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SAULO RICARDO BARBOSA

NÓS ESTÁVAMOS DISPOSTOS A MORRER E MORREMOS:


LUTAS E DILEMAS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NO PROCESSO DE
ARTICULAÇÃO DO XXX CONGRESSO NACIONAL DA UNE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Educação da Universidade Nove
de Julho como exigência parcial para a obtenção
do grau de Licenciado em História, sob orientação
da professora Ms. Kátia Cristina Kenez.

UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO


SÃO PAULO
2009
2

À memória de minha avó, Izabel


Zominho, pessoa que sempre acreditou
no meu potencial e que um dia eu
venceria na vida. Agradeço-te daqui, seja
lá onde que a senhora estiver hoje.
3

AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por tudo, especialmente pela saúde


física e mental que me foi concedida ao longo de todo o curso, onde muitas vezes tive que
vencer o desânimo e o cansaço para suportar tamanha pressão.

Agradeço à minha orientadora, professora Kátia Kenez, que, por ironia do destino,
foi aquela que me deu a primeira aula assim que me transferi para a Universidade Nove de
Julho, e, neste momento, encerra o curso como minha orientadora de TCC, deixando-me,
entre outros ensinamentos, o ensinamento que, antes de qualquer coisa, a mais importante de
todas são as pessoas.

Agradeço e desejo sucesso em sua nova jornada profissional ao recém saído, porém,
inesquecível ex-professor da Universidade Nove de Julho, pelo brilhantismo sistemático de
suas aulas, professor Fábio Franzini; ao professor Geraldo Alves por suas aulas com análises
sempre precisas; à professora Elaine Lourenço por mostrar que os saberes históricos podem –
como também devem – ser analisados pelos mais diversos ângulos e graus; ao professor Éber
por ser sempre extremamente esclarecedor, trazendo à luz as ligações conexas do passado
com o presente; ao professor José Lúcio por mostrar a importância do entrelaçamento das
relações afetivas e do domínio técnico de nossa disciplina na sala de aula para que o processo
de aprendizagem se faça de forma ampla e consolidada.

Agradeço a todos os amigos que tive o privilégio de conquistar tanto da Universidade


Nove de Julho quanto aos que deixei na Universidade Camilo Castelo Branco antes de
transferir-me para a Universidade Nove de Julho, porém, não citarei aqui nomes em ambos os
casos para que aqui não haja injustiça com quem quer que seja.

Agradeço especialmente a minha irmã Andréa, que investiu em meus estudos na


educação básica, dando-me assim a base formadora para prosseguir meus estudos no ensino
superior e, sem sua contribuição, muito provavelmente eu não estaria aqui vivendo este
momento tão especial em minha vida.

Por fim, agradeço o apoio de meus amigos-irmãos: os irmãos Joelma, Jomil, Joilma e
Jomar; aos grandes amigos: Alessandro, Fábio, George, Douglas e Daniel; ao apoio dos
amigos: Jonatas, Nay, Chiquinho, Nei, Fabiana, seu Chico e a dona Sirlene; agradeço
4

também, mesmo que inicialmente não contando com o devido apoio, mas hoje com outra
perspectiva: minha mãe, dona Nereide e ao meu irmão, Carlos, por hoje compreenderem que
minha opção de ingressar à universidade foi estritamente motivada por representar minha
liberdade profissional e pessoal e, felizmente, hoje, posso dizer que a mesma foi assim
conquistada.
5

“O congresso não foi essa caricatura que


querem fazer hoje.”

José Dirceu, presidente da UEE-SP,


referindo-se sobre a imagem que foi
criada sobre o XXX Congresso da UNE.
6

RESUMO

Neste artigo analisaremos quais foram os vieses e as circunstâncias das quais a União
Nacional dos Estudantes (UNE) e o movimento estudantil percorreram até o desmantelamento
da 3ª fase do XXX Congresso Nacional da UNE no ano de 1968, e quais foram os caminhos
traçados pela entidade após a queda do congresso. Nesse congresso, que caminhava para a sua
terceira fase, os congressistas deveriam debater e definir quais as prioridades que deveriam
ser adotadas pelo movimento estudantil para a luta contra a ditadura vigente, além de,
também, definir uma nova diretoria, diretrizes políticas, e um programa norteador para a UNE
no vindouro ano de 1969.

O propósito do qual este artigo objetiva, é levar ao leitor a possibilidade de situar-se


acerca do movimento estudantil brasileiro no momento em que ele vivia seu ápice tensivo –
não só no Brasil, como, também, em outras partes do mundo –, fazendo um levantamento
sobre os motivos que levaram a entidade a se articular da forma que se articulou e
compreender qual era o cenário político-social brasileiro nos anos de 1967, 1968 e algumas
breves análises em anos anteriores, desmistificando e detalhando quais foram os vieses
trilhados pela UNE para que fosse concretizada a terceira fase de seu congresso.

Palavras chave: União Nacional dos Estudantes, Movimento Estudantil, XXX Congresso da
UNE, Ibiúna.
7

SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................. 08

1. Antecedentes ao XXX Congresso Nacional da UNE: o cenário político e as articulações dos


grupos de oposição ao governo militar nos anos de 1967 e 1968............................................ 12
1.1. A posse e o governo de Costa e Silva........................................................................... 12
1.2. A participação dos grupos de oposição ao governo de Costa e Silva...........................14
1.2.1. A Frente Ampla.................................................................................................. 14
1.2.2. O sindicalismo e os trabalhadores...................................................................... 16
1.2.3. O Movimento Estudantil.................................................................................... 18

2. 1968, um ano em que o mundo virou do avesso.................................................................. 23


2.1. O papel do movimento estudantil na luta contra a repressão no ano de 1968.............. 23
2.2. A queda do XXX Congresso Nacional da UNE em Ibiúna.......................................... 29
2.3. A reorganização da UNE pós-Ibiúna e os rumos tomados pelo Movimento Estudantil e
o AI-5................................................................................................................................... 35

Conclusão................................................................................................................................. 37

Referências bibliográficas........................................................................................................ 39
8

INTRODUÇÃO

Entre os inúmeros acontecimentos que ocorreram no percurso do processo ditatorial


brasileiro (1964-1985), destaca-se entre um dos mais importantes, o acontecimento ocorrido
ao XXX Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE)1, em que mais de 700
estudantes de quase todo o país, reuniram-se para definir uma nova diretoria, uma nova
diretriz política e um programa para a UNE-1969.

No mesmo dia em que os militares assumiram o poder – 1º de abril de 1964 –, a sede


da UNE, na praia do Flamengo, Rio de Janeiro, foi ocupada, saqueada e incendiada pelos
golpistas, através de uma organização paramilitar denominada CCC – Comando de Caça aos
Comunistas).2 Logo que os militares veem-se com plenos poderes, decretam uma lei que
colocaria a UNE e as UEE’s (União Estadual dos Estudantes) – entidades de representação
estadual da UNE – na ilegalidade desde 1964. Essa lei foi denominada Lei Suplicy de
Lacerda, criada na gestão do então ministro da Educação de Castelo Branco, professor Flávio
Suplicy de Lacerda.

―É vedada aos órgãos de representação estudantil qualquer ação,


manifestação ou propaganda de carácter político-partidário, bem como
incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares.‖
(Artigo 14, Lei Nº 4.464, de 9 de novembro de 1964).

A UNE representou uma das poucas forças de resistência à repressão militar após a
promulgação do Ato Institucional Nº5, ato que dava plenos poderes ao presidente de fechar o
Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, cassar mandatos de
parlamentares, suspender por dez anos os direitos de qualquer cidadão, demitir funcionários
públicos e decretar estado de sítio. O ato suspendia também as garantias do poder Judiciário e
o habeas-corpus nos casos de crimes contra a segurança nacional.

No ano de 1965, a UNE convocaria uma greve com a adesão de mais de sete mil
alunos, que paralisara a Universidade de São Paulo (USP). Mais adiante, no ano 1966, no
XXVIII Congresso Nacional, em Belo Horizonte, a entidade elegeria um novo presidente, o

1
Criada em 11 de agosto de 1937, em meio ao 1º Congresso Nacional dos Estudantes, na Casa do Estudante do
Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, contando com o apoio do Centro acadêmico Cândido de Oliveira (CACO) da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi criada com o intuito de se tornar uma
entidade unificadora das lutas estudantis em escala nacional, tanto aquelas voltadas para questões específicas do
ensino, quanto as guiadas por motivações políticas explícitas: em defesa da democracia, em solidariedade às
lutas operarias, em favor dos Direitos Humanos, contra as ditaduras.
2
NUNCA MAIS, Brasil. Um relato para a história. 10ª ed. Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 132.
9

mineiro José Luís Moreira Guedes, exatamente no momento em que a entidade se contraporia
ao acordo do governo brasileiro entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United
States Agency for International Developement (USAID)3, que previa, entre outras medidas,
que as universidades brasileiras formassem técnicos em grande quantidade para as indústrias.
E é dentro deste contexto que a UNE surge denunciando os planos da reforma universitária
praticada pelo governo em conjunto com técnicos americanos (MEC-USAID), e explorando
cada aspecto negativo da política educacional do governo. Nesse trecho do Jornal da UEE-
SP, podemos observar, segundo a UNE, qual seria a política do governo contra o movimento
estudantil:

―(...) a tática empregada pela ditadura é bastante flexível. Ao perceber que


o movimento estudantil havia conseguido alcançar um bom nível de
organização, apesar de todas as medidas empregadas durante o govêrno
Castelo Branco (lei Suplicy e outras), ela modificou seus métodos. Assim, a
política educacional hoje tem duas escolhas: ou será implantada
violentamente, de fora para dentro, como esta sendo feito em Brasília, ou o
govêrno escolhera uma forma ―pacífica‖ através de pressões (corte de
verbas, dispensa de professores, etc.). O caminho violento parece ser o mais
‗aplicável‘. É o que esta acontecendo em Brasília. Lá as fundações estão
sendo instaladas paralelamente, as vagas estão diminuídas e as verbas
sofrem cortes progressivos, até que se consiga fechar a Unb
definitivamente.‖ (Jornal da UEE-SP, novembro de 1968, p. 2)

Em meio ao governo repressor do presidente Costa e Silva, o calendário do


movimento estudantil, em 1968, anunciava um grande acontecimento. No final do ano deveria
realizar-se o XXX Congresso Nacional da UNE. Os três últimos haviam sido abrigados
clandestinamente em conventos.4 Nesse congresso, a UNE prosseguia sua caminhada após
muitas discussões entre os congressistas para definir como se realizaria a terceira fase de seu
XXX Congresso Nacional – as duas fases anteriores foram discussões regionais, que
impulsionaram a participação dos estudantes nacionalmente. A UNE já vinha ressaltando o
sucesso que teria sido as duas fases anteriores, assim como podemos notar neste trecho da
Nota Oficial da UEE-SP direcionada aos universitários da entidade:

―O XXX Congresso teve nas duas primeiras fases os seus objetivos mais
importantes atingidos. Desde junho, em todo Brasil vem sendo discutidas as
teses do XXX Congresso.‖ (Nota Oficial da UEE-SP, novembro de 1968, p.
1).

