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Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010.

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DIREITO E Resumo:
Neste trabalho, analisar-se-á a
RETÓRICA NA questão do direito e de suas relações
CONSTRUÇÃO DO com a retórica na construção do
ORDENAMENTO ordenamento jurídico da União
Soviética a partir da análise do texto
JURÍDICO DA de Andrej Vysinskij, intitulado Pro-
UNIÃO SOVIÉTICA A blemi del diritto e dello Stato in Marx. O
pensamento jurídico de Vysinskij
PARTIR DA ANÁLISE revestiu-se de construções retóricas
DO TEXTO DE próprias, voltadas não só para a
ANDREJ VYSINSKIJ persuasão a partir do senso comum,
como também para a busca do con-
INTITULADO PRO- senso. Vysinskij reinterpreta a base
BLEMI DEL jurídica do pensamento de Marx,
direcionando-a, por meio de técnicas
DIRITTO E DELLO persuasivas, com fins eminentemen-
STATO IN MARX te político-sociais e jurídicos, para a
LAW AND RHETORIC IN legitimação de um direito do tipo
CONSTRUCTION LAW OF proletário e de uma teoria marxista
do direito. Neste sentido, o pensa-
SOVIET UNION FROM mento jurídico de Vysinskij foi um
THE ANALYSIS OF THE desenvolvimento das concepções
TEXT ANDREJ VYSINSKIJ jurídicas incipientes de Marx, Engels
UNTITLED PROBLEMI e Lênin, reinterpretadas à luz dos
DEL DIRITTO E DELLO condicionantes históricos e materiais
da União Soviética. Assim sendo,
STATO IN MARX mediante a releitura da retórica aris-
totélica pelas formulações de João
Fernando Joaquim Ferreira Maia1 Maurício Adeodato, sustentar-se-á
que Vysinskij construiu estratégias
persuasivas próprias, à base do em-
prego de metáforas e de argumentos
1 Professor Assistente da Universi- de autoridade, diferenciando-se dos
dade Federal Rural de Pernambuco; demais teóricos de sua época. Por
Mestre e Doutorando em Direito fim, objetiva-se compreender como
pela UFPE; Especialista em Direito Vysinskij concebe a sua retórica,
Processual Civil pela UFPE; mem- bem como quais as estratégias de
bro do grupo de pesquisa em Retó- persuasão ele vai adotar para fazer
rica e Filosofia da Pós-Graduação prevalecer as suas teses.
em Direito da UFPE.
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Palavras-chave: Vysinskij. Retórica. Di- 1. UM NOVO ENFOQUE


reito
SOBRE A TEORIA
Abstract: MARXISTA DO DIREITO:
This paper is on the study which will A DESCONSTRUÇÃO
analyze Law and its relationship with the DOS SEUS
rhetoric in the construction of juridical
ordainment in the Soviet Union, taking
ARGUMENTOS A
into account the analysis of a text written PARTIR DE UMA
by Andrej Vysinskij, entitled Problemi del ABORDAGEM JURÍDICA
diritto e dello Stato in Marx. Vysinskij´s E RETÓRICA
juridical thought was composed by its own
rhetoric constructions, in order to be not
only persuasive from a common sense but Neste trabalho, analisar-
also searching for a consensus. Vysinskij se-á a questão do direito e de
reinterprets the juridical basis of Marx´s suas relações com a retórica na
thought, directing it via persuasive tech- construção do ordenamento
niques in order to legitimate the proletarian jurídico da União Soviética a
Law and a Marxist theory of Law, with
social political and juridical aims. Then,
partir da análise do texto de
Vysinskij´s juridical thought was consid- Andrej Vysinskij, intitulado
ered a development of juridical conceptions Problemi del diritto e dello Stato in
which were incipient to Marx, Engels and Marx. Aqui, utiliza-se a versão
Lenin, all reinterpreted according to the traduzida em italiano por Um-
conditions of historical and material
aspects of Soviet Union. Though, it will be berto Cerroni (VYSINSKIJ,
considered that Vysinskij, by rereading the 1964, pp. 239-297). Ademais,
Aristotelian rhetoric via João Maurício o nome do autor, pela tradu-
Adeodato´s formulations, built up his own ção italiana, aparece como
persuasive strategies, by using metaphors Andrej Jamrjevich Vysinskij
and argument of authority, differentiating
himself from other theorist from his time.
Last, we aim to understand how Vysinskij ск ).
conceived his rhetoric, as well as which O pensamento jurídico de
persuasive strategies he will adopt in order Vysinskij revestiu-se de origi-
to make his theses prevail.
nalidade, com construções
Keywords: Vysinskij. Rhetoric. Law retóricas próprias, voltadas
não só para a persuasão a par-
tir do senso comum, como
também para a busca do con-
senso. Vysinskij reinterpreta a
base jurídica do pensamento
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de Marx, direcionando-a por Vysinskij concebe a sua


