINÁRIO
zes de sintetizar vitaminas K, B12, folato, piridoxina, biori-
na e riboflavina, participando da nutrição do hospedeiro.
O trato urinário superior é estéril até 1 cm da Apesar disso, com exceção da vitamina K, as quantida-
uretra distal. O meato uretral e o segmento distal des produzidas são muito pequenas em relação à quan-
da uretra são geralmente colonizados por micror- tidade presente numa dieta balanceada.
ganismos da pele. O trato genital feminino é colo- Na defesa, a microbiota age impedindo o esta-
nizado por m icrorganismos dife rentes, dependendo belecimento de microrganismos exógenos possivel-
da época de vida. Ao nascimento, devido à ação de mente patogênicos, a partir de diversos m ecanis-
hormônios maternos, o epitélio vaginal está rep leto mos, como competição por nutrientes, produção
de glicogênio, substrato para a proliferação de lac- de bacteriocinas o u modificações ambientais, que
tobacilos. Com a queda dos níveis hormonais, após desfavorecem a colonização de patógenos. Bacté-
algumas semanas de vida ocorre diminuição do gli- rias do gênero Bifidobacterium presentes no cólon
cogênio do epitélio vaginal, os lactobacilos desapa- de crianças em aleitamento materno produzem um
recem, o pH vaginal torna-se neutro, o que permite ambiente adverso para infecção por patógenos en-
a proliferação de m icrorganismos anaeróbios como téricos. Bacteriocinas produzidas por Streptococcus
Bacteroides spp. Na puberdade, a partir da menarca, do grupo viridan s presentes na microbiota da oro-
durante todo o período fértil, ocorre colonização faringe impedem a colonização por Streptococcus
vaginal por lactobacilos em conseqüência da pro- pneumoniae, Streptococcus pyogenes e bastonetes
dução de hormônios sexuais. Outros microrganis- Gram negativo, pOtencialmente patogênicos. A mi-
mos encontrados na microbiota vaginal da mulher crobiota vaginal apresenta efeito similar d e prote-
em idade fértil estão listados no Quadro 8.5. Vale ção contra infecções. devido à produção de ácido

78 [ Medicina laboratorial para o clínico ] 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - -- -


lárico pelos Lactobacillus spp, por meio do mera- que pode levar à perironire e formação de abscessos
bolismo do glicogênio presente no epitélio vaginal. intra-abdominais relacionados à presença de anaeró-
A produção de ácido lático ajuda a manter o pH bios e enterobactérias intestinais. Streptococcus do
vaginal ácido (aproximadamente 4.5), o que dificul- grupo Viridans, presentes normalmente na cavidade
ta a presença de enterobactérias patogênicas. Além oral, podem atingir a circulação sangüínea devido a
disso, a produção de peróxido de hidrogênio pelos traumas diversos (por ex. exrraçâo dentária) e colo-
Lactobacillus spp. tem ação antimicrobiana direta nizar valvas cardíacas previamente lesadas, levando à
e, em associação com a mieloperoxidase, libera íon endocardite bacteriana.
cloro, outro potente germicida. Além disso, microrganismos da microbiota podem
Modificações da microbiota indígena induzidas pelo causar infecções diversas em pacientes com comprome-
uso de antibioticoterapia de largo espectro podem le- timento de seus mecanismos de defesa. Assim, a maior
var a alterações na defesa do hospedeiro, evidenciado parte das infecções hospitalares é causada por espécies
pelo aparecimento de infecções. Candida albicans da da microbiota humana autóctone.
microbiota indígena pode multiplicar-se intensamente, O desenvolvimento de uma doença infecciosa de-
causando micoses superficiais nas regiões oral e genital pende particularmente do modo de interação entre
após o uso de antimicrobianos. Colite pseudomembra- parasito e hospedeiro, o que, por sua vez, depende de
nosa é resultado da proliferação de Clostridium difficile fatores relacionados aos microrganismos, às defesas do
devido à pressão seletiva decorrente do uso intensivo de hospedeiro e ao ambiente no qual ocorre a infecção.
antimicrobianos. Classicamente, os microrganismos são distribuídos em
Outro mecanismo pelo qual a microbiota indígena patogênicos e não-patogênicos, de acordo com sua
auxilia a defesa contra infecções é a indução da pro- capacidade de produzir doença. Essa divisão se torna
dução de imunoglobulinas, como lgA e lgG, pela es- muitO difícil à medida que a ocorrência da doença não
timulação antigênica. Animais isentos de germes têm depende apenas da capacidade do microrganismo de
sistema mononuclear-fagocitário pouco desenvolvido produzir lesão, mas também da capacidade do hospe-
e baixos níveis séricos de imunoglobulinas. Assim, mui- deiro em evitar a infecção. Microrganismos classificados
tas bactérias consideradas não-patogênicas podem ser como não-patogênicos podem induzir doenças graves
letais para animais criados em condições completa- em pacientes imunocomprometidos. Sendo assim, rodo
mente assépticas. microrganismo que coloniza um ser vivo deve ser consi-
derado potencialmente patogênico.

MICROBIOTA COMO FONTE DE


AGENTES INFECCIOSOS RESGATE DA IDÉIA CENTRAL DO CAPÍTULO

Em contrapartida aos efeitos benéficos, a micro- O ser humano apresenta microbiota indígena va-
biota indígena pode atuar como reservatório de mi- riada que, quando em condições de equilíbrio, desem-
crorganismos potencialmente patogênicos para o penha funções benéficas, auxiliando na defesa contra
hospedeiro. Muitos microrganismos presentes nor- infecções. Apesar disso, pode atuar como reservatório
malmente na microbiota do hospedeiro podem cau- de microrganismos potencialmente patogênicos, le-
sar infecções oportunistas nos seus sítios indígenas, vando à ocorrência de infecções, principalmente, em
como mencionado no desequilíbrio pela ação de an- situações em que os mecanismos de defesa antiinfec-
timicrobianos ou quando atingem locais diferentes de ciosa se encontram prej udicados. Mudanças consti-
seu local natural de colonização. Assim, a maioria das tucionais da microbiota, como ocorrem nos casos de
infecções do trato urinário é causada por enterobac- hospitalização e uso abusivo de antimicrobianos, le-
térias da microbiota do trato digestivo, que atingem vam, muitas vezes, à seleção de microrganismos mais
o trato urinário por via ascendente. A perfuração do patogênicos e resistentes, favorecendo ainda mais o
cólon libera material fecal na cavidade abdominal, o desenvolvimento de infecções.

Microbiota indígena 79
REFERÊNCIAS

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80 ( Medicina laboratorial para o clínico ]r ---- - - - - -- - - -- - -- - - - - - -- - - -- - -- - -


Bruno Horta Andrade
09 Stella Sala Soares Lima
Wanessa Trindade Clemente

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM INFECÇÃO DO
TRATO RESPIRATÓRIO INFERIOR

Infecções do eram respiratório infenor (ITRI) são uma feccioso bacteriano. fúngico ou virai. Conceirualmente, a
das prinopais causas de morte associada a processos in- PAC acomete o individuo fora do ambiente hospitalar ou
fecciosos no mundo e, apesar do avanço na detecção de aqueles Internados, CUJOS sintomas se iniciaram antes de 48
patógenos, ainda permanecem controversos os critérios horas da admtssão.
clínicos e propedêuticas para defintção do diagnóstico. No Brastl. as PACs são a segunda mator causa de interna-
Com a crescente complexidade de pacientes portado- ção, com maior ocorrência nos meses de inverno e em indi-
res de infecções respiratórias e a melhoria da assistência víduos nos extremos erários (< 5 anos e > 70 anos), havendo
à saúde. houve maior demanda de arsenal propedêutico leve predominância do sexo masculino, segundo dados do
elaborado. Por outro lado, a disponibilidade e custo-efe- Departamento de Informática do SUS- DATASUS.
tivtdade dessas novas técnicas devem ser considerados A investigação propedêutica, nesse caso, objetiva a
na escolha da propedêutica. Acresça-se que a abordagem comprovação da PAC. a detecção de co-morbidades as-
laboratonal das ITRI não visa somente à tdennftcação do sociadas. a determinação da condição basal do paciente
agente etiológico, mas também auxtlta na definição de para comparação evolutiva, a predição ou identificação do
gravidade e documenta a presença de co-morbidades. parógeno e o estabelecimento da gravidade da doença.
Entre as ITRI, serão abordadas neste ca pítulo as pneu- A decisão médica inicial concentra-se na indtcação ou
monias adquiridas na comunidade (PAC}, as associadas não de hospitalização, dependendo da classificação de
à asstsrência à saúde (PAAS), a aspergilose e a pneumo- gravidade do paciente. e geralmente a mataria (75%) deles
cistose pulmonar. Embora discuttdas dtsttntamence, des- pode ser tratada ambulatorialmente. A classificação do ris-
taca-se que, na práttca clínica, o dtagnóstico diferencial co dos pacientes com PAC. baseada nos estudos de FINE
entre essas entidades pode ser difíetl, sendo muitas vezes et ai. (Pneumonia Severity Index - PSI), encontra-se nos
necessária a utilização de procedimentos invasivos, nem Quadros 9.1 e 9.2. Está indicado tratamento ambularorial
sempre dtsponíveis, ou terapêutica empinca de maiores- para os paoentes das classes I e 11, embora condtções so-
pectro na ausência de identificação do agente etiológico. ciats, co-morbidades, falência de cratamento ambulatorial
e Insuficiência renal aguda determinem internação, mesmo
nos indivíduos dessas classes.
PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE A direuiz brasileira para PAC em adultos imunocom-
perenres recomenda a utilização do critério de gravida-
Pneumonia é a inflamação aguda do parênqutma de do consenso britânico (CURP-65), por ser este mais
pulmonar dtsral aos bronquíolos, causada por agente in- simples. De acordo com esse critério, utilizam-se cinco
Quadro 9.1 - Pontuação para emarificação de nsco em famres para estabelecimento de gravidade: confusão
pacientes co m pneumonia adqu1rida na comun1dade, se- mental, uréia superior a SOmg/dL, freqüência respirató-
gundo Pneumoma Seventy Index (PSI)
ria superior a 30 ipm, pressão sanguínea sistólica inferior
a 90mmHg ou diastólica igual ou superior a 60mmHg,
Características dos pacientes Pontuação
idade superior a 65 anos. Cada famr corresponde a um
Fatores demográficos
ponto e sua soma varia de zero a cinco. Pacientes com
Idade <50 anos= O escore zero ou um, se pontuados apenas pela tdade. po-
Homem Idade em anos
dem ser tratados no domicílio. Escores maiores indicam
Mulher Idade em anos - 1O
+ 10
internação. Entretanto, a avaliação de co-morbidades
Casa de repouso
descompensadas (doença pul monar obstrutiva crônica
Co-morbidodes
- DPOC. alcoolismo. diabetes, neoplasias. insuficiências
Neop1asra +30
renal, cardíaca ou hepár1ca), extensão da pneumonia e
Hepolopollo +20
Insuficiência cardiaca +l O
saturação de 0 2• além da situação social. pode influen-
Doença ce10brol vascular + lO ciar a decisão de hospitalização.
Doença renal +l O A indicação de internação em unidade de trata-
Exame físico mento intensivo ocorre na presença de pelo menos
Confusão mentol +20
dois dos três critérios menores e um dos critérios
FR?30 pm +20 maiores, apresentados no Quadro 9.3.
FC~125 bpm +10
PAS<90 mrnHg ..-20 Quadro 9.3 - Cntérios para indicação de Internação em
Tax <35oC e >40°C +15 umdade de tratamento intens1vo para paCientes com
Laboratório pneumoma adqu1nda na comunrdade

pH <7.35 +30
Uréio <>30 mg% +?0 Sinais menores Sinais maiores
Sódio <130 mEq/L ~ 20 PA sistólica < 90mmHg Ventilação mecânica
Glicose >250mg% + lO
Hemotócrito <30% + 10 PA diastólico < óOmmHg Choque séptico
Pa0 2 <60 mmHg ou Sot02 <90% +10
Pa02/Fi02 < 250 mmHg
Derrame pleural +10
RodrogroLo de tórax com
Fonte adaptado da Drreurz para pneumonras adqurrrdas na comunrdade (PAC) eM envolvrmenlo murtrlobor
adultos rmunocompetentes !Bras Pneumol 2004.30(Suppi4)S 1-24
Fonte. adaptado da Drreurz para pneumonra\ adqurrrdas na co-
munrdade (PAC) em adultos rmunocompetenles. ) Bras Pneumol
Q uadro 9.2 - Estratificação de risco das pneumonias ad-
2004;30(Suppl<í).S 1-24.
quiridas na comunidade. por critério de pomos, segundo
Pneumonra Seventy Index (PSI)

MAN IFESTAÇÕES CLÍN ICAS E ESTUDOS


Grau Pontos Mortalidade Local de trotamento DE IMAGEM
o 0,1 Ambulatório

< 70 0,6 Amoulatório Não existe uma combinação de sinais e sintomas


III 71 - 90 2,8 Internação pacognomônicos de pneumonia, apesar desces serem
IV 9 1 - 130 8,2 lnlernoção reconhecidos como essenciais no diagnóstico e na ava-
liação de gravidade do paciente. A PAC habitualmente
v > 130 29,2 lnlernoção
apresenta-se por sintomas agudos, como cosse, disp-
néia, expecmração, dor corácica, além de manifesta-
Fonte adaptado da Drrecnz para pneumonras adqurrrdas na co-
munrdade (PAC) em adultos rmunocompeLentes. ) Bras Pneumol ções sisrêmicas como febre. confusão mental. cefaléia.
2004:30(Suppi4):S 1-24. calafrios e mialgias. Entretanto. o quadro clínico pode

82 [ M edicina laboratorial para o clínico ) 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


ser diference, sobretudo em pacientes nos extremos (HIV) naqueles pacientes com fatores de risco para a aqui-
de idade. Taquipnéia, taquicardia e confusão mental sição do vírus e a sua consideração em pacientes emre 15
são observadas com freqüência em idosos, preceden- e 54 anos e que necessitem de inrernação hospitalar.
do outros achados clínicos por até quauo dias. Sinais
como redução da expansibilidade pulmonar, macicez à
percussão do tórax, frêmiro roracovocal, ruídos adven- Exames específicos
tícios (crepitaçàes e s1bilos) ou abolição do murmúrio
vesicular, dia me de derrame pleural, são observados em A investigação etiológica utiliza diversas técnicas,
apenas 30% dos casos. espeoalmente a avaliação da secreção respiratória, he-
Um dos cri térios diagnósticos de PAC é o aparecimen- mocultura, restes sorológicos, pesquisa de anrígenos uri-
tO de imagem radiológica não presente previamente. A nários e técnicas moleculares, a exemplo da reação em
alteração mais sugestiva é o aparecimento de consolida- cadeia da polimerase (PCR).
ção do espaço alveolar, homogénea, com broncograma Os parógenos relacionados à PAC com ma1or fren-
aéreo, que respeita os limites das cissuras. Consollda~ões qüenoa encontram-se listados no Quadro 9.4. Contudo,
heterogéneas, cavitações, alterações intersticiais e derra- observa-se variabilidade na prevalência desses agentes.
me pleural são menos freqüemes e usualmente se rela-
cionam com o agente etiológico. Quadro 9.4 - Freqüência de patógenos 1solados na pneu-
monia adquirida na comunidade

ABORDAG EM LABORATORIAL Freqüência em Freqüência em


Patógeno pacientes não pacientes
internados internados
Exames gerais
Pneumococo 22% 17%

A saturação periférica de 0 2 (Sp02) através de oxí- Mycoplasma 18% 6%


pneumomae
metros deve ser obtida ames do início de oxigenmera-
pia. Se a Sp0 2 for ~ 90% ou em casos de maior gravida- Chlamydia 16% 6%
pneumoniae
de, deve-se realizar gasomema artenal.
Vírus 10% 7%
O hemograma mostra-se útil para avaliação de
critério de gravidade e de resposta terapêutica. Alte- Haemophilus mfluenzae A%
rações como leucopenia ou leucocitose intensa deno-
Leg10ne/la sp raro 4%
tam mau prognóstico. independentemente do agente
etiológico. Podem-se observar alterações morfológicas
Fome: adap[ado da D•rerr1z para pneumonoas adqu•ndas na co-
dos leucócitos (granulações tóxicas, corpúsculos de mumdade (PAC) em adultos 1munocompe(emes. J Bras Pneumol
Dohle e vacúolos), além de desvio para a esquerda e 2004;30(Suppi4):S 1-24
eosinopenia. A dosagem de uréia acima de SOmg/dL
representa outro indicador de gravidade. A avaliação Em várias séries de escudos sobre PAC. a etiologia não
sérica de marcadores de infecção, a exemplo da prote- é definida. De acordo com a Sociedade Americana de
ína C reativa, interleucinas e procalcitonina, pode for- Doenças Infecciosas (IDSA). a avaliação da secreção res-
necer Informações relevantes ao diagnóstico, gravida- piratória, na tentativa de determinar o agente etiológico,
de e resposta ao tratamento. As dosagens de glicemia. rem validade no paciente hospitalizado. Exames mais in-
elerróhtos e rransammases estão indicadas na identifi- vasivos (lavado broncoalveolar - LBA escovado e aspirado
cação de co-morb1dades e na avaliação de gravidade, rransuaqueal) têm sido instituídos na prática, quando o
em pacientes internados. com doenças preexistentes e isolamento ou identificação do agente for imprescindível.
idade superior a 65 anos. como em pacientes graves, imunocomprometidos e na
As arua1s diretrizes para PAC recomendam a realiza- suspeita de bactéria mulrirresisrente. Esses exames invasi-
ção de sorologia para vírus da imunodeficiência adqu1rida vos serão abordados na seçào referente à PAAS.

Investigação laboratorial do paciente com infecção do rrato respiratório inferior 83


Avaliação da secreção respiratória
do paciente com PAC. Sendo assim, essa análise fica re-
O escudo do escarro baseia-se na bacterioscopia pelo servada a siruações especiais, como nos pacienres que
mémdo do Gram e na culrura, embora sua utilização ain- apresentam quadros graves e não responsivos ao rrara-
da seJa alvo de controvérsia na abordagem da PAC. A IDSA memo 1nicial proposco. Não se deve retardar o início do
sugere que esres exames devam ser realizados em rodos rraramenro, aguardando-se a coleta das amosuas.
os paciencescom PAC que necessicem de incernação.
O exame direro corado pelo Gram é simples, de bai-
Testes imunológicos
xo cusro e a bacrerioscopia pode orientar a terapêutica
inicial. Se o exame de escarro for realizado, deve-se ater Os restes sorológicos não são realizados rotinei-
a cuidados especiais na colera, rransporre e processa- ramente na avaliação inicial dos pacientes com PAC e
mento da amostra. conforme descriro no Capítulo 3. A apresentam baixa sensibilidade. São utilizados na inves-
seleção da amostra para análise depende da composição tigação de microrganismos atípicos, como Legione/la,
celular e deve ser rorine1ramente realizada. A amostra é Mycoplasma e Chlamydia, e nos casos graves e não
considerada representativa se apresentar menos de 10 responsivos ao tratamento empírico in icial. Amostras
células epireliais escamosas e mais de 25 leucóciros poli- sorológicas colhidas na fase aguda e na convalescença
morfonucleados por campo (no aumento de 100x). podem ser utilizadas para confirmações etiológicas re-
A interpretação do exame de escarro depende tam- trospectivas e para identificação de surras. A elevação
bém da análise sem1quantirariva da amosrra, baseada na de quatro vezes no título da lgG ou lgM ~ 1/16 na imu-
predominância da bacréria no Gram e presença de mi- nofluorescência é valida para o diagnóstiCO de infecção
crorganismos imracelulares nos leucóciros polimorfonu- por C pneumomae. A detecção de M. pneumoniae aua-
cleados (>5%). Em estudo receme. Garcia-Varquez et a/., vés de k1ts comerciais apresenta sensibil1dade variável.
avaliando 1.669 pacientes com PAC. conseguiram isolar A pesquisa de anrígenos urinários rem limitada apli-
um parógeno predominante em apenas 240 (14.4%) das cação. Deve ser utilizada em pacientes com PAC gra-
amoscras de escarro. É 1mponanre destacar que alguns ve, em que haja suspeita de infecção por Legionclla ou
microrganismos são sempre parogênicos quando encon- pneumococo. Na suspeita de legionelose, a pesquisa
trados no escarro, a exemplo de Legione/la pneumophila, qualitativa do antígeno urinário apresenta-se positiva
Mycobactenum tuberculosis, Pneumocystts JiroveCII, mes- em cerca de 80% dos pacientes, com a vantagem de
mo se a amostra não for representativa. Se houver sus- permanecer positiva por muitos meses após a infecção
peita clín1ca. colorações especiais deverão ser real1zadas, aguda. Nesta situação, rem especificidade bastante ele-
como a pesquisa de fungos e a pesquisa de bacilos álcool- vada (95%). A positividade rorna-se maior a parm do
ácido-resisremes (BAAR). No emamo. o exame de escar- terceiro dia de sinroma. Um resultado negativo em fase
ro apresenta vánas limitações: dificuldades de expecrora- mais precoce não exclui a doença. A pesquisa do ancí-
ção, amosrra madequada, uso prévio de amimicrobianos geno urinário do pneumococo no diagnóstico etiológi-
e análise mconclusiva. co da pneumonia tem sido foco de escudos nos últimos
O escarro 1nduz1do, coletado após micronebuliza- anos, sobretudo pela simplicidade e rapidez do reste.
ção unlizando soro fisiológico em concentração de 3 aliado à dificuldade diagnósrica de outras técnicas. Sua
a 5%, é geralmente recomendado para detecção de P. sensibilidade vana de 50 a 80%, com especificidade de
proveci1 e M. tubercu/osis naqueles indivíduos CUJa cc- aproximadamente 90%, sendo menor na popu lação
lera espontânea é difícil; mas não apresenta vantagens pediárrica devido à colonização das vias aéreas supe-
para outros parógenos. riores pelo pneumococo.

Hemoculturas Testes de genética molecular

As hemoculruras têm se mosuado de baixo rendi- A PCR pode ser útil na identificação de L. pneumoph1la,
mento, com baixa sensibilidade/ especificidade e rara- M. pneumonwe e C pneumoniae, vírus respiratórios e mi-
meme induzem mudança de conduta no rraramemo cobacrénas, em paoemes selecionados.

84 Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - -- - -- - - - - - -- -- - - -- - - - - - - -- - -


O Quadro 9.5 apresenta os exames laboratoriais re- ma memo da imubação, a pneumonia associada à
comendados na PAC. de acordo com a complexidade ventilação mecânica é, por definição, aquela que se
do quadro clínico. inicia 48 horas após a VM. Ainda pode ser subdivi-
dida em precoce (~ 4 dias de VM) e tardia (~ 5 dias
de VM). Dependendo da duração da VM, os agentes
PNEUMONIA ASSOCIADA À ASSISTÊNCIA eciológicos e prognóscico são usualmeme diferences,
A SAÚDE sendo o da PVM precoce mais favorável.
Esse tipo de pneumonia apresenta taxas de mor-
Conceiwalmente, a PAAS é definida como a pneu- bidade e letalidade elevadas, especialmente quando o
monia que surge após 72 horas de hospitalização. Con- agente causal tem maior potencial de resistência aos
siderada a segunda causa mais comum de infecção antimicrobianos.
nosocomial nos EUA, é no Brasil a infecção hospitalar
mais prevalente. Entre as condições que favorecem a
ocorrência de PAAS estão o ambience pro pício (unida- AGENTES ETIO LÓG ICOS
de de u atamento intensivo), a redução de im unidade
do hospedeiro, o inóculo e/ou a virulência do micror- A disti nção entre microrganismo colonizante e pa-
ganismo patogênico. Freqüentememe a colonização tógeno, na amostra de secreção respiratóna, é multas
do trato respiratório precede a infecção e o agente vezes difícil. Quando há isolamento, os bacilos Gram
hospitalar chega ao pulmão pelo wbo orouaqueal e negativo (BGN) são os mais freqüentemente encon-
aspiração. A inalação de aerossóis contaminados, dis- uados (55% a 85% dos casos), seguidos de cocos Gram
seminação hematogênica e inocu lação direta são me- positivo (CGP) em 20% a 30% e microbiota mista em
nos comuns. 40% a 60%. Considerando-se a classificação de PVM
O principal fator de risco associado à PAAS é a em precoce e tardia, reconhece-se que os microrga-
vemilação mecânica (VM), o que explica a elevada nismos associados são d iferentes. Na PVM precoce, os
taxa de PAAS em unidade de tratamento intensi- agentes mais comuns são H. mjluenzae, S. pneumoniae,
vo. A pneumonia associada à ventilação mecân ica Staphylococcus aureus sensíveis a meticilina (MSSA) ou
(PVM) ocorre em 8% a 28% dos paciemes em uso de enterobanérias. Por outro lado, na PVM tardia são fre-
VM, com mortalidade associada de 24% a 76% e risco qüentemente isoladas bactérias resistentes a múltiplos
de morte duas a 10 vezes mais alto que em pacientes antim icrobianos, como P aeruginosa, Acinetobacter
sem PVM. Devido à dificuldade prática de estabele- spp., S aureus resistente a meticili na (M RSA) e encero-
cer se o microrganismo estava ou não presente no bactérias resistentes.

Quadro 9.5 - [xames laboratoriais recomendados nas pneumon1as adq uiridas na comunidade (PAC) de acordo com a com -
plexidade do quadro clínico

PAC domiciliar PAC enfermaria ou PAC em unidade de


pronto-atendimento tratamento intensivo
Avaliação Etiológ ico desnecessário Boclerioscopio (G rom) e cultura de escarro Todos os descritos e broncoscopia
Duas hemocuhuros ou aspirado traqueal no imuboção,
Primeiro amostro poro sorologio com culturas quantita tivas
Avaliação Geral Radiografia de tórax Hemogromo, uréio, transaminoses. glicemic. Todos os descr~ tos e monitorização
10nograma, Sp0 2, gosometno arterial se ventilatória, hemodinãmico e de
Sp02 s; 90%. sorologio pa10 HIV (fatores de trocos gasosos
risco ou dade entre 15 e 54 anos)

Fome: adaptado da D1rewz para pneumonias adq ui rida~ na comunidade (PAC) em adutros imunocompetentes. J Bras Pneumol.
2004;30(Suppl4):51-24.

Investigação laborato rial do paciente com infecção do traco resp iratório inferior 85
Os fatores de risco associados à resistência são: mon ia com o diagnóstico obtido por biópsia pulmo-
pneumonia com VM por período superior a sete dias nar observam que em menos de dois terços dos casos
e uso prévio de antimicrobianos de amplo espectro houve concordância.
(cefalosporinas de terceira geração, fluoroqu inolonas e Da mesma forma, as alterações radio lógicas na
carbapenems). PAAS são inespecíficas. Em um escudo, apenas cer-
A Sociedade Torácica Americana (ATS) propôs ca de um terço dos pacientes com novas alterações
classificação em crês grupos de provável et iologia, rad iológicas ceve diagnóstico de pneumonia em ne-
baseando-se nos critérios de gravi dade, presença de cropsia, sendo o broncograma aéreo o sinal q ue mais
doença crônica, farores de risco para microrganismos se correlaci onou com o resultado (64%). Entretanto,
específicos. uso prévio de antim icrobianos e tempo todo paciente com suspeita clínica de PAAS deve ter
decorrido entre admissão hospitalar e o aparecimento radiografia do tórax em incidências póstero-anterior
da doença (Quadro 9.6). (PA) e perfil. Esse procedimento pode determinar a
extensão da doença e a presença de complicações.
No intuito de elevar a sensibilidade e especificida-
MAN IFESTAÇÕES ClÍNICAS E ALTERAÇÕES de no diagnóstico de PVM, o Clinical Pulmonary lnjec-
DE IMAGEM tion Score (CPIS) propõe escore baseado em achados
clínicos, Gram e culturas (Quadro 9.7). Com o máxi-
O diagnóstico de PAAS, na prática clínica. é base- mo de 12 pomos, CPIS maior que seis associa-se à alta
ado em nova ou progressiva alteração na radiografia, probabilidade de PVM (sensibilidade e especificidade
febre. leucocitose e secreção u aqueobrônquica puru- de 93% e 100%, respeccivamence).
lenta. Contudo, esses critérios pouco se relacionam
com aquele estabelecido pelo padrão ouro, a partir da
biópsia pulmonar e, para pacientes em VM, qualquer ABORDAGEM LABORATORIAL
um desses fatores pode ser devido a d iversas outras
etiologias, o que resu lta em baixo valo r predicivo. Es- Os exames gerais não diferem da abordagem apre-
cudos que comparam o diagnóstico clínico de pneu- sentada para PAC.

Quadro 9.6 - Exames laborawriais recomendados nas pneumonias adqu1ridas na comun1dade - (PAC) de acordo com
provável eriologia

Grupos
Grupo I Grupo 11 Grupo III
Descrição Pacientes com pneumonia nosoco- Pacientes com pneumonro nosoco- Pacientes com o neumonio nosoco-
mio l leve o moderado. sem fatores mio l leve o moderado. com fa tores mial g rave. com fa tores de risco, d e
de risco, iniciado o qua lquer tempo d e risco, inic iado o qualquer tempo início precoce ou ta rdio
de admissão ou pacientes com do admissão
pneumonia grave de 1nicio orecoce
Etio logias BGN entéricos {exceto Pseudomonos, Agentes do grupo I, a lém de Agentes do grupo I, se início
prováveis Enterobocter, Klebsiello, Serrotio, onoeróbios {cirurgia abdominal, p recoce, a lém de Pseudomonos,
Proteus), H. influenzoe, MSSA. S. a spiração conhecido), S. oureus Acinetobocter e MRSA
pneumonioe {como, trauma crânio-encefálico,
diaberes mel iro, insuficiência renal);
Legionella sp. {uso de corticóides);
Pseudomonas {internação prolon-
gada em unidade de trotamento
intensivo, corticóides, ontimicrobio-
nos e doença estrutural pulmona r
- bro nquiecto sios)

Fome: adaplado da Drremz para pneumonras adqurridas na comunidade (PAC) em adu lws r munocom peteme~. J Bras Pneu moi. 2004;30(Suppi4):S1 -24.

86 [ Medicina laboratorial para o clínico


Quadro 9.7 - Escore da pneumonia associada à ventilação cusro mais elevado. além da necessidade de técnicas
mecânica pelo Clintcol Pulmonary Jnject10n Score (CPIS)
especializadas.
Entre os métodos não-invasivos, o Gram e a cultu-
Pa râmetros Estratificação Pontuação
ra de escarro são considerados de baixa sensibilidade e
>36,5 e <38.4 o especificidade para o diagnóstico de pneumonia, prin-
Temperatura ( CI
0
>38,5 e <38.9 1
cipalmence devido à comaminação pela microbiota
>39,0 e <36.0 2
orofaringeana. Contudo, alguns autores encontraram
>4.000 e <11.000 o concordância de 79% entre cultura de escarro e de as-
leucometrio
<4.000 e >11.000 pirado traqueal para o crescimento de microrganismos
(célulos/mm3)
+ de 50% bastões +I considerados patogênicos.
ausência o Para a coleta do aspi rado traqueal utiliza-se cate-
Secreção secreção não mucopuru· ter endotraqueal inserido às cegas na árvore traque-
Traqueal lento obrônquica. É faci lmence executado em paciences
secreção purulento 2
em ventilação mecânica porque o cubo endotraqueal
Índice de Oxige· >240 ou ARDS o permi te superar a barreira entre vias aé reas superio-
noção (PoOj <240 ou sem ARDS
Fi01 mmHgl 2 res e inferiores. Outra vantagem é o cusw mais bai-
sem infiltrado o xo em relação à broncoscopia. As desvantagens são
Radiografia de infiltrado difuso 1
a impossibilidade de observação das vias aéreas e o
Tórax risco potencial de coleta de secreção em local ina-
infiltrado localizado 2
dequado. O aspirado traqueal qualitativo apresenta
Progressão sem progressão rodiológ1co o
do Infiltrado elevada freqüência de resultados falso-positivos, em
progressão rad·otógico
P lmonor (sem ICC ou ARDS) 2 vircude da colonização das vias aéreas superiores por
bactéria patogénico raro microrganismos considerados patogênicos. Porém.
ou sem cresc1mento o é benéfico para exclusão do diagnóstico de PVM
bactéria patogénico em no pacienre em VM, com cultura negativa e sem o
Cultura Semt· moderado o grande quon-
quonti:ohvo uso de antimicrobianos. O aspirado traqueal quan-
ttdode
titativo apresenta sensibilidade de 38% a 100%, com
mesmo bactéria visto no
+1 especificidade de 14% a 100%. Alguns autores suge-
Grom
TOTAL 0·12
rem que cu lturas quancitativas de aspirado traqueal
apresentam desempenho semelhante à de mécodos
Nota AROS : acute resplfamry syndrome: ICC tnsuftênCia cardíaca con· mais invasivos. Entretanto, outros estudos mostram
gesttva. Fome adaptado de Stngh et ai. Short-course emptr'c anttbtottc
therapy for pat ents wtth pulmonary tnfrltrares tn the ntenstve care untt. resultados conflitantes em relação tanco ao valor de
Aproposed solunon for tndtscnm tnate anttbtonc prescnpnon Am J Resp corte quanto à sua sensibilidade e especificidade, va-
Cm Care Med. 2000.162:505-11.
lor preditivo positivo e valor preditivo negativo. Des-
ta forma, a cultu ra quantitativa de aspirado traqueal
Exames específi cos pode ser útil para identtficar os indivíduos com PVM.
mas não para idencificar seguramente o agente etio-
Avaliação da secreção respiratória
lógico. Apesar de ser uma técnica às vezes utilizada
para dtagnóstico de pneumon ia, qua ndo nen huma
Secreções respiratórias podem ser obtidas por técnica broncoscópica estiver disponível, devem-se
métodos invasivos ou não-invasivos. Os métodos ressaltar suas li mitações:
não-invasivos apresentam vantagens de menor custo • aproxtmadamence 30% dos pacientes não são
do procedimento e alta sensibilidade, apesar de sua Identificados utilizando-se um ponto de corte de
baixa especificidade. Os mécodos invasivos têm maior 106 unidades formadoras de colónia (UFC)/ml;
especificidade, à custa de maior freqüência de com- • pontos de corte mais baixos reduzem drastica-
plicações (hemotórax, pneumotórax e hemorragias) e mente a espeCtfiodade;

Investigação laboratorial do paciente com infecção do rrato respiratório inferior 87


• a seleção de antimicrobianos somente com base De acordo com Chame e Fagon, uma técnica
nesse mécodo pode levar ao uso incorrem ou tra- broncoscópica (LBA ou EBP) deve ser utilizada. caso
tamento desnecessário. disponível. como primeira escolha, em todos os pa-
cientes gravemente doentes com suspeita de PVM.
Os mécodos invasivos mais utilizados para o diag- Entre as duas técnicas. o LBA rem a vantagem de
nósrico de pneumonia são a culrura de LBA e de esco- apresentar sensibilidade ligeiramente superior e guiar
vado brônquico protegido (EBP), obtidos por meio de a seleção empírica de amimicrobianos por citologia e
técnicas broncoscópicas. O pomo de corre mais utili- Gram, ames da conclusão da cultura. Em alguns pa-
zado para EBP é 103 UFC/ml e para LBA 10 4 UFC/ml. cientes. principalmente nos portadores de DPOC. o
Não há padronização técnica rígida para a infusão de pequeno volume de salina recolhido após a instila-
solução salina no LBA. O volume infundido geralmen- ção. proveniente principalmente dos brônquios e não
te varia de 120 a 150 mL. podendo teoricamente pre- dos alvéolos, compromete a sensibilidade da récn1ca
encher uma área com aproximadamente um milhão (aumento de falso-negativo). Nesses pacientes. o EBP
de alvéolos, ou seja. 1% da superfície pulmonar. No é mais vantajoso.
miniLBA. infunde-se menor volume, sendo o valor de A administração de antimicrobianos deve ser inicia-
corre da culrura de 103 UFC/ml. Apesar da inexistên- da prontamente nos pacientes graves com suspeita de
cia de prococolos bem estabelecidos, é recomendável PVM. preferencialmente nas primeiras seis horas, pois
que o tempo máximo emre a colheita do material e isto parece influenciar favoravelmente o prognóstico.
seu processamento seja de até 30 minutos, indepen- Caso não seja possível realizar a broncoscopia nesse
dentemente do método utilizado. Um critério de rejei- período ou esta não esteja disponível no serv1ço. uma
ção para amostras de LBA é a presença de 1% ou mais técnica não-broncoscópica pode ser utilizada.
de células epiceliais.
Não há consenso sobre qual mécodo broncoscópi- Hemoculturas
co é mais eferivo para o diagnóstico de PVM. Todavia,
uma vantagem do LBA é a realização do exame citoló- As hemoculruras podem identificar o microrganis-
gico, que auxilia a tomada de decisão clínica até que o mo causador da pneumonia. no caso da bacteriem1a,
resultado das culturas se torne disponível. No caso de se não houver outra fonte de infecção ev1deme. Porém.
bactérias intracelulares em mais de 1% a 5% dos neu- resultados positivos para esses exames ocorrem em
trófilos e macrófagos. dependendo do estudo, a espe- menos de 10% dos casos.
cifiCidade para pneumonia é alta (89% a 100%). mas a
sensibilidade é muico variável (37% a 100%).
Também não está estabelecido se a utilização de ASPERGILOSE PULMONAR
uma técnica broncoscópica melhora o prognóstico do
paciente em relação ao uso de uma técnica não-invasiva, Infecções causadas pelo Asperg1llus podem apre-
como a cultura de aspirado traq ueal. Especialistas não sentar ampla gama de formas clínicas, desde quadro de
têm consenso a este respeito, mas escudos canadenses hi persensibilidade broncopulmonar (aspergilose bron-
sugerem que as técnicas broncoscópicas podem redu- copulmonar alérgica) até doença disseminada. As es-
Zir o uso de amim1crobianos e melhorar o prognóstico pécies mais comumente associadas à infecção humana
dos pacientes. Sua ma1or utilidade seria nos casos com são Asperglllus jum1gatus. Aspergi/Jus jlavus. Aspergi/Jus
resultado negativo, onde o médico-assistente poderia, terreus e Aspergi/Jus mger. A infecção pulmonar por
com segurança. suspender a terapia antimicrobiana e in- Asperglllus spp. representa a segunda infecção fúngica
vestigar outras possíveis doenças. As técnicas não-bron- nosocomial mais freqüente, ocorrendo principalmente
coscópicas, por outro lado. superestimariam a ocorrên- em pacientes imunocomprometidos.
cia de PVM, desviando a atenção do médico de outros As principais formas de infecção pelo Asperglllus são:
possíveis sírios de infecção, além de contribuir para o uso • colonização traqueobrônquica: isolamento sem
inadequado de ant1microb1anos. infecção correspondente;

88 [ M edicina laboratori al para o clínico


• aspergilose alérgica: apresentada como pneu- vasiva manifesta-se habitualmente como doença aguda,
monite de hipersensibilidade e aspergilose bron- progressiva, com os sinais e sintomas dependendo do
copulmonar alérgica; sítio acometido. Como o Aspergi/lus é habitualmente
• aspergiloma ("bola fúngica"): colonização em introduzido no organismo humano pelo trato respira-
lesões cavitadas pulmonares preexistentes; tório, os principais sintomas relacionam-se ao acomet i-
• aspergilose invasiva: comumeme observada em menro desse sírio. podendo haver doença concomiranre
pacientes imunocomprometidos. acometendo em seios paranasais e estruturas adjacentes. O sintoma
pulmão e menos freqüememente sistema nervo- mais freqüeme é febre. que não responde ao uso de an-
so central, pele e ossos. timicrobiano de amplo espectro. Outros simomas são:
dor torácica. tosse, dispnéia e hemoptise. A radiografia
Embora o Aspergillus seja um microrganismo difun- de tórax pode ser normal ou demonstrar presença de
dido no meio ambiente e a exposição a seus esporos lesões nodulares e in filtrados dispersos. A tomografia
seja freqüente, a doença invasiva é infreqüente e ocorre computadorizada de t órax é o exame de imagem de
principalmente em pacientes imunocomprometidos. escolha para investigação da aspergilose pulmonar inva-
Nestes. a taxa de mortalidade varia de 80 a 100%. Os siva. Pacientes imunocomprometidos, par ticularmente
principais fatores de risco para aspergilose pulmonar in- neutropênicos. são incapazes de resposta Inflamatória
vasiva são neutropenia por mais que 10 dias e uso de adequada e. sendo assim, a tom ografia com putadoriza-
corticóides, seguidos de infecção avançada pelo HIV e da exige interpretação cautelosa, já que pode apresentar
transplante alogênico de medula óssea com doença do alterações sueis. A doença pulmonar invasiva é sugerida
enxertoversus hospedeiro (GVHD). pela presença de lesões nodulares, às vezes cavitadas,
O EORTC (European Orgamzat1on for Research and com halo de vidro fosco (sinal do halo). No aspergiloma
Treatment of Cancer) orienta que a definição de doen- pulmonar. observa-se bola fúngica ou micetoma no in-
ça fúngica invasiva seja classificada em três grupos: terior de lesão cavitada.
• doença comprovada (exame hismpaLOiógico de-
m onstrando invasão tecidual);
• provável (presença de três desses elementos: fa- ABORDAGEM LABORATORIAL
tores de risco, apresentação clínica sugestiva e
exame m1cológico); Investigação microbiológica
• possível (presença de pelo menos um dos ele-
mentos Citados acima). A microscopia óptica do espeCJme (swab nasal,
escarro, LBA, biópsia pulmonar) p ode ser realizada di-
Desta forma. o diagnóstico definit ivo de infecção retamente ou após colo ração po r hemacoxilina-eosina
por Asperglflus ssp. depende da evidência de invasão te- (HE), Gomori, PAS ou Gridley. A morfologia t ípica é a
Cidual, por vezes ang101nvasiva, em exame histopatológi- presença de hifas septadas hialinas com rami ficações
co. Embora o isolamento de Aspergillus spp. em cultura dicotômicas em ângu lo agudo (45•). A diferenciação
possa sugeri r doença, algumas vezes representa apenas entre as espécies é baseada nas características cultu-
colon1zação. Naqueles com exames de imagem indicati- rais e morfológicas (cor e forma da cabeça conid ial.
vos de doença e com cultura positiva para o Aspergillus. número de fiálides, forma da vesícula. cor dos conídios
o diagnóstico de aspergilose pulmonar é provável. e conid ióforos). As estru tu ras de reprodução, que ca-
racterizam as diversas espécies. são produzidas em 48
a 72 horas de cultivo. Ressalta-se que a identificação
MAN IFESTAÇÕES CLÍNICAS E ESTUDOS de espécie tem relevada importância clínica. já que
DE IMAGEM o Aspergillus terreus apresenta resistência Intrínseca
à anfotericina. Em secreção respiratória de pacientes
A doença causada pelas diferentes espécies de As- com aspergiloma, as colónias têm crescimento lento
pergillus é clinicamente Indistinguível. A aspergilose in- e apresentam-se sem pigmentação e esporulação atí-

Investigação laboratorial do pacienre com infecção do trato respiratório inferior 89


pica, tornando difícil a sua identificação. Do ponto de fungo. Ouuo reste molecular é a hibrid ização in situ de
visra morfológico, a Pseudollescheria boydii, Fusarium. amostras teciduais.
Penicillium e Zygomycetes podem ser semelhantes. To- Infelizmente. não se tem disponível ainda um ces-
davia, a distinção entre essas espécies é essencial, uma te padron izado e a utilização das técnicas citadas é li-
vez que a abordagem terapêutica é distima. mitada na prática clínica, estando a maioria restrita a
Na culrura em meio ágar Sabouraud com anrimi- cenrros de pesquisa.
crobiano, o Aspergi/Jus cresce rapidameme, sendo visível
em cerca de três dias de incubação. Emrecamo, se o inó-
culo for pequeno, o crescimemo é lento (até quatro se- Avaliação anatomopatológica
manas). Apesar de possível, o isolamento de Aspergillus
em hemocultura é muito raro. A confirmação histológica pode não ser possível
em pacientes imunocompromeridos com comra-indi-
cação à biópsia, a exemplo de trombocitopenia ou do-
Testes imunológicos ença grave. Nos pacientes com doenças hemamlógicas
graves, a presença de sintomas respiratórios ou novo
O imunodiagnóstico é baseado na detecção de an- infiltrado pulmonar, mesmo sem o reconhecimento de
ticorpos e na reatividade de restes cutâneos. Depende Aspergi/Jus em amostra respiratória, é suficiente para o
da preparação antigénica, pureza e natureza química da diagnóstico presumível da doença e instituição de tera-
solução. Apresema maior valor no diagnóstico da asper- pêutica dirigida.
gilose broncopulmonar alérgica e aspergiloma, tendo
pouca utilidade na aspergilose invasiva, pois, nesse caso,
os pacientes habitualmente têm resposta humoral baixa PNEUMOCISTOSE PULMONAR
ou auseme.
Na aspergilose invasiva, a detecção do antígeno. no O PnP.umocyçtiç jirovP.cii (amigo P carinii) é um
soro, urina ou líquidos biológicos diversos, possibili ta o fungo cuja imporrância como patógeno hu mano se
diagnóstico precoce. A detecção sérica da galactomana- relaciona com o aumemo do número de pacientes
na, por meio de ensa1o imunoenzimático em sanduíche im unocomprometidos por transplantes e quimioterá-
(ELISA), rem sido um exame promissor no diagnóstico picos e com o apa recimento da epidemia da SIDA há
de doença invasiva. Esse anrígeno é um dos principais 20 anos.
constituimes da parede celular do Aspergillus, sendo li- Embora identificado por Chagas e Carini em 1909
berado durante o crescimemo da hifa. O resultado posi- e 1910. teve sua patogenicidade reconhecida por Va-
tivo do teste precede em cinco a oiw dias aos sintomas nek e Ji rovek em 1952, daí a sua renomeação. Em re-
da doença. alterações radiológicas ou culturas positivas. conhecimento às diferenças genéricas e funcionais,
Comudo, falso-positivos foram descritos em paciemes foram nomeados como espécies diferentes: P. carinii
em uso de piperacilina-razobactam. O resulcado negati- e P. jirovecii, sendo a pri meira espécie observada em
vo praticamente afasta aspergilose. diversos animais e a segunda causadora de pneumonia
em humanos.
Até recentemente, o Pneumocystis era conside-
Técnicas de genética molecular rado protozoário. Mas com a melhoria do conheci-
mento sobre a biologia desse microrganismo, foi em
A PCR para Aspergillus é exame ainda em investi- seguida classificado como fungo. Contudo, ai nda hoje
gação, com resultados conflitantes quando comparada existem dúvidas quanto à sua taxonomia, já que o
com a pesquisa de galactomanana ou beta-D-glucan. Pneumocystis não responde à terapia antifúngica e
Um aspecm importante é a possibilidade de resultado ta mpouco cresce em me1os de cultivo de fungo, ge-
falso-positivo devido à elevada sensibilidade do método, rando discordância entre os especialistas que não o
atribuída à colon ização do traw respiratório por esse consideram um fungo verdadeiro.

90 ( Medicina laboratorial para o clínico


Esses microrganismos foram inicialmente classifica- los, infiltrados lobares, pneumacoceles e derrame pleural
dos como procozoários por apresentarem três formas também são descritos. A comografia computadorizada
evolutivas em seu ciclo: ciscos, esporozoícos e crofozo- de tórax apresenta elevada sensibilidade e especificidade
ícos. Todavia, a maneira de transmissão não foi ainda para a pneumocistose pulmonar, indicando a presença
completamente elucidada. Sabe-se que a transmissão de vidro fosco, imagem micronodular e cisros. Apesar
ocorre precocemente na vida (inquéricos sorológicos de esses achados serem sugestivos de pneumocistose
demonstram soropositividade até a idade de quatro pulmonar, não estabelecem o diagnóstico. Entretanro,
anos) e provavelmente pela via respiratória. A infecção a tomografia computadorizada sem alterações coscuma
primária é assintomática ou subclínica e o microrganis- afastar a suspeita clínica.
mo permanece em estado latente até ser reacivado, na
vigência de imunossupressão. Apesar disso, é possível
que ocorra transmissão pessoa a pessoa e surros com ABORDAGEM LABORATORIAL
a identificação de aglomerados (cluster outbreaks) já
foram relatados em unidades oncológicas e de acendi- Exames gerais
mento ao portador do HIV.
A incidência de pneumocisrose, independentemente A desidrogenase láctica (LDH) é uma enzima intrace-
do grupo de risco, tem sido dramaticamente modificada lular e concentrações séricas elevadas sugerem destrui-
pela profilaxia, que é atualmente a principal medida de ção tecidual. Contudo, apesar de freqüentemenre ele-
prevenção. vada na pneumocistose pulmonar (valores superiores a
SOO U/L) e ser determ inante de prognóstico, pode estar
elevada em uma série de outras situações.
MANIFESTAÇÕES ClÍNICAS E ESTUDOS O hemograma de pacienres com sorologia positiva
DE IMAGEM para HIV e pneumocistose pulmonar habitualmente re-
vela leucopcnia. A contagem de linfóciros CD4 é usual-
Embora a localização pulmonar seja a mais freqüente, mente < 200 células/mm 3
lesões extrapulmonares são descritas em órgãos do siste- A gasomerria arterial pode revelar hipoxemia (pres-
ma reticuloendotelial e retina. são parcial de 0 2 s; 70 mmHg) ou gradiente alvéolo-arte-
A pneumociscose pulmonar apresenta estabeleci- rial de oxigênio:?: 35 mmHg. Nestas sicuações, é indicado
mento gradual e insidioso, caracterizado por febre (79% o uso de corticóide associado ao antimicrobiano.
a 100%), cosse (95%) e dispnéia progressiva (95%). Acosse
é geralmente não produtiva, mas 30% dos pacientes re-
ferem produção de algum escarro. Outros sintomas in- Exames específicos
cluem fadiga, calafrios, dor corácica e perda de peso. Ao
exame, usualmente observam-se febre e taquipnéia. A O dtagnóstico definitivo da pneumoostose pulmona r
ausculta respiratória é normal em 50% dos casos. Mani- é estabelecido pela identificação do agente e sua morfo-
festações extrapulmonares como hepacoesplenomegalia logia no tecido ou fluidos do hospedeiro dependem da
e lesões de pele podem ser vistas principalmenre naque- forma evolutiva do parasito. Pode ser encontrado em se-
les com profilaxia com pentamidina aerossol. creções do trato respiratório (escarro, aspirado traqueal,
Os fatores de risco para evolução desfavorável in- LBA), tecidos (biópsia pulmonar) e fluidos orgânicos (líqui-
cluem hipoxemia, comprometimento pulmonar bilateral, do pleural). A sensibilidade da pesquisa nessas amostras
infecções pulmonares concomita ntes, doença recorren- varia com a morfologia do microrganismo e com o diag-
te, níveis de desidrogenase lática (LDH) sérica elevados e nóstico de base do paciente, sendo em torno de 80% em
gradiente alvéolo-arterial de oxigênio >30 mmHg. escarro induzido naqueles com SIDA. Por outro lado, esse
A radiografia de tórax é geralmente normal em ca- exame é raramente positivo em crianças sem SIDA. Acre-
sos iniciais. As alterações mais freqüentes são infiltrados dita-se que a diferença de sensibilidade observada nesses
intersticiais e alveolares difusos e bilaterais. Cistos, nódu- dois grupos seja devida a cargas parasitárias distintas.

Investigação laboratorial do paciente com infecção do trato respiratório inferior 91


REFERÊNCIAS
A avaliação do espécime clínico não é modificada se
coletada até três dias do início do tratamento. O mate- 1. A scioglu S. Rex JH. de Pauw B, Bennerr JE, Bill e J. Crokaerr
rial biológico deve ser tratado com solução mucolítica, F. er ai. Defi ning opporrunistic invasive fungai infewous
in 1munocomprom1sed pariems w1th cancer and hema-
diluído e centrifugado para análise do sedimento.
ropoienc stem cell transplants: an internacional consen-
O diagnóstico laboracorial da pneumocistose pulmo- sus. Clin lnfecr Disease. 2002;34:7-14.
nar nas últimas duas décadas era baseado na demons- 2. Barone AA Pneumocisrose. ln: Tavares W, Marinho LAC.
tração de cistos por meio de colorações de Gomori, Roc1nas de diagnóstiCO e tratamento das doenças Infec-
ciosas e parasitárias. São Paulo: Arheneu; 2005; 869-873.
metenamina-prata, azul de toluidina e calcoflúor (essas
3. Kollef MH. Diagnosis of ventilador-associated pneumo-
técnicas permitem tam bém a visualização do espes- nia. ln: UpToDare, Rose BD. Wellesley: UpToDate; 2002.
samento duplo focal típico), além da identificação de 4. Nouer AS, Nucci MLM. A spergilose. ln: Tavares W, Ma-
ciscos e trofozoícos pela coloração de Giemsa. Com a rinho W, Marinho LAC. Rotinas de diagnóstico e trata-
introdução de técnicas mais modernas, a exemplo da mento das doenças mfecciosas e parasitárias. São Paulo:
Atheneu; 2005;121 a 124.
pesquisa do microrganismo por anticorpos monoclonais 5. Rabello E. Pneumonia. ln: Tavares W, Mann ho W, Ma-
(por im unofluorescência), têm-se resultados mais sensí- rinho LAC. Rotinas de diagnóstico e t ratamento das
veis e específicos capazes de detectar formas císticas e doenças infecc1osas e parasitárias. São Paulo: Atheneu;
trofozoítas em cerca de duas horas. 2005. p. 874-89.
6. Sing N, Rogers P, Arwood CN, Wagner. MM. Yu VL.
A introdução de métodos moleculares, a exemplo
Shorr-course empine amibiotic therapy for panents wi rh
da PCR. possibilita a detecção do agente em amostras pulmonary in filt rares in rhe inrensive care unir. A pro-
negativas na imunofluorescência, porém nem sempre é posed solurion for indiscriminate amibiocic prescriprion.
possível diferenciar indivíduos colonizados de doentes. Am J Resp Cnt Care Med. 2000;162:505 -11
7. Sooedade Brasileira de Pneumologia. Diretriz para pneu-
Todavia, uma PCR negativa pode excluir a doença Esse
monias adquindas na comunidade (PAC) em adultosJmu-
método carece ainda de validação definitiva. nocomperenres. J Bras Pneu mo i. 2004;30 Suppi i4:S1 -24 .
Por fim, a dosagem sérica de S-adenosilmetionina é
teste em avaliação. Está reduzida em pacientes doentes e
seu nível sérico passa a se elevar após aproximadamente
uma semana de tratamento. É promissora por auxiliar o
diagnóstico, em casos onde a coleta de amostra respira-
tória é difícil, e permitir monitorização do tratamento.

92 [ Medicina laboratorial para o cl ínico Jf-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- -- - - - - - -


Silva na Spíndola de Miranda

10
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM MICOBACTERIOSES:
Mycobacterium tuberculosis E
MICOBACTÉRIAS NÃO TUBERCULOSAS

INTRODUÇÃO O Brasil, segundo a Organização Mundial de Saú-


de, ocupa o 15° lugar emre 22 países responsáveis por
As micobactérias estão posicionadas taxonomicameme 80% do total de casos de tuberculose no mundo. Fomes
na Ordem Actinomycetales, Família Mycobacteriaceae, Gêne- do Ministério da Saúde (2003) estimam prevalência no
ro Mycobacterium e a Espécie Mycobacterium tuberculos1s. país de 38/100.000 casos/habitames, com cerca de 50
O M. tuberculosis tem crescimemo lemo, com tem- milhões de infectados, com 86.062 casos novos e 4.979
po de geração de 18 às 24 horas em meio de Lowens- óbitos ocorrendo anualmeme. Existe uma variação de
tein-jensen (L-J), tem como temperatura ótima em torno 29,3/100.000 na região Cemro-Oeste a 44,6/100.000 na
de 36°C. É resisteme a agemes químicos, mas sensível a região Sudeste. Em relação ao uatamemo, 72,2% recebe-
agemes físicos, como a radiação ultravioleta e o calor, ram alta por cura, com aba ndono de 11,7 e 7% de óbito,
sendo aeróbico estrito, imóvel, não esporula, é parasito longe, portanto, das metas imernacionaís estabelecidas
celular facultativo, álcool-ácido-resisteme devido a seu pela OMS e MS, de curar 85% dos casos estimados.
alto comeúdo lipídico, e "dormência" por longo tempo. A distribuição da tuberculose no Brasil, segundo ida-
É a espécie de maior importância médica, por ser o prin- de e formas clínicas, são: maiores de 15 anos - 85%, cujos
cipal ageme etiológico da tuberculose (TB) e, junco com 90% com formas pulmonares; menores de 15 anos -15%,
o M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, forma o cujos 75% com formas pulmonares.
complexo Mycobactenum tuberculosis. A co-infecção TB/HIV é preocupante, pois a evolução
do estado de infecção para o adoecimemo é muito dife-
rence para pessoas imunocompetences e aquelas infecta-
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS das pelo HIV No caso de TB, as chances de que a infecção
evolua para a doença é em torno de 10% ao longo da sua
O problema da tuberculose no Brasil reflete o es- vida. No indivíduo infectado pelo HIV, essa chance passa
tágio de desenvolvimento socioeconômico do país, a ser de 8 a 10% ao ano. A OMS estima a existência de
onde a pobreza, a desorganização do sistema de saú- 33,6 mi lhões de pessoas vivendo com HIV/AIDS e de 637
de e as deficiências de gestão impedem a diminuição mil casos co-i nfectados (TB/HIV/AIDS). Segundo o MS,
das doenças marcadas pelo contexto social. No caso no Brasil, encre 1980 e junho de 2000, ocorreram 190.523
da tuberculose, a epidemia do vírus da imunodefici- casos de AIDS e 20 a 40% desenvolveram TB. Em relação
ência humana (HIV) e AIDS e a multirresistência têm à co-infecção TB/HIV, estimou-se que 8% dos casos de TB
agravado essa doença. seriam também seropositivo para o HIV
Verificam-se hoje, devido aos problemas na condu- das as barreiras físicas e inespecíficas, inicia-se a ativação
ção do Programa de Controle da Tuberculose (PCT), re- específica contra o agente agressor, com a progressão da
Sistência adqwnda (21.0%) e resistênoa pnmána (9,2%). inflamação e broncopneumonia inespecífica. Com isso,
A constatação da resistência primária inicial, inclusive o bacilo começa a se dividir e a aumentar em número no
a tuberculose mult irresistente (TBMR - 1.1%), mostra o foco de inoculação, disseminando-se tanto por via linfá-
agravamemo da siEUação epidemiológica no país. cica para os gânglios linfácicos de drenagem como por
via hematogênica para órgãos exrrawrácicos.
A partir das lesões pulmonares, também conheci-
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS EIMUNOLÓGICOS das com o cancro de inoculação ou nód ulo de Ghon,
os bacilos m igram por via linfática até os linfonodos
A patogenia da tuberculose está div1dida em quatro hilares e med1astinais, onde ocorrem as mesmas rea-
estágios: ções inflamatórras observadas nos pulmões. Ao con-
Estágio 1 - Destruição do bacilo por macrófagos junto formado pelo cancro de inoculação, linfangite e
alveolares residentes maduros, dependendo de: capaci- linfadenopatia, dá-se o nome de complexo primário
dade inibitória do macrófago; virulência do bacilo; carga de Ranke (Figuras 10.1 e 10.2). O momento do surgi-
infectante. mento do tubérculo corresponde ao desenvolvim ento
Estágio 2 - Multiplicação logarítmica doM. tuberculosis da imunidade celular e é associado à vi ragem do test e
(Mtb) dentro de macrófagos imaturos. O mecan1smo seria ru berculínico. No momento da disseminação hema-
devido a: monócicos/macrófagos recrutados da circulação wgênica, o organismo, já com a Imunidade adquirida
não detêm o crescrmenco; formação da lesão inicral. desenvolvida, impede o estabelecimento da tubercu-
Estágio 3 - Número estacionário de bacilos. O me- lose doença em 95% dos casos, encerrando, então, a
canismo seria devido a: multiplicação do M. tuberculosis prrmo-infecção.
inibida pela resposta imunológica mediada por células;
formação do foco tuberculoso, com centro caseoso sóli-
do impedindo a multiplicação extracelular do bacilo; em TU BERCU LOSE PRIMÁRIA
torno do cencro necrótico as células epitelióides inibem
a multiplicação e destroem o M. tuberculosis; macrófagos Em 5% dos casos, as lesões provocadas pela primo-
imaturos ainda permitem a multiplicação; a evolução da infecção tuberculosa adquirem caráter progressivo.
doença depende do número de macrófagos maruros e/ dando orrgem à tuberculose primária . Conceltualmen-
ou imaturos. te, a tuberculose resultante da progressão do comple-
Estágio 4 - Liquefação do cáseo e evasão do bacilo. xo pulmonar primário que se desenvolve nos primeiros
O mecanismo seria devido a: mult iplicação extracelular cinco anos após a primo-infecção é chamada de tuber-
em larga escala; expectoração e preservação da espécie culose primárra.
pela t ransmissão para outro hospedeiro; m ecanismos de A lesão pulmonar pode adqui rrr aspecto pneumó-
defesa incapazes de controlar a infecção. nico, estender-se até a pleura ou escavar, originando
a caverna primária. Os linfonodos. aumentando de
volume, podem determinar compressão brónquica,
PRIMO-INFECÇÃO levando à atelectasia, quando toda a luz brônquica é
obstruída, ou insuflação pulmonar, no caso de obstru-
O ser humano adquire o bacilo da tuberculose, o ção parc1a l, com mecanismo valvular. Se os linfonodos
qual é eliminado dos pulmões de um paciente através perfuram para dentro da luz brônquica, instala-se a
de part ículas expelidas durante a tosse. fa la ou espirro. bronqui te tuberculosa, que muitas vezes manifesta-se
Aquelas partículas diminutas, com algumas unidades por tosse incoercível. Uma das formas mais graves é a
bacilares, logo que eliminadas, são rapidamente desse- forma m iliar, resultante da difusão de lesões granulo-
cadas e permanecem em suspensão na atmosfera e em matosas muim pequenas que atingem não apenas os
cond1ções de serem inaladas por outras pessoas. Venci- pulmões, como outros órgãos.

94 Medici na laborato rial para o clínico


casos no interior das vias aéreas superiores, onde há
resistência inespecífica contra a instalação dos bacilos
devido a barreiras físicas em que a mais importante é
a clearence muco-ciliar. Caso o bacilo vença a barreira
física, ele atinge os alvéolos pulmonares e a infecção tu -
berculosa inicia-se.
Os macrófagos alveolares são uma das primeiras cé-
lulas a interagir com os bacilos através da fagocicose, que
caracteriza a etapa inicial da resposta imune inespecífica
antimicobacceriana.
Figura 10.1 - Complexo pnmáno. Quando ocorre a multiplicação dos bacilos e a libe-
ração de seus antígenos, desencadeiam-se estímulos aos
linfócitos T que. a partir da liberação de citocinas e outros
mediadores, promovem a ativação de macrófagos e a
proliferação de novos linfócitos T, objetivando a conten-
ção ou mesmo a destruição dos bacilos da tuberculose.
Os mecanismos imunológicos da tuberculose não
estão ainda completamente esclarecidos, mas envolvem
linfócitos T, macrófagos, interleucinas e inúmeros outros
mediadores. Uma vez iniciada a multiplicação bacilar, en-
tram em ação os macrófagos ativados e os linfócitos T,
que produzem intedeucina-2, a qual promove a multipli-
cação de outros linfóciros, possibilitando a migração dos
Figura 10.2- Complexo pnmáno. Nesta imagem não se observa o mesmos para o foco da lesão.
cancro de 1noculaçào. Existem várias subpopulações de linfócitos T, sendo
TUBERCU LOSE PÓS-PRIMÁRIA OU SECUNDÁRIA as principais as de linfócitos T auxiliares, helper ou CD4+,
cujas funções mais importantes são secretar interleuci-
na-2, a qual promove a ampliação da resposta inflama-
Os bacilos da primo-infecção podem permanecer vi- tória, e produzir TNF- alfa, que facilita a lise dos bacilos
áveis no organismo por muitos anos e até mesmo duran- pelos macrófagos com formação de granulomas.
te toda a vida do indivíduo. Ocorrendo queda da defesa Os linfócitos T moduladores (supressores) ou CD8+
do organismo por qualquer mmivo, esses bacilos podem interagem com os linfócitos CD4+, organizando, mo-
multiplicar-se e dar origem à tuberculose de reativação, dulando e quantificando a reação inflamatória. Esses
nos pulmões. pleura, ossos, rins, olho ou em qualquer ou- linfócitos têm também ação citotóxica, promovendo
tro órgão onde o bacilo renha se alojado anteriormente. a destruição de macrófagos não arivados e de tecidos
Nos países com baixa prevalência de tuberculose, a rear1vaçào circunvizinhos, bem como dos organismos invasores.
endógena acomete principalmente as pessoasem idade avançada, Com essa destruição tissular, forma m-se áreas de ne-
enquanto que nos países com alta prevalênciade pacientes bacilífe- crose caseosa, dificultando a mu ltiplicação dos bacilos
ros, a reinfecção exógenaé maisimportante eatinge principalmente pela baixa tensão de oxigénio e do pH ácido. A intera-
adulwsjovens, como acontece em nosso país. ção entre linfócitos CD4+, CD8+ e macrófagos pode
ser benéfica ou prejudicial, pela destruição rissular, de-
pendendo da intensidade da reação.
M ECAN ISMOS IMUNOLÓGICOS Entre os linfóciws T helper, foram identificadas duas
subpopulações principais, sendo que a Th-1 tem a função
A primeira experiência do organismo humano com de promover a proliferação celular e a ativação de células
o bacilo da tuberculose ocorre na quase total idade dos citmóxicas, pela secreção de interlucina-2 e interferon-

Investigação laboratorial do paciente com micobacterioses 95


gama. A subpopulação Th-2 age auavés da liberação de rais citados na TB pulmonar e o quadro clínico vai variar
inrerleucinas 4, S. 6, 10 e 13. promovendo a proliferação conforme a localização e a gravidade do caso. O teste
de linfócitOs B, os quais, atuando sobre os plasmóciros. tuberculínico é geralmente rearor forre. A forma mais
conduzem à produção de anticorpos, cujos papéis na prevalente é a pleural em pacientes imunocompetentes.
tuberculose ainda estão para ser esclarecidos.
A hipersensibilidade do cipo re[ardado é parce ince-
grame dos mecanismos imunológicos da tuberculose e ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
intimamente vinculada à interação entre linfócitos CD4+.
CD8+ e macrófagos. TUBERCULOSE PULMONAR
As lesões anacomopacológicas da tuberculose ocor-
rem na dependência de mecanismos de hipersensibilidade Investigação microbiológica
aos antígenos do bacilo. Esses fenômenos imunológicos
estão vinculados à imunidade celular. com envolvimento A obtenção de amosua representativa das vias aéreas
dos linfócitos T. principalmente CD4+ e CD8+, macrófa- inferiores é fundamental para o sucesso do diagnóstico
gos ativados e cicocinas, em especial as inrerleucinas. o microbiológico da tuberculose pulmonar. Caso não haja
inrerferon-gama (INF-gama) e o faror de necrose tumo- escarro. pode-se fazer o escarro induzido com solução
ral-alfa (TNF-alfa). secretadas por estas células. salina hipertônica a 3%, a partir da nebulização (nebu-
Na tuberculose disseminada, ocorre falência das de- lizador ultra-sônico), seguindo-se as Normas de Biosse-
fesas imunológicas. principalmente de linfócitOs CD4+. gurança do Ministério da Saúde. Ouua escolha é fazer a
permitindo intensa multiplicação e disseminação baci- broncofibroscopia para coletar o material clín1co: lavado
lar, com a formação de numerosos focos inflamatórios. broncoalveolar e/ou biópsia transbrônqUJca.
acompanhados ou não de necrose caseosa. Essas lesões
se desenvolvem na dependência da ação de INF-gama
Baciloscopia
e TNF-alfa. enquanto que os mecanismos de hipersensi-
bilidade são pouco expressivos. com PPD rearor fraco ou A baciloscopia direta do escarro é o método mais
mesmo não rearor, em decorrência da falência da inrera- importante para o diagnóstico da tuberculose pulmonar
ção entre linfócitOs CD4+, CD8+ e macrófagos. no Brasil. já que a maioria dos nossos pacientes são por-
tadores da cepa do Mycobacterium tuberculosis, sendo
aceito, portanto. o diagnóstico de TB utilizando-se desta
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS técnica. As micobactérias não tuberculosas têm preva-
lência muiro baixa, porém, deve-se estar atento para esta
TUBERCU LOSE PULMONAR hipótese, principalmente em pacientes imunossuprim i-
dos ou seqüela de doenças pulmonares.
A TB manifesta-se por uma síndrome infecciosa de cur- A técnica mais utilizada é a coloração de Ziehi-Neelsen
so crónico, com febre baixa. sudorese noturna e consome o (ZN), que é um exame simples e barato, utiliza microscópio
indivíduo, debilitando e gerando o emagrecimento. Apre- à luz branca. sendo empregado não só para o diagnóstico,
senta tosse. que inicialmente pode ser seca, e posterior- mas também para o controle mensal dos pacientes e defi-
mente expectOração por mais de três semanas, que pode nição de estratégias de controle da TB diante da quannda-
evoluir com escarro sangüíneo (hemoptóicos) e hemopti- de de bacilíferos na comunidade. Outro mérodo de colora-
se. dor toráoca e dispnéia nos casos ma1s avançados. ção é o da Auramina, que utiliza microscópio fluorescente
para a visibilização do bacilo, sendo sua leitura muita mais
rápida que a leitura com a técnica de ZN, já que os bacilos
TUBERCULOSE EXTRAPU LMONAR apresentam-se amarelo-brilhante sob um fundo escuro.
Para que se tenha lâmma positiva (baciloscopia po-
A forma exrrapulmonar acomete cerca de 15% dos Sitiva), são necessários pelo menos 5.000 bacilos por ml
casos de TB. pode apresentar os mesmos sintomas ge- da amostra.

96 Medicina laborarorial para o clínico


Quando um diagnóstico é feico somente pela técnica • foi encontrado em 300 campos um total de 10 a
da Auramina, deve-se corar novamente essa lâmina pela 99 BAAR. sendo a amostra positiva (+);
técnica de Z , para a confirmação e liberação do resultado. • foram encontrados um a nove BAAR, o resultado
Alguns estudos, porém, demonstram que em laboratórios é inconclusivo para tuberculose. Deve-se solicitar
que possuem técnicos altamente treinados, a sensibilidade, nova amostra e repetir-se o exame;
a especificidade, o valor preditivo positivo e o valor predici- • não foram encontrados BAAR nos 300 cam·
vo negativo desse mécodo são maiores que pela coloração pos observados, sendo a amosrra negativa para
com ZN. A liberação do resultado pode ser aucorizada e a BAAR.
correlação clínica e radiológica deve ser avaliada.
Liberação da baciloscopia (BAAR · bacilo álcool-áci- OBS: caso o diagnóstico de TB seja feito pela baci-
do resistente) em material direco (não centrifugado). Os loscopia após centrifugação de amostra de escarro, as
critérios variam conforme o tipo de amostras. baciloscopias de controle do tratamento deverão ser re-
alizadas da mesma forma, para que se possam comparar
a) Em amostras de escarro: os resultados.
• não são encontrados BAAR em 100 campos =
relata-se resultado negativo;
Cultura
• são encontrados um a nove BAAR em 100 cam-
pos = relata-se apenas a quantidade de baar en- A cultura do material clímco é o método mais espe-
contrada; cífico e sensível para detectar o bacilo da tuberculose.
• são encontrados 10 a 99 BAAR em 100 campos = São necessários 10 a 100 bacilos viáveis por ml da amos-
relata-se resultado positivo (+); tra para um resultado positivo. Está indicada nos casos
• são encontrados, em média, um a 10 BAAR por em que duas amostras são negativas na baciloscopia.
campo nos primeiros 50 campos observados = na tuberculose exuapulmonar, TB recidivante, retorno
relata-se resultado positivo (++); pós-abandono do tratamento e em indivíduos com imu-
• são encontrados, em média, 10 BAAR por campo nossupressão. A parti r da cultura pode-se identificar as
nos primeiros 20 campos observados = relata-se espécies m1cobactenanas e realizar-se o teste de sensibili-
resultado positivo (+++). dade em pacientes suspeiros de portar cepas resistentes.
Em outros países. cepas mult1drogas-resistenres
b) Em outras amostras, quando: (MDR) são defin1das como cepas do Mtb resistentes a
Não são encontrados BAAR = relata-se resultado ne- pelo menos a rifampicina e a isoniazida. No Brasil. por
gativo; utilizar-se o esquema de falência com estrepromicina,
São encontrados BAAR em qualquer quantidade, etambucol, etionamida e pirazinamida, as MDRs são de-
100 campos =relata-se resultado positivo. finidas como cepas resistentes à rifampicina, isoniazida e
a outro medicamento utilizado no esquema I. IR ou III.
Liberação da baciloscopia em material centrifugado. A cultura é fei ta no meio sólido de Lowentein-Jensen
Leitura em 300 campos: e o crescimento do M. tuberculosis é em torno de 28
• foi encontrada nos 100 primeiros campos média dias de incubação à temperatura de 36"(. porém ou-
de mais de 10 BAAR por campo. está encerrada a tros meios sólidos à base de Agar (7H10) e líquidos (7H9.
leitura e a amostra é positiva(+++). Se a média for 7H12) foram padronizados para serem utilizados no diag-
inferior ou não contiver BAAR, continua a leitura nóstico da TB, adorando-se aparelhos auromat1zados ou
até completar 200 campos; semi-auromatizados, como: BACTEC 460 TB®, BACTEC
• foi encontrada em 200 campos média de um a 9000®. MGIT 960® (Mycobactena GrowLh lnd1cator
10 BAAR por campo. está encerrada a leitura e a Tube) (Becton Dickmson, Sparks, Md.), MB/BACJ®, MB
amostra é positiva(++). Se a média for inferior ou REDOx® (Heipha D1agnostika Biorest, Alemanha) e ESP
não contiver BAAR, continua a leitura até comple- 11® (Trek Diagnostic Systems). A vantagem desses meios é
tar 300 campos; o tempo de crescimento do Mtb (em torno de 10 d1as).

Investigação laboratorial do paciente com micobacrerioses 97


Métodos moleculares
A forma primária apresenta-se mais comumente
como: consolidação parenquimantosa semelhante a uma
Várias técnicas de Biologia Molecular têm sido utiliza- forma pneumónica e algumas vezes com presença de
das para o diagnóstico da cuberculose pulmonar e extra- broncograma aéreo. A topografia mais comum é: sub-lo-
pulmonar, como, por exemplo: AMTD® e EMTD® (Gen- bar e subpleural; linfoadenopatia mediastinal e hilar usu-
Probe lnc, San Diego, CA), Amplicor® e COBAS Amplicor® almente estão associadas à consolidação parenquimacosa
(Rache Molecular Systems, Brancburg, NJ), LCx Probe ou à atelectasia, pela compressão extrínseca de um li nfa-
System® (Abbot Laboratories), SDA® (Biosciences Spa- nodo; padrão miliar ou micronodular, que são pequenas
rks, Md). Encretanto, apenas o AMTD®, o Amplicor®e o opacidades (micronódulos) isoladas distribuídas homo-
EMTD® foram aprovados pela FDA e exclusivamente para geneamente, dissem inadas por todo o pulmão.
amostras respiratórias, com baciloscopia positiva. Somen- Na forma pós-primária, os achados radiográficos mais
te o EMTD foi aprovado para amostras com baciloscopia freqüentes são: opacidades heterogêneas e cavidades
negativa. Esses testes aprovados devem ser usados na sus- nos segmentos ápico-posteriores dos lobos superiores
peita clínica de TB pulmonar do adulto não infectado pelo ou superiores dos lobos inferiores; consolidações e pa-
HIV e sem tratamento prévio nos 12 meses anteriores. A drão retículo-nodular por disseminação broncogênica;
recomendação do Ministério da Saúde é de que a PCR não nódulos (cuberculoma); banda parenquimatosa repre-
deve ser utilizada na rotina diagnóstica da TB pulmonar no semando fibrose local. (Figuras 10.3 e 10.4)
nosso meio, nem substituir a culcura. Ela poderá ser empre-
gada em laboratórios de referência, nos casos que neces-
sitarem de diagnóstico rápido, considerando-se os testes
validados para as distincas sicuações e as características da
população escudada, antes da decisão diagnóstica.

Testes sorológicos

Existem várias técnicas sorológicas para o diagnósti-


co de TB: hemaglutinação. aglutinação em látex, fluores-
cência indireta, radioimunoensaio e imunofluorescência.
Entretanto, vários fatores estão associados ao limitado Figu ra 10.3 - Grandes cavtdades em terço superior dtreito e disse-
rendimento dos testes sorológicos avaliados até hoje: minação broncogênica contra lateral.
técnica sorológica, tipo de antígeno empregado, classe
de imunoglobulina pesquisada, população escudada, si-
tuação imunológica. variações genéticas individuais, pos-
sibilidade de sensibilização prévia com outras micobac-
ténas e produção de diferentes classes de anticorpos em
momentos disti ntos da doença. Assim, não é recomen-
dada a utilização de testes sorológicos na rotina clínica
da investigação da cuberculose.

Diagnóstico por imagem

Radiograma de tórax

A apresentação radiológica da TB dependerá se TB Figura 10.4 - Cavidades apicais associadas a lesões heterogêneas
primária ou pós-primária (secundária). confluentes e dissemtnação broncogêntca.

98 Medicina laboratori al para o clínico )1---- - - - -- -- - -- - - - -- - - - -- - -- - - - - -


Tomografia do tórax
• 5 a 9 mm - reator fraco: 1ndivíduo vacinado com
A comografia computadorizada de alta resolução BCG, infectado pelo bacilo da TB ou por outras
(TCAR) é um método de imagem de alco cusco e deve mtcobacrérias;
ser utilizado em situações especiais, como: quando o • :2: 10 mm - reator forte: vacinado com BCG re-
rad1ograma de tórax não contribui para o diagnóstico centemente (dois a três anos). indivíduo infectado
da doença em arividade, na TB miliar, sendo de funda- pelo bacilo da TB, que pode esrar doeme ou não.
mental importância a definição quanto à distribuição
de pequenos nódulos parenquimacosos, na avaliação do Nos pacientes HIV positivo, o resultado considerado
mediastino e suspeita de outras doenças. Os principais não reacor é de Oa 4 mm e reatar ~ 5 mm.
achados comográficos são: nódulo de espaço aéreo, nó- Algumas situações podem interferir no resultado
dulos centro-lobulares, aspecto de árvore em brotamen- do TT. como: doença imunodepressora; vacinação com
co. cavitações, espessamento de paredes brônquicas. vírus vivo; gravidez; tratamento com corticóide e imu-
consolidações, opacidades em vidro fosco e espessa- nodepressores; crianças com menos de dois meses de
mento do interstício pulmonar (Figura 10.5). idade; pessoas com mais de 60 anos de idade.
Esse teste possui limitações importantes para seu uso
na deCISão diagnósnca, principalmente em locais de alta
prevalênCia de infecção pela TB (infecção no Brasil está
entre 25 e 55% na população geral) e nos locais de co-
infecção TB/HIV. onde poderá aumentar a probabi lidade
de falso-negativo.
Figura 10.5 - A: Radiograma de tórax apresentando opaodade
orcunscma de limites imprecisos localizados no lobo superior do
pulmão dtretto. B: Lesão vtstbtltzada em radtograma de tórax em TUBERCULOSE EXTRAPU LMONAR
perftl C: Imagem tomográfica com consoltdaçào em lobo supenor
do pulmão dtretto com broncograma aéreo e preenchimento alve- Tuberculose pleural
olar (árvore em broramento) em torno da lesão princtpal.
Uma avaliação epidemiológica clínica e laboracorial
deve ser empregada para o diagnóstiCO da TB pleural. A
Teste tuberculínico
realização do radiograma de tórax revela a presença do
derrame pleural acompanhado ou não de lesões paren-
O Teste Tuberculíneo (TT) é utilizado como auxiliar quimatosas (Figura 10.6). A TC de tórax pode esclare-
diagnóstiCO da TB (70 a 80% dos portadores de TB apre- cer se lesões parenquimacosas existem em radiogramas
sentam TT ~ 10 mm), a partir da técnica de Mantoux. que não evidenciaram tais lesões (TB pleuropulmonar).
Há urna reação celular no local da inoculação intradér- A ulrra-sonografia pode auxiliar na evtdênCta de derra-
mica do derivado protéico purificado do Mtb. No Brasil. mes loculados, pleura espessada e guiar a toracocentese.
o MS distribui o PPD RT 23, aplicados 2UT (0,1 ml) no O líquido deve ser puncionado e uma biópsia da pleura
antebraço esquerdo. A leitura é feita 72 a 96 horas no deve ser realizada a com a agulha de Coppe. Exames bio-
sentido transverso da enduração palpada, com régua mi- químicos. segundo os critérios de Light, relatam que o
limetrada. O resultado positivo evidencia a infecção por líquido tem que ser exsudarivo: a) proteínas no líquido
micobactérias, não caracterizando doença. O resultado pleural/proteína sénca > 0.5; b) destdrogenase lánca (DL)
origina a seguinte classificação: líquido pleurai/DL sénca > 0,5; DL do líqUtdo pleural >
• O a 4 mm - não reator: ind1víduo não infectado 2/3 do limite superior do normal sérico. O líquido geral-
pelo Mtb ou por outra m1cobactéria; infectado mente é amarelo citrino, raramente hemorrágico.
pelo Mtb em fase de viragem tuberculínica ou ex- A citologia apresenta linfocitose, ausência ou raras cé-
cepcionalmente em pessoas infectadas ou doen- lulas mesoteliais. A histopatologia do fragmento está tndt-
tes pelo Mtb (pacientes imunodeprimidos); cada em todo derrame pleural, tem mais sensibilidade que

Investigação laboratorial do paciente com micobacterioses 99


a cultura, mas não ulcrapassa 85%. Na pleura, o granuloma ácido resistentes). Quando o gânglio estiver em vias de
com necrose caseosa indica altíssima probabilidade de TB. supuração, pode ser feita a punção aspirativa, ocasião
em que a baciloscopia rem mais positividade. O material
também deve ser enviado para cu ltura de micobactérias.
O reste tubercu lín ico geralmente é positivo.

Tuberculose geniturinária

Vias urinárias - muitos pacientes podem ser as-


sintomá[lcos. Podem apresentar disúria e dor lombar.
Não é comum a hematúria. O acometimento da bexi-
ga pode provocar polaciúria e dor. H istória de leuco-
citúria sem bacteriúria deve chamar a atenção para o
d iagnóstico de TB.
Figura 10.6 - Imagens radiológicas comparivel com derrame TB genital masculina - próstata, vesícu las seminais e
pleural à d1re1ta. epidídimo podem ser acometidos. No escroro podem-
se observar edemas e físrulas.
A baciloscopia e cultura do líquido e do fragmento TB genital fem inina - pode estar acompanhada de
devem ser realizadas, porém a baciloscopia com a téc- infertilidade, doença inflamatória pélvica, amenorréia ou
nica de ZN pode ter sensibilidade de zero a 5%. O ren- aumento do fluxo menstrual. Acomete as trompas. en-
dimenm da cultura está em rorno de 10 a 35%, quando dométrio e ovários. Exames micobacteriológicos e histO-
se cult1va o líquido. e do fragmento da pleura entre 40 patológicos são recom endados para o diagnóstico.
e 65%. Em pacientes imunossuprimidos e diabéticos. O reste tuberculínico é positivo na maioria dos pacien-
pode ocorrer a perda da função dos linfóciros, podendo tes. A baciloscopia da urina pode ser positiva. porém, de-
verificar-se ausência de formação granulomatosa. o que vido às micobactérias não tuberculosas presentes nas via
dificulta o diagnóstico. Outras doenças podem apresen- gemturinárias. o diagnóstiCO deve ser feim pela cultura.
tar granuloma. como micobactérias não tuberculosa. A urografia excretora pode apresentar-se com altera-
sarco1dose, m icoses e artrite reumatóide. ções. como: estenose urereral; perda da f lexibilidade do
O teste ruberculínico, na grande maioria das vezes. é ureter; baqueteamento calicial. com hidronefrose; calci-
positivo, podendo inicialmente ser negativo com poste- ficação do parênquima renal; dim inuição da bexiga e de
nor positivação. sua distensão quando acometida intensamente. A ultra-
Outro método diagnóstico aceitável como auxiliar sonografia mostra com mais detalhes o parênquima re-
é a dosagem da enzima adenosi nadeaminase (ADA) no nal (microcalcificações). A citoscopia é importante para
líquido, realizada pela técnica de Giusti, com valores po- a biópsia de lesões em bexiga.
Sitivos > 40 UI/I. O diagnóstico diferencial deve ser feiro
com emp1ema, linfomas, aruire reumatóide e raramente
adenocarcinoma. Tuberculose osteoarticular

O local mais acometido é a coluna vertebral. segu ido


Tuberculose ganglionar periférica dos quadris. joelhos e tornozelos. Entretanto, qualquer
parte do esqueleto pode ser acometida. Dor. tumoração,
O diagnóstico é dado pela hisroparologia a partir da alterações neurológicas e alteração da marcha podem
biópsia (lesão granulomatosa, geralmente com necrose ocorrer. Com a progressão da doença vertebral. pode ha-
caseosa e infiltrado hisitomário de células multinuclea- ver destruição e colapso dos corpos vertebrais, levando à
das. podendo ser encontrados ou não os bac1los álcool- cifoescoliose, muitas vezes deformantes.

100 ( M ed ici na laboratorial para o clínico


Tuberculose ocular

O diagnóstico de TB ocular é difícil e de exclusão,


pois é necessário descartar oucras doenças, como m-
xoplasmose, sífilis, sarcoidose, colagenoses, emre ou-
eras. A história de comam e o teste cuberculínico são
importantes no diagnóstico de probabilidade, já que
isolar o agente é raramente possível. Não há lesões ca-
racterísticas, porém a úvea é o local mais acometido. Figura 10.7- lnfilrrado imersticial micronodular difuso. A: granúlia.
A conjuntivite flictenular é a resposta de hipersensibili- B: micronódulos maiores.
dade do bacilo da tuberculose. Assim, após terem sido
descartadas as doenças citadas e avaliada a história de
concato - teste wberculínico ~ 10 mm, deve-se iniciar
o tratamento, sendo necessário o acompanhamento
rigoroso pelo oftalmologista. Caso haja melhora nos
dois primeiros meses, deve-se continuar o tratamento.
Se não houver melhora, o medicamento deve ser sus-
pendido e ouuas hipóteses de doença ocular devem
ser aventadas. Após o fina l do tratamento, se houver
recidiva da doença ocular, o diagnóstico de TB tam- Figura 10.8- Radiograma de tórax apresenrando infiltrado inters-
bém deve ser revism. ticial micronodular difuso de uma criança.

Tuberculose do sistema nervoso central


Tuberculose miliar
É também uma forma grave da TB e pode ter duas
A TB miliar é uma das formas mais graves da TB. apresentações: a forma menigoencefálica e tuberculoma
Trata-se de uma forma disseminada. Deve-se lembrar intracraniano.
que a TB disseminada pode apresentar ou não a forma A clínica pode ter início insidioso em adultos e agudo
miliar. Caso o radiograma de tórax apresente infiltrado em crianças de baixa idade, com sintomas de compro-
micronodular difuso, pode-se preconizar uma forma metimento meníngeo.
miliar, senão, ocorre simplesmente uma TB dissemina- O diagnóstico é baseado nos dados laboratoriais do
da. A TB miliar pode se dar a partir da primo-infecção, líquor. O líquido pode inicialmente apresentar-se neuuo-
dependendo da descarga bacilar via hematogênica (Fi- fílico e depois wrnar-se linfomonocitário, com proteína
guras 10.7 e 10.8). alta e glicose baixa.
A TB miliar acomete principalmente crianças não va- O TC de crânio pode exibir áreas de infarto ou tu-
cinadas com a BCG, idosos e imunodeprimidos. berculoma. A baciloscopia direta e a cultura raramente
Pode apresentar-se de duas formas: pulmonar - com positivam-se.
tosse seca e dispnéia; sistêmica - com quadro consupti-
vo, sendo o SNC comprometido em 30%. Por isso, diante
de uma TB miliar, a punção liquórica é imprescindível. Tuberculose cutânea
O diagnóstico é dado a partir da suspeita radiológica
(granúlia ou coalescência); realização da biópsia uans- Na suspeita de TB cutânea, toda a lesão deve ser
brônquica (para aval iação histopatológica- granuloma). biopsiada, para a realização da baciloscopia, cultura e
A baciloscopia é pobre e a cultura tem baixo rendi- avaliação hiswpatológica. Nas lesões ulceradas, deve-se
mento. Podem-se fazer hemoculturas para isolar-se a coletar a secreção e enviar rapidamente para o laborató-
micobactéria. rio de micobactéria, que realizará a baciloscopia e a cul-

Investigação laborarorial do paciente co m micobacrerioses 101


rura (jamais enviar swab da lesão, pois o bacilo pode ficar haja baciloscopias positivas com exame radiológico de
aderido no algodão). tórax sem alterações, a suspeita de TB laríngea se impõe.
O teste tuberculínico na sua maioria é positivo. A TB O diagnóstico diferenoal mais importante é com a para-
verrucosa. o lúpus vulgaris, a goma tuberculosa. a tuber- cococcidiodomicose. podendo até mesmo estar associa-
culose mil!ar cutânea aguda, a tuberculose orificial e as da à TBe neoplasias.
ruberculídes são geralmente diagnosticados pela hisco-
pacologla. O emema nodoso costuma ser uma resposta
de hipersensibilidade do bacilo. Quando o achado hisco- Tuberculose endobrônquica
patmógico evidencia o eritema endurado de Basin, 30%
a 40% podem estar relacionados à tuberculose cutânea. Na suspeita da TB endobrônquica, a baciloscopia,
a culrura e a broncofibroscopia (baciloscop1a negativa.
diagnóstico precoce de estenose ou controle) devem
Tuberculose gastrintestinal ser pedidas. O radiograma de tórax pode ser normal
ou apresentar atelectasia pela obstrução brônquica. A
t pouco comum. O paciente pode apresentar dor grande maioria da TB endobrônq uica está associada à
abdominal, diarréia, sinais de obstrução intestinal e ema- TB pulmonar.
grecimento. No exame físico. uma massa abdominal
pode ser palpada, devido aos gânglios mesenréricos. O
local ma1s acometido é a região íleo-jejunal e ileo-cecal. Tuberculose pe ricárdica
A endoscop1a e a colonoscopia auxiliam na detecção da
lesão para a biópsia. A ulua-sonografia e a TC compu- A apresentação clínica normalmente tem evolução
tado nzada podem auxiliar na ev1dência de gânglios no arrastada e subaguda. Pode apresentar-se com dor corá-
mesentérico e retroperitônio e ascite (TB peritoneal, cica sem característica de pericardite. dispnéia, tosse, as-
com líquido amarelo citrino, predomínio de linfócito. A tenia, febre vespertina, tonteira. sudorese nmurna. Evolui
bacteriologia do líquido e da biópsia pode dar o diag- quase sempre para pericardite constritiva. O radiograma
nóstiCO de certeza ou sugestivo com base na hiscopaco- de tórax mostra aumento da área cardíaca, o ecocardio-
logia. Pode também estar associada à TB hepacobiliar). grama na fase inicial exibe pequeno a moderado derra-
Ass1m, pode ser feita a laparoscopia para a realização da me e, na evolução da doença. espessamento do pericár-
biópsia e coleta do líquido para o diagnóstico. O material dio e fibrose. A TC de tórax e a ressonância magnética
deve ser enviado para os exames micobacteriológico e são mais sensíveis ao espessamento do pericárdio.
histopawlógico. O TT é positivo em 90% dos casos. As
pnncipais complicações são as perfurações, a obstrução,
a fístulização e a hemorragia. Os principais diagnósticos MICOBACTÉRIAS NÃO TUBERCULOSAS
diferenciais são: doença de Crohn. neoplasia. actinomi-
cose e micobactérias não tuberculosas. INTRODUÇÃO

As micobaccérias que não estão dentro do Comple-


TB de laringe xo Micobacterium tuberculos1s são chamadas de mico-
bactérias não ruberculosas (MNT). As MNT foram des-
Os pacientes com TB laríngea queixam-se normal- cobertas no século XIX. porém só foram reconhecidas
mente de dor. disfag1a e rouquidão progressiva. Para o como causa de doença em humanos em 1950 (a doen-
diagnóstico. é necessária a realização de laringoscopia ou ça é chamada de m1cobacterioses). Com o advento da
broncoscopia, podendo evidenciar lesão que deverá ser Biologia Molecular e a habilidade de mapear o genoma
biopsiada. A associação da TB laringe e pulmonar é mui- das bactérias, novas micobactérias foram descobertas.
co comum, mesmo assim, o material deve ser enviado Muitas técnicas de identificação têm sido avaliadas para
para exame m1cobacteriológico e hiscopatológico. Caso ajudar a elucidar o poder pacogênico de MNT não mui-

102 [ Medicina laborato rial para o clínico


ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS
w freq üemes. Porramo, o poder pawgênico de muitas
espécies ainda não está claro. Até hoje, mais de 100
MNTs foram descritas. Essas espécies geral mente opor- As MNTs são encontradas no solo, na água e em
tunistas são classificadas segundo seu poder de causar aerossóis, sendo esta última a fonte de infecção mais
doença no homem, como potencialmente parogênicas freq üeme para o homem. Portamo, a porta de entrada
ou não-pacogênicas. mais imporrame não é a via respirarória. A maiscomum
As MNTs isoladas com mais freqüência no Brasil são é a via gastrintestinal. com a ingestão de água ou alimen-
o complexo MAC (avium, imracellulare e escroflaceum), tos contaminados, aspiração de conteúdo gástrico ou in-
M. fortui tum, M. kansasii, M. chelonae e causam princi- fecção localizada na pele. Os verdadeiros aspectos fisio-
palmente, doença pul monar e ganglionar, pri ncipalmen- patológicos são pouco conhecidos, porém, mecanismo
te em paCientes imunodeprimidos, idosos. alcoolistas e imunológico e genético tem sido escudado na tentativa
portadores de pneumopatias crónicas. Há possibilida- de elucidar essa doença.
de de essas micobactérias simplesmente colonizarem
algumas pessoas, sendo importante a necessidade de
estabelecerem-se critérios seguros para diferenciar co- MAN IFESTAÇÕES CLÍN ICAS
lonização de infecção, como sugerido pela American
ThoraC/c Society (2007). Outras espécies de interesse hu- Em geral. a doença produzida por MNT pode apre-
mano foram isoladas, como M. marinum. M. xenopi, M. sentar-se clinicamente indistinguível da doença pelo M.
ulcerans, M. haemophilium, M. szulgai, M. malmoense, tuberculosis.
além do M. leprae. No entanro, muitas espécies não são
patogênicas ao homem, como o M. gordonae, M. terrae,
M f/avecens e o M. smegmatts. Doença pulmonar

Sinais e sintomas de doença pulmonar são variáveis


ASPECTOS EPIDEMIOLÓG ICOS e não específicas. Incluem: tosse crônica, produtiva, adi-
namia, dispnéia, febre, hemoptise e emagrecimento (ge-
A incidência mundial de MNT é de 3,2/100.000 habi- ralmente quando doença avançada). Estão geralmente
tantes, após dados de 2002. O acometimento é o dobro correlacionados com sintomas de doenças pulmonares
em homens na comparação com as mulheres. Os locais associadas, sendo de difícil avaliação quanto aos sinais e
mais acometidos são os pulmões. Outras manifestações sintomas da própria doença pela MNT.
incluem: doença disseminada, doença da pele, tecido Não está claro se pessoas HIV negativo podem co-
conjuntivo, ósseo e linfadenite. lonizar o trato respiratório na ausência de invasão teci-
A MNT está presente naturalmente no meio am- dual. Por isso é necessário isolar muitas vezes a mesma
biente, tendo sido isolada da água e do solo. Pode ser MNT e evidenciar doença progressiva (RX de tórax e
transmitida por via inalatória, aspiração do conteúdo sintomas) para o diagnóstico. Em pacientes HIV positi-
gasrrimestinal ou infecção localizada na pele. A doença vo é também difícil de avaliar, pois esses pacientes são
por MNT pode ocorrer em animais, mas a transmissão freqüentemente infectados com MNT. sem evidência
de animal para humanos parece não ser importa me para de doença pulmonar, pois, a infecção pode ser transi -
a infecção em humanos. Assim, as medidas de isolamen- tória, mas pode refletir doença disseminada. Com o
to de comatos não são necessárias. advento da triterapia anti-retroviral e uso de medica-
Os fatores de risco de doença por MNT incluem ta- mentos para prevenção de MNT. a doença tem dimi-
bagismo. doença pulmonar obstrutiva crônica, seqüelas nuído nesses casos.
de TB, bronquiectasias, doença gasrroesofágica associa- Devido à grande dificuldade em diagnosticar a do-
da à aspiração crónica, pneumoconioses e imunossu- ença por MNT no acometimenw pul monar, a American
primidos, como: infecção pelo HIV, alcoolismo e terapia Thoractc Society (ATS - 2007) sugeriu alguns critérios a
imunossupressora. serem seguidos para a definição da doença:

Invest igação laboratori al do paciente com micobacterioses 103


Pacientes sem AIOS
• apresentação clínica, achados radiológicos e co-
mograficos podem sugeri r MNT. após exclusão de O paciente com acometimento pelo complexo M.
outros diagnósricos; avium (MAC) pode apresentar febre de origem obs-
• colera de duas a crês amosrras de escarro com cu l- cura e os acomeridos pelo M. kansasii, M. che/onae,
cura posiriva; M.abscessus eM. haemophilum geralmente apresentam
• cultura posiciva de pelo menos um lavado brôn- múlciplos nódulos subcutâneos ou abscessos que dre-
quico e/ou broncoalveolar; nam espontaneamente.
• biópsia pulmonar ou rransbrônquica (granuloma e
presença de BAAR) e culrura posiriva para MNT; Pacientes com AIOS
• biópsia pulmonar ou rransbrónquica (granulo-
ma e presença de BAAR) e culrura posiriva em A doença disseminada geralmente aringe os pacien-
escarro ou lavado brónquico ou lavado bronco- res que esrão em avançado grau de imunossupressão.
alveolar. Deve-se suspeirar de disseminação quando as células
CD4 esrão abaixo de 50.
As culruras devem apresentar mais de 200 colónias Apresentam freqüentemente febre prolongada, ge-
(subconfluentes). ralmente acima de 39.5 - 40°(. suores norurnos, per-
Para casos quesrionáveis avaliar especial isca. da de peso, dor abdom inal. diarréia. Os achados físicos
Todos os cmérios devem ser avaliados em conjunto, podem ser da própria AIOS em associação a micobac-
lembrando sempre que muiras vezes deve-se rerardar o rerioses, como adenoparias rerroperiwneal e hepawes-
uso das drogas para MNT: plenomegalia.
• muicos pacientes rêm doença não cavirária, len-
ra e progressiva que não afera a expecrariva de
vida. a seleção desses pacientes requer familia- Pele, doença do tecido conjuntivo e osso
ridade com os mesmos. cerreza de que a doen-
ça é indolente, poucos ou esráveis sintomas. se O agente principal é o M. fortuitum, levando à do-
apresentarem sintomas imporrantes, aumento ença localizada ou formação de abscessos em locais de
das colónias em culrura, piora baciloscópica ou injeção.
progressão radiológica, a decisão do rraramento A MNT pode acomerer pacientes em uso prolonga-
deve ser revisra; do de carecer intravenoso e periwneal, cicatriz cirúrgica,
• alguns pacientes podem rer associação com ou- rendões, bursas e arriculações pós-rrauma.
eras doenças de base, que podem limirar a expec-
rariva de vida;
• pacientes com graves ou complicadas doenças de linfadenite
base podem piorar com a associação de medica-
mentos para mnt; Pode aringir os linfonodos submandibulares, subma-
• alguns pacientes podem rer imporrantes efeiws xilares, cervica l ou periauriculares em crianças, idosos e
adversos oriundos da rerapia para MNT. imunossuprimidos. Os linfonodos aumentam rapidamen-
re com drenagem para a região sinusal ou localmente.

Doença disseminada
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
Ames da infecção pelo HIV, a doença disseminada
era rara em indivíduos imunocomperentes. Poderia aco- Para o diagnósrico laborawrial das MNT. seguem-se
merer indivíduos com doença de base, cais como leuce- os procedimentos baciloscópicos, de culrura e de iden-
mia, !infama ou uso de imunossupressores. rificação, radiológicos e mérodos moleculares. Algumas
peculiaridades são extremamente imporrames na in-

104 ( Medicina laboratorial para o clínico )1---- - - -- - -- - -- - - - - - - - - - - -- - - -- -


terpretação do resultado, pois as MNTs podem causar As provas de crescimento e presença de pigmentos
infecção, doença. colonização ou mesmo ser um isola- são metodologias básicas para identificar os grupos das
mento do próprio local de trabalho, devido à prevalência micobactérias e espécies.
no meio ambiente (contaminação). São utilizados: tem po de crescimento e produção de
O teste tuberculínico não tem importância para pigmentos, crescimento em presença de agentes inibi-
o diagnóstico das MNTs. O isolamento das MNTs de dores, crescimento em gelose nU[ritiva, crescimento em
sítios estéreis deve ser avaliado pela clínica e especialis- ágar MacConkey, crescimento em meio com cloreto de
tas da área, para a confirmação da doença e início do sódio a 5%. produção de niacina (pode-se utilizar fitas
tratamento. de niacina). red ução do nitrata (pode-se utilizar fitas de
nitrata), catalase a 68° C Beta-glicosidade, hidrólise do
tween 80. captação do ferro. uréase, utilização de açú-
Investigação microbiológica cares (d-fruwse-maniw l-citratO de sódio) e redução do
telurita de potássio.
Baciloscopia O método radiométrico com utilização do p-nitro-
alfa-acecilamino-8-hidroxipropiofenona (NAP) pode se-
A baciloscopia não identifica as MTs das MNTs, po- parar as micobactérias do complexo M. tuberculosis de
rém. com colorações especiais, tais como ácido para- outras micobaccerioses, pois o NAP inibe o crescimento
aminosalicílico (PAS) e a apresentação morfológica na do complexo Mtb.
lâm1na, podem-se sugerir algumas MNT. como. por A cromatOgrafia gás-líquido (HPLC) baseia-se na análi-
exemplo, complexo MAC (forma cocóide). se de ácidos graxas de cadeia longa, realizada após a sapo-
nificação dos lipídios micobactenanos. O traçado obt1do
no cromatograma a partir da amostra a ser identificada
Cultura
é comparado com comarogromas padrões. espécies mi-
Após o cresomemo em cultura. métodos de identifi- cobacterianas de importância clínica. É um método re-
cação das espécies são realizados, avaliando-se o tempo lativamente simples, mas necessita de pessoal altamente
de crescimento, a morfologia, pigmentação e testes bio- treinado e o equipamento é caro e sofisticado.
químicos das colônias (provas de crescimento em pre-
sença de agentes de in ibidores).
As micobacténas são classificadas em grupos, sendo Métodos moleculares
excluídos o complexo Mtb e a não cultivável. o M. leprae.
Grupo I - Fowcromogênicas: crescimento lemo. Co- Utilizando-se a amplificação do DNA ou R A, exis-
lónias não pigmentadas que adqui rem cor que pode va- tem várias metOdologias moleculares de Identificação das
riar do amarelo ao laranja quando expostas à luz. mico bactérias. Sondas genéticas específicas de identifica-
Grupo 11 - Escotocromogênicas: cresomento lemo. ção, PRA, MHMA, entre outras técnicas. têm sido ava-
Colônias adquirem cor que pode variar do amarelo ao la- liadas. Porém, o mérodo de referênoa para identificação
ranja quando cultivadas na ausência ou presença de luz. das micobactérias é o seqüenciamento dessas estirpes.
Grupo III - Não cromogênicas: crescimento lemo.
Colônias geralmente não pigmentadas (cor creme).
Grupo IV - Crescimento rápido: desenvolvem coló- REFERÊNCIAS
nias nos meios de cultura em sere dias ou menos. Podem
ser pigmentadas ou não. 1. 11 Consenso Brasileiro de Tuberculose. D1remzes Brasi-
leiras para Tubercu lose. J Bras Pneumol. 2004:30 supl.l:
557-86.
O M. tuberculosis é classificado como grupo O, tem 2. Bras1l. M1msréno da Saúde. Coordenação Nacional de
crescimento lemo, as colôn1as são não cromogênicas e Doenças Sexualmente Transmíssive1s e AIDS. Tuberculo-
são de cor creme e rugosas. se - Diagnóstico Laboratorial - BaCJioscop1a. Brasília: Mi-

Investigação laboratorial do paci ente com mico bacterioses 105


n1stério da Saúde. D1sponível em: http://www.alds.gov.br/ 8. Cold1rz GA. Brewer TF, Berkey CS, Wilson ME, Burdick
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7. Centers for D1sease Comrol and Prevennon (CDC).
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of Nontuberculous Mycobacrena 1n the North Tern-
tory. The Nortl-ern Termory Disease Comrol Bu ller1n.
2003; lO( 1):14-26. Disponível em: http://www.nt.gov.au/
health/cdc/bulletin/March_2003.pdf.

106 [ Medicina laboratorial para o clínico


Marcelo Grossi Araújo
11 Ana Regina Coelho de Andrade
Andréa Machado Coelho Ramos

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM MICOBACTERIOSES:
Mycobacterium leprae

A hanseníase é doença infecciosa crônica que apre- em 1985 (mais que 1,0 caso/10.000 habitantes), 118 con-
senta características clínicas peculiares, pois seu agente seguiram baixar a prevalência para menos de 1/10.000
etiológico, o Mycobacterium /eprae, tem predileção pela no âmbito nacional. Hoje, a doença permanece como
pele e pelos nervos periféricos. O seu tropismo por esses problema de saúde pública em quatro países na Áfri-
órgãos confere os sinais que serão a chave para o raciocí- ca, América Latina e Ásia e o Brasil se inclui entre eles.
nio clínico e diagnóstico, mas, sobretudo, é responsável Apesar da grande redução na prevalência, a detecção
pelo potencial incapacitante. Ao se iniciar o século XXI, anual de casos novos tem se mantido ao longo dessas
a endemia segue como importante problema de saúde décadas. sinalizando redução nos últimos anos. Atual-
pública em várias regiões do mundo, no Brasil inclusive. mente, trabalha-se na consolidação das metas atingidas,
especialmente na manutenção da capacidade instalada
em cobertura de diagnóstico e tratamento inclusive de
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS complicações em centros de referência.
Em 2006, foram diagnosticados 259.017 casos no
A hanseníase é conhecida desde a Antiguidade e seu mundo. O Brasil foi responsável por 93% dos diagnós-
agente etiológico foi identificado ainda no sécu lo XIX ticos feicos nas Américas. Entre os casos novos, 2.106
pelo norueguês Gehrard Armauer Hansen. Apesar do foram diagnosticados com grau dois de incapacidades
grande volume de conhecimentos que se tem acumu- físicas, ou seja, com seqüelas instaladas. o que significa
lado desde então, muitos aspectos ainda permanecem diagnóstico tardio.
obscuros. Atinge predominantemente adultos jovens e Sua distribuição no território brasileiro é heterogênea.
estima-se que o número de pessoas incapacitadas pela A região Sul tem dois estados que já atingiram a meta de
doença se situe entre dois e três milhões. eliminação da doença como problema de saúde pública
A implantação da poliquimioterapia (PQT) ou mul- - Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As regiões Centro-
tidrogaterapia (MDT) a partir de 1982 possibilitou ex- Oeste, Norte e Nordeste são as mais afetadas, inclusive
pressiva redução do número de casos em registro no com alguns estados exibindo altas taxas de prevalência e
mundo. As metas propostas para a diminuição da pre- de detecção anual de casos novos.
valência foram atingidas pela maioria dos países endê- É importante salientar que mesmo nos locais onde a
micos, dos cerca de 5.4 milhões em 1985 para menos de eliminação foi alcançada, espera-se o diagnóstico de ca-
500.000 casos registrados em 2004. Dos 122 países que sos novos durante muitos anos, devido ao longo período
tinham a endemia como problema de saúde pública de incubação da doença.
Em relação à transmissão, admire-se que as vias aé- O M. leprae é um parasito intracelular obrigatório,
reas superiores seja m a principal porra de entrada da com predileção pelo macrófago e célula de Schwann,
infecção, na qual o nariz representa papel fundamen- onde se reproduz, por divisão binária, num período de 11
tal. Esta é também a principal via de eliminação doM. a 16 dias. Não é cultivável em meios artifiCiais, mas exis-
leprae. A respeito da pele como porra de entrada e tem modelos animais utilizados no seu estudo e repro-
via de eliminação da infecção, sabe-se que, embora dução, como o tatu e camundongos timectomizados e
pacientes multibacilares possam abrigar grande núme- irradiados. O descobrimemo de frações antigénicas espe-
ro de bactérias em úlceras ou outras lesões cutâneas, cíficas, em especial o glico-fenólico-lipídico 1 (PGL-1) e o
apenas a inoculação acidental apóia a pele como via lipo arabinomanana (LAM), vem trazendo gra nde apa rte
de entrada e não existem evidências de que a bactéria de conhecimentos e compreensão da hanseníase.
possa penetrar a pele íntegra. Os pacientes multibaci- Por essas características, é sabido que a produção de
lares, virgens de tratamento, são considerados fonte de anticorpos específicos contra o M. leprae, como ocorre
disseminação da mfecção, sendo capazes de eliminar nas formas mulribacilares, é ineficaz para a eliminação
grande quantidade de bactérias viáveis pela via nasal: dos bacilos. A eficácia da defesa é efetuada pela resposta
média de 107 microrganismos viáveis por dia. imunológica celular, capaz de fagomar e destruir os baci-
Tatus e macacos naturalmente doentes já foram en- los, a partir da presença de cirocinas, TNF-alfa, IFN-gama
contrados, mas não se tem evidência para considerá-los e mediadores da oxidação, como os reativos intermediá-
parte da cadeia de transmissão ao homem. rios do oxigénio (ROl) e do nitrogénio (R NI), fundamen-
Considera-se que fatores ambientais e/ou relacio- tais na destruição bacilar no interior dos macrófagos.
nados ao hospedeiro tenham papel importante na Isso fica bem ev1denciado nas lesões tuberculó1des,
transição infecção-doença. São raros os casos secun- onde há predomínio de células T helper, CD4 + e citoqui-
dários entre contatos de imigrantes de áreas endémi- nas de Th1, como IL-2 e IFN-gama e nas lesões virchowia-
cas que residem em países não endémicos. Os fatores nas, nas quais o predomínio é de células T supressoras,
genéticos do hospedeiro têm importância ramo no CD8+ e ciroquinas de Th2. como IL-4. IL-5 e IL-10. A re-
desenvolvimento ou não da hanseníase como no pa- percussão clínica é bem clara, com poucas lesões, pou-
drão da doença. O rastreamenro do genoma revelou cos bacilos nas formas próximas do pólo ruberculóide e
loo de suscetibilidade no cromossoma 10p13, pró- muitas lesões e muitos bacilos nas formas próximas do
ximo do gene do receptor C tipo 1 da manose, um pólo virchowiano. Seu genoma já é conhecido, mais da
receptor fagocítico preseme nos macrófagos; e tam- metade dos genes funcionais doM. leprae está ausente e
bém no cromossoma 6 do MHC. Os alelos HLA DR2 foi substituída por genes inarivos ou pseudogenes, o que
e DR3 estão associados à forma tuberculóide e o DQ1 se admire leve à sua dependência do hospedeiro.
à forma wchowiana. Polimorfismo no gene nramp1
está associado a formas multibacilares da hanseníase
em africanos e já foi relacionado à imun idade celular MANIFESTAÇÕES CL ÍNICAS
para o M. leprae.
A hanseníase tem inú meras manifestações clínicas
que são agrupadas de acordo com critérios imunoló-
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS gicos, baciloscópicos e clínicos, constitu indo-se, assim,
suas classificações. A mais utilizada é a classificação de
O M. leprae, agente causal da hanseníase, pode ser Madrid, em que são considerados dois pólos estáveis e
considerado um organismo não tóxico, por ser encon- opostos - virchowiano e ruberculóide - e dois grupos
trado em grandes quantidades nos tecidos, sem causar instáveis - indeterminado e dimorfo.
sintomas clínicos. A maioria dos sintomas e complica- Para a realização de atividades no campo, a OMS
ções da doença se deve a reações imunológicas contra propõe a classificação determinada pelo número de le-
os consmuinres antigénicas liberados pelo bacilo. O pe- sões cutâneas. Os casos com até cinco lesões cutâne-
ríodo de mcubação vana de dois a cinco anos. as são class1ficados como paucibacilares (PB) e os casos

108 ( Medicina laboratorial para o clínico


com mais de cinco são classificados como multibacilares HT é precoce e pode ser grave quando atinge uoncos
(MB), sendo que a baciloscopia positiva classifica o caso nervosos sensitivos e mowres. A baciloscopia é negativa
como MB. independemememe do número de lesões. (Figura 11.2).
As formas clínicas serão descritas a seguir, segundo a
classificação de Madrid e serão apresemadas a partir do
grupo inicial ou indeterminado, seguida pelas formas po-
lares tuberculóide e virchowiana e, por último. o grupo
dimorfo. Como foi visto ameriormeme. os quadros clíni-
cos observados são resulcantes da resposta imunológica
do hospedeiro.

Hanseníase indeterminada (HI)

Caraneriza-se por manchas hipocrômicas com al-


teração de sensibilidade ou simplesmente por áreas de
hipoestesia na pele. As lesões são em pequeno número
e podem se localizar em qualquer área do tegumento
cutâneo. Não existe comprometimento de troncos ner-
vosos nessa forma clínica. A pesquisa de BAAR é negativa
(Figura 11.1). Figura 11.2 - Hanseníase ruberculó1de (Serv1ço de Dermarolog1a
do Hospital das Clínicas da UFMG). \ I l r l 109

Hanseníase virchowiana (HV)

Caracteriza-se pela infiltração progressiva e difu-


sa da pele, mucosas das vias aéreas superiores, olhos.
testículos, nervos, podendo afetar, ainda. linfonodos,
que podem estar aumentados de volume, fígado e
baço. A pele comprometida mostra-se eritemawsa
ou acobreada. podem existir manchas hipocrômicas,
Figura 11 .1 - Hanseníase 1ndetermmada (Serv1ço de Dermarolog1a mas predominam os elementos infiltrativos, ou seja,
do Hosp1tal das Clínicas daUFMG). \ r OOIZ11''1 ' pápulas, nódulos e placas.
A infiltração é difusa e mais acentuada na face e
Hanseníase tuberculóide ( HT) nos membros. Ocorre rarefação dos pêlos nos mem-
bros, cílios e supercílios. Nesses últimos. a queda de
pêlo é denominada madarose. A infil cração da face, in-
Nessa forma clínica, as lesões são constituídas por cluindo os pavilhões auriculares. com madarose, forma
placas ou lesões anulares com bordas papulosas. cor da o quadro conhecido como fácies leoni na. A alteração
pele. eritematosas ou hipocrômicas, em número redu- de sensibilidade é notada nas excremidades e em le-
zido. francamente anestésicas e de distribuição assimé- sões mais amigas e é mais tardia do que na HT. A HV
trica. Existe, ainda, a HT infantil, em crianças conviven- apresenta baciloscopia fortemente positiva e represen-
tes com portadores de formas bacilíferas. caracterizada ta, nos casos virgens de rratamenw, importante foco
por nódulos. placas. lesões tricofitóides ou sarcoídicas. infeccioso ou reservatório da doença (Figura 11.3).
localizadas principalmente na face. O dano neural na

Investigação laboratorial do paciente com micobacterioses: Mycobacterium leprae 109


cuidados e tratamento especiais. São situações de emer-
gência e necessitam de atenção e rraramenw adequado
e imediaw, procurando-se evitar, assim, a instalação de
dano neural irreversível, principal responsável pela ma-
nutenção do estigma da hanseníase.
Os surws reacionais podem ocorrer ames do tratamen-
co, na época do diagnóstico, durante o tratamento com a
poliquimioterapia ou após o tratamento. Seu diagnóstico
é essencialmente cl ínico. Dependendo da época do seu
aparecimento, deverá ser feiro o diagnóstico diferencial
Figura 11.3 - Hanseníase wchow1ana (Serv1ço de Dermarolog1a do com recidiva. Essa situação é suspeitada nos pacientes que
Hosp1ral das Clin1cas da UFMG)., ., pagmo 111
desenvolvem reações depois de muicos anos de alta e sem
imercorrências reacionais anteriores. Nesse caso, a prope-
Hanseníase dimorfa (HD)
dêutica é a mesma já descrita para um caso suspeito.
Serão discutidos os dois tipos de reações mais fre-
As lesões da pele são numerosas e a sua morfologia qüentememe observados: a) reação ripo 1 ou reação
mescla aspecros de HV e HT, podendo haver predomi- reversa - associada à hipersensibilidade celular; b) rea-
nância ora de um, ora de outro ripo. Compreende pla- ção tipo 2 ou eritema nodoso hansênico - relacionada à
cas eriremarosas, manchas hipocrômicas com bordas deposição de imunocomplexos.
ferruginosas, manchas eriremarosas ou acastanhadas, O Quadro 11.1 mostra as diferenças entre os dois ti-
com limite interno nítido e limites externos imprecisos pos de reação:
(lesões pré-foveolares), placas eritêmaro-ferruginosas ou
violáceas, com bordas internas nítidas e limites externos Quadro 11 .1 - Diferenças enrre reação ripo 1 e 2
difusos (lesões foveolares). As lesões são anestésicas ou
Sinais e
hipoestésicas. As lesões neurais são precoces, assimétri- Reação Tipo I Reação Ti po 11
sintoma s
cas e freqüentemente levam a incapacidades físicas. A
Formo clínico Tuberculóide e Dimorfo e virchowio-
baciloscopia pode ser negativa ou positiva (Figura l1.4). dimorfo na maioria na na maioria dos
dos casos casos
Paucibacilores e Multibocilores
multiba cilares
Área envolvido Mais localizado nas Generalizado/
lesões preexistentes sistêmico
Inflamação do As lesões de pele Novos nódulos
pele estão inflamadas sensíveis ao toque,
(eritemo e edema). vermelhos/violáceos,
mas o resto do pele independ entemente
está normal do localização dos
lesões preexistentes
do honseníose
Acometimento Freqüente Menos freqüente
neural
Figura 11.4 - Hanseníase d1morfa (Serv1ço de Dermarologia do
Estado geral do Bom, sem febre ou Ruim, com febre e
Hospl(al das Clíntcas da UFMG). \ler pag:no 1I paciente com febre baixo mol·estor geral
Tempo de apa- Precocemente Mais tardiamente no
Surtos reacionais
recimento e tipo durante o PQT; tonto curso do trotamento;
de paciente em pacientes PB somente nos MB
quanto M B
Os surtos reacionais em hanseníase ou reações han- Envolvimento Fraqueza muscular Acometimento de
sênicas são episódios inflamatórios agudos devido à hi- ocular ao fechamento dos portes internos do
pálpebras olho (lrile)
persensibilidade aos antígenos bacilares doM. /eprae. São
abordados como doença imunológica, demandando

110 [ Medicina labo rarorial para o clínico ]1-- - - - -- - -- - - -- -- -- - -- - -- - - - - - -- --


O dano neural pode ocorrer sem inflamação de pele fácil realização e estarão alterados na pele, que apresenta
e deve ser [ra[ado como uma reação [ipo 1. dano na inervação, independemememe de sua etiologia.

ABORDAGEM LABORATORIAL EXAMES GERAIS

O diagnóstico e a classificação da hanseníase são ba- O exame anatomopacológico da pele deve ser rea-
seados, tradicionalmente, no exame clínico e na análise lizado nos casos que ofereçam dúvidas para o diagnós-
de esfregaços de lesões cutâneas (baciloscopia). Define- tico ou classificação. Esse exame é feico em fragmento
se como caso de hanseníase um indivíduo que apresenta de pele obtido por biópsia de lesão cutânea suspeita de
uma ou mais das seguintes características e que ainda hanseníase. As alterações hisropacológicas da hanseníase
esrá para completar um curso do tratamento: indeterminada mostram na derme infiltrado inflamató-
• lesões cutâneas hipopigmentadas ou avermelha- rio linfo-h1stiocirário em corno de anexos, vasos e filetes
das, com perda da sensibilidade; nervosos. O quadro hiscopacológico da hanseníase tu-
• acometimento de nervos periféricos, demonstra- berculóide mostra granulomas constituídos por células
do por espessamento neural com perda de sen- epitelióides, células gigantes e halo linfocirário. O infiltra-
sibilidade; do inflamatório pode agredir a epiderme, os nervos e os
• esfregaço de lesão cutânea positivo para BAAR. filetes nervosos. O quadro hiscopacológico da hansení-
ase virchowiana é característico. A epiderme mosrra-se
A palpação de nervos é feira com o objetivo de se pes- arrófica. sendo separada da derme por uma fa1xa estreita
quisar possíveis alterações neurológicas provocadas pela de colágeno, livre de infiltrado inflamatório, denom1nada
hanseníase. Deve-se fazer a palpação dos nervos acessíveis faixa de Unna. A derme e o subcutâneo são comados
e a avaliação funcional (sensitiva, motora e autonômica) por histióciros. muiros deles repletos de BAAR e em
daqueles ma1s freqüentemente acometidos pela doença. processo de degeneração li poídica. Tais hisrióciros são as
É importante lembrar que qualquer ramo ou tronco ner- células de Virchow. O quadro histológico da hanseníase
voso superficial poderá ser afetado. Na palpação, deve ser dimorfa mostra estruturas granulomarosas ou predomi-
avaliado o calibre do nervo, a presença de dor, fibrose ou nância de macrófagos vacuolizados com positividade de
nodulações, sempre em comparação com o nervo contra- BAAR. Por vezes esses achados coexistem em um mes-
lacerai. Os principais nervos comprometidos são o ulnar, mo fragmento de pele.
mediano e radial nos membros superiores, o fibular co-
mum e o tibial posterior nos membros infenores e o fac1al
e grande auricular no segmento cefálico. INVESTIGAÇÃO MICROBIOLÓG ICA
O reste de sensibilidade mais difundido e passível de
ser executado em qualquer consultório médico inclui a Baciloscopia
avaliação de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil. Para a
sensibilidade térm1ca. são utilizados tubos de ensaio con- Esse é o exame complementar mais útil no diagnósti-
tendo água fria e morna. Na pele que tem dano na iner- co, embora possa ser negativo nas formas paucibacilares,
vação, não é possível fazer a distinção entre os tubos. A conforme já diro.
sensibilidade dolorosa é pesquisada com agulha descartá- O exame baciloscópico é realizado no momento do
vel, na pele lesada o paciente não consegue discernir en- diagnóstico. Trata-se de procedimento simples no qual
tre a ponta e o fundo da agulha. A sensibilidade tá til pode se procede à pesqu isa de bacilos álcool-ácido resisten-
ser avaliada tocando-se a pele do paciente com ch uma- tes (BAAR), em material obtido de raspado de tecido
ço de algodão e sol1mando que os locais tocados sejam dérmico. O material deve ser colhido nos lóbulos das
apontados. Em caso de dúvida no reste de sensibilidade. orelhas, cocovelos ou em lesão suspeita, substituindo
deve se lançar mão de provas complementares, que são um dos cotovelos. Não se recomenda a baciloscopia do
o teste da histamina e da pilocarpina. Esses testes são de muco nasal, tendo em vista a possibilidade de confusão

Investigação laboratorial do paciente com micobacterioses: Mycobacterium leprae 111


com micobacrérias atípicas saprófitas, traumatismo e a reação é sempre negativa, assim como em alguns casos
sangramenro nasal. A coloração é feita pelo método de de HI e HD e em 5 a 20% da população geral.
Ziehi-Neelsen e o resultado é apresentado sob a forma Atualmente, não se recomenda a aplicação rotineira
de índice baciloscópico (IB), numa escala logarítmica que da reação de Mirsuda.
vai de O a 6+, isro é, de nenhum bacilo em 100 campos
examinados acé mais de 1.000, em média, por campo,
em 25 campos examinados. O IB dos pacientes tratados Testes sorológicos
diminui lentamente até chegar a zero. Essa queda ocorre
durante e após o término da poliquimioterapia (PQT). Os restes sorológicos não podem ser utilizados para
Dimin ui, em média, de 0,6 a 1,0 por ano, o que sign ifica diagnóstico, pois detectam, indireramente, a presença de
que um paciente com IB inicial de 4+ levaria de quatro a bacilos; portanto, não são úteis nos casos paucibacilares,
seis anos para se tornar negativo (Figura 11.5). que não apresentam níveis detectáveis de anticorpos
séricos. A sensibilidade desces é de 80 a 90% nos casos
mulribacilares e 30 a 60% nos casos paucibacilares.
O antígeno glico-fenólico-lipídico 1 (PGL-1) é específi-
co do M. leprae e leva à formação de anticorpos da classe
lgG e lgM. Os títulos de lgM têm sido correlacionados
com a forma clínica e atividade da doença. Níveis aumen-
tados do antiPGL-1 têm sido descritos na HV e rendem a
decrescer com o tratamento específico. Por outro lado,
na HT os anticorpos tendem a ser negativos. Vários es-
tudos têm sido feitos buscando-se estabelecer ligação da
Figura 11.5 - Mycobactenum leprae em glob1as, corados em ver- positividade ao antiPGL-1 e o risco de adoecer ou infec-
melho (aumento de lOOOx). Ver pagma 112 ção subclínica, mas ainda sem concordância definitiva.
Várias técnicas foram desenvolvidas para a detecção
A baciloscopia é negativa (IB=O) nas formas tubercu- de antiPGL-1 - ELISA. MPLA DI PSTICK. Destaca-se o ML-
lóide e indeterminada; fortemente positiva na forma vir- F/ow, rápido e simples, que pode ser utilizado com sangue
chowiana; e mostra resultado variável na forma dimorfa. ou soro. É um teste semiquantitativo e imunocromárico,
A baciloscopia negativa não exclui o diagnóstico de de um só passo, no qual o reagente de detecção com lgM
hanseníase. anti-humana vem inserido num dispositivo. Usa tecnolo-
gia de fluxo lateral e pode ser feito no campo.

Reação de Mitsuda
Métodos moleculares
É um teste de aplicação intradérmica e leitura tardia,
feita em 28 dias. É utilizado para classificação e prognós- A identificação do M. /eprae pela reação em cadeia
tico, não rem valor para o diagnóstico. O antígeno de da polimerase (PCR) tem sido eswdada em centros de
Mitsuda é uma suspensão de bacilos, substâncias lipídi- pesquisa, mas não é realizada rotineiramente. É altamen-
cas dos bacilos, células e restos de bacilos em solução te sensível e específica, detecta o M. leprae em 95% dos
salina fenicada, obtida de lesões ricas em bacilos (hanse- pacientes multibacilares e 55% dos paucibaci lares.
nomas), de origem humana ou animal. lnjera-se 0,1 ml
dessa solução na face anterior do antebraço e a leitura
deve levar em conta a formação de pápula maior ou Outros exames
igual a 5 mm.
O teste positivo é encontrado na HT. em alguns ca- Muitas vezes deverá ser feito o diagnóstico diferen-
sos de HIe HD e em 80 a 95% da população geral. Na HV. cial com várias dermatoses e neuropatias periféricas, o

112 [ Medicina laboratorial para o clínico )1-- - -- -- - -- -- -- - - - - - - - - - - - - - - - - -


que pode levar à realização de exames complementa- ser empregado depende da classificação final do caso.
res mais complexos. Emre estes. o escudo da condu- O MS do Brasil adora a classificação operacional citada.
ção sensitiva e mocora dos nervos periféricos é útil no que tem os seguintes critérios:
diferencial com as neu ropatias periféricas. A hanseníase • paucibacilares (PB) - têm até cinco lesões de pele.
produz lesões do tipo mononeurite múlcipla e os nervos Estão incluídos neste grupo os casos das formas
são comprometidos nas suas porções mais distais. nos clínicas indeterminada e ruberculóide;
pomos onde sofrem conscrições anatômicas pelas esuu- • multibacilares (MB) - têm mais de cinco lesões de
turas osteoligamencosas e nas partes mais próximas da pele. Estão incluídos neste grupo os casos das for-
superfície cutânea. mas clínicas dimorfa e virchowiana;
Exames inespecíficos podem moscrar-se alterados • a baciloscopia, quando é positiva. classifica o caso
espeoalmeme na HV e nos surtos reaciona1s. Na HV de como MB, independentemente do número de
longa evolução, é comum a observação de anemia, leve lesões.
a moderada, normocírica e normocrômica. A velocida-
de de hemossedimentação e a proteína C reativa podem Os esquemas terapêuticos arualmenre adorados são
estar aumentadas nas reações. assim como os leucócitos. chamados poliquimioterapia (PQT) ou multidrogarera-
que podem chegar à casa dos milhares (reação leucemói- pia (MDT). recomendados pela Organização Mundial de
de). O sedimento urinário também pode se alterar du- Saúde (OMS). com a finalidade de diminuir os índices
rante as reações do tipo 2, assim como enzimas hepáticas de sulfonorresisrência e aumentar a adesão de pacientes
(AST. ALT). Exames falso-positivos, como o VDRL e FAN, ao tratamenco. São empregados desde 1982 e já foram
anticorpos antifosfolípides são descriros na HV. utilizados por mais de 14 milhões de pacientes em rodo
Deve-se lembrar que na HV de longa evolução, com o mundo, sendo considerados seguros e eficazes. São
múltiplos episódios reacionais. pode se desenvolver o formados por duas drogas (esquema PQT paucibacilar
quadro de amiloidose sistêmica secundária, com com- - PB) ou três (esquema PQT multibacilar - MB). de acor-
prometimento de vários órgãos. especialmente rins. e da do com a classificação clínica do caso. Os percentuais
função renal. de recidiva observados com esses esquemas têm sido
considerados baixos
As drogas usadas nos esquemas padronizados pela
TRATAMENTO OMS e MS são: nfampicina. considerada bactericida
forte; e dapsona e clofazimina, bactericidas fracas. Os
O tratamento da hanseníase compreende a quimio- esquemas alternativos são previstOs para os casos de in-
terapia específica. supressão dos surros reacionais. pre- tolerância medicamentosa. utilizados pelos centros de
venção de incapacidades físicas e reabilitação física e/ou referência e fogem ao objetivo deste texto.
psicossocial. Esse conjunto de medidas deve ser desen- O MS recomenda os esquemas PQT-PB e PQT-MB
volvido em serviços de saúde da rede pública ou par- da OMS. que têm como pri ncípio a associação de dro-
ticular, mediante notificação de casos à autoridade sa- gas e a inclusão de droga bactericida. O fornecimento
nitária competente. As ações de controle são realizadas da medicação é gratuito em todo o país. O esquema a
em níve1s progressivos de complexidade, dispondo-se de ser empregado depende da classificação do caso: PB -
centros de referência locais, regionais e nacionais para o indeterminada e ruberculóide (até cinco lesões). bacte-
apoio da rede básica. O Ministério da Saúde (MS) regu- rioscopia negativa: a) rifampicina - 600mg/dose. feira sob
lamenta o assunto pela portaria de número 1.073/GM supervisão; b) dapsona -100 mg/dia, auro-adminisrrada.
publicada em 28/09/2000 no Diário Oficial da União, dis- São programadas seis doses que deverão ser feitas
ponível no site www.saude.gov.br. em até nove meses. Grande parte dos pacientes ainda
Na indicação do esquema terapêutico, deve-se levar terá lesões clinicamente ativas ao final do tratamento.
em conta roda a história clínica do paciente, com espe- que sofrerão regressão progressiva até desaparecerem.
cial atenção para alergias a medicamentos, interação de deixando muitas vezes área de hipocromia ou pele de
drogas e doenças associadas. A definição do esquema a aspecto cicatricial com sensibilidade diminuída.

Investigação laboratorial do paciente com micobacterioses: Mycobacterium leprae 113


• MB - dimorfa e virchowiana (mais que cinco le- comprometem órgãos ou estruw ras nobres, tais como
sões), bacterioscopia positiva no HV positivo ou nas neurites, artrites. mão reacional e orquite. Eventual-
negativo na HD; mente, é necessário o uso de várias drogas simultanea-
• rifampicina - 600 mg/dose, feita sob supervisão; mente.
• clofazimina - 300 mg/dose, feita sob supervisão;
• dapsona - 100 mg/dia auco-adminisuada;
• clofazimina - 50 mg/dia aura-administrada. PROFILAXIA E MEDIDAS DE CONTROLE

São programadas 12 doses em até 18 meses. Da mes- Os contatos domiciliares devem ser examinados em
ma forma que nos PB, muiws terão lesões at1vas ao f1nal busca de sinais clínicos de hanseníase. É feico o exame da
do esquema, que sofrerão regressão progressiva. A bac- pele e nervos periféricos (exame dermaconeurológico).
terioscopia também se reduz lentamente após a PQT. Os que se apresentam sem lesões deverão ser avaliados
As doses citadas nos dois esquemas são para pacientes quanto à presença de cicatriz de BCG e vacinados, caso
adulcos pesando 60kg ou mais. não a tenham. São preconizadas duas doses de vacina
Para o tratamento das reações, o diagnóstico deve BCG por via incradérmica, com intervalo de seis meses
ser preciso para a escolha adequada das drogas. O tra- para os que não foram vacinados. Os contacos saudáve1s
tamento precoce das reações é de grande valor para e vacinados devem ser aconselhados a relatar imediata-
a prevenção de incapacidades, principalmente para mente o surgimento de qualquer lesão cutânea.
evitar o dano neural. A busca por facores desencade- A vacinação com BCG fornece proteção variável con-
antes deve ser rocineira, especialmente para infecções tra a hanseníase. Estudos em diferentes pa íses mostram
imercorrences. A reação do tipo 1 ou reversa pode ser percentuais que vão de 34 a 80%. A quimioprofilaxia Já foi
tratada com analgésicos ou amunflamatórios não hor- utilizada no passado e atualmente vem sendo avaliada em
monais (AINES), quando o quadro clínico for d1screco escudos desenvolvidos em países endémicos. Atualmeme.
e sem neurites. Os pac1ences que apresentam neurire, não é recomendada como medida profilática no Brasil.
placas reacionais extensas sobre trajeco nervoso ou A educação dos pacientes é fundamental para o su-
com risco de ulceração devem receber prednisona na cesso terapêutico. O paoente precisa saber que alguns
dose de 1 a 2 mg/kg/dia até regressão do quadro, quan- dias após o início do tratamento ele já não transmite a
do então se 1nioa a redução progressiva do comcóide. doença. podendo levar v1da social normal. O esclareci-
A dose de manutenção deve ser mantida por período mento de dúvidas e a discussão de mitos auxiliam na
mínimo de dois meses. adesão ao tratamento. O acompanhamento mensal.
A imobilização do membro afetado pela neurite e além de ajudar na adesão, permite a educação contínua
fisiorerap1a na fase de recuperação são medidas com- e a detecção precoce de reações ou de agravamento de
plememares necessárias em alguns casos. Neurites refra- incapacidades físicas.
tárias aos corticóides poderão necessitar de tratamento Da mesma forma, a educação em saL1de nas comu-
cirúrgico. As manifestações clín1cas da reação do tipo 2 nidades, enfatizando que a hanseníase tem cura e que o
ou eritema nodoso são bastante polimorfas e muitas tratamento previne incapacidades físicas, é importante
vezes têm caráter subencrante, arrastando-se por meses para os programas de controle. pois estimula a apresen-
ou anos. As drogas usadas são analgésicos e AINES para tação precoce de pacientes, ames que ocorra o compro-
casos leves de eritema nodoso e a talidomida é droga metimento nervoso e surgimento de seqüelas. O diag-
de primeira escolha nas reações moderadas. Seu uso em nóstico precoce e o tratamento adequado com PQT de
mulheres na idade fértil é regulamentado e deve ser feiro codos os casos continuam sendo os pomos fundamen-
com codos os cuidados para garantir-se contracepção tais nos programas de controle da hanseníase. É preciso
adequada, considerando seus efeicos terarogên1cos. Na garantir o compromenmenco permanente da sociedade
impossibilidade de se usar a talidomida, podem ser usa- para com o controle da hanseníase, pois essas medidas
das a clofazimina, pentoxifilina ou prednisona. A predni- serão necessárias durante décadas até que a hanseníase
sona está indicada nos casos graves ou nas reações que possa ser considerada doença do passado.

114 ( M edicina laboratoria l para o clínico )1--- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - -


CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS
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2. Bmton WJ. Lockwood DN. Leprosy. Lancer.
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2004;363:1209-19
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monstração de alterações sensitivas em lesão cutânea, smne;1994.
no achado de espessamento neural com repercussões 4. Lockwood DN, Suneetha S. Leprosy: too cornplex a
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funcionais e/ou na demonstração do M. leprae na pele.
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Apesar do diagnóstico simples e barato para a maioria 5. Lockwood DN. Leprosy elim1nation-a wrual phenom-
dos casos e de ser facilme nte tratada e curada, permane- enon or a realiry1 BM). 2002;324(7352):1516-8.
ce como importante agravo de saúde pública. Embora 6. Me1ma A, Smith WC. van Oortmarssen GJ, R1chardus JH,
considerada eliminada como problema de saúde pública Habbema JD.The future Jnc1dence of leprosy: a scenano
analys1s. Buli World Health Organ. 2004;82:373-80.
em várias regiões e países, quando se considera a preva- 7. Moschella SL. An Update on the dJagnos1sand Lrearmem
lência da doença, ou seja, os casos em registro, a situa- of leprosy. JAAD. 2004;51:417-26.
ção quanto à detecção de casos novos (incidência) não 8. Talhan S, Neves RG, Penna GO, OliveJra MLW. Hansenia-
tem sofrido impacto importante nas últimas décadas. se. Manaus: Ed1mra Lorena, 2006.
9. World Health Organ1zat10n. Global leprosy SJtua[lon,
t preocupante a prevalência oculta (casos esperados e 2007. Wkly Ep1demiol Rec. 2007;82:225-32.
não diagnosticados) e o diagnóstico tardio em muims
programas, aspectos que poderão comprometer os pro-
gressos alcançados. Permanece o desafio de se tratar a
doença imunológica conhecida como reação, que afeca
percentual significativo de pacientes, é causa importan-
te de sofrimento físico e emocional e é responsável. em
grande parte, pela manutenção do estigma e por perdas
econômicas para o indivíduo e a sociedade.

Investigação laboratorial do paciente com micobact erioses: Mycobacterium leprae 115


/
6tl/\
Ô~Ult'
Luciana de Gouvêa Viana

12
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM MENINGITE
INFECCIOSA

INTRODUÇÃO Por outro lado, é fundamental que os serviços de


saúde locais se esuuwrem para a realização da inves-
Meningice é um processo inflamacório das menin - cigação dos casos nocificados. Para cal, pressupõe-se
ges, membranas que revescem as esuuwras anatômi- a exiscência de laboratórios locais e macrorregionais
cas componemes do sistema nervoso cemral (SNC). As com capacidade técnica que possibilitem a realização,
meningites podem escar relacionadas a uma variedade em tempo hábil, dos exames laborawriais imprescindí-
de causas. infecciosas e não infecciosas. As de origem veis ao diagnóstico eciológico.
infecciosa, em parcicular a doença meningocócica, a O quadro clínico da doença pode variar de acor-
meningite wberculosa, a meningite por Haemophilus do com a etiologia, mas em geral a doença é grave e
influenzae ripo B (Hib), a meningice por pneumoco- pode evoluir para óbito. O prognóstico das meningites
co e as meningites virais são as mais importames na depende fundamentalmente do diagnóscico precoce e
perspeniva da saúde pública, pela magn icude de sua da instituição imediata de uacamemo adequado.
ocorrência, pmencial de uansmissão, pawgenicidade
e relevância social.
Traca-se de uma doença de notificação compulsó- ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO
ria e de investigação obrigacória. Todo caso suspeito
deve ser comunicado, pela via mais rápida, ao órgão ASPECTOS EPIDEMIOLÓG ICOS E AGENTES
de saúde do município ou, na impossibilidade deste, INFECCIOSOS
à Direwria Regio nal de Saúde à qual o município escá
jurisdicionado. As meningices infecciosas apresemam discribuição
Um grave problema enfremado pelo Brasil é a universal, ocorrendo de forma endêmica em algumas
subnotificação dos casos. Recomenda-se, pois, uma regiões. Sua cransmissão é favorecida pela aglomeração
ação conjuma dos geswres municipais dos serviços domicil iar, com aumemo do número de casos nos meses
de saúde e cécnicos de vigilância epidemiológica no em que a cemperawra ambieme é mais baixa. Os ente-
sentido de consciemizar profissionais de saúde da im- rovírus cambém apresentam comporcamento sazonal,
portância da nmificaçâo oporruna de todo caso sus- predominando na primavera e verão. No Quadro 12.1
peito, além dos adequados procedi mentos de busca têm-se os principais agentes etiológicos das meningites
aciva de casos. infecciosas.
Quadro 12.1 - Agenres enológtcos das meningitesmfecciosas crescente, são: echovírus 30, 11, 9, 6, e 7; coxsackievírus B2
and A9; echovírus 18 e 16; coxsackievírus B1 e B3; ente-
Bactérias Escherichia coli rovírus 71; coxsackievírus B4 e echovírus 25. Santos et a/.
Hoemophilus mfluenzoe
Klebsrello (2006), em trabalho realizado no período compreendido
Lisrerio monocyrogenes de 1998 a 2003 nos estados do Rio de janeiro, Pernambu-
Neisseno menil1gitidis
co, Rio Grande do Sul e Paraná, analisando 1.022 amos-
Proreus
Pseudomonos oerugmoso eras de líquido céfalo-raqutdiano (LCR) procedentes de
Solmonello pacientes com idades entre 28 e 68 anos, isolaram ente-
Serraria marcescens
Srophylococcus aureus rovírus em 162 (15,8%) casos; destes, o echovírus 30 fo i
Stophylococcus eprdermidis identtficado em 85,2% dos casos, coxsackievírus B5 em
Srreplococcus do g rupo B
3,7%, echovírus 13 em 3,7%, echovírus 18 em 3%, echo-
Srreplococcus pneumonia
vírus 6 em 1,2%, echovírus 25 em 1.2%, echovírus 1 em
Micabocténas 0,6% e echovírus 4 em 0,6%.
Espiroqueto s: Leptospiro, Treponemo
O vírus da coriomeningite li nfocitária é de ocorrênCia
Vírus Vírus RNA:
Arbovírus
rara, sendo transmitida por roedores pelo conraro direco
Enterovírus ou indireto com as suas excretas. A via de u ansmissão é
HIV
a digestiva, pela contaminação de alimentos com a urina
Vírus do caxumba
Vírus do coriomeningite linfocilário do roedor ou exposição de feridas. Não há evidências da
Vírus do sarampo transmissão homem-homem.
Vírus DNA:
Adenovírus
Os herpesvírus incluem o herpes simples tipos 1 e
Citomegalovírus 2, varicella-zoster, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr e
Epstein Borr
hespesvírus humano 6, 7 e 8. As complicações neuroló-
Herpes simples tipo 1 e 2
Varicela zoster gicas associadas à infecção pelos herpes simples tipos 1
Fungo5 Condido e 2 são as mais significativas e representam 05 a 3% das
Criptococo "meningites assépticas". São quadros aurolimttados, po-
Hlstop losmo
rém, quando cursam com encefalite, são potencialmente
Outros porosiros Ameba
fatais e estão associados ao HSV-25. Cicomegalovírus e
A ngioslfongylus comonensis
Cisticerco vírus Epstein-Barr podem causar meningite em associa-
Esquistossomo ção com a mononucleose. particularmente em pacien-
Plosmódio
Strongyloides slercorolis tes imunocomprometidos.
Toxoplosmo No grupo dos arbovírus, merece destaque o vírus
Tnponosomo do Nilo Ocidental, que nos últimos anos tem sido res-
ponsável por vários casos de encefalite e meni ngite em
indivíduos acima de 50 anos, pnncipalmente na Aménca
do Norte.
Meningite virai O vírus da imunodeficiência humana (HIV) pode ul-
trapassar as meninges precocemente e permanecer no
Vírus são as principais causas de "meningite assép- SNC após a infecção inicial. Meningite associada ao HIV
tica", termo usado para defintr qualquer meningite, in- pode ocorrer na infecção primária ou tardiamente. Es-
fecciosa ou não, na qual se observa pleocirose linfocícica cudos retrospectivos revelam freqüência de 5 a 10% de
sem definição da ettologia empregando-se as metOdolo- meningoencefalite aguda em pacientes infectados pelo
gias diagnóscicas usuais. HIV durante ou após a síndrome mononucleose-/ike_
Os enterovírus são responsáveis por cerca de 90% Em populações não vacinadas, o vírus do sarampo é
das meningites viróticas nos Estados Unidos. Dados do uma das causas mais comuns de "meningite asséptica".
Centers for Dtsease Contra/ and Prevention (CDC) indi- Tal man ifestação pode ocorrer em 10 a 30% dos casos
cam que os enterovírus predominantes, em ordem de- da doença, sendo usualmente benigna e aucolimitada.

118 [ Medicina laboratorial para o clínico


Crianças do sexo masculino são duas a cinco vezes mais A doença meningocócica (DM), causada pela N.
aferadas e o pico de incidência encontra-se entre cinco meningitidis, rem ocorrência em praticamente rodo o
e nove anos. Casos de meningite associados à vacinação mundo. Nos últimos anos, a incidência em países de-
têm sido relatados. senvolvidos apresema variação de menos de um caso
O vírus da caxumba é um agente comum em por 100.000 habitantes (França e Estados Unidos) até
população não imunizada, predominando entre pré- 4-5 por 100.000 habirames (Inglaterra e País de Gales,
escolares. escolares e estendendo-se a adolescentes e Escócia e Espanha). A doença apresenta-se em forma hi-
adulros jovens. Até 50% dos casos evoluem para cura perêndemica na região do subSaara africano, sendo que
emre sete e 10 dias. alguns países chegam a apresentar incidência anual de
150 casos por 100 mil habitantes. Os principais sorogru-
pos de N. meningitidis são: A, B, C Y e W135, sendo que
Me ningite bacteriana o sorogrupo A rem registrado maior potencial epidêmi-
co. enquanto os subgrupos B e C ocorrem predominan-
Haemophilus inf/uenzae, Neisseria meningitidis e temente de forma endêmica, contudo, também podem
Streptococcus pneumoniae são responsáveis por mais desencadear epidemias.
de 80% dos casos de meningite bacteriana. Listeria O Brasil registrou uma gra nde epidemia de menmgl-
monocytogenes contribui com aproximadamente 8% te meningocócica na década de 70. a qual teve ep1centro
dos casos. destacando-se os sorocipos 1/2b e 4b. os em São Paulo e alamou-se por mdo Brasil. A parm dos
quais estão associados a mais de 80% das meningites anos 80. houve mudança 1mporrante no comporramen-
causadas por este microrganismo. Streptococcus do w ep1dem1ológico da doença. com desaparecimento do
grupo B. Staphylococcus ep1dermid1s, Staphylococcus sorogrupo A e predomínio do sorogrupo B. Durante a
aureus. Klebsiella. Escherichia coli. Serra tia marcescens, primeira metade dos anos 90. observou-se aumento no
Pseudomonas aeruginosa e Salmonella também são número de casos nmificados. com pico em 1996 à cus-
causas de meningite aguda. ta. principalmente, de surtos localizados nos estados de
H. influenza já foi responsável por cerca de 50% de São Paulo, Rio de janeiro e R10 Grande do Sul. A parm
rodos os casos de meningite bacteriana e. arualmeme, de 1996, tem-se observado redução constante no núme-
responde por menos de 10%. A ma1ona dos episódios ro de casos. de 7.321 naquele ano, para 2.923 casos em
registrados ames da introdução da vacinação ami- 2003. Segundo dados do Sistema Nacional de Agravos
Haemophilus ocorria em crianças com idade inferior Notificáveis da Secretaria de Vigilância em Saúde (Minis-
a seis anos, com pico de incidência emre seis e 12 me- tério da Saúde), o coeficiente médio de incidência da DM
ses. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. é de 3.32/100.000 habitantes (1994 a 2003) e a letalidade
durame o período pré-vacinação de 1990 a 1999. o no período corresponde a 19.4%. S. pneumoniae responde
coeficiente de incidência anual de meningite por Hib por aproximadamente 47% dos casos de meningite bacce-
em crianças com até um ano e até quarro anos de riana, com letalidade de 19 a 26%. Existe forte associação
idade foi de 22,3 e 8,8 casos por 100.000 habitantes, entre a ocorrência de meningite e a presença de infecção
respectivamente. Regisrraram-se 19.9 e 17,1% de letali- pneumocócica em foco contíguo ou à distância, como
dade nos respectivos grupos. Dados aruais informam pneumonia. mite média, masmidite. sinusite e endocar-
impacro altameme positivo da vacinação anti-Hib a dite. Esplenecmmia, mieloma múltiplo, hipogamaglobuli-
partir de 1999, com redução de 95% na incidência nemia. alcoolismo, desnutrição. insuficiência renal crônica.
de meningites por H. influenza em menores de cinco neoplasias e diabetes melim são condições associadas à
anos. A ocorrência de meningite por H. mfluenza em maior susceptibilidade à infecção pneumocócica.
crianças maiores e adulcos sugere a presença de algu- L. monocytogenes é responsável por 8% dos casos de
ma condição de base que favoreça o desenvolvimento meningite bacteriana nos Estados Unidos. com taxa de
da doença. tais como sinusite, mire média, epiglorire. mortalidade entre 15 e 29%. Os sorotipos 1/2b e 4b estão
pneumonia, diabetes melico, alcoolismo, esplenecco- associados a 80% dos casos. A infecção é mais comum
mia e imunodeficiência. em recém-nascidos, adulros com mais de 60 anos, porta-

lnvesrigação laborarorial do pacienre com m eningire infecciosa 119


dores de câncer e doenças auco-imunes, imunossuprimi- nica. O Cryptococcus neojormans. um bas1diomicero que
dos e pacientes submetidos à corticorerapia. se apresenta em sua forma parasitária como levedura ana-
Streptococcus do grupo B é um importante agente morfa capsulada. é um fungo cosmopolita, que vive em
etiológico de meningite neonatal. Este tem sido isolado solos contaminados com excretas de pombos ou de ou-
em culturas de secreção vaginal e retal de gestantes as- tras aves em regiões tropicais e de climas temperados. De
simomáricas. Acredira-se que ocorra colonização rran- acordo com aclassificação arual, Cryptococcus neojormans
sitória, intermitente e crônica, a qual rep resenta 40% possui três variedades: Cryptococcus neoformans (sorotipo
dos casos. Em ad ulros. meningite por Streptococcus do A), var. grubii, Cryptococcus neoformans (sorotipo D), var.
grupo Bestá associada à idade superior a 60 anos. diabe- neojormans, sendo ambas variedades de ampla distribui-
tes melito. gravidez e pós-parto, colagenoses vasculares. ção mundial. e Cryptococcus neoformans (sorotipo Be C).
neoplasias, alcoolismo, falências hepática e renal, bexiga pertencentes à variedade gattii,limitada às regiões tropicais
neurogênica. úlcera de decúbito e corticocerapia. e subtropicais do mundo. Um sorot1po híbrido AD pode
Bastonetes Gram negativo aeróbios. tais como Klebsielfa ser identificado por técnicas moleculares. O Cryptococcus
spp, E. coll, Serratta marcescens, Pseudomonas aeruginosa, neoformans var. gattii tem sido isolado mais freqüente-
Salmonelfa spp, têm se destacado como agentes etiológicos mente de indivíduos imunocompetentes. ao passo que C
de meningites bacterianas. Tais estão particularmente asso- neoformans var. neojormans está fortemente associado ao
ciados a recém-nascidos. idosos, pacientes imunossuprimi- estado de imunodeficiência decorrente da AIDS. Ressalta-
dos, pacientes submetidos a cirurgias neurológicas e vítimas se, também, a importância epidemiológica da doença em
de traumatismo craniano. paCientes portadores de neoplasias hematológicas e em
Meningite causada por S. aureus está usualmente as- corticoterapia de alcas doses.
sociada a cirurgias neurológicas e traumas e a condições Meningite associada à infecção por Histoplasma cap-
como alcoolismo, diabetes melito, insuficiência renal su/atum é rara. Entretanto, em um quarto dos casos de
crônica, neo plasias e uso de drogas injetáveis. Infecções meningite por Histoplasma, a doença está confinada ao
adquiridas na comunidade geralmente estão associadas sistema nervoso central. Nestes casos. o diagnóstico é pro-
a sinusite, pneumonia e osteomielite. A mortalidade é blemático. devido à limitação em sensibilidade da cultura
bastante variável, sendo citadas taxas entre 14 e 77%. e em especificidade das pesquisas sorológicas. Os dados
S. epidermtdts, por sua vez. está fortemente associado à epidemiológicos e co-morbidades do pacientes tornam-
meningite pós-derivação liquórica. Na meningite pós- se extremamente relevantes, pois há forte assoCiação com
procedimentos neurocirúrgicos. têm-se isolado germes imunodeficiência. Meningite por Candtda está geralmen-
anaerób1cos. principalmente o Proptonebactenum acne. te associada à doença disseminada e também é rara. Os
As espiroquetas também são agentes etiológicos das fatores de risco são os mesmos da candidemia. incluindo
meningites. Além da meningite sifilítica, a neurossífilis terap1a amimicrobiana prolongada, corticoterapia de altas
apresenta-se como três outras síndromes distintas: sífilis doses. uso de drogas de abuso injetáveis, cirurgia intra-
memngivascular, neurossífilis parenquimatosa e neurossí- abdominal recente, entre outros.
filis gomatosa. A incidência de meningite sifilítica é maior
nos primeiros dois anos após a infecção e estima-se que
ocorra em apenas 0,3 a 2,4% dos casos de sífilis não trata- Meningite por outros agentes
da. Ressalta-se a importância da cc-infecção Treponema/
HIV, pois aproximadamente 1,5% dos paCientes apre- A meningite eosinofílica é uma infecção do SNC
sentm neurossífilis em algum momento da doença. causada principalmente por hel mintos, porém outras
infecções ou processos não infecciosos também
podem estar associados. Entre os helmintos. destaca-
Meningite fúngica se o Angtostrongylus cantonensis. um nematódeo
que tem como hospedeiro definitivo o rato (urbano
A meningite criptocócica se manifesta de diversas for- e silvestre). Os hospedeiros intermediários naturais
mas. destacando-se a meningoencefalite subaguda a crô- são os moluscos. entre eles caramujos e lesmas.

120 ( Medicina laboratorial para o clínico


O homem represema um hospedeiro acidemal, respiratório, determinando a perda da arividade ciliar des-
podendo se infectar principalmente por ingestão de se epitélio. Em seguida, ligam-se seletivamente às células
moluscos ou por comam direco com suas secreções. epiteliais não ciliadas, sendo essa ligação dependente de
Casos identificados no Brasil evidenciam a ingestão de estruturas presentes nas bactérias (fímbrias) e de recepw-
lesmas como provável fonte de infecção. Há relacos res presentes na superfície das células do hospedeiro.
na literatura da possibilidade evemual de transmissão Após a invasão da mucosa da nasofaringe, as bacré-
do helminto pela ingestão de vegetais e frutas in rias entram no espaço intravascular e necessitam ven-
natura infestados pela formas larvárias infectantes cer outras barreiras do hospedeiro antes de penetrar no
do A cantonenses ou ainda por ingestão de outros SNC. No sangue, a linha de defesa mais importante é a
hospedeiros como caranguejos e camarões. Tais formas atividade bactericida da via clássica do sistema comple-
de transmissão têm sido relatadas em países orientais mento associada à atividade fagocitária dos neutrófilos.
onde a doença é endêmica. Não há registro da ocorrência A habilidade da bactéria de sobreviver na circulação está
deste agente no Brasil, o que sugere a introdução recente diretamente associada à sua cápsula de polissacáride,
desta nova espécie em nosso território. com propriedades antifagocitárias capazes de evitar as
defesas do hospedeiro nesse compartimento. Os anti-
corpos séricos também têm atuação como elementos
ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS de defesa do hospedeiro. Como exemplo. citam-se os
anticorpos dirigidos à cápsula de polissacáride. Como a
Meningite bacteriana no recém-nascido em geral as- cápsula bacteriana constitui-se num antígeno célula T-
socia-se à sepse, sendo considerada condição predispo- independente, a resposta imunológica a ele dirigida não
nente à sepse e meningite, a imaturidade fisiológica do é adequada em crianças menores de dois anos de idade,
sistema de defesa do hospedeiro nesse período da vida, o que pode contribuir para a maior incidência de men in-
sobretudo daqueles nascidos prematuramente. A fonte gites bacterianas nesse grupo etário.
dos patógenos é habitualmente a mãe ou o ambiente O mecanismo de invasão do espaço subaracnóideo
pós-natal. As vias de infecção são transplacentária (ex.: (ESA) pelas bactérias, assim como o sítio exaco onde es-
L. monocytogenes), vertical durante o parw (ex.: E. coli e tas penetram no SNC, não são ainda bem conhecidos.
Streptococcus B) ou horizontal após o nascimento (ex.: Alguns estudos têm sugerido que elas entram no SNC via
infecções estafilocócicas adquiridas em berçários). plexo coróide. É possível que as células do plexo coróide
Após o período neonatal. as meningites bacterianas e as capilares cerebrais possuam recepcores para aderên-
determinadas por Hib, meningococo e pneumococo cia das bactérias, de forma que as mesmas possam ser
têm início, em geral, com a colonização da mucosa da transportadas para o ESA. Elementos da bactéria, como
nasofaringe. Eventualmente, a meningite pode ser con- as fímbrias, aparecem como importante fawr de viru-
seqüência da invasão bacteriana a partir de um foco de lência na penetração do patógeno no SNC. Quando no
infecção contíguo ao SNC. por exemplo, maswidite, si- ESA. as bactérias encontram condições extremamente
nusite e, raramente, otite média, já que nessa situação a favoráveis à sua replicação, uma vez que esse espaço é
meningite comumente é resultado de bacteremia. habitualmente desprovido de qualquer mecanismo de
A colonização da mucosa da nasofaringe determi- defesa capaz de controlar a infecção.
na um estado transitório de portador assintomático do Com a replicação das bactérias no ESA, as mesmas li-
agente infeccioso. Em raras ocasiões, as bactérias invadem beram componentes subcapsulares ativos, sendo os mais
a corrente sanguínea após vencerem as defesas locais do conhecidos e estudados o lipopolissacáride (endowxina)
hospedeiro, representadas na nasofaringe pela atividade das bactérias Gram negativo e os elementos da parede
ciliar do epitélio respiratório e pela presença local de lgA celular das bactérias Gram positivo (peptidoglican e ácido
secretória. No processo de invasão da mucosa, as bacté- teicóico). Essas substâncias, uma vez liberadas, estimulam
rias inicialmente secretam enzimas específicas (igA pro- as células cerebrais equivalentes aos macrófagos (astróci-
teases), que clivam e inativam a molécula de lgA local e, cos e células da microglia) e o endotélio capilar cerebral
posteriormente, agridem as células epiteliais do aparelho a produzirem ciwcinas, como fator de necrose tumoral

Investigação laboratorial do paciente com meningite infecciosa 121


(FNT) e interleucina 1 (IL-1), considerados os mediado- gea. São características de irritação meníngea: rigidez de
res que desencadeiam a resposta inflamatória meníngea. nuca; sinal de Kernig (flexão da perna sobre a coxa e
Ambos (FNT e IL-1) estimulam a adesão dos neutrófilos desta sobre a bacia ao se elevar o tronco, quando em
às células endoteliais e sua conseqüeme passagem para o decúbito dorsal); sinal de Brudzinski (mesmo movimen-
ESA Na aderência dos neutrófilos ao endotélio, participa to de flexão. ao se antefletir a cabeça). Dependendo do
um grupo de glicoproreínas. as denominadas moléculas grau de compromerimemo encefálico, podem ocorrer
de adesão, presemes tanto nos neutrófilos quanto no en- convulsões, paralisias. paresias, rremores. rransrornos
dotélio, que são atívadas pela IL-1 e FNT. Na evolução da pupilares, hipoacusia e prose palpebral. Delírio e coma
resposta inflamatória, outros mediadores são em seguida podem surgir no início da doença e em casos fulminan-
liberados: outras interleucinas (IL-6,1L-8). faror ativador de tes, associados a sinais de choque.
plaquetas, metabólitos do ácido araquidônico e proteínas Crianças abaixo de nove meses raramente apresen-
denvadas dos macrófagos. tam sinais de irritação meníngea. Outros sinais permitem
A resposta inflamatória induzida pelas bactérias de- suspeitar de meningismo: febre, irntabilidade, gnto me-
termina lesão do endotélio com alteração da permeabi- níngeo, recusa alimentar. vômiros. convulsões, abaula-
lidade da barreira hemaro-encefálica. permitindo a pas- mento da fontanela, prostração.
sagem de proteínas séricas para o ESA e o conseqüente Meningites men ingocócica e pneumocócica em as-
aparecimento de edema tipo vasogênico. Na gênese do plênicos podem manifestar-se como quadro septicêmi-
edema cerebral também participam os neutrófilos jun- co (meningococcemia ou pneumococcemia), vasculite e
tamente com as bactérias, a partir da liberação de subs- quadro inflamatório intenso, com alta letalidade, septice-
tâncias tóxicas no ESA (edema citotóxico) e na produção mia associada à meningite ou apenas meningite. O início
de exsudato inflamatório, que altera a dinâmica do LCR, do evento é caracterizado por petéquias na conjuntiva
originando edema do tipo intersticial. As diferentes for- e arrralgia e em minuros ou horas essas petéquias po-
mas de edema cerebral são responsáveis por aumento da dem se disseminar pelo corpo e evoluir para um quadro
pressão intracraniana (PIC), que resulta em diminuição toxêmico grave, hipotensão arterial, choque e morte.
da pressão de perfusão cerebral (PPC), com conseqüen- Na meningococcemia pode ocorrer o quadro grave de
te hipoxemia e metabolismo anaeróbio. Este último. por necrose de supra-renal. conhecido como síndrome de
sua vez, determina aumento da concentração de lactara Waterhouse-Friedenckson. com alta mortalidade.
e consumo de glicose (hipoglicorraquia).
À medida que a 1nfecção progride. a auto-regulação
vascular do SNC é perdida, tornando o fluxo sanguíneo ABORDAGEM LABORATORIAL
cerebral (FSC) diretamente dependente da pressão ar-
terial sistêm1ca, de maneira que a hipotensão sistémica Na suspeita clínica de meningite deve-se sempre pro-
ocasiona redução do FSC e isquemia tecidual. Em adição, ceder à punção liquórica, salvo raras contra-indicações,
vasculite e fenômenos trombóticos também presentes para confirmação diagnóstica e in ício do tratamento. A
nas men1ng1tes bactenanas podem levar a áreas de infar- punção liquórica é freqüentemente realizada na região
to isquêm1co. reduzmdo ainda mais o FSC. A interação lombar, entre L1 e Sl. sendo mais indicados os espaços
de todos esses eventos pode culminar em dano cerebral L3-L4, L4-LS ou LS-Sl. A única contra-1nd1cação formal
focal ou d1fuso e Irreversível. para a punção liquórica lombar (desde que se suspeite
de men1ng1te) é a infecção no local da punção. Haven-
do suspeita de hipertensão endocran iana grave (pressão
APRESENTAÇÕES ClÍN ICAS acima de 40 cm de água), deve-se evitar a retirada de
líquor nesse momento. A in formação ao laboratório do
As meningites infecciosas agudas apresentam início sítio de punção é fundamental, pois os parâmetros celu-
súbiro, com febre, cefaléia intensa. náuseas. vômiros. lares e químicos vanam em diferentes sítios.
acompanhados, em alguns casos, por mamfestações A avaliação laboratorial rotineira do líquor inclui:
cutâneas como petéquias e sinais de irritação menín- análise macroscópica, análise citológica (contagem total

122 ( Medicina laboratorial para o clínic<ijr - - - - - - -- -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


e diferencial de células), dosagem de glicose e dosagem ciente de variação observado (24 e 4S%. respectivamen-
de proteínas. Em circunstâncias especiais, tais como na te), as referidas câmaras mantêm-se como instrumento
suspeita de meningite in~ecciosa, são necessários exames padrão para contagem, pois a contagem auromatizada
direcionados à investigação etiológica do processo, tais não tem apresentado desempenho adequado devido à
como coloração de Gram, cultura e pesquisa de amíge- ba1xa celulandade liquórica.
nos (bacterianos e fúngicos). O valor de referência para contagem roral de leucóci-
O volume normal é de 80 a 150 ml em adultos e tos a partir do segundo mês de vida é de Oa S células/1.1L.
60 ml em recém-nascidos. Considera-se possível a reti- Em recém-nascidos, pode-se chegar a 30 células/j..JL. O
rada de até 20 ml de líquor em um adulto. Usualmen- aumemo do número de leucócitos é denominado pleo-
te, colhe-se o material em três tubos estéreis, sendo o citose e está relacionado à vigência de um processo infla-
primeiro destinado às análises bioquímicas e imunológi- matório liquórico, observado nas meningites infecciosas
cas, o segundo às análises microbiológicas e o terceiro à de diversas etiologias.
contagem de células. Deve-se evitar a utilização de tubos A presença de hemácias no líquor mdica a ocorrên-
de vidro, devido à significativa adesão de elementos à cia de hemorragia, que pode ter ocorrido no momen-
parede destes, falseando a contagem celular. Uma vez to da punção ou ser devido a um processo hemor-
colhido, o material deve ser entregue ao laboratório o rágico que atingiu o SNC. Devido à rup tura vascular,
quanto ames, com o objetivo de minimizar a degradação existe, além de hemácias, aumento do número de leu-
celular. Ressalta-se que a refrigeração é contra-indicada, cócitos, na proporção de um leucócito para cada SOO
principalmente para cul:uras, devido ao prejuízo na re- a 700 hemácias. e aumento da proteinorraquia. 1 mg
cuperação de microrganismos fastidiosos, tais como o H. para cada SOO hemácias. Após ep1sódio hemorrág1co.
influenza e N. memng1tidis (ver capítulo 3). as hemácias podem ser encontradas no LCR por até
três semanas e este pode ficar xancocrôm1co por até
seis semanas. Apesar do limitado va lor d iagnóstico. a
ANÁLISE MACROSCÓPICA contagem de hemácias é ÚLil na ap1uxirnação da ver-
dadeira contagem total de leucócitos, empregando-se
O líquor normal é límpido e incolor como "água de as fórmulas a seguir:
rocha". A turbidez passa a ser percebida quando se tem
mais que 200 leucócitOS/l-I Lou 400 hemácias/j..JL. Micror- CTLc = CTL0 - CTLA
ganismos e proteína também podem causar turbidez. enA = CTLs x CTH,

Após centrifugação, o líquor sobrenadante é compara- CTHS

do com água para venficar-se a presença de xantocromia, Onde,

termo utilizado para def mr a coloração rósea, alaranjada CTLc z Contagem lotai de leucócitos corrigido

ou amarelada do ma renal. Esta pode originar-se de hemo- CTLa = Contagem total de leucócitos observado

globina, resultante de l1se artefacual das hemáoas causada CTLA = Contagem total de leucócitos adicionado

por contaminação com detergente do material utilizado CTL5 = Contagem total de leucócitos no sangue periférico

na punção ou demora superior a uma hora para análise


sem refrigeração; bilirrub na em pacientes ictéricos, mela-
nina. de metástase meníngea de melanoma; rifamp1c1na; A contagem diferenoal de células deve ser realizada
caroceno, em pacientes com hipercarotenemia dietétiCa. em material citocentrifugado e corado com corames he-
matológicos, tais como o Wright e Giemsa. Na Tabela
12.1 encomram-se os valores de referência para conta-
ANÁLISE CITOLÓGICA gem diferencial de células no líquor. Verifica-se peque-
no número de linfócitos e monócitos, na proporção de
A contagem total de células é realizada empregan- 70:30 em adultos. Recém-nascidos e crianças jovens têm
do-se líquor não diluído e câmaras de contagem do tipo maior proporção de monócitos. serdo possível o achado
Fuchs-Rosenthal ou Neubauer. Apesar do elevado coefi- de até 80% destes nos prime1ros. Baixo número de neu-

Investigação laboratorial do paciente com meningite infecciosa 123


trónlos pode aparecer no líquor "normal", mas geralmen- to, tal achado apresenta sensibilidade por volta de 55%
te aceita-se como valor máximo de referência 7%. em relação ao diagnóstico de meningite bacteriana.
As meningites bacrerianas são responsáveis pelos au- Assim, valores dentro da faixa de referência para glicor-
mentos mais pronunciados de neutrófilos no líquor. Tal al- raquia não excluem esta etiologia. Algumas miningoen-
teração também é observada nas meningites virais, fúngicas cefalites virais podem cursar com redução nos níveis de
e wberculosa iniciais. Nescas. porém, após a plena inscalação glicorraquia, mas não cão intensa quamo aquela obser-
do processo, predominam os linfócicos, podendo ocorrer vada nas meningites bacteriana.
reatividade linfoplasmociróide e variantes imunoblásticas.

Proteína total
Tabela 12.1 - Valores de referência para contagem dtferencial
de células por otocentrifugaçào no líquido céfalo-raquidiano
A quamidade de proteínas varia com a idade. sendo
Tipo celular Adultos(%) Recém-nascidos (%) maior nas primeiras semanas de vida e na velhice. Varia
também com o local da punção. No recém-nascido ou na
Linfócitos 62 ± 34 20 ± 18
criança maior e nos adulcos varia até 20 mg% (líquor vemri-
Monócitos 36 ± 20 72 ±22 cular), 30 mg% (líquor suboccipital) e de 15 a 45 mg% (líqu-
N eutrófilos 2±5 3±5 or lombar). Nas meningites bacterianas, a proteína costu-
ma estar elevada pelo menos três vezes o valor normal.
H,sliÓC1Ios Raros 5 ±4

Células ependim01s Raros Raros


Proteí na C reativa
Eos1nólilos Raros Raros

Vários trabalhos têm demonstrado a habilidade da


proteína C reaciva (PCR) na distinção emre meningite
Ourras infecções no sistema nervoso cemral, tais bacteriana e virai. Recente metanálise relacou sensibilida-
como emprema subdural e abscesso cerebral, também de e especificidade superiores a 90% para a determinação
implicam aumemo de neutrófilos no líquor. Aumemo da concemração de PCR no líquor e soro no diagnóstico
de linfócicos é observado na meningoencefalite sifilítica. da meningite baCteriana. Por ourro lado, pesquisadores
em meningrtes por microrganismos não usuais, como L. têm registrado diferença significativa na concenrração
monocytogenes. e em infecções parasitárias do sistema liquórica de PCR nas meningites por bactérias Gram ne-
nervoso cenrral (cisticercose, roxoplasmose). O mesmo gativo em relação às Gram positivo. Ressalta-se que tal
pode ocorrer na meningite asséptica secundária a foco distinção não pode ser feita pela dosagem de glicose ou
séptico adjaceme às meninges. comagem de leucócicos no líquor.

ANÁLISE QUÍM ICA Procalcitonina

Glicose A dosagem sérica de procalciconina superior a 0,2


ng/ml apresenta sensibilidade e especificidade próximas
Derivada da glicemia, a glicose liquórica em jejum va- de 100% no diagnóstico de meningite bacteriana. Esse
ria de 50 a 80 mg/dl (2,8 a 4.4 mmoi/L), corresponden- teste cem adquirido espaço na abordagem laboratorial
do a 60% dos valores plasmáticos. Os resultados devem, da doença, particularmeme naquelas situações em que
portamo. ser comparadas à glicemia colhida, preferen- o diagnóstico microbiológico presuntivo mostrou-se ne-
cialmente. após quatro horas de jejum. gativo e demais testes inconclusivos. Ressaltam-se. po-
Hipoglicorraquia é uma alteração característica da rém, o alro cusro da dosagem e restma comercialização
meningite bacteriana, tuberculosa e fúngica. Emretan- no território nacional.

124 ( M edicina laboratorial para o clínico


lacta to
se cornam evidentes contra o fundo negro propor-
cionado pela tinta. O teste é útil no diagnóstico de
Em pacientes com meningite virai. os níveis de lac- meningite cripcocócica, m as diversos estudos cientí-
mo estão geralmente abaixo de 25 mg/dL e superiores ficos ressal t am a baixa sensibilidade: 25%. Esta pode
a 39 mg/dL nas meningites bacterianas. A sensibilidade ser o rimizada por múlt iplas punções lombares. Pro-
e especificidade do reste giram em rorno de 80 e 90%, blema semelhante ocorre em relação à coloração ál-
respecrivamente, empregando-se como ponto de corre cool-ácido resistente e o d iagnóstico de tuberculose
30 a 36 mg/dL. Meningite virai, meningite bacteriana par- meníngea. Nesta situação, a sensibilidade atinge, no
cialmente tratada e meningite tuberculosa apresentam máximo, 12%.
valores intermediários de lacrara, limitando sua aplica-
ção clínica nessas situações.
Cultura

Eletrólitos A identificação m icrobiológica do agente etiológico


nas meningites infecciosas é fundamental, do ponto de
Não há utilidade clínica nas dosagens de sódio, po- vista clínico e epidemiológico. Portanto, rodos os esfor-
tássio, cloretos, cálcio e magnésio no líquor. ços devem ser empreendidos para este fim. A sensibili-
dade do reste, porém, atinge 80 a 90%. Este percentual
pode reduzir-se a menos de 30% após o tratamento.
ANÁLISE M ICROB IO LÓGICA Estudos têm demonstrado que, em crianças, a cultura
rorna-se negativa em 90 a 100% dos casos 24 a 36 horas
Exame microscó pico após a instituição de terapia adequada.
Diversos agentes etiológicos das meningites in-
O exame m icroscópico do líquor após cirocentri- fecciosas são considerados fastidiosos e podem ser
fugação e coloração de Gram permite o diagnóstico d e difícil recuperação in vitro. Tal condição impõe
de meningite bacteriana em 60 a 90% dos casos, com extremo cu idado com a amostra microbiológica na
especificidade próxima de 100%. A positividade ao fase pré-analítica, sendo recomendada a semeadura
Gram está relacionada à concentração de bactérias nos meios de cult ivo o mais rápido possível e contra-
no material. Concentrações inferiores a 103 unidades indicada a refrigeração.
formadoras de colónia (UFC)/mL est ão associadas à
positividade ao Gram em torno de 25%. já concentra-
ções maiores ou iguais a 105 UFC/mL correlacionam- A NÁLISE IMUNOLÓGICA
se com positiviade superior a 97%. O desempenho do
reste também está relacionado ao agente etiológico. Os restes de aglutinação com látex apresentam,
Em relação ao S. pneumoniae, verificam-se 90% de po- de modo geral, altas sensibilidade e especificidade,
sitividade. Já em relação ao H. influenza, este percentu- fác il e rápida execução e estão disponíveis
al é de 86%. Nos casos de infecção por N. meningitidis, comercialmente para H. influenzae, N. meningitidis,
verificam-se 75% de positividade e em relação a bas- S. pneumoniae, estreptococos do grupo B e
tonetes Gram negativo atinge 50%. A possibilidade de Cryptococcus. A utilidade desta metodologia reside
detecção rende a piorar após o in ício da antibioricore- particularmente naquelas situações nas quais a
rapia, situação em que se esperam, no máximo, 60% pesquisa microscópica foi negativa. No Brasi l, o
de positividade, em média. custo de tai s reagentes é um empecilho à sua
O exame microscópico d irero com tinta nanquim popularização na assistência laboratorial.
(t inta da China) é utilizado em amostras de líquor, No Q uadro 12.2 encontram-se os exames labora-
urina, secreções ou exudaros, para visualização de toriais e respectivas alterações verificadas nas princi-
leveduras capsuladas do gênero Cryptococcus, que pais et io logias de meningites infecc iosas.

Invest igação laboratorial d o paciente com meningite infecciosa 125


Quadro 12.2 - Principais exames laboraronais e respectivas alterações nasmeningites 1nfecc1osas

Situação Aspecto Coloração com


Citometria Citologia Glicose Proteínas Cultura
clínica do líq uor tinto da China

liquor normal Cloro Oo5 2/3 do glicemio <40mg/dl Negativo

Mr.mingile boc· Turvo ou >500 PMN Diminuído >40mg/dl PosilivCJ


teriono agudo purulento

Meningite Cloro ou <500 PMN ou MN Dimrnuido ou N ormal ou Positivo Irara)


bacteriano pouco turvo normal aumentado
agudo em uso
de antibiótico
Menmgrte VIIOI Cloro <500 MN Normal >40mg/dl Negativo

Meningrte Cloro ou <500 MN Drmrnuido >40mg/dl Positrvo Irara)


tuberculoso pouco turvo
Meningrte Cloro <500 MN Drmrnuído ou >40mg/dl Negotrvo Pos,tivo
fung ca normal IC neoformans)

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS


1. Brasrl. Mrnrsrério da Saúde. Srruação da Prevenção e Con·
Dtante da suspeita clínica de meningite infecciosa, crole das Doenças Transmrssívers no Brasrl. Saúde Brasrl
encontra-se 1ndtcada a colheita e análise laboratorial do 2004 Uma análise da srruação. Brasília: M rnrsrério da
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p.194-8.
A abordagem microbiológica inclui análise micros-
3. Santos GP, Skraba I. Olrverra D. Lrma AA, Melo MM.
cópica e ISOlamento em cultivo. A análise microscópica Kmetzsch Cl. Costa EV. Srlva EE. Enrerovrrus menrngms
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126 [ M edicina laboratorial para o cl ínico } - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


Luciana de Gouvêa Viana

13
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE SÉPTICO

A sepse é uma síndrome complexa, de origem in- • remperacura corporal superior a 38°c ou inferior a 36°c;
fecciosa, causada pela resposta inflam ató ria sistêmica • freqüência ca rdíaca superior a 90 batimentos por
do indivíduo, caracterizada por manifest ações clínicas minutO;
diversas e que culmina na disfunção ou falência de um • freqüência resp iratória supenor a 20 movimentos
ou mais órgãos. A mortalidade em decorrência da sep- por minuto ou pco2 inferior a 32 m mhg;
se é variável, podendo superar 40% dos casos. • leucómos superiores a 12.000/mm 3 ou in feriores a
A localização do foco infeccioso em um paciente 4.000/m m 3 ou bastOnetes (ou formas mais jovens)
séptico é de fundamental importância, pois a conduta superiores a 10%.
terapêutica. incluindo a anrimicrobiana e o prognóstico,
vão diferir, su bstancialmente, con forme o local da infec-
ção primária. Vários trabalhos científicos destacam a de- Sepse
fin ição do foco in feccioso primário como uma das prin-
cipais variáveis interferentes na sobrevida do paciente. SIRS acompanhada de foco infeccioso.

ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO Sepse grave

D EFINIÇÕES Sepse acompanhada por disfunção orgân1ca. sinais


de hipoperfusão (acidose. oligúria, alteração aguda do
A Soc1ety of Cnt1cal Care Med1cme e o Amencan College estado meneai, entre outros) ou hipotensão (PA sistóli-
oj Chest Phys1e1ans adoram as seguintes definições: ca in ferior a 90 rnm Hg ou redução superior a 40 mmHg
da lin ha de base. na ausência de outras causas).

Síndrome de resposta infla matórioa sistêm ica - SI RS


Choque séptico
Reação inflamatória do organismo humano a uma série
de agressões, 1nfecciosas ou não, adorando-se como pomo Sep se grave associada a hipoperfusão e h ipoten -
de corte para a caracterização do envolvimento sistêmico a são persistentes, mesmo após reposição volumétrica
presença de, pelo menos duas, das seguintes condições: adequada.
Síndrome da disfunção de múltiplos órgãos -SOMO
te 60 anos, a taxa de ataque é muito alta em crianças
(mais de SOO casos/100.000 habitantes/ano), com recém-
Estado final da resposta inflamatória sistêmica grave. nascidos de baixo peso tendo alto risco.
Na prática clínica, os limites que separam a sepse da Em levantamentos na Europa e Estados Unidos, du-
sepse grave e esta do choque séptico não são clarameme rante os anos 90, aproximadamente 80% dos casos de
detectados. Por isso, propõe-se a utilização de um siste- sepse grave em adultos ocorreram em indivíduos que fo-
ma de estadiamento para a sepse que venha caracterizar ram hospitalizados por outra razão. Em 30 a 50% destes
melhor a síndrome com base em facores predisponentes casos, e em outras séries, nenhuma etiologia microbiana
e nas pré-morbidades, na natureza da infecção subjacen- definida foi encontrada.
te, nas caracrerísticas do hospedeiro e na extensão da O primeiro estudo prospecrivo sobre sepse realizado
disfunção dos órgãos. no Brasil, o Brazilian Sepsis Epidemiological Study (BASES
Outro conceito a ser lembrado é o de bacteremia: study), publicado em 2004, incluiu cinco hospitais priva-
presença de bactérias cultiváveis no sangue periférico. dos e públicos de duas regiões do país. Foram avaliados
dados relativos a 1.383 pacientes adultos com diagnós-
tico de sepse internados em unidades de cuidados in-
ASPECTOS EPIDEMIOLÓG ICOS E tensivos. Pulmões e trato respiratório foram as principais
AGENTES ETIOLÓGICOS fomes de infecção. Registraram-se taxas de mortalidade
de 24,2, 33,9, 46,9 e 52,2% para SIRS, sepse, sepse grave e
A avaliação da freqüência de sepse e seus desdobra- choque séptico, respectivamente. A mediana de idade
mentos têm como principal obstáculo a dificuldade de para o grupo estudado foi de 65,2 anos. Para pacientes
definições bem padronizadas e estudos prospectivas em com SIRS sem infecção, a mortalidade foi de 11,3%.
populações selecionadas. A maioria das estatísticas exis- Essencialmente, qualquer microrganismo pode cau-
tentes é apoiada em estudos retrospectivos sobre diag- sar sepse ou choque séptico, porém, as bactérias são
nósticos de altas hospitalares. os agentes etiológicos mais comuns. Cerca de 40% dos
Nos Estados Unidos, Angus et a/., em 1995, estudaram casos de sepse são devidos a bactérias Gram negativo:
a incidência an ual de sepse grave com infecção diagnos- Escherichia coli, Klebsiel/a pneumoniae, Enterobacter sp,
ticada e disfunção aguda de um órgão em sete grandes Pseudomonas aeruginosa. entre outras. Staphylococcus
estados americanos. Os aucores registraram três casos aureus e Streptococcus pneumoniae e outras bactérias Gram
de sepse grave para cada 1.000 habitantes e 2,26 casos positivo são responsáveis pelos casos remanescentes. Desta-
para cada grupo de 100 altas hospitalares. A mortalidade ca-se o papel dos fungos em paciemes imunossuprimidos.
geral ficou em 28%, mas variou conforme a faixa etária, Em nosso meio, os cocos Gram positivo, principal-
sendo 10% em crianças e 38% em idosos com idade su- mente os estafilococos, são os agentes mais isolados em
perior a 85 anos. Esse estudo constacou, ainda, que os hemoculturas, seguidos das enterobactérias (Escherichia
custos decorrentes da sepse foram mais altos em lacren- coli, Klebsiella pneumoniae, entre outras) e os bacilos Gram
tes, nos não sobreviventes, nos pacientes internados em negativo não fer mentadores da glicose (Acinetobacter
unidades de terapia intensiva, nos pacientes cirúrgicos e baumanii, Pseudomonas aerugmosa, entre outros). Já as le-
naqueles com falência de mais de um órgão. veduras, especialmente a Candida spp., vêm apresentando
Uma versão mais recente dos dados do National Hos- freqüência de isolamento cada vez maior em hemocultl-
pital Discharge Survey, dos Estados Unidos, revelou que vos, principalmente em pacientes imunossuprimidos e/ou
a incidência de sepse aumentou em quatro vezes entre recebendo antibioticoterapia de am plo espectro.
1979 e 2000, atingindo 240 casos por 100.000 habitantes
ao ano (aproximadamente 660.000 casos ao ano). Ressal-
ta-se a maior incidência em homens do que em mulhe- ASPECTOS FISIOPATOLÓG ICOS
res e em indivíduos que não pertencem à raça branca.
Embora a idade mediana para incidência de sepse A resposta inflamatória representa o componente
baseada no diagnóstico de alta seja de aproximadamen- central da sepse, pois os elementos desta resposta dire-

128 [ Medicina laboratorial para o clínico Jf - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- -


cionam as alterações fisioparológicas que levam às mani- xilia na erradicação da infecção. A dificuldade está em
festações clínicas da doença. definir resposta apropriada versus resposta exagerada.
Durante muiros anos, diversos cientistas acreditaram Em pacientes sépticos, tem-se observado retardo no
que o problema da sepse estava direrameme relacionado à apopcose neutrofílica, provocando sua persistência pro-
exuberante produção de moléculas pró-inflamatórias. Este longada na corrente sanguínea. Como conseqüência, o
conceito foi alimentado por quatro informações. A pri- paciente séptico mantém números elevados de neutrófi-
meira refere-se à associação de níveis elevados de fator de los ativados com potencial de injúria. Por outro lado, são
necrose tumoral (TNF) em pacientes com sepse e morre. justamente estes neutrófilos ativados os responsáveis
A segunda diz respeito aos resultados de trabalhos experi- pela resposta imune inata para combater a infecção. As
mentais, nos quais se verificou a indução de quadro seme- células endmeliais, por sua vez, representam uma crítica
lhante à sepse a partir da administração de moléculas de interface entre o sangue e os tecidos e há várias evidên-
TNF. Na terceira têm-se outros resultados experimentais cias científicas de disfunção destas na sepse.
revelando que animais que receberam doses letais de endo-
roxinas apresentaram níveis elevados destes mediadores. E,
finalmente, a inibição destes mediadores eleva a sobrevida ASPECTOS CLÍN ICOS
em modelos animais de choque séptico. Vale lembrar que
as cirocinas podem ter significativo incremento e efeito no O diagnóstico clínico da sepse está baseado em alto
nível local, sem alterações no sangue periférico. Recente es- índice de suspeita, exigindo-se minucioso exame clínico,
tudo realizado em recém-nascidos revelou que a adminis- considerando-se as informações sobre o estado atual do
tração de antagonista de receptores de interleucina 1 (IL-1) paciente, seu passado mórbido e possíveis co-morbidades.
provocou significativa queda nos níveis séricos de IL-6. As manifestações clínicas da sepse decorrem do pro-
Outro ponto de vista atribui a falha no controle do cesso infeccioso primário, do processo inflamatório sub-
processo infeccioso à imunossupressão, em detrimento jacente e das disfunções orgânicas instaladas ou em pro-
da imunoestimu lação. Alguns estudos indicam que ares- cesso de Instalação. Os sinais e sintomas da infecção estão
posta pró-inflamatória poderia não ser iniciada, enquan- naturalmente associados ao sírio primário do processo.
to a antiinflamatória estaria preservada, e tal desequilí- As man ifestações clínicas secundárias à ativação
brio resultaria na neutralização da resposta inflamatória. inflamatória são inespecíficas e incluem a febre ou hi-
Os dados indicariam que a resposta inflamatória na porermia, taquicardia, taquipnéia e alcalose respiratória,
sepse é complexa e, provavelmente, alguns pacientes se hipermetabolismo sistémico, consumo elevado de oxi-
beneficiam da neutralização da inflamação e outros se génio, hipoperfusão sistémica, acidose metabólica e um
servem de sua resposta inflamatória. Assim, a determi- estado metabólico hiperdinâmico.
nação dos níveis de citocinas parece não ser suficiente Hipotensão sistémica, defeiros microcirculatórios,
para determi nar o quanto um paciente ou modelo expe- hipóxia recidual e ativação da cascata inflamatória es-
rimental é "hiperi nflamatório" ou "hipoinflamarório". tão relacionados às lesões de múltiplos órgãos que ca-
Na sepse são verificadas várias disfunções celulares, racterizam a evolução clínica da sepse até a sepse grave.
tanto pela excessiva ativação quanto pela depressão de As disfunções pulmonares e renais são habitualmente
função. Um exemplo de ativação excessiva seria a gera- reconhecidas nos estágios iniciais. As disfunções neuro-
ção de produros tóxicos pelos neutrófilos e um exemplo lógicas, hepáticas e gastrintestinais são, gera lmente. re-
de depressão na função seria a falha na fagocirose e cla- conhecidas clinicamente, mais tardiamente, mas já são
reamento de organismos invasores. Uma das correntes perceptíveis em exames laborawriais.
de investigação concentra-se na indução de apoprose
celular e necrose, contribuindo na patogénese da sep-
se. Apoprose linfocirária parece ser a causa da depleção ABORDAGEM LABORATORIAL
funcional destas células na sepse, revelada pela falha na
produção de citocinas. Em relação aos neutrófilos, não A avaliação laboratorial do paciente com sepse é ca-
há dúvidas de que uma resposta neutrofílica robusta au- paz de revelar dois aspectos distintos. O primeiro refere-

Investigação laboratorial do paciente séptico 129


se à identificação microbiológica do agente agressor e o dem aumentar até 5.000 a 10.000 vezes, com a calcitoni-
segundo diz respeiro à identificação das alterações me- na ainda dentro dos limites de referência. Por outro lado,
tabólicas e/ou da homeosrasia, essencial na avaliação do enquanto a meia-vida da calcitonina é de 10 minutos, a
compromeri menro sisrêmico e de órgãos específicos. da PCT é de aproximadamente 24 horas. Alguns autores
têm atri buído à elevação da PCT sérica maior correlação
com bacteremia causada por microrganismos Gram ne-
EXAMES GERAIS gativo, em comparação com microrganismos Gram posi-
tivo. Verificou-se sensibilidade de 75,0%, especificidade de
A avaliação laborarorial geral do paciente séptico 82,2%, valor preditivo positivo de 83,0% e valor preditivo
inclui desde a busca de indicadores de resposta infla- negativo de 74,0% para dosagem de PCT na discrimina-
matória no sangue periférico (mediadores endógenos e ção de bacteremia por microrganismos Gram negativo e
indicadores de resposta de fase aguda) até a pesquisa de Gram positivo em pacientes cri ticamente doentes e com
indicadores de distúrbios orgânicos e metabólicos. hemoculrura positiva. Assim, a determinação da PCT seria
útil na orientação terapêutica em pacientes sépticos, con-
siderando-se como ponto de corre o limite de 16 ng/ml.
Indicadores de resposta inflamatória sistêmica Apesar de seu grande porencial na abordagem labo-
ratorial do paciente séptico, a PCT ainda não pode ser
Os indicadores de resposta inflamatória sistêmica ca- caracterizada como um marcador definitivo de sepse
recem, na sua maioria, de sensibilidade e especificidade em pacientes com SIRS. Talvez sua maior utilidade no
para o diagnóstico de sepse, mas podem ter valor prog- momento seja na exclusão desse diagnóstico.
nóstico e orientar a resposta terapêutica.
Citoeinas
Proteína C reativa
Pesquisas científicas têm revelado o papel da quantifi-
Ao contrário das CICOCinas e procalciconina, a Proteína cação de citocinas por cirometria de fluxo. Alguns estudos
C Reativa (PCR) sérica atinge seus níveis máximos após 48 mostraram melhor desempenho da interleucina- IL6, tra-
horas, não se correlaciona com a gravidade da resposta do dicionalmente considerada um bom indicador de gravida-
hospedeiro e não é capaz de diferenciar sobreviventes de de e prognóstico. Níveis IL6 persistentemente elevados es-
não sobreviventes de sepse. Os níveis de PCR podem per- tão associados à insuficiência múltipla de órgãos e morte.
manecer elevados até vários dias após a eliminação do foco Outra importante citocina - fator inibidor de macrófago
infeccioso, sendo encontrada em muicos processos não in- (MIF- macrophase migrat1on inhibitory factor) - tem s1do
fecciosos, tais como doenças reumáticas e auto-imunes, sín- considerada na sepse. A MIF é uma proteína pré-formada
dromes coronarianas agudas, neoplasias e estados pós-ope- na glândula pituitária, em linfócitos Te macrófagos e é li-
ratórios. A PCRé de valor preditivo pobre para o diagnóstico berada por vários estímulos, entre eles infecção e esuesse.
de sepse e seu poder de avaliar a gravidade do processo não Elevadas concentrações da MIF parece ser um indicador
está comprovado. Entretanto, o analito desempenha papel precoce de maus resultados no paciente séptico.
importante na análise evolutiva de seus níveis, guiando a an-
tibioricoterapia em infecções localizadas (Ver capítulo 56).
Indicadores de distúrbios orgânicos e metabó licos

Proca/citonina
Hemograma
A procalcitonina (PCT) é um propeptídeo de 13 kD
da calcitonina. O papel fisiológico da PCT e seu sítio de A análise do hemograma, acompanhado pela hema-
produção não são completamente entendidos. Em indi- toscopia, pode fo rnecer informações importantes para o
víduos hígidos, os níveis de PCT encontram-se abaixo de manejo do paciente com sepse. Leucocirose, neutrofilia e
0,1 ng/ml. Em pacientes com sepse, os níveis de PCT po- desvio à esquerda é um padrão freqüenre, sendo prová-

130 [ Medicina laborat orial para o clínico


vel a identificação e inclusões neutrofílicas. Leucopenia Gaulc para estimativa da depuração a partir da creacinina
ou panciropenia podem ser encontradas e representam plasmática pode ser utilizada. Estudos recentes têm pro-
marcadores de mau prognóstico. Podem ocorrer eosino- postO a utilização da cistatina C e sua depuração como
penia e linfopenia . forma mais acurada de avaliação da função de filtração
Na série eritrocítica, as alcerações estão condiciona- renal, uma vez que esta não sofre as interferências às
das ao status ericropoiéc1co do paciente e à realização de quais escá submecida a dosagem de creacinina.
transfusões sanguíneas.
A trombociropenia é marcador prognóstico inde-
pendente de mortalidade na sepse. Esta pode decorrer DIAGNÓSTICO M ICROBIOLÓGICO
da própria doença ou ser resultado do uso de drogas,
púrpura pós-transfusional, púrpura trombótica, coagu- A identificação do agente etiológico da sepse é de
lação intravascular disseminada ou trombociwpenia in- fu ndamental importância, bem como o teste de sensibi-
duzida por heparina. lidade a ancimicrobianos que a complementa. A hemo-
cultura constitui, nesse comexco, fer ramenta essencial,
Gasometria arterial e lactato sendo naturalmente acompanhada das investigações
microbiológicas presuncivas (análises microscópicas)
Na sepse, verifica-se acidose metabólica, caracterizada e cultivos de outros materiais biológicos referentes a
por pH inferior a 7,35, excesso de base negativa, com redu- infecções localizadas associadas à sepse. Tanto na fase
ção de bicarbonatO plasmático. A gasometria fornece in- pré-analítica quanto analítica e pós-analítica existem
formações importantes ao médico-assistente em relação aspeccos significantes relativos à hemocultura e que
à reposição de base e eletrólitos. Esta aponta, por exem- interferem di reta mente em seu desempenho na identi-
plo, acidose lática causada por hipoperfusão e a acidose ficação de bacteremia.
clorêmica secundária à administração excessiva de fluidos
ricos em cloreto. Pode haver elevação dos níveis séricos de
lactato, conferindo pior prognóstico aos pacientes. Fase pré-analítica

Marcadores de junção hepática Para otimizar o desempenho da hemocultura na


identificação de bacteremia, recomenda-se a coleta
A elevação de alanina aminotransferase e aspartaro de amosrras múltiplas em sítios diferences de veno-
aminotransferase é comum na sepse. Esta pode represen- punção, preferencialmeme antes da introdução de
tar lesão hepática isquêmica, toxicidade medicamentosa, amim icrobianos. Em pacientes adultos, duas ou uês
ação patogênica direta do agente infeccioso ou resposta amostras de hemocultura seriam o ideal. Já em crian-
à inflamação sistêmica. A elevação da bilirrubina, gama ças. a recomendação é a coleta de duas amosuas. Es-
glutamiltransferase e fosfatase alcalina sinalizam a presen- tas devem ser obtidas de locais de punção diferente. A
ça de colestase, a qual pode decorrer do processo infla- pele deve ser cuidadosamente preparada com álcool
matório ou ter origem medicamentosa ou obstrutiva. A 70%, bem como a tampa do frasco de hemocultura,
elevação da bilirru bina indireta pode 1ndicar hemólise. evitando-se, assim, a conta minação da amostra (Ver
capítulo 3).
Marcadores de função renal O momento da coleta é outro pontO crítico e deter-
minante na sensibilidade do teste. Ao se coletar na as-
A avaliação periódica da função excretora renal é censão da temperatura, particularmente na vigência de
fundamental em um paciente com sepse. Geralmente calafrios, há chance de se obter ma1or número de bacté-
têm-se uremia e oligúria, podendo haver evolução para rias ou fungos na corrente sanguínea. Coleta em pico fe-
insuficiência renal. Assim, tOrnam-se essenciais a determi- bril e no descendente da curva térmica não é indicada.
nação de creatinina sérica e depuração de creatin ina en- Dependendo das evidências clínicas e epidem ioló-
dógena (clearance de creatinina). A fórmula de Cockroft gicas, deve-se considerar a necessidade de utilização de

Investigação laboratorial do paci ente séptico 131


meios de culwra próprios para o isolamemo de bactérias do resultado. Por outro lado. a rec uperação de mi-
aeróbias, anaeróbias, micobacrérias e fungos. crorganismos como escafilococos coagulase negati-
Quanto maior o volume de sangue por amostra, me- vos, Corynebactenum ssp e Bacil/us spp sugere con-
lhor a recuperação do microrganismo. Cada mililirro de taminação. Entretanto, é essencia l reconhecer que
sangue a mais coletado aumenta a positividade em 3%. esses microrganismos podem ser a causa de bacte-
Portamo, deve-se colher o maior volume possível indica- remias verdadeiras, com conseqüênCias desastrosas
do no frasco. Geralmente, tal volume corresponde a 10 a ao paciente, se não uacadas. Informações adicionais
20 ml em adulws. 5 a 10 ml em crianças e adolescentes são necessárias para a defini ção do significado clíni-
Oa 2,0 ml em recém-nascidos. Após a coleca. as amos- co do resultado, cais como o número de amoscras
tras biológicas devem ser encaminhadas imediatamente positivas para o mesmo microrganismo e a presen-
ao laboratório (Ver capítulo 3). ça de fatores de risco para infecção pelo respectivo
agente etiológico. Em relação ao estafilococo coa-
gulase negativo, contaminante bastante comum,
Fase anal ítica um estudo revelou que o valor predicivo positivo
de um resultado de hemoculcura é de 55%, caindo
Um dos sistemas mais utilizados no mundo para re- para 20% quando o resultado de duas amostras é
alização de hemoculcuras baseia-se na detecção da fluo- positivo e para apenas 5% quando o resultado de
rescência emit1da por um sensor nos frascos com meios três amostras é positivo.
de cultura. O sistema é de ultra-sensibilidade e moniwra, Apesar de todos os esforços no sentido de isolar
em Intervalos de 10 minuws. as amosrras de hemocul- o microrganismo causador da infecção, as hemocul-
cura, acelerando o tempo de detecção e fornecendo turas são positivas em pouco mais de 30% dos casos.
alarmes visuais e sonoros, no caso de amosuas positivas. Conforme o microrganismo, este percentual pode su-
Ourro sistema aummatizado de hemoculcura baseia-se perar 60%, bem como permanecer em níveis críticos,
na detecção colorimétrica de C0 2 como indicador de inferiores a 10%.
crescimento bacteriano. Essas memdologias têm como
grande vantagem a detecção precoce de positividade,
podendo ating1r 95% nas primeiras 24 horas. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Escudos revelaram que 99.5% dos microrganismos
isolados em hemoculcuras foram detectados até o quar- A sepse é uma síndrome clínica associada à signi-
m dia, após 72 horas de incubação. O valor preditivo ne- ficativa morbimortalidade. A identificação do agente
gativo até o quarw dia foi similar àquele verificado até o etiológico é de fundamental importância e influencia
sétimo dia de processamento. diretamente o desfecho final da doença. A realização da
hemocultura é essencial, sendo necessária a coleta de
amostras múltiplas e em volume adequado para otimi-
Fase pós-analítica zar a sensibilidade do teste.
O grande desafio em relação ao resultado de hemo-
Uma hemoculcura positiva não confirma, necessa- cultura reside na definição do microrganismo isolado
riamente, a tnfecção, uma vez que a contaminação da como agente etiológico do processo ou mero contami-
amostra pode ocorrer. Considera-se como nível máxi- nante. Para responder a tal questão, wrna-se fundamen-
mo aceitável de contaminação em hemoculturas para tal o conhecimen m dos aspectos técnicos em relação
uma instituição 2 a 3%. Porém, escudos têm verificado ao teste, particularmente aqueles envolvidos na fase pré-
aumento desses níveis. provavelmente relacionados ao analítica e que podem interferir na especificidade deste.
aumento da sensibilidade analítica dos equipamentos Ouuos dados essenciais à interpretação do resultado de
auwmatizados. uma hemocultura dizem respeiw aos aspectos clínicos e
A recuperação de microrganismos sabidamente epidemiológicos do paciente, os quais destacam a prová-
pawgênicos não gera problemas na interpretação vel etiologia da doença.

132 [ Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - - - - - - - - - - - -- -- - - - - -- -- -- - - -


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Investigação laboratorial do paciente séptico 133


Edilberto Nogueira Mendes
Paula Prazeres Magalhães
14 Mireille Ângela Bernardes Sousa
Rodrigo Estêvão Teixeira

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM DIARRÉIA
INFECCIOSA AGUDA

A diarréia infecciosa aguda, principal causa de doen- ros contaminados; também podem ser eirados comam
ça diarréica em codo o mundo, concinua sendo um im- homem-homem, com animais e suas excretas ou com
portance problema de saúde pública, especialmence nos objeros contaminados, bem como arividades de lazer
países em desenvolvimento, atingindo, indistincamente, em águas poluídas. A uansmissão por meio de alimen-
codas as camadas sociais e faixas etárias da população. ros indusuializados acidentalmente contaminados rem
Nas classes menos favorecidas economicamente, a diar- se mostrado importante na gênese de surros de diarréia
réia aguda é responsável por altas taxas de morbidade e infecciosa em países desenvolvidos. Por outro lado, nos
mortalidade, estando intimamente ligada à desnutrição países em desenvolvimento, a maioria dos casos de diar-
que. por sua vez, facilita a persistência do processo infec- réia infecciosa aguda ocorre de forma endêmica.
cioso. Estima-se que entre seis e 60 bilhões de casos de O número preciso de casos de diarréia infecciosa
diarréia ocorram anualmente em rodo o mundo e que aguda não é conhecido, seja porque as manifestações
a evolução para o óbiro atinJa um indivíduo, na maioria clínicas da doença são extremamente variáveis, seja
das vezes uma criança, a cada 15 segundos. porque a notificação não é feira de maneira adequa-
O agente etiológico da diarréia infecciosa multiplica- da. Calcula-se que cada habitante de país desenvolvido
se no traro gasuintesrinal de seu hospedeiro, podendo apresente pelo menos um episódio de doença gasuin-
causar doença clinicamente evidente ou permanecer in- resrinal a cada dois anos. Esras taxas alcançam valores
definidamente sem provocar lesão aparente. É eliminado entre cinco e 10 episódios/ano para habitantes de países
nas fezes no ambiente, ficando disponível para a infecção do terceiro mundo, especialmente crianças com menos
de outros Indivíduos. A via de transmissão é, na grande de cinco anos de idade. A prevalência calculada de diar-
maioria das vezes, fecal-oral, razão pela qual os alros ín- réia infecciosa em países em desenvolvimento atinge
dices de morbimorralidade da doença esrão associados valores entre 4 e 6 x 109 casos/ano, dos quais cerca de 3
a precánas condições de higiene pessoal e domiciliar, de a 5 x 106 evoluem para o óbito.
saneamento básico e económicas, enue outros fatores. Ao contrário da crença comum, as manifestações das
O microrganismo pode atingir seu órgão alvo de dife- infecções eméricas não estão limitadas ao aparelho diges-
rences formas, através diversos veículos e a importância tivo. De faro, as manifestações clínicas apresentadas pelo
relativa de cada um deles altera-se com o nível de desen- paciente esrão relacionadas ao microrganismo envolvido
volvimento económico da população. A principal for- e às condições do hospedeiro acometido, podendo estar
ma de uansmissão envolvida na aquisição dos agentes associadas a praticamente qualquer região do organis-
etiológicos do processo é o consumo de água/alimen- mo, quais sejam sistema digestivo, nervoso, respiratório
e músculo-esquelético, olhos e pele. Entre os sintomas não apenas o conhecimento de fomes e reservatórios
mais comumente relatados, destacam-se diarréia, náuse- de microrganismos enceropatogênicos, mas também a
as, vômiros, cefaléia, mialgia e manifestações respiratórias quantificação da importância relativa das diferences for-
semelhantes às do resfriado comum. Manifestações clíni- mas de transmissão da doença diarréica.
cas mais graves, como desidratação, acometimento renal Como mencionado, a gama de agentes infecciosos
com insuficiênciaaguda do órgão e acraso no desenvolvi- reconhecidos como capazes de causar diarréia é ampla
mento neuropsicomoror, entre outras, podem ocorrer e e encontra-se em expansão. Microrganismos anterior-
é possível a ausência do sintoma mais comumente asso- mente não implicados como agentes etiológicos da do-
ciado às infecções eméricas - a diarréia. ença são hoje reconhecidos como importantes na sua
A identificação do agente etiológico do processo gênese, especialmente nos indivíduos com deficiência
infeccioso, na maioria das vezes, não é realizada. Diver- do sistema imunitário.
sos fatores contribuem para o fato, entre eles: a falta Rotavirus é um gru po de agentes virais de diarréia agu-
de recursos técnicos de muitos serviços de saúde; o da extremamente importante, podendo, ainda, ser eira-
uso inadequado da tecnologia disponível; o custo- dos Adenovirus, Norovirus e Astrovirus. Entre as bactérias,
benefício do diagnóstico etiológico, especialmente no deve-se mencionar o grupo diarreiogênico de E. cali (ence-
que se refere às diarréias de origem virótica ou quan- rotoxigênica, enceropatogênica, produtora de toxina shiga,
do se consideram a demora do procedimento e o fato encero invasora, enceroagregativa e difusamente aderente),
de que o tratamento específico não está indicado na Shigella, Salmonella enterica, Vibrio cholerae e outros vi-
maioria dos casos; e o espectro amplo e crescente de brios, Campylobacter. Yersinia enterocolitica e Yersinia
microrganismos considerados agentes etiológicos de pseudotuberculosis, Aeromonas e Plesiomonas shigelloides.
diarréia. Entre as causas para essa falha, podem ser Entre os parasitos, merecem destaque Giardia lamblia,
incluídas as limitações inerentes aos métodos tradi- Entamoeba htstolyttca, lsospora bellt e Cryptosporidium
cionalmente utilizados no diagnóstico microbiológico, parvum (ver capítulo 20: Investigação laboratorial do
a extensa gama de agentes etiológicos do processo paciente com helmincíases e protozooses intestinais).
infeccioso, dificultando sua identificação, e o faca de
que muicos microrganismos envolvidos na gênese da
diarréia in fecciosa aguda ainda não foram reconheci- PRINCIPAIS AGENTES ETIOLÓGICOS DE
dos como enteropacogênicos. DIARRÉIA AGUDA
Entre os métodos mais sensíveis para a identificação
dos enteropatógenos reconhecidos, podem ser incluídas VÍRUS
as técnicas imunológicas e a reação de polimerização em
cadeia (PCR). Tais metodologias, em especial a PCR, pos- Rotavirus
sibilitam a identificação rápida de microrganismos, que
exigiria infra-estrutura complexa para sua realização por Rotavirus representa a causa mais comum de diarréia
outros métodos, como os vírus, e também a caracteriza- aguda, em geral grave, em todo o mundo, acometendo,
ção de microrganismos faci lmente cultiváveis em meios na imensa maioria das vezes, a população pediátrica. Em
de cultura artificiais, como algumas bactérias, como a adultos, está associado à etiologia da diarréia do viajante e
Eschenchia coli, que devem ter seus fatores de virulência também é considerado causa importante de infecção no-
identificados para serem consideradas enteroparogênicas. socomial. O organismo infecta encerócitos maduros do
Uma grande vantagem do emprego das técnicas de intestino delgado, levando à atrofia de vilosidades e repo-
genérica molecular é a possibilidade de determinação do pulação compensadora do epitélio por células secretoras
perfil genotípico do microrganismo e de esclarecimento imaturas. O mecanismo que induz a produção de diarréia
da origem do microrganismo infectante, pela compa- não é bem com preendido, mas parece ser mediado pela
ração com o perfil do organismo detectado em outras diminuição relativa da absorção intestinal, em virtude da
fomes, como ambiente, fami liares e pessoas da proximi- redução tanto da superfície absortiva como da síntese de
dade do paciente. Abordagens desta natureza permitem dissacaridases. Tem sido sugerido que o vírus estimula o

136 [ Medicina laboratorial para o clínico )1 -- - - -- - - - - - -- - - - - - - - - - - -- - -- - -


sistema nervoso entérico. levando à secreção inteStinal de gem virai. A infecção por Norov~rus acomete indivíduos
água e de elerróliros. de todas as faixas etárias, especialmente crianças. idosos
Estima-se que seja responsável por aproximada- e pacientes com doenças debilitantes. A uansmissão do
mente um terço de rodas as internações por diarréia vírus, primariamente pessoa-pessoa, é faci litada pela alta
e que 6 a 8,7 x 105 casos evoluam para o óbiro. a cada prevalência do microrganismo na comun idade, elimina-
ano, nos países em desenvolvimento. Além da trans- ção de panículas virais por indivíduos assincomácicos e
missão via água/alimentos contaminados, a grande estabilidade do vírus no ambiente. O mecanismo pelo
quantidade de vírus eliminada nas fezes dos indivídu- qual Norovírus causa diarréia ainda não está rotalmente
os com rotavirose facilita a disseminação da infecção esclarecido. Observa-se achatamento de vilosidades e de
pessoa-pessoa. A roravirose em neonaros é comum microvilosidades e hiperplasia de células das criptas, com
e geralmente assimomática, possivelmente devido a diminuição da superfície absorriva do intestino delgado.
farores maternos de proreção e à imaturidade imesri- O período de incubação méd1o é de um a dois dias. A
nal. Durante os dois primeiros anos de vida. ocorrem doença associada ao vírus. geralmente aurolimitada e de
infecções repetidas por Rotavírus. 50% das quais são curta duração. é caracterizada por inicio súbito de vó-
assi ntomáticas. Virtualmente, rodas as crianças de mitos e diarréia com eliminação de fezes aquosas. geral-
países indusrrializados e em desenvolvimento adqui- mente acompanhada por febre baixa.
rem infecção por Rotavírus ames dos cinco anos de Astrov1rus infecta primariamente crianças e idosos.
idade. O pico de incidência da doença ocorre entre Embora os mecan ismos de parogenicidade do vírus se-
quauo e 23 meses de idade e crianças de países do jam pouco conhecidos. observa-se atrofia de vilosidades
terceiro mundo infectam-se mais precocemente que intestinais, bem como infiluado inflamatório na lâmina
as de regiões desenvolvidas. as regiões no picais. não própria, levando à diarréia osmótica. Dados de países de-
se observa sazonalidade na disrribuição da infecção. A senvolvidos indicam que a infecção é mais comum no
doença intestinal pelo vírus caracteriza-se por diarréia, inverno. O período de incubação é de cerca de um a rrês
com eliminação de grande volume de fezes aquosas, dias. A diarréia causada pelo organismo rem duração
vômiros, febre alta e desidratação. mais curta e é menos grave que outras viroses entéricas;
raramente, o paciente apresenta febre.

Outros vírus
BACT ÉRIAS
Diversos outros vírus podem estar associados à etiolo-
gia da diarréia aguda. Entre eles, destacam-se Adenovírus. E. coli diarreiogênica
Norovírus e Astrovirus.
A infecção por Adenovirus ocorre principalmente em E. coli. bactéria anaeróbia faculrativa predominante na
crianças com 1dade inferior a dois anos, não rendo sido microbiota indígena intestinal. é considerada um impor-
observada variação na distribuição sazonal da mesma. tante parógeno para seres humanos, envolvida na etiolo-
Aparentemente. o vírus causa doença de forma seme- gia de processos infecciosos que podem acometer dife-
lhante a Rotavirus. O período de 1ncubação é de cerca rentes locais do organismo. São reconhecidos arualmente
de uma semana. O quadro é usualmente brando. mas seis grupos diarreiogênicos de E. co/í. Deve-se ressaltar que
pode rornar-se persistente em pacientes com compro- nenhum deles é considerado membro da microbiora in -
metimento do sistema imun itário. dígena intestinal. sendo a doença diarréica associada ao
Norovírus, antenormente denominado Norwalk ltke microrganismo uma infecção de natureza exógena.
v~rus. vem sendo cada vez mais freqüentemente detecta-

do em amostras fecais de indivíduos com infecção enté-


E. coli enterotoxigênica (ETEC)
rica, tanto epidémica como esporádica, provavelmente
em virtude do desenvolvimento de ensaios mais sensí- O grupo emerotoxigênico de E. coli é constituído
veis e específicos para diagnóstico de infecções de ori- por amostras caracterizadas pela produção de fímbrias,

Investigação laboratorial do paciente com diarréia infecciosa aguda 137


denominadas fatores de colonização (CFA), e de ente- mitos e na maioria das vezes evolui para a cura em até
roroxinas. Os CFA, responsáveis pela aderência do mi- quatro dias. Geralmente, o pac1ente permanece afebril
crorganismo ao epitélio do intestino delgado, podem ser e apresenta sinais de desidratação, algumas vezes grave,
agrupados com base em suas características morfológi- podendo evoluir para choque.
cas, predominando, em amostras isoladas de seres hu-
manos. as adesinas CFA/1. CFA/11e CFA/IV. E. coli enteropatogênica (E PEC)
As enterotoxinas são classificadas, de acordo com
sua sensi bilidade ao calor, em termolábeis (LT) ou ter- EPEC é um grupo de E. coli dia rreiogênica capaz
moesráveis (ST). As coxinas LT de ETEC são escrurural de induzir efeito A/E (attaching and effacing). que se
e funcionalmente semelhantes à enterotoxina colérica. caracteriza pela aderência do microrganismo e pelo
Há dois sorogrupos de LT. LT-1, expresso por amoscras achatamento de microvilosidades dos enterócitos.
diarreiogênicas para seres humanos e outros animais, Observa-se aderência íntima da bactéria ao enteróci-
e LT-11, observado primariamente em amostras de ori- ro, associada à produção de intimina, codificada pelo
gem animal. O alvo celular desse grupo de coxinas é gene eae, universalmente presente nas amostras do
a adenilacociclase localizada na membrana basolateral grupo bacteriano, e poli merização de actina, achata-
dos enterócicos. A estimulação dessa enzima leva ao mento de microvilosidades e, logo abaixo do local de
aumento dos níveis intracelulares de monofosfaco de aderência, formação de estrutura semelhante a pedes-
adenos1na cíclico (cAMP) e, em conseqüência, à fos- tal. EPEC adere-se de forma localizada ao epitélio do
forilação de canais de cloreco localizados na membra- intestino delgado, por meio de fímbria denominada
na apical de tais células. O resultado dessas alterações BFP (bundle forming pil/us), codificada por genes car-
é o esdmulo à secreção de íons cloreco pelas células reados pelo plasmídio EAF (EPEC adherence factor) .
das criptas e inibição da absorção de cloreco de só- De acordo com a presença/ausência do plasmídio, im-
dio pelas células das extremidades das vilosidades, portante mas não essencial para a produção do efeico
com conseqüente acúmulo de íons no lúmen intes- A/E. EPEC pode ser classificada em cípica ou atípica,
tinal. que favorece o transporte passivo de água pela respectivamente. Por meio de um sistema de secre-
via paracelular. As ST são enterotoxinas de baixo peso ção do tipo II I (SSTT), o microrganismo transporta
molecular presentes em cerca de 75% das amostras de numerosos efetores cuja ação promove aumento de
ETEC produroras ou não de LT Dois tipos de ST foram cálcio intracelular e fosforilação de diversas proteínas,
descriros, STa. encontrada em amostras associadas à levando a alterações no citoesqueleto e na abso rção e
diarréia em seres humanos. e STb, observada principal- secreção intestinal de água e eletrólitos.
mente em amostras 1soladas de suínos. A STa estimula A infecção por EPEC está associada à diarréia aguda
a guanilarociclase, resultando em acúmulo de mono- principalmente em crianças um até dois anos de idade.
fosfaco de guanosina cíclico (cGMP). À semelhança de Crianças sintomáticas ou não e adultos assintomáticos
LT. a roxina induz secreção de íons cloreto e inibição são os principais reservatórios da bactéria. Amostras atí-
da absorção de cloreco de sódio. Por outro lado, a STb picas de EPEC podem ter como reservatório. além do ser
estimula a secreção de bicarbonaco por mecanismo humano. animais como gado bovino e suíno, coelhos e
independente da estim ulação de cAMP e cGMP. cães. Nos países desenvolvidos, observa-se predomínio
A infecção por ETEC é uma das causas mais impor- de EPEC atípica; nos países em desenvolvimento, EPEC
tantes de diarréia em crianças de países em desenvol- típica ainda é considerada importante agente de diarréia,
vimento com idade inferior a cinco anos e de diarréia embora estudos mais recentes demonstrem que EPEC
do viajante. Nos países de clima temperado, a doença adpica é o grupo predominante em grandes centros ur-
é ma1s freqüente no verão e nos países de clima tropi- banos. EPEC causa primariamente dia rréia aguda, com
cal. nos meses quentes e úmidos. A diarréia associada a eliminação profusa de fezes aquosas sem leucócitos,
ETEC é do tipo secretório; a doença rem início súbito, muco ou sangue, acompanhada de dor abdominal de
com eliminação de fezes aquosas, sem sangue ou célu- intensidade variável. desidratação de diversos graus, vô-
las inflamatórias, é acompanhada habitualmente de vô- miros e febre baixa.

138 [ Medicina laboratoria l para o clínico


E. co/i produtora de toxina shiga (STEC)
urêmica. Colite hemorrágica é caracterizada por elim ina-
STEC caracteriza-se pela habilidade de produzir roxina ção de fezes com grande quantidade de sangue, dor ab-
shiga (Srx). Está associada ao desenvolvimento de colite dominal em cólica. vômiros e ausência de febre, precedida
hemorrágica, que pode evoluir para síndrome hemolírico- por quadro de diarréia aquosa sem sangue nas primeiras
urêmica, um complicação sisrêmica grave da infecção. 48 horas da doença. Na maioria das vezes, a doença é
Duas classes principais de Stx, codificadas por genes car- autolimitada, com progressão para a cura, sem seqüe-
reados por um fago. foram descritas: Stx1, quase idêntica las aparentes. Em 5 a 10% dos pacientes, especialmente
à toxina produzida por Shigella dysenteriae ripo 1, e Srx2, crianças. a colite hemorrágica pode evoluir, usualmeme
que apresenta similaridade de seqüência de aminoácidos em quatro a 13 dias, para síndrome hemolítico-urêmica.
de cerca de 60% com Srxl. A produção de Srx é um pré- caracterizada por anemia hemolítica, trompociropen ia e
requisito para o desenvolvimento das doenças associadas insuficiência renal aguda.
ao microrganismo. A ciroroxina, que inibe a síntese pro-
téica em células eucarioras, atravessa a camada epitelial
E. coli enteroinvasora (EIEC)
do intestino e atinge seu alvo, o revestimento endotelial
de pequenos vasos sangüíneos do intestino, rins e outros As amostras de EIEC são muico semelhantes a Shigella
órgãos. Além de contribuir para a lesão intestinal, Stx é no que se refere a características bioquímicas e virulência.
responsável por complicações pós-diarréia, devido a sua Os mecanismos de parogenicidade do microrganismo se-
ação sobre o endotélio glomerular e cerebral e ativação rão descriros no item Shigella.
de cascatas pró-trombótica e pró-inflamatória. Admite-se Os dados disponíveis na literatura indicam que a pre-
que outros farores de virulência possam estar envolvidos valência da diarréia associada a EIEC é baixa. Por outro
no processo, entre eles lipopolissacáride bacteriano. lado, devido à grande semelhança existente entre Shigella
Um subgrupo de STEC denominado E. coli encero- e EIEC inclusive no que se refere à distribuição geográfica
hemorrágica (EHEC) apresenta, à semelhança de EPEC. do microrganismo, é possível que muitos casos de infec-
capacidade de induzir lesão A/E no epitélio imesrinal. O ção por EIEC sejam diagnosticados incorrecarnenre corno
sorotipo 0157:H7 é o mais conhec1do representante de shigelose. A dose infecta nte de EIEC é aparentemente su-
EHEC. Entretanto, nem rodas as amostras classificadas perior à de Shigella, razão pela qual a transmissão pessoa-
como 0157:H7 podem ser consideradas enterohemor- pessoa da bactéria é rara. No que se refere à apresentação
rágicas, uma vez que não expressam Stx. Diversos outros clínica, a infecção por EI EC manifesta-se mais com umen-
sorotipos de E. colt são capazes de produzir roxina shiga, te pela eliminação de fezes aquosas. mas alguns pacientes
estando associados a quadro clínico indistinguível daquele podem apresentar quadro típico de shigelose.
originalmente atribuído a E. coli 0157:H7 De faro. admite-
se que a prevalência de diarréia causada por amostras de
E. co/i enteroagregativa (EAEC)
EHEC é superior ao número de casos associados àq uele
sorogrupo do microrganismo. EAEC é um patoripo de E. coli diarreiogênica defini-
STEC especialmente EHEC é o único grupo de E. coli do pelo padrão agregativo de aderência a células HEp-2,
diarreiogênica cuja origem zoonótica é bem definida. Di- ou seja, na forma de pequenos aglomerados bacteria-
versos animais têm sido considerados reservatórios do nos, que apresentam grau elevado de auto-aglutinação.
microrganismo para a infecção de seres humanos, espe- A primeira descrição de associação entre o microrga-
cialmente gado bovino. A doença é adquirida tanto pela nismo e a etiopatogenia da diarréia foi feita no final da
ingestão de alimentos e água contaminados, como pelo década de 80. Desde então, EAEC tem sido considerada
contara com animais colonizados pelo microrganismo um patógeno im portante em diversos cenários clínicos,
ou com seu ambiente. A infecção por STEC apresenta um entre eles diarréia do viajante, diarréia endêrnica em
amplo espectro de manifestações clínicas, desde quadros crianças e diarréia persistente.
mais brandos, como diarréia aquosa sem sangue. a ma- As principais estratégias de virulência desenvolvidas
nifestações mais graves, como colite hemorrágica e sua pelo microrganismo são colonização da mucosa dos
complicação mais frenqueme, a síndrome hemolítica- intestinos delgado e grosso e produção de enterotoxi-

Investigação laboratorial do paciente com diarréia infecciosa aguda 139


nas. Aparentemente, a bactéria induz lesões discretas. que se refere a aspecws epidemiológicos e manifesta-
mas significativas, na mucosa. especialmente colônica. ções clínicas da infecção associada a DAEC. existem
EAEC produz uma enterowxina denominada ShETl, poucos dados disponíveis na literatura. A maioria dos
cujo mecanismo de ação é pouco conhecido, mas que autores concorda que a diarréia induzida pelo mi-
parece contribuir para a diarréia secretória associada ao crorganismo é auroli mitada, com eliminação de fezes
organismo. Ouua emeromxina elaborada pela bactéria, aquosas e sem hemácias e leucócitos.
EASTl, apresenta seqüência de aminoácidos homóloga
à da enterowxina STa de ETEC. Essa enterowxina pare-
ce contribuir para a gênese da diarréia aq uosa induzida Shigella
por algumas amostras de EAEC. Admire-se que outros
fatores de virulência, entre eles mucinase Pie e roxina O gênero Shigella 1nclui quatro espécies, S. sonnei, S.
Per, estejam envolvidos na erioparogen1a da diarréia as- flexn en, S. dysentenae e S. boyd11, diferenciadas por meio
sociada ao microrganismo. de propriedades bioquímico-fisiológ1cas e antigên1cas.
É amplamente reconhecido que o grupo induz au- Todas elas são consideradas agentes etiológicos de infec-
menco da secreção de muco intestinal. Escudos desen- ção intestinal. Shigel/a é capaz de invadir a mucosa colá-
volvidos em voluntários e pacientes com diarréia do via- nica, multiplicar-se e disseminar-se entre os enterócicos,
jante sugerem que a diarréia por EAEC seja aquosa. Na induzindo resposta inflamatória aguda e destruição teci-
maioria dos casos. a diarréia associada à bactéria carac- dual. A invasão é limitada à superfície epitelial da mucosa
teriza-se pela eliminação de fezes líquidas, com grande intestinal; raramente o microrganismo penetra além da
quantidade de muco e sem sangue visível macroscopi- submucosa e, por isco. as infecções extra-intestinais por
camente e acompanha-se de atraso no crescimento da Sh1gella são raras. A invasão ocorre a partir das células M,
criança acometida. Usualmente, os pacientes são afebris; sendo a bactéria internalizada por mecanismo semelhan-
a doença pode ser prolongada, com du ração superior a te à pinocicose. Após a liberação da vesícula fagocitária, o
14 dias, em pequeno número de casos, especialmente microrganismo multiplica-se e é liberado pela superfície
em neonacos e em indivíduos com infecção por HIV basal das células M, sendo fagocitado por macrófagos.
que sofrem apopcose induzido pelo patógeno, dificultan-
E. co/i de aderência difusa (DAEC)
do a lise bacteriana e possibilitando a invasão pela super-
fície basal dos enteróciros. As bactérias multiplicam-se no
As amosuas de DAEC constituem um grupo hete- interior dessas células e penetram as células adjacentes
rogêneo de E. coli diarreiogênica que se adere de for- por meio de protrusões da membrana, resultantes da
ma difusa à superfície de células HEp-2 e Hel a. DAEC polimerização de actina induz1da por proteínas eferoras
expressa tipos diferentes de adesinas, fim briais ou não, elaboradas pelo microrganismo.
que permitem a diferenciação entre subgrupos do mi- Mediadores liberados durante o apoprose de ma-
crorganismo. Entretanro, os mecanismos de pawgeni- crófagos e a invasão de enteróciros são quimiotáticos
cidade de DAEC são, ainda, pouco conhecidos. Diver- para neutrófilos polimorfonucleares, que lesam a bar-
sos fawres de virulência descriws para outros grupos reira epitelial, faci litando o acesso da bactéria pela via
diarreiogênicos de E. coli, entre eles sistema de captação paracelular. Além da capacidade de invasão. Shigella
de ferro e homólogos de proteínas estruturais e efew- produz enterotoxinas que parecem estar associadas à
ras transportadas pelo SSTT. já foram observados em gênese da diarréia aquosa, característica da fase inicial
amostras do organismo. da doença. Amoscras de S. dysentenae sorotipo I ex-
Dados relativos à associação de DAEC com a gê- pressam. ainda. uma ciroroxina. Stx. que. como men-
nese da dia rréia aguda são, ainda, contraditórios. Apa- cionado anteriormente, é virtualmente idêntica à Stxl
rentemente, a suscetibilidade ao microrganismo é in- de STEC. A wxina adere-se a receprores do intestino
fluenciada pela idade do indivíduo. De fato, existem delgado e bloqueia a absorção de eletróliros, glicose e
evidências de que a bactéria está associada à diarréia aminoácidos. No intestino grosso. a wxina liga-se a um
aguda em crianças com idade superior a um ano. No glicolípide da célula do hospedeiro e inibe a síntese pro-

140 ( Medicina laboratorial para o clínico


téica, levando à morte celular, lesão da microvasculatu- ocorre multiplicação bacteriana. À semelhança de
ra do intestino e hemorragia. Shigella, a bactéria invade a mucosa intestinal através
Shigella é resistente ao ácido gástrico, o que explica das células M; porém, é também capaz de penetrar
sua baixa dose infectante (cerca de 100 células) e, conse- nos emerócitos pela superfície apical. O microrganis-
qüentemente, a alta contagiosidade da doença. Seres hu- mo, liberado pela superfície basal celular, é fagocitado
manos e macacos são os únicos reservatórios naturais do por neutrófilos e macrófagos, o que favorece sua dis-
microrganismo. Embora, na maioria das vezes, a doença seminação e, conseqüentemente, a generalização do
seja autolimitada, tratamento com drogas antimicrobia- processo infeccioso. O acúmulo de cAMP no interior
nas está indicado nos casos graves, usualmente, associa- de enterócitos estim ula a secreção de eletróliros e eli-
dos a S.jlexneri ou S. dysenteriae. Habitualmente, a infec: minação de água, fenômeno provavelmente associa-
ção por Shigel/a manifesta-se, após período de incubação do à produção de enteroroxina por alguns sorotipos
de um a quatro dias, por diarréia, com eliminação de fe- de S. enterica.
zes com sangue, muco e pus, febre alta, cólica abdominal O microrganismo encontra-se amplamente dis-
intensa, tenesmo, fadiga, anorexia e mialgia generalizada. tribuído na natureza; aves, bovinos, suínos e répteis,
Em grande número de casos, a disenteria é precedida por entre outros animais, são considerados reservatórios
diarréia aquosa, resultante da eliminação de fluidos e ele- para a infecção de seres humanos. Portadores assin-
trólitos, por ação de enterotox1nas sobre os enterócitos. romáticos também são fome da bactéria. S. entenca
Esta pode ser a única manifestação clínica da shigelose. é considerada importante agente etiológico de diar-
As principais complicações decorrentes da infecção réia infecciosa aguda tanto nos países industrializados
por Sh1gella incluem distúrbios metabólicos, como hi- como nos países em desenvolvimento, sendo a maio-
poglicemia e hiponatremia, e complicações intestinais, ria dos casos associada aos sorotipos Typhimunum e
como perfuração intestinal, prolapso recai e megacólon Enteritidis. Embora usualmente a doença seja autoli-
tóxico. No caso específico de S. dysenteriae sorotipo I, mitada, terapia antimicrobiana pode ser necessária
que expressa Stx, a infecção pode manifestar-se pela para pacientes imunocomprometidos ou para aqueles
eliminação de fezes com grande quantidade de sangue, em que ocorre generalização do processo infeccioso.
quadro denominado colite hemorrágica, que pode evo- As man ifestações clínicas da infecção por 5 enterica
luir para síndrome hemolítico-urêmica, como já mencio- são variáveis, na dependência do sorotipo envolvido
nado para STEC. A febre e a cólica abdominal que acom- e do estado imunitário do paciente. Diarréia, vômito
panham a doença estão aparentemente relacionadas e cólica abdominal ocorrem na maioria dos casos,
com a ação neurotóxica da citotoxina. logo após o período de incubação, que pode variar de
seis a 72 horas. Pode também ocorrer elevação mo-
derada da temperatura corporal e calafrios. Em geral,
Salmonella ent erica
as fezes não apresentam sangue visível, mas podem
S. enterica é subdividida em seis grupos, dos quais a conter sangue oculto e leucócitos, em decorrência
subespécie I, que apresenta enorme variedade antigêni- da resposta inflamatória intestinal. A infecção pode
ca, é o de maior interesse na prática médica, uma vez permanecer localizada ou generalizar-se. causando
que os demais apenas raramente estão associados a do- pneumonia, meningite e artrite séptica, entre outras
ença em seres humanos. Por esta razão, quando a de- complicações.
nominação S. enterica for empregada no decorrer deste
capítulo, estaremos fazendo referência à subespécie I do
microrganismo. Campylobacter
A adesão ao epitélio intestinal ocorre por meio de
fímbrias. Proteínas efetoras transportadas pelo SSTT Campylobacter é um dos principais agentes de in-
induzem rearranjo do citoesqueleto, com conseqüen- fecção intestinal em todo o mundo. Entre as espécies
te formação de protrusões na membrana celular e do gênero, C. jejuni é a mais freqüentemente associada
internalização da bactéria, em vacúolos, nos quais à diarréia aguda em seres humanos e também a mais

Investigação laboratorial do paciente com diarréia infecciosa aguda 141


bem estudada. Por estas razões, os dados apresenta- ao contrário do que acontece em países desenvolvi-
dos a seguir referem-se a este microrganismo. Deve-se dos, nos quais é mais comum em crianças com mais
ressalrar, enu etamo, que outras espécies, como C coli de 10 anos. A doença associada ao microrganismo
e C upsaliensis, também são agentes importantes de manifesta-se como diarréia aguda, cuja duração é, em
diarréia em seres humanos. geral, de um dia a uma semana, podendo evoluir de
Os mecanismos de parogenicidade do microrganis- forma prolongada. No período de estado, o quadro
mo são ainda pouco compreendidos. O microrganis- pode ser indisti nguível daquele causado por outros
mo exibe flagelos considerados fatores de virulência e enceropatógenos invasores. As manifestações mais
existem relatos referentes à produção de adesinas e de comuns são mal-estar geral, febre e dor abdominal.
toxinas e à capacidade de invasão. Os flagelos conferem além de diarréia, que pode apresentar-se de forma
à bactéria habilidade para penetrar no muco viscoso branda. com eliminação de fezes amolecidas, a grave,
que reveste a mucosa intestinal e, desta forma, atingi r com eliminação de fezes aquosas em grande volume
o revestimento epitelial. O processo de adesão à mu- ou, ainda. fezes com grande quantidade de células
cosa ocorre em várias etapas, por meio de imerações inflamatórias ou sangue. A campilobacteriose. embo-
específicas e inespecíficas emre adesinas bacterianas e ra autolimitada, pode co mplicar-se. como resultado
receptores do hospedeiro, envolvendo, inclusive, a par- de invasão local, com hemorragia intestinal. adenite
ticipação dos flagelos. O microrganismo expressa uma mesentérica. peritonite, colecistite e pancreatite, bem
enterotoxina semelhante à toxina colérica e várias cito- como com síndrome de Guillain-Barré, uma doença
toxinas, entre elas a CDT (cytolethal distending toxin), desmielinizante aguda de nervos periféricos.
cujos papéis na fis1opatologia da diarréia por C jejuni
não estão ainda esclarecidos. A CDT promove disten-
são celular e interrupção do ciclo celular na fase G2/M, Vi brio
inclusive em linfócitos T. O microrganismo é capaz de
invadir a mucosa dos intestinos delgado e grosso, levan- Entre os representantes do gênero Vi brio, V cholerae.
do à diarréia inflamatória. A ocorrência de invasão está agente etiológico do cólera, merece destaque pela par-
relacionada com a virulência da amostra bacteriana e ticipação como agente etiológico de infecção intestinal
com a suscetibilidade individual do hospedeiro e envol- em seres humanos, pela gravidade da doença associada
ve, a exemplo do processo descrito para outros entero- ao mesmo. V cholerae 01. sorogrupo mais bem estu-
patógenos, alterações no citoesqueleto. Já foi descrita dado da espécie. exibe diversas habilidades relacionadas
a presença de um homólogo do sistema de secreção à virulência. como motilidade, produção de adesinas,
tipo IV, codificado por genes plasmidiais, em algumas proceases e enteromxina. À semelhança de C jeJuni, a
amostras de C jeJuni. Aparentemente, o microrganismo motilidade, conferida pelos flagelos, e as proteases, que
não é capaz de penetrar de maneira eficiente pela su- hidrolisam a camada de muco, facilitam o acesso do
perfície apical dos enterócitos. Evidências sugerem que microrganismo à superfície do enterócito. O pi/lus Tcp
C JeJUnl invade a mucosa intestinal pela via paracelular (toxin co-regulated pillus), regulado junto com a mxina
ou através das células M. colérica, promove a colonização do intestino delgado.
A infecção por C jejuni, microrganismo ampla- possibili tando a liberação da mxina colérica na proximi-
mente distribuído na natureza, é considerada uma dade da superfície do enterócico. A toxina, semelhante
zoonose. A bactéria coloniza o trato gastrintestinal à LT de ETEC. liga-se de forma irreversível à membrana
de diversos animais, entre eles bovinos, suínos, capri- das células intestinais, estimula a adenilatociclase e, con-
nos e aves, principal reservatório do micro rganismo, seqüentemente, promove aumento da concentração de
associado a mais da metade dos casos esporádicos cAMP, que induz secreção ativa de íons cloro e bicarbo-
da infecção. A transmissão da bactéria ocorre, na nato para o lúmen intestinal, diminuição da absorção
maioria das vezes, pela via fecal-oral. Nos países em de íons sódio e perda de grande volume de água. O so-
desenvolvimento. a prevalência da campilobacteriose rogrupo 0139 de V cholerae, ao contrário dos demais
é maior em crianças com idade inferior a dois anos.

142 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - -- -- - -- -- - -- - - -- -- - - -- - -- -


sorogrupos não 01, apresenra os mesmos fatores de vi- • proteínas de membrana externa (Yops), transpor-
rulência descricos para o sorogrupo 01. tadas por um SSTT. que desempenham diversos
V cholerae é um habitante natural de águas lirorâne- papéis na parogênese da infecção pelo organismo;
as encontrado habitualmente em estuários e ambientes • uma proteína. a invasina, envolvida na adesão
marinhos. no mundo inteiro. A infecção pelo microrga- bacteriana e na invasão da mucosa intestinal do
nismo acomete exclusivameme seres humanos que, à se- hospedeiro;
melhança de fruros do mar, são imporrames reservatórios • YadA, proteína que favorece a adesão do micror-
da bactéria. Na maioria das regiões geográficas, o cólera é ganismo à célula alvo e protege a bactéria contra
ep1dêmico. excero em alguns países. como a índia, onde a a ação de farores imunes humorais inacos e do
doença é endêmica. A principal caraCterística do cólera é complemento;
a eliminação de grande quantidade de fezes aquosas. Nos • um sistema de captação de ferro codificado por
casos mais graves. o indivíduo elimina até um litro de líqui- genes carreados por uma ilha de parogenicidade;
do por hora. o que pode provocar desidratação rápida e • o antígeno V, com atividade imunomoduladora
evolução para choque hipovolêmico e óbito. se o paciente dependente de receptores To/1-/ike 2;
não for tratado de forma adequada. Outras manifestações • uma enreroroxina semelhante à ST de ETEC.
da doença incluem perda de apetite e vômiro.
Além de V cholerae. V parahaemolyticus também A regulação desses fatores é complexa e sua ex-
é considerado agenre etiológico de diarréia aguda em pressão visa, em última análise. a auxiliar a bactéria na
seres humanos. O hab1tat do microrganismo. à seme- sua principal estratégia de parogenicidade - impedir
lhança de V cholerae. é primariamente aquátiCO, sen- a ariv1dade fagocitá na de macrófagos e neutrófilos e
do comumenre observado em ambientes marinhos e neutralizar a resposta imune do hospedeiro. A expres-
estuannos. bem como na superfície e traco intestinal são da virulência de Yersinia é controlada por duas
de animais marinhos. A parogênese da infecção por V vias independentes. cada uma estimulada por um
parahaemolyticus não é bem conhecida. embora faco- faror ambiente, temperatura e concentração de íons
res de virulência renham sido identificados, entre eles cálcio. Após atingir seu órgão alvo, o microrganismo
uma enteroroxina. que induz secreção de íon cloreto adere-se a células intestinais por meio de ligação ín-
pelo epitélio inresrmal em conseqüência do aumento tima entre invasinas bacterianas e integrinas expres-
de cálcio intracelular. A doença associada ao micror- sas por células do hospedeiro. A invasina de Yersima
ganismo manifesta-se. após período de incubação de pode, ainda, mediar a invasão bacteriana das células
até três dias, por diarréia aquosa imensa, cefaléia. dor M, estimulando resposta fagocitária. Parece que a li-
abdominal em cólica, náuseas, vómitos e febre baixa. gação íntima patógeno-hospedeiro induz rransdução
Outras espécies de V1bno. como V hollisae, V fluvial is, de sinais. O papel da enteroroxina na virulência da
V mJmJcus e V furnissii, estão raramente associadas à bactéria ainda não é bem conhecido; sabe-se. porém,
infecção intestinal em seres humanos. que se a mesma desempenhar alguma função na gê-
nese da diarréia por Yersm1a, ela deve ser precoce. já
que sua produção é interrompida a 37°C. Nesta tem-
Yersinia peratura, rem início a síntese das Yops. consideradas
a principal habilidade de virulência da bactéria. Estas
Entre as espécies incluídas no gênero Yersinia, Y. proteínas exibem múltiplas atividades antifagocitárias
enterocolitica e Y. pseudotuberculosis são considera- e tóxicas e são capazes de criar poros para penetra-
das enreropatogênicas para seres humanos. Os mi- ção na célula do hospedeiro.
crorganismos invadem a mucosa intestinal através A enterire por Y enterocolitica é mais comumente
das células M das placas de Peyer. a exemplo de relatada em países desenvolvidos de clima temperado,
outros grupos diarreiogênicos já discutidos anterior- sendo mais freqüenre no inverno. Suínos são impor-
mente no capítulo. Yersima elabora múltiplos fatores tantes reservatórios para a infecção do ser humano,
de virulência, quais sejam: que pode também ser adquirida pelo conraro com

Investigação laboratorial do paci ente com diarréia infecciosa aguda 143


cães e gatos, entre outros animais. Os principais ali- câncer intestinal. e em crianças. A forma de apresenta-
mentos envolvidos na transmissão da bactéria são ção da doença diarréica causada por Aeromonas varia
carne de suínos e leite. O microrganismo está asso- de quad ros brandos de diarréia aq uosa a formas graves,
ciado a um espectro de síndromes clínicas que variam clinicamente semelhantes à shigelose.
desde enterite aguda não complicada, mais comum
em crianças com aré cinco anos de idade, a ileíre e
linfadenite mesentérica. O período de incubação varia Plesiomonas shigelloides
de quatro a sete dias e a resolução do quadro ocorre
em até 21 dias, na maioria dos casos. A doença ca- P. shigelloides, única espécie do gênero, apresenta
racteriza-se pela presença de febre, diarréia freqüen- considerável diversidade antigênica, já tendo sido des-
tememe branda, vómitos e dor abdominal em cólica critos mais de 100 sorotipos da bactéria. Embora ainda
usualmente localizada no quadrante inferior di reito. haja controvérsias, relates de casos, escudos microbioló-
Complicações tardias, como artrite reativa, miocardi- gicos e avaliação epidemiológica de surtos sugerem que
te e glomerulonefrite, podem ocorrer numa pequena o microrganismo é agente de d iarréia aguda em seres
proporção de pacientes. humanos. Os fatores de virulência da bactéria ainda são
pouco conhecidos.
O habitat primário do microrganismo é a água e
Aeromonas sua aquisição se dá principalmente pela ingestão de
alimentos contaminados de origem marinha. Como a
Admite-se que diversas espécies do gênero Aeromonas, espécie exibe capacidade de invasão, a infecção pode
em especial A hidrophyla, A caviae e A veronii grupo sobria, manifestar-se como diarréia do tipo inflamatório. Exis-
estejam associadas a infecções intestinais em seres humanos. tem também evidências de que a bactéria secreta to-
O microrganismo produz duas categorias de enterocoxinas: xinas termolábil, termoestável e um peptídio similar à
cicocônica, semelhante à coxina colérica, e cicocóxica, tam- toxina colérica, associados ao quadro de diarréia aquo-
bém denominada ~-hemolisina ou aerolisina, que induz sa, bem mais branda que a causada por V cholerae. Os
lesão no epitélio da mucosa intestinal. Além dessas ente- pacientes podem apresentar cólica abdominal. febre e
rotoxinas, amoscras do microrganismo exibem capacidade desidratação.
de invasão e de produção de protease, elastase, fosfolipase,
lipase e DNase.
O microrganismo é ubíquo, sendo encontrado prin- ABORDAGEM LABORATORIAL
cipalmente em ambientes aquáticos. Parece que seu
papel como enteropacógeno é especialmente impor- A etiologia da diarréia infecciosa é difícil de ser deter-
cante em crianças e em adultos com mais de 60 anos. minada apenas em bases clínicas, pois o mesmo agen-
A dose infeccame do microrganismo é mais alta do que te pode induzir diarréia por mais de um mecanismo,
a habitualmente descrita para os demais enteropató- mais de um agente pode induzir diarréia pelo mesmo
genos, o que possivelmente dificulta sua transmissão. mecanismo, a infecção mista não é rara, ao menos nos
A infecção intestinal associada à bactéria geralmente países em desenvolvimento, e a resposta do hospedei-
manifesta-se por diarréia aquosa acompanhada ou não ro influencia a colonização pelo agente e a evolução do
por outras manifestações, como febre, vómito, náuseas processo infeccioso.
e cólica abdominal. mais comumente observadas em A solicitação de exames complementares para inves-
crianças. Existem também relatos de eliminação de fe- tigação etiológica da diarréia infecciosa aguda é, na maio-
zes com sangue e muco, que caracterizam quadro de ria das vezes, desnecessária, uma vez que a maior parte
diarréia inflamatória, e de associação de Aeromonas das diarréias de origem infecciosa é aucolimitada . A abor-
com diarréia crónica, com mais de um mês de evolu- dagem laboratorial do paciente está geralmente limitada
ção. Ambas as situações são mais freqüentemente ob- aos casos graves nos quais hospitalização é necessária, de
servadas em pacientes com doença subjacente, como diarréia persistente ou recorrente e com apresentação

144 [ Medicina laboratorial para o clín ico


clínica que simula disemeria. Está também 1ndicada nas leucóciws. O teste pode ser realizado pelo exame de
siruações que envolvam Indivíduos com deficiência do preparações a fresco ou pela detecção de lacroferrina.
sistema 1mun1tário, que permaneçam em ambiemes fe- A pesquisa de leucóciws fecais também pode ser feita
chados (creches, prisões, etc.) ou que têm atividade pro- pela análise microscópica de esfregaços corados com co-
fissional relacionada com manipulação de alimentos. rantes hemarológicos, como Giemsa, Leishman e May-
O diagnóstico laboratorial da diarréia infecciosa é Grünwald, o que facilita a idemificaçào morfológica dos
feim uad1c1onalmente por me1o de pesqu1sa de lano- leucóciws. Entre as limitações dessa técnica, podem
ferrina e de leucócitos nas fezes, o que indica processo ser citadas: falta de padronização. necessidade de pro-
de natureza inflamatória, detecção do agente etiológi- cessamento imediato e impossibilidade de utilização de
co em exame microscópico direto das fezes. isolamen- amostra colh1da por meio de swab ou obitida de fralda.
ro em meios de cultura artificiais ou métodos Imuno-
lógicos, entre eles reaçôes de aglutinação ou ensaios
imunoenzimáticos. A fresco
Com o advento dos métodos de genética molecular,
especialmente PCR, a identificação do microrganismo e O exame a fresco é realizado habitualmente após
de seus fatores de virulência tornou-se mais rápida. Em- a mistura de partes iguais da amostra feca l e de azul
bora ainda seja considerado dispendioso, o método é de metileno de Loeffler. A preparação deve ser obser-
tecnicamente simples, sensível e específico, podendo vir vada em microscópio óptico. com objetiva de 40 x,
a facilitar o diagnóstico etiológico da diarréia aguda, à se- logo após a colheita do espécime. ão existe consenso
melhança do que já ocorre com d1versas outras doenças no que se refere ao wtoff apropnado para discrim1nar
infecciosas, especialmente no que se refere à diferencia- diarréia inflamatória de não in flamatória; valores entre
ção dos patotipos de E. coli diarreiogênica. um e 20 leucócitos/campo são propostos por diferen-
tes autores para a diferenciação entre os dois tipos de
diarréia infecciosa aguda. Na maioria das vezes. o acha-
PESQUISA DE LEUCÓCITOS FECAIS do de leucócicos nas fezes de paciente com suspeita de
diarréia infecciosa sugere a necessidade de realização
Embora não seja considerado um teste micro- de coproculrura.
biológico clássico, a pesquisa de leucócitos fecais é
um exame laboratorial empregado no diagnóstico
da diarréia infecc1osa aguda, permitindo discrimi- Detecção de lactoferrina
nar entre diarréia inflamatória e não inflamatória.
Admite-se que a presença de leucócitos fecais está A técnica mais utilizada para pesquisa de laccofer-
relacionada ao aumento de cerca de seis vezes do rina é o teste de aglutinação do látex. Lacroferrina é
risco de o paciente apresentar diarréia associada a uma substância encontrada em grânulos de polimor-
enteropatógenos invasores. O achado dessas células fonucleares neutrófilos, não estando presente em linfó-
em espécimes fecais não define a etiologia, mas res- citos e monócitos. O método permite a detecção de
tringe a gama de agentes etiológicos àq ueles capazes concentrações menores que 1 ng de lactoferrina/~L
de invadir a mucosa intestinal, o que se reveste de de amostra, o que corresponde à presença de menos
importância na clínica, uma vez que o teste é rápido de 200 neutrófilos/~L de amostra, número 1nferior ao
e pode orientar a decisão de submeter o paciente observado na maioria dos casos de diarréia de natureza
a tratamento com drogas antimicrobianas. Entre os inflamatória. Entre as vantagens da técnica. podem ser
microrganismos associados à etiologia da diarréia in- citadas a possibilidade de armazenamento do espécime
flamatória, podem ser incluídos Shigella, S. entenca, fecal. devido à grande estabilidade da substância, de uti-
Campylobacter e EIEC. lização de amosuas colhidas por meio de swab, e de
A seleção de porções da amostra que apresentam detecção de células difíceis de ser identificadas devido
muco ou sangue aumenta a chance de detecção de a alterações morfológicas, bem como a elimmação da

Investigação laborato rial do paciente com diar réia infecciosa aguda 145
subjetividade do exame microscópico. Seus principais ramo, o procedimento, mais sensível que os mérodos
inconvenientes são a possibilidade de resulcados falso- baseados na detecção de antígenos, não é utilizado
positivos para crianças alimentadas com leite materno, roti neiramente. A PCR é útil para a confirmação de
a inespecificidade, uma vez que não Identifica o agente resultados obtidos por meio de ounas técnicas e para
etiológico, e o custo elevado. a análise de amosnas que apresentam baixos níveis de
partículas virais.

INVESTIGAÇÃO MICROBIO LÓGICA


Bactérias
Vírus
Exame direto
A detecção de vírus associados à 1nfecção intesti-
A fresco
nal pode ser realizada por meio de observação direta
em microscópio eletrônico. Embora a técn1ca seja útil. Embora não seja realizado pela maioria dos labora-
seu emprego está restrito a laboratónos de referência. tórios por razões práticas, o exame a fresco de espéc i-
Cultivo celular de agentes virais não é considerado um mes fecais, especialmente empregando-se microscopia
mécodo adequado para fins diagnósticos, uma vez que de contraste de fase ou de campo escuro, é útil para a
é tecnicamente trabalhoso, demorado e dispendioso. A identificação de Campylobacter e de Vibrio, com base
incorporação de técnicas de imunoensaio mais sensíveis na morfologia e motilidade típicas dos microrganis-
para detecção de antígenos virais nas fezes e o desenvol- mos - basronetes curvos que ex1 bem motilidade em
vimento de mécodos de genética molecular têm contri- dardo ou em saca-rolha.
buído para cornar o diagnóstico de infecções intestinais
por vírus mais acurado e, em conseqüência, para esclare-
Corado pelo Gram
cimento da importância clínica desses organismos como
agentes de diarréia. Na maioria das vezes, o exame microscópico de es-
fregaço de fezes corado pelo mécodo Gram é pouco in-
formatiVO, uma vez que a microb1ota indígena intestinal
Detecção de antígenos
é muito rica e diversificada e grande parre dos agentes
Uma ampla variedade de técnicas para detecção etiológicos de diarréia bacteriana aguda apresenta carac-
de anrígenos vira1s em amostras fecais foi desenvolvi- terísticas morfotintoriais semelhantes às dos membros da
da nos últimos anos, entre elas ELISA, aglutinação de referida microb1ota. Por estas razões, a indicação do teste
partículas de látex e imunocromatografia, rodas dis- está limitada ao diagnóstico presuntivo de infecção intes-
poníveis comercialmente para pesquisa de Rotavirus, tinal por Campylobacter e Vibno, bastonetes Gram nega-
Adenowus e Astrov1rus. ELISA é uma técn1ca mais tivo curvos raramente observados na microbiota indígena
sensível que a observação d 1reta em microscópio intestinal de md1víduos hígidos. O exame apresenta alta
elecrônico e apresenta especificidade elevada para . especificidade e ba1xa sensib1l1dade. provavelmente asso-
detecção de Rotavirus grupo A. O ensaio de aglu- ciada ao fato de que os microrganismos são bastonetes
tinação do látex é menos sensível do que o ELISA. delgados, o que dificulta sua observação. A utilização de
Por outro lado, a 1munocro marografia, teste rápido e uma outra técnica de coloração, que emprega carbolfuc-
tecnicamente muiro simples, apresenta sensibilidade sina diluída (1:1). é mais adequada para a coloração dessas
e especificidade semelhantes às do ELISA. bactérias, aumentando a sensibilidade do teste.

Técnicas de genética molecular Cultivo

A PCR tem sido desenvolvida para pesquisa de Embora seJa considerado o método de referência no
diversos vírus associados à infecção intestinal. Entre- diagnóstico etiológico da diarréia aguda, o isolamento

146 [ Medic ina laboratorial para o clínico


do ageme em meios de cultura artificiais é procedimen- menco, são geralmente utilizados para o isolamento de
to pouco sensível. demorado e dispendioso, uma das ra- enterobacrérias. O emprego de um meio rico não seletivo,
zões pelas quais sua indicação é bastante restrita. Além como Ágar Sangue, é indicado, embora sua LI( iIidade para
disco, para alguns grupos bacterianos, apenas o isolamen- isolamento de enteroparógenos a partir de amostras fe-
to da baccéria não é suficiente para o diagnóstico. Este é cais seja questionável. Entre os meios de cultura de baixa
o caso, por exemplo, de E. coli; para este microrganismo, selerividade, podem ser citados Ágar MacConkey e Ágar
a identificação no nível de espécie deve ser complemen- Eosina-Azul de Metileno, adequados para o cultivo de
tada pela pesquisa de fawres de virulência, que diferen- E. coli, S. enterica, Shigella, Yersinia e P. shigelloides. Ágar
ciam amostras enteropatogênicas daquelas que fazem Salmonella-Shigella, Ágar Encérico Hekroen e Ágar Xilose-
parte da microbiota indígena intestinal. A metodologia Lisina-Desoxicolato são considerados meios de média
empregada para detecção da maioria destes e de fawres seletividade que favorecem o isolamento de S. enterica e
de virulência de outros grupos de enteropatógenos não Shigella. inibindo a multiplicação de baccérias gram positi-
é acessível à maior parte dos laboratórios de diagnóstico, vo e retardando ou inibindo a multiplicação de coliformes.
por envolver técnicas dispendiosas e de difícil manuten- Os meios de alta seletividade, como Ágar Verde-Brilhante
ção, entre elas ensaios em modelos animais experi men- e aqueles com sulfito de bismuto, não são utilizados na
tais e em cultura de células. rotina, sendo úteis para o isolamento de S. entenca Typhi
O custo da realização de coprocultura para isolamen- de amostras fecais. Caldo Selenito e Caldo Tetrationaco
to de todos os enteropatógenos reconhecidos é proibiti- são meios de enriquecimento empregados com o objeti-
vo. A decisão relativa aos microrganismos que devem ser vo de favorecer o isolamento de S. enterica. Após incuba-
incluídos no protocolo de diagnóstico deve considerar, ção a 37•c pelo período de tempo adequado, são realiza-
entre outros fatores, a prevalência dos mesmos. A maio- dos subcultivos, a partir do meio de enriquecimento, em
ria dos laboratórios da nossa região emprega procedi- meios de média seletividade.
mentos que visam ao isolamento de Shigella, S. entenca Para o isolamentO de Y enterocol1tica, pode ser em-
e alguns patotipos de E. coli. pregado um meio seletivo e diferencial. como Ágar Cef-
A colheita do espécime fecal (cerca de 5 mL) deve sulodina-lrgasan- Novobiocina. Na rotina, habitualmente
ser feita em frasco de boca larga, inquebrável e estéril. o meio não é utilizado, uma vez que a bactéria desen-
As amostras devem ser processadas o mais rapidamen- volve-se bem em meios de baixa e média seletividade. A
te possível, idealmente no prazo de duas horas após a temperatura ideal para multiplicação do microrganismo
colheita do material, para possibilitar o isolamento de é de 25 a 3o·c. Existem controvérsias no que se refere à
microrganismos mais sensíveis, como Shigella. Caso não necessidade de utilização de técnica de enriquecimento
seja possível o processamento em duas horas, podem a frio (4°C), em salina tamponada, para favorecer o isola-
ser usados meios de transporte, entre eles Cary-Biair e mento de Y enterocolit1ca. Alguns autores sugerem que
glicerol tamponado. Na impossibilidade de obtenção da o procedimento é desnecessário para recuperação do
amostra por evacuação espontânea, swabs recais podem microrganismo a partir de amostras fecais de pacientes
ser empregados, exceto para a pesquisa de toxinas, de com diarréia, devendo ser empregado quando há sus-
antígenos vi rais e de leucócitos fecais, como menciona- peita de ileíte terminal ou de artrite pós-infecciosa sem
do anteriormente O material deve ser inoculado imedia- diarréia. O isolamento de P. shigell01des pode ser feiro em
tamente nos meios de cultivo ou mantido em meio de Ágar Sangue acrescido de ampicilina. Ágar Cefsulodina-
transporte até o processamento. lrgasan-Novobiocina e Ágar MacConkey.
Para a recuperação de bactérias enteropatogênicas, Para o cultivo de Campylobacter. são utilizados meios
são adorados. habitualmente, meios de cultivo seletivos seletivos que incluem drogas antimicrobianas, adiciona-
e indicadores. Na maioria das vezes, as culruras são in- dos a uma base rica, em sua constituição. É possível que
cubadas em atmosfera ambiente (aerobiose), a cerca de esses meios inibam a multiplicação, inclustve, de algumas
35°(. por um período de aproximadamente 24 horas. espécies do microrganismo. Para alguns aurores, a adição
Um meio de cultura de baixa seletividade e um de de carvão ao meio de cultura favorece o isolamento da
média selerividade, bem como um meio de enriqueci- bactéria. A atmosfera ideal de incubação é a de microaero-

Investigação laboratorial do paciente com diarré ia infecciosa aguda 147


filia e, para cul[ivo de espécies [ermofílicas, a [emperarura bac(érias de impor[ância médica. conforme descriw no
de incubação deve ser 42•(. o que wrna o procedimento Capítulo 6. Após observação das características mor-
mais seletivo. Entretanto, esta temperatura pode impedir o fológicas. colónias diferentes devem ser submetidas à
isolamento de espécies não termofílicas de Campylobacter identificação bioquímico-fisiológica. Habitualmente. as
termofilicas, que também podem causar diarréia. amostras são transferidas para meios de triagem, como
Caso haja suspeica clín1ca de envolvimemo de V cho- o Agar Tríplice Açúcar Ferro, indicado para a idemifica-
lerae ou a área seja considerada endêmica para o micror- ção presuntiva de enterobactérias. Postenormente, são
ganismo, deve ser empregado meio seletivo. como Ágar usadas baterias de identificação, na maioria das vezes
Tiossulfato-Citrato-Sais Biliares-Sacarose. V cholerae kits comerciais, escolhidas de acordo com os resultados
também pode ser cultivado em Ágar MacConkey e em previamente obtidos.
Ágar Sangue. Água Peptonada Alcalina (pH 8.4) pode ser
utilizada como caldo de enriquecimento.
lmunológ1ca
O isolamento de Aeromonas pode ser realizado em
meios rotineiramente empregados para o cultivo de en- Na prática, a identificação imunológica de bactérias
terobactérias, como Ágar Hektoen e Ágar MacConkey. enteropatogênicas é realizada para Shigelfa. S. enterica, E.
Meios de cultura seletivos, como Ágar Sangue acrescido colt e. eventualmente, para V cholerae e Y enterocolitica.
de ampicilina ou Ágar Cefsulodina-lrgasan-Novobiocina, A técnica utilizada na maioria dos laboratórios de roti-
também podem ser utilizados, embora os antimicrobia- na é a reação de aglutinação em lâmina, em pregando-se
nos possam inibir algumas espécies do gênero. Como suspensão bacteriana e anticorpos específicos.
mencionado para V cholerae, Água Peptonada Alcalina A pesquisa de antígenos específicos é necessária para
pode ser adorada para enriquecimento. especialmente a identificação de espécies do gênero Shtgelfa. De fato, o
quando o quadro clínico sugere eliminação de níve1s bai- método é essenCial para a diferenciação entre S.jlexnen e
xos do microrganismo. S. boydii e necessária para a confirmação da identificação
O isolamento de possíveis enteropatógenos é segui- de S. dysenteriae e de S. sonnei.
do pela identificação por métodos bioquímico-fisiológi- No que se refere a S. enterica. o procedimento realiza-
cos e imunológicos (restes de aglutinação com anti-soros do na maiona dos laboratórios de rotina limita-se à iden-
específicos). tificação de sorogrupos. A determinação dos sorotipos
do microrganismo é realizada apenas em laboratórios de
Identificação
referência, uma vez que o procedimento é complexo, em
decorrência da enorme diversidade antigênica da espécie.
A sorotipagem completa de E. coli diarre1ogên ica é
Morfonntonal
um procedimento inviável para a grande ma1ona dos la-
Todas as bactérias diarreiogênicas mencionadas neste boratónos, por ser extremamente trabalhoso e requerer
capítulo são classificadas como bastonetes Gram nega- um nLimero elevado de anci-soros específicos. Por esta
tivo. Algumas delas exibem morfologia característica: V razão, apenas alguns grupos enceroparogênicos do mi-
cholerae, que pode se apresentar como bastonete ligei- crorganismo são identificados na rotina, entre eles EH EC
ramente curvo. curvo ou em forma de vírgula, e C. JeJuni, e EPEC. A discriminação entre patocipos diarreiogênicos
bastonete delgado e curvo. em forma de vírgula. de asa de E. colt baseada em sorotipagem nem sempre corres-
de gaivota, de "S" ou espiralada. Como já mencionado, C. ponde à caracterização realizada por técnicas de genética
Jejuni pode ser mais facilmente identificado quando se molecular, consideradas como referência para identifica-
emprega coloração por carbolfucsina diluída. ção do microrganismo. Alguns sororipos classicamente
incluídos em um determinado grupo diarreiogênico são
BioquímiCO-fisiológica atualmente considerados membros de outros patotipos
enteropatogênicos da espécie. Assim, à luz dos conhe-
A identificação de bactérias diarreiogênicas obe- cimentos aruais, gerados por estudos que contribuíram
dece às mesmas orientações empregadas para outras para elucidar os mecanismos de patogenicidade do mi-

148 [ Medicina laborawrial para o clínico


crorganismo, a sormipagem não deve mais ser emprega- suspeira de choque. De forma semelhante, o hemogra-
da como único mémdo para caraccerização dos grupos ma não é solicitado na maioria dos :asos. A realização do
diarreiogênicos de E. coil. exame rambém esrá limitada aos casos graves, quando há
A sororipagem de amosrras baccerianas suspeiras de suspeica de diarréia inflamacória ou de generalização do
Y enterocolitica e V cholerae sorogrupo 01 é utilizada processo infeccioso. Alcerações no exame são raramente
na confirmação da idenCificação desses microrganismos. observadas; a principal delas é a leucocirose, detectada es-
No que se refere ao V cholerae sorogrupos 01 e 0139, pecialmente em pacientes com diarréia inflamarória. Deve
o diagnóstico da infecção pode ser feico direcameme ser lembrado que, na fase aguda da shigelose, leucopenia
das fezes por restes de aglutinação de parcículas de látex pode ser dereccada. Na síndrome hemolítico-urêmica,
recobercas com anticorpos específicos ou por meio do associada à infecção por S. dysentenae e por STEC. o pa-
cesce de imobilização microscópica urilizando anri-soros ciente apresenta anemia e uombociropenia. No caso de
específicos. infecção por S. enterica. como o microrganismo invade os
tecidos mais profundamente, o que favorece a dissemina-
ção do processo infeccioso e a ocorrênoa de bacteremia,
Mérodos de genérica molecular
a solicitação de hemoculrura está ind1cada.
Além da abordagem 11icrobiológica uadloonal. méro-
dos de genér1ca molecular, especialmente PCR, podem ser REFERÊNCIAS
empregados para a iden:ificação de parógenos eméricos.
I. Baker M , Bamam J. Ca1rncross S. Calderon RL. Chalmers
Embora sejam considerados sensíveis e específicos, sua
R. Colford )r )M. er ai. Resolv1ng :he global burden of gas-
aplicação ainda é muiro resrrira, por diversas razões. entre rromresr,nallllness; a calI ro acnon. ln: The global burden
elas falra de pessoal ueinado e cusro-benefício desfavorá- of 1nfecr1ous d1seases rhrough rhe gastro1nresrinal rracr:
vel. D1versas regiões do genoma podem ser selecionadas a cmical assessmem of exposure. D1sponível em: http://
www.asm.org.
como alvo para essas reações, como seqüências específi-
2. Forbes BA. Sahm DF. We1ssfeld AS. Balley & Scon's Dlagnos-
cas do rDNA 16S, presente em wdas as eubactérias. ou nc M1crob1ology. 11th ed. Sr. Lou1s: Mosby; 2002. 1069 p.
genes que codificam fawres de virulência observados em 3. Heesemann J. S1ng A. Trülzsch K. Yersm/Q's srraragem:
determinados grupos microbianos, o que permite ramo a targenng innare and adaptarive 1mmune defense. Curr
Opm Microbial. 2006;9:55-61.
Identificação como a genotipagem do microrganismo.
4. Moore JE. Corcoran D. Dooley JSG. Fanmng 5, Lucey B.
A possibilidade de utilização de DNA exrraído direra- Matsuda M , et ai. Campylobacce~ Ver Res. 2005;36:351-82.
menre do espécime fecal abre perspeccivas para padro- S. Murray PR. Baron EJ. Jorgensen JH. Pfaller MA. Yolken
nização e aplicação de um mérodo sensível e específico RH. Manual of Clin1cal M1crobiology. 8• ed. Washingron:
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9. Schaechrer M, Engleberg NC. Eisenstein 131. Medoff G.
Mechan1sms of M icrobial Disease. 3' ed. Balr1more: Wil-
A soliciração de oucros exames complementares não liams & Wilkins; 1998.
esrá indicada na maioria das vezes. Dosagem de sódio, po-
rássio e clorecos é recomendada para avaliação de pacien-
res com s1nais de desidracação importante, especialmente
daqueles que apresentam vômiros. Gasometria raramente
é solicitada, sendo empregada apenas para acompanha-
mento dos casos graves. principalmente daqueles com

Investigação laboratorial do paciente com diarréia infecciosa aguda 149


Andreia Maria Camargos Rocha
Gifone Aguiar Rocha
15 Taciana de Figueiredo Soares
Dulciene Maria de Magalhães Queiroz

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM INFECÇÃO POR
Helicobacter pylori

O Hel1cobacter pylori é responsável por uma das infec: não esteja completamente esclarecida, a infecção leva a
ções bacterianas crônicas mais freqüentes, atingindo cerca alterações importantes da fisiologia gástrica, em especial
de 50%da população mundial. Embora não leve a qualquer dos mecanismos de secreção ácida que estão intima-
conseqüência clínica na maioria dos indivíduos acometidos, mente ligados à gênese da doença. Na infecção, especial-
a infecção pode resultar em doenças graves, como úlcera mente por amostras cagA- positivas e ciroroxigênicas, há
péptica duodenal, úlcera péptica gástrica, carcinoma gás- diminuição das células D e inibição da produção de so-
trico distal e linfoma gástrico do tipo MALT em 15 a 20% marostatina por essas células, resultando em hipergascri-
dos casos. Pelo menos sete milhões de casos dessas doenças nemia e aumento da secreção ácida. Quando a infecção
ocorrem anualmente ao redor do mundo, resultando em é limitada à mucosa antral e acom panhada por aumento
centenas de milhares de mortes. O carcinoma gástrico é, sign ificativo de gastrina plasmática, a secreção de ácido
atualmente, a 14 3 causa de morce no mundo, mas, conside- torna-se excessivamente elevada. Como a infecção tam-
rando-se o envelhecimento da população mundial, é espera- bém reduz a secreção duodenal de HCo3· e de muco, a
do que seja a oitava causa por volca do ano de 2010. mucosa duodenal se rorna permeável e é lesada pelos
O H. pylori foi isolado da mucosa gásuica de seres íons H+ e outros irritantes, sendo substituída por mu-
humanos em 1982 por Warren e Marshall. A descrição cosa gástrica metaplásica. Assim, a bactéria presente na
do microrganismo e de sua associação com a doença mucosa gástrica migra e coloniza as áreas de metaplasia
ulcerosa péprica foi cão relevante para a Medicina que gástrica no duodeno, aumenta a inflamação e lesão, pre-
os pesquisadores receberam, no ano de 2005, o Prêmio dispondo ao desenvolvimento da úlcera.
Nobel de Fisiologia ou Medicina. A extensão da infecção para a mucosa oxíntica e o
desenvolvimento de gascrice atrófica favorece a ulcero-
gênese gástrica ou a carcinogênese, podendo ser acom-
DOENÇAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO panhada por alteração dos níveis plasmáticos de gasrrina
e diminuição da secreção gásuica de ácido.
ÚLCERA PÉPTICA

A infecção pelo H. pylori é o fator causal da maioria CARCINOMA GÁSTRI CO


das úlceras duodenais e gástricas e a erradicação do mi-
crorganismo reduz drasticamente as taxas de recorrên- Em 1994, a infecção pelo H. pylori foi considerada
cia da doença. Embora a patogênese da doença ulcerosa pela Organização Mundial de Saúde carcinogênica do
tipo I. A hipótese da associação enue a bactéria e o cuidadoso à microscopia óptica de corres histológicos
carcinoma gástrico foi fundamentada. inicialmente, na de fragmentos de biópsia. processados rotineiramente.
observação de que. entre os indivíduos que apresentam
gamite crónica associada à infecção por H. pylori, um
grupo evolui com atrofia da mucosa gástrica conside- OUTRAS AFECÇÕES
rada condição pré-cancerosa. Foi emão proposm que
a infecção pela bactéria poderia evoluir, ao longo de A infecção pelo H. pylon, embora confinada ao estô-
décadas, para condições pré-cancerosas, como atrofia mago, é acompanhada de resposta imunológica sistêml-
gástrica e metaplasia intestinal, culminando com o apa- ca que pode contribuir para o desenvolvimento de do-
recimento do carc-inoma gástrico No encanto. foram os enças de localização extradigestiva. Como essas doenças
resultados obtidos em estudos do tipo caso-controle são multifatoriais. torna-se difícil demonstrar a relação
que vincularam de forma consistente e definitiva o H. causal. Enrrecanro. consiscenremenre, cem-se observa-
pylori ao carcinoma gástrico. Assim. tra balhos desenvol- do associação entre infecção por amostras de H. pylori
vidos na Inglaterra, nos Estados Unidos e com japone- cagA-positivas e acerosclerose. doença coronariana e in-
ses residentes nos Estados Unidos demonstraram que a fano agudo do miocárdio. A infecção cem sido também
infecção pelo H. pylori precede o desenvolvimento do associada à púrpura trombocitopênica imunológica em
carcinoma gástrico e que está associada a risco aumen- até 50% dos adultos com a doença. percentual calculado
tado de desenvolvimento da neoplasia. Recentemente, com base nas taxas de remissão observadas com a erra-
a doença foi reproduzida experimentalmente em mo- dicação da bactéria. Demonstrou-se anrigenicidade cru-
delo animal infectado pela bactéria. zada com antígenos de superfície plaquetária e proteína
CagA de H. pylon. A 1nfecção crónica acompanhada de
hipocloridria pode, ainda, diminuir a absorção de ferro e
LINFOMA MALT vitamina B12 levando à anemia ferropriva e megaloblásti-
ca, respectivamente. Finalmente, há estudos associando
A mucosa gástrica normal é desprovida de tecido a infecção às complicações de heparopatias causadas
linfóide que surge de forma organizada (MALT). na gran- por vírus das hepatites Be C.
de maioria das vezes em decorrência da infecção pelo H.
pylori. Nos raros pacientes infectados pelo H. helmannii
também há o aparecimento de MALT. O linfoma gámi- CARACTERÍSTICAS DA BACTÉRIA
co MALT emerge de um dos compartimentos desse teci-
do linfóide. quase que exclusivamente da zona marginal. O H. pylori é um microrganismo Gram negativo espl-
como um linfoma de células B. T dependentes. Ao cessar ralado. não esporulado. móvel e de superfície lisa. Mede
o estímulo antigênico às células T. com a erradicação do aproximadamente O.S~m de largura e 2,0 a 3,0 ~m de
H. pylon, e na dependência do estágio de evolução da comprimento e apresenta um número variável de qua-
lesão e do número de mutações já ocorrido. há regres- tro a seis flagelos uni ou bipolares embainhados e com
são completa do tumor, inclusive da monoclonalidade. bulbos terminais nas extremidades distais.
como rem sido demonstrado em estudos de acom pa- É uma bactéria microaerófila que cresce bem a 37"C.
nhamento (por mais de cinco anos) a pacientes tratados necessitando de um período de incubação de trê<; a sete
apenas com terapia anrimicrobiana. dias. O microrganismo produz numerosas enzimas. como
Os critérios pelos quais o diagnóstico de linfoma é fei- fosfatase alcalina, superóxido dismutase, aminopeptida-
to permanecem até cerro pomo controversos. Distinguir se. desoxirribonuclease e urease. Apesar de ser catalase e
linfoma MALT de infiltrado linfocitário reacional às vezes oxidase positivo. não reduz nitrato a nitrito. não fermen-
é uma tarefa difícil e exige experiência do patologista. A ta a glicose e não hidrolisa o hipurato de sódio.
identificação de populações clonais por imunociroquí- O H. pylori é encontrado na mucosa gástrica, poden-
mica ou métodos moleculares pode auxiliar no diagnós- do ser isolado do antro, local onde se observa a maior
tico que. entretanto. só pode ser confirmado pelo exame densidade bacteriana. do corpo ou do fundo gástricos.

152 [Medicina laboratorial para o clínico


além de áreas de metaplasia gástrica localizadas em ou- predispondo à oncogênese. Pacientes infeccados por
eras regiões, como no esôfago, duodeno e divercículo de amostras cagA-positivas apresentam maior densidade
Meckel. O microrganismo distribui-se de forma focal, bacteriana na mucosa gástrica, lesões mais graves do
segmentar ou difusa no interior ou abaixo da camada de epitélio gástrico, infiltrado de leucócicos polimorfonu-
muco que recobre o epitélio de superfície e das fovéolas cleares mais imenso e níveis mais elevados de cirocinas
gásuicas. Recentemente, o microrganismo foi isolado do pró-inflamrórias IL-1 a, IL-1P e IL-8 do que indivíduos in-
fígado de pacientes com cirrose hepática, sugerindo uma fectados por amostras cagA-negativas, o que torna plau-
possível participação da bactéria na evolução das hepa- sível a associação que tem sido freqüentemente relatada
copatias crônicas. entre a infecção por amostras cagA-positivas e a doença
Apenas o homem e provavelmente alguns primatas ulcerosa péptica ou carcinoma gástrico.
são naturalmente colonizados pelo H. pylori, que persiste No Brasil, 90,0 a 95,0% das amostras isoladas de adul-
cronicamente na mucosa gástrica do hospedeiro huma- cos e crianças com úlcera duodenal e 95,0 a 100,0% das
no ao longo de coda sua existência. amostras isoladas de pacientes com carcinoma gástrico
são cagA-positivas. Em pacienres H. pylori-posirivos, po-
rém sem essas doenças, aproximadamente 55,0% das
FATORES DE VIRULÊNCIA DO H. pylori amostras isoladas expressam a proreína CagA.
O gene vacA, presente em rodas as amostras de H.
Entre os fatores de virulência da baccéria, alguns pylori, codifica a proteína VacA (citotoxina vacuolizante).
são comuns a todas, como motilidade, microaerofilia, uma exotoxina capaz de induzir diretamente a formação
atividade ureásica e lipopolissacárides e estão relacio- de vacúolos intracitoplasmácicos, a destruição de mito-
nados à adaptação e persistência do microrga nismo no côndrias, a liberação de citocromo e a morte de célu-
ambiente gástrico. Outros estão presentes apenas em las epiceliais por apoptose, eventos que lesam a mucosa
determinadas amostras, estando associados ao surgi- gástrica. Além disso. a toxina aumenta a permeabilidade
mento das doenças. epitelial. o que pode facilitar canto a passagem de subs-
O cagA é um marcador da presença da ilha de pato- tâncias tóxicas para dentro do epitélio como a difusão
genicidade cag (PAI cag), consistindo de um fragmento de nutrientes para a camada mucosa, favorecendo a so-
de DNA de 40 Kb, adquirido e integrado ao cromosso- brevivência do H. py/ori. VacA ainda estimula a resposta
mo do H. pylon, que contém cerca de 40 genes. A maio- inflamatória da mucosa gástrica por diferentes mecanis-
ria deles codifica proteínas com várias funções, entre elas mos, como, por exemplo, pelo aumento da expressão da
a translocação da proteína CagA, de 120 kOa, para den- enzima ciclooxigenase 2 (COX-2) não somente em célu-
tro do cicoplasma das células epiteliais gástricas, onde é las T, mas também em neutrófilos e macrófagos.
fosforilada pelas quinases c-Src e Lyn das células do hos- A proteína, também, participa na modulação da res-
pedeiro. Depois de fosforilada, liga-se e ativa a fosfatase posta imunológica do hospedeiro, contribuindo para
celular SHP-2, desencadeando mudanças acentuadas no sua persistência. É capaz de inibir a proliferação de cé-
ciroesquelero e levando à formação de pedestais que lulas T pela inibição da ativação do fator nuclear de cé-
permitem mais aderência bacteriana. Vários genes da ilha lulas T ativadas (N FAT), com conseqüente bloqueio da
estão, ainda, envolvidos na estimulação da produção de secreção de IL-2.
interleucina 8 (IL-8) pelas células epiteliais gástricas. A IL-8 No vacA há duas famílias de seqüências sinalizadoras,
é um potente fator quimiorácico e acivador de leucóci- denominadas s1 e s2 com as variações s1a, slb e slc, bem
tos polimorfonucleares e macrófagos, contribuindo para como variações localizadas na região média do gene, ml
uma resposta inflamatória mais acentuada nos pacientes e m2. Padrões distintos estão associados a amostras pro-
colonizados por amostras PAI cag-posicivas. dutoras ou não da toxina e diferenças quantitativas de
Outras atividades associadas à PAI cag incluem ativa- produção. As amostras de H. pylori vacA tipo sl são con-
ção da transcrição do fator AP-1 e acivação da expressão sideradas mais virulentas que as s2 e são mais freqüen-
dos proto-oncogenes c-jos e c-jun, que desempenham cemente observadas em pacientes com úlcera péptica e
papel crucial na proliferação e transformação celular, carcinoma gástrico que naqueles com gastrite. Na nossa

Investigação laboratorial do paciente com infecção por Helicobacter pylori 153


população. 85,0 a 90,0% das amos(ras isoladas de crian- gásrrica normal, é induzida pela infecção pelo H. pylorí, o
ças e adulcos com úlcera duodenal e 94,0% das amosuas que contribui para a cronicidade da infecção. A adesina
1soladas de pacientes com caronoma gástrico são do ri po SabA parcicipa da ativação de neutrófilos por mecanismos
s1, especialmente s1 b. Nos pacientes infectados, porém outros que não envolvem a opsonização da baccéria.
sem úlcera péprica ou carcinoma gásrrico, apenas cerca Oucros genes, como 01pA e alpAB, que codificam
de SO.O% das amosrras isoladas são do ripo sl. proreínas de membrana exrerna do microrganismo,
Em 1998, llver et a/. identificaram e caraccerizaram bem como o gene iceA (mducible by contact w1th epl-
uma adesina de peso molecular de 78 kDa. situada na thelium), têm sido associados à maior virulência das
membrana externa do H. pylorí, denominando-a blood amoscras, embora não se conheçam as funções dos
group antigen-binding adhesm (BabA). Foram identifica- seus producos.
dos três alelos do gene bab: babA1, babA2 e babB. Baba1 Recencemence. foi descrico um novo facor de viru-
e babA2 são idênticos, exceco por uma deleção de 10 lência de H. pylori denominado dupA (duodenal ulcer
pb na seqüência sinal do peptídeo em babA1 , que leva promotmg gene). O dupA, localizado na região de plas-
à eliminação do códon de iniciação. As seqüências de ticidade do genoma bacteriano, corresponde à fusão
babA2 e babB são muico semelhantes nas regiões 3' e dos genes jhp091 7 e jhp0918 com a 1nserção de uma
5', mas apresentam variações na região média. Os dois base que pode ser C ou T. Na desc rição do gene, os
alelos codificam proteínas homólogas pertencentes à fa- aucores moscraram associação com úlcera duodenal.
mília de 32 proteínas de membrana externa de H. pylori, Esses achados, emrecanco, não foram confirmados pelo
mas somente o produco de babA2 cem a propriedade nosso grupo na população brasileira, indicando possí-
de se ligar especificamente aos antígenos Lewis b e H-1. veis diferenças geográficas.
Os antígenos de Lewis, relacionados aos grupos san-
guíneos ABO, são expressos na superfície das células da
mucosa gástrica. A aderência do H. pylori ao epitélio gás- FATORES DE RISCO LIGADOS AO HOSPEDEIRO
trico. mediada pela proteína BabA, parece desempenhar
papel crítico na transferência de facores de virulência Existem evidências de que facores hereditários
bacterianos, que produzem lesões no tecido do hospe- participam na gênese das doenças associadas à infec-
deirO, seja diretamence ou por me1o de reação inflama- ção pela bactéria. Emretanto, só recentemente esses
tória e/ou de aura-imunidade. Além disso, bactérias que facores começaram a ser identificados. Entre eles, po-
se mantêm mais aderidas ficam menos expostas à elimi- limorfismos em regiões promocoras de genes que co-
nação decorrente dos movimentos peristálticos. Assim, dificam cicocinas pró-inflamatórias, como I L-1 ~. IL-1Ra
supostamente por serem mais capazes de colonizar e de e TN F-a.. Esses polimorfismos estariam associados ao
se manterem no nicho, a densidade bacteriana no estô- aumemo da expressão de I L-1 ~ e TNF-a. na mucosa
mago dos pacientes que expressam o antígeno Lewis b gástrica. Além de essas cicoonas aumentarem a infla-
pode ser muico alta. mação, elas são inibidores naturais da secreção áoda
Embora haja estudos assoc1ando a presença do gene no estômago. condições que predispõem à atrofia e
babA2 a úlcera péptica e carcinoma gástrico. como a carcinogênese gáscrica. Entretanto, embora associa-
pesquisa do gene foi feita por reação de polimerização ção com o carcinoma gáscrico tenha sido observada
em cadeia (PCR), que isoladamente não cem sido con- em populações caucasianas, o mesmo não foi visco na
siderada satisfatória, os dados devem ser reviscos, sendo Ásia. No Brasil, somente o poli morfismo do gene que
necessários experimentos de aderência m v1tro para a ca- codifica o antagonista do recepcor da I L-1 ~ associou-
racterização das amostras. se ao carcinoma gáscrico. Quanto à úlcera péptica
A aderência da bactéria à mucosa gástrica é também duodenal. há evidências da participação de fatores
mediada pela proteína SabA, que se liga a resíduos glico- genéticos, como a concordância entre gêmeos mono-
conjugados de ácido s1álico expressos na superfície das zigócicos significativamente superior que entre gême-
células epiteliais na vigência de processo inflamatóno ou os dizigóticos. Concudo, há poucos trabalhos identifi-
neoplásico. A expressão de ácido siálico, rara na mucosa cando os facores do hospedeiro. Recentemente, nosso

154 [ Medicina laboratorial para o clínico


grupo demonstrou correlação inversa e independence A prevalência da infecção aumenta significativamen-
entre a presença dos alelos polimórficos dos genes te com a idade. o que é atribuído ao efeito coorte. ou
/UB-31 e TNFA-307 e risco de úlcera duodenal per- seja. a maior prevalência observada em indivíduos mais
furada em adulros. Por outro lado, o alelo 2 do gene velhos reflete o risco mais alto de aquisição da infecção
IL1-RN associa-se à úlcera duodenal em crianças. que essas pessoas tiveram quando crianças. De fato, as
Como há variações regionais tanto no que se refere taxas de soroconversão observadas na idade adulca va-
aos genes bactenanos de virulência quanto ao padrão riam de 0.5% nos países desenvolvidos a 1.0% nos países
polimórfico dos genes humanos que codificam moei- em desenvolvimento.
nas. escudos avaliando as diferentes populações são ne-
cessários e permitirão a identificação de indivíduos com
risco aumentado de desenvolver as doenças associadas DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO
à infecção pelo H. pylon.
Os métodos usados para a pesquisa direta do micror-
ganismo na mucosa gástrica são considerados invasivos,
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS pois os fragmentos de mucosa são obtidos por esofago-
gastroduodenoscopia. Os métodos não-invasivos, ou in-
A infecção pelo H. pylori acomete cerca de 50% diretos, compreendem a pesquisa de anticorpos anti-H.
da população mundial. Nos países desenvolvidos. a pylon em amostras de soro, urina e saliva, a pesquisa de
prevalência da 1nfecção em adulros varia de 20 a 50% antígenos de H. pylori nas fezes e o reste respiratório com
e vem diminuindo progressivamente nos últimos 10 uréia marcada com 13(. isótopo não radioarivo.
anos. Já em países em desenvolvimento, a prevalência Para o diagnóstico da infecção, rem sido recomenda-
é de cerca de 70%, atingindo taxas tão elevadas quan- do o uso de pelo menos dois restes. É necessário, tam-
ro 95% na Áfnca. No Brasil, 60 a 90% dos indivíduos bém, que os restes não-invasivos sejam validados para a
encontram-se infectados. Provavelmente, as variações população a ser avaliada.
são devidas a diferenças no nível socioeconôm ico entre
as populações estudadas. uma vez que condições de
higiene precárias, aglomeração nas moradias e ausência CULTURA
ou deficiência em saneamento básico são farores que
favorecem a aqUisição da 1nfecção. O isolamento do H. pylori a partir de fragmentos
O homem é o principal reservatório do H. pylon e de mucosa gástrica é o método mais específico para o
a transmissão da bactéria ocorre de pessoa para pes- diagnóstico da infecção. Permite, também, o esrudo da
soa. Existem evidências que favorecem a hipótese de amostra quanto à presença de fatores de virulência e à
que a transmissão pode ocorrer por via fecal-ora l e susceptibilidade a antimicrobianos. visando uma tera-
outras a favo r da transmissão oral-oral, o que sugere pêutica melhor orientada.
a participação de ambas. especialmente nos países Pelo menos dois fragmentos de mucosa gástrica,
em desenvolvimento. um do antro e um do corpo, depois de colhidos, devem
A infecção é adquirida predominantemente na infân- ser imediatamente colocados em me1o de transporte
cia e a transmissão ocorre principalmente no ambiente e mantidos a 4"C por, no máximo, quatro horas ames
fam iliar, espeCialmente de mãe para filho e entre 1rmãos. de serem semeados em meios de cultu ra apropriados.
o que pode ser explicado pelo comaco íntimo existente O transporte adequado dos espécimes é essencial para
entre eles. A transmissão mãe-filho pode ocorrer por via que a viabilidade do microrganismo seja mantida. Antes
oral-oral facilitada por hábiros da mãe. como beijar o fi- de serem semeados, os fragmentos devem ser homo-
lho ou experimentar a comida antes de servi-la ou por geneizados em triturado r de tecido. Como o H. pylon
via fecal-oral devido a hábicos de higiene tnadequados é um microrganismo fastidioso, é necessário, para seu
da mãe. pnncipalmente entre aquelas de nível socioeco- crescimento e isolamento, o uso de meios suplementa-
nômico ma1s baixo. dos com sangue total ou soro de carne1ro ou de cava-

Investigação laboratorial do paciente com infecção por Helicobacter pylori 155


lo. Os meios de culrura devem também comer drogas É um teste de fácil execução e de baixo cusro, que
amimicrobianas, com o objetivo de inibir o crescimento pode ser feico na sala de endoscopia. Com sensibilidade
de outros microrganismos que podem competir por nu- em torno de 95,0%, resultados falso-negativos podem
trientes ou produzir substâncias tóxicas que impedem o ocorrer devido à distribuição irregular da banéria na
crescimento do H. pylori. mucosa gástrica ou ao uso de anrimicrobianos ou de
O meio de cui[Ura Belo Horizome (BHM), desen- inibidor de bomba de prórons. Resultados falso -positi-
volvido no Laboratório de Pesquisa em Bacteriologia vos também têm sido descntos e podem ser devidos à
da Faculdade de Medicina/UFMG, é um meio seletivo presença de microrgan ismos contaminantes produto-
e indicador, constituído de ágar sangue de carneiro su- res de urease e à infecção gástrica por H. heilmannii. A
plementado com antimicrobianos e cloreto de trifenilte- especificidade do teste é de cerca de 95,0%.
trazólio (TTC). A inclusão do TTC corna as colónias da
bactéria mais facilmente reconhecíveis devido à colora-
ção dourada que adquirem. EXAME DIRETO DO ESFREGAÇO CORADO
O material deve ser incubado a 3rC por três a sere
dias, em condições de microaerofilia (5,0% de 0 2, 7,0 a Para a identificação do microrganismo em esfrega-
10,0% de C02) que pode ser obtida por sistemas comer- ços de mucosa gásuica, podem ser usadas as colorações
ciais de geração de gases como Anaerocult C ou GasPak. de Gram ou carbolfucsina. A coloração pela carbolfucst-
A identificação do H. pylori é feita com base nas caracte- na apresenta sensibilidade e especificidade superiores a
rísticas macroscópicas das colónias (puntiformes, circu- 90,0% quando comparada à cultura.
lares, convexas e não hemolíticas), na morfologia da bac-
téria ao Gram (espiralada e Gram negativo) e no perfil
enzimático (urease, oxidase e catalase positivas). PESQU ISA DE H. pylori EM
Apesar da especificidade elevada do mécodo, os va- CORTES HISTOLÓG ICOS
lores de sensibilidade relatados variam de 77,0 a 100%. A
experiência do grupo é fundamental para conseguir-se O H. pylori pode ser identificado em cortes hiscoló-
o isolamento da bacténa. No LPB, empregando o BHM gicos de mucosa gástrica por meio de várias técnicas de
recentemente preparado e seguindo as recomendações coloração, como a de Warthin-Starry, laranja de acridina,
descritas para transporte e semeadura do material, tem- Gram, carbolfucsina, Giemsa e Gema, métodos rápidos
se isolado o microrganismo em cerca de 95,0% dos pa- e de cusco relativamente baixo. A sensibilidade da he-
cientes infectados. macoxilina e eosina para a detecção do microrgan ismo
é muico baixa. Os valores de sensibilidade e especifici-
dade dos demais mérodos de coloração estão em corno
TESTE DA UREASE PRÉ-FORMADA de 95,0% e dependem da experiência do parologista, da
qualidade do fragmento de biópsia e da densidade bac-
O teste da urease pré-formada baseia-se na presença teriana na amostra.
de grande quantidade de urease produzida pelo micror-
ganismo na mucosa gástrica de indivíduos com infecção.
A sensibilidade do teste é maior quando é avaliado pelo TESTE RESPIRATÓRIO COM URÉIA MARCADA
menos um fragmento de mucosa da região do antro e
um do corpo gástrico. O teste consiste na introdução Semelhantemenre ao teste da urease pré-formada, o
dos fragmentos em um meio semi-sólido contendo uréia teste respiratório baseia-se na atividade da enzima urea-
e vermelho de fenol como indicador de pH. A urease se produzida pelo H. pylon. O teste consiste na ingestão
pré-formada hidrolisa a uréia em amônia, normalmen- de uréia marcada com 13C não radioativo, que, sob a
te presente na mucosa gástrica, elevando o pH, o que é ação da enzima presente no estômago de pacientes H.
detectado pela mudança da cor do meio de âmbar para py/ori-positivos, é desdobrada em amônia e co2marca-
rósea num período de até 24 horas. do. Amostras de ar expirado são colhidas ames e depois

156 [ Medicina laboratorial para o clínico


DETECÇÃO DE ANTÍGENOS DEH. pylori EM
da ingestão do substrato e a concentração de carbono
AMOSTRAS DE FEZES
marcado é determinada por espectrometria de massa
ou de luz infravermelha.
É recomendado que o paciente esteja em jejum de A detecção de ancígenos de H. pylori em amostras
no mínimo seis horas. Para retardar o esvaziamento gás- de fezes é feira por mérodo imunoenzimárico empre-
trico e permitir que a uréia permaneça mais tempo em gando anticorpos mono ou policlonais e é indicada para
contaro com a mucosa gástrica, bem como manter o pH o diagnóstico da infecção, ramo em adultos quanto em
gástrico abaixo de 3,5 para permitir maior atividade enzi- crianças. Como é um reste não-invasivo, rem também
mática. é oferecida ao paciente uma solução ácida con- indicação em escudos epidemiológicos. Acualmente, há
tendo ácido cítrico (4,0 g/100,0 ml para adulco). Alterna- vários kits disponíveis no comércio.
tivamente, essa solução pode ser substituída por suco de O reste apresenta sensibilidade e especificidade em
laranja (200,0 ml para adulros e 100,0 ml para crianças torno de 95,0%, sendo relatados valores ainda mais eleva-
com menos de 30,0 Kg de peso). Em caso de intolerância dos quando são usados anticorpos monoclonais. Deve-se
ou alergia à laranja, suco de maçã pode ser usado. salientar que o transporte e a manutenção das amostras
Por ser inócuo e não-invasivo, o reste respiratório é são etapas essenciais para se obterem bons resultados. É
um dos mais usados no diagnóstico da infecção, sendo o recomendado que as amostras de fezes sejam mantidas
mémdo de escolha para acompanhar o efeiro do trata- entre 2,0 e 8,0°( se processadas em até três dias ou a
mento com ancimicrobianos. -20,0°( ou -80,0°( se processadas depois desse período.
Estudos realizados em adultos e em crianças com Sangramencos no tratO gasrrincestinal e uso de anti-
idade superior a seis anos demonstram que o reste respi- microbianos e de inibidores de bomba de prórons dimi-
ratório apresenta sensibilidade e especificidade superio- nuem a sensibilidade do reste, que não é alterada, entre-
res a 95,0% para o diagnóstico da infecção. tanto, por antagonistas dos receptores H2 e antiácidos.
Resultados falso-negativos são observados quando o Embora não-invasivo, não é consenso usar o reste
paciente está em uso de inibidor de bomba de prótons e para o acompanhamentO da resposta ao tratamento,
ancimicrobianos que podem levar à diminuição da carga pois têm sido observados valores mais baixos de sensibi-
bacteriana. Os primeiros devem ser suspensos 15 dias e lidade e especificidade.
os ancimicrobianos um mês ames da realização do reste. Recentemente. foi lançado no comércio um teste
Por outro lado, o uso de antagonistas de receptores H2 e de detecção de ancígeno de H. pylori baseado em imu-
de antiácidos interfere pouco no resultado do reste, sen- nocromarografia para diagnóstico rápido da infecção.
do recomendada a suspensão de ambos com 48 horas de Entretanto, a sensibilidade e especificidade do teste são
antecedência. Outras causas de resultados falso-negativos inferiores às observadas com o reste imunoenzimático.
são gastreccomia parcial, administração de uréia em dose
inferior à recomendada e variações no intervalo de tempo
entre a colheita da amostra basal e da amostra reste. PESQUISA DE ANTICORPOS ANTI-H. pyfori
Resul tados falso-positivos podem ocorrer devido à
presença de outras bactérias produtoras de urease na A infecção pelo H. pylori induz, no hospedeiro, uma res-
vigência de atrofia gástrica, acloridria e supercrescimen- posta imunológica celular e humoral, que resulta na pro-
m bacteriano e à infecção gástrica por H. heilmcmnii. dução de anticorpos anci-H. pylori das classes lgM, lgA e
Recentemente, tem-se empregado a uréia marcada em lgG. Os primeiros podem ser detectados precocemente. Os
fórmula de cápsula para evitar a contaminação com mi- anticorpos específicos da classe lgA e lgG atingem níveis
crorganismos da cavidade oral. detectáveis, aproximadamente, três semanas a três meses
No LPB, a sensibilidade e especificidade do teste são depois do início da infecção aguda e podem ser observados
superiores a 95,0% seguindo-se o protocolo de jejum de até cerca de dois anos depois da erradicação da bactéria.
seis horas, dose de 75,0 mg de uréia marcada dissolvida Assim, especialmente em populações de países onde a pre-
em 200,0 ml de suco de laranja e intervalo de 30 minu- valência da infecção é elevada, a detecção de lgG é indi-
tos entre a colheita da amostra basal e amostra reste. cativa de infecção em atividade. excero se a bactéria tiver

lnvesrigação laborarorial do pacienre com infecção por Helicobacter pylori 157


PESQUISA DE ANTICORPOS SÉRICOS ANTICagA
sido eliminada de forma espontânea, o que ocorre muito
raramente, ou devido ao uso de antimicrobianos. Por outro
lado, em países desenvolvidos onde o número de pacientes Apesar de não ser indicada ordinariamente para o
que recebem tratamento para erradicação do microrganis- diagnóstico primário da infecção pelo H. pylori, a pes-
mo é cada vez mais alta e a prevalência da infecção vem quisa de anticorpos séricos reativos à proteína CagA
diminuindo progressivamente, a presença de anticorpos rem sido recomendada para a detecção de infecção por
pode indicar tanto infecção ariva quanto passada. Por essa amostras de H. pylon que expressam o fato r de wulênCia
razão, testes que se baseiam na detecção de anticorpos não CagA. visto que a correlação emre a pesquisa de anti-
estão indicados para controle de cura da infecção. corpos amiCagA e a detecção do gene por técnicas de
Dentre os vários métodos disponíveis, o ensaio imu- biologia molecular é muito elevada. Na nossa população,
noenzimático (ELISA) para a detecção de anticorpos lgG o teste de ELISA para a detecção de anticorpos amiCagA
ami-H. pylori tem sido o mais usado devido à rapidez e apresenta, em adultos, sensibilidade de 97.4% e especifi-
simplicidade de execução, reprodutibilidade e baixo cus- cidade de 88,9%; e em crianças sensibilidade de 95,3% e
to, existindo inúmeros kits disponíveis comercialmente. especificidade de 87,0%.
A maioria dos testes de ELISA, especialmente os de se-
gunda e terceira gerações, apresenta sensibilidade e es-
pecificidade elevadas para o diagnóstico da infecção em TÉCNICAS MOLECULARES
adultos e em crianças com mais de 12 anos de idade. Na
nossa população, foram observados valores de sensibili- Técnicas de biologia molecular são usadas para de-
dade e especificidade de aproximadamente 95,0%. tecção da presença da infecção, genotipagem dos mar-
O immunoblotting também tem sido usado para a cadores de virulência do H. pylori e determinação de sus-
detecção de anticorpos ami-H. pylori. Na população bra- ceptibilidade da bactéria aos amimicrobianos tanto em
sileira, os valores de sensibilidade e especificidade de um amostras isoladas quanto em fragmentos de biópsia.
reste disponível no comércio são de aproximadamente Para a detecção do DNA bacteriano por PCR, são
94,0 e 93,0%, respectivamente. Embora anticorpos ami- empregados conjuntos de iniciadores específicos para
fatores de virulência da bactéria possam ser detectados, amplificar regiões conservadas do gene que codifica
valores baixos de especificidade, especialmente para an- o RNAr 16S, o ureA ou outros genes específicos do H.
ticorpos amiCagA. foram relatados por diversos autores, pylori. Embora apresente sensibilidade superior a 95,0%
limitando o uso do immunoblotting para esse fim. Por para o diagnóstico da infecção, resultados falso-negativos
outro lado, como anticorpos séricos antiCagA podem podem ocorrer devido ao transporte e armazenamento
ser detectados até dois anos depois da eliminação da inadequados da amostra, à baixa densidade bacteriana,
bactéria, a sua pesquisa é recomendada em pacientes bem como à presença de inibidores da reação quando
com atrofia da mucosa gástrica e carcinoma gástrico. a pesquisa é feita em outros espécimes como fezes. Em
Testes rápidos usando a técnica de imunocroma- amostras biológicas com número muito reduzido de bac-
wgrafia para a pesquisa de anticorpos no sangue coral, térias, um protocolo de PCRaninhada (nested-PCR) pode
soro ou plasma também estão disponíveis comercial- aumentar a sensibilidade de uma reação de PCR conven-
mente, entretanto, a sensibilidade e especificidade são cional em até 10 vezes. Embora de custo mais elevado, a
bem inferiores às do teste de ELISA. PCR em tempo real apresenta excelente acurácia para o
A pesquisa de anticorpos lgG ami-H. pylori pode ser diagnóstico da infecção em amostras de fezes. Mais re-
feita, também, em amostras de urina e de saliva, por ELI- centemente, a pesquisa de DNA da bactéria em tecido
SA. Testes para detecção de anticorpos na urina têm sen- vem também sendo feira por FISH (reação de hibridação
sibilidade e especificidade superiores a 90,0% em ad ultos, in situ com fluorescênc1a). A reação de FISH pode ser feita
porém a sensibilidade em crianças varia de 60,0 a 70,0%. em tecido congelado ou fixado pelo método de Carnoy's
Testes que avaliam anticorpos na saliva apresentam va- e apresenta sensibilidade de 95,0%.
lores baixos de sensibilidade e especificidade ramo em A identificação de fatores de virulência da bactéria
adultos quanto em crianças. pode ser feita por meio de várias técnicas. Entre elas,

158 ( Med icina laboratorial para o clínico )r------ -- - - -- -- - - - - - - - - - - - - - - - -


PCR é a mais freqüemememe adocada. Como há varia- e especificidade de 98,0%) usando uréia marcada com 13 C
ções regionais no que se refere aos genes que codificam na dose de 50,0 mg dissolvida em 100,0 ml de suco de la-
esses facores, os iniciadores das reações devem ser resta- ranja e de 75,0 mg em 200,0 ml de suco para crianças com
dos para as diferentes regiões. A PCR tradicional é usada peso inferior e superior a 30,0 Kg, respectivamente. O res-
para a detecção de cagA, mosaico vacA. e iceA. Alguns te respiratório com uréia marcada com 13C é também, à
aurores propõem PCR-mulciplex com mais de um par de semelhança do indicado para adulcos, o de escolha para o
iniciadores em uma única reação, ramo para a detecção acompanhamento de tratamento nessa faixa etária.
de amostras com mais de um gene de H. pylori como Há relatos de menor sensibilidade da pesquisa de amí-
para investigação simultânea de genes de virulência. Ge- genos nas fezes para o diagnóstico da infecção em crianças
nes de virulência podem também ser identificados e até com idade inferior a seis anos. Emreranro, o reste apresen-
quantificados no tecido por meio de PCR em tem po real. ta valores de sensibilidade e espeCificidade elevados (cerca
A PCR seguida de hibridação {LiPA - fine probe assay) de 95,0%) na nossa população. mesmo para as crianças
aumenta a sensibilidade de detecção de cagA e mosaico com idade inferior a seis anos (sensibilidade de 100%).
vacA. Ainda, a expressão dos genes pode ser avaliada em Semelhantemente ao reste resp1raróno, a pesquisa de
cultura da bactéria ou no tecido por rr-PCR. antígenos nas fezes é um reste não-invasivo, que apre-
Para a detecção de outros genes de virulência, como senta acurácia elevada para o diagnóstico da infecção
babA. dupA, sabA e oipA, a PCR isoladamente não é sufi- pelo H. pylori em crianças, rendo, ainda. como vanta-
ciente. Somente 10 pb na região sinalizadora diferenciam gens: maior facilidade de execução e o faro de não ser
o babA2 (que codifica a adesina BabA) de babA1 e babB, necessária colaboração da criança.
sendo necessário sequenciar essa região para a classifica- Reações sorológicas não são indicadas para o diag-
ção do gene. Amplificação seguida de seqüenciamento nóstico da infecção na infância devido. principalmente. à
também permite identificar a presença de dupA (in- baixa sensibilidade dos restes em crianças com menos de
serção de uma base C ou T e fusão dos genes jhp0917- 12 anos de idade. Na experiência do LPB há variações na
jhp0918) e determinar, pelo número de repetições de CT. sensibilidade e especificidade do restes de ELISA dispo-
se o sabA e oipA estão funcionantes. níveis no comércio. sendo necessário padronizá-los para
a população. Ainda, mesmo quando o reste é sensível e
específico para adulros, os resultados são muito inferio-
DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO EM res nas crianças (sensibilidade de 44.4% entre dois e seis
SITUAÇÕES ESPECIAIS anos de idade e 76.7% entre sere e 11 anos).
Os restes de ELISA para a pesqu1sa de antiCOrpos na
Crianças urina e saliva, por serem ainda menos sensíveis e especí-
ficos, não são indicados para o diagnóstico da infecção
Embora rodos os métodos dispo níveis possam ser na infância. Por outro lado, a sensibilidade e especifici-
usados para o diagnóstico da infecção em crianças, dife- dade da pesquisa de imunoglobulinas anti- H. pylon por
renças têm sido observadas na acurácia dos restes. Como immunoblotting são aceitáveis para o diagnóstico em
a carga bacteriana é menor na criança, alguns aurores re- crianças. Na nossa população, valores de sensibilidade de
latam menos sensibilidade do reste da urease, cultura e 95,0% e especificidade de 86,0% foram observados para
hisrologia, o que não rem sido observado no LPB. crianças de dois a 16 anos de idade.
Apesar de existirem relatos na literatura de menos es-
peciflodade do reste respiratório com 13c em crianças na
idade pré-escolar, outros trabalhos demonstram especifi- Paciente com atrofia gástrica e/ou carcinoma gástrico
cidade semelhante à observada em adultos, independen-
temente da idade da criança. Resultados excelentes foram Na vigência de alterações da mucosa gástrica, como
observados na nossa população, ramo para crianças com atrofia e meraplasia intestinal isoladamente ou em asso-
menos de seis anos (sensibilidade de 88,0% e especificidade ciação com o carcinoma gástrico. há redução significati-
de 95,0%) como para as mais velhas (sensibilidade de 100,0% va da densidade bacteriana, com conseqüente queda da

Invest igação laboratorial do paciente co m infecção por Helicobacter pylon 159


sensibilidade dos mémdos diagnósticos. como cultura. significativa de sensibilidade se a avaliação ocorrer mais
reste da urease pré-formada e teste respiratório. Além precocemente: 80,0% com um mês. Embora a pesquisa
d1sso, como os níve1s de antiCOrpos lgG anti-H. pylon são de antígeno nas fezes seja preconizada por alguns autores,
menores em paCientes com caronoma gástrico que na- os resultados não se comparam aos do teste respiratório.
queles sem a doença. a sens1b1lidade dos restes sorológi-
COS cambém é menor nesse grupo de doenres.
Em um estudo caso-controle realizado pelo nosso REFER~NCIAS
grupo, foi demonmada sensibilidade de 83.5% para cul-
tura. 56.2% para o teste da urease pré-formada, 67,8% 1. Blaser MJ. Atherton JC. Helicobacter pylon pers1stence:
b1ology and disease. J Cl!n lnvest. 2004;113:321·33.
para esfregaços corados pela carbolfucsina e 83.5% para
2. Cardinali LCC. Rocha GA. Rocha AMC. Moura SB.
ELISA em pacientes com carcinoma gástrico. A associa- Soares TF. Esteves AMB, N ai. [valuar1on of (13C]
ção dos quatro métodos citados detectou a infecção em Urea Brearh resr and Helicobacrer pylon Srool An·
95.3% dos paCientes. Portanto, é recomendável que em t1gen resr for d1agnos1s of H. pylori mfection m
chddren from develop1ng country. J Clin M1crob1ol.
pacientes com caronoma gástrico sejam usados vários
2003;41:3334-5.
métodos para o d1agnóst1co da infecção. Além d1sso. re- 3. Guerra JB. Rocha GA. Rocha AMC. Mendes CMC. Sara1va
comenda-se também que se faça a pesquisa de anticor- IEB. Ohve1ra CA, er ai. IL-1 gene clusrer and T FA- 307 poly-
pos antiCagA por ELISA. Além da maioria das amostras morphlsms m rhe nsk of perforared duodenal ulcer. Gut
2006;55.132· 3
associadas ao carcinoma gástrico expressarem a proteína
4. Malfertheiner P, Mégraud r. M1chett1 P. S1pponen P
CagA. anticorpos antiCagA podem ser detectados vá- (European Helicobacrer Srudy Group). The year of He-
rios meses depois da eliminação da bactéria. licobacrer 2005. Hel1cobacrer 2005:10(1):1 -70.
5. Oliveira AMR, Rocha GA. Que1roz DMM. Mendes EM.
Carvalho AST. Ferran TCA. et ai. Evaluar1on of Enzyme-
l!nked 1mmunosorbenr assay for rhe diagnos1s of He-
Resistência a antimicrobianos
licobacrer pylori infecuon 111 children from differenr
age groups w1rh and w1thour duodenal ulcer. J Ped1ar
Resistência. especialmente à clariuomiona e ao me- Gasrroenrerol Nurnuon. 1999;28:157-61.
tronidazol. tem s1do descma com taxas que vanam de 6. Que1roz DMM. B1nencoun P. Guerra JB, Rocha AMC
Rocha GA. Carvalho 1\ST ILlRN polymorph1sm and
reg1ão para reg1ão. No nosso meio. foram observadas
cagA-pos1t1ve Helicobacter pylon srrams 1ncrease
taxas de 19.5% para clariuomicina e 53.0% para o me- the nsk of duodenal ulcer rn children. Ped1atr Res.
rronidazol. Os métodos microbiológicos indicados para 2005;58:892-6.
avaliar resistência incluem o E-test e diluição em ágar. 7. Que1roz DMM. Mendes EM. Rocha GA. lnd1caror me-
di um for 1solanon of Campylobacrer pylon. J Clm Ml·
A detecção de mutações que conferem resistência
crobiol. 1987:25:2378-9.
à clamrom1C1na (transição de A~G na posição 2142 ou 8. Rocha GA. Guerra JB. Rocha AMC. Sara1va IEB. Silva
2143, e de A-)( na posição 2142) no gene que codifica o DA. Oliveira CA. Que1roz DMM. IL1RN polymorph1c
RNA 23S pode ser fe1ta tanto em bactéria isoladas quanto gene and cagA-pos1uve sratus 1ndependenrly 1ncrease
the nsk of noncard1a gasmc carcinoma. lnt J Cancer.
em fragmento de tecido recentemente colhido ou con-
2005:115:678-83.
gelado por PCR-RFLP (PCR seguida de corte com enzima 9. Rocha GA. Rocha AMC. Silva LO. Santos A Bocewicz
de restrição). por PCR em tempo real, LiPA ou por FISH. ACD. Queiroz RM, er ai. Transm1ssion of Hel!cobacter
pylon 1nfewon m fam11ies of preschool-aged chd-
dren from Mmas Gera1s. Brazd. Trop Med lnr llealrh.
2003:8:987-91.
Controle de erradicação da bactéria
10. S1mala-Granr J. Taylor DE Molecular b1ology merhods
for rhe characrenzanon of Helicobacrer pylon mfewons
O método de escolha para o controle de erradicação and rhe1r d1agnos1s. APM IS. 2004;112:886-97.
11. Suerbaum S. Pierre M. Med1cal Progress: Hel!cobacter
da bacténa é o teste respiratório com uréia marcada com
13C. Além de não-invasivo, a técnica apresenta sensibili- pylori 1nfecrion. N England J Med. 2002;347: 1175-86.

dade supenor a 95,0%, quando o paCiente é avaliado três


meses depo1s do tratamento. Vale ressaltar que há queda

160 ( Medicina laboratorial para o clínico


Luciana de Gouvêa Viana
16
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM INFECÇÃO DO
TRATO URINÁRIO

A infecção do t raw uri nário (ITU) encontra-se entre o u cistite o u afecar sim u ltaneamente o trato uriná-
as mais freqüemes infecções bacterianas do ser humano. rio in ferio r e superior. caracterizando a ITU alta o u
A penas no primeiro ano de vida, acomete preferencial- pielonefrite. A ITU baixa pode ser sintomática ou
mente o sexo masculino, ocasião em que se encontra n ão. N o último caso, aplica-se a den o m inação de
freqüememente associada a malformações congênitas, bacteriúria assintom ática.
especialmente válvu la de urerra posterior. A partir desse Classifica-se a ITU como não compl icada qu an-
período, há franco predomínio no sexo feminino, com pi- do ocorre em paciente co m estrutura e função do
cos de incidência associados ao início da atividade sexu- trato urinário n ormais e fora do ambiente hospitalar.
al, gestação e menopausa. a quinta e sexta décadas de Já a ITU complicad a encon tra-se associad a à altera-
vida, observa-se aumento da incidência de ITU no sexo ção anat ómica ou fu ncional d o t rato u rinário, com -
masculino. particularmente relacionada ao prostatismo. prometimento em relação à saúde do paciente ou
Define-se como infecção urinária a invasão do trato cujo agente etiológico representa microrganismo d e
urinário por microrganismos, desencadeando uma res- alta virulência.
post a inflamatória. Esse processo infeccioso pode afet ar A ITU também pode ser classificada pela evolução
os rins, a pelve renal, os ureteres, a bexiga, a urerra, a prós- clínica. Prop õem-se. para cal critério, três categorias: in-
tata e o epidídimo. Na prát ica médica, a term inologia fecção urinária isolada, infecção não resolvida e infecção
infecção do rraro urinário tem sido reservada aos pro- recorrente. A infecção urinária isolada é definida como o
cessos infecciosos envolvendo os rins, a pelve renal, os primeiro episódio de ITU ou o que ocorre em período
ureceres e a bexiga. Urerrices, prostatites e epididimites superior a seis m eses após o último evento. A infecção
apresentam-se como entidades clínicas bastante distin- urinária não resolvida é aquela em que não houve cura,
tas. não sendo alvo da presente abordagem. tendo como causa mais comum a resistência a antimi-
crobianos. A infecção recorrente se instala. em geral,
poucas semanas após um trat am ento eficaz de ITU,
ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO com exame comprobatório negativo. Essa pode dever-se
à reinfecção (ocorrência de uma nova infecção por ourra
CLASSIFICAÇÃO bactéria) ou persistência bacteriana (ocorrência de uma
nova infecção, pela m esma bactéria).
A infecção urinária pod e com prometer somente A provável origem do processo infeccioso pode ser
o trato urinário inferior. caracterizando a ITU baixa empregada com o critério de classificação da ITU em co-
ASPECTOS FISIOPATOLÓG ICOS
munitária ou hospitalar. Quando não houver evidência
clínica e/ou dado laboracorial de infecção no momemo
Vias de infecção
da internação, defi ne-se como infecção hospitalar roda
manifestação clínica de infecção que se apresenrar a
panir de 72 horas após a admissão. São tam bém con- Exceco nas pnmeiras oiro a 12 semanas de vida,
vencionadas infecções hospicalares aquelas manifesca- quando a ITU pode ser secundária a uma fome hemaco-
das antes de 72 horas de internação, quando associadas gênica, acredita-se que essa mfecção tenha 1níc1o pela v1a
a procedimemos diagnósticos e/ou tera pêuticos realiza- ascendente, seguindo a enrrada de bactérias pela uretra.
dos du ranre este período. Acredita-se que o evento inicial seja a colonização da
mucosa periureual por bactérias da flora gasuintestinal.
As bactérias periureuais podem. então, atingir a bexiga e
AGE NTES ETIOLÓG ICOS evemualmente os rins através dos ureteres. Esta ascen-
são é favorecida pelo refluxo vésico-ureteral.
Mais de 95% das infecções urinárias são causadas O faw da ITU ser mais freqüenre no sexo feminino
por um único ageme etiológico. Escherichia coli é a reforça a importância da via ascendente na infecção. A
causa mais comum de ITU não complicada, sendo o uretra feminina é curta e próxima à região perianal. fa-
agente etiológico de 75 a 95% de todas as infecções. vorecendo a contaminação. Está bem demonstrado que
Staphylococcus saprophyticus encontra-se em segun- as bactérias que causam infecção urinária colonizam o
do lugar, respondendo por 5 a 20% das mfecções. intróiro vaginal e a região periurerral anteriormenre.
Apesar do S. saprophyticus ser menos freqüente, esse A disseminação hematogênica é particularmente
agente é mais agressivo, tendendo a causar infecções característica de organismos virulentos como o
altas e com maior probabilidade de recorrência. Em or- Staphylococcus aureus. Pseudomonas aeruginosa e
dem de freqüência, espécies de Proteus e Klebsiella e o Salmonella spp. Evidências do significado da via linfática
Enterococcus jaecalis ocasionalmente causam infecção na pawgênese da ITU são inexpressivas.
urinária não complicada.
As infecções urinárias complicadas são causadas
por uma variedade maior de microrganismos, bac- lnteração parasito-hospedeiro
térias e fungos e a freq üência de 1nfecções polimi-
croblanas é superior àquela observada nas infecções Uma das características da ITU é o faro de que uma
não complicadas. Apesar da E. coli ainda constar única espéc1e bacteriana, a E. colt, não apenas causa a
co mo o principal patógeno, outras bacrérias apa- ma1ona das Infecções como também ocasiona uma am-
recem co m mais freq üência, como Pseudomonas. pla gama de manifestações clín1cas. Entretamo, apenas
Proteus, Klebsiel/a e E. faeca lis. Entre os fungos, des- poucos sorotipos de E. coli causam infecções em alta
taca m-se as espécies de Candida. proporção. Entre estes, destacam-se: 0 1, 02, 0 4, 06,
O ambiente hospitalar é um importame determi- 07, 0 8, 075, 0 150 e 018ab. lsm remonta ao conceim
nante da natureza da flora bactenana na ITU. Espécies de cepas uropatogênicas, com características distintas
de Klebstella. Proteus, Pseudomonas e Enterobacter, es- das cepas comensais. Certos sororipos O. K e H esta-
taAiococos e enterococos são os agentes mais freqüen- riam a1nda relacionados com manifestações mais graves.
temente isolados em ITU hospitalar. Corynebacterium como pielonefrite.
urealyticum, um bastonete Gram positivo altameme re- A aderência aumentada às células uroepiteliais re-
sisteme a amimicrobianos. tem sido reconhecido como presenta um dos principais facores de virulências das
um im portame agente nesse contexto. enterobactérias. As fím brias são estruturas responsáveis
Adenovírus, particularmente tipo 11, tem sido rela- pela aderência da bactéria ao uroepitélio, tendo como
cionado à cistite hemorrágica em pacientes pediárricos. recepwr a manose ou a proteína de Tamm Horsfall
especialmente do sexo masculino, e em casos de trans- (fím bna tipo I) e constituinte do complexo antigênico
plante alogênico de medula óssea. do grupo sangüíneo P. presente em hemácias e células

162 ( Medicina laboratorial para o clínico


ASPECTOS EPI DEMIOLÓG ICOS
epiteliais (fímbria P). Outros fatores já reconhecidos na
parogênese da ITU são: resistência à atividade bacteri-
cida sérica; grande quantidade de antígeno K (K1. K5 e A ITU representa uma preocupação médica em co-
K12) na cápsula. conferindo resistência à fagocitose; pre- das as faixas etárias, iniciando com os recém-nascidos,
sença de aerobactina. importante no crescimento e di- para os quais se estima freqüência de 2,9% para prema-
visão bacteriana; produção de hemolisina. que provoca turos e 0,7% para nascidos a termo. Meninos são cinco
lise das hemácias. a oim vezes mais suscetíveis à infecção do que meni nas
Estudos têm revelado que os mecanismos de ade- até os três primeiros meses de vida. Depois, as meninas
rência são importantes na patogênese da ITU causada mrnam-se mais propensas à infecção, com prevalência
por outras espécies bacterianas uropatogênicas. como de 1 a 3% nesse sexo na faixa etária de um a cinco anos.
Proteus mirabilis e espécies de Klebsie/la. É interessante Em crianças em idade pré-escolar, a ITU em men inos
nocar que S. aureus raramente causa cistite ou pielonefri- encontra-se freqüentemente associada a sérias anorma-
te. Ao contrário. S. saprophyticus é um agente etiológico lidades congênitas. A prevalência de bacteriúria na idade
relativamente comum de ITU baixo. Este adere significa- escolar varia de 0,03% no sexo masculino a 1,2% no sexo
tivamente melhor às células uroepiteliais quando com- feminino. Vale ressaltar que 30 a 50% das crianças com
parado ao S. aureus e Staphylococcus epidermidis. ITU apresentam refluxo vésico-ureteral.
Com exceção da mucosa uret ral. o traco urinário é Em mulheres adultas não-grávidas, a prevalência da
resistente à colonização bacteriana e elimina rápida e bacteriúria gira em mrno de 1 a 3%. Cerca de 40 a 50%
eficientemente qualquer microrganismo que renha aces- da população feminina apresentarão um episódio de
so à bexiga. Clones uroparogênicos provocam resposta ITU sintomática durante a vida. Nas mulheres grávidas,
inflamatória em wdos os níveis do tram urinário, esti- destaca-se a alta prevalência de bacteriúria assintomáti-
mulando a produção de cimcinas e outros facores pró- ca: até 10%. Se não tratadas, 25 a 57% dessas bacteriúrias
inflamatórios. A intensidade e eficiência da resposta são podem evoluir para infecção sintomática, inclusive pielo-
geneticamente determinadas e representam um famr nefrite. A incidência de bacteriúria aumenta em relação
crítico na interação parasim-hospedeiro e desenvolvi- ao número prévio de gestações. Ressalta-se que a ITU na
mento ou não da ITU. A produção sistêmica de inter- gestante associa-se a mais alro índice de prematuridade,
leucina 1~ (ll-1~) e interleucina 6 (IL-6) pode levar à febre baixo peso e mortalidade perinatal, além de maior mor-
e ativação da resposta de fase aguda. A concentração bidade materna.
sérica de ll-6 reflete a gravidade da infecção. correlacio- A prevalência de bacreriúria em homens adultos é in-
nando-se com pielonefrite e episódios de bacteremia. A ferior a 0,1%, aumentando em idosos. Esse aumento está
liberação local de interleucina (IL-8) promove o recruta- relacionado a doenças prostáticas e instrumentação. Ho-
mento de leucócitos polimorfonucleares. resultando em mossexualismo masculino representa fator de risco para
leucocitúna e contribui ndo para a erradicação da bac- ITU, provavelmente relacionado ao sexo anal.
reriúria. Deficiência em receptores de IL-8 relaciona-se à Os processos infecciosos, de modo geral. têm inci-
susceptibilidade à pielonefrite aguda. dência progressiva após 65 anos. Reconhecidamente, a
Apesar da urina ser geralmente considerada um bom ITU, sinromática ou assintomática, é a infecção mais fre-
meio de cultura, esta possui arividade antibacreriana. qüente, independentemente do sexo, estimando-se que
Tem sido demonstrado que osmolaridade extrema, alta acometa aproximadamente 20% das mulheres e 10%
concentração de uréia e pH baixo são fatores inibidores dos homens. Esta prevalência praticamente se duplica
do crescimento bacceriano na urina. Além disso, o pH e após os 80 anos, quando as diferenças entre mulheres e
a osmolaridade da urina na grávida rendem a ser mais homens são menores. Favorecem esse aumento de ITU:
favoráveis ao crescimento bacteriano, contribuindo para a imunodeficiência relacionada à idade, as alterações
o aumenm da incidência de ITU nesta ocasião. Por outro funcionais e orgânicas do trato urinário, imobilidade e
lado, a presença de glicose na urina melhora as condi- doenças sistêmicas.
ções para o crescimento bacteriano, enquanto a adição Observa-se alta prevalência de infecção urinária em
de fluido prostática o inibe. pacientes hospitalizados. Geralmente a infecção está re-

lnvesrigação laborarorial do pacienre com infecção do rraro urinário 163


ABORDAGEM LABORATORIAL
lacionada à insrrumemação. Uma simples carererização
em pacieme ambulamrial causa ITU em apenas 1% dos
pacientes, enquanto em populações hospitalizadas esse A abordagem laboratorial da ITU tem início com a
índice atinge 10%. definição do material biológico a ser utilizado para re-
Outra grande preocupação em relação à ITU é sua alização dos exames voltados para o diagnóstico pre-
alra incidência em pacienres rransplamados. Pelo menos sumivo e/ou microbiológico. Os cuidados na colheita,
50% dos transplantados renais desenvolverão infecção preservação e transporte dos espécimes de urina são da
do uam urinário no período pós-operatório, com cer- maior importância.
ca de 40% de incidência de bacteremia. Por tal mocivo, A urina deve ser coletada diretamente em frasco es-
alguns pesquisadores advogam o uso profilático de anti- téril. identificada e examinada ou refrigerada o mais ra-
microbianos nessa situação. pidamente possível. pois, sob refrigeração. as contagens
bacterianas permanecem em ritmo lemo de replicação
por 24 horas. Bactérias contaminantes podem multi pli-
APRESENTAÇÕES ClÍNICAS car-se nos espécimes mantidos à temperatura ambiente
e invalidar os resultados dos exames.
Crianças Espécimes de urina podem ser colhidos por aspira-
ção suprapúbica, cateterização, jaro médio de micção
A ITU em crianças tende a se manifestar com dife- espontânea ou com o auxílio de coleror adesivo. A aspi-
rences sintomas. dependendo da faixa etária. Em recém- ração suprapúbica da bexiga é considerada um mérodo
nascidos e crianças até dois anos. os sintomas são bastan- seguro, porém invasivo. Esse proced imento é realizado
te inespecíficos: falta de apetite, vômiros, irritabilidade e exclusivamente pelo médico e encontra-se particu-
febre. Em recém-nascidos. pode-se verificar icterícia fisio- larmente indicado em recém-nascidos e crianças sem
lógica prolongada, associada ou não à perda de peso, em controle do esfíncter urinário. Faz-se a punção direta da
cerca de 30% dos casos. Em crianças com mais de dois bexiga através da parede abdominal, usando-se agulha e
anos, os sintomas são mais consistemes e específicos, tais seringa. A cateterização uretral já foi considerada o me-
como disúria e dor abdominal. lhor recurso para colheita de urina na bexiga, mas pode
favorecer infecção, particularmente em pacientes idosos
e acamados. Du rante a cateterização, a urina não deve
Adultos ser colhida do saco de drenagem, devido à alta probabi-
lidade de contaminação. O cateter deve ser limpo com
A cistite, quando sintomática, exterioriza-se clinica- álcool 70%, diretamente perfurado, em local apropriado.
mente pela presença habitual de disúria, urgência mic- com agulha e seringa para aspirar a urina.
cional, polaciúria. nicrúria e dor suprapúbica. Febre não Atualmeme. a coleta do jaro médio da urina por
é comum. O aspecro da urina geralmente encontra-se micção espontânea, descrita no capítulo 35, é a técnica
alterado, sendo comum o relato de urina turva e aver- mais utilizada, seguida pela utilização do coleror adesivo,
melhada. A pielonefme é habitualmenre acompanhada restrita à população pediátrica. A coleta de urina empre-
de febre. calafrios, dor lombar uni ou bilateral, podendo gando-se o coletor adesivo é considerada prática e não-
irradiar-se para o abdome. invasiva, mas a contaminação do material é freqüente.
A grande maioria dos indivíduos idosos apresenta Para minimizar tal risco, aconselha-se a colocação do
ITU assintomácica. Sintomas. quando presentes. não são coletor após a higiene rigorosa da região perineal. efetu-
de grande valor diagnóstico. Soma-se a isro a ocorrên- ando trocas a cada 30 minuros, realizando nova assepsia.
cia comum de disúria e incontinência nessa faixa etária, Se a criança evacuar simultaneamente, deve-se desprezar
mesmo na ausência de infecção. Quadros de pielonefrite o material e realizar nova assepsia. Algumas crianças po-
aguda não raro se exteriorizam com sintomas gastrin- dem apresentar dermatite local pela cola do coleror, mo-
testinais, dores abdominais incaracterísticas, náuseas e tivo pelo qual esta deve ser rotalmeme removida após
vômiros. A febre pode estar ausente. a coleta. Estudos realizados com amostras urinárias de

164 ( Medicina laborarorial para o clínico )1 --- - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


recém -nascidos obtidas através de saco colewr e aspira- responde a mais de 105 UFC/ml. Resultados falso-negativos
ção suprapúbica concluíram que o saco coleror fornece são comuns em infecções com baixa contagem bacteriana
resulcados con fiáveis quando utilizado em crianças com na uroculrura quantitativa (entre 102 e 103 UFC/ml).
mais de sete dias de vida. Em crianças mais novas, há
maior probabilidade de ocorrência de resultados falso-
positivos em conseqüência à contaminação fecal. DIAGNÓSTICO MICROBI OLÓGICO

O isolamento e caracterização microbiológica do agen-


DIAGNÓSTICO PRESUNTIVO te etiológico de dada infecção representa a constatação
definitiva desta. Em relação à ITU, tem-se na uroculcura
Exame de urina rotina quantitativa o método de referência para tal. A urocultu-
ra qualitativa corresponde à caracterização da espécie do
O exame de urina rortna, abordado no capítulo 35, microrganismo identificado a partir de provas específicas,
representa um dos restes mais utilizados na abordagem geralmente bioquímicas. Além da uroculrura quantitativa
laboratorial da ITU. Seu papel no diagnóstico presuntivo e qualitativa, a hemoculrura representa ferramenta alter-
da infecção é relevante, particularmente nas infecções nativa para o diagnóstico microbiológico da ITU.
não complicadas. A pesquisa de esterase leucocirána por
meio da rira reagente apresenta especificidade entre 94
e 98% e sensibilidade entre 75 e 96% para e detecção de Urocultura
uroparógenos, correlacionando-se com uroculrura com
mais de 100.000 untdades formadoras de colônia por ml A uroculrura quantitativa da urina é uma técnica ba-
(105 UFC/ml). A pesquisa de niuiro, também realizada seada no plantio da urina em meios de cultura padroniza-
pela rira reagente, pode ser negativa, particularmente dos, tais como agar Brolacin (Bromothymol-blue Lactose
se o agente etiológrco não for nitrato-redutor, como S. Cystine Agar) e agar MacConkey, utilizando alça calibrada
saprophyticus, E. faecalis e Acmetobacter baumann11. A de platina 1/ 1000 (0,001 ml ). A contagem de colônias
sensibilidade do reste é bastante variável: 35 a 85%. Pro- é feita após incubação por 24 horas a 35°C. O número
reinúria é um achado comum na ITU. UFC/ml corresponde ao número total de colônias pre-
A análise microscópica do sedimento urinário apre- sentes na placa inoculada multiplicado por 1.000.
senta alterações significativas e freqüentes em relação à O limite tradicionalmente utilizado para confirmar
pesquisa de leucócitOs, hemácias e análise da flora mi- ITU é a contagem de colónias igual ou superior a 105
crobiana. Leucocirúria e hemarúria são achados comuns, UFC/ml. Atualmente, a definição de bacreriúria signifi-
lembrando que, em relação à primeira, a sensibilidade da cativa ou contaminação é mais dinâmica, variando na
pesquisa por meio da tira reagente é superior. Cilindros dependência do quadro clínico e mérodo de coleta do
leucocirários são achados relevantes à sedimemoscopia, material biológico e agente etiológico, conforme expos-
sugerindo pielonefrite. Sua ausência, porém, não exclui tO no Quadro 16.1.
infecção urinána alta. A presença de bactéria à sedimen-
roscopia pode estar associada à infecção, mas considera- Quadro 16.1 - Oeflmção de bactenúria srgnifrcatrva
se tal achado de baixa espec!ficidade.
> 102 UFC (coliformes)/ml em mulher sintomático
> 10 3 UFC/ml em homem srntomóllco
Gram de gota de urina não centrifugada
> JOS UFC/ml em indivíduos ossintomóticos em duas
amostras consecutivos
O Gram de gota de urina não centrifugada é um res- > 10 2 UFC/ ml em poc1enles coteterizados
te exuemamente útil no diagnóstico presuntivo de ITU. A Qualquer crescimento bacteriano em material obtido por
presença de pelo menos uma bactéria por campo em 20 punção supropúbico
campos examinados em objetiva de imersão (1000x) cor-

Investigação laboratorial do paciente com infecção do trato urinário 165


Uma vez definida a significância clínica do resultado
REFERÊNCIAS
da urocukura quanmat1va. procede-se à idenriflcação Car J, Sheikh A Recurrem unnary tracr 1nfewon 111
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Nas p1elonefmes, de modo geral. a probabilidade de re- nível em: hnp://www.prOJetodlrernzes.org.br.
cuperação do agente por intermédio de hemoculcura 6. Zore )). K1ddoo DA. Shaw KN. D1agnos1s and manage-
g1ra em torno de 25 a 60%. mem of pediarric unnary uact 1nfecuon.Ciin M1crob1ol
Rev. 2005;18:417-22.
A hemoculcura representa uma poderosa ferra-
menta diagnóstica e um dos mais importames exa-
mes do laboratório de Microbiologia (ver capículo 13).
Apesar de representar uma ferramenta para identifi-
cação do ageme etiológico da infecção unnária. di-
versos escudos têm questionado o cusco-efet1vidade
da realização de hemoculrura na abordagem da ITU.
Os agemes etiológicos isolados na urina não diferem
daqueles isolados no sangue, não havendo. porcamo.
impacco na terapia anrimicrobiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

D1ante da suspeita clínica de infecção do crato uri-


náno. encontram-se indicados: exame de urina rocina.
Gram de goca de urina não centrifugada e uroculcura.
Os do1s primeiros têm papel de destaque no diagnóstico
presuntivo da infecção, contribuindo para a decisão mé-
dica em relação à msmuição da terapia ant1m1crobiana.
O diagnóstico definitivo de infecção do traco uri-
náno é firmado pelo isolamento do microrganismo na
urocultura. A bacreriúna s1gnificariva. habitualmente,
caracteriza-se por cresCimento superior a lOs UFC/ml.
Valores infenores. porém. devem ser valonzados em or-
cunsrâncias específicas.