3
O acordo que tinha por objetivo reformar o currículo, método do ensino universitário e transformar as
universidades em fundações. Nele estava prevista a transformação das universidades públicas em entidades
privadas e o afastamento dos estudantes das instancias administrativas.
4
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo, Cia. das Letras, 2002, pp. 322.
10

O Congresso que aconteceria num sítio do Bairro dos Alves, a uns vinte quilômetros
do centro de Ibiúna, interior do Estado de São Paulo, no dia 12 de outubro de 1968, mas
infelizmente para os integrantes da UNE, que se articulara ao longo daquele ano para esse
congresso, não ocorreu, sendo assim descoberto pelas forças repressivas e, consequentemente,
foram presas as principais lideranças da entidade e mais de 700 estudantes de todo o Brasil
que ali se reuniam.

―Cerca de mil estudantes que participavam do XXX Congresso da UNE,


iniciado clandestinadamente num sitio, em Ibiúna, no Sul do Estado, foram
presos ontem de manhã por soldados da Força Publica e policiais do DOPS.
Estes chegaram sem serem pressentidos e não encontraram resistência.
Toda a liderança do movimento universitário foi presa: José Dirceu,
presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira,
presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio Guilherme
Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundários,
entre outros. Eles foram levados diretamente ao DOPS. Os demais estão
recolhidos ao presídio Tiradentes. Desde segunda-feira os habitantes de
Ibiúna notaram a presença de jovens desconhecidos, que iam à cidade
comprar pão, carne, escovas e pasta de dentes, despertando suspeitas ao
adquirir mais de NCr$ 200 de pão de uma só vez. Essas informações foram
transmitidas ao DOPS e à Força Publica, que desde quinta-feira já
conheciam segundo afirmaram —o local exato do Congresso. (...).‖ (Jornal
A Folha de São Paulo, 13 de outubro de 1968).

No mesmo que se realizaria o Congresso da UNE – 1968 – o mundo assistia o


movimento estudantil sublevar-se por várias partes do mundo, em países como o Chile,
México, França, Itália, Polônia, etc., cada qual com suas razões e peculiaridades, mas em
comum o sentimento de opressão e a disposição em lutar por seus ideais. Uma geração cheia
de vida, sonhos e vontade de mudar o mundo, protestando contra a guerra do Vietnã e
entregando-se de corpo e alma pela causa e o respeito pelo ser humano contra a repressão. Em
Culturas da rebeldia: a juventude em questão, Paulo Sérgio do Carmo nos apresenta o
espírito que essa juventude transmitia:

―A rebelião chamada ―nova esquerda‖ encampou ideologias diversas,


rejeitando tudo o que envolvia o conservadorismo burguês. A geração de
1968 distanciava-se da inércia conformista e para realizar tal revolução
tinha que correr ou enfrentar a policia com os olhos ardendo em lagrimas e
a respiração sufocada pelo gás lacrimogêneo. Punha-se em questão não
apenas a sociedade, mas também a própria maneira de viver: o
individualismo deveria ser transformado. Tratava-se, assim, de uma
contestação de ordem política, existencial e psicológica. (...). O movimento
estudantil explodia e tomava conta das ruas em quase todos os cantos do
planeta. Difuso, o processo deixou desnorteados os analistas políticos. Cada
uma das ―revoluções estudantis‖ se afastava de modelos, previsões e
explicações simplistas. (...). Nesse período, a Organização das Nações
11

Unidas (ONU) chegou a contabilizar manifestações estudantis em cerca de


50 países.‖ (CARMO, 2003, p. 76, 77).

No Brasil, isso não foi diferente, e o movimento estudantil lutou dentro um Brasil que
cada vez mais se afundava num profundo e transbordado poço de tensão, com uma ditadura
militar que cada vez mais arrochava seu autoritarismo no país. Diante dessas dificuldades, a
UNE via-se na tarefa de realizar um projeto que viabilizasse melhorias nas condições
estudantis e a retomada dos direitos democráticos no país. Para tanto, a UNE vinha discutindo
ao longo de duas fases anteriores quais seriam as prioridades que o movimento estudantil
deveria definir para prática do projeto no ano 1969, mas que por conta dos acontecimentos
ocorridos na terceira fase do congresso, que aconteceria na cidade de Ibiúna – invasão e
desmantelamento do congresso pela polícia –, a entidade precisaria reestruturar-se para dar
continuidade ao seu projeto para o vindouro ano de 1969, assim como podemos observar a
determinação da entidade neste trecho do Jornal da UEE – um periódico mensal destinado a
informar os estudantes a cerca do movimento estudantil:

―Nós refaremos nosso XXX Congresso que será o mais discutido e que terá
as posições políticas as mais claras e objetivas que as que tivemos até
agora.‖ (Jornal da UEE, novembro de 1968, p. 1).

Nesta breve apresentação deste trabalho, conseguimos levantar um pouco sobre as


questões que aqui serão discutidas, compreendendo qual era a situação política que o país
atravessara no ano de 1967 e 1968, qual era a posição que a UNE se posicionara em relação
ao governo e, também, qual foi o papel do movimento estudantil num todo como força
resistente ao governo repressor no contexto da ditadura militar brasileira.

Para a análise desse artigo, nos valeremos prioritariamente de dois documentos, um


trata-se de um periódico mensal e o outro uma nota oficial – ambos do mês de novembro –
produzidos pela União Estadual dos Estudantes (UEE) – entidade de representação estadual
da UNE – de São Paulo, além de, também, contar com outros instrumentos documentais que
contribuirão à discussão aqui proposta.
12

1. OS ANTECEDENTES AO XXX CONGRESSO NACIONAL DA UNE

1.1. A posse e o governo de Costa e Silva

A 3 de outubro de 1966, o candidato da Aliança Renovadora Nacional (ARENA),


marechal Arthur da Costa e Silva, seria eleito por um colégio eleitoral, e a 15 de março de
1967 seria empossado como o 27º presidente da República em meio a grandes expectativas
quanto ao progresso econômico e a redemocratização do país, prometendo restabelecer os
processos politico-representativos normais e as regras democraticas.

―O presidente comprometia-se com uma politica de liberalização que


lentamente dissipasse as tensões, chamando a oposição a dialogar com o
governo. Essa política de liberalização controlada, então conhecida como
―política de alívio‖, envolvia uma interpreção liberal da legislação
repressiva contida na constituição de 1967. Realizaram-se reuniões com
setores da oposição para identificar pontos de discordância. No setor do
trabalho, o governo encetou uma ativa politica de organização de sindicatos
e controle ou coopotação de suas lideranças. (...). As discussoes entre o
governo e a oposição não se estenderam, todavia, à questão do
restabelecimento do equilibrio de poder, e tampouco tocaram na politica
salarial e no FGTS.‖ (ALVES, 1984, p. 112).

O ano de 1967, caracterizou-se pelo avanço do processo de institucionalização da


ditadura. A Constituição de 1967 incorporou os mandos mais terríveis dos dois atos
institucionais anteriores e de uma série de outros atos complementares. Esses controles, nesse
momento, deixavam de ter o caráter excepcional e passara a ganhar força de poder
constitucional. No mesmo grau em que essas medidas anunciavam uma postura mais
autoritária do governo de um lado, contraditoriamente do outro também prenunciava o
objetivo de devolver a soberania popular, assim como podemos notar nesta observação em
Estado e oposição no Brasil (1964-1984) de Maria Helena Moreira Alves:

―Essas medidas alteraram as grandes estruturas do Estado e


institucionalizaram a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento.
Embora fosse pronunciadamente autoritária, a Constituição de 1967 refletia
contradições básicas do sistema. Uma parte do texto visava o controle:
assegurar a aplicação das medidas exigidas pela Doutrina da Segurança
Interna para destruir o ―inimigo interno‖. Outra parte, que a oposição
lograra impor sob a forma da Carta de Direitos, refletia o objetivo de
restaurar a democracia.‖ (ALVES, 1984, p. 111).

Assim que tomou posse, Costa e Silva acenou com a possibilidade de trabalhar em
prol da volta da democracia, onde prometia "governar para o povo", "respeitar o Legislativo",
"multiplicar as oportunidades de educação" e "reatar os entendimentos com a classe
13

trabalhadora", porém, legitimado pela nova Constituição, Costa e Silva contrariou seu
discurso e imediatamente intensificou a repressão policial-militar contra todos os
movimentos, grupos e focos de oposição política – dentre esses grupos se encontrava a UNE e
o movimento estudantil. Em contrapartida, esses grupos oposicionistas responsabilizariam o
governo de Costa e Silva de ser o causador da instabilidade política que atravessara o país
naquele momento.

No plano econômico, o governo de Costa e Silva buscou estabilizar a política


econômica nacional convocando dois tecnocratas para assumir dois ministérios de suma
importância para os planos da economia do nacional; Antonio Delfim Netto, ministro da
Fazenda; e Hélio Beltrão, ministro do Planejamento. Delfim sustentava a ideia de que poderia
se alcançar “rápido desenvolvimento sem aumento da inflação”, motivado pelo excesso de
capacidade que o país sustentava.5

―A nova política econômica visava sobretudo alterar o padrão de consumo


das classes médias superiores para promover o crescimento do setor de bens
duráveis. E enquanto se atrelavam os níveis salariais à taxa oficial de
inflação, para diminuir os custos de produção, incentivos fiscais eram
concedidos às camadas mais altas da população, para estimular o
investimento.‖ (ALVES, 1984, p. 113).

O governo Costa e Silva precisava imediatamente resolver as questões econômicas do


país, e foi assim que, através de um decreto de dezembro de 1967, exigiu que todos os
aumentos de preços tivessem aprovação prévia do governo. O sistema recebeu um mecanismo
próprio em agosto de 1968 com a criação do Conselho Interministerial de Preços (CIP). 6 O
governo Costa e Silva também não economizou esforços e logo injetou crédito na economia.

Aliadas essas medidas, o governo também favoreceu a trabalhadores especializados de


classe média a concessão de créditos, sendo assim, essa fatia da população passou a viver um
momento de certa “euforia econômica” por conta do aumento de seu poder de consumo.

―Quando tomou posse em março de 1967, Delfim tratou sem perda de tempo
de injetar crédito na economia. (...). Em 1967, o crédito bancário ao setor
privado aumentou 57 por cento e a economia cresceu em 4,8 por cento
enquanto a inflação chegava apenas a 24 por cento.‖ (SKIDMORE, 1988,
p. 144).

