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O Campo dos Olhares: cabe, contudo, trazer ao campo de debate e

Capitalismo e comunicação na sociedade investigação aspectos do avanço das forças


contemporânea capitalistas e estatais, suas destrezas e
materialidades na construção da cidade, neste
caso o Rio de Janeiro, afirmando-se através da
garantia fundamentada num modelo de
Arthur Moura1
segurança pública que serve exclusivamente aos
Introdução grandes monopólios; de que forma se estabelece
as resistências, seja de caráter organizativo ou a
partir das próprias subjetivações, entendendo
que dessas resistências se edificam as novas
A sociedade contemporânea está fundamentada
possibilidades de enfrentamento. Devemos
numa série de acontecimentos históricos tendo
trazer, portanto, o panorama político e
como marco a modernidade. O fator principal
econômico, cultural e subjetivo das
que nos antecipa a uma série de confusões
transformações e ordenamentos da sociedade
teóricas é que esta sociedade baseia-se
acompanhando suas estratificações e formas de
fundamentalmente na produção de mais-valia
poder. Somos aqui, por isso, incapazes de trazer
para manutenção e avanço do seu modelo
todas as configurações que se apresentam
econômico estabelecendo para tal a manutenção
possíveis e incisivas sobre os corpos, trazendo o
do status quo. Para a garantia dessa forma
decisivo papel de se inteirar a uma rede
econômica mercantil deve haver a exploração
proficiente em articulação e combatividade
direta e indireta da classe trabalhadora. Uma das
dentro da batalha da comunicação. Em todo
características desse sistema é a produção de
caso, o que aqui apresentamos faz parte de um
imagem e de novas formas do olhar. O
processo global, onde a confirmação se mostra
capitalismo contemporâneo incorporou-se à
no paradigma da globalização, que em nosso
produção de imagens que podemos denominar
caso chamaremos, tal qual Milton Santos,
sociedade do espetáculo. Através da apropriação
sistema globaritário que cumpre como
de diversas linguagens a burguesia pôde
importante papel o avanço do capital financeiro
revolucionar-se constantemente levando adiante
e todas as mazelas da sociedade burguesa. Para
o projeto de sociedade baseado na exploração
Nildo Viana
do gênero humano pelo próprio gênero humano.
Nos cabe aqui analisar e discorrer a respeito da “Há muitas décadas o modo de produção capitalista
comunicação dentro de uma configuração de se tornou o modo de produção dominante em todos
disputas onde batalhas intensas são travadas no os países do mundo e daí se observa que o que se
chama hoje de “globalização” não passa de uma
campo dos olhares, da informação midiatizada, continuidade da expansão do capitalismo dos seus
do monopólio da informação, das resistências e centros mais desenvolvidos para as regiões menos
formas organizativas, dos processos desenvolvidas. Entretanto, ao contrário do que
desmobilizadores e repressivos e mecânicas pretendem os ideólogos da burguesia, trata-se de
uma expansão marcada pelo signo da subordinação e
funcionais de poder. Dentro da produção de exploração, tal como sempre foi.” (Viana, Nildo.
informação midiática, e aí entendemos também Blog Informe e crítica)
o rádio como processo importante na própria
construção da linguagem oral, é infinito o Dado isso, percebemos o quanto é difícil
campo de investigação sobre as redes e concretizar formas de luta eficiente contra o
contradições na construção de discursos dentro capital, o Estado e demais estruturas
de uma configuração de luta de classes. Nos repressivas. O conhecimento nos aproxima da
práxis, possibilitando cada vez mais a troca
orgânica e dialética. O conhecimento carrega o
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Graduado em História pela Universidade Federal acúmulo e este não deve servir como
Fluminense (monografia “Uma Liberdade Chamada mecanismo de ascensão social ou que estabeleça
Solidão: a formação do rap independente no Rio de Janeiro
1990 – 2013”), músico e fazedor de filmes (filmes para tal relações de poder e domínio. O
produzidos: “As Palavras de um Faminto” (2005); “De conhecimento deve ser orgânico e dialogar
Repente: poetas de rua” (2009); “Os Presos de Março”
diretamente com as contradições sociais,
(2011); “Paralelo 14” (2010); “Utopia e Cidade” (2012);
“Do Olho ao Avesso” (2013); “Prévia do Amanhã” (2011) materiais que proporcionarão por fim mudanças

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profundas na construção das mentalidades. Rio de Janeiro e o avanço do capital:
Percebemos o quanto é complicado o trabalho panorama político da cidade
de pensar meios alternativos de organização e
produção da informação, já que dentro de toda
A cidade do Rio de Janeiro acompanha
essa problemática encontramos tais
mais uma vez o avanço do projeto político
comunicadores mergulhados em contradições
modernizador, dessa vez impondo-se através de
sociais das mais diversas. Dentro dessa
novos artifícios. Dentro dos limites do Estado
configuração uma minoria, que se sobressai
populista, pautas da classe trabalhadora
economicamente, sai ganhando, pois ela se
aparentemente tornam-se realidade sob o
aproveita perfeitamente bem dessas
anúncio de benefícios oferecidos pelo Estado.