meio de técnicas persuasivas retórica, bem como quais as
com fins eminentemente polí- estratégias de persuasão ele vai
tico-sociais e jurídicos, para a adotar para fazer prevalecer as
legitimação de um direito do suas teses, a partir das
tipo proletário e de uma teoria exigências da afirmação da
marxista do direito. ordem jurídica socialista.
Neste sentido, o pensa-
mento jurídico de Vysinskij 2. A RETÓRICA
foi, de certo modo, um desen- METÓDICA A PARTIR
volvimento das concepções DAS FORMULAÇÕES DE
jurídicas incipientes de Marx, JOÃO MAURÍCIO
Engels e Lênin, reinterpreta- ADEODATO
das à luz dos condicionantes
históricos e materiais da União 2.1. A perspectiva retó-
Soviética. rica em Aristóteles como
Assim sendo, nestas li- núcleo da retórica metódica
nhas, tentar-se-á oferecer ao de Adeodato
leitor um outro prisma sobre a
problemática do direito no Em Aristóteles (1998, pp.
marxismo, sustentando que 46-47), a retórica é voltada
Vysinskij, na obra a ser exa- para a descoberta da capacida-
minada, quanto à retórica e de de persuasão de dado ar-
argumentação no direito, atra- gumento ou assunto que cada
vés de uma releitura da retóri- caso comporta (GARCIA,
ca aristotélica pelas formula- 1995, pp. 421, 423). Eis a con-
ções de João Maurício Adeo- cepção de retórica para Aristó-
dato, construiu estratégias teles.
persuasivas próprias, à base do Desta forma, a retórica a-
emprego de metáforas e de ristotélica objetivava a persua-
argumentos de autoridade, são, tratando teses opostas
diferenciando-se dos demais para descobrir o verossímel,
teóricos de sua época. dialeticamente. Daí que Aris-
Por fim, o fulcro deste tóteles vai se ocupar também
trabalho objetiva auxiliar na do estudo dos argumentos
compreensão de como contrários. O objetivo é des-
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construí-los e possibilitar a ca realidade possível com a


persuasão em relação aos ar- qual o homem é capaz de li-
gumentos do orador, dando dar. Assim, na argumentação,
fluxo à argumentação. quando muito, pode-se con-
Aristóteles procurou ceber apenas verdades relati-
construir uma teoria retórica va “ a piniõ ” n
que partisse de opiniões pro- dizer de Adeodato.
váveis. Neste sentido, Aristó- Desta forma, a retórica
teles (1998, pp. 46-47) consi- não pode ser tratada como
dera que é mais fácil persuadir mero ornamento ou estratégia
pela verossimilhança, pois o de persuasão, pois ela vai além
homem tem uma tendência dessas funções, servindo tam-
natural a aceitar coisas prová- bém como instrumento de
veis. Assim, a verossimilhança ação do homem na realidade
poderia ser facilmente utiliza- em que vive (ADEODATO,
da com objetivos retóricos. 2009, pp. 18-19). De certo,
Sobre isto, vale ressaltar esta formulação, para Adeoda-
que Adeodato, citando Hans to, empresta caráter sofístico à
Blumenberg, considera que a retórica, visto que a sofística
linguagem é o único acordo era direcionada para a persua-
possível entre os homens. Daí são (HADOT, 2004, pp. 31-
que o método retórico se a- 33). O fato é que nas socieda-
proveita disto e concebe a des marcadas pela divisão do
verdade como uma ilusão. trabalho e da produção, estas
Esse ajuste da linguagem com gerando as classes sociais e
a verdade é a racionalidade. contradições na produção de
De fato, o sistema retórico riquezas, opondo objetiva-
defendido por Adeodato mente os interesses dessas
(2009, pp. 16, 17), com base classes entre si, o desenvolvi-
nas idéias de Ballweg, Blu- mento da luta social vai exigir
menberg e Aristóteles, parte cada vez mais o domínio da
da idéia de que o ser humano palavra e da escrita com obje-
é um ser deficiente/carente, tivos persuasórios, o que só a
sendo incapaz de perceber retórica poderá proporcionar.
quaisquer verdades absolutas, Aqui, o conteúdo do discurso
mesmo com a linguagem, úni- não é um fim em si mesmo, só
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interessando à retórica porque 2001, p. 18). Para Aristóteles,


