Está en la página 1de 54

Elisabeth Kübler-Ross

Elisabeth Kübler-Ross

A MORTE:
U M AMANHECER

Tradução
MARIA DE LOURDES LANZELLOTTI

EDITORA PENSAMENTO
São Paulo
Título original: OnLifeÂfter Deaíh.

Copyright© 1991 Elisabeth Kübler-Ross.

Publicado mediante acordo com a Barbara Hogenson Agency.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parle deste livro pode ser


reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio,
eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema dc
armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto
nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de
revistas.
SUMÁRIO

Viver e Morrer 7

A Morte Não Existe 27

A Vida, a Morte e a Vicia Após a Morte 51

A Morte dos Pais 95


O primeiro n ú m e r o à esquerda indica u e d i ç ã o , ou r e e d i ç ã o , desta obra. A primeira
dezena li direita indica o ano c m que esta edição, ou r e e d i ç ã o foi publicada.

Edição Ano

6-7-8-9-10-11-12-1344 07-08-09-10-11-12-13

Direitos de tradução para o Brasil


adquiridos com exclusividade pela
EDITORA PENSAMENTO-CULTRÍX LTDA.
Rua Dr. Mário Vicente, 368 - 04270-000 - Sao Paulo, SP
Fone: 6 1 6 6 - 9 0 0 0 - F a x : 6166-9008
E-mail: pensamcnlo@culirix.coni.br
http://www.pensamento-cultrix.com.br
que se reserva a propriedade literária desta tradução.
VIVER E MORRER
] V í u i t a s pessoas dizem: "É claro, a doutora Ross
tem visto tantos pacientes à beira da morte que agora
começou a ficar um tanto estranha." A opinião que
as outras pessoas têm a seu respeito é problema delas,
não seu. É muito importante saber que, se você tiver
uma consciência clara e se estiver fazendo o seu tra-
balho com amor, os outros o desmoralizarão c tenta-
rão arruinar a sua vida. Depois de dez anos, entretan-
to, você terá dezoito doutorados pelo mesmo tipo de
trabalho. Eis a situação em que me encontro.
Depois de se sentar no leito de morte de crianças
e de idosos por vários anos, e de ouvir atentamente
o que têm a dizer, você perceberá que eles sabem
quando a morte está se aproximando. De repente, al-
guém se despede quando você nem imaginava que a
morte estivesse próxima. Se você não ignorar o fato,
mas continuar sentado e ouvindo, a pessoa moribunda

9
lhe dirá tudo o que deseja partilhar. Depois que ela
morrer, você terá uma sensação boa, por ter sido a
única pessoa a levá-la a sério.
Estudamos vinte mil casos de pessoas ao redor do
mundo que, depois de terem sido declaradas clinica-
mente mortas, voltaram a viver. Algumas acordaram
naturalmente, outras precisaram de estímulo.
Eu gostaria de fazer um breve resumo daquilo
pelo qual todo ser humano passará, quando chegar o
momento da morte. A experiência é a mesma para to-
dos, seja você um aborígine australiano, um hindu, um
muçulmano, um cristão, um ateu. Ela também não de- O momento da morte é composto de três estágios.
pende da idade nem da situação econômica da pessoa. Se puder aceitar a linguagem usada em minhas con-
Morrer, assim como nascer, é um processo normal pelo versas com crianças moribundas, e que usei, por
qual todos os seres humanos terão de passar um dia.
exemplo, na carta para Dougy, você aceitará que a
A experiência da morte é quase idêntica à do nas- morte do corpo humano é um processo idêntico ao
cimento. É como nascer para uma vida diferente, que
que ocorre quando uma borboleta deixa o casulo. O
pode ser vivida com muita simplicidade. Por milhares
casulo pode ser comparado ao corpo humano, mas
de anos, você foi levado a "acreditar" nas coisas do
não é idêntico ao seu eu real, pois é apenas uma mo-
além. Mas, para mim, j á não se trata de acreditar, mas
de saber. Estou apta a dizer-lhe como obter esse co- rada temporária. Morrer é como mudar-se de uma
nhecimento, contanto que lhe interesse. Mas, caso casa para outra mais bonita — simbolicamente com-
você não esteja interessado, não faz nenhuma dife- parando.
rença, j á que, de qualquer forma, terá esse conheci- Tão logo o casulo esteja numa condição irrepará-
mento quando morrer. E eu estarei lá sentada, feliz, vel —- seja por suicídio, assassinato, ataque cardíaco
principalmente pelos que hoje dizem: "Pobrezinha da ou por uma enfermidade crônica, não importa como
doutora Ross!" tenha acontecido — ele liberará a borboleta; sua alma,
por assim dizer. Nesse segundo estágio, ainda sim-
bolicamente, tendo a borboleta deixado o seu corpo

10 11
material, você terá algumas sensações importantes, ele um quarto de hospital, o cenário de um acidente
das quais é bom que tenha conhecimento, a fim de ou onde quer que você deixe o seu corpo. Você não
não ter mais medo da morte. assimila esses acontecimentos com a sua consciência
Nesse segundo estágio, o que o alimenta é a ener- material, mas com uma nova compreensão. Você as-
gia psíquica, ao passo que, no primeiro, era a energia simila tudo com essa nova compreensão, mesmo du-
física. No primeiro estágio, você ainda necessitava de rante o espaço de tempo em que seu corpo não apre-
um cérebro funcionando e de uma consciência em senta pressão arterial, pulso, em que você não respira
atividade para se comunicar com seus companheiros. e, em alguns casos, até depois de ter cessado a ativi-
Assim que esse cérebro, ou esse casulo, fica danifi- dade cerebral. Você compreende exatamente o que
cado, você não dispõe mais de uma consciência em todos estão dizendo, pensando e fazendo. Posterior-
atividade. N o momento em que finda esse estágio e, mente, você será capaz, por exemplo, de contar com
por assim dizer, seu casulo passa a uma condição tal detalhes o tipo de ferramentas que foram utilizadas
que você j á não consegue respirar, quando não é mais para tirar o seu corpo do carro batido. E pode até
possível medir suas ondas cerebrais ou tomar o seu acontecer às vítimas de um acidente lembrar-se do
pulso — sua borboleta j á deixou o casulo. Isso não número exato da placa do carro que colidiu com o
significa necessariamente que você j á esteja morto, delas e do motorista que lhes negou socorro. Cienti-
mas que o casulo j á deixou de funcionar. Ao deixar ficamente, não se explica como alguém que j á apre-
o casulo, você chega ao segundo estágio, ou seja, ao sente morte cerebral seja capaz de ler o número de
estágio movido pela energia psíquica. A energia psí- uma placa de carro. (Os cientistas carecem de humil-
quica c a energia física são as únicas que o homem dade.) Temos de ter humildade para aceitar que há
pode manipular. milhões de coisas que não podemos compreender,
O maior presente que Deus legou ao homem foi mas que nem por isso deixam de existir, de ser ver-
o livre-arbítrio. Dentre todos os seres vivos, só o ho- dadeiras.
mem possui livre-arbítrio. Sendo assim, pode esco- Se eu usar um assobio próprio para chamar ca-
lher entre usar a própria energia de um modo positivo chorros, você não o ouvirá, mas eles sim, pelo simples
ou de um modo negativo. Assim que a sua alma dei- fato de que o ouvido humano não é feito para captar
xar o corpo, você perceberá que pode captar tudo o uma freqüência tão alta. Do mesmo modo, o homem
que acontece no lugar em que ocorre a morte, seja comum não é capaz de captar uma alma que esteja

12 13
fora do corpo físico, ao passo que, ao contrário, essa tar a enxergar. Se era surda ou muda, poderá ouvir
alma que está se desprendendo ainda é capaz de sentir ou falar novamente. Alguns pacientes meus com es-
as vibrações terrenas e de compreender tudo o que se clerose múltipla, que dependem de cadeiras de rodas
passa no local do acidente. para se locomover e que têm dificuldade para se ex-
Muitas pessoas, quando submetidas a cirurgias, pressar, ao voltar de suas experiências de quase-morte
passam pela experiência de sair do corpo físico e po- dizem exultantes: "Dra. Ross, consegui dançar de
dem, inclusive, observar o trabalho feito pelo cirur- novo." E existem milhares de pacientes em cadeiras
gião. Esse fato precisaria ser do conhecimento de toda de rodas que, nesse segundo estágio, podem final-
a equipe de profissionais que atua junto ao doente, mente voltar a dançar. Evidentemente, quando voltam
para que só falasse junto a ele coisas que ele pudesse à vida, seu corpo está doente como antes.
ouvir. E muito triste tudo o que se diz na presença Agora você pode compreender como essa expe-
de pessoas inconscientes, j á que, em geral, elas podem riência fora do corpo é agradável e abençoada. Depois
ouvir cada palavra. de passar por ela, garotinhas que perderam o cabelo
em virtude de tratamentos para câncer me dizem:
Se a sua mãe ou o seu pai está à beira da morte
"Meus cachinhos cresceram de novo." Mulheres que
ou em coma profundo, ao se aproximar do seu leito,
precisaram extirpar os seios, durante essa experiência
convém que você saiba que ela (ou ele) pode ouvir
vêem-se novamente com seios normais e perfeitos.
tudo o que você diz. Nesse momento, não é tarde
Muitos de meus colegas céticos dizem: "Esses ca-
demais para pedir perdão, para simplesmente dizer- sos podem ser considerados como projeções da ra-
lhe que a ama, ou qualquer outra coisa que deseje. cionalização de um desejo." Cinqüenta e um por cen-
Nunca é tarde demais para se dizer essas palavras to de todos os casos de quase-morte que atendi ocor-
nem mesmo aos mortos, porque eles ainda podem reram de súbito. Não creio que alguém vá para o tra-
ouvi-lo. Você pode até mesmo dar uma solução a balho preocupado, enquanto atravessa a rua, com o
algum "problema não-resolvido" que talvez venha se fato de, no futuro, continuar de posse dos próprios
arrastando há dez ou vinte anos. Agindo assim, po- pés. Entretanto, de repente, em virtude de um aciden-
derá se livrar da culpa e passar a viver de uma forma te, essa pessoa pode ver uma de suas pernas no as-
mais plena. falto, separada do resto do corpo. A despeito disso,
No segundo estágio, a pessoa perceberá que vol- durante sua experiência de quase-morte, ainda vê a
lou a ter uma saúde perfeita. Se era cega, poderá vol- si mesma com ambas as pernas.

14 15
Tudo isso, naturalmente, não é prova suficiente plesmente não existe. Da mesma forma, não existe
para uma pessoa cética. Para tranqüilizar essas pes- espaço nem distância do modo como normalmente os
soas, desenvolvemos um projeto científico com ce- conhecemos, pois esses são fenômenos terrenos. Por
gos, tendo o cuidado de selecionar apenas cegos que exemplo, se uma jovem americana morre na Ásia e,
não tiveram nenhum vislumbre de luz pelo prazo mí- no momento da morte, pensa na mãe, que se encontra
nimo de dez anos. Destes, os que viveram a experiên- em Washington, numa fração de segundos, pela força
cia de quase-morte, ao voltar, são capazes de descre- do pensamento, ela atravessa os milhares de milhas
ver em detalhes as cores e as jóias que você estaria que as separam e vai ao encontro da mãe. Nesse se-
usando, caso estivesse presente. Mais do que isto, po- gundo estágio, não há distâncias. Várias pessoas já
dem descrever a cor e o modelo do seu suéter, ou da viram outras que viviam longe surgir subitamente
sua gravata, e assim por diante. Você há de convir diante dos seus olhos. Um dia depois, um telefonema
que essas afirmações referem-se a fatos impossíveis ou um telegrama lhes dá a notícia do falecimento da
de ser inventados. Você pode fazer uma verificação pessoa que haviam visto, que vivia a centenas ou mi-
dos fatos, contanto que não tenha medo das respostas. lhares de milhas de distância. Essas pessoas são por
Entretanto, se tiver medo delas, pode fazer como al- natureza muito intuitivas, j á que normalmente não é
guns dos céticos e dizer que essas experiências fora possível notar esse tipo de visitante.
do corpo são resultado da falta de oxigênio. É claro A esta altura, você j á pode perceber que ninguém
que, se o problema fosse apenas falta de oxigênio, eu morre sozinho, j á que aquele que está morrendo é
o prescreveria a todos os meus pacientes cegos. Com- capaz de visitar qualquer um que deseje. Existem pes-
preende o que estou tentando dizer? Se uma verdade soas que já se foram, que o amam, que o estimam
desagrada a alguém, esse alguém apresentará uma sé- muito, que estão à sua espera. De vez que nesse nível
rie de argumentos contra ela. Uma vez mais, entre- o tempo não existe, alguém que perdeu um filho
tanto, isso é problema dele, não seu. N ã o se pode quando tinha vinte anos de idade pode, depois dos
querer convencer os outros mas, de qualquer modo, noventa e nove, encontrá-lo ainda como criança. Para
quando morrerem, eles conhecerão a verdade. os que se encontram do outro lado, um minuto pode
Nesse segundo estágio, você perceberá ainda que ser igual a cem anos do nosso tempo na terra.
ninguém morre sozinho. Quando você deixa o corpo O que a igreja conta às crianças a respeito de anjos
físico, passa para uma existência na qual o tempo sim- da guarda baseia-se nesse fato. Existem provas de que

16 17
todos os seres humanos, do nascimento até a morte, cidos ainda se encontram na Terra, geralmente são os
são guiados por uma entidade espiritual. Todos têm anjos da guarda, Jesus ou outra figura religiosa que
esse guia, acredite você ou não. Não importa se você as recebem. Nunca deparei com uma criança protes-
é judeu, católico ou se pertence a alguma outra reli- tante que tivesse visto a Virgem Maria em seus últi-
gião, pois esse amor é incondicional. E por isso que mos minutos de vida, como acontece com muitas
todos recebem como presente esse guia espiritual. crianças católicas. Não é questão de discriminação;
Existem alguns a quem minhas crianças chamam de simplesmente você é recebido pelos que são mais im-
"amiguinhos". Conversam com eles e têm plena cons- portantes para você.
ciência de sua presença. Quando chega a época em No segundo estágio, depois de ter percebido que
que têm de ir para a escola, porém, os pais lhes dizem: seu corpo é novamente um todo e de ter encontrado
"Você agora j á é grande. Está indo para a escola. seus entes queridos, você perceberá que a morte é
Portanto não deve mais brincar como essas coisas de tão-somente uma transição para uma forma diferente
criança." Com isso, você acaba esquecendo os seus de vida. As formas físicas terrenas são deixadas para
amiguinhos espirituais até encontrar-se em seu leito trás, de vez que você não necessita mais delas. Mas,
de morte. Uma senhora de idade, quase à morte, dis- antes de deixar o corpo físico e adotar as formas que
se-me: "Ele está aqui novamente." Como eu não sou- conservará por toda a eternidade, você passa por uma
besse a quem ela se referia, perguntei-lhe se não gos- fase na qual os elementos do mundo físico ainda estão
taria de me contar o que vira. Ela então me disse: totalmente presentes. Pode ser que você flutue por
"Sabe, quando eu era pequena, ele costumava estar um túnel, atravesse um portal ou uma ponte. No meu
sempre ao meu lado. Depois, esqueci-me completa- caso, como nasci na Suíça, atravessei um desfiladeiro
mente da sua existência." U m dia depois, ela morreu, nos Alpes, coberto com flores silvestres. Todos vão
alegre, sabendo que alguém que a amava profunda- ao encontro do Céu que imaginam. Quanto a mim,
mente estava à sua espera. naturalmente, foi-me permitido passar por essa tran-
Em geral, as pessoas que nos esperam do outro sição caminhando por um desfiladeiro de incomparável
lado são as que mais nos amaram. São sempre as pri- beleza. As campinas eram cobertas de flores dos Alpes,
meiras que encontramos. No caso de crianças muito com um colorido que eu compararia a um tapete persa.
pequenas — de dois ou três anos, por exemplo — Depois de atravessar esse túnel, portal ou desfi-
cujos avós, pais e todos os demais familiares conhe- ladeiro, ao chegar ao seu final, você é envolvido pela