contradições, não estendendo sua mão para as
No entanto, é preciso pensar em como se move
resultantes de tais atos. Essa comunicação
e a quem serve o discurso de mudança e
produz valores e conhecimentos deturpados
melhora social. O pronunciamento da presidente
sobre as causas reais da tão chamada crise, que
Dilma ao 1º de Maio é um bom caminho para
não sai da boca de doutores, donas de casa,
pensar a construção de um otimismo onde o
jornalistas, artistas. Os cidadãos são convidados
Brasil mostra-se como país sempre atento às
a votar e assim giram a máquina. Essa máquina
necessidades e esperança do que a presidente
quando se movimenta gera efeitos contrários
denomina “o povo brasileiro”. O governo
para o lado que a observa. Assim, os
mostra-se seguro, propositivo, democrático e
comunicadores produzem muitas vezes
responsável apresentando em seu discurso a
informações caóticas, desconexas, mesmo
ascensão econômica de parte significativa desse
quando muito com boas intenções. São
povo. Os avanços sociais e a crescente
dificultados a se articular não só por não se
modernização atendem primeiramente a uma
inteirarem de fato com as contradições sociais,
demanda não só brasileira, como alguns podem
mas por serem estimulados a permanecer em
pensar, mas dialoga diretamente com o avanço
seus limites por sofrerem a ação de um projeto
do capital global. E para a imposição do capital,
maior, distante e ainda difuso. Por isso, as teses
o Estado manifesta-se através de práticas
que culpam o espectador como meramente
fascistas historicamente construída por regimes
passíveis de serem manipulados não têm força.
autoritários.
Existe toda uma relação que nos impossibilita
de pensar tão pequeno. Aquele que produz A ascensão do fascismo encontrou importantes
informação se vê por isso imerso num aliados para que fosse possível a concretização
complicado jogo onde somente a organização do projeto de Mussolini tendo sua continuidade
gera possibilidades de potencializar as ações com Hitler. Na época o imperialismo fora o
refratárias às normatividades impositivas, baluarte às premissas de avanço de grandes
apontando com eficiência as fragilidades do nações. A junção do capital industrial com o
discurso burguês, capitalista sustentado pelo capital bancário formou o que se denomina
Estado e por projetos políticos burocratizantes. capital financeiro. Este muito mais forte e capaz
A luta popular encontra dentro desse paradigma de sustentar grandes empreendimentos militares
a saída para o enfrentamento direto contra as de tomada de poder. Mussolini, que antes fazia
opressões de classe. Por isso, aquele que produz parte do partido socialista, teve a brilhante ideia
informação, seja ele cinema, rádio ou televisão e de fortalecer um importante mito: a nação, esta
demais linguagens, deve se entender em como um princípio sagrado. “Hitler adotou-a e
contradições que geram o empobrecimento radicalizou-a, sustentando, já em 1922, que
constante de suas ambições, garantindo a “nacional” e “social” eram conceitos idênticos.”
sobrevivência dentro de limites extremos. (Konder, Leandro. Introdução ao Fascismo, p.
11) Com isso, Mussolini sentiu que podia
dialogar com setores que mais tarde viria a
neutralizar por questões de segurança. Sem a
ajuda de grandes empresários, artistas
importantes e intelectuais o fascismo também
não teria grandes probabilidades de se

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concretizar. O fascismo é uma concepção “o governo local deve promover a cidade para o
política de direita que permeia não só segmentos exterior, desenvolvendo uma imagem forte e positiva
apoiada numa oferta de infra-estruturas e de serviços
da juventude que agride negros, homossexuais, (comunicações, serviços econômicos, oferta cultural,
partidários de esquerda e moradores de rua, mas segurança, etc) que exerçam a atração de
corporações militares e Estados norteando investidores, visitantes e usuários solventes à cidade
e que facilitem suas “exportações” (de bens e
importantes segmentos políticos de poder. É serviços, de seus profissionais, etc)”.