166 Medicina laborato rial para o clínico


Rodolfo de Braga Almeida
17
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DAS
URETRITES INFECCIOSAS

A urecrite é um processo inflamatório da uretra, causa de uretrite, a saber: bastonetes Gram negativo,
masculina ou feminina. que pode ser de origem infec· Treponema pallidum, herpes genital e micobactérias.
ciosa ou não. As urerrires não infecciosas. na grande
maioria dos casos, são decorrentes de trauma externo,
como o hábiro de ordenhar a uretra após urinar e o há- ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
bico masrurbatório. O rrauma interno. como aquele que
ocorre após manipulação com instru mentos ou sondas. As doenças sexualmente transmissíveis (DST) e do
tam bém pode originar uma urecrite não infecciosa. traw reprodutivo, ainda que sem transmissão sexual, são
As urerrites infecciosas são mais freqüentes e pos· responsáveis por importantes danos à saúde das mulheres
suem mais importânoa médica devido à possibilidade e seus filhos em wdo o mundo, favorecendo inclusive a
de uansmissão sexual dos agentes et1ológ1cos. Podem ser transmissão do vírus da imunodeficiênoa humana (HIV).
assintomáricas. mas na maioria dos casos se caracterizam Em 1999, a Organização Mundial de Saúde (OMS) es·
por um processo inflamatório da mucosa uretral com rimou um total de 340 milhões de casos novos por ano
conseqüentes s1nwmas de algúria, disúria, às vezes pruri- de DSTs curáveis em todo o mundo. entre 15 e 49 anos,
do, além de sinais de corrimento extravasando pelo mea- 10 a 12 milhões desses eventos no Brasil.
w urerral. o qual pode ter aspecro purulento ou seroso. As uretrites infecciosas são, na verdade, indicado·
São classificadas etio logicamenre como urerri- res da saúde sexual e reprodutiva de uma comunidade,
te gonocócica (UG). na qual o agente etiológico é particularmente se se levar em coma suas conhecidas
a Neisseria gonorrhoeae. e uretrite não gonocócica conseqüências. No Brasil. as uretrites infecciosas têm alta
(UNG). As UNGs são as uretrites cuja bacteriosco- prevalência. representando cerca de 30% do rotai das
pia pela coloração de Gram e/ou cultura é negativa doenças sexualmente uansmissíveis.
para o gonococo. mas revelam contagem de mais de A uretrite gonocócica ainda é freqüeme. Com 339.593
cinco leucóciros polimorfonucleares/campo micras· casos de gonorréia notificados em 2005. é a segunda
cópico (x1 000), confirma ndo-se a inflamação da ure· doença de notificação compulsória nos EUA. A taxa de
era. Essas são causadas por diversos agenres, sendo freqüência é mais alta na região sul daquele país, emre
a Chlamydia trachomatis o principal deles. seguida os americanos de origem africana e entre adolescemes e
pelo Ureaplasma urealyticum, Micoplasma hominis, adultos jovens de rodas as raças e grupos étnicos. Altas
M1coplasma genitalium e o Trichomonas vagina/is. taxas de resistência à penicilina e à tetraciclina têm sido
Raramente. outros agentes infecciosos podem ser encontradas (15%) e já há identificação de resistência às
fluoroquinolonas e à cefexime. Em 2005. foram nocifica- das cepas eram resiscemes à ciprofloxacina; no Brasil.
dos ao CDC (Centersfor Dtsease Contrai and Prevention), em Manaus, 85% das cepas isoladas eram resistentes à
naquele país. 976.445 casos de infecção por clamídia en- tetraciclina, penicilina ou ambas e houve suscetibilidade
tre as mulheres, acometendo principalmente a faixa de reduzida à azitromicina em 21% das amostras. Por ou-
15 até 24 anos de idade, com taxa de 2.700 casos por tro lado, as mesmas cepas eram suscecíve1s à Clproflo-
100.000 mulheres. xacina. a especti nomicina e já se observava redução da
Segundo dados do Ministério da Saúde, estima-se sensibilidade à ceftriaxona. Uma pesquisa no Brasil está
que existam. no Brasil. 10 milhões de novos casos de DST em andamento e deve fornecer. em breve, dados mais
por ano, excluindo-se os casos de infecção pelo HIV. A consistentes para a avaliação da resistência do gonoco-
maior incidência é de tricomoníase (4.3 milhões de ca- co aos antimicrobianos.
sos) e, em seguida, infecção por clamídia (1,9 milhão), Nas UNGs. a C. trachomatis é o agente mais co-
gonorréia (1.5 milhão), sífilis (937 mil). infecção pelo HPV mum. Essa bactéria, obrigatoriamente intracelular.
(685 mil) e pelo herpes genital (640 mil). também causa o tracoma, a conjuntivite por inclu-
A uretrite gonocócica é doença pandêmica, infecto- são no recém-nascido e o linfogranuloma venéreo. A
contagiosa. cujo agente causador, a N. gonorrhoeae, rem rransmissão da infecção se dá pelo contaco sexual (ris-
no homem seu único hospedeiro natural e sua trans- co de 20% por aco sexual). sendo o período de incu-
missão se dá essencialmente pelo ato sexual. sendo ex- bação, no homem, de 14 a 21 dias. Estima-se que dois
cepcionalíssima a contaminação acidental. terços das parceiras estáveis de homens com UNG
A gonorréia é contraída, geralmente, de um(a) hospedem a C. trachomatis no endocérvix. Permane-
parceiro(a) sexual assintomáCico(a) ou somente com sin- cendo sem tratamento. elas podem reinfectar o par-
tomas mínimos. Estima-se que a eficiência da transmissão ceiro sexual e desenvolver quadro de doença inflama-
após exposição seja de aproximadamente 35% de mulher tória pélvica (DIP). O utra conseqüência da infecção é
infectada a um homem não infectado e de 50 a 60% o de a infertilidade feminina.
homem infectado a uma mulher não infectada. Mais de A infecção por clamídia tem preocupado os urolo-
90% dos homens com urerrire gonocócica desenvolverão gistas e ginecologistas nos últimos anos, principalmente
smmmas dentro de cinco dias; menos de 50% das mu- devido à elevação de sua freqüência e ao predomínio
lheres com a gonorréia terão sintomas. As mul heres com das formas assintomáticas e oligossintomáticas. Nessas.
infecções assintomáricas têm alto risco de desenvolver a infecção pode passar despercebida, não sendo pesqui-
a doença inflamatória pélvica e/ou infecção gonocócica sada e muitas vezes permanecendo sem tratamento, o
disseminada. Cerca de 20 a 30% das portadoras de gonor- que favorece sua transmissibilidade.
réia apresentam cc-infecção por C. trachomat1s.
Embora se possa observar maior prevalência de
urerrires não gonocócicas sobre as gonocócicas, estas ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS
últimas ainda mantêm a liderança entre populações so-
cioculrural e economicamente menos favorecidas. En- Normalmente. a uretra pode albergar uma microbio-
tre os fatores que mais contribuem para o incremento ta que se caracteriza pela presença de Staphylococcus
da freqüência da doença. pode-se citar: mais liberdade epidermid1s. Enterococcus jaecalis, estreptococos alfa-
sexual, com conseqüente aumento da exposição ao hemolíticas. os basconeres Gram negativo (Eschench10
agente causador; novos comportamentos sexuais, prá- coli. Proteus). micobactérias, corinebactérias saprófitas,
tica de sexo sem uso de preservativo. Também favorece neisserias não patógenas, micoplasmas e leveduras. in-
a disseminação da doença a prática da automedicação, cluindo a Candida a/bicans.
levando a tratamentos inadequados e ao surgimento Na UG. após o intercurso sexual. o gonococo pene-
de portadores assintomáticos. tra na uretra. fixando-se no epitélio cilíndrico, e multipli-
A resistência do gonococo aos antibióticos é um ca-se. desencadeando um processo inflamatório o qual.
determinante importante da proposta terapêutica. Es- após dois a sere dias, deflagra os sintomas de algúria e
tudos mostraram que, na África do Sul, mais de 40% corrimento uretral.

168 ( Med icina labo ratorial para o clínico


Nas UNGs, em geral, o processo inflamatório é mais do-se dose única de cefalosporinas e quinolonas. Tais
discreto, com disúria ausente ou discreta e com produ- drogas erradicam a N. gonorrhoeae, elim inando os sin-
ção de escassa secreção de aspecto seroso ou mucóide. tomas da infecção, mas usualmente poupam os agentes
Uretrites pós-traumáticas podem acontecer em 2 das UNGs. Tal entidade está condicionada principalmen-
a 20% dos pacientes que sofrem cateterização intermi- te à co-infecção N. gonorrhoeae/C. trachomatis, verifica-
tente seguida de insrrumemação ou 1nserção de corpo da em 11 a 50% dos homens com gonorréia. Desres. 75 a
estranho; e naqueles que fazem o coiro anal. Relato inte- 100% apresentarão quadro clín ico compatível com ure-
ressante é o faro de que a uretrite é cerca de dez vezes trite pós-gonocócica, se forem submetidos a tratamento
mais provável com a utilização de cateteres de látex do que não erradique a C. trachomatis. Outro agente etio-
que com cateteres de silicone. lógico possível para as uretrires pós-gonocócicas é o U
As uretrites podem dar origem a outras síndromes urealyttcum. Sabe-se. porém. que a incidência de urerrite
infecciosas. como epididimires. orquites. prosrarires. pós-gonocócica é baixa, se for realizado tratamento con-
procrires. síndrome de Reirer, irires, pneumonia. mire comitante para as causas mais comuns de UG e UNG.
média ou infecção do trato urinário.

ABORDAGEM lABORATORIAl
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
O laboratório de patologia clínica rem muito a con-
Em pacientes com uretrite, a anamnese e o exame tribuir no diagnóstico das uretrites. t importante consi-
clínico da genirália fornecem elementos fundamenta is derar a adequada orientação para a coleta das amostras
para o diagnóstico e o tratamento imediato da doen- clínicas e o seu transporte e conservação até o processa-
ça. Em geral. rem-se queixa clínica de disúria, corrimento meno técnico pelo laboratório.
uretra! e às vezes prurido. A mucosa uretra! se mostra Diante da suspeita de urerrite e dependendo da
com sinais inflamatórios e com corrimento extravasan- forma clínica, têm-se algumas opções de amostras clí-
do o meato uretral. principalmente pela manhã, e com nicas a serem coleradas para a investigação laboratorial,
aspecto que poderá ser purulento ou seroso. a saber: secreção e raspado urerrais, secreção e raspado
Na UG, além da disúria e algúria, sua principal carac- endocervicais e o primeiro jaro urinário, colhido na pri-
terística é a drenagem abundante de corrimento puru- meira micção, coleta ou após, no mínimo, quatro horas
lento e viscoso pela uretra masculina. Por outro lado. de retenção urinária.
a gonorréia na mulher. em geral. é oligossintomática. O instrumental para coleta deve ser estéril e o pro-
manifestando-se menos como uretrite e mais como um fissional responsável pelo procedimento deve utilizar
quadro de colpocervicire. O acometimento da uretra os equipamentos de prmeção individual adequados.
femin ina, embora ocorra, não se manifesta com quadro Recomenda-se a utilização de swab de alginaro, dracon
clínico de mesma intensidade que no homem. ou tamponado. Deve-se evitar o uso de swab de algodão
A UNG caracteriza-se. habitualmente, pela presen- puro não tamponado, que é tóxico para as clamídias.
ça de corrimento mucóide discreto, com disúria leve e No homem com corrimento uretra!, deve-se colerar
intermitente. Às vezes caracterizada como "gora mati- a secreção. Mas, nos casos em que tal material é escasso.
nal". A urerrire subaguda é a forma de apresentação de recomenda-se a coleta do raspado celular da uretra. inse-
cerca de 50% dos pacientes com uretrite causada por ri ndo um swab fino e apropriado, cerca de 4 a 6 cm, pro-
C. trachomatis. Entretanto, em alguns casos, o corri- movendo movimentos circulares para provocar a desca-
mento da UNG pode simu lar, clinicamente, o da go- mação celular. Esse procedimento é fundamental para
norréia. Na mulher, a C. trachomatis, além da cervicire obtenção de células com os corpúsculos da clamídia.
e uretrite, pode levar à OlP e até à infertilidade. Na mulher, a colera uretra! se faz a 1,5 cm. seguindo os
Deve-se suspeitar de uretrite pós-gonocócica em pa- mesmos movimentos da coleta masculina. Está, porém.
cientes que apresentam sinais e/ou sintomas de uretrite formalmente indicada a colera de secreção no canal en-
quatro a sere dias após o tratamento de UG. empregan- docervical. em virtude da melhor sensibilidade diagnósrica

Investigação laboratorial das uretrites infecciosas 169


nesre local. Deve-se evirar a colera com alça bacteriológi- ocorre em aproximadameme 95% dos homens simo-
ca. pois é freqüeme a possibilidade de lesões traumáticas. mácicos. No sexo feminino, porém, tal achado ocorre
No canal endocervical, insere-se o swab aproximadamen- em menos de 30%. Nestas, deve-se coletar o raspado
re 1.5 cm. promovendo movimentos circulares para obter- do endocérvix, o qual apresema mais sensibil idade na
se descamação das células colunares do endocérvix. idemificação do gonococo.
O rransporre das amosuas clínicas coleradas deve
ser de ral forma que garama a viabilidade dos m icror-
ganismos a serem pesquisados e preserve as qualidades CULTURA
necessárias para a execução das técnicas de análise. É
indicado um meio de transporte contendo um sistema O material clínico. coletado com swab de algodão
tampão fosfato com adição de antibióticos e soro bovi- dracon. é semeado em meio de cultura específico e
no fetal. o que pode ser feito pelo laboratório assistente. incubado em m icroaerofilia para recuparação da N.
É ideal o fornecimento, pelo laboratório, de um kit de gonorrhoeae. A cultura permite idemificar a espécie
coleta para infecções genitais, masculinas e feminas, a ser dos diplococos visualizados. É formalmem e indicada
realizada pelo próprio médico durante a consulta. para mulheres e também para os pacientes do sexo
Os exames laboratoriais dos próximos subitens po- masculino que apresemaram resultado negat ivo ou
dem ser disponibilizados pelos serviços de assistência duvidoso no exame direto corado pelo Gram, pacien -
médica, para esclarecimento diagnóstico. tes dos quais não foi possível obter material para tal
exame e, ainda, nos casos suspeitos de resistência à
penicilina. A parti r da cultura, pode-se fazer o anti-
EXAME D IRETO A FRESCO biograma e estudos de genética m olecular. Ressalta-se
que a cu lt ura é o método de referência para o diag-
Trata-se da microscopia do material clínico coletado, nóstico da gonorréia.
sem fixação e sem coloração. Esta revela o número de A aplicação da cultura na abordagem diagnóstica
leucóciros/campo, a presença de T vagina/is e de leve- das UNGs é limitada. A técnica de isolamemo em cul-
duras, hifas e pseudo-hifas. Muito út il na avaliação da tura celular, considerado o mécodo de referência para
microbiota vaginal, sendo possível, por meio deste, diag- o d iagnóstico das infecções por C. trachomatis, é sen-
nosticar vaginites e vaginose. Apesar da baixa sensibilida- sível e específica, exigindo, entretantO, infra-escrutura
de, é um exame simples, de cusro baixo. rápido e possível laboratorial para o cultivo de células. Por tal mot ivo,
de ser realizado durante a consulta clínica. não se encontra am plamente difund ida e acessível à
comunidade. Por outro lado, o resultado da cultu ra
para U. urealyticum deve ser interpretado com cau tela,
EXAME DIRETO CO RADO PELO GRAM à luz da alta prevalência de colon ização em ind ivíduos
assimomát icos e sexualmeme ativos. A mesma pon-
O material clín1co é fixado em lâmina e corado. Sua deração d eve ser feita em relação ao isolamemo em
principal utilidade é permitir, além da contagem dos cultivo de M. hominis.
leucócitos, a visualização de diplococos Gram negativo
(DGN) intracelulares, fato confirmatório da gonorréria.
O achado de diplococos Gram negativo extracelulares IMU NOFLUORESCÊNCIA DIRETA PARA CLA M ÍD IA
não permite estabelecer o diagnóstico de infecção go-
nocócica, indicando a necessidade da solicitação de cul- O teste de imunofluorescência direta (IFD) cor-
tura para Neissena gonorrhoeae. responde a uma reação específica entre um antígeno
O exame m icroscópico do esfregaço de secreção MOMP da clamídia e um anticorpo monoclonal es-
uretral corado pelo Gram const itui-se em exceleme pecífico contra esse antígeno, conjugado a uma fluo-
método de diagnóstiCO para o sexo masculino. O acha- resceína (isotiocianaro de fluoresceína - FITC). Pode-se
do de diplococos Gram negativo intracelulares típicos utilizar, além da secreção urecral. o raspado uretra! e do

170 [ Medicina laboratorial para o clínico


ABORDAGEM SIMPLIFICADA
endocérvix e o primeiro jaro de urina para realização da
imunofluorescência direta para clamídia.
Esta técmca tem sido muiro utilizada. apesar de exigir O Ministério da Saúde orienta a abordagem sindrômi-
microscópio de fluorescência e ser passível de variabili- ca para o diagnóstico e tratamento das uretrites. de for-
dade técnica em função da subjetividade do examinador ma a garantir a interrupção da transmissão dos agentes
na leitura das lâminas. No entanto, em que pese à sua infecciosos (Figura 17.1). Nos pnmeiros passos. pressupõe-
alta espeofiodade. tem sensibilidade inferior às técn1cas se a poss1bd1dade da realização da bacterioscopia da se-
de genética molecular. creção urerral pelo mérodo de coloração de Gram, o qual
poderá informar sobre o número de leucócicos polimor-
fonuclear (LPMN)/campo microscópico (x100, imersão
TÉCN ICAS IMUNOENZIMÁTICAS em óleo). confirmando ou não a urerrite. A bacteriosco-
pia permite também a visualização de diplococos Gram
Na técniCa imunoenzimática (ELISA), a partir de uma negativo intracelulares, fato confirmatório da UG.
reação antígeno-anticorpo, a presença do antígeno no es- Na etiologia não gonocócica, ocorrerá também na
pécime clínico é revelada pela produção de cor sobre um bacterioscopia da secreção uretra! pelo método de co-
substraco cromogên ico. Apesar de exigir equipamentos loração de Gram a presença de mais de cinco leucócitos
de cusco mais alco, tem a vantagem de ser uma técnica polimorfonucleares/campo, às vezes com diplococos
aplicável diretamente sobre as amosuas clín1cas coleta- Gram negativo extracelulares (neisserias da microbiota
das e permitir rápido diagnóstico. Tipos variáveis de k1ts e não patógenas).
estão disponíveiS no mercado, sendo que os mécodos de Seguindo esta orientação. se a UG não for identifica-
fase líquida têm demonstrado sensibilidade de 96 a 98% da neste pnmeiro passo. pode-se solicitar a cultura para
quando comparados com a cultura. Como regra geral, o neisseria, coletando as amosrras clín icas com Indicação
M1n1sténo da Saúde, através do Programa Nacional de apropriada para cada caso: swab de secreção ureual, ras-
DST/AIDS, sugere um ensaio imunoenzimático para tes- pado de mucosa uretral e urina de jaco inicial após higie-
te de u iagem, sendo indicação absoluta a realização de nização local. t válido destacar que a cul tura é o método
testes confirmatórios, diante de resultado positivo. de referência no diagnóstico laboratorial da gonorréia,
sendo considerada a primeira opção para as mulheres e
indicada para homens com suspeita clínica da doença e
TÉCN ICAS DE GENÉTICA MOLECULAR resultado de bacterioscopia negativo.
Nessas mesmas amostras. deve-se acrescentar ao
Pode-se utilizar secreção, raspado celular ou urina de pedido méd1co a 1munofluorescência direta ou ELISA
primeiro jaco para a realização da reação de polimerização ou PCR para clamídia. Segunda a abordagem simplifica-
em cadeia (PCR). Essa mecodologia tem se revelado a me- da proposta pelo Ministério da Saúde, porém. estas so-
lhor para a rocina clínica, particularmente no diagnóstico mente estariam indicadas nos casos de cultura negativa
de infecção por C trachomatis. devido à sua alta sensibi- para o gonococo.
lidade e especificidade (superiores a 95%). Porém, a PCR Outras técn1cas mais simples. embora não confirmató-
ainda coma com grande restrição de acesso aos pacientes, rias. podem ter utilidade para o clínico. O achado de onco
em função de cusco e relativa complexidade operacional. p1ócicos ou mais por campo (x100) em esfregaços de secre-
Em recente revisão do uso diagnóstico de testes de ção uretra! corados pelo Gram ou de 10 ou mais piócitos
amplificação de ácido nucléico disponíveis comercialmen- por campo em grande aumento (x40) no sedimento do
te nos USA, utilizando metanálise de estudos publicados, primeiro jato urinário, somados à ausência de gonococos e
constataram-se excelentes sensibilidade e especificidade aos sinais clínicos, justificam o tratamento como UNG. Em
para a detecção de C trachomatis em amostras de urina pacientes sintomáticos. CUJOS primeiros exames forem ne-
de homens e mulheres. Os resultados foram equivalemes gativos. deve-se colher nova amostra, orientando-os para
àqueles obt1dos com amostras de swab ureual e cervical, que fiquem sem urinar durante, no mínimo. quatro horas
fato não verificado na identificação de N. gonorhoeae. antes de repetirem o teste e em abstinência sexual.

Investigação laboratorial das uretrites infecc iosas 171


Paciente com suspeito de uretrite

Sim : coleto de Trotamento empírico


espécime cl ínico poro UG e UNG

G rom com menos Pesguisor outros cousas


de 5 LPMN para os sintomas.

Gram com mais


de 5 LPMN e DGN Trotamento específico
introcelulares

Gram com mais de


5 LPMN sem DGN

- Clomíd io: PCR, IFD, Elisa


ou cultura de célula para Clomídia
É possível investigar etiolog ia?
- Cultura ou técnicas moleculares
para micoplosma e ureaplasma

Figura 17.1 -Abordagem simplificada das uretrites.

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172 [ M edicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - - -- -- - - - -- - -- - - - - - - - - -- - - - -- -


Rodolfo de Braga Almeida
18 Marcos Mendonça

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DAS


VAGINITES E VAGINOSE

Procurar-se-á neste texto dar àqueles que farão uso Lactobacillus acidophílus. considerados os responsáveis
dele, em sua lida diária na atenção à saúde das mulheres, pela manutenção do pH vaginal. pelo metabolismo da
informações e ferram entas capazes de contribuir para a glicose, a partir do glicogênio comido no epitélio de re-
conduta clínica e a resolutividade dos casos sob sua as- vestimento (Figura 18.1). O pH da vagina situa-se entre
sistência médica. 3,5 e 4,5 em mulheres no período de menacme. Meni-
As vaginites e a vaginose são, respectivamente, pro- nas pré-púberes e mu lheres no período pós-menopausa
cessos inflamatórios e de alterações do ecossistema vagi- têm o pH vaginal em to rno de 7,0. Além dos lactoba-
nal que levam a repercussões desconfortantes e negativas cilos, fazem parte da microbiora vaginal vários micror-
para o bem-escar e a saúde das mulheres acometidas. ganismos, entre os quais, Staphylococcus epiderm1dis,
É importante compreender a fisiologia desse sírio Streptococcus sp, Escherichia coli, bactérias anaeróbias e
corporal, pelas suas particularidades que influenciarão as leveduras como as do gênero Candida.
interpretações dos resultados dos diversos exames labo-
ratoriais que podem ser utilizados para o diagnóstico.
As mulheres, mesmo as de melhores condições so-
cioculcurais, confundem, muicas vezes, fluxos cérvico-
vaginais normais com corrimentos devidos à inflamação. -,
A emissão fluida da vagina, quando fisiológica, é inter- ~

mitente ou ocasionalmente contínua, inodora, incolor e p /


t-
não acompanhada por ardor ou prurido. ~

A vagina possui um sistema de defesa especialmente


~
represemado pela descamação comínua do epitélio es-
camoso estratificado e pela acidez do meio. Essa desca- -'
,1 .
mação celular está relacionada com os níveis sanguíneos Figura 18.1 - Esfregaço do ftu1do vag1nal normal corado pelo Gram
de esrrogênios, estando, portamo, dim inuída fisiologica- (x100): microbiora vag1nal com a presença de bastonetes Grampo-
mente na infância e na pós-menopausa. sitivos (Flora Doderlein) e células superficiais da mucosa vaginal.
O meio vaginal é composto de cransudato vaginal. ller oag.na 172
restos celulares e microrganismos, sendo que estes po-
dem ser comensais ou patógenos oportunistas. A mi- A microbiota vaginal pode ser modificada em vá-
crobiota vagi nal indígena é constituída basicamente por rias situações, cais como: comportamento sexual (tipo,
freqüência e número de parceiros); estado hormonal argumento contrário à transmissão sexual como forma
(gravidez. contracepção hormonal e nas diversas fases única e exclusiva para a aquisição dessa afecção. Outra
do ciclo menstrual); sangramento vaginal (mensuua- evidência contra a uansmissão sexual exclusiva decorre
ções, sangramentos irregulares e lóquios); corpos estra- dos achados de que o uacamento dos parceiros não
nhos (sutura de cerclagem, diafragmas e tampões) e uso previne a sua recorrência.
de medicamentos (antimicrobianos e espermicidas). O A vaginite por Candida é a segunda causa mais fre-
meio vaginal é hostil ao crescimento de microrganismos qüente de vaginites. sendo afecção comum em mulhe-
parogênicos e pode inibir a transmissão de doenças se- res durante a vida reprodutiva. As diversas espécies de
xualmente transmissíveis. Porém, quando ocorre ruptura Candida são mais freqüentemente isoladas da cavidade
no equilíbrio entre os mecanismos naturais de defesa do oral e são detectadas em 31 a 55% dos indivíduos sadios.
hospedeiro e o potencial de agressão desses microrganis- Candida albicans é o agente causador em 85 a 95% dos
mos, podem ocorrer reações Inflamatórias ou alterações casos de cand1díase vaginal. Este Fungo é um organismo
do ecossistema local, que favorecem a ocorrência de do- comensal dos tratos genital e gasuintescinal e um pacó-
ença inAamatória pélvica, de infecções pós-cirúrgicas e geno oportunista desses sítios. Outra espécie de fungo,
de adversidades na gravidez. a Candida glabrata, tem sido considerada um saprófita
O diagnóstico das vaginites e da vaginose deve se não-patogênico da microbioca de indivíduos sadios, ra-
basear em anamnese e exame físico detalhados e em ramente causando infecção em humanos. Contudo, de-
recursos complementares, tais como a determinação vido ao aumento do uso de terapia imunossupressora e
do pH vaginal, o teste do KOH, o exame colposcópico, de terapia antimicótica de amplo especuo, a freqüência
os estudos citobacteriológicos (exame direto a fresco, de infecções de mucosas causadas por C. glabrata tem
exame direto corado pelo Gram e Papanicolaou), exa- aumentado significativamente.
mes de genética molecular. como a reação de polime- Aproximadamente 20% das mulheres apresentam C.
rização em cadeia (PCR), culturas e estudo histológico, albicans na vagina sem qualquer sintoma. Ma1s de 75%
entre ouu os. delas apresentarão pelo menos um episódio de candidí-
ase vaginal aguda durante sua vida e outros 5 a 10% terão
candidíase vaginal recorrente. Enquanto a afecção aguda é
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS usualmente associada a fatores predisponentes, cais como
o uso de antibióticos, anticoncepcionais orais, gravidez ou
A vaginose bacteriana (VB) é a afecção mais freqüen- diabetes, a candidíase vaginal recorrente geralmente não
cemente relacionada às vaginites e ao corrimento vagi- apresenta facores predisponentes conhecidos, em que
nal, sendo responsável por aproximadamente 50% dos pese a algumas suspeitas de ser parte de um fenômeno
casos. Todavia, sua prevalência ainda é subestimada, uma imunopsicossomácico. Na gravidez, 30 a 35%das mulheres
vez que metade das mulheres com VB são assintomáti- apresentam cultura positiva para C. albicans.
cas. Durante a gestação, sua prevalência é similar àquela A tricomoníase, outrora uma freqüente vaginite,
encontrada em não-grávidas de mesmas características é uma infecção primariamente de transmissão sexu-
sociodemográficas. al, causada pelo protozoário flagelado Trichomonas
Muitas observações têm relacionado a vaginose vagina/is. Tem sido observada incidência decrescente
bacteriana com a atividade sexual, sendo muito mais nos últimos 20 anos e, nos dias de hoje, é responsável
freq üente entre mulheres sexualmente ativas. t mais por pequenas e variáveis freqüências, dependendo da
freq üente entre mulheres com início precoce da ati- população escudada.
vidade sexual, entre as que referem maior número de Alguns estudos no Brasil estimam a prevalência das
parceiros sexua is e entre aquelas com história de ou- infecções cérvico-vaginais no país. Pode-se afirmar que
nas infecções genitais concomitantes ou pregressas. a tricomoníase tem tido freqüência em franca redução
Além disso, o aparecimento da vaginose bacteriana é (abaixo de 5%), assim como a gonorréia (1 a 5%), e que
freqüentemente associado à mudança de parceiro se- tem ocorrido ascensão da infecção por clamídia e da va-
xual. Por outro lado, sua detecção enue virgens é um ginose (10-15%) entre as brasileiras.

174 [ Medicina laboratorial para o clínico


ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS a responder a um estímulo alergênico e a C. a/bicans
pode rornar-se um potente alergeno. A instituição de
Para cada entidade clínica das vaginites e vaginose, imunoterapia promove no organismo uma hipossen -
vale observar os aspecws fisiopawlógicos em separado, sibilização gradual, com diminuição progressiva dos
apesar de algumas características serem semelhantes. níveis de lgE e conseqüente queda das substâncias res-
A vaginose baneriana é definida como uma sín- ponsáveis por reações inflamatórias, que levam à sinto-
drome caracterizada pelo desequilíbrio da m icrobiota matologia clínica da candidíase.
vaginal indígena. Pode ocorrer agudamente ou espora- O papel da imunidade mediada por células contra
dicamente e cornar-se uma condição persistente. Essa a candidíase vaginal ainda é incerto, tanto em huma-
afecção é marcada por franca d iminuição de laccoba- nos com o no modelo experimenta l em roedores, as-
cilos e pelo crescimento excessivo de ou tros micror- sim como o papel da imunidade humoral. Enquanto
ganismos, tais como: Gardnerella vagina/is, Mobiluncus observações clín icas sugerem papel mínimo de anti-
sp, Bacteroides sp, Mycoplasma sp, Peptoestreptococcus corpos contra a candidíase vaginal. um m odelo expe-
sp, Prevotella sp, Atopodium sp, Clostridium sp, que pa- rimental em ratos mostrou evidência de proteção por
recem atuar sinergicamente. O exaco mecanismo pelo anticorpos lgA específicos para Candida. Adicional-
quais esses microrganismos causam alteração do meio mente, vacinação específica para Candida induzindo
vaginal ainda não foi estabelecido. O metabolismo produção de anticorpos lgM e lgG3 é proterora no
bacteriano anaeróbio cria um meio alcalino que inibe modelo de vagin ite em roedores.
o crescimento dos laccobacilos, facil itando a replicação Trabalhos experimentais em camundongos têm mos-
dos patógenos. A lém d isso, observa-se número muito trado controvérsia em relação ao papel da imunidade
diminuído dos lactobacilos produtores de peróxido de local e sistémica mediada por células na candidíase vagi-
hidrogénio nas pacientes com VB, quando compara- nal. Estudo recente mostrou que pequena ou nenhuma
das com mulheres saudáveis. modificação ocorre na porcentagem ou tipo de células
A vaginite por Candida tem como principal agente a T na vag1na, durante infecção primária ou secundária por
C. a/bicans, que é um microrganismo comensal e pató- Cand1da, onde se observou proteção parcial.
geno oportun ista da microbiota humana. A maioria dos Na vaginite por T vagina/is, protozoário flagelado
adulws desenvolve mecanismos fisiológicos de defesa que tem afinidade pelo epitélio vaginal, verifica-se pH
que controlam o cresci mento e a difusão desse fungo. vaginal de 5,0 a 7,5, que é muito favorável à multipli-
Alguns fatores são predisponentes à infecção, tais como cação. Entre os facores de risco associados à contami-
gravidez, uso de dispositivo intra-uterino, de anovulató- nação pelo T vagina/is, podem-se ci tar: múltiplos par-
rios e antimicrobianos e diabetes. Níveis aumentados de ceiros sexuais, baixo nível socioeconômico, tabagismo,
estrogênios, levando ao aumento do teor de glicogênio história prévia de doença sexualmente transmissível
e à acidificação local, parecem ser responsáveis pelo au- (DST) e a não utilização de mécodos contraceptivos
mento da incidência dessa infecção. de barreira. A associação de tricomoníase e outras in-
A lguns estudos têm demonstrado que a resposta fecções, com o gonocócica e vaginose bacteriana, tem
imune vaginal é responsável por casos de vaginites re- sido observada com certa freqüência. Esse fato parece
correntes. Anticorpos lgE contra C. albicans e contra estar relacionado à produção, pelo protozoário, de hi-
componentes do sêmen, pólen e espermicidas têm sido drogénio, q ue se liga ao oxigénio, promovendo a sua
identificados no fluido vaginal de mulheres com essa remoção do ecossistema vaginal e faci li tando o cresci-
afecção. Em muitos casos, a presença de prostaglandina mento de bactérias anaeróbias.
E2 na vagina e a detecção de eosinófilos no líquido vagi- A vaginite não constitui manifestação primordial
nal também foram observadas. da infecção gonocócica na mulher adulta. No entan-
Pacientes portadoras de candidíase vaginal de repe- to, a associação com outros m icrorgan ismos, como T
tição podem freqüentemente apresentar rinite alérgica vagina/is, provoca forte descamação das camadas su-
e história familiar de alergia. A mucosa vaginal. assim perficiais do epitélio vaginal, tornando a vagina mais
como as outras mucosas, está imunologicamente apta acessível ao gonococo. Nesses casos, man ifesta-se por

Invest igação laboratoria l da s vaginites e vaginose 175


corrimento amarelado, ardor e queimaçào vulvar, po- Para ramo, considerando o sintoma de corrimento
dendo estar presentes disúria, polaciúria e hematúria. vaginal como a queixa mais freqüente dessas afecções,
Dor abdominal pode surgir em decorrência do acome- torna-se importante caracterizar se tal manifestação é
timento secundário das trompas. devida a fatores fisiológicos ou conseqüentes a doenças,
A queixa de corrimento mucoso, persistente, sendo que, nesta última situação, englobam-se diversas
após tratamemo de cervicites gonocócicas, ou a causas, infecciosas ou não infecciosas.
presença de cervicite mucopurulenta na ausência de O exame físico consta inicialmente da 1nspeção da
Trichomonas ou Candida, com cultura negativa para genitália externa e do intró ito vaginal a olho nu, a qual
gonococos, sugere a possibilidade de infecção genital pode revelar lesões, tais como úlceras, verrugas ou
por Ch/amidia trachomatis. nodu lações. Em seguida, o exame especu lar também
Em razão da alta prevalência de parasitoses intestinais possibilitará a observação de alterações, como hipere-
em nosso meio, merece menção a possível ocorrência de mia, edema ou lesões nas paredes vaginais. O fluido
vagini tes causadas por Entamoeba histolytica, Enterobius vaginal poderá ser caracterizado quanto à cor, consis-
vermicularis, Schistosoma mansoni e Ascaris lumbricoides, tência, volume e aderência às paredes da vagina. Como
entre outros, que, por cuidados precários de higiene, po- recurso auxiliar, será utilizado o colposcópio, que per-
dem alcançar a genitália interna, provocando corrimento. mite a ampliação das imagens em até 40 vezes, como
A vaginite citolítica constitui condição associada será descrito adiante.
às variações hormonais do ciclo menstrual, caracteri- Na vaginite por Candida, o prurido e o corrimento
zada por aumento do número de lactobacilos. Estes, vaginal são comumente a base para fazer-se o diagnósti-
embora não sejam patógenos de forma direta, podem co. O exame ginecológico pode revelar edema e/ou eri-
ocasionar vaginite sintomática, por produzir demasia- tema vulvar, com presença ou não de fissuras. A vagina
da queda no pH vaginal, com conseqüente irritação da e o colo freqüentemente apresentam-se hiperemiados.
mucosa da vagina, vulva e região perineal, pelo contato observando-se fluido vaginal, de coloração variável, flo-
com o f luido excessivamente ácido. Manifesta-se por cular, viscoso e, na maioria das vezes, aderente às paredes
corrimento, prurido, disúria e pelo aumento cíclico dos da vagina. Por outro lado, a ausência de prurido torna a
sintomas durante a fase lútea. candidíase um diagnóstico menos provável. Um estudo
A ação local de alergenos, tais como agentes de lim- em que se determinou a relação entre critérios clínicos
peza. perfumes ou xampus, também são citados como (sinais e sintomas) e as três principais causas infecciosas
causas de irritação vaginal. de corrimento, verificou-se que, na candidíase, freqüen-
Neoplasias do trato genital devem ser consideradas temente não se observa odor desagradável.
no diagnóstico diferencial das vaginites, pois também Na vaginose bacteriana, o corrimento rende a ser
causam corrimento, tendo-se em mente que os tumores fl uido, homogêneo, de odor desagradável, o qual se
ovarianos e uterinas podem cursar com esta manifesta- exacerba após o intercurso sexual. Com a ejaculação, o
ção, principalmente o câncer de colo uterino, em razão líquido seminal eleva o pH vaginal transitoriamente, pro-
de sua alta incidência em nosso meio. vocando a liberação de aminas que se volatilizam e são
detectadas pelo seu odor característico. O padrão dos
sintomas pode ser cíclico, aumentando progressivamen-
ASPECTOS CLÍNICOS te desde o meio do ciclo até o final da menstruação e
diminuindo logo após. A sua constatação ao exame é
Na história clínica, deve-se investigar o início e a du- sinal preditivo dessa afecção. A vagina e o colo uterino
ração dos sintomas e sinais, tais como eliminação de lí- geralmente não apresentam áreas de hiperemia.
quido pelo intróito vaginal. ardor, prurido, odor desagra- Na vaginite por tricomonas, observa-se quadro
dável e alterações urinárias. Devem-se avaliar, também, clínico variável. de acordo com o estágio evolutivo da
os hábitos sexuais, a história menstrual, o método con- infecção. No processo agudo, o corrimento é em geral
traceptivo utilizado, o uso recente de medicamentos e a espumoso, profuso e amarelo-esverdeado. podendo
ocorrência anterior de inflamação vaginal. ocorrer prurido, disúria e dispareunia. Não é comum a

176 [ Medicina laboratorial para o clínico


ocorrência de erirema vulvar ou escoriação. mas erirema Na infecção por Candida, o quadro colposcópico é
vaginal em geral está presente. O aspectO de "colo em caractenzado pelo aparecimentO de um ponti lhado fino.
morango", com inúmeros pomos hemorrágicos. é visro branco. pouco elevado. difuso, sobre a mucosa hipere-
em apenas pequeno número de casos. Na infecção crô- miada. Após a aplicação da solução de Schiller. a inflama-
nica, o corrimento persiste, mas as demais manifestações ção aparece como um pontilhado iodoclaro sobre super-
cendem a regredir. fície iodoescura. Esses aspeccos colposcópicos, codavia,
Na vaginire citolítica observa-se corrimento, prurido, não são parognomônicos, devendo ser feito diagnóstico
disúria e intensificação dos sintomas na presença de níveis diferencial com a condilomarose em pontos brancos.
séricos elevados de progesterona, especialmente na segun- Na vaginose bacteriana. o epitélio escamoso geral-
da fase do ciclo menstrual ou na gravidez. Esta é caracteri- mente apresenta aspecm normal, podendo, evemual-
zada por aumento do número de lactobacilos que. embora meme. apresentar áreas de colpite d1fusa.
não sejam patógenos. podem ocasionar vaginite sintomá- A 1magem de colpite d1fusa e focal devida à dilata-
tica. por produzirem demasiada queda no pH vaginal. com ção capilar e hemorragias punriformes está relaoona-
conseqüente irritação da mucosa da vagina. vulva e região da à infecção pelo T vagina/is em aproximadamente
perineal pelo comato com o fluido excessivamente ácido. 90% dos casos.
Na infecção causada por papilomavírus humano Na vaginite citolítica. a avaliação colposcópica não
(HPV), podem ser observadas lesões verrucosas ou tu- apresenta características específicas e freqüememente o
morações sésseis de tamanho variável, com superfície exame é considerado normal.
micropapilar e irregular nas paredes da vagina. No intrói- A forma subclínica da infecção por HPV. bem ma1s
to vaginal. as lesões podem apresentar-se ligeiramente freqüente que as lesões verrucosas clinicamente identi-
mais escuras que a pele circunjacente e nas áreas de mu- ficáveis. é perceptível somente por meio da colposcop1a
cosa mostram-se hiperemiadas. Nas formas subclínicas e/ou da microscopia. O condiloma plano virai representa
da 1nfecção por HPV. de ocorrência muito freqüente, o a manifestação colposcópica mais freqüence da infecção
diagnóstico pode ser presumido com o auxílio da col- na cérvice uterina. É visualizado após a aplicação de áci-
poscopia e da microscopia (coloração de Papanicolaou); do acético a 2 ou 3%. preferencialmence demro da zona
nas formas latentes, a detecção do vírus é feita com téc- de transformação. mas também enconrrado fora dela e
nicas de biologia molecular, como visto a seguir. mesmo nas paredes vaginais, de coloração esbranquiça-
O exame colposcópico é útil no diagnóstico de va- da e lim ites nítidos. Sob visualização col poscópica obser-
ginites. pois revela detalhes do epitélio inflamado. Ele vam-se mosaicos. pontilhados. leucoplasias ou áreas de
permite o estudo da superfície do colo e da vagi na, com epitélio aceto-branco. Tais lesões podem ser ún icas ou
aumento que varia de seis a 40 vezes. Aplica-se inicial- múltiplas e geralmente não se coram após a aplicação de
mente solução de ácido acétiCO a 2% ou a 5% por aproxi- solução de Schiller.
madamente dois minutos. com a finalidade de remover A vaginite condilomarosa é uma condição clínica
o muco cervical e outros resíduos. facilitando a visualiza- observável ao colposcópio, podendo-se v1sual1zar mi-
ção. Assim, as áreas de hi peremia serão facilmente iden- núsculas micropapilas pontiagudas que ocupam exten-
tificadas à colposcopia. Após a aplicação da solução io- sões variáveis do epitélio. Essa lesão também se mostra
dada de Schiller, essas áreas absorvem mal o iodo, sendo acero-branca. não se corando pela solução de Schiller.
então chamadas de "áreas iodoclaras". Sua detecção. no entanto, exige minucioso estudo col-
Nas cervicocolpites. freqüentememe são observados poscópico das paredes da vagina.
dois tipos de imagens:
• colpite difusa: imagem de pomos avermelhados
(áreas iodoclaras). que se estende por toda a su- ABORDAGEM LABORATORIAL
perfície do epitélio escamoso;
• colpite focal : imagem de áreas avermelhadas ex- Para o diagnóstico mais preciso e bom acompanha-
tensas, que corresponde à confluência dos pontos mento das pacientes. além dos recursos propedêuticas
de colpite difusa. da clínica e da colposcopia, é muito útil comar com os

Investigação laboratorial das vaginites e vaginose 177


exames laboraroriais, pois, a partir deles, pode-se obter a O teste é muim útil na pesquisa de germes anae-
definição microbiológica da etiologia e/ou das associa- róbios e G. vagina/is. Teste das aminas positivo é alta-
ções de agentes. Coma-se. entre outros, com os seguin- mente preditivo de vaginose bacteriana (94%). Por ou-
tes exames: tro lado, teste negativo não deve excluir o diagnóstico,
tendo em vista o faro de ser subjetivo, dependente do
olfato do examinador. O cesce de KOH também é po-
MEDIDA DE pH VAGINAL sitivo na cncomoníase, mas na cand1díase. sem associa-
ção, é negativo.
A determinação do pH vaginal é importante, pois in-
dica qual o possível agente etiológico da vaginite. É um
reste ráp1do, de baixo cusco e de fácil realização. O pH EXAM E DIRETO A FRESCO
local pode ser medido com o uso de papéis ou fitas rea-
gentes, colocados diretameme na parede da vag1na. Após O exame direto do resíduo vaginal é indispensável
aproximadamente um minuro. a coloração da fita é ob- para o diagnóstiCO, sendo um recurso simples e prá[l-
servada e comparada com a cor correspondente na esca- co, podendo ser realizado pelo próprio ginecologista no
la. Entre as fitas reagentes. para medida de pH. disponíveis momento da consulta. A técnica consiste na ad1ção de
no mercado. deve-se priorizar aquelas graduadas em 0,5 e uma gota do fluido vaginal a uma gota de soro fisiológi-
que cubram pelo menos uma faixa de O a 5.0. co entre lâmina e lamínula e observação em microscópio
Na candidíase, o pH do fluido vaginal geralmente óptico comum.
encontra-se abaixo de 4,5. O pH vag1nal aumentado, isco Vários elementos podem ser observados ao exame
é. acima de 4.5. isoladamente apresenta alta sensibilidade direco, ta1s como as células ep1teliais descamadas, lac-
(92%) para o diagnóstico de vaginose bacteriana. porém cobacilos. cocobacilos. leucócitOs e parasitas, como T.
baixa especificidade (62%). Na tricomoníase. o pH vagi- vaginalts e fu ngos.
nal é superior a 4,5 em cerca de 70% dos casos. Em geral, O fluido vaginal de mulheres adultas normais geral-
encontra-se emre seis e sete. mente mostra células ep1teliais. laccobacilos. cocobacilos
Deve-se ressaltar. no encanto, que outros facores. e raros neutrófilos. A presença de grande número de pi-
além dos infecciosos, podem provocar elevação do pH ócitos (neutrófilos degenerados) sugere inflamação. No
vaginal. tais como imercurso sexual, presença de muco emamo. amostras colhidas no período pré-menstrual
cerv1cal, reações inflamarónas. sangramentos. antibio- podem revelar elevado número de neutrófilos. mesmo
ticoterapia e alterações hormonais. O pH encontra-se na ausência de inflamação.
elevado. por exemplo. nas pacientes em pós-menopausa Na suspeita de candidíase, o exame a fresco pode
com vaginite arrófica, em função do decréscimo dos ní- ser feiro com uma gma de KOH a 10% em substitui-
veis de esrrogênios. com conseqüente redução de lacto- ção ao soro fisiológico. possibilitando melhor identi-
bacilos e alcalinização do me1o vag1nal. Na vag1nite otolí- fi cação de fungos devido à lise dos demais elementos
rica. em razão do elevado número de laccobacilos. o pH celulares. A C. albicans é o agente causador em 85 a
vag1nal encontra-se reduzido. 95% dos casos de candidíase vaginal. A identificação
de hifa s sugere infecção por Candida. que é o único
gênero de fungo que se reproduz sob esta forma na
TESTE DO KO H 10% cavidade vaginal. Por outro lado, o achado apenas
de esporos não indica infecção por Cand1da, po1s
O teste do KOH 10% (teste de Wijf. teste das ami- estes podem apenas representar sua forma saprófi-
nas ou teste do cheiro) consiste na adição, sobre uma ta ou mesmo outros fungos, como Criptococos, que
lâmina de vidro. de uma a duas gotas de KOH a 10% podem existir na vagina. sem causar infecção. Nos
a uma gora do fluido vaginal. É considerado positivo casos em que a Candida é o único agente agressor.
quando exala odor desagradável, de peixe. causado não se encontra número apreciável de polimo rfo-
pela liberação de aminas (putrescina e cadaverina). nucleares. Quando se adiciona KOH a 10% du ra nte

178 ( Medicina laboratorial para o clínico


a realização do exame a fresco, podem-se visualizar mantêm (Gram negativo). A coloração de amostra do
melhor as hifas, conferindo sensibilidade de 50 a 70% fluido vaginal pelo mécodo de Gram pode demonstrar
ao mérodo. ou confirmar a presença de vagin1te.
O encontro de células cujo cicoplasma parece co- Os laccobacilos de Doderlei n consistem em bactérias
berco por grande quantidade de cocobacilos, o que Gram positivo, de forma curta como cocos ou forma fi-
dificulra a delimiração de suas bordas (células indica- lamentosa, de tamanho variado (Figura 18.1). As células
doras ou e/ue-ce/Is), sugere o diagnóstico de vagina- indicadoras (clue-cells) são idenrificadas pelo citoplasma
se bacteriana. O número de laccobacilos pode estar coberto por grande quantidade de cocobacilos Gram
reduzido ou estes podem estar ausentes quando as positivo, dificultando a delimitação de suas bordas (Fi-
e/ue-ce/Is estão presentes. A existência dessas células é gura 18.2). Podem também ser observados G. vagina/is,
o marcador mais sensível e específico de vaginose bac- bastonetes Gram negativo ou Gram variável, pequenos
teriana, com acurácia de 85 a 90%. Entretanto, é neces- e pleomórficos; e espécies de Mobiluncus, bastonetes
sário um bom microscópio óptico disponível durante curvos Gram variáveLOs fungos, Gram positivo, são fa-
a consulta e a experiência do examinador para iden- cilmente identificáveis, tanto na forma de hifas quanto
tificá-las. Outras bactérias, como Mobiluncus, podem de esporos (Figuras 18.3 e 18.4).
ser freqüememente visualizadas como bacilos curvos A coloração de Gram, no entanto, não oferece me-
e finos, lembrando uma vírgula, e de resposta Gram lhores resultados que os obtidos pelo exame a fresco. Este
variável à coloração. O encontro de poucos leucócicos último reflete melhor a característica da população lacto-
refletindo a natureza não inflamatória dessa afecção bacilar vaginal em relação ao primeiro. Os lacto bacilos são
fortalece seu diagnóstico. mais facilmente visualizados ao exame direto, provavel-
O diagnóstico de tricomoníase tradicionalmeme menre pela perda desses microrganismos durante os pro-
é feito pela observação do procozoário no fluido vagi- cessos de fixação ou de coloração. T vagina/is também
naL O T vagina/is é facilmente observado ao exame a são de identificação difícil em esfregaços corados, já que
fresco, devido ao movimento ativo de seus flagelos. Em usualmente essa técnica determina alterações na forma e
geral, esses parasicos são duas a três vezes maiores que tamanho desses parasitos.
os leucócicos, os quais se apresentam em grande quan-
tidade. A sensibilidade dessa técnica é variável, entre 38
e 82%. Os Trichomonas móveis são viscos em apenas 50 EXAM E DE PAPANICOLAOU
a 70% dos casos, que são posteriormente confi rmados
por cultura. O exame colpocitológico realizado em células esfo-
O encontro de altO número de lactobacilos, na au- liadas das paredes vaginais e das regiões ecto e endocer-
sência de células indicadoras de Gardnerella, Candida ou vicais possibilita a observação de alterações sugestivas de
Trichomonas no exame a fresco do flu ido vaginal, assim vaginites. O exame do material para estudo oncológico
como de pequena quantidade de leucócitos e evidência do colo uterino poderá se constituir num recurso auxi-
de citólise com núcleos soltos e fragmentos citoplasmá- liar no diagnóstico de infecções não virais. Não se trata,
ticos, sugere o diagnóstico de vaginite citolítica. entretanto, de exame de primeira linha.
A coloração de Papanicolaou proporciona melhoria
no diagnóstico de tricomoníase, visto que é rotineiramen-
EXAME DIRETO CORADO PELO GRAM te usado em ginecologia no rastreamento de populações
com alta prevalência de DSTs. No entanto, nas infecções
Constitui um recurso de fáci l realização e baixo causadas pelo T vagina/is, pode haver fal ha no diagnós-
custo, extremamente útil no diagnóstico. A diferente tico quando o esfregaço de Papanicolaou é usado como
composição química da parede celular dos microrga- único método de avaliação. Nessa infecção, deve-se aten-
nismos perm ite ou não que o corante penetre de for- tar para a grande quantidade de leucócitos, hipercroma-
ma permanente. Assim, existem alguns que mantêm o sia, citólise intensa, pseudo-eosinofilia, vacúolos citoplas-
corante azul violeta (Gram positivo) e outros que não o máticos, halos perinucleares e muitos histiócitos.

Investigação laboratorial das vaginites e vaginose 179


tanto, a baixa sensibilidade da técnica nestes casos li-
mita sua utilização no rastreamento de candid íase e
vaginose bacteriana.
Na infecção subclínica por HPV, a citologia oncótica
cérvico-vaginal é o método rastreador mais eficaz. Nes-
te exame, o sinal característ ico da presença do vírus é a
coilocitose. Trata-se de alteração faci lmente tden(l ficá-
vel à microscopia, caracterizada po r células superficiais
ou intermediárias de citoplasma claro, vacuolizado, que
circunda núcleo pequeno, irregular e hipercromático.
Figura 18.2- Vaginose: célula indicadora, m1crobiota alterada com
Intensa redução dos lacmbacilos, presença de cocobacilos e basto- Pode ser também identificada disceratose nos esfrega-
netes curvos e finos, Gram lábe1s. Ver oag1t1a 78( ços, que corresponde à forre eosinofilia citoplasmática,
observável em células menores que as intermediárias,

- além de núcleos densos e hiperc romáricos. Os achados


citol ógicos descritOs são muitO sugestivos de infecção
por HPV, principalmente quando não está associada à
neoplasia intra-epitelial. Convém ressaltar que a norma-
lidade de um esfregaço cérvi co-vaginal não exclu1esse
ripo de infecção .

..
.. ~

CULTURAS

A cultura do resíduo vaginal só deve ser soltcttada


quando os recursos citados anteriormente falharem na
Figura 18.3 - Esfregaço do flUido vagtnal normal corado pelo
identificação do agente causal, visto que a microbiora
Gram (x100): m1crob1ota vag1nal com a presença de bastonetes
Gram pos1nvos (Flora Doderle1n) e células superfiCiaiS da mucosa vaginal nativa é multibacteriana.
vag1nal. Ver pagma 180 A cultura de fiUtdo vaginal nos casos de vaginose
bacteriana e infecção por T vagmalis não fornece in-
formações mais significat ivas que o exame microscó-
pico isolado.
Na candidíase, a culrura possui alta acurácia, mas
este recurso só d eve ser considerado se o d iagnósti-
co pelos métodos anteriores permanece duvi doso ou
nos casos de recorrência da infecção. Para a identifica-
ção das espécies implicadas na infecção causada por
fungos do gênero Candida, é necessária a utilização de
métodos convencionais, como o reste do tubo ger-
minativo, a produção de clam tdo conídeos e o s restes
Figura 18.4 - Esfregaço do 0Utdo vaginal normal corado pelo bioquímicos, os quais ajudam a verif icar a assimilação
Gram (x100): m1crobiota vag1nal com a presença de bastonetes e fermentação de carboidratos correspond entes a
Gram positivos (Flora Dõderle1n) e células superfic1a1s da mucosa cada espécie. M étOdos comerciais autOmatizados que
vaginal. Ver pagmo 180
permitem a d istinção de um grande número de espé-
cies de leveduras têm sido propostOs. Pa ra a identifi-
Fungos e células 1nd1cadoras também podem ser cação presuntiva de espécies de Candida, existem no
evidenciados pela coloração de Papanicolaou. No en- mercado meios cromogênicos o u fluorogênicos. com

180 [ Medicina laboratorial para o clínico ) 1 - - - - - - - - - - - - - -- - - - -- - - - - -- - - - -- -


a capacidade de determinar a arividade enzimática ária são utilizadas outras três técnicas biomoleculares
das leveduras. menos laboriosas: PCR, captura híbrida e hibridização
in situ. Estes recursos permitem a detecção de mínima
quantidade de DNA. bem como a ripagem virai. São
EXAMES IMUNO LÓG ICOS E BIOQUÍM ICOS úteis no reconhecimento da forma latente de infecção
por HPV, assim como nos casos em que a coloração de
Alguns pesquisadores têm utilizado o reste de ELISA Papanicolaou revela atipias escamosas ou glandulares
(Enzyme-lmked immunosorbent assay) no diagnóstico de de signi ficado indeterminado.
candidíase. Esse teste vem sendo considerado útil para
avaliar a quantidade de leveduras, fornecendo resultados
semelhantes aos obtidos pelos mécodos tradicionais de RESGATE DA IDÉIA CENTRAL
contagem de células fúngicas viáveis.
Para o diagnóstico de vaginose bacteriana, tem sido Encontram-se no Quadro 18.1 os recursos prope-
proposto o teste prolina aminopeptidase, por ser rápi- dêuticas para investigação de vaginites e vaginose.
do, pouco dispendioso e de fácil realização. Este en- A seguir são apresentados dois algoritmos: o pri-
contra-se, contudo, pouco difundido em nosso meio. meiro proposto pelos autores deste capítulo, para
A detecção direta de antígenos de T vagina/is em
espécimes clínicos utilizando anticorpos monoclonais Quadro 18.1 - Resumo dos recursos propedêuticos para a
configura-se como mérodo promissor de diagnóstico investigação de vaginites e vag1nose
rápido de tricomoníase.
Anomnese

Exame físico
EXAMES MOLECULARES
Colposcopio

Recentemente, as técnicas genéticas vêm ganhan- Medido do pH vaginal

do espaço na propedêutica complementar das vagi - Teste do KO H l O% ou Teste do cheiro


nites. No geral, essas técnicas apresentam alta sensi-
Exame direto o fresco
bilidade e especificidade, mas sua aplicabilidade ainda
é limitada na maioria dos centros em razão do alco Exame direto corado pelo Gro m
custo e da necessidade de recu rsos humanos e opera-
Exame direto corado pelo Popanicoloou
cionais capacitados a realizá-las.
Na tricomoníase, técnicas de DNA recombinante Culturas*

têm sido descritas, com o intuito de aumentar a sensi- Reoções imunológicas e bioquímicos*
bilidade e especificidade do diagnóstico. O uso da PCR
Técnicas molecu la res*
auxilia na detecção de mganismos não viáveis, conti-
dos em amostras clínicas que tenham sido submetidas
·Pouco dtspOtliVel5. No emamo, na ma torta dos ca~os. asseguram o dta.gnósuco co1reto
à fixação ou à degradação parcial. Esta técnica é su-
perior ao exame a fresco; entretanto, resultados falso-
negativos têm sido encontrados quando se compara abordagem laboracorial nas vagin ites e vaginose (Figu-
à cultura. ra 18.5) e o segundo proposto pelo Ministério de Saú-
O exame "padrão ouro" para a detecção de DNA de (2005) para abordagem sindrômica de cmrimento
de HPV é o Southern 8/ot. No entanto, na prática di- vaginal (Figura 18.6).

Investigação laboratorial das vaginites e vaginose 181


-......
Sinais de acometimento do vagina e/ou do cérvrx?

Exames loborotoriois do resposta rápido.


Fluido voginol


• Teste do KOH

Grom
0
o Io•o
~~:o t~: vaginal ---~
Excluído o

espodo do cérvix
Grom
_ _ j-- ..r--;:;;tad: l lrvest.gor
inconclus•vos l outros cousas

~inoso:
• pH > 4,5
• KOH pottiVO
• Microbioto alterado com ~~
l cctobocolos
T ' ---
Exames mo1s sensiveis
• Presença de células indicadores

1 • Cultura poro cândido (fungo)


• Cultura celular poro tricomanas

l
• Cultura celular poro clomídio
• Cultura poro Neisserio
• PCR poro trocomono s
• PCR poro clomidio
Condodíose: • PCR poro Ncisserio
• Guolquer pH
• Teste KOH negotrvo
• Pseudohifos
• Aumento d e leucócotos

Trocomoniose·
• pH > 4,5
• Teste KOH positivo
• Movimento flgelor no exame o fresco

Cervicote gonocócico
• i leucóci tos
• Diplococos Grom negativo
:l
intracelulores ou cultura positiva

(~
lcervrcite por clomídio
• I leucócitos
~m outros agentes
J
Figu ra 18.5 -Abordagem laboraronal das vagtntres e vagtno~e
Paciente com queixo de corrimento
• Parceiro com sintoma
• Pacientes com mútiplos parceiros sem
proteção
• Paciente penso ler sido expo sto Anomnese e avaliação de risco +
o uma DST exame ginecológico
• Paciente proveniente de região
de alta prevalência de go nococo
e clomídio
Critério de risco positivo e/ou sinais de
cervite com mucopus/teste do
cotonete/frio bilidode/sang ramento
do colo

pH vaginal e Teste de KOH a 10%

Aconselhar, oferecer sorologias anti-HIV, VDRL, hepatites B e C se disponíveis,


vacinar contra hepatite B, enfatizar a adesão ao tratamento, notificar,
convocar e tratar parceiros e agendar retorno

Figu ra 18.6- Abordagem sindrôm ica de commenco vaginal.


Fome: M1n1sténo da Saúde (2005).

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2005;33(10):729-35

Invest igação laboratorial das vaginites e vagino se 183


Marcus de Almeida Magalhães Gontijo
19 Marcelo Luide Pereira Gonçalves
Hyllo Baeta Marcel/o júnior

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DAS


MICOSES SUPERFICIAIS E PROFUNDAS

As micoses podem ser definidas como infecções Segundo Ri ppon, essas infecções podem ser classifi-
provocadas por fungos. Estes normalmente apresentam cadas como superficiais, quando limitadas à superfície
como habitat natural o solo ou as plantas, podendo pa- da pele ou pêlos. ou como cutâneas, quando envolvem
rasitar o homem e outros animais. propriamente o tegumento e/ou seus anexos.
O parasitismo fúngico depende da produção de en- As infecções superficiais compreendem:
zimas e de mecanismos de escape contra as defesas na- • pitiríase versicolor: causada por leveduras do gê-
turais do hospedeiro. A patogenicidade provocada por nero Malassezia;
estes agentes está relacionada ao oportunismo oferecido • piedra branca: causada por leveduras do gênero
pelo hospedeiro. Trichosporon (Figuras 19.1 e 19.2);
Os fungos ra ramente são transmitidos por contato • piedra preta: causada pela levedura Piedraia
interpessoal. Apenas os dermatófitos, considerados pa- hortae;
rasitos obrigatórios, são transmitidos desta forma. • tinha nigra: causada pela levedura Hortaea
A infecção fúngica, superficial ou profunda, relacio- werneckii.
na-se pri ncipalmente a fatores do hospedeiro, ao gênero
do fungo envolvido, ao tamanho do inóculo e ao sítio de
inoculação. ..
Este capítulo abordará as principais micoses superfi-
ciais e profundas de interesse médico em nosso meio.

MICOSES SUPERFICIAIS

DERMATOMICOSE

São infecções fúngicas envolvendo o tegumento e/


ou seus anexos. Representam a maioria das infecções
cutâneas humanas diagnosticadas em serviços de Der-
.Jra 191 - P1edra branca (lOOX).
matologia.
imunológica. Em geral, pela própria localização superficial
desta infecção, não são observadas alterações celulares
no hospedeiro imunocompetente, porém, em pacientes
imunocomprometidos, as formas clínicas são mais graves,
mais generalizadas e atíptcas. Em alguns casos, reações
alérgicas denominadas mícides ou simplesmente "ides"
podem ocorrer. As mícides são defintdas como mantfesta-
ções cutâneas à distância de um foco infeccioso pri mário
em atividade e podem assumir aspectos clínicos os mais
variados. Geralmente, ocorrem nas mãos e chegam a uma
casuísttca de 21% nos pacientes com dermatofirose, se-
gundo o Prof. Carlos da Silva Lacaz.
A espécie do dermatófito é importante para o tipo de
mantfestação clínica do paciente e eles se diferem quan-
A tricomicose axilar ou rricomicose nodular pode ro à habilidade de interagir com hospedeiros distintos.
produzir nódulos que se confundem com a Piedra branca Do pomo de vista filogenético, parece provável que as
(rricosporonose). Ela é causada por bacrérias da espécie espécies que parasitam exclusiva ou preferencialmente o
Corynebacterium tenuis (antiga Nocardia tenuis). Atin- homem, chamados de anrropofílicos, representam a fase
ge os pêlos axilares e raramente os da região pubiana. É final de um ciclo evolutivo que seria iniciado com fungos
caracterizada pelo aparecimenro de nódulos ou concre- que utilizam a queratina no solo, denominados geofílicos,
ções aderidas aos cabelos. Constitui-se por bacilos cur- passando depois para aqueles associados a animais, os
ros, delicados e embebidos num material gelatinoso, que zoofílicos, para então terminarem nas espécies antropofí-
podem ser identificados pelo exame direro em hidróxi- licas. Corroborando esta hi pótese, têm-se alguns derma-
do de potássio (KOH) ou pelo Gram. A culrura é difícil. tófitos em aparente processo de adaptação, como, por
Existem três variedades de tricomicoses: a flava (amare- exemplo, Trichophyton terrestre, que é um geofílico que
la), a rubra (vermelha) e a nigra (preta). O tratamento é a causa dermacofirose em animais. Da mesma forma. tem-
raspagem dos pêlos e aplicação de álcool iodado. se o Microsporum nanum. um zoofílico encontrado no
As infecções cutâneas são causadas por fungos cerati- porco, que vem causando dermarofirose em humanos. O
nofílicos. denominados dermatóficos, e são referidas gene- M. gypseum é um geofílico que causa doença no homem,
ricamente por dermarofiroses. Além dos dermatófiros, ou- principalmente na região inguino-crural. onde só era en-
tros fungos filamenrosos e as leveduras do gênero Candida conrrado antigamente o anrropofílico Epidermophyton
também são capazes de causar dermatomicoses. floccosum. Alguns autores interpretam esse faro como
adaptação emergente dos dermatófitos ao tegumen-
to humano. Assim, diferentes graus de especificidade e
DERMATOFITOSE adaptação podem ser distinguidos entre os dermatófitos,
mas, de modo geral. esses microrganismos tendem a atin-
Os dermarófiros são classificados em três gêneros: gir equilíbrio com seu hospedeiro preferencial. Quanto
Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton. maior a adaptação, menos agressivamente se comporta
Nem sempre o encontro de dermatófítos nos tecidos o fungo e menor é a resposta inflamatória evocada. Com
cerarinizados é traduzido por dermatofirose, podendo ser isto, é compreendida a existência de portadores assinto-
uma simples colonização que, quando há sintomatologia, máticos, infecções subclínicas, bem como aquelas de ca-
esta é resultante da reação do hospedeiro aos produtos ráter crónico e benigno. Portanto, a manifestação clínica
metabólicos do fungo e não devido a invasão de tecidos das dermarofitoses é função de características específicas
vivos pelo microrganismo. Deste ponto de vista, o tipo e a de cada fungo e de cada hospedeiro.
gravidade das manifestações clínicas dependeriam da sen- As dermarofiroses são referidas muitas vezes como
sibilidade individual do hospedeiro e de sua competência "tineas" ou "tinhas" (do latim, verme ou traça) em virtude

186 ( Medicina laborarorial para o clínico ]1- -- - -- - -- -- -- -- - - - - - - - - - -- - - - - --


do contorno geográfico das lesões ter sugerido, aos pes- as contaminadas associadas a piscinas (pisos adjacentes
quisadores da Ancigüidade, a presença de vermes adul- e vestiários comuns).
cos sobre uma superfície lisa ou, de acordo com Rippon, No que tange à distribuição geográfica de dermaco-
pelo faco de os romanos terem associado as lesões a inse- micoses e seus agentes causais. padrões vêm sendo de-
ws (tinha = larva). De qualquer forma. a nomenclatura é fin idos com base em numerosos relatos encontrados na
incorrera, mas permanece na literatura, consagrada pelo literatura. Enquamo as leveduroses cutâneas, pela carac-
uso. De acordo com a localização anatómica das lesões. terística endógena das infecções causadas por espécies de
são feiws diagnósticos clínicos de tinha capitis, unguium. Candida e Ma/assezia, têm ampla distribuição mundial. as
corporis, cruris, etc. dermarofiroses podem apresemar padrões de ocorrência
Alguns fungos micelianos, não dermatófims, podem bem definidos já que, se por um lado algumas espécies de
causar lesões muim semelhantes às dermamfimses. Es- dermatófiws são francamente cosmopolitas, por outro
ses fungos vêm ocorrendo mais freqüentemente em lado existem espécies que são restritas geograficamenre.
casos de onicomicoses, represemados por Scytalidium Correntes migratórias de diferentes naturezas têm altera-
dim idia tum, S.hyalinum e Scopulariopsis brevicaulis. do continuamente os padrões de distribuição geográfica
Além do tecido ungueal, outros sítios são acometidos,
dos dermatófiws, ocasionando às vezes o surgimento de
como o espaço imerdigiral e região plantar. Mais rara-
diferentes doenças em determinadas regiões. No entanto,
mente espécies de Aspergillus, Fusarium e Acremonium
variações na prevalência de diferentes espécies também
podem estar envolvidas em casos de onicomicoses.
vêm ocorrendo em função do tempo e, neste aspecto. o
Variações na prevalência de determinadas der maco-
achado mais notável diz respeiw ao aumento do núme-
micoses podem ser verificadas em função da faixa etária
ro de infecções causadas pelo Trichophyton rubrum em
dos paciemes. Assim. pelo fam da derme das crianças ser
todo o mundo. Outros fawres. como distribuição clíni-
menos cerarinizada que a do adulco, é pouco comum a
ca da lesão (localização anatómica), também devem ser
ocorrência de tinha pedis, cruris e unguium. De modo
considerados para maior prevalência de um ou de outro
inverso, a tinha capitis ocorre mais em criança do que no
agente de dermatofirose.
adulw, devido à ausência de ácidos graxas de cadeia mé-
dia (C8-C12) no couro cabeludo de indivíduos pré-pube-
res. Normalmeme, a tinha cap1tis em crianças é causada
FISIO PATOGENIA DAS DERMATOFITOSES
pelo M . cams devido ao maior conta to das crianças com
o solo e animais. Em adulto a tinha capitis por M. canis
é mais comum na mulher devido ao maior conrato com A queratinase é produzida por codo dermatófito e é
as crianças infectadas. ativa em pH alcalino. As colagenases e elastases atuam
As onicomicoses têm maior ocorrência em faixas em pH neutro. A intensidade dessas enzimas, principal-
etárias mais avançadas (55 a 60 anos). o que estaria rela- mente a elastase. reflete a intensidade da reação inflama-
cionado a traumatismos nas unhas. alterações do estado tória. Fungos zoofilícos produzem maior quantidade de
imunológico. avitaminoses, diabetes, entre outros. proteases que os antropofílicos e causam reação inflama-
A ocupação dos pacientes ta mbém é famr determi- tória mais intensa. o r interdigitale (amropofílico) tem
nante da ocorrência de diferentes micoses superficiais baixo grau de atividade da elastase. provocando menos
e de agentes etiológicos distintos. Assim, profissionais inflamação no hospedeiro quando comparado com o r
que têm contam com animais (veterinários. etc.) têm mentagrophytes, que é zoofilico. O r mentagrophytes
mais oportunidade de adquirir infecções por fu ngos produz menos elastases na pele humana do que em pele
zoofílicos. Atletas (maramnistas) apresentam maior de outros animais. Em todo fungo bem adaptado. esta
freq üência de tinha pedis que a população geral. Esta queda na produção de enzimas (reatividade) decresce
maior incidência é associada ao uso constante de cal- quando o hospedeiro é aquele a que ele está adaptado.
çados fechados (tênis), que aumentam a temperatura. Como a reação inflamatória ocorre na derme e os fungos
umidade e maceração de tecidos dos pés. Tin ha pedis estão na epiderme, sugere-se que estas enzimas proteolí-
também é muim comLm em nadadores devido às áre- ticas difundam-se nesta direção.

Investigação laboratorial das micoses su perflciais e profu ndas 187


Cada espécie de dermarófiw rem uma arividade Normalmente. os dermatófiws produzem pápulas,
queratolítica própria e a produção pode variar de cepa placas e máculas descamarivas, com bordas serpigino-
para cepa. Por exemplo. o T rubrum, ao contrário do T sas. Geralmente, as erupções são exfoliativas, sendo o
schoenleinii, produz pouca enzima capaz de fragmentar prurido o principal sintoma. Existe também a história de
o pêlo, sendo, portanto, de ocorrência rara neste anexo e contam com pessoas infectadas ou animais como gaw.
cem enzimas capazes de dissolver bem as unhas. cachorro, coelho, papagaio, etc.
Os ácidos graxas, principalmente o undecilênico. pro- A lesão típica da tinha corpons é anular. com bordas
duzidos principalmente pelas glândulas sebáceas e pouco descamativas, elevadas, reacionárias, de cor rosa com
pelas sudoríparas. além de baixarem o pH da pele. têm ação tendência ao clareamento central. Pode ser uma ou vá-
anrimicótica. O suor tem poucos ácidos graxas. portanto, rias lesões. Em pacientes com lesões crónicas. podem ser
rem pouca ação antimicórica, mas possui muitos aminoá- extensivas e não anular.
cidos importantes que favorecem o crescimento fúngico. O T mentagrophytes produz lesão úmida, do tipo vesi-
O T rubrum produz três tipos de querarinases: cular. com foliculite supurariva. O T rubrum produz lesão
• peso molecular 93.000; seca, escamosa, que se dissemina em forma de anel, fican-
• peso molecular 71.000; do o centro curado. Geralmente, as infecções por espécies
• peso molecular 27.000. antropofilicas são seguidas da auw-inoculação de outros
sítios de infecção no corpo. Os pacientes com tinha do
As duas primeiras querarinases têm forre ação quera- corpo não raro apresentam outras tinhas associadas.
wlírica quando em pH alcalino. A terceira queratinase foi O T tonsurans poupa as áreas da barba. pregas. pés
descoberta no órgão penetrante da hifa do T rubrum, a e mãos. O E. jloccosum tem preferência pelas dobras
partir da microscopia elerrónica. tendo ação queratolí- e pés, podendo atingi r un has (raro) e tronco. nunca o
tica fraca e agindo em pH ligeiramente ácido (pH=4.5), couro cabeludo.
semelhante à tripsina. Esta enzima tem relevante papel
na virulência do fungo porque é ela que age nas primei-
Diagnóstico diferencial
ras duas semanas de penetração. quando o pH da pele
está ligeiramente ácido. À medida que vai desdobrando • eczema numular: produz lesões em moeda. múl-
proteínas, vai liberando íons de amónio e o pH da pele tiplas. geralmente nas extremidades, sem embran-
vai se neutralizando, começando a agir as enzimas de pH queci menta central;
neutro (elastases e colagenases) para. finalmente. agirem • ptiríase rosada (ptiríase rósea de gilbert): man-
as enzimas de pH alcalino (queratinases). cha ovalada, rosada, inicialmente ún ica, de eleva-
Apesar dos dermatófitos serem queratinofílicos, eles ção mínima e auwlimitanre ao tronco. Aparece a
não dependem da queratina para crescer nos tecidos. A "mancha primitiva", que é a maior mancha, com 2
queratina funciona principalmente como barreira prote- a 6 cm. seguida por manchas ou lesões múltiplas
tora, isolando o fungo da ação de inibidores presentes no menores, que vão aparecendo no decurso da do-
soro do paciente. ença. após dias ou semanas do aparecimenw da
mancha primitiva ou "medalhão", segue-se a erup-
ção. Pode haver prurido;
TIPOS CLÍN ICOS DE DERMATOFITOSES • pitiríase alba: é uma alteração hipopigmentária
idiopática que se apresenta por manchas brancas
Ti nha corporis cobertas por escamas finas. afera geralmente me-
ninas de seis a 12 anos e é mais notável na raça
Os dermatófiws produzem resposta imunológica negra. É assintomárica, as bordas da mancha são
celular e podem curar-se espontaneamente. Nas lesões indefinidas, é comum no rosw. sendo que nas
da pele, onde a disseminação é centrífuga. o centro da mulheres jovens aparece mais na parte superior
lesão vai ficando curado por imunidade local e as bordas do braço. A repigmenração pode levar anos. sen-
ficam reacionárias. do que a cura pode ser espontânea;

188 [ Medicina laboratorial para o clínico


• pitiríase versicolor: apesar de ser uma infecção Quando o T interdigitale estiver atacando a virilha, o
superficial do extraw córneo (dermawmicose que é raro. suspeitar de concomitância com tinha pedis.
superficial), pode produzir descamação fina. Há
alceração pigmentária da epiderme. Não causa Diagnóstico diferencial
prurido porque não afeta fi letes nervosos, por ser
superficial. Ao exame direto em KO H, aparecem • candidose: intensamente eritematosa e brilhante,
hifas curtas e grossas, sem ram ificação e com blas- bordas pouco definidas com pápulas e púsrulas
coconídios em cachos, característica do gênero satélites e afeta o escroto;
Malassezia; • intertrigo: é dermatite irritativa ou rubor conges-
• psoríase: são placas mais grossas, mais descama- tivo, comum nas pessoas obesas, causada pelo
tivas e infiltradas. São de tonalidade prateada (es- acúm ulo de umidade, junto com o atrito. É erup-
tratificação); ção menos eritemarosa que a candidose e não
• impetigo: pode apresentar lesão anular. Geral- está tão limitada como a tinha cruris. São não-
mente presença de vesículas, pústulas e crostas escamosas nem marginadas e o centro da lesão
em lesões anulares levam a pensar em infecção é a prega inguinal. ao passo que a tinha cruris se
bacteriana, e não micótica; desenvolve abaixo dessa prega;
• eritema anular centrífugo e granuloma anular: • dermatite seborréica e a psoríase menos comu-
no eritema anular a escama se encontra dentro mente afetam a região inguinal;
da borda elevada e no granuloma a borda é mais • eritrasma raramente ocorre e pode ser diferencia-
indurada e não descama; do pela lâmpada de Wood, que mostra fluores-
• candidose: a candidose da pele aparece como cência vermelho-coral e o Gram revela bastonetes
zona eritemacosa rodeada por pápulas e pústulas Gram positivo (Corynebacterium minutissimum).
satélites. As hifas de Candida ativam o comple-
mento, ocasionando púsrulas e inflamação. Pro-
duz prurido intenso. A umidade predispõe e as Tinha pedis
áreas mais afetadas são as intertriginosas. O diag-
nóstico é feito pelo raspado e exame micológico São infecções micóticas que afetam 4% da população
direto com KOH, em que aparecem as leveduras e em geral.
pseudo-hifas. Em caso de pústulas. seu exsudado A tinha pedis pode se estender para as unhas dos pés,
possui alto índ ice de positividade. geralmente de maneira distal e ra ramente proximal. Um
pé é mais acometido que o outro e esta assimetria ajuda
a diferenciar da psoríase. Geralmente começa entre os
Tinha cruris dedos do pé, passando para a região plantar e sendo rara
no dorso.
Normalmente, pacientes com tinha cruns apresen- Os atletas, devido à maior perspiração nos pés. acu-
tam também tinha pedis porque a transpiração provo- mulam a umidade no local o que, aliado a traumatismos
cada pelo exercício é provavelmente o denominador mecânicos e geralmente à maior exposição a lugares con-
comum . Portanto, são erupções "desportivas". Normal- taminados, como piscinas e ginásios. fazem com que este
mente, é transmitida por meio de malhas contaminadas, grupo de pessoas fique mais susceptível à tinha pedis.
chão de banheiros. qua rtos de hotéis e freqüentemen- Pode aparecer de três formas clínicas diferentes:
te dissemina-se por auco-inoculação. Era chamada de • interdigital: aparece a maceração entre os dedos
"eczema de Hebra" ou eczema marginatum (descrito dos pés. Mais comum em pacientes com hiper-
por Hebra, em 1962) porque tinha coloração acentuada hidrose dos pés;
nas bordas. Não afeta o escroto. Seu principal agente é • descamativa plantar difusa: ocorre mais nos ido-
o E. floccosum, porém o T rubrum tem sido atualmente sos e é assintomática. A pele aparece seca, com
mais isolado no Brasil e em outros países. descamação difusa nas plantas dos pés até o cal-

Invest igação laboratorial das micoses superficiais e profundas 189


canhar. Normalmente vem acompanhada de afec- • dermacite de concato e eczema disidrórico: con-
ções das unhas; fundem-se com a forma vesículo-pusrulosa. sendo
• vesículo-pustulosa: é a forma menos comum e as vesículas menores e quase nunca dão púsculas;
normalmente se diagnostica erroneamente. As • psoríase pustulosa: é rara. A dúvida é tirada no
vesículas e púsculas aparecem na parte interna exame di rem com KOH;
dos pés. • ceratólise plantar: ocorre sob a forma de peque-
nas erosões ci rculares da camada córnea provoca-
Conforme a evolução clínica. a tinha pedis pode ser da por bactérias do gênero Corynebacterium;
classificada em: • eritrasma: causada pelo Corynebacterium
• tinha crônica dos pés: a pele é seca, hiperce- mmut1ssimum. Produz manchas eritematosas.
racótica. com incensa descamação e apresen- que depois se tornam pardacencas. com bordas
ta preenchimento pulverulenco dos sulcos da bem delimitadas e descamação. Geralmente
pele. Geralmente, é causada pelo T. rubrum. com localização interdigital.
Distribui-se preferencialmente na região plan-
tar e lateralmente, dando aspecto de "sapato
Mocasin"; Tinha manuum
• tinha aguda dos pés: aparecem erupções vesicu-
losas (1-2 mm) que podem se agrupar e formar É pouco freq üente. mas não rara. Geralmente aparece
bolhas (tinha bolhosa). Geralmente é unilateral. em paciente com tin ha pedis concomitantemente. Tipi-
pegando a planta e o cavum do pé. O agente mais camente aparece em uma das mãos. A descamação é di-
comum é o T mentagrophytes; fusa e parecida com a forma descamativa da tinha ped1s.
• tinha inflamada dos pés: geralmente é a evolução Tem as bordas bem delimitadas dentro da "munheca".
da tmha bolhosa e está associada à linfangite ou à O T rubrum pode causar tinha manuum un ilateral
celulite. Podem ocorrer no dorso do pé. junto com tinha pedis bilateral e recebe o nome de tinha
"1 mão 2 pés". Esta situação muitas vezes fala a favor de
Os indivíduos atópicos. por não terem reação celu- imunossu pressão e interessante é que esta forma de in-
lar, também não têm resposta inflamatória significativa. fecção não foi ainda explicada satisfatoriamente.
Normalmente, esses pacientes têm tinha pedis crônica Duas formas clínicas são observadas:
porque. somado ao fato de ter baixa resposta celular, • desidrose ou eczemarosa;
têm ainda a camada dérmica mais espessa que impede a • hiperqueratótica.
difusão dos fatores mibitónos séricos e também menor
quantidade de glândulas sebáceas secretando ácido un-
Diagnóstico diferencial
decilênico.
Em crianças. por terem pouca quantidade de quera- • dermame por contato irritatiVO crónico: chamada
tina nos pés. virilha e unhas. os dermatófitos são agentes de mãos dos "lava-pratos". Geralmeme ocorre nas
pouco comuns. Nos casos de tinha pedis em crianças. a duas mãos e sem bordas bem delimitadas;
espécie mais comum é o T. mentagrophytes, ao contrário • psoríase: são mais elevadas. bilaterais. mais erite-
do adulro. no qual predomina o T interdigitale. matosas. com lesões de psoríase em outras partes
do corpo. Fazer exame direro em caso de dúvida.
Diagnóstico diferencial

• maceração por hiper-hidrose dos pés: nestes Tinha faciale


casos o local se torna excelente condição para
crescimento secundário de fungos (geralmente É pouco comum. Ao exame físico aparece uma erup-
Candida), o que fica difícil diferenciar de tinha ção eritematosa na face, em geral ligeiramente assimétri-
pedis-interdigital; ca. Pode não ter a morfologia anular. mas normalmente

190 ( Medicina laboratorial para o clínico


tem as bordas bem delimitadas e serpiginosa. Pode haver Para estudar a ação dos fungos na unha, o prof. Ri-
púsrulas que dificukam o diagnóstico clínico. chardson, da Universidade de Glasgow do Reino Unido,
desenvolveu um modelo de 1nvasão da unha in vitro
por dermatófito, não-dermatófito e por leveduras. Ele
Diagnóstico diferencial
inoculou uma suspensão desses fungos na parte ven-
• dermatite seborréica: lesões simécricas e não são tral de fragmentos de un ha humana, que era incuba-
bem delimitadas; da a 28°( em placa de Petn esterilizadas. Por meio
• forodermatite: é simétrica e respeita as regiões de microscopia eleuônica. pôde-se observar que o T
protegidas pelo sol; mentagrophytes degrada completamente a lâm ina un-
• lúpus eritematoso: fazer raspado para descartar gueal. que a C albicans era capaz de se multiplicar-se
fungos. por brotamencos. mas era incapaz de invadir a lâmina
ungueal. O Fusarium formava canais através da matriz
ungueal. que permitia sua penetração na lâm ina un-
Tinha unguium - Onicomicose gueal. Asperglilus vers1color só conseguia chegar até a
camada intermediária da unha. Os fungos Acremonium
A invasão da unha causada por dermatófiros é de- sp. e Scopulariopsis brevicaulis não conseguiram invadir
nominada tinha ungwum em fungos não dermatófitos a unha nesse modelo. Chegou-se também à conclusão
de onicomicose. Porém, de modo geral. onicomicose se de que variações individuais de unha pod1am modular
refere a qualquer infecção da un ha. Geralmente, as infec- a patogenicidade do fungo adendo.
ções fúngicas da unha são secundárias à tinha dos pés. Existe consenso mundial que nas onicomicoses ela
Pode ser clinicamente classificada como: mão predominam as espécies de Candida e dos pés os
• superficial: denominada também de 1nvasão dermatófiros.
branca superficial ou leuconíquia uicofítica. por Normalmente, a infecção da tinha ungwum começa
formar ilhotas brancas por cima da unha. na queratina do hiponíquio e cai"T'inha para o leito un-
• subungueal: gueal e daí para a placa ungueal. A unha é sempre inva-
• distal-lateral; dida secundariamente a uma dermatofirose palmar ou
• proximal. plantar. Somente em crianças ocorre tinha ungwum sem
infecção da pele adjacente.
Quando wda unha está atingida. não se pode prever O T rubrum é comum na tin ha subungueal distal e
onde começou a infecção e denomina-se "onicomicose proximal das mãos. O T mentagrophytes tem mais po-
distrófica total". Tem-se como exemplo a invasão pelo der de invasão das unhas que o T rubrum, talvez por sua
Scytalld1um e a Cand1da. A onicomicose proximal é mais maior atividade enzimática.
rara e atinge planos mais profundos da unha. Melanoniquias causadas por fungos são ra ras e
Os dermatófiros podem causar todos os quatro tipos podem ser confundidas com melanon iquia longitu-
de invasão. O T mentagrophytes é o principal causador dinal causada por lesões melanocisticas, porém. o T
de onicomicose branca superficial. por invasão di reta em rubrum. e mais ra ramente o ScytalidJUm dim1diatum.
cima da unha através de enzimas cerarolíricas do órgão podem produzir também pigmenco preto difusível
perfurante. nas unhas.
Na tinha ungwum ocorrem h1perceratose. descola- Os fungos capazes de produzir melanoniquia são
mento do leito ungueal (onicólise). onicomadese. A uti- (modificado por Perrin e Baran):
lização da queratina pelos dermacófitos está clara, mas • Acrothecium mgrum;
por outros fungos hialinos ainda existem controversas. • Alternaria sp ;
As espécies de Fusarium e de Acremomum produ- • Cand1da sp;
zem invasão branca superficial clinicamente semelhante • Chaetomium kunze;
aos dermatófitos. já as outras espécies de fungo produ- • Fusanum oxysporum;
zem quase sempre invasão subungueal distal-lateral. • 1-/omodendrum e/atum;

Investigação labo ratorial das micoses superfi ciais e p rofu ndas 19 1


• Phyllostictina sydow; assimornaticarnente e ocorre em paciente com
• Scytalidium dimidiatum; pso ríase (10 a 50%). A psoríase afeta mais as
• Trichophyton soudanense; unhas das mãos que as dos pés, ao contrário
• T rubrum; das on icorn icoses. Podem estar com prome-
• Wangiel/a dermatitidis. tida todas ou algumas unhas. A o nicornicose
geralmente acomete uma única unha. As le-
Os princi pais fungos envolvidos nos casos de onico- sões mais caraccerísticas são pequenas fossetas
micose (não-dermatófiros) são: múltiplas pumiforrnes na rnarriz ungueal, pro-
• Scopulariopsis brevicaulis: é o único caso em que duzidas pela lesão psoriásica. No leito ungueal
se encontram con ídios no exame direw, por se en- aparece urna mancha pardacema semelhante à
contrarem dentro da placa ungueal, o que faz com mancha de azeire;
que a unha adqui ra cor de canela. O S. brevicaulis é • paroníquia: infecção da prega ungueal. A paro-
encontrado normalmente no solo, o que provoca níquia aguda geralmente é pelo Staphylococcus
onicomicose em un has dos pés de trabalhadores aureus e a crónica geralmente pela Ca ndida
que não usam sapaws; a/bicans. A Candida do complexo psilosis é ca-
• Scyta/idium dimidiatum confunde-se clinicamen- paz de utilizar a queratina como fonte de azow,
te com a infecção por T rubrum, porém causa podendo ser encontrada freqüentemente para-
comurnente paroníquia e onicólise intensa que, às sitando pele e un has, assumindo papel patogê-
vezes, podem causar rachadura transversal com nico. Na candidose ungueal, a unha não se torna
perda da lârn1na discai. quebradiça e não se observa massa ceratótica. A
onicomicose proximal pode aparecer secunda-
Qualquer ourro fungo hialino ou demáceo pode cau- ria mente à paroníquia por qualquer fungo, mas
sar onicornicose: Aspergillus (principal mente as espécies comumente é a Candida que faz esse caminho.
terreus e versicolor), Fusarium, Acremonium, Penicillium, Raramente a Candida provoca onicomicose su-
Pyrenochaeta ungwum hominis. perficial branca. Na paroníquia, as dobras periu n-
Para se provar que o achado desses fungos rem rela- gueais ficam com edema e erirematosas. com
ção com a infecção ungueal e não se rrata de coloniza- dor à pressão, podendo ou não sair pus (conta-
ção, é preciso isolá-lo repetidamente em cul wra e rer um minação por bacrérias);
exame direm positivo. O resultado da biópsia também é • traumati smo e envelhecimento ungueal.
importante, pois, geralmente, quando esses agentes co-
lonizadores passam a causar infecção, é sinal de que as
barreiras imunológicas estão alteradas ou alguma oucra Tinha capitis
doença está envolvida.
O diagnóstico das enfermidades da unha às vezes Como normalmente uma infecção do couro cabe-
pode ser rnuiw difícil, uma vez que urna mesma enfer- ludo se dissemina para os cabelos, a tin ha capitis ocorre
midade pode ap resentar quadros clínicos variados, assim junto com a tinha do pêlo do couro cabeludo e o termo
corno uma malformação pode simular várias doenças. A tinha capitis é utilizado muitas vezes para designar este
un ha pode ser afetada por várias doenças ou alterações acometimento.
fisiológicas, como: enfermidades cutâneas e sistêmicas, Os dermatófiws mais prevalemes são: M. canis, M.
rumores, infecções, problemas heredi tários, fatores físi- gypseum e Trichophyton tonsurans.
cos e aré drogas. Ao exame físico a tinha capitis pode apresentar-se de
rrês formas:
Diagnóstico diferencial • dermari te tipo seborréico;
• tin ha dos "pomos negros": tinha do pêlo endotrix;
• psoríase ungueal: ocorre hi perqueratinização • infecção grave com placas duras (querion), com
da matriz (engrossamento). Geralmente, cursa linfoadenopatia, pústulas e crostas cicatriciais.

192 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1--- ----------------------------


Diagnóstico diferencial
pos graxas que aparecem no exame a fresco como
• alopecia areata (pelada): é idiopática, sem cicatri- "túneis", gotículas de gordura e bolhas de ar dentro
zação. Na periferia, os pêlos estão fraturados. com do pêlo. Ourros de rmatófitos podem também pro-
redução de pigmento e afinamento do talo. São duzir no couro cabeludo lesões semelhantes às cau-
chamados de pêlos "dignos de admiração". Aco- sadas pelo T. schoenleinii, como, por exemplo, o T.
mere o couro cabeludo em várias placas; Vlofaceum, T verrucosum, M. gypseum, porém esses
• dermatite seborréica (eczema seborréico): carac- fungos não invadem o bulbo.
teriza-se por lesões eritematosas e descamativas, As tinhas microspóricas (causadas por fungos do gê-
sendo as escamas tipicamente gordurosas e ama- nero Microsporum) e as tricofíticas (Trichophyton) são as
reladas. Sua aparição é concomitante ao acúmulo que têm a designação de "tinhas tonsurantes".
de atividade das glândulas sebáceas, com grau va- Variante da tinha tonsurante, o kerion cels1 é cons-
riável de prurido; tituído por uma lesão de tinha capitis que apresenta
• tricotilomania: é uma alopecia traumática auto- intensa reação inflamatória, com múltiplos abscessos
induzida. Ocorre o arrancamento ou fricção com- que drenam secreção purulenta. Pode provocar alopecia
pulsiva dos pêlos, por transtorno da personalidade. definitiva. Geralmente, tem como agente etiológico um
fungo geo ou zoofílico.
As tinhas ronsurantes tricofiticas geralmente dão alo-
Tinha dos pêlos o u tinea tonsurante pecias com placas irregulares, pequenas (da largura do
dedo mindinho), dispersas, com formação de crostas gor-
Corresponde, por tradição, à "tinha propriamente durosas e múltiplas. Já a tinha microspórica tem área de
dita". É a tinha responsável pela queda ou tonsura dos alopecia mais intensa, mais definida e mais regular, com
cabelos do couro cabeludo. No adulto, pode se esten- tendência ao acantoamento e geralmente placas únicas.
der ao pescoço e face. A invasão do pêlo começa no Sua superfície é geralmente descamativa não-inflamatória
hostium folicular. A hifa fúngica abandona o estratO (exceção M. canis) e tem evolução mais rápida que a tri-
córneo e progride descendentemente dentro do espa- cofitica. Às vezes pode aparecer a "placa mãe", com mais
ço virtual. formado entre a bainha externa e a interna do duas ou três lesões, raramente mais de quatro. Aqui cabe
pêlo em direção ao bulbo, retirando os seus nutrientes o auforismo: "pequenos esporos, grandes placas".
do canal folicu lar. Na tinha microspórica (ectotrix), o pêlo aparece ron-
Existem três tipos de tinhas do cabelo: tinha favosa, surado a 2 mm acima da implantação e tem descamação
tinhas ronsurantes microspórica e tricofítica. do couro cabeludo. Vão, portamo, aparecer "toquinhos"
A tinha favosa ou alopeciame ou crostosa é cau- de cabelo, podendo ser apanhados com os dedos e ar-
sada pelo T. schoenleinii e hoje é rara. Ela tem caráter rancados aos tufos.
intrafamiliar, progride pela idade adulta e geralmen- A tinha tricofítica (endotrix) produz o parasitismo
te ocorre por falta de higiene. Por ser uma infecção denominado de "pomos negros", porque cortam os ca-
crônica, ao chegar à 1dade adulta aparecem lesões belos na superfície, deixando as pontas dos cabelos que-
exofíticas com crostas que se agrupam conhecidas bradas por debaixo do couro cabeludo, por isso os pêlos
por javus (semelhante ao favo de mel), de aspecto parasitados não podem ser apanhados da placa de alo-
cerebriforme e odor característico de "urina de rato". pecia com uso de pinça e sim pelo escalpelo, para retirar
Produz sinal característico designado por godet, que é as raízes dos folículos, por raspagem. Muito raramente
devido à aglomeração de micélios fúngicos em volta podem causar alopecia permanente.
do orifício folicular, e tem o aspecw do "pires da xíca- A tinha microspórica só aparece em crianças, porque
ra". Na tinha favosa, o bulbo é atingido e o cabelo não a partir dos 13 anos ela é impedida pela ação fungicida
cresce mais, dando uma alopecia definitiva. Na tinha de cercos ácidos graxas de cadeia longa produzidos pelos
fávica, a hifa do fungo não se fragmenta, provocando hormônios gonadais. As causas mais comuns de queda
parasitismo filamentoso endotrix, que é exclusivo do de cabelos depois da puberdade é um foco inflamatório
favo. Quando as hifas envelhecem, dão origem a cor- no dente, sinusite, sífilis, etc.

Investigação laboraro rial das micoses superficiais e profundas 193


Os hormônios gonadais, mais especificamente os an- e por isso os filamentos são dificilmente vistos e apare-
drógenos, controlam não só as glândulas sebáceas, mas cem só os conídios ao exame microscópico.
também a unidade piosebácea. O tamanho e a atividade O M. canis produz parasitismo do tipo ectotrix cor-
secretora das glândulas sebáceas no recém-nasCidos estão ta ndo o cabelo a 2 mm do couro cabeludo, dando flu-
aumentados devido à influência dos hormônios maternos, orescência verde claro brilhante quando irradiadas com
porém com poucos meses red uzem de Eamanho. Depois, lâmpada de Wood. A fluorescência é devida ao meta-
voltam a hipertrofiar-se na pré-adolescência. por ação de bolismo do fungo. Ocorre produção de "pter1dina" que
andrógenos supra-renais, e alcançam seu tamanho defini- fluoresce, e não o fungo em si. A tinha cricofícica, por ser
tivo na puberdade por ação de andrógenos gonadais. endotrix, não fluoresce e geralmente dá reação inflama-
Não confundir tinha tonsurante com a "pelada" (alo- tória, as placas de ronsura são encobertas por escamas
pecia areata), que não é micótica nem contagiosa e ataca esbranq uiçados aderentes que, quando retiradas, apare-
os indivíduos em todas as idades. Nesta o couro cabelu- ce o eritema; e é de evolução longa, podendo a inflama-
do é nu e lim po, sem cabelos e sem alteração da epider- ção. em certos casos, evoluir para o kerion ce/si.
me. Na tinha microspórica, há escamas que permitem O T rubrum é antropofílico e raro no cabelo, atacan-
reconhecerem-se as placas à distância. Tocando com os do mais o couro cabeludo.
dedos, há a sensação dos pêlos de uma escova, pela pre-
sença de pêlos partidos.
Geralmente, até os seis anos predomina o M. cams. IDENTIFICAÇÃO
A tinha microspórica cura-se até 14 anos e a tricofiti- LABORATORIAL DOS DERMATÓFITOS
ca prolonga-se um pouco mais, até os 17 anos.
O parasitismo da tinha microspórica é ectotrix (fora do Para identificar os dermacófitos, usa-se a pesquisa di-
pêlo). As hifas imrafoliculares, ao atingirem a zona cerato- reta em KOH e cultura.
gênea do pêlo, emergem para a superfície da haste pilosa.
fragmentando-se em aruoconídios que envolvem o pêlo
formando uma "bainha de conídios", parecendo "areia fina". Pesquisa direta
Os cabelos, quando examinados sobre fundo escuro, mos-
tram uma capa branca acinzentada na posição inferior, até O exame direta é feito entre lâmina e lamínu la com
03-04 mm acima do couro cabeludo. Este aspecto, quando KO H a 20%. A potassa cem por final idade a desagrega-
imenso, pode ser visto na própria cabeça. daí ser a placa ção das células e a dissociação da queratina, funcionan-
microspórica esbranquiçada. Portamo, o tipo de placa e de do como clarificador. A parede celular dos fungos resiste
tonsura permite o diagnóstico de tinha microspórica. à potassa. cujo tem po de ação varia com a natureza do
Na tin ha tricofítica, o parasitismo é endotrix (dentro material. Nos cabelos deve-se deixar mais ou menos 10
do pêlo). As hifas imrafoliculares não emergem na su- minutos; em escamas de pele e em raspados subungue-
perfície. fragmentando-se em aruoconídios dentro do ais, em torno de 15 minutos até várias horas ou de um
pêlo. Sabouraud descreveu como "sacos cheios de no- dia para o outro, em câmara úmida, no caso de fragmen-
zes". Aparecem no cabelo "filamentos", ou seja, rosários to de unha (Figura 19.3).
paralelos de esporos grandes, enchendo todo o interior Na tinha fávica, na qual se observam bolhas de ar
do cabelo, sem passar para a cutícula. Os esporos com com túneis ocupando os espaços vazios deixados pelos
cadeia de células quadrangulares, em bora maiores que micélios desa parecidos (são vestígios do fungo), não se
a microspórica, são idênticos na forma e no volume e deve deixar a potassa agindo muito tempo para depois
ordinariamente contíguos. examinar, mesmo porque os fragmentas dificultam a
O pêlo é sempre invadido igualmente, tanto na forma observação. Deve-se olhar quase de imediato.
endotrix como na ectouix, só que na ecrorrix o fungo No exame direto deve-se ter cuidado para não con-
torna a sair e na endotrix não. Nas duas formas, as hifas fu ndir hifas com artefatos, principalmente os formados
imernas se degeneram com o crescimento do cabelo. O pelo cimento intercelular da epiderme quando dão cris-
cabelo se quebra acima da zona de esporulação primária tais de colesterol.

194 [ Med icina laboratorial pa ra o c línico )1-- -- - - -- - - - - - - - - - - - - - - -- - -- - -- -


Para se examinar entre lâmina e lamín ula a micro- qual o pH é neutro (6,9) e a glicose está em menor con-
morfologia do crescimenco miceliano, usa-se o lactofe- centração (2%). Este meio é mais favorável ao desenvol-
nol azul de algodão, que tem a propriedade de corar a vimento de certos fu ngos, embora tenha menos ação
hifa. O ácido lático preserva as estruturas que são mor- inibidora sobre as bactérias. Para corrigir este problema,
tas pelo fenol e coradas pelo azul de algodão, podendo- Emmons acrescentou cloranfen icol ao meio. Para evitar
contaminação por fungos saprófitos, usa-se para cultu-
ra de dermatóficos o meio de Sabouraud acresCido de
cicloheximida (actidione) a 400 mg/dl, além de cloran-
fen icol a 50 mg/dl e glicose a 1% e pH neutro. Esse meio
pode ser encontrado já pronto, pelo nome comercial de
Micosel® ou Micobiotic@
Existe também o mero de DTM (dermatophytes test
medium) que, em síntese. é o micosel acrescido do ind r-
cador vermelho de feno l. O dermatófito, ao crescer, alca-
liniza o meio, virando o indicador para vermelho. O DTM
possui pepcona, ága r, glicose, antibióticos e indicador de
pH, porém os antibióticos são gentamicina e tetraciclina.
É importante que o DTM seja lido até uma semana
Fr ura 1~ 3 A Escamas dérmrcas de unha clarificadas com KOH ou após ser observado o primeiro crescimento, por-
20%. Hifas sepcadas e arcoconídros (400X).
que muitos "não-dermatófitos" podem eventualmen-
te crescer e produzir a cor vermelha. O DTM serve,
portamo, de rriagem e não de meio de identificação
dos der matófitos. Deve-se sempre lançar mão das ca-
racterísticas microscópicas da colônia. já que alguns
fungos saprófi tas podem crescer e produzir viragem
do indicador no DTM numa incubação mais pro lon-
gada (Aspergillus, Alternaria, Acremonium, Fusarium,
Scopulariopsis, VertiCJIIium, T terrestre, T fische ri e al-
guns Chrysosporium). Como esta medida é feita de
praxe na identificação do dermatófico, não se trata de
um rrabalho a mais.
Dispõem-se de poucas provas bioquímicas para iden-
tificação dos dermatófitos, porém a marona das espécies
b Escamas dérmrcas de unha clanficadas com KOH
dispensa seu uso. Ao examinar uma placa de cultura, de-
20%. I frfas sepradas e arroconídros (400X). Ve1 póg111a 195
ve-se procurar colônias brancas algodonosas e pigmen-
tação. Ainda se pode usar: penetração em cabelo, o ágar
Cultura
vitaminado para Trichophyton e o cultivo em lâmina.

Os dermácofitos são identificados pelas caracterís-


ticas macro e microscópicas das colônias. O meio de MICOSES SUBCUTÂNEAS E PROFUNDAS
cultura padrão para crescimento desses fungos é o ágar
Sabouraud dexrrose, que possui o pH ácido (5,6) e alto MICETOMA
teor de glicose (4%). Estes dois fatores, pH baixo e alta
tensão superficial devido à concentração da glicose, im- Apesar do termo micetoma ter sido criado por Van-
pedem o crescimento de bactérias. Atualmeme, o cul- dyke Carter em 1860 significando "tumor causado por
tivo é feito em Sabouraud modificado por Emmons. no fungo", ele tam bém pode ser provocado por bactérias

Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas 195


PATOGENIA
filamenrosas (acrinomicecos). Quando causado por fun-
gos (eumicecos) hialínos ou demáceos. provoca o mi-
cecoma verdade1ro ou eumicecoma. Quando o agente Geralmente, o fungo é implantado por traumatismo
é uma bactéria aeróbica do grupo dos actinomiceros e não é transmitido 1nter-humanos. É quase constante
(Nocardia, Streptomyces. Actinomadura), recebe o nome a formação da tríade: rumefação (nódulos). fístula com
de aninom1ceroma. Tanro as bacrérias como os fungos drenagem seropur ulenra ou serossanguinolenta e pre-
causadores de micetama são organismos que vivem no sença de grãos. que são microcolônias do agente infec-
solo e nos vegetais. cioso e podem ser pigmentados.
Infecção bacteriana endógena causada por uma bac-
téria anaeróbia do gênero Actinomyces (actinobacteriose
anaeróbia), saprófita da cavidade oral em humanos (A ClÍNICA
tsrae/11) e do gado (A bovis), recebe o nome inapropriado
de actinomicose devido à sua semelhança com os fun- É uma doença crónica, subcutânea, podendo atingir
gos. Ela produz grão e pode ocasionalmente fisrulizar os ossos. O eumiceroma é mais podal e unilateral, ocor-
semelhantemente aos micetomas. rendo em 80% dos casos nos pés; já o actinomicewma
A borriomicose é clinicamente muito semelhante pode atingir qualquer localização do corpo, sendo o tó-
ao micetoma, só podendo se diferenciar por exames rax o mais comum. A radiografia pode revelar sinais de
laboratoriais, que esclarecem o ripo de agente micro- osreomielire. sendo que o acrinomiceroma atinge mais
biológico envolvido. A borriomicose é causada prin- os ossos com lesões destrutivas (osteólise) e o eumice-
Cipalmente pelo Staphylococcus aureus, Escherichia roma faz apenas uma invasão focal. As lesões em ambos
coli e Pseudomonas aeruginosa. Ocorre mais comu- os casos podem se estender aos músculos, articulações e
mente no animal após a castração e mais raramente tendões. As lesões sofrem, com a evolução do processo.
no homem. uma rumefação deformante e endurecem.
Winslow classificou os micetomas e a borriomico- Normalmente, o processo bacteriano (actlnomiceto-
se como "infecções granulares", por serem produtoras ma) é mais inflamatório e supurativo, com secreção mais
de grãos. abundante que o processo micórico (eumicetoma), que
produz mais fibrose e menos secreção serossanguinolenta.

EPIDEMIOLOGIA
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
O eum1ceroma ocorre em pacientes que v1vem na
zona tropical e temperada, onde o cl ima é quente, É muito difícil diferenciar clinicamente eumiceroma,
com índices altos de pluviosidade ou quente e seco accinomiceroma e a bocriomicose. só sendo possível pe-
tipo desértico. O acrinomicetoma, entretanto, é cos- los exames laboratoriais.
mopolita. Material usado é a secreção drenada da fiscula e a
No eumiceroma, vános fungos estão envolvidos. biópsia do nódulo. O exame anaromoparológico (hema-
respeitando-se a incidência fúngica regional. No Brasil. toxilina e eosina - HE) dos eumiceromas revela presença
o actinomicetoma é predominante, sendo raro o eu- de hifas fúngicas rodeadas pelo fenômeno de Splendore-
micecoma. Hoeppil e também de grãos.
Raramente ocorre micetoma em crianças e ido- A coloração de Gram cora os grãos de accinomicecos
sos, sendo mais comum na faixa de 20 aos 50 anos e com suas estruturas fi lamentosas.
principalmente em homens (cinco homens para uma No exame direto, pode-se pesquisar canto a existência
mulher). de hifas como de grãos. que podem variar de coloração
Os principais agemes causadores de eumicetomas são: branca. rosa-amarelada, vermelha. preto-amarronzado.
Madurei/a micetomatis, Madurei/a gnsea. Acremomum Como regra geral. os fungos pretos produzem grãos
spp., Scedosponum apiospermum. entre outros. pretos e os fungos brancos grãos brancos; já as bactérias

196 [ Medicina laborarorial para o clínico


podem produzir grãos brancos. amarelos e vermelhos. A como veículo, não se multiplicando neles. Existem tam-
idencificação do ageme é feita por meio da cultura. bém em fezes de batráquios, camaleão e largatos.
Os agentes etiológicos são relativos às formas clínicas:
• forma subcutânea: Basidiobolus ranarum;
TRATAMENTO • forma cemrofacial: Conidiobolus coronata;
• forma visceral: ConidJobolus inconcruns.
No caso dos eumicetomas, o tratamento geralmente
é insatisfatório. respondendo muiro mal aos antifúngi-
cos. Os corticóides associados promovem sensível me- CLÍNICA
lhora clínica.
Os actinomicetomas respondem bem à terapia com Geralmente, acomete pacientes imunocompeten-
sulfa. A associação sulfameroxazol-uimetropim com tes. A forma subcutânea é comum em crianças e rara
amicacina tem obtido ótimos resultados. em adulros, sendo o sexo masculino mais acometido.
A ressecção de tecidos é de grande auxilio, com re- Causam um cumor mixemaroso que se inicia com nó-
sultados compensadores. Não raro a amputação se faz dulos subcutâneos bem aderidos a planos profundos,
necessária. levando à deformação qualquer parte do corpo. Os nó-
dulos são quentes e dolorosos, mas raramente causam
febre e adenopatias.
ZIGOMICOSE A forma centrofacial ou rinoficomicose começa
por inalação do esporo fúngico ou por implantação
Os fungos asseptados (cenocíticos) de interesse clíni- direta na mucosa por traumatismo. Forma uma mas-
co pertencem a duas ordens: sa indolor de tecido nasal, que pode se desenvolver e
• mucorales: causadores de mucormicose; desfigurar toda a face. Não atinge criança, sendo quase
• ento moftorales: causadores de entomofroro- exclusiva de adulto. Podem ocorrer rinite e epistaxe e se
micose. propagar ao palato e seios faciais. O tratamento é com
azólicos, principalmente cetoconazol, sulfametoxazol-
Na clínica médica, a entomofroromicose é mais rara, trimetropin e iodeto de potássio, podendo haver cura
sendo a mucormicose a entidade clínica mais comum e espontânea. Quando se têm lesões isoladas. pode-se
usada como sinónimo das doenças causadas pelos mu- fazer a exérese cirúrgica.
corales. Em 1976, Ajello et ai. sugeriram a mudança do A forma visceral acomete tanto crianças como adul-
termo mucormicose para zigomicose. tos. Produz náusea, vômiros. dor abdominal e diarréia
Os mucorales são patógenos respiratórios e dissemi- mucossanguinolenta. porém é uma doença rara.
nam-se; os entomoftorales são causadores de infecção
subcutânea e raramente se disseminam.
Os fungos pertencentes à ordem mucorales se encon- DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
tram na pele, nas mucosas do homem e no meio ambiente,
causando decomposição de matéria orgânica. Já os da clas- O exame anaromoparológico apresenta caracteris-
se emomoftorales encontram-se relacionados com maté- ticamente hifas cenocíticas (asseptadas) geralmente cir-
ria orgânica em decomposição ou em fezes de répteis. cundadas por colar eosinofílico (fenômeno de Splendore-
Hoeppli). O exame histológico deve ser sempre seguido
pelo exame micológico para afastar possível dúvida de
ENTOMOFTOROMICOSE contaminação ambiental. Na cultura, o Basidiobolus
exibe balisrosporos, que são ejetados violentamente e
A parogenia dessa doença não está bem esclarecida possuem esporangiosporos globosos. Os de Coniobolus
quanto ao modo de infecção e parogenicidade do fungo. também são ejetados, porém têm conídios grandes com
O fungo habita insetos coprófagos. utilizando-os apenas papilas basais arredondadas.

Investigação laboratorial da s micoses superficiais e profundas 197


ZIGOMICOSE · MUCORMICOSE
queimaduras e contaminação de ceraroses oclusivas.
Produzem nódulos necróticos, úlceras preras ou placa s
Causada p or fungos da ordem mucorales, cem com bordas vermelhas.
como pnncipal espécie o Rh1zopus arrhizus, que A forma ri nocerebral é a que mais ocorre e também
ocorre em 60% de rodos os casos. São fungos opor- é a m a1s dramática das infecções fúngiCas. sendo geral-
tunistas cujos gêneros principaissão: Rhizopus. Mucor mente facal. O principal ageme é o R. oryzae em 90% dos
e Absidia. Acomete p acienres com queda imunoló- casos. A lesão se in1cia na cavidade nasal. seguida da inva-
gica e rem como fawres pred isponentes a gravidez. são retro-orbirária, chegando ao cérebro com produção
uremia. desnutrição. rransplanres. leucemias. AIDS. de um exudaro negro. O corre em casos de cetoacidose
diabetes meliro complicada, uso de corcicóides e que- diabética ou mais raramente em doenças crônicas com
lances do ferro, em que o fungo utiliza o ferro ligado acidose mecabólica.
a ele ou qualquer outro faror que leve a um quadro Os princ1pais agentes na forma sistêmica são: R.
neurrop ên ico. São as infecções fúngicas de evolução microsporus, Rh1zomucor pusslius, R. oryzae e Saksenae
mais fulm1nanre entre wdas. vesljorm1s. A penetração do fungo é principalmenre
pela 1nalação, porém pode ocorrer ingestão ou
penetração direra na pele. Ocorre em pacienres com
EPIDEMIOLOGIA granulocitopenia. Afeta pulmão. aparelho digestivo e
outros órgãos. No pulmão causa hemoptise e pode levar
Os mucorales são fungos que vivem em estado sa- à morre por ruprura de uma ve1a ma1or. Normalmente,
profítico no organismo humano. no meio ambiente, no é necessária a biópsia pulmonar. A infecção secundána
ar. no solo, nos alimentos e materiais orgânicos. cerebral é d1ferenre da forma rinocerebral. pois aparecem
m últ iplos focos no coração e geralmenre o paciente
morre de infarto.
PATOGENIA

Os mucorales produzem esporos que causam infec- DIAGNÓSTICO LABORATORIAL


ção respiratória. Devido à incompetência ou diminuição
dos neutrófilos. ocorre Significativa mulnplicação das Geralmenre. usam-se a pesquisa h1sroparológica eo
hifas onundas dos esporos. causando uma invasão de exame micológico do exsudado ou da bióps1a. A colera
grand e propensão dos vasos sanguíneos. com conse- do material deve ser realizada na borda da lesão.
qüente trombose. isquem ia. infarto e hem orragia devida O exame direro aJuda a descartar uma possível sus-
à t rombociropenia. Geralmente, produzem um exudato peita de contaminação, na qual o fungo aparece com
negro e lesões necróticas com grande resistência aos an- hifas grossas, assepradas, geralmenre em ângulos próxi-
tifúngicos e alta mortalidade. mo de 90°. Porém. no caso do escarro, o exame d1 reto
e a cultura são geralmente negativos e deve-se fazer a
lavagem broncoalveolar. Em pacientes com mfilrrado
CLÍNICA pulmonar e febre com lavado brônquico positivo. não se
deve pensar em conraminação e, se for negatiVO, deve-se
Três formas clínicas podem ser observadas: fazer uma pesquisa mais invasiva.
• cutânea; No exame histológico corado com hematoxilina-eo-
• rinocerebral; sina aparece o fenômeno de Splendore-Hoeppli. Porém,
• sistêmica ou visceral. os melhores resultados se con segue com colorações ar-
gênricas que coram a parede do fungo.
A forma cutânea como infecção primária é rara. Ge- A culrura pode ser feira no Sabouraud. sem ciclohexi-
ralmente, ocorre por traumat ismo, contaminação cirúr- m ida. A temperarura ótima é 3o·c. com crescimento em
gica. contaminação de ulcerações, picadas de insetos, torno de quatro dias. Não mascerar o material para não

198 ( Medicina laboraroria l para o clínico


romper as hifas que são asseptadas. podendo escoar seu
moplasma e morrer.
O fungo consegue crescer a 3rC. o que favorece a se-
paração de o urros fungos pacogênicos. O R. rhizopodiformls
(15% dos casos de mucormicose) cresce bem a 50°C. Ou-
tros fungos com clín1ca parecida são: Asperg1llus, Fusarium,
Pseudallescheria boyd1i.

TRATAMENTO

Os azólicos são ineficazes na mucormicose. Usa-se a


anfotericina-8 junco com a correção da doença de base Figura 19.4 - Phialophora verrucosa. Ver prcmcl1a cofo11da
e exérese drástica. O rratamemo com oxigênio hiperbá-
rico pode ter ação fungistática e tem grande potencial EPIDEMIOLOGIA
como rratamenco adjumo.

É uma doença de distribuição mundial, sendo mais


CROMOBLASTOMICOSE comum nos países tropicais e subtropicais.
No Brasil, 97% dos casos são causados pela espécie F.
É uma micose crônica da pele e do tecido subcutâ- pedrosi (Amazônia, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de
neo causada por cinco espécies de fungos dematiáceos janeiro e Minas Gerais) e, na Venezuela, Cuba e Austrália,
saprófitas do solo. São eles: pela C carrionii. É uma doença rural, cujo contágio ocor-
• Fonsecaea pedroso/; re por traumatismo com madeira ou vegetais. Não exis-
• Fonsecaea compacta; te, até o momemo, relaco de comágio inter-humano.
• Phialophora verrucosa (Figura 19.4);
• Cladophialophora carrionii;
• Rhinocladiella aquaspersa. PATOGENIA

A denominação de cromomicose foi adocada em O fungo, após inoculado na pele, propaga-se por via
1935, sugerida por Moore e Almeida. O primeiro caso linfática e rarameme por via sanguínea, por conseguinte,
descrico com as características clínicas da doença foi em é rara a dissem inação para outros órgãos, a não ser em
1914, em Minas Gerais, na cidade Estrela do Sul, pelo mé- casos de paciemes imunodeprimidos ou portadores de
dico alemão Max Rudolph, que trabalhava numa com- doenças graves. A partir do pomo de inoculação, vão
panhia de m1neração. aparecendo as lesões características da doença.
A doença se confunde com feohifomicose, que tam- A evolução é lema, produzindo fibrose tecidual e
bém é causada por fungos negros, porém. no tecido se prejuízo da circulação linfática, provocando elefancíase,
encontram hifas de cor castanho escuro e não "corpos geralmeme nas pernas, o que pode levar a confundir
muriformes" característicos da cromoblascomicose. Os com a filariose.
corpos muriformes (denominação dada em 1984 por
Matsumoco et a/.) eram chamados incorretameme de
"corpos fumagóides" ou corpos escleróticos. São estru- CLÍNICA
turas acastanhadas em forma de moeda, com diâmetro
de 5 a 12 ~m e representam a forma dimorfa da hifa no As lesões são mais comuns nos membros inferiores,
tecido parasitado, onde sofrem septação celular em mais principalmente nos pés, onde o traumatismo por espi-
de um plano. nhos e gravecos é mais comum.

Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas 199


Os achados clínicos podem ser muico diversificados, gigantes. Deve-se usar a coloração de HE e ácido peri-
podendo ocorrer as seguintes formas clínicas: ódico de Schiff- PAS, pois no Grocott o fu ngo perde a
• placas: é a forma mais comum, sendo lesões pla- característica acastanhada.
nas e eritemaro-escamosas, podendo produzir A cultura e o exame histológico devem sempre nor-
secreção serossangu inolema, confundindo-se, às tear o processo de cura.
vezes. com as formas verrucosas da esporocricose
e leishmaniose;
• nodular: são nódulos violáceos, macios, lisos, es- TRATAMENTO
camado ou verrucoso, que vão crescendo lema-
mente; O tratamento é difícil e prolongado, com possibili-
• tumoral: nódulos são papilomacosos ou lobu- dade de recorrência. Normalmente, faz-se assocração de
lados, cobercos por crostas e escamas, dando o amifúngicos. HoJe o itraconazol passou a ser o amifúngi-
aspecm de couve-flor. Pode confundir com para- co de primeira escolha.
coccidiodomicose; Pode-se fazer a crioterapia ou excisão cirúrgica no
• verrucoso: geralmente hiperceratótico; caso de lesões pequenas.
• cicatricial: as placas vão se curando no centro, le-
vando a uma cicatriz arrófica ou hipemófica, que
lembra a sífilis terciária. FEOHIFOMICOSE

As formas queloidianas são mais raras. Feohifomicose pode ser considerada mais como uma
As diferences formas clínicas podem estar presentes entidade patogénica do que uma doença com caracte-
ao mesmo tem po em um paciente. rísticas clínicas próprias e produzida por uma espéc1e
de fungo definida. In icialmente. foi proposta esta deno-
minação para englobar de maneira mais fáci l a grande
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL quantidade de fungos negros causando a doença.
Segundo Sampaio (1974), é uma doença cutânea ou
O diagnóstico clínico pode ser confirmado pelo acha- subcutânea raramente sistémica, causada por vários fun-
do dos corpos muriformes no exame a fresco com KOH gos dematiáceos que se apresentam no tecido em for-
20% ou na biópsia. onde o material é mais representativo ma de hifa septada acastanhada. células leveduriformes,
por ser mais profundo. Na hora de colher o raspado da pseudo-hifas. podendo ou não aparecer os corpos mun-
lesão. deve-se procurar os pomos precos. que são micro- formes. Ajello. também em 1974, definiu feohifomicose
hemorragias chamados de pomos de "pimenta caiana" e nesses termos e em 1983 McGinn is ampliou o conceito
é onde se encontram mais corpos muriformes que são incluindo em feohifomicose todas as doenças causadas
aí drenados anavés de microfíswlas (eliminação transe- por fungos negros. inclusive as micoses ma1s superficiais
pitelial do fungo). como Piedra negra e tinha negra; as cutâneas: ceratite
O cultivo micológico poderá esclarecer a etiologia micótica, onicomicose, dermatomicose e tam bém as
da espécie fúngica envolvida. Os fungos causadores da sistém icas com quadros septicêmicos. Porém. este au-
cromomicose têm a característica de não serem inibidos ror sugere que denominações consagradas como, por
pela cicloheximida usada para inibir fu ngos saprófitas exemplo, tinha negra e P1edra negra, sejam consideradas
nos meios de culwra, diferentemente dos fungos causa- variedades de feohifomicose. Portanto, feohifomicose
dores de feohifomicose. Para classificar a espécie de de- fica quase que restrita aos cistos feohifomicóticos subcu-
mateáceo, é sempre necessário fazer o microcultivo para tâneos. Em 1991, o subcomitê de nomenclaw ra de mi-
escudo micromorfologico, devido à grande semelhança coses da Sociedade Internacional de Micoses Humanas
macromorfológica enrre eles. e Animais definiu como qualquer infecção humana ou
O exame hisrológico mostra reação granulomatosa animal causada por fungos dematiáceos, com exceção
e presença de corpos muriformes no interior de células da cromoblasrom1cose.

200 ( Medicina laboratorial para o clínico


EPIDEMIOLOGIA
mente, o microcultivo deverá ser feiro para identificação
da espécie.
É uma doença que ocorre em rodo o continente, Nos exames hisrológicos, HE e PAS são indicados, de-
com predominância nas regiões tro picais. Ocorre mais vendo-se evitar a coloração de Gomori-Grocott porque
em homem do campo na idade de trabalho ativo. esconde a cor acastanhada da hifa.

PATOGENIA TRATAMENTO

Tendo como foco o cisto feohifom icótico, vai Varia com a localização, quadro clínico e tipo de fun-
ocorrer por inoculação do fungo, que é geralmente go envolvido. A exérese cirúrgica é usada para nódulos
saprófita do solo, através de traumatismo com frag- e abscessos, podendo curar o paciente. O cecoconazol
mentos de vegetais ou outro instrumento de traba- tem sido considerado uma boa droga de escolha nesses
lho qualquer. casos. Para lesões extensas e formas sistêmicas, usa-se a
anforericina B. Para uso prolongado, o itraconazol está
sendo pesquisado.
CLÍNICA

Pode haver quadros agudos e crónicos, porém o ESPOROTRICOSE


cisto é geralmente crónico. Os cistos subcutâneos são
geralmente únicos, unilaterais, moles, flutuantes, sem Das micoses de localização subcutânea, a esporo-
reação inflamatória, não produzem adenite e gomas, tricose é a única que possui só um agente etiológico
porém, podem ulcerar e drenar uma secreção purulen- específico: o Sporothrix schenckii. t um fungo dimór-
ta contendo hifas demáceas. Não raro aparecem lesões fico e na natureza se apresenta como filamento e no
tipo abscesso ou em placas. A evolução pode durar paciente como levedura em forma de charuto. Causa
anos. A imunodepressão pode ser um fator predispo- infecção subaguda ou crónica com lesões nodulares e
nente. A forma sistêmica geralmente tem como porta úlceras na via linfática da pele e raramente nos órgãos
de entrada o pulmão, sendo fígado, baço e pâncreas internos.
normalmente atingidos e a maioria dos casos ocorre
em im unodeprimido. O Cladosporium batianum, fu n-
go negro saprófita do solo, tem muita afinidade pelo EPIDEMIOLOGIA
sistema nervoso central. principalmente pelas menin-
ges e os hemisférios cerebrais. O Sporothrix pode ser encontrado no meio am-
biente em todo o mundo, sendo muito comum nas
Américas, principalmente no Brasil. Foi muito comum
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL na Europa, hoje raro. Vive saprofiticamente no solo e
nas vegetações. É encontrado nas cascas das árvores,
Pode ser feico pelo exame micológico e hiscológico. espinhos, na terra e em todo lugar que tenha decom-
No exame direco aparecem hifas escuras com aspecco posição de matéria orgânica. É uma doença de cunho
torulóide. A cultura é feita com Sabouraud simples e ocupacional, ocorrendo em jardineiro, trabalhadores
acrescida de cicloheximida que, apesar de ser inibidor rurais, madeireiros, etc. Animais que se alimentam de
de fungos dematiáceos, quando permite o crescimento fr utas e se agarram nas árvores para subir podem ad-
de alguma espécie, serve como meio de identificação. O quirir e transmitir a esporotricose quando arranham o
Cladosporium batianum, por ser termorresistente, pode homem ou outro animal. Aves da família dos psirací-
ser criado colocando-se a cultura em 42°C. Como roda deos (araras, papagaio, etc.) podem tam bém transmitir
cultura de fungos demáceos se parece macroscopica- a doença pelas bicadas.

Investigação laboratorial das micoses superficia is e profunda s 201


PATOGENIA
primária, ou pelo traro gascrinrestinal por ingestão do
fungo, que depois ganha a via sanguínea. A hemocultu-
Produz na pele lesões piogênicas e granulomawsas. ra é positiva. As lesões cutâneas são variadas e de d ifícil
Após a inoculação do fungo, rem período de incubação diagnóstico, lembrando sífilis, tuberculose cutânea ou
de sere a 90 dias, numa média de crês semanas. Às vezes, outras doenças infecto-contagiosas. As lesões cutâ-
dependendo do tipo de craumatismo ou da reação do neas disseminadas são assimomáticas, porém, a forma
organismo, pode se estender até seis meses. A exposição exrracutânea é geralmente fatal devido à demora no
contínua e/ou freq üente ao agente pode produzir infec- diagnóstico cl ínico.
ções subclínicas e o aparecimento de sensibilidade tardia.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
CLÍNICA
A pesquisa direta a partir da biópsia normalmente
A espororricose pode causar crês tipos de quadros não demonstra o fungo, porém, raramente podem ser
clínicos: encomradas leveduras em forma de charuto ou disfor-
• forma cutânea localizada; mes. Quanto à cultura, é de fácil recuperação do fungo
• linfangire crônica (Figura 19.5); e pode ser feira em raspado profundo, ou melhor, ainda
• dissemi nada. do tecido biopsiado. O fungo tem esrerigmas e hifas finas
semelhantes aos fios de cabelo, o que deu origem ao seu
Forma cutânea localizada: ocorre em 40% dos casos nome (trichum = pêlo). O Sporothrix cresce em torno de
de esporocricose. Forma uma lesão cutânea única no lo- quatro dias e a cicloheximida não inibe seu crescimento.
cal da inoculação, sem nódulos na via linfática. A lesão A colônia é aderente ao meio de cultura, com aspecto
clínica é wtalmeme inusitada, podendo ter lesão pápulo- coreáceo e vai se cornando marrom e depois preta com
nodular. úlcero-vegerame e verrucosa, placas escamosas, o envelhecimento.
lesão abscedada e outros tipos clínicos, confundindo-se, No exame histopacológico corado com hemaroxilina-
às vezes, com doenças de várias etiologias e levando a eosina aparecem os corpos asteróides que são caracterís-
um diagnóstico diferencial muico difícil. ticos, porém não parognomônicos da esporotricose.
Linfangite crônica: ocorre em 60% dos casos. A Dos restes imunológicos, a soroaglurinação do látex
parcir da lesão inicial onde se forma o cancro de ino- é o de primeira escolha, por ser de realização fácil, rápido
culação, vão se formando nódulos firmes seguindo o e muiro sensível e específico.
rrajeto linfático. que normalmente formam canais para
drenagem da linfa e do pus e se cronificando. Haverá
formação de uma cadeia de nódulos e gomas ascen- TRATAMEN TO
dentes. À medida que os nódulos ficam com a epider-
me fina e cheios de pus, pode-se aspirá-lo com seringa Após um século de uso, o iodeco de potássio conti-
para fazer os exames micológicos. nua sendo o mais usado para as formas cutâneas locali-
Disseminada: é muico rara, ocorrendo em menos zada e de linfangire. Em caso de esporotricose dissemi-
de 1% dos pacientes. Geralmente são imunodeprimidos nada (cutânea ou outro orgão), usa-se o itraconazol ou
ou possuem facores facilitadores do ripo: diabetes, alco- a anfotericina B.
olismo, etc. Pode atingir qualquer órgão, mas geralmen-
te é a pele a mais acometida e depois os ossos. Quando
atinge a pele, é chamada de "cutânea disseminada"; e PARACO CCIDIODOMICOSE
quando envolve outro órgão, é chamada de "extracu-
rânea". A porta de entrada não está bem estabelecida, A paracoccidiodomicose (antiga blasromicose sul-
sendo mais aceita a disseminação hematogênica após americana) é causada pela inalação de propágulos infec-
a inoculação traumática, e aí não se descobre a lesão tantes do solo.

202 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1--- - - - - - - - - - - -- - - - -- - - -- - - - -- - - -


O fungo. ao ser descoberw pelo médico Adolpho Lutz,
em São Paulo, foi confundido com Coccidioides immitis e a
moléstia recebeu o nome de "micose pseudococcidioica",
sem classificar o fungo. Em 1930, o m édico Floriano de Al-
meida criou a denominação: Paracoccidioides brasil1ensis.
Éum fungo dimórfico, sendo inalado na forma de micro-
conídios (formadas na fase miceliana) e converte-se em
leveduras no pulmão com formação de granuloma. Caso
o organismo não consiga desrruí-la, pode haver dissemi-
nação, via linfáCica ou hematogênica ou por continuidade,
das leveduras carregadas pelos macrófagos, causando le-
sões polimórficas, em qualquer orgão.

PATOGENIA

Os microconíd ios, ao se converterem em levedu-


ras, provocam pneumonite devido à tentativa de eli-
minar o fungo auavés da ação dos macrófagos e do
sistema imunitário celular. Esta resposta do organismo
vai levar à formação de granuloma ou a uma resposta
fagocitária piogênica.
Na parede celular do fungo encontra-se a a - 1- 3
à virulência. Possui tam -
glucana, que é relacionada
bém antígenos com uns ao Blastomyces dermat1t1s e
Lacazia /obo1.
A ação inibitória do 13-estradiol (hormômo escro-
gênico) impede a conversão do conídio em levedu -
ra, fazendo com q ue essa m icose se torne rara em
mulheres. A doença pode se disseminar e atingir a
pele, mucosas, linfonodos. pulmões. adrenais e siste-
ma nervoso.

EPIDEMIOLOGIA

O P. brasiliensis é um fungo rural. que vive no solo


de regiões quentes e com alcos índices pluviomécricos
(1.000 a 4.000 mm por ano). É endêmico no Brasil (60%
dos casos mundiais), Venezuela e Colômbia. No Brasil
ocorre mais nas regiões de cultivo de café, sendo raro no
N ordeste. Apesar de ocorrer em a coda A mérica Latina,
é raro nas Antilhas e no Chile.
Os tatus servem como reservatórios naturais se in-
feccionando ao escavarem o solo.
Figura 19.5- Esporotricose linfocutânea. Ver prancha color1da

Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas 203


Os casos disseminados da doença são mais raros e A forma subaguda parece com a tuberculose, doença
normalmente ocorrem nos adolescentes e imunodepri- com a qual não raro coexiste.
midos. Não é muito comum em pacientes com AIOS, A forma crônica ou adulta que acomete indivíduos
por ser uma doença de origem mais urbana, porém, acima de 25 anos é a mais comum. O paciente, tendo
quando ocorre, é de progressão rápida e com apareci- imunocompetência levemente diminuída, produz sinais
mento de lesões cutâneas. menores de inflamação e as lesões são mais localizadas,
porém, com maior número de granulomas e seqüelas fi-
bróticas. Nessa fase, o pulmão está fortemente compro-
CLÍNICA metido e sempre aparecem lesões simultâneas na boca,
com erosão e pontilhado hemorrágico, aspecro denomi-
Raramente a infecção primária é diagnosticada de- nado por Aguiar Pupo de estOmatite moriforme. Essas
vido à ausência de manifestação clínica. Normalmente lesões progridem e se tornam úlceras vegetantes, o que
não evolui para doença, sendo autolimitada, porém caracteriza a fase. O paciente não tem febre e a hepato-
pode permanece em latência em um nódulo por tem- megalia pode ser dolorosa.
po variável. Quando surgem os primeiros sinais clínicos, A radiografia do tórax apresenta infiltrado retículo-
iniciando-se a fase da doença, pode regredir espontanea- nodular bilateral, simétrico, basal (2/3 inferiores), com
mente, e é denominada "forma regressiva", ou pode evo- conformação de "asa de borboleta". Pequenas cavitações
luir gradativamente. Outra maneira de surgir a doença é também podem ser observadas. Apesar da tuberculo-
por reativação endógena de um foco calcificado. se ter padrão radiográfico parecido, nunca é basal. Mais
Atualmente, considerando-se o grande espectro de raramente, pode ocorrer na forma adulta, paciente com
quadros clínicos, imunológicos e hitológicos da doença, maior depressão celular e comprometimento multi focal.
tem-se usado uma classificação semelhante à da Han- sendo vários órgãos atingidos.
seníase, em que a doença é classificada em pólos mais
benignos ou malignos.
Clinicamente pode-se ter as formas: DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
• forma aguda ou subaguda de intensidade mode-
rada ou grave; Atualmente, nos laboratórios clínicos o diagnósti-
• forma crônica de intensidade moderada ou grave. co micológico (direto e cultura) e histopatológico (HE,
Grocott, PAS) (Figura 19.6) são mais comuns que o so-
Forma aguda ou juvenil ocorre em pacientes com ida- rológico, apesar do exame sorológico ser mais sensível
de inferior a 30 anos - pode ter acometimento brando ou e mais rápido. Isto se deve ao fato de ser difícil a ob-
grave. A forma aguda difere da subaguda pela evolução tenção de antígenos específicos de gp43 (protease de
mais rápida (poucas semanas). A doença se inicia com 43 Kda), uma vez que os antígenos puros dão muita
escarro purulento, dispnéia e adenopatia cervical típica, reação cruzada.
que pode fistulizar com a evolução da enfermidade (fato O Paracoccidioides é um fungo de fácil observação e
que ocorre também na tuberculose escrofulácea). Geral- bem caracterizado, tornando o exame direto bastante es-
mente, o comprometimento dos linfonodos mediastinais pecífico. É um dos maiores fungos encontrados na clínica
ocorre primeiro que os cervicais. Porém, a radiografia e médica (5-40 ~m), com parede de duplo contorno, conten-
clínica pulmonar são normais. Nesta fase, o paciente tem do vesículas de lipídeos no citoplasma e formando figuras
acentuada depressão da imunidade celular, com grande sui generis como de "anel olímpico", "Mickey mouse", "roda
domínio do fungo, dando lesões nodulares nos lifonodos, de leme", etc. O granuloma apresenta-se rico em células
orofaringe, intestino, pele e fígado (adenomegalia genera- epitelióides e gigantócitos, podendo albergar o parasito.
lizada), seguidos por necroses e supurações. Ao lado do granuloma aparecem células que dão o aspec-
Pode ser encontrado quadro clínico característico da to supurado. Para estudos epidemiológicos e diagnóstico
síndrome de Addison: astenia, hipotensão e pigmentação, da fase primária da doença, usa-se a paracoccidioidina em
quando atinge a supra-renal. testes de hipersensibilidade tardia. Para diagnóstico soro-

204 ( Medicina labor atorial para o clínico ]f-- - - - - - - - - -- -- - - -- - - - - - - - - - -- -


lógico e controle de cura da paracocciodioidomicose, hoje conseguem atingir o pulmão, onde são fagocitados
se usa mais a imunodifusão dupla e menos a reação de pelos histiócicos, mantendo-se intracelularmente. Seu
fixação de complemento devido à sua baixa especificidade descobridor, Samuel Taylor Darling (1906), por encontrar
e difícil padronização. os histiócicos parasitados apresentando um halo claro em
volta da levedura, suspeiwu tratar-se de uma cápsula e lhe
denominou Histoplasmo capsulatum. Hoje, a microscopia
elecrônica já confirmou a inexistência de cápsula. A imagem
vista por Darling sugeria ser um novo tipo de prowzoário
semelhante à Leishmania, porém, em 1912, o pawlogista
brasileiro Rocha Lima, na Alemanha, relawu este organismo
como fungo com presença de macro e microconídio.

EPIDEMIO LOGIA

É uma doença mais urbana, cujo fu ngo fica deposi-


tado em ambientes ricos em nitrogénio presemes em
Figura 19.6 - Grocott (400X). Ver prancha colonda fezes de aves, pássaros e morcegos, sendo mais comum
TRATAMENTO
nos galinheiros, celeiros, cavernas, sótãos. jardins aban-
donados e ocos de árvores. A hiscoplasmose não passa
de pessoa a pessoa e se conhecem raríssimos casos de
O icraconazol em doses diárias de 100 mg por seis me- transmissão incer-humana.
ses tem proporcionado sucesso em 93% dos pacientes. Comum na região dos lagos nos EUA e no Brasil,
Quando o paciente tem persistência da queda imu- pode ser encontrada em codo o país. No Rio de Janeiro.
nológica. deve ser seguido com provas sorológicas para existem áreas com alw índice de infecção, podendo ser
finalizar o tratamento. consideradas endémicas.
Em pacientes HIV positivo com doença muito avan-
çada, dar anfotericina Baté a estabilização e continuar o
tratamento com itraconazol. PATOGENIA
O óbito pode ocorrer em 3% dos casos.
Após a inalação dos microconídios presentes no solo,
eles se convertem em leveduras no pulmão, causando
HISTOPLASMOSE pneumonite. O fungo. por tropismo, migra para os focos
secundários, que são órgãos do sistema retículo-endote-
É uma micose muico importante hoje. por ser de lial e nódulos linfáticos (linfonodo mediastinal) que, por
cunho oportunístico. afetando pacientes com AIDS, via linfática, levam o fungo a outros órgãos (baço, fígado,
cransplamados, leucêmicos ou qualquer sicuação com imestino, medula óssea, supra-renal).
drogas que leve à imunossupressão (anciblásticos. altas Após 10 a 18 dias. entra em combate o sistema imu-
doses de corticóides). Pode evoluir rapidamente e ser fatal nológico através da ação dos linfócicos T e, principal-
e pode ser causadora de grandes surws epidemiológicos. mente, macrófagos. Vai haver seqüencialmente: forma-
Causada pelo fungo dimórfico Histoplasma capsulatum ção de granuloma, necrose caseosa. fibrose, calcificação,
var. capsulatum, que se apresenta como levedura à que vão caracterizar as lesões. Os granulomas se formam
tem peratura de 37"C (parasiw humano) e como fungo também nos linfonodos, baço, medula óssea, intestino,
m1celiano com micro e macroconídias à tem peracura supra-renal e fígado.
ambiente. Seus microconídios. por serem muicos Quanto mais alw o número de conídios, mais gra-
pequenos (2 a 4 11m), ficam suspensos no ar e, por inalação, nulomas são formados. por isso. exposição ao fungo.

Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas 205


quando em áreas endémicas, leva a quadros clínicos mais número mínimo de pacientes rem a evolução da doença
ncos. Também é maior a possibilidade de um paciente começando na fase aguda. Esta fa se pode também ser
com AIOS, quando de área endêmica, ter rea tivação da denominada de fase aguda pulmonar primária e geral-
doença partindo de um foco comendo fungo viável. mente é aucolimitada. A sua gravidade vai depender da
Após a formação dos granulomas, a infecção fica do- idade do paciente, reação do sistema imunológico e da
minada a esse nível nos paciemes híg1dos ou pode cons- carga de inóculo.
tituir uma forma crônica restrita ao pulmão. Porém, nos Os principais sintomas são semelhantes à febre
imunossuprimidos, em que há queda de linfócico T, a do- influenzae (gripe): febre alta, cefaléia, arrralgia. aste-
ença pode se cornar progressiva e a disseminação incon- nia, muito raramente pa rece eritema nodoso e são de
trolada e, se não tratada, pode levar o paciente a óbico. curta duração. O exame radiológico mostra áreas de
pneumonite com ou sem adenopatia hilar. A maioria
dos infiltrados é resolvida. porém, às vezes, eles endu-
CLÍNICA recem e ficam como infecções residuais, verificando-
se, ao exame radiológico, a forma de "moeda" carac-
Apesar de grande parte dos casos de histoplasmose terística.
primárias ser assimomática e autolimitada, dependendo A linfoadenomegalia hilar serve para diferenciar de
da carga parasitária inoculada e das condições imunoló- processos bacterianos e viróticos em que ela não existe.
gicas do hospedeiro, eventualmente podem evoluir para Pode ter nódulos solitários e mú ltiplos, que sofrem ne-
quadros clínicos variados. Todo paciente após ser infec- crose e calcificação após cinco anos ou mais. Quando
tado tem disseminação hematológica do fungo, que nor- esses nódulos não se calcificam, podem ser confundi-
malmente vai ser dommada após 14 dias, pela resposta dos com carcinoma broncogênico. especialmente se o
imunológica específica. de1xando pequenos granulomas paciente é fuma me crônico. Pode ocorrer também uma
calcificados como seqüela. forma de hiscoplasmose aguda com infiltrado mihar mi-
As formas mais graves da doença são comuns em cronodular bilateral difuso, que ocorre normalmente
crianças com menos de dois anos e adultos com mais quando a infecção é muito grande como em am bientes
de 55 anos. fechados e cavernas. Essa forma pode ser confundida
As formas clínicas da histoplasmose podem ser clas- com a tuberculose e deve ser feito o exame de BAAR
sificadas, quanco ao sítio. em três tipos: para descartá-la.
• pulmonar assimomática; Os nódulos primários tendem à cura e podem se cal-
• pulmonar aguda; cificar após anos e albergar formas viáveis no seu interior,
• extrapulmonar ou disseminada. causadoras de reativação da doença. Quando há excesso
de depósito de cálcio nos nódulos por estímulo anrigêni-
As formas assimomática e aguda ocorrem em pa- co normal, forma-se o hisroplasmoma.
Cientes 1munocompetentes. A forma disseminada pode No exame di reto do escarro, podem ser v1suahzados
ocorrer em pacientes com ou sem imunossupressão. macrófagos alveolares com histoplasmas inrracelulares.
A fa se assintomática da histoplasmose começa no Normalmente, a hiscoplasmose aguda regride após
pulmão, por inalação de propágulos infectantes. Logo 15 dias do aparecimento clínico da doença. podendo. às
a seguir, há conversão do microconídio em leveduras vezes. persistir por três meses. Pode também evolwr para
e uma pneumonite é desenvolvida no local. A grande hiscoplasmose pulmonar crônica.
maioria dos pacientes (>95%) é assimomárica ou tem A hisroplasmose disseminada ou extrapulmonar
Sintomas leves que passam despercebidos. Talvez em ocorre por disseminação linfática do histoplasma. Va1
pacientes que adquirem um inóculo pesado de micro- ocorrer disseminação numa incidência de um em 50.000
conídios possam ser notados alguns sintomas. A viragem casos de infecção pulmonar. A mortalidade ocorre numa
do reste da hisroplasmina para positivo ind1ca infecção faixa de 90%.
primána. A partir do 14° dia, com ação do sistema Imu- Goodwin, em 1980. segundo o curso da doença. que
ne, a doença normalmente está dominada. Porém. um depende do grau de parasitismo dos macrófagos e de

206 [ Medicina laboratorial para o clínico }-


disseminação da doença. descreveu rrês ripas de qua- A fase disseminada crónica aringe adulros com ma1s
dros clínicos de hiscoplasmose disseminada causados em de 40 anos. Normalmente, ocorre em pacientes com
pacientes imunocomperentes relativos à idade: imunossupressào aparentemente normal. Esses pacien-
• agudo; tes começam a rer pequeno déficit imunológico devido
• subagudo; às conseqüências terapêuticas ou à própria doença. com
• cróniCo. 10 a 20 anos de curso. Às vezes a ulceração orofaríngea
que ocorre em cerca de 70% dos casos é a única manifes-
Um quarto r1po de histoplasmose disseminada é a tação clínica do doente.
oporruníst1ca ou progressiva que ocorre em pacientes O paciente tem doença suave, com febre baixa e in-
com dim1nu1ção da resposta imunocelular. termitente, perda de peso e fadiga. Pode ter lesões focais
A forma disseminada aguda é tam bém denominada com episódios de endocardite, meningite. insuriciência
de ripo infantil e ocorre mais freqüentemente em crian- adrenal. nódulos subcutâneos e lesões da pele. Heparo-
ças com menos de dois anos de idade. Normalmente. é megalia ocorre em 50% dos casos e acometimento es-
precedida de um quadro de hisroplasmose aguda com plênlco e pulmonar raramente se verifica.
febre, náusea. vôm1tos e diarréia e mais tarde com rosse Hemoculrura e esfregaço sanguíneo raramente são
seca e respiração ofegame. A neutropenia pode resultar positivos e a biópsia de sítios afetados é a melhor ten-
em sepse secundária e a trombociropenia pode estar tativa. A pesquisa de polissacarídeo na urina e no soro
associada à hemorragia (hematêmese. melena, sangra- geralmente é positiva.
menta da mucosa oral). Ocorre heparomegalia, que nas A fase disseminada progressiva ou oportunística
crianças com menos de um ano vem acompanhada de ocorre em pacientes imunodepri midos e está associada
ascite importante e icter"cia. à doença de Hodgk1n, lmfosarcoma. leucemia, lúpus eri-
Radiologicamente, assemelha-se à hisroplasmose tematoso sistêmico. transplantes. psoríase (altas doses de
aguda. Tem evolução rápida e fata l (duas a cinco sema- metotrexate) e pnnc1palmente AIDS, que vem liderando
nas) quando não tratada. o rankmg dessa doença.
Hemoculrura e esfregaço periférico podem ser po- A infecção pode originar-se pela reativação de his-
sitivos. Polissacarídeos podem ser encontrados na unna toplasmas v1áve1s de nódulos calcificados ou por fome
(90%) e no soro (50%). O tratamento é feiro com anfo- exógena.
tericina 8 e coberto com hidrocortisona para evitar uma O paciente tem feb re progressiva. Embora o pulmão
crise addisoniana. esteja acometido. os sintomas e sinais são mínimos. Ra-
A fase disseminada subaguda ou tipo juvenil are- diologicamente, tem infi ltrado intersncial difuso e linfo-
ta mais pacientes adultos até 40 anos. adultos jovens e nodomegalia hilar.
raramente crianças e adolescentes. O curso da doença Outros órgãos podem ser atingidos com a evolução
dura vários meses. com Febre moderada e intermitente, da doença. Um subgrupo pequeno de pacientes pode
perda de peso e fraqueza. Na maioria das vezes produz morrer de choque séptico devido à coagulação vascular
infecções focais. geralmente envolvendo o craro gastrin- disseminada e conseqüente falência múltipla dos órgãos.
testinal. que pode ocasionalmente perfurar-se. o sistema A hemoculrura, esfregaço sanguíneo e medular e soro-
nervoso central. supra-renal e endocárdio. A ulceração logia são positivos.
orofaríngea é comum e característica da fase. É uma forma indolente de evolução da forma pulmo-
A heparomegalia está quase sempre presente e os exa- nar aguda é chamada hisroplasmose crônica pulmonar
mes laboratoriais de função hepátiCa são úteis no diagnós- (atinge homens de mais de 30 anos). Tem a denomina-
tico juntamente com a contagem de hemácias (pacientes ção de crônica porque há evolução de um em cerca de
com fosfatase alcalina normal não devem ser biopsiados). 2.000 casos de hisroplasmose aguda devido a defeitos
Hemoculturas e esfregaços sangüíneos são pOSitivos em anatômicos do pulmão, levando à doença pulmonar
50% dos casos. A biópsia do fígado, em 80% das vezes. e a obstrutiva crônica (DPOC), principalmente em fu mantes
biópsia da úlcera orofaríngea quase sempre são positivas. inveterados de áreas endêmicas ou em casos de pacien-
Sorolog1a na urina e soro é de boa positividade. tes enfisematosos. Esta doença é própria dos pulmões

Investigação laboratorial das mi coses superficiais e profundas 207


e atinge geralmente os lóbulos superiores, lembrando a usada, devido a seu baixo custO, facilidade de realização,
tuberculose. Não raro podem estar também associadas. raptdez e boa reprodutibilidade.
A doença tem por característica a cavttação pulmo- Arualmente, a técnica de Western blot tem sido usa-
nar, mas casos sem caviração semelhantes à sarcoidose da devido à sua alta sensibilidade (100%).
podem acontecer. Quando evolui para insuficiência res-
piratória, ela se corna faral. No quadro 19.1 encomram-se
as apresentações clínicas da histoplasmose. TRATAMENTO

Quadro 19.1 - Apresemações clínicas da htsroplasmose Geralmente, é indicado nos casos progressivos da
doença em que a anforericina B é sempre usada como
Pulmona r terapia primária durante 6-12 meses. Nos casos sem
Assrntomótico comprometimento geral e sem disseminação sistémica
Pacientes imunocompetentes ou de manutenção prolongada, é usado o itraconazol.
Agudo
com eficácia de 90%. Nos episódios em que não pos-
Disseminado sa ser administrado o itraconazol. por ser oral. ou nas
Agudo
formas disseminadas crónicas. usa-se a anfotericna B por
1-2 semanas e, após esse período, faz-se a manutenção
Subagudo Pacientes imunocompetentes com irraconazol.
Crónico Nas formas pulmonares agudas, a droga de escolha é
a anfmericina B na dose de 0,6 a 1,0 mg/Kg/dia até 250
Opor tunrsto Pacientes com comprometimento rmunológrco
a SOO mg/Kg, dias alternados durante sers semanas. Hi-
drocortisona venosa é sempre prudente para evitar crise
addisoniana.
D IAGNÓSTI CO LABORATO RIAL Nas formas disseminadas - anfotericina B intravenosa
0,6 a 1,0 mg/Kg em dias alternados por seis meses (cumu-
lativo de 30 a 40 mg/Kg). Em pacientes sem meningite ou
Raros casos de hiswplasmose têm sido diagnosti- endocardtte, fazer cobenura com corttcóide. Pacientes
cados pelo lavado broncoalveolar e escarro. Apesar da com menrngtte e tntolerame à anfmenctna B. usar itraco-
pesqursa de antígenos polissacarídeos no soro e na urina nazol (100 a 200 mg/dia) por seis a 12 meses nas formas
ser útil. a punção medular com pesquisa direta do fun- agudas e subagudas. Na forma crónica. usar 200 a 400
go corado é sempre feira, seguida pela mielocultura para mg/Kg divididas em duas doses por dia por 12 meses.
confirmação diagnóstica. O hisroplasma pode ser tam-
bém encontrado no sangue periférico corado pelo May
Grunwald. A hemocultura é pouco útil. porque, apesar CRIPTOCOCOSE
de positiva na maioria dos casos, é muiro demorada (no
mínimo 3-5 dias). O Cryptococcus neoformans é o único fungo encap-
Para estudo epidemiológico e nos casos de infecção sulado capaz de causar infecção humana. A criptococo-
assimomática, usa-se reste de sensibilidade tardia, com se ocorre pela resistência capsular à fagocirose e princi-
hisroplasmina. palmente pela queda de linfócitos T. o que é comum na
No exame histopawlógico, usa-se coloração de Grocott. síndrome da AIDS.
HE(células aparecem pequenas devido à rerração) e o PAS, O Cryptococcus neoformans apresenta cinco soroti-
que ajuda a diferenciar de Letshmama. pos: A, B, C De AD. Os sororipos A. De AD pertencem
Exames imunológicos como o látex, reação de fixa- à variedade neoformans e os sororipos Be C à variedade
ção de complemento e imunodifusão (adsorvidas com gattl. Recentemente, as variedades foram promovidas
pronase) são muiro úteis para diferenciar doença ativa à espécie, sendo denominadas então de Cryptococcus
e inariva e para o prognóstico. A imunodifusão é a mais neoformans e Cryptococcus gattii

208 ( Medicina laboratorial para o clínico


EPIDEMIOLOGIA
e com predominância de macrófagos. O C. gatti ao exame
radiológico demonstra grande lesão pulmonar.
O Cryptococcus pode ser encontrado colonizando
a orofaringe e outras partes do corpo. Encontra-se em
rodo o mundo, saprofiticamente na natureza. sendo DIAGNÓSTICO lABORATORIAl
muiro comum nas fezes dos pombos e aves.
Arualmente, trabalhos científicos relatam a matéria Deve-se realizar o exame de rotina do LCR nos casos
em decomposição em ocos de árvores tropicais, princi- de suspeita do acometi mento do sistema nervoso central.
palmente no Norte do país, como novo hab1tat. A espé- Geralmente. ocorre baixa celularidade (< 200 células/mm3)
cie neoformans é a mais encontrada nas fezes de pombos com predomínio de mononucleados, exceto nos casos de
e pássaros, sendo geralmente urbana, e a espéc1e gattii é infecção pela espécie gatti. em que há predomíniOde poli-
ma1s encontrada nas madeiras em decomposição (euca- morfon ucleares e hipercelularidade. A tuberculose sempre
lipro) de narureza rural no Norte do Brasil. deve ser afastada.
No Brasil, 80% dos casos de criptococose são devidos O diagnóstico micológico pode ser feiro por exa-
à espécie neojormans. A espécie neoformans é mais co- me a fresco com nanquim (Figura 19.7) e pela cultura.
mum nos imunossuprimidos e a gattii em pacientes sem O método da tinta nanquim ressalta a cápsula no exa-
supressão imunológica. me direro e se presta mais para pesquisa no líquor do
que no escarro ou lavado broncoalveolar. O criptococo
cresce bem em Sabouroud sem cicloheximida em tem-
CLÍNICA peraturas até 29•e, levando três a quatro dias para seu
crescimento. Em temperaturas mais altas ele não sobre-
A cnptococose adquirida por inalação causa uma Infec- vive. Em amostras comaminadas. como escarro. lavado
ção pulmonar primária muitas vezes imperceptível. Com bronqueoalveolar, urina. etc., o meio de STAIB que usa
a evolução da infecção, pode haver quadro pulmonar de alpiste niger (Guizotia abyssimca) tem melhores resulta-
criptococose progressiva e corresponde a 10% dos casos. dos. A levedura pode também ser VISta ao exame ana-
A disseminação hematológica extrapulmonar é o tomopatológlco a partir da coloração do PAS e Grocott.
quadro mais comum (90%), tendo grande tropismo para que evidencia a parede celular do fungo. A coloração de
o sistema nervoso central. devido à dopamina; também mucicarmim de Mayer cora a cápsula de vermelho. mas
podem migrar para a pele, pulmão e qualquer outro ór- não a levedura, tendo o cuidado de afastar a existência
gão ou sistema. Nos casos de criprococose disseminada, de muco brônqUICO, que também cora positivamente
o microrganismo freqüentemente é isolado na urina. Ela com mucicarmim. Podem ser visualizados isoladameme
ocorre quando o CD4 está abaixo de 200 células/dL. ou no cito plasma dos macrófagos.
Os sintomas, inicialmente, são inespecíficos como qual-
quer infecção pulmonar crôn1ca. Geralmente, a febre é per-
sistente por vá nas semanas ames de começarem os sintomas
de meningite. O C. gatt1 produz mais encefalite que meningi-
te, explicando a latência prolongada de alguns casos.
O quadro radiológico também é inespecíftco, podendo
apresentar pequenos nódulos periféricos nos brônquios até
uma densa massa sugerindo neoplasia, que vai comprimin-
do o parênquima pulmonar. Geralmente. os achados são
bilaterais envolvendo a base, sendo a cav1tação e a calcifi-
cação muito raras. ~ uma lesão gelatinosa (devido à cápsula
da levedura) e muito raramente granulomatosa ou tuber-
culólde e não produz derrame pleural. ~ uma Infiltração
Figura 19.7 - Cryptococcus em tinta da China.Ver págma 209
geralmente interstiCial, com pouco infiltrado inflamatório

Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas 209


Como mécodo sorológico. usam-se partículas de lá- conídio muiw pequeno (3 ~m). muito hidrófi lo. ficando
tex para detecção de antígenos capsulares de xilomana- faci lmente suspenso no ar, atingindo os brônquios e o
nas (glucoronoxilomanana = 90% da cápsula) presentes espaço aéreo alveolar pela aspiração. Está muito presen-
no líquor. Essas partículas podem ser aglutinadas em 10% te em ambientes de construções. nos tubos e filtros do
dos casos de pacientes com fatar reumatóide positivo, aparelho de ar-refrigerado e nos dejeros ricos em matéria
faror este que pode ser absorvido pela enzima pronase. orgânica. O A terreus. por ser resisceme à anfotericina
Pacientes com sorologia negativa não devem afastar B. merece mais cuidados, porém, felizmente é discutida
cripcococose e pacientes com títulos pequenos devem sua ação patogénica no pulmão. Tem grande predileção
ser considerados evidência presuntiva de criptococose. pelo sistema nervoso central e é o mais isolado nas oni-
Para monitorização de cura e em casos de fator reuma- comicoses por Aspergíllus. A espécie A. jlavus produz
tóide positivo, pode-se lançar mão da titulação por meio uma micocoxina denominada aflatoxina que. quando
do méwdo de enzima imunoensaio. ac um ulada. pode causar problemas hepáticos. Nos seios
paranasais, é a espécie mais isolada. causando obstrução
e podendo chegar à erosão do palato. O A mger possui
TRATAMENTO conídios grandes, com destacada predileção pelo ouvi-
do. predominando nas otomicoses e sendo encontrado
• pulmonar: fluconazolpor wda a vida aos pacien- no pulmão e cavidade nasal. causando aspergiloma. É a
tes com HIV e de seis a 12 meses em pacientes espécie mais verificada no solo tropical.
imunocompetentes;
• sistema nervoso central (SNC): anfotericina B por
duas semanas. seguido de fluconazo l por no mí- PATOGENICIDADE
nimo 10 semanas. sempre se observando a con-
tagem de linfócitos T CD4+. Tem sido usada a as- A ação parogênica do fungo é devida à produção de
sociação anfotericina B + fluconazol em pacientes metabólitos tóxicos ou por suas propriedades histolíti-
imunodeprimidos. cas. Um fator importante de patogenicidade é a expo-
sição do indivíduo por tempo prolongado em ambiente
contendo grande qua ntidade de conídios. O Aspergíllus
ASPERG ILOSE tem grande tropismo pelos vasos sanguíneos. onde se
desenvolve rapidamente formando um tampão capilar.
Devido ao seu alw índice de ocorrência e ter sua de- Vai ocorrer obstrução. infarto e necrose tissular. A paw-
nominação clínica já consagrada na prática médica. esta genicidade do fungo vai depender também do estado
hialohifomicose permanece ainda com a denominação imunológico do paciente.
de "aspergilose" (infecções causadas por fungos do gê- Normalmente, a fagociwse feita pelos neutrófilos e
nero Aspergíllus). macrófagos inibe hifas e esporos fúngicos, já as leveduras
são inibidas principalmente pela ação dos linfócicos-T.
Portanto, neutropênicos são invadidos por fungos mi-
EPIDEMIOLOGIA celianos e pacientes com AIDS por leveduras e fungos
dimórficos. que formam leveduras quando a 37"C. A as-
Causada geralmente pela forma assexuada e rara- pergilose invasiva só ocorre em 0.1 a O.S% dos pacientes
mente pela forma sexuada do Aspergíllus. podendo com AI DS. Estes não têm aspergilose no início da doen-
variar quanto às espécies. Das muitas espécies existen- ça. pois os neutrófilos e macrófagos estão íntegros. Com
tes, em corno de 190, somente quatro têm relevância o avanço da doença ocorre queda dos granulócitos de-
clínica, por serem as mais encontradas nos casos de as- vido à toxidade da terapia anriviral (<50 células/dL) e in-
pergilose: A fumígatus. A jlavus, A níger. A terreus em vasão por fu ngos micelianos. A corticoterapia inibe mais
ordem decrescente de ocorrência. O A fumígatus é o o linfócito-T que os neutrófilos e macrófagos. o que dá
mais encontrado em solo de clima tem perado e tem um mais chance às leveduras de invadirem. inclusive as dos

210 ( M edicina laborawrial para o clínico )1-- - - - - - - -- - -- -- -- - - - - - - -- - - - - - -


fungos dimórficos, como ocorre nos rransplanres, excero Sacadura. em 1968, descreveu o primeiro caso de asper-
nos de medula óssea. gilose alérgica entre nós. Ela é mais comum em crian-
Assim como codo fungo, geralmente ames de causar ças e adolescentes asmáticos crônicos ou portadores de
doença é preciso que ele tenha condições de colonizar fi brose cística, causando febre, eosinofilia (1.000 célula s/
o hospedeiro. Os tecidos mais externos estão mais ex- ml) com nível de lgE aumenrado levando a broncoes-
poscos à colonização, como os olhos, ouvidos e nariz. pasmo (reação ripo 1). O exame radiológico mostra infil-
Porém, devido à aspiração dos conídios, as vias aéreas trado no lobo superior e adenopatia hilar com sinais de
são as mais colonizadas. Pacientes com facores facili tató- bronquiectasia. Devido à formação de muco, o paciente
rios como doenças pulmonares crônicas tipo enfisema, expectora um tampão mucoso marrom escuro. N em
sinusite, fibrose cística e obstrução crônica pulmonar sempre a cultura resulta positiva. O tra tamento é com
(DPOC) são mais susceptíveis à colonização. corticóide para supri m ir a resposta imunológica. O uso
prolongado de corticoterapia pode levar a um quadro
de aspergilose invasiva, sendo o uso concomitante do
CLÍNICA itraconazol bastante benéfico.
Outro tipo de aspergilose com mecanismo alérgico
A colonização broncopu lmonar em si não causa do- é a "alveolite extrínseca alérgica", que ocorre em t raba-
ença e não precisa de tratamento, sendo raramente diag- lhadores que manipulam forragens ou trabalham em
nosticada em vida. Devido à grande variedade de quadros ambientes mofados ricos em conídios deAspergi/Jus ou
clínicos provocados pela aspergilose, Rippon, em 1974, outro tipo de fungo. Nos EUAé comum em agricultO-
descreveu a aspergilose como um espectro de doenças. res que esrocam malte devido ao Aspergi/Jus clavatus.
A aspergilose pode ser de cunho alérgico ou tóxico, ter Após oiro horas, desenvolvem quadro de dispnéia, febre.
lesões primárias e invasivas. O fungo, uma vez colonizan - mialgia e rosse seca. O diagnóstico é sorológico e o tra-
do o indivíduo 1munocompetente ou não, pode evoluir tam ento é feiro com cort icóide sistêmico e geralmente
para um quadro alérgico ou para invasão desse tecido. melhora em três a quatro dias.
Nos indivíduos imunocompetences, a aspergilose rara- A traqueobronquire invasiva ocorre com formação
mente é invasiva, porém, muito ocasionalmente pode de placas pseudomembranosas que causam obsuução
invadir primariamente a pele de paciente queimado, ou- e ulceração. O paciente tem rosse. hemoptise e expec-
VIdo, nariz, brônquio, etc. Nesses indivíduos imunoat ivos, cora cilindros brônquicos contendo Aspergi/Jus que dão
o mais comum é ocorrer inoculação de conídios a partir exame a fresco e cultura positiva. O diagnóstico pode
de t raumatismo, corpo estranho ou nosocomialmente ser feiro pela broncoscopia. Apesar de ser mais comum
causando ceratite, peritonite pós-diálise, endocardite por nos pacientes com AIOS, pode similarmente ocorrer nos
próteses valvares e aspergiloma sinusal ou pulmonar de- t ransplantados de pulmão.
vido a um defe1to na estrutura tecidual tipo cavidades. Em se tratando de indivíduos imunodeprimidos. as
No indivíduo imunocompetenre, a aspergilose invasiva é infecções aspergílicas invasivas que recebem o nome de
rara devido à ação fagocítica dos macrófagos e neutrófi- "aspergilose invasiva" são quase exclusivas e vão ter mui-
los. O macrófago não deixa o conídio se transformar em ta importância clínica quando o paciente é neucropêni-
h1fa. impedindo sua maturação e, quando algum escapa, co devido pri ncipalmente à falta do macrófago alveolar.
ele é preso pelo neutrófilo que o elim ina. Portamo, q uando se diz "aspergilose invasiva". normal-
O paciente imunologicamente ativo após a coloniza- mente esrá-se implicitamente referindo a um paciente
ção da árvore brônquica pode evoluir para um quadro neurropênico, apesar dela poder ocorrer em pacientes
alérgico devido a um estado reacionário de hipersen- imunoativos. Pacientes com menos de SOO célu las/mm 3
sibilidade denominado "pneumonia broncopulmonar de granulóciros fatalmente vão a óbiro. Aqueles com as-
alérgica" ou por "h ipersensibilidade" ou evoluir para um pergilose invasiva têm alco risco quando têm medula ós-
quadro invasivo denominado "traqueobronquite invasi- sea transplantada, indo 60 a 80% a óbito. O s portadores
va aguda", que é rara em pacientes hígidos e neutropê- de anemia aplástica, leucemias e neoplasias, cujo sistema
nicos e curiosamente com um nos pacientes com A IOS. m ielóide ou linfóide não funciona devido ao uso de dro-

Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas 211


gas motóxicas, são os que mais são levados a transplante nar, porém sem invasão de vasos sanguíneos. levando ao
de medula óssea. quadro de fibrose e dilatação brônquica, que muitas vezes
Na aspergilose invasiva pulmonar dos transplanta- facilita a formação de bolas fúngicas devido à formação de
dos, o fungo é adquirido nosocomialmente e o paciente caviração. A febre é pouco elevada e causa emagrecimento
só vai manifestar a doença depois de três meses, quando notório. O exame direco e a cultura para fungo raramente
já rerornou para casa. são posicivos e o cracamemo é com icraconazol. Além da
E uma doença aguda e fulminante, principalmente aspergilose de localização pulmonar, o paciente imunode-
pelo d1fícil diagnóstico clínico-laborarorial, o que atrasa a primido pode rer raramente de maneira primária lesões não
terapêutiCa e leva 95% dos pacientes a óbito. Parologica- pulmonares como no sistema nervoso central. sino-orbital.
mente, pode-se resumir a evolução da doença em: pele e outras localizações, como a já comentada invasão
brônquica causando uaqueobronqu1te 1nvasiva.
angio-invosão ~ trombose ~ infarto = necrose; o que se Quando a infecção fúngica atinge apenas um órgão,
traduz clinicamente em : dor pleurítico ~ hemorragia
geralmente o pulmão, do paciente 1munodeprimido ou
pulmonar = hemoptise ~ covitoção.
não, ela é mvasiva, porém, quando m1gra para outros ór-
gãos. na grande maioria das vezes em neucropên ico ela é
Esse quadro não é específico do Aspergillus e pode classificada como "forma disseminada" e geralmente leva
ocorrer com outros fungos oportunistas. A clínica pare- a óbiro em rorno de três semanas por falência múltipla
ce de embolia, porém com hemoptise. dos órgãos. No Quadro 19.2 enconcra-se o resumo dos
Arualmente se segue uma padronização para estabe- aspecros clínicos das aspergiloses.
lecer o nível de infecção da aspergilose invasiva. levando-
se em coma: farores de risco inerentes ao paciente, ma-
nifestações clínicas, resultados de exames micológicos TRATAMENTO
que colocam a doença em três estágios d1agnóst1COS :
1- definitiva, 2- provável. 3- possível. Normalmente se usa em primeiro tempo a anfote-
Os pacientes com câncer podem ter hemoptise de ricina B ou o voriconazol por ter formulação parenteral.
duas mane1ras: Após a melhora clínica, pode-se trocar para um antifún-
1) Invasão de vasos levando ao infarro. quando o pa- gico oral. sendo geralmente o iuaconazol ou vonconazol
ciente está neutropênico. os mais indicados. O voriconazol se mostrou mais efi-
2) O paciente está em recuperação da granulopen1a e caz que a anforericina B, rornando-se o antifúngico de
os neutrófilos invadem a parede dos vasos, resultando em primeira linha para a aspergilose. As equinocandinas, a
destruição da camada elástica e formação de um aneurisma partir da caspofung1na, podem ser usadas em caso de in-
micórico com ruptura e hemoprise levando-o à morre. rolerância à terapêutica convencional. Têm a vantagem
Paciente neurropênico com febre persistente ou re- de ser fungicidas contra todas as espécies de Candida.
corrente, infiltrado pulmonar lembrando pneumon1a bac-
teriana, porém, não respondendo à rerap1a ant1bacreriana.
deve-se entrar com tratamento antifúngico. Às vezes a to- DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
mografia computadorizada pode revelar mais precocemen-
te as lesões cavitárias. O lavado broncoalveolar geralmente é Os Aspergillus, diferentemente do Fusanum. raramen-
negativo para fungos. Quando a aspergilose é parenqulma- te causam fungem1a e, quando isolados de hemoculturas,
tosa, o diagnóstico é mais difícil e faz-se biópsia rransbrôn· deve ser descartada possível contaminação, pois apenas
qu1ca e transtoráxica por aspiração. Outra forma pulmonar 10% dos isolamenros são significativos. A cultura positiva
de aspergilose menos comum e semi-invasiva é a "aspergi- para Aspergillus no escarro é acrescida de valor diagnósti-
Jose crônica necronzante". É uma forma indolente descrita co quando o exame direro também é positivo. O exame
em paoentes com doença pulmonar obstrutiva crônica. histológico mostra lesões necróticas supurativas e granu-
pneumoconiose, fibrose císrica. sarcoidose (rara). tubercu- lomas. As características culturais das principais espécies
lose inariva. Há destruição crônica do parênquima pulmo- pacogênicas de Aspergillus resumidamente são:

212 [ Medici na laborarorial para o clínico ]1----------- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


Quadro 19.2 - Quadro clíntco das aspergiloses

Indivíduos imunocomponentes Indivíduos com comprometimento imunológico

Invasão

Inoculação - Para um órgão superficial: cutõnea primário, stno orb,tal.


- Toxicose: ingestão de micotoxinos - Poro um órgão profundo: sistema nervoso cenlral
- Nosocomiol : colocação de próteses, diálise peritoneal. Pulmonar invastva: traqueobronquite invasivo, ospergilose pulmonar
- Inoculação de corpo estranho: cerotite invasivo.
- Dono tissulor· quetmoduros, ospergilomo - Pulmonar agudo ou primário
- Pulmonar crónico: ospergilose pulmonar crônico necrottzonte
- Poro mais de um órgão: disseminado
Colonização

- Manifestação olérgtco asma s.nusi'e alérgico. rin te


olérgtco olveal,te extrínseco alérgico osoerg lose bror-
copulmonor o érg co pneumol'1io por h.persens·b,l:caoe
Invasão

- Poro um orgão superficial: rintle, sinusite, olomicose,


troaueabronquite agudo
- Poro um orgão profundo: troqueabronquite agudo,
ospergilose pulmonar tnvosiva.
- Poro mais de um órgão· disseminado.

Aspergillus clavatus
No exame direw do escarro pode-se encomrar eOSI-
Macromorfologia: cresomemo rápido da colônia nofdia e cristais de Charcor-Leyden.
que tntoalmeme é branca e vai se wrnando esverdeada
com o tempo.
Aspergillus jwmgat us
Micro morfologia: sua vesícula parece com um cow-
nere. Tem as fiálides unissenadas. Macromorfologia:colónias verde-azuladas ou c1nzas.
Crescem bem a 4s·c o que faohra seu 1solamemo. Algu-
Aspergillus Jlavus mas cepas podem suportar tempera curas de até 6s·c.
Micromorfologia: suas ftáhdes têm disposição colu-
Macromorfologia: colônia verde amarelada com o nar e nascem do meio para cima das vesículas com for-
reverso branco ou róseo. Pode crescer a 37°C. O aparecl- mação un1sseriada. Possuem coníd1os pequenos (3 J.lm).
menro de gotículas acastanhadas na superfíoe da coló-
nia geralmeme coincide com a presença de esclerómos.
Aspergillus 111get
Micromorfologia: seu micélio é f1no, mas de rexcura
densa. Tem predominância de fiálides radiadas, porém al- Macromorfologia: sua colônia rem a superfície da
gumas podem ser colunares, semelhame ao A.jum1gatus. cor de carvão e o reverso é branco (não é demáceo).
Fiáltdes un1 e b1ssenadas podem ocorrer stmulcaneamen- Micromorfologia: rem a cabeça de forma radiada,
re. Seu con1d1óforo é longo e rugoso (parede espessa). podendo ter fiálides uni ou bisseriada. Seus conídios são
com alguns coníd1os que vão se wrnando rugosos com grandes (5.5 a 8,0 J.lm) e alguns podem ser rugosos.
o envelheomemo. A vesícula, quando jovem, rem forma No exame direro do escarro. podem-se encomrar
de cabaça ou btlha. assim como o A jumigatus. porém cristais de oxalaw de cáloo (produz áodo oxáhco). prin-
quando maduras são globosas. Seus conídios são grandes cipalmeme quando o pacieme é d1abér1co e faz aodose
(média de 4 J.Jm). metabólica.

Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas 213


Aspergi/Jus terreus
pele humana e de animars. Outras espécres de Cand1da
Macromorfologia: colôntas pregueadas de cor de podem ser saprófitas e parasitárias e podem ser encon-
areia ou amarelo-claro ou canela. Possui pregas radiadas tradas na natureza e na pele.
originadas do cemro.
Micromorfologia: possui rodas as estruturas pe-
quenas. vesícula e fia loconídios, sendo o menor de w - ETIOLOGIA
das as espécies de Aspergtllus. A suas fiá lides são blsse-
riadas, tendo aspecco de leque sobre sua vesícula. As Nos casos de endocardite, depois da C. albicans a
fiálides proximais (profiálides ou merula) tipicamente mais comum é a Candida do complexo psilosis que, por
são mais curtas que as secundárias. Em corte de tecido ser um comensal da pele humana. rem um mecantsmo
e em microculcivos a partir de hifas submersas, pode de uansm1ssão exógeno, sendo muito relacionada com o
aparecer um conídio secundário (aleuroconídios) de uso prolongado de cateter e nutrição parenteral. T1·ata-se
6 a 7 !Jm, que nasce ao lado da hifa ou às vezes de de uma levedura de baixa pacogenicidade e mortalidade.
pequenas projeções de hifa que são pacognomônicas A C. troptca!Js é sempre de origem endógena e rem alto
do A. terreus. poder de invasão, levando normalmente a uma candi-
dose invasora. principalmente em recepcores de medula
óssea ou em paciemes com enfermidade hematológica.
CANDIDOSE A variante sacarose negativa é muico encontrada nos ca-
sos de candidose disseminada.
São infecções oportunistas e endógenas causadas
por leveduras do gênero Candida. quase sempre asso-
Ciada a alguma alteração do organtsmo, podendo ser PATOGENIA
cutâneo-mucosa ou ststêmica (candidemta). Apesar da
destgnação "candidíase" ser usada correntemente, o ter- A maioria das infecções por Candida ocorre princi-
mo "candidose" está sendo mais empregado. palmente em pacientes hospitalizados. As infecções no-
socomiais são devidas ao aumento de fatores de nsco
nesses paCientes. que podem estar isolados ou associa-
EPIDEMIOLOGIA dos. Os fatores de riscos podem ser devidos àqueles que
produzem imunossupressão no paciente ou a facores
A Candida albtcans é a grande causado ra de candido- que facilitam a entrada do fungo como cateter, queima-
se (60%), seguida pela C. tropicalis e Candida do complexo duras. internação prolo ngada, etc.
pstlosts. Outras espécies potencialmente patogênicas são Para o desenvolvtmemo das candidoses, além dos
a C. glabrata, C. kruset, C. gwlliermond11, C. kefyr (amiga facores de riscos que estão ligados ao hospedeiro, são
C. pseudotroptcalts), C. lusJtamae. Por ser de cunho opor- 11nportanres também os facores de virulência inerentes
tunista, teoricamente qualquer espécie das 196 conheci- a cada cepa do fungo.
das pode causar infecção. Algumas dessas leveduras são A candidose é a ún1ca micose em que os do1s ttpos
intrinsecamente resistentes a certos amift:mgicos e estão de defesa do organismo- a fagocicose e imunidade celu-
sendo selecionadas. torna ndo-se emergentes, como é o lar - têm a mesma importância. A fagocitose (neutrófilo
caso da C. kruset e C. glabra ta, resistentes ao fluconazol, C. e macrófago) age diretamente nas hifas fúngicas impe-
lusttamae à anfotenona-Be a C. rugosa à nistatina. dindo sua invasão e os linfócitos-T agem nas leveduras
A C. a/bicans está l1gada à mucosa do homem e de impedindo sua fixação na mucosa.
quase todos os animais, apesar de nunca ter sido isolada A Candida causa mfecção em dois passos, pnme1ro
de anfíbios. A mucosa digestiva é seu pnncipal habitat se adere à célula epitelial ou à mucosa. o que é possí-
e é só através das fezes que ela pode ser encontrada na vel devido à existência de receptores de manana na sua
natureza, pois, apesar de ser saprófita, não v1ve no meio parede celular, que vão se ligar à fibronecti na da célula
amb1eme, assim como também não é encontrada na recepcora (faror de aderência da célula).

214 [ Medicina laboratorial para o clínico ~------------------------------


Na fase de aderência, são os linfóciros-T que vão agir A candidose mucocutânea pode se cronificar, afetan-
remando combater as leveduras e, na falta destes, vai do ao mesmo tempo a boca, pele e unhas. Geralmente,
haver disseminação da infecção, como ocorre na AIDS ocorre em crianças e muito raramente nos adultos. Na
com o aparecimento da candidose mucocutânea. Uma infância, geralmente é de causa hereditána (autossômica
vez aderida, a levedura começa a produzir hifas que, na recessiva ou dominante) ou devida a doenças endócrinas
sua extremidade, secretam enzimas proteolíticas, come- como hi poparatireoidismo associado ao hipoadrenalis-
çando a invadir a mucosa ou pele e esta fase misceliana mo ou devido ao hipotireoidismo. No adulto, pode estar
vai ser combatida pela fagocicose. O paciente com AIOS associada ao timoma ou ao lúpus eritemaroso sistêmico.
com a levedura já aderida começa a ter depressão dos A candidose mucocutânea crónica produz lesões crôni-
neutrófilos numa fase mais avançada da doença, devido cas orais do tipo pseudomembranoso ou em placas, na
à ação tóxica dos antivirais, podendo levar à penetração pele dá lesões crostosas formando o "granuloma candi-
das hifas com conseqüente candidemia. diásico" e as unhas ficam intensamente distróficas.
As mananas da parede celular das leveduras de C
albicans são capazes de reduzir a blascogênese de lin-
fócico-T. funcionando como mecanismo de escape da DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
defesa imunológica do organismo.
Normalmente são feitos o exame a fresco e a cultu-
ra. Para identificar a espécie de Cand1da. é preciso fazer
CLÍNICA o auxonograma e o zimograma, sendo o microcultivo
muito útil.
A clínica da candidose apresenta um leque de ma- Na candidose sistêmica, pode-se fazer detecção de
nifestações que variam conforme seja uma infecção ou antígenos ou de anticorpos circulames, detecção de me-
uma reação alérgica. tabólicos ou de componentes da parede celular da le-
As candidoses infewosas podem ser divididas, con- vedura.
forme sua localização, em superficiais e sistêmicas.
A cand1dose superficial cutâneo-mucosa ocorre REFERÊNCIAS
em locais onde a Candida vive saprofiticamente como
1. Gontt)O MAM. PrevalênCia de Agentes de Dermawmt-
microbima normal, sendo mais comum a mucosa oral,
coses em Pactentes Atendidos em 1994 - 19995 na Fa-
vaginal e intes(lnal. A candidose vulvovag1nal excepCIO- culdade de Medtctna e Hospital das Clín icas da UFMG
nalmente prema de um fator predisponente para que [dissertação]. Belo Horizonte: Untverstdade Federal de
ela ocorra contrariamente ao que ocorre em outras Mtnas Gerats; 1997.
2. Lacaz CS, Porco E. Mamns JEC. Vaccan EMH. Melo NT. Tra-
candidoses. A candidose oral (sapinho) é a mais comum
tado de M1colog1a Médica, 9' ed. São Paulo: Sarvier; 2002.
das candidoses superficiais, ocorrendo geralmente em 3. Rippon JW. Medical Mycology - The Parhogenic fu ngt
crianças, 1dosos e imunodeprimidos. Pode se apresen- and parhogen1c actnomycetes. 3' ed. Ph iladelph1a: W. B.
tar de vários tipos, como: pseudomembranosa (aguda e Saunders; 1988.
crónica), eritematosa (aguda e crónica), quedite angular, 4. S1dnm JJC. Rocha MFG. Mtcologta Médtca à Luz de Au-
tores Contemporâneos. Rto de jane1 ro: Guanabara Koo-
em placas crôn1ca ou nodular crónica, quando tem as- gan; 2004.
pecto granulado. Ma1s raramente pode causar glossite
de evolução crônica chamada de "glossite mediana rom-
bóide", que parece ser uma seqüela da candidose pseu-
domembranosa aguda. A forma pseudomembranosa é
muito comum na AIOS. A candidose eritematosa aguda
é também chamada de "candidose aguda oral atrófica" e.
como a eritematosa crônica, é encontrada nos usuários
de dentadura. A candidose oral pode, em alguns pacien-
tes graves, afetar a língua, faringe e esôfago.

Investigação laboratorial das micoses su perficiais e profundas 21 5


Míriam Oliveira e Rocha
20
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM HELMINTÍASES E
PROTOZOOSES INTESTINAIS

No Brasil, as parasitoses intestinais constituem im- lumbricoides. A alta prevalência foi atribu ída às condi-
portante problema de saúde pública, tendo em vista ções de pobreza, convívio da população com esgotos
sua elevada prevalência e os sintomas que podem oca- sanitários "a céu aberro", insetos, acúmulo de lixo, falta
sionar. Além dos prejuízos à saúde do homem, podem de higiene doméstica, entre outros.
causar consideráveis perdas econômicas relacionadas à Em 1988, um levantamento multicêntrico realizado
assistência médica, redução da produtividade ou mes- em crianças de sete a 10 anos, abrangendo 10 estados
mo incapacidade para o trabalho, influindo no desen- brasileiros, mostrou taxa de positividade de 55.3%. Em
volvimento socioeconômico de uma região. Especial Minas Gerais, essa taxa foi de 44,2% entre 5.360 crian-
atenção deve ser dada às crianças, pelo fato de as para- ças examinadas, sendo os parasitos mais freqüemes o A
sitoses intestinais poderem interferir no seu desenvolvi- lumbricoides (59.5%), Trichuris tnchiura (36,6%). Gwrdia
mento físico e mental. lamblia (23,8%) e o Schistosoma mansoni (11,6%).
Fatores como saneamento básico, condições socioe- Em algumas regiões. cem sido observada tendência à
conômicas. educacionais e climáticas, aglomeração po- queda na prevalência das parasitoses intestinais. Ferrei-
pulacional e hábitos da população influem na prevalên- ra et a/., em dois inquéritos realizados em São Paulo, em
cia das emeroparasitoses. Nas zonas rurais e nos bolsões 1984/85 e 1995/96, com crianças entre zero e 59 meses
de pobreza das grandes metrópoles. onde as pessoas se de idade, observaram redução de 30,9 para 10,7% nas en-
aglomeram em pequenos espaços e com precária hi- teroparasitoses em geral. decrescendo de 22.3 para 4,8%
giene, as condições de vida da população favorecem a nas helmintíases e de 14.5 para 5,5% na giardíase. Em
transmissão das parasitoses intestinais. Sobretudo nessas Concórdia, Santa Catarina, Tiez Marques et a/. obtive-
áreas mais pobres, na infância e nos imunodeficientes, as ram, em 2005, positividade de 12,6% num total de 9.024
parasitoses intestinais continuam a representar um grave exames parasitológicos de fezes. em um período de 30
problema de saúde pública. meses, englobando os anos de 2000, 2001 e metade de
A prevalência das parasitoses intestinais no Brasil 2002. Rocha et ai. verificaram, em Bambuí, Minas Gerais,
continua alta e os dados são fragmentados ou mesmo declínio na prevalência das parasitoses intestinais, com-
inexistentes para algumas regiões. Em levantamento re- parando os resultados de inquéritos anteriores comendo
alizado em 2005, em Campina Grande. na Paraíba. Silva dados obtidos em 2000 com o exame parasitológiCo de
et a/. observaram, entre 742 crianças com idade entre fezes de 2.901 escolares, quando a prevalência global foi
dois e 10 anos de idade, taxa de positividade para ente- de 20,1%. O declínio foi associado à imensa urbanização
roparasitoses de 94,1%, sendo de 56.3% para o Ascaris e à melhoria das condições sócio-sanitárias.
Em três mesorregiões de Minas Gerais (Triângulo Mi- pela ingestão da forma larvária junco com a carne mal
neiro/Airo Paranaíba. Noroeste e Sul/Sudeste), um leva ma- cozida (cisticerco) ou verduras (metacercária). Ocorren-
memo das helm1míases intestinaiS realizado por Carvalho do a infecção pela ingestão do ovo, os parasicos podem
et ai., em 2002, com 18.973 escolares (sere a 14 anos) da desenvolver-se diretameme no intestino (T trichiura. E.
rede pública, utilizando o mérodo de Kato-Katz. revelou vermiculans, Taema, Hymenolepts) ou realizar o ciclo pul-
positividade geral de 18%, sendo 15% monoparasirados. A monar (A.Iumbnco1des). Naqueles em que o mecanismo
prevalência do A. lumbricoides fo1 de 10.3%, de T tnchtura de infecção é a penetração ativa de larvas pela pele (An-
4.7%, de ancilosromídeos 2,9%. de E. vermicu/aris 1,2%, de ciloscomídeos. S. stercoralis. S. mansoni). normalmente
H. nana 0.4% e de Taenia sp 0,2%. Segundo a Organização ocorre o ciclo pulmonar. Os ancilosromídeos, em caso
Mundial da Saúde (OMS}, no Brasil. em conseqüência do de ingestão da larva infectante, podem se desenvolver
tratamento regular de comunidades entre 1980 e 2000, diretamenre no intestino, sem ciclo pulmonar.
houve redução de 60% no número de internações de adul- A penetração de larvas pela pele pode ocasionar
ros devido à esquisrossomose e de 90% emre as crianças. manifestações cutâneas. tipo dermame alérgica, com
As parasiroses intestinais concentram-se em áreas de prurido. edema eritema, que geralmente desaparecem
clima tropical. solo quente e úmido. Entretanto, elas não quando as larvas, caindo nos vasos sangüíneos periféri-
se limitam a essas áreas. acompanhando os deslocamen- cos. deixam a pele e são levadas para o coração e em
cos de seus hospedeiros. Atividades como a mani pu lação seguida para os pulmões. A migração de larvas através
de alimentos por pessoas infectadas contribuem para a do pulmão, presente nas infecções por A. lumbricoides,
disseminação dos parasiros. Anoloscomídeos, S. stercoralts e S. mansom. causa ede-
A mudança de hábicos da população pode favorecer ma inflamatório alveolar. que é acompanhado de ros-
o aparecimento de parasicos ames inex1stenres em uma se, expeccoração e. nos casos graves, pode evoluir para
região ou país. No Brasil. a ingestão de pe1xe cru impor- pneumonia (síndrome de Lóefler).
tado de países onde o Diphyllobotrium /atum (taenia do Vários farores influem no aparecimento de Sintomas
peixe) já havia sido detectado tem propiciado a infecção no paciente infectado por helmintos intestinais. Entre eles
por esse parasito. nunca antes relatado no Brasil. A po- pode-se citar a carga paraSitária, o sistema 1mune, estado
pulação de nível socioeconômico mais elevado, que rem de sensibilização. estado nutricional e idade do hospedeiro.
o háb1w de freqüentar os restaurantes japoneses. onde o Nas helm1ntíases. a carga parasitária tem relação direta com
praco é serv1do, tem s1do a mais atingida. o número de formas com as quais o paciente se infectou.
po1s esses parasitos são organismos pluricelulares. que não
se multiplicam no organismo do homem. Auro-111fecção
HELMINTÍASES INTESTINAIS pode ocorrer no paras1t1smo por E. vermtculans. S. stercoralis,
Hymenolepis diminuta e Taenta solium. nesse último dando
Os helmimos (do grego helminthes) ou vermes (do la- origem à cisticercose. Hiperi nfecções podem ocorrer em al-
tim vermts} são classificados em três fi los: Acantocephala, gumas situações de grande importância clínica na estrongi-
que por apresentar pouco interesse médico não será abor- loidose. como no paciente imunodeftciente.
dado; Nematelminros ou vermes cilíndricos; e Platelmin- As manifestações gastrintestinais, tais como cólica
ros ou vermes chatos. Entre esses últimos. encontram-se abdom1nal. diarréia ou constipação, náuseas e vôm1cos.
as classes Cesroda, apresentando o corpo segmentado. e algumas vezes acompanhadas de anemia. perda de ape-
Tremacoda. com o corpo não segmentado, ambas de inte- tite, emagrecimento e irritabilidade. consticuem os sinro-
resse para a Parasirologia Humana. No Quadro 20.1 estão mas mais sugestivos das helmintíases intestinais.
relacionados os principais helmincos parasiws do homem,
no Brasil, com seu respectivo habitat. mecanismo de in-
fecção e forma diagnóstica. PROTOZOOSES INTESTINAIS
A infecção pelos helmintos pode ocorrer a partir da
ingestão do ovo infectante, penetração ativa de larvas Os protozoários intestinais parasiros do homem
pela pele (ou eventualmente pela ingestão destas) ou pertencem a quatro fi los: Sarcomastigophora. carac-

218 ( M edicina laboratorial para o clínico )~------------------------------


terizado pela presença de flagelos (Gwrdia lamblw) ou órgãos da cavidade peritoneal, embora esses acha-
ou pseudópodes (amebas); Apicomplexa. caracteri- dos sejam pouco freqüentes no Brasil.
zado pela presença de uma estrutura denominada No Quadro 20.2 estão relacionados os principais
complexo apical (Cryptosporidium parvum, lsospora prorozoários parasitos intestinais do homem no Brasil,
bel/i, Cyclospora cayetanensis, Sarcocystis hommis); bem como seu habttat. mecanismo de infecção e forma
Ciliophora, apresentando cílios (Balant1dium coli); e diagnóscica.
Microspora, caracterizado pela formação de esporos A transmissão das protozooses intestinais ocorre
(Microsporídeos). Os prorozoários são organismos uni- pela via fecal -oral, predominantemente pela ingestão
celulares que se desenvolvem diretamente no intesti- de água ou alimentos contaminados com cistos ou
no e, diferentemente dos helmintos, multiplicam-se no oocistos dos parasitos. A transmissão direta de pes-
interior do hospedeiro, com maior ou menor intensi- soa para pessoa constitui mecanismo de infecção
dade, dependendo de farores como o sistema imune, particularmente importante na giardíase e criptos-
estado nutricional. microbiota intestinal e acidez do poridiose, em instituições coletivas. como creches e
suco gástnco. A E. his tolyttca pode attngir localizações orfanaros. entre membros de uma mesma fa mília e
extra-intestinais, como o fígado, pulmão, cérebro, pele entre homossexuais.

Quadro 20.1 - Principais helmim os parasrros rm estinais do homem. no Brasi l, com seu respect rvo habrtat, mecanrsmo de
infecção e forma dragnóstica

Espécie (Filo/ Classe) Habitat do verme adulto Mecanismo de infecção Forma diagnóstico

Ascoris lumbricoides Intestino d elg ado Ingestão do ovo contendo o larva Ovo não embriona do
(N emotelminto) infectante
Trichuris lnchruro Intestino grosso Ingestão do ovo contendo o larva Ovo não embrionado
(Nemolelmrnto) infectante
Enterobius vermicularis Intestino grosso. Fêmeas grávidos Ingestão d o ovo contendo o larva in- Ovo (lorvo do ou não emb rio-
(Nemotelminto) migram poro o região períonol fectante. Pode ocorrer auto-infecção nado). fêmeo d o porosito
Ancilostomídeos lntest no detgodo Penerroçã o oliva pelo pele ou Ovo não embrronod o
(Ancy/os/omo duodeno/e rngestão do larva Frlorróide Em fezes envelhecid o s: ovo
e Necoror omerrconus) lorvodo ou eventualmente o
(Nemotelmrnto) la rva robditórde
Slrongyloides slercoralis Intestino d elgado Penetra ção oliva pelo pele ou Lorvo robditóide
(N emo telmínto) ingestão d o larva Filorióide. Pode
ocorrer aula-infecção
Toenro soginoto lntes;ino delgado Ingestão d e carne d e boi crua ou O vo
(Piatelmrnto/Cestoda) mal cozid o, contendo cisticercos
(Cyslicercus bovis)
Taenio sofium Intestino delgado Ingestão de carne d e porco crua Teníose: Ovo
{Piotelminto/Cestoda} ou moi cozido, contendo cislt- Cisticercose (Cyslicercus
cercos. A ingestão dos ovos d o ce llulosoe): visib ilizoçã o d o
porosito levo à c isticercose cisticerco, a través de métodos
d e diagnóstico por imagem
Hymenolepis nono Intestino delg ado lnges;ão do ovo ou de insetos Ovo
(Piatelmrnro/Cesroda) contendo o larva c istrcercórde
Hymenolepis dimrnuto Intestino delg a do Ingestão de insetos contendo o Ovo
(Piatelminto/Cestodo) larva cislicercóid e
Schrstosomo monsoni Sistema porto Penetração de cercórios pelo pele Ovo
{Piotelminto/Tremotodo}
Foscio/o hepático Vias biliares Ingestão de à guo ou verdura s con- O vo
{Piatelminlo/Tremaloda} taminad o s com o s meto cercório s

Investigação laborarorial d o paciente com helmint íases e protozooses in test inais 219
Quadro 20.2 - Principais protozoários parasitos intestinais do homem. no Brasil, com seu respectivo habitat. mecanismo de
infecção e forma diagnóstica

Espécie (Filo) Habitat Mecanismo de infecção Forma d iagnóstico

Giordio Iomb/ia Intestino delgado Ingestão de cistos com águo ou olimen· Em fezes diorréicos: trofozoíto
(Sorcomastigophoral los conlominados; transmissão direfo de Em fezes formados: cisto
pessoo·pessoo, contoto sexuol
Amebos' Intestino grosso Ingestão de c istos com águo ou alimentos Em fezes diarréicos: trofozoíto
(Sorcomostigophoral Entomoebo histolytico contaminados; conta to sexual Em fezes formadas: cisto
também no fígado, pul·
mão, cérebro e pele
Oientomoebo fragilis Intestino grosso Não esclarecido. Há suspeito de que Trofozoíto. Essa omebo não
(Sarcomasligophoro) ocorro por meio do ovo de E. vermiculoris apresento cistos
Cryptosporidium porvum Intestino delgado Ingestã o de oocistos com águo ou olimen· Oocisro esporulodo
IApicomplexol tos contaminados. tronsmrssão dlfeto de
pessoa-pesso a ou onrmol·pessoo. Pode
ocorrer auto-infecção interno ou externo O
oocisto que sai nos fezes tá é infectante
lsosporo bel/i Intestino delgado Ingestão de oocistos com águo ou olimen· Oocisto não esporulodo
(Apicomplexol tos contaminados. O oocisto eliminado
com os fezes só se torno infectante após
2-5 dias
Bolontidium coli Intestino delgado Ingestão de cistos Em fezes diorrércos trofozoito
ICiliophorol Em fezes formados cisto
Blostocyslis hominis Intestino grosso Supostamente ingestão de cistos Formos vocuolor, granular,
(Sorcomastigophorol omebóide, cístico, o vocuolor
e globular
Sorcocystis homims, Intestino delgado Ingestão de carne de bovrnos e suínos, Ooc isto esporulodo ou
S. suihommrs conta minado com so rcocistos maduros esporocistos
(Aoicomplexol

' Encamoeba hrsrolyuca, Entamoeba dispor. Enramoeba ha11manm. Entamoeba cair, lodamoeba bürschi!J, E1rdolunax nana

A prevalência das protozooses intestinais varia de re- me a localidade e população estudadas e a metodologia
gião para região, conforme as condições de saneamento empregada. Em diferentes levantamentos realizados em
básico e o nível socioeconômico-educacional da popu- crianças. entre os anos de 1988 e 1995. foram observa-
lação. Nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvi- das taxas de prevalêneta da G. /amblia de 13,8 a 63.3%.
mento, as taxas de prevalêneta são mais elevadas do que Em 1997. no Rio de Janeiro. foram encontrados 4,2% de
nos países desenvolvidos. Nesses últimos a G. lamb!ta é o resultados positivos para G. lamblia, entre crianças com
parasito intestinal mais freqüentemente encontrado. Há menos de um ano de idade.
relatos de surtos epidémicos de diarréia, causados pela Há controvérsias quanto à patogenicidade de alguns
G. lamblta ou C parvum, sendo famoso o ocorrido em protozoários intestinais, como o Trichomonas hommts.
Milwaukee, Estados Unidos, onde milhares de pessoas Dientamoeba Jragilts e 8/astocyçtis homints O apr~reci­
se infectaram com oocistos de C parvum. As epidemias mento de sintomas nas infecções por 8. hommts tem
têm sido atribuídas ao tratamento inadequado do siste- sido associado à imunodeficiência.
ma de abastecimento de água ou à sua contaminação Alguns protozoários intestinais, como a Entamoeba
com fezes humanas ou de animais. naq uelas que são colt, Endolimax nana, lodamoeba bütschlii. Chilomastix
consideradas zoonose, como a criptosporidiose e possi- mesnili, são destituídos de atividade patogénica. Mesmo
velmente a giardíase. em grande quantidade ou na vigência de imunodeficiên-
A prorozoose intestinal que apresenta maior preva- cia, esses microrganismos não serão patogénicos e não
lência no Brasil é a giardíase. as taxas variando confor- determinarão manifestações clínicas. não necessitando.

220 [ Medicina laboratorial para o clínico ] 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - -


portamo. de tratamemo. O relam desses prowzoários monar naqueles que apresentam ciclo pulmonar. A eo-
no resulrado do exame parasiwlógico de fezes, além de sinofilia é um achado freqüeme nas helmintíases, sendo
permitir a padronização dos laudos laborawriais, é um mais pronunciada na fase pulmonar. Manchas cutâneas
indicativo da comaminação fecal-oral. hipocrômicas associadas à deficiência de vitaminas A e
O curso clínico das prowzooses imestinais depende C podem estar presemes.
de fatores relacionados com o parasiw e/ou hospedeiro.
Emre estes podem ser citados a virulência e a pawgeni- Quadro 20.3 - Principais sinais e sintomas decorrentes das
cidade das várias amomas do parasiw, o número de for- parasiwses intestinais
mas infenantes ingeridas, a idade, o estado nutricional.
Cólica abdominal
dieta e resposta imune do hospedeiro, bem como infec- Diarréia
ções concomitantes e a microbima intestinal. O impacw Náuseas e vómitos
clínico é maior nas crianças, em indivíduos desnutridos Perda de apetite
Emagrecimento
ou imunodeficentes. As alrerações mais freqüentes são Prurido anal
semelhantes àquelas observadas nas helmintíases, ou Irritabilidade
seja, manifestações gastrintestinais como a diarréia, có- Anemia
Eosinofilia
lica abdominal. flatulência, náuseas, vômiws. anorexia, Presença de sangue ou pus nas fezes
má-absorção, perda de peso, irritabilidade.
É importante chamar a atenção do profissional da
área de saúde para a realidade do Brasil, país em desen- O EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES
volvimento, constituído de desigualdades sociais graves,
salientando-se a freqüência das parasiwses intestinais na
prática clínica e a necessidade de se incluir o exame pa- Sendo o Brasil um país onde a prevalência de para-
rasitológico de fezes entre os exames complementares siwses intestinais ainda é considerada elevada, o exame
solicitados. Mesmo com a moderna e complexa tecno- parasiwlógico de fezes (EPF) deveria assumir mais im-
logia médica, as parasitoses imestinais continuam a ser portância na prática médica. No entanto, muitas vezes,
diagnosticadas principalmeme a partir desse exame. as parasitoses intestinais não fa zem parte da hipótese
diagnóstica e o EPF não é incluído entre os exames com-
plementares solicitados. Em várias situações, esse exame
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS SUGESTIVAS DE bem executado poderia evitar a realização de procedi-
HELMINTÍASES E PROTOZOOSES INTESTINAIS mentos mais complexos, invasivos e onerosos. como a
endoscopia digestiva, exames de imagem e biópsias.
Os si ntomas gastrimestinais constituem as princi- Freqüentememe, observam-se infecções parasitárias
pais manifestações clínicas decorremes das infecções com formas graves e complicadas em pacientes que se
por parasitos intestinais, variando dos casos assimo- submeteram a procedimentos diagnósticos de alta tec-
máticos até formas graves, menos freqüemes. Fatores nologia, sem que fosse realizado o EPF, necessário para o
como a carga parasitária, estado nutricional, sistema diagnóstico da doença.
imune, estado de sensibilização e idade do hospedeiro O EPF, comparado com outros métodos, é barato, de
têm grande influência no aparecimemo dos sintomas. fácil execução. não-invasivo. constituindo-se diagnóstico
Crianças, imunodeficiêntes e desn utridos têm mais de certeza. o encontro de uma das formas do parasito nas
possibilidades de ap resentar formas graves. No Quadro fezes. Em contrapartida, o desempenho do microscopista e
20.3 encon tram-se alguns sinais e sintomas sugestivos a escolha do(s) método(s) de exame de fezes executado(s)
de entero parasitos. têm relação direta com a eficiência do exame.
Uma dermatite alérgica pode ocorrer nas helmintía- No EPF são pesquisadas as diferences formas para-
ses em que o mecanismo de infecção do homem é atra- sitárias que são eliminadas com as fezes, ou seja, ovos
vés da penetração da forma larvária pela pele e sintomas e larvas de helmintos, trofozoíws, cisws e oocistos de
como tosse, sibilas, dispnéia, hemoptise e infiltrado pul- prowzoários.

Investigação laboratorial do paciente com helminríases e protozooses intestinais 221


FASE PRÉ-ANALÍTICA
o para sim alvo de sua suspeira clínica, quando houver. O
laboratório irá executar um ou mais métodos, de acordo
A fase pré-analít ica inicia-se com a solicitação do com a requisição médica. A solicitação correta contribui
clínico e inclui a requisição correta do exame, a orien- sign ificativamente para a eficiência do EPF no diagnósti-
tação do paciente para a coleta das fezes, o transporte co das parasiroses intestinais. No Quadro 20.4 estão re-
para o laboratório e o cadasuamemo da amosua fecal. lacionados os vários mémdos empregados no EPF. seus
O médico contribui e participa do processo ao informar fundamenros e aplicações. Esses dados poderão aj udar o
na requisição do exame, quando possível, o parasiro a médico na requisição correta do EPF.
ser pesquisado e/ou o mérodo a ser realizado, direcio- O método de Graham (ou da fita adesiva), embora
nando o laboratório para a execução do(s) mérodo(s) não seja uma técnica de EPF, é empregado no diagnósti-
mais indicado(s) para as diferentes situações. Vale ressal- co de E. vermicu/aris e Taenia sp, cujos ovos são encontra-
tar que o exame parasirológico de fezes não se resume dos freqüememente na região perianal e mais raramente
a um único método, mas é constituído por vários, que nas fezes. Nesse mérodo, os ovos presentes na região pe-
serão empregados de acordo com a solicitação médica rianal ficarão aderidos a uma fita adesiva aplicada nessa
ou mediante a suspeita de determinado parasiro intes- região Distendida sobre uma lâmina de microscopia, a
tinal. Portamo, é de extrema importância a imeração fi ta adesiva funcionará como lamínula, sendo verificada
médico-laboratório, no sentido de o primeiro informar a presença de ovos.

Quadro 20.4 - Principais métodos de exame parasitológico de fezes: fu ndamemos, aplicações e formas parasitárias detectadas

Processo de concentração das Formas parasitários que


Método
formas parasitárias podem ser encontrados
Direto* N ã o utilizo p rocesso d e concen- O vos e larva s de helmintos, cistos de protozoários,
tração. As formas parasitários são oocistos maiores (como o de /sospora belh1. Trofozoítos.
encontrados quando presentes em em fezes recém-emitidas
grande quantidad e
Hoffmon, Pons e janer ou Lutz Sed imentação espontâneo Ovos e larvas de helmintos, crsros de protozoários,
oocistos maiores (como o de /sosporo bel/i). Muito
utilizado na rotina do EPF

Método de MIFC (Biogg e/ a /1 Centrifugação* * Ovos e larvas de helmintos, cistos e oocistos de


Método de Ritchie (formol-éterl protozoários. M uito utilizado na rotina do EPF
Coprotest
Faust et o/. Centrífugo-flutuação no Ovos leves, cis:os e oocistos de protozoários. Especialmen-
sulfato de zinco te indicado poro a pesquiso de cistos de protozoários.

W illis Flutuação espontâneo Ovos leves, em especial de onciloslomídeos. Não é


indicado poro o pesq uiso de cistos. Pouco usado, pois
os ovos leves pod em ser diagnosticados, também, por
centrifugação ou sedimentação espontânea
Boermann-Moroes Migração otrvo dm larvas Larvas de helmintos Indicados poro o diagnóstico do
Ruga i Strongyloides slercora/is
Koto-Kotz Tamisação das fezes, empregando Ovos de helminlos. Poro o pesquiso de ancilostomídeos
tela que permite o passagem dos e Hymenolepis sp, o lâ mina deve ser examinado a té
ovos e retém os detritos maiores uma hora depois d e preparado
Sheother Flutuação em solução de sacarose Oocistos de coccídeos Especialmente rndicado poro
Cryplosporidium porvum e Cyclosporo coyetonensis
Hema toxilina Férrico e Centrifug ação d os fezes, seguida Trofozoítos e cistos d e Giordio e amebos
Tricrômico* de coloração específico

· Únrcos métodos que permrcem a visrbrhzação de uofozoítos de protozoános


·-Para a concentração de OO<rscos de C parvum e C cayetanensrs, o tempo de cenmfugação deve ser aumentado para 10 mrnutos.

222 ( Medicina laboratorial para o clínico


Após a execução do méwdo de concentração, algu- é realizado com fezes frescas, enquanto o MI FC e Ritchie
mas formas parasitárias precisam ser coradas, permitin- utilizam fezes colhidas em conservante. No nosso servt-
do, assim, examinar detalhes da morfologia, necessários ço, realizamos um desses métodos em todas as amostras
à sua identificação. Larvas de helmintos e cisros de pro- fecais que dão entrada no laboratório.
rozoários podem ser identificados corando-se o material Os casos de suspeita de esuongiloidose deverão ser
com Iugo!. Para a detecção de oocisros de C parvum e informados ao laboracório. para a realização, além do
C. cayetanens1s, é necessána a execução do mérodo de método de rotina, do método de Baermann-Moraes (Fi-
concentração, seguida de um dos mérodos de coloração gura 20.3) ou o de Rugai, que são mais sensíveis para a
indicados para esses parasiros. Por essa razão, é neces- pesquisa de S. stercoralts, detectando larvas em situações
sário que, no pedido do exame, o médtco solicite espe- nas quais outros métodos não são capazes. O mesmo se
cificamente a pesquisa desses parasiros. A identificação aplica aos casos de suspeita de esquistossomose. quan-
dos cisros e trofozoíros de amebas é facil itada quando o do são realizados o método de rotina e o método de
material é corado pela hemaroxilina férrica ou uicrômi- Kato-Katz, esse último mais sensível que os demais para
co. Entretanto, esses mérodos são pouco utilizados na o diagnóstico do S. mansoni. (Figura 20.4)
rotina do EPF, por serem trabalhosos, dispendiosos e de- Para a pesquisa de coccídeos intestinais (C. parvum, C.
morados. No Quadro 20.5 encontram-se as colorações cayetanensis e /. bel/i), deve ser feita a concentração dos
mais utilizadas no EPF, suas indicações e as formas para- oocisros a partir de um dos métodos de centrifugação
sitárias detectadas por elas. (MIFC. Ritchie ou Coprotest), aumentando-se o tempo
Apesar da dtversidade de mérodos de EPF, os mais de centrifugação para 10 minutos. Em seguida, o material
empregados são aqueles que permitem o diagnóstico de é corado por um dos mérodos derivados do Ziehi-Neel-
vários parasitos intestinais, são de fácil execução e pouco sen ou pela safranina-azul de metileno. (Figura 20.5)
onerosos. Entre todos os apresentados no Quadro 20.4, O método de Willis (flutuação espontânea). ape-
os mais utilizados são o da sedimentação espontânea sar de rápido e de simples execução, é pouco utilizado
(Hoffman, Pons e janer) e os da centrifugação (MIFC e por se restringir à pesquisa de ovos leves, que podem
Ritchie), constituindo-se os mérodos de rotina do EPF ser deteccados, também, por outros mécodos, como a
(Figuras 20.1 e 20.2). O mérodo de Hoffman, Pons e Janer centrifugação.

Quadro 20.5 - Colorações empregadas no exame parasicológico de fezes

Formos parasitários poro os


Coloração Indicação/Utilização
quais é indicado
Lugol Larvas de helmintos, trofozoítos e É o corante usado no rotina do EPF, após execução do méto-
cistos de protozoários d o direto ou de um dos métod os de concentraçã o
Hematoxilino férrico Trofozoítos e cistos de omebos e Principalmente poro o pesquiso de trofozoítos em fezes
Giardia Iomb/ia diorréicos Pouco utdizodos no rotina por serem
trabalhosas. dispend1osas e demorados.
Tricrõm1c0 embora permitam v'sib,l·zor detalhes do morfologia
facilitando o identificação
Ziehi-N eelsen modificado e Oocistos d e coccídeos: Sempre que houver suspeito de um desses parasitos. é neces-
suas variações Cryplosporidium porvum, sá rio executa r uma dessas colorações após a concentração
Sa fronino-azul de meltleno
Cyclospora coyetonensis e d a s fezes pelos métodos indicados
lsosporo be/1;
Aurommo e suas variações Oocislos de coccídeos: Mais dispendioso e menos especifico que os onleflores.
Cryptosporidium porvum, necess1ta de m1croscóp10 de imunofluorescênc1o
Cyclospora coyetonensis e paro o exame da lõm1no
lsospora bel/i
Chromotrope R Esporos de microsporídeos Sempre q ue houver suspeita de microsporídeos intestinais
(tricrõmico modificado) (Enterocytozoon bieneusi e
Encepholitozoon mtestinolis)

Investigação labora toria l do paciente com helmintíases e protozooses intestinais 223


situação. a grande maioria dos laboratórios realiza um
dos métodos de rotina (sedimentação espontânea ou
centrifugação) capaz de diagnosticar vános parasitos.
É interessante notar que. freqüentemente, mesmo
quando a anamnese e os sintomas do paciente levam
o profissional a suspeirar de um parasim em parricular.
ele não coloca essa informação na solicitação do EPF.
No Brasil. onde o poliparasitismo é freqüente. o labo-
ratório não deve realizar apenas um método que seja
muito específico para determinado parasito.
Figura 20.1 A- Método de Hoffman, Pons e janer: fezes diluídas em
água. sendo filrradas em gaze com o1ro dobras. Vet pag1110 L,,

Figura 20.2 A -Método de MIFC (Biagg et ai.). Material necessário.


Ver págma 224

Figura 20.1 B- Método de Hoffman. Pons e janer: sed1memação _


das fezes em cálice cônico. Ver pagmo 224

O mérodo de Faust et a/. (cenuífugo-fluruação no sul-


faro de zinco) é o que mais concentra os cistos de proto-
zoários. fornecendo o maior número de cisros por campo
microscópiCO (Figura 20.6). Entretanto. os mérodos de
cemnfugaçào. realizados com uês amostras feca1s colhi-
das em d1as alternados. rêm apresentado bons resultados
para a pesqwsa de mros. Em casos de suspeita de giardía-
se ou amebíase. quando o pacieme está eliminando fezes
formadas e os cistos não foram detectados pelos mérodos
de centrifugação. mesmo com a coleta das três amostras.
a execução do mérodo de Faust estaria indicada.
As semelhanças das manifestações clín1cas determi-
nadas pelos d1feremes parasitos intestinais dificultam.
muitas vezes, que o médico suspeite de um parasito
Figura 20.2 B- Tubos comendo as fezes em conservante, após fil-
em especial, impossibilitando a indicação do método
tração em gaze; após acrescentar o éter; após agitação vigorosa;
a ser executado ou do parasito a ser pesquisado. Nessa após centrifugação, mostrando as camadas de éter. gordura e de-
tritos. conservante e o sedimento e cubo comendo apenas o sedi-
mento, após a retirada das camadas superiores. Ver pag1na 224
224 [ Medicina laborarorial para o clínico
Figura 20.3 -(A e B) Método de Baermann-Moraes; (C) Método de Rugat '· , primO a color•oa


.
Figura 20.4- Preparação de lámtna pelo método de Karo-Karz. ~ t' Figura 20.5 A- Ooosros de C parvum (lOOX). Ver pag"1a 225
t'fdt f· ~ ,, h4

A coleta adequada da amostra fecal tem relação dt-


reta com a qualidade do EPF. O paoeme tem partiCipa-
ção ativa nesta etapa, po1s é ele quem vai coletar as fezes.
sendo fundamemal a sua colaboração. O médico pode
auxiliar, reforçando, jumo ao seu paoeme. a 1mportânoa
de se coletar corretamente as fezes, segwndo as tnsuu-
ções do laboratório.
A defecação deverá ser feita num recipiente seco e lim-
po ou em um pedaço de jornal, transfenndo-se parte das
fezes, recolh1das de diferentes porções do bolo fecal, para o
frasco própno. que deve ser de boca larga, com boa veda-
ção e capaodade aproximada de 50 ml. Fezes eliminadas
no solo ou no vaso sanitário são inadequadas ao EPF. Figura 20.5 B- Oocistos de I. bell1 (40X), corados pelo Método de
Hennksen e Pohlenz (denvado do Ztehi-Neelsen). , r 1~ 11 1

Investigação laborarorial do paciente com helmtnríases e prorozooses intestinais 225


portante lembrar que esses conservantes não preservam
trofozoítos de prorozoários (Giardia e amebas). eliminados
em fezes diarréicas. Em fezes frescas, os rrofozoíros degene-
ram após 30 minuros, impedindo a sua detecção. Por isso,
havendo suspeita desses paras1ros, o méd1co deve relatar
essa informação no pedido de exame. para que o laborató-
I I I rio possa dar a orientação correta do paciente. Nesse caso,
as fezes diarréicas devem ser coletadas no próprio labora-
I • ,
tório, para exame imediato. A omissão dessas informações
pode levar a resultados falso-negativos.
O mérodo de Hoffman, Pons e Janer (sedimentação
espontânea) normalmente é executado com fezes fres-
cas. Já nos mémdos de centrifugação, as fezes são co-
lhidas em conservante, o que facilita a coleta de várias
amostras de fezes (amostras múltiplas).
A pesquisa de larvas pelo mémdo de Baermann-Mo-
raes implica a migração ariva das larvas, requerendo. por-
ramo, fezes frescas e recém-elim1nadas. A conservação
das fezes em geladeira d1minui a viabilidade das larvas e,
conseqüentemente, a sensibilidade do mémdo.
O conservante conhecido pela sigla SAF (aceram de
sódio, acido acético e formol) veio substituir o Schau-
F1gura 20.6 B Coleta da película, com o auxílio de uma alça de di nn, que era preparado com biclorem de mercúrio e,
plauna. \lc ' tJcio:t'•l J '6
portamo, muiro tóxico. É ind icado na coleta das fezes
Figura 20.6- Método de Faust et ai. Em (A) Tubos de Wassermann, para a execução do mérodo da hemaroxilina férrica ou
mostrando as vánas etapas do método. Em 1. 2 e 3 fezes diluídas em cricrômico, quando se faz a pesquisa de cisros e crofozo-
água após 1•. 2• e 3• cemnfugações. Em 4, após centrifugação com íros de prorozoários.
ZnS04 a 33%, mostrando a película superficial. onde estão as formas
A elimmação das formas paras1ránas nas fezes não é
paras1tanas mais leves (ovos leves. CIStos e ooosms). Em (B), coleta da
película. com o auxilio de uma alça de platina. Ver ptancha colonda homogénea, podendo vanar ao longo dos dias e do bolo
feca l. Por essa razão. o laboratóno freqüemememe soli-
Dependendo do método de EPF a ser executado, pode cita que o paciente faça a colera de várias amosrras de
ser necessária a coleta de fezes frescas ou em conservan- fezes em dias diferences, constituindo-se estas em amos-
te e uma ou mais amostras fecais. As fezes frescas devem tras múltiplas ou seriadas. Esse procedimenro aumenta
ser env1adas rapidamente ao laboratório ou mantidas em a sensibi lidade do EPF para o diagnóstico dos vários pa-
geladeira. O uso de conservantes dispensa o uso da gela- rasiros intestinais. A colera de três amosrras de fezes em
deira ou o envio imediaro para o laboratório, evitando-se dias alternados é o esquema mais preconizado. Amostras
também a urgência na realização do exame. Ao utilizá-los, múltiplas são especialmente indicadas para alguns para-
as instruções devem ser passadas ao paciente de forma cla- siros como a G10rdia lamb/JQ, que apresenta os "períodos
ra e por escrito. Os conservantes devem ser utilizados na negativos", quando trofozoíros e cistos desaparecem das
proporção de três partes deste para uma parte de fezes, fezes. Estes têm durabilidade de sere a 10 d1as e não apre-
transferido-as para o frasco com o conservante, logo após sentam penodicidade, podendo levar a resultados falso-
a evacuação e homogeneizando-se o material. Não existe negativos. É importante ressaltar que, em algumas situ-
um conservante adequado a todas as formas parasitárias. ações, como em caso de suspeita de esquisrossomose,
Os mais empregados são o formal a 10 % e o MIF (mercuro- pode ser necessário o exame de fezes seriado, com um
cromo ou mertiolaro, iodo e formal), indicados para ovos e número maior de amostras. Para isso, o paciente deverá
larvas de helmmtos. o stos e oocistos de prorozoários. É1m- coletar uma amostra de fezes por semana, du rante cinco

226 [ Medicina laboratorial para o clínico


a seis semanas. Normalmente, o laboratório solicita fezes Quando o médico não especifica o parasito a ser pes-
frescas para possibilitar a realização do método de Kato- quisado ou o méroclo a ser realizado, o que acontece
Katz, o mais indicado para o diagnóstico do S. mansoni, na maioria das requisições de EPF, e não há indicação
além do mérodo de rotina. para a pesquisa de um parasitO em especial. o labora-
A coleta das fezes para o EPF dever ser realizada an - tório, normalmente, executa apenas um mérodo ge-
tes dos exames de imagem do cubo digestivo, pois as ral. Os métodos específicos são indicados para a pes-
preparações uti lizadas nesses exames, como laxantes, quisa de um parasito em parricular. É extremamente
óleos minerais, contrastes comendo bário, iodo, emre importante que o médico relate a sua suspeita
outros, interferem no EPF. Caso os exames de imagem clínica, pois alguns parasiros exigem métodos espe-
sejam prioritários, deve-se aguardar uma semana para cíficos para seu diagnóstico e não serão detectados
coletar as fezes. Como a maioria dos sintomas das pa- se for executado apenas um dos mérodos de rotina
rasicoses é gastrimestinal, deve ser recomendado ao pa- (métodos gerais). Quando solici tados pelo méd ico, os
ciente que antiácidos, bismuto e sulfaco ferroso sejam métodos específicos são executados, concomitante-
iniciados após a coleta de fezes. mente com os métodos de rotina. Vale lembrar que
os honorários pagos aos laboratórios pelo EPF são ex-
tremamente baixos. A realização de vários mérodos,
FASE ANAlÍTICA necessários em várias situações, sem a requisição mé-
d ica, estará sendo subvencionada pelo laboratório.
O exame macroscópico das fezes permite verificar É importante reconhecer a importância do EPF no
sua consistência e odor, a presença de elementos ano r- diagnóstiCO das parasitoses intestinais, remunera ndo-
mais, como muco ou sangue, e de vermes adulros ou par- o adeq uadamente, pois deixar de diagnosticar e tra-
te dele, como, por exemplo, a fêmea de Enterobius vermi- tar as parasitoses intestinais ocasio nará gastos muito
cularis ou proglotes de Taenia. No exame microscópico mais elevados ao sistema de saúde.
é feita a pesquisa das diferences formas parasitárias que A pesquisa nas fezes, de oocisros de C. parvum, C.
são eliminadas com as fezes, ou seja, ovos e larvas de hei- cayetanensts e /. bel/i, coccídeos intestinais desencadeado-
mimos, uofozoícos, cisros e oocisros de procozoários. res de diarréia, requer conduta diferenciada. É necessária
Os métodos quantitativos permitem determinar o a realização de um processo de concentração seguido de
número de formas parasitárias por grama ele fezes e, con- coloração específica, que só será realizada quando hou-
seqüenrememe, a imensidade do parasitismo. Não são ver a solimação no ped ido de exame. Os oocisros de I.
muico empregados devido à sua pouca aplicabilidade clí- bel/i, pelo seu tamanho maior, podem ser concentrados a
nica, pois a dose dos medicamentos atualmeme usados partir dos métodos de centrifugação (MIFC, Ritchie, Co-
no tratamento das parasiroses intestinais leva em coma protest) ou de flutuação (Faust ou técnica de Sheather).
o peso corporal do paciente e não a imensidade do para- Entretanto, para concentrar os oocisros de C. parvum e
sitismo. Por isso, quase rodos os mécodos usados no EPF C. cayetanensis, que são muico pequenos e leves, deve-se
são qualitativos. Entre os métodos quantitativos, têm -se utilizar a técnica de Sheather ou os mécodos de centnfu-
o Karo-Katz e o de Scoii-Hausheer. gação, aumemando-se, nestes últimos, o tempo de centri-
Para facilita r o encontro das formas parasitárias fugação de um para 10 minucos. Com o material obtido,
nas fezes, são utilizados os vários processos de enri - faz-se uma coloração específica, sendo as mais utilizadas
quecimento e coloração já citados nos Quadros 20.4 aq uelas derivadas do Ziehi-Neelsen ou a safranina-azul
e 20.5. Nenh um dos mérodos de EPF é capaz ele diag- de metileno. Corantes fluorescentes, como a auramina,
nosticar, simultaneamente. rodas as formas parasitá- são preconizados por alguns autores. Entretanto, além da
rias. Alguns permitem o d iagnóstico de vários parasi- necessidade de um microscópio de imunofl uorescência
tOS intesti nais, sendo, por isso, chamados de métodos para o exame da lâmina, essa metodologia pode apresen-
gerais e muito usados na rotina do EPF. Entre estes, tar inespecificidade, podendo ser necessána a validação
estão o método da sed imentação espontânea (Hof- de um resultado positivo com o emprego de um outro
fman, Pons e Jan er) e os mérodos de centrifugação. corante, como os citados anteriormente.

Invest igação laborato rial do paciente com helmintíases e protozooses intestinais 227
O EPF não apresenta boa sensibilidade para o diagnóscico cados, liberação do laudo, transmissão e arquivo dos
de alguns parasitos intestinais, como o Enterobius vermicularis resultados e consultaria técnica. Sedi mentos de fezes
e Taenia sp.. No ciclo biológico do E. vermicularis, a fêmea não comendo as várias formas parasitárias, bem como lâ-
faz postura de ovos na luz intestinal. A fêmea grávida, repleta minas permanentes, podem ser armazenados, servin-
de ovos, migra, à noite, do ceco para a região anal, onde se do como material de consulta. Na apresentação dos
rompe devido ao arrim ou ressecamemo, liberando milhares resultados do EPF, devem conscar os seguimes dados,
de ovos. Portamo, o diagnóstico desse parasiw deve ser feiw importantes para a interpretação e análise da consis-
pelo mérodo de Graham (mémdo da fira adesiva), no qual a tência dos resultados:
parte aderente de uma Ata transparente é colocada em con- • Identificação do paciente;
taro com a região perianal, ficando os ovos aderidos nela. Esta • data;
é distendida sobre uma lâmina de microscopia, funcionando • nome do médico;
como uma lamínula, sendo posteriormente examinada ao • consistência das fezes;
microscópio para a pesquisa de ovos. Evemualmeme, pode • forma(s) parasitária(s) e nome(s) específico(s) do(s)
ser encontrada uma fêmea ou parte dela. Para obter-se boa parasito(s) encontrado(s);
sensibilidade com esse mémdo, é importante que a coleta • método(s) executado(s);
seja feita pela manhã, logo que a pessoa acorde e sem que se • observações.
faça qualquer tipo de higiene na região perianal. Os ovos de
E. verm1cularis eventualmente encontrados nas fezes devem- Todos os parasitos encontrados devem ser relata-
se ao rompimento de uma fêmea durante a manipulação da dos, sejam eles patogênicos ou não. O encontro de
amostra fecal, aos poucos ovos que saem pelo poro genital emerocomensais é um bom indicador das condições
da fêmea ou àqueles que são arrastados junco com o bolo sócio-sanitárias de uma determinada região, indicando
fecal. quando este passa pelo ânus. a possibilidade de infecção com parasitos patogênicos,
Os ovos de Taenia sp também não costumam ser ex- uma vez que o mecanismo de infecção é o mesmo.
pulsos com as fezes. Com a eliminação das proglores. al- Acrescente-se a isso a necessidade de padronização
guns ovos permanecem na região anal. podendo ser diag- dos laudos emitidos pelos vários laboratórios. O relato
nosticados da mesma forma que o E. vermicularis, com o da consistência das fezes é importante para a análise e
emprego da fita adesiva. Não é possível fazer o diagnósti- interpretação dos resultados. Por exemplo, se as fezes
co específico a partir dos ovos, ou seJa, dizer se o paciente diarréicas de um paciente com suspeita de giardíase
está infectado pela Taenia solium ou Taenia saginata. Para ou amebíase são enviadas ao laboratório acompanha-
isso, é necessário fazer a tamisação das fezes. na qual todo das de um pedido de EPF, no qual não consta a sus-
o conteúdo de uma defecação é misturado com água e peita clínica, possivelmente o laboratório executará o
passado através de uma peneira (tamis), onde ficarão reti- método de rotina. Como este não permite a detecção
das as proglores porventura presentes. O exame das rami- de rrofozoítos. forma da G. /amblia e amebas elimina-
ficações uterinas das proglotes grávidas, após clarificação da em fezes diarréicas. o resultado será falso-negativo.
com ácido acético. permite o diagnóstico específico. Ao verificar no laudo a consistência das fezes exami-
Concluindo. a interação médico-laboratório é extre- nadas e o método executado, o médico perceberá
mamente importante; a maneira como o médico faz a que realmente não seria possível o encontro de uo-
solicitação do EPF pode direcionar o(s) método(s) a ser fozoítos, solicitando a repetição do exame, caso jul-
(em) executado(s). tornando o exame mais eficiente no gue conveniente. Q uando as fezes são entregues no
diagnóstico das parasitoses intestinais. laboratório colhidas em conservante, às vezes não é
possível relatar sua consistência no laudo do exame.
Seguem-se dois exemplos de laudos de EPF.
FAS E PÓS-ANAlÍTICA É conveniente que, diariamente, sejam feitos os re-
gistres dos resultados do EPF. anotando-se o número
Após a execução do exame. inicia-se a fase pós- de exames positivos e negativos e com cada um dos
analítica, que inclui a análise da consistência dos resul- parasitos intestinais. Ao final do mês, esses dados são

228 ( Medicina labora[Qrial para o clínico ]1-- - -- - - - - - - - - -- -- - -- - -- - -- - - - --


