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AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, professora Kátia Kenez, que, por ironia do destino,
foi aquela que me deu a primeira aula assim que me transferi para a Universidade Nove de
Julho, e, neste momento, encerra o curso como minha orientadora de TCC, deixando-me,
entre outros ensinamentos, o ensinamento que, antes de qualquer coisa, a mais importante de
todas são as pessoas.
Agradeço e desejo sucesso em sua nova jornada profissional ao recém saído, porém,
inesquecível ex-professor da Universidade Nove de Julho, pelo brilhantismo sistemático de
suas aulas, professor Fábio Franzini; ao professor Geraldo Alves por suas aulas com análises
sempre precisas; à professora Elaine Lourenço por mostrar que os saberes históricos podem –
como também devem – ser analisados pelos mais diversos ângulos e graus; ao professor Éber
por ser sempre extremamente esclarecedor, trazendo à luz as ligações conexas do passado
com o presente; ao professor José Lúcio por mostrar a importância do entrelaçamento das
relações afetivas e do domínio técnico de nossa disciplina na sala de aula para que o processo
de aprendizagem se faça de forma ampla e consolidada.
Por fim, agradeço o apoio de meus amigos-irmãos: os irmãos Joelma, Jomil, Joilma e
Jomar; aos grandes amigos: Alessandro, Fábio, George, Douglas e Daniel; ao apoio dos
amigos: Jonatas, Nay, Chiquinho, Nei, Fabiana, seu Chico e a dona Sirlene; agradeço
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também, mesmo que inicialmente não contando com o devido apoio, mas hoje com outra
perspectiva: minha mãe, dona Nereide e ao meu irmão, Carlos, por hoje compreenderem que
minha opção de ingressar à universidade foi estritamente motivada por representar minha
liberdade profissional e pessoal e, felizmente, hoje, posso dizer que a mesma foi assim
conquistada.
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RESUMO
Neste artigo analisaremos quais foram os vieses e as circunstâncias das quais a União
Nacional dos Estudantes (UNE) e o movimento estudantil percorreram até o desmantelamento
da 3ª fase do XXX Congresso Nacional da UNE no ano de 1968, e quais foram os caminhos
traçados pela entidade após a queda do congresso. Nesse congresso, que caminhava para a sua
terceira fase, os congressistas deveriam debater e definir quais as prioridades que deveriam
ser adotadas pelo movimento estudantil para a luta contra a ditadura vigente, além de,
também, definir uma nova diretoria, diretrizes políticas, e um programa norteador para a UNE
no vindouro ano de 1969.
Palavras chave: União Nacional dos Estudantes, Movimento Estudantil, XXX Congresso da
UNE, Ibiúna.
7
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................. 08
Conclusão................................................................................................................................. 37
Referências bibliográficas........................................................................................................ 39
8
INTRODUÇÃO
A UNE representou uma das poucas forças de resistência à repressão militar após a
promulgação do Ato Institucional Nº5, ato que dava plenos poderes ao presidente de fechar o
Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, cassar mandatos de
parlamentares, suspender por dez anos os direitos de qualquer cidadão, demitir funcionários
públicos e decretar estado de sítio. O ato suspendia também as garantias do poder Judiciário e
o habeas-corpus nos casos de crimes contra a segurança nacional.
No ano de 1965, a UNE convocaria uma greve com a adesão de mais de sete mil
alunos, que paralisara a Universidade de São Paulo (USP). Mais adiante, no ano 1966, no
XXVIII Congresso Nacional, em Belo Horizonte, a entidade elegeria um novo presidente, o
1
Criada em 11 de agosto de 1937, em meio ao 1º Congresso Nacional dos Estudantes, na Casa do Estudante do
Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, contando com o apoio do Centro acadêmico Cândido de Oliveira (CACO) da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi criada com o intuito de se tornar uma
entidade unificadora das lutas estudantis em escala nacional, tanto aquelas voltadas para questões específicas do
ensino, quanto as guiadas por motivações políticas explícitas: em defesa da democracia, em solidariedade às
lutas operarias, em favor dos Direitos Humanos, contra as ditaduras.