18 19
luz. Essa luz é mais branca do que o branco mais aprender, e o aprendizado pode ser diferente para
puro, extremamente brilhante, e quanto mais você se cada um. Há algo que todos temos de aprender antes
aproxima dela, mais é envolvido pelo amor mais in- de voltar para o local de onde viemos: amar incon-
tenso, indescritível, incondicional que pode imaginar. dicionalmente. Se você aprendeu e praticou isso,
N ã o há palavras para exprimi-lo. aprendeu a maior de todas as lições.
Se alguém está tendo uma experiência de quase- Nessa luz, na presença de Deus, de Cristo, ou seja
morte, é-lhe permitido, por um breve momento, vis- lá qual for o nome que se lhe queira dar, você tem
lumbrar essa luz, mas depois deve voltar. Porém, de olhar para trás e ver toda a sua vida, do primeiro
quando você morrer de verdade, a ligação entre o ca- ao último dia. Ao ter essa visão da sua própria vida,
sulo e a borboleta (que pode ser comparada ao cordão você terá alcançado o terceiro estágio. Nesse nível,
umbilical) será definitivamente rompida e não será você j á não está mais de posse da consciência do
mais possível voltar ao corpo terreno. Mas você não primeiro estágio ou da percepção do segundo. Você
iria mesmo querer voltar, pois ninguém que tenha vis- agora está de posse do conhecimento. Sabe nos mí-
to a luz deseja voltar. Nessa luz, você vai sentir, pela nimos detalhes cada pensamento que teve em cada
primeira vez, o que o homem poderia ter sido. A l i há momento da sua vida sobre a Terra. Você se lembrará
compreensão sem julgamento; ali você experimenta de todos os seus atos e saberá cada palavra que disse.
o amor incondicional. Nessa presença, que muitos Essa recapitulação representa apenas uma ínfima par-
comparam a Cristo ou a Deus, ao amor e à luz, você cela do seu conhecimento, porque, nesse momento,
saberá que a sua vida sobre a Terra não foi senão uma você j á conhece todas as conseqüências dos seus pen-
escola que você teve de freqüentar, na qual você pas- samentos, palavras e ações.
sou por certos testes e teve de aprender lições espe- Deus é amor incondicional. Durante essa revisão
ciais. Assim que você termina essa escola e aprende da sua vida terrena, você não O culpará pelo seu des-
suas lições, é-lhe permitido ir para casa. Você recebe tino mas, ao contrário, saberá que foi você mesmo o
o seu diploma! seu maior inimigo e se recriminará por ter negligen-
Algumas pessoas poderão perguntar: "Por que en- ciado tantas oportunidades de crescimento. Agora,
tão certas criancinhas tão inteligentes têm de morrer?" você sabe que, quando sua casa foi incendiada, há
A resposta é bastante simples. Elas aprenderam, num tempos, quando seu filho morreu, quando seu cônjuge
espaço de tempo muito breve, o que ainda tinham a se feriu ou quando você mesmo sofreu um ataque

20 21
cardíaco, enfim, que todos esses golpes fatais não pas- mais a minha situação; por isso, prometi-lhe que pe-
saram de maneiras de fazê-lo se desenvolver: em ter- diria uma injeção." Naturalmente, conversamos com
mos de compreensão, de amor e de todas aquelas coi- a mãe dessa paciente e foi possível ajudá-la. Entenda
sas que ainda temos de aprender. Dirá, então: "Em que não foi o ódio que a levou ao desespero. Ela
vez de usar essas oportunidades inteligentemente, a simplesmente não agüentava mais. Nenhum paciente
cada golpe eu ficava cada vez mais endurecido, de à beira da morte pedirá a eutanásia se estiver sendo
modo que aumentavam a minha raiva e o meu nega- tratado com amor, e se estiver sendo ajudado a ter-
tivismo..." minar o que ainda tiver de fazer.
Fomos criados para ter uma vida muito simples, Eu gostaria de salientar que também o câncer é
bela e maravilhosa. Meu maior desejo é que você co- uma bênção. Não quero minimizar o lado negativo
mece a olhar a vida de um modo diferente. Se você da doença, mas saiba que há milhares de coisas pio-
aceitar a sua vida como algo para o qual foi criado, res. Tenho pacientes com esclerose amiotrófica late-
ral, uma das várias enfermidades neurológicas nas
não se questionará mais sobre quem deveria viver
quais você vê o processo de paralisia ir se expandindo
mais ou quem deveria viver menos. Ninguém cogita-
até a imobilização total, sem poder fazer nada. Por
ria de fazer a eutanásia em alguém, a fim de encur-
fim, você j á não consegue murmurar nem falar. Não
tar-lhe a vida, se tivesse esse entendimento. Mas a
sei se você pode imaginar o que seja ficar totalmente
morte jamais deve representar sofrimento. Hoje em
paralisado, dos pés à cabeça. Você não pode escrever
dia, a ciência médica é tão fantástica, que pode poupar nem falar, não pode fazer nada. Se você conhece pes-
qualquer um da dor. Se os seus doentes puderem ser soas nessa situação, informe-nos, pois dispomos de
poupados da dor, se puderem receber todos os cuida- um utilíssimo quadro de comunicação verbal que per-
dos de que necessitam e se você tiver coragem de mite que o paciente se comunique com você.
levá-los para casa — todos, se possível — ninguém
lhe pedirá a eutanásia.
Nos últimos vinte anos, uma única pessoa pediu-
me a eutanásia. N ã o entendendo a razão do pedido,
sentei-me ao seu lado e perguntei-lhe: "Por que você
quer a eutanásia?" Ela então revelou-me: "Não sou
cu quem quer, mas minha mãe. Ela j á não agüenta

22 23
coisas que, de outro modo, jamais aprenderia. Se —
simbolicamente falando — o passarem num esmeril
(como se fosse uma pedra), dependerá unicamente de
você ser triturado ou sair dali reluzente como um dia-
mante polido.
Asseguro-lhe: é uma bênção poder sentar-se à bei-
ra da cama de um paciente moribundo. A morte não
tem de ser uma coisa triste e feia. Ao contrário, você
pode conhecer coisas maravilhosas, ternas. O que
aprender com esses pacientes poderá ser transmitido
aos seus filhos e vizinhos e, quem sabe, o nosso mun-
M eu desejo é que você possa transmitir às pessoas do possa tornar-se um paraíso novamente. Eu acho
um pouco mais de amor. Se pensar um pouco, você que a hora de começar é agora.
verá que as pessoas a quem destina os mais caros
presentes de Natal geralmente são aquelas a quem
mais receia e pelas quais nutre os sentimentos mais
negativos. Não creio que seja necessário dar a alguém
um presente tão caro — mais apropriado seria dar-lhe
amor incondicional. No mundo todo, existem vinte
milhões de crianças morrendo de fome. Adote uma e
passe a comprar presentes menos caros. Pense em
quanta gente pobre existe pelo mundo, inclusive na
Europa Ocidental. Divida as riquezas com que foi
abençoado. E quando passarem furacões pela sua
vida, pense que, mesmo que nesse momento eles se
afigurem como tal, dali a dez ou vinte anos você verá
que nada mais foram senão presentes do céu, pois por
meio deles é que você adquirirá forças e aprenderá

24 25
A MORTE NÃO EXISTE
Kfesta manhã, partilharei com você o modo como
um tiquinho de gente encontrou seu caminho, sua
senda na vida, e procurarei demonstrar-lhe que essa
vida, esse espaço de tempo em que você está num
corpo físico, é apenas uma pequena parte de toda a
sua existência. Esse período é muito importante por-
que você está aqui por uma razão especial, que é sua
e de mais ninguém. Se você viver bem, jamais terá
de se preocupar com a morte, mesmo que lhe reste
um único dia de vida. A questão do tempo não é
assim tão importante, pois é apenas um conceito hu-
mano, artificial.
Viver bem significa, basicamente, aprender a
amar. Ontem eu fiquei muito comovida quando o ora-
dor disse: "Fé, amor e esperança, mas o maior dos
três é o amor." Na Suíça, costuma-se crismar as crian-
ças aos dezesseis anos e designar-lhes o que se supõe

29
seja a sua palavra-chave ao longo da vida toda. Como contrava-se numa desordem terrível. Eu tinha prome-
fôssemos trigêmeos, tiveram de encontrar uma pala- tido a m i m mesma que, se a guerra um dia acabasse,
vra para cada um de nós três. Escolheram amor, fé e eu iria até a Rússia e à Polônia prestar primeiros so-
esperança, e a mim coube "amor". corros e assistência, e cumpri a promessa. Foi aí, creio
Hoje, vou conversar com você a respeito do amor, eu, que meu trabalho com a morte e os moribundos
que é vida e morte, o que é a mesma coisa. começou.
Fiz uma breve menção ao fato de que fui uma V i pessoalmente os campos de concentração. V i
criança "indesejada". Não que meus pais não quises- trens carregados de sapatinhos de bebês; outros leva-
sem um filho. Eles bem que queriam ter uma menina, vam cabelos das vítimas para a Alemanha, onde se-
mas que fosse graciosa, bonita e forte. Não esperavam riam utilizados na confecção de travesseiros. Se você
ter trigêmeos e, quando nasci, pesava menos de um sentisse o cheiro dos campos de concentração, se vis-
quilo, era muito fraquinha, feiosa e não tinha nenhum se os crematórios ainda jovem como eu v i , adoles-
cabelo, o que foi uma decepção terrível para eles. cente ainda, nunca mais você seria o mesmo. Diante
Quinze minutos depois de mim, nasceu uma segunda da falta de humanidade do homem, você percebe que
criança, e vinte minutos mais tarde uma terceira, essa cada um de nós é capaz de tornar-se um monstro na-
pesando quase três quilos, para alegria dos meus pais. zista. Você é obrigado a reconhecer isso, mas deve
Mas eles ficariam bem satisfeitos se pudessem devol- também saber que cada um de nós tem igualmente a
ver as duas primeiras crianças. capacidade de se tornar uma Madre Teresa. Ela é uma
Creio que na vida nada acontece por coincidência, das minhas santas — uma mulher que, na índia, re-
nem mesmo o meu nascimento. Sempre tive a sensa- colhe crianças moribundas, pessoas morrendo de
ção de que competia a m i m provar que, mesmo para fome, e que acredita piamente que mesmo que elas
um tiquinho de gente de um quilo, valia a pena viver. estejam morrendo em seus braços, se puder amá-las
Trabalhei duro nesse sentido, assim como algumas por cinco minutos que seja, terá valido a pena elas
pessoas cegas, que têm de trabalhar dez vezes mais terem vivido. Se você não teve a oportunidade de
que as outras para manter seus empregos. conhecê-la, saiba que ela é um ser humano realmente
Quando eu era adolescente e a guerra havia ter- bonito.
minado recentemente, senti necessidade de fazer al- Quando vim para os Estados Unidos, depois de
guma coisa por este mundo que, naquela época, en- ter sido médica do governo na Suíça — o que me

30 31
fazia muito feliz — eu havia planejado ir para a índia, nhecer. Eu mal compreendia o inglês que falavam,
onde pretendia atuar como cirurgia, a exemplo do tra- mas amava cada um deles. Eu realmente me interes-
balho que Schweitzer fazia na África. Duas semanas sava por eles. Depois de dois anos, noventa e quatro
antes da data marcada para a minha partida, porém, por cento dos pacientes receberam alta, j á em condi-
fiquei sabendo que o projeto todo fracassara. Em vez ções de cuidar de si mesmos, e voltaram para suas
de ir para as florestas da índia, acabei indo para as casas, sendo que alguns, j á aptos para a trabalho, até
florestas de Nova York, casada com um americano arranjaram emprego.
que me levou para o último lugar do mundo onde eu O que estou tentando dizer-lhe é que o conheci-
pensaria viver. Mas nem mesmo isso aconteceu por mento ajuda, mas ele, sozinho, não basta. Se você
coincidência, pois ir para um lugar que você ama é não usar a cabeça, o coração e a própria alma, não
fácil, ao passo que ir para um lugar que você detesta conseguirá ajudar um único ser humano. Foi o que
é uma prova. aprendi com os chamados pacientes irrecuperáveis,
Acabei no Hospital Estadual de Manhattan, outro portadores de esquizofrenia crônica. Em todo o meu
lugar detestável. Não conhecendo muita coisa sobre trabalho junto aos pacientes, fossem eles esquizofrê-
psiquiatria, sentindo-me muito solitária, infeliz e tris- nicos crônicos, crianças com acentuado retardamento
te, mas não querendo fazer a infelicidade do meu ma- mental ou moribundos, cada um tinha um objetivo.
rido, passei a dedicar-me aos pacientes. Identifiquei- Cada um deles pode simplesmente aprender c ser aju-
me com a infelicidade, a solidão e o desespero deles dado por você, como também pode, verdadeiramente,
e, súbito, eles começaram a falar, inclusive pessoas tornar-se o seu professor. Isso se aplica a bebês re-
que não falavam há anos. Elas começaram a falar, a tardados de seis meses de idade, que não podem falar,
partilhar seus sentimentos e, de repente, percebi que e a esquizofrênicos irrecuperáveis, que se comportam
eu não estava sozinha na minha desgraça. De repente, como animais quando você os vê pela primeira vez.
eu j á não me sentia tão infeliz por trabalhar num hos- Mas os melhores professores do mundo, sem dúvida
pital estadual. Durante dois anos, vivi em função des- nenhuma, são os pacientes que estão à beira da morte.
ses pacientes. Passei todos os feriados de Hanukkah, Se você se dispuser a sentar-se ao lado de pacien-
do Natal, de Passover e da Páscoa com eles, apenas tes moribundos, aprenderá com eles a respeito dos
para partilhar da sua solidão, sem saber muito sobre vários estágios da morte. Você os vê ir da revolta ao
psiquiatria, a psiquiatria teórica que eu precisava co- ódio, os vê perguntarem "Por que eu?", questionando