é útil à persuasão do auditório, o que vai distinguir a retórica
sendo suficiente que o retor da ciência é justamente o fato
tenha propriedade do discurso de a retórica raciocinar a partir
(CICERÓN, 1943, pp. 22, 81, do provável e não do que é
83, 106). demonstrável.
Aristóteles vai tentar, Aristóteles entende que a
também, legitimar a retórica retórica se comporta como
apresentando-a como poder uma metodologia da persua-
de defesa. Aqui, Aristóteles, são, analisando e determinan-
aproximando a retórica da do os procedimentos de con-
dialética, vai sustentar que será vencimento, bem como as
preciso que o orador defenda estruturas de persuasão pelo
tão bem as posições contrárias discurso (REALE, 1994a, p.
quanto às favoráveis (RE- 472) (HERNÁNDEZ; GAR-
BOUL, 2000, pp. 23, 25). CIA, 2008). Assim, a base do
Outrossim, Aristóteles, estudo da retórica vai residir
apesar de admitir a existência na opinião geral, provável, dos
de uma ciência homens e no ambiente das
(HERNÁNDEZ; GARCIA, atividades destes. Deste modo,
2008), vai entender que a de- o discurso deve partir de no-
monstração científica não ções comuns para se ajustar
engloba toda a retórica, pois com o auditório. É por isto
existem certos conhecimentos que Aristóteles (1998, pp. 49-
que não podem ser explicados, 50) vai defender que o discur-
ou ter suas hipóteses selecio- so se articula com o logos, o
nadas, e resolvidos seus pro- pathos e o ethos, possibilitando
blemas por intermédio da três formas de persuasão, a
ciência. Esses tipos de conhe- saber: o caráter do orador; a
cimentos, tomando o direito paixão (emoções e sentimen-
como exemplo, só podem ser tos passados ao auditório); o
compreendidos através do próprio discurso articulado
verossímel. Daí a necessidade racionalmente. Na primeira, se
da utilização de noções co- impõe o ethos, a reputação
muns, topoi, acessíveis a toda a ética do orador frente ao ou-
população (ARISTÓTELES, vinte. Na segunda, revela-se o
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pathos, busca-se atingir o sen- gística (premissa maior, pre-


timento do auditório, objeti- missa menor e conclusão) é
vando comovê-lo para os ar- incompleta, pela qual uma das
gumentos do orador. Já na premissas ou a conclusão está
terceira, aparece o logos, quan- implícita no argumento, omi-
do o discurso é persuasivo, tida, sendo verossímel
pois é direcionado para o ve- (SOBOTA, 1995, pp. 261-
rossímel. 262) (ARISTÓTELES, 1998,
Nesta ótica, o fato é que, pp. 153-154). A premissa no
na retórica, a persuasão logóti- entimema é provável e ele é
ca é deduzida de argumentos dedutivo, pois, embora a pre-
silogísticos. Por silogismo missa entimemática esteja
deve-se entender aquele ar- sujeita a confirmação futura, o
gumento que se expressa em argumento não pode levar, de
três proposições fundamen- premissas verdadeiras, a con-
tais, sendo uma maior, uma clusões falsas.
menor e a outra como conclu- Conforme Adeodato
siva, esta última deduzida das (2006, p. 302), a tarefa da aná-
anteriores (BERISTAIN, lise retórica é justamente en-
1995, p. 269). contrar e construir entimemas.
Entretanto, Aristóteles Neste sentido, a tópica se ba-
(1998, p. 153) pensa o silogis- searia em argumentos de se-
mo do ponto de vista das rela- gunda ordem que podem ser
ções humanas. Neste sentido, deslocados e aplicados a dife-
ele vai desenvolver uma vari- rentes lugares, tais como opo-
ante de silogismo dotada de sições e comparações. Pode-se
grande carga persuasiva, que é citar exemplos desses tipos de
o entimema. O entimema é o argumento: cumprir a palavra
tipo de silogismo retórico em dada, defender a pátria etc. De
que a conclusão não decorre certo, esta concepção está em
necessariamente de sua pre- consonância com o pensa-
missa (ADEODATO, 2006, mento fundamental de Aristó-
pp. 297, 302) (ARISTÓTE- teles, pelo qual o método retó-
LES, 1998, pp. 153-155). A rico se interessa pela revelação
principal característica do en- de argumentos e provas com
timema é que a estrutura silo- os quais se demonstra a ques-
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tão controvertida (SKINNER, trumento de intervenção hu-


1999, pp. 161-162, 169). mana na sociedade, tendo por
Ressalte-se que, para ambiente o da deliberação
Adeodato (2006, pp. 293-294), verossímel. De certo, Aristóte-
a decisão judicial é entimemá- les (1998, pp. 43-45) coloca a
tica, pois muitas normas em- retórica como técnica de dis-
pregadas na decisão são utili- curso, ensinada metodicamen-
zadas de forma oculta, implici- te, voltada para a persuasão.
tamente, sobretudo em países Ademais, a retórica tem a pro-
com elevado acirramento de priedade de identificar o ilusó-
contradições sociais, de forma rio, distinguindo o que é per-
indeterminada. Neste sentido, suasivo e o que não é persua-
estudar o entimema pode aju- sivo.
dar a compreender aqueles Igualmente, Aristóteles,
casos em que o juiz forma a considerando o aspecto for-
decisão para só depois buscar mal da retórica, diferencia os
premissas que a fundamen- argumentos persuasivos não-
tem. técnicos dos argumentos téc-
Realizada essas observa- nicos. Os primeiros são dados
ções sobre o entimema, en- ao homem de imediato, não
tende-se que, segundo Aristó- precisando este ir buscá-los. Já
teles, a retórica se presta fun- os segundos, são específicos
damentalmente como técnica da retórica, sendo de três es-
de defesa, permitindo a com- pécies: a) aqueles que se refe-
preensão da argumentação rem ao ethos do retor, dando-
adversária para refutá-la (RE- lhe credibilidade frente ao
BOUL, 2000, p. 23). Sempre auditório, passando a impres-
que houver apenas o contradi- são de autenticidade sobre
tório utilizar-se-á a retórica. aquilo de que se fala; b) aque-
Esse valor positivo que Aris- les que se referem ao pathos, ao
tóteles empresta à retórica ânimo do auditório a deixar-se
deriva do fato de a retórica ser convencer, movendo-o a e-
considerada por este filósofo moções; c) aqueles que se re-
como um serviço, definindo o ferem ao logos, à validez e efi-
útil e o nocivo, o injusto e o cácia da argumentação, reve-
justo etc. Assim, ela é um ins-
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lando a verossimilhança da O interesse pela retórica é