MÉTODOS IMUNOLÓGICOS
quantificados e colocados em uma tabela ou gráfico.
EMPREGADOS NO DIAGNÓSTICO
Desta forma, o laboratório poderá verificar quais os
DAS PARASITOSES INTESTINAIS
parasitos mais prevalentes na região. Quando for ob-
servado o aumento ou diminuição súbita na prevalên-
cia de um parasito, a causa deverá ser pesquisada. Esta Apesar do surgimento de metodologias mais com-
pode ser devida a uma mudança da clientela, introdu- plexas, a maioria das parasitoses intestinais continua a ser
ção de modificações na execução do método usado diagnosticada pelo EPF, que apresenta uma série de vanta-
no EPF, a adoção de um novo método com sensibili - gens Já citadas anteriormente. Por outro lado, o EPF é uma
dade diference ou mesmo a troca do microscopista, metodologia que depende do desempenho do microsco-
cujo desempenho reflece diretamente na qualidade pista, consumindo considerável tempo na análise das lâmi-
do exame. As tabelas ou gráficos de prevalência per- nas. Como há variação no nú mero de formas parasitárias
mitem, também, que o laboratório avalie a conveni- eliminadas com as fezes. o exame pode ser ineficaz quando
ência de acrescencar, à rotina do EPF, métodos espe- estas se encontram em pequeno número. As dificuldades
cíficos para determinado parasito que tenha elevada em se demonstrar a presença das formas parasitárias nas
prevalência na região. Como exemplo, pode-se citar fezes e o freqüente questionamemo, por parte dos médi-
a incl usão do método de Kato em regiões endêmicas cos, de resultados negativos em pacientes com sintomato-
para esquistossomose ou do método de Baermann- logia compatível com uma das parasitoses intestinais fize-
Moraes, onde a prevalência da estrongiloidose é alta. ram com que se buscassem novas metodologias.
A pesquisa de anticorpos no soro, seja através da rea-
ção de imunofluorescência, hemaglutinação, reação imu-
EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES noenzimática (ELISA) ou outros, de maneira geral é pou-
co utilizada, pois freqüentemente continua a apresentar
NOME DO PACIENTE:
IDADE: SEXO:
positividade após a cura, dificultando a interpretação dos
MÉDICO: resultados. Pode ser útil em algumas situações, como no
DATA:
diagnóstico da amebíase invasiva, intestinal ou extra-in-
CONSISTÊNCIA DAS FEZES: PASTOSAS testinal, pois altos títulos de amicorpos só são observados
quando a E. histolytica invade os tecidos. Nos casos de
M ÉTODO(S) EXECUTADO(S): HOFFMAN PO SE JANER
(SEDIMENTAÇÃO ESPON TÃN EAl parasitismo pela E. htstolytica sem invasão de tecidos ou
na infecção por E. dispa r, a reação é negativa ou com títu-
RESULTADO: OVOS DE Ascoris lumbncoroes
LARVAS DE Strongylordes stercoralis los baixos. É especialmente indicada em casos de suspeita
CISTOS DE G1ardio Iomb/ia de amebíase extra-intestinal. pouco freqüente no Brasil.
O teste de ELISA de captura tem sido empregado
para a detecção de ancígenos do parasito nas fezes, não
EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES dependendo, portanto, da resposta imune do paciente.
É uma metodologia de fácil e rápida execução. cuja leitu-
NOME DO PACIENTE :
IDADE: SEXO: ra pode ser feita visualmeme ou no leitor de ELISA. não
MÉDICO:
DATA:
requerendo, assim, equipamentos especiais. Encontram-
se disponíveis no mercado ktts para a pesquisa de copro-
CONSISTÊNCIA DAS FEZES DADO NÃO DISPONÍVEL antígeno de G. lambi ta e C parvum. todos apresemando
(FEZES COLHIDAS NO CONSERVANTE).
alta sensibilidade e especificidade. Há. também, vários
MÉTODO($) EXECUTADO($): M IFC IBLAGG ET Ali ktts para o diagnóstico da E. histolytica, todos com boa
RESULTADO: NÃO FORAM ENCONTRADOS, NA AMOS- sensibilidade, mas apenas um é capaz de diferenciar a in-
~~~~~~f6u~~~~g~\~~~EDPER6i6~~I~6sCISTOS, fecção pela E. histolytica e E. díspar, dando resultado po-
sitivo apenas para a primeira. Em países desenvolvidos,
OBSERVAÇÃO: EXAME REALIZADO COM TRÊS AMOSTRAS essa metodologia vem sendo muito utilizada. No Brasil,
DE FEZES COLHIDAS EM DIAS ALTERNADOS.
devido ao elevado custo, seu uso é ainda restrito.

Investigação laboratorial do paciente com helminríases e protozooses intestinais 229


Ensaios imunocromarográficos também têm sido vezes em dose única, alguns medicamemos apreseman-
restados para o diagnóstico da G. /ambl~a, C. parvum e do amplo espectro de ação. O correto rracamento deve
E. histolyt1ca. Nesses, os anrígenos do parasito são capcu- ser precedido da comprovação diagnóstica pelo EPF ou
rados por anticorpos específicos, imobilizados em uma outra metodologia adequada.
membrana, sendo revelados por reação imunocroma- O uso indiscriminado de medicamencos para para-
cográfica. Também são de execuções simples e capazes sitoses incestinais sem comprovação diagnóstica tem
de revelar mais amostras positivas do que os mérodos s1do adorado não só pela população em geral, mas
convencionais de microscopia, além de permitir o diag- também por agentes da saúde (médicos, enfermeiros,
nóstico simultâneo de E. histolytica/E. dispa r e C. parvum farmacêuticos, etc.).
e G. /ambila. No Brasil ainda são pouco utilizados. A demora na liberação do resultado do EPF, espe-
A reação de imunofluorescência direta também tem cialmente na rede pública, e os poucos efeitos colaterais
sido utilizada para a detecção de ciscos (G. lamblia) ou dos medicamentas, que normalmente se restringem a
oociscos (C. parvum. I. bel/i ) de protozoários. Nessa re- cólicas abdo minais, vômicos e enjôo. muitas vezes levam
ação, as fezes suspeitas são colocadas em uma lâmina, o médico a rratar a diarréia e outras manifestações gas-
adicionando-se, em seguida, o anticorpo específico mar- rrintestinais compatíveis com parasitoses, sem esclarecer
cado com uma substância fl uorescente. Tam bém cem o sua causa. Outras vezes é o paciente que não se dispõe
seu emprego limitado devido ao custo elevado, apesar a fa zer o EPF, não colaborando na coleca das amostras
de apresentar alta sensibilidade e especificidade. de fezes, necessárias para o diagnóstico seguro, insistindo
A reação intradérmica é muico utilizada para o diag- no tratamenco sem a comprovação diagnóstica.
nóstico da esquistossomose. É uma reação de hipersen- Os vermífugos mais utilizados são aq ueles polivalen-
sibilidade Imediata, cuja sensibilidade pode va riar de 95%, tes. mebendazol ou albendazol. que nas doses comumen-
em homens maiores de 20 anos, acé 65% em mulheres e te empregadas agem apenas contra alguns helmintos. O
jovens, havendo, portanto, a possibilidade de resultados albendazol apresenta boa eficácia para a giardíase, mas a
falso-negativos. A especificidade da reação é boa, embora dosagem e a duração do tratamento são diferentes.
outros tipos de cercária possam levar a resultados falso- Uma das maiores dificuldades no EPF é a diferencia-
positivos. É indicada principalmente para levantamentos ção das amebas que são encontradas no intestino do
epidemiológicos. As reações negativas têm alto valor pre- homem. Emre estas, tem-se: Entamoeba histolytica, E.
ditivo. As reações positivas indicam que o paciente cem ou dispor. E. hartmanni, E. coli, Endolimax nana, lodamoeba
ceve a infecção, devendo o resultado ser validado a partir bütsch/111 e D1entamoeba jragilis. A (mica que pode ser
do EPF e apenas mediante o encontro de ovos nas Fezes é patogênica, determinando as úlceras imestinais ou os
que o tratamento deve ser recomendado. Alguns clínicos abscessos extra-intestinais, é a Entamoeba h1stolyuca e,
solicitam a pesquisa de anticorpos específicos, realizada portanto, segundo a OMS, é a única que deve ser trata-
por meio da reação de imunofluorescência ou ensaio imu- da. As demais amebas intestinais do homem não são pa-
noenzimático (ELISA). Em ambas as reações é observada a togênicas, não necessitando, pois, de tratamento. O seu
persistência de positividade após a cura, apesar de alguns relato no EPF se justifica, como dito anteriormeme, pela
trabalhos mostrarem que, em animais, a reação de ELISA padronização dos laudos, para que médico e paciente
se tornou negativa quatro meses após o tratamento. A fiquem cientes de que há uma fonte de contaminação
interpretação dos resultados é ainda controversa. fecal-oral, e pela possibilidade de erros na idemificação,
tendo em vista a dificuldade na diferenciação das ame-
bas. Sua presença pode servir como um bom indica-
CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRATAMENTO dor das condições sócio-sanitárias. Algumas vezes, esse
DAS PARASITOSES INTESTINAIS relato faz com que o paciente insista no tratamento,
mesmo o médico informando não ser necessário. Vale
O tratamento das parasitoses intestinais apresentou ressaltar que esses microrganismos não são pacogênicos,
nítido progresso nas últimas décadas. Hoje, a maioria independentemente da quamidade presente e do sis-
dessas parasicoses pode ser facilmente tratada, muitas tema imune do paciente; e mesmo quando presentes

230 ( Medicina laboratorial para o clínico


em grande quantidade ou no paciente imunodeficiente, os parasiros que podem ser diagnosticados através de
não necessitam ser tratados. cada um deles permitem a contribuição mais efetiva do
A E. dtspar. morfologiCamente semelhante à E. médico. à medida que. sempre que possível. seja espe-
htstolyuca. foi reconheoda como uma espécie diS(Inta Cificada a suspeita clínica na requisição do exame. Isso
em 1997. Essa espécie seria a responsável pela maioria permitirá que o laboratório execute o(s) método(s) mais
dos casos assintomáticos de infecções anteriormente indicado(s) para as diferentes siruações.
ambuídas apenas à E. htstolyttca. Trabalhos postenores O EPF é imprescindível para o correto tratamento
têm mostrado, entretanro. que essa ameba pode cau- das manifestações gastrintestinais. mesmo que seja para
sar alterações superficiais na parede intestinal. levando a exclusão das parasiroses intestinais como causa dos
ao quadro de colite não disentérica. A partir da mi- sintomas apresentados pelo paciente.
croscopia. só é possível identificar com segurança a E.
htstolyttca quando são observados trofozoícos com he- REFERÊNCIAS
mácias fagocitadas. Nas demais situações. o laudo deverá
1. CIMERMAN. B. & CIMERMAN. S. Paras1tolog1a Huma-
ser liberado como E. histolyttca/E. dispar. indicando que
na e seus fundamentos gerais. São Paulo: Atheneu. 1999.
o paCiente pode estar com uma das duas amebas. Con- 37Sp.
forme recomendações da OMS. o médico deve fazer o 2. DE CARLI. GA Paras1tolog1a Clín1ca: seleção de métodos
tratamento. caso seu paciente renha sintomas comparí- e técn1cas de laboratório para o d1agnóst1co das parasi-
tOses humanas. R1o de ]ane1ro: Atheneu. 2001. 801p.
veis com a infecção por E. htstolyttca ou se em sua família
3. FERREIRA. A.W & ÁVILA. S.L.M. DiagnóstiCO Laborato-
houve algum caso recente de amebíase. entendendo-se nal das Pnne1pa1s Doenças lnfecc1osas e Auto-Imunes. 2
por amebíase a infecção pela E. histolytica. sinromácica ed. R1o de ]ane1ro: Guanabara-Koogan, 2001. 443p.
ou assincomática. A OMS não recomenda o tratamento 4. NEVES. D.P. Paras1tologia Humana. 11 ed. R10 de janeiro:
de paoentes com a E. dispar. mas a impossibilidade de Atheneu. 2005. 494p.
S. Rey. L. Bases da Parasirolog1a Méd1ca 2 ed. R10 de ]ane1ro·
diferenciar essas duas amebas pela microscopia cem tra- Guanabara Koogan. 2002, 379p
zido dificuldades no cumprimento dessa recomendação. 6. Rey. L. Paras1 tolog1a. 3 ed. R1o de )ane1ro: Guanabara Koo-
Para o tratamento dos casos assintomácicos ou de coli- gan, 2001, 856p.
te não d1sentérica, devem ser usados os amebicidas que 7. Vallada. E.P. Manual de exame de fezes: coprolog1a e pa-
ras1tolog1a. Rio de ]ane1ro: Athereu. 1993. 201p.
agem diretamente e apenas na luz intestinal (ceclosam e
ecofam1da). O metromdazol e outros denvados lmida-
zólicos (orn1dazol, n1tro1midazol. secnidazol e t~nidazol}.
que agem canto nos tecidos como na luz intestinal. são
também utilizados com bons resultados. Os amebicidas
tissulares (cloridraro de emetina. cloridraco de diidroe-
metina e a cloroquina). pela sua elevada toxicidade. de-
vem ser reservados para os casos em que os dema1s me-
dicamencos não apresentam bons resultados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo não pretende ser um manual


técnico sobre o EPF. mas. sobretudo. uma abordagem
d1ngida aos clín1cos. mostrando como a requis1ção do
exame pode melhorar a eficiência do EPF, contribuin-
do para o diagnóstico correco e seguro das parasiroses
111testina1s. Os conheomentos sobre os vários métodos
utilizados nesse exame. seus fundamentos, indicações e

Investigação laboratorial do paciente co m helm intíases e protozooses intestinais 231


Henrique Neves da Silva Bittencourt
21 Gustavo Henrique Romani Magalhães
Rosa Ma/ena De/bane de Faria

A ORIGEM, O DESENVOLVIMENTO E A
FUNÇÃO DAS CÉLULAS DO SANGUE

HEMATOPOESE uma delas mantendo as propriedades originais da


célula-tronco e a outra que irá diferenciar-se pro-
A hemacopoese compreende a formação. desenvolvi- gressivamente. Esta célula "comprometida" com
mento e especialização das células sanguíneas (Figura 21.1). a diferenciação perde progressivamente a capaci-
É um processo contínuo e imenso para atender as neces- dade de auto-renovação. enquanto se diferencia
sidades diárias do organismo, substituindo os elementos em células progenitoras hematopoéticas com-
figurados do sangue que têm tempos de existência limi- prometidas. Em algumas situações, porém, esta
tados: os neutrófilos sobrevivem apenas algumas horas chamada divisão assimétrica pode ser substituída
em circulação, as hemácias têm duração de até 120 dias e por divisões simétricas. Por exemplo, quando há
alguns linfócitos T de memória podem durar anos. Assim, destruição maciça dos progenirores hematopoé-
estima-se que, a cada dia, seja necessária a produção de ticos comprometidos, como no caso de quimio-
cerca de um trilhão de células (10 12), de forma que duran- terapia, as células-tronco hematopoéticas divi-
te toda a vida de um indivíduo seria produzido um cotai dem-se simetricamente em novas células-tronco
de 4x1016/células. A hemacopoese está organizada num primitivas para garantir um pool suficiente para a
contínuo de proliferação e diferenciação celular a partir da rápida recuperação da hemaropoese. Por outro
célula-tronco hemaropoética. Células-tronco hematopoé- lado, existem situações em que a necessidade é
ticas têm, então, a propriedade de diferenciar-se em rodos aumentar a produção de células maduras para
os elementos figurados do sangue (hemácias. leucócicos atender perdas súbitas de elementos do sangue.
e plaquetas). mantendo. ao mesmo tempo, a capacidade como em hemorragias maciças. Nesta situação,
de auro-renovação. que permite a manutenção de uma pode ocorrer a divisão simétrica de várias células-
quantidade de células-tronco suficientes para a produção tronco hemaropoéticas em células progenitoras
desses elementos figu rados durante coda a vida. com prometidas.
Com finalidade didática, a hematopoese pode ser di- b) Compartimento de progenitOres - formado por
vidida em três compartimentos: células capazes de proliferar in vitro e se diferen-
a) Compartimento de células-tronco - com capa- ciar sob efeiro de diversas citocinas e fatores de
cidade de auro-renovação e pluripotencialidade, crescimento. As células progenitoras compro-
as verdadeiras células-tronco hemacopoéticas metidas já demonstram alguma diferenciação e
caracterizam-se pela chamada divisão assimé- não conservam a capacidade de auro-renovação
trica. processo em que são geradas duas células. de longo prazo característica da célula-tronco.
/
@
CFU-E
·-·-~~ hemácios

~-~ @-~- ;·}:


CFU '\_ CFU-MK ~ plaquetas

o<lolotcoooo

~
I GEMM '\_

CFU! ~~ ~
(j)
- - ~~eutráfilo
~
monácito

(!) linfático B
CFU-B

CFU-L---- ~ -------
CFU-T linfático T

Figura 21.1 - Esquema simplificado da hematopoese.

Nesse período, já se podem distinguir dois pro- a 20 semanas de gestação. a hematopoese transfere-se pro-
geniwres principais: o progeniwr linfóide e o gressivamente para a medula óssea, que sediará a produção
mielóide. O progenimr mielóide diferencia-se das células sanguíneas até a morte do indivíduo.
em um progenitor granulocítico-monocítico e
um progenitor eritrocítico-megacarioblástico.
c) Compartimento de células hematopoéticas ma- CARACTERIZAÇÃO DA CÉLULA-TRONCO
duras - consiste nos precursores tardios (proge- HEMATOPOÉTICA
niwres linfóides, monocíticos, granulocíticos,
eritrocíticos e megacariocíticos). em que cada A célula-tronco hemacopoética constitui uma pe-
um deles se d1ferencia e prolifera até dar origem, quena porção das células nucleadas da medula óssea, em
respectivamente, aos linfócims Te B. granulócims mrno de 0.5% em um adulto. Não é possível identificá-la
(neutrófi los, basófilos e eosinófilos), monócitos/ com base apenas nas características morfológicas. pois
macrófagos. hemácias e plaquetas. ela é indistinguível de outras células em estágios mais
avançados de diferenciação.
A hematopoese inicia-se no período embrionário. a Hoje é possível identificar com razoável precisão
chamada hematopoese primitiva começa no saco vitelino, uma população de células presentes na medula ós-
em wrno do 19° dta após a fertilização, seguida da hemato- sea, mas também no sangue periférico e no sangue
poese definitiva que principia pouco depois. na região aórti- de cordão umbilical. que possuem características
ca-gonadal-mesonéfrica (AGM). Enquanto a hematopoese funcionais muito próximas daq uelas esperadas para
primitiva é transitória e gera apenas eritrócitos, a hemato- a cél ula-tronco hemampoética. Esta identificação é
poese definitiva gera todos os tipos de células sanguíneas proporcionada pela presença de determinados mar-
(granulócitos.linfóciros, monómos. plaquetas e eritrócitos). cadores na membrana celular e a ausência de expres-
Na quana semana de gestação, o fígado começa a ser po- são de outros marcadores. Isso é feito rotineiramente
voado por células-tronco hematopoéticas e rapidamente por meio da marcação de antígenos presentes na
assume o papel de pnncipal sítio hematopoético. Após 14 superfície das células com d iferentes anticorpos liga-

234 ( Medicina laboratorial para o clínico


dos a moléculas fl uorescentes e posterior análise da cicocinas. Existem cicocinas que awam em linhagens es-
presença ou ausência de cada ancígeno pela citome- pecíficas da hematopoese, como a eritropoietina e o G-
tria de fluxo. Dentre os marcadores, o CD34 é o que CSF (fator estimulador de colônia granulocítica), outras
encontra am plo uso clínico. Trata-se de uma glico- atuam em diversas fases.
proteína de 115 kda, que funciona como molécula de Um grupo importante de citocinas são os fatores
adesão semelhante à sialomucina, entretanco, sua real estimuladores de colônias. Nesse grupo pode-se incluir
função na célula ainda não foi bem definida. O anrí- o G-CSF, GM-CSF (fator estimulador de colônia granu-
geno CD34 é expresso nas diversas células-tronco he- locítica e monocítica), eritropoetina e trombopoetina.
macopoéticas provenientes da medu la óssea, sangue Modelos animais com knock-out de gene para cada um
periférico, sangue de cordão umbilical e do fígado desses fatores levam a uma hematopoese deficiente na
fetal. A população de células CD34 positivas comém linhagem celular estimulada. Várias dessas citocinas são
progenitores com capacidade clonogênica e células utilizadas, hoje, na prática clínica: G-CSF para acelerar a
capazes de reconstituir a hematopoese após insufi- recuperação de neutropenia pós-quimiorerapia e mo-
ciência medular provocada por irradiação. Embora bilização de células-tronco hematopoéticas para trans-
não seja uma molécula que defina especificamente plante e eritropoetina para anemia decorrente da sua
a célula-tronco hematopoética, esses dados sugerem deficiência, como nos pacientes com insuficiência renal
que a célula-tronco hematopoética está com ida na crônica. Um outro grupo compreende o ligante do Flt3
população de células CD34 positivas. e o SCF (stem ce/1 factor), que têm importa me papel de
co-estimulação, interagindo com uma série de citocinas,
principalmente nas fases precoces da hematopoese.
REGULAÇÃO EXTRÍNSECA DA HEMATO POESE Já outras citocinas podem exercer efeitos supressores,
como a interleucina 1 em altas doses (supressão da mie-
Microambiente lopoese) ou utilizada por tempo prolongado (supressão
da eritropoese). Outras interleucinas (2, 7 e 10, por exem-
Embora boa parte da hematopoese seja regulada plo) têm ação predom inante sobre os linfócitos (T e B),
pela expressão de diferences genes, diversas células, regulando o sistema imune.
muitas delas de origem não hematopoética, auxiliam
nesse processo. Elas compõem o chamado microam-
bience medular, do qual fazem parte os fibroblastos, O ERITRÓCITO E A ERITROPOESE
adipócitos, osteoblasros, cél ulas endoteliais e macrófa-
gos, além da matriz extracelu lar. Essas células são res- A eritropoese é o processo natural de produção
ponsáveis pela produção de citocinas, quimioci nas e de eritrócitos que ocorre na medula óssea. No estágio
fatores de crescimento, muitos dos quais fundamentais maturativo eritróide (Figura 21.2), o proeritroblasto é
em diferences fases da hematopoese, além de prover a célula mais imatura morfologicamente identificável,
moléculas de adesão e nichos específicos para o desen- de grande tamanho, com nucléolos e citoplasma dis-
volvimento da hematopoese. cretamente disforme. A partir desta célula originam-
se, por reprodução celular, o eritroblasto basófilo, que
após 24 a 48 horas se transfor ma por maturação em
Citocinas I fatores de crescimento eritroblasto policromático. Esta célula vive em média
24 horas e se diferencia em eritroblasto ortocromá-
Uma série de citocinas/fatores de crescimento regu- tico que, 12 horas depois, perde o seu núcleo e dá
la a diferenciação, auto-renovação e adesão das células- origem ao reticulócito. O reticulócito é um eritrócito
tronco hematopoéticas e seus progenitores na medula grande e imaturo, com RNA ribossômico em quanti-
óssea, a partir de efeitos estimulatórios, co-estimulatórios dade variável no citoplasma. O reticulócito perma-
e/ou inibitórios. O efeito sobre a hematopoese pode ser nece na medula óssea um a três dias e, em seguida, é
direto ou indireto, pelo estímulo de secreção de outras liberado para a circulação, onde permanece por um

A origem, o desenvolvimento e a função das células do sangue 235


ou dois dias, perde todas as organelas, reduz seu vo- são cisalhame. os eritrócitos têm marcante influência
lume e torna-se eritrócito. nas propriedades reológicas do sangue. Sua principal
função é supnr o meio interno de oxtgênto necessário
ao metabolismo dos tecidos. Além disso, participa no
transporte de C02, gás que também é veiculado em
dissolução no plasma.
O eritrócito é uma célula que demora oito dias para
ser formada na medula óssea. Ao atingir sua maturação.
passa ao sangue periférico. onde vive 120 dias, em média.
Ao se aproximar de 100 dias de vida. as funções bioquí-
mtcas da célula se tornam lentas e falhas. A forma dis-
cóide e a plasticidade celular se deformam naturalmen-
te e sua captação pelo sistema mononuclear esplêmco
torna-se inevitável (Figura 21.4).

Eritrócito

Figura 2 1.2 - Esquema da maturação erirróide. (BFU-E: burstjor-


mmg umt·erythro1d: CFU-E: colonyjormmg umt-erytro1d).

O ERITRÓCITO MADURO

Figura 21 .3- Foromtcrografia elerrôntca de varreduta de erirróciro.


As células vermelhas são discos bicôncavos com
diâmetro de aproximadamente 7,6 f.im e espessura
de aproximadamente 1.0 f.im no centro e 2,8 f.im na
borda (Figura 21.3). O número de entrámos é de 5 a
5.5 milhões por mm 3 de sangue nos homens e de 4.5
a 5 milhões por mm3 nas mulheres, ocupando aproxi-
madamente 45% do volume do sangue. Os eritrócitos
têm cor amarela-pálida, quando vistos ao microscópio
de grande aumento, em delgada camada de sangue
fresco; mas, quando superpostos em várias camadas,
adquirem matiz avermelhado. Não possuem núcleo e
compõem-se de um constituinte lipóide que parece Figura 21.4 - Foromicrografia eletrônica de varredura de entróciro
estar em grande concentração na membrana plasmá- senescenre.

tica e. fundamentalmente. de uma proteína contendo


ferro, a hemoglobina. Em um eritrócito há cerca de
DESTRUIÇÃO DOS ERITRÓCITOS
300 milhões de moléculas de hemoglobina que ocu-
pam 95% da célula eritrocitária. As propriedades se-
mipermeávets de sua membrana permitem ao eritró- Após cerca de 120 dias em circulação, em virtude de
cito absorver líquido por osmose de meio hipotõnico seu esgoramento metabólico e alterações degenerativas,
e. no meio hipertônico, ele se enruga, murcha. Dada as hemácias são removidas e destruídas tntracelularmen-
sua elevada concentração no sangue e sua capacida- te no sistema mononuclear fagocitário, especialmente
de de agregar-se e deformar-se com o nível da ten- no baço. fígado e medula óssea.

236 ['Medicina laboratorial para o clínico


Vários famres contribuem para o mecanismo pelo maduros são células altamente especializadas no exercí-
qual os eritrócitos senescentes são reconhecidos e elimi- cio da fagocitose e destruição intracelular de bactérias.
nados da circulação, entre eles os principais são a redu- principalmente por mecanismos que envolvem a ativa-
ção da capacidade metabólica e a oxidação da hemoglo- ção de peroxidação e uso de proteínas de seus grânulos
bina. Um mecanismo am plamente aceiw para explicar cito plasmáticos, como lisozimas, defensinas e proteínas
a eliminação de hemácias envelhecidas é a formação de catiônicas, entre outras. Os neutrófilos são produzidos na
agregados proté1co de banda 3 (uma das mais abundan- medula óssea a partir de células progenitoras totipoten-
tes proteínas transmembranas da hemácia), estabilizados tes, sob a ação de numerosos mediadores, em especial os
por moléculas de hemoglobina oxidadas (hemicromos). fato res G-CSF e GM-CSF. As granulações do citoplasma
Esses agregados seriam reconhecidos como antígenos dos neutrófilos são de quatro tipos: grânulos primários
por anticorpos lgG autólogos e complemento. Com ou azurófilos (presentes mais precocemente no desen-
a deposição de uma densidade crítica de anticorpos e volvimento dos neutrófilos), grânulos secundários ou
moléculas de complementos, as hemácias senescentes específicos (predominantes nos neutrófilos maduros),
seriam reconhecidas e eliminadas. grânulos terciários (de gelatinase) e vesículas secretórias
Uma vez fagocitada, a hemácia é decomposta em (úteis na adesão do neutrófilo à célula endotelial).
seus componentes, sendo os mais importantes a mem-
brana e a hemoglobina. A hemoglobina é decomposta
em globina e heme que, por sua vez, com a abertura do
anel da promporfirina, libera o ferro e forma a bilirrubina.
O ferro permanece no macrófago e será reaproveitado
para síntese de hemoglobina.

GRANULÓCJTOS E MONÓCITOS

Sob a denominação de granulócims. incluem-se os


-
Figura 21.5 - Focomicrografia de esfregaço de sangue penfénco
momando neutrófilos segmentados. Vu prancl.a colonda
três tipos de leucócitos que no estágio maduro contêm
grânulos específicos no citoplasma: neutrófilos, eosinó-
filos e basófilos. Essas células são produzidas na medula Após a liberação para o sangue periférico, os neu-
óssea, passam algumas horas no sangue e, atravessando trófilos têm meia-vida de seis a sete horas. A massa de
as paredes dos vasos, vão para os tecidos. onde exercem neutrófilos maduros disponível como reserva na medula
suas funções, em especial a fagociwse e a destruição de óssea para liberação é cerca de 10 a 15 vezes maior do
agentes patogénicos. que a massa de neutrófilos que se encontra no compar-
Já as células do sistema de fagóciws mononucleares, timento intravascular em um determinado momento.
representadas no sangue periférico pelo monócito, origi- Essa grande massa de neutrófilos pode ser mobilizada
nam-se também na medula óssea. Após serem liberadas. muito rapidamente, em resposta a agressões variadas ou
transitam pelo sangue periférico. onde permanecem por a diversos estímulos. Os neutrófilos não se distribuem ho-
cerca de oito horas e depois migram para os tecidos em mogeneamente no compartimento circulatório: cerca de
que, diferentemente dos granulócitos, têm sobrevida 50% estão. de faw, retidos próximos da parede dos vasos,
maior, podendo chegar a meses. especialmente nos pequenos capilares e em tecidos com
pulmões e baço. e são chamados de neutrófilos marginais.
Numerosos fatores podem modificar essa distribuição de
O NEUTRÓFILO E O FAGÓCITO MONONUCLEAR neutrófi los; por exemplo, o exercício ou a adrenalina mo-
biliza células marginalizadas para a circulação, fazendo au-
Os neutrófilos (Figura 21.5) são os leucócitos mais mentar a contagem de neutrófi los sem que haja liberação
abundantes no sangue periférico de adulws. Neutrófilos significativa de células da medula óssea.

A origem, o desenvolvimento e a função das células do sangue 237


As células do sistema de fagóciros mononucleares IL-5 com conseqüente aumento do número de eosinó-
têm como precursores mais imaturos os monoblasros e filos circulantes são os casos de pacientes com asma.
promonócicos. Após maturação e liberação para o san-
gue periférico (Figura 21.6), essas células migram para
diferences tecidos, onde desempenham papéis impor-
tantes na defesa do organismo, principalmente contra
parasiros imracelulares (Mycobacterium tubercu/osis. P.
carinii, coxoplasma, emre outros). Nos tecidos, as célu-
las de rivadas dos monócicos recebem denomi nações
especiais, emre elas: células de Kupffer no fígado, oste-
oclastos nos ossos, macrófagos na pele e pulmões. Elas
são precursoras também de células gigantes mononu- Figura 21.7 - Forornicrografía de esfregaço de sangue periférico
cleadas, observadas em focos de inflamação crônica, rnosuando eosinófilo. Ver pógma 238
como em tuberculose e paracoccidioidomicose. Os Já os basófilos (Figura 21.8) são os granulócicos mais
monócitos ainda participam da resposta imune através escassos do sangue e caracterizam-se pela presença de
da indução de resposta a antígenos. pelo seu papel de grandes grân ulos metacromáticos. que são ricos em his-
célula apresentadora de amígenos (células dendríticas). tamina, seroconina, sulfaco de condroi ti na e leucocrienos.
Os basófi los têm similaridades funciona is com os mastó-
citos, mas são células distintas. Como principais fontes
de histamina em circulação, eles são os principais res-
ponsáveis pelas reações de hipersensibilidade imediata
em anafi laxia, asma e urticária.

Figura 21.6- Fotomicrografia de esfregaço de sangue periférico


mosuando rnonóciro. Ver prancha coionda

O EOSIN ÓFILO E O BASÓFILO

Os eosinófilos (Figu ra 21.7) representam até 3 a 5%


dos leucócicos em ci rculação. São caracterizados por Figura 21.8 - Foromicrografia de esfregaço de sangue penfénco
núcleo bilobulado e numerosas granulações alaranjadas rnosuando basóf1lo Vet pra ncha co/onda
no cicoplasma, variando de 0,5 a 1,5 IJm. São ricos em
peroxidase, arilsulfatase, fosfatase ácida e fosfolipase. Os PLAQUETA
eosinófilos têm atividade pró-inflamatória e citotóxica
considerável, participando da reação e patogênese de
numerosas doenças alérgicas, parasitárias e neoplásicas. Como todas as outras células da medula óssea. os
O principal componente dos grânulos do eosi nófilo é megacariócicos são derivados das células-tronco hema-
a proteína básica maior (PBM), capaz de destrui r larvas copoéticas. A uombo poese é decorrente de proliferação
de parasicos e células tumorais. Três cicocinas têm pa- e diferenciação megacariocítica. que culmina com a pro-
pel central na diferenciação dos eosinófilos: IL-3, IL-5 e dução das plaquetas. A produção plaquetária diária em
o GM-CSF. Destas, a mais importante é a interleucina um adulco chega a 100 u ilhões e, quando há demanda,
IL-5. Clinicamente, um exemplo clássico do aumento da essa produção pode ser aumentada em até 10 vezes.

238 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1---- -- - - - - -- - -- - - -- - -- -- - -- - -- -


Entre as várias cicocinas estimulantes da produção das (TCR - T-cell recepror). Esta molécula apresenta especi-
plaquetas, a mais conhecida e importante é a trombopoe- ficidade para ligar-se a um determinado antígeno. Ele é
tina (TPO). A TPO é uma prmeína de 60 a 70 KDa, respon- obtido pela recombinação de alguns genes expressos em
sável não somente pela maturação dos megacarióciws, diferentes ponros do DNA. Graças a isso, é possível se-
mas também pela formação de grânulos específicos das rem geradas mais de 1015 diferences moléculas de TCR.
plaquecas e expressão de prmeínas específicas da membra- Assim, uma diversidade de linfóciros T, cada um com a
na plaquetária, como as glicoproteínas llb/llla, recepwres sua especificidade, são gerados, o que possibilita o reco-
do fibrinogênio e do fawr de Von Willebrand. A TPO é nhecimento dos diferentes antígenos. Muitos deles gera-
produzida nos hepatóciws e sinusóides hepáticos e em cé- dos no timo apresentam especificidade contra antígenos
lulas do túbulo proximal nos rins e seu nível plasmático va- presentes nas próprias células do organismo. O próprio
ria inversamente à massa de megacarióciws e plaquetas. timo, num processo chamado seleção negativa, elimina
As plaquetas são formadas pela fragmentação do esses linfóciros T "auto-reativos", que reconhecem antí-
ciwplasma do megacariócito. Há uma expansão do ci- genos próprios (se/f) ou reconhecem de maneira intensa
wplasma megacariocítico nos últimos estágios de sua moléculas próprias do HLA. Os li nfócitos T que saem do
maturação. o que propicia o desenvolvimento de mem- timo apresentam tolerância contra os antígenos e molé-
branas de demarcação e dos grânulos específicos. Esse culas do HLA presentes no organismo.
processo se desenvolve junto aos sinusóides endoteliais Além de expressarem na sua superfície o TCR, os lin-
da medula óssea. Assim, essas células emitem projeções fóciws T apresentam, em sua grande maioria, moléculas
cimplasmáticas através da barreira endmelial. atingindo de superfície características chamadas de CD4 e CD8. Po-
a luz desse endotélio, onde então as plaquetas são libe- rém, os linfócitos maduros irão apresentar somente CD4,
radas como pequenos fragmentos de ciwplasma dos somente CD8 ou, ainda, não expressarão nenhuma delas
megacariócitos previamente demarcados. As plaquetas (o chamado linfóciw T CD4-CD8- gama-delta). Ao chegar
vivem, em média, 10 dias na circulação sanguínea, sendo, ao timo, os precursores dos linfócitos T não expressam
enrão, removidas ou utilizadas na hemostasia. nenhuma das duas moléculas. Na maturação, irão apre-
sentar simultaneamente os dois marcadores (CD4+CD8+)
e somente após terão sua especificidade CD4+ ou CD8+
liNFÓCITO definida. Cada uma dessas duas moléculas confere função
específica ao linfóciw T. A molécula CD8 caracteriza o lin-
Os linfóciros constituem cerca de 20-40% dos leucó- fócitO T citotóxico, que reconhece antígenos apresenta-
ciros no adulto. São também o principal constituinte dos dos pelas moléculas de HLA da classe I. O marcador CD4
tecidos linfóides (linfonodos e baço). Originam-se das caracteriza o linfóciw T chamado he/per ou auxiliar, que
células-tronco hemawpoéticas da medula óssea e po- reconhece antígenos apresentados pelas moléculas de
dem ser divididos em três grupos ou classes de células: HLA de classe 11 e que são responsáveis pela ativação dos
os linfóciws B, os linfócicos Te os linfócicos NK (natural linfóciws T citotóxicos e linfóciws B.
killer - matadores naturais). Essas três classes represen- Tanto os linfócitos T auxiliares quanto os citmóxicos.
tam a porção mais importante do sistema imune, pois ao saírem do timo, são chamados de noives ou ingénuos,
constituem as células efetoras desse sistema. pois ainda não sofreram ativação pelo contaro com os
antígenos específicos. Ao entrar em contam com um an-
tígeno, ele é ativado e uma resposta primária ocorre. Em
LINFÓCITO T dois dias ele se wrna um linfoblasw, de dimensões maio-
res e sofre uma série de miwses. A interleucina 2 participa
O linfóciw T tem seu nome derivado do seu local de maneira fundamental e wda uma população clonai é
de maturação, o timo. Seus precursores migram da me- gerada. Uma parte das células wrna-se efewra e outra se
dula óssea para o timo para esse amadurecimenw no rransforma em células de memória. Quando novamente
qual o linfócito T começa a expressar uma molécula de expostas ao mesmo antígeno, estas células apresentam
superfície única, conhecida como recepror da célula T resposta secundária e nova população clonai é gerada.

Aorigem, o desenvolvimento e a função das células do sangue 239


LI NFÓCITO B
senciais. Embora possa ocorrer ativação dos linfócitos B in-
dependentemente dos linfócitos T. a presença deste último
O lmfóciro Bganha esca denominação porque, nas aves, é fundamental para a geração da "memória imunológica".
ele sofre maturação na bursa de Fabricius. Na verdade, o Assim como nos linfócicos T, uma proporção dos linfó-
local de maturação na maioria dos mamíferos é a medula citos Bproduzidos na medula óssea tem afinidade contra
óssea. Os linfócitos Bmaduros, liberados para a circulação, antígenos presentes no organismo. Ocorre ainda dentro
caracterizam-se pela presença de moléculas de imunoglo- da medula óssea uma seleção negativa, onde esses linfócr-
bulinas (anticorpos) na sua membrana e pela síntese des- tos B"auto-rearivos" encontrando antígenos próprios (se/f)
tas para o meio extracelular. que são glicoproteínas com na medula óssea entram em apopmse e são eliminados.
especificidade antigénica. Assim como no receptor TCR
do linfócico T. a imunoglobulina é sintetizada a partir da re-
combinação de seqüêncras do HLA presentes em diferentes LINFÓCITO NK
porções do DNA. Nessa recombinação, são geradas duas
cadeias idênticas de polrpepcídeos, chamadas de pesadas, e Os linfócicos NK ou matadores naturais são células com
outras duas cadeias idênticas. chamadas de leves. Na por- características únicas. Não expressam o receptor da célu-
ção terminal de cada uma dessas cadeias é que se encontra la T ou imunoglobulina na sua superfície, não tendo, por
a região que irá se ligar ao anrígeno e que possui uma espe- isso, especificidade. Constituem até 10% dos linfócitos Cir-
cificidade definida. Estima-se que um total de 10 11 anticor- culantes. Originam-se de precursores comuns dos linfócitos
pos com diferences especificidades possa ser gerado. Todo presentes na medula óssea. Foram descobertos em 1976,
esse mecanismo, também chamado de rearranjo do gene ao se observar a presença de linfócicos com capacrdade cr-
da imunoglobulina. ocorre na medula óssea. totóxica conrra tumores na ausência de imunização prév1a.
O linfócito B que sai da medula óssea apresenta as Eles atuam por dois mecanismos discinros. Podem reconhe-
moléculas de imunoglobulinas ligadas à sua membrana cer a ausência ou redução de moléculas do sistema HLA
celular. Esses linfócicos são chamados de noives ou ingé- na superfície das células (recurso relativamente comum
nuos, por não terem ainda encontrado um antígeno com empregado pelos tumores para escapar do sistema imune).
especificidade para sua 1munoglobulina. Sua meia-vida Nesse pomo, recepcores inibidores presentes na superfície
no plasma é muito curta (três dias a oito semanas) se não do linfócito NK (que normalmente se ligam às moléculas do
encontrar um antígeno. No momento que encontra um HLA de classe I) não encontram o seu ligante e são aeivados,
antígeno, ele sofre ativação, proliferação e diferenciação. levando ao apopcose da célula alvo. Alternativamente, o lin-
gerando uma população de células especializadas em pro- fócito NK pode exercer sua atividade através da cicotoxici-
duzir anticorpos circulantes, os plasmócitos, e uma ouua dade anticorpo-dependente, em que pode reconhecer an-
população que conservará a capacidade de produzir anti- ticorpos ligados a tumores ou a células infectadas por vírus
corpos quando encontrar no futuro o mesmo antígeno, e que já renham sido reconhecidas pelo siscema imune.
que são os linfócicos Bde memória. Também aqui ocorre
um aprimoramento na afinidade do anticorpo para o antí- REFERÊNCIAS
geno e a chamada uoca de classes das imunoglobulinas.
1. Ho AD. Kinetics and symmetry o f divisions of hemato-
Além da capacidade de secreção de anticorpos. os linfó-
poletic stem cells. Exp Hematol. 2005;33:1-8.
CitoS Btambém podem apresentar antígenos. No momen- 2. Quesenberry PJ. Colv1n G. /\bed1 M. Perspective: funda ·
co em que um antígeno é ligado à cadeia de lmunoglobuli- mental and cllnical concepts on stem cell homing and
na presente na membrana, esse complexo é internalizado, engraftmem: a JOurney to n1ches and beyond. Exp He-
matol. 2005;33:9-19.
processado e peptídeos resultantes do antígeno são apre-
3. Shizuru )A, Negrin RS, We1ssman IL. Hemarop o1et1c stem
sentados pelas moléculas de HLA classe 11 aos linfócitos T and progenitor cells: cl imcal and preclln1cal regenera·
auxiliares. Quando ocorre a interação linfócico Be linfócico tion o f the hematolym pho1d system. Annu Rev Med.
T auxiliar, este último secreta uma série de citocinas que 2005;56:509-38
4. We1ssman IL. Stern cells: umts of developmem, units of re·
concribui para a ativação do linfócico B. Assim, na ativação
generation, and units in evolunon. Cell. 2000;100:157·68.
dos linfócicos B, os linfócicos T auxiliares são adjuvantes es-

240 ( Medicina laboratorial para o cl ínico )1--- - -- - - - - -- - - - - - -- - - - - - - - -- - - - -


Marcelo Eduardo de Lima Souza
22 Rosa Ma/ena De/bane de Faria

O ESTUDO DO SANGUE PERIFÉRICO


ATRAVÉS DO HEMOGRAMA

O hemograma é o conjunto de análises de parâmetros indiscrim inadamente na prática da Medicina baseada em


quantitativos e morfológicos das células sanguíneas, com- evidências. Tal como os demais exames complementares,
posto de eritrograma, leucograma e contagem de plaque- o hemograma deve ser solicitado com o objetivo de con-
tas. Foi desenvolvido ao longo de décadas, desde o relato firmar ou afastar uma hi pótese diagnóstica.
da primeira contagem de eritrócitos, em 1852, por Vieror-
dt, seguida, pouco depois, pela contagem global de leucó-
citos. Preyer, em 1871, descreveu o primeiro método para PROCESSAMENTO DO HEMOGRAMA
a dosagem de hemoglobina e Ehrlich, em 1877, elaborou o
primeiro corante que permitiu a diferenciação dos leucóci- A determinação dos vários parâmetros que com-
tos, melhorada pelo uso do corante de Romanowsky, uma põem o hemograma pode ser feita de duas fo rmas: ma-
associação de azul de metileno e eosina. Esse corante foi nual e automatizada. Ainda que a contagem automatiza-
posteriormente modificado por vários pesquisadores, que da seja mais rápida e mais precisa, os métodos manuais
criaram os diversos corantes panópticos hoje utilizados não podem ser de rodo abandonados, por serem ne-
para a contagem diferencial manual de leucócitos. No iní- cessários em siruações específicas, que serão discutidas
cio da década de 1970, foi desenvolvido o primeiro equipa- adiante, nas quais o método automatizado está suscetí-
mento que permitiu a automatização parcial do hemogra- vel a erros. Diante dessas situações, cabe ao profissional
ma, com a introdução, na década seguinte, da automação do laboratório tomar a decisão de usar a metodologia
completa, inclusive para a diferenciação de leucócitos. manual, não sendo necessário que o médico-assistente
À introdução de cada nova tecnologia para a reali- solicite especificamente a adoção do método manual (já
zação do hemograma seguiu-se a diminuição do tempo que os laboratórios de hemarologia bem estrururados
despendido e da dificuldade para a realização do exame. dispõem de protocolos para essa cornada de decisão).
Isto trouxe uma massificação do uso do hemograma, que
passou a integrar a "rotina" de avaliação laboratorial de to-
dos os pacientes, gerando custos para o sistema de saúde MÉTODOS MANUAIS
nem sempre justificáveis. Sem dúvida, diversas siruações
clínicas e epidemiológicas, exposição a agentes tóxicos Contagens manuais de células
para medula óssea, entre outras, são indicações para a re-
alização do hemograma, de forma periódica e justificada. São realizadas diluindo-se o sangue e depositando-
Não há, conrudo, lugar para a realização de hemogramas se a diluição em um hemocirômerro ou câmara de
comagem de células. A mais com um é a câmara de
Neubauer, que se assemelha a uma lâmina de micros-
copia, mas mais espessa e com plarôs lacerais sobre os
M enisco 100%
quais se fixa uma lamínula. Emre os plarôs larera1s há
uma área rebaixada em 0.1 mm, onde há o desenho
Plasma
de um recículo de 9 mm quadrados que, por sua vez. é
d1v1d1do em nove parres menores que 1 mm quadra- Plaquelas
Leucócitos ---llorl:-- - --- 45%
do cada. As contagens são rea lizadas em um ou mais
retículos, específicos para cada elemento figurado e os Hematócrito
resu ltados expressos em número de células por mm
0%
cúbico, em unidades convencionais, ou litro, no caso
de un1dades internacionais.
Apresentam várias causas de erro, que devem ser Figura 22.1 - Represemação esquemática da centrifugação do
sangue rotai para obtenção do hematócrito.
afastadas: diluição imprecisa, preenchimenro incorrero
da câmara, distribuição errónea das células nos quadra- Contagem diferencial de leucócitos
dos da câmara e erros de identificação do elemento figu -
rado, que ocorre principalmente no caso das plaquetas.
Desce modo, a concagem manual de células e plaquetas É feita pela identificação de cada leucómo quan-
deve ser rescrita a sicuaçàes onde a contagem auromati- ro ao tipo celular (neucrófilos, eosinófilos, basófi los.
zada apresenta grande possibilidade de erro. monócitos e linfóciros), ao estágio de maturação e à
presença de alterações morfológicas celulares. São
contados e classificados separadamente, 100 ou 200
Dosagem de hemoglobina leucócitos, observando-se critérios para evitar que a
discribuição irregular dos leucócitos no esfregaço In-
Realizada por mérodo colorimétrico. O sangue troduza um viés por erro de amoscragem maior que
é diluído em uma solução com cianero de pocássio e o existente. Esse erro de amoscragem ocorre porque a
ferrooanero de potássio, que converte a hemoglobina contagem diferencial de 100 ou 200 células é pequena
em oanomecahemoglobina. A seguir, a absorbância da diante do número global de leucóciws. A contagem
solução é med1da em especcrofotômetro, em compri- diferencial de um número maior de leucóciws redu-
mento de onda de 540 nm e a dosagem da hemoglobi- ziria essa causa de erro, mas a relação cusw/benefício
na obtida pela comparação da absorbância da solução desse procedimenco não o JUStifica.
freme a uma curva de calibração. O resultado é expres-
so em g/dl ou g/L.
Avaliação quantitativa das plaquetas pelo exame do
esfregaço de sangue
O hematócrito
Pode ser realizada pelo méwdo de Fônio modifi-
É medido. manualmente, pela centrifugação a altas cado ou pela contagem do número de plaquetas por
rocaçàes por minuco. de um cubo capilar com o sangue campo de maior aumenw, é pouco precisa. mas ne-
rotai do paciente. Após a centrifugação, a alcura da co- cessária nos casos de plaquecopenia, para confirmar
luna de eritrócicos compactadas é medida e comparada o resultado obtido por méwdos auwmatizados. Na
com a alcura da coluna do sangue rotai, agora separado presença de grande discrepância entre os resultados,
em crês camadas: emrócicos; leucóciros e plaquetas; e está indicada a contagem de plaquetas em câmara de
plasma. O percentual do volume ocupado pela coluna Neubauer. Outro benefício da inspeção do esfregaço
de eritróciros é o valor do hematócriro expresso em per- no caso de plaquecopenia obtida em contagens au-
centual ou em fração do volume roral (Figura 21.1). wmarizadas é a pesquisa da presença de grumos de

242 ( Medicina laboratorial para o clínico


Contagens de eritrócitos e plaquetas
plaquetas. Esses grumos indicam que a contagem não
pode ser relatada e que outra amostra deve ser colhida
para realização do exame. São, de modo geral, realizadas em um único sistema,
isto é, em mesmo tubo e câmara do equipamento. O
sangue é diluído com solução 1sotônica, portanto, in-
MÉTODOS AUTOMATIZADOS capaz de promover a lise dos erirrócitos, na câmara de
diluição, e a diluição aspirada. Todas as partículas com
O hemograma é habitualmente realizado em equi- volume de 1 ou 2 a 20 femolitros - fL (variável entre os
pamentos auromatizados, que apresentam grande exa- equipamentos) são contadas como plaquetas e aquelas
tidão, precisão e rapidez. Os primeiros equipamentos com volume de 35 ou 50 a 200 fL, como eritrócitos. Esse
eram capazes de fazer apenas a contagem de eritróci- método permite, por recu rso computacional, a constru-
tos e determinação do volume corpuscular médio, com ção de histogramas, gráficos que demonstram a distri-
med1da indireta do hematócrito e contagem global de buição de freqüência das células quanro ao tamanho
leucócitos. Posteriormente, foram introduzidas modi- (F1guras 22.2 A e 22.2 B).
ficações que permitiam também a dosagem de hemo-
globina e a contagem de plaquetas. Os equipamentos
hoje disponíveis (analisadores hemarológicos) realizam
também a contagem diferencial de leucóciros por cito-
"'o
mema de fluxo. "ü
·o
E
Para a contagem de células, a impedância elétri- Cl>
:r:
ca foi o primeiro mérodo a ser largamente utilizado
e ainda hoje o é, no caso da contagem de erirrócitos
e plaquetas e, em alguns equipamentos. na contagem
global de leucómos. O método baseia-se na resistên-
fl
cia que os eritrócitos e plaquetas impõem à condução 50 100 200 300
de uma corrente elétrica entre dois eletrodos mergu-
lhados em uma solução eletrolítica: há um elerrodo no
interior de um tubo com uma pequena abertura que
se comunica com o recipiente onde está a solução na
qual se pretende contar as células. Se nenhuma célula
há na abertura do tubo, a corrente elémca se faz sem -º
Cl>
:>
CT
obstáculos entre os do1s elerrodos. Entretanto, se há o
o:
alguma célula na abertura do tubo, ocorre uma oposi-
ção ao fluxo da corrente elétrica. hemácios microcíticos
Os analisadores hematológicos comam com um
sistema de tubos internos e câmaras. Para que as cé- fL
2 10 20 30
lulas sejam contadas, o sangue diluído comido nas câ-
Figura 22.2 A - Histogramas de entrómos e plaquetas, demos-
maras é aspirado para dentro do tubo, de tal forma
rrando micromose.
que se faz um fluxo de um volume pré-determmado
da diluição comida na câmara para dentro do tubo.
Durante esse fluxo, todas as células que passam pela
abertura do tubo geram pulsos de resistência elérrica, Dosagem de hemoglobina
que não só são contados, permitindo a quantificação
das células, mas também avaliados pela magnitude, t realizada a partir da diluição feita para a contagem
fornecendo a determinação do volume da célula que de leucócitos, por método colonmémco, após d1lu1ção
passou pelo tubo de abertura. do sangue com solução que lisa os eriuócitos e conver-

O estudo do sangue periférico através do hemograma 243


são da hemoglobina em cianomerahemoglobina. Outros A contagem diferencial de leucócitos (diferencial de
métodos que não usam a conversão da hemoglobina em cinco partes. que compreende a separação dos leucóciros
cianometahemoglobina, mas sim sódio lauril sulfato ou por tipo celular) é realizada por um ou mais dos seguintes
imidazol, foram introduzidos recentemente no mercado. métodos. pelos diferences equipamentos disponíveis:
• dispersão da luz (laser): uriliza o princípio da ciro-
mwia de fluxo para avaliar parâmeuos rais como
tamanho. lobulação nuclear e granulosidade pela
detecção da luz do laser em quatro ângulos dife-
"'o

·o rentes. Com base na análise da dispersão da luz, os
E
I
(1) leucócitos são classificados em neutrófilos. linfóci-
tos. monóciros. eosinófilos e basófilos. de acordo
com a distribuição das células segundo os parâme-
tros citados. O gráfico que compara as células de
acordo com tamanho e complexidade permite vi-
fl
50 100 200 300 sualizar a distribuição dos leucócitos (Figura 22.3);

Tamanho

2 10 20 30 fl Complexidade

Figura 22.2 B- Hlsrogramas de emrómos e plaquetas. demosrran-


do plaquetas g1ganres. Figura 22.3 - Representação esquemática da separação dos leucó-
citos por cirometria de fluxo. ve, prancha colonda

Contagem global de leucócitos


• absorção da luz: alguns analisadores associam à
É realizada no sangue diluído e hemolisado. À câmara dispersão da luz um segundo canal com uma rea-
onde ocorreu hemólise segue-se um tubo pelo qual a so- ção citoquímica na qual a peroxidase de neutrófi-
lução é aspirada. Por impedância elétrica, as células com los. eosinófilos e monóciros é detectada;
volume entre 35 e 450fl são camadas como leucócitos. • condutividade elétrica: os granulóciros são iden-
Alguns equipamentos que não dispõem de citômerro de tificados pela condutividade de uma corrente elé-
fluxo unlizam o volume dos leucócitos para fazer uma trica de alta freqüência;
"contagem diferencial de três partes", separando-se os leu- • impedância elétrica;
cócitos em três grupos: linfócitos; monócitos. eosinófilos e • radiofreqüência;
basófilos; e neutrófilos. respectivamente. Essa "contagem • fluorescência do DNA.
de três partes" é muiro inferior àquela realizada pelos ana-
lisadores hematológicos (que fazem "contagem diferencial Embora os fabricantes de equipamentos adorem di-
de cinco partes") e exigem sempre a contagem manual de ferences estratégias pela associação de um ou mais prin-
leucócitos pelo exame do esfregaço sanguíneo. cípios à dispersão da luz. os analisadores hematológicos

244 [ Medicina laboratOrial para o clínico


hoje disponíveis apresentam eficácia semelhante na se- vários casos, já que o número de células contadas para
paração dos tipos de leucócitos. a classificação dos leucócitos é muito maior do que na
Vários estudos comparativos entre diferences contagem manual. mas não é capaz de substituí-la em
equipamentos mosuam que eles são muito eficazes todos os casos. Por este mocivo, é importante que o la-
na contagem diferencial de leucócitos, especialmen- boratório seja informado sobre os dados clínicos e epide-
te quando não há presença de linfócitos reacionais miológicos do paciente, já que esses dados influenciam
e blastos na amostra, que pode ser suspeitada com na tomada de decisão acerca da realização da contagem
mais eficácia em um equipamento do que em outro. diferencial manual de leucócitos e análise morfológica
Também são razoavelmente eficazes na detecção da dos eritrócitos, além da análise dos resultados liberados
presença de neutrófilos mais imaturos (promielócitos, pelo equipamento.
mielócitos e metamielócitos), mas geralmente não o
são na detecção de bastonetes, ou seja, muitas vezes
são incapazes de detectar desvios à esquerda que CAUSAS DE RESULTADOS ERRÔNEOS EM MÉTO-
ocorram apenas por aumento de bastonetes. Quando DOS AUTOMATIZADOS
há suspeita da presença de uma dessas alterações, os
equipamentos em item alarmes (flags) que obrigam à A detecção de causas de erro nos hemogramas
realização da inspeção do esfregaço sanguíneo. Deste automatizados deve ser feita pelos profissionais do
modo, os laboratórios de hematologia utilizam crité- laboratório que, ao perceberem-nas, devem adorar
rios para seleção das amostras que deverão ser sub- medidas que vão desde a solicitação de nova amostra
metidas à inspeção microscópica, com base nesses até a adoção de métodos manuais. Contudo, também
alarmes, nas hipóteses diagnósticas onde a avaliação é conveniente que aqueles que analisam os resu ltados
morfológica dos leucócitos pode agregar mais infor- de seus pacientes tenham conhecimento das limita-
mações, como na suspeita de infecções e doenças ções do exame.
hematológicas primárias. Habitualmente, também são
usadas como critérios: quaisquer cicopenias, leucocito-
se, seja pelo aumento do número de um ou mais tipos Importantes causas de erro
leucocitários, e alterações nos índices hematimétricos
e volume plaquecário méd io (Quadro 22.1). Fase pré-analítica:

• amostra identificada incorrecamente;


Quadro 22.1 - Critérios utilizados pelos laboratórios de hema-
• amostra diluída, isco é, colhida em veia onde há
tologta para submissão de amostras à microscopia. durante o
processamento do hemograma infusão de líquidos;
~~------------------------------
• hemoconcencração por escase venose decorrente
Hipótese diagnóstico do uso prolongado do torniquete;
• amostra hemolisada;
Presença de alarmes (flags) emitidos pelo máquina
• coagulação parcial do sangue, que pode ocorrer
Desvio à esquerda
Doenças hematológicos primários em casos de punções venosas difíceis;
Citopenias • amostras velhas, mantidas a temperatu ra ambien-
Leucocitoses te por 24 horas ou em geladeira por 48 horas, são
Alterações nos índices hemotimétricos
inadequadas para análise, pois ocorre lise dos leu-
Alteração no volume plaquetório médio
--------------------------------.-c] cócitos nessas situações, ocasionando contagem
de leucócitos falsamente diminuída, com conta-
gem diferencial prejudicada pelas alterações mor-
Concluindo, pode-se afirmar com segurança que a fológicas e falso aumento da contagem de pla-
contagem diferencial realizada pelos equipamentos é efi- quetas, uma vez que fragmentos dos leucócitos
ciente, sendo acé melhor que a contagem manual em podem ser contados como plaquetas;

O estudo do sa ngue peri férico at ravés do hemogra ma 245


• características intrínsecas da amosua do pacien- ERITROGRAMA
te, tais como: hemólise in vivo, lipemia, proteínas
anómalas, fragilidade dos leucócims (observada O eritrograma é a parte do hemograma que avalia a
na leucemia hnfóide crónica, em algumas leu- série erirrocítica e compõe-se da contagem de eritróci-
cemias agudas e. algumas vezes. no paciente cos. dosagem de hemoglobina. determinação do hema-
urêmico em uso de imunossupressores), ecc. É cócrito e índices hemacimétricos.
importante lembrar que as contagens aummati-
zadas de plaq uetas em pacientes com leucemias
devem ser sempre confirmadas por mémdo al- ÍNDICES HEMATIMÉTRICOS
ternativo, uma vez que blasms frágeis podem se
fragmentar durante o processamento da amos- Volume corpuscular médio {VCM)
tra pelo equipamento. Esses fragmenms de célu-
las são contados como plaquetas, gerando valo- O VCM foi proposm inicialmente por Wintrobe e
res acima do real, o que pode induzir ao erro de calculado a parm da contagem de eritrócims e hemató-
não se prescrever transfusão de concentrados de crim, refletindo o volume médio dos eriuócims. O cál-
plaquetas em situações nas quais a transfusão é culo aplicado é:
necessária. VCM = (hematócrito x 10) I contagem de eritróciros em
milhões por mm 3. O resultado é expresso em fL ou 1-1m 3.
Arualmente. como os equipamenms já determinam
Fase analítica:
o VCM. ocorre cálculo inverso: o hematócrim aumman-
• mau funcionamento do contador aucomarizado zado é obtido pela fórmula:
de células; Hematócrico = (VCM x contagem de eriuócims em
• manipulação incorrera do equipamento; milhões por mm 3)/ 10, com hematócriro expresso em
• Interpretação incorrera dos resultados do coma- valor percentual ou fração de volume.
dor automatizado; O VCM é parâmetro muim útil na classificação das
• não realização de exame microscópico do esfrega- anemias. permitindo diferenciá-las em microcíticas,
ço sanguíneo; quando o VCM encontra-se abaixo do valor de referên-
• Interpretação errónea do exame microscópico (re- cia. normocíticas (dentro dos limites de referência) e ma-
alizada por examinador não qualificado). crocíticas, quando aoma do valor de referência.
A determinação do VCM não é útil apenas para o mé-
dico-assistente: valores alterados permitem ao profissional
Fase pós-ana/itrca:
do laboratório. após inspeção do esfregaço. identificar
• transcrição/digitação do resultado; possíveis causas de erro. Quando determinado por méto-
• fornecimento verbal do resultado; do auwmatizado. são as seguintes as causas de erros:
• fornecimento telefónico do resultado; • aumento artificial: auroaglunnação de eritrócicos.
• transmissão do resultado v1a fax; leucocicoses extremas, plaquetas gigantes em gran-
• transm1ssão do resultado via Internet. ainda que de número e hiperglicemia maior que 600 mg/dl;
hoJe seja bastante segura. • diminuição artificial. pelos mesmos mo(lvos que cau-
sam a falsa diminuição da contagem de enrróciros.
O Quadro 22.2 apresenta o impacm no hemograma.
das condições mais comuns de erro. na maioria dos equi-
pamentos. Hemoglobina corpuscular média ( HCM)
As alterações artificiais da contagem de eritróci-
ms. dosagem de hemoglobina e hematócrim reper- O HCM é a medida da massa de hemoglobina pre-
cutem nos índ1ces hematimérricos. como se discutirá sente, em média, nos eritróciros. Embora seja parâmetro
adiante. pouco útil para o clínico. é útil para o prof1ssional do la-
boratório como um indicador de conuole da qualidade É também indicador importante para a detecção de
dos analisadores hemarológicos. causas de erro, já que não há possibilidade de resultados
É calculado pela seguinte fórmula: superiores a 37,5gldL, ponto de saturação da hemoglo-
HCM = (hemoglobina em gldl I contagem de eriuó- bina. Amostras com esses resultados devem sempre ser
ciros em milhões por mm 3) x 10. O resultado é expresso avaliadas quanto à presença de interferentes, o que faz
em picogramas (ou micromicrogramas). com que esces dois últimos parâmetros (HCM e CHCM)
sejam importantes para a avaliação da confiabilidade de
um determinado resultado.
Concentração de hemoglobina corpuscular média
(CHCM)
RDW (red ce/1 distribution width)
Mede a concenuação média de hemoglobina nos
erirróciros. Auxilia na classificação das anemias em nor- Trata-se da variação da distribuição dos eritróciros
mocrômicas ou hipocrômicas. mas muitas vezes não se quanto ao tamanho e reflete, de forma matemática, a di-
correlaciona de modo perfeiro com a observação de hi- ferença do tamanho dos eritróciros de uma determinada
pocromia no esfregaço de sangue. amosua (anisocirose), com resultado expresso em valores
É calculado a partir da hemoglobina e hematócriro: percentuais, com valores de referência de 11,5 a 15,5%
CHCM = (hemoglobina em gldl I hematócriro em Apresenta alguma utilidade na classificação das ane-
%) x 100. com resultados expressos em gldL. Encontra- mias microcíticas, já que, habitualmente, é maior nas
se diminuído nas anemias microcíticas e hipocrômicas, anemias ferroprivas do que nas talassem ias e anemias de
mais freqüentemenre na anemia ferropriva do que nas doença crônica. Sua eficácia na distinção dessas condi-
demais. Contudo, sua utilidade no diagnóstico dessa ções é razoavelmente baixa, mesmo quando se empre-
condição é pequena, já que a queda do CHCM nes- gam fórmulas matemáticas que correlacionam RDW e
ses casos ocorre mais tardiamente do que a queria elo V('M 011 hemoglobina, isto é. não permite, por si só. clas-
VCM. No caso de esferocitose, pode apresentar valo- sificar uma anemia microcítica como ferropriva ou não e
res acima de 36gldL. não dispensa a avaliação da cinética do ferro.

Quadro 22.2- Causas comuns de erro no hemograma automa[izado

Erros Condições presentes na amostra


Amostro colhido em heporino, e presença no amostro de: poroproteínos, crioglobulinos, criofi-
Aumento de leucócitos b rinogênio, eritroblostos circulantes, grumos d e plaquetas, eritrócitos resistentes à lise (comuns
em RN). fibrino
Diminuição de leucócitos Coágulo. fragilidade dos leucócitos, oglulinoçã o de leucócitos por outo·onticorpos
Aumento de eritrócitos e hemo· Plaquetas gigantes, leucocitose (tão mais importante quanto mais g rave o anemio). criog lobuli·
tócrito nos, criofibrinogênio, lipemio, :>oroproteinemios
Diminuição de eritrócitos e
Criooglutininos, hemólise in vitro. microcitose extremo, coágulo
hemotócrito

Leucocitose (tão mais importante quanto mais intenso e mois g rave o anemio). crioglobulinos,
Aumento de hemoglobina
criofibrinogênio, lipemio, poroproteínos, amostro hemolisodo
Diminuição de hemoglobina Coágulo
Crioglobulinos, criofibrinogên io. hemólise in vivo e in vitro, microcitose extremo, fragmentos de
Aumento de plaquetas
leucócitos
Coágulo, p laquetas gigantes, grumos de p laquetas, aglutinação ploquetário induz ido pelo
Diminuição de plaquetas
EDTA

O estudo do sangue periférico auavés do hemograma 247


Para o profissional do laboratório. é útilcomo indicador cias entre diferences observadores, mesmo experientes.
da necessidade de avaliação morfológica dos eritróciros. quando as alterações são pequenas.
A variação de tamanho do eritróciro é melhor per-
cebida pelo contador eletrônico do que pelo olho hu-
AVALIAÇÃO MORFOLÓGICA DOS ERITRÓCITOS mano, ao microscópio. Portanto, o RDW fornecido pelo
contador eleuônico é superior ao regisuo de anisocimse.
A avaliação morfológica dos eritrócitos é feita pelo feito pelo examinador, resultante da análise do esfregaço
exame microscópico do esfregaço de sangue corado pe- ao microscópio.
los corames panópticos. A inspeção é realizada na tran- As condições clínicas mais freqüentemente associa-
sição emre "corpo e cauda" do esfregaço. onde os eritró- das a essas condições estão descritas no quadro 22.3.
ciros estão próximos uns dos outros. sem superposição
(que ocorre na "cabeça" do esfregaço) e sem alterações
de forma determinadas pela forças físicas envolvidas na Avaliação da coloração dos eritrócitos
distensão do sangue. que ocorrem na "cauda". São ava-
liados: tamanho, coloração, forma dos entrócitos e in- Quanto à coloração. os eritróciros podem ser ava-
clusões citoplasmáticas. As figuras 22.4 A e B ilustram liados por:
algumas alterações morfológicas eritrootárias. • conteúdo de hemoglobina. classificadas como
Os eritrócitos morfologicameme normais são normo- normocrômicas, quando a palidez central caracte-
cíticos e normocrômicos (apresemam coloração habitual rística das eritrócitos não ultra passa o terço médio
e, portamo, comeúdo normal de hemoglobina). Os labo- do diâmetro da hemácia; e hipocrômicas, quando
ratórios de hemarologia adoram duas posturas diferences a palidez central é maior. A hipocromia traz como
quando deparam com avaliação microscópica dos eritró- conseqüência a microcitose, pois 95% do peso
ciros normal, ao esfregaço: alguns relatam normocitose e seco da hemácia correspondem à hemoglobina;
normocromia. outros não fazem menção a essa condição • policromatofilia ou policromasia. condição na qualas
e relatam apenas evemuais alterações encontradas. Em eritrócitos apresentam cor róseo-azulado como con-
ambos os casos. de alguma forma deve ficar claro para o seqüência da presença de RNA ribossomal residual.
clínico que a avaliação microscópica foi realizada. São eritrócitos jovens que, em colorações supravita1s
específicas, apresentam-se como renculómos.

Avaliação do tamanho dos eritrócitos


Avaliação da forma dos eritrócitos
Normalmente, os eritróciros apresentam pequena
variação de tamanho, decorrente do envelhecimento da No esfregaço de sangue normal. os eritrócitos são, em
célula: os eritróciros mais jovens são maiores e os mais sua maioria, circulares. com palidez central, decorrente de
velhos menores. Essa condição é denominada anisociro- sua forma tridimensional de disco bicôncavo. Uma mi-
se fisiológica, que não é relatada pelos microscopistas. noria deles (até 10%, em pessoas sadias) apresenta forma
A presença de anisocirose significativa é relatada ligeiramente ovalada, também com a palidez central.
quando os eritrócitos apresentam variação de tamanho Em condições anormais, os eritróciros podem as-
ma1or que a habitual. Pode ser decorrente de microcito- sumir formas diferentes, sendo chamados de poiqui-
se, macrocitose ou de ambas. lócitos, cuja presença é denomi nada poiquilocirose.
O parâmetro para avaliação do tamanho dos eritróci- Alguns poiquilóciros são comuns a várias condições
tos, ao microscópio, é o tamanho do núcleo do pequeno diferentes e, portantO, têm menor significado clínico
linfócitO. que tem o diâmetro aproximado de 8,5 J..lm, en- quanto à orientação acerca da causa de anemia. lsro
quanto os eritrócitos de tamanho normal têm o diâme- é o que ocorre com ovalóciros (ou eliptócicos). que
tro médio de 7,2 J..lm. Como se pode prever, há razoável podem também ocorrer em pequena proporção em
grau de subjetividade, não sendo incomuns as divergên- pessoas sadias; e os equinócitos (ou eritróciros crena-

248 [Medicina laboratorial para o clínico


das), que mu itas vezes são artefa ruais, seja por armaze- no sangue periférico nas seguintes condições: eri-
namento prolongado do sangue, seja por excesso de tropoese acelerada, como a que ocorre nas crises
anticoagulante ou por artefara devido contara com hemolíticas agudas; asplenia seja por esplenecro-
álcool utilizado para a punção venosa, durante a con- mia ou aura-esplenectomia da anemia falciforme;
fecção do esfregaço. Outros poiquilóciras, como os eritropoese extramedular, que ocorre na mielofi-
esferócitos e os drepanóciws (eritróciws falciformes), brose primária;
fornecem informações cl ínicas importantes para pros- • pontilhado basófi lo: pequenas inclusões basofí-
seguir-se uma investigação diagnóstica. licas dispersas no ciraplasma do eriuócira, com-
Além dessas condições clín icas, há que se fazerem postas de agregados de ribossomas. Coram-se
ressalvas com relação ao exame microscópico de eritró- pelos corantes básicos pelo RNA ribossomal.
ciras de recém-nascidos: são freqüentes os poiquilóciras Demonstram a existência de eritropoese acele-
(equinóciros, esferóciros e esquizócitos em pequena rada e/ou diseritropoese. Aparecem nas anemias
quantidade), sem significado clínico. megaloblásticas, talassem i2s, hemoglobinas ins-
O Quadro 22.4 associa os diferentes poiquilóciros às táveis e anemias hemolític2s;
condições clínicas em que ocorrem. • corpúsculo de Pappenheimer (ou side rasse-
ma): é inclusão basofílica composta de agrega-
dos de ferritina. Os eritróciros que os contêm são
Inclusões e ritrocitárias chamadas sideróciros. Não são habitualmente
visíveis nas colorações panópticas, sendo melhor
Inclusões que podem ser observadas no citoplasma evidenciados pela coloração ciroquímica para
dos eritróciros fornecem importantes informações clíni- demonsuação de ferro (coloração do azul da
cas. São elas: Prússia). Aparecem nas anemias sideroblásticas e
• corpúsculo de Howell-)olly: inclusão citoplas- intoxicação pelo chumbo;
mática redonda, basofílica, geralmente única e • anel de Cabot: é estrutura em forma de anel ou
intensamente corada. Trata-se de fragmento de oiro, de cor vermelha ou púrpura, remanescente
material nuclear, presente em pequena quanti- do fuso mitótico. Sempre está relacionado com
dade de eritrócitos na medula óssea de pessoas eri uopoese anormal e aparece nas anemias me-
sadias, mas não é observado no sangue periférico, galoblásticas, inroxicação pelo chumbo e outras
uma vez que é removido pelo baço. É encontrado anemias diseritropoéticas;

Quadro 22.3- Alterações morfológicas dos eritrócicos quanto ao tamanho (causas mais freqüences)

Causas de microcitose Causas de macrocitose


Ta lassem ias
Anemio de Blockfon-Diomond
Congênitos Doença do hemoglobina E Congênitos
Síndrome d e Down
Anemia sideroblástico congênito

Hemorragias
Anemia s hemolíticas
Anemio megoloblástico
Anemia ferroprivo
Síndrome mielod isplásico
Doenças crônicos
Adquiridos Doenças hepáticos
Hipertireoidismo Adquiridos
Alcoolismo
Intoxicação pelo chumbo
Uso de fenitoíno
Síndrome mielodisplásico
Uso de drogas que interferem com o síntese de
DNA (quimioterápicos, imunassupressores, onti-
retrovirois)

O estudo do sangue periférico através do hemograma 249


Quadro 22.4- Signtficado clímco da potqudomose

Poiquilócito Condições nas quais ocorrem


Ovolócrtos ou eliptócitos Anemio ferrop rivo, talassemia, anemio megoloblástico, ovolocitose hereditário
Hepotopotio (principalmente quando associado á insuficiência renal). que,modu
Equinócitos ou eritrócitos crenodos
ros extensos, deficiência de algumas enz:mas eritrocitár,os

Esferocitose hereditário, anemio hemolítica auto-imune, transfusão de concentrado


Esferócitos
de entrócitos

Esqurzócrtos ou entrócitos fragmentados lburr Anemias hemolíticas microongiopálicos (CIVD, síndrome hemol ítico·urêmico).
cells, helmet cellsl hemólise mecônrco (como próteses de válvulas ca rdíacos)
Drepanócitos ou eritrócitos falciformes Doença folciforme.
Acontocrtose hereditário, hipobetolipoproteinemio hereditário, desnutrição, distúr-
Acontócrtos
bios do metabolismo lipídico secundários à d oença hepático
Do criócitos ou eritrócitos em goto Mielofibrose (primário ou secundário). talassemia major, anemio megoloblástico
Icterícia obstrutivo, doenças hepático s, doença do hemoglob nc C doença ·a dor
Cod ócitos ou eritrócitos em alvo
me, tolossemros. deficiência oe lec:tino-co esterot-oc;l-tronsfe,ose
Estomotocitose hereditário, doença hepá ico a lcoólico, outros doenças hepáticos
Estomotócitos
avançados
Ouerotócrto ou hemácro "mord ida· Delrcrêncio de gkose-6-fosfoto-desidrogenose

Figura 22.4 A - Foromrcrografia de esfregaço de sangue penfénco


mamando esferómos, antsomose e policromamfilia. Ver prancha
colouda

• microrganismos: parasiws tmra-erirromarros • erirroblastos circulantes: não são visros no sangue


como o plasmódio, nas diversas formas da malária, de pessoas sadias, excero no caso de recém-nascidos.
e a Babesia sp podem ser observados no esfregaço Sua presença indica erirropoese acelerada, infilua-
de sangue periférico na presença dessas infecções. ção da medula óssea ou eriuopoese exrramedular.
Comudo, para o dtagnósrico da malária, o mérodo A exrsrência de numerosos erirroblasros circulames
mats sensível é o exame da gora espessa. Ourros é achado caracrerísrico das crises hemolíricas;
parasiros, como as filárias e os rripanossomas, po- • formação de rouleaux: consisre na presença de
dem ser observados ao exame do esfregaço, mas pilha de eri rrócitos. Aparece nas anemias graves e
não são parasiws imra-erirrocirários. nas condições em que há aumento de proreínas
Outros achados importantes: plasmáricas - como o fibrinogênio, reagenre de

250 [ Medicina laboratorial para o clínico


fase aguda e hipergamaglobulinemias do mieloma mas o alro custo do método automático faz com que ele
múltiplo e outras gamopatias. não seja usado na maioria dos laboratórios.
O resultado da contagem de reticulócitos é expres-
so em percentuais e abordagens diferentes são utilizadas
CONTAGEM DE RETICULÓCITOS para sua interpretação:
• considerar apenas o valor da contagem percentu-
A contagem de reticulóciws não Faz parte do hemogra- al de reticulócitos, com valor de referência de 0,5
ma, mas, por motivos didáticos, faz parte deste capítulo. a 1,5%. Essa análise traz consigo um viés na ava-
Reticulócitos são eriuóciros jovens que apresentam liação da interpretação do resultado no caso de
RNA ri bossomal residual. São normalmente liberados pacientes anêmicos, como demonstrado a seguir.
pela medula óssea e terminam a maturação celular (sín- É a forma rotineira que a maioria dos laboratórios
tese de hemoglobina e desaparecimento dos ribosso- libera seus resultados, cabendo ao clínico aplicar
mas) em aproximadamente 72 horas após a entrada na uma das abordagens a seguir;
circulação. Em condições normais, são retidos pelo baço • correção do valor percentual pelo valor do hema-
por 24 a 48 horas, sendo que nas últimas 24 horas de tócrito: consisre em ponderar a contagem de reti-
amadurecimento, ames da transformação em eritróciros culóciros pela imensidade da anemia, obtendo-se
maduros, aparecem no sangue circulante. o chamado "índice rericulocirário", que é calcula-
Quando a quantidade de RNA residual é grande, do da seguinte forma:
esses eritrócitos jovens são vistas como policromató-
fi los no esfregaço de sangue corado pelos corantes Índice reticulocitário = percentua l de reticulácitos
x hematácrito do paciente I hematácrito normal
panópticos. Essa coloração, contudo, não é adequa-
da para a correta detecção dos reticulócitos, que são
mais bem evidenciados por coloração supravital com Considera-se como hematócrito normal o va-
o "novo azul de metileno" ou azul de cresil brilhan- lor de líS%, sendo o valor de referência do índice
te. Nessas colorações supravitais, duas a três gotas do reticulocitário de 1,0%. Assim, um paciente com
sangue em EDTA são incubadas com volume seme- contagem de reticulócitos de 1,5%, mas com he-
lhante de solução de um desses corantes, a 37°( por matócriro de 25%, apresenta o seguinte índice
15 minutos. Após a incubação, é feito um esfregaço, reticulocitário: 1.5% x 25% I 45% = 0,8%, demons-
que é seco ao ar e examinado ao microscópio com trando-se que não há eritropoese suficiente para
objetiva de grande aumento. Nesse aumento, os reti- corrigir a anemia. Observe-se que ,analisando ape-
culócitos ap resentam-se como eritrócitos com grânu- nas o valor percentual da contagem de reticulóci-
los azulados, que nos reticulócitos mais imaturos são tos, o resultado permitiria a interpretação de uma
numerosos e formam grumos ou filamentos reticu- eritropoese normal, o que, no caso, não é real;
lares. Nos reticulócitos mais maduros, apenas alguns • conversão do valor percentual em valores absolu-
poucos e pequenos grânulos são vistos. tos, pela seguinte fórmula:
A contagem de reticulócitos manual é feita à micros-
copia, estabelecendo-se seu percentual entre a popu la- Contagem absoluta de reticulácitos = (contagem de
eritrócitos x contagem percentual de reticulácitos) I 100
ção de eritrócitos. Habitualmente, são contados 1.000
eritrócitos e diferenciam-se entre eles os que são madu-
ros dos que apresentam grânulos ou retículos, conhe- com valor de referência de 50.000 a 100.000 por
cendo-se, assim, o percentual de reticulócitos. ~m3. Desta forma, um paciente com contagem de
A contagem manual apresenta alto coeficiente de eritrócitos de 2.250.000 por ~m 3 e contagem per-
variação, de até lO% em diferences contagens do mesmo centual de 1,5% tem 33.750 reticulócitos por ~m 3 .
observador. Isto não ocorre com as contagens automa- Essa forma de interpretar a contagem de reticuló-
tizadas disponíveis nos analisadores hematológicos mais ciros ta mbém permite a sua avaliação levando-se
modernos, por citometria de fluxo com fluorescência, em conta o grau de anemia do paciente.

O estudo do sangue perifé rico através do hemograma 251


Dá-se o nome de reticulocitopenia à diminuição dos acompanha esse aumento a presença, em menor ou maior
valores de rericulóciws e reticulociwse ao seu aumento. A número, de metamielócitos, mielóciros e pró-mielócicos.
contagem de reticulócims permite avaliar a resposta da me- Agumas das principais situações que justificam o desvio a
dula óssea diante do quadro de anemia e, com isto, auxiliar esquerda:
na classificação das anemias, dividindo-as em regenerativas e • infecções baccerianas;
h1porregeneracivas ou arregenerativas, além de permitir ava- • reação da medula óssea à infiltração neoplásica;
liar resposta ao tratamento eficaz. Eum exame laborawnal • hiperregeneração medular, v1sta nas anemias he-
de baixo custo, disponibilizado pelo SUS e de grande contri- molíticas;
buição no diagnóstico e seguimento das anemias. • resposta aguda ao trauma.

LEUCOGRAMA

Consiste na contagem global e diferencial de leucócitos,


por mécodo manual ou automático, como já apresentado
anteriormente.
A contagem d1ferencial de leucócitos visa classificá-los
quanto aos tipos celulares e estágio de maturação e identifi-
car atipias celulares e inclusões citoplasmáticas.
Quanto à morfologia. os leucócitos são classificados em
polimorfonucleares e mononuleares. Polimorfonucleares são
os leucócitos que, no seu estágio maturativo mais avançado,
apresentam o núcleo com segmentações e compreendem
os seguintes tipos celulares: neutrófilos, eosinófilos e basófi-
los. Leucóciws mononucleares são aqueles que não apresen-
tam lobulação nuclear: monócitos e linfócitos (Figura 22.5).
Figura 22.5 - Representação esquemática das células do sangue.
A: erirróciro; B: neutrófilo segmentado; C: eosinófilo; D: basófilo; E:
monócito; F: linfóCito; G: plaqueta. Vet ptancl1o to:o,•tiO
NEUTRÓFILOS
Alterações morfológicas dos neutrófilos: são detectadas
São os leucócitos mais populosos entre os adulcos. Apre- ao exame do esfregaço, sendo as mais importantes:
sentam o ciwplasma róseo, com grânulos finos azulados. • granulação tóxica: trata-se da persistência de grânulos
Quanto à segmentação nuclear, são classificados, por azurófdos no citoplasma de neutrófilos maduros, com
ordem crescente de maturação, como mielócitos (núcleo coloração azul-escuro. Ocorrem em infecções bacteria-
esférico ou levemente achatado), meramielócicos (núcleo nas e outros estados inAamatórios que demandam gra-
reniforme), bastonetes (núcleo em forma de bastão, geral- nulopoese acelerada. Habitualmente. quando presente.
mente encurvado) e segmentados, mais maduros, com dois é relatada de forma semiquanmat1va: d1screta, quando
a cinco lóbulos. presente em 5 a 25% dos neutrófilos; moderada, entre
No esfregaço de sangue normal. predominam os neu- 26 e 50% dos neutrófilos; moderadamente acentuada,
trófilos segmentados, com pequena presença de neutrófi- entre 51 e 75%; e acentuada. quando presente em 76
los bastonetes (vide valores de referência. por faixa etária). a 100% dos neutrófilos. De modo geraL é mais acen-
Eventualmente. pode ser visto metamielócito ou mielócico tuada quanto mais imenso o processo desencadeante.
ao exame do esfregaço. sem implicações clínicas. Contudo, não deve ser usada como parâmetro de gra-
Dá-se o nome de desvio à esquerda ao aumento do vidade do processo infeccioso ou inflamatório, por ser
número de bastonetes neutrófilos no sangue circulante. variável em diferentes baterias de colorações, devido à
Quando é acentuado, com alco número de bastonetes, variabilidade e instabilidade das características tinto-

252 [ Medicina laboratorial para o clínico


riais em colorações realizadas em diferentes momen- síndromes mielodisplásicas e mieloproliferativas crôni-
tos. Quero motivo para evitar sua valorização excessiva cas. No caso da anomalia de Pelger-Huet, quando he-
é a natural e esperada subjetividade que ocorre entre terozigora, pelo faro de haver numerosos núcleos com
diferentes observadores; a forma de bastonetes, há possibilidade de caracteriza-
• corpúsculo de Dõhle: estrutura redonda. oval ou fu- ção de um falso desvio à esquerda;
siforme, azul-pálido e geralmente única, algumas vezes • picnose nuclear: demonstrada pela verificação de nú-
encontrada na periferia de neutrófilos em Infecções cleos pequenos. completamente densos. sem paracro-
bactenanas; matina visível. Ocorre em quadros sépticos graves. po-
• vacuolização citoplasmática: é observada em rém mais freqüentemente é percebida como artefato,
infecções bacterianas graves, geralmente acompa- em esfregaços feitos várias horasapós o sangue ter sido
nha-se de granulação tóxica. representando pro- a colerado.
cesso de autólise;
• outras inclusões citoplasmáticas ocorrem em ano-
malias hereditárias. como nas anomalias de Chediak- EOSINÓFILOS
H1gash1, de May-Hegglin e de Alder-Reilly. que além
dessas 1nclusões apresentam outras alterações labo- São leucócitos com grân ulos alaranjados, brilhantes. gran-
raronais e/ou clínicas. Essas inclusões podem aparecer des e individualizáveis. O núcleo é geralmente bilobulado. Bas-
também em outros leucóciros; tonetes eos1nófilos e mesmo formas mais jovens (metamie-
• hipogranulação de neutrófilos: caracteriza-se por pa- lócitos e mielócitos) podem ser encontrados em síndromes
lidez do citoplasma ou pouca evidenciação dos grânu- hipereosinofílicas e na leucem1a mielóide crônica. Eventual-
los neutrofílicos. Pode ser encontrada nas síndromes mente apresentam-se desgranulados ou exibem granulação
m1elod1splásicas e nas síndromes mieloproliferativas. mista. isro é. além dos grânulos eosinofílicos têm também
espec1almeme na leucemia mielóide crônica; grânulos basofílicos. Ambas as situações podem ocorrer em
• bactérias e fungos: eventualmente. em quadros de síndromes mieloproliferativas e mielodisplásicas.
sepsis graves. bactérias podem ser observadas nos ci-
toplasmas de neutrófilos. Em casos de hisroplasmose
disseminada e grave, como pode ocorrer em pacientes BASÓFILOS
gravemente imunossuprimidos, são observadas estru-
turas redondas ou ovóides. com evidência de cápsula. Caracterizam-se pela presença de grânulos de cor azul-
sugestivas de Histoplasma capsulatum; escuro. grandes e que, nos basófilos segmentados. encobrem
• hipersegmentação de neutrófilos: mais de S% de neu- completa ou parcialmente o núcleo. Quando desgranulados.
trófilos com cmco lóbulos nucleares ou um neutrófilo demonstram núcleo segmentado e retorcido.
com seis ou mais lóbulos caracteriza a hipersegmema- Formas imaturas podem ser encontradas nos sangue
ção. que ocorre freqüentemente nas anemias megalo- periférico no caso de síndromes mieloproliferat1vas, especial-
blásticas; mente na fase acelerada da leucemia mielóide crôn1ca, na qual
• anomalia tipo Pelger-Huet: caracteriza-se pela dimi- estão presentes em número aumentado.
nuição da lobulação nuclear. que pode se manifestar
ramo na presença de numerosos neutrófilos com
núcleos na forma de bastão (com poucos neucrófilos MONÓCITOS
com núcleos bi e trilobulados) até diante de vários
neuuófilos com núcleo redondo ou ovóide, pequeno São os maiores leucócitos. com núcleo ovalado ou
e com cromatina organizada em grumos grosse1ros. na reniforme, com cromaDna de padrão delicado e Citoplas-
completa ausência de neutrófilos segmentados. Como ma amplo. de cor azul-acinzentado e com poucos e finos
condição hereditár a e benigna. ocorre na anomalia de grânulos inespecíficos. Eventualmente, podem apresentar
Pelger-Huet. completamente assintomár1ca. De forma vacúolos citoplasmáticos.
adquirida, acompanha situações neoplásicas. como as

O estudo do sangue periférico através do hemograma 253


Em pacieme com hisroplasmose disseminada. o fun- Downey e posreriormenre ourros auwres não demonsrrou
go pode ser observado em seu ciroplasma. Muiro rara- utilidade clínica. pelas baixas sensibilidade e especificidade.
mente. em paoentes com leishmaniose visceral com alro Além da mononucleose infecciosa, linfócicos reacio-
nível parasitário./e1shmâmas podem ser encontradas pa- nais acima de 20% do coral de leucócitos são observados
rasitando monóciros. nas infecções por ciromegalóvirus. heparires virais e hi-
persensibilidade ao ácido para-amino-salicílico. fenicoína
e mefenroína. L1nfociroses reacionais aré 20% podem
LI NFÓCITOS ocorrer em ourros quadros infecciosos. como: caxumba.
sarampo. pneumonia arípica. gripe. resfriados. riquersiose
São leucóciros com núcleo arredondado. cromatina e brucelose. A presença de aré 5% de linfóciros reacionais
densa e homogênea. Cerca de 90% dos linfóciros circu- circulantes não apresenta relevância clínica. a menos que
lantes são chamados de "pequenos linfócitos". por apre- haja manifestações clínicas correspondentes.
sentarem cimplasma muiro escasso. algumas vezes com
escassos grânulos azurófilos. Os demais, "grandes linfó-
ciws", rêm cicoplasma mais amplo. azul-pálido. No pas- PLAQUETOGRAMA
sado. os morfologisras classificavam separadamente os
dois ripas de li nfócitos, o que caiu em desuso pelo faro Consiste na contagem de plaquetas, manual ou au-
dessa classificação não fornecer informação clínica úcil. romacizada.
Os analisadores hemarológicos fornecem ourros dois
parâmerros. o MPV (volume plaquerário médio) e PDW
Linfócitos reacionais (coeficiente de variação da distribuição do tamanho das
plaquetas).
Em pacienres com viroses ou em uso de alguns medi- O MPV encontra-se aumentado em plaquetas gran-
camentos. podem ser encontrados no sangue periférico des. o que pode ocorrer em hemorragias agudas, em
linfóciros reacionais. São linfóciros com ari pias morfológicas plaqueropenias secundárias à destruição imunológ1ca.
variáveis: aumenro de basofilia ciroplasmárica ou aumenro algumas vezes em síndromes mieloproliferarivas e em
do tamanho de ciroplasma. com basofilia penférica, que às septicemias.
vezes se moldam às células vizinhas. núcleo grande e com O valor clín1co do PDW ainda não esrá bem escabelecl-
croma rina mais frouxa. às vezes com nucléolo inconspícuo. do. sendo aparenremenre úril na d1srinção da rrombomose
Os linfómos reaciona1s não devem ser inrerprerados reaoonal. quando se enconrra demro dos valores de referên-
como blasros. embora. às vezes. haja dificuldade de dife- Cia da rrombomem1a essencial. na qual esrá aumenrado.
renciação morfológica enrre os dois. Algumas vezes. para A análise microscópica do esfregaço sanguíneo. cuja
estabelecer o diagnóstico morfológico prec1so do linfóciw importância na confirmação dos resu ltados aucomari-
reacional,o profissional do laboratório necessita de informa- zados já foi discutida, permite a observação de algumas
ções clínicas do pacienre. Reforça-se, assim, a necessidade alterações morfológicas:
de fornecer ao laboracório dados clínicos e h1póteses diag- • plaquetas gigantes: são grandes fragmentos de
nóscicas, uma vez que a correlação clínico-laborawrial pode megacarióciros, geralmenre com formam redon-
ser necessána para a obcenção de resulcado adequado. do, com diâmetro de 6 a 50 ~m. São observadas
Os linfóows reaoonais. por alguns chamados de hnfó- na púrpura rrombociropênica imune. quando
ciros atípicos ou "viróciros", são linfóciws arivados para a ocasionalmente apresentam formara filamento-
resposta imune celular e humoral após o processamento so ("plaquetas em forma de cobra"). síndrome de
de anrígenos apresentados pelos macrófagos. No passado. Bernard Soulier e anomalia de May-Hegglin;
cosrumava-se chamá-los de células de Downey, classificadas • plaquetas cinzentas: são plaqueras hipogranula-
em ripas I, 11 e III, sendo a última encontrada em cerca de das. presentes em condições hereditárias associa-
50% dos paoenres com mononucleose mfecciosa pelo vírus das à diminuição ou ausência de grânulos alfa e
de Eprein Bar r. Aclassificação de linfóciws atípicos segundo densos das plaquetas.

254 ( Medicina laboratorial para o clínico )1-- - -- - - - - - - - - -- -- - - - - - - - - - - - - --


VALORES DE REFERÊNCIA DO HEMOGRAMA

Quadro 22.S · Valores de referência do hemograma para adulws

Parâmetro Sexo masculino Sexo feminino

Erilrócilos (milhões/mm3 ou M/pl) 4.3 - 5.7 3.8 - 5.100

Hemoglobina (g/dl) 13.5- 175 12- 16

Hemolócrito (%1 39- 49 35- 45

VCM(fl) 80- 100 80 - 100

HCM(pg) 26-34 26-34

CHCM (g/dl) 31-36 31 -36

Leucócilos (milhores/mm3 ou K/ pl) 4 - 11 4- 11

Neutrófilos (milhmes/mm3 ou K/j.JL) 2.0·70 20-7,0

Neutrófilos bastonetes (milhores/mm3 ou K/!JL) 0.0- 0,700 0,0 - 0.700

Neutrófilos segmentados (milhores/mm3 ou K/!JL) 1 85-6,60 I 85 -6,60

Linfócitos (milhores/mm3 ou K/!JL) 1,0-3,0 10-3,0

Monócilos (mdhores/mm3 ou K/fJL) 0.2- 1,0 0.2- 1.0


Eosinófilos (milhores/mm3 ou K/pl) 0,02-0,50 0,0 2-0,50

Bosófilos (milhores/mm3 ou K/!JL) 002- o 10 0.02-010

Plaquetas (milhores/mm3 ou K/!JL) 150- 450 150-450

~et culóc:tos 0,5 1.5% 05 .1,5%

Quadro 22.6 · Valores do referêncra do emograma para cnanças

Eritrócitos (milhões/ Hemoglobina Hematócrito


Idade YCM (fL) HCM (pg) CHCM (g/dL)
mm3 ou milhões / fJL) (g/ dL) (%)
RN (cordão) 3.9-5.5 13.5 - 19.5 42·60 98. 118 31 . 37 30-36

1 o 3 dtos 4 -6.6 14.5-22.5 45. 67 95. 121 31 ·37 29-36

2 semanas 3.6-6.2 12.5 - 20.5 39 · 62 86 ·124 28 · 40 28-36

I mês 3 - 5.4 10· 18 31 ·55 85. 123 28. 40 29-36

3 - 6 meses 3.1 - 4.5 9.5- 13.5 29- 41 74 . 108 35.25 30·36


1 0'10 3.7- 53 105-13.5 33.39 70 86 23 31 30 -36

2-6 anos 3.9 -5.3 11.5- 13.5 34 - 40 75-87 24 .30 30-36

6- 12 anos 4 -5.2 11.5-15.5 35. 45 77-95 25.33 30 -36

O es[udo do sangue periférico a[ravés do hemograma 255


Quadro 22.7 - Valores de referência da comagem global de
leucóciws (milhares/mm3 ou K/JJL) para cnanças
~~------------------------------

Idade leucócitos

RN 10 -26
1 ano 6 - 18
4 o 7 anos 5 - 15
8- 12 anos 4.5-13.5
- =:J

Quadro 22.8- Valores de referêncra de concagem diferencial de leucócitos (milhares/mm 3 ou K/iJL) para crianças

Idade Neutrófilos Linfócitos Monócitos Eosinófilos Basófilos

Bastão Segmentado

RN 175 7,05 2- 11.5 0.3-3.1 0.05- 1 0 -0.3


1 ano 0.35 0,65-8.15 4 - 10.5 0.05- 1 0.05-0.7 0-0.2
4 anos o- 1.0 1.5- 6. 5 2- 8 0 - 0.8 0.02-0.65 0-0.2
6 onos 0- 1.0 1 5 -6 1.5-7 0-0.8 0-0.6 0-0.2
10 anos 0- 1.0 18- 6 1 5- 6.5 0 -0.8 0-0.6 0-02
14 onos o- 1.0 1.8-6 12- 5.8 0-0.8 0-0.6 0-0.2

Quadro 22.9- Valores de referêncra de concagem de plaquetas e reticulócitos.

Plaquetas /milhores/mm3 ou K/~1) = 150 - 450

Reticulócitos: 2,0 o 6,0% no RN, quedo poro valores de adultos até o final do segundo semana

CONVERSÃO DE UNIDADES CONVENCIONAIS PARA UNIDADES INTERNACIONAIS

Quadro 22.10- Conversão de unrdades convencronais para unidades incernacronais

Unidades convencionais Fato r Unidades internacionais

Leucócitos milhores/ mm3 106 10 9/L


Entróctlos mtlhões/mm3 JOÓ J01 2jL

Hemoglobina g/dl 10 g/L

Hemorócrito % 0,01 (valor absoluto - froçõo de volume)

Plaquetas milhores/mm3 106 109/L


Reticulócitos % 0.01 (froçõo de número)

256 ( Medicina labora torial para o clínico )1-- - - - - - - - - -- - - - - - - - - -- - - - - - - -


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O esrudo do sangue periferíco através do hemograma 257


Cristiane Monnaísa Firmino da Silva
23 Rosa Ma/ena Delbone de Faria

O PACIENTE ANÊMICO

O termo anemia (do grego, an = privação, haima = atribuídas a distúrbios da regulação do volume plas-
sangue) refere-se à redução da concentração de hemo- mático e não a desordens hemarológicas. O exemplo
globina ou das células vermelhas no sangue. Considera-se mais comum de anemia relativa é a anemia da gravidez,
que qualquer uma das medidas, hemoglobina, hemató- cuja baixa de hemoglobina, especialmente em idade
crim ou concentração de hemácias por unidade de volu- mais tardia, está associada a alterações do volume plas-
me pode ser utilizada para estabelecer o diagnóstico de mático. Anemia materna é um problema comum em
anemia, porém a hemoglobina é preferida, em parte, de- obstetrícia, fazendo-se sempre necessária a distinção
vido à maior acurácia e reprodutibilidade que as outras. entre anemia absoluta e hidremia. Outra condição pro-
A escala de normalidade sofre variação de acordo com blemática e comumente associada à desproporção do
estilo de vida, altitude de residência, sexo e idade. Não hematócrim e massa mtal de hemácias é a insuficiência
há evidências de que os valores normais de hemoglo- renal, uma vez que a anemra absoluta tem sido identi-
bina variem nas diferentes raças ou regiões geográficas, ficada como um importante predrwr de morbidade e
exceto pelo efeito da altitude; e os mesmos critérios para mortal idade em população dialítica. Doenças cardíacas
adultos aplicam-se a idosos. Em termos de prevalência, e distúrbios hidroeletrolíticos também são causas de
segundo a OMS, 30% da população mundial é anêmica, anemia relativa.
sendo que em crianças menores de dois anos essa taxa
pode chegar a 50%.
ANEMIA ABSOLUTA

ETIOPATOGENIA A anemia absoluta ou anemia verdadeira reflete a ver-


dadeira queda da concentração de hemoglobina total e
Em relação à massa rotai de hemácias, as anemias conseqüente redução da massa eritrocitária circulante.
podem ser classificadas em relativas e absolutas. De acordo com a resposta medular, as anemias ab-
solutas podem ser regenerativas, hiporregeneracivas e
arregenerativas.
ANEMIA RELATIVA Anemias regenerativas respondem ao estímulo da
erirropoetina, cursam com hiperplasia eritróide medu-
A anemia relativa é caractenzada por uma massa ro- lar e reticulocirose em sangue periférico. exemplo típico,
tai de hemácias normais. Tais condições são usualmente anemias hemolíticas e de perda sangüínea aguda.
Anemias hiporregenerativas e arregenerativas são as da enzima piruvato-quinase. Hemólise intravascular ocor-
que não conseguem levar a eriuopoese a termo, quer seja re quando as hemácias sofrem lise e liberam seu conteúdo
por falta de nutrientes, resposta insuficiente à eriuopoetina. no próprio plasma. Exemplos de hemólise imravascular
deficiência de eritropoetina ou insuficiência de parênquima são vistos na deficiência da enzima G6PD. hemoglobinúria
medular, por isso cursam com reticulóciros dentro da nor- paroxística noturna e hemólise medicamentosa.
malidade, reticulociropenia ou ausência de reticulócitos na
circulação. São exemplos as anemias carenoa1s, anem1a de
doença crônica, anemia da insuficiência renal, anemia por Anemia por perda aguda
infiltração da medula e aplasia de medula óssea.
Anemia secundária à perda aguda ocorre quando
um grande volume de sangue é perdido pós-trauma, le-
CLASSIFICAÇÃO FISIOPATOGÊN ICA DAS ANEMIAS sões vasculares ou cirurgia. As manifestações clínicas vão
depender da causa e da gravidade da hemorragia.
As anemias podem ser agrupadas. de acordo com a
fisioparogênese. em crês categorias:
• anemias por diminuição ou defeiro da produção CLASSIFICAÇÃO MORFOLÓGICA
de hemácias; DAS ANEMIAS
• anemias por aumento da destruição das hemácias;
• anemias por perda sangüínea. O uso de índices hematimétricos na abordagem diag-
nóstica das anemias é de grande valor e deveria ser to-
mado sempre como o primeiro passo. A estimativa da
Anemia por diminuição ou média do volume corpuscula r (VCM) permite classificar
deficiência de produção de hemácias as anemias em microcíticas. normocíticas e macrocíticas.

Constitui a maioria dos casos de anemia e são de- Anemia microcítico - VCM < 80fl
correntes de interferências na maturação e diferenciação Anemia normocítica - VCM entre 80fl e 1OOfl
das células. Fazem parte desse grupo: anemia aplásrica e Anemia macrocítica - VCM > 1OOfl
doenças correlatas. invasão medular, defeiros da síntese
de DNA como na deficiência de folaro e vitamina Bl2,
deficiência de ferro, anemia de doença crônica e anemia ANEMIA MICROCÍTICA
sideroblástica.
Traduz, excero na microestenocirose hereditária (ver
capítulo 24), a deficiência quantitativa de síntese hemo-
Anemia por aumento de destruição de hemácias globina, seja por deficiência de ferro, pelo impedimenro
na utilização do mesmo ou pela insuficiência de síntese
Em condições normais as hemácias têm vida média de de globina. As principais possibilidades diagnós(lcas são:
120 dias a partir da saída do reticulóciro da medula óssea, anemia por deficiência de ferro, talassem ias e anemia side-
sendo, após esse período, destruídas por macrófagos, em roblástica. A anemia de doença crônica pode apresentar-
órgãos como fígado, baço e medula óssea. Ocorre anemia se microcítica, porém, mais comumeme é normocítica.
hemolítica quando as hemácias são destruídas prematu-
ramente no imravascular ou, mais freqüentemente, no
extravascular. Na hemólise extravascular, as hemácias são ANEMIA NORMOCÍTICA
removidas da circulação por macrófagos no baço, por um
mecanismo normal, porém acelerado. Exemplos de hemó- Diferentemente das anemias microcíticas e macrocí-
lise extravascular acontecem na anemia hemolítica auro- ticas, não existe um mecanismo parogênico bem esta-
imune, desordens da menbrana das hemácias e deficiência belecido e comum. Estão agrupadas aqui a anemia de
doença crônica, anemia pluricarencial (associação de de- Os sinais e sintomas das anemias refletem a hipóxia
ficiência de ferro, ácido fálico e/ou vitamina Bl2), anemia não corrigida dos tecidos e a participação de mecanis-
da insuficiência renal, anemia falciforme, enzimopatias mos compensatórios. Os primeiros sinais e sintomas ge-
eritrocitárias, esferocirose hereditária e anemias secun- ralmente aparecem como diminuição da tolerância ao
dárias à infiltração medular. trabalho, dispnéia, palpitações ou os sinais decorrentes
de ajusre cardiorrespirarório. A palidez geralmente é per-
cebida por amigos ou familiares.
ANEM IA MACROCÍTICA

Nas anemias macrocíticas, além do volume aumen- SINTOMAS OCASIONADOS PELA HIPÓXIA
tado do eritrócito, são observados também aumento
das dimensões da célula como diâmetro e espessura, A hipóxia decorrente da baixa concentração de
devido ao retardo ou impedimento da síntese de DNA. hemoglobina pode causar vários sintomas: no siste-
A primeira consideração a ser feita durante a investi- ma nervoso central. irritabilidade, cefaléia, tonturas.
gação das anemias macrocíticas é a investigação sobre lipotímias, escotomas, insônia e astenia psíquica; no
uso de drogas, como hidroxiuréia e zidovudina, e o uso sistema muscular, fatigabilidade e dores em membros
de álcool, causas importantes de macrocitose. A segun- inferiores; no miocárdio, dispnéia de esforço. taquica r-
da refere-se às carências nutricionais, especialmente de- dia. palpitações. sopro sistólico. dor anginosa e insufi-
ficiência de vitamina B12 e folaro. Anemias da aplasia ciência cardíaca.
de medula óssea e da mielodisplasia freqüentemente
apresentam-se macrocíticas. Devido ao elevado núme-
ro de reticulócitos na circulação periférica, as anemias SINTOMAS OCASIONADOS PELOS
hemolíticas, especialmente durante crises de hemólise, MECAN ISMOS COMPENSATÓRIOS
podem ser macrocíticas.
Os mecanismos compensatórios objetivam redistri-
buir o fluxo sangüíneo de forma a priorizar os tecidos
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS mais nobres. Desta forma, podem ser observados, como
conseqüência desse processo. palidez, anorexia. náuseas,
As manifestações clínicas da anemia dependem de diarréia, dispnéia de esforço, taquicardia, palpitações, dor.
fatores, como:
• redução da capacidade do sangue carrear oxigénio;
• grau de alterações do volume sanguíneo; OUTRAS MANI FESTAÇÕES
• capacidade com que os sistemas pulmonar e car-
diovascular têm de compensar a anemia; Algumas manifestações clínicas associam-se a de-
• manifestações associadas à doença de base que terminados tipos de anem ias, particularizando-as,
resultam no desenvolvimento da anemia. como na anemia por deficiência de ferro, em que a
pele pode ter alterações de elasticidade e tônus. resul-
A concentração de hemoglobina não é o único deter- tando em aparência seca, enrugada, os cabelos podem
minante dos sintomas observados, a concomitância de do- ficar finos. acinzentados. as unhas quebradiças e. na
enças pulmonares e cardiovasculares contribui para exacer- boca, língua com atrofia de papilas e queilose angu-
bar os sintomas. Se a anemia se instala de modo insidioso. o lar. Úlceras de perna e dor óssea são observadas em
paciente pode ficar bem. até que os níveis de hemoglobina pacientes portadores de anemia fa lciforme, pareste-
caiam abaixo de 8 g/dl. Em pacientes portadores de ane- sias na deficiência de vitamina B12, icterícia na anemia
mia ferropriva, anemia perniciosa ou ourros tipos de ane- hemolítica, febre nas anemias associadas a leucemias
mia de instalação lema, os níveis de hemoglobina podem e organomegalias quando há concomitância de li nfa-
chegar a 6g/dl, até que se iniciem os sintomas. proliferação e/ou mieloproliferação.

O paciente anêmico 261


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diame de um pacieme com suspeita clínica de ane-


mia, a realização do hemograma e a contagem de reti-
culócitos permitirão a classificação morfológica e nor-
tearão a propedêutica complememar mais específica. A
Figura 23.l mostra o fluxograma para investigação inicial
do pacieme anêmico.

[ Volume Corpuscular M édio ]

Foleifo rme
Esferocitose
Enzimo patia s

Hemólise Hemólise
Auto-imune
Esferocitose Talassem ia

Figura 23.1 - Fluxograma para investigação do paciente anêmico.

REFERÊNCIAS
1. Erslev. AJ. Clinical Manifestations and Classificarion of 3. Oski, FA, Brugnara, C and Nathan, DG. A diagnosrc ap-
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Adults. Mayo Clin Proc. 2005;80(7):923-36.

262 [ M edicina laboratorial para o clínico 1


] - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - -- - -- - - -
Rachel Aparecida Ferreira Fernandes
24 Maria Christina Lopes Araújo Oliveira
Rosa Ma/ena Delbone de Faria

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM
ANEMIA MICROCÍTICA

As anem1as microcít1cas constituem um grupo de doenças vada prevalência. especialmente em crianças. gestantes
caracterizadas pela redução do volume corpuscular médio das e adulros com perda sangüínea crônica, além de seu
hemácias (VCM). Os valores mínimos aceitos como normais, estreito paralelismo com condições socioeconômicas
para o VCM, correspondem à média esperada para determi- precárias, torna essa doença um problema de saúde pú-
nada faixa etária. menos dois desvios-padrão. Ass1m. conside- blica. Embora os termos deficiência de ferro e anemia
rando-se as grandes diferenças entre os valores de referênc1a ferropriva sejam utilizados, freqüentemente, de forma in-
segundo a idade. o uso de tabelas que considerem esta variável tercambiável. a anemia constitui a manifestação mais tar-
é recomendável para o diagnóstico correm (Tabela 24.1). dia desta carência específica e surge quando as reservas
A produção de hemácias com VCM no rmal depende. orgânicas se esgotam em virtude do balanço orgânico
sobretudo. da síntese de hemoglobina e esse processo re- persistentemente negativo entre a oferta e a demanda
quer mecanismos metabólicos intactos de formação das desse nutriente. Segundo a Organização Mundial de
moléculas heme e de globina. além de suprimento ade- Saúde (OMS). 30% da população mundial apresentam
quado de ferro. Qualquer interferência no processo de anemia ferropriva. sendo que esta taxa entre lactentes
hemoglobinização das hemácias causa redução da con- chega a quase 50%.
centração de hemoglobina corpuscular média (CHCM),
que está associada à formação de células microcíticas.
Na prática clínica. as três causas mais freqüentes de METABOLISMO DO FERRO
microcirose são a defiCiência de ferro, as talassemias (re-
dução na produção de globinas) e as anemias sideroblás- O ferro é um micromineral encontrado em todas
ticas (redução da síntese de moléculas heme), embora as células dos seres vivos. Embora esteja envolvido em
também possam ser causadas por anemia de doenças diversas reações metabólicas do organismo e seja indis-
crônicas ou anemia da inflamação. deficiência de cobre pensável para a replicação celular, quando em excesso
ou inroxicação pelo chumbo. pode tornar-se tóxico. causando lesões oxidativas em
várias estruturas biológicas vitais. Desta forma, a regu-
lação de seu conteúdo no organismo deve ser rigorosa-
ANEMIA FERROPRIVA mente efetuada.
No ser humano. a quantidade de ferro corporal varia
A carência de ferro é a deficiência nutricional mais entre três e cinco gramas, estando cerca de 80% desse
comumente observada em seres humanos. A sua ele- total nos compartimentos metabolicamente ativos. na
forma de hemoglobina, mioglobina, rransferrina, cito- mecanismo regulador é realizado principalmente pela
cromooxidases. transferases. catalases. entre ourros. e placenta, no feto. Após o nascimento, essa regulação
os 20% restantes disuibuem-se. nos compartimentos de possui várias vias moduladoras: a) via reguladora da
armazenamento, entre a ferritina e hemossideri na, que dieta (conhecida como bloqueio mucoso); b) via regu-
se localizam no fígado (30%), na medula óssea (30%). no ladora do estoque (parece interferir no nível da prote-
baço e em oucros cecídos. A hemoglobina, responsável ína cransporcadora de metal divalente - DMT1); c) via
pelo transporte de oxigênio através do sangue, e a mio- reguladora eritropoética (a diseritropoese favorece a
globina, pigmento vermelho dos músculos que armaze- absorção do ferro).
na oxigênio para a sua utilização durante a concração,
contêm, respectivamente, em wrno de 65 e 10% do Tabela 24.2 - Distribuição do ferro de acordo com os com-
ferro corporal. A transferrina detém apenas 1% do ferro partimentos orgânicos
corporal total e sua principal função é transportar o ferro
liberado do catabolismo da hemoglobina ou absorvido Homens Mulheres % total de
Compartimento
pela mucosa intestinal até a medula óssea. onde será uti- (mg) (mg) Fe
lizado na síntese de hemoglobina (Tabela 24.2). Hemoglobina 2000.0 1700,0 65.0

Estooues 1000,0 300,0 30.0


Tabela 24.1 -Valores mínimos de VCM e HCM. de acordo
com a idade e sexo. ao nível do mar M ioglobino 300.0 150,0 3,5

Outros tecidos 20,0 15,0 0 ,5


Idade VCM {fl) HCM (pg)
Sangue de cordão 98 31 Transporte 3,0 3,0 0,1

1 5emono 88 28

2 semanas 86 28
A absorção do ferro ocorre. sobretudo. no duodeno
1 mês 85 28 e se dá por duas vias distintas: uma para o ferro-heme e
2 meses 77 26
outra para o ferro não-heme. Alimentos de origem ani-
mal. por comerem o ferro-heme. derivado da hemoglo-
3 o 6 meses 74 25 bina. mioglobina e outras hemoproteínas, representam
6 meses o 2 anos 70 23 uma importante fonte alimentar de ferro. pois permitem
a elevada absorção desse oligoelemento em sua forma
2 o 6 ono5 75 24
intacta (hemina), sem sofrer infl uência de associações
6 o 12 anos 77 25 dietéticas ou fa tores endógenos. como acontece na ab-
12 o 18 anos (sexo feminino) 78 25 sorção do ferro não-heme. proveniente de outras fontes
alimentares. Na forma não-heme, os complexos férricos
12 o 18 anos (sexo masculino) 78 25 devem ser inicialmente reduzidos para a forma ferrosa.
Ac1mo de 18 anos 78 25 que é mais facilmente absorvida. Essa conversão é faci-
litada por fatores endógenos. como o ácido clorídrico,
Adaptado de. Dallman. P.R. ln: Rudo lph. A. Ed. Pediatrics. 16 ed. New
contido nas secreções gástricas, bem como por alguns
York: A ppleton-Century-Crofts. 1977:111. componentes da dieta, como o ácido ascórbico, o citra-
to e a frutose. Determinados componentes da dieta, por
Para que o organismo conserve a quantidade deste outro lado, podem atuar como" dificultadores" da absor-
mineral dentro de (imites adequados para cada está- ção do ferro-não heme, como os fosfatOs, os fitaws das
gio de crescimento. a absorção diária de ferro exógeno fibras, os polifenóis dos cereais e o tanato dos chás. por
deve ocorrer em quantidades próximas daquelas que formarem complexos insolúveis ao se ligarem ao ferro.
foram perdidas no mesmo período. uma vez que não Para ser absorvido do lúmen intestinal. o ferro é re-
existe mecanismo de excreção fisiológica de ferro. Esse duzido da forma férrica para a forma ferrosa, por uma

264 ( Medicina laboratorial para o clínico


redutase localizada na borda em escova do emeróciro porte ou no metabolismo, que resultam em menor
e ligada ao transportador Divalent metal transporter oferta efetiva do nutriente para a medula óssea. É im-
7, (DMTl), que permite, por sua vez, a imernalização portante lembrar que muitas vezes esses fatores não
da molécula de ferro na célula da mucosa intestinal. atuam isoladamente, mas associados entre si. A carên-
Uma vez no citoplasma do enteróciro, o ferro poderá cia de ferro de origem exclusivamente alimentar é rara,
ser armazenado nesta célula como ferricina ou poderá pois a quantidade de ferro absorvido da dieta aumenta
atravessar sua membrana basolateral, através de uma à medida que os esroques diminuem. Assim, a maior
proceína denominada ferroportina. Neste momento, prevalência da anem ia ferropriva em crianças e gestan-
o ferro é novamente oxidado para a forma férrica e, a tes, quando comparada aos adulcos de uma mesma
seguir, alcança o plasma, de onde é transportado pela população, deve-se à associação da carência dietética à
cransferrina para compartimentos de depósito ou para maior demanda fisiológica do nutriente. A Tabela 24.3
os eritroblascos da medula óssea. mostra a estimativa das necessidades mínimas de ferro,
Na superfície do eritroblasco, a cransferrina, ligada de acordo com o sexo e faixa a etária; e a Tabela 24.4,
ao ferro, fixa-se a um receptor específico, formando um a homeostase do ferro durante a gravidez. O aumento
complexo que é endocitado e. subseqüentemente, se das perdas por sangramento constitui a principal causa,
desfaz na presença de acidificação do meio. Nem a crans- isolada ou associada, de anemia ferropriva em adultos
ferrina nem o seu recepw r são degradados nesse pro- (Tabela 24.5). A cada 2 ml de sangue perdido perde-se
cesso. sendo devolvidos para a membrana plasmática. O cerca de 1 mg de ferro.
ferro é, então, transportado para as mirocôndrias para ser
acoplado à procoporfirina, por ação da heme sintetase e Tabela 24.3 - Necessidades mínimas de ferro, de acordo
conseqüeme formação do heme, que será incorporado à com o sexo e fase da vida
molécula de globina. completando o processo de hemo-
globinização. Necessidade Mínimo
Fase da vida diária para síntese diário a ser
Além do ferro absorvido da dieta, o ferro reciclado de
de Hb (mg) ingerido (mg)
hemácias senescentes degradadas pelo sistema mononu-
Lactentes 1,0 10,0
clear fagocitário ou o ferro mobilizado dos compartimen-
tos de estoque também constituem fonte de ferro para a Crianças 0,5 5,0
hemoglobinização ericrocitária. Mulheres 2,5 25,0
As perdas corporais de ferro são pequenas e relativa- 12 o 15 anos
mente fixas, ao redor de 0,9 mg/dia em indivíduos adul- Mulheres em 2.0 20,0
tos. A maior parte dessa perda (0,6 mg por dia) se dá pelo idade fértil
trato gascrintestinal, por meio da esfoliação das células da Mulheres grávidos 3,0 30,0

mucosa ou por extravasamento de glóbulos vermelhos. Homens e mulheres 1,0 10 ,0


A perda de ferro pode ainda ocorrer por descamação da pós-menopausa
pele, do epitélio urinário e, nas mulheres, também pela
menstruação e lactação. Em crianças, segundo a OMS,
a perda basal diária de ferro é de 0,21 mg de 0-12 meses; Tabela 24.4 - Homeosrase do ferro durante a gravidez
0,25 mg de 1-2 anos e de 0,34 mg dos 2-6 anos de idade.
Sede de consumo de ferro Necessidade (mg)
Fetal 150
CAUSAS DE CARÊNCIA DE FERRO
Placentário e cordão umbilical QO

Genericamente, o balanço negativo do ferro corpo- Expansão do mosso eritrocitório 500


do gestante
ral pode ser secundário à menor ingestão do nutriente,
Perda songüíneo no porto 150
aumento das necessidades fisiológicas. aumento das
perdas, menor absorção intestinal e defeiros no trans-

Investigação laboratorial do paciente com anemia microcítica 265


Tabela 24.5 - Causas de deficiência de ferro amilofagia), papilas linguais hipotróficas, queilose angular,
escleras azuladas, coiloníquia, unhas e cabelos opacos e
Aumento Gestação
quebradiços. O aparecimento dos sinais e sintomas da
de demando Prematuridade
Infância anemia é insidioso e gradual, sendo a palidez o sinal clíni-
Adolescência co mais comum. As alterações cardiocirculatórias (sopros,
lngesto Geralmente associado às cousas de taquicardia, B3) são manifestações mais tardias e sugerem
insuficiente aumento de demando
quadros mais intensos de anemia. O baço é palpável em
Perda Songromentos gostrintestinois
songüíneo em adultos
aproximadamente 10% dos pacientes e apresenta aumen-
varizes esofogionos to discreto a moderado, cuja patogênese é desconhecida.
gastrites
úlceras
neoplosios
divertículo de M eckel O LABORATÓ RI O E O S DIFERENTES
doenças inflamatórios
ESTÁGIOS DA AN EM IA FERROPRIVA
d iverticulose
doença hemorroidório
Songromentos gostrintestinois Os resultados de exames laboratoriais variam conforme
em crianças o grau de carência do ferro, por isso, é importante salientar
doença do refluxo gostro-esofógico
into lerância o proteína do leite de vaca que, entre o estado eu trófico e a anemia ferropriva, existem
doença celíoco situações intermediárias em que as características laborato-
enteropotio ambiental
parasitose intestinal
riais da doença se mesclam, como mostra o Quadro 24.1.
Songromentos genitourinórios
menorrogia
neoplasia O depósito de ferro e a eritropoese
infecções crónico s
Distúrbios Hipocloridrio
Depósito de ferro
obsortivos Ressecçõo intestinal o u desvio de trânsito
Doença celíoco
Doenças intestinais inflamatórios crónicos
Na eventualidade de um balanço negativo de ferro, o
Excesso de cereais, to notos, fitotos e
fosfatos no d ieta organismo recorre imediatamente aos estoques para garan-
Outros Doação regular de sangue tir todas as funções metabólicas desse micronucriente. Por
Trauma isso, nas fases iniciais de carência, a dosagem de ferritina está
Malformação vascular extenso
Deficiência de tronsferrino, por perda, no
reduzida, mas não ocorre comprometimento da hemoglo-
sínd rome nefrótico binização das hemácias nem da contagem de reticulócitos.
Deficiência congênito de tronsferrino

Técnicas analíticas para avaliação do estoque de ferro


MANIFESTAÇÕES ClÍNICAS
Ferritina sérica: a ferritina não é verdadeiramente
uma proteína extracelular, porém seu nível sérico, ainda
Como o ferro se encontra envolvido em diversas rea- que pequeno, reflete os estoques de ferro teciduais. A
ções metabólicas e oxidativas do organismo, além de ser ferritina circulante encontra-se principalmente sob for-
essencial para a replicação celular, na anemia ferrop riva ma de apoferritina (não ligada ao ferro) e é uma proteína
pode-se observar não só as manifestações próprias da de fase aguda, por isso sua dosagem poderá elevar-se em
anemia, como também sinais relacionados à própria defi- processos inflamatórios, infecciosos ou malignos e gerar
ciência de ferro, com ou sem anemia instalada, tais como: equívocos na avaliação propedêutica, caso não seja ana-
atraso de desenvolvimento cognitivo, diminuição da ca- lisada com visão crítica dentro de um contexto clínico-
pacidade laboral, maior susceptibilidade a infecções, que- epidemiológico. Pode ser determinada, de forma segura,
da na curva de peso ou ganho insuficiente de peso em lac- por restes imunoquimioluminescentes, imunoenzimáti-
tentes, astenia, perversão do apetite (geofagia, pagofagia, cos, radioimunológicos e imunorradiométricos.

266 ( Medicina laboratorial para o clínico


Quadro 24.1 - Estágios de desenvolvimento da Anemia Ferropriva

Estado Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3


Parâmetros
eutrófico Depleção do estoque Eritropoese deficiente Anemia ferropriva
Ferro medular normol diminuído diminuído ou ausente diminuído ou ausente

Ferritino sérico (fig/l) normal diminuído diminuído diminuído


(100 ± 60) (< 30) /lO) (<lO)
Capacida de total de normal normal aumentado aumentado
ligação d o ferro (CTLF) {330 ± 30) (390) (410)
Índice de Sa turaçã o do norma l normal diminuído diminuído
Tronsferrino (1ST) {20 o 55%) (15%) (< 15%)
Ferro sérico (~g/dl) normal normal diminuído diminuído
{1 15 ±50) (<60) (<40)
Índice de onisocitose iRDW) normal normal aumentado aumentado
(14 o 15%) (>20%)
Hemoglobina normal normal normal diminuída

Volume corpuscular normal normal normal d iminuído


médio IVCM )

Adaptado de Suom1nies P ec at. 1988

Ferro medular: o escudo do depósiw de ferro me- Eritropoese


dular. por técnicas específicas de coloração com azul da
Prússia, técnica de Perls. A medula óssea sediará uma hiperplasia microen-
Valores de referência: croblástica secundária à depleção dos estoques de ferro,
• depósito intersticial de ferro: ++/++ +; com inversão da relação grânulo: eriuóide (G:E). Os pre-
• sideroblastos (eritroblastos com grânulos de fer- cursores eritróides apresentarão citoplasma pequeno,
ro no citoplasma): acé 30%; basofílico e com contornos irregulares, devido à insufi-
• sideroblastos em anel (eritroblastos com grânu- ciente maturação citoplasmática gerada pela deficiência
los de ferro cincundando o núcleo): ausentes. de ferro, que prejudica sobremaneira a hemoglobiniza-
ção. Conseqüentemente, cem-se um eriuoblasto com
Interpretação: é um reste de coloração citoquími- assincronia de maturação enue o núcleo (mais maduro)
ca para ferro, realizado em esfregaço de medula óssea, e o ciwplasma (pouco hemoglobinizado - imaturo). Ra-
bastante fidedigno na sem iquantificação do estoque ramente será necessário escudo morfológico da medula
de ferro do organismo. Na anemia ferropriva, classica- óssea para diagnóstico de anemia ferropriva.
mente há diminuição ou ausência de ferro medular.
Situações que cursam com aumento dos depósicos
de ferro: hemossiderose ou hemocromatose, calasse- A captação e o transporte de ferro
mias, anemia megalobláscica, anemia siderobláscica e
as anemias das doenças crónicas ou da inflamação. Si- Na persistência de balanço negativo de ferro corporal.
deroblastos em anel são patogênicos e estão presentes com depleção dos estoques, observa-se diminuição na
na anemia refracária com sideroblascos em anel e nas dosagem do ferro sérico, aumento da capacidade tocai de
anemias sideroblásticas. ligação do ferro (CTLF) e diminuição do percentual de satu-
Uso clínico: diagnóstico diferencial de anemias micro- ração da CTLFou índice de saturação da uansferrina (1ST).
cíticas super postas, em que a ferritina não é fidedigna para A dosagem do ferro sérico, amplamente utilizada
retratar o estoque do ferro, como na associação de ane- na prática, possui como princípio a separação do fer-
mia ferropriva e anemia de doença crónica. ro de suas proteínas de ligação e determinação de sua

Investigação laboratorial do paciente com anem ia microcítica 267


concentração por métodos colori métricos. Apresenta refletir, tão somente, a presença de uma pequena po-
como limitações uma grande variabilidade biológica cir- pulação de células microcíricas que, por isso. ainda não
cadlana (altos valores pela manhã e menores à noite), impactou no VCM.
além de sofrer influência do conteúdo de ferro ingerido A presença dessa heterogeneidade no tamanho das
e, na presença de processos inflamatórios, seu resulta- hemácias (anisocicose). numa fase inicial da doença, sem
do poder estar diminuído. Para diagnóstico diferencial alteração do VCM, pode ser precocemente identificada
das anemias microcíticas, a dosagem de ferro deverá ser pela medida do coeficiente de variação do volume das
sempre realizada e analisada em conjunto com a CTLF, hemácias RDW (Red ce/1 Distribution Width). Valores do
1ST e ferritina sérica. RDW acima de 20% são fortemente sugestivos de ane-
A CTLF constitui uma medida funcional da transfer- mia ferropriva, enquanto valores entre 15 e 20% também
rina e é inversamente proporcional aos estoques de ferro. podem estar associados às anemias hemolíticas.
É determinada saturando-se a rransferrina com ferro e.
posteriormente. removendo-se o excesso de ferro não
ligado com um absorvente, que mantém intacto o ferro TALASSEMIA$
ligado à rransferrina. Determina-se o teor de ferro no fil-
trado. Está aumentada na anemia ferropriva e diminuída As talassemias constituem um grupo hererogêneo
nas doenças infecciosas e inflamatórias, a despeito do de distúrbios genéticos, caracterizados pela redução ou
ferro sérico poder estar diminuído. ausência da síntese de uma ou mais cadeias de globina
O índice de saturação da rransferrina (1ST) é calcu- (alfa. bera, gama, zera ou epsilon). Em decorrência da
lado a partir da divisão da concentração do ferro sérico hemoglobin ização deficiente, observa-se a formação de
pela CTLF e multiplicado por 100; é expresso em porcen- hemácias hipocrômicas e microcíticas.
tagem e reflete, mais sensivelmente, o conteúdo de ferro Conforme a cadeia de globina afetada. as talassem ias
no organismo. O 1ST diminui na deficiência de ferro, mas são denominadas alfatalassemia, betatalassemia, gama-
tam bém nas doenças crônicas. Nestas últimas, entretan- talassemia, erc. Entre elas, a alfa e a betatalassemias apre-
to, a queda é menor e a capacidade de ligação de ferro sentam importância clínica maior, em função da preva-
também diminuída auxilia no diagnóstico diferencial en- lência e variabilidade de apresentações.
tre as duas Situações clínicas (ver capítulo 25).

ESTRUTURA E SÍNTESE DA HEMOGLOB INA (HB)


O ferro hemoglobínico e a microcitose
As hemoglobinas normais são moléculas globulares,
O ferro é essencial na síntese de hemoglobina. cuja sintetizadas durante a erirropoese e constituídas por
etapa final corresponde à sua incorporação no anel de dois pares de cadeias globínicas, ligadas a uma molécula
protoporfirina ligado ao componente heme. Assim, na de heme, formada pela condensação de quatro núcleos
carência de ferro, a protoporfirina se acumula nos gló- pirrólicos e um átomo de ferro na forma de Fe++.
bulos vermelhos e a sua dosagem está aumentada. Sua Os tipos de cadeias de globina podem variar, con-
análise apresenta grandes vantagens, que incluem a evi- forme a fase de desenvolvimento do indivíduo, como
dência de alreração bastante precoce no processo de fer- mostra a Tabela 24.6. Todas as cadeias de globina, sin-
ropenia. necessidade de pequena amostra de sangue na tetizadas no redculo endoplasmático dos precursores
sua execução, além de não sofrer influência pelo uso do eritróides até a fase de reticulócito, têm estrutura muito
ferro. Entretanto, não permite distinguir a deficiência de similar e são formadas por uma seqüência de 141 ami-
ferro da anemia de doença crônica e pode estar aumen- noácidos (cadeia alfa) ou 146 aminoácidos (cadeia beta).
tado na intoxicação pelo chumbo. O gene responsável pela síntese de cadeias beta é único
A anemia ferropriva é classicamente microcítica e hi- e localizado no cromossoma 11. enquanto o gene alfa
pocrômica. Todavia, nas suas fases iniciais a observação é duplicado e localiza-se no braço curto do cromosso-
de valores de VCM dentro da faixa de referência pode ma 16. Os indivíduos têm, portamo. dois genes beta e

268 [ Medicina laboratorial para o clínico


quacro genes alfa acivos. o que favorece a grande hete- As alfacalassemias. mais freqüemememe. são cau-
rogeneidade de possíveis alterações genéricas. Além da sadas por deleções gên icas. As lesões moleculares
determinação genérica. a síntese de globina também so- responsáveis pela betatalassemia são, em sua maioria,
fre controle parcial pela quantidade de moléculas heme mutações pontuais que afetam a qualidade ou a quan-
produzidas. Por exemplo, na anemia ferropriva, na qual tidade do RNAm produzido. A Tabela 24.7 mostra os
há deficiência na síntese do heme, há a concomicance genócipos das calassemias.
redução na produção de globinas.

Tabela 24.7 - Des1gnaçào genérica das ralassemias


Tabela 24.6 - Tipo de hemoglobina predominante de
acordo com as fases de desenvolvimento humano
Designação Definição
Fase de desen- Cadeias Tipos de Gene beto normal
volvi menta globínicas hemoglobina
awaa Gene alfa normal
Período Ç2 E2 Hemoglobina Gower I
embrionário Ç2 i2 Hemoglobina Portlond Gene beta anormal; ausência de produ·
a2 E2 Hemoglobina Gower I I ção de cadeias beta
Período fe1ol a2 y2 Hemoglobina Feto! ~+ Gene beta anormal, produção de 1O o
15% de cadeias beta
Nascimento a2 y2 Hemoglobina Fetal
a2 ~2 Hemoglobina A ~++ Gene beta anormal; discreto redução no
produção de cadeias beta
Após o Ó mês
0
a2 ~2 Hemoglobrno A195-97%1
de vida a2 li2 Hemoglobina A2 102-03%) aO Deleção dos quatro genes alfa, ousêncro
a2 '12 Hemoglobina Fetal (01-02%) de produção de cadeias alfa
a+ Deleçãa de em um dos cromossomas;
produção diminuído de cadeias alfa
HPFH Persistência hereditário do HbF; talasse·
As moléculas das hemoglobinas normais ap resentam mio sem deleção que resulto em maior
quatro níveis estruturais de organização: primária. secun- produção de HbF
dária, reroária e quaternária. A estrutura terciária da he-
moglobina resolve um Importante problema biológico.
pois garante que seus aminoácidos polares, hidrófilos.
fiquem na superfície da molécula, assegu rando a sua so- Fisiologicamente, a síntese das cadeias alfa e bera é
lubilidade no cicoplasma da hemácia, além de criar uma equilibrada, ou seja, são produzidas quantidades seme-
cavidade forrada por aminoácidos hidrófobos, onde fica lhantes de ambas as cadeias. Entretanto, como nas ta-
a molécula de heme pouco solúvel. A associação dos pa- lassemias, a síntese de uma das cadeias de globina está
res de cadeias globínicas em tetrâmeros. em que cada diminuída ou ausente, este equilíbrio é perdido e o exce-
cadeia se aglutina a uma molécula heme. determina a dente de cadeias globínicas normais precipita-se no cito-
estrutura quaternária final da hemoglobina. plasma da célula. As alterações estrutu rais das hemácias
devem-se à interação entre esses precipitados e as prote-
ínas do cicoesquelero da membrana celular, que incluem
PATOGENIA MOLECULAR E CELULAR alteração do flu xo de cátions através da membrana cito-
plasmática, formação de irregularidades na sua superfície
Nas talassemias, existe mais de uma centena de altera- externa. formação de antígenos externos susceptíveis à
ções genéticas. agrupadas em grandes deleções, pequenas ação de anticorpos específicos e. finalmente. diminuição
deleções ou mutações pontuais, que determinam redu- da capacidade de deformação da célula. Esse processo
ção ou ausência da síntese de uma das cadeias globínicas acaba por culminar na destruição precoce da hemácia e.
em decorrência das alterações quanmativas ou qualitati- em alguns casos. ocorre antes do estágio final de matu-
vas do RNA mensageiro (RNAm), essencial no processo ração da hemácia, ainda na medula óssea. denominado
de tradução de uma cadeia peptídica de globina. "eritropoese ineficaz".

Investigação laboratorial do paciente com anemia microcítica 269


Nas síndromes betatalassêmicas, as alterações na enfermidade. As manifestações surgem no primeiro ano
membrana celular tendem a ser mais graves, uma vez de vida e a necessidade de transfusões é precoce. Nas
que as cadeias alfa, por serem menos solúveis que as crianças mais jovens com doença de curta evolução
cadeias beta, apresentam mais toxicidade para as he- não há alterações ósseas e a esplenomegalia é discreta.
mácias. Isso explica, parcialmente, as diferentes mani- Na ausência de tratamento, o quadro clínico se agrava
festações clínicas emre as calassem ias. Na tentativa de progressivamente e a morte ocorre ainda na primeira
compensação da hemólise e/ou da eritropoese ineficaz, década de vida.
ocorre resposta medular com expansão da massa de A talassemia intermediária geralmente resulta da
precursores ericróides. combinação de defeitos genéticos. As manifestações
Associada às lesões estruturais descritas. a deficiência clínicas predominantes são: esplenomegalia. redução da
de hemoglobinização no processo de maturação eritrói- massa muscular e alterações faciais. Os pacientes man-
de determina a hipocromia e microcitose características têm níveis de hemoglobina entre 7 g/dl e 11 g/dl e não
das talassemias. dependem de transfusões regulares.
Na sua forma mais leve, a talassemia menor ou
traço talassêmico. os pacientes são habitualmente
TIPOS E FORMAS ClÍNICAS assintomáticos. O nível de hemoglobina está apenas
ligeiramente diminuído. Reduções mais acentuadas
As manifestações clínicas da talassemia são bastante podem ocorrer na presença de infecções e durante
hecerogêneas e multifatoriais. Dependem do tipo e nú- a gravidez.
mero de genes de globina comprometidos, além de esta-
rem associadas às conseqüências simultâneas da hemóli-
se, da anemia crônica, da hiperplasia eritróide na medula a -talassem ias
óssea, que leva a deformidades ósseas, e da sobrecarga
de ferro corporal secundária ao tratamento com trans- Podem apresentar-se clinicamente como: hidropisia
fusões de hemácias. fetal. doença da hemoglobina H, traço alfa-talassêmico
ou como portador silencioso (Tabela 24.9).
A forma mais grave, causada pela deleção dos qua-
~-talassemias tro genes alfa, é a hidropisia fetal. Como não há síntese
de cadeias alfa, as HbA e HbF não são formadas. Ocorre
Existem três formas clínicas: talassemia maior, talas- morte intra-uterina ou logo após o nascimento.
semia intermediária e talassemia menor (Tabela 24.8). A doença da hemoglobina H, causada pela deleção
A talassemia maior ocorre quando os dois genes de crês genes alfa, apresenta-se com graus variáveis de
beta são afecados e corresponde à forma mais grave da anemia hemolítica, esplenomegalia e alterações ósseas.

Tabe la 24.8 - Sínd romes ~-calassêm icas

Tipo de hemoglobina
Genótipo Manifestações
HbA HbA2 HbF
Talassemia menor Anemio hemolítica leve, hipocromio e
~ talassemia l~+/~1 J. i nl ou i microcitose
~ talassemia l~/~1 J. i nl ou i
Talassemia intermediário Anemio hemolítica moderado, necessidade
~+S talassemia I~+S/~+S) J. J. i transfusional, hipocromio e microcitose
Talassemia maior Anemia hemolítica severa dependente de
~+ talassemia !~+/~+) J.J.J. variável i transfusão, hipocromia e microcilose
~+ talassemia !~+/~) J.J.J.J. variá vel i
~ talassemia 1 130/ 1301 ausente variável nl ou i

270 [ Medicina laboratorial para o clínico


Tabela 24.9- Síndromes 0:-talassêmtcas

Tipo de hemoglobina
Genótipo Manifestações
HbA Hb Boris HbH

Portador silencioso Parâmetros hematológicos normais


·waa 97 - 98% 0-2% ausente

a-Talassemia menor N ormal ou anemio hemolítica leve,


hipocromio e microcitose
/o.a 90 - 95% 5 - 10% ausente
a/ a 90 - 95% 5 - 10% ausente
Doença do HbH Anemia hemolítica moderada,
necessidade transfusional pequena,
-; a .j. 25-40% 2 -40% hipacromia e microcitose
Hidropsio fetal Anemio hemolítica severo com morle
I ausente 80% o- 20% intra-útero ou neonotol

No traço alfa talassêmico, em que há deleção de dois O depósito corporal de ferro encontra-se aumen-
genes alfa, os pacientes podem se queixar de fraqueza, tado e pode ser evidenciado pela dosagem elevada da
cansaço e algum grau de palidez. ferritina, pesquisa de ferro medular, biópsia hepática ou
O tipo mais comum entre as a -talassemias, a do por- escudo hepático por ressonância magnética.
tador silencioso, ocorre devido à deleção de apenas um
gene alfa. O paciente é assintomático, com parâmetros
hemarológicos dentro da normalidade. A captação e o transporte de ferro

Nas ralassemias, o defeitO de hemoglobinização


O LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTI CO deve-se apenas ao déficit ou ausência de formação das
DAS DIFERENTES FORMAS DE TALASSEMIAS cadeias de globina. Assim, como não ocorre deficiên-
cia de ferro, os exames para análise de sua captação e
Exames complementares são essenciais para o diag- transporte (CTLF e 1ST) estão dentro dos valores de
nóstico diferencial entre as talassem ias e outras anemias referência e são úteis no diagnóstico diferencial com a
microcíticas e hipocrômicas e para a determinação do anemia ferropriva .
tipo e forma de talassemia.
É bastante comum, na prática clínica, a necessidade
de diferenciação entre anemia ferropriva e talassemia A hemoglobina e a microcitose
menor, a fim de evitarem-se iatrogenias na abordagem
terapêutica dos pacientes. A dosagem de hemoglobina pode estar bem abai-
xo dos valores de referência na ~-talassemia maior e na
O depósito de ferro, forma grave da doença da hemoglobina H ou discreta-
a eritropoese e a contagem de reticulócitos mente diminuída nos portadores de traço talassêmico.
Níveis entre esses extremos são observados na formas
Nas talassemias, as alterações estruturais das hemá- intermediárias da doença.
cias ocasionam sua destruição precoce e subseqüente A inadequada hemoglobinização, pela síntese in-
estímulo para produção medular, evidenciada pela hiper- suficiente de cadeias globínicas, determina a forma-
plasia eritróide. A despeito do aumento da eritropoese, ção de hemácias microcíticas e hipocrômicas. Na ta-
os pacientes apresentam variados níveis de hemoglobina lassemia menor, d iferentemente da anem ia ferropriva,
e de contagem de reticulóciros em função da ocorrência em que se observa intensa anisocitose, não ocorre
do fenômeno de eritropoese ineficaz. aumento do RDW.

Investigação laboratorial do paciente com anemia microcítica 271


A eletroforese de hemoglobina
genérico ou de realização do diagnóstico intra-uterino. nas
~-talassem ias. Para 1sso. é essencial que se faça o estudo
Na prática clínica, a eletroforese de hemoglobina, es- molecular com determinação do aleio talassêmico presen-
pecialmente com avaliação quantitativa das hemoglobi- te em cada um dos pais. O diagnóstico da doença no feto
nas A, A2. Fe de Bart. está 1ndicada para o diagnóstico di- é alcançado a partir da constatação, de ambos os alelos
ferencial entre os tipos e formas clínicas das ralassemias. anorma1s dos pa1s, no DNA obtido de células das vilosida-
Na ~-talassem ia. a eletroforese de hemoglobina mos- des coriôn1cas. entre a nona e a 20• semanas de gestação.
tra elevação da HbA2. Na forma intermediária, esse au-
mento de HbA2 é acompanhado por elevação de HbF e
redução de HbA. ANEMIAS SIDEROBLÁSTICAS
Na beta-talassemia maior. a concentração relativa de
HbF está entre 20 e 100%. os níveis de HbA2 entre 2 e 7% As anemias sideroblásticas são causadas por altera-
e de HbA entre Oe 80%. ções no transporte e metabolismo do ferro corporal e
A análise cuidadosa do traçado eletroforético em pH constituem um grupo heterogéneo de doenças que têm
alcalino permite a visualização de bandas de HbH. suge- em comum a presença. na medula óssea, de sideroblas-
rindo a -talassemia. Entretanto, como a HbH é de difícil tos em anel (eritroblastos comendo numerosos grânu los
visualização por ser instável e se desnaturar com facil ida- de ferro arranjados em torno do núcleo). São caracteriza-
de. é importante que o profissional de laboratório seja das por defeito na síntese da molécula heme, essencial à
informado pelo médico requisitante sobre a intenção de hemoglobinização das hemácias, levando à formação de
investigação da a -talassemia. células microcíticas e hipocrômicas.
A pesquisa de HbH deve ser feita preferencialmente nas
hemácias de sangue penférico, pela pesquisa de corpúsculos
de inclusão. formados pela precipitação dos tetrâmeros de A SÍNTESE DO HEME NA CÉLULA ERITRÓIDE
cadeias beta ou pela pesquisa dos corpos de Heinz, constitu-
ídos de Hb instável. No traço alfa-talassêm1co. a concentra- O heme é uma molécula planar formada pela con-
ção de HbH situa-se em torno de 2%. enquanto na doença densação de quatro núcleos pirrólicos, comendo em seu
da hemoglobina H a sua concentração annge até 20%. centro um áromo de ferro na forma Fe++ Desempenha
Na hidropisia fetal não ocorre síntese de cadeias alfa papel fundamental em muitas reações bioquímicas e sua
e, assim, não há síntese de HbA nem de HbF. A eleu ofo- síntese ocorre no tecido eritróide, para ser incorporado
rese mostra apenas Hb de Bart, além de pequenas quan- à hemoglobina, ou, em menor escala, no fígado, onde é
tidades de HbH e Hb Porrland. utilizado como parte do citocromo P450.
O portador silencioso da alfa-talassemia não apre- Desse processo de síntese participam oito enzimas,
senta alterações à eletroforese de hemoglobina e o único sendo quatro citoplasmáticas e quatro mirocôndriais.
meio seguro de diagnóstico é a análise do DNA. Seu primeiro passo consiste na condensação de glicina
à succinii-CoA dando origem ao ácido aminolevulínico
(ALA). Ocorre na mitocôndria e é catalisado pela enzi-
O estudo molecular ma ALA smtetase (ALA-S). sob ação do co-faror piridoxil
S'fosfato (forma ativa de vitamina B6).
A partir da década de 70, a utilização de méwdos Os próximos quatro passos da síntese do heme ocor-
de análise do DNA tem sido muiw importante para rem no citoplasma. com a participação das enzimas ALA
o emendimenw da gênese das talassemias e de suas dehidratase (ALA-O), monopirrol porjobilinogêneo (PBG-
formas clín1cas. D). uroporj1rinogêneo III sintetase (URO-S) e uroporfiri-
Atualmence. na prática clínica, o estudo molecular é nogenêo decarboxilase (URO-D). Inicialmente, duas mo-
reservado para o diagnóstico do estado de portador silen- léculas de ALA se condensam formando uma molécula
cioso ou do traço alfa-talassêmico. Mais raramente. a aná- pirrólica. A partir daí, o processo prossegue e culmina na
lise do DNA está indicada na intenção de aconselhamento formação citoplasmática de uma molécula tetrapirrólica.

272 [ Medicina laboratoria l para o clínico


Finalmente, de novo na mirocôndria, com a parri- o ferro pode deixar a micocôndria somente após ser in-
cipação das enzimas coproporfinogêneo oxidase (CPO), serido na proroporfi rina IX.
protoporfirinogêneo oxidase (PPO) e Jerroquelatase (FC), Como visto, na eventualidade de acúmulo de ferro
a molécula tetrapirrólica é convertida em proroporfirina corporal, a absorção desse mineral é reduzida. mas não
IX que, por sua vez. inclui o átomo de ferro na sua estru- é completamente interrompida. Deste modo, impõe-se
tura, finalizando, assim, a síntese do heme, essencial na uma sobrecarga corporal. Ocorre completa saturação da
hemoglobinização dos eritrócitos. transferrina plasmática e o excesso de ferro não ligado à
transferrina se liga à albumina, ao ciuato, aos aminoácidos
ou a outras pequenas moléculas, formando complexos de
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE baixo peso molecular, altamente tóxicos para as células.
Esses complexos, captados preferencialmente por tecidos
A partir do entendimento do processo de síntese do não-hematopoéticos, acabam por se depositar no fíga-
heme, tornou-se claro que as alterações nas enzimas eri- do, rins, coração, tecido endócrina e pele, determinando
rrocirárias, essenciais para a formação da protoporfirina lesões teciduais e comprometimento funcional desces ór-
IX, ou alterações em proteínas envolvidas no metabolis- gãos. Dessa maneira. podem ocorrer diabetes, insuficiência
mo do ferro prejudicam a produção normal do heme e hepática. cardíaca ou renal e, nas crianças, o crescimento e
constituem o mecanismo eriopatogênico em alguns ti- o desenvolvimento sexual podem estar comprometidos.
pos de anemia sideroblásrica. Em outras situações, entre-
ramo, esse mecanismo ainda permanece desconhecido.
As anemias sideroblásticas podem ser hereditárias, O LABORATÓRIO NO DI AGNÓSTICO
com alterações genéticas hererogêneas ou adquiridas, DAS AN EMIAS SID EROBLÁSTICAS
reversíveis ou não.
As formas hereditárias apresentam padrão de heran- A propedêutica laboratorial nas anemias sideroblás-
ça autossômico, ligado ao cromossoma X ou associado rica é vasta e envolve desde análises séricas até biópsia
a defeiros congêniros esporádicos. de tecidos.
As formas adquiridas podem ser associadas à deficiên- A chave para o diagnóstico é a presença na medula
cia de piridoxina (vitamina B6) ou idiopáticas e determina- óssea de sideroblastos em anel numa proporção superior
das por uma disfunção clonai na stem ce/1 pluripotente. a 15% dos eritroblastos e detectados pela coloração com
As anemias sideroblásticas reversíveis são aquelas se- azul da Prússia. Morfologicamente, os sideroblastos são
cundárias a drogas que prejudicam a síntese do heme observados em estágios mais tardios de maturação dos
ou alteram o metabolismo mirocondrial do ferro. O erirroblastos nas anemias sideroblásticas congên itas. ao
chumbo, por exem plo. ini be as enzimas que participam passo que nas formas adquiridas eles ocorrem em todos
da síntese do heme e a isoniazida produz anemia pela os estágios de maturação dessas células.
depleção do co-fator piridoxina. Têm sido relatados,
também, casos de anem1a sideroblásrica associadas ao
uso de cloranfen icol ou álcool. O depósito de ferro e a eritropoese
Independentemente de serem genéricas ou adquiri-
das, todas as formas de anemia sideroblástica levam ao Embora a sobrecarga de ferro seja demonstrada pelo
acúmulo de ferro nos precursores eritróides, determi- aumento na dosagem do ferro sérico, na saturação de
nando formação dos sideroblastos em anel. transferrina, na dosagem da ferririna ou pela ressonância
Acredita-se que quatro fatores participem na patogê- magnética hepática. renal ou cardíaca, a biópsia hepática é
nese do acúmulo de ferro mirocondrial: 1) o ferro intra- considerada o mérodo mais sensível para esta análise, além
celular é direcionado principalmente para a mirocôndria; de proporcionar dados para determinação do prognóstico,
2) o ferro não pode ser utilizado pela falta de proropor- ao demonstrar o grau de agressão hepática e/ou cirrose.
firina IX; 3) há falta de heme para agir como mecanismo A despeito do excesso de ferro, a hemoglobinização
regulador de feedback negativo na captação de ferro; 4) é deficiente, pelo defeito na síntese da molécula heme,

Investigação laboratorial do paciente com anemia microcítica 273


CONSIDERAÇÕES FINAIS
e contribui para o fenômeno de eriuopoese ineficaz.
Observa-se hiperplasia eritróide na medula óssea, mas
ocorrem anemia e reticulociropenia. O estudo da cinética do ferro é imprescindível na
Na anem1a sideroblástica hereditária ligada ao cro- investigação das anemias hípocrômicas e microcícicas.
mossoma X, o nível de proroporfirina eritrocítica livre A anemia de doença crónica, abordada no capítulo 25,
(PEL) escá diminuído e reflete a diminuição na produção pode apresentar-se com VCM e HCM subnormais, por
de procoporfinna conseqüente ao déficit na at1v1dade da isso deve integrar o elenco das anemias que se benefi-
enzima ALAS. ciam da cinética do ferro para diagnóstico diferencial,
além das anemias ferropriva, talassêmicas e sideroblásci-
cas. como mostra a Tabela 24.10.
A captação e o tra nsporte do ferro Com base nos objetivos propostos para este capítu-
lo, sugere-se a utilização do fluxograma a seguir pa ra a in-
A captação de ferro pela célula eritróide não está al- vestigação laboratorial do paciente portador de anemia
terada na vigência de diminuição da síntese do heme, microcítica (Figura 24.1).
levando ao acúmulo de ferro no interior da célula. O fer-
ro também continua a ser transportado normalmente
para a mitocôndria, onde ele se deposita sob a forma de
ferritina. produzindo os sideroblastos em anel.

O ferro hemoglobínico e a microcitose

O denominador comum em todos os tipos de ane-


mia sideroblástica é a alteração na síntese do heme nos
precursores eritróides, prejudicando a produção de he-
moglobina e levando à formação de hemácias hipocrô-
micas e microcít1cas ou com formas anómalas.
À análise do sangue penférico. observa-se diminuição
dos níve1s de hemoglobina, anisocitose, aumento do RDW
e poiquilocicose. Podem ser encontrados, a1nda, sideróci-
tos (hemácias hipocrômicas com depósi to de ferro, os cor-
púsculos de Pappenheimer). A contagem de reticulóciws Figura 24.1 - Fluxograma paramvesngação dasanem1as m1crocíncas.
está diminuída e reflete a eritropoese ineficaz. Leucócitos
e plaquetas são normais, mas podem estar diminuídos na
presença de esplenomegalia (hiperesplenismo).

Tabela 24.10- DiagnóstiCOd1ferenC1al das anemias microcíticas hipocrômicas. de acordo com a cinénca do ferro

Anemio ferroprivo Anemio de doença crônico Talassem ias Anemia sideroblástica


Fe sérico .!. .!. normal i
CTLF i .!. normal normal

1ST ,J, normal normal normal

Feml1na ,J, norf11al ou i normal ou i i

274 Medicina laboratorial para o clínico


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Investigação laboratorial do pacienre com anem ia microcítica 275


Rachel Aparecida Ferreira Fernandes
Camila Silva Peres Cancela
25 Paulo do Vai Rezende
Rosa Ma/ena Delbone de Faria

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM
ANEMIA NORMOCÍTICA

As anemias normocíticas constituem um grupo ca- na medula óssea, no baço ou no fígado. A sobrevivência da
racterizado pela presença de hemácias com VCM den- hemácia, por este período, depende tanto da garantia da
tro dos limites de referência. específicos para cada faixa sua atividade metabólica. a despeito da ausência de núcleo,
etária. No que diz respeiro à fisiopatologia, podem ser quanto da sua capacidade de deformabilidade e resistência
secundárias ao aumento da destruição das hemácias. a ao passar por capilares sinusóides com diâmetros inferiores
sangramentos agudos ou à diminuição da eritropoese. ao seu ou por microambientes com diferentes osmolarida-
É im portante lembrar que, como o VCM reflete a des. A integridade da escrucura da membrana celular e a so-
média do volume das hemácias, em alguns casos de ane- lubilidade do conteúdo citoplasmático consticuem os prin-
mias caracteristicamente microcíticas ou macrocíticas cipais determinantes da maleabilidade dos eritrócitos. Assim.
esse índice pode estar normal, tão somente por se tratar qualquer alteração na atividade enzimática dos eriuócitos
de quadro inicial com número ainda reduzido de células ou na sua maleabilidade, especialmente devido a defeitos na
morfologicamente alteradas. Portanto, para o diagnósti- estrutura da membrana ou na solubilidade do seu conteúdo
co diferencial, o contexto clínico deve ser rigorosamente citoplasmático, culmina na sua morte precoce.
considerado na orientação da propedêutica laboratorial
mais apropriada para cada caso.
Discutir-se-ão neste capítulo as anemias hemolíticas ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA (EH)
por defeitos intrínsecos do eriuóciro e as anemias por
déficit de eritropoese associadas às doenças crônicas e A EH corresponde, dentro do grupo de anemias he-
à insuficiência renal. As anemias hemolíticas por defeiros molíticas. por defeitos na estrutura da membrana celular.
extrínsecos do eriuócito e a anemia aplástica serão abor- a mais prevalente, com freqüência estimada em 1/1.000
dadas no capítulo 26. a 2.500 nascidos vivos entre os descendentes do norte
europeu. Caracteriza-se por hemácias morfologicamen-
te esféricas e asmaticamente frágeis.
ANEMIAS HEMOLÍTICAS POR
DEFEITOS INTRÍNSECOS DO ERITRÓCITO
Estrutura da m e mbrana eritrocitária
Após a liberação da medula, os eritrócitos vivem cerca
de 90 a 120 dias até serem removidos da circulação sanguí- Embora represente apenas 1% do peso total do eri-
nea pelos macrófagos do sistema mononuclear fagocitário uócito. sua membrana desempenha importante papel na
preservação da ln[egridade celular, par[icipando de várias I Gltcof01ino A 1
funções metabólicas, tais como a resposta à emropoetina, a Especlnno-Anquiuno-Bondo3
tnii!IDÇDO
captação da molécula de ferro essencial à síntese de hemo-
globina. a retenção de componentes vitaiS, como o fosfaco
orgânico. a remoção de decriros metabólicos e a garantia
da capacidade de deformabilidade celular, além de manter
a superfície da célula "escorregadia", evitando sua aderência
ao endmélio e subseqüente obstrução da microcirculação.
É consticuída por lipídios. proceínas e apenas uma
pequena proporção de carboidracos. Os ltpídtos corres-
pondem a cerca de 50% do peso da membrana celular
e estão estruturados em uma dupla camada de fosfo lipí-
dios. onde se intercalam glicolipídios e colesterol.
Pelo menos uma dúzia de proceínas maiores e centenas
de proteínas menores fazem pane da membrana erirroci-
rária e podem ser classificadas em integrais e periféricas. Figura 25.1 - Representação esquemáttca da estrutura da mem-
As proceínas integrais são aquelas que atravessam coda brana emromária.
a dupla camada de lipídios (glicoforinas e banda 3), en-
quanto as proceínas periféricas (especcnna, anquirina, rro- Em microambiences físico ou qu1m1camente agressi-
pomiosina, fi lamentos curtos de accina, aducina, proceínas vos às hemácias, esse desequilíbno entre o componente
4.1, 4.2 e p55) interagem com as proceínas integrais e com lipídico e procéico da membrana cicoplasmárica leva à
os lipídios na superfície da membrana, mas não penecram formação, em sua superfície externa, de vesículas que se
a camada bd1pídica. Figura 25.1. As proceínas periféricas desprendem causando dimin uição da relação área de su-
formam, na face cicoplasmárica da membrana celular. o perfície/volume celular. Assim, o eritrócico assume forma
cicoesqueleco, que constitui o principal determinante da mats esférica, denominada esferócito.
elasticidade e estabilidade morfológica da hemácia. O baço é o exemplo mais clássico de ambiente hostil
Quanto à permeabilidade, normalmente a membra- às hemácias e pnncipal local de formação do esferóciro.
na é impermeável aos cárions e alramence permeável aos Neste órgão, o diâmetro e stnuosidade dos vasos esplê-
ânions e água. Uma importante característica das mem- nicos associados ao baixo pH, às altas concentrações de
branas normais é a capacidade de mancer consrance o radicais livres tóxicos produzidos pelo carabolismo dos
volume emrocirário. mesmo em ambientes osmonca- fagóciros e aos baixos níveis de glicose e ATP contri buem
menre inóspiros, por meio da troca de ân1ons e água para a perda de membrana ericrocitária, cujo processo
através de canais específicos. ocorre vagarosamente. A cada passagem pelo baço, a
hemácia sofre graus variáveis de lesão até que é retirada
da circulação pelos fagóciros. A velocidade e tntenstdade
Etiopatogenia das lesões celulares podem aumencar em derermtnadas
condições biológicas, como, por exemplo. nas tnfecções.
Na EH, o defeico celular primário é a perda de área Em aproximadamente 75% dos pacientes, o padrão
da superfície de membrana em relação ao volume, le- de herança da doença é aurossômico domtnance, mas
vando à alteração morfológica, em esfera, caracterizada raramente pode ser não-dominante ou representar mu-
por diminuição na capacidade de deformação da célula tações de novo.
e conseqüente redução na sua sobrevida. O defeito molecular básico é heterogêneo e envolve,
A EH pode decorrer de uma deficiência ou disfun- principalmente, mutações nos genes da bera especrrina,
ção, única ou combinada, das proceínas da membra na anquiri na, banda 3 ou da proteína 4.2.
plasmática, sem simultâneo comprometimenco primário Em cerca de 60% dos casos de EH, as anormalidades
dos componences hpíd1cos. bioquímicas correspondem à deficiência de especrrina,

278 [ Medicina laboratorial para o clínico


isolada ou associada à deficiência de anquirina. Nesses são medular, mais comumeme o parvovírus B19. Po-
pacientes, o grau de instabilidade da dupla camada li- dem causar quadros muico graves de anemia. As cri-
pídica. bem como da fragilidade osmótica da célula, é ses megaloblást1cas devem-se à deficiência de folaro
proporcional ao grau de deficiência da especuina. Ra ros secundária ao aumento de demanda, pela hiperplasia
casos de duplo dominante, especialmente de banda 3 e erirróide medular, sem correspondente aumento na
espectrina, evoluem com hemólise muito grave e resul- oferta. É mais comu m em pacientes grávidas ou que
tam em morte fetal ou no período neonatal. não fazem uso de áCido fólico suplementar.

Manifestações clínicas O laboratório no diagnóstico da


esferocitose hereditária
As manifestações clínicas da EH podem ocorrer em
qualquer época da vida e apresentam gravidade exrre- Além das alterações hematológicas específicas da EH,
mamente variável. desde ausência de sintomas até in- é imporranre lembrar que, em graus vanáve1s, pode-se
compatibilidade com a vida. observar, ainda, aumento de bilirrubina indireta, aumen-
A esferocirose típica é caracterizada pela história to da desidrogenase láctica e diminuição da hapcoglobi-
fam iliar positiva e evidência de hemólise, reticulocicose, na, refletindo elevação da destruição de eritrócitos.
esplenomegalia e icterícia. A maioria dos pacientes cem
hemólise incompletamente compensada, com anemia
O hemograma e a contagem de reticulócitos
leve a moderada. Só uma pequena proporção de pa-
cientes apresenta anemia grave. Nestes, as manifestações A característica fundamental da EH é a presença de
clínicas incluem as complicações da anemia crónica não numerosos esferócitos no esfregaço de sangue periférico,
compensada. tais como retardo de crescimento, arraso embora não sejam pacognomônicos e possam estar pre-
da maturação sexual, úlceras de membros inferiores ou sentes, também, nas anemias hemolíticas imunes.
expansão medular com deformidades ósseas, principal- Os valores de hemoglobina são extremamente variá-
mente de face. A icterícia é observada em cerca de 50% veis e a concentração de hemoglobina corpuscular média
dos pacientes, em pelo menos um episódio durante a está aumentada (entre 35 e 38%) em cerca de 50% dos
vida, e é ma1s Intensa em infecções virótlcas. No perío- pacientes. A contagem de rericulócicos está elevada.
do neonaral. ela pode ser muito grave, sendo necessá- O RDW pode estar aumentado em decorrência
rio o diagnóstico diferencial com anem1a hemolítica do do aumento de hemácias jovens circulantes, porém
recém-nascido. em níveis inferiores aos observados na anemia falcifor-
A hemólise crónica, com icterícia persistente, pre- me. Na vigênc1a de crises, aplásrica e megaloblásrica, a
dispõe à formação de cálculos biliares, sendo esta uma contagem de rericulócicos diminui e o grau de anemia
complicação comum da esferocicose, especialmente em se agrava.
adolescentes e adultos.
A esplenomegalia é detectável em torno de 50% das
A curva de fragilidade osmótica
cnanças e em 75 a 90% dos adultos. Raramente é extensa.
Durante a evolução da doença, poderão ocorrer t o exame mais útil para o diagnóstico. Consiste em
crises periódicas que agravam o quadro clínico basal. submeter hemácias a soluções salinas progressivamente
São as denominadas crises hemolíticas, aplásricas ou mais hiporônicas. Esse reste é capaz de evidenciar alte-
megaloblásricas. As crises hemolíticas são comuns em rações da superfície do eriuócico, pois, devido à menor
crianças e cursam com piora da anemia e da icterícia, relação superfície/volume, as células alteradas são lisadas
além do aumento do grau de esplenomegalia e da em soluções de osmolaridade mais baixa (Figura 25.2).
contagem de rericulócicos. Estão tipicamente associa- Na vigência de curva de fragilidade osmótica normal, o
das a infecções viróricas. As crises aplásricas ocorrem exame aumenta sua sensibilidade, incubando a amostra
depois de processos infecciosos que induzem supres- por 24 horas (Figura 25.3).

Investigação laboratorial do pacienre com anemia normocírica 279


100
--- ---
90 -- '\ \
Faixo normalizado
Paciente
80 \
\ Contro le
\
\
70 \
\
\
\
60
-~ ''
7õ ''
E
C1>
50 ''
I
''
~ 40 --- --- \
\

30 ''
''
20 ''
''
10 ''
''
''
o '
0,10 0,20 0,30 0 ,35 0,40 0,45 0,50 0 ,55 0,60 0,65 0,75 0,85
% NaCI

Figura 25.2 -Curva de fragilidade osmócica, com desv1o rípico para à direica, em paoence com Esferocicose hered1cária.

EN ZIMOPATIAS ERITROCITÁRIAS
O teste de fragilidade osmótica com resultado den-
tro da normalidade não exclui o diagnóstico de EH e A hemácia mad ura apresenta metabolismo bastante
pode ocorrer em 10 a 20% dos casos. O teste pode ser peculiar, em função da ausência de núcleo e de organe-
negativo na associação com anemia ferropriva e na fase las citOplasmáticas essenciais para a síntese lipíd 1ca, pro-
de recuperação da crise aplá'>LiLé!, quando o número de céica e fosforilaçào oxidaciva. Assim, a energia necessária
hemácias jovens, ainda sem perda de membrana, está para a manutenção da capacidade redutora celular e do
aumentado. funcionamento da bomba de sódio -pocássio, que asse-
No período neonatal, o diagnóstico é dificultado pela guram a integridade desta célula, especialmente quando
presença da hemoglobina fetal, que torna as hemácias submetida a escresse oxidacivo, provém exclusivamente
mais resistentes à lise osmótica. Nessa fase, o diagnóstico do metabolismo da glicose citoplasmática.
poderá ser feico pelo estudo do sangue dos pais. Qualquer deficiência, quali tativa ou quantitativa, nas
Casos de difícil diagnóstico podem ser investigados enzimas envolvidas no ciclo metabólico da glicose eritro-
por testes adicionais. como análise das proreínas de citária pode levar à morte celula r precoce, causando ane-
membrana, quantificação das proceínas de membrana mia hemolítica com espectro cl ínico variado. Dentre as
ou determi nação do defeito molecular pelo estudo da alterações enzimáticas, a deficiência de glicose-6-fosfaco-
mutação. desidrogenase (G6 PD) constitui a mais comum, seguida
da deficiência de piruvatoquinase (PK).
O estudo molecular

O estudo molecular para detecção do gene envol- Defeito molecular e patologia celular
vido no processo patogênico celular é muito raramen-
te indicado no diagnóstico da EH e não tem aplicação A glicose é capeada pela hemácia através de carre-
na prática clínica. Estudos moleculares têm mostrado adores de membrana, independentemente da ação da
que achados morfológicos específicos estão associados insulina, e seu metabo lismo se dá por duas vias meta bó-
a determinados defeitos de proceínas, entretanto, ainda licas distintas, como está esquematicamente representa-
restringem-se a estudos científicos. do na Figura 25.4.

280 [ Medicin a laboratorial para o clín ico


100

90 Faixo normalizado
Paciente
80
Controle
70
Curva pré-incubação
Q) 60
':(5"'
E 50
Q)
I
~ 40

30

20

10

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0, 10 0,20 0,30 0 ,35 0,40 0 ,45 0 ,50 0,55 0 ,60 0,65 0 ,75 0 ,85
% NaCI
100

90
------ Fa ixo normalizada
Paciente
80 .... ....
.... .... Controle
'I
70 I
I
I
I
Curva pós-incubação
Q) 60 I
.~ I
':(5 I
E
Q)
50
I
~ 40

30 ''
' ' ....
20 ''
''
10 ' ' ... __
'
'
o --
0,10 0,20 0,30 0,35 0,40 0, 45 0,50 0,55 0,60 0,65 0,75 0,85
% NoCI

Figura 25.3- Curva de frag1hdade osmótica, de um mesmo paCieme, ames e após 1ncubação.

Em condições fisiológicas, a via glicolítica de Emb- Uma segunda via para o metabolismo da glicose ce-
den-Meyerhoff (anaeróbica) é responsável por aproxi - lular é a via das pentoses ou aeróbica. Embora em con-
madamente 90% d o metabolismo da glicose eriuocitária dições fisiológicas esta via contribua com cerca de W%
e determina a produção de adenosina-uifosfaro (ATP) do metabolismo da glicose erirrocitária, em vigência de
através da conversão de glicose em ptruvaro. Várias en- est resse oxidativo (infecções, drogas), ela sofre mais ati-
zimas participam dessa via e qualquer defe1ro em algu- vação e responde por até 90% da glicó lise celular. Nessa
ma delas apresenta potencial de hemólise, podendo ser, via metabólica, a enzima G6 PD converte a glicose eritro -
ou não, clinicamente significativa. A enzimopatia mais citária em nicorinamida adenma dinucleotídeo fosfato
comum dessa via é a deficiência de PK, seguida da de- (NADP) e na sua forma reduz1da (NADPH). Além de
ficiência de glicose-fosfaw-isomerase (GPI), ambas com participar de reações celulares para a produção energéti-
padrão de herança aurossômica recessiva. ca, a NADP e NADPH participam como co-faror na re-

Investigação laboratoria l do paciente com anemia normocítica 281


dução do glurarion (GSH), de fundamental importância X (hemizigoros). Nas mulheres, a deficiência enzimática
na proceção do eritróciro contra lesões oxidativas e na dependeria da ocorrência de mãe portadora e pai afeta-
preservação de grupos sulfidrilas. do. A deficiência de G6 PD apresenta prevalência aumen-
tada nas regiões da África e Ásia tropicais, Mediterrâneo
e Oriente Médio, acometendo mais de 200 milhões de
Via d e
Embden-Meyerholf. Via dos Pentoses
pessoas em wdo o mundo. No Brasil, a doença acomete
ou onoeróbica ou oeróbia cerca de 2 a 10% da população, com mais incidência em
negros, pardos e descendentes de povos do Mediterrâ-
GPI ..._)
neo. Mais de 300 variantes da enzima já foram descritas.
As mais comuns são denominadas G6 PD A , A+ e s- (ou
mediterrânea), sendo esta última usualmente associada
a manifestações clínicas mais importantes.

Manifestações clínicas

A grande maioria dos pacientes com eritroenzimo-


patias é assintomática. Na eventualidade de manifes-
tações clínicas, elas estarão sempre ligadas à hemólise.
Deficiências enzimáticas na via Embden-Meyerhof (ex:
deficiência de PK) causam esgocamento energético
precoce e destruição celular, mesmo na ausência de es-
rresse oxidacivo. Entretanro, por serem bem mais raras
que as deficiências enzimáticas da via aeróbica, ap re-
sentam menos importância clínica. Por outro lado, as
G6PD. glicose 6 fosfam desidrogenase: GPI. glicofosfato isomerase; PK, piruvatoqui-
nase; \JADP, ntcot~namida ademna dtnucleotídeo fosfam: NADPH, mcocinamida enzimopatias da via das pentoses, além de serem mais
adentna dtnucleotídeo fosfato {forma reduZida): GSH, glutation; GSSG, glumion prevalentes, apresentam manifestações clínicas mais fre-
(forma reduztda); ATP, adenostna tnfosfato.
qüentemente. A deficiência de G6 PD destaca-se entre
Figura 25.4 - Fluxograma simplif1cado do metabolismo da glicose
na hemáoa. essas enzimopacias, por sua elevada prevalência, e pode
manifestar-se com formas clínicas distintas, incl uindo a
forma hemolítica clássica, icterícia neonacal ou forma
A G6 PD está presente no citoplasma da maioria das hemolítica crônica.
células somáticas. Entretanto, sua carência nas hemá- A forma hemolítica clássica caracteriza-se por crises
cias apresenta impacro mais evidente do que em ou- de hemólise aguda e, em geral, o paciente apresenta-se
eras células, pois em situações de sobrecarga oxida tiva, em situação de equilíbrio, sem alterações cl ínicas signifi-
o consumo de glucation das hemácias, sem adequada cativas. Todavia, qualquer esu esse oxidacivo desencadea-
reposição secundária à sua incapacidade de síntese, pro- do por processos infecciosos ou agentes oxidantes natu-
voca rápida exaustão das reservas citoplasmáticas, com rais ou artificiais (Tabela 25.1) poderá provocar hemólise.
subseqüente lesão irreversível da membrana celular e O grau de hemólise está associado à variante enzimática
hemólise precoce. deficiente e ao tipo de "agressor" envolvido. Entre 24 e
O gene que codifica a G6 PD localiza-se na região 48 horas do início do processo, pode haver elevação de
celomérica do braço longo do cromossoma X, o que temperatura, fadiga muscular, mal-estar gerai, dor abdo-
impl ica um padrão de herança mendeliana ligada ao X. minal ou lombar, náuseas, diarréia e hematúria. Ao exa-
Assim, os homens apresentam mais chances de apresen- me físico, o paciente pode apresentar-se pálido, iccérico,
tar manifestações clínicas da doença quando herdam o com heparoespleno megalia e distensão abdominal. De-
gene, uma vez que possuem somente um cromossoma pendendo da intensidade da anemia, pode-se observar

282 Medicina laboratorial para o clínico


comprometimento hemodinâmico (taquicardia, hi po- da ocorrência de infecções congénitas ou adquiridas ou
tensão e até choque). Usualmeme, as crises hemolíticas de comam com medicações, quando o recém-nascido
são aurolimitadas, com resolução completa e de forma pode apresentar quadro mais grave de anemia.
espomânea em cerca de sete dias. A normalização dos Um pequeno grupo de pacientes apresenta algum
níveis de hemoglobina varia entre três e seis semanas, grau de hemólise crônica. mesmo em siruação de equi-
conforme o grau de destruição das hemácias. líbrio (sem o estresse oxidativo). Acredita-se que, apesar
de haver função enzimática preseme, exista oxidação
Tabela 25.1 - Drogas que devem ser evitadas na deficiên-
cia de G6 PD contínua de grupos sulfidrila. com lesão da membrana
eritrocitária e hemólise extravascular. O paciente apre-
Antimaláricos Analgésicos senta anemia crônica. reticulocitose. icterícia e espleno-
megalia de intensidades variáveis.
Primoquino 1 Acido ocetilsolicilico4
Pomoquino Acetofenetidino
Cloroquina2

Sulfonamidas e sulfonas Anti-helminticos O laboratório no diagnóstico das


enzimopatias eritrocitárias
Sulfonilomide Beto·noftol
Sulfopiridine Stibofen
Sulfodimidine N iridozol
A hipótese diagnóstica das eritroenzimopatias nor-
Sulfocetomide
Sulfosolozino malmente é formulada após confrontar-se com um qua-
Sulfixosozo lo dro clínico suspeico de anemia hemolítica. com elevação
Dopsono 3
Sulfoxo ne
da dosagem sérica de desidrogenase láctea, hiperbilirru-
G lucosulfono sódico binemia com predomínio de bilirrubina indireta e redu-
Septrin (G iibenclomido)
ção de haptoglobina, entretanto. a confirmação diag-
Outros antibacterianos Miscelânea nóstica é realizada por avaliação laboratorial da atividade
Nitrofurontoino Anologos do vitamino K5 enzimática específica.
Furozolidono Naftalina
N itrofurozono Pro benecide
Acido nolidíxico Dimercoprol O hemograma e a contagem de reticulócitos
Cloronfenicol Azul de metileno
Acido porominosolicílico Arsino Na ausência de outras doenças hemacológicas asso-
Ciprofloxocin Azul de toluidino
M e pocrine ciadas, o hemograma constata a presença de anemia nor-
Henno mocítica e normocrômica, de intensidade extremamente
variada, com níveis de hemoglobina de até 2.5 g/dl.
1Doses reduzidas podem ser adm1n1stradas sob superv1são. se necessáno
2 À hematoscopia, pode-se observar anisocicose, poi-
Pode ser adm1n1suada sob superv1são para profllax1a ou tratamento de Malána
3Pode provocar hemóltse em Indivíduos saudáveiS.emaltas doses quilocitose com células denteadas, esquizócicos, poli-
4
Paraceramol é uma alrerna(lva segura cromatofil ia e corpúsculos de Heinz (precipitados de
>Menad1ol 01 mg por v1a parenteral pode ser utilizado com segurança para pro·
filax1a da doença hemorrágica do recém-nasodo. hemoglobi na desnaturada). A série granulocítica ge-
Mod1ficado de WHO WorkingGroup: Glucose 6-phosphare dehydrogenase ralmente apresenta-se normal ou elevada, mas com
denciency. Buli WHO 1989;67:601. infecções pode ocorrer leucocicose com desvio para a
esquerda e granulações tóxicas. A contagem plaquetária
A icterícia neonaral constirui uma forma clínica me- é geralmente normal.
nos comum. Pode apresentar-se como icterícia fisiológica Os pacientes apresentam reticulocicose variável. com
mais intensa ou mais prolongada. Raramente observa-se valores que podem chegar a 30% ou mais.
aumento de bilirrubina ao nascimento. A manifestação
inicial ocorre emre o segundo e terceiros dias de vida e
Avaliação da atividade enzimática
pode haver elevação acentuada dos níveis de bilirrubi-
na, com risco de kernicterus. A icterícia, geralmente, é A avaliação da atividade enzimática pode ser realiza-
mais significativa que a anemia, exceto na eventualidade da direta ou indiretamente. A forma indireta consiste na

Investigação laboratorial do paciente com anemia normocítica 283


medida da concentração de metabóliros intermediários HbD. HbC e as inrerações com ralassemias. As síndro-
das vias de glicólise, utilizando o raciocínio de que o blo- mes falciformes incluem a~nda o rraço falciforme (HbAS)
queio enzimático em um pomo da via do metabolismo e a anemia falciforme associada à perSIStência de hemo-
da glicose gera aumemo da concemração da substância globina fetal (HbF).
imediatameme amerior à enzima afetada e redução do A anemia falciforme (HbSS) é a doença hereditária
componeme imediatamente seguime. No caso da defi- mais comum no Brasil. Decorre de uma mutação no gene
ciência de G6 PD, pode-se observar a diminuição de for- que codif1ca a cade1a beta-globina, localizado no braço
mação de NADPH por espectoforometria. Emretamo, curto do cromossoma 11. gerando a hemoglobina S
o diagnóstico de certeza da enzimoparia será realizado (HbS), em substituição à hemoglobina A (HbA) normal. A
após a dosagem enzimática específica. HbS teve sua origem no comineme africano e sua intro-
O espectro da faixa de normalidade para as enzimas dução no Brasil remete ao período da imigração forçada
da via anaeróbica é grande, mas a maioria dos indivídu- de negros, durante a escravidão. Embora a sua real ino -
os homozigotos apresema valores de atividade inferio- dênoa não seja conhec1da, estima-se que ela varie entre 3
res a 25%. e 8% da população brasileira, conforme a intensidade do
Na via aeróbica, os testes mais comuns para avaliar fluxo da população negra em cada região do país.
a deficiência de G6 PD são os semiquamitativos de re-
dução da metemoglobina. mérodos de fluorescência e
colorimétricos. Fisiopatologia
Alguns cuidados devem ser tomados na avaliação
clínico-laboratorial das eritroenzimopatias. Sabe-se que Na anemia falciforme, a mutação no cromossoma
a atividade enzimática nos granulócitos e nos retlculó- 11 determina a codificação da valina em substituição
citos é maior que nas hemác1as maduras, desta forma, ao ácido glutâmico na posição 6 da cadeia beta-globina.
a exclusão dos granulócitos da amostra é essencial para Esta pequena modificação estrutural permite comatos
evitarem-se resultados falso-negativos que também po- intermoleculares. impossíveis na hemoglobina normal.
dem ocorrer se o teste for realizado durante ou logo que provocam a polimerização da HbS em gel viscoso,
após uma cnse hemolítica aguda, quando há aumento causando diminuição da capacidade de deformação do
da comagem reticulocitária. eritrócim e alterações da sua membrana celular. A poli-
Outra causa de equívoco, na dosagem da atividade merização da HbS, progressiva e proporcional ao grau de
enzimática específica, pode decorrer da sua realização hipóxia celular, altera a forma maleável da hemácia nor-
após transfusão de hemácias com adequada função en- mal, bicôncava, para a forma rígida de foice. Este proces-
zimática. determinando resultados normais em um indi- so, denominado falcização, pode ser revertido se houver
víduo doeme. restauração do aperte de oxigênio para a célu la, antes
Mais recemememe, com o avanço da Biologia Mole- que ocorra deformação permanente da sua membrana
cular, estudos genéticos podem ser utilizados na identifi- ciroplasmática.
cação de variantes da doença, bem como no estabeleci- A falcização das hemácias pode ser influenciada por
mento de perfis genocípicos regionais e familiares. alguns fatores, como grau de desidratação celular, por-
centagem dos t1pos de hemoglobina dentro dos eritró-
cims (HbA. HbS. HbC. HbF), tempo ao qual a célula é
ANEMIA FALCIFORME submetida à hipóx1a, alteração térmica e do equilíbrio
ácido- básico. A presença de outras hemoglobinas den-
O termo doença falciforme é genérico, usado para tro da célula 1nfluenoa a falcização, porque exerce efei-
determinar um grupo de alterações genéticas caracte- to de d1luição, diminuindo a oportunidade de contato
rizadas pelo predomínio da HbS nas hemácias. Essas al - encre as moléculas de HbS. A influência sobre a polime-
terações incluem a anemia falciforme (homozigose para rização da HbS varia com o tipo de hemoglobina não-S
HbS), as duplas heterozigoses, ou seja. as associações de que está presente dentro da célula. A hemoglobina que
HbS com outras variantes de hemoglobinas, tais como, menos participa do polímero é a HbF. Clinicamente, ní-

284 ( Medicina laboratorial para o clínico


Manifestações clínicas
veis elevados de HbF associam-se à menor gravidade
da doença. A desidratação celular favorece o processo
de falcização, uma vez que aumenta o comato inter- Uma característica marcante da anemia falciforme é
molecular de HbS conseqüente à elevação da concen- sua grande variabilidade clínica. Alguns pacientes apre-
tração de hemoglobina corpuscular média (CHCM). O sentam quadro grave e estão sujeims a inúmeras com-
processo de polimerização é proporcional ao período plicações e freqüenres hospitalizações, enquanto outros
de tempo de desoxigenação. Portamo, nas reg1ões têm evolução mais ben1gna. Tanto fatores hereditários
onde a circulação é mais lenta, como nos sinusóides quamo adquiridos contribuem para essa variabilidade
esplênicos. existe maior probabilidade de falcização das clínica. Níveis de HbF, concomitância de talassemia e
hemácias. Na presença de acidose, a afinidade da he- alteração genérica específica constituem fatores here-
moglobina pelo oxigênio é diminuída, causando deso- ditários associados à gravidade da doença. Entre os fa-
xigenação Intracelular. Assim, ocorre polimerização da tores adquiridos, a condição socioeconômica com con-
HbS e falcização do eritrócim. seqüentes variações nas qualidades de alimentação, de
A recorrência de episódios de falcização e desfalci- prevenção de infecções e de assistência médica tem sido
zação, independenrememe dos famres que os causa- considerada a principal determinante da evolução clíni-
ram, faz com que os ericrócims sofram alterações da ca da doença. As prinopais manifestações clínicas estão
membrana citoplasmática. Tais alterações constituem a listadas na Tabela 25.2.
principal razão para que os eritrócitos falciformes sejam
seqüestrados e prematuramente destruídos pelo sistema
mononuclear fagocitário, especialmente no baço. diante O laboratório no diagnóstico da anemia falciforme
de tecido esplênico viável.
O processo de deformação das hemácias por poli- No Brasil, até recememente o diagnóstico da anemia
merização da HbS leva à incapacidade de deformação falciforme era realizado pela eletroforese de hemoglobi-
das hemácias em locais de microcirculação sinuosa e na, apenas após a suspeita cl ínica em paciemes sintomá-
subseqüente obstrução do fluxo sangüíneo, com infar- ticos. A partir de 1998, foi instituída no estado de Minas
to e reação inflamatória do teodo afetado. A hemólise Gerais, de forma pioneira. a triagem neonatal para a do-
e o processo vaso-oclusivo, juntos, constituem as bases ença, permitindo o diagnóstico precoce ames de qual-
fisiopacológicas para as manifestações clínicas e compli- quer manifestação clínica. O diagnóstico pela triagem
cações da anemia falciforme. neonatal. utilizando técnicas de focal ização isoelétrica
da hemoglobina ou por cromatografia de alta resolução
no "teste do pezinho", vem apresentando 1mpacto posi-
Padrões da herança tivo na sobrevida e qualidade de vida dos doentes. em
função, sobretudo, do suporte terapêutico de suporte
A hemoglobina A (HbA) é codificada por genes ln- antiinfeccioso e da abordagem precoce e específica das
dependentes, com formação de duas cadeias alfa e duas inrercorrências.
beta, de forma que cada indivíduo passa para sua prole
um dos genes. Quando não há presença de hemoglo-
O hemograma e a contagem de reticulócitos
binopatia, encontram-se, normalmente, indivíduos com
HbAA. A transmissão do gene ocorre através de herança A anemia é normocítica e normocrômica, com ní-
aurossômica recessiva. O indivíduo é considerado doente, veis variáveis de hemoglobina. t comum verificar-se um
ao apresentar homozigose para o gene alterado (HbSS) e padrão 1ndividual de hemoglobina basal relativamente
portador do traço falciforme, se possui um gene normal estável. A microcitose pode estar relacionada à assoCia-
e um alterado {HbAS). Portamo, pais heterozigotos com ção com ferropenia ou talassemia. O esfregaço de sangue
traço falciforme (HbAS) têm probabilidade estatístiCa de periférico pode revelar achado de hemácias falciformes,
25% de conceberem filhos sem alteração genética, 50% poquilocitose, hemácias em alvo, corpúsculos de Howeii-
de heterozigotos e 25% com anemia falciforme. Jolly e eritroblastos. Leucocimse pode estar presente,

Investigação laboratorial do paciente com anemia normocítica 285


A eletroforese de hemoglobina e
mesmo na ausência de processos infecciosos ou crises
a focalização isoelétrica
álgtcas. A contagem plaquetária usualmente apresenta-se
elevada, com possibilidade de diminuição em sttuações A detecção efetiva das d tversas formas de doenças
de hiperesplenismo ou seqüesrro esplênico agudo. falciformes requer diagnóstico preciso, baseado princi-
A contagem de reticulóciros é geralmente aumenta- palmente na eletroforese, qualitativa e quantitativa. de
da, compatível com o quadro de hemólise e regeneração hemoglobina. A eleuoforese de hemoglobina é um mé-
medular. rodo que possibilita a identtficação dos diferentes tipos
de hemoglobina a partir de uma amostra de sangue peri-
Tabela 25.2 - Manifestações clínicas e laboratoriais asso- férico. Como o teste pode ser realizado tanto em recém -
ciadas à Anemia Falciforme nascidos como em adultos, deve-se ter em mente que
o padrão eletroforético normal é dtferente. conforme a
Manifestações relacionadas à hemólise
idade do paciente, devido à diferença no predomínio da
Polidez, icterícia, fraqueza, baixo peso, esplenomegolro (olé produção de cadeias de globina alfa, beta e gama (ver
os 4 anos de idodel. hepotomegolia e colelitíose (dor no
quadrante superior direito do abdome, náuseas, vómitos e capítulo 24).
pioro do icterícia) A técnica pode ser realizada em meio alcalino
Manifestações relacionadas a fenômeno vaso-oclusivo (pH 8,6), sobre acetaco de celulose, onde a amostra
é submetida a um campo elétrico. com distribuição
Ósseo Crise álgico com duração de 4 o 6 dias,
desencadeado por hipóxio, infecções. febre, das bandas relativas a cada tipo de hemoglobina, de
ocidose, desidratação, exposição ao frio, acordo com sua carga elétrica, e comparada a um
trauma e exaustão físico. Associo-se à febre,
prostração e sinais inflamatórios locais. Oste- modelo padrão conhecido. Pode ser necessário reali -
onecrose é complicação freqüente zar novo teste em meio ácido para diferenciar HbA2 e
Pulmonar Febre dor torácico toquipnéio, dispnéio HbC. que apresentam migração semelha nte em meio
hrpoxemio e rnfiltrodo rodiológrco pulmonar alcalino (Figura 25.5).

A-- ----
É multifotoriol e envolve mfecção, folcizoçõo
rntropulmonor e tromboembolismo de tecidos
necrólicos, caracterizando o síndrome toráci-
co agudo

---- -
Neurológico Alterações de consciência, déficits neuroló- F
gicos focais, convulsões, poresios, afasias,

- - --
confusão mentol ou cefoléio s
Peniano (seios P11opismo. associo-se o infecção, trauma,
cavernosos) abuso de álcool, uso de maconha ou otivido- A2/C -
de sexual +
AA AS ss S/Po s;p. AC se
Esplênico Atrofio esplênica, predisposição o infecções
tal tal AC
por bactérias encapsulados
Outros manifestações Figura 25.5 - Represemaçào esquemártca do padrão elerroforért-
co em pH alcalino. das prinCipais hemoglobinas encomradas em
Baço (olé Seqüeslro esplênico - aumento súbito do nossa população.
5 anos de baço com queda abrupto de hemoglobrno
idade) e aumento do contagem de reticulócitos.
Se não houver mtervenção em tempo hábil,
existe o risco de evolução poro choque hipo- A focalização isoelétrica também pode ser utili-
volêmico e óbito em algumas horas
zada e baseia-se na separação dos tipos d e hemoglo-
Medula Crise oplósrca, inibrção medular seletiva
óssea dos precursores eritrocíticos (porvovírus 819). bina, conforme seu ponw isoelétrico (p i), colocando
Polidez progressiva, fraqueza, quedo do a amostra em uma mistura contendo valores de pH
hemoglobina e da contagem de reticulócitos.
conhecidos, distribuídos em um gel. Assim, ao com-
Usualmente é transrtórro. com recuperação
medular em 5 o IO dias parar o padrão encontrado com os valo res conheci-
Outros Retinile, tubulopotios e glomerulopatios, úlce- dos de p i de cad a hemoglo bina, pode-se visualizar
órgãos ras crónicos de pele e insuficiência cardíaco cada banda correspondente ao término do exame
(Figura 25.6).

286 [ Medicina laboratorial para o clínico


A- -- --
------- deficiências de vitaminas. hiperesplenismo. hemólise auto-

s
A2
AA
-- --
RN RN RN RN RN RN RN
+
imune, disfunção renal. radioterapia e quimioterapia podem
agravar a anemia. A Figura 25.7 mostra. de forma esquemá-
tica, os eventos envolvidos na fisiopatogêse da ADC.

Tabela 25.3 - Causas subjacentes de Anemta de Doença


AA AS SS S/Po S/p. AC S/C Crónica
tal tal
Figura 25.6- Represemaçào esquemáttca do traçado elecroforén-
Prevalência
co de neonaros. por focalização isoelénica. Doenças Associadas
Estimada
O estudo molecular Infecções 18 - 95%
Virais (incluindo HIV)
Técnica de digestão com enzimas de resmçao ou Bacterianos
de seqüenciamento gênico em produtos do gene da Parasitários
Fúngicos
~-globtna obtidos por amplificação de DNA por reação
Cônce• 30- 77%
em cadeia da polimerase (PCR) possibilita a identificação Hemotológico
da mutação pontual no códon 6 do gene, responsável pela Tumores Sólidos
formação da HbS. Além de permitir o diagnóstico preciso Auto·imune 8 - 71%
da doença. as técnicas de biologia molecular permitem a Artrite reumatóide
lúpus eritematoso sistêmico
realização do diagnóstico no período incra-uterino a partir Vasculite
da oitava semana de gestação. utilizando-se células fetais Sorcoidose
Doença inflamatório intestinal
de vilosidades, e também têm tido grande aplicabilidade
Reje,çõo crôn•co após transplante oe 8 - 70%
clínica na confirmação diagnóstica da suspeita de assooa- órgão sólido
ção de doenças falciformes com a alfa talassemia.
Doença e inflamação renal crônico 23 - 50%

Fonte: We1ss & Goodnough. 200S.


ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA
Desregulação da homeostase do ferro
A anemia da doença crônica (ADC) é a segunda mais
prevalente depois da anemia causada pela deficiência de
ferro, exceco em recém-nascidos. Ocorre em pacientes Uma característica típica da ADC é o desenvolvimen-
com ativação imune aguda ou crônica, secundário a pro- to de distúrbios na homeostase do ferro, com aumemo
cessos inflamatórios e/ou infecciosos crônicos e neopla- da captação e retenção do ferro nas céluas do sistema
sias. Essa condição também tem sido conhecida como mononuclear fagocitário. Isso acarreta o desvio do ferro
anemta da inflamação. A Tabela 25.3 apresenta suas cau- da circulação para os depósicos e limita sua disponibilida-
sas mais freqüemes. de para as células precursoras eritróides e eritropoese.
O interferon-y (INF-y). o lipopolissacáride e o fator de
necrose tumoral (TNF-a ) aumentam a expressão da proteí-
FISIOPATOLOG IA na transportadora de metal divalente (DMT1), com aumen-
to na captação de ferro pelos macrófagos. Esses estímulos
Os mecantsmos que interferem na eritropoese da ADC inflamatórios também diminuem a expressão da ferrropor-
são multifatoriais e relacionam-se à doença sobrejacente, tina. proteína que atua na liberação do ferro, o que promo-
quer seja pela infiltração da medula óssea por células tu- ve a retenção do ferro no sistema mononuclear-fagocitário.
morats ou pela ação de microrganismos. como na infecção Além disso. as citocinas. como a interleucina-10 (IL-10). po-
pelo HIV e hepatite C. As células tumorats também podem dem induzir anemia através da estimulação da aq uisição de
produzir citocinas pró-inflamatórias e radicais livres que ferro mediada vta transferrina para os macrófagos e pela es-
danificam as células progenitoras eritróides. Sangramentos, timulação translacional da expressão da ferritina.

Investigação laboratorial do paciente com anemia normocítica 287


FÍGADO
Aumento da expressão
de hepcidlna

Inibição da
absorção do ferro

Inibe
'·, Ferroportina 1
.............. ----~
r "' .....
----.l Fe.. ------.,
..........
•,

Inibição de produção
de EPO

Figura 25.7- Representação esquemá[ica dos eventos envolvidos na ADC.

A hepcidina. prmeína de fase aguda ferro-regulada, com- que o interferon-y parece ser o inibidor mais potente. Os
posta de 25 aminoácidos, está envolvida na diminuição da mecanismos subjacentes envolvem indução de apoptose
absorção duodenal do ferro e no bloqueio da liberação de mediada por citocinas, inibição da expressão de recepto-
ferro pelos macrófagos. A hepcidina pode ter papel central res da erirropoetina nas células progenitoras, diminuição
na anemia da doença crónica. A expressão da hepcidina é da produção e atividade da erirropoetina e redução da
induzida pela ll-6 e lipopolissacáride e inibida pelo TNF-a. expressão de outros fatores hematopoéticos. Além disso,
as citocinas exercem efeito tóxico direto nas células pro-
genitoras, promovendo a formação de radicais livres lábeis
Proliferação diminuída semelhantes aos macrófagos do microambiente medular.
das células progenitoras eritróides

Em pacientes com anemia de doença crónica, a proli- Resposta diminuída à eritropoetina


feração e a diferenciação das células precursoras erirróides
estão prejudicadas devido aos efeitos inibitórios exercidos A erirropoetina regula centralmente a proliferação
pelo interferon-a, ~ e y, TNF-a e interleucina-1, sendo das células erirróides. Sua expressão relaciona-se inversa-

288 ( Medicina laboratorial para o clínico


mente com a oxigenação tecidual e com os níveis de he- nóstico diferencial entre anemia ferropriva e ADC e da so-
moglobina. A resposta à eritropoerina na ADC é inade- breposição de ambas é possível através do uso adequado do
quada para o grau de anemia na maioria das condições. laboratório, como mostram a Figura 25.8 e a Tabela 25.4.
As citocinas interleucina-1 e TNF-a inibem diretamente
a expressão da erit ropoetina in vitro.
A responsividade das células progenitoras eritróides à O estoque de fe rro e a eritropoese
eritropoetina parece estar relacionada inversamente com
a gravidade da doença crônica subjacente e com a quan- A ferritina é usada como marcador dos depÓSitoS
tidade de citocinas circulantes, uma vez que, na presença de ferro. Nível de ferritina de 30 ng/ml possui bom va-
de altas concentrações de interferon-y ou TNF-a . são lor predi tivo positivo para anemia ferropriva (92 a 98%).
necessárias quantidades de eritropoetina muito maiores Nos pacientes com ADC. entretanto, os níveis de ferritina
para restabelecer a formação de unidades formadoras de estão normais ou aumentados (maior que 100 ng/ml).
colônias eritróides. refletindo o aumento do estoque de ferro no sistema
mononuclear fagocitário. além do aumento na ferritina
devido à arivação imunológica do processo inflamatóno.
MANIFESTAÇÕES ClÍN ICAS O receptor solúvel da rransferrina (sTfR) é um frag-
mento de receptor de membrana, que se encontra au-
Não existem manifestações clínicas específicas da mentado na deficiência de ferro, nas anemias hemolíticas
ADC. De modo geral, os sintomas e sinais associados são e na policitemia e pode estar diminuído na anemia da IRC
bastante heterogéneos e devem-se. sobretudo, à doença e nas anemias aplásticas. O valor de referência varia de 1.3
de base. Incluem febre, emagrecimento, artralg1a. altera- a 3.3mg/L. Em contraste, os níveis de sTfR não estão Signi-
ções de pele e subcutâneo, hepatomegalia. esplenome- ficativamente diferentes do normal na ADC. A dosagem
galia e, nas crianças. pode ocorrer arraso do desenvolvi- do sTfR é útil na diferenciação entre ADC pura (com fer-
mento cognitivo ou "achatamento" na curva de ganho ri ti na normal ou alta e sTfR baixo) e ADC acompanhada
pondero-estacural. de deficiência de ferro (com ferritina entre 30 e ·100 ng/
A anemia é, na maioria dos casos. leve ou moderada ml e sTfR elevado). A razão entre sTFR e o logaritmo da
e causa graus variáveis de palidez. Diferentemente do que concentração sérica de ferritina (sTRF/IogFT) é < 1 para a
ocorre na anemia ferro priva, não são observadas alterações ADC e > 2 para ADC associada à deficiência de ferro.
relacionadas à ferropenia, tais como perversão do apetite. A dosagem de proroporfirina eritrocitária livre está ele-
queilose angular, alterações de unhas ou escleras azuladas. vada e reflete a impossibilidade de ligação do ferro à pro-
A realização de anamnese detalhada e de exame físi- toporfirina, na etapa fi nal da síntese da molécula heme.
co cuidadoso é essencial para orientação propedêutica A medida dos níveis de eritropoetina é útil apenas
e elucidação do diagnóstico da doença de base. pois a quando os níveis de hemoglobina estão aba1xo de 10 g/
rem1ssão da anemia dependerá do tratamento específi- dL, pois os níveis de eritropoetina permanecem dentro
co desta doença. dos limites normais para níveis de hemoglobina mais al-
tOS. Percebe-se despro porção entre os níveis de eritropo-
etina e hemoglobina.
O LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO
DA AN EMIA DE DOENÇA CRÕNICA
A captação e o transporte de ferro
A anemia é, comumente, normocrômica, normocítica
e hipoproliferativa, porém pode ser hipocrômica e micro- Embora o ferro corporal rotai esteja normal ou au-
cítica (VCM e HCM subnormais). Considerando-se que nas mentado em função do aprisionamento nos macrófa-
doenças crônicas a anemia pode refletir uma complicação gos. o ferro sérico está ligeiramente diminuído, devido
da própria doença ou estar associada ao seu tratamento. o principalmente ao aumento da hepcidina e diminuição
diagnóstico de ADC deve ser bastante criterioso. O diag- da ferroportina, induzido pela resposta inflamatória.

Investigação laboratorial do paciente com anemia normocitica 289


Evidências clínicos e
bioquímicos de inflamação

Saturação de
tronslerrino < 16%

Determinar receptor
solúvel de tronslerrino

Anemio lerropivo Anemia de doença crõnica Anem io de


com deficiência de ferro doença crônico

Figura 25.8 - Fluxograma para d1acnóstico diferenoal entre anem1a de doença crónica. anemia ferropnva e sobrepostção de ambas.

Tabela 25.4 - Marcadores laborarona1s que d tferenoam a A capaCidade de ligação do ferro (CTLF) é um exa-
Anem1a de Doença Crôntca da Anem1a Ferropnva me tmporrante para o diagnósnco dtferenoal com a
anemia ferropriva, pois na AOC apresenta-se dtminu-
Anemia ída. Assim. o índice de saruração de uansfernna (1ST).
Anemia Ambas as
Variável da Doença
Ferropriva condições calculado a partir do resultado da dosagem do ferro
Crônica
sérico e da CTLF, esrá geralmente normal ou dtscreta-
Ferro Reduzido Reduzido Reduztdo
mente diminuído.
Tro'15fer~ no Red~z,do c Aumentado Reouz1do
No1mol
Saturação do Reduzido Reduzido Reduzido O hemograma e a co ntagem de reticul ócitos
Tronsfemno
Fentttno Normal o Reduzido Reduztdo o
Aumentado N o1mol A ADC geralmente intcia-se durante os pnmeiros
Receptor Solúvel Norma Aumentado Normal o meses da doença de ba~e - A anemit~ É' geralmente
do Tronsferrno Aumentado branda (hemoglobina de 9.5 mg/dL) a moderada (he-
Rozo· do Recer·o1 Bo·~o 1<11 Alto{>2) Aro{>2l moglobtna de 8mg/dl). As hemáoas são normocrômt-
Sou-.~1 ao
Tron5fer~ino pe o
cas e normocíticas, raramente hipocrômicas e micro-
log Femtino cíttas e, o RDW freqüentemente é normal, mas pode
Níveis de Aumentados Normais Aumentados estar um pouco elevado.
Citocmos Acontagem absoluta de reticulóocos é baixa (<25.000/
f..IL), reflexo da produção dimtnuída de eritrómos.

290 [ Medicina laboratorial para o clínico )--


ANEMIA DA INSUFICIÊNCIA RENAL ocorre diminuição dos níveis de tranferrina e liberação
de cirocinas inflamatórias. que atuam prejudicando a
A anemia está presente na insuficiência renal (IR) disponibilização do ferro para a síntese da hemoglobina.
aguda ou crónica, independentemente da sua etiologia, A redução na sobrevida dos eritróciws. contribuindo
e pode preceder, em meses, as manifestações clínico- para instalação da anemia. é observada em até 70% dos
laborawriais específicas da uremia. pacientes com quadro avançado de insuficiência renal.
Na doença renal crônica, a anemia é geralmente mais A observação de que erirrómos normais têm sobrev1da
grave e acomete até 98% dos pacientes com taxa de diminuída quando rransfundidos em pacientes urêmicos
filtração glomerular inferior a 30 ml/minuto e que não sugere que a morte celular precoce, na IR, esteja associa-
recebem tratamento com reposição de eritropoetina da a mecanismo exuacorpuscular.
exógena. A anemia nos pacientes com insuficiência renal Durante hemodiálise, os eritrócitos estão expostos a
está clarameme associada ao aumento na morbidade e agressores químicos e fís1cos diversos, que contribuem
mortalidade neste grupo. para sua remoção precoce da circulação pelo sistema
mononuclar-fagocitário. A toxicidade celular pelo cobre,
cloramina ou nitratos, aquecimento excessivo das células
FISIOPATOLOGIA e as alterações de osmolaridade do ambiente constituem
exemplos destes agressores.
Assim como na ADC. na anemia da IR a fisiopatologia Na IR aguda. a diminuição de eritropoetina também
é multifatonal e envolve inibição da eritropoese, alteração está presente. porém o mecanismo mais freqüente gera-
do metabolismo do ferro, além de diminuição na sobre- dor de anemia é hemolítico. As principais causas de anemia
VIda das hemácias. Todos estes fatores resultam direta- por hemólise na IR aguda estão listadas na Tabela 25.5.
mente da falência das funções endócnna e depurativa
dos rins.
A inibição na produção medular de eriuócitos tem
Tabela 25.5 - Causas de anemia por hemólrse na Insufici-
sido considerada o mecanismo mais importante no de-
ência Renal Aguda
senvolvimento da anemia. Embora esteja associada prin-
cipalmente à diminuição na secreção da eritropoetina Transfusões incompatíveis
(EPO), pelas células justaglomerulares, a inibição da eri- Deficiência de GqPD
tropoese pode ser atribuída, também, a uma inadequa- Sepse por closlridium
Púrpura trombocitopênico trombótico
ção na resposta dos precursores eritróides ao estímulo da Síndrome hemolítica urêmico
EPO, mediada por substâncias como a ribon uclease. hor- CIVD no sepsis ou no gestação
mônio da paratireóide ou lipoproteínas, cujas concentra- Malária
Eclômpsio
ções séricas apresentam-se elevadas nos pacientes com Hipertensão maligno
uremia. O aumento da creatinina sénca em aproximada- Vasculite Sislêmico
Síndrome de Goodposture
mente 133 ~-tmoi/L está associado à perda da relação line- Drogas lmitomicino, ciclosporino e cisplorino)
ar inversa, normal, entre as concentrações plasmáticas da
eritropoetlna e hemoglob1na. O nível de hipóxia indutor
de produção de eritropoetina, na IR. necessita ser pro-
gressivamente maior.
MA NIFESTAÇÕES CLÍN ICAS
A homeostase do ferro está alterada na IR. compro-
metendo o processo de hemoglobinização das hemá-
cias. A perda de ferro ocorre por sangramentos secun- As manifestações clínicas da anemia da IR se mes-
dários à uremia e, principalmeme, pela diálise. Pacientes clam com as manifestações da própria doença de base.
em hemodiálise podem perder de 2 a 5 g de ferro por Na maioria dos casos o paciente queixa-se de palidez.
ano. enquanto a perda normal nesse período é em torno fadiga, dispnéia e ouuos sinais de compensação cardio-
de 350 a 700 mg. Além disso, na doença renal crónica vascular da anemia.

Investigação laboratorial do paciente com anemia normocítica 291


A anem ia na insuficiência renal crônica piora a qua-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
lidade de vida dos pacientes, aumentando o número
de internações e a gravidade das complicações cardio- De forma geral, as anemias norm ocrômicas e nor-
vasculares. mocíticas reservam ao médico e a seus portadores enti-
dades nosológicas de manuseio clínico complexo e, não
raramente, de cura im provável.
O LABO RATORIO NO D IAGNOSTICO Diante de um paciente com anemia normocrômica
DA ANEMIA DA INSUFICIÊNCIA RENAL e normocítica, deve-se sempre lembrar de doenças he-
molíticas e sistêmicas, principalmente as inflamat órias
Na avaliação laboram rial da anemia da IR, não exis- crônicas e neoplásicas. Diagnóstico correro e no tempo
tem alterações pamgnomônicas que sugiram o com- preciso pode influenciar sobremaneira a qualidade de
prometim ento da função renal. A anamnese e exame vida e a sobrevida desses indivíduos.
físico cuidadosos podem sugerir o diagnóstico.
A dosagem de creatinina é indispensável para o diag- REFERÊNCIAS
nóstiCO de pacientes com anemia insidiosa, normocrô-
Brasil. M1n1stério da Saúde. Manual de doenças ma1s
1111Ca e normocítica, clássica da IR crônica.
1mporrames. por razões étn1cas. na população afro-des-
Já na anemia da IR aguda os restes laborawriais ge- cendeme [home page da lmerner]. Brasília: Min1sréno
rais que identificam hemólise, além da pesquisa especí- da Saúde. Disponível em: hnp://bvsms.sa ude.gov.br/bvs/
fica da causa hemolítica. são muiro impo rtantes para publicacoes/cd06_09.pdf
2. Campanaro CM, Loggetto SR, Braga )AP. Def1ciênc1a de
defin ição do quadro.
Enz1mas Erirrocitá11as (Eri rroenz1mopanas). ln: Braga )AP.
Tone LG, Loggerto SR. Hematolog1a para o Pediatra. São
Paulo: Atheneu; 2007. p. 57-63.
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Ork1n SH, Ginsburg D, Look AT. Narhan and Osk1's He-
matology of lnfancy and Ch ildhood. 6th ed. Philadelph1a:
O exame da medula óssea mostra hipoplasia eriuói- Saunders; 2003. p. 790-841.
de, principalmente por diminuição da eritropoetina, e 4. Gallagher PG, Lux SE. Disorders of the erythrocyte mem-
podem ser observados macrófagos com aumento de brane. ln: Nathan DG, Orkln SH, Ginsburg D, Look AT.
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ciency and Hemolytic Anemia. ln: Nathan DG, Ork1n SH,
Gmsburg D. Look AT. Narhan and Osk1's Hematology of
A anemia da IR é, geralmente, normocítica e nor-
lnfancy and Ch1ldhood. 6th ed. Ph1ladelphia: Saunders;
mocrômica. Menos freqüentemente, pode haver leve 2003. p.721-42.
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anem1a está relacionado com a gravidade da doença e a homeostasis: from anem1a to hemochromatos1s. Wien
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maioria dos paciemes apresenta hematócriro entre 15 e
8. Nurko S. Anemia in chron1c kidney d1sease: causes, d1ag-
30%. A hemaroscopia é normal, mas pode mostrar equi- nosis. rreatment.Cieve Clin JM ed. 2006;73(3):289-97
nóciros e acamóciws. principalmente em pacientes com 9. We1ss G. Goodnough LT. Anemia of chronic disease. N
uremia grave e na IR aguda. O RDW é normal, a menos Engl JMed. 2005;352(10):1011-2 3.
que exista déficit real de ferro corporal associado.
A comagem de reticulócims habitualmente é nor-
mal o u baixa, refletindo o m ecanismo hipoproliferativo
da anem1a.

292 Medicina labo ratorial para o clínico


Nelma Cristina Diogo Clementina

26 Fernanda Maria Lodi


Rosa Ma/ena Delbone de Faria

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM ANEMIA
MACROCÍTICA

A macrocitose é definida como uma condição sanguí- com ou sem alterações megaloblásticas. A gravtdez e o
nea na qual o eritrócito é maior que a média normal. Ma- período neonatal são causas fisiológicas de macrocitose e
crocitose é relatada em relação ao volume corpuscular mé- já foi descrita macrocitose em membros de uma mesma
dio (VCM). O VCM varia de 80 a 100 fenrolitros (fL) e tem fam ília o que sugere uma predisposição genética, não ne-
relação com a idade e valor de referência do laboratório. cessitando de intervenção terapêutica ou investigações
As anemias macrocíticas são classificadas, inicialmen- futuras. A causa mais comum de anemia megaloblástica
te, naquelas com erirropoese megaloblástica na medula é a deficiência de vitamina B12 e/ou de ácido fólico. A ta-
óssea, definida pela presença de eritroblasros maiores que bela 26.1 apresenta as principais causas de macrocirose.
o normal com núcleo mais imaturo que o ciroplasma, e
aquelas com erirropoese normoblástica cujos eritro-
blastos são de taman ho normal. São causas de anemias ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS
macrocíticas não megaloblásticas: alcoolismo, síndromes
mielodisplásicas, hepatopatias crônicas, anemias hemolí- As anemias megaloblásticas são um subgrupo das ane-
ticas, anemia aplástica, hipotireoidismo e uso de medica- mias macrocíticas nas quais a medula óssea exibe eritropo-
mentos como anriconvulsivanres. quimioterápicos e an- ese megaloblástica. Acualmenre, com a realização dos tes-
tivirais. A causa mais comum de macrocicose é o uso de tes de dosagem da vitamina B12 sérica e do falara sérico ou
álcool. que mesmo em pequenas quantidades, princi pal- eritrocitário, além dos outros metabólitos, muitos pacien-
mente em mulheres, pode elevar o VCM acima de 100fl. tes com anemia megaloblástica podem ser diagnosticados
sem anemia ou qualquer alteração na fu nção hepática. sem o escudo morfológico da medula óssea. As causas mais
O mecanismo desse aumento do VCM é desconhecido. comuns de anemia megaloblástica são a deficiência de vi-
Em doenças hepáticas o volume pode elevar-se devido tamina B12 e/ou folato. Na deficiência mínima ou subclínica
ao aumento do depósito de lipídeos na membrana dos destas vitaminas pode existir macrocitose sem anemia ou
eritróciros e este aumento é mais importante nas hepaw- não ter nem macrocitose nem anemia.
patias alcoólicas. A mielodisplasia é uma causa freqüenre
de macrocitose nos idosos e existem alterações quantita-
tivas e qualitativas também na série branca e plaquetas, DIST ÚRBIOS DA MU LT IPLICAÇÃO CELULA R
podendo ter distúrbio de maturação e eritropoese mega-
loblástica. As drogas que afetam a síntese do DNA. como A anemia megaloblástica é o resultado clínico e
hidroxiuréia e azatioprina, podem causar macrocirose morfológico da síntese diminuída do ácido desoxirribo-
nucléico (DNA). causada pela falha na conversão da ho- A anemia perniciosa é a causa mais comum de deficiên-
mocisceína em mecionina. Nesra reação, a vicamina 812 cia de vicamina 812. A anemia perniciosa é o escágio final
recebe o grupo mecil do metilfolam se transformando da gastrite auto-imune (gastrite crônica atrófica do tipo
em merii-B 12e transfere o grupo meril para a homociste- A) que compromete o fundo e o corpo do estômago
ína. convertendo-a em metionina. transformando simul- por mecanismos tais como a agressão por auw-amicor-
câneameme o 5-metil-tetraidrofolam em tetraidrofolaro, pos anticélula parietal e antifaror intrínseco. A presença
a forma ativa do folato que participa da síntese da timi- de auco-amicorpos contra células parietais ocorre em
dlna. Na ausência da vitamina 8 12, o folaro pemanece na 90% dos pacientes com anemia perniciosa, em 30% de
forma 5-metil-tetrahidrofolaro. levando à deficiência da parentes de primeiro grau desses e em pacientes com
cc-enzima do folam necessária para síntese da timidina outras doenças auto-imunes (tireoidite de Hashi moro.
e do DNA. A rescrição da síntese do DNA leva à anemia doença de Graves. doença de Add1son, síndrome de Sjo-
megaloblástica. A síntese do ácido ribonucléico (RNA) gren. vitiligo. diabetes melito tipo 1, miastenia gravis). Os
permanece normal. pois a timidina não é constituinte da anticorpos contra o fator intrínseco são mais específicos
molécula de RNA. logo. enquanto há restrição na síntese do que os anticorpos anticélula pariental. Existem dois
de material gênico, a síntese proréica mantêm-se inalte- tipos de anticorpos. sendo que o tipo I ocorre em 70%
rada. Como resulcado, os componentes cimplasmáticos. dos pacientes com anemia perniciosa e bloqueia a liga-
durante o processo de divisão celular, são sintetizados ção do fator Intrínseco à vitamina B12. O tipo li liga-se ao
em quantidades normais, contudo. a mimse na maioria complexo fator intrínseco-vitamina B12 e impede a sua
das vezes. não acontece. por insuficiência de material fixação no receptor da mucosa ileal. presente em 35 a
gênico. Uma célula de grande volume. com cicoplasma 40 % dos pacientes com anem1a perniciosa. Na ausência
maduro e núcleo 1maturo é o produm deste processo. do faror intrínseco. menos de 2% da vitamina B12 inge-
por esse motivo as anem1as por deficiência de vitamina nda é absorvida. comparada com 70% quando esse está
B12 ou falam são denominadas megaloblásticas. presente. O Helicobacter pylon é causa reconhecida de
gastrite atrófica do tipo B. podendo levar à diminuição
da absorção de vitamina B12. O tratamento da lllfecção
CAUSAS DE DEFICIÊNCIAS DE ÁCIDO FÓLICO E pode melhorar os níveis reduzidos dessa vitamina. A
VITAM INA B12 história dietética rorna-se importante na investigação
porque a vitamina B12 é produzida por bacrénas que
A deficiência de ácido fálico associa-se freqüente- habitam o tubo digestivo de animais e produros como
mente a baixa ingesta do nutriente, aumento de deman- carne e derivados são a única fome de vitamina B12 para
da e má-absorção intestinal. A principal fonte de folaro os homens. não sendo encontrada em frutas e vegetais.
encontra-se em vegetais folhosos crus. Apesar da deficiência dietética ser ra ra, vegetarianos es-
A deficiência de vitamina B12 pode ser causada por tritos. que não consomem carne, peixe. ovo. queiJO ou
absorção defioente e. ma1s raramente, ingestão insu- leite por vários anos. têm níveis baixos de B12 e podem
ficiente. A má-absorção de vitamina B12 ocorre em pa- desenvolver macrocirose ou anemia megaloblást1ca.
Cientes com diversas condições gastrintestinais e está Mulheres. que são apenas moderamente vegetarianas.
relacionada à diminuição ou falta de produção do fator podem se rornar deficientes em vitamina B12 durante a
intrínseco associada a hipocloridria ou acloridria, causa- gravidez e lactação e suas crianças podem tam bém nas-
da tanto por mecanismo auto-imune ou por atrofia gás- cer com deficiência desta vitamina.
trica. A absorção da vitamina B12 ocorre no íleo terminal
e depende do fawr intrínseco que é uma glicoproteína
produzida pelas células parietais da mucosa gástrica. MANIFESTAÇÕES ClÍN ICAS
No estômago a vitamina B12 é liberada do alimento na
presença do ácido clorídrico. liga-se à proteína R (hapto- As manifestações clínicas da deficiência de falam
corrina) e, após sofrer a ação das proteases pancreáticas, e vitamina B12 refletem a necessidade de ambas as vi-
associa-se ao fator intrínseco para ser absorvida no íleo. taminas para a divisão de rodos os tipos celulares. Os

294 [ Medicina laboratorial para o clínico


O LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO DAS
achados clínicos incluem palidez. icterícia e glossire. Os
ANEM IAS MEGALOBLÁSTICAS
pacientes têm sintomas anêmicos de instalação gradu-
al, adapatando-se freqüentemente a níveis muiw baixos
de hemoglobina. Além disso, pode manifestar distúrbios A eritropoese inefica2 ("hemólise intramedular"),
gamintestinais. perda de peso e infertilidade. envolvendo os precursores megaloblásticos, leva a um
aumento da bilirrubina indireta no soro, diminuição da
Os sinromas e sinais devido à neuropatia periférica e
haproglobina e um aumento da desidrogenase lática. fre-
à degeneração subaguda combinada ou desmielinização
qüemememe acima de lOOOU/ml. Existe também uma
focal da substância branca cerebral são encontrados em
discreta diminuição da vida média dos eritróciros circu-
alguns casos de deficiência de B12. mas não na deficiência
lantes com contagem absoluta de reticulóciros diminuí-
de folato. Estes sintomas são parestesias nas extremidades,
da. A subutilização do ferro leva a um aumento da satura-
dificuldade para deambular, fraq ueza muscular e memória
ção da transferrina e aumento dos depósitos de ferro.
deficiente. Achados menos comuns incluem deficiência
visual devido neurite ou atrofia ótica, distúrbios psiqut-
átricos. impotência e dificuldade de controle retal e da Alterações citológicas da medula óssea
bexiga. Os sinais neurológicos incluem perda do sentido
de simetria, ataxia, sinal de Romberg positivo e raramente As manifestações morfológicas da deficiência de vi-
paraplegia espásttca. Alguns escudos relataram uma asso- tamina B12 e folaro são indistinguíveis. Todas as células
ciação de depressão com batxos níveis de folaro. em proliferação, incluindo as células epiteliais do traro
gastrintestinal (mucosa bucal. língua, intestino delgado),
Tabela 26.1 -Causas de anemias macrocít rcas cérvix, vagina e útero exibem megaloblasrose, mas as
alterações megaloblásticas são mais marcantes na me-
Reticulocitose dula óssea e sangue. O estudo morfológico da medu-
Doença hepático Alcoólico la óssea mostra hipercelularidade com hiperplasia das
três linhagens sendo mais evidente na série eritróide,
Síndrome mielodisplásica
com diminuição ou inversão da relação grânulo-eritrói-
Eritraleucemia (LMA- M 6) de. Extste um assincronismo importante na maturação
Deficiência d e ácido fólico
núcleo-citoplasmática durante o processo de divisão
celular e a maioria das células filhas geradas morre na
lngesta insuficiente
medula óssea ou torna-se células megaloblásticas em
Aumento de demando (gestação, crescimento, hemólisel "parada de maturação" nos diferentes estágios do oclo
celular. Os proeritroblastos são maiores que o normal
M á·obsorção (doença inflamatório intestinal)
e as alterações megaloblásticas são mais evidentes nos
Drogas que interferem no absorção e no utilização do fotolo eritroblastos em estágios intermediários e nos orrocro-
Perda excessivo em p rocessos diolít.cos
máticos. Os megaloblastos ortocromáticos mostram o
ciroplasma hemoglobinizado e núcleo imaturo, com
Deficiência de Vitamina B12
cromatina fina e rendilhada. É freqüente o achado de
Absorção d iminuído (deficiência de fotor intrínseco - gos· lobulação nuclear, pontilhado basófilo e remanescen-
trile crónico o trófico e gostrectomia ) tes de DNA como corpúsculos de Howell-jolly e anéis
M ó·obsorção (doença inflamatório intestinal) de Ca boc. Há uma proliferação celular mais lenta com
Inibição competitivo do absorção (infestação pelo Di·
numerosas figuras de mitose. A granulopoese também
phyllobotrium !atum e síndrome do oiço cego) é anormal, com células grandes e cromatina rendilha-
lngesta rnsufiente da. O metamielóciro e o bastonete gigante são con-
siderados patognomônicos de megaloblastose (células
Aumento de demando
de Tempka-Braun). A granulação cito plasmática não é
afetada. Os megacariócitos podem estar em número

Investigação laboratorial do paciente com anemia macrocítica 295


normal ou aumencado e podem apresencar hiperseg- dereccar suficiência ou deficiência. A dosagem da concen-
mencação associada à liberação de fragmentos do eira- tração da vitamina 812 sérica pode ser normal em mais de
plasma e plaquetas gigantes na circulação 5% dos pacientes com deficiência documentada. O limite
inferior do valor de referência para a dosagem sérica de
vitamina B12 é variável e depende do método empregado.
O hemograma e a contagem de reticulócitos Consideram-se, de modo geral, 200 pg/ml como pomo
de corte, valor esse derivado de vários estudos nos quais
A avaliação do esfregaço do sangue periférico pode os pacientes tinham deficiência da vitamina B12 definida
mostrar macroovalócitos, anisocitose, poiquilocitose e por critérios clínicos e hemarológicos quando comparados
neutrófilos hipersegmentados. O volume corpuscular com controles normais. A dosagem é considerada muiro
médio (VCM) está aumencado. Se houver coexistência específica para concentração sérica menor do que 100pg/
de deficiência de ferro, doença crônica ou síndrome ml. Nesta concentração foi encontrada a especificidade
talassêmtca o VCM pode estar normal ou baixo. A hi- de 90% em um escudo, mas apresenta pouca discrimina-
persegmentação dos neutrófilos é definida pelo acha- ção para concentrações séricas entre 100 e 200 pg/ml.
do de um neutrófilo com 6 lóbulos ou mais ou 5% dos A concentração do folato sérico, apesar de típica-
neutrófilos com 5 lóbulos ou mais. A hipersegmenração mente baixa em pacientes com anemia megaloblásti-
dos neutrófilos pode ser detectada em estágio precoce, ca por deficiência de folato, reflete a curta duração do
quando a hemoglobina e o VCM ainda estão dentro da balanço do folaro. Uma única refeição hospitalar pode
faixa de referência da normalidade. normalizar o folato sérico em pacientes com deficiência
Em estágios mais avançados, freqüentemente há leu- de folaro. Apesar da presença de um adequado esroque
copenia e plaquetopenia, caracterizando a pancitope- tecidual, a gravidez, a ingestão de álcool, o uso de alguns
nia megaloblástica. A leucopenia e plaquetopenia, que anticonvulsivantes ou poucos dias de diminuição da in-
compõem as manifestações hematológicas periféricas gestão dietética podem diminuir a concentração sérica
da anemia megaloblástica, habitualmente não geram de folato. Apesar da concentração do folato eritrocitário
sintomatologias clínicas. teoricamente ser um melhor indicador do folaro tecidu-
A contagem de reticulócitos está normal ou diminu- al e não estar sujeito a essas flutuações, existe problemas
ída, pois, devido à eritropoese ineficaz, a maioria dos eri- na interpretação, devido à diminu ição do folato eritro-
troblastos rem morte intramedular e uma percentagem citário em presença de deficiência de vitamina B12. Por
pequena de erirrócitos maduros; cerca de 20% apenas isso, a dosagem do folaro sérico deve ser obtida como
são liberados para o sangue periférico. teste inicial (rabeia 26.2).

Tabela 26.2 - Correlação entre os níveis séricos de vi-


Dosagem das vitaminas tamina B12 e folato sérico e eritrocitário em diferentes
situações clínicas

Os testes laboratoriais, para dosagem sérica de vi-


Vitamina B12 Fo iato Foi ato
tamina B12 e folato, devem ser solicitados em pacientes Situação
200-900 sérico eritrocitá rio
clínica
com VCM elevado, mesmo tendo limitações devido à pg/ml 5-1 6ng/ ml >150ng/ ml
sua baixa sensibilidade e especificidade. Normal N ormal Normal
N ormal ou 7
A determinação da concentração sérica da vitamina B12 (3-5) ou
amda é o exame inicial para o rastreamento da deficiência t (<3)
desta vitamina. Os laboratórios utilizam diferentes méto- De hc1ê ncio t N ormal ou t t
Vitamino B12
dos para dosar a vitamina B12 , como quimioluminescência
e radioimunoensaio, resultando em diferentes faixas da Defi ciênc ia Normal t t
foi ato
normalidade, porém nenhum é padrão de referência para
Deficiênc ia t t t
essa dosagem. Além disso, existe limitação importante na de ambos
habilidade de uma única medida de vitamina B12 sérica

296 [ Medicina laboratorial para o clínico )1----- - -- - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - -


Dosagem dos metabólitos
diminuída devido a um aumemo da destru ição e a
medula óssea não é capaz de compensação, mesmo
A utilização dos metabólicos, homocisteína e ácido aumentando sua produção. Estas doenças estão asso-
merilmalôn1co auxilia na determinação da sensibilidade ciadas a sinais de aumento do catabolismo da hemo-
e especificidade das concentrações séricas da vitamina globina e aumento da produção das hemácias mani-
B12 e folaro. Os vários fluxogramas existentes aconselham festando-se com icterícia, colelitíase, esplenomegalia
as dosagens do ácido metilmalônico, homocisteína ou e reticulocirose. As anem ias hemolíticas por defe1ro
ambos principalmente quando as concentrações séricas extrínseco do glóbulo vermelho podem ser devidas à
da vitamina B12 estão entre 200 e 300pg/ml ou quando fixação de anticorpos à membrana da hemácia ou por
a concentração de folaco é duvidosa. As concentrações ruprura mecânica das hemácias devido à deposição
séricas da homocisteína assim como as concentrações de fibrina na microcirculação, como na coagulação in-
séricas e urinárias do ácido metilmalônico estão eleva- rravascular disseminada ou pela presença de próteses
das na deficiência de vitamina B12 devido à diminuição valvares mecânicas. Elas podem ser classificadas como
do metabolismo. Apenas a homocisteína está elevada macrocíticas ou normocít1cas, na dependência da in-
na deficiência do folaco. pois o folato não participa no tensidade da reticulocitose.
metabolismo do ácido metilmalônico, essencial para o
tecido nervoso. A dosagem dos metabólicos também
deve ser indicada para pacientes com valores limites de ANEMIAS HEMOLÍTICAS IMUNES
folato de 2 a 4 ng/ml. naqueles com suspeita de defici-
ência combinada de vitamina B12 e folaco e em pacientes A anemia hemolítica imune é a condição clínica na
cuja dosagem do folato sérico não pode ser facil mente qual anticorpos da classe lgG ou lgM se ligam a antíge-
interpretada, como a refeição hospitalar recente ou a nos da superfície da hemácia e iniciam a destruição das
anorexia. Na ausência desses fatores, uma concentração hemácias via sistema do complemento ou sistema mo-
sérica <2ng/ml é diagnóstica de deficiência de folato nonuclear fagocitário. As anemias hemolíticas imunes
(tabela 26.3). são classificadas como auto-Imune, aloimune e induzidas
Uma vez detectada qual destas vitaminas está defi- por drogas baseadas no estímulo antigênico responsável
ciente, orientada pelo exame clínico, a causa da defici- pela resposta imune
ência deve sempre ser investigada e determinada. A in-
vestigação gastrintestinal é mandatária na deficiência de
vitamina B12, pela alta relação com distúrbios absortivos. CLASSIFICAÇÃO
Os exames freqüentememe realizados para a investiga-
ção causal são: endoscop1a digestiva alta com b1ópsias de Anemia hemolítica auto-imune
corpo e fundo gásrricos; pesquisa do 1-/e/icobacter pylori
no tecido gástrico biopsiado; exames radiológicos do in- A anemia hemolítica auro-imune (AHAI) ocorre
testino delgado; colonoscopia com biópsia de íleo termi- por defeiw na imunorregulaçào do indivíduo e é ca-
nal e testes sorológicos para doença celíaca (anticorpos racterizada pela produção de anticorpos contra amí-
antiendomísio e amigliadina). Em alguns casos hereditá- genos eriuocitários próprios. Como os auto-anticorpos
rios o diagnóstico só poderá ser realizado pela análise de são dirigidos contra amígenos de alta incidência. eles
mutações genéticas. têm reatividade contra hemácias alogênicas também.
A AHAI possui incidência de 1 a 3 casos por 100.000
por ano nos Estados Unidos.
ANEMIAS HEMOLÍTICAS POR DEFEITO A AHAI é classificada de acordo com a tempe-
EXTRÍNSECO DO GLÓBULO VERMELHO ratura característica de reatividade do auwamicopo
amieriuocitário.
As anemias hemolíticas compreendem um grupo Os auto-anticorpos quentes reagem mais fortemen-
de doenças em que a sobrevida das hemácias está te em temperaturas próximas de 37"C e geralmente são

Investigação laboratorial do paciente com anemia macrocítica 297


Anemia hemolítica induzida por droga
da classe lgG e somente em grande quantidade conse-
guem ativar a via do complemento. Exibem diminuição
da afinidade a temperacuras mais baixas e em geral não A hemólise imune induzida por drogas é classificada
causam problema para a ripagem A BO sendo responsá- de acordo com três mecanismos de ação: adsorção da
veis por 70% dos casos de A HAI. A sede da hemólise é droga (hapteno induzida), complexo imune e auro-anti -
extravascular, especialmente esplênica, local em que os corpo. São m ediadas por anticorpos lgG e lgM e levam a
macrófagos possuem recepwr para essas lgGs. A fagoci- um reste posittvo da antiglob ulina, sendo clínica e soro-
cose parcial do erirrócico pelo macrófago esplênico, para logicamente indistintas da AHAI.
remoção do anticorpo, acarreta lesão da membrana eri- O tratamento com penicilina em altas doses é um
trocitária com conseqüente formação de esferócico. exemplo do mecanismo de hemólise por adsorção à
Os anticorpos frios ou crioaglutininas são da classe droga, na qual o medicamen ro ligado à mem brana d a
lgM e ligam-se às hemácias mais fortemente em tempe- hemácia estimula a produção de anticorpo lgG. Quan-
raturas próximas de 0-4°(. tipicamente mostram afinida- do grandes quantid ades da droga cobrem a superfície
de diminuída em temperaturas fisiológicas e arivam fa- da hemácia, o anticorpo se liga à membrana e causa a
ci lmente a via do complem ento, cu rsando com hemólise hemólise exuavascular.
exrravascular, com sede hepática predominantem ente e A hemólise induzida por quin ina é o protótipo do
hemólise intravascular menos freqüentemente. O ser- mecanismo d e complexo imune, na qual a droga induz a
viço de hemoterapia pode suspeitar de AHAI mediada produção de anticorpo lgM .
por lgM quando a ripagem ABO do paciente apresentar O complexo droga-anticor po liga-se à membrana
resultado duvidoso, devendo ser repetido o reste a 37"( eritrocitária e inicia a arivação d o com p lemento resu l-
lavando as hemácias do paciente com sal ina aquecida. tando em hemólise intravascular. A alfa- m etildopa é o
Segundo a etiologia, a AHAI pode ser primária ou exemplo clássico de indução de anticorpo antieritró-
idiopática quando não mostra associação com outras cito, apesar do m ecanismo exato ser desconhecido,
doenças; e secund~rias Cau ças secundárias pod em ser a d roga talvez altere a proteína da memb ra na celu lar
determinadas em 20 a 80% dos casos e incluem doenças tornando-a antigênica e induzi ndo a produção de an-
linfoproliferariva s, doenças au to-im unes, infecções, im u- ti co rpos antieritrócito d o t ipo lgG, levando à hemó li-
nodeficiências e neoplasias. se excravascular.

Tabela 26.3 - Correlação entre os resultados das dosagens séricas de vitamina Bl2 e folaw e a contribuição da avaliação dos
metabóliros

Ácido
Homocisteína
Vit Bl2 pg/ ml Folato ng/ ml Diagnóstico Metabólitos? metilmalônico Interpretação
5-14mM
70-270nM
> 300 >4 normal Não

< 200 >4 !. B12 N ão

200 - 300 >4 !. Bl/


Sim i i !. B12
normal normal Exclui !. B12
> 300 <2 !. Foloto Não

< 200 <2 !. Foloto +B12? Sim i i !. Folato + B12

ou ,J, Folmo? normal i J. Falata Raramente J. B12

>300 2·4 J.Folato7 Sim normal i !. Folato Raramente !. B12


normal normal normal

298 ( Medicina laboratorial para o clínico Jf---- - - - - - - - - - - - - - - - -- - -- - - -- - - -


Anemia hemolítica aloimune
positiva para heme, na fita, em ausência de erirróciros
numa urina de cor castanho avermelhada. O ferro da
A hemólise aloimune é uma reação hemolítica grave hemoglobina pode ser estocado nas células tubulares
causada por uma reação transfusional aguda por sangue renais como hemossiderina e a hemossiderinúria pode
incompatível. A transfusão, por exemplo, de hemácias ser detectada nas células tubulares descamadas no sedi-
do grupo sanguíneo A no receptor do grupo O, que tem mento urinário, pela coloração do azul da Prússia, após
anticorpos antiA do tipo lgM circulantes, leva à fixação uma semana do início da hemólise.
do complemento e uma hemólise inrravascular imediata.
Em poucos minutos o paciente desenvolve febre, tremor,
dispnéia, hipotensão e choque. Uma reação hemolítica O hemograma e a contagem de reticulócitos
transfusional tardia pode ocorrer de três a 10 dias após a
transfusão e é causada por tículos baixos de anticorpos A anemia da hemólise é usualmente normocítica,
a antígenos menores da hemácia. Estes anticorpos são mas a reticulocirose importante pode levar à macroci-
gerados rapidamente após uma exposição a antígenos tose por aumento do VCM devido ao tamanho médio
erirrocitários e levam à hemólise extravascular, com iní- do reticulócito ser 150fl. O esfregaço de sangue perifé-
cio e progressão mais gradual quando comparados com rico é um exame importante na avaliação de qualquer
a reação transfusional aguda. anemia. As hemácias devem ser analisadas para pesquisa
de morfologias parognomônicas como esferóciros ou
esquizóciros, assim como a observação dos leucóciros e
MANIFESTAÇÕES ClÍNICAS plaquetas é essencial para diagnóstico de doenças hema-
tológicas malignas coexistentes.
O paciente pode queixar-se de dispnéia e cansaço de- A reticulocicose é um achado característico da he-
vido à anemia; taquicardia em repouso e sopro cardíaco mólise indicando a resposta normal da medula óssea à
podem estar presentes. A urina pode ficar escura e dor destruição dos eritrócitos. Em alguns pacientes a medula
nas costas pode ser relatada por pacientes com hemólise óssea é capaz de compensar cron icamente a hemólise
inrravascular, em decorrência da hemoglobinúria. A pele mantendo uma hemoglobina normal e estável.
pode estar pálida e amarelada devida à associação de ic-
terícia ao quadro anêmico. Esplenomegalia é comum.
Teste de Coombs

O LABORATÓ RIO NO DIAGNÓSTICO DAS O teste da antiglobulina ou teste de Coombs baseia-


ANEM IAS HEMOlÍTICAS IMU NES se no princípio de que anticorpos específicos anriglobu-
lina humana atuam como uma ponte para a aglutinação
A destruição das hemácias é caracterizada por um de erirróciros envolvidos por imunoglobuli na humana
aumento da bilirrubina indireta, da desidrogenase lática ou complemento, figura 26.1.
e pela diminuição nos níveis da haproglobina. A hemo- Quando o teste de Coombs é utilizado para detectar
globina e a desidrogenase lática são liberadas na circula- anticorpos diretamente na superfície do eritróciro é cha-
ção quando as hemácias são destruídas. A hemoglobina mado Coombs di reco, já quando utilizado para detectar
é convertida em bilirrubina não conjugada no baço ou anticorpos antieritrocitários circulantes chama-se teste
pode ser ligada no plasma a haproglobina. O complexo de Coombs indirero.
hemoglobina-haproglobina é rapidamente retirado pelo O soro de Coombs (anriglobulina humana) pode ser
fígado, levando a níveis diminuídos ou não detectáveis de reagente poliespecífico ou monoespecífico. O polies-
da haptoglobina. Quando a hemólise intravascular é pecífico é constituído de anticorpos antilgG policlonais
muiro grave, a capacidade de ligação da haptoglobina é e anticorpos monoclonais anri C3b e C3d. O soro mo-
excedida e a hemoglobina livre é fi ltrada pelo glomérulo, noespecífico possui reagentes anti lgG; anti lgM; anti lgA;
levando à hemoglobinúria que é detectada pela reação anti C3b; anti C3d; anti C3; anti C4 e anti C4b.

Investigação laboratorial do paciente com anemia macrocítica 299


congênicos, como anemia de Fanconi, diskerarose congêni-
{y
{y
~ ra e as mutações do gene da telomerase (TERT). A incidên-
~ {y +
{y {y
6-
{y cia da anemia aplásrica adquirida na Europa e América do
lgG entrócitos Narre é em torno de 2 casos por mtlhào da população por
f:/ ano. Na Ásia, a incidência é 2 a 3 vezes matar.
2 {y
{y
<r A c:r
11 <( "'/:,; {y
A +
ETIOLOG IA E PATOGEN IA
<(
A <(
A ont1lgG humano
eritrócitos sensibilizados !soro de Coombs) São descmos como agentes causais: radiação ionizan-
te, benzeno, quimtoreráptcos, antibacrerianos (cloran-
J:> {y
3

\~
<r fenicol), sais de ouro, antiinflamatórios não hormonais,
antitireoidianos, vírus tipo hepatite não A, não B, não
<r
C parvovírus, vírus Epstein-Barr. doenças au ro-imunes
aglutinação erit1ocitária visível como a fasci ice eosinofílica, desordens congênicas ou he-
reditárias incluindo a Anem ia de Fanconi, a Discerarose
Figura 26.1 - Ilustração esquemática do resre de Coombs clirero. congênita e Anemia de Blackfan- Diamond. A anemia
aplástica é denominada idiopática, nos casos em que
Embora seja um reste muiro sensível. um resultado não há evtdência de um agente causal. siruação encon-
negativo não exclui a presença de anticorpos antierirro- trada em 50 a 75% dos casos.
citános. Esttma-se que para positivar o teste de Coombs Os facores etiológicos positivamente assooados com
seJam necessárias cerca de 10 a SOO moléculas de lgG ou anemia aplástica no Brasil foram tintas, solvemes orgâ-
C3 por eritróciro. nicos e inseticidas organofosforados. Não se encontrou
A tabela 26.4 apresenta as aplicações do teste de associação com o cloranfenicol. hepatites, dengue, irra-
Coombs em siruaçãoes clínicas dtversas. dtação ou baixo nível socioeconômico.
Dados clínicos e laboratoriais sustentam o papel do
Tabela 26.4 - Aplicações do resre de Coombs ststema tmune na patogênese da anemia aplástica. Várias
drogas imunossupressoras, incluindo a globulina anmi-
Situação clínica Coombs direto Coombs indireto mocitica (ATG), a ciclosporina (CSP), alcas doses da ctclo-
lnves11goçào de positivo negativo fosfamida ou corticosteróides, têm produzido melhora
auto-anticorpos na matona dos pacientes com citopenias graves. ln vitro,
Reoções hemolifl· positivo positivo percebe-se ini bição da cultura de unidades formadoras
cos tronsfus1onois de colónias hemaropoiéticas pelos linfócitos do paciente
Doença hemolítica positivo no neonalo positivo no mãe e m v1vo. Podem-se detectar linfóciros cicotóxicos ativa-
perinotol
dos circulantes e produção aumenrada de citocinas tí-
Anticorpo 1nduzido pOSIIIVO negativo
por droga picas de resposta Thl especialmenre inrerferon-gama,
faror de necrose tumoral e interleucina-2. As células T
ativadas localmente na medula óssea provavelmenre in-
ANEMIA APLÁSTICA duzem morte celular das células-tronco e progenitoras
hematopoiéticas mediadas pelo Fas.
Recentemenre, foram descritas mutações no gene
A anemia aplástica é definida como panciropenia asso- TERC telomerase e da rranscriprase reversa (TERC gene)
oada à hipoplasia de medula óssea na ausência de infiltra- num grupo de pacientes com anemia aplástica associada
do anormal e sem aumento de reticulina. Anemia aplásrica a telomeros curtos e atividade da telomerase marcante-
pode ser secundá na a uma variedade de doenças, incluindo mente reduzida. Parentes de pacientes com estas muta-
a anemta aplástica adquirida e estados de falência medular ções também apresentam cttopentas leves e comparti-

300 [ Medicina laborarorial para o clínico


mento normal ou reduztdo das células rronco. Murações Tabela 26.6 - Classificação da anemia aplástica de acordo
complexas no gene da relo mera se podem representar um com o agente causal
fator de risco genético para falência da medula óssea.
Anemia aplástico adquirida
A nemio aplástico secund ário

CLASS IFICAÇÃO Irradiação


Drogas e quím1cos
A anemia aplásrtca pode ser classificada de acordo com
Agentes c1totóxicos
a gravidade e agente causal. A avaliação da severidade da
anemia apláscica é importante na decisão do cracamenco e Benzeno

cem significância prognóscica, rabeias 26.5 e 26.6. Reoções ;d,ossincrás1cos

Cloronlenicol
Tabela 26.5 - Class1f1cação da Anemia Aplástlca de acordo
com a defin1ção de sevendade Antiinflomotórios não hormo1 OIS

Anticonvulsivo ntes
Anemio aplástico
Do is dos três crité1ios Sois de ouro
grave
N eutrófilos< 0,5 x 10 61 l Outros drogas e químicos
Plaquetas < 20 x I 06 I l Vírus
Reticulócitos < 20 x I OóI L
Vírus Epstein-Borr
Anemio aplástico Mesmos cr,té11os do grave e neunóiilos
muito grave < 0,2 X ]QÓI L Vírus do Hepolle (nõo·A nõo·B, nõo·C. nõo·G)

Anemio aplástico Ausência dos critérios de g rave e Porvovírus


moderado muito g rave
HIV

Doenças auto-imunes
MANIFESTAÇÕES CLÍNI CAS
Fosciite eosinof'lico

H ip oimunoglobulinemio
A maioria dos pacientes com anemia aplástica pro-
T1momo
cura atenção médica devido a sintomas resultantes das
citopenias. Todas as séries podem estar diminuídas ou Doença do enxerto contra o hospedeiro em imunodek1entes
uma série pode dominar o quadro clínico. A mataria dos Hemoglobinúr1o paroxística noturno
pacientes não apresenta sintomas sistémicos, se ocorrer
Grov1dez
perda de peso, dor ou diminuição de apetite um diag-
nóstico diferencial deverá ser investigado. Anemio oplásllco idiopólico

O sangramento é a manifestação mais alarmante da Anemia aplástico hereditária


pancicopenia e freqüentemente leva o paciente ao médi- Anemio de Fonconi
co. Plaqueropenia se manifesta por petéquias, equimoses,
Diskerotose congénito
gengivorragia e epistaxe. O aumento do fluxo menstru-
al e o sangramenco vaginal irregular podem ocorrer em Síndrome de Shwochmnon·D1omond

mulheres jovens. Nos pacientes com anemia aplásttca Disg enesio reticular
associada à hemoglobinúria paroxística Norurna existe Trombocitopen1o omegocor1ocítico
relato de urina escura que é causada pela hemoglobina
Anemio a p lástico familiar
livre. Hematúria macroscópica e sangramento digestivo
são raros ao diagnóstico. Sangramenco grave de qualquer Preleucemio

órgão pode ocorrer, mas é usualmente tardio e associa- Sínd romes não hemotológicos (Down, Dubowitz, Seckel(
do às infecções ou procedimentos invasivos.

Investigação laboratorial do paciente com anemia macrocítica 301


A habilidade dos pacientes em se adaptar à queda dos pacientes apresenta contagem absoluta diminuída
gradual da hemoglobina é marcante. O paciente anêmi- de monócicos e linfócitos.
co pode relatar fad iga, lassitude e dispnéia aos esforços, A contagem de reticulócicos está freqüememente di-
entretanto, alguns indivíduos coleram níveis de hemo- minuída, isto é mais pronunciado quando a contagem é
globina muito baixos. feita por contadores aucomatizados.
Dencre as manifestações clínicas relacionadas às ci-
ropenias, a infecção é a manifestação menos freqüente
ao diagnóstico. Febre na apresentação da doença pode Exame da medula óssea
ocorrer, mas sinais específicos e de localização da infec-
ção são incomuns. Em crianças e adulcos jovens, a baixa O aspirado medular é usualmente obtido sem difi-
estatura, as manchas café com leite e as anormalidades culdades. Se ocorrer resistência para a coleta o diagnós-
esqueléticas devem alertar para a possibilidade de Ane- tico de outra doença da medula óssea deve ser pensada.
mia de Fanconi, embora alguns pacientes com Anemia O material aspirado é geralmente hipocelular, rico em
de Fanconi não apresentem estes sinais clínicos. A leu- gordura e com quantidades variáveis de células hemato-
coplasia, a distrofia das unhas e a pigmentação da pele poéticas residuais. Diseritropoese é comum, usualmente
são característicos de disceracose congênita, outra for- com características megaloblastóides. Megacariócitos e
ma hereditária da anemia aplástica. História de icterícia, precursores granulocíticas estão diminuídos ou ausen-
usualmente 2-3 meses ames, pode indicar uma anemia tes. Os linfócitos, macrófagos, plasmócitos e masrócitos
aplástica pós-hepatite. predominam. Nos estágios precoces da doença, hemo-
Muitas drogas têm sido implicados na etiologia da fagocicose pelos macrócitos pode ocorrer.
anemia aplástica. Uma história detalhada de codas as ex- A biópsia de medula óssea é fundamental para es-
posições por um período de 6 meses ames da apresenta- timar a celularidade medular (relação tecido adiposo/
ção deve ser obtida. Similarmente, a história ocupacional tecido hematopoético), avaliar a morfologia das células
do paciente pode revelar exposição a químicos e pestici- hematopoéticas residuais e excluir infiltrados anormais.
das que têm sido associados à anemia aplástica. Na maioria dos casos o material é completamente hl-
pocelular, mas em alguns casos podem ocorrer áreas
celulares ao lado de áreas hipocelulares. Assim, o frag-
O LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO DA ANEMIA mento de biópsia deverá medir pelo menos 2 cm. Cui-
APLÁSTICA dado deve ser tomado para evitar biópsias tangenciais
(a medula subcortical é normalmente hipocelular). A
Hemograma e contagem de reticulócitos hiperplasia focal de células eritrocíticas ou granulocíti-
cas pode ser observada. Os agregados linfóides podem
Pacientes com anemia aplástica apresentam graus ocorrer algumas vezes, particularmente na fase aguda
variáveis de pancitopenia. Na maioria dos casos o nível da doença ou quando a anemia aplástica é secundá-
de hemoglobina, a contagem de neutrófilos e plaquetas ria à doenças auco-imunes, como artrite reumatóide e
estão uniformemente diminuídos, mas em fases pre- lúpus eritematoso sistêmico. A reticulina está normal
coces de doença, cicopenia isolada pode ocorrer, parti- e células anormais estão ausentes. Blastos não estão
cularmente plaquecopenia. A morfologia das hemácias presentes na anemia aplástica e a sua presença pode
é freqüenremenre normal no exame do esfregaço san- indicar síndrome mielodisplásica hipocelular ou evolu-
guíneo, embora possa ocorrer anisopoiquilocitose. Os ção para leucemia.
contadores celulares automatizados freqüenremenre
mostram macrocitose e tamanho plaquetário normal.
Neutropenia marcante é freqüenre e a contagem absolu- Estudo citogenético
ta de neutrófilos é o fator prognóstico mais importante;
granulações tóxicas nos neutrófilos podem ser percebi- A exigência de citogenética normal da medula óssea
das. Embora a linfocitose relativa seja comum, a maioria para o diagnóstico de anemia aplástica está sujeita a con-

302 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - - - - - -- - - - - - - -- -- - - - - - - - - - -


rrovérsias. Arualmenre. acredita-se que cerca de 11% dos de da célula em concluir o processo mitótico. aring1ndo
paCientes com anem1a aplásrica apresentem clones com quase o dobro do volume eritrocitário normal. por isso. o
alterações cirogenéricas. Cerras alterações como rrisso- valor do VCM é um faror importante a ser considerado
mia do cromossoma 8 rêm sido descritas. no raciocínio diagnóstico diferencial das anemias macro-
Os linfócicos do sangue periférico devem ser examina- cíticas. Em pacientes portadores de pancitopenia com
dos em rodos os pacienres abaixo de 35 anos, para avaliação macrocitose, reticu/ociropema e aumenro de DHL, a hi-
de quebras cromossôm1cas (induzidas por diepox1burano pótese de anemia megaloblástica é muito pertinente, ao
ou micomicina-C) características da anemia de Fanconi. passo que anemia macrocínca associada a reticulocitose
e aumenro de DHL sugere AHAI. Panciropenias que ex-
põem a risco de vida, combinadas ou não com macroCI-
Outros exames tose, reticulocicopenia e DHL normal, são freqüenres em
pacientes portadores de anem1a aplásnca.
O teste para detecção de clones da hemoglobinúria
paroxística noturna (HPN) por cicometria de fluxo das REFERÊNCIAS
hemácias e granulócicos deverá ser feico para estabele-
1. Ások AC. Megaloblastic anemias. ln: Hoffman R. Benz )r
cer a presença de um clone HPN. Marcação para CDSS,
EJ. Sharul SJ. Furie B. Cohen l i). Silberstein LE. McGiave P.
CD59. glicoforina ( anrígeno específico para eritrócicos) ed1rors. Hemam logy. Bas1c pnnciples and prawce. 4 ed.
e CD15 para granulócicos deve ser fe1ta. Pelo menos New York: Churchill liv1ngsrone; 2005. p. 519-56.
1/3 dos pacienres com anemia aplástica irá apresentar 2. Beutler E. L1chtmana I. Cller S. K1pps ). Aplast1c anem1a.
ln: Beurler E. ed1tor. W1lhams Hematology. 5rh ed. New
clones HPN de vários tamanhos. É provável que alguns
York: M cGraw Hill; 1995. p. 238-56.
pacienres possam desenvolver HPN clinicamente signi- 3. Guinan CC. Aplast1c anem1a: managemenr of pediamc
ficante no curso de sua doença. HPN tem sido descrita panenrs. Hematology Am Soe Hematol Educ Program.
em crianças. mas é menos comum. O teste de HAM 2005:104 -9.
4. Hoffbrand W, Provan D. ABC of clincal haematology:
(hemólise em meio ácido) detecta a presença de clone
MacrocyrJc anaem1as. BMJ. 1997:31 4; 430-3.
s1gnificanre de HPN com evidência laboracorial de he- 5. llvas AM. Nexo E. 0 1agnosJSand rreatmenr of v1ramin B1 2
mólise e deverá ser realizado em todos os pacientes ao defio ency. An updare Haemarolog1ca. 2006;91(11) 1506-12
diagnóstico. 6. Mac1eJewsk1J. RISJtano A. Aplasuc anem1a: M anagemenr
of Adules Parienrs. Hemarology Am Soe Hematol Educ
Program. 2005:11 0-7.
7. Marsh W. Managemenr o f acquired aplasnc anaem1a.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Blood Rev. 2005;19(3):143-51.
8. Marsh JC. Ball SE, Darbysh1re P. Gordon-Smith [(. Kel-
dan AJ. Mamn A, et ai. GUJdel1nes for rhe Diagnos1s and
Dianre de paCientes portadores de anem1as macrocí-
managemenr of acqUired aplasnc anem1a. Br J Haemarol.
tlcas, deve-se sempre estar aremo para a gênese da ma- 2003:123(5):782-801
crocitose, lembrando que nas anemias megaloblásricas o 9. Toh BH, van DrieiiR, Gleeson PA. Pern1oous anem1a. N
valor do VCM costuma ser muito elevado, pela dificulda- Eng) Med. 1997;337:1441-8.

Investigação laboratorial do paciente com anemia macrocítica 303


Ana Beatriz Firmato Glória
27 José Roberto de Faria

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM DESORDEM
LEUCOCITÁRIA

INTRODUÇÃO dos neutrófilos (basronetes mais segmentados) evi-


denciados na contagem d iferenoal dos leucócitos. As
Os valores normais da comagem dos leucóciros no contagens dos neutrófilos variam com a idade, sexo,
sangue periférico variam de 5.0 a 10.0 x 109/L. Valores raça e, por este motivo, o limite inferior da normali-
inferiores a 3.5 x 109/L e acima de 11.0 x 109/L são conhe- dade é diferente para determi nadas populações. No
cidos, respectivamente, como leucopenia e leucocirose. entanto, para a maioria da população o l1mite de 1.5
Os leucócitos circulantes são um grupo heterogê- x 109 /L é considerado o valor inferior da normalidade.
neo de tipos celulares (neutrófilos, monócitos, basó- Indivíduos de raça negra têm valores inferiores de nor-
filos, eosinófilos, linfócitos B, linfócitos T e linfócitos malidade m ais baixos: 1,0 x 10 9/L.
Natural kliler), cada um deles com f unções e propor- A neutropenia é classificada, de acordo com os va-
ções bem definidas na população de leucócitos glo- lores da contagem absoluta de neurrófilos, em discreta,
bais. Devido a esta heterogeneidade dos leucócitos, moderada e grave. Esta classificação tem valor para pre-
tanto os valores globais quanto os valores das conta- dizer o risco de infecções graves. Neurropenia discreta
gens diferenciais são afetados em diversas situações corresponde a valores entre 1,0 e 1.5 x 10 9/L; a mode-
clínicas. As avaliações das mudanças quantitativas e rada a valores entre 0.5 a 1,0 x 109 /L; e grave a valores
morfológicas dos leucócitos circulantes são impor- inferiores a 0,5 x 10 9/L.
tantes pistas para a definição diagnóstica. As causas de neutropenia são desordens hetero-
gêneas, adquiridas ou hereditárias, com mecanismos
fisioparológicos diversos e com evolução clínica be-
VARIAÇÕES DOS NEUTRÓFILOS nigna ou grave. Por isro, a avaliação da cinética normal
dos neutrófilos e a determinação de desordem here-
VARIAÇÕES QUANTITATIVAS ditária ou adquirida são importantes na classificação
dessas causas. Por sua vez, a classificação facilita o ra-
Neut ro penia ciocínio clínico para definição da investigação labora-
torial necessária.
A neutropenia é definida como redução significa- Os neuuófilos são originados de um pool de pre-
tiva do número absoluro dos neutrófilos circulantes. cursores medulares normais por meio de processos de
A contagem absoluta dos neutrófilos é calculada mul- diferenciação. divisões celulares e maturação. No am-
tiplicando-se o total de leucócitos pela porcentagem biente medular há o compartimento mitótico, que são
precursores com capacidade replicativa (mieloblasros, Quadro 27.1 - Distribuição das neU[ropenias de acordo
promielóciros e mielócims), e o compartimento não com o compartimento envolvido
mitótico (metamielócitos, bastonetes e segmentados),
Ano rmalidad es do co mpartimento medular
que estão nos estágios finais da maturação e permane-
cem como um reservatório apto para rápida liberação Ouimioteropio (agentes citotóxicos e não citotóxicosl

se solicitado. Após liberação, no sangue periférico os Radioterapia


neutrófi los podem se mover em dois compartimentos.
Deficiências vitomínicos (ácido fálico e vitamino B121
Aproximadamente metade das células circula livre-
mente e constitui o pool circulante. A outra metade Agentes químicos (benzeno, bismuto, orsênicol
constitui o pool marginado ao endotélio vascular. Os Neutropenios congênitos
neutrófilos circulantes são contados nas amostras de
Neutropenios imunomediodos
sangue periférico enquanto que os do pool marginado
não são. Há livre intercâmbio entre estes dois comparti- Infecções virais e bacterianos (AIOS, porvovirose. hepatite.
mentos. Após aproximadamente seis a 12 horas da libe- tuberculose!

ração medular, os neutrófilos movem-se para o espaço Substituição infiltrotiva do medu la óssea (leucemias, linfomos,
mielofibrose. neoplosios não hemotológicas)
extravascular onde realizarão suas funções. O Quadro
Falência do medula ósseo (anemia a plástico)
27.1 distribui as neutropenias de acordo com o compar-
timento envolvido. Anormalidades do co mpa rtimento sangüíneo
A neutropenia também pose ser classificada, de forma
Pseudoneutropenio - desvio de neutrófilos do poof circulante
simplificada, em adquirida e hereditária (Quadro 27.2). poro o marginal (hereditá rio ou constitucional e secundário o
infecção bacteria no, desnutrição e malária!
Seqüestro intravasculor (como no hiperesplenismo)
Neutropenias hereditárias
Anormalidade do compartimento extravascular
As duas principais formas de neutropenia hereditá-
Aumento do utilização (infecções gra ves e anafilaxiasl
ria são neutropenia cíclica, também conhecida como
hematopoese cíclica, e neutropenia congênita grave ou
agranulocitose grave da infância.
A neutropenia cíclica é uma doença rara na qual as Neutropenias adquiridas
contagens de neutrófilos, no sangue periférico, oscilam
dentro de um período aproximado de 21 dias. O nadir As neutropenias adquiridas são. também, doenças re-
(nível mais baixo) da contagem de neutrófilos é próximo lativamente raras e serão abordadas nesta seção: neutro-
de zero e tem a duração em mrno de três a 10 dias e o penia imune primária e secundária, neut ropenia induzida
pico é próximo do normal. Nos períodos de neutropenia por drogas, neutropenia benigna crónica e idiopática.
os pacientes são sintomáticos e podem apresentar febre,
úlceras na cavidade oral e infecções várias. Édescrita esta
Neutropenias imunes
mesma periodicidade em doenças adquiridas tais como
leucemia mielóide crónica, síndromes hipereosinofílicas A neutropenia imune é o resultado da presença de
e leucemia linfocítica de grandes linfócitos granulares. anticorpos direcionados contra antígenos neutrofílicos
A neutropenia congênita grave ou agranulocitose específicos que medeiam a destruição dos neutrófilos
grave da infância é geneticamente muito heterogênea ou por seqüestro esplênico das células opsonizadas ou
e a maioria dos casos parece ser esporádica, o que é por destruição mediada por complemento. Pode ser
consistente com uma doença freqüentemente fatal. As aloimune ou auto-imune, ser primária ou secundária a
manifestações geralmente iniciam-se precocemente. em doença auto-imune e se apresentar de forma seletiva ou
torno de três meses de idade, e são infecções bacteria- associada a outras ciropenias periféricas.
nas recorrentes e graves associadas à neutropenia grave. A neutropenia aloimune neonatal é causada pela
Pode ocorrer monocitose compensatória. sensibilização materna por antígenos dos neutrófilos

306 ( Medicina laboratorial para o clínico


fecais, o que resulta na produção materna de anticor- reumatóide e lúpus eritematoso sistêmico. Na artrite reu-
pos lgG antineutrófilos fecais. Estes anticorpos alcan- matóide a neutropenia é usualmente conseqüente ou da
çam o feto via placenta. Os neonatos desenvolvem síndrome de Felty (críade de artrite reumatóide + esple-
neucropenia transitória com recuperação espontânea nomegalia + neutropenia) ou da leucemia linfocítica de
após período mediano de sere semanas. grandes linfócitos granulares.

Quadro 27.2 - Causas de neuuopen1a


Neutropenia induzida por drogas

Hereditárias Adquiridas A neutropenia induzida por drogas é uma reação


Neutropenia familiar benigno Induzido por drogas ou idiossincrásica que resulta em neucropenia grave ou
toxinas agranulocimse. Vários mecanismos patogênicos es-
Agronulocitose grave do Pós·infeccJoso tão relacionados, entre eles a descruição mediada por
mfã ncio - síndrome de
Kostmann
mecanismos imunes, inibição da granulocicopoese, co-
Neutropenia cíclico Doenças auto-imunes
xicidade direca nas células hemacopoéticas ou micro-
ambiente medular. As neutropenias desse grupo têm
Síndrome de Schwochmon- Desordens leucêmicos elevada taxa de complicações infecciosas. As drogas
Diomond-Oski
mais comumente associadas à agranulocitose são me-
Síndrome de Chediok-Higoshi Desordens linfoproliferotivos
dicamencos antitireoidianos (carbamizol, mecimazol,
Disgenesio reticular Hiperesplenismo tiouracil), sulfonamiadas, cefalosporinas, penicilinas,
Disquerotose congénito Deficiência nutricional
cloranfenicol e anticonvulsivantes (carbamazepina, áci-
do valpróico). O Quadro 27.3 lista as principais drogas
Síndrome do hiperimunoglo- Aplosio puro de série bronco
capazes de induzir neutropenia.
bulino M

A nemio aplástico
Quad ro 27.3 - Drogas capazes de 1nduzi r neuuopenia
Hemoglob1núrio paroxislico
no1urno
Classe Drogas
Desordens metabólicas
Antiorrítmicos O uinidino, propranolol, procaina mido
Neutropenia neonotol
oloimune Antibiólicos, Cloronfen icol, penicilina, sulfonamidos,
quim1oterápicos e rifompiCino, voncomicino. JSOniazida,
N eutropenia auto-imune
ontivirois goncJCiovir, zidovudino
Antimaláricos Dapsono, quinino, pirimetamino

An'iconvulsivonles Fen,toíno, corbamazepino, himetadiono


A neucropenia aum-imune primária ocorre predomi-
nantemente em crianças abaixo de crês anos de idade e é H ipoglicemiontes Tolbutomida, clorpropomido

uma doença rara. Os pacientes apresentam neutropenia Anti-hioertensivos Coptopril, olfo-metildopo


crôntca moderada a grave e infecções geralmente não Antiinflomotórios Fenil butazona, sais de ouro, ibuprofe-
graves. Muitas destas crianças exibem remissão esponcâ- no, indometocino
nea durante a evolução. Neucropenia auro-im une primá- Anlilireoidionos Prnrillinwoc:il, tin11rnc:il, metimn7nl
ria em adultos é rara, sendo habicualmence secundária a Diuréticos Acetozolomido, hidrodorotiozida,
alguma síndrome auto-imune subjacente. clortolidono
A neutropenia auco-imune secundária em crianças é Citotóxicos Alquilontes. ontimetobólicos, ontroci-
rara e pode estar associada à síndrome linfoproliferativa clicos, inibidores do topoisomerase,
análogos do plolino e agentes antimi-
auto-imune. Esta síndrome é caracterizada por cicopenias crotúoulos
auto-imunes associadas à adenopatia e esplenomega- O utros lnterferon, alop urinol, etanol, levamizol,
lia. Nos adultos, a neutropenia auto-imune secundária é metron idazol, estreptoquinose
mais comum e ocorre principalmente associada à artrite

Investigação laboratorial d o paciente com d eso rdem le ucocirária 307


'-'e .~roo rl a herJ~na crutli.CI
compartimento de reserva medular. Há, também, a
A neutropenia benigna crónica não imune com- pseudoneutropenia laborarorial, que resulta da aglu-
preende um grupo heterogêneo de desordens que tinação dos neutrófilos in vitro como resultado de
compartilham a presença de neutropenia seletiva em paraproteinemia ou uso de cerros anticoagulantes.
um paciente saudável (citogenética medular normal. Falsa neutropenia também pode ocorrer se a conta-
ausência de doença auto-imune subjacente e de defi- gem de células for realizada após longo incervalo da
Ciências nurnciona1s e mielodisplasia), com pouco ou coleta da amostra a ser examinada.
nenhum risco aumentado de infecções. São descritas
formas familia res e não familiares. A forma familiar é
uma desordem benigna, autossômica dominante e os Neutrofilia
afetados têm neutropenia moderada a grave associada
a: monomose relativa, linfocitose e eosinofilia variável. A neuuofilia é tida como a contagem de neutró-
Geralmente, são assimomáticos ou oligossimomáticos. fi los acima de 7.5 x 109/L. Ocorre ou por aumento na
A celularidade da medula óssea é normal, com parada liberação de neutrófilos do compartimento de reser-
de maturação da séne granulocínca. a forma não fa- va medular e/ou por um desvio dos neutrófilos do
mtliar não ex1ste um padrão de comprometimento fa- compartimento marginado para o compartimento
miliar e os pacientes também apresentam curso clínico circulante do sangue periférico (demarginação). Isto
sem infecções graves ou recorrentes. a despetto da neu- acontece como resposta a uma variedade de estímu-
tropenia prolongada, moderada a grave. A celularidade los fisiológicos e patológicos. Esses estím ulos (fatores
da medula é aumentada e ocorre parada de maturação. granulocitopoéticos, glicocorticóides, interleucinas)
Como a maioria dos pacientes é assintomática, muitos governam a produção e o tráfego dos neutrófilos. Na
são diagnosticados por meio de hemograma realizado prática clínica, a leucocicose com neutrofil ia é o ti po
por ouuos motivos. mais comum de leucocitose.
No microambiente medular, células produroras
de fatores de crescimento respondem aos processos
inflamatórios, aumentando a produção de fato res es-
Uma avaliação essencial no dtagnóstico diferen- timuladores de colónias granulocítico/macrofágico.
Cial da neuuopenia é a garamia de que a comagem Estes estim ulam a produção e a maturação de neutró-
absoluta dos neutrófilos está realmence reduzida. filos no compartimento mitótiCO, aumentando, desta
Anormalidades no compartimemo dos neutrófilos maneira, o compartimento de reserva medular. Nes-
no sangue periférico podem ser responsáveis por tas situações, há incremento da velocidade de libera-
desvios destas células do pool circu lame para o pool ção de neutrófilos para o sangue periférico; e formas
marginado. As células do pool marginado não são imaturas (basronetes e meramielócicos) podem ser
concadas durante a concagem auromática de célu- liberadas do pool de reserva para o sangue periférico.
las, por isro uma concagem manual da diferencial As causas mais comuns de neutrofilia estão descritas
dos leucócitos é desejável para confirmar o dado no Quadro 27.4.
aucomatizado. Esta siruação é denominada pseudo-
neutropenia. A pseudoneutropenia pode ser consti-
tucional e, nesta forma, ramo a produção quamo a ALTERAÇÕES Q UA LITATIVAS DOS NEUTRÓFILOS
unl1zação dos neutrófilos são normais, com aumen-
to do pool marginado e redução do pool circulance. As alterações qualitativas dos neutrófilos podem
Não tem repercussão clínica. A pseudoneutropenia ser herdadas ou adquiridas, associadas a doenças be-
adqwrida geralmeme ocorre como resposta a in- nignas, malignas ou sem significado clínico. O Quadro
fecções sistêmicas agudas e subagudas nas quais o 27.5 aborda, sinteticamente, as alterações qualitativas
aumemo da demanda de neutrófilos no compar- mais comuns dos neutrófilos, separando-as em here-
timentO extravascular esgota, numa fase inicial, o ditárias e adq uiridas.

308 [ Medicina laboracorial para o clínico


Quadro 27.4 -Causas de neutrofilia • síndrome de Chédiak-Steinbrinck-Higashi - ano-
malia hereditária caracterizada pela existência de
Congênitas Secundárias grandes lisossomas peroxidase positivos, oriundos
Defeito de adesão Infecções agudos (bacterianos, da fusão granular por atividade descontrolada da
leucocilório virais, fúng icos, riquetsioses)
membrana granular. Podem estar presentes neu-
Neutrofilia id iopática Inflamações crônicos (doenças auto·
tropenia, plaquecopenia e disfunção plaquecária.
crônico tmunes e reumáticos)
Propensão a infecções e sangramentos;
N eutrofilia hereditário Reoçõo leucemóide (infeccioso,
neoplásico) • anomalia de May-Hegglin - anomalia hereditá-
Reoçõo leucemó1de de Estresse (físico, emocio nal, térmico, ria rara, caracterizada por corpúsculos Dohle like,
síndromes cangênilas elétrico) trombocitopenia e plaquetas gigantes. Propensão
Urticária frio familiar Ind uzido por drogas (glicocorticói· a infecções e sangramento;
des, lítio, epinefrino, fotor estimu-
• granulação tóxica - anomalia adquirida, relativa-
lador de colônio gronulocítico e
gronulocítico mocrofógico) mente comum, refere-se às granulações azurófilas
Estímulo medular (anemio he mo líti- (grânulos primários) em células mais maduras, ha-
ca. recuperação pós-falência) bitual mente resultantes da aceleração da granulo-
Asplenio e hiposplenio poese, como acontece nas infecções e du rante o
uso de fator estimulador de colónia granulocítica;
Endócrinas (cetoacidose. acidose
táctico, tireotoxicose) • corpúsculo de Dohle- composto de RNA ribossô-
mico, são ovais e medem cerca de 1-51-1. coram-se
em cinza e estão presentes associados a quadros
Alterações morfológicas do núcleo dos neutrófilos infecciosos e situações de estresse;
• vacuolização - vacúolos fagocíticos podem ser
• anomalia de Pelger-Huet - anormalidade heredi- encontrados em diversas situações, como: auto-
tária comum (1/6.000) caracterizada por hipos- fagocitose desencadeada por álcool, radiação e
segmentação nuclear neutrófila, sem comprome- antibióticos; fagocicose bacteriana e fúngica, ge-
timento da função celular; ralmente maiores que os de autofagocicose, e fre-
• pseudopelger-Huet - anormalidade adquirida; os qüentemente associados a granulações tóxicas e
neurrófilos são hipossegmentados, geral mente hi- corp úscu los de Dohle;
pogranulares, com freqüente comprometimento • necrobiose - célula apoptótica, com aspecco de
da função celular. Associa-se a doenças consuptivas, núcleo explodido, com cicoplasma pálido e com
reações medicamentosas, infecções, mielodisplasia, pouca ou nenhuma granulação.
leucemia mielóide crónica e leucemias agudas;
• hipersegmentação - pode ser hereditária (sem
significado clínico) ou adquirida, como nas defici- O LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO DA
ências de vitamina B12 e/ou ácido fálico. VARIAÇÃO DOS NEUTRÓFILOS

A investigação laboratorial das variações quantitativas


Alterações morfológicas do citoplasma dos neutrófilos dos neutrófilos deve ser individualizada pela apresenta-
ção clínica e pela gravidade da neurropenia/neutrofilia.
• anomalia de Alder-Reilly - anomalia hereditária Na propedêutica da neutropenia, todo esforço deve
que cursa com diminuição da degradação de mu- ser feico na avaliação clínica para tentar identificar:
copolissacarídeos, gerando deposição de lipídeo • qual(is) dos compartimentos da cinética dos neu-
no citoplasma do neutrófilo. Esses corpúsculos trófilos está(ao) comprometido(s) (medular, peri-
de Alder-Reilly são metacromáticos e podem ser férico, extravascular);
confundidos com granulações tóxicas. O distúrbio • tempo de evolução da alteração (hereditária x ad-
pode estender-se aos eosinófilos e basófilos; quirida);

Investigação laboratorial do paciente com desordem leucocitária 309


Quadro 27.5 - Alterações qualitativas dos neutrófilos Na avaliação inicial de um paCiente neutropênico é
impresCindível defin1r se há cménos para diagnóstico de
Hereditárias Adquiridas neutropenia febnl. situação na qual a conduta terapêu-
Nucleares Nucleares tica é uma emergência médica e a propedêutica para
Anomalia de Pelger-Huêl Pseudopelger-Huel esclarecimento da etiologia deve ser empregada com
urgência. Além disto, é imperioso definir se neutropenia
Hipersegmentoçõo heredi- Hipersegmentoçõo megolo-
é isolada (selet1va) ou assoctada a outras citopenias (bt
lária blástica
ou pancitopenia). Isto porque, excetuando as situações
Necrabiose
indu bitáveis de deficiência de vitamina B12 e/ou folato ou
Citoplasmáticos Citoplasmáticos h1peresplenismo. a neutropenia não seletiva é um forte
Sí11drome de Chédiad-•gashi G ranulação tóxico indicador de comprometimenw medular e da necessi-
dade do estudo da medula óssea por meio mielograma,
Anomalia de May-Hegglin Corpúsculo de Dóhle
biópsia de medula óssea. análise do cariótipo da medula
Gro'lutação de Alder-Re lly Degranulação óssea. imunofenmipagem para determinação de popula-
ção clonai e análise das alterações genéticas moleculares,
Vacuolização
de acordo com a indicação clínica. Estes exames não de-
vem fazer parte da rotina da avaliação de um paCiente
neutropênico e o emprego deste arsenal laboratorial está
condicionado às hipóteses diagnósticas feitas por meio
• repercussão clínica (infecções recorrenres. gravi- da história clínica e exames laborawriais iniciais simples
dade das infecções); como o hemograma automatizado e a avaliação morfo-
• grav1dade da neutropenia. lógica das células. Nas neutropenias seletivas raramente
estão indicados e a propedêutica adicional é orientada
Para tanto, é necessária uma busca ariva destes acha- pela gravidade da neutropenia e repercussão clínica.
dos clínicos. que podem direcionar o raciocínio diagnós- A avaliação do hemograma auwmatizado e do es-
tico e estabelecer a propedêutica laboratorial. necessária fregaço de sangue periférico com contagem manual
para cada caso. Esta busca é realizada na anamnese e no da diferencial de leucóciws é o primeiro e um dos mais
exame fís1co. É imporcante, entre outras: im portantes passos laboratoriais dessa investigação. É
• avaliação do crescimento e desenvolvimento e simples. não oneroso e de amplo acesso. É importan-
anormalidades no fenóti po (hereditária?); te verificar o volume corpuscular médio das hemácias
• história fa miliar, idade de início e hemogramas an- (VCM). Macroovalóciws. alterações morfológicas dos
teriores (fa miliar? crônica7); neutrófilos (hi pogranulação, hipossegmentação, hiper-
• exposição a drogas (associada a drogas?); segmentação) podem sugerir comprometimento me-
• Radiação ionizante e terapia mielmóxica (lesão dular com distúrbios de maturação/diferenciação por
medular?); diversas causas. Dependendo desses achados, associa-
• aftas. infecções periódicas, hemogramas seriados dos aos dados clínicos, podem ser necessárias dosagens
com contagens oscilantes (cíclica?); de vitamina 812. ácido fálico e seus metabóliws. bem
• grupos de risco para infecções por vírus B e C da como o estudo da medula óssea citado.
hepatite e HIV (associada a infecções?); Nas neutropenias imunes. o uso de testes para detec-
• sintomas e sinais sugestivos de doenças reumáti- ção de anticorpos am1neutrofíhcos não é multo empre-
cas (imune7); gado na prática médica porque a incidência elevada de
• achados físicos assoCiados como palidez. petéq uias resultados falso-positivos pode complicar a Interpreta-
e equimoses. adenopatias. hepatoesplenomegalia, ção. Além dtsto, os neutrófilos são células frágets e ten-
atrofia de papi las linguais (distúrbio medular não dem a agluttnar. espontaneamente. in vttro e sofrer lise
seletivo?); celular durante a manipulação laboratorial. Isto explica
• tipo. gravidade e freqüência das 1nfecções (benigna?). os anticorpos detectados em certas populações de não

310 [ Medicina laboratorial para o clínico


neurropênicos bem como a ausência de correlação entre contêm grânulos específicos com características catiô-
o nível do anticorpo derecrado e o grau de neutropenia. nicas responsáveis tanto pela típica coloração quanto
Em relação à investigação da neuuofilia, a história clí- pelas funções celulares.
nica e o exame físico permanecem indispensáveis para A associação entre eosinófilos e doenças alérgicas é
guiar a propedêutica laborarorial. Na maioria das vezes a conhecida há anos. Um achado freqüenre nas vias aére-
causa rorna-se aparente e é, geralmente, um processo in- as de asmáticos é um aumemo no número de eosinófi-
feccioso agudo. Aqui também a análise manual da conta- los ativados que rem cerra correlação com a gravidade
gem diferencial de leucóciros é desejável. lsro é necessário da doença. Apesar dos eosinófilos estarem intimamen-
para definir a proporção e o ripo de formas imaturas. a te associados com a parogênese das doenças alérgicas,
presença ou ausência de desvio para a esquerda escalo- não há evidências absolutas da relação causa-efeiro.
nado, a associação ou não com eriuoblasrose, que são Nestas doenças, a eosinofilia geralmeme é menor que
situações, dependendo do quadro clínico, indicadoras 1,5 X 109/L.
de escudo medular. Nas siruações de neuuofilia reacional Dermatite atópica também é associada à eosinofilia e
a um processo agudo, a fosfatase alcalina leucocitána é parece que tais células têm papel fu ndamemal no desen-
elevada, sendo reduzida nas doenças mieloproliferativas volvimento e manutenção do quadro clínico.
crôn1cas. É adequado analisar a morfologia dos neutró- Os eosinófilos têm sido associados a doenças infla-
filos e os achados de granulações tóxicas, vacúolos eira- matórias do trato gastrintestinal como esofagite eosi-
plasmáticos, corpos de Dóhle e desvio para a esquerda, nofílica, gasrremerite eosinofílica e colite eosinofílica.
sugestiVOS de processos inflamatórios agudos (infeccio- Alguns destes casos podem estar associados à alergia a
sos, trauma, pós-operatório), exposição a determinados determinados alimenros. Na gastrenterite eosinofílica a
tóxicos e determinadas neoplasias. associação com eosinofilia é variável.
Nessas situações de estresse agudo há incremenro Os infiltrados pulmonares associados à eosinofilia são
na liberação de glicocorticóide, que induz à demargina- descritos como síndrome PIE (pulmonary injiltrate and
ção dos neutrófilos, eosinopenia e basopenia. Por este eosinophilia) e faz parte de uma vanedade de doenças
morivo, h<ihltualmente esras células estão ausentes no tais como síndrome do infiltrado pulmonar transitório
sangue periférico de pacientes agudamente enfermos. A (Lójjler), angiíte granulomatosa alérg1ca (Churg-Stauss),
presença destas células. neste cenário, deve fazer suspei- aspergilose broncopulmonar alérgica, vasculite de hiper-
tar ou de insuficiência supra-renal associada ou de neo- sensibilidade, reações a drogas, síndrome hipereosinofíli-
plasia com produção 1napropnada de interleucina-5 ou ca e infestações parasitárias.
fator estimulador de colônia granulocítico-macrofágico Eosinofilia também é encontrada associada à exposi-
ou, ainda, de determinadas neoplasias hemarológ1cas ção a tóxicos. Em 1981, na Espanha, ocorreu a epidemia
pnmánas (doença mieloproliferativa crônica, !infamas e da síndrome do óleo tóxico. Era caracterizada por eosl-
algumas leucem1as agudas). nofilia, pneumonite e redução da massa e força muscular.
Estudos revelaram a associação da síndrome com óleo
de cozinha ilegal. Em 1989, nos Estados Unidos, ocorreu
VARIAÇÃO DOS EOSINÓFILOS aumento na incidência da síndrome eosinofilia e mialgia
associada à ingestão de L-triptofano.
EOSINOFILIA As sínd romes hipereosinofílicas idiopáticas (SHE) são
um grupo heterogêneo de desordens, caracterizadas por
A eosinofilia é defin1da por um valor de eosinófilos, elevadas contagens de eosinófilos no sangue periférico
no sangue penférico, acima de 05 x 109 /L. Os eosinó- e tissular que resultam numa grande variedade de com-
filos são produz1dos na medula óssea e a proliferação prometimento orgânico. Em 1975, Chustd et ai. estabele-
e diferenCiação são influenciadas por cirocininas, a ceram critérios diagnósticos, que são:
principal delas é a inrerleucina-5. São células predo- • eosinofilia acima de 1.5 x 109/L por ma1s de seis
m~namememe t1ssulares, com menor proporção de meses. Geralmente alcançam valores superiores a
células circulantes no sangue periférico. Os eosinófilos 50.0 x 109 /L. sem células blásticas;

Investigação laboratorial do paciente com desordem leucocitária 311


• ausência de causas identificáveis para a eosinofilia mecanismos de distribuição dos eosinófilos, acarretan-
após exaustiva avaliação (exclusão de reações de do sua redução no sangue periférico. Exemplos dessas
hipersensibilidade, infecções parasitárias, neopla- situações são infecções agudas, neoplasias dissem inadas,
sias, exposição a tóxicos); trauma grave e pós-op eratório de grandes cirurgias. Au-
• lesões ou disfunções de múlt iplos órgãos, princi- sência de eosinopenia durante um evento bacteriano
palmente coração, sistema nervoso central e pele, agudo deve sugerir insuficiência supra-renal concomi-
relacionados à eosinofilia. Estes envolvimentos são tante ou doença mieloproliferativa.
extremamente variáveis desde relativamente as-
sintomático à endomiocardiofibrose fatal.
Quadro 27.6 - Classificação dos subtipos de síndro me hi-
Atualmente, com os avanços na bio logia m olecular pereosinofílica

e imunologia, têm sido identificados subtipos distintos


de SHE, com epidemiologia, patogênese e prognósticos Variante mieloproliferativa
diferentes. São classificadas como variantes mieloprolife- Evidências definitivas

rativas e linfoproliferativas baseadas em evidências defi- Presença de gene d e fusão FIPlll-PDG FRa
nitivas e supor tivas (Quadro 27.6).
Clonalidade eosinofílica demonstrado por citogenético ou
Eosinofilia também pode ocorrer associada a neo-
outro método
plasias hematológicas primárias (linfóides e mielóides) e
Evidências suportivas (presença de quatro ou mais das
carcinoma broncogênico. A eosinofilia associada à neo- evidências a seguir)
plasia pode preceder o diagnóstico da malignidade. Aumento do nível sérico de triptase
Nos indivíduos portadores de AIDS, eosinofilia é
Aumento do nível sérico de vitamino B12
com umente encontrada, provavelmente secundária a
infecções parasitárias ou reações ao uso de sulfame- Esplenomegalia
toxazol-trimecop ri m. Além das sulfas, outras drogas
Anemio, trombocitopenio
est ão correlacionad as com eosinofilia tais como inter-
leucina-2, facor estimulador de colónias granulocítico- Aumento d o número de precurso res mielóides circulantes

macrofágico, ni t rofu rancoína, p enicilinas e tetraciclina, Eosinófilos displósicos


entre outras.
Mielofib rose
Infecções por helmintos são as causas mais comuns
de eosi nofilia, moderada a acentuada. A relação entre Aumento do número de mastóc itos no medula óssea
invasão tissular por helmintos e eosinofilia é pro por-
Variante linfoproliferativa
cional e tem sid o reconhecida há anos. Nas infecções
bem localizadas ou unicam ente intralu minal, a eosino- Evidências definitivas

fi lia pode estar ausente. A despeito disso, o papel dos População de células T aberrantes, definido por imunofenótipo
eosinófilos nas infecções por helmincos perman ece
Rearran1o clonai de células T definido s por PCR
controverso. As infecções por protozoários, com exce-
ção de lsospora belli e Diemamoeba fragilis, não estão Aumento do produção d e c ito cinos eosinofilopoéticos
associadas a eosinofilia.
Evidências suportivas

Aumento de imunoglobulino E

EOSINOPENIA Manifestações cutâneo s p redominantes

História de otopio
Eosinopenia isolaoa geralmente é um evento secun-
dário a situações clínicas que cursam com aumento da Responsivo aos esteróides
liberação de glicocortlcóides, prostaglandinas, adrena lina
e outras citocininas. Estes mediadores interferem nos

312 [ Medicina laboratorial para o clín ico )1-- - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - -


A eosinopenia primária habicualmente ocorre nos ca. mielograma e b1ópsia de medula óssea (avaliação da
estados de falência medular e está associada a outras celularidade. fibrose e alterações quantitativas e qualita-
cicopenias. tivas dos eosmófilos na medula). Exames tecnicamente
mais "sofisticados" como cariótipo convencional. biolo-
gia molecular da medula óssea e FISH (anormalidades ci-
O LABORATÓRIO NO DI AGNÓSTICO DA mgené[icas e de[ecção do gene de fusão anômalo) bem
VA RIAÇÃO DOS EOSINÓ FILOS como imunofenotipagem (para detecção de popu lação
clonai aberrante) são necessários nessa avaliação diag-
Os exames laboracoriais que devem ser solicitados nóstica.
na avaliação das variações dos eosinófilos devem obe-
decer a suspeitas clínicas formuladas por meio da aná-
lise dos dados da história clínica e exame físico. Para VARIAÇÃO DOS BASÓFILOS
tanto. é necessário incluir no interrogaróno a avaliação
geográfica e hábicos dietéticas que permitam a avalia- BASOFILIA
ção do risco de exposição a helmincos. Nessas sicua-
ções. restes para documentação de infecções parasitá- A basofilia é a contagem de basófilos no sangue peri-
rias devem ser solicitados. tais como exame de fezes férico superior a 0.15 x 109/L. Crescentes evidências têm
para pesquisa de ovos e larvas do paras1co e/ou restes sugerido que os basófilos são componentes importan-
sorológ1cos específicos. No entanco. determinadas in- tes na defesa imune contra helmintos. Eles liberam his-
fecções por helm1ntos que cursam com eosinofil1a não tamlna e lnterleucina-4 como resposta a infecções por
apresentam o parasico nas fezes. Por isco. exames de fe- helmintos e participam da resposta imune. No entanto.
zes negativos não excluem a helmintíase como etiolo- a basofilia ocorre raramente nas infecções parasitárias e
gia da eosinofilia. Nas sicuações de forre suspeita clínica. não é um marcador útil na suspeita de paras1Lose.
a realização de biópsia de determinados tecidos (por Há correlação entre basofilia e uma variedade de doen-
exemplo, para diagnóstiCO de rriquinose). demonstra- ças alérgicas. principalmente rinire alérgica. polipose nasal,
ção do parasico no sangue periférico (por exemplo. asma. dermatite arópica e alergia a derermmadas drogas.
nas filarioses) e med1da de anticorpos específicos (por A assooação com doenças hemacológicas é bem
exemplo. para coxocaríase) podem ser adequados. descma e. de forma geral. está relaoonada a prognóstiCO
Por me1o da história clínica e exame físico é possí- desfavorável. Basofilia pode ser encontrada nas leucemias
vel direcionar o raciocínio para o d1agnósrico dos es- transitórias associadas à síndrome de Down. na leucemia
tados de hiperrearividade imune. doenças sisrêmicas megacarioblásrica. nas leucemias agudas com rransloca-
com compromerimenw gasrrimesrinal e pulmonar. ções cromossômicas específicas. nas doenças mieloproli-
bem como a associação com exposição a determ ina- ferativas crôn1cas e na mascociwse sisrêmica. Na leucemia
das drogas. Geralmente essas situações prescindem mielóide crónica a basofilia absoluta é invariavelmente
de propedêutica laboratorial complementar para de- presente e pode preceder as manifestações clínicas.
finição da eosmofilia.
Nas suspeitas clímcas de síndromes hipereosinofílicas
o laboratório Lem papel muiw importante e decisivo O LABORATÓRIO NO DIAGNÓST ICO DA
no diagnóstico. Os exames laboraconais são indispen- VARIAÇÃO DOS BASÓFILOS
sáveis no esrabeleomento dos critérios para defin1ção
dos subtipos. A avaliação complementar requer. então. A precisão da conragem automática dos leucócicos
hemograma aucomatizado (para avaliação de citopenias é maior que a manual. No encanto. o aumemo da por-
associadas). contagem manual da diferencial dos leucó- cenragem de basófilos detectado nos contadores auco-
cicos (observação das características morfológicas como máricos muico freqüentemente está relacionado com
eosinófilos displásicos. granulações anómalas). dosagem pseudobasofiha e não sign1flca uma verdade1ra basofilia. É
de lgE sénca. dosagem de vitamina Bl2 e mptase séri- necessário confirmar as contagens elevadas pelo método

lnves[igação labo rawrial do pacience com desord em leucoci[ária 313


manual. Este é o passo laboracorial primordial na avalia- podem ser sueis e a intervenção terapêutica reduz a taxa
ção da basofilia. Como a basofilia geralmente faz parte de morbimortalidade.
de um quadro clínico e laboratorial associado a outras O defeito do sistema mononuclear fagocitário pode
anormalidades, o restante da investigação será direciona-
do pelas hipóteses clínicas. Quadro 27.7 - Causas de monocitose

Infecções bacterianas
tuberculose, endocard ite bacteria na subag udo, micobacterio-
VARIAÇÃO DOS MONÓCITOS E MACRÓFAGOS ses, sífilis, brucelose

Fase d e recuperação d e infecções ag udas e ag ronulocitose


Os monócitos, macrófagos e suas células precursoras
são os componentes do sistema mononuclear fago- lnfeccções por pro tozoários
ma lá ria , tripanossomíase, Ca lazar
citário. Este sistema é essencial para a vida e cumpre
importantes e versáteis funções, tais como remoção de Neoplosio s
ma ma , estô mago e ovário
células mortas, senescentes e estranhas; regulação da
função de outras células imunes e hematopoéticas por Doenças auto-imune
artrite reumatóide, lúpus eritemotoso sistêmico
meio da síntese de citocininas; processamento e ap re-
Doenças granulomatosa s
sentação de antígenos nas reações imunes; fagocitose
sarcoidose, retocolite ulcerativo, enterite regio nal, do ença de
de microrganismos e células neoplásicas; remodelamen- Chron, pa racoccid ioidomicose
to ósseo, entre outras.
Terapia crônica com doses elevadas de esteróides

A monocitose é conceituada como a contagem ab-


soluta de monócitos no sangue periférico superior a 0,8 ser devido ao comprometimento da função dos macró-
x l 09 /Lem crianças e a 0,5 x 109/L nos adultos. fagos ou da função esplênica.
O sistema mononuclear fagocitário participa de to- No comprometimento da função macrofágica são
das as reações inflamatórias granulomatosas e é por este descritas doenças que apresentam defeitos no eixo
motivo que a monocitose é freqüente nos pacientes interferon-interleucina-12 e cursam com aumento de
com doenças infecciosas granulomatosas (tuberculose, incidência de infecções disseminadas por microrganis-
sífilis, infecções fúngicas, brucelose, endocardite bacte- mos intracelulares (micobactérias, principalmente) ma-
riana subaguda, entre outras), doença intestinal inflama- nifestadas desde a infância. Não ocorre a formação de
tória e sarcoidose. Determinadas doenças neoplásicas granulomas. Têm herança genética variável e podem ser
podem cursar com monocitose discreta como linfoma autossômicas dominante ou recessiva.
de Hodgkin e adenocarcinomas. Nas leucemias mielo- Em relação ao comprometimento da função es-
monocíticas crónicas a monocitose excede a 1,0 x 109/L plênica, esta pode ocorrer pela ausência congênita do
e é persistente. O Quadro 27.7 reúne as causas mais fre- baço, após esplenectomia ou por hipofunção (hemo-
qüentes de monocitose. globinopatias, oclusão vascular). Há, então, perda ou
redução da função dos macrófagos esplênicos, com
conseqüente aumento da susceptibilidade a infecções
ANORMALIDADE FUNCIONAL MONOCÍTICO por bactérias capsuladas.
MACROFÁGICA

O sistema fagocitário mononuclear é um dos com- O LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO DA


ponentes do sistema de defesa do hospedeiro. Defeitos VARIAÇÃO DOS MONÓCITOS E MACRÓFAGOS
fagocitários pri mários precisam ser incluídos no diag-
nóstico diferencial das febres e infecções recorrentes nas A rotina laboratorial na investigação da monocitose é
crianças e, ocasionalmente, nos adultos. O diagnóstico orientada pela história clínica e exame físico que formu-
precoce é essencial porque as manifestações infecciosas larão as suspeitas diagnósticas. É importante buscar evi-

314 ( Medicina laboratorial para o clínico )f---- - -- - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - --


dências clínicas das principais causas de monociwse, ou O Quadro 27.8 apresenta as principais causas de lin-
seja, doenças infecciosas e não infecciosas granulomaw- focitose.
sas, doenças mieloproliferativas e ourras neoplasias.
A análise do hemograma para determinação da con-
tagem global de leucócitos, da associação com outras LI NFOPENIA
ciwpenias, desvio para a esquerda e presença de células
imaturas associados à inpressão clínica são fundamen- A linfopenia é considerada a contagem de linfóc itos
tais para orientar a necessidade ou não de futu ra pro- no sangue periférico inferior a 1.5 x 109/L. A população
pedêutica específica, como estudo de medula óssea. A de linfócitos é heterogênea e é constituída por células
análise do mtelograma, cariótipo de medula óssea e es- com diferentes ongens, meia-vida. localização e fu nção.
tudo molecular estarão indicados nas suspeitas clínicas Habitualmente, cerca de 20% dos linfócitOs periféricos
de doenças mieloproliferativas (agudas ou crônicas), mas têm o imunofenótipo B e 70% têm o imunofenótipo T.
não devem ser empregadas rotineiramente nas suspeitas
de doenças granulomarosas.
Na suspeita clínica de anormalidades funcionais do Quad ro 27.8 -Causas de linfocicose

sistema monocírico macrofágico. é importante a deter-


Infecções agudas
minação do defeitO genético. A análise do esfregaço do
sangue periférico é útil na detecção de corpos de Howe/1- Coqueluche
jo//y, corpos de Pappenheimer. células em alvo que são
Mononucleose infeccioso pelo EBV
indicadores de hipoesplenia e asplenia.
HepOii es virais

Linfocitose infeccioso agudo


VARIAÇÃO DOS LINFÓCITOS
Infecções crônicas

LINFOCITOSE Brucelose

Tuberculose
A linfocirose é definida como a contagem absoluta
no sangue periférico ao ma de 5.0 x 109/L. As crianças Sífi11s secundário

têm maior proporção de linfócitos que os adulros. Sífilis congênilo


A causa mais comum de linfociwse é infecção viróti-
Desordens hemato p oéticas
ca. Quatsquer tnfecções viróticas podem cursar com lin-
focicose. Geralmente. valores superiores a 15,0 x 109/Lsão l eucemia linfóide crônico
encontrados na mononucleose infecciosa, enquanto que
Tricoleucemio
valores moderados. abaixo de 15.0 x 109/L, são usuais nas
outras viroses. tais como sarampo, varicela. hepame. ade- Alguns linlomos

novirose. caxumba, ciromegalovirose. entre outras. Doença de cadeia pesado


Raramente as infecções bacterianas causam linfocito-
Linfocitose relativa
se. A coqueluche é uma dessas exceções. Usualmente, a
contagem leucocitária global varia de 15,0 x 109 /L a 30,0 Coxumoo
x 109/L. sendo 80% pequenos linfóci ros. Outras doenças
Rubéola
infecciosas eventualmente podem evoluir com linfocito-
se moderada. Tireolox,cose

Atualmente, o diagnóstico de leucemia linfóide crê- Fase de convalescença de infecção agudo


nica é feiro com contagem de linfócitOs acima de 5,0 x
Mo1orio dos situações associados o neuhopenio
109/L, assooada ao imunofenótipo característico.

Investigação laboratorial do paciente com desordem leucocitária 315


Tamo a redução na produção quamo o aumento na mononucleose infecciosa pelo EBV, cicomegalovirose e
destruição ou alterações no tráfego dos linfóciros po- infecção por HIV.
dem ser responsáveis pela linfopenia (Quadro 27.9). Essas
anormalidades podem ser adquiridas ou congênitas.
A causa mais freqüenre de red ução na produ- Quadro 27.9 - Causas de linfopen ia

ção de linfócitos é a desnutrição protéico-calórica.


Anormalidades na produção de linfócitos
Desnucrição grave causa at rofia de todos tecidos
linfóides. sendo a imunidade celular mais compro- Desnutrição p roléico-colórico
metida que a humoral.
lmunossupressão
Agentes imunossupressores. bem como radiação io-
nizante, podem lesar as cél ulas progenitoras e compro- lmunodeficiência congênito ou o dquirda
meter a replicação e diferenciação dos linfóciws. culmi-
Infecções virais
nando com linfopenia.
Algumas infecções viróticas podem evoluir com lin- linfomo de Hodgkin

fopenia secundária à infecção das células linfóides (sa-


rampo, pólio, varicela, AIDS).
Nas síndromes de imunodeficiência primária, a res- Doença gronuloma toso sistêmico

posta imune está comprometida por alterações comple- Q uimioterapia citostálica


xas e heterogêneas nos mecanismos regulatórios imu-
nes. Radiação

O tráfego dos linfócitos está comprometido nas si- Reo çã o d "ossincrósica o drogas
ruações de resposta endócrina-metabólica ao esuess
agudo (trauma. cirurgias, infecções. hemorragias). Ocorre Alterações no tráfico de linfócitos

redistribuição dos linfócitos no sangue periférico devido Cirurgia


a elevados níveis de gltcocorticóide endógeno. O uso de
Trauma
glicocorticóide exógeno é, também, causa de linfopenia.
A presença de anricorpos antilinfócitos associada a Hemorra g1o
doenças auto-imunes e/ou infecções viróticas é respon-
Infecções agud os - bacterianos. fúngicos e vira is
sável pelo aumento da destruição de linfócitos As lesões
da solução de continu dade de estruturas que compõem Aumento d e glicocorticóides
os órgãos linfóides, tais como lesão do ducro wrácico e
Doença gronulomatoso sistêmico
enteropatia perdedora de proteínas. são responsáveis pelo
aumento da perda de linfócitos, determinando linfopenia. Li nfoma de Hodgkln

Destruição ou perda de linfócitos

ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS DOS LINFÓCITOS lnlecçõ o virai

Destruição mediada por anticorpos


A linfocitose atípica é tida como uma linfocitose ab-
Enteropa tia perdedora de p ro teínas
soluta com mais de SO% de linfócitos. sendo que 10%
ou mais têm morfologia atípica. Essas células atípicas va- Insuficiência ventricular direito crãnico
riam no tamanho e forma. têm um núcleo que pode ser
Ruptura de aucta torácico
oval. reniforme ou lobulado e o citoplasma geralmente
é abundante, vacuolizado e não é granulado. Por meio Circulação extrocorpóreo
da imunofenotipagem, essas células foram identificadas
Doença do enxerto contra hospedeiro
como linfócitos T-CD8 positivo. Este quadro é inespecí-
fico e encontrado em várias infecções viróticas. como

316 ( Medicina laboratorial para o clínico


O LABORATÓRIO NO DIAGNÓSTICO DA da série vermelha (eritroblastos) e/ou células muito
VARIAÇÃO DOS LINFÓCITOS imaturas da séri e branca (reação leucoemroblásti-
ca). Exceto nas si tuações de recuperação de anem ia
Os exames laboracoriais devem ser solicitados basea- hemo lític a aguda grave. infecções agudas graves e
dos na suspeit a clínica. múltiplas fraturas, a reação leucoeri uoblásrica su-
É essencial a avaliação microscópica da comagem gere com promecimemo, primário ou secundário.
d1ferencial de leucócicos para análise adequada da mor- da medula óssea.
fologia dos linfócicos, com atenção para os linfócicos Um dos aspeccos imporrames da detecção de rea-
acípicos e formas anormais, como as enconuadas nas ção leucemó1de é o diagnóstico diferencial com leuce-
leucemias de células pilosas. linfomas T cutâneos e ou- mia mielóide crônica (Quadro 27.10).
eras desordens linfoproliferanvas.
A propedêut ica laboracorial deve seguir o raciocínio
clínico, feico por meio da anamnese e exame físico, para Quadro 27.10 - Diagnóstico d iferencial entre reação leuce-
mó1de e leucemia m 1elóide crônica
definir a necessidade de exames sorológicos confirma-
cónos de infecções virócicas; investigação específica de
Caracter ísticas Reação Leucemia mielóid e
determinadas infecções (wberculose, sífilis e febre t ifói- leucemóide crônica
de, emre ouuas); imunofenmipagem do sangue periféri-
Clínicas
co para definição das proporções das subpopulações de
linfócicos (como na AIOS) e/ou presença de linfocicose Febre e outro s rnonifes- cornurnente inlreqüente
loções de processo ·n· presente
clonai (doenças linfoproliferacivas). ;larnotório I nieccioso
A necess1dade de testes ad1oonais, como mielogra- agud o ou suboguao
ma, biópsia de medula óssea. cariót ipo. escudo molecular Esplenomegalia ausente p resente
bem como mécodos de imagem só devem ser reali zados
Hepatornegal o ouserte prese~·e
se, na avaliação do diagnóstico diferencial clínico, forem
julgados impresondíveis. Infiltração local ausente pod e estar presente

Sangue periférico

Reoção •eucoeritro- cornumente presente


REAÇÃO LEUCEMÓI DE
blóstico presente

Desvio "1a'urot"vo escalonado não escalonado


A leucocicose é o aumemo no número de leucóci- grorulocit•co
cos globais aoma de 11,0 x 109/ L e é uma siwação co- ausente oresente
Célula blóstica
mum na prática m édica. A análise m orfológica, a partir
Bosofilio ausente comumente presente
da microscopia. é fundamemal para determinar o com-
ponence celular responsável pelo aumemo dos glóbulos Fosfatase alcalina aumentado ausente ou dim1nuído
brancos. bem como para guiar a investigação laboraco - de neutrófilos
rial necessária para o diagnóstico. AnomaJ,os c tológ,co s ausentes presentes
Reação leucemóide é a leucocitose acima de
Medula óssea
25,0 a 30,0 x 10 9 /L por alguns autores e de 50,0
x 10 9/L por o utros. G era lmenre. é reacional a li- Fibrose ousenle p1esente
beração de várias ci tocininas nas situações de in-
Alterações moleculares
fla mação aguda e subaguda, tais como infecções.
cirurgias, traumas. intoxicações e determ inadas ne- ti9,22l ausente presente

oplasi as. Caracteriza-se por leucocitose neutrófila ausente presente


Gene de fusão bcr/
com desvio à esquerda escalonado. Os pacienres obl
não têm doença medular primária e, h abitualmen-
te, não h á. no sangue periférico, células nucleadas

Investigação laboratorial d o paciente com d esordem leucocitária


317
CONSIDERAÇÕES FINAIS
detecção de células anormais e imaruras. Esta etapa é
fundamental e muito importante na avaliação laborato-
O papel do laboratório na avaliação do paciente rial das desordens leucocirárias, porque as informações
com variações nas contagens dos leucócims é com- obtidas confirmam a existência da alteração e governam,
plementar às informações clínicas obtidas por meio da associada à clínica, a futura propedêutica.
anamnese e exame físico.
Os exames laborawriais inicialmente necessários REFERÊNCIAS
são simples, acessíveis, sem dificuldades técnicas e per-
1. Mitre E. Nutman TB. Basophis. basophilia and helminth
mirem ou a defin ição diagnósrica ou determinam a
infections. Chen lmmunol Allergy. 2006;90:141-56
necessidade de propedêutica mais complexa num nú- 2. Rodak BF. Hemawlogy: Clinical principies and applica-
mero resrrim de pacientes. rions. 2nd ed. Pennsylvania: Elsevier Science; 2002.
Arualmente, os métodos automáticos para obtenção 3. Sh1bata K, Watanabe M, Yano H, Funa1 N, Sano M. lm-
portance of basophilia 1n haematopo1enc d1sorders. Ha-
da contagem diferencial de leucócitos reduzem o rem-
ematologia. 1998;29(3):241-53.
po e o custo dos exames, com aumento da acurácia. No 4. Swck W, Hoffman R. White blood cells 1: non-mal1gnanr
entanto, a análise automática é incapaz de identificar disorders. Lancet. 2000;355:1351-57.
e classificar rodos os :ipos celulares e é insensível para

318 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - - - - - - - -- - - - - - - -- - -- - - -- -- -


Evandro Maranhão Fagundes

28
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM MIELODISPLASIA

As síndromes mielodisplásicas (SMD) são doenças 281). É importante para o diagnóstico a existência de
caracterizadas por alterações genéticas adquiridas nas displasias em pelo menos duas linhagens celulares. São
células-tronco hemaropoéticas que provocam insufici- consideradas displasias: erirropoese megaloblastóide,
ência da medula óssea ou morte premawra das células maturação celular assincrônica do núcleo e citoplasma
(hemawpoese ineficaz). O resultado é o surgimento de nas linhagens eritrocítica ou granulocítica e alterações
citopenias com pmencial importante de morbimorta- morfológicas na linhagem megacariocítica.
lidade e elevado risco de transformação para leucemia
aguda, usualmente do tipo mielóide. A doença pode Quadro 28.1 - Classificação FAB para mielod1splasias
surgir de novo ou pode seguir-se à exposição a agentes
mutagênicos, como quimioterápicos e radioterapia para Tipo Características
tratamento de neoplasias. Anemio refrolória (AR) Medula óssea com < 5% de
As síndromes mielodisplásicas acometem tipicamen- bloslos
te o paciente idoso. A idade mediana no momento do Anemio refrotório com Medula ósseo com < 5% de
sideroblaslos em anel (ARSA) blaslas e ::2: 15% de sidero·
diagnóstico é de aproximadamente 69 anos e a incidên-
blaslos em anel
cia pode atingir até 30 casos em cada 100.000 pessoas
Leucemia mielomonocílico ~ 20%de blaslos na medula
com idade igual ou maior que 70 anos. crõnica (LMMC) óssea e > 1.000 monócilos/
Os mecan ismos envolvidos na etiopatogenia são o mm3 no songue periférico
aumento de apoprose e a elevação da produção de ci- Anem1a refralária com 5% a 20%de bloslos na
excesso de bloslos (ARES) medula óssea
roquinas inibitórias da hematopoese, como o fawr de
necrose tumoral alfa (TNF-alfa) decorrente do aumento Anemia refralório com 21% o 30% de bloslos no
excesso de bloslos em medula óssea
da angiogênese (neoformação vascular). No processo de lransformação (AREB·T)
evolução da doença para leucemia aguda, ocorre dimi-
nuição de apoprose e expansão do clone anormal.

A classificação FAB não considera outras ciropenias


ClASSIFICAÇÃO DAS MIElODISPlASIAS isoladas como diagnóstico de mielodisplasia, nem con-
sidera as alterações cromossômicas ou moleculares que
A classificação Franco-Ameri cana-Bri tânica (FAB), de são de conhecimento mais recente. Para a FAB, o pa-
1982, reconhece cinco tipos de mielodisplasias (Quadro ciente que apresentar ~ 30% de mieloblasws na medu-
la óssea cem o diagnóstico de leucemia mielóide aguda acúmulo de ferro. Ocorre cambém aumenco na incidên-
(LMA). A Organização Mundial de Saúde (OMS) elabo- cia de infecções devido à neutropenia ou anormalidade
rou uma nova classificação em 2001. que acrescenta no- funcional dos neutrófilos. Algum grau de neutropenia
vas siwações hemacológicas e aspectos genéticos. Essa pode estar presente em até 60% dos casos. A plaqueto-
classificação fornece informações prognósticas e auxilia penia e anormalidade funcional das plaquetas são res-
na decisão cerapêucica (Quadro 28.2). É imporrame o ponsáveis por hemorragias que podem ocorrer em cerca
reconhecimento, pela OMS, da possibilidade de mie- de 40% dos pacientes.
lodisplasia mesmo quando existe displasia em apenas Como esses achados não são específicos de SMD, a
uma linhagem celular, quando não ocorre anemia, mas avaliação de um paciente com essa suspeita diagnósti-
se verifica outra citopenia; e da dificu ldade de diferenciar ca deve excluir outros distúrbios que possam provocar
entre síndromes mieloproliferativas e mielodisplasias. A tais sinais e sintomas. Assim, a história clínica deve in-
classificação define LMA como neoplasia com ; : : 20% de vestigar: exposição prévia a agentes quimiorerápicos ou
mieloblastos na medula óssea. Essa questão tem impor- irradiação; história familiar de SMD ou LMA; relatos de
tante implicação terapêutica. infecções recorrentes e/ou hemorragias; e história de al-
coolismo ou consumo/exposição a drogas. No exame
Quadro 28.2 - Classificação OMS para mielodisplasias físico deve-se procurar hepatomegalia e esplenomegalia,
além de palidez.
Tipos Características
Anemio refrotó rio com displo· Necessário observação por
sio em uma único linhagem seis meses e exclusão de ABORDAGEM lABORATORIAl
outros doença s
Anemio refrotório com <5% d e blostos, micromego·
síndrome 5q· coriócitos no medula ó sseo
A SMD caracteriza-se por alterações displásicas nas
e trombocitose no sangue células do sangue. Essas alterações são observadas à he-
periférico
matoscopia do sangue periférico e à análise do esfregaço
Citopenio refro tório corr dis· Requer displosio em mais de de medula óssea no mielograma.
plosio em múltiplos linhagens umo linhagem celular
Anemio refrotório com Displosio em pelo menos
sideroblostos em anel uma linhagem. ~ 15% d e
sideroblo stos em anel HEMOGRAMA
Citopenio refrotório com dis- s 10% de blostos
plosio em múltip lo linhagem e A anemia usualmente é normocítica e normocrô-
sideroblostos em anel
mica, mas pode ser macrocítica e, no caso da anemia
Anemio refrotó rio com > I 0% d e blostos
excesso de blo tos I
refratária com sideroblastos em anel, pode ser microcíti-
A nemio refrotório com Mielodisplosio: leucócitos
ca. É comum a presença simultânea de hemácias macro
excesso d e blostos 11 s l3.000/mm3 e microcíticas. Os macrovalócitos são as anormalidades
Síndrome mielodisplósic::J/ M ieloprolifero tivo: leucóci- eritrocitárias mais bem reconhecidas na mielodisplasia.
mieloprolifero tivo tos> 13.000/mm3 Outro indicativo de displasia de linhagem eritrocítica é
Formo nã o classificad o a existência de hemácias em lágrimas, eritroblastos, pon-
teado basófilo e corpos de Howeii-Jolly. A anemia geral-
mente está associada à baixa contagem de reticulócitos.
MANIFESTAÇÕES ClÍNICAS Na linhagem granulocítica, observa-se neutropenia,
mielócitos e metamielócicos circulantes. Os neutrófilos
podem apresentar hi pogranulação no citoplasma ou
Os principais sinais e sintomas do paciente com mie- eventualmente grânulos grosseiros. A segmentação do
lodisplasia estão associados à anemia, o que é observado núcleo é freqüentemente reduzida e essa anormalidade
em até 80%dos casos. Os pacientes freqüentemente são é conhecida como pseudoPelger-Huet. Células imaturas
dependentes de transfusão de hemácias e apresentam (blastos) podem ser vistas no sangue periférico. Basto-

320 ( Medicina laboratorial para o clínico


netes de Auer no citoplasma de células imaturas, ocor- A biópsia de medula óssea complementa as ln-
rênCia mais comum na LMA. é indicativa de AREB-T. O formações obtidas pelo mielograma e fornece outras.
aumento de monócitos é comum e pode ocorrer em Trata-se do exame mais adequado para avaliar a celula-
outras formas de SMD, além da LMMC. Nesta última, ridade e para verificar a localização dos elementos ima-
porém, a monocitose > 1.000/mm3 no sangue periférico turos, fibrose, agregados e infiltração de linfócitos. Os
é um pré-requisito para o diagnóstico. precursores hemaropoéricos mielóides normalmente se
Na linhagem plaquetána, as alterações quantitativas localizam nas áreas paratrabeculares da medula óssea.
são freqüentes. A rrombocitopenia ocorre com gravida- Nas SMDs podem estar localizados nas áreas centrais da
de variável e a rrombocicose é menos comum e geral- medula, o que é conhecido como loca lização anormal
mente está associada a uma síndrome específica carac- dos precursores imaturos (ALI P). Os ALIPs podem ser
tenzada pela deleção do braço longo do cromossoma 5, encontrados em qualquer tipo de SMD, porém são mais
a chamada síndrome do 5q-. As alterações morfológicas freqüemes nos casos mais avançados e com risco mais
apresentam plaquetas gigantes e formas hipogranulares. alto de transformação leucêmica.

MIELOGRAMA E BIÓ PSIA DE MEDULA ÓSSEA IMUNO FENOTIPAGEM

Na avaliação do IT'ielograma. deve-se contar no A imunofenotipagem por citomeuia de fluxo pode


mínimo 200 células e 20 megacarióciotos para que auxiliar na distinção entre blastos de origem m1elóide e
os aspectos displásicos possam ser observados. As blastos de origem linfóide. Porém, isto é raramente ne-
alterações verificadas no esfregaço de medula óssea cessário em SMD. A aplicação mais importante talvez
incluem hiperplasia da linhagem eritrocítica, que se seja em casos nos quais o diagnóstico não ficou bem
apresenta com aspectos megaloblastóides, projeções definido pelo mielograma, biópsia de medula óssea e/
citoplasmáticas. pontes imercitoplasmáticas, vacúolos ou citogenética. A imunofenoripagem pode ser impor-
no citoplasma, multinucleação e destruição prematura tante na detecção de células monocíticas, uma vez que
do núcleo (cariorrexe). A coloração de azul da prússia estas podem eventualmente ser confundidas com cé-
permite pesquisar a existência de grânulos de ferro no lulas granulocíticas, na avaliação do número de blascos
moplasma do eritoblasto. A célula que contém mais pela análise da expressão do imunofenónpo CD34 e na
de c1nco grânulos é considerada um sideroblasto anor- avaliação de apoptose.
mal. Quando os grânulos de ferro estão dispostos em
volta do núcleo e ocupam mais de um terço do espaço
pennuclear, o sideroblasto é chamado de sideroblasto CITOGENÉTICA CLÁSSICA
em anel. Na linhagem granulocítica, além das altera-
ções descritas no sangue periférico, pode-se observar As anormalidades cromossômicas clonais ocorrem
aumento do número de blastos, assincronismo de ma- em até 50% dos casos de SMD primária e em até 80% dos
turação encre o núcleo e o citoplasma e formas com que são secundários à exposição a drogas e irradiação.
aspecto monocitóide. Os bastonetes de Auer são mais As anormalidades cromossômicas podem ser detectadas
faolmence visualizados no esfregaço de medula óssea pela técnica de citogenética de banda G. Algumas alte-
do que no sangue periférico. Porém, as anormalidades rações estão associadas a síndromes específ1cas, como é
que mais auxiliam no diagnóstico de SMD estão na o caso da síndrome 5q-, que se caracteriza por anemia
linhagem megacariocítica. Estas incluem micromega- macrocítica, contagem de plaquetas normal ou elevada
canóotos, de agrupamentos (c/usters) de megacarió- e megacariócitos anormais. Os pacientes com essa sín-
citos, hipolobulação incluindo formas mononucleares, drome apresentam bom prognóstiCO e tendem a ter boa
formas multinucleadas com dispersão dos núcleos no resposta terapêutica com talidomida. Outras alterações
citoplasma e hipogranulação. As formas hipolobuladas cromossômicas ocorrem na SMD e incluem transloca-
ou mononucleadas são comuns na síndrome 5q-. ções, deleções, inversões e inserções nos cromossomas.

Investigação laboratorial do paciente com mielodisplasia 321


Alterações numéricas como monossomias e trissomias necessárias dosagens das vitaminas B12 e ácido fál ico, do-
também podem ocorrer. A cirogenética é importante na sagem de ferritina sérica, dosagem dos hormônios tireoi-
definição do prognóstico do paciente (ver prognóstico). dianos e TSH, exames de avaliação das funções hepática
e renal, pesquisa de doenças auto-imunes, pesquisa de
hemoglobinúria paroxística noturna e sorologias para he-
ESTUDO MOLECULAR patites virais, HIV, roxoplasmose e cicomegalovírus.

Não é surpresa que inúmeros genes tenham sido


associados à SMD. Estudos de biologia molecular utili- IMPORTÂNCIA DO LABORATÓRIO
7ando técnica de reação de polimerase em cadeia (PCR) NO ESTUDO PROGNÓSTICO
identificaram mutações do RAS, NF1, FMS e fusão do
TEL-PDGFB, enue ouuas alterações. No entanto, diferen- Os pacientes com AREB e AREB-T apresentam, de
temente das leucemias agudas, em que a biologia mole- modo geral. expectativa de vida de cinco a 12 meses, en-
cular tem sido empregada para identificar grupos com quanco aq ueles com AR e ARSA podem viver por três a
prognósticos bem definidos e estabelecer terapêutica, seis anos. A proporção de u ansformação para LMA é de
na SMD a biologia molecular ainda não alcançou sua aproximadamente 50% nos casos de AREB e AREB-T e
aplicabilidade na prática clínica. de menos de 15% nos casos de AR e ARSA.
Em 1997, foi desenvolvido um sistema de escore para au-
xiliar no prognóstico de pacientes com SMD. Esse sistema,
DIAGNÓSTICO E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL que é conhecido como lnternational Prognostic Score Sys-
tem (IPSS), determina quatro categorias de risco de acordo
O diagnóstico de SMD baseia-se na história clínica, com as ciropenias, porcentagem de blastos na medula ós-
exame físico, avaliação do hemograma, do aspirado e bi- sea e alterações cromossômicas (Tabela 28.1). Como a idade
ópsia de medula óssea, além da citogenética. No entanto, do paciente é também um faror prognóstico importante,
as alterações não são específicas e um protocolo de exclu- o IPSS foi ajustado para a idade. A Tabela 28.2 demonstra
são de doenças hematológicas e não hematológicas deve as probabilidades de sobrevida e transformação para LMA
ser estabelecido. Portanto, além desses exames, fazem-se aj ustadas pela idade, de acordo com a categoria do IPSS.

Tabela 28.1 - Sim'ma Internacional de Escore Prognóstico (IP55) para mielodisplasias

Variável de Prognóstico Valor do Escore


o 0,5 1,0 1,5 2,0
% blostos no medula ósseo 5- 10 11 - 20 21 -30
Cariótipo * Bom Intermediário Ruim

Citopenios 0-1 2-3

Categoria de Risco Soma dos Escores


Bo1xo o
Intermediário 1 0,5 - 1,0

Intermediá rio 2 1,0- 2,0

Alto ;;::20

*Canónpo- bom: normal, alteração do Y, dei(Sq), dei (20q); rUim: presença de~ 3 anormalidades ou anormalidades do cromossomo 7; 1ntermed1áno:
rodas as outras anormalidades

322 ( Medicina laboratorial para o clínico )1-------- - - - - - - - - -- - - - -- - - - - - -- -


Tabela 28.2 - Sobrevida e sobrevtda sem u ansformaçào para LMA de pacientes com mielodisplasias, de acordo com o IPSS
aJUStado para a idade

Sobrevida mediana em anos

Idade Baixo risco Intermediário 1 lntermedióro 2 Alto risco

5 60 anos 11.8 5.2 1.8 0.3

> 60 anos 4,8 2,7 1,1 0,5

Sobrevida mediana em anos para tranformação em LMA em 25% dos pacientes

s:; 60 onos 6,7 0,7 0,2

> 60 anos 9,4 2, 7 1,3 0.2

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS


l Bowen D, Culligan D, Jowirr S. Kelsey S. Muftt G. Oscier
As SM Ds são um conjunto de doenças das cél ulas D. et ai. Guideltnes for diagnosts and therapy of adult my-
precursoras hemacopoéticas que apresentam morbi- elodysplastic syndrome. Br J Haemarol. 2003;120(2):187-
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2. Greenberg PL. Baer M R, Bennerr JM. NCCN Pracuce
ção leucêm tca. Seu diagróstico baseia-se num conjunto
Gutdelines for myelodysplas(lc syndrome. verston 3.2006.
de achados clínicos e laboraroriais. Apesar da sofistica- ln: Complete ltbra ry of NCCN Guideltnes [CD-ROM].
ção crescente dos exames complementares, propedêuti- 3. Greenberg PL. Young NS. Gattermann N. Myelodysplas-
cos, a propedêutica mais importante para diagnóstico e tic syndromes. Hematology Am Soe Hematol Educ Pro-
gram. 2002:136-61.
avaliação de prognóstico na SMD é artesanal e consiste
<í. List AF. Sandberg AA. Doi\ DC. Myelodysplas(lc syn-
no exame cuidadoso dos esfregaços de sangue periférico dromes. ln: Greer JP. Foersrer J. Lukens JN. Rodgers GM.
e medu la óssea, da avaliação da biópsia de medula óssea Paraskevas F. Glader B. Winrrobe's Clinical Hemarol-
e a detecção de anormalidades citagenéticas pela banda ogy. ll [h ed. Ph tladelphia: Ltpptncott Wtlltams & Wilktns;
200<í. p. 2207-3<í.
G. A im unofenotipagem e o escudo de biologia molecu-
5. Lorand-Merze I. Contributçao da citomen ia de fluxo
lar podem ser ut ilizados em situações especiais. para o diagnóStiCO e prognÓS(ICO das síndromes mielo-
displástcas. Rev Bras Hematol Hemoter. 2006;28:1 78-81
6. Magalhães SMM, Lorand-Metze I. Síndromes mtelodts-
plástcas: protocolo de exclusão. Rev Bras Hematol He-
moter. 200<í;26:263-7.

Investigação laboratorial do paciente com mielodisplasia 323


Sandra Guerra Xavier
29 Cybele de Andrade Paes
Teresa Bunte de Carvalho

INVESTIGAÇAO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM
LEUCEMIA AGUDA

O termo leucemia aguda refere-se a um conjunto Registras de Câncer de Base Populacional brasileiros va-
heterogêneo de doenças caracterizadas por acúmulo riou entre 1 e 4%. depreende-se que os tumores infantis
clonai de células hemaropoéticas imaturas na medula deverão corresponder a valores compreendidos aproxi-
óssea, que diferem em relação à patogênese. às anorma- madamente entre 4.700 e 19.000 casos novos.
lidades genéticas. às características clínicas e à resposta
terapêutica.
Na medula óssea normal ocorre a hematapoese, pro- CLASSIFICAÇÃO DAS LEUCEMIAS AGUDAS
cesso que envolve a produção contínua dos vários tipos
de células sangüíneas maduras a partir de precursores O objetivo de qualquer sistema de classificação das
imaturos. bem como a regulação balanceada da sua di- leucemias é identificar entidades biológicas distintas por
ferenciação. proliferação e apoptase. A transformação etiologia, mecanismos de leucemogênese. características
leucêmica tem início quando uma dessas células precur- clínico-patOlógicas e prognóstico, visando a traçar estra-
soras acumula alterações que lhe conferem vantagem tégias terapêuticas mais adequadas a cada uma delas.
proliferativa ou de sobrevivência sobre as demais. A cicologia e a cicoquímica são fundamentais no
As leucemias agudas são subd ivididas em leucemia diagnóstico e na classificação das leucemias agudas. A
linfóide aguda (LLA). que tem sua origem em progeniro- avaliação inicial visa à distinção entre leucemia aguda e
res linfóides, e leucemia mielóide aguda (LMA), por sua outro processo neoplásico ou reativo, à diferenciação en-
vez originada em precursores mielóides. tre as LMA e LLA. bem como à sua subclassificação.
No Brasil. assim como em vários países desenvolvi- Nos anos 70, um grupo de hematopatologistas na
dos, não se conhece o número real de casos novos de França. Estados Unidos e Inglaterra propôs um sistema
câncer diagnosticados a cada ano pelos serviços de saú- de classificação que ficou conhecido como FAB (franco-
de, em função da ausência de um sistema de registro que americano-britânico) e que incluía não só a morfologia.
cubra codo o território nacional. o que faz com que as como também características cicoquímicas, definindo
estimativas an uais de incidência continuem sendo de assim os subtipos FAB M1 a M6 para as LMAs e L1 a
grande valia. L3 para as LLAs. Alguns anos depois. foram definidos os
Dados do InstitutO Nacional de Câncer (INCa) es- subtipos MO e M7, graças à inclusão de critérios imu-
timaram, no ano de 2006. 234.570 casos novos para o nofenotípicos para melhor caracterização dos casos de
sexo masculino e 237.480 para sexo feminino. Uma vez LMA minimamente diferenciada e megacarioblástica.
que o percentual dos tumores infantis observados nos respectivamente (Tabelas 29.2).
Tabela 29.1 - Estimativa para o ano de 2006 das taxas brmas de incidência por 100.000 e de número de casos novos de
leucemia (aguda e crônica) segundo o sexo

Brasil consolidado Minas Gerais Belo Horizonte


Homens Mulheres Homens M ulheres Homens M ulheres

Casos 5330 4220 540 430 90 80

Taxa bruta 5,82 4,45 5,56 4 .35 8,00 6,21

Fonte: INCa (lnsmulO Nac1onal de Câncer- R1o de Janeiro)

Tabela 29.2 -Classificação FAB das LMAs


e a caracterização de alterações genético-moleculares
MO lMA com MPO+ por método imunológico ou possibilitaram a identificação de alguns subgrupos bioló-
diferenciação ultro·estrulurol CD34 + ou CD13+ ou
mínimo CD33+ ou C D11b+ gicos e prognósticos distintos e levaram à elaboração de
Ml lMA sem MPO+ em mais de 3% dos blostos propostas de outros sistemas de classificação.
maturação Blostos: mais de 90% das células A categorização das leucem ias agudas segundo
nucleodos do MO
esses parâmetros tem grande importância, não só no
M2 lMA com Blostos: >30% e <90% dos células
tratamento a ser administrado, mas também na res-
moluroção nucleodos do MO
Componente monocítico <20% posta obtida, já que contribui para a criação de pro-
M3 leucemia promie- Predomínio de promielócílos anor- tocolos terapêuticos nos quais os pacientes são trata-
locítico agudo mais dos de acordo com critérios prognósticos relevantes.
M4 leucemia Bloslos: >30% e <90% dos células Assim, um paciente de alto risco beneficia-se de uma
mie'omonocítica Componenre monocítico >20% e
terapêutica agressiva, enquanto aquele em que a do-
agudo <80% dos células não erilróides e/
ou > 5.000 monócitos/m m3 no SP ença é de risco mais baixo é poupado dos efeitos co-
M5 l eucemia mono· Componente monocítico >80% dos laterais da terapia antitumoral.
cítico agudo células não eritróides Recentemente, um comitê especial da Organização
Mó leucemia eritróide Eritroblostos >50% dos células nucle· Mundial de Saúde (OMS) propôs uma nova classifica-
agudo odos do MO ção, que representa um avanço conceituai imponan-
Blostos: >30% dos células não elitróides
te em relação às outras, já que incorpora as alterações
M7 leucemia mego· Megocorioblostos >30% dos células
riocítico agudo nucleodos do MO lpor método genético-moleculares como fatores primários para a de-
imunológico ou ultro-estruturoll terminação de gru pos nosológicos (Tabelas 29.3 e 29.4).
A crescente disponibilidade de diferentes técnicas para
FAB: Class1f1caçâo franco -americano·bmânica: LMA: leucemia mieló1de agu-
detectar cais alterações possibilita a viabilização dessa
da; MPO: mieloperox1dase: CD: clusrer d1fferem1anon; MO: medula óssea;
SP: sangue penférico abordagem diagnóstica em centros de referência para o
tratamento das leucemias agudas.
A classificação FAB ainda é o sistema que permite No Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
uma categorização uniforme das leucemias mielóides Minas Gerais (UFMG), pela disponibilidade dos métodos
agudas, considerando-se a morfologia e a citoquímica, diagnósticos mencionados, é possível uma abordagem
métodos acessíveis à maioria dos centros médicos. Já as multidisciplinar no diagnóstico e acompanhamento das
leucemias linfóides agudas são dependentes da imuno- leucemias agudas.
fenoripagem para sua categorização.
Nas últimas décadas, métodos diagnósticos mais refi-
nados (imunológicos, cirogenéticos e moleculares) permi- MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
tiram determinar a origem e a linhagem celular, o estágio
de maturação e o tipo de anormalidade cirogenética ou As manifestações clínicas das leucem ias agudas
molecular envolvido nas leucemias agudas. A detecção são explicadas pela fisiopatologia da doença e decor-

326 ( Medicina laborarorial para o clínica


rem. geralmente, da inibição da hemaropoese pelas Tabela 29.4 - Classtficaçào proposta pela OMS para as LLAs
células leucêmicas e da infiltração d a m edula óssea
e de ourros órgãos pelo clone leucêmico. As mani- I. LLA de precursor B
festações mais co muns são palidez cutâneo-mucosa, l lA com o t(9;22)(q34;q 11); BCR-ABl
hemo rragias e febres. A presença de febre pode ser lLA com o r[1;19)(q23;p131; E2A-PBX 1

decorrente de processo infeccioso ou secundária à LlA com o t(12;21 l(p12;q22); TEl-AMll


LLA com anormalidades do região l l q23, gene Mll
produção de cirocinas pelas células no rmats ou leu-
cémlcas. Podem ocorrer também linfadenomegal ia, 11. LLA de precursor T
heparomegalia, esplenomegalia, além de acometi- III. Leucemia de células de Burkitt
mento testicular e do sistema nervoso central (SNC).
A infiltração da pele e da gengiva é infreqüem e e
mais com umeme encontrada na LMA. Nas crianças, O LABORATÓRIO NO
é co mu m o bservar dores ósseas e arrralgia. manifes- DIAGNÓSTICO DAS LEUCEMIAS AGUDAS
tações raras nos adultos.
O HEMOGRAMA

Tabela 29.3 - Classificação proposta pela OMS para as LMA


No hemograma, anemia normocítica e normocrômi-
ca e plaquetopenia geralmente estão presentes na maio-
I. LMA com translocações citogenéticas recorrentes
ria dos pacientes no momento do diagnóstico. A conta-
lMA com o ~18.21l[q 22;q22). AMLl-ETO gem global de leucócitos pode estar aumentada. normal
l PA com o r[15; 17)(q22;q2 1) [PM l·RARal e variantes, ou diminuída; é freqüente a presença de neutropenia e
lMA com eos,nófilos anormais no medula ósseo- .nv[ 16)
de blastos circulantes.
lp13;q22l ou rP6;1 6l[p1 3;ql ll. CBF ~·MYH1 1
lMA com anormalidades do 11q23 [Mll ) O clínico deve esrar aremo à possibilidade de erro na
contagem elerrônica das plaquet as: os blastos são células
11. LMA com displasia de múltiplas linhagens
mais frágeis, que se rompem facilmente - a comagem
com SMD ou ooenço mielaprol ferorvo prév•o desses fragmentos celulares pode superestimar a conta-
sem onlecedentes gem de plaquetas. o que pode ser mutto importante do
III. LMA e SMD relacionadas a terapias pomo de visra clínico.
O coagulograma geralmente esrá normal. exceto
relacionados o agentes olouilontes
na leucem ia pro m ielocírica aguda (LPA) - FAB-M 3 e.
relacionados o inibidores do topoisomerose 11
mais raramente. nas leucemias monocír icas e LLA de
outros tipos
linhagem T.
IV. LMA não categorizada nos itens anteriores
O exame do líquor deverá ser sempre realizado nos
LMA com mínimo diferenciação casos de suspeita de LLA e de LMA monocírica (FAB-
lMA sem maturação M4 ou M S). pois é mais freqüente a infi ltração do SNC
LMA com maturação nesres subripos.
leucemia mielomonocí ico agudo O perfil metabólico gera lmente não mostra alce-
leucemias monoblástico e monocítico agudo
rações significativas no paciente com leucem1a aguda.
leucemia eritrocítico agudo
mas é freqüenre a elevação da desidrogenase lácrica e
leucem•o megocorioc:tico agudo
do ácido úrico, refletindo rápida destruição e regene-
leucemia bosofilico agudo
ração celular.
Ponmielose agudo com mietofibrose
Sorcomo gronulocítico
Diante de uma suspeit a clínica e inicialmeme de um
hemograma alterado, o diagnóstico das leucemias agu-
OMS Orgamzaçào Mund1al de SaJde: LMA leucemiam1el61de aguda; LPA: leu· das deverá incluir. pelo menos, o escudo morfológico.
cem1a prom1elocittca aguda; SMD: síndrome m1elodisp ás•ca citoquímico e imunofenodpico da medula óssea.

lnvemgação laborarorial do paciente com leucemia aguda 327


A CITOLOGIA DO ASPIRADO DE MEDULA ÓSSEA
A identificação sensível e específica das células neo-
plásicas, sua acurada enumeração e caracterização feno-
O diagnóstico das leucemias agudas é fi rmado pelo típica representam o principal objetivo da imunofeno-
mielograma, obtido pela punção aspirativa da medula tipagem no estudo das leucemias. Esta técnica permite
óssea, que revela a substituição do tecido hematopoético análise multiparamétrica, quantificação antigênica e rá-
normal por células leucêmicas imaturas de aspecto mo- pido screening de grande número de células, visando à
nomórfico. Segundo a classificação FAB, o diagnóstico é identificação da linhagem celular implicada no processo
confirmado quando mais de 30% das células nucleadas de proliferação clonai: mielóide ou linfóide.
presentes na medula são blastos. Por outro lado, a classi- Na medula óssea normal, a diferenciação dos precur-
ficação da OMS considera o ponto de corte de 20% de sores hemacopoéticos apresenta grande heterogeneidade
blascos na medula ou no sangue periférico, na ausência morfológica e de expressão ancigênica. Nas leucemias agu-
de alterações genéticas recorrentes (Tabelas. 29.3 e 29.4). das, os marcadores celulares mostram semelhança com
Colorações citoquímicas como, por exemplo, a mie- aqueles presentes nas células hemacopoéticas normais.
loperoxidase e as esterases, são úteis na distinção entre a O valor diagnóstico da imunofenotipagem por cito-
LMA pouco diferenciada e a LLA, bem como na identifi- meuia de fluxo da medula óssea ou do sangue periférico
cação de alguns subtipos de LMA. é importante nas seguintes situações:
• definição das leucemias que não são obviamente
mielóides, a fim de se diagnosticar positivamente
A BIÓ PSIA DE MEDULA ÓSSEA as LLAs;
• reconhecimento de todos os casos de LMA-MO
No paciente com leucemia aguda, a biópsia de me- (minimamente diferenciada) e LMA-M7 (megaca-
dula óssea geralmente não é essencial para o diagnóstico. rioblástica);
No entanto, em algumas situações ela representa a única • identificação de diferences subtipos imunológicos
opção diagnóscica, como nos casos de: nas LLAs;
• medula óssea hipocelular; • definição das leucemias indiferenciadas, nas quais
• fibrose medular, comum na LMA megacarioblás- não é possível a determinação de uma linhagem
tica (FAB M7); celular específica;
• medula óssea acentuadamente infiltrada por célu- • monitoramento de doença residual mín ima no
las neoplásicas, impossibilitando sua aspiração. controle de tratamento das leucemias, pelo reco-
nhecimento de imunofenótipos aberrantes, não
expressos nas células no rmais;
O ESTU DO IMUNOFENOTÍPICO PELA • identificação das leucemias bifenot ípicas nas quais
CITOMETRIA DE FLUXO um único clone leucêm ico expressa marcadores
de duas linhagens distintas, mielóide/li nfóide Bou
A conuibuição da imunofenotipagem pela cicome- T ou linfóide B/linfóide T;
tria de fluxo multiparaméuica no diagnóstico das leuce- • identificação das leucem ias de linhagem mista,
mias agudas está bem estabelecida, permitindo a defini- nas quais dois ou mais clones leucêmicos expres-
ção correta da linhagem celular em aproximadamente sam marcadores de linhagens distintas.
98% dos casos, dado fundamental na definição da abor-
dagem terapêutica. Diversos painéis de anticorpos monoclonais foram
Os diferences tipos de células leucêmicas (usualmen- padronizados para a imunofenotipagem das leucemias
te precursores mielocíticos ou linfocíticos) podem ser agudas visando ao seu diagnóstico e sua classificação
identificados por simples análise citológica e citoquími- baseados no grau de diferenciação ou maturação das cé-
ca. Em muitos casos, no encanto, é necessário o emprego lulas leucêmicas, com importantes implicações prognós-
de reagentes imunológicos para identificar aspectos par- ticas e terapêuticas. Entre eles, estão os propostos pelo
ticulares da diferenciação celular. European Group for the lmmunological Characterization

328 [ Medic ina laboratorial para o clínico ]f -- - -- - - -- - - - -- - -- - -- - -- - -- - -- -


of Leukem1as (EGIL). o US-Canad1an Consensus Group e o da célula. À medida que a célula se diferencia, há sub-
Bnt1sh Commitee for Standards in Haematology (BCSH). seqüente expressão de CD24, COl O, cadeia intracim-
plasmácica de imunoglobulina (ciJ) e. f1nalmence. a ca-
deia de imunoglobulina de superfície (K e jJ). As LLAs
lmunofenotipagem nas de lmhagem B podem ser subclassificadas em pró-B.
le ucemias linfoblásticas agudas comum, pré-8 e 8 madura. refletindo a seqüência nor-
mal de maturação das células B. A Tabela 29.5 mostra
A pesquisa dos amígenos celulares expressos pelos a classificação imunológica das LLAs segundo critério
linfoblasms permite que a LLA seJa classificada de acor- EGIL. Os casos de LLA com um e pré-B apresentam
do com a l1nhagem e com o estágio de diferenciação prognósticos similares. enquanto o prognóstiCO do
das células linfóides. As Figuras 29.1 e 29.2 moscram os subc1po pró-8 é pior, mesmo quando se exclui o grupo
esquemas do imunofenótipo das células linfóides B e T. de crianças de alto-risco. menores de um ano de idade.
respeCtivamente, durante sua diferenciação. A LLA-B madura é o subtipo mais raro. ramo em crian-
ça s como em adulms. e requer tratamento qUimiore-
Celulo-konco
lonfóóde Célula Pró-S Célula 8 alula8 rápiCO com esquemas alternativos.
Colula Pro-B •ntermed,ór•o madura Plo$mÓC1t0
A class1ficação imunológica das LLAs de linhagem
• • • •O ;
"- o •• I T baseia-se no estágio de maturação dos blastos, aná-
logo ao dos timómos Imaturos (pré-T). Intermediários
HLA.OR
-J e maduros. A expressão do antígeno CD3 no moplas-
L TdT/CD34 > clgM J < slg ~~g I ma cel ular define o comprometimento com a linha-
gem. Os demais marcadores T apresentam expressões
CD19
- -- vanáveis e o TdT (termmal deoxinucleoridil uansfera-
L COlO CDS L @_o 3s se) é positivo na ma1ona dos casos.
CD79n

~CD22 I CD22 Tabela 29.5 - Classificação imunológ1ca das leucem1as


agudas (EGIL, 1995)
Figura 29.1 - Esquema de d1ferenoaçào da linhagem linfo1de B
Leucemia linfobláslico agudo ILLAI
L1nhogem B
Celulo-tronco TimÓC+IO Timócito Unf6cilo T B-l lpró-B)
lonfóode comum maduro lonfócolo T
Pró-hmócito helper/
ahvodo
B-lllcon-u-nl
~
B-llllpré-81
• • • lC1
• • B-IV (B-moourol
Linhagem T
TdT
> [ HLA-DR I TI (pró-TI
T l(pré-Tl
cCD3
- - --> ~
....... CD3 T-111 (T cort•colj
TIV I~ mod ,ro;

>
--,
T- a; ~ e T- y/ 'õ
LLA com expressão de I ou 2 marcadores rn1elóides (LLAMy)
CD4/ CD8 J 2 .Leucemia m1eloblóstico agudo ILMA)
Mielomonocítico
Entrocílico lpreoce/imoturo e modu·ol
M egocoriocítico (M7)
LMA pobremente diferenciado ILMA-MO)
Figura 29.2 - Esquema de diferenoação da linhagem linfó1de T LMA TdT+
LMA com expressão de 1 ou 2 marcadores linfóides (LMA-Lyl
3 LelJcemio ogudc b1fenor p,co
Os marcadores am1gênicos que identificam os blas-
li leucem1o agudo indiferenciado
ms de li nhagem B são CD19, CD79a e CD22. sendo o
último detectado mais precocemente no citoplasma

Investigação laboratorial do paciente com leucemia aguda 329


lmunofenotipagem nas leucemias mielóides agudas
utilidade, uma vez que as células apresemam as mesmas
características imunológicas da forma hipergranular.
Na leucemia mielóide aguda, o diagnóstico imunofe- A imunofenotipagem é de utilidade no diagnóstico
norípico é geralmente estabelecido pela presença de an- da LMA-M6 (eritroleucemia), particularmente quando
cígenos associados à diferenciação mielóide e na ausência as células apresentam morfologia muico primitiva. Os
de antígenos linfóides B ou T. Os principais marcadores anticorpos mais utilizados são CD71 (receptor de trans-
associados à diferenciação mielóide são CD1 17, CD13, ferrina) para a identificação das células 1maturas e a antl-
CD33, CD6S, antimieloperoxidase (antiMPO), CD11c, glicoforina A, expressa nas células mais maduras.
CD14, CD64, CD41, CD61 e CD71 e não apresentam cor- As células da leucemia megacarioblástica (LMA-M7)
relação precisa com os diferentes subtipos morfológicos podem ser facilmente confundidas morfologicamente com
da classificação FAB. as da LLA. O estudo imunofenotípico é de grande valor
A Tabela 29.6 apresenta, resumidamente, o padrão para o diagnóstico, sendo mais específico que a ciroquímica
de reatividade com anticorpo monoclonal (ou policio- e mais viável que a ciroquímica ultra-estrurural utilizada na
na!) mais comumente observado nas categorias de LMA pesquisa de peroxidase plaquetária. Os marcadores dessa
da classificação FAB. linhagem identificam glicoproteínas (gp) plaquetárias nas
A LMA-MO não pode ser identificada apenas pelas membranas dos megacarióciros: CD61 (gp llla), CD41 (gp
técnicas de morfologia e as principais reações ciroquím i- llb e o complexo llb/llla) e CD42a e b (gp IX e lb).
cas são negativas. A imunofenotipagem nesses casos é
de grande valor no diagnóstico diferencial com as LLAs.
As células, mais primitivas, geralmente expressam os lmunofenotipagem nas leucemias bifenotípicas
marcadores de células precursoras, antiMPO e podem
expressar CD7, um marcador de linhagem T. Na leucemia bifenotípica, um único clone de célu -
A LPA (LMA-M3) corresponde a 10%a 15% das leuce- las leucêmicas expressa marcadores de duas linhagens.
mias mielóides agudas e é facilmente diagnosticada pela mielóide e linfóide B ou T, ou, ainda, a concomitância de
análise morfológica. Estudos de marcadores de superfí- marcadores li nfóides B e T. A imunofenotipagem é es-
cie mostram que as células da LPA apresentam um imu- sencial para a confirmação diagnóstica. mesmo quando
nofenótipo característico quando comparado a outras os blastos não são cicologicamente uniformes. O siste-
LMAs: alta expressão de antígenos mielomonocíticos e ma de pontuação (score) proposto pelo European Group
ausência de antígenos monocíticos, de CD34 e de HLA- for the lmmunologic Classificatwn of Leukaemia (EG IL) e
DR. Na forma M3 variante, hipogranular, o diagnóstico modificado pelo comitê especial da OMS é recomenda-
morfológico é mais difícil. sendo a imunofenocipagem de do e utilizado internacionalmente.

Tabela 29.6 - Padrão de rearividade monodonal (ou polidonal) observado nas caregorias de LMA de classificação FAB

Marcadores de células precursoras Marcadores Mielóides Marcadores Monocíticos


LMA
TdT HlA-DR CD34 CD1 3 CD33 CD11 7 CD15 CDllb CD14
MO +I- + + + +I- +
Ml - I- + + + + +I-
M'P + + + + + +I -
MJO + + +I- +I -
M4 + + 1- + + +I . + + +
M5 + +I. +I- + +I - + + +
M6C + 1- +I- +I- +I- + +I-
M'l" + -'- 1 - +

°CD19 +I - em M2 com r(8.21}; b CD36 eanugiiCofonna p051uvos: c CD9. CD36. CD41, CD42a. CD42b. CD61 pos1rivos:d CD9 positiVO.CD2 ~ I·

330 [ Medicina laboracorial pa ra o clínico )1-- - - - -- - - -- - - -- - -- - - - - -- - - - -- - -


lmunofenotipagem nas leucemias indiferenciadas Alterações citogenéticas recorrentes nas LMAs

A leucemia aguda indiferenciada é rara e as células Cerca de 70% a 80% dos paciences com LMA apre-
leucêm1cas não apresentam evidências de diferenciação sencam alteração cromossómica clonai ao diagnóstico,
mielóide ou linfóide, por não possuírem marcadores es- tendo sido descritas mais de 100 anomalias estruturais e/
pecíficos para uma determinada linhagem. Os blastos ou numéricas, como [ranslocações recíprocas. inversões.
geralmence expressam marcadores inespecíficos como inserções, deleções. isocromossomos, isodicênuicos, cris-
CD34. HLA-DR, CD38 e podem apresemar TdT e CD7. somias e monossomias.
Nos paciences com LMA, o cariótipo distmgue, com
algumas discordâncias encre os vários investigadores. três
Doença residual mínima ( DRM) grupos de risco: favorável. 1mermediário e desfavorável:
• grupo de risco favorável - inclui as alterações
A DRM é defi nida como a quamidade de células t(8;21)(q22;q22), t(15;17)(q22;q21) e inv(16)
leucêm1cas res1duais presemes no organ1smo após um (p13;q22)/t(16;16)(p13;q22);
curso de tratamenco, não detectáveis pelas técnicas • grupo de risco desfavorável - inclui principalmen-
morfológicas convencionais. Nos últimos 15 anos, ocor- te as deleções dos cromossomas 5 e 7, a r(9;22)
reu grande desenvolvimenw de méwdos laborawria1s (q34;q11), a inv(3) e os carióripos complexos;
para a idencificação e quamificação da DRM, alguns • grupo de risco imermediáno - inclu1 o cariót1 po
baseados na Investigação de anormalidades cromossô- normal e outras alterações cicogenéticas não des-
mlcas ou genéticas (cicogenética convencional, hibrida- cncas nos grupos ameriores.
ção m s1tu com fluorescência - FISH, reação em cade1a
da polimerase - PCR) e outros baseados em téc nicas
t(8;21)(q22;q22)
imunológicas. como a microscop1a de fluorescência e
a imunofenotipagem por cirometria de fluxo, que pro A t(8;21)(q22;q22) ocorre em cerca de 12% dos ca-
piciam análise qualitativa e quantitativa de um número sos de LMA de novo em crianças e 5% a 8% em ad ul -
elevado de células. cos jovens. sendo raramente observada em pacientes
No Brasil, mesmo nos cencros de referência em diag- acima de 55 anos. Apesar de fortemente associada ao
nóstico e tratamenco oncológico, o elevado cusco de subtipo FAB M2, tam bém pode ser encontrada em
alguns desses procedimencos e a necessária capacitação pacientes com morfologia FAB M1, M4 e com LMA
técn1ca de profissionais que atuam na área laboracorial secundána à tera pia. Vários escudos observaram que
são facores limitances ao escudo da DRM. a t(8;21)(q22;q22) associa-se a um prognóstiCO favo-
rável na LMA.

A CITOGENÉTICA CLÁSSICA
inv(16)(p13;q22) I t(16;16)(p13;q22)

O emprego da ciwgenética convencional no diag- Um grupo de pacientes com LMA apresenta pre-
nóstico das leucemias agudas evidenciou alw número cursores eosinofílicos anormais na medula óssea (FAB
de akerações cromossôm1cas não aleatónas e o seu es- LMA-M4Eo) e a maioria desses pacientes apresenta
cudo molecular permitiU a idencificação de vários genes a inv(16)(p13q22) ou. menos comumente, a r( 16;16)
envolvidos na leucemogênese. (p1 3;q22). que têm fortes semelhanças moleculares.
O estudo de grandes séries de pacientes com leuce- Raramente esta alteração pode ser encontrada em
mia aguda demonstrou que o cariótipo constitu i o fator casos de LMA M2, M4, M5 e em pacientes com LMA
prognóstico mais importante para a estratificação de ris- secundária à tera pia.
co, quando analisado individualmente. Por esta razão. as A inv(16) foi observada em cerca de 10% das LMAs de
principais alterações genéticas recorrences foram Incl uí- novo nas crianças e nos adulcos jovens. sendo incomum
das na proposta de classificação da OMS. em pacientes com mais de 45 anos. Vários escudos de-

Investigação laboracorial do paciente com leucemia aguda 331


Trissomia do cromossoma 8
monsrraram que pacientes com LMA e inv(16)/t(16;16)
apresentam prognóstico favorável. A presença de um cromossoma 8 extra é a altera-
ção numérica ma1s freqüeme na LMA. Essa anomalia
geralmente ocorre em doenças da linhagem m1eló1de
t(15;17)(q22;q2 1)
e, é mais comumence observada nos subcipos FAB M2,
A LPA, Inicialmente reconhecida por sua evolução M4 e MS. Em relação ao prognóstico, não há consenso
desfavorável dev1do a uma grave síndrome hemorrágica, na literatura no que se refere à rrissomia do cromosso-
caracteriza-se, na maior parte dos casos, pela presença de ma 8. Alguns estudos classificam esra alteração como
uma alteração cromossômica única, a r(15;17)(q22;q21). de risco intermediário, enquanto outros a consideram
Awalmeme, devido ao rraramemo com o ácido all-trans de alco risco.
re[lnó1co (ATRA), esre subtipo de LMA é incluído no
grupo de bom prognóstico. A r(15;17)(q22;q21) rambém
é derecrada em aproximadamente 7% das crianças e Alterações citogenéticas recorrentes nas llAs
15% dos adultos JOVens com LMA de novo, mas é rara
em indivíduos acima de 45 anos. A exemplo das LMAs. o uso cada vez ma is freqüente
de técn icas cicogenéticas e a experiência acumulada de-
Alterações envolvendo a região 11q23
monstraram que aproximadamente dois terços dos pa-
cientes com LLA apresentam alterações cromossômicas
As alterações envolvendo a reg1ão 11q23 são alvo recorrences ao d1agnósrico.
de grande imeresse por parte dos generiosras, por De acordo com as alterações mogenér1cas. os pacien-
três motivos: tes com LLA podem ser caregonzados em do1s grupos:
• essa região cromossômica é uma das ma1s fre- • grupo c1cogenético desfavorável - 1nciU1 a r(1;19)
qüememence envolvidas em rearranjos cromossô- (q23;p13). a r(4;11)(q21:q23), a t(9;22)(q34;q11) ou
micos nas neoplasias humanas; a r(8;14)(q24;q32). além de alterações mais raras
• essas são as alterações cirogenéricas mais freqüen- como a h1pod1ploidia (número inferior a 46 cro-
res nas leucemias de lacrences (em torno de 75%); mossomas por célula) ou a para-haplo1d1a (núme-
• ocorrem ramo em leucemias de origem celular ro cromossômico próx1mo do haplóide);
mielóide, como linfóide e de linhagem m1sra. • grupo mogenérico favorável - inclui a t(12;21)
(p12;q22) ou número modal acima de 50 cromos-
Nas LMAs, essas alterações podem ser encontradas somos.
em todos os subripos FAB, mas predominam nos subtipos
M4 e MS e freqüenremente esrão associadas às LMAs se-
t(12;21)(p 13;q22)
cundárias à terapia, especialmente as que se desenvolvem
após a exposição a 1n1bidores da topo1somerase 11. A r(12;21)(p13;q22) é observada em cerca de 25% das
Vários estudos demonstraram que. ramo nas LMAs crianças com LLA de precursor Be define um subgrupo
quanto nas LLAs, os rearranjos que envolvem a região distinto de pacientes que apresentam, geralmente. um a
11q23 são forres predirores Independentes de evolução 10 anos de idade, imunofenóripo B comum e um prog-
clínica desfavorável, estando freqüenremenre associados nóstico favorável. Trata-se de uma alteração críptica. ou
à má resposta ao tratamento qU1mimeráp1co e a caracte- seja, de difícil identificação pela citogenética convencio-
rísticas de apresentação de alto risco. Entretanto, o signi- nal. fazendo-se necessária a utilização de FISH ou RT-PCR
ficado prognóstico dessas aberrações cromossôm1cas não para sua detecção.
é uniforme. De faro, alguns estudos relatam que paoentes
com LMA que apresentam a r(9;1 1)(p22;q23) evoluem mais
Hiperdiploidia
favoravelmente do que aqueles com outras rranslocações
envolvendo a mesma reg1ão, o que é de fundamentallm- A hi perdi ploidia é definida como a presença de
portânoa na escolha de tera p1as ~nd1v1duahzadas. um número maior ou igual a 47 cromossomas por

332 [ Medicina laboraronal para o clín1co )1---- - - -- -- - - - - - - - -- - - -- - -- - -- -


t(8;14)(q24;q32)
célula. Os casos de hiperdiploidia com mais de 50
cromossomas ocorrem freqüentemente em crianças A t(8;14)(q24;q32) é observada em pacienres com
com LLA (30%). mas são raramente observados em LLA-B madura, que equivale à fase leucêmica do linfoma
adultos. Essa alteração geralmente envolve rrissomia de Burkitt e apresenta morfologia FAB-L3. Essa alteração.
dos cromossomas 4. 6, 8. 10, 21, 22 e X e associa-se a considerada de mau prognóstico, é enconrrada em 2% a
fatores de bom prognóst ico como idade entre um e 5% de todas as LLAs de crianças ou adulms e os pacien-
nove anos, baixa contagem de leucócitos e imunofe- tes apresenram freq üentemente envolvimento do SNC
nótipo comum ou pré-B. e/ou abdominal ao diagnóstico.

t(9;22)(q34;q11)- Cromossoma Philadelphia


O ESTUDO MOLECULAR
A t(9;22)(q34;q11) é observada em aproximadamen-
te 30% dos adultos e 5% das crianças com LLA. Tanto O desenvolvime nco da biologia molecula r desven-
nos adultos como nas crianças. a presença dessa trans- dou, nos últ imos 10 anos. a grande d iversidade mo-
locação associa-se à alta contagem de leucócitos com lecular envolvida na pacogênese das leucemias Cerca
percentagem significativa de blastos e a um prognóstico de 200 anomalias genéticas foram identificadas e a
desfavorável. Na maior parte dos casos. o fenótipo é de maioria delas pode ser relacionada com a desregula-
precursor B; mais raramente, essa alteração pode ser ob- ção de vias que controlam o ciclo celular. apopcose e
servada nas LLAs de linhagem T ou nas LMAs. diferenciação.
Dois mecanismos moleculares foram observados nas
Alterações envolvendo a região 11q23
rranslocações cromossômicas envolvidas em leucem ias
(Figura 29.3):
Nos pacientes com LLA a t(4;1 1)(q21;q23) é a alte- O primeiro. restrito à linhagem li nfóide, envolve a
ração mais comum envolvendo a região 11q23. seguida justaposição de um prow-oncogene a um dos elemen-
pela t(11;19)(q23;p13.3) que, no entanto, não é específica tos regulatórios dos genes das imunoglobulinas (nos
desse subtipo de leucemia aguda e ocorre, tam bém, em linfócitos B) ou do receptor de células T (nos li nfóci-
pacientes com LMA. tos T), o que resulta na expressão desregulada do gene
Tanto os pacientes adultos como as crianças com a translocado. A t(14;18)(q32;q21) e a t(8;14)(q24;q32). que
t(4;11) geralmente apresenram contagem de leucócitos envolvem a justaposição de regiões situadas no gene
elevada. morfologia FAB-L1 ou L2. fenótipo B mais Ima- da cadeia pesada da imunoglobulina aos genes BCL2
turo com cc-expressão de antígenos monocíticos ou de e MYC. respectivamenre. são exemplos desse tipo de
linhagem T. bem como doença extramedular e resposta translocação na linhagem B.
desfavorável à quimioterapia convencional. O outro mecanismo envolve a fusão de dois ge-
nes. na qual os pontos de quebra se situam em ín-
t(1;19)(q23;p13)
rrons de cada um dos genes envolvidos, mantendo
intacta a região codificante de ambos. O resu ltado
A t(1;19)(q23;p13) é vista em diferences tipos de LLA da rranslocação é a geração de transcritos e proteí-
de linhagem Be. mais raramente, pode ser observada em nas quiméricas com funções alteradas. Exemplos des-
pacientes com LMA ou linfoma de células T. Essa altera- se modelo são a t(9;22)(q34;q11), que origina o gene
ção associa-se fortemente ao imunofenótipo pré-B. re- de fusão BCR-ABL. e a t(4;1 l)(q21;q23). que resulta no
presentando em corno de 25% das crianças e menos de gene MLL-AF4. Nas leucemias agudas. este é o meca-
5% dos adultos com este subtipo de LLA. nismo mais freqüenre e a presença desses produtOs
Embora o prognóstico dos pacienres pediátricos e quiméricos nos blasros le ucêm icos pode ser detecta-
adultos com a t(1;19) seja desfavorável. o uso de quimio- da por mécodos moleculares.
terapia em altas doses tem melhorado a evolução desse Uma das principais razões para a utilização de
grupo de pacienres. métodos moleculares no diagnóstico das leucemias

Investigação laboratorial do paciente com leucemia aguda 333


Alterações moleculares nas LMAs
agudas é que, ao contrário da cirogenética conven-
cional. esses cesces independem do sucesso de cultu-
AML1·ETO
ras celu lares e da obtenção de metáfases. Além disso,
a presença de alterações genéticas "crípticas", isto é, A t(8;21) resulta na fusão do gene AMU - Acute
detectáveis por metodologia molecular em ausência Myeloid Leukemia 1 (cromossoma 21q22) com o gene
de evidência ci rogenética, é descrita cada vez mais ETO - Eight Twenty One (cromossoma 8q22), com a
freqüentemente na literatu ra. Uma outra aplicação formação do gene de fusão AMU-ETO (no derivativo
do escudo molecular é a identificação de alvos para o do cromossoma 8). O transcritO AML 1-ETO pode ser
moniroramento de doença resid ual mínima (DRM) e detectado por reação em cadeia da polimerase após
para a terapêutica dirigida. transcrição reversa (RT-PCR) em rodos os pacientes
O diagnóstico e o acompanhamento das leucemias que apresentam a t(8;21) e em alguns pacientes sem
demandam a utilização de diversos métodos, alguns so- evidência da translocação pela aná lise do cariótipo
fisticados e complexos. exigindo pessoal treinado e ex- (translocação críptica).
penente, o que é uma limitação para muitos centros. A
Tabela 29.7 mostra as principais vantagens e limitações
CBF~·MYH11
de cada um desses métodos, bem como sua sensibilida-
de para a detecção de células leucêmicas residuais. Tanto a inv(l6)(p13;q2 2) quanto a t(16;16)(p13;q22) re-
sultam na fusão do gene CBF~ - Core Binding Factor. subuni-
A
Expressão desregulada dade B(cromossoma 16q22) com o gene da cadeia pesada
Exl Ex 2 / ' Segmentos J Segmento C da mtostna, MYH11- Myosm Heavy Chatn 77 (cromossoma
E
5' 16p13), gerando o transcrito de fusão CBFB-MYH11. A de-
t tecção das alterações do cromossoma 16 pode ser difícil
Ponto de quebro
pela cirogenética convenc1onal. dado o extremo polimor-
- AAAA fismo da região envolvtda. Asstm, em pacientes com LMA,
- AAAA Oncoproteina
AAAA
superexpresso é necessária a utilização de FISH ou RT-PCR para obter-se
- AAAA
um diagnóstico preciso da presença da inv(16)/t(16;16).
B
Ex 1 Ex 2 Ex 1 Ex 2 Ex J
Alterações que envolvem o
~~~--D00-3' gene do receptor a do ácido retinóico (RARa)
t
Ponto de quebro
A t(15;17)(q22;q21) resulta na fusão do gene PML -
CJCJO AAAA P.romyelocytic leukemia (cromossoma 1Sq22) com o gene
RNAm quimérico
RARa - Retinoid Acid Receptor a (cromossoma 17q21),
Proteína com funçã o alterado gerando o transcrito de fusão PML-RARa (no derivatiVO
do cromossoma 15). Alguns estudos mostram que a LPA
Figura 29.3 - Modelos de uanslocações cromossôm1cas nas
leucemias. A: Ativação gên1ca por justaposição com os genes não é uma doença uniforme e aproximadamente 10%
de recepmres de ancígeno (lg ou TCR). O promoror do proto· dos pacientes não apresentam evidência citogenética e/
oncogene (à esquerda) pode permanecer 1ncacro. mas está ou molecular da t(15;17). Cerca de 1% dos casos de LPA
suJelro à regulação por elementos de acivação do gene da lg pode estar associado à t(1 1;17)(q23;pll ), que resulta na
ou TCR (à direita). 8: Fusão gêniCa. Do1s genes hipoténcos são fusão do gene PLZF- Promyelocytic Leukemia Zinc Finger
JUStaposros como resultado da translocação. A uanscnção do
gene qUiménco resultante começa no promotOr do gene no (cromossoma 11q23) com o gene RARa e caracteriza-se
exuemo 5' e prossegue até o sÍtiO de pohaden1lação do gene por ausência de resposta ao ATRA. Outros genes parcei-
no exuemo 3'. O RNAm produz1do codificará uma proteína ros do RARa incluem o NPM1 - Nucleophosmin, o NuMA
quimérica com função alterada. lg - lmunoglobulina; TCR - - Nuclear M itotic Apparatus e o STATSb - Signal Transdu-
recepmr de células T; Ex - éxon; E - enhancer. cer and Actlvator of Transcript10n Sb, associados à t(S;17)
Adaptado de Hassan R, 2000
(q3S;q21), t(11;17)(q13;q21) e der(17), respectivamente.

334 Medicina laboratoria l para o clínico


Tabela 29.7 - Mérodos unlizados no d1agnósnco e acompanhamento das leucemias agudas

Método
Sensibilidade
Vantagens Limitações
para DRM

Morfologia Baixo custo Discordância interobservadores 5%


Acesso em todos os centros

lmunofenotipagem Rapidez Alto custo 1 - 5%


Anó,ise de grande número de células

Citogenética convencional Baixo custo Necessidade de obtenção de metófoses 1%


Análise cromossómica individualizada longo lempo de execução
e do conjunto
FISH Rapidez Alto custo O, I - 1%
Detecção em núcleos interfósicos Detecção de alterações especí'icos

PCR; RT-PCR Baixo/médio custo Detecção de alterações específicas 0,0001 - 0,1%


Rapidez

Os transcrims PML-RAR 2 são usados como alvo sencial para a hemampoese. Até o momento, cerca de
tanto para a detecção de células leucêmicas por RT- 30 genes parceiros para o gene MLL foram descritos, sen-
PCR ao diagnóstico. como para a monimração da do que nas LMAs a maioria das translocações envolve o
DRM. Ademais. a LPA é um exemplo significacivo da 9p22. o 19pl3.1 ou o 6q27.
uti lização do estudo molecular na identificação de Há relatos na literatura da ocorrência de alterações
alvo para terapêutica dirigida: a partir da descoberta crípticas envolvendo o gene MLL. Por esta razão, é neces-
do envolvimento do gene RARa , foi observada a sen- sário o emprego de metodologia molecular. como FISH
sibilidade peculiar dos blastos leucêmicos ao ATRA. e/ou RT-PCR para a pesquisa dessas alterações.
o que revolucionou o rratamenm da doença. atual-
menre considerada o subtipo de LMA com o maior
Mutações do gene FL T3
potencial de cura.
Outro gene muito estudado nos últimos anos como
alvo diagnóstico e tera pêutico na LMA é o gene FLT3
Alterações envolvendo o gene MLL
- FMS-Iíke tyrosme kínase 3. que cod1fica um receptor ti-
O grupo de pacientes com cariótipo normal represen- resina quinase transmembrana e participa da regulação
ta 40% a 50% dos adultos com LMA e cerca de 20% a 30% dos processos de proliferação e diferenciação das células
das cnanças. Nesses pactentes. a primeira alteração gené- hemaropoéticas no rmais.
tica descrita foi a duplicação parcial em tandem do gene As mutações do gene FLT3. presentes em cerca de
MLL - Myel01d/Lymph01d Leukem1a ou Míxed L1neage Leu- 30% dos pacientes com LMA podem ser de dois tipos:
kem/0. Essa alteração foi observada em 8% a 10% dos pa- as duplicações internas em tandem (DIT-FLT3) e as muta-
oemes e fot a primeira a defmir um subgrupo de pacientes ções de pomo. ambas detectáveis por metodologia mo-
com mogenética normal e prognóstico desfavorável. lecular. Vários estudos demonsrraram que as DIT-FLT3
O gene MLL foi identificado em alterações recor- estão associadas a pior prognóstico. tanto em adulros
rentes (deleções, duplicações, inversões e cranslocações quanto em crianças. Atualmeme. estão em curso alguns
recíprocas) envolvendo a região llq23. observadas nas estudos clínicos utilizando inibidores do gene FLT3 asso-
leucemias agudas e síndromes mielodisplásicas (SMD). ciados ao tracamenro convenoonal, mas os resulcados
Dados experimentais demonstram que é um gene es- ainda são Inconclusivos.

Investigação laboratorial do paciente com leucemia aguda 335


Mutações do gene NPM1
co m o gene AML7 (21q22), gerando o produto de fusão
O gene NPM1 - Nucleophosm in - codifica uma TEL-AML7, foi um dos pri meiros exemplos de rransloca-
proteína núcleo-citoplasmática multifuncional, locali- ção críptica descritos na literatura. Assim, é necessário
zada principalmente no nucléolo e que está envolvida o emprego de métodos moleculares como FISH ou RT-
em processos como síntese proréica, crescimento e PCR para a sua detecção, sendo que em nosso meio a
proliferação celular. RT-PCR é mais freqüentemente empregada devido ao
Escudos recentes mostraram que aproximadamente custo mais baixo. Ade mais, os uanscritos TEL-AML1 po-
55% dos adultos com LMA e cariótipo no rmal apresen- dem ser utilizados para a monitorização de DRM.
tam mutações do NPM1. Nesses estudos observou-se
que a presença dessas mutações, na ausência de D1T-
Alterações envolvendo o gene MLL
FLT3, identifica um subgrupo de evolução signi ficativa-
mente melhor dentro do grupo de cariótipo normal. Como já foi citado, dentre as alterações envolvendo
A detecção citoplasmática da proteína NPM por o gene MLL nas LLAs, a t(4;11)(q21;q23) é a mais co-
imunohistoquímica é altamente sugestiva de mutações mu m. Esta alteração resulta na fusão dos genes MLL e
do NPM1, que pode ser confirmada por vários métodos AF4 - ALL7 f used gene from chromosome 4, gerando o
citogenérico-moleculares. gene de fusão MLL-AF4. Os transcritos MLL-AF4 podem
Futuramente, melhor esclarecimento do papel das ser detectados por metodologia molecular e podem
mutações do NPM1 na leucemogênese poderá levar à ser utilizados ao diagnóstico e no acompanhamento da
sua inclusão na classificação da OMS, bem como ao DRM.
desenvolvimento de novas drogas específicas.
E2A-PBX1

Alterações moleculares nas llAs A t(1;19)(q23;p13.3) resulta na fusão dos genes E2A
- transcription factor 3 (E2A immunoglobulin enhancer
BCR-ABL binding factors E12/E47) e PBX1 - Pre-B-ce/1 leukemia
transcription factor 1, gerando o transcrito de fusão
A t(9;22)(q34;q11) ou cromossoma Philadelphia re- E2A-PBX1, que pode ser detectado por métodos mole-
sulta na fusão dos genes BCR - Breakpoint Cluster Re- culares tanto ao diagnóstico como durante o acompa-
gion (cromossoma 22q11) e ABL- Abelson (cromosso- nhamento para monitorização da DRM.
ma 9q34), gerando o transcrito de fusão BCR-ABL, que
pode ser detectado por métodos moleculares.
Alterações mo leculares nas LLA-T
Conforme eirado previamente, a presença dessa al-
teração associa-se a um prognóstico desfavorável nos Cerca de 50% dos pacientes com LLA-T apresentam
adultos e nas crianças e pode ocorrer canto nas LLAs alterações cromossômicas estruturais identificadas à ci-
de precursor B como, mais raramente, nas LLAs T ou togenética convencional. Alterações numéricas são ra-
nas LMAs. Tais características associadas à possibi li- ras, à exceção da tetraploidia, vista em torno de 5% dos
dade de ocorrência de rranslocações crípticas justifi- casos e sem significado prognóstico.
cam a pesquisa molecular dos transcritos BCR-ABL ao Com a utilização de métodos moleculares, foi reve-
diagnóstico. Além disso, a monitorização quali tativa e lada a ocorrência de várias alterações crípticas, sendo
quantitativa desses transcritos pode ser utilizada para o as mais comuns:
acompanhamento da DRM ao longo do tratamento. • as deleções intersticiais crípticas envolvendo o
cromossoma 1p32, que ocorrem em até 30% das
TEL-AML1 crianças com LLA-T;
• as translocações envolvendo o TCR, presentes
A t(12;21)(p13;q22), que resulta na fusão do gene em aproximadamente 35% dos pacientes;
TEL - Translocation-f.ts- Leukemia (cromossoma 12p13)

336 [ Medicina labo ratorial para o clínico ]f-- - - -- - - - - - - -- - - -- - - - -- -- - -- - -


• a t(10;11)(p13;q14), que resulta na formação do Hemácias: 2.100.000/mm 3
gene de fusão CALM·AF10 e é encontrada em cer- GL: 92.000/mm 3 (segmentados 2%; linfócicos 5%;
ca 10% dos pacientes. blascos 93%)
Plaquetas: 12.000/mm 3
Como o fenótipo está associado ao genótipo, algu- DHL: 960 U/L
mas das anomalias genéticas recorrentes observadas nas Acido úrico: 9.5 mg/dL
leucem1as agudas correlaCionam-se com subEipos FAB, • mielograma: material obtido por punção asplrau-
1munofenóE1pos e comportamentos clín1cos distintos va medular. hipercelular. infiltrado por 95%de célu·
(Tabelas 29.8 e 29.9). las blásticas de tamanho variável e heterogéneo. As
células ma1ores apresentam núcleos com cromat1·
na rendilhada, alguns com chanfraduras e inden-
EXEMPLO DA ABORDAGEM tações. Citoplasma basofílico abundante, às vezes
MULTIDISCIPLINAR UTILIZADA NO vacuolizado. um a dois nucléolos evidentes. Os
DIAGNÓSTICO E ACOMPANHAMENTO A UM blascos menores contêm núcleos com cromatina
PACIENTE COM LEUCEMIA AGUDA condensada e cicoplasma escasso. O quadro mor-
fológico sugere d1agnóstico de LLA (Figura 29.4);
CASO CLÍNICO • imunofenotipagem de amostra de medula
óssea (Figura 29.5): a reatividade das células blás-
MMG, 7 anos, cor parda, sexo masculino. natural e ticas (90%) frente aos marcadores ant1gênicos foi:
res1dente em Manhuaçu, MG, hígido até 10 dias atrás, CD45. CD34. HLA-DR, CD79a, CD22. CD19, COlO
quando iniciou quadro de adinamia, palidez, dores ósse- - poSitivos; lgM, COla, CD2, CD3, CD4, CDS,
as nas pernas, equimoses e petéquias disseminadas pelo CD7. CD8. MPO. CD13. CD14, CD33 - negativos;
corpo. Há cinco dias procurou assistênCia médica em • conclusão: leucemia linfoblástica aguda comum
sua cidade, sendo real1zado hemograma que ev1denciou (LLA B·ll da classificação EGIL);
anemia, leucomose com predomínio de células acípicas e • citogenética (Figura 29.6): 46,XY,t(9;22)(q34;q11)
rrombomopema. Nessa ocasião foi encaminhado ao Ser· [18)/46.XY[2];
viço de Hemacologia do Hospital das Clín1cas da UFMG. • observação: caso não fossem obtidas metáfases
suficientes para a análise, podena ser utilizado mé-
codo de FISH para a pesquisa do gene de fusão
EXAME F[SICO BCR-ABL. A Fig. 29.7 mostra o resultado esperado.

Prostrado. palidez cutâneo-mucosa acentuada, pre- O paciente iniciou tratamenro quimioterápico se-
sença de petéquias e equimoses em tronco e membros gundo o protocolo do Grupo Brasileiro para Tratamen-
infenores, lmfonodomegalia cervical, axilar e ingUinal b1· co da Leucem1a Lmfoblást1ca Infantil (GBTLLI-99), grupo
lateralmente. Temperatu'a axilar: 37,2°(. abdome flácido, alco risco, em julho de 2003.
indolor à pal pação superficial e profunda, fígado palpável a
5 cm do RCD, baço pouco doloroso e endurecido palpável
a 3 cm do RCE, testículos sem anormalidades à palpação. EXAMES LABORATORIAIS NA RECIDIVA
Sem outras alterações significativas ao exame clínico.
• mielograma e imunofenotipagem: medula óssea
totalmente infiltrada por linfoblasms. com imuno-
EXAMES LABORATORIAIS AO DIAGNÓSTICO fenótipo de LLA comum (LLA B-11 da classificação
EGIL);
• hemograma: • citogenética:4 LS,XY.add (1 )( p36 .3),c(9;2 2;19)
Hemoglobina: 5,6 g/dL ( q 3 4; q 11; p 13. 3),? de I( 9 p), de r ( 16) (? q 2 2;?)
Hematócrico: 16,5% (14)/46,XY[06);

Investigação laboratorial do paciente com leucemia aguda 337


• pesquisa do gene de fusão BCR-ABL (Figura civo de cracamemo quimiocerápico, recebeu predntsona,
29.8): resulrado - foi derecrada a presença do gene hidroxiuréia. cirarabina e mesilaro de imarinib, não sendo
de fusão BCR-ABL. isoforma e1a2; obrida remissão da doença. A criança faleceu 01ro meses
• observações: gene de fusão BCR-ABL derecrado após a recidiva.
por PCR Mulriplex, com sensibilidade de derecção
de uma célula leucêmica em 1.000 células normais.

Escudo de hisrocomparibilidade não evidenciou doa-


dores aparenrados comparíveis. Co mo esquema alcerna-

Tabela 29.8- Correlação entre as pnnc1pa1s alrerações genéricas nas LMAs com subupo FAB, 1111unofenór1po e aspecms clín1cos

Alteração Citogenético G enes envolvidos Subtipo FAB lmunofenótipo Comentários


t(8.21llq22;q221 M!ILI-ETO M2 (cerco de 90% DR, CD34 CD33 Usualmente LMA de novo; eosi·
dos casos!; ombém CD13, CD15; expres· nofilio medular; vó1ios grous de
Ml eM4. Mos são freqüenle de CD19 displosio. Bom prognóstico.
apenas 20% dos eCD56
LMAs·M2 opresen·
Iom o t(8;21)
tnv( l6)1p13q22) CBFP·MYH /1 Virtuolmen·e todos CD33 > CD13 Usualmente LMA de novo. Bom
os cm0s de !\114Eo. CD15, COlá CDllo. prognósltCO
;ornbém M2 e Mt. CDllc. CD36 CD6ll,
CD4 ow CD2 - '
t(15; 17)1q22;q211 PML-RARa M3. M3v DR H CD34 geral- Usualmente lMA de novo;
mente H CD33 > quadro de CIVD; responsivo ao
CD13, CD15, CD44, ATRA. Bom prognóstico.
CD2 +/-, CD9+/-,
CD56 +/-
t(ll;l7)1q23;pll) PLZF-RARo. M3, M3v: outros Não responsivo ao ATRA.
tl 11,1 71!ql3;q21) NuMo·RARa M3; M3v; outros Aoorentemente responsivo ao
ATRA.
'15 171!q35:q21) NPM-RARa M3. M3v: outros Aoorente'T'erte respors.vc ao
ATRA
Tronslocoções envolven- MU M4 e M5o; menos Se d1ferencioção LMA de novo e LMA secundá·
do o llq23 comumente outros monocítico· CD34H, rio e SMD após exposição o
subtipos (M 1, M2, CD33 > CD I3, CD14, inibidores do ropoisomerose 11.
t(9;llllp22;q23) MLL-AF9 M 5bl e SMDs CD41ow, CDl l b, Significado prognóstico não é
t!ll.l 9)(q23,p13.1) MLL-ELL CDll c, CD36, CD64, uniforme. maioria associado o
t(11;19)(q23;p13.3) MU·ENL CD4 low, CD2 +/. prognóstico desfavorável.
Mos sem padrão
definido.
Duolicoção po•c1ol em MLL exons 2·6 8-10% dos pacientes com
1onde"' do gene MLL ca riótipo normal. Prognósflco
desfavorável.
Duplicação 1n1erno em FLT3 exons 14·15 20-30% dos pacientes; fotor
tandem do gene FLT3 prognóstico mais importante
IDIT-FLT31 no grupo de cariótipo no1mol.
Prognóstico desfavorável.
Mutações do gene NPMI exon 12 55% dos adultos com coriót1po
NPMI (mo tono) normal No ousêncto de DIT
FLT3, parece tdenttficor gruoo
de melhor prognóstico.

