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Digitalização e Revisão: Levita Digital

26/10/2009

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Entre o Antigo e o Novo Testamentos


O Período Interbíblico
D.S.Russell
©Abba Press Editora e Divulgadora Cultural Ltda.

Categoria: História
Cód. 01.12101.0507.2

2" Edição no Brasil


Maio de 2007

Tradução
Eliseu Pereira

Revisão
Irene Pereira
Maria Isabel C. Dutra

Coordenação Editorial
Oswaldo Paião

Impressão
Gráfica Sumago

ISBN 978-85-85931-58-2
E permitida a reprodução de partes
desse livro, desde que citada a fonte
e com a devida autorização escrita dos editores.

Abba Press
R. Manuel Alonso Medina, 298 - CEP 04650-031 - São
Paulo / SP Tels./Fax ( 1 1 ) 5686-5058 / 5686-7046 /
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E-mail: abbapress@abbapress.com.br
Conteúdo
Prefácio

PARTE UM
O FUNDO CULTURAL E LITERÁRIO

1. Judaísmo versus Helenismo


1. Surgimento e Expansão do Helenismo
A. Os Gregos e os Romanos
B. A Septuaginta e a Literatura Helenística
C. A Cultura Grega na Palestina
D. A Influência Religiosa do Helenismo

2. A reação contra o Helenismo


A. O Partido Helenista em Jerusalém
B. A Vingança de Antíoco
C. Os Macabeus e a Revolta dos Macabeus
D. A Casa de Hasmoneu
E. Herodes e os Romanos

2. O Povo do Livro
1. A Religião da Torah
A. Do templo à Torah
B. O Ponto de Levante da Revolta
C. A Santa Aliança

2. A Torah e as seitas
A. Os Fariseus
B. Os Saduceus
C. Os Essênios
D. Os Zelotes
E. Os Pactuantes de Qumran

3. Os Escritos Sagrados
1. As Sagradas Escrituras
A. O Cânon Hebraico
B. As Escrituras na Dispersão

2. A Tradição Oral
A. Sua Origem e Desenvolvimento
B. Sua Forma e Conteúdo
3. Os "Livros Não Incluídos"
A. A Literatura Não-Canônica
B. O Ambiente dos Apocalípticos

4. A Literatura Apócrifa
1. Os Livros Comumente Chamados "Apócrifos"
A. Sua Identidade
B. Seu Conteúdo e Gênero Literário
C. Seu Valor Histórico e Religioso

2. Os Outros Livros "Apócrifos" (ou Pseudepígrafos)


A. Sua Identidade
B. Na Comunidade de Qumran

3. Os livros Apócrifos no Cristianismo


A. No Novo Testamento
B. Na História da Igreja

PARTE DOIS
Os APOCALÍPTICOS

5. A Mensagem e o Método dos Apocalípticos


1. A Tradição Apocalíptica
A. O Segredo Oculto
B. A Linguagem do Simbolismo
C. A Lenda de Esdras

2. Os Apocalípticos e a Profecia
A. A Unidade da História
B. As Últimas Coisas
C. A Forma de Inspiração

3. Pseudonímia
A. Um Recurso Literário
B. Extensão de Personalidade
C. O Significado do "Nome"

6. O Messias e o Filho do Homem


1. O Pano de Fundo do Antigo Testamento
2. O Messias Tradicional ou Nacional
A. O Messias Não Indispensável
B. O Messias Levítico
C. O Messias Davídico
D. O Messias e os Rolos do Mar Morto
E. Jesus e o Messias

3. O Messias Transcendente e o Filho do Homem


A. O Filho do Homem Apocalíptico
B. O Pano de Fundo do Oriente
C. O Filho do Homem como Messias
D. Sofrimento e Morte
E. Jesus e o Filho do Homem

7. A Ressurreição e a Vida Após a Morte


1. A Ressurreição: Origem e Desenvolvimento
A. A preparação no Antigo Testamento
B. Sua Origem Histórica
C. Desenvolvimento Subseqüentes
D. A Ressurreição e o Reino Messiânico

2. A Natureza da Sobrevivência
A. Sheol, a Morada das Almas
B. Distinções Morais no Sheol
C. Mudança Moral na Vida Além
D. A Alma Individual e o Julgamento Final

3. A Crença na Ressurreição e a Natureza do Corpo da


Ressurreição
A. A Ressurreição do Corpo e a Sobrevivência da
Personalidade
B. A Ressurreição do Corpo e sua Relação com o Ambiente
C. A Relação do Corpo "Espiritual" com o Corpo Físico
Bibliografia Selecionada
Literatura Apócrifa
Governantes e Principais Acontecimentos

Dedicado a Marion, Helen e Douglas


Prefácio
Na maioria das Bíblias, o período entre o
Antigo e o Novo Testamentos é representado por
uma única página em branco o que, talvez, tenha
um significado simbólico. O período "de Malaquias
a Mateus" por muito tempo tem permanecido vago
e desconhecido para muitos leitores da Bíblia.
Vários mistérios permanecem, mas nos últimos
tempos, muita luz tem sido lançada sobre todo
esse período. Os escritos de grande número de
eruditos e algumas notáveis descobertas
arqueológicas têm fornecido novos e
deslumbrantes pontos de vista a respeito do
assunto.
No início deste século, o Dr. R.H.Charles
escreveu com freqüência sobre o assunto, e a
publicação, em 1914, de seu pequeno livro
Desenvolvimento Religioso entre o Antigo e o Novo
Testamento, incluiu um outro público de leitura
nesse campo de estudo e auxiliou grandemente a
preencher a lacuna no entendimento das pessoas
em relação a esse assunto. Mas ninguém poderia
prever que esse período ainda se tornaria um foco
de atenção, não apenas para os eruditos, mas
também para o "cidadão comum". A descoberta
dos pergaminhos do Mar Morto despertou a
imaginação popular e atraiu a atenção de eruditos
do mundo inteiro. Esses escritos são de extrema
importância, não somente pelos relatos que
fornecem sobre as crenças e práticas dos
Pactuantes de Qumran, mas também pelo novo
interesse e conhecimento que trazem a todo o
período interbíblico.
Neste pequeno volume, fiz uma tentativa de
revisar esses anos, à luz dos recentes estudos e
descobertas, e em particular para avaliar a
contribuição religiosa desse grupo de homens, um
tanto estranhos, conhecido como "os
apocalípticos". Muitas outras questões pertinentes
a esse período interbíblico poderiam ter sido
tratadas, mas o propósito deste livro é seletivo e
não, exaustivo, indicando a participação que os
apocalípticos tiveram no desenvolvimento religioso
do Judaísmo e na preparação das mentes dos
homens para a vinda do Cristianismo.
Espero que este breve estudo estimule o
apetite do leitor, levando-o a aprimorar estes
estudos, ainda mais, com ajuda da bibliografia
sugerida.
DAVID S. RUSSELL
College Rawdon, Leeds
Parte Um
O PANO DE FUNDO
CULTURAL E LITERÁRIO

Judaísmo Versus Helenismo


Os anos que se estendem de 200 a.C. a 100
d.C, geralmente citados como "o período
interbíblico", são de fundamental importância tanto
para o Cristianismo como para o Judaísmo rabínico,
porque foi durante esses séculos que, num sentido
muito especial, o caminho foi sendo preparado
para o aparecimento dessas duas grandes crenças
religiosas. O propósito deste livro é examinar,
embora resumidamente, a cultura e a literatura
desses importantes anos e analisar o desen-
volvimento de certas crenças religiosas, cuja
influência foi sentida particularmente dentro da
Igreja Cristã em crescimento.
Ao longo de todo esse período, os judeus
estavam rodeados pela cultura e civilização gregas
e, particularmente na Dispersão, muitos tiveram
que adotar a língua grega ou como seu único
idioma ou como alternativa à sua própria língua, o
aramaico. Era inevitável que eles fossem
influenciados, e profundamente, pelo ambiente
helenístico em que viviam; o surpreendente é que
a reação deles a esse ambiente não foi tão
marcante e que, apesar da pressão trazida sobre
eles, eles conseguiram manter sua distinta fé
judaica.
No período de 170 a.C. a 70 d.C, o
nacionalismo judaico desempenhou um papel mais
importante na resistência ao avanço do helenismo.
Como veremos, esse nacionalismo não foi
motivado apenas por objetivos políticos, mas
também por ideais religiosos oriundos de uma
devoção profunda por parte de muitos e arraigados
em firmes convicções teológicas. Porque o
Judaísmo, ao contrário do Helenismo, representava
não tanto um modo de vida, mas um movimento
religioso nacional. O Dr F. C. Burkitt, escrevendo
sobre o Judaísmo desses dois séculos e meio,
descreve-o como "uma alternativa para a
civilização como se considerava então". Ele não era
apenas uma alternativa, mas era a alternativa,
pois, na convicção de muitos, o judaísmo
conduziria afinal os homens para o Reino de Deus,
cuja vinda precederia à Nova Era determinada por
Deus.

1. SURGIMENTO E EXPANSÃO DO HELENISMO

A. Os Gregos e os Romanos
A palavra "helenismo" é comumente usada
para descrever a civilização dos três séculos
aproximadamente desde o tempo de Alexandre, o
Grande (336-323 a.C.) durante os quais a influência
da cultura grega era sentida de Leste a Oeste. Era
o forte desejo desse imperador fundar um império
mundial associado à unidade da língua, costume e
civilização e, em suas grandes conquistas militares,
ele se empenhou em concretizar tal idéia. Após sua
morte, quando seu Império no Leste foi dividido
entre os Selêucidas na Síria e os Ptolomeus no
Egito, o processo de helenização continuou
rapidamente nos países sobre os quais eles
governaram.
Desde o início, os judeus devem ter sentido o
impacto dessa cultura sobre seu estilo de vida e
particularmente sobre sua religião. A exceção de
uma área comparativamente pequena ao redor de
Jerusalém, eles não constituíam um Estado, pelo
contrário, uma Dispersão, espalhados não apenas
por toda a Palestina, mas por todas as regiões do
Império. Eles ficaram especialmente vulneráveis à
influência do helenismo por intermédio dos
negócios e das trocas comerciais. A política de
Alexandre e de seus sucessores era enviar os
colonos gregos no rastro de seus exércitos e
plantá-los como comerciantes nas terras
conquistadas. Nessas terras, particularmente no
leste, viviam muitos judeus que haviam sido
exilados da Palestina muitos anos antes, e outros
que, até mesmo antes do tempo de Alexandre,
haviam emigrado e se instalado em cidades gregas
no extremo oeste. Muitas comunidades judias
podiam ser encontradas em lugares tais como
Síria, Antioquia, Damasco, Ásia Menor, Macedónia,
Grécia, Chipre, Cirene e Roma. Onde quer que os
judeus estivessem, sob o governo dos Selêucidas
ou dos Ptolomeus, eles haviam desfrutado por
muito tempo das bênçãos da liberdade religiosa
sob uma política de tolerância religiosa que, sem
dúvida, os deixaria abertos à influência sutil da
cultura helenística. Os romanos, por sua vez,
continuaram a estimular o desenvolvimento dessa
cultura, especialmente nas províncias orientais, e
buscaram por esses meios realizar os sonhos de
Alexandre, o Grande. Nesse sentido, não houve um
verdadeiro rompimento entre o regime grego e o
romano, ou, realmente, entre os anos antes de
Cristo e os anos depois de Cristo. A cultura e a
civilização helenísticas foram características de
todo o período greco-romano e é com esse amplo
fundo histórico e cultural que vamos estudar as
reações do povo judeu e sua fé religiosa.

B. A Septuaginta e a Uteratura Helenística


Desde tempos remotos, houve
assentamentos de judeus no Egito, e Alexandria
logo alcançou um honrado nome, particularmente
como centro literário. Foi aqui que a tradução Sep-
tuaginta das Escrituras para a língua grega foi
apresentada para uso dos judeus de fala grega do
Egito, que não mais conseguiam ler hebraico e
para quem as traduções disponíveis nos ofícios das
sinagogas mostravam-se inadequadas. A tradução
da 'Torah" ou Pentateuco aconteceu,
provavelmente, durante o reinado de Ptolomeu II
(285-247 a.C), com o nome "Septuaginta" sendo
estendido para abranger também as outras partes
do Antigo Testamento. Na Carta de Aristéia, que
mais tarde acompanhou a Bíblia grega, há uma
lenda de que a Septuaginta foi o resultado de uma
ordem real de Ptolomeu II, do Egito, que teria
delegado a tarefa da tradução a 72 "anciões". Em
formas posteriores da história, o número é citado
como 70. Esses homens levaram a cabo a obra de
tradução em ambientes separados e produziram
resultados precisamente semelhantes! Porém, é
provável que a Septuaginta tenha vindo a existir
como um Targum1, assim como na Palestina
passou a existir um Targum1 para ajudar aqueles
que não conseguiam entender as Escrituras
hebraicas. A influência da Septuaginta sobre os
judeus da Dispersão e mesmo sobre a jovem Igreja
Cristã não pode ser superestimada. A exceção de
certas notáveis implicações gregas aqui e ali, que
poderiam lembrar seus leitores de seu fundo
cultural, ela era quase desconsiderável como um
veículo de helenizaçâo. Mas como um instrumento
de propagação de Judaísmo durante a Dispersão,
sua contribuição foi de importância inestimável.
Em Alexandria, também, foram escritos
muitos livros gentílicos e enviados para muitas
partes do mundo onde, sem dúvida, foram
estudados pelos mais instruídos dentre os judeus.
Não raro, esses livros continham acusações
difamadoras contra a raça e a religião judaica que
eram normalmente considerados supersticiosos e
ateístas. Os judeus, por sua vez, não tentavam
disfarçar, em seus próprios escritos, o absoluto
desprezo que unham pelos pagãos. De fato, toda a
literatura judaico-helenística, da época da
Septuaginta até Josefo ao final do primeiro século
d.C, tinha como alvo a condenação da idolatria,
principalmente através de ridicularizações, e a
defesa do Judaísmo contra as intromissões de tal
influência pagã2. Muito dessa literatura é conhecida
por nós apenas por fragmentos ou em referências
em outras obras3, mas esses escritos que sobrevi-
veram mostram muito claramente a mescla de
pensamento grego e judeu que predominava bem
antes do começo da era cristã.
Isso é bem ilustrado em livros tais como os
Oráculos Sibilinos (Livro III) e Sabedoria de
Salomão. Os Oráculos Sibilinos foram escritos
durante a última metade do segundo século a.C,
em Alexandria. São semelhantes à Sibil grega que
exerceu considerável influência sobre o
pensamento pagão, tanto antes como depois desse
tempo. A Sibil pagã era uma profetisa que, sob
inspiração de um deus, podia dar sabedoria aos
homens e revelar-lhes a vontade divina. Havia uma
variedade de tais oráculos em diferentes países, e
no Egito, em particular, eles passaram a gozar de
um crescente interesse e significado.

_______________________
1
A palavra "Targum" (no grego) significa uma tradução ou paráfrase
da Escrituras Hebraicas na língua do povo. Nas regiões de fala aramaica, a
leitura das Escrituras na sinagoga era acompanhada por uma repetição oral
(veja p. 63 ss). Acredita-se que esse costume reportava aos tempos de
Esdras (cf. Ne 8.8). No segundo século d.C. os Targuns aramaicos
passaram a existir na forma escrita.

Os judeus de Alexandria viam nesse tipo de


literatura um excelente meio de propaganda. Por
meio de alterações e acréscimos discretos, eles
usaram a estrutura dos oráculos pagãos para
propagar a fé no "único Deus vivo e verdadeiro".
De muito maior significado é o livro Sabedoria
de Salomão, escrito no primeiro século a.C. por um
judeu de Alexandria que, ao apresentar sua fé,
demonstra que havia sido profundamente
influenciado, em seu pensamento, pela perspectiva
e filosofia do mundo grego gentio e que ele era,
sem dúvida, muito versado nesse campo. Por
exemplo, essa influência pode ser percebida ao
tratar da idéia de "sabedoria" que ele personifica
de modo semelhante ao ensinamento estóico
referente ao conceito amplamente conhecido de
Logos ou Verbo4. Neste ponto, de fato, trata-se de
uma forte tentativa de reunir a piedade do
judaísmo ortodoxo e a forma de pensamento grego
da época. De acordo com outros escritos judaicos
daquele tempo, ele incorpora uma forte polêmica
contra os gentios e exalta a verdadeira religião que
Deus revelou a seu servo Moisés.
Um bom exemplo de Judaísmo helenístico
pode ser encontrado no escritor judeu alexandrino
Philo, que foi contemporâneo de Jesus e de Paulo.
Ele era bem versado não apenas nas Escrituras em
hebraico, como nos escritos judaico-helenistas, e
também em filosofia grega.
_____________________
2
Este também era o tema de outros livros judeus, oriundos da
Palestina, que no devido tempo foram traduzidos para o grego, e
finalmente, acharam lugar na Septuaginta, como I Macabeus, Bel e o
Dragão, Judite, o Resto de Ester, Tobias e Susana (veja pp. 78 ss).
3
Ver R. H. Pfeiffer, History of New Testament Times, with a
Introduction to the Apocrypha (História dos Tempos do Novo Testamento,
com uma Introdução aos Apócrifos), 1949, p. 200 ss.

O objetivo de seus escritos era demonstrar a


relação entre a religião das Escrituras e a verdade
das filosofias gregas. Ele fez uso livre da alegoria,
prática comum em Alexandria, e através dela
demonstrou, por exemplo, que Moisés estava em
consonância com os filósofos gregos. A posição de
Philo não era aceita pelo Judaísmo ortodoxo de
seus dias, mas sua abordagem da religião e da
filosofia, e a relação entre elas, teve uma influência
considerável no desenvolvimento da teologia cristã
nos anos que se seguiram.

C. A. Cultura Grega na Palestina


O impacto do helenismo sobre o judaísmo foi
sentido até mesmo na própria Palestina onde, na
maior parte, os judeus passaram pela Dispersão e
viviam como membros de uma comunidade grega.
Durante o período dos Selêucidas, muitas cidades
da Palestina foram conquistadas pelo estilo de vida
grego e algumas novas cidades foram construídas
em estilo grego. Essas comunidades, governadas
por um senado democrático, semelhante ao Boulê
ou Conselho Ateniense, eleito anualmente e
composto de representantes do povo, trouxeram
para os judeus uma perspectiva mental
completamente nova e uma, até então
desconhecida, visão da cultura e civilização
helenística, muito do que, para o judeu fiel, parecia
ser prejudicial e até mesmo subversivo à fé de
Israel. Mesmo em Jerusalém e seus arredores havia
muitos que adotaram o estilo de vida grego desde
o início do período da supremacia ptolomaica, e
muitos mais sucumbiram sob a propaganda
concentrada dos Selêucidas.
___________________
4
Para uma abordagem mais completa, ver p. 23 s.
O Primeiro Livro de Macabeus lança luz sobre
a situação daquele tempo nestes palavras: "Nesta
época saíram também de Israel uns filhos
perversos que seduziram a muitos outros dizendo:
Vamos e façamos alianças com as nações
ckcunvizinhas, porque desde que nós nos
separamos deles, caímos em infortúnios sem
conta. Semelhante linguagem pareceu-lhes boa, e
houve entre eles quem se apressasse a ir ter com o
rei, que concedeu a licença de adotarem os
costumes pagãos. Edificaram em Jerusalém um
ginásio como os gentios, dissimularam os sinais da
circuncisão, afastaram-se da aliança com Deus,
para se unir aos estrangeiros e se escravizar ao
pecado" (1 Mac 1.12-15). Comentando sobre essa
passagem, A.C. Purdy escreve: "Lendo nas
entrelinhas, podemos inferir que o desafio para o
Judaísmo aqui não era o de uma religião rival, mas
o de uma cultura rival. Era o desafio do
secularismo. A religião dos judeus estava ainda
para ser diretamente atacada, mas um helenismo
definido e agressivo havia surgido entre eles"5.
Um fator importante de expansão dessa
cultura rival foi indubitavelmente a formação de
ginásios que foram construídos não apenas em
Jerusalém, mas em muitas regiões da Dispersão, na
Palestina e arredores. "Eles expressavam", escreve
o Dr. Edwin Bevan: "tendências fundamentais da
mentalidade grega — sua inclinação para a beleza
harmoniosa da forma, o prazer do corpo, a
franqueza imperturbável com respeito ao mundo
natural."6 A ênfase grega na beleza, forma e
movimento iriam abrir o horizonte estético,
desconhecido até então para muitos judeus.
_________________________________

5
Q H. C. MacGregor e A. C. Pwdy,Jewand Greek (O Judeu e o
Grego), 1937, p. 30.
Por essa razão, alguns dos ritos religiosos
judaicos que pareciam inestéticos para os gregos,
passaram a ser negligenciados por certos judeus.
Como a citação anterior de 1 Macabeus mostra, os
atletas judeus, por exemplo, que iam normalmente
correr nus na pista, passaram a ser
"incircuncidados" por meio de uma leve operação
cirúrgica para evitar o escárnio da multidão.
Jogos e corridas no estádio e no hipódromo
eram marcas distintas das cidades helenizadas e
eram populares entre os jovens judeus, não menos
do que entre pessoas de outras tradições religiosas
e culturais. O teatro também desempenhou um
papel importante na disseminação da cultura
grega. Sabemos de judeus que escreveram
tragédias em versos gregos, e cujas peças, como
Êxodo de um certo Ezequiel, foram, com certeza,
apresentadas no teatro que Herodes construiu
perto do Templo de Jerusalém. Os ritos e
cerimônias religiosos, aos quais muitos dos jogos e
apresentações eram associados, tinham uma
influência inevitável sobre a população judia e
tendiam a corromper as mentes dos jovens,
acompanhadas, como eram muitas vezes, de uma
medida de imoralidade e vícios. O helenismo com o
qual os judeus estavam em contato durante esse
período, embora contivesse muito do que era bom
e bonito, tinha, na concepção popular, uma íntima
conexão com o 'túmulo de Dafne, e os caminhos
dos soldados, guardiães de bordéis e
comerciantes .7

_______________________
6
Jerusalem under the High Priests (Jerusalém sob a Liderança dos
Sumos Sacerdotes), 1920, p. 35.

D. A Influência Religiosa do Helenismo


E óbvio, a partir do que se tem sido dito, que
a influência do helenismo não podia estar
confinada estritamente aos aspectos sociais ou
literários ou culturais ou estéticos; por sua própria
natureza, criou-se uma atmosfera definitivamente
espiritual que era, em muitos aspectos,
completamente estranha à perspectiva religiosa
dos judeus. Os vários festivais e cerimônias,
associados a quase tudo na vida social grega,
deixaria sua impressão na vida religiosa e nos
costumes do povo.
E importante, nesta conexão, observar que o
Helenismo era um sistema sincretista, sob cuja
superfície o pensamento e as crenças de muitas
antigas religiões orientais continuaram a exercer
uma forte influência. No ramo sírio do helenismo,
por exemplo, o Zoroastrismo, religião do antigo
Império Persa, ainda estava bem vivo8. Em sua
forma mais primitiva, de alguma forma o
Zoroastrismo ensinava um dualismo no qual havia
uma interminável batalha entre os poderes da luz,
liderados pelo espírito bom Ahura-Mazda, e os
poderes das trevas, conduzidos pelo espírito mau
Angra-Mainyu. Esse princípio dualista é formulado
em uma doutrina de "duas eras" na qual a
"presente era" de impiedade é contraposta à "era
futura" de retidão. Afinal, pelos bons ofícios de
Shaoshyant, o salvador, Ahura-Mazda lança Angra-
Mainyu no abismo. O fim do mundo sobrevêm; os
mortos são ressuscitados e enfrentam o julga-
mento. Todos os homens são sujeitados à chama
de um fogo purificador; por rim, todos são salvos e
surge a nova era com um novo céu e uma nova
terra.
______________________
7
G.H. C. Macgregor e A/C. Purdy, op. cit, p. 143.
8
Ver p. 95,107 ss, 112,135.

Ao lado desse ensino do Zoroastrismo, havia


o antigo culto babilónico baseado nos luminares
celestes e especialmente nos sete planetas que,
em suas voltas ao redor da terra, controlavam,
acreditava-se, as vidas dos homens e as nações. A
sobrevivência desse culto é bastante
compreensível porque o Império Persa que
Alexandre, o Grande, conquistara, tinha, por sua
vez, sucedido o antigo Império Babilônico e, no
processo, havia incorporado muitos de seus
costumes e crenças e adotara o aramaico ou
"caldeu" como o idioma oficial do governo. Assim,
ali emergiu o sincretismo perso-babilônico, ou
"mescla" de cultura, que ao longo do tempo coloriu
profundamente o helenismo sírio.
Por meio do helenismo sírio, o impacto dessa
cultura seria sentido pelos judeus na Palestina.
Realmente, muitos dos judeus tinham contato
direto com o pensamento e a cultura perso-
babilônica porque, desde o tempo do Cativeiro,
eles tinham vivido lado a lado com iranianos (ou
persas) na Mesopotâmia.
De vez em quando esses judeus babilónicos
voltavam à Palestina, trazendo consigo uma
avaliação simpatizante de alguns aspectos do
pensamento persa, particularmente aqueles que
não eram necessariamente incompatíveis com sua
própria religião hebraica. Sem dúvida, muitos
foram atraídos a voltar à Palestina no tempo dos
Macabeus e seus sucessores, quando um estado
judeu forte começava a surgir.
A influência do Zoroastrismo, e de fato, de
toda a cultura perso-babilônica é amplamente
ilustrada nos escritos dos judeus apocalípticos
desse período e mesmo, embora em menos
extensão, nas obras dos Judaísmo farisaico. E
evidente também nos escritos dos Pactuantes de
Qumran, nos quais aparece, por exemplo, uma
forma
_________________
9Compare o interesse nos corpos celestes demonstrados nos
escritos como Jubileus e I Enoque 72-82.

de dualismo, em muitos sentidos semelhante ao do


Zoroastrismo, que não pode ser explicado
simplesmente através da referência à religião do
Antigo Testamento . Uma relação com a
escatologia (isto é, doutrina das "últimas coisas")
do Zoroastrismo é indicada no próprio Antigo
Testamento ; mas os judeus apocalípticos,
incluindo o escritor do Livro de Daniel, são muito
mais fortemente influenciados por ele. Toda a
perspectiva deles é governada pela convicção de
que aquela era presente maligna estava na
iminência de terminar e que a nova era se seguiria
imediatamente . Essa visão dualística do universo
coloriu suas convicções em relação à esperança
messiânica, por exemplo, que ao longo do tempo
assumiu características transcendentais e também
sua concepção da vida após a morte. Neste último
caso, a influência do Zoroastrismo é evidente em
questões tais como a separação da alma do corpo
no momento da morte, o destino dos mortos no
lapso de tempo entre a morte e a ressurreição, a
doutrina da ressurreição e o ensino relativo ao Juízo
Final. Outro campo no qual se percebeu
profundamente essa influência, é na doutrina
amplamente difundida sobre anjos e demônios e,
em particular, a personalização de espíritos maus
para os quais não há paralelo no pensamento do
Antigo Testamento. 16
________________________________
10
Ver p. 50.
11
Compare particularmente o rolo intitulado 'The War of the Sons of
Light and the Sons of Darkness" (A Guerra entre os Filhos da Luz e os
Filhos de Trevas).
12
Por exemplo, Isaías 24-27; 65.17 ss.
13
Ver p. 94, 107 ss, 120 ss.
14
Ver p. 130 ss.
15
Ver capítulo 7.
16
Verp. 50,112.
Ainda mais importante do que o helenismo
sírio foi o helenismo egípcio que tomou forma sob
os Ptolomeus. As antigas tradições religiosas e
místicas do Egito e da Babilônia entraram em
contato com a nova ciência e cultura gregas,
produzindo um sistema de pensamento muito mais
abstrato em forma do que o ramo sírio de
helenismo. Muitos judeus, especialmente os da
Dispersão, foram grandemente influenciados pelo
tipo filosófico de religião que acompanhava essa
forma particular da cultura grega.
Este ponto é bem ilustrado pelo autor de
Sabedoria de Salomão , cuja familiaridade com o
pensamento grego é evidente, por exemplo, no
ensino referente à "sabedoria". A idéia de
"sabedoria" é bem familiar para os leitores do
Antigo Testamento em livros como Provérbios, Jó e
Eclesiastes, mas em Sabedoria de Salomão a
influência da filosofia grega está mais claramente
demonstrada. "O ensino do autor referente à
sabedoria divina e humana", escreve B. M.
Metzger, "é uma explicação das idéias primitivas
sobre esse tema expressadas no Livro de
Provérbios, com uma distorção metafísica
emprestada da concepção estóica do Logos
universal, aquele mediador impessoal entre Deus e
a criação." Tendo "criado o mundo a partir da
matéria informe" (11.17, cf. Gn 1.2), Deus envia à
criação uma alma que, para o escritor desse livro, é
nada menos que a própria sabedoria. O espírito de
sabedoria vem de Deus (7.7, etc.) e é "uma clara
efluência da glória do Todo-Poderoso" (7.25). Deus
criou todas as coisas por Sua palavra (9.1), mas a
sabedoria estava presente antes da criação (9.9).
Desde então, ela tem sido "o artífice" (7.22), o
renovador (7.27), o ordenador (8.1) e o realizador (8.5)
de todas as coisas.
_____________________
17 Ver também IV Macabeus que mostra um conhecimento íntimo da
filosofia grega, especialmente 1.13 - 3.18, 5.22-26, 7.17-23.
18An Introduction to the Apocrypha (Uma Introdução aos Apócrifos), 1957,
p. 73.

Em 7.22s ele faz uma tentativa de definir


sabedoria e atribui nada menos que 21 qualidades
a ela; mesmo assim, ela permanece um enigma.
A influência do pensamento grego no livro
Sabedoria de Salomão também é evidente em seu
ensino referente à doutrina platônica sobre a
preexistência da alma, como em 8.19-20, em que
lemos: "Eu era um menino vigoroso, dotado de
uma alma excelente, ou antes, como era bom, eu
vim a um corpo intacto." Essa mesma ideia esta
presente no escntor judeu Philo (morto em cerca
de 50 d.C.) e em livros tais como II Enoque (1-50
d.C.) onde aparecem estas palavras: "Sente-se e
escreva para todos os filhos dos homens, porém,
muitos deles nascem, e os lugares são preparados
para eles na eternidade; porque todas as almas são
preparadas para a eternidade, antes da fundação
do mundo" (23.4-5).
A maioria desses livros judeus
(particularmente os de caráter apocalíptico)
expressa a crença em uma ressurreição da morte
na qual a alma ou o espírito é reunido ao corpo,
mas em alguns deles a influência do pensamento
platônico é novamente evidente em passagens que
expressam a crença na imortalidade da alma. Em
Sabedoria de Salomão 3.1-5, por exemplo, lemos:
"Mas as almas dos justos estão nas mãos de Deus,
e nenhum tormento os tocará. Aparentemente eles
estão mortos aos olhos dos insensatos: seu desenlace é
julgado como uma desgraça. E sua morte como uma
destruição, quando na verdade estão na paz! Se eles,
aos olhos dos homens, suportaram uma correção, a
esperança deles era portadora de imortalidade, e por
terem sofrido um pouco, receberão grandes bens.
Porque Deus, que os provou, achou-os dignos dele."
Pelo menos dois outros livros expressam essa mesma
crença.
___________________
19
Cf. também 15.8,11, IV Mac 13.13, 21; 18.23
20
Ver p. 84,146 ss.
Em I Enoque 91-104 (cerca de 164 a.C), o
escritor refuta a visão dos saduceus de que não há
nenhuma diferença entre a sorte dos justos e a dos
ímpios após a morte (102.6-8,11) e afirma que,
pelo contrário, "toda bondade e alegria e glória
estão preparadas" para as almas dos justos
(103.3). Eles vão viver e se regozijar e seus
espíritos jamais perecerão (103.4). Assim também
no Livro de Jubileus, (c. 150 a.C.) o justo passa
imediatamente da morte para a bem-aventurança
da imortalidade — "Seus ossos vão descansar na
terra, e seus espíritos terão muita alegria" (23.31).
A influência desses diferentes tipos de
helenismo no Judaísmo durante esse período está
clara; mas em suas doutrinas fundamentais, o
Judaísmo permaneceu fiel à fé de seus pais e
preparou o caminho não apenas para sua própria
sobrevivência, mas também para o nascimento da
religião cristã.

2. A REAÇÃO CONTRA O HELENISMO


Já se mencionou a política de tolerância
seguida tanto pelos Ptolomeus como pelos
Selêucidas, por meio da qual foi permitido ao
Judaísmo e ao Helenismo existirem lado a lado.
Esses foram anos de grande perigo para a fé
judaica. Porque essa política visava uma
helenização por meio de uma infiltração gradual de
influência grega e uma assimilação gradual do
estilo de vida grego. Foi quando essa política de
penetração pacífica foi substituída por uma política
de perseguição, notavelmente no reinado de
Antíoco IV (175-163 a.C), que irrompeu uma
violenta reação transformada, com o tempo, num
ódio ardente contra todo o estilo de vida
helenístico.
A. O Partido Helenista em Jerusalém
Muito antes de Antíoco IV assumir o trono,
havia um forte partido helenista entre os judeus da
Palestina, cujos líderes podiam ser encontrados
principalmente entre a aristocracia rica e
sacerdotal que, por sua posição social, desfrutava
dos privilégios da corte real e bajulava os favores
do rei.
Além disso, todo esse período foi marcado por
amarga rivalidade entre duas grandes famílias, a
Casa de Tobias e a Casa de Onias, que iriam
influenciar profundamente o curso dos eventos nos
anos futuros, particularmente em relação ao ofício
do Sumo Sacerdócio. Josefo conta como o Sumo
Sacerdote Onias II, "um grande amante do
dinheiro", recusou-se a pagar o imposto anual de
20 talentos a Ptolomeu IV (221-203 a.C), depois
que José, filho de Tobias, havia sido indicado
coletor de impostos de todo o país. José e sua casa
tornaram-se extremamente ricos e ganharam uma
posição de poder considerável perante a nação. E
assim, naquele momento, as duas casas rivais
estavam representadas nos dois ofícios mais
elevados do Estado.
No tempo de Antíoco, o Grande (223-187
a.C), o controle da Palestina passou dos Ptolomeus
para os Selêucidas e em seguida José e seus
seguidores transferiram sua submissão àquele
monarca, cujo governo estava terrivelmente
dependente de dinheiro. Havia, em Jerusalém,
homens prontos a levantar ou oferecer dinheiro em
troca de posições de poder. Um desses era Simão,
da Casa de Tobias, que no reinado de Seleuco IV
(187-175 a.C.) encorajou o ministro-chefe do rei a
se apoderar do dinheiro sagrado do Templo e então
tentou incriminar o Sumo Sacerdote, Onias III.
Várias revoltas eclodiram em Jerusalém e Onias III
partiu para a corte de Seleuco, a fim de pedir a
ajuda do rei para suprimir os distúrbios.
A rixa entre as duas casas rivais chegou a um
ponto crítico no reinado de Antíoco IV (175-163
a.C.) que sucedeu a seu irmão Seleuco. Os
helenistas em Jerusalém, e em particular no partido
aristocrático, que eram abertamente favoráveis à
Síria, viram na ascensão de Antíoco uma
oportunidade para atingir seus objetivos. O Sumo
Sacerdote legítimo, Onias III, cuja lealdade era pró-
Egito, era um obstáculo às suas esperanças e
assim, durante sua ausência temporária do país, e
com a concordância do rei, seu irmão Jesus ou
Josué (que mudou seu nome para a forma grega,
Jason) foi designado Sumo Sacerdote em seu lugar,
em troca de um suborno significativo para o rei (2
Macabeus 4.7-10). Antíoco, sem dúvida, considerou
essa indicação como um sábio movimento político.
Concedeu permissão para remodelar Jerusalém
segundo as linhas helenísticas (I Macabeus 1.11-
15); um ginásio foi construído em Jerusalém e
muitos judeus se vestiam segundo a moda grega.
Os judeus ortodoxos, e em particular os
Hasidim ou os Piedosos (antecessores dos Fariseus)
, ficaram furiosos com esses acontecimentos e com
a expansão da influência helenística em geral. Para
eles, a indicação de um Sumo Sacerdote era um
ato de Deus, que nada rinha a ver com a aprovação
ou desaprovação de um rei gentio. O único consolo
era que o novo Sumo Sacerdote, Jason, pelo menos
era membro do partido ortodoxo. Porém, tal
situação seria logo alterada, porque a essa altura,
um Menelau, que não era membro da família do
Sumo Sacerdote, expulsou Jason do ofício com a
ajuda de Tobias e a oferta ao rei de um suborno
maior que o oferecido por seu rival (II Mac 4.23 ss)!
Os seguidores de Menelau apoiavam abertamente
o estilo de vida grego e se colocaram contra o
partido ortodoxo. A divisão entre essas duas
facções do povo aumentou e a luta irrompeu em
Jerusalém entre os partidos helenista e ortodoxo.
Encorajados por um rumor de que Antíoco havia
morrido em uma campanha no Egito (170-169 a.C),
Jason se apressou rumo a Jerusalém e expulsou
Menelau (II Macabeus 5.5 ss).
O cenário já estava pronto para o início da
luta. O conflito que se seguiria não era
simplesmente uma questão de*"judeus contra
sírios", mas de "judeus contra judeus"; porque, em
oposição ao partido helenista em Jerusalém, a
vasta maioria dos judeus nos arredores do país
estava alinhada em oposição a qualquer política de
helenização. Como o Dr. Oesterley observa:
"Durante uma boa parte do segundo século a.C,
'Jerusalém contra Judá' descreve corretamente o
conflito interno judaico."
O rumor referente à morte de Antíoco
mostrou-se falso e o rei voltou, determinado a fazer
que a Palestina se submetesse a sua política
declarada de unificar o reino por meio da cultura e
da religião helenísticas. Sem dúvida, sua
determinação foi fortalecida pelo medo do
crescente poder de Roma e da conseqüente
necessidade de consolidar o Império. A expulsão de
seu protegido, Menelau, do ofício de Sumo
Sacerdote era considerada uma afronta à sua
dignidade real, por isso resolveu vingar-se dos
judeus. Assim, ele atacou Jerusalém, expulsou
Jason e restabeleceu Menelau em seu ofício. Seus
soldados ficaram livres e massacraram muitos
dentre o povo; o Templo foi profanado e os
utensílios sagrados saqueados (I Mac 1.20-28).