persuasão do argumento. retomado no direito ocidental,
Deste modo, Aristóteles a partir da segunda metade do
sustenta que o retor deve ter século XX, com o desenvol-
sabedoria, honestidade e be- vimento da perspectiva lin-
nevolência. Será na ética que o güística no direito, sobretudo
retor buscará estes valores. a pragmática.
Em relação ao pathos, Aristóte- De fato, no século XX, a
les defende que o retor deve retórica vai ser marcada pelo
utilizar o conhecimento da avanço teórico do paradigma
alma humana para persuadir o da linguagem. Aqui, o sentido
ouvinte. Já em relação ao logos, da persuasão, para além dos
Aristóteles refere-se aos ar- objetivos estratégicos do sujei-
gumentos lógicos, sendo estes to-retor, participante ativo do
os mais técnicos, conjugando discurso, depende da interação
a retórica com a dialética entre orador e auditório, en-
(REALE, 1994b, pp. 474-475). quanto posições flexíveis e
Por fim, pode-se afirmar relacionadas. Isto também vai
que, sob o aspecto formal, a ser crucial à idéia de razão
retórica aristotélica apresenta (MAGALHÃES; SOUSA,
analogia com a lógica e com a 2008). E a “ nda tó ica”
dialética. Já sob o aspecto do vai adquirir pretensões descri-
conteúdo (sua esfera de apli- tivas, indutivas e científicas, se
cação), tal retórica assemelha- irradiando na filosofia, lógica,
se à ética, à política e à psico- hermenêutica, lingüística, ética
logia, no sentido em que a e direito (HERNÁNDEZ;
atividade de persuasão é exer- GARCIA, 2008).
cida em locais onde se encon- É neste contexto que o
tra o auditório. jurista João Maurício Adeoda-
to (2009, pp. 20, 32, 40, 43,
2.2. Os três níveis da retóri- 45), partindo da contribuição
ca propostos por João Mau- de Otomar Ballweg, esta con-
rício Adeodato: a retórica cebendo a retórica em três
como método, como meto- acepções principais, a retórica
dologia e como metódica material, a retórica estratégica
e a retórica analítica, vai expor
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suas idéias, construindo três sociais, como a moral, a reli-


níveis para a retórica, respecti- gião e o direito, de forma con-
vamente a esta classificação: a creta (BALLWEG, 1991, pp.
retórica dos métodos, a retóri- 176-177). Neste sentido, Ade-
ca da metodologia e a retórica odato (2009, pp. 34, 35) de-
metódica. fende que qualquer comunica-
A retórica dos métodos é ção intersubjetiva ou intrasub-
a maneira pela qual os seres jetiva é retórica. Aqui, pode-se
humanos efetivamente se co- dizer que até mesmo uma
municam, suas artes e técnicas postura contra-retórica não
sobre como conduzir-se dian- deixa de revelar nítido verniz
te dos demais, construindo o retórico, pois se ela se dá no
próprio ambiente em que a- ambiente da linguagem, se
contece a comunicação. Desta relaciona com a realidade
forma, a retórica dos métodos (BLUMENBERG, 1999, p.
integra a antropologia huma- 140). Assim, segundo Adeoda-
na, envolvendo diretamente as to (2009, p. 34) nada existe
relações do homem em co- fora da linguagem; mesmo a
municação (ADEODATO, linguagem do pensamento é
2009, pp. 32, 35, 36). retórica.
Assim, a retórica dos mé- Desta forma, consideran-
todos envolve a própria lin- do que a argumentação enti-
guagem, no sentido de que o memática, ao se basear em
homem, ao intervir no conví- juízos prováveis, associa a
vio social em que está inseri- retórica com expectativas
do, mediante interações, está (BLUMENBERG, 1999, p.
sempre praticando variadas 136), pode-se dizer que a retó-
funções vitais da vida social, o rica dos métodos parte do
que as ordens, orientações, controle público da lingua-
vínculos, regulações e posi- gem, conduzindo, justamente
ções desenvolvidas constituem por conta das expectativas
exemplo. Assim, pode-se dizer (que podem vir a se realizar ou
que a retórica dos métodos não), aos consensos temporá-
cria a realidade que o homem rios e condicionais (ADEO-
experimenta, permitindo que DATO, 2009, p. 35).
este vivencie os subsistemas
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De fato, a racionalidade Essas fórmulas são compostas