2
NUNCA MAIS, Brasil. Um relato para a história. 10ª ed. Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 132.
9
mineiro José Luís Moreira Guedes, exatamente no momento em que a entidade se contraporia
ao acordo do governo brasileiro entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United
States Agency for International Developement (USAID)3, que previa, entre outras medidas,
que as universidades brasileiras formassem técnicos em grande quantidade para as indústrias.
E é dentro deste contexto que a UNE surge denunciando os planos da reforma universitária
praticada pelo governo em conjunto com técnicos americanos (MEC-USAID), e explorando
cada aspecto negativo da política educacional do governo. Nesse trecho do Jornal da UEE-
SP, podemos observar, segundo a UNE, qual seria a política do governo contra o movimento
estudantil:
―O XXX Congresso teve nas duas primeiras fases os seus objetivos mais
importantes atingidos. Desde junho, em todo Brasil vem sendo discutidas as
teses do XXX Congresso.‖ (Nota Oficial da UEE-SP, novembro de 1968, p.
1).
3
O acordo que tinha por objetivo reformar o currículo, método do ensino universitário e transformar as
universidades em fundações. Nele estava prevista a transformação das universidades públicas em entidades
privadas e o afastamento dos estudantes das instancias administrativas.
4
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo, Cia. das Letras, 2002, pp. 322.
10
O Congresso que aconteceria num sítio do Bairro dos Alves, a uns vinte quilômetros
do centro de Ibiúna, interior do Estado de São Paulo, no dia 12 de outubro de 1968, mas
infelizmente para os integrantes da UNE, que se articulara ao longo daquele ano para esse
congresso, não ocorreu, sendo assim descoberto pelas forças repressivas e, consequentemente,
foram presas as principais lideranças da entidade e mais de 700 estudantes de todo o Brasil
que ali se reuniam.
No Brasil, isso não foi diferente, e o movimento estudantil lutou dentro um Brasil que
cada vez mais se afundava num profundo e transbordado poço de tensão, com uma ditadura
militar que cada vez mais arrochava seu autoritarismo no país. Diante dessas dificuldades, a
UNE via-se na tarefa de realizar um projeto que viabilizasse melhorias nas condições
estudantis e a retomada dos direitos democráticos no país. Para tanto, a UNE vinha discutindo
ao longo de duas fases anteriores quais seriam as prioridades que o movimento estudantil
deveria definir para prática do projeto no ano 1969, mas que por conta dos acontecimentos
ocorridos na terceira fase do congresso, que aconteceria na cidade de Ibiúna – invasão e
desmantelamento do congresso pela polícia –, a entidade precisaria reestruturar-se para dar
continuidade ao seu projeto para o vindouro ano de 1969, assim como podemos observar a
determinação da entidade neste trecho do Jornal da UEE – um periódico mensal destinado a
informar os estudantes a cerca do movimento estudantil:
―Nós refaremos nosso XXX Congresso que será o mais discutido e que terá
as posições políticas as mais claras e objetivas que as que tivemos até
agora.‖ (Jornal da UEE, novembro de 1968, p. 1).
Assim que tomou posse, Costa e Silva acenou com a possibilidade de trabalhar em
prol da volta da democracia, onde prometia "governar para o povo", "respeitar o Legislativo",
"multiplicar as oportunidades de educação" e "reatar os entendimentos com a classe
13
trabalhadora", porém, legitimado pela nova Constituição, Costa e Silva contrariou seu
discurso e imediatamente intensificou a repressão policial-militar contra todos os
movimentos, grupos e focos de oposição política – dentre esses grupos se encontrava a UNE e
o movimento estudantil. Em contrapartida, esses grupos oposicionistas responsabilizariam o
governo de Costa e Silva de ser o causador da instabilidade política que atravessara o país
naquele momento.
―Quando tomou posse em março de 1967, Delfim tratou sem perda de tempo
de injetar crédito na economia. (...). Em 1967, o crédito bancário ao setor
privado aumentou 57 por cento e a economia cresceu em 4,8 por cento
enquanto a inflação chegava apenas a 24 por cento.‖ (SKIDMORE, 1988,
p. 144).
5
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 144.