____________
Ver pp. 49, 54 s.

B. A Vingança de Antíoco
Logo tornou-se óbvio que, embora ele tivesse
o apoio dos helenistas em Jerusalém, sua política
de helenização era violentamente contrária à
maioria das pessoas que, além disso, recusavam-se
a reconhecer Menelau como Sumo Sacerdote.
Assim, Antíoco determinou exterminar
completamente a religião judaica (168 a.C). Optou
por destruir as próprias características distintivas
da fé judaica (cf. I Macabeus 1.41 ss), assim
consideradas desde o tempo do Cativeiro. Todos os
sacrifícios dos judeus foram proibidos; o rito da
circuncisão teve que cessar, o Sábado e os dias de
festas não podiam mais ser observados. A
desobediência a qualquer desses mandamentos
acarretaria a pena de morte. Além disso, os livros
da Torah (ou Lei) foram desfigurados ou destruídos;
os judeus, forçados a comer carne de porco e a
oferecer sacrifícios em altares idólatras erigidos por
todo o país. Então, para coroar suas ações de infâ-
mia, Antíoco erigiu um altar a Zeus do Olimpo com
uma imagem do deus (provavelmente com as
características do próprio Antíoco) sobre o altar de
ofertas queimadas no interior do átrio do Templo (I
Mac 1.54). É esse altar que o escritor do Livro de
Daniel chama "a abominação desoladora" (Dn
11.31).
Esses eventos foram seguidos de severa
perseguição na qual muitos foram condenados à
morte (I Mac 1.57-64). A esse período pertencem
as histórias, em parte lendárias, contadas em II
Macabeus 6-7 sobre o martírio de Eleazar e os Sete
Irmãos. Muitos abandonaram as cidades e
superlotaram as aldeias onde eram perseguidos
pelos agentes do governo, cuja intenção era
extinguir a fé judaica.
_______________
22
A History of Israel (Uma História de Israel), vol. 2, 1934, p. 259.

C. Os Macabeus e a Revolta dos Macabeus


Logo, a resistência passiva abriu caminho à
agressão aberta. A faísca para a revolta veio da
vila de Modein, noroeste de Jerusalém, onde um
sacerdote, Matarias, da Casa de Hasmon, vivia com
seus cinco filhos (I Mac 2.1 ss). Quando um oficial
sírio chegou a Modein para obrigar à realização de
sacrifícios pagãos, Matarias não apenas se recusou
a concordar, mas também matou um judeu
apóstata que prestava sacrifícios e ao mesmo
tempo matou o oficial sírio. Esse foi o motivo para
Matatias e seus filhos fugirem para as montanhas,
onde a eles se uniram muitos judeus zelosos (I Mac
2.23-28). De particular importância foi a adesão a
suas fileiras dos Hasidim (I Macabeus 2.42 ss), para
quem toda a cultura helenística e a influência
estrangeira eram anathema, porque a presença
deles "deu plena sanção religiosa à revolta." Eles
não poderiam ser considerados um partido dentro
do Judaísmo, mas formavam um grupo de opinião
muito poderoso. Eram oriundos, em maior parte,
das classes mais pobres e dos distritos rurais, mas
havia entre eles alguns homens proeminentes. Sua
evidente devoção e zelo religioso viriam a ser vitais
para o futuro da nação. A atitude deles é
vividamente expressa no Livro de Daniel que, em
sua forma presente, de algum modo, foi composto,
no tempo de Antíoco, por um dos Hasidim.
A Revolta que se seguiu foi liderada
sucessivamente por três dos filhos de Matarias:
Judas (165-160 a.C.) cognominado Macabeus
("Martelador"?), Jonatas (160-143 a.C.) e Simão
(142-134 a.C). Em suas campanhas obtiveram
notável sucesso. No dia 25 de casleu (dezembro),
165 a.C, no mesmo dia em que o templo havia sido
profanado três
____________________
23
H. Wheeler Robinson, The History of Israel {A História de Israel),
1938, p. 176.
anos antes (I Mac 4.54), eles o purificaram e o
rededicaram, sob a liderança de Judas, e a
adoração foi restabelecida (I Mac 4.36 ss; cf. II Mac
10.1-7). Esse evento tem sido comemorado desde
então na Festa judaica de Hanukkah (Dedicação),
às vezes conhecida como a Festa das Luzes. As
lutas continuaram, mas em 162 a.C. Lisias, regente
de Antíoco V, ofereceu condições generosas ajudas
e concedeu perdão total aos rebeldes, e plena
liberdade religiosa (I Mac 6.58ss; II Mac 13.23s).
Para convencê-los à conciliação, ele ordenou que
Menelau fosse condenado à morte. Os Hasidim,
cujos propósitos, por esse tempo, eram religiosos e
não políticos, viram seus alvos atingidos e
retiraram seu apoio aos Macabeus. Isso é indicado
pelo apoio que deram a Alkimus, a quem Demétrio
I (sucessor de Antíoco V), indicou como Sumo
Sacerdote. Ele foi reconhecido pelos Hasidim como
um legítimo Sumo Sacerdote da linha de Aarão.
Judas, porém, não ficou contente com apenas a
liberdade religiosa, já que buscava a independência
política. Depois de relativo sucesso inicial, os
judeus foram derrotados e o próprio Judas foi morto
em Elasa em 160 a.C. (I Macabeus 9.18s). Alkimus
morreu pouco tempo depois, e pelos próximos sete
anos Jerusalém ficou sem Sumo Sacerdote.
Jonatas sucedeu a seu irmão Judas como líder dos
judeus nacionalistas com a ajuda de seu outro
irmão, Simão. Foi um tempo de intriga no qual
vários rivais passaram a reivindicar o trono sírio.
Em 153 a.C. Demétrio I (162-150 a.C.) teve de lidar
com tal rival na pessoa de Alexandre Balas que
afirmava ser filho de Antíoco IV.
__________________
24
No sentido exato o nome "Macabeus" deveria ser aplicado apenas
a Judas, mas em geral também é usado em referência a seus irmãos.
25
Cf. João 10.22 onde se faz referência à "Festa da Dedicação".

Ambos tentaram cortejar a amizade de


Jonatas, e no fim, Balas (150-145 a.C.) sobrepujou
Demétrio designando-o Sumo Sacerdote em 152
a.C. (I Macabeus 10.15-17). Deve-se observar que o
partido ortodoxo não elegeu o Sumo Sacerdote,
mas quando muito, simplesmente aceitou a
indicação feita pelo rei. Mais tarde, Jonatas foi
confirmado no ofício de Sumo Sacerdote por Trifon,
que estava agindo em nome do filho mais novo de
Alexandre Balas. Mas Trifon, suspeitando cada vez
mais do poder de Jonatas, matou-o em 143 a.C. (I
Macabeus 12.48; 13.23).
Simão, que sucedeu a seu irmão Jonatas,
começou a solidificar sua posição. Em 142 a.C. ele
ganhou de Demétrio II (145-138 a.C.) imunidade de
impostos e os judeus proclamaram sua
independência (I Mac 13.41). Em 141 a.C. deram
um passo a mais. Um decreto em bronze foi
apregoado no Templo conferindo-lhe o ofício de
Sumo Sacerdote com direitos hereditários: "Os
judeus e os sacerdotes haviam consentido que
Simão se tornasse seu chefe e sumo sacerdote,
perpetuamente, até a vinda de um profeta fiel... e
Simão aceitou. Prontificou-se a ser sumo pontífice,
chefe do exército, governador dos judeus'* (I Mac
14.41-47). O Sumo Sacerdote outrora hereditário
na Casa de Onias e que havia sido usurpado desde
a deposição de Onias III, agora voltava a ser
hereditário na linha de Hasmoneu .
Aqui, então, nós vemos o surgimento de um
estado judeu independente no qual o chefe civil e líder
militar era, ao mesmo tempo, o Sumo Sacerdote. Essa
união iria perdurar por toda a vida da Casa de
Hasmoneu. A Simão, porém, não seria permitido morrer
em paz. Em 134 a.C. ele foi traiçoeiramente assas-
sinado por seu genro Ptolomeu. Seu filho, João Hircano,
agora assumia o Sumo Sacerdócio (I Macabeus 16.13-
17).
_______________
26
Para o significado deste nome, ver a seção seguinte.

Os Macabeus, em nome do judaísmo, haviam


conquistado uma ressonante vitória, não apenas
sobre seus inimigos externos, mas também sobre
toda a cultura que esses iriimigos estavam
determinados a impor sobre eles. Mas seria falso
imaginar que a vitória decisiva havia sido ganha.

D. A Casa de Hasmoneu
A palavra Hasmoneu é derivada do nome da
família de Mavatias e seus filhos que pertenciam à
Casa de Hasmon. Por este nome os Macabeus eram
conhecidos mais tarde na literatura judaica, mas é
conveniente reservar a expressão "Macabeus" para
Judas e seus dois irmãos e usar o título
"Hasmoneu" para descrever seus descendentes, ao
todo cinco, sob os quais os judeus experimentaram
quase setenta anos de independência (134-63 a.C).
Por pouco tempo, durante o reinado de João
Hircano (isto é, Hircano I, 134-104 a.C.) a Judéia
tornou-se um estado vassalo, mas recuperou a
independência em 129 a.C. com a aprovação do
Senado de Roma. Hircano imediatamente começou
a estender seu território. No sul, por exemplo, ele
anexou a Iduméia, compelindo os habitantes a se
circuncidarem; no norte, ele se apossou do
território de Samaria, destruindo o Templo rival do
Monte Gerizim.
Esses atos de Hircano mostram que ele tinha
ideais evidentemente religiosos, mas durante todo
esse período havia um crescente
descontentamento, principalmente da
____________________
27
Para pontos de vista destes eventos sobre a esperança
messiânica, ver p. 123 s.
28
Este Templo havia sido construído provavelmente em alguma
época do IV século.

parte dos Hasidim e dos judeus ortodoxos em


geral, contra os Macabeus e a Casa de Hasmoneu.
Esses não apenas haviam tomado o Sumo
Sacerdócio, mas estavam se tornando cada vez
mais mundanos e irreligiosos. No tempo de João
Hircano, o ramo crescente dentro do Judaísmo
havia-se materializado em dois partidos, cujos
nomes agora emergem, pela primeira vez, como
Fariseus e Saduceus. Primeiro, Hircano tomou o
partido dos fariseus, mas quando um de seus
membros exigiu que ele renunciasse ao ofício de
Sumo Sacerdote, ele rompeu com estes e uniu
forças com o partido dos Saduceus.
O Dr. Oesterley afirma que uma das principais
razões por que os fariseus se opunham aos
Hasmoneus era que eles falavam de si mesmos
como reis, embora não fossem da linhagem de
Davi, e ele indica que até Hircano assumiu esse
ofício real. Se as coisas eram assim ou não, Josefo
informa que o sucessor de Hircano, Aristóbulo I
(103 a.C), foi o primeiro a assumir o título de rei,
embora isso não seja indicado em suas moedas.
Esse fato, associado ao apoio do partido dos
Saduceus, seu amor pela cultura grega e o fato de
estar implicado no assassinato de sua mãe e de
seu irmão Antígono, aumentou ainda mais o
antagonismo dos fariseus.
Essas questões, porém, chegaram a um ponto
crítico no tempo de seu sucessor, Alexandre Janeus
(102-76 a.C). Desde o início, ele irritou
profundamente os fariseus ao se casar com a viúva
de seu irmão Aristóbulo, embora fosse contra a lei
um Sumo Sacerdote fazê-lo. Além disso, ele
negligenciou seu ofício espiritual e dedicou-se
como guerreiro a conquistar e a engrandecer a si
mesmo por meio da guerra.
________________
29
Ver p. 49 ss.
30
Op. Cit, p. 285 s.
31
Antiquities (Antiguidades) 13. 301; Bellum Judaicum 1. 70.
Usava o título de "rei", anunciando o fato em
suas moedas em caracteres tanto gregos como
hebraicos, assim revelando sua ligação com o
estilo de vida grego, demonstrando um passo à
frente na secularização do Sumo Sacerdócio. Sua
impopularidade entre o povo é ilustrada por um
incidente por ocasião da Festa dos Tabernáculos.
Com total desprezo pelas responsabilidades com
seu ofício de Sumo Sacerdote, ele propositalmente
escarneceu das exigências rituais ao derramar a
água da libação no chão e não sobre o altar. As
pessoas ficaram tão furiosas que bateram nele com
os ramos de cidreira que haviam trazido para usar
no ritual. Em um acesso de cólera, ele deu ordens a
seus soldados que mataram muitos dos judeus
dentro do pátio do Templo. Mais tarde, a situação
ficou tão ruim que estourou a guerra civil de seis
anos. Quando, afinal, a paz foi restabelecida,
registra-se que ele levou oitocentos judeus que
haviam lutado contra ele, à morte por crucificação.
Durante o restante de seu reinado, os fariseus
e os ortodoxos permaneceram em paz. Mas o
partido dos fariseus estava se tornando tão
poderoso que Janeus, próximo ao final de sua vida,
viu nisso um grave perigo para a casa real. Assim,
aconselhou sua esposa Alexandra, indicada rainha
por sua ordem, a entrar em acordo com eles
dando-lhes mais autoridade no Estado. Quando
Alexandra (75-67 a.C.) subiu ao trono após a morte
do marido, ela agiu conforme ele havia orientado e
designou seu filho mais velho, Hircano II, como
Sumo Sacerdote. Hircano era bem disposto com os
fariseus e, por sua influência, o poder deles
aumentou consideravelmente em força. Com forte
poder civil e religioso nas mãos, eles puderam
impor, ao povo, suas próprias convicções. Em
particular, eles tornaram as coisas muito difíceis
para seus oponentes saduceus, os quais
encontraram um defensor no filho mais novo de
Alexandra, Aristóbulo, que deixou claro que sua
intenção era o trono. Após a morte de sua mãe,
Aristóbulo reuniu um exército e derrotou seu irmão
perto de Jericó. Hircano foi forçado a deixar o ofício
e Aristóbulo (66-63 a.C.) tornou-se rei e Sumo
Sacerdote, permanecendo no poder até 63 a.C.
A história dos Hasmoneus chegou ao fim por
causa de um Antipater, governador da Iduméia,
que encorajou Hircano, no exílio, a remover seu
irmão do ofício. Com ajuda de um governador
árabe, Aretas III, ele atacou Aristóbulo em
Jerusalém. Foi nesse momento que Roma decidiu
interferir nas questões da Palestina. Pompeu
enviou seu general, Scaurus, para sufocar o
levante e ele, mediante suborno, apoiou Aristóbulo.
No ano de 63 a.C, o próprio Pompeu, temendo os
desígnios de Aristóbulo, atacou Jerusalém e a
conquistou, entrando pessoalmente no Templo e
no Santo dos Santos. Aristóbulo foi levado cativo
para Roma. Hircano foi confirmado no Sumo
Sacerdócio e designado etnarca da Judéia, então
acrescentada à província da Síria.

E. Herodes e os Romanos
Em 163 a.C, então, os judeus perderam sua
independência quando Pompeu, mais uma vez, os
submeteu ao "jugo dos pagãos". Desse momento
em diante, o espírito do nacionalismo judeu
transformou-se em revolta e continuou até a com-
pleta destruição de Jerusalém e do Estado judeu
em 70 d.C.
Os anos que se seguiram a 63 a.C. realmente
foram muito atribulados, e as complicações não
podem ser mencionadas aqui a não ser
ligeiramente. Antipater, cujo nome é proeminente
na história dos judeus nos vinte anos seguintes, a
princípio deu forte apoio a Pompeu, mas em 48
a.C; quando Pompeu foi derrubado, ele transferiu
seu apoio para o rival, César. Como resultado,
César concedeu muitos consideráveis privilégios
aos judeus, não apenas na Judéia, mas também na
Dispersão. Antipater foi nomeado governador da
Judéia, recebendo também a cidadania romana.
Mas, apesar de todos os benefícios decorrentes de
sua amizade com César, Antipater era
amargamente odiado pelos judeus, sem dúvida
justamente por causa de sua dependência de Roma
e por ser idumeu (isto é, edomita) de nascimento.
Esse ódio se intensificou quando, depois da morte
de César em 44 a.C, o procônsul Cassius entrou na
Síria e, com extrema severidade, impôs pesados
tributos ao povo. No ano seguinte, Antipater foi
envenenado por seus inimigos.
Quando Antônio subiu ao poder, após a
batalha de Filipos em 42 a.C, ele nomeou os dois
filhos de Antipater, Fasael e Herodes, tetrarcas sob
o governo do etnarca Hircano II, a quem ele
confirmou no Sumo Sacerdócio. Mas logo surgiram
sérios problemas. Antígono, filho de Aristóbulo, o
Hasmoneu, ganhou o apoio de Partiano, que
apoiava suas reivindicações ao trono. Fasael e
Hircano foram feitos prisioneiros; o primeiro
cometeu suicídio e o outro foi levado ao exílio.
Porém, Herodes escapou e foi direto para Roma,
onde assegurou uma entrevista com Antônio. Ali,
para sua própria surpresa, ele foi designado rei da
Judéia (40 a.C). Porém, ele ainda tinha que
enfrentar Antígono, que havia tomado posse da
Judéia. Com ajuda dos romanos, ele derrotou seu
rival em 37 a.C, após um cerco de três meses a
Jerusalém. Antígono foi condenado à morte e assim
começou o reinado de Herodes, o Grande.
Sob o governo de Herodes (37-4 a.C.) e de
seus filhos, a política de helenização propagou-se
rapidamente. Ele queria, tanto quanto possível, ser
"tudo para todos os homens" - para os judeus, um
judeu, para os pagãos, um pagão. Seu casamento
com Mariane, a neta de Hircano, era uma indicação
de seu desejo de agradar aos judeus como foi, por
exemplo, a construção do novo Templo de
Jerusalém, iniciada no ano 20 a.C. Porém, mesmo
assim, não foi possível conciliar o povo com sua
origem iduméia e com seus planos de helenizar o
reino. Num aspecto importante, ele perdeu a
simpatia de muitos de seus súditos judeus: na
dinastia hasmoneana, o Sumo Sacerdote e o rei
eram a mesma pessoa; Herodes, sendo idumeu,
não poderia ser o Sumo Sacerdote, e assim ele
adotou a política de, tanto quanto possível,
degradar esse ofício. Com isso em vista, ele
quebrou o princípio hereditário no qual o sumo
sacerdócio estava baseado e aboliu o direito
vitalício desse ofício. Depois disso, o Sumo
Sacerdote passou a ser designado por ele e
mantinha o ofício enquanto agradasse ao rei.
A política de helenização que Herodes
empreendeu era devida, pelo menos em parte, à
própria natureza de seu reino, que abrangia muitas
cidades gregas e incluía inúmeros gregos entre os
cidadãos. Ele tem sido chamado, às vezes, de
"patrono do helenismo" e esse título pode ser
plenamente justificado em muitos sentidos. Por
exemplo, ele fez pouco uso do Sinédrio judeu e em
seu lugar estabeleceu um conselho real nos moldes
helenísticos; substituiu a antiga aristocracia
hereditária por uma nova aristocracia de serviço e
elevou essa nova classe de acordo com as práticas
helenísticas. Sua política de administração, de
natureza burocrática fortemente centralizada,
seguia também as linhas do helenismo. O
historiador Josefo nos diz que "ele indicou jogos
solenes a serem celebrados a cada cinco anos em
honra a César, e construiu um teatro em Jerusalém,
como também um imenso anfiteatro na planície"
(Ant., 15.8.1, seção 267-69). Era um partidário
liberal dos Jogos Olímpicos e "foi declarado nas
inscrições do povo de Elis para ser um dos
atdministradores permanentes destes jogos" (Ant,
16.5.3, seção 149). Suas extensas operações de
construção provam a alegação de que ele
encorajava o culto ao Imperador, porque todos os
muitos templos que construiu por toda a Palestina
eram dedicados a César. Os fariseus,
particularmente, ficaram horrorizados quando
souberam que Herodes realmente havia permitido
que os pagãos erigissem estátuas a ele, em seu
reino. Lemos sobre certos homens, sucessores
legítimos dos antigos Maca-beus, que entraram em
santa aliança para impedi-lo, até mesmo sob risco
de morte, de perpetrar sua política de helenização.
Mesmo quando eram capturados e torturados
e condenados à morte, havia outros prontos a
tomar seus lugares.
Em seguida à morte de Herodes em 4 a.C,
irromperam tumultos na Galileia, que desse tempo
em diante ficou conhecida como berço do
nacionalismo judaico. Josefo nos diz que um certo
Judas, o Galileu, associado a Zadoque, fariseu,
rebelou-se contra Roma e fundou uma nova seita
em 6 d.C. Esse é presumivelmente o partido que
mais tarde veio a ser conhecido como Zelotes (em
grego) ou Cananeus (em aramaico) ou Sicaris (em
latim) e que passou a ser um espinho na carne dos
romanos por muitos anos. Com matança, a rebelião
na Galileia foi sufocada por Arquelau, filho de
Herodes (4 a.C. — 6 d.C.) que o sucedeu como
governador da Judeia, apenas para ser banido anos
mais tarde pelos romanos como resultado de uma
apelação contra ele por judeus e samaritanos. A
exceção de um curto período de três anos, nos
quais o neto de Herodes, Agripa I (41-44 d.C),
governou como rei da Judéia, o país foi dirigido por
uma sucessão de procuradores romanos (6 d.C.
-66). Durante todo esse período, o nacionalismo
judeu foi crescendo em intensidade e encontrou
uma expressão particularmente perigosa nas
atividades dos Zelotes, que consideravam o
governo estrangeiro dos romanos como uma
situação intolerável. Essas atividades eram
motivadas não apenas por propósitos políticos, mas
também por profundas convicções religiosas,
porque aparentemente os Zelotes consideravam a
si mesmos como a verdadeira linha sucessória dos
antigos Macabeus.
É interessante notar que pelo menos um dos
discípulos de Jesus pertenceu, ou havia pertencido,
a esse partido. Ele é chamado Simão, o Zelote
(Lucas 6.15, Atos 1.13) ou Simão, o Cananeu
(Mateus 10.4, Marcos 3.18). Tem sido discutido que
outros também podem ter pertencido, como Judas
Iscariotes (do latim sicarius, "assassino"?), Simão
Barjonas (do acadiano barjona "terrorista"?) e
Tiago e João, os "filhos do trovão" (Marcos 3.17).
Em pelo menos uma ocasião, pensa-se que Paulo
era um Zelote (Atos 21.38) e o próprio Jesus foi
associado aos líderes do movimento Zelote pelo
mestre Gamaliel (Atos 5.36,37). Jesus não era um
Zelote, mas, sem dúvida, alguns de seus con-
temporâneos judeus e dos romanos o
consideravam como tal.
Os Zelotes eram essencialmente homens
zelosos para com Deus — agentes de Sua ira
contra os caminhos idólatras dos pagãos. Eles
criam que eram chamados por Deus para se
engajarem em uma Guerra Santa contra o "poder
das trevas". Nesse particular, compartilharam as
crenças de muitos outros judeus patrióticos,
incluindo os Pactuantes de Qumran. De fato, a esse
respeito, à exceção dos colaboracionistas
saduceus, não há, às vezes, uma linha clara de
demarcação entre uma seita e outra.
_________________
32
Cf. O. Cullmann, The Slate in the New Testament (O Estado no
Novo Testa-mento), 1956, p. 15 ss.
Mesmo Josefo, que cuida em isolar os Zelotes
e imputar a eles a vergonha da Guerra dos Judeus,
em pelo menos uma ocasião, associa os Zelotes
aos Essênios, e, como temos visto, associa-os aos
fariseus em sua origem. Seu patriotismo era, sem
dúvida, mais obviamente expresso do que o dos
outros, e seu zelo por Deus os tornou bem
preparados para empunhar a espada como um
instrumento de salvação apontado por Deus, mas
como oDrWR. Farmer diz: "Quando as coisas
ficaram claras, toda a nação foi chamada a uma
luta de vida ou morte entre o povo de Deus e seus
inimigos. Todos os judeus patriotas, quer fariseus,
essênios ou zelotes, seriam chamados a dar todo o
seu empenho na Guerra Santa." O mesmo escritor-
observa que os Zelotes eram, sem dúvida,
considerados por muitos de seus compatriotas
como "extremamente zelosos" e "um tanto rápidos
no gatilho", em comparação com os outros partidos
do país. O que é certo é que eles contribuíram
muito para começar a guerra com Roma que
assolou de 66 a 70 d.C. e terminou com a
destruição de Jerusalém e de todo o Estado judeu.
Apenas mais uma vez, em 132 d.C, houve uma
tentativa de lutar pela independência do Judaísmo
em uma revolta liderada por Ben Kosebah,
comumente chamado de Bar Kochba, ajudado pelo
influente Rabino Akiba. Três anos mais tarde, a
rebelião foi esmagada e Jerusalém foi remodelada
como cidade pagã.
A batalha entre o judaísmo e o helenismo
havia terminado e por todas as aparências a
batalha fora perdida. Mas, assim como o helenismo
não se pôde resistir apenas
________________
33Ver p. 54 ss.
34Ver p. 37.
35Maccabees, Zealots and josephus (Macabeus, Zelotes e Josefo),
1956, p. 183.
pela força, assim também o judaísmo não
pôde ser extinto pelo poder das armas. O Estado
judeu caiu, mas o judaísmo prevaleceu, porque
quando a conquista foi negada e o acordo proibido,
ao contrário do cristianismo, que se expandiu para
o mundo helenístico para "pensar melhor, viver
melhor e morrer melhor" os pagãos, o judaísmo
escolheu para si o caminho da separação. Esse
passo significativo foi dado por Jonatas ben Zakkai
que, enquanto a batalha assolava a vida de
Jerusalém, pouco antes de sua queda, partiu para a
cidade de Jamina no litoral da Palestina e fundou
uma escola que iria marcar o início de uma nova
era para o povo judeu. Eles já não tinham
Jerusalém; eles já não tinham o Templo; mas lá em
Jamina eles tinham o estudo da sagrada Lei de
Deus, e isso para eles era mais do que a própria
vida. Por ela seus pais haviam lutado e morrido;
por ela seus filhos iriam viver.
2

O Povo do Livro
A luta entre o judaísmo e o helenismo
descrita no último capítulo não pode ser explicada
tendo como referência o desejo dos judeus, seja de
"liberdade política", seja de "liberdade religiosa".
De fato, havia luta até mesmo quando eles
desfrutavam de liberdade política; e a "liberdade
religiosa", no sentido dos direitos de cada homem
seguir os princípios de sua própria consciência, não
era tolerada pelos judeus. "Durante todo este
período", escreve o Dr. T. W Manson, "os judeus
estavam lutando, não por ideais modernos como
estes, mas pela sobrevivência de 'Israel', onde
'Israel' representa um todo orgânico complexo, que
inclui a fé monoteística, os cultos no Templo e nas
sinagogas, a lei e os costumes personificados na
Torah, as instituições políticas que haviam surgido
no período pós-exüio, a reivindicação de
propriedade da Terra Santa, e qualquer sonho do
que pudesse ter sido um mundo governado por
Israel para substituir o governo dos impérios gentí-
licos".36
A nova ordem das coisas contida nesses
ideais, pelos quais o judaísmo estava disposto a
lutar até a morte, já haviam encontrado expressão
perto do início do século III a.C. em algumas
palavras do Sumo Sacerdote Simão, o Justo. No
tratado judaico Pirke Aboth 1.2 está escrito: "Ele
dizia: sobre três coisas o mundo está
fundamentado: na Torah, e no Serviço (Templo), e
em praticar o bem". Essas três coisas representam
"revelação, adoração e simpatia, isto é, a palavra
de Deus para o homem, a resposta do
______________
36
T. W. Manson, The Servant-Messiah (O Servo Messias), 1956, p.
5.

homem para Deus, e o amor do homem para com


seu semelhante",37 e são ao mesmo tempo a lei da
vida e o fundamento da nação e do estado de
Israel. Nos dias anteriores aos Macabeus, o Templo
ainda era um bastião contra a onda do helenismo,
mas, como podemos ver, o ponto de levante das
forças do judaísmo tornou-se cada vez mais a
Torah eterna e sagrada.

1. A RELIGIÃO DA TORAH
O Dr. G. F. Moore define a palavra "Torah"
como "o termo amplo para a revelação divina,
escrita e oral baseados na qual os judeus possuíam
o padrão e a norma singulares de sua religião".38 A
palavra significa "instrução" ou "ensino" e indica a
revelação dada por Deus a Israel por meio de seu
servo Moisés. A palavra é freqüentemente
traduzida como "Lei", mas isso pode conduzir a um
equívoco, porque seu significado está mais próximo
de "revelação" do que de "legislação". Mas, uma
vez que essa "revelação" encontra expressão
escrita no Pentateuco, o nome 'Torah" é aplicado
comumente aos "cinco livros de Moisés". Como
vamos ver, o nome poderia ser aplicado não apenas ao
registro escrito dessa revelação, mas também à
tradição não escrita que buscava explicitar o ensino
implícito na Torah escrita.
Ao longo de todo o período de Antíoco IV (175-
163 a.C.) a Vespasiano (d.C. 69-79) e Tito (d.C. 79-81),
o nacionalismo judeu estava arraigado e fundamentado
na Torah. Nessa palavra estavam os germes da revolta
que iriam declarar morte ao helenismo e a tudo aquilo
que a cultura estrangeira estava introduzindo na nação
judaica. E assim, o Livro, o veículo e a
____________________
37
R, H. Charles, Apocr. And Pseud. (Apócrifos e Pseudônimos),
1913, p. 691.
38
]udaism (Judaísmo), vol. 2,1927, p. 263.

expressão da Torah, cada vez mais se tornou


o sinal e o símbolo da fé dos judeus.

A.. Do Templo à Torah


O espaço deste livro não permite contar a
história de Esdras que, de acordo com o Talmude39,
"fundou" a Torah muito depois de ela ter sido
esquecida e, apenas se pode fazer uma breve
menção aos soferins ou escribas que, de acordo
com a tradição, continuaram o trabalho de Esdras,
ensinando e interpretando a Torah para as
sucessivas gerações, reivindicando para ela uma
posição de autoridade suprema no judaísmo. O
ensino deles, baseado em exegese simples da
Torah, deu ensejo a novas tradições, para as quais
não havia nenhum precedente na antiga tradição
ou na própria Torah.*
O papel exercido pelo ensino oral dos
escribas foi muito significante no preparo das
pessoas para os anos atribulados que se seguiriam,
nos quais a influência da cultura helenística
começou a se fazer sentir muito profundamente.
Há razão para acreditar que os soferins
organizaram reuniões semanais não só em
Jerusalém, mas nas cidades e aldeias adjacentes,
nas quais liam a Torah publicamente e explicavam
seus ensinamentos. Seria um equívoco pensar
nessas reuniões em termos dos ofícios das
sinagogas, que surgiram posteriormente e se
espalharam rapidamente por toda a Jerusalém e
pelas regiões da Dispersão, mas sem dúvida, eles
prepararam o caminho para aqueles ofícios, e aos
soferins e seus sucessores é atribuído muito do
crédito pelo desenvolvimento dessa instituição vital
para o judaísmo.
_________________
39Ver p. 68, n. 3.
40Ver também p. 64 ss.
Na ocasião da morte de Simão, o Justo, cerca
de 270 a.C, a influência dos soferins declinou, mas
há evidência de que após essa data um conjunto
de homens, principalmente leigos, continuou a
aplicar-se reservadamente ao estudo da Torah.
Esse período de ensino não autorizado continuou
até cerca de 196 a.C, quando provavelmente foi
encerrado pela organização que mais tarde viria a
ser conhecida como Sinédrio, um tribunal
composto de membros sacerdotes e leigos que se
dedicava à regulamentação das questões
religiosas.
Assim, muito tempo antes da Revolta dos
Macabeus, as pessoas comuns haviam sido
instruídas na fé e haviam aprendido a aplicar a
religião à vida cotidiana na nova situação e
condições que se formavam na Palestina. A Torah
passou a ser o centro da atenção, ocupando um
lugar cada vez mais significativo na vida
devocional de muitos que, por causa das
dificuldades daqueles tempos ou por causa da
dispersão, longe de Jerusalém, não podiam
oferecer sacrifícios no Templo Sagrado.
Em algum momento, então, entre a conclusão
da Torah em cerca da metade do século IV a.C. e a
Revolta dos Macabeus em 167 a.C, ocorreu uma
transferência sutil de ênfase, do Templo para a
Torah, o que ainda seria de grande importância
para a sobrevivência do judaísmo. Mas foi na era
dos macabeus que essa mudança foi mais notável,
porque nessa época a Torah havia se tornado o
símbolo visível da fé judaica. O triunfo da Revolta
dos Macabeus e o desenvolvimento das sinagogas
e das escolas, tanto em Jerusalém como na
Dispersão, aumentou ainda mais a reputação da
Torah. A Torah da Sinagoga não estava, em
nenhum sentido, em oposição ao ritual do Templo,
mas nutriu uma religião pessoal profunda — algo
que os ritos do Templo não eram capazes de fazer.
E assim, chegou um momento em que o registro
escrito pôde tomar o lugar dos atos litúrgicos nos
afetos do povo. Isso explica por que, apesar da
destruição do Templo em 70 d.C, o Judaísmo
conseguiu sobreviver. O ritual do Templo havia sido
substituído pela reverência para com a Torah; o
sacerdote havia sido substituído pelo rabino; o
Templo fora suplementado pela sinagoga. Depois
disso, o judaísmo passou a ser, essencialmente, a
religião do livro.

B. O Ponto de Levante da Revolta


A centralidade da Torah para o movimento do
nacionalismo judeu pode ser amplamente ilustrada,
tanto no período dos Selêucidas como no dos
romanos: em cada um ela tornou-se o ponto de
levante da revolta. Por exemplo, quando Matadas,
no tempo de Antíoco TV, desafiou o poder dos
sírios em Modein, ele clamou em alta voz ao povo:
"Quem for fiel à lei e permanecer firme na Aliança,
saia e siga-me" (I Macabeus 2.27). Realmente é
muito significativo que, apesar de o Templo ter sido
profanado apenas pouco tempo antes (I Macabeus
1.54), não foi em defesa do Templo, mas da Torah,
que as pessoas foram conclamadas. Um apelo ao
Templo teria reunido uma parte do povo; mas um
apelo à Torah tinha mais chance de reunir todo o
povo; e, mesmo que nem todos respondessem,
todos estavam envolvidos, porque toda a nação
reverenciava a Torah como revelação e vontade
declarada de Deus. "Do primeiro ao último",
escreve o Dr Travers Herford, "a batalha era entre
o helenismo de um lado e a Torah do outro; e o
resultado final é que o helenismo foi derrotado e a
Torah se manteve suprema, reconhecida por quase
todos e jamais abertamente desafiada por
alguém".41
Os inimigos dos judeus foram rápidos em
reconhecer a confiança que devotavam à Torah e o
entusiasmo com que se levantavam em sua
defesa. E assim a Torah escrita tornou-se o foco do
ataque contra o judaísmo. Concernente à
perseguição de Antíoco IV, lemos: "Rasgavam e
queimavam todos os livros da lei que achavam; em
toda a parte, a todo aquele, em poder do qual se
achava um livro do Testamento, ou todo aquele
que mostrasse gosto pela lei, morreria por ordem
do rei." (I Macabeus 1.56, 57). Atacar a Torah
significava atacar o próprio judaísmo; defender a
Torah era defender a fé de seus pais.
A Revolta dos Macabeus começou, continuou
e terminou, então, em uma convocação para se
levantar em defesa da Torah que era, para os
judeus, a própria incorporação da religião deles. O
desafio do helenismo não era simplesmente uma
questão de política ou estética ou moral ou cultura;
era um golpe desferido contra as próprias raízes da
fé judaica, que era fundamentada na Torah
sagrada, e a ele se deveria resistir com todas as
forças.
Mas, como já temos visto, a Revolta dos
Macabeus, embora alcançasse uma grande vitória,
não resolveu a questão "judaísmo versus
helenismo" de uma vez por todas. A nação judaica
ainda estava rodeada pela cultura helenística e
devia, de alguma forma, estabelecer suas relações
com seu ambiente. Durante o tempo dos
Hasmoneus, em particular o desenvolvimento das
sinagogas e das escolas, em ambas as quais o
ensino era ministrado com base na Torah sagrada,
ajudou grandemente a impedir a infiltração do
helenismo na vida da nação.
__________________
41
Talmud and Apocrypha (Talmude e Apócrifos), 1933, p. 80.

Mas com o advento de Roma, influências


helenistas começaram a se firmar novamente de
formas mais declaradas e tiveram que ser
rechaçadas. A batalha teve que ser enfrentada por
toda parte novamente, e mais uma vez a Torah foi
o ponto de encontro da revolta. Josefo, por
exemplo, escrevendo sobre os judeus que se
opunham à .política helenizante de Herodes, fala
dessa "constância destemida que eles
demonstravam na defesa de suas leis" (Ant.,
15.8.4, seção 291). Essas palavras podem ser
consideradas como uma verdadeira descrição da
atitude dos judeus para com os romanos durante
esse período e até a queda de Jerusalém em 70
d.C.
Repetidas vezes Josefo declarou que eles não
somente estavam dispostos a lutar e a matar pela
Torah, mas também a sofrer e a morrer por sua
causa.
Tanto no caso dos Selêucidas como no caso
dos romanos, os inimigos dos judeus foram rápidos
em identificar o centro da lealdade deles, e então
ataques e mais ataques eram lançados contra a
Torah. E muito significativo que entre os troféus do
Templo, que Tito levou consigo em uma procissão
triunfal em Roma, havia uma cópia da Torah
judaica, e que atrás da procissão eram carregadas
imagens de Nikè, a deusa grega da vitória. A Torah
é considerada aqui como o símbolo supremo do
Judaísmo sobre a qual as forças do Helenismo
üuminado, como se acreditava, havia prevalecido.

C. A Santa Aliança
Esse zelo que os judeus demonstravam pela
Torah ao longo de todo o período helenístico era,
contudo, não simplesmente zelo por um Livro, mas
pela Aliança sobre a qual o Livro testemunhava,
uma Aliança feita por Deus na qual ele havia
separado a nação judaica para ser seu povo
particular. Menosprezar a Torah era trair a Aliança
que Deus havia feito com seus pais. Isso ajuda a
explicar a lealdade fanática que muitos judeus
demonstravam para com os ritos de sua fé ao
longo daqueles dias difíceis.
A circuncisão, por exemplo, era um sinal
visível de que um homem era um membro da
Aliança (I Macabeus 1.48, etc), e assim, sujeitar-se
à "incircuncisão" era negar completamente a
Aliança (I Macabeus 1.15). Comer carne de porco
era fazer o que a Torah proibia, e assim a isso se
devia resistir sob a penalidade de morte (cf. I
Macabeus 1.62,63; II Macabeus 6.18, 7.1 para ver
histórias de bravo heroísmo). O Sábado sagrado
era, igualmente, uma marca da Aliança que o
Helenismo procurou profanar (ITMac 6.6); os judeus
observavam isso tão rigorosamente, que muitos
deles preferiam a morte a levantar os braços,
mesmo para se defender, no dia do Sábado (II
Macabeus 6.11; I Macabeus 2.29-38). A Torah era
inflexível em sua proibição de idolatria de qualquer
tipo ou forma; daí o ódio amargo dos judeus por
qualquer coisa que lembrasse o culto ao
Imperador; daí também sua violenta oposição
àquelas construções em estilo grego, decoradas
com figuras idólatras de arrimais e homens; até
mesmo os troféus que adornavam os teatros eram
olhados por muitos como imagens, e então, eram
anátema para os judeus, que adoravam um "Deus
ciumento" que não toleraria nenhum rival ao seu
trono.
O lugar que a Torah ocupava e ainda ocupa,
na vida do Judaísmo, é bem resumido nestas
palavras do Dr. H. Wheeler Robinson: "A Lei era a
escritura do Judaísmo, a fonte verdadeira de sua
força durante muitos séculos. As instituições que a
lei prescrevia, em grande medida, acabaram em 70
d.C; mas a Lei mostrou seu poder pela criação de
um novo judaísmo, capaz de resistir sem terra,
cidade ou templo. Através da leitura da Lei,
suplementada pelos escritos dos profetas, nas
sinagogas espalhadas da Dispersão, o
conhecimento de um Deus santo e de sua Aliança
com Israel foi mantido vivo nos corações de
todos".42

2. A TORAH E AS SEITAS
O Judaísmo do período de que estamos
tratando, era um sistema mais complexo, contendo
dentro de si mesmo muitos partidos, grupos e
seitas diferentes, cujos nomes e crenças distintas
nem sempre ficaram registrados na história. Josefo
declara que "os judeus tiveram, por um grande
período de tempo, três seitas de filosofia" (uma
expressão mais enganosa) - os Fariseus, os
Saduceus e os Essênios, aos quais ele acrescenta o
partido fundado por Judas e Zadoque, mais tarde
chamado de "Zelotes" (cf. Ant. 18.1.1-6, seção 9-
23). Indubitavelmente esses partidos foram muito
influentes dentro do Judaísmo durante esse
período, mas para manter a questão na devida
proporção, temos que nos lembrar de que eles
eram uma minoria muito pequena na Palestina.
Calcula-se que Fariseus, Saduceus e Essênios
juntos somariam apenas trinta mil - trinta e cinco
mil de um total de quinhentos mil -seiscentos mil
no tempo de Jesus. Os Fariseus somariam
aproximadamente cinco por cento da população
total e os Saduceus e os Essênios juntos,
aproximadamente dois por cento.43
Alguns dos muitos grupos no Judaísmo tinham
mais afinidades com essas três seitas principais do
que com outras, mas é uma exagerada
simplificação do caso supor que, quando essas
seitas foram denominadas, as únicas restantes
eram as assim chamadas "Am ha-aretz” ou "povo
da terra".
_______________
42
Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do Antigo
Testamento), 1913, p. 128.