estrutura-se pela retórica, ou principalmente pela tópica,
seja, o raciocínio opera com pela teoria da argumentação,
discursos persuasivos para si e pela teoria das figuras e pela
para os outros. Esta conclusão lingüística (BALLWEG, 1991,
é retirada de Aristóteles (1978, p. 178). Deste modo, a retóri-
p. 5) q a afi a q “ ca metodológica funciona
raciocínio é um argumento em como uma tecnologia com-
que, estabelecidas certas coi- posta de observações, experi-
sas, outras coisas se deduzem ências e reflexões sobre o am-
necessariamente das primei- biente da retórica dos méto-
a ” tab l c a id ntida- dos, direcionadas à persuasão
de entre racionalidade, lingua- sobre determinados objetivos
gem e retórica. É por isto que escolhidos pelo sujeito-retor
Adeodato entende que a retó- (ADEODATO, 2009, pp. 32-
rica dos métodos é desenvol- 38).
vida na linguagem, correspon- Neste sentido, a retórica
dendo propriamente a um metodológica direciona-se
método composto por discur- para a praxis, esta materializa-
sos retoricamente articulados da na relação do ethos do ora-
na intervenção do homem no dor com o logos do discurso e
contexto em que está inserido. com o pathos do auditório. De
Em relação à retórica da fato, a credibilidade do orador
metodologia ou retórica me- reforça a plausibilidade da
todológica, esta envolve aque- argumentação e as emoções
le conjunto de regras constru- incitadas no auditório
ídas a partir da observação da (BALLWEG, 1991, p. 179).
retórica dos métodos, tendo Já no que diz respeito à
por objetivo alterar a realida- retórica metódica, esta estuda
de, possibilitando que o sujei- a relação entre como se pro-
to-retor atinja seus objetivos cessa a linguagem humana e
(ADEODATO, 2009, p. 37). como o homem acumula ex-
Assim, a retórica metodo- periências e desenvolve estra-
lógica se projeta sobre a retó- tégias de modo eficiente
rica dos métodos, verificando (ADEODATO, 2009, p. 38).
fórmulas para a persuasão.
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A retórica metódica não sentido, analítico, que se diz


impõe ao sujeito-retor a obri- que a retórica se apresenta
gatoriedade de estabelecer como uma metalinguagem,
normas, de decidir, de funda- um discurso sobre o discurso.
mentar e de interpretar. Na Outrossim, seguindo a
verdade, está submetida a ou- classificação posta por
tras exigências, sendo algumas Ballweg, Adeodato vai traba-
formais, como a obediência lhar três espécies de retórica
aos enunciados formais; ou- metódica: a retórica holotática,
tras de ordem zetética, como a a retórica semiótica e a retóri-
possibilidade de confirmação ca fronética.
empírica desses enunciados; Entenda-se a retórica ho-
também a complementação lotática como aquela que des-
com outros princípios lógicos; constrói sistemas lingüísticos,
a indução dos seus resultados considerando como também
(BALLWEG, 1991, p. 179). retóricos os objetos e valores
Desta forma, segundo extralingüísticos, a natureza, o
Adeodato (2009, p. 39), a retó- conceito e a síntese (ADEO-
rica metódica tem caráter DATO, 2009, p. 41). Seguindo
formal, descritivo e zetético, esta linha, a retórica holotática
dando igual atenção aos se- busca agrupar em unidades
guintes elementos no sistema organizadas de forma harmô-
lingüístico: signo, objeto e nica o signo, o objeto e o su-
sujeito. A retórica metódica jeito-retor. Aqui, considerando
analisa a relação entre a retóri- cada elemento desse, a retórica
ca dos métodos e as retóricas metódica holotática poderá ser
metodológicas para também axiotática (se se ocupa do sig-
exercer o controle sobre estas. no), ontotática (se se ocupa do
Assim, a retórica metódica objeto) e teleotática (se se
acaba por servir como uma ocupa do sujeito).
meta-teoria que se ocupa tanto Por sua vez, a retórica
da aplicação das estratégias de metódica semiótica coloca a
persuasão sobre o ambiente linguagem e seus signos como
comunicativo humano, como elemento irredutível do co-
do próprio conhecimento nhecimento.
obtido pelo homem. É neste
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Em relação à retórica me- fronética ergôntica vai influir