preciso entender que o fascismo dispõe de novas
mecânicas e que se reajustou ao longo do tempo Vende-se, então, um modelo de cidade mundial
para melhor eficiência no controle social. onde a transformação do público em privado do
contrário que afirmam governantes e
Em “Pátria, Empresa e Mercadoria”, Carlos empresários serve a um projeto de classe que
Vainer apresenta um complexo panorama de precisa necessariamente neutralizar segmentos
transformação da cidade em artigo de luxo. Na menos abastados através da criminalização da
construção desse ideário estão empresários que pobreza. Nessa perspectiva, a função do Estado
através de sucessivos exemplos de cidades nega autonomia a qualquer segmento que em
mundiais estabelecem para o Rio de Janeiro suas práticas desaprove as leis e regras
formas virtualmente análogas ao processo de estabelecidas ao bom ordenamento social
mundialização das cidades em grandes caracterizado pelo exímio monopólio da
mercados, ou se quiser, a transformação das violência assegurando, portanto, qualquer
próprias cidades numa mercadoria a ser aparente disfunção que deslegitime a autoridade
consumida por um público específico. Dentro da classe burguesa sobre o discurso de ir contra
dessa construção, afirma Vainer, “seu discurso um acordo firmado entre cidadãos que buscam
se estrutura basicamente sobre a paradoxal progredir dentro de um contexto de Estados-
articulação de três analogias constitutivas: nação.

 A cidade é uma mercadoria Com todo esse avanço e fortalecimento do


 A cidade é uma empresa Estado as reações populares reverberam em
 A cidade é uma pátria diversos setores da sociedade. É aí que nasce a
oportunidade de partidos de esquerda ganhar
Adiante, uma questão importante é colocada espaço na disputa pelo poder relacionando-se de
pelo autor. “O que é que, afinal de contas, se forma oportunista com as fragilidades do
vende quando se vende uma cidade?” O contexto político. Essas estruturas não se
mercado se estabelece a partir da construção de diferenciam dos demais segmentos partidários
ofertas que por sua vez fomentam a procura por no que se refere aos seus projetos de poder, mas
produtos construídos para alimentar essa trazem a esperança num sedutor discurso de
relação. Os diversos segmentos sociais mudança. As mudanças que propõe se
existentes se tornam, a partir dessa relação, em inviabilizam na prática quando observamos de
mercados em potencial. “Idosos podem querer perto as ações de organizações burocráticas.
calma e grande número de serviços médicos, Torna-se difícil até mesmo contar com tais
religiosos podem preferir grande concentração organizações em momentos estratégicos no
de lugares de retiro e prece, jovens podem estar processo de luta contra o capital, pois estas
buscando certos tipos de entretenimento e lazer, organizações não avançam em suas críticas por
etc.” Este mercado, no entanto, está diretamente acreditarem na forma-estado. É comum,
ligado, dependente e funcionando com um portanto, vermos que estes setores em
mercado mundial, globalizado. Dessa maneira, momentos oportunos defendam a greve da
os governos locais funcionam a fim de polícia ou apoie de forma intermitente projetos
estimular, viabilizar e proporcionar que tais governistas. Os movimentos populares tornam-
relações entre capital e trabalho sejam se campos de disputas que por fim definirão o
livremente implementados nas cidades como caráter propositivo de cada segmento. Aí
parte do processo de modernização dos podemos nos perder na análise de infinitas
territórios. Para Vainer manifestações, seja ela de caráter estudantil,
sindical, ocupações de espaços públicos, terras
improdutivas e prédios a serviço da especulação

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imobiliária, ou até mesmo em manifestações
como a dos índios da Aldeia Maracanã.
Cultura massas e Indústria cultural
A transformação da violência em mecanismo
inquestionável ao controle da ordem social diz Existem duas leituras possíveis acerca do
respeito a interesses das comunicações caráter da cultura de massa. A primeira é
corporativas, da cidade-empresa e dos Estados entendê-la dentro do processo de
autoritários. Sendo assim, mesmo após as fundamentação do capitalismo através de meios
grandes corporações recompensadas, a violência como livros, mas, sobretudo jornais em
continuará a traçar os caminhos que o capital processo que se deu ao final do século XVIII.
demandar. Em outras palavras, a violência se Dentro dessa leitura constatamos que em sua
perpetrará sob outras configurações, mas gênese a elite crioula, como foi o caso da
igualmente impositiva e castrativa. A violência América Latina neste período, apropriou-se de
do Estado é apreciada como importante tais meios juntamente com o conhecimento que
mecanismo que garante a contensão de provinha do Iluminismo para fortalecer suas
manifestações populares, mesmo que para isso independências com relação às metrópoles.