A descoberta da literatura dos Pactuantes do


Qumran, próximo da costa do Mar Morto, ajudou a
esclarecer melhor essa situação. Têm sido feitas
tentativas de identificar essa comunidade com uma
ou outra das principais seitas e, o que é bem
possível, a Seita de Qumran poderia muito bem
representar um grupo influente dentro da nação
em muitos aspectos diferentes daqueles partidos
cujos nomes nos são familiares. Para citar as
palavras de R. H. Pfeiffer: "O Judaísmo no período
em que está sendo considerado era tão vivo, tão
progressivo, tão agitado por controvérsias, que sob
seu espaçoso telhado as visões mais contrastantes
puderam ser mantidas".44
Contudo, todos esses grupos ou seitas,
aparentemente, têm uma coisa em comum: todos
eles prestavam submissão à Torah. E
completamente errôneo destacar, digamos, os
fariseus e denominá-los "o partido da Torah" ou
atribuir a eles os escritos vagos desse período que
exaltam "a Lei de Deus". A Torah era o grande
fundamento do Judaísmo e o alicerce de sua
nacionalidade. Porém, não se deve dizer que todos
os partidos concordavam com o significado da
Torah ou com sua interpretação. De fato, havia
opiniões muito divergentes sobre esse assunto, de
forma que, considerando que a lealdade deles à
Torah era um laço de união, sua concepção dela
era uma causa constante de divisão entre eles.

A. Os Fariseus
De acordo com Josefo {Ant., 13.5.9, seção
171-3), os fariseus já existiam no tempo de Jonatas
(160-143 a.C), mas em outro lugar (Ant., 13.10.5-7,
seção 288-99) ele afirma que eles são
mencionados pela primeira vez na história em
conflito com João Hircano45 (134-104 a.C).
_____________________________

1Cf. T. W Manson, op. cit, p. 11


2
Op. cit, p. 53.
Eles exerceram uma grande influência por um
período de cerca de três séculos e fizeram mais do
que qualquer outro partido para determinar a
forma de Judaísmo nos anos seguintes. Sua
ascendência espiritual pode ser traçada até os
Hasidim que, ao apoiarem os Macabeus, haviam
dado sanção religiosa à proposta de liberdade
destes. Eles não constituíam um partido político,
mas essencialmente uma seita religiosa, originados
em grande parte da classe média da sociedade,
que gradativamente passou a ocupar uma forte
posição religiosa e social na comunidade.
Várias explicações têm sido cogitadas para o
nome fariseu, tais como, "expositor" (das
escrituras, no interesse da lei oral) ou "separatista"
(das coisas impuras ou no sentido de "expelido",
isto é, do Sinédrio). O Dr. T. W Manson afirma46 que
a palavra significa "persa" e era aplicada a eles por
seus oponentes que, nesse sentido, chamava-os de
inovadores em teologia. Mais tarde, o nome passou
a ser considerado como "uma construção
etimológica" e era associado à raiz hebraica que
significa "separar" sendo entendida como
"separatista". É certamente verdade que, embora
os fariseus fossem firmes defensores da "tradição",
para eles ela não era coisa morta e, sem dúvida em
algumas de suas doutrinas (como por exemplo, o
reino messiânico, a vida eterna, a crença na
multiplicidade de demônios e anjos, etc), eles
foram influenciados pelo pensamento persa.
Ao longo de todo esse período, porém, eles se
levantaram como um bastião contra a invasão do
helenismo, demonstrando serem os defensores
valentes da religião da Torah. Mas era justamente
a interpretação que
_______________
45
Ou Janaeus no Talmude.
eles faziam da Torah que os distinguiam da
maioria de seus oponentes, os saduceus. Os
fariseus criam que a lei oral devia ser considerada
como de igual autoridade que a Torah escrita (cf.
Ant, 13.10.6, seção 297), ao passo que os
saduceus consideravam a autoridade sagrada da
Torah escrita como completamente acima e
separada das novas tradições e observâncias.47
Ao ensinar e interpretar a Torah, escrita e
oraL e ao aplicá-la à vida do dia a dia, eles
"democratizaram a religião", tornando-a pessoal e
operativa na experiência das pessoas comuns. O
principal instrumento para propagação da Torah
era a sinagoga que se tornou uma instituição mais
poderosa dentro de Judaísmo, não apenas em
Jerusalém mas também por todas as regiões da
Dispersão. A leitura da Torah acompanhada de
uma tradução interpretativa no vernáculo tornou-
se uma característica distintiva dos ofícios das
sinagogas.
Nestes, os escribas, muitos dos quais eram
membros do partido dos fariseus, tinham um papel
importante a desempenhar. Os Evangelhos
oferecem alguma indicação da posição que as
sinagogas passaram a ocupar como fortalezas da
religião da Torah mesmo antes do tempo de Jesus.
Mas está claro, pelos registros, que o
farisaísmo era, no fundo, de caráter legalista, e que
o legalismo pode facilmente conduzir ao
formalismo, e o formalismo ao externalismo e à
irrealidade, defeitos que se revelaram no decurso
do tempo em pelo menos algumas fases do
farisaísmo.48 Mas, apesar disso, os fariseus criaram
um espírito de verdadeira piedade e devoção que
afetou profundamente as vidas das pessoas, e
desenvolveram um
________________
46
Op. cit. pp 19 s.
47
Ver capítulo 3.
individualismo religioso que deu uma nova
relevância à Torah de Deus.

B. Os Saduceus
Se os fariseus, como um todo, pertenciam à
classe média, os saduceus eram representados
pela rica aristocracia e particularmente pelo
poderoso sacerdócio em Jerusalém. Provavelmente
a maioria dos saduceus era de sacerdotes, mas
eles não devem ser identificados com todo o corpo
do sacerdócio. Eles contavam em suas fileiras com
comerciantes ricos, funcionários do governo e
outros. Em sua origem, então, eles não eram um
partido religioso, embora fosse nisso que eles
pretendessem tornar-se; em vez disso eles eram
um grupo de pessoas compartilhando uma posição
social comum e unidos informalmente apenas por
uma determinação comum de manter o regime
existente. Na verdade, o Dr T. W Manson afirma
que o nome se origina na palavra grega syndikoi,
que na história ateniense significa aqueles que
defendem as leis existentes contra a inovação.49
Além disso, em assuntos religiosos eles adotaram a
posição de um grupo distintamente conservador. O
Sumo Sacerdote e seu círculo eram membros do
partido dos saduceus quase até 70 d.C, embora
alguns anos antes os fariseus, e mais tarde os
zelotes, tivessem obtido controle do Templo. Sua
influência havia sido determinada por sua posição
no estado, e quando essa posição foi perdida, a
influência deles cessou.
Como os fariseus, eles acreditavam na
supremacia da Torah, mas ao contrário daqueles,
os saduceus se recusavam a reconhecer a
autoridade vinculante da lei oral. Eles tinham, é
verdade, tradições e costumes de seus
_________________
48Cf. Mateus 9.14; 15.10-20; 16.6; 23passim [N.T.: do latim aqui e
acolá]; Marcos 12.38-40; Lucas 11.37-54; 16.14 ss; 18.10 ss; 20.46 s. etc.
próprios rituais e leis, mas como a origem desses
não datava de Moisés, não eram considerados no
mesmo nível que a Torah. Além disso, eles
acreditavam que principalmente no Templo é que
as palavras da Torah podiam ser obedecidas, e que
as ordenanças provenientes dos sacerdotes,
investidos em sua própria autoridade, eram um
guia suficiente para as pessoas cumprirem. Com
efeito, ainda apoiando a autoridade da Torah
escrita contra a autoridade da tradição oraL os
saduceus consideravam-na pouco mais que uma
relíquia do passado.
Se para os fariseus a Torah era o centro de
sua fé, para os saduceus era a circunferência
dentro da qual podiam ser nutridas convicções e
práticas estranhas ao judaísmo. Daí a habilidade
deles para inserir dentro de seu sistema muitas
influências helenísticas que eram odiosas a seus
companheiros judeus.

C. OsEssênios
O nome Essênio provavelmente deriva de
uma palavra aramaica que significa "santo" ou
"piedoso" e corresponde ao hebraico hasid.
Relativamente pouco se sabe sobre os essênios,
mas o historiador romano Plínio fala sobre um povo
com esse nome que formava uma comunidade
asceta firmemente unida, que vivia perto da costa
ocidental do Mar Morto. Josefo e Philo oferecem
informações adicionais de que havia cerca de
quatro mil essênios que, em sua maior parte, vivia
em aldeias, embora alguns deles vivessem em
cidades. Esses últimos eram, sem dúvida,
considerados por seus irmãos como membros
associados da comunidade que vivia em regiões
desérticas, sob uma disciplina mais rígida. O nome
essênio
_________________
49
Op cit., pp. 15 s.
provavelmente abrange vários grupos cujas
convicções e práticas, embora talvez não fossem
idênticas, ainda eram semelhantes.
O que é significante para o nosso propósito é
o fato registrado de que os essênios dedicavam
muito tempo ao estudo e interpretação da Torah e
de outros livros sagrados, com os quais eles
tomavam o maior cuidado possível. Josefo nos fala
que eles estudavam intensivamente as Escrituras e
indica que certo número deles era capaz de
predizer o futuro através da leitura dos livros
sagrados. Philo se refere ao método deles de
estudo em grupo e afirma que um membro do
grupo lia uma passagem em voz alta para os outros
e um irmão mais experiente, então, ia explicando o
significado. E óbvio que a Torah escrita e seu
estudo formavam a base da vida comum deles e
era a inspiração de seu movimento. Em sua
perspectiva religiosa, eles tinham muito em comum
com os fariseus, mas em alguns aspectos, pelo
menos, pareciam ser bem mais rígidos do que
aqueles na interpretação da Torah.

D. Os Zelotes
Já observamos anteriormente que Josefo
traçou a origem dos zelotes até o ano 6 d.C; mas
na realidade suas raízes vão muito além do período
pré-romano, porque eles podem, justificavelmente,
ser considerados como verdadeiros filhos
espirituais dos macabeus. O Dr. R. H. Pfeiffer
coloca a situação resumidamente nestas palavras:
"Como os fariseus são os herdeiros dos Hasidim,
assim os zelotes são os herdeiros dos Macabeus".50
Eles são descritos por Josefo como bandidos,
ladrões e coisa semelhante, mas bem podem
igualmente ser descritos como patriotas, de acordo
com o ponto de vista do escritor; e Josefo era um
tanto parcial! Entretanto, é errôneo considerá-los
simplesmente como um grupo político radical
dentro do estado, que provocava conflitos com os
romanos. Sem dúvida, os zelotes atraíram para si
muitos do populacho de seus dias com tendência a
"gangsters", mas eles eram essencialmente uma
companhia de patriotas judeus motivados por
profundas convicções religiosas. E interessante
notar que Josefo descreve os sucessivos líderes do
movimento dos zelotes pela palavra "sofista", que
bem pode indicar que dentro do partido havia um
programa planejado de ensino que ia além do
interesse meramente político que Josefo insinua.
Na verdade, sabemos que a oposição dos
essênios a Roma estava arraigada em seu zelo
para com a Torah. Foi esse zelo e não
simplesmente o "amor ao país" que gerou seu
patriotismo e fanatismo, o que fez que passassem
a ser temidos tanto pelos amigos como pelos
inimigos. Josefo continua dizendo (Ant., 18.1.6,
seção 23) que eles tinham "uma fixação inviolável
pela liberdade"; eles se recusavam a chamar
qualquer homem de "senhor" ou pagar tributo a
qualquer rei, pois Deus era seu único Rei e Senhor;
desprezavam a dor e davam pouca importância à
morte; nem sequer o sofrimento de parentes e
amigos os demovia de seu propósito. Por trás de
tudo isso estava sua devoção apaixonada pela
Torah, pela qual eles estavam dispostos não
apenas a lutar, mas quando chamados, até mesmo
a sacrificar suas vidas.

________________
50
Op. cit. , pp. 36.
E. Os Pactuantes de Qumran
Já fizemos menção dos Hasidim que, no
tempo de João Hircano (134-104 a.C), apareceram
como partido dos fariseus. Porém, nem todo
Hasidim se identificou com esse partido. Parece
haver razão para acreditar que, durante o curso do
segundo século a.C, um grupo de pessoas da
verdadeira tradição hasídica decidiu se retirar para
o deserto da Judeia sob a liderança de quem eles
chamavam o "Mestre da Justiça". Este formou seus
seguidores em uma comunidade religiosa bem
organizada, ensinou-lhes uma nova interpretação
das Escrituras e uniu-os em uma "nova aliança"
que os levou à obediência à lei de Deus até o
surgimento da era messiânica. A descoberta em
1947 desse quartel general dos Pactuantes, em
Qumran, perto da costa do Mar Morto, e de um
vasto número de escritos de suas bibliotecas,
muito acrescentou à nossa compreensão sobre o
estado das coisas na Palestina durante o período
interbíblico.
Desde então, a opinião sobre a descoberta
desses "rolos do Mar Morto" tem estado dividida
como também em relação à identidade da
comunidade de Qumran. Alguns estudiosos têm
argumentado a favor de uma data pré-macabeus, e
outros por uma identificação com os zelotes no
primeiro século d.C. Talvez os argumentos mais
fortes, entretanto, possam ser apresentados ao
associá-los, se não identificá-los, com um ramo dos
essênios da época de Alexander Janaeus (102
a.C.)*ou um pouco antes. Nesse mesmo período há
evidências de uma grande comunidade de essênios
e uma comunidade igualmente grande de
Pactuantes, ambas vivendo ao redor do Vádi
Qumran (NT.: vádi: denominação árabe dos rios
intermitentes do norte da África e do Oriente
próximo; denominação do leito desses rios —
Dicionário Webster.), e a indicação é de que eles
provavelmente formavam uma única comunidade.
Essa convicção é fortalecida por uma comparação
dos costumes, ritos e crenças dessas duas seitas
que indica que eles pertenciam ao mesmo tipo
geral.
É um fato de particular interesse que ambas
as seitas tenham dedicado muito tempo ao estudo
e interpretação da Torah e de outros livros
sagrados. Entre os Pactuantes, sempre que os
membros efetivos do Conselho se reuniam em
grupos de dez, como era costume, os assuntos
eram ordenados de modo que algum membro do
grupo sempre se ocupava do estudo ou exposição.
Os membros ordinários da comunidade deviam
dedicar a primeira terça parte de todas as noites à
leitura do livro', estudando a lei e respondendo
com as bênçãos apropriadas. Como os essênios, os
pactuantes tinham muito em comum com os
fariseus, mas eram mais rígidos do que eles na
interpretação da Torah, como, por exemplo, na
observância do dia do Sábado. Eles acreditavam
que sua fidelidade como remanescente
representativo de Israel, causaria uma expiação
vicária para sua nação e ajudaria a anunciar a nova
era de que os profetas haviam falado. Essa
fidelidade encontrou sua expressão no estudo
meticuloso e na prática da lei, e foi com esse
propósito que eles foram os primeiros a se
retirarem para o deserto da Judéia.
O líder dessa comunidade, o Mestre da
Justiça, ensinou a seus seguidores uma nova
interpretação das Escrituras que tornou clara a
parte que eles deveriam desempenhar no
cumprimento do propósito de Deus para sua
geração. De particular significado eram os escritos
dos profetas que, como se acreditava, não
escreviam simplesmente sobre seus próprios dias,
mas sobre os tempos do fim. Na profecia de
Habacuque, os pactuantes viam uma predição dos
dias que eles mesmos estavam então vivendo. O
fim estava próximo. O "mistério" (hebraico: raz cf.
Dn 2.18, etc.) que foi transmitido por Deus a
Habacuque, mas cujo significado foi dele
escondido, recebeu sua interpretação (hebraico:
pesher) pelo Mestre da Justiça, que demonstrou
que a antiga profecia fora escrita com referência,
não ao passado, mas às pessoas e aos
acontecimentos de seus próprios dias. O Dr. F. F.
Bruce mostrou51 que esse mesmo método de
interpretação é, em muitos aspectos, semelhante
ao adotado pelos cristãos primitivos e que várias
passagens no Novo Testamento podem facilmente
ser traduzidas para a língua-pescher em que a
interpretação da profecia é dada em termos dos
próprios dias do escritor ou em termos do fim dos
tempos.52
Entre os escritos encontrados no Qumran há
um chamado "A Guerra dos Filhos da Luz contra os
Filhos das Trevas" onde são descritos planos para a
execução de uma Guerra Santa que conduziria ao
tempo do fim. Parece certo que, na ocasião da
guerra com Roma (66 d.C), segundo o espírito
desse livro, os Pactuantes foram prontamente
favoráveis aos zelotes e, como resultado, suas
instalações em Qumran foram destruídas, como as
evidências arqueológicas indicam, em 68 d.C. E se,
como parece provável, eles devem ser
identificados como um ramo dos essênios, isso
explicaria o relato de Josefo, segundo o qual
naquela época muitos dos essênios foram
cruelmente torturados.
As seitas do judaísmo diferiam umas das outras
em muitos aspectos; contudo, à exceção dos
saduceus, elas eram unidas por uma única coisa em
sua luta contra o inimigo comum; não era a devoção
pelo partido nem mesmo pela pátria, mas pela Torah
sagrada e pela santa Aliança do Senhor seu Deus.
_________________
51
New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), vol. 2, n°
3, pp. 176 ss, artigo sobre 'Qumran and Early Christianity' ('Qumran e o
Cristianismo Primitivo').
52
Ele ilustra isso ao associar Habacuque 1.5 com Atos 13.66 ss
como interpretação; Habacuque 2.3 s com Hebreus 10.37 s, Romanos 1.17
e Gálatas 3.11; Amós 5.25 ss com Atos 7.42 s; Salmos 95.10 com Hebreus
3.9 s.

3
Os Escritos Sagrados
Não há limite para fazer livros, e o muito
estudar é enfado da carne" (Ec 12.12). Essas
palavras, sem dúvida, têm uma qualidade
atemporal, mas provavelmente o escritor tinha em
mente os livros de origem grega escritos no início
do segundo século a.C. ou um pouco mais tarde, e
que refletiam a cultura helenística prevalecente
naquela época. Esses escritos não estão
diretamente ligados ao nosso contexto, mas sua
citação nos ajuda a lembrar que na própria
Palestina, do primeiro quarto do segundo século
a.C. ao primeiro século d.C, havia também muitos
escritos judaicos, de diversos tipos que tiveram
uma influência duradoura, se não sobre o Judaísmo
em si, então sobre o cristianismo, que reivindicava
ser o "novo Israel" de Deus.
Tem sido prática comum classificar a
literatura dos judeus desse período como canónica,
rabínica, apócrifa e pseu-depígrafa. Contudo, como
G. F. Moore indicou,53 tal classificação era bem
desconhecida para os judeus daquela época e é, na
verdade, muito enganosa. Melhor classificação, ele
sugere, seria de livros canónicos, "normativos" e
"irrelevantes" (ou "excluídos"). Por "canónico"
entenda-se o conjunto das Sagradas Escrituras
reconhecido como autorizado; "Normativo"
significa a literatura, ou mais corretamente a
tradição oral que posteriormente encontrou
expressão na literatura do judaísmo rabínico; e
"irrelevante" significa escritos não-canônicos, aos
quais os rabinos davam o nome de "livros
excluídos".
_____________
53
Op. dt., vol. I, pp. 125 ss.

I. As SAGRADAS ESCRITURAS

A. O Canon Hebraico
De acordo com os costumes judaicos, as
Escrituras Hebraicas são divididas em três grupos
conhecidos como Torah (Lei), Nebi'im (Profetas -
Anteriores e Posteriores) e Kethubim (Hagiógrafo
ou Escritos). Consistem em vinte e quatro livros
que, por divisão diferente, aparecem na Versão
Autorizada como trinta e nove. Desses livros,
considerados inspirados e sagrados e que
possuíam a autoridade "canónica", os judeus
diziam que "tornam as mãos sujas" — frase cuja
origem está perdida na obscuridade, mas que
"pretendia provavelmente prevenir descuidos e
manuseio irreverente dos livros sagrados,
particularmente pelos sacerdotes". Nem todos os
54
livros das Escrituras Sagradas eram considerados
de igual autoridade, como também, nem, de fato,
constavam nas três seções em que as Escrituras
estavam divididas. Eles eram classificados em três
níveis, por assim dizer; o primeiro lugar
representando a Torah, em seguida, os Profetas e o
último, os Escritos.
Desde o tempo de Esdras em diante, o
judaísmo que gradualmente se desenvolveu
atribuiu a maior importância possível à revelação
da Thorah dada por Deus a Moisés no Sinai, e
considerou a história subseqüente como de menor
importância; dessa maneira a Thorah recebeu um
lugar de suprema autoridade escriturística dentro
da igreja judaica. Parece provável que em cerca de
400-350 a.C, a Torah ou o Pentateuco, como nós o
temos agora, foi concluído; mas é mais difícil
apurar a que ponto ele foi considerado como tendo
obtido autoridade canónica.
________________
54
G. F. Moore, ibid., vol. III, p. 66.

O cerne da idéia talvez só possa ser


encontrado em data mais remota, em 621 a.C,
quando a leitura do Livro da Lei perante o rei Josias
(provavelmente os trechos principais do livro de
Deuteronômio), causou grande impressão no povo,
e novamente em 397 a.C, quando o Livro da Lei de
Esdras foi lido com efeito semelhante. Não resta
dúvida de que em cerca de 350-300 a.C. o
Pentateuco como uma unidade era venerado pelo
povo. Mas foi provavelmente durante o período de
300-200 a.C, quando, como já temos visto, ocorreu
uma troca gradual de ênfase do Templo para a
Torah, que esse conjunto das Escrituras passou a
ter cada vez mais o que nós chamamos de
autoridade canónica. O livro de Tobias (cerca de
200 a.C.) mostra grande respeito para com a
Torah, e Ben Sira (Eclesiástico) escrevendo em 180
a.C, fala sobre a Torah como o supremo dom de
Deus e equipara-a à Sabedoria (24.23), indicando
que nessa época, de alguma forma, ela era
considerada por Ben Sira como verdadeiramente
canónica. Assim, por volta do ano 200 a.C, ou
algum tempo antes, a religião da Torah estava
solidamente fundamentada. A luz desse fato pode-
mos compreender bem a importância atribuída aos
rolos do Templo, no Primeiro Livro de Macabeus,
onde a implicação é que a Torah deve ser
defendida, mesmo que o Templo seja destruído (cf.
1.56 s; 2.26 s,48).
Mais adiante, valiosas informações são dadas
por Ben Sira com respeito à formação da segunda
divisão do Cânon, conhecida como "Profetas". Nos
capítulos 44 e seguintes, ele apresenta uma lista
de homens famosos mencionados nas Escrituras,
cujos nomes são organizados de tal maneira e com
tantos detalhes, que nos leva à conclusão de que a
maior parte do Antigo Testamento, como nós o
temos agora, era conhecida por ele naquele tempo.
Ele deixa claro que conhecia pelo menos "a Lei" e
"os Profetas" e, de fato, se refere aos "Doze
Profetas" como uma coleção definida. Um fator que
pode ter facilitado a conclusão dessa divisão dos
"Profetas", foi a crença então prevalecente de que
desde o tempo de Esdras a atividade profética e a
inspiração profética haviam cessado (cf. I
Macabeus 4.46; 9.27; 14.41 e Salmos de Macabeus
74.9). Por volta de 250-200 a.C, então, nós
podemos dizer que a divisão dos "Profetas" estava
concluída. Isso explica por que um livro como
Daniel não é encontrado entre os "Profetas"
mas entre os "Escritos", pois Daniel não havia sido
escrito até o ano 165 a.C.
Um marco divisório claramente definido ao
traçar a idéia do Cânon é fornecido no Prólogo a
Ben Sira que foi composto pelo neto desse escritor
aproximadamente em 132 a.C. Ele fala sobre a lei e
os profetas, e outros que seguiram depois deles, e
da "própria lei, e das profecias, e do restante dos
livros". Tais declarações mostram que nessa época
outros livros eram considerados como de valor
religioso especial e poderiam ser classificados à
parte; elas indicam que a divisão tríplice das
Escrituras já existia, mas que a terceira seção
estava ainda fluida e não tinha ainda adquirido um
nome distinto. Essa mesma conclusão é indicada
pela evidência de Lucas 24.44, que se refere ao
que está escrito "na Lei de Moisés, nos Profetas e
nos Salmos", onde novamente a última seção é
deixada indeterminada. O autor de II Esdras (cerca
de 90 d.C.) indica que naquela época havia
provavelmente vinte e quatro livros nas Escrituras
hebraicas (cf. 14.44 ss) e essa é também uma
conclusão justificável da evidência do Novo
Testamento e de Josephus que, provavelmente por
um agrupamento diferente, dá o número como
vinte e dois. Nenhuma dessas fontes, entretanto,
dá o nome técnico para a terceira seção das
Escrituras. A primeira referência às três seções
juntas por seus nomes hebraicos é dada pelo
Rabino Gamaliel, o mesmo Gamaliel mencionado
em Atos 5. Nós podemos chegar à conclusão de
que antes dos tempos do Novo Testamento, pelo
menos, o Cânon das Escrituras estava virtualmente
concluído.
Contudo, por muito tempo ainda a
controvérsia a respeito do número de livros
continuou. Em particular,' houve dissensão entre a
famosa Escola de Hülel e Shammai sobre a posição
do Cântico dos Cânticos de Eclesiastes.55 Uma
decisão do Concilio de Jamnia (cerca de 90 d.C)
aceitou o dois livros como canónicos, apoiando,
assim, a Escola de Hillel. As Escrituras Hebraicas
eram então limitadas aos vinte e quatro livros
(cinco no Pentateuco, oito nos Profetas e onze nos
Escritos) que correspondem aos trinta e nove livros
da Versão Autorizada. Mas as opiniões continuaram
divididas e a questão do Cânon era ainda um ponto
de debate no segundo e terceiros séculos d.C. Não
há, então, data definida, de quando foi concluída a
coleção dos livros chamados "canónicos". Pelo
contrário, por sua contribuição ao registro da
revelação divina e por sua popularidade e uso nos
cultos da sinagoga, eles foram estabelecendo
gradualmente sua posição dentro do conjunto das
Sagradas Escrituras.

B. As Escrituras na Dispersão
Sabemos que, por volta do ano 250 a.C, o
Pentateuco já havia sido traduzido para o grego,
para o uso dos judeus da Dispersão, e o prefácio
para a versão grega de Ben Sira indica que, por
volta daquela data (132 a.C.) os Profetas
________________
55
Esses dois livros juntamente com o livro de Ester, não são
mencionados em nenhuma parte do Novo Testamento. Para a influência
dos livros apócrifos no Novo Testamento e na história da Igreja Cristã veja
pp. 88ss.

Anteriores e Posteriores também haviam sido


traduzidos para o grego. Não se pode ter certeza
de quanto dos "Escritos" foi traduzido, digamos, no
início da Era Cristã ou quanto foi considerado como
canónicos em Alexandria. Não havia ainda um
limite definido para os chamados "restante dos
livros".
A Bíblia grega que surgiu e que viria a ser,
posteriormente, adotada pela Igreja Cristã, era
muito menos restrita do que as Escrituras
Hebraicas e organizada em uma ordem diferente
de livros. Sabemos que os cristãos consideravam
os assim chamados "livros excluídos" sob uma
visão muito diferente da dos judeus da Palestina e
continuaram a lê-los na tradução grega até bem
depois que eles caíram em desgraça na Palestina.
De fato, eles não apenas continuaram a copiá-los,
mas até incluíram alguns deles no códice grego
que continha seus escritos sagrados entremeados
nos "Escritos" sem, contudo, levantar a questão
sobre se eles deveriam ser considerados canónicos
ou não. N.T.: Segundo o Dicionário Aurélio, códice
do lat. Códice, é 1. forma característica do
manuscrito em pergaminho, semelhante à do livro
moderno, e assim denominada por oposição à
forma do rolo; Cf. livro m rolo. 2. Registro ou
compilação de manuscritos, documentos históricos,
ou leis; código antigo. 3. Obra antiga de autor
clássico. Oficialmente, deveria haver apenas um
Cânon, ou seja, o das Escrituras hebraicas, mas no
uso popular, essa interpretação estrita nem sempre
era obedecida, particularmente porque os próprios
"Escritos", como já vimos, estavam em um estado
ainda fluido. E justo supor que, embora eles fossem
considerados sagrados, não eram considerados
canónicos em nenhum sentido real e certamente
estavam em um nível muito diferente de inspiração
em relação à Lei ou aos Profetas. Referir-se a esse
conjunto maior das Escrituras como o "Cânon
Alexandrino", como se ele pudesse ser contraposto
ao Cânon Palestino, é realmente incorrer em
petição de princípio. E significativo que Philo
(morto por volta de 50 d.C), um típico judeu de
Alexandria, não faz nenhuma menção desses livros
não-canônicos, e no tempo de Josepho, a Bíblia
grega que ele usava consistia substancialmente
dos livros do Cânon hebraico como nós o
conhecemos hoje.

2. A TRADIÇÃO ORAL
Durante o período interbíblico, como temos
visto, a Torah tornou-se para os judeus a suprema
autoridade religiosa e o judaísmo se estabeleceu
como a religião do Livro. Mas como H. Wheeler
Robinson nos faz lembrar "toda religião que se
edifica com base em um livro é compelida a criar
meios de reinterpretar esse livro de modo a
adaptar seu significado original às mudanças
necessárias de sucessivas gerações. Assim
aconteceu que, paralelamente à Torah escrita,
surgiu um conjunto de interpretação, natural ou
artificial, que se constituiuna Torah não-escrita, 'a
tradição dos anciãos' (Marcos 7.3)".1

A. Sua Origem e Desenvolvimento


O início desse processo de interpretação deve
ser encontrado no soferismo que procurou levar
adiante os alvos de Esdras, o grande "fundador da
Lei". Esdras é descrito como um "escriba versado
na lei de Moisés" (Esdras 7.6) que havia "disposto o
coração para buscar a lei do Senhor e para a
cumprir" (Esdras 7.10). Ele não apenas lia "no
Livro, na lei de Deus, claramente", como também

156A Companion to the Bibk (Um Associado à Bíblia), ed. By T. W


Manson, 1939, p. 313.
dava "explicações, de maneira que se entendesse
o que se lia" (Neemias 8.8). Isso é exatamente o
que o soferismo também buscava fazer. Eles se
propuseram à tarefa de não apenas fazer da Torah
uma possessão do povo, mas também de descobrir
e interpretar seu significado de modo que os
homens pudessem aplicá-la a sua vida cotidiana.
Para eles, a Torah era muito mais que a
sobrevivência de um passado glorioso com um
valor apenas arcaico; era um oráculo vivo por meio
do qual a palavra de Deus podia ser transmitida de
geração a geração. Sua palavra não era estática
mas dinâmica, capaz de novas interpretações para
cada era subseqüente e capaz de aplicação
renovada para cada aspecto da vida humana.
O método que eles usavam em seus
ensinamentos era o tipo de uma narração (uma
descrição oral) das palavras das Escrituras. O
costume ou prática ou preceito particular que eles
buscavam elucidar era relacionado com um texto
ou passagem das Escrituras que era então
explanado e recebia sua interpretação2. Esse
método era conhecido como a forma
Midrash (do hebraico darash, interpretar) e
era uma característica do ensino das Escrituras.
Em muitos lugares, o ensino da Torah, por
preceito e julgamento, era perfeitamente claro,
tanto em seu significado ético como legal; em tais
exemplos, era dever dos soferins e seus sucessores
imprimir esse ensino nas mentes das pessoas. Em
outros lugares, contudo, a regra da Torah não era
clara; então seu significado devia ser explicado e
sua verdade aplicada. Às vezes, é verdade, as leis
257Um dos muito raros exemplos sobreviventes deste método pode ser
encontrado no tratado de Mishnah, Sotah, viii. 1,2. Cf. a tradução de
Herbert Danby do Mishnah, 1933, pp. 301 s, e R. Travers Herford, op. at.,
1933, pp. 48 s, onde a passagem é determinada claramente.
que surgem dos costumes prevalecentes podem se
estabelecer, as quais talvez não encontrem
justificação na Torah, mas adquiriam autoridade
com base no fato de que elas formavam uma
"cerca em redor da Torah" (Pirke Aboth 1.1). Essa
"cerca" consistia em regras cautelares, tais como
as que proíbem não apenas o uso, mas até mesmo
o manuseio de ferramentas no dia do sábado.
Assim, um homem seria detido antes que ele se
encontrasse perto de uma brecha da lei de Deus.
Desse modo, a Torah foi alçada cada vez mais ao
centro da vida das pessoas.
Essa tarefa, tão bem iniciada pelos soferins,
foi continuada e desenvolvida pelos mestres, que
depois se tornaram os rabinos, cujo trabalho fez
muito mais do que moldar e determinar a forma do
judaísmo dos anos que viriam. Registra-se que a
tradição dos soferins foi transmitida por Simão, o
Justo, a um certo Antígono de Socho, e que depois
disso foi transmitida a uma série de mestres cujos
nomes são citados em pares de José ben Joezer e
José ben Joanan, que viveram em cerca de 160 a.C,
seguindo a linha de sucessão até Hillel e Shammai,
no tempo de Jesus (cf. Pirke Aboth 1.1-12). Como
os soferins antes deles, esses mestres se
propuseram a tarefa de interpretar a Torah para o
povo e de regular suas vidas de acordo com essa
orientação.
Mas durante esse período, houve um
desenvolvimento em conexão com o status de leis
extra-escriturísticas, que passariam a ter efeitos de
longo alcance. Como vimos, oscostumes e
tradições, principalmente de natureza religiosa,
que haviam surgido no decurso dos anos,
passaram a ser aceitos como autoridade na prática
do judaísmo, muito embora não houvesse
nenhuma justificação para tal na Torah. No devido
tempo, surgiu a pergunta concernente à relação
entre a autoridade da tradição e a autoridade da
Torah escrita. Estava claro que não poderia haver
duas autoridades independentes. E assim surgiu a
importantíssima crença de que a Torah era mais do
que simplesmente a palavra escrita das Escrituras,
mas incluía também a tradição que havia sido
passada de geração a geração. A Torah de Deus
era dividida em duas partes, escrita e oraL e cada
uma delas tinha igual autoridade. E não apenas
isso; cada parte era de igual antigüidade, porque o
próprio Moisés havia recebido a Torah, escrita e
oraL no Sinal a partir de onde a lei tem sido
transmitida através das sucessivas gerações de
homens fiéis (Pirke Aboth 1.1). Foi, sem dúvida, a
formulação dessa convicção que levou à cisão no
Sinédrio no tempo de João Hircano (134-104 a.C.) e
ao aparecimento dos dois partidos dos fariseus e
saduceus.3 Os fariseus eram firmes defensores da
autoridade da tradição oral ao que os saduceus
eram amargamente contrários. Estes, por sua vez,
embora tivessem suas próprias ordenanças a
respeito das questões dos sacrifícios e outros
rituais, consideravam a Torah escrita como a única
autoridade.
Os perigos inerentes em tal desenvolvimento
da Torah nào-escrita são óbvios, especialmente
quando ela se dissociou do texto da Torah escrita e
não mais requeria base justificativa nas Escrituras.
Mas deve-se reconhecer que isso livrou o judaísmo
daquele estado moribundo que deveria ter sido seu
destino, se a nação tivesse seguido a orientação
dos conservadores saduceus. Por meio da Torah
nào-escrita, a religião e a vida, o trabalho e a
358Ver pp. 32 2 49 s.
adoração, foram integrados de um modoque seria
antes impossível, e Deus e seus mandamentos
foram apresentados como reais na vida comum das
pessoas comuns.