tódica fronética, esta enfatiza na retórica metódica fronética
os próprios sujeitos-retores agôntica, pois qualquer tipo de
que participam da interação, bem atrai o interesse, a pre-
constituindo a atitude retórica tensão e a expectativa do ho-
propriamente dita (ADEO- mem.
DATO, 2009, pp. 41-42). Em relação à retórica me-
Igualmente, a retórica metódi- tódica pitanêutica, esta baseia-
ca fronética comporta três se na escolha que o sujeito-
espécies: a agôntica, a ergônti- retor faz dos sinais da lingua-
ca e a pitanêutica, todas to- gem. Ela procura explicar co-
mando por base, respectiva- mo surge a capacidade da de-
mente, o sujeito, o objeto e o finição, pela qual os sistemas
signo. Assim, a retórica metó- lingüísticos são constituídos
dica fronética agôntica consti- e/ou destruídos.
tui a dimensão que observa Pelo exposto, a retórica
como os sujeitos-retores se metódica vai além das retóri-
interrelacionam, constituindo cas metodológica e dos méto-
padrões e maneiras de agir. dos, permitindo maior contro-
Ela se concentra na conduta le da linguagem, legitimando,
do sujeito. Dessa forma, quan- desse modo, as regras da con-
to ao direito, sua temática gira vivência humana, testando o
em torno, por exemplo, da acordo frente as regras do
definição da figura do sujeito jogo e servindo de suporte à
de direito, o que significa a- aceitação de decisões. Desta
nencéfalo ou associação de forma, a retórica metódica não
classe etc. Já a retórica metó- se limita ao consenso, pois ela
dica fronética ergôntica vai se admite a categoria sujei-
ocupar da relação entre sujeito to/objeto e as contradições
e objeto, considerando as de- decorrentes disto nas relações
finições que regulam a propri- humanas, limitando-se apenas
edade, a posse, a detenção e ao registro e análise dessas
demais relações do homem relações.
com os bens e as coisas. Se-
gundo Adeodato (2009, pp.
42-43), a retórica metódica
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3. O AMBIENTE tras camadas sociais não prole-


RETÓRICO EM QUE tárias, era imperioso que o
VYSINSKIJ ESTAVA Estado soviético satisfizesse as
INSERIDO: A RETÓRICA necessidades econômicas des-
DOS MÉTODOS NA tas classes, o que, naturalmen-
UNIÃO SOVIÉTICA NOS te só um prévio e elevado
PRIMEIROS ANOS DA nível de progresso capitalista
REVOLUÇÃO RUSSA E poderia oferecer esta possibi-
NO INÍCIO DA FASE DA lidade (LÊNIN, 1975a, p.
CONSTRUÇÃO PLENA 143).
DO SOCIALISMO Desta forma, uma nova
NESSE PAÍS política econômica se fazia
necessária. Esta nova política
A vitória dos bolchevi- econômica, denominada NEP,
ques na guerra civil que se iniciou-se em 1921, consistin-
travou na Rússia entre os anos do no restabelecimento das
de 1918 e 1921 foi acompa- relações capitalistas de produ-
nhada pelo fracasso das revo- ção, em convivência com as
luções socialistas européias, relações socialistas de produ-
em fins da década de 10 e ção, sob a direção do Estado,
início da de 20, levando a um baseando-se no restabeleci-
quadro internacional desfavo- mento da propriedade privada
rável à URSS. dos meios de produção, no
O período do comunismo desenvolvimento do capital
de guerra não tinha consegui- nacional privado e estrangeiro
do atender plenamente às ne- associado ao capital estatal
cessidades e anseios da popu- (ACADEMIA DE CIÊN-
lação, pois ainda inexistiam CIAS DA URSS, 1961, p.
condições objetivas para que a 367), ao incentivo das formas
União Soviética se lançasse na capitalistas de produção no
construção plena do socialis- campo, com o crescimento
mo (LÊNIN, 1978a, p. 223). das pequenas e médias propri-
Outrossim, diante da ne- edades privadas (ELLEINS-
cessidade de se conter e neu- TEIN, 1976, pp. 59-62). Con-
tralizar a influência, ainda pre- sistiu, também, na privatização
sente, do capital sobre as ou- de empresas estatais e exce-
112 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

