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TESE DE DOUTORADO
Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial
Montes Claros
2016
Geraldo Antônio dos Reis
Belo Horizonte
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
CDU: 336.126
Geraldo Antônio dos Reis
__________________________________________________________
Prof. João Francisco de Abreu (Ph. D) – Pucminas (Orientador)
__________________________________________________________
Prof. Dr. Leônidas Conceição Barroso – Pucminas/FUMEC
__________________________________________________________
Prof. Dr. Sandro Laudares – Pucminas
__________________________________________________________
Prof. Dr. Tiago Cisalpino Pinheiro – Consultor Externo
__________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Antônio de Matos Macedo – Unimontes
The main subject of this thesis pertains to Geography, as it implies geographical dispersion of
political power, with division of competences and responsibilities among territorial
jurisdictions of government (national, regional and local). The objective of the present work
has been the making of a spatial analysis of revenues and expenditures of municipalities (local
governments) in Brazil, in order to characterize the imbalances belonging to Brazilian
federalism. The analysis had recourse to methods offered by Quantitative Geography, in its
interfaces with other sciences, like Economics. This work belongs accordingly to the
interface between the Geography of Public Finance and the Economics of Public Finance,
approaching the following aspects: (i) the concepts and characteristics of federalism, and
particularly of fiscal federalism; (ii) the mechanisms of intergovernmental cooperation,
especially in the form of transfers, focusing both on the recommendations by the relevant
literature and on the Brazilian experience, in discussing the historical evolution of fiscal
federalism in this country; and (iii) financial aspects of Brazilian municipalities, which are
analyzed in two stages: firstly, by means of a spatial analysis of the data on revenues,
expenditures and Intergovernmental transfers for the Brazilian municipalities, from 2000 to
2015; secondly, Exploratory Spatial Data Analysis (ESDA) for identification of patterns of
spatial association, using the Global Index of Moran I, the Local Index of Moran I and the
Getis-Ord Gi* Index. The results show evidence of significant spatial interaction of the
indicators, and evidence that the inequality in fiscal capacity of municipalities is a
consequence of, and also contributes to, the reproduction of spatial imbalances in the
Brazilian Federation.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 19
1.1 A Revolução Quantitativa .................................................................................................. 19
1.2 A Revolução Quantitativa e a Análise Espacial ................................................................. 21
1.3 Análise Espacial e a Nova Geografia Econômica (NGE) .................................................. 29
1.4 Contribuições da Geografia Quantitativa – Análise Espacial e SIG .................................. 31
1.5 Federalismo e Geografia ..................................................................................................... 37
1 INTRODUÇÃO
[...] uma ou mais das seguintes atividades: análise de dados espaciais numéricos, o
desenvolvimento da teoria espacial e a construção e ensaio (testing) de modelos
matemáticos de processos espaciais. O objetivo de todas essas atividades é
acrescentar à nossa compreensão os processos espaciais. Isto pode ser feito
diretamente, como no caso da modelagem de escolha espacial [...] no qual os
modelos matemáticos são derivados com base em teorias de como os indivíduos
fazem escolhas a partir de um conjunto de alternativas espaciais. Ou, pode ser feito
indiretamente, tal como na análise de padrões de pontos espaciais [...], a partir da
qual um processo espacial pode ser inferido (FOTHERINGHAM; BRUNSDON;
CHALRTON, 2007).
Portanto, análise espacial pode ser concebida como método de análise de dados com
base em sua localização no espaço real ou sua localização em relação a outros dados. O
esquema da Figura 1, elaborado por Fook (2005), mostra os campos da Análise Espacial
definidos por Fischer et al. (1996) e as áreas da Estatística Espacial indicadas por Bailey e
Gatrell (1995):
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1
Berry (2008) testemunhou que “fazia parte das primeiras agitações em meados dos anos 1950. Um pequeno
grupo de estudantes de graduação de Geografia da Universidade de Washington, os ‘cadetes do espaço’ (space
cadets), de William Garrison, começou a montar o que se tornou a base da análise espacial contemporânea e da
reorientação da cartografia matemática”.
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aceleradamente pela academia durante das décadas de 1950 e 1960, houve considerável
diminuição da popularidade desta escola nas décadas de 1970 e 1980. A partir do final da
década de 1960, com a efervescência política e ideológica que marcou a sociedade em geral e
a academia em particular, com exigências de crescente engajamento dos intelectuais, houve
progressiva radicalização da Geografia, especialmente pela influência marxista. A Geografia
Radical representou a crítica da ideologia e da prática geográfica, colocando temas como o
racismo, classes sociais, pobreza, etnocentrismo, gênero, injustiça, fome, enfermidades,
contaminação, exclusão social, nos textos e no ensino da Geografia. A Geografia Quantitativa
foi objeto de críticas veementes, notadamente por parte dos geógrafos marxistas, humanistas e
feministas. Elas foram direcionadas para questões como a sua associação ao positivismo
lógico; a fragilidade da sua base ontológica e epistemológica; e o emprego de métodos
quantitativos sofisticados, mas considerados estéreis, incapazes de produzir respostas para os
problemas e contradições do mundo real, e que distanciavam os geógrafos de qualquer
compromisso com a crítica, a discussão filosófica e, principalmente, a mudança social.
Kitchin (2006) ressalta que a fase de transformação no método da Geografia abriu o
caminho para um longo período de reflexão sobre a ontologia, epistemologia e ideologia da
investigação geográfica, do final dos anos 1960 em diante. Isso coincidiu com um momento
de grande agitação social em diversos países do mundo ocidental, quando muitos geógrafos
estavam questionando a relevância e utilidade da disciplina, especialmente, como um
conhecimento capaz de preparar os geógrafos para o engajamento em movimentos sociais
emergentes e fornecer soluções práticas e políticas. Havia a percepção crescente quanto ao
problema da desigualdade e da pobreza que teimava em permanecer mesmo nos países
desenvolvidos – não obstante o fato de terem experimentado a fase de ouro do capitalismo no
pós-guerra – num momento em que também era intensa a mobilização social pelos direitos
civis e contra a guerra do Vietnã. Consequentemente, no âmbito da comunidade geográfica,
amadurece a reação aos fundamentos e ao emprego do método científico positivista.
Ao mesmo tempo, as ciências sociais foram afetadas pela descoberta do amplo campo
da percepção subjetiva da realidade, abrindo espaço para a Geografia Humanística. Na
Antropologia, na Economia, e em outras ciências, começou a haver o entendimento de que os
indivíduos e os grupos sociais possuem uma percepção enviesada da realidade, em função dos
seus valores culturais, das suas experiências e das suas aspirações. Por essa razão, emergiu a
chamada Geografia Humanística (ou Geografia da Percepção), com foco na descoberta da
dimensão subjetiva e pessoal, que igualmente representou uma crítica aos modelos
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pareciam ser contra alguma coisa, mas raramente podiam articular suas razões, exceto em
termos dolorosamente emocionais” (GOULD, 1984).
A frágil fundamentação quantitativa dos geógrafos tornou incompreensível muitas das
teorias, métodos e resultados da Geografia Quantitativa. Fotheringham (2006) reconhece que
a Geografia Quantitativa é relativamente “difícil”, particularmente para aqueles cuja
fundamentação matemática ou científica é limitada, tornando-se mais fácil seguir outras
abordagens. Isso impossibilitou que muitos geógrafos compreendessem a natureza dos
debates que surgiram e continuarão a surgir dentro do amplo campo da análise espacial.
Ademais, geógrafos foram tentados a descartar as contribuições da Geografia Quantitativa por
meio de críticas que têm validade limitada, ao invés de tentar compreendê-las.
Fotheringham (2006) afirma ainda que o objetivo da Geografia Quantitativa é muito
simples, mas muito importante: melhorar a nossa compreensão sobre os processos espaciais,
por meio de diversas aplicações, como nas modelagens para a escolha da localização de uma
loja, cuja ênfase é compreender como os indivíduos fazem escolhas a partir de um conjunto
de alternativas espaciais, ou nas investigações sobre o padrão espacial da incidência de uma
doença, no campo da Epidemiologia. Os geógrafos quantitativos argumentam que sua
abordagem fornece um teste robusto sobre tais processos espaciais e, por esta razão, suas
habilidades estão sendo cada vez mais procuradas no mundo real para fornecer insumos para a
tomada de decisões.
Stillwell e Clarke (2004) salientam ainda que alguns departamentos de Geografia em
todo o mundo mantiveram-se robustos quantitativamente, enquanto que o crescimento da
disciplina da ciência regional ajudou os geógrafos quantitativos sobreviventes a encontrar
aliados entre os economistas e os planejadores regionais. Lentamente, durante os anos 1980 e
1990, a Geografia Quantitativa começou a reagir e a reconquistar o espaço perdido.
Krugman (1991) acrescentou ainda que “os fatos da geografia econômica estão entre
as características mais marcantes das economias do mundo real, pelo menos para os leigos”, e
um “leigo poderia esperar que esses fatos desempenhariam um papel fundamental na
modelagem econômica”. Contudo, “o estudo da geografia econômica, pelo menos dentro da
profissão econômica, tem permanecido em grande parte dormente pela geração passada [...]
com algumas exceções notáveis”. Conforme Abreu (2013), a agenda de pesquisa da NGE é
bastante extensa, contemplando temas como:
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duas décadas dos sistemas de informação geográfica (SIG) deu a esta forma de olhar
o espaço novo apelo popular. A explosão do SIG teve consequências de grande
alcance e, geralmente, altamente benéficas para a geografia humana, proporcionando
novos meios para modelar e simular fenômenos espaciais com um grau sem
precedentes de sofisticação analítica. A presença do SIG, tanto como uma
ferramenta como uma linguagem, tem energizado a geografia humana de maneiras
que eram impensáveis apenas uma geração atrás (WARF, 2006a).
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Berry (2008) assinala ainda que o foco do SIG se deslocou quando Garrison, Marble e ele se mudaram para a
região de Chicago. Berry se tornou diretor do Centro de Estudos Urbanos, onde permaneceu até 1976. Nessa
mudança, Garrison e Berry ajudaram o engenheiro civil Howard Fisher a desenvolver a primeira geração de
software de computação gráfica, SYMAP I (no Harvard Laboratory for Computer Graphics and Spatial
Analysis, financiado com uma subvenção recebida da Fundação Ford), e Marble e Berry organizaram o National
Science Foundation Workshop para difundir as ideias e reunir uma primeira visão de campo em Análise
Espacial. O Laboratório serviu como foco para a pesquisa no campo ainda na década de 1970, proporcionando o
impulso inicial para inovadores como Jack Dangermond (que posteriormente fundou a ESRI e criou o que se
tornou o software de computação gráfica mais amplamente utilizado no mundo), L. Jordan (presidente da
ERDAS) e B. J. L Berry, W. Warntz e D. Sinton (executivos da Intergraph).
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Cinquenta anos depois desse início, o resultado é um grande e complexo campo que
abrange muitas disciplinas, e que continua a crescer e expandir-se para uma
variedade crescente de aplicações. Os cartógrafos têm evitado a sua caneta e tinta, e
a rudimentar cartografia está ao alcance de todos com o acesso à Internet. Os atlas
rodoviários estão rapidamente dando lugar a sistemas de navegação por satélite
(BERRY, 2008).
O autor observa ainda que, mesmo que o Congresso americano tenha se ocupado com
as questões de privacidade decorrentes da proliferação do uso dos SIG’s, tornou-se
praticamente impossível o trabalho da polícia e dos bombeiros sem o uso de tal ferramenta.
De mais a mais, “do planejamento urbano à localização de lojas, da tributação da propriedade
à construção de estradas, da resposta a desastres à gestão ambiental, há poucas arenas nas
quais o SIG não esteja desempenhando um papel significativo” (BERRY, 2008).
Goodchild (2008a) argumentam que o interesse na análise de dados espaciais tem
crescido rapidamente nos últimos anos, em parte devido ao aumento da disponibilidade de
dados espaciais e da aceitação popular das ferramentas como o Google Earth e Google Maps.
Os SIG’s são projetados para suportar a manipulação de dados espaciais e, praticamente todos
os métodos conhecidos de análise de dados espaciais estão agora disponíveis como funções
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dentro deste ambiente. Nelson (2011) afirma que embora os softwares de SIG comerciais
dominem o mercado de usuários, os SIG’s gratuitos (como o QGIS e o gvSIG) e os pacotes de
análise espacial freeware (como o SpaceStat e o GeoDa), com funcionalidades mais
avançadas, são importantes para a disseminação de técnicas de análise espacial mais
sofisticadas. Pela sua natureza dinâmica e interativa, os SIG’s também transformaram a
visualização de dados espaciais em elemento importante da análise exploratória, que é o
primeiro passo na análise espacial.
Outro aspecto a ser considerado, conforme ressalta Nelson (2011), é que o
desenvolvimento dos SIG’s proporcionou uma significativa ampliação das fontes de dados
espaciais, que são disponibilizados por meio digital, facilitando acesso para os usuários. O
surgimento combinado do Global Positioning System (GPS), sensoriamento remoto e SIG
diminuiu o custo da coleta de dados – à medida que podem ser coletados em áreas muito
maiores e repetidamente ao longo do tempo – bem como os custos de seu armazenamento e
de organização de banco de dados. Além disso, os dados são cada vez mais vistos como
propriedade pública e, a popularidade universal de navegadores de dados espaciais, como o
Google Maps, tem transformando a maneira como a sociedade entende dados espaciais.
A disseminação do GPS, sensoriamento remoto e do SIG abriu também excelentes
oportunidades de trabalho para os geógrafos. De acordo com Nelson (2011), a habilidade na
manipulação e análise de dados espaciais se tornou ativo valorizado por empresas, governo,
bem como a academia. O artigo “Mapping opportunities”, publicado pela Revista Nature,
ainda em 2004, revelou que os analistas geoespaciais têm colaborado com as autoridades na
tomada de decisões cruciais. Ao combinar camadas de dados (layers) espacialmente
referenciados por meio dos SIG’s, os geógrafos de alta tecnologia tornaram o mapeamento
digital uma poderosa ferramenta de tomada de decisão. A matéria indicou que, naquele ano
(2004), o Departamento de Trabalho dos EUA identificou a Geotecnologia como um dos três
campos emergentes e em desenvolvimento mais importantes, junto com a Nanotecnologia e a
Biotecnologia. Na mesma matéria, Doug Richardson, diretor-executivo da Associação de
Geógrafos Americanos (AAG), declarou que “a ciência descobriu a geografia”. Ademais,
muitos dos programas multidisciplinares de investigação da National Science Foundation
passaram a incluir um componente geoespacial.
O progresso recente da análise espacial e dos SIG’s produziu uma mudança na relação
da Geografia com as outras ciências. Nelson (2011), em entrevista realizada junto a
importantes acadêmicos da análise espacial, constatou que os geógrafos das décadas de 1950
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e 1960 tomaram emprestado o trabalho de físicos e matemáticos para gerar um novo tipo de
Geografia, a Geografia Quantitativa. Em virtude dos significativos avanços proporcionados
pelos SIG’s, softwares, novos tipos de dados espaciais e tecnologia da geoinformação, a
análise espacial tem permeado outras disciplinas e ganhou popularidade na Ecologia,
Economia, Ciências Sociais em geral e Epidemiologia. Ou seja, durante a Revolução
Quantitativa, os geógrafos foram importadores de técnicas. Desde então, os geógrafos têm
impulsionado a análise espacial, tornando-se exportadores líquidos de métodos. Além da
Geografia, a perspectiva espacial e quantitativa desenvolvida por geógrafos alcançou
reconhecimento dentro e fora da academia, e outras disciplinas estão se tornando importantes
fontes de inovação na análise espacial.
Johnston (2006) argumenta que o SIG é uma tecnologia que está no centro da
evolução da análise espacial em Geografia (tanto Física quanto Humana), e de muitas outras
disciplinas, como a Estatística Espacial e a Econometria Espacial, além de ter se tornado uma
tecnologia que atende a uma vasta gama de indústrias. Nessa tecnologia, a Geografia exerce a
liderança em relação às demais ciências.
Sheppard (2001) assinala que a Geografia Humana progressista pode tirar proveito de
práticas quantitativas. O autor acrescenta que “métodos quantitativos em geral e análise
estatística espacial em particular, continuamente foram citados por seus defensores pelo fato
de terem tornado a prática da geografia mais rigorosa (no sentido positivista), e ter aumentado
a sua respeitabilidade entre as outras ‘ciências’” (SHEPPARD, 2001).
Mesmo que o SIG seja uma ferramenta neutra e forneça inúmeras possibilidades de
uso para a prática das diversas Geografias, ainda é grande a desconfiança de muitos geógrafos
filiados às outras correntes de pensamento geográfico contemporâneo. Cloke et al. (2004), por
exemplo, assinalam que alguns geógrafos ainda insistem em equiparar Geografia Quantitativa
e SIG ou a compreendê-lo como o “equivalente acadêmico de um cavalo de Tróia”, utilizado
disfarçadamente pelos geógrafos quantitativos para tentar restabelecer o seu domínio no
currículo da Geografia.
Embora a Estatística seja uma atividade extremamente sofisticada, o desenvolvimento
de aplicativos estatísticos e econométricos e a inclusão destes aplicativos nos SIG’s tornaram
a análise quantitativa espacial acessível para pesquisadores de vários campos da Geografia,
mesmo para aqueles sem sólida formação quantitativa. Além disso, a cada dia surgem novas
aplicações e são ampliadas as possibilidades de interface da Geografia com os demais campos
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Apud Burgess (2012).
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Dikshit (1975), por sua vez, inovou ao abordar a chamada “geografia do federalismo”.
Em sua opinião, o federalismo é “o mais geograficamente expressivo de todos os sistemas
políticos” (DIKSHIT,1975), apesar da pouca atenção dispensada pelos geógrafos para
explicar a base geográfica do governo federal. Mesmo que até então outras abordagens
tenham relacionado Geografia e federalismo, persistiu a inclinação sociológica para o tema. O
autor considera duas razões pelas quais o federalismo deve ser considerado como “a mais
geograficamente expressiva” de todas as formas de governo. Em primeiro lugar, porque se
baseia “na existência de diferenças regionais ou um senso de localidade”. Ou seja, há uma
singularidade marcante no território onde se vive. Em segundo, por causa da existência de
uma espécie de organização política “dual” e a concessão de autonomia regional substancial,
as regiões de um Estado federal permanecem altamente articuladas. Isso significa que as
interações espaciais em uma federação, ao contrário de outras formas de governo, são mais
claramente reconhecidas. O federalismo depende da premissa geográfica básica, que é o
reconhecimento das diversidades regionais agrupadas. E inexiste sistema federal sem uma
base regional que contemple diversidades territorialmente agrupadas. Não obstante a presença
de diferenças regionais e senso de localidade em Estados não federais, somente quando a
unidade sociológica da região é poderosa o suficiente para exigir e receber abordagens sociais
é que o federalismo se torna inevitável. Ao contrário do sistema unitário, o federalismo não
impõe a unidade a partir da diversidade, mas possibilita que as duas forças coexistam.
Portanto, na visão do autor, o federalismo é fundamentalmente um produto da geografia e a
essência do federalismo não está tanto na estrutura constitucional mas na geografia da própria
sociedade.
Burgess (2012) ressalta os estudos contemporâneos enfatizando a territorialidade do
ponto de vista da relação entre espaço, lugar e política na era da globalização. O conceito é
remoldado e atualmente melhor compreendido como “territorialidade política porque captura
com mais precisão o amálgama de elementos socioeconômicos e culturais encapsuladas em
uma organização espacial” (BURGESS, 2012). Vollaard (2009), seguindo na mesma direção,
afirma que a atenção dada à construção social das fronteiras territoriais não nega que o
ambiente geográfico tem um impacto sobre as relações de poder e governo (rule).
Short (2003) assinala que “a plena compreensão da sociedade só pode ser alcançada
através da análise dos fios que ligam estruturas espaciais, processos políticos e sistemas
econômicos” (SHORT, 2003). Ao mesmo tempo, “o assunto tradicional da geografia – as
relações entre as pessoas e a natureza, pessoas e espaço, pessoas e lugares – não pode ser
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dinheiro é, por vezes, dirigido pelos partidos políticos para manter a lealdade nas áreas
tradicionais de apoio e para balançar o equilíbrio das eleições em áreas marginais.
As finanças públicas emergiram como tema da Geografia Humana, em razão das
implicações da distribuição espacial das receitas e despesas do governo. Trabalhos pioneiros,
como o de Bennett (1980), analisaram tanto os padrões espaciais quanto as incompatibilidade
entre as geografias da geração de receita e das despesas do setor público, estabelecendo os
questionamentos: quem recebe o quê, onde, e a que custo? O foco duplo em padrões espaciais
e as suas consequências permite a exploração das diferenças entre indivíduos e entre os
governos locais que coletam e gastam as receitas – considerando o consumo coletivo. Como
as necessidades, custos e preferências por bens públicos variam geograficamente, é possível
verificar espacialmente as falhas decorrentes da aplicação dos princípios das finanças públicas
às questões de justiça social. Dessa forma, constituem-se em assuntos da Geografia das
Finanças Públicas temas como a capacidade do Estado realizar a redistribuição geográfica dos
recursos para aliviar a desigualdade e como o aparelho do Estado produz e pode, então,
abordar a desigualdade espacial através das suas funções (GREGORY et al, 2009).
Dewar (1988) – a partir da contribuição de autores pioneiros como Bennett (1980) –
destaca o conceito de Geografia das Finanças Públicas, campo cujo propósito é analisar a
geração, alocação e distribuição de fundos para o fornecimento de bens e serviços públicos. A
distribuição geográfica dos recursos públicos afeta fundamentalmente a forma, estrutura e
funcionamento do sistema urbano e, em última análise, a qualidade de vida e as oportunidades
de vida das pessoas que vivem dentro desse sistema. Dentre as questões relacionadas à
Geografia das Finanças Públicas estão a natureza e a competência da autoridade local; sua
autonomia relativa; sua relação com os níveis superiores de governo e grupos sociais; a
localização de bens públicos e acesso aos mesmos; as fontes geográficas da receita pública; a
distribuição de receitas e gastos entre níveis de governo e entre regiões; a incidência de
externalidades; e os efeitos da jurisdição territorial sobre a estrutura, forma e atividades
urbanas. Além disso, constituem-se em item relevante na agenda de pesquisa da Geografia das
Finanças Públicas os custos e benefícios relativos de localização para os contribuintes –
quanto eles pagam, onde o dinheiro é gasto, bem como a natureza e a extensão dos benefícios
que derivam de tais despesas. Em essência, Dewar assinala que a “a Geografia das Finanças
Públicas está preocupada com quem recebe o quê, onde, quem decide, e quem decide quem
decide” (DEWAR, 1988).
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Anastasiou, Theodossiou e Thanou (2016) afirmam que a distribuição dos gastos pode
ter um duplo sentido: por um lado, refere-se à distribuição funcional entre os vários tipos de
despesa e, por outro lado, refere-se a sua distribuição espacial. O primeiro tipo de distribuição
diz respeito aos métodos e raciocínio por trás das decisões para alocar as despesas às várias
categorias. A segunda abordagem investiga os critérios segundo os quais eles são distribuídos
espacialmente. Embora a despesa pública seja um mecanismo essencial da política regional,
existem limitações geográficas que causam a discriminação de grande parte da população, que
não pode usufruir dos mesmos bens e serviços públicos, observando-se, portanto, grandes
disparidades na sua distribuição espacial, mesmo em países com pequena dimensão territorial.
Assim, fatores econômicos, históricos, geográficos e, sobretudo, políticos, podem ser
determinantes nessa desigualdade. Dentre os fatores políticos, a falta de coordenação da ação
governamental pode assumir um papel importante.
Monastiriotis e Psycharis (2009) argumentam que a dispersão geográfica do
investimento público pode igualmente refletir uma maior dispersão na infraestrutura regional
e outras necessidades. E, para se alcançar a redução das desigualdades em infraestruturas,
tornando o desenvolvimento do país mais equilibrado e gerando igualdade de oportunidades
para todos os cidadãos e empresas, é necessário alocar investimentos públicos desigualmente
no espaço. Assim, os lugares com maior e melhor infraestrutura vão demandar maiores
recursos para a sua manutenção, afetando o padrão espacial de alocação do gasto público.
Mclean (2005) ressalta que a geografia da tributação e dos gastos é a mesma em
qualquer democracia. As áreas ricas proporcionam maior receita tributária per capita, mas
têm menos necessidades de gasto público per capita, enquanto as áreas pobres enfrentam
realidade oposta nas duas dimensões. Por essa razão, o sistema fiscal precisa contemplar
mecanismos de redistribuição, verticais e horizontais – conforme será detalhado
posteriormente. Distribuição vertical envolve as transferências dos níveis superiores para os
níveis inferiores de governo, para compensar deficiências de arrecadação e permitir a
prestação de serviços públicos locais. A distribuição horizontal ocorre por meio de
mecanismo de transferência de receitas fiscais das localidades ricas para as pobres. Da mesma
forma, os programas de proteção social dos governos visam promover a transferência de
recursos dos mais ricos para os mais pobres. Isso também envolve um aspecto geográfico à
medida que os ricos tendem a viver em um lugar e os pobres em outro. A tributação
progressiva similarmente tem um efeito geográfico, simétrico ao das transferências. O
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imposto retira mais dinheiro per capita das partes ricas do país, enquanto as transferências
movem mais dinheiro per capita para as partes pobres do país.
É possível inferir que a Geografia das Finanças Públicas analisa o padrão espacial das
receitas e gastos públicos, permitindo assim uma abordagem sobre aspectos fundamentais do
federalismo fiscal de países como o Brasil. Ainda que a distribuição espacial do gasto público
nem sempre seja coerente com a redução das profundas desigualdades encontradas em
federações complexas como a brasileira, a Geografia ajuda a compreender as repercussões
espaciais destes gastos, sobretudo daqueles componentes, como as transferências, orientados
para corrigir desequilíbrios fiscais entre os entes de mesmo nível. Além do mais, a Geografia
das Finanças Públicas pode oferecer uma perspectiva tanto alternativa quanto complementar
aos temas tratados pela Teoria das Finanças Públicas, no âmbito da Economia.
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2 A TEORIA DO FEDERALISMO
Ulbrich (2013) salienta que os países unitários apresentam nível mais elevado de
centralização. Em muitos países, principalmente aqueles menores, mas também em alguns
maiores, o governo central desempenha o papel principal em tudo, desde as estradas e as
prisões aos cuidados de saúde e educação. Os governos locais podem até contar com poderes
limitados para arrecadar e gastar recursos, mas quase sempre seguindo regras estabelecidas
pelo governo central.
Bowman e Kearney (2011) afirmam que uma confederação, por sua vez, representa o
oposto de um sistema unitário. Na confederação, o governo central é fraco e os governos
regionais são poderosos. As jurisdições regionais estabelecem um governo central para lidar
com as áreas de interesse mútuo, como a defesa nacional e uma moeda comum, mas
restringem severamente a autoridade do governo central em outras áreas. Essas mesmas
jurisdições podem mudar ou até mesmo abolir o governo central. Os Estados Unidos
começaram como uma confederação, e os Estados do Sul formaram uma nova confederação,
causando a guerra da secessão em 1861. A União Europeia é o exemplo recente mais
importante de confederação.
Bowman e Kearney (2011) salientam que o sistema federal se localiza entre as formas
unitárias e confederadas no que diz respeito à divisão de poderes entre os níveis de governo.
O sistema federal pressupõe pelo menos dois níveis de governo, cada um deles com poderes
derivados exclusivamente do povo, que lhes permite atuar diretamente sobre as pessoas
sujeitas à sua jurisdição, sem permissão de qualquer outra autoridade. Cada nível de governo
é autônomo nos poderes que a ele atribuídos, e protegido por uma Constituição de ser
dissolvido pelo outro. Assim, o federalismo é uma forma de dividir o poder e as funções do
governo entre um governo central e um determinado número de jurisdições regionais
geograficamente definidas. Com efeito, as pessoas têm dupla cidadania, no governo nacional
e em seu governo regional. Em sistemas federais como o do Brasil e dos Estados Unidos, os
governos regionais são chamados de Estados. Em outros, como o Canadá, eles são conhecidos
como províncias. Em alguns países, existem também os entes municipais, cuja autonomia é
constitucionalmente reconhecida, como aconteceu no Brasil após 1988. Portanto, no Brasil, os
governos federal, estaduais e municipais têm suas atribuições definidas constitucionalmente e
contam com suas próprias instituições legislativas e executivas. Elazar (2011b) informou que
cerca de 40% da população mundial vive em países cujos sistemas políticos são formalmente
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federais e outro terço vive em sistemas que, em certo sentido, aplicam os acordos federais.
Atualmente, existem 26 países que adotam o sistema federal de governo em todo o mundo4.
O federalismo fiscal é um desdobramento no campo econômico da abordagem política
e jurídica do federalismo, que, de acordo com Riker (2007), representa uma forma
constitucional amplamente utilizada nos séculos XIX e XX. Para Ward e Ward (2009a), fatos
importantes nos campos político, social e econômico das últimas décadas permitiram o
renascimento do interesse pelo federalismo, que retomou um papel de vanguarda nos debates
constitucionais em virtude do seu caráter dinâmico e das suas propriedades intrinsecamente
flexíveis como um princípio de organização política e social. O federalismo assumiu
importância renovada como um sistema com enormes potencialidades para fomentar o
desenvolvimento econômico e político em algumas nações, e como um instrumento promissor
para a gestão de conflitos, em outras. No período recente, é possível vislumbrar a introdução
de elementos federais em antigos Estados unitários como a Espanha e o Reino Unido, a
adaptação das relações intergovernamentais em Estados federais bem estabelecidos como o
Canadá, ou a ocorrência de grande controvérsia em torno da trajetória federal, ou quase
federal, da integração europeia.
Portanto, o federalismo é um conceito flexível que ora justifica a centralização e a
cooperação entre níveis de governo, como a tradicional versão da welfare economics, liderada
por Musgrave, ora a descentralização e a competição, na linha da Escolha Pública. Rodden
(2006) observa que, notoriamente após os fundadores da nação americana, em especial James
Madison, o federalismo foi concebido como meio de compatibilizar a oferta de bens coletivos
no âmbito de um grande território, com a responsabilização local (accountability). E, mais
recentemente, cientistas políticos destacam o federalismo como “um caminho para a paz e a
democracia em sociedades divididas”, por um lado, enquanto economistas da economia do
bem-estar compreendem-no como uma forma de aumentar a eficiência e a responsabilização
do governo, ao mesmo tempo em que “os teóricos da escolha pública concebem-no como uma
4
De acordo a lista divulgada pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) – também
conhecido como Banco Mundial – que possui uma unidade dedicada aos assuntos relacionados à governança no
setor público e à descentralização fiscal: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica,
Bósnia-Herzegovina, Brasil, Canadá, Comores, Etiópia, Federação Russa, Índia, Iraque, Malásia, México,
Micronésia, Nepal, Nigéria, Paquistão, St. Kitts e Nevis, Sudão, Suíça, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos
da América e Venezuela. Disponível em:
<http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTPUBLICSECTORANDGOVERNANCE/0,,co
ntentMDK:23112839~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:286305,00.html>. Acesso em: 29 jul. 2016. A
lista excluiu a Áustria. Contudo, também se trata de um país federal de acordo com informação oficial da
Chancelaria do país. Disponível em: <https://www.bka.gv.at/site/3539/default.aspx>. Acesso em: 29 jul. 2016.
Boadway e Shah (2009) consideram África do Sul um país unitário com traços federais e Reschovsky (2007),
como um sistema misto.
46
Se uma república for pequena, ela será destruída por uma força estrangeira; se for
grande, será destruída por um vício interior. Este duplo inconveniente infecta
igualmente as democracias e as aristocracias, sejam elas boas ou más. O mal está na
própria coisa; não há nenhuma forma que possa remediar. Assim, parecia muito
provável que os homens fossem afinal obrigados a viver sob o governo de um só, se
não tivessem imaginado uma forma de constituição que possui todas as vantagens
internas do governo republicano e a força externa da monarquia. Estou referindo-me
à república federativa. Esta forma de governo é uma convenção segundo a qual
vários Corpos políticos consentem em se tornar cidadãos de um Estado maior que
pretendem formar. É uma sociedade de sociedades, que formam uma nova
sociedade, que pode crescer com novos associados que se unirem a ela
(MONTESQUIEU, 2000).
5
Apud Ward e Ward (2009a).
47
Elazar (2011b) acrescentou ainda que o termo latim foedus, assim como o termo
hebraico brit, significa “pacto”. Isso pressupõe que a base do sistema federal consiste no
acordo, estabelecido e regido por um pacto, que envolve partilha e reconhecimento mútuo da
integridade de cada parceiro, visando promover uma unidade especial entre eles. Na mesma
direção, shalom, o termo hebraico que significa paz, deriva de brit e tem a ver com a criação
da integridade do pacto que é a verdadeira paz.
Assim, para Elazar (2011b), nas eras modernas e pós-modernas, o federalismo
emergiu como um meio importante para acomodar o progressivo desejo das pessoas de
“reviver e preservar as vantagens das pequenas sociedades” com a necessidade crescente de
arranjos mais abrangentes que utilizam recursos comuns e mantém ou reforçam as suas
peculiaridades culturais no âmbito de organizações políticas maiores. Por essa razão, os
acordos federais têm sido adotados tanto para integrar novas formas de governo, preservando
as diversidades internas legítimas, quanto para unir as formas estabelecidas de governo com o
propósito de alcançar vantagem econômica e ampliar a segurança. Em texto anterior, Elazar
(1995), destacou que o verbo “federalizar” é empregado para denominar a unificação dos
Estados separados em um sistema de governo federal e, igualmente a difusão permanente de
autoridade e poder dentro de uma nação entre os diferentes níveis de governo. Nessa
ambiguidade, reside a essência do princípio federativo: a perpetuação tanto da união quanto
da não centralização.
Rodden (2006) argumentou que “a promessa do federalismo é e pluribus unum, para
fazer um dos muitos e alcançar simultaneamente as vantagens de pequenos e grandes
unidades governamentais”6. As federações enfrentam um duplo perigo: tornar-se
exageradamente centralizadas – ou mesmo despóticas – ou descentralizadas e fracas,
6
A expressão latina “e pluribus unum” significa “de muitos, um” e tornou-se lema nacional dos Estados Unidos
entre 1776 e 1956, e representa a essência do federalismo americano. Ela ainda está ainda presente na moeda
americana, mesmo que tenha sido substituído como lema nacional pela expressão “In god we trust”.
48
vulneráveis a conflitos internos ou inimigos externos. Por esse motivo, o federalismo envolve
um desafio do desenho institucional: como instituir um governo central que seja tanto forte
quanto limitado. O centro deve ser forte para suprir os bens coletivos de âmbito nacional,
como defesa, mas fraco o suficiente para preservar a autonomia local.
William Riker (1964), por sua vez, declarou que “o federalismo é a principal
alternativa ao império como uma técnica de agregar grandes áreas sob um governo”. Ele
definiu federalismo da seguinte forma:
Ostrom (1991) definiu o federalismo como “um sistema de governo onde a autoridade
é exercida simultaneamente por um governo nacional e os governos estaduais ou provinciais”.
Por isso, o federalismo:
[...] é geralmente entendido como uma teoria de governo que usa o poder para
legitimar o poder em meio a interesses opostos e rivais. Autoridade é limitada, e
nenhum corpo único exerce controle supremo nem tem o monopólio sobre o uso da
força na sociedade. Mas a ideia do federalismo se torna trivial quando aplicada
apenas à coexistência de governos estaduais e nacionais. Em vez disso, o
federalismo oferece nada menos do que uma base favorável para o desenvolvimento
das capacidades de auto-organização e de auto-governo, em condições de igualdade
de liberdade e justiça (OSTROM, 1991).
de uma comunidade política” (BENZ; BROSCHEK, 2013). Pelo menos três vínculos entre
arenas institucionais precisam ser considerados: em primeiro lugar, a diferenciação vertical de
autoridade entre os níveis territoriais de governo (supranacional, nacional, regional, local).
Em segundo, a estrutura horizontal entre as unidades constituintes – o equilíbrio ou
desequilíbrio de recursos fiscais e relações simétricas ou assimétricas. E, em terceiro, a arena
intra-governamental; ou seja, a estrutura dos governos, constituindo um sistema federal,
feições organizacionais de partidos e sistemas partidários, ou formas democráticas ou não-
democráticas de governo (BENZ; BROSCHEK, 2013).
Gerston (2007) observou que:
[...] no qual nem o governo federal nem as unidades constituintes do governo são
constitucionalmente subordinadas a outra, ou seja, cada um tem poderes soberanos
derivados da constituição, e não de outro nível de governo, cada um tem poderes
para lidar diretamente com seus cidadãos no exercício dos seus poderes legislativo,
executivo e de tributação, e cada um é eleito diretamente pelos cidadãos (WATTS,
1996).
7
Coligação (federacy) são arranjos políticos onde uma unidade maior está ligada a uma unidade ou unidades
menores, mas preservando considerável autonomia para a unidade menor, ao mesmo tempo em que lhe confere
um papel mínimo no governo maior. Tal relação somente pode ser dissolvida por mútuo acordo. Como
exemplos, é possível citar a relação de Porto Rico com os Estados Unidos e do Butão com a Índia. Os Estados
associados se assemelham à coligação, mas pode ser dissolvida por qualquer das unidades atuando isoladamente
em condições preestabelecidas. Nesse modelo se enquadram as relações entre os Estados Unidos e as Ilhas
Marshall e entre a Nova Zelândia e as Ilhas Cook (WATTS, 1996).
51
Lijphart (1985), por sua vez, identifica seis atributos principais do federalismo:
Estados para uma disputa feroz que produz mais perdedores que ganhadores. Além dos
conflitos entre jurisdições de mesmo nível, um resultado inevitável do sistema federal são os
conflitos entre governos estaduais e locais com o governo central, em assuntos como o
alcance de leis federais, partilha de recursos e transferência de responsabilidades para os
níveis inferiores de governo.
Apesar de o conflito ser uma tendência natural em um sistema federal, ele é
contrabalançado pela busca de cooperação entre as jurisdições. As jurisdições de mesmo
nível, ao longo da história, tem ampliado os esforços para enfrentar e resolver seus problemas
imediatos em conjunto, por meio da cooperação interjurisdicional. Em vários lugares do
mundo, organizações de alcance regional foram criadas para encaminhar a solução conjunta
de problemas, através de consultas informais e acordos, comitês interestaduais, contratos
legais, legislação recíproca, pactos interestaduais, consórcios intermunicipais (BOWMAN;
KEARNEY, 2011).
Ward e Ward (2009h) assinalam que, da antiguidade bíblica e clássica ao mundo
contemporâneo, o federalismo tem sido e continua a ser uma possibilidade política
permanente como o arranjo da sociedade humana. A estabilidade do federalismo no decorrer
da história humana concorre para seu uso no alcance de diversos propósitos:
Ward e Ward (2009g) acrescentam que é possível observar, num contexto global,
estrutura federalista adequada, à medida que envolve uma comparação dos benefícios e custos
econômicos da atribuição de responsabilidades a cada nível de governo: no nível nacional ou
central, no nível estadual, ou no nível local. Por essa razão, eles citam duas dimensões
importantes para a eficiência econômica. Em primeiro lugar, a eficiência interjurisdicional
pressupõe a alocação adequada de indivíduos e de outros recursos, como o capital, entre as
diferentes jurisdições. A eficiência interjurisdicional é alcançada quando há a interação das
atividades públicas desses governos visando a satisfação das demandas coletivas de
indivíduos que vivem em distintas jurisdições a um custo econômico mínimo. Além disso, a
análise precisa contemplar os custos econômicos de deliberar politicamente como tais
políticas devem ser e assegurar que as políticas decididas sejam aquelas efetivamente
entregues pelo governo – igualmente identificados como os custos de transação de governo.
Esses custos abarcam os custos de escolha dos legisladores, os custos de tomada de decisão
para definir uma política e os custos de monitoramento para garantir que a política esteja
sendo efetivamente implementada. Em segundo lugar, a eficiência intrajurisdicional, que
requer a seleção de atividades públicas que satisfaçam as demandas coletivas dos cidadãos
dentro de uma determinada jurisdição, com custos mínimos8.
Filippov, Ordeshook, e Shvetsova (2004) advogaram que, na perspectiva política,
existem muitas justificativas para o federalismo. Dentre elas, está a conquista de autonomia
por minorias – étnica, religiosa, linguística – que aceitam, como contrapartida – ou um
“pagamento” – a sua aquiescência aos poderes coercivos do governo nacional. Dessa forma,
há a proteção dos direitos dessas minorias, bem como dos direitos de todos os outros grupos
da federação, ao mesmo tempo em que se assegura o controle local e regional de questões
puramente locais e regionais, de modo a desencorajar a alienação que as pessoas podem sentir
a partir de um governo central mais distante e aparentemente menos controlável. Do ponto de
vista econômico, o federalismo se justifica pela existência de bens públicos cujas
características podem exigir tratamentos diferentes por distintos níveis de governo. Os bens
públicos são assinalados por diversos teóricos das finanças públicas como uma das falhas de
mercado que justificam a intervenção pública, como será discutido a seguir.
A discussão teórica realizada nesta Seção nos informa que o federalismo representa
um sistema engajado com a divisão de competências e responsabilidades entre níveis
territoriais de governo (precipuamente nacional, regional e local) ou a dispersão geográfica do
8
Para Inman e Rubinfeld (2015), a eficiência econômica exige que as atividades públicas sejam eficientes tanto
no que diz respeito às preferências dos residentes do estado (eficiência intrajurisdicional), quanto às preferências
dos residentes fora do estado (eficiência interjurisdicional). Grifo dos autores.
55
também provoca perdas à medida que recursos produtivos são destinados ao negócio
improdutivo da prevenção. Por essa razão, o contrato social permitiria às pessoas escapar
desse estado anárquico (SEIDMAN, 2009; HINDRIKS e MYLES 2006).
Na ausência de leis contratuais, por sua vez, a eficiência e a segurança das trocas
ficariam comprometidas dada a falta de confiança entre as partes contratantes. Elas existem
para afirmar que os participantes do comércio recebam aquilo que foi pactuado, assegurando a
compensação naqueles casos em que o valor, a quantidade e a qualidade efetivamente
recebidos sejam divergentes do pactuado. Exemplos de direitos dos contratos incluem a
formalização de pesos e medidas e a obrigação de oferecer garantias do produto. Essas leis
incentivam o comércio, removendo algumas das incertezas nas transações (HINDRIKS;
MYLES, 2006).