B. Sua Forma e Conteúdo


As fontes rabínicas, nas quais a tradição oral
estava baseada, mas que permaneceram orais ao
longo de todo o período interbíblico, se dividem em
duas classes, o Midrash e o Mishnah.
Os soferins e os mestres que os sucederam se
dedicaram, como vimos,4 à exposição e aplicação
da Torah escrita e, à luz desses estudos, formaram
novos regulamentos aplicáveis aos problemas,
éticos e legais, que surgiam à medida que a vida se
tornava cada vez mais complexa. Esse processo
chamado de darash (ou "interpretação"), e Midrash
(ou "exegese") é o processo de buscar, de
investigar o texto escrito para descobrir suas
implicações.
Esse Midrash era dividido em duas seções.
Primeiro, havia o Halakah (do hebraico halak,
caminhar) que consistia de regulamentos relativos
às questões da lei civil e religiosa. Ele mostrava o
caminho pelo qual o homem deveria caminhar
deixando claro como ele poderia sempre obedecer
à Lei em cada detalhe. Era uma exegese das leis
bíblicas, a partir da qual poderiam ser formulados
regulamentos autorizados para a vida das pessoas.
E este Halakah que forma a tradição oral ou a
Torah não-escrita do Judaísmo.
Segundo, havia o Haggadah (da raiz hebraica
nagad, dizer) ou "repetir". E aquela parte da
literatura rabínica que não é o Halakah, isto é, tudo
que não se refere a qualquer ponto da lei. E um

459Ver pp. 64 s
desenvolvimento, por assim dizer, das histórias
bíblicas em vez da lei bíblica. Essa parte contém
muitas lendas e miscelâneas do folclore israelita.
Mas juntamente com esses relatos, há um
considerável volume de material ético ereligioso. O
Haggadah se refere freqüentemente ao discurso
dos pregadores nas sinagogas e dos mestres nas
escolas e muitas vezes os menciona pelo nome.
Esse material era de grande valor, mas não tinha a
mesma autoridade do Midrash Halakah no
judaísmo.
O Midrash era o interesse dos rabinos antes
da destruição do segundo Templo, e depois dessa
data tornou-se sua maior preocupação. A função,
apresentação e ampliação da tradição oral eram as
principais características de seus estudos. Sua
tarefa então, como sempre, era de estudar a Torah
escrita e sua tradição oral e transmiti-las aos
outros. Esse processo de estudo, a repetição da
Torah escrita e de sua tradição oraL era chamado
shanah ou "repetição", e o resumo da repetição era
conhecido como Mishnah.5
Essa palavra Mishnaò é o nome dado à
segunda fonte rabínica. Ela tem sido descrita como
"uma classificação sistemática (tópica) das
discussões e decisões dos rabinos durante os
séculos anteriores como a interpretação e
expansão da Torah".6 Trata-se de um código de lei
que consiste em Halakah, com elementos
ocasionais do Haggadah, cuja formação e codifica-
ção se deram desse modo. Após a destruição do
Templo em 70 d.C, em vez de elaborar um
versículo das Escrituras de cada vez, os rabinos
560Em aramaico shanah torna-se tena'. Os rabinos dos dois primeiros
séculos d.C, que estavam comprometidos com esta repetição dos
Mishnah, eram conhecidos, e ainda o são, como Tanna'im.
661H. Wheeler Robinson, op. dl. pp. 313 s
começaram a organizar o halahot (plural de
halakah), ou leis religiosas individuais de tipo
prático, em uma ordem especiaL de acordo com o
assunto e não de acordo com o texto bíblico. Uma
orientação sobre esses assuntos foi dada por
Joanan ben Zakkai e seus discípulos em Jamnia. No
começo do segundo século, o Rabino Akiba (morto
em 135 d.C.) ordenou o ha/akotem uma forma
mais elaborada, emboraainda oralmente. Um de
seus discípulos, o Rabino Meir (após 135 d.C.)
elaborou-a novamente e esclareceu alguns pontos
obscuros. Então, o Rabino Judá (o Patriarca), que
morreu logo depois de 200 d.C, fez uma recensão
final do Mishnah, embora não saibamos se ele
realmente o fez por escrito. Outras alterações
foram feitas depois de seus dias, mas o principal é
resultado de sua obra. Em sua forma escrita, o
Mishnah é dividido em seis ordens conforme o
assunto-matéria, cada uma contendo vários
tratados (63 ao todo) e pode ser datado em cerca
de 200-230 d.C. Depois da Bíblia, o Mishnah é a
base da literatura judaica até nossos dias e é o
fundamento do Talmude.7 Com os escritos do
Mishnah, os judeus se estabeleceram como "o povo
do Livro".

3. Os LIVROS NÃO INCLUÍDOS

A. A Literatura Não-Canõnica
Já se mencionou o fato de que durante o
período interbí-blico surgiram, principalmente na
762O Talmude (lit. "aprendizado") é uma compilação que consiste do
Mishnah, ou o corpo da lei tradicional aceita, juntamente com as
discussões ou tradições subseqüentes ( a Gemara, lit.
"complementação"), que diz respeito ao que surgiu nas "escolas" judaicas.
Há dois Talmudes, o palestino e o babilónico. Em referência de uso
comum, o Talmude babilônio é mais completo que o palestino. Ele
adquiriu substancialmente sua forma atual em cerca de 500 d.C.
Palestina, mas também na Dispersão, uma
literatura judaica bem extensa que é significativa
não apenas para o judaísmo, porém muito mais
para o cristianismo.8 Por um lado, esses escritos
oferecem uma interessante visão da história dos
judeus e da religião do judaísmo formada nas
escolas rabínicas, e por outro lado lança luz sobre
as origens da fé cristã. E difícil dizer o quanto esses
livros se difundiram, mas aparentemente havia
uma quantidade considerável deles em circulação.
O nome dado a esses livros na literatura
rabínica é hisonim que significa "externo" ou "fora"
e quer dizer que esses livros não pertenciam ao
Cânon das Escrituras reconhecidas. Um indício de
sua identidade é fornecido no tratado de Tosefta,
Yadaim ii, 13, que diz: "Os livros [sic] de Ben Sira e
todos os livros que foram escritos desde então não
mancham as mãos", isto é, não são canónicos. A
literatura aqui referida é presumivelmente aquela
de todo o grupo ao qual o próprio Ben Sira
pertencia, ou seja, a literatura apócrifa e cognata
(inclusive muitos escritos do tipo apocalíptico). No
tratado de Mishnah, Sinédrio x, 1, é registrado pelo
influente Rabino Akiba (cerca de 132 d.C.) que
entre aqueles que não tinham "parte no mundo por
vir" está "aquele que lê os livros excluídos". A
primeira vista, isso pode ter passado a significar
que a leitura de todos os livros nào-canônicos era
proibida, mas na realidade a referência é
presumivelmente à reátação pública deles tanto na
liturgia dos cultos como na disciplina do estudo.
Baseado em quais fundamentos essa
literatura era considerada nào-canônica? W. D.

8Ver p. 16.
Davies sugeriu9 quatro critérios para determinar a
aceitação ou a rejeição de qualquer livro:
1. A visão de que as profecias cessaram em
Israel após Daniel no período persa e que,
portanto, todos os livros escritos após esse tempo
não devem ser considerados.
2. A congruência do conteúdo de qualquer
livro com a Torah (cf. discussões sobre
canonicidade de Ezequiel).
3. Uma certa auto-consistência entre os livros
referidos.
4. O caráter hebraico original de qualquer
livro.

Esses fatores explicam a inclusão de Daniel


no Cânon e a exclusão de livros tais como o
Eclesiástico (ou Ben Sira), Judite, Salmos de
Salomão e I e II Macabeus. Eles explicam também a
exclusão dos escritos apocalípticos judaicos que
durante algum tempo desfrutavam de uma medida
de popularidade entre os judeus da Palestina. Mas
provavelmente há razões adicionais por que os
escritos apocalípticos, em particular, não fossem
aceitos no Cânon das Escrituras. Uma razão era a
antipatia dos rabinos que relembravam o papel
desempenhado por tais livros em inflamar as
chamas da revolta que levaram à queda de
Jerusalém em 70 d.C. Essa catástrofe e a
subseqüente reorganização do Judaísmo,
conduziria a uma concentração na Torah e em sua
correspondente tradição oral. Juntamente com isso,
havia o uso que os cristãos estavam começando a
fazer desse tipo de literatura. Eles achavam o
ensino desses livros, particularmente com respeito
ao Messias, mais condizente com seus próprios

964Expositary Times (Tempos expositivos), vol. LIX, no. 9, Junho 1948.


interesses; os cristãos começaram a fazer
interpolações cristãs em obras apocalípticas
judaicas, e então começaram a surgir escritos
apocalípticos cristãos independentes. Todos esses
fatores reunidos militaram contra o estudo e a
publicação contínua de tais livros por parte dos
judeus. Entre os últimos dos "livros excluídos" de
caráter apocalíptico a serem escritos, estava II
Esdras (i.e. 4 Esdras) 3-14 e o Apocalipse de
Baruque em 90 d.C.
A maioria desses livros foi escrita ou em
hebraico (a língua dos instruídos daqueles dias) ou
em aramaico (o vernáculo e a língua da literatura
judaica em geral), mas, com exceção de
Eclesiástico (ou Ben Sira), eles somente
sobreviveram em traduções, primeiro em grego e
posteriormente em outras línguas. Alguns
estudiosos, como C. C. Torrey, têm argumentado
que depois de 70 d.C, tomou-se a decisão de
"destruir, sistemática e completamente, os
originais semíticos de toda literatura extra-
canônica... A literatura popular, que tinha tido uma
existência tão próspera, era agora interrompida,
pelo menos no que diz respeito aos judeus da
Pdestina".10 E muito duvidoso, entretanto, se a
evidência pode prestar-se a tal declaração
absoluta, porque o divórcio entre o farisaísmo e as
idéias veneradas nos apocalípticos não era assim
tão completo como tal afirmação poderia nos fazer
crer. Mas a antipatia em relação aos apocalípticos
que, pelo menos muitos dos rabinos não podiam
negar e, sob a influência deles, esses "livros
excluídos" caíram em descrédito na Palestina.
Antes disso, contudo, eles haviam sido
traduzidos para o grego pelos judeus da Dispersão
1065The Apocryphal Literature (A Literatura Apócrifa), 1945, p.15.
e haviam-se tornado bem populares entre as
pessoas dessas regiões. De fato, quando esses
livros chegaram em Alexandria, eles realmente
conquistaram popularidade e passaram a ter
circulação muito mais ampla do que tinham na
Palestina. Quando, decorrido algum tempo, os
judeus da Dispersão começaram a renunciar a seu
controle sobre esses escritos, eles já tinham-se
tornado possessão da Igreja Cristã através de sua
adoção da Septuaginta, na qual certos "livros
excluídos" haviam sido incorporados. E, embora em
primeira instância eles fossem preservados pelos
judeus de fala grega no Egito, a Igreja Cristã,
finalmente, foi a responsável pela sobrevivência
deles.
Não é surpreendente que os "livros
excluídos", e em particular os escritos
apocalípticos, fossem, desde o princípio, populares
entre os cristãos primitivos que haviam, por sua
vez, sido instruídos na fé judaica; a relevância que
esses livros davam ao ensino concernente à
iminente volta de Cristo era óbvia. Como cada vez
mais os gentios juntavam-se à Igreja, e como o
aramaico dava lugar ao grego como língua da
comunidade cristã, seu uso se tornaria ainda mais
difundido. Com exceção do livro canónico de
Daniel, a tradição do apocalíptico é cristã e não
judaica. As numerosas versões de II (4) Esdras
indicam que esse conjunto de ensino continuou a
ter influência profunda e ampla sobre o
pensamento do povo cristão. Dentro do judaísmo a
tradição apocalíptica, que havia influenciado
profundamente pelo menos uma parte do povo,
desde o tempo de Antíoco IV, em cada período de
crise que ocorria, no devido tempo deixou de
existir.
B. O Meio Ambiente dos Apocalípticos
Foi sugerido acima, que a divisão entre os
apocalípticos e o judaísmo farisaico ortodoxo não
era tão completa como alguns estudiosos
pensavam que deveria ser. As diferenças entre eles
não podem, é claro, ser negadas; mas o fato é que
os apocalípticos compartilham certas crenças
fundamentais com o judaísmo rabínico, que lhes
conferiam certos pontos definidos de contato. Pelo
menos em uma coisa ambos adotaram a mesma
atitude, os escritos da Torah, que tanto um como o
outro reverenciava como a revelação de Deus. A
centralidade da Torah no pensamento dos
apocalípticos, pode ser ilustrada em cada livro, de
Jubileus e os Testamentos dos Doze Patriarcas, no
segundo século a.C. até 2 Baruque e II Esdras no
primeiro século d.C. E verdade que a forma do
apocalíptico difere consideravelmente da forma da
literatura rabínica do Halakah,11 mas a evidência de
um livro como, por exemplo, Jubileus, ilustra
amplamente que essa diferença não era de modo
algum absoluta em todos os casos. O autor de
Jubileus certamente demonstra familiaridade com o
método rabínico e produz evidência do halakot,
antes mesmo que aquelas das próprias fontes
rabínicas. Além do mais, o elemento apocalíptico
nesses escritos é freqüentemente acompanhado
por uma profunda preocupação ética que, em
muitos aspectos, é a chave para o entendimento e
a apreciação do Judaísmo rabínico. Também há a
perspectiva escatológica desses dois grupos de
escritos que, embora diesimi-lares em muitos
aspectos, revela considerável grau de concor-
dância. Isso é mais claramente visto em certas

1166Ver p. 67.
expectativas rabínicas tais como a ressurreição do
corpo e o advento do Messias. Um caso ilustrativo
é o do Rabino Akiba, que, como já vimos, no início
do segundo século, elaborou e organizou o halahot;
foi esse mesmo homem que esperou ansiosamente
a vinda do Messias e deu apoio irrestrito às
reivindicações de Bar Kochba em sua revolta em
132-135 d.C.
Porém, esse tipo de literatura talvez
interessasse muito mais aos Zelotes e àqueles que
compartilhavam de seu ponto de vista político e
religioso. Eles descobririam nesses escritos muitas
coisas que receberam sua aprovação entusiástica,
e incendiaram aquele zelo nacionalista, pelo qual
procuravam cumprir, se necessário fosse, pelo
poder da espada, a vontade revelada de Deus.
Nosso conhecimento dos essênios é limitado e o
que sabemos sobre eles indica que suas convicções
nem sempre correspondem àquelas expressas nos
escritos apocalípticos. Mas esse termo pode muito
bem designar vários grupos diferentes, cujas
crenças e práticas poderiam corresponder com
maior precisão às da literatura apocalíptica. Se
pudermos constatar que o argumento de que os
pactuantes do Qumnran eram, de fato, um ramo
dos essênios, então poderemos, talvez, dar muito
mais crédito ao argumento a favor da possível
influência dos essênios nesse tipo de literatura,
pois o pensamento messiânico e apocalíptico dos
rolos do Mar Morto têm muito em comum com os
escritos apocalípticos nos "livros excluídos".
Para concluir, a existência dessa literatura
não-canônica, apocalíptica ou não, confirma a
observação feita anteriormente de que, durante o
período interbíblico, o Judaísmo era um sistema
complexo, que abrangia muitas seitas, partidos e
classes, pois a própria literatura desvenda muitas
visões diferentes, interesses e crenças que nem
sempre podem ser identificadas com qualquer um
dos partidos reconhecidos dentro do Judaísmo.
Como R Travers Herford diz: "A existência de
escritores tais como os dos livros apócrifos tendem
mais à complexidade do que à simplicidade nas
atividades literárias da época. Também, a presença
de muitos elementos no Judaísmo
contemporâneo,de modo algum implica que havia
interação íntima e influência mútua entre eles".12
Nós nos voltaremos agora para um exame mais
detalhado dessa literatura "apócrifa".

E-book digitalizado com exclusividade para o site:

12Op. Cit, p. 197.


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www.ebooksgospel.com.br

Digitalização e Revisão: Levita Digital


26/10/2009

Por gentileza e por consideração não alterem


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84
A Literatura Apócrifa
No jargão comum a palavra "apócrifo"
freqüentemente traz um sentido de "falso" ou
"espúrio", mas em sua origem e em seu uso
eclesiástico o significado é completamente
diferente. Ela tem o mesmo sentido da expressão
hebraica "livros excluídos" e se refere àqueles
livros que não foram inseridos no Cânon das
Escrituras. Etimologicamente, a palavra
"apocrypha" (plural do grego apocryphon) designa
coisas ocultas aos olhos, escondidas ou secretas.
Tem-se sugerido13 que a razão por que os "livros
excluídos" passaram a ser chamados de "(livros)
ocultos" pode ser encontrada em certas referências
de II Esdras. Nesse livro, Esdras recebeu a ordem
de reescrever todos os livros sagrados de Israel
que haviam sido destruídos. Vinte e quatro desses
(os livros canónicos), ele teve que publicar, e
setenta (os livros excluídos) ele teve que esconder
(cf. 14.6,45 ss). Esses livros "escondidos" ou
"apócrifos", uma vez excluídos do Cânon, eram,
contudo, de grande valor na tradição judaica
representada por esse escritor.
Em seu uso mais moderno, porém, a palavra
tem uma referência muito mais restrita. Entre os
protestantes, ela é usada geralmente para
descrever os livros que constavam nas Bíblias
cristas grega e latina (isto é, a Septuaginta e a
Vulgata), mas que não eram incluídos na Bíblia
hebraica; aqui a palavra "pseudo-grafia" é
freqüentemente usada para se referir aos demais
"livros excluídos", de número indeterminado, que
ficaram fora das Escrituras canónicas e dos
"Apócrifos" e que, por um tempo considerável,
foram amplamente lidos na igreja cristã primitiva
oriental e em outros ramos. No uso católico
romano, a palavra "deuterocanônico" é atribuída
aos livros descritos pelos protestantes como
"apócrifos" e a palavra "apócrifo" é atribuída aos
1368Cf. C. C. Torrey, op. aí., pp. 8 s.
livros conhecidos como "pseudografias". Quando,
por questão de conveniência, deve-se fazer uma
distinção, adota-se a terminologia protestante.

1. Os LIVROS COMUMENTE CHAMADOS DE "APÓCRIFOS"

A Sua Identidade
Os livros do Antigo Testamento apócrifo são
mais conhecidos dos leitores modernos como
aparecem na Versão Autorizada, onde são reunidos
para formar um bloco de literatura entre o Antigo e
o Novo Testamento. São doze livros ao todo e um
deles (II Esdras) não é incluído na Septuaginta
grega mas aparece na Vulgata.
1. I Esdras
2. II Esdras
3. Tobias
4. Judite
5. O restante dos capítulos de Ester
6. Sabedoria de Salomão
7. Sabedoria de Jesus, filho de Siraque,14 ou
Eclesiástico
8. Baruque (com a Epístola de Jeremias como
capítulo 6).15
9. Acréscimos ao livro de Daniel
(a) O Cântico dos Três Jovens Santos
(b) A História de Susana
(c) Bel e o Dragão
10. A Oração de Manasses
11. I Macabeus
12. II Macabeus

1469"Esta é a forma dos nomes em grego. A forma hebraica T3»n Sira'


(filho de Sira) é usada em todo esse livro.
1570A versão Apócrifa RSV (Versão Revisada Standard) separa a Epístola
de Jeremias do livro de Baruque. Em alguns códices gregos eles são
separados por outro livro.
Com exceção de I Esdras (antes de 200 a.C.)
e II Esdras (cerca de 90 d.C.) esses livros foram
compostos durante os últimos dois séculos antes
de Cristo, a maior parte na Palestina. Apenas dois
dos autores são conhecidos pelo nome, Jesus (em
hebraico Joshua, em aramaico Jeshua) o filho de
Siraque71 (Eclesiástico 50.27) e Jason de Cirene,
cujos cinco livros são resumidos em II Macabeus 3-
15 (II Macabeus 2.23).
Embora todos eles tenham-se tornado
populares na língua grega, apenas um pequeno
número foi escrito originalmente nessa língua. Estes
são II Macabeus 2.19-15.39, Sabedoria de Salomão e
os decretos de Assuero, em Ester 13.1-7 e 16.1-24.
Todo o resto foi composto em hebraico (Baruque, Ben
Sira, I Macabeus, Judite, Oração de Manasses e
provavelmente o Cântico dos Três Jovens Santos) ou
em aramaico popular (TI Macabeus 1.1-2.18, a
História dos Três Jovens em I Esdras 3.1-4.63, Tobias,
o restante de Ester 10.4-13; 11.2-12.6; 13.8-18; 14.1-
19; 15.1-16, a História de Susana, Bel e o Dragão, a
Epístola de Jeremias, II Esdras).

NOTA SOBRE O LIVRO DE ESDRAS


Os títulos e a ordem destes livros diferem nas
várias versões:
Versão inglesa Vulgata Septuaginta
(desde a Bíblia de
Genebra 1560)
Esdras I Esdras Esdras B, cap 1-10
Neemias II Esdras Esdras B, cap. 11-23
I Esdras III Esdras Esdras A
II Esdras IV Esdras não incluído em
grego
________________
71
Ver p. 76, n. 1.

B. Seu Conteúdo e Gênero Literário


A literatura representada nos "Apócrifos" é de
um caráter que varia de história a poesia, de ficção
a filosofia, de fábulas a sermões sobre a vida
piedosa. Alguns foram escritos para edificar, alguns
para admoestar, e alguns, talvez, simplesmente
para entreter. Qualquer que seja seu propósito, é
uma leitura válida em si mesma.
A história é bem representada por I Macabeus
que, escrito no modelo do Livro de Reis, este
canónico, fornece uma narrativa fiel dos judeus na
Palestina, desde os anos antes da Revolta dos
Macabeus até a morte de Simão (175-134 a.C). O
livro demonstra uma fé indómita nos propósitos de
Deus para a comunidade de Israel e vê na Casa dos
Macabeus o instrumento de sua salvação. II
Macabeus, que cobre um período mais curto (176-
161 a.C), é bem independente de I Macabeus e é
menos fiel tendo uma proporção considerável de
fábulas mescladas com história. Ele foi escrito em
grego, em Alexandria, em aproximadamente 50
a.C. e demonstra um zelo pelo Templo e pela
observância rígida da Lei de Moisés (cf. as
comoventes histórias do martírio de Eleazar em
6.18-31 e os Sete Irmãos em 7.1-42).
A fábula é ilustrada por II Mac 1.1-2.18 que
parece ser o conteúdo de duas cartas enviadas, em
124 a.C. e 143 a.C, pelos judeus da Palestina para
os judeus no Egito. A segunda delas narra como
Jeremias ordenou aos sacerdotes, quando eles
estavam para ser levados para o cativeiro, que
escondessem o fogo sagrado do altar no fundo de
um poço seco; no tempo de Neemias, empreendeu-
se uma busca do fogo e em seu lugar foi
encontrado um líquido escuro, que acendeu com o
calor do sol e consumiu o sacrifício. As pessoas
chamaram esse líquido de "naphtha". A mesma
carta diz como Jeremias entregou um exemplar da
lei aos exilados e recomendou-lhes que a guar-
dassem e como ele escondeu o tabernáculo, a arca
e o altar do incenso em uma caverna no Monte
Nebo.
A ficção é bem representada nessa literatura
e contém algumas histórias de origem gentílica.
Somente um desses livros (Judite) foi escrito em
hebraico; o restante foi escrito no vernáculo
aramaico. O Livro de Judite (que significa "judia") é
uma história emocionante, no estilo do Cântico de
Débora (Juízes 5), de como uma certa Judite
libertou seu povo das mãos de Holofernes que,
sendo dado a vinho e mulheres, literalmente
perdeu a cabeça por uma viúva encantadora!
A História dos Três Jovens (provavelmente de
origem persa) em I Esdras 3.1-5.3 é um dos
melhores exemplos dessa literatura, do ponto de
vista do estilo e da eloqüência literária. Ela conta a
história de três jovens guardas no serviço de Dario,
rei de Pérsia, que desafiaram um ao outro para
uma competição. Eles tinham que escrever o que,
em sua opinião, era a coisa mais forte do mundo e
tinham que discutir o caso perante o rei. O primeiro
escreveu: "O vinho é a coisa mais forte"; o
segundo: "O rei é o mais forte"; e o terceiro: "As
mulheres são as mais fortes, mas acima de todas
as coisas, a verdade alcança a vitória". A
sobrevivência da obra que chamamos de I Esdras
deve-se, em grande parte, à popularidade que essa
história desfrutava entre os cristãos que a
herdaram dos judeus.
O livro de Tobias deve ser classificado nos
primeiros lugares entre os "best-sellers" de seus
dias. Trata-se de um "conto" de primeira categoria
com um excelente enredo muito bem executado.
Foi escrito aproximadamente em 200 a.C.
provavelmente por um judeu egípcio ou babilônio,
influenciado por certos escritos gentios, embora
toda a sua visão moral e espiritual seja moldada
pelas escrituras do Antigo Testamento. A história
conta sobre um certo judeu chamado Tobias, de
Nínive, que enviou seu filho Tobias a uma
peregrinação incerta pela Média, acompanhado por
Azarias (o anjo Rafael disfarçado). Ali eles
encontraram e ajudaram uma jovem chamada
Sara, cujos sete maridos haviam sido mortos pelo
demônio Asmodeu, todos eles na noite de núpcias.
Tobias e Sara se casaram e viveram felizes desde
então!
A História de Susana e as Histórias de Bel e o
Dragão seguem a verdadeira tradição de "história
de romance policial". Susana, a bela esposa de um
judeu babilônio, resistiu aos avanços de dois juízes
anciãos, cujas intenções não eram nada honrosas,
e então eles ameaçaram levantar uma acusação
falsa contra ela alegando um "caso" com um
jovem. Ela foi condenada à morte. Mas Daniel
exigiu um novo julgamento, no qual os dois juízes
fossem levados a dar provas de evidência
contraditória. Susana foi absolvida e os juízes
condenados à morte.
A História de Bel é uma polêmica contra os
deuses pagãos e a idolatria em geral. Daniel, diz a
história, recusou-se a adorar Bel e afirmou que as
provisões de comida e bebida que os sacerdotes
ofereciam àquele deus, todos os dias, não eram
comidas por ele. Ciro ordenou que os sacerdotes
provassem sua crença. Confiantemente, eles
colocaram a comida e a bebida em ordem e
lacraram as portas, porém havia uma entrada
secreta debaixo da mesa! Mas Daniel levou a
melhor porque secretamente espalhara cinzas no
chão do templo, antes que as portas fossem
fechadas. Pela manhã, a comida e a bebida haviam
desaparecido e os sacerdotes estavam jubilantes.
Mas as pegadas dos homens, mulheres e crianças
nas cinzas revelaram o segredo! Os sacerdotes e
suas famílias foram mortos e o ídolo e seu templo,
destruídos.
Salmos e Hinos, vários dos quais estão
espalhados por esses livros, são ilustrados no
Cântico do Três Jovens Santos que consiste em dois
poemas separados por uma curta seção de prosa.
O primeiro poema traz a oraçào de Azarias que,
junto com seus dois companheiros, louvou a Deus
do meio da fornalha ardente; o segundo é um
cântico de louvor dos lábios dos "três jovens" ao
Deus que os havia livrado da morte.
A literatura de Sabedoria é representada por
dois livros muito importantes, a Sabedoria de
Salomão e a Sabedoria de Ben Sira. A Sabedoria de
Salomão, escrito em estilo epigramatico, foi
composto por um judeu (ou judeus) de Alexandria,
talvez na primeira parte do primeiro século a.C, e é
muito distinto dentre os escritos apócrifos, pelo
modo como combina a religião judaica com a
filosofia grega.16 É impossível resumir seu
conteúdo, mas ele indica dois objetivos: primeiro,
ganhar de volta os judeus apóstatas e fortalecer os
judeus piedosos em sua fé, e segundo, demonstrar
aos pagãos, em uma linguagem e pensamento que
eles pudessem entender, a verdade sobre o
judaísmo e a insensatez do paganismo. O escritor
exorta seus leitores a seguir a justiça, para assim
encontrarem a sabedoria.

1672Ver pp. 17, 23 s.


A Sabedoria de Ben Sira é talvez o livro mais
importante dentre os "apócrifos", porque lança luz
sobre a religião e a vida dos judeus na Palestina
por volta do ano 180 a.C. quando ele foi escrito. E
uma seleção de conferências que o autor ministrou
em sua Escola em Jerusalém, na qual procurava
compartilhar com seus alunos a sabedoria dos
anciãos, que eles podiam viver "de acordo com a
Lei". Nesse caso também, é impossível resumir em
poucas palavras os tópicos tratados no livro. Eles
são extraídos da sinagoga, do lar, da escola e do
mundo do dia-a-dia. Seus conselhos vão desde
lições de etiqueta até a vida de comunhão com
Deus ordenada em sua santa Lei — compor-
tamento à mesa, criação de filhos, domínio próprio,
ajuda aos pobres, avareza, a adoração de mamon,
a verdadeira piedade e muitos outros itens. Todos
esses conselhos ele resume na palavra "sabedoria"
que é a orientação de Deus para todas as áreas da
vida.
Apocalíptico é representado por II Esdras 3-
13, ao qual o capítulo 14 foi acrescentado por outra
mão. O livro é um relato de seis visões dadas por
Deus a "Esdras". Essas visões têm sido descritas
como "um drama apocalíptico em dois atos: o
'amarrar do nó', na era presente (visões 1-3); e o
'desfecho' no mundo porvir" (visões 4-6).17 Ele foi
escrito provavelmente por volta do ano 90 d.C. e
reflete a desilusão que se seguiu à destruição de
Jerusalém vinte anos antes. A única esperança dos
homens estava na nova era que ainda estava por
vir. Uma abordagem mais completa sobre o
significado desse livro será reservada para outro

1773R. H. Pfeiffer em The Interpretoá Bibk (O Intérprete da Bíblia), voL


1,1952, p. 399.
capítulo quando a literatura apocalíptica será
considerada como um todo.18
C. Seu Valor Histórico e Religioso
Já fizemos referência ao valor de I Macabeus
como uma fonte indispensável da história do
segundo século a.C. e conseqüentemente das
crenças e práticas religiosas do período de que ele
trata. Porém muitos outros livros além desse têm
uma contribuição importante a fazer nessa mesma
conexão e juntos apresentam um quadro
inestimável da vida e da religião judaica nos anos
que antecederam o nascimento do cristianismo.
O respeito para com o Templo de Jerusalém é
demonstrado não apenas pelas narrativas
históricas (por exemplo I Mac 7.37), mas em outros
textos, como no livro de Tobias, ele é tratado em
alta estima e é aprovada a peregrinação a
Jerusalém e o pagamento de dízimos no Templo
(1.4-8; 5.13). Em Ben Sira, também, os ritos do
Templo (cf. 35.4ss) e o sacerdócio aarônico
(45.6ss) são honrados e, em particular, o Sumo
Sacerdote Simeão é exaltado (50.1 ss).
Complementar ao Templo era a Torah
sagrada, cuja localização e prestígio iriam tornar-se
cada vez maiores à medida que os anos
passassem. Tobias, por exemplo, coloca ênfase na
obediência à Lei de Moisés, enquanto que em Ben
Sira, como nós já vimos, a Torah é descrita como a
epítome da própria sabedoria (24.23). Já estava
sendo lançada a fundação para o tempo em que os
judeus estariam dispostos a morrer em defesa da
bendita Torah (cf. I Macabeus 2.27).
Em todos esses escritos, há ênfase sobre a
importância das exigências legalísticas. Tobias, por
exemplo, refere-se à purificação após o contato
1874Ver cap. 5.
com cadáveres, ao lavar-se antes das refeições, à
observância das festas, o pagamento dos dízimos
aos sacerdotes e às contribuições para o sustento
de órfãos, viúvas e estrangeiros. O ato de dar
esmolas, em particular, é considerado como um
dever sagrado a ser praticado igualmente por ricos
e pobres. Em I Macabeus é dada ampla evidência
da grande importância do rito da circuncisão (cf.
1.15,48; 2.46) e da observância do sábado (2.34,
41). Outra observância quase tão importante é a
das leis relacionadas às comidas. Tobias diz que
quando foi levado cativo para Nínive, ele se
recusou a comer "o pão dos gentios" (1.10-11).
Judite, também, recusou-se a receber a comida e o
vinho que Holofernes lhe ofereceu (12.2). De fato,
o sucesso de seu plano para libertar a nação,
aparentemente, dependia de seu cumprimento da
lei até nos menores detalhes da observância das
dietas (8.4-6; 12.1-9; cf. também II Macabeus 6.18-
7.1). A perspectiva religiosa dos judeus é resumida
nas palavras de Baruque: "Este é o livro dos
mandamentos de Deus e a lei que subsiste para
todo o sempre. Todos aqueles que a cumprem
fielmente são destinados para a vida, mas os que a
abandonam, perecerão" (Baruque 4.1).
Mas o legalismo não era a única coisa que a
Torah religiosa nutriu. Ela encorajou em muitos
uma profunda devoção pessoal que achou
expressão nas boas obras e no serviço aos outros.
Em todo o livro de Tobias, por exemplo, há um
sentido de reverência e respeito demonstrado aos
pais, que indica um verdadeiro espírito de piedade
que prevalecia em muitos círculos familiares
judaicos daquele tempo; em particular, as orações
de Tobias e Sara pela libertação de seus problemas
são, sem dúvida, típicas de muitas orações de seus
dias. Ben Sira também exala o espírito de oração
em várias passagens que muito se assemelham
aos Salmos em sua atmosfera devocional (cf 2.1-
18; 17.24-18.14; 22.27-23.6). Sua perspectiva
religiosa é bem resumida nestes palavras:
"Riquezas e força animam o coração;
E o temor do Senhor está acima de ambos:
Não há carência de nada no temor do Senhor,
E quanto a isso, não é necessário buscar
ajuda" (40.26).
Aquele que observa a Lei, faz muito mais aos
olhos de Deus do que se oferecesse muitos
sacrifícios: "Aquele que guarda a Lei multiplica as
ofertas; Aquele que cumpre os mandamentos
oferece uma oferta pacífica;
Aquele que retribui uma boa ação oferece flor
de farinha; E aquele que dá esmolas oferece um
sacrifício de ação de graças." (35.1-2)
Multiplicar ofertas não é suficiente:
"O Altíssimo não tem prazer nas ofertas dos
ímpios; nem perdoa os pecados pela multidão de
sacrifícios"
(34.19).
Toda essa passagem, de fato, exala o espírito
de Amós, que requer misericórdia para os pobres e
justiça para os oprimidos (cf. 4.1-6; 34.18-26).
Durante todo esse período, houve um grande
desenvolvimento na concepção dos judeus das
últimas coisas e isto é bem ilustrado nesses
escritos. Em Baruque, por exemplo, há uma
promessa para o povo judeu de que eles verão seu
triunfo sobre seus irárnigos e que Deus os
restabelecerá em sua própria terra (2.30-35, etc).
Tobias declara que o tempo virá quando Jerusalém
será reconstruída e o Templo será restabelecido à
sua glória anterior e até mesmo superior àquela; as
tribos se reunirão mais uma vez em Jerusalém e os
pagãos adorarão ao Senhor como seu Deus
(13.1ss; 14.4-7). Em ambos esses livros há
referência à escatologia da nação, mas não há
nada sobre a escatologia do individual. E aos
apocalípticos, representada nos apócrifos por II
Esdras 3-13, que devemos uma síntese dessasduas
escatologias por meio de sua crença na doutrina da
ressurreição dos mortos. Por sua influência, o
escritor de II Macabeus, por exemplo, expressa sua
crença na ressurreição dos justos, que serão
levantados dentre os mortos para herdar a vida
eterna (7.9,11,14,23,29,36;12.3-45). Nisso ele
difere de outro livro alexandrino, a Sabedoria de
Salomão, que, sob influência do pensamento
grego, ensina sobre a imortalidade da alma (2.23;
3.4;5.15;6.18;8.17;15.3). Esse ensino de Sabedoria,
junto com sua crença na pré-existência da alma
(8.19-20), que está aprisionada ao "corpo
corruptível" (9.15), é estranha não apenas ao
pensamento hebraico, mas também às
expectativas apocalípticas dos judeus. 19
Os
apocalípticos estavam alinhados à tradição
hebraica e, por seu discernimento espiritual,
prepararam o caminho para o cristianismo, não
apenas em sua doutrina da ressurreição, mas
também em sua crença no Reino de Deus e do
Messias que um dia viria para reinar.

2. Os OUTROS LIVROS "APÓCRIFOS" (Ou


PSEUDEPÍGRAFOS)

A. Sua Identidade
Não há consenso sobre a lista desses outros
livros apócrifos que se encontram excluídos dos

1975Ver pp. 24 s.
"Apócrifos" e aos quais se atribui, às vezes, o nome
de "pseudepígrafos". Eles representam vários tipos
de literatura, mas, sem dúvida o mais comum e
mais importante é esse do apocalíptico. Alguns
deles são apocalipses, propriamente ditos,
enquanto outros, embora não predominantemente
apocalípticos, possuem em si elementos
apocalípticos bem consideráveis. De fato, há
poucos, se houver algum, que não entram nessa
categoria. Mais tarde trataremos de seu método e
ensino. Aqui relacionamos uma lista de tais livros,
geralmente aceitos como pertencentes a essa
classificação, juntamente com sua data
aproximada de composição.
De origem palestina:
I. 1 Enoque 6-36, 37-71, 83-90, 91-104 (c. 154
a.C.)
2. O Livro dos Jubileus (c. 150 a.C.)
3. Os Testamentos dos Doze Patriarcas (140-
110 a.C.)
4. Salmos de Salomão (c. 50 a.C.)
5. O Testamento de Jó (primeiro século a.C.)
6. A Assunção de Moisés (7-28 d.C.)
7. As Vidas dos Profetas (primeiro século d.C.)
8. O Martírio de Isaías (1-50 d.C.)
9. O Testamento de Abraão (1-50 d.C.)
10. O Apocalipse de Abraão 9-32 (70-100
d.C.)
II. II Baruque ou O Apocalipse de Baruque (50-
100 d.C.)
12. Vida de Adão e Eva ou Apocalipse de
Moisés (80-100 dC.)
De origem helenística:
13. Os Oráculos Sibilinos: Livro Hl (150-120
a.C.) Livro IV (c. 80 d.C.)
Livro V (antes de 130 d.C.)
14. III Macabeus (próximo do fim do primeiro
século a.C.)
15. IV Macabeus (próximo do fim do primeiro
século a.C. ou início do primeiro século d.C.)
16. II Enoque ou livro dos Segredos de
Enoque (1-50 dC.)
17. III Baruque (100-175 d.C.)

B. Na Comunidade deQumran
Esse número de livros foi aumentado
consideravelmente pelas descobertas no Qumran,
perto da costa do Mar Morto. Entre os milhares de
fragmentos encontrados, há muitos de caráter
apócrifo e, em particular, apocalíptico; alguns são
escritos em hebraico e outros em Aramaico, e
outros, segundo informações, em uma escrita
secreta. Aparentemente esses escritos eram muito
populares entre os membros da comunidade de
Qumran e talvez alguns deles tenham sido, de fato,
escritos lá.
Muitos fragmentos de escritos apocalípticos
relatados no Livro de Enoque têm vindo à luz,
escritos em hebraico e aramaico. Um deles tem
muito em comum com I Enoque 94-103, com sua
narrativa das admoestações aos justos e
infortúnios aos pecadores, e faz referência, em
várias ocasiões, ao "segredo futuro"20 por meio do
qual os mistérios da presente era, enfim, serão
revelados. Essa é uma idéia bem comum entre os
apocalípticos como, por exemplo, em II Esdras.
Outra série de fragmentos contém uma narrativa
do nascimento de Noé, conhecida previamente
apenas em I Enoque 106. E possível que esses
façam parte de escritos perdidos há muito tempo, o
assim denominado "Livro de Noé", reconhecido por

2076Ver pp. 56, 95 ss, 105.


muitos como sendo uma das fontes do Livro de
Enoque.21 No entanto, encontrou-se outra coleção
de fragmentos, escrita em aramaico, que descreve
uma visão da Nova Jerusalém e demonstra um
interesse particular no templo e em seu culto.22 A
indicação é que esse escrito deve ter sido muito
popular entre os Pactuantes, porque os fragmentos
apresentam várias cópias e foram descobertos em
várias cavernas de Qumran. Também foram
encontrados fragmentos do Livro de Jubileus, um
Testamento de Levi em aramaico (considerado
uma fonte dos Testamentos dos Doze Patriarcas) e
um Testamento de Naftali em hebraico.
Alguns escritos de caráter hagádico23 têm,
também, vindo à luz entre os rolos de Qumran.
Foram encontradas partes de uma obra similar ao
Livro de Jubileus, por exemplo, que podem ser uma
fonte desse livro ou uma recensão posterior dele,
ou talvez possam representar um escrito
independente, pois esse parece defender um
calendário diferente, de algumamaneira, daquele
dos Jubileus. De considerável interesse são os
quarenta e nove fragmentos de um escrito
hebraico que parece seguir o estilo do Livro de
Deuteronômio, um tanto como Jubileus segue o
Livro de Gênesis. Por isso ele é geralmente
conhecido como "O Pequeno Deuteronômio" ou "As
Palavras de Moisés". E bem possível que tenhamos
aqui uma história apócrifa dos patriarcas ou
mesmo um documento até então desconhecido,
"As Guerras dos Patriarcas", que é uma das fontes

2177Cf. I Enoque 6-11; 54.7-55.2; 60; 65.1-69.25; 106-107. Porções da


'literatura de Noé' também podem ter sido preservadas em Jubileus 7.20-
39; 10.1-15.
2278Os editores deram a ela o título de "A Descrição da Nova Jerusalém".
2379Ver p. 67.
de Jubileus (cf. 34.1-9) e os Testamentos do Doze
Patriarcas (cf. Testamento de Judá 3-7).
Igualmente interessante também é a
paráfrase aramaica de Gênesis 5-15 que adorna a
narrativa bíblica com comentários hagádicos sobre
o texto e tem muito em comum com nossa
literatura apocalíptica.24 Fragmentos de outros
livros de narrativas hagádicas também têm muito
em comum com os escritos atribuídos a Jeremias e
Baruque, mas que não podem ser identificados
com qualquer dos escritos já conhecidos por nós.
De particular interesse é o escrito pseudo-histórico
situado no período persa, que lembra os livros de
Ester e Daniel.