5
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 144.
6
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 145, 146.
14

A política de controle salarial do governo resultou em considerável descrédito da


população assalariada. Esse fator, adicionado à generalizada insegurança causada pela
aplicação do programa do FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –, e a repressão
de manifestações e protestos de rua, estimulou uma onda oposicionista. Em 1967 e 1968
aconteceriam importantes manifestações contra a política econômica e social do Estado, e
uma rápida reorganização de setores de oposição na sociedade civil.7

1.2. A participação dos grupos de oposição ao governo de Costa e Silva

1.2.1. A Frente Ampla

Com a supressão das liberdades políticas e civis no governo Costa e Silva, essas
medidas repressivas propiciaram uma aliança informal de vários setores da oposição, iniciada
em 1967 e transmudada em movimento de massas em 1968. Embora se organizassem
independentemente, os setores de oposição uniram-se nas grandes manifestações e passeatas
de protesto de 1967-1968.

Apresentado esse cenário, o governo Costa e Silva viu-se extremamente pressionado,


onde três setores principais adquiriram força e coordenação suficientes para afetar em
profundidade as estruturas políticas do país: o movimento estudantil – liderado pela UNE –, o
dos trabalhadores e a Frente Ampla.8

Numa sucessão de encontros entre Lisboa e Montevidéu costurara-se no segundo


semestre de 1967 a mais improvável das alianças políticas brasileiras. Os ex-presidentes João
Goulart e Juscelino Kubitschek tinham-se unido a Carlos Lacerda.9 Em 1968, o ano que não
terminou, Zuenir Ventura nos esclarece o porquê da improvável união entre Lacerda, JK e
Jango:

―... Carlos Lacerda, ao constatar que, além da área parlamentar, não havia
uma oposição organizada capaz de se contrapor ao governo. Sua formação
foi cheia de obstáculos, pois exigia conciliar o que parecia inconciliável.
Lacerda que teve que ir a Lisboa fazer as pazes com Juscelino Kubistchek,
um inimigo de 15, e depois ir a Montevidéu fazer o mesmo com João
Goulart, desafeto de 20 anos. No dia 25 de setembro, finalmente, os três
7
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Vozes, 1984, pp. 115.
8
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Vozes, 1984, pp. 115.
9
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo, Cia. das Letras, 2002, pp. 279.
15

mais importantes líderes do país selavam o ―Pacto de Montevidéu‖, em que


procuravam, ―sem cultivar ressentimentos pessoais nem propósitos
revanchistas, reconduzir o Brasil ao caminho democrático.‖ (VENTURA,
1988, p. 128).

Diante da situação da qual se encontrava a política nacional com o militares no poder,


aquilo que podemos chamar de “jogo político” fez valer o porquê do termo, pois políticos que
antes divergiam politicamente inúmeros pontos, agora faziam parte de um grupo de oposição
– algo inimaginável anos antes ante as animosidades que Lacerda, Jango e JK alimentavam
entre si – que foi denominado como Frente Ampla; liderado pelo presidente deposto, João
Goulart, exilado no Uruguai, e o ex-presidente Juscelino Kubitschek, exilado em Portugal. A
Frente Ampla angariou adeptos até mesmo entre os políticos que haviam apoiado o golpe
militar de 1964, que mais tarde entraram em desacordo com o governo diante dos nortes que
seguiram a política nacional. Entre os políticos arrependidos que foram para Frente Ampla,
podemos citar Adhemar de Barros, governador de São Paulo; Magalhães Pinto, governador de
Minas Gerais; e o próprio Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara – incorporado
ao Estado do Rio de Janeiro em 1975.10 Esses últimos, anteriormente, ambicionaram a
presidência da República, apoiando o golpe e desencadeando um clima político no país para
que ele fosse executado.

A repressão exercida pelo governo de Costa e Silva era tão grande, que até mesmo a
contradição de JK, Jango e Lacerda unirem-se, seria perfeitamente aceitável, como vemos na
observação de Elio Gaspari em A ditadura envergonhada o seguinte trecho:

―Se aquilo que Costa e Silva chefiava fosse de fato um ―regime


democrático‖, a união dos velhos inimigos em torno de um movimento
chamado Frente Ampla seria tolerável. Como persistia a noção segundo a
qual os militares eram os árbitros finais da questão política, a guinada de
Lacerda foi vista como mais uma prova da inconstância dos políticos civis.
À esquerda, por meio de um raciocínio idêntico, com sinal contrário, a
guinada de Jango e JK foi vista como prova da inconstância dos políticos
burgueses. Ampla a Frente era. Por rasa, seria irrelevante.‖ (GASPARI,
2002: 279).

Então, o governo vendo-se incomodado com a ameaça da nova aliança, não demorou
muito e as atividades da Frente Ampla logo seriam interrompidas com a Portaria 177, em que
o ministro da Justiça Gama e Silva baixara, proibindo qualquer atividade política da Frente

10
Com a mudança da capital do país para Brasília, o então Distrito Federal passou a se denominar Estado da
Guanabara, em 1960. A cidade do Rio de Janeiro ficava no Estado da Guanabara, separada do restante do Estado
do Rio de Janeiro, que tinha a cidade de Niterói como capital. A composição do Estado da Guanabara com o
Estado do Rio de Janeiro ocorreu em 1975, passando a ter a cidade do Rio de Janeiro como capital do Estado.
16

Ampla em todo o território nacional: "manifestações, reuniões, comícios, desfiles, passeatas."


Baseada na legislação revolucionária sobre políticos cassados, a Portaria determinava também
que prendesse em flagrante "quem, estando banido politicamente, faça pronunciamentos sobre
a Frente ou desempenhe atividade política". Determinava ainda que fossem apreendidos
jornais, revistas e "quaisquer outras publicações que divulgarem atividades da Frente Ampla
ou pronunciamentos de políticos cassados". Ao receber a notícia da Portaria, Carlos Lacerda
reagiu com ironia: “A Frente Ampla está morta. Viva a Ação Popular!” Os militares
interpretaram a declaração de Lacerda como uma provocação e um insulto, pois a Portaria não
se mostrava clara em sua objetivação. Com isso, os militares não perderam tempo em mandar
um recado por um porta-voz não identificado: “aquilo não somente era um desafio ao governo
como também veio demonstrar que a Portaria não alcançou os objetivos desejados e que
deveria ser revisada pelas autoridades”.11

Sobre a falta de objetivação da Portaria, o deputado Adolfo Oliveira, ao analisá-la, fez


um comentário um tanto cômico sobre a medida, assim como podemos notar na citação:

―O ridículo do ato foi ressaltado deputado Adolfo Oliveira: A Portaria não


esclarece se só a Frente está proibida de manifestações, reuniões, comícios,
desfiles, passeatas, ou se a proibição abrange também os desfiles das
escolas de samba.‖ (VENTURA, 1988, p. 128).

A medida do governo causou grande revolta no meio político brasileiro, onde o


senador José Marinho e os deputados Mário Covas e Martins Rodrigues encaravam aquela
medida sendo como “o inicio de uma escada para a ditadura franca".

Enquanto pôde, a Frente Ampla pressionou o governo reivindicando anistia, uma


assembleia constituinte e eleições diretas para governador de estado e presidente da
República. As lideranças políticas da Frente Ampla procuraram também obter o apoio popular
articulando-se aos mais importantes sindicatos trabalhistas.

1.2.2. O sindicalismo e os trabalhadores

A oposição no setor trabalhista se consolidaria com o surgimento da primeira grande


greve desde a instituição da ditadura militar e o clima tendia a ficar cada vez mais tenso. Em
11
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 128,
131.
17

abril de 1968, os metalúrgicos de Contagem, cidade industrial de Minas Gerais, ocuparam e


pararam com a produção de uma fábrica entrando em greve, pois os trabalhadores exigiam um
aumento salarial de 25 por cento em ressarcimento da constante queda do salário real que se
dava por conta do congelamento dos salários. A esses metalúrgicos foram oferecidos 10 por
cento de aumento a deduzir do próximo aumento anual de salários, mas logo foi rejeitado
pelos mesmos. No mesmo momento, outros trabalhadores industriais também entraram em
greve, subindo para 15 mil o número daqueles que desafiavam as ordens do então ministro do
Trabalho Jarbas Passarinho.

―O ministro, procurando aplicar a política de liberalização de Costa e


Silva, acedeu em negociar. Convenceu os empregadores a não deduzirem o
abono de 10 por cento do aumento salarial. Mas os trabalhadores,
revelando notável solidariedade, rejeitaram também isto. Passarinho
decidiu então endurecer. Contagem foi ocupada pela policia, as reuniões
proibidas (prejudicando assim assembleia dos trabalhadores que havia
orientado a comissão) e os patrões ameaçaram a demitir os que não
quisessem voltar ao trabalho. A greve fracassou, tanto por causa da
repressão do governo quanto pela falta de experiência e organização dos
trabalhadores. (SKIDMORE, 1988, p. 157).

Não somente o abono não foi concedido aos trabalhadores de Contagem, como,
também, por decisão do ministro Passarinho em todo o Brasil.

Mas foi na cidade de Osasco, subúrbio industrial de São Paulo, que o governo Costa e
Silva viu eclodir a mais ameaçadora greve de seu governo. Mais uma vez os causadores do
alarde seriam os metalúrgicos, mas desta vez com exigências mais ambiciosas: 35 por cento
de aumento salarial, contrato de trabalho de dois anos e reajustes trimestrais. Essa greve foi
muito mais política do que a de contagem, visto que o presidente do sindicato de Osasco, José
Ibraim, não era somente um metalúrgico mas também era um universitário das fileiras dos
ativistas católicos.12 Dentro desses acontecimentos, podemos considerar três pontos
importantes; primeiro, porque o sindicato assumiu a responsabilidade da greve, coisa que não
ocorreu em Contagem; segundo, porque suas exigências e sua liderança eram explicitamente
contrárias ao governo; terceiro, porque o local era São Paulo, o coração industrial do Brasil.

Então, o governo se viu pressionado a tomar uma medida mesmo que fosse drástica, e
foi exatamente o que acabou acorrendo. No segundo dia de greve, o ministro do Trabalho,
Jarbas Passarinho, interveio no sindicato. O estudante, trabalhador e presidente do sindicato,

12
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 158.
18

sabendo o que viria pela frente, fugiu para não cair nas mãos das forças policial-militares que,
a mando do governo militar, ocuparam a área e prenderam trabalhadores em massa.