Um sistema legal, cujo propósito deve ser garantir um ambiente de liberdade, em que
cada indivíduo, livre de coações ou restrições, pudesse espontaneamente se desenvolver,
conforme o curso natural das coisas, foi advogado por Adam Smith, como uma das âncoras de
uma economia competitiva de mercado. Em curto manuscrito publicado ainda em 1755,
Smith afirmou:
Pouco é exigido para levar uma nação do mais baixo barbarismo para o mais
elevado grau de opulência, além da paz, impostos razoáveis, e uma administração
tolerável da justiça; todo o resto sendo conduzido pelo curso natural das coisas.
Todos os governos que impedem esse curso natural, que forçam as coisas em outro
caminho, ou que se esforçam para deter o progresso da sociedade em um
determinado ponto, não são naturais, e para se sustentarem, são obrigados a ser
9
opressivos e tirânicos .
[...] ao soberano cabem apenas três deveres [...] primeiro, o dever de proteger a
sociedade contra a violência e a invasão de outros países independentes; segundo, o
dever de proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade contra a
injustiça e a opressão de qualquer outro membro da mesma, ou seja, o dever de
implantar uma administração judicial exata; e, terceiro, o dever de criar e manter
certas obras e instituições públicas que jamais algum indivíduo ou um pequeno
contingente de indivíduos poderão ter interesse em criar e manter, já que o lucro
9
O manuscrito foi apresentado em uma sociedade da qual Smith fazia parte, e que ficou em poder de Dugald
Stewart, que o citou no “Account of the Life and Writings of Adam Smith”, numa exposição feita à Royal
Society of Edinburgh, em 1793. Disponível em: <http://www.adamsmith.org/sites/default/files/resources/dugald-
stewart-bio.pdf>. Acesso em: 15 de mai. 2016. De acordo com Stewart, trata-se de “documento valioso da
evolução das ideias políticas do Sr. Smith em um período muito precoce”, à medida que “muitas das opiniões
mais importantes contidas no A Riqueza das Nações estão ali detalhadas”.
57
Ou seja, o liberalismo econômico reservou um papel mínimo para o Estado, que deve
assegurar o cumprimento da lei e dos contratos e prover a defesa nacional, e arrecadar apenas
o estritamente necessário ao cumprimento do “papel natural” (HINDRIKS; MYLES, 2006) do
Estado. Depois de Smith, os economistas clássicos e neoclássicos endossaram a
recomendação de Estado mínimo. O pensamento neoclássico reforçou tal recomendação,
fundamentando-se no modelo microeconômico de concorrência perfeita, que representou uma
poderosa e atraente idealização do funcionamento da economia. O modelo busca demonstrar
que sob condições ideais, o mercado é o sistema mais eficiente do que qualquer outro sistema
alternativo para proporcionar o máximo de bem-estar social com os recursos disponíveis. Tal
modelo se assenta nas seguintes premissas:
Assim, no sistema de mercado, as decisões são tomadas por indivíduos e empresas que
perseguem os seus próprios interesses e adotam comportamento maximizador. Os indivíduos
buscam a maximização de utilidade (satisfação), enquanto as empresas buscam a
maximização de lucros. A eficiência econômica é medida pela quantidade e variedade de
produtos e serviços que os seus membros produzem, consomem e distribuem, dados os seus
58
ocupação dos recursos produtivos, sobretudo da força de trabalho. Keynes profetizou que “os
controles centrais necessários para assegurar o pleno emprego exigirão, naturalmente, uma
considerável extensão das funções tradicionais de governo” (KEYNES, 1983).
Na década de 1950, Musgrave formulou a Teoria Normativa ou Ótima do setor
público, que tanto representou uma síntese da visão keynesiana sobre as finanças públicas
num contexto de grande incremento da intervenção do Estado na economia, quanto norteou
todo o debate seguinte sobre a distribuição de responsabilidades entre os diferentes níveis de
governo. O seu trabalho, em conjunto com as contribuições de Paul Samuelson, sobre a
natureza de bens públicos, e de Kenneth Arrow, a respeito dos papéis dos setores público e
privado, deu formato ao que seria denominado posteriormente como Teorias do Federalismo
Fiscal de Primeira Geração. A obra de Musgrave sintetizou o Federalismo Fiscal de
Primeira Geração ao desenvolver uma argumentação sobre o funcionamento do setor
público, a partir do pressuposto de existência de falhas de mercado, e a definição de três
funções essenciais a serem desenvolvidas pelo governo: alocação, distribuição e estabilização.
Aos economistas caberia a função de diagnosticar a origem dos males e prescrever os
remédios apropriados que deveriam ser aplicados pelos burocratas do governo. Isso pressupõe
a intervenção das “agências do governo, como ‘guardiões do interesse público’, que
buscariam maximizar o bem-estar social, seja por causa de algum tipo de benevolência ou,
talvez de modo mais realista, por causa de pressões eleitorais num sistema democrático”
(OATES, 2005).
O ponto de partida de Musgrave (1976) e dos economistas da Economia do Bem Estar
é a suposição de que existem falhas, especialmente associadas à função alocativa, que
impedem que o mercado possa gerar uma situação Pareto-eficiente10. Musgrave assinalou
que:
10
Sobre falhas de mercado, vide Hindriks e Myles (2006), Seidman (2009), Hyman (2011), Ulbrich (2013) e,
especialmente, Stiglitz (2000) e Stiglitz e Walsh (2006).
60
sentidos por quase todas as economias, foi precipitada pelas medidas de desregulamentação
econômica e financeira implementadas nos principais mercados mundiais, fragilizando assim
a capacidade regulatória do Estado. E os seus efeitos mais perversos foram contornados por
maciças intervenções do Estado, particularmente no setor financeiro, com o objetivo de
socorrer principalmente os grandes bancos.
A intervenção do Estado atende não somente aos requisitos de eficiência, melhorando
os resultados do mercado, ao corrigir as sua falhas, mas igualmente pode cumprir outros
propósitos, relacionados à busca da equidade, ao estímulo do consumo de alguns bens,
chamados de meritórios e à proibição do consumo de bens prejudiciais (merit bads).
Além de corrigir falhas de mercado, a intervenção do Estado pode ser motivada pela
visão de que existem grandes desigualdades de renda, oportunidade e riqueza, não obstante os
elevados níveis de eficiência promovidos pelo mercado. A imensa produção de riqueza é
acompanhada pela existência de indivíduos que sobrevivem com nível de renda inferior ao
padrão considerado socialmente aceitável. Pode haver consenso na sociedade, manifesto na
intervenção do Estado, de que o objetivo desejável não é somente a eficiência produtiva ou
alocativa, mas também a eficiência distributiva – se os benefícios da atividade econômica
estão sendo distribuídos de forma justa. Nestas circunstâncias, o Estado pode promover a
melhoria do nível de bem-estar adotando medidas para reduzir a desigualdade e a pobreza e
para criar uma rede básica de proteção social. O financiamento dessas medidas envolve a
tributação progressiva, que tende a onerar os mais ricos.
Os processos redistributivos empreendidos pelo Estado são permeados por conflitos. O
Estado enfrenta dificuldade em implementar a redistribuição de renda pois os requisitos de
eficiência e equidade são frequentemente conflituosos. Enquanto a política eficiente é
altamente desigual, a política equitativa pode introduzir distorções e desincentivos. Por
exemplo, a tributação dos ricos pode desestimulá-los a produzir mais. O desafio para o
desenho da política é alcançar o trade-off correto entre equidade e eficiência. Qual trade-off
adequado o governo deve alcançar depende da importância relativa que se atribui a equidade
sobre a eficiência (HINDRIKS; MYLES, 2006).
Contudo, algumas formas de intervenção do Estado não corrigem falhas de mercado
nem redistribuem renda. Ao contrário, buscam impor valores sociais sobre os indivíduos,
forçando-os ou incentivando-os a fazer certas coisas e proibindo-os ou desencorajando-os a
fazer outras. Dentre os bens que o Estado procura induzir o consumo estão a educação e a
saúde, que são considerados bens meritórios ou semi-públicos, pois se caracterizam pelo
63
princípio da exclusão e podem ser parcialmente supridos pelo mercado, mas em razão dos
elevados benefícios sociais e das externalidades positivas, devem ser ofertados ou subsidiados
pelo Estado. Por outro lado, o Estado adota medidas destinadas a inibir o consumo de bens
prejudiciais (merit bads), como cigarro e álcool, em especial por meio de impostos elevados, e
até mesmo proibir o consumo de drogas ilícitas. São exemplos de interferência do Estado no
princípio da soberania do consumidor, que sustenta que os indivíduos são os melhores juízes
do seu próprio interesse e sempre fazem escolhas que promovem o seu bem-estar (STIGLITZ;
WALSH, 2006).
Portanto, existem três razões básicas para o Estado intervir na economia: a primeira,
visando corrigir falhas de mercado, melhorando a eficiência econômica; a segunda, com o
propósito de efetivar os valores sociais de equidade, alterando os resultados do mercado e a
terceira, para promover outros valores sociais favorecendo o consumo de alguns bens,
chamados bens meritórios, e proibindo o consumo de outros bens, chamado bens prejudiciais
(merit bads) (STIGLITZ; WALSH, 2006).
A maior parte da presença do Estado envolveria, por conseguinte, o cumprimento das
funções alocação, distribuição e estabilização, conforme definido por Musgrave (1976).
Ulbrich (2013) argumenta que:
Alocação refere-se a qualquer coisa que o governo faz que afeta a mistura
(quantidade e qualidade) de bens e serviços que a economia produz, desde a
produção direta do governo, passando pela regulamentação de incentivos fiscais até
as penas para atividades ilegais. Distribuição refere-se a qualquer coisa que o
governo faz que afeta a distribuição de renda e riqueza. Praticamente tudo o que o
governo faz, desde a localização de estradas, cortes de impostos, auxílios escolares e
bolsas de estudos universitários até as garantias para seguro de hipotecas, afeta a
distribuição de renda e riqueza, intencionalmente ou não. Finalmente, a estabilização
abrange as ações governamentais que influenciam o nível geral de emprego, da
produção e de preços (ULBRICH, 2013).
c) Garantias que reduzem o risco e, assim, incentivam a produção e/ou consumo de bens
e serviços privados específicos. Dentre elas estão o seguro contra desastres, o seguro
agrícola, as garantias de crédito à habitação, as garantias de empréstimo aos
estudantes, o seguro de depósito bancário.
d) Penas sob a forma de impostos, taxas, multas, etc., para a produção excessiva de bens
ou serviços que podem impor custos sobre os outros indivíduos.
e) Obrigatoriedade de produção/consumo de um determinado bem ou serviço (por
exemplo, cintos de segurança nos carros, capacetes de segurança em motocicletas,
exigência de frequência escolar).
f) Proibição da produção/consumo de um determinado bem ou serviço (por exemplo, a
cocaína, o tabaco ou pornografia a menores de 18 anos de idade, armas de fogo em
locais públicos).
g) A produção pública (por exemplo, a defesa nacional e a aplicação da lei).
h) A produção privada com financiamento público (ULBRICH, 2013).
11
Oates (1990) apud Affonso (2003).
12
Muitas das críticas ao “Federalismo de Primeira Geração” podem ser encontradas em Affonso (2003),
Nazareth (2007), Oliveira (2007) e Vargas (2011).
68
Musgrave (1976, 1983), Oates (1972) e Musgrave e Musgrave (1980)13 e McLure (1998),
definiram um conjunto de princípios sobre a alocação dos instrumentos tributários, como se
segue:
13
Vide ainda Dahlby (2001), Piffano (2005), Silva (2005) e Bird (2008).
69
Buchanan e Wagner (2000), por sua vez, afirmaram que a Teoria da Escolha Pública
assume que:
15
Sobre a Escola Pública, vide Affonso (2003), Nazareth (2007), Oliveira (2007) e Vargas (2011).
71
[...] as pessoas nos cargos políticos e administrativos com poder de decisão não são,
em si, muito diferentes do resto de nós. Elas tendem a ser indivíduos maximizadores
de utilidade, e serão influenciadas diretamente pela estrutura de recompensa-punição
que descreve a sua posição na hierarquia institucional (BUCHANAN; WAGNER,
2000).
[...] a public choice theory pressupõe que iguais regras de comportamento orientam
os agentes privados (consumidores, empresas) e os agentes públicos (políticos,
burocratas). Todos seriam motivados em suas ações pelos mesmos objetivos: a
maximização da utilidade configurada no consumo, no lucro, no voto ou no poder
(AFFONSO, 2003).
pela Escolha Pública foi apoiada no Modelo de Tiebout, formulado em 1956 – como será
tratado adiante.
Em terceiro lugar, a elevada mobilidade dos indivíduos aumentará a competição entre
as jurisdições para atrair consumidores dos seus serviços – moradores e empresas. Portanto, as
jurisdições, assim como as empresas, precisam enfrentar as pressões competitivas do
mercado.
Em quarto, em função da necessidade de redução da máquina pública, cada nível de
governo deve se sustentar preferencialmente com recursos próprios.
O Modelo de Tiebout tornou-se um dos pontos de partida da Escolha Pública,
movimento que ganhou crescente notoriedade nos meios acadêmicos e políticos. Por essa
razão, será importante avaliar tal modelo e as suas implicações para os argumentos
formulados e difundidos pela Escola, como será visto no próximo tópico.
As ideias de Tiebout podem ser avaliadas em dois contextos: por um lado, no âmbito
das teorias sobre o federalismo fiscal. Por outro, como elemento da teoria neoclássica da
migração.
No âmbito do federalismo fiscal, o Modelo de Tiebout fundamentou a defesa da
descentralização fiscal por muitos autores filiados à Escola da Escolha Pública, em resposta
ao chamado Federalismo Fiscal de Primeira Geração, de inspiração Keynesiana.
Samuelson, no clássico artigo “The Pure Theory of Public Expenditures” (publicado
em 1954), estabeleceu a distinção entre bens privados – cujo consumo por um indivíduo
diminui a sua disponibilidade para outros indivíduos – e os bens públicos – aqueles
consumidos de forma coletiva, no qual o consumo por parte de um indivíduo não reduz a sua
disponibilidade para os outros indivíduos. Contudo, os indivíduos não revelam a sua
preferência pelos bens públicos, como ocorre com os bens privados por meio da compra. Se o
pagamento dos bens públicos (via impostos, por exemplo), dependesse das suas preferências
declaradas, os indivíduos teriam um incentivo para deturpar suas preferências (STIGLITZ,
1982). Portanto, como o mercado não consegue prover os bens públicos de forma eficiente,
seria necessário a intervenção governamental.
A abordagem de Samuelson foi incorporada por Musgrave ao tratar das falhas de
mercado e federalismo fiscal. Na perspectiva de Musgrave, a questão se relaciona ao fato de
que os consumidores não podem ser excluídos do consumo dos bens públicos, e o Estado
como provedor não pode esperar pelo pagamento por estes bens, devendo a sua oferta ser
determinada por critérios políticos e não de mercado, e, em alguns casos, de forma
centralizada, pelo nível superior de governo.
Em resposta às abordagens de Samuelson e de Musgrave, Tiebout publicou, em 1956,
artigo intitulado “A pure Theory of Local Expenditure”, no qual procurou apresentar uma
proposta alternativa sobre a provisão de bens públicos no âmbito local, estabelecendo uma
relação direta com o tema migração. No Artigo, Tiebout mostra insatisfação com a abordagem
de Samuelson e de Musgrave:
[...] em termos de uma teoria satisfatória das finanças públicas, seria desejável (1)
forçar o eleitor a revelar suas preferências, (2) ser capaz de satisfazê–las da mesma
forma que um mercado de bens privados o faz, e (3) cobrar impostos na mesma
proporção que as corresponda. A questão que surge é saber se existe algum conjunto
de instituições que viabilizaria o alcance desse objetivo (TIEBOUT, 1956).
74
nível de bem–estar por meio da migração. Ou seja, no longo prazo, haveria uma provisão
ótima de bens e serviços públicos em todos os lugares, em virtude da competição,
desestimulando os fluxos migratórios. Do mesmo modo que a competição induz as empresas
ofertarem bens de forma eficiente, as jurisdições também deveriam enfrentar pressões
competitivas para aumentar a sua eficiência. Para sustentar tais conclusões, o Modelo de
Tiebout se baseia nas seguintes hipóteses:
Deve ser acrescentado ainda que o Modelo supõe a instituição de imposto de montante
fixo ou lump–sum tax16 – imposto por cabeça, em que todos contribuem, inexistindo cidadãos
beneficiados com subsídios. Isto é, as municipalidades não cobram impostos progressivos
nem contam com subsídios externos, como transferências dos níveis superiores de governo,
sendo assim, entidades autônomas do ponto de vista financeiro.
Portanto, quanto maior a mobilidade dos indivíduos e maior o número de jurisdições à
sua escolha, maior a probabilidade de que as suas preferências sejam satisfeitas de maneira
eficiente, possibilitando que eles sejam ordenados (sorting) em grupos homogêneos em
relação a suas demandas por serviços locais. A sua decisão de viver em uma determinada
16
Trata-se de uma quantia fixa de tributação independente da renda, do consumo de bens e serviços, ou da
riqueza de um indivíduo (GRUBER, 2011). Esse tipo de imposto é altamente regressivo, onerando mais
pesadamente os pobres.
76
comunidade (Município/região) revelaria suas preferências por bens públicos fornecidos por
ela, da mesma forma que suas compras revelam suas preferências para produtos
convencionais. Assim como as empresas têm um incentivo para descobrir os bens que as
pessoas preferem e optam por produzi–los de forma eficiente, os Municípios têm um
incentivo para descobrir os tipos de serviços fornecidos localmente que são preferidos pelas
pessoas e ofertá-los de forma eficiente. As comunidades (Municípios, regiões) que fornecem
serviços que as pessoas desejam e os ofertam eficientemente vão atrair novos residentes; as
que são incapazes de fazê-lo perderão residentes. Esta migração (com consequente impacto
sobre os valores imobiliários) transmite aos políticos locais o mesmo tipo de sinal que o
mercado transmite ao diretor de uma empresa (a empresa que não fornecer uma mercadoria
que as pessoas gostam enfrentará diminuição nas suas vendas, e vice-versa). Os políticos,
submetidos à pressão do eleitorado, respondem a estes sinais essencialmente da mesma
maneira que os diretores das empresas respondem aos sinais do mercado (STIGLITZ, 2000).
Cada comunidade realizará esforço para atrair novos residentes e empreendimentos até
alcançar o tamanho ótimo exigido para atingir o custo eficiente na oferta de serviços públicos.
A grande mobilidade dos indivíduos produziria uma solução de mercado Pareto-eficiente sem
a exigência de intervenção do Estado.
Oates (2006), um dos principais teóricos do Federalismo Fiscal de Primeira Geração e
crítico de Tiebout, afirmou que o seu “modelo é uma formulação altamente simplificada e
abstrata com pouco conteúdo institucional”, que “prevê um mundo totalmente livre em que as
famílias móveis selecionam uma comunidade de residência a partir de um amplo cardápio de
alternativas”. Desse modo, “no mundo de Tiebout, impostos funcionam como os preços nos
mercados privados” (OATES, 2006).
O pensamento neoliberal, em geral, e a Escola da Escolha Pública, em particular,
compartilharam das conclusões e pressupostos do Modelo de Tiebout. No âmbito do
pensamento neoliberal, Milton e Rose Friedman no clássico panfleto Liberdade para Escolher
(1980), afirmaram que:
O exemplo mais claro é o governo local naquelas situações em que as pessoas são
livres para escolher onde viver. Você pode optar por viver em uma comunidade em
vez de outra, com base no tipo de serviço que seu governo lhe oferece. Se o governo
está comprometido com as atividades que você se opõe, ou não está disposto a
pagar, e se estas superam aquelas atividades que te favorecem ou aquelas que estaria
disposto a pagar, você pode votar com os pés e mudar para qualquer outro lugar. Há
uma competição, limitada porém real, sempre que existam alternativas disponíveis
(MILTON; FRIEDMAN, 1980).
77
A liberdade humana e política nunca existiu e não pode existir sem uma grande
medida de liberdade econômica. Aqueles de nós que têm tido a sorte de ter nascido
em uma sociedade livre tendem a ter liberdade como dada – a considerá–la como o
estado natural da humanidade. Mas não é. É uma coisa rara e preciosa. A maioria
das pessoas ao longo da história, a maioria das pessoas hoje têm vivido em
condições de tirania e de miséria, não de liberdade e prosperidade. A mais clara
demonstração do quanto as pessoas valorizam a liberdade é a maneira como elas
votam com os pés quando não têm outra maneira de votar 17 (FRIEDMAN, 1980).
17
Disponível em:
<http://0055d26.netsolhost.com/friedman/pdfs/other_commentary/Immediate.02.21.1980.pdf>. Acesso em: 18
fev. 2016.
78
contínuas nas fronteiras das empresas, e que processos análogos deveriam acontecer com os
governos.
As autoridades nacionais e locais devem ser consideradas concorrentes independentes.
Os funcionários do governo nacional, por sua vez, terão de competir com as autoridades
locais para apoio dos contribuintes, do mesmo modo que os funcionários dos dois níveis de
governo terão de competir com as empresas de mercado, superando assim o arranjo federal
hierárquico baseado no conluio (WAGNER, 2015).
Além de favorecer o aumento da eficiência e melhorar o nível de satisfação dos
cidadãos, a competição entre as jurisdições imporia limites ao poder de tributar dos
governantes18. Brennan e Buchanan (2000a) desenvolveram o Modelo do Leviatã de governo,
no livro The Power to Tax (escrito em 1980). Eles contestaram a visão tradicional de que o
governo é um provedor de bens públicos benevolente, que arrecada sujeitando-se a
considerações de eficiência e equidade19. E que os decisores públicos se comportam como
eunucos econômicos, desprovidos de motivação egoísta e guiados tão somente pelo interesse
público20.
No Modelo do Leviatã, ao contrário, o governo é “uma entidade monolítica que visa
maximizar a receita líquida ou superávit”. Ou seja, o governo é um “Leviatã monolítico e
monopolista”, que deve ser submetido a controle pelos cidadãos e “o federalismo é um meio
de restringir o Leviatã constitucionalmente”, pois “o potencial para a exploração fiscal varia
inversamente com o número de unidades governamentais concorrentes no território”. A
decisão constitucional explícita de descentralizar (a “federalização da estrutura política”),
proporcionando a dispersão da autoridade política e fiscal entre os diferentes níveis de
governo, representa um meio efetivo tanto de substituir os ostensivos limites fiscais, quanto
de controle do “apetite fiscal do Leviatã”. Além disso, “a intrusão total do governo na
economia” torna-se menor quando os impostos e gastos são descentralizados, e as jurisdições
18
Sobre os argumentos da Escolha Pública em favor da descentralização, vide ainda Affonso (2003), Nazareth
(2007), Oliveira (2007), FMI (2009) e Vargas (2011).
19
Knut Wicksell, ainda em 1896 (reeditado em 1958), manifestou seu inconformismo com a visão dos
governantes como déspotas benevolentes, exclusivamente comprometidos com o bem-estar do povo, ao afirmar
que “mesmo os mais recentes manuais sobre a ciência das finanças públicas frequentemente deixam a impressão,
pelo menos em mim, de algum tipo de filosofia de despotismo esclarecido e benevolente, e eles parecem
representar um breve comentário sobre a famosa regra ‘tudo para o povo, nada pelo povo’- ou, no máximo, com
a adição pusilânime de ‘talvez um pouco pelo povo’”.
20
Buchanan (2003) afirma que “a escolha pública, como um programa de investigação inclusiva, incorpora a
presunção de que as pessoas não se convertem facilmente em eunucos econômicos tão logo se deslocam do
mercado para a participação política”. Ou seja, na esfera pública os indivíduos são conduzidos pelos mesmos
tipos de incentivos e interesses da esfera privada, ainda que procurem mostrar elevada disposição em trabalhar
perseguindo estritamente a vontade do povo.
81
Holcombe (2004), por sua vez, afirma que, se por um lado, a concorrência entre os
governos locais pode resultar em uma alocação eficiente de recursos para os bens públicos,
por outro, o financiamento federal das jurisdições locais tende a cartelizar este nível de
governo e reduzir a competição intergovernamental, prejudicando a eficiência econômica. À
medida que parte substancial do financiamento do governo local vem do governo federal,
haverá menos variação entre os governos locais no que diz respeito à tributação, implicando
redução da competição entre as jurisdições de mesmo nível. Além disso, o financiamento é
muitas vezes destinado a programas específicos, e todos os governos locais participam dos
mesmos programas federais, tornando assim a oferta de serviços públicos pelos governos
locais mais homogênea. Portanto, o financiamento federal gera efeitos indesejáveis ao
diminuir a capacidade dos governos locais em se diferenciar tanto nas receitas quanto nas
despesas, homogeneizando a oferta de serviços públicos e comprometendo a competição
interjurisdicional. A homogeneidade da oferta de serviços públicos e igualmente na tributação
torna sem sentido a mobilidade de indivíduos entre as jurisdições, impedindo que “votem com
os pés”.
Para amparar a competição entre jurisdições no federalismo, alguns dos seus adeptos
formularam a noção de policentricidade. O conceito foi desenvolvido Michael Polanyi no
livro The Logic of Liberty (1951), no âmbito da investigação científica e abordado pela
primeira vez em trabalho sobre economia pública por V. Ostrom, Tiebout e Warren (1991)21,
em estudo sobre regiões metropolitanas, no início da década de 1960, com o propósito de
compreender as atividades desenvolvidas por uma diversidade de organismos públicos e
privados orientados para a prestação de serviços públicos nestas regiões (OSTROM, 2010).
Na visão dos autores:
21
Artigo publicado originalmente em 1961. Sobre o conceito de policentricidade, vide ainda Ostrom (1991),
McGinnis e Aligica (2013), Wagner e Yokoyama (2014) e Wagner (2015).
83
22
Apud McGinnis e Aligica (2013).
84
gerencial, e equiparado a eficiente gestão desses programas. Ademais, o federalismo não deve
ser reduzido à representação das unidades estaduais ou locais de governo no governo
nacional. Ao contrário, Dye advoga – apoiando-se em Daniel Elazar – que “os governos
estaduais e locais são sistemas políticos, e não unidades administrativas do governo nacional.
Sua função principal permanece política, não de gestão” (DYE, 1990).
Por essa razão, Dye (1990) afirma que os governos subnacionais devem manter a sua
independência política e financeira em relação ao governo nacional, na perspectiva de “um
caráter federal genuíno”. Cada nível de governo deve ter responsabilidade de decisão sobre a
política e deve ter capacidade de responder por tais decisões – basicamente suportando os
seus respectivos custos – para que possam ser efetivamente competitivos. Tais governos
precisam ser igualmente capazes de implementar políticas públicas, fornecer ampla gama de
serviços e variar o nível desses serviços. Se os governos estaduais e locais apenas cumprem as
prioridades definidas pelo governo nacional, como meras unidades administrativas, eles não
podem ser efetivamente competitivos. Se igualmente os custos das suas decisões são
exteriorizados/deslocados para o governo nacional e para os contribuintes de todo o país, os
governos estaduais e locais também não podem ser considerados competitivos. A
concorrência determina que os eleitores-contribuintes dos Estados e Municípios suportem os
encargos e benefícios das suas próprias escolhas.
Além de submeter o Estado às regras de uma economia competitiva, instituindo um
“mercado para os governos”, cujo propósito final é controlar o seu tamanho, os adeptos do
federalismo competitivo sublinham também a necessidade de se diminuir as escalas de
governo (WAGNER, 2001 e 2014, WAGNER; YOKOYAMA, 2014). Mesmo que tais
autores não defendam a “explosão no número de estados”, eles reforçam a necessidade de se
repensar a escala das unidades governamentais, obrigatoriamente por meio da fragmentação
territorial. Wagner (2014) salienta que:
[...] princípios de escolha pública explicam que a democracia é mais compatível com
a liberdade nas menores do que nas maiores escalas de governo. Aumentos na escala
de governança trazem características oligárquicas, incluindo dominação por grupos
de interesses arraigados e um processo eleitoral marcado mais pela reeleição
contínua dos operadores históricos do que pela competição entre os partidos
políticos (WAGNER, 2014).
Por conta das principais concepções da Escolha Pública narradas até aqui, é possível
inferir que elas expressam uma visão radical sobre a relação entre Estado/governos e
mercados. Em 2003, no artigo “Escolha pública: política sem romance”, Buchanan alertou
89
estabelecida de atuação por qualquer dispositivo legal. Ao contrário, a sua atuação será
orientada pelos sinais do mercado, devidamente coordenados pela “mão invisível”. Assim,
Estado-empresa pode assumir funções privadas e as empresas podem assumir as funções
consideradas equivocadamente como atribuições públicas.
Os argumentos da Escolha Pública abordados permite que alguns dos pressupostos
fundamentais da concorrência intergovernamental sejam resumidos: 1) inexistência de
monopólio na provisão de bens públicos ou espaços territoriais de atuação exclusiva de um
nível de governo, comportando assim, a diversidade de autoridades; 2) o Estado deixa de ser a
instância capaz de regular o mercado, tornando-se mais um agente submetido à regulação
pelas leis do mercado; 3) autonomia local, à medida que cada nível deve se sustentar com suas
próprias receitas, dispensando qualquer mecanismo de transferência ou assistência financeira
proveniente dos níveis superiores ou a sua ingerência na concepção e adoção de políticas; 4) a
concorrência promove a eficiência, inovação, experimentação e diversidade na oferta de bens
públicos, aproximando-a das preferências dos cidadãos; 5) a provisão eficiente de bens
públicos – grande diversidade de oferta, baixos custos de produção e níveis reduzidos de
tributos – aliada à moderação nos regulamentos, num contexto de elevada mobilidade,
favorecerá a atração de novos moradores e empresas para as suas jurisdições. Ou seja, o
predomínio da exata proporcionalidade entre oferta de serviços públicos e carga tributária
permitirá o deslocamento de moradores e empresas para as jurisdições mais competitivas; e 6)
inexistência de hierarquia entre níveis de governo devido a grande dispersão e fragmentação
do poder e das iniciativas.
Embora a abordagem neoclássica seja bastante restritiva, por enfatizar quase que
exclusivamente os aspectos econômicos da migração, o Modelo de Tiebout limita ainda mais
o escopo de tal abordagem, ao se deter apenas na variável fiscal (ou de finanças públicas –
oferta de serviços públicos versus custos em termos de impostos). Mesmo que tenha o mérito
de incluir a variável fiscal, o Modelo fica muito prejudicado por excluir todas as outras
motivações (diferenciais de salários e padrões de vida entre local de origem e de destino,
redes migratórias, guerras e outros fatores políticos que causam grandes movimentos de
pessoas como refugiadas, e os obstáculos à mobilidade do fator trabalho representada pelas
leis de migração e os custos de transporte).
91
Inman e Rubinfeld (2015) destacam que uma teoria completa do federalismo não pode
depender exclusivamente do Modelo de Tiebout, apoiado na concorrência fiscal entre muitos
governos locais independentes. O modelo da concorrência governamental é formalmente
análogo ao modelo de mercado perfeitamente competitivo, pois as políticas governamentais
são determinadas somente pelo mercado de troca ou pela economia. Entretanto, na visão dos
autores, os pressupostos necessários para garantir que a concorrência governamental seja
totalmente análoga à eficiente competição privada no mercado podem não caber numa
realística economia pública (INMAN; RUBINFELD, 2015).
No campo estritamente econômico, várias objeções podem ser levantadas em relação
ao Modelo de Tiebout.
Em primeiro lugar, o problema da competição entre as jurisdições. Oates e Schwab
(1998) assinalaram que a descentralização combinada com a competição tributária fragiliza a
capacidade fiscal dos governos e, consequentemente, de prover bens e serviços públicos. Na
mesma linha, Musgrave (1997) ressaltou que “a descentralização é vislumbrada como um
caminho para a competição intergovernamental. A ideia parece atrativa, mas a analogia com
empresas competindo por clientes é, novamente, muito simplista” (MUSGRAVE, 1997). A
competição poderia provocar um jogo de soma zero – a política de empobrecer o vizinho
(beggar–thy–neighbor) – pois o ganho de uma jurisdição ao atrair moradores e empresas
ocorre sempre em detrimento de outras. Um exemplo é a guerra fiscal. A competição implica
queda na quantidade de impostos pagos pelas empresas, que acabam sendo as únicas
beneficiadas. Nesta perspectiva, seria preferível que as comunidades pactuassem para não
haver concorrência, obrigando as empresas a suportarem a mesma carga tributária em
diferentes lugares, fato plausível à medida que geralmente a maior parte da tributação dos
governos locais incide sobre fatores imóveis (imposto sobre a propriedade, como o Imposto
Predial e Territorial Urbano – IPTU) que não podem ser transferidos de localidade para fugir
deste encargo. Entretanto, se a competição envolver vantagens na oferta de serviços públicos,
como infraestrutura, os Municípios mais ricos poderiam levar vantagens, pois possuem maior
capacidade de suportar grandes gastos neste quesito para atrair empresas e moradores de
elevadas rendas, causando sérias distorções, como a exagerada concentração de
empreendimentos em poucos lugares, situação que tenderia a se perpetuar no tempo em
função da causação cumulativa: mais empresas, maior arrecadação (ainda que as alíquotas
sejam menores), maior poder para atender as crescentes demandas por infraestrutura que
acaba atraindo novas empresas.
92
existem restrições que impedem entrada e saída de governos. Por essa razão, nas economias
de bens públicos reais, é improvável principalmente a livre entrada de novos governos. A
entrada limitada possibilita que governos maximizem “lucros monopolistas” públicos à
medida que o nível dos tributos e da oferta de bens públicos, bem como os regulamentos,
serão determinados dentro da própria jurisdição, de uma forma que independe de qualquer
processo competitivo, pois é duvidoso que um empresário invista o seu capital para construir
uma nova cidade.
Inman e Rubinfeld (2015) argumentam que inexiste “um fornecimento perfeitamente
elástico de jurisdições políticas” (INMAN; RUBINFELD, 2015). Ou seja, a oferta fixa de
jurisdições invalida a analogia entre o modelo descentralizado de federalismo e o mercado de
concorrência perfeita. Cada governo local pode estar ciente do potencial efeito da sua ação
sobre outras jurisdições, como nos mercados de concorrência imperfeita, e vai agir
estrategicamente, no seu processo de tomada de decisão, com base no seu melhor palpite
sobre a provável reação das outras jurisdições. Neste quadro, as ações de cada governo local,
mesmo que pequeno, terão um efeito substancial sobre o bem-estar do resto do mundo
descentralizado. Logo, uma decisão egoísta em uma jurisdição pode provocar uma série de
distorções ao longo da rede formada por outras jurisdições. Como exemplo, os autores citam a
competição entre jurisdições, em que uma redução de impostos para atrair novos
empreendimentos desencadeia a reação das outras jurisdições, causando a guerra fiscal. Ou
então o caso de que algumas jurisdições ofertam uma quantidade baixa e ineficiente de alguns
serviços públicos, que poderiam prover com abundância, para impedir a atração de moradores
de baixa renda das jurisdições vizinhas. Algumas jurisdições podem igualmente relaxar seus
controles ambientais para atrair empresas ou evitar a sua saída, em reação a um possível
relaxamento destes controles por outras jurisdições.
Em terceiro lugar, o Modelo de Tiebout supõe que os bens públicos têm efeitos apenas
em um determinado Município, inexistindo transbordamentos para as jurisdições vizinhas.
Entretanto, a construção de um parque ou escola, por exemplo, por uma jurisdição, poderia
atrair moradores de outras localidades, que pegariam carona (usufruir do bem público sem
realizar qualquer pagamento). Se os benefícios da oferta dos bens públicos forem apropriados
em sua maior parte por moradores de comunidades vizinhas, haveria tendência de que a sua
oferta ocorra em níveis inferiores ao ideal. Por outro lado, alguns empreendimentos públicos
exigem escala mínima para serem construídos e mantidos, sendo assim inviáveis para as
jurisdições menores. Mesmo que existam inúmeras comunidades de tal modo que seja
94
possível ordenar (sorting) os indivíduos por grupos com preferências semelhantes para os
bens públicos, nem sempre o tamanho desses grupos seria grande o bastante para suportar as
economias de escala exigidas para uma produção eficiente. Os problemas relacionados aos
transbordamentos e escalas justificam a provisão de bens públicos por um nível superior de
governo, que possa internalizar as externalidades, ou a concessão de transferências destinadas
a induzir os governos locais a expandir a quantidade de serviço público ofertado em níveis
eficientes. Um caso concreto é a hierarquização dos serviços de saúde por nível de
complexidade existente em muitos países – inclusive Brasil. Nesta perspectiva, os gastos
locais devem se concentrar em programas de base ampla, com poucas externalidades e
economias de escala relativamente baixas, como a reparação de estradas, coleta de lixo e
limpeza de ruas. Da mesma forma, as comunidades locais devem desempenhar um papel mais
limitado no fornecimento de bens públicos que tenham natureza redistributiva (como
programas de transferência de renda), grandes repercussões (como a educação), e elevadas
economias de escala (como a defesa nacional) (GRUBER, 2011). Por fim, conforme destacou
Stiglitz (2000), a própria migração é uma classe importante de externalidade:
onerosa para financiar as escolas, enquanto que os adultos mais velhos, cujos filhos já estão
fora da escola, também devem preferir viver juntos, para evitar impostos mais elevados para
financiar maiores gastos com educação. As comunidades formadas por adultos mais jovens e
aquelas formadas por adultos idosos são homogêneas no que diz respeito aos gostos e tem um
mix serviços-impostos muito diferentes entre elas. A ordenação (sorting) conforme
especificada no Modelo pressupõe que nenhum morador quer residir em lugar para compor
um grupo minoritário, financiando bens públicos que não estão no seu cardápio preferencial,
optando assim por migrar para uma comunidade composta por pessoas afins. Os autores
testaram as implicações do Modelo de Tiebout fundamentando-se nos seguintes conjuntos de
dados demográficos e do setor público dos EUA: a) uma amostra aleatória formada por 10%
das cidades e vilas (municipalidades), entre 1870–1990. b) Todos os noventa e dois
Municípios da área metropolitana de Boston, de 1870–1990. C) Todos os Municípios entre
1850-1990 (excluindo os do Alasca). As variáveis do setor público incluem impostos totais,
os gastos totais, impostos e gastos com educação e com segurança. Eles utilizaram oito
variáveis como substitutos (proxies) para preferências: raça, idade, local de nascimento,
partido de voto nas eleições presidenciais, religião e, para 1970-1990, os indicadores sobre
aquisição da casa própria, os níveis de educação e de renda per capita. Supõe-se que cada
uma dessas variáveis poderia afetar as preferências para os serviços públicos e impostos.
Também foi observada a relação entre a idade e a demanda por educação superior. No período
considerado, houve incrementos reais de salários, elevando os custos de oportunidade dos
deslocamentos. Mas esse fato foi mais que compensando pela redução substancial dos custos
de deslocamento – em virtude da queda no preço dos transportes – acompanhada da
diminuição do custo das comunicações (que atenua os efeitos psíquicos da migração).
Precipuamente por essa razão, a população americana tornou-se mais móvel ao longo do
tempo. Em 1870, 77% da população nativa residiam em seu Estado de nascimento; em 1990,
dois terços. O aumento da mobilidade foi o mais rápido na última metade do Século XX. Em
1940, 11% da população viviam em um Município diferente do que cinco anos antes; em
1990, 19%. Aparentemente, a maior mobilidade seria coerente com a ordenação (sorting)
proposta no Modelo de Tiebout.
Contudo, os testes feitos por Rhode e Strumpf (2003) mostram que os Municípios não
se tornaram mais homogêneos ao longo do tempo em termos de qualquer uma das variáveis
substitutas (proxy) para a preferência por serviços públicos, nem os setores públicos dos
Municípios ficaram mais desiguais. Ao contrário, os dados indicam que os impostos per
98
capita municipais, taxas escolares distritais per capita, o gasto público total, os gastos com
segurança, os rendimentos e a composição racial são agora menos diferenciados entre as
comunidades locais do que no passado. Ou seja, os autores identificaram uma tendência
consistente de aumento da homogeneidade entre as jurisdições. Além disso, o declínio secular
dos custos de deslocamento não foi compensado por aumento da heterogeneidade nas
políticas públicas locais24.
Portanto, nos últimos 150 anos, a mobilidade nos EUA tem sido dominada por fatores
outros que não a ordenação (sorting) assinalada por Tiebout para as despesas públicas e os
impostos. Os Municípios tornaram-se mais misturados em termos de preferências para os
serviços públicos, e os setores públicos municipais nos Estados Unidos ficaram mais
semelhantes ao longo do tempo, e não diferenciados. A ordenação de Tiebout não parece ter
sido um fenômeno importante nos Estados Unidos, conforme os autores.
Rhode e Strumpf destacaram ainda a American Annual Housing Survey (AHS), uma
pesquisa longitudinal, nacionalmente representativa de mais de 50.000 domicílios, iniciada
em 1973. Entre as famílias pesquisadas pela AHS que se mudaram no ano anterior, apenas 5%
citaram os serviços públicos (incluindo educação) como sua principal razão para se mudar.
Cerca de 50 % disseram que sua mudança deveu-se principalmente ao emprego ou a família e
amigos, motivações excluídas no Modelo de Tiebout e na literatura que endossa o seu
Modelo. A pesquisa também revela implicitamente que nem sempre um bom lugar para se
morar é o que oferece as melhores oportunidades de emprego. Isso vale particularmente para
as regiões metropolitanas, onde são frequentes os deslocamentos de pessoas para trabalhar25.
A maior semelhança entre os Municípios ao longo do tempo pode ser explicada em
especial por dois fatores: o primeiro, relacionado à crescente importância do governo federal
na oferta de bens públicos ou no financiamento de governos locais (por meio de
transferências), definindo um pacote mínimo de serviços a ser oferecido em todas as
jurisdições – evidenciando assim que as ações de um governo podem ter sérias repercussões
sobre outros – ao contrário das prescrições da Escola da Escolha Pública e de Tiebout. Além
disso, progressivamente foram introduzidas exigências, por níveis superiores de governo,
24
Gramlich e Rubinfeld (1982) oferecem evidência de que a ordenação proposta por Tiebout pode ser válida em
áreas metropolitanas (regiões conurbadas) em que existe maior número de localidades à escolha dos indivíduos,
e as preferências por bens públicos eram mais semelhantes do que em áreas menores, com menos cidades
independentes para escolher.