3. Os LIVROS APÓCRIFOS NO CRISTIANISMO

A. No Novo Testamento
Ao ler o Novo Testamento, torna-se bem
óbvio que seus escritores e leitores dos primeiros
dias estavam familiarizados com, pelo menos,
alguns dos livros apócrifos, não apenas aqueles
que eles herdaram dos judeus na Septua-ginta,
mas também com uma coleção mais ampla de
escritos. A referência mais clara pode ser
encontrada em Judas, versículos 14-16, onde o
autor faz uma citação, sem dúvida de memória, de
Enoque 1.9, lembrando a profecia de "Enoque, a
sétima geração depois de Adão". A exceção dessa
citação mais ou menos direta, muitas alusões à
literatura apócrifa. As palavras, "Mulheres
receberam, pela ressurreição, os seus mortos.
Alguns foram torturados, não aceitando seu
resgate", registradas em Hebreus 11.35, nos faz

2480Este escrito foi, à primeira vista, considerado uma cópia do Livro de


Lameque, ao qual se faz referência em algumas listas antigas.
lembrar o martírio de Eleazar e dos Sete Irmãos em
II Macabeus 6 e 7, e "foram... serrados pelo meio"
de Hebreus 11.37 é, sem dúvida, uma alusão ao
Martírio de Isaías, enquanto as frases "o resplendor
da glória" e "a expressão exata de seu Ser" em
Hebreus 1.3 nos lembra forçosamente o Livro de
Sabedoria 7.26. Ecos do Livro de Sabedoria
provavelmente podem ser ouvidos também nas
palavras dos principais sacerdotes em relação a
Jesus, em sua agonia, em Mateus 27.43: "Pois
venha livrá-lo agora, se de fato lhe quer bem;
porque disse: Sou Filho de Deus" (cf. Sabedoria
2.18); assim também nas cartas de Paulo, tais
como Romanos 1.20-32 (Sabedoria 14.22-31),
Romanos 9.21 (Sabedoria 15.7), II Coríntios 5.4
(Sabedoria 9.15) e Efésios 6.13-17 (Sabedoria 5.18-
20). Além disso, certos sentimentos e frases
familiares ao leitor cristão nos Evangelhos têm seu
paralelo direto no Testamentos dos Doze
Patriarcas, expressões como perdoar o próximo
(Mateus 18.21, cf. Testamento de Gade 6.3,7),
amar de todo o coração (Mateus 22.37-39, cf.
Testamento de Dã 5.3), e retribuir o mal com o
bem (Lucas 6.27s, cf. Testamento de José 8.2). Isso
demonstra como o conteúdo dos ensinamentos
morais de Jesus estava próximo do ideal moral do
judaísmo.
A disputa entre Miguel e o diabo, pelo corpo
de Moisés em Judas 9, deriva de A Assunção de
Moisés, e a doutrina dos espíritos aprisionados em I
Pedro 3.19 é baseada em Enoque 14-15. A Epístola
de Tiago tem muito em comum com os livros
apócrifos; o escritor certamente estava
familiarizado com Ben Sira, de cujo pensamento e
experiência ele compartilhava (cf. por exemplo,
Tiago 1.19 e Ben Sira 5.11). O Novo Testamento faz
referências a escritos desconhecidos (cf. I Coríntios
2.9; Efésios 5.14; I Timóteo 3.16) e faz citações de
fontes desconhecidas (Mateus 23.34,35; cf. Lucas
11.49-51), enquanto em uma passagem (II Timóteo
3.8) faz alusão a Janes e Jambres, cujos nomes
foram usados para o título de um livro apócrifo, do
que temos conhecimento a partir de escritos que
surgiram posteriormente.
Sem dúvida, os cristãos primitivos
consideravam esses livros religiosamente
edificantes, não apenas em suas devoções
pessoais, mas também no ensino dos
catecúmenos. A questão da canonicidade não era
sequer cogitada a essa altura. Esse problema ainda
seria suscitado e resolvido pela Igreja em
expansão.

B. Na História da Igreja
Entre os primeiros Pais da Igreja, os livros
"Apócrifos" geralmente eram considerados como
parte das sagradas Escrituras, mas essa opinião
não deixou de ser contestada por vários dos mais
influentes dentre eles. Orígenes (185-254), por
exemplo, como membro do clero, aceitava os
"Apócrifos" mas como erudito limitava as Escrituras
do Antigo Testamento ao Cânon hebraico. Cirilo de
Jerusalém (morto em 386) ensinava seus
catecúmenos com base no Cânon hebraico, mas
aceitava o uso comum de outros escritos. Jerônimo
(morto em 420) formulou sua opinião de que
apenas os livros do Cânon hebraico deveriam ser
considerados autorizados e, portanto, canónicos.
Ele fazia distinção entre o que chamava de abri
canoniá e libri eccksiastiá. Estes últimos, que não
eram incluídos no Cânon hebraico, deveriam ser
considerados "inter-apócrifos" entre os escritos
apócrifos, uma expressão que já havia sido
empregada (aparentemente pela primeira vez) por
Cirilo de Jerusalém. Na prática, porém, Jerônimo
incluiu os livros "Apócrifos" na tradução latina, que
veio a ser conhecida como Vulgata, a versão
católica romana oficial da Bíblia. Com base na
Vulgata, a igreja católica romana declarou os
Apócrifos como canónicos no
Concílio de Trento em 1546 e no Concílio
Vaticano em 1870.
A atitude dos reformadores em relação aos
Apócrifos foi amplamente determinada pelo uso
que a Igreja Católica Romana havia feito, desde
muito tempo, desses escritos, para defender
doutrinas tais como salvação pelas obras, mérito
dos santos, purgatório e intercessão pelos mortos.
Isso, juntamente com um renovado interesse pela
língua hebraica, estabeleceram os livros do Cânon
hebraico como uma classe à parte. Martinho Lutero
(1534) separou os Apócrifos (a exceção de I e II
Esdras) do Cânon hebraico e colocou-os em um
apêndice do Antigo Testamento, descrevendo-os
como "livros que não podem ser considerados
como livros canónicos, porém são úteis e bons para
leitura". Coverdale (1535) também apensou os
Apócrifos ao Antigo Testamento, omitindo a Oração
de Manasses (incluída posteriormente na "Grande
Bíblia", 1539) e acrescentando I e II Esdras. Os
Apócrifos, seja no corpo do Antigo Testamento, seja
como apêndice, portanto, apareciam na "Bíblia de
Mateus" (1537), na Grande Bíblia (1539), na Bíblia
de Genebra (1560), na Bíblia do Bispo (1568) e na
Versão Autorizada de Tiago I (1611). Mas a velha
controvérsia permaneceu e já em 1629 os
"Apócrifos" foram omitidos de algumas edições da
Bíblia Inglesa e, desde 1827, das edições da
Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, com
exceção de algumas Bíblias de púlpito. Hoje, aos
olhos dos protestantes, o valor dos "Apócrifos" vai
desde "edificante" a "sem valor religioso".
Parte Dois

Os APOCALÍPTICOS
5

A Mensagem e o Método dos


Apocalípticos
Falando em termos gerais, a literatura
apocalíptica judaica surge entre a literatura do
Antigo Testamento e a do Novo Testamento e está
intimamente associada com ambos. Por um lado, é
uma continuação do Antigo Testamento, visto que
em muitas de suas características é um desenvol-
vimento da profecia hebraica. Por outro lado, é
uma antecipação do Novo Testamento, porque
marca um importante período de transição, no qual
as crenças que surgem destes escritos, foram
adotadas e desenvolvidas dentro do arcabouço do
cristianismo; de fato, as importantes mudanças no
pensamento religioso que ocorreram no período
entre os Testamentos, seriam, até certo ponto,
inexplicadas e inexplicáveis, não fosse o fato de
que possuímos esse conjunto de literatura judaica.
Isso se aplica particularmente à idéia do Messias
em sua relação com o Filho de Homem e à crença
na vida após a morte. Esses dois conceitos serão
tratados nos dois últimos capítulos deste livro e
vão indicar a significativa contribuição dada pelos
apocalípticos para o desenvolvimento de
convicções religiosas durante o período
interbíblico.
Durante algum tempo, esses escritos
apocalípticos continuaram a ser populares entre os
cristãos. O padrão do apocalíptico judeu é evidente
no Cânon do Novo Testamento, particularmente no
Apocalipse de João e no assim chamado Pequeno
Apocalipse de Marcos 13; mas além desses, muitos
outros apocalipses foram escritos em imitação aos
antigos livros judaicos. Isso não é realmente
surpreendente, porque a mensagem dos escritores
judeus apocalípticos era bem alinhada com as
esperanças e expectativas dos cristãos. Ela dirigia
os homens deste mundo mau e atribulado para o
grande desdobramento do propósito do Deus Todo-
Poderoso que sustentava a história e o destino do
mundo na palma de sua mão. O dia em que ele
interviria com poder para estabelecer seu reino de
justiça e paz estava se aproximando rapidamente;
a Idade Messiânica, prestes a se manifestar, traria
consigo as bênçãos do Paraíso; o Grande Dia do
Julgamento iria testemunhar a ruína dos ímpios e a
vindicação dos justos; a Nova Era estava na
iminência de surgir, o Reino de Deus estava às
portas! Não é absolutamente surpreendente,
então, que tais ensinos tenham sido muito bem
reputados na igreja cristã, porque essa era
seguramente uma antevisão do triunfo daquele
mesmo reino no qual os próprios cristãos
acreditavam. Apenas quando arrefeceu a
expectativa dos cristãos na vinda de Cristo em
seus dias, esses livros e seus similares cristãos
perderam o prestígio, embora vez por outra, no
curso da história, a igreja tenha-se voltado para a
mensagem que os apocalípticos proclamaram, a
fim de renovar sua inspiração e encorajamento.
É possível traçar padrões e esquemas nos
pensamentos desses escritores, mas o leitor não
deve esperar encontrar rigorosa consistência ou
apresentação lógica nas idéias e crenças,
expressas nessa literatura. Como o Dr. F. C. Burkitt
observa: "O principal perigo agora é requerer um
padrão muito rígido de consistência e racionalidade
dos escritores, para os quais consistência e
racionalidade eram considerações totalmente
secundárias. Consistência e racionalidade
pertencem ao passado e ao curso dos eventos
neste mundo: a parte dos apocalípticos é estimular
seus companheiros por meio de esboços do futuro.
E um futuro em que tudo é coerente... o coração do
homem ainda não concebeu".25

1. A TRADIÇÃO APOCALÍPTICA
A literatura apocalíptica judaica que floresceu
de 165 a.C. a 90 d.C, deve muito à preparação dos
profetas do Antigo Testamento e à influência de
idéias estrangeiras, especialmente as relacionadas
à escatologia do Zoroastrismo do Império Persa.
Mas é verdadeiro dizer que ela tomou raízes no
tempo da perseguição sob Antíoco IV (Epifânio) e
prosperou na atmosfera da opressão, tortura e
ameaça de morte que prevalecia na Palestina ao
longo de todo o reinado desse monarca. A semente
já havia sido lançada, por assim dizer, em
passagens tais como Ezequiel 38-39, Zacarias 9-14,
certas partes de Joel e Isaías 24-27, que, de forma
muito interessante, estão elas próprias embutidas
na profecia; mas nos eventos que conduziram à
Revolta dos Macabeus, essa semente chegou ao
pleno florescimento. O primeiro, e
indubitavelmente o maior dos escritos apocalíp-
ticos, é o Livro de Daniel, escrito sobre um fundo

2581]ewish e Christian Apocalipses (Apocalipses Judaicos e Cristãos),


1914, p. 48
de perseguição, terror e morte. Desde o início ele
deve ter conquistado um lugar de honra entre
aqueles para quem foi escrito e deve ter causado
uma profunda impressão no povo judeu como um
todo; apenas o Livro de Daniel, dentre todos
aqueles que se seguiram, conquistou para si um
lugar no Cânon hebraico das Escrituras.

A, O Segredo Oculto
Praticamente em toda essa literatura, um
padrão definido pode ser traçado que, embora os
detalhes possamvariar, quase sempre é o mesmo
em linhas gerais. Os vários escritos reivindicam ser
revelações dos segredos divinos, os quais Deus
tornou conhecidos a certos indivíduos eleitos (de
Adão a Esdras) que pretendem ser os escritores
dos livros. Esses homens, por meio de visões e
coisas semelhantes, haviam sido iniciados em uma
compreensão dos segredos dos céus e
subseqüentemente os registraram em seus livros
"ocultos", como instrução para os justos. A
natureza dessa iniciação varia em diferentes partes
da literatura. Freqüentemente ela assume a forma
de uma translado, seja no espírito,26 seja no
corpo,27 ao próprio céu. Lá o vidente antigo é
iniciado nos segredos eternos do propósito divino
ou mesmo na própria presença de Deus.28 Vários
2682Cf. I Enoque 71.1. As palavras "subi para aqui", em Ap 11.12, ditas
ajoão na ilha de Patmos, provavelmente se refere a um translado do
espírito. Cf. também Ap 17.3; 21.10.
2783Cf. I Enoque 39.3,4; II Enoque 3.1; 36.1,2; 38.1; Testamento de
Abraão 7B, 8B; Apocalipse de Baruque 6.3; II Esdras 14.9. Isso nos lembra
das palavras de Paulo em II Co 12.2-4, onde ele relata como foi arrebatado
para o terceiro céu, "se no corpo ou fora do corpo, não sei".
2884Cf. I Enoque 14.9-17; 71.7-9; II Enoque 20.3; 22.1, etc. Há muitas
histórias lendárias, especialmente na literatura grega, da alma do homem
viajando pelo Hades ou pelo céu, seja após a morte, seja em um estado de
transe. Os apocalípticos, contudo, podem ter sido mais
profundamente'influenciados pela idéia do Antigo Testamento de um
dos escritos apocalípticos fazem referência às
"tábuas celestes", nas quais estão registrados os
segredos dos séculos. Em I Enoque, elas registram
"todas as ações dos seres humanos... desde as
mais remotas gerações" (81.2, cf. 93.2) e prediz a
injustiça que surgirá na face da terra (106.19;
107.1). Em outro lugar elas são chamados de "os
livros dos santos"; nelas, os anjos sabem do futuro
e assim estão aptos a preparar a recompensa dos
justos e dos ímpios (cf. 103.2; 106.19; 108.7).
Essa mesma idéia está presente no Livro de
Jubileus (cf. 1.29; 5.13; 23.30-32; 30.21-22, etc.) e
nos Testamentos dos Doze Patriarcas, nos quais
acredita-se que as tábuas celestes prevêem os
eventos futuros (cf. Testamento de Aser 7.5) e
coloca-se ênfase sobre o determinismo dos eventos
futuros29 (cf. Testamento de Aser 2.10; Testamento
de Levi 5.4).
Tais segredos, embora não se relacionem
particularmente às "últimas coisas", relatam todo o
propósito de Deus para o universo desde a criação
até o final dos tempos. A compreensão de tais
segredos ajuda os justos a discernir os sinais da
aproximação do fim e os estabelece em sua santa
fé.86 Muito freqüentemente a revelação concedida
ao eleitos antigos consiste em um relato da história
do mundo, culminando no Reino do Messias e a Era
Vindoura. Falando em termos gerais, o relato dado
é muito claro, sob os aspectos simbólicos, bem
ajustado à época na qual o próprio autor estava
vivendo; e então, inevitavelmente, o relato se torna

Conselho Celestial presidido por Deus e assistido por anjos e às vezes por
homens. Cf. I Reis 22.19 ss; Jó 1.6 ss; Is 6.6 ss; SI 89.7; Jr 23.18 ss. Essa
mesma idéia é desenvolvida a um grau extravagante no Judaísmo mais
recente (cf. Sanhedrin (Sinédrio) xxxviii. 6).
2985Para citações de determinismo na interpretação da história pelos
apocalípticos,
obscuro, porque embora o relato todo pareça ser
uma predição em nome dos videntes antigos, a
predição, propriamente dita, começa, de fato, a
partir dos dias do próprio autor. Desse ponto em
diante, o tempo dos eventos é rapidamente
precipitado, porque o fim está próximo. A natureza
do fim e os detalhes de sua vinda demonstram
uma grande diversidade de pensamento, mas
normalmente o escritor retrata a ruína dos ímpios e
o triunfo dos justos, seja neste mundo ou na vida
vindoura, seja num reino terreno ou num celestial,
em corpo físico ou em corpo "espiritual" renovado;
o Reino Messiânico, temporal ou eterno, é
anunciado e proclama ou inaugura a Era Vindoura,
quando os propósitos de Deus vão triunfar e Ele vai
viver com seu povo para sempre.87 Esse padrão de
revelação tendia a se tornarestereotipado e formai,
mas em sua origem, de qualquer modo, como no
Livro de Daniel, seu propósito era muito prático —
inspirar a nação com uma nova coragem e com
renovada esperança na vitória final do bem sobre o
mal, e no triunfo de Deus e seu Reino sobre todos
os poderes das trevas.

B. A Linguagem do Simbolismo
Toda essa literatura é abundante em
imaginação de gênero fantástico e estranho, a tal
ponto que o simbolismo pode ser considerado
como a linguagem apocalíptica. Parte desse
simbolismo é originado diretamente do Antigo
Testamento, cujas figuras e metáforas são
adaptadas e usadas como material para
representação figurativa. Porém, grande parte dela
tem origem na mitologia antiga. Essa influência
pode ser traçada mesmo no próprio Antigo
Testamento, mas nos apocalípticos é muito mais
plenamente desenvolvida. Alguns desses quadros e
alusões, sem dúvida, surgiram juntamente com os
próprios escritores apocalípticos sob a influência de
idéias estrangeiras e tornaram-se parte de seu
repertório comum.
De particular interesse é o antigo mito
babilónico de um combate entre o divino Criador e
um grande monstro marinho. Esse mito encontra
eco em diversas passagens do Antigo Testamento,
nas quais o monstro é muitas vezes descrito como
Dragão, Leviatã, Raabe ou Serpente.30 Em forma
babilónica e hebraica igualmente simboliza o
abismo caótico ou oceano cósmico (do hebraico
Tehôm; do babilónico Tiâmatf que é considerado
como um lugar de mistério e mal. Em outro lugar
eleé identificado com o Egito (cf. Salmos 87.4), que
em vários lugares é descrito sob a figura de um
grande monstro marinho (cf. Salmos 74.13ss;
Ezequiel 29.3; 32.2).
Esse mesmo monstro reaparece nos
apocalípticos em vários escritos de diversas datas.
No Testamento de Aser, por exemplo, o escritor
fala sobre a vinda do Altíssimo à terra e que ele
"rompeu a cabeça do dragão na água" (7.3; cf.
Salmos 74.13). Há uma tradição de que esse
dragão, descrito como Behemoth e Leviatã, será
devorado no Banquete do Messias por aqueles que
permanecerem na Era Messiânica (II Esdras 6.52; II
Baruque 29.4)31 Nos Fragmentos de Zadoque, a

3088Dragão (Jó 7.12; SI 74.13; Is 51.9; Ez 29.3; 32.2), Leviatã Qó 41.1; SI


74.14; 104.26; Is 27.1), Raabe Qó 9.13; 26.12; SI 89.10; Is 30.7; 51.9),
Serpente (Jó 26.13; Is 27.1; Amós 9.3).
89
Cf. Jó 7.12; 26.12; 38.8; SI 74.13; Is 51.10; Hc 3.8; Amós 7.4. Para o
poder de Deus sobre o abismo, ver também SI 33.7 s; 93.1 ss; 107.23-32;
Jonas 2.5-9, etc. Em Gn 1.2, 6 ss, Deus o Criador salva o mundo do poder
do caos em forma de oceano antigo.
3190No livro do Apocalipse o dragão aparece como Satanás e é inimigo do
Messias
mesma figura é usada para descrever "os reis dos
gentios" (9.19-20), enquanto que em Salmos de
Salomão a referência é ao general romano Pompeu
(2.29), sem dúvida, sob a influência de Jeremias
51.34, onde se faz referência a Nabucodonosor, rei
de Babilônia, em termos semelhantes.
Toda a literatura apocalíptica emprega
extensamente figuras de animais de todas as
espécies para simbolizar homens e nações. A figura
do touro, por exemplo, já familiar no Antigo
Testamento como símbolo da presença e do poder
de Deus,32 aparece particularmente em I Enoque
85-86 como símbolo dos patriarcas de Adão a
Isaque. Em uma passagem, ele representa o
Messias humano e os membros de seu reino que se
tornam touros brancos, assim como Adão (I Enoque
90.37-38). Os justos que seguem os patriarcas são
descritos sob a figura de ovelhas ou cordeiros, sem
dúvida sob a influência de Ezequiel 34.3,6,8, onde
o mesmo simbolismo é usado.33 Moisése Aarão, e
muitos outros depois deles, são descritos desse
modo (I Enoque 89.16, é). Davi e Salomão, por
exemplo, são retratados como ovelhas até que
assumem o trono, quando então se tornam
carneiros (I Enoque 89.45, 48). O Messias, como já
vimos, é um touro branco mas, ao entrar em seu
reino, ele se torna um cordeiro (I Enoque 90.38)
Judas Macabeus é descrito como um carneiro
(90.14) e em outro lugar como um grande chifre
(90.9). O carneiro é, naturalmente, um símbolo

32e de seus santos (cf. 12.9,20.2). Na literatura rabínica é feita uma


referência ao banquete messiânico; na literatura de Qumran a "Norma da
Congregação" descreve alguns preparativos para um banquete que será
presumivelmente preparado na nova era (ver p.129). MCf. Ex 32.4 ss; I
Reis 12.26 ss; Oséias 10.5, etc.
3392Cf. também SI 74.1; 79.13; 100.3; Jr 23.1, nos quais Israel é citado
como ovelha das pastagens de Deus.
bem conhecido de poder e dominação (cf. Ezequiel
34.17; 39.18) e é encontrado também em outros
escritos apocalípticos (cf. Daniel 8.3s, etc).
Os apocalípticos fazem uso freqüente de
bestas selvagens e aves de rapina para simbolizar
as nações dos gentios. Sem dúvida, eles foram
influenciados por passagens tais como Ezequiel
39.17 ss e talvez também pelo Livro de Jó e o Livro
de Provérbios, os quais demonstram grande
interesse pela natureza e fazem referência
freqüente a figuras de animais de muitas espécies.
A lista mais extensa se encontra em I Enoque 89.10
ss onde as várias nações gentílicas são descritas
sob a figura de leões, tigres, lobos, cachorros,
hienas, javalis selvagens, raposas, esquilos, porcos,
falcões, urubus, milhanos, águias e corvos. No
Testamento de José 19.8, porém, o leão é usado
para representar Judá, e em U Esdras 11.37 ele
simboliza o Messias.34 Neste último caso, o leão,
falando com uma voz de homem, repreende e
então destrói a "águia" (11.37 ss) que, como diz o
autor (12.11), representa o quarto reino na visão
de Daniel (Daniel 7.23), identificado aqui com
Roma. Na visão de Daniel, saem do mar quatro
grandes bestas que não-pertencem a nenhuma
espécie conhecida. A primeira é como um leão com
asas de águias (7.4); a segunda é como um urso,
tendo três costelas em sua boca (v. 5); o terceiro é
como umleopardo com quatro asas (v. 6); o quarto
é uma besta com dez chifres e grandes dentes de
ferro (v. 7). Por meio desse estranho simbolismo,
cujas raízes remontam à antiga mitologia, o autor
descreve os quatro grandes Impérios da Babilônia,
Média, Pérsia e Grécia.

3493Cf. Ap 5.5 onde o Messias é chamado "o Leão da tribo de Judá".


Assim como homens e nações são
simbolizados por animais, assim também os anjos
bons são simbolizados por homens35 e os anjos
caídos por estrelas.36 Este último é encontrado
particularmente em I Enoque 85-90, onde Enoque,
em visão, vê uma estrela, representando Azazel, o
príncipe dos anjos caídos, caindo do céu, seguido
por muitas outras estrelas, representando todas as
suas hostes (85.1 ss). Outra versão dessa história
conta como os anjos caídos coabitaram com as
filhas dos homens que geraram uma raça
monstruosa de gigantes (I Enoque 7.1 ss; 15.1 ss;
86.1 ss).37 Esses gigantes foram destruídos pelo
Dilúvio, mas seus espíritos foram deixados soltos
como demônios para corromper todo o gênero
humano (15.8 ss). Os anjos caídos, chamados de
"Vigilantes" (o nome é usado para o primeiro grupo
em Daniel 4.13,17, 23), serão punidos antes
mesmo do Juízo Final, mas a punição dos demônios
será reservada até aquele Grande Dia (cf. I Enoque
10.6; 16.1; 19.1).38
Outra forma de simbolismo que pode ser
encontrada nos escritos apocalípticos é o dos
números, especialmente os números 3, 4, 7, 10 e
12 ou seus múltiplos.39 Cada um delestem um
significado religioso peculiar no Antigo Testamento
e pelo menos alguns deles aparecem muito

3594Cf. I Enoque 87.2 ss; 89.59; 90.21; Testamento de Levi 8.2; II Enoque
1.4, etc. Para um uso um pouco similar no Antigo Testamento, ver Gn 18.2
ss; Ezequiel 9.2, etc.
3695Cf. Ap 1.20 em que essa linguagem é usada para descrever "os anjos
das sete
37igrejas".
3896Cf. Gn 6.1 ss para um relato bíblico sobre esse velho mito em que o
mal é relacionado aos anjos caídos.
3997Essa crença é expressa também em Jubileus 10.5-11 e é sugerida em
Mt 8.29: "Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo". '«Ver também pp.
106 ss, 137.
freqüentemente nas fontes babilónica e persa.
Uma importância especial é atribuída ao número 7,
denotando compleição ou perfeição, que aparece
nos escritos apocalípticos de todo o período
interbíblico em passagens numerosas demais para
mencionar."

C. A. Eenda de Esdras
Um bom esclarecimento é dado sobre a
tradição dessa literatura apocalíptica pela suposta
lenda de Esdras, contida no capítulo 14 de II
Esdras, mas sem dúvida, extraída de uma fonte
independente. Ela nos diz como, ao sentar-se
debaixo de um carvalho, Esdras ouviu uma voz
chamando-o de um arbusto, convidando-o a
guardar em seu coração os sinais que Deus lhe
mostraria, da mesma maneira como se havia feito
a Moisés no passado; a ordem mundial presente
eslava chegando rapidamente a um fim e ele em
breve deveria ascender para estar com o Messias.
Por isso, foi-lhe ordenado separar quarenta dias
nos quais, sob inspiração «divina, ele deveria ditar
a cinco companheiros escolhidos "tudo o que
aconteceu no mundo desde o início, mesmo as
coisas que estavam escritas na tua lei". Esdras fez
como lhe foi ordenado e em quarenta dias ditou
aos cinco homens noventa e quatro livros.40 O
Todo-poderoso, então, deu-lhe esta injunção: "Os
vinte e quatro livros que tu escreveste proclamam
o que o digno e o indigno podem ler (nesse lugar);
mas os setenta restantes tu deves guardar,
entregá-los aos sábios entre o povo" (14.45-46).

4098Cf. II Enoque 23.3 s, onde Enoque escreve 366 livros ditados pelo
arcanjo Vretil, e A Assunção de Moisés 1.16; 10.11; 11.1, onde Moisés
recebe a ordem de preservar os livros celestiais que Deus havia entregado
a ele.
Essa narrativa é uma reaplicação da tradição
familiar
de que Esdras foi o restaurador da Lei de
Moisés que, segundo se acreditava, havia sido
queimada (14.21) quando Jerusalém foi destruída
por Nabucodonosor. No Monte Sinai, Moisés havia
recebido uma revelação divina em que Deus "disse
a ele muitas coisas assombrosas, mostrou-lhe os
segredos dos tempos, declarou a ele o fim das
estações" (14.5). As palavras da Lei ele deveria
anunciar abertamente, mas a tradição secreta
concernente às crises da história do mundo, ele
deveria guardar para si (14.6). Parece óbvio que o
escritor tinha em mente aqui a tradição
apocalíptica que se acreditava ter sido recebida de
Moisés junto com a sagrada Lei e agora restaurada
por Esdras, sob a inspiração de Deus. Os vinte e
quatro livros que deveriam ser anunciados
abertamente eram os livros da Escritura canónica,
e os setenta que seriam mantidos em segredo e
entregues apenas aos sábios, eram os escritos
apocalípticos esotéricos. O número setenta é, sem
dúvida, usado simbolicamente para significar uma
figura compreensiva e provavelmente com o
objetivo de incluir não apenas esses livros
apocalípticos, conhecidos e desconhecidos, que
aparecem sob o nome de Moisés, mas também
uma coleção mais ampla de escritos apocalípticos,
incluindo o próprio livro, em que esses eventos são
registrados.
Essa lenda de Esdras, então, reivindica, na
prática, para a tradição apocalíptica, um lugar de
valor e autoridade no Judaísmo. Indubitavelmente,
ela reflete a crença conscienciosa em certos
círculos apocalípticos ______________
99
A popularidade do número 7 é óbvia no Livro de Apocalipse, onde
ele ocorre 54 vezes.
daquele tempo, de que esse tipo de literatura,
como a própria Tradição Oral (cf. Pirke Aboth 1.1),
poderia remontar sua origem à revelação dada por
Deus a Moisés, no Monte Sinai. Tem-se sugerido
que "Em Esdras e seus cinco companheiros pode
haver uma alusão oculta ao grande rabino Joana
ben Zakkai - o reformador do judaísmo depois de
cerca de 66-70 d.C. - e seus cinco famosos discí-
pulos".41 Nesse caso, fortalece ainda mais o
argumento deque o autor está aqui reivindicando
para a tradição apocalíptica um lugar essencial na
vida do Judaísmo reformado.

2. O APOCALÍPTICO E A PROFECIA
Os escritores apocalípticos acreditavam que
se mantinham na verdadeira tradição profética das
Escrituras do Antigo Testamento e estavam
convencidos de que, como aqueles profetas, eles
também tinham uma mensagem de Deus.42 Em
particular, preocuparam-se com o elemento
prognóstico que encontravam na profecia e que
havia sido grandemente negligenciado nos
métodos rabínicos de seus dias. Seu método era
examinar as predições feitas no passado, que não
haviam sido cumpridas no sentido literal das
respectivas passagens, e ver nelas significados
ocultos e simbólicos que eles passavam a
reorganizar e reinterpretar. Assim ao reinterpretar
e reaplicar a mensagem de uma profecia às
sucessivas gerações, eles mostraram que ela era
não apenas uma "previsão" mas uma "predição" da

41101G. H. Box, The Ezra-Apocalypse (O Apocalipse de Esdras), 1912, p.


314.
42102Os rabinos também fazem essa reivindicação para si. No Talmude as
seguintes palavras são colocadas na boca de um rabino do terceiro século
d.C: "A profecia era tirada dos profetas e era dada aos sábios, e ela não
tem sido tirada deles" (Baba Bathra 12 a).
palavra de Deus. Por essa razão, o apocalíptico
tem, às vezes, sido descrito como profecia "não
cumprida", o que até certo ponto é verdade. Um
exemplo disso pode ser encontrado na predição de
Jeremias sobre os setentas anos de cativeiro antes
da restauração final (Jeremias 25.11, 29.10), que é
interpretada pelo escritor de Daniel como as
setenta semanas de anos (9.24) e pelo escritor de I
Enoque como os setenta reinos dos setenta
"pastores" ou anjos comissionados por Deus para
pastorear seu povo de Israel (89.59 ss). Outro
exemplo é a profecia registrada em Daniel 7.23.
Nesse relato, a quarta besta obviamente
representa a Grécia,43 mas em II Esdras12.11 ela
recebe uma interpretação inteiramente nova e
agora representa Roma.44
A forma que a mensagem dos apocalípticos
assumiu era, em muitos aspectos, diferente da dos
profetas; não obstante, ela era a verdadeira
continuação e o desenvolvimento da mensagem
profética e, em vários aspectos, conduzia a sua
conclusão lógica. Isso pode ser ilustrado pela
referência a três aspectos de sua mensagem - a
concepção da unidade da história, as idéias
escatológicas e a crença a respeito da forma de
inspiração divina.

A. A Unidade da História
O Dr. R H. Charles afirma que foram os
"apocalípticos e não a profecia que primeiro
apreendeu o importante conceito de que toda a
história, humana, cosmológica e espiritual, cons-
titui uma unidade", que "Daniel foi o primeiro a

43103Ver p. 100.
44104Uma interpretação similar é dada para Dn 7.23 no Talmude
Babilónico "AbodaZara" \ b.
ensinar a unidade de toda a história humana, e que
toda nova fase dessa história era um estágio a
mais no desenvolvimento do propósito de Deus".45
Mas, ao escrever assim, o Dr. Charles, em seu zelo
pelos apocalípticos, não faz muita justiça aos
profetas. A crença no monoteísmo e no propósito
universal de Deus são correlativas e podem ser
encontradas implicitamente em Amós e explici-
tamente em Deutero-Isaías. O olhar desses
profetas percorre, iniscriminadamente, todo o
passado, presente e futuro, unindo toda a história
em um único plano, concebido e controlado por
Deus. Talvez seja verdade, como diz o Dr. Charles,
que "visto que a profecia incidentalmente tratou do
passado e devotou-se ao presente e ao futuro
como originado organicamente do passado, os
apocalípticos, embora seu interesse esteja
principalmente no futuro, como contendo a solução
dosproblemas do passado e do presente,
consideram, em seu campo de visão, as coisas do
passado, do presentes e do futuro".46 Isso, porém,
não implica necessariamente que os profetas não
compreenderam, do mesmo modo, o conceito da
unidade da história; de fato, a evidência de seus
escritos implica que eles compreenderam tal
conceito. Mas se os profetas foram os primeiros a
apreender esse conceito, ficou para os
apocalípticos completarem sua lógica.
Seguindo a orientação dos profetas, os
apocalípticos começaram a relacionar os dados da
história uns com os outros e traçaram uma
conexão entre eles no propósito divino da história
subjacente. Eles viam e interpretavam os eventos

45105'Commentary on Daniel (Comentário sobre Daniel), 1929, pp. xxv,


cxiv-cxv.
46106Eschatology (Escatologia) 1913, p.183.
da história sub specie aeter nitatis, observando em
sua aparente confusão uma ordem e um alvo. "Os
apocalípticos criam em Deus e criam que Ele tinha
alguns propósitos para o mundo que havia criado, e
que Seu poder era totalmente suficiente para
realizá-los. De fato, a fé dos apocalípticos vai além
da fé no controle divino da história. E uma fé na
iniciativa divina na história para a realização de seu
alvo final".47
O avanço dos apocalípticos sobre os profetas,
a esse respeito, pode ser visto em duas direções:
eles começaram a elaborar a história em vastos
períodos não apenas sistematicamente, mas
deterministicamente. Era conhecida entre eles uma
tradição secreta concernente às crises da história
mundial, associadas com o nome de Moisés, que
assume diferentes formas em diferente escritos.
Em A Assunção de Moisés 10.12, o escritor
descreve Moisés dizendo: "Desde minha morte até
o advento dele haverá CCL tempos", isto é, 250
semanas de • anos ou 1.750 anos que, quando
somados aos 2.500 anos que já haviam decorrido
antes da morte de Moisés, totalizam aduração da
história do mundo em 85 jubileus ou 4.250 anos.
Esse esquema de história é sistematizado ainda
mais no Apocalipse das Semanas (I Enoque 93.1-
10; 91.12-17) onde é dividido em dez "semanas"
de duração desigual,48 cada uma delas marcada
por um grande evento. Do ponto de vista do
escritor, as primeiras sete semanas estão no
passado e as últimas três semanas, no futuro,
sendo o Reino Messiânico estabelecido na oitava
semana e continuando até o final da décima
47107H. H. Rowiey, The Relevance of Apocalyptic (A Relevância do
Apocalíptico) 1944, p. 142.
48108Cf. Os Oráculos Sibilinos, Livro IV, linhas 47 ss, onde a história
mundial é também dividida em dez "gerações".
semana, quando ocorre o Juízo Final. Em outros
escritos, a divisão é feitas em sete partes
(Testamento de Abraão 17, 19) ou em doze partes
(Apocalipse de Abraão 20, 28; II Esdras 14.11; II
Baruque 53.6; 56.3). Essas divisões de tempo
sistematicamente arranjadas formam uma unidade
de história através da qual pode ser traçado o
infalível propósito de Deus. A presente era chegará
ao fim no Juízo final ou no estabelecimento do
Reino Messiânico.
Os apocalípticos não apenas dividiram a
história em diferentes períodos de tempo; a
história, assim concebida, havia sido determinada
de antemão pela vontade de Deus e revelada a
seus servos. Deus havia estabelecido nas tábuas
celestes49 a ordem fixa de eventos, da qual não
poderia haver nenhum desvio. 'Torque aquilo que
está determinado será feito" (Daniel 11.36). Ele
determinou de antemão os destinos de Israel e das
nações (A Assunção de Moisés 12.4 s) e registrou
todos os fatos da humanidade (Jubileus 1.29); ele
trará o fim a esta era presente quando o tempo
pré-deterrninado estiver cumprido (II Esdras 4.36;
11.44). Os homens não podem alterar o que foi
predeterminado por Deus, mas podem, pelo
menos, investigar o esquema da história e tentar
descobrir em que ponto eles mesmos se encontram
pela identificação dos eventos históricos passados
com eventos específicos no esquema. O cálculo
dos tempos, portanto, torna-se uma parte muito
importante do trabalho dos apocalípticos e os leva
quase sempre à conclusão de que eles estão nos
últimos dias. Por trás de tudo isso, desde o início
até o fim, está o propósito predeterminado de Deus
unindo a história como um todo.
49109Ver pp. 96 s.
Dois fatores ajudaram os apocalípticos a
alargar e desenvolver sua concepção de unidade
da história. Um foi a influência externa do
Zoroastrismo;50 o outro foi a influência interna das
crenças e condições do Judaísmo e do Estado
judeu.
Uma característica do ensino do Zoroastrismo
era a idéia de que o mundo duraria por um período
de doze mil anos, consistindo de quatro eras de
três mil anos cada uma. Durante a primeira era,
tudo é invisível;51 durante a segunda, o grande
deus Ahura-Mazda cria o mundo material e o
homem; durante a terceira era, Angra-Mainyu, o
grande espírito mau, assume o poder sobre os
homens; durante a quarta, os homens
gradativamente se aproximam do estado de
perfeição por meio da obra de Shaoshyant, o
salvador. Os escritores iranianos, dividem a história
em duas grandes épocas mundiais e formulam
esquemas complexos e sistemas de medida bem
semelhantes aos apocalípticos judeus. Não resta
dúvida de que esses apocalípticos foram muito
influenciados pelo pensamento iraniano nesse
aspecto particular. Não deixa de ter significado, por
exemplo, que o número 12, que representa um
símbolo tão importante no Zoroastrismo, aparece
tão freqüentemente nas divisões da história feitas
pelos judeus. Os escritores apocalípticos judeus,
então, adotaram essa concepção iraniana das •
grande épocas do mundo. Eles a empregaram para
tornar mais vívida e mais abrangente a idéia que
receberam dos profetas,de uma unidade da história

50110Ver pp. 21 ss.