torne a cidade um verdadeiro campo de batalha Adiante, a cultura de massa também ganhou o
sempre com a força sobrepujante do Estado caráter global tornando-se o principal
afirmando que o enfrentamento, mesmo no disseminador do modo de produção capitalista.
campo das ideias é alvo da criminalização. Por fim, este processo nos mostra o
Nessa perspectiva, a violência apresenta-se direcionamento pertinente dessa indústria com a
como fator que mantém as próprias relações finalidade de assegurar a permanência de um
sociais dentro de uma conformidade onde pequeno segmento da elite como forma a
mesmo havendo disparidades, estas se tornam garantir suas posições de privilégio numa
importantes dentro da lógica da livre sociedade dividida em classes. Acompanhando
competição e mercado, pois a violência nesse essa leitura entendemos que existe um
sistema é aceita desde que empenhada por um antagonismo de interesses entre as classes na
corpo legal, enviesado no monopólio da força. construção de canais de comunicação ao longo
Esta configuração política se torna mais da história. Uma segunda leitura acredita que é
perceptível quando da ascensão de um possível apropriar-se de tal estrutura propondo
paradigma autoritário, como o caso fascista, para isso a construção de novos valores, mesmo
mesmo que neste caso travestido sob a ótica e que seja preciso manter parte da estrutura da
artifícios populistas. Somos então levados a indústria. Dentro dessa perspectiva não seria
investigar cada vez mais o que nós mesmos preciso superar a burocratização, as
denunciamos para entender o que o adversário e institucionalidades e principalmente as
inimigo de classe é capaz de fazer até mesmo estruturas de mercado. Antes mesmo de
com quem ouse profanar tal processo como vital opinarmos sobre qual seria a possível saída,
ao bom ordenamento, necessário, dito, preciso pensemos sobre a atual configuração da
sob disposições mecânicas. São sobre essas indústria cultural e suas possíveis resistências.
forças que devemos nos debruçar, para não cair
Para Edgar Morin, a cultura de massas, ou a
em erros, fatais a sobrevivência dos que
terceira cultura, como define o autor, “oriunda
discordam. “De que modo os desejos e os
da imprensa, do cinema, do rádio, da televisão,
poderes, as novas exigências de controle, mas
que surge, desenvolve-se, projeta-se, ao lado
também as novas capacidades de resistência e
das culturas clássicas – religiosa ou humanista
de liberação vão se organizar e se confrontar
– e nacionais”. Mesmo tendo o caráter global,
nessas linhas?” (Prefácio de Deleuze; Donzelot,
tal processo fundamenta-se por estar atrelado às
Jacques. A Polícia das Famílias)
nacionalidades, pois estas representam poder de
dominação sobre outras culturas (basta, para
isso, pensarmos o papel dos Estados Unidos
com relação à imposição de seus valores ao
restante do mundo). Por isso, é importante
problematizar o conceito de nação,

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nacionalismo e nacionalidade para entender o constante de exploração da classe trabalhadora.
que eles representam. Para Benedict Anderson, A forma de dominação econômica garante as
“as comunidades não devem ser distinguidas relações desiguais dentro da lógica produtiva do
por sua falsidade/autenticidade, mas pelo estilo capitalismo assegurado pelo Estado. Para Décio
em que são imaginadas.” Para o autor, as Saes, “o Estado burguês cria as condições
comunidades são imaginadas como ideológicas necessárias à reprodução das
implicitamente limitada e soberana. O conceito relações de produção capitalistas. E o faz, na
de nação fundamenta-se pela necessidade da medida em que desempenha uma dupla função.
concretização dos Estados modernos. Dentro
dessa nova organização social as tensões de a) Individualiza os agentes de produção (produtores
diretos e proprietários dos meios de produção)
classe vão se dar num contexto onde os Estados mediante a sua conversão em pessoas jurídicas: isto
sobrepõem-se aos trabalhadores através de um é, sujeitos individuais aos quais se atribuem direitos
contrato social sustentado pela jurisdição. Esse e uma vontade subjetiva. Essa individualização
confere à troca desigual entre o uso da força de
acordo camufla as tensões em uma suposta trabalho e o salário a forma de uma ato de vontade
harmonia garantida pelo direito e todo aparato realizado por iguais: isto é, um contrato de compra e
jurídico. Em “A Formação do Estado Burguês venda de força de trabalho.