25
Inman e Rubinfeld (2015) salientam que “estudos da migração mostram que a maioria dos movimentos
domésticos estão dentro de áreas metropolitanas, não entre os estados. Aqueles que se movem entre os estados
são tipicamente motivados pelo trabalho, e não estão buscando principalmente um serviço público/regulação
ambiental mais atraente”.
99
sobre cumprimento de metas na oferta de serviços públicos (como educação), de tal modo que
as decisões sobre a alocação dos recursos dos governos locais deixam de ter correspondência
exata com as preferências dos cidadãos.
O segundo fator está vinculado à disseminação das políticas de zoneamento (zoning) –
que estabelecem padrões mínimos para loteamentos e construções – especialmente depois da
Segunda Guerra, que interferem no crescimento e na composição da população das
localidades, sobretudo por restringir a entrada de migrantes pobres, evitando assim o
fenômeno do pobre perseguir o rico (poor chase the rich). Esse último aspecto merece uma
observação. O Modelo de Tiebout implicitamente pressupõe a segregação espacial e a
autonomia fiscal das jurisdições à medida que pessoas com preferências semelhantes (e renda
compatível para fazer atender tais preferências) residam juntas. Portanto, seria inevitável a
segregação econômica, pois indivíduos com mesmo nível de renda tendem a se reunir nas
mesmas comunidades: ricos, com elevada capacidade de satisfazer seus gostos, vão morar
juntos em lugares separados dos pobres. Ademais, o próprio Tiebout argumentou sutilmente
que “leis de zoneamento adequadas” poderiam ser uma alternativa para as comunidades que
atingissem o tamanho ótimo, para impedir a entrada de novos moradores. Entretanto,
Hamilton (1975) se propôs a complementar o Modelo de Tiebout, sugerindo explicitamente o
zoneamento, por considerar que a livre mobilidade traria sérias inconsistências. No contexto
de elevada mobilidade e existência de imposto progressivo sobre a propriedade, as
comunidades ricas seriam invadidas por indivíduos pobres, dispostos a pegar carona nos bons
serviços financiados pelos pesados impostos pagos pelos indivíduos detentores de rendas e
propriedades mais elevadas. Os pobres pegariam carona adquirindo moradias de menor valor
e com nível de tributação inferior àquele pago pelos vizinhos ricos, usufruindo de um subsídio
no consumo de bens públicos. Isso afastaria os ricos, que teriam um incentivo para migrar. Na
ausência de restrições à mobilidade, os pobres acabam perseguindo os ricos de subúrbio em
subúrbio, num interminável jogo de “subúrbios musicais” (musical suburbs). A alternativa
seria a adoção de zoneamento, ao limitar a mobilidade dos pobres, permitindo assim a
segregação espacial e a provisão eficiente dos serviços públicos. Para Hamilton, com o
zoneamento, os gestores teriam de estabelecer que “nenhuma família pode residir nesta
comunidade, a menos que consuma, pelo menos, uma quantidade mínima de habitação”.
Certamente, além do seu caráter excludente, o zoneamento restringiria a mobilidade das
famílias – uma das suposições mais caras do modelo – além de comprometer a eficiência na
produção de bens públicos, à medida que o objetivo de cada família, para fugir da perseguição
100
dos pobres, passa a ser a residência naquelas comunidades cuja base fiscal seja a mais
elevada, com fortes implicações no valor dos imóveis, mesmo que seja para financiar serviços
que não se coadunam com as suas preferências.
Além das inconsistências, o Modelo de Tiebout legitima diversas formas de
segregação, pois a escolha residencial pode implicar ordenação (sorting) por renda, raça,
qualidade de serviços públicos – notadamente escolas – e até mesmo por taxas de
criminalidade. Tanto no contexto de livre mobilidade como no do zoneamento de exclusão, o
Modelo legitima que pessoas semelhantes nas preferências vivam nos mesmos lugares. Os
pobres perseguem os ricos, mas os ricos também são perseguidos pelos próprios ricos, que
querem evitar lugares pobres, habitados por minorias raciais e com elevadas taxas de
criminalidade.
Entretanto, Ulbrich (2013) reconhece que nos subúrbios das grandes cidades, ou em
áreas onde muitas pequenas e médias cidades são agrupadas, o Modelo de Tiebout oferece um
dispositivo que explica a grande mobilidade, voz e influência dos eleitores sobre o setor
público local. Nessas situações, a competição intensa por moradores e empresas torna os
agentes públicos mais atentos à suas preferências.
Uma das principais razões para essa mudança é a crença de que os governos locais
fornecem as políticas mais adequadas às preferências dos cidadãos. Esta sabedoria é
fundamentada na hipótese de Charles Tiebout (1956) que afirma que os indivíduos
distribuem–se sem custo entre as comunidades locais de acordo com suas
preferências por bens públicos. Esta teoria simples é o carro–chefe da literatura das
finanças públicas locais e tem sido objeto de milhares de artigos de economia e
ciência política (RHODE; STRUMPF, 2003).
26
As diversas razões para a descentralização podem ser encontradas em Ebel e Yilmaz (2001), que se
posicionaram amplamente a favor do processo. Vide ainda Affonso (2003), Oliveira (2007), FMI (2009) e
Vargas (2011).
102
Wellisch (2004) ressaltou que as questões de finanças públicas ganham nova dimensão
quando uma economia é dividida em várias regiões. Por essa razão, se um Estado é dividido
em muitas jurisdições, emerge o problema de como atribuir as várias atividades do governo
para os diferentes níveis. As funções gerais do governo – particularmente a alocativa e a
distributiva – primeiro devem ser desmembradas em diversos componentes e, por
conseguinte, atribuídas às jurisdições. A forma como ocorre tal atribuição é condicionada pelo
ambiente econômico que caracteriza o Estado federal.
Ulbrich (2013) assinala duas formas úteis para se descrever os governos. Uma forma
compreende a descrição financeira – a quantidade de dinheiro gerida pelos governos e as
origens e aplicações desses fundos. A outra forma é estrutural – “o número de governos, seus
105
tamanhos, suas relações uns com os outros, e suas áreas de autoridade e responsabilidade”
(ULBRICH, 2013).
Conforme as fontes de receitas, determinado nível de governo pode ter vantagem
sobre outros na capacidade de arrecadação, em virtude de economias de escala na coleta de
impostos, ou algum poder de monopólio, que impossibilita que certos impostos, como aqueles
incidentes sobre propriedade móvel, vendas ou produção, sejam coletados por outro nível. Em
muitos países, como Brasil e Estados Unidos, o governo federal apresenta tal vantagem,
arrecadando parcela expressiva dos recursos, que são posteriormente compartilhados com
governos estaduais e locais. Contudo, nem sempre as receitas são devolvidas para os lugares
onde foram arrecadadas, mesmo que haja o intuito de se promover a equalização na sua
distribuição. De modo diferente em outros países, acima de tudo no mundo em
desenvolvimento, em virtude do seu maior conhecimento sobre os bens, rendas e contato mais
próximo com os contribuintes, o nível local tem papel ativo na expansão das receitas. Por
exemplo, atualmente na China, a receita é coletada localmente e enviada para o governo
central, que mantém em seu poder boa parte e devolve parcela pequena de volta. Isso também
foi prática comum na Rússia e na Europa Oriental durante o período comunista (ULBRICH,
2013, BOADWAY; SHAH, 2009).
No que se referem às despesas, alguns serviços são predominantemente locais em seus
benefícios (como iluminação pública e coleta de lixo), outros são nacionais (como defesa) e
outros podem ter um caráter misto, com envolvimento das três esferas (educação, saúde,
pavimentação e conservação de estradas, proteção ao meio ambiente), com os seus efeitos
transbordando de uma jurisdição para outra.
Ainda que a forma federal promova a tomada de decisão descentralizada e seja melhor
adaptada para lidar com os conflitos regionais, ela enfrenta o problema da duplicação e
confusão no que se refere à partilha de autoridade que, por conseguinte, exige arranjos
institucionais especiais para garantir a unidade nacional e a equidade regional, e preservar um
mercado comum interno (BOADWAY; SHAH, 2009). Países federais seguem geralmente
dois modelos: federalismo dual ou federalismo cooperativo27. No modelo do federalismo
dual28, há uma clara separação e distinção das responsabilidades entre os governos federal,
27
Bowman e Kearney (2011) assinalaram que um inventário completo descobriu 326 modelos de federalismo.
28
A expressão foi usada pela primeira vez por Corwin, em 1950, cujo ensaio indicou quatro postulados básicos
do federalismo dual: 1. Os poderes do governo nacional são enumerados; 2. O governo central tem um conjunto
limitado de propósitos definidos pela Constituição; 3. O governo nacional e os Estados são esferas distintas e
soberanas, e, portanto, iguais; 4. A relação entre os dois centros é de tensão, em vez de cooperação (CORWIN,
1950).
106
estaduais e locais (onde eles existem). O governo central e os governos estaduais são
soberanos e iguais nas suas respectivas esferas de competência, praticamente inexistindo
sobreposição ou partilha de autoridade. Determinados poderes são reservados exclusivamente
aos governos estaduais, cabendo ao governo central as atribuições restantes, à medida que os
seus poderes são enumerados, com um conjunto limitado de propósitos constitucionais. Por
essa razão, os Estados são componentes poderosos do sistema federal, pois a nação envolve
um pacto entre Estados soberanos. O modelo pressupõe a competição – ao invés da
cooperação – nas relações entre tais esferas de governo e o governo federal presta escassa
assistência financeira aos Estados, por meio de mecanismos de transferência. O federalismo
dual é representado pela metáfora do bolo em camadas (layer cake), com duas camadas com
cores diferentes sobrepostas – ou federalismo do bolo em camadas, como pode ser visto na
Figura 2. Ou seja, os poderes e funções dos governos nacional e estaduais estão tão separados
quanto as camadas de um bolo e cada governo é soberano em sua própria camada, que
representa a sua esfera própria de ação29. As dimensões de cada camada são definidas pela
Constituição. O federalismo dual foi originado da teoria do pacto, e predominou nos
primeiros 145 anos do federalismo norte-americano, ainda que a Guerra Civil e outros eventos
impulsionaram mudanças significativas no modelo, e configura-se como um desdobramento
da visão do Federalismo Centrado no Estado30. Portanto, no federalismo dual prevalece a
29
Watts (2010) salienta que, no caso americano, “alguns autores argumentam que o federalismo dual nunca
existiu em uma forma pura porque, a partir do início do século XIX, o governo federal estava intervindo para
fornecer subsídios para melhorias em itens caros e necessários, tais como construção de estradas”. Janda et al.
(2012) também assinalam que para “alguns estudiosos” a “metáfora do bolo em camadas nunca descreveu com
precisão a estrutura política americana. Os governos nacionais e estaduais têm muitos objetivos comuns e muitas
vezes têm colaborado para alcançá-los”. Como exemplos, citam que, durante o Século XIX, a cooperação, e não
a separação, viabilizou o desenvolvimento do sistema de transporte e outras iniciativas importantes para o
progresso americano.
30
As primeiras décadas dos Estados Unidos como nação foram marcadas pela controvérsia sobre qual dos dois
níveis de governo deveria ter precedência nos litígios: se haveria primazia do governo nacional, ou se os Estados
poderiam ignorar as leis do Congresso conforme seus interesses. Tal controvérsia originou duas visões distintas
de federalismo atreladas ao debate entre federalismo dual e federalismo cooperativo: a primeira, do Federalismo
Centrado no Estado (state-centered federalism), uma visão de que os poderes do governo nacional deveriam ser
limitados, e que os Estados poderiam ter a prerrogativa de tanto anular leis nacionais caso houvesse o
entendimento de que elas violariam os poderes destes Estados, quanto de abolir o governo nacional, caso
transgredisse o pacto, ao confrontar a soberania dos Estados. Essa visão teve o apoio de personagens como
Thomas Jefferson, James Madison e John C. Calhoun, adeptos da teoria do pacto, segundo a qual os Estados
precedem à nação, criada a partir de um pacto entre eles. A essência dessa visão reside na concessão de poderes
limitados ao governo nacional. Os adeptos do federalismo competitivo, especialmente no campo da Escola da
Escolha Pública (public choice), localizam nos primórdios da nação americana os elementos de competição,
apoiando a visão do Federalismo Centrado no Estado. Por exemplo, Wagner e Yokoyama (2014) ressaltaram que
“o sistema americano de federalismo foi estabelecido dentro de uma estrutura de baixo para cima através do qual
os Estados individuais optaram por criar um governo federal com poderes enumerados e limitados. Os poderes
que não foram expressamente concedidos ao governo federal foram reservados para os estados ou para os
cidadãos individuais. O fluxo básico de autoridade governamental em um sistema federal é de baixo para cima”.
Dye (1990), por sua vez, afirmou que “os fundadores procuraram construir um sistema de governo que incorpora
107
visão de que a Constituição é um pacto entre Estados soberanos, de modo que os poderes do
governo nacional são fixos e limitados.
Boadway e Shah (2009) lembram que o federalismo dual pode tomar a forma do bolo
em camadas ou da autoridade coordenada (coordinate-authority). No modelo do bolo em
camadas que ainda é praticado no México, Malásia e Rússia, há um tipo de relação
hierárquica (unitária) entre os níveis de governo. O governo nacional se posiciona no ápice, e
pode escolher se deve lidar com os governos locais, por meio dos governos estaduais, ou mais
diretamente. Os governos locais derivam sua autoridade dos governos estaduais – que
usufruem de autoridade significativa – à medida que não possuem estatuto constitucional,
sendo tão somente extensões desses governos. No modelo de autoridade coordenada do
federalismo dual, Estados usufruem de autonomia significativa por parte do governo federal, e
os governos locais são simplesmente servos dos Estados e têm pouca ou nenhuma relação
direta com o governo federal. As federações da Austrália, Canadá, Índia, Paquistão e Estados
Unidos podem ser citadas como casos particulares do modelo de autoridade coordenada31.
O federalismo cooperativo representa uma abordagem inteiramente distinta, ao
enfatizar a realização de atividades conjuntas entre o governo central e os governos
subnacionais. Foi um termo cunhado na década de 1930 para descrever a crescente
cooperação entre as esferas de governo nos Estados Unidos, que culminou com grande
sobreposição de funções, rejeitando assim a ideia de esferas ou camadas separadas. Isso
pressupõe o desenvolvimento de ações em conjunto e o compartilhamento do poder, em
a noção de ‘interesses opostos e rivais’. Governos e funcionários do governo podem ser constrangidos pela
concorrência com outros governos e seus funcionários”. A segunda e oposta, do Federalismo Centrado na Nação
(nation-centered federalism, também denominada de Federalismo Centralizado), apoiada na visão do governo
nacional como o poder supremo no sistema federal, tendo como responsabilidade final preservar a união e
assegurar a sua indivisibilidade, mesmo reconhecendo que a Constituição americana concedeu muitos poderes
aos Estados - cuja existência era anterior à União - e concordando que os Estados são soberanos à media que não
podem ser dissolvidos pelo governo nacional. Os seus adeptos – como Alexander Hamilton - citam o Princípio
da Supremacia Nacional, segundo o qual a Constituição e outros dispositivos legais orientados para a sua
execução, devem ser a lei suprema do país sempre que houver conflito com leis ou ações estaduais. Ademais,
todo e qualquer litígio entre Estados e a Constituição ou lei federal, deve ser solucionado em âmbito nacional. O
Federalismo Centrado na Nação foi utilizado pelos representantes do Norte, como justificativa para a guerra,
destinada a impedir a secessão dos Estados do Sul, em 1861 (JILLSON, 2008, BOADWAY; SHAH, 2009;
BOWMAN; KEARNEY, 2011, GITELSON; DUDLEY; DUBNICK, 2012, JANDA et al., 2012, WELCH, et al.,
2012).
31
Mesmo que Boadway e Shah (2009) tratem os Estados Unidos como caso de autoridade coordenada do
federalismo dual, há razoável consenso na literatura de que tal modelo progressivamente desapareceu após 1930,
conforme os trabalhos de Jillson (2008), Bowman e Kearney (2011), Gitelson, Dudley, e Dubnick (2012), Janda
et al. (2012) e Welch, et al. (2012). Wright (1999), que desenvolveu a classificação que distingue as relações
intergovernamentais em 3 modelos - autoridade coordenada (coordinate authority), autoridade inclusiva
(inclusive authority) e autoridade superposta (overlapping authority) – ressaltou que, na prática, o modelo de
autoridade coordenada dificilmente existe, pois nenhum governo central pode conceder tanta autoridade a um
governo local ou estadual, ficando, no caso americano, sua existência localizada nos primeiros anos da formação
do seu federalismo, e, atualmente, no caso da União Europeia.
108
O federalismo competitivo por sua vez, representa uma reação teórica ao federalismo
cooperativo, e se sustenta na premissa de que os governos devem enfrentar as mesmas
pressões competitivas que as empresas suportam no mercado, conforme já ressaltado. O
32
Grodzins (2004) formulou a metáfora clássica ao afirmar, ainda em 1960, que “a forma de governo americana
é muitas vezes, mas erroneamente, simbolizada por um bolo de três camadas (layer cake). Uma imagem muito
mais precisa é o arco-íris ou bolo mármore (marble cake), caracterizado por uma mistura inseparável de
ingredientes de cores diferentes, as cores que aparecem nas cadeias verticais e diagonais e giros inesperados.
Como as cores são misturadas no bolo mármore, assim as funções são misturadas no sistema federal norte-
americano” (GRODZINS, 2004).
110
federalismo competitivo preconiza que cada esfera seja absolutamente independente para
decidir quais bens e serviços públicos oferecer, rejeitando todas as formas de ingerência de
níveis superiores de governo e o compartilhamento de responsabilidades, tanto no desenho,
quanto no financiamento das políticas, tornando, assim, desnecessários os mecanismos de
transferência intergovernamentais ou de divisão de receitas. Ao contrário, a sobreposição de
responsabilidades estimula a concorrência, considerada a grande finalidade do federalismo.
[...] desde a atribuição de responsabilidade exclusiva para uma dada função para um
determinado nível de governo até situações de co-ocupação de responsabilidades em
que um nível de governo é capaz de influenciar as decisões tomadas por um outro,
em diferentes graus, através de mecanismos como a regulação, o poder de substituir
decisões, ou intervenção financeira. Em certa medida, a quantidade de
descentralização do lado da despesa no orçamento do governo deve ser determinada
independentemente dos aspectos fiscais, e os princípios podem ser desenvolvidos
separadamente (BOADWAY; SHAH, 2009).
Ulbrich (2013) argumenta que apesar de ser mais fácil dividir responsabilidades do
que compartilhá-las entre os níveis de governo, na prática, a atribuições de funções nem
sempre é tão clara. Quando existe uma separação clara de responsabilidades, há uma melhoria
significativa da prestação de contas aos cidadãos e eleitores.
A descentralização pode ser caracterizada como a transferência de poder e recursos
dos governos nacionais para os governos subnacionais, notadamente no âmbito de sistemas
federais, ou para as unidades administrativas subnacionais dos governos nacionais, nos
Estados unitários. Normalmente é configurada como um processo de cima para baixo, por
iniciativa do governo central ou unitário, mas também pode ser originada dos níveis mais
baixos. A descentralização contempla três formas (desconcentração, delegação e devolução) e
três dimensões (política, fiscal e administrativa)33.
A primeira forma da descentralização é a desconcentração, que ocorre quando o
governo nacional promove a reatribuição de responsabilidades para os escritórios estaduais e
locais dos seus ministérios e agências, mas sem delegar seu controle para os governos
subnacionais. Isto é, a desconcentração reatribui autoridade somente entre diferentes níveis
do governo central. Por exemplo, ele pode transferir as responsabilidades operacionais de
servidores do governo central de uma capital para aqueles que trabalham em regiões,
províncias ou distritos. A desconcentração pode ampliar a penetração dos governos nacionais
em partes do território com fraca cobertura e constitui-se uma forma de descentralização de
serviços que não devem ser atribuídos ou plenamente descentralizados – em virtude da
existência de escala ou presença de externalidades, ou que envolvam a redistribuição da
riqueza ou o alcance de padrões mínimos nacionais na oferta.
A delegação permite a transferência de responsabilidade para funções especificamente
definidas para os governos subnacionais ou unidades administrativas subnacionais, e
representa um processo mais profundo de redistribuição do poder que a desconcentração. A
delegação desempenha papel importante no desenvolvimento da capacidade dos governos
subnacionais e unidades administrativas para assimilar o processo posterior de devolução.
A devolução é a forma ampliada da descentralização, pois requer que os governos
subnacionais sustentem esferas definidas de ação autônoma, obrigatoriamente por meio de
eleições subnacionais. Dessa forma, diversamente da desconcentração e da delegação, a
devolução inexiste sem a descentralização política. Contudo, mesmo que após a devolução, os
33
Sobre o conceito, formas e dimensões da descentralização, vide USAID (2009).
112
34
A primeira, a descentralização administrativa, constitui o conjunto de políticas que transferem a prestação de
serviços sociais (como educação, saúde, habitação, programas de bem-estar, etc.) para os governos subnacionais.
A descentralização administrativa é financiada quando os recursos fiscais também são transferidos para prover
esses serviços. A descentralização igualmente pode ocorrer sem o referido financiamento. A segunda, a
descentralização fiscal, envolve as políticas destinadas a expandir as receitas ou autoridade fiscal dos governos
subnacionais. A descentralização fiscal se dá por meio da transferência de capacidade de arrecadação de
determinadas receitas anteriormente sob a autoridade do governo central, ou a transferência de recursos fiscais
desvinculada da transferência simultânea de responsabilidades. Por último, a descentralização política,
representada por reformas constitucionais e eleitorais encaminhadas para a devolução de autoridade política para
atores subnacionais e para criação ou ativação de espaços de representação política das comunidades
subnacionais (FALLETI, 2013).
114
Ulbrich (2013) assinala que governos maiores podem usufruir de economias de escala.
Um governo maior, mais regional, pode internalizar os efeitos de transbordamentos
(spillovers) positivos e negativos causados pelos governos menores. Mas governos menores
estão mais próximos dos cidadãos e podem corresponder as suas preferências para os
impostos e serviços de forma mais adequada, e ouvir a sua voz, que os governos maiores.
Boadway e Shah (2009) ressaltam que várias teorias aceitas fornecem uma forte razão
para a tomada de decisão descentralizada e um papel importante para os governos locais, com
base na eficiência, responsabilidade, capacidade de gerenciamento e autonomia. Derivam
dessas teorias alguns princípios, tais como:
Portanto, tais princípios sugerem que a tomada de decisão deve ocorrer no nível mais
baixo de governo, considerando a meta de eficiência alocativa e a existência de total
autonomia do governo local (home rule) nesta tomada de decisão sobre os serviços locais.
Na opinião de Wellisch (2004) o grau ótimo de descentralização fiscal (ou estrutura
governamental ótima) é um problema difícil de analisar, uma vez que os benefícios e os
problemas considerados devem ser equilibrados, a fim de determinar o tamanho ideal das
jurisdições. Um dos objetivos é evitar qualquer externalidade interregional causada por
decisões governamentais descentralizadas. Isso aponta na direção de poucas grandes entidades
governamentais. Outro objetivo importante é garantir que os governos estejam preocupados
com os desejos de seus eleitores e não se comportem estrategicamente em relação a regiões
vizinhas. Este argumento tende na direção das unidades governamentais de pequenas
dimensões. O grau ótimo de descentralização fiscal seria, portanto, um compromisso entre
essas forças opostas. O Princípio da Equivalência Fiscal de Olson (1969) e o Princípio da
Correspondência desenvolvido por Oates (1972) são duas referências para se determinar o
grau ótimo de descentralização fiscal.
Por sua vez, o número ideal de governos – notadamente o número de níveis de
governo – é condicionado por fatores como: tamanho (população e área territorial),
116
diversidade (cultural, linguística, climáticas, etc.) e a história particular da nação, bem como
se os seus valores refletem se os seus cidadãos premiam mais a uniformidade que diversidade,
ou mais a democracia direta que a representativa, e como é importante ter claramente visíveis
as relações entre as taxas e impostos pagos e os serviços recebidos (ULBRICH, 2013).
Normalmente, as nações maiores adotam o sistema federal – na sua forma pura ou
modificada – e as nações menores um sistema unitário com dois níveis – central e local.
Países como Estados Unidos e Alemanha surgiram a partir da união de níveis intermediários –
Estados e Länder, respectivamente – genuinamente separados e usufruindo de grande
autonomia, cujos poderes foram especificados na Constituição. A autonomia dos governos
estaduais e municipais pode ser compreendida de duas formas: por um lado, pelo acesso a
fontes de receitas independentes, podendo, portanto, coletar e dispor de fundos. Por outro,
pela existência de alguma(s) esfera(s) independente(s) de prestação de serviços: disposições
constitucionais explicitamente autorizam os governos subnacionais e proíbem o governo
nacional de executarem determinadas tarefas, assegurando assim a autonomia daqueles entes
(ULBRICH, 2013).
Nos próximos tópicos serão indicadas as vantagens e desvantagens da centralização
assinaladas pela literatura das finanças públicas e do federalismo fiscal.
deslocam-se para outras jurisdições. Dye (1990) ressalta que os mecanismos de voz e
de saída estão disponíveis tanto nos mercados governamentais, quanto privados. A
saída pode ser mais comum no mercado privado, quando consumidores insatisfeitos
reclamam, enquanto a voz pode ser mais comum no governo. Contudo, os cidadãos
insatisfeitos podem exercitar a opção de saída, movendo-se para jurisdições com
melhores serviços e impostos mais baixos. Mas a combinação de respostas de saída e
voz fortalece o poder dos cidadãos em relação ao seu governo. Assim, a
descentralização fiscal pode ampliar o número de participantes ativos no sistema, ao
oferecer oportunidades de participação em nível subnacional para atores que possuem
pouca capacidade de influenciar a política nacional (USAID, 2009). De acordo com
Buchanan (1996), “as pequenas unidades, definidas geograficamente ou
territorialmente, são susceptíveis de ser mais homogêneas na composição do que as
unidades maiores” (BUCHANAN, 1996), e é mais provável que os indivíduos
compartilhem preferências para a ação política com seus pares, do que em unidades
maiores e mais heterogêneas. Por isso, “é auto-evidente que a influência de qualquer
pessoa num processo de discussão varia inversamente com o tamanho do grupo”
(BUCHANAN, 1996). Os cidadãos podem se envolver com a política em todos os três
níveis de governo por meio de eleições, audiências públicas, etc. Os governos locais e
estaduais oferecem milhares de cargos em eleições regulares. Para Bowman e Kearney
(2011), tais espaços operam “como valiosos campos de treinamento político para os
aspirantes a líderes públicos. A grande maioria dos presidentes e representantes no
Congresso primeiro molham os pés na política estadual ou municipal” (BOWMAN;
KEARNEY, 2011). Contudo, tal participação ampla estimula preconceitos locais hostis
aos interesses nacionais. Gerston (2007) observa que a existência de camadas de
governo responsáveis por inúmeras atribuições oportuniza aos cidadãos expressar-se
por meio de “‘canais de participação política’ em várias arenas de decisão política”
(GERSTON, 2007).
3) Níveis inferiores podem ser mais eficientes: a oferta de bens públicos pelos governos
subnacionais é passível de ser menos dispendiosa, à medida que os seus custos
administrativos são mais reduzidos, especialmente porque há menos instâncias de
burocracia35 (BOWMAN; KEARNEY, 2011). As jurisdições de nível inferior possuem
melhor informação sobre fornecedores e podem usar tais informações para reduzir
custos na provisão dos serviços. Ademais, elas podem sofrer algumas pressões
competitivas de jurisdições vizinhas em razão da mobilidade dos recursos entre
Estados e Municípios, induzindo assim a maior disciplina no que se refere à relação
custo-eficácia. Tais pressões também podem oferecer uma referência para os
moradores julgarem o tipo, qualidade e custo de bens públicos locais a serem prestados
(BOADWAY; SHAH, 2009). Apoiando-se em Elinor Ostrom – e na perspectiva da
Escolha Pública – Azfar (2001) assinala que “soluções locais são muitas vezes mais
eficientes do que as soluções que seriam propostas pelos governos centrais, por causa
do conhecimento local sobre a natureza do problema, o que pode suscitar diferentes
35
Congleton (2001) raciocina na mesma linha da Escolha Pública, que burocratas são sempre ávidos por
orçamentos maiores. Com orçamentos maiores, os burocratas de “espírito público” desejam realizar um trabalho
melhor, ampliando a ação e responsabilidades das suas agências, mas também suas oportunidades e regalias
pessoais. Por outro lado, orçamentos maiores expandem o poder discricionário dos burocratas em virtude da
crescente dificuldade de monitoramento. O aumento do grau de discricionariedade está sempre associado ao uso
dos recursos públicos para satisfação das preferências pessoais do burocrata, em detrimento do interesse público.
Por essa razão, “burocratas têm muitas razões para preferir maiores que menores orçamentos, outras as coisas
sendo iguais, e orçamentos maiores implicam governos maiores” (CONGLETON, 2001).
118
soluções, e porque organizações locais podem ser monitoradas de forma mais eficaz do
que um governo central” (AZFAR, 2001).
4) As preferências locais por redistribuição: algumas jurisdições podem tolerar menos a
desigualdade que outras. Da mesma forma, características demográficas e sociais
diferenciadas geram demandas por redistribuição específicas nas várias jurisdições. Por
exemplo, em algumas localidades, o fornecimento de certos bens e serviços seria mais
adequado que o uso de transferências de renda para assegurar redistribuição. Nesse
contexto, a provisão descentralizada de determinados bens e serviços públicos
orientados para a redistribuição seria a forma mais eficiente. Além disso, algumas
transferências são focalizadas, principalmente aquelas entregues aos membros mais
pobres da sociedade por meio de agências de bem-estar, que realizam acompanhamento
continuo dos beneficiários para o cumprimento de determinadas condicionalidades,
exigindo assim algum nível de descentralização. Ou seja, ainda que as políticas
redistributivas mais robustas tenham financiamento do governo central, é conveniente
que a sua implementação seja partilhada com os níveis inferiores de governo
(BOADWAY; SHAH, 2009).
5) Responsabilidade fiscal e política: a descentralização de atribuições pode estimular
uma maior responsabilidade fiscal ou de prestação de contas (accountability). Quando
a oferta de bens públicos está próxima das pessoas atendidas, os governos enfrentam as
exigências por maior disciplina, transparência e eficiência. Nessa perspectiva, assim
como ocorre com empresas no setor privado, a concorrência entre as jurisdições pode
favorecer a eficiência, responsabilidade e prestação de contas, com risco de perda de
moradores naquelas jurisdições cujos gestores se comportam de forma irresponsável
(opção de saída) (BOADWAY; SHAH, 2009).
6) Descentralização incentiva a experimentação e inovação: Oates (1999) ressalta que as
jurisdições estaduais podem ser laboratórios para se experimentar várias combinações
de leis, impostos e serviços. Como os governos subnacionais ficam mais próximos dos
cidadãos, estão mais bem informados sobre as suas necessidades, e usam as vantagens
de informação para a experimentação e inovação na prestação de serviços. Estados e
Municípios podem personalizar suas políticas para acomodar diversas demandas e
necessidades. Novas políticas são constantemente testadas pela enormidade de
jurisdições espalhadas pelos países federais, que se transformam em laboratórios de
governo, no qual são realizadas várias experimentações (BOWMAN; KEARNEY,
2011). Gitelson, Dudley e Dubnick (2012) afirmam que a maioria das principais
mudanças ocorridas no federalismo americano foi originada de programas estaduais
inovadores. Para Wachendorfer-Schmidt (2003), as interações territoriais complexas
podem implementar soluções inovadoras e abrangentes, em áreas como transporte,
educação, energia ou a política de habitação36.
7) Proteção dos interesses das gerações futuras: governos regionais podem considerar
melhor os interesses das gerações futuras que viverão nos seus domínios,
nomeadamente em assuntos como emissões de poluentes locais de longa duração,
como resíduos tóxicos, controlados por um órgão ambiental local (ou regional), e
endividamento público. O incremento das emissões hoje piora a situação ambiental em
períodos futuros, provocando a emigração de residentes. Da mesma forma, a
descentralização inibe o endividamento excessivo no presente, que pode gerar uma
carga insuportável para as gerações futuras. Assim, qualquer alteração na carga fiscal
para as futuras gerações de moradores, devido ao financiamento da dívida, causará
36
Vide também Kobayashi e Ribstein (2006).
119
Geralmente, aqueles que desejam impor restrições ao tamanho do governo provavelmente vão
desejar mais e não menos descentralização. O papel relativo dos níveis central e inferiores de
governo também serão influenciados pelo grau de comprometimento desses governos com a
redistribuição de renda. Aqueles que salientam o papel redistributivo do governo geralmente
favorecem mais centralização do que aqueles que desejam restringir atividades redistributivas
do governo. Tal resultado é, por um lado, causado pela possibilidade da redistribuição ser
diminuída em virtude da concorrência entre jurisdições de nível inferior. Por outro, é gerado
pelo fato de que os objetivos da redistribuição tipicamente envolvem a aplicação de padrões
comuns entre as jurisdições, independentemente da região de residência dos contribuintes e
beneficiários das transferências. Finalmente, os ganhos da descentralização vão depender da
capacidade de resposta da atividade econômica em relação à tomada de decisão do nível mais
baixo de governo.
Assim, existem argumentos mais cautelosos e mesmo críticos quanto aos efeitos da
descentralização. No âmbito fiscal, tal a literatura assinala os seguintes benefícios da
centralização (ou desvantagens da descentralização):
1) Bens públicos: à medida que os bens públicos podem ser diferenciados de acordo com
a extensão geográfica dos benefícios que eles proporcionam, existem aqueles que
devem ser ofertados pelos níveis inferiores de governo – particularmente os governos
locais – e existem outros que precisam ser oferecidos pelo nível superior de governo,
como defesa nacional, relações exteriores e programas de distribuição de renda. Ou
seja, há a tendência de o governo federal implementar programas de despesas que são
uniformes em todo o país, e não aqueles que atendem a necessidades e preferências
locais diferenciadas (BOADWAY; SHAH, 2009).
2) Bens semi-públicos (ou quase-privados) e política redistributiva: muitos dos serviços
prestados pelo setor público não são necessariamente públicos, de acordo com a teoria
das finanças públicas. A maioria dos serviços são considerados como semi-públicos
(ou quase-privados) e absorvem boa parte dos gastos dos governos, como escolas,
estradas e hospitais, e a sua descentralização para os governos estaduais e locais
favorece a eficiência e a melhor satisfação das preferências dos residentes, ainda que
sejam financiados pelos níveis superiores. Muitos serviços semi-públicos são
normalmente fornecidos pelo setor público, porque são instrumentos de política
redistributiva, situação em que o governo federal terá um interesse legítimo na sua
concepção, fiscalização ou supervisão e financiamento. Mesmo que sejam oferecidos
por Estados e/ou Municípios, o governo federal pode adotar medidas para garantir que
a provisão pelos níveis inferiores de governo cumpram as normas nacionais de
equidade e eficiência, inclusive ajudando no custeio da sua oferta. Geralmente, a
descentralização da política de redistribuição traz o risco de introdução de distorções na
federação, assim como a competição interjurisdicional custosa e inútil. O governo pode
ainda adotar medidas para promover a harmonização de algumas das características de
design destes bens – ou alcance de padrões mínimos. Por exemplo, se os moradores são
móveis, a harmonização de certas características gerais dos programas através das
121
[...] em um Estado unitário, os residentes são tratados de forma equitativa por parte
do Estado, pagando os mesmos impostos e recebendo os mesmos níveis de bens e
serviços públicos. Isto pode não ser o caso em uma federação, onde os níveis
subfederais de governo (...) são suscetíveis de diferir em suas habilidades para
fornecer esses bens e serviços (WILSON, 2007).
Wilson (2007) indica três principais motivos para a existência de BFL´s diferenciais:
em primeiro, as receitas fiscais podem variar muito entre as jurisdições, em virtude de grandes
discrepâncias na base tributária. Em segundo lugar, quando os benefícios são distribuídos por
meio de uma base per capita, mas os impostos são progressivos – onerando os mais ricos – os
BFL’s são maiores nas jurisdições em que predominam moradores de rendas elevadas. Por
último, as diferenças demográficas entre as jurisdições acarretam diferenças nos BFL’s. Da
mesma forma que o fator trabalho pode migrar para jurisdições com significativo número de
pessoas com rendas elevadas e no qual prevalecem impostos progressivos, ele pode migrar
para fora das jurisdições cuja presença de idosos que precisam de assistência especial do
governo seja expressiva.
Portanto, conforme observam Boadway e Shah (2007), existem grandes disparidades
no nível e na qualidade dos serviços públicos providos pelos governos subnacionais, que são
determinadas, por um lado, pela capacidade de arrecadar receitas, e, por outro, tanto pela
necessidade dos habitantes quanto pelo custo da prestação dos serviços. À medida que a maior
parte dos gastos públicos está associada à oferta de serviços públicos básicos aos cidadãos,
como educação e saúde, a demanda por tais serviços depende da composição demográfica da
população por idade, habilidade, estado de saúde, etc. Por exemplo, nos lugares em que há
grande proporção de idosos, haverá reduzida capacidade de arrecadação de receitas, ao
mesmo tempo em que existirá pressão para maiores gastos em saúde e previdência. Ademais,
o custo da oferta dos serviços públicos pode variar entre as jurisdições, sendo mais cara em
alguns locais do que em outros.
Reschovsky (2007) ressalta que as necessidades de gasto são uma medida que
expressa a quantidade mínima de recursos exigidos para que um governo possa oferecer um
conjunto de bens e serviços sob a sua responsabilidade. Duas razões condicionam as variações
nas necessidades de gasto entre as jurisdições estaduais e locais dentro de um país. A
primeira, as necessidades de gasto de alguns governos podem ser maiores comparativamente a
outros, por conta de atribuições definidas constitucionalmente ou em virtude do tamanho das
jurisdições. Em muitos países – principalmente no âmbito da OECD – os governos centrais
fixam normas e padrões mínimos para a oferta de serviços públicos, com efeitos diretos sobre
as necessidades de gasto dos governos subnacionais. A segunda e possivelmente mais
importante razão para que as necessidades de gasto variem entre os governos refere-se ao fato
de que a quantidade mínima de recursos exigida para atender um nível predeterminado de
serviços ou padrão mínimo de serviços públicos pode diferir entre jurisdições de mesmo nível
126
por fatores que fogem ao controle dos governos. Isto é, o custo de oferta de um serviço
público comporta variações entre regiões37, em decorrência de diferenças: 1) na quantidade e
composição dos insumos exigidos na sua produção; 2) no preço dos fatores ou insumos; 3)
nas características físicas (fatores ambientais) e 4) na composição sociodemográfica dos
residentes. Por exemplo, a densidade populacional influencia diretamente o custo dos serviços
públicos oferecidos. Para alguns serviços, a aglomeração pode proporcionar significativos
ganhos de eficiência. Para outros, a aglomeração implica custos adicionais significativos.
Proteção contra incêndio pode se tornar mais onerosa onde existem grandes aglomerações de
edifícios e, portanto, de pessoas. As grandes cidades exigem gastos consideráveis com gestão
do tráfego, mobilidade urbana, coleta e tratamento de resíduos. Por outro lado, uma baixa
densidade populacional pode incrementar substancialmente os custos de oferta de serviços,
como água e saneamento básico. Cabe ainda considerar que as economias de escala provocam
importante impacto sobre os custos de oferta de serviços públicos. No caso dos serviços
públicos caracterizados por grandes custos fixos e custos operacionais relativamente
reduzidos, como oferta de energia elétrica e de água, os custos per capita diminuem
drasticamente com o aumento da escala de produção.
Reschovsky (2007) argumenta ainda que:
O autor ressalta que uma forma de qualificar a situação financeira dos governos é
confrontar o hiato entre as necessidades de gasto e a capacidade de arrecadar receitas. Esta
lacuna é normalmente denominada de hiato de necessidade e capacidade ou hiato (gap) fiscal.
Bird (2006) argumenta que países com mais de um nível de governo enfrentam algum
grau de desequilíbrio fiscal (fiscal imbalance). Frequentemente, os governos centrais contam
com bases fiscais mais generosas, recolhendo a maioria dos impostos, enquanto os governos
subnacionais são obrigados a suportar um montante de gastos superior às receitas que lhe são
atribuídas. A diferença entre despesas e receitas próprias para distintos níveis de governo é
37
Reschovsky (2007) faz a distinção entre custo e gasto. Numa jurisdição específica, o nível de gasto com a
oferta de um serviço público pode ser condicionado pela decisão do governo de oferecer uma quantidade
expressiva ou um serviço de alta qualidade. Contudo, um nível de gasto acima da média pode também expressar
ineficiência na oferta, em virtude da má gestão, desperdício ou mesmo corrupção.
127
caracterizada como desequilíbrio fiscal vertical (vertical fiscal imbalance) ou hiato fiscal
vertical (vertical fiscal gap).
Bird (2006) prossegue informando que, paralelamente, no âmbito de cada nível
subnacional de governo, algumas jurisdições são mais ricas do que outras, causando
disparidade na disponibilidade de recursos, configurando assim o desequilíbrio fiscal
38
horizontal (horizontal fiscal imbalance) . Em tese, cada jurisdição deve aplicar alíquotas
idênticas dos mesmos impostos atribuídos para arrecadar os recursos necessários para o
financiamento da prestação de serviços. Contudo, como as bases tributárias diferem de uma
jurisdição para outra, aquelas mais pobres e que possuem uma limitada base tributária, serão
obrigadas a cobrar alíquotas maiores de impostos para arcar com os seus gastos, gerando
assim um desequilíbrio fiscal horizontal. Consequentemente, os residentes de diferentes
jurisdições não são tratados de forma equitativa. A noção de que esses residentes devem ser
tratados da mesma forma dentro de uma nação caracteriza o princípio da equidade horizontal.
Para Wilson (2007), a maior ou menor importância conferida a esse princípio está associada
ao próprio conceito de nação. Em sua opinião, os residentes precisam compreender que a
equidade horizontal é necessária entre as jurisdições, para que a equidade prevaleça em toda a
nação.
Portanto, como assinala Slack (2007), a incapacidade de ofertar um nível adequado de
serviços pode surgir porque os custos dos serviços são mais elevados, as necessidades de
serviços são maiores ou a base tributária é menor.