6
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 145, 146.
14
Com a supressão das liberdades políticas e civis no governo Costa e Silva, essas
medidas repressivas propiciaram uma aliança informal de vários setores da oposição, iniciada
em 1967 e transmudada em movimento de massas em 1968. Embora se organizassem
independentemente, os setores de oposição uniram-se nas grandes manifestações e passeatas
de protesto de 1967-1968.
―... Carlos Lacerda, ao constatar que, além da área parlamentar, não havia
uma oposição organizada capaz de se contrapor ao governo. Sua formação
foi cheia de obstáculos, pois exigia conciliar o que parecia inconciliável.
Lacerda que teve que ir a Lisboa fazer as pazes com Juscelino Kubistchek,
um inimigo de 15, e depois ir a Montevidéu fazer o mesmo com João
Goulart, desafeto de 20 anos. No dia 25 de setembro, finalmente, os três
7
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Vozes, 1984, pp. 115.
8
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Vozes, 1984, pp. 115.
9
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo, Cia. das Letras, 2002, pp. 279.
15
A repressão exercida pelo governo de Costa e Silva era tão grande, que até mesmo a
contradição de JK, Jango e Lacerda unirem-se, seria perfeitamente aceitável, como vemos na
observação de Elio Gaspari em A ditadura envergonhada o seguinte trecho:
Então, o governo vendo-se incomodado com a ameaça da nova aliança, não demorou
muito e as atividades da Frente Ampla logo seriam interrompidas com a Portaria 177, em que
o ministro da Justiça Gama e Silva baixara, proibindo qualquer atividade política da Frente
10
Com a mudança da capital do país para Brasília, o então Distrito Federal passou a se denominar Estado da
Guanabara, em 1960. A cidade do Rio de Janeiro ficava no Estado da Guanabara, separada do restante do Estado
do Rio de Janeiro, que tinha a cidade de Niterói como capital. A composição do Estado da Guanabara com o
Estado do Rio de Janeiro ocorreu em 1975, passando a ter a cidade do Rio de Janeiro como capital do Estado.
16
Não somente o abono não foi concedido aos trabalhadores de Contagem, como,
também, por decisão do ministro Passarinho em todo o Brasil.
Mas foi na cidade de Osasco, subúrbio industrial de São Paulo, que o governo Costa e
Silva viu eclodir a mais ameaçadora greve de seu governo. Mais uma vez os causadores do
alarde seriam os metalúrgicos, mas desta vez com exigências mais ambiciosas: 35 por cento
de aumento salarial, contrato de trabalho de dois anos e reajustes trimestrais. Essa greve foi
muito mais política do que a de contagem, visto que o presidente do sindicato de Osasco, José
Ibraim, não era somente um metalúrgico mas também era um universitário das fileiras dos
ativistas católicos.12 Dentro desses acontecimentos, podemos considerar três pontos
importantes; primeiro, porque o sindicato assumiu a responsabilidade da greve, coisa que não
ocorreu em Contagem; segundo, porque suas exigências e sua liderança eram explicitamente
contrárias ao governo; terceiro, porque o local era São Paulo, o coração industrial do Brasil.
Então, o governo se viu pressionado a tomar uma medida mesmo que fosse drástica, e
foi exatamente o que acabou acorrendo. No segundo dia de greve, o ministro do Trabalho,
Jarbas Passarinho, interveio no sindicato. O estudante, trabalhador e presidente do sindicato,
12
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 158.
18
sabendo o que viria pela frente, fugiu para não cair nas mãos das forças policial-militares que,
a mando do governo militar, ocuparam a área e prenderam trabalhadores em massa.
Acabando por não conquistar os estudantes e, pelo contrário, vendo-os cada vez mais
crescendo em seu movimento, o governo Castelo Branco pressionou com êxito o Congresso
Nacional para aprovar a lei Nº 4.464 de 9 de novembro de 1964 – logo apelidada de “Lei
Suplicy de Lacerda”, nome do então ministro da Educação e Cultura – lei que colocaria a
UNE e qualquer outra entidade estudantil na ilegalidade, criando uma nova estrutura de
associações estudantis proibidas de engajar-se em atividades políticas e criando o Diretório
Nacional dos Estudantes, órgão atrelado ao mandos do governo. Os estudantes mais ativistas
não aceitaram ser intimidados.