no Brasil”, Décio Saes explica que sem a
b) Neutraliza, no produtor direto, a tendência à ação
jurisdição não há sequer a possibilidade do coletiva, decorrente do caráter socializado do
advento do capitalismo como sistema processo de trabalho, e determina, por esse modo, a
econômico hegemônico e mundial. Ou seja, predominância, no produtor direto, da tendência ao
isolamento, decorrente do caráter privado assumido
para que o capitalismo seja uma economia pelos trabalhos nesse processo”.
global, este há de se atrelar diretamente aos
Estados-nação e em contrapartida temos a Esse viés apresenta uma problemática
formação do povo-nação que, por sua vez, “é a contemporânea no que diz respeito às novas
forma de coletividade que o Estado burguês relações entre capital e trabalho. O processo
impõe aos agentes da produção produtivo do capitalismo acompanhou também
antagonicamente relacionados no processo de as novas categorias que se firmaram os Estados
extorsão da mais-valia”, afirma Décio Saes. No modernos. Neste caso a problemática reside no
entanto, “o Estado é visto como um elemento fato do suporte jurídico abarcar de forma
neutro e a serviço da sociedade, mas, ao mesmo impositiva os interesses de classe para a
tempo, a sua relação com o capital revela manutenção do status quo. Em suma, os
outros interesses que permeiam a ação estatal”. Estados, através da construção de um ideário
(Leila Silva de Moura, p.19, revista nacional legitimado pela jurisdição,
Enfrentamento, “O Estado Moderno e a homogeneíza um complexo social com
Propriedade Privada”) interesses antagônicos através de construções de
poder que visam neutralizar disfunções sociais
A vida política do século XIX foi influenciada possuindo forças armadas para garantir tal
pelas lutas em torno do princípio das ordenamento.
nacionalidades, frequentemente invocado e nem
sempre obedecido. Dentro disso, a “Do lado da defesa da indústria cultural está
nacionalidade significou ao longo desse inicialmente a tese de que não é fator de
processo o vínculo jurídico pessoal que prende alienação na medida em que sua própria
um indivíduo a um Estado. E por nacionalismo dinâmica interior a levar a produção que
entende-se uma forma de consciência de grupo, acabam por beneficiar o desenvolvimento do
isto é, a consciência de pertencer ou estar ligado homem.” (Coelho, Teixeira. O que é Indústria
a uma nação. Como consciência de grupo, Cultural. São Paulo, Brasiliense, 2000. Pág.: 24)
nacionalismo implica uma coesão, um senso de Neste caso, não basta pensar uma espécie de
unidade ou de comunidade que identifica o reforma ou reparo sobre as mecânicas que não
indivíduo com um Estado político existente ou só produz, mas gerencia o modo e aplicação de
com uma aspiração ao mesmo. A partir disso, seus produtos, pois a isso já se vale o modelo
abrem-se as possibilidades da concretização do atual onde a livre competição de mercado
Estado burguês como aquele que rege as estimula e estipula os caminhos e limites
relações sociais a partir da necessidade estabelecido sob caráter flexível. Os meios de

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comunicação de massa encontram-se em mesmas leis que por sua vez estimulam e
intensas disputas por trazer todo um espectro de facilitam a existência da liberdade como
poder útil nesse caso às premissas do capital e mercadoria de consumo. E essa é a mesma lei
do Estado e de suas políticas de controle. São que imputa a culpa em nossos desejos, por estes
por isso investidos de toda uma construção estarem na contramão do ordenamento que a lei
política que por não conseguirem separar-se da permite. Por isso, para a manutenção do
realidade material, dá a esse um caráter conceito de liberdade em sociedade ordenada
fetichista e obtuso relacionando-se com a pelo estado democrático de direitos e pela
realidade de forma utilitária e tecnicista. Esta economia de mercado é preciso a manutenção
comunicação serve, por fim, à sociedade do do entendimento de tal conceito a partir da
espetáculo onde seu reflexo finaliza-se em sua tutela imposta por relações de poder e domínio
própria imagem. O uso de meios de trazendo como consequência a servidão
comunicação com alcance de massas é voluntária. Por isso, entendemos que é livre
perfeitamente possível de se realizar dentro de todo aquele que não é constrangido de forma
outra configuração de sociedade. Esta nova coercitiva através de dispositivos de domínio
comunicação não atenderia às flexíveis sobre as vontades individuais e coletivas. Neste
mudanças de mercado por não haver mais a ponto, convergimos com Teixeira Coelho,
demanda por tal flexibilização, tendo sido esta quando este diz que
transformada em seu caráter mais profundo.