Shah (2007) define o hiato fiscal vertical (vertical fiscal gap) como deficiência de
receita, decorrente da diferença entre a receita arrecadada por uma jurisdição, e as suas
necessidades de gasto. Trata-se de um problema típico dos governos subnacionais –
particularmente dos governos locais – que se responsabilizam pela prestação de variada gama
de serviços, ao mesmo tempo em que se defrontam com inadequadas fontes de receitas,
sobretudo em virtude da concentração da arrecadação no governo central – ou nos governos
estaduais – que geralmente conta com uma base tributária mais abrangente. Portanto, as
esferas superiores de governo frequentemente arrecadam mais do que o exigido para o
financiamento das suas despesas, enquanto os Municípios recebem uma quantidade de
recursos muito inferior às suas necessidades.
38
Contudo, é preciso distinguir hiato fiscal vertical e desequilíbrio fiscal vertical (vertical fiscal imbalance),
termos erroneamente equiparados por alguns autores na literatura da descentralização fiscal, conforme destacado
por Shah (2007). Um desequilíbrio fiscal vertical configura uma situação na qual o hiato fiscal vertical não é
devidamente corrigido, por meio da realocação de responsabilidades ou transferências fiscais e outros
mecanismos.
128
Shah (2007) argumenta que existem quatro casos, que podem provocar o aparecimento
do hiato fiscal vertical: a atribuição inadequada de responsabilidades de gasto, centralização
do poder de tributação, a adoção, pelos governos subnacionais, de políticas tributárias
orientadas para empobrecer o vizinho (concorrência fiscal destrutiva e dispendiosa/wasteful
tax competition), e a pesada carga tributária imposta pelo governo central, eliminando o
espaço para a tributação pelo nível subnacional.
Para Rao (2007), enquanto os governos subnacionais têm uma vantagem comparativa
na implementação de programas de gasto, também têm uma desvantagem comparativa na
arrecadação de receita por meio de certos impostos, particularmente aqueles cuja base é
móvel e ampla, pois está espalhada por todo o país.
De acordo com Ter-minassian (2012), as teorias do federalismo fiscal assinalam os
benefícios gerados pela maior autonomia dos governos subnacionais, medida pela elevada
proporção das receitas provenientes de arrecadação própria na receita total. Tais benefícios
envolvem:
Além disso, a centralização de alguns impostos se faz necessária à medida que alguns
governos subnacionais – especialmente os municipais – nem sempre aproveitam o potencial
de arrecadação oferecido por alguns impostos sob sua competência, por receio de desgaste
político junto aos contribuintes ou em razão da deficiente capacidade administrativa para
realizar a arrecadação. A centralização também evita que, num contexto de elevada
mobilidade de bens e de fatores de produção no âmbito do território nacional, ocorra a evasão
fiscal e a competição tributária predatória (a chamada “race to the bottom” ou “corrida para
baixo”) entre jurisdições subnacionais (TER-MINASSIAN, 2012).
a) Clareza nos objetivos das transferências: os objetivos das transferências devem ser
claros e precisos.
b) Autonomia: os governos subnacionais devem ter total independência e flexibilidade
para definir prioridades.
c) Receitas suficientes: os governos subnacionais devem ter receitas suficientes para
satisfazer as responsabilidades atribuídas.
d) Capacidade de resposta: o programa de transferências deve ser suficientemente
flexível para se adaptar às mudanças imprevistas nas situações fiscais dos governos
subnacionais.
e) Equidade (justiça): os fundos alocados devem ser diretamente proporcionais aos
fatores de necessidades fiscais e inversamente proporcionais à capacidade fiscal de
cada jurisdição.
130
1) Preencher o hiato fiscal vertical: o hiato fiscal vertical pode ser atenuado por meio
da repartição das fontes de receitas, da combinação de políticas e realocação de
responsabilidades, a descentralização de impostos ou suspensão de cobrança de
impostos da parte do governo central, e a partilha da base fiscal (permitindo que os
governos subnacionais cobrem impostos adicionais na base fiscal nacional). Shah
(2007) recomenda que, somente em último caso, devem ser consideradas a partilha de
receita ou transferências incondicionais, baseadas em fórmulas, pois representam
soluções que enfraquecem a prestação de contas aos contribuintes locais. Além disso,
arrecadação de impostos por meio do compartilhamento da base, como usado na China
e Índia, deve ser evitada, pois cria incentivos para que os concedentes flexibilizem o
controle da cobrança dos impostos partilhados, comparativamente aos demais
impostos não partilhados. Nos países industrializados, o hiato fiscal geralmente é
atenuado com a descentralização de impostos ou a partilha da base fiscal. Nos países
em desenvolvimento e economias em transição, por outro lado, o hiato fiscal
normalmente é enfrentado através da partilha da base tributária e das receitas globais.
2) Redução do hiato fiscal através de transferências de equalização fiscal: as
transferências de equalização fiscal podem ser direcionadas para promover maior
equidade fiscal entre jurisdições. Essas transferências são justificadas por
considerações políticas e econômicas. Do ponto de vista político, as transferências de
equalização podem contribuir para evitar as ameaças separatistas, na maioria das vezes
motivadas por grandes disparidades regionais. Do ponto de vista econômico, a
descentralização acarreta naturalmente a iniquidade fiscal e a ineficiência fiscal, que
podem ser corrigidas pelas transferências, assegurando assim a equidade horizontal (a
igualdade de tratamento para todos os cidadãos no território nacional). E, quanto mais
descentralizado o sistema fiscal, maior a necessidade de transferências de equalização.
Portanto, as transferências do governo central para o governo estadual ou local podem
corrigir as ineficiências relacionadas aos BFL’s diferenciais, por meio de amplo
programa de equalização fiscal para: 1) equalizar a capacidade fiscal (a capacidade de
coleta de receitas a partir de sua própria base fiscal, utilizando as taxas fiscais médias
nacionais) para um padrão médio nacional e 2) oferecer compensação para as
diferenciais necessidades de gasto e de custos. Ao equalizar os BFL’s entre as
jurisdições de mesmo nível, as distorções que provocam a migração por razões fiscais
podem ser corrigidas.
3) Definição de padrões mínimos em âmbito nacional: estabelecer um padrão mínimo
nacional para os serviços ofertados pelos Estados e Municípios sustenta-se em duas
razões. Em primeiro lugar, o padrão mínimo favorece toda a nação ao contribuir para a
livre circulação de bens, serviços, trabalho e capital; ao diminuir a competição
interjurisdicional desnecessária de gastos; e ao melhorar os ganhos do comércio no
mercado comum interno. Em segundo lugar, os padrões cumprem propósitos nacionais
de equidade, à medida que muitos serviços públicos ofertados pelos níveis
subnacionais, tais como educação, saúde e bem-estar social, têm fortes efeitos
redistributivos para os moradores. Embora a oferta de serviços públicos pelos níveis
inferiores de governo em sistemas federais seja recomendável em termos de eficiência,
correspondência à preferências e prestação de contas, os objetivos federais de
equidade podem ficar comprometidos. Os níveis inferiores de governo são
incentivados a subprover esses serviços, e limitar o acesso pelos mais necessitados, em
virtude da mobilidade dos fatores e da competição fiscal. As transferências eliminam
tal incentivo perverso e garantem a oferta de serviços públicos com padrão mínimo
definido nacionalmente.
132
Os dois primeiros objetivos indicados por Shah (2007) possivelmente sejam os mais
discutidos na literatura sobre finanças públicas e federalismo fiscal. Muwonge e Ebel (2015)
assinalam que, à medida que a atribuição de receitas e de despesas num sistema
descentralizado de governo produz tanto desequilíbrios verticais quanto horizontais, são
necessárias as transferências de equalização e outras transferências intergovernamentais, para
a superação de tais desequilíbrios, bem como a consecução de determinados objetivos
políticos. A equalização pode ser feita para garantir algum nível básico (mínimo) de provisão
de serviços locais, ao mesmo tempo em que busca o propósito mais amplo de equalizar a
capacidade fiscal dos governos subnacionais.
Boadway e Shah (2007) argumentam que o objetivo da equalização é diminuir ou
mesmo eliminar totalmente as diferenças na capacidade dos governos subnacionais ofertar
serviços públicos. Wilson (2007) assinala que os sistemas de equalização são normalmente
concebidos para tornar mais equitativas as políticas implementadas pelos governos das
39
São recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado e destinados para atender
despesas em investimentos ou inversões financeiras, com o propósito de satisfazer finalidade pública específica;
sem corresponder, entretanto, a contraprestação direta ao ente transferidor (BRASIL, 2014).
133
cidades e áreas metropolitanas enfrentam o hiato fiscal vertical e igualmente precisam das
transferências provenientes dos níveis superiores de governo. Por outro lado, o autor
desconsidera que determinados tipos de serviços públicos são providos de forma mais
eficiente por governos subnacionais, restringindo assim a possibilidade de reduzir gastos na
ausência de transferências. Vale ainda considerar que, conforme já salientado, a deficiência de
receita que origina o hiato fiscal vertical inerente aos governos subnacionais, está diretamente
associada a sérias limitações para a coleta de receitas que os referidos governos enfrentam,
impossibilitando, dessa forma, que a redução das transferências seja compensada por esforço
adicional para a arrecadação de receitas.
No caso das transferências orientadas para combater o desequilíbrio horizontal, Slack
(2007) argumenta que transferências de equalização, com base nas necessidades de gasto e na
capacidade dos governos subnacionais coletarem impostos, podem garantir que aqueles
governos com uma pequena base tributária e custos e necessidades mais elevados, sejam
capazes de cobrar as taxas de imposto que são comparáveis com outras jurisdições de mesmo
nível.
Boadway (2007) argumenta que é possível alcançar a eficiência e a equidade fiscal – a
possibilidade de que todas as regiões possam fornecer níveis comparáveis de serviços
públicos aos seus cidadãos a taxas comparáveis de impostos – por meio de uma série de
transferências puramente redistributivas. Não é necessária a existência de um hiato fiscal
vertical para justificar as transferências para as regiões que estão abaixo da média, utilizando
recursos arrecadados nas regiões que se encontram acima da média. Este tipo de sistema é
chamado de sistema de equalização líquida (net equalization system). Se as transferências são
avaliadas em outros termos, esse sistema pode não ser viável ou desejável. Contudo, nem
sempre o governo federal consegue arrecadar impostos de regiões com elevada capacidade
fiscal, com o intuito de financiar as transferências para Estados ou Municípios com menor
capacidade. Caso isso aconteça, os objetivos de eficiência e equidade fiscal ainda poderiam
ser atingidos por meio de um sistema de equalização bruta (gross equalization system), em
que o governo federal coleta no país receitas suficientes para realizar transferências para todas
as regiões, o que implicitamente iguala a capacidade delas fornecer serviços públicos.
Boadway (2007) observa ainda que, sob um sistema de equalização bruta – o sistema
geralmente utilizado nas federações – a quantidade total de transferências de equalização ou
hiato fiscal vertical, acompanha o processo de descentralização. Isto é, “se o montante das
despesas descentralizadas é tomado como dado entre as federações, à medida que haja mais
135
para concretizar tal objetivo. Em segundo, a equalização plena poderia gerar incentivos para
que os governos subnacionais mais atrasados busquem ainda mais transferências, enquanto
pune aqueles governos com melhor desempenho. E, por fim, seria difícil desenvolver uma
fórmula capaz de equalizar todas as jurisdições. Existem igualmente questões em aberto,
relacionadas, por exemplo, à definição sobre se os gastos de capital devem ser contemplados,
ou se as medidas devem ser orientadas para equalizar as diferenças na capacidade fiscal ou
nas necessidades de gasto, ou em ambas. Cabe ainda considerar que imperfeições na
equalização da capacidade fiscal podem gerar um incentivo para as regiões atuarem de forma
estratégica para influenciar o tamanho de suas transferências, criando assim ineficiências na
oferta de bens públicos locais.
Bird (2006) argumenta que os incentivos implícitos ao projeto de transferências
constituem-se elemento crítico das relações fiscais intergovernamentais em qualquer país.
Existem três questões confusas na abordagem do problema do desequilíbrio fiscal horizontal,
ou equalização. Em primeiro lugar, os equívocos quanto a finalidade primordial das
transferências: garantir a equalização fiscal, atenuando as diferenças na capacidade dos
governos subnacionais fornecerem serviços públicos, e, ao mesmo tempo, reduzir as
disparidades no rendimento per capita em regiões diferentes. Para o autor, “se o principal
objetivo da política é aliviar a pobreza, as transferências intergovernamentais não são
susceptíveis de ser o caminho mais apropriado ou mais eficiente para se atingir esse objetivo”
(BIRD, 2006). Ou seja, as transferências não servem ao propósito de diminuir disparidades de
renda. Em segundo lugar, a equivocada discussão pública sobre a associação entre
transferências intergovernamentais e disparidade regional (diferenças de renda per capita, nas
taxas de crescimento, nas taxas de desemprego, etc.). Embora seja frequente o uso de
indicadores de necessidade nas fórmulas de transferência, como renda per capita regional,
focar as transferências exclusivamente neste tipo de propósito pode produzir incentivos
econômicos indesejáveis. Portanto, para Bird (2006), é fundamental distinguir o objetivo de
reduzir disparidade regional, do conceito estreito de equalização fiscal entre a receita do
governo (ou despesa), o propósito mais relevante do projeto de transferência. Em terceiro, as
transferências de equalização, destinadas a equalizar as receitas do governo, podem ter duas
lógicas distintas. A primeira, como suporte ao processo de descentralização, equalizando
assim a capacidade fiscal, e, por conseguinte, nivelando os incentivos das jurisdições
envolvidas. A segunda, assegurar os recursos necessários à oferta de pacote básico de serviços
públicos por todos os governos locais, mesmo os menores e mais pobres.
137
O mesmo autor faz a ressalva de que equalizar os gastos reais dos governos
subnacionais em termos per capita, elevando-os para os níveis dos governos subnacionais
mais ricos, acaba desconsiderando a diversidade de preferências locais, e, portanto, uma das
principais justificativas para a descentralização. Igualmente desconsidera diferenças locais em
necessidades, custos e da própria capacidade de arrecadação de receitas. Além disso, equalizar
gastos reais tem por efeito fragilizar os esforços de arrecadação de receitas e de controle dos
gastos subnacionais, à medida que as jurisdições com os maiores gastos e menores impostos
recebem as maiores transferências40.
Muwonge e Ebel (2015) ressaltam que os mecanismos de equalização podem ser
efetivos para a redução das disparidades fiscais subnacionais. Contudo, mesmo com tais
mecanismos, as disparidades permanecem pelos seguintes motivos:
Muwonge e Ebel (2015) ainda advertem que o projeto de transferências pode se tornar
inadequado ou prejudicial quando:
Transferências de uso geral (general purpose transfers) não têm condições associadas
à natureza dos gastos do destinatário pois os governos subnacionais beneficiários têm
liberdade para exercer os seus poderes discricionários no uso de tais transferências, à medida
que tem por finalidade preservar a autonomia local e a equidade interjurisdicional. São
geralmente fornecidas como suporte ao orçamento, sem vinculação. Portanto, à medida que
inexistem condições de utilização, as transferências incondicionais podem ser empregadas em
qualquer tipo de função ou para reduzir os impostos locais.
As transferências de uso geral são denominadas de transferência em bloco (block
grants) quando utilizadas para fornecer apoio geral em uma área da despesa subnacional
(como a educação), mas permitindo que os destinatários estipulem a sua alocação em funções
139
específicas. As doações em bloco não estão claramente definidas, situando-se numa região
cinzenta entre transferências de uso geral e as transferências para fins específicos, pois
fornecem apoio orçamentário, sem vinculações, em uma área determinada da despesa
subnacional.
Em alguns casos, as transferências incondicionais são alocadas de acordo com uma
base per capita. Em outros casos, a quantidade de transferências recebidas depende de uma
fórmula que pode levar em conta as necessidades de gasto do governo subnacional, o tamanho
da sua base tributária, de sua população e de outros fatores (SLACK, 2007). As transferências
federais aos Estados e Municípios no Brasil, por meio do Fundo de Participação dos Estados e
do Distrito Federal (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), são um
exemplo. Contudo, a evidência sugere que tais transferências fornecem incentivos para que os
governos beneficiários subutilizem as suas próprias bases tributárias.
As transferências incondicionais são um instrumento importante para corrigir o hiato
vertical, ao permitir que o ente beneficiário gaste os fundos em áreas que considerar
apropriadas. O montante da transferência atribuída para tal finalidade pode ser determinado de
três maneiras: como uma proporção fixa das receitas do governo concedente (repartição de
receita ou revenue sharing), por um critério discricionário ou por uma fórmula (por exemplo,
uma percentagem dos gastos do governo subnacional ou alguma outra característica deste
governo, como a população) (SLACK, 2007).
compartilhados não somente para anular o desequilíbrio fiscal vertical, mas também como um
substituto para transferências de equalização, as fórmulas utilizadas devem incluir as
deficiências de receita e de custos. Em tais casos, é importante assegurar que a fórmula seja
simples e transparente e tenha os incentivos apropriados. A devolução de impostos por meio
de fórmula de equalização é menos focalizada do que transferências incondicionais destinadas
a corrigir as deficiências de impostos e de custos (RAO, 2007).
Slack (2007) observa que a vantagem de partilhar receitas reside no fato de que a
transferência para os governos subnacionais aumenta automaticamente à medida que o
rendimento dessa fonte de receita cresce. Para ser uma fonte estável de receitas para os
governos beneficiários, o percentual compartilhado tem de ser mantido ao longo do tempo.
Contudo, a partilha de receitas apresenta desvantagens, pois não fortalece a autonomia, a
prestação de contas ou a eficiência local. Os governos locais não definem taxas de impostos
ou a base tributária, e recebem transferências, independentemente do seu esforço fiscal.
Embora partilhar impostos assegure alguma previsibilidade para os governos
subnacionais, inexiste poder discricionário sobre as receitas recebidas. Além disso, a partilha
de receita pode tanto desestimular maior esforço do nível superior de governo que arrecada,
quando do governo beneficiário, que subutiliza suas próprias bases fiscais.
Em muitos países, a distribuição das receitas dos recursos naturais não renováveis
(royalties, acordos de partilha da produção ou dos dividendos de empresas estatais nesses
setores) constitui-se, ao mesmo tempo, em fonte de receitas para diferentes níveis do governo,
e assunto polêmico nas relações fiscais intergovernamentais. A literatura teórica sobre o
assunto geralmente advoga a centralização de tais recursos por motivos econômicos
(impedindo que os orçamentos subnacionais sejam afetados pela elevada volatilidade
característica desse tipo de receita) e distributivos (porque os recursos naturais não renováveis
geralmente estão concentrados em algumas jurisdições subnacionais). Existem também
argumentos que sustentam a necessidade de se transferir parte das receitas às jurisdições nas
quais está localizada a exploração, visando compensá-las pelos impactos ambientais negativos
associados à atividade e dotá-las dos recursos necessários à criação e manutenção de
infraestrutura requerida para o desenvolvimento de tais atividades. Países altamente
dependentes de recursos naturais não renováveis são mais propensos a centralizar a receita
que aqueles menos dependentes. Ademais, países unitários (como os grandes produtores de
petróleo no Oriente Médio) tendem a centralizar mais receitas oriundas desse tipo de recursos
do que as federações (TER-MINASSIAN, 2012).
145
O sistema federal brasileiro foi introduzido com golpe que promoveu a proclamação
da República, em 1889, e posteriormente instituído com a CF de 1891. O federalismo no
Brasil, de modo diferente de outros países federais, não refletiu uma resposta às fissuras
sociais profundas devido a diversidade étnica, linguística e religiosa. Mesmo que durante o
período colonial a sua unidade territorial tenha sido ameaçada por invasores espanhóis,
holandeses e franceses, e a ocorrência de alguns movimentos separatistas, precipuamente
durante a colonização portuguesa, o país nunca enfrentou uma guerra civil. Portanto, a
preservação da unidade territorial não se apresentou como um desafio no período republicano,
inexistindo, inclusive, previsão constitucional para a separação, sendo que a CF de 1988
define somente que nenhuma emenda constitucional pode abolir a “estrutura federal do
Estado” (SOUZA, 2005).
Balthazar (2005) ressalta como causa imediata da derrocada do Império a abolição da
escravatura, e como causas mediatas, “o surgimento de uma classe média urbana, a Guerra do
Paraguai e a assimilação da filosofia positivista por parte do exército, e o rompimento das
relações entre Igreja e Estado, resultando em menos despesas para o erário” (BALTHAZAR,
2005).
Os fatos que culminaram com a implementação de um sistema federal não decorreram
de negociação ou reivindicação dos Estados federados, mas resultaram da imposição
unilateral de um novo sistema. Isso configurou o chamado federalismo pragmático, distante
de qualquer construção consciente e negociada apoiada em ideais de solidariedade e
cidadania, por meio do compartilhamento das responsabilidades governamentais. Ao
contrário, o pragmatismo foi gestado a partir da negociação de interesses de privados
imediatos, originando um federalismo desigual (CALLADO, 2005). Ou seja, um pacto de
elites descontentes com o Império e ávidas por maior participação no poder central, que
buscavam a organização de um novo sistema de poder que, em tese, garantia as vantagens do
federalismo, mesmo que num contexto de frágil cooperação e de grandes rivalidades entre os
entes, sem comprometer o rígido controle que tais elites impunham sobre os seus respectivos
territórios, conformando assim um sistema com governos estaduais fortes e governo central
frágil – ainda que pudesse decretar a intervenção nos Estados.
147
43
Conforme Rosenn (2005), apud Rubinstein (2011).
44
Souza (2002), apud Rubinstein (2011).
45
Sobre a proclamação da República e a Constituição de 1891, vide Baleeiro (2012) e Sugahara (2016).
148
os Estados foram obrigados a escolher alguns desses impostos que deveriam ser destinados
aos Municípios – que, somente com a CF de 1934 passaram a ter expressamente impostos
exclusivos. A União e os Estados e os Municípios tinham competência para cobrar taxas (pela
prestação de serviços específicos ao contribuinte) e coletar rendas de seus bens e serviços não
coativos (rendas industriais e comerciais). Os Impostos de Importação, Direitos de Entrada e
Saída de Navios, Selos, Taxas de Correio, Telégrafo, competiam exclusivamente à União. Os
Estados, por sua vez, tinham direto a cobrança exclusiva dos seguintes impostos: Sobre
Exportação de seus Produtos; Sobre Imóveis Rurais e Urbanos; Sobre Transmissão de
Propriedade (Sisa Sobre Bens de Raiz); Sobre Indústrias e Profissões; Selos Sobre os Atos de
seu Governo e Negócios de sua Economia; Taxas Sobre seus Correios e Telégrafos; e de
Transmissão de Propriedade – Causa Mortis (Sobre Heranças e Legados). Os Estados
destinavam para os Municípios o Imposto Predial Urbano (Casas e Terrenos). Os Municípios
podiam ainda arrecadar cumulativamente o Imposto sobre Indústrias e Profissões, de tal modo
que os contribuintes recolhiam tal imposto ao Estado e aos Municípios, e as taxas de seus
serviços (luz, lixo etc.) (BALEEIRO, 2012). Os Estados se responsabilizavam pela provisão
da maioria dos serviços públicos.
A CF de 1891 proporcionou um significativo aprimoramento do sistema de
discriminação de rendas tributarias, permitindo o melhor aproveitamento de muitos impostos
instituídos durante o Império. Entretanto, dois problemas sérios surgiram: o primeiro, a
superposição de tributos, causando a concorrência tributária entre União e Estados, e
ocasionando o surgimento do fenômeno da bitributação. O segundo, a exclusão dos
Municípios desse sistema, que permaneciam submetidos às decisões dos seus respectivos
Estados. Além disso, inexistia uma distinção teórica normativa entre taxa e imposto
(BALTHAZAR, 2005).
Com a autonomia, gerada também pela nova divisão tributária, os Estados puderam
assumir novos encargos, inclusive se responsabilizando pela maior parte dos serviços públicos
oferecidos, e mesmo adotar políticas fiscais próprias, independentes do Governo Central. O
Estado de São Paulo pode ser citado como caso no qual os tributos foram utilizados como
reguladores da produção de café. O imposto sobre as exportações de café tinha peso
destacado, enquanto a tributação sobre as outras atividades (industriais ou comerciais, por
exemplo) tinha papel secundário no financiamento das contas do governo (BALTHAZAR,
2005).
150
46
Oliveira (2010) lembra que a reduzida tributação naquela época pode ser atribuída também à “lembrança,
ainda viva, e a fadiga da sociedade em relação aos impostos escorchantes e muitas vezes irracionais cobrados
tanto na Colônia quanto no Império podem ter concorrido para influenciar os trabalhos dos constituintes na
definição desta estrutura” (OLIVEIRA, 2010).
151
renda por meio de lei ordinária aprovada pelo Congresso foi declarada ilegal pela Suprema
Corte. A cobrança do imposto proporcionou aumento considerável das receitas do governo
federal americano, num momento em que outra fonte importante de financiamento, a venda de
terras públicas, foi se esgotando. Com o imposto, se expandiu significativamente a capacidade
de intervenção do governo federal americano, principalmente por meio das transferências
grant-in-aid, concedidas aos governos estaduais e locais, subvencionando políticas que
permitiram a criação de padrões mínimos nacionais em áreas importantes, como educação e
saúde (BOYD; FAUNTROY, 2000, WRIGHT; STENBERG, 2007, JILLSON, 2008). O IR
também foi importante para a redução da desigualdade nos Estados Unidos, à medida que,
desde o início, houve a disposição de se implementar alíquotas progressivas destinadas a
onerar os mais ricos48.
Entre 1891 e 1937, o país passou por importantes mudanças econômicas, políticas e
sociais, que culminaram com a crise do modelo primário-exportador, tais como: a) crescente
importância do setor da economia voltado para o atendimento do mercado interno, em
detrimento do setor agroexportador; b) o avanço da indústria, que, inclusive, colaborou
decisivamente para superação da crise do início da década de 1930; c) o fortalecimento da
classe média e o rápido crescimento do proletariado urbano, que ampliaram a sua influência
na vida política do país; d) o razoável processo de consolidação do Estado nacional, com o
declínio do poder político das oligarquias regionais e dos governos estaduais,
concomitantemente ao fortalecimento do poder do governo federal e a definição de políticas
em nível nacional e e) ampliação significativa da participação do Estado na economia e na
sociedade brasileira, tornando-se importante veículo da modernização do país49.
A República Velha foi marcada por períodos de grande instabilidade econômica,
originadas da fragilidade do sistema primário-exportador. A crise iniciada em 1929 trouxe
efeitos inéditos por conta das distorções crescentes geradas pela forte dependência da
exportação de café para a determinação do nível interno de atividade econômica e de renda. A
crise econômica corroeu as bases do pacto oligárquico que havia governado o país desde a
instalação da República. Ao mesmo tempo, debilitou profundamente a crença no liberalismo
econômico, gerando as condições para definir uma nova correlação de forças políticas, a
48
Para os adeptos da Escolha Pública, como Wagner e Yokoyama (2014), contudo, a permissão para o governo
federal cobrar o IR promoveu uma distorção ao garantir as receitas empregadas para cartelizar as políticas,
interferindo diretamente nas prioridades estaduais e locais e impedindo a concorrência entre os governos na
oferta de serviços públicos.
49
Sobre a economia brasileira no período da Velha República e no Governo Vargas, vide Fritsch (1990) e Abreu
(1990).
154
O maior avanço proporcionado pela nova Constituição foi ter assegurado aos
Municípios a autonomia política, administrativa e financeira, e a competência tributária
própria, com a atribuição de cinco tributos e do direito de participar, em partes iguais, junto
com os Estados, da arrecadação do Imposto sobre Indústrias e Profissões. Os Estados, por sua
vez, foram contemplados com o Imposto de Consumo de Combustíveis e a transferência do
Imposto Sobre Vendas Mercantis, transformado em Vendas e Consignações, cuja base foi
substancialmente expandida e com incidência cumulativa. Ao mesmo tempo, os Estados
puderam exercer poder concorrente com a União na instituição de novos impostos. Contudo,
houve a proibição da bitributação, caso em que prevaleceria aquele imposto criado pela União
50
Conforme Atlas Histórico do Brasil, disponível em: <http://atlas.fgv.br/da-revolucao-de-1930-ao-estado-
novo/assembleia-constituinte-e-constituicao-de-1934>. Acesso em: 26 abr. 2016.
156
I) União:
II) Estados:
III) Municípios:
Imposto de Licenças;
Imposto Predial e Territorial Urbano;
Imposto Sobre Diversões Públicas;
Imposto Cedular Sobre a Renda de Imóveis Rurais;
Taxas; e
Contribuições de Melhoria (AMED; CAMPOS, 2000, BALTHAZAR, 2005,
OLIVEIRA, 2010).
Por fim, vale considerar que embora a Constituinte de 1934 tenha avançado no debate
sobre distribuição de competências e receitas entre os entes, foi ignorado o problema dos
efeitos econômicos dos impostos. Além disso, o debate foi interrompido pelo golpe
empreendido por Getúlio, em 1937, que inaugurou a ditadura do Estado Novo, quando foram
suspensas as limitadas liberdades democráticas, suprimidas as eleições e interditados os
partidos políticos. Os governadores de Estado e prefeitos voltaram a ser escolhidos pelo
presidente, ao mesmo tempo em que o Congresso Nacional, as assembleias estaduais e as
câmaras municipais foram dissolvidos (BALTHAZAR, 2005, OLIVEIRA, 2010). Uma nova
Constituição foi outorgada em 1937, contemplando os remendos necessários à legitimação do
seu poder ditatorial. Mesmo que a nova Constituição tenha preservado o sistema federal, a
federação tornou-se meramente decorativa, ao sujeitar os demais entes ao rígido controle do
governo central, cujo protagonismo foi ainda mais fortalecido, com plenos poderes
outorgados ao presidente.
Entretanto, a Constituição do Estado Novo introduziu poucas modificações no campo
tributário, contrariando a tendência centralizante nas outras áreas. Dentre as mudanças
merecem destaque, em primeiro lugar, a transferência para a competência da União do
Imposto de Consumo Sobre Combustíveis de Motor a Explosão, cuja cobrança estava
ocorrendo de forma desordenada pelos Estados, abarcando até mesmo o consumo de energia
elétrica. Em segundo, a retirada da competência dos Municípios pela cobrança do Imposto
Cedular Sobre a Renda de Imóveis Rurais. Em terceiro, a proibição da cobrança do Imposto
de Exportação nas transações realizadas entre os Estados, com a sua extinção definitiva em
158
I) União:
II) Estados:
III) Municípios:
Imposto de Licenças;
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU);
Imposto Sobre Diversões Públicas; e
Taxas (OLIVEIRA, 2010).
restabelecimento das eleições diretas para governadores e prefeitos (AMED; CAMPOS, 2000,
BALTHAZAR, 2005, OLIVEIRA, 2010).
Os avanços no campo político e das garantias individuais não se repetiram no campo
tributário. As alterações na distribuição das competências, na autonomia dos Estados
legislarem sobre matéria tributária e no sistema de impostos foram tímidas e não
acompanharam as mudanças na economia verificadas desde 1930. Os Municípios, por sua
vez, conquistaram o direito de cobrar o Imposto sobre Indústrias e Profissões – algo que já
acontecia de fato – bem como o Imposto do Selo. As contribuições de melhoria foram
reintroduzidas, com a competência pela arrecadação abarcando também os Municípios. Foi
reduzida a alíquota do Imposto de Exportação de 10% para 5%, visando incrementar a
competitividade dos produtos nacionais nos mercados externos. Por fim, foi
constitucionalizado o regime único de incidência do Imposto sobre Lubrificantes e
Combustíveis. Tal regime foi estendido igualmente para os minerais do país e a energia
elétrica – mas somente regulamentado anos depois (OLIVEIRA, 2010).
Entretanto, a Constituição avançou ao estabelecer a obrigatoriedade na partilha da
receita de alguns impostos com os governos subnacionais, especialmente com os Municípios,
visando a sua maior autonomia. Assim, a nova Carta definiu que 60% do produto da
arrecadação do IUCL deveriam ser transferidos para os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, considerando a sua superfície, população, consumo e produção, obedecendo às
condições e finalidades estabelecidas em lei. Os Municípios – excluídos os das capitais –
teriam direito a 10% da receita do IR, divididos em partes iguais, com a exigência de que pelo
menos a metade fosse aplicada em benefício da zona rural. Os Estados também deveriam
destinar 30% da sua arrecadação dos seus impostos para os Municípios, excluído o Município
da capital, toda vez que o valor total arrecadado superasse o montante das rendas municipais
de qualquer natureza, ficando, contudo, de fora da partilha, o Imposto de Exportação
(BALTHAZAR, 2005, OLIVEIRA, 2010). Com o significativo progresso proporcionado pelo
sistema de partilha, houve o deslocamento das disputas federativas do campo das
competências tributárias para a fixação das alíquotas de repartição das receitas (OLIVEIRA,
2010).
Assim, a CF de 1946, definiu a distribuição das competências tributárias da seguinte
forma:
162
I) União
II) Estados
III) Municípios
Para tanto, Vargas estabeleceu novas formas de articulação com o empresariado, com
a criação de comissões e subcomissões; promoveu esforços visando o avanço da
industrialização por meio de grandes blocos de investimentos públicos e privados em
infraestrutura e indústrias de base, liderados pelas empresas estatais; adotou algumas medidas
com o intuito de melhorar a redistribuição de renda e as condições básicas de vida das massas
urbanas; organizou sistema de financiamento sustentando tanto na criação de um banco estatal
federal (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE) e de bancos regionais
quanto na ampliação e racionalização da arrecadação tributária, buscando eliminar os entraves
ao processo de financiamento dos investimentos e ofereceu ambiente favorável a entrada do
capital estrangeiro (DRAIBE, 1985).
Ao final do governo Vargas, o Estado já havia ampliado seu domínio sobre o campo
econômico e social. Ocorreram importantes avanços nas áreas de energia e transporte,
aumento dos investimentos na siderurgia e a criação da Petrobrás, além da modernização
industrial, singularmente da indústria de bens de consumo duráveis – que se beneficiou de
“uma política salarial mais aberta”. Do mesmo modo, aos poucos foi se consolidando o
BNDE como uma agência crucial no financiamento dos investimentos. Entretanto, todos estes
avanços ficaram aquém do projeto original, acima de tudo em virtude dos limites políticos e
dos interesses que tal projeto contrariava. Para Draibe (1985), na concepção do “projeto
varguista”, o plano de desenvolvimento econômico e social acarretaria uma ruptura radical
com o status quo, à medida que o avanço da industrialização sob a liderança da empresa
pública, minimizava a participação da empresa estrangeira. Ainda que fossem abertas novas
fronteiras de expansão ao capital privado nacional, era imprescindível sua subordinação ao
setor público e “graus elevados de estatização”. Isso também deixava manifesto
explicitamente um conteúdo nacionalista que despertava resistência por parte do capital
estrangeiro e das agências internacionais de financiamento. Do mesmo modo, os avanços
sociais foram insuficientes para satisfazer os anseios populares. Ademais, as condições no
campo permaneceram bastante precárias, pois a estrutura agrária se manteve praticamente
intocada, apesar do processo de modernização da economia ocorrido a partir de 1930.
O dramático desfecho da era Vargas mostrou o grau de resistência enfrentado por uma
estratégia de tal envergadura, que apresentava dificuldade de adesão até mesmo da própria
burguesia local. Entretanto, o fim da era Vargas não trouxe consigo recuo no modelo
industrializante, patrocinado ativamente pelo Estado. Ao contrário, na presidência de
Juscelino Kubitschek foi elaborado e implementado o Plano de Metas, que representou um
167
esforço coordenado de ação do Estado no sentido de se atingir uma nova etapa do processo de
industrialização, com a consolidação da indústria de base e de bens de consumo duráveis.
Para Draibe, “foi o momento crucial de concretização da forma particular da industrialização
brasileira: uma estrutura monopolística específica, articulando num modo próprio a grande
empresa estrangeira, a empresa privada nacional e a empresa pública” (DRAIBE, 1985).
Oliveira (2010) observa que os anos JK corresponderam:
curso. Além disso, foram concedidos incentivos fiscais com a finalidade de incentivar
determinados setores, causando perda de receita sobre uma limitada base tributária,
implicando sobrecarga para o governo, contribuindo para o aprofundamento dos déficits
públicos. E, num momento em que inexistiam mecanismos adequados para o seu
financiamento, o aumento do déficit acabava sendo financiado via emissão de moeda,
elevando inevitavelmente a inflação.
Ainda em 1953 foi nomeada, por meio da Portaria de nº 784, do Ministro da Fazenda,
uma comissão encarregada de elaborar um anteprojeto do futuro Código Tributário Nacional
(CTN). Mesmo que a comissão tenha concluído os trabalhos e enviado versão para o
Presidente da República que, por sua vez, a encaminhou para o Congresso Nacional, não foi
convertida em lei. Contudo, a sua parte geral serviu de referência para a Reforma Tributária
aprovada pelos militares em 1965 (AMED; CAMPOS, 2000). O sistema de alianças políticas
daquela época inviabilizava alterações significativas na estrutura tributária, à medida que
poderia comprometer o frágil equilíbrio de poder vigente, além de exigir a canalização de
maiores fatias do bolo tributário para o financiamento das políticas regionais e sociais – no
momento em que ficavam cada vez mais nítidas as disparidades e desigualdades no interior da
federação – em detrimento dos gastos direcionados à dinamização do processo de acumulação
capitalista.
Dentre as poucas mudanças na estrutura tributária ocorridas no período anterior a
1964, a maior parte foi orientada para atenuar a difícil situação financeira da maioria dos
Municípios, que estavam enfrentando pressões crescentes pela ampliação da oferta de
serviços públicos, notadamente em virtude da acelerada urbanização. Por meio da Emenda
Constitucional (EC) no 5/61, os Municípios passaram a receber 10% da arrecadação do
Imposto de Consumo e 15% da arrecadação do Imposto sobre a Renda, recolhidos pela União.
Em detrimento dos Estados, os Municípios passaram também a contar com a cobrança do
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), com a obrigação de destinar 50% de seus
recursos à zona rural, além do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos
(AMED; CAMPOS, 2000; OLIVEIRA, 2010).
Ainda que o sistema tenha permanecido quase inalterado, a carga tributária continuou
apresentando tendência de elevação, saltando da média anual de 12,5% do Produto Interno
Bruto (PIB) entre 1941–1945, para 13,8% entre 1946–1950, para 15,4% no quinquênio
seguinte, até atingir 17,4% entre 1956 e 1960. Mesmo que o sistema tributário tenha
preservado sua natureza regressiva, sustentando-se basicamente nos impostos indiretos (que
169
51
Para Varsano (1996), a reforma da década de 60 teve o mérito “de ousar eliminar os impostos cumulativos,
adotando, em substituição, o imposto sobre o valor adicionado - hoje de uso generalizado na Europa e na
América Latina, mas na época, em vigor apenas na França” (VARSANO, 1996).
52
Para Oliveira (2010), o “mais importante nessa reorganização e saneamento do sistema foi o fato de,
pioneiramente no mundo, se ter decidido pela extinção da cumulatividade do Imposto sobre Vendas e
Consignações, transformando o imposto que o substituiu, o ICM, em um tributo incidente sobre o valor
agregado, eliminando-se as distorções que provocava sobre os preços relativos e sobre o processo ‘artificial’ de
integração das empresas para escapar de seu ônus ou reduzi-lo” (OLIVEIRA, 2010).
172
Públicas, dentre outros; j) nova divisão de rendas entre União Estados e Municípios, com a
criação do FPE e do FPM; e m) eliminação de algumas vinculações orçamentárias53.
Portanto, a reforma tributária permitiu a eliminação de impostos considerados
inadequados, dado o estágio de desenvolvimento do país. Ao mesmo tempo, redefiniu o
sistema tributário como instrumento para favorecer o processo de acumulação. A reforma
viabilizou ainda a introdução de diversos incentivos fiscais destinados a apoiar setores eleitos
pelos militares como estratégicos. A reforma igualmente modernizou o sistema de repartição
de receitas entre os entes federativos, possibilitando assim um novo desenho para o
federalismo fiscal brasileiro (OLIVEIRA, 2010).
Balthazar (2005) assinalou que a EC 18/65 proporcionou importantes mudanças, com
uma nova discriminação de competências. Além disso, os impostos passaram a ser
classificados “sob uma visão econômica e não jurídica, facilitando e tornando pratica a
discriminação de rendas tributarias” (BALTHAZAR, 2005). Os impostos foram classificados,
observando sua natureza econômica, em quatro grandes grupos: Impostos sobre o Comercio
Exterior, sobre o Patrimônio e a Renda, sobre a Produção e a Circulação, e os chamados
Impostos Especiais. A reforma também “procurou um maior entrosamento entre sistemas
tributários federal, estadual e municipal, com a finalidade de instituir um sistema tributário
nacional integrado” (BALTHAZAR, 2005).
Após as reformas empreendidas por meio da Lei 4.357/64, da EC nº 18/65, da Lei no
5.172/1966 e da CF de 1967, as esferas de competência tributária ficaram assim
discriminadas:
I) União
53
Para uma análise da reforma tributária vide Maneschi (1972), Pastore (1981), Oliveira (1981; 2010) e Lima
(1982).
173
II) Estados
III) Municípios
54
Tais impostos seriam absorvidos pelo ICMS na CF de 1988.
176
55
Apesar do obsoleto aparato tributário existente antes de 1964, entre 1947-1961, as receitas do governo
cresceram continuamente, fazendo com que ao final do período, a carga tributária brasileira fosse semelhante à
de países em estágio mais avançado de desenvolvimento. Os fatores que determinaram a redução da receita do
governo após 1961 foram a inflação, a retração da atividade econômica e, sobretudo, a alteração da política
cambial realizada neste ano. Talvez seja por isso que somente após 1969 - quando a economia voltou a ter um
crescimento acelerado - a carga tributária bruta tivesse aumentado mais acentuadamente, colocando-se em um
novo patamar, em torno de 25% do PIB, que permaneceu até o início da década de 1990.
56
Em 1975, enquanto a carga tributária que incidia sobre os que ganhavam até 1 salário mínimo era de 33,5%,
para os que ganhavam mais de 100 salários mínimos, era de 15%, conforme dados de Eris et al. (1979), citados
por Pereira (1986).
178
arrecadação do ICM pelo seu respectivo Estado, parâmetro que serviu de base para a
distribuição realizada na CF de 1988 (BALTHAZAR, 2005).