dentes de produção, ao incen- por parte do Estado das for-


tivo do comércio privado, a mas capitalistas de produção,
manutenção de relações co- bem como a conclusão da
merciais com o exterior, bem base econômica necessária
como em outras formas de para o prosseguimento da
produção capitalistas, tudo construção do socialismo. A
sob o controle estatal e com estes fatores impunham o fim
prazos determinados (LÊ- das formas de produção capi-
NIN, 1978b, pp. 30-32). talistas no campo e pediam a
As medidas adotadas pela coletivização agrícola como
NEP surtiram os efeitos espe- forma de alavancar a produção
rados pelos dirigentes soviéti- de alimentos (DAVID; HA-
cos e, ao final de 1927, o sis- ZARD, 1978, pp. 172-173).
tema produtivo do país tinha Ao final de 1931, as me-
alcançado níveis de desenvol- didas da NEP já não existiam
vimento suficientes, com e a produção estava pratica-
grande recuperação da produ- mente toda socializada. Com o
ção de riquezas ao nível de fim da NEP, iniciava-se a fase
1913. A partir desta época, propriamente dita da edifica-
quando as forças produtivas ção plena do socialismo na
estavam restabelecidas, come- URSS, com a extinção de to-
çava-se a observar certo esgo- das as formas de produção
tamento da correspondência capitalistas e com a socializa-
obrigatória das relações de ção geral de praticamente to-
produção com o caráter das dos os meios de produção.
forças produtivas, notadamen- Neste sentido, tal qual defen-
te o aparecimento de sintomas dia Vysinskij, o sistema jurídi-
nocivos ao regime, como a co passa a ser orientado para
formação de uma grande clas- proteger e reproduzir as rela-
se de produtores capitalistas ções sociais e leis econômicas
rurais, os kulaks, movida pela mais vantajosas ao grupo do-
relativa concentração da terra, minante, garantindo a transi-
a associação destes com os ção socialista, o que vai afir-
capitalistas da cidade, o au- mar o caráter proletário do
mento das contradições soci- direito na URSS, propiciando
ais, indícios de descontrole
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 113

a consolidação de uma teoria ca ao proletariado a forma de


marxista do direito. emancipação do trabalho do
O fato é que este contex- capital.
to vai permitir que Vysinskij De fato, Vysinskij (1964,
defenda a necessidade do uso p. 244) defende que o mar-
do direito e do Estado na U- xismo resolveu, em geral, to-
nião Soviética para assegurar dos os problemas do direito,
os objetivos da transição soci- ao possibilitar um estudo aca-
alista rumo ao comunismo. bado do processo de origem,
desenvolvimento e decadência
4. DA RETÓRICA DOS das formações econômico-
MÉTODOS À RETÓRICA sociais, considerando o con-
METODOLÓGICA NAS junto de todas as tendências
TESES DE ANDREJ opostas, bem como as recon-
VYSINSKIJ: duzindo às condições deter-
A NECESSIDADE DA minadas de vida e de produ-
EDIFICAÇÃO DE UMA ção das diversas classes sociais
TEORIA da sociedade. De certo, isto
MARXISTA DO DIREITO, permite ao marxismo eliminar
DA AFIRMAÇÃO DO o subjetivo e o arbitrário na
CARÁTER PROLETÁRIO escolha das idéias dominantes
DAS NOVAS ou na interpretação delas, des-
INSTITUIÇÕES cobrindo nos condicionantes
JURÍDICAS E DA materiais de produção as ori-
UTILIZAÇÃO DO gens de todas as idéias e ten-
DIREITO PARA dências.
ASSEGURAR A As fontes do direito são
TRANSIÇÃO as relações de produção. Aqui,
SOCIALISTA tanto as relações jurídicas co-
mo as formas do Estado têm
Segundo Vysinskij, os suas origens nas relações ma-
fundadores do marxismo de- teriais de existência. Desta
finiram o conteúdo e o signifi- forma, direito e Estado são
cado histórico do marxismo, formas da superestrutura soci-
pelo qual somente o materia- al “anat ia da ci dad ”
lismo filosófico de Marx indi- regidos pelo processo de pro-
114 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

dução de riquezas, estando (MAIA, 2003, p. 65). É óbvio


influenciados pela luta das que o direito interage com
classes sociais pela transfor- outros aspectos da vida social,
mação das relações de produ- porém a relação econômica se
ção. Assim sendo, a superes- impõe como condicionante
trutura em geral e a superes- sempre. Não se trata, aqui, de
trutura jurídica e política em um efeito automático, mas de
particular, uma vez criadas, um condicionamento sobre a
repercutem sobre a base dos base de relações reais, entre as
fatos históricos, razão pela quais as econômicas que, em-
qual a disputa entre as classes bora possam vir influenciadas
exploradoras e exploradas não por outras relações, são deci-
é indiferente a elas (MARX, sivas.
1978, p. 112-113, 118). Assim, a relação jurídica
De fato, por trás do direi- oferece uma desigualdade e-
to há sempre a luta pela e- conômica mascarada por uma
mancipação econômica, visto igualdade jurídica. Neste sen-
que o direito só adquire vigên- tido, a forma da superestrutu-
cia formal por vontade do ra não tem valor enquanto não
Estado, tendo o seu conteúdo se reduza à forma do conteú-
legitimador derivado do de- do. O direito encobre relações
senvolvimento das forças pro- de dependência e desigualdade
dutivas e das condições de apresentadas como formas
distribuição, refletindo a luta jurídicas de legalidade
de classes; assim, as relações (MARX, 1977, pp. 230-232).
de produção se expressam nas Logo, não há critérios u-
correspondentes formas de niversais de justiça ou de direi-
direito. Ao chegar a uma de- to e sim critérios relativos,
terminada fase de desenvolvi- subordinados à visão que dada
mento, as forças produtivas classe social, bem como de
chocam-se com as relações de suas estratificações, têm do
produção, com as relações de mundo. A norma jurídica,
propriedade, dentro das quais neste caso, sempre vai benefi-
se haviam desenvolvido até ciar e contrariar, ao mesmo
aqui. A relação jurídica passa a tempo, os interesses de de-
refletir a relação econômica terminadas camadas na socie-
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 115