338 [ Medicina laborarorial para o clínico


Tabela 29.9- Correlação enrre as principais alterações genéucas nas LLAs com subnpo FAB. 1munofenónpo e aspecws clín1cos

Alteração Citogenética Genes envolvidos Subtipo FAB lmunofenótipo Comentários

t!9;22)1q34;ql l j BCR-ABL Geralmente LLA de precursor B. Prognóstico desfavorá·


mo1s raramente LLA-T e LMA. vel nos odullos e nos
crianças.
tl4; 1l)iq21;q23 1 MLL-AF4 LI ou L2 Fenótipo B mais imaturo com Conlagem de leucóci-
co·expressõo de antígenos tos elevada, doença
monocíticos ou de linhagem T. extramedular frequente.
Prognóstico desfavorável.
tll ;1 9)!q23;pl3) E2A·PBXI Forte associação com o imuno- Geralmente prognóstico
lenótipo pré·B laproximodomen· desfavorável nos adultos
te 25% dos crianças e menos e nas crianças.
de 5% dos adultos). Roromenle
linloma de células Tou LMA.
rll2;2 1)!p13;q22) TEL-MIILI Geralmente imunafenót1pa B 25% dos crianças com
comum LLA de precu1sor B, geral-
mente entre I e 10 anos
de idade. Prognóstico
favorável Alteração críoti
co, necessária utilização
de FISH ou RT·PCR
Hiperdiploidia lmunofenót1po B comum ou Bom prognóstico. Ge-
pré-B. ralmente trissomia dos
cromossomas 4, 6, 8,
10, 21 , 22 e X.

Figura 29.4 - Fotomicrografia de esfregaço de aspirado de medula óssea (May-Grünwald-G1emsa. x


1000), Leucem1a linfoblásrica aguda. Medula óssea h1percelular mf1luada por ilnfoblasLOs pleomórf,.
cos apresemando grande variabi l1dade em formaw e tamanho. Vc, pram!!o colo11da

Investigação laboratorial do paciente com leucemia aguda 339


Antígenos positivos:
~ ...---.-------.. CD79a
ô
~ -
CD45
fC534l
~
CD lO
10' 10' 10' IO'f
HLA-DR
lgO iffiC

Antígenos negativos:
CD3
CDS
CD7
CD 13
CD33
Mieloperoxidase

Figura 29.5- D1agrama esquemánco de imunofenmipagem por citometria de fluxo. O diagrama mosrra os gráficos de dispersão do caso
descrito. A seta azul1ndica a população de células blásticas a ser escudada. A população destacada em vermelho apresenta positividade
para os antígenos CD10 e CD19, definindo o subtipo LLA comum. Ver prancha colonda

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Figura 29.7 - Hibridação in s1tu com fluorescência para pesquisa


Figu ra 29.6 - Cariónpo masculino de medula óssea evidenciando
do gene de fusão BCR-ABL. Hibridação in s1tu com fluorescência de
uma translocação entre os cromossomas 9 e 22.
sonda especifica para pesquisa do gene de fusão BCR-ABL em nu-
cleo inrerfásico de medula óssea. A sonda é composta da m1stura
de duas sondas de DNA, uma para o gene ABL (laranja) em 9q34 e
a outra para o gene BCR (verde) em 22q11.2. Nas células com trans-
locação entre os cromossomas 9 e 22, um s1nal verde é observado
no cromossoma 22 normal (seta ma1or), o s1nal laranja pode ser
visto em ambos os homólogos do cromossoma 9 (setas menores)
e um sinal amdrelo da fusão, resultante da presença dos sinais verde
e laranja junws, é verificado no cromossoma 22 derivativo (seta va-
zada). Coloração de fundo: DAPI (cortesia do Setor de Citogenética
do Serv1ço de Med1c1na Laboratonal do Hospital das Clín1cas da
UFMG). Vet prancr1a color.da

340 Medicina laboratorial para o clínico


PM 1 2 3 REFERÊNCIAS

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Figura 29.8- Detecção do gene de fusão BCR-ABL por PCR. Linha
tn adult acure myelotd leukem1a. Hemarology Am Soe
1: detecção de banda de 805 pb correspondente ao gene consutun·
Hemawl Educ Program. 2006:169 77.
vo BCR. para venficação da qualidade do cDNA: Linha 2: detecção
5. Mrózek K. He1nonen K. Bloomf1eld CD. Prognosnc value
de banda de 480 pb (seta), correspondente à tsoforma ela2 do gene
of cyrogeneuc ftndtngs tn adults w1th acure myelotd
de fusão BCR-ABL. e da banda de 805 pb correspondente ao gene leukemta.lnr I Hematol. 2000:72:261-71.
BCR: Linha 3 - controle da PCR. PM - padrão de peso molecular 6. Szczepansky T. Orfao A. van der Velden VHJ, San Mtguel
100 pb. Gel de agarose 2%. JF. van Dongen JJM. Min1mal restdual dtsease tn leukae-
mta panems. Lancet Oncol. 2001;2:409- 17.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Sttes úre1s:


lnsmuco Nactonal de Câncer
O reconheCimemo da heterogeneidade clínico-bio- http://www.tnca.gov.br
lógica das leucemias agudas ressalta a Importância do Atlas Ch10mosome Canw (Atlas de Cllogenénca)
estudo multid1sciplinar, tamo na etapa do diagnóstico http://arlasgeneticsoncology.org/
quanto no monitoramento da terapia. Além das Im- Ltvro Educactonal Anual da SoCiedade Amencana de He-
plicações práticas, especialmeme no manejo clínico, a macologla
classificação e a subclassificação das leucemias agudas http://www.asheducatlonbook.org/
contribuem para o conhecimento progressivo da biolo- Atlas de Hematologta
gta dessas doenças. posstbilttando a descoberta de novos http://image.bloodl1ne.net/
marcadores prognósticos relevames e recursos terapêu-
ticos ma1s específicos.

341
Investigação laboratorial do paciente com leucemia aguda
Daniel Dias Ribeiro
30 Ana Flávia Leonardi Tibúrcio Ribeiro
Rosa Ma/ena De/bane de Faria

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM
DISTÚRBIO HEMORRÁGICO

O SISTEMA HEMOSTÁTICO das principa1s vias da ancicoagulação. A fibrinólise é fa-


vorecida pela produção do ativador do plasminogênio
O sistema hemostático é responsável por manter o tecidual (tPA) e ativador do plasminogênio uroquinase
sangue flu1do no intravascular e por permitir que este, (uPA). A agregação plaquetária é inibida pela liberação
quando exposto a estímulos adequados (lesão endote- da prostaciclina 1
2
(PG I2) e do óxido nítrico (ON) na su-
lial), form e o plug hemostático. Após a cicatrização do perfície endotelial.
endotélio, este coágulo formado deve ser quebrado. Para O endotélio lesado é capaz de expor substâncias pró-
manter esse equilíbrio necessita-se de níveis adequados coagulantes, ta1s como o fator de von W illebrand, fator
de fatores pró-coagulantes e anticoagulantes, número e tecidual e colágeno, entre outras. A resposta inflamatória
função plaquetária normais, ·endotélio íntegro e um sis- que lesou o endotélio ou que ocorre em função da sua
tema fibrinolítico funcionando corretamente. lesão é responsável pela diminuição da u ombomodulina
O sistema hemostático é composto pelo endotélio, e aumento do 1nibidor do ativador do plasminogênio 1
plaquetas, fatores pró e anticoagulantes, fatores pró e (PAI-1). Tem-se, então. a ativaçâo da coagulação, diminui-
antifibrinolíticos. ção da ação dos anticoagulantes naturais e bloqueio da
fibrinólise.

ENDOTÉLIO
PLAQUETAS
O endotélio normal mantém o sangue fluido devido
à produção de inibidores da coagulação e da agregação A participação das plaquetas na hemostasia é par-
plaquetária, modulação do tônus e permeabilidade vas- te fisiológica fundamental. Sua ação envolve adesão ao
cular. Ele protege, como um envelope, as substâncias endotélio lesado, agregação plaquetária com a forma-
pró-coagulantes do subendotél io. O endotélio possui ção de uma superfície de fosfolípides na qual ocorrem
propriedades anticoagulantes, pró-fibrinolíticas e de várias reações da coagulação e liberação de substâncias
inibição da agregação plaquetária. A trombomodulina, pró-coagulantes através da secreção de seus grânulos.
produzida e secretada pelo endotélio, ativa a proteína No primeiro momento. substâncias como o colágeno
C que, quando em cantata com a rrombina e o sulfa- e. principalmente, o fator von W illebrand são expostos
to de heparina, presentes no endotélio, potencializam e promovem a adesão plaquetária. As glicoproteínas lb
a antitrombina (AT). Tais mecanismos constituem duas IX-V (GPibiX-V) constituem o sítio de ligação das plaque-
cas ao endocélio lesado. Após esca fase inicial, ocorrem, fato de sofrerem um a gamacarboxilação em sua porção
simultaneamente. a agregação e a ativação plaquerária. A aminot erminal, dependente da vitamina K, para serem
primeira decorre da interação emre as plaquetas através capazes de exercer as suas funções.
da ligação das glicoproteínas llb IIIa (GPIIbll la); a segunda A via intrínseca pode ser definida como a via da co-
resulta da secreção de substâncias pró-coagulantes dos agulação que possui todos os seus ativadores no inte-
grânulos densos, grânulos alfa e lisossomos, o que ocorre rior dos vasos, sendo composta pelos fatores VIII, IX, XI,
após a centralização destes, devido à contração do ci- XII, calicreína, pré-calicreína e cininogênio de alto peso
toesqueleto plaquetário. A ativação plaquetária culmina molecular. Os chamados fatores de contaw (fatores XI,
com a formação do tampão plaquetário. XII, calicreína, pré-calicreína e cininogên io de alto peso
molecular) passaram a ter a sua importância como pró-
coagu lantes questionada, pois apenas a deficiência do
FATORES PRÓ -COAGULANTES faror XI leva à tendência de sangramento aumentado,
enquanto a deficiência do fator XII pode estar associada
Embora, tradicionalmente, a coagulação seja dividida à trombose. Por outro lado, essas proteínas participam
em vias intrínseca, extrínseca e comum, essa divisão não da respost a in flamatória, ativação do sist ema de comple-
ocorre in vivo. Atualmente, sabe-se que, após o fator VIl mento, fibrinól ise, angiogênese e formação de citocinas.
ser ativado pelo fator cecidual, o complexo fator V ll-fator Portanto, pode-se ter deficiência do fator XII, mas sem
tecidual é capaz não só de ativar o fator X, através da via tendência ao sangramento e com provável facilidade de
extrínseca, como também da via intrínseca, por meio da formação de trombos.
ativação do fator IX. Entret anto, tal divisão ainda é útil A via comum é composta pelos fatores 11, V, X e fi-
para se observarem as reações da coagu lação in vitro, em brinogênio. Uma vez ativada pelas vias intrínseca e/ou
que são avaliadas separadamente as vias intrínseca e co- extrínseca, é responsável pela conversão da protrombina
mum das vias extrínseca e comum. Praticamente todas em trombina. Após sua ativação. o fator X, juntamente
as reações da coagulação são reações enzimáticas nas com o cálcio, fosfolípides e o fator V, formam o complexo
quais um zimogênio (enzima na forma inativa) é clivado, protrombinase, que fará a conversão da protrombina em
originando uma serino protease (forma enzimática ativa). trombina, quando, então, a trombina formada é capaz de
A via extrínseca é a principal via de ativação da co- interagir em vários pontos da coagulação, retroativando-se.
agulação, sendo composta por elementos sanguíneos e Originam-se, assim, ações pró-coagulantes tais como con-
vasculares. Tem como co m ponente crítico o fator teci- versão do fibrinogên io em fi brina.jeedback positivo sobre
dual, que é uma proteína intrínseca de m embrana, com- os fatores V, VI II, IX, XI e XI I (potencializando em muitas
post a por cadeia única de polipeptídeo. O componente vezes a formação do coágulo) e ativação do fator XIII, que
p lasmático de maior importância da via extrínseca é o funciona como estabilizador da fibri na formada. A uombi-
fator VIl, que pode ser ativado pelo faror tecid ual, mas na ainda é capaz de ativar a via da proteína C (anticoagu-
que também é capaz d e au to-at ivação, pela cl ivagem, lante natural) e de inibir a fibrinólise por intermédio do ini-
transformando-se na sua forma ativa. O complexo fator bidor da fibrinólise ativado pela trombina (TAFI). O fator V
Vl l-fator tecidual ativa as vias co mum (fator X) e intrín- é, na verdade, um co-fawr do fator X, sintetizado no fígado
seca (fator IX). O principal inibidor da via extrínseca da e presente nos grânulos alfa das plaquetas; ele possibilita a
coagu lação é o inibidor da via d o fator tecidual (TFPI). interaçâo do fator X com a membrana de fosfolípides.
Este é sintetizado por macrófagos e células endoteliais
após indução por endoroxinas e cirocinas, como as in-
terleucinas e o fator de necrose tumoral. O TFPI se liga ANTICOAGULANTES NATURAIS
ao complexo fator Vlla-fator tecidual e faror Xa, inati - (INIBIDORES DA COAGULAÇÃO)
vando-os. O fator VIl é uma proteína vitamina K d epen-
dente, como os fatores 11 e X da via com um, fator IX da O maior inibidor dos ativadores de contato é o ini-
via intrínseca e os anticoagulantes naturais, proteína C bidor Cl (primeiro componente do sistema do comple-
eo seu co-fato r, a proteína S. Todos têm em comum o mento), que é responsável pela inibição de até 90,0% do

344 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1---- - - - - - - -- - - - - -- -- - - - - - - - - -- -


faror XII arivad o e de aproximadamente 50,0% da cali- (porencializando a coagulação) e at1vação da v1a da pro-
creína. Enrretanw, a deficiência do inibidor C1 resulta em teína C (limitando a cascata da coagulação). A simples
angioedema e não em rrombose. O faror XI ativado tem formação do coágulo, entretanto, apesar de possibilitar
como principal inibidor a a l anritripsina, mas a inibição a cicatrização do vaso lesado, não resolve o problema da
da elastase dos neutrófilos é função muiro mais crítica funcionalidade do mesmo, já que o fluxo sangüíneo fica,
desta, já que sua deficiência leva ao quadro de enfisema no mínimo, prejudicado dev1do ao rrombo formado. As-
pulmonar e insuficiência hepát ica em vez de tendência à Sim sendo, é de extrema importância funcional que esse
formação de coágulos. trombo seja "dissolvido" no momento exaro.
A am irrombina, conhecida anteriormente como an- Os mecanismos responsáveis pela lise do coágulo são
titrombina III, é potente anticoagulante natural. Exerce a conhecidos como sistema fibrinolícico, que é composro
sua ação a partir da inacivação, principalmente, dos fato- por substâncias pró e anrifibrinolíticas. A plasmina exerce
res lia, Xa, IXa e Xla. Essas serino-proreases se ligam à an - o papel central na fibrinólise. Embora pouco entendido,
ritrombina e formam complexos inacivos. Entretanto, a mas, precisamente orquestrado em relação ao tempo. as
crombina ligada à fibrina não pode ser inarivada pela AT. células endoteliais liberam substâncias pró-fibrinolíticas,
Esta cem como potenCJalizador de sua ação a heparina como o cPA. Juntamente com o uPA. o tPA lisa o plasmi-
endógena ou exógena. A deficiência de ATestá ligada ao nogênio, principalmente o ligado à fibrina, t ransformado-
risco aumentado de trom boem bolismo venoso. O co- o em plasmina, protease capaz de d issolver o coágulo.
fator 11 da heparina inaciva selecivamente a crombina na Embora apenas pequena quantidade de plasminogênio
presença de heparina. se ligue à fibrina durante a formação do coágulo, esta é
Como eirado anteriormente, a via da proteína C é ou- suficiente para a fibrinólise fisiológica. Trata-se de pro-
tro potente mecanismo de anticoagulação. Após o estí- cesso balanceado, pois durante a formação do coágulo
mulo pela trombina, a crombomodulina, associada ao co- quantidades variáveis de U:1-antiplasmina (inibidor da
fator proteínaS, ativa a proteína C sendo responsável pela fibrinólise) são inseridas no trombo. O equilíbrio dessas
inativação dos fatores Va e VIlla, cofarores de coagulação. substâncias no trombo é que dica a veloc1dade e a in-
Recentemente. foi descrito o inibidor da via do fator tensidade de dissolução do coágulo. Outro inibidor da
cecidual (TFPI), que atua sobre o complexo fator tecidual fibrinó lise é o PAI-1. que impede a ação dos ativadores
e fatores VIla e Xa, inibindo a principal via do início da do plasminogênio (tPA e uPA). Descrito recentemente, o
coagulação. TAFI impede que o plasminogênio ou o rPA se liguem à
A U:1-macroglobulina é um inibidor secundário ou fibrina, diminuindo, assim, a fibrrnólise. Esta é mais uma
de retaguarda de vários famres da coagulação e enzimas interação entre a formação do coágulo e a sua fibrinóli-
fibrinolíticas. Quando ligadas a esse inibidor, as enzimas se mediada pela trombina. Logo, quando se cem pouca
ainda possuem alguma atividade; logo, esse complexo uombina, observa-se não só menos formação de fibrina,
funciona corno reservatório enzimático, já que, assim, como também mais facilidade de fibrinólise.
outros 1nibidores não são capazes de inativá-las. Nenhu- Uma vez iniciada a fibrinólise, produtos de degrada-
ma doença da hemostasia foi associada à deficiência da ção do fibrinogênio e da fibrina (PDF) passam a circular
U:1-macroglobulina. no sangue. Os PDFs são os produtos de degradação
da fibrina e do fibrinogênio propriamente ditos e os
D-dímeros (DO), que são os produtos de degradação
SISTEMA FIBRINOlÍTICO da fibrina estável, isto é, após a ação do fator Xll la. Os
PDFs e o DO são marcadores da produção de uombina
A fibrina estável é o produto final da coagulação. Du- e posterior fi brinó lise. Por possuírem pequenas quan-
rante todo o processo rem-se a rrombina como princi- tidades de uombina em sua superfície, podem levar
pal elemento, por atuar em múltiplos sítios de ligação, à ativação disseminada da coagulação, que é antago-
tais corno: imeração com o fibrinogênio (levando à for- nizada pela anticrombina. Durante a lise do coágulo,
mação da fibrina); ativação do fator XIII (possibilitando pequenas quantidades de plasmina livre também são
a estabilização da fibrina); ativação dos fatores V e VIII liberadas na circulação, o que poderia promover um

lnvesrigação laborarorial do pacienre com disrúrb1o hemorrágico 345


"estado lítico", corno observado com o uso de drogas Com estas questões resolvidas, direCtona-se a prope-
pró-fibrinolíticas como a estreproquinase. a uroquina- dêutica complementar.
se ou o ar1vador recombinante do plasminogênio, com
conseqüente tendência ao sangramento. A ~ antiplas-
mina é capaz de inibir rapidamente a plasmina livre cir- Há realmente tendência ao sangramento?
culante, prevenindo sangramento secundário diante de
plasmina livre circulante. Essa questão pode ser respondida investigando-se a
O processo da hemostasia é extremamente equil i- história clínica, familiar e uso de drogas. As principais quei-
brado, permite a formação rápida do trombo, promo- xas são: facilidade na formação de hematomas, equimoses.
vendo a hemosrasia, mas, também, impede resposta petéquias, sangramento mucoso espontâneo, menorragia.
trombogênica além do sítio lesado ou por tempo supe- sangramento aumentado após trauma, cirurgia ou parto.
rior àquele necessário para a reconstituição do vaso. Um A associação desses sintomas fortalece a suspeita clínica
desequilíbno em qualquer parte desse processo pode de distúrbios de hemostasia. Entretanto, sangramentos
propiciar doença hemorrágica ou trombótica. em sítios isolados, epistaxe ou menorragia, por exemplo.
normalmente têm como causa uma lesão local.
A definição quanto ao risco de sangramento, em
DISTÚRBIOS HEMORRÁGICOS pacientes com os chamados pequenos distúrbios de
hemostasia, é extremamente difícil. Apesar do conheci-
As doenças hemorrágicas são classicamente divididas mento das alterações no genótipo, que levam a distúr-
em primárias e secundárias. Os distúrbios hemorrágicos bios hemostát1cos. ter aumentado nos últimos anos. ain-
da hemostasia primária são aqueles que afetam a forma- da ex1ste incapacidade em pred1zer qua1s são as pessoas
ção inicial do plug plaquerário: plaquetopenias, d1sfunções com risco de sangramento aumentado, po1s nem sempre
plaquetárias (trombopatias) e a doença de von Willebrand. as alterações genotíp1cas estão diretamente relacionadas
Os distúrbios hemorrágicos da hemostasia secundária são às fenotípicas. Esse fato contrasta di reta mente com uma
aqueles que envolvem a formação da fibrina: deficiência demanda cada vez maior por informações completas e
de qualquer um dos fatores pró-coagulantes. Os exem- pela busca de padrões mais altos de segurança quanro
plos mais clássicos são as hemofilias A e B. à saúde e qualidade de vida. É grande a necessidade de
ferramentas capazes de padronizar e sistematizar o risco
de sangramento e a investigação dos distúrbios.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A diferenciação entre pessoas sem tendência ao san-
gramemo daquelas com pequenos distúrbios de hemos-
A história clínica é o prediror de risco de sangramenro tasia nem sempre é clara. Algumas escalas foram criadas
mais importante. A necessidade de confirmar ou excluir para medir a intensidade das manifestações hemorrági-
uma desordem hemorrágica é comum na prática clínica. cas. O problema é que muitas pessoas saudáveis relatam
Esta abordagem depende do quadro clínico. Pode-se, a sintomas e sinais hemorrágicos. A definição de quem
partir de uma abordagem simples. diminuir custos e o merece ser investigado se torna um problema. Arual-
tempo gasto com esses pacientes. mente, esta decisão é tomada avaliando-se a história clí-
As prinopais questões a serem respond1das na histó- nica e familiar dos indivíduos.
ria clínica são: Facilidade em sangrar: os hematomas e equimoses
• há realmente tendência ao sangramento7 devem ser valorizados principalmente quando forem
• esta é uma condição adqu1rida ou fami liar? volumosos, localizados no tronco e sem trauma prévio.
• qual fase da hemostasia está aferada? Aparecimenro súbito de múltiplos hematomas e equimo-
• o sangramento pode estar sendo induzido por ses pode refletir a existência de uma doença adquirida.
drogas? que inrerfere de maneira direta na hemosrasia, como a
• há outra doença que pode estar causando ou cirrose hepática, a plaquetopenia auto-imune e a presen-
agravando o sangramento? ça de inibidores adquiridos dos farores da coagulação. A

346 [ Medicina laboratorial para o c línico )~------------------------------


utilização de medicamentos ou suplementos alimentares ronsilectomia e sobre necessidade de hemorransfusão
com interferência na função plaquetária pode aumentar o em cirurgias em que habitualmente esta prática não é
aparecimento de equimoses e hemacomas em pacientes necessária também é informação importante. O parro é
com distúrbios congênitos de proteínas da coagulação. As uma siruação de esrresse hemostático. Pacientes porta-
anormalidades dos vasos sangüíneos e dos tecidos que os dores de doença de von Willebrand têm aumento do fa-
sustentam favorecem o aparecimento de equimoses e/ou ror de von Willebrand e do famr VIII durante a gestação,
petéquias sem que exista qualquer alteração primária da porém podem apresentar sangramemo no pós-parto, já
hemostasia. A púrpura melancólica, as vasculites, a púrpu- que estes são fatores de meia-vida curta e dimin uem ra-
ra senil, o sangramenco causado pelo uso do corcicóide, a pidamente com o térm ino da gravidez.
púrpura de mulheres relacionadas com o ciclo menstrual Sangramentos musculares e articulares: são caracte-
e a síndrome de Ehlers-Danlos são alguns exemplos. rísticos de deficiências congênitas, moderadas a graves,
Sangramemos mucosos: são achados comuns em pa- dos fatores VIII e IX da coagulação. Também podem ser
cientes com distúrbios da fase primária da hemostasia. vistos nas deficiências moderadas a graves do fibrinogê-
Epistaxe de repetição, sem associação com o clima seco nio e dos fatores 11, V, Vil e X. Hemaruoses espontâneas
ou lesão local, que piora com o aumento da idade e leva são raramente vistas em ou tras coagulopatias, à exceção
o paciente ao médico para cauterização, com história de da doença de von Willebrand tipo 3. com menos de 5%
sangramento em outro local, sugere a existência de dis- de atividade do fator VIII. Os sangramentos musculares
túrbio da hemostasia. Sangramemos gengivais só devem podem ser encontrados nos pacientes com deficiência
ser valorizados quando são repetitivos, sem doença pe- adquirida do fator VIII.
riodomal associada e com higiene oral adequada. Hema-
túria, hemoptóico, melena e sangramento retal são acha-
dos infreqüentes em doenças hemorrágicas e, quando Esta é uma condição adquirida ou familiar?
presentes, uma possível causa local deverá ser afastada.
Menorragia: é definida quantitativamente como a A idade à apresentação do sangramento, a duração
perda de sangue acima de 80 ml por ciclo menstrual. dos sintomas, a resposta a situações de esrresse hemos-
Apesar de ser um sinal freqüente em portadores de do- tático prévios e a história familiar muitas vezes definem
enças hemorrágicas, tem como causa mais com um as se distúrbio hemorrágico é adquirido ou congênito. A
alterações endometriais uterinas ou hormonais, além de dificuldade está nos pacientes com distúrbios leves, que
ser de difícil quantificação. Algumas questões destacam muitas vezes têm a história fam iliar pobre e as manifes-
menorragia verdadeira: anemia ferropriva secundária tações hemorrágicas pouco sugestivas ou até mesmo
a perdas catameniais, consumo de grande número de podem nunca ter sido expostos a situações de risco para
absorventes higiênicos por ciclo menstrual, coágulos no sangramento, no passado. A história fam iliar algumas ve-
fluxo menstrual e período de sangramento superior a zes é falsamente negativa. Cerca de 1/3 das hemofilias é
oiro dias. A menorragia acomete cerca de 10% das mu- por mutação recente, logo, sem história famil iar de san-
lheres durante sua vida reprodutiva e pode ser a manifes- gramemo. Nas doenças autossômicas recessivas e algu-
tação mais proeminente de um distúrbio congênito da mas autossômicas dominantes, em sua forma heterozi-
hemostasia, presente em até 20% das adolescentes que gótica, a história familiar é negativa para hemorragia.
procuram atendimento médico devido à menorragia.
Sangramemo pós-uauma, cirurgia ou parto: são bem
sugestivos de doença hemorrágica. A história de sangra- Qual fase da hemostasia está afetada?
mento após extração dentária é muito útil, já que vários
pacientes foram expostos a este risco. As exodontias são A caracterização do ti po de sangramemo é útil no
verdadeiros desafios para o sistema hemostático, pelas diagnóstico diferencial do distúrbio hemorrágico. O san-
limitações anatômicas para uma boa hemostasia e pela gramemo cutâneo-mucoso (equimoses, petéquias, epis-
verificação de enzimas fibrinolíticas na saliva. O ques- taxe, gengivorragia, menorragia) é típico de alterações
tionamento direto sobre sangramento excessivo após na fase primária da hemostasia: plaquetopenia, disfun-

Investigação laboratorial do paciente com d istúrbio he morrágico 347


ção plaquetária, doença de von Willebrand e doenças hipotireoidismo e doenças que causam falência ou infil-
do endorélio. Os sangramemos articulares ou muscula- cração da medula óssea. A avaliação da história clínica e
res sugerem problemas com os famres da coagulação. o exame físico são fundamentais no diagnóstico desses
A deficiência do fawr XIII (fawr estabilizador da fibrina), distúrbios e nunca devem ser substituídos por exames
em geral. moscra-se como uma lesão que volta a san- laboratoriais. Pacientes pol itraumatizados, submetidos
grar, tipo sangramemo pelo coro umbilical em recém- à transfusão maciça, podem evoluir com sangramento
nascidos. Estas alterações hemorrágicas são sugestivas secundário à plaquetopenia dilucional.
de determinados distúrbios; para a confirmação são ne-
cessários testes laborawriais.
EXAME FÍSICO

O sangramento está sendo induzido por drogas? O exame físico faz parte da avaliação dos distúrbios
da hemostasia e compõe, com a história clínica, uma das
Várias são as drogas de uso roti neiro que alteram a principais ferramentas para condução diagnóstica e uso
hemostasia e causam sangramenros, mas podem ape- racional da Medicina Laboratorial.
nas estar favorecendo a hemorragia em paciemes com Muitos pacientes portadores de distúrbios he-
distúrbio de hemostasia. O histórico do uso de drogas morrágicos apresentam exame físico sem qualquer
é fundamental. Pacientes anticoagulados (em uso de anormalidade. Grandes hematomas em regiões pou-
inibidores da vitamina Kou heparina) apresentam risco co expostas a traumas são indicativos de alteração da
de sangramento aumentado. Os antiagregantes plaque- coagu lação. Seqüelas arciculares devido à hemartroses
tários podem "desmascarar" distúrbios hemorrágicos recorrentes são freqüentes em hemofílicos. Petéquias
leves, como a doença de von Willebrand tipo 1. A cor- estão presentes nas trombocitopenias, mas raramente
ticoterapia prolongada facil ita a formação de equimo- nas crombopatias. Telangectasias em face, lábios, língua
ses devido à deterioração do colágeno do subcutâneo. e mucosa nasal sugerem o diagnóstico de telangectasia
O ácido acetilsalicílico (AAS) e os antii nflamatórios não hemorrágica hereditária.
esteróides que inibem a cicloxigenase-1 são as drogas
mais freqüentemente utilizadas que levam à disfunção
na fase primária da hemostasia, por promoverem dis- AVALIAÇÃO LABORATORIAL
função plaquetária. Os amiinflamatórios não esteróides
seletivos da cicloxigenase-2 têm pouca imerferência na Como descriw nas sessões ameriores, o exame clíni-
função plaquetária, não sendo capazes de aumentar ou co é indispensável na avaliação do risco de sangramento
causar sangramento espontâneo, porém podem indu- e o estudo laboratorial não é capaz de substituí-lo, de-
zir hipercoagulabilidade. Alguns medicamentos fitote- vendo, sempre que utilizado, sucedê-lo. Por exemplo: os
rápicos interferem na função plaquetária, sendo o mais testes de triagem da hemostasia podem não ser capazes
comum deles a Ginko bilobae. Oucros exemplos são a de predizer o risco de sangramemo no pré-operatório,
vitamina Ee os concentrados de ômega 3. a propedêutica é realizada para confirmar a existência
de um distúrbio clinicamente suspeito. Por outro lado,
a avaliação laborawrial é fundamental na determinação
Há outra doença que pode estar causando ou do diagnóstico etiológico do paciente que sangra. Há
agravando o sangramento? grande interesse no desenvolvimento de testes globais
da hemostasia, que permitam predizer o risco de sangra-
Distúrbios adquiridos da hemostasia são normalmen- menta ou trombose, mas até o momento não existe um
te secundários a doenças sistêmicas. A avaliação clínica único teste capaz de fornecer esta informação. Freqüen-
desses pacientes passa pela busca de uma doença sistê- temente o clínico tem que combinar diversos resultados
mica. Sangramentos estão freqüentemente presentes em de exames com a apresentação clínica para chegar a um
pacientes com insuficiência hepática, insuficiência renal. diagnóstico etiológico.

348 ( Medicina laboratorial para o clínico )1----- -- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - -- - -


Devido à natureza dos ensaios que avaliam a hemos- te baixa. A visualização ao microscópio de satelitismo
casla, a coleta do sangue e o manejo deste até a realiza- plaquetário e grumo de plaquetas evita uma extensa
ção dos testes é fundamental para a confiabilidade dos propedêutica para plaquetopenia. Freqüemememe a
resultados. A repetição de exames previamente altera- contagem de plaquetas por métodos manuais, como a
dos. em pacientes sem história de sangramento, muitas contagem na câmara de Neubauer ou a contagem de
vezes afasta a hipótese de distúrbios da hemosrasia, ou plaquetas na lâmina (contagem pelo mécodo de Fônio),
seja, têm-se resultados normais. é capaz de esclarecer esta dúvida.
A pesquisa dos distúrbios hemostáticos deve segUir uma
seqüência lógica de exames e a avaliação clínica permite dire-
cionar a investigação. A avaliação básica é composta dos se- Avaliação da função plaquetária
guintes testes laboratoriais: contagem de plaquetas e tempo
de sangramento de ivy modificado, tempo de protrombina, O tempo de sangramento (TS) de ivy modifica-
tempo de tromboplastina parcial ativado, ensaio de mistura. do é um TS com padronização suficiente para ser
tempo de trombina e dosagem do fibrinogênio. aceito como teste avaliador da função plaquetária. O
tamanho, a profundidade e a direção da lesão (cor-
te) devem ser reproduríveis e para que isto ocorra é
Contagem de plaquetas necessário que um dispositivo produzido com este
propósito seja utilizado, o template. A pressão nos ca-
A contagem de plaquetas faz parte do hemograma e pilares deve ser padronizada. por este mot1vo o teste
é rotineiramente realizada em contadores eletrônicos he- é realizado no membro superior na sua face medial
matológJcos, utilizando o mesmo canal de contagem dos com o esfignomanómerro a 40 mmHg durante todo
eriuócitos, diferenciando as células por limiares de volume, o proced imento. Utilizando um papel de filtro, o sa n-
plaquetas < 20 fL e eriuócitos > 30 fL. Alguns cuidados gramemo deve ser enxugado a cada 15 segundos,
devem ser tomados ames de ser liberado um resultado com cuidado para não tocar a incisão e provocar a
de plaquetopenia obc1do e. conseqüentemente, classificar remoção do plug plaquecário em formação. O tempo
um paciente como plaquetopênico, principalmente quan- de sangramemo alargado sem outras anormalidades
do não existem manifestações hemorrágicas assoc1adas. nos exames da hemostasia não é capaz de predizer
O exame microscópico do esfregaço sangüíneo, por pro- o risco de sangramenco, logo. tem l1mitações quan-
fissional experiente, é Imprescindível d1ame de resultado do usado como teste de tnagem na aval1ação pré-
de plaquetopen1a emitido pelo contador eleuônico. operatória. Acredita-se que essa avaliação deve fazer
Causas de pseudoplaquetopenias: pane de uma abordagem de triagem para o paciente
• grumos de plaquetas formados devido à falha téc- com sangramemo sugestivo de alteração primária da
nica na punção venosa quando as plaquetas são hemostasia (cutâneo-mucoso), porém o TS pode ser
arivadas ames de entrarem em comato com o an- normal em algumas doenças que afetam a fase váscu-
ticoagulante no tubo de coleta; lo-plaquetária da hemostasia, como, por exemplo, a
• agregação plaquetária induzida pelo EDTA (ácido doença de von Willebrad tipo 1.
etileno diamino terra-acético), anticoagulante uti- Vários aparelhos têm sido produzidos com o In-
lizado para coleta de amostras para realização do tuito de substituir o tempo de sangramemo na ava-
hemograma; liação da fu nção plaquetária. Um dos mais estudados
• aglutininas plaquetárias; na atualidade é um aparelho produzido pela Dade-
• satelirismo plaquetário, mediado por igG ou lgM, Behring, o PFA 100. Este tema reproduzir m v1tro o
promove adesão de plaquetas nos neutrófilos. que ocorrem vivo. O sangue total sem amicoagulame
é imroduzido em capilares com diferences ativadores
Todas essas situações são capazes de fazer com que das plaquetas e a velocidade de formação do plug pla-
a contagem de plaquetas realizada pelos mais modernos quetário é medida. O s estudos ainda são inconclusi-
contadores eletrônicos de hematologia seja falsamen- vos sobre sua real utilidade.

Investigação laborato rial do paciente co m dist úrbio hem orrágico 349


A realização da curva de agregação plaquetária enzimática da tromboplastina, impedindo intervenções
com o uso de arivadores plaquetários só esta indicada desnecessárias na posologia do anticoagulante, evitando
nos casos com forte suspeita de distúrbio de hemos- retromboses e sangramentos.
rasa primária. A medida da agregação plaq uetária é
realizada pela avaliação da transmissão da luz após o
comato das plaq uetas a serem testadas com os agre- Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa)
games plaquerários (ADP, colágeno, ristocerina, epine-
frina, ácido araquidônico e trombina, entre outros). A Avalia a integridade da via intrínseca e da via co-
confiabilidade do teste para avaliar a função plaquetá- mum (fatores XII, XI, IX, VIII, X, V, 11 e 1). É considera-
ria vai depender muito de como a amostra é manipu- do parcial porque o reagente utilizado, ao contrário da
lada, devendo ser realizado no máximo até duas horas rromboplastina usada no TP. não contém a apopro-
após a coleta do sangue. teína da tromboplastina, é composto basicamente de
fosfol ipídeos. A reação ainda necessita de um ativador
como a sílica ou o caulim. O alargamento no TTPa re-
Tempo de protrombina (TP) flete a diminuição ou disfunção de um ou mais dos fa-
tores citados ou a constatação de algum in ibidor que
Descrito por Quick et ai., em 1935, o tempo de pro- possa estar interferindo na reação, como, por exemplo,
trombina avalia a integridade da via extrínseca e da via o anticoagulante lúpico. A composição dos diferen-
comum (fatores VI l, fibrinogênio-1, protrom bina-li, V e X). ces fosfolípides utilizados nos reagentes do TTPa varia
Trata-se de teste simples que mede o tempo de formação consideravelmente e interfere na sensibilidade deste no
do coágulo em plasma citratado (anticoagulante utilizado diagnóstico das deficiências de fatores e de inibidores
para testes de hemostasia) após a adição da trombo pias- da coagulação. Usualmente é necessário que um fator
tina (fator tecidual) e da recalcificação. O alargamento no isolado esteja com sua arividade próxima de 30% para
tempo de protrombina reflete a diminuição ou disfunção que o TTPa se alargue. É recomendado que cada la-
de um ou mais desses fatores ou a presença de algum ini- boratório padronize seu TTPa, em níveis terapêuticos
bidor que possa estar interferindo na reação, como, por de anticoagulação com a heparina, localmente, correla-
exemplo, o anticoagulante lúpico. O tempo de formação cionando este com algum teste que mede a atividade
da fi bri na não depende somente da concentração plas- da heparina diretamente (dosagem do anti X ativado
mática dos fatores da coagulação das vias extrínseca eco- ou titulação com o sulfato de protamina). Em algumas
mum, mas também da concentração e do tipo de fator situações, quando o fator VIII está aumentado, tem-se
tecidual utilizado na reação. Por este motivo, tromboplas- TTPa falsamente normal mesmo diante da deficiência
tinas diferentes têm sensibilidades diferentes das deficiên- de algum outro fator.
cias dos diversos fatores. O tipo de leitura da formação da
fibrina que os diferentes insuumentos utilizam também
interfere no tem po de protrombina. Na tentativa de di- Ensaios de mistura
minuir essas diferenças, criou-se uma tromboplastina de
referência a partir da qual todas as outras são aferidas, pa- Ensaios de mistura são utilizados para avaliar o TP ou
dronizando-se o teste entre os laboratórios. Esta aferição TTPa alargados, que vão distinguir entre a deficiência de
é expressa como o índice de sensibilidade internacional algum facor e a verificação de algum inibidor da coagu-
(ISI) da trom boplastina. A razão normatizada internacio- lação. Nesse teste, mistura-se o plasma normal com o
nal (RNI) é o resultado de uma fórmula matemática em plasma do paciente na proporção de 1:1 e em seguida
que o tempo de protrombina do paciente é dividido pelo realiza-se o teste que havia sido previamente alterado,
tempo de protrombina do controle e elevado ao 151. O imediatamente e após incubação por 30, 60 ou 120 mi-
RN I foi criado para uma monitorização mais fidedigna nucos a 37°C. Quando há deficiência de algum faror da
de pacientes em uso de anticoagulante oral, pois corri- coagulação, o ensaio de mistura é normal imediatamente
ge a variabilidade do teste no que se refere à atividade e após incubação. Na presença de algum anticorpo ad-

3SO [ Medicina laboratoria l para o clínico Jf---- - -- - - - - -- - - -- - -- - - - - - - - - - -


CORRELAÇÃO CLÍNICO~LABORATORIAL
quirido contra fatores da coagu lação, o ensaio de mistura
vai permanecer alrerado, principalmente após o período
PACIENTES COM HISTÓRIA DE
de incubação a 37°C.
SANGRAMENTO, TTPA E T P PRO LONGADOS

Doenças congênitas
Fibrinogênio

Teste de Clauss: grandes quantidades de trombi- Deficiências congénitas dos fatores da coagulação que
na são adicionadas ao plasma a ser testado de form a compõem a via comum vão prolongar o TTPa e em maior
que a reação ocorra independente da quantidade de imensidade o TP. As deficiências dos fatores I (fibrinogên1o),
trombina presente na amostra. Vá rias diluições são 11 (protrombina), V e X são raras e de carácer autossômico
realizadas para aumentar a sensibilidade do teste em recessivo. Nas disfibrinogenemias, como na deficiência do
qualquer nível de inibidores (hepari na e produtos de fibrinogênio, o tempo de trombina encontra-se alargado.
degradação de fibrina). O mesmo procedimento é Ao contrário dos pacientes com defiCiência congén ita, os
realizado com um plasma sabidamente normal e as pacientes com disfunção congênica do fibrinogênio (disfi-
curva s das diluições são comparadas para que se ob- brinogenemias) apresentam, em aproximadamente 50% dos
tenham resultados nu m éricos. Esse teste é capaz de casos, fenômenos rromboembólicos e não sangramenro.
detecta r as deficiências quantitativas e fu ncionais do
fibri nogên io.
Doenças adquiridas

Tempo de t rombina (TT) Os inibidores da coagulação relacionad os aos fatores


da via co mum da coagulação são ra ramente encontra-
Ava lia a formação do coágulo após a adição de trom - dos. O mais com um desces é o inibidor contra o faror V,
bina ao plasma citratado. Reflete a ação da rrombina sobre que se manifesta após o uso d a crombina bovi na tó pica
o fibrinogênio durante a formação de fibrina. A crombina (utilizada em procedimentos odonrológicos), quando
quebra o fibrinogênio, liberando os fibrinopeptídios A e anticorpos contra o fator V humano são desenvolvidos
B, formando os monômeros de fibrina que reagem entre por reação cruzada. Raramente pacientes portadores d e
si e formam os polímeros de fib rina. O prolongamento no anticoagulante lúpico desenvolvem a deficiência do fa-
tempo de rrombina reflete a deficiência ou anormalidade tor 11 com manifestações clínicas importantes. A am iloi-
estrutural do fibrinogênio. Este estará alterado nas hipo- dose pode levar à deficiência d os fatores da coagulação
fibrinogenemias ou disfibrinogenemias familiares, em pa- vitamina K dependentes, 11, VIl, IX e X, mais comumente
cientes com manifestações de coagulação inrravascular o fator X, d evido à absorção d esces fatores pelas fibras
disseminada ou em pacientes com insuficiência hepática amilóides. Outras alterações adquiridas que p odem
avançada. As gamopatias monoclonais, principalmente prolongar o TP e TTPa são: coagulação incravascular
por lgM ou lgA, podem alargar o Tl por interferir na disseminada, insuficiência hepática, paraproteinem ias e
polimerização d a fibrina. Clin icamen te, o inib idor mais terapia com heparina o u anticoagulante oral.
importante que causa o alargamento do TT é a heparina
não fracionada. O tem po de repti lase pode ajudar a dife-
renciar o alargamento de TT, já que o veneno de cobra PACIENTES COM H ISTÓRIA DE SANGRAMENTO,
utilizado como acivador da reação (Bothrops atrox) induz TTPA PRO LO N GADO E T P NORMAL
a formação do coágulo de fibrina, agind o direcamenre so-
bre o fi brinogênio, como a rrombina, mas, diferentemen- Doenças congênitas
te desta última, não sofre interferência da heparina. Logo,
um tempo de rrombina alterado com tempo de reptilase Esta categori a inclui as hemofilias clássicas (defici-
normal sugere heparina na amostra. ência do fator VIII e IX) e a deficiência do faror XI. As

Investigação laboratorial do paciente com distúrbio hemorrágico 351


hemofilias A e B são indistinguíveis em suas apresenta- de multímeros; 2N - com defeito no "sítio" de ligação
ções e manifestações clínicas, sendo a primeira (defici- do FvWb com o fator VIII.
ência do fator VIII) quatro a cinco vezes mais comum Tipo 3 - representa 1 a 5% dos casos e é caracteri-
que a segunda. Aproximadamente 30% das hemofilias zado por deficiência quantitativa grave do fator de von
são devidas a novas mutações, logo, com história famil iar Willebrand, que se encontra em nível inferior a 1% e com
negativa para a doença. Os sinais e sintomas surgem logo dosagem de fator VIII entre 1 e 10%. Por isso, a doença
após o nascimento, principalmente nos pacientes com de von Willebrand tipo 3 apresenta manifestações he-
hemofilia grave ou moderada (atividade dos facores VIII morrágicas como nas hemofilias, porém com o agravan-
ou IX menor que 1% e entre 1 e 5%, respectivamente), já te de o defeito também envolver a hemostasia primária.
os pacientes com hemofilia leve (fatores VIII ou IX entre Na grande maioria dos pacientes portadores da doença
5 e 30%) apresentam sintomas apenas quando expostos de von Willebrand, o TTPa está normal, apenas nos pa-
a situações de estresse hemorrágico. cientes com tipo 3 da doença e com o tipo 2N pode-se
A doença de von Willenbrand (DvWb) foi descrita encontrar o TTPa prolongado.
em 1926 por Erik von Willebrand, pediatra finlandês. É a
doença hemorrágica congénita mais prevalente, encon-
trada em 1 a 2% da população geral. Porém, em estudos Doenças adquiridas
com base nos sintomas hemorrágicos, a prevalência da
doença foi de 30 a 100 casos por milhão, semelhante O distúrbio adquirido mais comum com estas carac-
à prevalência da hemofilia A Esta grande diferença de terísticas é a presença de inibidores contra o fator VIII
prevalência se deve ao fato de que a DvWb é muitas da coagulação. Inibidores contra os fatores IX e XI são
vezes oligossintomática e pode passar desapercebida raramente descritos. Mais comumente encontrado em
durante toda a vida. idosos (média de idade 61 anos), pode estar presente
O fator de von Willebrand (FvWb) é sintetizado pelo em crianças e adultos jovens, principalmente no período
endotélio e megacariócitos e é fundamental para a ade- pós-parto. Difere da hemofilia congénita na apresenta-
são plaquetária ao endotélio lesado. Além disso, é respon- ção clínica por manifestar sangramentos musculares e
sável também por estabilizar e transportar o fator VI II na equimoses mais freqüentemente do que hemartroses
circulação. As principais manifestações clínicas decorren- (sangramento característico do hemofílico). Inibidores
tes de sua deficiência estão relacionadas a defeito na fase adquiridos do fator de von Willebrand também justifi-
primária da hemostasia (equimoses, epistaxe, gengivorra- cam TTPa alargado. Ocorrem em associação a doenças
gia e hipermenorréia) e à diminuição dos níveis de facor auto-imunes, lifoproliferativas, mieloproliferativas, hipo-
VIII circulante (sangramento aumentado pós-estresse he- tireoidismo e alguns medicamentos.
mostático: cirurgias e traumas). O fator VI II não carreado
pelo FvWb torna-se mais suscetível à proteólise, tendo
por isso sua meia-vida encurtada na deficiência do FvWb, PACIENTES COM HISTÓRIA DE SANGRAMENTO,
o que acarreta nível sérico diminuído. TP PROLONGADO E TTPA NORMAL
A DvWb é dividida em três grandes subtipos:
Tipo 1 - corresponde a 60 a 80% dos casos e é carac- Doenças congênitas
terizado por deficiência quantitativa leve a moderada do
fator de von Willebrand. A deficiência do fator VIl classicamente produz esse
Tipo 2 - representa 10 a 30% dos casos e é carac- quadro. Provavelmente, são necessários apenas 10 a
terizado por apresentar defeitos qualitativos no fator 15% de atividade do fator VIl para que a hemostasia se
de von Willebrand. É subdividido em quatro grupos: processe adeq uadamente. A história de manifestações
2A - com ausência dos grandes multímeros; 2B - que hemorrágicas é extremamente variável. Em pacientes
apresenta alta afinidade do FvWb às plaquetas e au- com deficiência grave têm-se sangramento intra-articu-
sência dos grandes multímeros; 2M - com defeito lar, hematomas musculares, assim como sangramento
qualitativo do FvWb sem associação com deficiência cutâneo-mucoso. Nem sempre o risco de sangramen-

352 ( M edicina laboratori al para o cl ínico )~-----------------------------


Doenças adquiridas
w esrá direramenre relacionado aos níveis de faw r Vil,
já que alguns pacientes apresentam, associado à defi-
ciência quantitativa, alterações da função do faror VIl. Drogas, suplementos nutricionais e o estado urêmico
Pacientes com deficiência leve do faror VI/, apesar de são capazes de interferir na função plaquerária e precipi-
apresentarem o TP prolongado, não têm risco de san- tar manifestações hemorrágicas.
gramemo aumentado.

PACI ENTES SEM HISTÓRIA DE SANGRAMENTO,


Doenças adquiridas COM TESTES DA COAGULAÇÃO ALTERADOS

O TP é mais sensível do que o TTPa e por este mo- Doenças congê nitas
tivo altera-se mais precocemente nos pacientes com
insuficiência hepática ou deficiência de vitamina K. Essa As deficiências do faror XII, pré-calicreína e cininogê-
maior sensibilidade se deve ao faro de que o faror VI l é nio de alro peso molecular levam ao prolongamento do
de síntese exclusiva hepática e com meia-vida curta, de TTPa sem qualquer manifestação hemorrágica. Como
aproximadamente sete horas. Em geral, quando a insu- citado anteriormente, pacientes com deficiência leve do
ficiência hepática ou a deficiência de vitamina K é grave fator VIl (usualmente acima de 20%) apresentam o TP
o suficiente para causar sangramentos, o TTPa também alargado, sem man ifestações hemorrágicas.
já se encontra alargado.

Doenças adquiridas
PACI ENTES COM HISTÓRIA DE SANGRAMENTO,
TS PROLONGADO, PLAQUETOMETRIA NORMAL, O anticoagulante lúpico é capaz de alargar o TTPa sem
TP E TTPA NORMAIS risco aumentado de sangramento. Na verdade, são pacien-
tes com risco aumentado de fenômenos tromboembóli-
Doenças congênitas cos, principalmente quando exposros a grandes cirurgias,
períodos de imobilização prolongada, terapia de reposição
Estes são os pacientes portadores de plaquecopatias hormonal feminina e gestação. Não raramente, pacientes
envolvendo disfu nções plaquetárias intrínsecas, mais que apresentam TTPa alargado sem sangramenro assooa-
comumente por deficiência de gl icoproteínas de mem- do procuram avaliação com o hemarologista para a realiza-
brana ou defeitos na secreção plaquetária. A DvWb ção de preparo pré-operatório, com o objetivo de diminuir
tipos 1, 2A, 28, 2M também compõe esse grupo. Em a chance de sangramento durante a cirurgia e deixam o
geral, são pacientes com sangramento do tipo cutâneo- consultório com indicação de profilaxia para trombose de-
mucoso e com história familiar positiva ou não. No caso vido a presença de anticoagulame lúpico.
de DvWb, apesar da história de sangramento bem do-
cumentada, o paciente pode apresentar codos os tes-
tes para a avaliação da hemostasia normais, mesmo os CONSIDERAÇÕES FINAIS
específicos para a doença. Por ser uma proteína de fase
aguda, os níveis séricos do FvWb podem estar normais Diante de um paciente com <..J Ueixa de sangramento,
em pacientes com DvWb em vigência de qualquer pro- é importante verificar a importância clínica desse evemo
cesso inflamatório, após exercício físico vigoroso e após e se corresponde a um distúrbio do sistema hemostáti-
estímulo ad renérgico. Seus níveis variam também de co. A Tabela 30.1 reúne, de forma sintética, as principais
acordo como o ciclo menstrual e com o uso de anti- situações clínicas geradoras de sangramento, as man i-
concepcional oral. Para que o diagnóstico da DvWb seja festações hemorrágicas ma1s freqüemes e os resultados
confirmado, muitas vezes é preciso repetir os exames esperados para os testes laboraroriais de triagem para
específicos para a doença algumas vezes. estudo da hemostasia.

Investigação laboratorial do paciente com distúrbio hemorrágico 353


Tabela 30.1 -Correlação entre as principais situações clínicas geradoras de sangra menta, suas ma nifestações hemorrágicas e
os resultados esperados nos testes labo ratoriais de triagem para estudo da hemostasia

Manifestações hemor rágicas


Situações clín icas
mais freqü entes
Plq TS TP TIPa TT Fb
Adquiridas

Uso de AAS equimoses nl nl n/ nl nl nl

Uso de heparina equimoses nl nl nl ou i i nl nl

Uso de Warfarina eq uimoses nl nl i nl ou i nl nl

Deficiência de Vitar11inu K equimoses, epista xe, hematomas nl nl i nl ou i nl nl

Insuficiência Hepática eq uimoses, hematomas !. i i i i !.


Insuficiência Renal equimoses nl i nl nl nl nl

Coagulação lntravosculor Disseminada petéqu ias, equimoses, geng ivorragio, !. i i i i !.


epistaxe, he matomas, hemotúria
Púrpura Trombocitopênica Imunológico petéquias, equimoses, gengivorragia !. i nl nl nl nl
e epistaxe
Leucemia aguda petéquias, equimoses, geng ivorragio, !. i nl nl nl nl
epistoxe e sangramento SNC
Vasculites Petéquias e equimoses nl i nl nl nl nl

Inibidores adquiridos dos fa tores VIII, IX e XI hematomas musculares e hemartroses nl nl nl i nl nl

Inibidor adquirido do fator VIl hematomas musculares e hemortroses nl nl i n/ nl nl

Congénitas

Doença de Von Willebrond equimoses, gengivorragio, e nl i nl nl ou i nl nl


menorrogio
Hemofilias Hemartroses e hematomas nl nl nl i nl nl

Deficiência do fator Vil hematomas musculares e hemortroses nl n/ i nl nl nl

Disfibrinogenemias e hipofib rinogene mias hemato mas musculares nl n/ i i i i


Vasculopatios petéquias e equimoses nl i nl nl nl nl

Ploquetopotios Congénitos equimoses nl i nl nl nl nl

Plq: plaquetas; TS: tempo de sangramenw; TP: tempo de prouombma; TTPa: tempo de tromboplastina parcial; TT: tempo de trombrna e Fb: flbrinogênio.

REFERÊNCIAS
l Bom bel i T, Spahn DR. Updates in perioperative coagula- 4. Kon kle AB Clinical Approach co the Bleeding Patienr. ln:
tion: physiology and management o f thromboembolism Colman RW, Marder V}, Clowes AW, George }N, Gold-
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2. Colman RW, Clowes AW, George }N, Goldhaber SZ, Mard- clinical prac tice. sth ed. Philadelphia: Lippincott Williams
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thrombosis: basic principies & clinical practice. 5th ed. N E}M 2004;351:683-94.
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emosr. 2007;5 supp/ 1:166-74

354 [ Medicina laboratorial para o clínico )1--- - - - - - - - -- - - -- -- - -- - - - - - -- -- - -- -


Daniel Dias Ribeiro
31 Ana Flávia Leonardi Tibúrcio Ribeiro

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM TROMBOFILIA

O termo trombo filia é definido como predisposição são de aproximadamente 30%. Logo, em 70% das vezes a
a desenvolver trom bose em conseqüência de alterações ausência do diagnóstico preciso leva a uma investigação
em qualquer parte do sistema hemostático (endotélio, desnecessária.
plaquetas, fatores pró-coagulantes, fatores anticoagulan-
tes, fatores pró-fibrinolíticos e fatores antifibrinolíticos),
adquiridas ou congênitas. AVALIAÇÃO LABORATORIAL

Durante os últimos anos, as rrombofílias contribuí-


MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ram substancialmente para aumentar a demanda sobre
os laboratórios clínicos para restes que avaliem a hemos-
Três tipos de manifestações clínicas são descritos em rasia. Antes de 1993, apenas 5 a 15% dos pacientes com
portadores de alterações na hemostasia que levam os trombose apresentavam alguma alteração da hemos-
pacientes a um estado de hipercoagulabilidade: tasia que pudessem explicar o desenvolvimento de fe-
• tromboembolismo venoso; nômenos tromboem bólicos. As descobertas do fator V
• tromboembol ismo arterial; de Leiden (resistência à proteína C), a mutação no gene
• complicações gestacionais como abo rtamento de da protrombina e a hiperhomocisteinemia modificaram
repetição, perda gestacional após a 10• semana esse cenário. Diferentemente das deficiências de anti-
sem causa obstétrica, com feto morfologicamen- trombina, proteínas Se C que estão presentes em menos
te normal, doença hipertensiva específica da gra- de 5% dos pacientes com trombose e em menos de 1%
videz, entre outr2s. na população geral, o fator V de Leiden está presente em
25% dos pacientes com trombose e em 5% da população
Independentemente de qual seja a manifestação em geral e a mutação do gene da procrombina em 10%
clínica do paciente, o estudo das trom bofilias só deverá dos pacientes com trombose e em 3% da população em
ser realizado quando se tem um exame confirmatório do geral. Entretanto, essa investigação nem sempre está in-
episódio clínico. É freq üente o hematologista aval iar pa- dicada, pois não basca que o paciente apresente algum
cientes com suspeita clínica não confirmada de trombo- fenômeno tromboembólico para que a propedêutica
se venosa profunda encaminhados para a investigação seja realizada. Alguns pontos são de extrema importân-
de trombofilia. Sabe-se que a sensibilidade e especifici- cia ames de se iniciar a avaliação laboratorial das trom-
dade do diagnóstico clínico para as tromboses venosas bofilias: quais são candidatos, o momento e o local ideal
dos testes, o método a ser utilizado e a melhor estratégia A existência das trom bofilias é im portanre
para um cusro-benefício favo rável. para os parentes de primeiro grau dos pacienres
que apresemam a lguma uom bofilia congênita do-
cumentada, sendo estes os possíveis portadores
PO R Q UE ESTUDAR AS TROMBOF ILI AS? assintomáticos. Nestes, a profilaxia p rimária deve
ser oferecida em situação de risco de trombose, ln-
A propedêutica deve ser realizada somente quan- dependememenre da idade (em geral ac1ma de IS
do seus resultados puderem interferir na conduta mé- anos d e idade). A gestação, o pós-parto, assim como
dica. No campo das trombofilias. esses resultados não o uso de anriconcepcional o ra l e a terapia de reposi-
1rão modificar a conduta imed1ata com o paoente. ção hormonal por si só aumentam o risco de trom-
Pacientes com trombose devem ser conduzidos du- bose e a orientação para esses pacientes é realizada
rante o quadro inicial de fo rma idêntica, independen- de acordo com o tipo de trombofil ia encontrada.
temente de terem o u não alguma trom bofilia. Cada Devido à alta incidência d o fator V de Leiden e do
caso é avaliado individualmente quanto ao risco de gene mutante da protrombina, um inapropriado
recorrência da trombose e de sangramento associa- screening em pacie ntes assintomáticos passou a ser
do à anticoagulação oral e a cond uta será manter o u rea lizado. O alvo desta pesqu isa fora m as pacientes
não o anticoagulante. O estudo das trombofilias é um sadias que estavam iniciando o uso do a miconcep-
dos marcadores de risco para recorrência da trombo- cional o ral. O custo-benefício desse screening foi alta-
se. Alguns aurores classificam as uombofilias como menre desfavorável. Com o objetivo de prevenir um
baixo e alto risco de recorrênc ia. Nas trombofilias de episód io de trombose por ano, o anticoncepcional
alto risco. na maio ria das vezes, a anticoagulação é por o ral deve ser evi tado em 400 mulheres portadoras
tempo indeterminado. Consideram-se alto risco de re- do fa tor V de Leiden e. para encontrar este número
trombose os portadores de homoz1gose para alguma de portadoras, aproximadamente 10.000 m ul he res
mutação, dupla heterozigose, SAAF (Síndrome do an- assintomáticas devem ser testadas. Deveriam ser es-
ticorpo antifosfolípide) e deficiência de antit rombina. tuados dois milhões de mulheres assintomáticas a
As defic1ências das proteínas C e S são consideradas. fim de se evitar uma m orte por trom boembolismo
por alguns aurores. como alto risco e por outros como pulmonar por ano.
ba1xo risco. Do ponto de vista dos aurores. estas duas
últimas deficiências devem ser tratadas como de risco
intermediário e a presença destas, isoladamente, não QUEM SÃO OS PACIENTES ELEITOS
1nd1cana o tratamento po r tempo indeterminado. As PARA O ESTUDO DAS TROMBOF ILIAS?
demais cro mbofilias são tratadas como baixo risco de
retrombose e na maioria das vezes há indicação de Mesmo que a prevalência de uma trom bofilia
se suspender a ant1coagulação com seis meses a um seja muito elevada, sua pesquisa não é justificável na
ano de tratamento. No momento da avaliação para população assintomática. A investigação de rodas as
a suspensão da terapia, levam-se em consideração: uombofilias conhecidas é indicada para todos os pa-
a presença ou não de fatores desencadeantes para a cientes com episódio de tromboembolismo venoso
trom bose, o local da trombose, a idade do pacientes. idiopática e com menos de 50 anos. Apesar da 1dade
a história de trombose na família. a seqüela de trom- e da presença o u não de algum faror desencadeame
bose no sítio acometido, os valores do dímero D um serem importantes quando se avalia o risco de recor-
mês após a suspensão da anticoagulação, as s1cuações rên cia da trombose. estes não são vistos como fatores
de risco de trombose a que o paciente foi exposto no li m itantes para a ind icação de se escudar ou não as
passado e o risco de sangramemo associado ao anti- trombofilias.
coagulante. Muitas vezes a decisão sobre a suspensão Os pacientes podem ser divididos em dois gru pos:
ou não do uatamento deve ser tomada em conjunto os fracamente trombofílicos e os altamente trombofí-
com o paciente. licos. Os fracamente t rombofílicos são aq ueles acima

356 ( Medicina laboratorial para o clínico


de 65 anos, com um fawr de risco bem documemado, rromboembólico. O uso do anricoagulame oral inrer-
sem trom bose recorrente, história familiar negativa para fere nas dosagens das proceínas C e S (vitamina K de-
trombose e obstruções em locais usuais (membros infe- pendentes) e na verificação da resistência à proteína
riores ou nos pulmões), nos quais a pesquisa laboracorial C ativada. São necessárias no mínimo duas semanas
de uombofilia é desnecessária. Os altamente trombofí- de suspensão do anricoagulante oral para que essas
licos são os que apresentaram fenômeno tromboembó- dosagens possam ser realizadas com segurança. Ages-
lico ames dos 50 anos, com história familiar positiva para tação, os dois primeiros meses do pós-parco, o uso de
trombose (parentes de primeiro grau) ou com quadro anticoncepcional oral e a terapia de reposição hormo-
de trombose de repetição. Alguns pacientes não se en- nal também interferem nas dosagens dos anticoagu -
caixam em nenhum dos dois grupos e a literatura não é lantes naturais (ami rrom bina. proteína S e C). O uso
clara na maneira como estes pacientes devem ser abor- das heparinas diminui os níveis de amitrombina e po-
dados, sendo assim, cada caso deve ser avaliado indivi- sitiva a pesquisa do anticoagulante lúpico. A resposta
dualmente. inflamatória secundária ao fenômeno tromboembó -
Pacientes com complicações gestacionais com lico pode imerferir na pesquisa da SAAF, positivando
indicação de estudo para trombofilias são: a) aqueles as dosagens das cardiolipinas e da 13-2 gllcoproteína
com três ou mais abortamentos ames da 10 • sema- I. Estas devem ser pesquisadas após o primeiro mês
na de gestação, sem causa apareme; b) uma ou mais da trombose. Para que o diagnóstico da SAAF seja
mortes feta is, de fetos morfologicamente normais, confirmado, é necessário que os critérios clínicos e
após a 10• semana de gestação; e c) um ou mais par- laboratoriais sejam preenchidos. Duas dosagens posi-
cos prematuros. ames da 34 3 semana de gestação, de tivas com imervalo de 12 semanas das cardiolipinas.
fetos morfo logicamente normais, devido à insufici- da 13-2 gl icoproteína I ou do anticoagulante lúpico são
ência placentária, pré-eclampsia ou eclampsia. A for- necessárias pa ra confirmação do diagnóstico, sendo
ça de associação dessas complicações gestacionais é que as dosagens das cardiolipi nas lgM ou lgG devem
bem estabelecida com a SAAF, o que não ocorre com ser iguais ou superiores a 40 MPL e 40 GPL, respecti-
as demais uo mbofilias. Entretanto. atualmeme. ainda vamente. O Quadro 31.1 sintetiza os principais faco-
há indicação de se estudar rodas as trombofilias co- res determinantes do momento de investigação das
nhecidas nessas mulheres. trombofilias.
Nos pacientes com quadro de trombose arterial
sugere-se a seguinte conduta: em jovens com facores
de risco para doença arterial (fumo, dislipidemia, obe- QUAL O LABORATÓRIO IDEAL PARA A
sidade, diabetes melito, sedentarismo e hipertensão REALI ZAÇÃO DOS TESTES PARA TROMBOFILIAS?
arterial) deve-se pesquisar a SAAF, a hiper-homocis-
teinemia e os níveis do fator VIII. já em jovens sem Laboratórios especializados em hemostasia são os
facores de risco para doença arterial, o screenmg com- mais adequados para essas pesquisas. São testes caros,
pleco deve ser realizado. em geral mal remunerados pelo sistema único de saú-
de e pela maioria dos convênios, o que, muitas vezes,
inviabiliza a realização em laboratórios que têm pe-
QUAL O MELHOR MOMENTO quena demanda de exames para a aval1ação das uom-
PARA SE INVESTIGAREM AS TROMBOFILIAS? bofilias. O volume de exames realizados pelo mesmo
laboratório é importante para diminuir o número de
O quadro agudo do trom boembolismo venoso controles e calibradores utilizados, por d1minuir a per-
Interfere nos resultados dos exames (exceco nos tes- da de reagentes que, uma vez colocados em uso não,
tes que utilizam análise molecular do DNA). Os tes- podem ser guardados; e por aumentar a experiência
tes realizados no plasma (dosagens de antitrombina, do serviço, que possui várias particularidades técnicas.
proceína S e C e resistênoa à proceína C ativada) es- É de extrema imponância a correlação laboratorial
tão indicados após quatro a seis meses do fenômeno com o quadro clín1co.

Investigação laborato rial do pacie nte com tro mbo fi lia 357
Quadro 31.1 - Fatores que interferem e determinam o mamemo de investigação laboratorial das trombofilias

Tipo de exame laboratorial Fatores interferentes Momento adequado para real ização
Dosagem plasmático de onlilrombino, proteínas Tromboembolismo agudo 4 o 6 meses após o fenômeno
C, S e pesquiso de resistência à proteína C lromboembólico
oliva do

Dosagem plasmático de proteínas C. S e Uso de anticoogJionte oral Mínimo 2 semanas após suspensão do cn
pesquiso de resistência à proteína C olivedo ticoagulcnte oral
Dosagem plasmático de onlilrombino, Gestação, os deis p rimeiros meses do
proteínas C e S pós-porto, uso de anticoncepcional
oral e terapia de reposição hormonal
Dosagem plosmólico de ontitrombino e Uso de heporina Após suspensão do heporina
pesquiso de anticoagulante lúpico
Dosagem de cordiolip inas e (:1-2 glicoproteíno I Trombo embolism:::J agudo l mês após o fenômeno tromboembólico

Testes moleculares para análise do DNA Não sofrem esses interferência s


mencionados

QUAIS TESTES DEVEM SER REALIZADOS NO nhados para a prevenção de: rromboembolismo venoso,
ESTUDO DAS TROMBO FILIAS? rromboembolismo em pacientes com prótese de valvas
cardíacas ou fibrilação arriai, pacientes com alto risco de
Os pacientes considerados de risco para rrombofi- infarro agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cere-
lias, os altamente trombofílicos, devem ser pesquisados bral, infarro recorrente ou morre em pacientes com IAM.
sobre rodas as alterações da hemosrasia que sabidamenre O uso dos AVK é um desafio para a prática clínica, pe-
predispõem à trombose. por meio dos restes: resistên- las seguimes razões: presença de janela terapêutica estrei-
cia à proteína C arivada, faror V de Leiden, mutação da ta, dose-resposta variável entre os indivíduos, interações
protrombina, homocisteina, síndrome do anticorpo anri- com drogas e alimentos, controle laboratorial de difícil
fosfolípide, deficiências de antirrombina, proteína C e S e padronização, problemas de não adesão ao tratamento e
dosagem do faro r Vlllc. Situações clínicas não relacionadas dificuldade de comunicação entre o paciente e o médico.
direramente com a coagulação, mas que podem interferir
na hemostasia, são: disfunções renal e hepática. doenças
auto-imunes, doenças mieloproliferativas e, em casos se- MECANISMO DE AÇÃO DOS
lecionados, como dos pacientes com trom bose de veia ANTI COAGULANTES ORAIS
hepática e de veia porta, indica-se a pesquisa da hemoglo-
binúria paroxística norurna por citometria de fluxo. Os AVKs produzem o seu efeito anticoagulante por
Nos fracamente trom bofílicos, pesquisam-se ape- interferirem no ciclo da vitamina K. A enzima vitamina K
nas as trombofilias adquiridas e as trombofilias congêni- epóxido-redutase, uma das responsáveis pela "redução"
tas mais comuns. Aqui também é importance pesquisar da vitamina Ko em vitamina K1, é bloqueada pelos AVKs.
as sicuações clínicas não relacionados diretamenre com a Desta maneira, não há a formação de vitamina K2, a prin-
coagulação, mas que podem interferir na hemosrasia. cipal responsável pela gamacarboxilação do N terminal
nas proteínas vitamina K-dependenres. Sem a gamacar-
boxilação, estas proteínas são não funcionais, ou seja, na
MONITORIZAÇÃO LABORATORIAL presença de AVKs ocorre síntese de proteínas, porém não
DA ANTICOAGULAÇÃO ORAL funcionames. O efeito dos AVKs pode ser antagon izado
por pequenas doses de vitamina K1 . Esta, em excesso,
Há mais de 50 anos os cumarínicos ou antagonistas acumula-se no fígado e pode fazer com que os paciences
da vitamina K(AVK) são os principais anticoagulantes orais. se tornam resistentes aos AVKs por até uma semana. As
Sua eficácia foi estabelecida a partir de estudos bem dese- proteínas da coagulação vitaminas K-dependentes são: os

358 [ Medicina laboratorial para o clínico


farores pró-coagulames 11, VIl. IX e Xe os amicoagulames Tabela 31.2 - Ajuste da dose de manutenção da warfarina.
RNI alvo de 2,0 a 3,0
na curais prmeínas C e S. Devido ao fator 11 possuir meia-vi-
da de 96 horas e a proteína C de sete horas. nas primeiras
RNI Ação
96 horas há diminuição dos níveis séncos desse amicoagu-
lame nacural (proteína C) sem a diminuição do principal 1,1 o 1.4 Aumentar em 20% o d ose

pró-coagulame (rrombina - faror 11), estabelecendo-se es- 15o 19 Aumentar em 10% o dose
tado de hipercoagulabi lidade. Por este motivo a heparina
2,0 o 3,0 Sem alteração
deve ser associada por no mínimo onco dias no início da
anc1coagulação com AVK, sendo retirada após dois dias 3,1 o 3,5 Diminu•t em 10% o dose
consecutivos com o AVK em níveis terapêuticos. > 3,5 Ver tabelo de hiperonticooguloçõo

AJUSTE DA DOSE DO ANTICOAGULANTE ORAL


Tabela 31.3- Ajusre da warfarina em caso de hiperanrico-
A monicorização dos AVKs é feita por meio do RNI agulação. RNI alvo de 2,0 a 3,0
(razão da normatização internacional), índice derivado
do tempo de prmromb1na como tentativa de padroni- RNI Ação
zação interlaboratorial. 3.0 o 3,5 Diminuir em 10% o dose
Vá nos são os organogramas para o acompanhamento
3.6o Ll,O Dtmtnutr em 20% o dose
dos pacientes em uso de anticoagulante oral. O esquema
a seguir é o utilizado no Ambulatório de Hemostasia do <'l ,1 o 5,0 Diminuir em 25% o dose
Serv1ço de Hematologia do Hosp1tal das Clínicas UFMG. 51o60 Diminuit em 25% o dose
Antes do 1nício da anticoagulação. é necessário co- Mo'lte• susoenso por 1 dia
nhecer o TTPa e RN I basal do paciente. A dose inicial 6.1 o 7,9 Diminuir em 33% o dose
da warfanna (AVK) é de 5 mg por dia nos adultos e de Manter suspenso por 2 dias

0,2 rng/kg nas crianças. Os pacientes idosos podem se >80 DimtnUir em 50'7~ o dose
M anter suspenso por 3 dias
beneficiar de doses iniciais menores (2.5 mg/dia).
A parm do segundo dia. o RNI é realizado diariamen-
te até que se tenha, em dois dias consecutivos. um RN I
na faixa desejada. O tempo mínimo de associação war- Tabela 31.4 - AjusLe da warfanna em caso de htperanrico-
fanna e heparina é de cinco dias. quando então se pode agulação. RNI alvo de 3,0 a 4.0
suspender a heparina. As Tabelas 31.1 a 31.7 apresenram
as bases do controle do anticoagulante oral nas diversas RNI Ação

situações do dia-a-d1a desses paoentes. <'l,1 o 5,0 Dim1nuir em 15% o dose

Tabela 31.1 - Ajusre da dose da warfanna do segundo ao 51 o 6,0 D'mlnui• em ?0% o cose
quarro dta de uso. R I basal de 1.0 a 1.3
6 ,1 o 7.9 Diminuir em 33% o dose
Manter suspenso por 2 dias
RNI Ação
> 8,0 Dim.nuir em 50% o dose
1,1 o 1,4 Repetir dose inicial
Mor•er suspenso por 3 d m
1,5 o 1,9 Adm1n1strar 50% do dose inicial

2.0o 3,0 Administrar 50% do dose inicial

3, 1 o 3,5 Adm1n1stror 25% do dose inicial Pacientes com RN I acima de 6,0 devem ser acompa-
>3 5 Suspender o~é RNI < 3,5 e remicior com nhados de perto com RNI diário.
50% do dose anterior As tabelas devem ser usadas caso não haJa sangra-
menta ativo ou risco de sangramenro iminente.

lnvesrigação laboratorial do paciente com trombofilia 359


Tabela 31.5 - Recursos milizados para a correção do RNI Se não houver sangram e mo, reiniciar a warfarina na
em situações de risco de sangramemo tarde do procedimento cirúrgico. Repetir o RN I cinco
a sete dias após a cirurgia. Caso haja risco aumentado
RNI Vitamina K de trombose, manter o paciente com dose terapêuti-
6,0 a 8,0 sem 2,5 mg via oral. Se for desejável a ca de heparina de baixo peso molecular (HBPM). Esta
sangramento ou com normalização do RNI em 24 a 48
sangramento menor horas deve ser iniciada no dia da suspensão da warfarina e
> 8,0 sem sangramento 2,5 mg via oral. suspensa quando o RN I estiver na faixa terapêutica
após a ci rurgia. No dia da cirurgia, o paciente deve re-
> 8,0 com songromento 0,5 mg venoso ou 2.5 mg via oral
menor ou risco
ceber dose profilática de HBPM após o procedimento,
que deve ser realizado 24 horas após a última dose
> 8,0 com sangramento Vitamina K 5 mg venosa
maior PFC 20 ml/kg da HBPM (quando em doses te rapêuticas) e 12 horas
CCP 50 unidades/kg após a última dose da HBPM (quando em doses pro-
filáticas). No primeiro d ia pós-operatório, a dose de
PFC: plasma fresco congelado; CCP: concentrado de complexo protrombíniCo
(fatores 11, VIl, IX, e X).
HBPM deve ser aumentada para dose te rapêutica e o
anticoagulante oral reiniciado.
O reajuste do anticoagulante oral deve ser realiza-
Tabela 31.6 - Preparo de pacientes em uso de AVK para do utilizando-se dose semanal.
pequenos procedimentos cirúrgicos (pacientes sem trom-
bofilia). Obter o RNI S a 7 dias antes do procedimento Ex: 5 mg por dia = 35 mg por semana. Aumento
de 10% = mais 3,5 mg por semana; seis d ias da sema-
RNI Ação na 5 mg e um dia 7,5 mg, evitar ao máximo dividir
o comprimido em quarcos, mesmo que inviabilize o
2,0 a 3,0 Suspender 3 a 4 dios anles
ajuste preciso. Todas as vezes que houver mudanças
3,0 a 4,0 Suspender 5 dias antes na forma de administração do anticoagulante oral,
> 4,0 Suspender 6 a 7 dias antes um novo RNI deve ser real izado sete a 10 dias após o
início da nova dosagem. Esta conduta é a recomenda-
da para os pacientes que já estão em uso do antico-
agulante oral há algum tem po. Como a meia-vida do
Tabela 31.7 - Preparo dos pacientes em uso de AVK para facor 11 (protrombina) é de 96 horas e este é o facor
grandes procedimentos cirúrgicos mais importante no risco de sangramento e retrom-
bose nos pacientes anticoagulados, dosagens do RNI
Tempo Ação
em intervalos inferiores a cinco dias vão refletir as mu-
Dia - 5 Suspender warforim danças ocorridas nos faco res VIl e IX, que possuem
HBPM dose terapêutica
Heporina SC TTPo 1,5 o 2,5 o controle meias-vidas menores, e têm menos importância na
Dia- 4 o dia - 1 Manter heparina. M onitorizar plaquetas e anticoagu lação dos pacientes.
TTPa
Dia - 1 HBPM ou heporina não fracionado em do-
ses terapêuticas (último dose 24 horas antes
MONITORIZAÇÃO LABORATORIAL
do procedimento)
DA HEPARINIZAÇÃO
Dia do cirurgia Medidos mecõnicos. Dose profilótico de
heporina 6 o 12 horas após o término do
procedimento As heparinas são uma mistura heterogênea de gli-
Dia + 1 Observar sangromentos, se possível aumen- cosaminoglicanos que tiveram suas propriedades anti-
tar a heporina e iniciar AVK
trombóticas descobertas há mais de 90 anos. Exercem
Dia +2 Heporina em dose terapêutica e AVK seu efeico anticoagulante de maneira indireta, atuando
Dia +5 Ver RNI. Se 2 dias consecutivos no faixo sobre seu co-fator, a antitrombina. As heparinas se li-
terapêutico, suspender heporino gam à antitrombina levando a uma mudança na con-
formação da molécula, o que converte a antitrombina

360 ( Medicina laboratorial para o clínico )1--- -- - - - - -- -- - - - - -- - -- - - - -- - - - --


de um inibidor lemo da uombina a um inibidor extre-
Esquema utilizado no Ambulatório de
mamente rápido.
Hemostasia do Serviço de Hemarologia do
Hospital das Clfnicas UFMG

MECAN ISMO DE AÇÃO DA HEPARINA Pacientes adu ltos. Heparina não fraci o nada:
Heparina (5.000 Ul/ml ) - amp/5 ml
As heparinas são heterogêneas no que d1z respe1w
ao tamanho das moléculas. atividade anticoagulante e Diluição padrão:
propriedades farmacocinéticas. Seu peso molecular varia 02 ampolas (50.000 Ul/10ml ) + 490 ml SF 0,9 %. 100 UI de
de 3.000 a 30.000 dalrons, com média de 15.000, con- heparina/ml.

tando com aproximadamente 45 cadeias de monossaca-


Dosagem:
rídeos. Apenas um terço da dose adminisrrada se liga à
Ataque- 5.000 UI endovenoso em bólus.
antitrombina e é responsável pela maior parre do efeiro
anticoagulante. Os dois terços restantes têm pouca ativi- Manutenção - 18 UI/kg/hora (dose tmcial)
dade anticoagulante em doses terapêuticas, mas em alras
concentrações podem exercer sua ação anticoagulante
por intermédio do co-faror li da heparina.
O complexo heparina antitrombina (HAT) inativa
a trombina e os fa tores Xa, IXa, Xla e XI la. A trombina Esquema utilizado no Ambulatório de
e o faror Xa são os mais sensíveis à ação do com- Hemos tas ia d o Serviço de He matologia do
plexo heparina-anritrombina. sendo a trombina 10 Hospital das Clín icas UFMG
vezes mais susceprível à inativação. Após a mudança
na conformação molecular da antitrombina causada Pacientes pediátricos. Heparina não fra cionada:
pela heparina. o faror Xa é inativado sem que haja
necessidade de ligação com a molécula da heparina. Ataque:
Por outro lado, a inibição da trombina depende de 75 a 100 UI/ kg EV em bólus
uma tripla ligação (crombina. heparina e antirrom-
bina). Esta é a diferença básica entre o mecanismo Manute nção:
de ação das heparinas não fracionadas e as de baixo 28 UI/ Kg/ hora < 2 meses de idade e
peso molecular (HBPM). As HBPMs inibem o faror Xa 20 UI/Kg/ho ra > 2 meses de idade (dose inicial)
em proporções até quatro vezes maiores. que inibem
a trombina exatameme por serem moléculas meno-
res. em que não é possível que ocorra a tri pla ligação
(moléculas com menos de 18 sacarídeos perdem a SUSPENSÃO E NEUTRALIZAÇÃO DA HEPARINA
capacidade de se ligarem simultaneamente à trombi-
na e anticrombina). A inibição limitada da trombina
faz com que um dos testes usados para monirorizar No caso de cirurgias eletivas. as heparinas de baixo
a ação das heparinas perca sua sensibilidade quando peso molecular devem ser suspensas 12 horas ames,
doses terapêuticas de HBPM são usadas (o TTPa não quando em doses profiláticas, e 24 horas ames. quan-
se alarga durante o uso das HBPM). do em doses terapêuticas. As heparinas não fracionadas
quando em doses terapêuticas e em infusão conrínua
podem ser suspensas até seis horas antes do procedi-
AJUSTE DE DOSE DA HEPARINA mento. Quando a via de administração for subcutânea.
deve-se respeitar os mesmos intervalos das HBPM.
Vários são os organogramas para o acompanhamento As heparinas podem ser antagonizadas pelo sulfato
dos pacientes em uso de heparina (Tabelas 31.8 e 31.9). de protamina, que forma um sal estável após sua liga-

Investigação laborato rial do paciente com trom bofil ia 361


ção com as heparinas. A dose utilizada é de 1 mg de mg para cada 100 UI de amifaror Xa nas primeira oiro
sulfaro de proramina para cada 100 UI de heparina. O horas após a adminisuação. A partir de emão, a dose
cálculo da dose deve levar em coma a meia-vida das de proramina deve ser diminuída. Como a ligação da
diferences heparinas. A heparina não fracionada tem protamina com a heparina depende do tamanho da
meia-vida de aproximadameme 60 minuros. Logo, a molécula, a inativação das HBPM não ocorre por com-
cada hora que passa do mamemo da sua adminis- pleto, apenas 60% da sua acividade amifator Xa é ama-
uação, a dose de protamina deve ser diminuída pela gonizada. Em algumas raras siruações o plasma fresco
metade. Quando a HBPM for utilizada, a dose é de 1 congelado pode ser utilizado.

Tabela 31 .8- Normograma para ajuste de dose de heparina não fracionada, para adultos

TIPa (paciente/controle) Repetição bólus Parar infusão Alterar a infusão Próximo TIPa*
< 1,20 5000 ui não t 200ui/h (-2ml/hl em 6 horas

1,21 o 1,49 2500 ui não t 150ui/h (-1 ,5rnl/hl em 6 horas

1,50 o 2,50 não não Não manhã seguinte

2,5 1 o 3,00 não não ~ 100ui/h (-1ml/hl em 6 horas

3,01 o 3,70 não 30 min ~ 150ui/h- (1,5ml/h) em 6 horas

> 3.70 não 60 min ~ 200ui/h (-2ml/hl em 6 horas

• Primerras 24 horas TTPa de 616 h independenterneme do resultado amerior.

Tabela 31.9- Normograma para ajuste de dose de heparina não fracionada em pediat ria

TTPa (paciente/controle) Repetição bólus Parar infusão A lterar a infusão Próximo TTPa•
< 1,20 100 UI I kg não t 4 UI/kg/hora em 6 horas

1,21 o 1,49 50 UI I kg não t 2 UI/kg/hora em 6 horas

1,50 o 2,50 não não Não manhã seguinte

2,5 1 a 3,00 não não ~ 2 UI/kg/ hora em 6 horas

3,01 o 3,70 não 30 min ~ 3 UI/kg/hora em 6 horas

> 3,70 não 60min l 4 UI/kg/hora em 6 horas

' Prrmeiras 24 horas TTPa de 616 h independemememe do resultado amerior .

362 [ Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - -- -- -- - -- - - - -- -- - -- - -- -- - --


9 Kamph01sen PW. Lensen R. Howmg·DUistermaar Jl.
Protocolo utilizado no Ambulatório de Hemostasia Eikenboon J(J, Harvey M. Hemab1hry of elevated facror
VIII anngen leveis 1n factor V Le1den fam1hes w1th trom·
do Serviço de Hematologia do
boph1ha. Br J Haematol. 2000,109519-22
Hospital das Clínicas UFMG
10. Kraa,Jenhagen RA. m't Anker PS. "-oopman MM, Re1rsma
PH, Pnns M H, van den Ende A. H1gh concentranon of
Sulfato de protamina: facwr Vlllc IS a maJOr nsk factor for venous thromboem-
Adm1nisrrar por v1a endovenosadura me 20 mmuros. de· bolism. Thromb Haemosr. 2000:83:5-9.
v1do ao nsco de hipotensão e anafilaxia; 11. Kyrle PA. M 1nar E. Hirschl M, B1alonczyk C. Stain M, Sch·
Mon1rorizar com TTPa ames, imediatamente depo1s e 2 neider B, er ai. High plasma levei of factor VI II and eh e nsk
o( recurrent venous rhrombocrnbohsm. N Engl J M ed.
horas após a adm1mstraçào da Proramma
2000;343:457-62.
12. Lane DA. Mannuw PM, Baue1K!\ Beruna RM. Bochkov
Heparina EV com ínua:
NP, BoulyJenkov V. et ai. lnhemed rhrombophilia: pan I
Calcular a quantidade de heparina 1nfund1da nas úk i· Thromb Haemost. 1996,76.651·2.
mas 6 horas, levando em conta a meia-v1da de 60 minu- 13. Lev1ne JS, Branch DW, Rauch ). The Annphosphohp1d
tos e deste valor calcular a quamidade de protamina a Syndrome. N Engl JMed. 2002.346.752-63
ser adm1n1strada 14. Mamnel11I, MannucCI PM, De Stefano V, Ta1oh E, Ross1 V,
Crostl F, er ai. Different nsks of thrombos1s 1n four coagu·
lanon deffects assoc1ated w1th 1nhenred tromboph1ha: a
Heparina EV em bólus ou subcutânea:
srudy of 150 fam1hes. Blood. 1998;92:2353·8.
Imediatamente depo1s ..... 100% da dose
15 Marnnelh I. R1s ractors 1n venous thromboembohsm
60 m1n depo1s -+ 50% da dose Thromb Haemost. 2001;86.395-403
120 min depo1s -+ 25% da dose 16. M1ddeldorp S, Büller HR. Pnns Mil. H1rsh j. Approach w
180 mm depo1s ..... 12,5% da dose rhe rhrombophihc pauent. ln Colman RW, H~rsh) Mard-
er VJ, Clowes AW. George JN. ed1wrs. Hemosras1s and
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Investigação laborator ial do paciente com trombofi lia 363


Mitiko Murao
32 Henrique Neves da Silva Bittencourt
José Silvério Garcia

ASPECTOS LABORATORIAIS
DA HEMOTERAPIA

O grande marco da era científica da hemorerapia foi re desencadeamento da resposta imunológica celular. O
a descoberra, em 1900, dos grupos sanguíneos ABO por complexo HLA controla a resposta do sistema 1mune
Karl Landsreiner. Outros passos imporrantes foram o por meio da diferenciação entre o que é próprio (se/f) e
desenvolvimento das bolsas plásricas com mecanismo estranho (non-se/f) ao organismo.
fechado, possibilitando o fracionamenco do sangue, as A hemorerapia é regulamentada, normatizada e
coleras selerivas (afereses) que proporcionam a separa- fiscalizada pela ação da Agência Nacional de Vigilân-
ção de um componente específico, a cuidadosa triagem cia Sanitária (ANVISA). a partir de Resoluções da Di-
clínica e sorológica do doador, a maior sensibilidade dos retoria Colegiada (RDC), sendo a última (RDC n° 153)
testes de compatibilidade melhor conhecimento dos datada de 14 de junho de 2004. A RDC no 153/200 4
sistemas de grupos sanguíneos e normatizações legais regulamenta as ações no atendimento rransfusio-
rigorosas, tornando a prática hemorerápica cada vez nal de rotina, na extrema urgência, em transfusões
mais segura e racional. maciças e nos casos de transfusões incompatíveis,
Os antígenos erirrocirários de interesse clínico-trans- orientando a necessidade do regiscro documental dos
fusional podem ser divididos em dois grandes grupos, procedimentos, desde a origem até o destino final de
conforme a constituição estrutural bioquímica em antí- cada hemocomponente.
genos carboidracos ligados a proteínas ou a lipídios e an-
rígenos protéicos. Os primeiros são moléculas presentes
nos glicolipídios de membrana citoplamática de diver- GRUPOS SANGU ÍNEOS
sas células, além das hemácias, sobressaindo dois siste-
mas: ABO e Lewis. O segundo grupo reúne os demais Os antígenos eriuocitários são estruturas polimór-
SIStemas antigênicos que são extremamente complexos, ficas, herdados genericamente e definidos por carboi-
sendo o Rh o mais significativo nas implicações tanto dratos ligados a proreína~ ou lipídios, localizados na su-
transfusiona1s como na etiologia da doença hemolítica perfície da membrana eritrocitária, ou por seqüências
do recém-nascido. de aminoácidos específicos (antígenos proréicos). Os
O complexo principal de hiscocompatibilidade hu- antígenos carboidratos são produtos secundários de ge-
mano (CPHH), mais conhecido como HLA. é um con- nes produtores de glicosiltransferases, que transportam
junto de moléculas glicoprotéicas expressas na superfície carboidratos para estruturas precursoras da membrana
de praticamente todas as células. São responsáveis pela do eritrócito (ex. sistema ABO) e os antígenos protéi-
apresentação de antígenos aos linfócicos T e conseqüen- cos são produtos diretos dos genes que os codificaram
(ex. sistema Rh). Assim, os antígenos eritrocitários po- lógico, mas que não preenchem os critérios para serem
dem se localizar na superfície da hemácia ou atravessar defin idos como sistema. As coleções também são identi-
a membrana eritrocitária parcialmente ou totalmente, ficadas por números e símbolos (Quadro 32.2)
desempenhando papéis importantes na morfologia,
como proteínas estruturais e fisiologia da hemácia,
como recepção e transporte de substâncias e atividade SÉRIES DE GRUPOS SANGUÍNEOS
enzimática, entre outros. Além disso, já se conhecem
características como susceptibilidade ou resistência a Os antígenos que não possuem critérios para serem
determinadas doenças, na presença e/ou ausência de classificados em sistema ou coleções são classificados
certos antígenos de grupos sanguíneos, por exemplo, o em séries. Os antígenos de baixa freqüência formam a
sistema Duffy e resistência à malária. série 700 e os de alta freqüência a série 901. Antígeno de
baixa freqüência é aquele que possui incidência menor
que 1% na população (Quadro 32.3). Antígeno de alta
TERMINOLOGIA freqüência é o que tem incidência maior que 90% na
população, também conhecido como sistema público
Na tentativa de pad ronização da nomenclatura (Quadro 32.4).
dos antígenos erirrocitários, a Sociedade Internacio-
nal de Transfusão Sanguínea (ISBT) criou, em 1980,
um grupo de trabalho (Working Party on Termi- BASES MOLECULARES
noloy of Red Ce/Is Surface Antigens) que elaborou
uma nomenclatura de forma numérica e simbólica, A maioria dos genes que codificam os gru pos san-
possibilitando o armazenamento em bancos de da- guíneos é bem determinada. A designação dos genes ou
dos computadorizados. Assim, os antígenos fo ram Joci gênicos são descritas em letras mai úsculas e itálicas
classificados em sistemas, coleções e séries. Até 2001, ou sublinhadas. Ex. ABO ou ABO. Os antígenos devem
os antígenos erirrocitários estavam agru pados em 26 ser escritos em fonte regular. Os números ou letras adi-
sistemas, cinco coleções e duas séries (Quadro 32.1). cionais deverão ser geralmente sobrescritos para genes
Outros antígenos foram identificados, entretanto, não e subscritos para antígenos. Ex.: antígeno A1 produzido
foram caracterizados em sistemas. pelo gene A\ com exceção para Colton: genes Coa e Cob
e antígenos coa e cob.
Detalhes em relação aos alelos associados com
SISTEMA DE GRUPOS SANGUÍNEOS antígenos de grupo sanguíneo e fenótipos podem ser
obtidos no site: http://www.bioc.aecom.yu.edu/bg-
São os antígenos produzidos a partir de genes alelos mut/index.htm.
de mesmo locus gênico ou por um complexo de dois
ou mais genes homólogos intimamente ligados sem que
ocorra recombinação entre eles. A nomenclatura dos ANTICORPOS CONTRA GRUPOS SANGUÍNEOS
sistemas compreende um número formado por três dí-
gitos e um símbolo, geralmente a primeira letra do nome A aloimunização eritrocitária ocorre quando um
do antígeno (Quadro 32.1). indivíduo é exposto pela primeira vez a um antígeno
eritrocitário desconhecido proveniente de outro indiví-
duo da mesma espécie, através da transfusão de sangue,
COLEÇÕES DE GRUPOS SANGUÍNEOS gravidez ou transplante, o que ocasiona a produção de
anticorpo (aloanticorpo) específico a esse antígeno. Em-
O termo coleção foi introduzido em 1988 pela ISBT bora a composição antigênica das hemácias transfundi-
para englobar os grupos de antígenos relacionados do das sempre difira daquela dos pacientes, somente uma
ponto de vista genético, bioquímico ou imunohemato- minoria desenvolve aloanticorpos.

366 ( Medicina laboratorial para o clínico )~-----------------------------


Tabela 32.1 - Sistema de grupos sanguíneos

Símbolo Nome do Localização


Sistema Antígenos associados
Sistema gene cromosômica
ABO A, B, AB, AI ABO 9q34.1-q34.2

MNS MNS M , N, S, s, U, He, Mi0 , Me, Vw, Mur, M9, Vr, Me, Mf, Sf, GYPA, 4q28·q31
Ri0 , Cl0 , Nf', Hui. Hil, Mv, F01, sD. Mrt, Dantu, Hop, Nob. GYPB, GYPE
Ena, ENKT, N l, Or, DANE, TSEN, MINY, MUT, SAT, ERIK.
Osa, ENEP, ENEH, HAG, ENAV MARS
p Pl Pl PI 22q 11 .2·qter

Rh RH D. C. E. c, e, f. Ce, CV', C' V Ew G Hr0 , Hr hr' VS, C9, RHD, RHCE l p36.2·p3 4
CE. D". c-like cE, hr>-i, Rh29, Go0 , hrB, Rh32, Rh33, HrB,
Rh35, Be0 , Evans, Rh39, Tar, Rh41, Rh42, Craw-ford, Nau,
Riv Sec, Dav. jAL. STEM. FPTT. MAR, BARC
lutheran LU lu0 , Lub, Lu3, Lu4, Lu5, Luó, Lu7, Lu8, Lu9, Lul l, Lul2, Lul3, LU 19ql 3.2-ql3.3
lul4, Luló, Lul7, Aua, Aub, Lu20
Keil KEL K, k, Kp 0 • Kpb, Ku. Jsa, Jsb, Ula, Kll, Kl 2, K13, Kl4, Kló, KEL 7q33
Kl7 Kl8, Kl 9, Km, Kpc, K22, K23, K24, VLAN. TOU
Lewis LE Le0 , Leb, Le0 b, Lehh, ALeb, BLeb FTU3 19pl3.3

Duffy FY Fya, fyb. F,fl FI' Fy'í' Fy6 FY lq22-q23

Kidd JK jk0 , jkb, jkJ SLC14AI 18ql l-ql2

Diego DI Di I Di 0 , Wf', Wrb, wda, Rba. WARR. ELO, Wu. Bp0 Moa SLC4A1 17q2l -q22
Hga, Vga, SwD. BOW. NFLD. jn°. KREP. Tf'. Fr 0 SWl
Yt YT YfO. Ytb ACHE 7q22.1

Xg XG Xgn CD99 XG, MIC2 Xp22 3, Ypll.3

Scianna se Se l , Sc2, Sc3 se lp35-p32

Dombrock DO Doa. Dob, Gya, Hy, Jo 0 DO 12pl3.2-p12.1

Colton co Co0 , Cob, Co3 AQP/ 7pl4

Landsteiner-Wiener LW LW0 , LW'b, LW b LW l9pl3.3

Chido/Rodgers CH/RG Ch l-6, Rgl, Rg2, WH C4A, Cd8 6p21.3

Hh H H FUT/ 19ol3.3

Kx XK Kx XK Xp2l.l

Gerbich GE Ge2 Ge3. Ge4, wb Ls0 An°. Dh0 GYPC 2ql4-q21

Cromer CROM Cf', Tc0 , Tcb, Tcc, Df', Es0 , IFC, WESa, W ESb, UMC DAF lq32

Knops KN Kn°. Knb. McC0 , $1°, Yk0 , McCb. Vil CRI l q32

lndion lN lno, Jnb CD44 l l pl 3

Ok OK oka CD/47 19pl3.3-pl 3.2

Roph RAPH MER2 MER2 l lpl5.5

John Milton Hogen JMH jMH l SEMA7A 15q23-24

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 367


Quadro 32.2 - Coleções de amígenos Quadro 32.4 - Série 901 - amígenos de alta freqüência

Sistema Nome Símbolo Símbolo Sistema (ISBT) Nome Símbolo Antígeno


(ISBT) Sistema Antígeno
901001 Vel
205 Cosi COST Cs0
901002 Langereis Lan
Csb
901003 August Ata
207
901005 jra
901008 Emm
208 Er ER EtJ
901009 Anton AnWi
Erb
901012 Sid Sda
209 GLOB p
90 1013 Duelos (Duelos)
pk
90101 4 PEL
LKE
901015 ABTI
210 LKE Lé
901016 MAMm
Led

Quadro 32.3 - Série 700 - anrígenos de baixa freqüência A produção de aloanticorpo depende principalmente
da parcicularidade da resposta imune do receptor e da imu-
Sistema (ISBT) Nome Símbolo Antígeno nogenicidade dos diferentes antígenos eritrocitários. Nem
700002 Batty By todo aloanticorpo tem importância clínica. Dessa forma,
700003 Christiansen Chr<' uma vez detectado o aloanticorpo, deve-se determinar a
700005 sua especi ficidade para avaliar a sua importância clínica.
Biles Bi
Geralmente, o aloanticorpo considerado clinicamente sig-
700006 Box Bx0
nificativo é aquele que reage com os antígenos eritrocitá-
700015 Radin Rd rios a 3rC e diminui a sobrevida das hemácias uansfundi-
700017 Torkildsen To0 das, causando destruição em minutos, horas ou dias.
700018 Peters Pt0 Os antígenos considerados mais imunogênicos são

700019 os do sistema ABO, seguido do Rhesus (Rh), Keil (K), Du-


Reid Re0
ffy (Fy), Kidd (Jk), MNS. Diante disso, na rotina hemote-
700021 jensen jea
rápica, conforme Resolução Colegiada (RDC) n° 153 de
700028 Livesay uo 14 de junho de 2005, é obrigatória a compatibilização
700039 Milne (Milne) para os antígenos A. B, O e Rh (D) em toda transfusão
700040 Rasmussen RASM de glóbulos vermelhos.
700043 Oldeide 01°
700044 JFV
GRUPOS SANGUÍNEOS COM ANTÍG ENOS
700045 Katagiri Kg CARBOIDRATOS
700047 jones jONES
700049 HJK Os sistemas ABO. Hh e Lewis (LE) são considerados
700050 HOFM associados uma vez que seus anrígenos têm a mesma ori-
gem bioquímica: são moléculas complexas presentes nos
700052 SARA
glicolipídios e glicoproteínas de membrana de diversas
700053 LOCR células, além das hemácias, sendo considerados antíge-
700054 REIT nos de histocompatibilidade. As células da mucosa salivar
também produzem antígenos A BO. H e Lewis solúveis.

368 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1--- - - - -- - - - -- - - -- - - - - - -- - - -- - -


Sistema de grupo sanguíneo ABO
a produção dos amígenos, mas produzem enzimas
(glicosilcransferases) que acuam sinergicamente adicio-
O sistema ABO foi descoberw por Landsteiner, em nando açúcares específicos N-acetil galactosamina (an-
1900, que observou que as hemácias de alguns indivídu- tígeno A) ou galactose (antígeno B), para substâncias
os aglutinavam devido à fixação de anticorpos aos antí- precursoras que carreiam o amígeno H (Figura 32.1).
genos específicos localizados na membrana. Identificou, Murações nos genes A e B provocam a subsriruição de
assim, os grupos A, Be O. Posteriormente, desco briu-se aminoácidos na glicosilcransferase resultante, gerando
o tipo AB, em 1902. Esses quatro grupos são os mais im- os subgrupos de A e B.
portantes do sistema ABO. O locus ABO encontra-se no
braço longo do cromossoma 9 (9q34.1 - q34.2).
Subgrupos ABO
A classificação dos fenótipos eritrocitários ABO corres-
pondem à presença e/ou ausência dos antígenos A e/ou Bna Os subgrupos mais comuns associados ao gene
membrana da hemácia. Os indivíduos formam naturalmen- A são A1 e A2. O subgrupo A, ocorre em aproximada-
te anticorpos contra os antígenos que não possuem. Esses mente 80% dos indivíduos e o subgrupo A2 em 20%. O
anticorpos podem ser detectados no soro e/ou plasma. subgrupo A3 é pouco freqüente, com incidência de um
Estima-se que cada antígeno presente na hemácia em 1.000 indivíduos. O gene A1 difere do gene A2 por
possua um anticorpo correspondente no soro e/ou plas- uma deleção de base na região Gterminal, além de uma
ma, de especificidade contra o antígeno que o indivíduo mutação de ponw, ocasionando a substituição de um
não possui, conforme Quadro 32.5. aminoácido (prolina por leucina) na glicosiluansferase.
Como a enzima A1 tem mais eficácia no transporte do
açúcar A para seu substrato, o número de sítios para A1
Herança genética ABO
é maior do que para o A2 Além disso, a transferase A2
Foi descrita pela primeira vez por Eptein e Ottenberg, liga os carboidratos nas cadeias H lineares, enquanto que
em 1910, e posteriormente por Bernstein, em 1924. Existem a A, nas cadeias H ramificadas determina as diferenças
três genes alelos no sistema ABO (A, B e 0 ), transmitidos qualitativas entre os dois fenótipos. Por isso, para defini-
segundo as leis de Mendel, sendo A e B co-dominantes, ção do subgrupo A, utiliza-se a lecitina antiA1 (Dolichos
o que significa que os dois genes herdados se expressam biflorus), que reage especificamente com hemácias A1.
igualmente, enquanto o O é recessivo. Assim, indivíduo No subgrupo A3, as hemácias podem apresentar núme-
com fenótipo A pode ser homozigoto para o gene A (AA) ro variado de sírios antigênicos, levando à ocorrência de
ou heterozigoto (AO). O mesmo se aplica para o fenóti po campo misto ou dupla população. A identificação des-
B. Para o genótipo AB, o fenótipo é AB e para o grupo O é ses fenótipos pode ser feita por meio da fenotipagem
sempre 00. Dessa forma, existem quatro fenótipos para o com lecitinas antiA1 e anti-H, reste de fixação-el uição e
grupo ABO (A, B, AB e O), com seis possibilidades genotí- pesquisa de antígenos na saliva.
picas (AA, AO, BB, BO, AB, e 00) - (Quadro 32.5). Os subgrupos de Bsão muito raros e possuem meca-
A freqüência de fenótipos ABO é variável entre as di- nismos genéticos, moleculares e sorológicos semelhantes
ferentes etnias. Nas populações de raça branca, os fenó- aos subgrupos de A
tipos O e A são os mais comuns, ocorrendo em cerca de A expressão dos genes ABO depende da ação do
40% da população. O fenótipo Bé encontrado em 11% e gene H (FUT1), localizado no cromossoma 19. A ex-
o AB é menos freqüente (4%). Na população mundial, o pressão dos genes ABO, H e Lewis é controlada por
gene B é o mais raro do sistema ABO, com alta freqüên- um outro par de genes alelos denominados secreco-
cia na Ásia Central. res (Se/se). O gene secretor (FUT2) é responsável pela
formação de uma enzima 2-alfa-fucosiltransferase, que
Biossíntese dos antígenos adicionará uma fucose à substância precursora, pro-
duzindo o antígeno H solúvel. Os indivíduos sese são
Os genes dos sistemas ABO, Hh e LE são correia- chamados não secrerores e têm expressão normal dos
tos, mas independentes. Não codificam direramente antígenos ABO e H nos eritróciros.

Aspectos la boratoriais da hemoterapia 369


Tabela 32.5 -Características fenotípicas do grupo ASO

Antígenos ABO Freqüêncio (%)


Grupo ABO Anticorpos {soro/ plasmo) Genótipos
no hemácio Broncos Outros
o Nenhum AntiA, Ant1B e ontiAB 00 45 49

AI AI Ant B A'AI AlA? AlO .10 27

B B AntiA BB. BO 11 20

A1B A1B Nenhum AB 4 4

A2 A2 AnliB, eventualmente ontiA1 A2A2; A20

A2B A2B Nenhum: eventualmente ontiA A2 B

Figura 32.1 - Representação esquemánca da b1ossínrese dos amígenos do Sistema ABO.

Existem ev1dências da associação do grupo ABO hemáCias (Quadro 32.6). Esses anticorpos são formados
a determinadas doenças. como prevalência maior do naturalmente, não sendo necessária sens1bil1zação prév1a
câncer gástrico em indivíduos do grupo A e úlcera através de transfusão ou gravidez. Os estímulos são pas-
péptica nos de grupo O. Observa-se também que sivos, desde o nascimento, principalmente por bactérias
o nível plasmático do fator de von Willebrand varia da flora InteStinal. pois estas possuem açúcares em suas
conforme o grupo 1\BO, indivíduos do grupo O apre- membranas celulares semelhames aos açúcares dos amí-
sencam o nível plasmático mais baixo, seguido pelo genos A e B. estimulando a fo rmação de anticorpos an-
gr upo A. B e AB. tiA e/ou antiB, que são classificados como natu rais e re-
gulares. Os anticorpos antiA e anciB são detectados encre
três e seis meses após o nascimento, mas sua produção
Anticorpos e significado clínico
máxima se dá entre cinco e 10 anos de idade, mancendo-
Anticorpos ABO estão presentes no soro e/ou plas- se na fase adulta. Encretanco. o título desses ancicorpos
ma de md1víduos. contra os antígenos ABO ausentes nas dim1nu1 com o avançar da idade.

370 ( Medicina laboratorial para o clínico


Os anticorpos antiA e antiB são predominantemente ção dos antígenos A e B. O gene que codifica o antígeno
da classe lgM, embora pequena quantidade de lgG pos- (FUTl) está localizado no cromossoma 19q13. O gene H
sa estar presente. Os anticorpos ABO de classe lgM e lgG está presente em 99.99% da população. sob a forma ho-
são capazes de ativar o sistema de complemento, pro- mozigoca HH ou heterozigoca Hh. A forma hh é rara e dá
vocando hemólise intravascular em caso de transfusões origem ao fenóti po conhecido como Bombay. O fenó-
incompatíveis, podendo ser fatais. A doença hemolítica tipo Bombay clássico é produzido pelos indivíduos hh/
do recém -nascido (DHRN), por Incompatibilidade ABO. sese (não secretores). ão apresentam anrígenos ABO e
ocorre entre mães do grupo O e filho A e/ou B, sendo H nos eritrócicos e nas substâncias solúvets. Nesses indi-
os sintomas e a evolução menos acentuados do que na víduos, o soro e/ou plasma podem apresentar, além do
incompatibilidade por Rh. anticorpo anri-H, o anriA e o antiB, que são reativos a
37"( e hemolíticas, portanto. importantes do ponto de
vista transfusional.
Sistema de grupo sangu íneo Hh A quantidade de antígeno H nos eritrócitos varia de
acordo com o grupo ABO. O grupo O é composto so-
O sistema H possui dois genes, H e h, e um único mente de antígeno H. A seguir, em ordem decrescente, a
antígeno H (Hl), que serve de precursor para a forma- dtstriblllção do antígeno H: 0> A 2 > B >A 2 B > A1 > A,B.

Quadro 32.6 - CaracterísCicas dos pnncipais anticorpos

Especificidade Classe do anticorpo Significado clínico Reação transfusiona l Doença hemolítica do


Anticorpo recém-nascido
ABO lgM;olguns lgG Sim Imediato. l eve o grave Comum. leve o moderado
Rh lgG;olguns lgM Srm lmedroto/tardio. leve o grave Comum. l eve o grave
Keil lgG;olguns lgM Sim lmedioto/tardio.leve o grave Às vezes. Leve o grave
Kidd lgG;Roro lgM Srm lmedio'o/tardio. Leve o grave Raro. Leve
Duffy lgG;Roro lgM Sim Imediato/tardio. Leve o grave Raro Leve
M lgG.Raro lgM Raramente Tordo :rcrol Raro leve
N lgM;raro lgG Não Não Não
s lgG:olguns lgM Ocasionalmente Tardio. leve Roro. leve o grave
lgG;Raro lgM Sim Tardio. Leve Raro. leve o grave
u lgG·Roro lgM Sim lmediolo/ tordio.Leve o grave Raro Grave
lutheron lgG;olguns lgM Sim Tardio Raro. Leve
Diego lgG:o guns lgM Srm To1dio Nenhuma o leve Raro. leve
Colton lgG Srm Tardio. Leve Raro. Leve
Dombroc lgG Srm lmedio·o/to1dio Leve o g1ove Não
Yto lgG Raramente Raramente tardio Não
LW tgG alguns tgM Srm lo•dio Ne"'humo o leve Raro Leve
Ch/Rg lgG Não Não Não
Pl lgM;olguns lgG Não Não Não
Le0
lgM;olguns lgG Raramente Imediato. Raro Não
LeL lgM:olguns lgG Não Não Não
lgM;olguns lgG Não Não Não
Knops lgG·Raro lgM Não Não Não
Xgo lgG;Roro lgM Não Não Não

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 371


Sistema de grupo sanguíneo Lewis
a 12 vezes. A função do amígeno Rh é desconhecida.
embora, baseado no fen ótipo Rhnu\1• se reconheça que
O sistema Lewis é diference dos outros sistemas de tenha papel importante na estrutura do esqueleto da
grupos sanguíneos, uma vez que os amígenos (Lea e Leb) hemácia, no transporre de proteínas e amônia. No fe-
são formados no plasma e posteriormente adsorvidos nótipo Rhnu/1 as hemácias não ap resentam nenhum dos
na membrana da hemácia. Possui dois alelos (Le e /e). O antígenos do sistema Rh.
alelo Le é dominante e o /e recessivo. O /ocus Lewis está
localizado no cromossoma 19, posição 19p13.3, ligado ao
Terminologia
Jocus C3 (fração do complemento). Os genes Le e Se pro-
duzem duas enzimas que agem sobre a mesma substân- Três nomenclaturas foram anteriormente desenvolvi-
cia de base produzindo, respectivamente, Lea e H, cuja das: sistema Wiener, Fisher-Race e Rosenfield (numérico).
interação produz a especificidade Leb A teoria de Wiener propunha que os antígenos Rh eram
Os indivíduos de fenótipo A, possuem menor quan- produtos de apenas um par de genes alelos no Jocus Rh.
tidade de antígenos Lewis do que os A2 que, por sua vez, A nomenclatura de Fisher-Race baseava-se na produção
possuem menor quantidade que os indivíduos O. O fe- dos antígenos controlada por três pares de genes alelos:
nótipo Le (a-b+) está presente em 70% da população da Cc, Dd e Ee. Entretanto, as teorias propostas por Wiener
raça branca e em aproximadamente 5% da raça negra. O e Fisher- Race não foram confirmadas por vários estudos
fenótipo Le (a-b-) é menos comum na população bran- posteriores, mas permanecem, ainda, largamente utiliza-
ca, mas encontrada em 30% da população negra. das por sua familiaridade (Quadro 32.7).
Semelhantemente ao grupo ABO, os anticorpos do
sistema Lewis são da classe lgM, podendo ativar comple- Quadro 32.7 - Ancígenos do sistema Rh
mento, e reagem à baixa temperatura. Embora possam
estar implicados em reações transfusionais, usualmente Rosenfield Fisher-Roce W iener
essas reações não são graves. O anticorpo antiLea é mais Rhl D Rho
comum do que o antiLeb Os anticorpos antiLewis nun- Rh2 c rh'
ca estão implicados em DHRN, uma vez que são da clas- Rh3 E rh"
se lgM, não podendo atravessar a barreira placentária. Rh4 c hr'
Além disso, os antígenos Lewis não estão presentes nas Rh5 e hr"
hemácias fetais. Rh6 ce !fi Hr
Rh7 Ce rhi
Rh8 Cw rhwl
GRUPOS SANGUÍNEOS COM ANTÍGENOS
Rh9 Cx rhx
PROTÉICOS
Rh lO V ICes) hrv
Rhll Ew rhw2
Sistema de grupo sanguíneo Rh
Rh 12 G rhG

O sistema Rh, o mais complexo sistema de grupos


sanguíneos, é o de maior importância clínica após o
ABO. Descoberto por Landsteiner e Weiner em 1939, O locus Rh está localizado no braço curto do cro-
possui o mais alto polimorfismo entre os marcadores mossoma 1, na banda 1p36.2-34, e contém dois genes
de membrana erirrocitária descritos até o momento. altameme homólogos: RHD e RHCE. O gene RHD, que
Já foram relatados 45 antígenos como pertencentes a não possui alelos, codifica a produção da proteína Rh
esse sistema, cinco destes (D, E. e, C c) responsáveis por que carreia o antígeno D. O gene RHCE já possui vários
99% dos problemas clínicos associados ao sistema Rh alelos (RHCe, RHcE, RHce, RHCE) e codifica a produção
(Quadro 32.1). As lipoproteínas do sistema Rh são partes da proteína RhCE (ce). Assim, indivíduo considerado Rh
integrantes da membrana eritrocitária, atravessando- positivo (D positivo) possui os dois genes Rh (RHD e

372 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1-- -- - - - - - - - - - - - - - -- - - -- - - - - - - -


RHCE). enquanto em indivíduos Rh negativo (O negati- • antígenos O deprimidos por efeito de posição
vo). em quase sua wtalidade. o RHD está deletado. "trans": a fraca reatividade do antígeno D pode
Os genes RHD e RHCE apresentam estrutura similar. A também ser devida ao efeiw da posição "uans" em
proteína C difere da proteína c somente em quatro amino- certos haplótipos Rh. A presença do haplótipo dCe
áodos. Já a proteína E difere da proteína e em apenas um deprime a expressão do antígeno D produzido pe-
aminoác1do, mas em posição Importante na proteína. A los haplótipos Oce ou Dce em posição "trans".
proteína D difere da proteína CcEe em 35 am1noác1dos. De-
vido a essa grande diferença é que o amígeno D é tão imu-
Anticorpos Rh
nogênico para os indivíduos que não o possuem. O Quadro
32.8 apresenta os principais fenótipos do Sistema RH. Os anticorpos anti-Rh resultam de aloimunizaçào
por transfusão sanguínea ou por gravidez, pertencen-
Q uadro 32.8 - Principais fenótipos do SIStema Rh do, na maioria das vezes. à classe lgG (lgGl ou lgG3).
Alguns anticorpos da classe lgM podem ocorrer tran-
Haplótipos (antígenos Freqüência (%) sitoriamente no início da aloimunização. O anticorpo
presentes)
antiD é o mais comum, uma vez que o antígeno D é al-
Fisher-Race Wiener Brancos Negros Asiáticos
tameme imunogên ico. A maioria dos casos de DHRN
DCe RI 42 17 70 é devida a esse antígeno. Raros anticorpos antiE e an-
DeE R2 14 11 21 tiC" podem ser observados sem estímulo antigênico
Dee RO 4 44 3 conhec1do. sendo considerados "naturais". Os antíge-
DCE Rz <0,01 <0,01 nos do sistema Rh mais imunogênicos são. em ordem
ce 37 26 3 decrescente. D. c. C E, e, cw
Ce r 2 2 2
cE <0.01 <0,01
CE ry <0,01 <0,01 <0,01 Sistema de grupo sanguíneo MNS

Os antígenos M e N foram descoberws por Lands-


As princi pais variantes dos antígenos Rh são: teiner em 1927. Em 1947, foi descrito o antígeno S e em
• antígeno D fraco: genericamente designado ou. 1951 seu antitético s. É o segundo sistema em diversida-
apresenta-se como uma expressão enfraquecida de antigênica, depois do Rh, apresemando 43 anrígenos
de D. Normalmente, esse antígeno não é detecta- associados (Quadro 32.1). O sistema possui muitos antí-
do por técnicas de aglutinação di reta, mas sim em genos de baixa freqüência associados a glicoforinas (GP)
teste de antiglobulina. As hemácias D fraco devem híbndas anormais resultantes de glicosilações das GPA/B.
ser consideradas Rh positivo, podendo provocar Os amígenos Me N estão associados à glicoforina A, en-
aloimunizações transfusionais ou few-maternas. quanto os antígenos Ses à glicoforina B.
Não existe diferença qualitativa entre D e ou. ape- Os antígenos desse sistema são codificados por
nas uma redução do número de sítios antigênicos dois genes, GYPA e GYPB. localizados no cromossoma
expressos na membrana eriuocitária; 4q28-q31 e um terceiro gene homólogo, o GYPE. Con-
• antígenos D parciais: o antígeno D apresenta-se têm aproximadamente 350 kb e formam cluster gêniCo
como um mosaico de nove subunidades ou epí- (5'-GYPA-GYPB-GYPE-3').
ropos. Todos esses epíropos antigênicos (epDl a Os amígenos do sistema MNS estão assoc1ados às Sla-
epD9) estão presentes na maioria das hemácias Rh loglicoproteínas (SGP) da membrana eritrocitária, denomi-
positivo e ausentes nas Rh negativo. Os antígenos nadas glicoforina A (GPA) e glicoforina B(GPB) transmem-
D paroais são caracterizados pela falta de uma ou branas, presentes em grande quamidade no emrócito,
outra dessas subunidades, podendo os indivíduos comendo aproximadamente 50% de carboidraros.
de fenótipos O parciais produzir anticorpos antiD Os antígenos M e N estão localizados na GPA (131
contra subu nidades ausentes; aminoácidos) e diferem entre si em apenas dois aminoá-

Aspec tos la bo ratoriais da he m o terapia 373


cidos. Os amígenos S, se U estão localizados na GPB (72 Os antígenos Keil estão presentes nos eritrócitos e
aminoácidos), sendo que S e s diferem em uma simples estão bem desenvolvidos ao nascimento. Parecem estar
substicuição de aminoácido na posição 29. A maioria dos presentes em alguns tecidos, como cérebro, órgãos lin-
antígenos do sistema MNS está bem desenvolvida ao fóides, coração e músculos esqueléticos.
nascimento e parece restringir-se à linhagem eritróide, O antígeno K1 é três vezes mais imunogênico que c e
podendo ocasionar DHRN. E; 20 vezes mais imunogênico que os demais amígenos,
mas seis vezes menos imunogêncio que D. A probabili-
dade de sensibil ização após transfusão de uma unidade
Anticorpos MNS
de sangue K positiva é de aproximadamente 10%.
O anticorpo antiM é geralmente natural e irregu- A grande maioria dos anticorpos do sistema Keil per-
lar, reage melhor a 4•e, mas pode reagir fracamente a tence à classe lgG, reacivos a 37"C. Considerados clini-
37"C. São quase sempre lgM, porém, em grande parte, camente significativos, podem ser responsáveis por rea-
apresentam associação lgG + lgM. Normal mente, não ções transfusionais hemolíticas imediatas e tardias, além
fixam complemento. De modo geral, não são clinica- de DHRN (menos grave que o antiD). Cerca de 20% dos
mente significativos, tendo pouca importância uans- anticorpos antiK ativam complemento, emrecanto, a he-
fusional e raramente causam DHRN. Sua atividade in mólise intravascular não é freqüenre.
vitro pode ser potencializada pelo uso de albumina Indivíduos portadores da síndrome Mcleod apre-
ou redução do pH. sentam diminuição da expressão dos antígenos Keil e
O antiN apresenta características sorológicas seme- ausência de produção da substância Kx, cursando com
lhantes às do antiM, embora seja mais raro. Geralmente, alterações morfológicas eritrocitárias (acantose), reticu-
é de ocorrência natural, do tipo lgM e inativo em tempe- locitose, aumento da fragilidade osmótica, diminuição
ratura superior a 25"C. O antiN não é considerado clini- de haptoglobina e esplenomegalia. É herdada como ca-
camente importante, não rendo sido associado à reação rácer recessivo ligada ao cromossoma X.
rransfusional ou DHRN.
Já os amicorpos anri-S, anti-s e antiU são clinicamen-
te significativos e secundários à aloimunização. O anti-S Sistema de grupo sanguíneo Kidd
pode ser eventualmente de ocorrência natural (lgM). O
anti-s é um anticorpo mais raro e imune (lgG). O antiU O sistema Kidd é composto de crês antígenos: Jka, Jkb,
é extremamente raro, imune e capaz de causar hemólise Jk3. O lows do sistema Kidd encontra-se no cromosso-
pós-rransfusional grave. ma 18q11-q12. Os antígenos Jka e Jkb estão bem desen-
volvidos ao nascimento (detectados em torno da sétima
à 1P semana de gestação) e podem ser encontrados, além
Sistema de grupo sanguíneo Keil de ericróci cos, em células endoteliais de rim. Existem crês
alelos, sendo do1s deles co-dom1nantes, responsáveis pela
O sistema Keil foi o primeiro grupo sanguíneo desco- produção dos antígenos Jka, Jkb, e outro aparentemente
berto após o desenvolvimento do reste de antiglobulina, silencioso (Jk), que leva à formação do fenócipo nulo Jk (a-
em 1946, e seu antitético k (Cellano) em 1949. É um dos b-). Os principais fenótipos Kidd são Jk (a·b+) e Jk (a+b+).
maiores sistemas de antígenos eritrocitários, complexo, Apesar da moderada imunogenicidade dos antígenos,
polimórfico e possui, até o momento, 23 antígenos asso- os anticorpos Kidd (antijka e ant1Jkb) estão envolvidos em
ciados (Quadro 32.1 ). graves reações hemolíticas imediatas e tardias, em poli-
Os antígenos são codificados por um lows complexo, cransfundidos. Podem ocasionar DHPN não graves.
conhecido como locus Keil, localizado no cromossoma
7 q33. Possui pelo menos quatro sub/oci do complexo,
Anticorpos Kidd
cada um com alelo para antígeno de alta freqüência (k,
Kpb, Jsb e KEL11) e um ou mais ai elo para os antígenos de Os anticorpos são geralmeme da classe lgG, mas
baixa freqüência (K, Kpa ou Kpc. Jsa e KEL17). eventualmente lgM, fixando complemento. Esses anri-

374 [ Medicina laboratOrial para o clínico


Anticorpos antiDuffy
corpos apresentam meia-vida curta e, assim, freqüeme-
meme não são detectados nos testes pré-transfusionais. Os anticorpos são usualmente da classe lgG. O antiFf
Anticorpos anti)ka e anti)kb estão implicados em reações é o mais comum, considerado clinicamente significativo,
pós-transfusionais graves e alguns casos de DHPN. O an- pois se associa a DHRN e reações transfusionais agudas
ti)ka é o mais perigoso dos anticorpos imunes, ocasionan- e tardias. O antiFl é três vezes menos freqüente que o
do muitas vezes reações febris. O anti)kb é mais raro que anriK(Kl). O anriFyb é 20 vezes menos freqüenre que o
o anti)ka e cem sido usualmente encontrado em soro de antiFf e envolvido somente em reações transfusionais
pacientes que possuem outros anticorpos irregulares. tardias. Os outros anticorpos são menos comuns.

Sistema de grupo sanguíneo Duffy Sistema de grupo sanguíneo Diego

Os antígenos do sistema Duffy são de grande impor- O sistema compreende os antígenos Diego e Wri-
tância na hemoterapia. pelo desenvolvimento de aloimu- ght. Consiste de 21 antígenos, sendo os mais conheci-
nização freqüente e também pelo envolvimento no me- dos Dia /Dib e Wr3 /Wrb Os antígenos desse sistema são
canismo de entrada do Plasmodium vivax nas hemácias. codificados pelo gene SLC4A1, localizado no cromosso-
O sistema é composto de seis antígenos: Fya, Fyb, Fy3, ma 17q21-q22, com 15 éxons. O antígeno Di 3 é extre-
Fy4, Fy5 e Fy6, sendo que os dois principais (Ff e Fyb) mamente raro em caucasianos, mas muito comum na
ocorrem em freqüência semelhante na população cau- população asiática.
casóide, mas estão ausentes em 60% dos negros africa-
nos e em 90% dos asiáticos. Os antígenos são codificados
Anticorpos antiDiego
por um par de genes alelos cc-dominantes herdados de
acordo com o modelo mendeliana, o locus Duffy, que se Os anticorpos antiDia e antiDib são geralmente da
encontra no cromossoma 1q22-23. classe lgG, subclasses lgG1 e lgG3. sendo bons fixadores
Os antígenos Fya, Fyb estão bem desenvolvidos ao de complemento. O antiDia pode ser de ocorrência na-
nascimento, podendo ser detectados nas hemácias de rural. Pode estar envolvido em DHPN e raramente em
embriões entre a sexta e a sétima semanas de gestação. reações uansfusionais.
Os antígenos Ff e Fyb já foram detectados em outros
tecidos ou órgãos além das hemácias (cérebro, rins, baço,
coração, pulmão, pâncreas e placenta). entretanto, não ANTÍGENOS E ANTICORPOS GRANULOCÍTICOS
foram encontrados em linfócitos, monócitos, granulóci-
tos ou plaquetas. Os antígenos granulocíticos foram inicialmente de-
O gene Duffy codifica uma glicoproteína quimiorre- monstrados na década de 1960 a partir da investigação
ceptora nas hemácias para diversas substâncias. como de crianças com neutropenia neonatal por incompatibi-
quimiocinas, Plasmodium vivax e Plasmodium knowlesi, lidade materno-feta l. Estudos posteriores demonstraram
sendo essencial para a invasão desses parasitos. Assim, in- a importância desses antígenos na neutropenia auto-
divíduos que não expressam Fya ou Fyb nas hemácias são imune, nas reações transfusionais febril e pulmonar.
resistentes a essas formas de malária. Em partes da África, Na membrana dos neutrófilos existe elevado número
onde a infecção pela malária é comum, muitos indivíduos de aloamígenos, que são amígenos definidos por aloan-
são Fy (a-b-). provavelmente devido à seleção natural. ticorpos. Os antígenos granulocíticos são denominados
Os antígenos Fya, Fyb são moderadamente imuno- pela ISBT de HNA (Human Neutrophil Alloantigens) e,
gênicos. O antígeno Fya é 40 vezes menos imunogê- acé o momento, o sistema HNA compreende sere amíge-
nico que K(K1). En zimas proteolíticas como a ficina, nos localizados em cinco glicoproteínas (Quadro 32.9).
papaína e bromei ina destroem os ancígenos Fya. Fyb e O primeiro amígeno granulocítico (HNA1) foi de-
Fy6 A tripsi na não destrói Fya e Fyb e ainda intensifica monstrado em 1966 por Lalezari e Bernard. O amígeno
a reatividade de Fy6 . HNA1 é antitético com o HNA2 e estão presemes na gli-

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 375


ANTÍGENOS E ANTICORPOS PLAQUETÁRIOS
coproceína FcRI/Ib. O ancígeno HNA-1b é mais freqüence
que o HNA-1a nos caucasianos e negros, diferentemente
do que ocorre com os orientais (chineses e japoneses). O siscema de antígenos plaquetários humanos (HPA) é
formado por 10 grupos antigênicos, de acordo com a ISBT
(Quadro 32.10). Os amígenos plaquetários são consticuí-
Quadro 32.9 - Ancígenos dos neucrófilos humanos (HNA) dos por segmentos proréicos polimórficos situados no in-
terior de glicoproteínas plaquetárias. Muitas dessas glico-
Sistema Antígeno Terminolo- Localização proteínas funcionam como receptores, desempenhando
(ISBT) gia antiga Glicopro teína importante papel na hemostasia (adesão e agregação).
FcyRIIIbCD16
Quadro 32.10- Amígeno plaquetário humano (HPA)
HNA-la NAl FcyRIIIbCDló
HNA-lb NA2 Sistema (ISBT) Antígeno Glicoproteína
HNA-lc SH
HPA-la ~I lia
2 HNA-2a NBl CD117
HPA-lb
3 HNA-3a 5b GP 70-95
2 HPA-2a lba
4 HNA-4o Marto0 CR3/CDl l b
HPA-2b
5 HNA-5o Onda0 CDlla
3 HPA-3a alib
HPA-3b
4 HPA-4a ~I II a

A neutropenia auto-imune em adultos pode ser HPA-4b


idiopática ou secundária a várias doenças, como artri- 5 HPA-5a la
te reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, infecções HPA-5 b
bacterianas. A neutropenia auto-imune da infância HPA-6bw ~I II a
possui incidência maior entre seis meses e dois anos HPA-7bw ~III a
de idade. O auto-anticorpo é freqüentemente auto- HPA-8bw ~II I a
limitado e a evolução é benigna. Já o mecanismo da
HPA-9bw ali la
neutropenia neonatal aloimune se dá pela passagem
HPA-10bw ~III a
de anticorpos maternos pela placenta para a circula-
ção do feto e é mais freqüente em mulheres com fe- HPA-l1bw ~II I a

nótipos NA1/NA1 e NA2/NA2. HPA-12bw l b~


Os anticorpos mais freqüentemente envolvidos HPA-13bw la
são aqueles contra os antígenos HNA1, HNA2 e HNBl. HPA-14bw ~I lia
Nas reações hemolíticas febris, os anticorpos granulo- 15 HPA-15° CD109
cíticos estão envolvidos, embora na maioria das vezes HPA-15b
estejam associados a anticorpos contra antígenos HLA
HPA-16w
(classe 1), que estão presentes nos granulócitos. Na le-
são pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI)
ou edema pulmonar agudo não cardiogênico, diversos Complexo glicoproteína llb/ llla (allb~3)
mecanismos estão envolvidos: transfusão de anticor-
pos contra o HLA ou ancígenos neutrofílicos que rea-
gem com leucócicos e plaquetas do receptor, levando Esse complexo funciona nas plaquetas ativadas como
a uma seqüência de eventos que aumentam a perme- recepcor para o fibrinogênio e facor von Willebrand, de-
abilidade da microcirculação pulmonar, permitindo a sempenhando, assim, importante papel na agregação pla-
passagem de líquidos para os alvéolos. quetária. A deficiência de gpllb/llla resulta na trombaste-

376 [ Medicina laboratorial para o cl ínico ]f-- - -- -- - - - -- - - - - - - -- - - - - - - - - -


nia de Glanzmann. O gene para a GPIIIa é localizado no Pela dificuldade em se mensurarem os amicorpos an-
cromossoma 17. Os aloamígenos plaquetários localizados tiplaquetários por meio de prova de aglutinação. como
na GPilla são: PIA. Pen. Ca/Tu. Mo. Sr. La. Gro. Oe e Duv. utilizado para as hemácias, e em decorrência da com-
Na GPIIb estão os aloantígenos HPA-3 e Maxa. O sistema plexidade dos métodos (imunofluorescência, cimmetria
HPA-1 (PIA) é o mais importante e está presente em 90% de fluxo. rad1oimunoensaio, etc.), rorna-se limitada sua
dos casos de púrpura pós-transfusional e púrpura neona- dececção na rocina hemocerápica.
tal alo1mune. A freqüênoa fenorípica em caucasianos é de
97,9% para o HPA-1a e 26.5% para o HPA-1b. A produção de
anticorpos contra epíropos localizados nas glicoproteínas O LABORATÓRIO E O ESTUDO DOS GRUPOS
da membrana plaquetária origina duas síndromes hemor- SANGUÍNEOS
rágicas: púrpura neonatal aloimune e púrpura pós-trans-
fusional. A púrpura pós-transfusional caracteriza-se pela A importância clínica de um determinado sistema de
ocorrência súbita de plaqueropenia grave (< 10.000/mm 3), antígeno de grupo sanguíneo depende da freqüência de
cerca de cinco a 10 dias após transfusão em mulheres com seus anticorpos e suas características. isto é. da classe da
história de gestações e/ou transfusões prévias. A maioria imunoglobuli na e, se for lgG, qual a subclasse e a habili-
dos casos envolve pacientes que não possuem o antígeno dade para ativar o complemento, portanto. não existe
HPA-1. A púrpura pós-rransfusional é aurolimitada, com sistema menor.
recuperação total em aproximadamente 21 dias. A importância do sistema ABO justifica-se pelo en-
contro regular de anticorpos naturais antiA e antiB, po-
dendo causar hemólise intravascular se transfundidas
Anticorpos antiplaquetários hemácias incompatíveis. pela facilidade de ativar com-
plemento - pois são da classe lgM .
Os principais anticorpos envolvidos na destrUição Os antígenos fazem parte da integridade das hemá-
plaquetária são os do grupo ABO. HLA e os antiCOrpos cias de tal maneira que não podem ser destruídos sem
específicos dos antígenos plaquerários de plaquetas es- que se destruam as hemácias. Em condições regulares, o
pecífico (Quadro 32.11}. Os antígenos do sistema ABO antígeno e o anticorpo correspondente não estão pre-
estão presentes na membrana plaquetária e a quantida- sentes na mesma pessoa.
de de antígeno varia entre os Indivíduos. Assim, anncor- O SIStema Rh é compostO de vários antígenos. sendo
pos ABO podem reduzir a meia-vida das plaquetas ABO C c, D. E. e, cWe sua importância clínica é expressiva, prin-
incompatíveis e ocasionalmente o paciente pode tornar- cipalmente o antígeno D. que é altamente imunogêmco.
se refratário à transfusão de plaquetas. Na prática transfusional regular, como em outros casos
Os anticorpos mais importantes são os direcionados de interesse e finalidade. apenas o antígeno D é pesquisa-
para os antígenos HLA (classe I) presentes nas plaquetas do. Portanto, ao se considerar o Rh do paciente/doador,
e leucócitos. Eles são usualmente lgG e estão assoc1ados fica subentendido que se trata do antígeno O, a menos
à refratariedade plaquetária. que haja necessidade de pesquisa de outro antígeno ou
O anticorpo anti plaquetário pode levar à diminuição da fenotipagem eritrocitária completa para o sistema.
da meia-vida da plaqueta transfundida e ser uma das
causas de refratariedade à transfusão de plaquetas. Tam-
bém pode levar à trombociropenia neonatal aloimune, MÉTODOS PARA TIPIFICAÇÃO ERITROCITÁRIA
com mecanismo semelhante à DHRN. A aloimunização
para os antígenos plaquetários pode ocorrer após expo- Determinações dos tipos ABO e Rh em lâmina
sição como grav1dez, transfusão e transplante. Diferen-
temente dos aloanticorpos eritrocitários, é incomum o Grupo sanguíneo ABO
desenvolvimenm de anticorpo de forma natural. Alguns
anticorpos também podem estar associados à trombo- Trata-se da técnica mais antiga para a pesquisa de
cimpenla imune induzida por medicamento. anrígenos ABO nas hemácias. Utilizam-se anticorpos (re-

Aspectos labo ratoriais da hemoterapia 377


agemes) AntiA, AmiB e AntiAB da classe lgM, específi- de dos resulcados, dá-se preferência às amostras obtidas
cos e preferencialmente monoclonais, por apresentarem recentemente, evitando-se a adição de conservantes.
melhor reatividade, principalmente, na detecção dos
subgrupos A2, A3, A2B. A utilização do reagente AntiAB Procedimento técnico
poderá ser opcional. • preparar suspensão das hemácias-teste a 40% no
próprio plasma/soro ou solução salina fisiológica
Princípio do teste (pode-se empregar, também, sangue total);
• em uma lâmina de vidro devidamente limpa e
Os reagentes AntiA e AntiB causam aglutinações seca, à tempe ratura ambiente, colocar: uma gota
grosseiras das hemácias diretamenre, rortanro, macros- de AntiA na exuemidade à esquerda e uma gora
cópicas. As hemácias portadoras do antígeno A serão de AntiB na extremidade à direita;
aglutinadas quando entram em contaw com o reagente • adicionar uma gota de suspensão de hemácias.
AntiA; igualmente, as hemácias portadoras do antígeno • misturar bem, individualmente, o soro e a suspen-
B serão aglutinadas na presença do reagente AntiB. são de hemácias com bastão de vidro ou lâmina
em área de ± 2x2 cm;
Amostra de sangue • oscilar a lâmina em movimentos de báscula, sua-
vemente;
Não há necessidade de preparo especial do paciente • os testes que não apresentarem aglutinações não
ou doador. A amostra deve ser colhida conforme técnica deverão ser observados além de do is minuws;
usual de flebotomia, utilizando-se anticoagulante EDTA • as lâminas não poderão ser aquecidas ou interpre-
(ácido etilenodiamino tetra-acérico), citrato, heparina ou tadas sobre o visor do aglutinoscópio;
CPDA-l (citrato, fosfato, deswse e adenina). Se as he- • anotar os resultados.
mácias são obtidas de coágulo ou de sangue de cordão
umbilical, devem ser lavadas três vezes em solução salina Os materiais necessários para o procedimento técni-
fisiológica antes do teste. Para mais segurança e qualida- co estão listados no Quadro 32.l2.

Quadro 32.11 - Aloamicorpo plaquerário- principais fenóripos de importância clínica

Especificidade Significado clínico Trombocitopenia Púrpura pós-transfusional Refratariedade plaquetária


Anticorpo neonatal a loimune pós-transfusional
HPA-lo Sim Sim Sim Sim
HPAlb Raro Sim Sim Sim
HPA-5° Sim Sim Sim Sim
HPA5b Sim Sim Sim Sim
HPA-15o Sim Sim Não Sim
HPA-15b Sim Sim ? Sim
Hf'A:.la Sim Sim Sim Não
HPA-3b Raro 2 Sim Sim
HPA-2o Sim ? Não ?
HPA-2b Sim Sim Não Sim
HPA-4° Sim Sim Sim Não
HPA4b Sim Sim Não Não

378 ( Medicina laboratorial para o clínico)l-- - -- - - - - -- - -- - -- - - - -- - - - - - -- --


Quadro 32.12 - Tipagem ABO- récnica em lâmina • pingar uma gora de lecrina A, em um rubo de
hemólise;
Materiais/Equipamentos Reagentes/Solução • acrescentar 50 pl da suspensão das hemácias reste;
Tubos de hemólise • misturar bem - deixar incubar a temperatura am-
!10x75/12x75mm)
Suporte paro tubos Soros reagentes monoclonois
biente por 15 minutos;
Micropipetas (l0-200~L) AntiA e AntiB • ressuspender o "barão" de hemácias agirando de-
Ponteiros Solução salino fisiológico 0 ,9% licadamente o [Ubo, observando-se a presença de
Lâminas de vidro
Centrífugo aglutinações, macroscopicamente.
Aglutinoscópio
Os mareriais necessários para o procedimento técni-
co estão listados no Quadro 32.14.
Os resultados são interpretados de acordo com o
Quadro 32.13. Quadro 32.14 - Tipagem subgrupos de A- técnica em lâmina

Quadro 32.13 - Tipagem ABO em lâmina - interpretação Materiais/Equipamentos Reagentes/ Solução


de resultados
Tubos de hemólise
10x75/1 2x75mm
Reação com: Grupo Sanguíneo Suporte paro tubos
AntiA AntiB Micropipetos 11 0-2001-'Ll Lectino AntiAl
Ponteiros Solução salino fisiológico 0,9%
+ A Cronômetro/relógio
+ B Centrífugo
Aglutinoscópio
+ + AB Pincel
o

Subgrupos de A Os resultados são interpretados de acordo com o


Quadro 32.15.
Embora sejam formados pelo mesmo açúcar, há di-
ferenças qualitativas e quanrirarivas entre A, e A2. A dife- Quadro 32.15 - Subgrupos de A - interpretação de re-
renciação é feira restando-se as hemácias com lecirina en- sultados
contrada na "Dolichos biflorus" (Lecirina AntiA,). capaz de
aglutinar especificamente as hemácias A1 e A1 B. Devido à Reação com Lecitina Grupo Sanguíneo
AntiAl
diminuição expressiva de sírios em A3, percebe-se a ocor-
+ A 1 ou A 1B
rência de aglutinações de "campo misro", isco é, hemácias
que reagem, outras não, levando a uma interpretação de A2, A3 ou A2B

dupla população de hemácias. Com a diminuição crescente


de sírios, é possível que a reação antígeno-amicorpo seja ain-
Sistema Rh
da mais fraca ou, até mesmo com a inrerpreração de reação
negativa, configurando-se resultados discrepanres quando Pnncíp10 do teste
da reação da prova reversa - pesquisa do anticorpo.
Procedimento técnico O reagente AntiD causa aglutinação direra das he-
• lavar as hemácias em solução salina fisiológica três mácias O-positivo, cuja intensidade da reação varia am-
vezes; plamente de indivíduo para indivíduo e quando a reação
• Preparar suspensão de hemácias lavadas a 3-5% não ocorrer terá a necessidade de eferuar a exclusão para
em solução sali na fisiológica (30 a 50 11L de hemá- O-fraco. O reste deverá ser acompanhado, em paralelo,
cias em 1.000 IJLde salina); com o controle do Rh, utilizando-se, assim, o soro conrro-

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 379


le de Rh, de preferência do mesmo fabricame. Caso seja Quadro 32.17- Tipagem Rho (D) em lâmina - interpreta-
positivo, a ripagem Rho(D) será considerada inválida e ção de resultados
será definida após a resolução do problema, se possível.
Reação com: Interpretação do Rho(D)
AntiD Controle de Rh
Amostra de sangue
+ Positivo
As observações descritas para a obtenção de amosua na Negativo
ripagem ABO também se aplicam à ripagem do Rho(D). + + Indeterminado

Procedimemo técnico
• preparar suspensão das hemácias a 40% no pró- Variante de D (O-Fraco)
prio plasma/soro ou solução salina fisiológica (po-
de-se empregar sangue rotai); A variação quantitativa de sítio antigênico para o an-
• em uma lâmina devidamente limpa e seca, colocar: tígeno D poderá resultar em reação sem qualquer ex-
uma gota de AntiD na extremidade à esquerda e pressão visível. Daí a necessidade da pesquisa na fase an-
uma goca de soro Controle-Rh na extremidade à tiglobulina, denominada, no passado, Du (STRATTON.
direita; 1946). Portanto, indivíduos que expressam antígeno
• adicionar uma gota da suspensão de hemácias aos O-fraco são fenocipicamente Rho(D) positivo, podendo
soros; sensibilizar receptores O-negativo.
• misturar bem, individualmente, os soros e a sus-
pensão de hemácias com bastão de vidro ou lâmi- Procedimento
na em área de aproximadamente 2x2cm; • preparar uma suspensão a 5% das hemácias teste
• oscilar a lâmina sobre o visor do aglutinoscópio (50 1-'L das hemácias + 1.000 1-'L de solução salina
(temperatura acima da ambiente); fisiológica);
• os testes que não apresentarem agl utinações não • identificar dois tubos de hemólise: De Cti com o
deverão ser observados além de dois minu ros; nome ou número do paciente/doador;
• anotar os resultados. • colocar: uma gota de AmiD no tubo D e uma
goca do soro-controle Rh no tubo Ctl;
Os materiais necessários para o procedimento téc ni- • adicionar 50 1-'L da suspensão de hemácia 5% em
co estão listados no Quadro 32.16. ambos os tubos (D-Ctl);
• homogeneizar;
Quadro 32.16 - Tipagem Rho (D) - técnica em lâmina • incubar os dois tubos por 10 minutos a 37°(;
• ressuspender o "botão" de hemácias formado e
Materiais/ Equipamentos Reagentes/Solução observar aglutinações;
• ler e anotar os resultados;
Tubos de hemólise
10X75/12X75mm • se a reação no tubo D for positiva, não haverá ne-
Suporte paro tubos cessidade de continuar o procedimento, será defi-
Micropipetas 110·200~ll Soro reagente AntiD
Ponteiras Soro controle do Rh nido como sendo O-positivo;
Lâmina de vidro Antiglobulino humano IAGH) • se a reação foi negativa no tubo D, lavar três
Centrífugo vezes em solução salina fisi ológica os dois tu-
Aglutinoscópio
Banho-mario 37°( bos (D-Ctl);
Microscópio • centrifugar a 1.000 rpm por um minuto ou a 3.400
rpm por 15 segundos;
• adicionar uma gora de antiglobulina humana
Os resultados são interpretados de acordo com o (mono ou pol iespecífico) nos dois tubos;
Quadro 32.17 • homogeneizar;

380 [ Medicina laboratorial para o clínico


Procedimento
• centrifugar os dois cubos a 1.000 rpm por um mi-
num ou a 3.400 rpm por 15 segundos; Tipagem Direta
• leitura macro e IT' icroscópica;
• anotar os resultados. • pesq uisa dos antígenos
- Preparar suspensão de hemácias teste a 5% (50
Os resultados são interpretados de acordo com o j.ILde hemácias + 1.000 j.IL de salina).
Quadro 32.18. - Identificar dois cubos de hemólise, colocando
no cubo A uma gota do soro AntiA e no cubo B
uma goca do soro AntiB.
Quadro 32.18 - Pesquisa de O-fraco - interpretação de
resultados - Adicionar em ambos os cubos 50 ~L da suspen-
são de hemácias-tesce.
Reação com: Interpretação do Rho(D) - Homogeneizar.
AntiD Controle de Rh
- Centrifugar a 1.000 rpm por um minuro ou a
3.400 rpm por 15 segundos.
+ Positivo
- Suspender o "botão" de hemácias com movimentos
Negativo
leves e observar a presença/ausência de aglutinações.
+ + Indeterminado
- Anotar resultado

Tipagem reverso
Determinações dos tipos ABO e Rh em tubo
• pesquisa dos anticorpos
- Identificar dois cubos de hemólise com as letras:
Grupo sanguíneo ABO
"RA" (reversa de A) e "RB" (reversa de B).
A técnica em cubo, para a tipagem ABO, permite que - Piperar 50 ~L de soro/plasma em cada um dos tubos.
sejam pesquisados, em paralelo, os antígenos A e B e os - Adicionar uma gota de hemácia A1 em RA e
anticorpos AntiA e AntiB. uma gota de hemácia Bem RB.
É dividido em duas fases: - Homogeneizar.
• classificação di reta- pesquisa os antígenos; - Centrifugar a 1.000 rpm por um minuro ou a
• classificação reversa - pesquisa os anticorpos. 3.400 rpm por 15 segundos.
- Ressuspender o "botão" de hemácias com movimentos
Os materiais necessários para o procedimento técni- leves e observar a presença/ausência de aglutinação.
co estão listados no Quadro 32.19. - Anotar resultado

Os resultados são interpretados de acordo com o


Quadro 32.19- Tipagem ABO- técnica em tubo Quadro 32.20.

Materiais/Equipamentos Reagentes/Solução
Tipagem do Rho(D)
Tubos de hemólise
ll0x75/ 12x75mml
Centrífugo
Os materiais necessários para o procedimento técni-
M icropipetos ll0-200fJL) Soros reagentes AntiA e AntiB co estão listados no Quadro 32.21.
Ponteiros Reagentes de hemócias A 1 e B
Aglutinoscópio Solução salino fisiológico 0,9%
Pinça Procedimento
Suporte poro tubos
lâminas
• identificar dois cubos de hemólise com as letras
Cronómetro/relógio
Pincel "D" (dispensar uma gota de AnciD) e "Cti/CD" (dis-
pensar uma goca de soro-controle Rh);

Aspecros laboraroriais da hemoterapia 381


Quadro 32.20 - Tipagem ABO em cubo - incerpretação de resultados

Provo Direto Provo Reverso


Reoção das Hemácios com: Reoção do soro/plasmo com: Interpretação do
ABO

AntiD Controle de Rh Hemácio A 1 Hemác ias B

+ + A
+ + B
+ + AB
+ + o
+(fraco) + (f·aco) + A 2 c/ AntiA1

Exclusão para O-fraco


Quadro 32.21 - Tipagem Rho (D) em cubo Procedimento

Materiais/Equipamentos Reagentes/So lução • levar ambos os cubos (D e Ctl) a 37°C por 10 mi-
Tubos de hemólise
nutos;
(10x75/12x75mm) • centrifugar a 1.000 rpm por um minuco ou a 3.400
Micropipeta (10·200fJL) rpm por 15 segundos;
Ponteiras Soros Anti-Rho (D)
Pincel Soro controle Rh • ressuspender o "botão" de hemácias em ambos os
Centrífuga Solução salino fisiológico 0,9% tubos;
Aglutinoscópio
• ler e anotar os resultados;
Microscópio
Cronômetro/ relógio • interpretação: como a anterior;
• se não houver aglutinações, lavar os cubos três ve-
zes em salina;
• adicionar em ambos os cubos 50 !JL da suspensão • adicionar 1 gota de antiglobulina humana (mono
de hemácias-teste já preparada a 5%; ou poliespecífico) em ambos os tubos;
• centrifugar a 1.000 rpm por um minuto ou a 3.400 • centrifugar a 1.000 rpm por um minuto ou a 3.400
rpm por 15 segundos; rpm por 15 segundos;
• ressuspender o "botão" de hemácias de ambos os • ressuspender o "botão" de hemácias de ambos os
tubos; tubos;
• ler e anotar os resultados. • leitura macro/microscópica;
• anotar resultados.
Os resultados são interpretados de acordo com o
Quadro 32.22. Os resultados são interpretados de acordo com o
Quadro 32.23.
Quadro 32.22 - Tipagem Rho(D) em cubo - incerpretação
de resultados Quadro 32.23 - Exclusão para O-fraco - interpretação de
resultados
Reoção com: Rh(D)
Reoção com: Rh(D)
AntiD Controle de Rh
+ Positivo AntiD Controle de Rh
+ Positivo
Negativo
Indeterminado* Negativo
+ +
+ + Indeterminado
' Com1nuar - Fazer exclusão para O-Fraco

382 [ Medicina laboratorial para o clínico


Resolução de problemas
O sistema dispõe de cartão (cartela) com seis micro-
Resolução de problemas de ABO: cubos para as reações, o que cem permitido executar a
rotina hemmerápica com vistas, enrre outras, à padroni-
• prova direca: auco-aglutinina reaciva a frio zação, sensibilidade, facilidade da leitura (estável por 48
- Manrer o sangue a 37°( após a coleta. horas), emprego de anriglobulina humana sem a necessi-
- Lavar as hemácias várias vezes com solução sali- dade de lavar as hemácias, mais segurança nos resultados
na fisiológica aquecida a 37°( anres do teste. e aucomatização da rotina.
- Fazer reste de conrrole em paralelo para de-
terminar a persistência ou não da auco-aglutinina
Princípios do teste
(usar albumina bovina a 6% em salina)
- Se o conrrole for negativo, a reação com os so- • composição do gel - é utilizado o sephadex com
ros AnriA e AnriB é válida. três apresentações:
- Se a auco-aglutinação ainda persistir, a interpre- - gel neutro: sem adição de qualquer oucro cons-
tação poderá ser difícil, mas a observação atenra tituinte (anti-soro específico).
da imensidade da reação poderá ser informativa. - gel específico: adição ao gel de anticorpo específico.
- Como a auco-aglutinina a frio é sempre uma - gel anriglobulina: adição ao gel da antiglobulina
lgM, o uso de agenres capazes de provocar ades- humana.
naturação da lgM poderá justificar o seu emprego, • forma e volume do microtubo:
como o 2-mercapcoetanol ou DTT. - O microtubo tem uma forma que lembra um
• prova Reversa funil - largo na sua extremidade superior, o que
- Quando o soro reage com a hemácia do grupo permite a incubação das reações acima do gel.
"0", o resultado pode não ser confiável. empregando volume de hemácias quatro a cinco
- Repetir o teste com o soro e as hemácias A, 8, O vezes menor que o teste em tubo. o que melhora
pré-aquecidos a 37°C. a relação soro/hemácias.
- O soro de alguns pacientes pode não reagir a 37°C. - A parte intermed1ána é longa. levando-se em con-
- Fazer auco-adsorção ou adsorção com hemácias ta o tamanho total. para assegurar o conraco íntimo
homólogas. das hemácias com o gel durante a centrifugação.
• facor Rh - A parte inferior é cônica, onde as hemácias
- Auco-aglucinação espontânea por auco-anricor- poderão formar um depósico ao atravessar o gel,
po a queme ou a frio pode causar discrepância na após a centrifugação (Figura 32.2).
ripagem do Rh • formação da aglutinação.
- Alguns procedimentos usados na ripagem do - Quando as hemácias não sofrem ação de
ABO também aq ui se aplicam. constituinte do gel. por serem mais densas, passa-
rão através dele e sendimentar-se-ão no fundo do
microtubo por força da cemrifugação.
Determinações dos tipos ABO e Rh em gel - No gel específico. as aglutinações formadas
pela ação do constituime não passarão pelo gel, fi-
Tipagem sanguínea ABO/Rho (D) - (técnica gel-cen- cando retidas na sua parte superior, sendo classifica-
crifugação, ucilizando soro monoclonal) das conforme padrões de positividade de 1 + a 4 +.
A técnica em gel é um mécodo relativameme - Nos testes que envolvem o emprego da an-
novo para: tiglobulina humana (testes pré-transfusionais de
• microcipagem de grupos sanguíneos; compatibilidade. pesquisa e identificação de anri-
• pesquisa/titulação e idemificação de anticorpos corpo irregular), as hemácias serão sensibilizadas
irregulares; na fase de incubação a 37°(, como já foi dica. na
• provas pré-transfusionais de compatibilidade. parte superior do microtubo. Aglutinam-se por
ação da anriglobulina humana e ficam retidas aci-

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 383


ma do gel, após centrifugação. Quando a sensibi- • piperar 50 (JL de soro/plasma nos microtubos
lização das hemácias não acontece (ausência de A1(5°) e B(6°);
anticorpo irregular), elas passam através do gel e • dispensar 0,5 ml de diluente (LISS) em um tubo
depositam-se no fundo do microcubo após a cen- de hemólise e piperar 25 (JL de concentrado de
trifugação. Portanto, a técnica dispensa o proces- hemácias da amostra;
so da lavagem. • homogeneizar;
• pipetar 10 f.!L de suspensão de hemácias nos mi-
crotubos: A-B-0-Ct!;
• centrifugar por 10 minutos (centrífuga própria).
• leitura;
• anocar os resultados no próprio cartão.

A vizualização das provas direta e reversa pode ser ob-


B
monoclonal
o tvH I ctl II~A_,_,~~~-:
Prova rev./Rev gr
servada na Figura 32.3 e a interpretação no Quadro 32.25.
Grupo inverso
OBS: O microtubo Ctl (controle) deve ser sempre ne-
gativo, caso contrário, significa provável presença de auto-
anticorpo e as provas direta e reversa serão discordantes.

Figura 32.2 -Modelo de cartão (cartela) para tipagem ABO (di reta Padrões de leitura das reações
e reverso) e Rho(D). Ver prancha colorida
• reação negativa:
- Todas as hemácias encontram-se sedimentadas
Os materiais necessários para o procedimento técni- no fundo do microtubo, formando um "botão" (Figu-
co estão listados no Quadro 32.24 ra 32.4).
• reações positivas:
- Fraca: hemácias parcialmente sedimentadas, mas
Quadro 32.24 - Tipagem Rho (D) em gel dispersas na parte inferior do gel (25%) ou acima do "bo-
tão" (Figura 32.5).
Materiais/Equipamentos Reagentes/So lução - 1+: Hemácias dispersas na parte inferior do gel de 50
Centrífugas (especial e a 75% (Figura 32.6).
laboratorial)
Dispensador
- 2+: Hemácias dispersas até a parte superior do gel de
M icropipetas Cartões (cartelas):ABO (com 75 a 100% (Figura 32.7).
Ponteiras prova reversa)/Rho D - 3+: Hemácias dispersas na parte superior do gel
Tubos de Reagente de hemócias A1 e B
hemólise:(l Ox75/ l2/ 75mm) Diluente - LISS (50%) ou na sua superfície, com forte penetração neste
Estação de trabalho (suporte (Figura 32.8).
para tubo e cartão)
- 4+: Hemácias formando uma linha compacta na su-
perfície do gel ou com leve penetração neste (Figura 32.9).
- Dupla população: reação de 3+ a 4+ e hemácias
Procedimento sedimentadas no fundo do microrubo (Figura 32.10).

• centrifugar a amostra; São condições para o aparecimento de dupla popula-


• identificar o cartão (canela) ABO/Rho - nome/ ção: pós-transfusional (heterogrupo); pós-TMO; hemor-
número; ragia feto-materna grave; pós-exsanguíneo-uansfusão;
• pingar uma gota de hemácias A1 e Bnos respecti- subgrupos de A; contaminação da amostra; resíduos de
vos microtubos (5° e 6°- prova reversa); fibrina (amostra inadequada); e antígenos enfraquecidos
(RN - idosos - leucemias).

384 [ Medicina laboratorial para o clínico )1------- - - -- - -- - - - - -- -- - - -- -- - - - -


Figura 32.3 - Exemplos de t1pijicaçào ABO (direta e reversa) e Rho(D). Figura 32.4 - Exemplo de reaçào negativa em gel. Ver prancha
Ver prancha colot1da colonda

Determinações dos tipos ABO e Rh em microplaca


Os materiais necessários para o procedimento técni-
A microplaca é encontrada no mercado com várias co estão listados no Quadro 32.26.
configurações para 12 determinações de grupos sanguí-
neos, cuja escolha dependerá do objeto específico de
Procedimento
cada serviço. Poderá vir ou não com anticorpos mono-
clonais adicionados e dessecados aos poços, facilitando • centrifugar a amostra;
sobremaneira o trabalho de ri pagem sanguínea ABO/ • preparar suspensão de hemácias-teste a 0,8%, dis-
Rho(D). É constiruída de 12 filei ras de oito poços cada pensar em cubo de hemólise 1 ml do dil uente e
uma. Não é necessário preparo prévio do paciente/doa- pi petar 12,5 jJ Lde concentrado de hemácia ou 25
dor para a coleta da amostra, que será obtida conforme j..!L de sangue total;
técnica convencional de fleboromia em citraro, EDTA, • homogeneizar.
heparina ou CDPA-1.

Quadro 32.25 - Tipagem ABO (direta e reversa) e Rho(D) - gel teste

ABO Rho(D)

Di reta Reverso Resultado Resultado

Microtubo A Microtubo B Microtubo Microtubo B Microtubo D Microtubo


Al Ctl
+ + A + +

+ + B
+ + AB + + Indeterminado

+ + o

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 385


Figura 32.5- Exemplo de reação positiva fraca em gel. Ver prancha Figu ra 32.7 - Exemplo de reação positiva 2+ em gel. Ver prancha
colorida colorida

Figura 32.6 - Exemplo de reação posit1va 1+ em gel. Ver prancha Figura 32.8 - Exemplo de reação posit1va 3+ em gel. Ver prancha
colorida colorida

Prova direta do ABO/Rh


Observação: a suspensão de hemácias-teste não de-
verá ser utilizada após lS minutos, pois a bromelina (di- • adicionar 50 11L da suspensão de hemácias do do-
luente) em cantata prolongado com as hemácias pode- ador/paciente nos respectivos poços do micropla-
rá favorecer aglutinações inespecíficas pela diminuição ca contendo os anticorpos: AntiA, AntiB, AntiAB,
do zeta potencial. AntiD (lgM), AntiD(IgG), controle Rh (Ctl).

386 [ Medicina laboratorial para o clínico )~------------------------------


Quadro 32.26 - Tipagem ABO/Rho(D) em microplaca com
amicorpos monoclona1s ad1cionados

Materiais/ Equipamentos Reagentes


Dispensador
Micropipetos
Ponteiras
Centrífugo poro microploco Reagentes de hemócios Al e B
Centrífugo laboratorial Diluente: bromelino
Agitador específico
Tubo de hemólise
11Ox75/12x75mm)

Leitura
Após a centrifugação:

• agitar fortemen te a microplaca por do1s a três se-


gundos (ressuspensão do sedimento dos poços);
• agita r com velocidade média por um a dois minu-
tos (ressuspensão completa dos poços negativos);
Figura 32.9 - Exemplo de reação pos1riva 4+ em gel. \ d v.íg1na • agitar em velocidade mínima por um minuto
381 (agrupar as aglutinações no centro dos poços);
• ler imediatamente as reações em até um m1nuto
após a ag1tação. po1s em 50 segundos as hemáe~as
começam a sedimentar dific ultando ou mesmo
impedindo a correta imerpreração.

Os resultados são interpretados de acordo com o


Quadro 32.27.

Observações

• d-fraco pode apresentar reação negativa. Reco-


menda-se confirmar por outros proced1menros,
Já refendas;
• reações fracas ou duvidosas devem ser repetidas
F1gura 32.10- Exemplo de dupla população, reação pos1t1va 3+ a por outras técnicas;
4+. 1e1 oa 110 ~" • reações atíp1cas devem ser escudadas em particular;
Prova reversa do ABO • aglurin1nas tnespecíficas podem causar hemólise;
neste caso. incubar soro a 56°( por 10 minutos e
• pipetar 50 f.JL do plasma/soro do doador/paciente repetir o teste;
nos respectivos poços da m1croplaca; • alros títulos de AntiA e AnnB podem causar he-
• adic1onar uma gota de reagente de hemácias A1 e B; mólise das hemácias A1 e B;
• agitar a microplaca por 30 segundos na velocidade • poderá acomecer discrepânCia entre as provas di-
média; reta e reversa do ABO nos casos de recém-nasCI-
• 1ncubar por 10 minutos à temperatura ambiente; dos (ausência). idoso ou pacientes portadores de
• centrifugar por 90 segundos a 900rpm; agamaglobulinemia (ausência ou atenuação).

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 387


Quadro 32.27- Tipagem ABO (direta e reversa) e Rho(D) - microplaca

ABO Rh
Di reta Reverso Resultados AntiD Ctl Resultados
AntiA AntiB AntiAB Al B
+ + + A + +
+ + + B -/+ O-Fraco
+ + + AB +
+ + o

Limitações:
Os antígenos eritrocitários situam-se ou mesmo fazem
• contaminação bacteriana do material; parte da integridade de estruturas importantes da mem-
• os equipamentos devem ser específicos e reco- brana das hemácias ou estão associados à anormalidade
mendados pelo fabricante, além de checagem estrutural, quer seja pela sua presença ou ausência. Ex: Rh-
periódica; null é associado à anemia hemolítica; fenóti po McLeod à

• não modificar a técnica ou incluir outros diluentes. acantocirose; sistema Duffy à malária; P à susceptibilidade
à infecção por Escherichia coli no trato urinário; etc.
Na prática cransfusional, são encontradas cinco situa-
A REAÇÃO ANTÍGENO-ANTICORPO ções freqüentes e importantes em relação à resposta do
ERITROCITÁRIO sistema imune a esses antígenos:
• antígenos que têm habilidade de provocar respos-
ta rápida e eficiente, pois são altamente imunogê-
Antígenos eritrocitários nicos, ex: Rh, Keil, Duffy e Kidd;
• antígenos que têm a capacidade de reagir forte e
Os antígenos são estruturas estranhas a um de- especificamente com o produto da resposta, por
terminado organismo, solúveis ou fixados à superfí- apresentarem alta antigenicidade, ex: ABO e Rh;
cie de uma célula ou tecido que, em contato com • certos indivíduos que não reagem à estimulação,
eles, geram resposta contrária a eles, mediado pelo apesar de estímulos sucessivos durante anos se-
sistema imunológico. Esse sistema tem três elemen- guidos, ex: pacientes crônicos que necessitam de
tos que serão usados na ligação ou reconhecimento transfusões freqüentes e não desenvolvem alo-
desses antígenos: anticorpos, receptores de células T anticorpos, os questionamentos são: a) incom-
e moléculas do MHC. petência do sistema imune pela idade; b) doen-
Os antígenos eritrocitários de grupos sanguíneos ça de base; c) hemácias com grande expressão
começam a se expressar a partir da quinta semana de antigénica;
gestação, como é o caso dos antígenos ABH e Lewis, • intolerância aos próprios antígenos, com produ-
entretanto, outros são expressos fracamente nas he- ção de auto-anticorpos contra células ou tecidos,
mácias de recém-nascidos (I, Lea, Leb e Sda). alguns ex: anemia hemolítica auto-imune;
mais fracamente na infância do que nas hemácias do • medicamentos que são adsorvidos à superfície
adulto (A. B, Pl, Lua, Lub, Yta, Xg e Vel) e existem sis- do antígeno, formando um "complexo antigénica
temas que podem estar completamente desenvolvi- novo" (neo-antígeno), induzem resposta específica
dos ao nascimento (Rh, Keil, Duffy, Kidd, MNSs, Coa). para antígeno de grupo sanguíneo. Se o antígeno
Vários são demonstrados em células precursoras das presente estiver envolvido com o neo-antígeno,
hemácias, como é o caso do A1, B, H, I, Rh, MNSs, Keil, não raramente tem especificidade para o Rho(D),
Lewis, Duffy e Kidd. ex: alfa-metildopa.

388 [ Medicina laboratorial para o clínico


Anticorpos de grupos sanguíneos
formado na primeira exposição ao antígeno-aloimuniza-
ção primária com produção de baixos títulos.
Os ancicorpos são imunoglobulinas (lgs) que aruam
sobre os ancígenos na superfície da hemácia, podendo
ser nacurais (regulares - amicorpos previstos) ou por lgG
estímulos com hemácias escranhas (aloamicorpos, an-
ticorpos irregu lares ou amicorpos imunes). Atuam em Ea imunoglobulina m ais abundame no plasma, re-
combinação com o amígeno e medeiam vários efeitos presentando 80% de todas as imunoglobulinas, com
biológicos. Os ancicorpos que apresencam interesse concentração m édia de 12 g / L (de 8 a 16 g/L). Molé-
imunohematológico são das classes lgM e lgG. cula monomérica, de 160.000 daltons, com dois sítios
de ligação. É anticorpo "q uente", ativo a 37°(, mas não
provoca aglutinação d ireta de hemácias. necessita de
lgM meio artificial para a visualização da reação antígeno-
anticorpo. A lgG é a expressão da resposta do siste-
Os exemplos clássicos e de importância capital são ma imune com ocorrência de ±1% por unidade de
os amicorpos nacurais do sistema ABO. hemácias transfundida, mas pode ter ocorrência em
A concemração plasmática é de 0,5 a 2,0 g/L, com pessoa sem história transfusional entre 0,3 e 2%, com
predominância de 74% no espaço imravascular e meia- especificidade para amígenos de grupos sanguíneos, o
vida de cinco dias. Molécula pemamérica, de 900.000 que justifica sua pesquisa sistemática em doadores de
dalcons e com múltiplos domínios funcionais, o que a sangue. Pode ser subdividida em quatro subclasses -
corna uma porence ativadora do complemento, classifi- lgG1, lgG2, lgG 3 e lgG 4 , que diferem entre si na estrutu-
cada como a imunoglobulina mais efetiva nessa função. ra, função e concentração no plasma: lgG 1 - 6,63 g / L;
Provoca hemól ise incravascular grave em caso de trans- lgG 2, 3,22 g/ L; lgG 3, 0,58 g/L e lgG 4, 0,46 g/L, salienta n-
fusões incompadveis, com volume relativamente peque- do-se a grande habilidade de ativar o complemenco da
no e não atravessa a barreira placemária, por isso não lgG 3, seguida da lgG 1 _A lgG 2 é muito menos efetiva na
provoca doença hemolítica do recém-nascido (DHRN). ativação do complementO e a lgG 4 é incapaz de ativá-
É considerado anticorpo "frio" com amplitude térmica la. A lgG1, lgG 3 e lgG 4 atravessam facilmente a barreira
de ação de 4° a 37°(, com expressão ótima de ação em placemária, mas a lgG 2 não a atravessa.
corno de 18°C. Possui capacidade de promover agluti- Características das imunoglobulinas M e G são mos-
nação direta de hemácias em meio salino. É o anticorpo tradas no Quadro 32.28.

Quadro 32.28- Características da lmunoglobulinas M (lgM) e G (igG)

Características lgM lgG


Sublcasses 1 4
Constante de sedimentação 195 7S
Peso Molecular Kdo 900 160
M obilidade eletroforérico Entre f3 e y y
Sítios de ligação do antígeno 10 2
Fixação de complemento Sempre Algumas vezes
Passagem pela barreiro p la centária Não Sim
Aglutinação d ireta do hemócia Sim Usualmente não
Hemólise in vivo Sim Não
Exemplo AntiA e AntiB Anticorpos Anti-Rh

A spectos laboratoriais da hemoterapia 389


Combinação antígeno- anticorpo
segundos e/ou pela cenrrifugaçào rápida. A imensidade da
reaçào poderá ser expressa conforme padrões, variando de
Açào envolvendo a lgM
1+ para aglutinações leves a li+ para imensidade máx1ma.
As hemácias não se chocam umas comra as outras,
mas guardam cerra distância entre si por força repulsiva,
em conseqüência à elerronegatividade existence na su- Hemólise
perfíoe da membrana promovida pelo grupo carboxílico
(COOH-). A magn1rude dessa carga atrai íons Na+ carre- Os ancicorpos AnriA e AnriB do ABO causam lise
gados positivamente e íons Cl- negativos. Os íons se ali- das hemácias anrígeno - positivo in vivo, podendo tam-
nham em determinada seqüência a partir da membrana bém acontecer in vitro quando os testes são incubados a
da hemácia para formar, ao seu derredor, uma nuvem ele- 37°C. A hemólise in vivo é o resultado da ação do "com-
crónica que se rorna menos densa à medida que se afasta plexo de ataque à membrana", como o resultado fi nal da
da hemácia, criando, assim. uma diferença de porencial arivação do complemento. que causa inúmeras perfura-
chamada de "zeta pmencial". Portamo, a força de repulsão ções na membrana, por onde escapa a hemoglob1na.
entre as hemácias depende desse zeta porenoal, que pode
ser calculado pela fórmula desenvolvida por Pollack.
Ativação do complemento

I z. o:,, I Complemento é o nome dado ao conjunto de apro-


Z ~ zew porenoal; y = elerronegattvrdade da llemóoa. O con1ta111e drelémco ximadamente 20 proreínas séricas Sintetizadas princi-
do me•o; 11 =força rômca do mero palmente no fígado que. em resposta a estímulos, os
componemes reagem em cascata seqüencial. na qua l o
Para a interaçào antígeno-ant1corpo produto de uma reação catalisa a próxima. Os produros
rêm potemes efeitos biológicos: promovem inflamações
Há que se considerar três variáveis: a carga da super- a partir da qui miotaxia, aumemando a permea bilidade
fície das hemácias. a constante dielérrica do meio e a afi- vascular. e causam lise celular. diretameme com a for-
nidade emre amígeno-amicorpo. Para a coesão ser mais mação do "complexo de ataque à membrana" (MAC)
eficiente. há necessidade de um somatóno de reações, ou indiretamenre, pela formação do produto C3b, que
como: pomes de hidrogénio, forças elerrostát1cas e de estimula células efetoras na fagocitose. A ativação do
Van Der Waals e ligações h1drofóbicas. sistema do complemento ocorre por meio de duas vias
Para a complememaridade esrrurural emre a ince- distintas: a clássica e a alternativa. que convergem para a
ração anrígeno-anricorpo, há duas fases: a primeira é seqüência terminal em via comum. O quadro 32.9 apre-
realmente o envolvimento do anticorpo à superfície da senta a rermologia utilizada para esse sistema
hemácia; a segunda. a formação da aglutinação englo-
bando várias hemácias e. neste caso. o anticorpo deverá
ser capaz de vencer a distância enrre as hemácias. Quadro 32.29 - Term rnologra do Slsrema de complemento

Estado do Componente Nomenclatura


Aglutinação di reta M oléculas precursoras l elra maiúscula C seguida de um
número no caso das vios clássi-
co e comum ex: Cl, C2. C4.
Os anr1corpos Anc1A e Am1B do ABO são os melhores
Frogmenlos Suf1xo em lelro minúsculo. ex:
exemplos, pois vencem com relativa facilidade a distância C2o. Bo
entre as hemácias quando suspensos em meio salino e cau- Componenles olivos Borro sobre os símbolos, ex:
sam aglutinação di reta. Essa aglutinação pode ser observada C 4b2o
macroscopicamenre, quando se misruram hemácias e anti- Componentes •na11vos Prelixo com o lelro i, ex: iC3b
corpos lgM. incubando a temperarura ambiente por alguns

390 ( Medicina laboratorial para o clínico


Via clássica
C3bB. O Mg++ é importante, pois acua como subs-
O primeiro componente do Complemento é o Cl, trato do fator D, gerando o complexo C3bBb ativado.
formado por seis moléculas chamadas Clq e duas de pela remoção de Ba. capaz de co ntribuir para formar
cada um de outros dois componentes Clr e Cls. As qua- mais moléculas de C3b ativado. O C3b ativado pode
tro moléculas de Clr e Cls ligam-se às seis moléculas de causar destruição de células estranhas (ex: bactérias),
Clq, que se arranjam em forma de "feixe" numa interação mas não de células próprias, e o processo de ampli-
cálcio-dependente, que na ausência de cálcio dissocia- Ficação é lim itado pela degradação contínua de iC3b
se do sistema e perde sua ação ativadora da cascata do pela ação conjunta dos fatores H e I.
complemento. Esse fato parece ser observado no uso de
anticoagulantes quelantes de cálcio (citrato-oxalato) que
Via comum
retiram a capacidade de ativação pela remoção não só
de cálcio, como de outros íons necessários à seqüência. À medida que grande número de C3b ativado é
Quando o Clq se liga ao anticorpo. o C1r é clivado gerado, combinará com C4b2a para clivar o CS em
para dar uma molécula de Clr ativado que. por sua vez. dois fragmentos, sendo o CSb uma molécula ativa
cliva o C1s. O Cls ativado dará continuidade ao proces- (CSb ativado) e o CSa uma potente anafilocoxina. O
so. clivando o próximo componente, que é o C4, em CSb ativado na membrana líga-se ao C6 e C7, resul-
dois fragmentos: C4a e C4b ativado. O C4b ativado con- tando em um complexo trimolecular C5b67 ativado.
tinuará o processo, sendo que o C4a permanece livre no Esse complexo é inserido com eficiência de quase
meio com modesta atividade biológica. O C4b ativado 100% em fosfolipídios da membrana das hemácias.
na superfície da célula atrai moléculas de pró-enzimas O C8, quando se liga ao C5b67 ativado, é também
e se liga a C2. Este é clivado pelo C1s ativado em dois inserido na membrana, provocando o aparecimento
fragmentos: C2a ativado e C2b, sendo que este último de poro. A presença de C5b678 ativado permite ligar
sem atividade biológica. e polimerizar o último componente - C9. Forma-se,
Um único C1qrs ativado pode ativar numerosas assim, o "complexo de ataque à membrana". Várias
moléculas de C4 e C2 (de 100 a 200 moléculas). O moléculas de (9 (de 12 a 15) podem aglomerar-se em
C4b2a é chamado C3 convertase. O (3 convertase, torno de um complexo de C5b678 ativado, provocan-
agora formado em grande número na membrana ou do a formação de poro ou grande canal, que perfura a
superfície. é uma potente protease, sendo que uma membrana e permite o extravasamento do conteúdo
única molécula cliva mais de 200 moléculas de C3, que intracelular. A célula fica letalmente danificada, com
é o seu substrato. A clivagem de C3 resulta em uma das evolução para lise.
mais importantes ações biológicas do complemento e,
a continuidade do processo. a geração de dois frag-
Regulação da ativação do complemento
mentos: C3a e C3b ativado. Esse mesmo evento pode
ocorrer em outra via - a via alternativa. Existe mecanismo que controla a am plificação do
sistema para prevenir danos aos próprios tecidos e
Via alternativa conservar os componentes do complemento. Ocorre
em três estágios:
A via alternativa permite a atividade do comple- • decaída espontânea da atividade enzimática de
mento mesmo na ausência de imunidade adquirida. complexo pela pequena vida-média;
Esta via constitui a primeira defesa antimicrobiana • controle procéico, que modula a atividade de
dos vertebrados. caracterizada por fenômeno ati- certos componentes, p.ex: o (1 inibidor blo-
vo de superfície, que pode ser disparado em diver- queia as atividades de C1r e C1s; a função do
sas situações, como: membrana de microrganismo, fator H destrói a atividade de C3 convenase na
endotoxinas, complexos protéicos. algumas células via alternativa; e o fator I na presença de cer-
tumorais. agregados de imunoglobulina, etc. O C3b tos cc-fatores pode inativar C3b ativado e C4b
ativado associa-se ao fator B. formando o complexo ativado;

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 391


• controle do "complexo de ataque à membrana", das rigorosamente, tanto as diluições de hemácias
mediado pela proteína S que, por competição, quanto o volume fornecido de anticorpo (quanti-
liga-se ao complexo C5b67. dade), evitando-se o desequilíbrio na reação.
b) pH - a reatividade da grande maioria de anti-
corpos de grupos sanguíneos é melhor em pH
A~ão envolvendo a lgG de 6,5 a 7,5.
c) Força iônica - em solução salina, os íons Na+
A interação antígeno-anticorpo, com envolvi- e Cl. são neutralizadas parcialmente pela carga
mento de lgG, não promove aglutinação direta ou oposta de antígeno e anticorpo. A diminuição
hemólise. A distância existente entre as hemácias e o de força iônica do meio aumenta a atração
tamanho da molécula de lgG impede que tal aconte- eletrostática pela redução do efeito proceror
ça. Portanto, não é possível evidenciar a presença de dos íons Na+ e Cl. que, por sua vez, aumenta
lgG na expectativa de tal observação naturalmente, a formação de complexos antígenos-anticorpo.
havendo, pois, a necessidade de incluir meios artifi- Na prática, tem sido usada com freqüência a
ciais e especiais, in vitro, para cal. solução de baixa força iônica (Low lonic Stren-
ght Solution - LISS), inclusive com redução do

Identificação in vitro do envolvimento de lgG


tempo de incubação.
- Albumina bovina - a albumi na bovina
Numerosas variáveis são capazes de influenciar a re- tem sido utilizada para modificar o meio, pro-
ação amígeno-anticorpo com envolvimento de lgG. Na movendo redução de cargas elétricas negati-
prática, tem-se buscado entender essas variáveis para vas na membrana ou afetando a tensão inter-
estabelecer testes que possibilitem a pesquisa, indireta- facial entre as hemácias, favorecendo a ação
meme. A maioria delas baseia-se na formação final de de anticorpos. É encontrada no comércio em
aglutinação. concentrações de 22 a 30%.
- Enzimas- as enzimas proceolíticas, tais como:
Estágios da reação
bromelina, ficina, papaína e tripsina, têm sido em-
pregadas por favorecer a reacividade de anticor-
• sensibilização - o anticorpo liga-se ao sítio antigê- pos contra os antígenos dos sistemas Rh, Kidd,
nico na membrana da hemácia e essa fixação (sen- Lewis e P, embora possam desestruturar alguns
sibilização) ocorre quando estão presentes antíge- amígenos, cais como: M, N, S, Fl e Fyb Atuam
no e anticorpo específicos simultaneamente. É um por dois mecanismos: i. redução de carga elétrica
processo dinâmico em que se procura estabelecer de superfície favorecendo a aproximação das he-
equilíbrio entre complexos antígeno-anticorpo mácias, por dim inuição do zeta potencial; e ii. re-
e anticorpos livres; há o grau de associação (Kl) moção de estruturas que escericamente impedem
igual ao grau de dissociação (K2). Assim, a reação o acesso das moléculas de anticorpo. Ex: protease
torna-se estável ou relativamente estável. como a papaína remove polipeptídeos estruturais
e a neuram inidase é ma is específica para o ácido
[ Ag+Ac AgAc siálico (carga elétrica negativa).
- Polietileno glicol (PEG) - é um polímero hi-
drossolúvel usado como aditivo para aumentar a
a) Concentração antígeno-anticorpo - essa variável efetividade do anticorpo. Sua ação consiste em re-
pode ser influenciada pela concentração do antí- mover a água e, deste modo, abrir mais espaço em
geno (excesso de antígeno - efeito de pós-zona) torno da hemácia, promovendo uma concentração
ou pela concentração do anticorpo (excesso de maior de anticorpo e efetividade. A antiglobulina
anticorpo - efeito de pró-zona) de tal maneira humana (AntilgG) é o reagente de escolha com
que as orientações técnicas devem ser respeita- PEG. Não deve ser a escolha para o trabalho com

392 ( Medicina laboratorial para o clínico )~-----------------------------


lgM, nocadamenre nos sistemas ABO e Lewis, pela dois sírios Fab com porções Fc de dois anticorpos
diminuição ou falha na reação. Se for usado em fixados em sítios adjacentes na superfície das he-
alta concentração, pode provocar prec1p1tação de mácias, formando uma aglutinação visível. Ames
proteínas no plasma, fibrinogênio ou níveis eleva- da adição do AGH. as hemácias devem ser lavadas
dos de lgG, faco que pode ser Interpretado como com solução salina fisiológica para desprezar as ou-
aglutinações. O PEG pode ser usado conjumamenre eras globulinas próprias do plasma/soro e que não
com o LISS. Não é vantajoso trabalhar com paciente interessam na reação (sobras) e assim evitam o re-
portador de anemia hemolítica auco-imune, por re- sultado falso-negativo pela neutralização da AGH.
alçar significativamente anticorpos quentes. Após a
incubação com o PEG, as hemácias-teste devem ser
imediatamente lavadas para o reste com a anriglo- TESTE DE COMPATIBI LI DADE SOROLÓG ICO
bulina humana (AGH). (PRÉ-TRANSFUSIONAL)
d) Temperatura - a lgG reage melhor em tempera-
tura de 37°C. Aquela que reage in vitro somente Os testes de compatibilidade sorológicos pré-transfusJo-
a temperatura abaixo de 37°( não é considerada nais constituem um conjunto de normas, exigências e proce-
clinicamente importante. dimentos que visam ao maior benefício possível e segurança
e) Tempo de incubação na transfusão de sangue rotai e hemocomponentes.
- Dependerá do me1o utilizado. Procura-se o
tempo em que o equilíbno entre a associação e a
dissociação passa a ser estabelecido. Ex: em meio Exigências, normas e procedimentos
salino incubar por 60 mmutos; em album1na bovi-
na, por 30 minutos e, em LISS por 10 minutos. São prescritas pela agênc1a reguladora e fiscalizadora
Influência do número de sítios anrigênicos- não das atividades na hemorerap1a - Agencia Nacional de
obstante o conhecimento da incapacidade das lgGs Vigilância Sanitária (ANVISA). Para o atendimento trans-
em promover aglutinação de hemácias em meio fusional. são necessários:
salino diretameme, algumas exceções podem ser • revisão da história transfusional do paciente no
vistas, como: lgG AntiA, AntiB e AntiM, enquanto serviço;
que lgG antiD não é capaz. Esse fato é explicado • ripagem sanguínea ABO/Rho(D) do paCiente;
baseado no número de sítios de A, que é cerca de • Retipagem sanguínea ABO/Rho(D) do doador
100 vezes supenor ao número de sítios para D. (bolsa);
f) Outros fatores também são destacados: • pesquisa de anticorpo irregular (PAI);
- Grau de projeção do antígeno, além da • reste de autocontrole;
membrana. Ex: antígenos A e B se projetam subs- • reste de compatibilidade maJor (prova cruzada)
tancialmente da base lipíd1ca da membrana da he- entre o soro/plasma do receptor comra as hemá-
mácia, enquanto que o Rho(D) não o faz. cias do doador (amosua de bolsa};
- Proximidade de um sítio antigênico de ou- • revisão da história transfus1onal do paciente no
tro. dependente do número de sítios por hemácia, serviço.
da extensão dos sítios na membrana e da possibi- Os serviços de hemocerapia são obrigados a
lidade de formar grupos. ter um sistema de registro adequado (ANVISA
RDC n°153 - 14 de junho de 2004) que permita a
• Segundo estágio - como não há formação de aglu- rastreabilidade da unidade de sangue torai ou do
tinações d1 retamente no envolvimento de anticor- hemocomponeme, desde a sua obtenção até o
pos lgG, várias estratégias têm sido desenvolvidas seu destino final. Incluem-se todos os exames de
com aplicação prática para que esse fenômeno laboratório referentes ao atendimento (doador/
Seja demonstrado ou pesquisado. A antiglobulina paciente) por um período de 20 anos. São obriga-
humana (AGH) do soro de Coombs comb1na seus dos, ainda. a informar, quando solicitados. dados

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 393


de seus registras às "Auroridades Sanitárias", rela- wr Rho(D) só precisa ser feita em bolsas rotula-
tivos ao atendimento de uma transfusão (dados das como 'Rh-negativo'. Não é necessário repetir a
do doador e paciente). São dados que indepen- prova para pesquisar O-fraco" (ANVISA;
dem propriamente do serviço, sobretudo com • pesquisa de anticorpo irregular - PAI
referência aos da solicitação médica da transfu- A ANVISA normatiza o método para a pesqui-
são. Deve ser feiw em formulários específicos que sa de anticor po irregular inesperado, no soro/plas-
contenham informações claras e suficientes para ma de doador/paciente, clinicamente significativo,
a correta identificação do recepto r, além dos se- com inclusão de:
guintes dados: nome completo do paciente, sexo, - Duas hemácias do grupo "0", randomizadas,
idade, peso, número do prontuário ou registro amigenicameme diferences, que possuam a maio-
na Instituição, número do leito (para paciente ria dos amígenos de grupos sanguíneo.
internado), diagnóstico, antecedentes rransfusio- - Incubação a 37°C.
nais, hemocomponentes solicitados (volume ou - Utilização de AGH .
quantidade de unidades), tipo de transfusão, re- - Sistema de controle para evita r resultados
sultados laboratoriais, que justifiquem a indicação falso-negativos.
do hemocomponente, data e hora, assinatura e
o CRM do médico solicitante, com letra legível Os anticorpos clinicamente significativos são aqueles
e sem rasuras. A ANVISA faz, ainda, uma adver- presentes em adição aos esperados, antiA e amiBdo ABO,
tência formal: "Uma requisição incompleta, ina- e são capazes de provocar reações transfusionais, quer seja
dequada ou ilegível não deve ser aceita pelo ser- diminuindo a sobrevida de hemácias tra nsfundidas (com
viço de hemoterapia". Para os desavisados, pode manifestações clínicas importantes), quer seja na doença
parecer enfadonho o preenchimento de todos os hemolítica de recém-nascido. O grau do significado vai
dados. mas pode-se afirmar que todos eles têm depender da especificidade - alguns promovem hemólise
sua importância e razão de existi r; importante e rápida; outros diminuem a sobrevida de he-
• ripagem sanguínea ABO/Rho (D) do paciente mácias em alguns dias, outros causam pouco efeito.
Tipificação do ABO - o grupo sanguíneo ABO
deve ser determinado com a classificação direca • teste de autocontrole
e a prova reversa. Se houver discrepância emre as Para a interpretação da PAI, é importante sa-
provas. ela deve ser resolvida ames da transfusão. ber se o soro investigado reage às próprias hemá-
Para a determinação do fator Rh(D), se a reação for cias. Essa ajuda determina se é só aloamicorpo ou
negativa, deve ser efetuada técnica para exclusão se há coexistência de auto-anticorpo. Assim, as
de O-fraco. Quando a prova para D ou O-fraco próprias hemácias são postas em comato com o
resultar positiva, o sangue deve ser rotulado como próprio soro/plasma em meio LISS e com o uso fi-
"Rh-positivo". Quando ambas as reações resulta- nal de AGH. Soro/plasma que reage somente com
rem negativas, o sangue deve ser rotulado como os reagentes de hemácias I e 11 comém somente
"Rh-negarivo". Receptores Rh(D) negativos devem aloanticorpo; quando reage tanto com reagentes
receber sangue total ou hemácias Rh(D) negativo, de hemácias I e 11 como com as próprias hemácias
exceto em circunstâncias justificadas e desde que sugere auto-anticorpo ou ambos. Pacientes por-
não apresentem sensibilização prévia (ANVISA); tadores de aloamicorpos e com história de trans-
• retipagem sanguínea ABO/Rho (D) do doador fusão recente podem ter hemácias de doadores
(bolsa) circulando com aloanticorpos ligados que produ-
"Os serviços de hemorerapia devem reclassi- zem auwcontrole positivo. Um quadro de campo
ficar os doadores usando amostra obtida de um misto pode ser interpretado como o começo de
segmento de tubo-coletor da bolsa - grupo ABO um auto-anticorpo. O teste de Coombs direto po-
em todos os componentes erirrocitários a serem sitivo pode significar a presença de auto-anticorpo.
empregados no paciente. A reclassificação do fa- Quando este é encontrado no soro/plasma, a sua

394 [ Medicina laborawrial para o clínico)f-.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - --


idemificação inclui prácicas para adsorver e para • se a leitura for negativa (sem aglutinações), adicio-
demonscrar a presença ou não de aloamicorpo. nar uma gota de controle de Coombs (hemácia
sensibilizada com lgG) e centrifugar a 1.000 rpm
por um minuto;
Princípio do teste
• leitura: positivo - procedimento válido; negativ -:
São ucilizados reagemes de hemácias (kits comer- AGH não funcioname ou neutralizada (lavagens
ciais) de dois doadores do grupo "0", fenotipicamente inadequadas). (Quadro 32.30)
diferentes, isto é, são hemácias cuidadosamente selecio- Os resultados são interpretados de acordo com o
nadas que expressam, no mínimo, os antígenos para os Quadro 32.31.
siscemas demonstrados na Figura 32.11.
Os anticorpos irregulares detectados nos tesres pré-
rransfusionais devem ser identificados para sua especifi-
cidade e facilica r a seleção de hemácias fenot ipadas (antí- Quadro 32.30 - Pesquisa de amicorpo irregular (PAI) - téc-
geno-negativo) para a cransfusão, além de ser de grande nica em tubo
interesse no pré-natal, cujas dificuldades sobressaem em
crês situações: Materiais/ Equipamentos Reagentes/Solução

• aloimunização para antígeno de alta freqüência na Centrífugo laboratorial


Tubos de hemólise
população;
(l0x75/ l2x75mml Reagentes de hemócios I e 11
• aloimunização múltipla; Suporte poro tubos Solução salino fisiológico 0,9%
• possibilidade de DHRN grave. M icropipetos AGH
Ponteiros LISS
Bonho·morio o 3rC Controle de Coombs
Cronômetro/ relógio
Técnica em tubo Microscópio

Procedimento
Q uad ro 32.31 - Pesquisa de anticorpo irregular (PA I)- imer-
• centrifugar a amosrra (sem anticoagulante); pretação de resultados
• identificar dois tubos: I e 11;
Hemácias Resultado
• colocar uma gota de reagente de hemácias I e 11
nos respectivos cubos I e 11; 11

• pipetar 50 ~L de soro da amostra; + + PAI · Positivo

• incubar 10 minutos a 37°C; + PAI · Positivo


• lavar três vezes em salina; + PAI · Positivo
• adicionar uma gora de AGH; PAI · N egativo
• centrifugar a 1000 rp m por um minuto;
PAI - positiva : presença de anticorpo irregular: PAI - negativa: ausência de
• leitura macroscópica/microscópica; onucorpo lfregular ou anticorpo não detectado pela ausênoa de ontígeno es-
pecifrco nas hemtiCias I - 11.

Rh·hr

CCO.H ft,ft ,
ccD.Ee R.r

Figura 32.11 - Dwgrama da PAI, mostrando os antígenos presentes. Figura extraída do Manual de Técnica DiaMed-/0 (1994).

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 395


Técnica em cartão (cartela)
compatibilidade do ASO- compatibilidade entre as he-
mácias do paciente e o plasma contido nos hemocom-
ponentes. Devido às dificuldades na disponibilidade de
Procedimento CP, tem-se admitido, para adulto, a transfusão hetero-
grupo (ABO incompatível), isto é, paciente de grupo "A"
• centrifugar a amosua (soro/plasma); recebe CP do grupo "O" ou "B". Esta conduta, no entan-
• identificar o cartão (cartela) com nome/número; to, não deve ser permitida no recém-nascido e criança,
• identificar dois microtubos e colocar uma gora pelo risco de hemólise mediada por lgM AntiA e/ou
do reagente de hemácia I no 1° microtubo e uma AntiB. "Para receptores Rh-negativo, de sexo feminino e
gota de reagente de hemácia li no 2° microtubo. com menos de 45 anos de idade, se as plaquetas forem
• adicionar 25 J..!L de soro/plasma; de doador Rh-posirivo, deve ser realizada uma pesquisa
• incubar por 10 minutos a 37°(; de anticorpo irregular (PAI) na receptora. Se esta não
• centrifugar - centrífuga própria (dependendo do possui AntiD, deve ser recomendada a administração
fabricante); de imunoglobulina Anti-Rho(D) (200 a 300 ug) por via
• leitura. intravenosa ou subcutânea, até 72 horas após a transfu-
são. Nas transfusões subseqüentes, deve ser repetida a
Os materiais necessários para o procedimento técni- pesquisa de AntiD; se este não for detectado, deve ser
co encontram-se no Quadro 32.32 repetida a dose de imunoglobulina anti-Rho(D)" - (AN-
Para interpretação da intensidade, ver Figuras de VISA RDC 153).
32.4 a 32.10.
Princípio
Quadro 32.32 - Pesquisa de anticorpo irregular (PAI) - téc-
nica em cartão Antes de roda e qualquer transfusão de sangue total
(ST) e/ou concentrado de hemácias (CHM). excero nos
Materiais/Equipamentos Reagentes casos de emergência, deve ser realizado teste de compa-
Centrífugo especia l tibilidade maior (prova cruzada). empregando-se hemá-
Centrífug o laboratoria l cias obtidas do tubo-coleror de bolsa a ser transfundida
Micropipetos
Po nteiros Reagentes de hemócio s I e 11
e o soro do receptor. As técnicas que empregam o plas-
Estação de traba lho (suporte Cartão LISS-COOM BS ma devem ser devidamente validadas.
poro tubos e cartão)
Incubadora o 37°C
Selad o ra A transfusão de extrema urgência:

"A liberação de sangue total ou concentrado de he-


mácias sem provas de compatibilidade poderá ser feita,
Teste de compatibilidade maior (prova cruzada) desde que obedecidas as seguintes condições:
• o quadro clínico do paciente justifique a extrema
A partir do conhecimento do ABO/Rh do paciente, urgência, isto é, quando o retardo no início da
os dados contidos na solicitação médica serão analisados transfusão possa levar o paciente ao óbito;
para a escolha do hemocomponente mais adequado e • existência de procedimento escrito no serviço. esti-
seguro para o paciente. Portanto, mais uma vez exalta-se pulando o modo como essa liberação será realizada;
e justifica-se a necessidade de tais informações. Após a • termo de responsabilidade assinado pelo médico
análise, o hemocomponente será escolhido no estoque. responsável pelo paciente, no qual afirma expres-
Para as transfusões de concentrado de plaq uetas samente concordar com o procedimento;
(CP). plasma fresco congelado (PFC) e crioprecipirado • as provas pré-transfusionais devem ser realizadas
de faror VIII (Crio), não haverá a necessidade de prova até o final, mesmo que a transfusão já renha sido
cruzada maior. A tentativa será sempre a respeito da completada.

396 [ M edicina laboratorial para o clínico )1-- - - - - -- - - -- -- - -- - - -- - - - -- -- - --


O médico solicicame deve ser informado dos riscos e • para as provas compatíveis - ausência de aglutinação;
será responsável pelas conseqüências do aro transfusio- • fa zer o controle da reação com o reagente "con-
nal, se a emergência tiver sido criada pelo seu esqueci- trole de Coombs", que contém hemácias previa-
mento ou omissão" (ANVISA. RDC - 153). mente sensibilizadas com lgG;
• adicionar uma gota do "controle de Coombs";
• centrifugar a 1.000 rpm por um minuto ou a 3.400
Técnica em tubo rpm por 15 segundos;
• leitu ra macroscópica:
Ver Quadro 32.33 - Presença de aglutinações: bom padrão de
prova cruzada e a AGH for incluída e está funcro-
Quadro 32.33 - Teste de compattbrhdade pré-transfusronal nando de modo adequado.
(prova cruzada) - técnrca em tubo - Ausência de aglutinação: a prova deverá ser
repetida. cabendo as seguintes interpretações:
Materiais/ Equipamentos Rea gentes/ Soluções 1. Falha na lavagem das hemácias para
Centrífugo remover rodo soro/plasma (proteínas).
Tubos de hemólise
(10x75/12x75 mm)
O tubo deve estar cheio até ~ de sua
Suporte poro Tubos Soruçõo salino fosiorógico O9% capacidade;
Micropipetos LISS 2. Contaminação de AGH por proteínas
Ponteiros AGH
Lâmina de vidro Controle de Coombs estranhas;
M 1croscópro 3. Contaminação bacteriana do AGH;
Banho-mario 3JCC
Cronómetro - Relógio
4. Excesso de calor pode dimtnutr a re-
Seladora atividade. Seguir recomendações do
fabncante para a eswcagem.

Procedimento Técnica em cartão

• obter amostras de sangue sem amicoagulante do Ver Quadro 32.34


pacreme;
• amostra do doador - segmento do tu bo colewr Quadro 32.34 -Teste de compatibilidade pré-trans(usronal
da bolsa; (prova cruzada) - técn ica em cartão
• centrifugar as amostras;
Materiais/Equipamentos Rea ge ntes/ Diluente
• pipetar 10 !JL de hemácra do doador em um tubo
de hemólise e identificar; Centrífugo especial
Centrífugo loboroloriol
• lavar uma vez com solução de LISS; Micropipetos
• desprezar o sobrenadante e adicionar 0.5 ml de LISS; Ponteiros Diluente - LISS
Estação de trabalho !suporte Cartão US5-COOMBS
• para um cubo de hemólise identificado com o nú-
poro tubos e cartão)
mero da bolsa, transferir 100 !-!Lda suspensão acima. Incubadora o 3rC
ptpetar 50 !JL de soro do paciente; Seladora

• incubar 10 minuws a 37°(;


• lavar três vezes em salina;
• adtcronar uma gota de AGH (pohespecíftco); Procedrmento
• centrifugar a 1.00 0 rpm por um minuw ou a 3.400
rpm por 15 segundos; • obter amostras de sangue;
• leitura microscópica; • paciente: com ou sem anticoagulante (plasma/soro);
• anotar resultados; • doador - segmento do cubo-coletor da bolsa;

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 397


In terpretação de resultados
• cenu ifugar as amoscras;
• idemificar o carrão com nome/número; Compacível: as hemácias formarão um "bocão" no
• preparar suspensão de hemácias do doador (bolsa); fundo do microrubo.
• 10 ~ L de hemácias; Incompatível: aglutinações de hemácias dispersas no gel.
• 1.000 ~ L de LJSS (dilueme); Os resulrados da prova cruzada são imerprerados de
• idemificar o microcubo com o nú mero do doador acordo com o Quadro 32.35.
(bolsa);
• piperar no microtubo 50 ~L da suspensão de he-
Decisão de transfusões incompatíveis
mácias e 25 ~L de plasma/soro do recepror;
• incubar por 10 minuros a 37°(; "Quando os resultados das provas pré-transfusionais
• centrifugar - cencrífuga específica - por 10 minuws; demonstrarem que não há sa ngue compatível para o re-
• ler. cepror, o serviço de hemocerapia deve comunicar esse
fato ao médico solicitame e, em conjumo com este, re-
alizar uma avaliação clínica do pacieme. Caso seja feita a
opção de se transfun dir sangue incompatível. esta deci-

Quadro 32.35 - Interpretação dos testes pré-cransfusionars de compatibilidade

PAI Autocontrole Prova Cruzada Diagnóstico Conduta


Negativo Compatível Ausência de anticorpos irregulares Tronsfundir- transfusão seguro
lauto ou ola)
Negativo Incompatível Ausência de anticorpos irregulares N ão transfundir - testar outros
(auto ou alo) doadores: quando um saro reage
somente com um doador, há de se
considerar que as hemácias do doador
Negativo
são ABO incompatível ou têm um teste
de Coomb s di,eto positivo ou são
poliaglutináveis; quase sempre esse
doador se mostra incompa tível com
outros pacientes ABO compatíveis
N egativo Incompatível Presença de aloanticorp o Não transfund1r - solicitar idenrificaçõo
da espeokidode do aloonticarpo
(painel de herrácias) e repetir a prova
cruzada com concentrado de hemácios
fenotipodo.
Negativo Compatível Presença de aloanticorpa contra Tro nsfundir - solicitar identificação da
anlígenos dos reagentes de hemá- especificidade do aloanticorpo (painel
CIOS I e/ou 11 de hemácias) para condutas futuras
Posit1va
e solrcitar concentrado de hemácios
fenotipado
Posi·ivo lncampativel Presença de auto-anticorpo que Não lransfundir - solicitar painel de
pode estar associada ou não a hemác1as paro confirmar coexistên-
aloanticarpa cia ou não de aloanricorpa, avaliar
a história clínico e tronsfusional Se
conf1rmar somente auto -anticorpos. as
provas cruzados serão incompatíveis
com todos os doadores; se confirmar a
coexistência de oloanticorpo, solrc11ar
concentrado de hemácias fenotipado
para excluir a ação do alaonticorpo.
mos as provas continuarão incompoti-
veis, pelo ação do auto-anticorpo

398 [ Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - - - -- - -- - - -- - - - -- - - -- - - - - - - - - - -


são deve ser justificada por escrim. em termo que deve ún1co painel de hernácias e, não raramente, ex1g1rá récn1cas
ser assinado pelo hemoterapeuta, pelo médico-assisten- complementares com ampla variedade de resres.
te do paciente e, quando possível. pelo própno paciente Ede fundarnemal importância na imerpreração das
ou por seu responsável legal" (ANVISA- RDC 153). reações informações referentes à história clínica, gravi-
dez. antecedente transfusional. dtagnósrico provável e/
ou definitivo e medicamentos usados pelo paciente.
IDENTIFICAÇÃO DE ANTICORPO Ass1m, pode-se afirmar:
• a observação do padrão da reação de restes po-
Quando um anticorpo irregular é detectado, a pró- sitivos e restes negativos pode não ser apenas de
xima conduta a ser deliberada será a identificação de aloanricorpo;
sua especifiCidade, de grande interesse na medicina • rearividade em diferentes fases do teste;
transfusional e pré-natal. Para tal. urli1za-se um painel de • na renrativa de confirmação da especifiCidade
hemácias selecionadas, comendo um número variável de um simples aloanricorpo suspe1rado. poderão
de hemácias (ex: 11 hemácias - bastante utilizado em aparecer reações inesperadas, que deverão ser va-
nosso meio), do grupo "0", cuja composição antigêntca lorizadas e interpretadas.
seja conhecida e voltada para os grupos sanguíneos de
interesse e apl1cação na hernorerapia. Daí a rotina de se usar mais de um painel de hemácias
Os painéis de hemáCJas são obtidos de fornecedores simultaneamente; ex: painel de hemácias em USS - AGH
comerciais, sendo que as hemácias são proveniemes de e enzimas prmeolíricas, que favorecerão no diferenCial de
pessoas diferentes. As hernácias-teste são apresentadas inrerpreração, rendo em vista que a enzima. (ex: papaína)
em suspensão que varia de 1 a 5% em meio tarnponado irá desestruturar os antígenos do SIStema Dujjy e MNS.
e com conservante, tendo validade de até 28 dias. Na Pode-se coma r com a ajuda de três testes preliminares:
ror1na usual, não há necessidade de lavar as hernáCJas do • fenoripagem emrocirária;
painel comercial. Algumas vezes é necessário o uso de • reste de Coombs direto;
porencializador, ex: tratamento com enzimas proteolí- • reste de autocontrole.
ricas ou outro meio que favoreça a reattvidade do an-
ticorpo. O painel de hernácias é acompanhado de um
d1agrarna específico para cada lore, com os resultados Fenotipagem eritrocitária
expressos dos antígenos presentes. com proposição para
os antígenos dos sistemas já referidos no diagrama da PAI A fenoripagem eritrocicária idenrifica os anrígenos
(Rh - Keil - Kidd - Duffy - Lewis - MNS - P - Luthe- das hemácias do paciente /doador, que ajudará na iden-
ra m - Xg e/ou Diego). tificação do anticorpo, mas não pode ter hav1do transfu-
são de hemácias nos últimos quatro meses (possibilida-
de da existênCia de hemáCJas do doador na mculação do
Princípio paciente). o que falseará os resultados.
Dessa maneira. constitui-se em uma contraprova; não
As hernácias do painel são restadas contra o soro do poderá estar presente um determinado aloanr1corpo com
paciente/doador com amplas variedades de restes, orien- antígeno correspondente nas hemáCJas (ex: fot detectado
tados conforme a necessidade, incluSIVe com as récn1cas um aloanticorpo com especificidade para Fya. as hemá-
apresentadas para a PAI (LISS - Coombs em tubo e gel cias do paCJenre I doador deverão ser Ft - negat1vo).
reste cemrifugação). Po1s, há de se conceber que em urna
pesqUisa de anticorpo irregular positiva pode-se rer apenas
um aloanricorpo ou a coexistência de múltiplos aloanricor- Teste de Coombs direto
pos e/ou, a1nda. aura-anticorpo. A presença de múltiplos
aloamicorpos e/ou de auto-anticorpo traz sénas dificul- Esse tesre pesquisa as hemácias fixadas por anticor-
dades para a imerpreração dos resultados obtidos em um pos (sensibilizadas) e/ou frações do complemento. No

Aspectos laboratoriais da hemorerapia 399


Técnica em tubo L/SS/AGH
paciente/doador, esse fato poderá estar presente na ane-
mia hemolítica auto-imune, na hemólise induzida por
medicamentos, nas reações hemolíticas pós-rransfusio-
Procedimento
nais e no transplante de medula óssea ABO incompatí-
vel. É um reste com grande aplicação no diagnóstico de • numerar os tubos de hemólise de um a 11 - nome
doença hemolítica do recém-nascido. ou número;
• identificar um tubo de hemólise AC (autocontrole)
• colocar nos tubos de um a 11 duas goras das he-
Teste de autocontrole mácias do painel, observando-se a correspondên-
cia - a ordem de identificação das hemácias e os
Como já referido, o teste de autocontrole será aqui, respectivos tubos;
também, de fundamental importância na detecção da • preparar suspensão a 3% em salina das hemácias
presença de hemácias sensibilizadas nas anemias hemo- do paciente I doador - transferir duas gotas para
líticas auto-imune. Implica-se, assim, a necessidade de o tubo AC;
estabelecer técnicas complementares de adsorção e elui- • adicionar duas goras do soro do paciente/doador.
ção para mostrar a coexistência ou não de aloanticorpo. Homogeneizar;
• centrifugar os tubos a 3.400 rpm por 15 segundos
ou a 1.000 rpm por um minuto;
Técnica LISS- AGH • observar a presença de hemólise no sobrenadante;
• ressuspender o "botão" de hemácias delicadamen-
Em tubo te, verificar a presença de aglutinação;
• interpretar e anotar os resultados, atribuindo in-
Ver Quadro 32.36. tensidade de aglutinação (1+ I 4+);
• incubar os 12 tubos a 37°( por 10 minutos;
Q uadro 32.36 - Identificação de anticorpo irregular - téc- • repetir os itens: 6, 7, 8, 9;
nica em rubo • lavar os 12 tubos com salina por três vezes. Res-
suspender o "botão" de hemácias a cada adição
Materiais/Equipamentos Reagente s/So luções de salina;
Centrífuga laboratorial • adicionar aos 12 tubos duas goras de AGH - po-
Tubo de hemólise: l Ox75 / Solução salino fisiológico 0,9% liespecífico;
l2x75 mm LISS
M icropipetas Painel de hemócias (ll • repetir os itens 6, 7 8, 9.
Ponteiros hemáciasl
Suporte para tubo AGH - poliespecífico
Cronômetro I relógio Controle de Coombs (hemá- Interpretação
Banho-maria 37°( cios sensibilizadas!
Aglutinoscópio
• usar o diagrama que acompanha o lote para ano-
tar e interpretar os resultados;
• presença de anticorpo irregular corresponde à
A grande maioria dos anticorpos clinicamente im- hemólise e/ou aglutinação em algumas ou to-
portantes não causa aglutinações direta das hemácias das as fases;
e eles só serão demonstrados na fase da AGH, motivo • ausência de anticorpo irregular corresponde à
pelo qual muitos serviços fazem a opção de eliminar a ausência da hemólise e aglutinação em qual-
incubação à temperatura ambiente. Os procedimentos quer das fases.
técnicos deverão obedecer, rigorosamente, as orienta-
ções e recomendações dos fornecedores. As técnicas A Figura 32.12 apresenta um diagrama de painel de
apresentadas neste trabalho não poderão atender gene- hemácias para interpretação de resultados.
ricamente a todos os fornecedores.

400 [ M edicina laboratorial para o clínico ]1 - - - - - -- - - -- - -- - - - -- - - - -- - -- - - - -


Figura 32.1 2- D1agrama do Pamel de Hemácias, mostrando os antígenos presentes. F1gura extraída do Manual de Técmca D1aMed-ID (1994)

Emprego do controle de Coombs Procedimento

• adtctonar uma gota do concrole de Coombs (he· • os reativos deverão estar à temperatura am bienre
máoas sensibilizadas com lgG); anres do uso;
• cencnfugar a 1.000 rpm por um mtnuro ou a 3.400 • dois cartões: idenrificá-los de 1-6 e 7-11 e no últi-
rpm por 15 segundos; mo tubo (12) idenri ficá-lo com AC;
• ler; • idenrificá- los com nome do pacience I doador;
• rodas as reações negativas deverão apresenrar re- • preparar AC: 1 mL de LISS (diluenre);
sultados posttivos fracos após a adtção das hemá- • 10 ~ L de hemácia pacience I doador;
cias conrrole (sensibilizadas). • homogeneizar;
• rettrar o lacre de alum ínio proteror dos microtu-
bos dos dois cartões;
Técnica em gel centrifugação - LISS!COOMBS
• homogenetzar as hemácias do patnel e colocar
Ver Quadro 32.37. uma gota das hemácias nos microtubos identifi-
cados de um a 11, observando a correspondência;
• pipetar 50 ~L da suspensão de hemácias do pa·
Quadro 32.37 - Identificação de ancicorpo irregular - téc-
cience I doador no mtcrotubo AC;
ntca em gel
• adicionar 25 ~L do soro teste em rodos os micro-
tubos;
Materiais/Equi pamentos Reagentes/So luções
• incubar a 37°C por 15 minutos;
Tubo de hemólise: 10x75 I
12x75mm • centrifugar os cartões: centrífuga própna que Já
Micropipetos - próprios está ca librada para a velocidade e tempo (10 mi-
Ponteiros Cartões LISS - Coombs nutos);
Estação de trabalho poro Diluente - LISS
tubos e cartões Hemócios teste - Painel • ler os cartões;
Centrífugos laboratorial e • interpretar as reações conforme parâmetro já de-
específico
Incubador 37°C
monscrado para reações positivas (I+ I 4+) e ne-
Dispensador gativas;
• registrar o resultado.

Aspecros laboratoriais da hemoterapia 401


Interpretação de resultados Eluição

• usar o diagrama que acompanha o loce; O anticorpo que tenha se ligado especificamente ao
• hemácias na superfície do gel ou dispersas ao longo anrígeno de membrana da hemácia pode ser dissociado
da coluna do gel = PRESENÇA DE ANTICORPO(S) mediante o emprego de vários testes: utilização de calor,
IRREGULAR(ES); mudança de pH ou solvences orgânicos.
• hemácias depositadas no fundo do microcu-
bo. formando um "bmão" = AUSÊNCIA DE
ANTICORPO(S) IRREGULAR(ES). OUTROS MÉTODOS PARA DETECÇÃO
DA REAÇÃO ANTÍGENO-ANTICORPO

Técnicas complementares
Os métodos. além do tradicional teste em cubo, o
Separação de múltiplos aloanticorpos uso regular da AGH e, mais recemememe, os testes em
Adsorção gel não represencam alternativas de emprego na rotina
hemmerápica. mas são extremamente importantes e
Um amicorpo poderá ser removido de um soro pela necessários na Medicina Laboracorial para identificação
adsorção e eluição utilizando-se hemácias contendo o ora de antígenos, ora de anticorpos específicos para vá-
ancígeno correspondeme. Após o amicorpo se ligar ao rias doenças.
amígeno de membrana de hemácias, o soro será sepa- Alguns não permitem a detecção de ambos os anci-
rado das hemácias por cencrifugação, podendo haver corpos lgM e lgG. outros são de domín io de fornecedo-
necessidade, em alguns casos, de repetir o procedimen- res comerciais, ramo os procedimentos como os reagen-
to mais de uma vez para adsorver codo o anticorpo em tes e equipamentos.
questão. Essa técnica é utilizada com os segu111ces obje-
tlvos:
• separação de múltiplos aloancicor pos em um lmunofluorescência
soro;
• confirmar a espeCificidade de anticorpo por adsor- Os testes de imunofluorescência permitem a loca-
ção com fenócipo específico de grupo sanguíneo. lização de antígenos incrínsecos e de superfície celular.
Podem ser usados em dois procedimentos: direto e in-
Portamo, a adsorção serve para diferences proposi- direto
ções e/ou necessidades e. na prática, não há um único • no teste direto, o ancicorpo com especificidade
método que possa satisfazer todos as situações. As vari- conhecida (fornecido pelo k1t comercial) é fixado
áveis serão utilizadas e concroladas conforme o objetivo. à superfície de uma lâmina à qual será adicionado
o amígeno (amostra). Ao complexo será adiciona-
Variáveis do um ancicorpo ligado ao fluorocromo (ex: fluo-
resceína).
• temperatura de incubação: será aquela que me- Expressão: Ac (fixado) + Ag (amostra) + Ac (ligado
lhor atender à necessidade de reação do anticorpo ao fluorocromo);
em evidência; • no teste indireco, o antígeno específico é fixado à
• pré-tratamenco das hemácias com enzimas prote- superfície da lâmina (fornecido no kit) à qual será
olíticas para favorecer a reatividade do ancicorpo; adicionado o anticorpo (amostra). Será acrescen-
• escolha do fenócipo - de suma importância, pois tada uma AGH ligada ao fluorocromo (ex: fluo-
permite a reação amígeno-ancicorpo a pesquisar; resceína).
• se vários ancicorpos estão presences, a escolha da Expressão: Ag (fixado) + Ac (amostra) + AGH (li-
hemácia será aquela que remover somente um gado ao fluorocromo).
anticorpo de cada vez.

402 ( Me dicin a laboratorial para o clínico ]1-- - - - - - - - - -- -- - - - - - -- - - - - - - - -- -


A leicura (testes direm e indirem) será feita em mi- contador de radiações gama, em duas técnicas básicas: a
croscópio de fluorescência, que permitirá a visualização competitiva e a de "sanduíche".
e identificação da reação positiva pelo aparecimento de • técnica de competição - o amígeno (amostra) é
cor brilhanre vivo verde - amarelo ou vermelho, depen- colocado em comam com o anticorpo específico
dendo do fluorocromo usado. em quantidade limitada, gerando a equação: Ag
+ Ac AgAc.
Após procedimentos intermediários de incuba-
Enzimaimunoensaio (Elisa I ElE): ção. é adicionado amígeno marcado com 1125 que
irá competir com o amígeno da amostra, gerando
Os restes Elisa I ElE podem ser, também, direro e indi- a segunda equação:
reco que, em linhas gerais. seguem a mesma regra básica de Ag 1125 + Ac Agi 125Ac.
raciocínio para mensurar o amígeno ou anricorpo, diferin- Essa reação é inversamente proporcional, pois no
do, no emamo, na expressão final da reação. pois desenvol- caso de grande quam1dade de amígeno na amostra,
verá cor que será avaliada por aparelho especuoforômerro. sobrarão poucos sírios de ligação para o amígeno
• Elisa direw (cécn1ca de sanduíche) - o anticor- marcado com 1125; conseqüemememe, expressará
po específico e conhecido é fixado aos poços pequena contagem de radiação gama e vive-versa;
comidos em uma placa (fornecido pelo kit) • técnica de "sanduíche":
à qual será adicionado o antígeno (amostra) e Em uma fase sólida (ex: pérolas ou fundo de
após procedimentos intermediários (incubação um tubo) é fixado um anticorpo específico ao
e lavagem) será adicionado o amicorpo ligado à qual será adicionado o antígeno (amostra) que,
enzima (peroxidase ou fosfatase alcalina) para, após procedimentos intermediá rios de incu-
finalmente, ser adicionada uma substância que bação, será adicionado um anticorpo marcado
irá reagi r com a enzima, formando cor que será com 1125. gerando a situação: Ac (fixado) + Ag +
estabilizada pela adição de solução stop. normal- Acl 12 s Na reação em que o amígeno estiver au-
mente um ácido diluído; sente na amostra, a contagem de radiação gama
Expressão: Ac (fixado ao poço) + Ag (amostra) + será baixa, po1s o 1125 não estará presente, por ter
Ac (ligado à enzima) + substraw (reage com a en- sido desprezado no procedimento intermediá-
zima) + solução stop (ácido diluído). rio de lavagem, e vice-versa.
• Elisa indireto - o amígeno conhecido é fixado ao
poço da placa, ao qual será adicionado o anticor-
po (amostra), e após procedimento de lavagem SISTEMA HLA
será adicionada a AGH (ligada à enzima), desen-
volvendo cor que será estabilizada pela solução O SISTEMA HLA
stop (ácido diluído).
Expressão: Ag (fixado ao poço) + Ac (amostra) + Complexo principal de histocompatibilidade humano
AGH (ligada à enzima) + substrato + solução stop.
O complexo principal de histocompatibilidade
O kit usado traz os parâmetros de referência de re- (CPHH) é também conhecido como HLA, codificado no
ações positivas e negativas. conforme o valor de absor- braço cu rto do cromossoma 6. O HLA contém ma is de
vância da cor desenvolvida. 200 genes. dos quais mais de 40 estão codificados em
leucócitos. O HLA é dividido em três classes: classe I, 11
e III. As classes I e 11 são expressas na superfície das cé-
Radioimunoensaio (RIE) lulas e a classe III compreende diversos fatores solúveis
(principalmente proteínas do sistema de complemento).
Nos procedimentos de RIE, é usado um radionucle- Todos eles são partes fundamentais da resposta imune
otídeo como marcador de amígeno ou anticorpo e um de um indivíduo.

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 403


Estrutura e função das proteínas HLA
(T ce/1 receptor - TCR). Esse processo chama-se resposta
imune adaptativa. O reconhecimento de um antígeno
O HLA de classe I está presente em todas as células pelo linfócito T como estranho desencadeia uma respos-
nucleadas do organismo e compreende uma cadeia po- ta imune contra a célula. Este antígeno estranho ao orga-
lipeptídica alfa codificada no cromossoma 6 ligada de nismo pode ser um componente de um microrganismo
maneira não-covalence a outra proteína, chamada beta-2 (vírus, bactéria), um componente celular novo (mutação
microglobulina, codificada no cromossoma 15. O HLA que ocorreu em um tumo r, por exemplo) ou, ainda, um
de classe 11 está expresso somence em células apresenta- componente celular totalmente estranho, como é o caso
doras de antígenos (macrófagos, monócitos, células den- de um transplante de órgão. O reconhecimento de an-
dríticas, linfóciros 8, linfóciros T ativados, células endote- tígenos próprios (selj) que desencadeariam uma reação
liais e epiteliais). É formado pela Junção de duas cadeias, de auto-imunidade é evitado por diversos mecanismos
alfa (alfa l e 2) e beta (beta 1 e 2). de eliminação e/ou supressão dos li nfócitos T. que têm
O HLA é herdado de maneira mendeliana dominan- alta afinidade com esses antígenos self (tolerância). Esse
te. Em função da proximidade dos diferences elemenros processo ocorre basicamente no timo.
que compõem o sistema HLA e a conseqüente baixa
taxa de crossover; os genes são herdados em conjunco.
Esse conjunco fixo de genes herdados de cada genicor Resposta alogênica
é chamado de haplótipo. Assim, o HLA de um sujeito
é formado a partir de dois haplótipos, cada um deles As próprias moléculas que compõem o sistema
codificado em um dos cromossomas 6. Desta maneira, HLA são extremamente im unogênicas. A resposta
são quatro as possíveis combinações de haplótipos pro- dos linfócitos T a uma molécula do HLA. estranha ao
venientes do pai (2) e da mãe (2) [Figura 32.13]. Do pomo organismo, leva à ativação de 1-10% do repertório de
de vista de transplante de órgão, as moléculas de HLA linfócitos T do organismo. Esse mecanismo de reconhe-
importantes na hisrocompatibilidade são as de classe I cimento é a base da rejeição de um tecido/órgão pro-
A, 8 e C e as de classe li DR, DQ e DP. veniente de outro organismo e distinto do receptor. As
moléculas do HLA são fortemente imunogênicas por
M ãe Pai
dois motivos distintos. As de classe I e 11 são altamente

AJB
DO CID
polimórficas. Até janeiro de 2004, foram identificados
mais de 303 diferentes alelos de HLA-A, 559 de HLA-8 e
440 de HLA-DR8. Graças a esse polimo rfismo genético
I I é que diferentes indivíduos não aparentados possuem
padrões distintos de expressão do HLA e a inserção de
I I tecido de um indivíduo em outro pode ser identificada

lO lO
A/C AJO B/C 8 /D
como estranha. O outro motivo da extrema imunoge-
nicidade das moléculas do HLA diz respeito à sua capa-
cidade em ativar os li nfócitos T por duas vias. Uma de-
Figura 32.13 -Combinações possíveis dos haplót1pos HLA. las diretamente pelo reconhecimento de uma molécula
HLA estranha na superfície de um tecido transplantado
ou num leucócito proveniente de uma transfusão; a ou-
A fu nção biológica do HLA de classe I e 11 é se ligar a era pela eventual fagocitose de uma célula estranha ao
anrígenos próprios e não próprios e transportá-los até a organismo e que tenha um fragmento da molécula de
superfície da célula onde serão apresentados aos linfóci- HLA exibido por uma célula apresentadora de antígeno
tos T citotóxicos (CD8) e T helper (CD4), respectivamen - aos linfócitos T via HLA-classe 11. Hoje, para reduzir a ati-
te. Peprídeos componentes do antígeno a ser apresenta- vação dos linfócitos T em caso de transplante de órgão,
do são montados nas fendas de ligação das moléculas busca-se a compatibilidade entre a expressão HLA do
do HLA e são reconhecidos pelos receptores da célula T tecido do doador e do receptor.

404 [ Medicina laboratorial para o cl ínico )t-- - - - - - - -- - - -- -- - - - -- - -- - - - - -- -


Antígenos secundários de histocompatibilidade
car a expressão dessas moléculas num determina-
do indivíduo. Cada soro Ll[ilizado reage comra um
Alguns dos paciemes submetidos a transplame de anrígeno HLA específico expresso na superfície dos
medula óssea em que o doador é um familiar HLA-idên- leucócitos Após um período de incubação do soro
tico podem, mesmo com esta compatibilidade, apresen- que permite que os amicorpos se liguem aos anrí-
tar reações imunológicas emre o tecido rransplamado e genos dos leucóciros, complemento é adicionado
o recepcor. É a chamada reação do enxerro comra hos- para acelerar a lise das célu las. As di ferences reações
pedeiro, já que num pacieme transplamado de medula e seus resultados são visualizados em um microscó-
óssea a célula imunologicameme ativa é a cransplama- pio. O HLA é determinado a partir dos soros que
da. O eswdo dessa siwação específica culminou com apresentaram reações contra os leucÓCitos. Esse
a descoberta dos chamados amígenos secundários (ou método é muito menos específico que o baseado
menores) de hisrocompatibilidade. Eles são peptídeos em técnicas de biologia molecular. Ainda é uti lizado
derivados de genes polimórficos e apresemados ao sis- em alguns laboratórios para o rastreamenco de po-
tema imune pelas moléculas de HLA de classes I e 11. tenciais doadores.
Em um pacieme cransplamado, esses peptídeos pro-
veniemes do recepcor são reconhecidos pelos linfóciros
T do doador. Embora a freqüência dos linfócicos T es- Métodos moleculares
pecíficos comra os amígenos secundários de hisrocom-
patibilidade seja menor que os linfócicos que reconhe- Os métodos moleculares de ripagem HLA usam
cem moléculas não próprias, sua expressão é sufici eme técnicas de biologia molecular. Não existe a identifi-
para desencadear, em vários casos, a reação do enxerro cação do antígeno expresso na superfície da célula e
comra hospedeiro. Um grupo de amígenos secundários sim do DNA. que codifica a seqüência do antígeno. O
idemificado é derivado de proteínas codificadas por ge- mécodo molecular não necessita ser feico apenas em
nes presemes no cromossoma Y. Num rransplame em leucócicos viáveis, podendo ser realizado em oucros
que o receptor é do sexo masculino e a doadora do sexo tecidos. Sem dúvida alguma. os mécodos molecu lares
feminino, peptídeos derivados do cromossoma Y po- são muico mais precisos que os sorológicos. Alguns po-
dem ser reconhecidos como esrranhos pelos linfócicos dem inclusive forn ecer detalhes em nível de alelo que
da doadora. Isco explica o aumemo da freqüência da a sorologia é incapaz de fo rnecer. Esses ale/os é que
doença do enxerco contra hospedeiro com essa combi- codificam os antígenos presemes nas células.
nação de doador-recepcor. Um outro grupo de amíge- Os mécodos moleculares se dividem em níveis de
nos secundários é expresso especificameme em células resolução. Os chamados de baixa resolução fornecem
hemacopoéticas. A presença desses amígenos em célu- resultado semelhante ao obtido com a sorologia, dis-
las residuais de leucemia, por exemplo. remanesceme tinguindo grupos de a/elos; os de média resolução já
após o transplante de medula óssea, pode desencadear conseguem determinar alguns alelos de HLA, mas não
uma resposta imunológica mediada pelos linfócicos T o alelo específico. Os métodos mais utilizados para a
e produzir o chamado efeico enxerco comra leucemia, ripagem HLA em baixa ou média resolução são o SSP
benéfico na erradicação da doença neoplásica. (sequence specific primer) e o SSOP (sequence specific
oligotide probes). Os métodos de alta resolução distin-
guem todos os ale/os HLA. Muitas vezes são util izados
MÉTODOS PARA TIPIFICAÇÃO HLA mécodos de seqüenciamenco. Para muitas aplicações,
basta o conhecimento do HLA em baixa resolução.
Método sorológico Porém, para a realização de transplante de células-
tronco hemato poéticas usando um doador não-apa-
Os métodos de ripagem (identifi cação) do HLA rentado, é muito importante a determi nação do HLA
baseados em sorologia utilizam soros com especifi- em nível alélico.
cidade para diferences ancígenos HLA para idencifi-

Aspectos laboratoriais da hemoterapia 405


NOMENCLATURA O SISTEMA HLA NAS TRANSFUSÕES E NOS
TRANSPLANTES
Métodos sorológicos
HLA e transfusão
A nomenclacura oficial para a ripagem sorológica
do HLA por meio de amígenos é definida pela OMS.
As letras (A, B, DR, etc.) referem -se ao /ocus gené- O s antígenos HLA de classe I estão expressos em
rico e o número que segue ao anrígeno cod1ficado grande quantidade nos leucócitos e plaquetas. Cada
naquele /ocus (ex. HLA-A2, HLA-835, HLA-DR4). transfu são na qual exista a presença de plaquetas
Quando os números estão entre parênteses, indi- e/ou leucócitos carrega o ri sco de alo imunização
cam um antígeno broad para o qual especificidades para o pacienre. Os pacientes imunocompetentes
foram definidas posteriormente (chamados de split que recebam transfusões de plaquetas, hemácias
- ex. A26(10). ou de sangue total podem vir a desenvolver ami-
corpos conrra os antígenos HLA a que eles tenham
sido expostos. Esse ri sco pode ser minimizado pela
Método molecular
lavagem ou fi ltragem de concentrado de hemácias,
A ripagem molecular é feita utilizando-se um plaquetas ou de sangue total com filtros de leucode-
número de quatro algarismos, que identificarão o pleção. em que é redu zida de maneira imporrame a
alelo. O locus H LA (A. B, C. DR, DR e D P) é sepa- quantidade de leucócitos presentes. d iminuindo-se
rado pelo símbolo * dos dois primeiros dígitos, que o risco da alo imunização. Já nos pacientes politrans-
indicam o equivalente sorológico do amígeno. Os fundidos, como nos portadores de leucemia. por
dois dígitos seguintes designam o alelo específico exemplo, os anticorpos anti-HLA podem ocasio nar
(HLA-A*2402). Ocasionalmente, um número adicio- do 1s problemas:
nal pode ser acrescentado ao final, indicando a exis- • esses pacienres podem se tornar refratários a
tência de um subtipo de alelo produz id o por uma transfusões de plaq uetas. pois as mesmas são
substituição de um nucleotídeo que não altera a rapidamente destruídas pelos anticorpos.
seqüência de aminoácidos nem a expressão do an- • reações rransfus1onais não-hemolíticas podem
tígeno. Ass1m, por exemplo. o alelo HLA-A*240201 ocorrer em resposta à presença dos antígenos
pertence ao locus A, codifica o antígeno A24 e 02 HLA
é o seu subtipo alélico do A24 . Este alelo tem uma
substituição de um nucleotídeo que o distingue do Ambos os problemas podem ser contornados.
alelo HLA -A*24 02 02. embora com alguma dificuldade. Doadores familiares.
especialmente aqueles irmãos HLA idênricos, podem
doar plaquetas que não serão destruídas. É possível
Resumindo:
realizar provas de compatibilidade chamadas cross-
HLA - A região HLA e o prefixo de um gene HLA match para confirmar se ele é HLA compatível com o
(H LA-DR). mesmo ou se o indivíduo não possui o antígeno HLA
HLA-DRB1 - Uma região particular do locus (ex. presente no receptor. Outra alternativa é a unlização
DQBl). de um banco de potenciais doadores de plaquetas que
HLA-DRBr•n - Grupo de alelos que codifica o antí- renham t ido o seu HLA identificado. Para esse banco
geno HLA-DR13. funcionar a contento, é necessário elevado número de
HLA-DRB1.1301 - Alelo específico dentro do gene voluntários para ter-se uma cha nce razoável de locali-
que cod1fica o anrígeno HLA-DR13. zar um doador adequado.

406 [ Medicina laboratoria l para o clínico ]1 -- - -- - - -- - - - - - -- -- - - - - - - -- - --


HLA e os transplantes
cimemo de uma complicação muico mais freq üeme, a
Transplante renal doença do enxerco comra hospeaeiro, conhecida pelas
abreviaturas DECH ou GVHD (graft versus host disease).
A ripagem HLA foi aplicada no cransplante renal Nesta última, a reação de linfócitos imunocompetemes
quase imed iatameme depois que os primeiros amígenos presemes no enxerto transplamado "atacam" tecidos do
HLA foram determinados. A importância de se reduzir recepcor reconhecidos como escranho.
o grau de incompatibilidade dos antígenos emre o pa- Uma parte dos transplames de cél ula-tronco hema-
cieme e o rim doador ficou aparente com os primeiros topoética utiliza um doado r aparentado (geralmente
resultados mosrrando melhora significativa na sobrevi- um irmão ou irmã) HLA-idêmico. Nessa situação, muitas
da de enxercos provenientes de irmãos HLA-idênticos. vezes é suficiente a utilização de ripagem HLA de classe
comparados aos obtidos quando existia apenas compa- I por sorologia ou por métodos de baixa resolução e a
tibilidade de um haplótipo ou quando o rim provinha confirmação com ripagem de classe li de alta resolução.
de um doador não aparentado. Porém, mesmo quando Na ausência de um doador fami liar que seja totalmen-
ocorre compatibilidade HLA. outras condições devem te compatível. a utilização de um fam iliar que apresente
ser atendidas: Existe a necessidade de compatibilidade apenas um antígeno HLA de diferença tam bém pode ser
ABO e também de uma reação de crossmatch negati- viável, dependendo da situação.
va, ou seja, não pode ocorrer a existência de amicorpos Emretamo, aqui no Brasil. mais de 50% dos paciemes
ami-HLA no receptor, sob risco de ocorrer a chamada não irá apresemar na família um doador adequado. Exis-
rejeição hiperaguda. te hoje no mundo uma série de regisrros de doadores
voluntá rios de medula óssea, o que tem viabilizado a re-
Transplante de fígado alização de transplames para uma séne de pacientes sem
doador familiar. Estima-se que haja em todo o mundo
No transplame de fígado, o HLA não tem papel tão quase 10 milhões de volumá rios. No Brasil, foi estabe-
destacado como no transplame renal. sendo mais im- lecido o Registro Brasileiro de Doadores de Medula ó s-
portame a compatibilidade ABO e o tamanho do órgão. sea (REDOME), coordenado pelo Ministério da Saúde.
No emamo, segue sendo importante a não existência de Para os transplames ditos não-aparentados, a exigência
amicorpos anti-HLA (crossmatch negativo). Transplan- mínima de compatibilidade é que sejam totalmente se-
tes realizados em paciemes com crossmatch positivos melhantes para os HLA-A e -B (classe 1) em baixa resolu-
têm taxa de sucesso significarivameme mais baixa. ção e sejam com patíveis em HLA-DR de alta resolução.
Contudo, em muitos países europeus e na América do
Transplante de córnea Norte, a exigência é que haja compatibilidade HLA-A. -B,
C-, DR e DQ de alta resolução, a chamada compatibilida-
Embora existam evidências de que uma córnea que de l O/lO. Com essa com patibilidade, os resultados estão
seja HLA idêntica em classe I sobreviva um pouco me- se aproximando dos obtidos com doadores aparentados.
lhor, no paciente de baixo risco não é fei co rotineiramen- Infelizmente, quanto maior a exigência de compatibili-
te a ripagem HLA. Emretanto, quando já houve rejeição dade, menor a chance de se local izar um doador. Mais
de um ou mais enxertos, a ripagem pode ter papel mais recememente, vem ganhando terreno a utilização do
destacado. sangue de cordão umbilical e placentário como fonte de
célula-tronco hematopoética para transplantes. Nesse
Transplante de células-tronco hematopoéticas transplame, o grau de compatibilidade exigida é menor
em virtude da relativa imaturidade do sistema imune do
A compatibilidade do HLA entre doador e recepcor recém-nascido. Uma unidade de sangue de cordão pode
é essencial para a realização do transplante de células- ser utilizada para um transplante, mesmo quando exis-
tronco hematopoéticas. A realização de um uansplame tem até duas diferenças HLA (considerando-se para isso
compacível reduz de maneira importante o risco de re- os dois antígenos HLA-A. os dois antígenos HLA-B - bai-
jeição da medula transplamada, mas também do apare- xa resolução -e os dois alelos HLA-DR - alta resolução).

Aspectos laboratoriais da he mo terapia 407


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408 [ M edicina laborat orial para o clínico


Pedro Guatimosim Vidigal
Leonardo de Souza Vasconcellos
33 Lucimar Gonçalves de Souza Assunção
Elza Santiago Erichsen

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM DISFUNÇÃO HEPÁTICA

INTRODUÇÃO
• carboidraros - Em condições fisiológicas. o fí-
gado partici pa da homeoscase glicêmica. Sob a
As diversas doenças que acometem o fígado podem ação da insulina, o excesso de glicose no sangue
lesá-lo e provocar disfunção, leve ou grave, reversível ou estimula o fígado a ar mazená-la sob a forma de
progressiva. Os testes laboratoriais utilizados para a inves- glicogênio no hepatócito (glicogênese). Quando
tigação das doenças hepáticas estão alicerçados na ava- há baixa de glicose no sangue, o glicogênio é
liação do comprometimento de suas múltiplas funções. quebrado e liberado para as funções energéticas,
Por isso, existe a necessidade de se utilizar um conjunto sob forma de glicose (glicogenólise). Esse último
de testes com a finalidade de detectar as funções com- mecanismo ocorre pela ação de glucagon ou da
prometidas e avaliar a gravidade, intensidade, localização, epinefrina. O fígado ta mbém promove a glico-
extensão e evolução do agravo - se agudo ou crônico. neogênese, que é a formação de glicose a partir
Em mUitoS casos, a propedêutica laboratorial disponível de aminoácidos. As alterações dessa função es-
permite atingir esses objetivos. Em ouuas situações, ne- tão relacionadas aos distúrbios dos carboidratos
cessita-se recorrer também à abordagem por imagem e à discutidas no capítulo 36;
biópsia hepática para o diagnóstico definitivo. • lípides - o fígado é o principal órgão responsável
pela síntese e homeostase do colesterol e triglicé-
rides endógeno. t o local da síntese de lipopro-
FUNÇÕES DO FÍGADO teínas e ácidos biliares. A avaliação das alterações
desse processo não é utilizada como teste de fun-
O fígado realiza múlti plas funções metabólicas, pro- ção hepática, mas está relacionada às dislipidemias
duz a secreção biliar, promove a detoxificação e o arma- (ver capítulo 37);
zenamento de várias substâncias. • proteínas - o fígado é o local de síntese de várias
proteínas do organismo, tais como albumina e
globulinas, lipoproteínas, rr2nsferrina, ceruloplas-
FUNÇÃO DE SÍNTESE mina, proteína C reativa e fatores de coagulação.
Dessas, a produção de albumina ocorre exclu-
A síntese e metabolismo de vários nutrientes como sivamente no fígado, sendo por isso um exce-
carboidratos, lípides, proteínas e enzimas são realizados lente marcador da fu nção de síntese hepática. A
pelo hepatócito. produção dos fatores de coagulação pelo fígado
FORM AÇÃO E SECREÇÃO DA BI LE
também reflete a capacidade de síntese do he-
patóciro. O fígado rem im portância central na
hemostasia. Dos 13 farores da coagulação, 11 são O fígado é o local da produção da bile. Liberada
sintetizados a partir de matrizes protéicas hepá- do hepatócito, ela flui pelos canalículos biliares, duetos
ticas. O fibrinogên io (fator 1), a protrombina (fa- biliares, dueto hepático comum. chegando à vesícula
tor 11) e os facores V, VIl, IX, X, XII e XIII parecem é armazenada. Através do ducco colédoco,
biliar, onde
ser sintetizados exclusivamente pelo hepatócito. desemboca no duodeno pela pap1la de Vater. Euma se-
Apenas o faror VIII não é sintetizado no fígado. creção aquosa composta de pigmentos e sais biliares,
Os fatores 11, Vil, IX e X são glicoprmeínas cuja fosfolipídios e colesterol e participa, no intestino delga-
síntese depende da v1tam1na K. A dosagem de do, do processo de digestão dos lipíd1os da alimenta-
albumina e a determinação do tempo de pro- ção. A bile é. também, a via de excreção da bilirrubina.
trombina são utilizadas na prática clínica para produto final da degradação da hemoglobina ou. mais
avaliação da síntese hepática; especificamente, do heme.
• enzimas - o hepatócito é o local de síntese e
armazenamento de várias enzimas que partici-
pam nos múltiplos processos metabólicos do Metabolismo da bilirrubina
organism o. Níveis séricos alterados ocorrem em
distúrbios com lesão do hepatócito ou disfun- A s hemácias senescenres, após sua vida de 80-120
ção de síntese hepática. A s enzimas hepát icas dias, são destruídas principalmente no baço. por ação do
dosadas na prática clínica são: aminotransfera- sistema mononuclear fagocitário, denominação arua I do
ses, fosfatase alcalina, desidrogenase lárica e ga- sistema retículo endotelial (SRE). A globina. separada do
maglutamil transferase . heme, por ser a parte proté1ca da molécula, é quebrada
em aminoácidos que serão reutilizados no organ1smo
para síntese protéica. O anel tetrapirrólico formador do
FUNÇÃO DE EXCREÇÃO E D ETO XIFICAÇÃO heme é rompido, transformando-se em biliverdina e,
posteriormente, em bilirrubina. Outras fontes de menos
Várias substâncias endógenas e exógenas são ca- importânCia em cond1ções fisio lógicas são a destruição
tabolisadas e eliminadas pelo fígado. O colesterol e de hemácias imaturas na medula e carabolismo de ou-
os pigmentos biliares são excretados na bile, onde tras porfirinas como citocromo C e mioglobina.
também ocorrem o m etabolismo e a eliminação de Após a produção nos tecidos periféricos, a bilirru -
muitas drogas. Já a amônia, derivada do metabolismo bina é transportada para o fígado ligado à albumina,
de aminoácidos ou de bactérias inresrina1s, é trans- sendo denominada bilirrub1na não conjugada (BNC)
formada em uréia, substância não tóxica, e eliminad a ou bilirrubina indirera (BI). Por ser insolúvel em água e
na urina. Outros metabólicos, como os hormônios estar ligada à albumina, não é detectada na urina nos
esteróides, também po dem ser inativados no fígado restes laboratoriais. Chegando ao hepatóciro, a BNC é
e excretados na urina. captada e conjugada com ácido glicurônico nos micras-
somos hepáticos, pela ação da enzima glicuronil crans-
ferase. O produco dessa reação, consriruído por mono-
FUNÇÃO DE ARMAZENAMENTO glicuronato (15%) e d iglicuronato (85%) de bilirrubina, é
denominado bilirrubina conjugada (BC) ou bilirrubina
O fígado armazena várias substâncias. tais como fer- direta (BD). A BC é transportada para os canalículos
ritina. glicogên1o. ácido fálico e vitaminas, principalmen- biliares e excretada na bile. Sua estrutura mo lecular a
te as lipossolliveis (A, D. E e K) e do complexo B (B12). torna solúvel em água. sendo livremente fi ltrada nos
Entretanto, a dosagem dessas vitaminas não é utilizada rins e podendo ser detectada na urina nas situações em
como teste de função hepática e sim para o diagnóstico que há elevação da BD no sangue. Prosseguindo o seu
de seus distúrbios metabólicos específicos. metabolismo, no im estino a BD sofre a ação das bacré-

410 [ Medicina laboratoria l para o clínico


rias da microbiora e rransforma-se em urobilinogênio, rações acorrendo em outros órgãos ou no indivíduo
que é espontaneamente oxidado para urobilina, ester- como um todo. É necessário, portamo, associar vá-
cobilina e mesobilina. Esses pigmentos são excretados rios restes para aumentar a sensibilidade e especifi-
nas fezes, dando sua coloração marrom característica. cidade diagnóstica. Por outro lado, essa abordagem
Uma fração de urobilinogênio é reabsorvida pela circu- permite categorizar as doenças hepáticas de acordo
lação encero-hepática, sendo captada pelo hepatóciro com o tipo de comprometimento: hepacocelular ou
e novamente excretada para a bile. Havendo excesso
colestático.
da produção desse pigmento biliar (hemólise) ou inca-
Diante da multiplicidade de exames disponíveis para
pacidade do hepatócito em captá-lo (lesão hepática),
investigação das hepatopatias e visando a facilitar a indi-
observa-se aumento do urobilinogénio reabsorvido no
sangue com conseqüente aumento da eliminação des- cação, a interpretação e a racionalização desses, os mes-
te na urina (ver capíwlo 35). mos podem ser agrupados de acordo com a disfunção
As Figuras 33.1 e 33.2 apresentam as etapas do me- hepática por eles detectada:
tabolismo das bilirrubinas. As hepatopatias evoluem, • lesão hepatocelular;
freqüenremente, com distúrbio em alguma dessas • disfunção de síntese hepática;
etapas, ocasionando a elevação desse pigmento no • disfunção de excreção e detoxificação do fígado.
sangue e a icterícia.

TESTES PARA A AVALIAÇÃO OE LESÃO


EXAMES LABORATORIAIS NA ABORDAGEM HEPATOCELULAR
DAS HEPATOPATIAS
Os testes mais indicados com esse objetivo são
Embora o fígado seja um órgão de mú ltiplas
as dosagens das enzimas hepáticas. Por sua localiza-
funções, a propedêutica laboratorial na abordagem
ção no citoplasma e nas mitocôndrias, sua elevação
e manejo das hepatopatias apresenta limitações que
no sangue ocorre quando há extravasamento celular
devem ser lembradas e valorizadas na indicação e
devido à lesão ou necrose do hepatócito. As enzimas
Interpretação dos resultados dos testes laborato-
riais. A maioria dos testes apresenta especificidade relacionadas nesse grupo são:
diagnóstica relativamente baixa, já que os resultados • alanina aminouansferase (ALT);
são tnfluenciados não apenas pelas alterações que • aspartato aminotransferase (AST);
estão ocorrendo no fígado, mas também por alce- • desidrogenase lática (LDH).

SMF (SRE)
(80- 85%)
Destruição dos eritrócitos
senescentes
-I Hemoglobina l
r-~ Globina

M edula Destruição dos eritróci tos


J
-l Heme l
Óssea em ma nutenção
Ferro +----i H eme-oxigena se

+ [ Biliverdina l
Metabolismo de outros produtos ~ Biliverdina redutose

Fígado
(15 - 20%)
contendo heme (hemoproteínas -
mioglob inas; citocromos; catalases,
f- r
Bilirrubina - Bl
l
triptofano pirrolase, peroxidases)
+ A lb umino

Figura 33.1 -Formação da bilirrubina não conjugada (ou indireta). SMF- Sistema Mononuclear Fagocitário; SRE - Sistema Retículo
Endotelial; Bl · Bilirrubina lndireta.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 411


Captação Excreção
( Conjugação

Hepatócito Dueto
biliar Intestino
UDP Glicuron iltransferase

~
" BI + óc glic
REL

Bactérias

Urobilinogênio

uro bilina e eslercobil ina


Sinusóides
!plasmai

Figura 33.2 - Metabolismo das bilirrubinas. Bl - Bilirrubina indireta, BD- bilirrubina di reta, Alb- Albumina, L- ligandina, REL - retí·
culo endoplasmático liso, MGB e DGB - monoglicuronato e diglicuronato de bilirrubina, UDP - uridina difosfato.

Aminotransferases Aspartato aminotransferase (AST)

Também con hecidas como tra nsaminases, são enzi- Antenormeme denominada transaminase glutâmica
mas que catalisam a n ansferência de grupo alfa-amino oxalacética (TGO). esta enzima promove a segutnte rea-
de um aminoácido para alfa-cetoácido. A elevação sé- ção de rransaminação:
rica dessas enzimas é um indicador sensível de necrose
ou lesão do hepatócito. Além do fígado, ta mbém es- Ácido G lutômico + Ácido Oxolocético ;:! Ácido a <e toglutó rico + Asportoto

tão presentes em outros tecidos. tais como miocárdio.


musculatura estriada esquelética. rins. pâncreas. sistema Nos hepatócitos, cerca de 70% da AST são originados
nervoso central e hemácias. O Quadro 33.1 apresenta do citoplasma (microssomos) e 30% das mirocôndrias. A
as situações clínicas que podem apresentar elevação AST ap resenta meia-vida curta de 17 horas e está pre-
sérica das aminorransferases. sente em outros tecidos, como músculos cardíacos e es-
queléticos. ri ns, pâncreas e hemácias. Portamo. além dos
Q uadro 33.1 - Doenças que podem cursar com elevação
quad ros de agressão hepática. ta mbém há elevação de
das aminmransferases séricas AST na presença de lesões de outros órgãos. como, por
exemplo. no infarto do miocárdio e nas miopatias.
Hepoto potios: hepoliles agudos e crônico , cirrose. doenças
hepoto bilio res
Alanina aminotransjerase (A LT)
Miocard iopo tios

Doenças do pôncreos Anteriormente denominada transaminase glutâmica


pirúvtca (TGP). esta enztma promove a segwnte reação
Doenças muscula res
de transaminaçào:
Alcoolismo
Ácid o Glutômico + Ácido Pirurvico ;:! Ácido a<etoglutórico + Alonino
Outras doenças não hepóticos com repercussão no fígado:
d iabetes, o besidade, hemocroma tose, d oença celío co , SIDA,
hipertireo idismo, deficiência de alfa 1-o ntitripsina, etc. Está presente em elevada quantidade no fígado, sen-
do por isso mais específica para diagnóstico de agressão

412 M edicin a laboratorial para o clínico


hepá[ica em relação ao AST e localiza-se exclusivamente pode ser utilizada como mais um dado para a correlação clí-
no ciwplasma (microssomos). Seu tempo de meia-vida nico-laborawrial (Quadro 33.2). Habitualmente, em lesões
é mais longo, de 47 horas, permanecendo mais tempo agudas (hepatite virai, tóxica, medicamentosa), há aumento
alterada após o dano celular agudo em relação ao AST. da permeabilidade dos hepatócitos ou necrose celular, com
Nas hepatites agudas, está muiro elevada, embora isso predomínio de ALT em relação ao AST. Por outro lado, em
não indique mal prognós[ico. Sua atividade sérica encon- lesões crônicas, (hepacice alcoólica, cirrose hepácica), nas
tra-se moderadamenre aumenrada na colestase e em qua1s, além da membrana celular, há lesão mitocondrial,
processos hepáticos crónicos (hepatite crónica e cirrose). ocorre predomínio de AST em relação à ALT. Nas hepato-
Embora seja mais específica para o fígado em relação ao patias alcoólicas esses índices são mais expressivos.
AST, pode haver elevação de ALT em miopatias graves.
Método: fotométrico - ultravioleta (cinética). Princí-
pios: O piruvam,ou oxaloacetato formados pela ação das Oesidrogenase lática ou lactato desidrogenase (lO Hou lO}
aminotransferases presenres na amostra são acoplados
a uma segunda reação, na qual o piruvato (pela ação da No fígado, essa enzuna partici pa na gliconeogênese e
ALT) ou oxaloacetato (pela ação da AST) são reduzidos na síntese de glicogênio a partir do lactato. A LDH tOtal do-
pela NADH (nicotinamida adenina dinucleotídeo) em rea- sada é resultame da combinação de cinco isoenzimas: LD I'
ção catalisada pela lactam desidrogenase (para a ALT) ou LD2, LD3, LD4 e LD5. Praticamente todos os órgãos do cor-
malaw desidrogenase (para a AST). A transformação da po humano, incluindo o fígado. apresentam essa enzima,
NADH por oxidação à NAD+ é monitorada em 340 nm. entretanto, a distribuição e a produção dessas isoenzimas
Valores de referência: os valores séricos das amino, variam para cada órgão individualmenre, como mostra a
cransferases em indivíduos saudáveis variam com a ida- Quadro 33.3. O fígado é o órgão que apresenta o maior
de e com sexo, sendo ligeirameme mais alros no sexo predomínio de LD5 e, portanto, nas lesões hepáticas, a
masculino (Tabela 33.1). Os valores de referência, espe- LDH irá se elevar principalmente à custa dessa isoenzima.
cialmente de dosagens enzimáticas, variam em fun ção Método: focométrico - ultravioleta (cinética). Pri n-
do mérodo e do reagente utilizado e da temperatura cípio: A acividade da lactam desidrogenase presente na
de reação, portanro, eles devem estar claramente cita- amostra pode ser avaliada pela medida da velocidade
dos nos laudos de resultados dos exames laboratoriais. de transformação do piruvaco em lactam utilizando-se
Os valores mostrados são para as aminotransferases a co-enzima NAD+ e NADH em 340 nm. As reações
medidas pelo método proposto pela lnternational Fe- podem proceder do lactato a piruvato ou, de modo in-
deration oj Clinica/ chemistry (IFCC), com piridoxal-5'- verso. do piruvato a lactato. Devido às suas vantagens, os
fosfato e temperatura de reação de 37°C. ensaios que procedem do lactato a piruvaro são os mais
Principais causas de aumento: hemólise, exercício utilizados pelos laboratórios clínicos atualmenre.
físico imenso previamente à coleta, etilismo, uso de fár- Valores de referência: os valores de referência, especial-
macos hepacotóxicos: azitromicina, aminoglicosídeos, mente de dosagens enzimáticas, variam em função do mé-
captopril, cefalosporinas, fluoroquinolonas, penicilina, tOdo e do reagente utilizado e da temperatura de reação,
piroxican, sulfas, interferon e ervas chinesas. porranta, estes valores devem estar clarameme citados nos
Principais causas de diminuição: uso de vitamina laudos de resultados dos exames laboratOriais. Os valores
C formaldeído, leucina, metronidazol. dopamina, me- mostrados na Tabela 33.2 são para LDH (tOtal) medida por
tildopa, ciclosporina, alopurinol. progesterona, uremia, transformação do lactato em piruvata, à temperatura de
deficiência de vitamina B6. reação de 37°(. considerando-se a faixa etária.
Principais causas de aumento: hemólise, exercício
Razão AST/ALT
físico intenso previamente à coleca, !infamas, leucemias,
hipóxia, doenças respiratórias, infarto agudo do mio-
A atividade de AST dividida pela acividade da ALT, co- cárdio, anemia hemolítica, ecilismo, uso de amiodarona,
nhecida como razão de Ritis, expressa a diferença de alte- esteróides, anabolizanres, gentamicina, nitrofuramoína,
ração dessas enzimas nas hepatopatias agudas e crónicas e metotrexate, ácido valpróico.

Investigação labo ratorial do paciente com disfunção hepática 413


Tabela 33.1 - Valores de referêncra de amrnocransferases - AST e ALT - utilizando o méwdo proposw pela IFCC. com
pmdoxal-5'-fosfato, a 37 C por farxa etána e sexo

Aminotronsferose Faixo etário Sexo Unidade convencional U/L Unidade internacional ~Kot/L

AST O· 10dios M&F 47· 150 0,80. 2,55

10 dros - 24 meses M& F 9· 80 0, 15. 1,36

24 meses - 60 anos M 15 ·40 0,26 ·0,68

F 13-35 022·0.60

60 · 90 anos M 19-48 0,32. 0,82

F 9· 36 0,15·0,61

> 90 anos M 11-38 o 19-0,65


F 18.30 0,31 0.5 1

AlT O- 12 anos M&F 13-45 0.22. 0.77

12 meses 60 anos M 10 -40 0,17 0,68

1· 35 0.12 ·0.60

60 - 90 anos M 13 40 0.22-0.68

10 28 0.17-0,48

> 90 anos M 6-38 0.10 065

5o 24 0.09-0.41

~onw Conversão ce unld~de corvcnc,onal (U/L) para umdade rmernac onal ( ~Kat/ L): U/L x 0.017 ~1-.at/L

Principais causas de diminuição: uso de amrconvul- Quadro 33.3 - Disrnburção percentual das isoemimas da
desrdrogenase lática (LDH) em drversos órgãos
sivames e oxalacos

Tecido LD1 LD2 LD3 LD4 LD5


Quadro 33.2 - Correlação entre valores dos índrces AST/
ALr e hepawpatras Sangue 25% 35% 20% 15% 5%
Coração 45% 40% 10% 5'7o O~o

AST'AL~ < 1 o hepotopotras agudas (wal ou por drogas) Hemócros 40% 35% 15% 10% 0%
Rm 35% 30~ 2SOo 10',;, Oo
AST/ALT > 1,O · hepatopaha crômca (cirrose. hepahte vrra trpa Cl
Pulmão 10% 15% 40% 30% 5%
AST/ALT > 2.0 sugeshvo de hepotopoha olcoólrco Músulo-esoue- 0% oo 10°o 300. 60%
lético
AST/AlT > 3.0 ·altamente sugesrivo de hepatopatia alcoólico Fígado 0% 5% 10% 15% 70%
Tabela 33.2 - Valores de referência de desidrogenase lática teínas totais são muito variados, no entanto, os mais uti-
(LDH) utilizando méwdo fowméuico-cinético (piruvato lizados são os espectrofotométricos. empregando-se o
lacraro) a 37°(. segundo idade
reagente de biurew. Este reagente, que é constituído de
uma mistura de cobre e hidróxido de sódio e um esta-
Unidade Con- Unidade lnter-
Faixa etária vencional nacional bilizame, reage com proteínas, formando um complexo
U/ L ~Kat/L cuja imensidade da cor pode ser medida em 540 nm.
0-4 dias 290-755 4,9 - 13,2 Valor de referência: a concentração plasmática de
proteínas tocais é dependente da idade e da postura do
4- ]Q OIOS 545-2000 9,3 34,0
indivíduo. Os valores de referência podem variar em fun-
lO d ias- 24 meses 180-430 3,1 - 7,3 ção das características da população estudada. do méto-
110-295 19-5.0
do e do reagente utilizado, portanto, estes valores devem
24 meses - 12 anos
estar claramente eirados nos laudos de resultados dos
12 -60 anos 100- 190 1,7 - 3,2 exames laboratoriais. Os valores de referência para prote-
60-90 anos 11 0 210 1,9 - 3,6 ínas totais pelo método colorimétrico-fotométrico com
o reagente de biureto, de acordo com a idade e postura,
> 90 anos 99 - 284 1,7-4, 8
são apresentados na Tabela 33.3.

Conve1sóo de unidade convencional (U/LI paro unidade inlemo-


cionol (!JKOI/LI U/L x 0,017 = IJKol/ l.
Tabela 33.3 - Valores de referência de proteínas rorais uti-
lizando método colorimérrico-forométrico com o reagente
TESTES PARA AVALIAÇÃO DA DISFUNÇÃO DE de b1ureto, de acordo com a 1dade e cond1ção postural
SÍNTESE HEPÁTICA
Unidade Unidade
Faixa etária Convencional Internacional
A avaliação da síntese hepática é realizada na prática g / dL g /L
clínica pela dosagem de: Cordão 4 8 - 8,0 1\8-80
• proteínas séricas: proteína total. albumina e globu-
RN pré-lermo 3.6-6.0 36-60
linas;
• tempo de protrombina. RN o lermo 4,6-7,0 46 -70

O -7 dias 4.4 - 7.6 44-76

Dosagem das proteínas séricas 7 meses - 1 ano 5,l - 7.3 5 1 -73

1 -2 anos 5,6- 7.5 56 75


Tendo em vista que o hepatócito é a principal célula
> 2 anos 6,0 -8,0 60-80
produtora de proteínas no organismo humano, em es-
pecial a albumtna, a quanttftcação laboratorial da prote- Adulto- Ambulo•or'o 6 4-8 3 64-83
ína sérica total e suas frações, albumina e globulinas, são
Adulto - Acomodo 6,0-7.8 60-78
indicadas para avaliar disfunção da síntese hepática.
> 60 anos - Ambuloloriol 6.2-7.8 62-78

Proteína total > 60 anos - Acomodo 5,8-7.6 58-76

Emende-se por proteína rotai do soro a soma da al -


bumina e globulinas. Pode ser dosada mais comumente Conversão de umdode convenc,onol (g/dl) paro unidade 'nter-
por métodos colorimémcos, podendo ainda ser utiliza- nocionol (g/ll g/dl x 10 = g/L.

dos métodos imunométricos (nefelometria, rurbidime-


rria) ou eletroforéricos. Método: eletroforese de proteínas - esse método
Método: fotométrico-colorimétrico. Princípio: os permite o fractonamemo da proteína total em albumina
métodos para a determinação da concentração de pro- e nas frações de globulinas (ver capítulo 5). Na eletro-

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 415


forese convencional (pH = 8,6), as proteínas cocais são Tabela 33.4 - Valores de referência em elerroforese de pro-
teínas em gel de acetato de celulose para indivíduos adultos
separadas em cinco faixas, como demonstra o Quadro
33A. Na eletroforese capilar. separa-se ainda a faixa beta
Unidade Con- Unidade lnter-
em duas: beta 1 (transferrina e hemopexina) e beta 2
Faixa vencional nacional
(complemento C3). g/dl g/L
Albumino 3.5-5.0 35-50
Quadro 33.4 - Elerroforese de proteínas do soro
Alio l -globulina 0,1 -0,3 1- 3
Faixa eletroforética Proteínas séricas
Alfa 2-globulina 0,6 - 1,0 6 - 10
Faixo 1 pré-albumino e albumino
Betaglobu!ina 0,7 - 1.1 7- 11
Faixo 2 ou Alfa l-globulina alfa 1-onrirripsina, glicoprote-
ino ácido l1poproteíno alfa
(HDL) Gomoglobulina 0,8 - 1,6 8 - 16
Faixa 3 ou Alfa 2-globulina mocroglobulino, hoptoglobu- ProTeínas :orais 6.0 - 8.0 60-80
lino, lipoproteína beta (LDL).
ceruloplosmino, imunoglo-
bulinos
Conversão de unidade convencional (g/dll paro un1dade inter-
Faixa 4 ou Betaglobulina tronsferrino, opolipoproteíno, nacional (g/ LI g/ dl x 10 = g/L.
complementos C3 e C4,
imunoglobulinos
Faixa 5 ou Gomoglobulina fibrinogênio, proteína C Albumina
reotivo, imunoglobulinas
Entre as diversas proteínas séricas. aquela q ue mais
reflete a disfunção de síntese do hepatócito é a albu-
mina. Em condiçõ es fisio lógicas, cerca de 10 gramas
A elerroforese de proteínas nas hepatopatias apresen- são sintetizados diariamente. É a proteín a sanguínea
ta alguns padrões característicos. mas não específicos. A mais abundante, perfazendo aproximadamente 2/3
diminuição da fração albumina ocorre em heparopatias das proteínas totais. Suas principais funções são trans-
crónicas. A elevação das gamaglobulinas. quando não as- porte e manutenção da pressão oncótica e do volu-
sociada a outras condições inflamatórias crónicas, pode me plasmáti co. Apresenta meia-vida de 15 a 19 dias e
ser um bom indicador de doença hepatocelular. Na cir- por isso é pouco sensível pa ra doenças agudas. mas
rose hepática, observa-se a elevação policlonal das gama- a hi poalbuminemia é achado freqüente nas doenças
globulinas; na hepatite crónica. a elevação ocorre por ele- crónicas do fígado. Embora seja sintetizada exclusiva-
vação da lgG; na cirrose biliar, o aumento é decorrente da mente pelo hepatócito, sua concentração sérica pode
lgM e na cirrose alcoólica da elevação de lgA As frações encontrar-se red uzida em diversas situações cl ínicas.
alfa e betaglobulinas apresentam poucas alterações signi- sem que haja. necessariamente, comprom etimento
ficativas nas doenças hepáticas. mas observa-se elevação hepático, como ocorre em processos inflamatórios
da fração beta na colestase. Um padrão de eletroforese agudos. Assim, a albumina pode ser considerada uma
útil no diagnóstico é a ausência do pico de alfa l -globulina proteína de fase aguda negativa (ver capítulo 56). O
(faixa 2). que sugere deficiência de alfa 1-antitripsina e deve Quadro 33.5 ilustra as principais causas de hipoalbu-
ser investigado pela dosagem específica dessa proteína. minemia sérica.
Valor de referência: os valores de referência podem Métodos: a albumina pode ser dosada por diversas
variar em função das características da população estu- técnicas, mas as fotométricas colorimétricas, utilizando-
dada do método e do reagente utilizado, portanto, esses se o reagente verde de bromocresol. são as mais difun-
valores devem estar claramente citados nos laudos de re- didas e de primeira escolha. Outras técnicas mais elabo-
sultados dos exames laboratoriais. A Tabela 33.4 apresenta radas. como a eletroforese de proteínas e imunoensaios.
os valores de referência para eletroforese de proteínas em são utilizadas para dosagem das frações de globulina e
gel de acetaco de celulose para indivíduos adulros. imunoglobulinas.

416 [ Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - -- - - - - - -- - - - - - - - - - - -- - - -- - -


Quadro 33.5 - Pnncipats causas de hipoalbuminemia

Diminuição de síntese Aumento da perda Aumento da volemia Aumento do catabolismo Variação genética
Doença hepático Nefropotios-síndrome Hiper-hidrolação Traumatismos Anolbuminemia
nefrótico
Desnutrição prolé1co· Enleropolios Pós-ooeralório
calórico diarréias

Mó-absorção inleslinal Queimaduras

Neoplosios Doenças dermolo-


exsudotivos
Reoções inflamatórios

Valores de referência: a concentração plasmáttca de Principais causas de aumento: desidratação, iatroge-


albumtna é dependente da idade e da postura do indiví- nia (reposição endovenosa exagerada de albumina).
duo (pacientes com hospttalização prolongada ou croni- Principais causas de diminuição: hemólise, uremia,
camente acamados apresentam diminuição da albumina lipemia, gravidez, uso de esrrógenos e anriconcepetonats
plasmánca). Os valores de referência podem vanar em fun- oral, aumento da volemia (hiperidratação venosa). au-
ção das características da população escudada do mérodo mento da perda (síndrome nefrórica, doenças gasuintes-
e do reagente utiltzado, portamo. estes valores devem es- rinais); diminuição da produção ( heparopatias crónicas.
tar claramente citados nos laudos de resultados dos exa- etdismo e uso de fármacos hepawróxicos: ibuprofeno,
mes laboraroriais. A Tabela 33.5 apresenta os valores de ramoxifeno, ácido valpróico, isoniazida).
referêncta para dosagem de albumina de acordo com sexo
e fatxa etária, pelos métodos colorimétrico-forométrico, Globulinas e relação albumina/globulina
tmunorurbidimérrico ou imunonefelomérrico.
Correspondem à soma das proteínas séricas: gama-
globulinas, globulinas alfa e beta. As gamaglobulinas
Tabela 33.5 - Valores de referência para albumma medida (imunoglobulinas) são sintetizadas pelo linfóciro B e as
pelos mérodos colonmémco-fmométrico, lmunoturbtdlmé- globulinas alfa e bera pelo hepatóciro. Apresentam-se
mco ou tmunonefelométrtco, segundo fa1xa erána e sexo
aumentadas em várias heparopatias em resposta ao pro-
cesso reacional inflamatório ou à disfunção de produ-
Unidade Unidade
Faixa etária Convencional Internacional ção hepática. Por meio de mérodos de fracionamento
g/dl g/L (eleuoforese e imunoeletroforese) é possível detectar as
0 - 4 dias 2.8-4,4 28-44 alterações mais características.
Métodos: o valor das globulinas é calculado pela di-
4 lOdios 3,8 -5.4 38 - 54
ferença entre as dosagens das proteínas totais e da albu-
Adulto 3,5-5,2 35 - 52 mina (G = PT -A). medidas pelos mérodos colorimétrico
60-90 anos 3.2 -4.6 32 46 ou eletroforético. A dosagem de albumina pela eleuo-
forese é preferível em relação ao método colorimétrico-
> 90 anos 2,9-4,5 29 - 45 fotométrico com o reagente verde de bromocresol. uma
vez que este último pode superestimar o valor da albu-
mina. A razão entre a al bumina e globulina (A/G) deve
Conversão oe un,dode convenCiono! lg/dl} poro unidade inter-
noclonol lg/l}: g/dl x 1O = g/l. ser maior que 1 e geralmente se situa entre 1.4 e 2.6.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 417


Dosagem das bilirrubinas séricas
Principais causas de aumento: desidratação, reações
de fase aguda, neoplasias, hipergamaglobu linemia mono
ou policlonal (ver principais causa de aumento da dosa- A elevação das bilirrubinas séncas é ocorrênoa fre-
gem de albumina). qüente nas hepawpatias, ora pela disfunção no meta-
Principais causas de diminuição: (ver principais cau- bolismo, ora por disfunção na excreção. A interrupção
sa de diminuição da dosagem de albumina). do fluxo da bile nas vias biliares, incra ou exrra-hepárica,
ocasiona elevação da BC no sangue. Por outro lado, a
lesão do hepatóciw dificulta ou impede a captação e a
Fatores de coagulação - tempo de protrombina (TP) conjugação da BNC. As duas sicuações ocasionam ele-
vação das bilirrubinas no sangue e podem levar ao apa-
O fígado tem função central na síntese dos fawres recimenco da iccerícia, devido à impregnação da pele e
de coagulação (capículo 30). Assim a determmação do mucosas por esses pigmemos. Os distúrbios do metabo-
TP. que depende dos fawres I, 11, V, VIl e X sintetizados lismo das bilirrubinas serão d1scucidos ad iame.
no fígado, é utilizada nas hepacopatias para avaliação Método: diazo reação (fmométrico-colonmécri-
da disfunção de síntese do hepatócico. Por terem vida co). A dosagem das bil irrubinas baseia-se na clássica
média rápida, avaliam a disfunção hepática tanto nos reação diazo, descrita por Van den Bergh e Muller,
processos agudos como nos crónicos. Entretanto, nem mostrada a seguir:
coda elevação do TP 1ndica, necessariameme, disfunção
hepática. Para a adequada símese desses facores apre- Bilirrubina (soro) + Sol Diozotodo {reogenle) - Crom6foros de Azobilirrubino

sentados, excem o I (fibrinogênio). além da v1abilidade


do hepatócico. também deve haver adequada disponi- A quamificação do produw final formado poderá ser
bilidade da vitamina K, sendo, por isso, chamados de feita por vários mémdos foco métricos e cromawgráficos
"facores dependentes da vitamina K". A carência dessa (HPLC). Os focoméuicos são os mais amplameme utili-
vitamina lipossollivel, que normalmente é absorvida pela zados na rotina do laboratório clínico.
ação da bile, também pode alargar o TP. Para diferenciar ABC por ser um composco polar. reage rapidameme
se o alargamento do TP é de causa biliar (deficiência de com o sal diazotado, em meio aquoso, produz1ndo a azo-
vitamina K) ou por lesão hepamcelular, excluindo-se as bilirrubina. Portamo, a BC é diretameme dosada (razão
coagulopatias primárias, adminisua-se a vitamina K (in- do termo bilirrubina direta - BD). Por outro lado, a BNC
jetável - lOmg/dia) e repete-se o TP após 24 e 48 horas. por ser um composco apoiar, reage mais lemameme e
A persistência do TP aumentado mesmo após a ofer- someme após adição de catalisadores (cafeína, etanol,
ta de vitamina K corrobora a suspeita de disfunção do metanol. benzoam de sódio, etc.) produz a azobilirrubl-
hepatócico. Além disso, alteração persistente do tempo na. Porca mo, no laboratório, habicualmeme dosam-se as
de prouombina ·10 segundos acima do concrole em um bilirrubinas direta e coral. sendo os valores da Bl deter-
paoeme ictérico, que não se corrige com a vitamina K, minados de forma indireta, pelo cálculo: BT = BD + Bl e
correlaciona-se com prognóstico ruim. Bl = BT - BD (razão do termo bilirrubina indireta).
Valor de referência: a bilirrubinem1a varia com a ida-
de, apresencando níve1s mais elevados em recém-nasCI-
TESTES PARA AVALIAÇÃO DA DISFUNÇÃO DA dos (RN). conforme apresentado nas Tabelas 33.6 e 33.7.
EXCREÇÃO HEPÁTICA Principais causas de aumento: jejum prolongado,
tempo prolongado de garroceamemo (elevação de BT),
O conJumo de restes utilizados para avaliar a excre- hemólise, exercício físico intenso prévio à coleca, ane-
ção e decoxificação hepática é a dosagem de: mias hemolíticas, transfusões sanguíneas, hemawmas.
• bilirrubinas: cotai (BT), conjugada (BC) ou direta cirurgias prévias (hemólise), uso de medicamentos tais
(BD), não conjugada (BNC) ou indireta (BI); como alopurinol. esteróides anabolizantes, viram1nas A
• pigmentos biliares; e C colinérg1cos, codeína, morfina, diurét1cos. epinefrina,
• enzimas ind1cadoras de colestase. mecrotexate, mecildopa. rifampicina e salicilams.

418 M edicina laboratorial para o clínico


Tabela 33.6- Valores de referência de bilirrubina cotai medida pelo método fotométnco, com reageme dtazo. para RN pre-
maturo e a termo

Faixo etária Prematuro A termo


Unidade Convencional Unidade Internacional Unidade Convencional Unidade Internacional
mg/ dl 11moi/L mg/ dl jlmoi/L
Cordão 49,6 <2,5 42.7

< 24 h 1,0· 8,0 17.1 . 136,8 2.0. 6.0 34.2. 102,6

< 48 h 6,0·12,0 102,6. 205,2 6,0. 7.0 102,6. 119,7

3 o 5 dias 100 14.0 171.0. 2394 4,0. 6,0 68,4 . 102,6

7 dias 14,0·15.0 239,4 . 256,5 6,0. 10,0 102,6. 171,0

> 1 mês 0.2 · I 2 3,42. 20.52 0,2. 1,2 3,42. 20,52

Líquido < 0, 1 (normoll < 1.71 lnormoll


ommótico
O, 1 · 0,27 (eritroblostose fetoll 1,71 · 4,6(entroblostose fetal)

Conversão de unidade convenc1onol (mg/dll poro un1dode lnternoclonoi(J.Jmoi/LI· mg/dl x 17 1 = J.J moi/L

Urobilinogênio urinário
Tabela 33.7 - Valores de referência das bihrrubinas total
(BT), dtrera (BD) e tndtreta (BI) para indtvíduos adultas, me-
didas pelo método fotométrico. com reagente diazo Em condições fisiológicas. peouena porção de uro-
bilinogénio é excretada na urina (~ 1 mg/dl). Nas disfun-
Unidade Unidade
ções ou lesões hepáticas (hepatites, cirrose e insuficiên-
Bilirrubina Convencional Internacional
mg/ dl pmoi/L cia cardíaca congestiva) pela Incapacidade do hepatócito
em capeá-lo, pode haver aumento da excreção, tornan-
Direto < 0,4 < 6.8
do sua pesquisa na urina pos1civa (Figura 33.2).
lndireto < 0,8 < 13,6

Total < 1,2 < 20,5


Enzimas indicadoras de co lestase
Conversão de unidade convencionol(mg/dll poro unidade inter·
nocionoi(J.Jmoi/L): mg/dl x 17 1 = J.Jmoi/L Algumas enzima s encontram-se muito elevadas nos
processos obscrucivos do fígado por aumento de produ-
Principais causas de diminuição: armazenamento ção hepática ou por dificuldade de excreção através da
inadequado por exposição à luz solar ou artificial (foto- btle e são utilizadas como ind1cadoras de colescase. Emre
oxtdação da b1lirrub1na). essas, destacam-se a fosfatase alcalina (FA) e gamaglucamil
cransferase (GGT). Outras. como a leuc1no-am1nopepcidase
(LAP) e a 5'-nucleoccidase. são menos utilizadas na prática
Bilirrubina urinária (bilirrubinúria)
clínica. As enzimas relacionadas nesse grupo são:
Em condições fisiológicas. a bilirrubina urinária não é • fosfata se alcalina (FA)- uso rotineiro;
detectada nos cesces rocineiros. Portanto, toda bilirrubi- • gamaglucamil cransferase (GGT)- uso rotineiro;
núria é indício de processo patogénico e merece Investi- • leucino-aminopepc1dase (LAP)-ucilização restrita;
gação (ver capítulo 35). • 5' -Nucleotidase- utilização restrita.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepáti ca 419


Fosfatase alcalina (FA)
resultados dos exames laboramriais. A Tabela 33.8 apre-
A FA é uma metaloproceína zinco-dependente que hi- senta os valores de referência da FA (cotai) para indivídu-
drolisa o fosfaw terminal de éster orgânico. em pH alcalino. os adulcos. obtidos com mécodo fommétrico-cinético,
Apresenta origem hepática (50%), óssea (40%) e intestinal utilizando-se 4-N PP como subsrraco. AMP como tam-
(10%). Em gestantes. há ainda pequena produção placentá- pão e temperatura de reação de 37°( (mécodo de re-
na (endométrio). Sua excreção se faz na bile. Na colestase, ferência proposto pela IFCC e Arnerican Association of
sua elevação ocorre prinCipalmente por ma1or estímulo à C/mcal Chem1stry - AACC).
sua produção pelas células canaliculares devido ao aumento
da pressão intracanalicular, bem como por regurgitamento Tabela 33.8 - Valores de referência de fosfatase alcalina
para o sangue. Lesões expansivas no fígado elevam a FA (FA) u[ilizando méwdo de referênc1a (IFCC/AACC). a 37°C.
segundo idade e sexo
Enconua-se muiw elevada nos tumores hepáticos. nas me-
tástases hepáticas, granulomas. nódulos e c1sms hepáticos
Unidade Unidade
e pode ser a única alteração laborawrial observada. Além Faixo etário Sexo Convencional Internacional
do diagnóstico das hepawpatias, a FA é também utilizada U/ l !JKot/ L
nas suspeitas de doenças ósseas. tais como raquitismo, os- 4 · 15 anos Me F 54. 369 0,92-6,27
teomaláCia, osteossarcomas e fraturas. O quadro clínico do
20 - 50 anos M 53. 128 0,90 · 2, 18
paciente e suspeita diagnóstica permitem, na maioria das
vezes, orientar se a elevação de FA é de origem óssea ou he- F 42-98 0,71-1,67
pática. A interpretação conjunta com ouuas enzimas indi-
~ 60 aros M 56· 119 095.202
cadoras de colestase, como a GGT e outros testes. também
colabora na interpretação. F 53- 141 0.90-2,40
Método: focomérnco- colorimétrico (cinética). Prin- 60 · 90 anos M 56 - 155 0,95- 2,63
cípiO: a FA presente na amostra catalisa a transferência
do grupo fosfaco do 4-nitrofenilfosfaro (4-N PP) para um 43- 160 0.73-2,72
acepwr de fosfaws (dietanolamina - DEA, 2-amion-2-
Conversão de unidade convencional (J/L) poro un1dode lnlerno-
metil-1-propanol - AMP, tris-hidroximetil-aminometano cionol 11-!Koi/ LI: U/L x O O17 = IJKoi/L
- Tris, p.ex.), liberando 4-nitrofenol. A atividade catalítica
é determinada a part1 r da velocidade de formação do
4-niuofenol med1da em 405 nm, a 25°, 30° ou 37°C. Principais causas de aumento: amostra estocada
Valores de referência: em condições fisiológicas, a inadequadamente sob temperatura ambiente, drogas
atividade sérica da FA em crianças é duas a três vezes hepawtóx1cas. esmão do crescimento, doenças ósseas,
maior do que em adulcos, sendo também elevada na pu- terceiro trimestre da gravidez.
berdade se comparada com a idade adulta. Durante fa- Principais causas de diminuição: amostra colhida
ses de cresCimento ráp1do. valores tão alcos quanto 1.000 em tubo contendo EDTA, citraco ou fluoreco, hiporireoi-
U/L podem ser observados em indivíduos sadios. Os va- dismo, escorbuco, deficiência de vitamina B12 (anemia
lores aumentados na 1nfância e puberdade resultam da pernic1osa), deficiênCia nutricional (Kwashiorkor); uso de
grande contribuição da fração óssea. Após a puberdade, estrógeno, anticoncepcional oral.
a FA sérica é, na sua maioria. de origem hepática. No ter-
ceiro mmestre da gestação pode ser detectado aumen-
Gamaglutamil transferase (GGT ou y-GT)
co de até duas a três vezes o limite superior do intervalo
de referência, sendo observado recorno aos níveis basais Também conhecida como gamaglutamil trans-
três a seis semanas pós-parto. peptidase, é uma enzima de excreção bi liar com
Os valores de referência, especialmente de dosagens meia-vida de 7-10 dias. Além do fígado, também
enzimáticas, variam em função do mécodo e do reagen- pode se originar em demais órgãos do rraco gasrrin-
te utilizado e da temperatura de reação, portanto, estes testinal. nos rins e no tecido prostático. Localiza-se
valores devem estar claramente mados nos laudos de no retículo endoplasmático das cél ulas epiteliais dos

420 Medicina laboratorial para o clínico


ducros bilia res. Cerca de 90% das doenças hepato- Tabela 33.9- Valores de referência de gamaglutamíl trans-
biliares apresentam alteração da GGT, mas as mais ferase (GGT) utilizando mécodo focométrico-cinéttco, com
substra to g-glutamil-p-nitroanilida. a 37°(, de acordo com
expressivas são nas colestases. Assim como a FA, a
sexo e faixa etária
GGT é utilizada como um indicador de colestase,
com a vantagem de não se alterar em doenças ósseas Unidade Unidade
e na gravidez. Valor elevado de FA associado à GGT Faixa etária Sexo Convencional Internacional
dentro dos valores de referência indica causa extra- U/ L ~-tKat/L
hepática do aum ento da FA. Nas colestases int ra ou Cordão M &F 11 - 194 0,19-3,30
exrra-hepática, a GGT sérica aumenta cinco a 30 ve- 0 - l mês M& F o- 151 0,00 -2.57
zes o maior valor de referência. Na hepatite alcoóli-
ca, devido à ingestão crónica de álcool, observam-se 1 - 2 meses M& F 0- 11 4 0,00- 1,94
tam bém níveis elevados de GGT. O álcool induz à 2 - L1 meses M&F 0- 81 0,00. 1,38
maior síntese da GGT no fígado, por isso ela é utili-
zada no monitoramento de pacientes com abuso de
4 · 7 meses M& F o- 34 0,00. 0,58

tngestão de álcool. Elevações moderadas (em to rno 7 · 12 meses M& F 0 - 24 0,00. 0,39
de rrês vezes o maior valor de referência) são encon- l - 2 anos M& F l . 20 0,00 - 0,41
rradas em outras hepatopatias que não cursam com
colestase, como hepatites agudas e cró nicas, esteato- 2 · 5 anos M &F 3 - 22 0,02-0,34

se hepática, uso contínuo de alguns medicamentos e 5- lO anos M&F 3-22 0,00. 0,37
utilização de drogas hepatotóxicas.
lO· 15 anos M 3. 25 0.05- 0 .43
Método: fotométrico - colorimétrico (cinética).
A GGT presente na amostra promove a transferên- 3 - 20 0,05 -0, 34
cia do resíduo g-glutamil do substrato g-glutamil-p- Adulto M 2-30 0,03 . 0,5 1
nitroanilida para a glicilglicina. liberando a p-nitroanilina,
um produto cromogênico que pode ser medido em l- 24 0,02-0,041

405-420 nm.
Valores de referência: os valores séricos da GGT, Conversão de unidade convencional lU/ L) paro unidade interna-
cional (~Ko t/l) : U/l x 0,017 = ~Kat/l.
em indivíduos saudáveis, variam com a idade e sexo,
sendo ligeiramente mais alcos no sexo masculino (Ta- 5'-Nuc/eotidase
bela 33.9). Os valores de referência, especialmente de
dosagens enzimáticas, variam em função do método Esta enzima é também um indicador de colestase.
e do reageme utilizado e da temperatura de reação, assim como a FA e GGT. É mais específica para doenças
portanto, estes valo res devem estar clarameme cita- hepáticas do que a FA. pois não se eleva em doenças
dos nos laudos de resultados dos exames laboratoriais. ósseas e com o crescimento - situações em que pode
Os valores apresentados são para GGT. utilizando-se ser indicada para o diagnóstico diferencial, se disponível.
o mécodo foto métrico-cinético (Szaz) com g-glutamil- Praticamente não é utilizada na rorina clínica, tendo sido
p-nitroanilida como substrato e temperat ura de rea- substituída pela GGT.
ção de 37°C. Métodos: focomérrico-colorimérrico (cinética)
Principais causas de aumento: jejum prolongado, Valor de Referência: os valores de referência, especial-
desidratação, tabagismo. etilismo. neoplasias (fígado, mente de dosagens enzimáticas. variam em função do
pâncreas e próstata), uso de azatioprina, mecotrexate, método e do reagente utilizado e da tem peratura de re-
acetaminofeno, barbitúricos, cefalosporinas. cimetidina. ação, portanto, estes valores devem estar claramente ci-
estrógeno. amiconcepcional oral e anticonvulsivantes. tados nos laudos de resultados dos exames laboratoriais.
Principais causas de diminuição: hemólise e dosagem Os valores séricos de 5'-nucleotidase para indivíduos sa-
em amostra colhida imediatamente após a dieta, hi poti- dios, utilizando-se método fotométrico-cinético a 37°(,
reoidismo, uso de vitamina C estrógenos conjugados. variam entre 2 e 17 U/L (0,03 - 0,29 IJKat/L - unidade

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 421


internacional). Resultado da relação GGT/5'-nucleotidase Principais causas de aumento: linfomas. leucemias,
inferior a 1,9 é sugestivo de colestase intra-hepática. rubéola e mononucleose infecciosa.
Principais causas de aumento: hemólise, gravidez Principais causas de diminuição: coleta da amostra
(terceirO rnmesrre). pré-eclampsia, artrite inflamatória, de sangue em EDTA. hipertensão gravídica, enlrsmo.
hepacocaronoma. cirrose biliar primária, uso de anticon-
vulsivames, ácido acetilsaiiCÍhco, aceraminofeno e outras
drogas causadoras de colestase. ESTRATÉGIA DA PROPEDÊUTICA PARA
Principais causas de diminuição: amostras colhidas AVALIAÇÃO DAS HEPATOPATIAS
em EDTA ou armazenadas em temperatura ambiente
por tempo prolongado. Diante da suspeita de hepatoparia, a abordagem ini-
cial seguida na prática clínica é a utilização de conjunto
de restes laboratoriais, discutidos neste capitulo. Esses
Leucina aminopeptidase (LAP)
são impropnamente conhecidos como "restes de fun -
Também conhecida como leucina arilamidase. a do- ção hepática". O objerivo desses testes é proporcionar
sagem desta enzima praticamente não é utilizada na roti- ao clínico respostas às seguintes questões:
na devido a dificuldades técnicas. Eleva-se na colestase e • existe doença hepática? Hepatopatias com com-
está normal nas doenças ósseas. correlacionando-se com prometimento discreto e/ou localizado (cisto, nó-
os achados da GGT. Atualmeme, apresenta utilidade re- dulo) podem cursar sem alterações detectáveis
conhecida como indicador sensível para coledocolitíase nos testes laboratoriais disponíveis atualmente.
e metástases hepáticas em pacientes ani([éricos. A GGT. Habitualmente. quando todos os testes estiverem
LAP e 5'-nucleo[ldase são úteis para esclarecer a origem de dentro do intervalo de referência, a possibilidade
aumento 1solada da FA, não sendo úteis no paciente icréri- de doença hepática é pequena, porém a alteração
co em que a causa do aumento da FA está esclarecido. persistente de apenas um dos testes pode ser in-
Método: fotométrico-colorimétrico (cinética) dicativa de hepatopatia. Esta análise deve levar em
Valor de Referência: os valores de referência, especial- coma os valores segundo o sexo, idade e até mes-
mente de dosagens enzimáticas, variam em fu nção do mo as características raciais, que podem alterar os
método e do reagente utilizado e da temperatura de re- valores referenciais para estes testes. Estes valores
ação. portamo, estes valores devem esta r claramente ei- devem estar claramente citados nos laudos de re-
rados nos laudos de resultados dos exames laboratona1s. sultados dos exames laboratoriais;
Os valores séricos de LAP são ligeiramente mais elevados • qual a extensão do dano hepático? Testes como
em indivíduos do sexo masculino. Os valores apresenta- as aminotransferases, muito alterados na fase agu-
dos na Tabela 33.10 são para LAP, utilizando-se o método da da hepatite v1rótica, não s1gn1ficam prognóstiCO
fotométrico-cinético (Goldbarg-Rutemburg), a 37°C. ruim. Por outro lado, hepatopatias crónicas cursam
por períodos de anos com alterações clínicas e la-
boratoriais discretas até a falência do órgão, como é
Tabela 33.10 - Valores de referênoa de leuc1na aminopep-
ridase (LAP) utilizando método fotomérnco-cinérico, a visto na cirrose. Alguns testes. como as dosagens de
37°(. de acordo com sexo amlllotransferases, apresentam elevada sensibilidade,
alterando-se precocemente nas lesões de hepatÓCI-
Unidade Unidade tOS, mas não permitem correlac1onar com preosão
Sexo Convencional Internacional o grau de extensão do da no hepático. A diminuição
U/ ml U/L da síntese de albumina e determinação do TP estão
Feminino 75- 185 18,0 - 44,0 mais relacionadas com a extensão do comprometi-
Masculino 80 -200 19,2 - 48,0 mento hepático, em processos agudos e crónicos;
• qual a localização e etiologia da hepatopatia? In-
Conversão de unidade convenc1onol (U/ml}poro unidade mler- dependentemente da etiologia. o dano hepático
nocíonol lU. li UimLx O24 = U/L pode-se traduzir em: lesão hepatocelular, colesrase

422 [ Medicina laboratorial para o clínico


ou ambas. Os restes laboraroriais disponíveis para ALT será maior que um, indicando predomínio da AST
avaliação hepática permitem ao clínico diagnos- e o comprometimento mitoco ndrial. Quanto às bilirru-
ticar qual dos processos em curso. Para esclare- binas, encontram-se elevadas pela disfu nção de conju-
cimento do diagnóstico etiológico, entreta nto, é gação nas necroses extensas e pela colestase intra-hepá-
necessário recorrer-se ao estudo por imagem, aos tica concomitante. Nas hepatites agudas, am bas estão
restes imunológicos, à biópsia hepática, e restes elevadas, mas com predomínio da BC. Já as enzimas
imuno-hisroquímicos; que indicam colesrase, FA e GGT. apresentam-se pou-
• como a doença está evoluindo? As manifestações co alteradas se comparadas com as aminotransferases.
clínicas e os dados laboratoriais observadas no cur- O Quadro 33.7 exemplifica as possíveis alterações dos
so da doença permitem monirorar a progressão resultados de exames laboratoriais nas diversas hepato-
ou regressão da heparopatia. A normalização dos patias que cursam com padrão hepatocelular.
testes indica regressão e cura. A persistência de al-
terações, mesmo com valores próximos do maior Quadro 33.6 - Perfil bioquímico indicado na abordagem
valor de referência, indica cronificação do processo, inicial de suspeita de hepatopatia
como é visto nas hepatites crônicas e cirrose. Esse
Bilirrubinos
monitoramento deve ser realizado em períodos de
semanas ou meses e muitas vezes acompanhado TotoliBTI

de restes por imagem e/ou biópsia hepática. Direta IBD)

lndireta IBII
No perfil bioquímico indicado para a abordagem inicial
das hepatopatias. estão: as dosagens de enzimas indicadoras Aminotronsferoses
de colestase (FA. GGT); as de enzimas indicadoras de lesão
Asportoto ominotronsferase IAST)
heparocelular (AST. ALT. GGT), a dosagem das bilirrubinas
e os restes de avaliação da síntese hepática (albumina e TP), Alanina ominotronsferose IALT)

mostrados no Quadro 33.6. De modo geral, os resultados Fosfatase alcalina IFA)


desses restes permitem a identificação do padrão predomi-
G omo glutomil ·ransferase IGGT)
nante da lesão hepática: colesrase ou hepatocelular. Prosse-
gue-se, então, a propedêutica para esclarecer o diagnóstico Tempo de protrombina ITP)
etiológico e monitorar o comprometimento hepático. Proteína total

Albumino

ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DAS HEPATOPATIAS Globulinas


QU E EVOLUEM COM PADRÃO HEPATOCELULAR

Nesse gru po de hepatopatias com padrão hepato-


celular, a lesão ou necrose dos hepatócitos é o compro-
ALTERAÇÕES LABO RATORIAIS DAS HEPATOPATIAS
metimento preponderante. Esse pad rão é observado COM PADRÃO COLESTÁTICO
nas hepatites virais, hepatite alcoólica, hepatite auto-
imune, hepatites tóxicas, hepatite crô nica e cirrose. As
enzimas AST e ALT são os restes mais sensíveis desse Nesse grupo estão as hepatoparias que evoluem com
grupo, apresentando elevações significativas nas agres- predomínio de colestase. As enzimas marcadoras de co-
sões hepáticas agudas. Esse aumento pode atingir 20 a lesrase (FA e GGT) terão elevação mais expressivas nesse
100 vezes o maior valor de referência. Na fase aguda há grupo em relação a AST e ALT. que apresentam aumento
predomínio da ALT. mais específica e em maior quan- moderado de duas a quat ro vezes o maior valor de refe-
tidade no fígado, e a relação AST/ALT será menor que rência. A bilirru bina total encontra-se aumentada, com
um . Nas agressões hepáticas crônicas, a relação AST/ predomínio da BD, mostrando a dificuldade de excreção

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 423


nas vias biliares. O TP, se prolongado, corrige-se com a ad- cos para hepatites virais orientam o diagnóstico e testes
ministração de vitamina K. Para esclarecer se a colestase subseqüentes. Em alguns casos é necessário afastar-se o
é extra ou inrra-hepática, é necessário recorrer a exames diagnóstico de colestase extra-hepática, com utilização
por imagem (ultra-sonografia, tomografia computado- de exames por imagem.
rizada, ressonância nuclear magnética, por exemplo.). O
Quadro 33.8 exemphftca as possíveis alterações observa-
das nos resultados dos exames laboraronats nas dtversas ALTERAÇÕES DO METABOLISMO DAS
heparopatias que cursam com padrão colestático. BILIRRUBINAS NAS HEPATOPATIAS

A dosagem das bili rrubinas é obrigatória nas suspei-


ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DAS HEPATOPATIAS tas de heparopatia (Quad ro 33.6). A elevação dos níveis
COM PADRÃO M ISTO séricos das bilirrubinas pode ser a primeira ou mesmo
a única manifestação de uma doença hepática. Ela é
Nesse grupo, ocorre ramo a lesão hepatocelular secundária ao distúrbio do seu metabolismo, seja na
como colestase. As aminotransferases, as enzimas mar- captação, conjugação ou excreção. Apenas quando os
cadoras de colestase e as bilirrubinas (BT, BD e Bl) estão valores da hiperbilirrubinemia ultrapassem 2,0 mg/dL a
muiro aumentadas. Isso é observado em algumas hepa- 3,0 mg/dl, levam ao aparecimento da icterícia. Depen-
mes virais que evoluem com padrão colestático e nas dendo da fase em que ocorre o distúrbio do metabolis-
hepatites por drogas. Nesses casos, a históna clínica, o mo das bilirrubinas, ela é classificada em pré-hepática,
uso de drogas heparotóxicas e os marcadores sorológi- hepática e pós-hepática.

Quadro 33.7 - AILerações dos exames laboraLOriais nas hepatopatias com padrão hepatocelular

Tempo de Fosfatase
Agravo Etiologia Aminotransferases Bilirrubinas Albumina
protrombina alcalina
Hepatite Vírus IA,B,C, D,I1 Aumento Aumento de BD lnalterado2 Inalterada Inalterado ou
aguda acentuado e Bl com predo- aumento discreto
mínio do BD
Drogas 120 a 1OOX o MVRI i-3X o MVR) 3

Hepototoxinos AST/ ALT < 1,O

Hepatites Vírus IB e Cl 1 Aumento moderado Aumento de BD Prolongado !sem Diminuído lnal:erado ou


crónicos e Bl correçõo com cumerto discreto
viramino Kl
Doenças auto· !mais de 3X o MVR) I-3X oMVR)
rmunes
Doenças metabóli· AST/ALT > 1.0
cos e nutnetonais
Hepatite Ingestão de etanol Aumento moderado Aumento de BD Geralmente Diminuída Inalterado ou
alcoólico e Bl prolongado isem aumento discreto
lcirrosel correçõo com
vitamina Kl
1-3X oMVRI 11 a 2X oMVRI

AST/ALT > 2,0

MVR: maior valor de referência


I realizar sorologra
2 aumentado nos hepatites lulmmonles
1
muito elevado em alguns pacientes com hepatite virai que evoluem com componente colestótico mais acentuado.

424 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1------------- - - -- - - -- - -- - - - -- --


Quadro 33.8 - Alteração dos exames laboramriais nas heparoparias com padrão colesrárico

Aminotrans-
Agravo Causa Bilirrubinas Protrombina Albumina FA GGT
ferases
Icterícia Extra ou intra- Inalterados Aumento com Inalterado ou Inalterado Elevação modero· Elevoda2
obstrul,vo hepótico1 ou aumento predomínio do prolongado do [mais de4X o
discreto ioté BD (corrige com MVR)
4 XoMVR) v1tomino K)

MVR: maior valor oe referênc10.


o d1ognóstico dife1enciol é feito com os lestes de imagem [US: TC RNM)
2 no hepatite alcoólico também ocorre elevação do GGT

ICT ERÍCIA PRÉ-H EPÁTICA Jugação hepática da BNC devido à atividade reduzida da
UDP-glicuronil uansferase, em to rno de 30% do normal.
Ocorre pnnopalmenre quando há maior desuui- A bilirrubinemia geralmente não ultrapassa 5,0 mg/d l e
ção das hemácias, ou seja, nas doenças hemolíticas. as demais funções hepáticas encontram-se normais. As
Esse maior aporre de bilirrubina ao fígado supera a ca- síndrom es de Crigler-Najjar ri po I e 11 são doenças here-
pacidade hepática de eliminá-la na bile. A dosagem da ditárias e aurossômicas, sendo a ripo I recessiva e a ripo
b1hrrub1na mosuará elevação da Bl, correspondendo a 11 dominante. Também apresentam deficiência na ecapa
mais de 80% da BT. Elevação sérica da Bl ocorre tam- de conjugação hepática, por redução ou ausência da en-
bém na hiperbilirrubinem ia primária, doença familiar zima UDP-glicuronil uansferase. A bilirrubinemia geral -
rara, caracterizada por desuuição medular prematura mente está bem elevada, com valores de BT entre 15 e
de precursores dos eritróciros - erirropoiese ineficaz - 40 m g/dl no ripo l,e entre 6 e 20 mg/dl no tipo 11.
com quebra da molécula de hemoglobina e produção
aumentada de bilirrubina.
ICTERÍCIA COLESTÁTICA

ICTERÍCIA H EPÁT ICA Por definição, colescase é a obstrução do fluxo da bile


aré a ampola de Varer e duodeno. Essa obstrução pode
Nesse grupo escão as hepacoparias que apresentam ocorrer em qualquer ponto desse trajew, no fígado ou
d1srúrbio de conj ugação da bilirrubina pelo hepatócico, na árvore biliar extra-hepática, dando origem à colesrase
com conseqüente aumento da Bl no sangue. Ocorre na intra-hepática ou extra-hepácica, respectivamente. Nes-
iccerícia neonacal, em doenças congênitas (síndromes se grupo predomina a elevação da BC ou BD.
de Gilbert e Crigler-Najjar). nas hepatites virats e medi-
camentosas. Devem ser diferenciadas da icterícia pré-
hepática, pois ambas apresenram elevação da Bl. Colestase intra-hepática
A icterícia neonatal. detect ada clinicamente quando
o nível sérico de bilirrubina é igual ou maior que 5 mg/dl, É secundária a d istúrbio do fluxo da bile sem obs-
pode ocorrer de forma fisiológica ou parológ1ca. Na ic- trução mecânica demonstrável nos duetos biliares. A
terícia fis1ológica do recém-nascido a cermo, os níveis sé- icterícia resultante apresenta predomínio da BD no
ncos de BT geralmente não ultrapassam 12 mg/dl, com sangue e identifica a incapacidade de excreção pelas
predominância de Bl. Já na forma parológica os níveis vias biliares e a preservação da conjugação hepática.
esrão acima de 12,0 mg/dl e. por ser lipossolúvel, grande Ocorre em dist úrbi os familiares de excreção da bilir-
quantidade de Bl pode uluapassar a barreira hemato- ru bina, representados pelas síndromes de Dubin-Jo hn -
encefálica e desencadear o Kernicterus. son e de Roror (hiperbilirrubinemia conjugada fami liar)
A síndrome de Gilberr, doença hereditária aurossô- ou em distúrbios adquiridos causados p or drogas ou
mtca dominante, é caracterizada pela deficiência de con- infecções virais.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 425


A síndrome de Dubin-johnson, doença benigna predomín io da fração conjugada (BD) ou da fração não
auwssômica recessiva, é cara([erizada por distúrbio conjugada (BI). Para que haja predomínio da BD. seus va-
de excreção das bilirrubinas por ausência de uma pro- lores séricos devem ser superiores a 50% da BT. Por outro
teína canalicular. A elevação da BD é discreta. não ul- lado, considera-se predomínio da fração não conjugada
trapassando 5 mg/dL e as demais fu nções hepáticas quando esra é responsável por mais de 80% da BT (Qua-
estão preservadas. Síndrome de Rotor é uma doença dros 33.9 e 33.10).
hereditária autossômica recessiva, decorrente de múl-
tiplos defeitos na captação e excreção dos pigmentos
de bili rrubina. A hiperbilirrubinemia também não ul- OUTROS EXAMES LABORATORIAIS
trapassa 4 ou 5 mg/dl.
Adicionalmente, grau acentuado de colestase pode ALFA-FETOPROTEÍNA (AFP)
ser observado em alguns pacientes com hepatites viróti-
cas (hepatite colestática) e na hepatite alcoólica aguda. ta principal proteína sérica do feto, sintetizada pelo
Várias drogas provocam colestase por lesão ao nível dos saco gesracional (vesícula virelínica), trato gastrintesti-
canalículos e ducros biliares intra-hepáticos. entre elas nal e principalmente pelo fígado fetal. cuja determina-
destacam-se: esteróides. clorpromazina, sulfonamidas, ção no líquido amniótico e no soro materno é útil para
anovulatórios. hormônios sexuais (meriltestosrerona e o d1agnost1co pré-natal de defeitos do cubo neural. Em
noretandrolona), amoxicilina com ácido clavulônico. indivíduos adultos com lesão hepática e regeneração
fluoxacilina e eritromicina. Colestase pode ainda ser celular, doença hepática alcoólica, hepatite crônica ou
encontrada em outras situações. como na doença de cirrose. a concentração sérica dessa proteína encontra-
Hodgkin, na cirrose biliar primária. na colangite esclero- se moderadamente elevada (100-200 ng/mL). A iden-
sante primána e na arresia biliar intra-hepática. tificação de indivíduos com carcinoma hepático é a
principal utilidade diagnóstica da dosagem de alfa-fe-
toproteína. uma vez que 95% desses pacientes apresen-
Colestase extra-hepática tam níveis séricos superiores a 400 ng/mL. Além disso.
níveis elevados são também observados em 50% dos
Ocasionada por obstrução física ao fluxo da bile no pacientes com tumores de células germinativas e em
dueto biliar extra-hepático causada freqüentemente por praticamente todas as crranças com hepatoblastoma.
cálculos biliares. Outras causas incluem compressão do Como a maioria dos marcadores tumorais, a dosagem
duodeno por rumor da cabeça de pâncreas e tumor da de AFP apresenta valor mais alto no monitoramento e
papila de Vater impedindo o fluxo da bile. O nível sérico detecção de recorrência da doença em casos já diag-
da BD dependerá do período de tempo da obstrução e nosticados de tumor. Aumento discreto da AFP no
se ela é parc1al ou coral. Uma taxa diária de aumento na soro pode ser observado em casos de carcinoma do
bilirrubina de até 2 mg/dL é compatível com obstrução pâncreas, intestino e pulmão e em outras doenças, tais
extra-hepática, mas taxa mais alta de aumento sugere como tirosinemia e ataxia-telangiectasia.
hemólise. hepatite ou necrose hepática. Dosagem de BT A dosagem de AFP pode ser realizada por restes imu-
acima de 30 mg/dL indica componente de dano hepato- nomérricos (imunoensaio enzimático ou de polarização
celular e não apenas a obsuução biliar. de fluorescênCia, p. ex.) e a concentração sérica em in-
divíduos adulcos sad1os é inferior a 15 ng/ml (15 j.Jg/L
- unidade internacional).
CAUSAS DE ELEVAÇÃO DAS BILI RRUBINA$

Outra abordagem das causas dos distúrbios do me- ALFA 1-ANTITRI PSINA (AAT)
rabolismo das bilirrubinas é a que focaliza o achado la-
boramrial da hiperbilirrubimemia e não a sua fisiopatolo- Trata-se de uma glicoproreína sintetizada pelo fígado.
gia, como descrim anteriormente. São classificadas pelo que é reagente de fase aguda e ini bidora de proreases

426 [ Medicina laboratorial para o clínico


como a quimiotri psina e elastase. Por ser proteína rea- ocorre a liberação de elasrase. Na ausência de AAT. a
geme de fase aguda, sua concemração sérica encomra- elasrase não é inibida, atacando, assim, a elast ina da pa-
se elevada durante condições relacionadas a processo rede alveolar, proteína crítica para o funcionamento dos
inflamatório agudo (infecção, cirurgia, infa rto agudo do alvéolos durante o processo de respiração. A perda de
miocárdio, p. ex.). A AAT consti tui o principal compo- elasticidade resu lta em enfisema pulmonar e susceptibi-
neme (90%) da faixa 2 (alfa l -globulina) observada na lidade a infecções respirarórias. Indivíduos com fenóripo
eletroforese de prmeínas séncas (Quadro 33.4). ZZ apresentam acúm ulo de AAT nos hepatócitos com
A deficiência de A AT está associada à doença hepá- desenvolvimento de doença colestática e cirrose. Nas
tica e pulmonar tanto em crianças quanto em adultos. primeiras semanas de vida, 10 a 20% dos neonatos com
Três principais alótipos (M, Z e S) da AAT foram defi- fenótipo ZZ desenvolvem hepatite, que pode evoluir
nidos por meio de técnicas especiais de eletroforese. A para cirrose juvenil.
maioria da população apresenta o fenótipo MM com A dosagem de AAT pode ser reali zada por testes
100% de atividade da AAT. Indivíduos com fenótipos imunomérricos (nefelometria e turbidimetria) e concen-
ZZ e SS apresentam AAT com atividades de aproxima- tração sérica inferior a 50 mg/dl, na ausência de processo
damente 15 e 60%, respectivamente. Durante a fagoci- inflamatório agudo é evidência de deficiência. Os valores
tose pelos leucócitos polimorfonucleares de partículas de referência para AAT no soro, pelo método nefelomé-
e bacrérias inaladas presentes nos alvéolos pulmonares. trico, encontram-se no Tabela 33.11.