32 33
e às vezes até mesmo duvidando da existência de sentir dor, se sofrer perdas e se, em vez de fechar os
D@us. Primeiro eles tentam barganhar com Deus, de- olhos à realidade, encarar a dor, não como uma des-
pois caem numa terrível depressão. Quando têm al- graça ou como um castigo, mas como um presente
guém que se interesse por eles, ainda podem alcançar que lhe é dado com um propósito específico.
um estágio de resignação. Mas isso não só não é ca- Vou dar um exemplo na área da medicina. Num
racterístico da morte, como também não tem nada de meus seminários — organizamos cursos de uma
que ver com ela. Só falamos "estágios da morte" por semana — havia uma mulher ainda jovem que não
falta de expressão mais adequada. Basta que se perca se deparara com a morte de um filho, mas com o que
um namorado ou namorada, o emprego ou, então, que chamamos de "pequenas mortes". A seus olhos, não
a pessoa se veja forçada a mudar da casa onde viveu tão pequenas. Quando deu à luz a segunda filha, pela
por cinqüenta anos e ir para um quarto de hospital. qual tanto ansiara, disseram-lhe sem rodeios que a
Em alguns casos, até mesmo a perda de um periquito criança sofria de um acentuado retardamento mental
ou, simplesmente, das lentes de contato poderá levar e que nunca chegaria sequer a reconhecê-la como
a esses "estágios da morte". Esse, creio eu, é o ver- mãe. Assim que soube do fato, o marido a deixou e,
dadeiro significado do sofrimento. súbito, ela se viu às voltas com duas crianças peque-
Todas as dificuldades que você enfrenta na vida, nas, absolutamente dependentes, sem dinheiro, sem
todas as provas e tribulações, todos os pesadelos e nenhuma fonte de renda e sem a ajuda de quem quer
todas as perdas, são vistos pela maioria das pessoas que fosse.
como desgraça, como castigo de Deus, como algo Sentiu-se terrivelmente revoltada. Não podia nem
negativo. Você precisa compreender que nada do que sequer ouvir a palavra "retardamento". Passou a odiar
lhe acontece é negativo. Nada. Todas as provas e tri- a Deus, culpando-o pela situação em que se encon-
bulações, as maiores perdas, são presentes que você trava. Primeiro, negou Sua existência. Depois, come-
recebe. É como malhar em ferro quente. São oportu- çou a achar que Ele não servia para nada. Por fim,
nidades de você se desenvolver. Esse é o único pro- desesperada, passou a implorar que ao menos a crian-
pósito da nossa existência sobre o planeta Terra. Você ça pudesse receber alguma educação ou reconhecê-la
não se desenvolverá se continuar sentado num belo como mãe. Pouco a pouco, começou a descobrir o
jardim florido e se for magnificamente servido em verdadeiro significado de ter tido essa criança. Vou
bandeja de prata. Mas se desenvolverá se adoecer, se partilhar com você o modo como, finalmente, essa

34 35
mãe conseguiu isso. Ela começou a perceber que nada Serei uma criança de Deus o tempo todo.
na vida acontece por acaso. Pôs-se a olhar para a filha Sou feliz. Amo a todos, e eles me amam também.
e a imaginar com que propósito alguém viveria sobre Não sei dizer muitas palavras.
a Terra naquelas condições, quase como um vegetal. Mas posso me comunicar e compreender a afei-
E encontrou a solução, que partilho com você aqui, ção, a cordialidade, a delicadeza e o amor.
por meio do poema que ela escreveu. Embora sua Existem pessoas especiais na minha vida.
autora não seja uma poetisa, trata-se de um poema As vezes sento-me e sorrio; às vezes choro e me
comovente, no qual ela se coloca no lugar da filha, pergunto: por quê?
como se esta conversasse com sua madrinha. O poe- Sou feliz e amada por amigos especiais.
ma foi intitulado " A Minha Madrinha". O que mais eu poderia pedir?
Oh, claro, nunca irei para a faculdade, nem me
O que é uma madrinha? casarei.
Sei que você é muito especial, Mas não fique triste: Deus me fez muito especial.
Que esperou muitos meses pela minha chegada. Não sou capaz de magoar alguém. Eu só sei amar.
Você estava lá e me viu com dez minutos de vida, E talvez Deus precise de algumas crianças que
E trocou minhas fraldas quando eu tinha poucos simplesmente amem.
dias. Lembra-se de quando fui batizada,
Você sonhava como seria a sua primeira afilhada. Quando você me segurou, esperando que eu não
Ela seria precoce como sua irmã, chorasse e que não me deixasse cair?
Você a veria ir para a escola, para a faculdade, e Nada disso aconteceu e esse foi um dia muito
depois casar-se. feliz.
Como eu haveria de ser? Faria jus àqueles que E por isso que você é a minha madrinha?
me tinham dado a vida? Sei que é delicada e afetuosa, que me dá amor,
Deus tinha outros planos para mim. Eu sou apenas mas há algo de muito especial em seus olhos.
eu mesma. Vejo esse mesmo olhar e sinto esse mesmo amor
Ninguém jamais usou a palavra "precoce" ao re- da parte dos outros.
ferir-se a mim. Devo ser especial para ter tantas mães.
Há algo de errado com a minha mente: Não, nunca serei um sucesso aos olhos do mundo.

36 37
Mas prometo-lhe algo que poucas pessoas podem não faz o que gostaria de fazer, então vá para casa e
prometer. mude de trabalho. Você sabe o que estou lhe dizen-
Já que só conheço amor, bondade e inocência, do? Ninguém é obrigado a fazer o que quer que seja
Teremos a eternidade para partilhar, minha ma- apenas porque alguém diz que deve fazê-lo. Isso é
drinha. como forçar uma criança a aprender uma profissão
para a qual ela não tem vocação. Se você ouvir sua
Quem escreveu esta poesia foi a mesma mãe que, voz interior, sua sabedoria intèrior que, no que lhe
poucos meses antes, chegou a pensar em deixar o diz respeito, é de longe mais importante do que a de
bebê, que ainda engatinhava, perto da piscina e fingir qualquer outra pessoa, não haverá erro e você saberá
que ia à cozinha, para que a criança caísse e morresse o que fazer da sua vida. O tempo, então, não terá
afogada. Espero que você tenha apreciado a mudança mais nenhuma importância!
que ocorreu com essa mãe. Depois de trabalhar com pacientes terminais por
Isso acontecerá com todos vocês, se procurarem muitos anos e de aprender com eles o que vem a ser
olhar os dois lados da moeda com relação a tudo o a vida, depois de saber dos remorsos que eles têm no
que se passa na sua vida. Nunca existe um lado só. final, quando parece que é tarde demais para qualquer
Você pode ser um doente terminal, pode padecer de coisa, comecei a perguntar a mim mesma o que seria
uma dor terrível e pode não ter com quem conversar. a morte.
Pode parecer-lhe injusto que a sua vida seja interrom- Num dos meus cursos, certa sra. Schwarz foi a
pida no meio, quando ainda nem começou a viver de primeira paciente que conhecemos que teve uma ex-
verdade. Mas procure ver o outro lado da moeda. periência fora do corpo. Esse caso nos levou a uma
De repente, você é um dos poucos afortunados série de outros, ocorridos pelo mundo todo. Temos
que pode deixar de lado essa bobagem toda, que pode centenas de casos, da Austrália à Califórnia, e todos
chegar para alguém e dizer "Eu te amo", enquanto têm um denominador comum. Todas as pessoas en-
ainda é tempo. Eles podem dispensar os elogios por- volvidas têm plena consciência de ter deixado o corpo
que você sabe que está aqui por muito pouco tempo. físico e de que a morte, como a entendemos em lin-
Finalmente, você pode fazer as coisas que realmente guagem científica, na realidade não existe. A morte
quer fazer. Quantos de vocês de fato trabalham no nada mais é do que o abandono do corpo físico, assim
que gostam de fazer do fundo do coração? Se você como a borboleta abandona o casulo. E uma transição

38 39
para um estado de consciência mais amplo, no qual A meu ver, talvez a parte mais impressionante se
você continua a perceber, a entender, a sorrir e pode relacione com meu recente trabalho junto a crianças
continuar se desenvolvendo. A única coisa que você moribundas. Atualmente quase todos os meus pacien-
perde é algo de que não necessita mais, ou seja, o seu tes são crianças. Mando-as para casa para morrer. Pre-
corpo físico. E como guardar o seu casaco de frio paro as famílias para que as "minhas crianças" mor-
quando chega a primavera. Você sabe que o casaco ram em casa. O maior medo que elas têm é de ficar
está surrado e não quer mais usá-lo. Com a morte, é sozinhas, de não ter ninguém ao seu lado. Mas, no
praticamente isso o que acontece. momento da transição, você nunca está só. Nem mes-
Nenhum dos pacientes que passaram pela expe- mo agora você está sozinho, só que não sabe disso.
riência fora do corpo continuou a ter medo da morte. Na hora da transição, os seus guias, os seus anjos da
Nenhum, dentre todos os nossos casos. Além disso, guarda, as pessoas que você amou e que j á se foram
muitos de nossos pacientes disseram que, além do estarão ali para ajudá-lo. Podemos comprovar isso
sentimento de paz e de serenidade que sentiram e do sem sombra de dúvida, e é na qualidade de cientista
conhecimento de poderem perceber os outros sem se- que faço essa afirmação. Há sempre alguém para aju-
rem percebidos, sentiram também um sentimento de
dá-lo no momento da transição. Na maioria das vezes,
inteireza. Com isso queremos dizer que alguém que
é a mãe ou o pai, ou um avô ou um filho, caso você
tenha perdido uma perna em um acidente de automó-
tenha perdido algum. As vezes, são pessoas que você
vel pode ver essa perna jogada na estrada mas, ao sair
nem sabia que j á estavam "do outro lado".
do corpo físico, tem ambas as pernas. Uma de nossas
pacientes ficou cega por ocasião da explosão de um Tivemos o caso de uma criança de doze anos de
laboratório e, no momento em que se viu fora do cor- idade que não queria partilhar com a mãe a bela ex-
po físico, foi capaz de descrever o acidente todo, bem periência que teve quando morreu. Nenhuma mãe
como todas as pessoas que foram arremessadas para gosta de ouvir que seu filho encontrou um lugar mais
fora do laboratório. Quando voltou à vida, estava to- agradável do que a sua própria casa, o que é muito
talmente cega novamente. Isso pode ajudá-lo a enten- compreensível. Mas essa criança teve uma experiên-
der por que muitos desses pacientes se ressentem dos cia tão singular, que necessitava desesperadamente
artifícios usados para trazê-Ios de volta: é que se en- partilhá-la com alguém. Assim, um dia, acabou con-
contram num lugar muito mais bonito e perfeito do fidenciando-a ao pai. Contou-lhe que a experiência
que a vida que levavam. da morte fora tão bela, que desejou não voltar nunca

40 41
mais para casa. Além da atmosfera de amor e da luz as ama, ou quem passa mais tempo com elas. Mas
fantástica a que se refere a maioria das pessoas que essas são apenas diferenças culturais.) A maioria das
passa por essa experiência, o que tornava tudo mais crianças diz mamãe e papai, mas nenhuma dessas
especial era que um irmão estava lá com ela, abra- crianças prestes a morrer jamais viu o pai ou a mãe
çando-a com muita ternura, amor e compaixão. De- na hora da morte, a menos que eles já tivessem mor-
pois de contar isso, ela disse ao pai: "O único pro- rido.
blema é que eu não tenho um irmão." Chorando, o Muitas pessoas dizem que se trata de uma proje-
pai confessou que, de fato, ela tivera um irmão que ção do pensamento, do desejo. Quem está morrendo
morrera três meses antes de ela nascer. Nunca lhe está desesperado, sozinho, amedrontado — por isso,
haviam contado isso antes! imagina que um ente querido esteja a seu lado. Se
Você compreende por que estou dando exemplos isso fosse verdade, noventa e nove por cento de todas
desse tipo? Muitas pessoas dizem: "Bem, você sabe, as minhas crianças moribundas, de cinco, seis e sete
anos de idade, veriam seus pais. Entretanto, em todos
eles não estavam mortos de verdade e, no momento
esses anos em que colecionei casos, nenhuma viu os
da morte, devem ter pensado nas pessoas que ama-
pais, porque eles ainda estavam vivos. Para que você
vam; por isso as viram." Mas ninguém pode ver um
veja uma pessoa, ela precisa ter morrido antes de
irmão de cuja existência nunca teve conhecimento.
você, ainda que apenas um minuto antes, e que você
Pergunto a todas as minhas crianças em fase ter- a tenha amado de verdade. Isso explica por que mui-
minal quem elas mais gostariam de ver, quem gosta- tas de minhas crianças vêem Jesus. U m garoto judeu
riam de ter sempre ao seu lado. (A propósito, muitos não O vê porque, normalmente, não professa o Cris-
de meus pacientes adultos são pessoas descrentes, e tianismo. Mas essas são apenas diferenças religiosas.
não é possível conversar com eles a respeito da vida Mas ainda não terminei de contar a história da
depois da morte. Não imponho isso aos meus pacien- sra. Schwarz. Duas semanas depois que seu filho atin-
tes.) Assim, sempre pergunto às minhas crianças, giu a maioridade, ela morreu. Foi enterrada e tenho
"Quem você gostaria de ter ao seu lado para sempre, certeza de que eu a teria esquecido (era uma de mi-
se pudesse escolher uma pessoa?" Noventa e nove nhas inúmeras pacientes), não tivesse ela voltado a
por cento das crianças, com exceção das negras, di- me visitar.
zem mamãe e papai. (As crianças negras geralmente Aproximadamente dez meses depois de ela ter
escolhem tias e avós, porque talvez sejam quem mais morrido e de ter sido enterrada, eu estava com um

42 43
problema. Estou sempre com problemas, mas dessa lando sobre outros assuntos. Comecei a ficar deses-
vez o problema era maior. Meu seminário sobre a perada, e quando me exaspero fico muito agitada. An-
morte e os moribundos estava começando a decair. tes que o elevador chegasse, agarrei-o pelo colarinho
O pastor com quem eu trabalhava e a quem amava — e olhe que ele era um homem enorme — e disse:
muitíssimo partira, e o que veio substituí-lo preocu- "Você vai ficar aqui mesmo. Tomei uma decisão mui-
pava-se demasiado com a propaganda, passando a to importante e quero que saiba." Senti-me uma ver-
apostar tudo nela. Toda semana tínhamos de conver- dadeira heroína por ter feito isso. Ele não disse nada.
sar sobre a mesma coisa, e era como se fosse um Nesse instante, uma mulher apareceu na frente do
espetáculo teatral. Eu não achava que valesse a pena. elevador. Olhei-a fixamente. Eu não poderia dizer
Era como prolongar a vida quando j á não valia a pena como ela era, mas você pode imaginar o que se passa
viver. Eu sentia que aquilo tudo não tinha nada que quando vê alguém, sabe que o conhece muito bem
ver comigo e decidi deixar a Universidade. Natural- mas, de súbito, não sabe dizer de quem se trata. Eu
mente, fiquei com o coração partido, pois realmente disse, então, ao pastor: "Meu Deus! Quem é ela? Co-
eu gostava daquele trabalho, mas não do jeito como nheço essa mulher e ela está me encarando; está só
vinha sendo conduzido. Então, tomei uma decisão he- esperando que você entre no elevador para vir até
róica: "Deixarei a Universidade de Chicago. Hoje, aqui." Eu estava tão preocupada em descobrir quem
logo depois do meu seminário sobre a morte e os era ela que esqueci que havia agarrado o pastor pelo
moribundos, tornarei isso público." colarinho. Ela parou. Era muito transparente, mas não
O pastor e eu tínhamos um ritual. Depois do se- tanto que se pudesse ver muita coisa do outro lado.
minário, íamos juntos até o elevador c, enquanto o Perguntei novamente ao pastor de quem se tratava,
esperávamos chegar, conversávamos sobre os negó- mas ele não me respondeu e acabei desistindo. A úl-
cios. Depois, ele ia embora e eu voltava para a minha tima coisa que eu lhe disse foi algo do tipo — "Vou
sala, que ficava no mesmo andar, no final de um lon- dizer que não me lembro do seu nome." Esse foi o
go corredor. O maior problema era que o pastor não meu último pensamento antes que ele partisse.
ouvia muito bem; e era justamente isso o que mais No momento exato em que o pastor entrou no
me incomodava. Assim, entre a sala de aula e o ele- elevador, a mulher veio na minha direção e disse:
vador, por três vezes tentei comunicar-lhe que estava "Dra. Ross, tive de voltar. Incomoda-se que eu vá até
indo embora. Mas ele não me ouvia e continuava fa- a sua sala com a senhora? N ã o me demorarei mais