Com a repressão militar iniciada em 1964, que por si só seria suficiente para que o
movimento estudantil desacelerasse sua mobilização por algum tempo. Em fins de 1966,
13
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 151.
14
NUNCA MAIS, Brasil. relato para a história. 10. ed. Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 132.
19
Diante desse cenário de lenta, mas permanente retomada das atividades, a UNE se
reorganizara em torno do movimento estudantil para tomar as devidas medidas na luta contra
a ditadura. Em 1966, seguiram-se inúmeras manifestações em protesto ao ato do governo que
colocou a entidade na ilegalidade e a todas as suas filiais de todos os estados do país.16
Ainda em 1966, houve o primeiro ensaio daqueles que viriam a ser a sequencia das
maiores manifestações que o movimento estudantil desencadearia em um mesmo ano – o ano
de 1968. Em setembro de 1966, aconteceria uma sucessão de embates entre policiais e
estudantes e, por conta desse episódio, ficou então registrado como a “setembrada”, que trazia
15
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 151.
16
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 108.
17
NUNCA MAIS, Brasil. Um relato para a história. 10ª ed. Petrópolis, Vozes, 1985, pp. 132.
20
a tona uma mistura de reivindicações específicas da área do ensino, como a defesa da UNE
pelo ensino gratuito e pela autonomia universitária, desvinculada a órgãos norte-americanos.
Em 1967, no Estado de São Paulo, surgiram duas UEE’s – uma presidida por Catarina
Melloni da Ação Popular (AP) – organização de esquerda católica – e outra por José Dirceu –
Dissidência. Às vésperas do Congresso de Ibiúna existia o perigo real de surgir duas UNE’s.
O desacordo somente se definiu depois um congresso da entidade, assim como nos esclarece
José Dirceu em Abaixo a Ditadura: O movimento de 68 contado por seus líderes:
18
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 151, 152.
21
A importância desses grupos de oposição se fez sentir ao longo dos anos de 1967 e
1968, onde mais tarde se encontrariam unidos e levando a opinião pública, mais a frente, às
ruas protestarem a repressão havida. Nesse momento o movimento estudantil, sob a batuta
pela UNE, passaria a liderar as manifestações na luta contra a repressão militar.
23
A forma da qual Edson Luís morrera, contribuiria para que a indignação popular
reprimida explodisse, resultando em demonstrações de massa que assumiriam proporções de
verdadeira rebelião social. A notícia da morte de Edson Luís logo foi espalhada, e uma
pequena multidão em frente ao prédio da assembleia convocou a população a comparecer aos
funerais do dia seguinte.
A morte de Edson Luís mobilizou o resto da população a dar uma resposta, criando
assim um clima de pura tensão na cidade do Rio de Janeiro. As circunstâncias que levaram a
estúpida morte do estudante viraram objeto de ampla exposição da imprensa. A missa fúnebre
do estudante estava marcada para 4 de abril, na Igreja da Candelária. Ao deixarem a igreja,
foram violentamente agredidos pela polícia que estava montada do lado de fora e ao sair os
últimos fiéis, a cavalaria imprensou o povo contra o templo, onde mulheres, pessoas idosas e
crianças corriam para todos os lados.19
Em 25 de junho, o governo Costa e Silva veria o mundo cair sobre suas cabeças. Nessa
data aconteceria “o maior espetáculo do ano”, assim como descreveria Zuenir Ventura em
1968, o ano que não terminou, a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro.20
A passeata dos 100 mil, contaria com a participação de diversos setores da sociedade
civil. Ali estavam os mais diversos pontos de vista político, mas em comum a vontade da
volta das liberdades democráticas. Entre março e o final de junho de 1968, o centro do Rio de
Janeiro tornou-se cenário rotineiro de conflitos da polícia com estudantes.
19
Jornal do Brasil, 5 de abril de 1968, p. 2,3.
20
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 86.
21
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 75.
