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Carolina LAMPREIA1
Resumo
A intervenção precoce no autismo tem-se tornado possível graças a sua identificação cada vez mais cedo. A abordagem
desenvolvimentista caracteriza-se por procurar compreender os desvios do desenvolvimento da criança autista, a partir do
desenvolvimento típico. O objetivo deste artigo é analisar alguns programas de intervenção precoce que seguem a perspectiva
desenvolvimentista. Em seguida, são apresentadas cinco áreas consideradas fundamentais pelos diferentes programas que
seguem essa orientação: comunicação não verbal, imitação, processamento sensorial, jogo com pares e família. Na conclusão, são
comentados os resultados relativos à eficácia dos tratamentos.
Unitermos: crianças autistas; intervenção precoce; desenvolvimento infantil.
Abstract
Early intervention in autism has become possible as a result of early identification. The developmental approach tries to understand the
pervasive impairment of the developmental process in autism. The objective of this article is to analyze some early intervention programs
that adopt this approach. The different programs main characteristics are presented by the five most important areas: nonverbal
communication, imitation, sensory processing, peer play and family. In conclusion, results concerning treatments effectiveness are
commented.
Uniterms: autistic children; early intervention; childhood development.
A intervenção precoce no autismo tem-se conclui que todos foram eficazes em proporcionar a
INTERVENÇÃO PRECOCE NO AUTISMO
tornado possível graças a sua identificação cada vez colocação de 50% das crianças em uma escola regular.
mais cedo, a partir dos 18 meses de idade. A identificação Segundo as autoras, para assegurar um resultado
tem sido feita basicamente com base em dificuldades positivo, certos aspectos fundamentais devem estar
específicas na orientação para estímulos sociais, contato presentes. Os elementos comuns desses programas
ocular social, atenção compartilhada, imitação motora foram: currículo abrangendo cinco áreas de habilidades
e jogo simbólico (Baron-Cohen, Allen & Gillberg, 1992). (prestar atenção a elementos do ambiente, imitação,
Uma revisão de oito programas de intervenção compreensão e uso da linguagem, jogo apropriado com
precoce para crianças autistas entre três e meio e quatro brinquedos e interação social), ambiente de ensino
anos de idade, realizada por Dawson e Osterling (1997), altamente favorecedor e estratégias para a genera-
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia. Rua Marquês de São Vicente, 225, 22453-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: <lampreia@psi.puc-rio.br>. 105
podem ser explicados exclusivamente pelos déficits que seguem essa orientação: comunicação não verbal,
biológicos. Segundo essa perspectiva, o desenvolvi- imitação, processamento sensorial, jogo com pares e
mento típico deve ser compreendido a partir da família. Isso será feito a partir de dois programas mais
articulação entre as capacidades biológicas iniciais para abrangentes que incluem todas as cinco áreas, embora
o engajamento social, com as quais todo bebê humano seu foco esteja na comunicação não verbal e cinco
106 vem equipado, e as interações sociais posteriores. Como trabalhos mais específicos voltados para uma das cinco
desenvolve, então, diversas habilidades, tais como: seguir emocionais com pessoas; o ser capaz de chamar a
o apontar e o olhar da mãe, apontar, mostrar e dar para atenção dos outros para objetos ou eventos para
a mãe e a imitação (Carpenter, Nagell & Tomasello, 1998). compartilhar experiências.
A atenção compartilhada tem sido considerada A criança autista pode apresentar dificuldades
a habilidade mais importante dessa fase por ser um em todos esses componentes. Isto não significa que ela
precursor da compreensão das intenções comuni- não se comunique, mas que não o faz com objetivos
cativas dos outros, da imitação com inversão de papéis sociais. Ela se comunica principalmente para regular o
e da linguagem. Carpenter e Tomasello (2000) afirmam comportamento dos outros e pode desenvolver, para
que as habilidades de linguagem parecem emergir de se comunicar, comportamentos idiossincráticos e
atividades não lingüísticas de atenção compartilhada. indesejáveis como a agressão, a birra e a auto-agressão.
Para adquirir um símbolo, a criança precisa ser capaz O que lhe falta é a capacidade para chamar a atenção 107
de solução de problemas para aprender novas deve imitar ações familiares do adulto. Como segundo
habilidades e conceitos. Por fim, há atividades de jogo passo, procura-se estabelecer a comunicação para
motor, sensorial e espacial para fortalecer as habilidades atingir um objetivo desejado - a criança deve se engajar
de processamento sensorial como a modulação e a em comunicação espontânea para pedir ajuda. Em
integração sensório-motora, desafios perceptuais e seguida, procura-se promover atividades compartilha-
motores, atividades de processamento visuoespacial, das e a criança deve pedir ao adulto que participe de
discriminação tátil e brincadeiras com pares. Além da uma atividade compartilhada. Os dois últimos passos
programação em casa, são proporcionados programas do programa envolvem a promoção da utilização do
terapêuticos específicos como terapia da linguagem- contato ocular no contexto da comunicação, por parte
-fala, terapia ocupacional de integração sensorial e um da criança, e a sua atenção a deixas não verbais de
programa educacional. outros, assim como a direção da atenção dos outros. 109
Pesquisas têm revelado que melhoras na suas necessidades e proporcionar uma “dieta” sensorial
imitação aumentam o uso do olhar e a responsividade apropriada (Anzalone & Williamson, 2000).
da criança autista (Klinger & Dawson, 1992) e também Além disso, é importante considerar que o
levam a experiências de contágio emocional e coorde- mesmo comportamento pode ter funções diferentes
nação afetiva, permitindo o desenvolvimento de alguns em crianças diferentes. Por exemplo, uma criança hiper-
110 aspectos da atenção compartilhada, comunicação -reativa pode bater as mãos para ter um foco seletivo,
O modelo SCERTS de Prizant et al. (2000) e o Finalmente, as estratégias clínicas devem ocorrer
modelo DIR de Greenspan e Wieder (2000) são em rotinas naturais em casa e na escola assim como
importantes porque enfocam as diferentes áreas em ambientes comunitários. Família e pares devem ser
deficitárias da criança autista. Eles não se restringem apoiados e treinados. O recurso ao jogo pode ser uma
112 apenas ao treinamento de comportamentos ausentes excelente estratégia para a facilitação de habilidades
pares como parceiros de jogos. Observa-se também competence from 9 to 15 months of age. Monographs of
the Society for Research in Child Development, Serial Nº
que interações sociais podem ser ensinadas e apren- 255, 63 (4).
didas em ambientes naturais e que a promoção dessas Dawson, G., & Lewy, A. (1989). Arousal, attention, and the
interações deve ser um componente rotineiro de socioemotional impairments of individuals with autism.
qualquer programa (McConnell, 2002). In G. Dawson (Org.), Autism: nature, diagnosis and
treatment (pp. 49-74). New York: Guildford Press.
Na área sensorial, os resultados parecem ser Dawson, G., & Osterling, J. (1997). Early intervention in
menos afirmativos por não haver evidência empírica autism. In M. J. Guralnik (Org.), The effectiveness of early
para avaliar a eficácia de intervenções sensoriais e intervention (pp.307-326). Baltimore: Paul H. Brookes.
motoras em autistas. Embora vários estudos de integra- Goldstein, H. (2002). Communication intervention for
children with autism: a review of treatment efficacy.
ção sensorial, estimulação sensorial e treinamento em Journal of Autism and Developmental Disorders, 32 (5),
integração auditiva apresentem resultados positivos, eles 373-396. 113
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