51111Cf. II Enoque 24.4: "Pois antes todas as coisas eram visíveis,
somente eu me ocupava das coisas invisíveis".
conduzida pelo infalível propósito do Deus Todo-
Poderoso.
O segundo fator que influenciou esses
escritores foi a natureza das crenças prevalecentes
e as condições da Palestina. Desde os tempos da
Revolta dos Macabeus em 167 a.C, até a destruição
do Templo em 70 d.C, o povo judeu existiu como
nação, em muitos aspectos bem semelhantes a
outras pequenas nações da Palestina. Mas eles
eram muito mais conscientes das diferenças entre
eles mesmos e os outros do que de quaisquer
semelhanças. A nação judaica não podia ser
comparada em poder material com os grandes
impérios dos Selêucidas e dos Ptolomeus; apesar
disso, eles criam que tinham um papel imperial a
desempenhar na história da civilização. Essa é a
impressão que o livro de Daniel transmite, por
exemplo, ao contemplar o pleno cumprimento do
propósito de Deus através de seu povo, os judeus.
Aqui "os grandes reinos dos gentios, como a
supremacia grega dos Selêucidas e dos Ptolomeus,
que parecia tão soberana e terrível, são mostrados
como fases de um processo mundial, cujo fim é o
Reino de Deus".52 Nas visões registradas nos
capítulos 2, 7 e 8 o escritor vê a queda dos grandes
impérios da Babilônia, Média, Pérsia e Grécia. Os
pronunciamentos de julgamento divino não são
mais, como em Jeremias e Ezequiel, feitos em
partes; aqui em Daniel nós temos, nas palavras do
Dr. E C. Burkitt, "uma filosofia da história
universal".53 A nação judaica, embora pequena, vê
a si mesma contra o pano de fundo de forças
poderosas; essa perspectiva havia se tornado
realmente cosmopolita. Ela não é inferior às

52112E. Bevan, ap. cit., p.86.


53113Op. cit., pp. 6-7.
grandes nações; pelo contrário, é superior, porque
elas podem perecer, mas Israel herdará o reino
preparado por Deus. Esse panorama dos eventos
mundiais, nos quais a nação deveria desempenhar
um papel tão vital, possibilitou aosapocalípticos
uma visão mais ampla da unidade da história do
que havia sido possível aos profetas antes deles.
O propósito divino que percorreu toda a
história não iria, contudo, cessar com o clímax da
história, porque "o Altíssimo não planejou uma Era,
mas duas" (II Esdras 7.[50]). O cosmos não pode
ser reduzido a um todo harmonioso; há um
contraste marcante entre esta era presente de
impiedade e a era futura de justiça.54 Contudo, há
uma ligação entre as ordens temporal e eterna que
não pode ser rompida; é o propósito de Deus que
une as duas ordens e elas afinal serão vindicadas
na vindicação de seu povo. E assim o estudo
apocalíptico da história passa pela escatologia; o
propósito de Deus, que encontra sua realização na
história, deve buscar sua justificação além da
história.

B. As Últimas Coisas
O Dr R. H. Charles acertadamente salienta
que as profecias e os apocalípticos, cada um tem
sua própria doutrina das "últimas coisas", e
enfatiza a diferença entre elas;55 mas deve também
ser lembrado que as linhas gerais da escatologia
profética foram assumidas pelos apocalípticos e
permaneceram como parte essencial de seu
ensino, apesar das modificações e desen-

54114Cf. Apocalipse de Abraão 29,31,32. Esse dualismo provavelmente


deve muito à influência do Zoroastrismo. Ver p. 21. *
551150p. Cit., pp. 177 ss.
volvimentos que se deram por meio desse ensino.
Como veremos mais adiante no próximo capítulo,56
prevaleceu em certos círculos apocalípticos, a idéia
de um reino pertencente a este mundo, no qual os
judeus triunfariam e os gentios seriam destruídos.
Essa esperança na restauração de Israel estava em
harmonia com muitos ensinos proféticos do Antigo
Testamento.57 Em outros lugares, entretanto, a
influência do pensamento persa *foi
profundamente percebida com sua visão dualística
do mundo e sua visão transcendente do Messias.58
Porém mesmo então, os apocalípticos eram
conscientes de seu lugar na tradição profética,
porque eles continuavam a ler os profetas antigos
à luz da futura esperança e a interpretar suas
profecias em termos das novas expectativas
escatológicas.
A crença dos apocalípticos na vida após a
morte ia além de qualquer coisa que pudesse ser
encontrada nos profetas e foi, sem dúvida, também
nesse caso, novamente influenciada pelo
pensamento persa. Porém mesmo assim essa
crença era fundamentada na esperança profética
da restauração — não apenas da nação, em um
reino terreno, mas também do indivíduo, em um
reino celestial.59
De particular interesse nesse contexto é a
concepção apocalíptica do Dia do Juízo Final que
pode ser descrita como uma especialização do
profético Dia do Senhor. H. Wheeler Robinson vê
neste "Dia" profético quatro características - julga-

56116Ver capítulo 6.
57117Cf. Sf 3.8-13; Naum 1-3; Is 13.1 ss; 52.3 ss; Ml 3.2 ss; Joel 3.1 ss, 12
ss; Zc 14.1 ss, etc
58118Verpp. 21 s e l 3 0 s s .
59119Para uma abordagem mais completo desse assunto, ver capítulo 7.
mento, universalidade, intervenção sobrenatural e
proximidade. Além disso, ele observa quatro
aspectos contidos nesse dia — ele enfoca a
manifestação do propósito de Deus na história; é
um dia no qual Deus age e não simplesmente fala;
é um dia em que Deus vai se revelar vitorioso na
ordem do mundo presente e estar em cena na
história humana; é um dia que introduzirá uma
nova era na terra.60
E interessante observar que todas essas
características e aspectos podem ser identificados
no Dia do Juízo Final dos apocalípticos. Há
diferenças, é verdade, algumas das quais podem
ter sido causadas por influências estrangeiras; mas
na grande maioria dos casos, essas diferenças
aparecem comodesenvolvimentos da idéia
profética. Por exemplo, a ênfase passa
gradativamente a ser colocada, não tanto no juízo
de Deus restrito no tempo e no plano da história,
como no julgamento de Deus além do tempo e
acima da história; a idéia de julgamento não estava
mais confinada aos vivos, mas se estendia para
incluir também os mortos; em vez de tomar a
forma de uma grande crise ou crises na história,
determinando o destino das nações, o Juízo Final
tendia a assumir um caráter definitivamente
forense, em que os homens seriam julgados
individualmente.61 Então, embora fossem
influenciados por idéias estranhas à tradição
hebraica, os apocalípticos não perderam a visão do
ensino profético concernente à esperança futura,
mas a expandiram e a enriqueceram a partir de
seu próprio discernimento e experiência religiosos.
60120Cf. Inspiration and Revelation in the Old Testament (Inspiração
e Revelação no
Antigo Testamento), 1946, pp. 137 ss.
61121Ver pp. 153 ss.
C. A Forma de Inspiração
Tem-se sugerido, às vezes, que o apocalíptico
é simplesmente uma imitação da profecia, uma
tentativa de cumprir a palavra das Escrituras, por
um meio que não tem relação com o presente,
porque se origina da reflexão literária. Certamente
é difícil determinar até que ponto eles tiveram uma
experiência genuína de inspiração e até que ponto
foi uma inspiração convencional do tipo literário.
Mas os apocalípticos não eram meros plagiários,
copiando e reproduzindo em estilo formal o que os
profetas haviam falado. Eles eram homens
profundamente religiosos que acreditavam que,
como os profetas antes deles, sua mensagem era
de Deus e que escreviam por compulsão divina.
Como os profetas, os apocalípticos também
compartilhavam da crença popular de que o
Espírito de Deus tem pleno ' acesso à natureza do
homem, e desenvolveram essa crença para incluir
os espíritos do mal, que como o Espírito de Deus,
são invasivos, isto é, podem tomar posse de um
homem e exercer controle sobre ele. Segundo
todas as probabilidades, as descrições de
inspiração na qual um homem se tornou "possuído"
passaram a ser, em grande parte, uma convenção
estereotipada nesse tipo de literatura; mas é
possível que nos livros apocalípticos essa descrição
reflita uma experiência pessoal do próprio escritor.
Em II Esdras 14, há uma tentativa de racionalizar
idéias prévias de inspiração, que representavam a
natureza do homem como aberta à incursões ou
"possessões" do Espírito de Deus. Nessa passagem,
o espírito é considerado (como nos tempos pré-
exílicos) de maneira muito material. O profeta
recebe a ordem de beber uma taça "cheia de
líquido como água, mas sua cor era como a do
fogo" (14.39). Essa é a taça da inspiração, cheia do
espírito santo, por meio da qual ele pôde ditar os
vinte e quatro livros das Escrituras e os setenta
escritos apocalípticos. Ao contrário dos profetas do
Antigo Testamento, que entravam em êxtase,
Esdras descobre que suas faculdades são
fortalecidas e não enfraquecidas, e em particular,
sua mente é esclarecida, de maneira que ele pode
se lembrar perfeitamente dos escritos sagrados.
Essa literatura faz muitas referências à
possessão de demônios - ocasião em que, a
demonologia, de fato, passa a ser reconhecida - e
considera os espíritos malignos como seres
enviados para invadir a vida dos homens (cf.
Testamento de Dã 1.7; Testamento de Zebulom
2.1; 3.2; O Martírio de Isaías 3.11; etc.) Essa
personalização de poderes malignos, sem dúvida,
encorajada pela influência persa, reflete as crenças
desses escritores e afirma sua própria consciência
sobre a realidade dos poderes invasivos, tanto do
bem quanto do mal.
Esses escritos fazem freqüentes menções a
instrumentos tais como sonhos, visões, transes e
audições, por meio dos quais Deus transmite sua
revelação aos anciãos justos, em nome de quem o
autor escreve. Na grande maioria dos casos, é
quase impossível dizer quando a experiência
anormal retratada é algo mais que um mero
dispositivo literário ou convenção. O que o Dr.
Charles diz é, sem dúvida, verdadeiro. "Assim
como, às vezes, o profeta usa as palavras: Assim
diz o Senhor', mesmoquando não havia experiência
física real em que ele ouviu uma voz, mas quando
ele desejava relatar a vontade de Deus que havia
alcançado através de outros meios, assim também
o termo Visão' passou a ter um uso convencional
semelhante em ambos, tanto na profecia como no
apocalíptico".62 Ao mesmo tempo, entretanto, não
deve ser esquecido que a inspiração pode
influenciar o convencional e o clichê. Não há
garantia de que a mensagem inspirada será
transmitida em sua forma original. O fato de os
profetas, por exemplo, fazerem uso de uma forma
convencional comum, isto é, versificação rítmica,
de modo algum afeta a inspiração final; e dizer que
os apocalípticos, em suas elocuções, fazem uso de
alguma forma de convenção literária, não
necessariamente implica que eles eram menos
inspirados por fazerem isso. Muitas dessas
convenções literárias bem podem ter experiências
psicológicas por trás.
Na verdade, muitas das experiências
registradas aqui, concernentes ao suposto escritor
do livro, são tão verdadeiras psicologicamente que
é difícil ver nelas algo mais que a expressão da
convenção literária. Ao receber a divina revelação,
ele se deitava no chão como um morto (II Esdras
10.30; cf. Daniel 8.17 s; etc), ele ficava tão
dominado que mal conseguia descrevê-la
adequadamente (II Esdras 10.32, 55 s; cf. II Co
12.4), ele está não apenas alarmado em seus
pensamentos (Dn 7.28), mas está até mesmo
fisicamente doente (Dn 8.27) e perde com-
pletamente a consciência (Dn 8.18); às vezes ele é
até mesmo insensível a todo sofrimento físico,
como também vê seu próprio corpo à distância (O
Martírio de Isaías 5.7). Nesses exemplos e em
muitos mais, somos tentados a ver uma projeção
da própria experiência física do apocalíptico. É
assim que o escritor pensava que se recebia a
62122Op cit., p. 176.
inspiração, e então há pelo menos um argumento a
prioripara a possibilidade de ele tarnbém compar-
tilhar tal experiência. Ele atribui tais experiências a
alguém, em nome de quem ele escreve, como
também esperava ter ao receber uma mensagem
para si mesmo, e algumas dessas experiências
talvez tenham sido, de fato, genuínas, nas quais
ele acreditava estar divinamente inspirado.
Talvez seja uma avaliação verdadeira dizer
que na inspiração apocalíptica temos um elo entre
a inspiração original dos profetas e a inspiração
mais moderna de gênero literário. Muitas e muitas
vezes os apocalípticos mostram que acreditavam
que eles mesmos estavam escrevendo sob a
influência direta do Espírito de Deus, de uma
maneira semelhante àquela dos profetas, e mesmo
quando aceitavam a estrutura literária convencio-
nal, como freqüentemente faziam, eles ainda
acreditavam que estavam divinamente inspirados.

3. PSEUDONÍMIA
Em um aspecto importante os apocalípticos
diferiam dos profetas na tradição que seguiam. Os
profetas falaram do ponto de vista de seus próprios
dias e, segundo a orientação de Deus,
proclamavam seus oráculos em seu próprio nome;
os apocalípticos escreveram do ponto de vista de
uma era anterior e, ainda segundo a orientação de
Deus, escreveram seus oráculos em nome de
outro. Falando de forma geral, é verdadeira a
afirmação de que os apocalípticos são
pseudonímicos. Os autores escreveram em nome
de algum homem notável do passado a quem foi
dada uma revelação das coisas vindouras; ele era
incumbido de selar essa revelação e mantê-la em
segredo até o tempo designado. De acordo com o
livro, chegaria a hora em que o segredo seria
revelado, porque o fim estava às portas. Esse
fenômeno de pseudonímia já era conhecido há
muito tempo pelos egípcios e também era popular
entre os gregos. Mas a forma particular que ela
assumiu na Palestina parece indicar um
desenvolvimento inato e uma expressão do pensa-
mento nativo hebraico.

A. Recurso de Literatura
Uma explanação bem conhecida sobre a
origem da pseudonímia judaica é sugerida pelo Dr.
R. H. Charles, ao afirmar que, desde o tempo de
Esdras em diante, a Lei reivindicava uma auto-
suficiência que não deixava espaço para novas
revelações da verdade além dela mesma. A
inspiração estava morta; a voz da profecia estava
emudecida. Porém, os apocalípticos acreditavam
que eles eram os portadores de novas revelações
de Deus. "Para o recebimento de nova fé e nova
verdade, a Lei era um obstáculo, a menos que os
livros que as contivessem, fossem apresentados
sob a égide de certos grandes nomes do passado.
Em relação à reivindicação e autoridade de tais
nomes, os representantes oficiais da Lei foram, em
parte, reduzidos ao silêncio".63 Em apoio a esse
ponto de vista, ele afirma que em cerca de 200 a.C,
o Cânon profético foi definido e assim nenhum livro
de caráter profético pôde ser incluído depois. Além
disso, à medida que a Hagiografia (a terceira seção
do Cânon) crescia e se cristalizava, um teste para
qualquer livro ser admitido era que ele fosse pelo
menos do tempo de Esdras, quando a inspiração foi
considerada encerrada. Se, então, os apocalípticos
desejavam obter aceitação, era necessário que

63123Op cit., p.203.


publicassem seus livros em nome de alguma
pessoa pelo menos contemporânea de Esdras.
Porém, mais que o fato de a Lei não exercer a
"autocracia incontestada" que o Dr. Charles atribui
a ela, essa explanação acusa os apocalípticos não
apenas de engano, mas também de credulidade
por acreditarem que esse engano seria aceito por
seus leitores com esse valor aparente. De fato, há
fortes razões para acreditar que os judeus não
estavam particularmente interessados em autoria
como essa; nem há evidência de que seus livros
não teriam sido lidos, tivessem eles sido redigidos
simplesmente como anônimos ou em seus próprios
nomes.
Outra explicação foi proposta pelo Dr. H. H.
Rowley ao dizer que "a pseudonímia do Livro de
Daniel foi provenientede sua gênese, e que não foi
pretendida conscientemente desde o início, mas
que sucessivos escritores servilmente copiaram
essa característica, como se fosse parte de uma
técnica apocalíptica".64 A sugestão é que as
histórias da primeira parte de Daniel foram
redigidas como mensagens para a época, a maioria
delas centradas na figura de Daniel. O autor dessas
histórias, cuja identidade não foi revelada, depois
registrou um relato de suas visões, e "escreveu-as
à guisa de Daniel, não para enganar seus leitores,
mas para revelar sua identidade com o autor das
histórias de Daniel. A pseudonímia nasceu então de
um processo vivo, cujo propósito era justamente o
oposto de enganar. Isso apenas se tornou artificial
quando foi grosseiramente copiado por
imitadores".

B. Extensão de Personalidade

641240p cit., p.36.


E perfeitamente possível que a adoção de um
pseudônimo por parte de alguns desses escritores
era de fato um recurso literário, que foi
subseqüentemente copiado por outros, e que a
gênese da pseudonímia possa ser traçada até os
escritos do Livro de Daniel, do modo como H. H.
Rowley descreve. Mas no caso de certos deles, de
algum modo, talvez haja razão para acreditar que
seu uso não indica simplesmente uma convenção
literária, mas uma genuína experiência de
inspiração.
Isso pode ser melhor explicado pela
referência à concepção hebraica de "personalidade
incorporada" e em particular à idéia de "extensão
de personalidade" que não têm paralelo no
pensamento moderno. De acordo com os hebreus,
a personalidade de um homem pode ser expresso
em coisas tais como "a palavra falada e, sem
dúvida, a escrita, nome e propriedade de outro e...
a descendência de outro".65 Além disso, o grupo ao
qual ele pertencia e ao qual sua vida estava ligada
não era limitado simplesmente aos seus membros
presentes, mas era estendido para incluir os
membros do passado e do futuro, todo o grupo
formando uma unidade. Todo esse grupo podia
"funcionar como um único indivíduo por meio de
qualquer um desses membros, concebidos como
representantes dele".66
Ora, os apocalípticos não pertenciam a um
grupo corporativo, mas formavam uma tradição

65125 A. R. Johnson, The Vitality of the Individual in the Thought of


Ancient Israel, (A Vitalidade do Individual no Pensamento do Israel
Antigo), 1949, p.89.
66126H. W Robinson, The Hebrew Conception of Corporate
Personality (A Concepção Hebraica da Personalidade Incorporada) em
Werden und Wesen des Alten Testaments (BZAW, no. 66), 1936, p.
49.
apocalíptica distinta, cuja ascendência podia ser
traçada até Moisés, como muitos acreditavam (cf. II
Esdras 14.3 ss). Essa tradição era representada
não apenas por Moisés, mas por homens como
Enoque, Esdras e Daniel, que figuravam todos na
mesma linha de sucessão. Os apocalípticos criam
que eles eram a continuação dessa tradição e seus
representantes e, portanto, de seus renomados
predecessores, em nome dos quais eles
escreveram. Assim como uma porção do espírito de
Elias pôde ser derramada sobre Eliseu (II Reis 2.9)
e o espírito que estava sobre Moisés pôde ser
transferido para os setenta anciãos (Números
11.16 s), assim o espírito de Moisés ou de Enoque
ou de Esdras ou de Daniel poderia falar por meio
de seus representantes posteriores.67 Neste caso,
então os apocalípticos, ao atribuírem seus escritos
a Moisés e aos demais, não estavam tentando
enganar seus leitores, mas estavam, de boa fé,
buscando interpretar aquilo em que eles criam, ser
a mente e a mensagem de alguém em cujo nome e
por cuja inspiração eles escreveram.

C. O Significado do "Nome"
E possível encontrar fundamento para essa
idéia nos próprios pseudônimos que os
apocalípticos escolheram para si mesmos e na
importância que o pensamento hebraico associava
ao nome da pessoa. Conhecer o nome de um
homem era o mesmo que conhecer a própria
substância de seu ser; seu caráter estava
relacionado a seu nome, e a alteração deste
poderia requerer mudança daquele. O nome era
essencialmente um conceito social. Ele podia ser

67127Cf. H. W Robinson, Congregational Quarterly (Publicação


Congregacional Trimestral), vol. xxii, no. 4, pp. 369 s.
herdado e sua substância dependia em grande
parte do conteúdo já conferido por aqueles que o
haviam dado; normalmente essa hereditariedade
era restrita às próprias relações familiares da
pessoa, mas isso era possível mesmo fora desses
limites. Em poucas palavras, o nome representava
a extensão da personalidade de um homem,
particularmente nos relacionamentos do grupo ao
qual ele pertencia.
Se é possível aplicar esse raciocínio ao
problema da pseudonímia, então os apocalípticos,
ao se apropriarem do nome de um vidente antigo,
estavam fazendo muito mais do que meramente
assumir um título; eles estavam, de fato, asso-
ciando a si mesmos com tal vidente como uma
"extensão de sua personalidade" dentro da
tradição apocalíptica. Mas que evidência há para
tal proposição? Há indicações em vários escritos
apocalípticos de uma conexão entre os problemas
que ocupavam a mente do escritor e o pseudônimo
por ele escolhido; o assunto a ser tratado e a
abordagem do escritor podem perfeitamente ter
sugerido o nome com o qual ele deveria revelar o
segredo divino.
O escritor do Livro de Jubileus, por exemplo,
estava preocupado acima de tudo com a
glorificação do sacerdócio e a supremacia da Lei.
Então não é surpreendente que o pseudônimo sob
o qual ele escreveu tenha sido o de Moisés, a quem
as Escrituras descrevem não apenas como o
doador da lei, mas como um sacerdote de Deus (cf.
Ex 24.6; 33.7ss; SI 99.6). Além disso, o ponto de
vista dos escritores de I Enoque é amplamente
cosmopolita; nesse livro, a história da humanidade
é descrita na forma de uma visão; os corpos
celestiais brilham tanto sobre judeus como gentios;
a história é sobre as condutas de Deus com toda a
raça humana. Quepseudônimo melhor poderia
haver do que o de Enoque? Ele foi o trisavô de
Sem, mas ele também foi trisavô de Cão e também
de Jafé. De que nacionalidade era Enoque? Ele
poderia corretamente responder: Homo sum'.68
N.T.: do latim "Sou homem". P.e.: na frase
humanista: Homo sum, hurnani nihil a me alienum
puto (Sou homem, nada do que humano me será
estranho), verso de Terêncio, escravo liberto e
poeta latino cerca de 190-159 a.C.) Bem diferente
dessa visão cosmopolita é a visão estritamente
nacionalista de II Esdras, na qual o interesse do
escritor está centrado na parte que cabe a Israel no
Reino Messiânico e na absoluta destruição dos
gentios, (cf. 13.38). O pseudônimo de, digamos,
Enoque, teria sido muito inadequado em um livro
dessa natureza; nesse caso, é apropriado que o
autor escreva em nome de Esdras, cuja visão era
estritamente nacionalista e para quem os gentios
eram uma contaminação.
A adoção da pseudonímia era sem dúvida
essencialmente um recurso literário, mas essa
evidência, não sendo conclusiva, pode
perfeitamente indicar que, por trás desse fenôme-
no encontra-se a consciência de uma inspiração de
gênero caracteristicamente hebraico,
compreensível em termos de "extensão de
personalidade" dentro da tradição apocalíptica. Se
essa sugestão está correta, então ela lança luz
sobre a razão da natureza esotérica desses escritos
e absolve os apocalípticos de qualquer acusação de
engano.

68128F. C. Burkitt, op cit., p.19.


138
O Messias e o Filho do Homem
1. O PANO DE FUNDO DO ANTIGO
TESTAMENTO
Tanto no Antigo Testamento quanto na
literatura do período interbíblico há muitas
referências à vinda de uma Era Dourada, um
"Reino Messiânico", no qual a sorte de Israel (ou
um remanescente de Israel) seria restaurada, as
nações ao redor seriam julgadas e uma era de
justiça e paz se instalaria. Mas a expressão "Reino
Messiânico" pode ser muito enganosa, pois em
ambos os escritos, proféticos e apocalípticos,
embora o reino e o Messias estejam sempre
relacionados, a figura do Messias muitas vezes está
ausente. O Messias e o conceito messiânico não
são sempre ou necessariamente encontrados
juntos. E verdade que essas passagens no Antigo
Testamento que se referem à vinda do reino, na
maioria das vezes também se referem a um líder
ideal à frente do reino, contudo, à exceção de
algumas referências nos Salmos, cujo significado é
questionado, as passagens não usam o termo
"Messias" para descrevê-lo. Ao contrário, nas
passagens em que o termo "Messias" é usado, ou
na grande maioria delas, de alguma forma, a
referência não é a uma figura ideaL absolutamente,
mas a uma pessoa histórica real, geralmente o
ungido rei de Israel.
Esse fato nos lembra que no Antigo
Testamento a palavra "Messias" não é uma
expressão técnica que significa o nome ou o título
de um líder ideal do reino futuro. E simplesmente
um adjetivo, significando "ungido" que descreve
uma pessoa separada por Deus para um propósito
especial.
Em duas passagens (I Reis 19.16; SI 105.15) a
referência é aos profetas, mas o uso normal da
palavra está associada aos reis.69 Quando um
homem se tornava rei, ele não era coroado, mas
ungido com óleo; ele era, então, separado como
um homem "santo", para um reinado dotado de
funções sagradas e sacerdotais. Em tempos pós-
exílicos, quando a monarquia deixou de existir, o
Sumo Sacerdote era ungido e virtualmente tomava
o lugar de um rei.70 Os Reis e os Sumos Sacerdotes,

69129Por exemplo, Saul em I Samuel 10.1, Davi em I Samuel 16.13, etc


70130Isto é refletido em passagens pós-exílicas tais como Ex 29.7; Lv 8.12.
então, eram considerados "O Ungido do Senhor" ou
"Ungido".
Em várias passagens "messiânicas" que se
referem à vinda do futuro Reino, nenhuma menção
é feita absolutamente a um líder ou então é bem
incidental; O que realmente importa é o governo
real de Deus. Em outro lugar é explicado que esse
governo real de Deus será realizado no governo de
um rei divinamente escolhido e divinamente
dotado. Havia uma forte tradição, originada, sem
dúvida, nas promessas de Deus a Davi, registradas
em II Samuel 7 e adotada pelos profetas do sul, de
que esse governante do Reino vindouro seria da
Casa de Davi (cf. Mq 5.2 ss; Is 11.1 ss; Jr 23.5 ss,
etc); a ele não é dado o nome "Messias", mas
"Davi" ou "rebento de Davi", sendo alusão a um
reino histórico real, uma restauração da linha
davídica. A maioria das passagens "messiânicas",
entretanto, é pós-exílica, porém mesmo aqui o
pensamento é ainda esse do "rebento da Casa de
Davi" ungido e separado para cumprir um
propósito especial do próprio Deus. E nesse sentido
que devemos compreender, por exemplo, a alusão
a Zorobabel como "o Renovo" (Zc 3.8; 6.12); e,
sem dúvida, seu nome simbólico ("um rebento da
Babilônia") facilitou sua associação com as
esperanças "messiânicas" da restauração da
linhagem de Davi.
A visão característica da esperança futura
durante o período pós-exílico continuou a ser a de
um reino que seria deste mundo, nacional e
político, por meio do qual Israel seria liberto de
seus inimigos—os babilônicos, os persas, os
selêucidas, os romanos. E verdade que em
Deutero-Isaías, por exemplo, essa esperança futura
torna-se cada vez mais "do outro mundo" e
transcendente, e a libertação é vista como algo
resultante das operações miraculosas de Deus,
mas a esperança política e nacional permaneceram
firmes na visão popular das massas, durante todo o
período interbíblico.
Uma tensão, contudo, já se havia instalado
entre, de um lado, os elementos nacionais e
políticos "deste mundo" e, do outro, os elementos
universais e transcendentes do "outro mundo", o
que não seria fácil resolver. Essa tensão aumentou
grandemente por causa da influência de idéias
persas sobre o pensamento hebraico, e em
particular a visão dualística do mundo em que a
"era presente" era contrastada com "a era futura".
Sob essa influência prosperou no Judaísmo,
particularmente nos círculos apocalípticos, uma
escatologia com novas ênfases, ao mesmo tempo
"dualística, cósmica, universalista, transcendental
e individualista".71
É em conexão com essas duas "escatologias"
que o nome "Messias", afinal, aparece como um
termo técnico, significando a figura escatológica
escolhida por Deus para desempenhar a parte
principal na vinda do reino. Em cada caso surge um
líder, cuja natureza e função corresponde a essa
futura esperança a que ele está associado. A
posição é resumida pelo Dr. S. Mowinckel nestas
palavras: "Os conceitos Messiânicos de certos
círculos produziram o quadro de um Messias que é
predominantemente "deste mundo", nacional e
político, considerando que as visões de outros
círculos produziram o quadrode um Messias
predominantemente transcendental, eterno e
universal... Esses dois conjuntos de idéias são, em

71131S. Mowinckel, He That Cometh (Aquele que Vem) (traduzido por G.


W Anderson), 1956, p. 271.
parte, representados por diferentes nomes:
"Messias" e "Filho do Homem".72 Em alguns escritos
esses dois conceitos são claramente distintos; em
outros, se confundem; contudo, em nenhuma parte
estão completamente fundidos. Juntos formam
parte daquele complexo escatológico que é o pano
de fundo da literatura interbíblica e também da fé
do Novo Testamento.

2. O MESSIAS TRADICIONAL OU NACIONAL

A. O Messias não Indispensável


A tradicional esperança do Antigo Testamento
da vinda de um príncipe "messiânico" como líder
do Reino Messiânico persiste nessa literatura, mas
uma vez mais devemos observar que o Messias
não é necessariamente considerado uma figura
indispensável. Na verdade, em um número
razoavelmente considerável de escritos desse
período (apocalíptico e outros), em que a
esperança messiânica está sempre em primeiro
plano, o Messias ainda não é mencionado. No Livro
de Daniel, por exemplo, a figura do Messias não
aparece, embora o termo "ungido" ocorra duas
vezes em dois versículos sucessivos. Em Daniel
9.25,26 lemos de "um Ungido, um Príncipe" e de
"um outro (que) será morto", sendo,
presumivelmente, referências aos Sumo
Sacerdotes Josué e Onias III respectivamente.
Semelhantemente, a figura do Messias não é citada
em I e II Maca-beus, Tobias, Sabedoria de Salomão,
Judite, Ben Sira, Jubileus, I Enoque 1-36, 91-104, a
Assunção de Moisés, I Baruque e II Enoque. O fato
é que durante o período persa, a esperança de um
Messias Davídico havia retrocedido ao pano de

72132Ibid, p. 467.
fundo e a ênfase passou a ser colocada cada vez
mais sobre o governoreal de Deus no reino futuro,
e sobre a necessidade primordial de manter sua
santa Lei. Além disso, a sucessão dos Sumos
Sacerdotes, que assumiam o papel de príncipe, não
era do tipo que inspirava os homens a esperarem
uma liderança da mesma fonte que o reino
vindouro.

B. O Messias Levítico
Mas tal esperança comovia profundamente
muitos corações durante o período dos Macabeus e
Hasmoneus, descendentes da Casa de Levi,
quando parecia que finalmente a era messiânica
estava para ser realizada. Em particular, as
esperanças do povo passaram a centrar-se em
Simão, sucessor de Judas Macabeus. Em 141 a.C,
Simão foi reconhecido pelo povo como "rei e sumo
sacerdote para sempre", o primeiro Macabeu a ser
reconhecido dessa maneira.73 Alguns estudiosos
encontraram no Salmo 110.1-4 um acróstico em
seu nome, indicando a consideração com que ele
era tido, mas isso é improvável. A bênção sobre
seu reinado é descrita em termos caracteristica-
mente messiânicos em I Macabeus 14.8 ss. Mas
nem aqui ou em qualquer outro lugar se faz
referência a ele como o Messias. As glórias da Casa
de Levi foram continuadas no reinado de seu filho,
João Hircano, sobre quem alguns estudiosos vêem
referência no Testamento de Levi 8.14: "Um rei
surgirá em Judá e estabelecerá um novo
sacerdócio". Outros estudiosos, entretanto, vêem
nessas palavras, uma referência não à Casa de
Levi, mas à Casa de Zadoque que, como veremos,
manteve um lugar de honra entre os Pactuantes do

73133
Vet p. 31.
Qumran. Se isso é verdade ou não, não há
referência aqui a Hircano como Messias.
Mas os Testamentos dos Doze Patriarcas,
escritos durante esse período, indicam que em
alguns círculos, pelo menos, a esperança era
expressa na vinda de um Messias procedenteda
Casa de Levi. Isso está explícito em duas
passagens, o Testamento de Ruben 6.5-12 e o
Testamento de Levi 18.2 ss. A segunda dessas
passagens diz o seguinte:
"Então o Senhor levantará um novo
sacerdote. E a ele todas as palavras do Senhor
serão reveladas; E ele vai executar o reto
julgamento sobre a terra por uma multidão de dias.
E sua estrela vai surgir no céu como a de um
rei.
Brilhando a luz do conhecimento como o sol
do dia,
E ele será magnificado no mundo.
E ele brilhará como o sol na terra",
E removerá toda a escuridão debaixo do céu,
E haverá paz em toda a terra" (18.2-4).
Parece pouco provável que o escritor tenha
em mente alguma identificação com uma pessoa
histórica como Hircano; na verdade, não é certo se
ele tinha em mente sequer um futuro Messias
Hasmoneu, porque, nas palavras de H. H. Rowley
"as funções atribuídas ao Messias de Levi vão além
das conquistas dos Hasmoneus, mas é possível que
o autor tenha idealizado uma concepção baseada
no que tinha sido feito pelos Hasmoneus e pensado
sobre um sacerdote futuro que subverteria todas
as forças do mal". Qualquer que seja a identidade
do Messias, parece certo que a glória da Casa dos
Macabeus e dos Hasmoneus, havia inspirado pelo
menos alguns dentre o povo que tinham a
esperança de um Messias da tribo de Levi, em
quem eles viam muitos daquelas traços há muito
associados com o Messias da tribo de Judá. Mas,
afinal, veio a desilusão, à medida que as pessoas
testemunhavam a crescente secularização do
Sumo Sacerdócio; e a antiga esperança de um
Messias
Davídico começou a ser reafirmada.

C. O Messias Davídico
A esperança em um Messias Davídico é vista
mais claramente em dois escritos desse período, os
Testamentos dos Doze Patriarcas e os Salmos de
Salomão. Os Testamentos suscitam sérios
problemas de natureza crítica que é impossível
aqui abordar. Mas em pelo menos três passagens
que tem sido arguidas,74 a crença no Messias
Davídico pode ser atestada. Esses são os
Testamentos de Judá 17.5-6; 22.2-3; 24.1 ss. Na
última dessas passagens, lemos com referência a
Judá:

"Então o cetro do meu reino brilhará;


E de sua raiz nascerá um ramo;
E dela crescerá uma vara de justiça para os
gentios;
Para julgar e salvar todos os que clamam ao
Senhor".

A evidência dos Testamentos, então, parece


indicar que o autor desse livro acreditava no
surgimento não de um Messias, mas de dois, um
Messias Davídico, que governaria como rei no reino
futuro, e um Messias Levítico, que atuaria como

74135Cf. G. R. Beasley-Murray, Journal de Theological Studies (Jornal


de Estudos Teológicos), xlviii, 1957, pp. 1'ss.
sacerdote.75 Tão exaltada é a visão do autor a
respeito do sacerdócio, que o Messias de Levi aqui
assume precedência sobre o Messias de Davi.
Observamos que no Livro de Jubileus, embora o
Messias de Levi não seja mencionado, senão
apenas como uma vaga esperança na vinda de um
príncipe davídico, a grandeza atribuída a Levi
corresponde precisamente à dos Testamentos (cf.
Jubileus 31.13-20).
Mas a principal fonte do ensino relativo a um
Messias davídico são os Salmos de Salomão, que
pertencem a meados do primeiro século a.C. O
salmo 18 fala de um Messias, embora não faça
nenhuma identificação com a linha de Davi.
Contudo, o salmo 17 faz essa referência de modo
muito específico. A figura do Messias davídico é
apresentada nestas palavras: ''Veja, ó Senhor, e
eleve sobre eles o seu rei, o Filho de Davi" (17.23).
Tendo despedaçado os reis iníquos e expurgado
Jerusalém de seus inimigos, ele irá reunir todas as
tribos e distribuí-las por toda a terra como nos
tempos antigos. As nações pagãs serão submetidas
à servidão sobre seu jugo, e ele reinará sobre seu
próprio povo com justiça e sabedoria; nas
assembléias nacionais, sua palavra será a palavra
de um anjo. Ele não permitirá que nenhuma
injustiça permaneça no meio do povo; seus súditos
serão todos santos e filhos de Deus.

"E ele mesmo (será) purificado do pecado, de


modo que reine sobre um grande povo. Ele
repreenderá os reis, e removerá os pecadores pelo
poder de sua palavra;

75136Para referência aos dois Messias nos Rolos do Mar Morto, ver p. 127
ss.
E (confiando) em seu Deus, por todos os seus
dias, ele não tropeçará;
Porque Deus o fará poderoso por meio de
(seu) santo espírito" (17.41-42).