25
―Na verdade, o debate era mais sofisticado do que esse resumo. Discutia-se
um modelo de revolução, e como se chegar a ela. Pelo menos duas
concepções se chocavam. Uma entendia a revolução como ruptura violenta,
isto é, como uma explosão desencadeada por uma vanguarda que, ao ser
logo substituída pela classe operária, criaria uma sociedade nova e um
homem novo. (...).A outra posição, defendida pelo PCB, via a revolução não
como um objetivo imediato, e sim como um lento processo, que poderia até
culminar com uma ruptura, desde que o resultado da gradual organização
civil e da acumulação de forças. (VENTURA, 1988, p. 62).
Após a passeata dos 100 mil interceder a participação do processo de diálogo com o
regime, visando desmascará-lo, chegou a ser formada uma comissão de representantes da
“sociedade civil”, incluindo membros da Dissidência, que foi recebida pelo presidente Costa e
Silva. Foram ao encontro com o presidente os estudantes Franklin Martins e Marcos
Medeiros, o advogado Marcelo Alencar, o padre João Batista Ferreira, o psicanalista Hélio
Pelegrino e o professor José Américo Pessanha. Esse encontro não tinha a aprovação do grupo
de Travassos – presidente da UNE –, e os esperava com uma reunião de prestação de contas
do encontro.22
Outro jovem também morreria nas mãos da ditadura. Em São Paulo, o jovem
secundarista José Guimarães, 20 anos, seria atingido em um confronto que ficou conhecido
como a batalha da Maria Antonia, que envolveu estudantes da Faculdade de Filosofia da
USP e estudantes do Mackenzie. Esse acontecimento ocorreu a poucos dias antes da
realização do XXX Congresso Nacional da UNE. Os confrontos iniciaram-se no dia 2 de
outubro e durariam até o dia seguinte. A causa do conflito seria motivada por alguns alunos
do Mackenzie ter jogado ovos em alguns estudantes que estavam cobrando pedágio na rua
22
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 170.
26
Maria Antonia, fazendo finanças para o XXX Congresso Nacional da UNE. Quando caiu a
noite houve uma trégua, foi quando cada uma das forças discutiam em assembleias se era
conveniente continuar ou não a guerra. Na reunião da USP, os estudantes decidiram por não
continuar, pois não queriam lutar contra os alunos do Mackenzie, mas contra o Comando de
Caça aos Comunistas (CCC). Por outro lado, a direita queria guerra e expulsar o inimigo de
perto. Às 9 horas do dia seguinte a trégua foi desfeita, foi quando os alunos do Mackenzie
arrancaram algumas faixas que propunham a unidade: “Filosofia e Mackenzie contra a
23
ditadura.” O relato desses dois dias de conflito foi abordado no periódico do mês de
novembro da UEE-SP, como podemos observar na citação:
23
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 222,
223.
24
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 225,
226.
27
Não importa qual seja o nome que se dê ao surto estudantil de 1968, o que houve de
efetivo nele foi a instrumentalização daquilo que se chamou “guerra revolucionária”. O
mundo inteiro estava virado de cabeça para baixo com as manifestações estudantis. Para
Marighella e as outras organizações de esquerda que usavam a mesma expressão, ela
ambicionava expressar um salto de qualidade na luta ao regime. Havendo a “guerra
revolucionária”, a luta armada deixava de ser uma tese, tornando-se uma inevitabilidade. Para
os dirigentes militares, havendo “guerra revolucionária”, o regime constitucional deixava de
ser um acanhamento, tornando-se um estorvo.
Era um sábado chuvoso no dia 12 de outubro, mas era para ser um dia de sucesso para
o movimento estudantil naquele ano de tantos debates e discussões – que se arrastavam desde
junho –, e precediam a terceira fase do XXX Congresso Nacional da UNE.