Quadro 33.9 - Princ1pa1s cond ições clín1cas relacionadas com elevação da fração não conjugada ou bilirrLibina indireta (BI)

Co usas Alteração do m e tabolismo d o s b ilirrubinos

lesões congêmlas

Deficiência de G6PD 1

Esferocitose Produção excessivo lhemólise)

Hemoglobi~opa'ra s

Síndrome de Gilbert

Síndrome de Crigler N ajjor tipo I e 11 Diminuição do conjugação

Doença de Wilson

Porfir1o Entropoiélico Erilropoiese Ineficaz

I esões odquiriaos

Transfusão sanguíneo incompatível


Produção excessivo ihemólise)
Reabsorção de hematomas

Anem1os IFerropriva e pern1ciosol


Eritropoiese ineficaz
Envenenamento por chumbo

Contrastes com agentes iodados

Drogas
Redução do coptoção hepático
Medicamentos

Entorpecentes

Hepatite crônrca persrstente Diminuição do conjugação hepático

1 G6PD - glicose 6 fosfato desrdrogenose.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 427


Quadro 33.10 - Principais condições clínicas relacionadas com elevação da fração conjugada ou bilirrubina d1rera (BD)

Cousas Alteração do metabolismo das bilirrubinos


Lesões congênrtos

Síndrome de Dubin:)ohnson Excreção biliar prejudicado

Síndrome de Rotor

lesões intro·hepáticos

Agressão/lesão hepo:ocelulor: Comprometrmento do etapa de excreção. Coso o lesão ~e per


hepatite viro!, heporte alcoólico, heoorite por drogas. ~eoot petue, os fases de conjugação e captação também poderão
te auto·• munes. doenças me·abólicos. doenças gronu omoto- ser ore1udrcodos
sas, omiloidose e oocleremias
lesões extro·hepálicos

Coleslose obstrutivo intra ou extro·ductois: Redução do excreção de oilirrubino por obs•rução do lroto
coledocolitíose, litíose biliar, mó-formação biliar, colangue biliar
esclerosonte primário. estenose pós·operotórro. doenças
malignos infiltrotivos (hepotocorcinomo, tumor de cabeço de
pâncreas, linfomos). quadros inflamatórios agudos e crónicos

Tabela 33.11 - Valores de referênCia de alfa 1-anmnps1na (AAT) A pri ncipal aplicação clínica da dosagem de cerulo-
pelo mérodo nefeloméuico, de acordo com a fa1xa erána
plasmina é no d iagnóstico da doença de W ilson, que é
um raro defeiro aucossômico recessivo na regulação do
Unidade Con· Unidade lnter·
Faixa etária vencional nacional metabolismo do cobre. caracrerizado por decréscimo da
mg/ dL g/ L concem ração sérica e aumemo da concemração uriná-
Neonolo 145. 270 1,45. 2.70 ria de ceruloplasmina e pelo acúmulo de cobre em vários
tecidos. como fígado, córnea, rins e cérebro. O acúmulo
Adulto 78.200 078.200
de cobre no parênquima hepático pode levar à cirrose.
> 60 anos 11 5 .200 1,15·2,00 A concentração sérica de ceruloplasm1na varia com a
idade. A Tabela 33.12 apresenta os valores de referência.
Conversão de unidade convencionol (mg/dl) poro unidade inter· de acordo com a faixa etária, pelo mérodo nefelométrico.
nocional (g/l): mg/dl x O, 1 = g/l. que é um dos mais utilizados nos laboratórios clínicos.
CERULOPLASM INA
Tabela 33.12 - Valores de referência de ceruloplasmina
É outra glicoproreína reageme de fase aguda, simeti- pelo mérodo imunomérrico. de acordo com a faixa etária
zada pelo fígado. A ceruloplasmina compreende apenas
Unidade Con· Unidade lnter-
pequena porção da faixa 3 (alfa 2-globulina) observada
Faixa etário vencional nacional
na elerroforese de proteínas séricas (Quadro 33.4). Suas mg/ dL !Jmoi/L
prrncipais funções parecem ser de enzima oxidase e arua r 1 dia - 3 meses 5 - 18 50 · 180
como doador de cobre. Na superfície celular. a ceruloplas-
mina catalisa rapidameme a oxidação de Fe2+ a Fe3+ ames 6 meses - 1 ono 33 . 43 330. 430
que ele se ligue à transferrina. Apesar de comer seis a oiro 1 - 7 anos 24 - 56 240 -560
ácomos de cobre em sua molécula. a ceruloplasmina não
> 7 anos 18- 45 180. 450
atua como transportadora desse íon; parece que sua ação
mais importame é de am ioxidame no plasma e tecidos, o
Conversão de unidade convencional (mg/dl) poro unidade n·
que explicaria seu papel nas reações de fase aguda. ternociono (~moi /l) mg/dl x IO = f.lmol /L

428 [M"edicina laboratorial para o clínico


CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS
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Nenhum teste de avaliação da função hepática é Pediatria. 2a ed. São Pau lo: Sarvier; 2000.
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Em oucras situações, o diagnóstico definitivo somente LAG. Granato RG. Repercussões sistêmicas da icrerícia
obstrutiva. Medicina - Ribeirão Preto. 1997;30:173-82.
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10. Robbíns SL. Cotran RS. Patolog1a - Bases patológicas das
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St Lou1s: Saunders; 2006.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática 429


Raimundo Fontenelle Mascarenhas
34
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM PANCREATITE AGUDA

A pancreatite aguda (PA) é definida como "processo gestivas, 15 das quars são proteases. Sob a ação do suco
inAamatório agudo do pâncreas que pode envolver tecidos pancreático. as proteínas são digeridas pelas enzimas trip-
peripancreáticos e órgãos à distância (Aclanra,l992)" e cujas sina, quimiotripsina e elastase. Os li pídeos são digerrdos
alterações emuturais e funcionais podem ser reversíveis. pelas enzimas lipase, fosfoli pase A2 e carboxil esterase. Os
carboidraros complexos são digendos pela alfa-amrlase.
A amilase humana atua na quebra das ligações alfa-1.4-
O PÂNCREAS: ANATOMIA E FISIOLOGIA glicolíticas do amido e outros polissacarídeos complexos.
Entretanto. não é capaz de digerir a celulose, carboidraco
O pâncreas é um órgão abdom~nal de localização complexo que requer beta-amilase para ser hrdrolisado.
recropericoneal. de tamanho e formara semelhantes aos No pâncreas exócrino, os aglomerados de ácinos armaze-
da mão; sua cauda é voltada para o baço e sua cabeça é nam enzimas digestivas na forma de grân ulos zimogênios
envolvida pelo arco duodenal. É macio ao roque e facil- inativos ou em forma de pró-enzimas. Os grânulos são
meme trauma[fzável. Tem amplo supnmento sanguíneo liberados das células acr nares por exocicose dentro dos
diretamente de um tronco da aorta. A drenagem venosa ducros colecores. Outras enzimas. como a amilase. lipase
de suas ilhotas dá-se pela veia porra hepática. e co-lipase, além da ribonuclease, desoxiribonuclease e
Desempenha funções endócrinas e exócrinas. Apro- carboxilescerase. são armazenadas sob a forma ativa.
ximadamente 1% (1 a 1.5 g) do pâncreas consiste de Enzimas proteolíticas, como a tripsina, quimiotripsi-
aglomerados celulares isolados, as ilhotas de Langherans. na, carboxipeptidase A e B e elasrase constituem mars
Elas são responsáveis pelas secreções dos hormônios: de 75% da massa das enzimas digestivas secretadas pelo
glucagon pelas células alfa, insulina pelas células beta, pâncreas. Suas pró-enzimas contêm uma pequena ca-
somarosta[lna pelas células delta e o polipeptídeo pan- deia de aminoácidos que bloqueia seu sítio proteolítico,
creático pelas células-F. prevenindo a ativação inrrapancreática. lnr bidores de
As funções exócrinas pancreáticas são desempenha- proteases também são secretados para neutraliza r qual-
das pelas células acinares, centroacinares e ductais, que quer ativação enzimática prematura intrapancreática .
correspondem a mais de 98% dos 60 a 140 g de massa No duodeno, a enteroquinase (enteropeptidase) que-
pancreática. Suas secreções são drenadas através dos bra as pequenas cadeias de aminoácidos inibidoras das
dúcwlos pancreátrcos para o ducro pancreático e ampo- pró-enzimas, que liberam as proteases ativas e convertem
la de Vater formada de sua junção com o dueto biliar. pró-tripsina em tripsina ativa. Esta, a partir de mecanismo
O pâncreas exócrino produz pelo menos 22 enzimas di- em cascata, promove a ativação de outras pró-enzrmas.
Adultos normais secretam cerca de dois a três litros ou venenos. isquemia ou transporte intracelular defeitu-
por dia de suco pancreático. incolor e transparente. rico oso de pró-enzimas no interior da célula acinar. O álcool
em enzimas e comendo de 120 a 300 mmol de bicarbo- interfere na secreção pancreática. pois induz a obstrução
nato. Amilase e lipase estão presentes em concentrações duccal por deposição excessiva da proteína GP-2.
extraordinárias de cerca de 500.000 a 1 milhão de U/ L
As células ductais e cemroacinares secretam água e
eletrólitos no suco pancreático. O bicarbonato secretado ETIOLOGIA E ETIOPATOGENIA
neutraliza o ácido clorídrico vindo do estômago.
Vários hormônios controlam a secreção do suco A PA é classificada em forma leve. a intersticial; ou
pancreático: a colecisroquinina ou CCK. a secretina e a grave, a necrosante. As formas leves correspondem a
gastrina. A distensão do duodeno por al1mento ou por 85-90% dos casos e têm mortalidade aproximada de
álcool leva à liberação de todos os três hormônios. Gor- 2%. Em 10% dos casos ocorrem necrose e evolução gra-
duras e álcool são particularmente ativos estimulantes ve. com mortalidade alta de 20 até 70%. A forma grave
da secreção de secretina . Existe também um mecanis- é complicada com necrose. coleção líquida. pseudocis-
mo de retroalimentação negativa na alça duodenal; a ro, abscesso ou fístula envolvendo os tecidos peripan-
cripsina liberada como conseqüência da liberação de creáticos. As repercussões siscêmicas desse quadro são:
CCK tem. posteriormente. uma ação inibitória na secre- insuficiência respiratória. insuficiência renal ou choque.
ção de CCK. O pepcídeo vaso-ativo intestinal. em inglês As causas mais freqüentes de PA estão relacionadas
VasoactiVe lntestmal Peptide (VIP). é estruturalmente com litíase biliar até 45% e uso de álcool em corno de
semelhante à secretina e glucagon. o que provavelmen- 35%. A microlitíase biliar diagnosticada por tomografias
te explica a sua ação sobre o pâncreas. A somaroscat1na ou ulcra-sons abdominais correspondem. hoje. à gran-
cem efeito inibitório sobre todas as secreções pancreá- de parte das que eram diagnosticadas como id1opát1ca.
ticas exócrinas e oucras fu nções gastrinrestinais. Apesar disso. somente 1 a 8% dos pacientes com litíase
biliar desenvolvem PA. As causas iatrogênicas por pro-
cedimenros cirúrgicos ou diagnósticos como colangio-
FISIOPATOLOGIA DA PANCREATITE AGUDA pancrearografia-retrógada (CPR) podem constituir até
3-5% das PAs. Nos demais casos devem-se descartar as
Na pancreatice aguda, ocorre a ativação das enzimas possibilidades de causas medicamentosas com uso de
pancreáticas que levam à autodigestão tissular e inflama- azatioprina. didanosina, penramidina; traumas d1retos e
ção local. Esses mecanismos podem 1ndum a síndrome da em transplantes de órgãos e cirurgias abdominais; do-
resposta inflamatóna sistêmica (SIRS). O processo inicia-se enças metabólicas como hipercalcemia e hlperuiglice-
pela acivação de enzimas proteolítlcas (hidrolases lisosso- ridemia. infecções virais como cicomegalovíirus (CMV)
mais) no interior das células pancreáticas levando à degra- e caxumba; ascaridíase e alterações anacômicas como
dação de zimogênios com quebra de tripsinogênio em trip- pâncreas div1sum e coledococele.
sina. A tripsina tem a capacidade de ativar outras enzimas.
como a pré-calicreína, a pró-fosfolipase A2 e a pró-elastase.
O sistema das cin1nas. as cascatas do complemento e da FATORES DE RISCO
coagulação são acivados pela calicreína, conduzmdo à res-
posta inflamatória celular local e efeitos sistêmicos. como São fatores de risco: a ingestão de álcool. a má-nutrição
vasodilatação. aumento da permeabilidade capilar e coagu- e a obesidade. Quanto a idade e sexo. a idade média de
lação intravascular d1sseminada. A fosfolipase A2 promove ocorrência varia de 30 a 70 anos, sendo de 30 a 40 anos na
desintegração das células adiposas e a elascase danifica as etiologia alcoólica e de 40 a 60 anos nas de etiologia por
fibras elásticas dos vasos sanguíneos. lidase. A origem biliar predomina em mulheres. enquanto
Esse mecanismo pode ser desencadeado por diver- a etiologia alcoólica é mais freqüenre no sexo masculino.
sos facores. como a obstrução aguda do ducro pancre- A incidência é maior entre afro-americanos. sendo até três
ático. dano primário à célula acinar. exposição a toxinas vezes mais comum do que na população branca.

432 [ Medicina laboratorial para o clínico


Amostra
A história de etilismo em homens com ingestão de
mais de 150 g por dia por mais de três anos sugere a
hipótese de PA alcoólica. A associação com litíase biliar Soro ou plasma heparinizado são preferíveis. apesar dos
deve ser suspeitada em mulheres com idade superior a relatos de valores significativamente mais elevados de ami-
50 anos, não etilistas e com queixa de dor abdominal lase em amosuas heparinizadas submetidas aos métodos
após refeições copiosas. de dosagem por química seca. Alfa-amilases são metaloen-
zimas que necessitam de íons cálcio e cloretos como co-fa-
rores; por causa disso. anticoagulantes que quelam o cálCIO,
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS como citrato, oxalato e EDTA. não devem ser empregados.
Quando a dosagem da amilase é realizada em amos-
Geralmente, os pacientes apresentam dor abdominal tras de urina, deve-se também determinar a creatinina
súbita, imensa. localizada no andar superior e méd1o, po- na mesma amostra. O resultado será reportado como
dendo ser estritamente epigástrica, mal definida. contí- relação amilase/creatinina (U/g), com o objetivo de com-
nua, com piora na posição supina e com irradiação para pensar as variações de atividade enzimática encontradas
o dorso em cerca 50% dos casos. A associação com náu- em amostras de diferentes micções. Outro reste utiliza-
seas e vômitos é freqüence. Pode haver, mais raramente. do é a relação entre a depuração renal da amilase e a de-
a típica dor em faixa no abdome. Os achados ao exame puração de creatinina calculada pela seguinte fórmu la:
clínico que favorecem o diagnóstico são: distensão ab-
dominal com ou sem massa epigástrica palpável. febre. Reloçõo % • omilose no urino (U/ l) x creolinino soro (mg/ dl)x
100
omilose soro (U/ll x creolinino no urino (mg/ dl)
taquicardia, sinais evidentes de desidratação, equimose
periumbilical ou sinal de Cullen e /ou equimose nos flan-
cos ou sinal de Grey-Turner. ambos relacionados à doen- Essa relação é mais sensível e específica que a dosa-
ça grave. A presença de ascite sugere fístula pancreática. gem isolada dos níveis de enzima e pode ser utilizada no
diagnóstiCO diferencial das hiperamilasemias. As amos-
tras de urina devem ser armazenadas entre 2 e 8°( e co-
ABORDAGEM LABORATORIAL DA lhidas sem preservativos, assim como os outros líqUidos
PANCREATITE AGUDA corporais destinados à análise.
Em amostras séricas livres de contaminação bacce-
A avaliação laboratorial da PA utiliza como marcador riana, a amilase é estável por uma semana quando con-
a dosagem das enzimas pancreáticas que extravasam para servada à temperatura ambiente e por até dois meses se
o sangue em conseqüência do processo de autodigestão refrigerada entre 2 e 8° C. A estabilidade em amostras
e tnflamação do pâncreas.A entrada de pequena quanti- urinárias refrigeradas é semelhante
dade de suco pancreático na corrente sanguínea, ocasiona
considerável aumento das enzimas pancreáticas no san-
gue, devido ao gradiente de 10.000:1 entre suco pancre- Metodolog ia
ático normal e o sangue normal As que são dosadas na
prár1ca clínica. por sua praticidade. são a amilase e lipase. Existem relatos de mais de 200 técnicas diferentes
empregadas na determinação da atividade da alfa-ami-
lase e, independentemente dos substratos utilizados, de-
AMI LASE vem fornecer pH ótimo entre 6,9 e 7,0, além de íons cál-
cio e cloretos. Os mérodos sacarogênicos e cromolíticos
A atividade total da amilase sérica é resultante de são mais comumente utilizados devido à sua facilidade
duas isoenzimas denominadas P e S. de origem pancreá- de automação, mas as técnicas rurbidiméuicas e nefe-
tica e salivar, respectivamente. A hiperamilasemia resulta lométricas. de importância histórica, e os que utilizam
do extravasamento excessivo da enzima para a circula- fluorescência polarizada, por exigirem Instrumentação
ção sanguínea e da redução no seu clareamemo renal. especializada, são raramente utilizadas.

Investigação la bo ratorial do paciente co m pancreatite aguda 433


Nos mérodos sacarogênicos utilizam-se substratos Quadro 34.1 -Valores de referência para amilase sérica se-
polissacarídeos que. sob a ação da alfa-amilase. liberam gundo o méwdo utilizado
glicose em quantidade dtretamente proporcional à sua
Método (substrato), 37° C Intervalo de referência
atividade sérica. Nos cromolíticos. um corante ligado ao
IFCC lmoltoheptose, PNP) 24 · 65 U/L
subsuaro é liberado sob a ação da enzima.
Bedmon omylose DS 2 · 131U/L
No Brasil, a técnica mais utilizada é a iodométrica,
Phodebos lpolimeroomido azul 70 · 300 U/l
que monitora o desaparecimento do amido a partir da insolúvel)
sua reação com o iodo após certo tempo de hidrólise. A
Abbott TDX (omilopectino· 33 · 122 U/L
absorbância medida após o período de reação é inver- fluoresceíno)
samente proporcional à atividade da ami lase na amos- Vitros Ektocrem lomilopectino) 30 110 U/L
tra utilizando comprimento de onda de 660 nm. As BMD· olfo·omiloseEPS, Sigma < =220 U/L
principais vantagens desse mérodo são o baixo cusro, l4·nilrofentlmoltoheplose)
a facilidade de obtenção de substraros, a simplicidade MercK olfo-amilose 12-do· < =225 U/L
e rapidez da técntca, além da sua boa sensibilidade. A ro4NPMHOS·2·doro·PNP)

dificuldade de estabilização do reagente de amido é a Du Ponl oco imoilopenlose) 23 · 85 U/L


principal desvantagem. Dode·Behring (PNP·molopenlose Adulto:20 · 104 U/ L
e mailohexose) > 90 anos 25 · 147 U/L
Nos laboratórios que utilizam automações de médio e
Beckmon·Coulter 15ET·G7-PNP) O 46 U/L
grande porre. há preferência pelos métodos cromolíticos,
CIBA Corning IG7-PNP) 16 · 108 U/L
como o nirrofenol (CNPG). Nesta metodologia, a amilase
da amostra hidrolisa o substrato a.-(2-cloro-4-nitrofenil)- 13- Bayer ADVIA IG7·PNP elllideno) 20 · 104 U/L

1.4-galactoptranosilmalroside (Gai-G2-a.-CNP), liberando Cinélico Infinito 15 E·G7·PNP). 3r C 35 · 140 U/L


Hilochi 30° C : 27 · 108 U/ l
2-cloro-4-nttrofenol (CNP) e 1.4-galaccopiranosilmaltostde
Corowoy liodomélrico, cinélico 3r c. 60. 160 U/dL
(Gai-G2). A veloctdade de formação de 2-cloro-4-nitrofe- colorimétrico)
nol pode ser medida forometricamente e proporciona a
Cinético Infinito 15 E·G7-PN P): 3r c : 25 - 114 U/L
medida tndireta da arividade de a -amilase na amosua. Olympus

o.Amilase
Gal - G2 -a- CNP + Hp .!=:==::::; Gai-G2 + CNP LI PASE

Lipases são definidas como enzimas que hidrolisam


Intervalos de referência
ésreres de glicerol e ácidos graxas de cadeia longa. A hi-
drólise completa de triglicérides gera uma molécula de
Os tntervalos de referência variam de acordo com glicerol e crês de ácidos graxas. Somente os ésteres liga-
dtferentes substratos e metodologias empregadas. Nas dos aos carbonos 1 e 3 (posições a.- e a.1 -) são hidroli-
técnicas sacarogênicas e iodomérricas. os valores nor- sados e os produros da reação são dois moles de ácidos
mais são inferiores a 160 U/L para indivíduos adultos, graxas e um moi de 2-acilglicerol (13-monoglicerídeo)
sem diferenças significativas entre os sexos. Nos méto- por moi de substraro. O 13-monoglicerídeo é resistente
dos cinéticas, aucomatizados ou de química seca, os à hidrólise devido à sua configuração espacial, mas sua
níveis são inferiores a 220 U/L. isomerização esponcânea para a a -forma (3-aetlglicerol)
Em recém-nascidos, a atividade sérica normal permite a liberação do terceiro ácido graxa numa taxa
da amilase é aprox imadamenre 18% da observada mais lenta. Os sais biliares e a co-li pase pancreática são
em adultos, já que pouca ou nenhuma am ilase de fundamentais para a formação dos micélios, que apre-
origem pancreática na circulação é detectada. Após sentam o substraro para ação da lipase com alta afinida-
essa idade e progressivamente até os quatro anos, de. Apesar de grande parte da lipase sérica ser de origem
os níveis encontrados nos adultos são atingidos pancreática, alguma porcentagem provém das secreções
(Quadros 34.1 e 34.2). das mucosas lingual. gástrica, intesti nal e pulmonar.

434 [ Medicina laboratorial para o clínico


Quadro 34.2- Valores de referência para a amilase unnána dos subsrratos, uso de co-enzimas, sais biliares. tampões
segundo método laboracorial milizado e métodos de monitoração contínua de pH e tempe-
ratura. Ainda hoje são os méwdos de referência para
Beckman DS· BMD 1-17 U/ h
calibração desses ensaios. Ouuos restes utilizando equi-
Phadebos (polimeroamido azul 170-2000 U/L
insolúvel)
pamentos mais simples e baratos empregam diversas
mecodologias, como curbidimecria, colorimecria. espec-
Abboll TDX [amilopectina·fluoresceína) 5-27 U/ h
croforometria, fluorimetria e imunoensaios.
Vitros Ektocrem (Drmorene vermelho 32-641 U/L
Z2B, omilopeclinol
BMD· alfo·omilosecPS Avulso 0· 1000 U/L.
Sigma (4-nitrofenilmo toheptoosel 24h=0·900 U/dro Intervalos de referência
MercK olfo-amilase s:l 200 U/L
(2-cloro4NPMHOS·2·cloro·PNPI O intervalo de referência varia dependendo do mé-
Du Pont oco (mo topentosel 4-37 U/ 2h todo utilizado (Quadro 34.3).
Beckmon·Coulter (5EFG7·PNPI s:320 U/L
CIBA Corning (G7-PNP) 0 -14 U/ h Quadro 34.3 - Valores de referência para ilpase sérica se-
Boyer ADVIA (G7-PNP etilidenol s:650 U/L gundo o mérodo utilizado
Cinético Infinito 15 E-G7-PNPI· Hitochi 1 -17 U/ 2h
Cinético Infinito (5 E-G7·PNP): Olympus JrC : 4 ·50 U/ h
Método (substrato), Jr C Intervalo de referência
Re oção omilo~e urinóllo/creotrmno até 400 U/g Cherryüondoll 0·1,5 U/ml
urrnório 14·280 mUI/ml

Relação depuração do omrlose/ depu· 1,0 · 4,0 % lluloção 37-' C. pH slot < 200 I com triole:nal
ração do creotrnrno < 160 I com oze1te oe ol vai
Fluorimétrico Progen Conflu· O· 120 mU/ L
Ajustar a amostra para pH alcalino ames de rerrrgerar lip (glicerídeo fluorescente)
Fonte: Adaptado de Wu AHB. T1et1 Ciln1cal Cu1de to laboratory le<t\ (2006)
BMD (1-oleorl·2.3·d ocetilgli- 23 · 300 U/ l
cerol)
Amostra
Colorimétrico (1, 2·o-dioluril- 13- 60 U/ L
roc-glicero·3·glutoroto ·
6-metil-resorfurinal
Podem ser utilizadas amostras de soro ou plasma co-
Turbiormétrico (Tr1o1eho· co· < 190 U/L
lhido em hepan na líttca ou sódica e líqutdos btológtcas. lipose optmizodo)
Anticoagulantes como EDTA, oxalato e citrato devem Vitros Ektochem 11-oleoil-2,3 40-375 U/ L
ser evitados por redumem a attvidade da lipase. Hemóli- diocetilglicerol)
se e icterícia intensa podem interferir na reação. Point Screntrfic (1.2-dioceroll < 60 U/L
A lipase no soro é estável por uma semana se con-
Alpho Diognostic lnternotio· 26 - 150 U/L
servada à temperatura ambiente; por até Lrês meses sob nol (ELISA: lipose ABI
refrigeração; e por vários meses se congelada a -20° C. A
contaminação bacteriana pode resultar em aumento na rome Adaptado de Wu AHB. T e:1 Chn cal Cu1de ro labomor~ l c<.:s (2006)

ativtdade de lipase.
Líquidos de derrames cavitários. pleural ou peritone-
INTERPRETAÇÃO DOS
al podem também ser utilizados.Na urina não é indicada
ACHADOS LABORATORIAIS
pois, a atividade da ltpase não é detectada devido à sua
provável inativação. embora sua excreção seja renal.
O moniroramenro da pancreacice aguda é realizado
Metodologia não apenas com a dosagem das enzimas pancreáticas
mas, rambém, oucros tesces laboratoriais para a valiar a
Técnicas tituloméuicas. como a pioneira de Cherryl repercusão sistémica do processo inflamatóno agudo, a
e Crandall (1932). foram aperfetçoadas com a ottmização gravidade, a evolução e o prognóstico.

Investigação laboratorial do paciente com pancreatite aguda 435


ENZIMAS PANCREÁTICAS
enzimáticas em múkiplos dos valores superiores de refe-
rência para cada uma das enzimas. Assim, por exemplo,
Elevações séricas das enzimas pancreáticas, amilase valores de relação lipase/am ilase superiores a duas vezes
e lipase três vezes acima do maior valor de referência sugerem causa alcoólica. Já a origem biliar é suspeitada
(MVR) sugerem PA. A lipase é mais específica e perma- quando se observam grandes elevações dos níveis da
nece elevada por períodos mais prolongados em opo- amilase associados a elevações de ALT, superiores a três
sição à amilase, que pode ter seus níveis reduzidos ou vezes seu lim ite superior de referência. Nessa situação, os
normalizados após 24-48 horas. testes bioquímicos podem refletir o caráter inrermiteme
A determinação simultânea dos valores séricos de ou persistente da obstrução biliar e orientar a terapêuti-
amilase e lipase oferece boa precisão diagnóstica para ca. A presença de cálculo na via biliar comum é acompa-
PA. com sensibilidade e especificidade de 90-95%. Em nhada de elevação nas dosagens de bilirrubina, fosfatase
geral, grandes elevações nos níveis de enzimas não se alcalina e dos marcadores de lesão hepacocítica (AST e
correlacionam com a gravidade da doença. No início do ALT), além dos níveis de amilase que atingem de 2.000
processo inflamatório, já nas primeiras horas, a amilase e a 4.000 UI/L. Concentrações persistentemente altas de
a lipase séricas elevam-se e os níveis de amilase no soro enzimas canaliculares e hepatocelulares indicam a per-
atingem o pico em no máximo 48 horas após a cons- manência do cálculo na via biliar, enquanto a flutuação
tatação do quadro clínico. Após a fase aguda, a amilase desses valores sugere obstrução intermitente.
sérica reduz-se mais rapidamente que a lipase. Elevações Na avaliação da amilasemia, devem ser consideradas
dos níveis de amilase que persistem por mais de sete outras condições clínicas nas quais se observa elevação
dias constituem indício de complicação e evolução para dessa enzima, como: ruptura de vísceras ocas, insuficiência
abscesso ou pseudocisto (Figura 34.1). renal e inflamação das glândulas salivares, macroamilase-
Aproximadamente 20% dos pacientes com PA po- mia, obstrução intestinal, colecistite aguda, neoplasia ou
dem apresentar níveis normais ou pouco elevados de infarw pancreático, drogas como a morfina, entre outras.
amilasf> sérica. principalmente os portadores de hiper- Porém, nessas condições. a amilasemia raramente esta-
lipidemia ou aqueles em que a pancreatite é letal, com rá elevada além de três vezes o maior valor de referência
grande destruição glandular. (MVR) e a lipasemia estará dentro da normalidade. A ma-
Como a excreção urinária da enzima permanece croamilasemia é uma condição benigna e sem expressão
elevada por vários dias após a rem issão do quadro clí- clín1ca que acomete l a 2% da população e é decorrente da
nico, a determinação da amilasúria possibilita identifi- formação de complexos entre a amilase e as imunoglobuli-
car um episódio de PA amerior. O melhor teste a ser nas das classes lgG e lgA. Devido ao grande tamanho. esses
utilizado é a relação da depuração da am ilase urinária/ imunocomplexos não são fi ltrados pelos glomérulos renais
depuração da creatinina urinária e valores superiores a e as enzimas permanecem em circulação por um tempo
10% sugerem fortemente pancreatite aguda. A lipase, acima do habitual, resultando em hiperamilasemia.
porém, é o melhor indicador de pancreatite nos pa-
cientes examinados dias após o início da crise. A amila-
se pode ser dosada paralelameme nos líquidos ascítico PROTEÍNA C REATIVA (PCR)
e pleural, com a finalidade de idemificar perfurações
intestinais ou esofágicas. Nessas situações, os níveis A proteína C reativa é um indicador laboracorial de
da enzima são crês a lO vezes mais altos nos derrames gravidade nas PA, tendo valor prognóstico independen-
quando comparadas com o soro. A lipase também te. Valores superiores a 210 mg/L nos primei ros quatro
pode ser determinada em líquidos de derrames cavi- dias do quadro ou superiores a 120 mg/L no final da
tários, mas tem valor diagnóstico apenas quando seus primeira semana são valores preditivos positivos. equiva-
níveis são crês vezes superiores aos séricos. lemes aos dos escores prognósticos mais utilizados, com
A relação lipase/amilase pode ser útil em diferenciar precisão em torno de 80%. O valor preditivo negativo
as pancreatites de etiologia alcoólica ou biliar. Essa ra- é de até 94%. se os níveis de PCR forem inferiores a 150
zão deve ser calculada transformando-se as atividades mg/dl nas primeiras 48 horas do processo agudo.

436 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - -- -- -- - - - - - -- - -- - - - - - - - -- - -


6

AMILAS E
5
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LIPASE
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o 4h Sh 12h lóh 20h 24h 36h 48h 72h 7 dias 14 dias

Tempo
Figura 34.1 - Modelo gráfico da anvidade enzimátiCa da amilase e lipase na pancrearite aguda de evolução ben1gna.

Exisrem relaros do emprego de ourros marcadores ções de glucagon, carecolam inas e glicocorricóides são
mflamarórios para avaliação da gravidade e prognós- maiores. Enrreranro. a hiperglicemia de jejum persisreme.
rico das PA. mas nenhum referendado pela prárica. superior a 200 mg/dl. pode refiem a insralação de um
Um resre urinário rápido para pesquisa do peprídeo processo necrosante.
arivado pelo rripsmogênio pode ser uma alrernariva
viável no fururo.
CÁLCIO SÉRICO

H EMOGRAMA A hipocalcemia pode ser norada por volra do segun-


do ou rerceiro dia de insralação da doença e raramente
Comumenre. com o seqüesrro de líquidos do é grave. Níveis de cálcio inferiores a 7.0 mg/dl indicam
comparrimemo imravascular. observa-se elevação do pior prognósrico.
hemarócriro na admissão, que rende à normalização
com a correra reposição hídrica. A queda persisreme
do hemarócriro implica a busca por focos hemorrági- GASOMETRIA
cos. A leucocirose é freqüeme nas pancrearires graves
e pode ocorrer reação leucemóide. mesmo na ausên- Uma queda progressiva na p02 arrerial. que ocorre
cia de infecção. durante vários dias após o iníoo dos sintomas. sugere
complicação sisrêmica e evolução para edema pulmo-
nar e síndrome da angúsria respirarória do adulro. Ourro
GLICEMIA achado é o déficir de base.
A presença de azoremia pré-renal e hipóxia e a persis-
A hiperglicemia leve e rransirória pode ser aparente, rência de hipocalcemia e hiperglicem1a acentuadas esrão
sobrerudo durante o 1nício do araque. em que as libera- relacionadas a quadros mais graves da doença.

Investigação laboratorial do paciente co m pancreatite aguda 437


CONSIDERAÇÕES FINAIS 5. Diener JRC. Rosa CM, LlnS S. Ava nços no manuseio da
Pancreatite Aguda. RBTI. 2004;16:261-S.
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Gasuoenrerolog1a do Hospital Universitário Clemenrino
aguda. são indispensáveis as determinações dos níveis Fraga Filho.
séricos de amilase e lipase. A monicoração desses dados 7. Lott J A.The pancreas: funwon and chemical patholo-
complementada pelas avaliações hemodi nâmicas, gaso- gy. ln: Kaplan LA. Pesce AJ. ed1tors. Cil n1cal Chem1stry.
métricas, do equilíbrio hidroelecrolítico. distúrbios meta- Theory, Analys1s, Correlation. Sr. Louis: Mosby; 1996. p.
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bólicos. do minucioso exame clínico e do emprego crite-
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rioso do diagnóstico por imagem são responsáveis pelos diagnóstico. Medicina (Ribe1râo Preto). 2003;36:266-82.
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rawrial - Gu1as de Med1c1na Ambulawnal e Hospitalar 11. Rosa I, Pa1s MJ. Fánma C. Que1roz A Pancreame Aguda:
UNIFESP I Escola Paulista de Med1c1na. São Paulo: M a- ac tualização e proposta de prowcolos de abordagem.
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and newer approaches w elevat1on. Ann lntern Med. creame Aguda: atualização de Conceiws e Condutas.
1980;26:235-64. Med1c1na (R1beirão Prew). 2003;36:266-82.
3. Borges DR. Silva MRL. Enz1mas. ln: Carraza FR. Andnolo 13. Scelza A Pancreanns Aguda. D1sponível em: http://www.
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4. Chelb1 JM F. Ferrari AP, Silva MRR. Borges DR. Micro- Devlin TM. ediwr. Textbook of biochemistry w1th clin i-
cristais bd1ares na Pancreatite Aguda Idiopática: indí- ca l correlations. New York: Wlley-Liss; 1997. p. 127-78.
cio para et1olog1a biliar subJaCente. Arq Gastroenrerol.
2000;37(2):93-101

438 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - -- - - -- - -- - - - - - -- - - - - - -- - - -- -


Pedro Guatimosim Vidigal
35
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM
DISFUNÇÃO RENAL

FORM AÇÃO DA UR INA


Os rins, órgãos pares localizados no espaço recro-
peritoneal enue a 12• vértebra rorácica até a terceira
vértebra lombar, apresentam intrincada estrutura que O sangue entra nos rins pela artéria renal. seguindo
reflete a com plexidade de suas propriedades funcio- por diversas ramificações desta até as arteríolas efe-
nais. Cada rim contém cerca de 8 a 12 x 105 nefrons, rentes, onde alcança os glomérulos. Nestes, inicia-se a
a unidade funcional do rim. O nefron é constituído formação da urina com a filtração do plasma sangu í-
de um glomérulo, o u corpúsculo renal, que inclui um neo acravés da cápsula de Bowman. O filtrado, deno-
enovelado de alças capilares envolvidos pela cápsula minado ulcrafiltrado ou filtrado glomerular, apresenta
de Bowman e um sistema tubular, composco pelos tú- a mesma composição do plasma, exceco pela ausência
bulos contorcidos proximais, alça de Henle e túbulos de moléculas de peso molecular superior a cerca de
contorcidos distais, que leva aos tubos colerores na 70.000 dalcons. Como contém a maioria dos solutos
pelve renal. presentes no plasma, o ultrafiltrado apresenta a mes-
ma osmolaridade do plasma (gravidade específica ""'
1,010). Diariamente, são produzidos cerca de 200 L de
A FUNÇÃO RENAL uluafiltrado, porém apenas 1 a 2 L de urina são elimi-
nados por um indivíduo sadio. Portanto, a maior parte
Os rins desempenham crês funções fundamentais: do filtrado glomerular é reabsorvida durante sua pas-
excrecora e reguladora - relacionadas à formação da sagem pelo sistema tubular renal, fazendo com que a
urina - e a endócrina. Na urina são eliminados os ca- urina apresente uma composição bastante diferente
tabóliros, como: creatinina, uréia, ácido úrico e outros daquela do filtrado in icial (Tabela 35.1).
ácidos inorgânicos, drogas e coxinas exógenas. A fun- No túbulo contorcido proximal ocorre reabsorção
ção reguladora desempenha importante papel na ho- de 60 a 80% de líquido e eletrólitos do fi ltrado glo-
meosrase, controlando a absorção e excreção de água, merular. A maior pa rte da água é reabsorvida passi-
sódio, potássio, clorero, cálcio, magnésio, hidrogênio, vamente, junto com o sódio que é reabsorvido por
bicarbonaco, fosfacos, sulfacos, uratos. O rim pode ser mecanismo ativo. O clorero, bicarbonaro, potássio
considerado um órgão endócrina tanto primário, pois e 40 a 50% da uréia são reabsorvidos passivamente
produz a ericropoetina, renina e prosraglandina, quanto JUnto com a água. Outros analitos são reabsorvidos
secundário, pois é alvo da ação de hormônios como arivamente nessa região, incluindo: glicose, proteínas,
paratormônio, aldosrerona e hormônio anridiurético. aminoácidos, ácido úrico, cálcio, potássio, magnésio
Tabela 35.1 - Compostção da urina de indivíduos sadios A reabsorção de sódio é comrolada pelo hormônio
aldosterona. A aldosterona estimula a reabsorção ativa
Constituinte Quantidade de íons sódio em uoca de potássio, que é excretado pela
Ácido úrico 300 - 800 mg/24 h bomba de sódio/potássio presente nas células tubulares.
Albumtno <15- 30 mg/L Na presença de fatores, tais como, hipOtensão, concen-
tração plasmática baixa de sódio ou elevada de potássio,
Bilirrubina Não detectável
as células do aparelho JUStaglomerular, localizado na pa-
CálCIO 100 - 240 mg/24 h rede da arteríola aferente do glomérulo, secretam o hor-
mônio renina na circulação. A renina leva à formação de
Cetonas <50 mg/L
angiotensina 11 a pa rtir do angiotensinogênio produzido
Creotmino 1,2- 1,8 g/24 h pelo fígado e encontrado habitualmente na circulação. A
Glicose <30 mg/dl angiorensina 11 é um potente vasoconstritor e, também,
o principal estimulador da produção de aldosterona pe-
Dens'dode 1005- 1030 las glândulas adrenais.
Fósforo 0.9 - 1,3g/ 24 h As células do túbulo contoretdo distal partietpam da
manutenção do equilíbrio áetdo-básico a partir da secre-
Os maioridade >600 mOsm/L
ção de amônta para o lúmen tubular, seguida da troca de
pH 4,7-7.8 íons sódio por íons amônio. A amónia, formada da deami-
Potássio 30 - 100 mEq/24 r nação da glutamina nas células tubulares, difunde para o
lúmen e combtna com íons htdrogênto secretados pelas
Proteína total 30-150 mg/24 h células tubulares, formando íons amónio. Estes combtnam
Sódto 85 - 250 ,Eq/ L com íons cloreto e sulfato para formar sais neutros. Esse
mecantsmo permite a excreção de grande quantidade de
Uréio 7- 16g/24 h
íons hidrogênto e amónio em troca de íons sódio influen-
Urobilinogênio <1mg/L ciando significativamente o pH da urina (ver capitulo 42).
O túbulo coleror corresponde ao local final de con-
centração ou diluição da urina. O filtrado que sai do túbu-
e fosfaro. O túbulo proximal apresenta capacidade lo contoretdo e entra no túbulo coleror é ainda isosmo-
de reabsorção limitada, denominada limiar de reab- lar em relação ao plasma. Sob a influência do hormónio
sorção renal, que varia para cada analim. Quando a antidiurético (ADH), produzido pela glândula pituitária
concentração de um dado analiro é maior que seu em resposta ao aumento da osmolaridade do plasma, o
limiar de reabsorção, este permanecerá no lúmen cu- túbulo coleror se torna bastante permeável à água, redu-
bular e será eliminado na urina. Outros produros são zindo a sua excreção (efeito antidiurético). Na ausência
excretados no túbulo contorcido proximal. incluindo de ADH, a água não é absorvida e ocorre a produção de
íons hidrogênio, fosfaros, ácidos orgânicos e algumas urina diluída. O líquido que deixa os cubos colerores é
substâncias exógenas (pen icilina, salicilato, man irol e considerado urina. A partir destes, através dos ureteres,
contraste radiográfico). a urina alcança a bexiga, onde é temporariamente arma-
A alça de Henle promove a reabsorção de água por zenada antes de ser eliminada pela uretra.
meio do mecantsmo de contracorrente, que cria um
gradiente de hiperrontcidade no interstícto da medula
renal, influenciando a concentração da unna. EXAMES LABORATORIAIS NA
O túbu lo contorcido distal está relaetonado a duas AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL
importantes funções renais: manutenção do balanço hi-
droeletrolítico e do equilíbrio ácido-básico, a partir da O processo de diagnóstico do paciente com di srun-
reabsorção final de sódio e da excreção do excesso de ção renal é bastante dependente dos exames laborato-
ácido, respectivamente. riais, uma vez que a maioria das doenças renais é assin-

440 ( Medicina laboratorial para o clínico


comática ou oligossimomática até que se renha lesão Quadro 35.1 - Considerações para a realização e interpre-
significativa do tecido renal. Investigação laborarorial a tação do exame de urina de rotina
partir do exame de urina de rorina, das dosagens séricas
1. Princípio básico dos lestes
ou plasmáticas de creatinina e uréia e da pesquisa de mi-
2. limiloções dos lesles
croalbuminúria permitem, com freqüência, o reconhe- Especificidade para a subslõncia pesquisada
cimenco inicial de disfunção renal associada a uma das Sensibilidade ou limile de delecçào
síndromes renais. Outros ensaios, como a avaliação da 3. Influências pré·analílicas e falares inlerferentes capazes de
taxa de filtração glomerular e a determinação da pro- causar resuhados falso-negolivo ou folso·positivo
teinúria de 24 horas, auxiliam na confirmação dessa pri- 4. Etapas críticas e considerações do procedimenlo anolílico
meira impressão. Adicionalmente, esses exames são úteis 5. Significado clínico dos resuhados e suo correlação com
oulros achados do exame de urina
no acompanhamento da progressão da doença renal.
Propedêutica complementar (laboracorial, por imagem e
urológica) pode ser necessária para o diagnóstico defini-
tivo e específico da doença renal. A fase pré -analítica

A qualidade da amostra é fundamental para a exa-


EXAME DE URINA DE ROTINA cidão do exame de urina, portamo, codos os cuidados
devem ser comados para que seja colhida, armazenada e
É realizado numa amostra de urina humana para transportada adequadamente.
determinar suas características físicas e químicas e
para verificar a presença de estruturas celulares e de Métodos de cole ta de amostras de urina
outra origem. O exame de urina é conhecido com ou-
tras denominações, tais como, urina rotina, sumário de A amostra de escolha para realização do exame de
un na, urina do tipo 1, EAS (elementos anormais e sedi- urina é a primeira urina da manhã, colh ida pela técnica
mento), EQU (exame químico de urina), ECU (exame de jaco médio, após período não inferior a quatro horas
comum de urina), urina parcial e PEAS (pesquisa dos de permanência da urina na bexiga para promover sua
elementos anorma1s e sedimento). O termo "exame de concentração. É recomendado que a coleta não seja
urina de rorina" é o que será adotado nesse capítulo, realizada após exercício físico vigoroso e/ou ingestão
por ser o mais apropriado. excessiva de líquido. Recomenda-se também, a coleta
A análise da urina para o diagnóstico de doenças cem em jejum para reduzi r a diu rese e obter-se a amostra
sido usada por muiros séculos, sendo um dos procedi- mais concentrada.
mentos laboratoriais mais antigos utilizados na prática Na impossibilidade de se colher a primeira urina da
médica. A amostra de urina pode ser considerada uma manhã, pode-se obter, alternativamente, amostra de
"biópsia" do trato urinário, obtida sem a necessidade de urina dita aleatória. Neste caso, a coleta pode ser fei-
procedimento invasivo. Seu exame fornece informações ra em qualquer momento do dia. A amosua obtida de
1mporrames, de forma rápida e econômica, seja para o colheita aleatória pode ser usada para a análise, porém
diagnóstico e monitoramento de doenças renais e do tra- está mais freq üentemente associada a resultados falso-
to urinário, seja para a detecção de doenças siscêmicas e negativo ou falso-positivo. Visando minimizar esses
metabólicas não diretameme relacionadas com o rim. resultados, recomenda-se que a amostra de urina seja
Como qualquer outro procedimento laboratOrial, o colhida após período igual ou superior a quatro horas
exame de urina de rotina necessita ser cuidadosamente da última micção.
realizado e apropriadamente controlado, utilizando pro- Outros mécodos de coleta de urina incluem: cate-
cedimentos padronizados de coleca, armazenamento e terismo vesical, punção suprapúbica e o uso de sacos
análise. O Quadro 35.1 inclui aspectos que necessitam colecores pediátricos. Para codos esses, a coleta requer,
ser conhecidos e compreendidos para assegurar a inter- obrigatoriamente, a assistência de profissional treinado
pretação adequada do exame de urina de rotina adequadamente.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 441


Recipiente de coleta Quadro 35.2 - Orientações para coleta de unna de Jato
A amostra de urina deve ser colhida em recipiente médio
descartável. limpo e à prova de vazamento. Deve ser de
material inerte. livre de partículas e substâncias interfe- Sexo Feminino Sexo Masculino
rentes. como desinfetanres e detergentes. Muicos labo- 1. lavor os mãos com águo e 1. lavor os mãos com águo e
sabão sabão
ratórios preferem utilizar frasco estéril para codas as cole- 2. Lavor o região vaginal com 2. Expor o glande e la vor
tas de unna. O reCipiente de coleta deve apresentar boca águo e sabão e enxaguar com águo e sabão. En·
com águo em obundãncio xoguor com águo em
larga, com diâmetro de 4 a 5 cm, para facilitar a obtenção
3. Enxugar, fazendo movimen· obundãncio
de urina por pacientes de ambos os sexos e sua base deve tos de frente poro trás, com 3. Enxuga r com loolho d e
ser ampla o suficiente para evitar que o mesmo encorne toalha de pano limpo ou pano limpo ou de papel
de papel descortável d escorlóvel
facilmente. Tampa de rosca é preferível. pois apresenta
4. Assenlor no va so sanitário, 4. Expor o glande e monler o
menos propensão a vazamento do conteúdo durante o a fastar os grandes lábios e prep úcio relroído
transporte, além de ser facilmente colocada e removida. mantê-los afastados 5. Desprezar o primeiro
O recipiente de coleta deve ser corretamente identifica- 5. Desprezar o primeiro porção de urino no vaso
porção de urino no vaso son ilário
do com as informações do paciente e do material. sanitário 6. Sem interromper o micção,
6. Sem tnlerromper o micção, colocar o frasco de coleto
colocar o frasco de colete no lrenle do jo ta urinário e
Orientação ao paciente no frente do jota ur<náno e colher entre 20 e 50 ml de
colher entre 20 e 50 ml de urino. Evrlor locar no porte
A maioria das amostras de urina pode ser obtida pe- urino. Evrlor tocar no parle interno do frasco
inlerno do frasco l Desprezar o restonle de
los próprios pacientes, de forma adequada. após o forne-
l Desprezar o reslonle de urino no vaso sanitário
cimento de inscruções simples pelo profissional do labo- unno no vosa sanilárro 8. Fechar o frasco adequo·
ratório responsável pelo atendimento. Essas instruções 8 Fechar o frasco adequo· domenle e encaminhá-lo
domenle e encom,nhá·lo rmedioromenle ooro o
podem ser dadas verbalmente, sendo rambém reco-
rmediotomente poro o lobororório
mendado o fornecimento das mesmas na forma escrita loborolório
comendo ilustrações do procedimento de coleta. Caso
o paciente não seja capaz de realizar o procedimento re-
comendado, o laboratório deve oferecer assistência de Informações pré-ana/íttcas
profissional do laboratório capacitado.
O Quadro 35.2 apresenta instruções para o proce- O uso de med1camentos e vitaminas pelo paciente
dimento de coleta de urina de jaco médio para pacien- deve ser investigado, uma vez que isto pode representar
tes do sexo masculino e feminino. Esse procedimento é importante influência pré-analítica ou interferência do
adequado também para coleta de amostras para exames exame de urina (ver itens influências pré-analíticas e fa-
microbiológicos. tores interferentes). O ripo de amostra abrido e intercor-
Ao orientar verbalmente o paoenre, é importante en- rências eventualmente ocorridas durante o procedimen-
fatizar a necessidade de se lavarem as mãos e os cuidados to de colera devem ser anotados, pois podem auxiliar na
gerais de higiene, bem como tampar adequadamente o re- interpretação do resultado.
cipiente após a coleta para se evitar vazamento do material.
Secreção vaginal ou sangue menstrual podem contaminar
Armazenamento
a urina obtida de mulheres. Isto pode ser minimizado com
o uso de rampào vaginal durante a coleta, quando não for O rempo compreendido entre a coleta e a análise da
possível adiá-la. Recomenda-se aguardar três dias após o amostra de urina é o maior obstáculo para a exatidão
término do fluxo menstrual para realizá-la. dos resultados do exame de urina rotina na maioria dos
O volume de unna mín1mo necessário para realiza- laboratórios. Ideal mente, o exame de urina deve ser re-
ção do exame de urina de rot1na é 12 ml. Em sicuações alizado até duas horas após a coleta. Caso isco não seja
especiais, como em casos de recém-nascidos, crianças e possível. o material deve ser armazenado sob refrigera-
idosos. volumes menores poderão ser obtidos. ção (entre 2 a 8 •C) imediatamente após a colera.

442 ( Medicina laborawrial para o clínico


A refrigeração preserva a maioria dos elementos pesqui- Fatores pré-analíticos
sados com a tira reagente por seis a oiro horas. Para aque- Além dos fatores relacionados à coleta e ao arma-
les forossensíveis (bilirrubina e urobilinogênio). é necessário zenamento da amostra, diversas condições, como je-
proteger a amostra contra a ação da luz. Caso a amosrra jum, ingestão hídrica, dieta, esforço físico, gravidez, são
contenha bacrénas, a refrigeração reduzirá o crescimento capazes de alterar a concentração dos componentes
bacteriano. minimizando a obtenção de resultados incor- urinários, interferindo no resulrado. apesar do processo
reLos de vános parâmetros na pesquisa com a ma reagen- analítico estar correto. Considerando-se que a maioria
te. Entretanto, pode haver a preci pitação de solutos. como absoluta dos medicamentos e seus metabólitos são eli-
uratos e fosfatos, que podem interferir no exame microscó- minados pelo rim, o uso de qualquer medicamento deve
pico. Além disso. leucócitOs e hemácias podem sofrer lise e ser considerado fator pmencialmente capaz de interfenr
os cilindros podem se dissolver, com redução significativa nos resultados do exame de urina.
de seu número após duas a quatro horas, mesmo sob refri- Dieta: nca em proteína de origem animal pode le-
geração. Quanto mais tempo, maior a decomposição dos var à acidez da urina. Alguns medicamentos comendo
elementos, especialmente quando a urina está alcalina (pH cloreto de amônio ou fosfatos ácidos são utilizados para
>7.0) e a densidade é batxa (s 1.010). Urinas refrigeradas de- acidificar a urina no tratamenco de litíase renal. Por outro
vem estar à temperatura ambiente ames de serem restadas, lado, dieta rica em vegetais e fr utas, especialmente cítri-
uma vez que algumas das reações químicas da tira reagente cas, pode induzir a formação de urina alcalina. O mesmo
são dependentes da temperatura. ocorre com o uso de bicarbonato de sódio e outras dro-
Amostras mantidas à temperatura ambiente por gas alcalinizanres para o tratamento de certos tipos de
mais de duas horas não devem ser aceitas para teste, de- cálculos renais. O jejum prolongado, em geral associado
vendo ser desprezadas. Vários elementos químtcos, célu- a condições como desidratação. febre. vômito e diarréia.
las e cilindros podem ser perdidos. levando a resultados e o uso de dteta pobre em carboidratos visando à re-
incorretos (Quadro 35.3). dução de peso corporal podem ser causas de cetonúria.
Ingestão de grandes quantidades de lípides pode. tam-
Quadro 35.3 - Alterações observadas em amostra de un- bém, resultar em cetonúria. Praticamente todo o nitrato
na mantidas a temperatura am biente após duas horas presence na unna é proveniente da ingestão de vegetais,
portanto. indivíduos que ingerem pequena quancidade
Constituinte Alteração Mecanismo desses alimencos, aqueles em uso de dieta parenteral ou,
pH aumemo Produção de omõnio, o ainda, indivíduos desnutridos podem apresentar quan-
partir de uréio, por
bactérias contammantes tidades insuficientes de nitrato na urina para conversão
Glicose diminUIÇãO Glicólise por oção de em nitrito, levando a resultados falsamente negativos da
bactérias pesquisa de nitrito.
Nitrito presente Produção por boctétias Diurese: vários constituintes da urina têm sua con-
contaminantes centração alterada com mudanças do volume urinário
ausente Degradação o nitrogênio, (diurese) do paCiente devido à variação da ingestão hí-
seguido de evaporação drica. redução da capacidade de concenuação renal ou
Cetonas diminuição Conversão do óctdo ingestão de agences diuréticos. O jejum ames da coleta
ocetoocét,co o acetona da primeira urina da manhã é recomendado para reduzir
evaporação do acetona
a di urese e obter amostra mais concentrada.
Bilinubino diminuição Oxidação à biliverdino
po1 exposição à luz Esforço físico: parece aumentar a ftltração glomerular
como resultado da elevação da pressão arterial, levando
Urobdinogênto diminuição Oxidação à urobilino por
exposição à luz ao aparecirnenco ou aumento de proreinúria (albuminú-
Hemócios/leucócitos diminuição Lise ria) e hernatúria. A coleta da primeira urina da manhã.
evitando-se a realização de esforços fístcos vtgorosos,
Cil.ndros oimnuiçõo Dissotução
minimiza essa influência. Além disso, pode-se observar
a presença de número elevado de leucóCitoS na amostra

Investigação laboratorial do pacieme com disfunção renal 443


de urina de pacienres que realizaram exercícios físicos vi- tensidade da cor amarela é proporcional à concentração
gorosos previamente à coleta. de solutos na urina, indicando. mais freqüenremenre. o
Postura corporal: proreinúria orwsrácica ou poswral estado de hidratação do indivíduo. Medicamentos re-
ocorre em 3 a 5% de indivíduos adulws jovens apareme- presentam a causa mais comum de alteração da cor da
meme saudáveis. Nesses indivíduos, a prmeinúria é ob- urina, enrretanro. algumas doenças podem também in-
servada durame o dia, com realização de suas arividades duzir a alteração da cor (Quadro 35.5).
habiwais, e desaparece quando o indivíduo permanece
Quadro 35.4 - Influências pré-analíticas
em decúbiw. A primeira urina da manhã, invariavelmen-
te, apresema comeúdo de prmeínas normal nesses pa-
Constituinte Dim inuição/A usênc ia A umento/Presença
cientes.
Bilirrubina Exposição à luz solar
Gravidez: está associada à glicosúria devido ao au- ou a rtificial
memo da taxa de filcração glomerular (TFG) com di- Cetonas Evaporação d os Jejum prolongado,
minuição da capacidade de reabsorção da glicose pelas cetona s gravidez, esforço
células wbulares renais. As alcerações da hemodinâmi- físico

ca renal observadas na gravidez podem levar, também, Densidade Ingestão a centuad o Baixo ingestão de
de líq uidos, uso d e líquidos
à proteinúria transitória, porém qualquer prmeinúria d iuréticos
durame a gestação deve ser considerada significativa e Glicose Bocter:úrio Pó vaginal, intoxico-
investigada. Leucocitúria fisiológica é outro achado que ção com chumbo,
pode ser observado durame a gravidez. Mulheres grávi- grov•dez

das podem apresemar valor baixo de glicose sangüínea Leucócitos Use (à sedimentosco- Contaminação com
pio) secreção vag ina l,
em jejum associado à cetonúria moderada. gravidez, presença
Tempo de permanência da urina na bexiga: a perma- de Trichomonos sp
nência da urina na bexiga por tempo entre quatro e oiw Nitrito Baixo ingestã o de Crescimento bocterio-
horas permite o crescimento logarítmico de bactérias e vegeteis, incubação no em urinas o rmoze-
insuficiente no bex1go, nodos à temperatura
a redução do nitram por estas. Assim, a primeira urina bactérias não produto- a mbiente por mais de
da manhã é mais sensível para detectar a presença de ros de nitrato redutose, duas horas
conversão de minto o
bactérias na urina, ramo por meio da reação do nitriw
nitrogêmo
quanto por exames microbiológicos.
pH Dieta rico em proteína Dieta rico em vege-
O Quadro 35.4 apresenta os principais fatores pré- animal ta is e frutos Produção
analíticos relacionadas ao exame de urina de rotina de omônio po r
bactérias produtoras
de ureose
Proteína Esforço físico, postura
A fase analíti ca o rtostático, g ravid ez
Sangue Esforço físico viga-
O exame de urina de rmina inclui a realização de pro- raso, contaminação
com menstruação
cedimentos para avaliar as propriedades físicas e quími-
Urobilinogê· Exposição à luz solar Acetona, b ilirrubina
cas da urina e o exame microscópico do sedimemo uri- nio ou ortikio , omônio . maior excreção à
nário. Como será visto mais à freme, para a interpretação anestesio peridurol ra rde
adeq uada do resultado do exame de urina é importante Hemócio s lise Esforço físico vigo·
correlacionar os achados obtidos nas três avaliações. (à sedimentoscopio) roso, contaminação
com menstruação
Cilindros Dissolução Esforço físico viga·
Propriedades físicas roso

Cor: a cor amarela da urina se deve principalmente à


presença do pigmento urocromo e também à pequena Transparência: a urina é normalmente límpida. Indiví-
quantidade dos pigmemos uroeritrina e urobilina. A in- duos sadios podem apresentar urina turva devido à pre-

444 [ Medicina laboratorial para o clínico]1---- - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


cipitação de soluws, fosfaws na urina alcalina e uraws na pela m edida da gravidade específica quanto da osmo-
urina ácida. Enrre as condições que levam à rurvação da lalidade. Em indivíduos com furção renal normal, a
urina, dest acam-se a presença de leucócitos, hemácias, gravidade específica reflete o conteúdo de sódio, po-
m icrorganismos, células epiteliais, lípides, linfa, muco, se- t ássio e cloreto e corresponde à osmolalidade. A de-
creção prostática e contraste radiográfico. terminação da gravi dade específica é m ais conveniente,
emretanto, a medida da osmolalidade reflete melhor
Quadro 35.5 - Principais causas de alteração da cor da urina
a habilidade de concentração renal. Para determinação

Cor da gravidade específica, pode-se utilizar o refratômet ro


Causa
ou a tira reagente, que são métodos de fácil execução e
Vermelho Hemócios
Hemoglobina apresentam boa correlação até va lores iguais a 1.025. A
Mio globino gravidade específica urinária sofre grande influência do
M etemoglobino
Porfirino estado de hidratação, podendo variar de 1.001 a 1,035.
Beterraba Em indivíduos com ingestão hídrica normal, a variação
Fucsino, Anilino
Fenozopiridino é de 1,01 5 a 1.022. Valores iguais ou acima de 1,020 em
Fenolftoleíno amostra aleatória de urina co rrespondem à capacida-
Amarelo amorronzod o ou Pigmentos b1liores de de con centração normal. Valores persistentemente
verae omorronzo do
próximos de 1,010 sugerem perda da capacidade de
Alaranjado Fenozopiridino
concentração do rim, sinal precoce de doença renal ou,
Amarelo brilhante Riboflo vio e metabólitos ainda, deficiência do ADH.
A presença de uréia (>1 g/dl), glicose e contraste
Marrom Melonino
Ácido homogentisico radiográfico na urina pode causar falso aumento da

Azul esverdea do lndicon gravidade específica quando se utiliza o refratômerro.


Clorofila Q uando a medição é rea lizada com a t ira reagente, a
Infecção por Pseudomonos sp concentração moderada de proteínas (~ 100 mg/dL) e
a presença de corpos cetônicos na urina podem causar
fa lso aumento, enquanto que pH uri nário igual ou maior
Odor: a urina apresenta odor característico de ori- a 6,5 pode levar a resultados falsamente diminuídos.
gem não determinada. O Quadro 35.6 apresenta as prin- pH: apesar do rim ser essencial para a manutenção do
cipais condições que podem levar à formação de urina pH sangüíneo e dos líquidos corporais, a determinação
com odor distinto. do pH não constirui, isoladamente, índice da capacidade
renal de excreção de ácidos, apresentando valor lim itado
Quad ro 35.6 - Ca usas de alreração do odo r da urina
na investigação de disfunções renais e distúrbios ácido-
básicos. Entretanto, a m edida do pH urinário pode t razer
Odor Comentário
informações úteis. Normalmente, a urina é discretamen-
Adocicado Presença de cetonúrio (cetoocidose diabético,
jejum prolongado) te ácida (pH 5.0 ou 6,0), sendo que o intervalo de refe-

Amon:o col Presença de omônio (p roduzido por bactérias a rência varia de 4,5 a 8,0. Urina alcal ina freqüentemente
partir do uréio) indica que a amostra foi mantida à tem peratura ambien-
Fétido Presença de bactérias, decomposição de cistino te por mais de d uas horas. podendo ocasionar result a-
dos incorrecos ao exame. Por outro lado, quando a urina
Fecal Cantaminoçco 1ecol ou presença de bactérto
iEscherichio coh1 foi colhida e armazenada adequadamente, pode indicar
Outros Vários alimentos e medicamentos podem conferir infecção urinária. O conheci mento do pH urinário auxilia
odor distinto à urina na determinação de cristais que podem ser observados
no exame microscópico de sedimento urinário. Além
disso, em amostras de urina alcalina e diluída (gravidade
Gravidade específica ou densidade: a concentra- específica < 1,010), o processo de dissolução de cilindros
ção de solutos na urina pode ser quantificada tan to e lise de cél ulas ocorre de forma mais rápida.

lnvesrigação laborato rial do pacie nte co m d isfunção renal 445


Emre as causas de redução do pH urinário, desta- A pesquisa de elementos químicos com a rira rea-
cam-se jejum prolongado, diarréia grave, diabetes meliro, gente apresenta inúmeros benefícios, rais como, rapidez,
dieta rica em carne, acidose metabólica ou respiratória baixa complexidade, reduzido volume de amosua, esta-
e utilização de medicamentos para acidificar a urina no bilidade e reprodutibilidade. Para assegurar esses bene-
tratamento de litíase renal. As principais causas de urina fícios, alguns cuidados no manuseio da tira são impor-
alcalina incluem dieta rica em vegecais e fruras cítricas, rances para manrer a integridade das áreas de reação: a)
alcalose metabólica ou respiratória, drogas alcalinizantes as tiras devem ser mantidas no seu recipiente original; b)
para o tratamento de certos tipos de cálculos renais e deve-se evitar sua exposição à luz solar direta, vapores
acidose tubular renal. químicos e umidade ambiental; c) não se deve tocar nas
áreas de reação; d) as leituras devem ser realizadas nos
Características químicas tempos corretos.
Vários fatores são capazes de interferir nos métodos
Atualmente, os testes químicos que fazem parte do analíticos empregados na tira reagente e o conhecimen-
exame de urina e também as determinações da gravida- to desses fatores é fundamental para a correta interpre-
de específica e do pH. vistas anteriormente, são realizados tação dos resultados. Entre eles, destacam-se: agentes de
utilizando-se a tira reagente. A tira reagente é constituída limpeza e desinfetantes, medicamentos e ácido ascórbi-
por um suporte plástico contendo áreas impregnadas com co em concentrações elevadas na urina. Qualquer me-
reativos químicos específicos para cada parâmetro (Figura dicamento novo deve ser considerado, a princípio, uma
35.1). Uma reação de cor se desenvolve quando as áreas de fonte potencial de interferência. O Quadro 35.7 apresen-
química seca entram em contato com a urina. A alteração ta os fatores que, sabidamente, são capazes de interferir
de cor e sua intensidade são avaliadas visualmente, após nas reações que compõem a tira reagente.
período de tempo padronizado. comparando-se com pa- Proteína: em condições fisiológicas, uma pequena
drão de cores fornecido pelo fabricante da tira reagente. quantidade de proteínas é observada na urina, corres-
pondendo a cerca de 150 mg/24 horas (ou 10 mg/dL),
que incluem albumina (até 30 mg/24 horas), proteínas de
Bilirrubina
baixo peso molecular (cransferrina, haptoglobina, beta 2-
Urobilinogênio
microglobulina, ceruloplasmina, etc.), imunoglobulinas e
Cetonas glicoproteína de Tamm Horsfall (até 50 mg/24 horas). A
Glicose detecção de proteínas é provavelmente o achado mais
Proteínas sugestivo de doença renal. especialmente se associado a
outros achados do exame de urina (cilindrúria, lipidúria e
Sangue
hematúria). O Quadro 35.8 apresenta os mecan ismos de
Nitrito
proteínúria e suas principa is causas.
pH O teste da tira reagente é particularmente sensível à
• Densidade albumina e menos sensível às outras proteínas. A sensi-
Leucócitos bilidade das tiras reagentes varia entre 6 e 30 mg/dl de
proteína, dependendo do fabricante. Proteínas tubulares
(proteínas de baixo peso molecular), bem como imu-
noglobulinas de cadeia leve (proteína de Bence-)ones)
observadas no mieloma múltiplo e outras gamopatias,
podem não ser detectadas por este método.
Glicose: a glicose é livremente filtrada pelos gloméru-
los e ativamente reabsorvida pelos túbulos renais. Em
condições fisiológicas, apenas quantidade ínfima de gli-
Figura 35.1 -Tira reageme para pesqu1sa de elemenws químicos. cose está presente na urina. Quando a concentração de
pH e gravidade específica no exame de urina de rmina. glicose no sangue alcança valores entre 160 e 200 mg/dL.

446 ( Medicina laboratorial para o clínico


o limiar de reabsorção tubular é ultrapassado e a glico- bém podem ter significado clíntco. A detecção desses
se aparecerá na urina. Este é o mecanismo de glicosúria açúcares (com exceção da sucrose) pode ser realizada
observada no diabetes melim. Glicosúria na ausência de pela pesquisa de agentes redumres na urina.
hiperglicemia (glicosúria renal) é decorrenre de distúrbio Cetonas: cem nas ou corpos cetõnicos correspondem
na reabsorção cu bular renal da glicose e pode ocorrer em a um grupo de três substâncias: ácido ~-hidroxibutírico.
diversas condições: desordens rubulares renais, síndrome ácido acemacé[ico e acemna. Es[es são produms do me-
de Cushing, uso de corticoesteróides. infecção grave, hi- tabolismo de lípides e sua presença na urina está relacio-
perrireoidismo, feocromocimma, doenças hepáticas e nada a condições metabólicas nas quais lípides. em vez
do sistema nervoso cenrral e gravidez. Glicosúria pode de carboidratos, são usados como fome de energia. As
ocorrer, ainda, devido à ingestão de dieta com elevada duas principais condições associadas à cetonúria são dia-
porcenragem de carboidrams. esrresse emocional agudo betes melim e jejum. No diabetes melim, devtdo à falra
e após exercícios físicos vigorosos. de insulina, ocorre o catabolismo de lípides. pela glico-
A reação da tira reagente é específica para a glicose. neogênese. levando ao acúmulo de cemnas no sangue
não detectando a presença de outros açucares como e urina. No jejum, devido à depleçào de carboidraco, o
galacmse, lacmse. fruwse, penrose e sucrose. o que ram- organismo passa a utilizar lípides como fome de energia.

Quadro 35.7 - Farores Interferentes da [ira reagente

Diminuição ou Ausência Aumento ou Presença Comentários


Densidade pH<LI, proleinúrio moderado, cetonas Escalo de cores padroni-
zado em pH 6

pH Contaminação bocleriono Reoção não afetodo por


ororeínos

Proteína Detergentes não iónicos e oniônicos pH>9, densidade oumen~odo, qutnmo ou Corantes no urina (leno-
quinona, omônio quaternário ou clorohexidino zopiridino, beterraba) po-
dem mascarar a reaçõo

Sangue Densidade aumentado proteína elevo· Peroxidose m•crobono lrfecçõo u1nÓI•OI.


do, nitrito >10 mg/dl ácido ascórbico h1poclorilo, formo!, peróxidos, mioglobinúr io
~25 mg/dl ácido úrico, glutoliono,
ácido genlísico, coptopril
N itrito Ácido ascórbico ~ 25 mg/dl, pH < 6 Corantes no unno (fenozopíridino, beterraba)

leucócilos Glicose >3g/dl, dens1dode elevado. Agentes oxidantes (hipoclorito). formo!


albumino >500 mg/dl ácido ascórbi-
co ;:>: 25 mg/dl, cefolex.no, cefolo!ino.
lelrocrclino. genlomicino
Glicose pH < 5, densidade elevado, urino Agenles oxidantes (hipoclori o} Reação não afetodo
com lemperoturo < lSOC, ácido por cetonas e ácido
ascórbico ~ 25 mg/ dl, formal, ácido ascórbico < 25 mg/ dl
gentísico. ácido úrico
Cetonas DePstdode elevado ftoleíno. on;roqu•nono, Escala ce cores
levodopo, óctdo fenilpirúv•co, oce!oldeído, calibrado poro o ácido
cisleíno, metildopo, coplopril acetoocético
Bilirrubina Ácido ascórbico ~ 25mg/dt. nitrito Urobtlinogênio elevado, fenozopirid no, Reaçõo não ofetodo
fenollozino, clorpromozino pelo pH do urino

Urobiltnogênio Nitrito, ácido ascórbico. formal Nittduronloíno. 1iboflovino. lenozopiridtna,


corantes diozótcos. óc,do p-ominobenzóico,
beterrobc
Interferentes do reoção de Eh rlich: porfobilino-
gênio. sulfonomido, procoíno, ácido o·omino-
solicílico (PAS} e ácido htdroxtndolocélrco

lnves[igação laborawrial do paciente com disfunção renal 447


Quadro 35.8 - Pnncrpars causas de proreinúria Geralmente. a hemarúria é acompanhada de presença
de hemácias ao exame microscópico do sedimento.
Mecanismo Principais causas Entretanto, como as hemácias na urina podem ser ra-
Aumento do Glomerulonefrites pidamente lisadas. especialmente em urinas alcalinas
permeabilidade Nefrite lúpico e com densidade baixa (< 1,010), a ausêncra de hemá-
glo merular Amiloidose
cias à microscopia não afasta hemarúria ou confirma
O bstrução do veio renal
Nefroesclerose
a hemoglobinúria. Outros achados ao exame de unna
Pré-eclompsio (proreinúria e cilindros hemáticos) e a pesquisa de he-
N efropolio diabético mácias dismórficas positiva são úteis no esclarecimen-
Desordens Pielorefr'le to da causa da hematúria. A presença de mioglobina
lubuto•es Necrcse tuou ar agudo na urina pode resultar em pesquisa de sangue positiva
Rim ao ·c'sl co
ntoxic:Jçõo por melots pesados e vtlomtno D
sem hemácias ao exame mrcroscópico. Apesar de rara,
Hrpopotossemio a mioglobinúria é um achado importante, estando as-
Doença de Wilson sociada à destruição de fibras musculares (poltomiosite,
Síndrome de Fonconi
dermacomiosire. traumatrsmo e isquemia muscular. CI-
G oloctosemia
rurgias. exercício físico vtgoroso).
Mecanismos Proteirúrio postural (3 a 5% d e
o;versos adultos jovens sodiosl
Leucócitos: o teste da tira reagente detecta a pre-
Estado febril sença de leucócitos na uri na por meio da pesqursa da
Exercício físico vtgoroso
escerase leucocirária. Esta enzima está presente nos grâ-
nulos primários ou azurófilos dos neutrófilos. monóci-
tos, eosinófilos e basófilos. Linfócicos e células epireltais
Este é o mecamsmo de ceronúria observado em casos não contêm esterase leucocitária. Em condtções ftsioló-
de desidratação, vômiros, diarréra, febre e alcoolismo. Ce- gicas. podem ser encontrados até cinco leucócitos por
tonas podem ser observadas na urina de indivíduos sub- campo de maior aumento (400x) ao exame microscó-
metidos a dietas pobres em carboidratos ou, ainda, após pico do sedimentO uri nário. O limite de detecção da
a ingestão de grande quantidade de alimentos contendo tira reagente encontra-se entre cinco e 20 leucócitos
líprdes. Em condtções fisiológrcas, a presença de corpos por campo de maior aumento. porra mo. espera-se que
cetônrcos não é detectada na urrna. a pesqutsa de leucócitos, a partir da ma reagente, na
Na ceronúria, 78% dos corpos cecônicos são ácido urina de pacientes sadios. seja negativa. Leucóciros são
B-hidroxibucírico, 10% são ácrdo acecoacético e 2% rapidamente lisados, especialmente em uri na alcalina e
correspondem à acerona. A ttra reagente é mars sensí- diluída (< 1,010), podendo. portamo. não ser detecta-
vel ao ácido aceroacérico (5 a 10 mg/dL) que à acetona dos à microscopia. Entretanto, a pesqursa de leucócitos
(20 a 50 mg/dL). com a rira reagente é positiva na presença ramo de cé-
Sangue: a presença de sangue na urina pode ser lulas íntegras quanto lisadas.
confirmada pela detecção, na urina, de hemácias ín- A presença de leucócitos (leucocicúria ou piúria) na
tegras - hemarúria (5 hemácias/IJL de urina) ou de urrna em número significativo está relacionada. mais
hemoglobina livre - hemoglobinú ria (0,01 5 mg/dL de comumente. à infecção urinária (pielonefrite e cistite),
urina). A hemarúria resulta de sangramento em qual- sendo, portanto. acompanhada. freqüentemenre. de
quer ponto do rraro urináno, desde o glomérulo até a bacrerrúrra (ver capítulo 16). Outros processos inflama-
uretra, podendo ser devido a doenças renais, infecção, tórios do trato geniru rinário, como glomerulonefrites.
rumor, trauma, cálculo, distúrbios hemorrágicos ou uso nefrites intersticiais. neoplas1as e, também. tnfecções por
de anticoagulantes. A hemoglobinúria pode resultar de Chlamydia trachomat1s e Tnchomonas vagmallts, podem
hemólise intravascular. no rraro urinário ou na amostra levar ao aumento de leucóciws. porém sem a presença
de urina após a colheita. A diferenciação entre hema- de bacteriúria. A leucocicúria observada na liríase renal
túria e hemoglobinúria é clinicamente importante. po- pode ser devida à resposta inflamatória local ou a infec-
rém, ambas resultam em reste positivo à eira reagente. ções secundárias à esrase urinária.

448 ( Medicina laboratorial para o clínico


Nitrito: a pesquisa de nitrito representa teste bas- ao microscópio óptico, utilizando-se as objetivas de lOX
tante útil na detecção de bacteriúria. Os principais (menor aumento) e 40X (maior aumento). O sedimento
agentes bacterianos cau sadores de infecção uri nária urinário contém todo o material insolúvel acumulado
são bactérias gram negativo constituintes da micro- na urina, desde o filtrado glomerular. passando pelos
biota indígena do intestino. tais como Escherichia coli. túbulos renais e pelo trato urinário baixo. Esse material
Proteus. Klebsielfa. Citrobacter e Samonella. A maioria pode incluir vários elememos. tais como: cilindros for-
dessas bactérias apresenta a en zima nitrato redu tase, mados nos túbulos renais, células derivadas do sangue
que promove a formação de nitrito a partir de nitra- (h emácias e leucócitos). células epiteliais (renais, de tran-
to presente na urina, oriundo da ingestão de vegetais sição ou escamosas). espermatozóides. microrganismos
na dieta. A pesquisa de nitrito indica 100.000 ou mais (bactérias. fungos. parasitos), lípides. cristais. precipitados
bactérias capazes de converter nitrato em nitrito, su- amorfos de substâncias químicas. lípides (corpos graxas
gerindo o d iagnóstico da infecção uri nária. especial- ovalados. gotículas de lípides) e muco. Valores de refe-
mente quando associado à leucocitúria. Apesar de ser rência do exame microscópico do sedimento urinário
um reste rápido e de baixo custo, a pesquisa de nitrito encontram-se no Quadro 35.9.
não substitui a rea lização de exames microbiológicos
para confirmação de infecção urinária. Além das ente- Quadro 35.9- Valores de referência do exame microscópi-
robateriáceas. algumas cepas dePseudomonas e raras co do sed1menro urinário

de Staphy/ococcus e Enterococcus podem apresentar


Constituinte Concentração
nitrato redutase.
Bilirrubina: sua presença na urina é observada quan- Hemócios O - 2/compo de maior aumento

do há aumento da concentração de bilirrubina conjuga- Leucócitos O - 5/compo de maior aumento


da no sangue (>1 a 2 mg/dL). geralmente secundária à
Cilindros hiolinos O - 2/compo de menor aumento
obstrução das vias biliares ou lesão de hepatócicos. Desta
forma. a detecção de bilirrubina na urina é importante C élulas epiteliois renais Raros/campo de mo1or aumento
na suspeita de doenças hepáticas e na investigação das
Células epiteliois de Raros/campo de maior aumento
causas de icterícia. transição
Urobilinogénio: em condições fisiológicas, peque- Células epiteliois Raros/campo de mo1or aumento
na porção de urobilinogênio é excretada na urina (<::;1 povimentosos

mg/dl ). Nas condições em que há produção elevada Bactérias Ausentes


de bilirrubina, como nas anemias hemolíticas e de-
Cristais anormais Ausentes
sordens associadas à eritropoiese ineficaz. observa-se
aumento do urobilinogênio reabsorvido pela circula-
ção encero-hepát ica, com conseqüente aumento da
eliminação desce na urina. Nas disfunções ou lesões Cilindros: são estruturas resultantes de processo de
hepáticas (hepatites. cirrose e insuficiência cardíaca solidificação de proteínas no lúmen dos túbulos ren ais
congestiva). o fígado torna-se incapaz de remover o (primariamente nos cúbulos contorcidos discais e cubos
urobilinogênio reabsorvido. tornando sua pesquisa colecores). representando um molde desses. de forma
na urina positiva. Outras condições nas quais há au- cilíndrica e com consistência de gel. Em condições fisio-
mento do urobilinogénio urinário incluem: estados de lógicas. apenas raros cilindros (do tipo hialino) são vistos
desidrat ação e febril. no sedimento urinário (Figura 35. 2). Número aumenta-
do de cilindros (hialinos) pode ser visto em indivíduos
sadios após exercício físico vigoroso associado à protei-
Exame microscópico do sedimento urinário
núria. Na presença de doença renal. os cilindros podem
Para a realização desta etapa. uma alíquota da amos- aparecer em grande número e de vários t ipos. A presen-
t ra de urina é submetida à centrifugação em condições ça de grande número de cilindros indica maior gravidade
padronizadas e o sedimento obtido é. então, avaliado e acometimento de grande número de nefrons.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 449


que se rorna mais evidente quamo maior o tempo de
permanência do cilindro no rim. A degeneração das cé-
lulas incluídas no cilindro é vista ao microscópio pelo
aumento da granulosidade do ciroplasma e desapare-
cimento da membrana celular - cilindros granulosos
(Figura 35.6). Com a evolução do processo, as células
não são mais visíveis, sendo identificáveis apenas estru-
turas granulares que se tornam cada vez menores até
se dissolverem completamente. O resultado final são
cilindros que, à sedimenroscopia, apresentam maior re-
fnngênCia e opacidade com aspecto semelhante à cera,
denom1nados cilindros céreos. Estes estão associados,
Figura 35.2 -Cilindro htalino ao exame mtcroscóptco do sedtmen·
mais freqüenremente, à insuficiência renal crônica, po-
to unnáno. (Unnáltse Arlas Dtgttal. Btosoftware <www.btosoftwa-
re.com.br>). Ver prancha colonda
dendo ser v1stos também na reje1ção aguda ou crôn1ca
de enxerto renal.
Das proteínas presentes na urina em condições fisio-
lógicas. cerca de um terço corresponde à glicoproreína
de Tamm Horsfall, secretada na parte ascendente da alça
de Henle e túbulo distal. Esta constitui a matriz de to-
dos os cilindros. A formação de cilindros está relaciona-
da com proteinúria. pH e concentração 1Ôn1ca da urina,
estase e obsuução do nefron por células ou fragmentos
celulares. Durante o processo de formação dos cilindros,
outras proteínas. células, lípides. bactérias, entre outros
elementos presentes no lúmen tubular, podem ser inclu-
ídos na matriz do cilindro, podendo ser tdenttftcados na
sedimentoscopta (Ftguras 35.3 e 35.4). (. . ..
Figura 35.4 - Ctl1ndro graxo ao exame mtcroscóptco do sedimen-
ro unnáno (Unnálise Atlas Dtgttal. BtosofLware <www.btosofrware.
com.br>). \er pranc/10 coloflda

A largura ou diâmetro do cilindro também apresen-


ta importânCia clínica. A ma1ona dos c111ndros apresenta
diâmetro relaoonado ao do túbulo onde fo1 formado.
I
Cilindros largos são indicativos de acometimento renal
mais grave. O diâmeuo destes pode ser várias vezes
o maior que os cilindros ha bitualmente vistos e são prova-
velmente formados nos túbulos rena1s dilatados ou nos
Figura 35.3 - C1l1ndro epttelial ao exame mtcroscópico do sedi- cúbulos coletores na presença de escase unnária. Doença
mento unnáno (Unnáltse ALias Dtgttal. Btosoftware <www.btosof- renal crônica ou obstrução urinária são as principais con-
rware.com.br>). Ver prancha co/onda dições que resultam em dilatação e destruição dos tú-
bulos renais com formação de cilindros largos. Cilindros
Após a sua formação. os cilindros podem sofrer mo- largos, geralmente céreos ou finamente granulosos, são
dificações até que sejam liberados na urina (Figura 35.5). característiCOS da tnsuficiência renal crônica, podendo
Células e outras inclusões podem sofrer degeneração, algumas vezes consmuir achado fortuito ao exame de

450 ( Medicina laboratorial para o clínico


urina de rotina de pacientes nas fases menos avançadas
dessa síndrome (Figura 35.7).

1 C na "l) Ol' UI ar
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Figura 35.6 A e B - Cilindros granulosos ao exame mrcroscóprco
do sedrmento unnário. (Urinálise Atlas Digital. Brosoflware <www.
Figura 35.5 - Representação esquemática da transformação de biosofrware.com.br>). Ver ptancha colando
crlrndros epirelrais em crlrndros granulosos e céreos no inrerior dos
túbulos renars.

Os cilindros podem ser classificados baseando-se na


composição de sua matriz e na presença de células. pig-
mentos ou outras inclusões, conforme apresentado no
Quadro 35.10.
Hemácias: resul tam de sangramento em qualquer
ponto do mto urinário e de causas exua-renais (Figu-
ra 35.8). t importante esclarecer a origem da hematúria
para definição do diagnóstico e abordagem terapêutica
adequada. De acordo com a origem. as hemáturias são
classificadas em glomerulares e não glomerulares (Qua-
dro 35.11). A hemorragia glomerular é classicamente ca-
racterizada pela hematúria associada à proreinúria, pre-
sença de cilindro eritrocitário (Figura 35.9) e de hemácias Figura 35.7- Cilindro largo céreo ao exame microscóprco do sedi-
mento urinário. (Urinálise Adas Digital. Biosofrware <www.biosof-
dismórficas.
rware.com.br>). Ver prancha wlorrda

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 451


Quadro 35.10 - Tipos e significado clínico dos cilindros
renais

Tipo de Cilindro Significado Clínico


Hialino Exercício físico vigoroso, desidratação,
febre, lesão renal não específica, indi-
víduos sadios (até 2/campo de menor
aumento)
Eritrocitário Glomerulopatia, sangramento túbulo-
intersticial
Hemoglobínico Glomerulopatia, sangra mento túbulo-
intersticial, hemólise intravascular g rave
Leucocitário Processo inflamatório túbulo-intersticial, Figura 35.9- Cilindro eri trocitário ao exame m icroscópico do sedi-
nefrite, pielonefrite, rejeição aguda d e memo urinário. (Urinálise Atlas Digital. Biosoftware <www.biosof-
enxerto renal tware.com.br>). Ver prancha colonda
Epitelial Insuficiência renal aguda, necrose lu-
bular aguda, doença túbulo-intersticial,
rejeição aguda de enxerto renal, infec- Quadro 35.11 - Principais causas de hematúria glomerular
ções virais lcitomega lovirose, hepatite) e não glomerular

Granuloso Degeneração celular, doença túbulo-


intersticia l, lesão glomerular Hematúrias Glomerulares Hematúrias não Glomerulares
Bacteriano Pielonefrite Glomerulonefrite Cousas hemotológicos/
Proliferotiva d istúrbio ploquetário
Céreo Doença túbulo-intersticial, insuficiência Crescência Corpo estranho/cateteres
renal crónica, rejeição de enxerto rena l Lúpico Fístula a rtéria-venoso/trombose
Membrono-proloferotivo veio renal
Graxa lipidúria, síndrome nefrótica
Nefropotio lgA (doença de Hemongiomos vesicol/renol
Berger( Hemotúrio de exercício
La rgo Insuficiência renal crónica
Proliferotivo mesongiol Hipertrofio prostá tica
Púrpura de He noch- Infecções/tuberculose
Mioglobinico Lesão muscular aguda
Schoenlein Malformações renais (cistos)
Bilirrubina Bilirrubinúrio, lesão de hepatócitos e Metabólicos hipercolciúrio e
G lomerulo nefrite hiperuricosúria
obstrução das vias biliares
não p roliferativa Medicamentosa: anticoagu·
Alterações vasculares !antes
Nefrite hereditária Nefrolitíose
progressiva Obstrução do trato urinário
Nefropotio membranoso Queimaduras
Nefroesclerose Tabagismo
Trauma obd ominol/cirurgios
G lomerulonefrite Tumores
membrana basal
Síndrome de A lport

A presença de hematúria à sedimentoscopia deve


ser correlacionada a achados da avaliação das proprie-

;.;) ..
Figura 35.8 - Hematúria ao exame microscópico do sedimemo
dades físicas químicas da urina, tais como: cor aver-
melhada, presença de turvação da amostra e pesquisa
positiva de sangue ao exame da tira reagente, ressal-
tando as possibilidades de lise das hemácias e resul-
urinário_ (Urinálise Aclas Digital. Biosoftware <www.biosoftware. tados fa lsos da pesquisa com a tira reagente, citadas
com.br>). Ver prancha colonda anteriormente.

452 [ Medicina labo r ator ial para o clínico J l - - - - - - - - - - - - - -- - -- - - -- - - - - - - - -- - - - -


inflamacório agudo (Figura 35.11). Cilindros leucocicários
podem ocorrer em condições inflamatórias de origem
infecciosa ou não infecciosa, indicando sempre a locali -
zação renal do processo (Figura 35.12). Febre e exercíoos
vigorosos podem ser causa do aumemo de leucócitos na
uri na. Leucocirúria com pesquisa negariva à rira reagen-
te pode ser devida à presença, na amostra de urina, de
linfócitos que não comêm leucócito esterase ou, ainda,
de áodo ascórb1co ou antibiótico (cefalexina. cefalotina,
tetraciclina, gentamicina), que podem inibir a reação quí-
mica da rira regente.
Células epiteliais: em condições fisiológicas, as cé-
lulas epiteliais observadas na sedimentoscopia 1ncluem
as células epiteliais tubulares renais, células epiteliais de
transição e células epiteliais escamosas. O achado de
raras células epiteliais a microscopia é normal e se deve
ao processo esfoliativo de renovação do epitélio celu-
lar. A identificação do ripo de célula epitelial apresenta
importância clínica. Excetuando-se as células epireha1s
escamosas, a 1dent1ficação dos demais tipos celulares só
pode ser realizada com segurança quando se utilizam
métodos de coloração com corantes supravitais ou por
meio de exame C1tológ1co. No nosso me1o. a realização
do exame do sedimento urinário com uso de corantes é
Figura 35.11 - Aglomerado de leucÓCitOS ao exame m1croscóp1co
pouco comum.
do sed1mento unnáno. (Unnáhse Atlas D1g1ral. B1osofrware <www.
b1osofrware.com.br>). \ u ortJIIU'O o/•11 100
As células epiteliais escamosas são as mais comu-
mente encomradas no exame do sedimento urinário
(Figura 35.13). Essas célu las revestem a porção distal da
uretra masculina, toda a uretra feminina e também a va-
gina. Número aumentado de células epitelia1s escamosas
indica contaminação da amostra de unna com matenal
proveniente da vagina, períneo ou do meato ureual. As
células escamosas apresentam morfologia característica
que perm1te sua pronta 1dent1ficação à microscopia óp-
tica, sem o uso de métodos de coloração.
As células epitehais de cransição revestem todo o
trato urinário, desde a pelve renal até o rrígono da be-
xiga nas mulheres e, nos homens, até a porção proximal
Figura 35.12 - C1hndro leucománo ao exame microscópiCO do da uretra, incluindo ducco prostática e vesícula seminal
sed1mento urináno. (Unnáhse Arlas D1giral. B1osofrware <www. (Figura 35.14). A identificação das células epiteliais de
b1osofrware.combr>). Ver orancha colonaa transição é bastante difícil já que aquelas das camadas
mais profundas que revestem a pelve renal apresentam
Leucócitos: número aumentado de leucócicos na morfologia semelhante à das células epiteliais renais, en-
unna está associado à presença de processo inflamató- quanto que as células das camadas mais superficiais do
rio em qualquer pomo do trato urinário (Figura 35.10). revestimento da bex1ga lembram as células ep1teliais es-
A presença de leucócitos aglomerados indica processo camosas. O aumento das células ep1telia1s de transição

lnvesrigação laborarorial do paciente com disfunção renal 453


está associado mais comumenre a processos infecciosos As células epiteliais tubulares renais recobrem desde
e neoplásicas da bexiga e após uso de cateter vesical. os túbulos contorcidos proximais até os distais e também
os túbulos coletores (Figura 35.15). Em número aumen-
tado, essas células têm grande importância clínica. pois
podem resultar de uma variedade de alterações renais,
que incluem: necrose tubular aguda associada a drogas
nefrotóxicas (aminoglicosídeos. salicilatos). imunosu-
pressores e envenenamento por metais pesados, nefrites
e rejeição de transplante renal. Nestas condições. podem
ser observados também cilindros epiteliais. indicando a
origem renal do processo. Outras condições podem le-
var ao aumento da esfoliação renal. como febre. proces-
sos inflamatórios e neoplasias.
Corpos graxas ovalados representam células tu-
Figura 35.13 - Célula epitelial escamosa ao exame microscópiCO bulares degeneradas que absorveram lipoproteínas
do sedimenco urinário. (Urinálise Arlas Digital. Biosoftware <www contendo colesterol ou criglicérides (Figura 35.16).
biosoftware.com.br>). Ver prancha colonda Os corpos graxas ovalados constituem uma das ma-
nifestações de lipidúria que incluem, ainda, gorículas
de lípides, cilindros graxas (Figura 35.4) e cristais de
colesterol. A presença de li pidúria acompanhada de
proteinúria é característico da síndrome nefrótica. A
hipoalbuminemia secundária à proteinúria maciça ob-
servada nessa síndrome aumenta a produção de albu-
mina pelo fígado que. por sua vez. aumenta também
a síntese de lipoproteínas. resultando em hiperlipe-
mia. Macrófagos e histiócitos podem tam bém fago-
citar lípides. sendo impossível. ao microscópio óptico.
distinguí-los dos corpos graxas ovalados, entretanto,
o significado clínico desses é o mesmo.
Figura 35.14 -Célula epitelial de trans1ção ao exame microscópico Cri stais e materiais amorfos: cristais na urina, deno-
do sedimemo unnáno. (Unnáhse Adas Digital. Biosoftware <www
minado cristalúria, apresenta significado clínico limita-
b1osoftware.com.br>). Vo prancha colonda
do (Figuras 35.1 7 a 35.21). A pesar desse achado poder
estar relacionada com a composição química de cálcu-
los urinários nos casos de litíase renal, a formação de
cálculo ocorre sem a presença de cristalúria e esta pode
ocorrer sem a formação de cálculos. Raramente são
observados na urina cristais relacionados a processos
anormais, entretanto, quando presentes. estes devem
ser identificados (Figuras 35.22 a 35.25). A identificação
de cristais e materiais amorfos é, geralmente, baseada
na morfologia ao microscópio e no pH uri nário. Já que
o alguns cristais se formam na unna alcal1na (pH 2: 7,0)
e outros estão associados à uri na com pH s; 6.5. No
Figura 35.15- Célula epitelial renal ao exame microscópico do se- Quadro 35.12 estão relacionados os princ1pais cristais e
dimento urinário. (Urináhse Atlas Digital. Biosofcware <wwwbio- substâncias amorfas observadas ao exame do sedimen-
software.com.br>).Ver prancha colonda to urinário e seu significado clín ico.

454 ( Medicina laboratorial para o clínico )f - - -- - - -- - - - - - -- -- - - -- -- - - -- - - - -


o

Figura 35.16 - Corpo graxa ovalado ao exame microscópico do


A
sedimemo urinário. (Urinálise Atlas Digital. Biosoftware <www.
biosoftware.com.br>). Ver prancha colorida


(11

,;:,
u cf.
'
t
11)

, ,_ o

B
Figura 35.19 A e B- Cristais de ácido úrico ao exame microscó-
pico do sedimento urinário. (Urinálise Atlas Digital. Biosoftware
<www.biosoftware.com.br>). Ver prancha colonda
Figura 35.17 - Cristais de uraro amorfo ao exame microscópico
do sedimento urinário. (Urinálise Atlas Digital. Biosoftware <www.
b1osoftware.com.br> ). Ver prancha coloflda

o o

.....,
o
Figura 35.18- Cristais de oxalato de cálcio ao exame microscópico
·. ~~~
Figura 35.20 - Cristais de fosfato mplo e fosfato amorfo ao exame
do sedimento urinário. (Urinálise Atlas Digital. Biosoftware <www. microscópico do sedimento urinário. (Urinálise Atlas Digital. Bio-
b1osoftware.com.br> ). Ver prancha colorida software <www. biosoftware.com.br>). Ver prancha colonda

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 455


v

\
Figura 35.21 -Cristais de fosfaco de cálcio ao exame microscÓpiCO Figura 35.24 - Cristais de bilirrubina ao exame microscÓpiCO do
do sedimemo urináno. (Urinálise Adas Digital. Biosoftware <www. sedimento unnáno. {Urrnáhse Atlas Digital. Brosoftware <www.
biosoftware.com.br>). Ver prancha colando biosoftware.com.br>). Ver prancha colonoa

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Figura 35.22 - CnstaiS de CIS[Ina ao exame microscÓpiCO do sedr-
memo unnáno. (Unnáhse Adas Drgrtal. Brosofrware <www.brosof-
rware.com.br>). '· ~~ prlln l.a calor do

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Figura 35.23- Cristais de tirosina ao exame mrcroscóprco do sedr· Figura 35.25 A e B - Cnstais de medrcamenros ao exame micros-
menro urrnário. (Urinálrse Atlas Digital. Biosoftware <www.biosof- cópico do sedimento unnáno. (Unnáhse Atlas Drgital. Biosofrware
rware.com.br>). Vet prancilll colando <www.biosoftware.com.br>). Ver prandw olouda

456 ( Medicina laboratorial para o clínico


Quadro 35.12 - Principais cristais e materiaiS amorfos encon- Fungos: células leveduriformes e pseudo-hifas escão
trados na urina comumente associadas à infecção urinária causada por
Cand1da sp, podendo. porém. ser secundária à comam i-
Cristais ou materiais amorfos em urina ácida sem
nação da amostra por secreção vaginal (Figura 35.27).
significado clínico
Urato amorfo Urato de sódio, de potássio, de omônio
Ácido úrico Oxololo de cálcio
Cristais ou materiais amorfos em urina alcalina sem
significado clínico
Fosfato amorfo Fosfato de cálcio
Fosforo triplo Carbonato de cálcio
Biuroto de omônio
Cristais anormais de origem metabólica

Cistina Tirosina Bilirrubina


Leucina Colesterol Hemossiderina
Cristais anormais de origem iotrogênica

Sulfonamidas Contraste radiográfico


Ampicilina Aciclovir
Figura 35.27 - Células leveduriformes ao exame microscóptco do
sedimemo urinário. (Urinálise Atlas Digital. Biosoftware <www.
Outros elementos biosoftware.com.br>). Ver prancha colonda

Parasitos: parasicos ou suas formas (ovos, ciscos. etc.)


Bactérias: na urina podem ou não ter significado estão relacionados à contaminação da urina por mate·
clín1co, dependendo das condições de coleca e armaze- rial fecal ou vaginal. devendo-se repetir o exame de uri·
namento da amostra. Em indivíduos sadios, não se ob· na rotina em nova amostra colhida com mais rigor. A
serva, à sedimentoscopia, microrganismos em amostra presença de Trichomonas sp resulta da contaminação da
de urina colhida em condições adequadas e examinada amostra de urina com secreção vaginal.
até duas horas após a coleca. Nessas mesmas condições. Muco: freq üentemente são observados filamencos
a presença de bactérias na urina pode estar relacionada à de muco ao exame do sedimento urinário. Parte do
infecção urinária (Figura 35.26), que deve ser confirmada muco parece ser proveniente dos túbulos renais, corres-
pela coloração pelo gram de gora de urina não centrifu- pondendo à proteína de Tamm Horsfall. Além disso, é
gada e uroculrura. oriundo de glândulas do craco genirurinário e, particu-
larmente. do epitelio vaginal. A presença de filamentos
de muco apresenta significado clínico bastante limitado,
podendo ser observado seu aumento em processos in-
flamatórios do craco genirurinário.
Espermatozóide: ocasionalmente observam-se es·
permawzóides ao exame do sedimento de amostras de
unna de homens e, também, de mulheres. sugerindo,
neste último caso, a contaminação da amostra com ma-
terial vaginal (Figura 35.28).

PESQUISA DE HEMÁCIAS DISMÓRFICAS


Figura 35.26 - Flora aumentada e olindro granuloso ao exame mt·
crascópico do sedimento urinário. (Urinálise Atlas Dtgttal. Btosof· A distinção entre hematúrias glomerulares e não glo-
tware <www.biosoftware.com.br>). Ver pron' hn colando merulares pode ser realizada a partir da análise morfoló-

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 457


gica de hemácias presentes no sedimento urinário. Na balhos rêm sido realizados visando dererminar esse va-
hemarúria não glomerular (pós-glomerular ou exrraglo- lor de referência: alguns auwres adoram a presença de,
merular). as hemácias provenientes dos rúbulos, duetos no mínimo, 20% de hemácias dismórficas, tanto para
ou de todo o rraro urinário restante apresentam-se na crianças quanto para adulws. Ourros encontraram bons
forma isomórfica, semelhantemente às encontradas na resultados utilizando um limite de 10%. Entretanto, a As-
circulação sangüínea. Por outro lado, na hemarúria glo- sociação Americana de Urologia propõe o encontro de
merular, as hemácias apresentam-se dismórficas, com al- pelo menos 80% de hemácias dismórficas para o diag-
terações de forma, cor, volume e conteúdo de hemoglo- nóstico de hematúria glomerular.
bina, podendo-se encontrar diversas projeções de suas
membranas celulares, bem como heterogeneidade cito-
plasmática e forma bicôncava ou esférica (Figura 35.29).

Figura 35.28 - Espermawzóide e hemácias ao exame microscó-


pico do sedimenco urinário. (Uri nálise Atlas Digital. Biosoftware
<www.biosoftware.com.br>). Ver prancha colorida

O mecanismo pelo qual as hemácias se tornam


dismórficas ainda não está cotalmente esclarecido. A
explicação mais aceita até o momento parece ser trau-
matismo mecânico. Ao atravessarem a membrana basal
glomerular pelos hiatos existentes entre seus capilares. f igura 35.29 B - HemáCias d1smórficas (Corres1a do Dr. Leonardo
de Souza Vasconcellos). o ,1 8
os eritrócitos urinários sofrem compressão importante,
DOSAGEM DE CREATININA
com conseqüente deformação de sua membrana celular
e redução de volume. Importância clínica
Para realização da pesquisa de hemácias dismórficas,
a amostra de urina deve ser coletada e armazenada como
relatado anteriormente para o exame de urina de rotina. A creatinina é um produto derivado da creatina e da
Em casos de períodos menstruais ou trauma do rraw fosfocrearina presentes no músculo esquelético. A creatina
urinário, sugere-se aguardar alguns dias para a realização é sintetizada nos ri ns, fígado e pâncreas, sendo em seguida
do exame. A microscopia por contraste de fase parece transportada pelo sangue para o urros órgãos, especialmen-
ser o melhor método para o estudo do dismorfismo eri- te, músculos, onde é fosforilada a fosfocreatina. A intercon-
trocitário, dispensando o uso de colorações especiais. versão entre a fosfocreatina e creatina é particularmente
Não existe, ainda, um consenso na literatura sobre importante no forneci mento de energia para o processo
qual porcentagem de hemácias dismórficas deve ser de contração muscular. Por dia, entre 1 e 2% da creatina
adorada para definir hematúria glomerular. Vários tra- livre no músculo são transformados espontaneamente em

458 [ Medicina laboratorial para o clínico


creatinina, a qual, uma vez no plasma, é excretada pelos de )affé. Essa reação apresenta cerca inespecificidade na
nns. A produção coral de crearinina corresponde a cerca determinação da creatinina devido à ação de inrerferen-
de 20 mg/Kg/dia e é relativamente constante dia a dia e. tes evenrualmente presenres nas amostras, tais como:
por ser proporcional a massa muscular, varia com a idade glicose, piruvaro, ácido úrico. frurose. a -cetoácidos, hi-
e sexo. A excreção diária pode ser 10 a 30% maior devido à danroína. ácido ascórbico, uréia, cefalosporinas, lipemia,
Ingestão de carne, que contém creatina e creatlnina. Entre hemólise e bilirrubina. Dependendo do mérodo, esses
indivíduos sadios, a vanação 1ntra-ind1v1dual da concentra- inrerferenres levam a aumento dos valores verdadeiros
ção sérica de creatinina é menor que 4.3%, enquanto que a de creatinina da ordem de 0,2 a 0,4 mg/dl. O Quadro
variação entre indivíduos é menor que 12,9%. 35.13 apresenra as principais condições capazes de alte-
Em condições fisiológicas, a creatinina é excretada rar a concenrração de crearinma no soro ou plasma.
quase que exclusivamente pelo rim, sendo 85% por fil -
Quadro 35.13 - Causas de alteração da concentração de
tração glomerular e o restante por secreção tubular. Não
crearinina no soro ou plasma
parece haver absorção de creatinina ao longo do nefron.
Assim, a dosagem de creannma no soro ou plasma é uti- Aumento Diminuição
lizada com muita freqüência para avaliar a função renal,
Redução do perfusão renal Baixo estatura
especialmente a função glomerular. A concentração de Insuficiência cardíaco Redução do mosso muscular
creatinina no soro ou no plasma é inversamente propor- congestivo
Doença hepático avançado
Choque
Clonai à taxa de filtração glomerular. Desidratação Desnutrição
t importante destacar que a dosagem de creatinina Doenças reno1s (com redução
representa marcador pouco sensível para estimar a fil- do taxo de filtração glomerular)
tração glomerular. Reduções moderadas da taxa de fil- O bstrução do troto urinó110
tração glomerular podem não se refletir em aumenro da Ingestão de carne

concenrração de creatinina no soro ou plasma. Em geral. Anormalidades musculo1es


Terapia prolongado com
esta somenre se enconrra elevada na insuficiência renal cort1costeró1des
crônica, quando 50% ou mais dos nefrons estão com- Hipertireoidismo
Distrofio e paralisia muscular
prometidos. A quantidade de creatinina que é secretada Dermotomios1te
pelos túbulos renais aumenta com a redução da filtração Poliomiosile
glomerular. Adicionalmente, o resultado de apenas uma M etildopo
dosagem de creatinma deve ser inrerpretado com cau- Trimetoprim
tela. não devendo ser utilizado como único parâmetro Cimetidino

para avaliação da função renal. Por exemplo, em um indi- Soliciloto

víduo adulco, híg1do. com massa muscular relativamenre


pequena, que tlpicamenre apresenta concentração sérica
Valores de referência
de crearinina de 0,5 mg/dl (44 f.Jmoi/L). e que apresenra à
primeira consulta clínica resultado da dosagem de creati-
nina de 1,0 mg/dl (88 f.Jmoi/L). a primeira impressão é de Os valores de referência para creann1na no soro ou
que esse resultado é compatível com função renal nor- plasma enconrram-se na Tabela 35.2. Esses valores podem
mal. Entretanto, para esse indivíduo, concenrração sérica variar de acordo com o método utilizado. Devido à maior
de 1,0 mg/dl (88 f.Jmoi/L) de creatinina pode correspon- massa muscular, homens apresenram concenrração sérica
der à TFG cerca de 50% menor que o valor de referência. de creatinina maior do que mulheres. Devido ao aumento
da filcração glomerular na gestação. a concentração sérica
de crearinina é, em geral. menor em mulheres grávidas. Em
limitações indivíduos idosos. é importante considerar que o processo
de envelheCimento leva à perda de massa muscular com
A dosagem de creatin1na é mais comumente reali- menos produção de crearinina e à perda de nefrons com
zada com métodos que utilizam o princípio da reação redução da TFG.

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 459


Tabela 35.2 - Valores de referência para dosagem de cre- Ds {ml/min/superfície corporal média) =
atinina
= Us (mg/dl) x V (ml/min) x 1,73 (m2)

Valores de referência" Ps (mg/dl) A (m 2 )

Idade !Jmoi/L
mg/dl
(Unidades internacionais)
1,73 =superfície corporal média
1 o 5 anos 0.3 o 0.5 27 o 44
A = superfície corporal do paciente
5o lO anos 0,5 o 0,8 44 o 7 1
A superfície corporal pode ser medida pelo monogra-
Adultos
Homens Inferior o 1, 2 Inferior o 10 6 ma ou fórmulas que relacionam altura e peso à área de su-
Mulheres Inferior o 1,1 Inferior o 97 perfície corporal.
A medida da depuração de substâncias exclusiva ou
•Métodos baseados na reação de Jaffé
predominantemente filtradas pelos glomérulos, mas nem
AVALIAÇÃO DA TAXA absorvidas nem secretadas por outras regiões do nefron,
DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR proporciona determinação da taxa de filtração glomerular,
ou seja, a quantidade de ultrafiltrado que passa do sangue
para o lúmen cubular, através dos glomérulos, em determi-
A taxa de filtração glomerular fornece excelente ava- nado período de tempo.
liação da capacidade de filtração dos rins e não é possível O polissacarídeo inulina é a substância ideal para a me-
medi-la diretamente. Entretanto, ela pode ser determinada dida da taxa de fi ltração glomerular, sendo a sua depura-
pela medida da concentração de uma substância no sangue ção considerada o método de referência. Entretanto, a de-
e na urina simultaneamente. A medição da concentração puração de inulina não é utilizada rotineiramente, pois sua
de substâncias, como a creatinina, na urina (Us), do volume realização é demorada e necessita de infusão intravenosa
de urina formado em determinado período de tempo (V) contínua, já que é uma substância exógena e de coleta de
e da concentração desta substância no plasma ou soro (Ps) urina por determinado período de tempo. Por ser uma
permitem determinar o volume de plasma que é depurado substância endógena, a depuração de creatinina para de-
dessa substância por unidade de tempo (geralmente um terminar a taxa de fi ltração glomerular é amplamente utili-
minuto). Esse volume, em ml/min, é definido como depu- zada na prática clínica para a avaliação da função glomeru-
ração renal e é expresso através da equação: lar. Entretanto, a depuração da creatinina apresenta baixa
sensibilidade e especificidade. Alternativamente, é possível
Ds (ml/min) = Us (mg/dl) x V (ml/m in) estimar a taxa de fi ltração glomerular utilizando equações
Ps (mg/dl) baseadas na dosagem de creatinina sérica ou plasmática e
dados demográficos.

Ds = volume de plasma depurado da substância;


Us = concentração urinária da substância; Depuração de creatinina
V= fluxo urinário em mililitros por minuto;
Ps = concentração plasmática da substância. Importância clínica

A depuração é proporcional ao número e tamanho A depuração da creatinina, utilizando urina colhida


dos glomérulos. os quais são proporcionais à superfície por 24 horas, é o ensaio mais comumente utilizado para
corporal. O valor obtido da depuração deve ser, portanto, avaliar a taxa de filtração glomerular, devido à facilidade
corrigido quando a superfície corporal do paciente difere de execução e baixo custo. Para sua realização, é neces-
da superfície corporal de um indivíduo de tamanho médio sária a colheita de urina durante período determinado,
(1,73 m2). Assim, a depuração deve ser expressa a partir da preferencialmente 24 horas, e de amostra de sangue para
seguinte equação: a determinação de creatinina em ambas. A amostra de

460 [ Medicina laboratorial para o clínico


sangue pode ser colh1da a qualquer momenco durance a Quadro 35.14 - Orientação para coleta de urina de 24 horas
coleta de urina, sendo mais conveniente ao final do perío-
N o p rimeiro dia, desp rezar o p rimeiro urino do manhã
do de colheita da urina. Deve-se orientar o paciente para
Colher todos o s micções oré o manhã do segundo d:o,
que se mantenha hidratado durante o período de colhei- Colher o primeiro unno do manhã do segundo dia;
ta da urina, devendo evitar a realização de esforço fís1co e, Enviar o amostro poro o lobor01ório.
Todo urino colhid o deverá ser armazenado em frascos limpos.
sempre que possível, suspender o uso de medicamentos. livres de resíduo de qualquer natureza e sob refrigeração
!entre 2 e 8 oq
Limitações

Diversos fatores, especialmente aqueles capazes de Valores de referência


interferir na dosagem de creatinina plasmática (Quadro
35.13) e na colheita de urina, contribuem para a inexati- Os valores de referência para depuração de creannina
dão dos resultados da depuração de creatini na. Em Indi- encontram-se na Tabela 35.3. Em todas as faixas etárias. a
víduos adultos, a variação intra-individua l da depuração faixa de referência é am pla. Os valores para mulheres são
de crearinina pode ser superior a 25%. Outras variáveis em geral cerca de 8% menores do que para homens em
capazes de impactar nos resultados da depuração in- codas as faixas etárias. Após os 20-30 anos de idade, em am-
cluem o uso de drogas que inibem a secreção tubular de bos os sexos, ocorre declínio da taxa de filtração glomerular
crearinina (salicilaro, cimetidina e trimetoprim). Apesar de aproximadamente 1 ml/min/1.73 m2 por ano. Assim.
de ser livremente filtrada, a fração de creatinina secre- na fa1xa etária de 70 anos, o valor de referência méd1o é de
tada pelos túbulos renais resulta em superestimação de aproximadamente 70 ml/min/1,73m2 Outros facores além
5 a 10% da taxa de filtração glomerular em indivíduos da 1dade podem alcerar a taxa de filcração glomerular. A
sadios. Na fase 1nicial da insuficiência renal, à medida que gravidez apresenta importante efeico sobre a taxa de fi ltra-
reduz a taxa de fil tração glomerular, aumenta a secre- ção glomerular, que pode alcançar valores até 140%matares
ção tubular de creatinina, aumentando a inexatidão da do que os de referência no final do segundo mmestre.
estimativa da taxa de filtração glomerular por me1o da
depuração da creatinina. Tabela 35.3 - Valores de referênc1a para depuração de cre-
A colheita de urina é também um faror limitante. atinina
Deve-se cuidar para que roda a urina formada no perío-
do de 24 horas seja colhida, pois a perda de urina pode Idade Homens Mulheres
(anos) (ml/min/ 1,73m2) (ml/ min/ 1,73m 2)
acarretar falsa diminuição da depuração de creatinina.
20 - 30 88 - 146 81 - 134
O paciente deve ser orientado sobre como proceder à
coleta, conforme descrito no Quadro 35.14. Pode-seco- 30 40 82- 140 75 128
lher urina em intervalos menores, como 12 ou seis horas, 40-50 75 - 133 69- 122
porém a colheita de 24 horas fornece amostra mais con-
fiável. A urina deve ser armazenada em frascos limpos, 50-60 68- 126 64 - 116
livres de resíduos de qualquer natureza e sob refrigeração 60- 70 61 - 120 58 - 110
(entre 4 e 8 •c) durante a coleta para evitar o crescimen-
70-80 55- 113 52- 105
to de microrganismos que podem produzir crearininases
ou elevar o pH da amostra, promovendo a conversão de
creatinina em creatina, com conseqüente diminuição da
concentração da creatinina urinária. Equações para estimar a taxa de filtração glomeru lar
Durante a colheita de urina. deve-se evitar dieta rica
em carne, que pode aumentar a excreção urinária de crea-
tinina, e exercício vigoroso, que pode alterar a filtração glo- Tem sido proposto que a taxa de filtração glomerular
merular. A hidratação adequada do paciente é necessária pode ser estimada por equações baseadas na dosagem de
para assegurar fluxo urinário de pelo menos 2 ml/minuto. creatinina sérica ou plasmática e em variáveis como idade,

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 461


sexo, raça ou camanho corporal. Essas equações são úceis in Renal Disease (MDRD) parece ser superior à estimati-
para o diagnóstico e classificação de doenças renais crê- va com a equação Cockcrofr Gaulc e a determinação da
nicas e parecem oferecer estimativa mais exata e precisa depuração da crearinina para estimar a taxa de filtração
da caxa de filcração glomerular do que a depu ração de glomerular. Essa equação foi validada em grande núme-
crearinina. Além disso, podem ser utilizadas em situações ro de indivíduos adultos americanos caucasianos e afro-
em que não é possível a colheita de urina de 24 horas de descendentes com disfunção renal e o resultado obtido
forma adequada, como no caso de pacientes pediácricos. é corrigido pela superfície corporal. Entretanto, torna-se
As mais amplamente utilizadas encontram-se no Quadro necessário validar a utilização dessa equação em ou-
35.15. A National Kidney Foundation dos EUA tem reco- tras populações, incluindo indivíduos com função renal
mendado que a estimativa da taxa de filtração glomerular normal. diabéticos, entre outros. As equações Schwarrz
por meio das equações seja utilizada preferencialmente e Counahan-Barrar oferecem estimativas clinicamente
em vez da dosagem sérica ou plasmácica de creacinina. úteis da taxa de filtração glomerular em crianças.

Quadro 35.15 - Principais equações desenvolvidas para esti-


mar a taxa de filtração glomerular baseada na creatinina sérica Limitações

Como as equações utilizam a dosagem sérica ou plas-


Crianças
mática de creatinina, a exaridão e precisão dos resultados
Fórmula Schworts obtidos estão sujeiras aos fatores que interferem nessa do-
' . } 0,55 x altura (cm}
DCr (mL1 mm = sagem. As equações não devem ser utilizadas em algumas
Cr, situações, como: nos extremos da idade, indivíduos com
massa muscular acentuadamente grande ou pequena, pre-
Equação Counahan-Barrat
sença de doenças da musculatura esquelética. paraplegia
TFG (ml/min/ 1.73 m2) = 0,43 x altura (cm)
ou quadriplegia. indivíduos com dietas pouco usuais com
Cr5
excesso ou escassez de creatinina (suplememação com
Adultos creatina ou dieta vegetariana). casos de redução da mas-
Equação Cockcroft-Gault sa muscular (amputações. desnutrição, atrofia muscular) e
obesidade mórbida. Outras situações em que a determina-
DCr (mL/ minI = (1 40- idade) x peso x (O•85 se mu lherI
72 x Cr, ção da taxa de filtração glomerular a partir da depuração
renal se faz necessária incluem: pacientes que estão apre-
Equação MDRD sentando deterioração rá pida da função renal. avaliação da
TFG (ml/min/1, 73 m2) = 186 x (Cri ·154 x (idade)"0,203 função renal ames da introdução de drogas potencialmen-
x (0,742 se mulher}
te nefroróxicas e excretadas pelos rins e avaliação da neces-
x (1 ,2 10 se afro-americano} sidade de iniciar procedimento de diálise. Adicionalmente,
como já relatado anteriormente, essas equações precisam
DCr: depuração de creatina; CRs creatina no soro; TFG: taxa de filtra-
ção glomerular ser validadas em outros grupos populacionais.

DOSAGEM DE URÉIA
A equação Cockcroft Gaul, proposta em 1976, é pro-
vavelmente a mais utilizada. Ela prediz a depuração da Importância clínica
creatinina e não a taxa de fi ltração glomerular, não consi-
derando a superfície corporal. Apesar de suas limitações O carabolismo das proteínas e ácidos nucléicos resulca
em algumas situações clínicas, tem sido evidenciado que na formação de compostos nirrogenados não proréicos. A
ela produz resultados mais exaros e precisos do que aque- uréia é o principal produto formado (75%) desse carabo-
les obtidos com a determinação da depuração da creati- lismo oriundo da conversão da amônia por enzimas hepá-
nina. A equação proposta no estudo Modification of Diet cicas. Mais de 90% da uréia produzida é excretada pelos

462 ( Medicina laboratorial para o clínico


rins e o resrame é eliminado pelo uaw gasmmesrtnal e do tsolado mais sugestivo de doença renal. A proceinúria
pele. A uréia é livremente filcrada pelos glomérulos e 40 pode ser devida ao aumento da permeabilidade capilar
a 70% desta é difundida passivamente para fora do cúbu- (proceinúria glomerular), na qual a proceína urinária é,
lo renal. rewrnando ao plasma. Assim como a creacinina. principalmente, albumina; discúrbio da reabsorção cubu-
a uréia apresenta relação inversa com a taxa de filcração lar (proreinúria tubular), na qual as proteínas predomi-
glomerular e várias doenças renais com lesões glomerula- nantes na urina são prmeínas de plasmácicas de baixo
res, cu bulares e vasculares podem cursar com aumento da peso molecular; extravasamento de proteína de baixo
sua concentração no soro ou plasma. Entretanto, vários peso molecular anormal - hemoglobina, mioglobina.
fawres de origem não renal podem causar variabilidade proceína de Bence jones - do plasma para urina (prorei-
da concentração de uréia sérica ou plasmática, wrnando núria de sobrecarga); e produção de proteínas pelas vias
limicada sua ucilidade como marcador de função renal urinárias (proreinúria pós-renal).
(Quadro 35.16). Emre indivíduos sadios, a variação incra-in-
dividual da concentração sérica de uréia é menor do que Quadro 35.16 - Causas de alceração da concemração de
12.3%. enquanto que a variação entre indivíduos é menor uréra no soro ou plasm a

18.3%, demonstrando a maior variabilidade biológica da


A umento Diminuição
concentração sérica ou plasmática da uréia quando com-
parada com a de creatinina. Por outro lado, a elevação da Redução do perfusão renal Desnutrição protéico
Insuficiência cardíaco con- Insuficiência hepática
uréia no plasma ou soro decorrente de alterações renais é gestivo Síndrome da secreção
mais precoce do que a creatinina, especialmente na insufi- Choque 'napropriodo do hormõnio
Doenças renais onlidiurético
ciência renal de origem pré e pós-renal.
Insuficiência renal agudo e
crõnica
Glomerulonefntes crõnícas
Pielonefrites crõmcas
Causas de alterações da concentração sérica ou
Obstrução do troto urinário
plasmática de uréia Ingestão de grande quantidade
de proteína
Desidratação
As principais causas renais e extra-renais capazes de Aumento do cotobolismo
alterar a concentração de uréia no soro ou plasma são protéico
Jejum prolongado
apresentadas no Quadro 35.16. Cetoacidose
Corticosteráides
Telrociclrno
Diuréticos
Valores de referência
Hemorragia digestiva lreobsor·
ção de proteínas plasmá ticos)
Como apresentado na Tabela 35.4, as concentrações
de uréia tendem a aumentar com a idade do indivíduo e
são discretamente mais elevadas no sexo masculino do
Tabela 35.4 - Valores de referência para uréia
que no feminino. Alimentação com alw teor protéico
causa aumentos significativos nas concentrações plas-
Valo res de referência
máticas e na excreção urinária de uréia.
Idade mmoi/L
mg / dl
(Unidades internacionais)
N eonolo 8,5 - 26 1,4-4,3
PROTEIN Ú RIA DE 24 HO RAS
Cr iança 11-39 18-64
Import ância clínica 15 - 39 2,5-6,4
Adultos

>60 anos 17- 45 2.9- 75


A presença de proteínas na urina em quantidades
superiores a 150 mg/24 horas é provavelmente o acha-

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 463


A prmeinúria glomerular é o ripo mais comum e gra- sos. A relação entre albuminúria e risco maior de doença
ve de proceinúria. Geralmente, a proceinúria é detecta- cardiovascular cem sido demonstrada também em in-
da no exame de urina de roci na (pesquisa de elementos divíduos aparentemente sadios. Assim, a determinação
anormais), em seguida, é realizado teste quantitativo das de microalbum inúria tem sido proposta em pacientes
proteínas cocais na urina. Como a elim inação de proteí- com diabetes melico, hipertensão, pré-eclampsia e lúpus
nas na urina varia consideravelmente, a análise da prmei- eritemacoso sistêmico, já que a intervenção nessa fase é
núria deve ser realizada utilizando-se urina colhida por capaz de preservar a função de filrração glomeru lar e
24 horas (Quadro 35.14), sendo o teste conhecido como melhorar o prognóstico dos paciemes. Alguns estudos
proteinúria de 24 horas. Outros métodos de exames po- têm evidenciado que a utilização de drogas inibidora
dem ser necessários para avaliar a presença de proteínas do sistema renina-angiotensina pode minimizar o risco
específicas na urina (proteinúrias tubulares. proteína de de progressão da nefropacia em pacientes diabéticos e,
Bence-Jones, etc.). conseqüentemente, reduzir a taxa de excreção urinária
de albumina. Além disso, o controle intensivo da glice-
mia e da pressão arterial é fundamental para reduzir-se
limitações a evolução da nefropatia.
O mecan ismo responsável pela albuminúria ainda
Vários fatores podem interferir no teste de proteinú- não está esclarecido, sendo sugerido que seja conseqü-
ria de 24 horas e incluem erros na coleta de urina de 24 ência de disfunção endotelial generalizada e inflamação
horas e uso de medicamentos como a fenazopiridina. A vascular crônica, que incluiria os glomérulos. Essa hipóte-
presença de proteínas na uri na pode se dever também à se explicaria a relação da microalbuminúria com os even-
proteinúria funcional ou benigna, provavelmente devida tos cardiovasculares.
a alterações do fluxo sangüíneo nos glomérulos e asso- A imponância clínica da determinação de micro-
ciada a exercício físico vigoroso, estado febril. exposição albuminúria reflete-se nas recomendações de diversos
prolongada ao frio ou calor, estresse emocional, protei- comitês e associações médicas internacionais. A Orga-
núria postural e insuficiência cardíaca congestiva. nização Mundial de Saúde (OMS) e a American Dia-
betes Association (ADA) preconizam que a determ ina-
ção da microalbum inúria seja realizada imediatamente
Valores de referê ncia após o diagnóstico do diabetes melito t ipo 2 e após
cinco anos do diagnóstico de diabetes melito tipo 1.
Em condições fisiológicas normais, indivíduos adul- Posteriormente, deve ser determinada a cada seis me-
tOS eliminam entre 30 e 150 mg de proteínas em 24 ho- ses (OMS) ou um ano (ADA). A realização anual para
ras. Crianças menores que 10 anos eliminam até 100 mg pacientes com d iabetes melito t1po 2 também é reco-
de proteínas em 24 horas. mendada pelo Instituto Nacional de Excelência Clínica
do Reino Unido. A Sociedade Européia de Cardiologia
e o Comitê Nacional de Prevenção, Detecção, Ava lia-
DET ERM INAÇÃO DE M ICROALBUMINÚ RIA ção e Tratamento da Hipertensão Arterial dos EUA
propõem a pesquisa da microalbuminúria como parte
Importância cl ínica da avaliação de todos os pacien:es hipertensos. A So-
ciedade Brasileira de Diabetes propõe a determ inação
O termo microalbuminúria não se refere a uma nova da microalbuminúria na avaliação do risco cardiovas-
substância ou a uma variante molecular da albumina e cular de pacientes que apresentam fatores cardiome-
sim à excreção urinária de pequena quamidade de al- tabólicos e d iabetes melito.
bumina, entre 30 e 300 mg724 horas ou entre 20 e 200 Não há consenso na literatura quanto ao tipo de
~g/min. A microalbuminúria representa sinal precoce de amostra de urina que deve ser colhida para a deter-
nefropatia e fator de risco aumemado de doença car- minação da microalbumi núria. Pode ser utilizada urina
diovascular e morte em pacientes diabéticos e hiperten- colhida no período de 12 ou 24 horas. a primeira urina

464 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - --


da manhã ou amosua de urina aleatória colhida após Tabela 35.5 -Valores de referência para excreção de album1na
na unna
três horas da última micção. Quando não se utiliza
amostra de urina de 12 ou 24 horas. é recomendada
TIPO DE AMOSTRA
a realização concomitante de dosagem de creatinina
na amosrra de urina. Como a excreção de creatinina é Primeira urina da manhã ou
24 horas
Parâmetro amostra aleatória
relativamente constante, variações do volume urinário
mg/g•
capazes de afetar a concentração urinána de album1na mg/ 24 h ~~g/min
podem ser minimizadas quand o se expressa a excre- Homens Mulheres

ção de album ina a partir da relação entre a concentra- Excreção <30 <20 <17 <25
fisiológico
ção de albumina e a de creatinina na urina. A primeira
Microolburni· 30- 300 20-200 17-250 25- 355
urina da manhã parece ser a alternativa preferível na núrio
prática clínica, já que os resultados obtidos pela rela-
Albuminúrio >300 >200 >250 >355
ção albumina: creatinina com esse tipo de amostra (ou prorei·
apresentam menos variação intra-individual quando núriol
comparados com os resultados obtidos com amostras
·mg/g. miligramas de albumma por gramas de creaumna Fome \lational Kid·
aleatórias colhidas ao longo do dia.
ney roundauon. K/DOQI Cltmcal Pracuce GUideltnes for Chronic Kidney Disea·
Os ensaios habitualmente utilizados pelos laborató- se: Evailition, Classificanon, and Stralification. Am ). Kidney Dis. 2002. 39: (suppl)
rios para medir proteína na urina. incluindo a pesquisa 1.51·5266 Disponível em <http;//www. kidney.org/professionalsJkdoqi/gUideh·
nes_ckd/p._exec.hrm>.
com a tira reagente e a proteinúria de 24 horas, não
têm especificidade adequada para caractenzar a excre- PRINCIPAIS ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
ção de pequenas quanndades de albumina. Para a sua DO PACIENTE COM DISFUNÇÃO RENAL
determinação, são utilizados métodos imunométricos,
como a nefelometria e a turbidimetria, que apresentam
maior sensibilidade. As manifestações assoc1adas às doenças renais, in·
clu indo os achados laboratoriais, são. em geral. inespecí-
ficas. Todavia. elas perm1tem diagnóstico sindrômico da
Valores de referência disfunção renal. o qual representa passo inicial importan-
te para o diagnóstico definitivo e específico. Adioonal-
Os valores de referência para excreção de albumina mente, a classificação das doenças renais em síndromes
na urina encontram-se na Tabela 35.5. Deve-se susp eitar fornece abordagem didática. facilita ndo e ordenando o
da presença de m icroalbuminúria quand o esses valores raciocínio clínico-laboratorial. A seguir, são apresentadas
são encontrados em duas de três amostras de urina co- as principais alterações laboratoriais encontradas em cin-
lhidas em intervalo de um a se1s meses. A confirmação co das grandes síndromes renais.
pela coleta de várias amostras se deve à variação intra-
individual da excreção urinária de albumina, que pode
chegar a 36%. NA INSU FICIÊNCIA RENAL CRÔ N ICA

A insuficiência renal crónica pode ser defin ida de


limitações acordo com dois critérios: a) lesão caracterizada por
anormalidades estruturais ou funcionais do rim e ma-
t importante destacar que outras condições não nifestada por três meses ou ma1s, a part ir de alterações
relacionadas à lesão renal podem aumentar a excreção anormais ou dos exames laboratoriais ou de imagem.
urinária de albumina, tais como: exercício físico vigoro - com ou sem diminuição da taxa de fi ltração glomerular;
so. gravidez. febre. infecção urinária, hematúria. picos de b) taxa de fi ltração glomerular inferio r a 60 ml/min/ 1,73
hiperglicemia. insuficiência cardíaca, proreinúria postural m 2 por três m eses ou mais. com ou sem lesão renal. O
benigna e estresse. Q uadro 35.1 7 apresenta as pnncipais alterações labora-

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 465


roriais encontradas na tnsuficiência renal crôntca, de- pode ser classificada em pré-renal. renal e pós-renal.
vendo ser ressaltado que essas alterações podem variar A insuficiência pré-renal decorre da hipoperfusão dos
dependendo do estágto de disfunção renal em que o pa- rins, mais comumeme por uma absoluta redução do
ciente se encontra. Várias doenças renats e extra-renais, volume de sangue - hipovolemia. Entre as causa renais,
incluindo glomerulonefrites, pielonefme, obstrução do destaca-se a necrose tubular aguda resultante de lesão
traro urinário, substâncias nefroróxicas, lesões renais is- renal isquêmica, nefrotóxica, por substâncias químicas
quêmtcas, diabetes meltw, htpertensão arterial e lúpus (antibióticos, contrastes radiográficos, metais, solven-
eritemawso sistémico, podem evoluir para tnsuficiência tes, etc.), e lesão secundária à excreção excessiva de
renal crónica, devido à destruição de nefrons por meca- hemoglobina, mioglobina e proteína de Bence-)ones. Já
nismos fisiopatológicos diversos. na insuficiência pós-renal, estão implicados os fatores
relacionados à obstrução das vias urinárias, tais como:
Quadro 35.17- Alterações labora toriais da insuficiência renal cálculos. trombos, tumores, fibrose reuoperitoneal e
crôn1ca procedimencos iacrogênicos.

Exame de urina de rotina


Densidade: :1 ,010 e fixo Quadro 35.18- AIH.'rações laborarona1s da msuficiência renal
Cilindros céreos
aguda
Cilindros largos
Dosagem de creatinina (soro/plasma)
Exame de urina de rotina
Aumentado Densidade :1 010 e f:xo
Cilindros hdinos
Dosagem de uréia (soro/plasma) Cilindros epiteliois
Cilindros granulosos
Aumentado
Células epitelioís {renal)
Taxa de Filtração Glomerular Dosagem de creatinina (soro/ plasma)
(Depuração de Creatinina/ Estimativa por equação)
Aumentado
<60 ml/min/1 73m 2 (~3 meses)
Dosagem de uréia (soro/plasma)
Outros Exames
Aumentado
Dosagem de ácido úrico (soro): nioeruricemio
Dosagem de cá1c1o (sorol: hipocolcemio Taxa de Filtração Glomerular
Dosagem de fósforo (soro): hiperfosfotemio (Depuração de Creatinina/Estimotiva por equação)
Dosagem de magnésio (soro) hipermognesemio
Dosagem de potássio (sorol: hipo ou hiperpotossemio <60 ml/min/1,73m2 (<3 meses)
Dosagem de sódio (soro) h.po ou hipernmemio
Hemogromo. anemio Outros Exames
Gosometrio (sangue arterial) ocidose meiobólico
Dosagem de porotormôn'o (soro). aumentado Dosagem de cálcio !soro): h1pocolcem1o
Dosagem de fósforo {soro). hiperfosfotemio
Dosagem de magnésio (sorol: hipermognesemio
Dosagem de potássio (soro): hiperpotossemio
Dosagem de sódio (soro): hiponolremi:J
Gosometrio (sangue arterial): ocidose rrelobólico
NA INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

A msuficiência renal aguda é caracterizada pelo de-


clínio abrupto da função renal. com redução da taxa de NA SÍNDROME NEFRÓTICA
filtração glomerular e conseqüente retenção progressi-
va de uréia e creatinina no sangue e redução do volume
urinário (Quadro 35.18). De acordo com os mecanismos A síndrome nefrótica está relaoonada a nefropattas
fisiopacológicos envolvidos, a insuficiência renal aguda que cursam com lesões glomerulares que resultam em

466 ( Medicina laboratorial para o clínico


NA SÍNDROME NEFRÍTICA
aumento excessivo da permeabilidade da membrana
basal às proteínas plasmáticas. Assim, caracteriza-se
pela presença de proteinúria igual ou maior que 3.5 g/24 A síndrome nefrítica é secundária a acometimento
horas. A proteinúria maciça ultrapassa a capacidade de glomerular (glomerulonefrite) difuso e manifesta-se pelo
síntese hepática resulrando em hipoalbuminem ia. A aparecimento súbito de oligúria, hematúria micro ou
conseqüente redução da pressão oncótica do plasma macroscópica, proteinúria e redução da caxa de filcração
leva ao edema, contração do compartimento vascular e glomerular. resultando em hipertensão, edema e reten-
aumento da secreção de aldosterona que, em conjunto, ção de uréia e creatinina no sangue. A presença dessas
podem reduzir a taxa de filrração glomerular. esse caso alterações e sua Intensidade dependem da extensão da
pode haver retenção de creatinina e uréia no sangue. A lesão glomerular. As alterações laborarona1s caracterís-
alteração da permeabilidade dos capilares glomerulares ticas da síndrome nefrítica encontram-se no Quadro
manifesta-se também para as lipoprmeínas, resultando 35.20. Diferentes doenças, com etiologias diversas mani-
em lipidúria. As principais alterações laboracoriais en- festam-se como síndrome nefrítica e podem, portamo.
contradas na síndrome nefrótica são apresentadas no apresentar prognóstico e tratamento distintos. Assim, é
Quadro 35.19. É Importante lembrar que. dependendo importante, posteriormente ao diagnóstico sindrôm1co.
da nefropatia de base, a síndrome nefrótica pode ter ca- estabelecer ou definir a doença. especificamente a doen-
ráter transitório ou ter, ainda, suas características clínicas ça de base, util izando outros exames complementares.
e laboratoriais modificadas pela concomitância de uma
das outras grandes síndromes renais.
Quadro 35.20 - Alrerações laboracona1s da síndrome nefrír1ca

Quadro 35.19 - Alterações laborator1a1s da síndrome Exame de urina de rotina


nefrócica
Cor amarela escuro ou avermelhada
Aspecto turvo
Exame de urina de rotina Densidade: elevado
Pesquisa de sangue: positivo
Aspecto turvo
Pesquiso de proteína: positiva
Pesquiso de proteínas: positivo
Hemôcios [>2/compo de maior aumento)
Ci 'noras h!Oiinos
Cilindros erilrocilônos
Cilindros granulosos
Corpos graxas ovalados (raros)
Cil;ndros graxas
Corpos groxos ovalados Pesquisa de dismorfismo eritrocitário
Gotículas de lípides
Positiva
Proteinúria de 24 horas
Proteinúria de 24 horas
~3. 5 g/24 h (ou ~50 mg/kg/24 h) <3.5 g/24 h (ou <50 mg/kg/24 h)

Dosagem de creotinina (soro/plasma) Dosagem de creatinina (soro/plasma)


Aumentado
Dentro do faixo de referência ou aumentado
Dosagem de uréia (soro/ plasma}
Dosagem de uréia (soro/plasma) Aumentado
Dentro da faixo de referência ou aumentado Taxa de filtração glomerular
(Depuração de Creatinina/ Estimativa por equação)
Taxa de Filtração Glomerular
Diminuído
(Depuração de Creatinina/ Estimativa por equação)
Dentro do fa xa de referência ou diminuído
Outros Exames
Dosagem de Complemento C3 (soro(· diminuído~
Outros Exames Atividode hemolilico total do complemento- CH50 (soro(. diminuída·
Anticorpos contra ontígenos esheptocócicos - ontiestreptolisino
Dosagem de albumino (soro): hipoolbuminemio O, onti-hioluronidose, ontidesoxirribonucleose-B (soro(: titulas
Dosagem de triglicérides (sarai: hipertrigliceridemio aumentados*
Dosagem de colesterol total (sora):hipercaleslerolemio

· Em pac e'1tes com glome•ulone1r te aguda ~- ~,treptocÓ< ca

Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal 467


CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS
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468 [ Medicina laborator ial para o clín ico


Eduardo Pimentel Dias
36 Márcio Weissheim er Lauria
Maria Marta Sarquis Soares
Pedro Guatimosim Vidigal

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO DIABETES


MELITO E OUTRAS CATEGORIAS DE DISTÚRBIOS
NA HOMEOSTASE GLICÊMICA

Os disrúrb1os do merabol1smo glicêm1co caracterrza- • após uma refeição padrão ocorre ac réscimo ao
dos bioquimicamente por h1perghcem1a, se considerados pool de aproximadamente 10 vezes o seu volume
em conjunto: diabetes mehto (DM); intolerância à glicose, (150 a 200 g).
1mpaired glucose tolerance (IGT); intolerância à glicose em
jejum, rmpaired fastmg glucose (IFG) e resistência à insulina Torna-se. portanto, claro que a manutenção dos níve1s
(RI), representam um dos distúrbios metabólicos mars pre- gl rcêm1cos dentro de uma faixa fisrológica ex1ge a Integri-
valenres em codos os países do mundo ocidental c são con- dade c inreração de codos os componentes do sistema.
siderados um problema de saúde pública. O seu diagnóstico
adequado e precoce permite intervenções terapêuticas que
previnem as complicações crônicas que são a maior causa REGULAÇÃO DA GLICEMIA PÓS-ALI MENTAR
de morbimortalidade dos pacientes por eles afetados.
No período pós-alimentar imediato, a manutenção
da glicemia em níveis fisiológicos depende da velocidade
FISIOLOGIA DO CONTROLE GLICÊMICO de absorção da glicose e da integridade dos mecan ismos
de transferência para o espaço intracelular (disponibiliza-
O sistema nervoso central (SNC) depende de fluxo ção Intracelular) da mesma. Em relação à velocrdade de
contínuo e adeq uado de glrcose para seu funcionamen- absorção. são im portantes o tipo de carbordrato rngerr-
tO. Assim sendo. um complexo sistema de controle neu- do, a velocidade de trânsito estômago-duodeno e a pre-
ral, hormonal e celular age de maneira sinérgica. com a sença de alimentos que retardem a sua absorção, como,
finalidade de manter os níveis glicêmicos em uma faixa por exemplo. as f1bras.
estreita durante toda a vida. O grau de complexidade Quanto à eficiência na disponrbihzação da carga de
desse sistema pode ser deduzido a partir da análise de glicose, são fundamentais a presença de tecidos aptos
alguns dados fisrológicos: a recebê-la (fígado. músculo e tecido adiposo) e o per-
• existe um pool (reserva) de glicose no comparti- feito funcionamento dos mecanismos endócrr nos. A hi-
mento extracelular relativamente pequeno (apro- perglicemia resultante da absorção intestinal de glicose
ximadamente 15 a 20 g no adulto); estimula a secreção de insulina, que age para restaurar a
• o turn over (produção e consumo) de glicose no normoglicemia por três vias:
período de jejum é de aproximadamente 150mg/ • diminuindo a produção hepática de glicose. a par-
minuto (1,6 -2,6 mg/Kg/minuto); tir da redução da glicogenólise e gliconeogênese;
• aumentando a captação de glicose pelo músculo glicogenólise. Como as reservas hepáticas de glicogên io,
e tecido adiposo, translocando os transportadores nesse mamemo, sicuam-se em mrno de 80g e o consu-
de glicose do moplasma para a membrana celular; mo de glicose é de aproximadamente 150 mg/min (125
• por sua ação amdipolítica e annproreolítica, di- mg para o sistema nervoso central e 25mg para outros
minuindo a oferta de subsuaco gliconeogenéti- tecidos dependentes de glicose), o prolongamento do
co para o fígado. jejum resulta em depleção progressiva desses esmques e
dentro das primeiras 24 horas novos mecanismos adap-
Adicionalmente, a insulina inibe a síntese de glucagon tativos são necessários para a manutenção da glicemia.
pela célula a pancreática. A sincronia entre absorção e dis- Fase de jejum curto: nessa fase, a glicemia é mamida
ponibilização intracelular deve garamir que a glicose plas- primariamente pela gliconeogênese, sendo que após 48
máCica não exceda a concentração de 150mg/dl em torno horas esta é responsável por praticamente 100% da pro-
dos 30 a 90 minutos e que retome progressivamente ao dução endógena de glicose. Durame esse período, está
normal (70-110 mg/dl) entre 120 e 180 minucos (acualmen- aumentada a proteólise, com mobilização de alanina
te a American Diabetes Association - ADA - recomenda a muscular, submam básico da gliconeogênese. A lipólise
adoção dos valores 70-99mg/dl como normais). encomra-se também ativada, o que fornece substrato
Fenômeno fisiológico freqüente no período pós- metabólico para a gliconeogênese (glicerol) e energéti-
alimentar é a queda transitória, assimomática, da glicose co (ác1dos graxas livres) para o trabalho muscular. Para
plasmática a níveis inferiores aos de jejum (às vezes, até que isso ocorra, a redução adiCional dos níveis de 1nsulina
45-50 mg/dl). Essa queda fisiológica da glicemia é indis- plasmática (mfenor a 10 J.1UI/ml) faz-se necessária, já que
pensável para que a insulinemia recorne ao nível basal (10 a a 111Suilna tem ações antílipolít1cas e antiproteolíticas. A
20 ~UI/ml), o que permite a ação glicogenolítica do gluca- redução na concemração de insulina limita também a
gon e o início da produção endógena de glicose. O desco- captação de glicose pelos tecidos insulino-dependemes
nhecimento desse fenômeno, denominado por Hofeteld e permite a sua utilização, principalmente pelos tecidos
de cransitional low glucose, é a maior CilU~il cio diagnósti- insulino-1ndependemes (SNC. células sanguíneas).
co erróneo de h1poglicemia. Esses níveis glicêmicos não se Fase de jejum prolongado: Nessa fase deve haver
acompanham de secreção de hormônios h1perglicem1an- compatibilização entre a manutenção da glicemia e a
tes (glucagon e catecolaminas), nem de sintomas próprios preservação dos esmques de proteína corporal. Para que
à h1pogilcemia, o que afasta o seu diagnóstiCO. essa compatibilização ocorra, há necessidade de redução
na gliconeogênese, o que só é possível com redução pa-
ralela na utilização de glicose pelo SNC. Esse objetivo é
MANUTENÇÃO DA GLICEMIA NO JEJUM alcançado com a utilização, pelo SNC de corpos cetô-
nicos como fonte energética. O sinal determinante para
A resposta normal ao jejum pode ser dividida em três essa utilização parece ser a própria elevação na concen-
fases que se sucedem de maneira ordenada e comínua: tração arterial dos corpos cetônicos.
l a fase pós-absortiva (6-12 horas após a última in-
gestão de alimenco);
2. jejum curm (12-72 horas); DIABETES MEUTO (DM) EOUTROS DISTÚR-
3. jejum prolongado (após 72 horas). BIOS DA HOMEOSTASE GUCÊMICA

Fase pós-absortiva: Nessa fase a glicemia é mantida O termo diabetes melito (DM) aplica-se a um gru-
basicameme pela mobilização das reservas hepáticas de po de distúrbios metabólicos, de etiologia múltipla,
glicogênio (glicogenólise), que é desencadeada pela re- que se caracterizam bioquimicameme por h1pergl1-
dução dos níveis plasmáticos de insulina à faixa de 10-20 cemia crônica e clinicamente pelo desenvolvimento
~UI/ml, o que permite a ação glicogenolítica do gluca- de complicações microvasculares (microang1opat1a
gon. Após um período de jejum noturno, aproximada- diabética), complicações estas relacionadas ao grau e
meme 50 a 70% da produção da glicose é derivada da duração da hiperglicemia. Além da microangiopat1a, o

470 Medicina laboratorial para o clínico


DM agrava e acelera o processo ateroesclerótico (ma- Essa classificação, a mais utilizada arualmeme. ainda
croangiopatia diabética). apresema algumas dificuldades. como o diabético tipo
2. que requer o uso de insulina para controle metabó-
lico sarisfatóno. Existem também pacientes que não se
CLASSIFICAÇÃO enquadram bem nessa diferenciação entre tipo 1 e 2. Há
algum tempo já vem sido sugerida a inclusão de outros
A denomi nação DM tipo 1 aplica-se à doença ca- tipos de diabetes (por exemplo, diabetes tipo 3. diabetes
racterizada por destruição das células ~das ilhotas pan- tipo 1 e Y2. etc.). visando à melhor classificação destes
creáticas, com deficiência grave na secreção de insulina, pacientes. Todavia, até o presente momento não há con-
sendo em 95% das vezes causada por auto-imunidade c senso que permita adorá-los.
5% por causas não idemificadas (idiopáticas). Os pacien-
tes geralmente são propensos à cetoacidose e requerem
EVOLUÇÃO NO DIAGNÓSTICO DO DM
tratamento com insulina.
O DM tipo 2. forma mais prevalente de diabetes. é
Dois faros rornam complexa a tarefa de se selecio-
uma doença heterogénea. relacionando-se ma1s freqüen-
nar um nível de hiperglicemia que defi na o DM: a) a dis-
temente a defeitos na ação da insulina, à qual se segue a tribuição dos valores glicêmicos é unimodal na maioria
disfunção da célula ~· das popu lações. e b) o longo intervalo de tempo entre a
Alguns outros raros tipos de DM. geralmente causados instalação da hiperglicemia e o aparecimento da micro-
por defeitos monogênicos. ramo na ação da 1nsul1na como angiopatia. que caracteriza do ponto de vista anatomo-
na função da célula Bou por doenças primánas do pâncreas patológico o DM.
exócrino ou. ainda. Induzidos por drogas ou outras endocn- Refletindo essas drfrculdades, até 1979. pelo menos cin-
nopatias, foram classificados como "outros t1pos específicos". co cnrérios distimos eram utilizados para se estabelecer o
Manteve-se o grupo DM gesracional (Quadro 36.1). diagnóstico de DM. Em 1979. o National Diabetes Data
Group (NDDG). patrocinado pelo National lnsutute of He-
a/th (NIH). estabeleceu critérios para serem adorados nos
Quadro 36.1 - Class1f1cação etiológica do diabetes rnelito Estados Unidos. Um ano depois a Organização Mund1al de
Saúde (OMS). recomendou a adoçào desses cnrérios com
Tipo 1 modificações que os tornavam mais simples (Quadro 36.2).
Tipo 2
Outros tipos específicos: Quadro 36.2 - D1agnós(lco de diabetes meliro (Natlonal Dwbe-
tes Data Group. 1979/ Organização Mundial de Saúde. 1980)
Defeitos genéticos no função do célula
Defettos genéticos no oçõo do insulina Glicemio jejum < 110 mg/dl1 e Glicem1o após
Normais sobrega1ga padronizado de glicose on1dro ' 2 <
140 mg/dl
Doença do põncreos exócrino
Diabéticos Glicem1a jejum> 140 mg/dl ou Glicemro após
Endocrinopolios sobregargo padronizado de glicose anidro >
200 mg/dl
Induzido por drogas ou agentes químicos Glicemia após sooregorga padronizado de
g 1cose on,dro'lll > 140 < 200 mg/ dl
Infecções
Formos incomuns de DM imunomediodo 'Para transformar mg/dl ~m mmol/l d1v1dtrpor 18
'120 mtnucos após 75g de glicose antdra(82.5 gde Dexuosol®) via oral solução 25%
Ou•ros síndromes genéticos associados ao DM \molerâncta à glicose

diabetes melito gestacional


Os cricérios consranres no Quadro 36.2 basearam-se
no desenvolvimento de retinopacia em indivíduos pre-

Investigação laboratorial do diabetes meliro e ourras categorias de distúrbios na horneostase glicêrnica 471
viameme subme[idos ao [eS[e oral de wlerância à glicose Quadro 36.3 - Diagnóstico do diabetes melito (American
(TOTG), seguidos por um prazo que variou entre três e Dwbetes Associat10n- Comitê de Experts. 1997)
oiro anos. À época, propôs-se a classificação de impaired
Glicemia ao acaso > 200 mg/dL + sintomas clássicos
tolerance test (ITT) - teste de rolerância prejudicado ou
impaired glucose tolerance (IGT), literalmente traduzido Poliúrio - Polid ipsio - Polifogio - E'T"Iogrecimento

por intolerância à glicose, para aq ueles pacientes que ou Glicemio em jejum (8 horas) > 126 mg/dl?
apresentam glicemia em jejum inferior a 140 mg/dl e ou G licemio após Sobregorgo padronizado de glicose
duas horas após sobrecarga com glicose (usualmente, onidra®1 > 200 mg/dl2

dextrosol®) superior a 140 mg/dl e inferior a 200 mg/


120m1nuwsapós 75g de glicose anidra (82.5 gde Dexuosol®,v1a oral soluçãoà 25%)
dL. Escudos prospectivas mostraram que esses grupos 2duasdecerminações. Para transformar mg/dl e'T"I moi/L div1d1r por 18.
de pacientes encontravam-se em risco mais alto de de-
senvolvimento de DM e doença coronariana. Em 2003. o mesmo Comitê recomendou a adoção de
Em relação a esse critério, que prevaleceu entre 100 mg/dl como valor de corte entre indivíduos normais
1979 e 1997, vários estudos vieram mostrar que ape- e aqueles com intolerância à glicose em jejum, mantendo,
nas um percentual variando entre 25 e 50% daqueles entretanro, inalterado o valor de 126 mg/dl (7 mmoi/L)
que preenchiam o critério diagnóstico de glicemia duas para o diagnóstico de DM. Novamente, a justificativa foi
horas após sobrecarga de glicose superior a 200 mg/dl a busca de um valor de glicem ia de jejum que mais se
satisfazia o critério diagnóstico se lhes fosse solicitada correlacionasse com a glicemia após sobregarga de glico-
a gl icemia em jejum (maior ou igual a 140 mg/dl ); ou se anidra e que permi tisse a adoção da glicemia de jejum
seja, esses valores em jejum e duas horas após glicose como mérodo eficaz de rastreamento de indivíduos com
identificariam duas populações distintas. alterações no metabolismo glicêmico. Obviamente. à me-
Em 1997, o Comitê de Experts no Diagnóstico e dida que se dim1nui o valor de corte da glicemia de jejum,
Classificação do DM, criado pela American Diabetes As- sua sensibilidade como teste de rastreamento aumenta,
sociation (ADA) com a fi nalidade de rever o diagnóstico mas também eleva o número de falso-positivos.
e classificação do DM, publicou um relatório em que Importante ressalta r que o novo limite de normali-
propunha novos critérios para o diagnóstico e classifica- dade recomendado pela ADA (70-99 mg/dl) ainda não
ção da doença. Esses novos critérios procuravam corrigir está universalmente aceiro, incl usive pela Sociedade Bra-
essa discrepância e visavam a obter aproximadamente a sileira de Diabetes.
mesma prevalência de DM. independentemente de se
utilizar a glicemia em jejum ou a curva de rolerância à
glicose. de tal maneira que ambos os critérios passassem RECOMENDAÇÕES ATUAIS PARA O
a prever prognósticos idênticos. O valor de corte para o DIAGNÓSTICO DO DM
diagnóstico de DM para glicemia em jejum foi reduzido
para 126 mg/dL. o que corresponde a exaros 7 mmoi/L No relatório do Comitê de Experts estabeleceram-
se utilizar-se a unidade internacional. Foi mantido o va- se critérios para a solicitação de glicemia em jejum
lor de corte de 200 mg/dl para glicemia determinada (Quadro 36.4), que passou a ser considerada o padrão
duas horas após sobrecarga de glicose (Quadro 36.3). ouro para o diagnóstico de DM. Na ausência de sinto-
Como respaldo aos novos critérios. foram citados matologia clínica, uma primeira dosagem deve ser con-
três estudos que procuraram correlacionar a glicemia firmada posteriormente.
em jejum com a prevalência de retinopatia diabética, Em relação ao TOTG, desencoraja-se o seu uso ronnel-
desenvolvidos em etnias distintas. como os índios Pi ma. ro, entretanto, recomenda-se que todos os pacientes que
Egípcios e em população participante do projero Na- apresentem glicemia em jejum superior a 100 mg/dl e in-
cional Health and Nutrition Examination Survey (NHA- ferior a 126 mg/dL (atualmenre classificados na categoria
NES III). A Associação Latino-Americana de Diabetes de intolerância à glicose em jejum) sejam submetidos ao
(ALAD) recomendou a adoção desses mesmos critérios TOTG e ten ham o seu distúrbio do metabolismo glicídico
em toda a América Latina. classificado de acordo com o resultado desse teste.

472 ( M edicina laborarorial para o clínico 1


) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - -- - -
Quadro 36.4 - Indicações de solicitação de glicemias em Quadro 36.6- Preparo do paciente para teste oral de tolerân-
jejum (Amencan D~abetes Association - 1979. modtficado) cia à glicose (Organtzação Mundial de Saúde - modificado)

A cada três anos o partir dos 45 anos Je1um de 8 · 14 horas !libero-se águo)
Anual e mo is precoce se houver os fatores de risco abaixo Dieta com pelo menos 150g de corboidrotos · três dias antes

IMC > 27 Kg/m 2 ou obesidade obdomtnal Atividode físico usual nos dias anteriores
Parentesco de 1° grau com diabéticos Ausência de doenças agudos concomitantes
Antecedentes obstétricos compatíveis com DMG Suspensão prév10 de drogas h1perglicem1ontes
Coronoriopotia antes de 50 anos Repouso e abstenção de fumo durante o teste
rlipertensõo arterial

Triglicérides > 145 mg/ dl associado oo cHDL< 35 mg/dl

IGT ou IFG em exame prévio Quadro 36.7 - Padrontzação para reste oral de colerâneta à
gltcose (TOTG) (Organtzação Mundial de Saúde)

Realizar glicemia em jejum de 8 o 14 h


É impo rtante ressaltar que. para determinados
Ingestão de solução aquoso o 25% de gl1cose omdro 1
grupos de pacientes, cujo risco de diabetes é aumen-
tado, recomenda-se a realização rotineira do teste de Adulros 75g de gkose onidro 2
sobrecarga oral com glicose anidra padroni zada, mes-
Crianças: l .75g de glicose anidro/Kg de peso !máximo
m o com valores de glicemia de jejum inferiores a 100 de 75g)
mg/dl (Quadro 36.5). Glicemto 120 minutos após ingesrõo do glicose on1dro
Ao solicitar o TOTG, é indispensável padronizar o
procedimento dtagnóst ico de acordo com as normas da 1
Asolução deve ser 1ngenda em Intervalo de tempo 1gual a c1nco m1nutos.
OM S (Q uadros 36.6 e 36.7). 27Sg de glicose antdra = 82.5 g de Dextrosol®

OUTRAS CATEGORIAS DE DISTÚRBIO NA


Quadro 36.5 - Indicações para o uso rorineiro do teste
HOMEOSTASE GUCÊMICA
de sobrecarga oral com sobregarga padronizada de glicose
antdra como rascreamenco para diabetes melito

Glicemio em jejum superior ou igual o l OOmg/dL e infelior Em 1979, o NDDG classificou os TOTG que apre-
o l?ómg/dl sentassem a glicemia duas horas após sobrecarga de
Diagnóstico de síndrome metabólico glicose superio r a 140 mg/d l e inferio r a 200 mg/dl
Portadores de síndrome de Cushing e ocromegol1a
como imparred glucose tolerance (IGT). usualmente
traduzido como intolerância a à glicose. O seguimento
Diagnóstico de síndrome dos ovários policíst1cos desses pacientes revelou maior prevalência de OM e de
Portadores do síndrome do opnéio do sono doença coronariana.
No relatório de 1997, o Comitê recomendou o uso
Usuários crónicos de corticóides, imunossupressores e onti·
retrovirois da sigla IFG - impaired fasting glucose (usualmente
Poctentes com históno familiar fortemente positivo pata DM
traduzido por intolerância à glicose em jejum) para
enquadrar os valo res de glicemia em jejum que se en-
Presença de o co nlosis nigricons contrem no intervalo de 110 a 125 mg/d l . Os estudos
Históno pregresso de d obetes gestooonol ou dioberes indu· prospectivas realizados desde então. em relação ao
zido por corticódes significado da categoria da IFG. foram apresentados
no 36° Encontro Anual da Associação Européia para

Investigação laboratorial do diabetes melito e ou tras categorias de distúrbios na homeostase glicêmica 473
Considerações pré-analíticas
o Estudo do Diabetes e foram resumidos pelo profes-
sor Sir George Alberti, Presidente da Federação Inter-
nacional de Diabetes: A amostra de sangue deve ser colhida pela manhã,
• embora a nova categoria intolerância à glicose em após jejum de pelo menos oito horas (não ultrapassando
jejum (I FG) amplie e melhore a descrição da alte- 14 horas). Escudos recentes demonstraram que há varia-
ração no metabolismo glicídico, ela deve ser vista ção diurna significativa da glicemia de jejum. A glicemia
como complementar e não como substituta do de jejum média é maior pela manhã do que à tarde, in-
grupo intolerância à glicose (IGT); dicando a possibilidade de não se fazer o diagnóstico de
• IGT, mas não IFG, está associada a risco aumenta- pacientes avaliados no período da tarde.
do de doença cardiovascular; A concentração de glicose no sangue total ex vivo
• IFG pode resultar de disfunção da célula beta, reduz-se com o tempo devido à glicólise. Assim, o plasma
enquanto IGT está associado à hiperinsulinem ia/ deve ser separado das células sanguíneas dent ro de 60
resistência à insulina, sugerindo etiologias dife- minutos após a coleta ou, se isto não for possível, a amos-
rences para esses estados de distúrbio no meta- tra de sangue deve ser coletada utilizando-se um agente
bolismo glicêmico; capaz de minimizar a glicólise, como o fluoreto de sódio.
• o que é desconhecido é se o tratamento da IGT A taxa de glicólise média é de 5 a 7% por hora, podendo
ou IFG, especificamente, pode retardar ou pre- variar dependendo de fatores tais como: concentração
venir o aparecimento de doença macrovascular. de glicose e número de leucócitos presentes na amostra
Entretanto, retardar o início de diabetes nessa e temperatura. Na presença do fluoreto de sódio, a partir
população de risco irá beneficiá-la em termos de de uma hora, a concentração de glicose na amostra per-
morbidade e mortalidade. Pode, então, ser pru- manece estável por 72 horas à temperatura ambiente.
dente tratar esses indivíduos pelo menos com A glicose pode ser medida no plasma, soro ou sangue
aconselhamento quanto ao estilo de vida ou total venoso, sendo o plasma o material mais recomen-
com agentes hipoglicemiames com segurança dado para o diagnóstico. Devido à diferença na concen-
comprovada, enquanto acumulam-se informa- tração de água entre o plasma e o sangue total, a concen-
ções adicionais; tração de glicose no plasma é cerca de 11% maior que no
• a partir de 2005, a ADA passou a adorar a denomi- sangue total, se o hematócrito está dentro dos valores de
nação de pré-diabetes para as duas categorias de referência. A glicemia capilar determinada em sangue co-
alceração da homeostase glicêmica: IGT e IFG. lhido por punção digital com utilização de glicosímetros
não deve ser utilizada para o diagnóstico, rendo o seu uso
limitado para controle domiciliar do tratamento.
ASPECTOS LABORATORIAIS DO DIAGNÓSTICO
DODM
Considerações analít icas
DOSAGEM DE GLI COSE
A concentração de glicose plasmática é determinada
O diagnóstico do DM é estabelecido exclusivamen- quase que exclusivamente por ensaios colorimétricos en-
te a parri r da constatação laboratorial da hiperglice- zimáticos, como os métodos da glicose oxidase e da he-
mia, ou seja, aumento da concentração de glicose no xoquinase. Esses métodos apresentam desempenho satis-
plasma sangüíneo. Esse aumento pode ser observado fatório, permitindo medição precisa e exata da glicemia. A
tanto em amostra colhida com o paciente em jej um avaliação de programas de proficiência para laboratórios
(glicemia de jejum), quanto em amostra colh ida após clínicos e outros estudos têm mostrado que a variabilida-
ele ser submetido a uma sobrecarga oral com quanti- de analítica dos métodos enzimáticos é substancialmente
dade padrão de glicose (TOTG). Portamo, a qualidade menor do que a variabilidade biológica da glicose plasmá-
da dosagem de glicose é fundamental para o diagnós- tica: entre pessoas sadias, a variabilidade incra-individual é
tico adequado do DM. de aproximadamente 5,7% e a inter-individual é de 6,9%.

474 ( Medicina laboratorial para o clínico


Considerando a variação biológica, os mécodos de superiores a 120 minutos. Em relação à determinação da
dosagem de glicose deverão apresentar as seguintes glicemia pós-prandial, esta só deve ser utilizada para acom-
especificações da qualidade analítica: coeficiente de panhamemo do uaramemo do paciente já diagnosticado,
variação (1mprecisão) ~ 2,9%, erro sistemático (bias) ~ já que a sobrecarga de glicose é variada, ramo na quannda-
2,2% e erro coral ~ 6,9%. de quanto na veloodade de absorção, d1ferememence do
Substâncias presentes na amostra podem interfe- TOTG, que usa sobrecarga padrão equivalente a 75 g de
rir na dosagem de glicose, levando a resultados incor- glicose anidra no adulco ou 1,75 g/kg de peso na criança.
recos. Hemólise, hiperbilirrubinemia e lipemia podem É importame ressaltar que alguns estudos têm de-
levar a resultados de glicemia falsamente elevados monstrado que a reprodutibilidade do TOTG em clas-
quando medidos com os mécodos enzimáticos. Além sificar os pacientes varia entre 50 e 66%. Farores que
disso, a determmação da glicemia pelo mérodo da parecem estar implicados nessa ba1xa reprodutibilidade
glicose oxidase sofre inrerferência de ácido ascórbico incluem variação biológica da concemração plasmática
(vitamina C) e de hiperuricemia. de glicose, efeiros d1versos da adm1nisrração de solução
de glicose hiperosmolar no esvaziamento gástrico e tem-
peratura do ambieme. O desempenho dos ensaios para
TESTE ORAL DE TOLERÂNCIA À GLICOSE dosagem de glicose não está implicado nesse comexro,
desde que sejam consideradas as especificações da qua-
A utilização rorineira do TOTG não é recomendada lidade analítica desejadas.
para o diagnóstico do DM tipo 1 ou 2. Alguns estudos
têm indicado que a glicemia de jejum é capaz de iden-
nflcar a mesma prevalência de alterações do metabolis- PERSPECTIVAS FUTURAS NO DIAGNÓSTICO
mo de glicose na população que o TOTG. Além d1sso, DEDM
esse teste apresema procedimenro complexo, limitando
~e u uso na prática clínica No enranco, dados epidemio- Como já foi salientado, o diagnóstiCO de DM con-
lógicos recentes indicam maior correlação da hipergli- tinua sendo um desafio. Os novos critérios (ADA 1997
cemia pós-sobrecarga com a morbidade cardiovascular, e 2003) aumentam a prevalência da doença. Em artigo
sendo possível que em futuro próximo a determinação receme publicado no The EndocrinologJst, Mayer B. Davi-
da glicemia pós-sobrecarga se corne rorina em pacientes dson, membro do Comitê de Expem que elaborou esses
portadores de ouuos fatores de risco cardiovasculares critérios, man1fesrou sua preocupação com esse aumen-
(ver Síndrome Metabólica). ro. "Determinar o nível diagnóstico órimo de glicemia
A ADA e a OMS conrinuam a recomendar a utili- depende de um balanço entre os custos médico, social
zação do TOTG como mérodo diagnóstico para o DM e económico de se fazer um diagnóstico em quem não
gestacional, já que esta parece ser mais sensível do que a está verdadeiramente em risco substancial de sofrer efei-
glicemia de jejum em gestantes, nas qua1s o consumo fe- ros adversos do DM e aquele de não fazer o diagnóstico
tal de glicose dura me o período de Jejum noturno reduz em quem esteja em risco". No futuro, mais ênfase deverá
o nível plasmátiCO da glicemia em jejum. O diagnóstico ser dada aos denominados "produtos finais de glicosila-
e rratamemo do DM gestacional são essenciais para pre- ção," que parecem estar mais direramente relaoonados à
venir morbidade e mortalidade perinatal associadas. erioparogenia das lesões crónicas do DM.
Talvez o ma1or avanço no diagnóstico de DM renha
sido a iniciativa de se unificarem os critérios diagnósticos.
Considerações analíticas Isso tornou possível a análise de rodos os dados obtidos
nas inúmeras pesquisas mundiais em relação à doença. A
O TOTG deve ser realizado conforme as recomenda- perspectiva histórica de como e por que uma doença tão
ções da OMS apresencada nos quadros 36.6 e 36.7. Atu- amiga tenha os seus critérios diagnósticos modificados é
almence, não se recomenda a extensão do reste com indispensável para que não se perca de vista a importância
dosagens de glicose em amostras colh1das em imervalos de se manter a coerência e a objerividade desses cmérios.

Investigação laboratorial do diabetes meliro e outras categorias de di st úrbios na ho meostase glicêmica 475
DOSAGEM DE AUTO~ANTICORPOS
ca, em um grupo de indivíduos com fenótipo de obesida-
de central e resistência insulínica. Esse grupo de pacientes
A pesquisa de auto-anticorpos dirigidos contra com- apresenta morbimortalidade cardiovascular aumentada
ponentes da célula Bpancreática pode ser útil na identifi- em duas a três vezes em relação à população normal.
cação do tipo de diabetes que o paciente apresenta. Vale Existe uma série de critérios para fazer-se o diagnós-
ressaltar que esses auto-anticorpos são marcadores do tiCO dessa síndrome. Em virtude disso, vánas definições
processo auto-Imune e não agentes pacogênicos conheci- utilizando critérios diferentes vêm sendo sugeridas por
dos. Estão presentes em cerca de 70 a 80% dos pacientes diferentes sociedades médicas, o que de certo modo di-
diabéticos tipo 1 logo após o diagnóstico, mas tendem a ficulta a pesquisa e a prática clín ica.
desaparecer após dois a três anos de duração da doença. Em 2005 a Federação Internacional de Diabetes (IDF.
Podem ser úteis também na identificação de pacientes www.idf.org, maio 2005), na tentativa de padronização
com diabetes de origem auto-imune de instalação insi- internacional da definição e utilizando cmérios de Sim-
diosa, denominado LADA (Latent Aut01mmune Diabetes ples avaliação, sugeriu como critérios diagnósticos para a
m Adults). Os pacientes com LADA têm a idade média síndrome metabólica:
em torno dos 50 anos e, por esse motivo, são inioalmente • obesidade central cujos limites possam variar con-
classificados de forma errônea como tipo 2. Esses pacien- forme a etnia (para sul-americanos. sugeriu-se me-
tes evoluem precocemente para a terapia com insulina. dida da circunferênCia da cintura acima de 90 cm
As determinações de autO-anticorpos usualmente para homens e de 80 cm para mulheres).
disponíveis são: anticorpos antiilhota (antiiCA). antiin-
sulina (antiiAA), antidescarboxilase do ácido glutâm1co Edois ou mais dos seguintes criténos:
(antiGAD) e ti rosina fosfatase (antiiA2). Os ICAs são anti- • hipertrigliceridemia ~1 50 mg/dl ou estar em tra-
corpos policlonais do tipo lgG que reagem com codos os tamento específico para essa condição;
componentes das ilhotas e o antiGA O e o IA2 são subfra- • colesterol HDL <40 mg/dl em homens e <50 mg/
ções do ICA. O anticorpo antiGAD parece ser o exame d l em mul heres;
de escolha para confirmar o diagnóstico do diabetes tipo • hipertensão arterial S1stem1ca (~1 30/85 mm Hg)
1 auro-imune. Os anticorpos antiinsulina (IAA) são os ou em tratamento de hipertensão diagnosticada
únicos específicos da célula beta, mas devem ser medidos previamente;
antes de se in1c1ar o tratamento com insulina. • glicemia em jejum ~100 mg/dl ou diabetes tipo 2
Na maioria dos pacientes, a dosagem dos auto-anticor- diagnosticado previamente.
pos não é necessária para que se possa class1ficar o tipo de
d1abetes. Todavia, pode ser necessária naqueles pacientes Recentemente, o valor do d1agnóst1co de SM como
que representem dúvidas na sua classificação, destacando- entidade clinica distinta vem sendo questionado por al-
se os jovens com sobrepeso, história familiar positiva para guns autores. Argumenta-se que os cmérios utilizados
diabetes e/ou marcadores de resistência insulínica (por são ambíguos. confusos e incomplecos. Além disso, o
exemplo. a presença de acantose mgricans) e os pacientes papel da resistência à insulina como entidade etiológica
acima de 40 anos. magros e que se apresentem ao início do única para a síndrome é questionável. Por fim, o risco car-
diagnóstico com quadro de cetoacidose diabética ou que diovascular relacionado à SM é variável e dependente dos
evoluam com fa lência precoce aos hipoglicemiantes orais. farores de risco presentes para cada individuo. Esse risco
assooado à síndrome parece ser semelhante à somatória
de cada um dos riscos analisados separadamente. No en-
DIAGNÓSTICO DA SÍNDROME METABÓLICA tanto. recomenda-se que a identificação. em um pacien-
(SM) te, de um dos fatores componentes da SM deve alertar
o méd1co sobre a pesquisa dos outros fatores de risco.
Essa síndrome. classicamente descrita por Reaven em Até o presente momento, o tratamento de cada um dos
1988 como "Síndrome X", denma associação freqüente fatores de risco deve ser realizado ind1v1dualmente. não
de farores de risco conhec1dos para doença ateroscleróti- estando justificado um tratamento específico para a SM.

476 [ Medicina laboratorial para o clínico


DIAGNÓSTICO DE DIABETES MELITO Com esses novos valores, ocorre o aumento na pre-
GESTACIONAL (DMG) valência do DMG, mas, segundo esses aumres, isco se
justifica pela melhora do prognóstico perinatal.
Em 1964, O'Sullivan e Mahan propuseram um critério No Brasil. o Grupo de Trabalho em Diabetes e Gra-
para o diagnóstico de DMG baseado no TOTG após so- videz (GTDG). pacrocinado pela Sociedade Brasileira de
brecarga com 100 g de glicose. Na ocasião, a glicemia era Diabeces (SBD), publicou um Consenso em Diabetes
determinada em amomas de sangue cotai. O teste estaria Melim gesracional e pré-gesracional. estabelecendo no-
indicado para gestantes com famres de risco de desen- vos critérios tanto para o rastreamenro como para o tes-
volvimento de DMG. Posteriormente, em 1971. os aumres te de colerância (Figura 36.1).
propuseram um teste de rascreamento com a finalidade
de limicar as solicitações de TOTG. O rastreamento seria
feim para a determinação da glicemia em sangue venoso
cocai uma hora após sobrecarga com 50 g de glicose ad-
ministrada via oral. O valor de corre selecionado foi de 130
mg/dl e o rastreamento estaria indicado em codas as ges-
tações e deveria ser realizado a parei r da 20a semana, épo-
ca em que se corna mais orevalente o DMG. Esses critérios
se mantiveram até 1979, quando o NDDG, ao propor que
as determinações de glicemia fossem realizadas em plas-
ma venoso, arualizou esses valores, acrescentando-lhes
15%, que é o facor de correção dos valores de glicemia em
DMG
sangue rotai para o plasma venoso (Tabela 36.1).
Na década de 80, um dos primeiros Workshops em
DMG reduziu o valor de corte para o teste de rastrea-
mento para 140 mg/dl (Tabela 36.1), com a finalidade
de aumentar sua sensibilidade, característica básica de
qualquer procedimento de rasrreamento. O relatório
do Comitê de Experts da ADA (1997) não alterou essas
recomendações. Entretanto, em 1998. baseado em estu-
dos de Cousran e Carpenter, a ADA recomendou modi- Figura 36.1 - Fluxograma para d1agnóstico DMG.
ficação no critério diagnóstico (Tabela 36.1). Consenso Brasde1ro - SBD.

Tabela 36.1 - Comparação dos critérios diagnósticos para diabetes mel iro gestac ional (DMG)

O ' Sullivan Mahan Couslan Carpenter GTDG (Consenso - SBD)


Rastreamento
(1964) (mod-NDDG)l (ADA/ 1998)2 (1999)
Cargo de glicose 50g 100g 100g 75g

Glicemio em jejum ~1 05 ~5 ~1 1 0

1horo após ~140 mg/ dl ~190 ~18 0

2 horas após ~ 1 65 ~1 55 ~14 0

3 horas após ~145 ~1 40

Dererm1nação em plasma venoso. Para transformar mg/dl por mmoi/L. d1v1d1r por 18
1Valores ongma11em sangue total Faror deconversão plasma: 1.15(NDDG, 1979)
2Recomenda·se acualmente a adoção desse cméno

Investigação laboratorial do diabetes melito e outras categorias de distúrbios na homeostase glicêmica 477
É importante salientar que esses critérios sugeridos média da glicose plasmática dos últimos dois a três me-
pelo GTDG, independentemente do mérito em simpli- ses. A dosagem de HbG é capaz de prognosticar o risco
ficar o procedimento diagnóstico, devem ter os valores de desenvolvimento e progressão das complicações cró-
propostos validados pelo escudo do prognóstico peri- nicas do DM tipo 1 e 2, devendo ser medida periodi-
nacal ou por estudos prospectivas que estabeleçam a camente em rodos os pacientes para avaliar o grau de
prevalência futura de DM tipo 2 nas gestantes classifi- controleglicêmico.
cadas como portadoras de DMG, já que a sua adoção A hemoglobina humana do adulto é habitual-
praticamente dobra a prevalência de DMG. Por se tratar mente constituída de hemoglobina (Hb) A (97%),
de condição transitória e que freqüentemente desapa- HbA2 (2.5%) e HbF (0.5%). A análise cromatográfica
rece após a gestação, torna-se indispensável comprovar da HbA evidenciou uma gama de hemoglobinas com
a relação custo-beníficio antes de se adorar qualquer diferentes velocidades de migração, incluindo HbA,a.
intervenção terapêutica. Até que isso seja estabelecido, HbA1 b e HbA1c. que foram inicialmente denominadas
seria sensato utilizar-se preferencialmente os critérios hemoglobinas rápidas. Posteriormente, observou-se
da ADA de 1998, que já passaram por esse processo que estas hemoglobinas, ditas rápidas. apresentam
de validação. Tal sugestão baseia-se no impacto econó- a adição de algumas moléculas de gl icose e outros
mico advindo do maior número de diagnósticos ao se carboidratos, sendo coletivamente chamadas hemo-
alterar significativamente o valor de cone da glicemia globinas glicadas ou HbA1. O Q uadro 36.8 apresenta
na segunda hora após-sobrecarga com glicose de 155 a nomenclatura uti lizada para denominar as hemo-
mg/dl para 140 mg/dl. globinas. A HbA1c é a pri ncipal fração, corresponden-
do a 80% da HbA,. A HbA1c é formada pela ligação
não enzimática da glicose com a porção N-terminal
MONITORIZAÇÃO DO DM da valina (glicação) em cada cadeia beta da HbA,
formando uma base de Schift instável (pré-HbA1c ou
Uma vez estabelecido o diagnóstico, o controle do HbA,c lábil ou instável) que, por sua vez, sofre um re-
tratamento do diabetes deve ser realizado periodica- arranjo irreversível (rearranjo de Amadori), formando
mente du rante toda a vida do paciente. Geralmen- uma cetoamina estável.
te recomenda-se avaliação médica a cada três a seis A formação da HbG, glicação, é um processo
meses, mesmo para o paciente aparentemente bem contínuo e irreversível que depende basicamente da
controlado e assintomático. Objetiva-se com esse con- sobrevida das hemácias (cerca de 120 dias) e da con-
trole a manutenção da euglicemia e a prevenção e/ou centração plasmática de glicose, já que a hemácia é
detecção precoce das complicações crónicas relacio- livremente permeável à glicose. A HbG corresponde
nadas ao diabetes. a cerca de 4 a 6% da HbA total em indivíduos não
A estratégia adorada envolve avaliação clínica rigoro- diabéticos, podendo chegar a 20% em indivíduos dia-
sa (orientação alimentar, controle do peso e da pressão béticos mal conuolados. Conforme o Posicionamento
arterial, incentivo à interrupção do tabagismo, exame Oficial - 2004 do Grupo Interdisciplinar de Padroniza-
físico geral, exame dos pés e avaliação oftalmológica) e ção da Hemoglobina Clicada - Ale, a determ inação
o uso de parâmetros laboratoriais periodicamente, entre de HbA1c deve ser realizada pelo menos duas vezes
os quais destacam-se os que se seguem. ao ano para todos os pacientes diabéticos e quatro
vezes por ano (a cada uês meses) para pacientes que
se submeteram à alteração do esquema terapêutico
HEMOGLOBINA GLICADA ou que não estejam atingindo os objetivos recomen-
dados com o tratamento vigente.
A dosagem da hemoglobina glicada (HbG), sobretu- Os níveis sangüíneos de HbA1c não retornam aos va-
do a sua fração HbA1c, é o melhor parâmetro de contro- lores esperados imediatamente após a redução e estabi-
le glicêmico do paciente diabético nos dias atuais. Esse lização da concentração plasmática de glicose. O tempo
exame laboratorial é capaz de indicar a concentração necessário é de aproximadamente oito a 10 semanas.

478 [ Medicina laboratorial para o clínico


Quadro 36.8 - Nomenclawra das hemoglobinas gótica devido à ausência da HbA. Nestas situações,
sugere-se a dosagem de frucosamina para a avaliação
Denominação Descrição do controle glicêmico.
HbA Principal hemoglobina encontrado no indi·
víduo adulto Quadro 36.9 - Vanávets pré-analítrcas na dosagem da he-
HbAo Componente mais importante do HbA, moglobina gltcada (HbG)
identificado por suas propriedades eletro·
foréticos e cromatográficos. Podem ocorrer
modrftcoções pós·translocionois nesta fro· Falsa Elevação da HbG Falsa Queda da HbG
çõo nclurndo glicoção. que não alteram Hemoglobina F > 5% Anemias hemolíticas
signi1 cot,vomente os propriedades de cor·
ga do proteína. Na prática. considera se Uremia Perda de sangue (aguda ou
como fração não g!icado da HbA crônico)
Formas de HbA detectadas por eletroforese H ipertrigliceridemia G ravidez ou porto recente
ou cromatografia através do maior cargo
negotrvo devido à adição de glicose e ou· Hemoglob,nopct os
Iras corboidrotos (glicoção). São também
denominados hemoglobina glicodo total Esplenectomia Transfusões de sangue
HbAial• Componentes cromatogroficamente distrn
Uso de AAS Uso de a ltas doses de v•tamrnas
HbA 1, 2. tos que compõem o HbA I
HbA- 0 CeE
HbA Hiperglicemio agudo (Pré Dopsona
GHbl
HbA1c Composto estável formado por ligação ce·
too mino irreversível do glicose ao nitrogénio Intoxicação por chumbo
terminal do volino no cadeia beta do hemo·
g lobino. É o froção do HbA
Pré·A , Formo lóbil do hemoglobrno glrcodo for·
moda por ligação oldrmrna reversível da
glicose ao nitrogénio terminal da valina na Considerações ana líticas
cadeia beta do hemoglobina

Existem mais de 30 méwdos diferentes para dosa-


Considerações pré-analíticas gem de HbG, baseados em diferenças físicas, químicas
ou imunológicas emre a HbG e a Hb não glicada. Os
A variação biológica apresenta pouco impacm mémdos disponíveis variam quanto à fração de com-
na determinação da HbA1c, uma vez que a variação ponente glicado que está sendo med1do e por isso
incra-individual é inferior a 2,0% e ocorre pouca va- podem apresentar valores de referênc1a diferentes.
riabilidade relacionada à idade, gênero e raça. Por ou- Não há evidência de que um mémdo seja clinicamen-
uo lado, hemoglobinopatias e doenças que alteram a te superior ao outro, entretanto, sem uma padroniza-
sobrev1da das hemácias podem interferir significativa- ção dos mémdos os resultados entre laboratórios não
mente nos resultados de HbG. podem ser comparados. lsm resu lmu na criação de
Resultados falsamente dim1nuídos da determinação um programa (Na tional Glycohemoglobin Standardi-
da HbG podem ser observados nas doença hemolíti- zatwn Program-NGSP) em 1996. Esse programa prevê
cas ou outras condições que reduzem a sobrevida das avaliação rigorosa dos fabricantes de reagentes quan-
hemáCias (estados hemorrágicos, por exemplo). Já nas to à precisão e exatidão dos seus mémdos. A ADA
anemias por deficiência de ferro, vitamina B12 ou ácido passou então a recomendar que os laboratórios só
fálico, em que há aumento da sobrevida das hemácias, utilizem reagentes certificados pelo NGSP, com coe-
pode-se observar resultados falsamente aumentados. O ficiente de variação menor que 5% e que participem
Quadro 36.9 apresenta os principais fatores pré-analíticos de um programa de controle externo de qualidade.
e Interferentes da dosagem de HbG. Recentemente, no Brasil. o Grupo Interdiscipli nar de
A determinação da HbG não tem valor nos pa- Padronização da Hemoglobina Clicada -Ale endos-
cientes que apresentam hemoglobinopatia homozi- sou esta recomendação.

Investigação laboratorial do diabetes melito e outras ca tegorias de distúrbios na homeostase glicêmica 479
Valores de referência ou metas do tratamento
uês semanas. Portamo. é de se esperar que, enquanto
o valor da HbG reflete o controle glicêmico nos dois ou
Para a dosagem de HbG, não se considera o valor uês meses anteriores ao teste, a frucosamina espelha as
de referência, mas sim um valor abaixo do qual os ris- concentrações de glicose plasmática dos últimos 20 dias.
cos de desenvolvimento de complicações da doença Assim, a fru tosamina está elevada em codos os casos de
não são significantemente elevados. As metas a serem diaberes fora de controle mecabólico. Quando ocorre
alcançadas na dosagem de HbAlc, utilizando mécodos perda do controle glicêmico, a resposta da frutosamina,
certificados pelo NGSP, encontram-se na Tabela 36.2. É com elevação dos valores séricos, ocorre praticamente
importante ressaltar a necessidade de individualizar a concomitante ao aumento da glicose, retornando, en-
meta a ser atingida para cada paciente, levando-se em tretanto, aos valores de referência três semanas após o
consideração o tipo de diabetes, a idade do paciente e a restabelecimento do controle glicêmico.
presença de complicações crónicas. A análise longitudi- A dosagem de frucosamina pode ser útil quando
nal em um mesmo paciente é recomendada e fornece se necessita avaliar alterações do controle glicêmico
informações mais precisas sobre a evolução do controle em intervalos menores, incluindo a verificação em cur-
glicêmico daquele paciente. co prazo da eficácia de mudança terapêutica ou no
acompanhamento a gestantes com diabetes. Nas he-
Tabela 36.2- Metas recomendadas da dosagem de HbAlc moglobinopatias, especialmente naquelas homozigóti-
cas com ausência de HbA, a dosagem da frucosamina
Metas Recomenda- deve ser considerada parâmetro de seguimento do
Indivíduos
das de HbAlc (%)1
controle glicêmico.
Não diabéticos 4,0 o 6,0
A medida simultânea da frutosamina e da HbAlc
D1obét1cos pode fornecer informação clínica mais útil no acompa-
nhamento aos pacientes, entretanto, ainda não há con-
Criança (faixo pré- < 8,0
puberol) senso sobre a utilização da frutosamina no monitora-
Criança (faixo pubeiOI] < 8,5 mento do DM. Os ensaios para sua dosagem não estão
padronizados, sendo necessários, tam bém, estudos para
Adultos < 7,0
determinar se a frutosamina é útil como predicor de ris-
Idosos < 8,0 co do desenvolvimento e progressão das complicações
crónicas do DM.
'O Grupo InterdiSCiplinar de Padron1zação da Hemoglob1na Clicada -A" estabe-
lece que o valor da meta para a dosagem de HbA1, utilizando reagentes comerc1ais
não cemficados pelo NGSP, deve ser o valor do hm1te supenor do Intervalo de refe·
rênm espeCificado pelo fabncante. ma1s uma un1dade Considerações pré-analíticas

Em indivíduos sadios, a variação biológica intra-indi-


FRUTOSAMINA
vidual e interindividual dos níveis séricos de frutosamina
é 3,4 e 5,9%, respectivamente. A dosagem de frucosami-
Frutosamina é um nome genérico dado a codas as na não sofre interferência significativa de medicamentos,
proteínas glicadas (excetuando-se a hemoglobina) das dieta e nível de glicemia, não havendo diferença entre
quais a maior parcela é referente à albumina, que se homens e mulheres. Por outro lado, alterações da con-
constitui na maior massa protéica plasmática depois da centração de albumina podem levar a resultados incor-
hemoglobina. retos; valores falsamente diminuídos podem ser observa-
Assim como a formação da HbG é decorrente de dos em pacienres com perdas elevadas de albumina ou
uma modificação não enzimática, dependente dos va- naqueles com doenças que aumentam o catabolismo
lores de glicemia, o mesmo ocorre com a glicação de protéico. Outros fatores potencialmente interferentes
outras proteínas plasmáticas. Diferentemente da hemo- incluem: hemólise, ácido ascórbico, ácido úrico, hiperbi-
globina, a vida média das proreínas varia entre uma e li rrubinemia e hiperrrigliceridemia.

480 [ Medicina laboratorial para o clínico


Considerações analíticas e valores desejáveis
parece ser útil para os pacientes com diabetes lábil, para
os que apresentam hi poglicem ias assintomáricas (muitas
Os ensaios para dosagem de fruwsamina baseiam-se vezes acompanhadas de "efeiw-rebore") e para aqueles
na sua capacidade redutora em meio alcalino, distinguin- com medidas freqüenres de glicemias normais e GHb
do-se pelo sistema de calibração utilizado e, conseqüen- elevada (obviamente após a exclusão de fawres que a
temente, pela unidade de medida dos resulcados (Tabela elevam falsameme). As limicações para o seu uso são o
36.3). Estudos comparacivos entre os ensaios moscraram custo, a baixa disponibilidade em nosso meio e a ausên-
boa correlação entre os mesmos, porém. devido às dife- cia de estudos importantes que validem o seu uso.
renças de calibração, não é possível comparar individu- O Sistema CGMS (Contmous Glucose Monitonng
almente os valores abridos e, portamo. não é possível a System-Medtronic®) destina-se ao registro contínuo dos
livre imerconversão de valores obtidos. níveis intersticiais de glicose dentro de uma variação de 40-
400 mg/dl (2.2 - 22 mmoi/L) em pessoas com diabetes
Tabela 36.3- Valores desejáveis de frumsamina mel ito. A leitura dos valores de glicose é feita através de um
sensor inserido no tecido subcutâneo, que funciona a par-
Método Valor desejável tir de uma reação eletroquímica da enzima glicose oxidase
Calibração pelo DMFl <3,9 milimoi/L presente no sensor com a glicose presente no fluido inters-
Calibração com albumino <285 micromoi/L ticial do paciente. A enzima glicose oxidase é usada para
glicodo 3 converter a glicose na superfície do sensor em sinais ele-
trônicos. O sensor envia continuamente esses sinais através
1Ensamcahbrados com l·deox1-1-morfoilno-frurose (DMF)
2Ensam calibrados com albumina glicada m v•Lro de um cabo para o monitor. O monitor capta os sinais a
cada 10 segundos e registra a média dos sinais a cada cinco
m1nutos. fornecendo aproximadamente 288 leituras de gli-
MEDIDA DA GLICEMIA CAPILAR cose por dia (período de 24 horas) durante três dias.
O Gluco-Watch é um pequeno mon itor no formato
É realizada por meio de aparelhos portáreis denomina- de um relógio que, por meio de um sensor e um gel co-
dos glicosímerros, que medem a glicemia do paciente a par- locados sobre a pele do braço. fornece a medida da gli-
tir de um méwdo enzimático que utiliza a glicose oxidase. cose de 10 em lO minuws por 18 horas. Não é disponível
Por dosarem a glicemia do sangue wtal. apresentam valores no Brasil, podendo ser importado.
geralmente lO a 15% inferiores à glicemia plasmática.
Podem ser de grande utilidade para os diabéticos,
porque permitem o ajuste adequado da dose de insuli- COLESTEROL E TRIGLI CÉRIDES
na de acordo com o valor glicémico obtido de 1mediaw.
além de ser útil no diagnóstico de hipoglicemias. O controle do colesterol sérico dos pacientes diabéti-
Para os pacientes que não usam insulina e que estão em cos é tão importante quanto o seu controle glicêmico. O
tratamento dietético ou com doses fixas de hipoglicemian- National Cholesterol Education Program (NCEP), através
tes orais, o seu uso é controverso, wdavia, há evidências de de seu último Adult Treatment Pane/-ATPIII, recomen-
que promove melhor a adesão do diabético ao seu trata- da a adoção de metas agressivas para manter o nível de
mento. Destacam-se como limitações ao seu uso o cusw e colesterol LDL (C-LDL) inferior a 100 mg/dL. semelhan-
o faw de ser fonte de ansiedade, dependendo do paciente. te ao que é proposto a pacientes não diabéticos com
passado de infarto do miocárdio. Isso se deve ao faro de
que a mortalidade cardiovascular se equivale nesses dois
MON ITORIZAÇÃO CONTÍN UA DE GLICOSE grupos de pacientes. Mais recentemente. o NCEP vem
sugerindo a adoção de metas ainda mais agressivas (<
Recentemente. vêm surgindo métodos que fornecem 70 mg/dl) para determ inados pacientes com risco car-
a medição da glicemia do paciente de modo contínuo diovascular muito elevado, entre eles os diabéticos com
durante alguns dias. A monitorização contínua da glicose história prévia de coronariopatia.

Investigação laboratorial do diabetes meli to e outras categorias de distúrbios na homeostase glicêmica 481
Para indivíduos com hipemigliceridemia, deve-se ini- CONSIDERAÇÕES FINAIS
cialmente objetivar bom controle glicêmico, o que mui-
tas vezes já é capaz de regularizar o nível do criglicérides. As freqüemes mudanças nos critérios diagnósticos
do DM são conseqüência dos escudos epidemiológicos
que progressivamente revelam impaccos de níveis gli-
AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL cêmicos, anteriormente considerados normais, sobre a
saúde da população. A seleção de novos níveis de corte
Deve-se avaliar anualmente a função renal dos pacientes para diagnóstico dos distúrbios na homeostase glicêmi-
diabéticos ripo 2 desde o seu momento de diagnóstico. Em ca deve levar em consideração os benefícios, em termos
relação aos portadores de DMl. recomenda-se iniciar a ava- prognósticos, de uma intervenção mais precoce. Não se
liação periódica após cerca de cinco anos de diagnóstico. pode desconsiderar o impacco adverso do estigma do
A avaliação da filtração glomerular é feira com a diagnóstico de DM, incluindo os econômicos (cusco do
dosagem da crearinina sérica e o cálculo do clearance seguro saúde, acesso a emprego, erc.), além daqueles
de crearinina. decorrentes dos efeicos colaterais das acirudes terapêu-
O exame de urina rotina, com análise do sedimento ticas. Acualmente, parece adequada a recomendação de
urinário, é extremamente útil. Na presença de traços de mudanças no esrilo de vida com correção dos hábicos
proteínas, recomenda-se a dosagem da proreinúria de 24 alimentares, prática de exercício físico e manutenção de
horas para melhor definição da nefroparia diabética, que peso adequado para roda a população, independente-
em geral já esrá estabelecida. A presença de hemarúria mente dos níveis glicêmicos.
deve alertar o médico para outras causas de nefro ou uro-
patia, rendo em vista ser achado infreqüente na nefroparia REFERÊNCIAS
diabética. Infecções do trato urinário, geralmente oligossin-
1. 36th Annual meeting of the European Associat ion for
tomáricas em diabéticos, todavia capazes de produzirdes-
the Study of Diabetes. Jerusalem. Israel. 17-21 Seprember
controle glicêmico, rambém podem ser diagnosticadas. 2000. D1aberologia. 2000;43 Suppi1:A1-316
Em pacientes com exame de urina rotina sem 2. Alberti KG. Zimmer PZ. Definirion, diagnosis and clas-
alterações, recomenda-se a pesq uisa de microalbu- sification of diabetes mellitus and 1ts com plicarions.
Pare 1. Diagnosis and classificarion of Diabetes Mellirus
mi núria como marcador do início de acometimento
provisional repore of a W HO consultation. Diabet Med.
renal. O achado de microalbumi núria caracteriza dis- 1998;15:539- 53.
função endotelial. Além de ser marcador da nefropa- 3. American Diabetes A ssociation, Diagnosis and Classifi-
tia diabética, é também fator de risco estabelecido de carion of Diabetes Mellitus. Diabetes Care. 2005;28 suppl
1:537-42.
doença aterosclerótica.
4. Coustan DR, Carpenter MW. The diagnosis o f Gesrario-
Pode-se utilizar como método de rastreamento a re- nal Diabetes. Diabetes Care. 1998;21 Suppl 2:BS-8.
lação da concentração de albumina (mg)/concentração S. Davidson MB. Diagnosi ng Diabetes: Cutroffs vs Tradeo-
de crearinina (g) em amostra única de urina, geralmen- ffs. The Endocrinologist. 2000;10:90-6.
6. Fajans SS. What is Diabetes7 Med Clin N Am.
te na primeira coleta do dia. Valores acima de 30 mg/g
1971;55:793-805
são considerados positivos, devendo então ser confir- 7. Gross JL. Silvei ro SP. (amargo JL. Reichelc Aj, Azevedo
mados pela dosagem de microalbuminúria em urina MJ. Diabetes Melico: Diagnóstico, Classificação e Avalia-
de 24 horas, que em geral estará entre 30 a 300 mg/24 ção do Controle Glicêm1co. Arq Bras Endocrinol Metab.
2002;46:16-26.
horas ou 20 a 2001Jg/min. Valores muico elevados de al-
8. Grupo InterdiSCiplinar de Padron1zação da Hemoglobina
bumina na urina (geralmente derecrados em exame da C licada- Al e. Posicionamento Oficial - 2004. D isponí-
urina rotina) podem produzir resultado falso-negativo vel em: http://www.sbpc.org.br.
em ensaios imunométricos para microalbuminúria. Por 9. lsomaa B. Almgren P, Tuomi T, Forsén B. lahti K, N1ssén
M, et ai. Cardiovascular Morbidity and Mortality Asso-
outro lado, existe uma série de condições capazes de
ciared With the Metabolic Syndrome. Diabetes Care.
produzir resultados falso-positivos: infecções do trato 2001;24:683-9.
urinário, febre, enfermidades agudas, exercício vigoroso, 10. Levey AS. Coresh J. Balk E. Kausz AT. Levin A. Steffes MW.
descontrole glicêmico e/ou pressórico. et ai. Nacional Kidney Foundation p ractice guidelines for

482 ( Medicina laboratorial pa ra o clínico


ch ronic kidney disease: evaluarion, classificarion, and scra- 14. The Effect of lmens1ve Treacmem of D1aberes on the De-
nficanon. Ann lmern Med. 2003;139(2):137-47. velopmem and Progression of Long-Term Comphcanons
11. I\Jat1onal Data D1abetes Group. Classification and d1ag- 1n lnsulm-Dependem D1abetes M ehro. ew Engl J Med.
nos1s of d1abetes mellitus and orher categories of glucose '1993;329:977-86.
1ntolerance D1abeces. 1979;28:1039-57. 15. The Expert Comm1ttee on the Diagnos1s and Class1f1ca-
12. Sacks DB, Bruns DE. Goldscein DE, Maclaren NK, McDo- tion o ( D1abetes Mellitus . Repore o ( rhe Expert Com-
nald JM. Parron M. Guidelines and Recommendanons for 11l1lLee 011 Lhe diagnosis and classifiCaliOI1 of dtabetes
LaboraLOry Analys1s ín rhe Díagnos1s and Managemem of melhrus. Diabetes Ca re. 1997:20:1183-97
Diabetes Mellltus. Clin Chem. 2002;48(3):436-72. 16. The Experr Committee on the Diagnosis and Classifica-
13. Sch1m1dt M. ReiChelt A. Consenso sobre D1abeces Ges- tion o( Diabetes Mellitus. Follow up repore on the dtag-
taCional e Pré-Gestac1onal. Arq Bras Endocnnol Metab. nosts o( dtabetes mellitus. Diabetes Care. 2003;26:3160-7.
1999;43:14-20.

Investigação laboratorial do diabetes melito e out ras categorias de distúrbios na homeostase glicêmica 483
Letícia Maria Henriques Resende
37 Márcio Nunes da Silva

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM DOENÇA
ATEROSCLERÓTICA E DISLIPIDEMIAS

A 1mporcância dos lípides é conhecida em vários as- em solventes polares como a água, que é o principal
peccos, principalmente como precursores de hormônios, componente do plasma. O conteúdo total de lípides no
na digestão, no armazenamento de energia, na constitui- plasma foi inicialmente determinado pela sua excração
ção das células, na condução nervosa e na preservação usando solventes orgânicos, cais como clorofórmio ou
da perda de calor. metanol. Acualmenre existem métodos disponíveis para
No início de 198 0, alguns escudos demonstraram medir isoladamente cada fração lipídica, sendo de me-
que o aumento da concentração plasmática de coles- lhor valor diagnóstico.
terol escava associado ao aumento da doença arterial
coronariana (DAC). Esta doença constitui uma das
causas mais importantes de morbidade e mortalida- O METABOLISMO LIPÍDICO
de no mundo e atinge, principal mente, indivíduos em
idade de alta produtividade, gerando perdas sociais AS CLASSES DE lÍPIDES
e econômicas significativas. Desde então, vários pro-
gramas fora m desenvolvidos para tentar identificar e As classes mais importantes de lípides são: o coleste-
controlar os fatores responsáveis pela aterosclerose. rol. os triglicérides, os ácidos graxas e os fosfol ípides.
Nos Estados Unidos, foi estabelecido o Na tional Cho- O colesterol pertence à classe de 3B-hidroxil este-
/esterol Education Program (NCEP) com estratégias róides e está presente em todos os tecidos corporais
para diagnóstico e tratamento da hipercolescerolemia e na maioria das células, com exceção das hemácias,
em adultos e crianças e de melhorias das técnicas de que não conseguem sintetizá-lo. Ele pode ser encon-
dosagens dos lípides. No Brasil, a Sociedade Brasileira trado na forma de um álcool (colesterol livre), que re-
de Card iologia apresentou as Diretrizes Brasileiras so- presenta de 15 a 25% do colesterol total, e o restante
bre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, que na forma esterificada por um ácido graxa de cadeia
abrange a avaliação dos riscos de desenvolvimento de longa (colesterol esterificado)
acerosclerose, controle dos lípides e o tratamento com As duas importantes funções do colesterol são: a)
drogas, acividades físicas e redução do cabagismo.A IV é constituinte das membranas celulares, auxiliando no
Direcriz foi lançada em abril, 2007. controle de entrada e saída de íons e moléculas solúveis
O gru po de lípides plasmáticos é constituído por vá- em água (ex: glicose); b) é precursor de outros esterói-
rias substâncias com estruturas moleculares diferences, des. O colesterol é o metabólico precursor dos hormô-
que têm uma caracceríscica em comum: são insolúveis nios sexuais (esuógenos e andrógenos). dos corcicóides
adrenais (aldosterona e corticosterona), dos ácidos bilia- cear moléculas não polares e polares, principalmente na
res que servem como detergentes no rraro gastrinresti- composição das membranas celulares.
nal para digestão e absorção de gordu ras da dieta e para
síntese de vitamina D.
Os triglicérides constituem o maior componente de AS LIPOPROTEÍNAS
gilcéndes do sangue e dos tecidos e são formados por
uma m1srura de três ácidos graxas de cadeia longa com Os lípides, devido à sua insolubilidade no meio
uma molécula de glicerol. É a forma mais imporcanre de aquoso, são transportados no plasma em complexos de
armazenamento de energia no organismo, constituindo macromoléculas chamados lipoproteínas. Estas são es-
os depósitos do tecido adiposo e muscular. Sua princi- féricas, com a camada externa formada por proteínas e
pal origem é a dieta. lípides polares (fosfolípides e colesterol livre) e a camada
Os ácidos graxas são a forma mais simples dos lípides interna (core) de lípides apoiares (rrigl1cérides e éster de
e tam bém a de menor quantidade que circula no plasma. colesterol). As lipoproreínas apresentam características
A principal função dos áodos graxas é o forneci- fís1cas e químicas diferentes devido à sua composição
mento de energia para as cél ulas através do processo variada entre lípides e proteínas.
de oxidação. Eles são classificados por seu grau de sa- Essas diferenças podem ser determinadas pelos mé-
turação em: todos de ulrracentrifugação e eletroforese. que definem
• saturados (os que não possuem ligações du plas a nomenclatura e a classificação das lipoproteínas.
entre os átomos de carbono da cadeia); e A técnica de ultracenrrifugação separa as lipopro-
• insaturados (aqueles que possuem ligações duplas teínas com base em sua densidade e são designadas
entre os átomos de carbono da cadeia). pelas iniciais em inglês dessa separação: VLDL (very
low density lipoprotems) ou lipoproteínas de densida-
Os monoinsaturados contêm dupla ligação e os po- de muito baixa. IDL (mtermediate-dens1ty lipoprotems)
liinsacurados possuem duas ou mais duplas ligações. Os ou lipoproteina de densidade intermediária, LDL (/ow
ácidos graxas sawrados são de origem de tecido animal, dens1ty lipoprotems) ou lipoproteína de densidade bai-
enquanto os de origem de vegetais, peixes e bactérias xa , HDL (high dens1ty lipoproteins) ou lipoprote1na de
são excelentes fontes de ácidos mono e poliinsarurados. alta densidade.
Muitos dos ácidos graxos presentes no corpo humano A densidade das lipoprorein2s está relacionada com
são derivados da dieta que contém, em média, 40% de seu conteúdo de proteínas e de lípides: colesterol. fosfolí-
gordu ra, sendo 90% de triglicérides. Ass1m, o homem é pides e triglicérides. O quilomícron e a VLDL apresentam
capaz de sintetizar a maioria dos áodos graxas satura- elevado conteúdo de rnglicérides e ba1xo teor de proteí-
dos, mono e até poli insaturados necessários. Entretanto, nas. São de densidade muito baixa e partículas maiores. As
existem aqueles que não podem ser sintetizados e que lipoproteinas ricas em colesterol são a LDL, de densidade
são chamados de áodos graxos essenciais. Um exemplo baixa, e a HDL de densidade alta. As subclasses de HDL
é o ácido linoléico (encontrado apenas em plantas). que (HDL2 e HDL3) possuem, além das características diferen-
se converte em ácido araquidônico, um importance pre- tes, funções metabólicas e clínicas distintas.(Tabela 37.1)
cursor das prostaglandinas e da mielinização do sistema A técnica de elerroforese (em acetato de celulose,
nervoso central. agarose ou gel de poliacrilam1da) separa as lipoproteí-
Os fosfolípides. ass1m como os triglicérides, contêm nas de acordo com a sua mobilidade eleuoforétlca em
glicerol e ácidos graxas e por isto também pertencem relação às proteínas plasmáticas. O HDL migra com
ao grupo de ésteres de glicerol. Entretanto, os fosfolípi- as a -globulinas. LDL com as ~-gl obu linas e o VLDL
des possuem um grupamento fosfato ligado a uma a com as pré- ~ globulinas. O IDL-C forma uma banda
hidroxila. A estenficação dos álcoois colina (leminas) estreita entre 13 e pré- j3-globulinas. Os quilomícrons.
ou etanolamina (cefalinas) ou inositol produz os ácidos devido ao seu reduzido conteúdo protéico, não têm
fosfatídicos, que possuem características hidrofílicas e migração eleuoforética, permanecendo no ponto de
hidrofóbicas. Assim, os fosfolípides servem para interfa- apl icação.( Tabela 37.2)

486 [ Medicina laboratorial para o clínico


Tabela 37.1 - Classificação das lipoproteínas plasmáticas pela técnica de ulrracemrifugação e a composição em porcemagem
(%) de proteína, colesterol, triglicérides e fosfolípides correspondente

Colesterol
Lipoproteínas Colesterol Livre Triglicérides Fosfolípides Proteínas
Esterificado
Ouilomícron 3 2 86 7 2

VLDL 12 7 55 18 8

IDL 29 9 23 19 19

LDL 42 8 6 22 22

HDL2 17 5 5 33 40

HDL3 13 4 3 25 55

VLDL.overy low denSity ltpoprotelns; IDL=mtermedtace·aens•ty l10opro!e'11S,


LDL=iow densny /tpoprotems; HDL=htgh denstty ltpoprotetns

Tabela 37.2 - Características e classificação das lipoproreínas plasmáticas segundo sua densidade e migração elerroforética

Mobilidade
Lipoproteínas Densidade (g/ml) Diâmetro {nm) Principais lípídes Apolipo-proteínas
Eletroforética
Ouilomícron Origem <0,95 >70 Triglicérides de A I; B-4 8; C l, ll,lll; E
origem da dieta
VLDL Pré-beta 0,95·1 ,006 26-70 Triglicérides de B-1 00, Cl,ll,lll; E
origem endógeno
IDL Entre pré-beta 1,006·1,019 22·24 Triglicérides de ori- B-100; E
e beta gem endógeno e
ésler de colesterol
LDL Beta 1.019-1,063 19·23 Ésler de colesterol B-100

HDL Alfa 1,063-1,210 4·10 Fosfolípides Al ,ll, opoC · 1,11,111, IV


e opoE
Lp(a) Pré-belo 1,040·1,130 26·30 Éster de colesterol (o); B-100
e fosfolípides

VLDL=very low densiry hpoproreins; IDL=tnrermedtate-denslty tpoprotetns;


LDL=Iow dens1ry hpoprotetns; HDL=htgh dens1ty hpoprotetns, Lp(a)=llpoproreina (a)

APO LIPO PROTEÍNAS


• responsáveis pela manutenção da integridade es-
trucural do complexo da lipoproteína;
As proceínas específicas que consticuem as lipopro- • no reco nhecimento dos receptares de superfí-
teínas são conhecidas como apolipoproteínas (apo) e cie celular para entrada da lipo proteína no inte-
são divididas por função e estrutura em classes de A a H, rior da célula.
sendo algumas em até subclasses (ex: AI ou Cll). As apo-
Cada classe de li poproteína tem uma variedade de
lipoproteínas têm função importante no metabolismo
apoproteínas em diferentes proporções, com exceção
lipídico, principalmente como: do LDL, que possui apenas apoB-100. No caso da HDL a
• co-fatares enzi máticos no metabolismo das lipo- principal consticuinte é a apoA-1e em menor quantidade
proceínas; as apoC-1. 11 e a apoE.

Investigação laboratonal do paCiente com doença aterosclerótica e dislip1demm 487


A lipoprmeína (a) ou lp (a) é semelhante ao LDL, mas são hidrolisados em ácidos graxas livres e monoglicerídeos
contém uma glicoproreína adicional chamada de apolipo- que, juntamente com o colesterol, são rapidamente absor-
proceína (a) ligada a apoB-100 por pontes de dissulfew. vidos pela mucosa intestinal. No interior das células intesti-
A apo(a) é estruturalmente semelhante ao plasm ino- nais, esses elementos sintetizam uigilcérides e fosfolípides
gênio e arua como inibidor competitivo do acivador reei- e formam junto com apoB-48 e apoA um complexo de li-
dual do plasminogênio (t-PA). Isco impede a geração de poproreína rico em uiglicérides (quilomícron nascente). Os
plasmina e, conseqüentemente, de fibrinóilse. Tais carac- qutlomícrons são uansporcados através do dueto wrác1co
terísticas conferem à Lp(a) propriedades arerogênicas e para o sangue, aparecendo após 30 a 90 mmuws no plasma.
sua presença nas raças branca e amarela representa fator Na mculação, os quilomícrons adquirem as apoC e apoE
de risco de arerosclerose independente (Tabela 37.3). provenientes do HDL. A apoC-11, agora presente no quilo-
mícron, aciva a lipase lipoproreína ligada à superfície das
Tabela 37.3- As classes de apollpoproteínas, sua constitui- células endoteliais do epitélio capilar. Esta lipase irá hidroli-
ção na estrutura das hpoproteínas e função sar rap1dameme os triglicérides em ácidos graxas livres. que
poderão ser utilizados como fome de energia para as células
Lipoproteína
Apolipoproteínos Função musculares ou ser armazenados no tecido adiposo.
associada
Após repetidas ações li políticas da lipase. os quilom í-
ApoA-1 HDL e quilomícron Co·fator de LCAT
crons ficam com seu conteúdo de triglicérides reduzido
ApoA·IV HDI e quilomicron Ativaçõo de LCAT
(quilomícrons remanescentes). Com a presença de apoE
ApoB·IOO VLDL, IDL. LDL Reconhec imento
do receptor do LDL
e apoB-48 em sua superfície, eles são reconhecidos pe-
nas células los recepcores específicos do fígado e sofrem endocicose.
ApoB-48 Ou1lomícron Secreção de ·riglí· Os componentes lipídicos e protéicos do qutlomícron
cérides do in·est no remanescente são hidrolisados. O colesterol liberado vai
ApoC-1 VLDL, HDL e Ativoçõo de LCAT pamcipar da formação de ácido biliar ou ser incorpora-
quilomícron
do na síntese de outra lipoproteína ou, ainda, ser estoca-
ApoC-11 VLDL. HDL e Co·fotor de lPl
do como éster de colesterol. Desta maneira, o colesterol
quilomícron
proveniente da dieta permanece pouco tempo no plas-
ApoC-111 VLDL. HDL e Inibição do oliva-
quilomícron çõo de opoC·II ma e tem pouca interferência nos níveis dosados.
ApoE VLDL. HDL e Focd 1to entrada do
qudomícron quilomicron remo-
nescente e do IDL Via endógena

VLDL,very low dens~ty /Jpoprotems; IDL=mtermed1ate-dens11y /Jpoprotems.


LDL-Iowdens1ty l1poprotems; I IDL=h1ghdens1ty lipoprotems; O fígado pode simetizar mglicérides através de carbol-
LPL, I1pase l!poproteína; LCAT=lewma colesterol aoluansje1ase
draws e ácidos graxos. Pode também sintetizar seu própno
METABOLISMO DAS LIPOPROTEÍNAS colesterol, pnnopalmente a parm de acetaco, aumentando
a atividade da enz1ma 3-hldroxl-3-metilglutaril co-enz1ma
A redutase (HMG-CoA redutase). que regula essa símese
O metabolismo das lipoproteínas inclui uma via exó- nos hepatócitos. O colesterol e o uiglicérides formados
gena (lípides provenientes da dieta) e outra endógena são "empacotados" em vesículas secreroras do aparelho de
(lípides formados no fígado). Golgi e transportados por exocirose pelos capilares sinu-
sóides para a circulação. formando o VLDL nascente. Esta
lipoproteína comém 55% de seu conteúdo de triglicérides,
Via exógena além de apoB-100, apoE e apoC na sua superfície. Outras
apoC são incorporadas ao VLDL (como apoC-11), prove-
As gorduras da dieta, ao passarem pelo intestino delga- niemes do HDL circulame, que ar1va a ltpase lipoproréica
do, vão ser reduzidas por enzimas digestivas (lipases pancre- do endocélio capilar. Da mesma maneira que acontece
áticas) para facilitar o início da sua absorção. Os cnglicérides com os quilomícrons, ocorre a htdróltse dos trtglicérides,

488 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1----------- - - -- - -- - -- - - - - - - -- -- -


restando um VLDL remanescente que pode ser rncorpora- resposta à injúria do endotélio. Acomete principalmente
do ao fígado ou formar uma lipoprmeína densa conhecida a camada íntima de artérias de médio e grande calibre.
como IDL. O IDL é rapidamente processado para LDL ou O processo está associado a alterações estrutu rais e fun-
removido pelos hepatóci w s. Esse processo de remoção é oonais que ocorrem na parede arterial, com as seguintes
rápido, dificultando a detecção de IDL no plasma. etapas mostradas na Figura 37.1.
O LDL formado é a principal fome de transporte de
colesterol para os tecidos periféricos e o seu metabolismo
Agressão ao endo télio vascular
ocorre lentamente durante dias. Receprores específicos desencadeado por lo to res de risco
na superfície celular reconhecem apoB100, fazendo com (i LDL, i iDL, hi pertensão a rterial, tabagismo)
que a membrana celular sofra invaginação e interiorize
a lipoprmeína, formando uma vesícula endocítica com
Aumento do permea bilidade do
enzimas hidrolíticas (endossamo). Seu conteúdo prméi- íntima às lipoproteínos plasmáticos
co é hidrolisado a amrnoácrdos e o colesterol esterificado
em colesterol livre. A presença do colesterol intracelular
regula três evenros metabólicos distintos: Retenção do LDL no espaço subendoteliol

• inibe a atividade da enzima 3-hidroxi-3-metilglu-


taril co-enzima A redutase (HMG CoA redurase),
Oxidação do partícula de LDL,
drmrn uindo a síntese de colesterol endógeno; tornando-o imunogênico
• estimula a ação da enzima colesterol aciltransfe-
rase (ACAT), aumentando a taxa de formação de
Aparecimento de moléculas de adesão
ésreres de colesterol; leucocitório no superfície do endotélio
• rnrbe a formação de novos receptores de LDL. Es-
ses farores evitam que as células fiquem sobrecar-
regadas de colesterol. A troção de monócitos e
linfócitos poro o parede arterial

O HDL é secrerado pelo fígado ou pelo intestino delga-


do numa forma inicialmente discóide, constituída apenasde
fosfolípedese apo-A. Posteriormente, são adroonadas novas
moléculas de colesterol, fosfolípedes e apoproreínas especí-
ficas, que modrficam o HDL nascente em forma esférica. O
colesterol livre das células é também transferido para o HDL
nascente, após ser esterificado, esnmulado pela enzima leo-
nna colesterol (aciltransferase) (LCAT). Os ésreresde coleste-
Fo rmação dos células espumosos ("estria
rol são então devolvrdos ao fígado. Esse processo consiste no go rduroso ") · primeiro lesão macroscópico
transporte inverso do colesterol, removendo-o dos tecidos
periféricos e devolvendo-o ao fígado para nova degradação
e excreção na bile. Esse papel do HDL pode ser a base da
'
Mig ração dos células musculares lisos
do camada médio arterial poro o íntimo
proreção atribuída a essa lipoproteína como um forre e in-
dependente fawr de risco inverso para DAC. A disponibilida-
de de HDL evita o acúmulo de colesterol nas células. Prod ução pelos células musculares d e citocinos,
fatores de crescimento e motriz extracelular

ATEROGÊNESE
Formação do copo fibroso do placa=]

A arerosclerose é uma doença sisrêmica da parede do


vaso, decorrente de processo rnflamarório crônrco, em Figura 37.1 - h apasdo desenvolvimento da placa arerosclerónca.

lnve~ugaçào laboratonai do pacreme com doença aterosclerótica e drslip1dem1as 489


A placa aterosclerótica plenamente desenvolvida é ridemia acima de 400 mg/dL, quando a fórmula de Frie-
composta de: dewald não pudesse ser aplicada.
• núcleo lipídico, que contém cristais e ésteres de Para a maioria dos pacientes, a equação de Frie-
colesterol e fosfolípedes; dewald é simples e de baixo cusro e por isro ela rem sido
• capa fibrosa composta de células musculares lisas, aplicada mais rotineiramente. Várias técnicas têm sido
matriz de tecido conectivo extracelular com colá- usadas para dosar os lípides e suas frações. rais como os
gene, proreoglicanos e fibronectina; métodos enzimáticos. imunoquímicos e de precipitação,
• células inflamatórias como macrófagos, linfóciros além dos métodos físicos, como ulrracentrifugação, ele-
T e farores pró-coagulantes. troforese. cromarografia e outros.
Os mérodos enzimáticos usados nas rotinas labora-
As placas "estáveis" são as de conteúdo maior de tOriais são precisos. com técnicas simples e facilmente
colágeno, com capa fibrosa espessa, raras células infla- adaptadas aos analisadores auromáticos.
matórias e núcleo lipídico menor. Essas placas rendem No enranro, apesar dos diferences mérodos produzi-
a ser esrenosames e são localizadas principalmente rem separações similares das lipoproreínas, elas não são
nas carótidas. As placas "instáveis" apresentam arivi- idênticas, gerando variações analíticas para o mesmo
dade inflamatória intensa, núcleo lipídico proeminen- componente dosado.
te e capa fibrosa fina. A ruptura dessa placa expõe o O estudo das lipoproreínas rem aumentado de im-
núcleo lipídico, que é altamente trombogênico, levan- portância desde que foi definido o seu envolvimento
do aos fenômenos de adesão plaquerária, geração de como faror de risco das doenças cardiovasculares e no
trombina e fibrina e formação de um trombo sobreja- diagnóstico e tratamento das dislipidemias. Para isro. é
cente. Esse processo aterotrombótico é o pomo inicial importante definir e conrrolar os diferentes métodos
para o desenvolvimento dos episódios das síndromes analíticos para medição dos lípides, lipoproceínas e apo-
coronarianas agudas. lipoproteínas. As variações podem ser analíticas. quando
estão relacionadas a metOdologia e procedimentos usa-
dos pelos laboratórios; e pré-analíticas. quando relacio-
EXAMES LABORATORIAIS NA AVALIAÇÃO nadas a fatores biológicos, intrínsecos ao indivíduo (esti-
DAS DISLIPIDEMIAS lo de vida. uso de medicações e doenças associadas).

O perfil lipídico é definido pelas dosagens bioquími-


cas do colesterol total. do colesterol HDL e dos rriglicéri- VARIAÇÕES PRÉ-ANAlÍTICAS
des, após jejum de 12 a 14 horas. O colesterol LDL pode
ser calculado usando-se a equação de Friedewald: As variações pré-analíticas são as principais responsá-
veis pela variabilidade dos resultados laboraroriais de um
ColesterollDL=C total - Colesterol HDL- TG/5 indivíduo que fará acompanhamenro de seu perfillipídico.
Acredita-se que as variações biológicas contribuam com
70 a 98% das variações dos resultados enconrrados em
Nesta equação, o TG/5 representa a fração de coles- pessoas, medidas em ocasiões diferentes. (Tabela 37.4)
teroiVLDL quando o valor total de rriglicérides dosado Elas são determinadas por estudos de metanálise e
é inferior a 400 mg/dl. Para valores de triglicérides aci- quantificadas como "coeficiente de variação biológica"
ma de 400 mg/dl, o colesterol LDL deve ser dosado (CVb). ~ O CVb do colesterol total é de 6,1%, do HDL
diretamenre. de 7,4%, do rriglicérides de 22,6% e do LDL de 9,5%.
Outra maneira de quantificar as lipoproteínas atero- A idade separa os valores de referência entre a popu-
gênicas em pacientes com hipercrigliceridemia é consi- lação pediátrica e adulta. Entre 15 e 55 anos, há aumento
derar a fração do não HDL, pois representaria, além do progressivo dos níveis de colesterol rotai e de LDL. sendo
aumento do LDL. a elevação das frações de VLDL e de mais baixos nas mulheres na pré-menopausa, quando
IDL. O uso do não HDL seria usado nos casos de triglice- comparadas aos homens na mesma faixa etária.

490 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1 - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - -- - -


Tabela 37.4 - Fatores comribuimes de variação pré-analíti- Tabela 37.5 - Principais drogas e doenças que interferem
ca do perfil lipídico nos resultados do perfillipídico

Variações biológica s Variações laboratoriais Drogas Doenças


Idade Preparo paro coleto Anti-hipertensivos (tiazidas, Hipotireo idismo
clortolidono, espironolactona,
Sexo Duração do jejum betabloqueadoresl
Gravidez Anticoagulantes lmunossupressores (ciclosporino, Hipopituitorismo
predinisono)
Estilo de vida( dieta, exer- Técnico de punção venosa
cícios, uso de álcool e de Esteróides (estrógenos, pro- diabetes melito
cafeína) gestógenos e
anticoncepcionais orais)
Obesidade Armazenamento e transporte
do amostra Anliconvulsivontes Síndrome nefrótico

Uso de drogas Ácido ocetilsolicílico (AAS) Insuficiência renal crónico

Doenças Amiodorono Atresio biliar congênito


Alopurinol Doenças de a rmazenamento
Ácido ascórbico Lúpus eritemotoso sistêmico

Já na gravidez, principalmente no segundo e terceiro • manter a dieta e o peso pelo menos duas semanas
trimestres, ocorre elevação dos níveis séricos das apoli- antes da realização do teste;
poproteínas, triglicérides e colesterol. principalmente do • executar o teste nas primeiras 24 horas após um
LDL. voltando ao normal após a 10• semana do parto. evento isquêmico (IAM), pois os valores correspon-
Dietas ricas em gordura saturada afetam de ma- dem efetivamente ao perfil lipêmico do paciente;
neira moderada a dosagem de colesterol total. trigli- • aguardar pelo menos 8 semanas após cirurgia ou
cérides e de LDL. As dietas de carboidratos complexos doença em geral ou 3 meses após o parto para
e de ácidos graxas poliinsatu rados tendem a reduzir real izar o teste em grávidas;
os níveis de LDL. • evitar atividades físicas vigorosas 24 horas antes do
O uso de álcool, em pessoas que não são usuárias de teste;
álcool regularmente, aumenta os níveis de triglicérides • evitar ingestão de álcool 72 horas antes do teste.
da fração do VLDL. Em pessoas que consomem regu- • manter o uso de drogas que não possam ser in-
larmente níveis moderados de álcool (<30g/dia), ocorre terrompidas.
elevação do HDL e das apoAI a apoAII. Quando a quan-
tidade de álcool excede 80g/dia, aumenta a síntese de Nas variações laboratoriais. a duração do jejum de
VLDLe da atividade da lipase li poprotéica. 12 a 14 horas favorece o desaparecimento da lipemia
Atividades físicas, tais com caminhadas e práticas de es- plasmática, que interfere na metodologia de quantifica-
portes. levam, em longo prazo. à redução dos níveis de LDL, ção do colesterol.
apoBe elevação do HDL e apoAI. Entretanto. exercícios ex- A mudança de postura da posição deitada para sen-
tenuantes podem afetar os resultados, em função da desi- tada ou erecta pode levar à troca de água corpórea do
dratação e aumento das proteínas (hemoconcentração). meio intravascular para o extravascular, resultando em
Na vigência de doenças e do uso de várias drogas, o alteração na diluição do sangue. É recomendado que a
perfil lipídico deve ser avaliado com cautela, pois altera- coleta seja feita em pacientes sentados, 10 a 15 minutos
ções no quadro clínico ou nas doses das drogas podem antes da punção venosa.
alterar os resultados. (Tabela 37.5) O uso de torniquete mantém efetiva pressão dentro
Outras recomendações devem ser orientadas e ava- dos capi lares, transferindo pequenas moléculas e fluidos
liadas para reduzirem-se as variações pré-analíticas: do meio intravascular para o espaço extravascular (he-
• realizar o perfil lipídico em indivíduos com estado moconcentraçào). Isto leva, após um a três minutos de
metabólico estável; sua permanência, ao aumento de 10 a 15% do colesterol.

Investigação laboratorial do paCiente com doença aterosclerótica e dislipidemias 491


As amostras colhidas com anticoagulantes do ripo Para reduzir essas variações, é recomendado que
EDTA levam a valores mais baixos de colesterol wral e de na avaliação do perfil lipídico de um indivíduo seja
rriglicérides séricos e devem rer seu valor corrigido. A he- considerada a média de duas dosagens de colesterol
parina pode ser usada apenas para as medições de coles- obtidas em intervalos de uma semana e máximo de
terol roral e de HDL, mas não é indicador para a dosagem dois meses após a coleta da primeira amostra; e de
de triglicérides, por ativar a lipase lipoproreína in vttro. rriglicérides, colesterol HDL e colesterol LDL a méd1a
O tempo e temperatura de acondicionamento da de duas a três dosagens. Deve-se estar atento às con-
amostra são também variações pré-analíticas. O soro dições pré-analíticas do paciente e a preferênCia pela
deve ser separado das células sanguíneas dentro de três mesma metodologia e laboratório.
horas após a coleta. Entre essas duas dosagens, a variação incra-individual
acetta é a recomendada na tabela.
Caso a vanação entre as duas dosagens seja superior
VARIAÇÕES ANAlÍTICAS à máxima aceitável, deve-se dar atenção às condições
do paciente e aos critérios de metodologia e certificação
As variações analíticas estão associadas à metodolo- do laboratório. Com esses cuidados, uma terceira dosa-
gia e aos procedtmentos utilizados pelos laboratórios. O gem pode ser feita.
NCEP, por meio do LSP (Laboratory Standardization Pro- As apoproteínas A-1 e B-100 são as mais rele-
gram), possui uma padronização que estabelece critérios vantes proteínas presentes no HDL e na LDL, res-
e recomendações para orientar e adequar o desempe- peccivamente. As metodologias disponíveis para
nho dos laboratórios, para que as variações das dosagens suas dosagens são baseadas em imunoensaios com
dos lípides seja a menor possível. anticorpos específicos, principalmente de imuno-
A variabilidade inrroduztda pela metodologia pode tu rbidimerria e nefelomerria. O uso das dosagens
ser avaliada pelo "coeficience de vanação analítico (CVa) dessas lipoproteínas pode se tornar útil na avalia-
e bias (avaliação da inexatidão ou desvio do valor real). A ção de pacie ntes com riscoc:; cie DAC e de hiperli-
somatória desses parâmetros {(CVaxl,96)+btas=erro to- poproteinemia. no encanto, faltam definições dos
tal} caracteriza o erro rotai analítico. ou seja. o intervalo pontos de corte (cut off) aplicáveis às diferentes
ao redor do valor encontrado pelo laboratório. no qual populações.
pode estar o valor real da dosagem do paciente, com Também no caso da Lp(a), embora esteja envolvida
95% de probabilidade (intervalo de confian ça). na arerogênese, os numerosos polimorfismos da apo(a)
As recomendações do NCEP para dosagens de lípi- e as limitações da metodologia da sua dosagem limitam
des estão relacionadas na Tabela 37.6. o seu uso na rotina.

Tabela 37.6 - Recomendações do Nationa/ Cholesterol Education Program (NCEP) I Laboratory Standardrzatton Program
(LSP) para os mémdos de dosagens de lípides

Anal ito Método Recomendado CVa(%) CVb(%) C oeficiente variação total

Colesterol total Enzimático <3 <6,1 <9, 1

HDL Enzimóllco lprecip1toçào ou <6 < 7. 4 < 13,4


homogêneol
LDL Equação de Friedewold <4 < 9,5 < 13,5

Triglicérrdes Enzimóllco <5 < 22,6 < 27.6

CVa=coefic1emede vanação analirica


CVb=coeflc1eme de vanação biológica

492 ( Medicina laborarorial para o clínico ]1----------- - -- - -- - - - - - -- - - -- - - -


CLASSIFICAÇÃO DAS DISLIPIDEMIAS Tabela 37.7 - Valores de referência para o diagnóstico das
dislipidemias em adultos, crianças e adolescentes
As dtslipidemias podem ser de origem primária e
Crianças e adoles-
secundária. Anal ito Adultos
centes
As dislipidemias de origem primária são causadas por
Valores Categoria Valores Categoria
alterações genéricas que alreram a síntese e degradação das (mg/dl)
(mg/dl)
lipoproreínas, bem como a relação entre as llpoproteínas e
< 100 Ótimo < 110 Ótimo
seus receptares. Algumas só se manifestarão em função da
influência ambiental, da dieta inadequada e/ ou ao seden- LDL
tarismo. Assim, o diagnósnco da dislipidemta primána só 100-129 Desejável
será fetro após a exclusão das causas secundárias.
130-159 limítrofe 110-129 limítrofe
As dislipidemias de origem secundária são associa-
das principalmente ao uso de medicamentos, hábitos de 160-189 A.to ~ 130 Alto
vida inadequados e algumas doenças.
~1 90 Muito alto
O perfil lipídico permite identifcar quau o tipos bem
definidos de dislipidemia: Colesterol
total
• hipercolesrerolemia isolada, elevação isolada do
<200 Ótimo <170 Ótimo
colesterol LD L~160 mg/dl;
• hiperrrigliceridemta isolada TG~1 50mg/dl; 200239 limítrofe 170·199 limítrofe
• hiperhpidemia mista, colesterol LDL~160/mg/d l e
~240 Alto ~200 Alto
TG ~150 mg/dl;
• colesterol HDL baixo, homens HDL < 40mg/dl e HDL
mulheres HDL< SOmg/dl. <40 Baixo <35 Boixo

>60 Alto
No primeiro ano de vida, as causas mais comuns são
arresia biliar congênita e a doença de armazenamento de
glicogênio. Hipomeoidismo, síndrome nefrórica, diabe-
tes melito são mats prevalentes na infância e na adoles- A identificação de pacientes assintomáricos que es·
cência, bem com os erros alimentares. Os ácidos graxas tão mais predisposros é importante para a prevenção e
trans são usados na fabricação de sorvetes, bolos e bis- pode ser avaliada a partir da definição de fatores de risco
coiros. São sintettzados durante o processo de hidroge- e de suas correlações. A eStratificação é fetra pelo risco
nação dos óleos vegetais para produção de margarinas. que tem uma pessoa de desenvolver determinado even-
Possuem semelhança estrutural com os ácidos graxas to cl ínico num período de tempo.
sarurados e provocam hipercolesrerolemia, aumentando Esrudos populactonats baseados em análtses de regres-
o LDL e reduzindo o HDL. são procuram cnar algoritmos que facilitem essa análise.
Em adultos, as causas mais comuns estão relactona- Um deles é o escore de risco de Framingham, recomendado
das à obesidade, alcoolismo, uso de contraceptivos orais, pela IV Direrriz Brastleira sobre Dislipidemias e Prevenção da
diaberes meliro , medicamentos (corticóides, beta-blo- Aterosclerose. da Sooedade Brasiletra de Cardiologta. e tam -
queadores e anticonvulsivantes), insuficiência renal crô- bém pelo NCEP. Neste escore. é estimada a probabilidade de
nica e hepatopattas colestáticas crônicas. ocorrer infarro agudo do miocárdio ou morte por doença
O diagnóstico precoce de disliptdemia contribut para a coronariana no período de 10 anos. Existem três gwpos de
redução dos riscos de doença arterial coronariana (DAC). risco: alto (probabilidade acima de 20% de infarro ou morre
Os valores de referência para o diagnóstico das dis- por doença coronariana em 10 anos). baixo (probabtltdade
lipidemias em adultos e crianças estão relacionados na inferior a 10% de infarro ou morte por doença coronanana
Tabela 37.7 e foram adaptados do NCEP e da Academta em 10 anos) e intermediário (probabilidade entre 10 e 20%
Amencana de Pedtarna. de infarro ou morre por doença coronariana em 10 anos).

lnvesrtgaçào laboraronal do pactente com doença ateroscleróuca e dtsltptdemias 493


O LDL é considerado faror causal e independeme de baixo e médio risco que apresentem cricérios agravantes
arerosclerose e sobre o qual se devem wmar medidas podem ser classificados em categoria acima da estimada
que procurem diminuir a morbimorralidade. pelo escore inicial. Esses fatores seriam:
• história familiar de doença coronariana em paren-
te de primeiro grau masculino abaixo de 55 anos
Fases para defini~ão da estratifica~ão do risco ou feminino acima de 65 anos;
• presença de sínd rome metabólica (presença de
Fase 1 obesidade abdominal, triglicérides >150 mg/dl,
HDL<40 mg/dl nos homens e <50 mg/dl em mu-
Identificar a presença de doença aterosclerótica pré- lheres, PA> 130/85 mmHg e glicemia>100 mg/dl );
via ou seus equivalentes • microalbuminúria 20 a 200J.lg/min;
A identificação de indivíduos já com manifestações • hipertrofia ventricular esquerda;
clínicas da doença aterosclerótica ou seus equivalentes • insuficiência renal crónica;
os coloca no grupo de alto risco (Tabela 37.8). • proteína C reativa de alta sensibilidade >3 mg/L;
• exame complementar com evidência de doença
Tabela 37.8 - Manifestações cl ínicas de doença ateroscle- aterosclerótica subclín ica.
rótica de alto risco

As avaliações bioqu ímicas e os exames de imagem para


Doença arterial coroná rio aluai ou prévio (angina, isquemia
silencioso, síndrome coronoriono agudo, card iomiop olio detecção de aterosclerose subclínica não são preconizados
isquêmico) de rotina, mas devem ser considerados em pacientes com
Doença carolídeo história familiar de doença aterosclerótica precoce.
Doença arterial periférico
Fase 4
Aneurisma de a orta

Doença arterial cérebro-vascula r Iniciar medidas de mudanças de hábims de vida (die-


ta, arividades físicas. suspensão do fumo) para todos os
diabetes melito tipo 1 ou 2
níveis de risco. O uso de medicamentos hipolipemiantes
será in iciado em codos os pacientes de alto risco e nos
que não atingiram as metas estabelecidas para redução
Fase 2
do LDL. sendo de baixo risco (após seis meses) e de mé-
dio risco (após três meses). A mera de LDL preconizada
Identificar o escore de risco de Fram ingham (ERF). arualmente para os pacientes de baixo risco é inferior a
A identificação em indivíduos sem doença ateros- 160 mg/dl, para os de risco intermediário inferior a 130
clerótica prévia define os que possam estar no grupo de mg/dl e os de alta risco (diabéticos e com doença ate-
pacientes de médio e baixo risco. Para definição do ERF, a rosclerótica significativa) inferior a 70 mg/dl.
pontuação para cada indivíduo é de acordo com o sexo, a
idade, o valor de colesterol mtal e de HDL dosados, a de-
finição se é rabagisra ou não e os níveis da pressão arterial. OUTROS FATORES DE RISCO
No entanto, alguns outros fatores agravantes (definidos CARDIOVASCULAR
na fase 3) podem modificar a definição nestes casos.
Apesar da forre associação das dislipidem ias como
Fase 3 famr de risco de DAC têm sido identificados pacientes
com eventos coronarianos, sem alterações nas concen-
Definir fatores considerados agravantes que possam trações de colesterol total ou do colesterol LDL. Diante
melhorar a classificação de risco em pacientes de risco de evidências científicas de que cerca de 20% dos pa-
intermediário, nos jovens e mulheres. Os pacientes de cientes com DAC não apresentaram qualquer faror de

494 [ Medicina laboratorial para o clínico


risco clássico (hiperlipem1a. hipertensão, diabetes ou ta- O valor da PCRas, para ser considerada fator agravan-
bagismo), outros marcadores que pudessem melhorar te de risco, sena >3 mg/L.
a Identificação desses casos começaram a ser investiga-
dos. No entanto, o uso clínico desses marcadores tem se
moscrado limitado em função da: HOMOCISTEÍNA
• falta de padronização e validação dos cesces (ex:
Lp a); A homocisteína é um aminoácido derivado da me-
• inconsistência da relação do marcador com o risco rionina e sua dosagem rem sido recomendada para o
de eventos coronarianos demonscrados em estu- diagnóstico de homocistinúria, de pacientes com defici-
dos prospectivas (ex: homocisteína); ência do metabolismo de cobalam1na ou ácido fálico e
• falta de níveis plasmáticos estáveis na população para avaliação de fator de risco de DAC. Neste caso. ela
ou ao longo dos anos desses marcadores; não deve ser usada como triagem da população geral e
• falta de comprovação de valor adicional aos sua elevação deve ser considerada apenas de valor prog-
marcadores tradicionais como LDL (ex: ancíge- nóstico em pacientes com alto risco de DAC.
no PA-1 e r- PA).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
PROTEÍNA C REATIVA DE ALTA SENSIBILI DADE
Nos últimos 30 anos. presenc1a-se a redução da
A proteína C reativa é um marcador do processo mortalidade por causas cardiovasculares nos países
Inflamatório em indivíduos sadios e serve para momro- desenvolvidos e o au mento significativo nos pa íses
nzação de casos infecciosos e auro-imunes. O proces- em desenvolvimento. entre eles o Brasil. A doença ate-
so Inflamatório crônico é um im portante componente rosclerót ica é multifatorial e sua prevenção passa pela
do desenvolvimemo e progressão da aterosclerose e identificação e controle das dislipidemias e dos fatores
estudos epidemiológicos mostraram associação da de risco. ra1s como tabagismo. hipertensão arterial. dia-
elevação da proteína C reariva ao risco cardiovascular. betes melito e obesidade. Os programas de controle
Também tem sido demonstrado o seu valor preditivo das dislipidemias (IV Direrrizes Brasileiras para Dislipide-
para futu ros eventos coronarianos em pacientes com mias e Prevenção da Aterosclerose e (NCEP) procuram
angina estável, portadores de stents arteriais e síndro- orientar os profissionais de saúde na avaliação global
me coronariana aguda. dos pacientes e nas condutas terapêuticas. tais como
A dosagem da proteína C reativa para este fim ne- eliminação do tabagismo, estímulo para atividades físi-
cessita de técnicas analíticas capazes de detectar valores cas e uso de fármacos adjuvantes.
abaixo de 0.3mg/L. Existem hoje técnicas imunoturbidi-
mérricas e imunonefelomérricas, automatizadas, capa- REFERÊNCIAS
zes de detectar níve1s abaixo de 0.3mg/L com boa re-
1. Bu rus CA, Ashwoo d CR, Bru ns DE. Tierz Texrbook of Ch-
produtibilidade e que são conhecidas como PCR de alta
lliCal Chcm1suy and Molecular Diagnosncs. 4th ed. St.
sensibilidade (PCRas). Lollls: Elsev1er Saunders; 20 06.
Está em andamenw um programa de padronização 2. Execur1ve Summary of rh1rd Reporr of rhe Nanonal
dessas técnicas para reduzir diferenças de resulcados en- Cholesrerol Educanon Program (NCEP). Expert Panei
on Derewon, Evaluanon, and Trearmem o f high blood
tre os laboratórios.
cholesterol1n adults (Adult Trearmenr Panei III ). )AMA.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia. a partir da IV 2001;285:2486-97.
D1rernzes Brasileiras para Dislipidemias e Prevenção da 3. Forn N, D 1ament ). Lipoproteinas de Alta Dens1dade: As-
Aterosclerose 2007, recomenda a dosagem da PCRas de pectos Metabólicos. ClíniCos, Ep1dem1ológ1cos e de In-
tervenção Terapêutica. AruahLaçào para os Clín1cos. Arq
maneira individualizada em pacientes que tenham his-
Bras Card1ol. 2006;87: 672-9. D 1sponível em: hnp://www.
tória familiar de doença aterosclerótica precoce ou que arqulvosonli ne.com.br/2006/8705/pd f/87050 19.pdf.
este1am no grupo de risco intermediário do ERF.

lnvesugação laboracona do pac1ente com doença arerosclerÓ[Ica e dlsl1pidem1as 495


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cal Trials for the Nacional Cholescerol Education Pro- tein, fibri nogen, homocysceine, lipoprotein(a). and stan -
gram Adu le Treatment Panei III guidelines. Circu larion. dard cholescerol screening as prediccors of peripheral
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suppl 1:2-19.

496 [ Medicina laboratorial para o clínico ]f--- - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


Márcio Nun es da Silva
38 Letícia Maria Henriques Resende

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL NAS


SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS

O termo "síndromes coronarianas agudas" (SCA) re- é expressiva a mortalidade dessa população, principal-
fere-se a uma constelação de sintomas clínicos causados mente no decorrer da primeira hora do evento, como
por isquemia miocárdica aguda. Pacientes com SCA são complicação de arritmia ventricular. Estima-se que, no
subdivididos em duas categorias maiores, baseadas no BrasiLanualmente, o IAM seja responsável por cerca de
eletrocardiograma: aqueles com nova elevação do seg- 300 a 400 mil casos e destes, em média 60 mil evoluem
mento ST, que é diagnóStlca de infarto agudo do mio- para o óbito. De roda a população que procura os ser-
cárdiO, com elevação do ST (IAMEST), e aqueles que se viços de emergência por dor torác1ca, mais da metade
apresentam com depressão do segmento ST, alterações não possui doença coronariana 1squêm1ca aguda. No
de onda T ou sem anormalidades eletrocardiográficas entanto, muitos pacientes recebem alca desses serviços
(SCA sem elevação do segmento ST). Este último termo de emergência sem diagnóstico de doença isquêmica
compreende angina instável (AI) e IAM sem elevação aguda. Essa população é víCima de altos índices de mor-
do segmenco ST (IAMSEST). Estas estão intimamente talidade e chega a total1zar 12% das altas dos serviços
relacionadas, assemelhando-se em patogênese e apre- de emergência em tra balhos amencanos, suspeitando-se
sentação clínica, mas, divergindo em gravidade. Especi- que esse índice alcance valores de até 20% no Brasil.
ficameme, o IAMSEST distingue-se da AI por apresentar
isquem1a suficiencemente grave em intensidade e dura-
ção, causando lesão miocárdica irreversível (necrose do FISIOPATOLOGIA
mióciro), reconhecida clinicamente pela detecção de
b1omarcadores de dano miocárdico. Muitas dessas síndromes ocorrem em resposta a um
evento agudo envolvendo as artérias coronárias, quando
a circulação para uma reg1ão por elas irrigada é obstru-
EPIDEMIOLOGIA ída. Se essa obstrução é acentuada e persiste, normal-
mente ocorre necrose. Desde que a necrose leva algum
Segundo estatísticas americanas, nos Estados Unidos tempo para se desenvolver. torna-se óbvio que, quanto
ocorrem, ao ano, mais de 5 milhões de atendimentos de- antes houver o retorno à circulação da região acometida,
vido à dor rorácica. Cerca de 1 milhão de casos de IAM mais tecido miocárdico poderá ser salvo.
são diagnosticados ao ano e outro tanto rem como diag- A causa mais comum de SCA é a aterosclerose, com
nóstico a ang1na instável. Apesar da mortalidade hospi- erosão ou ruprura da placa aterosclerótica, expondo
talar ter se reduzido em 30% nos últimos 10 anos, ainda o conteúdo altamente pró-coagulante do núcleo do
areroma às plaquetas circulantes e às proteínas da coa- mais elevado, em parte, devido às altas taxas de obesida-
gulação e culminando na formação do crombo incraco- de e diabetes melico.
ronário. A aterosclerose é vista acualmente como uma • tabagismo: o tabagismo aumenta o risco de doen-
doença inflamatória crónica. A dinâmica no interior de ça coronariana em duas a quatro vezes. Representa,
uma placa aterosclerótica pode variar, mas há claramente também, um importanre faror de risco independen-
um ambiente inflamatório. Na maioria dos paciemes com te de morce súb1ca em coronariopacas, alcançando o
SCA. o trombo é parcialmente obstrutivo ou somente dobro do risco em comparação aos não fumantes;
transitoriamente oclusivo, resultando em isquemia co- • hipercolesterolemia: quanto mais altos os níveis de
ronariana sem elevação persistente do segmento ST (AI colesterol, mais alro o risco de coronariopatia, princi-
ou IAMSEST). Nos demais 30% dos pacientes com SCA. palmente quando outros farores de risco (tais como
o trombo intracoronário oclui completamente o lúmen hipertensão arterial e tabagismo) estão presenres;
vascular, resultando em IAMEST. Além dessa etiologia • hipertensão arterial: níveis pressóricos elevados
mais comum , cinco outras causas podem ser citadas: aumentam o risco de doença coronariana, além de
a) ruptu ra da placa com trombose aguda; acidente vascular cerebral. 1nsuficiência renal e insu-
b) obstrução mecânica progressiva; ficiência cardíaca. Quando há associação com obe-
c) inflamação; sidade, tabagismo. hipercolesterolemia ou diabetes
d) angina instável secundária; mel ito, esse risco aumenta significativamente;
e) obstrução dinâmica (vasoconstrição coronária). • inatividade física: a inatividade física é um faror de
risco de doença coronarial'a. Uma atividade regular
D1ante disso. mu1tos tratamentos são orientados no ajuda a prevenir doença cardíaca, ass1m como auxi-
sentido de 1nibir a trombose, a fibrinólise, a agregação lia no controle do colesterol. diabetes e obesidade,
plaquetária e inibição da inflamação. A eficácia do trata- além de ajudar a reduzir os níveis de pressão arterial
mento é avaliado utilizando-se critérios semelhantes aos em alguns grupos de pacientes;
do diagnóstico da SCA. • obesidade e sobrepeso: pessoas com excesso de
gordura corporal. principalmente se localizada no
abdome, estão mais propensas a desenvolver do-
FATORES DE RISCO ença cardíaca e acidente vascular cerebral. mesmo
na ausência de outros farores de risco. O excesso
Vários estudos identificaram fatores que aumentam o de peso aumenra o trabalho cardíaco, além de fa-
risco de doença coronariana.A chance de se desenvolver vorecer a hipertensão arterial, níveis elevados de
uma SCA eleva-se proporcionalmente ao número e à in- colesterol e triglicérides e da redução dos níveis de
tensidade de cada um desses fatores. colesterol HDL;
Idade: Mais de 83% das pessoas que morrem em con- • diabetes melito: esta doença aumenta significati-
seqüência de doença coronariana apresentam idade igual vamente o risco de doença cardiovascular, mesmo
ou superior a 65 anos. quando os níveis glicêmicos estão sob controle.
Sexo: Indivíduos do sexo masculino têm risco mais aIro Aproximadamente 75% das pessoas com diabetes
de desenvolverem doença coronariana, além de serem morrem em conseqüência de alguma forma de do-
afetados em idade mais precoce, quando comparados às ença cardíaca ou vascular.
mulheres. Estas, mesmo após a menopausa, quando há au-
mento do risco de SCA, não alcançam os patamares apre-
senrados pelos homens. FATORES PRECIPITANTES
Hereditariedade: Indivíduos cujos pais apresentam
doença coronariana estão mais propensos a desenvol- Em muicos pacientes com IAM, nenhum facor precipi-
vê-la. Alguns grupos raciais. como os afro-americanos, tante pode ser identificado. Porém, alguns escudos têm re-
possuem níveis de pressão arterial mais elevados quan- lacionado as seguintes atividades realizadas pelos pacienres
do comparados aos caucasianos. Outras raças têm risco no momento do IAM: atividade física extenuante (13%).

498 [ Medicina laborarorial para o clínico )1---- -- - - - -- - - - - - - - - - - - -- - - - -- - -


arivrdade físrca leve a moderada (18%), procedimemo CI- res com história prévia de angina. a mudança no padrão da
rú rgico (6%), repouso (51%) e sono (8%). A atividade física dor torácica pode ser um indicador de instabilização.
relacionada ao rnfarro é, algumas vezes. mais comumeme O exame fís1co freqüentememe é pobre e tnespecífico.
encomrada em paciemes sem história prévia de angina do sendo que menos de 20% dos pacientes apresentam altera-
que naqueles com simomas prévios. ções significativas.

CRONOBIOLOGIA AVALIAÇÃO ELETROCARDIOGRÁFICA

Existe uma periodicidade importame para o momen- O eletrocard1ograma (ECG) deve ser realizado no trans-
ro de 1nício do IAM. Freqüenrememe. este ocorre nas pri- correr dos primeiros 10 minutos desde a admissão do pa-
meiras horas da manhã, entre oiro e nove horas, período ciente na unidade de emergência e. como já descrito, repre-
no qual a ativ1dade adrenérgica é aumentada, os níveis de senta o cenrro decisório inicial em pacientes com suspeita
fibrinogênio são elevados e a adesividade plaquetária está de IAM. Em pacientes com sintomas sugestivos. a elevação
aumentada. Há também um segundo pico de ocorrêncra, do segmento ST rem especificidade de 91% e sensibilidade
que gira por volta das 17:00 horas. O ncmo circadiano afera de 46% para o diagnóstico de IAM, porém essa alteração,
muiros parâmecros fisiológicos e b1oquímicos: as primeiras assim como o desenvolvtmento de onda Q. está presente
horas da manhã estão associadas ao aumento das cateco- em apenas 50% dos pacrentes.
lammas plasmáticas e da agregação plaquetária, redução
da atívtdade do ativador tecrdual do plasminogên10 e au-
mento da ativtdade do in1bidor da v1a de ativação tecrdual AVALIAÇÃO LABORATORIAL
do plasm1nogênio. Assim, é possível que alguns aspectos
cíclicos de fatores vasoespást1cos, protrombóticos e fibrino- Baseado na recomendação da Orgamzação Mundial de
líricos associados à aterosclerose preexistente favoreçam o Saúde, até recemememe o diagnóstiCO de IAM era confir-
IAM. O infarro conhecido como não rransmural não exibe mado se fossem preenchidos dois dos seguintes critérios:
esse mmo mcadiano. • desconforw w rácico sugestivo de isquemia
miocárdica;
• alterações eleuocardiográficas;
DIAGNÓSTICO DA SCA • elevação e queda de enzimas cardíacas.

HISTÓRIA ClÍNICA Com o surgimento de marcadores mais específicos para


detecção de lesão miocárdica, em setembro de 2000 um
Embora a apresentação clínica de pacientes com isque- Comitê composto pela Sociedade Européia de Cardiologia
mia mtocárdica aguda possa ser muito diversa 75 a 85%de- e pelo Colég1o Amencano de Card1ologta redefi niu o critério
les apresentam como sintoma predominante dor rorácica. para o diagnóstico de IAM. baseado predominamemente
Esta coscuma ser prolongada. com duração superior a 20 na incorporação das troponinas cardioespecíficas como
mmutos, normalmente desencadeada por exercício físico marcadores de necrose tecidual. Nesta redefin1ção, o dtag-
ou estresse. porém também ocorrendo em repouso. Dor nóstico de IAM, recence ou em evolução, seria estabelecrdo
mrácrca que ocorre subitamente em repouso ou em pa- caso houvesse aumento característico e queda gradual da
oemes jovens pode sugerir vasoespasmo coronariano agu- troponina ou aumento e redução mais rápidos dos níveis
do, como ocorre na angina de Prinzmetal ou com uso de de CK fração MB, acompanhado de um dos seguintes cn-
cocaína ou anferaminas. Aproximadameme 2% dos pacien- ténos: sintomas isquêmicos, desenvolvimento de ondas
tes com dor rorácica associada à cocaína têm SCA. A dor Q no ECG ou outras alterações eletrocardiográficas indi-
na síndrome coronariana aguda pode irradiar-se para mem- cativas de isquemia (elevação ou depressão do segmento
bros superiores ou pescoço ou vir acompanhada de outros ST). Com a utilização de marcadores mais específicos e cada
sintomas. como náusea, vôm1ws e/ou dispné1a. Em pacien- vez ma1s sensíveis, espera-se 30 a 70% a mais de incidência

Investigação laboratorial nas síndromes coronarianas agudas 499


de IAM. Muims dos casos diagnosticados ameriormeme actina-miosina (molécula inibitória) e a rroponina T
como angina instável ou liberados da emergência para o (TnT) se liga diretamente à cropom1osina. As rropon1nas
domicílio como não portadores de SCA apresemavam, na I e T são codificadas por diferentes genes nos dois tipos
verdade, IAM. musculares (esquelético e cardíaco). produzindo prote-
Os marcadores cardíacos devem ser avaliados em ínas que são imunologicamente distintas e detectáveis
codos os pacientes com sintomas consistentes de SCA, atualmeme em ensaios baseados na util ização de ami-
porém. naqueles com sintomas típicos de isquemia mio- corpos específicos a cada uma delas, o que confere alta
cárdica e alterações eletrocardiográficas indicativas de especificidade ao ensaio.
IAM (IAM com elevação do segmento ST). a terapêu-
Q)
tica não deve ser adiada, aguardando-se a confirmação "'o 7
:2
laboratorial. Para muitos pacientes, uma amostra deveria o 6
E
ser obtida à admissão no serviço de urgência e após seis a oc 5

----
nove horas. Em pacientes com dosagens iniciais normais. o 4
porém, com alta suspeita clínica. deve-se repetir a dosa- "'o
-~
3
2
/ -- - LDH

gem entre 12 e 24 horas. Q.


~ ' '
1 '' _ _ _ _ Tro pon ina
2
.E o --- -----
~
o 20 40 60 80 100 120 140 160
Marcadores cardíacos
Horas do início do infa rto

Figura 38.1 - Características da elevação dos marcadores cardíacos


A necrose miocárdica é acompanhada pela liberação após o ep1sód1o do IAM.
de proteínas estruturaiS e outras macromoléculas intra-
celulares no interstÍCIO cardíaco e na corrente sangüínea,
como conseqüência do comprometimenco da Integrida- A croponina C não apresenta diferenças entre os
de da membrana celular. Quanto maior o dano celular, dois tipos musculares e. portanto, não tem utilidade na
maiores serão as moléculas liberadas. A velocidade de prática clínica. As formas cardíacas das croponinas I e
apareCimento dessas macromoléculas na circulação san- T encomram-se predommamemente ligadas às fibras
güínea depende de vános fatores. incluindo a localiza- musculares e estas formas são liberadas lentamente
ção Intracelular, o peso molecular, os fluxos linfáticos e durante um período de uma a duas semanas seguin-
sangüíneos locais e a taxa de liberação no sangue. Esses do um IAM. Assim. embora as cTnl e cTnT (c- cardíacas)
marcadores bioquímicos de necrose miocárdica incluem sejam moléculas pequenas. com pesos moleculares de
a troponi na, creatinofosfoquinase (CK e sua fração MB) e 23kDa e 34kDa, respectivamente, e sejam clareadas da
mioglobina. A lactato desidrogenase (LDH) e a aspartado circulação rapidamente, seus níveis plasmáticos caem
ammotransferase (AST ), Citadas apenas do ponto de vis- lentamente após o dano miocárdico. Uma pequena fra-
ta h1stórrco. perderam o status de marcadores cardíacos ção de uoponina na célula m1ocárdica encontra-se livre
pela falta de especificidade e por apresentarem elevação dentro do moplasma (cerca de 6% para TnT e entre 2 a
tardia e não serão discutidas neste capítulo (Figura 38.1). 5% para Tnl) e é esta fração que será liberada mats pre-
cocemente na circulação.
Troponina
Tem sido demonstrado que. após o IAM, inicialmence
há liberação da TnT livre. posteriormente da Tnllivre. segui-
Desde a redefinição diagnóstica do IAM. ocorrida do dos complexos terciários (TnT-Tni-TnC) e de alguns frag-
em setembro de 2000. a troponina tornou-se o marca- mentos da TnT. O complexo teroário logo se dtssooa em
dor cardíaco de escolha. O complexo troponina regu- TnT livre e complexos binários (Tni-TnC). No caso da Tnl.
la a contração do músculo estriado e consiste de três a forma mais difundida é a do complexo binário (Tni-TnC).
subunidades: T. I, C. que estão estreitamente ligadas ao ainda que tam bém o possa ser na forma livre, oxidada ou
filamento da tropomiosina. A troponina C se liga ao reduzida. Essa multiplicidade de formas contribui para os
cálcio. a rroponina I (Tnl) à act1na e inibe a interação diferentes resultados obtidos nas diferentes metodologtas.

500 ( Medicina laboracorial para o clín1co


Freme a um processo de necrose miocárdica, a uo- troponina, com os valores retornando aos níveis normais
ponina cardíaca é detectada no plasma a partir de qua- em algumas horas. Esse padrão de aumento pode não ser
tro a seis horas do início dos sinwmas, refletindo pro- consistente com dano miocárdico permanente. Portanto,
vavelmente a liberação precoce de seu componente é concebível que a troponina possa também ser liberada
ciwplasmático. Os valores de pico geralmente ocorrem em situações que favoreçam o aumento da permeabilida-
em 18 a 24 horas e, então, começam a declinar de forma de da membrana celular, como pode ocorrer na presença
gradual, inicialmente mais rápido nas primeiras 36 a 48 de fatores depressores miocárdicos, liberados em situa-
horas e, depois, mais lentamente, sendo detectadas por ções de sepse e outros estados inflamatórios.
um período de sete a 10 dias, podendo-se estender até Deve-se ter em mente que a troponina é específica de
14 dias. A TnT apresenta sensibilidade próximo de 100% dano miocárdico e não do mecanismo que o ocasionou,
a partir da oitava hora após o IAM, enquanto a Tnl atin- pois há várias situações que podem se apresentar com
ge essa sensibilidade próximo da 12a hora, isw devido ao níveis de uoponina elevados sem associação com doen-
seu menor pool ciwplasmático. ça cardíaca isquêmica (Quadro 38.1). Nestas situações, os
níveis costumam se encontrar dentro de uma faixa de
,\letodolog,as e mrerfercntes
dúvida ou ligeiramente elevados; e em dosagens seriadas
normalmente não se elevam, como ocorre no IAM.
Basicamente, wdos os ensaios disponíveis atualmen-
te baseiam-se no princípio de uma reação amígeno-an-
ticorpo (imunoensaios). As mewdologias mais utilizadas
são ELISA (enzyme-lmked 1mmunosorbent assay), ELFA Os resultados de diferentes tipos de ensaios de tro-
(enzyme-lmked fluorescent immunoassay), quimilumi- ponina geralmente não são comparáveis. Uma grande
nescência e imunocromatografia. A amostra utilizada é variação na concentração de tropon1na I cardíaca, em
o plasma ou soro. termos de valor absoluw, pode ser observada para dada
Resultados falso-positivos podem ocorrer devido a amostra de um paciente, avaliada por diferentes méto-
fatores interferentes, como: dos analíticos. Essa variabilidade analítica entre os ensaios
• coágulos de fibrina em amostras incompletamen- de troponina existentes é devida ao faw de haver ampla
te coaguladas, como pode ocorrer em pacientes variação na sensibilidade dos testes, diferenças nos limi-
com coagulopatias ou em terapia anticoagulante; tes superiores de referência, nos pontos de corte diag-
• anticorpos heterófilos, fawr reumatóide e auw- nósticos, imprecisão dos ensaios (coeficiente de variação
anticorpos; - CV) e utilização de tipos de amostras diferentes (soro,
• amostras ictéricas ou hemolisadas; plasma ou sangue wtal).
• formação de imunocomplexos; As recentes determ inações da Sociedade Européia de
• micropartículas na amostra; Cardiologia e do Colégio Americano de Cardiologia para
• alta concentração de fosfatase alcalina. o diagnóstico do IAM definiram as condições em que
se devem obter os limites de referência da tropo nina, a
Causas altutllll tvm de clcvoçuo ele tropontt 1m wrclíacns saber: qualquer valor obtido num contexw de síndrome
isquêmica superior ao percentil 99 de uma população
A liberação de troponina do mióciw pode ser devida de referência definirá o IAM. ~emprP (jt!E' esse va lor te-
a um dano celular reversível ou irreversível. Em uma situ- nha sido obtido com imprecisão analítica não superior a
ação de isquemia prolongada, as células são irreversivel- 10%, para evitarem-se resultados falso-positivos. Na Ta-
mente lesadas, com a degradação da membrana celular bela 38.1, apresentam-se valores de corte de troponina
seguida de liberação gradual da uopon1na na ci rculação. de diferentes fabricantes.
Porém, a idéia de que a troponina esteja elevada somen- Normalmente, os resultados são li berados utilizan-
te após dano irreversível do miócito (necrose) tem sido do-se a unidade "ng/ml:' e muiros laboratórios adicio-
questionada, pela observação de que alguns pacientes nam ao laudo, nos valores de referência. as seguintes
com angina instável (AI) têm elevações transitórias da orientações:

Investigação laboratorial nas síndromes coronarianas agudas 501


"Nega[lvo", "Provável lesão m iocárdica" e "Lesão encontra-se elevada no m úsculo esrrrado, cérebro e teCI-
m tocárd tca". do cardíaco. A CK é um dímero composto de duas subu-
ntdades, cad a qual com um peso molecular d e cerca de
Quadro 38.1 - Condrções nas quats são evideno ados nívers
elevados de troponrna sem doença cardíaca isquêmrca 40kDa. a saber: subunidade B -"bram" =cerebral e subu-
nid ade M -"muscle" = muscular). Dev1do à forma at1va da
Trauma (contu~oo, obloçõo, morcoposso, cordioversõo, enzima ser um dímero, somente t rês pares de subunida-
bróp~ro cntlonnoLórcko, cu urgro cardíaco) des podem extscrr: BB (ou CKl), MB (ou CK2) e MM (ou
Insuficiência cardíaco congestivo, agudo ou crónico CK3). A d1strtbUtçào d essas isoenztmas nos vános rectdos

Doença valvular aórtico e cordiomiopotio hiper:rófico obstru· é mostrad a na Tabela 38.2. Todas são encontradas no cito-
livo com ~rgnrficotrvo h pertrofio ventricular esquerdo sol da célula ou associadas a estruturas mto fib rilares.
Hipertensôo

H po•ensào assoe oco o crr lrr·os


Tabela 38.1 - Valores de corte de krts de rroponrna ca rdíaca
Cirurgro nõo cord'oco sem compi'coçôes

l~~ut c ê'lC o renal Kit, Fabricante UT Percentil 99 cv 10%


Asma grave ARCH STAT Troponin- 0,009 0,012 0.032
I. Abbott Drognoslrcs
Doenças cr t os especro men•e drobe!es. nsulic'êrrcio respiro
•ór'o si'1drome nemolillco·urêmrco AxSYM Troponrn· 0.02 0,04 0,16
ADV Abbott Diog-
cordiotoxicidode (odriomicino, 5-fluorourocil,herceptino, vene- nosl rc~
no de cobro, colecolominosl
i-STAT, Abbott Lobo- 0,02 008 (STl 0.1
Hipollreordismo ratones•
Vosoesposmo coronoríono Cerlaur Bayer 002 0.1 0.35
Drogno5trc5
Doenças n:lomo•or os (mrocord ·e. oer cc•di•e. níecçào ao•
parvovírus Bl9 cloençn dP Kawn,nki ncorrFt.r1"Pn'n mror<íra- Access AccuTnl 0,01 0,04 0,06
co de endoca•orte boc•enono) Troponrn 1, Beckmon
Coulter
lrue•venções coronorronos pe•cutôneos sem comp icoções
-rroge Cordrac 0,19 0 19 0.5
Pene Bros te'
Dimension Rxl , Dode 0,04 0.07 0,1 4
Sepse
Behring
Que'maduros. especio mente com ocomeumenlo de > 30% do Strotus CS. Dode 0,03 007 0.06
svp<>r1'cie :o·poreo Behr'ng '
Doenças infiltrolivos. rncluindo omrlordose, hemocromotose, lmmulite, Oiognostrc 0,1 0,2 0 .6
sorcoidose e esclerodermio Products Corporotion
Doenças neurológrcos agudos. nclurndo ocidente vosr Jlor Vitros. Orlho-Cirnrcol 0.02 0,08 0.12
cerebral e hemorragia suborocnóideo Drognostrcs
Robdomiólise com dono cardíaco Response Ortho- 0.03 0,03 (ST) 0,21
Clinrcol Drognosucs •
Voscul oo•ro reloc o~ oco o ·rorsp 0'1te
Elecsys, ~acne Drog· < 0,01 0.01 0.03
Exouslõo !'s co nostrcs
Reoder, Rache Diog- < 0,05 0,05 (STJ ND
nostics "
Tosoh AIA. Global < 0,06 0.06 006
Creatmoqwnase e suas izoenzimas Medicai Instrumento-
l·on lnc

A creatinoquinase (CK), também incorretameme UT Lrmrte mfenor de aerecção CV coe! creme de var.ação. ST Sang~.oe to;a
NO: Não determrnaao.
chamada de creacinofosfo quinase, catalisa a fo sfonlação 'Po1nt-of-care Te5te
reversível da creatina pelo ATP. Sua acividade enzimática Fonte Apple et ai. (2003)"

502 ( Medicrna laboratorial para o clínico }---


Tabela 38.2 - Padrões de izoenzimas de CK nos tecidos macro-CK. Esta é encontrada. de maneira transitória, em
humanos mais de 6% dos paciences hospitalizados. mas somente
uma pequena proporção destes tem atividade de CK
Atividode
CKMM CKMB CKBB anormal.
Tecido deCK
% % % A macro-CK existe em duas formas. tipos 1 e 2. O
(U/g peso)
Músculo 2500 98.9 0,06 tipo 1 é o complexo composto pela ligação de uma mo-
1.1
Esquelélico lécula de CKl e uma imunoglobulina da classe lgG. po-
Relo· 98 2 rém. outros complexos têm sido descritos, como CK3 e
abdominal lgA. A prevalência rem sido estimada entre 0,8 e 2.3%.
Peilorol maior 100 o porém isto é dependente da metodologia e da popula-
Gaslrocnêmio 100 o ção estudada. O tipo 1 está associado a doenças gastrin-
tesrinais. adenomas ou carcinomas, doenças miocárdi-
Cérebro 555 o 2.7 97.3 cas e vasculares. Freqüentemente, ocorre em mulheres
Coração 473 78,7 20,0 1,3 com idade superior a 50 anos. A importância clínica de
se identificar essa forma de macro-CK é a ocorrência de
Venlrículo 54 ± 6 41 ±7
esquerdo resultados falso-positivos de CKMB. em metodologias
Músculo 52 ±4 46 ±5 baseadas em troca iônica e imunoinibição.
popilor O tipo 2 é uma forma de CK mitocondrial oligoméri-
Estômago 190 4,3 o 95,7 ca. com prevalência entre 0,5 e 2,6%. Esta forma é encon-
crada predominantemente em adultos com neoplasias
lnleslino 112 1.2 o 98.8
delgado malignas ou doenças hepáticas. gravemente doentes ou
Cólon 138 2.1 o 978 em crianças com doenças miocárdicas.
Esse tipo de macro-CK também pode interfenr nas
Reto 267 1.2 o 98,8
dosagens de CKMB. utiltzando-se de metodologtas de
Rim 32 2.8 o 97.2 uoca iônica e imunoinibição. Ambos os tipos de macro-
Bexigo 145 6,6 o 93.4 CK são estáveis ao calor. o que não ocorre com a CKMB
"verdadeira", que é termo-lábil e pode ser distingutda
Próslola 11 4 6 o 94 desta incubando-se as amostras (soro) em banho-maria
Pu mão 27 - 72 0- 4 18 - 69 a 45°C durante 20 minutos. Após esse procedimento. as
amostras são rerescadas e, caso haja normalização dos
Fígado -1 o o 100
valores de CKMB ou redução superior a cerca de 50%
Úlero 115 23 o 974 em comparação à dosagem inicial, praticamente pode-se
Placenla o o 100 afirmar que realmente se trata de uma CKMB elevada e
não de uma Interferência de macro-CK. Como demons-
Tireóide 4 - 26 0 - 1 73 - 96 trado na Tabela 38.2. essa enzima rem baixa especificida-
de para dano miocárdico. Seu nível sérico aumenta em
Fome I ang. H.: Creaune Krnase lsoenzymes: Pathophysrology and c:,nrcal Apphca· três a oiro horas após a lesão miocárdica. atingtndo um
tron. Berlrn. SpnngerVcrlag. 1981.
pico entre 12 e 24 horas e recornando aos seus níveis ba-
sais dentro de três a quatro dias.
Existe uma quarta forma que difere das outras, ramo Em situações em que a rroponina ou CKMB não es-
do pomo de vista imunológico quanto de sua mobili- rejam disponíveis, pode-se utilizar a dosagem de CK total
dade eletroforética. A isoenzima CK-Mt (mitocondrial) para auxiliar no diagnóstico, desde que ela esteja duas ve-
está localizada entre as membranas interna e externa da zes acima do limite superior da normalidade. Usando-se
mitocôndria e representa, no coração, mais de 15% da uma única dosagem de CK total. rem -se sensibilidade de
arividade da CK total. A atividade da CK também pode 35%. especificidade de 80% e valores predirivos positivo
ser encontrada em forma macromolecular, a chamada e negativo de 20 e 90%. respectivamente. Com amostras

Investigação laboratorial nas sínd rom es coronarianas agudas 503


seriadas, esses valores passam para 95, 68, 30 e 99%, res- uma população de referência em duas amostras sucessi-
pectivamente. A memdologta normalmente utilizada na vas. As metodologias mais utilizadas são eletroforese, cro-
dosagem de CK total é Clnéttca-UV especcrofmomécri- matografia de troca iônica e ensaios imunológicos. sendo
ca. O intervalo de referênc1a para CK total é mécodo-de- a imunoinibição um dos métodos mais rápidos, simples
pendente, porém, ensaios realizados a 37"( apresentam e, conseqüentemente, um dos mais usados na prática la-
valores na faixa de 50 a 200 U/L para homens. Mulheres borawrial. A medida da concentração da CKMB massa
têm níveis 20 a 25% Inferiores aos masculinos. Lactentes a partir do uso de anticorpos monoclonais antiCKMB é
na faixa de um ano de idade podem apresentar valores um método muico sensível. utilizando-se de quimilumi-
duas vezes os do adulm nescência. A faixa de referência para a CKMB (atividade).
como acontece com a CK total. é método-dependente,
lsoenzimas da CKMB
apresentando-se com limites superiores tão discrepantes
quanto 25,0 U/L ou 6,0 U/L. Para a CKMB massa, são con-
A CKMB é muito mais cardioespecífica do que a CK siderados normais. geralmente, valores de até 3,6 ng/ml.
rotai isoladamente, apesar de corresponder a cerca de 1
a 3% da musculawra esquelética. Ainda é um dos testes 'w/J/ontl(l d CI\ i\· 8
laboracoriais mais utilizados para o diagnóstico de IAM
devido à indisponibilidade de dosagens de troponina em A CKMB pode também ser caracterizada pelas
muicos laboratórios de urgência. Seguindo dano miocár- subformas: CKMB2 e CKMBl A primeira é encontrada
dico, os níveis de CKMB começam a aumentar a partir no tecido miocárdico e, a segunda. no plasma. Uma re-
de três a quatro horas. atingindo o pico em aproximada- lação CKMB2/ CKMB1 ac1ma de 1.5 sugere lesão mio-
mente 24 horas e rewrnando ao normal dentro de 48 a cárdtca. Estudos envolvendo análise de subformas de
72 horas (a meia-vida da CKMB é de 10 à 12 horas} CKMB em paCientes com dor corácica encontraram sen-
Facores que podem interferir no padrão clássico de sibilidade de 96% e especificidade de 94% quando esses
elevação incluem tamanho do infarto, compostção da marcadores foram medidos seis horas após o início dos
CK2 no miocárdio, lesão de músculo esquelético con- sintomas. Os ensaios utilizados para a quantificação des-
comitante e reperfusão. A CKMB pode ser avaliada a sas subformas não estão normalmente disponíveiS para
pamr de sua atividade enztmática ou de sua concentra- uso clíntco em nosso meto. As mecodologias normal-
ção (massa). Estudos clínicos comparando essas duas mente envolvidas são: focalização isoelétrica, lmunoblot-
modalidades de dosagens mostraram que a alteração tll1g, cromacografia líquida de alta performance (HPLC)
da CKMB massa fo1 mais precoce do que a atividade. e elecroforese.
Asstm, há ganho na sensibilidade analítica sem perda da
especifiCidade.
Mioglobina
Outra maneira de se unlizar a dosagem de CK2 no
dtagnóstico de IAM base1a-se no uso clínico do índice Mioglobina é uma proteína carreadora de oxtgênio.
relattvo (IR%). ou seja. encontrada nos músculos esquelético e cardíaco. com
peso molecular de 18kDa. Esse baixo peso molecular as-
IR% : CK2 massa I alividade CK total x ( 100) ou sociado à sua localização citoplasmática provavelmente é
% CKMB = CKMB ati v idade I atividade CK total x ( 100)
responsável pela sua elevação precoce, ou seJa. cerca de
uma a três horas após lesão muscular. ADnge o ptco em
Essas avaliações não deveriam ser utilizadas para in- cerca de seis horas e o excesso é rapidamente clareado da
terpretação quando a atividade da CK torai permanecer corrente sangüínea. tendo sua senstbiltdade clíntca reduzi-
dentro da faixa de normalidade, devido ao risco de va- da substancialmente após 12 horas. Os mécodos utilizados
lores falsamente elevados. Segundo determinações da na sua dosagem não são capazes de distinguir o tecido de
Sociedade Européia de Cardiologia e do Colégio Ameri- origem. Possui alta sensibilidade (90 a 100%) e batxa espe-
cano de Cardiologia para o diagnóstico do IAM. os níveis cificidade (60 a 95%) para dano miocárdtco. apresentando,
de CKMB deveriam exceder o percentil 99 de valores de portanto, alro valor predinvo negativo para IAM.

504 ( Medicina la boratorial para o clínico


Os intervalos de referência variam de acordo com a ida- estudos descrevem que alterações nos valores de CKMB
de, raça e sexo. Normalmente, sua concentração sérica au- em associação com reperfusão foram mais bem descri-
menta com a idade, homens possuem concentrações mais tas pela inclinação da curva da CK2 ou pela relação da
altas do que mulheres e indivíduos da raça negra também CK2 basal aproximadamente 90 minutos após a terapia
possuem valores mais elevados. Os métodos disponíveis trombolítica. Outros trabalhos encontrara m aumento
para a avaliação da mioglobina são: aglutinação em látex, superior a cinco vezes nos níveis de CKM B. cambém aos
nefelometria, turbidimeu ia e quimioluminescência. A faixa 90 minutos, com sensibilidade de 82% e especificidade
de referência é método-dependente, mas podem ser en- de 66% para TIMI 3.
contrados limites superiores, variando entre 70 e 100 ng/
ml. Os níveis podem ser 25% superiores em homens.

Para alguns aurores. em pacientes com padrão de flu-


MARCADORES CARDÍACOS E REPERFUSÃO xo TIMI 3, o aumento relativo na sensibilidade cl ínica (82
MIOCÁRDICA a 86%) da Tnl para detectar reperfusão foi maior em 30.
60 e 90 minutos, comparado às sensibilidades clínicas da
Quando um IAM ocorre, o êmbolo pode ser lisado CKMB (59 a 77%) e mioglobina (63 a 70%). Portanto, a
por agentes uombolíticos ou, alternativamente, por in- medida da Tnl foi o melhor preditor não-invasivo da re-
tervenção mecânica, como angioplastia. Para ser eficaz, perfusão precoce da artéria coronária. Em contraste, ou-
a reperfusão deve ser iniciada logo após o início dos sin- era estudo envolvendo 63 pacientes nos quais foram ob-
tomas, limitando-se, assim, o dano miocárdico e reduzin- tidas as dosagens de TnT. mioglobina e CKMB mostrou
do-se o risco de óbito e complicações futuras. O estudo que a mioglobina foi o melhor marcador para avaliação
TIMI (thrombolysis in myocardial infarction) definiu um da reperfusão. Outras pesquisas relataram aumento nos
sistema de graduação para reperfusão coronária: TIMI níveis de TnT de 0.50 IJg/mL 60 minutos após o início da
O indica completa oclusão coronária; TIMI 1 indica que trombólise, identificando reperfusão com sensibilidade
houve alguma penetração da obstrução pelo contraste, de 83% e especificidade de 100%. Também tem sido ci-
sem per fusão do leito coronário distal; TIMI 2 indica per- tado que o aumento de cinco vezes nos níveis de TnT 90
fusão completa da artéria coronária, com fluxo lento; fi- minutos após a trombólise apresentou sensibilidade de
nalmente, TIMI 3 denota completa perfusão coronariana 82% e especificidade de 67% para TIMI 3.
e fluxo normal. Em associação aos sintomas e alterações
eleuocardiográficas que podem ser utilizados na ava- /\!lwglobllltl
liação da reperfusão, pode-se lançar mão dos mesmos
marcadores que são utilizados no diagnóstico do IAM. Investigações utilizando medidas seriadas desse
marcador em pacientes submetidos à trombólise reve-
Lf A'B laram que a mioglobina atinge picos significativamente
mais precoces após a reperfusão (111 minutos) do que
A monitorização seriada das concentrações séricas de quando essa reperfusão não ocorre (360 minutos). Uma
CKMB tem auxiliado a avaliação não-invasiva da reper- rápida elevação em seus níveis foi evidenciada a partir
fusão miocárdica seguindo a terapia trombolítica. Uma do aumento de 4,6 vezes nas primeiras duas horas após
reperfusão precoce causa aumento da enzima acima do a reperfusão. A literatura mostra também que a relação
limite superior de referência e atinge o pico da ativida- de mioglobina para CK total superior a cinco é indicativa
de/concentração da CKMB com valores mais elevados de reperfusão, com sensibilidade clínica de 75% e especi-
e mais precocemente. Vários estudos têm demonstrado, ficidade clínica de 96%.
após a trombólise, aumento superior a duas vezes o nível Finalmente, vários estudos têm sugerido que a mio-
da CKMB nos primeiros 90 minutos de reperfusão e taxa globina pode ser um marcador razoável do sucesso da
de aumento nas primeiras quatro horas identificando os reperfusão, com sensibilidade de 84 a 85%. especificida-
pacientes reperfundidos dos não reperfundidos. Outros de de 73 a 100% e acurácia de 88 a 95%.

Investigação laboratorial nas síndromes coronarianas agudas SOS


CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

1. Achar SA. Kundu S, Norcross WA. Diagnos1s of Acure


Desde a redefin1ção dos cntenos diagnósticos para Coronary Syndrome. Am Fam Physician. 2005;72: 119-26.
2. Alpen JS, Thygesen K, Amman E, Bassand jP. Myocardial
o IAM, ocorrida em 2000, as u oponinas cardíacas têm
1nfarwon redefined-a consensus document of The Jolnt
ocupado papel relevante na avaliação de pacientes com European Society of Cardiology/America n College of
suspeita de SCA admitidos em unidades de emergência, Card iology Committee for the redefinition of myoca r-
quando o eletrocardiograma é inconclusivo. Apesar de ser dial infarction. JAm Coll Cardiol. 2000;36(3):959-69.
3. Apple FS, Quise HE, Doyle PJ, Otto AP. Murakam1 MM.
o marcador cardíaco de escolha. outros como CK total e
Plasma 99th Percent1le Reference Limits for Card1ac Tro-
sua fração M B e a mioglobina podem ser utilizados como ponln and Creatine K1nase M B Mass for the use w1th
coadJuvantes no diagnóstico ou em subsmuição às trapo- European Sooety of Card1ology I Amencan College of
ninas. quando estas não estão disponíveis, além de serem Cardiology Consensus Recommendations. Clin Chem.
utilizados na avaliação da reperfusão. Na maioria dos casos. 2003;49(8): 1331-6
4. Babuin L, Jaffe AS. Tropon1n: The B1omarker of Cho1ce for the
uma amostra deveria ser obtida à admissão no serviço de
Detewon of Card1ac lnJury. CMAJ. 2005;173(1 0):1191-202.
urgência e após seis a nove horas. Em pacientes com do- 5. Bohner J. Ste1n W, Renn W, Stemhart R, Eggsce1n M.
sagens iniciais normais e com alta suspeita clínica de IAM Srab11ity of Macrocreat1ne Kinases and (rearme Kinase
deve-se repetir a dosagem entre 12 e 24 horas. Apesar da lsoenzymes Compared: Heat lnacnvation Tese for Derer-
m1nat1on of Thermo srable Creanve Kmesis. JChnr Chem
elevada especificidade das troponinas cardíacas. deve-se
Cllm B1ochem. 1981:19:1021-6.
ter em mente que esses marcadores demonstram dano 6. Burus CA. Ashwood ER, Bruns DE. T1etz Texrbook of CII-
miocárdico, mas não sua origem, não sendo específicos do I11Cal Chem1stry and Molecular D1agnosncs. 4th ed. St
IAM. Portanto, deve-se manter um ativo intercâmbio com Lou1s: Elsev1er Saunders; 2006.
7. Goldman LE, E1senberg MJ ldentlficanon and Manage-
o laboratório, adorando o exame laboratonal como ma1s
mem of Pauems W1th Fa1led Thrombolys1s after Acure
uma ferramenta para o auxílio diagnóstico, fundamentado Myocard1al lnfarct1on. Ann lncern Med. 2000;132:556-65.
em sólidos conhecimentos fisioparológicos e após anam- 8 Jerem1as A. G1bson CM. Alternanve Causes for Elevared
nese bem feita, evitando-se, assim, equívocos na condução Card1ac Tropon1n Leveis When Acure Coronary Syndro-
mes Are Excluded. Ann lmern Med. 2005;142:786-91.
clín1ca com danos. às vezes irreparáveis, para os paCientes.
9. NACB. The Academy of AACC. B1omarkers of AcULe
Coronary Syndrome nad Heart Fadure. 2004 Draft Gu1·
delines Vers1on 2. D1sponivel em: http://www.nacb.ol g/
1mpg/card_b1omarkers_1mpg_drafr.hrm
10. Soc1edade Bras1le1ra de Card1olog1a. III D1rernz sobre Tra-
tamento do lnfano Agudo do M 1ocárd1o. Arq. Bras. Car-
diol. 2004; .83 (supl.4). D1sponível em: http://publicacoes.
cardiol.br/consenso/2004I Dirl ll_Trata IAM.pd f.

506 ( Medicina laboratorial para o clínico


Eduardo Pimentel Dias
39 Luisane Maria Falei Vieira
Maria Marta Sarquis Soares

METODOLOGIA DA PROPEDÊUTICA
DO SISTEMA ENDÓCRINO: UMA VISÃO
SISTÊMICA E AVALIAÇÃO CRÍTICA

A Endocrinologia é hoje uma importante especiali- corpo celular neuronal e que se difu nde rapidamente
dade da medicina, se considerar-se a sua área de aruação pelo axônio, sendo então a maneira mais rápida de co-
e o número de doenças abordadas. Isso decorre da va- municação intercelular, porém gerando respostas adap-
riedade de órgãos (glândulas) envolvidos e da caracte- tativas mais localizadas.
rística única da especialidade, que são os distúrbios de O SE, por sua vez, veicula suas mensagens através de
hiperfunção, quase inexistentes nos outros aparelhos. substâncias químicas (denominadas hormônios) capazes
Apesar disso, é possível estabelecer uma mecodologia de de modificar o comportamento celular, usualmente alte-
abordagem diagnóstica bastante simples e intercambiá- rando a quantidade ou atividade enzimática intracelular.
vel para qualquer glândula escudada. A difusão desses mensageiros ocorre por meio dos líqui-
dos corporais. usualmente circulação sangüínea (ação
endócrina). embora possa ocorrer difusão tecidual dire-
ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA ENDÓCRINO ta (ação parácrina). Como os hormônios se encontram
E SUA INFLUÊNCIA NA METODOLOGIA DE disponíveis à maioria dos tecidos orgânicos. a resposta
EXPLORAÇÃO DIAGNÓSTICA adaptativa é mais sistêmica, bastando a decodificação
dos mesmos pelos receptores celulares que identificam e
A compreensão da organização do sistema endó- traduzem a mensagem.
crina (SE) é fundamenta l para o domínio da mecodo- Como era de se esperar, um sistema homeostático
logia a ser adorada na sua exploração propedêutica. O com essa complexidade necessita de integração entre
SE compõe, com os sistemas nervoso e imunológico, os seus componentes (SE/ S. nervoso/ S. imunológico). o
o grande complexo homeostático do organismo, cuja que realmente ocorre. A interação SE/ nervoso explicita-
finalidade é gerar respostas adaptativas aos estímulos e se anatômica e funcionalmente na unidade hipotálamo-
agressões do meio ambiente. Esses sistemas se diferen- hipofisária. na qual os neurônios hipotalâmicos secretam
ciam pela maneira como veiculam suas mensagens e peptídeos reguladores da função hipofisária direcamen-
pela amplitude de tecidos orgânicos aptos a traduzi-las, te na circulação porta-hipofisária. de onde se difundem
gerando as respostas adaptativas necessárias. O siste- até a adeno-hipófise, estimulando ou inibindo a função
ma imunológico utiliza largamente, como mensageiros, das células dessa glândula. Embora embriologicamente
células móveis. O sistema nervoso usa mensageiros pertencentes ao sistema nervoso, funcionalmente esses
químicos liberados na membrana si náptica (neuro- neurônios podem ser considerados células do SE. Isso
transmissores) a partir de um sinal elétrico originado no permite estratificar o SE em dois serores principais:
. - - -- -- -- Receptor Sensor de Cálcio
1. Setor regulador - responsável pela identificação
das demandas adaptativas, avalia as necessidades
orgânicas e secreta substâncias estimuladoras
(hormônios tróficos) ou inibidoras (hormônios I j. - - - - -8
inibidores), que agirão sobre o seror efetor.
2. Setor efetor - secreta hormônios que agem em
âmbiro tissular (hormônio efetor ou periférico),
modificando o comportamento celular, sempre Célula Principal
procurando a resposta adaptativa. 1-----+ do Parotireáide

~
Esses dois serores se auro-regulam através de retro-
alimemação (feedback), usualmenre negativa, em que a
oscilação nos níveis séricos do hormônio produzido pela
s
Figura 39.2 - Esquema da homeostase do cálcio pelas paratireói-
glândula eferora gera alterações em senrido contrário no des e secreção do parawrmônio (PTH).
nível do hormônio trófico, secretado pela unidade regu-
ladora (Figura 39.1). A compreensão dessa organização permite entender
a variedade de distúrbios que podem acometer o SE e a
Hipotálamo implicação que ela traz na interpretação dos dados clíni -
N íve l de Lesão
cos e laboratoriais.

~
~
u~ormônio
L1berodor
c=> Secundário
1-)
+ TIPOS DE DISTÚRBIOS DO SISTEMA
ENDÓCRINO
Hipófise

~
~
UHormônio
Tráfico Terciário
Clinicamente, ao se examinar um pacieme, o que se
apresenta são sinais e sincomas decorrentes da exposição
1- ) + dos tecidos ao excesso (hiperfunção) ou fal ta (hipofun-
ção) dos hormônios efetores. Desta maneira as queixas
Tireáide
de desânimo, hipersensibilidade ao frio, ganho moderado
Hormônio Efetor de peso, constipação intestinal e alteração de fâneros con-
Primário
loção celular)
duzirão facilmente à hipótese diagnóstica de hipotireoi-
dismo (exposição dos tecidos a níveis inadequadamente
~ U
baixos de triiodotironina). No entanto, esse hipotireoidis-
~Célula
o
Resposta Adaptativa
~ Insensibi lidade
L../ Açõo hormona l
mo pode etiologicamente ser resultado de uma lesão ti-
reoidiana (hipotireoidismo primário), de uma lesão hipo-
fisária, com conseqüente redução do hormônio trófico
Figura 39.1 - Esquema de organização do Sistema Endócrino (SE). - TSH (hipotireoidismo secundário) ou, mais raramente,
Eixo Hipotálamo- Hipófise- Tireóide, como exemplo. de uma lesão hipotalâmica (hipotireoidismo terciário).
De maneira semelhante, ao examinarmos uma paciente
com quadro clínico de hipercortisolismo (síndrome de
O SE apresema ainda um outro nível de organização, Cushing), é indispensável estarmos cientes de que, etio-
no qual as demandas funcionais são avaliadas direta- logicameme, pode se tratar de uma lesão em uma das
mente pela glândula secretora do hormônio efetor ou adrenais (adenoma adrenal), na hipófise (adenoma pro-
periférico, não existindo, portanto, comrole direto pelo dutor de corticotropina - ACTH), com conseqüente hi-
sistema nervoso. Essas glândulas são consideradas "glân- perplasia de ambas as adrenais, ou, excepcionalmente, no
dulas livres" (Figura 39.2). hipotálamo. com hipersecreção do hormônio liberador

508 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1------ - - - - - - - - - - -- - - - -- - -- - - - - -


DETERMINAÇÕES HORMONAIS EM SITUAÇÃO
de corticotrofina - CRH - respectivamente, hiperfunção
BASAL
pnmária, secundária ou terciária. Além desses distúrbios
de híper e hipofunção, o SE pode gerar quadros clínicos
decorrentes do não reconhecimento (leirura) da mensa- São aquelas dosagens hormona is solicitadas sem
gem adapcaciva (síndromes de insensibilidade à ação hor- que o SE esteja estimulado ou sujeico à supressão. Ge-
mornal). Nessa siruação, um hormônio não é reconheci- nericamente, são determinações de níveis hormonais em
do pelos teodos, ma1s comumente por funCionamento líquidos corporais, mais freqüemememe soro. plasma
1nadequado do recepcor celular. Os pacientes porcadores ou unna. Solicita-se habirualmente a dosagem de pares
de insensibilidade à ação hormonal apresentar-se-ào clini- hormonais, na qual se medem, em uma mesma amostra.
camente como portadores de síndrome de hipofunção, o hormônio efetor, produzido pela glândula periférica e
mas os exames laboracoriais revelarão o diagnóstico de responsável pela ação tissular, e seu hormônio trófico. A
hiperfunção central (secundária ou terciária). determinação dos pares hormonais fundamenta-se na
O reconhecimento da complexidade do SE, com a organização do SE anteriormente discutida, na qual os
possibilidade de quadros clínicos de híper e hipofunção componentes do par se relacionam por reuoahmentação,
escracificados em crês níveis principais (lesão primária, se- ou seja, a osc1lação do hormônio efetor desencadeia osci-
cundária e terciária), além da possibilidade ma1s rara de lação compensatória e em sentido oposto do hormônio
uma síndrome de insensibilidade à ação hormonal (Figu- trófico. Baseados nesses fu ndamentos, pode-se elaborar
ra 39.1), tornam indispensáveis rigor e atenção na coleta e uma representação esquemática, que expressa essa rela-
análise dos dados semióricos, resultando ainda em uma ção e facilita a análise dos resultados (Figura 39.3).
SIStemática para solicitação e interpretação dos dados
propedêuricos que serão discutidos a segu1r. Hormônio
Efetor
Hiperfunção Hiperfunção

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DO SISTEMA


ü Secundária ** Primária • •

ENDÓCRINO N Normo funçõo

Embora a semiologia clín1ca desempenhe papel fun-


damental na formulação da h1pótese diagnóst1ca corre-
D Hipofunção
Primária*
Hipofunção
Secundária •

ra, em Endocrinologia, mais do que em qualquer outra


especialidade, os exames laboratoriais são indispensáveis
à confirmação diagnóstica. Isso decorre da superposição
ü N
D Hormôn1o
Trófico

do quadro clínico que ocorre nas hipofunções/ hiper- · '1,oo·"nçõo


• • ....p :ilunçõ·
funções primária, secundária e terciária, já que o quadro
que se apresenta ao examinador reflete a exposição te- Figura 39.3- Dtagrama para avaliação funoonal da SE utiltzando·
cidual em níveis inadequados (deficientes ou excessivos) se o par hormonal. Hormónto eferor no etxo das coordenadas e o
hormônto trófico no e1xo das absctssas.
dos hormônios periféricos.
A propedêutica laboracorial em Endocrinologia ob-
jetiva um diagnóstico inicialmente funcional e, a seguir, Usualmente, quadros clínicos francos, facilmente diag-
etiológico, baseando-se em um tripé constituído por: nosticados pelo exame do paciente são confirmados pela
• dererm1nações hormona1s em siruação basal; dosagem dos pares endócrinas. Uma vez alcançado o
• testes dinâmiCos; diagnóstico funcional. a propedêutica por imagem é utili-
• imagem. zada para estabelecer a correlação função - lesão anató-
mica. Exemplificando, hipercortisolismo (Cushing) primário
Da correra utilização desses recursos deve resultar o (ACTH independeme) = lesão adrenal. sendo indicados os
diagnóstico de híper ou hipofunção e sua classificação exames por imagem (comografia ou ressonância magnéti-
em primána, secundária ou terciária. ca) para definir qual adrenal a ser abordada cirurgicamente.

M etodologia da propedêutica do sistema endócrina: um a vi são sistêmica e avaliação cr ítica 509


TESTES DINÂMICOS
indiscriminado dos métodos de imagem resulta na de-
tecção dos incidentalomas. Essa denominação aplica-se
São solicitados usualmente após as dosagens basais. ao achado de imagem desvinculado de qualquer re-
para esclarecimenro adicional. Fundamentam-se no prin- percussão clínica. O incidentaloma é considerado uma
cípio teórico de que o SE, para gerar as respostas adap- "doença" da alta tecnologia, demandando propedêuti-
tativas solicitadas pelo organismo, deve estar íntegro e ca extensa e de custo elevado.
ser capaz de alterar para mais ou para menos o nível de
hormônio eferor disponível nos tecidos.
Teste de estímulo: usualmente utilizado para o diag- ANÁLISE CRÍTICA DA ESTRATÉGIA
nóstico de hipofunção. Estimula-se (fisiológica ou farma- PROPEDÊUTICA
cologicameme) a glândula a ser escudada e determina-se
a sua capacidade de resposta (nível hormonal basal e Em relação à estratégia delineada, cabem considera-
após o estímulo). ções quanto às suas limitações. que decorrem da estra-
Teste de supressão: usado para o diagnóstico da hi- tégia em si e aquelas dependentes dos métodos labora-
perfunção. Procura-se suprim ir o funcionamento glan- toriais utilizados.
dular, exacerbando-se a rerroalimenração.
Os testes dinâmicos (estímulo e supressão) são es-
tratégias complementares à determinação dos pares LIMITAÇÕES DEPENDENTES DA ESTRATÉGIA
hormonais. Além da dificuldade de execução e do cusro
mais elevado. já que pressupõem várias determinações Dosagem dos pares hormonais
hormonais e, às vezes, necessidade de hospitalização e
padecem ainda da falta de padronização. Esses restes Na análise dos pares hormonais, é indispensável levar
foram padronizados em indivíduos adulros. de peso em consideração o denominado set point (ou ponto de
normal e sem uso de qualquer medicamento. A sua ajuste) do feedback (ou retro-alimemação). Resumida-
utilização na infância e na terceira idade, em pacientes mente, deve-se considerar como set point aquele ponto
com excesso de peso significativo ou em uso de vários em que o nível de hormônio tecidual sinalizador da ação
medicamentos, apresenta limitações de interp retação. fisiológica em nível tissular é capaz de inibir a secreção
Além disso, podem representar risco para o paciente do hormônio trófico, determinando uma concentração
(exemplo: reste de supressão de aldosterona, com in- normal (dentro da faixa de referência) do mesmo. Usu-
fusão de soro fisiológico em paciente hipertenso, com almente. esse nível do hormônio tissular encontra-se em
suspeita de hiperaldosreronismo primário). Dessa ma- algum pomo dentro da faixa de referência laboratorial
neira, devem ser solicitados por médico familiarizado do mesmo. Exemplificando, na avaliação da função ti-
com os mesmos, executados com supervisão adequa- reoidiana. set point é o nível de T4 livre que, dentro da sua
da e interpretados com cautela. faixa de referência (entre 0,8 e 1.7 ng/dL). acompanha-se
de TSH na faixa de referência (0.3 a 4,0 mU/L).
Dessa forma, um par hormonal com T4 livre dentro
IMAGEM da faixa de referência, porém com TSH discretamente
elevado, indicaria um hipotireoidismo primário subclí-
Os vários recursos de imagem disponíveis devem nico (Figura 39.4, quadro A). De maneira inversa. uma
ser solicitados após o diagnóstico funcional bioquími- dosagem de T4 livre na faixa de referência, com TSH su-
co, já que no arual estágio de conhecimento a correla- primido (<O,l mU/L). revela o diagnóstico de hipertireoi-
ção imagem/função é ainda exceção. Assim. devem ser dismo primário subclínico (Figura 39.4. quadro B). Essas
solicitados como método complementar e usualmen- possibilidades diagnósricas decorrem da regulação fina
te após o diagnóstico funcional bioquímico. Algumas do SE. ou seja. níveis estatisticamente normais (dentro
exceções já existem, como o emprego da ressonância da faixa de referência populacional) para o hormônio
magnética no diagnóstico de feocromocitoma. O uso recidual podem não ser os mais adequados para um de-

510 ( Medicina laboratorial para o clínico


terminado indivíduo, o que é revelado pelo nível inade- • analisar o par como um rodo e os seus dois com-
quado do hormônio trófico. ponentes (hormônio tecidual e hormônio trófico),
Uma variante fisiológica desse conceito de set point individualmente;
é o ritmo circadiano do cortisol, que determina valo- • correlação com o quadro clínico;
res de referência distintos para o cortisol plasmático • identificar todos os fatores intervenientes.
pela manhã (5 a 26f1g%) e às 23 horas (< Sflg%). Essa
variação circadiana se explica pela variação fisiológica
no set point para feedback, que é mais elevado pela LIM ITAÇÕES DEPENDENTES DOS MÉTODOS
manhã, exigindo, portamo, mais concentração de cor- LABORATORIA IS
cisai para inibir a produção de ACTH. Esse set point
reduz-se progressivamente durante o dia, alcançan- Em circunstâncias normais, moléculas sinalizadoras,
do seu ponto mais baixo às 23 horas. Na doença de como, por exemplo, hormônios, estão presentes em
Cushing (síndrome de Cushing por adenoma hipofi- concentração muito baixa nos f luidos corporais (ng ou
sária produtor de ACTH), não é raro encontrar-se um pg/ml). Além do mais, alguns hormônios apresentam
par hormonal com cortisol matinal normal ou discre- semelhanças estruturais significativas. Desta maneira,
tamente elevado e ACTH normal (Figura 39.4, quadro métodos de dosagem hormonal devem ter como carac-
C). A interpretação correta para esse achado é que terísticas alta sensibilidade e especificidade, o que torna
ocorreu um re-set do feedback (ou reposicionamento os métodos imunológicos os mais adequados para de-
da retroalimentação), sendo necessário mais cortisol terminação dos hormônios nos fluidos corporais. É in-
para manter o ACTH na faixa normal. A exposição dos dispensável, portanto, na interpretação dos resultados,
tecidos a esse excesso de cortisol resulta no quadro conhecimento básico sobre as lim itações ineremes aos
clínico de hipercortisolismo (síndrome de Cushing). métodos util izados em Endocrinologia.

Hormônio
Efetor

D
Hiperfunção
Secundário c Hiperfunção
Primário*
MÉTODOS LABORATORIAIS UTILIZADOS NA
AVALIAÇÃO DO SE

N A Normofunção
B PRINCÍPIO DOS IMUNOENSAIOS

D Hipofunção
Primária
Hipofunção
Secundária
As reações im unoquímicas formam a base de uma
grande variedade de sistemas analíticos sensíveis
pecíficos. Em um ensaio típico, anticorpos são usados
e es-

como reagentes para detectar a substância (antígeno) de

ü N
Figura 39.4 - Diagrama represenrando:
D Hormônio
Trófico interesse. Os anticorpos utilizados podem ser policlo-
nais ou monoclonais. Os policlonais são obtidos de ani-
mais normais submetidos a esrímulo com imunógenos e
A: Hipofunção subclínica. B: Hiperfunção subclínica. C: reset de
são uma mistura heterogênea de anticorpos produzidos
feedback.
pela resposta imune. Os monoclonais são produzidos
a partir de um único clone ou li nhagem plasmática e
Além dessas possibilidades, existem ainda interferên- devem reagir com um único epitopo de um amígeno
cias externas ao SE, como as decorrentes de distúrbios multivalente, significando que não devem apresentar
psiquiátricos e do uso de medicamentos. reações cruzadas importantes nem formar macropre-
Em resumo, na análise de um par hormonal é indis- cipitados. Uma vantagem prática do uso de anticorpos
pensável: monoclonais é a possibilidade de uso de dois amicorpos
• perfeito conhecimento da fisiopatologia dos dis- de especificidades diferentes em uma única incubação:
túrbios que afetam o eixo endócrina estudado; um anticorpo ligado a uma fase sólida (aderido a uma

Metodologia da propedêutica do sistema endócrina: uma visão sistêmica e ava liação crítica 51 1
superfície). específico para o anrígeno-alvo (anahro). e não competitivos e enzimáticos. utilizando marcador qui-
outro anEicorpo marcado, específico para outro sítio an- miolumlnesceme. estejam emre os ensaios mais sensíveis
tigênico do anal1ro. disponíveis acualmente.

Tipos principais de imunoensaios INTERFERÊNCIAS EM DOSAGENS HORMONAIS


POR IMUNOENSAIOS
Os dois principais ti pos de reação usados em imuno-
ensaios são: Há uma série de interferentes possíveis em imune-
• compemivos - ensaios com limitação de reagenre; ensaios. levando ramo a resultados falsamente elevados
• não-competitivos - ensaios com excesso de rea- (bias positivo) quanto a resultados falsamenre reduzidos
geme. tipo duplo sítio ou tipo sand uíche. (bias negativo). Nesses casos, a pri meira suspeita fre-
qüenremente virá do médico-assistenre. ao encomrar
O fundamenro analítico dessas técnicas foi aborda- resulrados não compatíveis com os demais dados (clíni-
do no capítulo 6. cos e laboratoriais). pois cais ocorrências podem ser ran-
dômicas e em geral escapam ao controle da qualidade
do laboratório. A esse laboratório cabe acolher os ques-
SENSIBILI DADE ANAlÍTICA tionamentos e aval1ar as possibilidades de Interferentes
de acordo com a merodologia utilizada.
Um conceito laboratorial com o qual os endocnnolo- Este capítulo não pretende esgotar o complexo tema
glstas devem estar familiarizados é o de "sens1bli1dade ana- dos Interferentes analíticos e sim docar o médico de co-
lítica". Os pnme1ros métodos para dosagem de TSH eram nheomenros básicos e ferramentas que possibilitem a
capazes de d1scriminar resultados na ordem de 1 mUI/L. melhor análise crítica dos resultados dos pacientes e a
Depois vieram os métodos capazes de discnm1nar resulta- interação posit1va e ét1ca com o laboratóno clínico.
dos na ordem de 0,1 mU/L. Acualmence estão disponíveis
e são recomendados os métodos chamados "terceira ge-
ração", capazes de discnminar resultados na ordem <0.02 Variáveis pré-analíticas
mU/L e "quarra geração"com limites de 0,001 a 0,002mU/L.
Mas, como compreender o que é "sensibilidade analítica"? Todos os fatores interferentes associados a consti-
A sensibilidade analítica de um método é definida tuintes das amostras são chamados de variáveis pré-ana-
por enr1dades como a lU PAC (lnternat10nal Union of Pure líticas. podendo ser subdivididas em facores associados
and Applied Chem1stry), mas pode ser encendida como ao paciente e em farores associados às amoscras. Farores
uma relação entre o aumento de concentração do analito associados aos pacientes. como o repouso. o fumo e o
e o sinal gerado. Uma reação mais sensível consegue "per- horário da coleta. podem afetar os resultados. mas não
ceber" pequenas alterações de concentração melhor que serão considerados aqui.
uma reação menos sensível. O soro é o material (matriz) de escolha para a maioria
O termo é freqüememence confundido com o limite dos imunoensaios (Quadro 39.1).
de detecção, que é a menor quantidade de um analito
detectada de forma confiável (ou seja. a confiabilidade da
distmçâo encre a ausência do analito e a presença de uma Efeitos analíticos
quantidade defin ida). O limite de detecção é geralmente
informado como "resultado menor que X". Concudo. os
termos são inter-relacionados. pois um método com alta
sensibilidade analítica deverá ter baixo limite de detecção. Os efeitos de matriz são defin1dos como "a soma
Os marcadores enz1mát1cos introduzem um passo de dos efeitos de rodos os componentes de um SIStema
amplificação do sinal. o que faz com que os imunoensaios de reação, com exceção do anahro a ser med1do" e,
naturalmente, incluem os reagentes e a amostra. Um Podem interferir com alguns ensaios para T4 Livre, blo-
dos problemas fundamentais relacionados à anál ise de queando os sírios específicos e reduzindo falsamente os
materiais biológicos é a extremamente complexa e va- níveis do hormônio.
riada mistura de proteínas, carboidratos, lipídeos, pe-
quenas moléculas e sais que constituem essas amos- Q uad ro 39.3 - Proteínas potencialm ente inrerferenres
tras. (Quadro 39.2 e 39.3).
Albuminas
Quad ro 39.1 - Fatores inrerferenres associados às amostras
Fotor reumatóide

Colete de sangue - venoslose com aumento do concentração Complemento


dos proteínas plosmólicos
lisozimos
Tipo de amostro - Soro (com ou sem gel separador) ou
plasmo (tipo de onticoogulonte) Fibrinogênio
Hemólise e hiperbilirrubinemio
Proteínas endógenas ligodoros de hormônio
Lipemio
Formos anormais de proteinos ligodoros de hormônios
Estabilidad e e armazenamento
Auto·onticorpos contra hormônios tireoidionos

Anticorpos heterófilos
N oto : Esses fatores são importantes poro o seleçõo do melado·
logio e do fornecedor, pelo laboratório.

Q u ad ro 39.2 - Fatores inrerferenres associados aos rea- Complt llk'rl!O


genres
O complemento compreende uma série comple-
Tampões - pH e forço iónico
xa de proteínas que podem estar elevadas em diversas
condições inflamatórias. Ligam-se ao fragmento Fc das
A nticorpos policlonois
imunoglobulinas, bloqueando os sítios de ligação a an-
Anticorpos monoclonois ticorpos, levando a resultados falsamente reduzidos. A
Marcadores dos imunoensoios investigação desse tipo de interferência cabe ao labora-
tório, que pode tentar reduzi-la, refazendo o reste em
Separação dos froções ligados aos anticorpos dos froções
livres
soro envelhecido em geladeira por alguns dias ou usan-
do plasma coletado em EDTA.
Noto: Esses fatores são importantes poro o seleçõo do metodo-
logia e do fornecedor, pelo laboratório.
Lrsozrmo

Efeitos das proteínas em geral A lisozima liga-se fortemente a proteínas de baixo


Albumrno
ponto isoelétrico, como as imunoglobulinas, podendo
formar pomes entre as lgG da fase sólida e os anticorpos
A albumina pode interferir em decorrência de sua marcados, levando a resultados falsamente elevados.
alra concentração e da sua capacidade de ligar e liberar
grande quantidade de ligantes, como os hormônios.
Efeitos das proteínas endógenas ligadoras de hormônios

Fat01 reumntorde Estão presentes em concentrações variáveis no soro


e no plasma e tanto os seus níveis quanto as suas ca-
Os facores reumatóides são auco-anticorpos, em ge- ranerísricas de ligação sofrem influências genéticas e
ral de classe lgM, dirigidos contra a fração Fc das lgG e adquiridas. Particularmente relevantes são a albumina,
estão presentes em cerca de 5% da população normal. a pré-albumina (transtiretina), as globulinas ligadoras de

Metodologia da propedêutica do sistem a endócrin a: uma visão sistêmica e avaliação crítica 513
hormônios sexuais (SHBG), tireoidianos (TBG) e corti- familial (FDH). Trata-se de uma condição autossômica
costeróides (CBG). dominante rara, na qual até 50% das moléculas de albu-
Para a dosagem de hormônios totais. é essencial mina ligam a tiroxina com uma afinidade cerca de 50%
que codas as moléculas ligadas a seus sítios endógenos mais intensa que a normal. Os indivíduos com FDH têm
sejam deslocadas e que se previna a posterior ligação concentrações de T4 Total e Livre até três vezes maiores
dos complexos hormônio ligame-amicorpo marcado, que as normais e correm o risco de serem diagnosricados
formados duranre a reação, a esses sítios endógenos como tireotóxicos, não estando a concentração de TSH
novameme. Cada sistema analítico emprega uma me- dos mesmos suprim ida.
wdologia para que esse objetivo seja alcançado. Con-
tudo. alterações das proceínas ligadoras podem ter
Efeitos dos auto-anticorpos para hormônios tireoidianos
efeitos marcantes, como. por exemplo, a interferência
de altos níveis de globulinas ligadoras dos hormônios Descriros inicialmente em 1956, anticorpos antiT4
sexuais (SHBG) nos radioimunoensaios direros para e antiT3 são relatados em cerca de uma em cada 2.500
tescosterona e estradiol. amostras. havendo vários relacos de interferência em
Alterações na globuli na ligadora de tiroxina (TBG) ensaios para T4 Total e Livre. Nessas circunstâncias, os
são encontradas devido a variações genéticas, síntese únicos métodos confiáveis são aqueles em que as proteí-
aumentada, depuração metabólica diminuída ou por nas são separadas dos hormônios antes da realização do
uma combinação desses fatores. Ocorrem alterações imunoensaio. Os ensaios para tireoglobulina são particu-
tam bém em uma grande variedade de condições clí- larmente suscetíveis a interferências por auto-anticorpos.
nicas e de uso de medicamentos. As variações de TBG existindo expressiva quantidade de literatura a respeito.
afetam profundamente a interpretação das dosagens Esses anticorpos são detectáveis em até 27% dos indi-
hormonais tireoidianas e podem contribuir para en- víduos sadios. em até 50% dos pacientes com doença
ganos diagnósticos. Duas estratégias foram desen- de Graves. em até 95% dos pacientes com tireoidite de
volvidas para contornar esse problema: primeiro. a Hashimoco e em até 30% dos pacientes com carcino-
estimativa de índices de hormônios tireoidianos cor- ma de tireóide. Os auto-anticorpos podem levar a uma
rigidos para a capacidade ligadora do soro (ITL-índice estimativa falsa. tanto reduzida quanto aumentada, da
de tiroxina livre. atualmente em desuso) e, segundo, tireoglobulina total. independentemente do método
a medida direta de hormônios livres. Os índices são utilizado. Há métodos bastante sensíveis para a detec-
menos confiáveis. principalmente nos extremos de ção de auto-anticorpos antitireoglobulina, devendo sua
concentração das proteínas ligadoras (ex: gestação. pesquisa ser solicitada juntamente com a dosagem de
deficiência ou excesso congênicos). Para a dosagem de tireoglobulina. uma vez que os níveis dos respectivos
hormônios livres, a única técnica disponível por muito auto-anticorpos flutuam no tempo.
tempo foi a diálise de equilíbrio, bastante laboriosa, de
baixa produtividade e de alto custo. As técnicas dire-
Efeitos dos anticorpos heterófilos
tas para as dosagens livres tornaram-se recentemente
disponíveis e são cada vez mais popu lares. estando. Anticorpos heterófilos têm sido relatados em 30 a
contudo, ainda em evolução, devendo-se analisar seus 40% das amostras e podem ter especificidade pa ra vá-
resultados com bastante cuidado e em estreito conta- rias espécies diferentes. inclusive algumas usadas habi-
to com o laboratório. tualmente para a obtenção de anticorpos reagentes.
como os camundongos. coelhos. ovelhas e cabras. Os
anticorpos heterófilos podem interferir em reações do
Efeitos das formas anormais de proteínas ligadoras
endógenas tipo competitivo. reduzindo o número de sítios dispo-
níveis e levando a um bias negativo (aumenta do sinal
Proteínas ligadoras anormais podem estar presentes e redução da concentração do analito). Em reações do
no plasma de alguns pacientes, sendo a condição heredi- tipo não-competitivo, tipo sanduíche com excesso de
tária mais freqüente a disalbuminemia hipertiroxinêmica anticorpos, os anticorpos heterófilos podem levar a

514 ( Medicina laboratorial para o clínico ]~------------------------------


um bias positivo ou podem ser neutralizados pelo an- corpo revelador que não se ligou ao analiro fixado à fase
ticorpo em excesso. Alguns fabricantes adicionam aos sólida, gerando si nal de imensidade bastante reduzida.
seus métodos estratégias para a eliminação ou redu- O resultado dessa dosagem poderá ser baixo. normal ou
ção das interferências por anticorpos heterófilos. Essas mesmo pouco elevado em paciente com sinais eviden-
estratégias podem ter sucesso apenas parcial e não há tes de grande excesso hormonal.
garantia coral da eliminação da Interferência dos an- Na rocina laboratorial. a ocorrênCia de efeico gancho
ticorpos hererófilos. Com a implementação para uso pode ser evitada de duas formas:
in vivo de técnicas imunocintigráficas e quimioterápi- • selecionando-se reações orimizadas para a mini-
cas utilizando anticorpos monoclonais como veículo, mização de efeico gancho. como. por exemplo. as
a presença de anticorpos anticamundongo (HAMA. que apresentam uma etapa de lavagem antes de
do inglês human anu-mouse antibody) vem se tor- acrescentar o anticorpo revelado r (ensaio em duas
nando um gra nde problema, principalmente para as etapas). Atualmente. com a evolução dos ensaios.
dosagens de marcadores tumorais. Parece importante o efeito gancho torna-se cada vez mais raro e só
selecionar para uso m v1vo anticorpos que não sejam ocorre com a presença de níve1s exrremamenre
utilizados com final1dade diagnóst1ca. elevados do hormônio a ser dosado;
• criando-se mdas as amostras a partir da realização
de duas dosagens (diluída e sem diluir). Essa con-
Interferentes mecânicos
du ta não é custo-efetiva e não se JUStifica na gran-
Fibrinogênio presente em amostras incompletamen- de maioria dos sistemas analíticos atua1s.
te coaguladas interfere no processo de pipetagem au-
romátlca da maioria dos equipamentos e produz erros Quando o quadro clínico é característico de excesso de
aleatónos. Paraprote1nem1a pode interferir por alteração hormônio circulante e os níveis dosados não são compatí-
da viscosidade, reduz1ndo o volume pipetado e os resul- veis, o médico deverá suspeitar de efeito gancho e entrar
tados. ou se ligando inespecificamenre a analicos e rea- em contato com o laboratório responsável pela dosagem
gentes, levando a erros aleatórios. para esclarecimenros. O laboratório investigará a possibi-
lidade da presença de efe1to gancho e outras causas para
Interferentes inespecíficos o resultado discrepanre. A récn1ca para a confirmação de
efe1ro gancho é realizar diluições sucessivas da amostra em
Interferentes inespecíficos podem surgir por concen- questão (geralmente na ordem de 10: 1/10, 1/100, 1/1000
tração excessiva de outros constituintes do plasma. Áci- etc) até que se obtenham duas diluições sucessivas com
dos graxos livres podem perturbar alguns ensaios para níveis de hormônio equivalentes e mu1w elevados.
T4 Livre ao deslocarem o T4 das proceínas de ligação en-
dógenas. A natu reza de alguns inrerferenres inespecíficos
Efeitos da inespecíficidade do ensaio
não é. ainda. bem conheoda.
A espeoficidade é um dos requisitos mais importan-
"Efeito gancho" (Hook Effect) tes dos imunoensaios. A inrerferênoa ocorre em rodas as
situações nas quais o anticorpo não é absolutamente es-
Um dos interferenres na dosagem de hormônios, pecífico para o hormônio. A baixa especificidade resulta
pri ncipalmente quando se utilizam os mécodos de du- em interferências causadas por compostos de estrutura
plo am1corpo. é o efeito gancho (do inglês hook effect). molecular ou epiropos 1munorrearivos semelhanres.
também chamado de efeito de altas doses. Este ocorre
quando existe, na amostra biológica, grande quantidade
Ensaws com quanttdCicit lm11wdo dt ant,corpo 1eogentt (t.po
de analito a ser determinado. Nessa Situação. pode ocor- compct:LM> ou UJ)O I)
rer ligação do analito em excesso ao anricorpo da fase
sólida e ao anticorpo revelador (marcado) analiro. Como Alguns dos maiores problemas quanro à especificida-
conseqüência. ao se proceder à lavagem, perde-se o anri- de são encontrados nas dosagens de esteróides e com-

Metodologia da propedêutica do sistema endócrina: uma visão sistêmica e avaliação crítica 515
postos estruwralmeme relacionados. Todos os ensaios do de boa prática envolver o ourro responsável técniCO
mais usados para testosterona total, por exemplo, rea- na investigação do problema de forma transparente.
gem de forma cruzada com a S'alfa-di-hidrorescosterona Ainda, em alguns casos, poderá ser necessário acionar
e wcualmente codos os ensaios para corcisol reagem de a assessoria científica do fabricante do sistema analítico,
forma cruzada com a prednisolona. Oucros problemas no Brasil ou no país de origem.
ocorrem quando os ensaios são usados fora do conrexw t papel do profissional de laborarório, do médico e
para o qual foram desenvolvidos e restados. como, por da indústria diagnóstica o reconhecimento das inúme-
exemplo, em neonacos. ras possibilidades de interferências, devendo todos os
A interferência de drogas e seus metabólicos é um envolvidos atuar na minimização dos problemas e nos
problema comum em imunoensaios. As drogas podem esforços para o seu esclarecimento.
interferir por reatividade cruzada do compostO nativo ou
de seus metabólitos, por deslocamento dos hormônios
das proteínas de ligação e por suas ações fa rmacológicas. APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR
Há grande volume de referências a respeito e recomen- PARA O DIAGNÓSTICO ENDOCRINOLÓGICO
da-se a consulta ao livro Young, Ejfects of Drugs on Clini-
cal Laboratory Tests: Washington DC: 1995, sempre que As técnicas de biologia molecular têm muito valor
se apresentar potencial interferência de drogas. não só nas questões de investigações básicas como no
entendimento de uma variedade de problemas que afe-
Lt i iWO~ l(JIIl CXCC\SO de (lllfiCOipO rcfl~CIItt (',Pt) PtiO OD't t !1t LU
tam a condição humana em geral. A prevenção de doen-
ou tipo 11) ças, geração de novos produtos protéicos, manipulação
de plantas e animais para a aqwsição de traços fenotí-
Os ensaios não-competitivos apresentam relações p1cos específicos são aplicações dos métodos utilizados
mais complexas entre o analico, os reagentes cruzados por essa tecnologra. A util1zação de técnicas de biologia
e os anticorpos reagentes que os ensaios competitivos. molecular tem, ainda, propiciado melhor compreensão
A falta de especificidade e até a hiperespecificidade dos dos mecanismos de ação hormonal, bem como das ba-
ensa1os desse tipo podem levar a interpretações erróne- ses moleculares de vánas síndromes já conhecidas clínica
as. Ensa1os não-específicos tipo único sítio para hormô- e bioqu1m1camente. As características moleculares dos
niO da paratireóide (PTH) moscram níveis elevados de tumores prenunciam seu comportamento, o que permi-
PTH 1munorrearivo, particularmente em pacientes com te delinear tratamentos mais efetivos.
1nsufioênc1a renal que não depuram adequadamente os O conhecimento de que muitas doenças endó-
fragmentos C-term1na1s. O uso de ensaios tipo du plo- crinas têm como causa mutações em um único gene
síno para PTH intacto (N-terminal), que não reagem de pode ser crucial nas decisões terapêuticas e nos rasrre-
forma cruzada com o C-terminal, fornece um quadro amentos de indivíduos com o risco de apresentarem
ma1s verdade1ro do status do paciente. determinada doença. Desse modo, faz-se necessário
O que deve ser feico quando se suspeita de interfe- um entendimento da nomenclatu ra utilizada em bio-
rênoa7 A prime1ra conduta do médico deve ser entrar logia molecular e genética. para a compreensão global
em contaw imediatamente com o responsável técnico da endocrinologia moderna.
do laboratório que realizou a dosagem. Juntos, devem Ao se iniciar o estudo genético de uma endocrinopa-
trocar Informações clínicas e metodológicas que pos- tia, o primeiro objetivo é determinar, dentre os milhares
sam levar a hipóteses quanto à presença e tipo de in- de genes. qual é o responsável por aquela determinada
terferência. A seguir, poder-se-á optar pela utilização de doença. Escolhem-se os genes candidatos a partir do co-
uma metodologia alternativa para a realização de nova nhecimento daqueles que concrolam os mecan1smos de
dosagem na mesma amostra ou em outra, o que for açào hormonal ou que codificam proteínas que contro-
mais indicado. O auxílio do profissional de laboratório é lam o crescimento e desenvolvimento celulares ou que
importante, pois a metodologia alternativa poderá estar já estejam envolvidos em outras doenças relac1onadas
disponívelapenas em determinado(s) laboratório(s). sen- já conhecidas. Por exemplo: o conhecimento prévio de

516 ( Medicina laboratorial para o clíntco )1------- - - -- - - -- - - - - -- - -- - -- - - - - -


que o carcinoma medular de tireóide (CMT) é causado Após a obtenção de um rascreamenco positivo, o
por mutações no proto-oncogene RET leva à procura da objetivo passa a ser a análise da seqüência alterada. O
mesma mutação nos casos de neoplasia endócrina múl- seqüenciamemo é o método mais sensível e específi-
tipla tipo 2A onde o CMT se faz presente. co para detecção de mutações. O método baseia-se
Uma vez determinado o local que se deseja estudar, é na síntese de uma fita de DNA por uma DNA polime-
necessáno que se amplie a quam1dade de matenal genéti- rase, a partir de um molde de fica simples. Compara-
co d1sponível. Existem várias mane1ras de produZir cóp1as da a seqüência estudada com um banco de dados de
suficientes de um gene a ser escudado. A clonagem é uma genes já existente pode-se verificar qual aminoácido
delas, na qual o gene a ser cop1ado é inserido no DNA é alterado e sua possível repercussão na estrutura da
de uma bactéria. Cada vez que a bactéria se reproduz, proteína. Na detecção de mutações já conhecidas, a
seu DNA e o gene inserido serão copiados e, como as hibridização alelo-específica, que utiliza oligonucle-
bactérias se multi plicam muito rapidamente, bilhões de otídeos (sondas) contendo seqüênCias que levam à
cópias do gene original poderão ser produzidos num pe- doença, é uma arma simples e rápida. É uma técntca
ríodo curto de tempo. Um método m v1tro mais simples adequada para estudo famdtar (ver capítulo 7).
e mais rápido revoluc1onou a amplificação de seqüências Atualmeme, a utiltzação da maioria dessas técntcas
delimitadas de DNA presentes em uma amostra - a rea- ainda fica restrita a laboratórios de pesquisa. Na Endocn-
ção de polimerização em cadeia (PCR). Com essa técnica, nologia, teve-se como contribuição o conhecimento da
consegue-se a amplificação m v1tro. estrutura gênica dos hormônios e de seus receptores, dos
Após a obtenção do segmento desejado em quan- seus mecantsmos de ação através das vias imracelulares
tidade suficiente, submete-se esse matenal a diversas de Sinalização e das várias mutações que explicam o me-
técnicas existentes para o rastreamento de mutações, canismo ftstopatológtco das resistências hormona1s e de
que são alterações na seqüênoa do DNA genômico que vánas doenças ames ttdas como td1opát1cas. Por exem-
podem ser passadas de uma célula mãe à célula fil ha. plo. o gene do recepror do hormônio tireotrófico (TSH-
Em várias doenças genéticas pode-se herdar um R) está implicado na gênese de rumores hiperfunoonan-
alelo com mutação, detectável por diferenças na mo- tes da tireótde (adenomas tóxicos); mutações no gene do
bilidade do DNA em um gel de poliacrilamida. O po- receptor de hormônio luteotrófico (LH-R) levam aos ade-
limorfismo conformaoonal de fita única (SSCP, single nomas de células de Leydig; mutações nas vias imracelu-
stranded conjormat1onal polymorphísm) e a eletrofore- lares de sinalização da insulina explicam alguns tipos de
se em gel com gradiente desnacurante (DGGE, dena- diabetes; mutações em proteínas que controlam o ciclo
tunng grad1ent gel electrophores15) rastreiam a presença celular, como a menin, levam ao hiperparatireoidismo ou
de mutações baseadas em diferenças no pad rão de mi- à neoplasia endócrina múltipla tipo 1; e assim por diante.
gração do DNA. Outros métodos podem ser utilizados Além dessas. o rasueamemo de doenças geneticamen-
para detectar-se a presença de mutações quando se te conhectdas, como o carcinoma medular de meótde
comparam o matenal afetado e o não afetado (sangue e deftoênoa de 21 hidroxtlase, 1dent1ficando doentes ou
e rumor, nas mutações somáticas). Como exemplos, carreadores heteroz1gotos. também demonstra a grande
têm-se as técnicas que utilizam microssatélites, que comributção dessas técnicas. po1s têm-se marcadores
ajudam na compreensão dos mecanismos envolvidos moleculares capazes de proporoonar detecção precoce
na formação de rumores e as técnicas de cirogenética, numa fase pré-clínica da doença. podendo até mesmo
como a hibridização genômica comparativa, em que se evitar seu aparecimento. Os distúrbios do cresctmento, o
procuram ganhos ou perdas alélicas, analisando todos hipoparatireoidismo e outras endocnnopattas ganharam
os cromossomas e comparando sangue com tumor ou novas classificações, que surgiram freme a esses novos
teodo normal com afetado. Recentemente, a quantifi- conhemnentos que não param de ser ampliados e que
cação da expressão gên1ca a partir de técnicas sofisti- lllfluenciam, cada vez mais. as condutas. as investigações
cadas como microarray ou PCR em tempo real tornou laboratoriais e que. no futuro próximo, poderão resultar
possível maior detalhamemo da participação dos genes na possibilidade de terapia gênica que resultará em abor-
nos mecanismo etiopatogênicos das doenças. dagem terapêutica mais eficaz.