“na verdade, nenhuma sociedade existente, e que
O monopólio de redes e os acordos queira dar início a um processo de profundas
alterações sociais em seu interior, pode dar-se ao
políticos firmados entre setores privados e o luxo de dispensar um meio como a TV e os produtos
Estado serve entre si como base para a culturais por ela gerados. Por outro lado, esse
construção e desconstrução dos conflitos sociais enfoque não permite esquecer que, de fato, todo
produto traz em si os germes do sistema que o gerou;
de acordo com suas necessidades e interesses
diminuir a importância dessa constatação pode
políticos. Nesse processo é de fundamental resultar em graves danos para uma sociedade em
importância estimular a construção de uma arte processo de transformação.” (Coelho, Teixeira. O
livre, interessada no aprimoramento e que é Indústria Cultural. São Paulo, Brasiliense,
2000. Pág.: 37)
desenvolvimento de suas linguagens como
forma de produzir novas relações e
organizações. Para essa liberdade de criação ser
possível, aquele que cria e comunica deve se Organização e repressão
entender em meio a essa complexa relação
“Aqueles que se declaram inimigos da
social como um ser coletivo. As próprias organização, o são geralmente porque sentem-se
relações vão estimular este indivíduo em seus incapazes da solidariedade libertária e no fundo
não sabem sair deste dilema: comandar ou serem
propósitos de criação. Pensar o uso dessa comandados. (...) Organização não significa nem
máquina comunicacional em contexto libertário autoridade, nem governo, nem vexação, mas
e sem classes é algo absolutamente diferente, apenas associação harmoniosa dos elementos do
corpo social.” Luigi Fabbri, A Organização
pois não são somente os meios materiais que Anarquista, 1907
serão apropriados. Tem-se aí a construção de
outro ethos que não proporcionará a antigas
formas de dominação e poder. Em relação a que
Em “A Organização Anarquista”, texto de 1907,
se pretende livre? Poderíamos aqui encerrar o
Luigi Fabbri fala da importância da propaganda
debate afirmando que a liberdade já fora
dos ideais anarquistas com o intuito de haver “a
conquistada ao longo do processo
continuidade de existência e de ação”, possível
revolucionário burguês onde nasce o
apenas enquanto corpo organizado na luta
proeminente cidadão. Dentro de um contexto de
contra o opressor. E diz Fabbri: “a maior
disputa e competição por mercados estimulados
satisfação possível de seu eu, o maior bem estar
pelo crescente desenvolvimento da indústria
material e moral, a maior liberdade são
cultural a liberdade é uma mercadoria como
possíveis somente quando um homem estiver
outra qualquer. Adiante, a liberdade é garantida
ligado ao outro pelo pacto de ajuda mútua.” A
pelo Estado, desde que não se transgridam as
necessidade de uma coletividade organizada
leis, criadas ao bom ordenamento social. São as

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entre aqueles que de alguma forma são de suas bases teóricas nos ajuda a não cairmos
envolvidos ou até mesmo pretende se envolver em equívocos por buscar antever através de
com a comunicação aproxima não só os acúmulos, estratégias e debates que nos sejam
interesses políticos revolucionários para a úteis no processo revolucionário. Aquele que
reconfiguração do estado de coisas, como pratica a comunicação, inclusive o capitalista, e
favorece o desenvolvimento e o crescimento da não encontra no seu próprio bojo apoio nem
própria transformação cultural, fomentada pela conexão de trocas estará facilmente entregue a
profusão das vozes que por hora são um processo de criação monótono ou ao rápido
neutralizadas por políticas de controle onde desaparecimento. A permanência de uma
cabe às empresas o papel de comunicar e comunicação contrária ao modelo capitalista
informar sobre questões sociais que diz respeito depende de trocas que façam emergir novas
a todo esse corpo social. E continua Fabbri concepções de linguagem. Para Nildo Viana,

“é preciso que os trabalhadores tenham uma visão “nas sociedades marcadas pela divisão em classes
relativamente clara do remédio necessário ao mal sociais antagônicas e com uma divisão social do
que padecem e que sobretudo é preciso uma trabalho complexa, a linguagem passa a ser
concepção nítida e precisa sobre o modo de destruir perpassada pelos conflitos de classes (Bakhtin, 1990)
e combater a atual ordem das coisas. Devemos nos e pelo que alguns estudiosos chamam de
ocupar, antes de mais nada, em formar esta “estratificações sociais da língua” (Guiraud, 1976).”