Estava tudo preparado para a chegada dos estudantes congressistas ao sítio Murundu,
em Ibiúna. Durante toda a semana chegavam carros e caminhos com estudantes de várias as
partes do país à cidade de Ibiúna. A chegada dos estudantes à cidade se mostrava
extremamente dura, muitos foram transportados em situações precárias e havia poucos
recursos para a realização do Congresso. Dada a precariedade em que se realizaria aquele
congresso, os problemas não demoraram a surgir. Vários fatores contribuíram para as coisas
não fossem bem. Houveram inúmeros desmaios, muita fome e péssimas condições de
alojamento para dormir.25
25
MERLINO, Luiz Eduardo da Rocha. Sobre o XXX Congresso Nacional da UNE. Jornal da Tarde, 14 de
outubro de 1968.
29
Nessas discussões que ocorriam naquela noite que antecedia a catástrofe que viria logo
pela manhã do dia seguinte, Vladmir Palmeira, presidente da UME, trazia consigo a
preocupação de que no XXX Congresso não ocorresse as mesmas irregularidades havidas no
último Congresso ocorrido em Vinhedo (SP). Entre as irregularidades, ele apontou algumas
sobre as indicações dos delegados, como podemos notar no trecho:
Mas para a infelicidade da UNE, seu congresso não seria concluído, e logo pela
manhã, por volta das do dia 12 de outubro, a polícia chegaria e desmantelaria aquele que era
prometido como o maior congresso da história da entidade. Na noite anterior à queda do
congresso, os congressistas foram dormir tranquilos ao saber que a Comissão de Segurança do
congresso calculara que para se chegar ao local, a polícia levaria umas dez horas no mínimo.
27
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 249.
31
Foi quando, no meio da madrugada – segundo uma versão publicada na época – teria
desembarcado no sítio Murundu um emissário do Conjunto Residencial da Universidade de
São Paulo (CRUSP) com a informação de que a polícia já havia descoberto o local e chegaria
por volta das 18 horas de sábado, mas, como todos sabemos, não foi isso o que realmente
aconteceu. No meio da madrugada, houve inúmeras discussões para se saber qual seria a
melhor saída naquele momento, pois não seria possível todos evadirem-se da cidade, porém,
não houve nenhum acordo das partes.
―A situação era tensa, o risco enorme, mas a divisão era maior: a reunião
de emergência não chegou a um acordo. Havia uma proposta da direção
para que se tentasse salvar as lideranças, já que não haveria condições para
a retirada de mais de 50 pessoas.‖ (VENTURA, 1988, p. 248)
―Eles formavam uma imensa fila que se arrastava na lama, vigiada a cada
cinco metros pó um soldado de revólver ou metralhadora em posição de
tiro, como se o lamaçal não fosse por si só suficiente para impedir qualquer
fuga. (...). Quando, finalmente, chegam ao asfalto, os prisioneiros foram
embarcados em nove ônibus, cinco caminhões, um microônibus, duas Kombi
e uma Rural Willys. No fim da tarde, eram depositados em um galpão da
Cooperativa Agrícola de Cotia, em São Paulo. (VENTURA, 1988, p. 252,
253).
Junto aos estudantes, foram apreendidas varias armas e uma razoável quantidade de
caixas de pílulas anticoncepcionais, que mais tarde as forças policiais exibiriam como
verdadeiros troféus de guerra. Como se a pílula fosse uma espécie de preservativo de uso
imediato como a camisinha, a polícia acreditava que sua exibição provaria a opinião pública
que as mulheres congressistas foram com preparadas para debater questões que transcendiam
às questões estudantis.28 Assim, de forma melancólica para os estudantes congressistas, a
ditadura conseguira desmontar a terceira fase do congresso, prendendo mais 700 estudantes e
pondo um fim ao XXX Congresso da UNE que ali se realizava – e também ao sonho
estudantil.
Muito se fala sobre a forma como se organizou o XXX Congresso da UNE e quais
seriam os reais motivos de sua derrota. Alguns culpam o lavrador, Miguel Goes, que foi
28
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 35.
32
cobrar uma dívida de um saco de milho num sítio próximo, mas ao passar em frente ao sítio
Murundu, a segurança dos estudantes o prendeu e, assim que foi liberado, seguiu direto para a
delegacia de polícia. Outros falam que a culpa seria da própria organização, e que juntar quase
ou mais de mil estudantes – números que variam conforme a fonte – em um sítio, sem que
ninguém percebesse, seria um dar um tiro no próprio pé, e mesmo a invasão dos estudantes ao
comércio local teria chamado a atenção da polícia, assim como nos relata Zuenir Ventura em
1968, o ano que não terminou:
29
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 241.