Merodo logia da propedê utica do sistema endócrina: uma visão sistê mica e avaliação crítica 517
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Maria Marta Sarquis Soares
40 Luisane Maria Falei Vieira
Eduardo Pimentel Dias

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DOS


DISTÚRBIOS DA FUNÇÃO
TIREOIDIANA

Com sua importância descrita pela primeira vez no um transportador específico existente na membrana
final do século XIX, a tireóide produz horrnônios com basolateral das células tireoidianas, o co-t ransporra-
ação sistêmica atuando na maioria dos órgãos. É urna dor sódio-iodeto (NIS, Na+; l- Symporter). O iodeto
glândula endócnna, ímpar e mediana, localizada na é transportado através da membrana apical da célula
parte anrenor e infenor do pescoço, abaixo da laringe, folicular por outra proteína importante nesse proces-
d1anre dos primeiros anéis da traquéia. Ela é constituída so, a pendrina. Na interface apical da célula folicular
por dois lobos laterais reunidos na linha média por uma com o colóide. o iodeto é oxidado e incorporado em
lâmina achatada de tecido tireoidiano, o istmo. Os hor- regiões específicas (resíduos tirosil) das moléculas d e
môniOS tireoidianos são derivados iodados de aminoá- rireoglobulina (TG), que é a principal proteína produ-
cidos e constituem no homem as princ1pais moléculas zida pela tireóide, correspondendo a 70-80% do con-
1odadas do organismo. teúdo protéico da glândula. Os resíduos t irosil podem
ser monoiodinados, dando origem às monoiodotiro-
sinas (MIT) ou bi-iodinados, originando uma diiodoti-
FI SI OLOGIA rosina (D IT).
A principal enzima relacionada à biossíntese hormo-
SÍNTESE HO RMONAL nal é a peroxidase rireoidiana (TPO), responsável pela
ox1dação do 1odeto e sua incorporação aos rad icais rirosil
Os hormônios tireoidianos são necessários para a da molécula de t ireoglobulina. Existem dois sítios catalí-
diferenciação, crescimento e metabolismo de diversos ticas na TPO. um para se ligar ao 10deto e outro para se
tecidos dos vertebrados. Entre as ações fisiológicas des- ligar à t irosina. presente na ti reoglobulina.
ses hormônios incluem-se o desenvolvimento de tecidos A s iodotirosinas assim formadas são acopladas
como, por exemplo, o do sistema nervoso, a regulação por meio de um remanejamenro estérico oxidativo
de funções básicas como consumo de oxigênio. tempe- da proteína, dando origem aos hormônios t ireoidia-
ratura corporal e freqüência cardíaca. além do controle nos: tetraiodo tironina (T4), que é a principal forma, e o
do metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras. t riiodotiron1na (T3), secretado em menor quantidade.
O iodeto é a matéria-prima essencial à biossíntese O total plasmático de T4 é aproximadamente 45 vezes
dos hormônios da tireóide. O iodem proveniente da maior que o de T 3 (90nM versus 2nM) e a principal fon -
dieta é absorvido no trato gastrintestinal. sendo cap- te de produção de T 3 ocorre a partir da conversão de
tado pela tireóide na corrente sangüínea. a partir de T4 em T 3 por meio da S'desiodação de T.. nos tecidos
periféricos promovida pelas desiodases. Apenas 18%, (exponenciais) compensatórias e em sentido contrário
aproximadamente, do T3 circulante é proveniente de do TSH, comando-o o parâmetro laboratorial mais sensí-
secreção tireoidiana. vel para o diagnóstico precoce da disfunção tireoidiana.
Uma vez secretados. os hormônios tireoidianos
circulam comumente ligados às proteínas plasmáti-
cas e somente 0,03% de T4 e 0.3% de T estão livres.
3 DETERMINAÇÕES HORMONAIS
A ligação desses hormónios às proceínas plasmáticas
aumenta suas meias-vidas e assegura a distribuição re- CARACTERÍSTICAS DOS MÉTODOS ANAlÍTICOS
gular do hormônio nos tecidos-alvo. No interior da cé- DE DETERM INAÇÃO DE TSH NO PLASMA
lula. o T3 1iga-se a recepwres específicos localizados no
núcleo, os recepwres do hormônio tireoidiano (TRs). As dosagens de TSH eram, originalmente, baseadas
Os TRs medeiam a ação do hormônio ligando-se di- em bioensaios. No momento. o imunoensaio é o pro-
retamente na região promowra dos genes-alvo, regu- cedimento de escolha nos laboratórios. O imunoensaio
lando a transcrição em todos os tecidos de mamíferos. wrnou-se um teste de rotina após a disponibilidade de
Existem evidências de que os hormônios tireoidianos TSH purificado para imunização e iodinação.
podem exercer alguns de seus efeiws também via me-
canismos não genômicos, ativando cinases, calmoduli-
na. captação de glicose em vários tecidos e modulam Radioimunoensaio (RIE)
o transporte de cálcio.
O ensaio tradicional (RIE) era baseado na com-
petição entre o TSH endógeno e o marcado com ra-
CONTRO LE HOMEOSTÁTICO DA dioisówpo por sít ios de ligação (anticorpos antiTSH)
SÍNTESE HORMONAL disponíveis para uma quantidade limitada do hormô-
nio. A quantidade de TSH marcado ligada era inversa-
O eixo hipocálamo (TRH - hormônio liberador mente relacionada à concentração de TSH presente
de tireotrofina) - hipófise (TSH - hormônio tireotró- na amostra. A determinação de TSH por RIE mostrou-
fico) - tireóide (T3 e T4) destina-se a fornecer aos te- se muito útil na detecção dos níveis elevados de TSH
cidos quantidades adequadas de T4 e T3, de maneira que ocorrem no hipotireoid ismo primário. Contudo,
a atender às necessidades fisiológicas do organismo. como ela podia detectar apenas lmU de TSH por litro
A produção dos hormônios tireoidianos é estimulada (ou 1~U/ml). muitos RIEs não conseguiam distinguir
pelo TSH, sintetizado e secretado pela hipófise. Nos os valores normais dos valores subnormais associados
pacientes com o eixo hipotálamo-hipófise-tireóide ao hipertireoidismo.
(HHT) intacw, um sistema de retroalimentação (fe-
edback) negativo entre as concentrações de T4 e T3
livres (T4L e T3L) e o TSH controla a função tireoi- Ensaios imunométricos
diana. A hipófise funciona como um sensor biológico
dos níveis de hormônios tireoidianos disponibilizados Novas técnicas imunométricas são agora capazes
aos tecidos e regula a secreção do TSH. ohjetivando de medir os níveis diminuídos de TSH enconrrados
a manutenção de níveis adequados de T4L e T3L. A nos casos de hipertireoidismo primário. Essas novas
redução dos níveis de T4L e T3L est imula a produção metodologias resultam da aplicação do princípio do
de TSH. enquanto o aumento desses níveis suprime a "sanduíche", no qual uma molécula de TSH forma
secreção de TSH . uma ponte entre dois ou mais anticorpos antiTSH dis-
Quando o eixo está preservado e em equilíbrio, exis- tintos. O primeiro anticorpo (Ac). geralmente mono-
te uma relação log-linear inversa entre a concentração de clonai. é dirigido contra um sítio específico da subu-
TSH e T4L no plasma. ou seja, pequenas oscilações (line- nidade beta e é ancorado a um suporte (fase sólida).
ares) no nível de T4L desencadeiam grandes oscilações Esse anticorpo está presente em excesso e seletiva-

520 [ M edicina laboratorial para o clínico ]~-----------------------------


mente imunoexuai a maior parte do TSH presente rença entre os valores obtidos é calculada em termos
na amostra. O hormônio ligado é então quantificado, de porcentagem (variação). A menor concentração de
utilizando-se um segundo Ac antiTSH (monoclonal ou TSH na qual a variação entre os resultados for inferior
policlonal). que é dirigido contra um sítio antigênico a 20% é considerada limite funcional de detecção do
distinto (por exemplo, a subunidade alfa). Esse Ac de ensaio. Esse limite de detecção abrange tanto as varia-
detecção é marcado com uma molécula sinalizadora, ções analíticas (devidas ao sistema analítico do labora-
como um radioisócopo, uma enzima, um uoróforo ou tório) quanto biológicas (atribuíveiS ao organ1smo) e,
uma molécula luminescente. Os resultados do ensaio portanto, permite que níveis distintos de TSH repor-
são usualmente calibrados contra uma preparação de tados indiquem diferenças reais no paciente, nos níveis
referência de TSH e são expressos em miliunidades in- inferiores da linearidade. Ao mesmo tempo, o uso des-
ternaCionais de atividade biológica por litro de soro se limite assegura que o nível de TSH encontrado seja
mU/L (ou iJU/mL). Contrariamente à curva inversa de realmente diferente de zero, não importando quão
dose/resposta do RI E, os ensaios imunométricos apre- ínfima seja sua concentração.
sentam uma curva positiva de dose/resposta, na qual
os níveis mais altos de sinal correspondem às maio-
res concentrações do TSH. O efeico gancho (hook Classificação de ensaios de TSH em "gerações"
ejfect). presente quando há grande quantidade de
antígenos, é raramente visco. Os ensaios imunométn- Uma classificação de ensaios de TSH em "gerações".
cos oferecem não só mais sensibilidade às med1das de baseada na sensibilidade funcional. foi proposta para
TSH como também menos tempo de resposta (tum descrever as melhorias nos ensaios de TSH. Cada ge-
around time) e faixa de linearidade mais ampla. Por ração representa uma melhoria de um log no limite
questões práticas. métodos não isotópicos dominam de detecção funciona l. Os ensaios de primeira geração
o mercado e substituíram os traçadores radioativos na (RIEs) apresentam tipicamente um limite funcional de
maioria dos laboratórios. detecção de 1 a 2 mU/Le são incapazes de detectar, de
forma confiável. a supressão do TSH, caracrerística do
h1perrireoidismo primário. Os ensaios imunométricos
Sensibilidade analítica dos métodos subseqüentes apresentam sensibilidade cerca de 10 ve-
zes maior (0,1 a 0,2 mU/L) e são considerados ensaios de
Para distinguir os ensaios imunométricos de TSH segunda geração. Estes são basrame confiáveis quanto
dos RIEs menos sensíveis. termos descritivos como à distinção entre valores normais e valores encontrados
"sensível", "altamente sensível", "ultra-sensível" e "su- no hiperrireoidismo. tendo, contudo, aplicação limita-
per-sensível" foram usados e houve grande confusão da para distinguir valores moderadamente subnorma1s
sobre o significado dos mesmos. Em 1991, o Comitê (0,01- 0,1 mU/L) de valores muico suprimidos (< 0,01
para Nomenclarura da American Thyrotd Associatton mU/L). Isto é. pacientes com diferentes valores in vtvo
recomendou que o limite funcional de detecção de poderão apresentar valores laboracoriais semelhantes,
TSH fosse estimado com base nas características de quando se usa para determinação os mécodos de se-
precisão do ensaio nos limites inferiores de detecção. gunda geração. Os ensaios imunométricos de terceira
Atualmente, a sens1bil1dade funoonal é definida como geração foram desenvolvidos de modo a se obter pre-
"a menor concentração de TSH na qual o coefioente cisão ainda maior nos níveis baixos de TSH. A maioria
de vanação 1nterensa1o inferior a 20% ainda é obtido". deles utiliza tecnologia quimioluminescente e rem limi-
Assim. à medida que a concentração de TSH em uma te funcional de detecção inferior a 0,02 mU/L. Há ainda
amostra se aproxima de zero. a precisão do ensa1o di- ensa1os experimentais de quarta geração, com limites
minui, ou seja. há ma1s variação do resultado obt1do funcionais na faixa de 0,001 a 0.002 mU/L. Os ensaios
em corno do valor real de TSH da amostra. Amostras de terceira e quarta gerações fornecem os limites in-
com concentrações cada vez menores de TSH são feriores de detecção necessários para distinguir valores
analisadas em ocasiões distintas (interensaio) e a dife- de TSH subnormais limítrofes (como aqueles presentes

Investigação laboratorial dos distúrbios da função tireoidiana 521


em pacientes eutireoidianos, hospitalizados, com do- cos ames da dosagem direta da fração livre, com o uso
enças não tireoidianas) daqueles valores suprimidos en- de um ensaio imunomécrico sensível.
contrados no hipertireoidismo franco. E mais, esses en-
saios parecem ser úteis na subclassificação de pacientes
hipenireoidianos, de acordo com o grau de supressão Métodos lndiretos Para Estimar T4 livre
do TSH; no acompanhamento a pacientes com câncer
da tireóide, recebendo tiroxina, onde se procura a su- A maior parte dos métodos para determinar as
pressão da secreção de TSH; e na monitorização de te- concentrações de T4L é estimativa. Essas abordagens
rapia de reposição em pacientes com hipotireoidismo. são mais convenientes e mais baratas que os métodos
Contudo, nem rodos os ensaios quimioluminescentes de referência e muitas estão disponíveis comercialmen-
são capazes de apresentar desempenho quanto ao li- te. Duas estratégias são usadas: o cálculo de um índice
mite de detecção consistentemente de terceira gera- (ITL) ou um imunoensaio. O cálculo do índice baseia-
ção. Na Tabela 40.1 estão demonstrados os valores de se na realização de dois testes separados: a dosagem
referência para os hormônios tireoidianos, ressaltando de T4 total e a captação de T3. Esses dois resultados
que são método dependente e da população analisada são combinados matematicamente para fornecer uma
(ver capítulo 2). estimativa da concentração de hormônio livre. Imune-
ensaios em um ou dois passos determinam a concen-
tração de hormônio livre usando técnicas de extração
DETERMINAÇÃO DO T4 LIVRE por anticorpos. Esses métodos realizam a determinação
indireta de T4 Livre, pois os resultados dos testes são
A tiroxina e a triiodoti ronina circulam no sangue relacionados a calibradores de onde o soro é extraído
como uma mistura, em equilíbrio, de hormônios livres e cujo nível de hormônio livre foi independentemente
e ligados às proteínas. Assim sendo, alterações da con- determinado utilizando-se um método de referência
centração ou afinidade da globulina ligadora de tiroxina (ex.: diálise de equilíbrio direta/RIE).
(TBG) ou outras proteínas de transporte afetam a con -
centração total desses hormônios no soro. Alternativa-
mente, o nível de equilíbrio (steady state) do hormôn io DETERMINAÇÃO DE T3 TOTAL E T3 LIVRE
livre é independente das variações nas proteínas de liga-
ção e se mantém quase constante. Numerosos métodos Embora disponível, a determinação de T3L ainda não
foram propostos para determinar a concentração de T4L se tornou rotineira na prática clínica. Quando necessária
no soro. Esses métodos incluem os diretos, que servem a avaliação do nível de triiodotironina plasmática, utiliza-
como referência, e os indiretos, mais amplamente dispo- se mais freqüentemente a dosagem de T3 total (T3T).
níveis nos laboratórios clínicos. A principal indicação desse exame é o diagnóstico de
hi pertireoidismo por T3, que ocorre em menos de 10%
dos casos de hipertireoidismo. Como acontece com o T4
Métodos Diretos de Referência total (T4T), o ensaio de T3T sofre influência das variações
das proteínas transportadoras.
A determinação direta de T4L no soro representa
um considerável desafio técnico. As concentrações de
hormônio livre são extremamente baixas no soro nor- A UTILI ZAÇÃO DO REFLEX TESTING
mal (aproximadamente 0,03% do T4 total sérico). Con-
seqüentemente, o ensaio deve ser capaz de medir quan- Segundo a tendência moderna, a avaliação da função
tidades da grandeza de picomoles (10-'2 ). Teoricamente, tireoidiana de modo racional e custo efetivo seria melhor
os métodos mais confiáveis para dosar T4L são a diálise realizada utilizando-se o reflex testing, abordagem em
de equilíbrio e os métodos de ultrafiltração, que separam que o resultado do primeiro teste (geralmente a dosa-
o hormônio livre do hormônio ligado por métodos físi- gem do TSH) determina a realização ou não de outros.

522 Medicina laboratorial para o clínico


Tabela 40.1 -Valoresde referência dos hormônios meo1dianos

Analito Intervalo de Referência* Método


Ant,corpo Anhperax1dase (Ant TPOJ 0 ,0 o 3,9 Ul/ml lmunoensoio por quimiolum1nescênc1o

An•,corpo Anhhreog obulino OO o 4 4 Ul/ml lmunoensoio por ouim:alum,nescênclo

Hormônio Est•mulodor do T,reóide (TSH) 0 ,300 o 4 ,000 mU/ L (Adultos) lmunoensoio por quimioluminescênc,o .
Terceiro Geração
lreoglooul no 1.3 o 31 8 ng/ml (Adu.tos) lmunoensa1o por qUimiOium,nescêncla

Tiroxina IT4 Total) 4 ,2 o 11,8 fJ9 / d l (15 o 20 anos) lmunoensoio por quimioluminescêncio
5,1 o 14 lfJg/ dl (21 anos e ocimo)
Tr IO' l011ron no (T3 To·ol 102 o 200 ng JL (10 o 19 01 osl lmunoensoio por cu .mdumlnescência
80 o 200 ng 'd (20 on,.,s e oc mo:
T4 livre 0,9 o 1,5 ng/dl (12 o 17 anos) lmunoensoio por qu:m!Oiuminescêncio
0,8 o I 7 ng/dl (18 anos e oc mo)
T3 l vrc 3,6 o 7 5 pg;ml (14 o 17 O'lOSI o·é ise de Equ1 íono/ HPLC Esooctrornel'lo
3.2 o 6.6 pg/ ml (18 anos e ocimo. de M ossa
exce1o gestortes)
3.0 o 5 7 pg ml (Gestontesl
Captação de T3 (T3 Uptokel 28 o 41 % lmunaensaia por qu imiolum~nescência

no e de Tiroxina livre (FTI) 1.4 o 4 ,2 lmunoensa o por qu1ml0ium.nescenc1a -


Cálculo

• Intervalos de referência são dependentes do sistema onolílico e do população. Valores odaplados de ARU P loborotories. apresento
dos o penes o ·ruo oe exemp o

TSH sensível

["·t I
Suspe~to ~
l Hipot ireoi d is ~

Figura 40.1 - Rastreamento das disfunções ure01d1anas.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DE
HIPERTIREOIDISMO E HIPOTIREOIDISMO hipocireoidismo primário e que a elevação do T4L com
redução do TSH (determinado por mérodo sensível) a
níveis rnferiores a O,lmU/L seja critério diagnóstico para o
A Amencan Thyratd Assooatton (ATA) recomen- hiperttreoidismo. A ATA ressalta, em retamo. que o nível
da que a redução dos níve1s de T4L. acompanhada de de TSH sénco é ma1s sensível que o T4L para o diagnós-
elevação dos níveis de TSH, seja cmério diagnóstico de tiCO de ambas as Situações. Dev1do à alta freqüência de

Investigação laboratorial dos distúrbios da função rireoidiana 523


disfunção tireoidiana na prática clínica, rorna-se necessá- meme evolui para doença franca, quando os sintomas
ria a adoção de estratégia que permita o diagnóstico dos típicos dessa doença se rornam presentes. Até mesmo
casos sem elevação significativa dos custos. discretos aumentos dos níveis de TSH podem se cor-
A Figura 40.1 apresenta uma proposta de rasrreamen- relacionar a alterações dos níveis de colesterol, além de
ro semelhante a várias outras já encontradas na literatura. representar um risco independente de desenvolvimen-
Esse protocolo rem-se mostrado eficaz no diagnóstico da to de doenças coronarianas. Desta maneira. mrnou-se
disfunção rireoidiana primária. Entretanto,é necessário ter quase consensual que o hipotireoidismo subclínico seja
em mente que, nos pacientes com disfunções hipofisárias tratado após confirmação diagnóstica por outra deter-
ou hiporalâmicas (hiper e hiporireoidismo secundários minação de TSH ou pela presença de tírulos elevados
ou terciários), a dosagem de TSH não é sensível, podendo, de antiTPO. Além disso, o tratamento deve ser consi-
inclusive, encontrar-se elevada no hipotireoidismo secun- derado em pacientes com história familiar de primeiro
dário (hipofisária). Como a imensa maioria dos distúrbios grau positiva para tireoidite de Hashimoto ou doença
do eixo HHT ocorre em nível primário (acometimento da de Graves e também em gestantes, já que o hipotireoi-
tireóide), justifica-se a adoção desse protocolo. Os distúr- dismo subclínico correlaciona-se ao comprometimen ro
bios secundários e terciários são acompanhados freqüen- do desenvolvimento neurológico do feto.
tememe por sinais e sintomas de comprometimento das A prevalência total de hipo e hipertireoidismo em ado-
oucras funções hipofisárias. Sempre que houver suspeita lescentes e adultos nos Estados Unidos é estimada entre 1 e
clínica de acometimento hipofisária, portamo, é impera- 4%. A incidência anual em adultos é estimada em 0,05 a 0,1%
tiva a determinação concomitante do T4L. Chama a aten- para hipertireoidismo e 0,08 a 0,2% para hipotireoidismo,
ção o faro de que, mesmo na ausência de quadro clínico, com as maiores incidências atribuídas às mulheres idosas.
uma análise cuidadosa do par hormonal T4L/TSH pode- O Estudo de Framingham mostrou que 13,6% das mulheres
rá levantar a suspeita diagnóstica, já que a redução ou acima de 60 anos tinham níveis de TSH acima de 5 mU/L. O
o aumento significativos do T4L não são acompanhados recente Colorado Thyroid Prevalence Study (N = 25.862) de-
pela correspondente elevação ou redução exponencial tectou, entre os participantes de uma feira de saúde estadual
do TSH. Torna-se claro que, ao se interpretar as determi- que não estavam em uso de qualquer medicação, que 8,9%
nações de T4L e TSH, os resultados devem ser analisados apresentavam níveis de TSH > 5,1 mU/L (hipotireoideos) e
como componentes de um par hormonal. que é a manei- que 1% apresentava níveis de TSH < 0.3 mU/L (hipertireoi-
ra fisiológica de se comportarem, e não isoladamente. deos). Entre os que estavam em uso de medicação tireoi-
diana, apenas 60% tinham valores de TSH na faixa normal.
Esses investigadores concluíram também que a ausência de
T RIAGEM DOS DISTÚRBIOS DA TIREÓIDE sintomas não deve ser usada para excluir a possibilidade de
doença tireoidiana.
Há recomendações clínicas, baseadas em evidên- Recentemente, vários autores vêm sugerindo uma re-
cias, para o rascreamemo de disfunções tireoidianas visão no valor de referência superior para determinação
em pessoas assintomáticas. Essas indicações são: a) re- plasmática do TSH para um valor máximo de 3,8mU/L.
cém-natos; b) história fami liar em parentes de primeiro
grau; c) pacientes portadores de doença auto-imune;
d) planejamemo pré-gestacional; e) idosos. Há também MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO
evidências se acumulando acerca do custo-efetividade DO HIPOTIREOIDI SMO
positiva da busca da disfunção tireoidiana em outros
grupos populacionais. notadamente mulheres acima É consenso que a determinação do TSH plasmático
de 50 anos. O hipotireoidismo subclínico é definido por é o método de referência para o acompanhamento da
níveis elevados de TSH e níveis normais de T4 e T3. É reposição hormonal no hipotireoidismo primário, de-
denominado subclínico porque pode ser detectado an- vendo ser mantido dentro da faixa de referência. Entre-
tes do aparecimento dos sintomas, sendo, portanto, um tanto, é importante lembrar que o sistema de controle
conceito baseado no resultado laboratorial. Freqüente- hipotálamo-hipofisária (TRH/TSH) tem um tempo de

524 [ Medicina la borato rial pa ra o clínico )1-- - - -- -- - - - - -- - - - - - - -- - - - -- - -


resposta relativamente lento, devendo-se. pois. aguardar do médico responsável experiência com as dosagens
de 8 a 12 semanas para o ajuste na dose de reposição de T4, T3 e TSH nesses pacientes. Aqui, a dosagem
hormonal. Nos hipomeo1dismos secundá no e terciáno, a isolada do TSH não é suficiente, sendo ind ispensável a
determinação do T4L e T3L, aliada à clín ica, é o parâme- determinação de T4L, T3L e, às vezes, o teste do TRH.
tro utilizado no controle. Nesses pacientes, também é desejável o uso de ensaios
de terceira geração.

M O N ITO RIZAÇÃO DO TRATAMENTO


DO HIPERT IREOID ISMO ANTICORPOS ANTITIREÓIDE

No tratamento do hipenireoidismo primário, a Em 1956, Roitt et a/. vincu la ram, pela primeira vez, a
normalização dos níveis séricos de T4 e T3 ocorre an- presença de auto-anticorpos anti antígenos t ireoidianos
tes do retorno do TSH à faixa normal, o que também a doenças da tireóide, assim chamadas "auto-imunes",
é explicado p ela resposta lema do sistema hipotálamo- com destaque para a t ireoid1te de Hash1moto. Os antí-
hipofisária. O TSH pode ficar suprimido, independente- genos meo1dianos clássicos compreend1am a nreoglo-
mente do eutireoidismo clínico e laboratorial. Uma vez bulina e o "amígeno microssomal" tireoidiano, no início
normalizado, o TSH passa a ser o hormônio utilizado mal defin1do e hoje caracterizado como uma enz1ma do
como parâmetro mais sensível para o ajuste da terapêu- ripo peroxidase.
tica antitireoid1ana. Hoje se sabe que ocorre dano celular quando os lin-
fócitOs T-sensibilizados e/ou auro-ant1corpos se ligam à
membrana celular causando lise, reações inflamatórias
TSH E T RATAMENTO SUPRESSIVO e eventual destruição de tecido funcionante. Podem
DO CÃNCER DE T IREÓIDE ocorrer também alterações da função da glându la rire-
óide, resultantes de ações de est ímulo ou de bloqueio
O uso de tiroxina visando à supressão da secreção dos auto-anticorpos sobre os receptares das membranas
de TSH é prát ica comum no tratamento das neopla- celulares. São três os principa1s antígenos envolvidos em
sias bem diferenciadas da rireóide. A seleção do nível doenças auro-imunes da tireóide: meoperoxidase (TPO),
de TSH plasmátiCO a ser mantido depende da 1dade tireoglobul ina (Tg) e receptor de TSH (TSH-R).
do paoente, da gravidade de sua doença e do tempo Ainda não há disponibilidade de testes laboratonais
decorndo do rraramemo cirúrgico e com iodo radio- para avaliar a imun1dade mediada por célu las nos pro-
atlvo. Nos pnmeiros anos após a terap êutica, o TSH cessos auto-imunes da tireóide. Contudo, estão dispo-
deve ser m antido em níveis inferiores a 0,1 mU/L, não níveis testes para a resposta humoral, ou seJa. autO-an-
haven do vantagem em se obter níveis inferiores a 0,05 ticorpos. Infelizmente. as dosagens de auto-a nticorpos
mU/L. Aqui, o uso de ensaios de terceira geração é de- antitireoidianos apresentam lim itações técnicas, prin-
sejável. Após a con fi rmação da cura, o TSH pode ser cipalmente em re lação à sua especificidade e padroni-
mam1do em níveis inferio res a 0.3 mU/ L, mas superio- zação. Independentemente do amígeno alvo. os auw-
res a 0,1 mU/L, visando, pnncipalmente em mulheres, à anticorpos anritireóide são uma mistura complexa de
preservação da massa óssea. imunoglobulinas potencialmente capazes de interag1r
com Tg, TPO ou com receptores de TSH. As diretrizes
da National Academy of Clinrcal Btochemtstry (NACB)
DOENÇA NÃO T IREO ID IANA em relação aos méwdos para determinação de anticor-
(" EUTIREO IDIANO DOENTE") pos antitireó1de recomendam que se compreendam e
considerem os resultados de testes para anticorpos an-
A interpretação das provas de função tireoidiana t iti reóide com o mérodo-dependentes que variam no
em pacientes hospitalizados o u portadores de imercor- reconhecimento de diferentes epiwpos em uma popu-
rênclas clínicas ou psiquiátricas é complexa, exigindo lação heterogênea. A NACB recom enda t ambém que

Investigação laboratorial dos dist úrbios da fu nção tireoidiana 525


os ensaios de rorina para uso pelos laboratórios sejam cireoglobulina e com "ancígeno microssomal". Essa
padronizados contra padrões internacionais Medical metodologia apresentava limitações, devido à baixa
Research Council - MRC. sensibilidade e à imperfeita caracterização do antíge-
O uso da dosagem de auto-anticorpos para moni- no antimicrossomal.
torização de tratamento não é útil já que o tratamento, A NACB recomenda atualmente o uso de imunoen-
em geral, é voltado para as conseqüências da disfunção saios sensíveis e específicos, empregando como amígeno
e não para a sua causa (a auto-imunidade). Contudo, al- preparações de TPO nativa altamente purificada ou recom-
terações da concentração dos auto-anticorpos podem binante humana. As antigas determinações semiquantita-
refletir alterações na atividade da doença e devem ser tivas baseadas em aglutinação devem ser abandonadas.
avaliadas com a devida cautela. Os auto-anticorpos que reconhecem a TPO são po-
tencialmente capazes de inibir a sua atividade enzimáti-
ca. Eles atuam também como anticorpos fixadores de
ANTICORPO ANTIPEROXIDASE TIREO IOIANA complemento, que podem induzir alterações citoróxicas
(ANTITPO) nas células e são, portanto, uma causa potencial de dis-
função tireoidiana.
O antigo antígeno microssomal da tireóide foi carac- Os anticorpos antiTPO (ou TPOab, em inglês) estão
terizado. Trata-se, na verdade, da peroxidase cireoidiana envolvidos em processos destrutivas do tecido tireoidiano
(TPO), uma enzima glicosilada tipo hemoproteína, ligada associados à tireoidite de Hashimoto, ao hipotireoidismo
à membrana celular, com peso molecular de aproxima- idiopática (80%), à doença de Graves (DG)(SO%) e, com
damente 110.000 daltons. Ela exerce, como dito anterior- menor freqüência, a outras doenças tireoidianas. Estudos
mente, importante papel na biossíntese de hormônios longitudinais sugerem que o antiTPO é um fator de risco
tireoidianos ao catalisar tanto a iodinação de resíduos da de disfunção tireoidiana no futu ro, incluindo-se a ti reoi-
tireoglobulina quanto a junção de resíduos iodotirosíli- dite pós-parto e as complicações de alguns tratamentos
cos para formar T4 e T3. medicamentosos (amiodarona, alfa-interferon, lítio). O sig-
A primeira técn ica a ser aplicada em larga esca- nificado clínico de níveis baixos de antiTPO encontrados
la para a determinação de antiTPO foi a hemaglu- em aproximadamente 12% dos indivíduos normais ainda
tinação, na qual hemácias eram recobertas com requer mais elucidação (Figura 40.2).

i do

Ativoçõo do
Processo i do TSH .[, do T4L
Auto-imune Hipotiroidismo Hipotiroidismo
Subclínico Manifesto

Fotor (es)
Ambiental

Predisposição
Genético

idode

Figura 40.2 -Relação entre título de anticorpos AntiTPO e desenvolvimento de hiporiroidismo.

S26 [ Medicina laboratorial para o clínico


As recomendações acuais para a dosagem de ami- quantitativos sensíveis para dosagem de antiTG é crítico
TPO são: nesses pacientes.
• diagnóstico de doença auto-imune da tireóide;
• fatores de risco de doença auro-imune da tire-
óide: hipmireoidismo relacionado à terapia com ANTICORPOS ANTI-RECEPTORES DE TSH
alfa-inrerferon, imerleucina-2 ou lírio; disfunção da
cireóide devido à amiodarona; hipotireoidismo em O primeiro relato de que haveria um agente esti-
paciemes com síndrome de Down, disfunção da mulador da tireóide que diferia do TSH por apresentar
rireóide durante a gestação e no pós-parto; abor- meia-vida mais longa (Long Acting Thyro1d St1mulator ou
tamentos e insucesso de fertilização mv1tro. LATS) foi publicado em 1956, utilizando um bioensaio
in vivo. O LATS foi, posteriormente, identificado como
uma imunoglobulina que se liga ao receptor de TSH,
ANTICORPO ANTITI REOG LOBU LI NA (ANTITG) estimulando-o.
Os receptores de TSH pertencem a uma família pro-
A tireoglobulina (Tg) é uma glicoproteína solúvel de téica cransmembrana chamada "receptores ligados a pro-
alto peso molecular (660 kDa), formada por duas subu- teínas G" e apresentam dom ínio extracelular para ligação
nidades idênticas. Apresema alto grau de heterogeneida- ao TSH e domínio intracelular que ativa a adenilatoci-
de devido a diferentes modificações pós-rranslacionais, clase e gera cAMP. Os auto-anticorpos anti-receptores
como glicosilação, iodinação e sulfatação. Durante o de TSH (TRab em inglês) são heterogêneos, podendo si-
processo de síntese e liberação de hormônios tireoidia- mular a ação do TSH e causar hipertireoidismo (DG) ou,
nos, a Tg é canto polimerizada quanto degradada. alternativamente, antagonizar a ação do TSH e causar hi-
A prevalência de antiTg depende do ensaio usado. pmireoidismo, principalmente em neonatos. Não se en-
Os primeiros métodos desenvolvidos para sua pesquisa contra uma correlação entre os níveis séricos de TRab e
foram testes de 1munofluorescência indireta, utilizando a situação clínica do paciente, em grande parte devido à
cortes de tecido tireoidiano e mécodos de aglutinação heterogeneidade do TRab circulante, a qual pode, inclu-
passiva. No momento, estão disponíveis métodos mais sive, variar ao longo do tempo em um mesmo paciente.
sensíveis e específicos, imunoensaios competitivos e As principais situações cl ínicas nas quais estaria indicada
não-competitivos. Contudo, as mecodologias antigas a determinação de TRab são:
e as recentes continuam em uso na rotina simultanea- • investigar a etiologia do hipertireoidismo quando o
mente. Esse fato, somado à heterogeneidade do antiTg diagnóstico não for óbvio (doença de Graves(DG),
e às diversas caraCterísticas das preparações de Tg que inclusive oftalmopatia);
dependem do tecido humano e do processo de purifi- • em gestantes com história pregressa ou acual de
cação usados, contribui para explicar as diferenças entre DG, para avaliação do risco de disfunção tireoidia-
ensaios observadas na prática e o motivo de serem tão na neonatal;
difíceis de se padronizarem. • em neonacos, para avaliar a presença de ami-
A maior aplicação clínica para a determinação dos corpos de origem materna, canto estimuladores
ant1Tg é seu uso associado à determinação da Tg plas- como bloqueadores.
mática no acompanhamento a pacientes portadores de
carcinoma diferenciado de tireóide (CDT) submetidos à
tireoidectomia e, subseqüentemente, à terapêutica abla- TIREOGLOBULINA NO ACOMPANHAMENTO
tiva com iodo radioativo. Nesses pacientes, considera-se DO CARCINOMA DIFERENCIADO
que um TSH inferior a 0,3mU/L deve se acompanhar de DE TIREÓIDE (CDT)
dosagem de TG inferior a 1ng/ml. A determinação con-
comitante do antiTG é indispensável, já que sua presença A tireoglobulina (Tg) é sintetizada exclusivamente
pode interferir no ensaio de TG e torná-lo menos confi- pelas células foliculares tireoidianas e, desta maneira, é
ável como marcador tumoral. Portanto, o uso de ensaios excelente marcado ra da atividade dessas células. A in-

Investigação laboratorial dos distúrbi os da função tireoidiana 527


rrodução de ensaios sensíveis para sua dererminação no REFERÊNCIAS
plasma wrnou sua dosagem úril na derecção de resms 1. Adams DO, Purves H D. Abnormal responses in rhe assay
tireoidianos ou da recorrência do CDT após ablação co- o( thyrouopin. Proc Un1v Orago Med Sch.1956;34:11-2.
2. A merican College 0( Physicians. Clinical guideline,
tai da ti reóide, usualmente conseguida com tireoidecco-
parrl. Screen ing for rhyro1d disease. Ann lm ern Med.
mia wtal associada à dose terapêutica de 1131. 1998;129(2):141-3.
Utilizando-se de ensaios sensíveis, considera-se que, 3. Barra GB. Velasco LF. Pessanha RP. Campos AM.
no paciente em tratamento supressivo com Tiroxina, o M ou ra FN. Dias SM. er ai. Molecular mechan1sm of
rhyroid hormone acrion. Arq Bras Endocrinol Merab.
nível de corte que aponta para a suspeita de recorrência
2004;48(1):25-39.
do CDT é superior a 1ng/ml. Objetivando a maior sen- 4. Campbell PN. Doniach O, Hudson RV, Roitt IM. A uto-an-
sibilidade do método, é indicada a determinação da Tg tibod ies in Hashimoto's disease (lymphadenoid goirre).
após estímulo da célula fol icular pelo TSH. Duas estraté- Lancet. 1956;271 (6947):820-1.
gias estão disponíveis: a suspensão do hormônio tireoi- 5. Canaris GJ. Manowitz N R, Mayor G. Ridgway EC. The
Colorado rhyroid disease prevalence srudy. Arch lnrern
diano com conseqüente elevação do TSH endógeno ou, Med. 2000;160(4):526-34
mais recentemente, o estímulo com TSH recombiname. 6. Czarnocka B. Ruf J. Ferrand M. Carayon P, Lissirzky S. Pu-
Considera-se nível de corte para determinação de Tg es- nf1cat1on of rhe human rhyroid peroxidase and its iden-
timulada por TSH o valor de 2ng/ml, acima do qual a rificanon as t he microsomal anrigen involved in autoim-
mune thyroid disease. FEBS Leu. 1985;190(1):1 47-52.
pesquisa de recorrência deverá ser avaliada.
7. Hel fand M. American College Of Physicians. Redfern CC
Associada ao ultra-som da região cervical, a determi- Clinical guideline. pare 2. Screeni ng for t hyroid disease: an
nação de Tg estim ulada pelo TSH é o melhor método update. Ann lnrern M ed . 1998;129(2):1 44 -58
para detecção de recidiva do CDT. 8. Hol lowell JG. Sraehling NW, Flanders W D, Hannon
W H. Gunrer EW. Spencer CA, et ai. Serum TSH. T(4),
and thyroid anribodies in the Unired Stares popularion
(1988 to 1994): arional Healrh and Nurrition Examl -
CONSIDERAÇÕES FI NAIS nation Survey (NHANES III). Clin Endocrinol Metab.
2002;87(2):489-99
9. INCA lodoterapia do Carcinoma Diferenciado da Tire-
A utilização racional dos recursos laboracoriais permi-
óide. Rev Bras Câncer. 2002;48(2):187-9. Disponível em:
te uma abordagem diagnóstica bastante eficaz das doen- http://w ww.inca.gov.br/rbc/n_ 48/v02/pdf/condutas2.pdf.
ças que acometem o eixo hipotálamo-h ipófise-tireóide. 10. Nacional Academy of Clinical Biochemistry (NACB).
NACB: laboratory supporr for the diagnosis and monito-
ring of rhyroid disease. Washington (DC): Nacional Aca-
demy of Clinical Biochemisrry (NACB); 2002.Dispon ivel
em:http://www.nacb.org/lmpg/thyroid_lmpg_pub.stm
em novembro de 2005.
11. Vaisman M , Rosenrhal D. Carvalho DP Enzymes involved
in rhyroid iodide organification. Arq Bras Endocrinol M e·
tabol. 2004;48(1):9-15

528 [ Medicina lab oratorial para o cl ínico


Lucimar Gonçalves de Souza Assunção
41 Elza Santiago Erichsen

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DOS


DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS

A reposição de perdas anormais de água e eletróliros homens. Está d istribuída em com partimentos que
do organismo para manutenção da homeostase é ocor- d iferem em sua composição iônica. Dois terços estão
rência freqüeme na prát ica m édica. A avaliação clínica d istribuídos no comparrimenro o u líquido intracelular
permite constatar sua ocorrência e possíveis causas.To- (LIC) e um terço no compartimento ou líq uido ex-
davia, a dosagem dos eletróliros é indispensável para a t racelular (LEC). O líquido extracelular é composro de
constatação dos distúrbios presenres e avaliação da gra- rodos os líquidos externos à célula e está subdividido
vidade e para oriemar a sua correção. em subcompartimentos:
Os distúrbios hidroeletrolíticos graves são gera l- a) inrersticial ou li nfa;
mente ocorrências agudas e dinâmicas e necessi tam b) intravascular (plasma);
de moniroramento clín ico e laborarorial contínuo. O c) líquidos transcelulares.
moniroramemo laborarorial é feiro pela dosagem dos
elerrólitos nos líq uidos corporais, principalmente plas- A Tabela 41.1 m ostra a dist ribuição média da água em
ma e urina. O utros líq uidos também são analisados relação ao peso corporal, segundo Morgan et a/. (1967)
se participarem dos farores causadores ou agravantes
do d istúrbio: suco gástrico, líquido perironeal, perdas
através de físrulas, líquidos de drenagens, ileosrom ia. Tabela 41.1 - Distribuição da água tQ[al e valores médios
N os estados emergenciais, essas dosagens são solicita- da água dos comparrimemos orgânicos em relação ao
peso corpo ral de um adulro de 70 kg
das periodicamenre pelo inrernista, de acordo com o
ritmo da reposição de água e eletróliros até a correção
do distúrbio. Compartimento Percentual do peso corporal Volume
Intracelular 40 % 28,0L

Intersticial 15% 10,5L


FISIOLOGIA - BREVE RESUMO
lntrovosculor 3 -5% 3,5L
\plasmo)
A água e os eletróliros estão distri buídos no or-
Tronscelulor 2% 1 5L
ganismo em esp aços anatômicos e funcionalmente
definidos e que se intercomunicam. Tendo como re- Total 62% 43,5L
ferência o peso corporal de um adulro, a água cons-
rirui cerca de 50% do peso nas m ulheres e 60% nos Fonte Mo1 gan et a/. (1967)
COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA D OS
outros cátions potássio (K+), cálcio (Ca++) e mag-
COMPARTIMENTOS INTRACELULAR E
nésio (Mg++) consriwem pequena concemração
EX TRACELULAR
nesse comparcimemo. Na composição de ânions,
o cloro é o principal elemento do LEC. ligado
Os eletróltros presentes nos líqUtdos corporais principalmeme ao Na+. Em menor c:oncemração
distribuem-se jumameme com a água corpo ral em di- escão os fosfaros (HP04-), sulfaros (504--), ácidos
ferences concentrações no LIC e LEC. com o m ostra a orgânicos e proteínas;
Tabela 41.2. Na sua composição iónica, rem os: sódio, • líquido intersticial: caracteriza-se p ela ausência de
potássio, magnésio, fósforo. cloreros, cálcio, fosfaros. proteínas e co nstitui um uluafiltrado do plasma.
sulfaros. bicarbonaro e proteína. A concentração iónica é póxima da do plasma.

Tabela 41.2- Dtsrnbuiçào iô nica do plasm a. líqutdo imers-


rícíal e líquido intracelular líquido intracelular (UC)

Líquido Líquido
Plasma O potássio (K+) constitui o principal cátion desse
intersticial intracelular
compart imemo. A concentração do sódio intracelular é
Cátions mEq/ L mEq/ L mEq/L
reduzida em relação à carga cariónica rotai do LI C. Os
Sódio (No+) 142 144 ± 10 outros cárions presentes são o magnésio (Mg++), com
Potássio (K+l 4,2 4,0 156,0 concentração matar que no LEC. e o cálcio (Ca++). Os
prinopais ânions tntracelulares são os sulfaros (S04 --),
Cábo !Co++l 5.0 25 : 33
fosfaros (HP04--,CH2P04-) e proteínas.
Magnésio 3,0 1,5 26,0
!Mg++l
Tolo! cóllons 154 152.0 195.3 AVALIAÇÃO LABORATORIAL DOS DISTÚRBIOS
Ânions mEq/ L mEq/ L mEq/ L ELETROLÍTICOS

Cloro !G) 103.0 114 0 =2.0 Os tesres laborawriais utilizados para avaliar os dis-
Bicarbonato 27.0 30,0 ± 8,0 túrbios htdroelerrolíricos são: a) o ionograma, que éa
(HC03 -I dosagem dos eletróliros nos líquidos corporais: soro,
Fosfato IHP04 -) 20 2.0 950 plasma, urina; b) a medida da osmolalidade plasm ática
Sulfato (S04 -) 1,0 1,0 20,0 e urinária. Para a dosagem na urina. u tiliza-se urina de 24
horas ou am ostra alearóna.
Ácidos orgânicos 5,0 5,0
O s m étodos para a dosagem elos elerrólicos são a fo-
Proteínas 16,0 0,0 55.0 comerria de chama e o elerrodo de ío n seletivo (EIS) mais
urilzado arualm em e.
Total ômons 154,0 152,0 180..0

FOTOMETRIA DE CHAMA

É um método mats antigo, mas atnda utilizado em la-


líquido extracelular (plasma e líquido intersticial)
boratórios de pequeno porre, e tem boa confiabtltdade. O
princípio da fotometria de chama reside no fato de que o
• plasma: nesse compartimem o. o sódio (Na+) é o sal de um metal alcalino dispersado em uma chama trá IO-

cát ion em maior concemração, sendo responsá- nizar-se, absorver energia da chama e então emirtr luz em
vel pela pressão osmótica eferiva e, portamo. pelo um comprimento de onda característico. à medtda que os
comrole do volume desse compartimento. Os átomos excitados decaem ao seu estado basal. Uma foro-
célula detecta a luz emitida e converte em voltagem que plasmática é o miliosmol/kg (mOsm/Kg). Usou-se há al-
pode ser registrada. Como o sódio e o potássio emitem gum tempo a osmolaridade, que é o mOsmol por litro
luz em comprimentos de onda diferentes, pode-se usar (Osmoi/L ou mOsmoi/L), que expressa a pressão osmó-
filtros apropriados. Os fotômetros dão respostas lineares tica por litro de solução. Utiliza-se. por ser mais exara. a
para a concentração do íon em uma faixa estreita, portan- osmolalidade (Osmi/Kg/H2 0 ).
to, são necessárias diluições da amostra.

Osmolalidade plasmática

Elet rodo íon seletivo (ISE) Em condições de equilíbrio. a osmolalidade plasmática


está em corno de 289-300m0sm/kg/H20 e é devida prin-
t a metodologia ma1s utilizada atualmente. pois per- cipalmente à concentração de sódio plasmático e subs-
mite a dosagem dos diversos eletrólicos, como o cálc1o, tâncias como a uréia e glicose. Ela contribui. em condi-
pocáss1o. sód1o. cloreto, magnésio, no sangue, plasma ções normais, com aproximadamente 2% da osmolalidade
ou soro, unna ou outro líquido b1ológico. e devido à sua medida. Uma regra prática pode ser utilizada para cálculo
prat1odade e sensibilidade. O eletrodo é uma membra- da osmolal1dade, rendo-se os valores do sód io plasmático.
na sensível de vidro que permite a passagem de íons. uréia e glicose, como demonstrado na fórmula:
A d1ferença de potencial que se desenvolve através da
membrana pela passagem de alguns íons é proporcio- Osmolalidade plasmática =
(2 X Na) + (glicose .;. 18) + (uréio .;. 2 .8)
nal à concentração. o que pode ser medido pelo mili-
voltímetro. A vantagem do método é a possibilidade de Osmolalidade plasmática cálculo-denvada
resposta linear em uma faixa ampla de concentração e
também por realizar as dosagem de vários eleuól1tos. A uréia (PM=60 ou BUN-PM=28) e a glicose
(PM =180) são d1vid1das pelos seus pesos molecula-
res (PM) para o cálculo da osmolalidade. 18 e 2.8 são
PRESSÃO OSMÓTICA DO PLASMA resultados da mudança de un1dades que expressam a
concentração da glicose e BUN (nirrogên1o uréico do
As perdas de água ou eleuóli ros levam a alterações sangue) em mg/dL para mOsm/L. Na fórmula. a uréia
da pressão osmótica do plasma. A osmolalidade depen- corresponde ao BUN. Na prática. utiliza-se a dosagem
de da concentração de solutos ou partículas de um líqui- de uréia quando não disponível o BU . O sódio, estan-
do e determina a sua tonicidade efetiva. No organismo. do ligado ao cloro (NaCI). tem a força dos dois íons, sen-
dev1do à osmose, a difusão da água através da membra- do. pois, multiplicado por dois.
na celular equilibra as diferenças de tonicidade dos com-
partimentos intra e extracelu lar.
Osmo/alidade urinária

Mede a quantidade de partículas na urina eliminada


Conceito de osmolalidade com a água. Indica a capacidade de eliminação ou con-
servação de água pelos rims. Em condições fisiológicas. o
A pressão osmótica de uma solução depende do nú- rim elimina a urina com osmolalidade entre 500 e 1.200
mero de partículas nela dissolvidas. Ela pode ser medida mOsmoi/Kg, dependendo da ingesra de água, e valor
pela depressão do ponto de congelamento do solvente médio de 750 mOsmoi/Kg
induzida pelas partículas do soluw. A pressão osmótica
produzida por uma molécula grama (moi) de uma subs-
tância não dissociável ou um íon-grama em 1.000 gra- VALORES DE REFERÊNCIA
mas de solvente (água) terá a osmolalidade de 1 Osmol/
Kg/H20. Se utilizar-se a milésima parte do moi, rer-se- As concentrações dos elerróliros são semelhantes
á o miliosmol. A un1dade que expressa a osmolalidade no soro ou plasma. Os resultados são expressos em

Invest igação laboratorial dos distúrbios hídroeletrolítícos 531


mEq/L ou mg/dl . Nas Tabelas 41.3 e 41.4 estão os va- recipientes isotérmicas à temperatura ambiente,
lores de referência dos elecrólitos utilizados na prática até que o material seja processado.;
clínica, segundo a literatura. • deve-se evitar o garroteamenco prolongado du-
rante a coleta. Acima de três minucos, ele pode
Tabela 41.3 - Valores de referência dos eleuóliws no sangue
causar redução de até 6,2% no potássio sérico;
• deve-se evitar manobras com a mão e/ou ante-
Eletrólitos Adultos Crianças braço durante o garroteamento para wrnar a veia
mais visível, pois isso pode elevar o pocássio da
Potássio 3,5 a 5,0mEq/L 3,5 a 5,0mEq/L
amostra;
Cálcio total 8,6-10,6 mg/dl 8,5 o l i ,5 mg/dl • deve-se rejeitar amoscras hemolisadas. A hemólise
(até 0 1 ano)
provoca aumenw artefactual de K+ pela liberação
Cálcio ionizado 2,2 a 2,7mEq/L
desse cátion das hemácias. Esse aumento pode
4,5 o 5,5 mg/dl chegar a 20 vezes a concentração;
Magnésio 1.9 o 2,5 mg/d l I ,9 a 2,5 mg/dl
• deve-se rejeitar amostras obtidas com anticoagu-
lantes contendo oxalaw de pocássio, citrato de só-
1,5 o 2,5mEq/ L dio e EDTA, pois são sais de Na+ e K+, que elevam
Fósforo inorgânico 3,0 o 4,5 mg/dl 2,5 a 4,0 mg/dl os os níveis desses íons na amostra.
(meninos)
I ,O a 2.0 mEq/L 3.8 a 5,9 mg/dl
(meninos) Fatores interferentes
Sódio 135 a 14 5 mEq/L 137 a 145 mEq/L

Cloretos 96 a I 07 mEq/L 96 o I 06 mEq/L Algumas situações interferem no resultado analítico:


• pacientes hospitalizados, pela permanência pro-
longada no leito, podem apresentar hemodilui-
ção, redução da proteína e albumina (0,5 a 0,3 g/
Tabela 41.4 - Valores de referência dos eletrólitos na urina dL), aumenw do cálcio ionizado e redução do po-
de 24 horas
tássio sérico;
• as amostras lipêmicas podem causar interferência
Sódio 40 a 220 mEq/L/dia
nas dosagens por fotometria de chama. Os lípides
Potássio 25 a 125 mEq/L/dio ocupam espaço no volume de soro, levando à re-
Cloreto 150 a 240 mEq/L/dia
dução da água livre por litro de soro. Os mécodos
de EIS superam esse interferente;
• as trombocicoses e leucocicoses intensas podem
causar elevação do K+ se utilizado soro, sendo
CUIDADOS NA COLETA DA AMOSTRA praticamente abolido na utilização de plasma.
A concentração sérica de K+ é normalmente 0,5
mEq/L maior que a plasmática devido à liberação
Várias situações podem levar a erros analíticos e são de potássio das plaquetas e leucócitos durante o
evitadas pelas corretas condições de coleta e manuseio processo de coagulação;
da amostra. • o uso de medicamentos endovenosos contendo sais
Para dosagem de eletrólitos no sangue, pode-se uti- de K+ ou Na+ deve ser considerado, pois estes cau-
lizar plasma ou soro. A heparina de lítio é a ideal para sam aumento artefactual desses íons no plasma;
obtenção do plasma. Os cuidados pré-analíticos a serem • a hiperglicem ia ou infusão endovenosa de ma-
observados são: nitol causa aumento da osmolalidade plasmáti-
• deve-se providenciar o transporte imediaco da ca (hipertonicidade), mesmo com o sódio plas-
amostra ao laboratório e efecuar o transporte em márico baixo.

532 [ Medicina laboratorial para o clínico ) f - - - - - - - - - - - -- -- - - - -- - -- - - -- -- --


DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS dosreronismo, por baixa produção do hormônio adre-
nocórticotrófico (ACTH) ou por hi pofunção adrenal,
O manejo de pacientes com distúrbio hidroelerrolíci- com diminuição da absorção renal de sódio; b) à secre-
cos é ocorrênoa freqüente na prática clínica, em especial ção Inadequada do hormônio antidi urético (SIHAD).
nos serv1ços de urgência e pacientes intenados. Diversas com retenção de água e diluição do plasma. O hormô-
situações clínicas, doenças sistemicas, renais e endocri- nio amidiurécico (ADH) é produzido no hipocálamo e
nológlcas podem levar a perdas ou retenção de água e l1 berado pela hipófise no sangue. Ao aruar no rim, o
de elerróilros do organismo. O distúrbio hidroelerrolírico ADH reduz a excreção de água na urina. A deficiên-
conseqüente pode ser predominante de um dos íons, por cia de glicocorticóides aumenta a permeabilidade dos
ex. sódio, ou associado. por ex. cáloo, magnés1o, pmáss1o. duetos coletores e os níveis de ADH circulames.
A hiponatremia também pode resultar da retenção
da água, por mecanismo anormal de excreção da água
DISTÚRBIOS DO SÓDIO (Na+) livre e por administração excessiva de infusão venosa de
líquidos hipotôn1cos. Outras causas são as perdas gas-
O organismo regula continuamente o conteúdo de mmestinais por: diarréia, vômitos, fístula, sudorese inten-
sódio, a partir de mecanismos reguladores no intestino e sa e febre. Por sua relação com a osmolalidade plasmánca
nns.Quando uma dieta é pobre em sódio, o intestino au- e distribuição de água nesse compartimento, os distúr-
menta a sua capacidade absortiva e os rins reduzem a sua bios do sódio devem ser avaliados com as repercussões
excreção na urina. A excreção urinária do sódio depende que causam na osmolalidade plasmátiCa e no volume do
de vários fatores: filtração glomerular. ação do HAD. se- LEC. como mostram a Figura 41.1 e o Quadro 41.1.
creção de aldosterona pelo sistema renina-angiotensina-
aldosterona, hormônio natriurético ou peprídeo natriu- Hipo notremio e
osmololidode
rénco arriai (ANP). A aldosterona arua aumentando a plasmático
reabsorção renal do sódio e o ANP a sua ellminação. As
situações que causam depleção do sódio corporal levam
à hiponatremia e o excesso à h1pernatem1a. Esses distúr-
~ ~
Hiperosmolo r Hipoosmolor
bios podem vir acompanhados de alteração do LEC e da Hiperglicemio Conlroção do LEC
osmolalidade plasmática, pela ação direta do sódio na Solução venoso, mon itol Expansão LEC
Contraste radiológ ico N ormovolêmico
homeostase da água.

Hiponatremia 1
lsoosmolo r
Pseudo hiponotremio
A hiponatremia reflete a depleção corporal de sódio Uso de solução
hipotônicos poro
e é definida como uma concentração de sódio sérico irrigação no s cirurgias
menor que 135 mEq/L.

Hiponotremio: sódio sérico < 135 mEq/L Figura 41.1 - Hiponarrem1a e aiLeração da osmolalidade plasmática
Fome Adap[ado de Bras1l1a Med.2007

A hiponatremia é alteração eletrolítica comum e


pode ocorrer devido a distúrbiOS nos mecanismos re- Manifestações clínicas
guladores da homeostase do sódio e por perdas. Ent re
as causas renais que levam à perda de sódio estão as A hiponatemia freqüememente não é sintomática.
nefropatias perdedoras de sal, o uso crônico de diuré- Nos casos graves com sódio plasmático abaixo de 125/
ticos de alça (riaz1d1cos) e as nefropatias dos idosos. Os mEqL, podem ocorrer confusão mental e náusea e até
distúrbios hormonais estão relacionados: a) ao hipoal- mesmo convulsões.

Investigação laboratorial dos distú rbios hidroeletrolíticos 533


Quadro 41.1 - Hrponatremia e alteração do volume do LEC Hipernatremia

Hiponatremia e as alterações do líquido extracelular É definida como sódio sérico acima de l45 mEq/L e
(LEC)
sempre representa um estado hiperosmolar. A osmolali-
Cousas de hiponotremio com controçõo do volume do LEC: dade plasmática encontra-se acima de 290m0sm/Kg e
perdas gostrintestinois. perdas renais de sódio, diuréticos, quei·
maduros. acúmulo de líquido no "terceiro espaço", oscile. na urina acima de 800 mOsm/Kg.
Cousas de hiponotremia com volume normal do LEC: SIHAD.
hipohreoidismo, deficiência de mineralocorticórdes Hipernatrem io: sódio sérico > 145 mEq/ L

Cousas de hiponotremia com expansão do LEC: insuficiência


cardíaco congestivo, cirrose. síndrome nefrótico. As situações clínicas que cursam com perda de água li-
vre ou ganho de sal (Na+) ou combinação de ambos podem
apresentar hipernatremia. As causas mais freqüemes estão
Fonre. Adaptado de .. Tratamemo hídrrco geral''. ln: Wash~r'lgtOn manual de tcrapCuuca
clinrca, ed Ltpprncou-Raven Publrshers.Washington. 1998 relacionadas à perda de água de origem não-renal e renal,
com alteração ou não do LEC ou volemia. (Quadro 412).
Avaliação laboratorial
Quadro 41.2 - Causas de hrpernacremia e alterações do LEC.
Na suspeita de hiponatremia est ão indicados os mecanrsmos e causas

testes: sódio sérico, osmolalidade plasmática e urinária,


Volume do LEC Mecanismo Causas
densidade urinária e sódio urinário. A osmolalidade plas-
mática geralmente é calculada pela concentração de só- Hipovolemio 1. Perdas extra· 1. Queimaduras,
!déficit de águo renais de águo sudorese intenso
dio plasmático ou medida utilizando-se o osmômerro. r1oior que de
2. Perdas renais 2. Doença renal
O achado de elevação da osmolalidade plasmática e hi- sódioI intrínseco, diurese
de águo
ponarremia ocorre na hiperglicemia e no uso de manitol osmótica, Diabetes
insipidus central ou
endovenoso. Na pseudo-hiponatremia a baixa de sódio
nefrogênico
sérico é artefacrual, secundária à elevação dos lípides
3. Mecanismo 3. Privação de águo
(dislipidema) e proceínas (mieloma) no soro. Elas levam de sede alterado no idoso e paciente
à redução do volume da fração líquida a ser analisada por dono ao psiquiátrico
hipotálamo ou
comendo o sódio e, assim, valor inferior ao real na amos- comportamental
tra anlisada.
Sem alterações lotrogenio Adminislroçào inlrove-
As causas mais freqüemes de hiponatrema são do LEC noso inadequado de
acompanhadas de baixa da osmolalidade plasmática leuvolemio) solução salino hiper·
!ganho de sódio Iónico. bicorbonolo
(Quadro 4ll ). maior que de
Excesso de mme· Síndrome de Cushrng
Os achados laboratoriais da hiponatremia com con- águo)
rolocorlicóides
uação do LEC são: aumento do hematócrito e proteínas
plasmáticas, densidade urinária maior que 1025 e osmo-
lalidade urinária maior que SOO mOsm/kg e excreção Manifestações clínicas
baixa de sódio urinário menor que 20 mEq/L. O aumen-
to de excreção de sódio urinário acima de 20 mEq/L in- Os simomas de hipernatremia relacionam-se ao dano
dica fa lha no mecanismo poupador de sal e ocorre nas neurológico causado pela desidratação celular e à redu-
nefropatias perdedoras de sal, uso crônico de diuréticos ção do volume cerebral. Evoluem com letargia. fraqueza,
e no hipoaldosteronismo. irritabilidade neuromuscular, coma e convulsão. Quanto
Na hiponatremia com normovolemia causada pela mais rápido se instala, menor a capacidade de adaptação
SI HAD de qualquer etiologia, a osmolalidade urinária celular e mais grave o quadro clínico. É uma si tuação crí-
encontra-se baixa, entre lOO e 300 mOsm/kg, o sódio tica especialmente em crianças e idosos e pode evoluir
urinário acima de 40 mEq/L, a densidade urinária entre para o coma. Os sintomas geralmente são aparentes, nos
1005 e 10l0 e o HAD no pasma elevado. valores de sódio sérico acima de l 60-l 70 mEq/L.

534 [ Medicina laboratorial para o clínico ] 1 - - - - - - - - - - -- - -- - - -- - - - - - - - - - - - - - -


Abordagem laboratorial Hipopotassemia

Na suspe1ta de hipernatremia estão indicados os res-


tes: sódio sérico e urinário, osmolalidade plasmática e A hipopocassemia é definida quando o nível de po-
urinária e a medida do volume urinário de 24 horas. A tássio sérico está abaixo de 3.5 mEq/L.
resposta renal reguladora às perdas de água é a diminui-
ção do volume urinário (cerca de 500 ml/24 horas) e con- Hipopotossem io: potássio sérico< 3,5 mEq/ L
cenrração máx1ma da urina com osmolalidade U >de 800
mOsm/Kg (reabsorção de água pelos rins). A fa lha desse
mecanismo é observada no diabetes insipidus central ou Várias são as causas que levam à hipopotassemia
nefrogênico, no qual a hipernacemia está acompanhada relacionada aos mecanismos reguladores do balanço do
de poliúria e urina com osmolalidade inferior a 250 mOs/ potássio como: baixa ingestão, aumento de perdas renais
kg, dens1dade aba1xo de 1.010. Nas situações menos fre- ou exuarenais, distúrbios endócrinas e metabólicos, su-
qüentes de ganho primário de Na+, observa-se narriurese marizados no Quadro 41.3.
com (Na •1 urinário acima de 100 mEq/L.
Manifestações clínicas

DISTÚRBIOS DO POTÁSSIO (K+) Quando o déficit é moderado ([K+] =3 a 3.5 mEq/L), as


manifestações clínicas são discretas e o diagnóstico é fe1to
É o principal cácion do intracelular, 95% do pmásio pelo achado laboratórial. As depleções mais graves, pocás-
total estão localizados nas células. A avaliação da con- sio inferior a 2,0 mEq/L, são acompanhadas de distúrbio
centração direta do potássio é difícil devido à sua lo- da excitabilidade neuromuscular, com repercussão no co-
calização. Assim, na prática, faz-se a correlação da con- ração, levando a arriem ias cardíacas. O Quadro 41.4 mostra
centração do potássio plasmático com o potássio tocai os sinais e sintomas encontrados na hipopocassemia.
do organismo. Sua concentração plasmática é em rorno
de 3.5 a 5,0 mEq/L. É ingerido por meio dos alimentos e
Abordagem laboratorial
absorvido pelo 1mest1no delgado. O mral de 1ngesra é
cerca de 50 a 150 mEq/dia. Sua eliminação se faz pelas É realizada pelo ionograma, que mostrará a gravidade
fezes, sudorese e urina. O local de maior excreção é o do distúrbio do pocássio e de o urros elerróliros associados,
rim. com eliminação em torno de 75 mEq/dia, sendo esca caso presentes. Os outros restes orientam a possível cau-
a necessidade diána em condições basa1s. Vários hormô- sa. A gasomeuia avalia a ocorrência de alcalose, o potássio
niOS parric1pam no mecanismo regulador do pocássio. urinário elevado as perdas renais e os testes para avaliação
A aldosrerona aumenta a secreção tubular de pocássio. da função renal, dosagens de crearinina e uré1a séricas.
A insulina promove a entrada de potássio nas células,
principalmente músculos e fígado. A administração de
glucagon (glicogenolítico) causa hiperglicemia e hiper- Hiperpotassemia
pocassemia, pela liberação do pocássio hepático.
Quanto às funções que exerce no orga nismo, es- É definida quando o potássio sérico é superior a 5,0
tão: a) nos processos metabólicos de síntese proréica mEq/L.
e do glicogênio; b) na manutenção da osmolalidade do
Hiperpotossemio = potássio sérico superior o 5,0 mEq/l
imracelular e do pH; c) nas acividades neurocransmiS-
soras, na comração da musculatura esquelética e car-
díaca; d) nos distúrbios ácido-básicos participando da As situações clínicas ma1s freqüentes que causam
compensação renal. elevação de pocássio são as que aferam a capacidade
Os distúrbios do potássio são avaliados por sua con- renal de excreção desse íon. Em condições normais, o
centração no sangue, podendo ocorrer a depleção, ou rim é capaz de excretar o excesso de K+ da ingestão ou
hipopocassemia e o excesso, a hiperporassemia. da liberação das células. A falência da função renal na

Investigação laboratorial d os d istúrbios hid roeletrolít icos S3S


Quadro 41.3- Causas de hipoporassemia

Desvio do potássio para


Oferta inadequada Perda urinária excessiva Perda extra-renal excessiva
o intracelular

Ingestão Insuficiente Distúrbios do eixo hipófise- Sudorese abundante Alcalose


adrenol-hiperaldosteronismo

Aumento da excreção urináno Perde gostrintestinol: vómitos d renagem Uso de insulina como
de K + induzido por drogas: biliar, pancreática e intestinal, fístulas e solução polarizante (o
d iuréticos, acetozolamida, áci- astomias. insulina estimulo o ca ptação
do aminosolicílico, onfotericino do potássio pelas células
B, corbenicilino . musculares)

Alcalose metabólico ou Diarréia /infecção ou inflamação, sín- Envenenamento por bário


respiratório drome de má-absorção, abuso crónico
de enemas e laxante, adenoma viloso,
tumor pancreático de células não-alfa
e não-beta, tumor neural secretor de
cotecolamino)
Ureterossigmoidostomia Paralisia familiar periódico
hipocolêmico

insuficiência renal aguda é acompanhada de hiperpocas- apresentam inicialmente parestesia, fraqueza, arrefle-
semia de rá pida evolução. Já na insuficiência renal crô- xia, evoluindo para paralisia flácida e hipoventi lação,
nica é observada apenas nos estadios finais, devido aos se atingir músculos respiratórios.
mecanismos adaptativos que aumentam a excreção de
potássio por nefron. Outras situações menos freq üentes
Quadro 41.4- Man iresrações clínicas da hipoporassemia
podem ocorrer, como: necrose muscular, acidose meta-
bólica, deficiência de insulina, hipoaldosteronismo, uso
Sistema Manifestação
de medicação venosa com sais de potássio.
Sistema nervoso Irritabilidade, confusão mentol, letargio,
central apatia, alucinações, delírio.
Manifestações clínicas N euromuscular Fraqueza, atro fia, robdomiólise, cãibra,
parestesio, dor muscular, sinais de tetania lo-
Os sinais e sintomas são dependentes dos níveis e tente, paralisia flácido, parado respiratório.

evolução da hiperpotassemia e podem levar à parada Cardiovascular Arritmias /risco aumentado abaixo de 2.5
mEq/LI: extra-sístole e alterações do ECG
cardiorrespiratória. Quando ela surge abruptamente
Gastrintestinol Náusea, vómito, ileoparalítico, dilatação
(acidose metabólica, infusão intravenosa excessiva
gástrico.
de K+, insuficiência renal aguda), os sinais cardiotóxi-
Renal Perda do habilidade de concentrar o
cos desenvolvem-se com as concentrações de 6 a 7 urino com poliúrio e polidipsio, acidúrio
mEq/L e podem ser observados no eletrocardiogra- paradoxal.
ma (ECG): ondas T pontiagudas, prolongamento do
intervalo PR, ampliação do QRS, desaparecimento da
onda P. O agravamento do efeito cardiotóxico produz
Abordagem laboratorial
fibrilação ventricular e parada cardíaca. Quando o seu
desenvolvimento é mais lemo (insuficiência ad renal, Os exames indicados são o ionograma, em especial
insuficiência renal crônica), as manifestações são me- a dosagem do potássio sérico que se encontra acima de
nos intensas. As manifestações da hiperpotassemia 5,5 mEq/L, e o urinário, reduzido nas causas renais de
no sistema neuromuscular são decorrentes da despo- hi perpotassemia. A elevação sérica de uréia e creatini-
larização parcial da membrana celular. Os pacientes na acompanham a hiperpotassemia por falência renal.

536 ( Medicina laboratorial para o clínico )1--- - - - - - -- - - - - - -- - - - -- -- - -- - -- - - -


A gasometria avalia a ocorrência de acidose metabólica. Hipomognesemio =
magnésio sérico inferio r o 1,5 mEq/ L ou 1,8 mg/ dl
outra causa de elevação do potássio (ver capítulo 42).

A hipomagnesem1a é achado freqüente no alcolismo e


DISTÚRBIOS DO MAG NÉSIO (MgH) desnutrição. Outras causas estão citadas no Quadro 41.5.

O magnésio (Mg' ') é o segundo cát1on predominante


Manifestações clínicas
no compartimento intracelular. embora presente também
no extracelular. em menor proporção. Um adulto de 70 kg A hipomagnesemia não se manifesta como um dis-
rem em torno de 24 g de magnésio. Sua distribuição corpo- túrbio isolado, mas acompanhado de outras alterações.
ral é: tecido ósseo (60%), compartimento intracelular (39%) como a hipopotassemia, hipocalcemia e alcalose meta-
e compartimento extracelular (1%). O tecido ósseo cons- bólica, por resultarem de causas comuns. O magnésio é
titui uma fonte para as compensações de deficiência do cri tico para a manutenção da função celular e as mani-
magnésio no organismo. A Figura 41.2 mostra a proporção festações mais comuns envolvem o sistema cardiovascu-
sob forma ion1zada. ligado as proreínas fósforo e citrato. lar e nervoso, menos freqüentememe o esqueleto, trato
Esnma-se que a necessidade diária de magnésio seja de 220 gastrintestinal e geniturinário. As manifestações cardio-
mg/dia ou 4 mg/kg/dia, o que é obtido da ingesta alimentar. vasculares são pincipalmente as arritmias arriais e ventri-
Éabsorvido principalmeme no intestino delgado (25 a 60%) e culares. As manifestações neuromusculares observadas
nos nns. Os nns parc1c1pam do balanço imerno do magnésio são tremores. tetania quando associada à hipocalcemia e
no organ1smo a parm da reabsorção nos túbulos proximais, mioclonia, desorientação, confusão mental. inquietação.
distais e principalmeme na alça de Henle, em corno de 65%; Esses são achados freqüentes no "delirium tremens" dos
e pela excreção, que ocorre no nível da alça de Henle. Alguns alcoolistas.

-
fawres aumemam a excreção renal de magnésio, como: a hi-

-
permagnesemia, a h1percalcemia e a ação de diuréricos.
O magnésio é importante para as funções neuromus-
Ionizado D Complexa do - fos fato
Complexo - proteínas Complexado - citrato
culares e cardíacas. Na célula. o magnésio tem as funções plasmáticas
de ag1r como co-fator para fosforilação, estabilizar o DNA
e RNA. participar nas estruturas ribossomiais, manter a in- 6'Yo 4%
tegndade celular e participar nas reações enzimáticas que
necessitam de ATP.
Os distúrbiOS de magnésio podem ocorrer por deple-
ção (hipomagnesemia) ou excesso (hipermagnesemia) 30%

desse cátion no organismo e avaliados pelos seus níveis


sanguíneos e unnários. No plasma ou soro, os resultados
ecomrados devem ser interpretados com cuidado, pois
refletem apenas 1% do magnésio do organismo, portan-
to, têm valor relativo. Os valores de referência do Mg+ -
sérico são: 1,5 a 2,5 mEq/L ou 1,8 a 2,1 mg/dl e para a
Figura 41.2- Disrnbu1ção do magnésio no organismo.
urina de 24 horas: 50 a 150 mg/24h .

Abordagem laboratorial
Hipomagnesemia
O exame indicado é a dosagem de magnésio no soro
É definida quando o magnésio sérico está abaixo dos e urina. A eliminação urinána encontra-se menor que 2
valores mínimos de referência e considerada alteração mEq/ 24h. nas causas disabsornvas e carenciais. Valores
grave a presença de valores inferiores a 1,0 mEq/L. elevados na urina são encontrados no uso de diuréticos,

Investigação laboratorial dos distúrbios hidroelerrolíticos 537


medicamenros e nefroparias. As dosagens de potássio Hipermognesemia - magnésio sérico acima de 2,5 mEq/ l

e cálcio séricos fazem parte dos testes laboratoriais da


investigação dos distúrbios do magnésio, pois estão sem- O excesso de magnésio é um distúrbio incomum
pre associados, assim como os distúrbios metabólicos, porque o rim é capaz de eliminar o magnésio rapida-
avaliados pela gasometria. Na acidose o magnésio sai da mente, reduzindo a reabsorção tubular a valores míni-
célula para o LEC, mas com aumento de sua excreção mos. Entretanto, a falha desse controle renal é a causa
renal. Na alcalose o mecanismo é inverso. mais freqüente de hipermagnesemia (Quadro 41.6).

Q uadro 41.6- Causas d e hipermagnesemia


Q uadro 41.5 - Causas de h ipomagnesemia

Insuficiência renal - a guda e crônica


Desnutriçã o protéico-colórico
Uso excessivo de laxantes à base de sulfa to de magnésio
Etilismo crônico

Nutrição parenteral ou hidratação parenteral prolong ado N o trotamento de eclompsio com sulfato d e magnésio
sem magnésio
Uso de enemo poro megccolon à base de sulfato de magnésio
Síndrome disabsortivo

Diarréia crônica Hipo tireoídismo

Uso d e antineoplásicos Doença de Ad dison

Ald osteronismo primá rio e secundário

Hipertireoidismo
Manifestações clínicas
Hipercolcemia

Aspiraçã o prolongada por sond o nosogástrica


Os sintomas da elevação de magnésio ocorrem quan-
Acidose tubular renal do os níveis séricos estiverem acima de 4 mEq/L. O mag-
nésio elevado reduz a uansmissão neuromuscular (efeito
Fase poliúria da necrose tub ular agudo
curarizante) e age como depressor do sistema nervoso
Hemod iálise central. Os sinais e sintomas observados são: náusea,
Uremio sedação, hipovemilação com acidose respiratória, dimi-
nuição dos reflexos tendinosos e fraqueza muscular. No
Diuréticos tiazídios e furosemida
sistema cardiovascular observam-se: hiporensão, bradi-
Uso de anfotericino B cardia e vasodilatação difusa, que se manifestam com
concentrações acima de 5,0 mEq/L.
Uso d e omino glicosídeos

H ipopotossemio
Achado laboratorial
Lactação excessiva
t realizada pela dosagem do magnésio sérico, que es-
Pielonefrite crônico
tará acima dos valores de referência. Entretanto, a investi-
gação laboratorial deve estender-se à avaliação das possí-
veis causas e distúrbios associados da hipermagnesemia.
Como as causas renais são as mais comuns, é imprescindí-
Hipermagnesemia vel a avaliação da função renal pela dosagem de uréia, cre-
atinina, exame de urina rorina. O distúrbios concomitan-
Define-se hipermagnesemia quando o valor de mag- tes de outros eletrólitos (K+,Na+,ca++,G) são investigados
nésio sérico está acima de 2,5 mEq/L. pelo ionograma. Indica-se também a gasometria.

538 ( Medicina laboratorial para o clínico


DISTÚ RBIOS DO CLORO (cn
da investigação dos distúrbios h idroelecrolíticos e ácido-
básicos, que estão sempre associados. A determinação
O cloro do organismo distribui-se no LIC e LEC. Iigado do cloreto urinário pode estar normal ou reduzida, me-
ao sódio (NaCI). A alimentação é a fonte de cloreto de nor que 110 mEq/24 horas.
sódio no organismo e sua absorção se faz no intestino.
No estômago, é integrante da molécula de ácido clorídri-
co Nos rins participa do mecan ismo de secreção de H+ H i perclorem ia
e absorção de bicarbonato (cloreto shift) e, portanto, da
regulação do equilíbrio ácido-básico. Aumento da excre- Define-se como hipercloremia o val or de clo reto séri-
ção do cloro urinário ocorre: na sobrecarga de NaCI, diu- co acima de 107 mEq/L
rese farmacológica, nefrite perdedora de sal, insuficiencia
Hipercloremia = cloreto sérico > 107 mEq/l
adrenocortical. A diminuição do sódio urinário ocorre nas
perdas extra-renal, baixa ingestão de NaCI, hiperfunção O distúrbio escá associado a causas metabólicas e
adrenocortical. Os valores de referência do cloro urinário endócrinas (hiperparatireoid ismo, hipernauemia, aci-
de 24 horas são: 170 a 254 mEq/ 24 horas. Sua concentra- dose metabólica, acidose tubu lar renal), gasu imestina l
ção plasmática é 96 a 107 mEq/ L e alterações dessas con- (desidratação, diarréia p ro longada, perda de secreção
centrações ocorrem na hipocloremia e hipercloremia. pancreática, alça ileal, anastomose colo-ureteral ), medi-
camentos (especialmente a acetazolamida, que inibe a
anidrase carbónica, além da infusão venosa excessiva de
Hipocloremia solução salina) e uso de corticoesteróides. Preseme na
síndrome de Barter, doença autossômica recessiva carac-
A depleção do cloro no organismo ou hipocloremia é de- terizada por alteração da reabsorção do cloro no ramo
finida com o valor de cloreco sérico menor que 96 mEq/L. ascendeme da alça de Henle.

Hipoclorem ia = cloreto sérico < 96 mEq/l


Manifestações clínicas

As causas mais freqüentes de hipocloremia são: per- As manifestações da hipercloremia são as dos distúr-
das de líquidos corporais por vômitos ou aspirado gás- bios hidroeletrolícico e metabólicos associados (acidose
trico, diarréia, adenoma viloso do cólon, sudorese exces- metabólica).
siva, febre alta, uso de diuréticos. No cúbulo discai, em
situações de baixa de cloro, o sódio é absorvido com o
Abordagem laboratorial
bicarbonato (Na+ HC03-), por não cer o Cl (ânion) dis-
ponível, provocando alcalose metabólica hipoclorêmica Na abordagem laboracorial são solicitadas as dosa-
(ver capítulo 42). gens de cloreto sérico e u rinário, o ionograma completo
e a gasomeuia. Determinações de cloreto sérico com

Manifestações clínicas valores superiores a 107 mEq /L e cloreto urinário acima


de 254 mEq/ 24 horas caracterizam o estado de sobre-
O distúrbio é geralmente assintomácico. As manifes- carga de cloro.
tações clínicas decorrem de distúrbios associados, ácido-
básico (alcalose hipoclorêmica) e de outros eleuólitos.
DISTÚRBIOS DO CÁLCIO (Ca++)
Abordagem laboratorial
Estima-se que um indivíduo de 70 Kg renha aproxi-
É realizada pela dosagem do cloreto sérico no plas- madamente 1,2 Kg de cálcio, 99% localizados principal-
ma ou urina e sempre solicitada juntamente com outros mente nos ossos. Uma pequena concentração de 5,3 g
íons (Na+, K+, HC03-) e a gasomeuia, pois fazem parte escá no compartimento intracelular e 1,3 g no excracelu-

Investigação laboratorial dos distúrbios hidroeletrolíticos 539


lar. No plasma ou soro, 50% enconrram -se ionizados ou Hipocalcemia = cálcio total < 8,6 mg/dl
ou cálcio ion izado< 4,5 mg/ dl ou 2,2mEq /l
livres e 50% ligados. formando complexos com compos-
cos orgânicos. principalmente a album ina sérica. O cálcio
é importante para várias funções: formação óssea, trans- Freqüenremente é causada por perda excessiva do
missão neuromuscular (participando juntamente com cálcio na urina e/ou falha na mobil ização do cálcio dos
~. Na+ Mg++,W), excitação nervosa. estabilização das ossos para o sangue. Os diversos agravos que levam à
membranas cel ulares. participação na coagulação. Nos hipocalcemia estão relacionados a falhas nos mecanis-
músculos, determina a despolarização da célula, inician- mos reguladores hormonais (PTH), renais ou de síntese
do a conuação. A homeosrase do cálcio é realizada pelo de vitamina D, sumarizados no Q uadro 41.7.
controle homonal do pararormônio e calcironina e pela
ação da vitamina D.
Quadro 41.7 - Causas de hipocalcemia
• controle hormonal - o paratormônio (PTH) é sin-
tetizado nas glândulas pararireóides e regula as
Hipoporatireoidismo devido 6 remoção cirúrgico das poroti·
variações do nível sérico do cálcio por meio de reóides (câncer de tireóide e porolireóide), ogenesio de poro·
mecanismo de feedback. A hipocalcemia estimula tireóide ou no pseudo-hipoporotireoidismo. no qual não existe
resposta adequado 6 oção do hormônio nos rins e nos ossos
a secreção do PTH, que: a) nos ossos, mobiliza o
Deficiência de vitamino D que ocone no: ol má·obsorçào
cálcio; e b) nos rins, diminui a excreção desse íon, (etilismo. esteoto néio, idosos). bi no doença hepático
aumenta a excreção de fosfaro e estimula a for- crónico por dekiêncro do 25·hidroxiloçõo do vil D ou por
drm,nurçào do absorção rntestrnol, c) nos nefropotios devido
mação de vitamina 03. Na hipercalcemia ocorre
6 dmnu,ção do co tc 'triol(vrtomino D3) 4) no roqurtismo
diminuição da liberação do PTH. com mecanismo dependente de v tom no D
inverso nos orgãos alvo (ossos e rins) e estimulo Hipoolbuminemio
para a liberação de calciconina pela tireóide, que
tem ação hipocalcêmica por diminuir a reabsor- Hipomognesemro

ção óssea e aumentar a excreção renal de cálcro;


Pancreolite aguda (remoção do cálcio plasmático)
• vitamina 03: no fígado é produzida a 25-hidroxr-
colicalcíferol e, nos rins, a partir de outra hidroxila- Alcolose metobáko
ção, transforma-se na 1.25 díihidroxicolecalciferol
ou vir. 03 (calciuiol), biologicamente ativa. Sua
ação é aumentar a absorção do cálcio intestinal e
reabsorção do cálcio nos túbulos distais. Sua sínte- Manifestações clínicas
se é estimulada pelo PTH.
O cálcio sérico pode estar moderadamente baixo,
Os rransrornos do metabolismo do cálcio são ava- sem produzir sintomas. São sinais de hipocalcemia a
liados dosando-se a calcemia rota i, valor de referência parestesia (formigamento dos lábios. língua e extremi-
8.6 a 10,3 mg/d l, e o cálcio ion izado. valor de referên- dades), as dores m usculares. os espasmo dos músculos
cia 4,5 a 5.5 mg/dl ou 2.2 a 2.7 mEq/L. Podem ocorrer da garganta - ocorrendo dificuldade respiratória, sinais
distúrbios que causam depleção (hipocalcemia) ou neurológicos como letargia. confusão mental. espasmos
excesso (hipercalcemia). musculares ou tetania e arritmia cardíaca. A tetania la-
tente pode ser pesquisada pelo sinal de Chvostek (per-
cussão do nervo facial), que é positivo quando produz
Hipocalcem ia comração dos músculos da face, e pelo sinal de Trous-
seau (contração espasmódica dos músculos da mão e
Define-se como hipocalcemia os níveis séncos de braço, quando se mantém o manguiro do aparelho de
cálcio coral inferiores a 8,6 mg/dl ou do cálcio ionizado pressão insuflado acima da pressão arterial sistólica por
inferiores a 4,5 mg/dl ou 2.2mEq/ L. na presença de albu- crês minuros).
mina sérica normal.

540 [ Medicina laboratorial pa ra o clínico


Abordagem laboratorial Quadro 41.8- Causas de hipercalcemta
É realizada pela dosagem de cálcio sérico total e
ionizado, devendo ser complementado com a dosa- Hiperporotireoidismo

gem da albumina plasmática por suas repercussões Carcinoma com ou sem metástases ósseas, como o carcino-
na calcem ia. O cálcio está parcialmente ligado à al- ma de células escamosas do pulmão, cabeça e pescoço e
as metástases de câncer de mama, pulmão e ossos (PTH e
bumina no plasma e o cálcio sérico total baixo pode prostaglandinas)
refletir a hipoalbuminemia e não a depleção real do
M ieloma, leucemia e linfoma (substâncias com atividade
íon. Por isso, o mais indicado é o cálcio ionizado para osteaclóstica)
definir o estado de hipocalcemia. Utilizando-se o cál- Doenças granulomotosas (sardoidose, tuberculose, histoplos·
cio total. deve-se fa zer a correção da hipoalbumine- mose, coccidioidomicose e beriliose)
mia : a redução de 1g/dl na albumina reduz o cálcio Hipervitaminose D crânica, intoxicação pela vitamina A e
isotretinoína
total em aproximadamente 0,8 mg/dl. Quanto aos
Imobilização prolongada em cr:anços e pacientes com turno·
distúrbios ácido-básicos, a alcalose leva à hipocalce-
ver ósseo oiro (Paget, malignidade, histiocitose)
mia, por aumentar a ligação do cálcio com a albu-
Síndrome leite-álcali luso prologado de carbonato de cálcio)
mina plasmática e diminuição do cálcio ionizado. Os - raro atuolmente
outros testes solicitados são para a avaliação de cau- Idiopática na infância (rara)
sas agravantes ou a etiologia da hipocalcemia: avalia-
Endócrina: hipertireoidismo, doença de Addison, acromega·
ção da função renal com a dosagem de creatinina e
lia, feocromocitoma (causo rara de hipercalcemta)
uréia, dosagem sérica de fósforo, magnésio, potássio,
Hipercalcemia hipocalciúrica familiar (herança dominante)
PTH e a gasometria.
Osteomalácia renal induzida por alumínio

Robdomiólise
Hipercalcemia
Várias drogas: sais de cálcio, lítio, vitamina D e A, estrogê·
nias, clortalidona, tiaziada
Define-se hipercalcemia como os níveis séricos de
cálcio total superiores a 10,6 mg/dl ou do cálcio ioni-
Abordagem laboratorial
zado superior a 5.5 mg/dL. na presença da albumina
sérica normal. É realizada pela dosagem do cálcio, fósforo e clore-
Hipercalcemia = cálcio sérico total > 10,6 mg/ dl to, sérico e urinário, dosagem do PTH para diagnósti-
e cálcio ionizado > 5,5 mg/dl co de hiperparatireoidismo primário, o ionograma ea
gasometria. A hipercalcemia inibe a absorção renal do
As causas de hipercalcemia estão relacionadas às fa- cloro, aumenta a excreção renal de bicarbonato, sódio,
lhas nos mecanismos reguladores. hormonais (PTH) e água, potássio e fósforo. Por isso, hipopotassemia, hi-
Vit.D3 As principais causas de hipercalcemia estão agru- pofosfatemia, acidose metabólica e desid ratação são
padas no Quadro 41.8. achados freqüentes.
No hiperparatireoidismo primário a hipercalcemia
Manifestações clínicas se acompanha de PTH elevado, cálcio sérico acima do
valor máximo de referência (10,6 mg/dL), elevação de
Os pacientes com hipercalcemia podem ter manifes- vitamina D. hipofosfatemia, hipomagnesem ia. acidose
tações: a) gastrinestinais: náuseas. vómitos, constipação; metabólica hipoclorêmica, maior excreção de fosfato
b) neurológicas: fraqueza muscular. fadiga, confusão tor- e cloreto urinário. Geralmente, ocorre balanço inverso
por e coma; c) renais: nefrolitíase, poliúria, nefrocalcino- entre o cálcio e o fósforo.
se; d) cardíacas: encurtamento do intervalo QT no ECG. A hipercalcemia de processos malignos ocorre por
Porém, é freqüeme a falta de sintomas, que só ocorrem reabsorção óssea devido a metástases e/ou liberação de
com níveis de cálcio sérico total acima de 12 mg/dl e substâncias osteolíticas pelos tumores, de ação seme-
quando têm evolução rápida. lhantes ao PTH. Nesses casos, têm-se vitamina D baixa,

Investigação laboratorial dos distúrbios hidroeletrolíticos 541


absorção intestinal baixa de cálcio, cumor não-para tire- Hipofosfotemio moderada: fósforo entre 2 . 1 e 2.5 mg/ dl

óide. Geralmente, a fosfatase alcalina está elevada acima


de duas vezes o valor máximo de referência, o que é mais Hipofosfatemio grave: fósforo< 1 mg/dl

sugestivo de neoplasias do que de hiperparatireoidismo.


Na hipercalcemia familiar hipocalciúrica a hipercal- Várias são as causas que levam à depleção de fós-
cemia não vem acompanhada de hipercalciúria, avaliada foro. Entre elas, es(á a excreção aumentada do fósforo,
pela dosagem do cálcio na urina de 24 horas. causada pelo hiperparatireoidismo primário ou secun-
dário; nas desnutrições protéico-calóricas graves que
ocorrem no alcoolismo crônico; insuficiência h epática
P04 - FÓ SFORO e pancreática; na cecoacidose diabética, pelo desloca-
mento do fosfato intracelular para o plasma e perda
O fósforo representa 1% do peso corporal. No orga- através da diurese osmótica; por aumento de perdas
nismo distribui-se: no tecido ósseo (85%), tecidos moles renais na sindrome de Fanconi, nas tubulopatias por
(15%) e líquido extracelular (1%) depósico de metais pesados, raquitismo resistente a
No sangue, 70% estão presentes na form a orgânica e vi t ami na D; em neoplasias que comprometem a re-
30% inorgânica e representa apenas 1% do fósforo total. absorção renal do fósforo, ocorrendo a osteomalácia.
O fósforo orgânico está distribuído principalmente nos Outra causa é o uso de antiácidos comendo alumínio,
fosfolipídios; 15% do fósforo inorgânico estão ligados a que formam complexos insolúveis com o fósforo, d i-
proteínas e 75% em forma livre; o fósforo livre tem 50% minuindo a absorção intestinal. Verifica-se na alcalo-
sob forma de sais de fosfaco monovalente e divaleme e se respiratória pelo deslocamento do fósforo do LEC
40% em sais de sódio, magnésio e cálcio e pequena fra- para o intracelular e nas deficiência de vitamina D, nu-
ção em P04. tricional ou por má-absorção.
A fração medida na prática clínica é a do fósforo
inorgânico, ou Pi, sendo os valores de referência de 3,0 a
Manifestações clínicas
4,5 mg/dl ou 1,0 a 2,0 mEq/ L. Embora presente sob a for-
ma de fosfato, é expresso em concentração de fósforo. Os sintomas são inespecíficos e dependem da causa,
Absorvido no intestino delgado a partir da ingesta diária duração e gravidade. Ocasionalmente, os pacientes po-
de 800 a 1.500 mg/dia, sua regulação está sob a influên- dem se queixar de fraqueza. Nos pacientes cronicamente
cia do controle renal e hormonal e vitamina D. Vários depletados de fosfaco, como os alcoólicos, desnutridos e
hormônios regula m o metabolismo do fósforo: o PTH em fase de realimentação, os sintomas podem variar de
aumenta a excreção renal de fosfato, a insul ina aumenta fraqueza e dor osteomuscular a alteração da consciência
a entrada de fósforo intracelular, os mineralocorticóides e insuficiência cardíaca.
e a calciconina diminuem a reabsorção rena l de fosfaco.
A vitamina D3 (calcitriol) aumenta a absorção de fósforo
Abordagem laboratorial
intestinal.
Os distúrbios do fosfaco são os estados de depleção, É real izada pela dosagem do fósforo sérico, cujos va-
hipofosfatemia; e o excesso, hiperfosfatemia. lores se encomram abaixo do valor mín imo de referência
(3,0 mg/dL). Estando as!>OLiado a oucro~ distúrbios HE e
AB, é im prescindível a avaliação do cálcio, magnésio, po-
H ipofosfatem ia tássio, PTH, vitamina De gasometria. O fósforo urinário:
a fração de excreção acima de 15% é elevada.
Define-se hipofosfatemia como os níveis séricos de Outras dosagens urinárias são úteis, como, por exem-
fósforo (Pi) inferiores a 3,0 mg/dl. plo, na síndrome de Fanconi, que cursa com glicosúria,
aminoacidúria, acidose tubular, hipouricemia e hiperuri-
cosuria e hipofosfatemia por perda de fosfaco urinário.
Hipofosfotemio =fósforo sérico <3,0 mg/dl

542 [ Medicina labora toria l para o clínico


Hiperfosfatemia
carbonaro de sódio) por período prolongado de tempo. A
possibilidade de pseudo-hipoparatireoidismo geralmente
Define-se como hiperfosfatemia o nível sérico de fós- é diagnosticada em bases clínicas, como as características
foro superior a 4,5 mg/dl físicas da osreodistrofia hereditária de Albrighr.

Hiperfosfatemia = fósforo sérico> 4,5 mg/ dl

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As causas de hiperfosfotemia estão sumarizadas no
Q uadro 41.9. A água, os eletrólitos, os ácidos e as bases que com-
põem a estruw ra das células e tecidos do organismo,
Quadro 41.9- Causas de hiperfosfa[emia em bora distribuídos em compart imencos (intracelular
e extracelular), estão interligados e em equilíbrio para
Excreção reduzida : na insuficiência renal agudo e crónico, a manutenção da homeostase. A avaliação laboratorial
quando a depuração do creotinino está em torno de 20 o 25 dispon ível na prática clínica permite detectar apenas os
ml/minutos, no hipoparatireoidismo e pseudo·hipoporatireoi-
dismo, menopausa, hipertireoidismo, colcinose tumoral distúrbios dos eletrólitos no LEC (plasma/sangue/ líqu i-

Carga exógena aumentada: uso de laxantes relais ou dos corporais), colaborando para o diagnóstico e sua
orais contendo fosfato, administração excessivo de fosfato correção. Na interpretação dos resultados, entretanco,
parenteral ou oral, síndrome leite·álcali, transfusão de sangue
deve-se ter em mente que essas alterações detectadas
estocado, excesso de vil D3
no LEC repercutem no meio incem o com o um todo.
Cargo endógena aumentado: desvio do fósforo do introce·
lulor para o espaço extracelular na rabdomiólise, lise tumoral,
hemólise aguda, acidose respiratório ou metabólica aguda REFERÊNCIAS
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York: McGraw-Hill; 2001.
Manifestações clínicas
2. rried LF, Palevsky PM. Hyponatremia and hypernarremia
Med Clin North Am. 1997 May;81(3):585·609.
Os pacientes ocasionalmente podem apresencar sinro- 3. Haralampos J. Milionis GL. Elisaf M S. The hyponarremic
patienr: a sysremanc approach ro laborarory diagnosis
mas como cãibras musculares, tetania e parestesia perioral
[review]. CMAJ. 2002;166(8):1056-62.
e sinais de Trousseau ou Chvostek. Mais comumence, es- 4. Henry JB Clinical Diagnosis and Managemenr of Labo·
ses sintomas estão associados à hipocalcemia subjacente. rarory Merhods. 20th ed. Philadelphia: W. ll. Saunders
Outros sincomas são: dor óssea e articular, prurido ou eri- Company; 2001.
5. Kochhars S, Marshall W. lnvesrigarion: Essennal cli nical
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chemisrry. Srudenr BMJ. 2003;11:307-48.
6. Kugler JP. Husread T. Hyponauemia and hypernauemia
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7. Morgan AP. Byden CM. Moore FD. Radioisorope dilution
A hiperfosfatemia deve ser avaliada juntamente com rechniques for mesuremenr of body composirion in he·
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outros íons, como o cálcio e o magnésio. Além destes, a
8. Paolucci AA. Nefrologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
determinação de uréia e creatinina é fundamencal para gan; 1977. 387 p.
avaliar a função renal. A hipocalcemia associada à hiperfos- 9. Ricos C Alvarez V. Cava F. García-Lario JV. Hernández A
fatemia ocorre na insuficiência renal, hipoparatireoidismo e )iménez CV. et ai. Currenr databases on biological va-
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pseudo-hipoparatireoidismo. Uma abordagem laborarorial
1999;59(7):491 -500.
adicional pode incluir a determinação da vit amina De PTH 10. Riella CM. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidro-
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cali, os níveis de fósforo e cálcio estão altos. A síndrome lei- 1996.740 p.
11. Wallach J. lnrerpreration of Diagnosnc Teses. 7th ed. Phl-
te-álcali é a ocorrência de alcalose metabólica causada pelo ladelphia: Lippincott Williams & Wi lkins; 2000.
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de cálcio) e álcalis solúveis (antiácidos, especialmente bi- approach ro hyponarremia. CMA). 2004;170(3):365-9.

Investigação laboratorial dos distúrbios hidroeletrolíticos 543


Elza Santiago Erichsen
42 Lucimar Gonçalves de Souza Assunção

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DOS


DISTÚRBIOS ÁCIDO,BÁSICOS

O metabolismo celular normal produz C02, água, • controle respiratório do C0 2, o ácido volátil;
uréia e ácidos orgânicos. Calcula-se que cerca de 20.000 • regulação renal do bicarbonato plasmático e eli-
mEq de C02 sejam produzidos diariamente nesse proces- minação de H+.
so. Parce desse gás é hidratado e forma o ácido carbônico
(C0 2+HP+H 2C03). No plasma essa equação é deslocada
para a esquerda e o C02, sendo eliminado pelos pulmões, SISTEMA TAMPÕ ES
é chamado áCido volátil. Por outro lado, o metabolismo
endógeno dos nutrientes produz diariamente 40 a 70 mEq Os líquidos corporais possuem em sua composi-
de W ou ácidos fixos provenientes de aminoácidos con- ção substâncias camponantes que impedem alterações
tendo enxofre e fósforo presentes nas proteínas. Como bruscas do pH. Sabe-se que uma solução tampão im-
produtos finais, produzem ácidos sulfúrico e fosfórico, que pede variações de pH quando se adiciona a ela ácido
são eliminados como sulfatos, fosfatos e H+ pelos rins. A ou base. Um sistema tam pão é o conjunto de um ácido
concentração hidrogênica iônica [H+] fisiológica no líquido fraco e de seu sal de base forte ou um ácido forte e seu
extracelular (LEC) é de 40 nmoi/L e o pH do sangue arterial sal de base fraca. No organismo várias substâncias pre-
é mantido entre 7,35 e -7,45, para proporcionar a normalida- sentes no LEC e LIC exercem esse efeito tampão e estão
de da função celular. As variações de pH compatíveis com representadas no Quadro 42.1
a vida em limites extremos são 6,8 e 8,0 e mesmo assim o Quando um ácido endógeno ou exógeno é adiciona-
organismo pode suportá-las apenas por poucas horas. do ao organismo, ele é neutralizado no sangue, no Inters-
tício e na célula. Aproximadamente 57% são tamponados
nas células com troca de H+ por Na+ e K+ e o restante
MECANISMOS DE REGULAÇÃO DO pH pelos tampões do LEC. Para as substâncias alcalinas, cerca
PLASMÁTICO de 70% são camponados no liquido extracelular e o res-
tante no intracelular. Os tampões do sangue têm ação
Para manutenção da homeostase o organismo utiliza instantânea para lidar com o excesso de ácido ou base,
vários mecanismos, a fim de evitar variações da concen- sendo o bicarbonato o mais importante. O mecanismo
uação hidrogeniônica do meio interno: pulmonar também cem ação rápida por meio da respira-
• camponamento químico com tampões presentes ção. O tamponamento intracel ular e o mecanismo renal
nos líquidos corporais: líquido extracelular (LEC) e são mais lemos, mas com grande capacidade compensa-
líquido intracelular (LIC); dora, como está esquematizado na Figura 42.1.
Eliminação de H•
pelo organismo

Instantâneo [ 02 a 04 horas ] [ Horas ou dias ] [ 1O a 30 minutos ]

Figura 42.1 - Esquema representando a neurralização de excesso de ácido no organismo arravés dos vários mecanismos e os
intervalos de rempo que cada processo leva para a sua ação neurralizadora. No extracelular os rampões mais imporrantes são o
bicarbonaro e a hemoglobina.

Quadro 42.1 - Sisremas rampões do organismo


dissociado, sendo esse o seu ponto de maior efeito tam -
ponanre. Essa equação para o tampão bicarbo naco, que
Base
Sistema Tamp ão é a base para a avaliação dos distúrbios ácido-básicos na
Ácido
prática clínica, está demonstrada nas fórmulas:
NaHC03 Bicarbonato

H2C03 Ácido carbônico


base
Na 2 HPO~ Fosfato bimetólico 1) pH = pK + log - -
ácido
NaH;P04 Fosfato monometólico
Pr(Na ou K+) Proteinalo
21
Pr H+ Proteína ácido pK = 6,1

Hb Hemoglobinoto

HHb Hemoglobina ácido 27


3) pH = 6 , 1 + log -
NH3 Amônio 1,35

N H4 Amônio
4) pH =6, 1 + log 20

5J pH = 6, 1 + 1,3 = 7,40

Tampão bicarbonato

No organismo, o tampão bicarbonato se destaca, No organismo, o dióxido de carbono (C0 2) pode: a)


pois ao tamponar o H + produz um ácido volátil C02, formar ácido carbônico (H 2C03). que se dissocia em H+
que é controlado pelos pulmões, ou seja. pela respira- e Hco; b) reagir com grupos aminos das proteínas; ou
ção. Está presente em todos os tecidos e no plasma. c) estar livre no organismo. Quando em forma livre, ele
Nas hemácias e células tubulares renais há síntese de é diretamenre proporcional à pressão parcial do co2 ou
bicarbonato devido à grande concentração de anidrase pC02. O C0 2 livre = 0,03 X pC02 (0,03 é o fator de solu-
carbônica nesses locais. bilidade do co2 no plasma ou constante oc). o denomi-
Para simplificar a compreensão e sua utilização prá- nador da equação (2) H 2C03 pode ser substituído pela
tica. Henderson-Hasselbalch propuseram uma equação pC02 vezes oc, pois o ácido carbônico é proporcional à
que representa a ação dos tampões. utilizando-se o pH, pC02• expressa na fórmula:
que é a medida da concentração de [H+J expressa em
log.10 (pH = log 1/[H+J) e introduzindo a const ante de
NaHC03
dissociação (pK) do tampão. Essa constante (pK) corres- pH s pK + log - - -
pC02 x a
ponde ao pH d o tampão quando ele se encontra 50%

546 [ Medicina laboratorial para o clínico )1--- -- - - - -- - -- - - - - -- - - - - - - - - - - -- -


Tampão proteínas
Em condições de trocas gasosas fisiológicas, a pC02 é
de 40 mmHg e o C02 é em corno de 1,2 mEq/Lno sangue
arterial e pode ser calculado pelo índice de solubilidade As proteínas possuem efeico tamponante também
desse gás na água, que é 0,03. Assim, a concemração do gás porque possuem grupos ácidos e básicos em sua esrru-
carbónico: (C02]= paC02 X 0,03 ou 40 X0,03 = 1,2mEq/L. rura molecular, semelhante ao que ocorre na hemoglo-
Interpretando a fórmula de Henderson-Hasselbalch, pode- btna. A capactdade tamponame das proteínas está na
se ver que aumento ou dtmtnutção de áodo ou base no capac1dade de os grupos ácidos cederem W formando
organismo acarreta variações do pH do sangue. Em condi- ânions (-Coo-) e dos grupos básicos (-NH 2) captarem o
ções fisiológicas, a relação bicarbonato/ácido carbónico é H' formando cátions (- NH 3+). Por sua distribuição plas-
de 20/1. Quando há diminuição de bicarbonaco, isso indica mática e intracelular e alta concentração no organismo
que houve acréscimo de W ou ácido fixo, consummdo o corna-se também um Importante tampão.
btcarbonaco e acarretando aodose metabólica. Por outro
lado, o aumento da pC02 também acarreta dimmuição do
pH ou acidose respiratória. As alterações que envolvem o Tampão fosfato
bicarbonato são ditas metabólicas e dependem dos rins
para sua compensação. Os diStúrbiOS que afetam o co2 L o tampão mais importante nos rins e participa no
são dicos resp1ratónos e dependem da função pulmonar. mecanismo de regeneração do bicarbonaco. O H+ secre-
Para o rampão bicarbonaco do sangue, esse conceico pode tado pela célula tubular renal é trocado por uma molé-
ser simplificado, como mosrra a fórmula: cula de sódio do tampão fosfato (Na 2 HP04), cuja reação
é mostrada na fórmula:

componente metabólico
pHm - -- - - - -
COmpo nente respiratório

CONTROLE RESPIRATÓRIO DO ÁCIDO VOLÁTIL C02


Tampão hemoglobina

O controle respiratório é essencial para a manuten-


A hemoglobina, além da função de uansporre de ox1gênio, é ção da pC0 2 em níveis fisiológicos. Distúrbios respirató-
Importante tampão do LEC por possUir em sua estrutura gru- rios resultam em maior eliminação ou retenção de C02
pos carboxílicos de áodos amtnados term1na1s (-COOH) e gru- no organ1smo e, portanto, perda ou ganho de ácido car-
pos bás1cos de am1nogrupos term1nais da lis1na ou guanid1na, bónico, que se dissocia em bicarbonato e htdrogên1o. O
valma e hisridina (-NH-CNH-NH2). A hidratação do C02 liberado aumento da freqüêncta resp1ratóna ou taquipnéia leva à
nos Lecidos forma o b1carbonato, que se d1ssooa em Ht e HCOj dim1nu1ção da pC0 2 e aumenco do pH arterial (alcalose
. O H1 é captado pela Hb, tornando-a reduzida (HHb) e liberando respiratória primária ou compensadora). A diminuição
o 0 2 para os teodos. Isso ocorre na passagem do sangue artenal da frequência respiratória ou bradipnéia eleva a pC02 e
para venoso. A forma ox1dada, oxihemoglob1na, rem menos afi· causa dim1nuição do pH arterial (acidose respiratória pri-
nidade pelo H+, pois o ox1gên1o ligado ao átomo de ferro diminui mária ou compensadora).
a capaodade ramponante do grupo 1m1dazol da hemoglob1na.
Os íons b1carbonatos formados se dtfundem para o plasma e são
equilibrados pela passagem de íons cloretos para dentro das he- REGU LAÇÃO RENAL DO BICA RBONATO
máoas (rroca de o- por HCO~, mantendo assim o equilíbrio iôni- PLASMÁTICO E EXCREÇÃO DE H+
co dentro e fora das células. A eficiente produção de bicarbonato
ocorre pela açâo da antdrase carbónica (AC) presente nas hemáoas Os nns excretam cerca de 50 mEq/dia de W em con-
(C02 + Hp ~ HF03 ~ HCOj + W), esquematizado na dições fisiológicas. A eliminação desse ácido fixo e o con-
F1gura 42.2. trole do bicarbonato plasmátiCO são feitos pelo rim por

Investigação laboratoria l dos distúrbios ácido-basicos 547


Tecidos ][ Plasma )[ Eritrócitos

C0 2 - difusão - C02 - difusão- C0 2 co2dissolvido


+
~
Hp
+
Anidrase
carbônica

+t
H2C03

+t
HCOj HCOj + H• (tamponado pela Hb)

CI CI

02 Hb + H•
02

H20 H20

Figura 42.2 -Representação esquemánca dos processos que ocorrem no ramponamenro do hidrogên1o pela hemoglobina.

meio de vários mecanismos: a) reabsorção do bicarbonaro e sim resultado de várias reações químicas, mas equivalente
do ulcrafilcrado glomerular; b)regeneração do bicarbonaro ao que foi filtrado. Distúrbios eletrolícicos envolvendo o K+
consumido; c) excreção de H+; d) produção de amónia. e Cl- interferem na reabsorção de bicarbonaco. Na hiperpo-
casemia há aumento do ~ intracelular. O K+ que entra na
célula é permutado com o H+, assim há queda de H+ e do pH
Reabsorção de bicarbonato intracelular e, em conseqüência, menos absorção de bicarbo-
nato, levando à acidose metabólica hipercalêmica. A hipopo-
Todo bicarbonaco filtrado é reabsorvido até o limiar cassemia leva, por mecanismo inverso, à alcalose metabólica
(Tm) renal desse ânion, que é de 3,2 mEq/min e corresponde hipocalêmica. Nos distúrbios com perda do cloreto ocorre
à concentração de bicarbonaco plasmático de ± 27 mEq/L. aumento da reabsorção de bicarbonato renal. o que leva à
Uma elevação na concentração plasmática de bicarbonaco alcalose metabólica hipoclorêmica.
ocasiona eliminação desse excesso pela urina. Cerca de 90%
são reabsorvidos no cúbulo proximal e 10 a 15% nos túbulos
contornados distais. Calcula-se que 27.000 mEq de HCO)são Regeneração do bicarbonato
filtrados em 24 horas, o que levaria a uma grande espolia-
ção de base se não houvesse esse mecanismo conservador. Na neutralização do ácido fixo produzido ou introdu-
Emrecamo, o mecanismo de reabsorção do bicarbonaco é zido no organismo, consome-se o tampão bicarbonaco.
indireco. A Figura 42.3 esquematiza esse processo. A restauração desse tampão é uma das funções do rim
Na luz tubular o bicarbonaco filtrado neutraliza o H+ para manutenção do pH do sangue e cem a participação
secretado pelas células tubulares rena1s e o H2C0 3 formado do tampão fosfato (HP04 --; Hl04 -).o mais importante
decompõe-se em Hp+ C02, que se difunde para a célula e potente tampão tubular renal. Nos rins, a eliminação do
tubular. Por ação da amdrase carbónica forma-se novamente H+ pela ação do tampão fosfato libera sódio e regenera
W e HCOj O H+ é secretado e trocado pelo sód1o que, junco o bicarbonaco por meio das reações esquematizadas na
com o HCOj, difunde-se para o interstício e plasma, "reab- Figura 42.4. A quantidade de íons H+ eliminados pelo fos-
sorvendo" assim o bicarbonato e sódio filtrado. Portanto, o fato e por outros tampões orgânicos como creatinina e
bicarbonato que aparece no sangue não é o que fo1filtrado beta-hidroxibuciraro é chamada de acidez titulável.

548 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - - - - - -- - - - - - -- - - - - -- - - - - - - -


Filtrado Glomerular
l[ Célula Tubular Renal l( Capilar Peritubulor

HCOj +Na· Na· Na·

~
Na/K
ATPase

HCO; +H· H·+ HCOj HC0 3

t+
H2 C03
+
NaHC03
,. AC t+
plasma
Hp + co 2 ~
co2 + H20
urino

-
Figura 42.3- Esquema representando a "reabsorção" renal de bicarbonato que é realizada pela troca de H ~ por Na+ e a produção
de HC03. pelas células tubulares sob ação da anidrase carbónica (AC).

~======F=i=ltr=o=do==G=Io=m=e=r=ul=o=r======~][>=======C=é=l u=la==fu=b=u=la=r=R=e=na=I=======<][~========C=a=p=ila=r=P=e=ri=tu=b=ul=a=r======~

NaHP04 + Na · Na· Na·

Na/ K
ATPase

H· + HC0 3 HCO j

plasma

urino

Figura 42.4 - Esquema representando a regeneração de b1carbonaro. Nos túbulos distais uma molécula de Na+ do tampão
fosfato presente no filtrado glomerular é trocado pelo H' e excretado na unna sob forma de fosfatO monossódico.Nessa troca
houve eliminação de ác1do (H') e produção de nova molécula de bicarbonatO pelos rins.

Produção de amónia

O urro mecanismo renal de conservação de base e ex- nio (NH4 +), sendo excretado na urina ligado ao cloro.
creção de ácido muiro eficienre é a produção de amônia Nesse processo, o Na+ é liberado e reabsorvido com o
(N H3) pelas células tubulares. A gluramina é a principal bicarbonatO esquematizado na Figura 42.5.
fonte de amônia que, ao reagir com o H+, produz amô-

Investigação laboratorial dos dist úrbios ácido-basicos 549


Filtrado Glomerular
l[ Célula Tubular Renal
l[ Capilar Peritubular

Cl + Na• li Na• Na·


JJ
Na/K
ATPose

H• H• + HCO; HCO;
+
NH 3 t+

Cl + NH.
+
H2 C03

t +AC j
H20 + C02
NaHC03
Glutamina (aminoácido)
plasma
urina +
NH 3

Figura 42.5 - Esquema representando a excreção renal de H+ e regeneração do bicarbo nato. arravés da prod ução de amô-
nla (NH) pelos aminoácidos das células r ubulares renais. A amônia rampona o H+ e é excrerado sob a forma de cloreto de
amôn1o(CINH 4) eli m1nado na unna.

Excreção de H+ livre (base excess). A avaliação desses parâmetros determi-


nam o estado ácido-básico do pacieme. O (a) idemifica
Pequenas quamidades de H+ livre podem ser elimi- que foi realizada em sangue arterial. Os equipamemos
nadas na urina, mas são pouco significativas para a elimi- utilizados compõem-se basicameme de eleu odos para a
nação de ácido do organismo. leitura direta de pH, pC0 2 e p0 2:
• o pH mede a concemração de H- do sangue. É o
log do inverso da [H+]. Valor de referência = 7.35
EXAMES LABORATORIAIS PARA A ABORDAGEM a 7,45;
DOS DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS (DAB) • a paC02 (pressão parcial de gás carbônico arrerial)
mede a fração dissolvida não combinada de co2
Na abordagem laborarorial dos distúrbios ácido- rotai. Ela reflete o C0 2 em nível alveolar. Avalia as
básicos são medidas. principalmenre, as alterações que alterações respiratórias. Valor de referência = 35 a
ocorrem com a concemração do tampão bicarbonaro 45mmHg;
no sangue, por suas caracrerísticas já abordadas. Os tes- • a pa02 (pressão parcial do oxigénio a nível alveo-
tes laboraroriais utilizados na prática clínica para con- lar) mede a concemração de oxigénio em nível al-
firmação e diagnóstico são a gasometria e dosagem de veolar, indicando a presença ou não de hipoxemia
elerróliros, pela inrer-relação desses distúrbios. arterial. Va lor de referência = 80 a 100 mm Hg;
• saturação de 0 2 mede o grau de saruração do oxi-
génio no sangue. Valor de referência = 95 a 100%.
GASOMETRIA
São calculados pelo nomograma de Sigaard-Ander-
A gasomerria é o exame realizado no sangue venoso sen ou outro, disponíveis com o gasômetro utilizado:
ou arterial, para a medida do pH, paC02, bicarbonaro • bicarbonato padrão é a determinação do bicar-
plasmático, pa02, saturação do 0 2 e excesso de base bonato plasmático após o sangue ter sido equili-

550 ( Medicina laboratorial para o clínico )1---- - -- - - - - - -- - - - - - - - - - - -- - - - - -


brado com a pC02 de 40 mmHg, à temperarura O HA é utilizado na prática clínica na interpretação das
de 37"C. Valor de referência 22 a 26 mEq/L; acidoses metabólicas que são divididas em dois grupos:
• bicarbonato real é um dado cálculo-derivado do 1. acidose metabólica com HA elevado. Ocorre nas
bicarbonaro plasmático com os valores da pC0 2 elevações de ácido no organismo observadas na
do paciente. Avalia as alterações metabólicas. Va- ceroacidose diabética e acidose lática entre ou-
lor de referência = 22 a 26 mEq/L; tras causas;
• excesso de base (BE): é calculado a partir dos va- 2. acidose metabólica com HA normal ou hiper-
lores de pH, de pC02 e da concentração da he- clorêmica. Ocorre nos casos de perda de bicar-
moglobina e expressa o excesso ou o déficit de bonaro pelo organismo. Nesse caso há aumento
bases do organismo. Representa o desequilíbrio de reabsorção renal de cloro para compensar o
dessas bases, valores negativos, indica perda de bicarbonaro perdido levando a hipercloremia.
base ou acidose metabólica. valores positivos.
1nd1ca excesso de base ou alcalose metabólica.
Orienta a quantidade de base necessária para o Hia t o a n iôn ico u rinário (HAU)
retorno do pH ao normal. Valor de referência =
+2 a -2 mEq/L. É uma medida indireca do amônio na urina a partir
de amostras isoladas de urina. É outro dado utilizado na
Os aparelhos mais modernos incorporam elecrodos avaliação da acidose metabólica A equação utilizada é:
específicos para dosagem de elecrólicos (Na t . K+, e1· e
ca+ ionizado) e determinam o amon gap, a hemoglobi- HAU = (No'J. +[K•J ; (Crj •
na, o hematócrico, a glicose e laceara
Hiaw aniônico urinário (HAU) negativo significa aumen-
co de eliminação de amônio (NH~ e, portamo. resposta renal
HIATO ANIÔN ICO (HA) OU compensadora de eliminação de excesso de H+ (Figura 42.5).
ANION GAP OU DIFERENÇA DE ÂN IONS (DA) Quando se encontra o hiaw aniônico urinário (HAU) positi-
vo. isw significa baixa eliminação de amónio ou sua elimina-
O h1ato aniôn1co expressa os ânions não dosados pe- ção com outros ânions orgânicos (lactato. becahidroxibutira-
los mérodos rmineiros (fosfato. lactato. sulfatos. prmeí- co) ou não-orgânicos (hipuraw). Os HAU positivos indicam
nas. ceroáodos). É calculado pela diferença entre cátions distúrbios renais na produção de NH3+ nos túbulos rena1s ou
e ân1ons séricos medidos, utilizando-se as fórmulas: também distúrbio de secreção distal de H+.
As Tabelas 42.1. 42.2. e 42.3 apresentam os valores
(No·]+(outros cótions] = (CI-] + (HCO; ] + (outros ônions] de referência do pH, pa02. paC02. Sat.02. HC03, Hiaro
aniônico. excesso de base (BE). em sangue arterial e ve-
Na prác1ca. o cálculo do hiato aniônico plasmático noso para adultos e crianças.
é feito utilizando-se a fórmula a seguir, que exclui o K+
(ba1xa concentração sénca conmbuindo pouco no cá l-
culo fina l). Variações biológicas

HA = (No•]- ((CIJ + (HCO; JI A vanação b1ológ1ca (Cv em %) do pH e pC02 está


exemplificada na Tabela 42.4. Pela necessária manuten-
A variação normal do HA é de 12± 2 mEq/L de plasma. ção desses parâmetros em limites estreitos, a variabilida-
Em pacientes rena1s, o potássio pode estar elevado e dar de intra e imennd1víduos é reduzida e similar, bem como
um efeito maior no cálculo. Uma fórmula alternativa é: as especificações para a imprecisão e bias (resultados fal-
samente elevados ou reduzidos) dos métodos analíticos.
HA = I(No·] + [K· ]) - I(CI] + (HCOJl l
O erro tota l corresponde à soma da imprecisão e inexa-
tidão. considerando-se a variação biológica.

Investigação laboratorial dos distúrbios ácido-basicos 551


Tabela 42.1 -Valores de referência do pH, gases sanguíneos, Tabela 42.4 - Parâmerros de Variação Biológica
bicarbonaw, excesso de base e hiaw aniônico em adulws
Especificação
Variação biológica
Parâmetro Valor de Referência Desejável

pH 7,35 - 7,45(*) Parâ- Cv intra- Cv inter- lmpreci- Bias Erro


metro individual individual são (%) (%} total
pa02 80- 100 mmHg (%)

poC02 35 - 45 mmHg(*) pC0 2 4,8 5,3 2,4 1,8 5,7

Sot0 2 95- 100 % pH [H+] 3,5 2,0 1,8 1,0 3,9

HC03 22-26 mEq/L


Fome:R1cos C. Alvarez V, Cava F. GarCia-Lario JV. Hernandez A, )1menez CV. Mmchi-
Hiato oniônico 12 ± 2 mEq/L nela J. Perich C. Simon M. "Currem databaseson b1olog1C vanauon: pras, cons and
progress.· Scand j Chn Lab lnvest 1999; 59:491-SOO
BE -2 o +2 mEq/ L
Cuidados na coleta
Fome: Shapiro lN: Clin,cal Apphcauon of Blood Gases. Sth Edit10n. By Barry A. Sha-
piro. MD. W1lham T PeruZZI. MD and Rozanna Kozlowski·Temphn.1994. Na coleta da amostra de sangue arterial ou venoso, a
' Os valores ass1nalados referem-se a d01s desv1os-padrão e no caso do paC02 tam·
heparina é o anticoagulante de escolha e deve estar ele-
bém para pessoas em repouso
t roliticamente equilibrada com o sódio ou líti o em um
pH abaixo de 7,0. Hoje estão d isp oníveis seringas prontas
Tabela 42.2 - Valores de referência do pH e gases sanguí- com heparina de lítio em apresentação liofilizada para
neos para amosrras de sangue arrerial e venoso em adul w o btenção de vol umes definidos de amostra. A amostra
deve ser mantida sem contato com o ar e transporta-
Parâ metro Sangue arterial Sangue venoso da rapidamente ao local d o exam e. O sangue arterial é
pH 7,35 o 7,45 0.05 unidades menor colhido de preferência na artéria femoral, radial o u cate-
t er intra-arterial nos pacientes em cuidados intensivos.
poC0 2 35 o 45 mmHg 6 mmHg maior
Amostras d e sangue capilar para micrométodos po-
pOz 70 o 100 mmHg -50% (35 o 50 mmHg) d em ser o btidas de recém -nascidos e crian ças menores,
tendo-se o cuid ado prévio de aquecim ento do local da
punção para arterializar o sangue.

Tabela 42.3 - Valores de referência do pH, paC02 e bicar-


Cuidados com a amostra e controle
bonaw sanguíneo em diferences faixas erárias
de fatores interferentes

Idade pH paC02 HCO;j a) Pré-analíticos: relat ivos à adequada co let a e con-


1 mês (RTN) 7,39 ± 0.02 31 ± 1,5 20 ± 0,7 servação da amostra durante o tra nsporte.

3 - 24 meses 7,39 ± 0,03 34 ± 4,0 21 ± 2,0 • rejeitar amostras coaguladas e hemolisadas;


• pad ro nizar o volume de heparina. O excesso de
1,5- 3,4 anos 7, 35 ± 0 ,05 37 ± 4,0 20 ± 2,5
heparina (por ser ácida) na amostra pode dar re-
3,5 - 5,4 anos 739 ± 0 ,04 38 ± 3,0 22 ± 1.5 su ltado falso do pH. O volum e de 0,05 ml de he-
parina sódica é suficiente para a amostra d e 1 m l
5,5 - 12,4 anos 7,40 ± 0,0 3 38 ± 3,0 23 ± 1,0
d e sangue;
12.5 - 17. 4 anos 7, 38 ± 0,03 41 ± 3.0 24 ± 1,0 • eliminar as bolhas d e ar na seringa após a coleta,

7, 40 ± 0,02 41 ± 3,5 25 ± 1,0 pois levam a resultados elevados da p0 2 e baixos


Adultos
d e pC02;
• transportar a amostra acondicionad a em gelo. A
Fonte: Carraza, FR& Andriolo. A. Diagnóstico laborawnal em ped1at na. São Paulo
Sarv1er. 2000. p. 122 falt a de refrigeração po de d iminuir o oxigênio da

552 ( Med icina laboraw rial para o clínico ] \ - - - -- - - - -- -- - -- - - - - -- - - -- - -- - - -


ACIDOSE METABÓLICA
amostra e causar elevação do gás carbônico pela
não interrupção do metabolismo celular;
• realizar o exame no máximo de 10 minuws em Distúrbio resultante da perda de bicarbonato ou ga-
amostra em temperawra ambiente ou até duas nho de íons hidrogênio no líquido extracelular e conse-
horas, se conservada no gelo. O atraso na execu- qüente baixa do pH do sangue.
ção altera as concentrações dos gases e pH. Na gasomecria rem-se o pH abaixo de 7.35. bicarbo-
b) Analíticos relativos ao equipamento: providen- nato diminuído no sangue. A compensação respiratória
ciar a adequada e periódica manutenção do diminui o pC0 2. Na acidose metabólica o declínio da
equipamento para prevenir o envelhecimen- paC02 compensadora previsível pode ser calculada pela
w e/ou contaminação das membranas com fórmula utilizada por alguns autores: pC0 2 = 1,5 x HC03
proteínas, fungos, bactérias.A cada turno de 8 plasmático + 8, ou seja, para cada 1 mEq/L na diminui-
horas recomenda-se a verificação da precisão ção do bicarbonato plasmático a paC02 diminui 1 a 1.3
com o uso de controles internos e acompa- mmHg. Por esse cálculo pode-se verificar a capacidade
nhamento nos gráficos de controle de quali- de compensação e/ou distúrbios respiratórios concomi-
dade (Levey-Jennings). Considera-se precisão tantes. Se o resultado da paC02 estiver acima do valor
adequada +/-0,02 para o pH, +/-2% para o p0 2 previsível calculado para a compensação, está ocorrendo
e pC0 2; acidose respiratória associada; e nos valores abaixo, alca-
c) Pós-analítico: considerar para a interpretação dos lose respiratória.
resultados o uso de infusões venosas de elerró- Por exemplo: para o resultado de bicarbonato 10
litos ou outros medicamentos, equipamentos mEq/L e paC0 2 de 40 mmHg teremos:
para ventilação mecânica, no momento da co- • paC02 compensadora previsível = 1.5 x 10 mEq/L
leta da amostra. bicarbonaw+8 = 23 mmHg;
• conclusão: acidose metabólica e associação de
acidose respi ratória, pois os valores estão muito
DISTÚRBIOS PRIMÁRIOS ÁCIDO-BÁSICOS acima da compensação esperada, o que levaria à
baixa da paC02.
Os distúrbios primários ácido-básicos que podem
ocorrer são: acidose metabólica, acidose respiratória, Na determinação da etiologia, devem ser realizados: gli-
alcalose metabólica, alcalose respiratória e distúrbios cemia, pesquisa de cetonas, pesquisa de substâncias tóxicas
mistos - associação de mais de um distúrbio. A abor- no sangue, eletrólitos séricos, lacta to sérico, exame da uri na
dagem laborarorial é feita com a solicitação da gaso- e pH urinário. O cálculo do HA. HAU e BE é muito útil para
metria. Os outros testes como os eletrólitos séricos e esclarecimento do diagnóstico diferencial. O HA elevado
urinários, HA. HAU. glicemia, creatinina são solicitados sugere produção excessiva de ácidos orgânicos e ocorre na
para avaliar a função renal e possíveis causas. A inter- cetoacidose diabética e alcoólica, ácidose láctica e insufici-
pretação da gasometria deve começar com a verifica- ência renal. O hiato aniônico urinário negativo indica que a
ção do pH. É o pH que orienta se existe o estado de acidose metabólica é extra-renal (perda de bicarbonato ou
acidose, pH do sangue abaixo de 7,35 ou alcalose pH ganho de ácido) e que o rim está eliminando o excesso de
acima de 7.45 ou equilíbrio pH normal. Em seguida, W por meio de maior produção de amónio (Figura 42.5). Se
avaliam-se os outros dados como paC02, bicarbona- o hiato aniónico urinário for positivo, indica baixa excreção
w. excesso de base, pa02, hiaro aniónico para carac- de amônio, significando que a acidose metabólica tem pos-
terizar se o distúrbio primário é metabólico, respirató- sível causa renal. As acidoses tubulares renais exemplificam
rio ou mista e o grau de compensação. Os resultados essa probabilidade. O BE encontra-se negativo na acidose
devem ser sempre interpretados em conjunto com metabólica e expressa a perda de base.
os dados clínicos do paciente (vómitos, diarréia, me- Por exemplo: pH = 7,20, paC02 = 24 mmHg, bicar-
dicamentos em uso, agravos anteriores: DM. DPOC. bonato = 8 mEq/L, BE = - 16. (Conclusão: acidose meta-
PNM, IR, ventilação assistida). bólica parcialmente compensada: pH muito abaixo de

Investigação laboracorial dos dist úrbios ácido-basicos 553


7,35, BE valor muiw negarivo indicam a grande perda de • eliminação reduzida de ácido pelos rins na insufi-
base e o componente metabólico; e paC0 2 baixa indica ciência renal (falência dos múltiplos mecanismos
compensação respiratória parcial). renais de eliminação de H+), acidose tubu lar renal
O Quadro 42.2 esquematiza as alcerações esperadas (rransrorno tubular congênico ou adqui rido levan-
para o pH, bicarbonaco e paC02 na acidose metabólica. do à secreção reduzida de H+ pelas células tubu-
lares), desnucrição.
Quadro 42.2 - Achados laboracona1s do pH, bicarbonato
e pC02, excesso de base (BE) e hiaro aniônico na acidose
metabólica
ALCALOSE METABÓLICA

fa se pH [HCü.J·] pC0 2 SBE HA


Distúrbio resultante de ganho de base ou perda de
Alteração <7.35 tt N <·2 Nau
ácido e conseqüente aumento do pH sanguíneo.
primário aumentado•
A gasometria mostra: pH acima de 7,45 e bicarbona-
Resposta N t t <·2 N ou
compensotórto a umentado to elevado. O mecanismo compensador respiratório ele-
va a paC02 (retenção de H2C03). Na alcalose metabólica
'depende da e[lologta a previsão de compensação respiratória é o aumenco da
pC02 de 0,7- 0,8 mmHg, para a elevação de 1 mEq/L de
bicarbonato. A compensação renal, mais eficiente, dimi-
Ma nifestações clínicas
nui a produção de amônio, a reabsorção de bicarbonato
renal produz maior eliminação de base e urina mais alca-
A acidose metabólica leve pode ser assintomácica. O lina, excreção aumentada de sódio e potássio.
bicarbonaco é consumido no processo de compensação, Por exemplo: pH = 7, 55, paC0 2 = 35 mm Hg, bicar-
levando ao estím ulo respiratório com aumento da fre- bonato = 30 mEq/L, BE = +6,0. Conclusão: alcalose me-
qüência respiratória e redução da paC02 na fase com- tabólica pura: pH acima de 7,45. excesso de base positivo,
pensatória. A compensação renal é feita promovendo componente respiratório normal.
maior eliminação de H+ e restauração do bicarbonaco, O Quad ro 42.3 mostra as alterações esperadas para
urina ácida, maior excreção de sais de amônio. Nos dis- o pH do sangue, bicarbonato plasmático, paC02 e BE na
túrbios graves, é comum a ocorrência de náusea, vômico, alcalose metabólica.
fadiga e respiração mais ampla e profunda (respiração de
Kussmaul). O agravamento do quadro pode evoluir com Quadro 42.3 - Achados laboratoriais do pH, bicarbonato
e pC02, excesso de base (BE) e hiaro aniônico (HA) na al-
fraq ueza, confusão memal, hipocensão, choque, coma e
calose metabólica
morre. A hipercalemia é uma complicação freqüence da
acidose metabólica, pela troca do K+ intracelular pelo
Fase pH (HCü.J'] pC02 SBE HA
H+ como mecanismo de compensação.
Alteração >7.45 ii N > +2 N ou
primária d iminuído•

Respos·o N i i > +2 N
Etiologia compensotóno

• perda de bicarbonaco por meio do aparelho diges- 'dependem da et1olog1a

tiVO (diarréias, físculas pancreática) ou causas re-


nais no rranscorno tubular proximal de reabsorção
Manifestações clínicas
de bicarbonato (HA- normal);
• acúm ulo de ácidos na cecoacidose diabética, aci-
dose láctica (sepse por gram negativo), uso abu- A sintomatologia é inespecífica e se relaciona aos
sivo de aspirina, parada cardiorrespiracória. erro distúrbios no sistema nervoso e cardíaco muitas vezes
inaco do metabolismo (HA- elevado); secundário aos distúrbios hidroelecrolícicos associados

554 ( Medicina laboratorial para o clínico )1--- - - - - - -- - - - - - - - -- -- - -- - -- - - - -


Estes se correlacionam com alterações concomitantes O Quad ro 42.4 esquematiza as alterações esperadas
no metabolismo do cálcio e pocássio, levando à hipo- na acidose respirató ria para o pH plasmático, bicarbona-
calcemia e hipopotassemia (o aumento de 0,1 no pH co, paC02 e BE.
leva à dlm1nu1çào de 0.46 mg/dl do cálcio ionizado e 0,6
mEq/ L de potássio sérico). Na alcalose metabólica esse Quad ro 42.4 - Achados laboratoriais do pH, b1carbonaro e
dado deve ser considerado na interpretação do potássio pC02 e excesso de base (BE) na acidose respira tória
e cáloo séncos.
Por exemplo: pH = 7,65 e K+ = 4,0 mEq/L Fase pH [HCO;j] pC02 BE
Correçào da alcalose = (0,2 X 0,6 = 1,2) Alteração <7.35 N ii N
primário
[K+) pocássio real = 4 -1,2 = 2,8 mEq/L, portamo, hipo-
Resposro N i i > ...2
porassemia compensolório

Et iologia
M anifestações clínicas

• depleção de clorew e d1stúrb1o do LEC por vóm i-


ws, aspiração nasogásrnca. adenoma viloso, diar- o aumen w do co2ou hi percapnia pode causar es-
réia com perda de clorem, uso abusivo de diuréci- tado de confusão e cefaléia relacio nados com a vasodi-
cos (tiazídicos, furosemida, ácido etacrín1co); latação cerebral. Essa manifestação pode evoluir até o
• hipopotassemia devido à h1perativ1dade adrenal coma e cursar com aumento da pressão intracraniana.
(síndrome de Cushing ou uso de corticosteróide). Manifestações cardiovasculares podem estar presentes.
• administração excessiva de bicarbonam e síndro-
me leite-álcali.
Etiologia

ACIDOSE RESPI RATÓRIA As causas de acidose respiratóna são todas as mcuns-


tâncias que levam à hipoventilação e acúmulo de co2no
Distúrbio resultante da retenção de C0 2 sanguíneo e sangue. Podem ser por um mecanismo Intrínseco de dis-
conseqüente baixa do pH do sangue. função pulmonar e/ou músculos respiratórios ou depres-
A gasomecria mostra pH abaixo de 7.35, paC0 2 elevado, são dos cenuos respiratórios no sistema nervoso cent ral.
e o bicarbonato variando com a compensação. A retenção São causas de acidose respiratória: doença pulmonar obs-
de co2eleva o HF03ou (H+ HCO~ - cada aumento de trutiva crón1ca (DPOC). pneumonia, paralisia dos múscu-
10 mmHg na fase aguda eleva 1 mEq/L de b1carbonato e los respiratórios e lesões do SNC de diferences causas.
nos processos crónicos 3.5 mEq/L. A compensação da ao-
dose respiratória é fe1ta por meio de dois mecan1smos: a)
pelo tampão hemoglobina que capta o W e libera o blcar- ALCALOSE RESPIRATÓRIA
bonaco para o LEC; b) promovendo maior reabsorção renal
de bicarbonaco e ma1or eliminação de H+ na urina. Distúrbio resultame da eliminação aumentada de C02
Por exemplo: pH = 7, 16, paC02 = 85 mmHg, pa02 e conseqüente elevação do pH do sangue. A gasometria
= 30 mmHg, bicarbonaw = 24,0 mEq/L, BE= -3. Conclu- mostra: elevação do pH acima de 7,45, redução da paC02 e
são: acidose respiratória descompensada e hipoxemia - redução compensadora do bicarbonaco - para cada redu-
pH ba1xo caracterizando a acidose, paC02 muiw elevada ção da pC02 de 10 mmHg ocorre diminuição de 2 mEq/L
caracterizando a insuficiência respiratória, a acentuada no bicarbonato plasmático na fase aguda e 4 mEq/L na
baixa da pa02 mostrando a hi poxemia, o bicarbonaw e crônica. A maior eliminação C02 significa perda de ácido
BE não alterados destacam a não compensação. volátil, ou seja, menor concentração de H+ no organismo. A

Investigação laboratorial dos distúrbios ácido-basicos 555


compensação se faz no sentido de eliminação aumentada proporção de bicarbonaro/ácido carbônico =20/1 na equação
de bicarbonaco pelos rins para normalizar o pH. do tampão bicarbonato. Os distúrbios mtstos caracrenzam-se
Por exemplo: pacteme hipervenrilado apresentou na por ultrapassar esses limites previsíveis da compensação. ava-
gasomerria: pH = 7,44, paC02 = 24 mmHg. bicarbonam liados na prática com a utiltzação do nomograma de Stgaard-
=16 mEq/L. BE =-6. Conclusão: alcalose respiratória com- Andersen. ou equivalente. de tnteração do pH. [HCO~. paC02•
pensada (pH normal, baixa de C02 pela hiperventilação, bi- pa02•com índices de 95%de limtre de confiança. Para a conclu-
carbonaro batxo compensando o distúrbto e o BE negattvo são são 1m prescindíveis o quadro clínico do paciente, os eletró-
pela perda de base na compensação). litos e os outros testes (HA, HAU, BE).
O Quadro 42.5 esquematiza as alterações esperadas Por exemplo: um paciente portador de cetoacido-
na alcalose respiratória para o pH. bicarbonato plasmático. se diabética e insuficiência respiratória devtdo a quadro
paC02 e BE. pneumónico terá na gasomerria JH e bicarbonaco baixos,
BE negativo, indicando a acidose metabólica, mas paC0 2
Quadro 42.5 - Achacos laboratoriais do pH. btcarbonaro. elevada, o que caracreriza a acidose metabólica e respira-
pC0 2 e excesso de base (BE) na alcalose respiratóna tória associadas. O resultado da gasomerria foi: pH = 7.21,
pC02 = 54mmHg, p02. = 48 mHg, Btcarbonam real = 19
Fase pH [HCO;j] pC02 BE mEq/L. BE = -6.5. Nesse caso o distúrbio misto foi no senti-
Alteração >7.45 N .!..!. N do oposto da compensação. o que faoltta o dtagnósttco e
pnmóno
interpretação dos dados laboratoriais. Observar a hipoxe-
Resposlo N .!. .!. < ·2
.ompensotório mia presente.
Há. portanto, possibilidade de associações que podem
não levar à alteração do pH sanguíneo. se ocorrem no sen-
tido da compensação. como alcalose respiratória e acidose
Manifestações cín icas metabóltca, observada no choque séptico. por exemplo.
Essa situação leva a um estímulo respiratório central e alca-
A redução da pC02 tem duas conseqüências. sendo lose respiratória primária e acidose metabólica conseqüente
uma delas a vasoconstrição e a outra a hipocalcemia (re- do quadro de choque. Nesse caso. pode ocorrer pouca va-
dução do cálcio ionizado). Portanto, podem surgir mani- nação do pH do sangue, mas o bicarbonato e pC02 encon-
festações relacionadas ao sistema nervoso central e mus- tram-se baixos. Os outros testes laboratoriais indicarão a di-
cular. tais como: parestesias, cãibras, tetamia. convulsões minuição de base do organismo (HA, BE. HAU). auxiliando
e alteração do estado de consciência. no diagnóstico final. São várias as associações de distúrbios
mistos possíveis esquematizadas no Quadro 42.6.

Etiologia
Quadro 42.6- Achados laboratonais do pH, bicarbonato e
pC0 2 nos distúrbios mistos
Relaciona-se corr as diversas situações que cursam
com a hiperventilação e o estímulo não-pulmonar do Parâmetros
Distúrbios
centro respiratório, como a dor aguda e intensa, sepses. [HCQ)J pC02 pH
ansiedade, altura e uso de drogas. Alcolose metabólica e .!. .!. ii
Alcolose respiratório
Alcolose metabólico e ii ii N'
Acidose resp1ra'óna
DISTÚRBIOS M ISTOS Acidase metabólico e .!..!. .!..!. N*
Alcolose respiratório
São Situações clíntcas que ocorrem, dois distúrbios primá- Ae~dose metabólica e .!..!. ii .L .L
Acidose resp;ralório
rios associados (respiratório e metabólico). Como visto até ago-
ra, os dtstúrbtos primários ocasionam uma compensação para ·o contumo de outros dados: h1ato an1ônico. BE. h1ato amón,co unnáno. pH unná·
a manutenção do pH do sangue e a homeostase, mantendo a no. po:áss o senco. aux1ham o d1agnóst1CO dm dlstúrb,os m1stos com pH normal

556 ( Medicina laboratorial para o clínico


RESGATE DA IDÉIA CENTRAL DO CAPÍTULO Mechanisms of disease. 5• ed. Philadelphia: W. B. Saun-
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mas com a compreensão de que eles refletem as altera- 8. Rang LC Muray HE, Wells GA. MacGougan CK. Can pe-
ções de um mecanismo complexo, dinâmico e incerati- ripheral venous blood gases replace arrerial blood gases
in emergency departmenr patients? Can J Emerg Med.
vo regulador do pH e eletrólicos sanguíneos. Participam 2002;4{1):7-15.
desse processo rodos os sistemas tampões do extracelu- 9. Ricos C Alvarez V, Cava F, Garcia-Lario JV. Hernandez
lar e incracelular, os rins e os pulmões. A. )imenez CV, et ai. Currenr darabases on biologic va-
riation: pras, cons and progress. Scand J Clin Lab lnvest.
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ase; micturition. ln: Guyton A. Human Physíology and

Investigação laboratorial dos distúrbios ácido-basicos 557


Fabiana Maria Kakehasi
43 Juliana Ribeiro Romeiro
Maria Luiza Silva
Silvana Maria Elói Santos

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM INFECÇÃO PELO HIV

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana entre seus aminoácidos e os do HIV-1 e também leva à
(HIV) é uma das doenças emergentes mais importantes imunodeficiência, porém com evolução mais lema.
e devastadoras do mundo moderno e m uiro se tem es- O envelope virai do HIV-1 é constituído por uma
tudado sobre sua epidemiologia, estrutura virai, meios bicamada fosfolipídica proveniente da célula hospe-
diagnósticos e medidas profiláticas e terapêuticas. deira da qual o vírus se originou e onde estão inseridas
as glicoproteínas gp41 e gp120. A gp41 é uma proteína
uansmembrana responsável pela fusão das membrana s
ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO virai e celular, quando da infecção celular pelo vírus. A
gp120, exposta à camada externa do envelope, liga-se ao
AGENTE ETIOLÓGICO receptor CD4, uma glicoproreína existente na superfície
de alguns linfócitos, macrófagos e outras células do sis-
Em 1983, o HIV-1 foi isolado de pacientes com tema imunitário. como as células dendríticas. A ligação
síndrome da imunodeficiência adquirida (AIOS) à molécula de CD4 induz mudança conformacional na
p elos pesquisadores Luc Momaigner, na França, e gp120, possibilitando sua ligação com um segundo re-
Robert Gallo, nos EUA, recebendo os nomes de LAV cepror na superfície celular (CCRS e/ou CXCR4), o que
(Lymphadenopathy Associated Virus ou vírus associado à possibilita que a gp41 se una à célula. Esses eventos se-
linfadenopatia) e H TLV-111 (Human T-Lymphotrophic Virus qüenciais fazem com que ocorram aproximação e fusão
ou vírus T-linfotrópico humano tipo III), respectivamente, das membranas, permitindo que o material genérico vi-
nos dois países. É um reuovírus com genoma RNA de rai seja introduzido na célula. Arualmente, está em uso
fi ta dupla, da família Retroviridae (recrovírus) e subfamília nova classe de droga anti-HIV, denominada inibidor de
Lentivirinae. Pertence ao grupo dos reuovírus ciropáticos fusão, que consiste em peptídeos sintéticos (36 amino-
e não oncogênicos que necessitam, para multiplicar- ácidos) que se ligam à gp41, impedindo que ocorra a
se, da enzima denominada transcriptase reversa, fusão das membranas.
responsável pela transcrição do RNA virai para uma No interior do HIV. existe a matriz proréica, compos-
cópia DNA. que pode, então, integrar-se ao genoma ta basicamente da proteína p17, e o capsídeo virai. com-
do hospedeiro. A infecção crônica ocasiona progressiva posro da p24.
disfunção do sistema imune no hospedeiro. Existe ainda A organização do genoma virai é complexa e está
o HIV-2, encontrado principalmente na costa lest e didaticamente dividida em genes estrut urais (gag, pai e
africana, que apresenta cerca de 40 a 60% de homologia env), genes regulatórios (tat e rev), genes acessórios (vif,
vpv, vpr e nef), além das terminações repetitivas longas distintas o suficiente para caracterizarem diferences
(do inglês long terminal repeat - LTR) (Figura 43.1). subtipos e são denom inadas subsubtipos (exemplo Fl
Os genes estruturais da região gag codificam as pro- e F2). No Brasil, o subtipo 8 é responsável pela ma ioria
teínas do cerne virai (p17 e p24); aqueles da região env das infecções pelo HIV-1, seguido pelo subtipo F e ou-
codificam as glicoproreínas do envelope (gp41, gp120) eras formas recombinames.
e os da região pol codificam as enzimas nucleares res- A infecção pelo HIV é caracrerizada pela alra repli-
ponsáveis pela replicação virai - uanscriptase reversa, cação virai e pela incapacidade do sistema enzimático
protease e integrase. Os genes regulatórios porencia- virai em corrigir completamente a seqüência de nu-
lizam a expressão dos genes virais, interagindo com o cleotídeos durante a transcrição do DNA para RNA,
núcleo da célula infectada, facili tando o transporte do de forma que o genoma virai uanscriro po de conter
RNA virai do núcleo para o ciroplasma e aumentando diversos "erros" de t ra nscrição (subst itu ições de ba-
o nível de transcrição dos genes do HIV. Os genes aces- ses, duplicações, inserções e recombinações). Admi-
sórios parecem atuar no poder de infecrividade virai te-se que t ais erros possam ocorrer numa freqüência
(vif) e podem alterar o cicl o de replicação da célula de 1/2.000 a 1/4.000 d urante a polimerização da fita
infectada (vpr). As LTRs desem penham importante modelo de DNA que, in vivo, corresponderia a uma a
função na integração do genoma virai ao genoma da 10 mutações por genoma do HIV transcriro. Esse fato
célula hospedeira. propicia que diferentes vírus com d iferences seqüên-
É sabido que isolados virais exibem grande diver- cias de nucleotídeos infectem uma mesma célula,
sidade genética, que influenciam na sua transmi ssibi- ocasionando. conseqüentemente, grande d iversidade
lidade, infectividade e im unogenicidade. O seqüen- virai. A recomb inação genética pode gerar isolados
ciamento genético das principais proteína s virais, virais com maior poder adaptativo, dependendo da
especialmente do envelope virai, permitiu classificar mutação presente.
os subtipos virais e correlacioná-los em árvores filo- O HIV é bastante lábil no meio externo, sendo ina-
genéticas. Assim, o HIV-1 é subdividido em linhagens tivado por uma variedade de agentes físicos (calor) e
M (main), principal subtipo na epidemia mundial, O químicos (hipocloriro de sódio, glutaraldeído). Em con -
(outlier) e N (Non -M -Non-0). Linhagens distintas den- dições experimemais controladas, as partículas virais in-
uo do grupo M foram identificadas de acordo com o uacelulares parecem sobreviver no meio externo por até,
seqüenciamenro das regiões env e gag e designadas A no máximo, um dia, enquanto que partículas virais livres
a D, F a H, J e K. Existem algumas linhagens virais que, podem sobreviver por 15 dias, à temperawra ambiente,
apesar de diferentes entre si, não são geneticamente ou até 11 dias. a 37°C.

LTR

Precursor gag Precursor env

p53 gp160

'
Proteínas
do cerne
Enzimas virais
gp 120
'
1 gp41 1

Proteínas do envelope

Figura 43.1 - Estrutura esquemática do genoma do HIV

560 ( Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - - -- - -- - - - -- - - -- - -- - - - - - - - -


EPIDEMIO LOGIA E FORMAS DE TRANSMISSÃO
nal intensamente atingido no início da epidemia, também
apresentOu importante declínio, como conseqüência do
Apesar de ser mundialmenre distribuída, cerca de conrrole de qualidade adorado pelos hemocentros a par-
90% das infecções pelo HIV acometem a popu lação de tir de 1985. Houve aumento expressivo da subcategoria
países em desenvolvimento, em particular a África sub- de exposição heterossexual, contribuindo com 63,8% dos
saariana. Esta região abrigava 68% dos 33,2 milhões de in- casos no ano de 2007. Com aumento de casos por via he-
divíduos 1nfeccados pelo HIV de codo o mundo em 2007 terossexual, ocorreu progressiva redução na razão de sexo
e responde pela maioria dos óbicos atribuídos ao HIV entre os casos notificados, 15 homens: 10 mulheres, em
desde o início da epidemia, com cenários de devastação 2005, com relação de 1.5 homem para cada mulher.
de comunidades, diminuição da expectativa média de A maior participação das mulheres também é deno-
vida e da força econômica em muitas nações. Enrretan- tada pelo aumento percentual de notificações enviadas
co, as taxas de prevalência variam entre os diferences ao Boletim Epidemiológico; no período 1994-98 cresceu
países africanos, de 2% da população adulta em países 71% contra 7,6% entre as enviadas de indivíduos do sexo
do oeste africano chegando a aproximadamente 34% masculino, um aumento de aproximadamente nove ve-
entre os da região sul. Na África subsaariana, o padrão de zes. A conseqüência di reta da maior participação feminina
transmissão é predominantemente heterossexual, com é o progressivo aumenco da transmissão vertical. Quase a
alta proporção de mulheres infectadas e, conseqüente- totalidade de casos da infecção em menores de 13 anos
menre, elevado número de menores de 13 anos infecta- (81.1 %) se dá por via vertical; considerando que 8% dos
dos ou órfãos. Na América Latina, cerca de 1,6 milhão de casos têm categoria de transmissão ignorada, o número
indivíduos estavam infectados pelo HIV no final de 2007, real de tra nsmissão via vertical deve ser ai nda mais alto.
de acordo com dados da UNAIDS. Em países do Caribe, No mundo, as taxas de transmissão vertical diferem
onde o principal modo de tra nsmissão é o conraco hete- conforme a região geográfica considerada, variando de
rossexual, grande parcela da popu lação se encontra em 15 a 25% na Europa e Estados Unidos e chegando a 25 a
risco de infecção; essa região tem as mais altas taxas de 40% na África subsaariana, na ausência de qualquer inter-
incidência do vírus após a África subsaariana. venção. Em 1994, estudo colaborativo (ACTG 076- AIDS
A AIDS foi identificada pela primeira vez no Brasil em Clinical Trial Group) demonstrou que a administração de
1980 e até junho de 2007 aproximadamente 474.273 ca- zidovudina a gestantes infectadas e a seus filhos di minuía
sos já haviam sido notificados. Os números de casos de a taxa de transmissão em quase 67,5%. Tal estudo veio
AIDS em nosso país advêm das notificações recebidas modificar as taxas de transmissão vertical em localidades
pelo Sistema Nacional de Agravos Notificáveis (SINAN), onde é possível a administração profi lática de zidovudi-
que criou um banco de dados gerenciado pela Coorde- na. Entre os menores de 13 anos infectados via vertical,
nação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis notou-se nítida diminuição da transmissão. Relatos das
e AIDS (CN-DST/AIDS) e pelo Centro Nacional de Epide- taxas de transmissão no Brasil ainda são escassos, enrre-
miologia (CENEPI) Na primeira metade da década de 80, tanro, estudo inicial de coorte de lactentes expostos em
a epidemia manteve-se restrita às regiões metropolitanas Belo Horizonre, conduzido entre 1994 e 1998, revelou
do país e associada a grupos com comportamentos de taxa de transmissão de 18,1% (17/94, IC95%: 10,9-27,4).
risco, homo/bissexuais masculinos e hemofílicos. A partir Pesquisa subseqüente evidenciou decréscimo paulati-
do final dos anos 80, observou-se expansão da epidemia no nas taxas de transmissão ao longo dos anos: 20% em
entre a população brasileira. Apesar da distribuição hete- 1998, 14,1% em 1999, 8,6% em 2000, 9,4% em 2001, 5,9%
rogênea, concentrando-se em cidades da região Sul e Su- em 2002, 3,2% em 2003, 2,1% em 2004 e 3,0% em 2005.
deste, nota-se a extensão da epidemia para as regiões Nor-
deste, Norte e Centro-Oeste do país. A subcategoria de
exposição homo/bissexuais teve redução na participação HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA
na epidemia de infecção ao longo dos anos: de 71% dos
casos notificados em 1984 a 16.5% em 2007. A transmissão Relata-se que história natural da infecção pelo HIV
em recepcores de hemoderivados. segmenro populacio- cursa, em média, entre oito e 12 anos desde o momen-

Invest igação laboratorial do pacienre com infecção pelo HIV 561


w da infecção até a evolução para o óbiro. Entretanto, TRANSM ISSÃO VERTICAL DO HIV
a duração do tempo de infecção tem sido prolongada
com o uso da terapia anti-retroviral combinada . Inicial- O vírus pode ser transmitido por via vertical em três
mente, após a transmissão virai, nota-se ampla dissemi- momentos: no período pré-parro (intra-útero) durante
nação virai, com acometimento predominante dos teci- o decorrer da gestação; no período periparro durante o
dos linfáticos. Os primeiros sinais e sintomas surgem em trabalho de parm ou ao nascimento; ou no período pós-
50 a 70% dos indivíduos infecrados como uma síndmme parto através do aleitamento materno.
virai inespecífica, cerca de duas a crês semanas após a
infecção, caracterizada por febre, linfadenopatia. exan-
tema. odinofagia, mialgia, diarréia, cefaléia, hepawesple- Transmissão intra-útero
nomegalia e. em alguns casos. sinais neurológicos. como
meningite asséptica, neuropatia periférica, síndrome de A infecção incra-útero é definida quando o teste de
Guillian-Barré. Devido à inespecificidade da síndrome PCR-DNA ou a cultura virai é positivo em amostra de
retroviral aguda, a associação de tais sinais e sintomas sangue periférico colhido nas primeiras 48 horas após o
não é habitualmente correlacionada à infecção pelo HIV nascimento.
Nesta fase notam-se alta viremia plasmática e queda Cerca de 20 a 25% das infecções ocorrem durante
abrupta na contagem de linfócitos T CD4+ o período intra-útero di retamente através da passagem
Com o desenvolvimento da resposta imunológi- uansplacentária do vírus para circulação feta l ou pela
ca específica ao HIV, há queda na viremia plasmática. transmissão mediada por células mononucleares ma-
aumento dos linfócitos T CD4+ e recuperação clínica ternas infectadas pelo HIV Evidência da ocorrência da
em duas a quatro semanas. Inicia-se então um período transmissão em período tão precoce quanto em rorno
assintomático que tem duração variável de indivíduo de oito semanas de gestação advém de estudos que de-
para indivíduo, mas a progressão para típica síndrome tectaram antígenos virais p24 e genoma virai em tecidos
da imunodeficiência humana adquirida acontece, em fetais ou placencários. O acometimento fecal em fases
média, em 10 anos. Apesar da latência clínica, a infec- embrionárias de desenvolvimento pode resultar em
ção pelo HIV nesse período caracteriza-se pela manu- anormalidades congênitas ou aborro espontâneo.
tenção da replicação virai e declínio paulatino dos lin- Outra evidência da transmissão intra-útero é a pro-
fócitos T CD4+. gressão clínica rápida da doença du rante o primeiro ano
Com a evolução da imunodepressão e com o aumen- de vida, indicando que a infecção ocorreu precocemen-
to da viremia plasmática, o indivíduo infectado pode te, durante a gestação.
apresentar manifestações sistêmicas antes da apresen-
tação da imunodeficiência com as infecções oportunis-
tas. São descritas como manifestações sistêmicas: febre Transmissão periparto
persistente; perda de peso progressivo; diarréia crónica;
alterações dermatológicas. como modificação pigmen- Considera-se que a infecção tenha ocorrido no período
tação ou infecções por fungos e bactérias. Notam-se. periparto se o teste de PCR-DNA ou a cultura virai é ne-
na história pregressa. relaros de episódios repetitivos de gativo em amoscras de sangue obtidas durante a primeira
infecções bacterianas, virais ou parasitárias num curro semana de vida e tornam-se positivas entre o sétimo e o
período de tempo, assim como exacerbação de afecções 90° dia de vida, na ausência de aleitamento materno.
dermatológicas prévias. como dermatite seborréica e Estima-se que 60 a 75% das transmissões ocorram
psoríase, por exemplo. Com a persistência da infecção, durante o trabalho de parto ou ao nascimento. Os me-
os níveis de viremia plasmática aumentam progressiva- canismos ainda não estão cotaimente esclarecidos. mas
mence acompanhados de acometimento imunológico e incluem ru pturas nas barreiras de proteção da pele da
do desenvolvimento de infecções oportunísticas, tumo- criança. com subseqüente exposição mucocutânea a
res, manifestações neurológicas ou síndrome da emacia- sangue e secreções maternas contaminadas; ingestão
ção pelo HIV, a doença AIDS. de fluidos maternos contaminados; microcransfusões

562 ( Medicina laboratorial para o clínico


transplacentárias durante o trabalho de parco e infec- aguda, a nansmissão foi estimada em corno de 29%,
ção ascendente. Durante a passagem pelo canal de caindo para 14% em mães com infecção estabelecida
parco. o recém-nasodo é exposco a sangue e secreções previamente à amamentação. Outros farores de risco
maternas contaminados, potencializando a uansmis- não podem ser esquecidos, como o estado imunitário
são materno-fetal do HIV. e clínico materno, a cepa virai, lesões periareolares e
Assim, a duração da exposição a fluidos maternos masrire; assim como farores relacionados ao concep-
contaminados, quantificados pelo tempo de ruprura co, como a premaruridade, baixo peso e lesões orais
de membrana amniótica, parece ser importante facor como candidíase oral.
de risco na transmissão vertical. Ouuas evidênoas da
rransmissão periparco provêm de escudos que corre-
lacionam mais ba1xas taxas de rransmissão emre mães EXAMES LABORATOR IAIS NA INFECÇÃO
submetidas a parco múrg1co elet1vo, auibuídas à menor PELO HIV
probabilidade de m1crotransfusões de sangue contami-
nado dura me o uabalho de parco, ao faco de evitar con- INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL GERAL
tara do recém-nascido com secreções comam inadas na
passagem pelo canal de parco. Os exames laboracoriais de rotina recomendados são:
• hemograma completo: para avaliação de anem1a,
leucopenia, linfopenia e plaquecopenia;
Transmissão pós-parto • testes bioquímicos: para melhor avaliação das con-
dições clínicas gerais, em particular, funções hepáti-
O aleitamento materno tem sido hiscoricamente ca e renal, além de desidrogenase lática, amilase;
recomendado pela capac1dade de transferência de • sorologia para sífi lis: em função do aumento da
imunidade passiva, pela redução da expos1ção a pató- 1nodênc1a de co-1nfecção, visco que a 1nfecção pelo
genos quando as condições de higiene são precárias, HIV pode acelerar a história narural da sífilis. Reco-
pelo fortalecimento da relação mãe-filho e, obviamen- menda-se o VDRL e, se positivo, um teste treponê-
te, pelo grande potencial nurritivo, espeoalmente em mico. Pacientes HIV+ com evidências sorológicas
localidades em que as condições socioeconômicas de sífilis não tratada devem ser submetidos à pun-
são deficientes. ção lombar e avaliação para eventual neurossífilis;
A possibilidade da transmissão do HIV veio ques- • sorologia para hepatites virais: devido à alta inci-
tionar a indicação irrestrita do aleitamento materno. dência de co-infecção com hepatites Be C;
Sabe-se que o vírus pode ser encontrado no leite ma- • sorologia para toxoplasmose: para detecção de
terno associado ou não a células. O DNA pró-virai rem exposição prévia ao Toxoplasma gondii, que pode
sido detectado em células do leite materno, numa ser reativada se não for efetuada profilaxia, confor-
prevalência de 44 a 58%. O Programa Global para me o número de células T CD4+;
AIOS da Organização Mundial de Saúde (UNAIDS) • sorologia para citomegalovírus e herpes vírus:
recomendava, entre 1987 e 1992, para reg1ões onde embora questionada, md1ca-se para detecção de
as doenças infecciosas e a desnutrição eram as prin- infecção latente;
cipais causa de mortalidade infantil. que as mulheres • radiografia de tó rax: recomenda-se na avaliação
devenam amamentar. independentemente dos status inicial como parâmetro basal para possíveis alte-
sorológico para o HIV-lA partir de 1996, a UNAIDS rações evolutivas no futuro ou em pacientes com
passou a recomendar a individualização da conduta história de doença pulmonar freq üente;
a cada binómio mãe-filho após discussão dos riscos e • PPD (derivado protéico purificado): reste reco-
benefícios com a mãe. mendado de rocina anual para avaliação da ne-
A taxa de transmissão somente via aleitamento cessidade de quimioprofilaxia para tuberculose.
materno pode variar de 14 a 26%, dependendo da Em paciente com infecção pelo HIV, cons1dera-se
infecção materna: em vigência de infecção materna

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo HIV 563


enduração > 5 mm como reação forre e indicativa K37-3 infectadas pelo HIV-1 e fixadas em lâminas, e a
da necessidade de quimioprofilaxia; reação de western-blot (ou sua variação com antígenos
• papanicolaou: sua indicação é de fundamental recombinantes - imunob/ot - ver capítulo 6).
importância, devido à alta incidência de displasia Para o estabelecimento do diagnóstico sorológico
cervical e rápida progressão para o câncer cervical da infecção pelo HIV em indivíduos com idade acima
em jovens infectadas. É recomendado na avaliação de dois anos, arualmeme, no Brasil, uriliza-se o algorirmo
g1necológ1ca imcial, seis meses após e, se resulta- preconizado pelo Ministério de Saúde, conforme Porta-
dos normais, uma vez a cada ano. ria n° 59, de 28 de janeiro de 2003 (Figura 43.2).
Resumidamente, é realizada triagem com um reste
imunoenzimárico. Se negativo, a amostra é considerada
EXAMES LABORATORIAIS NO DIAGNÓSTICO DA "Amostra negativa para HIV". Se positivo, deverá ser realiza-
INFECÇÃO PELO HIV da a etapa de confirmação. Pode-se optar em utilizar dire-
tamente a reação de western-blor (WB). Se esta for positi-
Diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV va, a amostra é considerada "Amostra positiva para HIV" e
deve-se colher segunda amostra para repetir o primeiro tes-
Na grande maioria dos pacientes, o diagnóstico será te para descartar troca de amostras. Se o WB for negativo,
feita sorologicamente pela confirmação da presença deve-se considerar como "Amostra negativa para HIV". Se o
de anticorpos anti-HIV. Eventualmente, será utilizado WB for indeterminado, deve-se considerar como "Amostra
o diagnóstico molecular, indicado principalmente em indeterminada para HIV". Nos dois casos, deve-se pesquisar
crianças menores de dois anos e na suspeita de doen- soroconversão incompleta (siwação mais freqüente), infec-
ça retroviral aguda. As técnicas sorológicas apresentam ção pelo HIV-2 (em casos com evidência epidemiológica)
excelentes resultados e são menos dispendiosas, sendo ou reação falso-positiva. Nos casos com suspeita de soro-
de escolha para o diagnóstico. conversão incompleta, recomenda-se coleta de uma segun-
Em adultos, anticorpos anti-HIV aparecem no sangue da amostra após 30 dias. O resultado definitivo da infecção
dos indivíduos infectados, em média, de crês a 12 sema- deve ser baseado na soroconversão completa.
nas após a infecção e permanecem indefinidamente. Os Para a interpretação do WB, diferentes critérios já fo-
ensaios de 4"- Geração - que detectam o antígeno p24 ram recomendados, por diferences grupos. Atualmence, o
e anticorpos anti-HIV - podem reduzir em poucos dias Ministério de Saúde indica o critério recomendado pelo
o período de janela imunológica. No entanto, é impor- Center for Oisease Contrai and Prevention (CDC) Conside-
tante observar que em caso de reatividade nesses testes, ra-se positivo, o teste que mostrar positividade para pelo
deve-se comprovar a presença de anticorpos, uma vez menos duas das seguintes proteínas: gp120, gp41 e p24. É
que o estabelecimento do diagnóstico da infecção pelo considerado negativo o teste que não apresenta nenhuma
HIV baseia-se na soroconversão completa. Em filhos de positividade. Os restes que não atendem aos critérios de
mães infectadas, com até 24 meses de idade, o resultado positividade ou negatividade são considerados indeterm i-
dos testes sorológicos é de difícil interpretação, pois até nados. A maioria dos casos de resultados indeterminados
essa idade é possível detectar anticorpos maternos. deve-se à presença de ancip24 isoladamente e, destes, a
As recomendações vigentes do Ministério de Saúde maioria resulta em resultados negativos ao seguimento.
classificam os testes sorológicos em testes de triagem É descritO que 20% da populacao normal não infectada
e restes confirmatórios. Para triagem, são utilizados os apresenta resultados indeterminados ao WB.
testes imunoenzimáticos (ver capítulo 6), por serem sen- Quando o WB não está disponível, pode-se alternati-
síveis (sensibilidade > 99,5%), precisos e passíveis de au- vamente fazer a confirmação através da utilização de um
comação. Os testes mais utilizados empregam antígenos segundo ensaio imunoenzimático (de outro fabricante) as-
recombinantes ou peptídeos sintéticos, com o intuito de sociado à reação de imunofluorescência di reta ou à reação
minimizar ocorrência de reações cruzadas. Como testes de imunoblot. Quando as duas reações forem positivas,
confirmatórios, são empregadas a reação de imunoflu- considera-se "Amostra positiva para HIV" e colhe-se se-
orescência indireta, que utiliza como subsuaco células gunda amostra para repetir o primeiro teste para descartar

564 Medicina laboratorial para o clín ico


troca de amoscras. Quando as duas reações forem nega- de amostras ou algum erro inerence aos proced imen-
tivas, considera-se "Amostra negativa para HIV". Quando tos de realização dos testes.
as duas reações apresentarem resultados discordantes ou Reações sorológicas falso -positivas: já foram des-
inconclusivos, deve-se encaminhar para realização de WB. critas mais de 70 causas de resultados falso-posi tivos
Ressalta-se, nessa Portaria, que o diagnóstico so- para sorologia para HIV especialmente: infecções por
rológico da infecção pelo HIV somente poderá ser ouuos vírus (incluindo a mononucleose infecciosa,
confirmado após a análise de, no mínimo, duas hepatites, gripe), doenças auto-imunes, pacientes
amostras de sangue coletadas em momentos dife- politransfundidos, multíparas, uso de drogas ilícitas,
rentes, preferencialmente em um intervalo de até aquisição passiva de anticorpos anti-HIV (principal-
30 dias. As amosrras com resultado definido como mente em crianças abaixo de 2 anos nascidas de
positivo deverão ter o resultado da primeira amoscra mães infectadas), vacinações, encre oucros. Muitas
liberado com a ressalva, por escrito, de que se trata de vezes as reações falso-positivas não são esclarecidas.
um resultado parcial e que somente será considerado Em indivíduos com alto risco de exposição ao HIV,
como definitivo após a análise da segunda amoscra. uma reação sorológica positiva apresenta valor pre-
Sempre que os resultados da segunda amostra forem ditivo positivo elevado, aproximando de 99%. Já em
diferences dos obtidos com a primeira amoscra, será indivíduos com baixo risco de exposição, o valor pre-
preciso considerar a possibilidade de ter havido troca ditivo positivo é bem inferior,

[ N ão reagente
l
J
[ TESTE IMUNOENZIMÁTICO 1 J J Reagente ou inconclusivo
L
J

Liberação do resultado
[ TESTE IMUNOE NZIMÁTICO 2 e IFI ou IB J
definitivo como
" Amostra negativa para

+ +
l
anticorpos onti-HIV"

[ Testes não reagentes J Testes d iscord antes [ Testes reagentes J


j.
ou inconclusivos
J j.
" Amostra negativa poro " Amostro positivo poro
[ anticorpos onti-HIV"
J
anticorpos anti-HIV"
COLETAR NOVA AMOSTRA
E REPETIR ETAPA I

l W ESTE RN-BLOT

lResultado negativo
para HIV-1 [ Resultado indeterm inado
para HIV-1
J
l
+
Resultado positivo
poro HIV-1
J

l
l
I
l COLETAR NOVA AMOSTRA
E REPETIR ETAPA I
Investigar soroconversão e
ou pesquisar HIV-2. Repetir
soro logio após 30 dias

Figura 43.2 - Fl uxograma proposro para diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV-1 em indivíduos com mais de 2 anos de
idade - Portaria n59/GM/MS, de 28 de janeiro de 2003.

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo HIV 565


Reações sorológicas falso-negativas: ocorrem na ruações de emergência nas quais se deve tomar decisão
fase inicial da infecção quando a síntese de anticorpos terapêutica imediata. Tendo em vista que não se trata de
ainda é baixa. Eventualmente podem ocorrer em fases exame diagnóstico e que o resultado é considerado pro-
muim tardias, quando a imunossupressão é imensa. visório, é imprescindível que a amostra reagente, ou o pa-
ciente, seja encaminhada o mais rápido possível, e em ca-
rácer prioritário, para realização de cesres confirmarórios.
Testes rápidos para detecção de ant icorpos anti-HIV No caso de profissionais da área de saúde com expo-
sição ocupacional ao HIV, o uso de restes rápidos no pa-
São considerados testes rápidos, testes sorológicos ciente fome do material biológico ao qual o profissional
cuja realização não necessita de estrutura laboratorial e de saúde foi exposto se justifica pelo fato de se ter curto
que produzem resultados em, no máximo, 30 minums. período de tem po para in iciar-se a terapêutica profiláci-
Existem arualmence no mercado diversos testes rápidos ca com anti-recroviral no acidentado. que reduz o risco
disponíveis, produzidos por vários fabricantes e que uti- de infecção em pelo menos 80%. Nesses casos, a terapia
lizam diferences princípios técnicos. Geralmente, os tes- anci-retroviral deve ser iniciada preferencialmente entre
tes rápidos apresentam metodologia simples, utilizando uma e duas horas após a exposição de risco e mantida
ancígenos virais fixados em suporte sólido (membranas por um período de quatro semanas (Figura 43.3).
de celulose ou nylon, látex, micropartículas ou carreias Nos casos de parturientes com sorologia desconheci-
plásticas) e são acondicionados em embalagens individu- da, como se trata de uma situação de emergência com ris-
alizadas, permitindo a testagem individual das amostras. co de morte para terceiros (no caso, o recém-nascido) e a
Apesar da simplicidade técnica, o teste rápido para de- eficácia da quimioprofilaxia é bastante elevada, recomen-
tecção de anticorpos anci-HIV deve ser realizado somen- da-se a realização do teste rápido na gestante em trabalho
te por profissionais de saúde formalmente capacitados. de parto diante de seu consentimento verbal. As mulheres
Suas grandes indicações são o atendimento a partu- com resultado reagente ao reste rápido devem receber a
rientes com sorologia desconhecida e profissionais da área quimioprofilaxia, ser aconselhadas a não amamentar e ser
de saúde com exposição ocupacional ao HIV, que são si- encaminhadas para confirmação sorológica.

[ Exposição ocupocional de risco para HIV J


l
Teste rápido aplicado no
paciente-fonte mediante
seu consentimento

I
+ +
l Teste não reagente Teste reagente
l
+ +
1. Não iniciar quimioprofilaxia ; 1 . Iniciar quimioprofilaxia
2 . Investigar as condições pa ra HIV no acidentado;
clínico-epidemio lógicas do 2 . Encami nhar o acidentado
paciente-fonte • encam inhand o-o poro acompanha mento
para reavaliação da suo condição clínico-laboratoria l em
sorológica, se necessá rio. serviço especializado;
3. Encaminhar a amostra de
sangue ou o pac iente-fonte
para defi nição do diagnóstico.

Figura 43.3 - Algoritmo das ações recomendadas para uso de teste rápido na exposição ocupacional de risco para HIV.
proposto pelo Ministério de Saúde_

566 ( M edicina laboratorial para o clínico


Recemememe, no Brasil. através da Portaria n° 34, de rado da primeira amoma e repetir rodo o conjunto de
28 de julho de 2005 da Secretaria de Vigilância em Saúde, procedimentos seqüenciados (Figura 43.4).
foi recomendado o uso criterioso de restes rápidos em
populações de difícil acesso às técnicas convencionais de
Princípios metodológicos dos testes ráptdos
ELISA e western blor, como estratégia de ampliação do
acesso ao diagnóstico da infecção pelo HIV. Nesse caso, Os restes rápidos mais empregados no Brasil, entre os
deverão ser realizados simultaneamente dois testes de quais se destaca o Teste Rápido HlV-1/2" - Bio-Manguinhos.
fabricantes diferences, em amosrra de sangue rotai. soro de fabricação nacional. são imunocromamgráficos que
ou plasma. Ambos os restes deverão apresentar eleva- empregam combinação de uma proteína conjugada com
da sens1b11idade. As amostras negativas nos dois restes partículas de ouro coloidal e antígenos de HIV-1/2 ligados a
rápidos terão seu resultado definido como "Amostra uma membrana. A amostra é aplicada em local designado,
negativa para HIV". As amostras que apresentarem resu l- seguida pela adição de um tampão de cornda, que propicia
tados positivos nos dois restes rápidos terão seu resulta- o fluxo dos componentes da amostra. Os anticorpos pre-
do definido como "Amostra positiva para HIV". Em caso sentes no soro se ligam às proteínas específicas conjugadas
de resultados discordantes nos dois primeiros ensaios, a a ouro coloidal. No caso da amostra ser positiva. o comple-
amostra deverá ser submetida a um terceiro reste rápido. xo "imunoconjugado" migra na membrana de nitrocelulo-
Quando o terceiro reste apresentar resultado positivo, a se. sendo capturado pelos antígenos fixados na membrana.
amostra será considerada "Amostra positiva para HIV". produzindo uma linha colorida. Na ausência de anticorpos
Quando o terceiro teste apresentar resultado negativo. para HIV-1/2. a linha colorida não é formada. Em mdos os
a amostra será considerada "Amostra negativa para o casos. a amostra continua a migrar na membrana. produ-
HIV". Nesse caso. recomenda-se proceder à coleta de Zindo uma linha colorida na área de controle. demonstran-
uma segunda amostra. 30 dias após a emissão do resul- do o funcionamenco adequado do SIStema. (F1gura 43.5)

Col her novo omostro


após 30 dias e repetir
todo o algoritmo

Figura 43.4 - Procedimentos seqüenc1ados para d1agnósnco da infecção pelo HIV Utilizando-se restes ráp1dos em indivíduos
com 1dade aCima de 18 (dezoito) meses. PORTARIA N°- 34 SVS/MS. DE 28 DE JULHO DE 2005.

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo HIV 567


Suporte poro Amostro Positivo Amostro Negativo
Fluxo Contínuo

Unho d!il f~e linha de Controle

C..rt·ole '·o
,,,

t Aus.&-cio de lima de leste Linha de Controle

t
''"IJQrYi

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>-
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)f l~'.

Figura 43.5- Apresentação esquemátiCa do resce de imunocromawgrafia "Tesce Rápido HIV-1/2 - B1o-Manguinhos".

Cuidados com a cole ta de amostra de dois anos, na suspeita de doença retroviral aguda e em
situações especiais de sorologia repetidamente inconclu-
Em geral, os testes rápidos podem ser realizados com siva. Na doença rerroviral aguda, corna-se positivo encre
amosrras de soro, plasma ou sangue rotai. As amostras de cinco e 60 dias após o concágio e. nas cnanças com menos
sangue devem ser preferencialmeme utilizadas imediata- de 24 meses, o exame deve ser fe1co após o pnmeiro mês de
meme após a coleca. Caso essas amoscras não sejam tes- vida, a fi m de evitar resultados falso-positivos e resultados
tadas imediacamence, estas devem ser refrigeradas logo falso-negativos. Resultados falso-positivos podem ser devi-
após a coleta emre 2-8"(. podendo ser usadas em acé três do à presença de células maternas infectadas na circulação
dias. Não devem ser utilizadas amosrras de sangue com fetal e resultados falso-negativos podem ocorrer nos casos
mais de crês dias de armazenagem. Para coleca de sangue de infecção perinacal. em que a viremia pode ainda estar
total. devem-se usar tubos comendo EDTA. heparina ou abaixo do nível de detecção do reste.
mraro de sód1o. Para coleca de sangue da ponca do dedo, O cesce molecular diagnóscico, por excelência. é a pes-
usar lanceta descarcável e desprezar a primeira gota. A se- quisa direta, qualitativa, de DNA pró-virai no genoma
gunda gota deve ser coletada com alça colerora descartá- de células do sangue periférico do paciente, por meio
vel. Amoscras de soro ou plasma podem ser conservadas de reação de polimerização em cadeta (PCR). a rede
emre 2-8"C por crês d1as após a coleca. Caso a realização pública brasileira, encontram-se disponíveis apenas cesces
do teste não seja possível dencro desse período. as amos- de carga virai, em que são quancificadas as partículas vi-
Lras devem ser congeladas (-20°C). rais circulances no plasma do paciente. O ensaio de carga
virai não é recomendado para cnagem ou diagnóstico da
infecção pelo HIV, exceto em crianças com idade de dois
Diagnóstico molecul ar da infecção pelo HI V a 18 meses, nascidas de mães infectadas pelo HIV, confor-
me fluxograma para diagnóstico da infecção pelo HIV em
O d1agnósC1co molecular não é rocineiramence empre- crianças - Ministério da Saúde, que recomenda: "O Mi-
gado, ficando suas indicações restritas a crianças menores nistério da Saúde, através da Coordenação Naoonal em

568 ( Medicina laboratorial para o clínico


DST e AIDS, preconiza o uso de restes de quantificação ser guiadas pela contagem de linfócitos T CD4+, juntamente
de RNA do HIV para estabelecer o diagnóstico da infec- com a carga virai e as condições clínicas do paciente.
ção em crianças com idade entre dois meses a dois anos
de idade nascidas de mães infectadas pelo HIV. Define-se
como infecrada aquela criança que possuir dois restes de Princípios metodológicos
carga virai detectáveis realizados em amostras coleradas
em tempos diferentes, sendo a primeira amostra cole- Para determinar o número de células T CD4+, têm
cada após o segundo mês de vida e a segunda amosua sido desenvolvidos métodos manuais e automatizados,
com intervalo mínimo de dois meses. Caso a criança te- utilizando-se ou não a citometria de fluxo. A citometria
nha stdo amamentada, novos restes devem ser realtzados de fluxo (ver capítulos 4 e 6) é considerada o método
após dois meses da suspensão do aleitamenw materno. padrão ouro para a contagem de células CD4+ devido à
Valores de carga virai abaixo de 10.000 cópias/mL devem sua precisão e reprodutibilidade e é a metodologia utili-
ser cuidadosamente analisados devido ao risco de tratar- zada na rede pública pela Rede Nacional de Laboratórios
se de resultado "falso-positivo". (Figura 43.6) de Contagem de Linfócitos T CD4+ /CD8+ do Programa
Nacional de DST/AIDS-MS no Brasil. Resumidamente,
leucócitos do sangue periférico são incubados com an-
EXAMES LABORATORIAIS UTILIZADOS NO ticorpos monoclonais anti CD4, CD8 e CD3 marcados
MONITORAMENTO DA INFECÇÃO PELO HIV com diferentes fluorocromos. Posteriormente, a suspen-
são celular é analisada em citômeuo de fluxo, que é ca-
O curso da infecção causada pelo HIV varia conside- paz de identificar as diferentes populações linfocitárias
ravelmente. Muiws marcadores clínicos e laborawriais já de acordo com a fluorescéncia emitida pelos diferences
foram empregados para estimar o prognóstico em pa- fluorocromos após excitação com luz laser. (Figura 43.8)
cientes infectados, como anergia cutânea, níveis sé ricos de
~2-m tcroglobul ina e neopteri na, antigenemia de p24 e a
detecção de fenótipo virai indutor de sincício. Arualmen- Cuidados na obtenção das amost ras
te, a presença de sinais clínicos sugestivos de imunodefi-
ciência, a contagem de células T CD4+ e a quantificação O anticoagulante de escolha é o etilenodiamino te-
de carga virai são os principais parâmetros utilizados pela tracético (EDTA). As amostras deverão ser mantidas e
mataria dos especialistas para avaliação do prognóstico e transportadas à temperatura ambiente (15° a 25°C) e
planejamento de terapia anti-retroviral. (Figura 43.7) deverão ser idealmente processadas dentro de 24 horas.
Temperaturas acima de 37°C podem causar destruição
celular. Amostras refrigeradas, congeladas, hemolisadas
AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA IMUNOLÓG ICA ou apresentando coágulos devem ser rejeitadas.
ATRAVÉS DA CONTAGEM DE LI NFÓCITOS T
CD4+ CI RCU LANTES NO SANGUE PERIFÉRICO
Variações biológicas
Como a patogénese da infecção pelo HIV está direta-
mente associada à diminuição do número de células T CD4+, Fatores biológicos relativos à distribuição de leucóci-
a depleção progressiva dessas células associa-se à maior gra- cos, tais como horário da coleta (contagens mais baixas
vtdade da doença e a prognóstiCO desfavorável. A quanti- no início da manhã), etnia e exercício físico, além de idade,
ficação de células T CD4+ circulantes no sangue periférico uso de medicamentos e presença de infecção, são descri-
também tem sido usada para estabelecer pomos de deci- tos como interferentes no número absoluto de linfócitos
sões para iniciar profilaxia para infecções oportunistas, além T CD4+. A contagem de células T CD4+, mesmo sendo
de orientar a categorização das condições clínicas relacio- considerada marcador clássico de progressão, apresenta
nadas ao HIV, especialmente a definição de AIDS. Deosões grande variabilidade intra e interindividual, principalmen-
relattvas ao início ou troca de terapia anri-retroviral devem te quando os valores estão acima de 200 células/mm 3, di fi-

Investigação laboratorial do pacienre com infecção pelo HIV 569


culcando sua valorização em fases mais precoces da Infec- • maior que SOO células/f.JL: escágio da infecção
ção. Assim, recomenda-se que esse exame seja realizado, pelo HIV, com baixo risco de doença. Há boa
preferencialmente, pelo mesmo laboratório e no mesmo resposta às imunizações de rotina e boa confia-
período do dia, para minimizar essa variabilidade. bilidade nos restes cutâneos de hipersensibilida-
de cardia. corno o PPD. Casos de infecção aguda
podem apresemar esses níveis de células T CD4+,
Valores de referência embora, de modo geral, esses pacientes renham
níveis mais baixos;
A liceracura científica descreve valores de linfócitos • entre 200 e SOO células/f.ll: estágio caracterizado
T CD4 + de 500-1.300 células/f.ll. em valores absol uros, por surgimento de sinais e sintomas menores ou
e 38-65%, em valores percentuais, como valores espera- alterações constituoonais, com risco moderado
dos na população adulta. Os valores são considerados de desenvolvimento de doenças oportunistas.
alterados quando as contagens seriadas estão abaixo de Nesta fase, podem aparecer candidíase oral, her-
SOO células/1-JL (ou <24-28%). Pacientes com contagens pes simples recorrente, herpes zoscer, tuberculose,
abaixo de 200 células/1-JL (ou <14-16%) apresentam risco leucoplasia pilosa. pneumonia bacteriana;
bastante aumentado para processos oportunistas, como • entre 50 e 200 células/1-JL: estágio com alta pro-
a pneumocistose e a roxo plasrnose. Já pacientes com babilidade de surgimento de doenças oportunis-
contagens abaixo de 50-100 células/1-J L(ou <5-10%) apre- tas, como pneumocisrose, roxoplasmose de SNC.
sentam quadro de imunodeficiência mais grave e risco neurocriprococose. h1stoplasrnose, momegalo-
bastante elevado para infecções disseminadas, corno as virose localizada. Está associado à síndrome con-
doenças por momegalovírus e micobactérias atípicas. surnptiva, leucoencefalopacia rnulcifocal progressi-
va, candidíase esofagiana, ecc;
• menor que 50 células/f.ll: estágio com grave com-
Indicações para co ntagem de células T CD4+ prometimento de resposta imun itária. Alto risco
de surgimento de doenças oportuniStas, como
A contagem de células CD4+ não deve ser usada para citomegalovirose disseminada, sarcoma de Kaposi,
diagnóstico da infecção pelo HIV. Nos indivíduos infecta- !infama não Hodgkin e infecção por mlcobacté-
dos exame é recomendado a cada seis meses para paoen- rias atípicas. Alto risco de baixa sobrev1da.
tes assinromácicos e a cada crês meses após o aparecimen-
ro dos smromas. Testes ma1s freqüentes são JUStificados
quando o cracamento for modificado. Quando a conta- Pa rticularidades da população pediátr ica
gem de CD4' é utilizada para mon1roramenro da resposta
terapêutica, a resposta adequada é definida como aumen- Os parârnecros imunológicos nas crianças seguem
ro na contagem de células, em média. de 100-150 células/ curso diferente do indivíduo adulco. Nas infectadas. a
1-JL por ano, com resposta mais rápida nos crês primeiros queda nos valores de CD4+ está acentuada nos pri-
meses. em sua ma1ona, devido ao processo de redistribui- meiros quatro meses de vida, com diminuição mais
ção. Subseqüentemente. aumentos indicando bom con- lenta posteriormente. Para infecção pediátrica pelo
trole wológ1co são, em média, de 100 células/f.ll /por ano, HIV, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças
durante alguns anos, até alcançar patamar estável. (CDC) considera que a competência imune esteja re-
lativamente preservada quando a contagem de linfó-
cicos T CD4+ é maior que 1.500 célulaS/J..!l no primeiro
Significado clínico ano de vida, maior que 7SOcélulas/f.ll para o segundo
ano de vida e maior que SOO células/f.ll nos anos sub-
De maneira didática, pode-se dividir a contagem de seqüentes. Níveis menores que 750, SOO e 200 células/
células T CDti+ em sangue periférico em adultas em qua- 1-JL para os respectivos grupos de idade revelam de-
tro faixas: pressão imune grave.

570 [ Medicina laboracorial para o clínico


Criança com idade de
2 a 24 meses ( 1o este)

Repetir o teste
imed iatamente com
nova amostra (2• teste)

Repetir o teste
imediatamente com
nova amostra (3• teste)

Criança provavelmente não infectada C riança provavelmente não infectada

Figura 43.6 - Fluxograma para utilização de testes de quamificaçào de RNA virai visando a detecção da in fecção pelo HIV em crian -
ças com idade enne 2 meses e 2 anos, nascidas de mães infectadas pelo HIV. Portaria no. 488/98/ SVS/MS de janeiro de 2000.

É descrito que a contagem absoluta de linfócitos T o período assintomático. Os valores de set poínts depen-
CD4+ varia muito nas diferences faixas etárias, o que não dem das velocidades de replicação e de clareamento virai
é observado com os valores percentuais. Portanto, varia- e fornecem informação prognóstica, que é independente
ções na contagem percentual de linfócitos T CD4+ são da contagem de linfócitos CD4+ (Figura 43.9).
parâmetros mais estáveis que variações na contagem ab-
soluta para avaliar a progressão da doença em crianças.
Princípios metodológicos

AVALIAÇÃO DA CARGA VIRAL Vários métodos têm sido desenvolvidos para quan-
tificar a viremia nos fluidos corporais. Atualmente, exis-
A quantificação de partículas virais plasmáticas (car- tem três métodos disponíveis comercialmente, que se
ga virai) avalia a imensidade da infecção. É considerada o baseiam na amplificação direta ou indireta dos ácidos
marcador laboratorial mais adequado para o monitora- nucléicos:
mento da resposta terapêutica aos ami-retrovirais, para • reação de polimerização em cadeia após transcri-
a predição da progressão da doença e para predição do ção reversa (RT-PCR), cuja técnica consiste basica-
prognóstico de indivíduos infectados. mente na amplificação de cDNA transcrito pela
A viremia apresenta-se elevada logo após a infecção transcriptase reversa a partir do RNA virai plasmá-
pelo HIV Após algumas semanas, diminui e rende a alcan- tico. É capaz de detectar RNA virai numa concen-
çar níveis bastante estáveis (chamados set points) durante tração de 50 a 750.000 cópias/ml;

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo HIV 571


Síndrome
retrovirol agudo AIDS
Lotêncio clínico

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u Anticorpos onti-HIV
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_ o_ n_o_s__ _J

Figura 43.7 - Cinética da contagem de linfómos T CD4 +, do nível sérico de anticorpos anti-HIV e da carga wal no decorrer da
infecção pelo HIV-1.

o
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--.....
N
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u...
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o

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• 3
• 4

g,
-1 oo 10 1 102 103 104

FL l /CD4

Figura 43.8 - Desenho ilusrrarivo da apresentação dos gráficos derivados do citôm erro de fluxo. No e1xo da absmsa. está mos-
trada a fluorescênoa Fll que. no exemplo. está relacionada com o anticorpo monoc\onal antiCD4. No e1xo da ordenada. está
mostrada a fluorescência FL2, no caso, relacionada ao anticorpo monoclonal antiCD3. A ssim, no quadrante 1, estão os linfócitos
q ue expressam apenas CD3. No quadrante 2. estão os linfómos q ue expressam conJuntamente CD3 e CD4 (que são os linfócitos
T auxiliadores). No quad rante 3, estão os linfócitos que não expressam CD3 nem CD4. No quadrante 4, os linfócitos que expres-
sam apenas CD4.

572 ( Medicina laboratorial para o clín ico ]f------------------------------------------------------------------


Carga virai plasmática e progressão para AIOS
106

Q
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105

104
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62%

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o 2 5

Anos após Infecção


Figura 43.9 - Gráfico mosrrando diferenres curvas de decaimenro da carga virai após síndrome retroviral aguda. Quanw menor a
carga v1ral. menor a mortalidade após 5 anos. Adaptado de Mellors et a/. Ann lnr Med 1994.

• amplificação baseada na seqüência de ácidos nucléi- separado em até quatro horas após a colheita do mate-
cos (Nucleic acid sequence based amplification -NAS- rial, devendo, nesse período. ser mantido à temperatura
BA): baseia-se na at1v1dade simulcânea de uês enzimas, ambiente (18°( até 25°C). Enrretanro, existe alguma evi-
uanscnprase reversa, RNAse H e T7-RNA polimerase, dência de que o RNA HIV possa ser estável até 30 horas
e leva à amplificação da região do gene gag do HIV-1 em materiais não separados.
no próprio RNA virai alvo. Écapaz de detectar a carga
wal na faixa de 40 a 10.000.000 cópias;
• branched DNA (bDNA): é um ensaio de hibri- Indicações e interpretação
dação em fase sólida tipo sanduíche, de ácidos
nucléicos usando 11oléculas de DNA ramificadas No monitoramenro da resposta terapêutica aos anti-
(bDNA) marcadas com fosfatase alcalina. A detec- retrovirais. o reste deve ser realizado ames e duas a oito
ção e quantificação do RNA virai são determina- semanas após início da terapia anri-retroviral. Essa segun-
das por quimioluminescência. A faixa de detecção da determ inação permite ao clínico avaliar a efetividade
é de 50 a 500.000 cópias/ml. da terapia inicial, já que a maioria de pacientes apresenta
diminuição da carga virai em duas a oito semanas, até
Os três ensaios apresentam correlação superior a 90% atingir níveis inderectáveis em 16 a 24 semanas. Em pa-
e boa reprodutibilidade. Da mesma forma que na conta- cientes em tratamento anci-retroviral estável. o reste de-
gem de células T CD4 ', a avaliação da carga virai deve ser verá ser repetido a cada três a quatro meses. São consi-
realizada em períodos de estabilidade clínica, não deven- deradas alterações significativas: reduções. aumentos ou
do ser realizada até passadas pelo menos quatro semanas oscilações entre do1s resultados de exame de carga wal
da ocorrência de infecção oportunista ou vacinação. maiores do que 0.5 log (ou crês vezes em relação ao valor
anterior), uma vez que variações de até 0,3 log têm sido
observadas em cargas wais de paCientes estáveis.
Cuidados com a amostra Para a predição da progressão da doença e para pre-
dição do prognóstico de indivíduos Infectados, de acor-
Em codos três ensaios, recomenda-se que o plasma do com o CDC a determinação da carga virai deverá ser
(em EDTA) seja colhido após jejum de oiro horas e seja realizada no momenro do diagnóstico e a cada 3-4 me-

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo HIV 573


ses em pacientes não tratados. Esses intervalos entre os TESTE DE GENOTIPAGEM PARA

testes são somente recomendações, sendo flexíveis de ESClARECIMENTO DE RESISTÊNCIA AOS


acordo com as circurstâncias de cada paciente. Na pre- AGENTES ANTI ~ RETROVIRAIS
dição de evolução, os resultados de carga virai devem ser
Interpretados da seguinte maneira: Mutações no genoma do HIVque conferem resistên-
• carga virai abaixo de 10.000 cópias de RNA por cia aos agentes ami-retrovirais têm s1do relatadas e são
mililitro: baixo nsco de progressão ou de piora da consideradas causas 1m portantes de fal ha tera pêutica de
doença; origem virai. Infel izmente, a resistência do HIV às drogas
• carga virai entre 10.000 e 100.000 cópias de RNA anti-retrovirais está crescendo em rodo o mundo. Em
por mililitro: risco moderado de progressão ou de 1998, a resistência primária nos Estados Un idos era de
piora da doença; 3.5%; em 2000, 14%. No Brasil, subiu de 3.5% em 1997
• carga virai acima de 100.000 cópias de RNA por para 7% em 2000. Testes laboratoriais podem ser utiliza-
mililitro: alto risco de progressão ou de piora da dos para detectar e localizar ta1s mutações.
doença. Esses exames são feitos a partir da amplificação, por
PCR, de regiões específicas do genoma virai e posterior
seqüenciamento em equipamentos automatizados. A
Particularidad es na população pediátrica seqüência de nucleotídeos obtida é comparada com
seqüências padrão de vírus selvagem para evidenciar
A dinâmica da virem ia na infecção vertical pelo HIV é eventuais mutações. Dependendo da localização da mu-
diferente da observada no adulto, haja vista que a criança tação (genes da transcriptase reversa, protease), torna-se
apresenta viremia primária no início da vida, quando seu possível uma reorientação do tratamento e seleção de
sistema imu ne está ainda relativamente imaturo. Desse terapia de resgate. Diversos estudos prospectivos, entre
modo, a carga virai está muito elevada, ou seja, maior os quais se destaca o Viradapt, conduzidos em pacientes
de 106 cópias/ml, com taxas de declínio mais lemas que com resistência aos anti-retrovirais, evidenciaram que o
as apresentadas em adultos, sendo difícil definir limites emprego da genmipagem auxiliava Significativamente o
precisos para a progressão da doença. Observa-se ainda resgate terapêutico.
que a carga virai pode declinar lentamente ao longo do O teste de genmipagem não é indicado para def1-
tempo, mesmo sem terapêutica anti-retroviral. Esse de- n1ção do primeiro esquema de tratamento. Deve ser
clínio é mais rápido durante os primeiros 12 a 24 meses empregado apenas em pacientes já em uso correto de
de vida, com redução média de 0,6 log por ano e ma1s terapia anti-retroviral, que estejam apresentando falha
lentamente até quatro a cinco anos de idade, em média virológica, devendo-se afastar outras causas de falha te-
0,3 log por ano. rapêutica, especialmente a baixa adesão ao tratamento.
Apesar de parecer lógico inferir que quanto maior a Por serem testes de metodologia e interpretação
carga virai maior o risco de progressão, existe considerá- complexas, exigem capamação espeoalizada de todos
vel superposição de valores entre as crianças que progri- os envolvidos: médico solicitante, técnico executor, mé-
dem rapidamente, lentamente e as não progressoras. A dico interpretador. No Brasil. a partir de 2001, o Progra-
análise dos dados disponíveis até o momento revela que ma Nacional de DST e AIDS implantou uma rede na-
a definição de prognóstico não deve ser pautada somen- cional de laboratórios (Rede Nacional de Genmipagem
te na carga wal. mas principalmente na contagem de cé- - RENAGENO) para executar o exame de genotipagem
lulas T CD4+ e na evolução clínica de cada paciente, es- na rede pública.
peoalmente nas crianças menores de 30 meses de idade.
Nas crianças com idade superior a 30 meses, os dados de
literatura ind1cam que níveis de virem ia plasmática supe- CONSIDERAÇÕES FINAIS
rior a 100.000 cópias/ml e contagem de CD4"'" inferior a
15% são preditores independentes de risco aumentado O surgimento e a disseminação da infecção pelo HIV
de progressão clínica ou morte. trouxeram importantes mudanças em d1versos campos,

574 [ Medicina laborat orial para o clínico ] 1 - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - -- - - - - -


inclusive nas condutas adoradas na execução de procedi- O acompanhamento continuado das recomenda-
mentos laboraroriais. Foi a partir de emão que a utilização ções vigentes é essencial para atuação profissional res-
de equipamentos de proreção individual e ourras medi- ponsável e eficiente.
das relacionadas à biossegurança em laboratórios clínicos Finalmente, não se deve esquecer da declaração polí-
emergiram e se firmaram definitivamente. Ainda, diame tica da UNAIDS/OMS sobre o exame de HIV, que define
da responsabilidade em se firma r um novo diagnóstico, que as condições sob as quais pessoas se submecem a
diversos prorocolos foram elaborados, por diferences testes de HIV devem prezar por respeito aos princípios
agências, de forma a minimizar evemuais equívocos. éticos. De acordo com esses princípios, a conduta dos
O Brasil, a partir da criação do Programa Nacional de testes de HIV nos indivíduos deve ser voluntária, confi-
DST e AIOS, em 1985, tem atuado de maneira eficiente, dencial, acompanhada por um conselheiro e conduzi-
com diferences projeros, nas diferences áreas. Em relação da com o consentimento informado.
às ações de promoção de saúde, são de nosso especial
interesse as medidas romadas no semido de padronizar, REFERÊNCIAS
legislar e oriemar a abordagem laborarorial de paciemes
1. Brasil. M inistério da Saúde. Secrelaria de Vigilância em
portadores da infecção pelo HIV. No momemo. encon-
Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS [home page
tram-se em vigência alguns documentos que merecem da Internet]. Disponível em: hnp://www.aids.gov.br.
destaque e que já foram citadas neste capítulo: 2. Cenrers for Di sease Control and Precemion. 1993 Revised
• portaria no 59, de 28 de janeiro de 2003. Algoritmo Classi fication System for HIV lnfection and Expanded
Surveillance Case Deflnirion for AIDS Among Adoles-
do diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV e
cems and Adulrs. MMWR Recomm Rep. 1992;4l (RR-
Programa de Controle da Qualidade Analítica do 17):1-19.
Diagnóstico Laboratorial da Infecção pelo HIV; 3. The lnternational Perinatal HIV Group. The mode of
• definição Nacional de Caso de Aids em Indivíduos delivery and the risk of vertical transmission of human
immunodeficiency wus type 1--a meta-analysis of 15
Menores de 13 anos- Brasil. março de 2000- Anexo
prospecrive cohort srudies. The lnternarional Perinaral
II I - Fluxograma para utilização de testes de quan- HIV Group. N Engl l Med. 1999;340(13):977-87.
tificação de RNA visando a detecção da infecção 4. The Worki ng Group on Mmher-ro-Child Transmission
pelo HIV em crianças com idade entre dois mesese of HIV. Rates of mother-ro-child rransm1ssion of HIV-1
in Africa. America. and Europe: results from 13 pen naral
dois anos, nascidas de mães infectadas pelo HIV;
srudies. J Acquir lmmune Defic Syndr H um Retrovirol.
• portaria no 34, de 28 de julho de 2005. Regula- 1995;8(5):506-10.
menta o uso de testes rápidos para diagnóstico da 5. UNAIDS. jo1nt United Nations Programme on HIV/AIDS
infecção pelo HIV em situações especiais; [home page da Internet]. Disponível em: http://www.
unaids.org
• nota Técnica N° 23/2006. Novas defin ições do
Comitê Assessor de Genotipagem.

Investigação laborator ia l do paciente co m infecção pelo H IV 575


Marina L. Martins, Edel F. Barbosa Stancioli,

44 Gustavo E. Brito Melo, jordana G. Alves Coelho dos Reis,


O/indo A. Martins Filho,
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em HTLV (GIPH)

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DA
INFECÇÃO PELO HTLV

O HTLV- vírus linfocrópico T humano - é um ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO


recrovírus que infecta cerca de 20 milhões de pes-
AGENTE ETIOLÓGICO
soas em wdo o mundo. Embora renha sido o pri-
meiro recrovírus humano descoberw, muiws as-
pe((OS sobre epidemiologia, manifestações clínicas O HTLV é um retrovírus da família Retrovmdae. gênero
e mecanismos de pawgênese são ainda desconhe- Deltaretrovirus. com rropismo para linfóciros T e está divi-
cidos. dificultando. conseqüentemente. o desen- dido em dois tipos: HTLV-1 e HTLV-2. O HTLV-1 foi descrito
volvimento de abordagens terapêuticas mais espe- em 1980 como o primeiro rerrovírus humano, o qual foi
cíficas e eficazes. Além disso. o desconhecimento isolado de um paciente com linfoma cutâneo de células T.
sobre o vírus encre muiws profissionais de saúde OUEro ripo, conhecido como HTLV-2, foi descrito do1s anos
no país dificulta o correw diagnóstico do porra- mais tarde. isolado de uma linhagem de células T estabe-
dor e o seu acompanhamento, se assintomárico e lecida de um paciente com rricoleucemia. mostrando ser
especialmente se sintomático, bem como a d iv ul- relacionado ao HTLV ripo 1, mas distinto dele. Em 2005, fo-
gação de medidas preventivas para a cransm issão ram descriros dois outros tipos. HTLV-3 e 4, em uma zona
virai. A grande maioria dos portadores do HTLV rural ao sul de Camarões. Os indivíduos infectados eram
(95%) permanece assintomácica. enquanto cerca caçadores que foram expostos à mordida ou arranhões de
de 1-5% dos indivíduos infectados desenvo lve dife- macacos. Evidenciou-se a preocupação arual do aumento
rences doenças. entre elas leucemia/linfoma de cé- de rerrovírus cruzando a barreira entre espécies.
lulas T do adulw (ATLL) e m ieloparia associada ao O HTLV possui estrutura morfológica similar à de
HTLV/paraparesia espásrica t ro p ical (H AM/TSP). outros rerrovírus, sendo uma partícula de 110 a 140nm
No Brasil. assim como na maioria dos demais pa- de diâmetro e seu envelope lipoproréico apresenta as
íses, ainda não há política de saúde pública efetiva proteínas tran smem brana (como a gp21) e de superfí-
para controle da disseminação do vírus HTLV-1 e 2. cie (como a gp46). importantes no diagnóstico da infec-
com a dispon ibilização dos restes diagnósticos para ção. O capsídeo constitui o cerne da partícula v1ral. que
possíveis portadores e seus fami liares, a 1ncrodução abriga no seu intenor o genoma virai. representado por
d esses restes no pré-natal e a criação de centros de duas cópias de RNA de fira simples. No inrerior desse
referência para aconselhamento e tratamento dos capsíd1o encontram-se também proteínas virais como
indivíduos infectados. a rranscriprase reversa. prorease e a integrase. essenciais
no processo de transcrição do RNA virai em ONA com- reversa, mas que a proliferação subseqüenre ocorra princi-
plementar e na integração do ONA provira! no genoma palmente via expansão clonai das células mfectadas. Con-
da célula hospedeira. seqüentemente, o HTLV exibe baixos níveis de variação ge-
O genoma do HTLV é caracterizado pelas regiões nética Intra-individual. diferentemente de outros retrovírus.
gag, pol e env, flanqueado por duas terminações longas
repecidas (LTRs) localizadas nos finais 5' e 3' do genoma
v1ral, que comêm promowres virais e ouuos elemenws EPIDEMIOLOGIA E FORMAS DE TRANSMISSÃO
regulatórios. assim como outros reuovírus. No emanw,
possui uma oucra região, chamada pX, responsável pela A infecção pelo HTLV-1 apresenta distri buição mun-
codificação de prmeínas regulatórias virais, relacionadas dial, com aproximadamente 10 a 20 milhões de pessoas
à pawgenicidade, como Tax e Rex. O produro do gene tnfectadas em codo o mundo. A infecção caracteriza-se
tax é essencial para a replicação virai e pode regular tam- por agrupamentos em áreas geográficas situadas em
bém a expressão de vários genes celulares, estando en- várias regiões do mundo, vanação espacial de taxas de
volvida na imortalização e transformação das células T soroprevalência, elevação da prevalência com a 1dade
infectadas. e portamo. na pawgênese da leucemia/hnfo- e taxas mais altas de prevalênoa na mulher. Entre esses
ma (ATLL). Por ser a prmeína virai mais 1munogênica, Tax "grupamentos geográficos", podem-se citar regiões do
também está envolvida na pawgênese da HAM/TSP. Japão, América, Ásia e África.
O HTLV-1 estabelece uma infecção lema. geralmen- Áreas endémicas caracterizam-se por soroprevalên-
te com grande período emre a infecção e o início dos oa variando entre 0.5 e 20 % na população geral. de-
pnmeiros s1nmmas das doenças associadas ao vírus. pendendo da idade e sexo. Como regiões endémicas do
Apresema tropismo por células T do tipo C04 e C08, HTLV-1 encontram-se ilhas do sudeste do Japão com
podendo infectar ouuos tipos celulares, como células algumas áreas com até 37% da população seropositivo;
do sistema nervoso, células apresentadoras de amígenos, 1lhas do Caribe com 3,9% de prevalência em negros de
macrófagos e células-tronco hemamlógicas. O HTLV Trinidad-Tobago; 4,25% em Barbados e 5 a 6% na Jamai-
apresenta ciclo de replicação típico dos reuovírus, carac- ca, regiões africanas (área do sub-Saara), Melanésia, re-
tenzado pelas segutntes fases: gião sudeste dos Estados Unidos e regiões da América
• ligação do vírus ao receptor de superfície na mem- Central e do Sul.
brana celular, com penetração do capsídto virai no Poucos são os estudos sobre a prevalência do HTLV
interior da célula; no Brasil, mas estes moscram que o HTLV-1 e 2 estão
• uanscnção, denuo do capsídto, do genoma virai de presentes por w do o país. A maioria dos dados é pro-
RNA para DNA. pela enzima rranscriprase reversa; veniente de pesquisas desenvolvtdas junto aos doadores
• entrada do ONA virai no núcleo da célula e sua in- de sangue em Hemocentros. Portanto, acredtta-se que
tegração no DNA da célula hospedeira, formando as taxas possam não representar a nossa realidade, es-
o provírus; tando subestimadas. O Brasil pode ser considerado um
• síntese do RNA virai pela maquinaria celular, ten- país endémico para o vírus HTLV e estimativas indicam
do como molde o ONA provira!; que possui o maior número absoluro de indivíduos in-
• processamento dos transcrims para formação dos fectados pelo HTLV-1 e 2 no mundo.
mRNAs e do genoma virai; Um estudo conduzido em bancos de sangue da
• síntese das prmeínas virais. montagem e brota- rede pública de saúde em 26 capitais dos estados e no
mento dos vínons; Distrito Federal, durante o período de Janeiro de 1995
• processamento proteolítico das prmeínas do cap- a dezembro de 2000. constawu heterogeneidade geo-
sídio, obtendo-se finalmente a partícula wal ma- gráfica entre as taxas de prevalências médias, apontan-
dura. que está pronta para infectar novas células. do Florianópolis como o local de menor soroprevalência
(0,04%) e São Luís com a maior (1%). segu1da de Salvador
Acredita-se que durante a 1nfecção primána o vírus re- (0,9%). Belo Horizonte apresentou soroprevalência de
nha um período de replicação ativa através da rranscnptase 0,07% (Figura 44.1). É importante salientar que esses da-

578 Medici na laboratoria l para o clínico


dos represemam soropositividade no teste de ELISA, que Em outros grupos populacionais, que não doadores
é um reste de triagem altamente sensível, podendo estar de sangue, a prevalência para o HTLV-1 pode ser ainda
superestimados. Sugerem-se três possibilidades para a maior, como observado em mulheres grávidas em Belo
variabilidade geográfica no Brasil da taxa de soropreva- Horizonce, em que a prevalência foi de 1,1% (17/1.500) e
lência do HTLV emre doadores de sangue: a migração da em paciences acendidos no Ambulatório de DermatOlo-
população da Ásia até a América do Norte, alcançando gia do Hospiral das Clínicas-UFMG, em que a prevalência
o Norte e o Nordeste do Brasil, o tráfico de escravos afri- foi 10 vezes maior (0,73%) que a relatada em doadores de
canos, principalmence ro Nordeste e Sudeste do Brasil, sangue da Fundação HEMOMINAS (0,07%).
e a incensa imigração de japoneses, principalmeme no O HTLV-2 exibe um padrão bem diferente de distri-
estado de São Paulo e no Sudeste. buição do HTLV-1, sendo mais prevaleme em populações
indígenas das Américas. Também existe alta prevalência
do HTLV-2 emre pigmeus da República de Camarões e
Zaire, na África, e enrre usuários de drogas imravenosas
nos Estados Unidos e países da Europa. O HTLV-2 é en-
dêmico entre povos indígenas brasileiros. rendo sido re-
latada soroprevalência enrre 3,6 e 36% na região Norte e
0.4 e 0,9% no Nordeste. Esse vírus tem sido ainda relata-
do em usuários de drogas injetáveis na América do Sul
e especialmence no Brasil. em áreas urbanas, mas é inco-
mum entre doadores de sangue (menos de 3% do cotai
de indivíduos infectados pelo HTLV em Belo Horizonte).
A transmissão do HTLVse dá por via sexual, por trans-
missão vertical e pela via paremeral - agulhas e seringas
contaminadas e transfusão de sangue contaminado. Por
causa da sua transmissão pela transfusão sanguínea, o
Ministério da Saúde no Brasil tornou obrigatória a imro-
dução de restes de triagem para o HTLV-1 e 2 em bancos
O 0.0/ 1000 a 3.3/1000 de sangue a partir do ano de 1993 (Portaria nº 1376).
CJ 3.4/1000 a 6.6/1000 A eficiência de transmissão virai pela via sexual é maior
• 6.7/1000 a 10.0/1000 de homens para mulheres que vice-versa. Um risco aumen-
tado de transmissão sexual está associado a relacionamentos
Figura 44.1 - Soroprevalência do HTLV-1 no Brasil.
mais longos e parceiros mais velhos, que apresentam altos
Fome: Caralan-Soares et ai. Cad. Saúde Publica v. 21n. 31.2005.
títulos de anticorpos contra o vírus e maior carga provira!.
A transmissão de mãe para filho acontece principalmeme
O Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em HTLV na amamemação. O período de aleitamento é um fator de
(GI PH) avalia em Belo Horizonce desde 1997 uma coorte risco na transmissão vertical. assim como a carga provira! e
aberra de candidatOs à doação de sangue soropositivo títulos elevados de anticorpos torais para HTLV-1 na mãe.
para HTLV-1 e 2 da Fundação HEMOMINAS e paciences Em áreas endêmicas para o HTLV-1, aproximadamente 25%
com HAM/TSP (HTLV-1 associated myelopathy I Tropi- das crianças amamentadas, nascidas de mães soropositivo,
cal spastic paraparesis) da Rede Sarah de Hospitais do adquirem a infecção. Vários relatos também rêm mostra-
Aparelho Locomotor - Unidade Belo Horizome. Foram do que a transmissão mãe/filho é mais freqüeme em bebês
descritas características da infecção pelo HTLV-1 e 2, do sexo feminino. Apenas cerca de S%de crianças nascidas
tais como: tendência à agregação familiar da infecção, de mães infectadas, mas não amamentadas, adquirem a in-
aumemo da prevalência com a idade e maior soropre- fecção. As mulheres têm-se mosrradas mais susceptíveis à
valência no sexo feminino, como observado em outras infecção pelo HTLV, tanto sexual como vertical, bem como
populações do mundo. ao desenvolvimemo da HAM/TSP.

Investigação laboratorial da infecção pelo HTLV 579


MANIFESTAÇÃO CLÍNICA
indicar HAM/TSP Deve-se também ter o cuidado de se
fazer um diagnóstico diferencial da mielopatia associada
Do pomo de vtsta clínico. a grande mataria (95%) ao HTLV-1 com outras doenças que podem apresentar
dos indivíduos infectados pelo HTLV-1 pode permane- manifestações clínicas semelhantes. (Quadro 44.1 ).
cer assinromáttco durante wda a vida, enquanto 1 a 5%
poderão desenvolver manifestações clínicas do tipo he- Quadro 44.1 - Doenças que devem ser consideradas no
mawlógica ou inflamatória. As duas principats doenças diagnóstiCO d 1ferenc1al da HAM/TSP
associadas ao HTLV-1 são a ATLL - !infama e leucemia
de células T do adulto - e a HAM/TSP - mielopatia as- Mielopatias Doenças
sociada ao HTLV I paraparesia espástica tropical. Outras Inflamatórios Doenças do cológeno liúpus eritemo-
doenças assooadas ao vírus são polimiosites. dermati- Auto-imunes toso sistêmico, vosculite)
Esclerose múltiplo, vosculites,
tes infecciosas. uveíte, alveolite pul monar, artropatias e Mielites transversos idiopá ticas (50%)
síndrome de Sjógren. Em relação ao HTLV-2, não está Tumoro1s Tumores primó 11os e metastáticos
bem estabelecida sua associação com doenças. Existem
N utricionais Deficiência de vitamino 812
alguns relatos de casos associando o HTLV-2 a eventos
mrlamatónos e propensão a infecções bactenanas. Degenerativos Comoressào medular
(discopalios. fraturas e roumas)
Vasculares Malformações artéria-venosos
Mielopatia associada ao HTLV I lsquem1o e inforto

paraparesia espástica tropical Infecciosos Espõnd1lo d 1scifes (tuberculose,


bactérias, fungos s;filisl
Porositónos Esquistossomose, cisticercose,
A HAM/TSP é uma doença neurodegenerativa infla- toxoplosmose
matória, de caráter progressivo. levando ao surgimento Virais HIV cilomegolovírus. herpes
de alterações motoras e sensitivas. É caracterizada por
Congênifos M a l formação do junçcio crãnio-cerv1·
atrofia na região torácica da medula espinhal, envolven- cal (malformação de Arnold-C h1ori)
do desmteltnização perivascular e degeneração axonal, Outras Atrofio espinal primário paraplegia
acompanhada de resposta inflamatória na região afeta- fa miliar espós1 co
da e de tnfiltrado de células mononucleares. destruição
de fibras nervosas no foco inflamatório com perda da Fonte: R1bas & "-\elo Rev Soe Bras Med Trop 2002 v 3S p 377· 384
capactdade motora-sensonal. Nos estadtos inioais, o pa-
Ciente pode apresentar manifestações leves, como sinais
neurológicos motores e discreto compromett menro A HAM/TSP acomete, na maior parte das vezes,
sensorial. Nos estadias intermediários. o comprometi- indivíduos na faixa etária entre 35 e 50 anos, havendo
mento motor e sensitivo se intensifica, podendo surgir predomínto do sexo femini no sobre o masculino (2:1).
distúrbios nos tratos urinário e digestivo. Nos estadias As principais manifestações neurológicas da HAM/
finais. há acentuado grau de comprometimento motor TSP são (W HO-Wo rld Health Orgamzation, 1989): pa-
e sensorial caracterizado por perda no potencial loco- raparesia espástica crónica, que progride geralmente
motor e sensorial. Alguns indivíduos com HAM/TSP de forma lenta ou que às vezes permanece tnalterada
podem apresentar paraplegia espástica decorrente da após a progressão inicial; fraqueza dos membros infe-
destruição axonal e mielínica de determinadas regiões riores, de predomínio proximal; distúrbio vesical, que
da medula esptnhal. acontece mais precocememe, e constipação imestinal
Desde que as manifestações clínicas mtoais da HAM/ observada mais tardiamente; impotênoa e dtmtnutção
TSP podem ser vanáveis, a consideração quanto à exposi- da libido; sintomas sensitivos, como formigamento.
ção aos fatores de risco e a prevalência do HTLV-1 na re- agulhadas e queimação; dor lombar batxa com trradta-
gtão onde nasceu ou vive o indivíduo deve ser feita quan- ção para os membros inferiores; sensibilidade vibrará-
do da presença de um sintoma ou sinal isolado que possa ria comprometida; hiperreflexia dos membros tnferio-

580 M edicina laboratorial para o cl íni co


res. freqüemememe com clónus e sinal de Babtnskl; ver ATLL é próx1mo de 5% nas pessoas infectadas ames
hiperreflexia dos membros superiores e sinais de Ho f f. dos 20 anos. A média de idade no tempo do d1agnósC1co
mann e de Trómner; e reflexo mandibular exaltado em é bastante variável, sendo, por exemplo, em corno dos
alguns pacientes. 60 anos no Japão. mas em torno dos 40 anos no Caribe e
Achados neurológicos menos freqüemes são: sina1s Brasil. A IncidênCia da doença é um pouco mais alta nos
cerebelares, atrofia ótica, surdez, nist agmo, outros défi- homens que nas mulheres, numa proporção aproximada
cits de nervos cranianos. tremores nas mãos. ausênc1a ou de 3:2. A baixa 1ncidência e longo período de lat ência da
diminuição de contrações do tornozelo. AT LL sugerem que, além da infecção virai, o acúmulo de
Outras manifestações neurológicas: atrofia de mu tações nas células infectadas deve ser necessário para
musculatura, fasciculação, polim iosite, neuropatia pe- a indução da doença.
riférica. poliradiculopatia, neuropatia cranial. meningite A doença é classificada em quatro subtipos clínicos:
e encefalopatia. aguda, cró nica. latente e linfoma. Essa classificação é
Manifestações sistêmicas não neurológicas: alveo- ba seada no número de células T anormais no sangue
lite pulmonar, uveíte, síndrome de Sjogren, artropatia, periférico. nos níveis de desidrogenase lática (HDL), nas
vasculite, ictiose, crioglobulinemia, gamopatia mono- lesões do tumor em diversos órgãos e no curso clínico
clonai, ATLL. do paciente. A lguns indivíduos desenvolvem síndrom e
Os achados laboratoriais mais freqüentes na HAM/ pré-ATLL, que é ca racteri zada principalmente por lin fo-
TSP são: citose resultante da proliferação de uns poucos clones
• presença de anticorpos anti-HTLV ou antígenos vi- de células T infect adas pelo HTLV-1 (expansão oligo-
rais no sangue e ou líquido céfalo-raquidiano (LCR); clonal). Aproximadamente metade desses indivíduos
• pleocirose d1screta com predomínio de linfócicos apresentará regressão espontânea. Outras pessoas in-
no LCR; fectadas podem desenvolver a ATTL crónica ou smol-
• hiperproteinorraquia leve a moderada; dering. Na form a crónica. os pacientes apresentam-se
• presença de linfócitos lobulados no sangue e ou com linfocicose, além de ser comum adenomegalia e
líquor. espleno megalia. já na AT LL smoldering. observa-se bai-
xo nível de células circulantes infectadas pelo H TLV-1,
A pacogênese da HAM/TSP caracteriza-se por alte- ocorrendo às vezes lesões de pele decorrentes da infil-
rações em parâm etros imunológicos, alta carga provira!, tração de células leucêmicas. A progressão para um es-
hnfoproliferação espontânea aumentada, altos drulos tadia agudo da ATLL ocorre eventualmente em alguns
de anticorpos anti-HTLV-1presentes no soro e no LCR indivíduos. A ATLL aguda é uma forma bem agress1va
e aumentada produção de citocinas e quimiocinas pró- de leucemia e caracteriza-se pela expansão monoclo-
Inflamatórias. nal das célu las T infectadas pelo vírus, que podem re-
presentar até 99% do total da população das célu las
brancas do sangue. Os pacientes exibem lesões de pele.
Leucemia/linfoma de células T do adulto além de poliadenopat ia e hepacoesplenom egalia. A hi-
percalcemia é freqüente. bem como altas concentra-
A leucem1a/ lmfoma de células T do adulco (ATLL) ções no soro de HDL e da cadeia a solúvel do receptar
ca racteriza-se pela expansão oligoclonal ou monoclonal para interleucina 2. Finalmente, alguns ind1víduos po-
das células T infectada s com o HTLV-·1, ocorrendo ge· dem evoluir para o t ipo linfoma. com a expansão clonai
ralmenre após muitas décadas de infecção virai. As ca- das células T com o provírus integrado. Esses pacien-
racterísticas clínicas da ATLL são aquelas de um linfoma tes apresentam -se com baixa percemagem de células
não-Hodgkin: indisposição. febre, linfoadenopatia. hepa- leucêmicas circulantes e com poliadenopac1a. Os pa-
toesp lenomegalia. icterícia, sonolência, perda de peso e cientes com ATLL aguda ou com a forma hnfoma têm
infecções oportunistas, além de serem comuns a sensa- prognóstico ruim, com expectativa de v1da não supe-
ção de sede e o envolvimento da pele (nódulos, p lacas rior a um ano ( por volta de seis a 10 meses). É típica nas
ou erupção papular generalizada). O risco de desenvol- leucemias associadas ao HTLV-1 a presença no sangue

Investigação laboratorial da infecção pelo HTLV 581


de células T com núcleos lobulados, chamadas células bidade diferenciados. Assim, a avaliação da resposta
em flor U!ower ce/Is), as quais mostram o fenóci po de imune encre porcadores assimomácicos e paciemes
células maduras e ativadas (CD2+, CD3+, CD4+. CD8-, com HAM/TSP pode ser úcil para o entendimento
CD2S+ e HLA-DR+). da parogênese de HAM/TSP e para a identificação de
Um co-facor que vem sendo apontado na facili- marcadores imunológicos associados à progressão da
tação do desenvolvimento da ATLL é a infecção por infecção para doença.
Strongyloides stercoralis, encurtando significativamente
o período de instalação da ATLL nos portadores co-
infeccados. Nos porcado res do HTLV-1 com esuongiloi- DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO
díase, foi observada elevada carga provira/, resultante da DA INFECÇÃO PELO HTLV
extensiva proliferação de um número resrriro de clones
infectados com o vírus (expansão oligoclonal), que são Os ensaios sorológicos para o diagnóstico da infec-
considerados fatores de risco de desenvolvimento de ção pelo HTLV-1 e 2 são baseados na detecção de an-
ATLL. A transmissão do HTLV pela via vertical também ticorpos contra proteínas virais da matriz, capsídeo e
é apontada como outro facor de risco de ATLL. núcleocapsídeo (p19, p24, plS) e do envelope (gp46 e
p21) e dividem-se em dois grandes grupos: as reações
de triagem sorológica e as reações confirmatórias. Al-
Imunologia da infecção pelo HTLV-1 guns anticorpos anti-HTLV-1 reconhecem ta mbém an-
cígenos do HTLV-2 e testes sorológicos de triagem não
A infecção pelo HTLV é marcada por forre respos- distinguem a infecção pelo vírus tipo 1 ou 2. Essa dife-
ta imune celular, com a participação de linfóciros T renciação é possível pelo reste de western blot e cem
CD8+ específicos ao vírus. Acredita-se que em porra- relevância clín1ca, uma vez que o tipo 1 está mais asso-
do res assintomáricos do HTLV-1, os linfócitos T citotó- ciado a doenças graves.
xicos são eficientes em manter a carga provira! num Ainda não se conhece bem o período de Janela
nível equilibrado. Quando essa resposta não é eficaz, a imunológica e a cinética dos títulos de anticorpos anti-
carga provira! aumenta, levando à exacerbação da res- HTLV ao longo da infecção. O período para sorocon-
posta imune celular e ao desencadeamento da HAM/ versão deve variar de acordo com a via de transmissão
TSP. Escudos têm demonstrado que pacientes com da infecção e com a carga virai recebida no evento de
doença neurológica induzida pelo HTLV-1 apresentam transmissão. A transmissão via transfusão sanguínea é
aumento significativo de células T CD8+ eferoras e de considerada a mais eficiente e o recepror geralmente se
memória específicas para a proteína Tax e diminui- soroconverte em dois meses, enquanto que para as ou-
ção de células T na1ve. As células T CD8+ ciroróxicas tras vias a soroconversão pode demorar seis meses ou
antiTax foram encontradas em maior quantidade no mais. Não existem relatos de portado res que apresenta-
LCR do que no sangue periférico de pacientes HAM/ ram clareamenro virai.
TSP. sugerindo que essas células T antígeno específicas As metodologias mais empregadas para a detecção
atravessam a barreira hemaroencefálica e se acum u- de anticorpos anti-HTLV são:
lam no sistema nervoso central. A alta freqüência de Testes de triagem:
células T CD8+ anti-HTLV-1 em pacientes HAM/TSP • testes im unoenzimáticos. Testes de ELISA de
correlaciona-se com a produção de várias cirocinas te rceira geração usam combinações de antíge-
pró-inflamatórias, como IFN-y e TNF-a , indicando nos recombinantes: antígenos do envelope do
que essas cirocinas contribuem para o dano tecid u- HTLV-1, ancígenos do envelope do HTLV-2, an-
al na HAM/TSP. Ainda no âmbiro celular, ta mbém se tígenos do capsídeo do HTLV-1 e ancígenos do
destaca queda significativa no percentual de células capsídeo do HTLV-2;
CD3TD19+ (li nfóciros B) de pacientes portadores de • agl utinação de partículas de látex ou de gelatina:
HAM/TSP em relação a indivíduos infectados assi n- não utilizada no Brasil.
romáticos para a doença, indicando graus de mar-

582 ( Medicina laboratorial para o clínico


Testes confirmatórios: Portanto. o reste de WB pode ser capaz ou não de
• western blot ou tmmunoblot. São tesres confirma- distinguir entre o HTLV-1 eo HTLV-2. Esta dist inção é
tórios usados para restar amostras previamente importance pela diferença no potencial patogênico dos
positivas em restes de criagem. Em geral. empre- dois vírus.
gam como substrato ancigênico lisado virai do
HTLV-1 acrescido de proteínas recombinances do
envelope do HT LV-1 e do HTLV-2; COLETA DE AMOST RA PARA ELISA E WESTERN BLOT
• imunofluorescência indireta: pouco utilizada no
Brasil. Para os testes sorológicos de ELISA e W B. poderão
ser utilizadas alíquoras de soro ou plasma a partir da
colera de sangue total em tubo sem anticoagulante ou
PROTOCOLO D E D IAGNÓSTICO SOROLÓGICO com anticoagulantes como EDTA ou heparina. A amos-
PARA IN FECÇÃO PELO HT LV era deve ser centrifugada para separação do soro ou
plasma o m ais breve possível e o soro ou plasma pode
Para o diagnóstico do HTLV. recomenda-se o uso de ser armazenado à temperatura de 2•c a a·c durante
um reste sorológJCo de triagem (imunoensa1oenz1má- um máximo de sete dias. Se for necessário o armaze-
rico), seguido de um reste confirmacóno (western-blot) namento da amostra p or longo período. a amostra
caso a amostra seja pos1r1va. deve ser congelada a -1s•c o u m enos. Deve-se evitar
Nos hemocencros brasileiros. segundo instru- o congelamento e descongelamento da amostra ames
ção da ANVISA (Resolução da Direroria Colegiada do seu t este.
- RDC n° 153, de 14 de j ulho de 2004 - A N VISA).
emprega-se como reste de triagem soro lógica para
HTLV-1 e 2 o reste de ELISA e como reste con f irm a- T ESTES COM RESULTADOS
tóno o western blot. INDETERM INADOS PAR A HTLV
O reste de ELISA pode ser POSITIVO (reacivo). NE-
GATIVO (não-reativo) ou INDETERMINADO (valor de Especialmente em áreas rrop1cais. resultados so-
absorbância próximo do valor de ponto de corre). Se for rológicos indeterminados para HTLV são comuns,
rearivo. uma nova colera é feira e a nova amostra é resta- trazendo dificuldades na interpretação do status de
da em duplicata. A rearividade em uma ou ambas dessas infecção pelo H T LV e na conduta de aconsel hamento.
duplicaras implicará a realização de um confirmacóno, O que provoca um reste WB indeterminado e qual a
o western blot (WB). Na reação de WB. a amostra será importância médica desse status ainda não está mui-
cons1derada: ro claro. Um padrão WB indeterminado para HT LV
• negativa. se não houver qualquer reaciv1dade para pode ser devido à infecção com vírus defectivo; ao
os ancígenos v1rais presentes no reste; baixo número de cópias provirais do HTLV, incapaz
• indet erminada, se forem detectadas bandas es- de suscitar resposta humoral detectável pelo reste; ou
pecíficas para o HTLV. mas que não preencham o a reações cru zadas de anticorpos dirigidos contra ou-
cm éno de seropositividade; tros rerrovírus. por exemplo. retrovírus endógeno, ou
• positiva, se apresentar rearividade para: contra outros agentes infecciosos com alguma homo-
• GAG (p19 e p24) e ENV (gp21) - soropositivo logia com o HTLV.
para HTLV (1 o u 2) ou Testes m o leculares como a PCR (reação de po-
• GAG (p19 com ou sem p24) e duas ENV (gp21 e limerização em cadeia), os quais não dependem de
gp46- l recombiname)- seropositivo para HTLV- resp osta imunológica do hospedeiro. podem ser mui-
1 ou ro ú teis em resolver a maioria desses casos. além de
• GAG (p24 com ou sem p19) e duas ENV (gp21 p ermitirem a discriminação da infecção pelo HTLV
e gp 46-11 recombinante) - seropositivo para tipo 1 ou tipo 2.
HTLV-2.

Investigação laborawr ial da infecção pelo HTLV 583


DIAGNÓSTICO MOLECULAR
região da seqüência virai. como tax, mas não o genoma
DA INFECÇÃO PELO HTLV
compleco (pol. gag, env, LTR), rambém rem sido descrita
e pode ser conseqüência de vírus defectivo. Portanto,
O teste de PCR qualitativo
para diagnóstico de amostras clínicas, recomenda-se
o uso de PCR aninhada. Além disso, porque a sensibili-
As técnicas de biologia molecular para diagnóstico dade da PCR pode variar em função da região de anela-
con firmatório e diferencia l da infecção pelos HTLV-1 e mento dos iniciadores, pode ser importante avaliar pelo
HTLV-2 fundamentam-se primariamente na detecção menos mais de uma região do genoma virai. como, por
do ácido nucléico virai na forma de DNA provira!. A exemplo. tax e pol ou tax e env.
reação de polimerização em cadeia (PCR) é a técn i-
ca molecular mais utilizada e baseia-se na amplifica -
ção de uma seqüência específica de DNA a partir da PCR quantitativa - quantificação
molécula-a lvo, possuindo alta sensibilidade. A sua es- da carga provira! do HTLV
pecificidade é dada pela seqüência de iniciadores que
devem se anelar à seqüência-alvo de amplificação. Di- A carga provira\ para o HTLV-1 é o principal mar-
versos protocolos de PCR para detectar infecção pelo cador de risco para o desenvolvimento de doenças
HTLV têm sido descritos pelos laboratórios baseados associadas ao vírus. Diferentemente do HIV. em que a
em tecnologia própria (in house), não existindo no quantificação da carga da infecção é dada pelo número
mercado kit comercial para amplificação de seqüên- de partículas virais circulantes (quantificação de cópias
cias genômicas do HTLV. de RNA vira\ por ml de plasma). a carga para o HTLV é
Indicações da PCR: Para a infecção pelo HTLV, a PCR a quantificação do número de cópias de DNA provira \
tem sido particularmente útil para: presentes numa população celular. ou seja. a medida do
• averiguação da transmissão neonatal. já que os número de células infectadas, pois existem poucas par-
testes sorológicos em bebês podem detectar anti- tículas do HTLV-1 livres no plasma. A carga provira\ do
corpos maternos; HTLV-1 é caracteristicamente alta quando comparada
• discriminação entre infecção pelo vírus tipo 1 ou à infecção por outros retrovírus e embora os números
tipo 2.; variem muito. a média da carga provira\ num portador
• definição de du pla infecção (HTLV-1 e HTLV-2); saudável é significativamente mais baixa do que a obser-
• definição de subtipos virais; vada em portadores sintomáticos, como pacientes com
• auxílio diagnóstico em indivíduos com suspeita de HAM/TSP ou com ATLL. Nos pacientes HAM/TSP, a alta
soroconversão; carga provira\ está correlacionada com níveis elevados de
• resolução de casos WB indeterminado. anticorpos anti-HTLV-1 e de células T CD8+ ativadas no
sangue periférico e no líquor.
Seqüências genômicas do HTLV-1 podem ser detec- Além de ser um determinante importante para a
tadas em linfócitos do sangue periférico dos indivíduos patogênese da HAM/TSP, uma carga provira\ elevada
seropositivo para o HTLV-1 at ravés de PCR primária. também parece ter importância no desenvolvimento da
Entretanto, estudos têm sugerido que alguns indivíduos uveíte. No contexm da ATLL. uma condição associada à
seropositivo e a grande maioria dos indivíduos soroin- carga provira\ aumentada também é considerada para
dererminado para o HTLV-1 são negativos nessa moda- ser um estadia inrermediário e é frcqüenremente com-
lidade de PCR. Seqüências de tax do HTLV-1 têm sido plicada por infecção oportun íst1ca. como estrongiloidía-
periodicamente detectadas por PCR ani nhada ou nes- se ou micose. A eficiência da transmissão do HTLV, seja
ted (técnica que usa o produto da PCR primária como ela horizontal ou vertical, está também associada à car-
amostra para a segunda PCR). A ausência de detecção ga provira\, de modo que quanto mais elevada a carga,
por PCR primária pode ser devido ao baixo número de maior será o risco de tra nsmissão.
cópias provirais, suficiente apenas para sua detecção na Para a quantificação da carga provira\ do HTLV, têm
PCRaninhada. A habil idade para detectar apenas alguma sido usados diferentes métodos de PCR: PCR semiquan-

584 ( Medicina laboratorial para o clínico )1----- -- - - - -- -- - -- - - - - - - - - - -- - -


CONS ID ERAÇÕES FINAIS
rirariva. PCR compeririva e PCR em rempo real. Todas
essas merodologias devem usar controles em que se co-
nheça o número de cópias do gene-alvo de amplificação Caso haja suspeita de infecção pelo HTLV, o clínico
para o HTLV e de um gene humano para normalização deve solicitar a realização dos testes sorológicos do pa-
do número de células presentes na amostra, como. por ciente para o diagnóstico de infecção pelo vírus. Reco-
exemplo, genes para actina ou albumina. Esses contro- menda-se a realização de ELISA específico para HTLV e
les podem ser células infectadas com o vírus. desde que caso o resultado seja positivo, deve ser confirmado pelo
se conheça o número de cópias/célula do gene-alvo de westem blot. A identificação do tipo de HTLV (1 ou 2) é
amplificação ou plasmídios comendo as seqüências-alvo importante. uma vez que o tipo 1 apresenta maior grau
virai e humana. A partir da dil uição seriada dos controles. de morbidade em relação ao tipo 2. Assim, se o resultado
constroem-se então as curvas-padrão, que permitem a do western blot não fornecer o tipo de HTLV do qual
inferência do número de cópias provirais e do número o paciente é portador. deve-se solicitar. então. PCR para
de células. de modo que a carga provira! é dada pelo identificação de HTLV-1 ou HTLV-2. Ao ser diagnostica-
número de cóp1as provirais sobre o número de células. da a infecção pelo HTLV. recomenda-se inicialmente o
Atualmente, o método mais utilizado tem sido a PCRem esclarecimento do portador quanto às diferenças entre
tempo real, mas não existe padronização de protocolos esse vírus e o HIV, enfatizando o fato de que a maioria
emre os laboracónos. dos indivíduos infectados pelo HTLV não desenvolverá
a doença, permanecendo assimomácicos pelo resto de
suas vidas. No encanto, o portador deve ser alertado de
Amostra utilizada na realização de PCR que ele é um potencial transmissor da infecção e deve
conhecer os meios para evitar essa transmissão: não doar
Como o HTLV não apresenta viremia plasmática sangue. órgãos, leite ou esperma; não fazer uso compar-
(presença de RNA virai circulante em grandes quantida- tilhado de agulhas, seringas ou oucros objecos pérfuro-
des no plasma ou soro), o uso de plasma ou soro não cortantes; discutir com seus parceiros sexuais a trans-
é apropnado para o d1agnóstico molecular do HTLV. O missão da infecção por essa via e a adoção de medidas
HTLV possui tropismo para linfómos e a amosua de es- preventivas. como uso de preservativos; preferir parco
colha para o diagnóstico de infecção é o sangue rmal. cesáreo e evitar o aleitamento pela mãe seropositivo,
No entanto, poderão ser utilizadas diferentes amostras buscando garantir a nutrição do lactente em leite mater-
b1ológ1cas que contenham células possivelmente infec- no de bancos de leite ou aleitamento artificial.
tadas para identificação do vírus, em caso de estudos Os portadores do vírus devem ser submetidos a
específicos para pesquisas. exame físico geral e avaliação neurológica. objecivando
Dependendo do protocolo de PCR, será usada a identificação de manifestações precoces de doença,
como amostra uma alíquota do sangue total ou então como adenomegalias. hepatoesplenomegalia. lesões
DNA extraído di retamente do sangue coral ou célu- cutâneas, alrerações de força muscular, dos reflexos.
las mononuclea res. Existem diferentes métodos para da sensibilidade e dos esfíncteres. Devem ser ainda
a purificação de DNA a partir de sangue total ou de realizados exames laboratoriais hematológicos e pa-
PBMC. mas melhor rendimento e pureza serão obti- rasitológicos, tais como hemograma, para identificar
dos quando a amostra não está hemolisada. Durante a ocorrência de leucocirose. linfocitose com ou sem
a fase de processamento da amostra e realização da leucocitose. eosinofilia ou identificação de acipias lin-
PCR, deve-se evitar a contaminação com agences inibi- focitárias; dosagem sérica de DHL e cálcio; raio X de
dores de PCR e especialmente com DNA ou amplicom tórax, para verificar a existência de massas mediastinais;
(produto de PCR) proveniente de outras amostras, a e exame paras1tológico de fezes, incluindo pesquisa de
fim de se evitarem-se resulcados falso-negativos ou Strongylo1des sp.
falso-positivos, respectivamente. O uso de controles Nos portadores de HTLV, recomenda-se igualmente
positivos e negativos é importa nte na avaliação da es- a testagem sorológica de outros pacógenos que compar-
pecificidade da técnica. tilham a mesma v1a de transmissão. cais como o vírus da

Investigação laboratorial da infecção pelo HTLV 585


hepatite B, vírus da hepatite C e HIV. Nos indivíduos se- os com teste positivo e sintomatologia para HAM/
xualmente acivos, recomenda-se a testagem para HTLV TSP, pode-se avaliar a possibilidade de encam inha-
dos parceiros. Todos os filhos de mulheres infectadas mento do paciente para o Hospital Sarah Kubi t schek
pelo HTLV devem ser testados, devido à possibilidade de em Belo Ho rizonte, que é referência no estado para
transmissão vertical. Por outro lado, mães e amas de leite dist úrbios do aparelho locomotor, d istúrbios neuro -
de indivíduos com diagnóstico de infecção pelo HTLV musculares para reabiliração de pacienres com lesão
também devem ser testadas para o vírus. m edular o u cerebral.
Indivíduos com resultados sorológicos indetermina-
dos devem ser informados de que seu resu ltado não está REFERÊNCIAS
definido, sendo necessários testes complementares (tes-
1. Brasil. M 1nisrêno da Saúde. Secretana de ProjeL o~ bpe-
tes moleculares) ou acompanhamento sorológico para
ciais de Saúde. Manual de Controle das Doenças Sexu-
definir possível soroconversão. Até que o status soroló- almente Transm 1ssíve1s. Brasília: Mimsréno da Saúde;
gico seja definido, eles devem ser orientados a seguir as 1999. D1sponível em: http://www.alds.gov.br/assistencia/
mesmas instruções para evitar risco de transmissão do manualcomroledst.pdf
2. Brasil. Min1sténo da Saúde. Secretana de V1gilânc1a em
vírus, especialmente não doar sangue, visto que esta é a
Saúde. Programa Nacional de DST e Aid s. Gu1a de Ma-
forma mais eficiente de t ransmissão do HTLV. nejo Clínico do Paciente com HTLV. Série Manuais n.0 58.
Existem apenas três estados onde há centros de Brasília: Ministéno da Saúde; 2004.
referência em HTLV no Brasil para encaminhamen- 3. Brito-Melo GE, Souza JG. Barbosa-Stancioli EF. Carne1ro-
Pro1eui AB. Catalan-Soares B. Ribas JG, et ai. Estabhshmg
to de portadores do vírus ou suspeitas de infecção:
phenoryp1c features associated w1 th morb1diry in human
Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os centros T-celllymphotropic vírus rype l 1nfecnon. Ciln Diagn Lab
de referência são: o centro de atenção aos portado- lmmunol. 2004;11(6):1105-10.
res de HTLV mantido pela Fundação Baiana para o 4. Cann AJ. Chen ISY. Human T-cell leukemia vírus types I
and li. ln: BN Fields. DM Kn1pe. PM Howley, edirors. F1el-
Desenvolvimento das Ciências (FBDC), em parceria
ds V1rology. 3rd ed. Phdadelphia: Raven Publishers; 1996
com a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), em Salvado r p. 1849-79.
em Doenças Infeccio-
- Bahia; o Centro de Referência 5. Coffin J. Hughes SH. Varmus HE. Retroviruses. New York:
sas do Sistema Nervoso/HTLV e Centro de Referência Cold Spring Harbor Laborarory Press; 1997.
6. Osame M. Usuku K. lzumo S, ljich1 N. Am1ran1 H. Igata A,
para HTLV-1 e 2e HIV do Instituto de Pesquisa Clíni-
et ai. HTLV-1 assooated myelopathy. a new ciln1cal enury.
ca Evandro Chagas - IPEC (Fundação Oswaldo Cruz Lancet. 1986;1(8488) 1031-2.
- FIOCRUZ, Av. Brasil 4365, Mangu inhos) no Rio de 7. Pro1etti ABFC. HTLV-1. Cadernos Hemom1nas. D1sponível
janeiro; e o Centro de Referência em HTLV da Prefei- em: http://www.cehmob.org.br/downloads/htlv.htm.
8. Santos FLN. Lima FWM. Ep1demiolog1a, fisiopatogen1a e
tura Municipal de Porto Alegre, o Centro Municipal
diagnóstico laboratonal da 1nfecção pelo HTLV-1. J Bras
de DST/AIDS/HTLV, no Rio Grande do Sul. Patol Med Lab. 2005;41(2):10S-16.
Existem ainda hospitais com profissionais capa- 9. World Health Organ1zarion. Repore of the Sc1em1fic
zes de orientar os portadores (doadores de sangue Group on HTLV-1 and Associared Diseases. Kagoshl-
positivos), tais como: o Inst ituto Estadua l de Hema- ma, )apan. December 1988: Vírus d1seases. Human T
Lymphorrop1c Vírus Type I, HTLV-1. Wkly Ep1dem Rec.
tologia e o Hospital Universitário da UFRJ, no Rio
1989;49:382-3.
de Janeiro. Em Minas Gerais, não existe centro de
referência para HTLV. A fundação H EMOMINAS
faz testes de triagem e confirmação sorológica e/ou
molecular para doadores de sangue. Para indivídu-

586 ( Medicina laboratorial para o clínico


Eleonora Druve Ta vares Fagundes
45 Alexandre Rodrigues Ferreira
Mariza Leitão Valadares Roquete

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM HEPATITE PELO
HAV E HEPATITE PELO HEV

HEPATITE A Epidemiologia e formas de transmissão

A infecção pelo vírus da hepatite A (HAV) é usualmen- A hepatite A é uma doença comum, de distribuição
te caracterizada por ter curta duração, ser aucolimitada, universal, com altas prevalências em áreas de precárias
conferir imunidade duradoura e não evoluir para hepa- condições sanitárias, sendo um problema sério de saú-
ropatia crônica. No entanto, a doença é uma importante de pública. Com a melhoria das condições de vida da
causa de morbidade e de eventual mortalidade. Éde ocor- população, o percentual de contactantes tende a se re-
rência freqüeme em nosso meio, sendo responsável pela duzir três vezes ou mais. Paradoxalmente, a redução da
maioria dos casos de hepatites agudas em crianças. incidência de hepatite A na faixa etária pediátrica pode
elevar o número de casos com mais morbidade e gravi-
dade, por aumentar o número de adolescentes e adulros
ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO suscetíveis que deixaram de apresentar a infecção leve e,
muitas vezes, subclínica na infância. Em áreas de alta en -
Agente etiológico demicidade, 90% das crianças são infecradas até 10 anos
de idade. Nas áreas de endemicidade intermediária, as
O HAV é um pequeno vírus RNA da família dos pi- taxas de soroprevalência de 90% não são atingidas até o
cornavírus. Apenas um sorocipo foi identificado, embora início da idade adulta.
pequenas diferenças genéticas tenham sido encontradas, Costa-Ciemens et ai. (2000) estudaram a prevalência
que poderiam explicar as diferentes formas clínicas em de HAV em quatro centros do Brasil (Manaus, Fortaleza,
relação à gravidade da doença. O vírus resiste a grandes Rio de Janeiro e Porro Alegre), entre 1996 e 1997. A soro-
variações de pH e aos sais biliares e enzimas proreolíticas prevalência geral para o HAV no Brasil foi de 64.7%, mas
intestinais, permitindo que o mesmo apareça intacro nas o seu padrão foi muito heterogêneo entre as regiões, va-
fezes, faci li tando a transmissão fecal-oral. Resiste a eleva- riando de 92,8% na região norte a 55% no sul e sudeste
das temperaturas (wo·c por cinco minuros e 25• por do país. Com isso, crianças e adolescentes de alto nível
três meses), mas pode ser inativado quando exposro ao socioeconômico têm risco similar ao de viajantes para
ácido hipoclorídrico, ao iodo e ao formaldeído. regiões de alta endemicidade, considerando que eles não
O dano hepático não é resultado direto do efeito estão protegidos, mas estão sob risco contínuo de infec-
ciropático do vírus sobre os hepatóciros, mas está mais ção. Esse fato torna a vacina da hepatite A importante e
associado à ação imunológica mediada pelas células T. de indicação precisa.
A hepatite A é extremamente contagiosa, de trans- geral discretos, dor no hipocôndrio di reito, distúrbios do
missão fecal-oral, direta ou indireta, através de água ou paladar e do olfato (aversão por carnes. friruras e odor de
alimentos contaminados. O pico de rransmissão correla- cigarro) e alterações do hábito intestinal. Achados como
ciona-se com o período de maior excreção fecal do vírus. heparomegalia dolorosa. esplenomegalia. linfadenome-
que ocorre duas semanas ames do início da icterícia e da galia, mialgia e sintomas respiratórios, que se assemelham
elevação das aminotransferases. Em sua maioria, os casos ao resfriado comum, são menos freqüemes.
deixam de ser infecciosos na segunda semana de iccerícia. O aparecimento de colúria anuncia o início da fase ic-
A transmissão é mais comum quando há contam pessoal térica, quando a doença é usualmente reconhecida. Com
íntimo e prolongado do doente com um indivíduo sus- a icterícia, as fezes tendem à hipocolia; pode surgir pru-
cetível à infecção. Conseqüentemente. os facores de risco rido cutâneo e os sintomas prodrômicos melhoram rapi-
são o convívio familiar e agrupamentos de pessoas (milita- damente. A fase iccérica pode durar até quatro semanas.
res, prisões. creches e instituições que cuidam de crianças Aproximadamente S% dos pacientes com hepatite A
sem controle de esfíncter). além de homossexuais mas- cursam com colestase mais exuberante. Nessas situações.
culinos. usuários de drogas endovenosas e viajantes para o quadro clínico habitual está presente, mas o prurido é
regiões endêmicas de hepatite A. Nas crianças jovens, as mais marcante e a icterícia mais importante e prolonga-
infecções assimomáticas associadas ao prolongado perío- da - pelo menos 12 semanas de evolução, com aumento
do de excreção fecal do vírus e a limitada higiene pessoal acentuado de fosfatase alcalina, bilirrubina di reta (> 10 mg/
dessa faixa etária fazem deste grupo uma importante fon- dL) e gama-glutamiltransferase. Os pacientes com anemia
te de infecção. A rransmissão parenteral é incomum. mas falciforme apresentam esse quadro mais freqüememente,
admissível, uma vez que durante o período de incubação embora isso não implique evolução desfavorável.
há uma curta fase virêmica (sete a 10 dias). Entre 1,5 e 18.5% dos casos pode ocorrer aparente re-
cuperação clínica e normalização das aminorransferases.
denrro de poucas semanas até seis meses. Pode haver,
Apresentação clínica então, reaparecimento dos sintomas, nova elevação de
enzimas, com ou sem bilirrubinúria ou icterícia, ou a re-
O espectro da doença causado pelo HAV varia am- caída ser assinromática, revelada apenas pelo aumento
plamente, desde soroconversão assintomática até gas- do nível de aminotransferases. O prurido pode ser espe-
troenterite predominantemente anictérica em crianças cialmente problemático nas recaídas. que tendem a ser
jovens ou quadro iccérico febril com repercussões sobre mais prolongadas que o episódio inicial, com recupera-
o estado geral em adulcos. Como regra geral, quanto mais ção completa, podendo levar até 40 semanas.
jovem o paciente, menos aparente é a infecção; crianças A incidência de hepatite fulminante pelo HAV varia
menores de dois anos são freqüentemente assintomáti- de 0,1 a 0,5%. O risco parece aumentar com o avanço da
cas (aproximadamente 85% delas) e cursam sem icterícia idade e com a presença de co-morbidades, como do-
numa proporção de 17:1, enquanto os adultos têm ha- ença hepática crônica. Nos EUA. aproximadamente 100
bitualmente quadro clínico evidente (cerca de 76 a 97% casos de hepatite fulminante pelo HAV ocorrem a cada
são sintomáticos, sendo que 2/3 cursam com icterícia). A ano. Os casos que cursam com vômiros incoercíveis. al-
existência de doença hepática crônica subjacente tam- teração do sensório, tendência maior a sangramentos,
bém está associada a quadros mais graves. Quando pre- icterícia acentuada e persistente. redução abrupta das
sente. a doença clínica dura, em média. dois meses. aminotransferases e da heparomegalia, sem melhora
O período de incubação varia de 15 a 40 dias (média clínica correspondente, merecem observação rigorosa e
de 28 dias). Partículas virais podem ser deteccadas nas cuidados hospitala res.
fezes no final do período de incubação e precocemente De modo geral, o prognóstico da hepatite A é fa-
após o início dos sintomas da doença. Após o período de vorável, sem risco de evolução para heparopatia cróni-
incubação, inicia-se a fase prodrômica, que dura de uma ca, mesmo nas formas colestáticas. recorrentes e com
a duas semanas ames do início da icterícia. Nesta fase, são anci-HAV lgM duradouro. A melhora clín ica ocorre em
comuns febre, cefaléia, anorexia. náuseas e vômiros, em poucas semanas e a normalização laboratorial e histoló-

588 ( Medicina laboratorial para o clínico


gica em poucos meses. A taxa de caso/fatalidade enrre foi determinada, mas acredita-se que a imunidade pode
pessoas de codas as idades é de aproximadamente 0,1 a chegar a 20 anos. A incidência da infecção diminuiu sig-
0,3%, mas essas taxas aumentam para 1,8% entre adultos nificativamente em diversos países que incorporaram a
com mais de 50 anos. vacinação entre crianças e adolescentes. Efeitos colaterais
O diagnóstico diferencial inclui outras infecções incluem reações locais e sintomas sistêmicos leves (<10%).
bacterianas, parasitárias e virais, hepatite auto-imune e Como a vacina é inativada, nenhuma precaução especial
reação a drogas. deve ser camada em indivíduos imunodeprimidos, mas
pouco se sabe como esses pacientes respondem à vacina.
O teste sorológico antes da administração da vacina em
Tratamento e profilaxia crianças não é necessário, mas pode ser útil em adoles-
centes e adultos de áreas de alta prevalência. Devido à
Baseia-se no repouso relativo, conforme a demanda alta taxa de soroconversão, não é necessário o teste pós-
do paciente, oferta de dieta habitual para a idade e uso vacinai. A vacinação universal seria a medida ideal para
de sintomáticos, quando necessário. A hospitalização fica diminuir progressivamente a incidência da hepatite A,
reservada para quadros acentuados de vôm itos, coagu- terminando por erradicá-la, e já faz parte do calendário
lopatias graves, sinais de encefalopatia hepática e outras de vacinação da Sociedade Brasileira de Pediatria. Está
situações de risco. Os escolares, adolescentes e adultos tam bém indicada para os pacientes com hepatopatia
podem recamar suas atividades assim que se sentirem crônica. A vacina não está recomendada como profilaxia
bem. Quanto às crianças menores, deve-se aguardar pós-exposição, embora haja relatos de sua eficácia.
duas semanas após o início dos sintomas ou uma sema-
na após o surgimento da icterícia, quando já se superou
a fase de excreção fecal do vírus, comando a transmissão AVALIAÇÃO LABORATORIAL
da doença bastante improvável. Bons hábitos de higiene
são o foco central na prevenção da hepatite A, especial- Alterações laboratoriais gerais
mente em ambientes de possível exposição, como cre-
ches e aglomerados populacionais. Condições sanitárias As aminotransferases aumentam durante a fase
adequadas e higiene na manipulação de alimentos tam- prodrômica, cerca de uma semana antes do início da
bém são importantes. icterícia; o pico dessas enzimas é geralmente verificado
A imunoglobulina é eficaz na prevenção e na atenu- quando surge a bilirrubinúria. atingindo valores elevados
ação do curso clínico da hepatite A, se administrada até (20 vezes ou mais os valores de referência). Aminotrans-
duas semanas após a exposição, com eficácia variando ferases normais ou pouco elevadas na fase inicial da do-
de 85 a 87%. Está indicada no cantata íntimo (domici- ença virtualmente excluem o diagnóstico de hepatite A;
liar e sexual) de um caso de hepatite A aguda, incluindo no entanto, seus níveis tendem a cair rapidamente com
pessoas institucionalizadas, crianças e profissionais que o início da icterícia, em taxas de 60 a 70% por semana;
freqüentam creches ou outros locais onde a doença foi logo, se diversos dias se passarem até a coleta do soro
identificada. Também oferece proreção de curta dura- do paciente, aquelas enzimas já podem ter declinado a
ção (um a três meses) no caso de viajantes para áreas percentuais de pouco valor diagnóstico, normalizando-
tropicais e subdesenvolvidas. A dose é de 0,02 ml!kg, se em uma a duas semanas. Pode haver redução dos ní-
por via intramuscular, em dose única. veis de albumina e elevação de globulinas inespecíficas.
A vacina de vírus A inativado tem se mostrado bas- Alterações significativas do coagulograma acontecem
tante segura, com eficácia em torno de 94 a 100%. São nos quadros mais graves quando a síntese hepática está
necessárias duas doses da vacina, com intervalo de seis significativamente comprometida. Nessas condições, a
meses, podendo ser administrada a partir de um ano de resposta à admin istração de vitamina K parenteral é, em
vida. Em crianças e adolescentes, mais de 97% desen- geral, incompleta e insatisfatória. O nível sérico de bilir-
volvem anticorpos após a primeira dose e 100% após a rubina pode atingir valores entre 23 e 28 mg/dL, embora
segunda. A duração da proteção, na verdade, ainda não mais comumente oscile em torno de 5 a 10 mg/dl. A

Investigação laboratorial do paciente com hepatite pelo HAV e hepati te pelo HEV 589
fosfarase alcalina e a gamagluramil-transferase podem HEPATITE E
estar alceradas, especialmente nas forma s de hepatite
que cursam com colestase significativa. A hepatite E já foi denominada hepatite não A não
B de transmissão entérica. A história do vírus da hepati-
te E (HEV) teve início na Índia, após duas epidemias de
Diagnóstico sorológico heparire icrérica devido à comaminaçào fecal de água
potável em 1955 e 1975. Até 1980, acreditava-se que o
Os anticorpos específicos para o HAV começam a ser vírus da hepatite A seria o causador das duas epidemias.
detectados no final do período de incubação, cinco a 10 No encanto, amostras de soro estocadas foram negativas
dias ames do início dos sintomas (Figura 45.1). O anticorpo para os marcadores da hepatite A e B. Desta forma, f1cou
sérico lgM (ami-HAV lgM) é o marcador da fase aguda estabelecido que se rrarava de hepatite não A não B de
por excelência e aparece precocemente no curso da do- transmissão emérica. A primeira prova da existência de
ença - quando a excreção fecal do vírus diminui; alcan- um novo vírus foi obtida em 1983, com sua visualização
çando sua concentração máxima emre a qui ma e a oitava por microscopia eletrônica. No final da década de 1980 e
semanas após a exposição e persistindo por cerca de dois início dos anos 90, os primeiros ensaios sorológicos ma-
a seis meses. Sua identificação sorológica significa contam pearam o HEV, que ocorria predominantemente na Áfri-
recente com HAV. Pode persistir em alguns casos além da ca e na Ásia. O genoma do vírus foi desvendado em 1990.
fase aguda e da convalescença. por até 420 dias. A razão Desde então. já foram descritas epidemias em todos os
não é clara, mas pode refletir dtulos persistentemente bai- continentes. especialmente nos países em desenvolvi-
xos, detectados por técnicas muiw sensíveis. Falso-negati- mento. O HEV é responsável por 53,3% dos casos de he-
vos, durante a Infecção recente, são extremamente raros. patite aguda em Nova Delhi (índia). No Brasil, os poucos
Falso-positivos podem ocorrer em pacientes com fator estudos realizados verificaram prevalência de 3 a 6%.
reumatóide positivo, justificando a exclusão desta condi- A infecção pelo HEV geralmente causa hepatite ic-
ção se a positividade se prolongar por mais de um ano. térica aguda e autolimitada. lembrando a hepatite pelo
A vacinação contra HAV pode induzir a formação de vírus A.
anticorpos lgM ami-HAV. principalmente se o teste for
realizado dentro de um mês após a vacinação.
O am1corpo lgG (ami-HAV lgG) aparece simultanea- ASPECTOS RELEVANTES DA IN FECÇÃO
mente ao lgM, mas em geral sua concentração ascende
de modo mais lento e dura, provavelmente, por toda a Agente etiológico
vida. Sua presença. com anti- HAV lgM negativo. indica
exposição passada ao HAV e imunidade duradoura. A O vírus da hepatite E é um vírus pequeno, esférico,
vacinação induz produção de lgGs, mas os títulos po- sem envelope, com genoma RNA. Parece haver apenas
dem ser baixos, de forma que a ausência de lgG ami-HAV. um sorotipo do HEV. embora quatro variações genocí-
após vacinação, não significa ausência de proteção. picas já tenham sido descritas com distribuições geo-
gráficas diferenciadas. O HEV pode ser identificado em
lgG
animais domésticos e selvagens, o que confere à hepatite
Ea denominação de zoonose.
''
''
'~,
lgM ' , Epidemiologia e formas de transmissão
'
o 2 4 6 8 10 12 O vírus da hepatite E rem distribuição universal. A
Semanas após exposição hepatite Eé uma 1nfecção determinada pela contamina-
Figura 45.1 - Apresencação esquemátiCa dos marcadores labora- ção fecal de água potável. Ocorre sob forma de epide-
toriais da hepatire A. mia ou se apresenta como casos esporádicos nas áreas

590 ( Medicina laboratorial para o clínico


endémicas. A incidência da hepatite E ainda não está rica e/ou subclínica. reação cruzada com ouu os agemes,
bem definida. devido à baixa disponibilidade do reste restes sorológicos falso-positivos ou a comb1nação de
sorológico, o que impede o diagnóstico das formas clí- rodos esses famres.
nicas e subclínicas.
A transmissão pessoa-pessoa é 1ncomum. Algumas
evidências sugerem que os seres humanos com infecção Apresenta~ão cl ínica
subclínica e os animais possam servir de reservatórios do
vírus E. A transmissão imrafamiliar é bem menos impor- O especuo clínico da hepatite E pode variar de um
tante que a transmissão pela água contaminada. As epi- quadro de forma anicrérica e assimomárica até a hepati-
demias são mais freqüemes durante a estação chuvosa, te icrérica, podendo culm1nar com a manifestação grave
quando ocorrem enchentes e contaminação de água po- de insuficiência hepática fulminante. As manifestações
tável por dejetos humanos. Estão associadas. portamo, às clín1cas da hepatite E são semelhantes às da hepatite A.
condições inadequadas de higiene pessoal e sanitária. Nos A infecção subclínica ocorre em adultos e crianças. po-
países endêmicos para hepatite E, é possível a transmissão rém com freqüência e significado desconhecidos.
do HEV através de transfusão de hemoderivados. O período de incubação do HEV é maior que o do
A hepatite E é mais freqüence na fa ixa etária de 15 a vírus A. variando de duas a 10 semanas (média de seis se-
40 anos. sendo também descrita como causa comum de manas). A fase icrérica dura em torno de 17 dias e coin-
hepatite aguda esporádica na população pediátrica de re- cide com o período em que ocorre o desenvolvimento
giões endêmicas. O quadro é predominantemente subclí- de anticorpos.
nico ou an1ctérico emre as crianças. Na Índia, os anticor- A hepatite aguda icrérica rem início insidioso. com
pos contra o vírus E foram detectados em mais de 60% pródromos de duração em torno de 14 dias, caracteri-
de cnanças com idade inferior a cinco anos. A exposição zado por febre, dor abdominal. náusea. vômims, acolia
é maior na população urbana em relação à rural. fecal. colúria. artralgia, diarréia. astenia e rash cutâneo
A taxa de mortalidade para a população geral em área transitório. Essas manifestações são seguidas em poucos
endêmica varia de 0.5 a 4%. Emre as grávidas, sobretudo dias pelo aparecimento de icterícia. Com o início da icte-
no segundo ou terceiro trimestre de gravidez. a morta- rícia. as manifestações prodrômicas diminuem e podem
lidade está em torno de 15 a 25%. A alta mortalidade desaparecer. exceto os Sintomas gastrintestinais, que po-
entre mulheres gráv1das constitui uma particularidade dem persistir por tempo prolongado. A doença é auroli-
da hepatite E. A suscetibilidade peculiar nesse grupo de mitada e tipicamente dura de uma a quatro semanas.
pacientes permanece enigmática até o momento. Alte- A excreção do vírus inicia-se aproximadamente uma
rações na imun1dade e aumento do nível de hormônios semana ames do início dos sinmmas e persiste por apro-
esteróides durante a gravidez podem influenciar na repli- ximadamente duas semanas; a wemia pode ser detecra-
cação e expressão virai. determinando a maior gravidade da du rante a fase tardia do período de incubação.
da doença. O vírus da hepatite E pode ser transmitido A hepatite Eé autolimitada e não evolui para a forma
pelas mães infectadas aos seus recém-nasc1dos por via crónica. Existe relato de manifestação na fo rma de icte-
vertical. ocas1onando morbidade perinatal e mortalida- rícia colestática, com du ração superior a seis meses. mas
de significativas. A morre da mãe e do feto. aborto, parto com resolução da doença.
premacuro ou morre do recém-nascido na sala de parto
após o nascimento são complicações comuns da infe0-
ção pelo vírus Edurante a gestação. DIAGNÓSTICO
A maioria dos casos de hepatite E em países desen-
volvidos é procedente de regiões subdesenvolvidas. Nos Alte rações laboratoriais gerais
países desenvolvidos da Europa e América do Norte,
1 a 5% da população apresentam positividade para o As anormalidades laboramriais incluem elevação da
anri- HEV. Entretanto, não está esclarecido se a sorologia atividade das aminotransferases e, quando há icterícia. hi-
positiva em áreas não endêmicas reflete infecção anicté- perbilirrubinemia. A gama-glutamiltransfera se e a ativida-

Investigação laboratorial do paciente com hepat ite pelo HAV e hepat ite pelo HEV 591
de da fosfatase alcalina também podem estar alteradas. casos de hepatites de viajantes, mas os estudos epide-
A elevação das aminotransferases pode preceder o início miológicos naciona1s destacam a presença do vírus na
dos sintomas em até 10 dias e atinge o pico máximo no população brasileira. Em gestantes, seu diagnóstico deve
final da primeira semana da doença. A magnicude dos ser priorizado. uma vez que a morbidade nesse grupo é
níveis de elevação da atividade das aminouansferases não muim alta.
se correlaciona com a gravidade de lesão hepática. O nú- O tratamento da hepacice E é semelhante às ouuas
mero ele leucóciws pode ser normal. existir leucopenia formas de hepatite virai e nen huma medida específica
discreta ou linfociwse relativa. Os testes de função hepá- é necessária. Os pacientes com hepatite fu lminante ne-
tica rewrnam ao normal por volta de seis semanas. cessitam de cuidados de terapia intensiva e avaliação de
O diagnóstico inicial de hepatite aguda é baseado no transplante hepático.
quadro clínico e na elevação das aminorransferases, en- A vacina específica para HEV ainda não está dispon í-
quanto que o diagnóstico de hepatite Esó pode ser con- vel. Existem estudos em andamenm da vacina conjugada
fi rmado pela sorologia específica. Nas áreas endêmicas, a para o vírus E, acreditando-se que o vírus seja somente
epidemiologia pode ser útil; a evidência de transmissão de um sorotipo. As medidas preventivas mais eficazes
fecal-oral. alta mortalidade entre mulheres grávidas e a são o acesso à água de fonte segura, com medidas san i-
maior incidência em adultos jovens são indicadores de tárias adequadas.
surw de hepatite por HEV.
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lgM, que desaparece em mrno de quatro a cinco meses;
lence and severity of acure virai hepamis and fulm1nanr
o anti-HEV lgG permanece por poucos anos. O anti-HEV hepatitis du ring pregnancy: a p rospectlve swdy from
lgM tem sido detectado em mais de 90% do soro obtido norrh lndia. lndian J M ed Microbial. 2003;21:1 84-5.
de pacientes após uma semana a dois meses de início li. Brundage SC. F1tzparrick N . Hepatit is A Am Fam Physi-
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5. Clemens A SC. Fonseca JC. Azevedo T. Cavalcanti A, Sil-
Entretanto, a sorologia pode ser negativa em alguns pa- veira TR, Cast ilho MC. et ai. Soroprevalência pa ra hepa-
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lescença. A identificação do vírus pelo mémdo de PCR é
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possível, embora pouco acessível na prática clínica. rologia em pediat ria - diagnóstico e tratam ento. Rio d e
Embora o ami-HEV lgG seja mais duradouro que o anti- janeiro: Medsi: 2003. p. 479-91
HVE lgM, alguns pacientes já têm o anti-HEV lgG negativo 7. Fujiwara K, Yokosuka O, lmazek1 F, Mi k1 M, Su zuki K,
Oki ra K, et ai. A nalysis o f hepat itis A ví rus p rotein 2B in
após seis a 12 meses depois da infecção. A persistência vari-
sera of hepamis A of vanous sevenCies. J Gastroenrerol.
ável do ami-HEV lgG dificulta a determinação da freqüên- 2007A2:560-6.
cia da exposição prévia do vírus e levanta a possibilidade de 8. Gendrel D, Launay O, Moulin F, Larnaudie S. Hau I, Lau-
reinfecção após desaparecimento dos anticorpos. renr C. et ai. Prophylaxis for com acrs of an index case
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delphla: Lippinco tt-Raven; 1999. p. 849-60.
exames sorológicos na rede pública dificulta a detec-
ção de casos. Seu diagnóstico ainda está localizado aos

592 ( Medicina laboratorial para o clínico


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Investigação laboratorial do paciente com hepatite pelo HAV e hepatite pelo HEV 593
Eliane Lustosa Cabral Gomez
46
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM HEPATITE
PELO HBV E PELO HDV

HEPATITE PELO HBV lipoprotéíco, cujo principal amígeno é o HBsAg (amígeno


de superfície), que envolve uma partícula cenual composta
O vírus da hepatite B (HBV) foi o primeiro vírus cau- do an tígeno denom1nado core (HBcAg). Este último encerra
sador de hepatite a ser identificado. Em meados dos o DNA virai (HBV-DNA). a DNA polimerase e o amígeno
anos 60, o antígeno Ausuália foi descoberro e subse- "e" (HBeAg) que só é detectável quando ocorre replicação
qüentemente associado à hepatite. Em 1970, a panícu- virai. Além dessa partícula completa, duas outras menores,
la virai (partícula de Dane) foi visualizada e nos anos 80 com 22 nm, formaLo esférico e tubular, comendo apenas
o genoma do HBV foi seqüenciado, uma vacina segura o HBsAg. podem ser encontradas. enrretamo. embora
e eficaz fo1 cnada e tratamentos foram instituídos. Ao imunogênicas. não são 111fecrames. po1s não possuem
mesmo tempo, testes diagnósticos foram desenvolvidos, o DNA do vírus B. Quando se pesquisa o HBsAg. todas
permitindo compreender-se a história natural da doen- essas três partículas são detectadas, o que explica por que
ça e sua associação com o heparocarcinoma primário. o HBsAg não se correlaciona com infecrividade. Todos os
Desde então, novos avanços vêm sendo alcançados no anrígenos descritos geram amicorpos que, em conjunto,
emend1memo do vírus e da infecção e no desenvolvi- são utilizados para o diagnóstico, permi tindo acompanhar
mento de novos tratamentos e vacinas mais eficazes. A sorologicameme a evolução da doença. A Figura 46.1
despeiro de rodo esse esforço, quase três décadas após a apresenta o esquema da partícula de Dane e o sistema de
Introdução da vacina, anualmente cerca de meio milhão anrígenos e amicorpos utilizados.
de pessoas morre em decorrência de doenças hepáticas Até o momemo. oiro genóripos. A-H, que d1ferem
crónicas associadas à infecção pelo vírus da hepatite B, em mais de 8% em sua seqüência foram Identificados.
incluindo cirrose e heparocarcinoma. Os genótipos podem ter pacogenicidade e epidemiolo-
gia diferences, o que tem sido escudado.

ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO


EPIDEMIOLOGIA E FORMAS DE TRANSMISSÃO
AGENTE ETIOLÓGICO
Cerca de dois bilhões de pessoas - um terço da po-
O HBV é um vírus DNA. membro da família pulação mundial - têm evidência sorológica de exposi-
hepadnavmdae. Possui forma de dupla concha, tem 42 ção ao HBV e aproximadamente 350 milhões delas apre-
nm de diâmetro e é composro de um invólucro externo sentam a forma crónica de infecção pelo vírus.
HBV namia, amalgia, febre, náusea, vômiw, inapetência, dor
epigáscrica seguida do escurecimento da urina, clarea-
memo das fezes e surgimento da icterícia. Nesta fase es-
tão presentes as alterações bioquímicas e os marcadores
HBsAg sorológicos. Em alguns indivíduos a doença cursa sem ic-
(Porlicuio compleoc) terícia, em outros, muito raramenre, predomina a icterí-
cia, a chamada forma colestática, que pode se prolongar
HBcAg*
(we - cemel por oiro a 29 semanas, com completa recuperação.

HBeAg
DNA {orooe'r<> el
DNA • HBcAg não é deroc16vel no sangue
TRANSMISSÃO VERTICAL

Figura 46.1 - Representação esquemática do HBV - antígenos e O perfil sorológico materno ao nascimento é um im-
anticorpos ucthLados para o diagnóstico e acompanhamento.
portante fator de risco para a transmissão vertical. A pre-
sença do HBeAg com níveis elevados de HBV-DNA está
O Ministério da Saúde estima que pelo menos 15% associada a risco aumentado de transmissão (70 a 90%aos
da população brasileira já tiveram comaco com o HBV seis meses de idade) e evolução para a infecção crônica (i
e que os casos crônicos representem 1% da população. 90%). Quando a mãe é HBeAg negativo, o risco de infec-
Como em codo o mundo, no Brasil há grande variação ção pennatal vana de 10 a 40%. As cnanças nasc1das de
regional na prevalência da infecção com áreas de alta mães HBsAg positivo que não adquirem a infecção pelo
prevalência. como na Bacia Amazônica, e prevalência HBV ao nascimento permanecem em risco elevado de se
1ntermed1ár1a e ba1xa, como no Sudeste. A maior1a das infectar até os cinco anos de idade. A identificação das
pessoas desconhece seu estado de portador. mães HBsAg positivo é fundamental para prevenirem-se
O período de incubação é de 15 a 180 dias e a trans- as infecções perinatais e as que ocorrem até os cinco anos
missão se faz por diversas vias: parenteral (principalmen- de idade, através do uso da imunoglobulina e vacina. A
te através do uso de drogas injetáveis), vertical e, a mais combinação da imunoglobulina e vacina aplicadas nas pri-
1mportame delas atualmeme, sexual (hetero e homo). meiras 12 horas após o nascimento previne a transmissão
Em 37% dos casos. a fome de comág1o não é identifica- perinatal do HBVem aproximadamente 95% dos casos.
da. Devido às medidas de prevenção adoradas (sorologia
em gestantes e vacinação), a incidência da infecção agu-
da vem declinando ao longo do tempo. PROFILAXIA
O nsco de evolução para a forma crônica é maior quanto
menor for a idade do paciente no momento em que ele adqui- Em vários países onde programas de vacinação fo-
re a infecção pelo HBV, variando de 5 a 10% nos adultos, 30% ram adorados, pôde-se verificar o declínio da infecção
nas crianças de um a cinco anos, a 90 a 95% nos neonatos. pelo HBV e suas conseqüências, como, Taiwan, Itália,
Alasca e África do Sul.
A vaCina é de alto poder imunogênico e destituída
APRESENTAÇÃO CLÍNICA de efeitos colaterais importantes. Administram-se três
doses em 1njeções intramusculares, no músculo dekól-
A mfecção pelo HBV. na maioria dos casos, é subclínica, de (zero, 30 e 180 dias). No recém-nascido, administra-se
passando despercebida. Geralmente o diagnóstico é feito a primeira dose nas primeiras 12 horas para evitar-se a
na triagem de doadores de sangue ou quando já em fase transmissão vertical. A vacinação está indicada nos gru-
avançada da doença crônica. Apenas 25 a 30%dos pacien- pos de r~sco e quando há história de comato sexual e
tes cursam com hepatite aguda clinicamente evidente. familiar e na criança no primeiro mês de vida, já fazen-
Na forma aguda típica, os stnais hepáticos são prece- do parce do calendário oficial de vacinação brasileiro, da
didos por manifestações prodrômicas inespecíf1cas: adi- criança e adolescente até os 19 anos.

596 ( Medicina laboratorial para o clínico ]\-- - -- -- - - - - -- -- - -- - - - - -- -- - - - - -


DIAG NÓSTI CO SOROLÓG ICO
A imunoglobulina humana anri-HBV é adm inistrada
quando há risco imineme de contaminação, em indiví-
duos não vacinados, como no recém-nascido de mãe Rocineiramenre, se1s marcadores sorológicos estão
portadora do HBV e vítima de exposição acidental a disponíveis, podendo ser utilizados para o diagnóstico
sangue de portador do HBV. de hepatite aguda e crónica, para o acompanhamento e
avaliação de pacientes com a forma cônica, bem como
para auxiliar na indicação e monirorização do tratamen-
EXAMES LABORATORIAIS tO. São eles: o HBsAg e seu anticorpo, o ami-HBs; o HBe-
NA INFECÇÃO PELO HBV Ag e seu anticorpo, o anti-HBe; o anci-HBc lgM e o anti-
HBc rotai (o amígeno HBcAg não é utilizado por não ser
ALTERAÇÕES LABORATORIAIS GERAIS detectável no sangue, somente no fígado).

As alterações b1oquímicas são comuns a codos os ti-


pos de hepatite wal. não permitindo distinguir um tipo HBsAg (antígeno de superfície do vírus B)
do outro.
Nas hepatites agudas por vírus ocorrem os maio- O HBsAg é detectável tanto na infecção aguda quan-
res aumentos das aminouansferases, que alcançam tO na crónica. Sua presença indica infecção em curso.
níveis geralmente 20 vezes superiores ao maior valor O HBsAg não é adequado para avaliar infecrividade ou
de referência (MVR), podendo chegar a 100 vezes. Ca- replicação virai e seus níveis não podem ser correlaciona-
racterisncameme, há o predomínio da alan ina amino- dos com a atividade da doença no tecido hepático.
uansferase (ALT) sobre a asparcaco aminocransferase O HBsAg é o primeiro marcador sorológico a apare-
(AST). A elevação das aminmransferases é a primeira cer. podendo ser detectado uma a duas semanas após
alteração detectável e geralmente precede a hiperbi- exposição ao vírus, estando geralmente presente quan-
lirrubinemia e pode, em alguns casos. se prolongar por do os sintomas se manifestam. Na infecção aguda, au-
mais de três meses. tolimirada, desaparece na fase de convalescença, dois a
Quando presente, a hiperbilirrubinemia é predomi- quauo meses após seu surgimento. Na hepatite aguda
nantemente à custa da bilirrubina direta e raramente ul- fulminante. pode estar ausente, pois nessas circunstân-
trapassa a quatro semanas. Nas formas colestáticas per- cias ocorre seu rápido clareamento, inclusive com surgi-
sistentes, a bilirrubina direta se liga à albumina, formando mentO do anti-HBs em alguns pacientes.
a chamada bilirrubina delta, que passa a rer a meia-vida A persistência do HBsAg por mais de seis meses é
da albumina, aproximadamente 21 dias, e não é mais o critério utilizado para definir a infecção crónica. Em
excretada pelo rim. Isco vem explicar pacientes com hi- pacientes com a forma crónica da hepatite, pode ocor-
perbilirrubinemia direta sem hiperbirrubinúria durante a rer o clareamento espontâneo do HBsAg, com ou sem
fase de convalescença da sua doença e pacientes com aparecimento do anri-HBs, em taxas que variam de 0,4
recuperação clínica satisfatória com declín io mais demo- a 2,0% ao ano. Esses pacientes devem ser avaliados com
rado dos níveis de bilirrubina di reta do que o esperado. cautela. tendo em vista a possibilidade de persistência
A fosfatase alcalina e a gama-glutamiltransferase não do HBV-DNA com manutenção da replicação virai em
apresentam elevações importantes, salvo se ocorre co- baixos níveis em alguns deles.
lesrase significativa.
Na forma crónica, a elevação das aminotransferases
é geralmente menor que cinco vezes o maior valor de HBeAg (antíge no "e" do vírus B)
referência, podendo, inclusive, estar dentro do valor de
referência. Há predomínio da AST sobre a ALT. O HBeAg é geralmente detectável uma semana depois
As formas fulminantes são caracterizadas por quedas do surgimentO do HBsAg. Na infecção aguda aurollm1tada,
bruscas dos níveis das aminmransferases, acompanhadas desaparece em rorno de duas a seis semanas após. A sua
por elevações das bilirrubinas. persistência, decorridas oiro a 10 semanas, sugere forre-

Investigação Laboratorial do paciente com hepatite pelo HBV e pelo HDV 597
meme a possibilidade de evolução para a forma crônica. A Nos pacientes que evoluem para infecção crônica, o
pesquisa do HBeAg só se justifica se o HBsAg for positivo. anti-HBc lgM pode persistir positivo em baixos títulos
A existência do HBeAg indica replicação virai imen- que. no entanto, não são detectáveis pelos métodos roti-
sa, que se correlaciona com alta infectividade e doença neiramente utilizados. o que garante sua utilização como
ativa no fígado. A pesquisa do HBeAg tem s1do usada marcador de rnfecçào aguda.
para separar, sorologicamente, os pacientes com infec-
ção crónica (HBsAg positivo) em dois grupos: a) HBeAg
positivo, que geralmente à biópsia apresentam hepatite Anti-HBc total (anticorpos totais contra o
crônica ativa e são denominados portadores de hepati- antígeno core do vírus B)
te B crônica ativa; e b) HBeAg negativo. que geralmente
não apresentam acividade inflamatória significativa no O ami-HBc mcal é o melhor marcador de exposição
fígado nem elevação das aminotransferases e são assin- ao vírus B e o marcador de escolha para estudos epide-
tomáticos. os chamados portadores "inativos". miológicos. pois está presente canto na infecção aguda
Alguns pacientes fogem a essa regra; embora HBe- quanto na crônica e nos pacientes que se recuperam
Ag negativo (alguns inclusive anti-HBe positivo), têm completamente da doença.
HBV-DNA > 20.000 IU/m L. ALT elevada. persistente ou É freqüente o encontro do anti-HBc isolado, sem ou-
intermitentemente e apresentam doença hepática ativa. tros marcadores sorológicos para hepatite B. Esse achado
geralmente com evolução desfavorável e pior resposta pode ser acribuído a resulcados falso-positivos ou à Infec-
ao tratamento. Verificou-se que isto era devido a uma ção pregressa em paoemes que não produzem resposta
mutação que impedia a produção do HBeAg. Esses pa- detectável de ami-HBs. mas também pode ser dev1do
cientes passaram então a integrar um terceiro grupo de à infecção crónica em curso. Oucra situação em que o
pacientes com a doença crônica. chamado de portado- anti-HBc isolado ocorre é nos pacientes infectados com
res de hepatite B crônica aciva HBeAg-negacivo. O qua- o vírus da hepatite C. A pesquisa do HBV-DNA ajuda a
dro 46.1 apresenta esses crês grupos. esta belecer ou excluir a infecção pelo HBV.
Os pacientes HBeAg negativo, anti-HBe positivo ou
não, devem periodicamente ser acompanhados com
a ALT. Aqueles com quadro clínico e/ou laboracorial Anti-HBe (anticorpo contra o antíge no "e" do vírus B)
sugestivo de doença at1va podem ser portadores do
vírus mutante. O anti- HBe geralmente é detectável logo após o
Nos paoentes com hepatite crôn1ca ativa, a taxa anu- desaparecimento do HBeAg. O surgimento do anti-
al de soroconversão espontânea do HBeAg para anci- HBe é um evento favorável. tanto na mfecção aguda
HBe varia de 2.7 a 27%. quanto na crônica. Na infecção aguda, indica que a
doença entrou em fase de resol ução. Geralmente, seu
aparecimento coincide com o declínio dos níveis de
Anti-HBc lgM (anticorpo lgM contra o HBsAg nos pacientes que se recuperam completa-
antígeno core do vírus B) mente da infecção aguda. Persiste detectável por um
a dois anos. Alguns indivíduos não desenvolvem níveis
A existência do anci-HBc lgM 1ndica 1nfecção aguda. dececcáve1s de anr1- HBe.
O ant1- HBc lgM é o primeiro anticorpo detectável que Nos pacientes com hepatite crónica, a presença do
aparece junco ou pouco ames da elevação das amino- ami-HBe é geralmente associada ao chamado estado de
cransferases e persiste por seis a 12 meses se ocorre co- portador "inacivo", em que o paciente apresenta discreta
tai recuperação da doença. Na ocorrência da chamada ou nenhuma atividade de doença no fígado, baixa in-
"janela imunológica" (intervalo entre o desaparecimento fectividade e não há replicação virai. exceção feita aos
do HBsAg e o aparecimento do anti-HBs) e nos pacien- pacientes portadores do vírus mutante não secretor de
tes com hepatite aguda fulminante, junco com o ami- HBeAg e nas reacivações que geralmente ocorrem em
HBc total podem ser os únicos marcadores detectáveis. paCientes 1munossuprim1dos.

598 ( Medicina laboratorial para o clínico


Quadro 46.1 - Infecção crônica pelo vírus B

Hepatite B crônica Estado de portador Hepatite B crônica ativa


oliva "inativo" HBeAg-negativa (vírus mutante)
HBsAg positivo > 6 meses positivo > 6 meses po sitivo > 6 meses

HBeAg positivo negolivo negativo

ALT elevado* no valor d e referência elevad a*

HBV-DNA > 20.000 IU/ ml < 2.000 IU/ ml > 20.000 IU/ ml
Fígodo hepatite em o tividode pouco ou nenhuma a tividade inflamatória hepatite em alividode

'A ALT pode esw elevada. perSIStente ou 111cerm1tentemente

Anti-HBs (anticorpo contra o antígeno (PCR). a mais utilizada, entre outras; b) técnicas sem am-
de superfície do vírus B) plificação prévia do DNA. também referidas como clássi-
cas, com poder de detecção apenas de quantidades supe-
O anti-HBs é um anticorpo protecor, neutralizante e, na riores a 105 cópias/ml, como o slot/dot blot, a hibridização
maioria dos casos, indica recuperação da infecção e im u- líquida e a captura híbrida. Mais recentemente, foram de-
nidade. Embora o anti-HBs seja produzido precocemente senvolvidas modificações que permitem amplificar o sis-
na infecção aguda, é o último anticorpo a ser detectável, tema de detecção utilizado nas técnicas sem amplificação,
em função da grande quantidade de HBsAg, que impede a fim de aumentar seu poder de detecção, que passou
sua detecção, o que resulta na chamada "janela imunoló- para quantidades superiores a 5 x 103 cópias/ml e que são
gica" (intervalo entre o desaparecimento do HBsAg e o referidas como técnicas com amplificação do sinal. como
aparecimento do anti-HBs). Com o desenvolvimento de a ramificação do DNA (bDNA- branched DNA) da Bayer e
reagentes cada vez mais sensíveis para a detecção do HB- a captura híbrida de segunda geração da Digene.
sAg e do anti-HBs, a tendência é de que seja cada vez mais As técnicas com amplificação do sinal são mais re-
raro observar-se a ocorrência da "janela imunológica". produzíveis e apresentam melhor padronização do que
Após vacinação, com as atuais vacinas compostas apenas a PCR que, por sua vez, possui mais poder de detecção,
de HBsAg, é o único anticorpo presente. embora ap resente tam bém o maior coeficiente de varia-
Aproximadamente 5 a 15% dos pacientes que se re- ção, estando sujeita a diversas interferências. Uma evo-
cuperaram clínica e laboratorialmente da doença não lução da técnica de PCR, chamada PCR em tempo real
apresentam anti-HBs detectável, mesmo quando esti- (Real Time PCR), que detecta o DNA simultaneamente
mulados pela vacina. à sua amplificação, é mais sensível e amplia a faixa de
Alguns raros pacientes, tanto com infecção aguda detecção do HBV-DNA.
quanro crónica, ap resentam concomitantemente o HB- A maioria dos esrudos sobre o HBV-DNA foi rea-
sAg e o anti-HBs. O anti-HBs é geralmente dirigido para lizada utilizando-se as técnicas clássicas que possuem
um subdeterminante diferente do HBsAg. Esse fato se poder de detecção muito mais baixo do que os das
correlaciona com replicação virai e inflamação ativa. novas técnicas. Conseqüentemente, grande parte do
conhecimento acerca da cinética virai e sua relação
com a clínica foi obtida com essas técnicas. Baseado
DIAG NÓSTICO MOLECULAR nesse conhecimento, em uma conferência do National
lnstitute for Health (N IH) de 2000 foi estabelecido ova-
As técnicas moleculares para a detecção e quantifi- lor de HBV-DNA superior a 20.000 IU/m l (1 05 cópias/
cação do HBV-DNA podem ser divididas em dois ti pos ml) como critério diagnóstico para hepatite crónica
básicos: a) técnicas com amplificação prévia do DNA. com ativa, que está sendo utilizado até o momento. Entre-
poder de detecção de quantidades tão pequenas quanco tanto, existem trabalhos demonstrando doença ativa
10 cópias/ml, como a reação em cadeia da polimerase e cirrose em níveis de HBV-DNA inferiores a 20.000 lU/

Investigação Laboratorial do paciente com hepatite pelo HBV e pelo H DV 599


ml e que nos pacientes com hepatite crônica ativa po- De acordo com o Ministério de Saúde, o acompanha-
dem ocorrer variações significacivas nos níveis do HBV- memo clínico de pacientes com hepatite B aguda deve
DNA. Hoje, o maior desafio na utilização das técnicas compreender consultas médicas quinzenais no primeiro
moleculares, na infecção pelo HBV, é definir qual nível mês e consultas mensais até a resolução do quadro. De
de HBV-DNA se associa à doença hepática crônica ati- modo geral, o quadro se resolve em um período inferior
va e com resposca ao uatamenw. a três meses. Pacientes que persistem com evidências
Ourros achados obtidos a partir da ucilizaçào das técnicas de replicação virai (HBeAg positivo) após o terceiro mês
moleculares de maior poder de detecção merecem atenção: têm maior probalidade de desenvolverem formas crôni-
• a ucilização da PCR, seja quamicaciva, seja quali- cas e devem ser encaminhados a serviços de referência. A
tativa, tem levado à detecção do HBV-DNA em constatação da resolução da infecção é feita pela detec-
maior número de casos não deteccados pelos ou- ção do anti-HBs, indicador de recuperação e imunidade,
tros mécodos, em que há doença ativa e nos quais associada à negativação do HBsAg, que ocorre cerca de
o paciente poderia talvez se beneficiar do trata- seis meses após a contami nação.
mento. Por outro lado, a PCR tem também detec-
tado o HBV-DNA em diversas circunstâncias não
relacionadas à doença ativa, inclusive em pacien- INFECÇÃO CRÔNICA PELO HBV
tes considerados plenamente recuperados clínica,
bioquímica e sorologicamenre (HBsAg negativo, O critério para o diagnóstico de infecção crônica é
anti-HBs positivo) da infecção aguda; a persistência do HBsAg por mais de seis meses. A pes-
• o HBV-DNA é positivo quando se utiliza a PCR quisa de HBeAg, a dosagem da ALT e a quantificação
qualitativa na maioria dos pacientes HBsAg posi- do HBV-DNA permitem separar esses pacientes em três
tivo e também pode ser detectado em pacientes grupos (Quadro 46.1).
com hepacocarcinoma e que são soronegativo ou O HBeAg associado à elevação de ALT (> 2 X MVR)
apresentam anti-HBs e/ou ami-HBc; sugere hepatite crônica ativa, enquantO que o HBeAg
• os resultados obtidos com técnicas diferen- negativo associado à ALT nos valores de referência é
tes não são comparáveis. Numa tentativa para compatível com o estado de portador inativo, no qual
equipará-las a Organização Mundial de Saúde há pouca ou nenhuma atividade inflamatória no fígado.
(OMS) estabeleceu um padrão internacional Já a ALT elevada em pacientes HBeAg negativos leva à
para o HBV-DNA, expresso em unidades inter- suspeita de doença ativa, que ocorre nos portadores do
nacionais (lU), que todos os reagentes devem vírus mutante (Figura 46.3).
adorar para expressar a quantidade de HBV- Atualmente, a American Association for the Study
DNA por mililiuo (IU/ml). of Liver Diseases (AASLD) recomenda que os pacientes
HBeAg negativo com ALT alterada devam ser acompa-
A detecção qualitativa do HBV-DNA por PCR tem nhados com a dosagem da ALT e quantificação do HBV-
sido utilizada para monicorização de reinfecção pelo ví- DNA a cada três a seis meses. Níveis de HBV-DNA >
rus B após transplante hepático, para avaliação de pa- 20.000 IU/ml são compatíveis com infecção crônica ati-
cientes com hepatite crônica soronegativo ou com pa- va, o que sugere a existência do vírus mutante. Níveis de
drões sorológicos não habituais. HBV-DNA entre 2.000 IU/ml e 20.000 IU/ml com ALT
elevada (entre 1 c 2 x MVR) devem ser acompanhados
a cada três meses e, se persistirem, deve-se considerar
UTiliZANDO OS MARCADORES a possibilidade de biópsia para orientar conduta quan-
to ao tratamento. Níveis de HBV-DNA < 2.000 IU/ml
INFECÇÃO AGUDA com ALT abaixo de 1x MVR devem ser acompanhados
a cada três meses no primeiro ano e, se não se alterarem
O diagnóstico de infecção aguda pelo vírus Bé feico pelo nesse período, devem ser acompanhados a cada seis a
ami-HBc lgM, com ou sem HBsAg detectável (Figura 46.2). 12 meses (Figura 46.3). Para mais aprofundamento nas

600 [ Medicina laboratorial para o clíni co )1------ - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - -


recomendações de 2007 da AASLD, sugere-se a leitura algumas supressoras, o que implica uso prolongado, e
da referência bibliográfica número 1. outras que buscam erradicar a infecção.
O clareamento do HBeAg pode ser precedido por Os parâmetros laboratoriais para avaliação inicial do
exacerbação do quadro de hepatite, manifestada pela paciente e indicação do tratamento são o HBeAg, a ALT
elevação da ALT Os portadores inativos devem ser pe- (> 2 x MVR) e a concentração do HBV-DNA (> 20.000
riodicamente acompanhados com a dosagem da ALT, IU/ml). Os pacientes HBeAg positivo, antes de iniciar-se
tendo em vtsta a possibilidade de reativação. o tratamento, devem ser acompanhados por três a seis
meses para verificar se ocorre soroconversão espontâ-
nea: HBeAg para anti-HBe.
TRATAMENTO - INDICAÇÃO E A resposta ao trat am ento, sob o ponto de vista la-
MON ITORIZAÇÃO DA RESPOSTA (AASLD) boratorial, está estabelecida para os pacientes HBeAg
positivo e é definida como o clareamento do HBeAg
Arualmente, dtversas drogas e regimes (dose e dura- (com ou sem aparecimento do anti-HBe), negativação
ção) para o tratamento da infecção pelo HBV estão dis- do HBV-DNA por PCR e retorno da ALT aos valores de
poníveis. A escolha dependerá de fatores relacionados ao referência. Nos pacientes HBeAg negativo, sugere-se o
paciente e ao risco/benefício de cada terapêutica, sendo uso da negativação do HBV-DNA por PCR.

Infecção em Infecção em curso* Convalescença Convalescença Ausência de Compatível


curso Ba ixos infectividode Janelo Considere infecção em com infecção
Replicação e replicação virai Imunológica recuperação curso pelo HBV. crônica.
virai e alta Acompa nhe com Acompanhar** e imunidade Atenção para (vide algortirno
infectividade HBsAg após doto provável paro infecção
Repetir após 8 8 semanas do contoto e crõnica
semanas se período de fig 46-31
HBsAg (+I incubação

• Nem lodos os portentP• nesenvolvem níveis deteclóvetS de a nli·HBe. Quando presente, tndica que o infecção está em processo de resolução
' • 5o 15% dos paetentes nàc aoresentam an11·HBs detec1óvel
Figura 46.2 - Algommo para dtagnósrico e avaltação de infecção aguda.

Investigação Laboratorial do paciente com hepatite pelo HBV e pelo HDV 601
Hepatite crónica oliva
Replicaçóo virai
lnfectividade

Provável portador
"inativo"( l).
Acompanhar a
cada 3 a 6 meses

VR = Valor de Referência
(1) HBV-DNA < 2.000 IU/ ml.
Se houver indícios de hepatite
Portador de hepatite Acompanhar níveis
crónica oliva, quantificar HBV-DNA
crônica oliva de ALT e HBV-DNA
N os pacientes HBeAg negativos o
HBeAg-negativa a cada 3 a 6 meses
anti-HBe pode ser positivo ou negativo

Figura 46.3 - Algoritmo para avaliação de infecção crônica.

Ouuo objerivo a ser atingido é a perda do HBsAg ou


ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS E APÓS VACINAÇÃO
soroconversão para ami-HBs. que quando ocorre se diz
que houve resposta completa. Embora a negarivação do Pa ra avaliação epidemio lógica, uti lizar o am i-
HBsAg se associe à maior sobrevida e mais baixo risco HBc wral.
de desenvolyimenco do hepawcarcinoma nos pacientes Recomenda-se verificar a resp osra à vacinação um
com cirrose, necessariamente não significa que a erradi- a dois meses após o seu término, ut ilizando o ami-HBs
cação virai renha eferivamente ocorrido e que o paciente quantitativo, sendo os níveis acim a de 10 m UI/mL consi-
esteja livre de complicações futuras decorrentes da in- derados prmewres.
fecção pelo HBV.

CONSIDERAÇÕES GERAIS
INFECÇÃO PREGRESSA
Embora o ami-H Bc lgM possa estabelecer o
O diagnóstico de infecção pregressa é feiro pelo d iagnóstico de infecção aguda, recomenda-se utili-
achado de ami-HBc coral e anti-HBs. na ausência do HB- zar inicialmente o ami-HBc lgM e o HBsAg, ramo
sAg e do anti-H Bc lgM. na susp eira de infecção aguda quanto de crónica. A
verificação d e ami-H Bc lgM, com o u sem H BsAg, es-

602 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1--- - - - -- - - - -- -- - - -- -- - -- -- - -- - --


rabelece o diagnóstico de infecção aguda, enquamo Mediterrâneo, América do Sul, Oriente Médio, Oes-
que a ausência do anti-HBc lgM diante de HBsAg te da África e certas ilhas do Pacífico Sul. Na Grécia e
sugere infecção crónica. Irá lia era endêm ica. acometendo principa lmente crian-
A pesquisa do HBeAg só rem indicação quando o ças e adultos jovens. Com a melhoria das condições
HBsAg é positivo. socioeconômicas, as medidas de prevenção adoradas
O HBeAg é um marcador de replicação virai, correlaCio- comra a AIDS e a insriruição de campanhas de vacina-
nando-se com arividade de doença hepática. já o HBsAg ção contra o HBV, a incidência da infecção pelo HDV
não é marcador de replicação virai. nem se correlaciona com sofreu importante declínio. Estima-se que, no mundo,
atividade de doença hepática. sendo apenas um marcador aré 5% dos portadores do HBV renham superinfecção
de infecção em curso. que pode ser crônica ou aguda. pelo HOV. No Brasil. não é comum. exceto em alguns
O anti-HBc roral é um marcador de exposição ao locais da Amazônia. resuitos aos vales dos rios Juruá.
HBV, estando presente na infecção aguda, crónica e após Purus, Madeira e Tapajós.
a recuperação. As principais vias de transmissão são a parenteral e se-
xual. em que ocorre exposição percurânea e permucosa
ao sangue e fluidos corporais contaminados. A transm is-
HEPATITE D são inrrafamiliar era comum e provavelmente associada
às condições pobres de higiene. Nas áreas endêmicas. é
a principal causa de hepatite fulminante, principalmente
Em 1977, o vírus da hepatite D (HDV) foi 1dentif1cado na supennfecção do portador do HBV.
por Rizzerro et ai. através da imunofluorescência, no te-
cido hepático de pacientes com hepame B crónica.
FORMAS DE INFECÇÃO E APRESENTAÇÃO CLÍNICA

ASPECTOS RElEVANTES DA INFECÇÃO A infecção pelo vírus D pode ocorrer de duas for-
mas: co-infecção - infecção simultânea pelo HBV e
AGENTE ETIOLÓG ICO HDV; e superinfecção - portador crónico de HBsAg
é infectado pelo HDV. Uma terceira forma de Infec-
O HDV é um pequeno vírus RNA defecrivo, único repre- ção foi descrita, ocorrendo após cransplante de fígado.
semanre da família deltavmdae que, para sua expressão e para quando o HDV infecta o fígado cransplantado antes
induzir hepatite, depende da existência do vírus da hepatite da infecção pelo HBV e é chamada de infecção subclí-
B. ln v1vo, o HDV infecta apenas o hepatóoro, onde pode se nica ou latente pelo HDV.
replicar na ausência do HBV. que é necessário na formação O período de incubação é o mesmo da hepacire B
de seu invólucro. O HDV é consriruído por uma cobertura no caso de co-infecção, sendo menor na superinfecção.
externa composta de amígeno de superfície do HBV (HBsAg) Em geral. a co-infecção resulta em hepatite aguda aum-
e lipídeos, que comêm o RNA e o anrígeno delta (HDAg). limltada, com menos de 7% dos casos evoluindo para a
Três genóripos foram descriws: I, 11 e III, que diferem em sua forma crónica. enquanto a superinfecção resulta em exa-
distribuição geográfica e parogenicidade. O genótipo li se as- cerbação do quadro existente e evolução para a forma
socia à doença com melhor curso, enquanro que o genóripo crónica da hepatite D em mais de 70% dos casos. Cerca
III rem s1do assoc1ado a uma forma de hepatite mais grave e de 70 a 80% das infecções crónicas evoluem para mrose.
freqüenrememe fulmmame. O genótipo mais comum é o I. A co-infecção costuma apresentar curso bifásico, com
dois picos de necrose hepática, separados por algumas
semanas. cada um deles associado a um dos vírus. No
EPIDEMIOLOGIA E FORMAS DE TRANSMISSÃO caso da superinfecção, a apresentação clínica dependerá
se o portador do HBV rem doença ativa ou não. De qual-
A 1nfecção pelo HDV rem sido enconrrada em codo quer forma, o risco de hepatite fulminante é elevado.
o mundo, sendo mais prevalente em torno do mar

Investigação Laboratorial do paciente com hepatite pelo HBV e pelo HDV 603
EXAMES lABORATORIAIS NA meses nas infecções autolimitadas. A persistência do ami-
INFECÇÃO PELO H DV HDV lgM e do HDV-RNA alerta para possível evolução
para a forma crônica. Em geral. os títulos de anti-HDV
As alterações bioquímicas são comuns a todos os total são caracteristicamente baixos e não duradou ros.
vírus causadores de hepatite, entretanto, na co-infecção
pelo HDV/HBV, podem ocorrer dois picos de elevação das
aminotransferases associados à necrose hepática produzi- SUPERI NFECÇÃO - HDV/HBV
da pelos vírus, que ocorrem em momentos diferentes.
O diagnóstico de infecção pelo vírus D é muitas ve- O diagnóstico é feito pelo achado de anti-HDV lgM
zes difícil e na prática depende da forma de infecção, e/ou HDV-RNA e HBsAg. O anti-HBc lgM é negativo.
baseando-se na detecção de anticorpos para o HDV e de Essa forma de infecção é caracterizada pelo desen-
marcadores sorológicos do HBV, e quando disponível. na volvimento precoce de anti-HDV lgM e lgG, em títulos
pesquisa do HDV-RNA (Figura 46.4). A detecção do amí- sustentados. O HDV-RNA é detectável antes do surgi-
geno do vírus D (HDAg) é pouco utilizada na prática. mento dos anticorpos. Quando há resolução completa
da doença, o que é pouco comum, o anti-HDV e o HDV-
RNA desaparecem. Usualmente, há evolução para infec-
ção crônica, com persistência desses marcadores.
O HDV-RNA correlaciona-se com replicação virai e
doença hepática ativa. Nos pacientes que apresentam res-
posta sustentada ao tratamento, torna-se indeteccável.
O anti-HDV total em altos tícu los pode ser devido à
infecção crônica pelo vírus D (HDV-RNA é positivo) ou à
infecção pregressa; neste caso, o anti-HDV lgM e o HDV-
RNA estão ausentes.

Figura 46.4 - Infecção aguda pelo HDV (padrões habituais). CONSIDERAÇÕES FINAIS

Só se faz o diagnóstico de infecção pelo HDV em pa-


CO-INFECÇÃO- HDV/HBV
cientes infectados pelo HBV. sendo: co-infecção quando
o anti-HBc lgM é positivo; e superinfecção quando HB-
O diagnóstico é feito pela verificação de ami-HDV lgM sAg é positivo e o anti-HBc lgM é negativo.
e/ou HDV-RNA, na presença de ami-HBc lgM; o HBsAg O diagnóstico de co-infecção é mais difícil de se
pode estar presente ou não. Só se estabelece o diagnóstico estabelecer do que o de superi nfecção, porque na co-
de co-infecção quando se diagnostica infecção aguda pelo infecção os anticorpos para o HDV apresentam baixos
HBV em associação com infecção pelo HDV. O diagnósti- níveis, podem demorar a aparecer e são detectáveis por
co sorológico é difícil porque os anticorpos para o HDV se um curto período de tempo.
desenvolvem em baixos títulos e tardiamente. É necessária
a repetição seriada da pesquisa de anticorpos durante al- REFERÊNCIAS
gumas semanas, se há suspeita de hepatite D aguda e não
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se dispõe da pesquisa do HDV-RNA por PCR.
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O HDV-RNA é detectável ames do aparecimento dos 2. Broderick AL, Jonas MM. Hepatitis B in Children. Sem Liv
anticorpos e está presente transitoriamente no caso de Dis. 2003;23(1):59-68.
hepatite aguda autolimi tada. O anti-HDV lgM pode ser 3. Brasil. Ministério da Saúde. Hepatit es Virais: o Brasil está
atento. Brasília: M 1n1stér1o da Saúde; 2005.
deteccável duas a três semanas após o aparecimento dos
sintomas, raramente persistindo por mais de dois a três

604 ( Medicina la boratorial para o clínico )f-- - - - - - -- - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - -


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Invest igação Laboratorial do paciente com hepatite pelo HBV e pelo HDV 605
Eliane Lustosa Cabral Gomez
47
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM HEPATITE
PELO HCV

Em 1989, Choo et a/., utilizando técnicas molecula- 2,0% da população mundial. As prevalências mais altas
res, identificaram o vírus da hepatite C (HCV), cujo ge- fo ram relatadas em países da África e Ásia, sobretudo
noma foi clonado e seqüenciado e testes diagnósticos o Egito. As mais baixas estão na Alemanha (0,6%) e Ca-
foram posteriormente desenvolvidos. Hoje, sabe-se que nadá (0,8%). A Organização Mundial de Saúde (OMS)
a infecção pelo HCV é uma importante causa de doen- estima a prevalência no Brasil e grande parte da Améri-
ça crônica hepática, cirrose e hepatocarcinoma, sendo ca Latina entre 1,0 e 1,9%.
responsável por cerca de 50% dos transplantes hepáti- A pri ncipal via de transmissão do HCV é a parente-
cos em adulcos nos países do Ocidente. ral. Até o advento dos testes de triagem sorológica em
bancos de sangue, o HCV era importante causador
de hepatite pós-cransfusional. Atualmente, a fonte de
ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO infecção pelo HCV mais importante é o uso de dro-
gas injetáveis ilícitas. Entretanto, em alguns países em
AG ENTE ETIO LÓG ICO desenvolvimento, agulhas e seringas contaminadas e a
transfusão ainda são a principal fonte de infecção. Nos
O agente causador da hepatite C é um vírus RNA da Estados Unidos e Austrália, o uso de drogas endove-
família jlaviviridae, do gênero hepacivirus. O vírus apre- nosas é relatado em 48 e 80% dos casos de infecção
senta heterogenicidade genômica e até o momento pelo HCV, respectivamente. A transmissão ocupa-
pode ser classificado em seis genótipos, designados pe- cional, vertical, sexual e por convívio domiciliar é de
los números de um a seis, subdivididos em numerosos ocorrência mais rara. Em uma parcela sign ificativa de
subtipos, denominados por letras do alfabeto. casos (10 a 70%), não se consegue definir a forma de
transmissão. No Brasil, a realização da triagem soroló-
gica para o HCV é obrigatória em bancos de sangue
EPIDEMIOLOGIA E FORMA DE TRANSM ISSÃO desde 1993, contudo, segundo dados do Ministério
da Saúde, entre os casos notificados entre 2001 e me-
A hepatite C parece ser endêmica em várias regi- ados de 2006 (n=54804), as fomes de infecção mais
ões do mundo, entretanco, sua distribuição geográfica relatadas são: a transfusão (13.9%), o uso de drogas
é muito variável. Segundo a mais recente estimativa da endovenosas (12,6%) e a via sexual (8,8%). Em 53,4%
OMS, a infecção pelo HCV afeta mais de 100 milhões dos casos o dado é relatado como ignorado ou não
de pessoas, o que corresponde a aproximadamente consta da nocificação.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA predomínio da alanina aminou ansferase (ALT) sobre
a aspartato aminorransferase (AST) é a alteração bio-
A infecção pelo HCV, na maioria dos casos, é assin- química característica que ocorre na hepatite aguda
wmárica, sendo surpreendida em exames de rocina, na causada por vírus. As alterações bioquímicas são co-
seleção de doadores em bancos de sangue ou em fase muns a rodos os tipos de hepatite virai. não permitin-
avançada, quando Já apresenca complicações decorren- do disringuir um ri po do ourro, emreramo, o aumenco
tes de doença crôn1ca. intermitente das aminocransferases sugere infecção
O período de 1ncubação varia de cinco a 26 semanas. pelo HCV. Como raramente a infecção aguda cursa
Menos de 1% dos indivíduos infectados pelo HCV relata com sintomas, é incomum surpreender a elevação ca-
doença aguda associada à icterícia. Quando presemes, os racterística das aminotransferases. Nos pacientes com
s1ncomas são geralmente inespecíficos. como anorex1a, 1nfecção crôn1ca, cerca de 30% apresentam a alanina
náusea e adinamia. Na infecção crônica, a queixa mais aminotransferase (ALT) no valor de referência. Nos
comum é a fadiga seguida por desconforw no quadra n- restantes, observam-se aumentos d iscretos e intermi-
te superior direiw. A infecção crônica pelo HCV pode tentes. Por não evo luir freqüememente com colesta-
ainda apresentar várias manifestações extra-hepáticas, se. a fosfatase alcalina encontra-se normal ou pouco
principalmente algumas relacionadas à auto-1mun1dade. aumentada. Um achado freqüente nos pacientes por-
destacando-se a crioglobulinemia. que ocorre em 36 a tadores de hepatite crônica pelo HCV é a presença
59% dos casos, além de glomeru lonefrite membranopro- de vários auro-anticorpos. como fator reumatóide,
liferaciva, cireoidices, porfiria cutânea tardia. entre oucras. anticorpos antin ucleares. antimúsculo liso, ecc. A pla-
Dados recentes sugerem que os indivíduos que apresen- quetopenia também pode ser freqüente na infecção
tam infecção aguda sintomática com icterícia cêm mais crônica pelo HCV.
chance de cer infecção auwlimicada.
A maioria (60-80%) dos indivíduos infectados pelo
HCV apresenta infecção persisteme e desenvolve doen- PRINCÍPIOS GERAIS DO
ça hepática crônica. sendo que 5 a 20% desenvolverão DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO
cirrose. Na maioria dos casos de doença crônica pelo
HCV, o diagnóstico é fe1to 15 a 25 anos após a infecção O diagnóstico de infecção pelo vírus C é feiro pela
cer sido adquirida. Estudos sobre a h1scória natural da do- detecção de anticorpos rotais contra o vírus C (anti-
ença têm demonstrado que a hepatite crônica leva 15 a HCV) e pela detecção de seu RNA (HCV-RNA). O tes-
18 anos para se desenvolver. a cirrose 20 a 25 anos e o he- te mais amplamente d 1fund1do e utilizado para a de-
patocarcinoma 28 anos. O mecanismo envolvido na he- tecção de anticorpos para o vírus C em nosso meio. é
patocarcinogênese induzida pelo HCV não está esclare- o ensaio imunoenzimác1co. Mais recentemente, testes
cido. Não foi ainda demonstrada imegração do genoma que dececcam e quantificam um anrígeno do core do
virai no genoma do hepatócito. Assim, acredita-se que o vírus C e outro que detecta conjunramenre o antíge-
processo inflamatório crônico e a necrose persisteme de no core e o anri-HCV foram descriros. reduzindo-se o
hepatócitos devam ter papel importante no surgimento tempo entre a infecção e o diagnóstico. além de ser
de hepatocarcinoma. uma possível alternativa mais acessível e si mples do
que os cesces moleculares, para estabelecer a presença
de infecção ativa.
EXAMES LABORATORIAIS NA INFECÇÃO
PELO HCV
Pesquisa de anticorpos - Anti-HCV
ALTERAÇÕES LABORATORIAIS GERAIS
O ami-HCV está presente canto nos pacientes com
A elevação das aminocransferases, geralmente aci- infecção em curso, aguda ou crônica, quanto nos com
ma de 20 vezes o maior valor de referência (MVR). com infecção pregressa.