Outra mudança associada à repartição da receita tributária foi a redução da
participação dos Estados e Municípios na arrecadação do Imposto Sobre Lubrificantes e
Combustíveis Líquidos ou Gasosos de 60% para 40% (32% para os Estados e 8% para os
Municípios) e a consequente ampliação da participação da União de 40% para 60%
(BALTHAZAR, 2005, OLIVEIRA, 2010).
O progressivo endurecimento do regime militar provocou o esvaziamento da Carta
imposta de 1967, com a edição de outro instrumento ainda mais autoritário, o Ato
Institucional n° 5, em dezembro de 1968, que exigiu a imposição da EC nº 1/69 pela junta
militar, definindo novo texto da Carta de 1967. Contudo, a Emenda manteve praticamente
intocado o sistema tributário, promovendo somente um pequeno ajuste, relacionado à
mudança no Imposto Sobre Minerais, que também passou a incidir sobre a sua extração
(BALTHAZAR, 2005, AMED;CAMPOS, 2000).
Dentre os pontos referendados pela Emenda, esteve a manutenção do dispositivo que
autorizava a União, atendendo a interesses social ou econômico, conceder isenção de
impostos estaduais ou municipais. Como consequência, Estados e Municípios foram forçados
a aderir a política de incentivo às exportações, especialmente associada ao ICM, com a
concessão de isenção e do crédito-prêmio aos produtos manufaturados, que acarretaria perdas
de receita para aqueles entes subnacionais57. Tal dispositivo afrontava o princípio federativo,
ao comprometer a autonomia dos entes subnacionais consagrada na Constituição
(BALTHAZAR, 2005, OLIVEIRA, 2010).
Se por um lado, as reformas empreendidas entre 1964 e 1967, no início do governo
militar, promoveram a modernização do sistema tributário, em razão da sua abrangência e
profundidade, e efetivaram significativo aprimoramento do desenho da repartição de receitas,
com o FPM e o FPE, configurando um mecanismo mais estável e automático, por outro,
geraram grande concentração de poder no governo federal, revertendo a tendência
descentralizante inaugurada com a Carta de 1946. Ou seja, no regime militar (1964-1985),
ocorre novo movimento pendular em direção à maior centralização, à medida que as reformas
57
Simonsen (1992), ao tratar da grande concentração de recursos na União, ressaltou que “no início da década de
1970 Estados e Municípios foram induzidos a associar-se ao Governo Federal na política de subsídio a
exportação de manufaturados, através dos créditos-prêmio do ICM, que duplicavam os do IPI.” (SIMONSEN,
1992).
179
58
Muitos anos depois, em 1992, Simonsen admitiu que “a Constituição de 1967 deu ao Brasil um sistema
tributário moderno, extremamente coerente, mas baseado numa premissa política: concentração das receitas e
despesas ao nível do Governo Federal, deixando em plano secundário a autonomia dos Estados e Municípios.”
(SIMONSEN, 1992).
180
59
Os valores são sempre negativos para a União porque se trata de uma transferidora líquida de recursos para os
outros entes. Os municípios, por sua vez, são recebedores líquidos.
182
Apesar das inconsistências do novo sistema tributário, ele foi funcional para a
retomada dos gastos públicos, em especial dos investimentos, em consequência da melhoria
da arrecadação do governo, sobretudo após 1967. No período do chamado “milagre
brasileiro” (1967-1973), a carga tributária alcançou a média anual de 24,4% do PIB, valor
muito próximo do observado na década de 1980 (24,8%), como pode ser visto na Tabela 1.
Além disso, embora as reformas do período 1964-1966 não tenham superado as históricas
limitações do padrão de financiamento da economia, principalmente do Estado, o
financiamento do governo foi favorecido em virtude da dinamização do mercado de títulos
públicos. O reforço da capacidade financeira do Estado refletiu-se também na elevação
significativa dos investimentos das empresas estatais, que passaram a ter facilidades para a
obtenção de empréstimos externos, comandando assim grandes blocos de inversões em
setores estratégicos da economia. Juntos, governo – administração direta – e empresas estatais
responderiam por mais de 50% da formação bruta de capital da economia e assumiram um
gradativo protagonismo na retomada do crescimento durante o “milagre brasileiro”.
Outros fatores que podem ser salientados para o rápido crescimento, notadamente
entre 1968 e 1973, foram a difusão do crédito ao consumidor, basicamente através das
financeiras, beneficiando preferencialmente as camadas de rendas mais elevadas, em virtude
183
60
Vergolino (2014) afirma que “os membros da Constituinte eram também membros do Parlamento, de sorte que
tal desenho contribuiu, em parte, para que a busca da tal harmonia federativa fosse parcialmente prejudicada”
(VERGOLINO, 2014).
189
I) União
II) Estados
II) Municípios
sobre competência, receita, e muitas políticas públicas dos governos subnacionais são objeto
de seções muito detalhadas da Constituição, diferentemente de países como Estados Unidos e
Austrália. Em segundo, o STF determina rigorosamente que as constituições e leis estaduais
sigam a CF, forçando uma interpretação hierárquica das normas constitucionais, mesmo que a
própria Constituição não seja clara neste sentido (SOUZA, 2005).
A CF de 1988 detalhou as competências dos três níveis de governo, sendo atribuídos à
União o maior número de competências exclusivas, abarcando aquelas consideradas mais
importantes, como defesa, política monetária, cambial, relações exteriores, seguridade social e
serviços como telecomunicações. Aos Estados são atribuídos os poderes residuais, como nos
Estados Unidos, Austrália e México; e, em virtude do grande detalhamento contido na Carta,
sobra pouco espaço para os Estados exercerem tal competência residual. Competências
concorrentes estão igualmente previstas, com a definição de que a responsabilidade pela
provisão da maioria dos serviços públicos, em especial dos sociais, é comum aos três níveis.
Dentre as atribuições concorrentes estão saúde, educação, meio ambiente, assistência social,
habitação e saneamento. Entretanto, ainda persistem vazios entre o dispositivo constitucional
e as disposições colocadas em prática. A legislação federal também vai sempre prevalecer,
ainda que sancionada após a aprovação de norma estadual regulando alguma atribuição
concorrente. Além disso, diversamente do que acontece em outras federações, a maior parte
da autoridade legislativa sobre competências concorrentes fica concentrada no executivo
federal. Uma explicação possível para a extensa lista de competências concorrentes, em
grande parte relacionada às políticas públicas, é a tentativa dos constituintes ampliar o âmbito
do federalismo cooperativo no país. Souza (2005), entretanto, argumenta que tal propósito não
foi concretizado porque são muito desiguais as capacidades dos governos subnacionais
implementarem políticas públicas. Ela observa ainda que a uniformização das regras aplicadas
às esferas subnacionais – particularmente aos Estados – dificultou a adoção de políticas
coerentes com as suas prioridades.
Ismael (2014) argumenta na mesma direção que Souza, ao considerar que:
A experiência federativa brasileira a partir dos anos 1990 foi marcada pela
predominância de um federalismo competitivo-cooperativo, o qual se origina no
texto constitucional nacional e se alimenta no próprio processo político envolvendo
a União e os estados da Federação. Verifica-se a presença simultânea de cooperação
(resultante das transferências constitucionais obrigatórias da União para os estados,
Municípios e regiões) e de competição (derivada da descentralização político-
financeira ocorrida na direção de estados e Municípios). Essa dinâmica transforma,
muitas vezes, os entes federativos em agentes econômicos, estimulando conflitos e
tensões entre eles.
193
Tal ação dos Estados do Nordeste não deixou de ter ambiguidades. Suas estratégias
voltadas para a promoção das suas economias acarretaram o acirramento da competição
horizontal na Federação brasileira, em detrimento da cooperação regional. Contudo,
permaneceram fiéis ao antigo discurso da necessidade de adoção de um tratamento
diferenciado para o Nordeste, tendo em vista a assimetria federativa existente e, mesmo que
tenham realizado articulação governamental em momentos de sua conveniência, a ação em
bloco dos governos nordestinos perdeu relevância. Com isso, a atração de investidores
privados e a negociação isolada com o governo federal tornou-se a forma predominante de
ação dos governadores (ISMAEL, 2014).
Boadway e Shah (2009), por sua vez, assinalam que o Brasil configura um caso
particular e único de federalismo cooperativo, com esferas independentes do governo, em que
todos os níveis possuem autonomia e igualdade para coordenar as suas políticas horizontal e
verticalmente – e que o distingue do modelo “bolo de mármore” (marble cake), destacado por
alguns autores, como Rubinstein (2011).
A OECD (2013), em relatório recente sobre o Brasil, destaca que, apesar dos conflitos
de competência, com sobreposições de gastos e políticas pelos três níveis de governo, as
políticas públicas de maior impacto sobre a população mais pobre são implementadas e
financiadas pelos governos subnacionais do Brasil. Por outro lado, a ampla liberdade no uso e
ausência de condicionalidades nas transferências tem comprometido o alcance de padrões
mínimos na provisão dos serviços públicos pelos Estados, excetuando saúde e educação.
Nestas duas áreas, o processo de descentralização tem sido planejado de forma mais
cuidadosa e elas evidenciam que mecanismos de governança multinível funcionam,
notoriamente pelo fato de que são financiadas principalmente pelas transferências carimbadas
provenientes da União, favorecendo o incremento do grau de controle e coordenação entre as
diferentes entidades federais.
A OECD ainda salienta que o processo de descentralização no Brasil ocorreu de forma
gradual e desigual, especialmente no que se refere a alocação de gastos. Existe maior clareza
na definição das atividades que devem ser executadas ou reguladas pela União e os
Municípios, enquanto os Estados podem executar somente as funções que não foram
194
explicitamente vetadas pela Constituição. Tal situação tem gerado conflitos de competência,
com sobreposições de gastos e políticas pelos três níveis de governo, com várias atividades
sendo realizadas ao mesmo tempo pelos três níveis de governo (OECD, 2013).
Outro ponto considerado por Souza (2005) está associado às relações
intergovernamentais no Brasil, cujas regras não foram previstas na CF de 1988. Isso, contudo,
não tem impedido a criação de diversos mecanismos de relações intergovernamentais,
envolvendo partilha de impostos, implementação compartilhada de políticas sociais,
particularmente nas áreas de educação e saúde. Mesmo assim, as relações
intergovernamentais são altamente competitivas, tanto na vertical como na horizontal, e
caracterizadas por conflitos. Os mecanismos de cooperação geralmente são instituídos com
apoio federal. Souza finaliza afirmando que, apesar da existência de diversos mecanismos
constitucionais orientados para a promoção do federalismo cooperativo, tais como áreas
políticas concorrentes, a tendência do protagonismo da União frequentemente o torna
competitivo.
Assim, não obstante os avanços em direção a efetivação do federalismo cooperativo
no Brasil, persistem alguns entraves para tal efetivação, relacionados ao ainda elevado nível
de centralização política em âmbito federal; à ausência de dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais que regulamentem as relações intergovernamentais, provocando o
surgimento de inúmeras arenas de conflito sobre a responsabilidade pelo desenho,
financiamento e implementação das políticas; e, por fim, a grande assimetria na capacidade de
Estados e Municípios executarem políticas, notadamente em termos gerenciais, técnicos,
financeiros e de comprometimento político.
No final da década de 1990, inúmeros trabalhos – inclusive de organismos como
BIRD e FMI, que patrocinaram programas de descentralização em muitos países em
desenvolvimento a partir da década anterior – assinalaram as várias distorções geradas pela
descentralização, em especial para a gestão macroeconômica, em várias partes do mundo. Os
principais problemas indicados são: a) a descentralização tendeu a fortalecer estruturas
arcaicas de poder em governos subnacionais; b) sobreposição de competências; c) guerra
fiscal; d) irresponsabilidade fiscal; e) aumento do endividamento subnacional; f)
incompatibilidades entre as demandas locais e a oferta de serviços públicos pelos governos
subnacionais; g) exagerada dependência de transferências para o financiamento das despesas
195
A descentralização em si não é nem boa nem má. É um meio para atingir um fim,
muitas vezes imposto pela realidade política. O que importa é saber se é bem-
sucedida ou não. A descentralização bem-sucedida melhora a eficiência do setor
público e sua capacidade de dar respostas, ao mesmo tempo acomodando forças
políticas potencialmente explosivas. A descentralização malsucedida ameaça a
estabilidade econômica e política e perturba o fornecimento dos serviços públicos 62
Desde o início, o sistema tributário consagrado na nova Carta recebeu críticas. Mesmo
que tivesse uma natureza descentralizadora, permaneceu complicado, apoiado na cobrança de
impostos indiretos – o que limitava seu uso na promoção de maior equidade – e favoreceu a
guerra fiscal entre os Estados (AMED; CAMPOS, 2000). Conforme já salientado, embora os
constituintes tenham estabelecido um novo desenho para as competências tributárias e para a
repartição de receitas, com perdas para a União, não foi estipulada com clareza a
redistribuição de encargos para Estados e Municípios, em áreas essenciais, nem desenhados
mecanismos efetivos de cooperação. Por isso, permaneceu um vazio à medida que Estados e
Municípios se sentiram desobrigados de reservar parte das suas receitas para atender tais
gastos, forçando a União a procurar formas alternativas de obtenção de recursos por meio da
instituição ou incremento das alíquotas de contribuições sociais, particularmente sobre o lucro
e o faturamento das empresas. Tais contribuições se mostraram convenientes à medida que
estavam dispensadas do cumprimento dos princípios da anualidade e da não cumulatividade,
definidos para os impostos no capítulo sobre o sistema tributário, e da necessidade de
destinação de 20% da arrecadação para os governos subnacionais. Assim, “as contribuições
sociais se tornaram, para o governo federal, o instrumento preferencial de ajuste de suas
contas e da garantia de obtenção de recursos adicionais para atendimento das novas
responsabilidades atribuídas ao Estado” (OLIVEIRA, 2010). Contudo, essa conduta no campo
fiscal promoveu a elevação da carga tributária e reduziu a eficiência do sistema fiscal (OECD,
2013), especialmente pela incidência cumulativa.
61
Sobre as críticas ao processo de descentralização vide Prud’homme (1995), Schmitter (1999), Ebel e Yilmaz
(2001), Affonso (2003), Oliveira (2007), FMI (2009), Vargas (2011) e Ter-Minassian e Jiménez (2011).
62
Apud Affonso (2003).
196
63
O efeito Tanzi – em homenagem ao economista Vito Tanzi – mostra que, sobretudo em contextos de elevada
inflação, como verificado no Brasil a partir da segunda metade dos anos 1980, há uma perda de arrecadação em
virtude da defasagem de tempo entre o fato gerador do imposto e a sua efetiva arrecadação pelo Estado.
197
vigorariam nos exercícios de 1994 e 1995; e, por fim, o instrumento essencial do ajuste, a
desvinculação de receitas da União, o Fundo Social de Emergência (FSE), depois renomeado
como Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), e, após 2001, como Desvinculação das Receitas
da União (DRU), que autorizava à União bloquear 20% da receita de impostos e
contribuições do seu campo de competência para suprir as suas exigências de recursos antes
de proceder as transferências previstas para seus beneficiários (Estados, Municípios e
políticas sociais) (OLIVEIRA, 2010). O ajuste realizado promoveu o aumento da carga
tributária de 25,78% do PIB em 1993 para 29,75% do PIB em 1994, um recorde considerando
os períodos anteriores, como pode ser visto na Tabela 1.
A adoção do Plano Real, em 1994, contribuiu decisivamente para articular e levar ao
poder a coalizão de forças que garantiu a vitória de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em
duas eleições presidenciais e o avanço da política neoliberal – iniciada no governo Collor –
principalmente a reforma constitucional, basicamente orientada para a quebra de monopólios
públicos, e a expansão do programa de privatização. O Plano Real foi bem sucedido no que
diz respeito ao controle da inflação, com a queda persistente nas suas taxas mensais. Mas o
processo de estabilização exigiu a apreciação do câmbio, que combinada com a abertura
comercial, gerou a expansão das importações e a estagnação das exportações, tornando o
déficit na balança comercial crônico. Isto ampliou ainda mais o desequilíbrio nas transações
correntes, cujo financiamento se deu, sobretudo, pela entrada de capitais especulativos
atraídos pelas elevadas taxas de juros mantidas no período, provocando o aprofundamento da
dependência financeira externa. A elevação das taxas de juros levou progressivamente ao
estrangulamento financeiro do setor público, em virtude da acelerada expansão da dívida
interna, que passou a comprometer parcela crescente do orçamento federal com pagamento de
juros, causando a diminuição dos gastos em educação, saúde, infraestrutura e redução das
disparidades regionais.
Depois de implementado o “ajuste provisório”, que viabilizou o Plano Real, a
prioridade do governo foi o equilíbrio fiscal em detrimento de alterações mais significativas
no sistema tributário. Por essa razão, as medidas introduzidas buscaram tão somente atender a
objetivos arrecadatórios, tais como: reforma do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas
(IRPJ), em 1995; criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
(CPMF), em 1996; elevação de alíquotas do IRPF, do Imposto de Importação, do IOF e do
IPI, em diversos momentos; e a prorrogação do FSE, como o novo nome de Fundo de
Estabilização Fiscal, em 1996 e 1997 (OLIVEIRA, 2010).
198
Outras medidas pontuais foram adotadas, como a Lei n° 11.033, de 21/12/2004, que
ofereceu tratamento diferenciado para as aplicações financeiras, beneficiando os aplicadores
do mercado financeiro e da bolsa de valores; em 2006, por meio da MP nº 281, zerou as
alíquotas de IR e de CPMF para investidores estrangeiros no Brasil. Progressivamente, a
legislação foi permitindo a tributação dos rendimentos do capital com alíquotas do IR
inferiores aos demais tipos de rendimento, à medida que não precisa se submeter à tabela
progressiva. Em 2006 também foi regulamentado o regime tributário simplificado, com a LC
nº 123, de 14/12/2006, que instituiu o Simples Nacional. Nele foi unificada a arrecadação de
tributos e contribuições aplicados à pessoa jurídica que se adequa ao perfil de microempresa
(ME) e empresa de pequeno porte (EPP). O regime autoriza que a ME e a EPP sejam
dispensadas de diversas obrigações acessórias e do recolhimento unificado de tributos, no
201
âmbito da União, dos Estados, do DF e dos Municípios. Em 2007, foi instituída ainda a
“Super-Receita”, com a criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), produto da
fusão da SRF com a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), deslocando a política de
arrecadação e gestão das receitas previdenciárias do Ministério da Previdência Social para o
Ministério da Fazenda. Consequentemente, houve o enfraquecimento da institucionalidade da
seguridade social, com a transferência da gestão das receitas do orçamento da seguridade
social para o controle do Ministério da Fazenda. Em 2007, o congresso rejeitou a prorrogação
da CPMF até 2011, provocando perda de arrecadação de mais de R$40 bilhões. Em resposta,
o governo editou a MP nº 431/2008, contemplando conjunto de medidas para compensar tal
perda, como o incremento da alíquota da CSLL dos bancos, de 9% para 15%. Ao mesmo
tempo, foi editado o Decreto nº 6.339/2008, que elevou em 0,38% todas as alíquotas do IOF
incidentes nas operações de crédito e de câmbio (SALVADOR, 2014).
No campo tributário, o fato marcante do segundo governo Lula foi a adoção de
medidas visando a desoneração64 de setores da economia com a finalidade de atenuar os
efeitos da crise internacional. No final de 2008, o governo concedeu a redução do IPI para o
setor automotivo, e durante 2009, as medidas foram estendidas para outros setores
econômicos: bens de consumo duráveis, material de construção, bens de capital, motocicletas,
móveis e alguns itens alimentícios. Em 2010, houve a prorrogação da redução do IPI para a
indústria automobilística e concessão da redução do IPI para os eletrodomésticos da chamada
linha branca (geladeiras, fogões, máquinas de lavar). No último ano do governo Lula, 2010, as
desonerações (ou gastos tributários) alcançaram R$ 184,4 bilhões ou 3,6% do PIB
(SALVADOR, 2014; 2015).
A elevada popularidade de Lula permitiu a eleição da sua sucessora, a presidenta
Dilma Rousseff, cujas ações mais importantes no campo tributário estiveram relacionadas à
continuidade da adoção de medidas de desoneração tributária. Tanto no primeiro quanto no
seu segundo mandato, inexistiu iniciativa de envio de proposta de reforma tributária ao
Congresso Nacional. As principais medidas adotadas foram, em primeiro lugar, o lançamento,
em 2011, do plano “Brasil Maior”, com o propósito de elevar a competitividade da indústria
64
Para Salvador (2015) “as desonerações tributárias e os incentivos fiscais englobam um conjunto de medidas
legais de financiamento público não orçamentário de políticas públicas (econômicas e sociais) que, na prática,
são renúncias tributárias do orçamento, geralmente em benefício do setor privado da economia”. As
desonerações também podem ser denominadas de “gastos tributários”, à medida que correspondem “a gastos
indiretos de natureza tributária. Portanto, são renúncias que são consideradas exceções à regra o marco legal
tributário, mas presentes no código tributário com o objetivo de aliviar a carga tributária de uma classe específica
de contribuintes, de um setor econômico ou de uma região” (SALVADOR, 2015).
202
nacional, com incentivos para à inovação tecnológica e à agregação de valor, por meio de
desonerações tributárias, como redução de IPI sobre bens de investimento, diminuição gradual
do prazo para devolução dos créditos do PIS-PASEP/COFINS sobre bens de capital e
desoneração da folha de pagamento para alguns segmentos econômicos (de confecção,
calçados, móveis e softwares), com a compensação no faturamento. Em segundo, devido ao
agravamento da crise internacional, em 2012, as medidas de desoneração foram ampliadas,
mormente a substituição da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento (20% do
INSS) de 15 setores da indústria por uma alíquota entre 1,5% e 2,5% sobre o faturamento
bruto. Tais medidas foram novamente ampliadas em 2013, atingindo 45 setores da economia
(SALVADOR, 2014).
A desoneração da contribuição patronal, tanto agravou a regressividade do
financiamento tributário da seguridade social, quanto provocou o enfraquecimento da
solidariedade no custeio da previdência social, um compromisso reforçado pela Carta de
1988. Além disso, as desonerações afetam diretamente a arrecadação do IPI, que compõe o
FPE e o FPM, refletindo negativamente nas finanças de Estados e Municípios. As
desonerações (ou gastos tributários) continuaram em expansão no Governo Dilma, pulando de
3,68% do PIB em 2011, para 4,76% do PIB em 2014, comprometendo 23,06% da arrecadação
tributária federal (SALVADOR, 2014; 2015).
Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) assinalou que, entre 2008 e 2012,
58% das perdas com a desoneração do IR e do IPI, promovida pelo governo federal, foram
arcadas por Estados e Municípios. Isso implicou perda de R$ 190,11 bilhões em repasses nos
fundos de participação. O Nordeste foi a região mais afetada à medida que os seus Estados e
Municípios deixaram de receber R$ 68,2 bilhões no período, representado 35,9% dos valores
não distribuídos pela União. Embora o Sudeste tenha deixado de receber R$ 54,5 bilhões, foi
beneficiado pelo aumento da produção, venda e empregos em virtude de concentrar a maior
parte das empresas favorecidas. Foram igualmente verificadas perdas por Estados e
Municípios do Sul (R$27,2 bilhões), Norte (R$26,7 bilhões) e Centro-Oeste (R$13,5 bilhões).
O governo federal, por sua vez, argumenta que as desonerações foram compensadas com a
arrecadação maior de outros tributos65.
Ainda que considerados de esquerda, os governos Lula e Dilma Rousseff não
promoveram grandes incrementos na carga tributária, cujo valor atingido em 2015, de 33,33%
65
Conforme matéria da Em discussão - Revista de audiências públicas do Senado Federal (Ano 6 – nº 26 –
setembro de 2015).
203
I) União
II) Estados
III) Municípios
O balanço final que pode ser feito permite assinalar que, enquanto no período 1960-
1980, houve progressiva concentração de recursos no governo central – conforme já relatado
– o período posterior inverte a tendência, com a descentralização de recursos em favor dos
Estados e, principalmente, dos Municípios. Contudo, o movimento descentralizador atinge de
forma desigual Estados e Municípios após 1980. Entre 1980 e 1990, a arrecadação direta dos
Estados subiu de 5,31% do PIB para 8,52% do PIB, enquanto permaneceu praticamente
inalterada para os Municípios, com incremento de 0,90% do PIB para 0,97% do PIB. De 1990
até 2014, há uma inversão na tendência, pois a participação dos Estados apresenta um
acréscimo muito reduzido, para 8,86% do PIB, enquanto a arrecadação direta dos Municípios
sofre considerável expansão, para 2,26% do PIB. A participação da União, por sua vez, se
amplia de 18,31% do PIB em 1980, para 19,29% do PIB em 1990, e 22,20% do PIB em 2014.
Com isso, como pode ser verificado na Tabela 2, a participação do governo central na
arrecadação direta, depois de ter atingido 74,7% em 1980 (maior valor da série), declinou para
205
67,0% em 1990 e 66,6% em 2014, enquanto a participação dos Estados alcançou 21,7% em
1980 (menor valor da série) e se recuperou para 29,6% em 1990, voltando a cair para 26,6%
em 2014. Os Municípios foram os mais favorecidos, à medida que sua participação saiu de
3,7% em 1980, para 3,4% em 1990 e 6,8% em 2014. Entre 1988 e 1995, a participação dos
Municípios dobrou (de 2,7% para 5,4%). Considerando os acréscimos ocorridos entre 1988 e
2014, 56,2% foram destinados ao governo central, 28,7% aos Estados e 15,1% aos
Municípios. Portanto, percebe-se que cedo se esgotaram as medidas visando maior
descentralização tributária para os Municípios e, em especial, para os Estados, definidas na
Carta de 1988. Além disso, desde 1990, o incremento da participação dos Municípios ocorre
em prejuízo dos Estados, à medida que permaneceu praticamente inalterada a fatia da União.
No que se refere à receita disponível (arrecadação própria mais/menos transferências),
o movimento mais efetivo de descentralização ocorreu entre 1980 e 1990, quando a parcela da
União foi diminuída de 68,1% para 58,9%, enquanto a dos Estados aumentou de 23,2% para
26,6% e a dos Municípios apresentou acréscimo de 8,6% para 13,3%, como mostra a Tabela
2. Entre 1990 e 2014, houve recuo na participação da União para 55,6% e dos Estados, para
25,1%, enquanto os Municípios experimentaram crescimento na sua fatia para 19,3%.
A análise do fluxo de transferências (em proporção da arrecadação direta) permite
inferir que entre 1980 e 1990 houve incremento nestas transferências da União para os
governos subnacionais, de –1,60% do PIB (8,74% da sua arrecadação direta) para –2,34% do
PIB (12,13% da sua arrecadação direta)66, mas favorecendo principalmente os Municípios,
conforme a Tabela 3. No mesmo período, os Estados, que recebiam um fluxo positivo de
transferências equivalente a 0,39% do PIB (ou 7,84% da sua arrecadação direta), passaram a
enfrentar fluxo de –0,58% do PIB (ou a destinação de 6,81% da sua arrecadação direta para os
Municípios). Os Municípios, por sua vez, experimentaram expressivo acréscimo no fluxo, de
1,20% do PIB (133,33% da sua arrecadação direta) para 2,92% do PIB (ou 301,03% da sua
arrecadação direta). Desde então, o fluxo da União passou para –3,66% do PIB em 2014
(expandindo para 16,49% da sua arrecadação própria), enquanto o dos Estados permaneceu
praticamente inalterado, em –0,51% do PIB (ou 5,76% da sua arrecadação própria). Embora o
fluxo para os Municípios tenha se expandido para 4,17% do PIB em 2014, houve queda da
sua participação na arrecadação própria para 184,51%, sinalizando uma melhora expressiva
no esforço de arrecadação própria que, em 1988, representava tão somente 0,61% do PIB e
pulou para 2,26% do PIB em 2014.
66
Fluxo negativo significa que o ente é um doador líquido de recursos.
206
Entretanto, tal esforço permanece concentrado nos Municípios das capitais, de porte
médio e das regiões mais ricas do país, como será abordado posteriormente. Ademais,
percebe-se que parte expressiva do incremento do fluxo de transferências para os governos
subnacionais está sendo absorvida pelos Municípios. Assim, os Municípios, que obtiveram
aumento da arrecadação própria, também foram contemplados com o incremento das
transferências, sobretudo da União. Não obstante os concentrados avanços, a ainda reduzida
participação dos Municípios na arrecadação direta pode ser explicada por três fatores: em
primeiro lugar, evidencia a concentração dos impostos com maior potencial arrecadatório nas
mãos da União e dos Estados. Em segundo, a desigual base econômica dos Municípios, que
reflete as grandes assimetrias no interior da federação, afetando a capacidade de arrecadação
de muitos deles. Em terceiro, o baixo esforço fiscal da maioria dos Municípios, sobretudo
aqueles de pequeno porte e/ou localizados no interior, para incrementar a arrecadação própria
usando mais efetivamente os impostos sob a sua competência. Tais fatores acabam
perpetuando a dependência das transferências para a maioria desses Municípios.
Merece ser ressaltado que os Estados estão afetados, por um lado, pelas desonerações
oferecidas pelo governo, notadamente com as reduções do IPI – conforme a Tabela 4 –
imposto que alcançava 2,55% do PIB em 1990, e que declinou para 0,89% do PIB em 2014,
reduzindo a sua contribuição para o FPE e o FPM. Cabe salientar também que, de acordo com
dados de Cosio (1998), no início da década de 1970, o IPI se situava em torno de 4,0% do
PIB. Por outro lado, a guerra fiscal entre os Estados tem visivelmente prejudicado a
arrecadação do ICMS, que representava 8,47% do PIB em 1990, e que tem se mantido em
torno de 7% do PIB desde 2000, como pode ser observado na Tabela 4. Em 1970, quando
ainda era ICM, a arrecadação ficou em 6,87% do PIB – de acordo com dados de Cosio
(1998). Ao mesmo tempo, as contribuições recolhidas pelo governo federal (PIS, COFINS,
CSLL e CIDE) passaram a ocupar espaço privilegiado na arrecadação federal, por se tratar de
imposto não compartilhado, aumentando de 3,38% em 1990, para 5,05 em 2000 e 5,63% do
PIB em 2014. Tal valor poderia ser ainda maior não fosse a extinção da cobrança da CPMF,
que chegou a alcançar 1,38% do PIB em 2007. Por fim, a União tem demonstrado
desinteresse em realizar maior esforço pela cobrança dos impostos compartilhados, como IPI
e IR, concentrando-o nas contribuições (AMED; CAMPOS, 2000).
207
Tabela 4 - Receita Tributária por Tributo e Competência - 1990 a 2014 (em % do PIB)
Tributo/Competência 1990 1993 1994 1995 2000 2002 2003 2010 2013 2014
Total da Receita Tributária 30.50 25,72 29,76 27,06 29,98 32,16 31,41 32,52 33,74 33,47
Tributos do Governo Federal 20,53 18,47 20,46 18,25 20,65 22,29 21,59 22,45 23,27 22,91
Imposto de importação 0,42 0,45 0,52 0,70 0,73 0,53 0,47 0,54 0,72 0,67
IPI 2,55 2,46 2,21 1,93 1,61 1,24 1,03 0,96 0,83 0,89
Imposto de Renda (IR) 4,63 3,93 3,85 4,11 4,81 5,64 5,30 5,48 5,79 5,79
Pessoa Física 0,36 0,22 0,28 0,31 0,31 0,27 0,28 0,42 0,47 0,47
Pessoa Jurídica 1,65 1,06 1,27 1,32 1,51 2,11 1,79 2,12 2,12 1,97
Fonte 2,62 2,64 2,30 2,47 2,99 3,25 3,24 2,94 3,21 3,35
ITR 0,00 0,01 0,00 0,01 0,02 0,01 0,01 0,01 0,01 0,02
IPMF/CPMF - 0,07 1,06 0,02 1,23 1,38 1,36 0,00 - -
IOF 1,41 0,81 0,69 0,46 0,27 0,27 0,26 0,68 0,57 0,54
COFINS 1,61 1,37 2,40 2,16 3,40 3,42 3,38 3,63 3,83 3,53
PIS/PASEP 1,20 1,16 1,07 0,87 0,86 0,84 0,97 1,04 0,98 0,93
Contribuição sobre Lucro
Líquido 0,57 0,79 0,97 0,83 0,79 0,83 0,91 1,18 1,20 1,13
Cide Combustíveis - - - - - 0,51 0,49 0,20 0,01 0,00
Cide Remessas - - - - - 0,02 0,03 0,03 0,04 0,05
Contribuições para a Prev.
Social 5,39 5,21 5,24 4,56 4,74 4,76 4,69 5,45 5,78 5,79
Contribuição seguridade
servidor 0,40 0,30 0,26 0,30 0,31 0,29 0,25 0,54 0,47 0,49
FGTS 1,54 1,25 1,41 1,39 1,59 1,60 1,57 1,65 1,90 1,97
Salário Educação 0,22 0,13 0,35 0,37 0,24 0,24 0,23 0,28 0,32 0,33
Contribuições para o Sistema S 0,24 0,26 0,28 0,31 0,21 0,22 0,22 0,26 0,30 0,31
Outras Receitas federais 0,35 0,27 0,14 0,25 -0,17 0,49 0,42 0,51 0,50 0,50
Tributos do Governo Estadual 9,02 6,47 7,98 7,36 7,98 8,32 8,25 8,28 8,51 8,48
ICMS 8,47 6,11 7,37 6,62 6,78 6,99 6,88 6,90 7,04 6,96
IPVA 0,19 0,13 0,17 0,32 0,43 0,47 0,45 0,55 0,57 0,59
ITCD 0,02 0,02 0,02 0,02 0,02 0,04 0,05 0,06 0,08 0,09
Contrib. Regime Próprio Previd.
Est. 0,14 0,11 0,28 0,23 0,48 0,49 0,48 0,33 0,32 0,35
Outros Tributos Estaduais 0,20 0,10 0,14 0,18 0,26 0,34 0,39 0,44 0,50 0,50
Tributos do Governo Municipal 0,95 0,79 1,02 1,44 1,36 1,55 1,57 1,79 1,96 2,07
ISS 0,34 0,35 0,42 0,54 0,55 0,60 0,59 0,84 0,94 1,00
IPTU 0,24 0,15 0,21 0,44 0,43 0,50 0,50 0,45 0,47 0,51
ITBI 0,07 0,06 0,08 0,11 0,09 0,12 0,11 0,15 0,19 0,20
Contrib. Regime Próprio Previd.
Mun. 0,02 0,02 0,05 0,04 0,07 0,12 0,13 0,13 0,15 0,15
Outros Tributos Municipais 0,28 0,21 0,26 0,31 0,21 0,21 0,23 0,22 0,21 0,21
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da SRF (BRASIL, 2015a).
Os dados da Tabela 4 também expressam que tem havido melhora no esforço fiscal
dos Municípios. Entretanto, o IPTU continua tendo uma participação muito reduzida,
situando-se em 0,51% do PIB em 2014. Poucos Municípios realizam efetivo esforço para
dinamizar a sua arrecadação, sendo ainda significativo o percentual que não coleta o imposto
208
ou o faz com valores simbólicos. A sonegação é elevada, os cadastros são na maioria dos
casos desatualizados e o IPTU é utilizado precariamente como instrumento de política urbana.
O federalismo brasileiro persiste aprisionado por diversas amarras que desde 1891
impedem que siga adequadamente os princípios que norteiam o ideário federal, especialmente
daquelas nações cuja experiência contribuiu para a cristalização destes princípios, ao
moldarem um Estado federal mais justo e equilibrado. O sistema tributário brasileiro talvez
seja a corda mais rígida. Ao longo de várias constituições e mudanças na legislação
infraconstitucional, o sistema continua carregando diversas ambiguidades. Por essa razão, a
finalização deste tópico exige uma reflexão sobre as relações entre federalismo, federalismo
fiscal e sistema tributário. A primeira, diz respeito ao sistema tributário, que permanece
injusto, onerando os mais pobres, ignorando a capacidade de pagamento e o seu papel na
promoção da equidade. Ao contrário da notável evidência oferecida pelos países mais ricos,
cuja tributação se assenta em grande parte sobre impostos diretos progressivos (Renda e
Patrimônio) e desempenha papel essencial na redução da desigualdade, no Brasil, a maior
parte da tributação recai sobre impostos indiretos regressivos (Produção e Consumo), que
chegam a representar 2/3 do total arrecadado, favorecendo assim o aumento da
desigualdade67. Dados produzidos por Zockun (2007)68 – retomando trabalho publicado duas
décadas antes – mostraram que, em 2004, a tributação indireta comprometia 48,8% da renda
da população com renda familiar de até 2 salários mínimos (e 26,5% em 1996), e somente
26,3% da renda da população com renda familiar superior a 30 salários mínimos (16,4% em
2004). O momento de forte incremento da tributação indireta sobre o grupo com renda
familiar até 2 salário mínimo coincide com a expansão da carga tributária via contribuições
sociais. Para Afonso (2013), à medida que uma contribuição aplica uma carga uniforme sobre
os bens e serviços (como ocorre com o COFINS e o PIS), concorre para acentuar a
regressividade, pois os mais pobres destinam toda ou quase toda a sua renda ao consumo,
assumindo proporcionalmente maior ônus tributário que os ricos. A tributação sobre
patrimônio é insignificante, como comprova a arrecadação do IPTU – que permanece inferior
à do IPVA, que incide sobre veículos automotores, caracterizados por possuírem valor médio
muito abaixo dos imóveis urbanos. A tributação sobre heranças ou doações é insignificante,
representando valor parecido ao recolhimento do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais
67
A tributação e as transferências cumprem um papel imprescindível na redução da desigualdade. Na media dos
países da OECD, em 2011, o índice de Gini antes dos impostos e transferências se situou em 0,47 e, após tais
impostos e transferências, declinou para 0,31. Na Suécia, o índice mudou de 0,43 para 0,27 (OECD, 2015).
68
Apud Afonso (2013).
209
O autor afirma ainda que o equilíbrio federativo tem sido “tensionado pelo
enfrentamento das heterogeneidades territoriais e das desigualdades regionais” (MENDES,
2013), cuja solução envolve obrigatoriamente a discussão, análise e definição de mecanismos
de coordenação e cooperação federativas, os chamados arranjos federativos territoriais. Em
sua opinião, “a conformação de acordos interfederativos traz, implicitamente, uma abordagem
territorial diferenciada” (MENDES, 2013), referente “a uma heterogeneidade social,
econômica e regional, em termos de infraestrutura, ambientes, mercados, acessibilidade,
demandas e necessidades sociais e capacidades governativas para prover bens e serviços
públicos que reduzam as desigualdades regionais no país” (MENDES, 2013).
A quarta reflexão incide sobre a perda de capacidade do governo federal para adotar
políticas visando redução das disparidades regionais, o que provocou a proliferação de
iniciativas pelos Estados para atrair investimentos, num contexto de minguada capacidade
fiscal, em que restava apenas a oferta de estímulos atrelados ao ICMS, fragilizando o esforço
de arrecadação de imposto vital para as finanças estaduais e que ainda responde por 20,80%
211
de toda a receita tributária dos três entes. Ou seja, mesmo com as restrições fiscais, os Estados
ainda controlam o ICMS, tributo que lidera arrecadação no país, podendo usar de seu poder
discricionário para conceder isenções. A ausência de ação coordenada em âmbito nacional
para disciplinar a oferta de incentivos fiscais debilita as finanças públicas estaduais e, por
conseguinte, a sua capacidade de prover bens e serviços públicos, e favorece as empresas,
cujos custos em termos de tributos declinam substancialmente em razão da concorrência fiscal
predatória, produzindo assim um jogo de soma zero – a política de empobrecer o vizinho
(beggar–thy–neighbor) – pois o ganho de uma jurisdição ao atrair empresas ocorre sempre em
detrimento de outras. Mendes (2013) observa que a guerra fiscal pode também ser
compreendida como uma forma de desintegração ou deterioração das relações federativas
cooperativas, comprometendo à construção de sistema ou organização federativa e territorial
mais equilibrado, não obstante o argumento difundido de que tal fragmentação seria uma
forma democrática de distribuição de poder político e de responder adequadamente às
demandas sociais em territórios específicos.
Na próxima unidade, serão explorados os mecanismos de transferência no Brasil,
destinados a reduzir os desequilíbrios fiscais horizontais e verticais na federação, mostrando o
seu progressivo aprimoramento, conforme a prescrição da literatura e a experiência de outros
países.
repasses é promover a equalização fiscal entre os Entes Federativos. Tal princípio norteia a
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) da União, dos
Estados e dos Municípios, que direcionam as transferências voluntárias.
Portanto, as transferências fiscais no Brasil, obrigatórias ou discricionárias, possuem
um componente redistributivo, à medida que se destinam a promover a equalização fiscal. O
sistema de transferências define as várias modalidades de transferências intergovernamentais
da União e dos Estados, cujo objetivo é fornecer os recursos aos Estados, Distrito Federal e
Municípios, destinados ao financiamento da prestação de serviços de qualidade e,
paralelamente, preservar o equilíbrio fiscal dos mesmos.
As transferências envolvem a repartição de recursos correntes ou de capital entre
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. São denominadas de transferência fiscais e
podem ocorrer em qualquer direção (da União para Municípios e de Municípios para a União,
por exemplo). Contudo, no Brasil, elas ocorrem predominantemente no sentido da União para
Estados, Distrito Federal e Municípios, e dos Estados para seus Municípios. Mais
recentemente, as Organizações da Sociedade Civil (OSC) passaram a desenvolver ações
financiadas por meio de repasses financeiros provenientes dos três níveis de governo,
igualmente entendidos como transferências fiscais. Os Fundos Constitucionais – do Norte
(FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO) – por sua vez, não são classificados
como transferências fiscais, pois o repasse de recursos é feito para, respectivamente, o Banco
da Amazônia, Banco do Nordeste e Banco do Brasil, e a aplicação realizada através de
empréstimos a juros subsidiados a pessoas físicas e jurídicas com fins lucrativos. Por fim, o
Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), até o exercício de 2014, não se enquadrava
como transferência fiscal. Entretanto, a partir da LOA de 2015, parte do FCDF passou a ser
executado como transferência da União ao Distrito Federal.