1.2.3. O Movimento Estudantil

O movimento estudantil – que possuía maior influência na opinião pública – foi um


dos que mais incomodou o governo Costa e Silva. Antes do golpe de 1964, o radicalismo
estudantil com suas ruidosas manifestações era um elemento que empurrava o governo
Goulart para a esquerda. Foram, portanto, o alvo principal para a repressão pós-golpe.13

Mas, em primeiro momento – ainda em 1964 –, os militares que se consideravam


legitimados, em seu movimento, pela classe média de onde surgiam os ativistas da UNE e das
demais entidades, foi normal, em certa medida, que a repressão não partisse para cima já nos
primeiros meses contra os estudantes, pois acreditavam que seria possível ganhar a simpatia
dos universitários através de uma ideologia anticomunista assentada nos ideais do chamado
“mundo livre”.14

Acabando por não conquistar os estudantes e, pelo contrário, vendo-os cada vez mais
crescendo em seu movimento, o governo Castelo Branco pressionou com êxito o Congresso
Nacional para aprovar a lei Nº 4.464 de 9 de novembro de 1964 – logo apelidada de “Lei
Suplicy de Lacerda”, nome do então ministro da Educação e Cultura – lei que colocaria a
UNE e qualquer outra entidade estudantil na ilegalidade, criando uma nova estrutura de
associações estudantis proibidas de engajar-se em atividades políticas e criando o Diretório
Nacional dos Estudantes, órgão atrelado ao mandos do governo. Os estudantes mais ativistas
não aceitaram ser intimidados.

―Em 1965, os estudantes conseguiram realizar um plebiscito, entre as


escolas do Rio de Janeiro, que repudiou energicamente um decreto baixado
pelo ministro da Educação, Flávio de Suplicy Lacerda, tentando extinguir a
UNE e substituí-la por um Diretório Nacional dos Estudantes, atrelado às
autoridades do Regime‖ (NUNCA MAIS, 1984, p. 133).

Com a repressão militar iniciada em 1964, que por si só seria suficiente para que o
movimento estudantil desacelerasse sua mobilização por algum tempo. Em fins de 1966,

13
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 151.
14
NUNCA MAIS, Brasil. relato para a história. 10. ed. Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 132.
19

discussões entre as lideranças do movimento os levaram a maiores dificuldades. Um conjunto


de fatores resultaram na desunião do movimento, pois haviam disputas ideológicas entre PCB
(Partido Comunista Brasileiro), maoístas, trotskistas e facções independentes que não
cessavam as discussões, isso tudo somado à pressão policial-militar que fazia com que estes
operassem na clandestinidade.

O clima repressivo nas universidades permaneceu a radicalizar abundantemente os


estudantes mais politizados, especialmente nas áreas de ciências sociais e humanidades. Mas,
quando Costa e Silva assumiu o governo, o radicalismo estudantil parecia controlado, incapaz
de mobilizar-se em escala nacional, assim como acontecera em 1965 e 1966.15

―Seguiram-se três anos de lenta mas permanente retomada das atividades


até que, em 1968, aproveitando o impacto de uma avalanche mundial de
manifestações estudantis que atingiriam centros tão diferentes quanto Paris
e Praga, o Movimento Estudantil saltaria para ocupar, no Brasil, o primeiro
lugar nas mobilizações de protesto de descontentamento frente ao governo.
(NUNCA MAIS, 1985, p. 133).

Diante desse cenário de lenta, mas permanente retomada das atividades, a UNE se
reorganizara em torno do movimento estudantil para tomar as devidas medidas na luta contra
a ditadura. Em 1966, seguiram-se inúmeras manifestações em protesto ao ato do governo que
colocou a entidade na ilegalidade e a todas as suas filiais de todos os estados do país.16

No mesmo ano, a UNE consegue realizar, na clandestinidade, em Belo Horizonte, o


seu XXVIII Congresso Nacional, repetindo o mesmo feito no ano seguinte em Vinhedo (SP),
elegendo Luís Travassos – último presidente até o desmantelamento em Ibiúna –, contando
com a ajuda de uma congregação religiosa, e em cujo mosteiro foi efetivado o XXIX
Congresso, em que se elegeram novos dirigentes para a organização e se debateu um
programa.17

Ainda em 1966, houve o primeiro ensaio daqueles que viriam a ser a sequencia das
maiores manifestações que o movimento estudantil desencadearia em um mesmo ano – o ano
de 1968. Em setembro de 1966, aconteceria uma sucessão de embates entre policiais e
estudantes e, por conta desse episódio, ficou então registrado como a “setembrada”, que trazia

15
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 151.
16
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 108.
17
NUNCA MAIS, Brasil. Um relato para a história. 10ª ed. Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 132.
20

a tona uma mistura de reivindicações específicas da área do ensino, como a defesa da UNE
pelo ensino gratuito e pela autonomia universitária, desvinculada a órgãos norte-americanos.

―... pela primeira vez desde o advento do novo regime, os estudantes


ganharam as ruas com manifestações no Rio, São Paulo, Belo Horizonte,
Porto Alegre, Brasília e outras capitais, culminando com o Dia Nacional de
Protesto, realizado a 22 daquele mês.‖ (NUNCA MAIS, 1985, p. 133).

As reivindicações contra as medidas tomadas pelo governo em relação à reformulação


na educação, fez com o movimento estudantil sabotasse as eleições dos estudantes às eleições
compulsórias para os diretórios das instituições governamentais de ensino e foram
organizados protestos contra expurgos de professores da Universidade Federal de Brasília,
contra a repressão a reuniões da UNE que foi posta fora da lei e contra a proposta do governo
de pagamento do ensino nas universidades federais.18

Em 1967, no Estado de São Paulo, surgiram duas UEE’s – uma presidida por Catarina
Melloni da Ação Popular (AP) – organização de esquerda católica – e outra por José Dirceu –
Dissidência. Às vésperas do Congresso de Ibiúna existia o perigo real de surgir duas UNE’s.
O desacordo somente se definiu depois um congresso da entidade, assim como nos esclarece
José Dirceu em Abaixo a Ditadura: O movimento de 68 contado por seus líderes:

―Fizemos um congresso da UEE no Conjunto Residencial da USP (CRUSP)


em agosto, que foi manchete em todos os jornais e encerrou a disputa entre
as duas UEE‘s. Antes disso, eu marcava uma assembléia, a Catarina
Melloni marcava outra: na nossa assembléia apareciam dois, três mil
estudantes; na dela, duzentos ou trezentos. O Congresso do CRUSP reuniu
cinco mil pessoas; a repressão havia anunciado que iria impedir o encontro,
mas nós fizemos na marra e conquistamos uma grande vitória política.
Compareceram representantes de noventa por cento dos centros
acadêmicos, e aqueles milhares de delegados me consagraram como
presidente da UEE. Depois disso, a AP reconheceu a derrota‖. (DIRCEU &
PALMEIRA, 1998, p. 99).

Ao longo do processo de constituição do XXX Congresso Nacional da UNE


estreitaram-se os laços políticos entre o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e a AP. As
duas organizações colocavam a tônica de seu programa nas bandeiras políticas gerais de luta
contra a ditadura e o imperialismo norte-americano. Defendiam que o movimento estudantil
deveria manter a mobilização de rua. Ambas as correntes eram contrárias a qualquer tipo de
diálogo com o governo do general Costa e Silva.

18
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 151, 152.
21

No mesmo ano, os estudantes foram contra o pagamento de anuidades – taxas que


deveriam ser pagas anualmente – impostas pelo governo aos estudantes das universidades
federais, essa medida, entre outras, fazia parte do acordo firmado entre a United States Agency
for International Developement (USAID) e o Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Segundo a UNE, que denunciava essa medida, dizia que ela tinha por finalidade a
privatização do ensino superior público e transformar as universidades em fundações.

―Fizemos movimentos terríveis contra a anuidade e fomos derrotados em


todos eles. (...). Além do mais, enquanto os estudantes estavam reclamando,
os pais começaram a pagar no banco, coisa que era novidade no Brasil e
ninguém desconfiou que estivesse acontecendo. Quando descobrimos, a
maior parte já havia pago‖. (DIRCEU & PALMEIRA, 1998, p. 58, 59).

Em 1968, a UNE já denunciava essas transformações que o governo estabelecia no


ensino universitário, alertando para o caso da Universidade de Brasília, assim como podemos
observar nesse trecho do Jornal da UEE-SP:

―O caminho violento parece ser o mais ‗aplicável‘. É o que esta


acontecendo em Brasília. Lá as fundações estão sendo instaladas
paralelamente, as vagas estão diminuídas e as verbas sofrem cortes
progressivos, até que se consiga fechar a UNB definitivamente.‖ (Jornal da
UEE-SP, novembro de 1968, p. 2)

A UNE discutia amplamente a perspectiva de uma reforma universitária, onde


deveriam ser pautadas inúmeras questões, dentre as quais estava a questão dos excedentes,
onde a aprovação no exame vestibular não considerava o número de vagas reais, mas sim a
nota que era estabelecida como corte no exame. Dessa maneira, os candidatos que estavam
classificados abaixo do número real de vagas, não podiam entrar na universidade mesmo
tendo sido aprovados no exame.

E é exatamente contra essas atitudes, em que o governo se adequava de acordo com a


situação, que a UNE alertava o movimento estudantil de como deveriam se posicionar e
convocar todos os estudantes à luta estudantil, assim como podemos observar nesse trecho do
Jornal da UEE-SP:

―A repressão mudará mais do que tem mudado estes últimos tempos,


utilizarão mais artimanhas que os fanáticos do CCC, somente que
encontrarão uma resistência mais segura e uma ofensiva mais eficaz que
não lhes dará descanso. Nós podemos diversificar e intensificar nossas
ações porque temos mais unidade e mais clareza do que é necessário fazer.
Nós não daremos descanso à Ditadura: será discutindo dentro das escolas:
será colocando nossa perspectiva de Reforma Universitária; será auxiliando
22

a organização e manifestação de outros setores da população; será fazendo


panfletagem e comícios; será em grandes concentrações e passeatas; será
nas greves estaduais e nacionais. Será através da ação em todos os níveis
que derrotaremos a Política Educação do Governo e estaremos colaborando
para sua derrota final. Nos não temos uma forma de ação mas muitas,
utilizemo-as todas, e ao mesmo tempo, e desta forma estaremos colaborando
de maneira eficaz para a derrota da opressão. (Jornal da UEE-SP,
novembro de 1968, p. 1)

A importância desses grupos de oposição se fez sentir ao longo dos anos de 1967 e
1968, onde mais tarde se encontrariam unidos e levando a opinião pública, mais a frente, às
ruas protestarem a repressão havida. Nesse momento o movimento estudantil, sob a batuta
pela UNE, passaria a liderar as manifestações na luta contra a repressão militar.
23

2. 1968, UM ANO EM QUE O MUNDO VIROU DO AVESSO

2.1. O papel do movimento estudantil na luta contra a repressão no ano de 1968

Mal se iniciava o ano de 1968, e em março, num restaurante estudantil, em meio a


uma manifestação pacífica em defesa da manutenção restaurante universitário, o “Calabouço”
– situado no Rio de Janeiro –, que estava por ser fechado, onde estudantes e policiais entraram
em conflito, e o jovem estudante secundarista de 16 anos, Edson Luís Lima Souto, fora
atingido por um soldado da PM com uma bala no peito. Esse acontecimento seria o estopim
para o desencadeamento da revolta da opinião pública e o início de uma sucessão de
manifestações e passeatas.