608 [ Medicina laboratorial para o clínico )1--- - - - - - -- - - -- - -- - -- - - -- - -- - - - -


Arualmenre, utilizam-se testes de terceira geração Na infecção aguda, o anti-HCV pode ser detectado,
para a detecção do anti-HCV. A cada nova geração. em média, sete a oito semanas após a infecção ou se-
esses testes incorporaram maior número de anrígenos, gunda semana de doença, utilizando-se o ELISA de ter-
a fim de aumentar a sua sensibil idade, possibilitando ceira geração, e 11 semanas após a infecção utilizando-se
a detecção mais precoce do anri-HCV (Figura 47.1). O o ELISA de segunda geração. A detecção de anticorpos
ELISA de primeira geração apresema sensibilidade de lgM não se momou útil para estabelecer o diagnóstico
70 a 80%, o de segunda geração 95% e o de terceira de infecção aguda, uma vez que o anti-HCV lgM persiste
geração 95 a 98%. Apesar do aumento da sensibilidade na evolução para a forma crônica. Caso não se disponha
dos testes de segunda e terceira geração. a sua especi- de provas de biologia molecular (que detecta a viremia
ficidade varia em função da população testada, sendo ames do aparecimento do anticorpo), sugere-se a pes-
a ocorrência de resultados falso-positivos grande em quisa do anti-HCV em soros pareados com intervalo mí-
populações de baixo risco, na qual o valor preditivo po- nimo de IS dias, no caso de suspeita de hepatite aguda
sitivo de um teste de terceira geração é de apenas cerca C e com o primeiro exame negativo. O diagnóstico de
de 25% e do teste de segunda geração de 50 a 60%, certeza de infecção aguda só é possível pela documenta-
aproximadameme. Algumas reações de ELISA podem ção da soroconversão.
apresentar concentrações consideradas indetermina-
das, ou seja. os níveis detectados tanto podem ocorrer
em indivíduos com infecção quanto sem infecção. Nes- Pesquisa de antígenos - core HCV
tes casos, o teste de imunoblot recombinante (RIBA) e
HCV-RNA podem ou não auxi liar na defin ição do perfil A fim de buscar alternativas mais simples e acessí-
sorológico (Quadro 47.1). veis do que os testes baseados em técnicas moleculares,
A utilização do RIBA para a pesquisa do ami-HCV testes que detectam e quantificam o amígeno core do
aumenta a especificidade da detecção do ami-HCV. HCV têm sido desenvolvidos. Estudos comparando es-
O RIBA é um teste suplementar e está indicado para tes restes com a detecção qualitativa e quantitativa do
confirmar anti-HCV positivo na ausência do HCV- RNA. HCV-RNA demonstraram que os níveis do core HCV se
Quando positivo, sugere infecção pregressa e, quando correlacionam com os de HCV-RNA, estando detectáveis
negativo, que o resultado do ELISA era falso-positivo. um a dois dias após o aparecimento do HCV-RNA. A uti-
Quando se utiliza RIBA, é possível saber para qual amí- lização destes testes que detectam o antígeno core pode-
geno o anticorpo detectado é dirigido. O RIBA é consi- ria reduzir o tempo entre a infecção e seu diagnóstico em
derado positivo quando há reatividade para pelo menos até quatro semanas. quando comparados com a pesquisa
dois amígenos, o que aumenta sua especificidade em do anti-HCV. constituindo uma alternativa interessante
comparação ao ELISA Quando há reatividade para ape- para o diagnóstico da infecção pelo HCV. Entreta nto, es-
nas um amígeno, o RIBA é considerado indeterminado. tes testes ainda não estão sendo utilizados na rotina.

Core Envelope

I\ DIAGNÓSTICO MOLECULAR
3' lJTR
--l
Utilizando técnicas moleculares. três abordagens bá-
sicas podem ser feitas: detecção, quantificação e genoti-
pagem do HCV-RNA
1• Geração

2° Geração •
Detecção do HCV-RNA - PCR qualitativa
J • Geração .

Figura 47.1 - Represemação esquemática do genoma do HCV e A técnica mais amplamente utilizada para a detecção
amígenos utilizados em cada geração do anti-HCV. do HCV-RNA é a reaçào de polimerização em cadeia (Po-

Investigação laborarorial do paciente com hepatite pelo HCV 609


limerase Chain React1on - PCR) e, mais raramente, a ampli- Organização Mundial de Saúde (OMS) escabeleceu um
ficação mediada pela cranscrição (Transcription-Mediated padrão internacional para o HCV-RNA e a panir dele de-
Amp/if,cauon - TMA). O poder de detecção dos testes finiu uma unidade internacional (lU) que deve ser utiliza-
qualitativos (10 a 50 IU/ml) é maior do que dos testes da para expressar os resultados obt1dos na quantificação
quantitativos e sua especificidade varia de 98 a 99%. do RN A. De qualquer forma. a recomendação é de que
O RNA do vírus C (HCV-RNA), acé o desenvolvimen- se acompanhe um mesmo paciente com a mesma cécni-
tO da pesqu1sa do antígeno core, era o único marcador ca. Embora os cestes quantitacivos sejam menos sensíveis
disponível de infecção ativa capaz de discriminar infec- do que a PCR qualitativa, muitas vezes eles são usados
ção pregressa de infecção em curso. A sua presença cor- no diagnóstico inicial do paciente anti-HCV positivo,
relaoona-se com infectividade. replicação virai e doença uma vez que a maioria dos pacientes com infecção em
hepática. mas não diS[Ingue infecção aguda de crônica. curso pelo HCV apresenta níveis detectáveis pelos cesces
O HCV-RNA pode ser detectado, por PCR qualitati- quantitativos e o resultado pode ser utilizado para orien-
va, uma a duas semanas após infecção pelo vírus C. pre- tar no tratamento. Naqueles paciemes em que a quan-
cedendo a elevação da ALT em três semanas e o apareci- tificação do HCV-RNA seja negativa, deve-se realizar a
mento dos sintomas em oito a 10 semanas. Na infecção detecção qualitativa do HCV-RNA. A especificidade dos
aguda aucolimitada sua presença é transitória, em geral testes HCV-RNA quantitativos varia de 98 a 99%
três a quacro meses. permanecendo positivo se há evolu-
ção para a forma crônica.
IMPORTANTE: indivíduos com hepatite C crôni- Genotipagem
ca podem apresentar flucuações na concentração virai.
Tendo isto em vista, uma única pesquisa do HCV-RNA A genotipagem pode ser feita por seqüenciamenco
negativo não é conclusiva e deve ser repetida. direco. por h1bndização reversa utilizando sondas especí-
A detecção do HCV-RNA, por PCR qualitativa, é ficas para cada genótipo ou por análise do pol imorfismo
utilizada para estabelecer o diagnóstico, nos indivíduos usando enzimas de restrição (RestnctJOn Fragment Lengh
anti-HCV posicivo, em pacientes imunodeprimidos, em Polymorph1sm - RFLP). Utilizando estas técnicas é possí-
pacientes soronegacivo com hepatite crônica, após expo- vel identificar todos os genótipos e mu1tos dos subtipos.
sição ocupacional e para verificar a resposta ao uatamen- Em menos de 3% dos casos não se consegue definir o ge-
ro. Nos recém-nascidos de mãe com infecção pelo HCV, nótipo e 1 a 4% apresentam infecções mistas (mais de um
uma vez que os anticorpos auavessam a barreira transpla- genótipo). Erros na identificação do genótipo são muito
cencária, o diagnóstico é feita com a detecção do HCV- raros. mas erros na subtipagem podem ocorrer em 10 a
RNA. Emretamo. o clareamenco espontâneo do HCV 25% dos casos e, na sua maioria, está relacionada à região
ocorre mais freqüememente em recém-nascidos. por isso. estudada e não à técnica. Uma vez que atualmente ape-
recomenda-se pesquisar o HCV-RNA apenas a partir dos nas o genóti po é ucilizado para decisões clínicas, os erros
seis meses de vida. A persistência do HCV-RNA após 12 na subtipagem têm pouca conseq üência clínica.
meses de vida sugere evolução para forma crôn1ca. O genótipo do HCV tam bém pode ser determina-
do por sorocipagem, que é a detecção de anticorpos es-
pecíficos para cada genótipo. A sorocipagem apresenta
Quantificação do HCV-RNA - PCR concordância de aproximadamente 95% com as técnicas
quantitativa e bONA moleculares. mas não é capaz de identificar os subtipos.
Quando ocorre reatividade para mais de um genócipo,
Duas metodologias estão disponíveis para a quanti- não é possível distinguir se há infecção mista verdadeira
ficação do HCV-RNA: amplificação do RNA, como no ou reação cruzada.
caso da PCR qualitativa (e mais raramente a TMA), ou hi- A genotipagem deve ser realizada, em todo candida-
bridização com amplificação do sinal. como na ramifica- to ao tratamento, a fim de determinar o reg1me de tra-
ção do DNA (Branched DNA - bDNA). A fim de permitir tamento (dose e duração) e a probabilidade de resposta
uma comparação entre os diversos restes disponíveis, a ao mesmo.

610 ( Medicina laboratorial para o clínico ] 1 - - - - - - - - - - - - -- - - - - -- - - - - - - - - - - -


CONSIDERAÇÕES FINAIS • o objetivo do tratamento, sob o pomo de vista
laboratorial, é tornar indetectável o HCV-RNA
INFEÇÃO EM CURSO: AGUDA OU CRÔ NICA
pesquisado por técnicas qualitativas altamente
PELO HCV
sensíveis (como a PCR). de maneira sustentada
(por mais de seis meses após o término do tra-
Não existe nenhum marcador sorológico ou molecu- tamemo);
lar que permita distinguir a infecção crónica da infecção • a genotipagem deve ser realizada em todos os pa-
aguda. Na prática, o que se consegue é estabelecer se há cientes candidatos ao tratamento, uma vez que o
infecção em curso. genótipo definirá a dose e a duração do tratamen-
Na suspeita de infecção pelo vírus C deve-se realizar a to, que são maiores no genótipo 1;
pesquisa do anti-HCV por ELISA. Os pacientes positivos
devem ser submetidos à pesquisa do HCV-RNA por PCR
qualitativa (Figura 47.2), que deve ser repetida caso seja
negativa. antes de afastar infecção em curso. Nos pacien-
tes HCV-RNA negativo, realizar a pesquisa do anti-HCV
por RIBA para distinguir infecção pregressa de resultado
falso-positivo. Pacientes com sorologia indeterminada
devem ser acompanhados e os marcadores devem ser
repetidos decorridos pelo menos 30 dias. O Quadro 47.1
apresenta os perfis sorológicos mais freqüentes.

Genotipogem,
TRATAMENTO poro orientar
trotamento.
No genótipo 1,
Em relação ao tratamento, a American Association quantificar o
RN A HCV
for The Study of Liver Diseases (AASLD), a Jnjectious Dise- • Se dúvida repetir PCR após 1 mês
ases Society of America e a American College of Gastroen- Figura 47.2- Algoritmo para avaliação de pacieme ami-HCV positi-
terology referendam as seguintes recomendações: vo utillizando marcadores sorológicos e moleculares.
(~) Se RIBA não d1sponível. um ant1-HCV que utilize amígenos d1feremes do
prime1ro ELISA. fala a favor de 1nfecçào prév1a.

Quadro 47.1 - lmerpretação dos testes sorológicos e moleculares para HCV

Anti-HCV RNA HCV RIBA Interpretação


+I IIl i H + +I !ll l H Infecção em curso
A positividade isolada de RNA HCV é rara e esses casos, quando em
pacienles imunocompetentes, devem ser acompanhados com cautela
+ + Infecção pregresso
Se dúvida repetir o PCR decorridos pelo menos 30 dias
+ Resultado falso-positivo
Se o RIBA não for disponível e o onti·HCV for fortemente positivo, pode·
se repetir o onti·HCV com outro ELISA que usa antígenos diferentes do pri·
meiro, que se positivo fala a favor de resultado verdadeiramente positivo
I I (+) Resultado indeterminado
Repetir decorridos pelo menos 30 dias
Ausência de infecção
Atenção poro o tempo decorrido entre o cantata e o realização dos
exames, se necessário repetir

+ posit1vo; · negat1vo; (I) 1ndeterm1nado

Investigação laborato rial do paciente com hepatite pelo HCV 6 11


• a quantificação do HCV-RNA está formalmente REFERÊNCIAS
indicada nos pacientes com genótipo 1 e deve ser 1. Bouvier-Aiias M, Parei K, Dahari H, Beaucourr S, Larderie
feita no início e na 12• semana de tratamento. O P, Blatt L et ai. Clinical Utilit y of Total HCV Core Anrigen
Quanti fication: A New lndirect Marker of HCV Replica-
desaparecimento ou a queda de 2-log10 ou mais
tion . Hepatology. 2002;36(1):211-8.
nos níveis do HCV-RNA, na 12• semana de trata- 2. Brasil. M inistério da Saúde. Secretaria de Vigilância em
mento, é chamado de resposta virológica preco- Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. s• ed. Brasília:
ce (RVP) e se associa à maior chance de resposta M inistério da Saúde; 2002.
3. Ferraz MLG, O liveira PM . Diagnóstico Laboratorial Espe-
sustentada ao tratamento. Quando os níveis de
cífico. ln: Foccacia R. Tratado de Hepatites Virais. 2• ed.
HCV-RNA não apresentam queda, a chance de São Pau lo: Atheneu; 2007. p. 199-204.
resposta ao tratamento é muito pequena e reco- 4. Granato CFH, A rrais T. Determinação Quanti tativa do
menda-se avaliar sua suspensão, o que deve ser RNA/HCV e Aplicações Clínicas. ln: Foccacia R. Tratado
feito individualmente; de Hepatites Virais. 2• ed. São Paulo: Atheneu; 2007. p.
205-9.
• a detecção qualitativa do HCV-RNA é o parâme- S. Hoofnagle JH. Course and Outcome of Hepatitis C. He-
tro utilizado para estabelecer a resposta ao térmi- patology. 2002;36(S1):S21-9.
no do tratamento (24 semanas nos genóti pos 2 e 6. Laperche S, Le Marrec N, Girault A, Bouchardeau F, Ser-
3 - 48 semanas no genótipo 1) e seis meses após, vant-Delmas A, Maniez-Montreu il M, et ai. Simultane-
ous Detection of Hepatitis C Virus (HCV) Core Antigen
considerando-se resposta virológica sustentada and Anti-HCV Antibodies Improves the Early Detection
(RVS) ao tratamento quando o HCV-RNA quali- of H C V. lnfection J Clin M icrobial. 2005;43(8):3877-83.
tativo é negativo nas duas ocasiões. 7. Pawlorsky JM. Molecular Diagnosis of virai hepatitiS. Gas-
troenrerology. 2002;122:1554-68.
8. Pawlorsky JM . Use and lmerpretation o fVirological Tests
for Hepatitis C. Heparology. 2002;36(S1):S65-73.
9. Regev A, Schiff E. Clm 1cal fearures of hepatiris.ln: Howard
CT. Lemon S. Zuckerman AJ. Virai Hepatitis. 3rd ed. Mas-
sachussem : Blackwell; 2005. p. 33-49
10. ServossJ(, Fnedman LS, DiestangJL. Diagnostic approach
to virai hepatitis. ln: Howard CT. Lemon S, Zuckerman AJ.
Virai Hepatitis. 3rd ed. Massachussem: Blackwell; 2005.
p. 50-64.
1l Shepard CW, Finelli L, A lter MJ Global epidem iol-
ogy of hepatitis C v1rus infection. Lancet lnfect Dis.
2005;5(9):558-67.
12. Strader DB, Wrigh t T. Thomas DL, Seeff LB. AASLD Prac-
tice Guideline: Diagnosis, Managemenr, and Treatmenr
of Hepat iris C. Hepatology. 2004;39(4):1147-71.
13. Wasley A, A lter MJ Epidem iology of hepatitis C: Geo-
graphic Differences and Temp oral Tren ds. Sem Liv Dis.
2000;20(1):1-16.

612 [ M edi ci na laboratorial para o clínico )1-- - - - -- - - --


Silvana Maria Eloi Santos
48 Marcelo Luide Pereira Gonçalves
Suzane Pretti Figueiredo Neves

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL NA
INFECÇÃO PELO EPSTEIN,BARR VÍRUS

Em 1968, descreveu-se que o vírus Epstein-Barr (EBV). nômicas, principalmente más condições de higiene e
atualmente denominado herpesvírus humano 4, era o grande concentração de pessoas em espaço pequeno,
principal agente etiológico da mononucleose infecciosa facilitam a transmissão. Assim, quanto mais desenvolvi-
(MI). Tal vírus havia sido descobertO em 1964, a partir de do o país, mais tarde as pessoas contraem a doença e
escudos com microscopia eletrônica de culcura de cé- mais sintomática é a 1nfecção aguda.
lulas obtidas de um linfoma de Burkitt, tumor comum
na África subsahariana, descrico em 1958 por um des-
conhecido cirurgião que trabalhava em Uganda, Denis ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO
Burkitt. Trata-se de um vírus evolucionalmente bem
sucedido que, após a infecção primária, persiste no hos- AGENTE ETIO LÓGICO
pedeiro, geralmente de forma inócua. Entretanto. pode
induz1r transformação das células infectadas e. pelo seu Vírus Epstein-Barr, um gama-herpesvirus humano da
potencial oncogênico, está assooado a carcinoma de na- família Herpesviridae. gênero Lymphocryptovirus, envelo-
sofannge, linfoma de Burkitt e outros linfomas de células pado, com tamanho de 120-220 nm, simetria icosaédrica,
B. linfoma de Hodgkin e linfomas pós-transplantes. com nucleocapsídeo envolvendo um genoma compos-
co por DNA fita dupla de 186 kb que codifica proteínas
estruturais e não estruturais (EBNA-1. EBNA-2, EBNA-3A-
EPIDEMIOLOGIA 3B-3C. EB A-LP, LMP1 e LMP2). Apresenta dois subtipos
sorológicos, EBV-1 e EBV-2. e dois genótipos, A e B. O tipo
Apesar de variações geográficas de prevalência e ida- A é mais eficiente em induzir imortalização de célula B
de de soroconversão, sabe-se que o EBV é um vírus ubí- em linfomas. Nos países ocidentais, incluindo o Brasil,
quo, com distribuição universal e estima-se que cerca de predomina o genótipo A
90% dos adulcos ocidentais já tenham sido infectados por
ele. A prevalência pode ser muito elevada. como em paí-
ses do norte da África (Aigéria e Tunís1a). ou baixa, como PATOG ÊNES E
no norte da Europa (Dinamarca e Holanda). O Brasil é
considerado um país de endemicidade intermediária. Existem controvérsias sobre a primeira célula a ser
A maior incidência acontece na infância. com um infectada pelo EBV: células epiceliais da orofaringe ou
segundo pico na adolescência. As condições socioeco- linfócitos B. Atualmente, as evidências favorecem a
Manifestação clínica
célula B como sítio primário de infecção. De qualquer
forma, a disseminação virai ocorre pela circulação de
linfóciros Binfectados. A infecção pode ser assintomática ou oligossin-
A ligação do vírus ao linfócito se dá pela interação tomática. Devido à sua fisiopatologia, o quadro clín i-
do complexo glicoprotéico gp350/220 da cápsula do co clássico caracteriza-se essencialmente por quadro
EBV com CD21, recepcor para o componente C3b do agudo febril acompanhado de faringite exsudativa,
complemento, presente na superfície de linfócitos B. mialgia, linfadenomegalia, esplenomegalia e alterações
Posteriormente, há ligação da gp42 com moléculas de sorológicas e hematológicas secundárias à infecção
HLA classe 11, iniciando a fusão vírus/célula, processo que dos linfócitos B. Trata-se de um conjunto de sinais e
requer, ainda, a participação de outras proteínas virais e sintomas frequentemen te encontrado em várias outras
permite a entrada do vírus no interior da célula. Como infecções agudas como infecção pelo citomegalovírus,
outros herpesvírus, apresenta ciclo lítico e, assim, uma pelo HIV. toxoplasmose etc, dificultando o diagnóstico
vez no interior da célula, ocorre multiplicação virai e lise puramente clínico.
celular. Curiosamente, portadores de agamaglobuline- A febre está presente em praticamente todos os
mia ligada ao X, por não possuírem células B maduras, pacientes e permanece em média por uma sema-
não são infectados pelo EBV. na, variando entre 37,5 e 39.5°C. Alguns dias após
Estudos recentes indicam que replicação virai pode o início da febre, instala-se a linfadenomegal ia cer-
se dar no epitélio da orofaringe, o que explicaria os alros vical, envolvendo vários gânglios, principalmente os
níveis virais presentes na orofaringe de pacientes com cervicais anteriores e posteriores. Os linfonodos são
mononucleose infecciosa. Entretanto, os linfócicos Batu- móveis, de consistência firme e dolorosos. A odi-
am como o principal reservatório que mantém o EBV no nofagia também é muito freqüe nte e há congestão
organismo após a infecção aguda. difusa com exsudação de orofari nge, semelhante
A infecção do linfóciro B induz ainda expressão de àquelas observadas na difteria. Petéquias no pala-
genes relacionados ao crescimento e transformação to são observad as em cerca de 50% dos casos. A
celular, que acarreta crescimento de linhagens linfoblas- esplenomegal ia, com baço endurecido e doloroso,
tóides B infectadas pelo vírus. A proliferação e expan- surge em aproximadamente metade dos casos. Em
são de células B infectadas levam à hiperplasia linfóide alguns pacientes, pode surgir exantema que pode
inespecífica (linfadenomegalia, esplenomegalia) e ao ser morbiliforme, escarlatiniforme ou maculo papu-
surgimento de anticorpos séricos de reatividades varia- lar. A adenopatia mesentérica pode levar a mani-
das que induzem reações cruzadas em diversos ensaios festações digestivas como náuseas, vómitos, dores
sorológicos. Durante a fase aguda da MI, em torno de abdominais. Os sintomas duram cerca de 2-4 se-
1% dos linfócitos B está infectado. Na fase latente, os manas, com raros casos de curso mais pro longado,
locais de persistência do EBV parecem ser os linfóciros B com persistência de febrícu las, astenia, fadiga, dores
de memória e o número de células infeccadas, embora musculares, adenomegal ias etc. Há divergências so-
escasso, permanece inalterado por anos. bre a possibi lidade de cron ificação da infecção.

APRESENTAÇÃO ClÍNICA MONONUCLEOSE INFECCIOSA E GRAVIDEZ

Modo de transmissão: lnter-humano, pelo contato O vírus de Epstein-Barr não é citado como causa
íntimo de secreções orais (perdigotas e saliva), fazendo importante de anomalias fetais. A infecção primária du-
com que a infecção seja conhecida como a "doença do rante a gravidez com aparente transmissão transplacen-
beijo". É rara a transmissão através de transfusão sangüí- tária é rara e poucos casos são relatados. Lesões fetais
nea ou contato sexual. secundárias à infecção virai parecem ser discretas, mas
Período de incubação: 30 a 45 dias. a ocorrência de infecção placentária, levando à vilite e
Período de transmissibilidade: Um ano ou mais. deciduíte, pode acarretar dano fetal.

614 ( Medicina laboratorial para o clínico ]f-- -- -- -- - -- - -- - -- -- - - -- -- -- - -- -


EXAMES LABORATORIAIS NA INFECÇÃO tinação em lâmina, rápidos e fáceis de realizar, cujos
PELO VÍRUS EPSTEIN-BAAR resultados são apenas qualitativos; e as hemácias de
carneiro foram substituídas por hemácias de cavalo,
DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO mais eficientes. Existem dois tipos de testes comerciais
que atendem comercialmente por nomes como mo-
A mononucleose infecciosa caracteriza-se pela pro- noteste, monospot, monoslide, monolátex etc. Alguns
dução de inúmeros anticorpos de especificidades distin- fazem apenas a detecção dos amicorpos heterófilos,
tas. Essas especificidades são diretamente proporcionais sem caracterizá-los como MI específicos ou não. Tes-
à diversidade de clones de linfóciros B infectados pelo tes capazes de realizar essa diferenciação são também
EBV. Assim, é extremameme comum encontrarmos chamados de testes diferenciais para anticorpos hete-
resultados sorológicos positivos para auto-anticorpos rófilos e incluem a etapa Davidsohn em seu princípio.
(faror antinuclear, faror reumatóide), crioaglutininas e É de extrema importância que o laboratório infor me
anticorpos para outros vírus, em indivíduos infectados a natureza do teste utilizado no laudo do exame. Em
agudamente pelo EBV. Tudo isco decorrente da ativação nosso serviço, sempre trabalhamos com os testes dife-
policlonal dos linfócicos. renciais devido à sua maior especificidade.
Entretanto, dois grupos de anticorpos são produzi- Quando solicitar o exame: a pesquisa dos anticor-
dos consistentemente na MI e sua detecção é de grande pos heterófilos deverá ser solicitada sempre que houver
utilidade para o diagnóstico. São eles os anticorpos hete- suspeita de MI. As concentrações aumentam a partir do
rófilos e aqueles que reconhecem especificamente com- terceiro dia de doença, alcançando seu máximo em duas
ponentes do vírus EBV. O uso apropriado de cada um semanas. Permanecem derecráveis por aproximadamen-
deles, ou ambos, no momento adequado, juntamente te seis semanas, desaparecendo em três a seis meses. Es-
com o hemograma, constitui os pilares para o diagnósti- tão presentes em 90% dos casos de MI, mas, em crianças,
co laboratorial da doença. o percentual de falso-negativos é mais alro. Assim, em
crianças ou diante de uma pesquisa de anticorpos hete-
rófilos negativa, deverá ser solicitada a sorologia específi-
Anticorpos heterófi los ca para o EBV. Quamo à especificidade, o clínico deverá
estar atento se o exame realizado for do tipo teste dife-
São assim chamados por reagirem com vários an- rencial, específico para MI, ou apenas a pesquisa comum
tígenos celulares de outras espécies. Induzem agluti- de anticorpos hererófilos. Esta última pode ser positiva
nação de hemácias de mamíferos e são da classe lgM. em pacientes infectados agudamente por outros vírus
Foram inicialmente descritos por Paul e Bunnell nos (CMV. herpes, hepatites), linfomas, toxoplasmose aguda
anos 30, que nomearam o teste executado por déca- ou mesmo em indivíduos sadios. O sangue pode ser co-
das para auxílio diagnóstico da MI. A antiga reação de lhido a qualquer momento, não exigindo jejum.
Paul Bunnell consistia em observar aglutinação de he-
mácias de carneiro quando em comaco com o soro
do paciente comendo anticorpos heterófilos. Os re- Anticorpos contra o vírus Epstein-Barr
sultados eram liberados em títulos, indicando a maior
diluição do soro a produzir aglutinação. Modificado Durante a infecção aguda pelo EBV, são observados
posteriormente por Davidsohn, o teste passou a dife- vários anticorpos dirigidos para componentes diversos
renciar entre anticorpos heterófilos da MI e outros he- do vírus. Os de maior relevância para o diagnóstico são:
terófilos produzidos em outras situações, recebendo antiVCA (vira/ capsid antibody), amiEA (early antigen) e
o nome de reação de Paui-Bunneii-Davidso hn. Nesse anti EBNA (EBV nuclear antigens). Na prática laboratorial.
caso, utiliza-se rim de cobaia para adsorção de outros os testes mais utilizados são os imunoensaios enzimáti-
anticorpos heterófilos que não aqueles produzidos na cos (ELISA e outros) ou a imunofluorescência (util izando
MI, trazendo mais especificidade ao teste. Hoje em dia, células infectadas pelo vírus como substraro) para de-
esses exames foram substituídos por testes de agiu- tecção dos anticorpos antiVCA das classes lgM e lgG.

Investigação laboratorial na in fecção pelo Epstein-Barr vírus 615


ALTERAÇÕES HEMATO LÓGICAS
O amiVCA lgM rende a desaparecer em alguns meses,
enquamo o amiVCA lgG permanece positivo durante
a vida do indivíduo, sinalizando que ele é portador do Alterações hematológicas são observadas pratica-
EBV. Os demais anticorpos citados não são comumen- mente em todos os pacientes com mononucleose infec-
te utilizados em casos de MI, mas para rasrreamento de ciosa e persistem, geralmente, por 30 a 60 dias.
infecção passada ou reativação. Sua pesquisa é feita ha- Os achados mais característicos envolvem os linfóci-
bitualmente, por laboratórios de referência. tos. A linfocitose pode ser detectada no fi nal da primei-
Quando solicitar o exame: os anticorpos VCA apa- ra semana e coincide com o aparecimento de sintomas
recem de quatro a sere dias após o início dos sintomas, clínicos. Além da linfocitose, geralmente superior a 5.0
sendo que, habitualmente, a resposta de lgM precede a X 103 células/mm 3, são observadas alterações morfoló-
de lgG. Como explicado. deve ser solicitado diante de gicas, representadas pelo aumento do tamanho celular.
pesquisa de anticorpos heterófilos negativa, em crianças imaturidade nuclear com perda da condensação da cro-
e em casos reacionais mononucleose-líke. A sensibilidade matina, nucléolos evidentes. intensa basofilia citoplasmá-
dos testes é aproximadamente de 95%. A especificidade tica e irregularidades do contorno celular. Tais alterações
varia de 80 a 100%. É importante mencionar que anticor- conferem aos linfócitos a denominação de LINFÓCITOS
pos lgM produzidos durante a infecção pelo EBV podem REACIONAIS (ou células de Downey I linfócitos atípi-
reagir cruzadamente em imunoensaios destinados à de- cos). com percentual geralmente superior a 10% dos lin-
tecção de anticorpos lgM antiCMV (citomegalovírus). fócitos ci rculantes. Convém salientar que essa denomi-
Isto pode dificultar o diagnóstico da infecção por este nação não está relacionada com qualquer indicação de
vírus, principalmente porque a infecção aguda sintomá- malignidade e o encontro de linfócitos reacionais não é
tica assemelha-se à mononucleose infecciosa. exclusivo da mononucleose infecciosa.
Não é necessário preparo do paciente ou jejum para O hemograma ainda mostra leucopenia na primeira
a coleta do sangue. semana, seguida de leucocitose (à custa da linfocitose),
Atenção: nenhum desses anticorpos citados se pres- com a contagem global de leucócitos entre 10,0 e 20,0
ta para acompanhamento da doença ou "controle de X 103 células/mm 3 Aproximadê.mente 15% dos pacien-
cura", que deverão ser estabelecidos clinicamente. tes podem atingir valores superiores a 20,0 X 103 células/
Perspectivas: a literatura mosua, ainda que escassa- mm 3. Os contadores automatizados podem emitir "aler-
mente, o uso dos testes de avidez de lgG para diferen- tas" referentes à presença de linfócitos reacionais, que
ciação entre infecção aguda e reativação e o uso da rea- são confirmados. posteriormente, a partir da revisão da
ção de polimerização em cadeia (PCR) quantitativa em lâmina pelo profissional do laboratório.
tempo real para aumento da sensibilidade diagnóstica Em relação a outros parâmetros hematológicos: a
em crianças. Entretanto, mais estudos e experiência clí- maioria dos pacientes apresenta dosagens normais dos
nica ainda são necessários para o estabelecimento des- níveis de hemoglobina, discreta trombocitopenia (entre
ses novos métodos. bem como melhor entendimento 100.000 e 140.000 plaquetas/mm 3) e discreta neutrope-
da história natural da infecção pelo EBV em indivíduos nia (absoluta e relativa) com raras granulações tóxicas.
imunocomprometidos. Pode ainda ocorrer discreta eosinopenia. (Quadro 48.1)

Quadro 48.1 - Achados laboratoriais da mononucleose infecciosa

Hematológicos Soro lógicos


• leucocitose com linfocitose • anticorpos heterólilos
• linfócitos reocionois (>l O% dos linfócitos) • anticorpos ontiontígenos do EBV:
• menos freqüentemente, discretos neutropenia, eosinope- - ontiVCA (viro/ copsid onfibodyl
nio e trombocitopenio - onti EA leorly ontigenl
- ontiEBNA (EBV nuclear ontigensl

616 [ Medicina laboratorial par a o clínico ]f-- - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -


CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS
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A suspe1ção clín1ca de mononucleose 1nfewosa se che produwon of auroanribodies. Curr Op1n Rheuma-
faz geralmente a parm do encontro de febre + hnfadeno- tol. 2007;19(6):636-43.
2 Brasil. M1n1sténo da Saúde. Secrerana de Vigilância em
megalia cervical + fanngire exsudariva + esplenomegalia.
Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica.
Por serem achados clín1cos inespecíficos, o laborarório GUla de bolso. Doenças infecciosas e parasitánas. 4A ed.
apresenta papel relevante na confirmação d1agnósrica. ampl. Séne B. Texros Básicos de Saúde. Brasília: M1msténo
O quadro hematológico característico é um dado de da Saúde; 2004. Disponível em: http://portal.saude.gov.
br/porcal/arquivos/pdf/guia_bolso_4ed.pdf.
alta sensibilidade (a ausência de achados hematológicos
3. Hurt C. Tammaro D. Diagnostic evaluation of mononu-
praricamente exclui o diagnóstico) e especif1odade mo- cleosis-like illnesses. Am) Med. 2007;120(10):911.e1-8.
derada, uma vez que outras situações clín1cas apresen- 4. Mande li GL. Douglas Junior RG. Bennett JE. Dolin R. Pnn-
ram linfócitos reacionais. Na mononucleose. sobressai o Ciples and Practice of lnfectious Diseases. 6th ed. New
York: Church1ll Uvmgsron; 2005.
número elevado de linfócitos reacionais (> 10% dos linfó-
5. Yamammo RM. Campos-Jr D. Manual PrátiCO de Aten-
mos totais). Similarmente ao encontro de linfómos rea- dlmenro em Consultóno e Am:>ulatóno de Ped1ama.
Cionais, remos o encontro de alguns anticorpos "reaoo- SoCiedade Brasile1ra de Ped1ama; 2006. D1sponível em:
nals", os chamados "anticorpos hererófilos". Sua presença http://www.sbp.com.br/pdfs/ManPratiCaAtend.pdf.
também não é específica de MI, mas nessa 1nfecção se
encontram os maiores tírulos. Nos raros casos de ausên-
cia de anticorpos hererófilos está indicada a realização
de pesqu1sa de anticorpos específicos.
Lembre-se: a mononucleose infecciosa é uma in -
fecção virai de linfócitos B. capaz de induzir alterações
hnfománas morfológicas (presença de linfócitos reaoo-
na1s) e funcionais (presença de anticorpos heterófilos).
Entretanto. essas alterações não são exclusivas da M I.
podendo ocorrer em outras mfecções agudas vira1s. es-
peoalmente a momegalovirose.

Investigação laboraLOnal na mfecção pelo Epscein-Barr vírus 617


Suzane Pretti Figueiredo Neves
49 Wan essa Trindade Clemente

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM INFECÇÃO
PELO CITOMEGALOVÍRUS

A citomegalovirose é causada pelo citomegalovírus formas virais do CMV pouco ou não replicativas, capa-
(CMV), um DNA vírus de dupla fita, do grupo Herpes. zes de serem ativadas em circunstâncias especiais. Feliz-
Embora cerca de 100 vírus desse grupo sejam conhe- mente, têm sido desenvolvidas abordagens terapêuticas
Cidos por infectarem diferences espécies animais. so- e preventivas eficazes que poss1b1iltam o controle das
mente oito herpes-vírus são causadores de infecção formas mais graves. Contudo, para o adequado manejo.
humana: herpes simplex (HSV) tipos 1 e 2. varicela- é necessário utilizar instrumental propedêutico de eleva-
zoster (VZV). Epstem-Barr (EBV). herpes-vírus tipo 6 do poder discriminatório e custo-efetivo.
(exantema súbiw). herpes-vírus 7 (HHV 7 - exame-
ma súbiw similar) e herpes-vírus 8 (HHV 8 - Kaposi).
além do CMV, que é também conheodo como HHV PREVALÊNCIA
5 (herpes-vírus humano tipo 5), considerando-se essa
nomenclatura. Todos são estruturalmente semelhantes Sendo o CMV um vírus ubíquo. sua prevalência é
e têm propriedades comuns. particularmente no que se elevada. variando de 40% até mais que 90%. dependen-
refere às características de latência e reativação. Assim. do da região do mundo analisada. Para populações da
desde que a infecção renha ocorrido. os vírus ou seus América do Norte, as taxas são de 60 a 70%, alcançando
genomas persistem por toda a vida. Durante o período aproximadamente 100% na África. No Brasil, estima-se
de latência são silenciosos. mas podem estar sujeitos à que acima de 90%, ou seJa. a grande maioria dos indiví-
reativação e desencadear quadros graves em indivíduos duos, ao chegar à idade adulta. Já é portadora do vírus
imunocomprometidos, a exemplo daqueles infectados em sua forma latente.
pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) e nos
submetidos a transplante de órgãos. Ressalta-se que
mesmo indivíduos imunocompetentes podem reativar ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO
o CMV no contexto de trauma. cirrose e naqueles cri-
ticamente doentes. VIAS DE TRANSMISSÃO
Não se tem clareza dos mecanismos que permitem
que o CMV embeleça 1nrecção latente após episódio A infecção pelo CMV pode ser adquirida intra-útero.
primário. Porém. tem sido observado que leucóciws durante o nascimento ao passar pelo canal do parto,
polimorfonucleares, linfócitos, tecido endorelial vascular. pelo aleitamento e no período pós-natal pelo contá-
células epiteliais renais e glândulas salivares apresentam gio entre humanos. através de secreções de vias respi-
ratórias, saliva ou urina. A transmissão pode acontecer, O período de incubação varia de 20 a 60 dias e a infec-
ainda, pela transfusão de hemoderivados, transplantes e ção é usualmente assintomática naqueles imunocompe-
acidentes laboraroriais. tentes. A duração do processo é de duas a seis semanas,
A transmissão entre indivíduos sadios requer contaco freq üentemente com resolução espontânea. As apresen-
íntimo, repetido e prolongado. Nos indivíduos sexual- tações clínicas mais freqüentes são: infecção assintomá-
mente ativos, o vírus é freqüemememe transmitido pelo tica, síndrome tipo mononucleose infecciosa, síndrome
comam sexual, sendo a soroprevalência, entre "profissio- congênira do neonaco (freqüentemente fatal ), além de
nais do sexo", de aproximadamente 100%. am pla gama de manifestações no recepcor de transplante
e em ourros indivíduos imunocomprometidos.
Em recém-nascidos prematuros, pós-transfusão,
ASPECTOS ClÍNICOS pode haver quadro mais grave com organomegalias, ci-
ropenia e choque.
Observa-se grande variabilidade de formas, depen-
dendo da imunidade do hospedeiro e do momento em
que ocorreu a infecção. Conceirualmente, a infecção Infecções intra-uterinas
primária é aquela que ocorre no soronegativo, não pre-
viamente infectado e a infecção secundária representa A cicomegalia congênita ocorre em 0,2 a 3% dos nas-
ativação de forma latente ou reinfecção no seropositivo cimenros, sendo a infecção intra- uterina mais freqüente.
Quanto à atividade, a infecção pelo CMV pode ser É assintomática para a maioria dos casos. Quando ocor-
latente - seropositivo com infecção persistente, mas ridas no início da gestação, resultam em encefalite, com
sem sinais de replicação virai; ou ativa - estado de re- destruição do sistema nervoso central (SNC), enquanto
plicação virai caracterizada pela presença de CMV no na forma pós-natal essa manifestação é rara. Apenas 5%
sangue, órgãos ou tecidos acompanhada do aumento de dos acometidos são sintomáticos e apresentam as se-
anticorpos específicos. Nesse caso, a infecção ativa pode guintes manifestações: crescimento restriro (33%), icterí-
ser asssintomática ou manifesta como CMV doença - cia (62%), petéquias (58%), hepatoesplenomegalia (50%),
expressão de doença ativa com amplitude de sintomas, prematu ridade (25%), microcefalia (21%), hidrocefalia,
variando de mal-estar geral. febre, mialgia ou arcralgia até lesão cerebral. calcificação e coriorretinite. A mortali-
acometimento de órgão específico (hepatite, pneumo- dade é superior a 5% e 5 a 17% dos RN assintomáticos
nite, gastroenterite, colite, encefalite, etc.) e doença lin- apresentam déficits neurológicos durante a infância ou
foproliferativa ou neoplasia associada, como linfoma de idade escolar. A infecção intra-uterina é menos freqüen-
Hodgkin e leucemias. te que a doença perinatal, mas é mais grave.
A infecção cicomegálica materna durante a gravidez
é assunto ainda controverso e várias contribuições re-
Infecções pós-natais centes modificaram os conceitos anteriores. Na grande
maioria das vezes, a infecção é assintomática. Nos pou-
Geralmente, a infecção pelo CMV ocorre na infância cos casos onde se observam sintomas, estes são seme-
e na maioria das vezes é assintomática, porém pode aco- lhantes àqueles observados em qualquer indivíduo imu-
meter ad ulcos. Quando sintomática, manifesta-se por fe- nocompetente. Reconhece-se como possível fonte de
bre, mal-estar, cefaléia, mialgia, fadiga, linfoadenomegalia, transmissão virai ao feto a presença do vírus nas secre-
acompanhados ou não de linfocicose periférica com linfó- ções do cérvix uteri no. Outra questão é a reinfecção de
ciws atípicos e leve elevação de enzimas hepáticas, consti- mãe soropositivo por cepa distinta daquela que alberga,
tuindo a chamada síndrome mononucleose-like. Estima-se podendo determ inar transmissão intra-uterina e infec-
que 21% dos episódios diagnosticados como mononucle- ção sintomática congênita. Esse tópico é controverso,
ose infecciosa sejam causados pelo CMV. Observa-se que, mas relevante, considerando-se o risco da transmissão
ao contrário da "mononucleose" causada pelo Epstein- através de contaco profissional. como é o caso de profes-
barr, não há faringite, tonsilite ou esplenomegalia. soras e profissionais da equipe de saúde.

620 [ Medicina laboratorial para o clínico


Infecções em indivíduos imunocomprometidos Doença localizada

Nos casos de uansplames. observa-se que a inci- Considerando-se o diagnóstico de doença localizada,
dência de ciromegalovirose varia com o ripo de órgão deve-se ater para adoção de critérios rígidos que incluem,
transplantado, sendo descritas raxas de 8 a 35% para além da manifestação clínica, exames endoscópicos ou
transplantes de rins, coração e fígado e freqüências ainda de imagem e evidência da presença do vírus, pelas técni-
mais elevadas nos rransp lames de pâncreas e pâncreas- cas já comentadas. Abaixo, descrevemos algumas delas:
rim (50%), bem como de pulmão e pulmão-coração (50
a 80%). O CMV é o patógeno mais comumente asso-
a) Pneumonia
ciado à infecção virai do t ransplantado, sendo a causa
mais freqüente de infecção do 1° mês pós-rransplame. Constatada pela presença de doença pulmonar + iso-
Além dos efeiros direws da lesão recidual. aqueles in- lamento de CMV no lavado broncoalveolar ou em tecido
direros. como rejeição aguda e crónica, alterações vas- pulmonar. O CMV é um freqüente agente de pneumonia
cu lares oclusivas do enxerro, doença linfoproliferariva e intersticial para imunocomperentes mas, ao contrário des-
superinfecção bacreriana, fúngica e virai. elevam con- ces, observa-se nos imunocompromeridos quadros graves
sideravelmente a morbidade no pós-uansplante. Parte muitas vezes fatais. Entre os achados radiográficos descri-
dessas complicações se relaciona com a invasividade ws, têm-se o infiltrado interst icial difuso e/ou peribrônqui-
vascular e capacidade im unorreguladora do vírus. co, hiperinsuflação e por vezes micronódulos. A detecção
Os determinantes de risco de infecção ciromegá- vi rai deve ser realizada por cultura, histopatologia, imuno-
lica no rransplantado dependem essencialmente do histoquímica ou hibridizaçâo in situ. A detecção do CMV
status soro lógico do doador e receptor do órgão, bem isoladamente em PCR não autoriza definição diagnósrica
como do grau de imuno ssupressão. Tanto a incidência devido à elevada sensibilidade do método. A existência de
quanto o risco de adoecimento e manejo profilárico e coparógenos. como o Aspergillus, juntamente com altera-
terapêutico relacionam-se com a estratificação do per- ções de imagem sugestivas de aspergilose, direcionam o
fil sorológico do doador e recepror. Assim, alto r isco diagnóstico para infecção fúngica e não virai.
ocorre quando o recepror do ó rgão é soronegarivo e o
doador é seropositivo; m édio risco ou risco interme-
b) Doença gastrintestinal
d iário quando o recepwr é soroposirivo, independente
da sorologia do doador, e baixo risco quando ambos Identificada pela combinação de sintomas do TGI
são soronegativo. baixo ou alto + lesões (endoscopia) + demonstração do
Portadores do vírus HIV com imunodeficiência CMV (cul tura, hisroparológico, imunohisroquímica ou
apresentam aumento da prevalência de infecções hibridizaçào in situ) em biópsia. A PCR realizada isolada-
oportunistas e, entre essas, o CMV. A cc-in fecção HIV- mente não estabelece o diagnóstico.
CMV rem sido relatada em cerca de 90% dos homos-
sexuais masculinos portadores da infecção pelo HIV.
c) Hepatite
Uma elevada porcentagem destes apresenta elimina-
ção do vírus CMV na urina, m esm o na ausência de Definida pela elevação de bilirrubinas e rransam inases
imunodeficiência. N aqueles com doença manifesta, na ausência de o urra causa de hepatite + detecção do vírus
com CD4 <100 cels/mm3, há significativo aumento em fragmento de biópsia (cultivo. HP, IHQ e hibridizaçào).
na freqüência de doença grave. A ciromegalovirose é
também a doença virai oportunista mais freqüeme no
d) Doença do SNC
portador de HIV, sendo que 21 a 44% dos pacientes
sem terapia anti-reuovira l altamente at iva (HAART) Sintomas neurológicos associados à detecção do CMV
apresentam doença ariva pelo CMV. A ret inire, a do- em líq uor através da PCR, cultivo ou biópsia cerebral. O
ença do SNC e do uaco gasuim est inal são as form as acometimento neurológico é mais comum que a franca
clínicas mais freqüemes e graves. meningoencefalire. A sintomarologia inclui cefaléia, farofa-

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo citomegalovírus 621


bia, rigidez de nuca, déficit de memória e incapacidade de se relativa com linfocirose atípica e rrombociropenia. A
concentração. Na imunodeficiência pelo HIV, o comprome- leucomerria pode estar normal, diminuída ou elevada.
timento do SNC pelo CMV ocorre em cerca de 50% dos ca- Pode ocorrer aumento discrero das transam inases. Mes-
sos, sendo o principal responsável pelo quadro demencial. mo após a resolução da doença, pode haver excreção
do vírus por anos. Para a identificação do agente ou de
antígeno virai, utiliza-se metodologia direta através da
e) Retinite
coloração, ensaios, cu lturas e/ou tecnologia molecular.
Costuma estar presente em 17 a 41% dos RNs com Os mérodos moleculares contribuem em situações de
CMV congêniro, sendo muiro freqüente em indivídu- baixa sensibilidade, lentidão na obtenção de resultados
os imunocomprometidos. Lesões típicas à fundoscopia pela via convencional e possibilitam, inclusive, aborda-
sempre requerem acom panhamento do oftalmologis- gem e tratamento precoces. Contudo, a opção por essa
ta. O infiltrado na retina é esbranquiçado, perivascular ferramenta deve considerar o cusro-benefício, a dispo-
e hemorrágico. Inicialmente, o paciente é assintomático, nibi lidade local e o poder discrim inatório entre infecção
havendo progressivo compromecimenco da visão até a aciva e latente. A utilização de mérodos indiretos direcio-
cegueira. nados à detecção de anticorpos depende não somente
da sensibilização prévia, com o também do padrão de
resposta individual.
j) Nefrite
A abordagem laboratorial da infecção pelo CMV de-
A PCR não define o diagnóstico. É necessária a de- pende essencialm ente do t ipo de paciente sob suspeita:
tecção do vírus em biópsia renal, além da verificação da se imunocompetente, imunocomprometido, gestante
disfunção renal. ou recém-nascido.
Os m érodos laboraroriais utilizados na infecção pelo
CMV compreendem:
DIAGNÓSTICO lABORATORIAl DA • demonstração do agente infeccioso ou seus efei-
INFECÇÃO PElO CMV tos nos tecidos;
• pesquisa de antígenos virais e anticorpos em san-
Durante a última década, avançou -se muico no gue circulante;
manejo da doença e infecção pelo CMV, resultado do • pesquisa do genoma virai;
desenvolvimento de técnicas diagnósticas moleculares • isolamento do agente infeccioso.
para detecção virai. A s conferências internacionais sobre
o CMV em Paris em 1993 e Esrolcomo em 1995 modifi- O diagnóstico de certeza depende da demonstra-
caram a abordagem e definição da infecção pelo CMV, ção hisrológica ou do isolamento virai associados a qua-
rendo em vista os novos critérios moleculares. Posterior- dro clínico compatível.
mente, com a evolução da profilaxia direcionada, obser-
vou-se redução importante da incidência e das compli-
cações associadas à infecção do CMV, principalmente no Citologia e histologia
recepcor de órgãos.
A observação de inclusões intranucleares (t ipo
Cowdry), além da imunohiscoquímica e hibridização in
PRINCÍPIOS DO DIAGNÓSTICO LABORATORIA L situ, pode elevar a sensibilidade da pesquisa do CMV em
DA INFECÇÃO PELO CMV fragmento cecidual (Figura 49.1).
A pesquisa da inclusão ciromegálica identifica a pre-
Como nas demais doenças infecciosas, o diagnóstico sença de inclusões virais nucleares ou ciroplasmáticas e
é basead o nas informações clínicas e epidemiológicas, permite a determinação rápida da infecção pelo CMV
exame físico e propedêutica laborarorial. Em relação aos em amostras de urina, secreção respiratória e genital,
achados laboracoriais inespecificos, o bserva-se linfociro- líquor (LCR) e outros líquidos orgânicos. As amostras

622 ( Medicina laboratorial para o clínico


devem ser colhidas e fixadas em álcool e encaminhadas colheita) e a dificuldade de realizar o exame diante de
ao serviço de anatomia patológica em tempo inferior a leucopenia. Não há ainda definição quanto ao valor de
uma hora. Apesar de a cicologia apresentar sensibilidade corte do teste, havendo grande variabilidade na litera-
inferior ao cultivo, apresenta como vantagem a rapidez tu ra. Tem sido sugerida, como marcador de replicação,
de execução. Contudo, ciwlogias negativas não excluem a identificação de 10 células em aproximadamente
o diagnóstico. A caracterização de doença ativa persiste 200.000 leucóciws contados. A definição desse valor
como um entrave para a interpretação dos resultados. de corte é necessária. pois é possível o encontro espo-
rádico de poucas cél ulas positivas. sem que isto signi-
fique atividade da doença. Em geral. a infecção ativa
implica aumento do número de células infectadas com
o passar dos dias. Assim, a interpretação dos resultados
considera não somente o número de células infectadas
em uma amostra única. como também os valores de
análises seqüenciais (ex: aumento do número de células
positivas em exames seqüenciais, com dois dias de in-
tervalo). Nos transplantados, realiza-se anrigenemia se-
qüencial com freqüência semanal durante os primeiros
três meses do cransplante e, posteriormente, sempre
que houver suspeita clínica. Nesse caso, se a antigene-
Figura 49.1 - Biópsia tecidual corada por HE, evidenciando
inclusões virais. Ver prancha colorida mia for positiva, mas com valores inferiores a 10 células.
repete-se o teste com intervalo de dois ou crês dias para
Determinação da antigenemia acompanhamento. O tratamento preemptivo com an-
(detecção de antígenos virais) tiviral é recomendado se o resultado da antigenemia
apresentar padrão ascendente ou número considerável
de células positivas (>10/200.000).
Trata-se de mécodo quantitativo, que permite esti-
mar a carga virai. Nesse teste, amostra de sangue peri-
férico é colhida em EDTA ou heparina, sem necessidade
de jejum. Os eritrócitos são lisados e os neutrófilos são
ciwcentrifugados em uma lâmina e posteriormente in-
cubados com anticorpos monoclonais, marcados com
substâncias fluorescentes, anriproteína pp-65 relaciona-
da à replicação virai. que caracteriza infecção ativa. Os
neutrófilos infectados pelo CMV são identificados pe-
los anticorpos monoclonais (Figura 49.2). O resultado é
dado pelo número de células positivas em relação ao
número total de leucócitos contados em microscópio Figura 49.2 - Antigenemia para CMV demonstrando células
de fluorescência. Assim como na pesquisa quantitativa positivas. Ver prancha colonda
do DNA virai. esse exame tem a vantagem de identifi-
car a replicação do vírus ames da doença manifestar-se. Detecção do DNA virai
fato que permite o tratamento preventivo. A sensibi-
lidade do teste é de aproximadamente 90% e os re-
sultados são emitidos no mesmo dia. Porém, o teste A utilização de ensaios moleculares para detecção virai
é artesanal e laborioso e poucas amostras podem ser exige a extração do DNA. amplificação de seqüências com
avaliadas de cada vez. Outras limitações são a necessi- iniciadores (primers) específicos, seguido de revelação. Emre
dade de processamento rápido da amostra (até 6h da os métodos disponíveis, estão: a reação de polimerização

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo citomegalovírus 623


Isolamento virai
em cadeia (PCR) qualicaciva ou quamicaciva - cambém co-
nhecida como carga virai; a hibridização e o NASBA e. mais
recentemente, a pesquisa quantitativa pelo método da PCR O cultivo do CMV em laboratório é possível. Entre-
em tempo real. Apresenta sensibilidade superior à cultura tanto. é um método laborioso, demorado (até seis sema-
e antigenemia. Aqui também encontramos as dificuldades nas) e exige laboratório capacitado a realizar cultivos de
inerentes ao mécodo, pois ainda são poucos os laboratórios células para que estas possam albergar o vírus, quando
que dispõem de serviços de biologia molecular e o cusco do inoculadas. Não é método disponível na rotina laborato-
exame ainda é muico alco, principalmente para a rede públi- rial pública e raramente serviços de diagnóstico privado
ca. Portanto, é preferível consultar sempre o laboratório o adocam. O método de cultivo. conhecido como shell
antes de solicitar a colheita do material. a fim de saber o via/, consiste na demonstração rápida do vírus no meio
método disponível ou mais viável. O DNA virai pode ser de culcura, quando anticorpos monoclonais antiCMV
recuperado em fragmento de tecidos. plasma/soro, BAL. marcados com fluorocromo reagem com o inóculo.
urina, LCR e células mononucleares do sangue periférico Esse método de cultivo rápido permite a detecção do
(PBMC). As amostras devem ser colhidas em reci pientes vírus em até 48 horas, mas também não é realizado pela
adequados, podendo comer anticoagulantes. exceco he- maioria dos laboratórios. As amostras são espécimes
parina. A determinação qualitativa do DNA virai é muito orgânicos, tais como urina, secreção da faringe (criptas
útil no diagnóstico da infecção quando a pesquisa dos an- da tonsila), lavado-bronquioalveolar (BAL). fragmento
ticorpos não determina o diagnóstico ou quando esse não de biópsia. fezes e sangue (utilizando heparina como
é possível por meio de técnicas convencionais. Esse exame anticoagulante). Caso a amostra seja colhida por swab,
também é considerado método ideal para avaliação do recomenda-se manutenção em ambiente úmido e frio,
recém-nascido com suspeita de infecção transmitida pela sem congelamento. O transporte ao laboratório e o pro-
mãe, uma vez que os anticorpos lgG maternos atravessam a cessamento devem ser rá pidos para manter a viabilidade
placenta e nem sempre é possível detectar lgM antiCMV no virai. Esses exames não são de escolha para análise de
bebê. Outra vantagem é o diagnóstico de encefalite ou po- amostra liquórica devido à baixa sensibilidade.
lirradiculopatia pelo CMV no indivíduo infectado pelo HIV
e a detecção virai no humor vítreo. Quando se utiliza téc-
nica quantitativa (carga virai), pode-se inferir doença ativa, Diagnóstico sorológico
já que o número de cópias do vírus por mililitro de plasma
relaciona-se com atividade replicativa virai. Desta forma, a A demonstração, no sangue circulame. de anticorpos
determinação da carga virai é reservada aos indivíduos que que reagem com o CMV é o exame mais comumente
apresentam suspeita de reativação da infecção prévia laten- disponibilizado pelos laboratórios. Reflete a presença in-
te. como os transplantados. Essas técnicas reconhecem a direta do vírus, uma vez que sinaliza seu reconhecimento
atividade virai ames da doença manifestar-se clinicamente. antigênico pelo sistema imune. Diferentes isotipos estão
Estudos recentes revelam sensibilidade superior à antigene- presentes em fases distintas da infecção. Alguns não atra-
mia, podendo identificar 96% dos casos de doença. com vessam a barreira placentária e constituem ferramentas
especificidade aproximada de 82%, valor preditivo negativo úteis, quando corretamente utilizados. Os primeiros anti-
(VPN) de 99%, valor preditivo positivo (VPP) de 53%. As- corpos a serem detectados no sangue, após duas a quatro
sim, a elevada sensibilidade, especificidade e precocidade semanas da infecção, são da classe lgM. Segue-se. com o
do teste permitem a utilização de tratamento preventivo tem po, a produção de grandes quantidades de lgG, com
ou preemptivo para esse grupo com maior risco de adoe- as mesmas especificidades, fenômeno conhecido como
cimento, lembrando que um teste negativo praticamente mudança de classe (class-switch). Esses anticorpos lgG
afasta a hipótese de doença. Recentemente, estudos mos- são produzidos com afinidade cada vez maior para os
traram correlação entre a carga virai (n° de cópias do vírus/ antígenos virais, permanecendo detectáveis por toda a
n° de polimorfonucleares circulantes) e o risco de seqüelas vida do indivíduo. Ao contrário, a lgM tende a negativar-
em recém-nascidos infectados por via congênita, trazendo se com a cronificação da infecção. Essa resposta de lgG,
novas perspectivas para o uso do exame. porém, não deve ser confundida com imunidade ao vírus.

624 ( Med icina laboratorial para o clínico


pois esses anticorpos não eliminam o vírus, que permane- entre reativação da doença e reaparecimenco de lgM,
ce convivendo com o hospedeiro, na sua forma latente. esta não deve ser solicitada. Da mesma forma, podem-se
Durante a fase aguda, é possível deteccar, em menores observar picos isolados de lgM, mesmo durante a fase
quantidades, anticorpos lgA e lgE contra o vírus. Na fase de latência, sem importância clínica.
latente, podem também ser encontrados alguns picos
isolados de lgM, sem que isco reflita reativação. Quadro 49.1 - Perrrs sorológicos na infecção pelo CMV
Os mémdos mais comumente utilizados para detec-
ção destes anticorpos são ELISA e suas variações (MEIA, lgG-/IgM - indivíduo susceptível; sem contoto prévio com
o vírus. Neste, o viragem de lgM ou lgG
ELFA, ELISA de captura etc). Também já podemos contar reflete soroconversão agudo
com a quimioluminescência e sua grande sensibilidade. lgG+/IgM- ndívíduo portador do vírus. Refere-se à moro
Alguns testes fornecem resultados apenas qualitativos, rio do população adulto no Brasil
enquanto outros permitem determinações semiquanti- lgG-/IgM + suspeito de soroconversão recente. Repele
se o teste em 15 o 20 dias poro verificar
tativas. Esses últimos possibilitam o acompanhamento
viragem de lgG
de tículos quando o seguimento sorológtco do paciente
lgG+/IgM+ infecção oguoo. IÓ com produção de lgG.
for necessário. lgM residual ou lgM folso·posit vo Real zor
avidez de lgG

PERFIS SOROLÓGICOS DE DIFERENTES


SITUAÇÕES CLÍNICAS
SOROLOG IA NA GESTANTE
SOROLOG IA NO INDIVÍDUO
IMUNOCOMPETENTE Uma mulher, ao engravidar, terá, na maioria das
vezes, adquirido a infecção na infância. Portanco, será
De modo geral. a detecção isolada de lgM anti- possuidora do perfil lgG pos/lgM neg. sem riscos para
CMV não acompanhada de lgG num indivíduo sinto- o bebê. Poucas serão susceptíveis, lgG neg/lgM neg, e
mático com suspeita de infecção aguda sugere forte- menos ainda apresentarão o perfil de soroconversão
mente o diagnóstico. Naqueles assintomáticos, como recente, lgM ps/lgG neg. Estas últimas deverão ser con-
doadores de órgãos e/ou sangue, o perfil encontrado duzidas como já explicado: faz-se novo exame 15 a 20
é, em sua maioria, lgG positiva/lgM negativa. Casos de dias após o primeiro para verificação da viragem de lgG,
lgM positiva com lgG negativa devem ser seguidos de confirmando-se, então, o diagnóstico de infecção aguda
novo exame, 15 a 20 dias após o primeiro, para verifi- e soroconversão recente. Se o método for semtquan-
cação da viragem de lgG e, se possível. com a deter- titativo, é possível monicorar o aumento dos tícu los. É
minação da lgA antiviral. confirmando-se o diagnósti- importante ressaltar que a gravidez em si é um forte
co de infecção aguda e soroconversão recente. Caso estímulo à resposta humoral generalizada. Portanto. é
esta não ocorra, deve-se pensar em lgM falso-positiva. comum reações falso-positivas em vános testes soroló-
(Quadro 49.1) gicos, inclusive lgM fa lso-positiva. Também há casos em
que gestantes susceptíveis apresentam viragem apenas
para lgG na gravidez. Se o exame se confirma em outra
SOROLOGIA NO IND IVÍDUO amostra, considera-se soroconversão aguda.
IMUNOCOMPROMETIDO Atualmente, com o desenvolvimento de métodos
cada vez mais sensíveis, tornou-se freqüente a detec-
A sorologia apenas informa se o indivíduo alberga ou ção de lgM em baixos níveis acompanhada de lgG em
não o vírus em seu organismo. lgG positivo indica indi- níveis estáveis, chamada lgM residual. Esta pode per-
víduo portador, mas o diagnóstico da reativação ou de manecer por anos após o episódio agudo inicial. Logo.
doença por CMV reside em outros mécodos que não a presença de lgM pode não ser indicador seguro de
sorológicos, como já explicado. Como não há correlação fase aguda nesses casos. Então, diante de uma gestante

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo citomegalovírus 625


lgG+/IgM+, como raciocinar7 Estamos diame de três mécodos atuais é garantir maior sensibilidade para
possibilidades: infecção aguda com produção de lgG dececção de lgM, na suspeita de infecção vertical.
ou lgM residual ou lgM falso-positiva . Provas adicio- Mesmo assim, a resposta imune humoral dos bebês
nais são necessárias para elucidação do perfil. Estas pode não ser suficiente para que o teste seja positi-
consistem em: vo. Portanto. uma pesquisa isolada de lgM, quando
1. Repetição do exame pelo mesmo mécodo e no negativa, desde que haja suspeita epidemiológica
mesmo laboratório. para avaliar níveis de anti- (sorologia materna) e/ou clínica. não exclui infecção.
corpos, sempre com pareamenco de amostras: Deve-se, então, repetir o exame após algum tempo,
amostra-resgate da primei ra amostra de sangue comparar os níveis de lgG materno com os da crian-
ensaiada. em paralelo com a segunda (uma vez ça e pesquisar lgA o u lgE para aumentar a sensibili-
que os laboratórios conservam as amostras em dade_ Após os seis meses. a permanência de anticor-
sororeca por até seis meses). Caso ocorra aumen- pos maternos já não é mais o bservada. Contudo, o
to de no mínimo quatro vezes, sugere-se produ- teste ideal. por tratar-se de organismo não primado.
ção ativa de an:icorpos. Títulos estáveis apancam é a detecção de DNA virai. Se disponível. é o teste de
o contrário; escolha não só para a infecção congênita por CMV.
2. Avaliação da amostra por método convencional mas para as dema is doenças do grupo TORCHS.
para pesquisa de lgM (ex. ELISA mdireto). Esses No feco. é desc rita a pesquisa de lgM em sangue de
métodos ainda obedecem ao amigo padrão no cordão um bilical após a 22" semana gestacional. O
qual lgM perrranece de três a seis meses detec- exame apresenta baixa sensibilidade e a pesquisa do
tável após uma infecção aguda; DNA virai em líquido amniótico carece de ultra-so-
3. Pesquisa da avidez de anticorpos lgG: é o mé- nografia para colheita. Impo rtante: toda sorologia
todo preferencial. Baseia-se no conhecimento no feto/bebê deve ser avaliada em conjunto com a
imunológico no qual. na fase aguda. os anticor- sorologia materna (Figura 49.3).
pos têm menor afinidade funcional/avidez pelo
amígeno. que vai aumentando com a cronifica-
ção da doença. Assim, numa gestante com per- CONSIDERAÇÕES FINAIS
fil lgG+/ IgM+ com resultado de baixa avidez,
confirma-se infecção aguda/recente; e aquele A infecção pelo CMV pode ter resu ltados desas-
de alta avidez o afasta. Em nossa casuística, a trosos para pacientes im unocomprometidos e grávi-
maioria das gestantes submetidas ao teste são das_ A infecção pri mária da mãe durante a gravidez
portadoras de lgM residual, refletindo. por- está associada a anormalidades feta is e doença neo-
tamo, apenas a alta sensibilidade dos métodos natal. A doença pelo CMV no transplantado e por-
acua1s para lgM. Ressalta-se, entretanto, que o tador de imunodeficiência é igualmente deletéria,
ma1or poder de discriminação do exame é até a considerando-se a perda do enxerco, a imunossu-
20• semana de gestação; pressão decorrente da infecção e até compl icações
4. Pesqu1sa de lgA ou lgE antivírus: essas imunoglo- fatais. Apesar de d ispormos atualmente de instru-
bulinas podem estar presentes na fase aguda. O mental refinado que pode nos auxiliar na detec-
exame apreserca baixa sensibilidade, não sendo ção precoce da doença e possibilitar a intervenção
realizado na maioria dos serviços. oportuna. encontramos as dificuldades relativas ao
reduzido número de laboratórios que possuem ser-
viços de biologia molecular. em particular na rede
DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO CONGÊN ITA NO pública. Há de citar-se ainda o alco custo do exame.
RECÉM-NASCIDO OU NO FETO Para o futuro. esperamos que a abordagem possa
ser mais efi caz, com o controle dos efeicos destruti-
Dev1do à passagem placentária da lgG mater- vas da infecção pelo CMV e o dese nvolvimenco de
na, deve-se pesquisar lgM. A grande vantagem dos vacina eficaz e segura_

626 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1- - - -- - - - - -- - -- - - - - -- -- - - - - - - - - - -


Situação I Situação 2 Situação 3 Situação 4

<20 semanas

Teste de Considerar
infecção
agudo no
gestação

Encaminhar
poro
propedêutico
fetal
poro
propedêutico poro
fetal propedêutico
fetal
Sorologio
trimestral

• Se disponível

F1gura 49.3 - Rouna pré-natal da momegalowose, conforme resultado da sorologia materna.

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Investigação labo rato rial do paciente com infecção pelo ciromegalovírus 627
Taciana de Figueiredo Soares
50
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM RUBÉOLA

A rubéola é uma doença exantemática virai aguda demia de rubéola na Austrá lia, Gregg relarou a ocorrên-
que acomete crianças e adultas. Embora seja consi- cia de cataratas congênitas entre 78 crianças nascidas de
derada uma doença benigna, adquire relevância pelo mães com diagnóstico de rubéola precocemente na gra-
faro de que mulheres grávidas susceptíveis, uma vez videz. Dessas crianças, mais da metade apresentava de-
Infectadas, podem uansmiti-la por via rransplacentá- feitos cardíacos congênitos associados. Esta foi a primeira
ria. O recém-nascido poderá vir a apresentar seqüelas evidência da síndrome da rubéola congênita (SRC).
como surdez. catarata, defeitos cardíacos e reta rdo
mental. Quanto mais recente a gestação à época da
infecção, mais devastadoras as complicações. Por cau- O VÍRUS
sa desse pocencial terarogênico, a doença é de nocifi-
cação compulsória em vários países, inclusive no Bra- O Isolamento do vírus ocorreu em 1962 (Parkman
sil. e os dados obtidos formam a base para a definição e Weller). sendo classificado como um membro da fa-
e implantação das políticas nacionais de controle da mília Togaviridae. gênero Rub1wus. A panícula wal é
enfermidade. A confiabilidade dessas ações depende esférica, com diâmetro de aproximadamente 60nm; o
da correlação do conhecimento profundo dos as- envelope envolve o nucleocapsídeo, cujo d1âmetro é de
pectos clínicos e epidemiológicos da infecção com a aproximadamente 30nm, sendo composw de uma hé-
precisa indicação e interpretação dos mérodos labo- lice de RNA (9762 nucleocídeos). São descntas estrutu-
ratOriais empregados no seu diagnóstico (correlação ras pohpepcídicas associadas ao vírus, denominadas E1.
clínico-laboratorial). Nesse contexto, a participação E2 e C. As estru turas E1 e E2 são glicoproteínas rrans-
do laboratório é de inegável importância na definição membranas; C é a proceína do capsídeo que envolve
do diagnóstico da infecção aguda pré e pós-natal. da o RNA do vírion . Respostas imunológicas humoral e
infecção congênita e na avaliação do estado imunoló- mediada por células são induzidas contra as proteínas
gico da população. estrutu rais El. E2 e C porém, El parece ser imunodoml-
Descrita inicialmente como uma variante do saram- nante. Embora o vírus da rubéola seja antigenicamente
po e nomeada a "terceira moléstia", somente em 1814 a estável. estudos seqüenciais do open readingjrame da
doença foi identificada como uma entidade infecciosa glicoproreína E1 reconheceram dois genótipos distin-
isolada e denominada "sarampo alemão". Em 1914, Hess tos. O genótipo I inclui 60 vírus e é predominante na
postulou uma possível causa virai, fato confirmado em Europa, América do Norte e Japão, embora circule por
1938 por Hiro e Tosaka. Em 1941, um ano após uma epi- quase todo o mundo; o genótipo 11, que inclui três ví-
rus, é predominante na Índia e China, sendo restrito ao habitantes) e em Recife (período de 1999-2000 com 31
continente asiático. Como há reatividade cruzada entre casos de SRC). Mesmo com a vacinação obrigatória e
os antígenos, a imunização com tais vírus pode desen- disponível para toda a população, dados do Ministério
cadear imunidade contra wdos os vírus da rubéola. da Saúde demonstram que, até a semana epidemológica
O vírus sofre inativação por solventes lipídeos, trip- 52 do ano de 2007, foram confirmados surtos de rubéola
sina, formalina, luz ultravioleta e pH extremo; é termo- em 20 estados do Brasil com um total de 8.683 casos de
lábil, sendo inativado rapidamente a 3rC. à tem pera- rubéola pós-natal (3.642 na reg1ão sudeste) e 17 casos de
tura ambiente e ao calor, mas pode ser estocado por rubéola congênita (12 deles na região sudeste) - (Fome:
curto espaço de tempo a -20°(. além de ser estável por http://portal.saude.gov.br/portal/arq uivos/pdf/nota_ ru-
meses a -60°(. beola140708.pdf).

EPIDEMIOLOGIA PATOGENIA E APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Trata-se de enfermidade disnibuída por todo o RUBÉO LA PÓS-NATAL - RU BÉOLA AGU DA


mundo, que não conta com vetares de transmissão e
não tem reservatórios animais. A aquisição da infecção A transmissão pós-natal do vírus da rubéola ocorre
se dá por comato imerpessoal, por meio de secreções a partir do cantata com secreções contaminadas com a
que albergam o vírus. aquisição do microrganismo por via inalatória; a replica-
Até o estabelecimento dos protocolos vacinais, epi- ção inicial do vírus dá-se provavelmente nas células do
demias por rubéola eram freqüemes, com intervalos de trato respiratório superior, com conseqüente dissemi-
seis a nove anos, acometendo principalmente as crianças. nação por via hematogênica, envolvendo vários órgãos,
Ainda hoje o vírus é endêmico em locais onde a vacina- inclusive a placenta. O período de incubação varia de 14
ção não é rotineira. Naquelas áreas onde os esquemas a 21 dias (média de 18 dias). seguido pelo su rgimento de
vacinais adequados são utilizados, a maioria das infec- um exantema morbiliforme que coincide com o início da
ções ocorre em indivíduos mais velhos. Pessoas vacina- resposta humoral e com o declínio da viremia, sugerindo
das recentemente não transmitem a infecção, embora um fator imunológico para o exantema (Figura 50.1).
o vírus possa ser isolado da faringe por curto período de Após a infecção, uma proteção duradoura contra
tempo após a vacinação. a doença se desenvolve, protegendo a maioria dos in-
As vacinas de vírus vivo atenuado são utilizadas des- divíduos de novos ataques. Entretanto, podem ocorrer
de 1969 na prevenção da infecção em crianças e jovens reinfecções que são, na maioria das vezes, assintomáticas
e contribuíram para a redução da prevalência da infec- e detectadas por meio de testes sorológ1cos, traduzindo-
ção congênita. Nos Estados Unidos, em 2001. somente se em significativo aumento dos títulos séricos de anti-
23 casos de rubéola pós-natal e três casos confirmados corpos; acometem tanto indivíduos naturalmente imu-
da síndrome da rubéola congênita foram notificados ao nizados como aqueles que receberam cobertura vacinai,
Centro-de Controle de Doenças (CDC) contra 12 mi- sendo mais comum neste grupo. As reinfecções são
lhões de casos de rubéola pós-natal e 20 mil de rubéola também mais freqüentes entre aqueles indivíduos cujos
congênita na mais recente epidemia naquele país no pe- títulos de anticorpos inibidores da hemaglutinação (HAI)
ríodo de 1964 a 1965. No Brasil, a vacina de vírus vivo ate- são iguais ou inferiores a 1/64; porém, mesmo entre in-
nuado faz parte do calendário básico de vacinação (uma divíduos, vacinados ou não, que apresentam esses níveis
dose entre 14-18 meses de idade) desde 1992, época em de anticorpos, a taxa de incidência de reinfecção é signi-
que tal política de saúde foi instituída no estado de São ficativamente mais alta entre vacinados. Viremia é rara
Paulo, tendo sido progressivamente estendida para todo nas reinfecções, embora o vírus possa ser recuperado da
o país até o ano de 2000. Nesse período, foram notifi- faringe. Uma questão controversa é se a ocorrência de
cadas epidemias de rubéola em São Paulo (período de episódios de reinfecções durante a gestação poderia re-
1999-2001, com taxa de incidência de SRC de 7,5/100.000 sultar em transmissão do vírus para o feto.

630 [ Medicina laboratorial para o clínico )~------------------------------


Doença
lg total (HAI)
Avidez
de lgG
Vírus no (%)
64 faringe
·······•······... ,/,'
32
16 ""' \
,·...,.
I 50

4
t
o t±=+~~:J~~--~~~~~~~J o
2 3 4 5 6 2 3 4
linfoodenomegolio I
I· Artrolgio I· Semanas Meses

Figura 50.1 -Perfil de anticorpos na rubéola primária: desenvolvimento de lgG e lgM específicas e aumento da avidez de lgG.

A doença aguda se manifesta desde um quadro sub- A ocorrência de imunocomplexos antígeno virai-
clínico até sinais e sintomas leves ou moderados. como anticorpo é descrita tanto em infecções naturais quanto
adenopatias, febre e exantema. Sinais prodrômicos da após vacinação. A deposição desses imunocomplexos
doença. como mal-estar, febre e anorexia, são encomra- pode ser um dos mecanismos patogênicos das aruopa-
dos em adolescemes e adultos infectados, sendo raros tias e das manifestações tardias na SRC.
em crianças. A seguir, a doença se estabelece. As mani-
festações mais freqüentes são linfoadenomegalia reno-
auricular e cervical posterior, além de examema morbi- RU BÉOLA ADQUIRIDA CONGEN ITAMENTE -
liforme, não coalesceme, róseo, que surge inicialmeme SÍNDROME DA RUBÉOLA CONGÊN ITA
na face e região cervical e que se desenvolve em semido
crânio-caudal, esmaecendo e desaparecendo ao fim do A incidência da rubéola congênira depende da
terceiro dia. O examema pode ser acompanhado por população, do número de indivíduos susceptíveis, da
circulação do vírus na comunidade e do emprego dos
coriza e conjuntivite. O diagnóstico diferencial deve ser
esquemas vacinais preconizados. A síndrome é a con-
confrontado com enfermidades como toxoplasmose,
seqüência da passagem cransplacemária do vírus da
sarampo, parvovirose Bl9, doença de Kawasaki, escar-
rubéola durante o período de viremia experimentado
latina, enteroviroses, exantema súbito, mononucleose,
por uma gestame susceptível. Após a infecção pla-
varicela e reações medicamentosas. Embora a rubéola
centária, ocorre viremia fetal com disseminação para
tenha aspecto benigno, complicações como artralgias,
vários órgãos. As lesões decorrentes da infecção resul-
artrites (principalmente em mulheres), manifestações
tam da combinação de dano celular induzido pelo ví-
hemorrágicas (mais freqüente em crianças) e encefalite
rus e do efeito do próprio vírus nas células em divisão,
(um em 5.000 casos) são descritas. comprometendo o ciclo celular e o desenvolvimento
A detecção da resposta humoral é possível tão dos órgãos em formação. Autópsias de neonatos com
logo surja o exantema. A imunoglobulina lgM apare- rubéola congênita demonscram órgãos hipoplásicos
ce juntamente com os primeiros sintomas e pode ser com número reduzido de células. Os danos secundá-
identificada por mais de um ano. lgG e lgA podem rios à infecção observados no feto estão direramente
ser demonstradas por volta da segunda semana de relacionados à idade gestacional; quanto mais jovem
infecção. As imunoglobulinas G detectadas nas fases o feto à época da infecção, mais graves serão as con-
mais precoces da doença são de baixa avidez, sofrendo seqüências. O feto rem 65 a 85% de chances de ser
maturação gradual com a cronificação do processo. infectado se a gestante adquirir a doença nos dois

Investigação laboratorial do pacieme com rubéo la 6 31


primeiros meses de gravidez. A instalação da infecção de anticorpos antiEl. Há compromerimef)to da res-
fetal precocemente na gestação favorece a cronifica- posta mediada por células, incluindo a citotoxicidade
ção e a persistência virai, além de induzir abortos es- e a secreção de linfocinas in vitro, sugerindo a instala-
pontâneos ou defeitos congênitos, que poderão ser ção de mecanismos de rolerância capazes de interferir
transitórios ou permanentes, comprometendo o de- no clareamento do vírus.
senvolvimento da criança e do adolescente. O mais
comum dos defeitos de desenvolvimento é o retardo
mental de grau moderado a grave, que gera a necessi- DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA RUBÉOLA
dade de cuidados especiais para aquelas crianças mais
comprometidas. Tend~ em vista que a rubéola aguda pode ter cará-
Se a gravidez chega a termo, o neonaro pode apre- ter subclínico e inespecífico, o diagnóstico definitivo da
sentar sinais da infecção congênita, tais como: baixo peso, infecção deve basear-se na detecção/isolamento do ví-
microcefalia, microftalmia, icterícia, glaucoma, retinopatia, rus e/ou na demonstração de títulos de anticorpos lgG
catarata (50% dos casos é bilateral), anormalidades car- séricos em ascensão e/ou pela demonstração de lgM
díacas, tal como persistência de dueto arterial, estenose sérica positiva.
da artéria pulmonar, estenose de válvula aórtica, defeitos As estratégias de diagnóstico laboratorial da infecção
septais, tétrade de Fallot, coarctação de aorta, hepatite, pelo vírus da rubéola serão discutidas a seguir.
anemia hemolítica, plaquetopenia, micrognatia, osteopa-
tia de ossos longos, entre outros. Por outro lado, os bebês
podem nascer sem qualquer evidência da infecção con- ISOLAMENTO DO VÍRUS
gênita e apresentar na idade escolar ou adulta surdez uni
ou bilateral, retardo mental, miopia grave, lesões oculares O vírus da rubéola está presente desde uma sema-
como o glaucoma, autismo, tireoidite e diabetes melito na antes do surgimento do exantema na oro e nasa-
tipo 1. Por isso, a rubéola congênita não pode ser consi- faringe, bem como no sangue periférico. Embora as
derada uma doença estática. partículas virais sejam clareadas do sangue tão logo
A resposta humoral na SRC difere daquela obser- surja o exantema, em alguns casos o vírus pode persis-
vada em crianças infectadas naturalmente ou mesmo tir na orofaringe por aproximadamente duas semanas.
imunizadas (Figura 50.2). Na SRC, os bebês não for- Outras fontes de vírus são a urina, o fluido sinovial,
mam anticorpos contra a proteína C e têm baixa rea- raspado de oro e nasofaríngeo, aspirado de cristalino
tividade para a proteína E2, além de pouca produção e o líquido amniótico.

________
..._ 2 3, 2 3 6 1 2 3
~-------~------~' ~
Trimestre Nascimento Id ade (meses) Idade (anos)

Figura 50.2 - Perfil de anticorpos na infecção congénita pelo vírus da rubéola adquirida no primeiro trimestre de gestação.

632 [ M edicina laboratorial para o clínico ]1 -- - -- -- -- -- - -- - - - -- - - -- - -- -- -- -


Cultura virai cataratas congênitas, nas quais a pesquisa do RNA virai é
feita em amostras de aspirado de cristalino.
O vírus pode ser isolado a partir de amostras cor- Para o diagnóstico da infecção incra-útero, podem
porais cultivadas em linhagens celulares contínuas. Em ser utilizadas amostras de líquido amniótico colhidas
várias linhagens celulares derivadas de macacos e coe- após a 153 semana de gestação e do vilo corial colhidas
lhos o efeico cicopácico do vírusé evidenciado. O cultivo encre 10 e 12 semanas. Deve-se ter em mence o risco de
virai pode ajudar na definição de situações em que há abortamento decorrente de tais procedimentos (0,5% e
dificuldade de confirmação da doença, como na artrite 2.3%, respectivamente). Resultados discordantes podem
e na suspeita de rubéola congênita; entretanto, é prática ocorrer, como a detecção do genoma virai na placenta
cara e que demanda mais tempo para ser realizada bem sem evidência na pesquisa no feto, indicando que nem
como para a liberação do resultado (três a quatro sema- sempre este está comprometido. Também é possível a
nas de cultivo, em média); além disso, poucos laborató- ocorrência de falso-negativos na pesquisa do genoma vi-
rios são equipados para realizar tal procedimento. rai na placenta quando há distribuição irregular do vírus
Outra estratégia de diagnóstico a partir da cultura no órgão. Na pesquisa do RNA virai no líquido amnióti-
virai é a utilização de ensaios de imunofluorescência co, resultados falso-negativos são relacionados à colheita
direta para a investigação dos antígenos virais na cultu- precoce da amostra e coincidentes com a natural ima-
ra a partir de três a quacro dias de inoculação. Também turidade renal fetal. o que compromete a excreção de
é possível a pesquisa da presença de RNA virai por partículas virais pelo feto.
técnicas moleculares. Entretanto, resultados negativos A detecção do genoma virai é realizada com a téc-
num primeiro momerto não afastam a presença do nica RT-PCR, que é específica e sensível para a pesquisa
vírus na cultura. do vírus em pequenas quantidades de material. A reação
utiliza iniciadores para o gene El da rubéola, seguida de
PCR nested (aninhada) com iniciadores internos para o
Métodos moleculares mesmo gene. Em contraste com a cultura virai. o método
é rápido, oferecendo resultado definitivo em 24 horas.
A detecção do genoma do vírus da rubéola pode ser
feita a partir de amostras como sangue, raspado de oro e
nasofaringe, do líquido am niótico, vilo corial, do aspirado DETECÇÃO DE ANTICORPOS
de cristalino e de produto de concepção em casos de
análise post-mortem. V sando à otimização bem como A infecção pelo vírus da rubéola induz a produção
a sensibilidade do procedimento molecular, as amos- de anticorpos neuualizames, fixadores de complemen-
tras corporais devem ser colhidas naqueles momentos to e hemaglutinames. Os anticorpos são inicialmente
em que é mais provável o encontro do RNA virai - em detectados no terceiro dia de exantema, chegando ao
infecções pós-natais entre uma semana ames e aproxi- nível máximo de titulação ao fi nal do primeiro mês
madamente duas semanas após o início do examema. de doença. Os anticorpos fixadores de complemento
Devem-se coletar os espécimes livres de contaminação podem ter curta duração, não sendo detectados após
que, tão logo seja feita a colheita, deve~ ser acondicio- um ano ou mais de infecção. Os anticorpos neutrali-
nados em gelo seco ou nitrogênio líquido e encaminha- zantes e hemaglutinantes persistem por toda a vida.
dos imediatamente ao laboratório. Se o procedimento A resposta humoral produzirá anticorpos das classes
de extração de RNA for programado para uma data pos- lgM, lgG e lgA específicas para o vírus da rubéola. Há
terior, o espécime deve ser congelado emre -20° e -80° várias técnicas baseadas em ensaios de neutralização,
C de preferência acondicionado em soluções comendo inibição da hemaglutinação, ensaios imunoenzimáti-
inibidores de RNAse. cos, fixação de complemento, entre outras, disponi-
A principal indicação dos métodos moleculares é bilizadas para a pesquisa dos anticorpos anti-rubéola.
no diagnóstico de infecção intra-útero e na confirma- Aqui discutiremos algumas das mais utilizadas no diag-
ção da SRC. bem como no diagnóstico diferencial das nóstico da infecção.

Investigação la boratori al do paciente co m rubéola 633


Ensaio imunoenzimático (ELISA)
são raros, mas podem ocorrer na presença de alros títu-
los de fator reumatóide lgM. na v1gência de 1nfecção por
É uma das memdologias mais utilizadas na detecção Parvovírus B19 e na presença de anticorpos heterófilos.
dos anticorpos lgG e lgM antivírus da rubéola. Trata-se A pesquisa de lgA pode ser realizada em amostras de
de mécodo ágil. de fácil realização e relativamente ba- soro ou de urina, porém, na prática, não é rotineira, care-
raro. Pode ser rotalmeme auromatizado, resultando em cendo de mémdos padronizados para a sua detecção.
ma1s agilidade na obtenção do resultado e maximizando
o trabalho no laboratório. Essa merodologia vem subs-
tituindo outros testes, como a hemaglutinação indireta, Hemaglutinação indireta (HAI)
pela faolidade de execução. Ensaios associados à quimi-
lummescênoa vêm sendo difundidos pela rapidez dos Até há bem pouco tempo, era considerada a técnica
resultados, pela utilização de pequeno volume de amos- de escolha no diagnóstico da infecção. Embora seja ainda
tra - Importante no diagnóstico da infecção em crianças, utilizada. a HAIvem sendo substituída em alguns serviços
pelo armazenamento dos dados obtidos e principalmen- por técnicas mais simples, ágeis e reprodutíveis. como os
te pela confiabilidade dos resultados. ensaios 1munoenzi máticos. A HAIé um método sensível.
Em estudos epidemiológicos, os ensaios imuno- que pode ser útil na detecção de anticorpos lgG e mo-
enzimáticos moscram-se adequados na definição do dificada para a detecção de lgM e que permite tanto a
estado imunológico de uma população, na qual uma triagem quanto o diagnóstico da infecção se amostras
única dosagem positiva de lgG indica comam prévio de soro obtidas na fase aguda e na fase convalescente
com o vírus, seja em que época for. Acualmenre, é a forem testadas em paralelo. O aumento de quatro ve-
mecodolog1a de escolha para a confirmação de sus- zes ou mais nos títulos de anticorpos lgG em amostras
peita da infecção aguda em crianças e adultos, que se de soro pareadas 1nd1ca infecção recente. Valores per-
baseia na detecção de lgM positivo ou no aumento SIStentes e aba1xo de 1/8 indicam ausênoa de 1nfecção.
da titulação de lgG em quatro vezes ou mais em d uas A técnica detecta anticorpos funcionais. sendo que os
dosagens seriadas, com intervalo de aproximadamente títulos correlacionam-se com o real nível de imunidade.
duas semanas. No diagnóstico da infecção incra-útero, Porém, é uma técnica que demanda tempo para a sua
o teste é útil na investigação de lgM fetal em sangue realização. Testes em soros de paoentes imunossuprimi-
colhido por cordocemese. Ensaios imunoenzimáticos dos podem ter resultados indeterminados; além disso,
utilizando raspado de orofaringe como material para a amostras obtidas de pacientes que tenham recebido te-
pesquisa de anticorpos específicos anti-rubéola já são rapia com imunoglobulinas podem fornecer resultados
disponíveis, sendo adeq uados ao diagnóstico da infec- falso-positivos.
ção congênita em lactentes.
Anticorpos lgM anti-rubéola podem ser identifica-
dos tanto na infecção primária quanto na rei nfecção. Em Test e de avidez de lgG
indivíduos previamente vacinados, a elevação dos títulos
de lgM pode 1nd1car reinfecção. Torna-se. pois, impor- Diante da detecção de anticorpos da classe lgM,
tante enfatizar que títulos baixos de anticorpos lgM po- há indicação da pesquisa de avidez de lgG, com o
dem ser detectados por tempo prolongado após a infec- objetivo de esclarecer se a infecção é aguda ou não,
ção aguda, como resultado, na maioria das vezes, da alta principalmente em gestantes. Como os ensaios para
sensibilidade dos testes imunoenz1mát1COS empregados lgM atualmeme em uso apresentam alta sensibilida-
(lgM residual), sendo um fatar de confusão na definição de. a detecção dessa imunoglobulina pode se dever
de doença ativa ou não, principalmente em gestantes. à lgM residual, relacionada à infecção passada e que
Algumas situações podem favorecer resultados in- pode ser detectada por meses. Assim, através de en-
correcos, tais como: teste realizado em amostras de pa- saios imunoenzimáticos, é possível determinar o per-
cientes imunossuprimidos ou quando há contammação centual de avidez de lgG, o que se correlaciona com
bacteriana do soro. Resultados positivo-falsos para lgM o tempo de infecção. Percentagem de avidez inferior

634 [ Medicina laborarorial para o clín1co


a 30% sugere infecção aguda, ocorrida há menos de mais dos títulos iniciais de anticorpos lgG (soro agudo
três meses. Um teste em que a avidez é maior que x convalescente) ou pela presença de amicorpos lgM
60% indica infecção amiga, ocorrida há mais de crês específicos em um dos espécimes. Os anticorpos lgM
meses, sem risco para o feco. Resultados emre 30% e podem persistir por oito a 12 semanas ou mais (Figu-
60% não permitem definir o tempo provável em que a ra 50.1). Os métodos mais adequados e mais utilizados
infecção ocorreu. para a pesquisa de imunoglobulinas anti-rubéola são os
ensaios imunoenzimáticos.
Assim sendo, por ocasião da exposição ao vírus, a au-
Outros métodos já utilizados na pesquisa de sência de anticorpos detectáveis pelos métodos imuno-
imunoglobulinas anti-rubéola enzimáticos indica susceptibilidade à infecção; a presença
de anticorpos confirma uma infecção passada ou vacina-
lmunofluorescência indireta: Muito empregada ção indicando proteção contra a infecção (Figura 50.3).
nas décadas passadas, era útil no diagnóstico da in- No que se refere à infecção aguda em gestantes, é
fecção receme por evidenciar ascensão dos títulos de fundamental a colaboração entre as clínicas de assistên-
anticorpos da classe lgG em quatro vezes ou mais, em cia pré-natal e os laboratórios de diagnóstico, no sen-
duas dosagens séricas consecutivas, uma aproximada- tido de promover investigação apropriada da infecção
meme sete dias após o início dos simomas e outra na em gestames que tenham sido expostas ou que tenham
fase convalescência, em corno do 16° dia. Apesar de adquirido o vírus. Nesse contexto, a presença de títulos
ser um mécodo fácil e de simples realização, apresema ascendentes de lgM sérica favorece o diagnóstico de
limitações, como a falta de padronização dos critérios infecção aguda. Entretanto, níveis baixos de lgM sérica
de leitura da fluorescência, a ausência de possibilidade podem ser decorrentes de lgM residual secundária a
de automação e variáveis relativas ao microscópio de uma infecção amiga. Para solucionar esse enigma, está
fluorescência . Também sua sensibilidade pode estar indicada a pesquisa de avidez de lgG anti-rubéola pelo
comprometida na presença de alcos níveis de facor método imunoenzimático.
reumatóide do tipo lgM. Tais fatores têm comribuído Vale ressaltar que a avaliação do estado de imunida-
para sua substituição em favor de mecodologias pas- de da gestante à infecção pelo vírus da rubéola é parte
síveis de automação e com maior precisão, como os do protocolo básico de exames do pré-natal, sendo de
enzimoensaios e a quimiluminescência. indicação formal a pesquisa de anticorpos lgG e lgM no
Fixação de complemento: acualmeme, essa metodo- primeiro trimestre de gestação, com revisão dos testes
logia encontra-se praticamente abandonada devido às ao fina l do segundo trimestre (Figura 50.4).
dificuldades técnicas na sua execução e à pouca disponi-
bilidade dos insumos biológicos necessários.
DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO INTRA-ÚTERO

DEFINIÇÃO DO DIAGNÓSTICO A investigação da infecção fetal pelo vírus da rubéola


pode ser feita pela detecção de lgM por ensaios de qui-
INFECÇÃO PÓS-NATAL miluninescência em sangue fetal colhido por cordocen-
tese após 22 semanas, uma vez que o feto pode não pro-
Para o diagnóstico sorológico da infecção aguda duzir anticorpos ames desse período, ou pela pesquisa
pós-natal, a pesquisa dos níveis de anticorpos deve ser de RNA virai por nested-PCR do líquido amniótico (sen-
feita em amostra de soro na fase aguda colhida o mais sibilidade de 87 a 100%; especificidade de 100%) ou, ain-
cedo possível após o início do exantema e em amostra da, por meio de amostras do vila cariai pela técnica de
obtida entre duas e quatro semanas depois do início da RT-PCR e hibridação in situ. Vale ressaltar que a presença
fase convalescente. As amostras devem ser testadas em de material genético virai na membrama vilo-corial deve
pareamemo. Rubéola aguda será diagnosticada pela evi- ser interpretada com cautela, pois nem sempre reflete
dente demonstração da ascensão em quatro vezes ou infecção fetal (Figura 50.4).

Investigação laboratorial do paciente com rubéola 635


Suspeita de infecção pelo vírus da Rubéola em crianças e adultos
J
I
~
lgM(-1 lgM(-1 lgM(+I lgM(+I
lgG(-1 lgG(+I lgG(+) lgG(-)
ou aumento
de 4X nos
Títulos de lgG em
nova amostra Repetir

~
Susceptível [ Imune
J Infecção
agudo

r ~ lgM(-1
Indicar Evitor contoto lgG(-)
vacinação com grávidos

Falso-positivo

Figura 50.3 - Fluxograma para o diagnóstico da infecção pós-natal pelo vírus da rubéola em adulros e crianças.

DIAGNÓSTICO DA RUBÉOLA CONGÊN ITA


pode ser detectado por RT-PCR em amostras de aspi-
rado de cristalino no primeiro ano de vida.
Deve-se suspeitar da presença da rubéola congênir::1 O padrão de persistência virai. bem como a resposta
quando existe a possibilidade da aq uisição da doença ou imunológica à infecção intra-uterina pelo vírus da rubé-
de exposição ao vírus da rubéola du rante o primeiro tri- ola, é ilustrado na Figura 50.2 e difere daquele observado
mestre de gestação, além da evidência de uma ou mais na infecção pós-natal (Figura 50.1). Os bebês apresentam,
manifestações de rubéola congênita. A confirmação é ao nascimento, títulos de anticorpos séricos lgG e lgM.
dependente do isolamento do vírus ou de marcadores Como a lgG anti-rubéola é passada passivamente pela
imunológicos específicos. placenta refletindo uma infecção materna, o encontro de
O vírus da rubéola pode ser isolado de secreções qualquer citulação de anticorpos lgM no soro do neona-
respiratórias em 80-90% dos bebês com a síndrome no to (ou secreção de orofaringe) indica que houve a produ-
primeiro mês de vida, mas a excreção virai diminui pro- ção intra-útero dessa imunoglobulina pelo feto, denun-
gressivamente ao longo do primeiro ano, bem como ciando a infecção congênita. Com os meses, ao mesmo
outras secreções coroorais. Substituindo o cultivo vi- tempo em que se percebe queda dos níveis séricos de lgG
rai, há métodos moleculares de detecção do RNA vi- por clareamento das imunoglobulinas adquiridas passi-
rai, como o RT-PCR. Fragmentos de tecido obtidos por vamente, ocorre a ascensão dos títulos de lgM. Ao fim
biópsia tecidual e sangue podem ser utilizados para a do primeiro ano, lgG anti-rubéola pode ser o anticorpo
demonstração de antígenos do vírus através de anticor- predominante no soro da criança. Assim, a presença e a
pos monoclonais e para a detecção de RNA virai por persistência dos anticorpos anti-rubéola no soro do bebê
hibridação e PCR. A pesquisa molecular em amostras com cinco a seis meses de idade ou mais e a identificação
de raspado de orofaringe tem sensibilidade de apro- de anticorpos precocemente na primeira infância, como
ximadamente 94% e especificidade de 100%, além de a lgM específica, são indicativos de rubéola congênita.
correlacionar-se com a cultu ra virai em praticamente Também a elevação dos títulos séricos de anticorpos em
100% dos casos. Em crianças com catarata como ma- qualquer época da primeira infância em criança não vaci-
nifestação da síndrome da rubéola congênita, o vírus nada fortalece o diagnóstico de rubéola congênita.

636 ( M edicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - -- - - - - - -- - - - - - -- - - -- - - - -- -


Suspeita de infecção pelo vírus da Rubéola em gestantes
J
I
lgMH lgM(-) lgM(+) lgM(+)
lgG(-) lgG(+) lgG(+) lgG(-)
(ou aumento
(em 2 ocasiões (em 2 oca siões de 4X nos
diferentes) d iferentes) Títulos de lgG em
nova amostra 2-3 Repetir
semanas após)

Susceptível [ Imune [ Avidez lgG


J
lgM(-)
lgG(-)
J

[ baixa
1r indefinido
1[ alto ) Falso-positivo J

l Infecção
aguda 1r
?
[
Infecção
passada
J

l
Amn iocentese Biópsia de Cordocentese
vilo cariai
> 15 semanas > 20 semanas
de gestação 1O- 12 semanas
de gestação

t
·Cultura virai - Pesquiso de - Pesquiso de
RNA virai lgM
· Pesquiso de r
RNA vira i

Figura 50.4 - Fluxograma para o diagnóstico da infecção pelo vírus da rubéola adquirida durame a gestação.

CONSIDERAÇÕES FIN AIS


Em resumo, para o diagnóstico da síndrome da
ru béola congénita no período neonatal, os anticorpos A rubéola é uma doença com ampla distribuição ge-
específicos devem ser medidos tanto no soro mater- ográfica e de evolução benigna; porém, pelo seu caráter
no quanto no do bebê - e deste em várias ocasiões dinâmico, causa efeitos desastrosos no ser humano em
- visando a surpreender a queda dos tít ulos, o que in- formação, comprometendo a qualidade de vida daqueles
dicaria passagem passiva de anticorpos pela placenta congenitamente infecrados. O laboratório pode contri-
ou elevação dos títulos sugestiva da infecção. Se lgM buir muito para a definição dos casos suspeitos de infec-
específica é detecrada no soro do neonaro, a hipótese ção aguda, que podem ser fonte de infecção para as ges-
diagnóstica de infecção uansplacentária encontra-se tantes bem como auxiliar na prevenção da aquisição da
reforçada. doença por aqueles indivíduos susceptíveis. No contexto

Investigação laboratorial do paciente com rubéola 637


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638 ( M edic ina laborator ial para o clínico ]1--- -- - - - - -- - -- - - - - - - - -- - - -- - - -- - - -


Júlio César de Faria Couto
51 Suzane Pretti Figueiredo Neves

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM INFECÇÃO
PELO Toxoplasma gondii

O primeiro relam da mxoplasmose em humanos foi ditiva e/ou neuromotora, fato que em nosso meio não é
feiw por janku, em 1923, ao identificar o parasim na re- conhecido em sua magnitude, por não ser uma doença
tina de uma criança de onze meses portadora de hidro- de notificação compulsória e também pela escassez de
cefalia e microftalmia, com coloboma na região macular. trabalhos que possam dimensionar o problema entre
Nessa época, o agente etiológico já havia sido isolado em nós. Além do mais, o fato de uma criança nascer sem sin-
1908 simultaneamente por dois grupos de pesquisado- tomas clínicos não impede o desenvolvimento de seqüe-
res: Splendore (Brasil) e Nicole & Manceux (Tunis, Áfri- las que possam surgir ao longo do seu desenvolvimento.
ca). No entanto, o procozoário só foi classificado como Seqüelas visuais, auditivas e intelectuais decorrentes do
Toxoplasma gondii em 1942. processo infeccioso podem aparecer no decorrer do de-
O Toxop/asma gondii é parasim intracelular obriga- senvolvimento da criança. mesmo naquelas assimomá-
tório de células nucleadas. Tem o gam e outros felinos ticas ao nascimento. Indivíduos imunodeprimidos pos-
como hospedeiros definitivos. os humanos e outros suem risco mais alm de desenvolverem toxoplasmose,
mamíferos como hospedeiros intermediários e os pássa- incluindo aqueles portadores de doenças hemamlógicas
ros e outros animais domésticos como reservatórios. A (particularmente linfomas), transplantados, infectados
transmissão da infecção geralmente ocorre por meio do pelo HIV positivo ou portadores de AIOS. A encefalite
comam do organismo vulnerável (soronegativo) com a roxoplásm ica é a forma mais comum de apresentação
forma infectante do parasito, o oocisto, que é formado da doença nesse grupo de pacientes e a mais freqüen -
no tubo digestivo do hospedeiro defin itivo. Além disso, te causa de lesões focais no sistema nervoso central de
a infecção também pode ser transmitida pela ingestão pacientes com AIOS. Outros órgãos comumeme envol-
da forma cística do parasim, encontrada nos tecidos de vidos são pulmões, olhos e coração.
animais infectados que servem de alimento ao homem.
A infecção pelo Toxoplasma gondii é altamente pre-
valeme e normalmente assimomática. Entretanto, pode ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO
acometer gravemente tanto o feto (como resulcado de
uma infecção materna durante a gestação) quanto um AGENTE ETIOLÓGICO
indivíduo imunodeprimido. Nessas situações podemos
observar grande morbidade e mortalidade. A toxoplas- O Toxoplasma gondii é capaz de infectar animais her-
mose congénita é um grave problema de saúde pública, bívoros, onívoros e carnívoros, inclui ndo todas as ordens
por ser uma importante causa de deficiência mental, au- de mamíferos. Seu sucesso como patógeno é atribuído
à sua capacidade de invadir e se multiplicar dentro de na formação de oiro esporozoíros. A viabilidade dos ao-
quase rodos os ripas celulares de vertebrados. No ime- cistos está diretameme relacionada à umidade do solo,
nor das células, o parasito forma vacúolos que o prote- podendo permanecer viáve1s por aré 18 meses.
gem contra os radicais livres, variações do pH, flutuações
osmóticas e contam com anticorpos, evitando assim os
mecanismos de defesado hospedeiro. O parasito possui CICLO DE VIDA
organelas que permitem sua sobrevivência, crescimento
e replicação somente no ambiente intracelular. Sua total Os gatos e membros da família dos feli nos são os
dependência de purinas da célula hospedeira é o único hospedeiros definitivos, pois permitem o ciclo sexuado
mecan1smo bioquím1co conhecido que restringe sua no epitélio intestinal e o ciclo assexuado nos ourros teci-
existência ao meio intracelular. dos. Os gatos suscetíveis podem adquirir a infecção pelo
O coxoplasma pode ser encontrado na natureza em T gondii por meio da ingestão de oocistos encontrados
três formas distintas: na natureza ou de cistos em tecidos de outros animais.
Taquizoíto: é a forma invasiva do wxoplasma ob- Após a ingestão de al imento contaminado, os flu1dos di-
servada na fase aguda da infecção. Possui amígenos de gestivos rompem a parede dos cistos e liberam organis-
superfície contra os quais são direcionados os anticor- mos que são semelhantes aos taquizoítos que penetram
pos do hospedeiro. São pouco móveis, multiplicam-se no epitélio intestinal do gato, originando vários merozo-
rapidamente levando à demuição da célula hospedeira ícos que se transformam em gametas. O macrogameta
e podem ser encontrados nos líquidos orgânicos, excre- permanece dentro de uma célula epitelial aguardando o
ções, secreções, células do sistema monocítico-fagocitá- microgameta sair de sua célula e fecundá-lo, formando
no, células nervosas e musculares. o ovo ou zigoto. Este evolui dentro do epitélio, dando
Bradizoíto: principal forma do coxoplasma encontra- origem ao oocisto. Após alguns dias, a célula epitelial se
da na fase crônica da doença. Os bradizoítos se encon- rompe, liberando o oocisto tmaturo. No solo, esporulam
tram no interior de cisros que são formados dentro das dentro de um a 21 dias. Nesse processo o oocisto divi-
células hospedeiras. Os cistos podem variar de tamanho, de-se em esporoblastos. Cada esporoblasro desenvolve
dependendo da dimensão da célula parasitada e do nú- uma parede (esporocisro) dentro da qual ocorrem duas
mero de bradizoítos no seu imenor, desde pequenos cis- novas divisões, produz1ndo quatro esporozoíms dentro
cos comendo poucos organismos até grandes cisros que de cada esporocisco e oico ao cada dentro do oocisto.
podem comer até 3.000 bradizoítos no seu interior. Os Este agora, inteiramente esporulado, é infectante quan-
fluidos digestivos são capazes de destruir a parede do do ingerido, dando origem às formas extra-intestinais· A
cisco liberando os bradizoícos que podem sobreviver por esporulação varia conforme as condições ambientais e
vánas horas nesses fl uidos, tempo que permite a inva- climáticas: em climas quentes (24°C) os oocistos podem
são de células locais. Os cistos permanecem nos teodos permanecer viáveis por até 18 meses e podem sobreviver
durante meses ou anos, freqüentemente du rante toda vários meses na água e anos no solo.
a vida do hospedeiro. Durante o período de infecção O toxoplasma é transmitido ao homem de vánas
latente, os cistos podem ser encontrados no cérebro e formas:
nos músculos esqueléticos e geralmente não estimulam • através da ingestão de ciscos presentes em carnes
reação inflamatória do organismo. Podem ser destruídos contaminadas e ingeridas mal-passadas: os bradizoí-
pelo aquecimento a 66°(. por congelamento a - 20°( e ros podem ser encontrados em cerca de 8%da carne
também por dessecação. de origem bovina e 20%da carne de suínos utilizada
Oocistos: os gatos infectados liberam os oociscos du- para consumo. O coz1mento da carne à temperatura
rante uma a duas semanas, sendo que até 10 milhões méd1a de 67"C ou o congelamento a temperaturas
de oocistos podem ser eliminados por dia. Após serem inferiores a 12"( é capaz de destruir o parasico;
eliminados no ambiente, os oocistos não são infectantes • oocistos infectantes podem ser ingeridos por con-
até ocorrer a esporulação, que demora entre um e cinco tam feca l-oral liberando os esporozoícos que levam
dias, dependendo da aeração e temperatura, resultando à infecção após invadirem a mucosa intestinal;

640 [ Medicina laboratorial para o clínico


• o oocisto pode ser encontrado no solo ou na água, liberam os taquizoítos que invadem as células
comaminando o ambieme no qual o homem está contíguas e podem alcançar os vasos sangüíneos
inserido. Logo, o inadequado saneamemo am- e linfáticos, disseminando-se por todo o organis-
biemal associado à baixa instrução cria oportuni- mo. A disseminação é generalizada e o T gondii
dade para ingestão de oocisws existenres no solo, pode invadir qualquer célula do organismo. Nes-
por meio da comaminação da água usada para ta fase sua divisão é rápida, passando de 100 a
ingestão ou higiene dos alimemos. A falta de edu- 100.000 taquizoítos em seis horas. Essa rápida
cação sanitária comribui para o aumemo do risco multiplicação explica a eficácia do tratamenro
em adquirir a infecção, o que pode ser modificado utilizando inibidores da síntese de falam. A pa-
adorando-se medidas de prevenção primária du- rasicemia normalmente é de curta duração. En-
rance a assistência pré-natal. Essa afirmação pôde tretanto, em cerca de 30% dos pacientes pode
ser confirmada em um estudo brasileiro sobre a durar mais de quatro semanas. A parasitemia
incidência da wxoplasmose aguda em mulheres estimula a resposta imune do hospedeiro. inicial-
em idade reprodutiva, que mosrrou que a falta de mente humoral; após alguns dias, com ativação
saneamento básico não é um faror de risco para dos linfócitos T, há produção de alto número de
adquirir-se a roxoplasmose aguda quando medi- citocinas levando à diminuição gradual da pa-
das de prevenção primária são utilizadas; rasitemia. Alguns parasitos que não são desuu-
• a transmissão da infecção também depende da ídos durante esse processo podem migrar para
presença de veículos de transmissão de oocisws. determinados tecidos, particularmente cérebro,
Os inseros coprofágicos e os animais transporta- músculos, pu lmões, retina e, no caso da gestan-
dores de oocisws (moscas, baratas e raws), por te, há possibilidade de migração para a placenta.
meio de suas paras. podem contaminar os alimen- Nesses locais, o raquizoíto se encista, adquirindo
tos não acondicionados de forma adequada. A in- a forma de bradizoíw. o qual permanecerá em
gestão de formas císticas do parasiw presentes na estado latente, com baixa taxa de replicação ce-
carne crua, leite não pasteurizado, ovos crus ou de lular, durante toda a vida do hospedeiro.
oocisws encontrados em verduras não lavadas de
forma adequada - relatados como fawres de risco
de infecção aguda em nosso meio - mostrou-se EPIDEMIOLOG IA
importante apenas entre as gestantes, cujo risco
variou conforme o alimento ingerido. A rrans- Avaliações epidem iológicas em codo o mundo têm
missão oral da infecção pode ocorrer, ainda, por demonstrado que a prevalência da coxoplasmose varia en-
contaminação acidemal de reservatórios de água tre 50 e 90%, com diferenças enrre as diversas regiões. Al-
provocando surws epidêmicos e, neste caso, atin- guns países apresencam-na baixa, com índices inferiores a
gindo pessoas de qualquer classe social; 40%, como a Escandinávia, Tailândia, Malásia, Hong Kong.
• além da transmissão oral, existem ourras for- Irã e Austrália. No Brasil. varia de 40 a 60%. Aqui também
mas de contaminação: rransfusão sangüínea ou se observa ampla variação, sendo registrada elevada pre-
transplame de órgãos, acidental em laboratório valência em locais como Ceará (83.7%), Rio de Janeiro
e transplacentária. Essas formas de transmissão (77,1%), Manaus (71%), São Paulo (67%) e Goiãnia (65,8%).
são importantes quando o sangue de uma pessoa Belo Horizonre apresenca baixa prevalência (43%), com va-
infectada apresentando taquizoítos na circulação riações conforme a região e a população estudada.
entra em conraro com um recepwr soronegativo;
• após a contaminação, a parede externa do cisto
ou do oocisto é degradada enzimaticamente e APRESENTAÇÃO ClÍNICA
a forma infectame (taquizoíw) é liberada na luz
intestinal, onde invade e se multiplica nas célu- No adulto, a roxoplasmose pode manifestar-se de di-
las vizinhas. As células infectadas se rompem e ferentes formas:

Investigação la boratorial d o paciente com in fecção pelo Toxoplasma gondii 641


• toxoplasmose adquirida: as manifestações clí- das (mais comum). Em gestantes imunocompe-
nicas da roxoplasmose aguda são clinicamente tenres trata-se de um fenômeno local. sem disse-
1naparemes em 90% dos casos. Os primeiros sm- minação de taquizoícos na circulação, por isso não
romas como cefaléia, astenia e linfadenopac1a sem há risco para o fero. já em gestanres imunodepri-
febre surgem após um período de incubação de midas há o nsco de disseminação de taqUizoíros
nove a dez dias. A linfadenopatia eventualmente na ci rculação, com risco de infecção fecal. Dessa
pode cursar com febre acompanhada de mal-estar forma, para essas mulheres recomendam-se atual-
geral, mialgia e odinofagia. Os sintomas normal- menre as mesmas orienrações profiláticas que são
mente persistem por poucos dias e são facilmen - dadas para as gestanres susceríveis, a fim de evitar
te confundidos com resfriado, gri pe ou mesmo quadros de reinfecção. A reativação da roxoplas-
mononucleose Infecciosa. Em alguns paciemes, a mose é pouco freqüenre em pacientes com imu-
linfadenopatia pode persistir por até se1s meses. nossupressão induzida por drogas. No enranro. é
A retinocoroidite raramente ocorre na infecção relativamente comum em pacientes com AIDS.
aguda (l a 2%), sendo geralmente unilateral. Todos Neste caso. a doença encontra-se normalmente
os indivíduos apresentando infecção aguda de- restrita ao sistema nervoso central, sem compro-
vem receber tratamento sintomático. No caso de metimento de outros órgãos. A reativação da ro-
gestantes, é importante que sejam encaminhadas xoplasmose nesses pacientes pode ser confirmada
para propedêutica especializada devido ao risco por meio de exames de imagem que demonstrem
de acomec1memo fetal; a presença de abscesso cerebral que pode regredir
• rearivação:a resposta imunológ1ca após a mfecção após terapia específica. Como a reanvação é uma
aguda leva ao controle da infecção com parada da característiCa predominante da 1nfecção avançada
replicação dos taquizoíros e formação de c1sros pelo HIV, é multo raro seu apareomento sem ou-
em alguns tecidos. Esses cisros enconrram-se em eras complicações associadas;
estado de "equilíbrio imunológico" com o hospe- • reinfecção: é geralmenre aceiro que a infecção
deiro, uma vez que induzem pouca ou nenhuma primária pelo roxoplasma leva à formação de anti-
resposta inflamatória em indivíduos sadios. Emre- corpos proterores contra reinfecções. Entretanto,
tamo, esses CIStos possuem caráter d1nâmico, pois a possibilidade de reinfecção cem sido escudada e
o paras1ro em seu interior encomra-se em conrí- alguns casos têm sido descriros. particularmente
nua multiplicação de forma lema. o que evenru- em gestanres, mesmo imunocompecenres. Exis-
almenre pode levar à ruptura do mesmo e libe- tem várias cepas de roxoplasma que não induzem
ração dos parasiros que imediacameme invadem 1mun1dade cruzada entre elas. Desta (arma, acre-
as células vizinhas. Durante a gestação observa-se dita-se que a reinfecção possa ocorrer devido ao
redirecionamemo da resposta imune em favor de conta to do hospedeiro com o roxoplasma de uma
uma resposta humoral em der rimemo da resposta cepa diferente daquela que induz1u a produção de
imune celular. Por isso. podem-se observar episó- anticorpos lgG du rante a infecção aguda inicial.
dios de reativação com mais freqüência nesse gru- Pouco se sabe atualmenre a respeito da incidência
po populacional. este caso observa-se a reativa- desse quadro. particularmente na gestação. Mais
ção de um foco ocular, podendo levar a sintomas limitados ainda são os conheomentos a respeiro
clínicos significativos em algumas pacientes. Trata- das manifestações clínicas e da resposta sorológi-
se normalmente de um quadro aurolim itado e a ca. Há relates de pacientes assmromát1cos, como
gescame apresenta apenas alterações locais sem de indivíduos apresentando sintomas gripais e
comprometimento sistêmico. Laborarorialmente linfadenopacias. Em relação à resposta sorológica,
observa-se aumento na concentração dos anticor- parece que os quadros de re1nfecção. ao contráno
pos lgG que pode ser precoce ou simultâneo aos da reativação da infecção latenre. podem cursar
sintomas clínicos. A reativação pode ocorrer tanto com a detecção dos anticorpos e lgA e também
em gestantes saudáve1s como em imunodeprimi- lgM. Contudo, muitas dúvidas ainda necessitam

642 Medicina laboratorial para o c lín ico


TRANSMISSÃO VERTICAL
ser esclarecidas. Não há dados na literatura sobre
risco para o feto nessas situações. Existem alguns
trabalhos que mencionam essa possibilidade, sem A transmissão do parasito é rara no início da gesta-
afirmar precisamente o risco; ção, por outro lado, o acometimento fetal é mais grave
• na roxoplasmose congênita, o parasito pode nesse período. O risco de transmissão fetal encontra-
atingir o feto em qualquer idade gestacional, se diretamente relacionado à idade gestacional na qual
sendo a infecção fetal mais comum quando a ocorreu a infecção materna, aumentando de 15% para
infecção materna ocorre no último trimestre da 50% entre o primeiro e o terceiro trimestre. Se a infecção
gestação. Apenas 20-30% das crianças com to- é adquirida nas últimas semanas de gestação, o risco de
xoplasmose congênita têm evidência de doença transmissão pode chegar a 90%. Por outro lado, o risco
ao nascimento. Apesar do quadro clínico da ro- do feto desenvolver uma doença grave é inversamente
xoplasmose congênita ser extremamente variável, proporcional à idade gestacional. Se a infecção materna
desde uma infecção grave fulminante até casos é adquirida precocemente na gestação, a infecção fetal
moderados e subclínicos, é importante ressaltar pode levar a abortamento, natimorto ou doença fetal
que as crianças que apresentam a doença clínica grave. Entretanto, quando ocorre tardiamente, o resulta-
freqüentemente têm acometimento neurológico, do usual é o parto de um recém-nascido apresentando
quer na forma precoce, quer como seqüela tar- infecção subclínica (Figura 51.1)._
dia observada na infância e adolescência. Nesses
casos, após o período neonatal. a doença geral-
mente está confinada ao sistema nervoso central
e aos olhos. A identificação da infecção subclínica
é difícil e o estudo minucioso da mãe poderá pro-
piciar o diagnóstico desses casos, que merecem
atenção especial, pois apresentam bom prognós-
tico quando tratados precocemente e por tem-
po prolongado. Na criança sintomática podemos
observar várias manifestações clínicas, isoladas ou
associadas: retinocoroidite, hidrocefalia ou micro-
cefalia, retardo neuropsicomoror, calcificações • Risco de transmissão fetal

intracranianas, convulsões, febre ou hipotermia, • Gravidade da infecção congênita

hepatoesplenomegalia, icterícia, exantema e ane- Figura 51.1 - Prognóstico fetal conforme a idade gestacional da in-
mia. A icterícia, encontrada principalmente nas fecção materna.
crianças que apresentam forma predominante-
mente visceral da toxoplasmose congênita, tem A infecção fetal decorre da passagem do parasito
freqüentemente início precoce, mas pode ocorrer por via hemarogênica transplacentária. Nesses casos, os
tardiamente nos primeiros meses de vida. Pode taquizoíros colonizam a placenta, que permanece infec-
ser observada acolia fecal nos casos com hiper- tada durante toda a gravidez, podendo funcionar como
bilirrubinemia e com fração direta muito aumen- reservatório de parasitos. Após a colonização da placenta,
tada. A anemia é sinal clínico freqüente, podendo os taquizoíros podem ser transmitidos ao fero via cordão
ser causada por sangramento, hemólise e/ou di- umbilical. disseminando-se no sangue e podendo alcan-
minuição de produção sangüínea. Quando a do- çar todos os órgãos e tecidos fetais. Quanto mais desen-
ença é clinicamente reconhecível ao nascimento, volvida e vascularizada a placenta, mais ela favorecerá a
geralmente o quadro é grave, estando presentes multiplicação do toxoplasma. A gravidade da infecção fe-
sinais de lesão do sistema nervoso central (SNC); tal está relacionada com a virulência da cepa, parasitem ia
e mesmo quando tratados, esses recém-nascidos fetal. idade gestacional na qual ocorreu a infecção, grau de
raramente se recuperam sem seqüelas. maturação do sistema imunológico do fero e com o tro-

Investigação laboratorial do pacie nte com infecção pelo Toxopla sma gondii 643
pismo tissular de cerras cepas. Como não foi confirmada presença de lgM associada a anticorpos lgA é forre indi-
até agora a produção de toxinas pelo parasito, acredita-se cativo de infecção aguda e cem sido utilizada no auxílio
que os mecanismos envolvidos na patogênese da doença diagnóstico da wxoplasmose aguda em gestantes e no
dependam da destruição celular e de fenômenos de hi- diagnóstico da fo rma congênica. Entretanto, diferenças
persensibilidade. Os parasicos geralmente se multiplicam individuais têm sido observadas, bem como a presença
em cecidos com acividade imunológica modulada, como de lgA residual, acé oito meses após a infecção. A caxa
o sistema nervoso central, retina e músculos. de falso-negativos para esse exame é de 5%.
Os anticorpos lgG são detectados duas semanas
após a infecção. Os antígenos-alvo das lgG são nume-
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL NA rosos, mas dois antígenos de membrana parecem mais
INFECÇÃO PELO Toxoplasma gondii importantes: as proteínas p30 e p35. Na ausência de tra-
tamento específico, atingem sua concentração máxima
CINÉTICA DOS ANTI CORPOS NA INFECÇÃO após dois meses, quando seus valores se estabilizam
em um platô por um período médio de três a quatro
Os anticorpos das classes lgG, lgM, lgA. lgE são pro- meses, decrescendo a seguir até atingir concentração
duzidos em resposta à infecção pelo T gondii, levando à variável segundo os indivíduos, mantendo-se positivos
lise dos taquizoítos quando esses anticorpos são combi- dura nte toda a vida, conferindo imunidade à doença,
nados com as proteínas do complemento. Tem sido de- ainda que parcial, pois não impedem a reacivação em
monstrado que altas concentrações de anticorpos lgM, casos de imunodepressão. Quando o tratamento espe-
lgA e lgE específicos podem ser deteccadas na fase agu- cífico para coxoplasmose é administrado precocemen-
da da infecção, com predomínio de lgM sobre as outras te, a resposta humoral pode ser bastante modificada: o
classes. Durante a fase crônica, lgG é a imunoglobulina aumento na concentração dos anticorpos lgG torna-se
predominante, sendo eventualmente encontrados anti- mais lento e seus títulos permanecem relativamente
corpos lgM. baixos enquanto du rar o tratamento (Figura. 51.2).
A produção, ascensão e a duração dos anticorpos
na roxoplasmose são diferentes de outras doenças in-
fecciosas. Os primeiros anticorpos (da classe lgM) são I
/
" -' \
I
produzidos aproximadamente 48 a 72 horas após o I /
I
I
I
contara com o parasito, estimulados por um antígeno I I \
de membrana, a proteína P30 Os anticorpos lgM po- I
I I
\
-- ------
dem ser detectados laboracorialmente entre sere e 15 I I
I
dias após a infecção, atingindo seu pico um mês após ---
a contaminação, quando sua concentração diminui 024 2 4 6 12 2 3 4 5 6
progressivamente até a negacivação dos testes, em crês
a seis meses. Na maioria dos pacientes esses anticor- Semanas Meses Anos
pos encontram-se ausentes na fase crônica /latente da
doença. Entretanto, em 5% dos casos podem persistir - - - lgM lgG --lgA

por alguns meses ou mesmo anos, sendo denominados Figura 51 .2 - Ciné[ica dos ancicorpos na infecção pelo toxoplasma.
ANTICORPOS lgM RESIDUAIS. Nestes casos, sua con-
centração normalmente é baixa, sempre acompanha- Os anticorpos lgE são menos escudados. Parecem
dos dos anticorpos lgG em quantidades estáveis. ser os primeiros anticorpos a serem produzidos após
Os anticorpos lgA são igualmente detectados ao fi - o contara com o parasito. Sua cinética é semelhante à
nal da primeira semana. Na roxoplasmose aguda, lgM e da lgM. Altas concentrações desses anticorpos podem
lgA aumentam em paralelo. No entanto, esses anticor- ser observadas no primeiro mês após a infecção e não
pos persistem em média por três a quauo meses após são mais detectados após quatro meses. A detecção de
a infecção em cerca de 90% dos casos. Desta forma, a anticorpos lgE tem sido observada em casos de reati-

644 [ Medicina laborawrial para o clínico ]f-- - - -- - - - - - - - -- - -- -- - - - - - - - - - - - -


vação em indivíduos imunodeprimidos, aumentando plasmose. O diagnóstico pré-natal da roxoplasmose
concomitantemente com os anticorpos lgG e desapa- congênita pode ser realizado no líquido amniótico após
recendo rapidamente. Sua utilização no diagnóstico da a 18a semana de gestação, com sensibilidade variando
roxoplasmose congênita também cem s1do avaliada, de 62,5% a 97.4%. Possui impon ames implicações para
porém tem demonstrado baixa sensibilidade (menor o prognóstico fetal. assim como para a evolução neona-
que a dos anticorpos lgM). Em pacientes apresentando cal. possibilitando o acompanhamento da gescame por
retinocoroidite pode ser observada em 46% dos casos. uma equipe multidisciplinar com identificação precoce
Entretanto, sua uti lização prática no diagnóstico da in- de alterações durante a gestação, parco e no período
fecção aguda ainda não foi estabelecida pós-natal imed iato. Permite, ainda, que os cuidados do
recém-nascido sejam ocimizados a fim de melhorar o
prognóstico dessas crianças. Para o clínico, entretanto,
PRI NCÍPIOS DO DIAGNÓSTICO LABO RATORIA L é importame ressaltar que nem todos os laboratórios
DA TOXOPLASMOSE disponibilizam o teste, ainda de custo bastante elevado
e necessitando de equipe treinada e especializada. Por
Isolamento do agente: como em roda doença infec- outro lado. técnicas caseiras devem ser absolutamente
ciosa, o teste laborawrial ideal é o isolamento do agente padronizadas antes de utilizadas no diagnóstico e, para
infeccioso. Entretanto, quando isto não é possível, pode- tal, o cantata do médico-assistente com o patologista
mos lançar mão de métodos sorológicos e, atualmente, clínico é sempre desejável, pois, apesar da alta sensibi-
métodos moleculares. No caso da coxoplasmose, é des- lidade e especificidade, o nsco de falso-pos1t1vos e ne-
crito o isolamento do parasito do sangue e líquidos cor- gativos. como em qualquer teste, não está eliminado.
porais, em casos agudos e da placenta e tecidos fetais, na Na forma ocular, há estudos mostrando o uso da PCR
forma congênita. Todavia, o teste requer inoculação em no humor aquoso para o diagnóstico de uveíte, mas
animais ou culturas celulares, o que inviabiliza seu uso os autores sugerem que o coeficiente Goldmann-Wit-
nos laboratórios de rotina. mer, relação entre anticorpos enconcrados no hu mor
Histologia e Citologia: permite demonstrar o para- aquoso e no sangue. seja também utilizado para maior
sim (taquizoícos) ou múltiplos cistos próximos da lesão sensibilidade (ver métodos sorológicos). Em pacientes
inflamatória necrótica em cortes de tecido ou esfrega- com AIDS e neurocoxoplasmose, a PCR vem sendo uti-
ços de líquidos corporais (LCR, BAL líquido amniótico) lizada tanto no LCR quamo no sangue. Neste último.
ou ainda linfadenite característica da doença. O uso de enconcraram-se sens1bil1dade e espeCificidades de 80%
anticorpos monoclonais antiTgondii nessas amostras e 90%, respecrivamence, enquanto no líquor estas fo-
mostrou aumentar a especificidade e sensibilidade das ram de 100% e 94,4%.
pesquisas. Métodos sorológicos: os testes sorológicos são, ain-
Métodos moleculares: métodos de amplificação da, os mais usados no diagnóstico laboratorial da co-
do ácido nucléico têm sido de grande valia no diag- xoplasmose. Mostram. indiretamente, a infecção, pela
nóstico das TORCHS (infecções congên1tas mais preva- detecção dos ancicorpos que reagem à presença do pa-
lentes: roxoplasmose, rubéola, cicomegalovírus, herpes. rasito. Testes sorológ1cos para detecção de antígenos cir-
sífilis), principalmente nas formas das doenças onde os culantes não são utilizados na prática clínica. O pri meiro
demais métodos são limitados. A reação em cadeia da exame a ser desenvolvido. a reação de Sabin-Feldman.
polimerase (PCR) tem sido utilizada com sucesso para ou teste do corante, bem como a reação da fixação do
o diagnóstico de coxoplasmose congênita, ocular e da complemento, não são hoje mais utilizados com fi ns
coxoplasmose em indivíduos com AIDS. Pode ser rea- diagnósticos. Foram substituídos por testes mais bem
lizada em diversos fluidos, incluindo líquido am niótico, padronizados, de ótimo desempenho, sensibilidade e
placenta, tecido cerebral, sangue, líquor, urina, humor especificidade. São eles a hemagl utinação, a imunofluo-
vítreo, humor aquoso, fluido broncoalveolar e derrames rescência. os ensaios imunoenzimáticos (ELISA e deriva-
pleural e peritoneal. A utilização da biologia molecular dos) e a quimioluminescência. Descreveremos, a seguir.
revoluoonou o acompanhamento pré-natal da coxo- alguns aspectos relaoonados a eles:

Investigação laboratoria l do paciente com infecção pelo Toxoplasma gondii 645


Hemaglutinação: é de fácil execução, bararo e não composro luminescente, usando como alvo micropéro-
exige uso de equipamentos, pois a leitura da reação é vi- las revestidas com antígenos do parasico. Também de-
sual. Detecta anticorpos séricos que reagem com antíge- tecta lgM residual.
nos de toxoplasma presentes na superfície de hemácias Coeficiente de Witmer: trata-se de um cálculo ma-
de animais, mas não discrimina a classe do anticorpo, se temático que permite estimar se está havendo produção
lgG ou lgM. Sendo assim, informa apenas se o indivíduo local de anticorpos lgG -no vítreo e humor aquoso - na
apresenta-se infectado ou não, não sendo adequado suspeita de coxoplasmose ocular. Só deve ser utilizado
para diferenciar infecção recente de infecção tardia. com os títulos obtidos por imunofluorescência indire-
lmunofluorescência indireta (IFI): detecta anticor- ta, pois os demais mécodos não são padronizados para
pos séricos que reagem com o parasito fixado em lâmi- outros líquidos biológicos que não sangue. Para tanto,
na, sendo o imunocomplexo resultante revelado por an- faz-se a IFI no soro e no líquido ocular para detecção de
tiimunoglobulina (ancilgG ou antilgM humanas) ligado a lgG anricoxoplasma e dosa-se a lgG total em ambas as
um fluorocromo. A reação é observada em microscópio amostras por imunoturbidimetria ou nefelometria. Des-
de fluorescência. O valor de corte (cut-off) para ambos tacamos que seu uso vem sendo substituído pela reação
os testes, lgG e lgM antitoxoplasma, é uma diluição do da polimearse em cadeia.
soro do paciente de 1:16. Caso essa diluição inicial seja O coeficiente é dado pela fórmula:
positiva, procede-se a diluições seriadas até que não seja
observada mais fluorescência. É técnica barata, porém C = IFI líquido I IFI soro x lgG soro I lgG líquido
trabalhosa, e exige soros de referência para sua padroni-
zação, bem como microscopista experiente. Vem sendo
substituída cada vez mais pelas técnicas imunoenzimáti- Resultados superiores a três indicam produção intra-
cas e quimioluminescentes. Por ser menos sensível, não ocular de anticorpos.
detecta lgM residual.
lmunoensaios enzimáticos (ELISA): de princípio
semelhante à imunofluorescência, detecta várias clas- DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO EM
ses de anticorpos: lgG. lgM, lgA e lgE anticoxoplasma. INDIVÍDUOS IMUNOCOMPETENTES
Permite que o soro de vários pacientes seja examinado
de uma só vez, sendo mais prático que aquela. Atual- A mais forre evidência de uma infecção aguda
mente, existem vários testes automatizados, com re- em indivíduos imunocompetemes é a viragem soro-
sultados bastante reprodutíveis. Esses ensaios podem lógica verificada por meio de análise de duas amos-
fornecer resultados apenas qualitativos, ou seja, são po- eras consecutivas: a primeira soronegativo e a segun-
sitivas aquelas amostras cuja leitura está acima do valor da soropositivo. Emretamo, a detecção de lgM, não
de corte do teste e negativas aquelas abaixo desse valor. acompanhada d e lgG, num indivíduo sintomático
Alguns laboratórios referem como duvidosos ou inde- com suspeita de infecção aguda, sugere fortememe
terminados resul tados ± 10% o valor de corte. Hoje, a o diagnó stico. Em tais casos (lgM +/lgG-), novo exa-
maioria dos kits fornece resultados semiquantitativos e me deve ser realizado, 15 a 20 dias após o primeiro,
é possível estimar quão distante ou próximo do valor para verificação da virage m de lgG, confirmando-se
de corte está o paciente. Não detecta lgM residual. São emão o diagnóstico de infecção aguda e sorocon-
variações da técnica original de ELISA, o ELISA de cap- versão receme. Caso não ocorra a viragem, devemos
tura, o MEIA - imunoensaio enzimático em micropar- pensar em lgM fa lso-positiva ou mesmo amicorpos
tículas - e o ELFA - "ELISA fluorescente", ambos mais lgM de nosso reperrório imune natural.
sensíveis, principalmente na detecção de lgM. Todos Nos paciemes assintomáticos, portadores de in-
estes detectam lgM residual. fecções amigas, como freqüentememe encontrados
Quimiolumi nescência: de extrema sensibilidade, entre os doadores de órgãos, gestames e indivíduos
detecta os anticorpos anticoxoplasma séricos através portadores do HIV, o perfi l encontrado é, em sua
de imunoglobulinas anci lgG ou antilgM marcadas com maioria, lgG positiva/lgM negativa.

646 [ Medicina laborarorial para o clínico )1---- - - - - - -- - - - -- - - -- - - - - -- - - - -


DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO EM INDIVÍDU - pouco valor diagnóstico dos restes sorológicos. Nesses
OS IMUNODEPRIMIDOS pacientes, um título alto de anticorpos poderia indicar
reativação que tivesse ocorrido vários meses, ou mesmo
Em função da alta prevalência da roxoplasmose, a anos, ames. A observação de uma rearivação sorológi-
incidência de soroconversão em pacientes apresentan- ca pode ser considerada um fator de risco suplementar
do AIDS é relativamente baixa, situando-se em torno de quanto à ocorrência de toxoplasmose clínica, uma vez
1.9%. Entretanto, os critérios sorológicos habitualmen- que cerca de 17% dos pacientes acompanhados clinica-
te observados em um quadro de infecção aguda estão mente apresentam infecção ariva no mês precedente ou
presentes de forma inconstante: altas concentrações posterior ao aumento dos anticorpos. A confrontação
de anticorpos são observadas em apenas 30% dos ca- dos achados sorológicos com o status imunitário do in-
sos; um aumento significativo dos títulos de anticorpos divíduo, avaliado pelo número de linfócitos T CD4, po-
pode ser detectado em 38% dos pacientes e a presença deria melhorar o valor preditivo da sorologia.
de lgM pôde ser comprovada em apenas 4,8% dos casos. A rearivação da infecção ocorre normalmente, quan-
O diagnóstico sorológico ESTÁ dificultado, uma vez que do o número de linfócitos T CD4+ encontra-se abaixo de
há comprometimento na síntese de anticorpos. Por isso, 200 cels/ml. A toxoplasmose cerebral é rara em pacientes
o título dos anticorpos lgG pode aumentar, permanecer apresentando contagem de linfócitos CD4+ normal, sen-
constante ou mesmo diminuir durante a infecção e não do mais freqüente quando se observa número abaixo de
há correlação com lgM, pois esta não é detectada com 200 cels/ml. Entretanto, apenas 30% dos indivíduos com
freqüência. Mesmo utilizando diferentes técnicas para baixa contagem dessas células apresentarão rearivação da
pesquisa dos anticorpos, não se observou aumento na toxoplasmose. Os portadores de AIDS com diagnóstico
sua taxa de detecção, traduzindo mais uma disfunção de toxoplasmose (cerebral, ocular ou pulmonar) apresen-
na sua produção que problemas metodológicos na de- tam sorologia positiva em 98% dos casos. Porém, em ape-
tecção dos mesmos. nas 40% deles o aumento dos títulos dos anticorpos lgG
Dessa forma, nos pacientes imu nodeprimidos, a to- precedeu o apa recimento dos sinais clínicos da doença.
xoplasmose sintomática corresponde, na maioria dos Do ponto de vista prático, é importante que a soro-
casos, a quadros de reativação de infecção latente. Aso- logia para toxoplasmose seja realizada em todos os pa-
rologia é de pouquíssimo auxílio na rearivação. Nesses cientes HIV positivo dentro da propedêutica infecciosa
pacientes, a rearivação é definida como o aumento dos inicial. Quando a sorologia é positiva, um acompanha-
anticorpos lgG com ou sem a presença de anticorpos mento semestral regular é aconselhável, a fim de eviden-
lgM. O acom panhamento de pacientes HIV positivo ciar reativação sorológica eventual, ainda que seu valor
rem demonstrado prevalência da toxoplasmose (75%), prognóstico ainda necessite ser melhor definido.
com incidência de rearivação em torno de 20%, o que
corresponde à incidência anual de 12%, sendo que em
80% dos casos o aumento nos títulos dos anticorpos DIAGNÓST ICO SOROLÓGICO NA GESTAÇÃO
não é acompanhado nem imediatamente seguido de
sinais clínicos de roxoplasmose evolutiva, o que prova- Devido à alta prevalência da infecção em nosso meio,
velmente traduz quadros de reativação subclínica, cujo uma mulher ao engravidar terá, em cerca de 50% dos casos,
valor diagnóstico e prognóstico permanece ainda mal adquirido a infecção no passado. Portanto, será possuidora
definido. Acredita-se que possa corresponder a um do perfil lgG+/IgM- sem riscos para o bebê. As pacientes
quadro evolutivo da parasitose, com liberação de bradi- lgG-/IgM- são consideradas virgens de conta to com o pa-
zoítos existentes no interior dos cistos. Isso poderia ser rasito e deverão ser orientadas sobre medidas preventivas
responsável por uma resposta humoral secundária em e monitoradas durante o pré-natal, visando à possível aqui-
pacientes com função imune relativamente preservada. sição da infecção. O perfil de uma soroconversão recen-
Em indivíduos com imunodeficiência grave, tal resposta te, em paciente suscetível, traduz-se freqüentemente por
pode não ocorrer, o que explicaria a ausência do aumen- perfil lgM+/IgG-. Deve-se fazer novo exame, 15 a 20 dias
to na concentração de anticorpos nesses pacientes e o após o primeiro, para confirmação e verificação da viragem

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo Toxopfasma gondii 647


de lgG, confirmando-se então o diagnóstico de infecção e baseia-se no conhecimento imunológico no qual, na
aguda. Bem mais raramente, a soroconversão aguda dá-se fase aguda, os anticorpos apresentam menor afinidade
pelo aparecimento apenas de lgG. Deve-se sempre repetir funcional/avidez pelo amígeno e essa avidez aumenta
o exame em 15 a 20 dias para confirmação e se o método com a cronificação da doença. Assim, numa gestante
for semiquantitativo é possível monicorar o aumento dos com perfil lgG+/IgM+, um resultado de baixa avidez (avi-
círulos. É importante ressaltar que a gravidez per se é um dez< 30%) reforça a hipótese de que a infecção ocorreu
forte estímulo à resposta humoral generalizada, portanto, nos últimos quatro meses e aquele de alta avidez (avidez
é comum reações falso-positivas em vários testes sorológi- > 60%) a afasta. Em nossa casuística, mais de 99% das
cos, inclusive lgG e lgM falso-positivas. Na verdade, o ideal gestantes assintomáticas que são submetidas ao tes-
é que coda mulher em idade fértil seja avaliada para as in- te são portadoras de lgM residual, portanto, refletindo
fecções do grupo TORCHS ames de engravidar, evitando. apenas a alta sensibilidade dos mérodos atuais para lgM.
assim, os tristes quadros de doenças congênitas. muico Ressalta-se que para excluir a ocorrência de infecção
embora a toxoplasmose possa ser tratada durante a ges- aguda durante uma gestação em andamento, o teste de
tação, porém não sem efeitos colaterais. Hoje em dia, com avidez deve ser realizado preferencialmente até a 163 ou
a utilização rotineira de métodos cada vez mais sensíveis, 183 semana de gestação. Além desse tempo, fica impos-
tornou-se freqüeme, durante exames de pré-natal de roti- sível discriminar se a infecção aguda aconteceu antes ou
na, a detecção de lgM em baixas concentrações, acompa- durante a gestação.
nhada de lgG em níveis estáveis, a chamada lgM residual. Pesquisa de lgA ou lgE antitoxoplasma podem estar
Esta pode permanecer por meses ou mesmo anos após o presentes na fase aguda. De baixa sensibilidade, não são
episódio agudo inicial. Logo, a presença de lgM pode não realizadas na maioria dos serviços (Figura. 51.3).
ser um indicador seguro de fase aguda nesses casos. Então,
diante de uma gestante apresentando lgMI+IgG+, quais
são as possibilidades diagnósticas? DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO DA
• infecção aguda já com produção de lgG; TOXOPLASMOSE CONGÊNITA
• lgM residual;
• reação inespecífica para lgM - lgM falso -positiva. O diagnóstico definitivo da toxoplasmose congênita
pode ser difícil em crianças nascidas de mães nas quais
Por isso, provas adicionais são necessárias para eluci- a infecção foi diagnosticada ou suspeitada na gestação.
dação do perfil. Estas consistem em: O diagnóstico sorológico é dificultado, uma vez que o
• repetição do exame pelo mesmo mérodo e no recém-nascido produz anticorpos lgM em concentrações
mesmo laboratório para avaliar níveis de anticor- ainda bastante baixas, dificultando sua detecção, mesmo
pos, sempre com pareamento de amostras: resgate quando se utilizam testes mais sensíveis. Além disso. um
da primeira amostra de sangue examinada em pa- grande faror de confusão no diagnóstico sorológico é a
ralelo com a segunda (os laboratórios conservam presença de lgG materna específica, que pode ser detecta-
as amostras em soroceca por até seis meses). Um da no sangue da criança durante o primeiro ano de vida.
aumento de no mínimo quatro vezes é sugestivo Os anticorpos lgA podem ser observados duran-
de produção ativa de anticorpos. Títulos estáveis te meses ou mesmo anos após a infecção aguda. Por
apontam o contrário; essa razão, eles possuem pouca utilidade no diagnós-
• avaliação da amostra por método convencional tico da toxoplasmose em adultos. Em contrapartido,
para pesquisa de lgM (ex. ELISA ou IFI): esses mé- tem sido utilizada com relativo sucesso no diagnósti-
todos, por serem menos sensíveis, obedecem ao co da toxoplasmose congénita. Em um número im-
antigo padrão, no qual lgM permanece de três a portante de recém-nascidos com doença congénita e
seis meses detectável após uma infecção aguda. ausência de anticorpos lgM. o diagnóstico sorológico
tem sido estabelecido pela presença de anticorpos
Pesquisa da avidez de anticorpos lgG: é o método lgA. A grande vantagem dos métodos atuais (captu-
de escolha atualmente. Trata-se de uma reação de ELISA ra, MEIA, ELFA. quimioluminescéncia) é garantir mais

648 [ Medi cina laboratorial para o clínico


sensibilidade para de[ecção de lgM na suspei[a de haja uma permanência, ou mesmo aumento, nos títu-
infecção vertical. Mesmo assim, a resposta imune hu- los desses anticorpos, confirmando o diagnóstico de
moral dos bebês pode não ser suficiente para que o toxoplasmose congênita. A grande dificuldade nesses
teste seja positivo. Portanto, uma pesquisa isolada de casos é que as técnicas sorológicas usuais são capazes
lgM negativa, desde que haja suspeita epidemiológica de detectar essa neossíntese apenas no terceiro ou
(sorologia materna) e/ou clínica, não exclui a infecção quarco mês de vida da criança, re[ardando o diagnós-
congênita. A pesquisa de anticorpos lgM e lgA deve tico da infecção.
ser realizada logo ao nascimento e repetida no 10Qdia
de vida da criança, a fim de di minuir o risco de conta-
minação com o sangue materno. Embora ~ua sensibi- PERFIS SOROLÓGICOS NA INFECÇÃO
lidade necessite ser aperfeiçoada (70% para lgM e 65% PELO TOXOPLASMA
para lgA). a presença desses anticorpos praticamente
confirma o diagnóstico da doença congênita. No en- • lgG-/IgM-: indivíduo suscetível;
tanto, a ausência dos mesmos não permite descartar a • lgG+/IgM-: indivíduo portador;
infecção. Essas crianças devem então ser acompanha- • lgG-/IgM+: suspeita de infecção aguda. Repete-se
das mensalmente com sorologia e exame clínico. No o teste em 15 a 20 dias para verificar soroconver-
caso de crianças não infectadas. observa-se diminui- são de lgG;
ção progressiva dos anticorpos lgG, com negativação • lgG+/IgM+: infecção aguda já com produção de
dos mesmos entre o sexto e o oitavo mês de vida, na lgG; infecção mais antiga com lgM residual; lgM
maioria dos casos. Nos casos de infecção congênita, a falso-positiva. Realizar avidez de lgG, se gestante.
neossíntese de lgG pelo recém-nascido faz com que

Situação 1 Situação 2 Situação 3 Situação 4

Orientações Abandonar
rostreomento
Sorologio
trimestral

Trotar o
gestante
Encaminhar
poro
gestante gestante propedêutico
Encaminhar Encaminhar fetal
poro poro
propedêutico propedêutico
fetal feta l

Figura 51.3 - Rotina pré-natal da toxoplasmose conforme resultado da sorologia materna.

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo Toxoplasma gondii 649


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650 [ Medicina laboratorial para o clínico ]r---------------------------------


Eliane Dias Gontijo

52 Lúcia Maria da Cunha Gaivão


Silvana Maria Elói Santos

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM
DOENÇA DE CHAGAS

A doença de Chagas é uma antropozoonose, causa- ta, em 1907 por Carlos Chagas. acometia praticamente
da pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruz1, uans- todas as faixas etárias, especialmente crianças. A par-
mitida ao homem e a vários outros mamíferos. principal- tir da década de 80, com a concretização das grandes
mente através de vetores invertebrados, os triatomíneos, campanhas de erradicação do vecor uansm1ssor e do
conhecidos como "barbeiros". controle de doadores em bancos de sangue. o número
Inicialmente era uma enzomia (forma silveme) que de casos novos tem decaído significativamente. fazendo
se espalhou entre as populações humanas rurais, devi- com que, awalmeme. a infecção seja pouco freqüeme
do aos movimentos migratórios e invasão. pelo homem, em indivíduos com menos de 20 anos. A redução da
de ecótopos naturais dos n iacomíneos. Algumas espé- transmissão vetorial resultou também na diminuição
cies adaptaram-se às moradias humanas, especialmente de gestantes e de doadores de sangue infectados, o que
àquelas mais precárias e a partir desse convívio com os reduziu os riscos de transmissão transfusional e congê-
vetares, a infecção humana emergiu. nita. Quanto ao número total de pacientes infectados
no Brasil. admite-se que seja em corno de três milhões, a
maioria nascida ames de 1980.
EPI DEMIOLOGIA E FORMAS DE TRANSMISSÃO

Também conhecida como tripanossomíase america- TRANSMISSÃO VETORIAL


na, apresenta distribuição endêmica exclusivamente na
América Latina e constitui importante problema de saú- Forma de transmissão responsável pela manutenção
de, atingindo 13 milhões de pessoas. sendo 21.000 mor- endêmica da mfecção. Ocorre basicamente no imenor
res regisnadas a cada ano em toda a região acometida. do domicílio. pelo comaco da pele ou mucosa, fenda
Gera elevado custo socioeconômico. traduzido pelo so- pelo triatomíneo durante repasto sangüíneo, com as
frimento dos paCientes e familiares, absemeísmo laboral. fezes do insero que contém a forma infectante do
necessidade de procedimentos médicos e utilização de Trypanosoma cruzi - tripomastigota metacíclica. Entre as
tecnologias d1agnósticas e terapêuncas complexas. além mais de 120 espécies de triacomíneos conhecidas. apenas
de aposentadoria precoce por invalidez e anos de vida 31 estão relacionadas à transmissão da doença. No Brasil.
perdidos. especialmente nos países de maior prevalência. as espécies que assumiram real importância em saúde
Sua epidemiologia, em nosso país. vem sendo modi- pública. em função de sua capacidade de domiciliação,
ficada ao longo do tempo. Por ocasião de sua descaber- foram o Triatoma infestans, Panstrogylus megrstus
TRANSMISSÃO VERTICAL
(Nordeste, Sudeste, Sul), Triatoma brasiliensis, Triatoma
pseudomaculata (Nordeste) e Triatoma sordida (Bahia.
Sudeste, Centro-Oeste). Arualmeme, a via vertical é considerada a principal
A partir da década de 80. quando os programas de forma de manutenção da transmissão urbana da infec-
controle do veror tornaram-se efetivos e com am pla co- ção chagásica. A transmissão através do leite humano é
bertura, a transmissão verorial da doença vem perdendo possível, mas muiro improvável. A cransmissão vertical
a sua Importância. Em 2005. o Brasil recebeu o cenifica- parece escar associada ao grau de parasirem1a, caracte-
do da OMS/OPAS de erradicação do Triatoma injestans. rísticas da cepa, fatores placentários, obstétricos, imunes
Entretanto. diante da presença. em diversas localidades, e nutricionais. A gestante pode transmitir a infecção ao
de T sordida e P megistus, e da possibilidade de repo- feto em qualquer período da gestação, até mesmo no
voamento do T. infestans, a vigilância deve ser contínua. momento do parto, pelo contara das mucosas do fem
Disse Carlos Chagas: com o sangue da mãe infectada. A taxa de transmissão
da infecção chagásica da mãe infectada para o filho va-
"Cumpre. antes de tudo, afastar toda a pos- ria de 0.5 a 3% na maioria dos eswdos. No Brasil. a taxa
sibilidade de procriação do inseto nas casas de transmissão é variável e em Minas Gerais. atualmen-
cujas paredes devem ser rebocadas e livres de te, estima-se em menos de 1%. A razão para o declí-
fendas e cujas coberturas devem obedecer a nio da transmissão vertical é a progressiva diminuição
cuidados visando o mesmo objetivo. Nas zo- na prevalência da infecção nas gestantes. t importante
nas infestadas, as casas apenas barreadas ou ressalcar que não é raro observar amastigoras e altera-
cobertas de capim são absolutamente conde- ções anatomoparológicas na placenta. na ausência de
náveis, visto constituírem os grandes focos de infecção fetal.
barbeiros, que aí encontram condições as mais
propícias de existência."
TRANSMISSÃO ORAL

TRANSMISSÃO TRANSFUSIONAL Suspeita-se que a transmissão do T cruzi pela via oral


seja freqüente entre animais. no ciclo silvestre. já que
Comprovada nos anos 50, a transmissão trans- os mamíferos reservatórios do parasiro. em sua grande
fusional foi considerada problema grave de saúde maioria. são onívoros. Na última década. microssurros
pública, estimando-se que, ames da década de 80, de doença de Chagas aguda têm sido registrados, rela-
cerca de 20 mil novos casos de doença de Chagas cionados à ingestão de alimentos contaminados, princi-
transfusional eram produzidos anualmente no Brasil. palmente suco de açaí e caldo de cana produzidos arre-
Freqüemememe despercebidos e oligossintomáticos, sanalmente. A contaminação de caldo de cana se faz ao
eram pouco notificados. A sorologia de doadores prensar a cana junto com algum triaromíneo infectado,
não era obrigatória e poucos serviços praticavam qui- com liberação das fezes contaminadas na bebida. Quan-
mioprofilaxia com violeta de genciana, que havia se to ao suco de açaí, ao fazer seu ninho nas folhas ou ca-
mostrado eficaz em Goiás e no Triângulo Mineiro. A cho da palmeira. o inseto pode ser carregado e tritu rado
criação do Sistema Nacional de Sangue e Hemoderi- com a fruta. Essa forma de transmissão é considerada
vados instituiu a obrigaroriedade da seleção sorológi- acidental, mas tem importância epidemiológica na re-
ca dos candidatos à doação, além de proibir a doação gião amazónica.
remunerada. Observou-se. ainda. progressiva queda
da taxa de prevalência da infecção entre candidatos
à doação, caindo de cerca de 7,0%, nos anos 70, para OUTROS MECAN ISMOS
aproximadamente 0,5%, em 2004, devido ao controle
da transmissão vetaria!. Hoje, os riscos de transmissão São considerados excepcionais e incluem transplan-
transfusional no Brasil são mínimos. tes de órgãos ou de medula e acidentes de laboratório.

652 ( Medicina laboratorial para o clínico


ETIOLOGIA FASE AGUDA

O Trypanosoma cruzi, parasico flagelado da fa- Após período de incubação de aproximadamente


mília Trypanosomatidae, caracceriza-se por possuir sete a 10 dias na transmissão vetorial e de até 100 dias
cinecoplasco e um único flagelo. Apresenta em seu pela via uansfusional, inicia-se a fase aguda, que pode ser
ciclo crês formas evol utivas: uipo mastigota (forma aparente ou inaparente. A fase aguda é definida basica-
infectante). epimastigotas (forma de multiplicação mente pela alta parasitem ia detectável por exames para-
do parasito no vetar ou em culturas), amastigotas sitológicos diretos do sangue, tendo duração geralmente
(forma de multiplicação no interior das células hos- entre três e oito semanas, podendo ser letal em crianças
pedeiras). Escudos de caracterização bioquímico- de baixa idade e indivíduos imunocomprometidos ou
molecular do parasico permitiram o reconhecimen- evoluir para forma crônica de longa duração. Quando
to de três grupos distintos denom inados zi modemas sintomática, pode apresentar sinais de infecção sistémica,
(população com o mesmo perfil de isoenzimas): zi- como febre, mal-estar geral. cefaléia, astenia, hiporexia,
modemas I e III, constituído de amostras proceden- linfadenomegalia, hepatoesplenomegalia, edema facial e
tes do ciclo silvestre, e zimodema 11, re presentado de membros inferiores, de imensidades variáveis. Alguns
por amostras do ciclo domici liar. Assim, as popula- sinais são característicos, apesar de infreqüemes, como
ções de T cruzi podem ser divididas em duas linha- aqueles de porta de entrada (sinal de Romana - edema
gens filogenéticas maiores: T cruzi I (correspondente ocular bipalpebral unilateral e chagoma de inoculação -
aos zimodemas I e III) e Tcruzi li (correspondente ao lesão cutânea eritematosa endurada). Os casos graves
zimodema 11). cursam com imensa miocardite e/ou meningoencefalite
Durante o repasto sanguíneo em hospedeiros e parasitos intracelulares são encontrados em vários ti-
infectados pelo parasito, os triaromíneos ingerem pos celulares. incluindo macrófagos, células musculares
formas circulantes (tripomastigotas). Estas se trans- lisas e estriadas, adipócitos e células da glia. Observa-se
formam no seu cubo digestivo em epimastigotas. também necrose de miocardióciros não parasitados.
que se perpetuam por toda a existência do vetor Nos demais órgãos, a inflamação é focal ou multifocal,
(um a dois anos) e atingem o reta, onde se dife- sempre em relação direta com células parasitadas. Os
renciam em tripo mastigotas metacíclicos, que são neurônios nos plexos mioentéricos podem exibir lesões
eliminados com as fezes do insero. No hospedeiro regressivas de vários graus ou mesmo necrose e lise.
venebrado. a forma cripomastigota pode penetrar Quando adequadamente tratada, a doença de Cha-
em várias células: músculo liso e estriado, macrófa- gas aguda pode curar-se em proporções que chegam a
gos, célu las epi teliais. fibroblastos. Na célula hospe- 90% dos casos.
deira, o tripomastigota se diferencia em amastigo-
ta e inicia sua divisão intracelular. Posteriormente,
ocorre a transformação de amastigotas em cripo- FASE CRÔN ICA
mastigotas, que são liberados quando a célula se
rompe, alcançando a corrente circulatória, de onde Caracteriza-se por baixíssima parasitemia e elevado
invade o utras células e tecidos, podendo eventual- nível de anticorpos da classe lgG. A partir da fase agu-
mente infectar insetos vetares e perpetuar o ciclo da, a infecção passa por longo período de latência clínica
de transmissão. em que o paciente não apresenta manifestações clínicas.
eletrocardiográficas e/ou radiológicas e o diagnóstico é
feito somente pela positividade sorológica e/ou parasi-
APRESENTAÇÃO CLÍNICA tológica, sendo esse período conhecido como FORMA
CRÔN ICA INDETERMINADA da doença de Chagas.
Caracterizada por início agudo e desenvolvimento Em 1984, foram estabelecidos os seguintes critérios para
crônico, reconhece-se, na doença de Chagas, a presença a definição da forma indeterminada na I REUNIÃO DE
de duas fases da doença: aguda e crônica. PESQUISA APLICADA EM DOENÇA DE CHAGAS:

Investigação laboratorial do paciente com doença de Chagas 653


• posicividade sorológica e/ou parasicológica para de fecalomas. Entretanto, aproximadamente 25% dos
doença de Chagas; pacientes com dilatação evidente do colo apresentam
• ausência de sintomas e ou sinais da doença; ritmo intestinal normal.
• eletrocardiograma convencional normal; A cardiopatia chagásica crônica é a prinopal mani-
• estudos radiológicos do coração, esôfago e cólon festação mórbida, com prevalência de 30 a 35%. Ocorre
normais. mais comumente em indivíduos entre 20 e 50 anos de
idade, geralmente 10 a 30 anos após a 1nfecção pelo T.
No Consenso Brasileiro em Doença de Chagas cruzi. Na maioria dos casos, os pacientes são assintomá-
(2005), a definição foi mantida e foi também reafirmado ticos, sem cardiomegalia e apresentam ao eleuocardio-
que não são necessários outros exames complementares grama somente sinais de distúrbios na formação ou con-
para a classificação. dução do estímulo elétrico. Entre as características mais
Enquanm cerca de metade dos pacientes infectados peculiares da cardiopatia chagásica crônica, destacam-se
permanece nessa forma, outros evoluem para formas crê- especialmente o seu caráter fibrosante, considerado o
nicas determinadas da doença, após 10 a 30 anos, com mais expressivo entre as miocardites, a alta freqüência e
evidências de comprometimento cardíaco e/ou digestivo. alta complexidade de arritmias cardíacas e sua associação
A forma digestiva está presente em 7 a 10% dos por- com distúrbios da condução do estímulo atrioventricu-
tadores da doença de Chagas, mas a prevalência depende lar e intraventricular. t importante a grande incidência
da região geográfica. No Brasil, registra-se maior número de morte súbita e fenômenos tromboembólicos.
de casos na reg1ão central do país, compreendendo parte Os sintomas e sinais clínicos mais freqüentes são de
dos estados de Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Bahia e insuficiência cardíaca, com predomínio da congestão sis-
sul do Piauí. Sua ocorrência é excepcional nos países si- témica, disritmias ventriculares e bloqueios atrioventri-
tuados acima da linha equatorial, como a Venezuela e os culares. Precord1alg1a pode estar presente e é geralmente
países da América Central. Acomete rodo o trato gastrin- atípica para isquem1a miocárdica.
testinal. mas, em geral. há predominância do esôfago e As principais alterações eletrocardiográficas são: blo-
colo. A lesão esofagiana leva à formação de megaesôfago, queio completo do ramo direito com ou sem bloqueio
conseqüente à incoordenação morara da musculatura de ramo esquerdo, bloqueio atrioventriclar de primeiro,
do esôfago e acalasia do cárdia, provocadas pela redução segundo e terceiro graus, extra-sistolia ventriculares, so-
quantitativa dos neurônios dos plexos inrramurais, se- brecarga de cavidades cardíacas, alterações da repolariza-
cundária à intensa destruição dos neurônios do sistema ção ventricular, entre outras. Anormalidades contráteis
nervoso periférico que ocorre fundamentalmente na fase segmentares podem estar presentes em ambos os ven-
aguda, levando à dilatação e alongamento do esôfago. trículos e a lesão mais característica é o aneurisma apical,
Os sintomas mais freqüenres são disfagia mais acentuada que favorece formação de trombos intracavitários.
para sólidos e frios (é clássica a queixa de engasgos com a A associação de formas cardíacas e digestivas pode
ingestão de arroz frio), singulros e regurgitação com elimi- ocorrer. Entretanto, o acometimento cardíaco é o gran-
nação de alimentos ingeridos na ausência de vômiro ou de responsável pela morbidade e mortalidade na doença
náuseas. Epigasrralgia, azia e sialorréia são comuns e estão de Chagas.
relacionadas à esofagite secundária à retenção alimentar.
Em casos mais graves e crônicos. observam-se desnutri-
ção e sintomas broncopulmonares de aspiração. QUADRO CLÍN ICO DA CRIANÇA
No megacolon chagásico, a denervação intrínseca INFECTADA VERTICALMENTE
do colo e do rem também repercute em sua fisiologia
mocora, ocasionando dificuldade na propulsão do bolo A infecção da criança du rante sua gestação pode le-
fecal e acalasia do esfíncter interno do reta. A principal var a alterações importantes no desenvolvimento fetal.
manifestação clínica observada é a obstipação Intestinal, que predispõem ao aborto, morre fetal. prematuridade e
de caráter lemo, insidioso e progressivo. Seguem-se si- desnutrição fetal. Na maioria dos estudos, 50 a 90% dos
nais e sintomas como meteorismo, disquesia e formação recém-nascidos infectados nascem assintomáticos, não

654 ~dicina laboratorial para o clínico


havendo perfil clínico caracceríscico da doença de Chagas formas clínicas que apresentam maior parasitem ia, como
congênita. Parte das crianças infectadas pode apresentar a forma aguda. a forma congênita e a rearivação de uma
quadro clínico comum a outras infecções congênitas, infecção crónica. Já o diagnóstico sorológico, mais am-
sendo mais comumente encontrados: hepatoespleno- plamente utilizado, é o empregado para o diagnóstiCO
megalia, anasarca, distúrbios respiracórios agudos, hepa- da infecção crónica e na seleção de doadores de sangue.
cice e sepse. A meningoencefalice e a miocardice cambém
podem ocorrer. mas são observadas principalmente nos Quadro 52.1 - Exames ma1s 1nd1cados de acordo com a
casos de cc-infecção com o HIV. São relatadas também fase da infecção
febre, icterícia, anemia hemolítica, hemorragias cutâneas,
Fase aguda Fase crônica
cianose, coriorretinite, opacificação do corpo víueo. cha-
Exames parositológicos Exames sorológicos
gomas metastáticos. calcificações cerebrais e alterações (detecção d o parasito) !detecção de anticorpos)
digestivas incluindo destruição neural que pode levar a
• Pesquiso d irelo o fresco • Ensoros imunoenzrmólicos
megaesôfago e megacolon. Felizmente, são altos os ín- • Mrcrohemolócnro • lmunofluorescêncio indueto
dices de cura das cnanças tratadas precocemente com • Goro espesso • Hemog,u:rnoçõo morrera

drogas tripanomicidas. A simples presença de infecção


materna pelo T. cruzi não afeta o crescimento inrra-uce-
rino e maturidade dos fetos não infectados.
DIAGNÓSTICO PARASITOLÓGICO

REATIVAÇÃO DA FORMA CRÓN ICA Os méwdos parasitológicos empregados no diag-


nóstico da doença de Chagas são divididos em direws
Pacientes chagásicos crônicos podem apresentar rea- e indirews. Consrderam-se direws aqueles que pesqui-
tivação da infecção diante de quadro de imunossupres- sam diretameme o uipanossoma na amosua. enquanto
são, como em neoplasias, AIOS, após transplantes e nos os indirews utilizam esuatégias variadas para faci litar a
tratamentos com corticoesteróides e quimioterápicos. A detecção do parasito, como hemocultura e reação de
pnncipal manifestação é o quadro de meningoencefalite polimerização em cadeia (PCR).
com lesões cerebra1s focais, d1fusas. expansivas ou pseu-
dotumorais. Curiosamente, em alguns casos de reativação
da doença de Chagas, o parasiw pode não ser encontrado Métodos diretos
no sangue periférico e o diagnóstico da reativação é feito
pelo achado de imenso parasitismo em exame hiswpaw- Estão indicados naquelas siruações que cursam com
lógico, principalmente quando há envolvimento da pele, maior parasitemia, como a fase aguda recente (durante
como observado em pacientes submetidos a transplante as seis prime1ras semanas de infecção), quadros de rea-
cardíaco. Nesses casos. ocorrem lesões cutâneas com ca- tivação e infecção congênira recente. São exames que
racterísticas clínicas de eritema nodoso ou nódulos erite- podem ser realizados em laboratórios clínicos conven-
mawsos ulcerados e cujo processo inflamatório estende- cionais. pois não requerem equipamentos especrais, mas
se ao tecido celular subcutâneo. Trata-se de quadro grave, é necessário que os profissionais tenham experiência no
mas com resposta terapêutica muitas vezes eficaz. reconhecimenw do T cruzi. O mais simples desses pro-
cedrmentos é o EXAME A FRESCO. Para sua realização,
cerca de 5 !JL de sangue anticoagulado ou colh1do por
EXAMES lABORATORIAIS NO punção capilar são examinados entre lâmina e lamínula.
DIAGNÓSTICO DA DOENÇA DE CHAGAS no aumento de 400x, para visualização do tripanossoma
vivo. Pelo menos 100 campos deverão ser avaliados para
Para o diagnóstico da doença de Chagas, podem ser a liberação de pesquisa negativa. Variações desse méto-
empregados méwdos parasiwlógicos ou sorológicos. do foram desenvolvidas com a finalidade de melhorar a
Em geral, os méwdos parasimlógicos estão resuims às sensibilidade. As variações ma1s utilizadas são a pesquisa

Investigação laboratorial do pacience com doença de Chagas 655


em GOTA ESPESSA corada por Giemsa, a PESQUISA identificação do T cruz1. Erealizado usando-se triaromí-
EM CREME LEUCOCITÁRIO, o MÉTODO DE STROUT neos criados em laboratório e alimentados com sangue
e o método QUANTITATIVE BUFFY COA T. Este último foi de aves. Ninfas são distribuídas em 10 exemplares por
descrito in icialmente para malária e consiste em microsco- caixa, aplicando-se quatro caixas no braço e antebraço
pia de fluorescência, utilizando objetiva de 60X e grande do indivíduo para que os insetos realizem os seus repas-
profundidade de campo, para verificação de rripanosso- tas sanguíneos, durante 30 minutos. Após 30, 60 e 90
mas em sangue colhido com EDTA e colocado em tubo dias, as fezes e urina dos triaromíneos e/ou os intestinos,
capilar comendo laranja de acridina. Já para a pesquisa obtidos por compressão ou dessecação, são colocados
no creme leucocitário, o sangue é colhido em 6-8 tubos em solução fisiológica e examinados ao microscópio em
capilares hcparinizados c centrifugados cm centrífuga médio aumento para pesquisa de formas epimasrigocas
de micro-hematócrito por 10 minutos. Os tubos capila- e tripomastigotas metacíclicas do T. cruzi. No exame
res são dispostos sobre uma lâmina de vidro e fixados, microscópico das fezes para a pesquisa de flagelados, é
em suas extremidades, com fita adesiva. A camada leu- muito importante fazer a distinção entre o T cruzi e o T
cocitária é examinada por microscopia para visualização range/i. Este último pode ser detectado nas glândulas sa-
dos movimentos do parasito vivo. Não é recomendada a livares e na hemolinfa dos triatomíneos e a diferenciação
quebra dos tubos para exame direto do creme leucoci- morfológica com o T cruzi também pode ser realizada
tário, pelo risco de contaminação acidental. Para o mé- em esfregaços das fezes positivas para tripanossomací-
todo de Strout, 3 ml de sangue sem anticoagulante são deos após a coloração. Esse método, por ser de proce-
incubados por 60 minucos, a 3PC. O soro é retirado com dimento biológico complexo, faz com que seu emprego
pipeta Pasteur e centrifugado a 160 g, por três minutos, na rotina seja bastante li mitado.
para eliminação de eventuais hemácias. O sobrenadante As reações alérgicas advindas da aplicação do xeno-
é centrifugado novamente, a 400 g, por seis minutos, e o diagnóstico no local da picada do inseto podem ser evi-
sedimento é examinado em microscopia convencional. tadas realizando-se o xenodiagnóstico artificial, em que
os triatomíneos alimentam-se através de tênue membra-
na, em sangue venoso do indivíduo suspeito, coletado
Métodos parasitológicos indiretos previamente com anticoagulante.

A fase crónica da doença de Chagas é caracterizada


Hemocu/tura
por parasitemia subpatente no sangue periférico. Nessa
fase não é possível identificar o parasito por métodos di- O T cruzi cresce e multiplica-se fac ilmente em vá-
retas, mas pode ser deteccado pelos métOdos indiretos rios meios acelulares contendo componentes como,
clássicos, como xenodiagnóstico, hemocultura e PCR, sais, proteínas e derivados da hemina. Por algumas dé-
que apresentam sensibilidade variável, entre 45 e 70%. cadas, a hemocultura não foi usada para identificar o
Esses procedimentos são limitados aos laboratórios es- parasito na fase crónica da doença de Chagas devido
pecializados, apresentam elevado custo operacional e à baixa sensibilidade. A partir da década de 60, a téc-
necessitam de pessoal treinado para a sua execução. nica de hemocul tura começou a ganhar credibilidade
Indicações: esses métodos são indicados em situa- entre os pesquisadores da área. Em 1975, um trabalho
ções distintas, como para confirmação do diagnóstico relevante nesse campo fo i desenvolvido por Mourão e
em casos de sorologia duvidosa, avaliação pré e pós-tra- Mello, que introduziram o procedimento de retirar o
tamento específico, diagnóstico de infecção congénita e plasma e lavar as células para a remoção de anticorpos
quando se pretende isolar cepas do T cruzi. e outros fatores que poderiam apa rentemente in ibir o
crescimento do T cruzi. Posteriormente, outras modifi-
cações também contribuíram para aumentar a sensibi-
Xenodiagnóstico
lidade do método. Resumidamente, a técnica consiste
O xenodiagnóstico, desde a sua descrição por na coleta de 30 ml de sangue venoso que deverão ser
Brumpt, em 1914, foi muito aplicado para a pesq uisa e imediatamente centrifugados a 300 g por 10 minutos

656 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-- -- - -- - - -- - -- -- - - - - - - - -- - - -- - - -


à temperatura ambiente ou a 4°C. Após remoção do de formas crónicas, os procedimentos sorológicos são
plasma, o sedimento é lavado em meio LIT e distribu- usados também na triagem de doadores de sangue e em
ído em tubos contendo o mesmo meio. A cultura é inquéritos epidemiológicos. Baseiam-se na detecção de
realizada em estufa com temperatura entre 26 e 28°C e anticorpos, principalmente da classe lgG, contra deter-
examinada ao microscópio com aumento 400x, men- minantes antigênicos do T cruzi e os títulos desses an-
salmente, até 120 dias. ticorpos não apresentam relação com a gravidade e/ou
A positividade dessa técnica varia de 30-70% quando apresentação da doença. Como todo teste sorológico.
é realizada uma única hemocultura, variando, inclusive, os valores preditivos positivo e negativo dependem da
de acordo com a região geográfica, o que provavelmen- sensibilidade e especificidade do método e da prevalên-
te reflete a diferente constituição genética das cepas do cia da infecção.
T cruzi que circulam em cada região. Dados da literatura Métodos: as técnicas mais empregadas são imuno-
relatam que a realização de hemoculturas seriadas au- fluorescência indireta, hemaglutinação indireta e imune-
menta a positividade da técnica. A PARASITEMIA ES- ensaio enzimático, por apresentarem altos valores de sen-
CASSA E INTERMITENTE nos indivíduos infectados na sibilidade e especificidade, superiores a 95%. Acualmeme,
fase crónica da doença de Chagas explica a dificuldade encontram-se disponíveis testes não convencionais que
na detecção do T cruzi em todas as amostras de sangue empregam preparações antigênicas mais purificadas,
coletadas. como antígenos recombinantes e peptídeos sintéticos,
com a finalidade de incrementar a especificidade. Entre
Reação de polimerização em cadeia (PCR)
estes, ressalta-se o teste de aglutinação de partículas de
gel, em cartão (PaGIN- DIAMED).
A PCR descrita em 1985 vem sendo expandida e
abrindo novas perspectivas para o seu emprego no diag-
nóstico e caracterização de diferences agentes infecciosos lmunoe nsaios e nzimát icos {ELISA)
e parasitários A sua aplicação no diagnóstico da doença
de Chagas tem sido intensificada para amplificar seqü- Metodologia de simples execução, com possibilida-
ências do DNA nuclear e/ou seqüências do minicírculo de de automação, altas sensibilidade e especificidade, é
do kDNA em sangue ou soro humano usando diferentes considerada a mais sensível das técnicas convencionais,
protocolos. sendo amplamente utilizada na rotina dos serviços de
Na fase crónica da doença de Chagas, o teste de PCR hemoterapia e de diagnóstico. Consiste na reação de
seguido de hibridização tem se mostrado uma alterna- soros humanos com antígenos solúveis e purificados
tiva para a comprovação da presença do parasito, devi- da forma epimastigotas do T cruzi, obtidos a partir de
do à sua capacidade de detectar quantidades mínimas cu ltura in vitro, que são previamente adsorvidos nas ca-
de DNA. Mesmo com o aprimoramento dos diferentes vidades de microplacas. Atualmente, alguns fabricantes
procedimentos da técnica, a sensibil idade da PCR varia têm empregado antígenos recombinantes como subs-
entre 25 e 100%. Essas diferenças de positividade na PCR trato antigênico como forma de minimizar a ocorrênCia
reforçam aquelas obtidas com os testes parasitológicos de reações falso-positivas (Para maior detalhamento das
indiretos e podem ser explicadas pela PARASITEMIA técnicas ver capítulo 6).
ESCASSA E INTERMITENTE.

Re ação de he maglutinação ind ireta


DIAGNÓSTICO SOROLÓG ICO
Teste de fácil execução e bom desempenho, apre-
Anticorpos antiT cruzi atingem concentrações séri- senta sensibilidade menor que os testes de imuno-
cas detectáveis pela maioria das técnicas convencionais fluorescência e de ELISA. Baseia-se na aglutinação de
de 20 a 30 dias após a infecção. A partir de então, os hemácias de carneiro o u ave revestidas com antígenos
níveis séricos se mantêm estáveis. Além do diagnóstico derivados da forma epimastigota do T cruzi. A leitu-

Investigação la boratorial do pac iente com doença de Chagas 657


ra é feita a olho nu. com cerro grau de subjetividade A reação de Guerreiro e Machado ou fixação de
de interpretação. A amosrra é considerada reagente complemenro para doença de Chagas. já em desuso,
quando as hemácias estão distribuídas de maneira ho- deve ser abandonada. A sensibilidade do teste é baixa e
mogênea, em forma de tapete ou manto, ocupando a sua reprodut1b11idade não satisfaz os padrões de quali-
área maior que 50% do fundo da placa; não reagente dade vigentes.
quando as hemácias ficam acumuladas em forma de
bocão no fundo do poço; e é considerada indetermi-
nada quando apresenta qualquer padrão diferente dos INTERPRETAÇÂO DOS TESTES SOROLÓGICOS
anteriores. Pode ser qualitativa ou quantitativa, quan-
do diluições seriadas são realizadas. Para tanto, a di- Apesar da grande expert1se já adquirida, existem mui-
luição inicial indicada pelo fabricante (aquela utd1zada tas dificuldades na padronização dos testes sorológicos
no teste qualitativo) é postenormente diluída sucessi- para doença de Chagas em uso. A ocorrência de reações
vamente na razão 1:2. As diluições são testadas como cruzadas com soros de pacientes portadores de leishma-
a reação qualitativa e o título será a última diluição na niose, infecção pelo HIV e doenças auto-imunes é descri-
qual a reação fo i positiva. ta, assim como a verificação de resultados negativos em
pacientes comprovadamente chagásicos.
A Figura 52.1 mostra fluxograma baseado na reco-
Reação de imunofluorescência indireta mendação do Consenso Brasileiro em Doença de Cha-
gas, em 2005.
Teste de elevada sensibilidade. embora apresente
reações cruzadas, em particular com leishmanioses. Realização de d ois
testes sorológicos de
Pode ser qual1tat1vo ou quant1tanvo (com titulação). pri ncípios diferentes
Baseia-se na reação de soros ou plasmas humanos com (ELISA, IFI ou HAI)
parasitos da forma epimastigota fixados em lâminas
de microscopia para fluorescência. A reação entre o
antígeno fixado e o anticorpo presente nas amostras
é visualizada após a adição de antiimunoglobulina hu-
mana conjugada com isotiocianato de fluoresceína (ver
capítulo 6). A leitura é realizada em microscópio de flu-
orescência:
• amostra reagente: presença de fluorescência uni-
forme em todas as membranas do tripanossoma;
• amostra não reagente: ausência total de fluores-
cência nos tripanossomas; Figura 52.1 - Fluxograma do diagnóstiCO na fase crónica.
• amostra indeterminada: qualquer padrão dife-
rente dos descntos.
DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES ESPECIAIS

Diagnóstico da infecção congênita


Outros métodos

Tem-se procurado melhorar qualidade dos testes até Em casos suspeitos de transmissão congêni ta, é im-
então utilizados, a partir do emprego de antígenos recom- portante confirmar o diagnóstico sorológico da mãe.
binantes e/ou peptídeos sintéticos, na tentativa de evitar Constatada a infecção materna. deve-se realizar o exame
reações cruzadas. observadas com os testes convencio- parasitológico no recém-nascido. Se positivo, a criança
nais de diagnóstico. Dentre outros, o teste de western- deve ser submetida ao tratamento etiológico imediata-
blot mostra-se promissor como teste confirmatório. mente. Os filhos de mães chagásicas com exame parasi-

658 [ Medicina laboratorial para o clínico


rológ1co negaCivo ou sem exame devem realizar sorolo- ciosas. esrá apoiado em evidências epidemiológicas. clí-
gia após sete ou nove meses. Se a sorologia for negativa, nicas e laboratOriais. O laboratório mu1t0 contrtbw para
descana-se a transmissão vertical. Os casos confirmados confirmação ou exclusão da suspeita clímca na maioria
devem ser tratados, cons1derando-se a alta raxa de cura das situações. Entretanto, compete ao médico-assistente
nessa fase. Em face do elevado número de falso-negativos a defimção do diagnóstico.
e falso-posir1vos em rransm1ssão congênira, não se reco-
menda a pesquisa de anticorpos antiT cruz1 das classes Mãe com sorologio
lgM e lgA. A detecção de lgM específica, por lmunofluo- reagente
confirmado
rescênoa. apresenta baixa sensibilidade e espeoficidade.
Os testes utilizados para determinação do anttcorpo lgA
ainda são pouco padronizados (Figura 52.2). '
Pesquiso de T. Cruz i no RN .
Duas amostras
no primeiro mês
A detecção do anticorpo lgG, através do sorologio de vida (se passivei)
convencional, no recém·noscido pode refletir apenas
o lgG materno tra nsfer ido passivamente poro o feto.
A persistência de anticorpos lgG após os 7.9 meses Sorologia lgG
de idade indico fortemente o existência do infecção no 6 - 9 meses
criança . A comparação dos títulos so rológicos de lgG do de vida
RN com os de suo mãe, ao contrório de outros infecções
congénitos, não se mostro úti l.

Diagnóstico da reativação de infecção crónica

A reativação da doença de Chagas, que ocorre em


situações de imunodepressão, traduz-se essencialmente
na visualização do parasico no sangue periférico, líquor Figura 52.2 - Fluxograma do dtagnósttco da doença de Chagas
ou ourros líqu1dos corporais (F1gura 52.3). Assim, o diag- congêntta
nóstico laboratarial base1a-se na positividade dos testes
d1rews. A pesquisa direta em amosrras de sangue tem
s1do relatada como o métado "padrão ouro" no diagnós-
tiCO precoce de reativação da doença de Chagas. Con-
tudo, a PCR tem detectado mais precocemente a reatl-
vação da 1nfecção após transplante quando comparada
ao exame d1rew do sangue ao m1croscóp10. Essa reação
também Lem se mostrado uma ferramenta rápida e efi-
Ciente na amplificação do T. cruzi no líquor. em pacientes
portadores da infecção pelo HIV com menlngoencefali-
te chagás1ca. A negatividade dos testes parasitológicos
não exclu1 a poss1bil1dade de reanvação da doença de
Chagas. As reações sorológ1cas podem não apresentar
reprodutibilidade nesses casos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Figura 52.3 - Formas trtpomasttgoras em sangue pertfénco de
Como Já refendo por alguns autOres. o diagnóstiCO da pac1enre com q uadro de reauvação após transplante cardíaco.
doença de Chagas. como em outras enfermidades infec- V< 1 prand1o (()/ondo

Investigação laborato ria l do paciente com d oença de Chagas 659


Cabe ainda ressalrar que não existe um procedimento REFERÊNCIAS
laborawrial tido como "padrão ouro" e a ocorrência de
1. Brasil. Ministério da Saúde. Doença de Chagas- Triagem
resultados discordantes entre as técnicas não é rara, prin- e diagnóstico sorológico em unidades hemoterápicas e
cipalmente em candidaws a doadores de sangue. Tam- laboratórios de saúde pública. Brasília: Ministério da Saú-
bém é freqüente o encontro de resultados contraditórios de; 1998. Disponível em: http:/lbvsms.saude.gov.brlbvsl
publicacoeslcd07_08.pdf
provenientes de diferences laboratórios. A razão para es-
2. Brasil. Ministério da Saúde. Doença de Chagas Aguda.
ses resultados discrepantes parece estar relacionada com Manual Prático de Subsídio à Notificação Obrigatória
a complexidade antigênica do T cruzi e por isso o tipo no SINAN. Brasília: M inistério da Saúde; Disponível em:
de antígeno empregado nos testes imunológicos (extraro hr r p:lI por ral.sa ude.gov.brI porra I/arq u ivosl pd fi man u-
al_chagas.pdf.
bruto, semipurificado, purificado, antígenos recombinan-
3. Brasil. Ministério de Saúde. Secretaria de Vigilância Sani-
tes, peptídeos sintéticos) influencia o desempenho dos tária. Consenso Brasileiro em Doença de Chagas. Rev Soe
métodos. Falhas técnicas na execução das metodologias Bras Med Trop. 2005; 38 Supl 3. Disponível em: http:/lpor-
também acontecem. De forma a minimizá-las, o Ministé- tal.saude.gov.brlporral/arquivoslpdf/consenso_chagas.pdf
rio da Saúde, por meio do programa de Doenças Sexu- 4. Dias J(P, Coura JR. Clínica e terapêutica da doença de
Chagas: uma abordagem prática para o clínico geral. Rio
almente Transmissíveis (DST) e AIOS e da Coordenação de janeiro: Fiocruz; 1997.
de Sangue e Hemoderivados (COSAH), elaborou manual 5. Dias J(P. Doença de Chagas e transfusão de sangue no
e vídeo da série Telelab, que se encontram disponíveis a Brasil: vigilância e desafios Rev Bras Hemarol Hemorer.
todos que realizam os testes sorológicos. Muito útil tam- 2006;28(2):81-7
6. Luquetti AO. História dos mérodos de diagnóstico para
bém é o Portal de doença de Chagas da FIOCRUZ (http// a doença de Chagas. Disponível em: http:/lwww.fiocruz.
www.fiocruz.br/chagas) que contém textos referentes a brlchagas/cgilcgilua.exelsyslstarr.hrm.
remas que vão desde a origem da doença humana, a vida 7. Organización Panamericana de la Salud I Organización
de seu descobridor, o pesquisador Carlos Chagas, até Mundial de la Salud. Traramienro etiológico de la enfer-
midad de Chagas: conclusiones de reunion de especialis-
questões de ecologia e Biologia Molecular. O Portal con- tas. Rev Par Trop. 1999;28(2):247-79.
ta com a colaboração de grandes pesquisadores atuantes 8. Torrico F, Carl1er Y. Congeniral lnfecrion with Trypanoso-
no campo doença de Chagas. ma cruzi: from mechanisms of rransmission ro srraregies
for diagnosis and conrrol. lnrernational Coloqium, Co-
chabamba, Bolívia, 2002.

660 ( M edicina laboratorial para o clínico


Luciana de Gouvêa Viana

53 Zélia Profeta da Luz


Ana Lúcia Teles Rabello

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DAS LEISHMANIOSES

As leishmanioses encontram-se mundialmente dis- Kineroplastida, família Trypanosomat1dae, gênero Lelsh-


tribuídas e estão presentes em 88 países em quatro mama spp. O subgênero Le1shmama abriga as espéCies
continentes e compreendem uma das dez endemias responsáveis pela LV: L. donovani, na Ásia e África, L. m-
mundiais prioricárias da Organização Mundial da Saúde fantum no Mediterrâneo, China e norte da África e L.
(OMS). Estas são clinicamente divididas em leishmaniose chagasi, no Brasil e no restante da América Latina. Neste
visceral (LV) e leishmaniose tegumentar (LT), a qual in- mesmo subgênero encontra-se a L. amazonens1s, uma
clui as formas cutânea e mucosa. Mais de 90% dos casos das espécies responsáveis pela LT no Brasil, juntamen-
de LT ocorrem no Irã, Afeganistão, Sina, Arábia Saudita, te com a L. braziliensis e L guyanensis, pertencentes ao
Brasil e Peru. Mais de 90% dos casos de LV ocorrem em subgênero Viannia.
Bangladesh, Brasil, índia e Sudão. Estima-se que aproxi- Os parasitas do gênero Le1shmama apresentam-se
madamente 12 milhões de pessoas estejam atualmente sob duas formas evolutivas: amastigotas e promascigoras.
infectadas e cerca de 350 milhões sob risco de adq uirir A primeira é encontrada em hospedeiros vertebrados em
a doença. A incidência anual estimada para a LV e para condições naturais ou em moculações experimema1s. A
a leishmaniose cutânea, apresentação clínica mais fre- segunda pode ser observada no aparelho d1gest1vo de
qüente da LT, é alarmante: 500.000 casos e 1 a 1,5 milhão seus vetares ou em cultura. A ordem Kineroplastida é
de casos, respectivamente. A leishmaniose visceral, par- morfologicameme caractenzada pela presença do cine-
ticularmente, os~enta o status de uma das doenças mais coplasco, organela rica em DNA e que está ligada à mico-
negligenciadas db mundo. côndria da célula. As formas amastigotas são aflageladas,
No Brasil, as leishmanioses são consideradas um esféricas ou ovóides, de dimensões variando entre 2 a 5
grave problema de saúde pública, tendo em vista a sua ~m. Tais formas podem ser observadas livres ou no inte-
magnitude e expansão geográfica. rior de células do sistema monocítico fagocitário, onde
se multiplicam por divisão binária. As formas promas-
tigotas são alongadas ou fusiformes, apresentando um
ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO flagelo livre na porção anterior da célula. Seu taman ho é
bastante variável, podendo medir de 15 a 35 ~m .
AGENTES ETIOLÓGICOS E CICLO BIOLÓGICO Os vetares das leishmanioses são insetos dípteros
da família Psychodidae, subfamília Phleborominae, gê-
As leishmanioses constituem um grupo de doenças nero Lutzomy1a. Somente as fêmeas são hematófagas
causadas por várias espécies de protOzoários da ordem e se alimemam de grande variedade de animais, sendo
as responsáveis pela transmissão do parasito. Em áreas ASPECTOS SOCIOEPIDEMIOLÓG ICOS
rurais e urbanas, várias espécies de fleboromínios apre-
semam a capacidade de invadir os domicílios e abrigos As leishmanioses são zoonoses consideradas, inicial-
de animais domésticos. estando cotalmeme adaptados mente, de transmissão essenoalmente silvestre em am-
às modificações ambientais promovidas pelo homem. bientes rurais. Verificam-se arualmente mudanças no pa-
Em condições naturais, estes insetos se mfectam durante drão de cransmissão em decorrência das modificações
o repasco sanguíneo no homem ou em outros an1ma1s. soooamb1entais. como desmatamento e o processo
As formas amastigoras. ao atingirem o intestino médio, migratório caracterizado pelo êxodo rural. Nesse con-
evoluem para promastigotas e se multiplicam ativamen- texto, a leishmaniose antroponótica, na qual o homem
te. Ao término do tercei ro dia. as formas promastigotas atua como reservatório e fonte de infecção para o vetor,
invadem as porções anteriores do intestino do inseto, vem adqu1rindo relevância e tem s1do relac1onada a epi-
onde continuam a se reproduzir, obstruindo a luz deste demiaS, particularmente de LV.
órgão. Ao picar o animal ou o homem, o inseto inocula. No Brasil, a LV é uma doença endêmica com regisuo
por regurgitação, as formas promast1gotas infectantes de surtos freqüentes. Inicialmente, sua ocorrência era li-
(metacíclicas). Tais formas invadem ou são fagocitadas mitada a áreas rurais e a pequenas localidades urbanas.
por células do SIStema monocítico fagocitário e iniciam mas. arualmente, encontra-se em franca expansão para
sua fase de parasitismo no hospedeiro vertebrado. grandes centros. Assim. observou-se no início da década
A disseminação da Le1shmania spp pode ocorrer por de 80 surro epidêmico em Teresina (PI) e, desde então, já
v1a hemarogên1ca e/ou linfática. As formas amastigotas se diagnosticaram casos autóctones em São Luís (MA),
se multiplicam rapidamente dentro dos macrófagos te- Fortaleza (CE). Natal (RN), Aracaju (SE). Belo Honzonte
ciduais no sítio da picada do flebotomíneo. A partir daí, (MG), Santarém (PA). Corumbá (MS), Campo Grande
ocorre a migração dos amastigocas para as vísceras. prin- (MS). Palmas (TO), Araçatuba (SP). Está dism buída em
cipalmente órgãos linfóides. quando da infecção pores- 19 estados da federação. atingindo quatro das cinco
péoes Vlscerorróp1cas. Uma vez ocorrida e~La m1gração, regiões brasileiras. Sua maior incidência encontra-se no
as formas amasngotas são encontradas dentro de macró- Nordeste, com aproximadamente 70% do total de casos,
fagos ou. raramente. livres, nos espaços teciduais. Medula seguido pela região Sudeste, região Norte, e. finalmente,
óssea, baço, fígado e linfonodos. órgãos ricos em células região Centro-Oeste.
do sistema monocítico fagocitário, são mais densamente Ao analisar a evolução da LT no Brasil, observa-se
parasitados. Na infecção por espécies dermotrópicas. as expansão geográfica. No início da década de 80. foram
formas amastigoras se multiplicam em macrófagos loca- registrados casos em 20 unidades federadas (UF) e a par-
lizados na pele ou em mucosas. podendo-se encontrar tir de 2001 todas as UFs registraram casos autóctones
grande quantidade de parasitos livres no teodo conjunti- da doença. No ano de 1994 houve registro de casos au-
vo da derme e também células parasitadas na ep1derme. tóctones em 1.861 municípios, o que representa 36.9%
As raposas e os marsupiais. como o gambá, são re- dos municípios do país; em 2002 houve expansão da
servatórios silvestres. No ambiente urbano, o cão é fonte doença para 2.302 mun icípios (41,1%). As regiões Nor-
primária de infecção, sendo considerado o principal re- deste e Norte vêm contri buindo com o maior número
servatório doméstico da LV. Esta espécie animal carac- de casos registrados no período (cerca de 36.9 e 36.2%.
teriza-se como fonte de transmissão eficaz por coabitar respectivamente) e a região Norte com os coefioentes
com as pessoas e, mUltas vezes, apresentar altas taxas de mais elevados (99,8/100.000 habitantes), segu1da das re-
infecção sem ter quadro clínico aparente. Escudos têm giões Centro-Oeste (41.8/100.000 habitantes) e Nordeste
demonstrado que a Infecção no cão precede o apareci- (26.5/100.000 habitantes).
mento de casos humanos. No âmbito doméstico. tem Nas Figuras 53.1 e 53.2 encontra-se o número de ca-
sido verificado que cães com sorologia reagente muitas sos de LV e LT notificados no Brasil no período de 2001 a
vezes não apresentam sinais ou sintomas clínicos. aruan- 2006, segundo informações do Banco de Dados do Siste-
do, no entanto, como bons reservatórios, com grande ma Único de Saúde (DATASUS). Nestas séries históricas
poder de infectar o vetor da doença. destacam-se a ascensão da LV e a queda gradativa da

662 ( Medicina laboratorial para o clínico


LT. A redução de casos de LT encontra-se relaoonada à 83 casos relatados no país, regisuados em 12 estados, re-
intensificação das ações de controle coordenadas pela velou que 37.3% apresentavam LV e 62,7% apresentavam
Secretana de Vigilância em Saúde (SVS). Esta. em parce- LT. sendo 21,8% com a forma cutânea e 40.9% com a
ria com o Departamento de Endemias Samuel Pessoa forma mucosa.
(ENSP/FIOCRUZ). desenvolveu um modelo de vigilân- Vale destacar que a notificação das le1shman1oses é
cia e moniroramento da LT para identificação de áreas compulsória e todo caso confirmado deverá ser notifi-
prioritárias. Inicialmente, foi realizada uma análise da cado pelos serviços públicos, pnvados e filanuóp1cos por
distribuição espaço-temporal da endemia, utilizando-se. meio da ficha de investigação epidemiológica padroni-
além do número de casos e do coeficiente de detecção. zada no Sistema Nacional de Agravos de Notificação
a densidade de casos por área. Também foram analisa- (SINAN).
dos dados ambientais, sociais e demográficos das áreas
de relevância epidemiológica para este agravo. A parr1r
dessas análises. foram identificados os principais circuitos APRESENTAÇÕES CLÍNICAS
e pólos de produção de LT no país.
leishmaniose visceral
40000

35000 Em regiões endêmicas. esnma-se que 20% dos indi-


"'
Q)
•O víduos infectados por L. chagas1 desenvolverão a forma
u-
ov 30000 clássica da doença. Nos dema1s, a infecção rende a ser
--=
-~
c
25000 assmtomárica ou oligossimomática.
Q)
-o
e
Q)
20000 5000
E
•:::> 4500
15000
z "'
Q)
•O 4000
10000 u-
o
~ 3500
5000 õc
3000
Q)
-o
o o 2500
Q;
2001 2002 2003 2004 2005 2006 E 2000
•:::>
Ano z
1500
Brasil
1000
M inas Gera is 500

F1gura S3.1 - Notificações de le1shman1ose VISCeral no Bras1l e em o


200 1 2002 2003 2004 2005 2006
M1nas Gera1s no penado de 2001 a 2006. Fome: Banco de dados do
Ano
Sistema Ún1co de SaC1de - OATASUS.
Brasil

M inas Gera1s
Mais recentememe. a associação das infecções causa-
das pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e pelos Figura S3.2 - Notificações de lmhmaniose tegumemar no Brasil
prorozoános do gênero Le1shmama spp, caracrenzando e em M1nas Gera1s no período de 2001 a 2006. Fonte· Banco de
a cc-infecção Le1shmanw/HIV, vem desempenhando pa- dados do S1srema Ún1co de Saúde - DATASUS.
pel importante na expansão das leishmanioses. Casos de
co-mfecção Le1shmama/ HIV têm sido relatados em mais O período de incubação da doença varia entre do1s
de 30 países pelo mundo. sendo verificada incidência ex- e sere meses e, geralmente. apresenta evolução arrasta-
pressiva na Europa. particularmente na Espanha. França. da. O primeiro sintoma de visceralização é febre baixa
Itália e Portugal. Casos de co-1nfecção Le1shmama/ HIV recorrente, freqüemememe com do1s ou três picos di-
têm sido descritos no Brasil desde 1987. A avaliação de ários, que perSISte com rem1ssões durante rodo o curso

Investigação laboratorial das leishmanioses 663


da infecção. Esplenomegalia é o achado mais imporcanre de inoculação das promasEigocas infeCEanres. acravés da
na LV. Na fase inicial da doença. a esplenomegalia não é picada do vetar, para qualquer das espécies de Leishma-
pronunciada, mas torna-se uma característica invariável nia causadoras da doença. A lesão primária é geral mente
nos casos de doença estabelecida e crônica. O tamanho única, embora eventualmente múltiplas picadas do fle-
do baço varia, sendo caracteristicamente encontrado botomíneo ou a disseminação local possam gerar um
encre cinco e 15 cm da reborda coscal esquerdo e, em número elevado de lesões. Surge após um período de
geral. quanto mais prolongada for a doença. maior o incubação variável de 10 dias a três meses, como uma
baço. Áreas de congestão e de infarro esplênico podem pápula eritemarosa que progride lentamente para nódu-
ocorrer, incl usive com ruptura do órgão. lo. Acompanha-se de adenopatia regional. com ou sem
Em pacientes não tratados, a doença crônica é mar- linfangite, em 12 a 30% dos casos. São freqüemes as ul-
cada pelo progressivo emagrecimento e enfraquecimen- cerações com bordas elevadas, enduradas e fundo com
to geral. com aumento da susceptibilidade a infecções tecido de granulação.
secundárias. Leucopenia e trombociropenia estão asso- A leishmaniose mucosa é condição de difícil trata-
ciadas à tendência hemorrágica. Anorexia e anemia au- mento e prognóstico reservado quanto à possibilidade
mentam a incapacidade geral. levando à deficiência de vi- de cura. Está associada à L. braziliensis, na maioria dos
taminas. Esta seqüência de eventos aumenta a debilidade casos ocorrendo em um intervalo de tempo variável
do indivíduo e pode conduzi-lo à caquexia e ao óbito. após a instalação da lesão cutânea inicial. Os fatores que
A forma oligossinromática é facil mente confundida contribuem para que uma doença inicialmente cutânea
com outras doenças em virtude da baixa magnitude dos evolua para essa forma tardia não são de rodo conheci-
sinais e sintomas. Todas as manifestações que ocorrem dos. mas sabe-se que a demora na cicatrização da lesão
na forma clássica podem estar presentes com menos in- primária e tratamento inicial inadequado podem estar
tensidade ou menos freqüência, resultando em discreto associados. O acometimento mucoso pode surgir com
comprometimento do estado geral. Nestes casos, o au- a lesão cutânea ainda em atividade ou anos após sua ci-
mento do fígado é mais freqüeme do que o do baço. que catrização. Na quase tOtalidade dos casos a LM acomete
usualmente não ultrapassa 5 cm da reborda costal. a mucosa nasal, com importante comprometimento do
Diversos estudos têm revelado freqüência variável da septo, seguindo-se em ordem de freq üência o envolvi-
infecção assimomática por L. chagasi. definida pela ocor- mento da mucosa oral. Em am bos os casos o risco de
rência de resultados positivos em testes imunológicos, deformidades permanentes é considerável. O acome-
sem smtomatologia clínica manifesta. timento de outras mucosas que não as das vias aéreas
A propedêutica laboratorial torna-se decisiva na superiores é excepcional.
definição do diagnóstico da LV quando o quadro clíni- Encontra-se na Figura 53.3 a classificação clínica para
co apresentado pelo paciente se confunde com outras a LT proposta por Marzochi e Marzochi em 1994.
doenças que cursam com heparoesplenomegalia febril, As formas cutâneas devem ser diferenciadas das úl-
tais como malária, forma roxêmica da esquisrossomose, ceras traumáticas. úlceras de esta se. úlcera tropical. úlce-
salmonelose septicêmica prolongada, febre tifóide, bru- ras de membros inferiores por anemia falciforme. pioder-
celose, histoplasmose. endocardite bacteriana aguda, lin- mites, paracoccidioidomicose. neoplasias cutâneas, sífilis
fomas e leucemias. e tuberculose cutânea. A hanseníase virchowiana deverá
ser excluída, principalmente no diagnóstico diferencial da
leishmaniose cutânea difusa. Nas lesões mucosas, o diag-
l eishmaniose tegumentar nóstico diferencial deve ser feitO com a paracoccidioido-
micose. hanseníase virchowiana. rinoscleroma. bouba,
A apresentação clínica da LT é determinada pela es- sífilis terciária, granuloma médio facial e neoplasias. Nas
pécie do agente infeccioso e sua virulência, bem como formas vegetames, distingue-se a variedade verrucosa.
pela resposta imunológica do hospedeiro. muito freq üente, que simula a esporotricose verrucosa.
A leishmaniose cutânea é definida pela presença de a cromomicose, a paracoccidioidomicose, a piodermite
lesões exclusivamente na pele, que se iniciam no pomo vegetante e a tuberculose verrucosa.

664 [ Medicina laboratorial para o clínico ]~------------------------------


l LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA l
I

[
leishmoniose
Cutâneo
l l leishmoniose
Mucoso
J

( 1) Formo Cutâneo único (6) Formo mucoso tardio


(2) Formo Cutâneo Múltiplo (7) Formo mucoso concomitante
(3) Formo Cutâneo Disseminado (8) Formo mucoso contíguo
(4) Formo Recidiva Cútis (9) Formo mucoso primário
(5) Forma Cutânea Difusa (1O) Formo mucoso indeterminada

Leishmonio broziliensis I 1, 2, 3, 4} Leishmania braziliensis 16, 7, 8, 9, 1O}


Leishmania amazonensis I 1, 2, 3, 4, 5} Leishmania amazonensis 18}
Leishmania guyanensis 11,2,3}

Figura 53.3 - Classificação clínica e respecr1vos agenres euológ1cos da le1shmaniose regumenrar no Brasil. Fome: Manual de V1gilânoa da
Le1shman1ose Tegumenrar Amencana, FUNASA: MS.

EXAMES LABORATORIAIS NO
pático, até 85% para o aspirado de medula óssea e em
DIAGNÓSTICO DAS LEISHMANIOSES
torno de 50% para o aspirado de linfonodos. No Brasil,
recomenda-se a punção aspirativa da medula óssea para
O diagnóstico laboraconal das leishmanioses consis- a realização do exame direto e Isolamento em cultivo. Na
te, fundamentalmente, na utilização de crês princípios LT. são utilizados procedimentos de escarificação. punção
mecodológicos: os restes parasicológicos, os restes imu- aspirativa ou biópsia das lesões cutâneas, de linfonodos
nológicos e os restes moleculares. Exames complemen- ou de mucosas para a pesquisa direta de Leishmania spp.
tares gerais geralmente acompanham a abordagem diag- Tal abordagem apresenta sensibilidade em torno de 70%
nóstica específica. Dentre estes. destacam-se os exames na forma cutânea e em corno de 40% na forma mucosa.
bioquímicos, hemacológicos e histopacológicos.

EXAM ES PARASITOLÓGICOS

Os exames parasirológicos são considerados os mé-


codos de referência no diagnóstico das leishmanioses
e baseiam-se na demonstração direta do parasito e no
seu isolamento em cultivo in vivo ou in vitro. As formas
amastigoras de Le1shmania spp. podem ser visualizadas
pelo exame direro após coloração (Giemsa ou Leish-
man). Geralmente são intracelulares, medem 4 a 10 1-l
de diâmetro e apresentam forma ovalada. O núcleo é
excênuico e cora-se em violeta (Figura 53.4).
Na LV, o desempenho da pesquisa direra do parasico
varia conforme o material biológico utilizado na inves- Figura 53.4 - Formas amasrigoras de Leíshmama spp. Fome:
(lgação. Verifica-se sensibilidade superior a 90% para o Laboratório de Pesquisas Clínicas do Centro de Pesquisas René
aspirado esplên1co. entre 70 e 90% para o aspirado he- Rachou/FIOCRUZ. Ver p1 ancha color1da

Investigação laboratorial das leishmanioses 665


O mesmo macerial colecado para a realização do exa- sas, a resposca ao cesce é mais incensa. podendo ocorrer
me direco pode ser utilizado em exames parasicológicos ulceração e necrose local.
indirecos, como a inoculação em meios de cultura. O Na LV, o cesce é caracceriscicamence negativo na do-
isolamemo da Leishmania em cultivo, porém, rarameme ença ativa. Após o cratamemo, este se torna positivo em
é necessário na prática clínica rotineira. Emretamo, tal mais de 80% dos paciemes após seis meses. A reação
mecodologia enconcra-se indicada na complemencação de Moncenegro é considerada, porém, um imporcance
da abordagem diagnóscica, diante de falhas nas metodo- teste em estudos epidemiológicos da LV, uma vez que
logias convencionais. O Novy-Nicolle-McNeal (NNN) é permite estimar a extensão do concaco com os parasitos
o meio mais utilizado, com uma fase líquida de solução e detectar formas assintomácicas e oligossincomáticas
salina estéril à qual se adiciona outro meio líquido, como da infecção. O achado de teste positivo em indivíduos
LIT ou Schneider, aumemando e acelerando a positivi- procedemes de área endêmica sem historia clínica de LV
dade da cultura. As culturas devem ser mamidas entre sugere infecção assintomática ou oligossimomácica pré-
24 e 26°( e observadas em microscopia óptica comum via. Alguns aucores detectaram boa correlação de positi-
ou invertida, semanalmente, até quatro semanas. Na LV, vidade entre esta e testes sorológicos.
a positividade é bastante elevada (acima de 80%), sobre- A reação é realizada a parti r da inoculação intradér-
tudo nos aspirados de medula óssea e baço. Na LT. esta mica de 0,1 mi do antígeno na face anterior do antebraço
gira em corno de 70%. esquerdo, na pele sadia, dois a crês centímetros abaixo da
O paras1to pode ser demonstrado a parc1r da ino- dobra cubital. A leitura deve ser realizada 48 a 72 horas
culação do material biológico supostameme infectado após a aplicação. sendo considerada positiva quando a
em animais de experimentação, tais como hamsters. induração resultante for igual ou maior que cinco milí-
Tal mecodologia apresenta sensibilidade superior a 90%. metros (Figuras 53.5 e 53.6). É válido ressaltar relatos de
Esta estratégia, porém, não é rotineiramente utilizada casos de reatividade cruzada com tuberculose ganglio-
com final idades diagnósticas, pois vários meses podem nar e lepra lepromacosa. Por outro lado, a reaçào pode
ser necessários para a obtenção de resultado positivo. apresentar-se negativa nas seguintes situações:
O animal pode ser infectado por diversas vias. sendo a • nos primeiros 30 dias após o início das lesões, ex-
intrapericonial a mais utilizada. Semanalmente, o animal cepcionalmente por período mais prolongado;
deve ser examinado em busca de sinais e sincomas da • nos casos de leishmaniose disseminada, positivan-
doença e, em caso afirmativo, os parasitos podem ser do-se no decorrer do tratamento;
recuperados por bióps1as esplênicas e hepáticas. Na au- • na leishmaniose cutânea difusa;
sência de sinais e sintomas da infecção, os animais devem • em pacientes imunocomprometidos.
ser sacrificados em quatro meses e amostras esplên icas e
hepáticas submetidas à análise.

EXAMES IM UNO LÓG ICOS

Teste intradérmico

Em 1926, Montenegro introduziu na prática médica


a reação de hipersensibilidade retardada através da inje-
ção int radérmica de suspensão de promastigotas de L.
braziliensis com a finalidade de auxiliar no diagnóstico
da LT. Esta torna-se positiva dois a três meses após o
Figura 53.5 - Técnica de aplicação da Reação de Moncenegro.
aparecimemo da lesão na leishmaniose cutânea e pode Fome: Laboratório de Pesquisas Clínicas do Cencro de Pesquisas
permanecer positiva por toda a vida. Nas formas muco- René Rachou/FIOCRUZ. Ver prancha colonda

666 Medicina laboratorial para o clínico


para detecção de anticorpos específicos na leishma-
niose. A sensibilidade é semelhante àquela verificada
na RI FI, com significativo ganho em especificidade
com a utilização de antígenos recombinantes na rea-
ção. Entre estes destaca-se a proteína rK39, extrema-
mente escudada no imunodiagnóscico da LV, para a
qual se verifica especificidade superior a 80%.
Outra metodologia imunológica interessante é o
teste de aglutinação di reta - Direct Agglutination Test
(DAT). Este é processado à temperatura ambiente,
apresenta baixo custo operacional e bom desempe-
nho, com sensibilidade superior a 95% e especificidade
Figura 53.6 - Reação de Momenegro posi[lva (delimitação da en- de, no míni mo, 90%. Já o teste imunocromatográfi-
duração com caneta esferográfica). Fome: Laboratório de Pesqui- co rápido destaca-se pela praticidade e adequação à
sas Clínicas do Cemro de Pesquisas René Rachou/FIOCRUZ. Ver
prancha colorida abordagem imediata do paciente. Escudos recentes
têm conferido ao reste sensi bilidade e especificidade
Testes sorológicos superiores a 90%.
A utilização de testes sorológicos para o diagnóstico
Testes sorológicos baseados na pesquisa de anticor- da LV é uma preocupação naco-infecção Leishmania/HIV.
pos têm sido desenvolvidos como uma alternativa às A sensibilidade destes tem se revelado significativamente
metodologias parasitológicas. Estes apresentam como mais baixa em pacientes portadores da referida associa-
grande vantagem o caráter não-invasivo da abordagem. ção. Portanto, testes soro lógicos não devem ser utilizados
Entretanto, não permitem a distinção entre infecção ati- como critério isolado para afastar o diagnóstico.
va, subclínica ou passada e há a possibilidade de rearivi-
dade cruzada com ouuas doenças.
Entre as técnicas mais utilizadas, destacam-se: EXAMES GENÉTICOS
• reação de imunofluorescência indireta - RI FI;
• ensaios imunoenzimáticos- ELISA Nas leishmanioses, as análises do DNA genôm ico,
• reação de aglutinação direca - DAT; DNA ribosomal e o DNA de cinetoplasto têm permi-
• teste imunocromatográfico rápido. tido o desenvolvimento de oligonucleotídeos sintéti-
cos para o uso em reação de poli merização em cadeia
A RIFI tem sido amplameme empregada no diag- (PCR). A maioria dos iniciadores utilizados nestes en-
nóstico da leishmaniose, sendo o teste precon izado pelo saios detecta regiões conservadas, presentes em todas
Ministério da Saúde para este fim. O resultado da RI FI é as Leishmania spp., enquanto outras someme reco-
usualmeme expresso em diluições. Aceita-se como po- nhecem seqüências de subgrupos mais relacionados.
sitivas as diluições a partir de 1:80. Para títulos iguais a Considera-se que os iniciadores dirigidos comra as
1:40, recomenda-se solicitação de nova amostra em 30 regiões mais conservadas são ma is sensíveis, enquan-
dias. A sensibilidade do teste é considerada satisfatória to os empregados para a ampli ficação de regiões va-
na abordagem diagnóstica da LV: superior a 90%. Sua es- riáveis, uti lizados para a identificação de espécies, são
pecificidade, porém, pode ser crítica (60 a 70%) devido menos sensíveis. Os primeiros estudos que avaliaram a
à reatividade cruzada com outras infecções, tais como PCR para a detecção de LV isolaram o DNA do para-
doença de Chagas e malária. Já em relação à LT. a RIFI sito de aspirado de medula óssea, baço e lin fonodos,
apresenta sensibilidade em torno de 70% para a forma os órgãos mais densamente parasitados, e observaram
cutânea e pode chegar a 100% na forma mucosa. sensibilidade variando de 82 a 100% e especificidade
Desde sua incrodução, em 1971, os métodos imu- encre 97 e 100%. Na LT. a sensibilidade do método su-
noenzimáticos, como o ELISA, vêm sendo avaliados pera as demais abordagens usualmente em pregadas

Investigação laboratorial das leishmanioses 667


(exame direto e cultura), alcançando sensibilidade de Diferentemente dos pacientes com forma clínica ma-
98% e especificidade de 95%; segundo alguns auwres. nifesta ou refratária da LV, os paCientes com forma sub-
Mais recentemente, o isolamento e a amplifica- clínica têm pouca ou nenhuma alteração hematológica
ção de DNA do parasito em sangue periférico apre- e bioquímica. Em geral, a anem1a é discreta, os leucócitos
sentaram-se como alternativa não-invasiva valiosa de estão em número normal ou ligeiramente diminuído e
diagnóstico da LV. A sensibilidade desses ensaios em os exames bioquímicos estão demro dos limites de refe-
pacientes imunocompetentes variou de 72-90%. com rência. O diagnóstico é fundamentalmente realizado por
especificidade de 100%. meio de metodologias imunológicas.

EXAMES GERAIS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem laboratorial dos pacientes com sus- Vários métodos podem ser aplicados para o diagnós-
peita de LV inclui geralmente exames bioquímicos e he- tico das leishmanioses. sendo fundamental a associação
matológicos, ao contrário da LT. cuja abordagem labora- das informações clínicas e epidemiológicas aos resulta-
torial mantém-se restrita ao diagnóstico da infecção na dos de exames. Nesse contexto, pode-se afirmar:
maioria dos casos. • na presença de dados clínicos e laboratoriais, um
Na forma clássica da doença, as enzimas hepáticas teste sorológico reagenre reforça o diagnóstico de
estão comumeme alteradas. com uansaminases duas a leishmaniose visceral;
três vezes o limite superior de referência. A dosagem sé- • os testes sorológicos não devem ser utilizados
rica e a eletroforese de proteínas têm resultados típicos. como critério isolado para diagnóstico de leish-
com aumento acentuado da fração globulínica e que- maniose tegumentar.
da da album1na. Vários exames hematológicos são úteis
na complementação do diagnóstico da LV. Nas formas REFERÊNCIAS
agudas, o hemograma é bastante expressivo. A maioria
1. Banco de dados do S1stema C:mco d~ Saude. 01sponíve
dos pacientes apresenta anemia com níveis de hemoglo-
em: hrrp:// www.datasus.gov.br
bina inferiores a 10 g/dL, contagem de leucócitos abai- 2. Gonrijo B. Carvalho MLR. Le1shman1ose tegumemar
xo de 5.000/mm 3, plaquetas inferiores a 200.000/mm 3, americana. Rev Soe Bras Med Trop 2003; 36:71-80.
chegando a menos de 100.000 células/mm3 com muita 3. M1n1stério da Saúde. Le1shmaniose v1scera l grave: normas
e condutas. Brasília: M1n1sténo da Saúde. 2005.
freqüência.
4. Min istério da Saúde. Manua l de vigilância e controle ela
O mielograma na LV é bastante característico, evi- leishmaniose visceral. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
denciando alterações significativas na relação eritróciws/ 5. Ministério as Saúde. Manual de recomendações para
granulócitos e pobreza nas séries granulocítica e plaque- diagnóstiCO e acompanhamento da co-mfecção Lelsh-
mama-HIV. Brasília: M1n1sténo da Saúde. 2004.
tária. Há intensa plasmom ose, com grande quantidade
6. Rabello A. Andrade MO. D1sch ). Letshmama/ HIV co-
de células mononucleares. Muitas vezes, se o parasitismo lnfecrion 1n Brazil: an appra1sal. Anna Trop Med Paras1rol.
é intenso, os macrófagos estão repletos de formas amas- 2003; Oct;97 Suppll: 17-28.
tigotas de Leishmania spp. no interior do citoplasma 7. Sundar S. Ra1 M. Laborarory diagnos1s of Vlscerallelshma-
(Carvalho et a/., 1985) Tanto no baço. quanto no fígado nlaSIS. Chn 0 1agn Lab lmmunol. 2002; 9:951-8.
8. World Heal th Organizatlon. Strategic D1 rccuon for Rese-
e linfonodos, pode-se verificar proliferação de células do arch - Le1shmaniasis. 2005. D1sponível em: http:// www.
sistema histiofagocitário. who.org.
Rômulo Carvalho Vaz de Mel/o

54 Guilherme Bircha/ Cofiares

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM INFECÇÃO
PELO Treponema pallidum

A sífilis ou lues é uma doença infecciosa, sexualmen- O homem é o único hospedeiro natural conhecido.
te transmissível, sistémica. crônica, sujeita a ciclos de O microrganismo não é cultivável nos meios de cultura
reagudtzação em sua fase inicial e longo período de la- habitualmente utilizados no laboratório clínico. poden-
tência em sua fase tardia. Causada por uma espiroqueta. do ser isolado, porém, através da inoculação em testículo
Treponema palhdum. é capaz de infenar praticamente de coelho e mantido vivo por transferências seriadas. No
rodos os órgãos e tecidos humanos e gerar grande varie- encanto, esse méwdo de cultivo não rem utilidade na
dade de manifestações clínicas em diferences sistemas, prática clínica.
razão pela qual a doença já foi chamada de "a grande
imitadora (the Great Pretender)" em tempos passados.
Deste modo, a caracterização clínica da sífilis é. muitas EPIDEMIOLOGIA E FORMAS DE TRANSMISSÃO
vezes, complexa e os exames laboracoriais assumem im-
portance papel no auxílio diagnóstico. O T. pallidum é transmitido. principalmente, por via
sexual, através de lesões na pele ou mucosa dos órgãos
genitais. Raramente o sírio de inoculação do agente é ex-
ASPECTOS RELEVANTES DA INFECÇÃO trageniral, podendo levar ao aparecimento de lesões pri-
márias em locais diversos. como boca e ânus. A taxa de
AGENTE ETIOLÓGICO transmissão após relação sexual desprotegida com parcei-
ro com sífilis nos estágios iniciais da doença chega a 30
O agente etiológico da sífilis, na época conhecido a 50%. A rransmtssão vertical, da gestante infectada para
por Spirochaeta pai/ida, foi isolado pela primeira vez de o concepto, por via transplacentária, é outra importante
lesão primária. em 1905, por Schaudinn e Hoffman. O forma de disseminação do agente, podendo ocorrer em
microrganismo, acualmente denominado Treponema qualquer fase da gravidez e em qualquer fase da doença
palltdum, é uma espiroqueta de estrucura helicoidal de materna. O risco de transmissão vertical em gestantes não
cerca de 0,151-1 de largura e 6 a SOIJ de comprimento, tratadas é de 70 a 100% quando a doença se encontra
com seis a 14 espirais. sendo muiro delgado para ser vis- nas fases iniciais (primária ou secundária) e de aproxima-
ro pela coloração de Gram. Possui parede celular seme- damente 30% nos estágios tardios (latente ou terciária). A
lhante à de baccérias gram negativo. apresentando uma transmissão rransfusional não é comum, devido à triagem
camada superficial de ácido hialurônico recobrindo a sisremá(lca e à grande susceptibtlidade da espiroquera ao
membrana externa. processamento do sangue e seus derivados.
A incidência de sífilis primária e secundária em 2002 endurecidas. no local da inoculação, associada à linfade-
nos Estados Unidos foi de 2.4 novos casos para cada nomegalia regional. em média uês a quauo semanas após
100.000 habitantes. variando entre regiões e grupos étni- a infecção. A lesão, denominada cancro duro. apresenta
cos. As taxas vinham caindo desde o início da década de resolução espontânea e não deixa cicauiz. Cerca de duas
90, ocorrendo, porém, novo aumento no ano de 2001. A semanas a dois meses após seu desaparecimento, surge
incidência de sífilis congénita é de aproximadamente 11,1 novo quadro sindrômico. denominado sifilis secundária.
casos para cada 100.000 nascidos vivos naquele país. No Há o aparecimento de sintomas sistémicos como febre
Brasil, dados epidemiológicos a respeico da incidência de e linfadenopatia. além de lesões máculo-papulares não
sífi lis são escassos. Apesar de a sífilis congénita ter sido pruriginosas na pele e mucosas. por codo o corpo. inclu-
incluída na lista de doenças de nmificação compulsó- sive nas palmas das mãos e plantas dos pés. Nesta fase
ria desde 1986. a subnotificação tem sido regra. sendo pode ocorrer, ai nda, envolvimento do sistema nervoso
que apenas 24.448 casos foram nocificados enue 1998 e central (meningite asséptica), fígado, rins e ossos. levan-
2004. Apesar disco. estimativas de escudos de represen- do à paralisia de nervos cranianos. icterícia. síndrome ne-
tatividade nacional são de que a prevalência de sífilis em frótica e/ou periostite em diferentes graus.
gestantes tenha sido de 1,6% em nosso país no ano de A síjilts latente sucede à síf11is secundária e é caracte-
2004. Deste modo, são estimados aproximadamente 15 rizada pela ausência de sinais ou sincomas clínicos. Deste
mil novos casos anuais de sífilis congénita. Estatísticas de modo, é detectada apenas pelas alterações laboracoriais.
mortalidade apontam para um conuole insuficiente da Pode ser subdividida em dois estágios: precoce e tardio.
sífilis no Brasil. uma vez que ocorreram 2.7 óbicos em me- A sífilis latente precoce compreende o primeiro ano após
nores de um ano de idade por sífilis para cada 100.000 o estabelecimento da latência clínica e a sífilis latente tar-
nascidos vivos em 2003. dia corresponde ao período subseqüeme. podendo du-
rar por coda a vida ou dar lugar à sífilis terciária.
A sífilis terciária pode aparecer em qualquer intervalo
APRESENTAÇÃO CLÍNICA de rempo após a fase secundária, mesmo depois de vá-
rios anos de latência. Ocorre em 8 a 40% dos pacientes
A evolução clínica da sífilis. como apresentada nos não uatados e pode atingir quase codos os órgãos e sis-
livros didáticos. foi descrita após escudo desenvolvido temas humanos. As lesões infiluativas (gomas) podem
no Alabama, Estados Unidos. no século passado. O es- simular tumores de pele, fígado, pulmão. estômago ou
cudo. denominado Tuskegee Study oj Untreated Syphllls. cérebro. Lesões no sistema cardiovascular correspondem
foi desenvolvido pelo Serviço de Saúde Pública Ameri- a 10 a 15% das lesões terciárias da sífilis, podendo se apre-
cano. entre 1932 e 1972, e consistiu na observação da sentar como aortite, aneurisma ou regurgitação aórtica.
evolução clín1ca da sífilis em 400 negros americanos. que O acometimento do sistema nervoso central ocorre em
permaneceram sem uatamento ao longo dos anos até 15 a 20% dos pacientes com sífilis terciária e é denomi-
a necropsia. Como grupo-controle. foram observados nado neurossífilis. Pode simular diversas ouuas doenças
200 negros americanos sem a doença. O escudo origi- neurológicas, evoluindo progressivamente com dete-
nal continua sendo mmivo de discussão devido às sérias rioração das funções mocora e cognitiva. A neurossífilis
implicações éticas. como sua natureza racista, ausência apresenta-se de quatro formas clínicas distintas. A neu-
de consentimento esclarecido dos participantes e o não rossífilis assintomática é caracterizada pela presença de
tratamento dos pacientes, mesmo após a descoberta da alterações laboratoriais na ausência de sinais ou sintomas
penicilina, faros que levaram o presidente Clinton a pedir clínicos. A sífilis meningovascular acomete as meninges
desculpas à Nação em 1997. e esuucuras vasculares do cérebro. levando a sintomas
A evolução da sífilis geralmente ocorre em quauo es- de meningite crônica. como cefaléia, irritabilidade. para-
tágios sucessivos com diferentes manifestações clínicas: lisia de nervos cranianos e alteração de reflexos. A tabes
sífilis primária. sífilis secundária. sífilis latente e sífilis terci- dorsalis é caracterizada por uma degeneração crônica e
ária. A sífilis pnmána é caracterizada pelo aparecimento progressiva do parênquima da medula espinhal, levando
de lesão ulcerativa. indolor, de base limpa com bordas a alterações de propriocepção. hiporonia muscular e hi-

670 ( Medicina laborato rial para o clínico


porreflexia. Pode ocorrer auofia ótica, alterações pupila- sim, esses métodos podem ser usados somente nos
res com hiporreatividade à luz (pupilas de Argyll Robert- casos de sífil is primária, secundária e congénita, nos
san), crises dolorosas abdominais, na laringe, vagina ou quais o T pallidum pode ser encontrado nas lesões.
reta, além de incontinência urinária (bexiga neurogêni- A pesquisa de Treponema em microscópio de
ca). Finalmente, a paralisia geral progressiva leva à perda campo escuro é o método bacteriológico comumente
funcional progressiva do córtex cerebral, com perda da utilizado. A positividade depende direcameme da qua-
memória, disartria, uemor, irritabilidade e quadros mais lidade da colheita, do tempo de transporte do mate-
graves, com mudança de personalidade, confusão men- rial e da experiência do examinador. A colheita deve
tal e psicose. É importante ressaltar que essas formas clí- ser realizada removendo-se a camada de material que
nicas podem não aparecer isoladamente, sendo comum recobre a lesão, delicadamente. com uma g;'l?P, a fim
a superposição de manifestações. de evitar sangramento. Logo após, uma gota do exsu-
A sífilis congênita pode ser dividida em duas fases, de- dato límpido que se forma na região deve ser colhido
pendendo do tempo de evolução. A precoce ocorre até em lâmina de vidro para visualização sob lamínula em
o segundo ano de vida e apresenta-se com quadro clínico microscópio de campo escuro. O materia l deve ser
variável, desde assintomática ao nascimento até quadros examinado até 15 minutos após a colheita. pois a mo-
graves, com prematuridade, baixo peso ao nascimento e tilidade do microrganismo. que é característica. sofre
diversas alterações clínicas. como hepatoesplenomega- interferência da exposição ao oxigénio. queda de tem-
lia. lesões cutâneas, ósseas. neurológicas e pulmonares. peratura e do ressecamento. Uma alternativa é manter
entre outras. A tardia aparece após o segundo ano de o material vedado entre lâmina e lamínula através da
vida. Está associada a lesões ósseas, como tíbia em "lâ- aplicação de esmalte de unha ou vaseli na nas bordas
mina de sabre". nariz "em sela", dentes incisivos medianos da lamínula. evitando-se o ressecamento e o cantata
superiores deformados (dentes de Hutchinson), mandí- com oxigénio. Nestes casos, o material pode ser ob-
bula curta. entre outros. Podem estar presentes, ainda. servado até duas horas após a colheita. O diagnóstico
surdez neurológica e dificuldade de aprendizado. é feito pela visualização do T pal/idum (em aumento
de 400 ou 1.000 vezes), com sua estruwra helicoidal
de seis a 14 espirais se movimentando ativamente para
EXAMES LABORATORIAIS NA INFECÇÃO diante e para trás por rotação. O padrão de motilidade
PELO Treponema pallidum é importante não apenas para diferenciar o microrga-
nismo de possíveis artefatos (como fibras de algodão,
Como descrito anteriormente. a sífilis pode apresen- por exemplo). mas também na tentativa de diferenciar
tar-se de formas clínicas bastante variáveis, acometen- o T pallidum de outras espécies de Treponemas não-
do diversos órgãos e sistemas do corpo humano. Deste pacogênicos. O método não deve ser utilizado para
modo, os exames laboratoriais assumem papel de gran- amostras de lesão oral ou retal. já que a diferenciação
de importância no auxílio diagnóstico da doença. Os do T pallidum de outras espiroquetas saprófitas da
exames usados no diagnóstico e acompanhamento de boca ou reta pode ser impossível.
pacientes com sífilis podem ser divididos em dois gran- Outra forma de detecção direta do T pallidum é a
des grupos: testes bacteriológicos e testes sorológicos. coloração pela prata (Fomana) de material seco e fixa-
do. Nestes casos, fica ainda mais difícil a diferenciação
entre o agente da sífilis e outras espiroquetas, já que
DIAGNÓSTICO BACTERIOLÓG ICO não há movimentação. Esta técnica não é comumente
usada. Atualmeme, emprega-se a imu nofluorescência
O T pallidum não é cultivável em meios de cultura direta, em que o T pal/idum é detectado a partir da
habitualmente utilizados no Laboratório de Microbio- utilização de anticorpos monoclonais ou policlonais
logia. Deste modo, os teste bacteriológicos baseiam-se marcados com fl uoresceína. Esses anticorpos apresen-
na detecção do microrganismo. por pesquisa direta, tam ligação específica, não reagindo com outras espé-
em amostras de tecidos acometidos pela doença. As- cies de Treponema.

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo Treponema pallidum 671


O resultado positivo, por qualquer dos mécodos, nêmicos na sífilis. Embora anticorpos anticardiolipina
confirma o diagnóstico de sífilis. Como a sensibilidade possam ser encontrados em pequenas quantidades
do reste é variável e dependente da colheita, transporte em pessoas hígidas, atingem alros níveis na infecção
e experiência do observador, um resultado negativo não pelo T pallidum. Como era de se esperar, os testes
exclui a infecção apresentam alta sensibilidade, porém baixa especifici-
Mais recemememe, técnicas de genética molecular dade, podendo apresemar resultados falso-positivos
para detecção do T pal/idum por reação em cadeia da em diversas situações clínicas, inclusive em pessoas
polimerase (PCR), com utilização de pnmers específicos, saudáveis (Quadro 54.1). Desta forma, resultados re-
têm sido desenvolvidas. Arualmente, essas técnicas são agentes devem sempre ser confirmados por testes
utilizadas apenas em laboratórios de pesquisa, mas po- mais específicos (testes treponêmicos).
dem representar grande avanço no diagnóstico da sífilis
no futuro. Apresentam alta sensibilidade e especificida- Quadro 54.1 - PossíveiS causas de resultados falso-positi-
de e podem detectar o agente em praticamente todas vos em testes não-rreponêmicos e t reponêmicos
as fases da doença, o que representa grande progres-
so, principalmente para diagnóstico de sífilis congênira, Doenças Doenças
Testes
in fecciosas não-i nfecciosas
neurossífilis, sífilis terciária e na diferenciação entre sífilis
pregressa tratada (com cicatriz sorológica) e reinfecção. Não·lreponêmicos Pneumonia pneu· Gravidez
IVDRL, RPR) mocócico Hepolopotio
Apesar disto, as técnicas ainda precisam ser mais bem
Escarlatina crônico
avaliadas e padro nizadas para uso rotineiro.
Honseníose Cãncer avança do
Linfogronulomo Uso de drogas
venéreo injetáveis
DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO Endocardite boc- Mielomo múltiplo
teria no Idade avançado
Malária
A infecção pelo T pallidum induz a produção de dois Lúpus eritemotoso
Riquetsiose sistêmico
tipos de anticorpos que podem ser detectados por dois
Psitocose Outros doenças
grupos de restes sorológicos: restes não-rreponêmicos auto-imunes
Leptospirose
e testes rreponêmicos. Tais restes podem ser utilizados Múltiplos lronsfu-
Cancro mole
para o diagnóstico e/ou acompanhamento da sífilis. sôes de songue
Tuberculose
Erro técnico
Pneumonia por
micoplosmo
Testes não-treponêmicos Doença de
Chagas

O primeiro reste, não-treponêmico, fo i descri- Varicela

tO e desenvolvido por Wasserma nn et ai. em 1906, Infecção pelo H IV

a partir de uma adaptação da reação de fixação de Sarampo


Mononucleose
complemento, utilizando, como antígeno, extraro de
infeccioso
fígado de recém-nascidos vítimas de sífil is congên ita.
Caxumba
Posteriormente, foi comprovado que não era a pre- Hepatites virais
sença do agente infeccioso que induzia a reação, já
Treponêmicos Doença de Lyme Lúpus eritemotoso
que extraros de coração de boi tam bém poderiam (FTAABS, Honsenísose sistémico
ser utilizados como antígeno. Na década de 40, foi hemoglutinoção) Artrite reumotó1de
Malária
desco berto que o componente antigênico responsá- Mononucleose Cirrose biliar
vel por essa reatividade era um fosfo lípide: a cardio- infeccioso
lipina. A partir daí, vários testes foram desenvolvidos Leptospirose
utilizando cardiolipina combi nada com lecitina e
colesterol para detecção de anticorpos não-trepo- Adaprado de Hook & Marra. N Engl J Med 1992. 326: 1060-9

672 ( Medicina laboratorial para o clínico ) 1 - - - - - - - - - - - - - -- -- - - - - - - - - - - - - - - -


Os restes não-rreponêmicos mais comumenre usa- res realizados com soro puro e diluído, demonstraram
dos na prática clínica são o VDRL (Venera/ Disease Rese- freqüência extremamente baixa de efeito pró-zona, de
arch Laboratory) e o RPR (Rapid Plasma Reagin). Consis- tal forma que a prática de diluição pode ser considera-
tem, bastcamenre. em suspensões de cristais de colesterol da desnecessária. Além disso, nos raros relatos de efeiro
como suporte da cardiolipina, em meio comendo leciti- pró-zona, geralmente observa-se reação fraca com soro
na. Uma gota do reagente é adicionada ao soro do pa- não diluído (em vez de ausência de floculação), o que,
ciente, a mistura é agitada por aproximadamente cinco certamente, levaria à diluição subseqüence. Acrescenta-
minuros e o material é levado ao microscópio ótico para se que tal fenômeno é observado durante a fase secun-
verificação da floculação. A Figura 54.1 ilustra resces de dária da sífilis, caraccerizada pelo excesso de anticorpos
VDRL reagentes e não-reagentes. Soros reagentes devem anticardiolipina. Assim, diante da suspeita diagnóstica de
ser titulados até que não mais se observe a reação e o re- secundarismo, o clínico deve solicitar que seja realizada
sultado deve ser liberado comendo a última diluição em diluição do soro a ser restado, através da solicitação de
que ocorreu floculação (por ex. reagente até 1/64). ~ tm- VDRLquancirarivo, além do qualitativo.
porrante lembrar que títulos mais alcos esrão assooados Os testes não-treponêmicos são usados na propedêu-
à menor freqüência de resultados falso-positivos. tiCa inicial de pacientes com suspeita de sífilis e no ras-
treamenro da doença em gestantes. Resultados posmvos
devem ser confirmados por cesres creponêmiCos, espectai-
mente aqueles de baixos títulos. Apresentam sensibilidade
~ .-..
,.
./
:
próxima de 100% para sífilis secundária e latente recen-
te, com menos sensibilidade nas fases primária e teroária
(Quadro 54.2). São usados, ainda, no controle de trata-
mento, já que os títulos caem com o sucesso terapêuti-
• co. Outra utilidade é no diagnóstico de sífilis congênita.
pela comparação de títulos maternos e do recém-nascido.
Figura 54.1 - Imagem de microscopia de VDRL. À esquerda de Além disso, o VDRL pode ser realizado no líquido cefalo-
floculação em reste reagente. À dtretra, ausênc1a de noculação em raquidiano no diagnóstico da neurossífilis. São testes de
reste não reagente. \rtt IJTOilt "'' t 1o"''"
execução simples, rápidos e de baixo custo, amplamente
difundidos e muico utilizados na prática clínica atual.
Dados não publicados do secor de Soroimunologia
e Homônios do HC/UFMG, referentes ao ano de 2005, Quadro 54.2 - Sensibilidade dos pnncipats restes nào-
mostram que de 375 amostras com restes não-rreponê- rreponêmicos, de acordo com as fases da sífil1s
micos reagentes, 94 (25%) apresentaram resultado nega-
tivo em testes treponêmicos. Na grande maioria (85%), % de sensibilidade e fase da sífilis
os testes não-treponêmicos positivos se apresentavam Teste Primário Secundário latente Terc1ário
em diluições baixas, até 1/2. Contudo, amostras positivas VDRL 78% 100% 95% 71%
aré de 1/64 foram encontradas.
Resultados fa lso-negativos podem ocorrer na pre- RPR 86% 100% 98% 73%
sença de grandes quantidades de anticorpos anricar-
diolipina, em um fenômeno conhecido como pró-zona, Adaptado de Larsen et a/. Clm M 1crob1ol Rev 1995. 8 1-21.

razão pela qual os fabricantes dos restes recomendam


realização em soro puro e diluído em salina na propor-
Testes tre ponê micos
ção de 1/10. Tal fenômeno, inerente a codos os testes de
aglutinação, ocorre devtdo a uma desproporção entre
as concentrações de antígenos e anticorpos, impedindo Os testes treponêmicos foram desenvolvidos para
a agregação das partículas. Apesar disco, estudos máis confirmar resultados positivos de testes não-treponêmi-
recentes, em que foram comparados resultados de ces- cos, devido à baixa especificidade destes. Utilizam antí-

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo Treponema pallidum 673


genos do T pallidum de forma a detectar apenas anticor- antilgM, que seria útil no diagnóstico de sífilis congênita,
pos específicos contra componentes do microrganismo. já que anticorpos lgM maternos não arravessam a bar-
Os mais utilizados na prática clínica são hemaglutinaçào reira placentária. Entretanto, por apresentar várias limi-
indireta (MHA-TP - Microhemagglutination-Treponema tações, como inexistência de soros-controle disponíveis
pallidum), imunofluorescência indireta (FTA-ABS -Fiuo- e baixas sensibilidade e especificidade, seu uso rocinei ro
rescent Treponemal Antibody-Absorption) e ensaios imu- não é recomendado.
noenzimáricos.
A hemaglutinação para sífilis é realizada utilizando-se
hemácias recobertas por antígenos de T. pallidum. O soro
do paciente é diluído com suspensão de exuaw anrigê-
nico de Treponema spp. não-pawgênico, para absorção
de anticorpos inespecíficos que poderiam apresentar
reação cruzada com Treponema pallidum, e posterior-
mente incubado por aproximadamente uma hora com
as hemácias sensibilizadas. A leitura visual é realizada em
microplacas de plástico com diversas cavidades de fundo
cônico. Se houver presença de anticorpos antitreponema,
ocorrerá reaçào de aglutinação das hemácias, formando
um tapete no fundo da placa. Ausência de reação é ca-
racrerizada pela sedimentação das hemácias e formação Figura 54.3 -Foro de m1croscopia de fluorescência de imunofluo-
de um pequeno círculo (Figura 54.2). rescência indirera (FTA-ABS) para sífilis. A presença de rreponemas
fluorescentes indica teste positivo. Ver prancha colonda

Os tesres treponêmicos apresentam alta sensibilidade


em wdas as fases da doença, embora a sensibilidade da
hemaglutinação seja ligeiramente inferior à do FTA-ABS
na sífilis primária (Quadro 54.3). Apesar disco, a hemaglu-
tinação apresenta execução mais simples e não depende
de equipamentos como microscópio de fluorescência
Figura 54.2 - Reaçâo de hemaglurinaçào 1ndirera (MHA-TP). À es- para a leiwra. Testes treponêmicos não devem ser usa-
querda, imagem em rapere do resre reageme. À dire1ra. 1magem dos no controle de tratamento da sífilis, uma vez que
em borào do resre não reagente. Ve1 prancha colonda
permanecem reagentes por muicos anos após a cura da
infecção, podendo perdurar por coda vida do paciente.
A imunofluorescência indireta, como a hemaglutina- Resultados falso-positivos podem ocorrer em algumas
çào indireta, é realizada em duas etapas. Primeiramente, doenças infecciosas ou não (Quadro 54.1).
o soro do paciente é incubado com exuaws antigênicos
de Treponema spp. não-pacogênico para absorção de an- Quadro 54.3 - Sensibilidade dos pnncipais resres rreponê-
micos, de acordo com as fases da sífilis
ticorpos inespecíficos. Após a absorção, o soro, em dife-
rentes diluições, é colocado sobre T. pallidum fixado em
lâmina de microscopia, com posterior lavagem e nova %de sensibilidade e fase da sífilis
incubação com anticorpos antiimunoglobulina humana Teste Primária Secundária Latente Terciário

conjugados com fluoresceína. Após nova lavagem, a lâ- FTA-ABS 84% 100% 100% 96%
mina é levada a microscópio de fluorescência para leitu-
Hemaglutmação 76% 100% 97% 94%
ra. A fluorescência dos ueponemas indica soro reagente
(Figura 54.3). É possível a realização de FTA-ABS lgM por
Adaptado de Larsen et ai. Clin Microb1ol Rev ·1995, 8: 1-21.
meio da utilização de conjugado fluorescenre específico

674 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1--- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - -- -


Os mérodos imunoenzimácicos (ELISA). apesar de hemaglucinação ligeiramente inferior à do FTA-ABS.
ainda menos empregados na rorina laboramrial, apre- É importante lembrar que testes rreponêmicos per-
sentam como vantagens a possibilidade de aummação manecem reagentes por vários anos após infecção
e alta sensibilidade. Por isso, são os de escolha na triagem tratada. Assim, em pacientes com história anterior de
de doadores de sangue. sífilis, apresentam utilidade bastante li mitada no auxí-
lio diagnóstico, podendo os testes não-rreponêmicos
auxiliar, sendo que o aumento matar do que quatro
RECOMENDAÇÕES PARA USO DE EXAMES vezes nos seus títulos indicam reinfecção. A Figu ra
LABORATORIAIS NA INFECÇÃO 54.4 ilustra a utilização dos exames laboratoriais na
PELO Treponema pal/idum sífi lis primária.

A utilização racional dos restes laboratoriais para


diagnóstico e acompanhamento da sífilis depende do
conhecimento prévio do quadro clínico do paciente e
do significado dos resultados dos diferentes testes nas
diversas situações. A seguir são apresentados roteiros
de utilização dos exames laboratoriais no diagnóstico e
acompanhamento da infecção pelo T pa/11dum.

SÍFILIS PRIMÁRIA

A sífi lis primária é suspeitada pela presença de lesão


genital ou extragenital característica, associada ou não
à história de contato sexual com parceiro acometido.
Como o T pa/lldum pode ser detectado diretamente nas
lesões, a pesquisa direta do microrganismo está sempre
indicada. Em caso de positividade. o diagnóstico é con-
firmado e o tratamento deve ser real1zado. Resultados
negativos não excluem o diagnóstico, já que a sensibili-
dade do teste é bastante vanável. dependendo da colhei-
ta e transporte adequados do material e da experiêncta
do observador. Nestes casos. devem ser pesquisadas as
presenças de Haemophllus ducrey1ou de células gigantes
multinucleadas de Tzanck associados ao cancro mole e
herpes genital. respectivamente, importantes diagnósti-
cos diferenciais de lesões genitais.
Testes não-rreponêmicos, como o VDRL. geral-
mente se tornam positivos aproximadamente duas
semanas após o aparecimento do cancro. Assim, po-
dem auxiliar o diagnóstico, mas, como apresentam
menos sens1bdidade nessa fase da doença. devem
• Em pocienles com história pregresso de sífilis, solicitar somente
ser repetidos após duas semanas nos casos de resul- VDRL ou RPR. Aumento igual ou superior o quatro vezes no título
tados não-reagentes (Quadro 54.2). Testes rreponê- do reoçào, em relação oo exame após o trotamento anterior,
indico reinfecção.
micos estão geralmente positivos na fase tardia da
sífilis primária (Quadro 54.3). sendo a sensibilidade da Figura 54.4 - Exames laboraronats no dtagnósuco de síftlts primária.

Investigação laborawrial do paciente com infecção pelo Trepon ema pallidum 675
SÍFILISSECUNDÁRIA SÍFILIS TERCIÁRIA

Na suspeita de sífilis secundária, restes não-neponê- Na suspeita de sífilis terciária, a sensibilidade dos res-
micos, como o VDRL. apresentam sensibilidade próxima tes não-rreponêmicos é inferior à dos ueponêmicos,
de 100% (Quadro 54.2). Deste modo, resulcados não- sendo que até 30% dos pacientes podem apresentar
reagentes praticamente excluem a doença. Como ocor- VDRL não-reageme (Quadro 54.2). Assim, a realização
re em qualquer outra fase, os exames reagentes devem de restes ueponêmicos pode ser valiosa mesmo em pa-
ser confirmados por restes u eponêmicos. Em pacientes cientes com testes não-n eponêmicos negativos, razão
com história pregressa de sífilis tratada, o diagnóstico pela qual os laboratórios devem ser informados sobre a
pode ser inferido pelo aumento de pelo menos quatro suspeita clínica. Tanto o FTA-ABS como a hemaglurina-
vezes nos cítulo de VDRL, em relação aos cítulos apre- ção apresentam alta sensibilidade nesta fase da doença
sentados pelo paciente no final do tratamento anterior. (Quadro 54.3), podendo representar os únicos mécodos
A pesquisa de T. palltdum também pode estar positiva sorológ1cos reagentes em muicos casos (Figura 54.6). Vale
nesta fase. A detecção do microrganismo em materiais lembrar que pacientes com história de sífil1s pregressa
colhidos das lesões secundárias confirma o diagnóstico. uarada permanecem com restes rreponêm1cos positi-
A Figura 54.5 ilustra a utilização dos exames laboracoriais vos por vários anos após o tratamento, o que dificulta
na sífilis secundána. a interpretação dos resultados. t possível que técnicas
de genérica molecular, como PCR, venham a ter papel
importante no diagnóstico de sífilis terciária no futuro.

Suspeita clínica
de sífilis terciária

· A completo exclusão de sífili s terciórío com teste não-treponêmico


Teste negativo não é possível, devido à sensibilidade insuficiente do teste. É
necessário teste treponemico negativo.
nõo-treponêmico *
(VDRL/RPR) Figura 54.6 - Exames laboraronats no dtagnósttco de sífilts
terctárta.

A sífilis terciána pode se apresentar como quadros


clínicos extremamente variados, simulando diversas ou-
tras doenças. Portanto, é importante tentar afastar ou-
tras possíveis causas para as manifestações apresentadas
e, assim, aumentar a confiabilidade do diagnóstico.

•Em pacientes com história pregresso de sífilis, solicitar somente NEUROSSÍFI LIS
VDRL ou RPR . Aumento igual ou superi or o quatro vezes no título
do reação, em relação ao exa me a pós o trotamento anterior,
indico reinfecção. O diagnóstico laboracorial da neurossífilis pode ser
Figura 54.5 - Exames laboratoriais no diagnóstico de síf1lis realizado através da constatação de produção inrrarecal
secundária. de anticorpos, detectada pela positividade do VDRL no

676 [ Medicina laboratorial para o clínico


líquor. A especificidade do teste é bastante elevada nes- Atualmente, é recomendado o rastreamento em
ses casos. chegando a aproximadamente 99.8%. Apesar todas as mulheres grávidas. já na pri meira consulca de
disto. a sensibilidade é baixa (em média 50%). variando pré-natal. para detecção e tratamento precoce da sífilis,
de 10% nos casos de neurossífilis assintomática a 90% o que diminui o risco de sífilis congênita. Para gestantes
nos muito sintomáticos. Então, VDRL reagente no líquor com resultado de VDRL não-reagente, o teste deve ser
confirma o diagnóstico de neurossífilis, mas testes não- repetido no início do terceiro trimestre (28ª semana de
reagentes não excluem o diagnóstico. gestação) e no momento do parto. Idealmente. as mu-
A utilização de testes creponêmicos no líquor para lheres deveriam ser rastreadas para sífilis antes mesmo de
diagnóstico de neurossífilis é bastante controversa. engravidar. nos casos de gravidez planejada. Vale lembra r
Apesar da alta sensibilidade do FTA-ABS na fase ter- que a própria gravidez pode ser responsável por resulta-
ciária, a especificidade para neurossífilis é muito baixa. dos falso-positivos de VDRL(Quadro 54.1). Em locais em
já que o teste apresenta-se positivo nas outras formas que não há possibilidade de realização de testes trepo-
de sífilis. sem comprometimento do sistema nervoso nêmicos confirmatórios, resultados isolados de VDRL re-
central. Portanto, apesar de resultados não-reagentes agentes em qualquer titulação devem ser considerados.
praticamente afastarem a possibilidade de neurossífi- desde que não haja histórico de tratamento adequado
lis, testes reagentes não constituem informação rele- anteriormente.
vante para o diagnóstico do acometimento neuroló- O rastreamento de sífilis latente pode ser recomen-
gico da doença. dado, também, para populações que apresentam com-
Além dos testes sorológicos. outras alterações liquó- portamento de risco ou para pacientes com diagnóstico
ricas podem auxiliar no diagnóstico da neurossífilis. A de outras doenças sexualmente transmissíveis. Para a
citometria do líquido cefalo-raquidiano apresenta-se. em população em geral. o rascreamento não é recomenda-
geral. com aumento da celularidade representada pela do. uma vez que apresenta custo-benefício desfavo rável
contagem de células nucleares superior a S/mm 3, com e resultados falso-positivos poderiam levar à propedêuti-
predomínio de mononucleares. Ocorre. ainda. aumento ca mais extensa, tratamentos e preocupações desneces-
da proteína liquórica. com valores acima de 40mg/dl. sárias para o paciente. A Figura 54.7 resume os exames
Essas alterações, contudo, não são específicas da neuros- laboratoriais utilizados no rastreamenco de sífilis latente
sífilis, podendo acontecer em diversas outras situações, em assintomáticos.
como nas meningites virais. por exemplo.
Nos casos de suspeita de neurossífilis e exame de
VDRL no líquor não-reagente, é sempre importante afas- SÍFI LIS CONGÊN ITA
tar outras causas para as manifestações neurológicas. No
futuro, é possível que a detecção de material genético do A sífilis congênita deve ser pesquisada em todos os
T pa/lidum por PCR no líquor venha facilitar o diagnósti- recém-nascidos de mães que apresentaram sífilis, sinto-
co da neurossífilis nessas situações. mática ou não, durante a gravidez. Como anticorpos
lgG maternos atravessam passivamente a barreira pla-
centária. podem ser encontrados resultados reagentes
RASTREAMENTO DA SÍFILIS de testes treponêmicos e não-treponêmicos no soro
da criança, sem que isto signifique infecção congênita.
Exames sorológicos podem ser usados para rastre- Assim, resultados reagentes de testes não-treponêm icos
amento de sífilis latente em pessoas assintomáticas. O podem ser encontrados até os seis meses de vida, devi-
rastreamento é realizado por testes não-treponêmicos do à presença desses anticorpos maternos. Testes tre-
(VDRL), devido à sua praticidade. baixo custo e rapi- ponêmicos podem permanecer reagentes por um tem-
dez. Resultados reagentes devem ser confirmados por po ainda maior (cerca de 18 meses) em filhos de mães
testes treponêmicos. Devido à alta sensibilidade do seropositivo, sem que isto represente sífilis congênita. A
VDRL na sífilis latente. resultados não-reagentes afas- comparação dos títulos de VDRL da mãe e do recém-
tam o diagnóstico. nascido é uma possível estratégia para diagnóstico da

Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo Treponema pallidum 677


sífi lis congênita. Títulos de VDRL no recém-nascido c) Todo indivíduo com menos de 13 anos com reste
quatro vezes ou mais elevados que os da mãe são in- não-treponêmico reagente e evidência clín ica, li-
dicativos da doença. O acompanhamento dos dtulos quórica ou radiológica da sífilis congênita;
de VDRL no recém-nascido é outra forma de evidenciar d) Toda situação clínica de evidência de infecção
a infecção congênita, relacionada à presença de valo- pelo T pallidum na placenta ou no cordão um-
res ascendentes no teste semiquantitarivo. A pesquisa bilical e/ou em amosuas da lesão, biópsia ou
de anticorpos amiT pa/lidum da classe lgM (FTA-ABS necropsia de criança, produco de aborto ou nati-
lgM), que não atravessam a barreira placentária, pode- morco, por meio de exames microbiológicos.
ria ser utilizada para diagnóstico de sífilis congênira. En-
tretanto, apresentam resultados falso-positivos em até É importante repetir que a sífilis congênita é uma do-
10% dos casos, por interferência de fatores reumatóides ença de notificação compulsóna no Brasil desde 1986.
eventualmente presentes no soro, e falso-negativos em
cerca de 35%. devido à competição com anticorpos da
classe lgG pelos sírios de ligação do T pallidum fixado
em lâm ina. Além d1sso, outro fator limitante é a dificul-
dade de padronização da reação, como descrito ante-
riormente, pelo fato de não haver soros-controle dispo-
níveis para essa reação.
Segundo as Diretrizes para Controle da Síf1lis Con-
gênita publicadas pelo Ministério da Saúde em 2005, a
investigação de sífilis congênita deve ser realizada em
todas as crianças de mães com sífilis diagnosticada clí-
nica ou laboratorialmente durante a gestação, parto ou Teste
puerpério e em codo indivíduo com menos de 13 anos treponêmico
(FTA-Abs/ HAI/ ELISAI
de idade com suspeita clínica ou epidemiológica da in-
fecção. Casos de sífilis congênita devem ser considerados
quando houver preenchimento de qualquer um dos se-
guintes critérios:
a) Toda criança ou abarco ou natimorto de mãe
com evidência clínica para sífilis e/ou com soro- Sífilis a nterior
logia não-treponêmica reagente para sífilis com trotado
adequadamente
qualquer titulação, na ausência de reste confir-
matório treponêmico realizada no pré-natal ou
no momento do parco ou curetagem, que não
tenha s1do tratada ou renha recebido tratamento
inadequado;
b) Todo indivíduo com menos de 13 anos de idade Exclui sífili s latente
com as seguintes evidências sorológicas: titula-
ções ascendentes (restes não-creponêmicos); e/
Obs.: Gestantes com testes po sitivos (mesmo se somente teste
ou testes não-treponêmicos reagentes após seis nõo-treponêmico e sem possibilidade de realizar teste treponêmico).
meses de idade (exceto em situação de segui- considerar trotamento, coso não haja histór ia anterior de sililis tro tado
adequadamente.
mento terapêutico); e/ou testes treponêmicos re- Figu ra 54.7 - Exames laboraroriats no rastreamenro de síftl is
agentes após 18 meses de idade; e/ou títulos em la reme em assimomártcos.
teste não-treponêmico superiores aos da mãe;

678 ( Medicina laborarorial para o clínico


ACOMPANHAMENTO DE TRATAME NTO REFERÊNCIAS

1. Bras1l. M 1msténo da Saúde. D1retnzes para o Con-


Testes treponêmicos permanecem reagentes por trole da Síf1hs Congénita I Mm1sténo da Saúde, Se-
cretana de V1g1lânc1a em Saúde, Programa Naoo-
vários anos. mesmo após o tratamento adequado da
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sífilis. de tal modo que não são indicados para o acom- 2005. D1sponível em: hrtp://www.alds.gov.br/data/
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apresentam queda em seus títulos, relacionada com a 23AE-4891-AD36 -1903553A3174%7D/%7B21 EA 1403-
385F- 4 34 E- BA 9 E-9 D2C EA4 6(589% 7D/ma n ua l_
eficácia terapêutica, podendo tornar-se não-reagentes
de_s%EDfills_cong%EAnlta_2005.pdf
ou permanecer reagentes em títulos baixos num fenô- 2. B1rnbaum NR, Goldschm1dt RH, Buffer WO. Resolving
meno comumente denominado cicatriz sorológica. Via the common cl1n1cal dilemmas of syphilis. Am Fam Phys.
de regra, o acompanhamento do tratamento é feito a 1999;59:2233-46.
3. (amargo ME. Sífilis. ln: Ferre1ra AW, Áv1la SLM, editores.
partir do VDRL solicitado em três, seis e 12 meses após
Diagnóstico laboratorial das pnncipa1s doenças infec-
o início do tratamento. A resposta adequada pode ser ciosas e auto-Imunes. Rio de jane1ro: Guanabara Koogan;
evidenciada por queda de quatro vezes nos títulos de 2001. p.215-20.
VDRL após seis meses e de oito vezes após 12 meses de 4. Clyne B, )errard DA. Syphilis resring.) Emerg Med. 2000;
acompanhamento. Os VDRLs não-reagentes são encon- 18:361-7.
5. Hook EW, Marra CM. Acquired syph1hs 1n adulrs. N Engl
trados após três anos de acompanhamento em cerca de J Med. 1992;326:1060-9.
72% dos pacientes com sífilis primária e 56% dos pacien- 6. )acobs RA. lnfectious d iseases: Spirocheral. Syph1hs. ln:
tes com sífilis secundária. Esquemas complementares de Tierney LM, McPhee S). Papada kis MA, ed1tores. (u r-
tratamento antimicrobiano devem ser reavaliados sem- rem medical diagnosis and rrearmenL San Franc1sco:
McGraw-Hill; 2004. p.1380-99.
pre que não houver resposta sorológica.
7. Larsen AS. Sreiner BM. Rudolph AH. Laboratory d1agno-
Após o tratamento adequado da neurossífilis, sis and imerprerarion of resrs for syphilis. Clin M1crob1ol
também ocorre queda gradual dos títu los de VDRL Rev 1995; 8:1-21.
no líquor, sendo que. em raros casos, o teste pode 8. U.S. Prevemive Services Task Force. Screen1ng for syphil1s
infecrion: recommendarion sraremen r. Ann Fam Med
permanecer reagente por alguns anos, mesmo após a
2004; 2:362-5.
normal1zação da citometria e da dosagem de proteí- 9. White RM. Unraveling rhe Tuskegge Srudy of Unrreared
nas liquóricas. Syphilis. Arch lnrern Med 2000; 160:585-97.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sífilis é uma doença infecciosa crónica causada pelo


Treponema palildum. que apresenta quadro clínico va-
riado, razão pela qual os exames laboratoriais assumem
importante papel para seu diagnóstico. Testes micro-
biológicos e sorológicos são rotineiramente usados na
prática clínica para diagnóstico e acompanhamento da
infecção e apresentam indicações e significados clínicos
diferentes, dependendo da fase da doença e do material
biológico estudado. Assim, o conhecimento dos méto-
dos laboracoriais e o comportamento de seus resultados
nas diversas etapas da doença. incluindo o acompanha-
mento do tratamento, é de fundamental importânCia
para a correta interpretação dos laudos. proporCionando
diagnóstico adequado e tratamento eficiente.

Invest igação laboratorial do p aciente com infecção pelo Trepo nema paflídum 679
Cleonice de Carvalho Coelho Mota
55 Leonardo de Souza Vasconcellos
Silvana Maria Eloi Santos

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM FEBRE
REUMÁTICA AGUDA

No início deste novo século, quase 400 anos após sua dos casos de infecção de orofaringe pelo S. pyogenes, mas
descrição por Guillaume de Baillou como uma entidade após epidemias de faringite estreprocócica, a ocorrência
nosológica separada dos "reumatismos", a febre reumáti- de FRA pode atingir cerca de 3%. Apresenta caráter recor-
ca aguda (FRA), no nosso meio, continua um desafio e rente na vigência de novos episódios de faringoamigdalite
grave problema de saúde pública. esueptocócica não rratados e a freqüência de novos casos
Doença inflamatória sistêmica, auto-imune, mani- é maior principalmente nos dois primeiros anos após sur-
festa-se entre uma e cinco semanas após um processo to inicial e em pacientes com acometimento cardíaco em
infeccioso de vias aéreas superiores por Streptococcus surtos agudos prévios. Geralmente, os surtos subseqüentes
pyogenes, em indivíduos susceptíveis e com resposta mimetizam as manifestações clínicas do surro inicial. Parece
imunológica de hiperreatividade. não existir diferença de incidência quanto ao gênero, embo-
Trata-se de síndrome que, como bem indica seu nome, ra uma de suas manifestações, a coréia de Sydenham, seja
tem caráter eminentemente agudo. O processo é auroli- mais observada no gênero feminino. Quanto a lesões vai-
mitado, mas novo contato com a bactéria, na ausência de vares cardíacas, a estenose mitral é mais comum no gênero
prevenção e tratamento da nova 1nfecção, reinicia o ciclo, femi nino e a estenose aórtica no masculino.
caracterizando as recorrências da doença. Infelizmente, A FRA é mais freqüente em regiões de clima tropi-
cerca da metade dos casos de FRA é acompanhada por cal em relação aos subtrópicos, correlacionando-se com
acometimento cardíaco, com quadro de pancardite, res- o desenvolvimento socioeconômico da região. Nos
ponsável por quadros graves e até fatais. países desenvolvidos, sua freqüência diminuiu conside-
ravelmente a partir da década de 50, simultaneamente
à melhoria das condições de vida da população, pnn-
EPIDEMIOLOGIA cipalmente diminuição dos aglomerados humanos nos
domicílios, e ao emprego da penicilina no tratamento e
A epidemiologia da FRA coincide com a da infecção prevenção das infecções estreptocócicas. Nos países em
de orofaringe pelo S. pyogenes, que é a bactéria responsável desenvolvimento, como o Brasil, a incidência, a prevalên-
por 15-30% das amidalites em crianças e 5-10% em adultos. cia e a mortalidade da doença ainda são elevadas.
Acomete preferencialmente crianças e adolescentes de cin- A Organização Mund1al de Saúde (OMS), em 1994,
co a 15 anos. Entretanto, relatos recentes ampliam a faixa registrou estimativa mundial de 12 milhões de pessoas
etána de ma1or prevalênCia para três a 22 anos. Em períodos portadores de FRA e cardiopatia reumática crónica, das
não endémicos, a doença ocorre como complicação de 1% quais três milhões demandaram internações repetidas
por insuficiência cardíaca, com estimativa de 332.000 óbi- 1999 a 2003 foi registrada média anual de 13.116 cirurgias
tos para o ano 2000. Na análise da morbidade, o cálculo valvares; nos pacientes com lesões valvares de etiologia
do índice DALY- disability-adjusted /ife years (anos po- reumática, cuja estimativa inclui 99% do tocai. o custo em
tenciais de vida perdidos ajustados para incapacidade) co- 2001 foi de R$89.854.577,00 e a caxa de óbito de 94:1.000.
calizou 6,6 milhões de anos perdidos por ano no mundo Em adultos brasileiros, a valvopacia reumática é a causa
em decorrência da febre reumática. A análise do índice mais freqüeme de indicação de cirurgia cardíaca.
no Brasil, baseada em dados do ano 2000, registrou o co- A figura 55.1 ilustra a incidência de FR no Brasil. entre
cai de 55.000 anos. ou seja, 26 anos por paciente. os anos de 1984 e 2001. Nas famílias mais pobres. que
vivem em condições de superpopulação, a incidência é
25000 ainda mais elevada.

20000
ASPECTOS RELEVANTES DA DOENÇA

15000 ETIOLOGIA

A FRA é conseqüente à infecção, sintomática ou


10000 assintomática, das vias aéreas superiores por cepas reu-
matogênicas de Streptococcus pyogenes, também de-
nominado Streptococcus ~-hemol ítica do grupo A de
5000
Lancefield. A classificação dos Streptococcus proposta
por Lancefield baseia-se nas diferenças imunológicas
dos polissacarídeos que compõem sua camada média e
o
1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 central (grupos A B, C F e G). A proteína M, presente
Fome: OATASUS na camada externa bacteriana, constitui o principal an-
Figura 55.1 - Incidência anual de Febre Reumática no Brasil. emre cígeno relacionado à patogênese da cardiopatia da FRA.
1984 e 2001. Confere resistência à fagocitose. aumentando a virulên-
cia bacteriana. As diferenças antigénicas da proteína M
No nosso meio, a FRA é a causa mais comum de car- são respo nsáveis pela classificação dos Streptococcus do
diopatia no adulto jovem. Segundo modelo epidemio- grupo A em mais de 80 subtipos. sendo os tipos 3. 5, 18,
lógico da OMS, no Brasil estima-se freqüência anual de 19 e 24 considerados os mais reu matogênicos.
10 milhões de faringoamigdalices escrepcocócicas, com Devido à maior prevalência de outros grupos de
incidência anual de 15.000 a 18.000 novos casos de FRA. Streptococcus que não o A em alguns países tropicais e
Em Belo Horizonte, foi registrada prevalência de 3,6 I não tropicais, tem sido sugerida a possibilidade de ou-
1.000 em estudantes na faixa etária de 10 a 20 anos. A tros grupos, como o C e G, causarem FRA e glomeru-
Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) e o Comi- lonefrite, como proposto no I Workshop Africano em
tê Pan-americano de Estudo e Prevenção da Febre Reu- Febre Reumática, ocorrido na África do Sul, em 2005.
mática revelam a possibilidade do surgimento anual de Entretanto, ai nda faltam evidências diretas que corro-
960 novos casos de cardiopatia reumática no Brasil, ou borem essa hipótese.
seja, quase crês casos novos por dia. Nas últimas décadas,
a prevalência e a incidência vêm diminuindo progressi-
vamente, principalmente após melhoria da economia PATOGENIA
e da assistência à saúde. Além disso. são substanciais
os custos do setor público em cirurgias cardíacas para Os mecanismos patogénicos da FRA ainda não es-
o tratamento das seqüelas encontradas na fase crónica tão esclarecidos, mas há fortes indícios, epidemiológi-
da doença. Segundo dados do DATASUS, no período de cos e experimentais. de que fatores genéticos estejam

682 [ Medicina laboratorial para o clínico


envolvidos. Estima-se que 2 a 3% da população sejam tes com coréia de Sydenhan. É provável que a presença
susceptíveis a desenvolver a doença após uma faringo- de imunocomplexos no plexo coróide determine a ati-
amigdalite estreptocócica. Vários marcadores genéricos vação do sistema do complemento e outros mediado-
de susceptibilidade, HLA relacionados ou não, têm sido res que resultariam em aumento da permeabil idade da
descritos na FRA. Entretanto, os achados são inconsis- barreira hematoliquórica.
tentes. No Brasil, por exemplo, já foi relatada associação
positiva entre FRA e os subripos HLA-DR7 e HLA-DR53.
Alterações no gene do TNF-a também já foram asso- APRESENTAÇÃO ClÍNICA
ciadas à predisposição para FRA.
Muitas teorias foram propostas para explicar as Não há manifestação exclusiva da doença. O diag-
lesões clínicas apresentadas na FRA. Muito tem sido nóstico da FRA é fundamentado exclusivamente em
enfatizada a natureza auto-imune dos mecanismos fi- dados clínicos, com suporte de evidências laborato-
siopatológicos que seriam induzidos por mimetismo riais do quadro inflamatório, ocorrendo desde fo rmas
molecular entre as estruturas antigênicas do Streptococ- subclínicas até casos graves, de evolução fulminante.
cus ~-hemol ítico do grupo A. principalmente a proteína Algumas características, principalmente quando as-
M, com os tecidos humanos como sarcolema das fibras sociadas, são úteis no encam inhamento diagnóstico.
estriadas cardíacas, glicoproteínas esrrucurais das valvas Nos casos duvidosos, o acompanhamemo freqüeme
cardíacas, células da parede vascular, proteínas sinoviais, ao paciente permite confi rmar ou excluir a hipótese
cartilagens articulares e tecido nervoso. Anticorpos an- diagnóstica e muitas vezes o diagnóstico da valvopatia
tiesrrepcococos são capazes de reconhecer proteínas crônica possibilita o esclarecimento de episódios ante-
presentes em tecidos humanos como miosina, accina, riores até então indefinidos.
laminina, queratina, vimentina. Em 1969, Kaplan e Fren- De maneira geral, pode-se considerar que o processo
gley demonsrraram por imunofluorescência a presen- que resulta na FRA compreende duas situações clínicas
ça, no soro de pacientes com íRA, de anticorpos que distintas e definidas. A primeira consiste na infecção
reagiam com tecidos cardíacos. Segundo essa hipóte- estreptocócica de vias aéreas inicial e a segunda no
se, a partir da infecção esrrepcocócica de orofaringe, a quadro de FRA propriamente dito. Esses dois quadros
liberação de antígenos estreprocócicos desencadearia clínicos estão separados por período sem sintomas de
resposta imunológica sistêmica, com sensibi lização dos cerca de uma a cinco semanas. Assim, quatro fases clíni-
linfócicos Te Be conseqüente formação de reação imu- cas distintas são verificadas na doença: a) faringoamigda-
ne antiestrepcocócica com reatividade cruzada para es- lite estreptocócica, b) período de latência, c) fase aguda;
truturas cardíacas, articulares e nervosas. Para promover d) e, eventualmeme, a fase crônica, quando persistem as
o desencadeamento da reação imunológica. o estrep- lesões cardíacas - valvopatia reumática crônica.
cococo deve causar infecção verdadeira de orofaringe e Como as lesões inflamatórias da FRA são difusas e
não apenas colonização. com afinidade aos tecidos conjuntivos, os sintomas são
Escudos de valvas cardíacas removidas de pacientes variados e a doença acomete principalmeme as articu-
submetidos à cirurgia mosrram que o infiltrado linfocitá- lações, o coração, o sistema nervoso e a pele. As lesões
rio do interstício valvular é rico em células T CD4 + e bas- também podem coexisti r, o que amplia as possibilidades
tante pobre em células CD8+. Com freqüência, as células de apresentação clínica.
CD4+ encontram-se justapostas a fibroblastos e fibras As principais manifestações clínicas de FRA incluem:
colágenas. Esses achados reforçam o papel da imunidade cardite, poliartri te, coréia, nódulos subcutâneos e erice-
celular na fisiopacologia da cardite reumática. ma marginatum. Pelo poder diagnóstico que possuem
Em relação ao quadro articular, alterações locais su- e conseqüente valor preditivo positivo elevado, fora m
gerem que o depósico e posterior fagocicose de imuno- classificadas como critérios maiores para o diagnóstico
complexos sejam o fenômeno fisiopatológico predomi- de FRA. Artralgia e febre também são achados comuns
nante. Também no acometimento do sistema nervoso, em portadores de FRA, entretanto, por serem inespe-
anticorpos antineuronais têm sido descritos em pacien- cíficos, foram caracterizados como critérios menores

Investigação laborawrial do paciente com febre reumática aguda 683


de Jones, mas apresentam alco valor preditivo negativo. ca. O grau do acometimento cardíaco na fase aguda e
Na forma inicial, também são comuns cefaléia, epistaxes, a presença de recorrências constituem os fatores mais
dores abdominais, náuseas e vômitos, aparencemence importantes para determinar-se o prognóstico na fase
em decorrência da mobilização de imunocomplexos. Na crônica da doença.
maioria dos casos, as manifestações agudas da FRA são A primeira descrição histopatológica específica da
autolimitadas, desaparecendo no período de um a seis FRA, o nódulo de Aschoff, foi feita por Aschoff, em
meses. Porém, em cerca de 5% dos casos, a coréia e/ou 1904, em corações de pacientes falecidos na fase aguda
cardite, principalmente nas formas graves, podem persis- da doença. É uma lesão granulomatosa que aparece, em
tir por períodos mais prolongados. média, na segunda semana da doença e tende a persistir,
A Labela 55.1 moSLra a freqüência dos sinais maiores sem relação com a atividade inflamatória. É considerado
relatados em diferences estudos realizados em diversas característico e consiste de granulomas de macrófagos
cidades brasileiras. em volta do material fibrinóide. Os nódulos de Aschoff
situam-se no interstício encre os feixes de miocardióci-
tos e, freqüencemente, próximos a vasos. Os macrófagos
Cardite podem apresentar a cromatina condensada no centro
do núcleo, dando o clássico aspecto de "olho de coruja".
O acometimento cardíaco, presente em 50 a 60% As chamadas células gigances de Aschoff são macrófa-
dos casos, é a manifestação mais importante da doença. gos multinucleados. A fagocitose do material fibrinóide
Na infância, é tão freqüente quanro a artrite, diferindo por macrófagos é seguida de fibrose, que pode levar à
da apresentação no adulto, quando a artrite é a man ifes- disfunção permanente. O caráter recidivante das lesões
tação mais comum. O processo inflamatório envolve os inflamatórias, a cada novo surto de infecção pelo es-
três segmentos do coração - endocárdio, miocárdio e treptococo, causa piora progressiva do quadro fibrótico,
pericárdio, caracterizando a pancardite, mas é o envolvi- principalmente das valvas cardíacas. Na fase cicatricial.
mento do endocárdio mural, principalmente das valvas observam-se verrucosidades, espessamento e aderências
cardíacas, o responsável pelo quadro de insuficiência car- de cordoalhas e cúspides, que levam às disfunções vai-
díaca na fase aguda e pelas seqüelas na fase crônica da vares.
doença, em conseqüência ao processo cicatricial. Cerca A cardite é a manifestação mais grave da FRA, sendo
de um terço dos pacientes com acometimento cardíaco a única capaz de causar a morte na fase aguda ou produ-
na fase aguda evolui para cardiopatia reumática crôni- zir seqüelas definitivas. Em geral, o endocárdio é o folhe-

Tabela 55.1 - Freqüência dos critérios de Jones maiores encontrados em diferentes cidades brasileiras

localidade Artrite Cardite Coréia Eritema marginado Nódulos subcutâneos Total (n)
São Paulo 57,6 50,4 34,8 1,6 1,5 786

Uberlãndio 53 70 41 3 3 148

Ribeirão Preto 77 79 32 1,7 2,5 120

Porto Alegre 84,3 56 11,8 11,8 7,8 51

Goiãnio 82 80 30 7 9 52

Florionópolis 60 94 7,5 1,8 1,8 53

Belo Horizonte* 70,4 69,7 24,6 3,6 5,0 1066

Adaptação da tabela original do amgo Silva CHM et ai. Rheumaticfever. VerHosp Clin Fac Med SPaulo 1999; 54:85-90.
• Fome:Taroco DS. Pic1n1n tF,Meira ZMA, Mota CCC. Apresentação cllnica da febre reumática em 1066surtos agudos de criançaseadolescemes,arendidos no Hospitalda
Clínicas·UFMG. Rev Med Minas Gerais 2006;15(3):44

684 ( Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - - -- -- - -- - - - - -- - - - - - - - - - - - - - -


co mais aringido nos casos de acomerimenro cardíaco, o ciência mitral e aórtica em paciente previamente sadio é
que ocorre em mais de 90% dos casos, mas miocardite altamente sugestiva de febre reumática.
e pericardi re podem também estar presentes, com infil- A insuficiência cardíaca grave geralmente ocorre
trado mononuclear. A pericardite, mais rara, não ocorre em crianças pequenas ou naquelas em que recidivas
como manifestação isolada. A necrose miocárdica é mí- da doença sobrepõem-se a lesões prévias significativas.
nima. Da mesma forma, pacientes com insuficiência car- A concomitância de achados histopatológicos típicos
díaca refratána. na fase aguda, apresentam rápida melhora de fase aguda da doença reumática com achados his-
após cirurgia de rroca valvar. Essas evidências confirmam tológicos da fase crônica, como fibrose intersticial e
a hipótese de que a disfunção valvar, e não a miocardite, perivascular com neoformação vascular, indica tratar-
seja a principal anormalidade responsável pelo quadro de se de surto agudo sobre coração previamente lesado
insuficiência cardíaca. pela doença. As seqüelas cardíacas dependem prima-
O surro de cardire rem duração de um a seis me- riamente da gravidade da valvite. As lesões podem
ses, com média de crês meses. Em crianças abaixo de seis evoluir para a cura, permanecer estacionárias ou sofrer
anos de idade, o início costuma ser mais insidioso e com agravamento progressivo.
presença de sintomas constitucionais como fadiga. O Exames complementares para avaliação cardiológica:
comprometimento cardíaco na fase aguda pode ser as- no estudo radiológico do tórax, o aumento da área car-
sintomático e, quando sintomático, os sintomas mais fre- díaca é evidenciado em mais da metade dos casos de
qüentes são dispnéia, dor precordial, dor abdominal e FRA. geralmente acompanhado de congestão pulmonar
edema periférico, em crianças maiores e adultos. Mais nos casos graves. Apesar da ausência de cardiomegalia
recentemente, foram identificados pacientes na fase não afastar o diagnóstico de cardite, em geral a magni-
aguda com artrite e/ou coréia, apresentando ausculta tude do aumento da área cardíaca é proporcional à gra-
cardíaca, exame radiológico do tórax e elerrocardiogra- vidade do acometimento cardíaco O eleuocardiograma
ma normais, porém com regurgitação valvar mirrai e/ou evidencia taquicardia sinusal, alterações difusas e discre-
aórtica leve ao ecodopplercardiograma, caracterizando tas de repolarização ventricular, como retificação e de-
a valvite subclínica. pressão do segmento ST, inversão de ondas T, alterações
Ao exame físico, os sinais mais freqüentes são: taqui- difusas de repolarização ventricular, como retificação e
cardia - independente do quadro febril, ritmo de galo- depressão do segmento ST, inversão de ondas T, além
pe, abafamento de primeira bulha, cardiomegalia, so- de sobrecarga de câmaras cardíacas esquerdas, em con-
pro cardíaco e atrito pericárdico. Dor precordial e atrito seqüência de lesões valvares mitral e/ou aórtica. Outras
pericárdico sugerem o comprometimento pericárdico. A alterações incluem o aumento da du ração dos intervalos
insuficiência cardíaca, mais freqüente nas recidivas da do- QT e PR (bloqueio atrioventricular de primeiro grau) e
ença, revela grave acometimento do coração e está sem- exrra-sístoles ventriculares e supraventriculares. O eco-
pre associada à lesão valvar significativa. O sopro localiza- dopplercard iograma constitui método complementar
do em área mirrai, holossistólico de regurgitação, de alta acurado e de grande importância no paciente com en-
freqüência e com irradiação para axila, que está presente volvimento cardíaco, para investigação das alterações
na maioria dos casos, deve-se à insuficiência mirrai. O so- morfológicas, hemodinâmicas e funcionais decorrentes
pro diastólico de insuficiência aórtica pode ocorrer isola- da febre reumática.
damente, mas é freqüente sua associação com a insufici-
ência valvar mitral e é caracterizado como um ruído de
qualidade aspirativa, decrescendo após a segunda bulha, Artrite
mais intenso nos terceiro e quarro espaços intercostais.
A valva rricúspide é menos freqüentemente afetada e a É a manifestação mais freqüente da FRA no adulta,
pulmonar excepcionalmente é acometida pelo processo ocorrendo em cerca de 75% dos casos. Habitualmen-
inflamatório. O sopro mesodiastólico de Carey-Coombs, te, acomete grandes articulações, como joelhos (75%),
de baixa freqüência e baixa intensidade, está presente so- rornozelos (50%), cotovelos, punhos e quadril, sendo
mente durante a fase aguda. A concomitância de insufi- menos freq üente o envolvimento das pequenas articu-

Investigação laboratorial do paciente co m fe bre reumática aguda 685


lações como mãos e pés. O acometimento articular é conscientes. rápidos. desordenados e arrítmicos, mais
acompanhado de dor intensa. com tendência migrató- evidentes nas extremidades e na face e que desaparecem
ria, incapacitante, levando à limitação dos movimentos. ou são reduz1dos durante o sono.
As articulações são comprometidas em sucessão, com A coréia geralmente é acompanhada por mudança
duração de um a cinco dias em cada articulação. carac- repentina da personalidade da criança. que se torna in-
terizando a poliartrite migratória. Outra característica segura, irritada e com labilidade emocional, com crises
importante da poliartrite na FRA é sua excelente respos- de choro, traços obsessivo-compulsivos e incoordenação
ta aos salicilaros. Casos de artrite monoarticular, embora morora. Fraqueza e hipotonia musculares são freqüen-
raros, podem ocorrer. A duração rotai do surto articular tes. Observam-se déficits motores. desordens posrurais.
geralmente não excede duas a três semanas, evoluindo alteração da escrita e disarrria. O quadro clínico é insidio-
para a cura completa, sem deixar seqüelas. so. instalando-se em dias ou semanas e perdurando por
Hisrologicamente, nas estruturas periarticulares e dois a seis meses. Pode remitir completamente ou deixar
articulares, existem edema. angiogênese e infi ltrado in- seqüelas menores. como tremor fino de extremidades.
flamatóno perivascular mononuclear. principalmente de instabilidade motora. Eventualmente, há recorrências e
células CDLí+, plasmócitos e macrófagos. Pode ocorrer pode levar a distúrbios obsessivo-compulsivos. Curiosa-
agregação da fibrina recobrindo a sinóvia e infiltração mente. existem evidências de que o compositOr Gusrav
do líquido sinovial por células inflamatórias. Entretanto. Mahler renha apresentado quadro de cardite reumática
após duas a quatro semanas, a artme tende a se resol- e coréia de Sydenham em sua infância. que teria deixado
ver completamente. Inflamação de músculos e tendões como seqüela provável valvulopatia, distúrbios obsessi-
também pode ocorrer em conseqüênCia à artrite. vo-compulsivos e quadro coréico persistente.
Eventualmente, fibrose periarticular pode persistir. le-
vando a deformidades sinoviais semelhantes às observa-
das na artrite reumatóide, mas sem evidência radiológica Nódulos subcutâneos
de erosões. Essa condição. denominada síndrome de Jac-
coud, surge após surtos repetidos de FRA e caracteriza-se São manifestações menos comuns. de freqüência
por desv1o ulnar e subluxação das articulações metacar- variável de 3-5% dos casos de FRA. Costumam aparecer
pofalangeanas. após as primeiras semanas do início da doença. durando
em méd1a uma ou mais semanas, raramente mais que
um mês. Têm localização preferencial nas saliências ós-
Coréia de Sydenham seas, superfícies extensoras das articulações (joelhos, tor-
nozelos. punhos, região occipital e processos espinhosos).
Também conhecida como coréia reumática ou dança ao longo de tendões e no couro cabeludo. São nódulos
de São Vito, foi descrita por Thomas Sydenham em 1686 firmes. duros e indolores. podendo chegar a cerca de 2
e decorre de uma arterite do sistema nervoso central. cm de diâmetro, sem sinais flogísticos, movendo-se livre-
com degeneração celular perivascular, hemorragias e pe- mente sob a pele. Regridem espontaneamente, podendo
téquias. sobretudo nos núcleos denteado e subtalãmico, acontecer recorrências. Histologicamente. caracterizam-
aparentemente secundária a depósitOs de imunocom- se por necrose central circundada por histiócicos epite-
plexos. Embora possa ser concomitante aos outros sinais lióides, linfócitOs e plasmócicos e células em paliçada ao
maiores, geralmente é uma manifestação tardia da FRA. redor, semelhantes aos da artrite reumatóide. Refletem
podendo ser, inclusive. única; e ocorre mais freqüente- atividade da doença e freqüentemente associam-se ao
mente após remissão das ourras manifestações. Por isso, acometimento cardíaco. Esses nódulos não são patog-
é o único sinal que isoladamente permite o diagnósti- nomônicos da FRA. podendo ocorrer em outras doen-
co de FRA, segundo as diretrizes da AHA (1992). Atinge ças, como artrite reumatóide juvenil. lúpus eritemaroso
mais o gênero fem1nino, na faixa etária escolar, sendo rara sistêmico e, inclusive. mesmo sem associação a qualquer
após a puberdade. t caracterizada por movimentos invo- estado mórbido ou doença. caracrenzando-se nódulos
luntários e clôn1cos da muscularura estriada esquelética, subcutâneos benignos.

686 [ Medicina laboratorial para o clínico


Eritema marginatum
festação isolada, cardite insidiosa e recorrências. Na última
revisão da AHA. em 2002, dúvidas ainda permaneceram,
Manifestação pouco freqüente, mas muito específica. principalmente com referência às novas condições clínicas,
Ocorre em menos de 10% dos casos e também está ge- como a valvite subclínica e a artrite pós-esuepcocócica,
ralmente associada à cardite. Caracteriza-se por lesão eri- registrando-se a necessidade de mais investigações na área,
temacosa cutânea serpiginosa ou disposta em círculo, não visco que os dados aruais são insufioenres para dar suporte
pruriginosa, de taman ho vanado. entre 1 e 3 cm de diâme- a novas modificações dos criténos diagnósticos.
tro. apresentando-se em forma de máculas ou pápulas de Os critérios de jones modificados estão representa-
coloração rosa ou roxo pálido, de bordas nítidas hipere- dos no tabela 55.2.
miadas e centro opaco. O termo "eritema margina tum" se
deve ao fam de a lesão difundi r-se centrifugamente, dei-
xando um centro claro, ficando as bordas rosadas. Apa- EXAMES LABORATORIAIS
recem preferencialmente em rronco e porções proximais
dos membros e raramente na face. De caráter transitório e Pelos critérios de Jones. o diagnóstico da FRA é es-
migratório, apresentam duração fugaz. de algumas horas sencialmente clínico e os exames laboratoriais objeti-
ou mesmo minutos. Podem ser reproduzidos por aplica- vam evidenciar processo inflamatório agudo e infecção
ção de calor local e clareiam sob pressão e ser intermi- estreptocócica prévia.
tentes por meses ou, ainda, reaparecer quando as demais
manifestações da doença já tenham desaparecido.
Comprovação de processo inflamatório agudo vigente

CRITÉRIO DIAGNÓSTICO- Sendo uma enfermidade inflamatória por excelência,


CRITÉRIOS DE JONES é rara a ocorrência de FRA sem a presença de marca-
dores da fase aguda da inflamação. Entre as provas de
Ainda hoje. o diagnóstico de FRA encontra-se funda- fase aguda, destacam-se a velocidade de hemossedi-
mentado nos "critérios de Jones" definidos por Thomas mentação (VHS) e a proteína C reativa (PCR). Além de
Duckett jones (1899-1954), em 1944, e que apesar de não constituírem sinais menores para o diagnóstico, os mar-
terem sido posteriormente validados por qualquer mé- cadores de inflamação são importantes para documentar
codo científico, ainda são am plamente utilizados. uma a regressão do processo inflamatório, principalmente na
vez que concentram o poder diagnóstico nas manifesta- monitoração da resposta terapêutica (ver capítulo 56).
ções clínicas mais sugestivas. Desde então, esses critérios • VHS: Como detalhado no capítulo 56, a VHS é um
vêm sofrendo revisões periódicas pelo Comitê de Febre teste de baixa especificidade, mas que se apresenta
Reumática/a Amencan Heart Association (AHA), que em freqüentemente elevada nas situações clínicas su-
1992 definiu os criténos de jones modificados. gestivas de FRA, pois, em geral, seu aumento ocorre
Para a definição dos critérios de jones, os sinais clíni- simulta neamente às manifestações de artri te e car-
cos da FRA foram classificados em sinais maiores, aqueles dite. O aumento da VHS é normalmente propor-
com valor preditivo positivo mais alto- cardite, poliartrite, cional à gravidade do processo inflamatório e o exa-
coréia, nódulos subcutâneos e eritema marginatum; e me tende a se normalizar em duas a três semanas.
sinais menores, aqueles com menos espeofiodade - fe- independentemente da evolução. Ressalta-se que
bre, amalgia, elevação dos marcadores de fase aguda a VHS sofre influências de diversas med1cações. In-
e aumento do intervalo PR ao ECG. A presença de dois cluindo algumas amplamente utilizadas nos casos
sinais maiores ou de um sinal maior e dois menores, de FRA, como antiinflamatórios esteróides ou não,
acompanhados de infecção prévia pelo Streptococcus que induzem queda da VHS, e a penicilina benza-
~-hemolítica do grupo A, indica alta probabilidade de tina. que a eleva. Ainda, a insuficiência cardíaca nos
FRA. Três situações clínicas dispensam os critérios de jones casos graves de cardite pode induzir queda da VHS.
para o diagnóstico presuntivo de FR: coréia como mani- levando a resultados falsamente inalterados;

Investigação laborarorial do paciente com febre reumática aguda 687


Tabela 55.2 - Crírénos de jones (modíftcados em 1992) para díagnós[ICO de FRA

Sinais maiores Sinais menores


l·Arlnle Clínicos:
2· Cordite l·Artralgio
3· Coréio • 2· Febre
4· Erilemo morginotum
5 Nódulos subcutâneos Laboratoria is:
1 · Alterações dos provas de fase agudo (aumento do VHS ou PC RI
* Apesar de nenhum sinal ma ior ou menor ser 2 · Eletrocordiogro mo: Aumento do intervalo PR
específico do FRA, o coréio é o único sinal maior
que isoladamente permite o diagnóstico de FRA
Evidência de infecção estreptocócica prévia ••
1· Aumento dos títulos de anticorpos onti estreptocócicos (ex. ASLOI.· De maior utilização clínico
2· Detecção de estreptococo do grupo A em teste de aglutinação direto ou cultura de oroforinge.
3· Escarlatina recente

* • A foringoomigdolite clínico não comprovo o evidência de es•reptococio anterior.


Dois sinais maiores ou um sinal maior e dois menores
+
Evidência de infecção prév ia pelo Streptococcus f3·hemolítico do grupo A
J.
Alta probabilidade de FRA

• proteína C reariva: encontra-se elevada em pra- plexa e sujeita a diversos erros técnicos em várias
ricamente wdos os casos de FRA, durante as etapas analíticas. Desta forma, não é mais utiliza-
duas primeiras semanas de evolução, persistindo da na maioria dos laboratórios, tendo sido subs-
até o fim da terceira semana. Por isso apresema tituída amplamente pela quantificação da alfa-1 -
elevado valor preditivo negativo. A ausência de glicoproteína ácida. Encontra-se aumentada na
elevação da PCR em medidas consecutivas é um maioria dos pacientes com FRA em atividade,
forte indício de ausência de FRA. Da mesma for- elevando-se entre um e três dtas a parm do início
ma que a velocidade de hemossedimemação, não da fase aguda e sua normalização correlaciona-se
é adequada como marcador isolado da resposta com o fi nal da fase ativa da doença. Apresenta
terapêutica no seguimento a pacientes. Valores proporcionalidade entre os níveis séricos e a gra-
elevados não representam necessariameme tra- vidade da doença. Diferentemente da PCRe VHS,
tamento antiinflamatório ineficaz e níveis mats não sofre influência de medicação antiinflamató-
baixos podem ser observados ainda du rante fa se ria, o que a tornaria útil para a monitoração do
ariva da doença. Entretanto, o aumenw da PCR processo inflamatório e, conseqüentememe, na
em fase mais tardia geralmente indica reativação orientação quamo à imerrupção do tratamemo.
do processo inflamatório; Entretanw, suas limitações metodológicas impe-
• mucoproteínas: são glicoproteínas plasmáticas dem que seja uma prova sensível e de confiança
cuja porção carboidrato de polissacarídeos áci- na condução de casos de FRA;
dos está fortemente ligada à porção protéica. • alfa-1-glicoproreína ácida: fração mais impor-
Descmas por Winzler no início dos anos 50, re- tante das mucoproteínas plasmáticas, surge
ceberam o nome de "mucoproteínas" devido à precocemente, cerca de 12 horas após o início '
viscosidade apresentada durante o processo de do processo inflamatório, permanecendo por
purificação, que é realizado a partir da precipita- três a cinco dias no plasma. Essa curta meia-
ção com ácido perclórico. Metodologicamente, vida deve-se à sua grande filtração glomerular,
a quantificação da mucoproteína sérica é com - que favorece o retorno mais rápido aos níveis

688 [ Medi cina laborator ial para o clín ico


normais, quando comparada com as ourras da cavidade oral e, portanto, o paciente pode ser ape-
proteínas de fase aguda. É considerado um dos nas portador do Streptococcus f5 hemolítica do grupo
melhores marcadores de atividade inflamatória A, sem necessariamente apresentar processo infeccio-
na FRA. Sua quantificação encontra-se bem es- so ativo.
tabelecida, com métodos automatizados sen- Tecnicamente, a pesquisa de antígenos escreptocó-
síveis, reprodutíveis e com baixa variabilidade cicos em swab de orofaringe é um teste rápido, que
analítica. Sua dosagem está indicada no acom- utiliza partículas de látex impregnadas de anticorpos
panhamento da FRA, em substituição à deter- específicos para identificação de carboidratos bacteria-
minação das mucoproreínas; nos. A baixa sensibilidade do método na FRA decorre
• eletroforese de proteínas: não faz parte da da necessidade de grande carga antigênica para positi-
propedêutica habitual da FRA e as modifica- vação, situação que freqüenremente não é encontrada
ções observadas não diferem das alterações que nos quadros de FRA.
ocorrem em vários outros processos inflamató- Durante um episódio de FRA, a forma mais ade-
rios agudos: diminuição da fração de albumina e quada de evidenciar a infecção escreptocócica ante-
elevação das frações alfa-globulina, devido prin- rior é a verificação de títulos elevados de anticorpos
cipalmente ao aumento da alfa-1-glicoproteína antiescreptocócicos. uma vez que a elevação dos d-
ácida, por aumento da PCR ou das imunoglo- tulos coincide com a época de surgimento das ma-
bulinas. Dessas alterações, a que apresenta mais nifestações clínicas de FRA. É sabido que o paciente
estabilidade é a elevação da fração alfa-2-globu- responde com uma plerora de anticorpos contra dife-
lina, que é mantida elevada durante toda a fase rentes componentes estreptocócicos.
aciva da doença, sendo um indicador confiável Dentre os anticorpos contra antígenos dos es-
de acividade inflamatória. treptococos. o mais utilizado é o antiestreptolisina O
(ASLO). Anticorpos antidesoxirribo nuclease (antiDNA-
se), anti-hialuronidase (AHAD) e antiestreptoquinase
Comprovação da infecção estreptocócica anterior (STK) não estão amplamente disponíveis e são, assim.
menos empregados.
Embora, segundo os critérios de jones, a comprova-
ção de infecção escrepcocócica prévia seja uma condição
Dosagem de antiestrepto/isina-0
necessária para o estabelecimento do diagnóstico, a não
confirmação laboratorial de infecção escreptocócica an- A dosagem de antiestreptolisina-0 (ASTO) é a prova
terior ao surto agudo não exclui o diagnóstico de FRA, mais bem padronizada e que melhor acende à finalidade de
apesar de torná-lo menos provável. evidenciar uma infecção escreptocócica anterior. uma vez
Na investigação laboratorial, a comprovação da in- que as maiores concentrações ocorrem simultaneamente
fecção estreptocócica anterior pode ser feita pela de- à FRA. Earl W. Todd desenvolveu o ensaio em 1932, mas as
tecção da baccéria ou antígenos bacterianos na oro- técnicas mais empregadas acualmente são automatizadas
faringe, ou pela detecção de anticorpos específicos. (nefelometria e turbidimetria). o que reduz variações ana-
Entretanto, os métodos microbiológicos de detecção líticas. Estudos cinéticas mostram que a concentração de
de estreptococos ou antígenos bacterianos podem ASTO aumenta cerca de uma a duas semanas após a infec-
não ter utilidade durante a FRA, uma vez que o episó- ção estreptocócica aguda, alcançando o valor máximo em
dio infeccioso primário geralmente não está mais em torno de duas a seis semanas e retornando aos níveis basais
atividade e as baccérias podem não estar presentes na após dois a 12 meses.
orofaringe Além disso, a detecção de estreptococos Estima-se que aproximadamente 75-85% dos pacien-
em cultura não confirma a ocorrência de infecção tes com quadro de FRA inicial apresentem concentra-
prévia, já que esse teste não é capaz de distinguir uma ções elevadas de ASTO. Valores baixos podem ser en-
infecção verdadeira de um estado de colonização as- contrados nas fases precoces ou nas mais tardias. Diante
sintomática: o Streptococcus é um patógeno natural do registro de concentrações baixas, recomenda-se a re-

Investigação laboratorial do paciente com febre reumática aguda 689


Hemograma
petição do exame em 10-14 dias para evidenciar eventu-
al aumento. Nos quadros mais tardios, como quando da
instalação da coré1a. a ASTO pode já estar normalizada, Normalmente, o hemograma não apresenta altera-
e recomenda-se a realização de antiDNAse. ções marcantes. Pode haver leucocitose discreta, com
A definição dos valores de referências ainda não é pequeno desvio para a esquerda e anemia normocítica
consensual, variando de acordo com a região geográ- e normocrônica leve. A presença de leucocicose impor-
fica e a prevalência de mfecções estrepcocócicas nas tante deve levantar a suspe1ta de outras doenças, como
diversas populações. Concentrações de ASLO entre endocardite, artrite infecciosa, artrite reumatóide ou
300-SOO Ul/ml são comuns em crianças escolares bra- mesmo leucemias agudas.
sileiras. especialmente naquelas de níveis socioeconó-
micos mais baixos. Os critérios determ inados pelo Dr.
Luiz Venere Décourr, em 1958, consideraram o nível CONSIDERAÇÕES FINAIS
de 250 unidades Todd (UT) normal para crianças com
menos de cinco anos de idade e, para finalidades prá- Deve-se enfatizar a importância do diagnóstico corre-
ticas, como anormais, as taxas aCima de 333 UT para coe precoce da FRA. considerando-se que o tratamento
crianças com menos de cinco anos de idade e taxas de suporte com antiinflamatórios na fase aguda, apesar
superiores a SOO UT para crianças acima dessa idade. de não intervir na disfunção valvar residual, influencia
Acualmente, com a utilização das técn1cas de nefelo- de forma significativa os índices de morbimortalidade
metria e rurbidimema, tem-se empregado a termino- da doença. Considera-se, ainda, após o diagnóstico na
logia Ul/ml com o objetivo de padron1zação interna- fase aguda, a possibilidade de instituir-se a profilaxia de
cional dos resultados. novos surros, evitando-se, com isso, o agravamento das
lesões residuais.
Devido à grande prevalência da FR em nosso meio,
Antidesoxirribonuc/ease 8
devem-se evitar os diagnósticos abusivas, po1s várias
A dosagem de outros anticorpos. como o anci- condições preenchem falsamente os criténos diagnós-
'desoxirribonuclease B (antiDNAse B). apresenta-se ticos. Por outro lado, a eventual redução na wulênCia
como boa alternativa propedêutica, especialmente do esrrepcococo e menor prevalência das cepas reuma-
nas manifestações tardias de FRA. como a coréia, cogênicas têm atenuado o quadro clínico, cornando-o
considerando-se que suas concentrações máximas menos característico e dificultando o diagnósCico. A
ocorrem em corno de seis a oiro semanas após a in- arrralgia isolada com provas laboratoriais duvidosas.
fecção. persistindo além de seis a oiro meses. Embora como elevação isolada e discreta de anticorpos anties-
o mécodo ainda não esteja amplamente disponível. rrepcolisina O e de marcadores de fase aguda, não deve
apresenta utilidade na coréia de Sydenhan, que se ser diagnosticada como FRA. É também importante
manifesta quando as provas de fase aguda costumam cons1derar que as provas laboracoriais não são específi-
estar normalizadas. cas da FRA. já que apenas traduzem a vigência de ativi-
dade inflamatória e/ou infecção estrepcocócica prévia.
É essencial observar que os critérios de Jones, preco-
Teste da estreptozima
nizados para o diagnóstico, apesar de amigos e sem
O teste da esrrepcozima (STZ) teve como objetivo respaldo científico comprovado, encontram-se susten-
detectar anticorpos contra vários antígenos estreprocó- tados pela prática clínica e, 60 anos após sua desmção
cicos extracelulares (NADase, DNAse, estrepcoquinase, inicial. permanecem como guia útil para o diagnóstico
hialuronidase e a estrepcolisina "O"), a partir de um úni- das fo rmas clássicas da doença. Os critérios de Jones
co teste laborarorial. Entretanto, as variações merodoló- orientam o diagnóstico e diminuem a possibilidade de
gicas não permitiram a padronização da técnica e seu erros. A presença de dois sinais maiores ou um maior e
uso foi abandonado. uma vez que os resultados não se dois menores servem como guia diagnóstico, mas não
mostraram superiores à pesquisa da ASLO. substituem a experiência clínica do médico.

690 Medicina laborawrial para o clínico


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Investigação laboratorial do paciente com febre reumát ica aguda 691


Guilherme Birchal Coi/ares
56 Pedro Guatimosim Vidigal

MARCADORES LABORATORIAIS DE
FASE AGUDA DA INFLAMAÇÃO

A reação inflamatória compreende uma série de al- Os reagentes de fase aguda incluem a proteína C rea-
terações sistêmicas que ocorrem no organismo em res- tiva (PCR), fibrinogênio, haptoglobina, amilóide A sérico,
posta a agressões diversas, incluindo infecções, necroses, ceruloplasmina, alfa-1-antitripsina, alfa-1 -glicoproteína
neoplasias, queimaduras, cirurgias, traumas, doenças ácida (AGP), fator VII I da coagulação, ferritina, lipopro-
inflamatórias. No local da agressão, ocorre liberação de reínas, proteínas do complemento e imunoglobulinas.
substâncias pró-i nflamatórias como histamina, cininas, Dentre estes, a PCR apresenta elevação mais precoce,
prostaglandinas e leucorrienos, que estimulam a vaso- valores mais elevados em relação à concentração inicial e
dilatação local, o aumento da permeabilidade vascular, rápido retorno aos níveis basais com a resolução do qua-
a migração de leucóciws e a liberação de uma série de dro. O Quadro 56.1 apresenta as principais propriedades
proteínas que vão contribuir para a resolução do proces- físico-químicas das proteínas de fase aguda. Algu mas
so. Essas proteínas são reconhecidas como proteínas de proteínas apresentam diminuição de sua concentração
fase aguda e se caracterizam por alterarem suas concen- sérica frente ao estímulo inflamatório, como a albumi-
trações plasmáticas em resposta a estímulos inflamató- na, transferrina e pré-albumina. Dois mecanismos foram
rios de qualquer natureza. propostos para explicar essa redução: a) o aumento da
O fígado é o principal local de produção das pro- permeabilidade capilar e extravasamento dessas proteí-
teínas de fase aguda, que é estimulada por citocinas, nas para o interstício; b) a diminuição da síntese hepática
produzidas pelos monócitos, principalmente as in- para priorizar a produção de proteínas de fase aguda. A
terleucinas 1 e 6 (ll-1 e IL-6) e o fator de necrose tu- Figura. 56.1 apresenta o comportamento dessas proteí-
moral. Com a agressão tecidual, há mobilização de nas após uma agressão aguda ao organismo.
leucócitos, acompanhada do aumento do cortisol. Mesmo não sendo específica, ou seja, não determi-
Após cerca de seis horas, é possível observar altera- nando a natureza da agressão, a verificação da presença
ção na concentração sérica das proteínas de fase agu- de resposta inflamatória sistêmica por meio de exames
da, que é mais intensa quanto maior a área afetada. laboratoriais representa importante auxílio no diagnósti-
Essas proteínas permanecem elevadas por aproxima- co e principalmente no acompanhamento do tratamen-
damente uma a duas semanas e, posterio rmente, são to de algumas afecções. Os exames mais utilizados na
depuradas pela ação do sistema mononuclear fago- prática clínica são a velocidade de hemossedimentação
citário. Ocorre, também, a diminu ição da produção (VHS), a dosagem de PCR, AGP e mucoproteínas. Apesar
de IL-6 pelos macrófagos, desesti mulando a síntese do amilódie A sérico ser considerado o marcador mais
de pro teínas de fase aguda pelos hepatócitos. sensível, a escassez de estudos sobre essa proteína e a
MARCADORES DE FASE AGUDA UTILIZADOS
resrrira disponibilidade de restes para sua medição nos
laboratórios clínicos têm limitado a sua utilização. Ou- NA PRÁTICA CLÍNICA
tras prmeínas que apresemam aumenco de sua concen-
PROTEÍNA C REATIVA
tração plasmática durame processos inflamatórios. cais
como fibrinogênio, haproglobina, ceruloplasmina, alfa-
1-amitripsina e ferritina, não são ainda utilizadas como A PCR foi descoberta em 1930 por William S. Tillet e
marcadores laborawriais de fase aguda. Thomas Francis. no lnstiwco Rockefeller, EUA. Os aucores
observaram que o soro de paciemes com pneumonia for-
mava um precipitado quando misturado a extrato solúvel

Quadro 56.1 - Propriedades físico-químicas das proceínas de fase aguda posicivas·

Proteína Peso molecular Faixa eletroforética Tempo de resposta Concentração sérico


(kDa) (horas) após agressão
Proteína C reolivo 118- 144 gomo 6- 8h 10- 100 vezes
Ami lóide A sérico 11 - 14 alfa 1/ alfa 2 6 - Bh 10 - 100 vezes
Alfo·1·glicoproteíno ócido 44 olfo 1 24h 2 - 4 vezes
Allo·1·onltquim1olrips1no 68 alfa 1 24h 2- .a vezes
Alfa I ontitripsina 54 alfa 1 24h 2-4 vezes
Fibr nogên1o 340 beta/ gomo 48h 2- .a vezes
Ceruloplosmina 130 olfa 2 48h 1 -2 vezes
Haptoglobina 99 olfa 2 24h 1 -2 vezes

'Aumento da concentração sénca em relação ao valor basal

31001 - - - · Proleíno C reativa

3000 ---- -- .. - •• Amilóide sérico A


~ y //. , . a , g1·1coprotema
• ac1
• 'da
o
•O
..... •· •• • a , inibidores de proteases
!? 300 , "' , ,'
êQ) C3
u
c:
o . _••••• / •• Haptoglobina
u
.-
o
-u
200 ," ...... .. ..... ..... _. Ceruloplosmina
•'
o
•O •: • ·::.-- • • • • --------- Fibrinogênia
.....
o
'§ 100
>

o . . . . .. -- Albumina
- -.....~--- • ·- • · ----------Transferri na
· - • ·- - ----- - --- - • • • • ·- - - ·Pré-<Jibumina
-100
1/ 4 2 7 14 21
Tempo (dias)

Figura 56.1 - Cmécica das concentrações séricas das prmeínas de fase aguda após escímulo.

694 [ M edicina laboratorial para o clínico


de Streptococcus pneumoniae. Esse extrato solúvel. poste- era positivo em várias situações associadas à inflamação
riormente identificado como um polissacarídeo da parede ou lesão tecidual. Posteriormente, foi desenvolvido teste
celular do pneumococo. foi chamado de fração "C. Em 1941, semiquantitativo por aglutinação do látex, mas ainda de
O. T. Avery e Theodore ). Abernethy identificaram como valor clínico limitado, sendo utilizado principalmente para
proteína a substância sérica responsável pela formação do o acompanhamento da evolução e da resposta ao trata-
precipitado com a fração "C do pneumococo, nomeada, mento de algumas doenças. A dosagem da PCR continuou
então, "Prmeína C Reativa". Essa reação de precipitação, sendo realizada por métodos qualitativos ou semiquanti-
também observada com o soro de pacientes com outras tativos até a década de 80, quando sua caracterização
doenças (osteomielite, febre reumática, endocardite bac- bioquímica possibilitou o desenvolvimento de anticorpos
teriana subaguda, entre outras), tornava-se negativa com a monoclonais. Surgiram, então, métodos imunológicos
resolução do processo. Entretanto, nos casos de evolução quantitativos, sendo a turbidimecria e a nefelomecria os
desfavorável, a reação permanecia positiva. A PCR foi a pri- mais usados. Os pnme1ros restes quanritativos desenvolvi-
meira proteína reconhecida como reagente de fase aguda. dos e ainda utilizados não têm sensibilidade suficiente para
Até há poucos anos, a PCR era tida como um bom detectar a PCR no soro de indivíduos saudáveis que apre-
marcador de resposta aguda, mas sem função conheci- sentam. geralmente, valores inferiores a 2 mg/L. Esses testes
da. Atualmente, é reconhecida sua participação na defesa têm mais utilidade clínica no monitoramento da resposta
em infecções por diversos microrganismos, na reabsorção
de fase aguda em doenças infecciosas e inflamatórias.
de material necrótico e na regulação de processos infla-
O reconhecimento de que o processo inflamatório crô-
matórios. Possivelmente, também participa do processo
nico está implicado na gênese da aterosclerose revelou a im-
inflamatório que dá origem às lesões ateroscleróticas.
portanre assooação da inflamação da parede arterial com
o desenvolvimento de doença coronariana. Considerando a
Metabolismo da PCR
importância da PCR como marcador de inflamação, foram
desenvolvidas técnicas com alta sensibilidade para sua dosa-
gem (PCRultra-sensível- PCRus ou PCR de alta sensibilidade
Os níveis séricos da PCR começam a aumentar enrre
- PCRas), principalmente para avaliar o risco da ocorrência
quatro e 10 horas após o início do estímulo. atingem va-
lores de pico de até mil vezes sua concentração inicial em de evento coronariano. Já estão validados e disponíveis no
cerca de 48 horas e, como sua me1a-v1da é de quatro a mercado ensa1os de ELISA e métodos automatizados de tur-
nove horas, retornam rapidamente a valores basais após bidimetna e nefelometria. Atualmente, os métodos disponí-
a melhora do processo. A concentração sénca da PCR é veis para PCRas apresentam sensibilidade analítica alta (0,04
determinada pela sua taxa de síntese, já que a taxa de mg/L). rap1dez de execução (15 a 30 min) e necessitam de
degradação não é influenciada pelas diversas doenças. É pequeno volume de amostra de soro para a sua realização.
produzida principalmente no fígado, mesmo local onde é
degradada em sua maior parte. Produção extra-hepática
em linfócitos. placas ateroscleróticas e neurônios de pa- Valores de referência
Cientes com doença de Alzheimer também é relatada. O
prino pal fator de estímulo para a produção da PCR é a IL- Em indivíduos saudáveis, existe grande variação
6. O TNF-a e a IL-1 ~. entre outros, atuam s1nergicamente da concentração sérica da PCR, tanto intra-individual
com a interleucina-6. exacerbando esse estímulo. quanto entre Indivíduos, que pode alcançar valores
iguais a 52,6% e 84,4%, respectivamente. O valor médio
da PCR em pessoas saudáveis é de até 0,8 mg/L. Cerca
Métodos de dosagem de 99% da população geral cem valores de PCR menores
que 1,0 mg/L. Valores maiores que 1,0 mg/L estão asso-
lnioalmente, a dosagem de PCR era realizada a partir da ciados com maior risco de evento coronariano e valores
reação de precipitação em tubo capilar, método qualitati- maiores que 10 mg/L indicam processo inflamatório em
vo de sensibilidade baixa e utilidade clímca restrita, já que acividade (Quadro 56.2).

