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A ARQUITECTURA DO PORTO

E OS INGLESES NA SEGUNDA METADE


DO SÉCULO XVIII
Joaquim Jaime B . Ferreira-Alves

Em · 1961 foi publicado um artigo da autoria de René Taylor intitulado The


Architecture of Port-Wine 1 , que introduziu esta designação para a arquitectura
portuguesa relacionada com os ingleses e o vinho do Porto . Esta denominação
pode levantar algumas questões , já que a arquitectura setecentista no Porto e no
Douro , ainda que beneficiando do negócio do vinho , exprime-se , na sua quase
totalidade , num vocabulário que pouco , ou nada, tem a ver com a forte presença
inglesa. Centúria da pujança barroca do Porto , de influência italiana, dificilmente
dela se libertará. Até ao fim de Setecentos a cidade permanecerá vinculada, em
edifícios importantes , a uma arquitectura tardobarroca de textura, por vezes, sua­
vizada pela decoração de sabor rococó . Paralelamente a esta realidade , outras
sensibilidades vão-se manifestar no Porto: uma arquitectura, principalmente
civil , de carácter intemporal, que se encadeia, por vezes com poucas rupturas ;
uma arquitectura de acentuado classicismo mas que dificilmente rompe com as
ligações tardobarrocas; uma arquitectura vinculada pela actividade da Junta das
Obras Públicas , a partir de 1763 , e que se exprime no espírito do estilo pomba­
lino; e, finalmente , uma arquitectura importada de Inglaterra, ou executada por
um inglês residente no Porto , que deve ser vista como um caso excepcional ,
ainda que marcante , na arquitectura portuense e portuguesa setecentista.
Sobre os ingleses e a arquitectura portuense levantamos a seguinte questão .
A presença de uma arquitectura de influência inglesa ficou a dever-se à presença
de uma colónia pujante na cidade , ou principalmente a um inglês que soube
associar o importante papel que então desempenhava no Porto , com a perícia de
arquitecto amador e as boas relações que mantinha com quem mandava nessa
altura na cidade? A resposta a esta questão não é fácil , mas com os elementos
que possuímos até ao momento , inclinamo-nos para a segunda realidade . A pre­
sença de uma arquitectura inglesa no Porto , directa ou indirectamente , ficou a
dever-se a John Whitehead2 , cônsul da "nação britânica" de 1 7 56 a 1 802 . A
colaboração do cônsul inglês nas transformações urbanas almadinas 3 , principal­
mente na Praça da Ribeira e largo de São Domingos (muito provavelmente na
rua de São João) ; a sua ligação , como arquitecto amador, ao projecto da Casa da
Feitoria; e a sua responsabilidade (ainda mal definida) com a encomenda do pro­
jecto , por parte da Misericórdia do Porto , do Hospital de Santo António , permi­
tem considerá-lo o principal responsável do neopalladianismo portuense .

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JOAQUIM JAJME B. FERREIRA-ALVES

Assim, a John Whitehead, mais do que à colónia inglesa do Porto , a cidade


ficou a dever ter acolhido o "Neo-Palladian style"4 , que a distingue no pano­
rama da arquitectura portuguesa da segunda metade do século XVIII , inse­
rindo-a naquilo que Wittkower diz sobre o século XVIII: um século onde não
existe uma "coherent stylistic physiognomy" , o que faz dele um "stylistic
chaos" . Este foi o resultado de simultaneamente o Porto ser neopalladiano , tar­
dobarroco/rococó , pombalino e classicizante .

ARQUITECTURA NEOPALLADIANA

Da grande actividade construtiva da segunda metade do século XVIII no


Porto , três edifícios são uma referência para a história da arquitectura da cidade
e do país: o Tribunal da Relação e Cadeia5 ; o Hospital de Santo António e o
Palácio Episcopal . O primeiro resultou da necessidade da substituição do velho
edifício seiscentista, que exercendo na altura só a função de cadeia, foi muito
danificado pelo terramoto de 1 755 . Não existindo na cidade alguém habilitado
a riscar um novo tribunal e cadeia, recorreu-se ao arquitecto Eugénio dos San�
tos e Carvalho ( 1 7 1 1 - 1 760) cujo projecto executa entre 1756 e 1 760 , só sendo
concretizado a partir de 1 766 e concluído em 1 796 . Do Palácio Episcopal6 -
exemplar magnífico do tardobarroco portuense "cuja ornamentação rococó das
aberturas imprimem ritmo às fachadas e à sua monumental escadaria" - desco­
nhecemos o seu autor. Mandado edificar por D . Frei João Rafael de Mendonça
( 1 7 1 7- 1 793) , bispo do Porto de 1 772 a 1 793 , só ficaria terminado na segunda
metade do século XIX. O terceiro edifício será a referência mais importante do
neopalladiano portuense: o Hospital de Santo António . Esta nova tendência, que
influenciou - através de John Whitehead - algumas das iniciativas promovidas
pela Junta das Obras Públicas , vai surgir em dois novos edifícios levantados no
Porto: a capela de Nossa Senhora do Ó e a Casa da Feitoria.