33
oprimidos ao poder. Temos muito o que fazer pela frente. Mas para poder
fazer é preciso saber como. Nós não podemos recometer os mesmos erros
que nos reconduzam a novas derrotas.(...) Mas por que o local do
Congresso da UNE foi localizado com facilidade? Muitos colegas
descarregam a responsabilidade na Comissão Organizadora. Outros dizem
que os culpados foram os próprios delegados, que não cumpriram as
instruções da Comissão Organizadora.‖ (Jornal da UEE-SP, novembro
1968, p. 1)
Após a queda do XXX Congresso Nacional, a UNE teve juntar os poucos pedaços do
que restara e reorganizar seu congresso. O acontecimento deixara o Movimento Estudantil
abalado e desarticulado naquele momento, então era preciso rapidamente tomar decisões que
levassem a entidade para um direcionamento que retomasse o XXX Congresso.
A própria entidade admitiria que seu congresso, nas condições das quais a repressão
estava pressionando e aniquilando por todos os lados qualquer foco de manifestação,
dificilmente não seria descoberto e desarticulado, assim como podemos observar num trecho
do Jornal da UEE-SP:
As dificuldades para a rearticulação eram muitas, pois a UNE já não tinha seus líderes
mais experientes no comando – todos estavam presos –, então a única coisa a fazer era levar a
preparação do XXX Congresso adiante, mesmo com os integrantes inexperientes que ali
estavam. Então, entidade via a necessidade de tomar medidas que logo viabilizassem a
terceira fase do congresso que fora interrompida com a invasão da polícia em Ibiúna.
Desta forma, o projeto foi levado adiante, mas havia ainda a pendência quanto a forma
da realização da terceira fase, então, mesmo com a UEE-SP se posicionando contrária, houve
a realização de um Conselho Nacional, onde foi decidido que a terceira fase do XXX
Congresso Nacional não ocorreria em um novo congresso, mas sim em reuniões
descentralizadas por estados, e que deveria ser realizado ainda naquele. Nelas se aprovariam
as teses e se indicariam os nomes para a nova diretoria.
a UNE e eleita uma nova diretoria, em chapas votadas nos estados por
todos os delegados eleitos para a 3º fase. Foram derrotas as posições que
previam um encontro nacional dos 800 delegados (5 votos) e eleições
diretas (1 voto). (Nota Oficial da UEE-SP, novembro de 1968, p. 1,2).
―Houve apenas uma grande passeata, logo depois de Ibiúna, para protestar
contra as prisões. (...). A polícia chegou atirando e matou um estudante.
Dias depois ocorreu outro grande confronto, na faculdade de Ciências
Médicas, e mais um estudante foi assassinado. Tinha virado rotina. A única
forma possível de ir para as ruas era com os grupos organizados: na hora
marcada, juntavam-se vinte ou trinta pessoas num determinado ponto da
cidade, faziam um comício e saíam rápido. Mas até isso já era muito barra
pesada para a situação do país‖. (DIRCEU & PALMEIRA, 1998, p. 163).
Todos os acontecimentos havidos durante todo o ano de 1968, já bastariam para ficar
na memória de qualquer um que o viveu e ser lembrados por longos anos ou até mesmo pela
vida inteira, mas como não se bastasse tudo aquilo, o pior ainda estaria por vir em dezembro.