Várias coisas ficam claras a partir desse


quadro do Messias davídico exercendo seu reinado.
A primeira, é que ele é um personagem
completamente humano que está acima de todos
os governantes e é um rei que luta pelas causas de
Israel, seu povo. No salmo 17.36 o nome "Messias"
é usado pela primeira vez nessa literatura como
título do rei vindouro; isso indica que, afinal, a
expressão "Messias", em seu sentido técnico, está
relacionada ao conceito messiânico. Além disso, o
aspecto religioso e moral de seu caráter é
fortemente acentuado. Ele não apenas é justo e
puro de pecado, como sua confiança está apoiada
em seu Deus e sua esperança está no Senhor. O
reino que ele estabelece e que não terá fim é visto
em linhas familiares, porque esse é o reino terreno
tendo Jerusalém como seu centro.
Ao longo do restante desse século, e no início
do primeiro século da era cristã, a figura do rei
messiânico estava viva nos corações de muitas
pessoas, como o próprio Novo Testamento deixa
muito claro. Mas não mais se pensava que ele
viesse depois que Deus estabelecesse o seu reino;
pelo contrário, ele era instrumento de Deus para o
estabelecimento do reino, e sua principal tarefa era
a destruição dos irúmigos de Deus na face da terra.
Durante esse período surgiu, particularmente
em certos círculos apocalípticos, a crença em um
reino messiânico interino ao fim do qual o Messias
morreria e o próprio Deus iria reinar supremo (cf. II
Esdras 7.29 s; 12.31 s; II Baruque 30.1 ss). Mas na
imaginação popular, colocava-se uma crescente
ênfase nos aspectos nacionais e políticos de sua
obra, e a esperança futura era vista,
particularmente em tempos de perseguição e per-
turbação nacional, em termos de libertação do
poder estrangeiro de Roma (cf. Mateus 21.9). O
Messias era considerado por muitos como um
libertador militar do tipo zelote que iria livrar o país
de seus odiosos inimigos. E assim surgiu uma série
de "falsos Messias" que incitaram o povo contra o
inimigo comum —Ezequias o "salteador" que
Herodes executou, seu filho Judas, o Galileu, e seu
irmão Menaém, o profeta Teudas, no tempo do
procurador Cuspius Fadus (cf. Atos 5.36), o judeu
egípcio que foi condenado à morte pelo procurador
Felix (cf. Atos 21.38), outro judeu que levou seus
seguidores para o deserto no tempo de Festo, e
Simão bar Kochba, cuja revolta foi sufocada em
135 d.C.

D. O Messias e os Rolos do Mar Morto


Já temos visto evidências para crer que o
escritor de Os Testamentos dos Doze Patriarcas
esperava ansiosamente a vinda de dois Messias,
um sacerdote e um rei. Essa crença,
aparentemente, era compartilhada pelos
Pactuantes de Qumran onde, incidentalmente,
fragmentos de uma forma anterior do
Testamento de Levi, escrito em aramaico,
foram encontrados. Nos Fragmentos de Zadoque,76
que, sem dúvida, pertencem ao mesmo ambiente,
embora descobertos em data muito tempo antes,
faz-se referência à vinda de um Messias [sic] de
Aarão e Israel, aparentemente quarenta anos após
a reunião do Mestre da Justiça. A evidência dos

76137Esta obra é também conhecida como Documento de Damasco.


Rolos do Mar Morto sugere fortemente que a
palavra singular aqui era originalmente lida como
um plural e que a expectativa do escritor era por
um Messias de Aarão (isto é, um Messias
sacerdote) e um Messias de Israel (isto é, um
Messias rei, presumivelmente davídico). Essa é,
pelo menos, a crença expressada nos próprios
rolos, os quais declaram que os membros da
comunidade devem continuar a viver de acordo
com a disciplina original "até que venha um profeta
e os Messias de Aarão e Israel" (Manual de
Disciplina, col. ix, linha ii). Alguns estudiosos
sugerem, neste caso, a tradução "o ungido" para
"os Messias" e fazem que essa frase se retira
simplesmente à restauração da verdadeira
linhagem dos sacerdotes aarônicos e dos reis
davídicos. Mas as indicações são de que dois
Messias são esperados, cuja vinda marcaria a nova
era que os Pactuantes aguardaram e pela qual
oravam. O Mestre da Justiça, aparentemente,
deveria ser um precursor do Messias; após sua
morte, seguiriam quarenta anos de intenso conflito
entre "os filhos da luz e os filhos das trevas", ao fim
dos quais seria revelada a era messiânica.
A crença dos Pactuantes em um Messias rei e
militar estava em conformidade com a esperança
tradicional da nação e fundamentava-se em muitas
profecias do Antigo Testamento. Mas, ao contrário
do escritor dos Testamentos, é possível que a
crença deles em um Messias sacerdote não tenha
surgido da a<imiração pelos sacerdotes
hasmoneus da Casa de Levi. Afinal, eles mesmos
eram filhos fiéis de Zadoque e esperavam
ansiosamente a vinda do Messias sacerdote da
linhagem de
Zadoque, o único que representava o
verdadeiro ofício de Sumo Sacerdote.
Tal crença em um líder sacerdote e um líder
rei encontrava precedente na liderança conjunta de
Josué e Zorobabel, os dois "filhos da unção", nos
dias passados do Segundo Templo (cf. Zacarias 3-
4). Além disso, nos rolos como nos Testamentos, o
Messias sacerdote precede o Messias rei e
relembra as posições relativas do sacerdote e do
rei na comunidade ideal de Ezequiel 40-48. Isso é
indicado em uma coleção de bênçãos de Cave I no
qual as bênçãos são determinadas, uma para o
Sumo Sacerdote e outra para o "príncipe da
congregação". A subordinação do Messias rei é
esclarecida em fragmentos do mesmo Cave
relacionado ao "Banquete Messiânico". Ali lemos:
"Não permitam a ninguém começar a comer pão ou
beber vinho antes do sacerdote, porque é sua
prerrogativa abençoar o primeiro bocado de pão e
de vinho e estender as mãos primeiro sobre o pão.
Depois o Messias de Israel pode estender suas
mãos sobre o pão".
Alguns estudiosos têm visto nesses rolos
evidência da ressurreição do Mestre da Justiça após
os quarenta anos de sofrimento e à véspera da era
messiânica. Neste caso, é possível que os
Pactuantes pensassem sobre ele do mesmo modo
que a tradição popular pensava a respeito de Elias,
como um precursor do Messias, embora não
houvesse nenhuma indicação de que ele estivesse,
de alguma forma, identificado com aquele profeta.

E. Jesus e o Messias
No início da era cristã a vasta maioria dos
judeus compartilhava a crença na vinda de um
poderoso Messias guerreiro da linhagem de Davi.
Os Pactuantes de Qumran esperavam
ansiosamente o tempo quando o tal Messias os
lideraria à grande batalha final entre os "filhos das
trevas" e os "filhos da luz". Os zelotes também
estavam prontos para, a qualquer momento, se
reunirem sob sua bandeira e lutarem ao seu lado
com aespada desembainhada.
Não é surpreendente que Jesus, desde o
tempo de sua tentação, tenha não apenas se
recusado a proclamar a si mesmo como o Messias,
como também desencorajado outros de usarem
esse título em relação a ele. Jesus sabia que era o
Messias, e depois seus discípulos também
souberam (cf. Marcos 8.29), mas não até perto do
fim da vida de seu Mestre, quando ele se levantou
diante do Sumo Sacerdote e reconheceu
abertamente sua messianidade (Marcos 14.61 s).77
Fazê-lo antes teria levado a um completo mal-
entendido não apenas por parte do povo, mas até
mesmo por parte de seus próprios discípulos. A
interpretação de Jesus em relação ao Messias era
completamente diferente da interpretação do povo
de seu tempo. O Messias não tinha o papel de
poderoso guerreiro, estabelecendo seu reino por
meio de derramamento de sangue e de guerra. Seu
reino não veio para tomar a vida, mas dar a vida.
Em Cesaréia de Filipos, em resposta às palavras de
Pedro "Tu és o [Messias] Cristo", ele explicou
claramente que sua messianidade somente seria
plenamente cumprida em termos do Servo
Sofredor que daria "a sua vida em resgate por
muitos" (Marcos 10.45).78 A correlação de tais
idéias era algo novo no Judaísmo. Na verdade, o
77 De acordo com o Quarto Evangelho, porém, a messianidade de Jesus é
m

reconhecida desde o início de seu ministério público (João 1.41, 49).


78139Para uma afirmação mais completa concernente à relação do Servo
Sofredor com o Filho do Homem e o Messias, ver pp. 138 ss.
"Servo Sofredor" e o "Messias Rei" podem ter tido
raízes comuns nos ritos majestosos do templo,
como refletido, por exemplo, no Saltério, como
alguns estudiosos têm sugerido; mas como H. H.
Rowley observa: "Não há evidência séria da
associação dos conceitos de Servo Sofredor e
Messias Davídico antes da era cristã... os dois
conceitos foram associados no pensamento e no
ensino de Jesus".79 Aqui havia um imperativo divino
do qual ele não poderia se esquivar. "Jesus não cria
que ele próprio fosse o Messias, embora tivesse
que sofrer. Ele cria ser ele próprio o Messias,
porque Ele tinha que sofrer".80Essa mensagem de
um Messias crucificado era para os judeus pedra de
tropeço e para os gentios loucura, mas para "os
que foram chamados" é o poder e a sabedoria de
Deus (cf. I Coríntios 1.23 s).

3. O MESSIAS TRANSCENDENTE E O FILHO DO HOMEM


Antes do ano 200 a.C, como já vimos,
propagava-se entre os judeus uma escatologia, em
muitos aspectos, diferente da concepção nacional e
política do Antigo Testamento, caracterizada
principalmente por uma visão dualística do
universo, uma crença na ressurreição e uma visão
transcendental de uma Era Dourada. Essas novas
idéias continuaram a permear o pensamento dos
judeus e eram bem familiares e populares algum
tempo antes do início da era cristã. Sua influência
na compreensão que as pessoas tinham do Messias
começou a ser percebida em uma fase anterior,
mesmo nos escritos em que as antigas idéias
79140Ensaio sobre "O Servo Sofredor e o Messias Davídico" in The Servant
of the Lord (O Servo do Senhor), 1952, p. 85.
80141Goguel, Life of Jesus (Vida de Jesus), E.T. 1933, p. 392, citado por
A. M. Hunter, Introducing Nem Testament Theology (Introdução à
Teologia do Novo Testamento), 1957, p. 44.
nacionais e políticas eram dominantes. As
características transcendentes tendiam a prender-
se à pessoa do Messias; ele não era apenas o herói
militar que restabeleceria o Estado judeu e
estabeleceria o reino na terra, mas também era o
rei da paz, sob cujo governo o paraíso seria
restabelecido na terra (Testamento de Levi 18.10 s;
cf. Oráculos Sibilinos, livro V, II Esdras, II Baruque).
Em certos círculos apocalípticos, contudo, a
influência dessas idéias foi além, porque então o
Messias aparece como um rei genuinamente
transcendente. De especial importância é o
aparecimento de um personagemmisterioso
chamado "o Homem" ou o "Filho do Homem" que,
embora diferente em origem e em características
do Messias judeu tradicional passou a ter uma
profunda influência nas esperanças messiânicas
populares.

A. O Filho do Homem Apocalíptico


A figura do Filho de Homem aparece, pela
primeira vez na literatura apocalíptica, em Daniel
7.13 ss que fala de "um como o Filho do Homem"
vindo com as nuvens do céu para ser apresentado
diante do "Ancião de dias". Pela leitura dessa
passagem, fica claro que a figura aqui mencionada
não é o Messias e, realmente, que ele não é um
indivíduo absolutamente, mas, em vez disso, um
símbolo do Israel glorificado no reino escatológico
vindouro. Em 7.18, o Filho do Homem é identificado
com "os santos do Altíssimo", e isso é confirmado
pelo simbolismo da passagem; nesse trecho, o
domínio dos quatro reinos, simbolizados por quatro
bestas que emergem das profundezas do mar, dá
lugar ao reino dos santos ou ao povo ideal de Deus,
simbolizado por um ser divino em forma humana,
diferenciando-o, assim, dos outros reinos. Esse é
um domínio eterno e um reino que jamais será
destruído.
Alguns estudiosos têm observado que a visão
de Daniel 7 tem características que lembram o
Livro de Ezequiel (cf. capítulo 1) onde a frase "filho
do homem" aparece mais de cem vezes
significando "homem", tanto em relação à sua fra-
queza humana como em seu lugar glorioso na
criação de Deus (cf. Salmos 8.4,5). Outros
estudiosos têm encontrado conexão entre o Filho
do Homem de Daniel e o Servo Sofredor de
Deutero-Isaías onde, em ambos os casos, o povo
de Deus é "o sábio" que tornará justos a "muitos".81
Outros ainda têm relacionado a idéia de Filho do
Homem a fontes mitológicas do pensamento
corrente oriental, e desse modo tentam
explicarcertas características que não poderiam ser
de outro modo compreendidas.82
A próxima fase no desenvolvimento dessa
idéia pode ser encontrada em Similitudes de
Enoque (I Enoque 37-71) que é provavelmente
datado da época dos Macabeus. Tem havido muita
controvérsia sobre a questão das interpolações
cristãs sugeridas, mas parece haver boas razões
para acreditar que o livro é uma unidade literária e
que as supostas interpolações são, na realidade,
parte do texto. O Filho do Homem é apresentado
aqui como um ser celestial sem nenhuma
existência terrena anterior; mas ele é pré-existente
(48.3), tendo sido criado por Deus antes da
fundação do mundo e oculto por ele desde o
princípio (48.6; 62.7); ele é uma criatura divina
cuja face é "cheia de graça, como um dos santos

81142Ver também pp. 138 s.


82143Verpp. 134 s.
anjos" (46.1), a quem Deus concedeu sua própria
glória divina (61.8). Mas, embora seja divino, ele
ainda pode ser concebido como um homem típico
ou ideal que, como o "Eleito", se põe à frente dos
"eleitos" no reino celestial. Seu caráter é marcado
pela sabedoria, compreensão e retidão, e os justos
serão um dia exaltados para estarem com ele. Nele
estão ocultos todos os segredos do universo (52.1
ss). Porém o maior segredo é o próprio Filho do
Homem que permanece oculto, mas um dia será
revelado. Na verdade, esse segredo já tem sido
revelado aos eleitos (48.7). O tempo virá quando "o
Justo aparecerá diante dos olhos dos justos" (38.2)
em todo o seu esplendor e se assentará no trono
da glória de Deus (61.8). Ele estará diante de Deus
como juiz do céu e da terra, de anjos como
também de homens, dos mortos como também dos
vivos (61.8). Sua vinda trará a libertação dos
piedosos (48.4 ss) e eles vão participar do reino do
Filho do Homem (61.5).
Tem-se afirmado que essa figura do Filho do
Homem é um desenvolvimento imaginativo
daquela já mencionada em
Daniel 7. Essa visão é apoiada pelo fato de
que a descrição do trono de Deus em I Enoque 71.7
ss (cf. também 14.18 s) é, em grande parte,
derivada de Ezequiel 1 e Daniel 7 e que as pas-
sagens sobre o Filho do Homem podem ser lidas
como um Midrash ou comentário sobre Daniel 7. O
Dr. T. W Manson interpreta o Filho do Homem aqui
como um símbolo coletivo, como em Daniel 7, e
acredita que a mesma interpretação se aplica a
outros nomes pelos quais ele é chamado, "Justo",
"Eleito" e "Ungido".83 Em outro artigo,84 o mesmo
autor vê nesse conceito uma referência tanto
coletiva como individual. A idéia coletiva acha
expressão no Remanescente; a idéia individual em
dois personagens — o próprio Enoque (cf. I Enoque
71.14), que é considerado como o núcleo do grupo
dos eleitos, e o Messias que, no final de todas as
coisas, vindicará os santos. O Dr. H. H. Rowley
nega qualquer referência aqui ao Messias e
reconhece nessa figura "a personificação do
conceito de Daniel a respeito do Filho do Homem
em uma pessoa supraterrena que seria
representativa e líder do reino simbolizado por esse
conceito, e que viria para habitar com os
homens".85 Outros, como o Dr. S. Mowinckel,
afirmam que por trás do Filho do Homem, como em
Daniel 7, está a figura do Homem Celestial ou do
Homem Primordial a ser encontrada na mitologia
oriental, e que em I Enoque os efeitos dessa
influência são muito mais óbvios do que no caso de
Daniel 7.
A figura do Filho do Homem aparece
novamente nos escritos apocalípticos pós-cristãos,
II Esdras e os Oráculos Sibi-linos, livro V, ambos os
quais são influenciados pela visão e pela linguagem
de Daniel 7.13 ss. Aqui a figura do Filho do Homem
está, em muitos aspectos, em harmonia com a que
é apresentada em Similitudes de Enoque. Ele é
apresentado, contudo, como o Messias; mas essa
não é a figura humana da linhagem de Davi; ele é
83144cf. The Teaching of Jesus (O Ensino de Jesus), T edição, 19,35, pp.
228 s.
84145Cf. Bulletin of the John Rylands Library (Boletim da Biblioteca
John Rylands), xxxii. 1949-50, pp. 178 ss.
85146The Relevance of the Apocalyptic (A Relevância dos
Apocalípticos), 1944, p. 57. Ver também The Suffering Servant and
the Davidic Messiah (O Servo Sofredor e o Messias Davídico) in The
Servant of the Lord (O Servo do Senhor),! 952, p. 76.
uma figura pré-existente, transcendente que um
dia vai aparecer diante dos justos em toda a sua
glória. Como em Similitudes de Enoque, também
aqui, tudo que pertence ao "Homem", como ele é
chamado, é um segredo divino, porque "assim
como ninguém pode sondar ou conhecer o que
está no fundo do mar, assim também ninguém
sobre a terra pode ver meu Filho, a não ser no
tempo de seus dias" (II Esdras 13.52). Naquele dia,
ele virá voando com as nuvens do céu (13.3 s) ou
emergirá das profundezas do mar (13.51 s). Nele
os mistérios do propósito de Deus estão ocultos,
mas quando ele se sentar no trono da glória de
Deus o que está escondido será, afinal, revelado.
A popularidade dessa figura transcendente
era, sem dúvida, muito mais restrita do que a nova
escatologia da qual ela constituía uma parte, mas
sua influência seria percebida além do restrito
círculo apocalíptico ao qual pertencia. Até que
ponto, contudo, essa influência foi percebida, é
impossível dizer. No curso do tempo da era cristã,
ela foi considerada com crescente desfavor nos
círculos judeus ortodoxos, certamente em parte por
causa de seu uso entre os cristãos, e praticamente
não encontrou nenhum espaço na teologia judaica
subseqüente.

B. O Pano de Fundo no Oriente


A exceção dos pressupostos teológicos
cristãos, há muito pouco neste corpo literário para
lembrar o leitor da escatologia judaica tradicional
com sua crença em um Messias nacional, histórico
e político. De fato, o Filho do Homem apocalíptico é
tão estranho à antiga escatologia como é natural à
nova escatologia transcendental aqui apresentada.
Tem-se discutido que, uma vez que esse novo
ensino concernente às últimas coisas pode ter
penetrado no Judaísmo através da influência persa,
essas idéias relativas ao Filho do Homem também
podem ter vindo originalmente daquela mesma
fonte.
Por todo o mundo oriental e helenístico, havia
a crença amplamente difundida em um Homem
Primordial, cujas qualidades e propriedades eram,
em alguns aspectos, notavelmente semelhantes
àquelas do Filho do Homem do apocalíptico
judaico. Essa crença assumiu muitas formas
diferentes por todo o mundo oriental, mas há boas
razões para crer que elas remontam a idéias
correspondentes no sistema persa ou iraniano, no
qual a figura do Homem Primordial desempenha
um papel importante no desdobramento das
"últimas coisas". O Dr. S. Mowinckel, de fato,
afirma que "pesquisas recentes têm esclarecido
cada vez melhor que a concepção judaica do
'Homem' ou do Filho do Homem' é uma variante
judaica do mito oriental, cosmológico, escatológico
de Anthropos".86 Essas características do Filho do
Homem apocalíptico que não podem encontrar
explicação nos termos das idéias do Antigo
Testamento, diz ele, encontram plena explicação
no que é conhecido sobre o Homem Primordial, tal
como seu surgimento do mar, seu papel como rei
do Paraíso, e sua conexão com a criação.
Mas embora haja notáveis semelhanças entre
os dois conceitos, há diferenças importantes que
mostram que, se os apocalípticos assumiram a
idéia, eles ao mesmo tempo fizeram mudanças
significativas em harmonia com sua própria
herança religiosa. Em Daniel 7, por exemplo, muito
do conteúdo mitológico foi afastado, e a mitologia
861470p. cit, p. 425.
que resta é apenas incidental para o simbolismo
que retrata o propósito de Deus por meio de seus
santos. Em Similitudes de Enoque, a presença de
elementos mitológicos é mais óbvia, mas aqui
também a mitologia tem sido, em medida
considerável, assimilada às idéias do Antigo
Testamento. Seja qual for a influência que essa
idéia do Homem
Primordial possa ter tido sobre o pensamento
judeu, certamente não foi assumida em um
determinado período ou de apenas uma fonte, mas
veio de muitos períodos e de diferentes formas e
foi absorvida, por assim dizer, no curso da
esperança apocalíptica. De fato, é improvável que
houvesse qualquer empréstimo consciente da idéia
ou qualquer percepção de sua origem na mitologia
oriental, especialmente quando no devido tempo
ela passou a ser associada com a idéia judaica do
Messias.

C. O Filho do Homem como Messias


E mais provável que as idéias do Filho do
Homem e do Messias tenham origens diferentes e
representem duas concepções bem distintas da
inauguração do reino vindouro, e que, para a vasta
maioria do povo judeu, elas tivessem pouca ou
nenhuma conexão uma com a outra. Elas indicam
dois tios distintos de expectativa que, no curso dos
anos, tornaram-se entrelaçados no pensamento de
um grupo relativamente pequeno de escritores
apocalípticos, de forma "que emergisse uma figura
messiânica tanto eterna como transcendental,
como também histórica e humana, em uma
escatologia ao mesmo tempo histórica e também
supra-histórica e absoluta".87

87148S. Mowinckel, op. cit., p. 436.


Este desenvolvimento fica evidente na
comparação de Daniel 7 (c. 165 A.C.) e II Esdras 13
(c. A.D. 90). Na primeira passagem, como já foi
indicado, não há nenhuma menção do Messias
como libertador de seu povo, e certamente o Filho
do Homem que aparece ali não assume esse papel.
Em II Esdras, o grande libertador da era vindoura é
conhecido como o Filho do Homem e tem muitas
características conhecidas como pertencentes
àquela figura transcendental (cf. 13.3 ss), mas ao
mesmo tempo ele é chamado "meu Messias" ou
"meu filho o Messias" (7.28-29) que "surgirá da
semente de Davi" (12.32).
Ele recebe o título messiânico de "meu
servo",88 (7.28; 13.32, etc.) e revela inúmeras
características que pertencem à esperança
nacional associada a esse nome.89
A tensão que se desenvolveu entre os
elementos "deste mundo" e do "outro mundo",
representado pelos nomes "Messias" e "Filho do
Homem", foi minimizada em alguns escritos pela
apresentação de um reino interino, um "Milênio" no
qual, após um julgamento preliminar, o Messias
reinaria sobre a terra durante mil anos (cf. II
Enoque 32.2-33.2; Apocalipse 20.4-7). Às vezes a
duração é de quatrocentos anos (cf. II Esdras 7.28);
outras vezes o reino dura por um período indefinido
(cf. II Baruque 40.3). Esse reino interino marca o
encerramento da presente era e é seguido pelo
julgamento final, a destruição do mundo, a nova
criação, a ressurreição90 e o início da nova era de

88149A frase em latim filius meus reflete, sem dúvida, a palavra grega
pais que pede significar "filho" ou "servo". O segundo significado é mais
comum em seu
89uso posterior e provavelmente representa a aplicação correta do texto
original;
90cf. Atos 3.13 (RV marginal). •
bem-aventurança.91. A introdução da idéia de um
Milênio é em si mesma uma indicação dessa
conciliação que os escritores apocalípticos
adotaram entre esses dois fios de expectativa e
mostra como a idéia do Messias, embora em forma
supra terrena, não apenas sobreviveu, mas triunfou
sobre a poderosa influência do conceito de Filho do
Homem.
Não há pouca discordância entre os
estudiosos a respeito do Filho do Homem e do
Messias em Similitudes de Enoque. O Dr. H. H.
Rowley, por exemplo, afirma que "não há nenhuma
evidência de que o Filho do Homem tenha sido
identificado com o Messias até o tempo de Jesus".92
Ele defende que, ao admitir isso, Jesus não aplicou
o termo "Messias" a si mesmo durante seu
ministério e de fato proibiu seus discípulos de
contarem a qualquer homem quem ele era, não
obstante ele usasse abertamente a expressão
"Filho do Homem" em relação a si mesmo. Em
Similitudes de Enoque, ele afirma, o Filho do
Homem não é equiparado ao Messias, porque aqui
nós não temos um libertador humano que pode, de
alguma forma, ser associado com a esperança do
Antigo Testamento, mas uma figura puramente
transcendental. Outros, como W F. Albright,
argumentam que mesmo antes do tempo de Jesus
havia uma certa fusão entre as duas figuras. E
interessante notar que o escritor de I Enoque
associa ao Filho do Homem transcendental certas
características que já eram familiares à tradição do
Messias; ele é justo e sábio, ele é o escolhido de
91150Cf. 13.33 ss; também II Baruque 29.3; 30.1; 39.7; 40.1; 70.9; 72.2.
92151Apocalipse 20.4 menciona também uma primeira ressurreição no
início do reino milenar de Cristo.
152
Ver também pp. 150 s.
153
0p. cit., p. 29.
Deus, ele recebe a homenagem de reis, ele é a luz
para os gentios e é realmente chamado de
"Ungido" de Deus (48.10; 52.4). Essas referências
não necessariamente o identificam com o Messias
davídico terreno, e de fato todo o quadro exclui
isso, mas elas podem indicar que desde bem cedo
o título "Filho do Homem" adquiriu um sentido
messiânico. Porém, mesmo que seja assim, essa
relação entre Filho do Homem e o Messias seria
estritamente confinada ao pequeno círculo de
apocalípticos representado pelo escritor desse
livro.

D. Sofrimento e Morte
Alguns estudiosos afirmam que as visões de
Daniel eram originalmente dependentes das
passagens do Servo em Deutero-Isaías e que o
Filho do Homem citado em um é representativo do
Servo Sofredor referido no outro. Em cada caso se
faz referência ao "sábio" (Isaías 52.13; Daniel 12.3)
que justificará a "muitos" (Isaías 53.11; Daniel
12.3) e que sofre em obediência à vontade de Deus
(Isaías 53.3 ss; Daniel 11.33). O Dr. F. F. Bruce
argumenta93 que os Pactuantes de Qumran, por
exemplo, interpretavam sua missão em termos de
"exegese unitiva" de Deutero-Isaías e Daniel. Eles
descreviam a si mesmos como "o sábio" (do
hebraico, maskilim) e "os santos do Altíssimo" (cf.
Daniel 7.18) que, por submissão e resistência,
efetuariam a expiação pelo pecado do povo à
maneira do Servo Sofredor do Senhor. Mas em sua
interpretação, o "Filho do Homem" e o "Servo do
Senhor" continuavam sendo figuras coletivas,
porque a obra da expiação que eles ambuíam a si

93154New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), voL 2, n°


3, pp. 176 ss.
mesmos não era obra de um membro, nem do
Messias em seu meio, mas de toda a comunidade.
Além disso, há evidência de que a interpretação
messiânica do Servo pode ser intencional na versão
singular do texto de Isaías 52.14 no rolo de São
Marcos (A): "Eu tenho ungido (do hebraico
mashachtí) a face dele mais do que de qualquer
homem". Nesse caso, o contexto indica que a
referência provavelmente é ao Messias sacerdote e
não ao Messias rei.
E verdade que em I Enoque as expressões
dos Poemas do Servo de Deutero-Isaías são usadas
para descrever a glória do Filho do Homem, como
em 48.4 onde está escrito que "ele será luz para os
gentios" (Isaías 42,6; 49.6; cf. Lucas 2.32). Mas
essa influência não vai além do uso das frases; o
conteúdo de Cânticos do Servo, em nenhum lugar
diz respeito ao caráter e obra do Filho do Homem.
O quadro do Servo que está por trás do Filho do
Homem na literatura apocalíptica é um conceito
totalmente diferente daquele encontrado em
Deutero-Isaías, onde o Servo, por meio de seu
sofrimento vicário e morte, justifica a muitos e
toma sobre si as iniquidades deles (Isaías 53.11).
A esta altura pode-se mencionar a
interpretação do Servo no Targum de Isaías 52.13-
53.12. Nesse escrito o Servo é identificado com o
Messias, mas toda a passagem é reinterpretada de
tal maneira que é impossível reconhecer a figura
do texto do Antigo Testamento. Seus sofrimentos,
dor e morte são transferidos para os inimigos de
Israel, e o Messias-Servo aparece como o poderoso
conquistador que triunfa sobre todos os seus
inimigos!
Em II Esdras 7.29, lemos sobre a morte do
Messias no final do reino interino; isto é natural,
porque o Messias, como todos os demais seres
criados, deve morrer. Mas não se faz nenhuma
referência aqui ou em outro trecho do livro, a uma
morte vicária ou expiatória. A libertação que o Filho
do Homem traz não é salvação do poder do
pecado, mas libertação da opressão de seus
inimigos. Ele é o terrível juiz dos pecadores, não o
Salvador das almas dos homens.

E. Jesus e o Filho do Homem


Os Evangelhos Sinóticos indicam que Jesus
não apenas usou a expressão "Filho do Homem"
referente a si mesmo, como também preferiu seu
uso a qualquer outro título messiânico. Foi em
termos de Filho do Homem que ele buscou compre-
ender e interpretar sua messianidade por todo o
seu ministério público. Mas sua interpretação era
muito diferente de qualquer outro do passado.
Talvez haja pouca dúvida de que, ao escolher
esse título, Jesus foi profundamente influenciado
por Daniel 7.13 ss que diz: "Vinha com as nuvens
do céu um como o Filho do Homem... Foi-lhe dado
domínio e glória e o reino, para que os povos,
nações e homens de todas as línguas o servissem".
Adotando essa expressão, ele a aplicou como título
a si mesmo, em cuja pessoa e ministério o reino
seria expressado. Assim fazendo, ele afirmou que
pertencer a ele era pertencer ao reino, porque
onde ele estava, o reino estava presente entre os
homens. Ele não simplesmente anunciou sua vinda,
ele o incorporou a sua própria pessoa, e a seu
ministério público de pregar, curar e expulsar
demônios; ele demonstrou que o reino estava
presente e ativo entre os homens. "Se, porém, eu
expulso demônios pelo dedo de Deus, certamente
é chegado o reino de Deus sobre vós" (Lucas
11.20).
Mas o reino, como Aquele que o incorporou,
permanecia oculto e em mistério (Marcos 4.11) até
que seu segredo fosse revelado. Esse mistério era,
de fato, parte do "Segredo Messiânico" envolvido
na concepção que Jesus tinha de si mesmo como o
Filho do Homem. Seu reino não era deste mundo e
assim, como temos visto, ele evitou usar o termo
"Messias" e desencorajou outros de usá-lo em
relação a ele. Mas estava para chegar o tempo em
que o mistério do reino seria revelado. Com a
ressurreição do Filho do Homem e a vinda do
Espírito, o mistério, enfim, passaria a ser um
segredo aberto e o reino viria "com poder" (Marcos
9.1; cf. Romanos 1.4). O Filho do Homem seria
exaltado e seria visto "vindo com as nuvens do
céu" (Marcos 14.62); o reino seria consumado em
sua segunda vinda para reinar.
Então, por isso é que a morte de Jesus era
necessária para o cumprimento do propósito de
Deus nele, porque "entre a vinda do reino como um
'mistério' e sua vinda 'com poder' está a Cruz... A
Cruz era inevitável para que o 'mistério' se
tornasse um segredo aberto. Jesus morreu para
que o Reino pudesse vir 'com poder'".94 Aqui
chegamos ao próprio cerne da compreensão de
Jesus a respeito de sua messianidade — "Era
necessário que o Filho do Homem sofresse... fosse
morto e que depois de três dias ressuscitasse"
(Marcos 8.31). A Cruz não foi um erro ou um
acidente; ela era parte do plano predeterminado de
Deus. O soberano Filho do Homem era o Servo
Sofredor do Senhor.

94155A. M. Hunter, Introducing New Testament Theology (Introdução


à Teologia do Novo Testamento), 1957. p. 45.
É extremamente especulativo tentar avaliar o
quanto o pensamento de Jesus nesse contexto foi
influenciado pelo ensino dos escritos apocalípticos
referidos acima; mas é bem claro que a associação
que Jesus fazia do Servo Sofredor com o Filho do
Homem não era originada nesses círculos
esotéricos.
Se formos pesquisar qualquer fonte que não
sua própria consciência da missão, então, talvez
devamos voltar novamente ao Livro de Daniel. Em
Marcos 1.14 s lemos: "...foi Jesus para a Galileia,
pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo
está cumprido e o reino de Deus está próximo (cf.
Daniel 2.44): arrependei-vos e crede no evangelho"
(cf. Isaías 61.1 ss). Ao falar assim, Jesus
demonstrou um discernimento perspicaz da
relação entre Daniel e Deutero-Isaías e, por
implicação, entre o Filho do Homem e o Servo
Sofredor. Como os Pactuantes de Qumran, ele
interpretou sua missão em termos de uma
"exegese unitiva" desses dois livros, mas ao
contrário daqueles, ele viu o cumprimento dessas
palavras proféticas em si mesmo - em sua vida e
morte e ressurreição, na vinda do Espírito, na vida
da Igreja e em sua segunda vinda para reinar. 95 O
Messias-Filho do Homem era o Servo Sofredor do
Senhor por meio de cujo sacrifício o reino viria e a
vontade de Deus seria cumprida, assim na terra
como no céu.

95156Comparar, porém, o argumento de T. W Manson que afirma que,


mesmo nos lábios de Jesus, a expressão "Filho do Homem" deve ser
compreendida em um sentido coletivo e significa uma figura ideal que se
levanta para "a manifestação do Reino de Deus sobre a terra no povo
completamente devotado ao seu Rei celestial" (The Teaching of Jesus
[O Ensino de Jesus], p. 227). Mas durante o curso de seu ministério essa
figura passou a ser individualizada de modo que o título se tornou uma
designação para ele mesmo.
167
A Ressurreição e a Vida Após a
Morte
A literatura apocalíptica serve, em muitos
sentidos, como uma ponte entre o Antigo e o Novo
Testamento, e isso talvez não possa ser mais
claramente demonstrado do que na crença
concernente à vida após a morte. Muito do ensino
do Novo Testamento a esse respeito não pode ser
explicado simplesmente em termos do pano de
fundo do Antigo Testamento, mas pode ser visto
em sua verdadeira luz no cenário do pensamento
apocalíptico. E particularmente significante o
ensino dos apocalípticos concernente à ressur-
reição dos mortos.
De acordo com a antiga "psicologia" hebraica,
a natureza do homem é produto de dois fatores, o
"fôlego-alma (do hebraico nephesh) que é o
princípio da vida, e o complexo de órgãos físicos
que este anima. Separe-os e o homem deixa de
ser, em qualquer sentido real de personalidade".96
Quer dizer, o homem não é constituído de três
"partes" chamadas corpo, mente e espírito ou
corpo, alma e espírito; nem é constituído
simplesmente de duas "partes", corpo e alma. Ele é
uma unidade de personalidade cuja dissolução
significa o fim da vida em todo o sentido real da
palavra. Durante algum tempo, um homem, é
96157. Wheeler Robinson, Religious Ideas of the Old Testament (Idéias
Religiosas do Antigo Testamento), 1913, p. 83.
verdade, pode concebivelmente viver dos
elementos de seu corpo que possuem propriedades
psíquicas e não meramente físicas. Mas com a
retirada de seu nephesh a vida do homem
desaparece e ele deixa de viver como "pessoa". O
que sobrevive à morte não é a alma ou o espírito
do homem, mas sua sombra ou espectro, um tipo
de "sósia" do homem outrora vivo, conservando
uma imagem espectral de sua réplica outrora
vivente, mas desprovido de sua existência pessoal
que uma vez caracterizara o homem.
Por longos séculos prevaleceu a crença de
que ao morrer, a sombra ou o espectro do homem
ia para o Sheol, situado abaixo da terra ou abaixo
do grande oceano cósmico sobre o qual a terra
está fundamentada, uma terra de esquecimento,
escuridão e desespero, não tendo nenhuma
conexão com a vida sobre a terra (cf. Jó 10.21 s).
Em uma fase posterior do pensamento hebraico,
manifestou-se a crença de que o poder e a
influência de Deus podiam ser sentidos mesmo no
Sheol (SI 139.8), mas para a maioria a visão aceita
era de que o Sheol ia além de sua jurisdição (SI
30.9 s; 115.17, etc). Em algumas passagens, à
sombra do morto, especialmente se ele era um
homem de renome como Samuel, eram atribuídos
poderes sobre-humanos e acreditava-se que ela
possuía conhecimento tanto do passado quanto do
futuro (I Sm 28.8 ss), mas para a maioria dos
homens, essa era uma terra sem retorno (cf. II Sm
12.23; Jó 7.9) onde "os mortos não sabem cousa
nenhuma, nem tão pouco terão eles recompensa...
porque no além para onde tu vais, não há obras,
nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria
alguma" (Ec 9.5,10). Todas as distinções morais
deixam de existir, pois no Sheol "o mesmo sucede
a todos, ao justo e ao perverso" (Ec 9.2).
Os estudiosos diferem amplamente em suas
interpretações de passagens como Jó 14.13-15 e
19.25-27, em que a fé do escritor alcança a
esperança de justificação além dos limites da carne
humana, e Salmos 16,49,73 e 78, em que o
problema da prosperidade dos ímpios e o
sofrimento dos justos volta os pensamentos do
salmista para esse relacionamento contínuo com
Deus, em cuja mão direita há "prazeres para
sempre".
Por certo, não há aqui nenhuma doutrina
claramente definida de uma vida além da morte,
mas na melhor das hipóteses, apenas um
vislumbre de esperança. Essa esperança, porém,
era tal que poderia alcançar sua conclusão lógica
somente na crença de uma vida futura, e é isso
que deve ser creditado aos apocalípticos, uma vez
que eles foram os primeiros a chegar a essa
conclusão sobre a doutrina da ressurreição dos
mortos.

1. A RESSURREIÇÃO, SUA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

A. A Preparação do Antigo Testamento


De acordo com os profetas do Antigo
Testamento, a esperança do futuro é colocada na
nação e no reino vindouro que Deus vai
estabelecer sobre a terra; suas glórias seriam com-
partilhadas pelos israelitas justos que estavam
vivendo naquele tempo e também, pensavam
alguns, pelos gentios que viriam a reconhecer
Israel como o povo escolhido de Deus. Esse reino
era um reino eterno, cujos membros
compartilhariam as bênçãos de uma farta velhice,
como os patriarcas da antigüidade.
Mas os devotos em Israel não podiam ficar
satisfeitos com tal crença. Já havia uma convicção
crescente de que o senso de comunhão que eles
desfrutavam com Deus nesta vida seguramente
não poderia chegar ao fim com a morte, mas que
até no Sheol os homens poderiam louvá-lo. Com
isso era crescente em Israel uma nova concepção
de individualismo religioso, associado
particularmente a Jeremias, um homem de
profunda experiência religiosa. Essa ênfase foi
desenvolvida por Ezequiel, que acrescentou a ela
uma doutrina de retribuição individual, que
declarava que os homens são punidos na propor-
ção de seus pecados e recompensados na
proporção de sua retidão, durante seu tempo de
vida aqui na terra. Os problemas surgiram pela
contradição entre tal crença e os eventos reais da
vida expressos em alguns dos Salmos e no Livro de
Provérbios e encontram sua expressão clássica no
Livro de Jó.
Finalmente, chegou-se a uma solução que
teve um efeito revolucionário sobre ambas as
religiões, o Judaísmo e o Cristianismo. Não apenas
a nação justa compartilharia da vinda do Reino
Messiânico; o indivíduo justo compartilharia dela
também, pois os justos que estivessem mortos,
ressurgiriam na ressurreição e receberiam a devida
recompensa da mão de Deus. Essa síntese das
escatologias da nação e do indivíduo foi realizada
pelos apocalípticos, cuja crença em uma
ressurreição do corpo tornou tal fusão possível.