No Brasil, de maneira semelhante aos demais países federais, existem grandes
disparidades na capacidade dos governos subnacionais desempenharem tarefas destinadas ao
cumprimento dos objetivos constitucionais, conformando assim um quadro de significativos
desequilíbrios horizontais, acompanhados dos inevitáveis desequilíbrios verticais. Embora o
objetivo relevante das transferências seja proporcionar a equalização fiscal, tanto por meio das
transferências horizontais quanto verticais, no Brasil, as transferências horizontais são
raramente previstas no sistema implementado. Ou seja, a equalização fiscal é realizada
preponderantemente por meio de transferências verticais (União para Estados, Distrito Federal
e Municípios e, Estados para Municípios). O FPM, o principal repasse da União aos
213
Municípios, configura-se como uma transferência vertical, cujo critério de partilha carrega
grande distorção, ao privilegiar os Municípios com maior população, considerados os mais
carentes de recursos, como meio de atingir a equalização fiscal entre eles.
Entretanto, mesmo que as transferências com intuito de equalização fiscal seja
frequentemente verticais e nem sempre consideram a capacidade fiscal de cada jurisdição,
existem repasses federais cujo objetivo primordial é complementar recursos, de tal modo a
garantir um valor mínimo per capita para cada jurisdição aplicar em programa ou ação
considerada prioritária, como são os casos do SUS e do FUNDEB.
Embora existam esforços de organismos internacionais, como o BIRD, orientados para
construir uma padronização mínima, ainda persistem muitas discrepâncias na taxonomia das
transferências adotadas entre os diversos governos. No Brasil, por exemplo, as relações
intergovernamentais são marcadas pela existência de distintas formas de concessão de
transferências intergovernamentais, sustentadas por extenso arcabouço jurídico de natureza
constitucional e infraconstitucional (inúmeras leis, decretos, portarias, instruções e outros
documentos legais). Assim, as transferências apresentam variadas denominações, refletindo a
literatura do federalismo fiscal, o arcabouço jurídico nacional e os procedimentos
implementados cotidianamente por técnicos da área.
Tendo em vista a necessidade de harmonização, em 2014, a Casa Civil da Presidência
da República instituiu Grupo de Trabalho Transferências da União, cujo propósito foi
“desenvolver um ambiente centralizado e integrado que consolidasse as informações sobre as
transferências de recursos financeiros da União para Estados, Distrito Federal, Municípios e
organizações da sociedade civil, a fim de promover a transparência das ações executadas por
meio dessas transferências” (BRASIL, 2015b). Como resultado, foi criado um subgrupo de
trabalho, com a participação de representantes da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), do
Ministério da Fazenda, da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e da Secretaria de
Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), ambas do Ministério Planejamento, Orçamento
e Gestão (MPOG) e da Controladoria-Geral da União (CGU)69.
Em maio de 2015, o subgrupo de trabalho publicou Relatório de Atividades, que
apresentou uma tabela com uma classificação das transferências fiscais da União quanto aos
requisitos legais. Nesta perspectiva, as transferências podem ser classificadas quanto:
69
As informações utilizadas aqui sobre a classificação das transferências se sustentaram no documento O que
você precisa saber sobre as transferências fiscais da União – princípios básicos, produzido em 2015 pela STN
(BRASIL, 2015b).
214
30% para o Estado e 70% para o Município de origem. O IPVA constitui outro caso
em que a arrecadação é feita pelos Estados, e metade do valor arrecadado é devolvida
ao Município onde os veículos foram licenciados.
b) Redistributivas: transferências destinadas aos Entes Federativos com a finalidade de
promover o equilíbrio socioeconômico entre eles. O FPE e o FPM são transferências
repartidas com base em critérios populacionais e de renda, e representam receita
indispensável aos Estados e Municípios, especialmente aqueles mais pobres. Tais
transferências são igualmente essenciais para a promoção do equilíbrio fiscal e da
equalização fiscal dos Entes Federativos.
c) Compensatórias: transferências cuja finalidade é compensar a perda total ou parcial de
receita, do Ente Federativo, em virtude de alguma imunidade ou isenção tributária.
Um exemplo é o IPI-Exportação. As exportações no Brasil são isentas de impostos
como o IPI (federal) e o ICMS (estadual), visando aumento da competitividade dos
produtos no mercado internacional. Contudo, a desoneração gera perdas para os
Estados e Municípios e, por essa razão, a União promove repasse proveniente da
arrecadação do IPI, visando compensá-los, em proporção aos valores das exportações
procedentes dos seus territórios.
d) Indenizatórias: transferências com o intuito de oferecer compensação financeira aos
Entes Federativos pela exploração de recursos localizados em seus territórios. Os
royalties são um bom exemplo de transferências indenizatórias. No Brasil, são
cobrados royalties dos produtores de recursos minerais, sobre a exploração de recursos
hídricos com fins de produção de energia elétrica e dos produtores de petróleo. Pelo
fato de incidir sobre atividade que explora recursos finitos, esgotáveis no tempo, os
royalties procuram indenizar os Entes Federativos pelas perdas futuras, em
decorrência do esgotamento dessa exploração ou pelos impactos ambientais, bem
como atribuir recursos essenciais à criação e manutenção de infraestrutura exigida
para dar suporte às atividades.
e) Mantenedoras: são transferências cujo objetivo é financiar políticas prioritárias ou
assegurar o custeio de despesas públicas específicas. Os repasses para o FUNDEB são
exemplo dessas transferências.
Por fim, as transferências podem ainda ser separadas em duas categorias, quanto à
aplicação dos recursos: vinculadas e desvinculadas. As transferências são vinculadas porque
os recursos estão condicionados à aplicação em áreas específicas, como saúde, educação e
infraestrutura, como as transferências discricionárias e as transferências mantenedoras.
Algumas transferências obrigatórias são igualmente vinculadas, como o FUNDEB (como será
detalhado mais adiante) e a CIDE-Combustíveis. As transferências para Estados e Municípios
provenientes de parte da CIDE-Combustíveis – imposto sobre o consumo de derivados de
petróleo – estão vinculadas ao financiamento de projetos ambientais, subsídios ao etanol e
investimentos em infraestruturas de transporte. São transferências que combinam os critérios
de devolução e redistribuição. Os recursos das transferências discricionárias são igualmente
vinculados ao projeto para o qual foram destinados. Assim, os recursos devem ser utilizados
exclusivamente no financiamento das despesas do projeto.
218
As transferências desvinculadas, por sua vez, podem ser empregadas livremente pelo
ente beneficiário em qualquer tipo de despesa orçamentária, como despesas correntes e
despesas de capital. O FPE e o FPM se enquadram nessa categoria, à medida que os governos
beneficiários possuem autonomia para decidir sobre a utilização dos recursos.
70
Ou seja, arrecadação líquida = arrecadação bruta – deduções.
220
71
Por exemplo, para cada R$ 100,00 brutos a serem repassados, R$ 1,00 é descontado a título de PASEP e R$
20,00 são retidos para o FUNDEB, restando para o município R$ 79,00 líquidos de FPM.
72
O ITR foi instituído na Constituição de 1891, como sendo de competência estadual e assim permaneceu até
1967, quando a Constituição do regime militar manteve o imposto, mas transferiu a responsabilidade pela coleta
para a União, e sem repartição com os Entes Federativos.
225
fiscal, é impossível reduzir os valores transferidos pelo governo federal, visando equilibrar
suas contas. São também deficientes os critérios de redistribuição regional (entre regiões e
entre Municípios) de recursos fiscais pelo FPM. A fórmula utilizada acaba por apresentar um
viés acentuadamente favorável aos Municípios menos populosos, com aumento expressivo
das transferências per capita, comprometendo a capacidade do FPM de destinar recursos para
os Municípios mais pobres.
Os autores também questionam se o FPM pode ter entre os seus objetivos atenuar a
desigualdade regional. Na opinião deles, “é difícil utilizar uma transferência a Municípios
como instrumento de redução de desigualdades regionais. Esse tipo de objetivo parece ser
mais adequado para transferências feitas a níveis mais agregados de governo, como estados
ou regiões” (MENDES; MIRANDA; COSIO, 2008). Isso porque uma mesma região pode
abrigar Municípios com grande disparidade de nível de desenvolvimento e de capacidade
fiscal. Se os recursos são destinados para as regiões mais pobres via transferências aos
Municípios, há o risco de se prejudicar gravemente as municipalidades pobres situadas em
Estados ou regiões mais ricas. Além disso, a superação das desigualdades exige, sobretudo,
investimentos em infraestrutura, como transportes e comunicações, que não podem ser
atribuídos aos governos municipais, pelos seus impactos em várias localidades, mas sim aos
níveis superiores de governo. Por fim, eles sugerem que as transferências incondicionais para
os Municípios, como o FPM, devem eliminar o seu enfoque redistributivo, tanto regional
quanto pessoal, e focar tão somente a redução do hiato fiscal, priorizando a distribuição de
recursos para as localidades em que existe maior hiato entre a capacidade fiscal e a demanda
economicamente viável por bens e serviços públicos. Ou seja, os critérios devem contemplar,
por um lado, a indicação da capacidade de arrecadação do Município e, por outro, a demanda
viável por serviços públicos existente nesse Município.
As ideias de Mendes, Miranda e Cosio convergem com as de Bird (2006), conforme já
destacado, que igualmente questionam a efetividade do uso de transferências
intergovernamentais para promover combate a pobreza e redução das disparidades regionais.
Entretanto, tais argumentos devem ser qualificados. Em primeiro lugar, a oferta de serviços
públicos cumpre o propósito de garantir maior equidade. O acesso aos serviços públicos de
boa qualidade representa um meio de se promover a inclusão social e a cidadania, e, portanto,
a redução da desigualdade interpessoal. Em segundo lugar, as disparidades de renda entre as
regiões são condicionadas, em parte, pela menor capacidade de oferta de serviços públicos
pelos governos das jurisdições mais pobres. Assim, equalizar as capacidades de oferta de
231
serviços públicos gera inegáveis reflexos sobre as disparidades regionais. Por último, a
pobreza também pode ser medida pelo precário acesso aos serviços públicos, muitos deles
oferecidos por Municípios que enfrentam sérias restrições fiscais para ofertá-los.
73
De acordo com dados do Government Finance Statistics (GFS)/FMI.
74
O ICMS é um Tributo Não Cumulativo. São incluídos nessa categoria, os tributos de base ampla, que visam
gravar o valor agregado e, portanto, dispõem de mecanismos que possibilitam a desoneração, nas etapas
posteriores, dos tributos pagos nas etapas anteriores (BRASIL, 2015a).
232
situações. A lei, contudo, preservou 4,68% dos recursos para serem distribuídos respeitando o
VAF, considerado como “resíduo”.
Após 1995, algumas alterações nos percentuais de distribuição foram introduzidas.
Contudo, somente em 2009, com a Lei Estadual no 18.030, houve uma mudança consistente,
com a diminuição do peso econômico em favor de critérios sociais, configurando o “ICMS
Solidário”, após grande debate promovido pela Assembleia Legislativa, além da inclusão de 6
novos critérios. As principais modificações trazidas pela Lei do ICMS Solidário foram:
a redistribuição dos 4,68% que eram distribuídos com base no VAF, de forma a
contribuir para a redução das desigualdades regionais e socioeconômicas;
a correção de distorções existentes na Lei Robin Hood, que interferiam na
justiça da distribuição de alguns critérios e inviabilizavam o cumprimento do
objetivo de incentivar a execução de políticas públicas;
a ampliação do leque de políticas públicas a serem incentivadas e o
aprimoramento da forma de incentivo daquelas políticas públicas já
contempladas (ALMG, 2011).
I – Valor Adicionado Fiscal (VAF) (75%): distribuído conforme o VAF municipal, que
considera o movimento econômico do Município.
II – Área geográfica (1,00%): o critério abarca todos os Municípios, mas se propõe a
beneficiar aqueles com maior área geográfica. É calculado com base na relação
percentual entre a área geográfica do Município e a área total do Estado, informadas
pelo Instituto de Geociências Aplicadas (IGA).
III – População (2,70%): o critério também abrange todos os Municípios, mas favorece
aqueles com maior população. Os índices são calculados considerando a relação
percentual entre a população residente no Município e a população total do Estado,
medida segundo dados do IBGE.
IV – População dos cinquenta Municípios mais populosos (2,00%): reserva recursos para
compensar os Municípios maiores pelas despesas com prestação de serviços que
favorecem habitantes dos Municípios vizinhos. Os índices são calculados observando
a relação percentual entre a população residente em cada um dos cinquenta Municípios
mais populosos do Estado e a população total desses Municípios, medida segundo
dados do IBGE.
V – Educação (2,00%): visa estimular a capacidade de atendimento da rede municipal de
educação básica. Os índices são calculados tomando por base a relação entre o número
de alunos atendidos na rede municipal de ensino – considerando as matrículas em
todos os níveis e modalidades da educação básica – e a sua capacidade mínima de
atendimento. O recebimento de recursos pelos Municípios exigirá o alcance de pelo
menos 90% da sua capacidade mínima de atendimento.
235
75
Conforme matéria publicada no sítio da internet da ALMG. Disponível em:
<http://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2014/05/27_avaliacao_icms_solidario.html>. Acesso
em: 04 jun. 2016. Matéria também foi publicada pelo Jornal O Estado de Minas. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2015/08/31/interna_politica,683468/governo-de-minas-prepara-
projeto-para-mudar-lei-robin-hood.shtml>. Acesso em: 04 jun. 2016.
238
regiões Central, Triângulo, Alto Paranaíba e Noroeste. Mas em todas as regiões, Municípios
que apresentavam historicamente uma participação média reduzida na arrecadação, foram
contemplados com os novos critérios, anulando assim os argumentos que salientam o
confronto inter-regional, que opõe regiões ricas a pobres. Desses 709 Municípios
beneficiados, 108 receberam 10% a 50% mais no repasse de ICMS; 279 Municípios
receberam de 5% a 10% a mais e 322 receberam até 5% a mais do que teriam recebido com a
lei anterior. O ganho relativo dos Municípios favorecidos com os novos critérios foi bem
superior à perda relativa dos Municípios que cederam recursos – 144 Municípios, cuja
redução máxima foi de 8,2%, comparativamente ao ganho que poderia ter sido obtido com a
lei anterior. Entretanto, nem sempre os Municípios com atividade econômica mais dinâmica
foram penalizados, à medida que muitos deles implementaram políticas públicas incentivadas
pela nova lei e, por essa razão, foram compensados com o aumento dos repasses associados
aos outros critérios incluídos na nova lei, ou tiveram as perdas atenuadas.
Em agosto de 2015, o Governador de Minas Gerais anunciou que encaminhará Projeto
de Lei propondo alterações na Lei do ICMS Solidário, visando alcançar uma melhor
distribuição, beneficiando os Municípios que recebem menos. A mudança na lei está
amparada pelo mencionado estudo da ALMG, que também assinalou que alguns dos critérios
atualmente utilizados para determinar os repasses são ineficientes e torna-se necessário
simplificá-los ou eliminá-los. Foram avaliados 17 critérios, com a indicação de que 12
mostraram pelo menos 1 ponto fraco e 5 foram reprovados em três quesitos de análise. Os
critérios foram examinados considerando aspectos como o nível de aderência às políticas
públicas, a capacidade de governança municipal e o nível de qualidade da distribuição de
recursos. O Estudo mostrou, por exemplo, que os Municípios mais ricos são os mais
favorecidos nos critérios que incentivam a implementação de políticas na área da educação,
saúde, patrimônio cultural e turismo, em virtude da sua maior capacidade de investimento
nessas áreas, à medida que são mais beneficiados pela distribuição da parcela impositiva de
75% baseada no VAF.
Como apresentado, as transferências no Brasil foram progressivamente cumprindo
requisitos recomendados pela teoria normativa das finanças públicas, bem como pela prática
de outros países. Em primeiro, como instrumento para promover a equalização fiscal,
atenuando os desequilíbrios fiscais. Em segundo, especialmente após 1988, como mecanismo
para equalizar o gasto em determinadas áreas, definir padrões mínimos em âmbito nacional e
influenciar as prioridades locais, como, por exemplo, tem sido as transferências para o SUS e
239
para o FUNDEB. Por fim, algumas transferências também têm sido orientadas para
compensar pela disseminação de benefícios ou externalidades e para promover investimentos
em infraestrutura, como forma de suprir a crônica deficiência de recursos dos governos
subnacionais, notadamente dos Municípios.
I – Impostos:
a) de licença de localização;
b) de licença de funcionamento em horário normal e especial;
c) de licença para o exercício da atividade de comércio ambulante;
d) de licença para execução de obras particulares;
e) de licença para publicidade.
a) de coleta de lixo;
b) de esgoto.
240
IV – Contribuições:
Para efetivar integralmente a sua competência tributária e ter controle total do produto
da arrecadação, cada Município deve regulamentar por lei, instituindo Código Tributário
próprio, a cobrança dos referidos tributos em seu território, de modo coerente com o que
prevê a Constituição e o CTN (AFONSO; ARAUJO; NÓBREGA, 2013).
O ISS incide sobre a prestação de serviços a terceiros, por empresa ou profissional
autônomo, com ou sem estabelecimento fixo. Mesmo sendo imposto atribuído ao Município,
o ISS é regulamentado em âmbito nacional por meio da LC no116/03, que estabelece os tipos
de serviços que podem ser tributados pelos Municípios, bem como as alíquotas mínima e
máxima. A lei também retira da jurisdição municipal a competência pela cobrança do Imposto
Sobre os Serviços de Transporte (Interestadual e Intermunicipal) e de Comunicação, delegada
aos Estados. O preço do serviço prestado pelo contribuinte é a base de cálculo do ISS, cuja
alíquota aplicada pode variar de um mínimo de 2% até um valor máximo de 5%, conforme
estabelecido na legislação de cada Município (AFONSO; ARAUJO; NÓBREGA, 2013).
Pelo maior dinamismo do setor de serviços, que ocupa papel crescente na atividade
econômica das médias e grandes cidades, a arrecadação de ISS representa uma fonte
importante de receita tributária. Para Afonso, Araujo e Nóbrega (2013), “é menos custoso
para o administrador municipal cobrar ISS do que IPTU. O ISS não onera diretamente
nenhum segmento específico, mas toda sociedade através do recolhimento efetuado pelos
prestadores de serviços, que repassam o ônus fiscal ao sistema de preços”. Por conseguinte, o
custo político do esforço fiscal orientado para ampliar a receita e reduzir a sonegação do ISS é
muito menor que o do IPTU.
Albuquerque (1998) salienta que a eficiência da arrecadação do ISS atenua a
necessidade da ação fiscalizadora e da organização interna municipal. Pelo fato de ser um
imposto auto-lançável, à medida que o próprio contribuinte que declara o valor de sua receita
bruta, calcula o valor do imposto e o paga, torna-se mais susceptível à sonegação.
Consequentemente, apenas através da ação fiscalizadora do Município será possível apurar a
sonegação. Ademais, para diversos ramos de atividade econômica inexistem parâmetros de
comparação, dificultando assim a sua apuração quando realizadas as verificações fiscais.
241
1) Instrumento para impedir a retenção especulativa de terrenos urbanos e que pode ser
utilizado para diminuir o valor dos terrenos, especialmente na América Latina, região
cujo mercado de terras é caracteristicamente monopolista, em que os proprietários têm
poder para determinar preços superiores aos verificados em regiões mais ricas do
mundo;
2) Incide sobre um bem de elevado valor econômico para as famílias;
3) Permite a captura de mais-valias geradas pelos investimentos públicos que são
determinantes para a valorização dos imóveis. Ou seja, o investimento público em
infraestrutura e serviços promove a valorização dos imóveis, justificando assim a
captura de parte desta valorização por meio da cobrança do imposto sobre
propriedade, direcionando os recursos para as regiões da cidade que carecem de tais
investimentos;
4) É fonte de receita previsível e estável para o financiamento das despesas municipais,
especialmente em infraestrutura urbana e em serviços públicos, que têm efeitos
positivos sobre a valorização dos imóveis;
5) É um imposto progressivo que pode incidir sobre o patrimônio das pessoas mais ricas,
que se utilizam de artifícios para fugir da tributação sobre a renda;
6) Ocupa um papel simbólico no processo de descentralização fiscal, à medida que o
imposto sobre propriedade imobiliária habitualmente é o primeiro a ser delegado aos
Municípios.
urbanos. No regime militar, o novo CTN definiu o IPTU como um importante meio de
obtenção de receita tributária para o Município. A CF de 1988, por sua vez, buscou ampliar as
funções do IPTU, atribuindo-lhe objetivos extra-fiscais, em especial o de ser um instrumento
acessório no planejamento urbano, além de permitir a sua cobrança progressiva (DE
CESARE, 2002 e 2004; CARVALHO JR., 2006 e 2009).
O IPTU onera os proprietários de imóveis localizados na área urbana do Município, o
que o caracteriza com um tributo tipicamente local. A base de cálculo do imposto é o valor
venal do imóvel, que corresponde ao somatório do valor do terreno com o valor atribuído à
edificação. Para tanto, o administrador municipal deve manter um cadastro imobiliário
atualizado, com informações precisas que podem ser utilizadas para uma correta avaliação do
imóvel, considerando as condições de mercado. O montante do imposto devido é apurado por
meio da aplicação de uma alíquota ao valor venal do imóvel. De modo distinto do ISS, que
possui alíquotas mínima e máxima estipuladas por lei nacional, as alíquotas do IPTU são
determinadas respeitando a legislação de cada Município. Conforme o Município, as alíquotas
podem variar de acordo com o tipo de imóvel: residencial, comercial, industrial e terreno.
Embora inexista um percentual padrão, as alíquotas mais praticadas pelos Municípios são: 1%
para imóveis construídos e 2% ou 3% para terrenos (AFONSO; ARAUJO; NÓBREGA,
2013).
Dispositivos constitucionais autorizam a aplicação do princípio da progressividade
fiscal na cobrança do IPTU. Tal princípio recomenda que propriedades melhor localizadas e
que usufruem de infraestrutura básica bem desenvolvida, sofram maior incidência do IPTU. A
progressividade permite a redistribuição, de tal modo que, ao onerar as propriedades mais
valorizadas, o produto da arrecadação seja destinado ao investimento em áreas mais carentes
da cidade, por meio da provisão ou melhoria da qualidade dos serviços de esgoto, água, luz,
asfalto, entre outros. Entretanto, raramente o princípio da progressividade é respeitado. Além
disso, o IPTU é mal aproveitado como fonte de receita e a sua finalidade extra-fiscal é quase
sempre desconsiderada. Diferentemente do ISS, que tem a sua base de cálculo incidindo sobre
o preço cobrado pelos contribuintes na prestação de seus serviços, no caso do IPTU, a fixação
das alíquotas e os critérios de avaliação dos imóveis depende da decisão administrativa que
muitas vezes sofre mais influência política do que técnica (AFONSO; ARAUJO; NÓBREGA,
2013).
A arrecadação do IPTU envolve dificuldades adicionais associadas a sua condição de
tributo direto, cuja cobrança habitualmente provoca no contribuinte a necessidade de
243
de modo efetivo o IPTU como instrumento para regular o uso e ocupação de solos urbanos
(CARVALHO JR., 2006).
No Brasil, apesar do amparo legal, o IPTU é inexplorado tanto como fonte de
recursos, como instrumento de política urbana. Em 1970, a arrecadação de IPTU representava
0,32% do PIB, elevando-se para 0,44% do PIB em 1991 e alcançou 0,51% do PIB em 2014
(AFONSO e VILLELA, 1994; COSSIO, 1998; BRASIL, 2015a).
O Gráfico 1 mostra que a participação do imposto sobre propriedade imobiliária no
Brasil – tendo o IPTU um papel preponderante – é bem menor que o registrado em outros
países. Por exemplo, em 2009 alcançou cerca de 3% do PIB nos Estados Unidos, enquanto
representava 0,39% do PIB no Brasil, um dos mais reduzidos entre os países contemplados no
Gráfico.
O ITBI, por sua vez, tem como fato gerador a transmissão, por ato oneroso, de bens
imóveis, ficando excluídos do cálculo os bens transmitidos por sucessão (causa mortis) ou
245
doação – quando será cobrado o ITCMD – de competência dos Estados e do Distrito Federal.
Ou seja, enquanto o ITBI incide sobre transmissão de bens imóveis a título oneroso, o
ITCMD afeta a transmissão a título gratuito (não oneroso) de bens, por meio de herança ou
doação. Cada Município possui a prerrogativa de definir as regras para a cobrança do imposto
por meio de legislação própria. A base de cálculo do imposto é o valor de mercado dos bens
ou direitos transmitidos e o contribuinte é qualquer das partes na operação tributada, como
dispuser a lei municipal. A alíquota utilizada é fixada em lei ordinária do Município
competente, e geralmente oscila entre 2 e 3% do valor declarado ou estimado pelo poder
público, e pode incidir tanto na transmissão de imóveis urbanos quanto rurais. Ao contrário do
IPTU, a finalidade do ITBI é puramente fiscal, como fonte de recursos para os Municípios,
inexistindo, assim, possibilidade do seu uso como instrumento acessório de política urbana.
Conforme Afonso, Araújo e Nóbrega (2013), à medida que a cobrança ITBI está
condicionada à ocorrência das transações que constituem seu fato gerador, a sua arrecadação
constitui uma fonte instável de recursos para a administração municipal. Mesmo que a
probabilidade de sonegação do imposto seja menor que a verificada com o IPTU, pois a
escrituração do imóvel depende do recolhimento do imposto, é frequente a subdeclaração do
valor da transação, especialmente naqueles Municípios cujo poder público carece de equipes
qualificadas para promover a adequada avaliação dos imóveis. Entretanto, a realização da
avaliação é mais simples e depende somente da decisão técnica da prefeitura, dispensando a
interferência política da Câmara Municipal.
Os Municípios podem ainda ficar com o produto da arrecadação do IRRF, incidente
sobre os rendimentos pagos, a qualquer título, pela administração direta municipal. Portanto, a
competência sobre o imposto permanece no âmbito federal, mas a valor retido sobre as
remunerações pagas pertence ao Município onde ocorre a retenção, e o volume da
arrecadação reflete, sobretudo o nível da remuneração dos servidores públicos municipais
(AFONSO; ARAÚJO; NÓBREGA, 2013).
Os Municípios brasileiros cobram ainda variadas taxas pela prestação de diversos tipos
de serviços, como limpeza e iluminação públicas, conservação de vias e emissão de cópia de
documentos, de alvarás e de licença para obras. As referidas taxas apresentam “como fato
gerador o exercício do poder de polícia (fiscalização) ou a utilização de serviço público,
específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição” (AFONSO;
ARAÚJO; NÓBREGA, 2013). Os Municípios têm competência para definir as taxas, de
acordo com o Código Tributário Municipal ou legislação específica, aprovados pela Câmara
246
de Vereadores. O grau de liberdade usufruído pelos Municípios para a instituição de taxas tem
como efeito o surgimento de questionamentos judiciais em razão da ausência de clareza
quanto à divisibilidade dos serviços que dão origem a respectiva cobrança.
A contribuição de melhoria, por sua vez, tem como fato gerador a valorização do
imóvel em virtude da realização de obra pública, cuja fundamentação está na necessidade do
poder público recuperar as despesas realizadas em benefício de um proprietário ou grupo de
proprietários privados de imóveis. A contribuição se destina exclusivamente ao ressarcimento
do investimento realizado pelo Município. Entretanto, são raros os Municípios que se utilizam
desse expediente, por causa da complexidade da sua cobrança, que exige de uma clara
definição da zona de influência favorecida por determinada obra, da comprovação da
valorização imobiliária e da estimação precisa da parcela dessa valorização provocada pelo
investimento público, para se evitar questionamentos judiciais. Estas tarefas são de difícil
execução pela maioria dos Municípios brasileiros (AFONSO; ARAÚJO; NÓBREGA, 2013).
Em 2014, o ISS representou 48,31% da arrecadação municipal (1,00% do PIB), o
IPTU, 24,63% (0,51% do PIB), o ITBI, 9,7% (0,20% do PIB), as Contribuições para o
Regime Próprio Previdência Municipal, 7,25% (0,15% do PIB) e os Outros Tributos
Municipais, 10,14% (0,21% do PIB). Isto é, ISS, IPTU e ITBI responderam por 82,64% das
receitas municipais, mostrando que as outras fontes, como taxas e contribuições de melhoria,
possuem papel marginal (BRASL, 2015a).
247
5 METODOLOGIA
76
Um distúrbio nos dados que provoca o rompimento do pressuposto da análise de regressão linear pelo método
dos mínimos quadrados ordinários (MQO) sobre a independência das observações.
77
Local indicators of spatial association (LISA).
248
78
Bivand (2010) afirma que a ESDA utilizada na Estatística Espacial, Econometria e Geoestatística Espaciais,
foi desenvolvida a partir da exploratory data analysis (EDA).
249
estatística que tem a ver com os problemas especiais associados com dados geograficamente
distribuídos, que incluem padrões espaciais de pontos, medições regionais de agregações e de
rede, e medições específicas do local irregularmente espaçado em uma superfície”
(GRIFFITH; PAELINCK, 2011). Na perspectiva dos autores, a Estatística Espacial aborda os
padrões e a variação estocástica em dados de atributos através de suas localizações
geográficas, uma vez que tais dados devem possuir marcas geográficas (como o
georreferenciamento, por meio de coordenadas de longitude e latitude).
Wade e Sommer (2006) igualmente definem Estatística Espacial como:
[...] o campo de estudo sobre métodos estatísticos que usam o espaço e as relações
espaciais (como a distância, área, volume, comprimento, altura, orientação,
centralidade e/ou outras características espaciais dos dados) diretamente em seus
cálculos matemáticos. Estatísticas espaciais são usadas para uma variedade de
diferentes tipos de análises, incluindo a análise de padrões, análise de forma,
modelagem de superfície e predição de superfície, regressão espacial, comparações
estatísticas de conjuntos de dados espaciais, modelagem estatística e predição de
interação espacial, e muito mais. Os vários tipos de estatísticas espaciais incluem
estatísticas descritiva, inferencial, exploratória, geoestatística e econométrica
(WADE; SOMMER, 2006).
yi ↔ yj (2)
80
“A premissa fundamental é a de que o termo de erro tem variância constante em todos os locais, e covariância
zero entre seu erro específico de localização - presença de autocorrelação espacial diferente de zero viola esta
segunda propriedade. Enquanto isso, a heterogeneidade espacial viola a suposição de Gauss-Markov que uma
única relação linear existe em todos os locais” (GRIFFITH; PAELINCK, 2011).
253
a força da interdependência entre os valores de uma variável específica com referência a uma
localização espacial. A correlação espacial pode ser positiva, nula ou negativa. Uma medida
de autocorrelação espacial positiva mostra a similaridade entre os valores do atributo estudado
e da localização espacial do atributo, de tal modo que, elevados valores de uma variável de
interesse tendem a estar cercados por elevados valores desta variável em regiões vizinhas e/ou
baixos valores da variável de interesse tendem a estar cercados por baixos valores desta
variável em regiões vizinhas. Um padrão de distribuição dessa natureza evidencia um efeito
de contágio ou efeito de transbordamento de um fenômeno em estudo. A autocorrelação
espacial negativa, por sua vez, indica a existência de dissimilaridade entre os valores do
atributo estudado e da localização espacial do atributo. Dessa forma, a autocorrelação espacial
negativa revela que um elevado valor da variável de interesse de uma região tende a estar
cercado por baixos valores desta mesma variável nas regiões vizinhas e/ou um baixo valor da
variável de interesse da região tende a estar cercado por elevados valores desta variável de
interesse em regiões vizinhas. Padrões aleatórios indicam zero de autocorrelação espacial,
uma vez que os dados aleatórios independentes e identicamente distribuídos são invariantes
em relação à sua localização espacial (GANGODAGAMAGE; ZHOU; LIN, 2008,
ALMEIDA, 2012).
Portanto, a autocorrelação espacial permite assinalar a concentração ou dispersão dos
valores de uma variável no espaço. As distribuições das observações podem ser: 1) aleatória:
qualquer ponto tem a mesma probabilidade de ocorrer em qualquer local, e a posição de
qualquer ponto não é afetada pela posição de qualquer outro ponto. Consequentemente,
inexiste uma causa que explique a distribuição; 2) uniforme ou não aleatória: cada ponto está
tão longe de todos os seus vizinhos quanto possível; e 3) cluster (agrupada/aglomerada):
muitos pontos estão aglomerados e, há grandes áreas onde poucos estão localizados. Quando
agrupamentos estatisticamente significativos são identificados, são oferecidas pistas
importantes sobre os motivos que levaram à formação de tais agrupamentos. Isto é, um cluster
espacial corresponde a qualquer agregado de ocorrências cuja origem não seja casual, sendo,
pois, passível de detecção por meio de técnicas apropriadas de Estatística Espacial.
Outro efeito importante que está associado à heterogeneidade espacial. De acordo com
Sankey (2008), um processo espacial é chamado estacionário ou homogêneo se as
propriedades estatísticas dos valores dos atributos são independentes da localização. Em
outras palavras, a média e a variância dos valores dos atributos observados em diferentes
locais em toda a região de estudo são constantes. Por exemplo, a precipitação pode não variar
255
Um modelo calibrado com conjuntos espacialmente limitado de dados é um modelo local que
produz estimativas dos parâmetros locais. Estatísticas locais e globais diferem em vários
aspectos. Estatísticas globais são tipicamente de valor único: os exemplos incluem um valor
médio, desvio padrão e uma medida da autocorrelação espacial em um conjunto de dados.
Estatísticas locais têm diversos valores: diferentes valores da estatística podem ocorrer em
distintos locais dentro da região de estudo. Cada estatística local é uma medida do atributo ou
relação a ser examinada na proximidade de um local dentro da região de estudo: como esta
localização muda, a estatística local pode assumir valores diferentes. Consequentemente, as
estatísticas globais não são mapeáveis (unmappable) sendo, por conseguinte, hostis aos SIG’s
(“GIS-hostil”), o que significa que não são propensas a serem analisadas dentro de um SIG’s,
porque elas consistem em um único valor. Estatísticas locais, por outro lado, podem ser
mapeadas e ainda examinadas dentro de um SIG. Por exemplo, é possível produzir um mapa
de estimativas de parâmetros locais mostrando como uma relação varia ao longo do espaço e,
em seguida, investigar o padrão espacial das estimativas locais para estabelecer algum
entendimento das possíveis causas deste padrão. De fato, uma vez que um grande número de
estimativas de parâmetros locais pode ser produzido, é quase essencial mapeá-las, a fim de
dar algum sentido ao padrão que exibem. Estatísticas locais são, assim, estatísticas espaciais
considerando que as estatísticas globais são não espaciais (aspatial) ou espacialmente
limitadas. Por sua natureza, as estatísticas locais enfatizam as diferenças através do espaço
enquanto as estatísticas globais enfatizam semelhanças através do espaço.
Fotheringham, Brunsdon, e Charlton (2002) salientam ainda que os cientistas sociais
têm sido confrontados com uma questão difícil e um dilema potencial relacionado a existência
ou não de “leis” que regem os processos sociais, e na sua ausência, fica o questionamento
quanto a validade da abordagem quantitativa. O problema é mais claramente visto como dois
subproblemas. O primeiro, é que os modelos em ciências sociais não possuem a mesma
exatidão daqueles empregados em outras ciências. O segundo, é que os resultados obtidos a
partir de um sistema pode raramente, ou nunca, ser replicados exatamente em outro. Uma
variável explicativa pode ser altamente relevante em uma aplicação, mas aparentemente
irrelevante em outra; parâmetros que descrevem a mesma relação podem ser negativos em
algumas aplicações, mas positivos em outras; e o mesmo modelo pode replicar dados com
precisão em um único sistema, mas não em outro. Estas questões definem as ciências sociais
além de outras ciências, em que o objetivo de alcançar uma afirmação global de
relacionamentos é uma forma mais realista. Os processos físicos tendem a ser estacionários
257
enquanto os processos sociais, muitas vezes não são. Por exemplo, na física, a famosa relação
referente a energia e massa, E = mc2, será a mesma, não importa onde a medição ocorra: não
há uma relação em separado, dependendo do país ou cidade onde seja realizada. Processos
sociais, por outro lado, parecem ser não estacionários: a medição de uma relação depende, em
parte, do lugar em que a medição é feita. Qualquer relação que não é estacionária sobre o
espaço não será representada muito bem por uma estatística global e, na verdade, este valor
global pode ser muito enganador localmente. Por essa razão, torna-se útil especular sobre
porque os relacionamentos podem variar ao longo do espaço, por meio do desenvolvimento
de métodos estatísticos locais.
Por fim, Fotheringham, Brunsdon, e Charlton (2002) acrescentam que embora as
estatísticas para medir o grau de dependência espacial em um conjunto de dados tenham sido
formuladas há quase três décadas (CLIFF; ORD 1972, HAINING, 1979), até muito
recentemente estas estatísticas só foram aplicadas globalmente. Normalmente, uma única
medida estatística é calculada para descrever um grau geral de dependência espacial em todo
o conjunto de dados. Recentemente, no entanto, as estatísticas locais para este fim têm sido
desenvolvidas por Getis e Ord (1992), Ord e Getis (1995, 2001), Anselin (1995, 1998) e
Rogerson (1999).
As estatísticas de autocorrelação global permitem testar a hipótese de que existe uma
associação significativa de valores entre as regiões vizinhas, contra a hipótese nula de que a
variável é distribuída de forma completamente aleatória no espaço. Dentre as estatísticas
globais mais utilizadas estão Índice Global de Moran I e G(d), de Getis e Ord. Contudo, nas
situações em que predomina uma instabilidade significativa na distribuição espacial da
variável sob estudo (processos não estacionários espacialmente), as estatísticas globais são
insuficientes. Por essa razão, é necessário o emprego de forma complementar das chamadas
estatísticas locais, como análise de clusters e outliers (Índice Local de Moran I) e Análise de
Hot Spots (Índice Getis-Ord Gi*). Para Fotheringham, Brunsdon e Charlton (2002), a
estatística local permite que as diferentes tendências na distribuição de uma variável possam
existir no espaço. Em algumas partes da área de estudo, por exemplo, valores elevados podem
ser agrupados; em outras partes, pode haver uma mistura de valores altos e baixos. Estas
diferenças não seriam aparentes para o cálculo de uma estatística global.
258
A espacialização dos resultados por meio de SIG teve por intuito estimar a
autocorrelação espacial e identificar clusters e outliers espaciais entre os Municípios. Para
tanto, foi realizada análise exploratória (ESDA), que permitiu descrever a distribuição
espacial, assinalar a existência de padrões de associação espacial (clusters espaciais), bem
como a ocorrência e as formas de instabilidade espacial (ALMEIDA, 2004 e 2012). Ou seja, a
análise espacial possibilitou a compreensão dos efeitos decorrentes da dependência espacial e
da heterogeneidade espacial82.
O primeiro passo envolveu o cálculo do Índice Global de Moran I, que corresponde a
uma extensão espacial do Índice de Correlação linear de Pearson, como se segue:
n n
n
wij ( yi Y )( y j Y )
i 1 j 1
I n 2
(4)
( yi Y )
So
i 1
81
Sobre tais indicadores, vide Rogerson (2001), Lloyd (2010), Wang (2015) e Oyana e Margai (2016). Vide
ainda <http://help.arcgis.com>.
82
Sobre a metodologia de análise espacial vide Almeida (2004), Lesage e Pace (2009), Leung (2010), Cisalpino
(2010) e Souza, Silva e Martins (2011).
259
n n
S o wij (5)
i 1 j 1
onde:
n corresponde ao número de regiões;
yi é o valor do atributo considerado na região i;
Ȳ representa o valor médio do atributo na região de estudo;
wij são os pesos atribuídos conforme a conexão entre as regiões i e j;
So é o agregado de todos os pesos espaciais.
A maioria dos testes estatísticos começa por identificar uma hipótese nula. A hipótese
nula para a ferramenta é a completa aleatoriedade espacial (CSR), seja das entidades ou dos
valores associados a essas entidades. O valor de p é uma probabilidade. Para a ferramenta,
existe uma probabilidade de que o padrão espacial observado é criado por um processo
aleatório. Quando o valor p é muito pequeno, isso significa que é baixa a probabilidade de que
o padrão espacial observado seja o resultado de processos aleatórios, sendo possível, portanto,
rejeitar a hipótese nula. Os escores z são simplesmente o número de desvios-padrão. Se, por
exemplo, uma ferramenta retorna um escore z de +2,5, é possível interpretá-lo como 2,5
desvios-padrão. Tanto as escores z como os valores p estão associados com a distribuição
normal padrão, como mostrado na Figura 383. Os escores z muito altos ou muito baixos
(negativos), associados a valores muito pequenos de p estão nas caudas da distribuição
normal. Quando se executa a ferramenta de análise de padrão e são produzidos pequenos
valores de p e muito alto ou muito baixo escore z, isso indica que é improvável que o padrão
espacial observado reflita o padrão aleatório teórico representado pela hipótese nula (CSR).
83
Conforme informações contidas em: Disponível em:
<http://resources.arcgis.com/en/help/main/10.1/index.html#/What_is_a_z_score_What_is_a_p_value/005p00000
006000000/>. Acesso em: 25 jun. 2016.
261
yi Y n
Ii wij ( y j Y )
2
(6)
S i
j 1, j i
onde:
yi é o valor do atributo considerado na região i;
Ȳ representa o valor médio do atributo na região de estudo;
wij são os pesos atribuídos conforme a conexão entre as regiões i e j, e:
wij
j 1, j i
Y
2
S i
n 1
(7)
I i E[ I i ]
zI i (8)
V [ Ii ]
onde:
wij
E[ I i ] j 1, j i (9)
n 1
V [ Ii ] E[ Ii2 ] E[ Ii ]2 (10)
262
84
Conforme informações contidas em:
http://help.arcgis.com/es/arcgisdesktop/10.0/help/index.html#/na/005p0000000z000000/
263
valores baixos (HL) ou característica com um valor baixo cercada por características com
valores elevados (LH)85.
O terceiro passo envolveu o cálculo do Índice Getis-Ord G*i. O Índice permite
identificar hot spots, determinando assim se existe algum clustering estatisticamente
significativo no padrão espacial dos dados, ao mesmo tempo em que permite localizar as
regiões onde determinado fenômeno ocorre com maior incidência. Ou seja, a estatística
possibilita mapear os pontos quentes (clusters de valores elevados ou hot spots) e pontos frios
(clusters de valores baixos ou cold spots). A formulação matemática da estatística Getis-Ord
Gi * é dada por:
n n
w j 1
i, j y j Y wi , j
j 1
G
*
i (11)
2
n n
n wi2, j wi , j
s
j 1 j 1
n 1
onde:
yj
j 1
Y
n
(12)
y 2
j
S
j 1
n
Y 2
(13)
85
Uma forma alternativa de se visualizar o Índice Local de Moran I é por meio do diagrama de espalhamento,
que mostra o grau de similaridade entre vizinhos. Entretanto, tal metodologia não será abordada no presente
trabalho.