Ma rcadores laboratoriai s de fase ag uda da inAamação 695


Quadro 56.2 - Risco relativo de evento coronariano futu- de febre ou leucociwse. Nesses casos, valores acima de
ro associado à concentração sérica de proreína C reativa 80 mg/L apresentam alta especificidade para infecção
ulrra-sensível (PCRus)
bacteriana. Outros aurores condenam seu uso com tal
finalidade, já que muitas pneumonias bacterianas cur-
Risco PCR (mg/L}
sam com valores de PCR abaixo de 20 mg/L. De qualquer
Baixo Inferior o 1,O
forma, a dosagem da PCR pode auxiliar no acompanha-
Mode rado Entre 1,0 e 3,0
mento do tratamento das pneumonias, sendo que per-
Alto Superior o 3,0
sistência ou aumento de seus valores esrão associados
à falha terapêutica ou à ocorrência de complicações e,
Indicações clínicas conseqüentemente, pior prognóstico.
A dosagem da PCR pode ser usada, também, no
acompanhamento do tratamento da osteomielite em
A dosagem da PCR é usada na prática clínica como um conjunto com critérios clínicos. Há tendência a aumen-
marcador de fase aguda, identificando atividade de pro- tar rapidamente com a doença e a cair para os valores de
cessos inflamatórios e/ou necróticas. Uma dosagem única referência com uma semana de tratamento eficaz. Um
pode auxiliar no diagnóstico, mas não deve ser usada iso- segundo aumento indicaria recrudescência da infecção
ladamente, uma vez que sua elevação ocorre em diversas ou artrite séptica associada.
situações clínicas. Tem sido recomendada a dosagem se- A dosagem da PCR pode auxiliar no diagnóstico dife-
riada da PCR em intervalos de tempo variáveis, dependen- rencial entre meningite bacteriana e virótica, particular-
do da doença em questão, pois seus níveis séricos refletem mente na população pediátrica. A concentração da PCR
a evolução clínica ou a resposta ao tratamento em várias encontra-se freqüentemente aumentada no líquor de
doenças. Assim, a elevação dos níveis séricos pode signifi- pacientes com meningite bacteriana. Em pacientes pe-
car falha terapêutica ou progressão do quadro, enquanto diátricos, a dosagem de PCR no líquor mostrou ser teste
que sua redução pode indicar boa resposta ou remissão mais sensível na diferenciação das men ingites bacteria-
do processo e, portanto, melhor prognóstico. nas das não bacterianas do que outros exames realiza-
Infecções bacterianas geralmente estão associadas a dos no líquor (citometria, citologia, dosagens de glicose e
valores de PCR superiores a 100 ou 150 mg/L. Cerca de proteína e esfregaço corado pelo Gram).
80% a 85% dos pacientes com PCR acima de 100 mg/L A dosagem de PCR pode ser usada, ainda, como
têm infecções bacterianas. Por outro lado, a maioria dos ferramenta auxiliar no diagnóstico de sepse, na ava-
pacientes com infecção virótica isolada apresenta PCR liação da gravidade do quadro e de seu prognóstico.
com valores abaixo de 20 a 40 mg/L. Entretanto, infecções Valores séricos mais elevados estão relacionados a pior
por adenovírus, citomegalovírus, influenza, herpes simples, prognóstico e a quadros clín icos mais graves, como o
sarampo e caxumba podem cursar com valores de PCR choque séptico. Mais importante que uma determina-
acima de 100 mg/L. Deve ser ressaltado que muitos estu- ção isolada de PCR sérica na sepse é a avaliação seriada
dos que comparam os níveis de PCR em infecções bacte- de seus níveis. Valores continuadamente crescentes
rianas e viróticas não consideram a possibilidade de infec- por dois a três dias na ausência de uma causa eviden-
ção mista por vírus e bactéria. Além disso, a comparação te estão relacionados a processo infeccioso ativo. Seu
entre os diversos trabalhos é prejudicada pelo emprego de acompanhamento seriado é importante na avaliação
diferentes pontos de corte na diferenciação entre os dois da resposta ao tratamento da sepse, uma vez que seus
tipos de infecção. De qualquer modo, a PCR elevada está níveis séricos tendem a cair rapidamente após a ins-
relacionada a mais alto grau de lesão tecidual e, portanto, tituição de tratamento adequado, como em outras
mais freqüentemente associada a infecções bacterianas. infecções. Caso haja persistência dos níveis da PCR, de-
Alguns autores sugerem que a PCR possa ser útil na ve-se pensar em falha terapêutica. Nos casos em que
diferenciação entre pneumonia bacteriana e virótica, seus níveis séricos diminuem e em seguida observa-se
quando associada a dados clínicos, principalmente em novo aumento, pode-se pensar na possibilidade de in-
casos em que a radiografia não é típica ou na ausência fecção recorrente.

696 ( Medicina laboratorial para o clínico )1-- - - - - - - - - - - - -- - -- - -- - - - - - - - - -- -


Como a PCR macerna auavessa a placenta em quan- Após cirurgias, a PCR aumenta progressivamente,
Cidades mínimas e sua produção hepática no recém- atingindo valores máximos acima de 100 mg/L após
nasodo ocorre normalmente em resposta a esrímulos o terceiro dia, na maioria das vezes. Após esse pico.
infla matórios, seus níveis séricos refletem a atividade de ela tende a cair até valores basais entre o sexco e o dé-
processos inflamatórios do recém-nascido. O principal cimo dia de pós-operatório, caso não haja complica-
facor de aumento da PCR em recém-nascidos é infecção. ções, principalmente infecciosas. Assim, valores acima
Aspiração meconial. síndrome da angústia respiratória de 130 mg/L após o sexto dia pós-operatório apresen-
do recém-nascido, hipóxia fetal e hemorragia intraven- tam alta sensibilidade e especificidade na detecção de
tricular também podem elevar a PCR, diminuindo a es- infecção. Após queimaduras extensas. a PCR tende a
pecificidade do teste em relação à presença de infecção. subir, retornando progressivamente a valores normais
Vários estudos diferem quanto à sensibilidade e à espe- com a cicatrização do processo. Um segu ndo pico de
cificidade da PCR no diagnóstico de sepse neonatal. A PCR ocorre nos casos de in fecção secundária e. por
sensibilidade varia de 47% a 100% e a especificidade de isso. sua dosagem seriada cem valor na monitorização
6% a 97%, segundo diferences autores. Esta grande varia- do processo de recuperação.
bilidade se deve às diferenças das técnicas e dos valores A dosagem de PCR sérica não se mostrou útil no
de corte usados nos d1versos trabalhos, assim como do diagnóstico de infecções em pacientes com câncer,
período entre início dos sintomas e coleta de sangue. mas pode ter valor no acompanhamento do trata-
Uma dosagem isolada de PCR dentro dos valores de re- mento desses casos. Além disso. a PCR pode indicar o
ferência não é suficiente para descartar defi nitivamente prognóstico em alguns tipos de neoplasia, uma vez que
a hipótese de sepse neonatal. já que pode demorar algu- valores mais altos parecem estar relacionados a menor
mas horas para elevar-se em resposta à infecção. Ainda sobrevida em casos de câncer pancreático. colo-retal.
assim a PCR tem se mostrado o melhor teste isolado ovariano, carcinoma de células renais, mieloma múlti-
para o diagnóstico de sepse neonatal e, para aumentar a plo e linfomas.
sensibilidade desse diagnóstico, é recomendada sua do- Com o reconhecimento de que o processo inflama-
sagem seriada em conjunto com outros exames, como tório crônico da parede arterial está implicado na fisio-
o hemograma. Dosagens seqüenciais de PCR são impor- patologia da aterosclerose e o surgimento, em meados
tantes no acompanhamento da resposta ao tratamento da década de 90, de técnicas de alta sensibilidade para
da sepse neonatal e na avaliação da suspensão da anti- detectar pequenas elevações da PCR (PCRas), novas
bioticorerapia. Valores abaixo de 10 mg/L após 24 horas aplicações clínicas têm sido sugeridas. Estudos recentes
do início da antibioticoterapia auxiliam na decisão de demonstraram que a PCRas é o marcador inflamatório
suspensão do tratamento, diminuindo o custo e a indu- sérico de escolha, sendo facor de risco preditivo de even-
ção de resistência bacteriana. tos coronarianos independente dos níveis séricos de co-
A dosagem de PCR pode ser útil em diversas ou- lesterol e suas frações.
tras Situações. como no acompanhamento do trata- É importante destacar que a determinação da
mento da doença inflamatória pélvica. no diagnóstico PCRas para estratificação do risco de eventos coro-
de compl icações da pancreatite aguda (em que valores narianos não se aplica a fu mantes, o besos, dia béticos,
acima de 160 mg/L na segunda semana estão relacio- portadores de osteoarrrose. mulheres sob terapia de
nados a pior prognóstico). Nas doenças reumáticas, é reposição hormonal. indivíduos em uso de antii nfla-
empregada no acompanhamento do tratamento de matórios ou na presença de infecções, resfriado, febre.
artrite reumatóide. Em relação ao lúpus eritematoso vacinação. cefaléia. dor lombar, tratamento dentáno
sistémico, a atividade da doença não se reflete nos ní- ou colocação de brincos, piercings ou tatuagens nas
veis séricos da PCR, que tendem a se elevar. em contra- últimas duas semanas.
partida. na vigência de complicações infecciosas. Ou- Para reduzir a variabilidade intra-individual, a deter-
tras doenças como polimiosite e síndrome de Sjbgren minação da PCRas deve ser rea lizada em indivíduos me-
pnmária também costumam cursar sem aumento sig- tabolicamente estáveis, que não apresentam evidência
nificativo da PCR. de infecção ou outro processo inflamatório. O resultado

Marcado res laboratoriais de fase aguda da inAamação 697


deve ser obtido da média das medições realizadas em com concentrações maiores que 3mg/L têm risco relati-
duas amostras, colhidas com imervalo de duas semanas. vo de evento coronariano futuro duas vezes maior que
Concemração de PCR superior a 10,0 mg/Lindica a pre- indivíduos com concemração menores que l,Omg/L
sença de infecção ou outro processo inflamatório, que (baixo risco).
deve ser investigado e impede a utilização desse mar- Em resumo, a PCR tem se mostrado bom método
cador na avaliação de risco coronariano. Esse resultado para avaliação das reações de fase aguda e o acompa-
deve ser desconsiderado e a PCR deve ser determinada nhamento de sua concentração sérica é recomenda-
novameme após a resolução do processo. A Tabela 56.2 do em diversas situações clínicas. As indicações para
mostra a relação entre concemração sérica de PCR e o o uso da PCR nas diversas situações clínicas estão lis-
risco relativo de evento coronariano futuro. Indivíduos tadas no Quadro 56.3.

Quadro 56.3 - Indicações clínicas para o uso da Proteína C reativa (PCR)

Condição Clínica Indicação Grau de Utilidade


Sepse Diagnóstico, avaliação de gra vidade e prog nóstico Útil
M onitorização do resposta ao tra tamento Útil
Sepse neonotol Diagnóstico Útil
M onitorização da resposta ao tratamento Útil
Decisão de suspensão do a ntibio ticoterapia Útil
Pós-opero tório Detecção de complicações infecciosas Útil
Queimadura s Detecção de infecções secundários Útil
Osteomielite M onitorização da resposta ao trata mento Útil
Detecçã o de complicações Útil
A rtrite reumatóide Evolução e monitorização do resposta ao tratamento Útil
LES Detecção de complicações infecciosos Útil
Febre reumático Diagnóstico Útil
Doença de Crohn Diagnóstico Útil
Doença Inflamatória Pé vico Avaliação da gra vidade da doença Útil
M onitorização do resposta ao trota mento Útil
Aterosclerose IPCRas) Avaliação de risco cardíaco Util
Marcador prognóstico na doença coronariona oguda Útil
Pneumonia Diferenciação entre etiologia bacteriano e virótico Restrito
M onitorização do resposta ao tro tamento Útil
M eningite Diferenciação entre infecção bacteriano e não- bacteriano em p acientes Útil
ped iótricos (dosagem no líquor)
M onitorização do resposta ao trota mento (dosagem no soro) Útil
Diferenciação entre infecção bacteriano e virótico (dosagem no soro) Restrito
Poncreotite agudo Diagnó stico Restrito
Detecção de complicações Útil
Marcador tardio do p rog nóstico Útil
O tite médio aguda Diagnóstico Restrito
Infecção do tro to uriná no Diag nóstico diferenc ia l entre cistite e pielonefrite Restrito
Monitorização do resposta ao llo tomento Restrito
Apendicite Diagnóstico Restrito
Câncer Prognóstico (alguns tipos de tumores) Restrito

LES: Lúpus enremamso Slstêmlco; PCRas: Dosagem de alta sens1bil1dade da PCR.

698 M edicina laborator ia l para o clínico


VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO gadas posicivamente e, assim, são capazes de neurrahzar a
carga da superfície erirrocitária, levando à maior agregação
A VHS é um teste simples e de baixo custo utilizado e à conseqüente formação de rouleaux. Entre as proteínas
há mais de 50 anos como marcador de resposta inflama- plasmáticas responsáveis pela formação de rouleaux, o fi-
tória. O exame consiste na medida da camada de plasma brinogênio, uma proteína de fase aguda, apresenta o mais
de uma amoma de sangue venoso anticoagulado que se efeito agregante. Adicionalmente, hemácias macrocícicas
sedimenta espontaneamente em um cubo de vidro gra- apresentam diminuição da relação superfície/volume da
duado, num determinado período de tempo. A1nda hoje hemácia. o que reduz sua carga elétrica em relação à sua
a VHS vem sendo utilizada com freqüência na prática clí- massa, facilitando a agregação. Desta forma, macrócitos
nica como um marcador inespecífico de processos infla- sedimentam-se mais rapidamente, enquanto micrócitos
matórios. Porém, vários fawres podem interferir no seu sedimenram-se mais lentamente. Hemácias com formas
desempenho, produzindo ramo resultados falso-positivos irregulares (poiquilócitos) impedem a formação adequa-
como falso-negativos, podendo dificultar o diagnóstico da de roleaux, diminuindo a VHS.
ou induzir a investigações subseqüenres caras e desneces- No Quadro 56.4 esrão relacionados fatores capazes de
sárias. Ainda assim, pode ser um exame útil. quando utili- influenciar a VHS. Alguns erros analíticos podem acelerar a
zado à luz de suas limitações e com indicações precisas. VHS levando a resultados falsamente aumentados. A incli-
nação do tubo provoca separação do plasma e das hemá-
cias, o que promove a formação de rouleaux e aumento da
Metodologia sedimentação. Uma inclinação de apenas 3° pode provocar
aumento de até 30% na VHS. Outros fatores, como con-
O método consiste em colocar sangue venoso antico- centração de anticoagulante maior que a recomendada e
agulado com citraw de sódio a 3,8% (relação 4:1) em um temperatura amb1enre elevada (>25° C), também aumen-
cubo de vidro graduado, com 200 mm de comprimento tam a VHS. Entre os erros analíticos que podem reduzir a
e 2,5 mm de diâmetro interno. O cubo é preenchido até VHS, levando a resultados falso-diminuídos, destacam-se
a marca zero e deixado na posição vertical por uma hora. a temperatura am biente mais baixa que a recomendada
A VHS expressa em milímetro por hora (mm/h) será a (<20° C) e a demora na realização do resre.
distância do menisco superior do plasma aré o início da
coluna de erirrócitos. Uma variação desse método, com
a utilização de EDTA como anticoagulante, apresenta Situações clínicas capazes de alterar a VHS
boa correlação dos resulcados e permite a realização do
exame até 12 horas após a colera. Pela maior comodida- Entre as alterações patogénicas que aumentam a VHS
de, desde 1993 o método considerado de referência para estão processos de diferentes causas, como doenças malig-
a med1ção da VHS passou a ser o que utiliza amostras nas. infecções diversas. doenças inflamatórias e várias ou-
anticoaguladas com EDTA. tras listadas na Quadro 56.4. Na anem1a, a hemossedimen-
tação fica facilitada pela redução do número de hemácias
em relação ao volume de plasma. Desta forma, em condi-
Princípio da sedimentação das hemácias ções associadas à anemia moderada ou grave, a VHS apre-
senta utilidade bastante limitada. O uso de medicamentos,
A sedimentação eriuocirária depende da agregação especialmente heparina e contraceptivos orais, também é
das hemácias e da formação de rouleaux. Quando as he- um importante interferente capaz de aumentar a VHS.
máclas se agregam ao longo de um mesmo eixo forman- Medicamentos como antiinflamatórios. salicilaros em
do rouleaux, o peso da partícula aumenta em relação à altas doses e corricosteróides estão entre os fatores capa-
sua superfície, aumentando sua densidade e promoven- zes de diminuir a VHS (Quadro 56.4). Esse fato rem maior
do sedimentação mais rápida. A formação de rou/eaux é relevância quando o reste é utilizado para verificar a ativl-
limitada pela carga negativa das hemácias, que tendem a dade de doenças inflamatórias do tecido conjuntivo. nas
se repelir. Várias macromoléculas plasmáticas são carre- quais essas drogas são usadas com freqüência. O aumen-

Marcadores laboraroriais de fase aguda da inAamaçào 699


to do hemarócrito, como na policiremia, dificulra a sedi- valores de referência mais altos para essa faixa etária. O
mentação das hemácias. A presença de hemácias falcifor- aumento da VHS na gravidez parece estar relacionado ao
mes, na drepanociwse. impede a formação de rouleaux. aumento do fibrinogênio e à maior prevalência de ane-
Em ambos os casos. a VHS também estará diminuída. A mia durante esse período.
hipofibrinogenemia hereditária primária e a coagulação
imravascular disseminada esrão emre as alrerações paro- Quadro 56.5 - Valores de referência para VHS
gênicas que reduzem a VHS devido à redução do fibri-
nogênio. No entanto, valores baixos de VHS apresentam Faixa etária (anos) Va lores de Referência (mm/ h)
pouco ou nenhum valor diagnóstico nesses casos. Homens Mulheres
:5::50 <15 <20
>50 <20 <30
Valores de refe rê ncia

Os valores da VHS encontram-se no Quadro 56.5.


Observa-se que eles são mais alws nas mulheres, o que Indicações clínicas
pode ser explicado. em parte, pelos valores de hemató-
crito mais baixos nestas e por diferenças hormonais. Há A VHS nunca deve ser usada para rastreamemo de
aumenco da VHS de cerca de 0,85 mm/h a cada cinco doenças em pacientes assintomáticos ou com sintomas
anos de acréscimo na idade, que parece ser devido ao tnespecíficos. Apesar de, na prática clínica, ainda ser mui-
aumento do fibrinogênio com o avançar da idade. Por to usado com essa finalidade, vários estudos demonstra-
ouuo lado, isso pode ser decorrente da maior prevalência ram que a VHS apresenta valor limitado nessas situações.
de diversas doenças em pacientes idosos. Por esse moti- Na maioria das vezes em que se observa aumento da
vo, alguns aucores recomendam que não se deve utilizar VHS, sem qualquer outra alteração clínica ou laborato-

Quadro 56.4 - Fatores que influenciam a velocidade de hemossedimentaçào (VHS)

Fatores Aumento do VHS Diminuição da VHS


Pré-analíticos e analíticos Tubo inclinado Demoro no realização do teste
Temperatura ambiente >2S0 C Temperatura ambiente <20° C
Erro no diluição
Medicamentos Conlroceptivos 01ais Anliinllamotórios
Heporina SoiiCiloto !altos doses)
Corlicosteró de
Fisiológicos e Po lológicos Sexo feminino Hipofibrinogenemio
Idade avançado Hipogamoglobulinemia
Gravidez CIVD
D1abetes mel1to Dreponocitose
Hipotireoid ismo Policitemia
Doenças do cológeno Microcitose
Processos infecciosos Anemias hemolíticas
Processos infla matórios Hemoglobínopotios
N eoplosios Esferocilose
IRC !estágio final) Leucocitose extremo ILLC)
O besidade
Hipercolesterolemio
Dono teciduol (IAM, AVC)
Anem io
Mocrocitose

IRC· 1nsuf1C1ênC1a renal cróniCa; IAM: mfarto agudo do m1ocárd1o; AVC: aCidente vascular cerebral: ( IVO coagulação imravascular d1ssem1nada:
LLC. leucem1a linfocí[lca crôn1ca.

700 ( Medicina laboratorial para o clínico


rial. este é um aumento transitório. Nesses casos, não presentes. De modo geral, a VHS rem valor limitado no
é necessária qualquer propedêutica mais aprofundada diagnóstico diferencial de sintomas articulares, sendo o
além da repetição do exame. que retornará aos valores exame físico local muito mais importante. Valores den-
de referência após algumas semanas, na maioria dos pa- tro da faixa de referência não afastam artrite reumatói-
cientes. Em pacientes sintomáticos, o exame clínico e de e valores alterados indicam doença in flamatória, mas
outros exames complementares levarão ao diagnóstico, não são diagnósticos.
ficando a VHS em segundo plano. No rasueamento de Da mesma forma a VHS alterada pode auxiliar no
infecções, febre e leucocitose são alterações mais fidedig- diagnóstico da febre reumática, desde que associada
nas e mais precoces que a elevação da VHS. Além disso, a outras alterações clínicas e laboratoriais. Segundo os
outros testes laboratoriais. como a dosagem da proteína critérios de jones, o diagnóstico é feito quando há evi-
C reativa. apresentam melhor desempenho como mar- dência anterior de infecção por Streptococcus beta-he-
cadores de fase aguda._ molítica do grupo A, associada a dois critérios maiores
Por outro lado, a VHS tem seu uso estabelecido ou a um critério maior e dois critérios menores. A VHS
no diagnóstico específico de algumas doenças, como elevada é considerada um dos critérios menores para
polimialgia reumática, arterite temporal, amite reuma- diagnóstico da doença.
tóide e febre reumática. A polimialgia reumática é ca- A VHS se mantém útil nos dias atuais no acompa-
racterizada por dor imporranre e rigidez nas regiões do nhamento do tratamento de algumas poucas doenças,
pescoço, ombros e pelve. Em alguns pacientes, podem como arterite temporal, polimialgia reumática, artrite
predominar manifestações sistêmicas ou inespecíficas reumatóide e doença de Hodgkin. Na arterite temporal
como anemia, febre de origem indeterminada, hipore- e na polimialgia reumática, a VHS diminui em poucos
xia e perda de peso. Nesses casos, a VHS aumentada dias após o início da corticoterapia, um achado que re-
é um dos critérios diagnósticos. Apesar disso, escudos força o diagnóstico dessas entidades. Geralmente, após
retrospectivos têm mostrado ocorrência relativamente sua queda, a VHS se mantém em valores acima dos de
alta de casos de polimialgia reumática com VHS na fa i- referência, mesmo quando há melhora importante do
xa de referência. quadro clínico do paciente. Portamo, ramo o quadro
A arterite temporal caracteriza-se por cefaléia, sinto- clínico quanto a VHS devem ser avaliados como crité-
mas visuais (inclusive perda da visão), dor facial e clau- rio para a monitorização da terapia com corticosterói-
dicação mandibular. Vasculite excracraniana no fígado. de. Na artrite reumatóide, a VHS tende a acompanhar
rins ou sistema nervoso periférico também pode estar a atividade da doença e geralmente seus valores caem
presente. As manifestações sistêmicas incluem anemia, quando há resposta clínica ao tratamento com corti-
febre, perda de peso e alterações em enzimas hepáticas costeróide. Entretanto, cerca de 5 a 10% dos pacientes
(principalmente elevação da fosfatase alcalina). O valor com doença ativa têm VHS dentro dos valores de refe-
médio da VHS supera os 90 mm/h e em cerca de 99% rência. Por outro lado, VHS aumentada não significa, ne-
dos pacientes é supenor a 30 mm/h. Nos casos com cessariamente, atividade da doença. Portanto, esse teste
suspeita clínica importante (sintomas específicos como nunca deve ser usado isoladamente para investigar a ati-
cegueira unilateral transitória e claudicação mandibular), vidade da amite reumatóide, sendo os critérios clín icos
a doença pode estar presente independente da VHS au- indispensáveis. Na doença de Hodgkin, a VHS aumenta-
mentada e deve ser considerada a biópsia de artéria tem- da após a quimioterapia está associada à recorrência da
poral ou o tratamento empírico com corticosteróide. Em doença e pior prognóstico. A fraca evidência clínica de
casos com fraca evidência clínica de arterite temporal. a recorrência da doença de Hodgkin pode ser confirmada
VHS na faixa de referência exclu1 o diagnóstico. por um resultado de VHS dencro dos valores de refe-
A VHS também está aumentada na artrite reumatói- rência, entretanto, na presença de forte suspeita clínica,
de e pode auxiliar no diagnóstico. Entretanto, a Amencan esse resultado passa a ter pouco valor.
Rheumatism College utiliza o aumento da VHS apenas O Quadro 56.6 contém as recomendações para o
como critério de possível artrite reumatóide. ressaltan- uso da VHS e resume as poucas indicações para sua soli-
do que este é um entre 20 achados que podem estar citação nos dias atuais.

Marcadores laboratoriais de fase aguda da inflamação 701


Quadro 56.6 - Recomendações para o uso clínico da velo- em cerca de três a cinco dias. Apesar de ser uma das proteí-
cidade de hemossedimentação (VHS) nas mais extensamente estudadas, sua função biológica per-
manece obscura. A dosagem da AGP não é útil para o diag-
Os resultados de VHS devem ser interpretados sempre consi-
derando o quadro clínico apresentado pelo paciente nóstico etiológico do processo inflamatório, porém auxilia
A VHS não deve ser ultlizoda para rastreamento de doenças no monitoramento da evolução do processo e na resposta
em pacientes ossintomóhcos ou com sintomas inespecíficos ao rraramemo. Elevadas concentrações rêm sido observadas
Deve ser utilizada para o diagnóstico e controle de tratamento em diversas condições, tais como: tnfecções agudas. artme
das seguintes doenças: reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, doença inflamató-
• Polimiolgio reumática ria intestinal. infarto agudo do miocárdio, cirurgia, trauma-
• Arterite temporal tismos, neoplasias. queimaduras. acidente vascular cerebral,
• Artrite reumatóide1 insuficiência cardíaca congestiva com edema pulmonar e
• Febre reumólica2 uso de coricosteróides. Baixas concentrações são observa-
Pode ser empregado como folar prognóstico no doença de das durante o tratamento com estrógeno. Sua dosagem tem
Hodgkin sido utilizada no acompanhamento da febre reumática. em
substituição à determinação das mucoproteínas.
1 Os cménos clín1cos são 1nd1spensáveis para o diagnóstiCO da artrite
A dosagem de AGP acrescenta pouca informação
reumatóide.
2 Representa um criténo menor para o d1agnóst1co da febre reumánca. para o diagnóstico das doenças às quais sua elevação
está associada, de tal maneira que tem pouca utilida-
MUCOPROTEÍNAS de na prática clínica. Os procedimentos analíticos mats
freqüentemente utilizados para quantificar a AGP são a
rurbidimetria e a nefelomeuia, que permitem medição
As mucoprmeínas. também denominadas sero- autOmatizada. As excelentes reprodutibilidade e especi-
mucóides. compreendem um grupo heterogêneo de ficidade desses procedimentos fazem com que a dosa-
substâncias glicoprméicas com carboidraws forte- gem de AGP substitua com vantagens a dosagem das
mente ligados ao componente protéico. São definidas mucoproteínas. Apesar disso. como marcador de fase
por serem solúveis em ácido perclórico a 0,6 Me inso- aguda. apresenta pior desempenho que a PCR.
lúveis em ácido fosfmúngstico a 1%. Sofrem elevações
em diversas situações associadas à reação inflamatória,
já que seu principal componente é a AGP. uma prmeí- CONSIDERAÇÕ ES FINAIS
na de fase aguda. Por muims anos, a dosagem de mu-
coprmeínas foi U(llizada como marcador de atividade Vários testes vêm sendo utilizados ao longo dos anos
de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. para monitorizar reações inflamatórias agudas. São testes
Sua medição é trabalhosa. envolvendo etapas de pre- que se alteram em diversas situações clínicas, como em do-
cipitação, e seu desempenho como marcador de fase enças infecciosas, inflamatórias e neoplásicas e que. portan-
aguda é inferior ao de outros marcadores arualmente to, devem ser utilizados cri teriosamente, sempre à luz do
disponíveis. Por esses motivos a dosagem de muco- quadro clínico. A VHS é um indicador indireto da resposta
proteínas tem sido abolida da prática clínica, sendo de fase aguda, pois seus valores dependem princtpalmente
substituída por muitos pela dosagem direta de AGP. da concentração de fibrinogênio no plasma. Além disso.
enquanto a VHS se altera lentamente com a evolução da
doença, a PCR sofre alterações muito mais acentuadas em
ALFA-1-GLICOPROTEÍNA ÁCIDA questão de horas. Por 1sso. entre os exames usados como
marcadores de fase aguda, a dosagem da PCR é a que apre-
A AGPé uma proteína de fase aguda, sintetizada no fíga- senta melhores resultados na prática clínica. Outros testes.
do, que representa o principal constituinte das mucoprote- como a dosagem de AGP. apresentam indicações mais
ínas. Sua concentração plasmática está geralmente elevada restritas, sendo que suas limitações devem ser conhecidas
12 horas depois do início do processo inflamatório, com pico para assegurar seu uso de forma apropriada.

702 [ Medicina laboratoria l para o clínico


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Marcadores laboratoriais de fase aguda da inAamação 703


Suzane Pretti Figueiredo Neves

57 Raquel Lara Fu rlan

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTE COM LÚPUS
ERITEMATOSO SISTÊMICO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença lgM, polirreativos, de baixa afinidade, com grande rea-
auto-imune na qual órgãos, tecidos e células são lesados, tividade cruzada e possivelmente necessários à fisiolo-
pri ncipalmente, por auto-anticorpos e pela deposição de gia e homeostase do organismo. Sabe-se, também, que
imunocomplexos. Trata-se de uma doença inflamatória autoantígenos auxiliam na formação e manutenção de
crónica, sistêmica, caracterizada por períodos de exacer- um repertório imune maduro e que não há diferença
bação e remissão, de grande morbidade, mortalidade e fundamental entre a estrutura destes e a dos antígenos
para a qual ainda não há cura. Atualmente, o tratamento estranhos. Desta forma, acredita-se que o repertório lin-
antiinflamatório e imunossupressor muito tem contribu- focítico evoluiu não para distinguir entre self e non-self
ído para o controle da doença e para a prevenção de mas para reagir adequadamente a antígenos em deter-
danos a órgãos-alvo, como o ri m. minados microambiemes, geralmente na presença de
A etiopatogenia do LES ainda não foi totalmente citocinas inflamatórias, reação esta sempre visando ao
esclarecida. Sabe-se que a doença é poligênica e multi- restabelecimento da homeostase. Uma vez que a auto-
fatorial, envolvendo múltiplos genes MHC e não MHC reatividade é fisiológica, resta-nos tentar compreender
relacionados. O evento resultante e característico é uma por que, em certas situações, ocorre o adoecimento em
resposta imune anormal e aberrante. Como parte dessa conseqüência desta e, no caso específico do LES, por
resposta imune aberrante, tem-se uma grande produ- que auto-anticorpos naturais passam a ser produzidos
ção de aura-anticorpos pacogênicos com potencial para em altas concentrações e sofrem mudança de classe,
lesão tissular. Entender o conceito de auto-anticorpos tornando-se lgG de alta afinidade, os chamados auto-
patogênicos, bem como de auto-anticorpos patológicos anticorpos patológicos. E mais, entre estes anticorpos
e auto-anticorpos naturais é fundamental na doença patológicos, por que alguns se tornam patogênicos,
auto-imune. Por muitos anos, o dogma central da imu- capazes, portanco, de causar lesão. Grande esperança
nologia baseou-se na deleção de clones auto-reativos reside no projeto Genoma Humano, que provavelmen-
e a "permissão" para a sobrevivência apenas de célu- te contribuirá para a elucidação de fato res tais como: a
las B e T capazes de reconhecer antígenos estranhos, combinação dos genes envolvidos e a identificação dos
não próprios (non se/f). Sabe-se, entretanto, que certo polimorfismos gênicos participanres no processo e na
nível de auto-reatividade existe em codo indivíduo e inreração dos diversos genes entre si e com o meio am-
que aura-anticorpos fazem parte do nosso repertório biente, resultando na expressão final da doença.
imune natural, estando presentes em baixas concen- Em relação aos aspectos epidemiológicos, entre os
trações durante toda a vida. São predominantemente indivíduos acometidos, 90% são mulheres em idade fér-
EXAMES LABORATORIAIS NO DIAGNÓSTICO
til e observa-se maior número de casos na raça negra.
DO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO
Embora a prevalência do lúpus eriremaroso no Brasil
não seja conhecida com exatidão, estima-se que seja
O FENÔMENO "CÉLULA LE"
semelhante à encontrada nos Estados Unidos e outros
países do mundo, numa proporção de 10 a 50/100.000
pessoas. Arenção especial deve ser dada ao fam de que A pesquisa de células LE foi o primeiro exame labo-
a incidência das doenças auto-imunes, bem como das ratorial utilizado no diagnóstico do LES. O princíp1o do
alergias, rem aumentado nos países desenvolvi dos nas teste consiste em provocar a ruptura das células sanguí-
últimas uês décadas, concomitantemente à diminuição neas para a exposição do material nuclear e, caso haja
na incidênc1a de doenças infecciosas. auto-anticorpos "antinúcleo" no soro, haverá opsonização
Como o próprio nome sugere, o LES é uma doen- dos componentes nucleares e posterior fagocitose desse
ça sisrêmica, podendo se manifestar por acometimento material por leucócitOs polimorfonucleares. Para a execu-
músculo-esquelético, cutâneo, renaL dos sistemas nervo- ção do reste, a amostra de sangue é cenrrifugada e a parte
so e cardiocirculatório e danos pulmonar. gastrimestinal superior do coágulo é retirada e macerada. O macerado
e ocular. São freqüentes febre, emagrecimenw e ouuos é incubado em banho-maria 37°C por uma hora e poste-
sintomas sisrêmicos, como fadiga e queda de cabelo. riormente centrifugado. A camada leucocitária é retirada
Pode ocorrer anemia, bem como leucopenia e plaque- e corada pelo método de Giemsa. Analisam-se SOO neu-
topenia. (Tabela 57.1) trófilos e o teste é considerado positivo a partir do encon-
Devido à extrema complexidade e à diversidade tro de duas células LE típicas, ou seja, leucócitOs comendo
de apresentações clínicas da doença, o Am erican grande inclusão citOplasmática, homogênea e levemente
College oj Rheumatology (ACR) estabeleceu critérios acidófila que desloca o núcleo para a periferia.
para seu diagnóstico. Na presença de quatro ou mais A ba1xa sensibilidade (em torno de 30%) assoc1ada às
critérios, jumos ou presentes em algum momento na dificuldades de execução e padron 1zação do reste levou
história do indivíduo, o diagnóstico pode ser firmado à sua substituição pelo teste de FAN. Entretanto, o estu-
com 95% de especificidade e 75% de sensibilidade. do da célula LE foi importante para a compreensão da
São eles: (Tabela 57.2) patologia das doenças auto-imunes. Hoje, sabe-se que o

Tabela 57.1 - Pnnc1pais eventos clínrcos e parológicos no LES

Drversrdode de órgãos-alvo
Diversidade no apresentação clínica
Presença de altos níveis de anticorpos contra constituintes celulares
Apaptose aumentado e expressão aumentado de debris celulares/opoptóticos
Anormolrdodes relacionados a células B/ respasto humoral: hipergomaglobulinemio e proliferação policlonol
Persistência e deposição de imunocomplexas na superfície endotelial com subseqüente ativação de complemento e inflamação
Anormalidades no compartimento celular !células T): defeitos de memorana e pós·sinalrzação
Predomrnãncia de ambiente pró-inflamatório com persistência de ambiente do tipo 2 de citocinas
Coróter familiar
Influências hormonais (o estradiol aumento o ativação e sobrevivência de células B e T)
Influências do meio ambiente: exposição à luz UV desencadeando a fotossensibilidade e surtos la luz UV estimula as células dendrí·
ticos da pele a apresentar antígenos de forma amplificada). LES induzido por drogas (ex. após uso de procainamida e hidralazina).
expOSIÇão o xenobióhcos

Fonte: Adaptado de Souza Passos (2000).

706 [ Medicina laboratorial para o clínico ) 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


Tabela 57.2- Critérios diagnósticos para lúpus eritematoso sisrêmico do American College of Rheumatology

Critério Definição
Erilemo molar Eritema fixo, plano ou elevado, sobre os malares e sulcos nasolabiais

Eritemo discóide
Eritemo em placas com cerotose
(lúpus discóide)

Fotossensibilidode Rosh cutâneo como resultado à exposição ao sol


Úlceras orais Ulceração oral ou nosoforíngeo, usualmente indolor

Artrite não erosivo envolvendo duas ou mais articulações periféricos, caracterizadas por edema
Artrite
ou efusão (derrame)
Pleurite: história convincente de dor pleural ou efusão pleural ao exame físico e radiológico ou
Serosites
Pericordite: documentado por eletrocardíograma ou rub ou evidência de derrame pleural
Síndrome nefrótico (proteinúria) ou
Doença renal
Síndrome nefrítica ou IRC = cil indros celulares: hemáticos, granu losos, tubulares ou mistos
Convulsões: na ausência de drogas indutoras ou desarranjos metabólicos, como uremio, ceto-
Desordens neurológicas ocidose ou desequilíbrios hidroeletrolíticos ou
(psicose, convulsão) Psicose: no ausência de drogas indutoras ou desarranjos metabólicos, como uremio, cetoocido·
se ou desequilíbrios hidroeletrolíticos
Anemia hemolítica com retic ulocitose ou
Desordens hemotológicos
leucopenio (< 4 x 103/ mcl) em duas ou mais ocasiões ou
(anemio hemolítica auto-imune ou
Linfopenio: < 1500/mcl em duas ou mais ocasiões ou
leucopenio ou ploquetopenia)
Tromb ocitopenio: < 100 X 1o3/ mel no ausência de drogas indutoras
Título anormal no FAN p or imunofluorescêncio ou metodologia equiva lente no ausência
Anticorpos antinucleares positivo
de droga
• Anti-dsDNA em títulos anormais ou
• Anti-Sm positivo ou
Desordens imunológicas • Pesquiso de anticorpos ontifosfolípides baseado em :
(1) níveis aumentados de anticorpos onticordiolipino (lgG ou lgM) ou
(2) resultado positivo poro anticoagulante lúpico ou (3) VDRL falso-positivo

Fome: Tan et a/, 1997


Observação: o ACR recomenda que seja solicitada a pesquisa de anticorpos antinucleares em pacientes que apresentem dois ou mais dos
sinais e sintomas citados. Em negrito, critérios laboratoriais.

anticorpo responsável pelo encontro da célula LE, ramo ticorpos contra constituintes citoplasmáticos, envoltório
in vivo quanto in vitro, é uma amidesoxiribonucleopro- nuclear, estruturas imranucleares (DNA, RNA. histonas,
reína (amiDNP/cromatina). Apesar do reste não ser mais proteínas do núcleo e do nucléolo) e anticorpos dirigidos
utilizado, o encontro casual da célula LE em derrames ca- para antígenos expressos apenas dura me a divisão celular.
virários é considerado extremamente sugestivo de LES. Podem ser detectados no sangue circulante e constituem
ferramentas úteis para o diagnóstico da doença - um
teste de FAN positivo constitui um dos 11 critérios diag-
ANTICORPOS CONTRA CONSTITUINTES CELULARES nósticos do LES - e, em alguns casos, para prognóstico e
monitorização da doença. A seguir, descreveremos o res-
Anticorpos contra constituintes celulares são extre- te lembrando que o nome FAN/ANA vem sendo man-
mamente prevalentes no LES. Embora inicialmente fos- tido devido a seu largo emprego, mas após o Consenso
sem conhecidos como anticorpos antinucleares (ANA) Brasileiro para a Padronização de Laudos de FAN-Hep-2,
ou fator antinuclear (FAN), sabe-se hoje que esse vasto em Goiânia, 2002, foi modificado para "FAN- pesquisa
grupo de auto-anticorpos reage com, potencialmente, de auto-anticorpos contra consti tuintes celulares (cito-
qualquer esuutura celular. Assim, podemos encontrar an- plasma, núcleo e nucléolo)".

Investigação laboratorial do paciente com lúpus eritematoso sistêmico 707


O TESTE DE FAN

O FAN é um exame que rem como princípio a imuno-


fluorescência indireta, cuja técnica consiste na incubação de
soro do paciente com um subsrrato celular disposto numa
lâmina. O imunocomplexo resultante é então revelado pela
ad1ção de antiimunoglobulina G humana marcada com um
Auorocromo e a lâmma examinada em m1croscóp10 de luz
UV. Dependendo do (s) anncorpo (s) existente (s). diferentes Figura 57.1 D - Padrão nuclear pontilhado cenrromérico. Vê-se fluo-
arranjos fluorescentes (padrões) podem ser observados em rescênCia dos centrômeros e placa merafásica fluorescente devido ao
cor verde fluorescente. (Figuras 57.1 A à 57.1 E). alinhamento dos cromossomas na metáfase. Vet praodw colntrda

Antiimunoglobulino humano
marcada com fluorocromo

Autcxmticarpa na amostra

Célula Hep-2

Figura 57.1 A - FAN HEp2 por imunofluorescência indirera.

Figura 57.1 E- Padrão nuclear pontilhado. Veêm-se pontos fluores-


centes correspondentes a anrtcorpos conrra proteínas nucleoplas-
máricas, que poupa a região dos nucléolos. VC'1 prclllrha r olor1rla

O teste utilizava substrato animal (cortes histológi-


cos ou in prints de fígado de roedor), que há alguns anos
foi substituído pela linhagem celular Hep-2, derivada de
carcinoma humano da laringe. As vancagens de seu uso
são inúmeras: mais sensível. as células são grandes e fá-
ceis de visualizar. têm maior relação núcleo/citoplasma,
Figura 57. 1 B - Padrão nuclear homogéneo. No meto do campo alto índtce mitórico. muitos nucléolos, além de serem ri-
vemos uma placa merafásica fluorescente, indtcando presença de
cas em organelas citoplasmáncas. O soro é inioalmenre
anticorpos antiDNA ou ann-htstonas. Não há marcação do cito-
plasma. Vet prar1Cha co/onda testado numa diluição 1:80, considerado como valor de
corre adequado para nosso me1o, permitindo sensibili-
dade e especificidades adequadas. Não é necessário je-
jum para a coleta, porém. altos níveis lipêmicos podem
prejudicar o exame. Alguns laboratórios utilizam valor
de corte mais alto, 1:160, devido ao microscópio mais
potente. Uma vez observada fluorescência na diluição
inicial. procede-se a diluições seriadas do soro (1:160.
1:320, etc.) para observação do pomo final da reação,
ou seja. até em que diluição (tículo) o teste é positivo.
Quanto maior o título, maior a quantidade de anticor-
pos presentes na amostra (ex: um resultado de t ículo
Figura 57.1 C- Padrão nucleolar. Ver prancho co!onao 1:1280 é maior do que 1:320).

708 [ Medicina laborato rial para o clínico ]1------ - - - -- - - -- - - - -- - - -- - - - - - - - - - -


O exame é extremamente sensível para LES, resultan- enquanto um FAN positivo reflete a doença em apenas
do positivo em 95-100% dos casos. Portanto, sempre que a 12% das vezes. Uma única exceção deve ser levada em
suspeita diagnóstica for de LES, um teste de FAN deve ser consideração diante de um paciente com suspeita de
solicitado. A especificidade é mais baixa, em torno de 57%, LESe FAN negativo. Trata-se de casos em que o ancígeno
pots inúmeros casos que não são LES cursam com FAN SSA-Ro, responsável por um FAN positivo padrão ponti-
positivo. Situações em que existe grande estimulação an- lhado fino, é perdido das células du rante a confecção do
tigênica, aguda ou crónica, principalmente viroses, podem exame, por ser solúvel na solução salina utilizada nas eta-
levar à detecção de auto-anticorpos circulantes. Também pas de lavagem da lâmina. Recomenda-se que, diante
deve ser lembrado que parte da população sadia tem o de um FAN negativo, mas com forte suspeita clínica, a
teste positivo em títulos baixos, bem como indivíduos com pesquisa específica do anti-SSA-Ro seja solicitada. Sua
outras doenças auto-imunes (Tabela 57.3 e Figura 57.2). Em positividade cem o mesmo valor de um FAN positivo. É
nosso meio, um estudo realizado em São Paulo encontrou também o anticorpo envolvido no lúpus neonatal. em
22,6% de positividade em doadores de sangue. que o feco recebe o anticorpo presente na circulação da
Para o clínico, é im portante ressaltar os valores pre- mãe. Neste caso, o anci-SSA-Ro pode vir a interferir nos
ditivos negativo (VPN) e positivo (VPP) do teste. O pri- mecanismos de condução cardíacos, levando ao blo-
meiro aproxima-se de 100%, enquanto o VPP está em queio. Os sintomas desaparecem com a depuração dos
torno de 12%. Ou seja, diante de um teste de FAN ne- anticorpos maternos. Deve ser pesquisado em toda ges-
gativo, é extremamente improvável a ocorrência do LES, tante com diagnóstico de LES ou bebês sintomáticos.
O FAN não deve ser utilizado para monirorizar a ati-
1:1280 vidade da doença. Não há correlação encre os títulos e
LES curso clínico, além disro, o teste pode negativar com o
Doença M isto do Cológeno
Lúpus induzido por Drogas
uso de corticóides.
Artrite Reumatóide A pesquisa pela imunofluorescência é a técnica con-
Esclerose Sistêmico
siderada padrão, porém, recentemente, a metodologia de
Hepatite auto-imune crônico
Títulos Síndrome de Sjogren ELISA foi introduzida. Os kits, disponíveis comercialmen-
Miosite
te, utilizam diferences substratos antigênicos, de extratos
N eoplosio, especia lmente Linfomo
Infecção pelo HIV nucleares a misturas de ancígenos purificados ou recom-
Endocardite bacteriana binantes. Essa metodologia apresenta vantagens, como ser
Lúpus eritemotoso d iscóide
Mulheres sadios, especialmente > de 20 anos de fácil execução, ser quantitativa e poder ser automatiza-
1:40 da. Entretanto, quando comparada à imunofluorescência,
apresenta desvantagens fundamentais:
Figura 57.2 - Dtspersão dos títulos de FAN na população.

Tabela 57.3- Sensibilidade e especificidade do FAN nas diversas doenças reumatológicas

Doença Reumatológica Sensibilidade Especificidade


Lúpus Eritemotoso Sistêmico ILES) 93 o 100% 57%
Esclerose Sistêmico 60 o 85% 54%
Síndrome de Sjogren 40·70% 52%
Polimiosite 50 o 70% 63%
Artrite Reumatóide 30 o 50% 56%
Doença Misto do Tecido Conjuntivo 100%
Lúpus induzido por drogas 100%

Adaptada de Wanchu (2000) e Solomon (2002}.

Investigação laboratorial do paciente com lúpus eritematoso sistêmico 709


• os amígenos nucleares usados não apresentam a do marcador do LES. A pesquisa de ami-hisconas deve
conformação terciária que há em células intactas, seguir um FAN positivo padrão homogêneo apenas na
o que pode diminuir a sensibilidade do teste para suspeita de lúpus induzido por drogas.
alguns anticorpos; Esses anticorpos são pesquisados por técnicas tais
• a variabilidade de preparações antigênicas usadas como imunodifusão dupla, hemaglutinação e ELISA mas
nos diferentes kits acarreta problemas de reprodu- é preciso analisar com extremo cuidado os anticorpos de-
tibilidade; tectados pelas duas últimas, devido à extrema sensibilida-
• como todos os amígenos ainda não foram identi- de e conseqüente baixa especificidade. Alguns resultados
ficados, as preparações podem ser deficientes; positivos para ami-Sm têm sido relatados em casos que
• apenas detecta os anticorpos, mas não há visu- não LES, habitualmente com valores próximos ao corte.
alização do padrão fluorescente, tão importante Os anticorpos antidsDNA relevantes no lúpus são
para orientar os testes subseqüemes. geralmente lgG reativas contra a estrutura de dupla-
hélice. São encontrados em 70% dos casos e sinalizam
Desta forma, devem-se avaliar os resultados com cau- dano renal e/ou vasculite. São visualizados no FAN como
tela, sempre correlacionando-os com a clínica e a história padrão fluorescente homogéneo. Supõe-se que causem
do paciente e, se necessário, repetindo o exame após al- lesão por três mecanismos:
gum tempo para excluir falso-positivos transitórios. • formação e deposição de imunocomplexos DNA-
ami DNA nas membranas basais, com ativação de
complemento;
O FAN E SEU FRACIONAMENTO • ligação direta a estruturas das membranas basais
por reatividade cruzada com constituintes da ma-
Como já mencionado, o FAN permite que uma série triz extracelular;
de padrões fluorescentes seja observada. A cada arranjo • penetração di reta na célula por mecanismo ignora-
fluorescente, corresponde(m) determinado(s) anticorpo(s). do: desencadeando apoptose? Alterando função7
Alguns deles têm relações específicas com doenças distin-
tas, incluído o LES. Portamo, o clínico deve ter em mente t detectado mais comumeme por exame de imuno-
se há necessidade ou não de prosseguir na identificação fluorescência indireta, cujo substrato é um protozoário
dos diversos anticorpos. Para tal, deve partir do padrão flagelado, Crithidia lucilae, que tem o cinetoplasto rico em
fluorescente relatado. Para auxiliá-lo, a Tabela 57.4 mostra DNA mitocondrial, portamo, em sua conformação nati-
as associações dos padrões com anticorpos e doenças. va. O valor de corte é de 1:10 e, quando positivo, o soro
Observem que, de acordo com a Tabela 57.4, não é titulado até o ponto final, ou seja, a maior diluição na
é possível o encontro de antidsDNA (double-stranded qual ainda ocorrer fluorescência. Títulos maiores que 1:160
DNA ou DNA nativo), caso o padrão seja pontilhado, apresentam melhor correlação com a nefrite lúpica.
uma vez que a presença deste anticorpo é traduzida Anticorpos anticromatina são também conhecidos
morfologicamente por um padrão fluorescente homo- como antinucleossomo, antiDNP e ami-H2A-H2B-DNA.
gêneo. Também deve ser levado em consideração se a São também os anticorpos responsáveis pelo fenômeno
pesquisa do anticorpo específico irá acrescentar informa- LE, como já explicado. A cromatina é definida pelo com-
ção relevante na condução do caso. Por exemplo, desde plexo nativo formado por proteínas histonas, proreínas
que relacionado com o padrão adequado, a pesquisa do não histonas e DNA e à microscopia eletrônica assemelha-
antidsDNA é importante porque este está relacionado se a um colar de comas, cada coma sendo um nucleosso-
com a presença de nefrite ou vasculite. Se positivo, pode mo. Os anticorpos amicromatina compreendem aqueles
ser uma ferramenta útil na monitorização da atividade que reagem com a porção de histonas e/ou DNA enquan-
da doença, sendo também um critério diagnóstico de to mantidos na estrutura de cromatina. Assim, alguns,
LES. Já um padrão pontilhado grosso sugere a pesquisa mas não todos os anticorpos antidsDNA ou anti-histonas,
do anti-Sm (uma anti-ribonucleoproteína) que, embora podem também ser anticromatina. Estão presentes em
pouco sensível (cerca de 30% dos casos), é considera- 75% dos indivíduos com LES e potencialmente em 100%

710 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1 --- - - -- - - - - - -- - - -- - - - - - -- -- - - -


daqueles com lúpus induzido por drogas. Podem tam- pendente da presença de SAF, são encontrados em cerca de
bém ser encontrados em até metade dos casos de hepa- 30 a 40% dos pacientes. geralmente em baixos títulos. Ape-
tite auco-imune do tipo 1 (lupóide). Um estudo recente sar de alros títulos serem encontrados nas fases de atividade
encontrou 100% de sensibilidade, 97% de especificidade da doença, a titulação seriada desses anticorpos não parece
e melhor correlação com a atividade da doença. Segun- ser particularmente útil na monirorização da doença.
do os aurores, anticorpos anticromatina correlacionam-se Sua descrição remonta a 1983, quando um grupo de
melhor com doença renal do que o antidsDNA; escudos pesquisadores do Hospital Hammersmith, de Londres, per-
em animais sugerem que esses anticorpos desempenham cebeu que alguns dos pacientes com LES apresentavam um
papel importante na parogênese da glomerulonefrite. Em tempo parcial de uomboplastina ativado (PTTa) prolonga-
nosso meio, já existem kits comerciais para sua detecção do. O fenômeno foi atribuído a um "anticoagulante lúpico"
por ELISA Alguns aucores sugerem, inclusive, que sejam (AL). Paradoxalmente, em vez desses doentes apresentarem
incluídos nos critérios diagnósticos de LES. sangramento, havia risco de trombose. A seguir, foi demons-
trado que 25 a 50% dos pacientes com anticoagulante lúpi-
co apresentavam VDRL falso-pos1t1vo. Como os anticorpos
ANTICORPOS ANTIFOSFOlÍPIDES responsáveiS pelo VDRL ligam-se à card1olip1na. postulou-se
que o anticoagulante lúpico fosse um anticorpo antifosfolí-
Anticorpos antifosfolíp1des abrangem um grupo hete- pide que. ao ligar-se a estes in vitro, tornava-os indisponíveis
rogéneo de anticorpos que reconhecem combinações va- para servir como co-faror essenciala duas reações na cascata
riadas de fosfolípides e estão presentes nos pacientes com de coagulação: a conversão de protrombina em trombina e
síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF). No LES, inde- a ativação do fator X. o que explicaria o PTTa alongado.

Tabela 57.4 - Correlações enrre padrões de FAN, anricorpos e doenças

Padrão nuclear Avaliação inicial Doença Associada


Antids·DNA LES
Nuclear Homogênea Anti·histonas LE induzido por drogas
Anticromatina LES e LE induzido por drogas
Ant núcleo de células em
Nuclear Ponhlhado Pleomórfico (PCNA) LES
orol,feroçõo
Ant1·Sm LES
Nuclear Pontilhado Grosso
Anti·RNP DMTC, Esclerose Sistémico, LES, AR
Anti·SS·A/ Ro Síndrome Sjõgren, LES
Nuc.ear Ponulhado Fino
Anti·SS·B/La Síndrome Sjogren, LES
N uclear Pontilhado Centromérico Anticentrômero CREST, Cirrose Biliar Primário
M embrana N uclear Contínuo Antilom1na Heporites Auto-imunes
Antifibrilorino
Nucleolor Aglomerado Esclerose Sistêmico
(U3·nRNP)
AntNOR-90 Esclerose Sistémico
Nucleolar Pontilhado
Ant1·RNA polime1ose I Escle1ose Sistémico
Superposiçào de Pol1m10S1te e Esclerose
N ucleolor Homogêneo AntiPM/Scl
Sistémico
Misto do tipo Nucleolor Homogêneo e Nuclear
Pontilhado G rosso com placa metafósico decorado Superpos•çào de Polimios1te e Esclerose
em onel(cromossomos negativos) S1slêm1CO,

Misto do tipo N uclear e N ucleolor pontilhado com


Antitopoisomerose I (Scl-70) Esclerose Sistémico formo difuso
placa metolósico positivo

Adaptada do lt Consenso Brasileiro de Faro r Anrinuclear em Células HEp-2

Investigação laboratorial do paciente com lúpus eritematoso sistêmico 711


EXAMES LABORATORIAIS NO
Na prática, a pesquisa do anticoagulante lúpico é
MONITORAMENTO DO LÚPUS
feita a partir da adaptação dos testes de coagulação e
ERITEMATOSO SISTÊMICO
está sujeita a diversas variáveis, incluindo a preparação
e conservação da amostra e o tipo de reagente utili-
zado. A dificuldade de padronização somada à baixa Uma vez que o LES pode apresentar diversas ma-
sensibilidade levou os pesquisadores a propor o uso nifestações clínicas, um acompanhamento cl ín ico-la-
de um teste sorológico tendo a cardiolipina como an- boratorial rigoroso é fundamental no manejo da do-
tígeno para detecção dos antico rpos com atividade ença. Na prática clínica, após o estabelecimento do
anticoagulante lúpica. Surge assim a pesquisa da anti- d iagnóstico, uma série de testes laboratoriais deve ser
cardiolipina, primeiramente como radioimunoensaio solicitada para estabelecer o estado basal do paciente
e posteriormente como ELISA Esse teste provou ser antes do tratamento. A partir daí, visitas periódicas
mais sensível que a pesquisa do anticoagulante lúpico com repetição desses testes buscarão avalia r o estado
e, atualmente, apresenta padronização mais refinada. geral do paciente, com especial atenção ao funcio-
A sensibilidade gira entre 80 e 90%. O teste foi refina- namento dos órgãos-alvo, principalmente o rim. A
do pela diferenciação dos grupos de anticorpos (lgG, Tabela 57.5 apresenta sugestão de painel laboratorial
lgM) e os resultados avaliados em termos semiquan- para avaliação inicial e monitoramento do paciente
titativos: não reagente ou negativo, fracamente rea- com LES na prática clínica rotineira.
gente ou positivo baixo, moderadamente reagente ou O hemograma é pedido para avaliar anemia.
positivo moderado e reagente ou positivo alto. Entre- leucopenia (linfopenia) e trombocitopenia, devidas
tanto, como os dois testes não identificam necessa- tanto à própria doença quanto a efeito colateral de
riamente os mesmos anticorpos, devem ser utilizados drogas terapêuticas. A anemia requer especial aten-
em conjunto. Um teste positivo é um dos critérios ção para a difere nciação de sua etiologia. Os índi-
diagnóstico de LES. ces hematiméuicos ajudam a orientar quanto à sua
Uma abordagem racional é solicitar inicialmente o classificação, principalmente o volume corpuscu lar
VDRL (um teste barato e encontrado em prat icamen- médio (VCM) e a hemoglobina corpuscular média
te todo laboratório) e, caso negativo, pedir os outros (HCM). O índice RDW, que atualmente faz parte
dois exames. Atenção para a possibilidade do encontro do hemograma automatizado, avalia a variação do
de anticorpos antifosfolípides após infecções virais ou tamanho das hemácias, e também se mostra muito
com o uso de algumas drogas. Nesses casos, os títulos útil. A causa mais comum de anemia no LES consiste
são baixos e a positividade não costuma perdurar por em doença crónica: as hemácias são normocíticas e
mais de seis meses. normocrómicas (VCM e HCM normais), a contagem
Cuidados na coleta do sangue: para a pesqu isa de de reticulócitos apresenta-se normal e as reservas de
anticoagu lante lúpico: deve ser utilizado plasma co- ferro estão adequadas. O encontro de hipocrom ia e
lhido em citrato de sódio e tornado pobre em pla- microcitose (VCM e HCM baixos) sugere anemia fer-
quetas pela centrifugação. O uso de heparina deve ropriva, geralmente por perda crónica de sangue do
ser informado ao laboratório, de modo a adequar a trato gastrintestinal secundária ao uso de antii nflama-
coleta. Em caso de uso de heparina intermitente, o tórios não-este róides (AINES) e esteróides. A anemia
sangue deve ser colhido uma hora ames da próxi- hemolítica, considerada critério diagnóstico do LES,
ma dose ou após três horas da aplicação da última apresenta grande heterogeneidade no tamanho das
dose. Em caso de infusão contínua, o uso de hepari- hemácias (RDW aumentado) e pode ser confirma-
na deve ser interrompido por três horas para, então da pela contagem elevada de reticulócitos, aumento
proceder-se à coleta da amostra. Para a pesquisa dos de bilirrubinas à custa da fração indireta e teste de
anticorpos anticardiolipina, não são necessárias essas Coombs positivo. Outros achados na anemia hemolí-
observações. O exame é feito em tubo seco - sangue tica são: haptoglobina baixa(< 30 mg/dl)e aumento
colhido sem anticoagulante - e não é necessário o da LDH. Pode ocorrer também hemoglobinúria.
preparo do paciente.

712 ( Medicina laboratorial para o clínico


Tabela 57.5- Sugestão de painellaborawrial para avaliação inicial e moniwramemo do pacieme com LES na prática clínica rotineira

Monitoramento
Exame laboratorial Avaliação inicial
Em toda consulta Anualmente

Urino rotina + +
Hemogromo + +
VHS & PCR + +
Creatinino, uréia + +
Função hepático + +
Pesquisa quantitativa de anli-
+ * +*
dsDN A

ClOO, C3/C4 + +
Cleoronce de creotinino + +

• Em casos de pacienres com FAN padrão nuclear homogêneo e corre,ação comprovada com atividade da doença

Velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína e corpos graxos ovalados indicam síndrome nefrótica. É fre-
C reativa (PCR), marcadores inflamatórios, podem ajudar qüente a ocorrência de infecções urinárias nos pacientes e a
a monitorar a atividade da doença e distinguir entre uma constatação de leucócitos acima do esperado e nitrito po-
exacerbação da doença e uma infecção. Surpreenden- sitivo alertam para a instituição de antibioticoterapia após
temente, o LES é uma das raras condições clínicas que coleta do material para urocultura. Não é demais enfatizar a
ainda impõem a solicitação de VHS. Isto porque a PCR, necessidade da refrigeração da amostra, caso o exame não
considerada um teste mais específico, não se eleva, como seja realizado imediatamente. A urina em temperatura am-
seria esperado em condição tão inflamatória. O meca- biente deteriora-se rapidamente, com perda dos elemen-
nismo responsável por esse fenômeno ainda não está tos celulares (leucócitos, hemácias, cilindros) e proliferação
completamente elucidado, mas escudos recentes apon- bacteriana. A creatinina sérica é usada para avaliar a função
tam produção diminuída da IL- 6 como responsável pela renal: um aumento rápido da creatinina implica atividade
baixa resposta da PCR à inflamação lúpica. Entretanto, a da doença, transformando-se em dano permanente. Infeliz-
PCR apresenta aumentos significativos na presença de mente, a sensibilidade do teste é baixa, uma vez que a alte-
infecção. Diante da atividade da doença, espera-se VHS ração dos níveis séricos ocorre apenas após a perda de mais
aumentada e PCR praticamente normal. Já diante de in- de 50% do parênquima renal. A uréia, usada com o mesmo
fecção, ambas estariam aumentadas. (ver capítulo 56) intuito, apresenta sensibilidade ligeiramente maior, mas so-
Como a nefrite lúpica pode atingir até 50% dos pacien- fre interferência da dieta. Deve-se complementar a prope-
tes, a avaliação da função renal em toda consulta é manda- dêutica com clareamento de creatinina. A amostra de urina
tária. Um exame de urina-rotina pode ser muito informa- coletada em 24 horas é mais representativa, mas o exame
tivo. A bioquímica urinária realizada por fita reativa pode sofre interferências provenientes da dificuldade de se obter
detectar perda de proteínas, sinalizando a possibilidade de uma coleta completa, bem conservada e em frasco limpo.
síndrome nefrótica, que deverá ser quantificada em urina Sempre recomende a seu paciente obter as orientações de
de 24 horas. A presença de hemácias e leucócitos sugere o coleta no laboratório. A biópsia renal muitas vezes é crucial
diagnóstico de síndrome nefrítica e deve ser acompanhada para melhor definição do quadro e do prognóstico.
da sedimentoscopia. Achados compatíveis com glomerulo- Em alguns pacientes, o aumento ou diminuição dos
nefrite são hematúria com dismorfismo eritrocitário e cilin- títulos de antidsDNA tem relação direta com nefrite e
dros hemáticos, podendo haver leucocitúria. Muitas vezes, vasculite lúpicas. Em outros, já foi demonstrado que o
a detecção de cilindros celulares e protéicos pode revelar aumento nos títulos antecede as crises, muitas vezes em
uma doença clinicamente ainda silenciosa. Cilindros graxas alguns meses. Assim, para todos os pacientes com LES

Investigação laboratorial do paciente com lúpus eritema toso sistêmi co 713


e FAN positivo e padrão homogêneo, a pesquisa de an- para detecção de doença ativa. As medições seriadas for-
tidsDNA deverá ser solicitada e, caso positiva, a relação necem melhor abordagem da atividade inflamatória e as
com a atividade da doença deverá ser investigada. Se dosagens de (3 e C4 devem ser pedidas a cada consulta,
essa relação for estabelecida, a pesquisa e titulação desse juntamente com os demais exames citados.
anticorpo deverão ser solicitadas em rodas as consultas Atualmente, vários estudos têm sido conduzidos na
como parte da monitorização da doença. busca de outros possíveis marcadores da doença. Recen-
O sistema do complemento participa da parogenia temente, os produtos da ativação do complemento - C3d
do lúpus eritemaroso sistêmico, na medida em que os e C4d - têm sido apontados como mais sensíveis. Oucro
imunocomplexos formados ou depositados nas mem- teste promissor é a detecção de anticorpos antiClq. Sua
branas basais ativam seus componentes, levando à lise presença e seus níveis parecem estar relacionados com
celular, liberação de mediadores inflamatórios e migração o envolvimento renal e exacerbações nefríticas mais que
de neutrófilos para o local, resultando em lesão. Há mui- qualquer outro ensaio laboratorial, entretanto, esses exa-
ro se postulou que a medida da atividade torai do com- mes ainda não estão disponíveis para uso na rotina clín ica.
plemento e a determinação quantitativa de seus com-
ponentes poderiam ser úteis na avaliação dos pacientes
pois, as proteínas do sistema do complemento seriam CONSIDERAÇÕES FINAIS
consumidas a uma taxa proporcional à atividade da do-
ença. Portanto, a "atividade hemolítica total do comple- • O LES é caracterizado por inúmeros auto-anticor-
mento" (CHSO) e as dosagens das frações C3 e (4 têm pos circulantes;
sido tradicionalmente solicitadas no acompanhamento • O FAN é o teste inicial para a pesquisa de anti-
periódico dos pacientes. Todos os três testes apresentam corpos, juntamente com a pesquisa de antifosfo-
baixa sensibilidade e especificidade. A atividade hemolíti- lípides e sua solicitação deve seguir uma hi pótese
ca do complemento foi desenvolvida inicialmente como diagnóstica sólida de LES;
um teste funcional titulométrico, em que é determinada • O teste de FAN, isoladamente, não é diagnóstico
a diluição do soro do paciente, com 50% das hemácias deLES;
de carneiro sensibilizadas apresentando hemólise (CH 50 ), • A pesquisa de anticorpos antifosfoli pídes deve
sendo manual, trabalhoso, sujeito a inúmeros interferen- ser iniciada pelo VDRL e, se necessário, expandida
tes e considerado ultrapassado. Hoje, tanto as frações do para anticardiolipina e anticoagulante lúpico;
complemento como a atividade hemolítica total (C100) • O antidsDNA e anti-Sm somente devem ser pes-
são avaliadas por técnicas de nefelometria ou turbidime- quisados em casos de FAN positivo e conforme o
tra, ou ELISA mais bem padronizadas, passíveis de auto- padrão fluorescente;
mação e rapidez de execução. Os níveis plasmáticos de • O FAN não serve para mon itorização da doença e
C3 e (4 refletem os resultados de um estado dinãmico controle de tratamento;
entre a síntese do complemento e seu consumo. Como • São exames utilizados no acompanhamento do
na inflamação os dois processos estão aumentados, po- paciente: hemograma, urina rotina, creatinina,
dem ser encontrados resultados dentro da faixa de re- complemento (3 e C4, VHS e PCR e, em alguns
ferência, o que levaria a erro de interpretação: a doença casos, antidsDNA;
seria dada como estável ou sob controle, quando, na ver· • Os demais exames laboratoriais visam a avaliar o
dade, o processo inflamatório estaria em plena atividade. estado geral do portado r do LESe o acometimen-
Portanto, um único teste pode ter baixa sensibilidade to dos órgãos-alvo.

714 ( Medicina laboratorial para o clíni co


[ Suspeito Clínico de LES )

~
[ FAN-HEp2
l
I
~ ~
[ Positivo
l l N egativo
J
~ ~
j
Padrões nucleares de FAN e frocionomento
• PCNA
• Homogêneo ~ ontids-DNA, histonos, cromatina
• Ponti lhado Grosso ~ onti-Sm, U 1-Rnp
l Diagnóstico de LES improvável
Pesquisar onti-SSA/ Ro d iante de suspeito forte

• Pontilhado Fino ~ onti-SSA/Ro, SSB/ Lo

~
Pesquiso de anticorpos ontifosfolipídes
• VDRL
• Anticord iolipino
• Anticoagulante lúpico

~
Monitorização laboratorial
• ClOO, C3 e C4
• AntidsDNA quantitativo
• Hemogromo
• Urino Rotina
• Uréio e C reotinino
• VHS e PCR

Figura 57.3 - Fluxograma para conduta na suspeita deLES.

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Investigação laboratorial do pacien te com lúpus eritematoso sistêmico 715


Ana Beatriz Cordeiro de Azevedo
58 Luis Eduardo Coelho Andrade

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DO
PACIENTE COM ARTRITE REUMATÓIDE

A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflama- No entanto, a predisposição genética é insuficiente
tória sistêmica caracterizada por po liart ri te crônica, para explicar a ocorrência dessa enfermidade. Postula-
que acomete principalmente pu nhos e pequenas ar- se que fatores externos causem quebra da tolerância
ticulações das mãos. Pode levar a graus variáveis de do sistema imunológico a antígenos próprios, levando
incapacidade funcional e comprometimento sistêmico, a anormalidades imunológicas que culminam com res-
com impacto económico significat ivo para o paciente posta inflamatória crónica, afetando principalmente a
e a sociedade. membrana sinovial das articulações diartrodiais (articu-
lação diartrodial: duas extremidades ósseas adjacentes
recobertas por cartilagem limitadas por uma membrana
ASPECTOS RELEVANTES DA AR sinovial e cápsula articular).
Agentes infecciosos bacterianos e virais têm sido im-
ETIOLOGIA E ETIOPATO GENIA plicados na gênese da AR, entre eles o vírus Epstein-Barr,
o parvovírus Bl9, o vírus da hepatite C, citomegalovírus,
A etiologia da AR é ainda desconhecida. Estudos alguns retrovírus e micobactérias. A homologia entre
fami liares revelaram que irmãos de pacientes com AR determinadas estruturas antigênicas desses agentes in-
têm risco duas a quatro vezes maior de desenvolver a fecciosos e epiropos presentes na sinóvia e na cartilagem
doença em relação à população geral, havendo concor- seriam responsáveis pela quebra da tolerância e desen-
dância maior para gêmeos, em maior extensão para os cadeamento de respostas auto-imunes. Até o momento,
monozigóticos. Essa observação embasa a teoria de que nenhum microrganismo relacionado à AR foi isolado na
a AR é uma doença que se desenvolve em indivíduos articulação dos pacientes com a doença. Também se ob-
geneticamente predispostos. Alguns genes do complexo servou em estudos epidemiológicos risco aumentado de
principal de histocompatibilidade, localizados no cro- desenvolvimento de AR entre tabagistas.
mossoma 6, que codificam os antígenos de histocompa- As alterações imunológicas descritas na AR são
tibilidade, conhecidos como HLA, têm sido fortemente características marcantes dessa doença, que a distin-
associados à AR. Estudos demonstraram associação da guem de outras enfermidades articulares inflamatórias
doença com os segui ntes alelos: HLA-DRB1*0401, *0404, e degenerativas.
*0408, HLA-DRBl*OlOl, *0102 em caucasianos e HLA- Vários auto-anticorpos foram descritos em pacientes
DRB1*040S em asiáticos. Alguns destes foram associados com AR, como o fator reumatóide, anticorpos contra
a formas mais graves da AR. componentes da cartilagem, anticorpos anticolágeno,
anticorpos contra ancígenos citrulinados, anticorpos encontrou prevalência variável nas diferentes regiões do
antinucleares e anticorpos contra proteínas do choque Brasil: de 1,0% na região Norte, 0,57% no Nordeste, 0,50%
térmico (heat chock proteins). A maioria deles carece no Nentro-Oeste, 0,6% no Sudeste e 0,20% na região Sul.
de especificidade para AR, com exceção dos anticorpos
contra antígenos citrulinados. O papel dos auto-anticor-
pos na fisiopatologia da AR ainda está para ser esclare- APRESENTAÇÃO ClÍNICA
cido, podendo representar uma conseqüência ou causa
do processo inflamatório crónico observado. A AR freqüentemente apresenta-se de maneira insi-
O infiltrado celular inflamatório predominante de diosa ou subaguda, com comprometimento simétrico
linfócitos T CD4+ é característico da sinovite reumatói- de pequenas articulações das mãos e pés, punhos e
de. A expansão oligoclonal de linfócitos T na membrana tornozelos, associada à rigidez matinal, que pode dura r
sinovial sugere que elas se proliferam em resposta a antí- de minutos a horas. O início agudo com poliartrite com-
genos locais específicos, até o momento desconhecidos. prometendo pequenas e grandes articulações associado
O desequilíbrio entre as citocinas pró-inflamatórias e à incapacidade funcional significativa é menos comum,
antiinflamatórias produzidas por essas células seria res- ocorrendo geralmente em idosos. A AR também pode se
ponsável pela perpetuação da resposta inflamatória e iniciar como uma monoartrite aguda ou crónica, que afe-
destruição articular, entre elas IFN-y. IL-l, IL-15, IL-4, IL-13 ta grandes articulações como ombro ou joelho. Episódios
e o TNF-a. Esta última merece destaque, pois pesqui- recorrentes de artrite súbita com comprometimento de
sas revelaram ser este fator extremamente importante uma ou mais articulações, com duração de horas a dias,
na sinovite reumatóide e alvo de uma das terapêuticas que desaparecem completa e espontaneamente, conhe-
biológicas disponíveis hoje para o tratamento da AR. cidos como reumatismo palindrómico, podem anteceder
Devido ao processo inflamatório persistente, a mem- o início de uma poliartrite persistente.
brana sinovial torna-se hiperplásica e mais vascularizada, De maneira geral, os sintomas iniciais da AR são pre-
formando o pannus, que destrói a cartilagem e leva à dominantemente articulares, mas podem vir associados
formação de erosões ósseas. As citocinas inflamatórias, a feb re, emagrecimento, fadiga e comprometimento sis-
como a IL-1 e o TNF-a, regulam a produção de meta- têmico. Em idosos, a presença de manifestações sistêmi-
loproteinases e outras proteinases pelos fibroblastos e cas associadas à mialgia intensa em região próxima do
monócitos da membrana sinovial. Os condrócitos e os- pescoço, ombros, quad ris e/ou joelhos impõe o diagnós-
teoclastos também reagem a essas citocinas, reduzindo tico diferencial com polimialgia reumática.
a produção de colágeno e proteoglicanos e aumentan- Também podem estar presentes man ifestações extra-
do a síntese de colagenase e estromolisina. Assim, con- articulares como tenossinovite volar do punho associada
tribuem para a reabsorção de matriz óssea extracelular. à síndrome do túnel do carpo, bursites e cistos sinoviais.
A fagocitose de imunocomplexos pelos neutrófilos pre- A presença de rigidez matinal superior a uma hora é
sentes no líquido sinovial resulta na produção de pros- um sintoma importante e característico da doença, sen-
taglandinas e leucotrienos, degranulação de neutrófilos do poucas as enfermidades que causam rigidez matinal
e dano oxidativo. maior que uma hora.
Pacientes com altos títulos de facor reumatóide têm
maior risco de desenvolver manifestações extra-articu-
EPID EM IO LOG IA lares, como nódulos subcutâneos, vasculite, neuropatia
periférica, pericardite, pleurite, comprometimento pul-
A AR pode ocorrer em qualq uer idade, mas tem pico monar intersticial, ocular, renal e síndrome de Felty. A
de incidência entre a quarta e quinta décadas de vida e síndrome de Felty é uma condição rara, caracterizada
afeta preferencialmente mulheres. pelo desenvolvimento de esplenomegalia, leucopenia,
Estudos de prevalência da AR estimam que ela varie anemia e trombocitopenia em pacientes com AR. Ge-
de 0,5 a 1,1% em países da Europa, América do Norte, Ásia ralmente ocorre em pacientes com doença de longa
e África do Sul. No Brasil, uma pesquisa real izada em 1993 evolução e associa-se à presença de fator reumatóide,

718 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-------------------------------~


nódulos subcurâneos, deformidades articulares. ema- Quadro 58.1 - Cménos pa ra class1ficaçào de artrite reuma-
grecimento. linfadenomegalia, úlceras de membros tóide do ACR· 1987
inferiores. h1perpigmentação cutânea, neuropatia pe-
Critério Definição
riférica. ep1sclerite e anticorpos antinúcleo. Infecções
Rigidez molina i M ínimo de 1 hora
bacterianas são comuns nesses pacientes e se relacio-
Artnte de lrês ou mo:s Pelo menos 3 ou mors articulações,
nam a maior risco de morte. Vale lembrar que aproxi-
articulações acometidos simultaneamente, com
madamente 33% dos pacientes com síndrome de Felty edema ou efusão, vislo por médico
não apresentam doença articular em atividade quando Artrile de orliculoções Pelo menos uma articulação edema·
do seu desenvolvimento. dos mãos ciodo em punhos, M C Fs ou IFPs, visto
por médico
Artrile srmétrico Envolvimento bilo·ero srMullôneo. não
sendo necessário srmet11a absolulo
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS aos orliculoções IFPs, MCFs e MTFs,
visto por médico

Nas últimas décadas, houve esforços para padroni- Nódulos reumolóides N ódulos subculôneos sobre eminên·
cios ósseos ou superfície exlensoro ou
zar a classificação de doenças reumáticas, com o ob- em regiões juslo·orticulores, observo·
jetivo de uniformizar populações de pacientes para a do por médico
realização de pesquisas. Em 1987. o American College Falar reumalóide Demonslróvel por quaisquer mélodos
oj Rheumatology (ACR) havia publicado uma nova lis- em que seja positivo em menos de 5%
dos controles normais
ta de critérios de classificação para AR. em substituição
Alterações rodiogró· Alterações lípicos vistos em radiografias
à anterior, de 1956. Esses critérios foram considerados
ficas convencionais de mãos e punhos em
simples de ser aplicados. sensíveis. específicos e tão bons PA: osteopenia penorticulor e erosões
ou melhores que os anteriores, com sensibilidade entre
77 e 95% e especificidade de 85 a 98%, em estudos reali- Obs.: Os cnténo~ de I a 4 devem estar presentes por um período mí·
nrmo de sers semanas. Quatro dos sete cménos são necessános para
zados em diferentes populações. Desde então. têm sido classificar um pacienre como portador de artme reumatóide. Paoentes
usados também para o diagnóstico de AR na prática clí- com dois ou três cm énos não estão excluídos da possrbilidade de fururo
nica. apesar de terem sido criados com o propósico de desenvolvrmento da doença.

classificação e não de diagnóstico. (Quadro 58.1) Quadro 58.2 - Pnnopais dragnósrtcos dtferenoats da arrrtte
Quadros de artrite de início recente 1mplicam uma reumatóide
avaliação de diagnósticos diferenciais. antes de se esta-
belecer o diagnóstiCO de AR. Não só outras doenças A rtrite pós·infecçõo virai
reumáticas podem se manifestar com quadro clínico Espondiloortropalios (artrite psoriática, enleroortropatiosl
Doenças reumáticas oulo·imunes (LES, esclerose sistémica,
semelhante à AR, como também infecções. doenças ti- DMTCI
reoidianas e neoplasias. (Quadro 58.2) Osteoorlrite
Arlrile por cristal
Arlrites infecciosos
Polimiolgio reumólico
EXAMES LABORATORIAIS NA ARTRITE Osleoorlropalia hiperlrófica
Miscelânea : sorcoidose. endocardite bacteriano, doenças
REUMATÓIDE do tireóide, hepotrte auJo-imune, ortropohos enleropóltcas,
doenças neoplásicas, hemoglobinopolias, hemocromotose,
amiloidose
ALTERAÇOES LABORATORIAIS GERAIS

Muitas das alterações laboracoriais observadas na AR Provas de atividad e inflamatórias


carecem de especificidade, sendo comuns a outras do-
enças inflamatórias crónicas. No entanto, o conjunto de Habitualmente, as provas de atividade inflamatória,
alterações clínicas, radiológicas e laboratoriais possibilita discutidas mais detalhadamente no capítulo 56. encon-
o diagnóstico correto e acompanhamento adequado da tram-se alteradas nas fases de atividade da doença. No
resposta do paciente à terapêutica instituída. entanto, esses exames podem apresentar valores dentro

Investigação laboratorial do paciente com artrite reumatóide 719


da normalidade em até 40% dos paciences. Em relação a ser observado em pacientes com doença em atividade,
paoences com doença de início recente. até 50% destes que melhora com controle. No entanto, uma série de
podem exibir valores de velocidade de hemossedimen- fármacos utilizados no tratamento da AR. entre os quais
tação (VHS) menores que 28mm na primeira hora. os antiinflamatórios não esteroidais (AINEs) e fármacos
AVHS e proceína C reativa (PCR) são exames freqüen- moduladores de doença (DMARDs). podem causar alte-
temente utilizados na prática clínica para a avaliação de rações nas enzimas hepáticas, o que pode dificultar a dife-
pacientes com AR e fazem parte de algumas das medidas renciação entre efeitos adversos relacionados à medicação
de avaliação para o status da AR. como o Disease Activity e atividade de doença. Um critério prático é que quando
Score (DAS), o Simplified Disease Activity Index (SDAi) e o as alterações relacionam-se às medicações, a interrupção
American College of Rheumatology (ACR) Core Data Set. do uso destas leva à normalização das enzimas hepáticas.

Alterações hematológicas OS AUTO-ANTICORPOS NA AR

É comum a observação de anemia, normocítica nor- A AR, assim como as demais doenças auto-imunes.
mocrômica ou hipocrômica. em pacientes com AR. Ha- cursa com a presença de vários auto-anticorpos circulan-
bitualmente. a presença de anemia correlaciona-se com tes. O fator reumatóide e os anticorpos antipeptídeos
a atividade da doença e melhora quando o cratamenm citrulinados são aqueles com maior aplicabilidade para
específico para o seu controle é bem sucedido. A anemia o diagnóstico.
na AR é multifamrial. relacionada à ação de citocinas pró-
inflamátorias sobre as células precursoras da medula ós-
sea, deficiência de eriuopoetina, prejuízo na utilização de Fator reumatóide
ferro e aumento da fagocitose das hemácias pelo baço.
O ferro sérico pode estar normal, baixo ou aumentado. Em 1940, E. Waaler descreveu o fator reumatóide
Nos casos em que o ferro sérico está baixo, a saturação (FR) como o primeiro auto-anticorpo relacionado à AR.
da cransferrina também pode estar baixa, mas, geralmen- O FR representa um conjunto de auto-anticorpos diri-
te. a ferritina está normal ou aumentada. A presença de gidos contra diferentes epitopos da porção Fc da imu-
ferritina baixa sugere deficiência de ferro associada. o que noglobulina G (lgG). Essa porção da 1munoglobulina é
requer suplementação adequada. essencial para a fixação do complemento e ativação das
Trombocitose e eosinofilia também podem ser ob- células do sistema imunológico. (Figura 58.1)
servadas nas fases de atividade da doença e podem estar
relacionadas ao desenvolvimento de manifestações ex-
tra-articulares. O mecanismo fisiopatológico relacionado
a esses achados ainda não é bem compreendido. Vale
ressaltar que a presença de trombocitose nesses pacien-
AA
tes não foi correlacionada a um aumento na freqüência Folar reumolóide do classe lgM Folar reumolóide do classe lgG
de eventos trombóricos.
A presença de uombocitopenia e leucopenia é rara
na AR, estando relacionada ao uso de drogas imunossu-
pressoras ou à síndrome de Felty.

Alterações hepáticas
A B

Um aumento nos níveis séricos das enz1mas hepáticas, Figura 58.1 - Desenhos esquemáticos de fator reumatóide da classe
especialmente de y-GT e fosfatase alcalina, também pode lgM (A) e da classe lgG (B). formando grandes imunocomplexos.

720 [ Medicina laboratorial parao clíni~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~-


O FR pode ser de qualquer classe de imunoglobu- específico dessa enfermidade e pode ser encontrado em
linas, mas, habitualmente, na prática clínica, os ensaios outras condições além da AR. (Quadro 58.3). Entre elas,
comerciais detectam a presença do FR da classe lgM. encontram-se: enfermidades reumáticas, como a síndro-
Porém, FR do tipo lgA e lgG podem ser encontrados no me de Sjógren (em torno de 75-95% dos pacientes), a
soro e líquido sinovial de pacientes com AR. doença mista do tecido conjuntivo (50-60%), o lúpus
O papel do FR na fisiopatologia da AR cem sido bas- eriremacoso siscêmico (15-35%), esclerodermia (20-30%)
tante investigado, mas ainda não está esclarecido se ele é além de poli miosite, dermatomiosite e crioglobulinemia
importante no desenvolvimento da doença nas suas fa- misra (tipo 11 e III). Também pode ser encontrado em
ses in iciais ou representa apenas um epifenômeno. condições infecciosas e inflamatórias crônicas, como a
Existem várias técnicas laboracoriais para identificar a endocardite bacteriana subaguda, infecções pelos vírus
presença do FR e mensurá-lo, entre elas: da hepatite B e C tuberculose, hanseníase, doenças pul-
• aglutinação de partículas de látex recobertas com monares inflamatórias ou fibrosantes - como sarcoido-
lgG humana; se, silicose e fibrose pulmonar intersticial -a cirrose biliar
• aglutinação de hemácias de carneiro recobertas primária e neoplasias. O FR pode ser encontrado ainda
com lgG de coelho (reação de Waaler-Rose) - atu- em indivíduos normais, em até 5% dos jovens saudáveis e
almente em desuso; 3 a 25% dos idosos podem apresentar teste positivo para
• nefelometria; a pesquisa do FR.
• turbidi metria;
• ELISA Quadro 58.3 - Freqüência de FR em outras condições que
não artrite reumatóide
Os testes de aglutinação, tanto de partículas de látex
quanto a reação de Waaler-Rose, detectam preferencial- Condição Freqüência de FR (%)
mente o FR do tipo lgM que, por sua forma pentamé- Idade (> 60onosl 5-25%
rica, mosrra-se mais eficiente que os demais na agluti- Outros doenças reumáticos
nação. Comparando os dois métodos de aglutinação, Síndrome de Sjogren 33-66%
3-27%
o teste de aglutinação do látex apresenta-se mais sen- LES
DMTC 6-23%
sível e o de Waaler-Rose mais específico. Porém, este é 2- 44%
Esclerose sistémico
um dado controverso. Atualmente, o último tem sido Polimiosite 0- 18%
muito pouco utilizado na prática clínica, não sendo re- Infecções
alizado na maioria dos laboratórios. Uma característica Endocard ite bacteriano 25-50%
Hepatite C ou B 20-75%
dos testes de agl uti nação é a determinação de títulos, o 8%
Tuberculose
que faz deles testes semiquantitativos. Considerando-se Sífilis até 13%
a reação de aglutinação do látex, títulos superiores a 80 Honseníose 5-58%
encontram-se mais associados à AR e, em geral. os estu- Doenças pulmonares
dos concordam que a presença de FR em altos títulos Sorcoidose 3 -33%
Doença pulmonar intersticial lO- 50%
correlaciona-se com doença articular mais grave e com Silicose 30 - 50%
maior freqüência de manifestações extra-articulares. Asbestose 30%
Os testes nefelométricos e turbidimécricos torna- Outros
ram-se os de referência atual e são altamente sensíveis e Cirrose biliar primário 45 - 70%
Doenças neoplásicas 5 -25%
reprodu cíveis. Detectam as três classes de FR e fo rnecem
resultados em Ul/ml. O teste de ELISA, menos utilizado,
também permite a identificação dos outros subtipos de
FR (lgA e lgG), além do tipo lgM. A sensibilidade do FR para AR varia de 50 a 90%, de-
Embora o FR seja reconhecido como um anticorpo pendendo do método utilizado. Utilizando-se a agluti-
freqüencememe relacionado à AR, e inclusive faça parte nação do látex, a sensibilidade situa-se em torno de 75%
dos critérios de classificação para a AR do ACR, ele não é e a especificidade de 60%. Nas fases iniciais da doença, o

Investigação laboratorial do paciente com artrite reumatóide 721


FR pode estar preseme em apenas cerca de 40% dos pa- especificidade para AR (88 a 99%), com sensibilidade va-
oemes. O Projero Direu izes da Associação Médica Bra- riando de 36 a 59%. Esse aura-anticorpo também é de-
sileira e Conselho Federal de Medicina recomenda que, ceceado por imunofluorescência indireca. em esuaw de
se inicialmente negativa, a pesquisa de FR deve repetida epitélio de esófago de raw (Figura 58.3).
em 6-12 meses. No entanto, a presença do FR cem sido
apancada como imporcance faror preditivo de progres-
são radiológica e incapacidade funcional. Vários escudos
tentaram identificar associação entre os diferemes iso-
tipos de FR com a progressão da AR, mas os resultados
observados nem sempre são concordantes.

Anticorpos anticitrulina

Em 1964, N1enhuis e Mandema descreveram um


novo marcador sorológico em pacientes com AR, co-
nhecido com antifatar perinuclear (APF). Esses auw-
anticorpos ligam-se a grânulos cerawhialinos localizados Figura 58.3 - Anucorpo amiquerarina (AKA). lmunofluorescência
ao redor do núcleo de células humanas da mucosa das 1nd1rera em corte transversal de esôfago de raw. Soro diluído 1/10.
bochechas. O APF pode ser dececcado por lmunofluo- Conjugado: ISOliOCianaro de nuoresceina. Magnificação 200X. A
rescência indireca, uDhzando-se como subscraw células reanv1dade resrma à camada córnea está representada por fluores·
cênoa lam1nar e linear concêntrica. A coloração Intensa da mucosa
humanas da mucosa das bochechas (F1gura 58.2). A fre-
é não específica h , pranL ha co•O• ,da
qüência do APF em pacientes com AR varia de 49 a 91%
e sua especificidade de 73 a 99% em diferentes escudos.
No início dos anos 90, os investigadores demonsua-
ram que esses auw-amicorpos reagem com a prmeína
filagrina e seu precursor pró-fi lagri na. A filagn na é uma
prmeína produzida durante as fases tardias de diferen-
ciação de células epiceliais de mamíferos, portamo. pre-
seme em células da mucosa oral e na camada córnea do
esófago de ram. No final dos anos 90, foi elucidado que
os epicopos reconhecidos pelo APF e AKA eram ricos no
aminoáodo m rulina. Essa observação possibiliwu o de-
senvolvimento de testes de ELISA contendo um painel
de peptídeos citrul inados como substrato antigênico.
Posceriormeme, observou-se que o uso de peptídeos
cicrulinados cíclicos apresentava melhor desempenho
Figura 58.2 - Anucorpo antifawr perinuclear (APF). lmunoflu- diagnóstico. Assim, o cesce conhecido como antiCCP
orescênoa 1ndireta em querarinócitos da mucosa oral. Soro diluí- (Cycilc Citrullmated Pepttde) estabeleceu-se como uma
do 1/160. Conjugado: 1sotiocianaw de fluoresceína. Magnificação alternativa comercial vantajosa para substitUir os tradi-
400X. Os corpos ceratohialinos replews de filagrina apresentam-se
d1sposros e corados ao redor do núcleo. Ver prancha w lm 1dn cionais cesces APF e AKA na pesquisa de anticorpos con-
ua ancígenos ciuulinados. O anciCCP mantém as carac-
terísticas de alca especificidade (96-100%) e sensibilidade
Um ouuo am1corpo encontrado na AR e conheci- (70-75%) para diagnóstico da AR.
do como anticorpo antiqueracina (AKA), descriw por O APF, o AKA e o antiCCP apresentam desempenho
Young em 1979, também cem sido considerado de alca diagnóstiCO ligeiramente distinto para o d1agnóscico de

722 ( Medicina laboratorial para o clínico


AR. O AKA possui a menor sensibilidade e a maior es- pos anti-RA33, habitualmente, não faz parte da rotina
pecificidade emre os três. O APF em baixos títulos exibe para diagnóstico e avaliação de pacientes com AR.
baixa especificidade. o que pode ser corrigido valorizan-
do-se títulos iguais ou superiores a 1/80. Essas diferen-
ças devem-se ao faro de que os crês testes identificam EXAMES LABORATORIAIS NO
painéis de epicopos apenas parcialmente superposcos, de MO NITORAMENTO DA AR
maneira que o soro de um determinado paciente com
AR pode reagir com um, dois ou os crês testes. A preva- AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE INFLAMATÓRIA
lência desses auro-anticorpos também aumenta com a
idade, porém o número de falso-positivos em idosos é Os exames de velocidade de hemossedimentação
bem menor que o descriro com o faror reumatóide. (VHS), proteína C reativa (PCR) e hemograma são os
As duas pnncipa1s vantagens desses crês testes anti- mais utilizados na prática clínica para a avaliação de ativl-
peptídeos citrulinados são sua alta especificidade e sua dade de doença na AR. Como descrito anteriormente, de
precocidade de aparecimento. A literatura ainda é con- um modo geral. os pacientes com doença em acividade
troversa sobre uma possível associação dos anticorpos apresentam provas de arividade inflamatória alteradas,
anti peptfdeos citrulinados e a gravidade da AR. anemia normocícica normocrômica ou hipocrômica,
O anti-Sa, um anticorpo direcionado contra uma podendo-se observar ainda crombocitose e eosinofilia.
proteína ciu uhnada de SOkDa encontrada no baço e pla- No entanto, vale lembrar que até 40% desses pacien-
centa humanos. está presente em cerca de 40% dos pa- tes podem apresentar exames de VHS e PCR normais.
cientes com AR. Também apresenta alta especificidade Sendo assim, a avaliação de atividade de doença nesses
para essa doença. Contudo, as dificuldades merodológi- casos deve incorporar, além de parâmetros laboratoriais,
cas do método e sua baixa sensibilidade têm impedido cuidadosa avaliação de parâmetros clínicos, como a pre-
sua utilização em larga escala na prática clínica. sença de rigidez matinal, dor articular em repouso e à
movimentação, presença de edema articular e limitação
da am plitude de movimentos das articulações. Vários
Anticorpos antinúcleo índices foram elaborados para a avaliação da atividade
de doença em pacientes com AR. uma vez que. até o
Os anticorpos antinúcleo (ANA) são uma das ca- momento, não existe uma única medida que reflita de
racterísticas sorológiCas das doenças reumáticas auto- mane1ra adequada o status da doença. (Quadro 58. 4).
imunes, principalmente o lúpus eritemaroso sistémico, a Os mais utilizados acualmente são o ACR Core Data Sete
síndrome de Sjogren e a esclerose sistémica. Na AR, são o Disease Acttvity Score (DAS). Inicialmente, esses índices
encontrados em cerca de 20 a 30% dos pacientes, ge- foram elaborados para serem utilizados como medidas
ralmente em títulos baixos ou moderados. Em algumas de avaliação em ensaios clínicos de novas terapêuticas
Situações, a presença de ANA na AR deve-se à síndrome para a AR, mas progressivamente têm sido Incorpora-
de Sjogren secundária ou à síndrome de Felty associada. dos por muitos especialistas na rotina de avaliação de
Alguns anticorpos di recionados contra antígenos pacientes com AR, sendo possível o acesso pela lmernet
nucleares, como o anti-RA33. parecem cer alguma re- (www.das.org).
levância para a patogénese e diagnóstiCO da AR. Esses
anticorpos reagem com proteínas associadas ao RNA
mensageiro imaturo (hnRNA) e foram originalmente MON ITO RAMENTO DA TERAPÊUTICA NA AR
identificados em cerca de um terço dos pacientes com
AR. Entretanto, apresentam especificidade inferior à dos Sendo a AR uma doença crônica de controle muitas
anticorpos amipeptídeos citrulinados para o diagnósti- vezes difícil, que exige o uso de mais de um medicamen-
co de AR, podendo ser encontrados em outras doenças to, é preciso estar atento quanto aos efeitos colaterais das
reumáticas, como o lúpus eriremacoso sistémico e a do- drogas e interações medicamentosas. Fazem parte do ar-
ença mista do tecido conjuntivo. A pesquisa de anticor- senal de medicamentos disponíveis para tratamento da

Investigação laboratorial do paciente com artrite reumatóide 723


AR os corricosreróides, amiinflamarórios não esteróides dos paciemes. Arualmeme. recomenda-se que rão logo o
(AINEs) e várias drogas modificadoras de doença. enue diagnóstico de AR seja esrabelecido, se inicie tratamento
as quais os antimaláricos, a sulfassalazina. o mewuexato, adequado com o uso de drogas modificadoras de do-
os sais de ouro, o leflunomide, a ciclosporina e os agentes ença (DMARDs), uma vez que o dano articular ocorre
biológicos (antiTNF e inibidores de IL-1). precocemente, já nos primetros três anos da doença.
Existe muita discussão na literatura sobre o desempe-
Quadro 58.4 - fndices de avaliação do scacus de aciv1dade nho dos critérios de classtficação do ACR de 1987 para o
da artrite reumatóide diagnóstico precoce da AR. Apesar de terem sido criados
com o propósito de classificação e não de diagnóstico, têm
Índice Parâmetros utilizados sido largamente utilizados na prática clínica com propó-
ACR n° de articulações dolorosos sito diagnóstico. Diversos estudos têm demonstrado que
n° de articulações edemociodos
estado global de saúde avaliado pelo médico a sensibilidade e especificidade dos critérios do ACR para
estado global de saúde avaliado pelo paciente diagnóstico de AR de início recente variam de 83.5 a 90%
capacidade funcional
e de 86 a 90%, respectivamente. Entretanto, Saraux et ai.
dor
VHS ou PCR demonstraram que alguns desses critérios (artnte em mats
DAS n° de articulações dolorosos de três articulações. artnte em pequenas articulações das
n° de articulações edemociodos mãos, artrite simétrica e rigidez matinal). embora muito
estado global de saúde a valiado pelo paciente
VHS sensíveis para AR. são pouco específicos; enquanw os ou-
SDAI n° de orhculoções dolorosos
tros (nódulos reumatóides e alterações radiológicas típicas)
n° de articulações edemociodos são muiw específicos, mas pouco sensíveis nas fases iniciais
estado global de saúde avaliado pelo médico da doença. Nesse mesmo estudo. o fawr reumatóide foi o
estado global de saúde avaliado pelo paciente
VHS ou PC R critério ACR que apresentou isoladamente o melhor de-
sempenho e constttuindo-se no critério do ACR com mato r
valor predititivo para AR. Ainda assim, o FRé um elemento
de pouca especificidade, já que é encontrado com razoável
São bastante conhecidos os efeiws adversos relacio- freqüência em diversas condições inflamatórias sistêm icas.
nados ao uso crônico de corticosteróides e AINEs. em Nesse sentido, os anticorpos contra pepcídeos citrulinados
especial o dtabetes e a osteoporose induzidos pelos pri- apresentam uma de suas melhores propriedades, já que
meiros e a redução da função renal pelos últimos. Em ocorrem quase que exclusivamente na AR.
relação às outras medicações utilizadas no tratamento Acualmente, muiw esforço tem sido direcionado
da AR. mUltas delas apresentam como principais efeiws para a identificação de fawres prognóstiCOSque auxiliem
colaterais mielowxicidade e hepawtoxicidade. na diferenciação de quadros de artrite de início recente
Portanto, é importante o conhecimento da farmaco- com potencial de evolução para artropatia erosiva, pro-
logta dessas medicações para solicitar os exames adequa- gressiva e destrutiva, como a AR. daquelas persistentes,
dos a intervalos regulares para o moniwramento seguro mas não erosivas, e/ou de quadros articulares aurolimi-
dos efetros adversos relacionados à terapêutica na AR. tados. Entre as variáveis laborawriais estudadas, a pre-
sença de fawr reumatóide, de anticorpos antipeptídeos
citrulinados, em especial o antiCCP, e de alguns subtipos
CONSIDERAÇÕES FINAIS de HLA DR4 foi associada a maior risco de evolução de
artrite persistente e erosiva. Diante dessas considerações,
O grande desafio arual quanto ao manejo da AR re- embora o fator reumatóide seja o úntco exame labora-
side em realizar o diagnóstico da doença o mais rápido torial incluído nos critérios de classificação do ACR para
possível. pois existem evidências de que a instituição de AR, a pesquisa de anricorpos antipeptídeos citrulinados
tratamento precoce e agressivo melhora a evolução da também pode auxiliar o diagnóstico precoce da AR, sen-
doença. reduz a velocidade da progressão radiológica e do especialmente útil na avaliação de casos sugestivos de
incapacidade funcional. melhorando a qualidade de vida AR com fawr reumatóide negativo.

724 [ Medicina laboracorial para o clínico


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ção inicial para estabelecer-se o diagnóstico, não se apre- 10. Slack SL Mann1k M, Oale BA. 01agnosnc value of antl-
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senta como um teste útil para triagem. pelo seu baixo
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valor preditivo negativo. nem para confirmação. pelo seu 11. Van Gaalen FA, L1nn-Rasker SP. van VenroOIJ WJ. de
também baixo valor preditivo positivo. A pesquisa de Jong BA. Breedveld FC Verwe J CL et ai. Auroannbod-
anticorpos antipeptídeos citrulinados e antifilagrina tem ies to cyclic cirrulhnated peptides predict progress1on
m rheumamid arthriris in parienrs with undifferentiared
se mostrado promissora para o diagnóstico nas fases ini-
arrhritis. A prospecrive cohort srudy. Arthritis Rheum.
ciais, além de apresentar mais especificidade que o FR. 2004;50:709-15.
Entre pacientes com poliartrite de início recente, os an-
ticorpos antipeptídos citrul inados apresentam alto valor
preditivo positivo para evolução de arrrite reumatóide.

Investigação laboratorial do pacienre com artrite re umatóide 725


Rômulo Carvalho Vaz de Mel/o

59 Guilherme Birchal Coi/ares

INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL DOS


MARCADORES TUMORAIS

O organismo humano saudável encomra-se em número de mortes, seguido por estômago, próstata e
perfeim estado de equilíbrio emre famres que levam esófago. Já no sexo feminino, a mortalidade por câncer
à agressão tecidual e famres de proceção_ O desen- é maior nas neoplasias da mama, seguido por pulmão,
volvimemo de neoplasias é um exemplo de alteração estômago e cólon e rem.
nesse equilíbrio, seja por agressão extensa, deficiência Atualmeme, o câncer é entendido como uma do-
dos mecanismos de proteção ou mesmo soma desses ença multifatorial (Figura 59.1). Vários agentes podem
fatores_ O termo câ ncer pode ser definido, de manei- atuar na célula, levando à alteração em seu material
ra simplificada, como a proliferação anormal de um genético, o que faz com que essa célu la não mais res-
grupo celular, com crescimemo autónomo e perda da ponda aos sistemas de controle e balanceamento fisio-
dife renciação celular. lógicos para o grupo celular, passando a multiplicar e
Além de ser uma doença de elevada incidência dividir-se descontroladamente. Além dism, observa-se,
em todo o mundo, o diagnóstico de câncer provoca muitas vezes, perda da capacidade de diferenciação
grande temor, justificado pela alta taxa de mortalida- dessas células. A grande marca da neoplasia maligna é
de. Someme em 2002. estima-se que essa enfermidade a mutação do DNA em várias classes de genes, incluin-
tenha afetado cerca de 11 milhões de pessoas, causan- do os promotores do crescimento (oncogenes), os que
do mais de 6 milhões de mortes. Segundo dados do controlam o crescimento (supressores de tumor) ou,
Instituto Nacional do Câncer - INCA, estima-se, para ainda, genes que regulam o apopmse, resultando em
o ano de 2008, mais de 467 mil novos casos de câncer expansão clonai da célula. Dietas ricas em gorduras e
no Brasil, sendo a segunda principal causa de morte calorias em detrimento da ingesta de frutas e verduras
entre os brasileiros, superado apenas pelas doenças do parecem correlacionar-se com o desenvolvimento de
aparelho circulatório. No sexo masculino, excetuando- vários tipos de rumores. Várias substâncias classificadas
se os tumores de pele não-melanomas, os mais inci- como indutoras já possuem papel definido na gênese
demes são os da próstata, pulmão. estômago e cólon e de neoplasias. O álcool e o cigarro; agentes químicos,
rem. No sexo feminino, o mais incideme é o da mama, como o asbesto, benzeno e inúmeros outros; agentes
seguido por colo do útero, cólon e reto e pulmão. Em infecciosos, como os vírus; e radiação ionizante são al-
decorrência das diferenças de agressividade e evolução, guns dos fatores inducores recon hecidos. t importame
a mortalidade por câncer não acompanha a incidência lembrar, porém, que o aparecimento de uma neoplasia
dos diferentes tipos de neoplasia. Assim, no sexo mas- depende não apenas da presença de agentes indutores,
culino, o câncer de pulmão é o responsável pelo maior mas, também, da susceptibilidade genética individual.
Agentes Fatores
Qím icos Ambienta is

Agentes Predi sposição


Físicos Genético

Mutação no DNA

Perda do controle
e do regulação

Proliferação A lterações na
rápido diferenciação
celu lar

i Proteínas normais e Proteínas ca rcinoembrionários e


metabálitos ma rcadores ectápicos

Figura 59:1 - Atuação dos vários fawres de agressão sobre a célula. levando à alteração cenual da neoplasta maligna: a mutação do DNA.
Após esse even to, a célula perde seus mecanismos de controle e regulação e segue-se a expansão clonai da célula, com produção de exa-
gerada de metabóliws ou produws celulares fisiológicos ou produção de proreínas anómalas.

O conjunto desses agravos atuando sobre a célu- processo de malignidade já se encontra em estado avan-
la leva a alterações no material genético, traduzido por çado. Portanto, a real utilidade dos marcadores tumo rais
mutações, translocações e deleções; secreção exagerada atuais encontra-se no monitoramento do cratamenco e
de metabólitos fisiologicamente produzidos pela célula; na detecção de recidivas.
e produção e expressão de moléculas anómalas na su-
perfície celular.
HISTÓRICO

CONCEITO O primeiro marcador tumoral descrito foi a proteína


de Bence-Jones, em 1847. Inicialmente uma descoberta
Segu ndo Tietz, o marcador tumoral ideal seria con- casual, quando o próprio verificou a presença de um
ceituado como: "substância produzida exclusivamente precipitado protéico ao aquecer a urina de alguns pa-
pelo tumor ou pelo organismo em resposta a ele, espe- cientes, que acabou sendo, posteriormente, identificado
cífica para um determinado tipo celular, sensível o bas- como a cadeia leve, monoclonal da imunoglobulina se-
tante para permitir o rastreamento e o diagnóstico de cretada por células tumorais de paciences portadores de
pequenas massas tumorais potencialmente curáveis". ln- mieloma (Tabela 59.1).
felizmente, as substâncias disponíveis atualmente para o A partir de 1928, seguiu-se a utilização de enzimas,
uso como marcadores tumorais não possuem essas ca- hormônios e proteínas no diagnóstico de tumores. Po-
racterísticas. Na maioria das vezes, o marcador está pre- rém, somente em 1963 iniciou-se o monitorame nco de
sente tanto em tecidos benignos quanto malignos, sem tumores por meio de marcadores tumorais pro priamen-
possuir valor de corte claro que permita a distinção entre te ditos, com a descoberta da alfafeto proteína por Abelev
esses dois tipos de processo. Outras vezes, qua ndo apre- e do ancígeno carcinoembrionário, em 1965, por Gold e
sentam alteração significativa em sua concentração, o Freeman. O desenvolvimento das técnicas de fabricação

728 [ Medicina laboratorial para o clínico ] f - - - - - -- -- - - - - - -- - -- -- - - - -- - -- - - - -


BAIXA PADRONIZAÇÃO METODOLÓGI CA
e manipulação de anricorpos monoclonais possibilirou a
detecção de vários outros antígenos protéicos expressos
em maior quanttdade em células de linhagem tumoral, Apesar dos esforços feitos pelos fabricantes na ten-
como oCA 125. Recentemente, com a disseminação das tativa de padronizar as dosagens, ainda está longe de ser
técnicas de biologia molecular, vários genes relacionados observada uniformidade nos resultados apresentados
à fisiopacogenia do câncer, como oncogenes e genes quando o mesmo analrro é dosado por mérodos diferen-
supressores tumorais, passaram a ser escudados. consti- tes. Desta forma, resultados obtidos em um laboratório
tuindo uma nova classe de marcadores tumorais. não devem ser comparados com os obtidos em outro,
especialmente se os mécodos ou fabricantes dos ensaios
Tabela 59.1 - H rstónco dos marcadores rumorars forem diferentes. Isto é muito importante quando se está
monirorando paciente portador de neoplasia, com um
Ano Autor Marcador marcador tu moral. Os exames desse indivíduo devem
1846 H . Bence:lones Proteína de Bence:]ones ser realizados sempre no mesmo laboratório. Este, por
sua vez, tem obrigação de manter a mesma merodologta
1928 W. H. Brown Síndrome hormonal
eclópico em uso por um período de tempo adequado e evenruats
1930 B. Zondek hCG
trocas devem ser precedidas por validação rigorosa.

1932 H Cush,ng ACTH

1949 KOh·Uh Deleções em ontígenos EFEITO GANCHO


do grupo sanguíneo
1959 C Morken lsoenzrmos Característica exclusiva dos imunoensaios do tipo
1963 G . l. Abelev AFP
"sanduíche" ou não-competitivos. Quando acontece,
apesar da amosrra apresentar nível muiro elevado de
1965 P. G old ond S. Freemon CEA
uma substância, o valor da dosagem está dentro do In-
1969 R. Heubner e G . Todoro O ncogenes tervalo de referência ou muito próximo dele. O analiro
é colocado no poço de reação e reage com o anticorpo
1975 H ohrer e G Milstein Anticorpos mo noclonors
fixado à fase sólida. Como ele se apresenta em grande
1980 G Cooper, R. W einberg Probes de oncogenes e concentração, ocorre saturação dos sítios de ligação,
eM. Bishop tronsfecçõo
permanecendo boa parte das moléculas livres na sus-
1985 H Horns. R Sogere Genes supressores
A Knudson
pensão. O segundo anticorpo que faz a marcação da
ligação entre analito e anticorpo fixado à fase sólida
Adaptado de Chan DW. Sell S. Trerz Fundamentais of Chn1cal Chemrsrry liga-se não neste imunocomplexo, mas nas moléculas
1996:326·3'•0 que ficaram livres na suspensão. Com a etapa de lava-
gem, o anticorpo marcado é lavado JUntamente com as
ASPECTOS METODOLÓGICOS IMPORTANTES moléculas livres, ocasionando resultado falso-negativo.
Grande parte dos fabricantes conseguiu di minuir bas-
tante a ocorrência desse efeito em seus ensaios a partir
A maioria dos marcadores tumorais utilizados na do aumento no número de sítios de ligação. Porém,
prática clínica é dosada por imunoensaios. Todo imu- ainda pode ser encontrado. Suspetta-se de sua ocor-
noensaio apresenta a mesma base (mecodológica): li- rência em paciente com níveis prévios muiro elevados
gação do antígeno com o anticorpo, variando entre si do marcador, mas que na dosagem seguinte passa a
pela maneira de revelação dessa ligação - substratos apresentar valores normais ou pouco elevados sem
quimiluminescentes, enzimáticos, fluorimétricos, etc. É que tenha sido realizado procedimento algum para rra-
rm portante, portanto, conhecer alguns facores que po- tamento da neoplasia, que pudesse levar à queda nos
dem ter influência nessa reação, trazendo problemas na níveis do marcador; ou naquele com doença extensa.
interpretação do resultado. que seriam esperados níveis bastante elevados. Essa

Investigação laboratorial dos marcadores tumorais 729


APLICAÇÃO CLÍNICA
suspeita deve ser informada ao laboratório para que
DOS MARCADORES TUMORAIS
as providências necessá rias a fim de evitar esse efeiro
possam ser romadas e o resultado ser liberado com se-
RASTREAME NTO
gurança (Figura 59.2).

a) b)

• •••• Mais da metade das solicitações de testes para mar-
cadores tumorais são feitas com o intuito de rastrear ne-
•• • •
y y y y y y y •••••••
y y y
y y y y
oplasias. Isto reflete a falta de conhecimento de grande
parte dos clínicos a respeito desse tema. A maioria dos
marcadores está presente em tecidos sadios e em cresci-
"A + ;.! + "A "A
"A "A "A .A ••• ;<+ mentos benignos ou malignos. Portanto, nenhum deles
••••
y y y y
y y y •••••••
y y y y y y y possui sensibilidade e especificidade suficientes para ser
utilizado no rasueamento. Além disso, soma-se a baixa
prevalência individual dos tumores na população geral,
o que diminui drasticamente o valor preditivo do teste,
.A .A "A .A
constituindo mais um fator contra o uso dos marcado-
x!! x!x! res nesse tipo de abordagem.
Figura 59.2 - a) Observa-se reação do tipo "sanduíche" aconte-
cendo de maneira correta. O analito liga-se ao primeiro anticorpo
fixado à fase sólida. A segu1r, o segundo anticorpo, marcado, liga-se DIAGNÓSTICO
a um outro sítio antigênico da molécula, formando um imuno-
complexo. A etapa de lavagem remove as substâncias não ligadas.
A presença do anal iro é revelada pela ação da marcação no subs-
As baixas sensibilidade e especificidade dos marca-
trato; b) Evidência de efeito-gancho: o anticorpo marcado liga-se dores atuais desencorajam seu uso com esse fim. Po-
às moléculas que estão livres na suspensão. A marcação é então dem, contudo, ser utilizados como testes adjuntos no
lavada. A presença do analiro não é revelada. diagnóstico, frente a um paciente com achado ou sus-
peita clínica bastante significativos. Mesmo neste caso,
poucos marcadores possuem valor de corte bem defi-
ANTICORPOS HETERÓ FILOS
nido que permita a distinção entre tumores benignos
e malignos. Contudo, é evidente que quanto maior a
São anticorpos humanos que podem se ligar a pro- concentração sérica do marcador ao diagnóstico, maior
teínas provenientes de animais de outra espécie (he- a chance de malignidade.
tero - filo). Como nos imunoensaios, são utilizados
anticorpos de coelho, camundongos, cabras, etc. para
detecção dos analicos. Anticorpos heterófilos podem MO NITORAMENTO DE TRATAMENTO
interferir, ligando-se a esses anticorpos e levando a re-
sultados tanto falso-posit ivos quanto falso-negativos . A Principal utilidade dos marcadores tumorais. Dimi-
presença desses interferentes é mais comum no soro de nuições no volume da massa tumoral geralmente são
pessoas que apresentam contam íntimo com animais, seguidas por diminuição nos valores do marcador a elas
como fazendeiros e veterinários, ou naqueles que, de- associada. Da mesma forma, os aumentos de volume da
vido a alguma situação específica, fizeram uso de soros massa - progressão da doença - também se associam
produzidos com anticorpos de animais. Existem relatos a elevações nos marcadores. A maioria correlaciona-se
desse tipo de interferência em quase todos os imuno- bem com a efetividade do tratamento, principalmente
ensaios para marcadores tumorais, como PSA, CA 125, cirúrgico. Ausência de queda de um marcador após a
tireoglobulina, e, especialmente, na dosagem da gona- realização de tratamento com fins curativos está asso-
dotrofina coriônica humana - hCG. São de ocorrência ciada à ressecção incompleta do tumor, recidiva ou pre-
rara, mas não desprezível. sença de metástases.

730 [ Medicina laboratorial para o clínico ]f - - - - - -- -- - -- - -- -- - -- - - -- - - -- - -- -


PaCienres submecidos a cracamenros curacivos devem nem rão sensível quanto se pensava, po1s 15 a 20% dos
ser monirorados pela dosagem do marcador associado tumores prostáticos não elevam seus níveis, nem tão es-
à neoplasia por ele apresentada. É notória a capacidade pecífico, estando presente em vários outros tecidos do
que vários marcadores possuem de apresentar elevações corpo humano, como glândulas uretrais, perianais, ma-
em seus níveis bem antes da detecção clínica ou radioló- márias e pancreáticas, tecido pulmonar sadio e endomé-
gica da recorrência da doença, possibilicando o emprego crio. Além de escar alcerado em decorrência do carcino-
de terapia adjuvante precocemente - se esta estiver dis- ma prostática, pode elevar-se devido a prostarite, infarto
ponível - que pode interferir na sobrevida do paciente. prostática, manipulação fís1ca da glândula, ejaculação e
hiperplasia prostática benigna.
O uso do PSA como marcador tumoral é cercado de
PROGNÓSTICO controvérsias e incertezas. pnncipalmenre no que tange
ao seu uso no rastreamenco em populações assinromá-
Aplicação dos marcadores que vêm aumentando ticas. Não existem evidências que comprovem diminui-
bastante nos últimos anos. Os estudos têm demons- ção na mortalidade pelo câncer da próstata secundária a
trado forte associação entre níveis elevados dos marca- essa prática. Há dois grandes estudos ra ndomizados em
dores e pior prognóstico. Vários protocolos de aborda- andamento, com término prevista para o fim desta dé-
gem de tumores já incluem a dosagem de marcadores cada, que talvez possam definir de uma vez se o rasrrea-
ao diagnóstico para estabelecimento do prognóstico e menro deve ou não ser recomendado. Se a resposta for
estadiamenco da doença. Apesar disso, poucos aurores positiva, espera-se ainda que sejam definidos, também,
recomendam mudanças terapêuticas baseadas em va- outros pomos: a idade na qual deva ser iniciado, qual o
lores alterados dos marcadores tumorais. Mesmo assim, intervalo entre as dosagens e quais os valores de corte
parece ser questão de tempo até que essa prática seja apropriados. As respostas atuais a essas questões foram
rot1ne1ra. baseadas mais em critérios empíricos do que Científicos.
dada à ausência destes nos dias de hoje.
A grande dificuldade em se chegar às respostas está
PRINCIPAIS MARCADORES relacionada à própria história natural dessa neoplasia.
TUMORAIS DISPONÍVEIS Caracteristicamente, possui elevada prevalência, porém
baixa monalidade. Cerca de 50% dos homens acima
Várias substâncias podem ser utilizadas como marca- dos 50 anos apresentam câncer de próstata à biópsia,
dores de wmor. Porém, para a maioria delas faltam estu- índ1ce que chega a 70% aos 70 anos. Alguns aurores
dos que corroborem seu uso e demonstrem os benefí- acreditam que os indivíduos que ainda não apresen-
CIOS de sua dosagem para o paciente. Serão abordados. a taram esse tumor é porque não viveram tempo sufi-
partir de agora. os marcadores que já atingiram um grau ciente para tal. Porém. a imensa maioria desses homens
mais elevado de padronização. tanto em relação à sua morrerá de outras causas que não o câncer da prósta-
aplicação clínica quanto à sua interpretação. ta. Todavia, esses tumores poderão ser detectados pelo
rastreamenro e os pacientes poderão sofrer algum t1po
de imervenção, trazendo mais malefícios do que o cân-
ANTÍGENO PROSTÁTICO ESPECÍFICO - PSA cer em si. Desta forma. temos. não só no Brasil. mas em
rodo o mundo, de um lado InStituições que não reco-
Descoberta por Hara et ai. em 1971, o PSA é uma mendam o uso do PSA no rastreamemo de pacientes
enzima produzida pelas células epiteliais da próstata, asslntomátiCOS, como o INCA, e de outro instituições,
que promove a liquefação do líquido seminal. Foi inicial- como a Sooedade Brasileira de Urolog1a, que recomen-
mente descrito como o protótipo do marcador tumoral da rasrreamenro anual a rodos os homens com 1dade
ideal: ótima sensibilidade. permitindo seu uso no rastre- acima de 50 anos e abaixo de 70 anos, com expectativa
amento do câncer da próstata, e altamente específico de vida superior a 10 anos. Para os pacientes com risco
para este tecido. Sabe-se. hoje. porém, que o PSA não é mais elevado, a idade de início no rastreamenro passa a

Investigação laboratorial dos marcadores tumorais 731


ser 40 anos. Vale lembrar que a dosagem de PSA, mes- processo de envelhecimento. A Tabela 59.2 mostra os
mo quando utilizada no rasueamemo de câncer, não valores preconizados por alguns autores:
substirui o exame de coque retal.
O valor de corre para neoplasia é, também, alvo de
discussão. Com a utilização de valores acima de 4,0ng/ Densidade do PSA
ml, independentemente da raça ou da idade, obrêm-se
sensibilidade e especificidade médias de 71 e 75%, res- É obtida pela d ivisão do valor numérico da concen-
pectivamente, alcançando-se valores preditivos positivo tração sérica do PSA cotai pelo volume prostática es-
(VPP) e negativo (VPN) de 37 e 91%, respectivamente. timado pela ulrra-sonografia trans-retal. Valores supe-
Recentemente. vános autores e a Associação America- riores a 0.15 são indicativos de câncer de próstata. Essa
na de Câncer passaram a recomendar valor de corre de abordagem possui uso limitado por sofrer variabilidade
2.5ng/ml. Com esses níveis, a sensibilidade fica próxima avaliador-dependente na estimativa do tamanho da
de 90%, porém com queda da especificidade para níveis próstata, além de aumentar consideravelmente os cus-
de 20 a 30%. tos, pela necess1dade da realização da ultra-sonografia.
Na tentativa de melhorar a exatidão do PSA no diag- Apresenta desempenho inferior à relação entre PSA li-
nóstico de malignidade. existem algumas estratégias que vre e PSA rotai.
podem ser seguidas. Entre elas:

Velocidade do PSA
Valores de referência aj ustados por idade
Avaliação da variação da concentração sénca do PSA
Partindo do pressuposto de que a diminuição do total em um determinado período de tempo, em geral
limite superior do valor de referência pode aumentar um ano. Elevações superiores a 0,75ng/ml/ano são ob-
a detecção de tumores em pacientes mais jovens nos servadas em pacientes com câncer de próstata. Possui
quais a prostatecromia radical é mais benéfica. a utili- também valor prognóstico, abordado mais adiante. Uma
zação de valores de referência ajustados por idade tem variante da velocidade do PSA é o PSA doublmg time, ou
sido preconizada. Essa abordagem leva. ainda. em con- seja, o tempo que o PSA leva para dobrar o valor de sua
Sideração a elevação dos valores de PSA decorrentes concentração sérica. Valores inferiores a dois anos pare-
do aumento no volume da glândula. parte natural do cem se correlacionar-se com doença agressiva.

Tabela 59.2 - Valores de referência para PSA ajustados por idade

Idade (anos) MMAS* Dalkin el o/. Oesterling e t o/. Lein e t o/.


PSA total (ng/ ml)**
40-49 2.0 1.75
50-59 284 35 3.0 2 27
60-69 5.87 54 4.0 3.48
70-79 9.03 6.3 5.5 4 26
% PSA livre
Todos os idades 13.2 15.0 12.6
• Massachusetts Mole Aging Group
' • L1m1tes suoeriores

Adaptado de Bunt1ng OS Chn Ch1m Acta 2002;31).71-91

732 [ Medicina laboratorial para o clínico )r-- - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


PSA complexado
Níveis sencos pré-operatórios de PSA entre 2 e
10ng/rnl não permitem predizer sucesso terapêuti-
Consiste na dosagem do PSA ligado à a,- co. ramo na prostatecromia radical quanto na terapia
antiquimiocripsina. Os estudos sobre seu desempenho com radiação. ou seja. um paciente com níveis séricos
diagnóstico são divergentes, uns moscrando desempe- de PSA de 2,0ng/rnl possui a mesma chance de cura
nho superior, outros inferior e outros, ainda, evidencian- que outro com nível de lOng/mL. t rara a presença de
do desempenho semelhante quando comparados ao metástases com valores de PSA aba1xo de 20ng/ml,
uso da relação entre PSA livre e PSA total, não sendo não sendo recomendado escaneamento ern busca de
utilizados com freqüência na prática clín1ca. metástases ósseas. Dificilmente um paciente com níveis
pré-operatórios de PSA acima de SOng/mL apresenta
doença restrita à próstata. Pacientes com velocidade de
Relação entre PSA livre e PSA total PSA superior a 2,0ng/ml por ano antes do diagnóstico
apresentam maior mortalidade em relação àqueles com
Abordagem mais utilizada na diferenoação entre velocidade de PSA 1nferior esse valor.
câncer da próstata e h1perplasia prostática benigna ou t 1mponame salientar que rodas as solicitações de
prosrarite. A relação é com freqüência mais baixa em pa- dosagem do PSA devem estar acompanhadas por exa-
cientes com o carcinoma. Deve ser usada em indivíduos me de urina rotina, visro que infecções do trato urinário
que apresentem níveis de PSA total situados entre 4,0ng/ podem alterar os valores desse marcador e dificultar a
ml (ou 2.5 ng/ml. como preconizam alguns autores) e imerpretação dos resultados.
IO,Ong/ml, intervalo conhec1do como "zona cinza". Os
valores de sensibilidade e especificidade variam rnuiro de
acordo com o ponto de corte estabelecido. sendo mais GO NADOTROFINA CORIÕNICA HUMANA,
comumente utilizado valor de 0,15 (15%), apresentando SUBUN IDADE BETA - ~ - H CG
sensibilidade e especificidade de 72 e 83% e valores predi-
tivos positivo e negativo de 91 e 56%, respectivamente. Hormônio sintet izado e secretado por células tro-
No moniroramento do tratamento, o PSA apresenta foblásticas, é produzido, de forma mais marcante, pela
uso consagrado. Níve1s 1ndetectáveis do marcador devem placenra. durante a gravidez. Porém, pode estar elevado
ser obtidos após prostatecromia radical. Devido à meia- em decorrência de outras situações. Como marcador
VIda do marcador ser de dois a três dias, seus níveis duas tumoral. apresenta relevância no monitoramento da do-
a três semanas após a prostateccomia devem estar abaixo ença trofoblástica gestaoonal e nos tumores de células
dos limites de detecção metOdológica. já que todo tecido germinativas dos testículos.
prosrát1co foi retirado. Níve1s elevados após esse período Na doença trofoblástica gestacional. deve ser usa-
devem ser encarados corno presença de doença residual do exclusivamenre no moniroramento do tratamento.
ou metástases. Geralmente, recomenda-se dosagem tri- sendo o mérodo mais confiável no acompanhamento
mestral no primeiro ano. quadrimestral no segundo, se- da moléstia. Após o tratamento, as dosagens devem ser
mestral até o quinto ano e anual após esse período. real1zadas semanalmente até a negativação, o que ocorre
Não existe consenso, ainda, ern relação ao valor que em até oiro semanas em 50% dos casos. Após dois testes
defina a recorrência bioquírn1ca do rumor. A divergên- negativos, espaçar as dosagens para três em três meses
cia está entre acima de 0,2ng/ml e acima de 0.4 ng/rn l. até um ano, quando a paciente é considerada curada.
Este último é, provavelmente. o mais adequado. pois os Quaisquer alterações nesse esquema devem ser encara-
rnérodos disponíveis para dosagem do PSA apresentam das como falha terapêutica ou reod1va.
grande variabilidade para amostras com valores lnfeno- Já nos tumores de células germ1nat1vas dos testículos.
res a 0.4ng/ml, conforme estudos do Colégio America- é recomendada sua avaliação sempre em conjunto com
no de Patologistas - CAP. O tempo enue elevação dos a alfaferoproteína - AFP. São pouco sensíveis para o diag-
níveis do PSA e recorrência clínica da doença varia de nóstico, apresentando elevação em somente 20% dos
um a cinco anos. pacientes com rumores precoces. Níveis mais elevados

Investigação laboratorial dos marcadores tumorais 733


são encontrados em estadias mais avançados da doença. lência aumentada alguns estudos mosuaram benefício
Apesar da baixa sensibilidade, podem auxiliar na diferen- dessa abordagem. Porém, rodos eles apresentaram me-
ciação do tipo hisrológico do rumor (Tabela 59. 3). todologia estatística pouco confiável e, portamo, não
podem servir como base científica para essa recomen-
Tabela 59.3 - AFP e ~-hCG nos tumores de células germi- dação. Estudos mais bem controlados têm mostrado
nativas dos testículos, ao diagnóstico que a AFP não apresenta valores de sensibilidade, espe-
cificidade e preditivos suficientes para ser recomendado
AFP ~-hCG como método de triagem para o carcinoma hepatoce-
Tumor
elevada elevado lular nem mesmo em portadores de condições sabida-
Seminomo e disgerminomo Não Pouco mente associadas ao desenvolvimento dessa neoplasia,
Carcinoma de células embrionários Sim Sim como os hepatopatas crónicos e portadores de hepati-
tes virais crónicas.
Teratomo Não Não
Para o diagnóstico em casos suspeitos de carcino-
ma hepatocelular, AFP também apresenta valor limita-
do. A recomendação é apenas para uso como auxiliar
Seu uso é imperativo no monitoramemo do trata- diagnóstico, confirmatório em indivíduos com fawres
mento, no qual a resposta à quimioterapia só é aceita de risco. portadores de nódulo hepático. Valores eleva-
quando os níveis se normalizam, sendo recomendada dos de AFP, acima de 100 ou 200ng/ml, nesse tipo de
dosagem semanal durante o tratamento. Ausência de paciente possuem especificidade superior a 95% para o
queda dos marcadores indica pior prognóstico e a terapia carcinoma hepatocelular.
deve ser alterada. Após o tratamento, recomenda-se do- Níveis elevados após procedimento cirúrgico podem
sagem mensal no primei ro ano, bimestrais no segundo e indicar ressecção incompleta do rumor ou presença de
terceiro anos e semestrais até o quinto ano. Elevações de metástases.
~-hCG ou da AFP geralmente são a primeira evidência Os valores de alfafewproteína não possuem associa-
da recorrência da doença, sendo recomendado retorno ção com o tipo histológico do tumor, com o seu tama-
da terapia com base nessa elevação. nho ou presença de metástases, não apresentando valor
Pacientes que apresentam níveis de AFP superiores a prognóstico.
10.000ng/ml ou de ~-hCG superiores a SO.OOOUI/ml ao
diagnóstico apresentam pior prognóstico, com sobrevi-
da média de 50% em cinco anos. ANTÍGENO CARCI NOEMBRIONÁRIO - CEA

Glicoproteína oncofetal. está expressa de manei-


a- FETOPROTEÍNA -AFP ra fisiológica na superfície de células mucosas. Níveis
pouco elevados do CEA, geralmente até 10ng/m l ,
Pertence à classe dos amígenos oncofetais, sendo podem ser encontrados em várias situações clínicas,
uma das principais proteínas produzidas pelo feto. Seus como úlcera péptica, doença inflamatória intestinal,
níveis começam a declinar com o nascimento, atingindo pancreatites, cirrose, obstrução biliar e em tabagistas.
os níveis de adulw até o fim do segundo ano de vida. A superexpressão dessa proteína ocorre na presença
Pode estar alterada em decorrência de várias siruações de adenocarcinomas diversos, estando elevada em
clínicas, como hepatite e cirrose hepática. Utilizada decorrência de neoplasias do colo, rem, estômago e
como marcador tumoral para o moniroramento dos tu- mama, entre outros. Apesar disto, é indicado apenas
mores de células germinativas dos testículos. como visto como marcador no carcinoma coloretal.
anteriormente, e no carcinoma hepatocelular. Como w do marcador tumoral. apresenta sensibilida-
O rasueamemo do carcinoma hepawcelular por de baixíssima para essa neoplasia, inferior a 40%, com es-
meio da dosagem da AFP na população geral não é re- pecificidade de cerca de 85%, principalmente em lesões
comendado. Apesar disto, em populações com preva- precoces, não sendo recomendado para o rastreamenw.

734 [ Medicina laboratorial para o clínico ]1-- - - - - - - - - -- - -- - -- - -- - -- - - -- - - --


Possui uso limitado para o diagnóstico, não sendo utili- crônicas de células B, linfomas não-Hodgkin e o mieloma
zado rotineiramente para esses fins. Todavia, níveis cinco múltiplo. Nesses casos, seu uso restringe-se ao monitora-
vezes acima do valor de corre em pacientes sintomáticos mento da arividade dessas doenças. É importante lembrar
e com suspeita clínica de câncer são bastante sugestivos, que boa parte dessas neoplasias não produz ~2M (até 10%
indicando propedêutica complementar investigativa. dos casos de mieloma múlciplo), o que inviabiliza sua utili-
Cerca de 50% dos pacientes cracados cirurgicamente zação nesses casos. Mais recentemente, rem sido apontada
evoluem para cura. Os níveis do CEA devem recornar aos como importante faror prognóstico nessas doenças. Nos
valores de normalidade entre quatro e seis semanas após portadores de mieloma múltiplo, é o principal faror prog-
a ressecção cirúrgica. Nos pacientes com doença metas- nóstico, sendo que valores abaixo de 2ng/dl estão associa-
tática no fígado, é recomendada a solicitação do CEA no dos a bom prognóstico, enquanto valores acima de 6ng/dl
pré e pós-operatório, na tentativa de verificar a eficácia estão associados a pior prognóstico. Atenção especial deve
do tratamento cirúrgico para remoção dos implantes. ser dispensada à função renal desses pacientes, visto que
O monitoramento do paciente pós-cirúrgico com CEA pode dificultar a interpretação dos resultados.
apresenta sensibilidade de 80% e especificidade de 70% na
detecção de recorrências ou merásrases, com tem po mé-
dio de cinco meses entre início da elevação e detecção ci- TIR EOGLOBULINA
rúrgica da recorrência. Sugere-se solicitar dosagem do CEA
a todos os pacientes candidatos a tratamento cirúrgico. Glicoproreína produzida pelas células foliculares de
que estejam no estadia 11 ou III da doença. As dosagens rireóide. Encontra-se elevada em qualq uer situação, be-
devem ser realizadas a cada 2-3 meses após o tratamento, nigna ou maligna. que leve a aumento da glândula, por-
por pelo menos três anos. Após, esse intervalo pode ser es- tanto, não possui valor diagnóstico. É o melhor método
paçado para dosagens semestrais. Apenas elevações acima para monitoramento de pacientes portadores de carci-
de 25-30% do valor basal são consideradas significantes. nomas diferenciados da rireóide submetidos à terapia
O CCA é considerado faror prognóstico independen- curativa, com retirada completa da ti reóide. Deve ser
te da idade, tamanho tumoral e envolvimento nodal. Em lembrado que alguns pacientes são submetidos à tireoi-
pacientes no estadia 11 da doença, cuja terapêutica não decwmia parcial. com retirada de metade da glândula e,
está bem estabelecida, valores elevados de CEA indicam nestes casos, a dosagem da tireoglobulina não deve ser
pior prognóstico, sugeri ndo a uti lização da quimiOtera- realizada com fins de moniroramento.
pia como adjuvante no tratamento desses pacientes. Após a tireoidectomia total. os pacientes devem
apresentar valores inferiores a O,Sng/ml. Níveis elevados
da proteína podem indicar a presença de micromerás-
~ 2 -M I CROG LOBU LI NA - ~2M tases, devendo ser considerada terapia adjuvante. No
segui mento pós-operatório, qualquer elevação da rireo-
Proreína de baixo peso molecular, expressa na super- globulina deve ser encarada como recidiva e os pacientes
fície da maioria das células nucleadas, relacionada ao an- devem ser investigados. Apresenta sensibi lidade de 88%
tígeno de histocompatibilidade humano - HLA. Liberada e especificidade de 99% na detecção de recorrência. Não
na circulação em decorrência do metabolismo das células apresenta valor prognóstico.
nucleadas, passa pelos glomérulos e é reabsorvida pelos Não deve ser utilizada no moniwramento dos carci-
túbulos renais proximais. Encontra-se alterada em várias nomas medulares da tireóide.
situações, como doenças inflamatórias - hepatites, AIOS,
lúpus eritematoso sistêmico, art rite reumatóide e doenças
que cursam com di minuição da função renal. onde há dis- CA 15-3
túrbios na fil tração glomerular ou da reabsorção tubular.
Níveis séricos de ~2M correlacionam-se com arividade O gene MUC-1 codifica uma glicoproreína que está
de linfócitos, sendo utilizada como marcador de neopla- presente na superfície apical de células epiteliais. princi-
sias linfóides de células B, incluindo as leucemias linfóides palmente da mama. Pacientes portadores de carcinoma

Investigação laboratorial dos marcadores tumorais 735


mamário apresentam aumento da expressão dessa pro- Apresenta, da mesma forma que oCA 15-3, péssimo
teína, o que leva a aumento nos seus níveis circulantes. desempenho no rasrreamenro e diagnóstico do carcino-
Existem dois imunoensaios disponíveis para a dosagem ma mamário, com sensibilidade de cerca de 30% para
sérica dessa proteína: CA 15-3 e oCA 27.29. De maneira lesões precoces, desencorajando seu uso com essas fi-
geral, o desempenho deles é equivalente. nalidades.
A escolha entre oCA 15-3 ou CA 27.29 no monicora- Existem poucas referências em relação ao uso do CA
mento de uma neoplasia mamária deve ser baseada me- 27.29 no monitoramento do tratamento, mas alguns es-
nos no desempenho individual de cada um deles, se é que tudos têm demo nstrado boas sensibilidade e especifici-
essa diferença existe, e mais na faci lidade que o clínico rem dade na detecção da recorrência, em média cinco meses
para fazer uso do marcador, levando em consideração qual ames da detecção clínica da mesma.
deles está disponível e melhor padronizado no laboratório
da instituição em que estiver aruando. Em nosso meio, o
exame mais comumente utilizado é oCA 15-3. CA 19-9
O CA 15-3 apresenta baixa sensibilidade para doen-
ça precoce, não sendo indicado para rasrreamento ou Glicoproteína do tipo mucina, cuja expressão é de-
diagnóstico. Somente 23% dos pacientes com câncer pendente do produto do gene Lewis, do grupo sangüíneo.
primário e 69% com câncer metastático apresentam ní- Desta forma, os indivíduos que não possuem o antígeno
veis elevados do marcador Além disso, cerca de 5% da Lewis, aproximadamente 5% da população, também não
população geral também podem apresentar níveis ele- expressam essa glicoproteína. É produzido por células
vados do marcador. dos canalículos biliares, fígado, pâncreas, cólon e endo-
Aproximadamente 66% dos pacienres com regressão méu io. Altera-se em situações ben ignas envolvendo es-
da doença induzida por quimioterapia apresenram re- ses órgãos, como cirrose, colestases, colangites e pancre-
dução dos níveis de CA 15-3; 73% com doença estável atites, porém, com níveis que dificilmente ultrapassam
mantêm níveis estáveis e 80% com doença progressiva 100UI/ml (cerca de três vezes o valor de referência). Uti-
apresentam elevação nos níveis desse marcador. Detecta lizado como marcador do carcinoma pancreático e do
doença recorrente dois a nove meses ames de haver evi- carcinoma de vias biliares - colangiocarcinoma.
dência clínica ou radiológica, com sensibilidade de 67% e O CA 19-9 apresenta sensibilidade e especificidade
especificidade de 92%, em média. Pacientes que recebem bastante elevadas na detecção de recorrência do câncer
tratamento com base exclusivamente na elevação dos de pâncreas, após tratamento cirúrgico. Níveis pré-cirúr-
níveis de CA 15-3 apresentam maior intervalo enue ele- gicos acima do valor de corre - 37UI/ml estão associa-
vação dos níveis e detecção da doença, em comparação dos à irressecabilidade do tumor. Valores muito elevados
com pacientes que não recebem tratamento algum. associam -se a pior prognóstico.
Estudos recentes têm mostrado que pacientes com No colangiocarcinoma, valores acima de 100U I/ml
níveis pré-operatórios acima de 30U/L apresenram pior possuem sensibi lidade de 60 a 80% no diagnóstico. Va-
prognóstico, independentemente do tamanho do tu- lores muito elevados, acima de 1000UI/ml, associam-se
mor, envolvimento nodal e idade. fortemente à irressecabilidade do rumor.

CA 27.29 CA 125

lmunoensaio que mede a glicoproteína MUC-1 circu- Glicoproceína presente no envelope seroso que reco-
lante, da mesma forma que oCA 15-3, porém, ligando-se bre os ovários e algumas cavidades do organismo. Altera-
a um sítio diferente na molécula da proteína. Está ele- se em várias situações benignas. como cirrose hepática,
vado em vários transtornos benignos da mama, fígado, hepatite, endometriose, pericardite, gravidez, e malignas,
rim e ovário, porém, na maioria das vezes, com valores principalmente no câncer do ovário, mas também nos
inferiores a 100 Ul/ml. rumores do endométrio, do pâncreas, pulmão e mama.

736 ( Medicina laboratorial para o clínico


Seu uso como marcador tumoral se rescringe ao car- são (proco-oncogenes) para o estado de acivação (anca-
cinoma ovariano. A sensibilidade geral para o diagnóstico genes), estimulando proliferação e divisão celulares. Já os
fica em rorno de 80%, porém é menor que 50% para tu- supressores de tumor são genes que inibem a proliferação
mores precoces, no estadia I da doença, o que. somado à e multiplicação celular, a partir de vários mecanismos.
ba1xa prevalência da neoplasia, inviabiliza seu uso no ras-
creamemo. Além disw, escudos prospeccivos demonscra-
ram não haver redução da mortalidade com essa prática. HER-2/neu (c erbB 2)
Grande aplicabil idade no diagnóstico diferencial de
massas anexiais palpáveis. Utilizando-se valor de CA 125 Oncogene que determina a formação de uma prote-
de 6SUI/ml, obtêm-se excelentes valores de sensibi lida- ína ligada à membrana celular, também chamada HER-2/
de, especificidade e preditivos para o carcinoma ovaria- neu. Ela é expressa fisiologicamente em células epiteliais
no, principalmente em mulheres pós-menopausadas. de vários órgãos, como pulmão, pâncreas, mama e prós-
O marcador correlaciona-se com a atividade da tata. A superexpressão ou superamplificação do gene
doença, sendo, porta nto, excelente ferramenta para HER-2/neu, presente em 25% dos pacientes com câncer
o monicoramento do tratamento, orientando a tera- de mama, leva ao aumento na densidade da proteína
pêutica. Valores elevados após três ciclos de quimiote- expressa na membrana das células. A HER-2/neu sérica
rapia estão relacionados à resposta ru im e pior prog- é formada a partir da clivagem do domínio extracelu-
nóstico. Pacientes submetidas a tratamento curativo lar dessa proteína, sendo lançada na corrente sangüínea
deve m ser monicoradas através de dosagens de CA como um antígeno, o que possibilita sua detecção por
125 trimestrais por dois anos e semestrais após esse imunoensaios. Ela pode refletir o estado de expressão do
período. Elevações do marcador indicam recorrência gene no rumor. A determinação do status da proteína
e nova terapêutica deve ser considerada. Níveis pré- tecidual HER-2/neu é importante, pois seleciona, entre as
operatórios mui to elevados estão associados a menor mulheres portadoras de carcinoma da mama metastáti-
sobrevida em cinco anos. co, as candidatas à terapia com a herceptina, um anncor-
po monoclonal que bloqueia essa proteína.
Seu uso não está indicado para rastreamento nem
MARCADORES GENÉTICOS para diagnóstico da neoplasia da mama. No moniro-
ramento de tratamento, vários estudos mostram que
Nova classe de marcadores tumorais. Começaram pacientes com níveis elevados de HER-2/neu sérica apre-
a ser mais bem estudados nos últimos anos. Seu uso sentam pior resposta à quimioterapia, boa sensibilidade
na prática, além de poder vir a auxiliar no diagnósti- e especificidade na monitorização de recorrência em pa-
co, avaliação do prognóstico e resposta a tratamento, cientes positivos pré-tratamento. Pelo menos três estu-
pode determinar, também, mudança no foco da abor- dos, rodos retrospectivos, demonstram pior prognóstico
dagem, passando-se da procura pelo tumor em si ou e menos tempo livre de doença em pacientes com níveis
por suas manifestações para a procura por marcadores elevados de HER-2/neu sérica.
de suscetibilidade individual a cercos tipos de tumo-
res, buscando-se, a partir daí, estratégia preventiva. O
real valor da maioria desses marcadores ainda não está p -53
bem definido na literatura. Vários problemas relacio-
nados à fa lta de padronização das metodologias nos É um gene que controla a divisão celular, porém pode
laboratórios e à metodologia estatística util izada nos perder essa função em decorrência de alguma deleção
escudos disponíveis limitam o seu uso rotineiro e a in- ou mutação puntiforme. A grande maioria dos cânceres
terp retação de seus resultados. de cólon, mama e pulmão apresenta deleção ou muta-
Duas classes princi pais de genes estão sendo mais ção em um alelo desse gene. Apesar desse achado, não
pesquisadas. Os oncogenes são os que sofrem alguma se recomenda a pesquisa rotineira de alterações desse
mutação e passam do estado inativo ou de baixa expres- gene nessas neoplasias.

Investigação laboratorial dos marcadores tumorais 737


BRCA1e2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aproximadamente 5 a 10% dos cânceres de mama Os princípios que regem a utilização dos marcadores
são causados pela mutação em um gene de predispo- tumorais na prática clínica são os mesmos para a maioria
sição a esse câncer. BRCAl e BRCA2 são os mais im- deles, senão todos, e estão resumidos na Tabela 59.4.
porcames. Mulheres com hiscória familiar de câncer de Os escudos acuais mosuam não haver benefício no
mama e que carregam esses genes mutados apresentam uso dos marcadores no rastreamento de neoplasias na
altíssimo risco de desenvolvimento desse câncer, além população geral ou em situações específicas e poucos
do risco de desenvolvimento de câncer de ovário. São, apresentam valor no diagnóstico; e, ainda assim em si-
portanto, marcadores de suscetibilidade individual e não tuações específicas. No momento, a grande utilidade é
marcadores tumorais em si. Sua pesquisa também não o monitoramento de tratamento e detecção de recor-
está recomendada como rotina e a interpretação de seus rência da doença e, para alguns deles, o estabelecimento
resultados gera importantes discussões éticas, devido às de prognóstico.
medidas a serem recomendadas às pacientes com resul-
tados positivos.

Tabela 59.4 - Principais aplicações dos marcadores tumorais

Marcador Neoplasia Principais aplicações


PSA Carcinoma da p rósta ta Auxiliar diagnóstico - associado ao toque reta!
Controle de tra tamento
Prognóstico
j3 hCG Coriocorci noma Monitora mento do trata mento

Células germinativos dos testículos* Diagnóstico diferencial do tipo de tumor


* associado o AFP Monitoramento do tratamento
Prognóstico
Alfafetoproteíno Hepatocorcinoma Auxiliar diagnóstico em pacientes com nódulo hep ático
Controle de tratamento
CEA Carcinoma coloretal Auxiliar diagnóstico - sintomáticos
Monitoramento de tra tamento
Fotor prognóstico independente
j32-Microglobulina linfóides Monitoromento de tratamento
Prognóstico (o principal no mieloma)
Tireoglobulina Carcinoma medular da tireóide Monitoramento de tra tamento

CA 15-3 Mamário Monitoramento de tra tamento


Fa tor prognóstico independente
CA 19-9 Pâncrea s Monitoramento de trota mento
Prognóstico
Colangiocarcinomo Monitoromento de trotamento
Prognóstico
CA 125 Ovários Auxiliar d iagnóstico em pacientes com ma ssa anexial palpável
Monitoromento de tratamento
Prognóstico

738 ( Medicina laboratorial para o clínico ]1--- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


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Investigação laboratorial dos marcadores [Umorais 739


Myriam de Siqueira Feitosa
60 Silvana Maria Eloi Santos
Vânia Abadia Soares Lino

DOSAGEM DE hCG NO
DIAGNÓSTICO DA GRAVIDEZ

A gonadotrofina coriônica (hCC), hormônio glicopro- lateralmente e aos terminais N e O -o hCG hiperglico-
téico (30% de carboidraw) é um heterodímero compos- silado - é produzida por células trofoblásticas presentes
w de duas subunidades polipepddicas diferentes ligadas na mola hidatiforme, coriocarcinoma e tumor de células
de forma não covalente: alfa (a ) e beta ((3). A subuni- germinativas do testículo.
dade a, codificada por um único gene no cromossoma
seis e composca de 92 aminoácidos é a mesma em três
hormônios glicoprméicos hipofisárias: FSH (hormônio ASPECTOS RELEVANTES DA PRODUÇÃO DE
folículo-estimulante), LH (hormônio luceinizante) e TSH hCG NA GESTAÇÃO
(hormônio tireoestimulante). As propriedades biológicas
e imunológicas desses hormônios são determinadas pe- Na gravidez, o hCG é produzido pelas células do
las diferenças na seqüência de aminoácidos da subuni- sinciciotrofoblasto após nidação do blastocisto, para
dade f3 de cada um. Isco é, a cadeia f3 é particular para manter a função secretória do corpo lúteo, essencial na
cada um desses hormônios. Considerando a cadeia f3 do manutenção de níveis elevados de progesterona e estro-
hCG, existe grande semelhança com a subunidade f3 do gênio, garantindo a sustentação da gestação.
LH, uma vez que compartilham 97 dos 121 aminoácidos. No início da gravidez normal, o nível sérico de hCG
A região carboxiterminal (C-terminal) é aq uela onde são aumenta rapidamente. Após oito a 11 dias da fertiliza-
verificadas as maiores diferenças. Assim, anticorpos de- ção, pequenas quantidades quanto SmUI/mL podem
senvolvidos contra o peptídeo C terminal apresentam ser detectadas. Níveis de 25mUI/mL podem ser verifi-
menor reatividade cruzada com a molécula de LH. cados em cerca de 50% das mulheres no primeiro dia
Fisiologicamente, é produzido na gravidez, entretan- de atraso menstrual. A concentração passa a crescer de
tO, situações pacogênicas podem cursar com produção forma geométrica, dobrando inicialmente a cada dois a
de hCG, como doenças trofoblásticas, nas quais geral- três dias e posteriormente a cada quatro dias, até atin-
mente são encontrados níveis séricos elevados, e em al- gir o pico de mais ou menos 100.000 mU/mL com 10
guns tumores pouco diferenciados, em que se observam semanas de gestação. A par tir daí, observa-se queda da
concentrações menores. concentração de hCG e involução do corpo lúteo. Nesse
Circula sob diferentes formas moleculares: intactas momento, o tecido trofoblástico da placenta já produz
(hormônio biologicamente ativo); degradadas; parcial- estrógeno e progesterona eficientemente. A concen-
mente degradadas; e subunidades livres. Uma forma tração de hCG se mantém entre 5.000 e 15.000 mUI/
com moléculas de carboidracos mais complexas ligadas ml no fim do segundo trimestre. Um segundo pico de
hCG. menor, é descriro na 36a semana, de significado dek) ou ovulação e formação de corpórea lútea em fê-
desconhecido. Se essa cinética de produção de hCG meas de coelho (teste de Friedman) e/ou expulsão de
não se apresenta, é indicativo de anormalidade. Após o espermatozóides em sapos machos (reste de Galli Mai-
parra de uma gravidez a termo, os níve1s de hCG caem ninl). Esses restes eram trabalhosos, demorados e tinham
a níveis não detectáveis em aproximadamente duas se- pouca sensibilidade. tendo sido substituídos pelos imu-
manas. (Figura 60.1 e Tabela 60.1) noensalos. Os métodos em uso podem ser qualitativos
Como o nível de hCG depende da vitalidade pla- (fornecendo resulcados positivos ou negativos) ou quan-
centária, nas gestações anormais e ectópicas a produ- titativos (com resultados liberados em mUI/mL).
ção de hCG é menor que nas gestações normais. Inver-
samente, na gravidez gemelar os níveis de hCG estão
muiro elevados. MÉTODOS QUALITATIVOS

Entre os qualitativos. os de inibição de aglutinação


MÉTODOS LABORATORIAIS DE e hemaglutinação foram usados durante muito tempo.
DETECÇÃO DE hCG mas já estão obsoletos. Foram substituídos por técnicas
mais fáceis e sensíveis, como imunocromawgrafia e aglu-
Os primeiros métodos de detecção de hCG eram en- tinação do látex, que apresentam sensibilidades entre 50
saios biológicos baseados na atividade luceotrópica do e.200 mUI/mL.
hCG. Assim, injecava-se urina contendo hCG para indu- Nos métodos de aglutinação. partículas de látex re-
zir corpórea lútea e corpórea hemorrhagica em ovários vestidas com anticorpos anti - ~hCG são misturadas com
de camundongos imaturos (teste de Aschheim - Zon- a amostra de urina. Quando a concentração de hCG na

I G ravidez gemelor ou tumor trofoblóstico


I
I
100.000 mUI/ml
I
I
I
I
I
I
I
I

··· · · ·
!
•• ••

1• trimestre
··· ··· ··· G ravidez ectóp ico ou a bortamento

7' trimestre 3• trimestre Porto


Figura 60.1 - Representação gráfica da o nénca de valores séricos de hCG encontrados no curso da gravidez. Na linha contínua, estão repre-
sentados vanação de valores freqüentemente encontrados ao longo da gravtdez normal. A linha traceJada indica cinéttca freqüememente
encontrada em gravidez gemelar ou tumores trofoblásttcos. A linha pontilhada mostra valores freqüentemente encontrados na gravtdez
ectóptca ou abortamento.

742 [ Medicina laboratorial para o clínico


amosu a for superior ao li mire de derecção do resre, ocor- com anticorpo ami-hCG. Pelas dificuldades inerentes a
re aglucinação macroscópica das partículas de lácex (Tesce rodas as reações de RI E, essa metodologia foi substituída
Positivo). Quando não há hCG na amostra ou a concen- por outros imunoensaios, também quantitativos, como
tração é inferior ao limice de dececção do ceste, não ocorre a quimiluminescência, nefelometria, imunofluorimerria e
aglutinação das parcículas de látex (Teste Negativo). ensaios enzimácicos.
Os testes rápidos geralmente empregam método de Testes recentes podem detectar diferentemente as
imunocromarografia com amicorpo monoclonal ami- formas moleculares do hCG. Essa é uma das razões para
~hCG conjugado com algum marcador cromatográfico, as variações encontradas entre os diversos métodos para
como ouro coloidal. que reage com amostras de soro ou dosagem de hCG. Essa variação é menos significativa na
urina. A mistura se move através de uma membrana por gravidez normal, mas pode ser muiw expressiva cm ges-
ação capilar. As amostras com concentrações superiores tações anormais com aborto espontâneo, pré-eclâmpsia,
ao limite de detecção do método formam uma linha co- doença crofoblásrica, síndrome de Down e neoplasias do
lorida na região onde o imunocomplexo será imobiliza- testículo, bexiga ou ovário. Nesses casos, a proporção de
do por anti-hCG monoclonal fixado na membrana. moléculas de hCG fragmentadas ou de fração bera livre
Os testes "de farmácia" para diagnóstico de hCG são pode ser muito maior.
bastante difundidos. São restes simples e rápidos e usam
como metodologia a imunocromatografia ou enzimai-
munoensaio. Embora o procedimenw seja simples, os AMOSTRAS BIOLÓGICAS
pacientes cometem erros ao fazê-lo, o que prejudica o
seu desempenho. O hCG produzido na placenta circula no plasma e
é excretado na urina,. onde predominam os fragmen-
tos ~ e a forma intacra. Assim, os restes podem usar
MÉTODOS QUANTITATIVOS tanto soro quanto urina. A concentração de hCG na
primeira urina da manhã, isco é, na urina concentra-
Dos métodos quantitativos, a reação de radioimuno- da, é próxima da concentração sérica. Os testes qua-
ensaio (RI E) já foi amplamente adorada. Trara-se de uma litativos geralmente utilizam urina como amostra. A
reação competitiva, na qual o hCG presente no soro e o primeira urina da manhã deve ser sempre a preferida,
hCG marcado por radioisótopo competem pela ligação por apresentar maiores concentrações do hormônio.

Tabela 60.1 -Valores esperados de hCG sénco ao longo de gravidez normal (em mUI/mL)

Semanas de gestação Unidades de hCG


Primeiro d ia do último menstruação o o
Fecundação 2 o
Implantação 3 o
Produção placentá rio d e hCG 3 l/2 5-50
Primeiro d ia d e atraso menstrual 4 3-400
Soco gestocionol visro ao ulrro-som 5 19 -7000
Pico de hCG 9 25.000- 120.000
Término do primeiro trimestre 13- 16 13.000- 120.000
Segundo trimestre 17-24 4.000 - 80.000
Terceiro trimestre 25-40 3.000 - 60.000
Duas semanas após porto o

Dosagem de hCG no diagnóstico da gravidez 743


Diagnóstico de morte ovular
Uma amosrra com urina diluída pode apresentar con-
cenuações de hCG menores, faco que assume impor-
tância nas primeiras semanas de gestação. quando os Em casos de suspeita de aborto, a curva de hCG
níveis sérrcos estão ainda baixos. Para restes quantita- deve ser analisada em testes seriados, uma vez que a es-
tivos, util1za-se soro ou plasma. A presença de hemó- tabilização ou queda nos níveis séricos é indicativo de
lise, lipemia ou turbidez grosseiras pode interferir nos morte ovular.
resultados.

Monitoramento de tratamento e acompanhamento


INDICAÇÕES de tumores trofoblásticos e testiculares

TESTES QUALITAT IVOS DE PESQUISA DE hCG Na presença de doença uofoblástica gestacional.


os níveis de hCG são iguais ou mais altos que aqueles
São empregados para o diagnóstico de gravidez, produzidos na gravidez normal. considerando-se a mes-
uma vez que a pesquisa de hCG é o melhor parâmeuo ma idade gestacional. Usado como marcador tumoral,
laboratorial para esse fim. Ao interpretar um resultado, é capaz de detectar tecido trofoblásrico em arividade
devem-se levar em consideração dois dados: a sensibil i- (ver capítulo 59). Os ensaios capazes de dosar tanto a
dade do teste empregado e a idade gestacional presumi- molécula de hCG total quanto suas frações livres são os
da. Um teste pouco sensível não deve ser utilizado para mais indicados na detecção e no monitoramento dessas
o diagnóstico de uma gravidez muito inicial. Atualmente doenças, já que alguns tumores secretam, além da molé-
com uso de mécodos muito sensíveis. é possível detectar cula rotai do hCG, grande quantidade de frações livres.
hCG a partir de uma semana após a implantação. Mas, A produção de hCG por carcinomas testicu lares
como a maioria dos testes detecta níveis de hCG acima (linhagem germinativa) é altamente representativa da
de 25 a 200 mUI/mL. eles devem ser feitos somente a massa tumoral, resultando em níveis marcadamente
partir do atraso menstrual. elevados no sangue e na uri na. Assim, o hCG pode ser
adorado como marcador tumoral e. no caso, técn icas
que detectam também as frações livres devem ser uti-
TESTES QUANTITATIVOS DE DOSAGEM DE hCG lizadas (ver capítulo 59).

Algumas situações clínicas demandam conhecer a


concentração de hCG, principalmente quando se pre- INTERPRETAÇÃO
tende acompanhar a evolução dos níveis de hCG, seja
como indicador da função placentária ou como mar- A interpretação do reste vai depender essencial-
cador tumoral. mente da indicação clín1ca e da sensibilidade do teste
empregado, pois a presença do hCG não é sinôn1mo de
gestação e sua ausência não a exclu1.
Diagnóstico de gravidez ectópica

As concentrações de hCG são tipicamente mais bai- RESULTADOS FALSO-NEGATIVOS PARA GRAVIDEZ
xas na gravidez ecróp1ca do que na gestação inua-urerina
de mesma 1dade. A mudança na velocidade de aumento Ocorrem geralmente pela baixa concencração de
dos níveis de hCG durante as 10 primeiras semanas é um hCG no soro ou na urina, seja por estágio precoce da
dos Indicativos de gravidez anormal. Dois terços das pa- gravidez. por déficit na produção (gravidez ectópica,
oentes com gravidez ecrópica exibem queda ou estabili- ameaça de abortamento) ou simplesmente pelo empre-
zação dos níve1s de hCG, quando submetidas a dosagens go de unna diluída. Nessas situações, recomenda-se a re-
senadas du rante esse período. petição do exame, após 2-4 dias.

744 [ M edicina laboratorial para o clínico )r - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - -


RESULTADOS FALSO-POSITIVOS PARA GRAVIDEZ REFERÊNCIAS

1. Surtis CA, Ashwood E 1. R. Bruns DE. Tietz Textbook of


Os falso-positivos acontecem principalmente pela Clinical Chemisrry and Molecular Diagnosrics. 4th. ed. St
Louis: Elsevier Saunders; 2006.
presença de hCG produzida por outra situação que não
2. Butler SA. Khanlian SA. Cole LA Detection of early preg-
a gravidez. Produção hipofisária de hCG pode acontecer nancy forms of human chorionic gonadotropin by home
e níveis abaixo de 5 mUI/mL podem ser encontrados em pregnancy test devices. Clin Chem. 2001; 47: 2131-6.
mulheres não-grávidas. A lém das doenças trofoblásticas 3. Cole LA, Sutton JM, Higgins TN, Cembrowski GS. Be-
(que produzem altíssimas concentrações de hCG), tu- tween- method variation in human chorionic gonado-
tropin test resu lts. Clin Chem. 2004: 50: 874-82.
mores testiculares de células germinativas dos túbulos 4. Cole LA, Sutton )M. Selecting an appropriate hCG test
seminíferos, tumor ovariano, tumor de bexiga, carcino- for managing gestational trophoblastic disease and can-
mas do pulmão, estômago, pâncreas, fígado e mama po- cer. J Rep Med. 2004: 49:545 - 53.
dem cursar com níveis detectáveis de hCG. 5. Cole LA. lmunoassay of human chorionic gonado-
tropin, its free subunits, and metabolites. Clin Chem.
Outras vezes, os resultados falso-positivos ocorrem
1997;43:2233-43.
devido à existência de moléculas semelhantes ao hCG, 6. Maestá I, Rudge MVC, Passos )RS. Calderon IMP, Carva-
presentes em associação com cistos de ovário ou doen- lho NR. Consonni M. Caracter"sticas das curvas de re-
ça inflamatória pélvica. gressão da gonadotrofina coriônica pós-mola hidatifor-
me completa. Rev Bras Gin Obst. 2000: 22: 373-80.
Eventualmente, resultados falso-positivos podem ocor-
7. McPherson RA, Pincus MR. Threatte GA. Woods GL.
rer por questões técnicas secundárias a proteinúria ou subs- Henry's Clinical Diagnosis and Management by Labora-
tâncias interferentes na urina, como drogas, bactérias, leu- tory Methods. 21st ed. St Louis: Elsevier Saunders; 2007.
cócitos e hemácias. Anticorpos heterófilos podem interferir 8. OIVD: Home an Lab Tests [Home page da internet].
Disponível em: http://www.fda.gov/cdrh/oivd/tips/hcg.
na reação, levando a resultados falsos de níveis persisten-
html
temente elevados de hCG no soro. Uma maneira simples 9. Rormensch S. Cole LA. False diagnosisand needless ther-
de esclarecimento é pesquisar o hCG na urina, usando um apy of presumed malignam disease in women with false-
método qualitativo, pois, normalmente, os anticorpos não positive human chorionic gonadotropin concentrations.
Lancet. 2000; 355: 712-5.
atravessam o trato urinário, não interferindo no exame.
10. USA Reference Service [H ome Page da internet]. Disponí-
vel em: www.hcglab.com

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A avaliação laboraorial do hCG apresenta ampla


aplicação clínica, contudo, a sua principal utilização é no
diagnóstico de gravidez, para o qual estão indicados os
testes qualitativos. Os testes quantitativos são geralmen-
te empregados para avaliação da função placentária ou
como marcador tumoral. É importante reforçar que exis-
te grande diversidade de ensaios disponíveis que usam
diferentes preparações de anticorpos, com diferentes
pontos de corte e, co11 isto, não é incomum a obten-
ção de resultados discrepantes em uma mesma amosua,
quando dosada em sistemas e/ou laboratórios diferen-
tes. Cabe ao clínico ponderar sobre a situação e decidir
por condutas que possam antes esclarecer o caso, sem
levar prejuízo ao paciente.

Dosagem de hCG no diagnóst ico da gravidez 745


Guilherme Birchal Coi/ares
Marília Campos Abreu Marina
61 Rômulo Carvalho Vaz de Mel/o
Edgar Nunes de Moraes

PARTICULARIDADES DA MEDICINA
LABORATORIAL NO PACIENTE IDOSO

O envelhecimento da população é um fenômeno adultas de 20 a 40 anos de idade. Entretanto. com o en-


mundial que acontece tanto nos países desenvolvidos velhecimenro, várias mudanças fisiológicas ocorrem nos
como nos em desenvolvimento. O Brasil passa por um diversos sistemas, o que pode refletir ou não nos valores
processo de envelhecimento populacional rápido e in- dos exames laboratona1s (Tabela 61.1). Portanto, rorna-se
tenso, ocasionando mudanças importantes no seror imprescindível a construção de tabelas de valores de re-
saúde. Segundo dados do IBGE, o percentual de idosos ferência a partir de estudos feitos com a população ido-
dobrou da década de 70 até os dias atuais, subindo de sa. Alguns desses valores já estão definidos, mas muitos
aproximadamente 5% para cerca de 10% da população ainda estão por definir. Geralmente, há dificuldade para
brasile1ra. o que corresponde a mais de 17 milhões de escolha de uma amosrra representativa da população de
brasile1ros acima dos 60 anos. Dev1do ao envelhecimen- idosos saudáveis, devido à maior prevalência de doenças
to da população e ao aumento de sua expectativa de subclínicas, à freq üência aumentada de co-morbidades
vida, o SIStema de saúde, público (SUS) e privado. terá e ao aumento de indivíduos em uso constanre de um
que fazer frente à demanda crescente por procedimen- ou mais medicamentos nessa faixa etária (polifarmácia).
tos diagnósticos e terapêuticos das doenças crônico- Esses fatores também devem ser cons1derados para ade-
degenerativas. Assim, para atenção adequada ao idoso quada interpretação dos resultados de exames labora-
(2: 60 anos), há necessidade de abordagens diferenciadas toriais em idoso (ver tam bém capítulo 6 - produção de
relaoonadas a essas afecções. imunoglobulinas pelo idoso).
Nesse contexto, os exames complementares, uti-
lizados de maneira racional e interpretados de forma
adequada, são ferramentas importantes no auxílio diag- PARTICULARIDAD ES DE ALGUNS EXAMES
nóstico para avaliação do paciente idoso. São freqüentes
no 1doso as limitações dos dados obtidos na anamnese Os exames laboratoriais podem ser utilizados no ras-
e no exame físico, bem como as apresentações atípicas treamento de doenças mais prevalentes na população
de doenças, o que aumenta a importância dos exames idosa e no auxílio diagnóstico de doenças em idosos
laboratoriais na prática clínica. Entretanto, estes têm ca- sintomáticos. Para que um exame seja utilizado como
ráter complementar e devem ser solicitados apenas com rastreamento de doença em assmmmático. é necessá-
indicação clínica bem definida. rio que apresente relação custo-benefício favorável. Para
A maioria dos valores de referência dos exames labo- tanto, deve ser direcionado para doenças prevalentes na
ratoriais é estabelecida a partir de estudos em populações população idosa, além de ser capaz de apresentar-se ai-
rerado mesmo em paciemes assimomáricos, indicando a Nos idosos simomáricos, os exames auxiliam o diag-
possibilidade de doenças cujo prognóstico é melhorado nóstico, devendo ser sempre interpretados a partir da
com o tratamento precoce. correlação com dados clínicos, levando-se em conta suas

--
l.1bela 6 1 I Alterações de valores de referência de exames laboratoriais nos paoentes tdosos

Analito
Acido úrico
Alteração
Pequeno aumento

Alanina aminotronsferase Não se altera com o idade

Albumino Pequeno diminuição

Asportoto ommotronsferose Não se altero com o idade

B1lirrubino Não se altera com o idade

Cálcio Pequeno aumento e diminuição após 90 anos

C leoronce de creolinino Diminuição de 8ml/min por década de vida

Cloreto Não se o fero com o ioode

Colesterol total Aumento de + l mg/ dl o cada ano de vida

Creohnmo Nao se altero com o idade

Fosfatase alcalina Aumento de até 30% dos 30 aos 80 anos

Goma glutamil tronspeplldose N ão se altera com o idade

Glicemio de jejum Aumento de 2mg/dl por década de vida

HDL Pecueno aumento

Hemácias Não se altero com a idade

Hemotócrila Não se altero com a idade

Hemoglobina Não se altera com o idade

Leucócitos Pequena diminUição

Magnésio Diminuição de olé 15% dos 30 aos 80 anos

PC(n Não se altera com o idade

PH N ão se altera com o idade

Plaquetas Não se altero com o idade

p02 Diminuição de até 25% dos 30 aos 80 anos

Potássio Não se altero com o idade

Sódio Não se altero com o idade

TJ Pequeno d 1m1nuiçõo

Nco se altero com a idade

Triglicérides Aumento de até 30% dos 30 aos 80 anos

TSH Nco se altero com a idade

VHS Aumenta olé 45mm/ h

Vitamino B12 N ão se altero com o idade

Fonte: modificado Bridgen ML. Heathcote JC. Problems in inrerpreting laboratory reses. Posrgrad Med 2000; 107:145-61.

748 Medicina laboratorial para o clínico


limitações e possíveis farores interferentes, mais comuns de defioência de vitamina B12 e /ou ácido fá lico é bastan-
na população idosa. A seguir são descritas particularida- te aumentada.
des sobre as indicações e interpretação de alguns exa- Com o envelhecimento, ocorre discreta redução da
mes para a população idosa. contagem rotai de leucóciros, principalmente pela dimi-
nuição da conragem de linfóciros. Os valores de referên-
cia considerados são de 3.000 a 9.000 leucóciros/mm 3
HEMOGRAMA lsro é importante porque, apesar da menor freqüência de
leucocitose em resposta à 1nfecção, o que 1mpl1ca em me-
Os valores da contagem de hemácias (Hm), hemoglo- nor sensibilidade do exame, uma contagem elevada de
bina (Hb), hematócmo (Ht), volume corpuscular médio leucócitos está relacionada ao aumento da mortalidade.
(VCM), hemoglobina corpuscular média (HCM) e con- Não ocorrem mudanças significativas na contagem
centração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) de plaquetas com o envelhecimento.
não se alteram com a idade, a não ser por um ligeiro au-
mento de VCM após os 80 anos de idade.
Recentemente, estudos americanos relataram pre- VITAMINA Bn E ÁCIDO FÓLICO
valência de anemia em 11% dos homens (Hb < 13 g/
dL) e 10,2% das mulheres (Hb < 12 g/dL) entre 65 e 85 O rasrreamento da defic1ência da Vl[am1na B12 em ido-
anos e 20% naqueles com mais de 85 anos. Entretanto, o sos é importante e justificado não só pela sua prevalência
achado de anemia é freqüentemente subestimado e não (5% a 43%), como pela existência da "janela terapêutica
recebe a dev1da atenção, apesar da sua associação com curta" para a reversão das complicações. Assim. o verda-
aumento da morbidade e mortalidade em idosos. Assim, deiro desafio é diagnosticar a deficiência da vitamina B11
o encont ro de anemia deve sempre ser investigado, não no estadia pré-clínico, quando o tratamento pode preve-
existindo, portanto, a chamada "anemia fisiológica do nir as conseqüências desse quadro (Tabela 61.2).
1doso" ou "anemia da senescência". A abordagem diagnóstica do paciente com suspeita
O envelhecimento é acom panhado por alterações de deficiência de cobalamina requer duas determinações
qualitativas e quantitativas na hemaropoese. tais como: re- distintas: a demonstração da existência da deficiência e
dução média na concentração das células da medula óssea identificação da sua causa.
e na produção do fator hematopoético de crescimento e A determinação da concentração sérica da vitamina
dimmuição na sensibilidade para erirropoetina. A reserva B12 é o exame inicial a ser realizado para rastreamento
func1onal da medula torna-se reduzida e favorece o apare- dessa deficiência. A disponibilidade, baixo custo e familia-
cimento da anemia decorrente de diversas afecções. ridade com os vários mécodos de dosagem contri buem
Dados de um estudo americano mostraram três para seu emprego na avaliação do status da vitamina
causas para a anemia no idoso com freqüência aproxi- 812 . O limite inferior do valor de referência para a dosa-
madamente semelhante: a) anemia devido à perda de gem sérica da vitamina B 2 é variável e dependente do
sangue/deficiências nucncionais (34%); b) anem1as as- método usado. Consideram-se. em adultos e de modo
sociadas à doença crônica/inflamação ou insuficiência geral. 200pg/ml como ponto de corte para a dosagem
renal crônica (32%); c) anemias não explicadas (34%). da vitamina B1r Esse valor foi derivado de vários estudos
No idoso, é importante a distinção entre anemia cau- nos quais os pacientes tinham deficiência da vitamina B11
sada pela perda de sangue/deficiência de ferro e ane- definida por critérios clínicos e hemarológicos quando
mia de doença crônica. Para mais detalhes remeter-se comparados com controles normais. Porém, resultados
ao capítulo específico (Capítulo 23). de diversos estudos clínicos mostraram que, em idosos,
A presença de macrocicose (VCM > 95 fL), mesmo esse valor apresenta limitações tanto na sensibilidade
isoladamente, deve ser sempre investigada e as causas como na especificidade para a determinação dessa de-
mais comuns são: medicamentos, alcoolismo, hiporireoi- ficiência, subestimando sua freqüência.
dismo, mielodisplasia e deficiência de vitamina B12 e /ou A especificidade da concentração sérica reduzida da
ácido fálico. Na presença de VCM > 100 fL. a prevalência vitamina B12 é variável na determinação dessa deficiên-

Parti cula rid ad es da Medicina Laboracorial no pacienre idoso 749


cia. É considerada muito específica (90% de especifici- ácido fólico pode causar níveis séricos reduzidos (falso-
dade) para concentração sérica da vitamina B12 menor positivos) da vitamina B,2. Um estudo mostrou que um
que 100pg/ml. Porém, apresenta valor discriminatório terço dos pacientes com deficiência de ácido fólico tinha
pobre para concentrações séricas entre 100 e 200 pg/ml a dosagem da vitamina B11 reduzida, alguns com níveis
e também entre 200 e 350 pg/ml. séricos < 100pg/ml que retornaram ao normal com uso
Assim, baseado em estudos com indicadores mais do folato. Assim, é importante que as duas vitaminas se-
sensíveis na avaliação da deficiência da vitamina B12 (ho- jam dosadas em cada paciente suspeito de ter deficiên-
mocisteína e ácido metilmalônico) e no desaparecimen- cia de vitam ina B12 ou de folato.
to das suas alterações metabólicas depois do tratamento, Os vários fluxogramas existentes aconselham as dosa-
foi sugerido. em idosos, o valor de 350pg/ml como pon- gens da homocisteína, do ácido metilmalônico ou ambos
to de corte para identificar os casos não reconhecidos de quando as concentrações séricas estão entre 200 e 300
deficiência presumível. Esse valor é utilizado pela maioria pg/ml. A utilização da homoCisteína e ácido menlma-
dos pesquisadores nos diversos estudos que abordam lônico, tndicadores mais sensíveis na avaliação da defi-
essa deficiência. Contudo. alguns autores uti lizam, para ciência da vitamina B12, pode ajudar, principalmente, no
esse grupo erário, o valor ~ 300pg/ml para a deficiência diagnóstico dos estadias subclínicos. Em um estudo de
da vitamina B12 . Deve ser lembrado que a deficiência de pacientes com deficiência de vitamina B12• a dosagem da

Tabela 61.2 - Comparação entre as deficiênoas clínica e subclínica da v1tam1na B·.

Deficiência "Clínico" Deficiência "Subclínico"


Presentes lpor definiçã o!. mos
Ausentes !por def1niçãol. mo s:
- nem todo manifestação !neurológico ou
Sinais C línicos e Sintomas · alguns poc1entes podem ler alterações no
hemo tológico) aparece em cada paciente
eletrofis1ologio neurológico
- monifesroções podem ser leves
· Usualmente t
Níveis de v1lomino 8 ,
J- em 9 7% d os casos: < 200 pg/ ml r.
· Presença do :01x0 normol·reduzrdo
H :< 100 pg/ ml
250 350 pg/ml
- Presença de pelo menos uma alteração
- Presente em 99% dos ca sos
lpor definição):
Anormalidades metabólicos i tHcy em 96% . > 50 ~Jmol/l
i N\MA em 98%: > 1.0J.Imol/l i tHcy: 15 o 25 f.lmoi/L ou
i MMA: 0.3-0,8 ~Jmol/l
· Não 1denl1f1codos em
Identificados no moiono d os casos aproximadamente 50% dos ca sos
C ousas do deficiência
mol·obsorção do vitamino B•? livre · mol·obsorção do vitamino 8 ? ligado ao
o l1mento 130-40% d os casos)

- Desconhecido; lento !muitos onosl


· a ssinlomálica em alguns pacientes por >
- Progressivo em todos os casos:
Evolução 1O anos, até aparecimento dos alterações
levo anos poro aparecer
b ioquímicos
- p rogressão mais rápido quando sintomas surgem
· progressão mais rápido com moi-a bsorção
do vitamino 8:2 livre
· Avaliação drognóslrco · Avol1oção dro gnó strco
M anuseio
· Intervenção te1opêulico Intervenção leropêuloco rndivíduol

· lnfreqüente, mesmo no idoso: · Presente em 10-20% dos id osos:


Frequência < 10% dos níveis reduzidos de vitamino 8 2 são · 70% com níveis reduzidos de 812
a ssocia dos com sinais clínicos do defic iência · 30% com níveis normol·reduzidos d e 8 2

l reduzida; U , muitO reduzida; tHcy, homocisteína rotai; MMA. ácido metilmalón1co: i. aumentada
Valor de referênoa para homoosteína: > 15].Jmol
Fonte: modificado de Carmel R, Rosenblatt DS. Watk1ns D. Update on cobalam1n. folate and homcysce1ne. ASH.Hematology 2003: 63-81.

750 ( Medicina laboratorial para o clínico


homocisteína mosrrou sensibilidade de 95,9%. Também tão de 75g de glicose anidra confirmam o diagnóstico
a homocisteína é marcador sensível para a deficiência de (ver capítu lo 36).
ácido fólico e vitamina B6. A insuficiência renal pode au- É recomendada a realização de testes de glice-
mentar os níveis de homocisteína, embora as elevações mia de jejum a cada três a cinco anos para todas as
sejam mais modestas que aq uela causada pela deficiência pessoas acima de 45 anos de idade e mais freqüen-
da vitamina B1r O ácido metilmalônico é marcador sensí- te nos casos em que houver outros fatores de risco
vel e específico para a defiCiência da Vl[amina 812. associados, tais como: história familiar, excesso de
A vitamina B12 pode apresentar-se com níveis acima peso, sedentarismo, HDL baixo, hipertensão arterial,
do valor superior de referência (às vezes até 10 vezes esse diabetes gestacional prévio ou uso de medicação hi-
valor). Um valor elevado pode ser considerado marca- perglicemiante (por ex.: corticoste róides, tiazídicos e/
dor de alro risco de mortalidade em idosos. Emre as ou beta-bloqueadores).
causas dessa alteração têm-se: doenças hemarológicas
(leucemia mielóide crônica, policitemia vera, mielofi bro-
se, leucemia mieloblástica, sínd rome hipereosinofílica e GLICO HEMOGLOBI NA
outras), doenças hepáticas (hepatite aguda, cirrose hepá-
tica, carcinoma hepacocelular, metástases), presença de A utilização da glicohemoglobi na para diagnóstico
anticorpos ancicranscobalamina 11 e uso de preparações e rastreamento de diabetes melito ainda não está es-
com essa vitamina. tabelecida. Sendo assim, o exame deve ser usado ape-
Em relação ao ácido fól ico, a era pós-fortificação ou nas para o controle da doença. Não há consenso entre
enriquecimento das farin has e grãos com essa substância os vários autores no que diz respeito às variações da
tem alterado sua prevalência em vários países do mun- glicohemoglobina com a idade. Alguns afirmam não
do. No Brasil, a fortificação das farinhas de trigo e mil ho haver alterações, enquanto outros relatam aumento,
está sendo feita desde dezembro de 2002. Para idosos, o principalmente após a menopa usa. As comparações
pomo de corte para deficiência de ácido fólico não difere emre os diversos trabalhos se to rnam difíceis em de-
do estabelecido(< 3 ng/mL). corrência dos vários métodos empregados para a do-
sagem da glicohemoglobina. Porém, atualmeme, não
há evidências claras de que a idade altere a relação en-
GLICEMIA tre glicohemoglobina e a média de glicose sanguínea.
As recomendações atuais não consideram a idade na
Os níveis de glicemia de jejum estão apenas pouco interpretação dos resultados da glicohemoglobina e
aumentados na população idosa. Esse aumento é de cer- os valores de referência não se alteram com o avançar
ca de 2mg/dLa cada década, atingi ndo no máximo um da idade.
valor elevado em 5 a 10mg/dL. Quamo ao teste de ro-
lerância à glicose, há aumenro mais significativo de seus
valores com o avançar da idade (cerca de 5 a 13mg/dL a COLESTE ROL E T RIGLICÉRID ES
cada década de vida). Não se sabe ao cerco se esse au-
menro significaria doença ou apenas parte do processo Há elevação na taxa de colesterol total de cerca de
natu ral de envelhecimento. 1mg/dL a cada ano com o au menro da idade. No ho-
Para o diag nóstico de diabetes melito, os mesmos mem, esse aumemo ocorre após a terceira década de
critérios são usados ta nto para pacientes jovens como vida e o colesterol atinge seu valor máximo em corno
para idosos. Assi m, valores de glicemia (medida em dos 50-60 anos. Nas mulheres. o aumemo ocorre prin-
qualquer momento) acima de 200mg/dl e de glice- cipalmente após a menopausa e pode ultrapassar os
mia de jejum acima de 126mg/dL são utilizados para o valores dos homens. Alguns autores relatam que esse
diagnóstico. Em caso de dúvida diagnóstica, pode-se aumento se deve mais ao estilo de vida dos idosos ame-
fazer o teste oral de rolerâ ncia à glicose (TOTG). Valo- ricanos do que à idade por si só, baseando-se no fato
res acima de 200mg/dL na segu nda hora após inges- de que os níveis de colesterol total não se alteram com

Particularidades da Medicina Laboratorial no paciente idoso 751


a idade em estudos em populações de baixo risco para na taxa de filtração glomerular e nas capacidades de
doença coronariana. excreção e reabsorção renal. Aliado a isso, podem es-
Quanto às frações do colesterol, o HDL-colesterol se tar presemes processos que aceleram a deterioração
mantém estável ou aumenta com a idade. Esse aumento é da função renal. como a aterosclerose, a hipertensão
bastante variável. princi palmente após os 80 anos. Já o LDL- arterial sistêmica. o diabetes meliro e a exposição a
colesterol aumema cerca de 1,4mg/dl ao ano dos 20 aos 70 medicamentos nefrotóxicos.
anos de idade. Os u iglicérides também estão aumentados Os valores de uréia aumentam sign ificarivameme
entre os 60-90 anos. mas diminuem após os 90 anos, pro- com a idade. Independentemente da idade, não é um
vavelmente devido à diminuição de sua absorção. bom teste para avaliar a função renal. isoladamente. pois
Colesterol rotai aumentado e HDL baixo estão asso- sofre influência de diversos fatores, como dieta, estado de
ciados a maior risco de doença coronariana em qualquer hidratação e balanço entre anabolismo e catabolismo. Os
idade. Como o colesterol tem seus valores reduzidos em níveis de crearin1na podem não sofrer alterações signifi-
reações de fase aguda. valores baixos podem estar asso- cativas com o envelhecimento, já que há redução conco-
ciados a doenças sistêmicas e a maior mortalidade na mitante da taxa de filtração glomerular e da produção de
população idosa. creatinina. Esta última é di retamenre proporcional à mas-
sa muscular, geralmente diminuída no idoso. Assim, en-
quanto um valor de creatinina sérica de 1mg/dl em um
ÍONS adulto jovem s1gnifica. em média, depuração de 120ml/
m1n, esse mesmo valor em um 1doso com arrof1a muscu-
Os valores de sódio, potássio e cloreto no idoso lar pode representar aproximadamente 60ml/min.
saudável são semelhantes aos encontrados em adul- Após a quarta década de vida, ocorre perda linear
tos jovens. Apesar disso, os mecanismos reguladores de 8ml/min x 1.73m 2 I década na depuração plasmática
do equilíbrio hidroelerrolítico sofrem mudanças com de creatinina. Sendo assim, o valor médio do clearance
a idade, principalmente devido à deterioração da fun- aos 85 anos de idade é de 60ml/min x 1.73m2• poden-
ção renal. Assim, qualquer situação de estresse a que o do chegar a 25ml!min x 1.73m 2 em condições normais.
paciente idoso é submetido, pode resultar em desvios Portanto o clearance de creatinina é o melhor método
nesse equilíbrio, o que torna importante mais atenção para a avaliação da função renal. t im portante, no ma-
e atuação do médico no sentido de prevenir possíveis nuseio do idoso. a detecção de insuficiência renal em
complicações. pacientes com crearinina sérica normal porque o ritmo
O nível sénco de cálcio total aumenta nos indivíduos de filtração glomerular reduzido está associado a maior
entre 60 e 90 anos de idade e diminui entre os 90 e 100 risco de efeitos adversos dos medicamentos. Porém, exis-
anos. Essa diminuição relaciona-se à menor conversão tem dificuldades para a realização desse reste em idosos,
de vitamina D em 1,25 diidroxivitamina D3e. conseqüen- principalmente devido à necessidade de colheita do vo-
temente. menos absorção Intestinal de cálcio. O cálcio lume urinário de 24 horas, que pode ser prejudicada por
iônico deve ser dosado diretamente. O cálculo indireto a diversos farores como alterações cognitivas ou inconti-
partir dos níveis de cálcio total e albumina não é fidedig- nência urinária, entre outros.
no devido às variações que podem ocorrer nos valores A fim de solucionar essa dificuldade, foram pro-
da albumina em diversas situações no idoso. Não há al- postas várias fórm ulas para a estimativa do clearance
teração relacionada à idade ou à menopausa em relação de creatinina utilizando a concentração de crearini na
aos níveis de cálcio iônico. plasmática. Entre essas, as fórmulas de Cockcrojt e Gault
(1974) e MDRD (Modijication oj Oiet in Renal Disease)
fornecem a melhor estimativa e são recomendadas para
TESTES DE FUNÇÃO RENAL a medida do ritmo de filtração glomerular em idosos. A
fórmula de de Cockcroft e Gault (1974) é mais difundida
já está bem estabelecido que após a quarta déca- e mais fácil de ser usada, com menos complexidade, do
da de vida há diminuição no fluxo plasmático renal, que a fórmula MDRD.

752 Medicina laboratorial para o clínico


Fórmula de Cockcroft e Gault: que cerca de 10% da população idosa apresentam níveis
de fosfatase alcalina elevados. Na maioria desses casos
Clearence de (140 - idade) x peso em Kg (90%), existe associação com afecções hepatobiliares,
Creatinina
72 x creotinina (mg/ dl) ósseas (ru mores, hiperparatiroidismo, doença de Pager
óssea, fratura óssea em processo de cura, osteomalácia e
* Para mulheres multiplica-se o resultado por 0 ,85 osteodiscrofia renal) e alguns medicamentos (narcóticos)_
Os demais (aproximadamente 1% da população coral de
idosos) apresenta aumento inespecífico da fosfatase alca-
Fórmula MDRD lina. Portanto, aumentos discrews em pacientes assinto-
máricos não necessitam de propedêutica mais extensa_
RFG (ml/min) = 186 x [crealinina (mg/ dl)]-1- 15 4 Nos casos sintomáticos ou de elevação moderada da fos-
X
idade.0·203 x 0 ,7 42 (se mulher) x 1,2 1O (se negro) fatase alcalina, está indicada investigação mais cuidadosa.
A dosagem de gamaglucamiluansferase (Gama GT) pode
auxiliar na investigação da causa de elevação da fosfatase
Ambas as fórmulas apresentam limitações, podendo alcalina e eleva-se juntamente com a fosfatase alcalina em
subestimar ou superestimar o rirmo de filtração glome- lesões hepacobiliares e não em doenças ósseas.
rular. Apesar das limitações, fornecem melhor informação
sobre a função renal do que a dosagem da creacinina isola-
damente. Na presença de problemas que cornem impos- PROTEÍNAS PLASMÁTICAS
sível a realização da medida direra do rirmo de filtração
glomerular, a fórmula de Cockcrofr e Gaulr deve ser a Nos idosos sadios ocorrem alterações pouco sig-
preferida. A fórmula MDRD deve ser usada quando não nificativas nas proteínas plasmáticas com o envelhe-
estiver disponível a informação sobre o peso, podendo ser cimento. Há decréscimo gradual da concentração da
uma vantagem para a estimativa do rirmo de filtração glo- al bumina em homens e mulheres, porém sua dosagem
merular em pacientes acamados. continua dentro da faixa de referência. A posição re-
cumbenre pode causar queda de até O,Sg/dl na albu-
mina sérica de alguns indivíduos devido à redistribuição
TESTES DE FUNÇÃO HEPÁTICA de fl uidos. A redução da albumina pode ser relacionada
às seguintes condições: infecções crônicas, hepawpa-
Com o envelhecimento, ocorrem diminuição no nú- rias e/ou má nutrição.
mero de heparóciws e algumas alterações morfológicas A albumina tem demonstrado utilidade como medi-
sugestivas de hiperfunção nas células remanescentes. da inespecífica de prognóstico na comunidade. Dosagem
Assim, a homeoscase normal é mantida, o que faz com de albumina abaixo de 3,5g/dl foi preditor significativo de
que as provas de função hepática permaneçam inalcera- limitação funcional e declínio na saúde. Assim, mais recen-
das. Apesar disso, fica faci litada a diminuição da função temente, a albumina está sendo utilizada como marcador
hepática em decorrência de sobrecarga relacionada a di- inespecífico de doença em idosos e rem mostrado superio-
versas doenças ou ao uso de medicamentos. ridade em relação ao VHS e à proteína C reariva. Há escudos
Deste modo, os valores de referência de aminouansfe- demonstrando que valores de albumina abaixo de 3,3g/dl
rases, bilirrubinas, tempo de protrombina e gamagluramil- estão relacionados a maior mortalidade e pior prognóstico
uanspepridase não se alceram com o envelhecimento. de doenças em pacientes idosos. Outros escudos mostra-
ram que a hipoalbuminemia no idoso relaciona-se melhor
com os marcadores de fase aguda do que com a desnutri-
FOSFATASE ALCALI NA ção. Com o envelhecimento, as globulinas podem apresen-
tar elevação com aumento de lgA e lgG ou, também, não
Valores elevados de fosfatase alcalina se relacionam a mostrar alterações significativas. Em relação à lgM, pode
doença hepática ou óssea em qualquer idade. Acontece ocorrer queda ou, ainda, não apresentar alteração.

Particularidades da Medicina Laboratoria l no paciente idoso 753


PROTEÍNA C REATIVA (PCR) AUTO-ANTICORPOS

Também tem menor valor em paoemes 1dosos devi- Grupo de exames cuJO número de soliotações rem au-
do à inexistência de valores de referênoa bem estabeleCI- mentado bastante nos últimos anos e. infelizmente. para
dos. presença do "fenômeno do iceberg" (co-morbidades investigação de pacientes de qualquer faixa etána com qua-
oculcas) e afecções freqüemes, como infecção unnária, dros inespecíficos e vagos como anralgias ou anemias. No
que podem alterar seus valores e dificultar o d1agnóst1co 1doso. essa sohmação pode ser a1nda ma1s danosa, v1sto que
de doenças mais graves. Apenas 1 a 2% dos paciemes com a presença de auto-anticorpos. fenômeno comum a rodos
1nfecções bacterianas apresentam valores de PCR demro os seres. atinge níveis altíssimos. o que dificulta a interpre-
da referência. portamo, possui bom valor pred1t1vo nega- tação do resultado. Cerca de 40% das pessoas acima de 70
tivo nesses casos. A PCRé mais sensível que a VHS como anos têm presença de fawr reumatóide e 15 a 20% pos-
marcador de fase aguda e valores muito elevados estão suem reatividade para a pesqu1sa de auw-ant1corpos (FAN),
relacionados a p1or prognóstico em doenças agudas. principalmente mulheres, sem que isto esteja relacionado a
qualquer doença. A maiona, todavia, apresenta níveis bai-
xos. próx1mos dos valores de corte. Desta forma, a soliCI-
VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO (VHS) tação desses testes deve estar fundamentada em suspe1ta
clín1ca e os resultados analisados em conjunto, somando-se
~ um marcador 1nespecífico de doença. Tem valor os critérios para o estabeleomento do d1agnóst1co.
discutível em pessoas idosas. pois os valores de referên-
Cia não esrão bem defin1dos e seu aumento pode ocorrer
dev1do a 1nfecções maparemes. espeoalmeme do trato TSH
urináno e a outros fatores como anem1a e hlpoalbumi-
nemia, comuns nessa faixa etária. Além disso, o aumento Com o envelhecimento. os valores de referênoa de
da VHS pode ocorrer devido a alterações benignas de TSH e T4permanecem inalterados, enquanto T3 apresen-
proteínas plasmáticas. Vale ressaltar que, atualmente, a ta-se um pouco diminuído (principalmente após os 90
VHS tem poucas indicações clínicas precisas como fer- anos de idade). Várias mudanças nesses valores podem
ramenta de diagnóstico (por ex: polimialgia reumática e ocorrer devido ao uso de medicamentos ou às doenças
artente temporal) e que. como marcador de fase aguda. próprias da 1dade.
tem s1do substituída por testes de melhor desempenho, A prevalênCia de h1pomeo1d1smo subclímco (TSH au-
como a dosagem de proteína C reativa. mentado e T, l1vre normal) é elevada nos 1dosos. pnnopal-
A veloc1dade de hemossedimentação aumenta sig- mente nas mulheres. Esse fato isolado Já poderia justificar
nificativamente com a idade. Pode ser considerado. em o rastreamento por meio do TSH. Nos casos de hipori-
méd1a, cerca de 0,8Smm/h para cada cinco anos de au- reo1d1smo subclínico, é possível. a1nda. dosar antiCOrpo
mento. Existem divergências na literatura em relação antitireoperox1dase (antl - TPO) que. estando presente,
aos valores de referênoa da VHS para o 1doso. Alguns indica chances de 5% ao ano de evolução para h1pomeo1-
pesquisadores encontraram valores médios de VHS de d1smo franco, na ausência de tratamento. Outro fator a
cerca de 30mm/h para mulheres e 20 mm/h para ho- ser cons1derado é que a doença meo1diana no 1doso se
mens. Ourros encontraram números bem mais baixos apresenta, muitas vezes, com sintomas 1nespecíflcos e a
(10-14mm/h). Quanto ao limite superior de referência dosagem de TSH é o melhor método diagnóstico.
da VHS. também ex1srem d1scordânoas nos d1versos ~ Importante ressaltar que paoenres com doença
estudos. Alguns trabalhos relatam valores mais ba1xos aguda não-meoidiana podem apresentar valores altera-
(19mm/h para homens e 23mm/h para mulheres acima dos de TSH. Nestes casos, o teste deve ser repet1do após
de 90 anos) e outros mais altos (30mm/h para homens e a resolução do quadro. Além disso. uma série de medi-
36mm/h para mulheres). Apesar desses números, foram camentos pode alterar os resultados de TSH. o que tor-
encontrados. em idosos saudáveis de 70 a 89 anos acom- na importante uma avaliação amda mais critenosa dos
panhados por três a 11 anos. valores acima de 69mm/h. resultados (ver capítulo específico).

754 ( Medicina labora torial para o clínico


MARCADORES TUMO RAIS URI NA ROTINA

Com o progredir da idade, o desenvolvi menw de ne- Não ocorrem alterações significativas com a idade,
oplasias se rorna mais comum e, na maioria das vezes, mas a interpretação deve ser distinta devido à diferença
ocorre de forma insidiosa. Desta forma, o rasrreamenco de prevalência de cerras doenças no idoso.
dessas malignidades é feiro de forma rotineira na popu- Na ausência deglicosúria, não se deve excluir odiabe[es
lação idosa. Apesar da solicitação freqüeme de dosagens meliro, pois há mais reabsorção renal de glicose no 1doso.
de marcadores cumorais com este intUIW, nenhuma das A proteinúna pode estar preseme devido à contaminação
substâncias utilizadas arualmente apresenta sensibilidade da uri na ou ao uso de fármacos. Em caso de proteinúria
e especificidade suficientes para permitir o rameamemo superior a 3,0 g/24h, deve-se suspeitar de amiloidose ou
e o diagnóstico de pequenas massas tumorais, potencial- neoplasia, que são as causas secundárias mais comuns de
mente curáveis. Somente alguns deles apresentam valor síndrome nefrótica no idoso. Como a obtenção de urina de
no diagnóstico, codavia, sempre apoiados em achados 24 horas pode estar dificultada no idoso. pode ser usado
importantes da anamnese ou do exame fís1co. o índice proreína/crearinina em amostras simples de urina.
A principal uril1dade dos marcadores está no moni- Índices proteína/creatinina superiores a 3,0 relacionam-se à
toramento do rraramenco. Pacientes submetidos à tera- proremúria maior que 3.5g/24h, enquanto índ1ces menores
pia curativa devem apresentar diminuição nos valores do que 0,2 ind1cam proteinúria insignificante.
marcador ou até mesmo negarivação. Podem permitir, Pode ocorrer leucocitúria assincomárica devido ao
também, a busca por recidivas ou metástases. Além dis- uso de fármacos, vagmite, isquem1a renal ou tuberculose
to, alguns deles são bons marcadores de prognóstico. renal. Neste último caso há, geralmente, associação com
Informações mais detalhadas sobre as utilidades clínicas hemarúria. A bacreriúria assincomática também pode
dos marcadores cu morais estão descritas no capículo 59. estar presence, sendo que em 35 a 79% dos idosos não
há relação com a leucocitúria. O tratamento da bacreriú-
ria assintomárica do idoso não apresenta efeico benéfico,
PESQUISA DE SANGUE OCU LTO NAS FEZES podendo levar a aumenco de resistência bactenana.

A pesquisa de sangue oculco nas fezes é recomen- REFERÊNCIAS


dada como método de rasrreamento do carcinoma
1. Brigden M, Heathcore JC. Problems in interpreting labo-
colo-recai nos Estados Unidos desde 1995, em virtude de
rarory rests. What do unexpected results mean? Post
alguns escudos terem demonstrado diminuição na mor- grad Med. 2000;107(7):151-8.
talidade por essa neoplasia a partir da realização anual 2. Cavalten TA, Chopra A, Bryman PN. When out s1de the
do teste. Apesar dessa redução, ainda está em debate o norm 1s normal: interpreting lab data in the aged. Gena-
tncs. 1992;47(5):66-70.
custo-benefício dessa abordagem freme a métodos in-
3 Chanopadhyay I. Measunng renal funcnon 111 old age.
vasivos, como a colonoscopia e a rewss1gmo1doscop1a. Rev Clin Geronrol. 2003;13:297·302.
Existem dois méwdos pnncipais para realização do exa- 4. Fabri RMA. Alterações laboraror1a1s no idoso. Geronto-
me. O mais comum é o do guaiaco, baseado na atividade logia. 1993;1(3):109·113.
5. Kaferz K. Blood rem 1n elderly people and rhe1r 1nterpre·
"peroxidase-like" do grupo heme da hemoglobina. Sofre
rarion. Rev in Clin Gerontol. 1998;8:305-18
influência da alimentação, necessitando de dieta espe- 6. Kafetz K. Laboratory tesrs in older people: an updare
cífica para sua realização. Já os méwdos imunológicos Rev Clin Geromol. 2003,13:273·82.
base1am-se na ligação de um anticorpo à hemoglobina 7. Maclennon WJ. Unnary t racr infecnons in older patients.
Rev Clin Geronrol. 2003;13:119-27.
humana, apresentando melhores índices de sensibilida-
8. O'Neill PA. Ag1ng Homeosras1s. Rev Clin Geronrol.
de e especificidade que o guaiaco, além de apresentar 1997;7:199-211.
mais adesão do paciente, pelo faco de não precisar de 9. Roch man H. Problems 1n chemical pathology Interpreta·
dieta prévia à coleta. São recomendadas pelo menos três rions in the elderly. Rev Cli n Geronrol. 1995;5:165-78.
10. W 1nder A. Managemenr of lip1ds 1n the elderly. J R Soe
amostras consecutivas devido ao faro do câncer apre-
Med Soe Med. 1998;1:189·91.
sentar sangramenco intermitente.

Par tic ular idades da M ed icina Lab o ratorial no paciente idoso 755
Eugênia Ribeiro Va/adares
62
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
DO PACIENTES COM ERRO INATO
DO METABOLISMO

Os erros inatos do metabolismo representam uma para o diagnóstico retrospectivo de pacientes que mor-
categoria hecerogênea de doenças genéricas causadas reram por razões não esclarecidas.
por deficiências enzimáticas. que isoladamente são ra- A eficácia do tratamento da doença de Gaucher tipo
ras, mas coletivamente numerosas, com mais de 500 adulto com reposição enzimática abri u um novo hori-
conhecidas. zonte para o tratamento de outras doenças lisossomais.
A maioria se manifesta na faixa etária pediátrica e re- como mucopolissacaridoses (MPS) tipo I, 11 e VI e doen-
presenta causa relevante de morbidade e mortalidade. ça de Fabry, repercutindo no maior interesse pelo diag-
Para a doença tratável, o objetivo principal da interven- nóstico laboratorial que confirma a doença.
ção terapêutica é o reconhecimento precoce seguido O diagnóstico exaro propicia também o aconselha-
prontamente pelo tratamento. visando a impedir os da- mento genético, o diagnóstico pré-natal e a identificação
nos neurológicos progressivos e os altos índices de mor- de heterozigotos. Na sua grande maioria, as deficiências
bidade e mortalidade. A apresentação clínica e a época enzimáticas são herdadas de forma aurossômica reces-
de início dos sintomas são muito variáveis. siva, exceto a MPS tipo 11 e a doença de Fabry, que têm
A possibilidade de tratamento eficaz fez com que herança ligada ao cromossoma X.
doenças como a fenilceronúria e algumas outras fossem Duas perguntas são fundamentais no estudo dos erros
pesquisadas em triagem neonatal desde a década de inatos do metabolismo: quando suspeitar e quais exames
1960. lnicialmeme, o método de Guthrie foi usado para complementares devemos solicitar. Os exames laborato-
o diagnóstiCO de aminoacidopatias, com teste específico riais iniciais podem falhar, mas se houver force suspeita clí-
realizado separadameme para cada doença. Ma1s recen- nica. deve-se avançar na propedêutica mais específica.
temente, a triagem neonatal que usa a espectrometria
de massa em tandem (MS/MS) permite detectar mais
de 40 doenças metabólicas por meio da análise de ami- MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS GERAIS
noácidos e acilcarnitinas em uma única gota de sangue
coletado em papel-filtro. A análise de aminoácidos pos- A história clínica é fundamental. Na anamnese, ob-
sibilita o diagnóstico das aminoacidopatias e dos defeitos serva-se a época de início dos sintomas, identifica-se se
do metabolismo do ciclo da uréia. O perfil de acilcarni- há caráter crónico e progressivo ou se o quadro clínico é
tlnas permite diagnosticar mais de 20 doenças. dos gru- de doença aguda fulminante, forma mais freqüence em
pos das acidemias orgânicas e dos defeitos de oxidação recém-nascidos. t importante a história familiar de con-
de ácidos graxos. Além disso, este método pode ser útil sangüinidade entre os pais, de irmãos falecidos no período
neonatal ou de morte súbita ou, ainda. de casos seme- cares (galacrosemia, frurosemia). Nestes casos, o
lhantes na famíl ia. Os pacientes nascem norma1s e malfor- tratamento de longo prazo, se possível, consiste
mações congênitas em geral não estão relacionadas. na resrrição dietética dos metabóliros excess1vos;
Nos erros 1naws do metabolismo, de modo geral, os b) "déficit energético": a sintomacologia advém do
pacientes não apresentam malformações. Emretamo, al- déficit dos metabólitos envolvidos na transfe-
terações dismórficas congênitas podem ser observadas rência de energia, freqüentemente sem intervalo
em algumas doenças dos peroxissomos (síndrome de assintomático. O quadro clínico é marcado por
Zellweger), na acidem1a glutárica tipo 11, na síndrome de hi poronia muscular grave, piora rápida do quadro
Smith-Lemli-Opitz e em algumas doenças miwcondriais. neurológico, cardiomiopatia h1pertrófica. colapso
Alrerações físicas surgindo após alguns meses de vida e circulatório e também possíveis dismorfismos.
progredindo com a evolução da doença, como fácies Morre súbita do lactente pode ser manifestação
grosseira e alterações esqueléticas do tipo "disostos1s mul- tardia. Aodose lácnca é achado laboraronal fre-
tiplex", são a chave para a suspeita clínica específica das qüente. Deficiência de piruvarodesidrogenase,
mucopolissacandoses e de algumas oligossacaridoses. deficiência de piruvarocarboxilase, mirocondrio-
parias, doenças dos peroxissomos e distúrbios
de oxidação de ácidos graxas fazem parte desse
APRESENTAÇÃO ClÍNICA NO PERÍODO NEONATAL grupo. O tratamento, se possível, consiste na re-
posição dos metabólicos deficientes;
Nesta fase predominam os defeitos no metabolismo c) disfunção hepática: o recém-nascido evolui com
de moléculas pequenas, como erros inams do metabo- heparomegalia, hipoglicemia, provas de função
lismo de aminoácidos, ácidos orgânicos, carboidratos ou hepátiCa alteradas e coagulação sanguínea altera-
do ciclo da uréia. Assim sendo, a deficiência enzimática da. Exemplos: distúrbios da gliconeogênese, glico-
pode se manifestar clinicamente como quadro de "into- genose tipo I ou III, galacrosem1a, frurosemia (se a
xicação" ou "déficit" energético ou, ainda, como disfun- dieta contém frucose), tirosinemia ripo I, deficiên-
ção hepática (Saudubray et ai., 1991). cia de alfa-1-antitri psina;
Além destas três formas clássicas de manifestação, d) convulsões em recém-nascido aparentemente
acrescentam-se os quadros de convulsões em recém- bem: afastadas as causas freqüentes de convul-
nasodo aparentemente bem e as doenças que causam são metabólica no recém-nasodo (hipogl1cemia,
dismorfismos. como algumas lisossomais, peroxissomais h1pomagnesem1a, hipocalcem1a). está 1nd1cado o
e a síndrome de Smith-Lemli-Opitz. tratamento de prova com 100 mg de p1ndoxina
a) "intoxicação": o acúmulo dos metabólitos que (vitamina B6) venosa. Se as convulsões cessarem,
estão antes do bloqueio enzimático leva à into- o diagnóstico provável é de dependênCia de pin-
xicação aguda ou gradualmente progressiva. Os doxina, doença autossômico-recessiva rara. A piri-
sintomas surgem depois de um intervalo assimo- doxlna é co-fawr para a produção de GABA. neu-
mátiCO de horas ou semanas após o nascimen- rorransmissor 1nibidor essenoal no córtex cerebral.
to e se assemelham aos da sepsis: sucção débil. Outra doença que se manifesta com convulsões
vômitos, letargia/coma, hiperronia. convulsões, no recém-nasc1do é a deficiência de co-fator de
icterícia. Não há melhora do quadro com a tera- molibdênio, suspeitada pelo baixo nível plasmátiCO
pêutica habitual para sepsis. O quadro piora com de ácido úrico, mesmo na ausência de dlsmorfis-
a alimentação e melhora com exsanguíneotrans- mos e luxação do cristalino;
fusão ou diálise peritoneal. Achados laborato- e) recém-nascido dismórfico: alguns erros inatos
riais inespecíficos freqüentes são acidose, cetose do metabolismo causam dismorf1smos congênl-
e hiperamonemia. Fazem parte deste grupo as ms. Fácies grosseira, hipem ofia geng1val, hepa-
aminoacidopat1as (doença do xarope de bordo - roesplenomegalia e hidropisia fetal podem ser
leucinose, tirosinemia), as acidúrias orgânicas, os manifestações de doenças lisossomais, como a
defeitos do ciclo da uréia e as intolerâncias a açú- mucolipidose I (sialidose). a mucolip1dose 11 (/-ce/1

758 Medicina laboratorial para o clínico


disease) e mucopolissacaridose VIl. Hipoconia de no exame físico comple~o e o padrão de envolvimento
nuca, fontanelas amplas, prega simiesca e cistos orgânico são fundamentais para se resrringir o especrro
renais estão associados a doenças dos peroxisso- de possíveis diagnósticos, possibilitando a solicitação de
mos, como a síndrome de Zellweger e a adreno- exames laboracoriais mais direcionados.
leucodistrofia neonatal. A síndrome de Smith-Le- A sintomacologia, entretanto, também pode ser a
mli-Opitz, caracterizada por dismorfismos faciais descrita no período neonatal, associada a erros inaws
(ptose palpebral, microcefalia, epicanto interno, do metabolismo intermediário e ao déficit energético,
narinas antevertidas, fenda palatina, micrognatia), man ifestando-se como ataques recorrentes de coma
hi pospádia, cardiopatia e sindactilia de segundo metabólico, neurológico e/ou hepático, letargia, ataxia e
e terceiro artelhos, é um erro inaw da biossínte- Sintomas psiquiátricos (alucinações, delírio, agressividade,
se de colesterol, com níveis baixos de colesterol agitação, quadro semelhante ao da esquizofrenia). Con-
plasmático e acúmulo do precursor do coleste- vulsões no lactente jovem devem ser abordadas como já
rol, o 7-dehidrocolesterol. Pacientes com acidúria descritas anteriormente em "convulsões no recém-nas-
glutárica tipo 11 têm fenótipo característico, com cido aparentemente bem", incluindo aqui a possibilidade
fronte alta, hipertelorismo, implantação baixa de de hi poglicorraquia (doença de De vivo).
orelhas, defeitos da parede abdominal, rins volu-
mosos, hipospádias e pés wrtos. Algumas acidú-
rias orgânicas estão associadas a dismorfismos; na LABORATÓRIO
deficiência de piruvawdesidrogenase (PDH) os
dismorfismos são semelhantes aos da síndrome Os testes iniciais são usados para identificar metabó-
fetal alcoólica. Pacientes com hiperglicinemia não licos anormais. É fundamental informar ao laboratório a
cetótica freqüentemente apresentam agenesia idade e o quadro clínico do paciente e também a medi-
do corpo caloso e defeitos da migração neuronal. cação em uso.
Agenesia do corpo caloso é também vista na de-
ficiência de PDH. A doença de Menkes, erro inato
do metabolismo de cobre de herança ligada ao X, AVALIAÇÃO LABORATORIAL
é caracterizada por dismorfismos, hipopigmenta- NO PERÍODO NEONATAL
ção e cabelos com "pi/i torti".
Os exames laboracoriais podem ser solicitados em
etapas.
APRESENTAÇÃO ClÍNICA NO
LACTENTE E NA CRIANÇA MAIOR
Exames de primeira linha
Nesta fase predominam os defeitos no metabolismo
de moléculas complexas, como as doenças de depósi- • gasomerria, HC03. glicose. ionograma. ácido úri-
to lisossomal e doenças dos peroxissomos. Estes erros co plasmático (convulsões no recém-nascido apa-
inatos que se manifestam clinicamente com curso crô- rentemente bem);
nico e progressivo, com sintomatologia multissistêmica, • urina: testes de triagem metabólica simples* (açú-
atingindo tecidos e órgãos (fígado, baço, medula óssea cares, aminoácidos, ceconas);
e encéfalo) nos quais os substratos (glicogênio, lipídeos • testes de função renal;
complexos, mucopolissacarídeos) que não podem ser • testes de função hepática;
degradados se depositam. Neste grupo, os sintomas clí- • propedêutica completa para afastar sepsis e
nicos podem ser permanentes e não se relacionam com hemorragia intracran iana no recém-nascido: he-
fases catabólicas agudas ou alimentação. Avaliações clí- mograma, hemocultura, exames do líquor (rotina
nica, neurológica, oftalmológica e auditiva dos pacientes e cultura). exames de urina (rotina e cultura), Rx
são geralmente necessárias. A história clínica, os achados do tórax. ultra-sonografia uansfontanela.

Investigação laborato rial do pacientes com erro in ato do metabo lism o 759
Exames de terceira linha
Alterações sugestivas de erro inam do metabolismo
nos exames de primeira linha são: acidose metabólica.
anion-gap elevado e hipoglicemia. Cemnúria no recém - • sangue: análise quantitativa de am1noácidos e per-
nascido é sempre sugestiva de erro inaro do metabolis- fil de acilcarnitinas;
mo. Alterações na triagem metabólica simples na urina • urina: análise quantitativa de ácidos orgânicos
devem ser investigadas. Panciropenia. neuuopenia. pla- na urina (cromamgrafia gasosa/ especrromeuia
quempenia podem ser devidas a acidúrias orgânicas, o de massa).
que pode ser confundido com sepsis.
Baixo nível plasmático de ácido úrico pode estar rela- Estes exames são solicitados de acordo com altera-
cionado à deficiência do co-fator molibdênio. ções específicas encontradas nos exames de segunda
linha. A espectrometria de massa Tandem. pouco dispo-
nível no nosso meio. detecta aminoacidopatias, acidúrias
Exames de segunda linha orgânicas e defeitOs da beta-oxidação mirocondrial de
ácidos graxos em sangue coletado em papel-filtro e é o
Devem ser solicitados caso o paciente não esteja método mais amplo de detecção de doenças metabóli-
apresentando melhora clínica com o tratamento para cas em triagem neonatal (Tabela 62.3).
sepsis ou caso haja alterações nos exames de primeira Alguns serviços recomendam que assim que houver
lin ha. suspeita clínica, ou seja, na fase crítica da sintomatologia,
• sangue: amônia e lactato (colher o sangue sem deve-se coletar e congelar a urina, plasma heparinizado
ga rrotear, tra nsportá-lo em gelo e realizar o exame (2 a S mL) e. se possível, líquor (0.5 a 1 mL) do paciente
imediatamente}; suspeito em -20"C e aguardar a evolução do caso. Pos-
• sangue e urina: cromamgrafla de aminoácidos teriormente, caso não haja melhora efet1va do quadro
(urina fresca ou congelada); clínico. fazem-se análises de segunda e/ou tercei ra linha
• urina: cromatografia de carboidrams. destes materiais. que refletem o estado metabólico agu-
do do pacienre. Em caso de êxitO letal agudo. pode-se
Hiperamonêmia, acidose láctica e padrões anormais coletar urina por punção suprapúbica.
nas cromatografias de am inoácidos e de carboidratos
começam a defi nir os possíveis erros do metabolismo.
Nas infecções e na hipóxia há elevação de lactaro, mas AVALIAÇÃO LABORATORIAL
não há cetose. NO LACTENTE E NA CRIANÇA MAIOR
Hiperamonêmia pode ocorrer nos defeitos do ciclo
da uréia, nas acidúrias orgânicas. na insuficiência hepática No lactente e na criança maior, além dos exames ci-
grave, na hioeramonêm1a transitória e na atividade mus- tados para investigação laboracorial do recém-nascido.
cular aumentada (ex: pós-convulsão). São suspeitos de solicita-se uma triagem mais abrangente ou mais espe-
erros inatos do metabolismo níveis acima de 200 IJmoiJL cífica, conforme a avaliação clínica.
no recém-nascido e acima de 100 IJmoi/Lapós o perío- 1. Testes simples de triagem metabólica urinária;
do neonatal. Falsas elevações de amónia são freqüentes e 2. Análise de am inoácidos no sangue (plasma ou
devem ser sempre confirmadas em nova amostra. soro) e/ou urina (Tabela 62.1);
Acidose lática pode ocorrer nas acidúrias orgânicas. 3. Cromatografia de glicídios;
nos defeitos do ciclo da uréia (especialmente citrulinemia), 4. Análise quantitativa de ácidos orgânicos na urina
nos defeitos de ox1dação dos ácidos graxos, nas doenças (Tabela 62.2);
de metabolismo de glicogênio hepático. nos defeicos da S. Cromacografia ou eletroforese de mucopolissaca-
gliconeogênese hepática. nos defeitos da oxidação de rídeos na urina;
lacrato-piruvato, do complexo piruvato-desidrogenase 6. Atividades enzimáticas específicas para doenças
ou do ciclo de Krebs e ainda nas deficiências de atividade lisossomais em leucóciros ou sangue em papel-
de um dos componentes da cadeia respiratória. filtro (Tabela 62.5);
7. Ácidos graxas de cadeia muiro longa no plasma quanw o ácido homogentís1co, eliminado em grandes
para doenças peroxissomais (Tabela 62.4); quantidades na alcapconúna. a de1xa azul/marrom. O
8. Carnitina total e perfil de acilcarnitinas no soro cheiro de urina deram sugere fenilcemnúria, o cheiro de
ou sangue em papel-fil tro em caso de suspeita de xarope de bordo ou de açúcar queimado é nocado na
defeiros da beta-oxidação mitocondrial de ácidos leucinose e o cheiro de pé suado na acidemia isovalérica
graxas (especuomerria de massa Tandem) - (Ta- ou acidem1a glurárica ripo 11.
bela 62.3); As reações qualitativas na urina são:
9. lsoelerrofocalização de transferrinas séricas em • teste do cloreto férrico: ad1cionam-se algumas
caso de suspeita de CDG (defeims congênims da gocas de FeCI3 5 a 10% em pequeno volume
gl1colização); de urina. Se a reação resultar em cor azul-verde,
10. Atividade da biocinidase no sangue em caso de deve-se suspeitar de fen ilceronúria, histidinemia,
suspeita de deficiência de biocinidase. O quadro tirosinemia tipos I e 11 e alcaptonúria, além de fe-
clínico da deficiência de biocinidase é variável; ocromocimma. A cor cinza-esverdeado aparece
classicamente se manifesta por volta de seis se- na leuCinose. Outros compostOs também reagem.
manas de vida, com letargia, ataxia, convulsões, como fenociazinas resulcando em cor púrpura ou
surdez, alopecia, lesões de pele eczema ró ides, aci- verde, salicilams e corpos cetônicos em cor verme-
dose metabólica e acidose lática; lho-púrpura e melanina na cor cinza escuro;
11. Cobre sérico e urinário e ceruloplasmina sérica • reação da dinitrofenilhidrazina (DNPH): a reação
quando houver suspeita de doença de Wilson ou pos1tiva ocorre com 2-oxoácidos, formando hidra-
doença de Menkes; zonas que precipitam. t positivo na feni lcetonúria,
12. Ácido úrico plasmático em caso suspe1to de do- leucinose, rirosinem1a tipos I e 11 e acidose lática e
ença de Lesch-Nyhan; também quando há ceconúria;
13. CreatinioqUinase (CK) em caso suspeitO de mio- • teste do nitrosonaftol: detecta metabóliros da ti-
paria; resina na urina. Ressalta-se que recém-nascidos fre-
14. Atividade de galacrose-cransferase e ep1merase qüentemente apresentam ri rosinemia transitória;
no sangue, se houver suspeita de galacmsemia; • teste do cianeto-nitroprussiato: este reste reage
15. Pesquisa de porfinnas na urina, se houver suspei- com ácidos sulfurados formando complexos de
ta de porfina. cor vermelha ou púrpura. É indicado para pacien-
tes que apresentam luxação de cristalino (homo-
cistinúria) ou aqueles com litíase renal recorrente
EXAMES lABORATORIAIS UTiliZADOS (cistinúria);
NO DIAGNÓSTICO DOS ERROS • teste da p-nitroanilina: detecta a acidemia metil-
INATOS DO METABOliSMO malônica;
• pesquisa de substâncias redutoras na urina (Cii-
TESTES SIMPLES DE nitest): o reagente de Benedict ou Clinitesc reage
TRIAGEM METABÓLICA URINÁRI A com várias substâncias redumras na urina forman-
do complexos de cor verde a laranja. A presença
Alguns metabóliros urinários reagem com soluções es- de glicose, galacmse. frumse. xilose. ácido úrico.
pecíficas, alterando a cor da urina. Esces restes simples na ácido homogentísico ou ácido ascórbico na unna
urina são úteis para pequenos laboratórios e para países resulta em exame positivo;
onde técn1cas mais sofisticadas não estão disponíveis. Al- • teste do azul de toluidina (Berry-Teste): a reação
guns são inespecíficos, mas um resultado positivo fornece- ocorre com mucopolissacarídeos (glicosaminogli-
rá subsídios para a realização de exames mais específicos. canos. GAG) na urina. Reações falso-negativas são
A análise inicia-se pela cor e pelo cheiro da urina. A freqüentes. especialmente na mucopolissacarido-
presença de eriuócitos, hemoglobina, porfirinas e algu- se III (síndrome de Sanfillipo) e na mucopolissa-
mas drogas na unna deixam sua cor avermelhada, en- caridose IV (síndrome de Morquio) ou quando a

Investigação laboratorial do pacienres com erro inato do metabolismo 761


urina está muiro diluída. Em recém-nascidos este ção são as deficiências de acii-CoA desidrogenase de ca-
teste é sempre positivo. sem signtficar doença; deia curta (SCAD). de acii-CoA desidrogenase de cadeia
• teste do brometo de CTMA: reage também se- média (MCAD). de acii-CoA desidrogenase de cadeia
miquantitativamente com mucopolissacarídeos longa I muito longa. de múltiplas acil CoA desidrogena-
na urina; ses (MAO, acidemia glurárica ripo 11). de carnirina pal-
• comburtest • ou similar: pesquisa de pH, prore- mimil rransferase 11e de 3-0H-acii-CoA desidrogenase
ínas. glicose, corpos cetônicos. urobilinogênio, bi- de cadeia longa. As acidem ias orgânicas detectáveis pelo
lirrubina e sangue na urina. Cetonúria pode estar método são acidemia propiônica. acidemia isovalérica.
presente nas ac dúrias prop1ônica e merilmalônica, acidemia glurárica ripo I, acidemias merilmalônicas. defi-
na def1c1ênoa de 3-oxoriolase e na acidose lática. ciênoa de merilcroronii-CoA carboxilase e deficiência de
3-0 H-3-merilglura rii-CoA liasa.
Pesquisa de glicosaminoglicanos (GAGs) unnános:
ANÁLISE DE METABÓ LITOS pode ser feita por cromatografia de camada delgada
(TLC) ou por eletroforese. Ambas as técnicas separam
Metabólicos específicos são detectados por meio de qualitativamente os GAGs na urina, que são heparansul-
técnicas de cromatografia. eletroforese ou espectrome- faro. dermaransulfaro, condroirinsulfaro e queratansulfa-
tria de massa. to. auxiliando fortemente no diagnóstico das mucopo-
Anál1se de ammoác1dos: é fei ta em plasma e/ou urina. lissacaridoses (Tabela 62.5). Devem ser realizadas quando
O mérodo mais básico. semiquantitarivo, é a cromato- o teste do azul de toluid1na ou do brometo de CTMA
grafia em camada delgada (TLC) para aminoácidos. A forem positivos ou, ai nda, se houver fo rte suspe1ta cl íni-
análise quantitativa de aminoácidos é feira por cromato- ca, mesmo com os ourros exames normais.
grafia líquida de alra perfomance (HPLC), cromatografia Pesquisa de gl1cídios unnános: é feita na urina por
iônica ou por espectrometria de massa Tandem. cromatografia de camada delgada (TLC). A existênoa de
Anál1se quantitativa de ácidos orgâmcos: é feira na galactose ou frurose na urina fornece subsídios para o
urina por meio de cromarografia gasosa/ cromatografia diagnóstico de galactosemia ou galacmsúria secundária
gasosa (GC/GC). cromatografia gasosa/ especrromerria e frurosemia. respectivamente. É realizada quando o ch-
de massa (GC/MS) ou cromatografia iônica. mtest é positivo.
Pesqwsa de oligossacarídeos e sialiloligossacarídeos Pesquisas de metaból1tos nas doenças dos peroxlsso-
unnános: é feita por cromatografia de camada delgada mos: determinação de ácidos graxas de cadeia muito
(TLC). Apresenta padrão alterado típico nas gangliosido- longa no plasma (C26:0), ácido trihidroxicoprostânico
se GMl, doença de Sandhoff. mucolipidose I (sialidose), (THCA) no plasma, áodo fitân ico no plasma e plasmaló-
aspamlglicosamin úria e em algumas glicogenoses. Na genos em eriuóciros (Tabela 62.4).
mucolipidose 11 ("I-Ce//-01sease") e na mucolipidose III
(polid1srrofia pseudo-Hurler) não há excreção urinária
aumentada. nem de oligossacarídeos nem de mucopo- ATIVIDADES ENZIMÁTICAS ESPECÍFICAS
lissacarídeos.
Análise de acilcarnitmas no sangue: feira por espec- Usadas especialmente nas mucopolissacaridoses, oli-
trometria de massa Tandem, possibilita o diagnóstico gossacaridoses e outras doenças lisossomais. a fim de se
dos defeitos da bera-oxidação de ácidos graxas e de al- obter o diagnóstico definitivo (Tabela 62.5).
gumas acidemias orgânicas. Os defeitos da beta-oxida-

762 [ Medicina laboratorial para o clínico


TABELAS DE PRINCIPAIS ACHADOS
LABORATORIAIS NAS PRINCIPAIS SÍNDROMES

Tabela 62.1 - Pnnc1pais erros inaLOs do merabolismo associados à alreração dos níve1s de ammoác1dos no sangue e/ou na unna

Doença Sangue Urina

Fenilcetonúrio e Hiperfeniloloninemio Fenilolonino i Fenilolonino i


Relação fenilolon111o/ tirosino i
Tirosinemio Tirosino i Trosino outros am·noócidos neutros i
Doença do xarope do bordo Leucino, isoleucino e volino i Leucino, isoleucino e volino i

Acidemio propiônico Glicino i


Doenças do creio do uréio
o) Deficiência de ocetilglutomino sinlerose Citrulrno J.
b) Deficiência de corbomil·fosfoto sintefose !CPS 1) Citrulino J.
cl Deficiência d e ornitino lronscorbomilo se !OTC) Citrulrno J.
dl Cilrulinemino Citrulrno i Citrulino i
e) Acidúrio orgininosucínico Ácido orgininosucínico i, Cilrulino i Ácido orgininosucínico i

Hi perorgininemio Arginino i Arginino i

Hiperglicinemio não cetófco Glicino i Glicino i


Homocrslinúno Metiontno i Homocistino i

Deficiência de cislolionino sinletose Metionino i , homocisfino i Meiionino i

lntolerãncio lisinúrico à proteino Usina i. glutomino i , citrulrno i Lisino i. o rg ntno i


Hiperlisinemio Usina i Lisino i
H stid1110 i H istid ino i
Asportilglicosominúrio Asportilglicosomino i Asportilglicosomino i
Defrciêncro de creolina Arginrno J.
Alrofro girolo O mitino i
Disl · 'b os do cobalomrno !CbiB CblDl Csto tionrno i Cislolionrno i
Deficiência de cistotionose Cistotionino i Cistolionino i
Deferias do rronspor•e de orrrnoócrdm Alo'l no i serino i Treonino i
o l Doença de Ho rlnup Glutami'lo i Va ino Leuciro
lsoieucmo i Fenilolan.no i. Trros,no i.
Tripto fãnio i Hrstrdrno i e Crtrulrna i

Investigação labo r awrial do pacie mes com e rro inaw d o m et ab o lism o 763
Tabela 62.2 - Principais acidemias orgânicas diagnosticadas pelo aumento dos níveis urinários de áctdos orgântcos ou perfil
de carnttina e acilcarnitinas no sangue

Doença Ácidos orgânicos na urino Acilcarnitinas no sangue


Acidemio propiõnico Ácido 3-hidroxipropiõnico, ácido metilcítrico, ácido propionilcornrtino (C3) i i.
3-hidroxivolérico, propionilglicino C3/CO i. C3/C2 i
1\c,dem,o mefllmolônico Ácido metilmolônico e metobólitos do ocidemio C3 i ou L se houver
propiõnico mó nutrição, C3/CO i. C3/C2 i
Acidemio lético Ácido lético, ácido pirúvico, ácido 2·hidroxibutíri·
co, ácido 4 -hidroxife,illótico
Acidemio rsovolénco lsovalerilglicino. ócido 3-hidroxiisovolérica, ácido CS i. C5/C2 i
4·hidroxiisovolérico
Delrcrêncio múlttplo de corboxiloses, Ácido 3-hidroxiisovolérico, 3-metilcrotonilglicino,
deficiência do holocorboxilose sintetose e ácido metilcítrico, ácido 3-hidroxoipropiõnico,
dekiêncio de brotinidose ácido lético
Delicréncio de 3-melitcro'oni'·CoA coroo· Ácioo 3·htdrox,tsovolérico, 3-merilcrotonilglicino CS·OH i
xlose
Acidúrio 3-metilglutocõnico Ácido 3-metilglutocõnico, ácido 3-metilglutórico,
ácido 3-hidroxiisovolérico
Acidúrio 3·hrdrOXI·3·metilglutórico Ácido 3-hidrox,·3·metilg utór,co. óodo 3-merilgluto- C5·0H i
cônico, ácido 3-metilglutórico, ácido 3·hidroxiiso·
vo érico, 3·metrlcroto1ilgrrcrno
Acidúrio glutórico tipo I Ácido glutárico, ácido 3-hidroxiglutórico. ácido CSDC
glutocõnico
Acidúlio glutórico tipo 11(deficiência de Ácido glutárico, ácido etilmolõnico, ácido odip ico, Todos os metobólitos de
desidrogenose múltiplo de ocii·CoA) ócrdo subérico, ácrdo 2·hidroxrglutórico, rsovoleril ocilcorn't nos i (de C 4·C 18)
glicino, isobutirilglicino
Acidúrio L·2·hidroxiglutórico Ácido L-2-hidroxiglutárico

Acidúrio D·2·hidroxiglutórico Ácido D 2-h,drox,glutórrco

Acidúrio fumórico Ácido fumórico

Acidúrio mevolônico M evolonoloctono, ácid o mevolõnrco

Doença de Conovon Ácido N ·ocetil ospártico

Acidúrio D·glicérico Ácido D-glrcérico

Hiperoxolúrio tipo I Ácido oxólico, ácido glicálico, ácido glioxílico

Hiperoxolúrio tipo 11 Ácid o oxálico, ácido 1-glicérico

Acidúrio 4·hidroxibutírico Acido 4 -hidroxibutírico, ácido 3·4-dihidroxibutírico

764 Medicina laboratorial para o clínico


Ta bela 62.3 - Pnncipais defetros da bera-oxidação de ácidos graxas dtagnosncadas pelo perfil de acilcarninnas no sangue e
ácidos orgânicos urinários

Doença Carnitina total e acilcarnitinas no sangue Ácidos o rgânicos na urina


Deficiência do transportador de cornilino cornitino total .LH, M etobólitos de ocilcornitinos H

Deficiêneto de C0 i
cornitino-polmito, tronsferose [CPT I)
Deficiência de cornitino·lronslocose cornitino total H , acilcornitinos 80-100% do total Ácidos dicorboxílicos

Deficiência de i cl~· c16· c l61• eiS• c ,s 1


cornitino·polmitoitronsferose 11 [CPT ti)
DeliciênCIO de desidrogenose de i (12· Cf,!, c4 I ' C:ó• cló l Ácidos dicorboxílicos c,2.cl4
ocii.CoA de cadeia muito longo [VLCADI
Deficiência de desidrogenose de i OH·C 16 , OH·C 181 , OH·C 8 2 Ácidos dicorboxílicos C6 -C 1,rOH
hidroxiocii·CoA de cadeia longo ILCHAD) eC,.,·C
Deficiência de desidrogenose de Ácidos dicorboxílicos C6 -C 10,
oci~CoA de cadeia médio [MCAD) suberilglicino
DeficiênCia de des1drogenose de Ácido etilrrolõnico, butirilglicina
ocii·CoA de cadeia curto [SCAD)

Tabela 62.4 - Doenças dos peroxissomos: determinação de ácidos graxas de cadeia mUiro longa no plasma (C26:0), THCA
no plasma (ácido rrihidroxicoprosrânico), ácido fitânico no plasma e plasmalógenos em erirróciros

C26:0 THCA Fitânico Pristânico Plasmalógenos


Doença peroxissomol
(f!moi/L) (f!moi/L) (f!moi/L) (f!moi/L) (1Jmoi/L)
Desordens do biogénese do peroxissomo i i i i .L

Condrodisplosio 1izomélico clássico e não clássico normal normal normal .L

Síndrome Zellweger i ? ? ? .L

Adrenole~codstrol o ligado ao X, formo 1rfon'1l e vonon'es i norr1ol normal normal normal

Deficiência do ocii-CoA oxidose i normal normal normal normal

P1oleíno bifuncionol e deliciêncio de tiolose i i i i normal

Desordens de síntese de ésteres de fosfolipídeos normal normal normal normal .L

Investigação laboratorial do pacientes com erro inato do metabolismo 765


Tabela 62.5 - Doenças lisossomais

Doença Defeito enzimático Eliminação urinária


----
o} Mucopot,ssocoridoses
S Hurler
MPS I S Hurler/Scheie a-lduronidose (l,F,LA,VC) DS/ HS
S Scheie
MPS II S. Hunler !grave} lduronoto-S-Sulfotase (S,F,LA,VC) DS/HS
S. Hunter (grave}
MPSIIIA s Sanfilippo A Heparan-N-Sulfomidose !L,F, LA.VCJ HS/CS
MPSIII B s Sanfilippo B Heporon-N-Sulfomidose (L.F.LA.VC} HS/CS
MPSIIIC S Sonfilippo C N-Acetii-Transferose (F,LA,VC} HS/CS
MPSIIID S. Sonfilrppo D f\J-Acerlglicosom;no-6-Sulfotose (f,LA} HS/CS
MPS IVA S. Morquro A (grave) N-Acetilglicosomino-6-Sulfotose !f.LA) KS/CS
S. Morquio A (leve}
MPS IV B S Morquio B [3-Goloctosidose (L,F,LA,VC) KS/CS
MPS VI C S. Moroteoux-Lomy Arilsu fotose B !L.F LA} DS
MPSVII S Sly (grove} Arilsu iotose B !L.F LA} CS ou DS/HS/CS
S. Sly (leve}
bl Mucol p doses
Trpo 11 (1-Ce//Drseose) Fosfotro'ls;erme IS FLA VC, Negotrvo
Trpo III (Pseudo-Hurler) Fosfotro'lsferme IS F,LA.VC) Negarrvo
c} Oligossocaridoses
a-M anos idose a-Monosidose !S. L, F, LA,VC} Positivo
P-Monosidose P-Monosidose !S U LA.VCI Positivo
Fucosidose fucosídose !S.L.F.LAl Positivo
Asportilglicosominúrio N-osporhlglrcosom ntdose (L.f.LAI Positivo
d ÜtJirOS

Leucodistrolro metacromótico Arrlsu:lotme A (lJ.lA) Nego-,,·o


Doença de Krabbe Goloctocerebrosrocse Negativo
G ,icogenose tipo 11 (Doença de Pompe} a glrcosrdnse !LJ, LA, VC) Negot,vo
Doença de Krobbe Goloctocr•rel)rosidose Negativo

766 [Mcdtctna laboratorial para o clínico


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Investigação laboratorial do pacientes com erro inato do metabolismo 767


I
ÍNDICE REMISSIVO

A teste de HA/VI 303


class ificação 260
Abcessos 22 doença crônica 287
Ácido fáli co 294. 296.749 captação e o tmmporte de ferro 289
deficiência 294 eritropoese 289
Ácido me tilmalônico 297 estoque de ferro 289
Acidose m etabólica 5 53 hemogmma 290
Acidosc respiratória 5 55 reticulócitos 290
Aero monas 144 falc iforme 284
AI OS , ver Síndrome da im u nodeflc iê ncia adquirida eletroforese de hemoglobina 286
Alcalose m etabó lica 554 fomlizaçno isoelétrica 286
Al calosc respiratória 555 lmnograma 2 85
Alfa- 1-anritripsina 426
reriwlócitos 285
ferropriva 263
Alfa-1-glicoproteína ácid a 688 . 702
crrpatidade total de ligação do jérro 267
Alfa-fetoprotcína (A FP) 426. 7 34
Jerritina 266
Alfa-talassemia 270
hemograma 296
Aminorransferases 4 12
mewbolismo do ferro 263
alanina aminorransferase 412
rericulócitos 271
asparraro aminotransferase 4 12
sruumção da tmmfrrrina 267
razão AST/ ALT 4 13
hemolí!ica(s)
Anemia(s) 259. 3 19 auto-imune 297
aplásrica 300. 302
enzi mopatias 280
adquirida 301 esferocitose 277
aspirado ml'dular 302 folcifonne 284
biópsia di' medula óssea 302 ill/11111'5 297
CD /5 303 induz idrr por droga 298
CD55 303 ralassemir1s 268
CD59 303 insu fi c iência renal 29 1
celularidade medular 302 erirropoese 292
estudo círogenltiro 302 lmnogmmrr 292
glicoforina 303 rNimlórilos 292
grave 301 macrocírica 260. 293
Hemoglobimíritr f>a roxísrim Norurna (H PN) 303 mega lobl:ísticas 293
hereditária 30 I ácido fiilico 293
moderada 301 rícido metilmalônico 297
muito gnwe 30 I DI-/L 3 UJ
panciropmitr 302 hemogm111a 296
homocisteintl 297 D iabetes Mel iro 476
reticulócitos 296 ho rmônios tireoidianos 5 14
vitamirltl B 12 293 Avidez 52
microcítica 260. 263 avidez de IgG 60. 648. 649
normocítica 260. 277
refratária (AR) B
excesso de blastos (AREB) 319
e:r:cmo de blastos em transformação (AREB-7) 319 Baciloscopia 96
sideroblastos em anel (ARSA) 319 hansen íase I II
sicleroblásticas 272 tuberculose 96
protopo1jirina eritrocítica livre 274 Bacrcrcmia 128
Amicoagulaçáo o ral 358 Bacteri ú ria sig nifi cativa 165
monitorização laboratorial 358 Baermann-Moraes, método 223
Amicoagulante Basofi lia 3 13
antitrombina 358 Basóftl o(s) 238. 253
lúpico 353 Beta2-Microglobulina 7 35
oral 358 Bera-talassemias 27 0
Anricorpo(s) 514. 527. 707, 722 Bilirrubina(s) 4 1O. 4 12. 4 19
anti-citrulina 722 metabolismo 4 12
amifosfolípiclc 358 séricas 4 18
antinucleares (ANA), ver tabém FAN 707 urinária 419
antinúcleo, ver FAN Biópsia de med u la óssea 31
anti-rireóide 525 Bioquímica 41
anti-receptom de TSH ( TSH-R) 525.527 automação 47
anti-tireoglobulina (Anri- Tg) 525.527 cromatografia 44
anti-tireoperoxidase (TPO) 525.526 aplicação clínica 46
contra constitu intes celulares, ver também FAN 70 7 métodos cromatográficos 45
hetcrótllos 6 15. 730 eletrofo rese 42
imunoglobul inas 50 aplicação clínica 44
monoclo nais 52 classificação da cromatografia 44
policlonais 52 princípio 42
An tígeno carcinoemb rio nário (CEA) 734 sistema tÚ eletrofome 43
An ti-HBc lgM 598 clerroquímica 46
Anti- HBc total 598 amperometria 47
Am i-HBe 598 efetrodo tÚ pC0 2 47
Am i- HBs 599 efetrodos de fose sólida 47
Ami-receprores de T SH 527 efetrodos de referência 4 6
Ami-ti reoglobulina (An ti-Tg) 527 eletrodos de troca iônica 47
Anri-tireopcroxid ase (T PO) 526 efetrodos de vidro 46
Anrirrom bina 358 efetrodos íon seletivos 46
deficiências, de 358 potenciometria 46
Apol ipopro tcínas 487 cspectroforometria 4 1
Artrite reumatóid e 717 princípio 41
critérios d iagnósticos 7 19 restes laboratoriais remoros 48
exames labo ratoriais 7 19 BRCAI 738
ti Iterações hematofógicas 720 BRCA2 738
alterações hepáticas 720
atividade inflamatórias, provas de 719 c
auto-anticorpos 720
CA 15-3 735
mon itoramemo
CA 19-9 736
avaliação da atividade inflamatória 723
Aspergilose pulmonar 88 CA 27 .29 736
avaliação anaromoparológica 90 CA 125 736
in vestigação micro biológica 89 Cálcio 539
técn icas de genética molecular 90 calcem ia total 540
restes imu nológicos 90 hipcrcalcemia 54 1
causas 541
Aspi rado de med ula óssea 30
hiperparatireoidismo primário 541
Arerogênese 489
hipocalcemia 540
Auto-amicorpo(s), ver também FAN 476. 5 14. 754
calcitonina 540

770 ( Medicina laboratorial para o clínico


ct/1/S/IS 540 acondicionamento e transporte 15
controle hormonal 540 aparelho genitalfeminino e masculino 19
pamtormônio 540 cateter venoso 22
vitamina 03 540 exsudmos, trnnsutlntos, úlceras, feridas e abcessos 22
ion izado 540 fozes 20
sérico 437 lesões genitais 20
Cam po escu ro 671 líquor e outros líquidos corporais 2 I
Campylobacter 14 I sangue 21
Câncer ele ti reóiele 525 srcreçóo de ou11ido 16
tratamenro 525 secreção ocular 17
TSH plnsmrítico 525 tecidos e fragmentos ósseos 2 1
Ca ndidíase vaginal 174 urina 18
Capacidade rotai de ligação do Ferro 267 vias aéreas inferiores 11
uias respimtórim mperiores J1
Carga virai para HIV 57 1
avaliação 57 1 microbiológicas 16
aparelho genital 19
Cateter venoso, coleta 22
cateter 11enoso 22
Célula !.E 706
fezes 20
Célula-tronco 234
fragmentos ósseos 21
hemacopoética 234
líquor 21
Cc:ru loplasmina 428
sangue 6. 21
doença de Wilson 428
secreção de ouvido 16
CMnmydin tmchomntis 167 secreç:rio ocular 11
Cirogcnérica clássica 36 tecidm 21
Ci tomegalovirosc 619 urina 18. 442
diagnóstico laboratorial 622 vias aérens inferiores 11
citologia e histologia 622 vim respiratórias superiores 11
detecçrio do DNA vim! 623 Colo ração(ões)
determinarão da antigenemia 623 branco de calcoflúor 26
diagll(ístico sorológico 624 direras 24
isolanmlto vim/ 624 ácido-resistente modificada 25
princípios 622 auramina-rodaminrt 24
perfll (is) sorológico(s) 625 G'ram 24
infecrrio congénita 626 Kinyoun 24
sorologirt na gestame 625 Ziehl-Neelsen 24
sorologia 110 indit1íduo imunocompetente 625 fluo rescentes 25
sorologia no indivíduo imunocomprometido 625 panóprica 34
C iromcgalovírus, in fecção por 619 pelo azul d e roluidina e azul de metileno 25
C irometria de fl uxo 35.63 Wrighr-G iemsa 26
C itoquímicas 35 Complem en w 7 14, 390
CKMB 504 Concentração de hemoglobina corpuscular média (CH CM) 247
isoenzimas 504 Corrimenro vaginal 183
metodologim 504 C rearinoquinase 502
mbjormas 504 Cromarografi a 44
C loro 539 aplicação cl ínica 46
h ipcrclorem ia 539 métodos cromatográficos 45
h ipocloremia 539 Cryptococcus neoformans 120
Coles rase 4 I 9 Cultivo
AL~r423 primário 26
AST 423 secundário 26
bilirrubinas 423
Cultura para micobactérias, ver também micobactérias 97. 170
enzimas 419
Curva ele Fragilidad e osmótica 279
extra-hepática 4 26
FA 423
GGT 423
D
hcparopatias 423. 424 Desidrogen ase lá rica 4 13
inrra-hcpática 425 Desordem leucocitária 305
padrão misto 424 Detecção de anticorpos anri-H!V 566
Colesterol 75 1 restes rápidos para 566
Colera de am ostras 15 D iabetes Meliro 469. 480.481

771
Índice Remissivo
b~,i fkt ção 47 1 frrsr pri-analítira 44 I
f,rslflfÍOnn/ 471 fruom prt-ana/Í/iros 443
1ipo I 471 glirosr 446
1ipo 2 471 gmvidade específlm 445
colesterol 48 1 gmvidez 444
diagnôqico 47 1 lm nácias 451
ai/trios 471 lm11n11Íria 452
fruw~.tmina 480 jmo mMio 442
funç~n renal 482 lruróritoi 448 453
mirrordbumimírin 482 11111terinis amorfos 454
gemcio na l 471. 477 11/UCO 457
rrulrios dingnósliros 47 - nitrito 449
hcmoglo bina glicad.t 478 orirlttaçáo ao pacirlllr 442
triglicérides 482 parasitos 45-
Di~gn ó~ t i co genérico. técnicas 65 posrura corporal 444
apl icações cl ínica 72 propriedadesJlsiras 444
cndon ucleases de r~mic;~o ••tnilise 68 prordna 446
hibridi1.ação 66 sangru· 448
PC R. ver reação de polimerização c m cadeia urina 444
rcação em cad eia da ligase ( LC R) 71 urobilinogénio 449
>cqlicnciamenro 70 função renal 439
D i.tg nósrico microbiológico 15 fll'aliaráo 440
Diarré ia infecciosa aguda 135 fomraráo dt1 urina 439
ahordagem laboratorial 144 hemácia> dismó rfl .1 ~ 457
illt'mignçáo mirrobiológicn 146 hemrlllirias glomrrularrs 457
agcm e eriológicos 136 não glomerularrs 457
admovirus 13- insufic iência renal aguda 466
Auomonas 144 in uflc iéncia re nal c ró nica 465
nstrovim s 137 investigJ áo labo ratorial 439
Cnmpylobacler 14 I prore inúria de 24 horas 463
Esrbericbia coli dirtrrriogénica 13 7 mirroalbumimíria, ver Diabete~ Mel ito
norovirus 137 raxa de filtração glomeru lar 460
prsquiJa de kuróri1osJrcniJ 145 l'fjlla(ao Cockcroji Gaul 462
Pl~siomonas sbigt'lloides 144 imporrtincia clínica 460
rotavim s 136 limitarõrs 461
Salmonella en1rric11 14 I uréia 462
Sbigella 140 causas renais 463
Vibrio 142 rxtm-mwis 463
Yusinia 143 Oisli p idcrnias 485
Di função renal 439 465 apolipopro te inas 487
crcalinina 458 clasus 488
dt' fillraçáo glommtlnr 459
tnXII a t e rogC:nc~c 489
cxa m~ de urina de roli na I 65, 44 1. 44 2. 446.448.449. 4 53. plnm rrrerosckrórica 490
454 457 cla~~ ill caç5o 493
bt~rrtrias 457 origmr primária 493
bi/i"ubina 449 origrm sew ndária 493
rilulm "Plll'li11is 453 doença arterial coronaria na 485
d/ulm lt't't'duriformrs 45- dr idos graxos 486
rilindros 449 colmrrol 485
colera tle amostras de urina 441 fosfolípidrs 486
cor 444 rriglidri&s 486
corpos gmxos ot'alados 454 lipoprotcínas 486
rristttÍJ 454 /1/)/. 486
rrisrrris t' maraiais ammfos 454 //)/. 486
ml111m 165. 166 LDI. 486
dina 443 quilomícron 486
diumr 443 VI.DI. 486
nforco jlsiro 443 perflllipídico 490
t'Sflt'T/1111/0ZÓidr 457 rquartin de Fril'dl'wald 490
t'Xrtlllt' microscópico 449 llftritrçóes mwliricas 492

772 L Medicina laboratorial para o clínico


1111riações pré-analiticas 490 prozona 52
D isrú rbios á cido- básicos 545 Elcrroforese 42
hiato aniônico 551 aplicação clínica 44
hiaro aniônico uriná rio 55 1 e!etroforese capilar 44
misros 556 eletroforese de proteínas em alta resolução 44
primários 553 focalização isoelétrica 44
Distúrbios hemorrágicos 346 classificação da cromatografia 44
avaliação laboratorial 348 hemoglobina 272. 286
conwge111 de plaquettts 349 princípio 42
fiiStlios de mistum 350 sistema de elerroforese 43
fibrinogênio 351 Eletróliros 529
função plaquetária 349 água 529
tempo de p rotrombina 350 água carpam! 530
temp o de .•nngmmmto 349 líq uido extracelular 529
tempo de trombino 35 1 líquido intersticial 530
tempo de tromboplastina parcial ativado 350 plasma 530
exame fís ico 348 s6dio 530
m3nifcsrações clínicas 346 líquido inrracdular 529
Doença arteria l coronaria n,t lt95 potássio 530
homocisreína 495 Eletroqu ím ica 46
Doença de Chagas 65 1 amperometria 47
diagnóstico de siruações especiais 658 elerrodo de pC02 47
inferçiw rongenita 658 elerrodos de fase sólida 47
rentivrt(tÍO de infecção crónicn 659 elen·odos de referência 46
diagnósrico paras imlógico 655 eleuodos derroca ión ica 47
màodos diretos 655 elerrodos de vidro 46
métodos pnmsitolõgicos i11diretos 656 eletrodos íon selerivos 46
diagnósti co sorológico 657 porenciomerria 46
imerpreraçâo dos restes sorológicos 658 ELISA, ver ensaios irnunoenzimáricos
Doença de vo n Wille nbrand 352 Endonucleascs d e restrição, análise 68
Dosagens hormonais (sisrcm a c ndócri no) 512 E nsaios irnunoe nz im á ticos 59
basal 509 Enzimas pan creáticas 433.436
efeitos analíricos 512 Enzirnopatias eritrocirárias 280
anticorpos heterófilos 5 14 atividadc enzimática 283
efeito grmrho 515 hemograma 283
interferentes 512 rericulóciros 283
complemmto 513 Eosinofilia 3 11
disalbuminemia 5 14 síndromes hipereosinofílicas idiopáticas (SH E) 3 11
drogas 5 16 Eosinófilo(s) 238. 253
efi'itos di' matriz 5 12 Eosinopenia 312
fittor rmmatóide 5 13 Epsrcin-Barr vírus, infecção por 6 13
hipertiroxinemica 5 14 alreraçôes hernarológicas 616
honnônios livres 5 14
diagnóstico sorológico 615
/;ormónio.r totais 514 anticorpos contm o vírus Epstein-Barr 615
inesperífiros 5 15 anticorpos heterófilos 615
lisozima 5 13
Er irroblasro 236
m ecânicos 515
o rroc romático 236
11/etabóltros 516
policromático 236
{JI"Otelnas 513
pró -erirroblasro 236
proteínas endógenas 513
Erirróciro(s) 236.243. 248
sensibi lid ade analírica 512
avaliação morfológica 248
alta sensibilidade 5 12
Erirrograma 246
limite de detecçáo 512
Erros inaros do metabolismo 757.76 1
1uartn grraçrío ) 12
anál ise de metabóliros 762
terceira geração 512
arividades enzimáticas específicas 762
lacrente e na criança maior 760
E
período neonaral 759
Efeito exames de primeira Linha 759
gancho 729 exames de segunda linha 760

lndtce Remiss1vo 773


I'Xfllllt'S dr u•n·rim linhfl 760 Fase sólida 52
triagem mct.thóli .1 urin.íri.t 76 I Fatores de c re cimento 235
fsrberichin roli I 19 F:rror reumató ide 720
diarrciog.:nit.t 137 Fator V de Leide n 358
F~,fcrociro~c hcrcdir:íria 277 Fausr, m~rodo 224
LUrva de fr.t "ilid.~tk o~móti<-.l 279 Febre rcumárica aguda 681 687
hcmogram.t 27') critérios de Jo nes 687
rcriculóci to' 279 infecção cmcprocócica Jmcrior 689
E,frcg.u,.o J c '·'"!;'"'
pcri féri~..v c oncd u l.t Ó>>ca 32 mui-drsoxirribonudrrtsr IJ 6!10
E~pccrrofotomctri3 4 I nmigrnos rsrreproróriros 689
princípio 'Í I dosrrgrm dr flmi-esm•ptolisinfl-0 689
E'l rogênc~c 41)) processo infhm3tÓrio 687
proteína C rc.uiva de alta sensibilidade 495 rt!jft- 1-glitoproteina dl'irlr1 68/:J
Ex.tmc para,itológico d e fcz.c 221 elrrroforrsr de protrimts 689
w lora õe; empregadas 223 mucoprotl'inas 688
fase analític.t 2r protrílllt C rrrUÍ/111 61:J8
f.tsc pós-atul ític.t 228 Fe no ripagcm erirroc idri3 )')')
fJ.Se pré-:tn3lític..t 222 Feridas 22
pc~q ui s.t de wtcídcos intc tinais 223 Fe rririna 26fí
principai' métodos 222 Fe rro 26,,
!Jfllmiiiii/11-J\/omes 222. 223
Ferro mcdu br 267
Coprorm 222.223
Fe1..es, colct:t 20
dirrto 222
Fibrinogê nio 35 1
Ft~wt 222. 224
Fígado 409 4 I I
lmnrlloxilina ftrrim e rricrômiro 222
aminotransfc rases 4 12
Hoffimm. f'om r }t~nrr 222 223
elrmpío 4 12
Kmo-1\1/{z 222.223
{/'<11/Jilll/11/tlSt!S 412
Lurz 222
bile 4 10
MIFC 222 223
bilirrubin.l ( ~) 4 I O 4 12
Nirchir 222. 223
Rugfli 22.J di ma (ronjugrula) •I! O
SIJenrlm· 222 indim11 (ndo ronjugad11) 410
lllf'{(tÚofÍJII/11 4/0
\'(/ii/is 222. 223
exa mes bhor.ttoriais 4 I I
'cd iment açiio csponrà nea 223
Ex3me(s)
5'-Nurlroridase 421
dnoxifimrtio 411
di rcto a fresco I 70. I 78
disfimpio 4 /I
di reto corado pelo Gram 170. 179
mzimas brpdrims 4 11
di rcto sem coloração 23
l'XCI'I' (IÍO 4 /f
gotn pl'lldt•ntr 23
/estio IJt•p~ttoalulnr 4 11
microscopit1 dr mmpo rsmro 24
sinrrsr IJt'ptítim 4 11
prrptlm(do com IJidróxido dr potássio - KOH ( I O'Jo 11 40°o) 23
funções 40') 753
P"PfiYII(IÍO (011/ Strlillft 23
flriWIU'IIflllll'J/10 410
prPptlm(dO rom ti11lfl dt1 CIJinlf 24
drroxiflmctio 4 1O
solurtio iodt~dn d~ Iugo/ 23
I'Xfl't'(tto 4/0
hematológicos 29
sínrcsc 40')
coltrn dr tt/1/0stms 29
i nrerpreraç:io I I
mr!Joidmros 409
lípirlrs 409
mrsibilidlldr r rsprriflridlfdr IJ
protrilllts 409
mlorrs dr rrftrinria, ronuuo / I
tempo dt· prorrombin:t 418
t•,dorrs prrduit•os / -1
I'III'Ífl(flO Úio/ógim fJ uro bilinogénio urinário 4 19
Floculaçiio 55
microbiológico. ver diagnó:. tico microbi ológico
urina de rot in.t. ver ramhém Disfun .io renal I 65 44 1 Pocalizaçiio isocl érrica 286
Folato 296
F Folaro e rirrocirá rio 296
Fo farasc alcalina (FAL) 420. 753
FA, -o6 Fó foro 54 2
F:rse analíric.t 6 hiperfosfatemia 543
Fase pós-a nal íric.t 7 (t{/IJ({J 543
Fase pré-atulític.t 2 hipofosfaremia 54 2

774 ( Medicina laboratorial para o ~f-----------------------------


CI/1/SIIJ 542 rractio de Mitsudrt 112
Frurosarnina 480 Wfi'S sorológiros 112
FTA-ABS 674 H AV, in fecção por SR?
H BcAg 597
G I-I B~Ag 597
hCG 733 74 1
Garnagluramil r ran~rcra c 420
dw:cç:io de hCG 742
Gasom crria 437 )'iQ milodos qualiuuit•os 742
• mo <r ra 552 mrtodos qurlllllllllivos 1'1J
rolrtfl 552
indicações 744
snngue arterial 552
interpretação 744
Illllglle /!e/lOSO ) 52
H CV, infecção por 607
bi c~ rbonato padr.ío S'iO
HD . infecção por 595
bicarbonato real 'iS I
Helirobacter pylori I 51
cxcc~so de base 5'i I
caracrcrísricas da bactéria I '52
paCO~ 550
di.rgnó~ ti co I 55
pa01 550
mm role de t'mtdic1t(tÍO dtt bnaàin 160
pH 550
rri1lll(flS 159
sawração de 0 2 'i'iO
mlwra 155
va lores de referê ncia 552
dNrcctio de nllt~~l'ltos dr I I. pylori 1'1/t 11mostms di' fi'zrs 157
Gc no ripagem para H IV 574
rxamr direro do esfrrglt(O come/o 156
Gl icemia 4 37.75 1
parirme com atrofia gdstrim e/ou carrinomn gástrico 159
Glicohcmoglobin:t, ver t:tmbém H emoglobina g licada 75 I pr,quisa dr muirorpos mui-li. pylori 157
Gl i oprorcína llbll lla r6 pr,quisn de nnllrorpos seriros nnti-Cag/1 158
Glicmc 437.469.474.475 478. 481 prsquisn de H. pylori rm rorm hmológtcos 156
wnrrolc 469 ri'Sistência ti 11111imicrobirmos 160
jtjum mrto 4-o tknirrzs moln ulares 158
;tjum prolongl/(lo •1-,0 tr,tr da urmse prr-fomwdn 156
pós-nb.rorlitlft 470 trstt• rrspimtório com urfitt marmdtt 156
dosagem 474 doenças asso iadas à i n rcc~·ão 15 1
glicemia 4r f:uorcs de risco ligados ao hospedeiro 154
gliccnlia capi i.Jr 481 t:uorc; de virulência 1)J
gliccmia cm jejum 473 Hdm imíases imcstinais 218
intolerância 473 lonn a diagnóstica 21?
imolcrância cm jejum 47 3 habttnr 21?
tc,rc oral d e 10ler:ínci.t 47 2.475 mcc;tnismo de in fccç5o 2 1?
Clobina 268 nu.':rodos imunológicos 22?
Cram de gora ele urin:t rüo centrifugad a 165 principais hclmi nros 21')
CrJnulóciros 2r Hem.ícias 243
Cravidez 74 1 di,mórflcas 4'i-
diagnóstico laborarori.tl 741 H cmatócri ro 242
C rupo( ) sa nguínco(s) 365 372 Hcmaropocsc 233
ABO 369 télulas-tronco 233
D iego } 7 ) llcmocul!llra 13 1
Duffy 37'5 an.íl ise 132
Hh 37 1 tolera 2 1. 1.1 1
Keil 374 imcrprctac;:io de resulr.rdo' 132
Kidd 374 llcmofl lia> 35 1
M:-.1 373 llcmoglobina 242. 267 . 478
Rh r2
glicada 478
H emoglobi n a A 26?
H H cmoglohi na A2 26?
Hal'mopbilus injlum Zite I 19 H cmoglo hin a corpuscu lar médi:1 (H C M) 246
II AM/T P 577 11cmoglo bi na fera] 26?
ll.mscn íase I 07 llcmog rama 24 1. 255 262. 296.437 749
exames gerais I I I anisocito,c 296
investigação microbiológica I li leucopcnia 296
bnciloscopia III macroova 16 iro 296
métodos molewlnm 112 método, auro mati ~ad o, 243

Índice Remissivo 775


métodos manuais 24 1 Hipo ri reoidismo 523
neutrófilos hipcrsegmenrados 296 critério diagnóstico 523
plaquetopenia 296 monitorizaçáo do rraramenro 524
poiquilocitosc.: 296 r4L e 13L 525
valores de referê ncia 25 5 /SI-I pfmmrítiro 52'1
Hemostasia , ver Sistema hemostático TSH plasmático 524
tempo de protrombina (T P) 350 Histop!asma capsufaru m 120
tempo de sangramenro (TS) 34 9 HIV, infecção pelo 559
tempo de trombina (TT) 35 I diagnóstico molecular 568
tempo d e tromboplastina parcial a tivado (TTPa) 350 diagnósrico sorológico ')(í4
ensaios ele mistum 350 linfóciros T C D4 ' , conragem 569
Hemorerapia 365 H LA. sistema 40.3
Hepariniwção 360 Homocisteína 29 7.4 95
monitorilaçáo laboratorial 360 anem ia megalobl:ístic:.t 293
H epatirc A 587 doença anerial corona riana 495
alterações laboratoriais gerais 589 Hormônio(s) tireoid ia no(s) 520
diagnóstico sorológico 590 rejlex usting 522
Hepatite B 595 T 3 Livre 522
alterações laboraroriais gerai 597 T3 Total 522
diagnóstico molecular 599 T4 livre 522
diagnóstico sorológico 597 TSH 520.52 I
nnti-HBc lgM 598 ensaios imunométricos 520
r1111i-H Bc total 598 gerrrçórs 521
mni-H Be 598 mdioimuJJOI'IIStliO (f?JE) 520
a111i-HBs 599 HTLV. infecção 577
HBeAg 597 diagnóstico molecular 584
H!JsAg 597 PCR qurmtitruioa 584
urilizando os marcadores 600 tme de PCR qutdirrttÍ/JO 584
m uclm epiclemiológicos e após vacinação 602 diagnóstico sorológico 582
indimçrío e monitorizrtçrio da respostrl 601
infi'cçrío aguda 600 I
infi-rrrio crônicn 600
infêrçrio pregressa 602 Icterícia 424.425
tmrnmellfo 60 I coksd tica -125
Hcparire C 607 hcpárica 42'5
alterações laboraroriais gerais 608 pré- h c p~ ri ca 42 'i
diagnóstico molecu lar 609 Idoso 74 7
gmoripagem 610 exames laboratoriais 747
PCR qualitatior1 609 dticlo JO!ico 749
PCR qwmritatioa 6/0 tiiiiO-antirorpos 754
diagnóstico sorológico 608 rolesterol 751
pesquisa de amicorpos - Anti-HC\f 608 jôsfruase akalinrz (FAL) 753
pesquisa de anrígenos- rore H CV 609 Jimçrío !JefHÍI im 753
H epatite D 603 Jim rrío rrntd 752
exames laboraroriais 604 gliremir1 751
co-infêcçrio HDV/HIJV 604 glirobemoglobinn 751
mperinfecçrío H D VIH B V 604 bmwgmma 749
Hepatite E 590 ÍOII> 7)2
alterações laboratoriais gera is 59 I marmdorrs tumorais 755
diagnóstico sorológico 592 pesquisa de sangue oculto nas fi'ZI'S 755
H ER-2 737 proteína C rl'flriva (PC!?) 754
H EV, infecção por 587 prordnas plrmndtims 75.>
Hibridação in situ com fluorescência (FlSH ) 38 trig/iairides 751
Hibri dização 66 TS H 754
urinfl rotina 755
H iperrireoidismo 523
critério diagnóstico 523
l'eloâdadt· de bemossedimm tartio {\IHS) 754
,,itamina R12 749
mon itorização do tratamento 525
particularidades na medicina bhoratorial 747
T4 e T3 525
TSH 525 lm un ofenotipagem por ciwmctria d e fluxo 63
l mu n o nu o n:sc~nc i a di rua '57

776 [ Medicina laboratorial para o clíni c o ]1---- - -


para clamídia 170 exame direto a fi-esco 146
ImunoAuorescência indireta 58 exame direro corado pelo Cmm 146
lm u noglo bul ina(s) 50 método de genética molecular em relação a in vestigaçáo
caracrerísricas 50 micro bio lógica 149
produção na criança 50 l'xames gemis 149
produção pelo idoso 51 vírus 146
lmunohiswquímica 35 detecrtío de antigenos 146
Índice(s) lo nograma 530
anisociwsc (RDW) 267 eletrodo íun sel~ tivo 53 1
hemarimétricos 246 fotometria de chama 530
conmurnçrio de hemoglobina corpuscular média (CHCM) 247
hemoglobina corpuscular média (HCM) 246 J
RD\'(1 (Red Cell Disrriburion \X'idrh) 247
Ja nela imunológica 52
l!O!ume corpuscular médio (VCM) 246
aruraçáo da rransferrina 267
lnfa rro agudo do miocárdio 497
K
c rcarinoquinase 502 Kato- Karz, m étodo 223
ÍSOf/IZÍ/1/tiJ 502
Klebsiella, na meningi te infecc iosa ag uda 119
marcadores cardíaco 500
marmdores bioquimicos 500 L
mioglobina 504
mfrodos disponiveis 505 Leide n , fator V, ver faror V
troponina 500 Leishmtmia, ver Le ish m an iose(s)
ensaios disponiveis 50 I Le ishman iose(s) 661
merodologias e imerftrenres 50 I d iagnóstico 665
nít1fis plasmdúcos 500 exames genéticos 667
In fecção d o rraro urin ário 161 extlmes imunoLógicos 666
ad ultos 164 exames parasitológicos 665
agcnrcs e riológicos 162 hemograma 668
elas~ i fkaçiio 161 rnielograrna 668
cri.1nças 164 regumenta r 66 I
exame de urina rori na 165 classificação clínica 665
memsl' leuroritdria 165 visceral 66 1
pesquistt de nitrito 165 Lesões genita is, cole ta 20
sediml'lltO urinário 165 Lcucc m ia(s)
G ram de gota de urina não ccnrrifugada 165 aguda 325
hc:mocultura 166 biópsia de medula óssea 328
urina , colcta I 64 citogenética cldssica 331
aspimçrio suprrrptíbica 164 citologia 328
rateterizaçtio 164 classificação 325
coletor adesivo 164 t'stut!o imunofonotfpico 328
)ato médio de micçrio espontr1nea 164 estudo molecular 333
uroculrura I 65 hemograma 327
lnAa mação, fase aguda 69.? im u nofonotipagem 328
a lb- 1-glicoprorcína ~c i cia 702 mielogmma 328
mucoprot:cínas 702 bifcnotípicas 330
proteína C reati va 694 linfob lásticas agudas 329
indicações clínicas 696 linfóicle crónica 3 15
metabolismo da PC R 695 mielóidc crónica 31 7
métodos de tlostlgem 695 m ielóides agudas 330
tJalores de referência 695 miclomonocítica crón ica (LMMC) 3 19
velocidade de hc mosscd irncnração (VHS) 699 Lcucina aminopepridasc 422
hemdcias, sedimentação das 699 Lc ucóciro(s) 242
indicrtçóes clínicas 700 rcaç:io lcucemóide 31 7
metodologia 699 Leucograma 252
tJa!ores de referência 70 0 Li nf6c iro(s) 239. 254
Insuficiê ncia hep<íti ca 353 lin fóc ito B 240
lnvesrigaçáo m icrobio lógica da diarré ia in fecc iosa aguda 146 linfóciro NK 24 0
bactérias 146 linfócito T 239
wltitJO 146 reacionais 254 . 6 I 6

777
Índice Rem i ssivo
Linfoci to e 3 15 líquor, análise microbiológica 125
Li nfócito T 04 ', co ntagem 569 cu/rum 125
Li n fopeni:~ 315 exame mirroscópiro 125
Lipoprotc ínas 486 líquo r. :m :í li ~e q uímica 124
Líquor & rrólitos 125
.m.ílisc cito lógica 123 glicose 124
a ná l i~c imunológica 125 lnctnto 125
.tnálisc macroscópica 123 promlmonina 124
Jná l b~mitrobiológit.J 125 prolt!ÍIItl (..'- T?athlfl f 2~t

wl111rn 125 protri1111 total 124


/!X0/1/r 11//CI"OSCÓpico 125 líquor, valo res de referl:ncia de células 124
análise química 124 meningite bacrcriana I 19
l!~r róluos 125 Esc!Jcrichill coli 119
glicosr 124 Hnemophilus injlumZíll' I 19
úmnto 125 Kkbsit!lút I I 9
promlcitn/111111 124 Neisurin meningitidis 119
prolt'Íno C-rl'fltit'll 124 Pseudomonns aeruginosn 119
protd na tora/ 124 SnlmoJu[/n 119
ourros líqu idm co rporai~. colem 2 1 Serrntin mnrcesci!IIS 119
valores d e referência d.: cêlulas 124 Srnphylococcwnure/IS 119
LLtpus crirc mat oso sisrê mico 705 Stnphylococrus epirlermidis 119
diagnóstico (,) bboratorial(is) 706 Streptococcu.s do gru pu 13 I 19
omicorpos Olllr{osfolípidB 7 I I Streptocorcus pneumo11it11' 11 9
d/uú1 I.F 706 meningite fúngica 120
monitora mcm o(s) laboratorial(is) 7 12 Cryptococcus neoformnns 120
Histoplnsmn cnpsulnhtm 120
M me nin gi t e~ i nfecciosa~ 12(,
mcn ingire vi rai I 18
Magn ésio 537 M étod os moleculares, na h an s..: nía~e I 12
hipe rmagnc,cmia 538 M ..!todo; ;uro lógicos 49. 53
hi poma gn e~c mia 537 aglutinaçfto 53
Marcadores ca rdíacos SOO aglutiltn('tiO di! Mux 55
Marcad ores t u mora i ~ 727 7 55 aglutillll(flO dirl!tn 54
aplicaçáo clínit.t 730 aglutinnrtio indirf'tn 54
diagnóstico 730 lum11glutinnrtio 54
monitortmlt'IIIO di! tmtttiii/!11/0 :30 en,aio; imunocnzimáricos 59
prognóstico ~3 1 dt'lf'C(tiO dt' anticorpos 59
mstrMmmto 730 detrrrtio dr nntígrnos 60
marcadore<; genético\ 73 7 cma i o~ imunoOuorim étricos 62
BRCA I 1!2 738 cll\.rim imu noq uimiolumincsccnre' (, I
HER-2 -r fl ow l.tçjo 55
p-53 ~r illlUilOf.:nutipagem por CitomctTi:t de 0uxo (,J
principais 73 1 imu nnO uorescência 57
nnrígmo CI/YCÍI/Of'lllbriondrio (CEA) 734 dima 57
nntígmo prostdtico esperíflro (PSA) 73 I inrlireta 58
CA 15-3 735 imuno peroxidase 59
CA 27.29 136 pretipitação 55
CA 125 736 1/(fo/onmrirt 56
gonadorrofina roriônicn humana 733 wrbJdunl'lrin 5-
tirt!oglnbulina 735 radioimunocnçaios 6 1
CJ.-Frroprotdno (AFP) -.u rc~tc;~ rápidos 62
~r Mirroglobulmn -3 5 II'I'Stf'm-bfot 62
Med ici na Laboratorial , ver patologia clínica Mico h acté riaç 93
M edida de p H vaginal 178 n ~o tuh~rcul o s a s 9.1. I 0 2
Mcgaloblasto c 295 teste tub~ r<.. ulín ico 99
Mening ite in fecc iosa I 17 tuhcrculo,c cxtrapulmonar 99
agem cs etiológicos I 18 aborrlll[!,l'lll rlingnósticn 104
:m álise cito lógica 123 T/J de l11ri11,'?,1' 102
análise macroscópica I 23 tubermlou m tànl'll 101
lí<.1uor, análi,e imunológica 125 rubrrculosr rio sistnrw nrrr•oso antml 101

778 [ Medici na laboratorial para o clíntco


rubrrculosr mdobrónquim 102 Mielodi~pL1 ia 319
tubermlosl! grmglionnr prriftrira I 00 citogenério lássica 321
rubrrmlosr grurrimrsrinnl I 02 sillllromr 5q- 321
rubaculosr grnirurindrin 100 estudo molecular 322
rubt'rculosr milinr I OI he rnograma 320
wbt'rculosr oml11r 101 imunofenotipagem .n I
mbrrmfost' OSUOIIriÍCIIfllr I 00 miclograma c biópsia de medula óssc.t 32 1
rubrrmlosr prricdrdicn I 02 A/lP 321
tubuculosl' p/mml 99 tlSf't'rlos mrgt~loblliSIÓidrs 321
tuberculose pulmonar 96 bnsronrtrs dt' Aurr 311
bt~ciloscopitr 96 micromegnrnrióritos 321
cu/rum 97 sirlrrob!asto t' lll anel 32 1
mhodos molrmltrrrs 98 M ielogram a 30. 33
mrrs sorológicos 98 Mioglobi na 504
Micoplmmn gmiralium 167 Monóciros 237 253
Micoplmmn hominis 167 Monocirosc 314
~..ticoses sub ur:ine:ts c profundas 185 195 Monon ucleose lnfcccio~a 6 13
aspergilose 2 1O Mucoprorcínas 688 702
diagnóstico Lrbornrorinl 2 I 2 Mycobnrtrrium leprne. ver hanscníasc
candidoçe 21 4 Mycobncterium tuberculosis 93
rlingnósriro lnborntorinl 2 I 5
cripwcocosc 208 N
diagnóstico labomrorinl 209
t romobLmomiw ,c I ?9 Nefelomcrria 56
dillgtuúuco labomromrl 200 Neisserin gonorrhoetrr 167
e,porotricosc 20 I Neisserin ml'llingitidis I 19
durgt/Ostuo labor,rrorinl 102 Nemrofll ia 308
fcohifomicmc 200 anomal ia de Alder-Reilly 309
dillgtiÓSiiCO /tr!JOYtltOrill/ 201 anomalia de May-Hcgglin 309
his10plasmosc 205 corpúsculo dc Dõhle 309
dingnósrrco labomrorinl 208 gran ulação róxio 309
micctoma I ?'5 hipcrscgmcncaçáo 309
diagnóstico lnbornrorinl I 96 pseudopelger-H ui'r 309
par.tcot idiodomito~c 202 síndrome de C héd iak-Sreinbrinck-Higashi 309
diagnóstico /,r/mmwrrnl 204 vacuoli7., Çiio 309
tigo mi co~c I()7 Neurrófllo(s) 237.252
ditrgnósrico /,rbomrorilll I 97. I 98 Nc utropc nia (s) 305
Micoses supcrfl i ai~ 185 adqu iridas 306
tknnatofltosc(~) 18(, ben igna c rónica 308
Tinell pu/is 18') he red itárias 306
Tinha cnpitis 192 im unes 306
TiniHr corporis 188 indutida po r drogas 307
Tinha cm ris 189 p~c udo ncurropcnias 308
Tinha dos pêlos 193
Tinha Jncinle 190 o
Tinha mrrnumn 190
Tinha unguium 191 Oni com i co~c . ver Tinba unguium
d c rmatomi cosc(~) I H')
Idem iflcaçáo l.tbor.uori:tl dos dcnn,uóf110, I ')4 p
mltum 195
prsquisa dimn 194 p-53 7.'>7
Pan iropc nia .302
MicrobiOla indígena 75
cavidade oral 76. 77 Panc n::nirc aguda 431
classifl caçiio 75 .unilase 433
gasnimcstinal 77 crrflliniwr (U/g} 433
n ' IIIÇfÍO r/r

importância 78 Sfrirtl 4JJ


cákio :.érico 437
pele 76
c ntinl.l' panue.íti c.t~ 436
traro gcn illlrin:írio 78
g.t\0111Ctri.l 43-
trato respiratório 76 77
Mic rocirosc 268
glicemia 4r

779
Índice Remissivo
hemogr:11na 437 alta semibil idade 495
lip.tse 434 mrogênese 495
t //1/0SII'l/S 435 Prorcína (s) 358
/ip11St' srrim 4J4 coagulaç:in vitaminas K-dependenres. da 358
proteína C rcativa (PC R) 436 plasrnát iC::t;. 753
Patologia líniC::t 1 'érica' 415
colhei ta, 1ran porre e armazenamento do marerial bio lógico 6 rrlbumit11t 4 16
Lontrolc d.t qualidade no bborarório clínico 7 globu!ium 4 17
(."<' onolót ic3 G <lHO ti I (,
t:tSc pó -arulític;t 7 rlt'l roforese 416
f.lSc pré-a nalít ica 2 l'ro tcinúri a de 24 horas 463
111it•idndr fisim 2 Protozoo~cs inrcsrinais 218
dil'lll 3 forma di.tgnóstica 220
grt~vidn 2
hnbir111 220
lmnólisr 3 mecanismo de infecção 220
id11de 3 princi pais prorow:írios 220
infimio dr fií m111cos 3 Protrombina 358
lipmlin e jtjum 3 mutação. da 358
postum 3
P, A 731
n•stdlfldos de exnmes 11r1 grnvidez 4
fls('//clomonns neruginosn 11 9
tomiqut•te 3
Púrpum Trombociropênica Imunológica 354
wo de drogns ternpéutims ou de 11bwo J
l'tlrÍII(tÍO cronobiológicn 5
preparo do paciente 5 Q
segurança no bborarório cl ínico 7 Q uímica cl ín iC::t, ver Bioquím ica
;,olicit.tçáo médica 5
P R, ver pro reína C reativa R
PC R, ver rcaçáo de pol ime riL.aç:io em cadeia
Pesquisa de coccídeos in tcHin ais 223 RDW (red cell distriburion width) 247
Pesquisa de leucócitos fe ais 145 Rcação
.t fresco 14 5 cadeia da ligase (LCR) 71
detecção de lactoferrina I II) cadda da polimerase (PCR) 39
Pl.tquera(s) 238 242 349 Mir uda 112
Jv.tliaçáo da funçáo 239 Momcncgro. ver teste intradérm ico
contagem 2-4 Reperfusáo miocárdica 505
funç.io 349 C KMB 505
Pl:tqucrograma 254 marcadores ca rdíacos 505
Plrsiomonns shigelloides I4tí repe1justio corondri11 505
Pneumocisrose pulmon:tr 90 mioglobina 505
ex.tmcs específi co~ 91 troponina 505
exames gerais 91 Rericu lóciros 236. 251 . 262 296
Pneumo nia associada à a;.;.istência a ;,:tt'iélc 85 eritropocse ineflca7 296
abordagem laboratorial 86 Rim , ver Disfunção rena l
rxtmtrs rsprdjicos 87 fu nçáo 440. - 52
hrmoru/11tms 88 RN I 359
agentes criol 6gi co~ ll5 Rubéola 629
Pneumo nias, ver Tra to re;.pi ratório inferior, infecç.'io defln içáo do diagnó,t ico 635
Porás;. io 535 iuftrrtio imrn-títero 6.J5
hiperpota;.;.emi.t ) J'i inftcrlio pós-nmnl 63 5
({( 1/Sf/J 5. i ) rubéo/11 congéuitn 636
hipopotaSSl'mia 'i)) diagn6st ico laboratorial 632
(1(/IJ(/J 5J6 derrcrtio dr muírorpos 633
Pre são osmótiu do pl.t;,m.t 53 1 isolmnrlllo do vírus (,32
o~ mob li d.tdt· plJ\Jn.ÍlÍlot ) .\I trste dr 1111irlrz dr lg(,' ó34
osmolalidade urin.íri.t 'i 11
Primeiro jato urinário. colera 169
s
Proteína ativ.l<.b 358 nlmonelln murim 14 I
rcsistênci.t :1 prutdna C .uivada 358 Srrlmone/111, na meningite infecc iosa aguda 1 19
Protdna rt·.ui va (P R) 436 688.694. 754 angue. co lcra 21
angue o ulro, pc.:squisa nas fezes 755 fim cáo hipofistirifl 501
ecreçáo !Jormônios 507
ocular. colcta 17 hormônios rrófiros 508
ouvido, colcra 16 setor rfetor 508
raspado endoccrvioi . colcta 169 srror rrpt!Aclor 508
raspado uretrais. coleta 169 propedêmica so-
cd imentaç:io esponrânea 223 orgtmizti(ÓO 501
cdimcmo urinário, ver rambém exame de urina de rotina 449 testeS din;t miCO!> ) (Ü
exa me m i cro~cóp ico 449 t'SIÍ11111fo 510
en ibilidade c especificidade 13 mprmtío 5 10
pomo de corte 14 istema hemosrático 343
anricoagulanrcs naturais 344
Scpsc 127
cirocina:. 130 anrirrombinfl 345
função hcp.ílica 13 1 prolt'ÍIIll C 345
fun ç.ío renal 13 1 prorríntt S 345
gasometria arteriJI e IJuato 131 corrda áo clínico-laborato rial 3) I
hcmocuhu ra 13 1 fll/1/rotlgulamr !tipiro 353
tmtílísr 132 drfiriéncia dr vitflmina K 353
roll.'lfl 131 disjibrinogeJWIIÍas 351
inurprntt(áo de resu/111dos 132 domra ele 1'011 \Yii/únbmnd 352
hemograma 130 lmnofilias 351
procalcironina 130 inibidores da roagula('tO 351
protd na C reativa 130 imufirienritt IJ~pdtirn 353
plaqnetopruias 353
cqlicnciamcn ro 70
Ptirpum Tromboritophrirn Imunológica 354
crr:uia marcescens 119
endotélio 343
Sbigrlln 14O
fato t'l'\ pró-coagulantes ~44
ífilb 669
rompl~xo prorrombinme 344
congênira. diagnóstico 677
;;uom de comaro 34•1
d ia~;n ósrico h acteriol ó~i co 671
jirtor IX 344
mumojluort'srrncia dirrut 6 71
Jiuor rrridr~t~l J4..f
Trrponrulfl 671
jiuor V 311
diagnóstico sorológico (,72
jiuor VI/ 344
rnus mio-trt'ponrmicos 6-2
jiuor X 3•N
I I!SI I'S trt'ponhniros 673
jibrmoghrio 344
ncurossífll is, diagnósti o 676
iniiJiclor da via do jiuor teridrlfl! (TFPI) 344
prim.íria. diagnóstico 675
proteína C 344
r.t~treamcnto da sífil is. d iagnó!>l ico 677
proteína S 344
se undária , diagnó tico 676
prouína vitaminn K 344
tcrc.iária. diagnóstico 67 6
rrombina 344
Sínd rome da imunodcnciência adquirida (A I OS) 559
nh rin6lise 345
detecção de anticorpos ant i- HIV 566
plaqucras 343
restes nfpidos pam 566
sistema fibrino lítico 54 5
itwt~tigaç.ín laboratorial gcr.tl 563
/)-dimeros (DD) 345
índromc(,) 465. 466 467 476 plasminoghlio 345
Loronarianas Jguda:. 497 produtos dr d~gmdartio do fibrinoghuo I' da Jibrinn (PDF) 345
illjnrro ttguclo elo miocdrclio 497
Sisrmt as tam pões 545.546.547
mc:rabólica 476
amúnia 549
ncfrítiC:t 467
bic.trbonam 546
ncfrótica 466 rqutt(áO dr Hmdason-Hnssrlbalcb 546
renal(is) 46'i
fo,f.uo 547
Sistema cndôcrino 507. 508. 509 hemoglobina )47
av.tliaçáo laboratorial 509 H • li\'rC 5)0
d i~tlt rbios )08 proteína )47
/Jipt'1jiiii(ÓO 508
Sódio 533
IJipofunráo 508 hipcrnatrcm ia 534
dosagens hormonais. ver Oo~Jgcns hormonais ( is tema endócrina)
alremcõrs do LFí 534
imagem 5 10 hipo natrcmia 533
fcedhack 510 OSIIIOfafitfade pfliSIIIIÍtim 5J3
rrrro-alimemactio 51O t olumt· do LEC. 'i.l l
urganizaçfto 507

781
lncltce Rem sstvo
tnpbylococcm nllre11s, n a me ning ite infecciosa aguda I 19 laboratoria is remow 48
tnpbylococms epidermidis, na m eningite infecciosa ag uda 11 9 rápidos 62
trrptoroccus d o grupo B, na m eni ng ite infecciosa ag uda 119 sensibilidade a antim icrobianos 27
treptococcus pni'IIIIIOIIÍttl', na me ningite infecciosa agud a I 19 lllt'lodologias 27
treptococw s pyogenes 68 1 so ro lógicos. na ha n~eníasc I 12
~oro l ógicos nas Lei hmanio es 66-
T msaios imrmomzimtilicos- EI.ISA 66-
Tt'a(tÍO de aglruina(tÍO di reta- DA r 667
T3 Livre 522 J't'll(tÍO dr imuuojluorrsdnci11 imlirrlrl - R/FI 667

TJ Toral 522 lt'il l' imllnOCT0/111/IOgrtijico rrípido 667


T4 livre 522 tubcrculínico 9?
métodos 522 \XIi fT 178
diretos 522 T ipifi cação erirrocir:íria 377
indiretos 522 Al30 382
l~1 l assemias 26R Rho{O ) 382
T.txa de filtra .io glomerula r 460 variam e de D (O -Fraco) 380
Tecidos e fragmcn ros ós eos, coleta 2 1 Ti rcoglobulina - 35
Técnica LISS - AGH 400 T ireóide 519
Técnicas bioq uím icas, ver Bio química c:mccr d e tireóidc 525
Técn icas m icro cópicas ap licadas à mic ro b io logia 23 d ocnç.1 não tircoidia na 525
coloração com bra n o de calcofl úor 26 7J 525
coloração de Wrighr-Giernsa 26 T4 525
coloração pelo aw l de 10luid in a c azul de meri lcno 25 w tr do TR!-1 525
co lorações d irct.ts 24 TSH 525
rolomrtio drido-resistt'l/lt' modijicndn 25 hipc:rr ireoidi:.mo 525
colomrtio ''"'"mina-rodmnina 24 hipo ti reoidismo 524
colornçtio dt' Crtt m 24 hnrmón io(s) tireoidiano{s) '\ I ')
rolomçtio de Kinyo1111 24 libm1dor dr tirrotrofina (? RI{) 520
mlomçtio de 7.ieiJ/-Neelsrn 24 trrmiodotironina (T4) 5 19
olorações lluorcsccnres 25 rireotrófiro (1:5H ) 520
cul tivo pri m.irio ::!.6 triiodorironinrt (7:3) 519
cultivo sccund:írio 26 T ítulo, sorologia 53
exame di rcto sem colora áo 23 7õxoplnsmn gondii. infecção por 639
gorn pmdmu 2] Toxoplasmose 639
microscopia dr campo esruro 24 diagnóst ico labo ratorial 644
prrpamrrio rom IJidróxido dr potdssio - K0!-1 ( I 0% ri 40%) 23 cinrtim dos anticorpos na in{r1p10 644
prepartl(ríO rom salina 23 princípios 645
prepamrtio com rinr11 dtl CIJi1111 24 d iagnóstico sorológico da roxop lasmose congl:n i1n 648
solução iod11dn dr Iugo/ 2] diagnósti o sorológico em indi víd uos im unocompetemes 64(,
testes de scm ibilidade a ant imicrobianos 27 d iagnóstico sorológico em indivíduos imunodeprimidos 64-
merodologins 27 d iagnóstico so ro lógico na gc\l.t~.io 647
Tcmpka- Braun 295 perfis :.orológicos na inf,·cç:io pelo 7óxoplnsma (,4?
anemia mcgalobLística 293 Tran sfcrrina 264
célu las 2?5 Tran uda tm 22
·le rnpo Trato resp iratório inferior, infc ç:io d o 81
p rotrombina 350 aspcrgi losc pul mo nar 88
ei/StiÍOS dr III ÍStU T/1 350 rwalitl(tio anatomopruológiw 90
sangrarnenro 349 imJrstigartio microbiológim 89
trombina 35 1 rlmims df' gml1icn molrmlnr 90
trombopla.\tina parc ial ativado 350 tmrs imunológicos 90
Tcsre(s) 399 exame~ l'Spccíflcos 83
a rni nas. ver reste do KO H I0% a/'ltfiti(IÍO dtl srcrr(tiO respimiÓT/fl 84
compatibilidade pré-tram fusiona l 393 IJI'IIIOCIIfturtlS 84
prsquisa dt' anticorpo irrt'gular - PAi 394 tt•strs rir grniticn molt•mlm· 84
mipagrm Sflnguínrn ABOIR!Jo (D) 394 II'Sit'S iiiiiiiiOfógicos 81
1ipngem sanguínefl AIJO/NIJo (D) do pt~t"ienrr 394 exa mes gera is 83
Coomhs 299 pncumo istose pul monar 90
Coombs dircto 399 I'Xa mrs rspaificos 91
intr:tdérm ico 666 rxmnes grmis 91
KOH 10°o 178 Treponrmtl pallid um . infecção por 669
Trichomonas vagina/is 167. 174 trmims inmnoenzimdtirns 17 I
Trig licérides 75 1 Tricbomonas vagina/is I 67
Tro mbofll ia 355 Ureaplnsmn urenlyticum I 67
investigação laboratorial 35') não gonocócica I 67
Troponina 500 U rina
elevação 50 I cole ta 18. 442
I rrmsilórins 50 I exame de rotina, ver também Disfunção re nal 755
Trypnnosomn cm zi, infecção po r 651 Urocu lrura 165
TSH 520.754
Tubnc ulose 93 v
Tuberc ulose exrrapulmonar 99
Vagin ircs 173
abordagem diagnósrica I 04
abordagem sindrô mica de corrimenro vaginal 183
cut:l nca 101
candid íase 174
e ndoh rônquica I 0 2
c ulturas 180
ga nglionar peri fé rica I 00
exame de Papanicolaou 179
ga~ trimestin al I 02
ex.une direto , 1 fresco 178
gen it urinária I 00
exame direro o rado pelo G ram 179
laringe I 02
exames imuno lóg icos e hioquím icos 181
miliar 101
exa mes moleculares 18 1
ocular I OI
medida de p H vaginal 17 8
osreoa rricular I 00
mndidínse I 78
prri ~rdica I 0 2
triromonÍtiSI' I 78
pleura l 99
tlilginosr brtrlrritma I 78
sisrema nervoso cenrral I OI
te> te do KOH 10% 178
Tube rcu lose p ulmo na r 96
mndidíase 1-8
baciloscopia 9G
triromonínse 178. 179
cultura 97
l'ltginosr bartrrinna 178. 179
mérodos moleculares 98
7/·iciJomontu o11ginalis 174
restes sorológ icos 98
Vagi nose 173
Turbidimerria 57
Va lores predir ivos 14

u Variação b io lógica 13
valor d e referenc ia individual 13
Úl e r:JS 22 VD RL 673
U nidades in te rnac io nais 256 Velo cidade de hc mossedimcnração (V H S) 688.699.754
co nversão 256 Vias respirató rias sup eriores. colera 17
Ureaplnsmn urenlyticum 167 \librio 142
Urcrri tc(s) V itamina B 12 294. 296.749
gonocócica I 67 ddlciência 294
infecciosas I 67 Viramina K 358
nlgorftimo prtm a nborrlngem simplificndn dm u retrites I 72 amagonista, rla 358
Cblnmyrlia tracbomaris I 67 defi ciência 353
mlrurrt I 70 Volume corpuscula r m éd io (VCM) 246. 263
exnmr rlireto n ftrsro 170
exame clireto comt!o pelo Gmm 170 w
gonorócim 167
imunojluoresâncitt direla pam clamídin I 70 \'(frstem-blol 62
Micoplrtsmn genilnlium I 67
Micoplnsmn bominis 167
y
11(ÍO gonocócica 167
Yersinia 143
Neisserirt gonorrboene I 67
t!cnims dr genétim m olecular 171

Índ ice Remi ss ivo 783


Formaw: 210 x 280 mm
Composro e m Cronos Pro, Furu ra e Wingd ings
Papel couchê 80g/m 2 (miolo)
Pa pe l couchê 150g/m 2 (capa)
lmpressao e acabamento: Edelbra
Belo Ho rizonre, 2009
SUMÁRIO

Pranchas Coloridas .................................................................................................................................................

01 In trodução à Medicina Laboratorial ......................................................................................... 1


Luciana de Gouvêa Viana

02 Interpretando resultados de exa mes laboratoriais ....................................................... 11


Fernando Valadares Basques

03 Diagnóstico m icrobiológico: princípios e técnicas ...................................................... 15


Lucienne França Reis Paiva, Maria de Fátima Fi/ardi Oliveira Mansur

04 Diagnóstico hematológico: princípios e técnicas ......................................................... 29


Cybele de Andrade Paes, Sandra Guerra Xavier, Teresa Bunte de Carvalho

OS D iagnóstico bioquím ico: princípios e técn icas ................................................................ 41


Myriam de Siqueira Feitosa, Rosângela Fátima Di Lorenzo Pires

06 Diagnóstico imunológico: princípios e técnicas ............................................................ 49


Leonardo de Souza Vasconcellos, Silvana Maria Eloi Santos

07 Diagnóstico genético: princípios e técnicas ....................................................................... 65


Edilberto Nogueira Mendes,
Paula Prazeres Magalhães, Guilherme Birchal Coi/ares

08 M icrobiota indígena ................................................................................................................................ 75


Guilherme Birchal Coi/ares,
Lucienne França Reis Paiva, Hyllo Baeta Marcel/o júnior
09 Investigação laboratorial do paciente
com infecção do trato respiratório inferior ........................................................................ 81
Bruno Horta Andrade, Stella Sala Soares Lima, Wanessa Trindade Clemente

1o Investigação laboratorial do paciente com micobacterioses:


Mycobacterium tuberculosis e micobactérias não tuberculosas ...................... 93
Silvana Spíndola de Miranda

11 Investigação laboratorial do paciente com m icobacterioses:


Mycobacterium leprae .......................................................................................................................... 107
Marcelo Grossi Araújo, Ana Regina Coelho de Andrade,
Andréa Machado Coelho Ramos

12 Investigação laboratorial do paciente com meningite infecciosa ....................... 117


Luciana de Gouvêa Viana

13 Investigação laboratorial do paciente séptico ............................................................... 127


Luciana de Gouvêa Viana

14 Investigação laboratorial do
paciente com diarréia infecciosa aguda .............................................................................. 135
Edilberto Nogueira Mendes, Paula Prazeres Magalhães,
Mireille Ângela Bernardes Sousa, Rodrigo Estêvão Teixeira

15 Investigação laboratorial do paciente


com infecção por Helicobacter pylori .................................................................................... 151
Andreia Maria Camargos Rocha, Gifone Aguiar Rocha,
Taciana de Figueiredo Soares, Dulciene Maria de Magalhães Queiroz

16 Investigação laboratorial do
paciente com infecção do trato urinário ......................................................................... 161
Luciana de Gouvêa Viana

17 Investigação laboratorial das uretrites infecciosas ........................................................ 167


Rodolfo de Braga Almeida

18 Investigação laboratorial das vaginites e vaginose ....................................................... 173


Rodolfo de Braga Almeida, Marcos Mendonça
19 Investigação laboratorial das micoses superficiais e profundas .................... 185
Marcus de Almeida Magalhães Gontijo, Marcelo Luide Pereira Gonçalves,
Hyllo Baeta Marcel/o júnior

20 Investigação laboratorial do paciente


com helmintíases e protozooses intestinais .................................................................... 217
Míriam Oliveira e Rocha

21 A origem, o desenvolvimento
e a função das células do sangue ............................................................................................. 233
Henrique Neves da Silva Bittencourt,
Gustavo Henrique Romani Magalhães, Rosa Ma/ena De/bane de Faria

22 O estudo do sangue periférico através do hemograma ...................................... 24 1


Marcelo Eduardo de Lima Souza, Rosa Ma/ena De/bane de Faria

23 O paciente anêmico ................................................................................................................................ 259


Cristiane Monnaísa Firmino da Silva, Rosa Ma/ena De/bane de Faria

24 Investigação laboratori al do paciente com anemia m icrocítica ....................... 263


Rachel Aparecida Ferreira Fernandes,
Maria Christina Lopes Araújo Oliveira, Rosa Ma/ena De/bane de Faria

25 Investigação laboratorial do paciente com anemia normocítica ......................... 277


Rachel Aparecida Ferreira Fernandes, Camila Silva Peres Cancela,
Paulo do Vai Rezende, Rosa Ma/ena De/bane de Faria

26 Investigação laboratorial do paciente com anem ia macrocítica .......................... 293


Nelma Cristina Diogo Clementina, Fernanda Maria Lodi,
Rosa Ma/ena De/bane de Faria

27 Investigação laboratori al do
paciente com desordem leucocitária ................................................................................... 305
Ana Beatriz Firma to Glória, }osé Roberto de Faria

28 Investigação laboratorial do paciente com m ielodisplasia ................................ 319


Evandro Maranhão Fagundes
29 Investigação laboratorial do paciente com leucemia aguda ............................ 325
Sandra Guerra Xavier; Cybele de Andrade Paes, Teresa Bunte de Carvalho

30 Investigação laboratorial do paciente com distúrbio hemorrágico ............. 343


Daniel Dias Ribeiro, Ana Flávia Leonardi Tibúrcio Ribeiro,
Rosa Ma/ena De/bane de Faria

31 Investigação laboratorial do paciente com trom bofi lia ....................................... 355


Daniel Dias Ribeiro, Ana Flávia Leonardi Tibúrcio Ribeiro

32 Aspectos laboratoriais da hemoterapia .............................................................................. 365


Mitiko Murao, Henrique Neves da Silva Bittencourt, )osé Silvério Garcia

33 Investigação laboratorial do paciente com disfunção hepática ................... 409


Pedro Guatimosim Vidigal, Leonardo de Souza Vasconcellos,
Lucimar Gonçalves de Souza Assunção, Elza Santiago Erichsen

34 Investigação laboratorial do paciente com pancreatite aguda ...................... 43 1


Raimundo Fontenelle Mascarenhas

35 Investigação laboratorial do paciente com disfunção renal ............................. 439


Pedro Guatimosim Vidigal

36 Investigação laboratorial do diabetes melito e


outras categorias de distúrbios na homeostase glicêmica ................................. 469
Eduardo Pimentel Dias, Márcio Weissheimer Lauria,
Maria Marta Sarquis Soares, Pedro Guatimosim Vidigal

37 Investigação laboratorial do paciente


com doença aterosclerótica e dislipidemias ................................................................... 485
Letícia Maria Henriques Resende, Márcio Nunes da Silva

38 Investigação laboratorial nas síndromes coronarianas agudas ..................... 497


Márcio Nunes da Silva, Letícia Maria Henriques Resende

39 Metodologia da propedêutica do Sistema Endócrina:


uma visão sistêmica e avaliação crítica ................................................................................ 507
Eduardo Pimentel Dias, Luisane Maria Falei Vieira, Maria Marta Sarquis Soares
40 Investigação laboratorial dos distúrbios da função tireoidiana .......................... 519
Maria Marta Sarquis Soares, Luisane Maria Falei Vieira,
Eduardo Pimentel Dias

41 Investigação laboratorial dos distúrbios hidroeletrolíticos ................................ 529


Lucimar Gonçalves de Souza Assunção, Elza Santiago Erichsen

42 Invest igação laboratorial dos distúrbios ácido-básicos ......................................... 545


Elza Santiago Erichsen, Lucimar Gonçalves de Souza Assunção

43 Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo HIV ...................... 559


Fabiana Maria Kakehasi, Juliana Ribeiro Romeiro,
Maria Luiza Silva, Si/vana Maria Elói Santos

44 Invest igação laboratorial da infecção pelo HTLV ....................................................... 577


Marina L. Martins, Edel F Barbosa Stancioli, Gustavo E. Brito Melo,
jordana G. Alves Coelho dos Reis, O/indo A Martins Filho,
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em HTLV (GIPH)

45 Investigação laboratorial do paciente


com hepatite pelo HAV e hepatite pelo HEV ............................................................... 587
Eleonora Druve Tavares Fagundes, Alexandre Rodrigues Ferreira,
Mariza Leitão Valadares Roquete

46 Investigação laboratorial do paciente


com hepatite pelo H BV e pelo HDV ..................................................................................... 595
Eliane Lustosa Cabral Gomez

47 Investigação laboratorial do paciente com infecção pelo HCV ........................ 607


Eliane Lustosa Cabral Gomez

48 Investigação laboratorial do paciente


com infecção pelo Epstein-Barr vírus .................................................................................... 6l3
Silvana Maria Eloi Santos, Marcelo Luide Pereira Gonçalves,
Suzane Pretti Figueiredo Neves,
49 Investigação laboratorial do paciente
com infecção pelo citomegalovírus ....................................................................................... 6l9
Suzane Pretti Figueiredo Neves, Wanessa Trindade Clemente
50 Investigação laboratorial do paciente com rubéola ................................................ 629
Taciana de Figueiredo Soares

51 Investigação laboratorial do paciente


com in fecção pelo Toxop/asma gondii ................................................................................. 639
Júlio César de Faria Couto, Suzane Pretti Figueiredo Neves

52 Investigação laboratorial do paciente co m doença de Chagas ..................... 651


Eliane Dias Gontijo, Lúcia Maria da Cunha Gaivão, Silvana Maria Elói Santos

53 Investigação laboratorial das leishmanioses .................................................................... 661


Luciana de Gouvêa Viana, Zélia Profeta da Luz, Ana Lúcia Teles Rabello

54 Investigação laboratorial do paciente


com infecção pelo Treponema pallidum ........................................................................... 669
Rômulo Carvalho Vaz de Mel/o, Guilherme Birchal Cofiares

55 Investigação laboratorial do paciente com febre reumática aguda .................. 68 1


Cleonice de Carvalho Coelho Mota, Leonardo de Souza Vasconcellos,
Silvana Maria Eloi Santos

56 Marcadores laboratoriais de fase aguda da inAamação ....................................... 693


Guilherme Birchal Cofiares, Pedro Guatimosim Vidigal

57 Investigação laboratorial do paciente co m


II • • A •

upus er1tematoso s1stem1co .......................................................................................................... 705


Suzane Pretti Figueiredo Neves, Raquel Lara Furlan

58 Investigação laboratorial do paciente com artrite reumatóide ..................... 717


Ana Beatriz Cordeiro de Azevedo, Luis Eduardo Coelho Andrade

59 Investigação laboratorial dos marcadores tumorais ................................................ 727


Rômulo Carvalho Vaz de M el/o, Guilherme Bircha/ Cofiares

60 Dosagem de hCG no diagnóstico da gravidez ............................................................. 741


Myriam de Siqueira Feitosa, Silvana Maria Eloi Santos,
Vânia Abadia Soares Lino
61 Particularidades da Medicina Laboratorial no pacien te idoso ....................... 747
Guilherme Birchal Coi/ares, Marília Campos Abreu Marina,
Rômulo Carvalho Vaz de Mel/o, Edgar Nunes de Moraes

62 Investigação laboratorial do
paciente com erro inato do metabolismo ....................................................................... 757
Eugênia Ribeiro Valadares

Ín d.ICe Rem ..
iSSIVO .................................................................................................................................................... 769
Figura 4.5 - Esfregaço de asp1rado de medula óssea corado por
May-Grunwald·G1emsa. comendo panículas medulares na extre- Figura 11.1 - Hanseníase tndetermrnada (Serv1ço de Dermarolog1a
midade caudal Ver pag na 34 do Hosp1tal das Clínrcas da1JFMG). ~ na,: 1 709

Fiu<wetefnc:IO V.,U.
fluefeKttnc:KJ torr,"to
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250~

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o 50 100 150 200 250
FSC -

Figura 4.7 - Desenho esquemátiCO demonstrando o pnncipto da


Ctromerna de Fluxo. Ver pag 1 a 37

Figura 11.2 - Hanseníase tuberculótde (Servrço de Dermarolog1a


do Hosprtal das Clín1cas da UFMG). \ r 1 , , 1 109

Figura 4.9 - Hlbndação m srtu com fluorescêncra para pesqUisa do Figura 11.3 - Hanseníase wchow1ana (Servtço de Dermarologra do
gene de fusão BCR ABL Ver pág 1 a 38 Hospttal das Clín1cas da UFMG) ~ r 1', 70
L

Pranchas colondas III


F1gura 11.4 - Hanseníase d1morfa (Serv1ço de Dermatologia do
Figura 18.2- Vag1nose: célula 1nd1cadora, m1crob1ota alterada com
Hosp1tal das Ciln1cas da UFMG). ~ pág r'
Intensa redução dos lactobaolos. presença de cocobaolos e basto-
netes curvos e finos. Gram lábe1s. Va oog1r1a 780

..
Figura 11.5 - Mycobactenum leprae em glob1as. corados em ver-
melho (aumenro de lOOOx). \- ·r págn' 1 li Figura 18.3 - Esfregaço do flu1do vag1nal normal corado pelo
Gram (x100) m1crob1ota vag1nal com a presença de bastonetes
Gram positivos (Flora Dóderlem) e células superfioa1s da mucosa
vag1nal. Vu pag,r1a ISO

--
.,
:: '
~ p
~
- /

Figura 18.1 - Esfregaço do flu1do vag1nal normal corado pelo Gram Figura 18.4 - Esfregaço do flu1do vag1nal normal corado pelo
(x100): microbiota vag1nal com a presença de bastonetes Grampo- Gram (xlOO): m1crob1ota vag1nal com a presença de basroneres
Sitivos (Flora Dóderlem) e células superfioa1s da mucosa vag1nal. Gram positivos (Flora Dóderle1n) e células superfioa1s da mucosa
Verp(l..: • vag1nal. vc, pogaw 180

IV Medicina laboratorial para o clínico


a 1 P1edra branca (lOOX). F1 ur J 19 3 B Escamas dérm1cas de unha clanficadas com KOH
2096. lllfas sepladas e arroconid1os {400X). Ver pá! na 195
r

F1gura 19.4 - Phtalophora verrucosa. Ver pogmo 799

f1 1.1 a ~ A Escamas dérm1cas de unha clanficadas com KOH


20%. Hlfas sep[adas e arroconíd10S {400X~ Fgur.1 19 S A Esporocncose hnfocu[ânea. , 'pagma 203

Pranc.hJs c.olondas v
Figura 19.7- Cryptococcus em t inta da China. h r págma 209

Figura 19.5 B- Espororricose linfocurânea. Ver págma 203

Figura 20.1 A - Método de Hoffman, Pons e)aner: fezesd1luídas em


água. sendo filtradas em gaze com Oito dobras. V' 1 pQJ'itlO 2. •

Figura 19.5 C - Espororricose linfocurânea. Ver págma 203

Figura 20.1 B - Método de Hoffman, Pons e )aner: sed1menração •


Figura 19.6 - Grocott (400X). v~ r págma 205 das fezes em cálice côn1co. Ver pag no ) 14

VI Medicina laboratorial para o clínico


Figura 20.2 A -Método de MI FC (Biagg et a/.). Mareríal necessário.
Ver pagma 224

Figura 20.3 A -Método de Baermann-Moraes. Ver pag1t1a 225

Figura 20.2 B- Tubos comendo as fezes em conservanre. após fil-


rração em gaze; após acrescenrar o érer; após ag1ração v1gorosa;
após cenrrifugação, mosrrando as camadas de érer, gordura e de-
mros, conservame e o sedimemo e rubo comendo apenas o sedi-
memo, após a rerirada das camadas superiores. Ver pag1110 224

Figura 20.3 B- Mérodo de Baermann-Moraes. Ver págma 225

Pranchas coloridas VIl


Figura 20.5 B - Oocrsros de I. belll {40X), corados pelo Método de
Hennksen e Pohlenz {denvado do Zrehi-Neelsen). , ·r pagrna 2h

Figura 20.2 C - Método de Rugar. Ver pag ''O 225

I I I

i • ~

Frgura 20.6 A - Método de Faust et ai. Tubos de Wassermann,


mostrando as vánas etapas do método. Fezes drluídas em água
após 1•. 2• e 3• centrifugações. Após centrifugação com ZnSO" a
Figura 20.4 - Preparação de lâmrna pelo método de Karo-Katz. 33%, mostrando a película superficral. onde estão as formas para sr-
Ver pag na 225 tanas mais leves (ovos leves, cisros e oocrsros). r 1;á ,,,a 226

Figu ra 20.6 B - Coleta da película, com o auxílio de uma alça de


Figura 20.5 A- Oocistos de C parvum (lOOX). Ver pagma 225 plauna. Vu paJ?rna )(6

VIII ( Medicina laboratorial para o clínico )f ----------- -- - - -- - - -- - - - -- - - -- - - -


Tomonho

Complexidade
Figura 21.5 - Foromicrograna de esfregaço de sangue periférico
mostrando neutrófilos segmentados. Vet págma 1.37 Figura 22.3 - Representação esquemática da separação dos leucó-
ciros por orometria de fluxo. Ver pagma 244

Figura 21.6 - Fotomicrografia de esfregaço de sangue periférico


mostrando monómo. Ver pag1na 238

Figura 22.4 A - Fotomicrografla de esfregaço de sangue peri-


férico mosrrando esferómos, aniSOCitose e pohcromarofiha. Ver
pagma Lso

Figura 21.7 - Fotomicrografia de esfregaço de sangue perifénco


mostrando eosinófilo. ver págma 238

Figura 22.4 B - Fotomicrografia de esfregaço de sangue penfénco


Figura 21.8 - Forom1crografia de esfregaço de sangue perifénco mostrando hipocromia. m1crocirose, an1somose. po1quilomose e
mostrando basófilo. \> ., pag111a 238 células em alvo.Ver pag1na 25 J

Pranchas coloridas IX
F1gura 29.7 - Hibndação m s1tu com nuorescênoa para pesqu1sa
do gene de fusão BCR-ABL. H1bndação m s1tu com nuorescênoa
de sonda específica para pesqu1sa do gene de fusão BCR-ABL em
núcleo 1nterfás1co de medula óssea. A sonda é composta da m1s·
Figura 22.5 - Representação esquemác1ca das células do sangue. cura de duas sondas de DNA. uma para o gene ABL {laranJa) em
A: emrómo; B: neutrófilo segmentado; C: eos1nófilo; D: basofilo; E: 9q34 e a outra para o gene BCR (verde) em 22q11.2. Nas células
monómo; F.linfóc1to; G: plaqueta. Ver pagma 252 com translocação emre os cromossomas 9 e 22, um s1nal verde é
observado no cromossoma 22 normal (seta ma1or), o Sinal laranJa
pode ser v1sto em ambos os homólogos do cromossoma 9 (setas
menores) e um sinal amarelo da fusão. resultante da presença dos
sma1s verde e laranJa JUntos, é venficado no cromossoma 22 denva-
nvo (seta vazada). Coloração de fundo: DAPI (cortesia do Setor de
Citogenética do Serviço de Med1ona Laboratonal do Hosp1ral das
Clí111cas da UFMG). vt1 pag111o Jr,()

Figura 29.4 - Fotom1crograf1a de esfregaço de asp1rado de medula


óssea {May-Grünwald-G1emsa, x 1000), Leucem1a hnfoblást1ca agu- o tvt-) I ctl 11 A, I B
da. Medula óssea h1percelular infiltrada por llnfoblastos pleomór- moooctonal Prova rev./Rev gr
Grupo inverso
flcos apresentando grande vanabihdade em formato e tamanho.
\e1! 1 ,, 133'

11
Figura 32.2 -Modelo de carrão (cartela) para t1pagem ABO (di reta
e reversa) e Rho(D). h r ! ,~r a '8"

X Medicina laboratorial para o clínico


Figura 32.5 - Exemplo de reação posmva fraca em gel. Ver pagma
386

Figura 32.3 - Exemplos de np1ficaçào ABO (direta e reversa) e


Rho(D). va pagma 385

Figura 32.6 - Exemplo de reação pos1t1va 1+ em gel. \-'et págma


386

Figura 32.4 - Exemplo de reação negar1va em gel. Ver pág~r~a 385

Figura 32.7 - Exemplo de reação pos1uva 2+ em gel. Ver págma


386

Pranchas coloridas XI
I

F1gura 35.29 A- HemáCias d1smórf1cas (Cortesia do Dr Leonardo


Figura 32.8 - Exemplo de reação pos1Uva 3+ em gel. vc:r pagmo de Souza Vasconcellos). Ver págma '158
~81

Figura 32.9 - Exemplo de reação pos1t1va 4+ em gel. Ver Vdg111u


iBJ Figura 35.29 B - HemáCias d1smórficas (Corres1a do Dr. Leonardo
de Souza Vasconcellos). o' , 1 8

Figura 32.10 - Exemplo de dupla população, reação pos1t1va 3+ a Figura 49.1 - B1óps1a teCidual corada por HE. ev1denmndo Inclu-
4+ ~u oa ·rw ~" sões v1ra1s. v ·r pog1r 1 6

XII Medicina laboratorial para o clínico


Figura 49.2 - Anrigenemia para CMV demonstrando células Figura 53.5 - Técn1ca de aplicação da Reação de Montenegro.
posiuvas. Ver págma 623 Fome: Laboratóno de Pesquisas Clín1cas do Centro de Pesqu1sas
René Rachou/FIOCRUZ. Ver pagma 60

F1gura 52.3 - Formas tnpomastigmas em sangue perifénco de


paoenre com quadro de reativação após transplante cardíaco. ver Figura 53.6- Reação de Montenegro pos1t1va (delimitação da en·
p1giiJO 659
duração com caneta esferográfica). Fome: Laboratório de Pesqui-
sas Clín1cas do Centro de Pesqu1sas René Rachou/FIOCRUZ. h:r
pagma 667

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Figura 54.1 - Imagem de microscopia de VDRL. À esquerda de
Figura 53.4 -Formas amast~gotas de Leishmama spp. Fome: Labo· floculação em teste reagente. À direita, ausênoa de floculação em
ratóno de Pesquisas Clínicas do Centro de Pesquisas René Rachou/ reste não reagente. Ver págma 673
FIOCRUZ. Vu pag1na 665

Pranchas coloridas XIII


Figura 54.2 - Reação de hemaglutinação indireca (MHA-TP). À es-
querda, imagem em tapete do reste reagente. À direita, imagem
em botão do reste não reagente. Ver págma 674 Figura 57.1 C- Padrão nucleolar. Ver págma 708

Figura 57.1 D- Padrão nuclear pontilhado centromérico. Vê-se Auo-


rescência dos centrômeros e placa metafísica Auorescente devido ao
Figura 54.3 - Foro de microscopia de Auorescência de imunofluo- alinhamento dos cromossomas na metáfase. Ver págma 708
rescência indirera (FTA-ABS) para sífilis. A presença de treponemas
Auorescentes indica teste positivo. Ver págma 674

Figura 57.1 B - Padrão nuclear homogêneo. No meio do campo


vemos uma placa metafásica fluorescente, indicando presença de Figura 57.1 E - Padrão nuclear pontilhado. Vêem-se pomos fluo-
anticorpos anri- DNA ou anti-hismnas. Não há marcação do cito- rescentes correspondentes a anticorpos contra proteínas nucleo-
plasma. Ver págma 708 plasmáticas, que poupa a região dos nucléolos. Ver págma 708

XIV [ Medicina laboratorial para o clínico ]1----- - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - -


Figura 58.2 - Anr1corpo antJfawr pennuclear {APF). lmunofluo- Figura 58.3 - Anricorpo anrí-queratína (AKA). lmunofluorescên-
rescêncía índ1reta em queratínómos da mucosa oral. Soro diluí- oa 1ndíreta em corte transversal de esôfago de rato. Soro diluído
do 1/160. ConJugado: JSOtJooanaw de fluoresceína. Magmfícação 1/10. Conjugado: JSotioc1anaro de fluoresceína. Magnificação 200X.
400X. Os corpos cerarohíalinos repleros de filagrína apresenram-se A reatJVJdade resmta à camada córnea está represenrada por fluo-
d1sposros e corados ao redo' do núcleo. Ver pagma '2: rescênoa lam1nar e linear concênmca. A coloração 1nrensa da mu-
cosa é não específica. ver pag:na ~'

Pranchas coloridas XV
I

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