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Sobre a construção do personagem

pg. 388

A originalidade do escritor italiano reside justamente no fato de ter reduzido o homem a uma
abstração, a uma série de peças de um mosaico que fazem perder de vista o organismo e com ele as
noções de unidade, de fusão e de concatenação. O homem que surge a partir dessa concepção é
complexo e trágico, assiste à própria desarticulação, mas não se resigna a ela. Ser que se sente
abandonado, o homem de Pirandello

vê a contingência em todas as coisas, mas não se resigna à contingência. [...] Vê a alegria maculada de
dissolução, vê os ímpetos mais desinteressados em perpétua dilaceração recíproca, vê os homens fechados
entre si, fechados em si mesmos, incompreendidos e incompreensíveis, vê tudo isso, vê todo esse abandono, e
no entanto não pode mais entreabrir-se num sorriso de desprendimento e quando ri, é de esquecimento ou de
sarcasmo.

Se existem limitações em Pirandello, elas devem ser buscadas na transformação de uma


verdade parcial em verdade absoluta, no fato de ter elevado a sistema o relativismo psicológico, a
negação da imanência e da transcendência, o gosto da aparência. Mas, ao mesmo tempo, Pirandello é
para Tristão de Ataíde - que faz suas as palavras de Starkie - o arauto da falência do Super-homem,
comparável nisso a Spengler, o profeta da decadência da Supercultura ocidental. Autor extremamente
moderno, Pirandello não só testemunhou o estado de abandono no qual vive o homem do século XX.
Fez mais: quebrando uma estrutura que parecia eterna, tornou os homens perplexos e desesperados,
mas talvez "mais humanizados pela supressão de uma fé excessiva no 'Homem' ", levando-os, quem
sabe, mais para perto da Verdade.
A idéia do homem-mosaico é retomada por Oscar Mendes no livro Papini, Pirandello e Outros,
publicado em 1941. Comparado a um desenho cubista por seu aspecto facetado, o homem
pirandelliano proposto por Mendes corresponde plenamente ao pirandellismo com seu ver-se viver,
com seu oscilar entre pessoa e personagem, com a desproporção que existe entre sua natureza
medíocre e tímida e as situações difíceis que tem que enfrentar. Igualmente derivada do pirandellismo
é a tipificação que Mendes faz da poética do autor, em cuja complexidade estaria o porquê de sua
rarefeita presença no panorama cultural brasileiro:

A sua arte estranha, seca, misteriosa e surpreendente, oscilante entre o trágico e o grotesco, quando não
hibridamente misturando-os, o seu inóspito cerebralismo, a sua dúvida ansiosa, o seu hamletismo
desorientador e dessorante, tudo conspira para afastar do escritor siciliano a média do público ledor.
Querendo negar o pirandellismo, que concebe como uma filosofia primitiva e nada original,
baseada na dúvida e no ceticismo, Cláudio de Souza acaba, porém, por confirmá-lo, graças a uma série
de categorias que constituem o leitmovit de Pirandello e seu Teatro (1946). Raisonneur risonho, o
escritor siciliano distingue-se pela adesão a uma prosa filosófica, pela tendência a fazer das próprias
obras a demonstração de uma tese, o palco no qual se explicitam os discursos da razão. Disso derivam
a falta de verossimilhança e de humanidade de seus escritos, seu ambiente “quase sempre metafísico,
abstrato, ideológico, ou simbólico”.

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Na verdade, não será exagero dizer que toda a teoria dramática de Pirandello, tantas vezes por
ele exposta de modo tão original e artístico em suas obras dramatúrgicas, encontra na metalinguagem
do estudo sobre o humorismo a sua versão formal apropriada, como se o autor desde sempre
trabalhasse com esse fundamental estético e filosófico ou, ao menos, com padrões por ele moldados e
perfeitamente definidos. É claro que a sua arte contém muito mais do que modelos objetivados e
acabados. Não fosse assim, suas discussões sobre a realidade da vida, a realidade do teatro, o realismo
e o real tour court não poderiam provocar, ao nível de uma comunicação meramente ficcional do
teatro ao teatro, a INTERROGAÇÃO ENCARNADA existencialmente em tantas de suas personagens e
transmitida a tantos de seus receptores (espectadores e leitores) e ao mesmo tempo envolver estes
últimos no fascínio das existências dubitativas que aquelas deixam em seu rastro.
(...) A pessoa como personae, como máscara de si mesma, como forma que define a sua
personagem no jogo do ser não sendo do homem; a identidade que é ao mesmo tempo o velar-se da
ficção para o revelar-se do real no irreal pelos atos de realização dramática da obra teatral – são
alguns dos operadores postos em cena para flagrar a ambigüidade e ambivalência essenciais do self e
de sua autorepresentação no fluxo anímico de sua existência fenomênica. É o teatro no teatro que
faz da vida no palco o palco da vida.
(...) Por isso mesmo, cabe considerar a dramaturgia pirandelliana no conjunto e
especificamente o texto sobre o humor uma indagação das mais penetrantes na insustentável
pesantez de ser das colocações tradicionais e um ponto de partida, como Tchékhov o foi, de uma nova
percepção de um teatro dramático capaz de enfrentar ontológica e fenomenalmente o contraditório
da criatura, da psique e da vida dos homens. É certo que o enfrentamento com as duplicidades, as
ambigüidades anuladoras das essências, (...), tem sido perseguido por outras vias e em outras versões
cênicas desde o início deste século. Mas Pirandello foi um dos que genialmente o descortinaram no
próprio fundo do teatro tradicional, de seus estereótipos melodramáticos e cênicos, pela trama dos
contragolpes do humor.

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