HOSPITAL DE SANTO ANTÓNIO

Iniciando-se em 1 766/ 1 767 , por parte da Misericórdia do Porto , o processo


da construção de um novo hospital , escolhido o local para a sua edificação , um
grande terreno "entre o Campo da Cordoaria, e o dos Quartéis" , faltava - na
cidade e no país - quem projectasse um hospital dentro dos conceitos de
modernidade que já então se exigia. A escolha recaiu no inglês John Carr
( 1 727- 1 807) , natural (como John Whitehead) do Yorkshire , e que tinha uma
grande experiência na construção de hospitais 7 , como o afirma em carta ao pro­
vedor da Santa Casa da Misericórdia, o brigadeiro D . António de Lancastre . A
esta opção não seriam estranhos , o cônsul da "nação Britânica" no Porto , tão
influente na cidade , e o reverendo Henry Wood, que tinha sido capelão da
comunidade inglesa do Porto de 1 757 a 1 768 8 .

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Concluídas as plantas no primeiro semestre de 1 769 , estas foram enviadas


para a cidade em Agosto daquele ano . Aquelas , em número de onze , foram
acompanhadas por seis desenhos com pormenores e uma descrição do projecto .
Desaparecidas as plantas originais por "descuido" e "pelas humidades dos tem­
pos" , o que foi projectado por John Carr, chegou , em parte , até nós , pelas
cópias ( 1 793) executadas por Manuel dos Santos Barbosa, e por Joaquim da
Costa Lima, filho do pedreiro Veríssimo da Costa.
O hospital projectado tinha a forma quadrangular. As alas nascente e poente
(Fig s . 1 e 2) repetiam o mesmo desenho , o que também sucedia às alas norte e
sul iguais entre si, mas diferentes das outras duas . Para o grande pátio central
foi projectada uma monumental capela (Fig . 3 ) . O projecto que veio para o
novo hospital da Santa Casa da Misericórdia era grandioso , mas desmesurado
para uma cidade como o Porto e para os recursos da Misericórdia. Daí, o que
chegou até nós , depois de um longo processo de construção , foi unicamente o
corpo virado a nascente e parte das alas norte e sul . A capela nunca passaria do
projecto , já que o declive do próprio terreno não permitiria o monumental pátio
projectado e a colocação no centro da capela.
Não se pretendendo neste trabalho estudar a arquitectura do Hospital de
Santo António (Figs . 4 e 5) , queremos chamar a atenção para duas questões que
são fundamentais para a arquitectura portuense setecentista. A primeira, e a
mais importante , é a construção na cidade de um hospital concebido dentro de
uma tipologia moderna que dava resposta (ou pretendia dar) às exigências con­
sideradas na época como fundamentais para o tratamento . A segunda, foi o
Porto a partir de 1 769/1 770 (a primeira pedra foi lançada em 1 5 de Julho de
1 770) ser dotado de um edifício de uma monumentalidade (ainda que incom­
pleto) pouco comum na arquitectura da cidade e ter sido introduzido um novo
estilo , estranho à arquitectura portuguesa e que vai caracterizar a arquitectura
portuense: o neopalladianismo .

Figuras 1 e 2 - Fachadas do Hospital de Santo António desenhadas em 1 8 3 3 ,


segundo o que teri � sido projectado por John Carr

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JOAQUIM JAIME B . FERREIRA-ALVES

Figura 2

Figura 3 - Capela projectada para o Hospital de Santo António ,


segundo o desenho de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova

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Figuras 4 e 5 - Hospital de Santo António ,


segundo o desenho de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova ( 1 833)

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JOAQUIM JAIME B. FERREIRA-ALVES

CAPELA DE NOSSA SENHORA DO Ó

A intervenção que a Junta das Obras Públicas mandou fazer na Praça da


Ribeira, levou à demolição ( 1 778) da antiga Porta da Ribeira e da Capela de
Nossa Senhora do Ó que a rematava, e à reconstrução das duas novas estrutu­
ras a partir de finais de 1 778 e inícios de 1 779 9 .
A nova capela, que viria a desaparecer no início do século XIX , ficou con­
cluída em 1783 e era o único exemplar da arquitectura religiosa portuense assu­
midamente neopalladiano . Riscada provavelmente por Whitehead, cujo nome
não se pode afastar da renovação da Praça da Ribeira, era uma capela aberta,
cuj a fachada virada para a praça apresentava uma elegante serliana, forma que
Andrea Palladio ( 1 508- 1 5 80) glosou e duma forma quase obsessiva nas suas
obras .
A capela, visível nalgumas representações do Porto , aparece na vista do
Porto (Fig . 6) de Hery Smith/M . Dubourg ( 1 8 1 3) , com sua fachada dividida em
três panos por pilastras dóricas (seguindo a ordem dominante utilizada para a
renovação da Praça da Ribeira) e coroada por um monumental ático .