―Em 1968, a morte de alguém, mesmo a de um jovem desconhecido, podia


levar o país a uma crise e o povo à indignação, como levou naquela sexta-
feira, 29 [de março], em que 50 mil pessoas acompanharam o corpo de
Édson Luís Lima Souto ao cemitério São João Batista.‖ (VENTURA, 1988,
p. 97).

A forma da qual Edson Luís morrera, contribuiria para que a indignação popular
reprimida explodisse, resultando em demonstrações de massa que assumiriam proporções de
verdadeira rebelião social. A notícia da morte de Edson Luís logo foi espalhada, e uma
pequena multidão em frente ao prédio da assembleia convocou a população a comparecer aos
funerais do dia seguinte.

―No Rio de Janeiro, centenas de milhares de pessoas levaram ao tumulo o


corpo do estudante Edson Luís Lima Souto, num cortejo de três horas que só
encontra precedente no do Presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954.
Após o sepultamento, iluminado por tochas, e ao som do Hino Nacional, a
Valso do Adeus, e a Marseillaise, cantados e assobiados em murmúrio, os
estudantes voltavam à noite às escadarias da Assembleia Legislativa, de
onde saíra o caixão, mas foram retirados por soldados da PM armados com
os fuzis em baioneta calada. Os manifestantes entraram em choque com a
policia, saindo vários feridos. Houve uma série de prisões (...). Lenços
brancos, velas e até mesmo abajures ligados foram símbolo de amizade aos
estudantes vistos nas janelas da maioria dos edifícios por onde passou o
cortejo. Em edifícios comerciais, era muito comum atirarem carbono
picado, em sinal de luto (...). À passagem do féretro pela Cinelândia, o povo
que se postara nas janelas dos edifícios prorrompeu em aplausos, sendo
despejada uma chuva de papel picado (...). ao baixar o caixão, mais de 50
mil pessoas ouviram o juramento prestado por milhares de jovens: ‗nesse
luto, a luto começou‘.‖ (Correio da Manhã, 30 de março de 1968, p. 1, 9)
24

A morte de Edson Luís mobilizou o resto da população a dar uma resposta, criando
assim um clima de pura tensão na cidade do Rio de Janeiro. As circunstâncias que levaram a
estúpida morte do estudante viraram objeto de ampla exposição da imprensa. A missa fúnebre
do estudante estava marcada para 4 de abril, na Igreja da Candelária. Ao deixarem a igreja,
foram violentamente agredidos pela polícia que estava montada do lado de fora e ao sair os
últimos fiéis, a cavalaria imprensou o povo contra o templo, onde mulheres, pessoas idosas e
crianças corriam para todos os lados.19

Em 25 de junho, o governo Costa e Silva veria o mundo cair sobre suas cabeças. Nessa
data aconteceria “o maior espetáculo do ano”, assim como descreveria Zuenir Ventura em
1968, o ano que não terminou, a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro.20

Essa passeata seria a resultante de um acúmulo de indignação do movimento estudantil


em repúdio ao assassinato do jovem estudante Edson Luís, a toda política econômica imposta
desde 1964 e as inúmeras medidas restritivas à liberdade de manifestação.

―Outros setores da população agora mobilizada pelo movimento sindical e


pela Frente Ampla, juntaram-se aos protestos iniciados pelos estudantes. No
dia 25 de junho, uma grande passeata, desta vez pacífica, realizou-se no
centro do Rio de Janeiro. Os militares evitaram a repressão direta, e mais
de 100.000 pessoas juntaram-se para manifestação antigovernamental em
frente a catedral.‖ (ALVES, 1984, p. 119).

A passeata dos 100 mil, contaria com a participação de diversos setores da sociedade
civil. Ali estavam os mais diversos pontos de vista político, mas em comum a vontade da
volta das liberdades democráticas. Entre março e o final de junho de 1968, o centro do Rio de
Janeiro tornou-se cenário rotineiro de conflitos da polícia com estudantes.

―Pode-se dizer que tudo começou ali - se é que se pode determinar o


começo ou o fim de algum processo histórico. De qualquer maneira, foi o
primeiro incidente que sensibilizou a opinião pública para a luta
estudantil.‖ (VENTURA, 1988, p. 105)

Apesar da unidade que ia se estabelecendo no movimento estudantil, havia ainda


alguns pontos divergentes. As esquerdas discutiam com a direita, mas sobretudo entre si.21
Não se chegava a um denominador comum, de um lado haviam aqueles que pertenciam ao
Partidão – Partido Comunista Brasileiro, assim como era chamado –, mais moderados e

19
Jornal do Brasil, 5 de abril de 1968, p. 2,3.
20
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 86.
21
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 75.
25

reformistas, do outro lado estavam os “revolucionários”, como Fernando Gabeira, Carlos


Vergara e Luís Travassos que se sentiam futuros guerrilheiros e dificilmente se viam tomando
o poder de um Estado pela via “revolucionária do voto”. O PC do B era menos radical quanto
a distinção entre organização e mobilização. Esta, para os comunistas, era uma falsa
dicotomia. Enquanto nas ruas o pessoal do PCB gritava “só o povo organizado derruba a
ditadura” e o pessoal das dissidências e parte da AP gritava “só o povo armado derruba a
ditadura”, já o PC do B lançava um panfleto que dizia “só o povo organizado e armado
derruba a ditadura”. Havia uma infinita discussão entre as esquerdas de como chegar ao
poder; uma delas seria por vias de uma ruptura violenta, a outra era seria por vias de uma
revolução mais moderada, gradual e organizada, assim como o PCB sugeria.

―Na verdade, o debate era mais sofisticado do que esse resumo. Discutia-se
um modelo de revolução, e como se chegar a ela. Pelo menos duas
concepções se chocavam. Uma entendia a revolução como ruptura violenta,
isto é, como uma explosão desencadeada por uma vanguarda que, ao ser
logo substituída pela classe operária, criaria uma sociedade nova e um
homem novo. (...).A outra posição, defendida pelo PCB, via a revolução não
como um objetivo imediato, e sim como um lento processo, que poderia até
culminar com uma ruptura, desde que o resultado da gradual organização
civil e da acumulação de forças. (VENTURA, 1988, p. 62).

Após a passeata dos 100 mil interceder a participação do processo de diálogo com o
regime, visando desmascará-lo, chegou a ser formada uma comissão de representantes da
“sociedade civil”, incluindo membros da Dissidência, que foi recebida pelo presidente Costa e
Silva. Foram ao encontro com o presidente os estudantes Franklin Martins e Marcos
Medeiros, o advogado Marcelo Alencar, o padre João Batista Ferreira, o psicanalista Hélio
Pelegrino e o professor José Américo Pessanha. Esse encontro não tinha a aprovação do grupo
de Travassos – presidente da UNE –, e os esperava com uma reunião de prestação de contas
do encontro.22

Outro jovem também morreria nas mãos da ditadura. Em São Paulo, o jovem
secundarista José Guimarães, 20 anos, seria atingido em um confronto que ficou conhecido
como a batalha da Maria Antonia, que envolveu estudantes da Faculdade de Filosofia da
USP e estudantes do Mackenzie. Esse acontecimento ocorreu a poucos dias antes da
realização do XXX Congresso Nacional da UNE. Os confrontos iniciaram-se no dia 2 de
outubro e durariam até o dia seguinte. A causa do conflito seria motivada por alguns alunos
do Mackenzie ter jogado ovos em alguns estudantes que estavam cobrando pedágio na rua

22
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 170.
26

Maria Antonia, fazendo finanças para o XXX Congresso Nacional da UNE. Quando caiu a
noite houve uma trégua, foi quando cada uma das forças discutiam em assembleias se era
conveniente continuar ou não a guerra. Na reunião da USP, os estudantes decidiram por não
continuar, pois não queriam lutar contra os alunos do Mackenzie, mas contra o Comando de
Caça aos Comunistas (CCC). Por outro lado, a direita queria guerra e expulsar o inimigo de
perto. Às 9 horas do dia seguinte a trégua foi desfeita, foi quando os alunos do Mackenzie
arrancaram algumas faixas que propunham a unidade: “Filosofia e Mackenzie contra a
23
ditadura.” O relato desses dois dias de conflito foi abordado no periódico do mês de
novembro da UEE-SP, como podemos observar na citação:

―Outubro, 2: os secundaristas que estão fazendo pedágio na Maria Antonia


para arrecadar fundos para a UBES são atacados pelo CCC, instalado no
Mackenzie. Uma moça e um rapaz são levados para as Clínicas com
ferimentos a ácido. Os alunos da Faculdade de Filosofia da USP reagem.
Começa uma batalha com bombas, pedras e rojões. A polícia chega e passa
proteger o Mackenzie. Outubro, 3: o CCC arranca faixas da porta da
Filosofia: ―Filosofia e Mackenzie contra o CCC. Outra vez voam pedras,
rojões e bombas. Agora balas de calibre 45, que só podem ser usadas pelas
Forças Armadas, são disparadas contra a Maria Antonia vindas do
Mackenzie. Uma delas mata o estudante secundarista, José Guimarães, 20
anos. A polícia continua auxiliando os assassinos, atocaiados nos telhados
do Mackenzie. Os estudantes da Maria Antonia deixam o prédio. A polícia e
o CCC invadem a Faculdade e destroem quase tudo. A Faculdade de
Economia tem o mesmo destino: professores são presos, colegas espancados
e feridos a bala. (Jornal da UEE-SP, novembro de 1968, p. 1)

A rua Maria Antonia representava para o movimento estudantil um “território livre”,


mesmo também sendo a rua da reação, isto é, do Mackenzie, onde se concentravam
representantes das sinistras siglas – CCC (Comando de Caça aos Comunistas), MAC
(Movimento Anticomunista), FAC (Frente Anticomunista) - da direita extremada. Esses
grupos aproveitaram-se de uma antiga rivalidade entre os alunos do Mackenzie e da Filosofia
e infiltraram-se entre os mackenzistas, obrigando a esquerda entrar na sua forma de luta:
violência por violência.24 Vladmir Palmeira, então presidente da União Metropolitana dos
Estudantes (UME), recorda-se do ocorrido e reforça que o ocorrido na Maria Antonia não foi
um conflito entre estudantes da Filosofia da USP e do Mackenzie, mas sim um confronto
contra uma minoria do CCC que estava infiltrada no Mackenzie, como podemos observar na
citação:

23
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 222,
223.
24
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 225,
226.
27

―Há uma grande mistificação quando se diz que a direita controlava os


estudantes do Mackenzie, porque na verdade nós tínhamos hegemonia ali
também. O DCE deles era ligado à UEE, assim como quatro dos centros
acadêmicos, de modo que a maioria dos estudantes do Mackenzie já tinha
votado pela UNE e pela UEE. Só não conquistamos os grêmios da Filosofia,
Direito e Química, Aliás, quem pôs fogo na Maria Antônia foram as bombas
feitas pelo CCC no laboratório da escola de Química e não os nossos
coquetéis molotov. Nunca houve uma guerra entre os estudantes do
Mackenzie e o pessoal da Maria Antônia. A decisão da assembléia havia
sido de lutar contra o CCC, e não contra a Mackenzie toda. Nós sabíamos
que só uma pequena minoria era do CCC‖. (DIRCEU & PALMEIRA,
1998, p. 150).