consciência no proletariado e o meio mais eficaz (Viana, Nildo. Discurso e Poder, 2009)
para tanto continua sendo a propaganda, isto é, o
exercício contínuo da luta contra o capital e o Sendo assim, entendemos que os interesses
Estado.” antagônicos de classe também são presentes na
O monopólio da comunicação é também um produção das informações, midiatizadas em sua
monopólio dos estímulos e desejos, já que os grande maioria por canais de interesses
olhares, dentro dessa configuração mecânica, privados. Não é a toa que grandes
estão sitiados por fatores econômicos. O empreendimentos da comunicação formam
processo de monopolização dos meios de verdadeiros cartéis dentro de uma configuração
comunicação funciona numa complexa trama de mercado extremamente excludente. As
entre público e privado onde os interesses indústrias da comunicação são verdadeiros
particulares da burguesia atravessam todos os polos de onde se vende desde produtos de
obstáculos por ser transmitido por frequências beleza até governos e projetos de civilização.
igualmente privadas, mesmo que juridicamente Estes estão organizados dentro de uma
estando atrelado ao ordenamento estatal onde configuração de mercado, flexibilização, livre
supostamente deve servir a todos. Ainda competição e circulação de mercadorias. A
dialogando com Fabbri, este afirma que para se comunicação independente, por ora dispersa,
organizar, “o primeiro meio, o mais importante, disposta em células, encontra-se mergulhada em
é a união – não caótica, irregular, local e tais contradições, mesmo quando
fragmentada – mas sim constante e contínua no pretensiosamente desligada do que a cerca. Não
tempo e no espaço”. E continua, podendo atribuir a essa comunicação um caráter
universal, portanto, distinguimo-la não só entre
“é preciso não esquecer que a organização é um os que aceitam a hegemonia do capital e os que
meio de se diferenciar, de se precisar um programa são contrários às imposições de mercado, mas
de ideias e de métodos estabelecidos, em tipo de
bandeira de reunião para se partir ao combate
entre os que se organizam e os que permanecem
sabendo-se com quem se pode contar e tendo-se distantes dessa possibilidade. Pensar uma
consciência da força que se pode dispor”. comunicação democrática é defrontar-se com
argumentos políticos favoráveis à manutenção
Entendemos por comunicação fator primário
da ordem burguesa onde se estipula que tudo
que proporcionará a possibilidade de gerar
que vem de fora das suas relações de controle
mudanças concretas na sociedade. A
representam necessariamente um perigo em
comunicação é o que no dia a dia estabelece
potencial.
relações, gerando conflitos e possíveis
resoluções. Tomar para si a importância de Em manifestações populares é muito comum o
desenvolver sua materialidade assim como uso de câmeras por parte dos manifestantes,
manter em diálogo o desenvolvimento constante organizadores e curiosos. Alguns atuam para

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garantir que o registro sirva no processo de luta dentro disso também produzem suas pautas e
contra as opressões. Nas manifestações o defesas sempre presente em cada enunciado.
controle sobre os olhares é tarefa da polícia que Dessa forma, produz aos olhares não só o
ao mesmo tempo em que reprime, identifica espetáculo, mas a participação destes que
quem registra, afim de impossibilitar que os consomem na aceitação da ditadura do capital.
olhares se propaguem. Àqueles que não fazem
parte da mídia burguesa é reservado um A punição, assim como as formas de controle,
tratamento especial por parte das forças se aperfeiçoou para além do que o Estado possa
policiais, tratados como intrusos e criminosos considerar um crime, tornando-se formas
nas manifestações. É muito comum ver a polícia mecânicas de subordinação nas mais diversas
confiscando equipamentos e agredindo instituições e hoje principalmente na
manifestantes que promovem registros de forma comunicação. Foucault afirma que essa nova
independente. O papel da repressão torna-se forma como a penalidade e o controle são
cada vez mais meticuloso aperfeiçoando seus dispostos tem no século XIX importante marco,
mecanismos de coerção contra aquilo que onde esse controle passa a ser “não tanto sobre
considera seu inimigo interno em potencial: os se o que fizeram os indivíduos está em
olhares, que recebem cada vez mais ofertas conformidade ou não com a lei, mas ao nível do
imagéticas longe de interesses severamente que podem fazer, do que são capazes de fazer,
ligados ao capital. Os olhares são os mais do que estão sujeitos a fazer, do que estão na
diversos e estes muitas vezes atuam como iminência de fazer”. Para isso, os olhares são
máquinas que produzem espetáculos. Há investigados pelo Estado, catalogados e
também os muitos olhares que não só observam, identificados e durante o processo de luta são
mas denunciam e produzem, para além da neutralizados.