264
A estatística G*i é um escore z, por isso, nenhum cálculo adicional é exigido. Para ser
estatisticamente significativo, o ponto quente ou frio será cercado por características com
valores semelhantes, mas tem valores significativamente maiores/menores do que seus
vizinhos. Ou seja, a estatística G*i nos dá o quanto as médias locais estão distantes da média
global, pois a estimativa da média é uma simulação da situação em que todos os vizinhos
possuem a média global.
A Análise de Hot Spot do Arcgis calcula o Índice Getis-Ord G*i para cada
característica de um conjunto de dados. O escore z resultante mostra onde os locais com
valores altos ou baixos se agrupam espacialmente. A ferramenta do Arcgis funciona
observando cada função dentro do contexto das características (features) dos vizinhos. Uma
característica com um alto valor é interessante, mas pode não ser um hot spot estatisticamente
significativo. Para ser um hot spot estatisticamente significativo, uma característica precisa ter
um valor alto e estar cercada por outras com valores igualmente altos. A soma local para uma
característica e os seus vizinhos é comparada proporcionalmente à soma de todas as
características; quando a soma local é muito diferente da soma local esperada, e a diferença é
muito grande para ser um resultado aleatório, como consequência, se obtém um escore z
estatisticamente significativo.
Os escores z e os valores p são medidas de significância estatística, indicando se a
hipótese nula é rejeitada, característica por característica. De fato, indicam se a aglomeração
espacial de valores similares observadas é mais acentuada do que o esperado em uma
distribuição aleatória desses mesmos valores. Um elevado escore z e um pequeno valor p para
uma entidade indicam uma aglomeração espacial de valores elevados. Um escore z negativo
baixo e um valor p pequeno indicam uma aglomeração espacial de valores baixos. Quanto
mais alto (ou mais baixo) é o escore z, mais intensa será a aglomeração. Um escore z próximo
de zero indica que não há aglomeração espacial evidente.
A hipótese nula para a ferramenta da estatística G*i da análise de hot spot, do Arcgis,
afirma que os valores das características são distribuídos aleatoriamente entre os locais da
área de estudo. Depois de executar a ferramenta de análise Hot Spot, cada local recebe um
escore z. O escore z é simplesmente uma medida do número de desvios-padrão; é um valor de
referência associado a uma distribuição normal. Um escore muito alto ou muito baixo
(negativo) é encontrado nas caudas da distribuição normal. Quando há um escore z muito alto
ou muito baixo (negativo), existe um padrão que se desvia significativamente de um padrão
aleatório hipotético e, consequentemente, deve-se rejeitar a hipótese nula. Tal fato fornece
265
elementos muito consistentes para se prosseguir na tentativa de descobrir o que pode estar
causando o agrupamento estatisticamente significativo.
86
Sobre matrizes de ponderação espacial, vide Almeida (2012).
266
de parâmetros tem seu poder diminuído. Por sua vez, Kooijman (1976) aposta na matriz de
vizinhança que maximiza o Índice Global de Moran.
Certamente, as motivações do pesquisador também afetam a decisão sobre qual a
matriz escolher, que pode ajustá-la ao perfil dos dados – como na circunstância envolvendo a
maximização do Índice Global de Moran – ou, ainda, pelo desejo de detectar padrões em
escalas específicas. Na primeira situação, o processo é meramente iterativo, aplicando várias
matrizes aos dados até encontrar aquele que oferece o melhor padrão. Na segunda, se o
propósito é verificar padrões locais de vizinhança, o ideal seria o emprego de uma matriz que
conferisse maior peso aos vizinhos mais próximos. Alternativamente, se o interesse é
identificar padrões que excedem a vizinhança imediata – configurando assim um padrão
regional – vale considerar os vizinhos de segunda ordem ou superior com o objetivo de
reduzir oscilações de contiguidade ou vizinhança imediata (no caso de feições sem
contiguidade) e melhorar as estimativas de detecção de padrões.
A maior parte do debate sobre a identificação de padrões espaciais de variáveis, ou
ainda da elaboração de modelos lineares, restringe-se à construção do estimador e a inclusão
dos efeitos de vizinhança na determinação dos valores das observações. Embora essa seja uma
relevante contribuição da abordagem espacial para o uso de métodos quantitativos em
Geografia, e, em particular, na Estatística Espacial, permanece restrita a discussão acerca da
calibração do que é realmente identificado como vizinhança.
Tendo em vista a necessidade de se conferir maior valor para a vizinhança imediata87,
matrizes binárias de primeira ordem ou pesos dados pelo inverso de uma potência da distância
com expoente elevado, podem desempenhar o seu papel. Entretanto, podem ser empregados
raios fixos, número ótimo de vizinhos ou matrizes contíguas binárias de segunda ordem ou
superior, se o foco reside em detectar padrões regionais. Nesse caso, é possível empregar os
valores dos pesos de forma binária dentro do limiar definido e o valor zero para os demais ou,
então, uma regra de decaimento como o inverso da distância. Essa é a diferença básica
estabelecida em alguns softwares entre a opção de criação de matrizes com raio fixo (binário)
e a criação de uma zona de indiferença, na qual se adota o valor 1 dentro de um raio
especificado e um decaimento dos pesos com a distância fora do mesmo.
Vale lembrar que é preciso proceder uma avaliação do que seria conveniente conceber
como vizinho para se definir o raio de distância fixa a ser considerado na identificação de
87
A utilização de matrizes normalizadas envolve muita discussão. Contudo, é possível definir que a
normalização apresenta a vantagem de atribuir igual peso a vizinhança independentemente do número de
vizinhos.
267
padrões regionais ou de vizinhança de ordem superior. Raios extensos podem fazer com que
as estimativas percam poder ou, ainda, aproximar as medidas dos vizinhos do valor de
parâmetros globais, pois espera-se que a partir de uma distância máxima a variabilidade dos
dados irá convergir para a variância populacional. Por outro lado, busca-se um raio em que
todos as feições encontrem um número mínimo de vizinhos para que as estimativas fiquem
consistentes e, ao mesmo tempo, facilite a identificação de clusters e outliers dentre as
observações. Portanto, à medida que ocorre aumento da distância, o peso da influência dos
vizinhos decresce. A velocidade do decréscimo desse peso reflete a relação espacial (ou
matriz de pesos espaciais) definida, conforme mostra o Gráfico 2.
Duas regiões são consideras vizinhas quando partilham uma fronteira física comum,
estabelecendo uma relação de vizinhança sustentada na contiguidade, permitindo assim a
construção de uma matriz de pesos espaciais binários. Assume-se que existe maior interação
espacial em duas regiões contíguas e, por essa razão, é atribuído um valor unitário na matriz a
duas regiões vizinhas; na situação oposta, é conferido um valor nulo, de tal forma que:
wij 1
0
se i e j são contíguos
se i e j não são contíguos
(14)
Assume-se igualmente que wij = 0, pois a região não pode ser vizinha de si mesma, de
modo que a matriz de contiguidade apresenta a sua diagonal principal composta de valores
nulos. A matriz de contiguidade tem um desenho análogo ao do movimento de peças num
tabuleiro de xadrez, com três casos distintos: o primeiro, o caso de contiguidade rainha
(queen), no qual são partilhadas as fronteiras com extensão diferente de zero e são também
considerados os vértices como contíguos. O segundo, o caso de contiguidade torre (rook), em
que somente as fronteiras físicas com extensão diferente de zero entre as regiões são
consideradas. O terceiro, o caso bispo (bishop), segundo o qual são válidos apenas os vértices.
As matrizes rainha e torre são aquelas empregadas com maior frequência. A matriz de
contiguidade binária é simétrica à medida que o efeito que a região i provoca na região j é o
mesmo que esta exerce sobre aquela.
As matrizes de pesos espaciais de contiguidade apresentam como vantagem a
possibilidade de determinar de forma mais clara, a contiguidade de ordens superiores. Quando
a matriz é formada pelos vizinhos diretos das regiões, existe a contiguidade de primeira
269
ordem. Existe a contiguidade de segunda ordem quando a matriz é formada pelos vizinhos dos
vizinhos das regiões – ou vizinhos de segunda ordem ou vizinhos indiretos – que, entretanto,
não são eles mesmos, vizinhos de primeira ordem. É possível ainda a construção de matrizes
de terceira ordem, quarta ordem, etc.
Contudo, a matriz binária de contiguidade apresenta a desvantagem de não assegurar
uma conectividade balanceada, uma vez que podem existir regiões com muitos vizinhos, ou
regiões com poucos vizinhos.
wij (k )
1 se dij d i ( k )
0 se d ij d i ( k )
(15)
em que di(k) corresponde a distância de corte para a região i especificamente, de tal modo que
esta região i tenha k vizinhos. Assume-se igualmente que wij(k) = 0. A menor distância para a
região i é representada por di(k), para que ela tenha exatamente k vizinhos. O subscrito i em
di(k) indica que a distância de corte varia de região para região. Portanto, como mostra a
expressão 15, a proximidade é fundada num critério de distância de maneira que duas regiões
são consideradas vizinhas, se estiverem dentro da distância de corte exigida para que se tenha
o número de predeterminado de vizinhos.
Uma matriz de k vizinhos não-binária pode ser elaborada, apoiada na distância
inversa:
1
dij se dij d i ( k )
wij (k ) 0 se d ij d i ( k )
(16)
270
em que novamente, di(k) é a distância de corte para a região i especificamente, para que tal
região i tenha k vizinhos. Contudo, nessa matriz, o efeito de algum desses k vizinhos não é o
mesmo sobre a região i, em virtude do inverso da distância que os separa.
Para Almeida (2012), um desafio a ser enfrentado na construção desse tipo de matriz
está associado à determinação de k, sendo, inclusive, recomendável o uso de técnicas
econométricas – especialmente regressão linear – para tal.
É possível também construir outra modalidade de matriz de ponderação espacial de
natureza geográfica delineando a proximidade pela distância inversa, mas utilizando os pontos
dos centroides dos polígonos caracterizando as regiões ou a distância da principal cidade da
região. Igualmente assume-se que quanto maior a distância entre duas regiões, menor será a
interação entre elas, de tal modo que:
Os pesos espaciais wij(dij) são uma função da distância entre as regiões i e j. Cabe
considerar que a função f pode assumir algumas especificações, tais como:
1
dijb
se dij d
wij (d ) 0 se dij d
(21)
wij (d )
1 se dij d
0 se d ij d
(22)
88
Uma alternativa poderia ser a zona de indiferença. Contudo, ela é recomendada para distâncias mais curtas e
para calculo de custo de decisão, o que não é o objetivo desse trabalho. A zona de indiferença é interessante para
avaliar a probabilidade de deslocamento para o trabalho, uma vez que trabalhadores optam por uma área mínima
de interesse de deslocamento, sendo que a possibilidade de emprego a partir dessa distância sofre um decaimento
com a mesma. No estudo aqui de interesse, essa lógica não se aplica.
273
Neste tópico, são analisados os principais indicadores das finanças municipais, por
porte populacional, e pela localização – Municípios das capitais e do interior do país –
contemplando, no final, um comparativo internacional.
Em 2014, 4.959 Municípios informaram dados sobre receitas orçamentárias para a
STN/FINBRA/SISCONFI89, como pode ser visto nas Tabelas 5, 6, 7, 8, 9 e 10. As receitas
orçamentárias90 totalizaram R$500,94 bilhões (R$2.697,76 por habitante/ano), sendo R$140,5
bilhões (R$3.093,28 por habitante/ano) para o grupo formado pelos 26 Municípios das
capitais (ou 28% das receitas totais dessa amostra) – onde residiam 24,4% da população
amostra – e R$360,44 bilhões (R$2.569,69 por habitante/ano) para 4.933 Municípios do
interior (72% das receitas totais) – onde residiam 75,6% da população da amostra, conforme a
Tabela 5 e 7.
89
Finanças do Brasil (FINBRA) e Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro
(SISCONFI).
90
Receitas Orçamentárias são disponibilidades de recursos financeiros que ingressam durante o exercício
orçamentário e constituem elemento novo para o patrimônio público. Instrumento por meio do qual se viabiliza a
execução das políticas públicas, as receitas orçamentárias são fontes de recursos utilizadas pelo Estado em
programas e ações cuja finalidade precípua é atender às necessidades públicas e demandas da sociedade. Todas
as receitas arrecadadas que porventura representem ingressos financeiros orçamentários, inclusive se
provenientes de operações de crédito, são consideradas receitas orçamentárias. As receitas orçamentárias podem
ser classificadas em: a) Correntes: as receitas arrecadadas dentro do exercício financeiro que aumentam as
disponibilidades financeiras do Estado, em geral com efeito positivo sobre o Patrimônio Líquido e que
constituem instrumento para financiar os objetivos definidos nos programas e ações orçamentários, com vistas a
satisfazer finalidades públicas. Classificam-se como Correntes as receitas provenientes de tributos; de
contribuições; da exploração do patrimônio estatal (Patrimonial); da exploração de atividades econômicas
(Agropecuária, Industrial e de Serviços); de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público
ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes (Transferências
Correntes); por fim, demais receitas que não se enquadram nos itens anteriores (Outras Receitas Correntes). b)
De capital: são receitas que igualmente aumentam as disponibilidades financeiras do Estado e são instrumentos
de financiamento dos programas e ações orçamentários, a fim de se atingirem as finalidades públicas. Porém, de
forma diversa das Receitas Correntes, as Receitas de Capital em geral não provocam efeito sobre o Patrimônio
Líquido. As receitas de capital são as provenientes tanto da realização de recursos financeiros oriundos da
constituição de dívidas e da conversão, em espécie, de bens e direitos, quanto de recursos recebidos de outras
pessoas de direito público ou privado e destinados a atender despesas classificáveis em Despesas de Capital
(BRASIL, 2014).
274
Norte 378 10.026.318 20.349 1.675 113 1.066 16.611 4.262 3.433 239
Nordeste 1.606 40.150.375 79.209 5.647 611 3.113 66.030 22.109 10.074 846
Sudeste 1.514 58.784.711 170.818 30.754 8.483 13.362 109.149 21.616 35.938 6.461
Sul 1.051 22.981.655 68.025 9.431 2.220 3.564 43.470 11.829 13.588 2.107
Centro-Oeste 384 8.325.129 22.045 2.789 518 1.132 15.904 4.276 4.797 466
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da STN/FINBRA/SISCONFI.
As Tabelas 6 e 8 indicam, por sua vez, que as receitas orçamentárias dos municípios
com um milhão ou mais de habitantes totalizaram R$129,32 bilhões (R$3.101,72) por
habitante/ano), ou 25,8% das receitas totais dessa amostra – onde residiam 22,5% da
população amostra. Nesse grupo estão especialmente Municípios com mais dinâmicos, que
apresentam maior capacidade de arrecadação de receitas próprias. No outro extremo, estão os
2.161 Municípios com população inferior a 10 mil habitantes, cuja receita orçamentária
atingiu R$37,7 bilhões (R$3.346,83 por habitante) ou 7,5% do total da amostra, mas
representando 6,1% da população. A participação desse grupo nas receitas orçamentárias mais
elevadas que na população pode ser explicada, sobretudo pelos critérios de rateio do FPM que
favorecem os Municípios com menor população, como será abordado posteriormente.
Brasil 4.959 185.688.489 2.697,76 534,79 130,04 260,52 1.672,38 387,10 469,33 83,89
1) Capitais 26 45.420.301 3.093,28 1.079,00 268,64 575,49 1.307,28 171,47 425,36 120,17
2) Municípios
do interior 4.933 140.268.188 2.569,69 358,57 85,16 158,53 1.790,60 456,92 483,56 72,14
Norte 378 10.026.318 2.029,56 167,07 11,23 106,30 1.656,74 425,05 342,35 23,81
Nordeste 1.606 40.150.375 1.972,80 140,65 15,22 77,53 1.644,56 550,66 250,90 21,06
Sudeste 1.514 58.784.711 2.905,82 523,16 144,31 227,31 1.856,76 367,71 611,34 109,92
Sul 1.051 22.981.655 2.959,96 410,38 96,61 155,07 1.891,53 514,72 591,26 91,69
Centro-
Oeste 384 8.325.129 2.647,98 334,97 62,20 136,00 1.910,33 513,58 576,18 55,98
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da STN/FINBRA/SISCONFI.
grupo formado pelos 16 Municípios de grande porte (com população de um milhão ou mais
de habitantes).
Outra disparidade acentuada diz respeito à arrecadação de receitas tributárias – como
pode ser visto na Tabela 5. Em 2014, as receitas tributárias municipais representaram R$99,30
bilhões, com grande concentração nas capitais (R$49 bilhões ou 49,4% do total). Enquanto a
arrecadação tributária per capita do grupo formado pelas 26 capitais alcançou R$1.079,00 por
habitante, a média nacional se situou em R$534,79, fortemente afetada pela baixa arrecadação
per capita dos 4.933 Municípios do interior, de somente R$358,57, conforme a Tabela 7. Nos
Municípios do Nordeste, as receitas tributárias por habitante ficaram em R$140,65 (26,3% da
média nacional).
De forma semelhante, grandes disparidades são observadas quando os Municípios são
classificados por faixa de população – conforme a Tabela 8. De um lado, os Municípios com
um milhão ou mais de habitantes, que alcançaram uma receita tributária por habitante de
R$1.125,04; de outro, os Municípios com população inferior a 10 mil habitantes, que
apresentaram arrecadação por habitante de R$162,81. Ou seja, quanto menor o Município,
menor a participação das receitas próprias nas receitas orçamentárias, perpetuando assim a
histórica dependência das transferências redistributivas, ao mesmo tempo em que se evidencia
o baixo esforço fiscal para dinamizar a arrecadação dos impostos sob a competência desses
Municípios.
1 milhão ou mais 16 41.694.635 3.101,72 1.125,04 289,18 597,42 1.262,73 120,99 445,34 128,35
Entre 500.000 e
999.999 21 14.271.317 2.733,46 646,31 171,99 283,41 1.447,40 170,25 517,12 112,24
Entre 250.000 e
499.999 67 23.577.340 2.649,45 590,57 144,90 266,63 1.544,58 211,60 517,50 97,89
Entre 100.000 e
249.999 169 25.571.981 2.587,61 451,03 108,03 205,63 1.665,94 314,96 494,24 90,51
Entre 50.000 e
99.999 319 22.061.425 2.356,39 311,18 71,96 132,39 1.683,26 389,26 445,73 66,74
Entre 10.000 e
49.999 2.206 47.246.604 2.418,85 190,82 34,63 87,64 1.895,37 608,54 409,96 43,54
Abaixo de 9.999 2.161 11.265.187 3.346,83 162,81 20,64 72,44 2.799,10 1.244,83 635,38 41,87
Brasil 4.959 185.688.489 2.697,76 534,79 130,04 260,52 1.672,38 387,10 469,33 83,89
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da STN/FINBRA/SISCONFI.
277
A pequena importância das receitas tributárias pode ser retratada ainda nos dados das
Tabelas 9 e 10, que indicam que, na média nacional, tais receitas representam 19,8% das
receitas orçamentárias municipais, e, no grupo formado pelas capitais, a participação atinge
34,9% – percentual ligeiramente inferior ao verificada nos Municípios com um milhão ou
mais de habitantes (36,3%). No outro extremo, os Municípios do interior do Nordeste, onde
essa participação chega a somente 7,1%. Nos Municípios com população inferior a 10 mil
habitantes, o percentual atinge 4,9%.
Abaixo de 9.999 2.161 11.265.187 4,9 12,7 44,5 83,6 44,5 22,7
A reduzida participação do IPTU nas receitas tributárias pode envolver duas situações
distintas: nos Municípios mais ricos, ainda que a arrecadação do IPTU por habitante seja
elevada, o dinamismo do setor de serviços implica maior contribuição do recolhimento do ISS
nas receitas tributárias. Nos Municípios menores, especificamente do interior e das regiões
mais pobres (Norte e Nordeste do país), prevalece elevadíssima sonegação do IPTU –
ocorrendo situações em que, de fato, não há cobrança do tributo. Ao mesmo tempo, verifica-
se baixo dinamismo do setor de serviços – ainda que tenha peso elevado no PIB – e grande
sonegação do ISS, com predomínio de atividades informais não tributadas e negligência ou
incapacidade do Município de realizar a apuração dos serviços passíveis de tributação.
Contudo, em muitos Municípios pequenos existe alguma arrecadação de ISS, mormente por
causa da necessidade de emissão de nota fiscal pelos prestadores de serviços ao poder público
municipal, condição indispensável para realização do pagamento, a construtoras e
terceirizadas na área da saúde. Trabalhadores autônomos são igualmente obrigados a realizar
cadastro como prestadores de serviços para inscrição como contribuintes do INSS.
Provavelmente por essas razões, o desempenho da arrecadação do ISS seja melhor que
a do IPTU na maioria dos Municípios, inclusive nos menores. É possível verificar que, na
média nacional, a arrecadação por habitante do ISS (R$260,52), representa o dobro da
observada com o IPTU (R$130,04). Para todos os agrupamentos listados nas Tabelas 7 e 8, a
arrecadação do ISS por habitante é muito maior que obtida com o IPTU. As maiores
diferenças ocorrem exatamente nos Municípios localizados nas regiões mais pobres: nos
279
91
Sobre a exportação de impostos vide o trabalho clássico de McLure (1967). Vide ainda Bird (2005) e
Mcmillan (2008).
280
a arcar com tributos mais elevados, realizando o repasse para os consumidores finais, que
podem ser também residentes. Mcmillan (2008) observa que a exportação de impostos
“parece ser parte de um esforço politicamente atraente para deslocar uma parcela maior da
carga tributária local para os contribuintes não residentes e para além da comunidade local”.
Contudo, ao deslocar e exportar impostos, “mascara o custo dos serviços locais e promove os
gastos excessivos porque os impostos locais não sinalizam adequadamente os custos”
(MCMILLAN, 2008). Ou seja, a prática pode gerar desperdícios, em virtude da carga
tributária ineficientemente alta, que financia a superprovisão de serviços públicos, causando
incentivo para o aumento do tamanho do governo local. Além do mais, pode até mesmo gerar
transbordamentos para as jurisdições vizinhas, com a atração de consumidores para usufruir
dos caros serviços providos pela jurisdição.
Nos Municípios turísticos, a arrecadação de ISS também deveria ser afetada pelo
dinamismo desse setor. Contudo, os dados não confirmam tal hipótese. Ou seja, mesmo que a
atividade turística promova incrementos substanciais na prestação de serviços, persistem
falhas na apuração dos serviços e elevados níveis de sonegação fiscal relacionados ao ISS.
Como já foi salientado, os mecanismos de transferências são destinados a promover a
equalização fiscal horizontal e vertical, assegurando assim maior equilíbrio federativo. No
Brasil, notadamente após a década de 1960, tais mecanismos foram progressivamente
aprimorados. Entretanto, ainda persistem distorções nesses mecanismos que, certamente,
precisarão ser corrigidas no futuro. A Tabela 5 mostra que, em 2014, os 4.959 Municípios da
amostra foram contemplados R$310,5 bilhões em transferências correntes (ou R$1.672,38 por
habitante). Os 26 Municípios das capitais receberam R$59,4 bilhões (R$1.307,28 por
habitante) ou 19,1% dos repasses, enquanto os 4.933 Municípios do interior receberam
R$251,16 bilhões (R$1.790,60 por habitante) ou 80,9%. Os Municípios do Norte e do
Nordeste obtiveram, respectivamente, R$16,61 bilhões (R$1.656,74 por habitante) e R$66,03
bilhões (R$1.644,56 por habitante) ou 5,3% e 21,2%.
Por faixa populacional, a Tabela 6 indica que os Municípios com população de um
milhão ou mais de habitantes – onde residiam 22,5% da população da amostra – foram
contemplados com R$52,65 bilhões em transferências (R$1.262,73 por habitante) ou 17% do
total. Os Municípios com população inferior a 10 mil habitantes – responsáveis por 6,1% da
população da amostra – receberam com R$31,53 bilhões em transferências (R$2.799,10 por
habitante) ou 10,2% do total.
281
92
Government Finance Statistics (GFS), do FMI. Indicadores sobre descentralização fiscal e finanças dos
governos subnacionais de diversos países podem ser também encontrados na página do BIRD. Disponível em:
<http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/TOPICS/EXTPUBLICSECTORANDGOVERNANCE/0,,co
ntentMDK:23112839~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:286305,00.html>. Acesso em: 20 jun. 2016 e
da OECD. Disponível em: <http://www.oecd.org/tax/federalism/oecdfiscaldecentralisationdatabase.htm>.
Acesso em: 20 jun. 2016.
283
A participação da receita tributária nas receitas locais também varia muito de país para
país, e representava 8,3% na Holanda; 18,1% na Federação Russa; 22,8% no Brasil; 27,0% na
Coréia do Sul; 30,3% na Colômbia; 34,1% na Dinamarca; 39,4% no Canadá; 39,6% na
Alemanha; 48,4% nos Estados Unidos; 61,4% na Áustria e 63,8% na Suécia, como revela o
Gráfico 4. No Brasil, observa-se uma participação bastante reduzida quando se compara com
outros países federais como Canadá e Estados Unidos. Isso evidencia tanto a significativa
concentração das melhores fontes de receita nos governos estaduais e federal, quando o baixo
esforço fiscal da maioria dos Municípios do país.
Sul; 21,01% na Suécia e 19,3% na Áustria. O Brasil também se apresenta como um país cujos
governos locais estão entre os mais dependentes de transferências provenientes dos níveis
superiores, como forma de compensar a sua modesta arrecadação tributária.
País (ano)
Reino Unido (2009)
Holanda (2009)
México (2008)
Brasil (2009)
Argentina (2004)
Dinamarca (2009)
Coréia do Sul (2009)
Tailândia (2009)
Itália (2009)
Bélgica (2009)
Canadá (2009)
Espanha (2009)
Federação Russa (2009)
Estados Unidos (2009)
Noruega (2009)
Alemanha (2009)
Colômbia (2009)
China (2008)
Japão (2008)
França (2009)
África do Sul (2009)
Suécia (2009)
Áustria (2009)
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00
O Gráfico 6, por sua vez, oferece um resumo comparativo da composição das receitas
dos governos locais em alguns países. O Brasil se posiciona entre aqueles que combinam
baixa capacidade de geração de receitas próprias (medida pela reduzida proporção das receitas
tributárias) e elevada dependência de transferências. No outro extremo estão países como
Áustria e Suécia, cujos governos locais conquistaram expressiva autonomia – grande
participação das receitas tributárias na receita total, e pequena dependência das transferências.
285
Suécia (2009)
Áustria (2009)
Estados Unidos (2009)
França (2009)
Espanha (2009)
Japão (2008)
Noruega (2009)
Alemanha (2009)
Canadá (2009)
Itália (2009)
China (2008)
Dinamarca (2009)
Bélgica (2009)
Tailândia (2009)
Colômbia (2009)
Coréia do Sul (2009)
Brasil (2009)
Federação Russa (2009)
África do Sul (2009)
Reino Unido (2009)
México (2008)
Holanda (2009)
Argentina (2004)
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00
93
As despesas totais são também denominadas total geral da despesa e envolvem: a) despesas correntes como
pessoal e encargos sociais, juros e encargos da dívida, aposentadorias e pensões, e material de consumo; e b)
despesas de capital, como investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida (BRASIL, 2014).
287
16,0% acima da média dos 4.965 Municípios (R$2.511,76) e, à medida que o tamanho da
população vai aumentando, tais despesas vão caindo, até alcançarem R$2.182,43, para o
grupo composto pelos 2.207 cuja população se situa entre 10 mil e 50 mil habitantes – a
denominada escala eficiente. As despesas totais então voltam a subir, até chegar ao valor por
habitante de R$3.011,51, no grupo formado pelos 16 Municípios de grande porte (com
população de um milhão ou mais de habitantes)94. Portanto, Municípios muito pequenos ou
muito grandes apresentam custos unitários de provisão de serviços públicos bem mais
elevados que os verificados nos Municípios de porte médio, em razão da existência de níveis
reduzidos ou significativos de aglomeração ou congestionamento.
94
Mendes (2013) igualmente traz evidências para o caso brasileiro de que a despesa corrente per capita de 4.972
municípios entre 2000 e 2010 reflete uma curva de custo médio (“custo unitário” ou “preço social”) de bens e
serviços públicos locais em formato de U, considerada em termos populacionais. Os dados indicam que os custos
unitários sociais médios são maiores em localidades (ou grupo de municípios) com população muito pequena ou
muito grande – que expressam em cada caso nível baixo ou alto de aglomeração ou congestionamento. Assim, os
custos unitários médios alcançam níveis inferiores em municípios considerados “médios” – geralmente na faixa
de mais de 50 mil até 500 mil habitantes.
288
os governos locais), a 51,2% na África do Sul (29,4% para os governos provinciais e 21,8%
para os governos locais), a 51,0% no Brasil (29,5% para os governos estaduais e 21,5% para
os governos locais), a 40,8% nos Estados Unidos (18,9% para os governos estaduais e 21,9%
para os governos locais), a 38,1% na Federação Russa (20,7% para divisões territoriais, como
repúblicas e oblasts, e 17,4% para os governos locais), a 37,% na Alemanha (21,0% para os
governos estaduais e 16,0% para os governos locais), a 32,0% na Colômbia (12,5% para os
departamentos e 19,5% para os governos locais) e a 31,4% na Áustria (17,1% para os
governos provinciais e 14,3% para os governos locais). Portanto, os governos estaduais e
municipais no Brasil se responsabilizam por parcela considerável dos gastos públicos. No
caso dos governos municipais, o seu peso nos gastos se equipara ao observado em países
como Estados Unidos.
70,00
60,00
50,00
40,00
30,00
20,00
10,00
0,00
Suécia (2009)
Canadá (2009)
Dinamarca (2009)
Bélgica (2009)
Colômbia (2009)
França (2009)
Índia (2007)
Brasil (2009)
México (2009)
Espanha (2009)
Noruega (2009)
Japão (2008)
Argentina (2004)
Holanda (2009)
Itália (2009)
África do Sul (2009)
Áustria (2009)
Alemanha (2009)
Tailândia (2009)
Coréia do Sul (2009)
País (ano)
Portanto, embora os valores investidos per capita tendem a ser influenciados pela capacidade
financeira dos Municípios, com significativas vantagens para aqueles que possuem maior
arrecadação própria, as economias de escala e de aglomeração assumem papel relevante na
determinação destes valores, tornando-se mais elevados nos extremos – Municípios muito
grandes ou muito pequenos – e menores nos Municípios de médio porte.
Os dados examinados até aqui permitem constatar que os Municípios brasileiros
desempenham um papel importante nos gastos públicos, que equivale ao verificado em outros
países federais, como os Estados Unidos. Entretanto, usufruem de uma precária autonomia
fiscal, muito distante daquela observada, por exemplo, entre os governos locais americanos. A
precária autonomia dos Municípios brasileiros pode ser medida, principalmente pelo
pronunciado hiato fiscal, dos mais elevados entre os países com mais de um nível de governo.
Esse pronunciado hiato expressa a elevada dependência dos governos municipais das
transferências dos níveis superiores, causada pela diminuta participação das receitas próprias,
tanto em função da atribuição para os Municípios brasileiros daqueles impostos com limitada
capacidade de geração de receitas, quanto do baixo esforço fiscal realizado pela maioria deles.
Além do que, estas características – reduzida capacidade de geração de receitas próprias e
elevada dependência das transferências – afetam mais intensamente os Municípios de menor
porte, notadamente os localizados nas regiões mais pobres do país.
PIB per capita igual ou superior a R$30.000,01, que se localizavam, sobretudo em alguns
poucos espaços privilegiados, como o Estado de São Paulo (região da capital e algumas áreas
do interior); de Minas Gerais (Triângulo Mineiro); o interior do Rio Grande do Sul, de Santa
Catarina, de Goiás, do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul; o Norte do Rio de Janeiro e o
Extremo-Oeste da Bahia e determinadas áreas metropolitanas. Muitos dos Municípios com
PIB per capita acima da média nacional ficam nas novas áreas de expansão do agronegócio,
que tem difundido dinamismo para além daquelas historicamente mais dinâmicas – outrora
impulsionadas pela indústria. Em contraponto, 2.208 Municípios (39,7% do total) apresentam
um PIB per capita de R$10.000,00 ou menos, e estão situados, essencialmente nas regiões
historicamente atrasadas do país, como Norte de Minas, Nordeste e Norte. A frágil base
econômica sentencia tais regiões à condição de participantes marginais das principais cadeias
de agregação de valor, proporcionando assim reduzidas oportunidades de inserção produtiva
para a maioria da sua população, penalizada com elevados níveis de pobreza e exclusão. Essa
frágil base econômica, também afeta o comportamento das finanças dos Municípios em
virtude das limitadas fontes de receitas tributárias.
Na Figura 4 estão expostos ainda a tabela com o resumo do Índice Global de Moran I,
que permite medir o grau de autocorrelação espacial existente; o mapa de clusters e outliers,
derivado do Índice Local de Moran I; e o mapa de hot spots e cold spots, a partir do Índice
Getis-Ord Gi*. Como o valor do Índice Global de Moran I é maior que 0 (0,150826), o
conjunto de dados revela um padrão de cluster, ou seja, os valores observados estão
espacialmente agrupados, de tal modo que as áreas próximas exibem maior semelhança no
que se refere ao indicador estudado, do que seria esperado num padrão aleatório. Da mesma
forma, o elevado escore z (178,560166) e o reduzido valor p (0,000000) indicam a
significância do Índice Global calculado, rejeitando-se assim a hipótese nula de que o padrão
espacial observado reflita aleatoriedade teórica representada pela hipótese nula (CSR).
Conforme salientado anteriormente, os escores z refletem a intensidade da aglomeração
espacial, e os seus picos fornecem uma evidência da presença de clusters mais pronunciados.
O mapa de clusters e outliers contido na Figura 4 mostra a existência de significativa
aglomeração de Municípios, conforme calculado pelo Índice Local de Moran I. São 1.114
Municípios (20,0%) que formam clusters de elevados valores de PIB per capita (cluster alto-
alto), agrupados nas regiões mais ricas – interior de São Paulo, Triângulo Mineiro, interior do
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás e Mato Grosso, e Norte do Rio de Janeiro e
algumas áreas metropolitanas destas regiões. Em condição oposta estão 1.808 Municípios
(32,5%) com baixos valores (cluster baixo-baixo), concentrados particularmente no Norte e
Vales do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e no Nordeste do país.
O mapa de clusters e outliers da Figura 4 permite que sejam ainda identificadas as
desigualdades entre os agrupamentos. Isto é, existe uma tendência à aglomeração de algumas
variáveis, mas também uma concentração das desigualdades locais, destacadas pela
distribuição dos outliers alto-baixo ou baixo-alto. Por exemplo, estão assinalados 75
Municípios (1,3% do total) com altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos,
notadamente em áreas do Nordeste, como o Extremo-Oeste da Bahia, uma espécie de enclave
impulsionado pelo agronegócio, circundado por muitos Municípios com reduzido dinamismo
econômico. Pode ser também constada a presença de 288 Municípios (5,2%) que apresentam
valores baixos cercados por vizinhos com valores altos, em regiões mais dinâmicas do país,
como no Sul de Minas Gerais, no Vale do Ribeira, em São Paulo, e algumas áreas do Paraná e
do Rio Grande do Sul.
O Índice Getis-Ord Gi* possibilita abordagem alternativa para identificar as
aglomerações, por meio de hot spots e cold spots, como se observa na Figura 4. As áreas de
293
elevados valores (hot spots) e de baixos valores (cold spots) seguem padrão semelhante ao
identificado no mapa pelo Índice Local de Moran I: 2.684 Municípios (48,3%) formando uma
área de hot spots, nos lugares cujas economias são as mais dinâmicas do país, confrontados
por 2.112 Municípios (38,0%) que compõem área de cold spots, situada principalmente nas
regiões mais pobres – igualmente reunidos no Norte e Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em
Minas Gerais, no Nordeste do país e partes da região Norte.
Mesmo que, por um lado, exista aleatoriedade espacial dos dados para algumas regiões
do Brasil, e, por outro, os dois indicadores locais (Índice Local de Moran I e Índice Getis-Ord
Gi*) sejam distintos, os resultados produzidos exprimem similaridade quanto à indicação, em
mapas temáticos, de aglomerações espaciais significativas para os referidos dados. Tais
aglomerações, inclusive, se repetem com padrões similares para praticamente todos os outros
indicadores das finanças municipais, como será visto ainda nesta Seção.
Cabe considerar que a relação espacial (matriz de peso) escolhida, a zona de distância
fixa, apresentou maior significância estatística no cálculo do Índice Global de Moran I, dentre
as outras matrizes testadas (inverso da distância e inverso da distância ao quadrado96), cujos
mapas, também estão disponibilizados nos anexos IV e V, ao final da tese.
Na Figura 5, estão apresentados os dados sobre a renda familiar per capita mensal,
para o ano de 2010, conforme o Censo publicado pelo IBGE. É possível observar que o nível
de renda per capita é nitidamente afetado pelo PIB per capita. Isto é, regiões com frágil base
econômica, indicada pela reduzido PIB per capita, também exibem baixa renda per capita, e
vice-versa. O mapa temático revela que apenas 826 Municípios (14,9%) alcançavam uma
renda familiar per capita mensal igual ou superior a R$750,01, que se localizavam
particularmente no Estado de São Paulo (região da capital e muitas áreas do interior);
Triângulo Mineiro, interior do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Goiás, do Mato
Grosso e do Mato Grosso do Sul e algumas áreas metropolitanas. Por sua vez, 3.003
Municípios (54,0%) possuíam renda per capita mensal de R$500,00 ou menos, e estavam
situados fundamentalmente no Norte de Minas, Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, e Vale
do Rio Doce, em Minas Gerais, e nas regiões Nordeste e Norte do Brasil. Havia ainda um
número considerável de Municípios (949 ou 17,1%), cuja renda per capita mensal atingia
R$250,00 ou menos. Tais Municípios estavam fortemente concentrados no Nordeste e Norte
do Brasil.
96
Os resultados com o emprego da matriz zona de indiferença foram praticamente idênticos aos obtidos com a
matriz zona de distância fixa.
294
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PNUD/Fundação João Pinheiro/IPEA/IBGE e malhas do IBGE.
Santo e de Minas Gerais; e das regiões Nordeste e Norte do País. Existem ainda 208
Municípios (3,7%) que apresentam valores baixos cercados por vizinhos com valores altos,
notadamente no Vale do Ribeira, em São Paulo e no interior do Paraná e de Santa Catarina.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser ainda observada no
mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.402 Municípios (43,2%) formando áreas de cold
spots e 2.756 Municípios (49,5%) formando áreas de hot spots. A espacialização do Índice
Getis-Ord Gi* para a renda per capita proporciona um mapa que retrata a federação brasileira
dividida em 3 áreas distintas, sendo duas delas com valores extremos, hot spot (com 99% de
confiança e maior que 2,58 desvios-padrão) e cold spots (ao nível de 99% de confiança e
inferior a –2,58 desvios-padrão) separadas por uma área de transição sem significância
estatística. Ou seja, há reduzido número de Municípios para os valores intermediários nas
faixas de hot spots e cold spots. A referida divisão estará presente nos mapas da maioria dos
outros indicadores analisados nesta Seção.
A Figura 6 fornece informação sobre a distribuição da proporção de pobres pelos
Municípios brasileiros, de acordo com dados coletados pelo Censo de 2010. O mapa temático
mostra que em 2.560 Municípios (46,0%), o percentual de pobres era igual ou inferior a 15%.
Esses Municípios estavam localizados precipuamente no Estado de São Paulo; Triângulo,
Noroeste, Centro-Oeste, Sul e parte da região Central de Minas Gerais; a maior parte do Rio
de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Mato Grosso e
do Mato Grosso do Sul. Em 2.045 Municípios (36,8%), a pobreza atingia 30,0% ou mais da
população, concentrados no Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais e
interior dos Estados das regiões Nordeste e Norte. Cabe considerar que ainda existiam 492
Municípios (8,8%), cuja proporção de pobres alcançava 50% ou mais da população, situados
no interior do Nordeste e do Norte do país.
296
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PNUD/Fundação João Pinheiro/IPEA/IBGE e malhas do IBGE.
97
De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano Municipal, divulgado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundação João Pinheiro, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), a partir de dados do IBGE. Vide http://www.atlasbrasil.org.br/2013/.
298
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PNUD/Fundação João Pinheiro/IPEA/IBGE e malhas do IBGE.
Na Figura 8, estão expostos os mapas98 referentes à média anual, entre 2000 e 2015, da
receita orçamentária municipal por habitante, a preços de 201599. No mapa temático com os
valores, é possível verificar que apenas 1.207 Municípios (21,7% dos 5.562 Municípios)
possuíam uma receita orçamentária média igual ou superior a R$3.000,00 por habitante, para
o período considerado. Esses Municípios estão situados nas regiões mais prósperas do país:
São Paulo (notadamente interior), Norte do Rio de Janeiro, interior do Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, bem como na maioria das capitais. Dos 862
Municípios (15,5% do total) cuja média da receita orçamentária por habitante era igual ou
inferior a R$1.500,00, a maior parte se localiza nas regiões Norte e Nordeste e nos Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri de Minas Gerais. Nesse grupo, prevalecem Municípios pequenos,
cujo porte compromete o alcance de economias de escala na oferta de serviços públicos, fato
que causa incremento nos custos desta oferta, o que exigiria, em tese, uma receita per capita
mais elevada, reforçada por transferências intergovernamentais redistributivas.
98
Todos os mapas, em tamanho normal, estão disponibilizados ao final da tese, nos anexos I, II e III.
99
Os valores dos foram deflacionados pelo deflator do PIB nacional, tendo 2015 como ano-base.
301
A Figura 9 exibe ainda a tabela com o resumo do Índice Global de Moran I e os mapas
referentes aos índices Local de Moran I e Getis-Ord Gi*. O Índice Global foi positivo
(0,181243), com escore z e valor p significativos, evidenciando assim aglomeração espacial
dos dados. O mapa de clusters e outliers revela aglomeração de valores baixos – reduzida
receita tributária por habitante – para 1.793 Municípios (32,2%), em especial os localizados
no Nordeste, Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais, enquanto 814
Municípios (14,6%) integram aglomerações de valores elevados, concentradas também em
São Paulo, Triângulo Mineiro, interior do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás,
Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.