Pouco antes de se realizar o XXX Congresso da UNE, surgiu em vários jornais a


noticias de que a UNE havia “rachado”. Tal notícia enfureceu as lideranças da entidade, que
logo tomou a medida de esclarecer a situação e manter a unidade do movimento estudantil. A
UEE-SP, em seu periódico mensal, negava o “racha” que poderia existir na UNE e acusava os
“jornais burgueses” de tentar criar intrigas para desunir o movimento estudantil, assim como
podemos observar no trecho:

―Os inimigos da UNE querem dividi-la para ver se a derrota. No momento


os jornais burgueses falam que a UNE está dividida e será feitos dois
Congressos. Um dêles com os partidários do atual presidente da UNE, Luiz
Travassos; outro, com os estudantes que defendem as posições da União
Estadual dos Estudantes de São Paulo, dirigida por José Dirceu, e dos
estudantes cariocas liderados por Wladimir Palmeira.‖ (Jornal da UEE-SP,
agosto de 1968, p. 2).

Não importa qual seja o nome que se dê ao surto estudantil de 1968, o que houve de
efetivo nele foi a instrumentalização daquilo que se chamou “guerra revolucionária”. O
mundo inteiro estava virado de cabeça para baixo com as manifestações estudantis. Para
Marighella e as outras organizações de esquerda que usavam a mesma expressão, ela
ambicionava expressar um salto de qualidade na luta ao regime. Havendo a “guerra
revolucionária”, a luta armada deixava de ser uma tese, tornando-se uma inevitabilidade. Para
os dirigentes militares, havendo “guerra revolucionária”, o regime constitucional deixava de
ser um acanhamento, tornando-se um estorvo.

―Nessas mobilizações políticas radicais o que estava em mira era a


contestação do autoritarismo. Também por isso, o maio parisiense não foi m
fenômeno isolado, sem que houvesse qualquer coordenação, ocorreu
simultaneamente em diversos pontos do mundo. Até o Japão sofreu um
radical protesto estudantil, com uma espécie de ‗milícias universitárias‘ em
choque com policiais protegidos com capacetes, bombas e escudos. Na
Espanha enfrentava-se a ditadura franquista (general Franco); na Itália,
28

combatiam-se o autoritarismo da universidade e a cultura mercantilizada.‖


(CARMO, 2003, p.77).

No Brasil, liderando o movimento estudantil, após a queda do XXX Congresso


Nacional em Ibiúna, a UNE intensifica suas forças para denunciar a tática praticada pelo
governo contra a democracia e à liberdade, e alerta o movimento estudantil para melhor se
articular politicamente, ao invés de apenas se opor ao governo sem uma diretriz política,
assim como podemos observar neste trecho do Jornal da UEE-SP:

―A tática do Govêrno tem mudado e nós não podemos continuar com a


mesma forma de combatê-la, e não só isso, já é hora de propormos nossas
formas de luta sem esperarmos uma ação governamental. Devemos ter uma
política própria e não só aquela de ser contra. Já iniciamos um processo
onde começamos, mesmo que timidamente, a propor. Nós temos uma
perspectiva de universidade, por exemplo, e devemos levá-la adiante.‖
(Jornal da UEE-SP, novembro de 1968, p. 1)

E, assim, com dificuldades e desentendimentos por todos os lados, iria se


encaminhando o XXX Congresso Nacional da UNE. Aquele viria a ser um dos maiores
congressos de sua história, mas que foi surpreendido pelas forças repressivas da ditadura.

2.2. A queda do XXX Congresso Nacional da UNE em Ibiúna

Era um sábado chuvoso no dia 12 de outubro, mas era para ser um dia de sucesso para
o movimento estudantil naquele ano de tantos debates e discussões – que se arrastavam desde
junho –, e precediam a terceira fase do XXX Congresso Nacional da UNE.

Estava tudo preparado para a chegada dos estudantes congressistas ao sítio Murundu,
em Ibiúna. Durante toda a semana chegavam carros e caminhos com estudantes de várias as
partes do país à cidade de Ibiúna. A chegada dos estudantes à cidade se mostrava
extremamente dura, muitos foram transportados em situações precárias e havia poucos
recursos para a realização do Congresso. Dada a precariedade em que se realizaria aquele
congresso, os problemas não demoraram a surgir. Vários fatores contribuíram para as coisas
não fossem bem. Houveram inúmeros desmaios, muita fome e péssimas condições de
alojamento para dormir.25

25
MERLINO, Luiz Eduardo da Rocha. Sobre o XXX Congresso Nacional da UNE. Jornal da Tarde, 14 de
outubro de 1968.
29

Toda a sexta-feira – véspera do Congresso – foi perdida no plenário com discussões


sobre credenciais. Somente com a delegação da Bahia, foram perdidas mais de três horas. A
delegação de Minas Gerais levou mais outro tanto de tempo. O pior de tudo, para os
congressistas, é que os debates foram por noite adentro. A abertura do Congresso estava
marcada para as 8h30min do dia seguinte, sábado, mas a Polícia chegou por volta das
7h30min, uma hora antes, impedindo que se iniciasse. Durante a plenária de preparação
havida sexta-feira, tanto Luis Travassos - presidente da UNE –, quanto José Dirceu –
presidente da UEE – viram que a situação quanto às eleições ainda encontrava-se indefinida,
fato que preocupava ambos, pois os delegados ainda não haviam chegado e os que ali estavam
ainda não tinham se decidido em quem votar. À medida que o tempo passava, o clima ficava
mais tenso, e as inevitáveis discussões ficavam cada vez mais acaloradas e, se caso as forças
da repressão não chegassem a tempo de evitar a realização do Congresso, tudo indicava que
pelas tendências dos debates, o Congresso duraria por incessantes horas ou até mesmo
ultrapassaria aquele sábado, 12 de outubro.26

Nessas discussões que ocorriam naquela noite que antecedia a catástrofe que viria logo
pela manhã do dia seguinte, Vladmir Palmeira, presidente da UME, trazia consigo a
preocupação de que no XXX Congresso não ocorresse as mesmas irregularidades havidas no
último Congresso ocorrido em Vinhedo (SP). Entre as irregularidades, ele apontou algumas
sobre as indicações dos delegados, como podemos notar no trecho:

―(...) Quando votamos o credenciamento de delegados, começaram os


atritos com a turma de São Paulo. Nós do Rio tínhamos uma concepção
muito estreita de representação, queríamos respeitar rigorosamente os votos
do movimento estudantil. Mas em São Paulo a coisa era diferente. O pessoal
dizia: ‗Se é AP a gente é contra, e ponto final‘ – e vice-versa, naturalmente.
Começaram as impugnações de delegados, e em duas votações nós fomos
contra o Zé Dirceu, porque as delegações eram flagrantemente irregulares.
O [José Roberto] Arantes teve um ataque, disse que nós queríamos
tumultuar, mas realmente não dava para aceitar irregularidades. Nós
criticávamos muito a AP pelo hábito de roubar na representação. No
congresso anterior, o Travassos havia sido eleito por uma diferença de seis
votos, numa aliança com a Polop contra nós. Mais tarde, boa parte daqueles
representantes da AP veio fazer vestibular no Rio. Reconhecemos os
delegados e vimos que eram secundaristas; tinha havido sacanagem‖.
(DIRCEU & PALMEIRA, 1998, p. 166).

Diante desses acontecimentos, o XXX Congresso já prometia acalorados debates. Em


1968 agravou-se, no interior do movimento estudantil, a disputa entre os militantes da Ação
26
MERLINO, Luiz Eduardo da Rocha. Sobre o XXX Congresso Nacional da UNE. Jornal Folha da Tarde, 14
de outubro de 1968.
30

Popular (AP) e os das dissidências pecebistas. No XXIX Congresso Nacional da UNE,


realizado clandestinamente num convento de Vinhedo (SP) em 1967, a AP havia garantido a
presidência da entidade para Luís Travassos. Contudo, a votação foi apertada e a vitória foi
decidida por pouquíssimos votos. No Congresso de Ibiúna a representação do PC do B havia
crescido muito, especialmente se comparada àquela que participou no congresso anterior.
Contudo, as bancadas da AP e das dissidências continuavam sendo maiores.

A Dissidência e a AP configuravam-se como as maiores forças do movimento


estudantil. Dessa forma, o PCB, o PCBR, o PC do B, a Polop e a Ala Vermelha surgiam como
forças minoritárias. Para a disputa da presidência UNE estavam José Dirceu, da Dissidência,
apoiado por Vladimir Palmeira; Jean Marc van der Weid, da AP, indicado por Luís Travassos,
então presidente da entidade; e Marcos Medeiros, do PCBR (Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário). A verdadeira disputa, entretanto, estava realmente acirrada entre os dois
primeiros, e era praticamente impossível definir quem sucederia Travassos na presidência da
UNE.27

No Congresso, os delegados de todos os estados participantes – São Paulo, Guanabara,


Minas Gerais, Bahia, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Ceará, Paraíba, Distrito
Federal, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Espírito Santo, Goiás, Sergipe, Rio Grande do Norte,
Maranhão, Pará, Alagoas e Piauí – deveriam definir uma nova diretoria e uma diretriz política
para a UNE 1968-69. As duas fases anteriores, 1ª e 2ª fases – municipais e regionais
respectivamente –, haviam sido um sucesso, e a entidade tinha bem encaminhada a terceira e
última fase de seu Congresso, como podemos notar nesse trecho da Nota Oficial da UEE-SP
direcionada aos universitarios:

―Os regionais (2ª fase) impulsionaram a participação e a organização dos


estudantes nacionalmente. A UNE ganhou com o encaminhamento correto
do XXX Congresso. A representatividade foi suficiente para que o trabalho
da nova diretoria seja facilitado. (Nota Oficial da UEE-SP, novembro de
1968, p. 1)

Mas para a infelicidade da UNE, seu congresso não seria concluído, e logo pela
manhã, por volta das do dia 12 de outubro, a polícia chegaria e desmantelaria aquele que era
prometido como o maior congresso da história da entidade. Na noite anterior à queda do
congresso, os congressistas foram dormir tranquilos ao saber que a Comissão de Segurança do
congresso calculara que para se chegar ao local, a polícia levaria umas dez horas no mínimo.
27
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 249.
31

Foi quando, no meio da madrugada – segundo uma versão publicada na época – teria
desembarcado no sítio Murundu um emissário do Conjunto Residencial da Universidade de
São Paulo (CRUSP) com a informação de que a polícia já havia descoberto o local e chegaria
por volta das 18 horas de sábado, mas, como todos sabemos, não foi isso o que realmente
aconteceu. No meio da madrugada, houve inúmeras discussões para se saber qual seria a
melhor saída naquele momento, pois não seria possível todos evadirem-se da cidade, porém,
não houve nenhum acordo das partes.