formação de opinião, reflexão crítica sobre o
Em 64, a formação das forças repressivas de
que se vê. A sociedade disciplinar, penal,
investigação funcionou como ponto comum de
autoritária, tem como suporte fundamental as
toda a gama de militares (mesmo havendo a
grandes corporações midiáticas que auxiliam
existência de uma linha dura e um segmento de
neste processo de movimentações maciças pela
cunho liberal, ou segundo Carlos Fico, “entre
cidade, legitimando a criminalização de
radicais e moderados ou duros”). Com o início
segmentos que busquem em suas práticas
do golpe o Comando Supremo da Revolução,
enfrentar o princípio sagrado do capitalismo: a
como se autodenominavam os militares mais
propriedade privada. Por isso, a polícia é a
exaltados à frente, determinaram a criação do
instituição que nunca receberá críticas para além
IPM (Inquérito Policial Militar), que tinha como
dos possíveis excessos em suas incursões
responsável o general Estevão Taurino. O IPM
genocidas pela cidade. A polícia tem o aval de
tinha como função “apurar crimes militares
estar sempre exercendo o seu trabalho e que por
praticados contra o Estado e a ordem política e
traz da farda existe um cidadão ou um ser
social”. Para Castelo Branco os decretos
humano e que por estar sob o jugo de poderes
punitivos eram
superiores não vê alternativa a não ser obedecer.
Quando se constatam excessos a culpa recai “atos políticos da Revolução. Não os inspirou uma
sobre algum membro da corporação e a punição veleidade simplista de punir. Ao contrário, observou-
de um indivíduo, quando existe, é acatada pela se em cada caso rigorosa apuração de
responsabilidades. É mister relembrar que todo
mídia como o que de fato deve acontecer. processo revolucionário pressupõe, no seu contexto,
Sabemos por isso que não caberá a tais veículos medidas de natureza repressiva. Em muitos poucos,
de comunicação um posicionamento que entretanto, agiu-se com a justeza e moderação do
movimento de março de 1964.”
coloque as forças repressivas do Estado em
cheque. A mídia burguesa ao mesmo tempo em Assim, em 13 de junho de 1964 foi criado o
que se apresenta como um olhar Serviço Nacional de Informação (SNI). Este
pretensiosamente preocupado com as questões serviço causou desconforto em outras alas que
sociais, legitima em sua produção discursiva a recordaram o DIP de Vargas (Departamento de
criminalização direta de setores enviesados na Imprensa e Propaganda). O idealizador do
luta contra o capital. Legitima não só aprovando projeto foi o general Golbery Couto e Silva, que
a atuação das forças repressivas do Estado, mas

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contou com o apoio de americanos e que no Referências bibliográficas:
decorrer do processo produziu mais de 400.000
dossiês. Dentro disso, Fabri, Luigi. A Organização Anarquista (1907)
Anderson, Benedict. Nação e Consciência Nacional.
“formava-se um grupo de homens dispostos a agir São Paulo, Ática, 1989
por conta própria, sem maiores considerações pelas Morin, Edgar. Cultura de Massas no Século XX, o
normas legais, tendentes a fazer valer suas ideias Espírito do Tempo – 1 Neurose. Rio de Janeiro,
pela força. Era o embrião da comunidade de Forense-Universitária, 1987.
segurança, do caráter e modo de agir dos futuros Saes, Décio. A Formação do Estado Burguês no
membros dos órgãos de segurança.” (Carlos Fico, Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
Como eles agiam) Vainer, Carlos. Pátria, Empresa e Mercadoria.
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Este processo histórico nos serve como Regional - IPPUR
Silva de Moura, Leila. O Estado Moderno e a
aprendizado de como age o Estado e seus Propriedade Privada. Revista Enfrentamento
serviços de informação em diferentes momentos Viana, Nildo. Blog Informe e Crítica
de tensão econômica gerado pelas imposições Konder, Leandro. O Conceito de Fascismo. Rio de
do capital. O contexto hoje nos oferece uma Janeiro, Graal, 1977.
Coelho, Teixeira, O que é Indústria Cultural. São
repressão igualmente impositiva, porém Paulo, Brasiliense, 1980.
dispostos sob outras configurações. Até mesmo Adorno, Theodor e Horkheimer, A Indústria Cultural
para uma análise mais coerente de todo este – O Esclarecimento como Mistificação das Massas
Foucault, Michel. As Verdades e as Formas Jurídicas.
processo os conhecimentos e informações
Rio de Janeiro, Nau, 1973.
devem articular-se em redes populares. Por fim, Donzelot, Jacques. A Polícia das Famílias.
propomos um debate acerca das intempéries do Fico, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da
processo organizativo, necessário no atual Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio
de Janeiro, Record.
contexto político. Debord, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de
Janeiro, Contraponto, 2011.

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