Figura 6 - A Capela de Nossa Senhora do Ó em 1 8 1 3

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CASA DA FEITORIA

A última construção neopalladiana portuense foi a Casa da Feitoria 10 . Ini­


ciada em 1785 , estaria concluída por volta de 1790 , segundo o projecto execu­
tado pelo "Consul velho" , como é designado , na Borboleta Constitucional, de
28 de Fevereiro de 1 822, o "venerando Mathematico , e Architecto João White­
head" . A autoria do risco é confirmada, em 1789, pelo arquitecto James Muphy.
Este , na sua passagem pelo Porto , viu os desenhos da Casa da Feitoria, dizendo
que foram feitos pelo cônsul inglês 1 1 , que designa de "ingenious architect" 12 .
Edificada com a fachada principal (Fig . 7) virada para a então chamada rua
Nova (rua Nova dos Ingleses , actual rua do Infante) , apresenta no rés-do-chão
uma elegante arcada, de "sette arcos de pedra, todos lavrados em Rústicos" ,
segundo Agostinho Rebelo da Costa. Além desta "Palladian rusticated log­
gia" 1 3 , a elegância e o equilíbrio do frontispício são acentuados pelo ritmo das
janelas de peitoril e de sacada e, principalmente , pelo ático continuado com
balaústres e festões na parte central .

Figura 7 - Casa da Feitoria, segundo o desenho de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova ( 1 833)

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JOAQUIM JAIME B. FERREIRA-ALVES

NOTAS

The Architectural Review , vol . 129, n .0 772 . Westminster: 1 96 1 , p. 389-398 .


2
FERREIRA-ALVES , Joaquim Jaime B . - O Porto na Época dos Almadas . Arquitectura .
Obras Públicas , vol . I. Porto: Câmara Municipal do Porto , 1 9 8 8 , p. 28 1 .
FERREIRA-ALVES , Joaquim Jaime B . - ob . cit . , vol . I , p . 175-303 .
4
WITTKOWER, Rudolf - Palladio and English Palladianism . London: Thames and Hud­
son , 1985 , p . 177- 1 82 .
5
FERREIRA-ALVES , Joaquim Jaime B . - ob . cit . , vol . I , p . 2 1 8-223 .
6
FERREIRA-ALVES , Joaquim Jaime B . - Da construção à conclusão do Paço Episcopal do
Porto , in Monumentos , n .0 1 4 . Lisboa: Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacio­
nais, 200 1 , p. 27-3 1 .
"Já concebi mais Hospitais e Edifícios Grandiosos do que qualquer pessoa em Inglaterra" . Cf.
FERREIRA-ALVES , Joaquim Jaime B . - O Porto na Época dos Almadas . . . , vol . I, p. 140 .
8
Idem, ibidem, p . 1 3 7 .
9
FERRERA-ALVES , Joaquim Jaime B . - O Porto . . . , vol . I , p . 2 1 5 -2 1 7 .
10
Idem, ibidem, p . 165- 1 67 . Sobre a Casa d a Feitoria ver: DELAFORCE, John - The Factory
House at Oporto . London: Christie 's Wine Publications , 1 983 .
11
"Le plan ci-joint représente la vue d'un bâtiment prêt d'être fini , et destine , principalement,
à l 'usage du comptoir anglais. Le rez-de-chaussée forme la bourse . La piece au-dessus qui
a cinquante-cinq pieds de long sur trente de large , et comporte sur le devant une rangée fenê­
tres , doit être une salle de bal . Ce plan a été exécuté d' apres les dessins de M. William Whi­
tehead, écuyer, consul anglais à Porto . Au-dessus de l' acrotoire , et dans la parti ela plus éle­
vée de l' édifice , doit être placée une statue , dont le sujet n' est pas encare arrêté par la fac­
torerie anglaise , et qui , probablement, ne le será encare de quelques temps, les artistes étant,
assez ordinairement, les demiers que l ' on consulte ici en pareille circonstances . Nous pen­
sons qu'un bâtiment de cette ,importance , fait pour donner de la considération au commerce
de cette ville , mériterait pour statue l' effigie du prince Henri , le pére de la navigation et du
commerce du Portugal . On le représente généralement tenant un globe d'une main , et de
l ' autre une carte , avec l'inscription suivante gravée sur le piédestal: Talent de bien faire .
L'ingénieux architecte a rempli quatre pages in-folio de calculs qui ne sont rien moins que
des équations , pour déterminer de combien des pieds la statue en question doit s ' incliner en
avant pour être apperçue du spectateur placé à l' extrêmité de la rue . L'histoire ne dit pas que
Phidias ait eu recours à 1' algebre lorsqu ' il décora Athenes de ses belles statues ." . MURPHY,
Jacques - Voyage en Portugal a travers les provinces d 'Entre-Douro et Minho, de Beira,
d'Estramadure et d 'Alenteju dans les années 1 789 et 1 790. Paris: Chez Denné jeune ,
Libraire , 1 797 , p. 1 3 - 1 4 .
12
MURPHY, James - Traveis i n Portugal through the Provinces of Entre Douro e Minho,
Beira, Estremadura and Alem-Tejo in the years 1 789 and 1 790. London: Printed for A. Stra­
han , and T. Cadell Jun . and W. Davies (Successors to Mr. Cadell) in the Strand, 1 795 , p. 5 .
13
TAYLOR, René - ob . cit . , p . 392.

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