―A situação era tensa, o risco enorme, mas a divisão era maior: a reunião
de emergência não chegou a um acordo. Havia uma proposta da direção
para que se tentasse salvar as lideranças, já que não haveria condições para
a retirada de mais de 50 pessoas.‖ (VENTURA, 1988, p. 248)

Não se chegando a nenhuma solução, então, os estudantes ficaram por lá mesmo, só


que não esperavam a chegada da polícia por volta das 7h30 da manhã e, que colocaria,
naquele momento, fim ao maior e mais audacioso congresso de sua história até então,
prendendo e os levando para um galpão de Cotia, São Paulo.

―Eles formavam uma imensa fila que se arrastava na lama, vigiada a cada
cinco metros pó um soldado de revólver ou metralhadora em posição de
tiro, como se o lamaçal não fosse por si só suficiente para impedir qualquer
fuga. (...). Quando, finalmente, chegam ao asfalto, os prisioneiros foram
embarcados em nove ônibus, cinco caminhões, um microônibus, duas Kombi
e uma Rural Willys. No fim da tarde, eram depositados em um galpão da
Cooperativa Agrícola de Cotia, em São Paulo. (VENTURA, 1988, p. 252,
253).

Junto aos estudantes, foram apreendidas varias armas e uma razoável quantidade de
caixas de pílulas anticoncepcionais, que mais tarde as forças policiais exibiriam como
verdadeiros troféus de guerra. Como se a pílula fosse uma espécie de preservativo de uso
imediato como a camisinha, a polícia acreditava que sua exibição provaria a opinião pública
que as mulheres congressistas foram com preparadas para debater questões que transcendiam
às questões estudantis.28 Assim, de forma melancólica para os estudantes congressistas, a
ditadura conseguira desmontar a terceira fase do congresso, prendendo mais 700 estudantes e
pondo um fim ao XXX Congresso da UNE que ali se realizava – e também ao sonho
estudantil.

Muito se fala sobre a forma como se organizou o XXX Congresso da UNE e quais
seriam os reais motivos de sua derrota. Alguns culpam o lavrador, Miguel Goes, que foi

28
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 35.
32

cobrar uma dívida de um saco de milho num sítio próximo, mas ao passar em frente ao sítio
Murundu, a segurança dos estudantes o prendeu e, assim que foi liberado, seguiu direto para a
delegacia de polícia. Outros falam que a culpa seria da própria organização, e que juntar quase
ou mais de mil estudantes – números que variam conforme a fonte – em um sítio, sem que
ninguém percebesse, seria um dar um tiro no próprio pé, e mesmo a invasão dos estudantes ao
comércio local teria chamado a atenção da polícia, assim como nos relata Zuenir Ventura em
1968, o ano que não terminou:

―Na quarta-feira, começaram a faltar víveres. Muitos nesse dia só


almoçaram pão com manteiga e um tomate cozido. Uma equipe teve então
que sair para providenciar comida. Domingos Simões concorda que houve
uma febre de consumo naqueles dias: "Teve um grupo que entrou numa
venda e comprou todo o estoque de pinga." Ao movimento de chegada de
forasteiros, acrescentava-se agora o vaivém do shopping. Pode-se imaginar
o rebuliço que foi. numa cidade com menos de 10 mil habitantes, a compra
em um só dia de 30 quilos de carne; 200 cruzeiros novos quase 7 dólares) de
pães; e Cr$ 40,00 de chocolate. Afinal, eram muitas bocas famintas a
alimentar: a polícia anunciou ter identificado 1600 pessoas, entre
congressistas, jornalistas e demais participantes. (VENTURA, 1988, p.
251).

Já os travassistas – membros pertencentes ao grupo de Luís Travassos – criticam os


seus adversários pela realização da insensatez; e este, por sua vez, responsabiliza os primeiros
por delongar as discussões e, em consequência, a maciça prisão.29 A entidade ainda estava
perplexa diante da queda do congresso, havia questionamentos sobre quem seriam os
culpados da invasão em Ibiúna, mas, mesmo assim, não desanimavam seus integrantes,
propondo continuar a luta mesmo com a sua liderança presa, salientando que o movimento
estudantil era maior que a liderança e o congresso, portanto, deveriam seguir a luta adiante e
criar novas formas para se alcançar os objetivos.

―Depois da repressão havida, e da forma pela qual se deu a repressão ao


XXXº Congresso da UNE, os problemas da discussão, organização e
manifestação se nos recolocam novamente, e agora, com maior vigor. É
possível um Congresso clandestino onde a participação ultrapassaria um
certo número? A culpa do congresso do Congresso ter caído deve-se
unicamente à comissão de Segurança, como pretende a colega Catarina e
seus meninos (assessorados na tarefa de divulgação por certos jornais), ou
a culpa maior terá sido daqueles colegas que mesmo informados da chegada
da repressão não quiseram se retirar, invocando ―motivos políticos‖?
Contudo nem o Congresso nem a liderança presa até agora representam
todo o movimento estudantil. E nós poderemos continuar colocando nossa
política em prática. Perdemos uma batalha, mas esta é uma guerra de
muitas batalhas e última será aquela que conduzirá todos os explorados e

29
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 241.
33

oprimidos ao poder. Temos muito o que fazer pela frente. Mas para poder
fazer é preciso saber como. Nós não podemos recometer os mesmos erros
que nos reconduzam a novas derrotas.(...) Mas por que o local do
Congresso da UNE foi localizado com facilidade? Muitos colegas
descarregam a responsabilidade na Comissão Organizadora. Outros dizem
que os culpados foram os próprios delegados, que não cumpriram as
instruções da Comissão Organizadora.‖ (Jornal da UEE-SP, novembro
1968, p. 1)

A verdade era somente uma, o congresso foi arruinado e a UNE precisava se


rearticular com as forças que ainda possuía, caso quisessem colocar em prática seu tão
esperado XXX Congresso e o sonho estudantil.

2.3. A reorganização da UNE pós-Ibiúna e os rumos tomados pelo Movimento


Estudantil e o AI-5

Após a queda do XXX Congresso Nacional, a UNE teve juntar os poucos pedaços do
que restara e reorganizar seu congresso. O acontecimento deixara o Movimento Estudantil
abalado e desarticulado naquele momento, então era preciso rapidamente tomar decisões que
levassem a entidade para um direcionamento que retomasse o XXX Congresso.

A própria entidade admitiria que seu congresso, nas condições das quais a repressão
estava pressionando e aniquilando por todos os lados qualquer foco de manifestação,
dificilmente não seria descoberto e desarticulado, assim como podemos observar num trecho
do Jornal da UEE-SP:

―No entanto, a verdade é que teria sido impossível, mesmo observando as


mais rígidas normas de segurança, fazer um congresso clandestino com 800
pessoas nas condições atuais.‖ (Jornal da UEE-SP, novembro de 1968, p.
2).

Agora, a UNE começara a reavaliar as medidas que anteriormente foram tomadas,


começando a desenvolver uma nova estratégia para dar seguimento ao XXX Congresso. Foi,
então, que a UNE percebeu que a representatividade da entidade não estava no número dos
delegados que comparecem ao encontro nacional, mas sim na sua preparação junto à maioria,
ou seja, os estudantes de cada região realizariam seus próprios congressos – menores, porém,
representativos e que não chamariam tanto a atenção das autoridades –, onde, definidas, as
posições dos estudantes dessas regiões seriam discutidas no congresso nacional.
34

―A representatividade do congresso não está no número de delegados que


comparecem ao encontro nacional, mas, basicamente, na sua preparação
junto a maioria dos estudantes. Se isso tivesse sido feito, não haveria
necessidade de enviar tanta gente ao encontro nacional, porque a existência
de congressos regionais representativos e abertos significava a segurança
de que as posições da maioria dos estudantes seriam levados ao congresso
nacional.‖ (Jornal da UEE-SP, novembro de 1968, p. 2).

As dificuldades para a rearticulação eram muitas, pois a UNE já não tinha seus líderes
mais experientes no comando – todos estavam presos –, então a única coisa a fazer era levar a
preparação do XXX Congresso adiante, mesmo com os integrantes inexperientes que ali
estavam. Então, entidade via a necessidade de tomar medidas que logo viabilizassem a
terceira fase do congresso que fora interrompida com a invasão da polícia em Ibiúna.

―A 3ª fase para síntese das experiências nacionais, formulação de uma carta


política, eleição de uma nova Diretoria, foi interrompida pela repressão
covarde da ditadura. Os companheiros delegados de todos os Estado foram
presos. (Nota Oficial da UEE de São Paulo, novembro de 1968, p. 1).

Entre os planos, estavam o de reforçar a ideia em construir mais entidades estaduais –


as UEE’s – onde não existiam e fortalecer as que já existiam, a fim de construir uma UNE
mais firme e coesa nas suas bases. Dessa forma, a UNE foi se recompondo do duro golpe de
Ibiúna. Alguns dos integrantes da entidade também já haviam sido soltos por pressão de
diversos setores da sociedade, o que ajudou a entidade a se rearticular mais rápido.