44 45
cie dois minutos." Foi mais ou menos isso. Como ela (ele era um excelente pastor negro com quem eu tinha
soubesse o meu nome, e até mesmo onde ficava a uma relação de simbiose incrível), "para agradecer à
minha sala, fiquei mais tranqüila; eu não precisaria senhora e a ele pelo que fizeram por mim. Mas o
admitir que não me lembrava dela. Essa foi a cami- segundo motivo que me fez voltar é que agora a se-
nhada mais longa da minha vida. Sou uma psiquiatra. nhora não pode parar seu trabalho sobre a morte e os
Trabalho com pacientes esquizofrênicos o tempo todo moribundos."
e gosto dos meus pacientes. Quando um deles tem Olhei para ela e pensei: "Será mesmo a sra.
alucinações, digo-lhe: "Sei que você está vendo Nos-
Schwarz?" Essa mulher fora enterrada há dez meses
sa Senhora na parede, mas eu não estou." Agora, eu
e eu não acredito em nada disso. Por fim, cheguei à
dizia para mim mesma: "Elisabeth, sei que você está
minha mesa. Toquei tudo o que era real. Minha ca-
vendo essa mulher, mas não pode ser."
neta, minha mesa, minha cadeira, e tudo estava ali.
Fiz todo o percurso do elevador até minha sala
Eu queria que ela desaparecesse, mas ela não desa-
testando a mim mesma. Eu dizia: "Estou muito can-
pareceu. Ficou ali parada, teimosa, mas foi carinhosa
sada; preciso de umas férias. Acho que tive muita
ao dizer: "Está me ouvindo, dra. Ross? Seu trabalho
convivência com pacientes esquizofrênicos e estou
ainda não está terminado. Vamos ajudá-la e a senhora
começando a ver coisas. Tenho de tocá-la para saber
se é real." Cheguei mesmo a tocar na sua pele para saberá quando chegar a hora de parar, mas não pare
verificar se era fria ou quente, ou se ela desapareceria agora. Promete?"
ao meu toque. Essa foi a caminhada mais incrível que Pensei: "Meu Deus, se eu contar esta história nin-
já fiz, sem saber o porquê das coisas que estava fa- guém vai acreditar, nem meus amigos mais queridos."
zendo. Eu era ao mesmo tempo psiquiatra e paciente. Eu nem sabia que mais tarde a contaria a centenas de
Tudo ao mesmo tempo. Não sei por que fiz o que fiz, pessoas. Então a cientista que há em mim venceu e
nem quem ela poderia ser. Cheguei a reprimir o pen- eu menti, astuciosamente: " A senhora sabe que o Re-
samento de que aquela pudesse realmente ser a sra. verendo Gaines está em Urbana agora." (Isso era ver-
Schwarz, que há meses estava morta e enterrada. dade; ele assumira a direção de uma igreja lá.) Con-
Quando chegamos à minha sala, ela abriu a porta tinuei: "Ele adoraria receber um bilhete seu. Se im-
com delicadeza, elegância e amor, e disse: "Dra. portaria de escrever um?" E dei a ela um pedaço de
Ross, eu tive de voltar, por dois motivos. Primeiro, papel e um lápis. Veja bem: eu não tinha a menor
para agradecer à senhora e ao Reverendo Gaines..." intenção de mandar esse bilhete ao meu amigo, mas

46 47
eu precisava de uma prova científica. Quer dizer, al- não existe. E muito importante que a humanidade sai-
guém que está enterrado não pode escrever bilheti- ba disso, pois estamos no início de tempos muito di-
nhos. E aquela mulher, com o mais humano — não, fíceis. N ã o apenas para este país, mas para todo o
humano não — , com o mais adorável sorriso, lendo planeta Terra. Por causa da nossa capacidade de des-
todos os meus pensamentos — e eu sabia que se tra- truir, das armas nucleares, da nossa voracidade e do
tava de uma transmissão de pensamento como eu ja- nosso materialismo. Porque somos porcalhões em ter-
mais experimentara — pegou o papel e escreveu um mos de ecologia, porque temos destruído muitos re-
bilhete. Depois, disse (sem palavras): "Está satisfeita cursos naturais e porque perdemos toda a verdadeira
agora?" Olhei para ela e pensei que ninguém acredi- espiritualidade. Não estou exagerando. Só entraremos
taria em m i m mas que eu afirmaria aquilo até o fim. em uma nova era se o mundo todo for sacudido, se
Ela então levantou-se, pronta para partir, repetindo: nós formos sacudidos, e é isso o que vai acontecer.
"Prometa, dra. Ross", referindo-se a que eu não aban- Já estamos assistindo ao início dessa fase. Você pre-
donaria o trabalho ainda. Prometi o que ela me pedia cisa saber para não sentir medo. Só com um canal
e, no instante em que pronunciei a palavra "Prometo", muito aberto, uma mente aberta e muita coragem, o
ela desapareceu. conhecimento superior e as revelações serão possí-
Ainda temos o bilhete. veis. Isso é viável para todos. Você não precisa ter
um guru, não é preciso ir à índia nem mesmo fazer
Há um ano e meio, disseram-me que meu trabalho
um curso de especialização para isso. Você não pre-
com pacientes moribundos estava encerrado - há
cisa fazer nada além de aprender a se manter em con-
hoje muitas outras pessoas que podem levá-lo adiante
tato, em silêncio, dentro de você mesma. Manter con-
— e que não era essa a minha verdadeira missão, a
tato com o seu eu interior e aprender a não ter medo.
razão da minha estada na Terra. O trabalho com a
Um modo de não sentir medo é saber que a morte
morte e os moribundos fora-me designado simples-
não existe, que tudo nesta vida tem um propósito po-
mente para testar minha resistência e minha capaci-
sitivo. Afaste-se de toda negativídade e comece a en-
dade de suportar dificuldades e injúrias. Passei no tes-
carar a vida como um desafio, uma forma de testar
te. O segundo teste foi no sentido de ver se eu podia
seus recursos interiores e sua força.
lidar positivamente com a fama. Como não me deixei
afetar por ela, passei nesse teste também. Não há coincidências. Deus não castiga nem mal-
Mas o meu verdadeiro trabalho, e é por isso que trata ninguém. Depois de fazer a transição, você vai
preciso da sua ajuda, é dizer às pessoas que a morte para o local descrito como céu e inferno.

4S 49
O que ouvimos de nossos amigos que j á se foram,
e que voltaram para nos contar é que, depois da tran-
sição, todo ser humano deparará com algo muito se-
melhante a uma tela de tevê. Você terá a oportunida-
de, não de ser julgado por Deus, mas de julgar a si
próprio, por meio de uma recapitulação de todas as
ações, palavras e pensamentos da sua vida. É você
quem faz o seu próprio inferno ou o seu próprio céu,
dependendo do modo como viveu.

A VIDA, A MORTE E A
VIDA APÓS A MORTE

50
TC
HLsta é a fita que lhes prometi a respeito da vida, da
morte e da vida após a morte, na qual partilho com
vocês algumas das experiências e descobertas da úl-
tima década, registradas desde que começamos a es-
tudar, seriamente e como um todo, o tema da morte
e da vida após a morte. Depois de vários anos de
trabalho com pacientes à beira da morte, tornou-se
evidente para nós que, a despeito da nossa existência
por tantos milhões de anos como seres humanos, ain-
da não temos um entendimento claro sobre duas ques-
tões que talvez sejam as coisas mais importantes, ou
seja, o significado e o propósito da vida e da morte.
Eu gostaria de partilhar com você um pouco des-
sas pesquisas sobre a morte e a vida após a morte.
Penso que chegou a hora de colocarmos essas desco-
bertas todas em uma linguagem que possa ajudar as
pessoas a entender e a lidar melhor com a morte de

53
uma pessoa querida, principalmente quando esta ainda fez com que ele se sentisse um homenzinho,
acontece subitamente, deixando-nos sem entender o orgulhoso do pequeno livro de gravuras que havia
porquê de essas tragédias acontecerem conosco. Isso ganho, livro que ele mostrou a seus pais e também
é muito importante para que possamos aconselhar e aos pais de outras crianças que estavam na mesma
ajudar as pessoas que estejam à beira da morte e suas situação que ele. Como um presente especial para
respectivas famílias. A pergunta sempre se repete: "O mim, ele deixou que o publicássemos e, através de
que é a vida, o que é a morte, e por que crianças Shanti Nilaya, foi possível ajudar outras criancinhas
pequenas — principalmente crianças pequenas — a entenderem essa questão, da maior importância. (Se
têm de morrer? você tem interesse em obter uma cópia, escreva para
Não publicamos ainda nenhuma de nossas pes- Shanti Nilaya e peça por Letter to a Child with Cân-
quisas por inúmeras razões. Estudamos experiências cer.)
de quase-morte há décadas, mas não estávamos muito Há muito tempo, o contato das pessoas com o
convencidos de que se tratasse apenas de experiências assunto morte era muito maior, e elas acreditavam no
de "quase-morte". Não podíamos partilhar meias-ver- céu ou na vida após a morte. Foi apenas nas últimas
dades, e também queríamos saber o que acontecia centenas de anos, talvez, que pouco a pouco as pes-
com essas pessoas depois de terem passado pela tran- soas começaram realmente a tomar conhecimento de
sição. A única coisa que Shanti Nilaya publicou nesse que há vida após a morte do corpo físico. Estamos
sentido foi uma carta com ilustrações que escrevi em agora em uma nova era e 'felizmente' saímos da era
resposta a um garoto de nove anos de idade, que tinha da ciência, da tecnologia e do materialismo para uma
câncer e que vivia no sul dos Estados Unidos. Sua nova era de genuíno e autêntico espiritualismo. Não
pergunta era muito comovente: "O que é a vida, o se trata de religiosidade mas, ao contrário, de espiri-
que é a morte, e por que crianças pequenas têm de tualidade. Espiritualidade é a consciência da existên-
morrer?" cia de algo maior do que nós, de um Ser que criou
Peguei os lápis de cor da minha filha e escrevi-lhe este universo, criou a vida e a consciência de que
uma carrinha com ilustrações, em linguagem simples somos uma autêntica, importante e significativa parte
que pudesse ser entendida por qualquer criança, da dele e que podemos contribuir para a própria evolução.
pré-escola aos primeiros anos do primário. Não pre- Todos nós, que tivemos essa mesma Origem, ou
ciso dizer que a resposta não só foi positiva, como seja, Deus, somos dotados de um aspecto da divin-

54 55
dade. Isto significa que possuímos literalmente parte umas às outras quando é levantada a hipótese de se
dessa origem em nós. E é isso o que nos faz saber prolongar uma vida. Hoje em dia, você pode ser pro-
que somos imortais. Muitas pessoas estão começando cessado por remover um órgão precocemente, pois a
a perceber que o corpo físico é apenas a casa ou o família do paciente pode alegar que ele ainda estava
templo, ou, segundo a nossa definição, o casulo, que vivo e, por outro lado, se esperar demais, eles podem
habitamos por certo número de meses ou anos, até entender que houve um prolongamento desnecessário
que fazemos a transição a que chamamos morte. Che- da vida do doente. As companhias de seguros também
gada a hora da morte, deixamos o casulo e voltamos entraram nessa briga, j á que, num acidente que en-
a ser livres como as borboletas, para usar a linguagem volva toda uma família, muitas vezes é de vital im-
simbólica de que nos valemos ao falar com crianças portância saber quem morreu primeiro, mesmo que a
moribundas. diferença seja apenas de minutos. Uma vez mais, a
Há vinte anos venho trabalhando com pacientes questão é o dinheiro, é saber quem seria o beneficiado
terminais. Devo dizer que quando comecei este tra- com a ocorrência. Não é preciso dizer que essas ques-
balho não estava muito interessada na vida após a tões me teriam sensibilizado muito pouco, não fossem
morte, nem sabia definir muito bem o que de fato ela as experiências um tanto quanto subjetivas que tive
seria. Quando você estuda a definição científica de ao lado de meus pacientes moribundos.
morte, vê que nela se inclui apenas a morte do corpo Por ser uma pessoa no mínimo cética, por acre-
físico, como se o homem fosse apenas o casulo. Eu ditar parcialmente nessas coisas, e como não tivesse
era uma das médicas e cientistas que nunca havia interesse no assunto "vida após a morte", eu não po-
questionado esse fato. Esse assunto só se tornou real- dia ajudá-los, mas a observação de várias e freqüentes
mente relevante por volta dos anos 60, quando se co- ocorrências levou-me a querer saber por que ninguém
meçou a fazer transplante de órgãos, principalmente jamais estudara verdadeiramente a questão. Não por
de rins e coração, e levantou-se a questão de quando quaisquer razões científicas especiais, nem com fins
seria ética, moral e legalmente permitida a remoção jurídicos, evidentemente, mas simplesmente por mera
do órgão de um paciente para salvar a vida de outra curiosidade.
pessoa. Nas últimas décadas, o aspecto legal da ques- O homem existe há quarenta e sete milhões de
tão tornou-se ainda mais importante, pois o materia- anos e a atual existência, que inclui o referido aspecto
lismo chegou a tal ponto que as pessoas processam da divindade, data de sete milhões de anos. Todos os

56 57
dias morrem pessoas no mundo todo. Ainda assim, de entes queridos com os quais, aparentemente, t i -
numa sociedade que é capaz de enviar o homem à nham certo tipo de comunicação, mas que eu própria
Lua e trazê-lo de volta são e salvo, nunca se fez ne- não podia ver nem ouvir. Eu sabia muito bem que,
nhum esforço no sentido de definir o que vem a ser mesmo os pacientes mais irritadiços e difíceis, quan-
a morte humana. N ã o é estranho? do prestes a morrer, começavam a relaxar profunda-
Assim, enquanto cuidava de pacientes moribun- mente e a apresentar uma aura de serenidade. A des-
dos e dava aulas para estudantes de medicina e semi- peito de terem o corpo todo tomado pelo câncer, f i -
naristas, um dia, num ímpeto, decidimos tentar en- cavam livres da dor. Além disso, logo depois da mor-
contrar uma definição nova, atual e abrangente para te, suas feições demonstravam uma paz, uma calma
a morte. Em algum lugar foi dito: "Peça e lhe será e uma serenidade inacreditáveis, que eu não podia
concedido; bata e a porta se abrirá." Ou, em outras compreender, j á que geralmente a morte os surpreen-
palavras: "O mestre surgirá quando o discípulo estiver dia irados, suplicantes ou deprimidos.
pronto." A terceira e talvez a mais subjetiva observação
Isso provou que era verdadeiro uma semana de- que fiz foi que, embora fosse muito ligada aos meus
pois de termos feito essa importante pergunta e de pacientes e me deixasse envolver profunda e amoro-
termos firmado o propósito de encontrar uma respos- samente com eles — fazíamos parte da vida um do
ta. Recebemos a visita de enfermeiras que partilharam outro — , minutos depois de terem morrido eu j á não
conosco as experiências de uma mulher que estivera nutria nenhum sentimento por eles. Eu perguntava a
quinze vezes na unidade de tratamento intensivo. mim mesma se haveria algo de errado comigo. Olha-
Cada vez que pensávamos que ela ia morrer, ela re- va para eles como se olha para um casaco de inverno
cebia alta e voltava para casa por semanas ou meses. no início da primavera, ciente de que ele não era mais
Hoje, podemos dizer que ela foi o nosso primeiro necessário. Eu tinha uma imagem muito clara de uma
exemplo de experiência de quase-morte. concha, na qual meus pacientes queridos não se en-
Esse fato ocorreu na época em que comecei a contravam mais.
apresentar uma crescente sensitividade e passei a ob- Naturalmente, como cientista, eu não encontrava
servar a ocorrência de outros fenômenos inexplicados explicação para essas coisas e as teria posto de lado,
em meus pacientes que estavam prestes a morrer. não fosse pela sra. Schwarz. Seu marido era um es-
Muitos começavam a ter alucinações com a presença quizofrênico conhecido que, a cada crise psicótica,