O mapa permite igualmente identificar as desigualdades locais, pela distribuição dos
outliers alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 102 Municípios (1,8% do total)
com altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, nos Estados do Espírito
303
Santo, de Minas Gerais e nas regiões Nordeste e Norte do Brasil e 297 Municípios (5,3%) que
apresentam valores baixos cercados por vizinhos com valores altos, notadamente no Sul e
Zona da Mata, em Minas Gerais, e no interior de São Paulo e de Santa Catarina.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
detectada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.187 (39,3%) Municípios formando
áreas de cold spots e 2.021 (36,3%) formando áreas de hot spots.
A baixa arrecadação per capita, obviamente reflete na diminuta participação da receita
tributária nas receitas orçamentárias para a maioria dos Municípios brasileiros, como mostra a
Figura 10. Somente 153 Municípios (2,8%) conseguiram alcançar uma participação da receita
tributária na receita orçamentária de 20,07% ou mais. Para 3.333 Municípios (59,9%), tal
participação foi de 5,0% ou menos. Os padrões verificados nas Figuras 8 e 9 se repetem aqui.
Os Municípios do interior das regiões mais pobres do país convivem com baixa capacidade de
obtenção de receitas próprias, expressa na reduzida participação destas receitas nas receitas
orçamentárias.
A Figura 10 também destaca que o Índice Global foi positivo (0,234165), com escore z
e valor p significativos, evidenciando assim aglomeração espacial dos dados, que igualmente
pode ser visualizada por meio da espacialização dos dados no mapa temático, que retrata a
existência de clusters de valores baixos – reduzida participação da receita tributária na receita
orçamentária – para 1.705 Municípios (30,7% do total), em sua maior parte concentrados no
Nordeste, Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri de Minas Gerais. Por sua vez, 907
Municípios (16,3%) compõem as aglomerações de valores elevados, localizadas em São
Paulo, de Minas Gerais (singularmente Sul e Triângulo), no interior do Rio Grande do Sul, de
Santa Catarina, do Paraná, de Goiás, do Mato Grosso do Sul, e do Rio de Janeiro, além de
algumas regiões metropolitanas destes Estados.
É possível igualmente atestar as desigualdades locais, pela distribuição dos outliers
alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 179 Municípios (3,2% do total) com
altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, nos Estados do Espírito Santo e
de Minas Gerais; e nas regiões Nordeste e Norte do Brasil; e 491 Municípios (8,8%) que
apresentam valores baixos cercados por vizinhos com valores altos, no Sul e Zona da Mata,
em Minas Gerais e no interior de São Paulo e de Santa Catarina.
Da mesma forma, a ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser
detectada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.187 Municípios (39,3%) formando
áreas de cold spots e 1.926 Municípios (34,6%) formando áreas de hot spots.
A Figura 11 trata da arrecadação de IPTU por habitante. O mapa temático salienta que
número muito reduzido de Municípios apresentou arrecadação por habitante igual ou superior
a R$50,09 (853 ou 15,3% do total). Esses Municípios também estão localizados em regiões
dinâmicas – Grande São Paulo e interior do Estado, algumas regiões metropolitanas e lugares
turísticos, principalmente no litoral. Em 2.851 Municípios (45,4%), a arrecadação é igual ou
inferior a R$10,00. Níveis tão reduzidos de arrecadação por habitante comprometem a
capacidade dos Municípios de promover melhorias na oferta de serviços públicos e,
sobretudo, de realizar investimentos na expansão da infraestrutura urbana, rompendo com
quadro de precariedade dominante. Em muitos desses Municípios, é provável que os valores
obtidos com o imposto não consigam cobrir o custo da estrutura diretamente responsável pela
arrecadação – especialmente o pagamento de técnicos envolvidos com a manutenção do
cadastro, emissão das guias, fiscalização e cobrança de débitos pendentes.
305
Figura 11 - Receita com Arrecadação do IPTU por Habitante, Média Anual 2000-2015
A Figura 11 também exibe que Índice Global foi positivo (0,180764), com escore z e
valor p significativos, sinalizando a existência de aglomerações espaciais dos dados, que
podem ser observadas ainda nos mapas gerados a partir dos indicadores locais. Assim, estão
presentes clusters de valores baixos – reduzida arrecadação de IPTU por habitante – para
1.237 Municípios (22,2% do total), em sua maior parte concentrados no Nordeste, Norte e
Vales do Jequitinhonha e do Mucuri de Minas Gerais. Por sua vez, 652 Municípios (11,7% do
total) compõem as aglomerações de valores elevados, sendo mais pronunciadas aquelas
localizadas no Estado de São Paulo, interior do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
Entretanto, o padrão observado no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi* é mais
acentuado: 2.451 (44,1% do total) Municípios formando áreas de cold spots e 1.623 (29,2%)
formando áreas de hot spots.
Por outro lado, no mapa de clusters e outliers são constatadas as desigualdades locais,
notadamente pela presença de outliers baixo-alto, formados por 208 Municípios (3,7% do
306
total), situados principalmente no Sul de Minas Gerais, no Vale do Ribeira, em São Paulo e
no interior de Santa Catarina.
Na Figura 12, é possível constatar que, para apenas 1.588 Municípios (28,6% do total),
a participação da arrecadação do IPTU na receita tributária é igual ou superior a 20,01%. Tais
Municípios também se localizam nas regiões mais dinâmicas – São Paulo, Paraná, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais (Sul do Estado) regiões metropolitanas e
Municípios turísticos. Em 2.638 Municípios, a participação é igual ou inferior a 10%,
concentrados basicamente nas áreas mais pobres – em especial Vales do Jequitinhonha e do
Mucuri, em Minas Gerais, e regiões Nordeste e Norte.
dos dados. O mapa de clusters e outliers revela aglomerações de valores altos – elevada
participação da arrecadação do IPTU na receita tributária – para 1.699 Municípios (30,5%),
concentradas essencialmente em áreas de Minas Gerais, como o Sul, Triângulo Mineiro, Sul,
região Central e partes do Centro-Oeste; de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do
Sul, de Santa Catarina e do Paraná; Centro-Sul de Goiás; Sul e Leste do Mato Grosso do Sul.
Estão ainda presentes aglomerações de valores baixos para 2.203 Municípios (39,6%),
sobretudo situadas no Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais; quase
todo o Nordeste e áreas da região Norte e pequenos espaços no Mato Grosso.
É possível igualmente detectar as desigualdades locais, pela distribuição dos outliers
alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 127 Municípios (2,3% do total) com
altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, nos Estados do Mato Grosso e de
Minas Gerais; e nas regiões Nordeste e Norte do Brasil e 481 municípios (8,6%) que
apresentam valores baixos cercados por vizinhos com valores altos, particularmente em Minas
Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
constatada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.561 municípios (46,0%) formando
áreas de cold spots e 2.494 municípios (44,8%) formando áreas de hot spots.
A Figura 13 mostra que, embora a arrecadação de ISS por habitante seja mais
expressiva que a de IPTU, existem grandes disparidades entre os Municípios. Somente 215
(3,9%) obtiveram uma arrecadação por habitante de R$253,55 ou mais. Esses Municípios
estão concentrados em regiões mais ricas, cujo setor de serviços encontra-se em estágio mais
desenvolvido, notadamente em algumas regiões metropolitanas. No outro extremo, os 3.754
Municípios (67,5%) cuja arrecadação se situou em R$50,00 ou menos. Não obstante a elevada
sonegação, a reduzida arrecadação de tais Municípios reflete o baixo dinamismo do setor de
serviços, em virtude da fragilidade da sua base econômica, que, por sua vez, está
estreitamente vinculada à pequena capacidade de geração de valor agregado, que condiciona,
por exemplo, a arrecadação local de ICMS e os repasses devolutivos desse imposto
determinados pelo VAF. Isto é, embora sejam impostos diferentes e arrecadados por entes
distintos, na maioria das vezes, a baixa arrecadação de ISS também está associada ao
diminuto repasse devolutivo de ICMS para os Municípios.
308
Figura 13 - Receita com a Arrecadação do ISS por Habitante, Média Anual 2000-2015
A Figura 13 também revela que o Índice Global foi positivo (0,61603), com escore z e
valor p significativos, afirmando a presença de aglomeração espacial dos dados. O mapa de
clusters e outliers indica aglomerações de altos valores – elevada arrecadação de ISS por
habitante – para 429 Municípios (7,7%), concentradas, principalmente em São Paulo, Rio de
Janeiro e Mato Grosso do Sul. Há também aglomerações de valores baixos para 891
Municípios (16,0%), em especial os localizados no Nordeste. O mapa derivado do Índice
Getis-Ord Gi* apresenta aglomeração mais pronunciada de elevados valores, com 1.380
Municípios (24,8%) formando áreas de hot spots, numa faixa que se estende de Santa
Catarina até o Sul de Goiás, passando pelo Rio de Janeiro, Triângulo, Sul e Zona da Mata, em
Minas Gerais, até chegar ao Sul do Espírito Santo. A faixa de cold spots, é igualmente mais
expressiva, pois comporta 1.900 Municípios (34,2%) situados do Norte e Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais, até o Leste do Pará.
309
Por outro lado, as desigualdades locais podem ser apuradas, sobretudo pela presença
de outliers baixo-alto, formados por 272 Municípios (4,97% do total), situados principalmente
no Sul de Minas Gerais e no Vale do Ribeira, em São Paulo.
Como pode ser constatado na Figura 14, a participação da receita do ISS na receita
tributária é bem superior àquela observada com o IPTU. Em 2.320 Municípios (41,7%), a
participação é de 40% ou mais. Os percentuais elevados são verificados em muitos
Municípios das regiões mais pobres do Brasil, pois o ISS tem papel proeminente na
arrecadação municipal, com o IPTU desempenhando posição secundária. Portanto, mesmo
que a receita tributária seja reduzida, o ISS representa percentual expressivo da arrecadação
própria municipal. Ainda que sejam Municípios com frágil base econômica, determinados
serviços são prestados ao poder público municipal, que condiciona o pagamento à emissão de
nota fiscal. Alem disso, muitos profissionais autônomos precisam realizar o pagamento do
ISS para a obtenção do registro no INSS. Em 2.480 Municípios (44,6%), a arrecadação se
310
situa entre 20,01% e 40%. Muitos deles estão localizados nas regiões de maior dinamismo
econômico, onde o IPTU tem um papel mais expressivo. Em 762 Municípios (13,7%), a
participação do ISS na receita tributária ficou em 20% ou menos e estão espalhados quase que
aleatoriamente em todo o território nacional.
A Figura 14 também sublinha que o Índice Global foi positivo (0,2849), com escore z
e valor p significativos, refletindo a existência de aglomeração espacial dos dados. O mapa de
clusters e outliers revela a presença de aglomerações de valores elevados – alta participação
da arrecadação do ISS na receita tributária municipal – para 1.495 Municípios (26.9%),
situados especialmente em áreas de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Há ainda aglomerações de
valores baixos para 1.997 Municípios (35,9%), basicamente localizadas em quase todo o
Nordeste e muitas áreas da região Norte.
É possível igualmente identificar as desigualdades locais, pela distribuição dos outliers
alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 562 Municípios (10,1% do total) com
altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, principalmente nos Estados do
Sudeste, Sul e Centro-Oeste e 206 Municípios (3,7%) que apresentam valores baixos cercados
por vizinhos com valores altos, em especial nas regiões Nordeste e Norte.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
assinalada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.955 Municípios (53,1%) formando
áreas de cold spots e 2.137 Municípios (38,4%) formando áreas de hot spots.
A Figura 15 apresenta mapas e Tabela sobre a média das transferências correntes
recebidas por habitante. O mapa temático retrata que houve uma distribuição desigual das
transferências por habitante no território. No período considerado, 1.422 Municípios (25,6%)
receberam transferências por habitante iguais ou superiores a R$2.500,58. Entretanto, poucos
destes Municípios se localizam nas regiões mais pobres do país – notoriamente no Nordeste.
Muitos estão situados no interior de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Norte do Rio de Janeiro – neste último caso, essencialmente
em função dos repasses referentes aos royalties do petróleo. Há uma quantidade expressiva de
Municípios, 1.522 ou 27,4% do total, que receberam R$1.500 ou menos e que se encontram
no Nordeste, Norte e em boa parte do Estado de Minas Gerais. Assim, as transferências, que
dentre os teus propósitos está o atendimento aos Municípios mais pobres, suprindo as suas
deficiências de receitas e reforçando assim a sua capacidade fiscal, estão apresentando
discrepâncias que frustram o alcance de tais propósitos.
311
A Figura 15 destaca, do mesmo modo, que o Índice Global foi positivo (0,105153),
com escore z e valor p significativos, revelando aglomeração espacial dos dados. O mapa de
clusters e outliers indica existência de aglomerações de valores elevados – altas transferências
correntes recebidas por habitante – para 883 Municípios (15,9%), localizadas em áreas do
interior de São Paulo, de Minas Gerais (Triângulo Mineiro), Centro-Norte do Rio de Janeiro,
Centro-Sul de Goiás; Sul e Leste do Mato Grosso do Sul e áreas do Mato Grosso. Há também
aglomerações de valores baixos para 1.323 Municípios (23,8%), principalmente situadas no
Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri de Minas Gerais; quase todo o Nordeste e áreas
do Estado do Pará, na região Norte. O mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*, por sua vez,
assinala uma aglomeração mais pronunciada de elevados valores numa área maior,
envolvendo 1.998 Municípios (35,9%) formando áreas de hot spots, que se estendem do Rio
Grande do Sul até boa parte de Tocantins e abarcando áreas do Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul e de Minas Gerais (particularmente o Triângulo), além de áreas descontínuas no Rio de
312
Janeiro. O mapa ainda exibe uma aglomeração ampliada de 2.099 Municípios (37,7%)
formando áreas de cold spots que seguem do Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em
Minas Gerais, Norte do Espírito Santo, passando por praticamente todo o Nordeste, até parte
da região Norte.
Ademais, é possível igualmente identificar as desigualdades locais, pela distribuição
dos outliers alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 156 Municípios (2,8% do
total) com altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, particularmente no
Nordeste e 548 Municípios (9,9%) que apresentam valores baixos cercados por vizinhos com
valores altos, concentrados, sobretudo nas regiões mais dinâmicas, como Minas Gerais
(Triângulo), interior de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, de
Goiás e de Tocantins.
A Figura 16, por sua vez, apresenta informações sobre a participação das
transferências correntes na receita orçamentária. O Mapa temático ilustra que, apesar das
transferências representarem parcela expressiva das receitas orçamentárias para a maioria dos
Municípios, a maior parte desta dependência das referidas transferências está concentrada no
Norte e Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Minas Gerais e regiões Nordeste e Norte do
Brasil. Nestas áreas se localizam parcela significativa dos 3.480 Municípios (62,6%) cuja
participação das transferências na receita orçamentária é de 90,01% ou mais. E,
paradoxalmente, as regiões citadas anteriormente são aquelas que têm recebido as menores
transferências por habitante, conforme visualizado na Figura 15. Para 5.085 Municípios, a
participação é de 75,01% ou mais. Somente em 41 Municípios (0,74%) as transferências
respondem por 50,0% ou menos da receita orçamentária, merecendo destaque aqueles
situados na grande São Paulo.
313
A Figura 16 mostra também que o Índice Global foi positivo (0,21804), com escore z e
valor p significativos, indicando aglomeração espacial dos dados. O mapa de clusters e
outliers exibe aglomerações de valores elevados – alta participação das transferências
correntes na receita orçamentária – para 1.727 Municípios (31,0%), concentradas
singularmente em São Paulo e no Rio Grande do Sul, mas com áreas em Minas Gerais
(Triângulo, Sul e Centro-Oeste), Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná, Goiás, Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul. Há também aglomerações de valores baixos para 1.167 Municípios
(21,0%), principalmente localizadas no Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em
Minas Gerais; e em quase todo o Nordeste e Norte do Pará.
É possível igualmente identificar as desigualdades locais, pela distribuição dos outliers
alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 619 Municípios (11,1% do total) com
altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, espalhados notadamente por
áreas de Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul e 251
314
Municípios (4,5%) que apresentam valores baixos cercados por vizinhos com valores altos,
particularmente no Espírito Santo, Minas Gerais e nas Regiões Nordeste e Norte.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
verificada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.235 Municípios (40,2%) formando
áreas de cold spots e 2.323 Municípios (41,8%) formando áreas de hot spots.
O repasse do ICMS por habitante é um indicador da capacidade econômica e fiscal de
um Município. Ainda que uma parte do repasse seja redistributiva – seguindo critérios
definidos em lei, como é o caso do ICMS Solidário, em Minas Gerais – parcela expressiva
(75%), é devolvida ao Município conforme o VAF, favorecendo aqueles com base econômica
mais robusta. E a distribuição espacial dos repasses acaba refletindo as imensas disparidades
no federalismo brasileiro, como retratam as informações da Figura 17. Em 582 Municípios
(10,5%), os repasses por habitante atingem R$1.001,62 ou mais e correspondem, sobretudo
aos Municípios localizados no interior de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Santa
Catarina, de Goiás, do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais (Triângulo
Mineiro); e no Extremo-Oeste da Bahia e no Norte do Rio de Janeiro, bem como algumas
regiões metropolitanas. Há situações cujos repasses por habitante alcançam R$9.036,68 (São
Francisco do Conde/BA), R$12.534,13 (Paulínia/SP) e R$32.145,87 (Porto Ferreira/SP). No
outro extremo, estão os 524 Municípios (9,4%) cujos repasses por habitante são iguais ou
inferiores a R$100,00, e que se concentram, em especial no interior do Piauí e do Maranhão.
Nesses dois Estados, existem dezenas de Municípios cujos repasses são inferiores a R$50,00
– refletindo assim a acanhada agregação de valor ocorrida nestas regiões. Na faixa entre
R$100,02 e R$250,00 de repasse por habitante, estão 1.483 Municípios (26,7%), espalhados
por muitas áreas de Minas Gerais, Nordeste e Norte do Brasil.
315
Na Figura 18 é possível observar o Índice Global com valor positivo (0,487037), com
escore z e valor p significativos, sinalizando aglomeração espacial dos dados. O mapa de
clusters e outliers revela aglomerações de altos valores – elevada participação da cota-parte
do ICMS nas transferências correntes – para 1.910 Municípios (34,3%), concentradas
particularmente em áreas de Minas Gerais, como o Triângulo Mineiro, Sul, Centro-Oeste e
parte da região Central; em praticamente todo o Estado de São Paulo, do Rio de Janeiro, do
Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul; grandes áreas do Mato
Grosso; em algumas áreas do Espírito Santo e de Rondônia e pequena área no Amazonas. Há
também aglomerações de valores baixos para 1.972 Municípios (35,4%), basicamente
localizados no Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri de Minas Gerais; quase todo o
Nordeste e áreas do Estado do Pará, na região Norte.
É possível igualmente identificar as desigualdades locais, pela distribuição dos outliers
alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 124 Municípios (2,2% do total) com
altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, precipuamente no Nordeste; e
400 Municípios (7,2% do total) que apresentam valores baixos cercados por vizinhos com
valores altos, mormente em Minas Gerais e no Paraná.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente atestada
no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.239 Municípios (40,3%) formando áreas de cold
spots e 2.873 Municípios (51,7%) formando áreas de hot spots.
O FPM tem um peso considerável nas transferências correntes recebidas pelos
Municípios e, por conseguinte, nas receitas orçamentárias, mormente para aqueles menores
e/ou localizados nas regiões mais pobres do país, conforme as informações exibidas na Figura
19. Em 904 Municípios (16,3%), o FPM corresponde a 30% ou menos das transferências
correntes e estão concentrados nas regiões mais dinâmicas do país, notadamente áreas de São
Paulo (capital e interior), do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Sul, do
Espírito Santo, do Pará, de Minas Gerais (Triângulo Mineiro), do Extremo-Oeste da Bahia e
as regiões metropolitanas e todo o Estado do Rio de Janeiro. E, em 1.677 Municípios (30,2%),
o FPM representa 50% ou mais das transferências, que se situam, principalmente, no interior
de Minas Gerais, de Tocantins, do Piauí, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. No caso de
Minas Gerais, a dependência do FPM é maior nos Municípios da Zona da Mata, Central e
Vale do Rio Doce, que no Norte de Minas. Possivelmente, isso ocorra em virtude do efeito
positivo da Lei do ICMS Solidário que eleva a participação dos Municípios das regiões mais
pobres nos repasses do imposto.
318
Cabe ressaltar que a elevada dependência média dos Municípios em relação ao FPM
reflete tanto o baixo esforço fiscal – especialmente daqueles com reduzida população – quanto
o significativo hiato vertical presente nas relações intergovernamentais no Brasil. Por outro
lado, o incipiente dinamismo econômico dos Municípios situados nas regiões mais pobres
determina um peso relativamente pequeno para os repasses relacionados ao ICMS (e mesmo
do IPVA). Isso sinaliza a persistência de grandes assimetrias no federalismo brasileiro, que se
manifesta no fenômeno dos desequilíbrios fiscais horizontais, devidamente salientados pela
literatura das finanças públicas e do federalismo fiscal, à medida que existem ainda
significativas disparidades na capacidade fiscal entre as jurisdições de mesmo nível (no caso,
entre os Municípios brasileiros). Por consequência, os Municípios enfrentam imensas
discrepâncias entre si quanto à capacidade de prover serviços públicos em quantidade e
qualidade exigidas pela população. Dessa forma, é improvável que os Municípios mais pobres
consigam ampliar e melhorar a oferta de serviços públicos sem o aporte adicional de recursos
representados pelas transferências redistributivas, como o FPM e o FUNDEB.
319
Ainda que o IPVA tenha um peso reduzido na receita orçamentária100, os repasses por
habitante são um indicativo da condição econômica de cada Município, pois o imposto incide
sobre a propriedade de veículos automotores, que são um parâmetro importante de riqueza e
dinamismo de uma região. Ou seja, o imposto é, ceteris paribus, uma medida da capacidade
econômica e fiscal de um Município, pois lugares pobres possuem frotas menores que os
lugares ricos e, portanto, enfrentam fraca arrecadação do imposto. Além disso, trata-se de
imposto cuja sonegação é menor em virtude do rígido controle exercido primordialmente
pelas autoridades policiais, ao contrário do que acontece com o IPTU. Por fim, a sistemática
de arrecadação e repasse do IPVA poderia igualmente abranger o IPTU com o intuito de
diminuir a sonegação: o lançamento e a cobrança do imposto pelo governo estadual e
transferência de parte ou totalidade do valor arrecadado para os Municípios, conforme a
localização dos imóveis.
100
Como pode ser calculado a partir dos dados da Tabela 6, os repasses referentes ao IPVA representaram
somente 3,1% da receita orçamentária e 5,0% das transferências correntes recebidas, dos 4.959 municípios que
informaram dados em 2014.
321
A Figura 20 ainda exibe Índice Global, que foi positivo (0,571635), com escore z e
valor p significativos, indicando aglomeração espacial dos dados. O mapa de clusters e
outliers assinala aglomerações de altos valores – elevada cota-parte do IPVA recebida por
habitante – para 1.746 Municípios (31,4%), concentradas em praticamente todo o Estado de
São Paulo e de Santa Catarina; em grandes áreas do Rio Grande do Sul e do Paraná e em áreas
de Minas Gerais, como o Triângulo Mineiro, Sul, Centro-Oeste e parte da região Central e em
alguns pontos do Rio de Janeiro, do Espírito Santo, de Goiás, do Mato Grosso e do Mato
Grosso do Sul. Há também aglomerações de valores baixos para 2.314 Municípios (41,6%),
principalmente localizados no Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais;
em quase todo o Nordeste; em grandes áreas da região Norte e no Norte do Estado de Goiás.
No mapa de clusters e outliers são também detectadas as desigualdades locais,
sobretudo pela presença de outliers baixo-alto, formados por 299 Municípios (5,4% do total),
situados notadamente em Minas Gerais, no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do
Sul.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
observada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.559 Municípios (46,0%) formando
áreas de cold spots e 2.532 Municípios (45,5%) formando áreas de hot spots.
A Figura 21 mostra a distribuição das despesas orçamentárias por habitante. No mapa
temático, é possível perceber que 953 Municípios (17,1%) atingiram despesa por habitante de
R$1.500,00 ou menos. Eles estão distribuídos principalmente pelas regiões Nordeste, Norte e
parte de Minas Gerais. São geralmente Municípios que enfrentam grandes dificuldades para
garantir uma provisão adequada de serviços públicos, especialmente em saúde e educação, e
infraestrutura urbana de qualidade. Enquanto isso, 1.059 Municípios (19,0%) tiveram uma
despesa por habitante de R$3.000,94 ou superior. Esses Municípios estão localizados,
notadamente no interior de São Paulo, de Goiás, do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul,
Oeste do Paraná e de Santa Catarina, Norte e Centro-Oeste do Rio Grande do Sul. Ainda
merecem destaque o Norte fluminense, onde alguns Municípios são favorecidos pelos
expressivos royalties do petróleo e as regiões metropolitanas do Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Muitos dos Municípios do interior que apresentam maiores valores por habitantes usufruem
do destacado dinamismo econômico de suas regiões, fato que concorre decisivamente para o
incremento das suas receitas tributárias que, por sua vez, repercute em níveis maiores de
gastos por habitante.
322
A Figura 21 revela que o Índice Global foi positivo (0,140321), com escore z e valor p
significativos, indicando aglomeração espacial dos dados. O mapa de clusters e outliers
sinaliza aglomerações de altos valores – elevada despesa orçamentária por habitante – para
1.015 Municípios (18,2%), concentradas em muitas áreas do Estado de São Paulo (Grande
São Paulo e em especial região Oeste); em algumas áreas de Minas Gerais (como o
Triângulo); do Norte do Rio de Janeiro; no Centro e Norte do Rio Grande do Sul; Centro e
Oeste de Santa Catarina; alguns pontos de Goiás, do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul e
de Tocantins. Há também aglomerações de valores baixos para 1.581 Municípios (28,4%),
acima de tudo localizados no Norte, Vales do Jequitinhonha e do Mucuri e parte da região
Central de Minas Gerais; quase todo o Nordeste e áreas da região Norte.
As desigualdades locais são também notadas pela distribuição dos outliers alto-baixo
ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 164 Municípios (3,0% do total) com altos valores
próximos de vizinhos cujos valores são baixos, sobretudo em Minas Gerais e nos Estados do
Nordeste e 571 Municípios (10,3%) que apresentam valores baixos cercados por vizinhos com
323
valores altos, situados, principalmente nas regiões mais dinâmicas, como Minas Gerais (Sul e
Triângulo), interior de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, de
Goiás e de Tocantins.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
constatada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.171 Municípios (39,0%) formando
áreas de cold spots e 2.453 Municípios (44,1%) formando áreas de hot spots.
A Figura 22 trata da distribuição espacial dos investimentos por habitante. Em 1.371
Municípios (24,6%), espalhados basicamente pelo interior do Nordeste, Norte e importantes
regiões de Minas Gerais, o investimento por habitante se situou em R$150,00 ou menos. A
maioria desses Municípios realiza níveis muito reduzidos de investimentos per capita,
acarretando deficiências na oferta de equipamentos públicos, como escolas e unidades de
saúde, bem como de infraestrutura, notadamente saneamento básico e vias públicas
adequadas. Na faixa intermediária estão 1.917 Municípios (34,5% do total), com
investimentos por habitante entre R$150,10 e R$250,00, que apresentam duas situações
distintas: em alguns casos, estão aqueles que usufruem de alguma economia de escala em
virtude do porte populacional – Municípios de regiões dinâmicas. Em outros casos,
Municípios localizados nas regiões mais pobres que enfrentam problemas relacionados à
insuficiência de recursos para realizar investimentos, repercutindo em baixos valores per
capita. Em 2014, 2.274 Municípios (40,9%) investiram R$250,01 ou mais por habitante.
Muitos desses Municípios se encontram nas regiões mais ricas – algumas delas animadas pelo
agronegócio – sobretudo no interior de São Paulo, de Goiás, do Mato Grosso e de Santa
Catarina; no Oeste do Paraná, no Norte e Centro-Oeste do Rio Grande do Sul, no Extremo-
Oeste da Bahia, no Sul do Maranhão e do Piauí, no interior do Espírito Santo, no Norte do
Rio de Janeiro e nas regiões metropolitanas do Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Existem alguns
pontos espalhados ainda pelo Norte e Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais e
no interior do Nordeste, onde os Municípios são contemplados por transferências
redistributivas que reforçam o orçamento, permitindo assim maior gasto com obras. Por
exemplo, valores adicionais decorrentes de repasses do SUS e do FUNDEB. Municípios
situados em regiões metropolitanas também possuem valores mais elevados, tanto em virtude
do maior investimento refletir um orçamento mais robusto, quanto pela presença de
deseconomias de escala/deseconomias de aglomeração e congestionamentos.
324
A Figura 22 igualmente sublinha que o Índice Global foi positivo (0,158143), com
escore z e valor p significativos, ressaltando aglomeração espacial dos dados. O mapa de
clusters e outliers mostra aglomerações de altos valores – elevados investimentos por
habitante – para 801 Municípios (14,4%), concentradas em muitas áreas do Rio Grande do
Sul (particularmente no Centro-Norte), de Santa Catarina, do Mato Grosso e de Roraima; no
interior de São Paulo (sobretudo Oeste); e em pontos no Norte do Rio de Janeiro, no Oeste do
Paraná, do Mato Grosso do Sul e de Tocantins. Há também aglomerações de valores baixos
para 1.345 Municípios (24,2%), principalmente localizadas no Norte e Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais; em quase todo o Nordeste e áreas no Norte do
Pará.
É possível igualmente identificar as desigualdades locais, pela distribuição dos outliers
alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 154 Municípios (2,8% do total) com
altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, especialmente em Minas Gerais e
325
no Nordeste e 368 Municípios (6,6%) que apresentam valores baixos cercados por vizinhos
com valores altos, situados basicamente no interior de São Paulo, do Paraná, de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
observada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 1.951 Municípios (35,1%) formando
áreas de cold spots e 1.708 Municípios (30,7%) formando áreas de hot spots.
A Figura 23 exibe que a participação média dos investimentos nos gastos totais dos
Municípios é baixa. Em 2.536 Municípios (45,6% do total), a participação dos investimentos
é de 10,0% ou menos. Eles estão espalhados tanto pelas regiões mais ricas e dinâmicas –
como São Paulo – como pelos Estados do Nordeste – em especial Bahia, Alagoas e Sergipe.
Em 3.026 Municípios (54,4%), o percentual é de 10,0% ou mais e estão razoavelmente
distribuídos pelo Brasil, inclusive em regiões mais pobres, como Ceará, Maranhão, Piauí e
Norte de Minas Gerais. Possivelmente os percentuais mais elevados encontrados nas regiões
pobres decorrem dos valores mínimos exigidos para realização de muitas das obras.
Eventualmente, quando são obtidos recursos para o seu financiamento, acabam gerando peso
expressivo na despesa orçamentária. Alguns desses investimentos são, além do mais,
potencializados com repasses provenientes de programas específicos – como FUNDEB ou
SUS. Por outro lado, o percentual modesto observado em Municípios das regiões ricas, onde
os valores investidos por habitante são mais expressivos, provavelmente indica algum exagero
nos gastos destinados ao custeio da máquina, implicando, assim, certo desperdício de
recursos.
326
A Figura 23 também realça que o Índice Global foi positivo (0,16604), com escore z e
valor p significativos, exibindo aglomeração espacial dos dados. O mapa de clusters e outliers
indica aglomerações de altos valores – elevada participação dos investimentos na despesa
orçamentária – para 1.068 Municípios (19,2%), concentradas notadamente em quase todos os
Estados do Norte, bem como no Mato Grosso, no Maranhão e no Piauí. Existem ainda
aglomerações nos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná e do Espírito
Santo. Há igualmente aglomerações de valores baixos para 1.420 Municípios (25,5%), que se
situam tanto nas regiões mais ricas, como no Estado de São Paulo, de Minas Gerais
(Triângulo) e de Goiás, quanto em boa parte do Nordeste.
É possível igualmente detectar as desigualdades locais, pela distribuição dos outliers
alto-baixo ou baixo-alto. O mapa indica a presença de 412 Municípios (7,4% do total) com
altos valores próximos de vizinhos cujos valores são baixos, espalhados particularmente pelos
Estados do Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste e 404 Municípios (7,3%) que apresentam
327
valores baixos cercados por vizinhos com valores altos, localizados nos Estados do Sul,
Centro-Oeste e Nordeste.
A ocorrência de clusters de elevados e de baixos valores pode ser novamente
detectada no mapa derivado do Índice Getis-Ord Gi*: 2.515 Municípios (45,2%) formando
áreas de cold spots e 1.751 Municípios (31,5%) formando áreas de hot spots.
Os dados analisados nesta Seção espelham ainda a distribuição espacialmente desigual
da capacidade fiscal. Isso porque as finanças dos Municípios incorporam os mesmos tipos de
desequilíbrios espaciais observados no campo econômico e social. Os lugares mais atrasados
– com PIB e renda per capita acanhados, proporção de pobres elevada e IDHM insatisfatório
– exibem as maiores carências, e, por conseguinte, menos preparo para o atendimento das
suas populações. São municípios que mostram tanto receita quanto despesa orçamentária por
habitante muito inferior à média do país. Mesmo que tais receitas sejam reforçadas por
transferências, à medida que a arrecadação própria é insignificante, configurando um hiato
fiscal acima da já proeminente média nacional – se comparada com outros países – o volume
destas receitas fica aquém das necessidades de gasto – dado o nível de carência da população.
Também é inexpressiva a arrecadação nos seus territórios daqueles impostos partilhados com
os níveis superiores – como o ICMS e o IPVA.
Entretanto, tais transferências não estão contemplando os Municípios mais carentes de
recursos. Ou seja, repete-se aqui outro desequilíbrio espacial, pois os lugares mais pobres não
aparecem entre aqueles mais favorecidos por transferências de maior valor. Muito embora
nas últimas décadas os mecanismos de transferências tenham sido desenhados e
implementados buscando atenuar tais assimetrias, persiste como desafio assegurar que os
municípios comprovadamente carentes – especialmente os localizados nas regiões mais
pobres – sejam efetivamente melhor contemplados, como meio indispensável para a
superação da deficiente capacidade por eles enfrentada de prover serviços públicos de boa
qualidade. Certamente, o aprimoramento dos critérios de repasse poderia ser acompanhado de
medidas destinadas a induzir ao maior esforço fiscal.
Assim, há uma visível fratura entre regiões ricas e pobres também no que diz respeito
à capacidade do poder público municipal cumprir suas funções. E, processos de
descentralização que não reflitam tal fratura poderão acarretar o aprofundamento das
desigualdades, em virtude das habilidades muito diferenciadas entre os Municípios para o
cumprimento das suas responsabilidades. Conforme advertiu McLure (1998), a efetivação da
descentralização está condicionada ao controle das fontes próprias de receitas pelos governos
328
O fato de que os municípios das regiões mais pobres não terem a mínima estrutura
para financiar bens públicos locais mostram quão frágil e inalcançável é o princípio
da equivalência fiscal no Brasil. Os habitantes desses municípios se comportam
como free riders. Eles procuram consumir bens públicos de outras localidades
financiadas por outros contribuintes, através das externalidades (spillovers), ou
tentam financiar seus bens públicos locais com recursos externos como as
transferências intergovernamentais (CALLADO, 2005).
Portanto, se cada Município pobre do país ofertar serviços públicos financiando-os por
meio de tributos cobrados da sua população, a quantidade e qualidade de tais serviços
ficariam comprometidas, assim como o alcance de padrões mínimos nacionais e a própria
perspectiva da equidade em âmbito federal. O sistema de transferências brasileiro, não
obstante todas as inconsistências, têm colaborado para preservar a razoável unidade territorial,
proeza invejável diante de tantas assimetrias. A ausência ou enfraquecimento de mecanismos
de cooperação intergovernamentais, como as transferências, corolário inevitável do Princípio
da Equivalência Fiscal e do federalismo competitivo, pode trazer sérios riscos a tal unidade,
por condenar ao atraso regiões que, mesmo lentamente, estão se integrando ao mercado
interno e favorecendo a efetivação do projeto de nação.
Em terceiro lugar, as prescrições implícitas ao Princípio da Subsidiariedade,
combinadas à perspectiva do federalismo competitivo, seriam de difícil implementação em
sistemas federais como o brasileiro, caracterizado pelas grandes disparidades regionais. A
329
7 CONCLUSÃO
cerne da proposição está o entendimento de que as falhas de governo produzem danos iguais
ou piores que as falhas de mercado. Por essa razão, os adeptos do federalismo competitivo
prescrevem tanto a mais ampla descentralização possível, com a delegação do máximo de
competências para os níveis inferiores (Princípio da Subsidiariedade), quanto a absoluta
independência entre os níveis de governo, pois cada um deve decidir quais bens e serviços
públicos oferecer e rivalizar no mercado com os demais governos. As ingerências dos níveis
superiores precisam ser eliminadas, bem como atuação compartilhada. No modelo
preconizado, as relações intergovernamentais são nocivas ao bom funcionamento dos
governos, pois cada nível deve operar utilizando exclusivamente recursos arrecadados dos
seus moradores (Princípio da Equivalência Fiscal).
Mesmo que tenha conquistado notoriedade nos meios acadêmicos, as proposições
fundamentalistas da Escola da Escolha Pública são inexequíveis, pois carecem de exemplos
concretos de sua implementação em países federais. Ao contrário, a perspectiva do
federalismo fiscal – ou da economia das federações, conforme definido por Boadway e Shah
(2009) – revela a importância da cooperação no processo de descentralização de
responsabilidades entre níveis de governo. A descentralização em países federais
inevitavelmente produz desequilíbrios horizontais e verticais, cuja correção exige a
cooperação, efetivada por meio de relações intergovernamentais, particularmente um sistema
bem projetado de transferências.
Conforme salientado, a construção do federalismo no Brasil oscilou entre momentos
de centralização com outros de descentralização – o movimento pendular. Entretanto, após
golpe de 1964, não obstante o processo de centralização empreendido pelos governos
militares, foram instituídos mecanismos destinados a promover maior cooperação entre os
níveis de governo, em especial o aprimoramento do sistema de transferências. A CF de 1988
proporcionou significativos avanços nas relações intergovernamentais, inaugurando nova
etapa de descentralização, cujo fato marcante foi o reconhecimento dos Municípios como
entes federativos autônomos.
Embora tenha havido visível esforço para aprimorar o sistema de transferência,
tornando-o instrumento mais efetivo de correção dos significativos desequilíbrios verticais e
horizontais presentes no âmbito do federalismo brasileiro, persistem ainda pronunciadas
assimetrias entre Estados e entre Municípios.
332
A análise do padrão espacial das receitas e gastos constitui objeto da Geografia das
Finanças Públicas. Por meio dessa análise, foi possível identificar tais assimetrias, que se
manifestam como um problema de desequilíbrio espacial.
A análise dos dados das finanças públicas dos Municípios entre 2000 e 2015,
propiciou, dentre outras, as seguintes constatações:
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356
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Mapa 1
Mapa 2
363
Mapa 3
Mapa 4
364
Mapa 5
Mapa 6
365
Mapa 7
Mapa 8
366
Mapa 9
Mapa 10
367
Mapa 11
Mapa 12
368
Mapa 13
Mapa 14
369
Mapa 15
Mapa 16
370
Mapa 17
Mapa 18
371
Mapa 19
Mapa 20
ANEXO II
Mapas de cluster e outliers - Índice Local de Moran I
Zona de distância fixa
373
Mapa 1
Mapa 2
374
Mapa 3
Mapa 4
375
Mapa 5
Mapa 6
376
Mapa 7
Mapa 8
377
Mapa 9
Mapa 10
378
Mapa 11
Mapa 12
379
Mapa 13
Mapa 14
380
Mapa 15
Mapa 16
381
Mapa 17
Mapa 18
382
Mapa 19
Mapa 20
ANEXO III
Mapas de hot spots e cold spots - Índice Getis-Ord Gi*
Zona de distância fixa
384
Mapa 1
Mapa 2
385
Mapa 3
Mapa 4
386
Mapa 5
Mapa 6
387
Mapa 7
Mapa 8
388
Mapa 9
Mapa 10
389
Mapa 11
Mapa 12
390
Mapa 13
Mapa 14
391
Mapa 15
Mapa 16
392
Mapa 17
Mapa 18
393
Mapa 19
Mapa 20
ANEXO IV
Figuras
Mapas de cluster e outliers - Índice Local de Moran I
Comparativo entre matrizes de ponderação
395
Figura 1
Escore z: 178,5602
Valor p: 0,0000
Figura 2
Escore z: 727,1297
Valor p: 0,0000
Figura 3
Escore z: 822,2183
Valor p: 0,0000
Figura 4
Escore z: 771,6405
Valor p: 0,0000
Figura 5
Escore z: 175,7238
Valor p: 0,0000
Figura 6
Valor p: 0,0000
Figura 7
Escore z: 270,1662
Valor p: 0,0000
Figura 8
Escore z: 212,8885
Valor p: 0,0000
Figura 9
Escore z: 584,5830
Valor p: 0,0000
Figura 10
Escore z: 71,6721
Valor p: 0,0000
Figura 11
Escore z: 328,3684
Valor p: 0,0000
Figura 12
Escore z: 122,9873
Valor p: 0,0000
Figura 13
Escore z: 251,4286
Valor p: 0,0000
Figura 14
Escore z: 201,7195
Valor p: 0,0000
Figura 15
Escore z: 561,2196
Valor p: 0,0000
Figura 16
Escore z: 151,0099
Valor p: 0,0000
Figura 17
Escore z: 659,7526
Valor p: 0,0000
Figura 18
Escore z: 163,7193
Valor p: 0,0000
Figura 19
Escore z: 183,5426
Valor p: 0,0000
Figura 20
Escore z: 191,4820
Valor p: 0,0000
Figura 1
Figura 2
407
Figura 3
Figura 4
408
Figura 5
Figura 6
409
Figura 7
Figura 8
410
Figura 9
Figura 10
411
Figura 11
Figura 12
412
Figura 13
Figura 14
413
Figura 15
Figura 16
414
Figura 17
Figura 18
415
Figura 19
Figura 20