―Agora devemos insistir na construção das entidades estaduais onde não


existem, consolidação das que existem; a partir daí construir a UNE. (...).
Diversos setores da população se movimentaram com os estudantes. Muitos
colegas foram soltos devido a pressão exercida por diversos setores da
população.‖ (Nota Oficial da UEE-SP, novembro de 1968: 1)

Desta forma, o projeto foi levado adiante, mas havia ainda a pendência quanto a forma
da realização da terceira fase, então, mesmo com a UEE-SP se posicionando contrária, houve
a realização de um Conselho Nacional, onde foi decidido que a terceira fase do XXX
Congresso Nacional não ocorreria em um novo congresso, mas sim em reuniões
descentralizadas por estados, e que deveria ser realizado ainda naquele. Nelas se aprovariam
as teses e se indicariam os nomes para a nova diretoria.

―Mesmo contra a posição de São Paulo e de um dos diretores da UNE foi


convocado um Conselho Nacional de Estudantes. Nesse conselho foi aceito
por 8 votos a proposta de São Paulo – continuidade do Congresso ainda
este ano de forma diversificada por estado ou município terminando em um
encontro nacional de um número reduzido onde serão apuradas as posições
tiradas nos encontros estatuais e quando será escolhido um programa para
35

a UNE e eleita uma nova diretoria, em chapas votadas nos estados por
todos os delegados eleitos para a 3º fase. Foram derrotas as posições que
previam um encontro nacional dos 800 delegados (5 votos) e eleições
diretas (1 voto). (Nota Oficial da UEE-SP, novembro de 1968, p. 1,2).

Após a queda Ibiúna, houveram algumas manifestações protestando contra a prisão


das lideranças da entidade. Naquele momento, o país já vivia o “teatro de horrores” que
protagonizara o Ato Institucional nº5.

―Houve apenas uma grande passeata, logo depois de Ibiúna, para protestar
contra as prisões. (...). A polícia chegou atirando e matou um estudante.
Dias depois ocorreu outro grande confronto, na faculdade de Ciências
Médicas, e mais um estudante foi assassinado. Tinha virado rotina. A única
forma possível de ir para as ruas era com os grupos organizados: na hora
marcada, juntavam-se vinte ou trinta pessoas num determinado ponto da
cidade, faziam um comício e saíam rápido. Mas até isso já era muito barra
pesada para a situação do país‖. (DIRCEU & PALMEIRA, 1998, p. 163).

Todos os acontecimentos havidos durante todo o ano de 1968, já bastariam para ficar
na memória de qualquer um que o viveu e ser lembrados por longos anos ou até mesmo pela
vida inteira, mas como não se bastasse tudo aquilo, o pior ainda estaria por vir em dezembro.
No dia 13 de dezembro o governo baixaria o Ato Institucional mais cruel todos entre todos os
anteriores já baixados, o AI-5, que, assim resumido, atribuía ao executivo os seguintes
poderes: poder de fechar o Congresso Nacional e as assembleias estaduais e municipais;
direito cassar os mandatos eleitorais de membros dos poderes Legislativo e Executivo nos
níveis federal/estadual e municipal; direito de suspender por dez anos os direitos políticos dos
cidadãos; direito de demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade funcionários das
burocracias federal, estadual e municipal; poder decretar estado de sítio sem qualquer dos
impedimentos fixados pela constituição de 1967; direito de confiscar bens como punição por
corrupção; suspensão da garantia de habeas corpus em todos os casos de crimes contra a
Segurança Nacional; julgamento de crimes políticos por tribunais militares; direito de legislar
por decreto e baixar outros atos institucionais ou complementares; e, finalmente, a proibição
de apreciação pelo Judiciário de recursos impetrados por pessoas acusadas em nome do Ato
Institucional nº5. Os réus julgados por tribunais militares não teriam direito a recursos.30

Diante a promulgação do AI-5, todos ficaram perplexos, não sabendo o que fazer e
dizer. Assim, o governo Costa e Silva havia colocado em prática aquilo que a linha-dura do

30
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, Vozes, 1984, pp. 131.
36

regime já vinha pressionando o governo tomar como medida há algum tempo, mas que
somente agora se tornaria realidade uma das mais temíveis medidas da ditadura militar.

―A reunião não ofereceu surpresas. Costa e Silva levara anotações das


medidas a serem tomadas e, no final, pediu ao ministro da justiça e ao
deputado Rondon Pacheco que transformasse o esboço no que viria a ser o
Ato Institucional nº 5. Mas antes, por sugestão de Rondon, mandou chamar
os ministros do Planejamento e da Fazenda para saber se a medida
provocaria repercussões negativas na política econômico-financeira do
governo.‖ (VENTURA, 1988, p. 273).

Foi aí, então, que o governo passou a endurecer cada vez mais contra qualquer ato que
fosse julgado como “subversivo”, e o que ocorreu dali adiante foram tão somente
barbaridades da repressão contra qualquer atitude subversiva, onde seguiu-se um período de
silêncio, medo, confusão e desânimo. Os militares efetivamente se valeram do espaço de que
dispunham para implantar um formidável aparato de repressão e institucionalizar a estratégia
de controle pelo terror.31

E, assim, exatamente sob esse clima terror debaixo do AI-5 e do amordaçamento da


repressão política, que ocorreram as reuniões estaduais que decidiriam a nova diretoria e o
novo programa para a UNE 1969. José Roberto Arantes exerceu provisoriamente a
presidência da UNE enquanto Travassos se encontrava preso.

Em 1969, Jean Marc van der Weid foi eleito através de conselhos estaduais de
estudantes, onde foi eleito por uma margem de 7 votos, num colégio eleitoral de 800
estudantes. Os resultados das plenárias estaduais foram homologados num novo Conselho
Nacional, ocorrido no Rio de Janeiro em abril de 1969.32

31
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, Vozes, 1984, pp.137.
32
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 254.
37

CONCLUSÃO

Ao longo de todo o processo que a ditadura impôs nos anos de 1967-1968, o


movimento estudantil teve altos e baixos, porém, jamais abandonou a causa estudantil e o
sonho de dias melhores.

Como apontamos inicialmente, a UNE lutou e desempenhou um forte papel junto ao


movimento estudantil, denunciando em forma de protestos o acordo MEC-USAID, que tinha
por objetivo tornar as universidades em fundações e a formação de profissionais técnicos para
a indústria capitalista, além cobrar anuidades pelo ensino superior público.

Mostramos também as divergências existentes em torno do movimento estudantil,


onde José Dirceu – da Dissidência – e Catarina Melloni – Ação Popular – dirigiam duas
UEE’s às vésperas do XXX Congresso, e que existia iminente perigo de surgir duas UNE’s,
mas logo foi resolvido em um congresso no Conjunto Residencial da USP (CRUSP). Assim,
após a reunião, as duas partes entraram em acordo e o movimento estudantil viu sua base ficar
fortalecida com as divergências findadas.

Discutimos a participação de outros grupos de oposição ao governo como a Frente


Ampla e o sindicalismo, onde esses grupos tiveram papéis importantíssimos na luta pela volta
dos direitos democráticos. A importância das passeatas como forma de protesto e revolta à
morte do jovem estudante secundarista Edson Luís, onde se uniram os mais variados setores
da sociedade expondo o desejo da volta da democracia.

Levantamos as hipóteses de como e porque o Congresso de Ibiúna foi dissolvido, onde


muito se falou sobre se a culpa seria da segurança do congresso ou mesmo pelas discussões
que se alongaram durante a madrugada que antecedia a chegada da polícia, permitindo assim
que os congressistas fossem presos.

Contudo, em nenhum momento a UNE desistiu dos seus projetos de eleger uma nova
diretoria e formular e uma diretriz política para a próxima gestão que viria em 1969. Para
tanto, foram debatidos nos diretórios de todo o país quais medidas deveriam ser tomadas dali
adiante. Assim, ficou decidido que a entidade daria continuidade a terceira fase, porém, não
mais em um congresso, mas em reuniões estaduais que deveriam ser realizadas ainda naquele
ano, mesmo não contado mais com suas principais lideranças que encontravam-se presas.
38

Evidentemente, houve erros gravíssimos da UNE ao tentar realizar um congresso


daquelas proporções em um sítio, pois dificilmente não seriam percebidos, mas podemos
ressaltar a vontade e a determinação dos estudantes ao permanecerem focados no propósito da
realização deste congresso.

E, finalmente, a terceira fase do XXX Congresso Nacional da UNE se concretizaria,


apenas em abril de 1969, onde as experiências acumuladas durante todo aquele ano de 1968
seriam colocadas em prática, e a entidade formularia sua nova diretoria e um programa para a
UNE-1969 com Marc von der Weid vencendo as eleições.

Ainda no final de 1968, a UNE representou uma das poucas forças de resistência à
ditadura militar após promulgação do Ato Institucional nº5, manifestando-se por passeatas e
comícios pelas ruas brasileiras e, mesmo com o AI-5, sempre reforçou a ideia de que a luta
jamais deveria cessar, assim como eles próprios diziam em sua Nota Oficial (1968: 2), “O
Congresso continua – A UNE somos nós”; “A repressão não impedirá nossa organização”;
“exigimos a soltura dos presos políticos”. Mas infelizmente para o movimento estudantil o
AI-5 representou um forte golpe em sua estrutura, ficando encurralado contra a parede da
repressão militar. Muitos dos estudantes vendo-se pressionados pela ditadura, não viram outra
saída senão pegar em armas e partir para os movimentos dos grupos armados, assim como
aquele que sequestraria o embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, exigindo a
libertação de presos políticos que, inclusive, estaria entre eles o líder estudantil Vladimir
Palmeira, presidente da UME.

Como análise final, podemos concluir aqui este trabalho servirá de grande valia para
aqueles que o consultar e se situe sobre o momento político-social dos anos de 1967-1968,
onde a União Nacional dos Estudantes teve um papel fundamental na luta contra a ditadura
militar nos anos deste período, unindo e liderando os diversos setores da sociedade brasileira
em favor da liberdade democrática e dos explorados e oprimidos do país.
39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Editora
Vozes, 1984.

CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia: A juventude em questão. 2ª edição. São
Paulo: Editora Senac, 2003.

DIRCEU, José & PALMEIRA, Vladimir. Abaixo a Ditadura: O movimento de 68 contado


por seus líderes. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, Garamond, 1998.

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.

Jornal A Folha de São Paulo. Banco de dados Folha. São Paulo: A Folha de São Paulo.

Jornal Correio da Manhã. Rio de Janeiro: Correio da Manhã.

Jornal da UEE-SP. Centro de Documentação e Memória (CEDEM). São Paulo: UNESP.


Agosto de 1968.

Jornal da UEE-SP. Centro de Documentação e Memória (CEDEM). São Paulo: UNESP.


Outubro de 1968.

MERLINO, Luiz Eduardo. Um triste congresso. Jornal Folha da Tarde. 14 de outubro de


1968.
Nota Oficial da UEE-SP. Centro de Documentação e Memória (CEDEM). São Paulo:
UNESP. Novembro de 1968.

NUNCA MAIS, Brasil. Um relato para a história. 10ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

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