58 59
tentava matar o filho mais novo, o único dos vários pairando poucos centímetros acima da cama. A sra.
filhos do casal que ainda permanecia em casa. A sra. Schwarz relatou-nos com enorme senso de humor
Schwarz estava convencida de que a vida do filho que, ao "olhar para o próprio corpo", este lhe pareceu
mais novo estaria em perigo, caso ela morresse pre- pálido e macilento. Apesar de surpresa, não sentiu
maturamente. Com ajuda da Legal Aid Society con- medo ou ansiedade. Contou-nos, então, que a equipe
seguimos transferir a custódia da criança para alguns de salvamento do hospital entrou no quarto, descre-
parentes seus, e ela deixou o hospital com uma imensa vendo minuciosamente quem fora o primeiro e quem
sensação de alívio e de liberdade, sabendo que, se fora o último a entrar. Tinha plena consciência de
não pudesse continuar a viver, ao menos o filho mais cada palavra do que conversavam, de seu tipo de pen-
novo estaria a salvo. samento, e a única coisa que desejava era pedir-lhes
E foi essa mesma paciente que voltou ao nosso que relaxassem, que ficassem calmos, que estava tudo
hospital quase um ano depois para nos contar sobre bem. Porém, quanto mais se empenhava em fazê-lo,
a sua experiência de quase-morte. Experiências como mais freneticamente eles pareciam trabalhar no seu
esta têm sido publicadas em vários livros e revistas corpo. Finalmente, deu-se conta de que, embora pu-
nos últimos anos e tornaram-se conhecidas do público desse percebê-los, eles não a percebiam, e desistiu.
em geral, mas nossa primeira experiência foi com a Segundo suas palavras: "Perdi a consciência." Depois
sra. Schwarz. Segundo ela nos disse, estivera hospi- de quarenta e cinco minutos de tentativas infrutíferas
talizada na unidade de emergência de um hospital de de salvamento, foi declarada morta mas, para surpresa
Indiana. Lembrava-se que, na época, estando muito da equipe hospitalar, voltou a mostrar sinais de vida
doente para ser transferida para Chicago, fora inter- momentos depois. Viveu mais um ano e meio. Foi o
nada ali, em condição crítica. Colocada num quarto que ela contou para m i m e para a minha classe por
particular, enquanto conjecturava se por amor ao filho ocasião de um de meus seminários.
caçula deveria uma vez mais se esforçar por sobrevi- Não é preciso dizer que essa experiência me mar-
ver, ou se não seria melhor recostar a cabeça no tra- cou profundamente. Nunca antes eu tinha ouvido fa-
vesseiro e deixar-se morrer, abandonar o casulo, ela lar em experiências de quase-morte, apesar dos vários
viu que uma enfermeira entrou no quarto, olhou para anos de experiência médica que eu possuía. Meus alu-
ela e saiu apressada. Nesse exato momento, ela per- nos ficaram chocados por eu não ter classificado esse
cebeu que deixava o corpo, lenta e tranqüilamente, fato como alucinação ou ilusão, ou como um senti-

60 61
mento de despersonalização. Eles queriam desespe- noites, mas, ao acordar, apenas uma pequena porcen-
radamente dar um nome ao fato — algo que pudessem tagem tem consciência do que sonhou.
identificar e logo em seguida colocar de lado, não se Os casos que cadastramos não aconteceram ape-
importando mais em lidar com isso. nas nos Estados Unidos, mas também na Austrália,
A experiência da sra. Schwarz, tínhamos certeza, no Canadá e em outros países. A pessoa mais jovem
podia não ser a única. Nossa esperança era descobrir envolvida tinha dois anos de idade; a mais velha era
mais casos iguais ao seu e, quem sabe, conseguir co- um senhor de noventa e sete anos de idade. Estuda-
mos pessoas de diferentes origens culturais e religio-
letar informações para saber se aquilo era comum,
sas, inclusive esquimós, nativos havaianos, aborígi-
raro, ou se se tratava de uma experiência única. Re-
nes australianos, hindus, budistas, protestantes, cató-
centemente, tornou-se conhecido o fato de que inú-
licos, judeus e inúmeras pessoas sem nenhuma iden-
meros pesquisadores, médicos, psicólogos e estudio-
tificação religiosa, até mesmo algumas que se diziam
sos de fenômenos parapsicológicos tentaram catalo- agnósticas ou pagas. Para nós, era importante cadas-
gar casos como esse. Nos últimos dez anos, mais de trar dados da maior variedade possível de pessoas, de
vinte e cinco mil casos foram catalogados no mundo diferentes origens religiosas e culturais. Queríamos
todo. estar absolutamente certos de que o nosso material
Não é difícil resumir a experiência vivida por não estava contaminado e de que se tratava unica-
muitas dessas pessoas no momento em que o corpo mente de uma experiência humana, independente-
físico deixa de funcionar. Nós a chamamos de expe- mente de condicionamento, fosse ele religioso ou de
riência de quase-morte, e todos esses pacientes vol- qualquer outra ordem.
taram ao corpo físico e puderam partilhá-las conosco,
Depois de todos esses anos cadastrando dados,
depois de recuperados. Mais adiante, falaremos sobre
podemos dizer que os pontos que se seguem são de-
o que acontece com aqueles que não voltam. É im- nominadores comuns a todos os casos de pessoas que
portante entender que apenas 10% das pessoas que viveram uma experiência de quase-morte. Relevante,
têm parada cardíaca ou que são ressuscitadas têm também, é o fato de que essas experiências sempre
consciência da experiência vivida durante essa inter- ocorreram depois de um acidente, de uma tentativa
rupção temporária das funções vitais. Isso é muito de homicídio ou de suicídio, ou de uma morte lenta.
compreensível se compararmos esse número com a Mais da metade dos nossos casos são de morte súbita,
media da população. Todos vocês sonham todas as portanto sem nenhuma possibilidade de que os pa-

62 63
cientes tivessem preparado ou antecipado a experiên- sem nenhum sentimento negativo em relação à ocor-
cia. No momento da morte, todos vocês experimen- rência.
tarão a separação entre o Eu verdadeiro e imortal da Nesse momento, não sentiremos com o corpo fí-
morada temporária que chamamos corpo físico. Cha- sico, mas com o corpo etérico. (Mais adiante, falare-
maremos o eu imortal de alma, entidade ou, como mos sobre as diferenças entre as energias física, psí-
dizemos quando falamos com crianças, de borboleta quica e espiritual que criam essas formas.) Como j á
no processo de deixar o casulo. Ao deixar o corpo dissemos, no segundo corpo temporário, o corpo eté-
físico, não sentiremos nenhum pânico, medo ou an- rico, vivenciamos uma integridade total. Se éramos
siedade. Teremos sempre uma sensação de integrida- surdos-mudos, podemos ouvir, falar e cantar. Se tí-
de física e uma total percepção do meio ambiente nhamos esclerose múltipla e estávamos presos a uma
onde o acidente ou a morte ocorreu. Poderá ser um cadeira de rodas, se tínhamos dificuldade para falar
quarto de hospital, o nosso próprio quarto, caso te- e enxergar, se não podíamos mexer as pernas, pode-
nhamos um ataque cardíaco em casa, ou depois de remos cantar e dançar novamente.
um trágico acidente de carro ou avião. Perceberemos
Considerando que, com o reavivamento das nos-
nitidamente quem são as pessoas que integram a equi-
sas funções corporais, temos também de aceitar as
pe de salvamento, quem está trabalhando no sentido
dores e as restrições que as acompanham, é com-
de livrar um corpo mutilado e ferido das ferragens do
preensível que muitos de nossos pacientes que foram
automóvel. Olharemos tudo de poucos metros de dis-
ressuscitados com sucesso nem sempre se sentiram
tância, com a mente um tanto quanto imparcial, se é
gratos quando suas borboletas voltaram novamente
que se pode usar a palavra mente, uma vez que, na
para o casulo. Com corpo etérico, não sentiremos dor
maioria dos casos, a essa altura, não estaremos mais
nem restrições de nenhuma espécie.
ligados ao funcionamento de uma mente ou de um
Muitos de meus colegas se perguntam se o que
cérebro.
acontece não é simples projeção do nosso desejo, o
Isso tudo acontece no momento em que não há que seria muito compreensível, pois, se alguém foi
mais registro de atividade cerebral, em geral, na hora paralítico, mudo, cego ou deficiente por muitos e
em que os médicos descobrem a ausência de qualquer muitos anos, pode estar ansiando pelo fim de todo
sinal de vida. Nesse momento da observação do ce- esse sofrimento.
nário da morte, perceberemos a conversa das pessoas, É muito fácil avaliar se tudo se deve apenas à
seu comportamento, suas roupas e seus pensamentos, projeção do desejo ou não. Metade de nossos casos

64 65
morrer, que estão mais voltadas para o próprio interior mãe durante semanas e semanas. Torna-se muito cla-
e tornam-se mais espirituais do que crianças sadias ro para a criança que está morrendo que cada vez fica
da mesma idade, têm mais dessas pequenas viagens mais difícil deixar a mãe que, implícita ou explicita-
para fora do corpo físico, o que acaba por ajudá-las mente, implora: "Amorzinho, não morra; não posso
no momento da transição, familiarizando-as com o viver sem você." Agindo assim, o que conseguimos
local para onde irão depois da morte. é fazer com que esses pacientes se sintam de certo
E durante essas viagens para fora do corpo que modo culpados por estar morrendo. Suzy, que aos
pacientes à morte, jovens e idosos, começam a per- poucos fora se familiarizando com a vida como um
ceber a presença dos seres que os rodeiam, que os todo, tem consciência da própria existência após a
guiam e ajudam. As crianças pequenas geralmente se morte e da continuação da vida. Durante a noite e
referem a eles como "amiguinhos", as igrejas cha- durante o estado de consciência normal, ela esteve
mam-nos de anjos da guarda e muitos pesquisadores fora do corpo, conhece a própria capacidade de viajar
os chamariam de guias. Não importa o rótulo que se e de, literalmente, voar para onde quer que deseje e
lhes dê, e sim saber que todos nós, seres humanos, pede à mãe que deixe o hospital. As crianças geral-
desde que nascemos até a hora da transição e fim da mente dizem: "Mamãe, você parece tão cansada; por
existência física, estamos na presença desses guias ou que não vai para casa, toma um banho e descansa?
anjos da guarda, que nos esperarão e ajudarão na pas- Estou realmente bem, agora." A mãe sai e meia hora
sagem desta vida para a vida após a morte. Encon- depois uma enfermeira telefona do hospital dizendo:
traremos também aqueles a quem amamos e que se
"Sinto muito, sra. Smith, sua filha acaba de falecer."
foram antes de nós.
Infelizmente, esses pais acabam se sentindo muito
A terceira razão pela qual não podemos morrer culpados, envergonhados e recriminando-se por te-
sozinhos é que, quando abandonamos o corpo físico, rem se afastado e por não estar com os filhos no mo-
mesmo que temporariamente, antes de morrer, passa- mento da morte. Eles não se dão conta, não com-
mos para uma existência onde não há tempo nem es- preendem que ninguém pode morrer sozinho. Susy,
paço. Nessa existência, podemos estar em qualquer
desobrigada das necessidades dos pais, pôde deixar
lugar que escolhermos, atingindo-os com a velocida-
o casulo e rapidamente libertar-se. Irá, então, na veloci-
de dos nossos pensamentos.
dade do seu pensamento, ter com a mãe, com o pai ou
A pequenina Suzy, que está morrendo num hos-
com qualquer outra pessoa com quem precise estar.
pital devido à leucemia, pode estar sendo cuidada pela

69
68
Todos nós somos dotados de um aspecto da di- um número cada vez maior de cientistas e pesquisa-
vindade. Essa dádiva nos foi dada há sete milhões de dores está repetindo esse tipo de estudo e compro-
anos e inclui não apenas a capacidade do livre-arbí- vando sua veracidade. Naturalmente, há vários aspec-
trio, como também a possibilidade de deixar o corpo tos do estudo difíceis de se conceber no âmbito da
físico — não só na hora da morte, mas em tempos visão científica tridimensional que temos da vida.
de crise, de exaustão, por ocasião de circunstâncias As pessoas têm-nos perguntado sobre os guias ou
muito especiais e durante um certo tipo de sono. E anjos da guarda, sobre a presença de entes queridos,
importante saber que isso pode acontecer mesmo an- principalmente membros da família já falecidos que
tes da morte. vêm nos receber na hora da transição. Naturalmente,
Victor Frankl, em seu belíssimo livro The Search mais uma vez surge a pergunta: Como a senhora pode
for Meaning, escreveu sobre suas experiências nos comprovar de um modo mais científico a freqüência
campos de concentração. Provavelmente, ele foi um desses acontecimentos?
dos mais conhecidos cientistas a estudar as experiên- Como psiquiatra, acho curioso que milhares de
cias fora do corpo há muitas décadas, quando o as- pessoas ao redor do globo tenham o mesmo tipo de
sunto ainda não era popular. Estudou pessoas que des- visão antes de morrer e, principalmente, que perce-
pencaram de montanhas na Europa, cujas experiências bam a presença de parentes ou amigos que morreram
passaram pela sua mente durante um período muito bre- antes delas. Devia haver alguma explicação para o
ve, talvez poucos segundos, durante a queda, e constatou Tato; por isso prosseguimos tentando encontrar modos
que, durante a experiência fora do corpo, o tempo não de estudar o fenômeno, de provar a sua veracidade
existe. Muitas pessoas tiveram experiências semelhantes ou, quem sabe, provar que se trata de simples proje-
quando quase se afogaram, ou durante períodos de sua ção do desejo.
vida em que correram grande perigo. Talvez o melhor modo de estudá-lo seja conviver
com crianças prestes a morrer depois de acidentes
Nosso estudo foi comprovado por exame labora-
envolvendo a família toda. Isso poderia ser feito de-
torial, com a colaboração de Robert Monroe, autor
pois do feriado de 4 de julho, do Memorial Day ou
do livro Journeys Out ofthe Body. Estudamos expe-
Dia do Trabalho, épocas em que as famílias saem
riências fora do corpo espontâneas, bem como outras,
juntas e geralmente acontecem desastres que acabam
realizadas em laboratório, supervisionadas por Mon-
por matar alguns dos membros da família, levando
roe, e observadas e partilhadas por vários cientistas
alguns sobreviventes feridos para os hospitais. Pro-
da Menninger Foundation, em Topeka. Hoje em dia,