B. Sua Origem História


Talvez o ponto particular em questão, que
ajudou final mente a estabelecer essa crença,
tenha sido o fato do martírio de muitos justos em
Israel. Aqueles que sofreram martírio, devem
ainda, de alguma maneira, compartilhar do último
triunfo do povo de Deus quando ele, afinal,
estabelecer seu reino na terra. É como se houvesse
uma lacuna, a menos que Deus trouxesse de volta,
ressuscitasse, aqueles que haviam demonstrado
ser merecedores de tomar parte no Reino de Deus.
Por essa razão tais pessoas devem possuir corpos;
a terra deve dá-los à luz novamente.
Duas passagens do Antigo Testamento são de
particular significado nesse contexto - Isaías 24-27
e Daniel 12 - ambas confirmam que a origem
histórica da ressurreição no Antigo Testamento é
uma seleção, primeiro dos muito bons (cf. Is 26.19)
e depois dos muito bons e muito maus (cf. Dn 12.2-
3). Isaías 24-27, que revela certas características
apocalípticas, é considerado como um acréscimo
posterior ao Livro de Isaías, . datado possivelmente
do terceiro ou quarto século a.C. Nesse trecho
lemos: "Os vossos mortos e também'o meu
cadáver viverão e ressuscitarão; despertai e
exultai, os que habitais no pó, porque o teu
orvallho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a
terra dará à luz os seus mortos" (Is 26.19). Alguns
estudiosos tomam isso, assim como a visão de
Ezequiel do vale de ossos secos, como referência a
uma ressurreição nacional; mas se isso de fato se
refere à ressurreição real dos corpos dos homens,
então essa é a primeira ocorrência de tal crença no
Antigo Testamento. E significativo que nessa
passagem somente os justos preeminentes
ressuscitarão para participar do Reino Messiânico
que será estabelecido na terra. Tem-se sugerido a
hipótese desse versículo se referir ao tempo de
Ana-xenes III (358-338 a.C), quando muitos judeus
foram martirizados. Se esse for o caso, podemos
ter aqui o próprio evento histórico que levou à
formulação da crença em uma ressurreição tísica
dos mortos.
Em Daniel 12 temos uma base histórica mais
fundamentada, pois esse livro foi compilado em
165 a.C, no tempo de Antíoco IV (Epifânio). Sem
dúvida, a crença na ressurreição aqui expressa,
surgiu da perseguição que precedeu a Revolta dos
Macabeus, em que muitos judeus foram
martirizados. Diz o texto: "Muitos dos que dormem
no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida
eterna, outros para vergonha e horror eterno" (Dn
12.2). O dia da libertação de Deus estava bem
próximo, quando seu reino seria estabelecido sobre
a terra. Porém muitos em Israel haviam sacrificado
suas vidas em fidelidade a Deus; certamente nem
mesmo a morte poderia roubá-los de sua porção.
Deus ressuscitaria esses mártires a fim de que,
juntos com os vivos, eles pudessem compartilhar
das bênçãos de seu reino (cf. também II Mac.
7.9,14, 23, 36). Porém outros entre os inimigos de
Israel haviam morrido sem receber a recompensa
devida por sua maldade. Eles também
ressuscitariam para receber a punição que lhes era
devida. Mais uma vez é aplicado o princípio da
seleção, e agora não somente os muito bons iriam
ressuscitar para receber a recompensa, mas os
muito maus ressuscitariam para o julgamento. Os
espectros de todos os outros homens
permaneceriam como antes, nas profundezas da
escuridão do Sheol.'

C. Desenvolvimentos Subseqüentes
Ambas as concepções bíblicas de ressurreição
são encontradas também nos livros apocalípticos
extrabíblicos; mas no desenvolvimento
subseqüente ocorrem muitas variações, nem todas
estão claras para o leitor, ou talvez nem mesmo
para os próprios escritores.
O pensamento de Isaías 24-27 é seguido em
grande parte em I Enoque 6-36 (cf. também 37-71,
83-90, etc), onde somente os justos,
presumivelmente os Israelitas, ressuscitarão para
tomar parte no Reino Messiânico (25.4 ss). A vida
ressurreta é um desenvolvimento orgânico da
presente vida de justiça (90.33). Aqui os perversos
que receberam punição em sua vida,
permanecerão no Sheol eternamente (22.13), mas
os perversos que não receberam sua devida
punição na terra serão transferidos como espíritos
desincorporados do Sheol para Gehena,97 o lugar de
tormento.
Uma variação sobre o tema de Daniel 12.2
pode ser encontrada nos Fragmentos Noélicos em I
Enoque, em que está, pelo menos implicado, que o
justo ressuscitará para compartilhar as bênçãos
dos justos vivos no Reino Messiânico (10.7, 20), e
que os perversos, ou alguns deles (67.8),
ressuscitarão para o julgamento e sofrerão nas
chamas de Gehena em corpo e em espírito (67.8-
9). No Testamento de Benjamim, os patriarcas
ressuscitam primeiro para compartilhar do reino
terrestre (10.6) e então os doze filhos de Jacó, cada
um à frente de sua própria tribo (10.7). "Então
também todos os homens se levantarão, uns para
glória e outros para vergonha" (10.8). Essa con-
cepção é ainda mais desenvolvida em II Esdras que
declara . que haverá uma ressurreição geral
97158Verp. 153, n° 1.
seguida por um julgamento que será universal e
final. As almas dos justos' e dos ímpios, agora
unidas com o corpo, serão julgadas; "e a
recompensa seguirá e o galardão será manifesto"
(7.35).
Já temos destacado98 que em certos livros
apócrifos, particularmente em Sabedoria de
Salomão, os escritores expressam uma crença na
imortalidade da alma e não na ressurreição do
corpo. Entre os escritos apocalípticos, o Livro de
Jubileus é de grande importância a esse respeito,
como por exemplo em 23.31: "E seus ossos ficarão
sobre a terra, e seus espíritos terão muita alegria".
Jubileus, neste sentido, então, marca o ponto de
partida de uma firme convicção da tradição
apocalíptica.

D. A Ressurreição e o Reino Messiânico


As duas fontes bíblicas para a crença na
ressurreição, Isaías 24-27 e Daniel 12, deixam claro
que a cena do Reino Messiânico é para ser sobre a
terra e que os justos que morreram serão
ressuscitados para participar dele. Nisso, eles são
seguidos por vários outros escritos apocalípticos.
Por exemplo, I Enoque 6-36 declara que os inimigos
de Israel serão destruídos, os desprezados de Israel
serão reunidos, e a cidade e o Templo serão
reconstruídos; então seguir-se-á a ressurreição dos
justos para participar da vida de bênçãos na terra.
Eles "viverão até que gerem milhares de filhos, e
todos os dias de sua mocidade e sua velhice eles
completarão em paz" (10.17).
Mas havia alguns que já não podiam
considerar este mundo presente, com toda a sua
impiedade e sofrimento e tristeza, como um lugar

98159Ver pp. 24, 84.


próprio e adequado para o eterno Reino
Messiânico. E assim, na Similitudes de Enoque (I
Enoque 37-71), por exemplo, é introduzida a idéia
de um reino sobrenatural em um novo céu e uma
nova terra, estranhamente unidos em um. "Eu
transformarei o céu e o farei uma bênção e uma luz
eternas e transformarei a terra e farei dela uma
bênção" (45.4-5). Os justos se levantarão da terra
na ressurreição para compartilhar das bem-
aventuranças desse reino que é eterno (62.13-16).
Um desenvolvimento adicional é encontrado
nos Segredos de Enoque (i.e. II Enoque), onde os
justos que estão mortos ressuscitam possuindo
corpos celestiais ou "espirituais" para herdarem um
reino celestial. O paraíso,99 a habitação final dos
justos, é uma curiosa combinação do terreno e do
celestial "entre o corruptível e o incorruptível"
(8.5), no qual "todas as coisas corruptíveis
passarão" (65.10). Aqui a idéia anterior de um
reino na terra em que os justos ressuscitarão em
seus corpos carnais está completamente ausente.
Em contraste com o presente mundo material está
a glória do novo mundo e a Era por Vir.
O escritor de II Baruque apresenta ainda um
diferente quadro que é um meio-termo entre os
reinos terreno e celestial. O que ele visualiza é um
reino temporário sobre a terra a ser seguido por
uma eternidade no céu. Sobre o Messias é regis-
trado: "Seu principado será para sempre, até o
mundo de corrupção chegar ao fim" (40.3). Então
virá a "consumação do que é corruptível e o início
do que não é corruptível" (74.2). E difícil
determinar qual parte, se houver, os justos que
morreram têm no Reino messiânico. Em 30.1-2
está escrito: "Quando o tempo do Messias estiver
99160Verp. 153, n ° l .
cumprido, ele retornará em glória. Então todos que
tiverem adormecido em esperança do Messias,
ressuscitarão novamente". Alguns estudiosos
tomam isso como referência ao retorno do Messias
no final do reino temporário, na hipótese de que a
ressurreição é para as bem-aventuranças
celestiais, em que os justos serão transformados
em semelhança de anjos (51.10). Outros tomam
isso como referência à vinda do Messias para a
terra, na hipótese de que a ressurreição será
compartilhada em seu reino terreno.
O escritor de II Esdras aponta para a vinda de
um reino temporário aqui nesta terra, para ser
seguido pela eternidade, se em uma terra
renovada ou no próprio céu, é difícil dizer. O
Messias aparecerá com aqueles que não provaram
a morte e viverá quatrocentos anos na terra, ao
final dos quais ele e todosos homens morrerão;
pelos próximos "sete dias" o mundo se
transformará em um silêncio primitivo; então
ocorrerá a ressurreição de todos os homens a
serem apresentados para serem julgados no
Grande Julgamento (cf. 7.29 ss).
Além desse padrão quase sempre confuso,
surge a esperança certa e segura de uma
ressurreição para a vida eterna, seja ela no Reino
Messiânico terreno ou no glorioso céu por vir. Sob a
estranha e fantástica imagem em que o quadro é
freqüentemente descrito, existe uma profunda
convicção religiosa de que o homem é feito para a
comunhão eterna com o Deus vivo.

2. A NATUREZA DA SOBREVIDA

A. Sheol, a Morada das Almas


O quadro do sheol, no Antigo Testamento,
como o reino escuro dos mortos, prevalece nos
dois apocalipses bíblicos,100 mas como já foi
indicado, algumas mudanças muito significativas
ficam evidentes mesmo nesse estágio anterior. O
Sheol não é mais a morada eterna de todos que
passaram pela morte; para alguns é apenas um
estado intermediário do qual eles, afinal, serão
removidos na ressurreição para compartilhar das
glórias do Reino Messiânico ou para receber a
devida punição por seus pecados. Em ambas as
passagens, como no Antigo Testamento em geral,
os mortos são descritos como sombras ou
espectros; mas nos escritos apocalípticos
extrabíblicos, mesmo em alguns dos mais recentes
deles, faz-se referência a eles como "almas" (cf.
Similitudes de Enoque, Salmos de Salomão, II
Enoque, O Testamento de Abraão, II Esdras, II
Baruque, etc.) ou "espíritos" (cf. Fragmentos
Noélicos de Enoque, I Enoque 108, A Assunção de
Moisés, II Esdras, III Baruque, etc), que são
aparentemente usados como termos sinônimos
para descrever a forma de sobrevivida dos homens
depois da morte.
Esse desenvolvimento é de extrema
significação, pois agora a dissolução da unidade
pessoal de corpo e alma (ou espírito) na morte, não
mais significava para o homem o fim da real
existência pessoal como era anteriormente à
hipótese. Agora passamos da concepção de
personalidade totalmente dependente do corpo
(como tem sido o argumento do pensamento
hebraico), para a concepção em termos de alma ou
espírito que, qualquer que seja o grau de fisicidade

100161Isto é, Isaías 24-27 e Daniel 12.


que ela contenha,101 é diferente. O grau no qual a
alma desencarnada ou espírito pode expressar
personalidade é um assunto que será considerado
posteriormente; aqui observamos que, com o
desenvolvimento da crença na ressurreição, impôs-
se aos apocalípticos a convicção de uma
continuidade desta vida sobre a terra com a vida
no Sheol, em que os mortos, como seres
conscientes, não estavam absolutamente
suprimidos do relacionamento com Deus, cuja
jurisdição era suprema, até mesmo no próprio
Sheol.102
As almas ou espíritos dos mortos não apenas
experimentam a consciência, eles são capazes de
reações emocionais. Choram e fazem lamentações,
sendo conhecedores das transgressões dos
homens na terra (I Enoque 9.10). Mais parti-
cularmente são capazes de sentir dor ou prazer na
forma de punição ou recompensa. A passagem
mais significativa nessa relação é II Esdras 7. [80]
ss, na qual o escritor diz como os ímpios vão vagar
nos "sete caminhos'' ou graus de tormento (7.

101162Mesmo quando os apocalípticos pensavam no espírito e na alma


dos mortos, ainda tinham que pensar em termos de corpo, porque
acreditavam que esse espírito ou alma desencarnados possuíam forma ou
aparência. E muito diferente, contudo, dizer que ele tem um corpo no
sentido do que se pode dizer dos espíritos ou almas que tomaram parte
na ressurreição.
102É bem possível que os apocalípticos fossem influenciados, no uso que
faziam da palavra "alma" para descrever os mortos, por idéias gregas da
pré-existência e imortalidade, particularmente em II Enoque, onde a
influência Alexandrina é evidente. Mas é fácil exagerar essa influência na
literatura como um todo. De acordo com a psicologia hebraica, a
consciência é uma função não apenas do corpo mas também do nephesh
que os apocalípticos assimilaram em termos de "alma". Deve-se notar
que, embora os escritores gregos façam uso freqüente da palavra
psuchai ("almas") para descrever seres desencarnados, o uso de
pneumata ("espíritos") nesse contexto não é absolutamente típico do
pensamento grego (cf. E. Bevan, Symbolism andBetief (Simbolismo e
Crença), 1938. pp. 180 ss). Em certos escritos apocalípticos, contudo, os
dois termos são usados indiscriminadamente com esse significado.
[80]), enquanto os justos vão descansar dentro nas
"sete ordens" ou dispensações de paz (7. [ 91]). A
sorte deles será o tormento ou o repouso, o
remorso ou a gratidão, o medo ou a certeza de paz.
No que diz respeito a suas emoções ou processos
mentais, aparentemente há muito pouca diferença
entre suas capacidades na vida após a morte e as
que eles possuíam durante sua vida na terra.
Mas tomando a literatura como um todo, o
leitor fica com a impressão de que a vida vivida
pelas almas dos mortos na morada intermediária
do Sheol (ou do Paraíso, uma extensão e
especialização da mesma idéia) não é tão plena e
completa como a que viveram na terra. Isso pode
ser visto especialmente na natureza limitada do
relacionamento das almas com Deus, que pode se
tornar completo apenas após a ressurreição. Ela é
ainda, até certo ponto, uma "vida espectral", vivida
nessa fase intermediária. As almas dos mortos,
desprovidas de seus corpos, devem esperar pela
ressurreição para sua total expressão e realização.

B. Distinções Morais no Sheol


Uma das características mais significantes do
ensino de Daniel 12, marcando um avanço sobre a
perspectiva típica do Antigo Testamento, é o fato
de que nesse texto, pela primeira vez no
pensamento hebraico, aparecem distinções morais
entre os justos e os ímpios na vida após a morte.
Na ressurreição, os notavelmente bons e os
notavelmente maus são ressuscitados para receber
sua recompensa ou punição. Essas mesmas dis-
tinções são encontradas também nos livros
apocalípticos subseqüentes, mas em praticamente
todos eles, elas aparecem não simplesmente no
tempo da ressurreição, mas naquele estado
intermediário imediatamente após a morte. A
bênção dos justos e a punição dos ímpios,
baseadas nos julgamentos morais, são plenamente
realizadas no momento do Juízo Final, porém
mesmo anteriormente, no Sheol, há uma
distribuição preliminar de recompensas e punições.
Esse fato das distinções morais que resultam
em recompensas e punições levou rapidamente à
criação de dois compartimentos ou divisões
distintos no SheoL, uma para os justos e outra para
os ímpios. E isso sucessivamente levou a uma
distinção mais pronunciada e mais variada,
alterando ainda mais a topografia da vida além, de
forma que, por fim, surgiu a concepção de Paraíso,
Céu, Inferno e Gehena, além do próprio SheoL64
Em Enoque 22, por exemplo, três
compartimentos são visualizados no Sheol,
classificados de acordo com os julgamentos morais
já evidentes nas almas dos mortos. Em I Enoque
91-104, o escritor argumenta fortemente contra a
visão dos saduceus de que na vida após a morte
não há diferença entre a sorte dos ímpios e a sorte
dos justos. Ao contrário, os ímpios "serão afligidos
em grande tribulação, e em trevas e grilhões e um
fogo ardente, onde há um julgamento de
sofrimento, seu espíritos entrarão" (103.7-8); os
justos, pelo contrário, "viverão e se regozijarão,
seus espíritos jamais perecerão" (103.4). O escritor
do Testamento de Abraão expressa a mesma
crença em seu quadro das duas portas, através da
qual as almas dos homens devem passar: "Essa
porta estreita é a dos justos, que conduz à vida, e
aqueles que entram por ela alcançam o Paraíso. A
porta larga é a dos pecadores, que conduz à
destruição e ao castigo
__________________________________
l64
O termo "Paraíso" é de origem persa e significa um jardim ou
pomar. O equivalente grego era usado pela Septuaginta para traduzir o
"jardim" do Eden. Na literatura apocalíptica ele significa a morada dos
espíritos dos justos. Ele ocorre três vezes no Novo Testamento (Lucas
23.43; II Coríntios 12.4; Apocalipse 2.7).
A idéia de inferno como um lugar de tormento aparece pela
primeira vez em I Enoque 22.9-13. Intimamente associado com ela, está o
termo 'Gehena' que deriva do hebraico Ge Hinnom, que quer dizer "o
vale de Hinnom". Nesse lugar é que as crianças eram "passadas pelo
fogo" como sacrifício ao deus Moloque (cf. II Reis 16.3; Jeremias 7.31, etc).
Na literatura apocalíptica o termo é usado para descrever o lugar de
tormento ardente reservado para os ímpios após a morte (cf. também
Mateus 5.22; 13.42).
eterno"103 (capítulo 11). II Baruque registra
que o Juízo Final apenas intensificará aquilo que as
almas dos ímpios já têm experimentado no Sheol
(30.4-5). Sobre isso está escrito: "E agora reclina
em angústia e permanece em tormento até vosso
último momento chegar, em que vós vireis
novamente e sereis atormentados ainda mais".
(36. 11)
E porque essas distinções morais podem sem
feitas, que o Juízo Final é possível. Cada homem
será julgado de acordo com o que fez de justiça ou
impiedade, e os valores morais são os critérios do
julgamento. Em II Enoque é declarado que nesse
grande dia todas as ações dos homens serão
pesadas em balanças: "No dia do grande
julgamento cada peso, cada medida, e cada
contrapeso será como em um mercado... e cada
um ficará sabendo sua própria medida, e de acordo
com sua medida, receberá sua recompensa". (44.5)

C. Mudança Moral na Vida Além


Alguns desses escritores expressam uma
crença na possibilidade de uma mudança moral
progressiva para as almas dos mortos. No
Apocalipse de Moisés, por exemplo, os anjos oram
pelo Adão morto (35.2) e o sol e a lua intercedem

103165Cf. Mateus 7.13; Lucas 13.24.


por ele (36.1). O que é interessante nessa relação é
o relato dado sobre a purificação da alma de Adão
(sem dúvida, escrito sob a influência de idéias
gregas): "Então veio um dos Serafins com seis asas
e arrebatou Adão e levou-o para o lago de
Acherusian e lavou-o três vezes, na presença de
Deus" (37.3). Mais interessante ainda é o relato no
Testamento de Abraão, que descreve como as
almas dos mortos passam por dois testes, um pelo
julgamento do fogo, e outro pelo julgamento da
balança, em que as boas ações dos homens são
pesadas em comparação com as más ações. Nesse
escrito é mostrada para o vidente uma classe
intermediária de almas, cujos méritos e pecados
estão equilibrados na balança. A oração dos justos
em favor de tais almas pode significar para elas
uma entrada na salvação (cap. 14).
A maioria desses escritos, entretanto,
favorece o ponto de vista de que nenhuma
mudança é possível, uma vez que um homem
partiu desta vida; seu destino é determinado, tanto
no Sheol como no Julgamento Final de acordo com
a vida que ele viveu na terra. Não é possível
nenhum progresso para as almas dos mortos, seja
para cima ou para baixo (cf. I Enoque 22). Nas
palavras do Dr. Charles, o Sheol "torna-se um lugar
de moralidades petrificadas e graças suspensas".104
O escritor de II Baruque deixa a posição bem clara:
"Ali não haverá mais... mudança de caminhos, nem
lugar para oração, não se fazem petições, não se
recebe conhecimento, não se dá amor, nem há
lugar para arrependimento da alma, nem súplicas
pelos pecados, nem intercessão dos pais, nem
oração dos profetas, nem auxílio para os justos"

1041660p. cit.,p. 218.


(85.12). O arrependimento será impossível e as
orações pelos mortos de nada valerão.

D. A Alma Individual e o Juízo Final


No Dia do Julgamento Final apocalíptico,
assim como no Dia do Senhor no Antigo
Testamento, o julgamento de Deus, às vezes, toma
a forma de um julgamento das nações em uma
grande crise na história; mas na grande maioria
dos casos, ele assume um caráter definitivamente
forense e toma aforma de um Grande Tribunal Em
outros lugares, os tipos de julgamentos
catastróficos e forenses são confusos, ou então
eles são mantidos lado a lado, um representando
uma preliminar e o outro o Juízo FinaL Além disso,
na maioria dos casos, os apocalípticos concordam
com os escritores do Antigo Testamento,
considerando o julgamento como precedendo o
Reino Messiânico; mas em alguns casos eles
distinguem o reino da Era Final, de forma que o
Juízo Final segue o Reino Messiânico.105 Mas talvez
mais significante ainda seja o fato de que aqui a
tendência em direção à individualização é muito
mais fortemente pronunciada. As almas individuais
se apresentarão para o julgamento. Talvez a
declaração mais clara do completo individualismo
seja encontrada em II Esdras. Ali é questionado se
os justos poderão interceder pelos iníquos no Dia
do Juízo, "pais pelos filhos, filhos pelos pais, irmãos
pelos irmãos, parentes por seus próximos, amigos
por seus queridos" (7.[ 103]). Em resposta Deus
diz: "O Dia do Juízo é decisivo... porque então todos
devem prestar contas de sua justiça ou injustiça"
(7.[104]-[105]). Naquele tempo a intercessão será
infrutífera, pois cada um deve ser julgado por seus

105167Ver pp. 147 ss.


próprios méritos. O indivíduo é responsável diante
de Deus, e é responsável apenas por si mesmo.

3. A CRENÇA DA RESSURREIÇÃO E A NATUREZA DO CORPO


DE RESSURREIÇÃO

A. A Ressurreição do Corpo e a Sobrevida da


Personalidade
Temos visto que, de acordo com os
apocalípticos, as almas (ou espíritos) dos homens
no Sheol podem viver uma vida consciente
individual separada de seus corpos, e que, em
alguma medida, pelo menos, eles podem expressar
a personalidade que tinham antes de partirem
desta vida. Mastal crença deve ser julgada por seus
resultados definitivos e isso aponta, em quase
todos os casos, para a sobrevivência na forma da
ressurreição corpórea. As almas dos mortos,
desprovidas de seus corpos, eram, na melhor das
hipóteses, somente "personalidades truncadas"
que devem esperar pela ressurreição para sua
plena expressão. Como escritores da tradição
hebraica, os apocalípticos acreditavam que a
personalidade não podia ser expressa, em última
análise, em termos de alma (ou espírito) separada
do corpo. A doutrina grega da imortalidade,
embora tenha influenciado o pensamento dos
apocalípticos em relação à vida após a morte, não
pôde, enfim, ser aceita. Era totalmente estranha à
mentalidade hebraica deles, por exemplo,
considerar as almas dos homens como "encerradas
no corpo como se em um elemento hostil estranho,
na qual sobrevive a associação com o corpo...
personalidades completas distintas e indivisíveis...
uma substância independente que entra do espaço
e do tempo além, para o mundo material e
perceptível, e em conjunção externa com o corpo,
não em união orgânica com ele".106 Não a
imortalidade da alma, mas somente a união da
alma e do corpo na ressurreição poderia expressar,
por fim, a sobrevivência da personalidade do
homem na vida após a morte.
A alma deve estar unida ao corpo, então, na
ressurreição, porque somente dessa maneira a
personalidade poderia ser expressa plenamente.
Mas, além disso, como já observamos, somente
assim a participação no reino vindouro seria
possível. Na realidade, essa era a raison d'être
[N.T.: do francês - "razão de ser".] da ressurreição
dos mortos, que os justos poderiam compartilhar
no reino. Alguns escritores apocalípticos são firmes
nesse ponto e afirmam que não haveria nenhuma
ressurreição para os ímpios; todos estes não
poderiam, então, compartilhar do relacionamento
com Deus na vida após a morte nem participar do
Reino Messiânico. Eles apareciam "simplesmente
como almas desencarnadas — 'despidas' — em um
ambiente espiritual sem um corpo, sem capacidade
de comunicação ou meios de expressão nesse
ambiente",107 isto é, eles apareciam como seres
cujas "personalidades" eram totalmente inadequa-
das para responder à experiência da participação
do reino ou de comunhão com Deus.
Outros escritores, contudo, falam dos ímpios
como também dos justos sendo ressuscitados. II
Baruque declara que o propósito disso era poder,
desse modo, reconhecer os mortos após a morte
(50.3-4). Mas há uma razão muito mais convin-
cente do que essa: é que eles poderiam ser

106168E. Rhode, Psyché, (Psico) 1925, pp. 468-9, Edição inglesa.


107169R. H. Charles, Revelation (Revelação) (International Criticai
Commentary), (Comentário Crítico Internacional)1920, vol. 2, pp. 193-4.
apresentados diante de Deus para julgamento. Se
os homens deviam ser adequadamente punidos
pelos pecados que haviam cometido no corpo,
então era no corpo que essa punição deveria ser
suportada, isto é, eles devem ser punidos como
homens, possuindo um grau pleno de
personalidade, e não como personalidades trun-
cadas na forma de almas desencarnadas.
Conseqüentemente, pode-se dizer a respeito dos
ímpios: "Seus espíritos são tão cheios de
concupiscência, que eles podem ser punidos em
seus corpos... e à medida que o ardor em seus
corpos se torna mais intenso, uma mudança
correspondente ocorrerá em seus espíritos para
sempre e eternamente" (I Enoque 67.8-9).

B. O Corpo da Ressurreição e Sua Re/ação


com o Ambiente
Falando em termos gerais, de acordo com os
pensamentos desses escritores a respeito do reino
sobre esta terra ou em um estado supraterremo,
assim também eles pensavam no corpo da
ressurreição como de caráter físico ou espiritual.
Naqueles escritos em que o reino deve ser
estabelecido sobre a terra, comparativamente
pouco é dito em relação à natureza real do corpo
da ressurreição, mas em cada caso está
claramente implicado que um corpo físico como
este do homem na vida presente está prometido
(cf. Isaías 26, Dn 12,1 Enoque 10.17, etc.) Essa
idéia é mais freqüentemente encontrada nos
escritos mais antigos, mas não está limitada a eles.
Nos Oráculos Sibi-linos lemos: "Então o próprio
Deus fará novamente os ossos e as cinzas dos
homens e os levantará como mortais mais uma
vez, como eles eram antes" (Livro IV, linhas 181-
182). Essa crença em uma ressurreição física pode
talvez ser melhor ilustrada pela referência a um
escrito que não é classificado entre os livros
apocalípticos, mas que a esse respeito reflete a
mesma crença expressa naqueles. Em II Macabeus
14.46 lemos sobre um certo Razis que, "e já
exangue, arrancou com suas próprias mãos as
entranhas, que saíam, lançando-as por sobre os
inimigos. Foi assim seu fim, pedindo ao Senhor da
vida e do sopro que lhe restituísse a vida". Em
outra passagem, o mesmo escritor diz como o
terceiro dos sete irmãos martirizados estendeu as
mãos e disse: "Do céu recebi estes membros, mas
eu os desprezo por amor às leis de Deus, e dele
espero recebê-los um dia de novo" (7.11).
A transferência da vida após a morte, da terra
para o céu, contudo, levou inevitavelmente à
crença em um corpo "espiritual" que corresponde
ao seu ambiente celestial. Em Similitudes de
Enoque, em que há uma curiosa união entre a terra
e o céu, onde os homens e os anjos vivem juntos
(39.4-5) "os justos e os eleitos... terão sido vestidos
com vestes de glória. E serão vestes de vida do
Senhor dos Espíritos" (62.15-16). As "vestes de
glória" como nós veremos, são os corpos
ressurretos espirituais dos justos. No final do Reino
Messiânico, registrado em II Baruque, os justos
serão ressuscitados'para morar no céu (51.10).
Embora sejam ressuscitados do pó da terra (42.8),
em seus corpos físicos sem nenhuma mudança em
sua aparência (50.2), ocorre, após o julgamento,
uma transformação gradual até que os corpos
físicos sejam transformados em corpos "espirituais"
(cap. 51; cf. também II Enoque 22.8-9).
C. A Relação do Corpo "Espiritual" com o
Corpo Físico
E comum que o corpo da ressurreição
"espiritual" seja descrito em vários desses livros
sob a figura de "vestes" de luz ou glória. Em II
Enoque 22.8, por exemplo, é ordenando a Miguel:
"Vá e tire de Enoque suas vestes terrenas... e vista-
o com as vestes de minha glória", isto é, o corpo
terreno de Enoque deve ser substituído por um
corpo celestial, preparado de antemão, como os
dos anjos de Deus.(22.9 s).
Embora sejam diferentes, ainda há uma
curiosa conexão entre o corpo físico e o corpo
"espiritual" que desafia a explicação. No Apocalipse
de Moisés o corpo de Adão é enterrado no Paraíso
terreno (38.5), e Deus ainda diz aos arcanjos: 'Vão
ao Paraíso no terceiro céu, estendam vestes de
linho e cubram o corpo de Adão, e tragam do 'óleo
da fragrância' e derramem sobre ele" (40.2). E
assim "eles o prepararam para o sepultamento"
(40.2). A conexão entre o corpo nesta terra e corpo
no Paraíso celestial não fica clara, mas
aparentemente o último é correlativo do primeiro e
é esse corpo celestial que aguarda a ressurreição.
Ele não apenas é um correlativo do corpo físico,
mas é coexistente com este até o dia da
ressurreição (II Enoque 22.8).
Em outro lugar, o corpo "espiritual" é um
corpo físico transformado (cf. I Enoque 108.11); o
corpo que é sepultado na terra será ressuscitado
em "corpo glorioso" no dia da ressurreição.108 O
escritor de II Baruque pergunta a respeito daqueles
que serão ressuscitados: "Eles irão, então,

108170Cf. I Coríntios 15.42 ss: "Semeia-se [o corpo] em desonra,


ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder.
Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual".
reassumir essa forma do presente, e se revestirão
desses membros sem limitações... ou tu irás
porventura transformar essas coisas que havia no
mundo, como também o mundo?"109 (49.3). A ele é
explicado que, naressurreição, os corpos tanto dos
ímpios como dos justos ressurgirão sem nenhuma
alteração em sua forma ou aparência (50.2), sendo
possível o reconhecimento daqueles que já mor-
reram110 (50.3-4). Após o julgamento, os corpos dos
homens serão gradualmente transformados, por
meio de uma série de mudanças, em corpos
"espirituais".
O corpo "espiritual" de Enoque, está escrito,
não precisava de comida nem de qualquer coisa
terrena para sua satisfação (II Enoque 56.2) e,
como tal, é semelhante aos dos anjos; e mesmo
quando ele voltar à terra por um espaço de trinta
dias, presumivelmente em seu corpo celestial
(embora sua face tivesse que ser "congelada" para
que os homens pudessem olhar para ele; cf. 37.2),
ele não somente será reconhecido por seus
amigos, como ele até permitirá que toda a
assembléia se aproxime e o beije111 (64.2-3).
O corpo "espiritual", então, não é meramente
um corpo simbólico no sentido de ser
representativo (simplesmente representando o
corpo terreno) mas sendo algo bem diferente
deste, em identidade, não tendo relação orgânica
com ele; pelo contrário, ele pode ser descrito como
constitutivo, porque é constituído pelo corpo como

109171Cf. I Coríntios 15.35: "Como ressuscitam os mortos? E em que


corpo vêm?" O relato da transformação do corpo na ressurreição em II
Baruque 49-51 encontra um notável paralelo em I Coríntios 15.
110172Cf Marcos 9.43 ss que se refere à sobrevivência das deformidades
físicas na vida após a morte.
111173Cf. João 20.27 para as propriedades físicas do corpo de
ressurreição de Jesus.
as pessoas entendem o termo e tem a mesma
subestrutura; todavia muito do conceito é
espiritualizado. O corpo "espiritual" é o corpo físico
transformado de modo a corresponder a este
ambiente que é natural à natureza e ao ser do
próprio Deus.
A aparente contradição entre o corpo
"espiritual" como corpo físico transformado e seu
correlativo celestial, coexistente com ele até o dia
da ressurreição, é parcialmente resolvida pela
crença de que o corpo "espiritual" se desenvolve
pari passu [N.T.: do latim "ao mesmo tempo,
simultaneamente"] com ocorpo físico e que os atos
do homem justo, praticados no corpo da carne,
condicionam a formação do corpo no céu. Essa
crença é apresentada explicitamente nos escritos
apocalípticos cristãos,112 e implicitamente nos
judaicos. "Este corpo espiritual", escreve o Dr.
Charles,113 "é resultado conjunto da graça de Deus
e da fidelidade do homem. Ele é, de um lado, um
dom divino... e de outro, o corpo espiritual é, em
certo sentido, a possessão do fiel, e pode, portanto,
apenas ser possuído por meio da fidelidade." O
homem é criado "de natureza invisível e visível; de
ambas são sua morte e sua vida" (II Enoque 30.10).
E ambos são criação de Deus.

112174Cf. Apocalipse 3.4: "Tens, contudo, em Sardes, umas poucas


pessoas que não contaminaram as suas vestiduras, e andarão de branco
comigo, pois são dignas". Cf. também 16.15.
113Que o corpo espiritual já é um com a pessoa para quem é preparado
é esclarecido no "Hino da Alma", em siríaco, que diz: "Eu vi as vestes
como se fossem uma comigo, como se ela estivesse em um espelho. E eu
contemplei nela a mim mesmo, e soube e vi a mim mesmo através
daquelas vestes, que nós fomos divididos em partes, sendo um, e
novamente feitos um em uma só figura." (cf. M. R. James, The
Apocryphai'New Testament [O Novo Testamento Apócrifo] 1924, p.
414).
175
Op. át., volume 1, pp. 187-188.
Bibliografia Selecionada
HISTÓRIA E RELIGIÃO

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R H. Pfeiffer - como acima. Ver também uma
boa introdução em The Apocrypha according to the
Authorised Version, with an introduction by Robert
H. Pfeiffer (Os Apócrifos de Acordo com a Versão
Autorizada, com uma introdução de Robert H.
Pfeiffer) (New York, Harper, 1953), e em The
Interpreter's Bible (A Bíblia do Intérprete), vol. 1
(New York, Abingdon-Cokesbury Press; atual,
Thomas Nelson and Sons).
Muitas outras referências poderão ser
encontradas em notas de rodapé deste livro.
Governantes e Principais
Acontecimentos
PTOLOMEUS E SELÊUCEDAS NA PALESTINA

Os Ptolomeus no controle da Palestina 312-


198 a.C.
Ptolomeu I (Soter 1) 312-283 a.C.
Ptolomeu II (Filadelfos) 285-247 a.C.
Ptolomeu III (Euergetes I) 247-221 a.C.
Ptolomeu IV (Filopator) 221-203 a.C.
Ptolomeu V (Epifânio) 203-181 a.C.

(O governo ptolemaico perdurou até 30 a.C.


quando o Egito se tornou uma província de Roma.)

Os Selêucidas no controle da Palestina 198-


143 a.C.
Antíoco III (O Grande) 223-187 a.C.
Seleuco IV (Filopator) 187-175 a.C.
Antíoco IV (Epifanes) 175-163 a.C.
Antíoco V (Eupator) 163-162 a.C.
Demétrio I (Soter) 162-150 a.C.
Alexander Balas 150-145 a.C.
Demétrio II (Nicator) 145-138 e 129-125 a.C.

(O governo dos Selêucidas perdurou até 64


a.C. quando foi conquistado por Pompeu.)

MACABEUS E HASMONEUS

Judas Macabeus 166-160 a.C.


Jonatas (Sumo Sacertode) 160-143 a.C.
Simão (Sumo Sacerdote) 142-134 a.C.
João Hircano (Sumo Sacerdote) 134-104 a.C.
Aristóbulo (Sumo Sacerdote e Rei) 103-102
a.C.
Alexander Janeus (Sumo Sacerdote e Rei)
102-76 a.C.
Alexandra Salomé 75-67 a.C. Hircano II (Sumo
Sacerdote) 75-66 e 63-40 a.C.
Aristóbulo II (Sumo Sacerdote e Rei) 66-63
a.C.
Antígono (Sumo Sacerdote e Rei) 40-37 a.C.
Herodes, o Grande 37-4 a.C.

GOVERNANTES DA JUDEIA DESDE A MORTE DE HERODES ATÉ A


GUERRA DOS JUDEUS

Arquelau 4 a.C. - 6 dG
Procuradores romanos 6-41 d.G
Herodes Agripa I 41-44 d.C
Procuradores romanos 44-66 d.G

EVENTOS IMPORTANTE
Profanação do Templo por Antíoco Epifânio
168 a.C.
Revolta dos Macabeus 167 a.G
Rededicação do Templo 165 a.G
Indicação de Jonatas como Sumo Sacerdote
152 a.G
Conquista da Independência 142 a.C.
Indicação de Simão como sumo Sacerdote
hereditário e Etnarca 141 a.C. Ascensão de João
Hircano I e o surgimento dos Fariseus e Saduceus
134-104 a.C. Perda da Independência:
Pompeu toma Jerusalém 63 a.C.
Ascensão de Herodes 37 a.C.
Morte de Herodes 4 a.C.
Guerra dos Judeus 66-70 a.C.
Destruição de Jerusalém por Tito 70 aG.
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