No dia 13 de dezembro o governo baixaria o Ato Institucional mais cruel todos entre todos os
anteriores já baixados, o AI-5, que, assim resumido, atribuía ao executivo os seguintes
poderes: poder de fechar o Congresso Nacional e as assembleias estaduais e municipais;
direito cassar os mandatos eleitorais de membros dos poderes Legislativo e Executivo nos
níveis federal/estadual e municipal; direito de suspender por dez anos os direitos políticos dos
cidadãos; direito de demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade funcionários das
burocracias federal, estadual e municipal; poder decretar estado de sítio sem qualquer dos
impedimentos fixados pela constituição de 1967; direito de confiscar bens como punição por
corrupção; suspensão da garantia de habeas corpus em todos os casos de crimes contra a
Segurança Nacional; julgamento de crimes políticos por tribunais militares; direito de legislar
por decreto e baixar outros atos institucionais ou complementares; e, finalmente, a proibição
de apreciação pelo Judiciário de recursos impetrados por pessoas acusadas em nome do Ato
Institucional nº5. Os réus julgados por tribunais militares não teriam direito a recursos.30
Diante a promulgação do AI-5, todos ficaram perplexos, não sabendo o que fazer e
dizer. Assim, o governo Costa e Silva havia colocado em prática aquilo que a linha-dura do
30
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, Vozes, 1984, pp. 131.
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regime já vinha pressionando o governo tomar como medida há algum tempo, mas que
somente agora se tornaria realidade uma das mais temíveis medidas da ditadura militar.
Foi aí, então, que o governo passou a endurecer cada vez mais contra qualquer ato que
fosse julgado como “subversivo”, e o que ocorreu dali adiante foram tão somente
barbaridades da repressão contra qualquer atitude subversiva, onde seguiu-se um período de
silêncio, medo, confusão e desânimo. Os militares efetivamente se valeram do espaço de que
dispunham para implantar um formidável aparato de repressão e institucionalizar a estratégia
de controle pelo terror.31
Em 1969, Jean Marc van der Weid foi eleito através de conselhos estaduais de
estudantes, onde foi eleito por uma margem de 7 votos, num colégio eleitoral de 800
estudantes. Os resultados das plenárias estaduais foram homologados num novo Conselho
Nacional, ocorrido no Rio de Janeiro em abril de 1969.32
31
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, Vozes, 1984, pp.137.
32
VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1988, pp. 254.
37
CONCLUSÃO
Contudo, em nenhum momento a UNE desistiu dos seus projetos de eleger uma nova
diretoria e formular e uma diretriz política para a próxima gestão que viria em 1969. Para
tanto, foram debatidos nos diretórios de todo o país quais medidas deveriam ser tomadas dali
adiante. Assim, ficou decidido que a entidade daria continuidade a terceira fase, porém, não
mais em um congresso, mas em reuniões estaduais que deveriam ser realizadas ainda naquele
ano, mesmo não contado mais com suas principais lideranças que encontravam-se presas.
38
Ainda no final de 1968, a UNE representou uma das poucas forças de resistência à
ditadura militar após promulgação do Ato Institucional nº5, manifestando-se por passeatas e
comícios pelas ruas brasileiras e, mesmo com o AI-5, sempre reforçou a ideia de que a luta
jamais deveria cessar, assim como eles próprios diziam em sua Nota Oficial (1968: 2), “O
Congresso continua – A UNE somos nós”; “A repressão não impedirá nossa organização”;
“exigimos a soltura dos presos políticos”. Mas infelizmente para o movimento estudantil o
AI-5 representou um forte golpe em sua estrutura, ficando encurralado contra a parede da
repressão militar. Muitos dos estudantes vendo-se pressionados pela ditadura, não viram outra
saída senão pegar em armas e partir para os movimentos dos grupos armados, assim como
aquele que sequestraria o embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, exigindo a
libertação de presos políticos que, inclusive, estaria entre eles o líder estudantil Vladimir
Palmeira, presidente da UME.
Como análise final, podemos concluir aqui este trabalho servirá de grande valia para
aqueles que o consultar e se situe sobre o momento político-social dos anos de 1967-1968,
onde a União Nacional dos Estudantes teve um papel fundamental na luta contra a ditadura
militar nos anos deste período, unindo e liderando os diversos setores da sociedade brasileira
em favor da liberdade democrática e dos explorados e oprimidos do país.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Editora
Vozes, 1984.
CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia: A juventude em questão. 2ª edição. São
Paulo: Editora Senac, 2003.
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
Jornal A Folha de São Paulo. Banco de dados Folha. São Paulo: A Folha de São Paulo.
NUNCA MAIS, Brasil. Um relato para a história. 10ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.