70 71
Numa platéia com oitocentas pessoas, há pelo me- história, tornou-se um mendigo, bebia meia garrafa
nos vinte casos autênticos de pessoas que tiveram de uísque por dia e passou a usar heroína e outras
uma experiência desse tipo e que desejam relatá-la. drogas para diminuir a dor. Era incapaz de manter-se
É preciso ter a mente aberta, não ser crítico, negativo, num emprego por muito tempo e acabou literalmente
não julgar nem querer colocar um rótulo psiquiátrico. na sarjeta.
Na nossa sociedade, a única coisa que impede que Durante uma de minhas agitadas viagens, depois
essas pessoas partilhem suas experiências é a nossa de ter feito a segunda conferência do dia sobre a vida
incrível tendência a rotular, a depreciar ou a negar depois da morte, um grupo do hospital psiquiátrico
essas histórias, sempre que nos fazem sentir pouco à de Santa Bárbara pediu-me que fizesse mais uma con-
vontade e não se encaixam no nosso padrão científico ferência. Mal comecei a palestra, percebi que j á es-
ou religioso. Todas as experiências que contei aqui lava cansada de repetir as mesmas histórias e disse a
são, até certo ponto, as mesmas que você tem quando mim mesma: "Oh Deus, por que o Senhor não me
se encontra numa condição crítica ou próxima da arranja alguém da platéia que tenha tido uma expe-
morte. E desnecessário dizer que todos os que parti- riência de quase-morte e que queira partilhá-la com
lharam seus conhecimentos conosco são pessoas que o auditório, de modo que eu possa fazer uma pausa?
regressaram de suas experiências. Eles teriam uma experiência de primeira mão, em vez
O caso mais dramático e inesquecível que tive de ficarem ouvindo minhas velhas histórias várias e
envolvendo o "peça e receberás", e também de expe- várias vezes."
riência de quase-morte, foi o de um homem que es- No mesmo instante, o organizador do grupo en-
perava que a família toda fosse buscá-lo num feriado tregou-me um pedaço de papel. Era uma breve men-
do Memorial Day para irem visitar alguns parentes sagem de um homem que dizia estar hospedado num
fora da cidade. Enquanto iam apanhá-lo, na perua da hotel ali perto e pedia para partilhar sua experiência
família, seus sogros, esposa e oito crianças colidiram de quase-morte comigo. Fiz um pequeno intervalo,
com um caminhão-tanque de gasolina. A gasolina enviei um mensageiro ao hotel onde ele se encontrava
caiu sobre o carro e a família toda morreu carboni- e, momentos depois, ele estava no auditório. Longe
zada. Ao saber da ocorrência, esse homem permane- de ser um mendigo como se autodenominara, era um
ceu em completo estado de choque e de entorpeci- homem sofisticado e trajava-se muito bem. Ele subiu
mento por várias semanas. Parou de trabalhar e per- ao palco e, sem que eu precisasse avaliá-lo, encora-
deu a capacidade de se comunicar. Para resumir a jei-o a contar à platéia o que ele queria relatar.

74 75
Ele então contou que esperara ansiosamente pela uma palavra sequer, comunicando-se apenas telepa-
reunião da família num final de semana. Estavam to- licamente, falaram-lhe a respeito da alegria e felici-
dos aglomerados numa perua que ia buscá-lo, quando dade de sua atual existência.
ocorreu o trágico acidente que os matou carboniza- Ele não saberia dizer quanto tempo durou esse
dos. Falou do choque e do entorpecimento em que encontro. Estava surpreso com a saúde, a beleza e a
caiu, da dificuldade em aceitar a idéia de estar sozinho felicidade da família, além do fato de aceitarem to-
no mundo, de ter tido filhos c perdê-los subitamente, talmente a presente situação e de irradiarem um amor
de não ter ninguém. Falou da sua total incapacidade incondicional. Ele jurou, então, que não os tocaria,
de enfrentar a nova situação, de como passou de de- que não se juntaria a eles, mas que voltaria ao corpo
cente e trabalhador chefe de família a mendigo que físico para poder partilhar com o mundo a experiência
bebia da manhã até a noite, diariamente, usando todas que vivera. Essa seria a sua maneira de se redimir
as drogas que se possa imaginar, e tentando, sem êxi- pelos dois anos de vida física que desperdiçara. De-
to, embora de todas as maneiras possíveis, cometer pois de ter feito esse juramento, viu o motorista que
suicídio. A última lembrança que tinha era a de que, o atropelara colocar seu corpo, todo machucado, den-
depois de dois anos de mendicância, encontrava-se tro do carro. V i u quando uma ambulância se aproxi-
numa estrada suja à margem de uma floresta, bêbado mou depressa do local do acidente, levou-o para a
e dopado, tentando desesperadamente encontrar-se unidade de emergência de um hospital e, por fim, ele
com a família. Não tinha ânimo para continuar viven- voltou ao corpo físico, arrancou as amarras que tinha
do nem energia suficiente para sair do meio da estra- à sua volta e saiu andando da sala de emergência.
da, quando avistou um enorme veículo que vinha na Nunca tivera delírios devido ao uso exagerado de ál-
sua direção e passava sobre o seu corpo. cool e de drogas. Sentia-se são, inteiro, e prometeu
Nesse momento, viu-se jogado na estrada, seria- que não morreria enquanto não tivesse a oportunidade
mente ferido, ao mesmo tempo que, do alto, de pou- de partilhar a existência da vida após a morte com
cos centímetros acima do chão, podia observar a cena iodas as pessoas que quisessem escutá-lo. Foi quando
do acidente. Então, viu sua família inteira surgir à sua leu um artigo a respeito da minha visita a Santa Bár-
frente, num facho de luz que irradiava um amor in- bara no jornal e mandou a mensagem ao auditório.
crível. Traziam no semblante um sorriso, simples- Permitindo que ele partilhasse sua experiência com a
mente fazendo-o sentir suas presenças e, sem dizer minha platéia, propiciei-lhe a oportunidade de cum-

76 77
prir a promessa que fizera durante sua breve, tempo- os olhos e disse num tom de voz de um velho sábio:
rária, mas feliz reunião com toda a sua família. "Mamãe, eu estava com Jesus e com Maria. Ela disse
Não sabemos o que aconteceu com esse homem que minha hora ainda não havia chegado e que eu
desde então, mas nunca mais esquecerei o brilho dos teria de voltar. Tentei ignorá-la, mas ela me puxou
seus olhos e a profunda gratidão que sentiu por estar gentilmente pela mão, afastando-me de Jesus, e disse:
num local onde podia subir ao palco e partilhar com 'Você tem de voltar, Peter. Precisa salvar sua mãe de
centenas de pessoas que trabalhavam em hospitais uma grande provação."' Nesse momento, Peter abriu
todo o seu conhecimento e sua percepção de que o os olhos e disse com voz alegre: "Sabe, mamãe, quan-
nosso corpo físico é apenas uma concha dentro da do ela me disse isso, corri de volta para casa."
qual está contido o nosso eu imortal, sem que nin- Muito deprimida, durante treze anos, essa mãe
guém duvidasse de suas palavras ou o questionasse. não teve coragem de partilhar esse incidente com nin-
Naturalmente, a pergunta seguinte é: "O que guém, pois interpretara mal a afirmação que Maria
acontece, então, após a morte?" Estudamos crianças fizera para seu filho Peter, e acreditava que ele a sal-
muito novas que ainda não leram livros ou artigos de varia do fogo do inferno. Ela não conseguia com-
revista, nem ouviram falar de pessoas como esse ho- preender por que seria lançada no inferno, j á que era
mem. No entanto, mesmo o nosso paciente mais uma pessoa decente, respeitável e muito trabalhadora.
novo, uma criança de dois anos de idade, foi capaz Tentei dizer-lhe que ela não havia entendido a lin-
de partilhar conosco o que sentiu e chamou de "mo- guagem simbólica, que aquele era um belo e singular
mento da morte". A única distinção entre pessoas de presente de Maria que, assim como todos os seres no
formação religiosa diferente é a presença de certas reino espiritual, é um ser de amor total e incondicio-
figuras religiosas, e talvez essa criança de dois anos nal, incapaz de condenar ou de criticar alguém. Pedi-
seja o nosso melhor exemplo. Ao tomar um medica- lhe que parasse por um momento de pensar e sim-
mento ministrado por um médico, ela teve uma reação plesmente deixasse que sua própria intuição respon-
alérgica anafilática e foi dada como morta. Enquanto desse às suas dúvidas. Perguntei-lhe: "Como teria
o médico e a mãe da criança esperavam pela chegada sido se Maria não tivesse enviado Peter de volta treze
do pai, a mãe desesperada tocou no garotinho e, so- anos atrás?" Ela puxou os cabelos e gritou: "Oh, meu
luçando, suplicou-lhe que vivesse. Depois do que lhe Deus, minha vida se transformaria num inferno." Pen-
pareceu uma eternidade, o menino de dois anos abriu sei em dizer-lhe: "Compreende, agora, em que senti-

78 79
já que não estamos mais circunscritos à nossa mente, de pulsantes flocos de neve, com suas respectivas lu-
ao nosso cérebro ou ao nosso limitado corpo físico. zes, cores, formas e configurações. E essa a nossa
Temos conhecimento e compreensão de tudo. E então aparência depois da morte e também antes de nascer.
que temos de rever e avaliar todos os pensamentos, Não há espaço nem leva tempo para ir de uma
palavras e atos da nossa existência. Simultaneamente, BStrela a outra, do planeta Terra para outra galáxia.
percebemos como isso tudo afetou os outros. Na pre- ()s padrões de energia desses seres estão bem junto
sença da energia espiritual, não sentimos mais neces- ile nós. Se tivéssemos olhos para vê-los, percebería-
sidade de possuir uma forma física. Deixamos para mos que nunca estamos sós. Estamos cercados por
trás esse falso corpo etérico e reassumimos a forma esses seres, que nos guiam, amam, protegem, tentam
que tínhamos antes de nascer e que teremos quando nos orientar, nos ajudar a seguir a trilha que nos leva
nos incorporarmos à fonte, a Deus, quando tivermos ao encontro do nosso próprio destino. As vezes, em
cumprido o nosso destino. momentos de dor, de sofrimento e solidão intensos,
É importante compreender que, desde o primeiro conseguimos nos interiorizar e perceber a sua presen-
instante da nossa existência até o retorno a Deus, ça. Podemos fazer-Ihes perguntas antes de dormir e
mantemos sempre a nossa identidade e o nosso padrão pedir-lhes que as respondam por meio dos nossos so-
de energia. Entre os bilhões de pessoas que há no nhos. Os que se sintonizam com o estado onírico,
universo, sobre este planeta físico e no mundo sem com os próprios sonhos, começam a obter resposta
barreiras físicas, não há sequer duas pessoas com o para muitas perguntas. A medida que nos sintoniza-
mesmo padrão de energia, duas pessoas idênticas mos mais com a nossa entidade interior, com o nosso
(nem gêmeos idênticos!). Se alguém duvida da gran- lado espiritual, podemos obter ajuda e orientação do
deza do nosso Criador, deve levar em consideração nosso sábio ser interior, aquela parte imortal que cha-
a genialidade necessária para criar bilhões de padrões mamos de "borboleta".
de energia, onde não existem sequer dois seres iguais.
Esse milagre só pode ser comparado ao número de
flocos de neve no planeta Terra pois, como se sabe,
não existem dois flocos de neve iguais. Recebi a gran-
de bênção de poder ver com meus olhos físicos cen-
tenas desses padrões de energia em plena luz do dia
e posso dizer que se assemelham muito a uma série

82 83
ma de meditação. Se isso for verdade, tenho de fato
meditado por muitas e muitas horas. Realmente, creio
que não é preciso ir para o alto de uma montanha,
viver como um eremita, ou ir à índia em busca de
um guru para se ter experiências místicas.
Creio realmente que todos os seres humanos são
compostos de um corpo físico, de um corpo emocio-
nal, de um corpo mental e de um corpo espiritual. Se
pudermos aprender a externar nossas emoções não-
naturais, nosso ódio, nossa angústia, nossa mágoa
não-resolvida, nossos oceanos de lágrimas não derra-
Deixem-me partilhar com vocês algumas das ex- madas, poderemos voltar e sintonizar-nos com aquilo
periências místicas que me ajudaram não apenas a que deveríamos ser: seres humanos compostos de
acreditar, mas a realmente saber que todos esses ní- quatro corpos totalmente harmonizados entre si e fun-
veis de existência que extrapolam o nosso conheci- cionando como um todo. Só se aprendermos a aceitar
mento científico são verdadeiros, reais e que estão à a nossa condição física, se amarmos e aceitarmos o
disposição de todos os seres humanos. Quero deixar nosso corpo físico, se formos capazes de partilhar
bem claro que, nos primeiros anos, eu não entendia nossas emoções naturais sem nos deixarmos restringir
muito bem o que fosse a consciência superior. Nunca por elas, sem nos sentirmos diminuídos quando cho-
tive um guru; na verdade, nunca fui realmente capaz ramos, quando expressamos nossa ira, quando temos
de meditar, o que para muitos constitui-se em fonte um sentimento de ciúme e de competitividade com
de grande paz e compreensão, não só no Oriente mas, relação aos talentos, dons e ao comportamento dos
cada vez mais, também no Ocidente. É certo que, outros, teremos condições de entender que, de todos
quando em contato com pacientes à beira da morte, os nossos medos, apenas dois são naturais: o medo
volto-me totalmente para o meu lado interior, e talvez de cair e o medo de ruídos fortes. Todos os outros
essa interiorização feita nas milhares de horas que nos foram incutidos pelos adultos, que projetaram em
tenho passado com eles, quando nada nem ninguém nós seus próprios medos, passando-os de geração em
consegue nos distrair, possa ser considerada uma for- geração.

84 85
O mais importante que temos a fazer c aprender ricncias místicas, fazendo contato com meu próprio
a amar e a ser amados incondicionalmente. A maioria ser intuitivo e espiritual, cheio de sabedoria e de com-
de nós cresceu como pessoas venais. Eu amarei você preensão. Era-me então possível captar as diretrizes
"se"... E essa palavra "se" arruinou e destruiu muito vindas do mundo sem fronteiras, o qual está sempre
mais vidas do que qualquer outra coisa no planeta á nossa volta à espera de uma ocasião, de uma opor-
Terra. Prostituiu-nos, fez com que sentíssemos que, lunidade não apenas de transmitir conhecimento e
com um bom comportamento, com boas notas, pode- orientação, mas também de nos ajudar a compreender
mos comprar o amor. Nunca desenvolveremos um a finalidade da vida e, especialmente, o nosso próprio
destino. Dessa forma, podemos alcançar a nossa meta
senso de amor-próprio e de auto-recompensa. Se não
numa vida sem precisar voltar para rever as lições
concordávamos com os adultos, em vez de sermos
que acaso não tenhamos sido capazes de aprender
firme e carinhosamente disciplinados, éramos casti-
numa determinada existência.
gados. Segundo nossos professores, se alguém fosse
criado com amor incondicional e disciplina, nunca Uma de minhas primeiras lições aconteceu duran-
temeria as tempestades da vida. N ã o sentiria medo, te um projeto de pesquisa no qual tive uma experiên-
culpa e ansiedade, os únicos inimigos do homem. cia fora do corpo provocada pelos métodos iatrogê-
Mas, protegendo o desfiladeiro das tempestades de nicos, num laboratório da Virgínia, sob a observação
vento, ficaríamos privados de ver a beleza das escul- de vários cientistas céticos. Durante uma dessas ex-
periências fora do corpo, o chefe do laboratório sentiu
turas feitas por ele na pedra.
que eu me desprendia muito depressa e fez que eu
E assim prossegui — sem procurar por um guru,
saísse mais devagar. Para meu desânimo, ele acabou
sem tentar meditar ou alcançar um estado de cons- interferindo nas minhas necessidades e até na minha
ciência mais elevado. Mas a cada vez que um paciente personalidade. Por ocasião da segunda tentativa, com
ou uma situação da vida me levava a perceber alguma o intuito de evitar esse problema, procurei sair do
negatividade dentro de mim mesma, eu tentava exte- corpo físico com uma velocidade superior à veloci-
riorizá-la, de forma a eventualmente vir a alcançar dade da luz, superior à que qualquer ser humano t i -
essa harmonia entre meus corpos físico, emocional, vesse conseguido durante uma experiência fora do
espiritual e mental. À medida que fazia minha lição corpo. Saí do corpo literalmente no mesmo instante.
de casa e procurava colocar em prática aquilo que A única lembrança que eu tinha ao voltar ao corpo
ensinava, eu era abençoada com cada vez mais expe- físico eram as palavras Shanti Nilaya. Eu não fazia

86 87
feitamente que não poderia segurar-me na ponta de rida llor. Atrás da flor de lótus, apareceu a luz de que
um dedo, mas ao menos não me sentiria só, saberia tanto falam meus pacientes. A medida que me apro-
que havia alguém ali comigo. Isso se tornou, pela ximava dela por meio da flor de lótus aberta, com
primeira vez na minha vida, uma questão de fé E
um rodopio de vibração profunda e veloz, fui gradual
essa fe tinha algo que ver com um conhecimento in-
fi lentamente absorvida por aquele incrível amor in-
terior, profundo, de que nunca nos é dado mais do
condicional, por aquela luz. E me tornei uma coisa
que podemos suportar. Súbito, percebi que tudo de
só com ela.
que eu precisava era parar de lutar, parar de me re-
No momento em que me incorporei à fonte de
belar, dc ser uma guerreira, e passar da rebelião a
luz, todas as vibrações cessaram. U m silêncio pro-
uma simples, tranqüila e positiva submissão — a uma
fundo tomou conta de mim e caí num profundo sono
capacidade de simplesmente dizer "sim" para aquilo
hipnótico, do qual acordei sabendo que deveria vestir
tudo. 1

um robe, colocar minhas sandálias e descer a colina.


Assim que o fiz, a agonia cessou e minha respi- Isso deveria ser feito quando o sol estivesse surgindo
ração ficou mais fácil. A dor física desapareceu no no horizonte.
momento em que pronunciei o "sim", não em pala-
Aproximadamente uma hora e meia depois, des-
vras, mas em pensamento. E em vez de milhares de
pertei, coloquei o robe e as sandálias e desci a colina.
mortes, renasci de um modo humanamente indescri-
Experimentei o que provavelmente seja o maior êx-
tível.
tase que um ser humano pode sentir no plano físico.
A princípio, senti uma rápida vibração ou pulsa- Senti um amor e uma reverência enorme pela vida
ção na região abdominal, que se espalhou pelo meu que me cercava. Amei cada folha, cada nuvem, cada
corpo todo e depois para tudo o que estava ao alcance haste de grama, cada criatura vivente. Senti a pulsa-
dos meus olhos - 0 teto, as paredes, o chão, a mo- ção dos seixos do caminho e caminhei literalmente
bília, a cama, a janela, o horizonte do lado de fora da acima deles, dizendo-lhes: "Não posso andar em cima
janela, as árvores e, finalmente, pelo planeta Terra de vocês, não posso machucá-los." Ao chegar ao sopé
inteiro. Era como se o planeta todo estivesse numa da colina, percebi que eu não havia tocado no chão
rapidíssima vibração, com todas as moléculas vibran- do caminho. No entanto, não havia dúvida quanto à
do A o mesmo tempo, algo parecido com um botão validade dessa experiência. Simplesmente, tive a per-
de lotus surgiu e se abriu numa incrível, bela e colo- cepção da consciência cósmica da vida em todas as

90 91
coisas vivas e senti um amor impossível de ser des- Essa experiência me tocou profundamente e mu-
crito em palavras. dou minha vida de um modo difícil de explicar. Mas
Foram necessários vários dias para que eu voltas- penso que foi devido a ela que compreendi que, caso
se à existência física, com suas trivialidades, como não tivesse partilhado meu modo de entender a vida
lavar louça, lavar roupa e fazer as refeições para a Ipós a morte, teria, literalmente, de morrer milhares
minha família. Vários meses se passaram até que eu de vezes. A sociedade na qual vivo tentaria me fazer
pudesse contar minha experiência e partilhá-la com un pedaços, mas a experiência e o conhecimento, a
um grupo maravilhoso, capaz de compreender sem alegria, o amor e a sensação que se seguiram a essa
julgar, que me convidou a proferir uma palestra sobre agonia, enfim, as recompensas, seriam sempre supe-
psicologia transpessoal em Berkeley, na Califórnia. riores à dor.
Depois do meu relato, minha experiência ganhou um
rótulo, passando a chamar-se "consciência cósmica".
Como de hábito, tive de ir a uma biblioteca à procura
de um livro com o mesmo título para aprender inte-
lectualmente e entender o significado de tal estado.
Disseram-me também que as palavras "Shanti N i -
laya" que me haviam sido ditas quando me incorporei
à energia espiritual, à fonte de luz, significam a mo-
rada final de paz, para onde todos retornaremos quan-
do tivermos passado por todas as agonias, dores, so-
frimentos e mágoas. Esse é o local onde poderemos
nos livrar de toda dor e nos tornarmos aquilo que
fomos criados para ser: seres cujos corpos físico,
emocional, mental e espiritual sejam harmonizados
entre si; seres que compreendam o amor, o verdadeiro
amor, que não reclama nada em troca e não impõe
condições. Se pudéssemos entender esse estado de
amor, seríamos todos perfeitos e saudáveis e podería-
mos cumprir nosso destino numa única encarnação.

92 93
A MORTE DOS PAIS
morte de um ente querido é sempre um aconte-
cimento triste. A reação do parente mais próximo de-
pende de diversos fatores e da idade de quem faleceu,
assim como também é muito relevante a idade da
criança que ficou. A causa e/ou o inesperado do fato
(falta de preparo) têm um papel muito importante. O
relacionamento entre a mãe ou o pai e a criança que
sobrevive, bem como a experiência anterior desta
com ocorrências semelhantes, tudo isso terá influên-
cia sobre o período que se segue após a morte de um
dos pais.
Se a criança for muito nova e não tiver tido tempo
para se apegar à figura materna, uma avó poderá fa-
cilmente substituir uma jovem mãe e a criança não
sofrerá nem mostrará sinais de sentir a perda — o
que só acontecerá se o seu lado emocional j á estiver
desenvolvido. Nos primeiros meses de vida, as ne-

97
cessidades físicas são as mais importantes do bebê; Iflo boazinhas", porém sem desencorajá-las. A afir-
portanto se elas forem bem atendidas, com carinho e mação reiterada de que não se pode causar a morte
amor, ele ficará satisfeito. ÚO pai/mãe por força do pensamento ou com um de-
Uma vez que o vínculo afetivo esteja instalado, o terminado tipo de comportamento pode, eventual-
bebê privado da mãe apresentará reações como sin- mente, dar bons resultados.
tomas físicos, choro e insônia, apegando-se a outras Só depois que o pai (ou a mãe) sobrevivente, ou
figuras da família, podendo ocorrer uma regressão a talvez os avós, conversarem e chorarem suficiente-
comportamentos passados. As crianças em fase de mente a morte da m ã e (ou do pai) da criança, é que
pré-escola são as que reagem de forma mais negativa lia se dará conta do ocorrido e começará realmente
quando da morte súbita de um dos pais. Nessa fase .1 lamentá-la. Se as famílias chorarem juntas seus
elas não conseguem conceber a morte como um acon- mortos, se conversarem sobre as coisas alegres que
tecimento permanente, uma separação definitiva, e jOm eles viveram, o processo de perda será bem mais
passam a procurar o ente querido por toda parte, ten- facilmente superado. Toda criança precisa de alguém
tando realmente fazê-lo voltar para casa. Caso o pai/a Com quem conversar sobre a pessoa que perdeu. Se
mãe estivesse zangado com elas, poderão julgar-se OS parentes puderem folhear um álbum de fotografias,
responsáveis pelo seu "desaparecimento", acreditan- lembrar de lugares onde passaram férias e outros pe-
do que isso seja um tipo de castigo temporário. Súbita quenos acontecimentos, rir e chorar junto com elas,
e estranhamente, poderão tornar-se muito bem-com- isso poderá ajudá-las e muito no sentido de superar
portadas, oferecendo-se para lavar e enxugar a louça sem trauma o período de luto.
c para arrumar a cama, e os adultos ficarão impres- Uma garota do 3 ano primário contou-me a dor
9

sionados ao ver que esse "prestativo pequeno ho- que sentiu ao perder a mãe e um irmãozinho de três
mem", de repente, tornou-se uma criança tão solícita. anos de idade num acidente de carro. O pai, que era
Esse comportamento é um mau presságio, uma vez quem estava ao volante, sentiu-se extremamente cul-
que decorre da culpa e do medo que a criança sente pado pela dupla perda, pois não dera ouvidos aos fa-
de ter se comportado mal anteriormente, e representa miliares que o haviam tentado dissuadir da viagem
uma tentativa de satisfazer o pai/mãe, de suborná-lo fatídica.
para que volte para casa. É importante que os adultos Disse-me Suzy: "Eu estava doente, de cama, quando
percebam isso e evitem elogiá-las demais por "serem papai veio me dizer que uma babá viria cuidar de

98 99
mim, pois ele, mamãe e Peter teriam de sair por al- "Essa foi a última vez que vi minha mãe e meu
gumas poucas horas." A menina começou a soluçar [rmao. A certa altura da noite, meu pai bateu com o
novamente, como há um ano, quando o pai a infor- garro num poste de telefone, o carro capotou e rolou
mara da pequena viagem que planejara fazer. "Chorei Bpj um barranco. Ao que parece, alguém que passava
c disse-lhe que estava doente, que precisava da ma-
pelo local viu as marcas deixadas pelas rodas na es-
mãe em casa e não de uma babá... mas ele não quis
tuda e, seguindo-as, encontrou meu pai, ainda dentro
me ouvir. 'Comporte-se como uma menina crescida',
do carro, aturdido. Minha mãe e meu irmâozinho ha-
disse ele: 'Quando acordar, amanhã, j á estaremos em
viam sido atirados para fora do veículo e foram le-
casa e você provavelmente já estará se sentindo me-
vados às pressas para um hospital. Mamãe já chegou
lhor.' Não adiantou chorar nem argumentar. Ele es-
tava decidido a sair da cidade e não quis explicar por morta, mas meu irmâozinho ainda viveu dois dias.
que tinha de fazê-lo justo naquele dia. O médico que Papai sofreu apenas alguns arranhões e ficou sob ob-
me examinara dissera a meus pais que me mantives- servação, para descartar-se a possibilidade da exis-
sem na cama e sob observação, pois ele não sabia tência de alguma lesão na cabeça. Ele voltou para
exatamente o que havia de errado comigo. casa três dias depois.
"Tudo de que me lembro é que ninguém me con-
"Ouvi meus pais discutindo sobre a viagem do
tou nada. Minha babá passou a noite comigo e, na
lado de fora do quarto, pois, evidentemente, mamãe
manhã seguinte, todos os nossos vizinhos trouxeram-
achava que devia ficar em casa. Como não sabiam
me brinquedos e outros presentes, mas ninguém res-
qual era o meu problema, decidiram levar meu irmão-
zinho com eles. Fiquei extremamente aborrecida, pondia às minhas perguntas. 'Minha mãe prometeu
chorei e implorei, mas de nada adiantou. Mamãe veio (ornar o café da manhã comigo', dizia eu, sem parar,
despedir-se de mim, abraçou-mc sorrindo, parecendo recusando-me a comer. Mais tarde, quando meu mé-
muito triste. 'Seja uma boa menina, meu bem. Deixe dico chegou, fiquei muito agitada. Não queria vê-lo
que Laura leia uma história para você e descanse o sem mamãe no quarto, só que paravam carros e mais
mais que puder. Amanhã, antes mesmo de você acor- carros lá fora, menos o nosso. Da janela do meu quar-
dar, estaremos de volta e tomaremos o café da manhã to eu podia ver o estacionamento. O médico deu-me
todos juntos.' Ela então saiu apressada. Peter deu-me uma injeção, e tudo de que me lembro é de ter cha-
um 'até logo' do corredor; depois ouvi o carro saindo mado por minha mãe. Três dias depois, papai voltou
da garagem. para casa. Parecia diferente. Eu percebia que ele havia

100 101
chorado. Só depois do enterro ele me contou que ma- na esposa. Sentia-se tão culpado, seu pesar era tão
mãe e Peter haviam morrido num acidente de carro grande, que só conseguia enfrentar "uma perda de
e que esperava que eu me comportasse como uma cada vez", como dizia. Se pai e filha tivessem chorado
mocinha e o ajudasse. Eu não queria acreditar nele. tantos, ele a morte da esposa, ela a da mãe, estou
Passei dias na cama devaneando, conversando com gerta de que as conseqüências teriam sido menos de-
mamãe e pedindo-lhe que voltasse para casa. Cheguei vastadoras, a revolta menor, poderiam ter comparti-
até mesmo a prometer-lhe que prepararia o café da lhado a perda e restabelecido a comunicação entre
manhã e que esqueceria que ela não cumprira a pro- pai e filha. Mas, daquele jeito, um ano depois da trá¬
messa que me fizera. Limpei minhas gavetas e o quar- gica e dupla morte, o pai tornou-se cada vez mais
to todo, dobrei todos os meus shorts e blusas. Ela distante da única filha, terminando por mandá-la para
sempre insistira para que eu mantivesse meu quarto a casa dos avós. A garota teve de começar a cursar
um pouco mais cm ordem. Agora, todos os meus brin- uma nova escola e, por conseguinte, acabou perdendo
quedos estavam ordenadamente dispostos na pratelei- também as poucas amiguinhas que tinha na escola
ra, as gavetas perfeitamente arrumadas. Com certeza, antiga. Na nova escola, começou a inventar elabora-
ela ficaria satisfeita comigo e voltaria para casa! Por das mentiras a respeito dos pais, que segundo ela ha-
vários dias, mal me alimentei. Muitos vizinhos entra- viam-se mudado temporariamente "para longe", mas
vam e saíam. que haviam prometido voltar no final do ano letivo,
"Uma tia minha veio passar algumas semanas co- quando então voltaria para a antiga casa.
nosco, mas eu não queria saber dela. Só queria que Suzy estava sempre sozinha, mostrava-se extre-
minha mãe voltasse para casa. Sempre que eu preten- mamente retraída e apresentava sinais de uma grande
dia conversar com papai a seu respeito, ele ficava ansiedade, sempre que percebia algum movimento no
muito zangado. Uma vez gritou comigo e perguntou estacionamento. Ainda tinha pesadelos e, quando j u l -
se eu também não sentia falta do meu irmão. Para gava que ninguém a observava, conversava longa e
dizer a verdade, acho que eu nunca pensava nele. Eu animadamente com uma pessoa invisível. Quando lhe
queria a minha mãe de volta e, enquanto isso não perguntavam com quem conversava tanto, negava
acontecesse, o resto não tinha a menor importância." que tivesse conversado com quem quer que fosse.
Enquanto isso, o pai de Suzy lamentava a morte No meu livro anterior, On Children and Death,
do filho adorado, só raramente permitindo-se pensar narrei a história de um garoto que, depois de perder

102 103
a mãe, era visto colocando uma enorme maçã verme- Qtlentemente, envolvem-se em brigas com os colegas
lha no pcitonl da janela em pleno inverno, em Chi- , as vezes, brigam com outras crianças que são apa-
cago. Quando lhe perguntavam o que aquela maçã nhadas na saída da escola pelos pais ou saem com
estava fazendo ali, timidamente respondia: "Mamãe i i, . a passeio. Tornam-se desobedientes, temerárias
sempre adorou maçãs vermelhas. Talvez ela a veja e . ,i, Mias bicicletas ou carts, recusando-se a ouvir os
volte para casa." Adultos que as advertem para que sejam mais caute-
Em nossos seminários com duração de cinco dias, losas.
que realizamos pelo mundo todo, tentamos ajudar as Os pré-adolescentes que perdem o pai ou a mãe
pessoas a encarar de frente antigos problemas não- tendem a ter mau comportamento, ser promíscuos, a
resolvidos. As dificuldades experimentadas na vida ftlgir de casa e a envolverem-se em situações perigo-
não raro têm início quando da perda de uma mãe ou ,as. Muitas prostitutas adolescentes, que adotam uma
de um pai. A falta de capacidade para conversar, par- vida marginal vendendo o próprio corpo, fugiram de
tilhar c contar coisas relacionadas com seus queridos casa após a morte do pai ou da mãe. "Não estar nem
e saudosos pais gera, futuramente, a incapacidade de a f é uma atitude freqüente, uma expressão da revolta
partilhar emoções e de aprender, numa idade ainda que sentem. O de que mais precisam é de um par de
tenra, a enfrentar a perda e a mágoa de forma saudá- braços amorosos em torno de si, de um ombro em
vel. Se o pai ou mãe que sobreviveu soubesse o quan- que possam apoiar-se e de um adulto com quem pos-
to ajudaria a criança demonstrando sua própria tris- sam abrir seus corações. Embora geralmente digam
teza, chorando com ela, futuros sofrimentos e reações "Não sou mais um nenezinho", na verdade elas gos-
negativas poderiam ser evitadas. tariam mesmo é de ser mimadas, embaladas, ninadas
As crianças maiores logo percebem quando seu e amadas até que a ferida começasse a cicatrizar.
comportamento causa tristeza ou embaraço para o res- Mas a cicatrização, assim como o luto, leva tem-
to da família e, assim sendo, choram à noite, sozinhas po. Não importa quantas semanas ou meses tenham
com seus travesseiros, ou então saem para passeios se passado, todo mundo precisa ser encorajado a viver
solitários durante os quais geralmente conversam com o processo à sua própria maneira. O que funciona
o pai ou m ã e falecidos. Tentar ocultar as próprias para uns não funciona para outros. Algumas adoles-
emoções na presença dos outros membros da família centes podem reagir passando a freqüentar festas, ou-
torna-as terrivelmente mal-humoradas e propensas a tras carregando na maquiagem. Nunca julgue ou cri-
explosões de lágrimas por qualquer bobagem. Fre- tique alguém por, a seu modo, estar tentando enfren-

104 105
tar a perda do pai ou da mãe. Certos mecanismos PU6 o trauma ocorre, muito sofrimento desnecessário
podem funcionar para essa pessoa, ainda que lhe pa- poderia ser evitado.
reçam inconcebíveis. Em contraste com as mortes súbitas, inesperadas
Em famílias nas quais acontecem muitas brigas, com as quais geralmente é mais difícil de lidar —
castigos físicos e/ou ofensas, a falta de uma comuni- i morte decorrente de câncer (ou de outra doença de
cação honesta e aberta seguiu-se a uma morte súbita. desenvolvimento lento e de conseqüências fatais) dá
Muitos homens c mulheres que sofreram abuso sexual crianças sobreviventes chance de se retratarem
na infância (no mínimo 30% da nossa população) aca- Belo "mau comportamento", pela maneira distante
bam, por f i m , dando vazão à raiva por tanto tempo I omo trataram a pessoa doente, ou simplesmente a
sufocada, ao sentimento de injustiça e à imensa má-
oportunidade de resolver quaisquer problemas que
goa pela infância que nunca chegaram a ter. Essas
porventura tivessem com ela. Muitos pais que rejei-
"crianças de luto" sem um passado de perdas, primei-
tai am um filho homossexual, nos últimos dias de vida
ro terão de descobrir o que as tornou quase crônica-
mente deprimidas, desconfiadas e retraídas. Só depois
deste acabam aceitando a vida levada pelo filho para
de descobrirem a causa do trauma (ou traumas múl- uao terem de carregar essa culpa pelo resto da vida.
tiplos de abuso sexual) é que poderão superá-lo, ex- A lembrança mais comovente que tenho de um mo-
pressando o ódio, a raiva, a agressão, a dor, o medo, mento como esse diz respeito a um pai que, literal-
a mágoa e a culpa que sentem sobre um objeto ina- mente, vagava no corredor do hospital onde o filho
nimado (técnica por nós utilizada), isto c, fazendo em de vinte e três anos estava morrendo. Ele sc recusava
pedaços uma lista telefônica, externando todos os sen- a entrar no quarto e encará-lo, mas ficava andando
timentos que sufocaram durante décadas. Uma vez por ali todos os dias. Uma tarde, pouco antes do tér-
que a pessoa consiga expressar esse antigo e mal-re- mino do horário de visitas, um servente viu-o nova-
solvido problema, num ambiente seguro e na presença mente. Colocou-se atrás dele e, delicadamente, em-
de alguém da sua confiança e que esteja capacitado purrou-o em direção à porta do quarto do rapaz. "En-
a dar o apoio de que necessita, terá início o processo tre comigo e dê uma olhada nele", disse brandamente,
de lamentar e chorar a morte de um pai, que pode ter ao mesmo tempo que abria a porta. O pai ficou cho-
sido tão amado quanto temido. cado com a aparência esquelética daquela figura dei-
Se pudéssemos ajudar essas crianças nos primei- tada ali e, abruptamente, exclamou: "Esse não é o
ros anos e dar-lhes o apoio de que necessitam assim meu filho." Uma voz muito débil fez-se ouvir, vinda

106 107
do travesseiro: "Sim, papai, sou eu, Richard, seu f i - jue teremos de chamá-la de mamãe?" As duas riram
lho." O pai hesitou, caminhou timidamente em dire- | choraram juntas, e a mãe prometeu que à noite con-
ção ao filho e, minutos depois, as lágrimas de ambos versaria com o pai da garota para se assegurar de que,
misturavam-se umas às outras, à medida que ele se easo ele voltasse a se casar, não obrigaria Suzy a cha-
inclinava sobre o filho deitado, dizendo sem cessar: mar "a outra mulher" de mamãe. Seu filho, Peter,
"Sinto muito, sinto muito..." Eu nunca antes vira uma tinha preocupações bem diferentes. Quem prepararia
expressão tão radiante no rosto de Richard. "Eu sabia P jantar para eles, quem viria às suas festas? Uma
que você viria antes que fosse tarde demais", disse conversa franca contribuiu para que a família toda se
ele. "Agora j á posso morrer em paz..." breparasse para uma eventual transição da mamãe, e
Lembro-me também de uma jovem mãe de M i - cada um dos seus membros teve oportunidade de falar
neápolis. Ela sabia que seus dias estavam contados e abertamente sobre essa possibilidade.
embora tivesse falado da própria morte e funeral com Os adultos que enfrentam a perda de pais idosos
o marido, parecia nunca encontrar as palavras para lanam bem em discutir essa eventualidade antes que
explicar aos filhos que no ano seguinte não estaria um infarto ou um ataque cardíaco os obrigue a fazê-
mais junto deles. Uma noite juntou toda a coragem [p, Se pudessem sentar-se com os pais e procurar sa-
que possuía e convidou-os a se reunirem em torno da ber que tipo de tratamento, hospitais ou casas rune-
sua enorme cama de casal. Com Suzy, a filha de nove, , ,n ias prefeririam, que fim desejariam dar a seus bens,
anos, foi fácil. Sempre tinham falado abertamente a de uma forma tranqüila e amorosa, com participação
respeito de uma porção de coisas e Suzy intimamente de iodos os membros da família envolvidos, seriauma
já sabia que a mãe não estava passando bem. A mãe boa forma de ir se preparando para o momento, além
disse-lhe que depois da morte continuaria em contato de poupá-los de uma série de preocupações. Se todas
com ela e que poderia ouvir suas preces e saber de essas decisões forem tomadas de antemão, por escri¬
suas necessidades. Com muita simplicidade, Suzy to, com o testemunho de todos os presentes, e as pes-
respondeu: "Eu sei que você pode ler todos os meus cas não forem obrigadas a pensar nesse tipo de coi-
pensamentos, ouvir todas as palavras que ihe digo, sas no momento de maior sofrimento, é possível m i -
embora nem sempre eu consiga ouvir a sua resposta! nimizar o choque e a confusão emocional.
Não é isso que me aborrece. Você acha que o papai A morte nada mais é do que uma transição desta
vai trazer outra mulher para dentro da nossa casa e vida para uma outra existência, na qual não existe

108 109
mais dor e angústia. Todas as amarguras e divergên-
\ M( )RTE AO NASCIMENTO
cias desaparecem, e a única coisa que sobrevive para 11 , | | vi •N1X) O KARMA E A REENCARNAÇÃO
sempre é o A M O R . Assim sendo, amem-se uns aos
outros AGORA, pois nunca sabemos por quanto tem- I', „ mie estamos aqui? Para onde vamos?
po seremos abençoados com a presença daqueles que o m o a lei do karma modela o nosso destino?
nos deram a V I D A - não importa quão imperfeitos ( ) que acontece quando morremos?
sejam os nossos pais. C xirao podemos mudar isso?

"Pode-se tolerar tudo, quando há AMOR." Esse


é talvez o fato mais importante quando se está às vol-
, , „ , , att Nascimento leva-nos numa jornada entre esses dois
tas com a morte de um pai ou de uma mãe Com
Ia vida, eliminando os mal-entendidos mais freqüentes
exceção das crianças de colo, todas as outras lamen-
i, , revelando verdades pouco conhecidas, embora
tarão a perda de uma mãe ou de um pai, mesmo de-
| ( n ; l e

C o m base numa série de histórias tiradas das antigas


pois de se tornarem adultos e de terem seus próprios
" , , r d a s u a e x p e r i ê n c i a pessoal, P a n d i t T i g u n a i t m o s t r a o q u e o
filhos.
., t na realidade, ensina como podemos criá-lo e revela como
O período de luto poderá ser relativamente sim- i •. usá-lo para concretizar nossos sonhos.
ples, como pode ser prolongado e traumático, de-
pendendo do relacionamento entre a criança e o pai „i isso possível, o autor nos inicia nas práticas espirituais que
ou mae, dependendo da existência de antigos confli- ,1 , dividiram em três categorias: a primeira nos ajuda a viver
tos não-resolvidos entre ambos, do nível de comuni- |„ , |da feliz e saudável enquanto permanecemos neste mundo; a
V

cação entre eles e, finalmente, embora igualmente im- L i nos garante uma morte digna, a fruição de prazeres celestiais

portante, da experiência anterior das pessoas com a i, , v U , i no a este mundo para completar nossa jornada espiritual; e a

morte e com a perda de algum ente querido. ,, e mais elevada consiste em t é c n i c a s que nos possibilitam
lt ler completamente a terra e o céu, libertando-nos do ciclo de
riese nascimentos.

\ ida entre o nascimento e a morte é o campo do karma no qual


V

-nmos, colhemos e voltamos a semear.

MUI URA PENSAMENTO


110
I CHING - O LIVRO
DAS MUTAÇÕES

Richard Wilhelm
Prólogo de C. G. Jung

Depois de amplamente divulgada em alemão, inglês, francês, italiano


espanhol, aparece pela primeira vez e m português amais abalizada tracluç
deste clássico da sabedoria oriental - o / Ching, ou Livro das Mutações
segundo a versão realizada e comentada pelo sinólogo alemão Rich
Wilhelm.
Tendo como mestre e mentor o venerável sábio Lao Nai H a ü a n , que
possibilitou o acesso aos textos escritos em chinês arcaico, Richard Wilhel
p ô d e captar o significado vivo do texto original, outorgando à sua vers :

uma profundidade de perspectiva que nunca poderia provir de


conhecimento puramente acadêmico da filosofia chinesa.
Utilizado como oráculo desde a mais remota antigüidade, o / Chi
considerado o mais antigo livro chinês, é t a m b é m o mais moderno, pe
notável influência que vem exercendo, de uns anos para cá, na ciência, n
psicologia e na literatura do Ocidente, devido n ã o só ao fato de sua filosofj
coincidir, de maneira mais assombrosa, com as concepções mais atuais d
mundo, como t a m b é m por sua função como instrumento na exploração d
inconsciente individual e coletivo.
C. G. Jung, o grande psicólogo e psiquiatra suíço, autor do prefácio d
edição inglesa, incluído nesta versão, e um dos principais responsáveis pel
ressurgimento do interesse do mundo ocidental pelo / Ching, resume d
seguinte forma a atitude com a qual o leitor ocidental deve se aproxim
deste Livro dos Oráculos:
"01 Ching não oferece provas nem resultados; não faz alarde de si nem ê d
fácil abordagem. Como se fora uma parte da natureza, espera até que
descubramos. Não oferece nem fatos nem poder, mas, para os amantes d
autoconhecimento e da sabedoria ~ seê que existem -, parece ser o livro indicad-
Para alguns, seu espírito parecerá claro como o dia; para outros, sombrio como
crepúsculo; para outros ainda, escuro como a noite. Aqueles a quem ele não agrada
não témpor que usá-lo, e quem se opuser a ele não ê obrigado a achá-lo verdadeiro.
Deixem-no ir pelo mundo para benefício dos que forem capazes de discernir su
significação."

EDITORA PENSAMENTO
A M O R T E :

U M A M A N H E C E R

Elisabeth Kübler-Ross

Quando o assunto é morte, o ato de morrer ou a vida depois da


morte, imediatamente nos vem à memória o nome da dra. Elisabeth
Kübler-Ross, a maior e mais conhecida especialista no assunto em
todo o mundo.
Este seu livro reúne, pela primeira vez, os textos que escreveu
tendo como fundamento os anos em que trabalhou junto a pessoas
que estavam para morrer. Com elas, aprendeu muito sobre o signifi-
cado da vida e sobre a vida depois da morte. O que aprendeu e pes-
quisou juntou-se às próprias idéias e sentimentos sobre esse tema,
tão polêmico quanto fascinante.
Basicamente, de todo esse conhecimento, fica a certeza de que a
experiência da morte é quase idêntica à do nascimento. E como nas-
cer para uma existência diferente, e isso pode ser feito com muita
simplicidade.
Outro fato incontestável é que morrer, assim como nascer, é um
processo normal pelo qual todos os seres humanos terão de passar
um dia. E nada melhor do que ler este livro —- A Morte: Um Ama-
nhecer — para perder de vez o medo da morte e descobrir tudo o
que acontece durante o ato de morrer e logo depois.

~ —O

EDITORA PENSAMENTO 3 S = r

También podría gustarte