dade em favor ou em detri- tancial do direito e essas rela-


mento de algumas (MAIA, ções são codificadas só em um
2003, p. 66). sistema econômico (FER-
A extinção do direito e- NANDEZ-LARGO, 1983,
quivale a uma afirmação pré- pp. 444-445).
via à práxis da libertação da O direito objetiva, tam-
superestrutura jurídica, só bém, disseminar a ideologia da
possível pela revolução prole- classe dominante no seio da
tária na construção de uma sociedade, despolitizando as
sociedade comunista, tendo outras classes sociais; através
como passo inicial a socializa- do direito, o Estado tende a
ção geral dos meios de produ- criar um conformismo social
ção e a extinção gradativa do útil à linha do desenvolvimen-
Estado, de forma que, quando to da classe social hegemônica.
o Estado se extinguir, extin- Desta forma, a alienação
guir-se-á o direito. No período humana é determinada pelo
do socialismo, o Estado prole- regime jurídico da propriedade
tário utilizaria o direito, mu- privada, no qual o homem fica
dando o seu conteúdo de clas- à mercê de quem compra o
se, para reproduzir a ideologia seu trabalho. Só com o adven-
proletária na sociedade, insti- to do comunismo, com a su-
tucionalizar e legitimar o po- peração da propriedade priva-
der político do proletariado e da, da divisão do trabalho e da
regular o sistema socialista em produção, é que o homem se
transição ao comunismo emancipará totalmente. A
(ENGELS, 1989, pp. 69-73, emancipação do homem só
79). será possível com a emancipa-
De fato, o marxismo pro- ção do seu trabalho, visto que
cura superar o formalismo o ser humano só tem auto-
jurídico mediante a revelação consciência quando passa a ser
do conteúdo de opressão e dono do seu trabalho e se
contradição social inserido nas emancipa (MARX; ENGELS,
normas jurídicas, tendo por 1987, pp. 46-52, 78, 84, 104-
base as estruturas econômicas 105).
reais, visto que é nas relações Desta forma, pode-se di-
sociais que se encontra o subs- zer que Marx, Engels e Lênin
116 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

elaboraram uma teoria do proletário do direito sob a


direito, não no sentido de que transição socialista.
elaboraram um pensamento Então, o direito exprime
acabado sobre o direito, mas certa condição de diferença
no sentido de que teceram nas relações sociais dos ho-
princípios e idéias fundamen- mens. No Estado socialista, o
tais acerca do direito, colocan- direito constitui um meio es-
do-o na perspectiva das con- pecífico de controle sobre a
tradições do processo de pro- medida do trabalho e do con-
dução de riquezas, da luta de sumo por parte da classe do-
classes e do poder político. De minante na sociedade. E é
fato, uma teoria do direito justamente numa sociedade
socialista concluída só pode socialista que se torna inevitá-
ser construída sobre um mate- vel a presença do direito como
rial empírico, o que não foi instrumento de proteção e
dado aos fundadores do mar- reprodução das relações soci-
xismo-leninismo. Mais tarde, ais socialistas (VYSINSKIJ,
coube aos juristas soviéticos, 1964, pp. 250-251).
sob a liderança de Vysinskij, o É com este fundamento
desenvolvimento da teoria que Vysinskij vai sustentar que
marxista do direito à base da é utopia fazer pouco uso do
construção do socialismo so- direito no socialismo. Enquan-
viético. to não advier o comunismo, o
Nesta tarefa, Vysinskij direito é ainda necessário.
(1964, p. 250) define a nature- Vysinskij (1964, p. 253) con-
za socialista do direito, nas cebe que o direito vigente na
condições de um Estado soci- transição socialista é diferente
alista, ao conceber que o po- do direito burguês. Então, o
der político operário- direito na sociedade socialista
camponês não somente não é um direito novo: direito de
exclui uma regulação jurídica um período de transição, direi-
das relações sociais, mas pres- to socialista gerado pelo novo
supõe necessariamente essa Estado proletário.
regulação. Aqui, este jurista Definido a natureza do
soviético sustenta o caráter direito sob o Estado socialista,
Vysinskij passa a discorrer
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 117

sobre a teoria geral do direito materiais de existência huma-


socialista. O direito é concebi- na, na economia política.
do como a vontade da classe Na obra em exame,
dominante erigida na lei. Sig- Vysinskij (1964, pp. 253-255)
nifica dizer que o direito se vai formular, ainda, a idéia de
comporta como uma das su- legalidade socialista. Aqui, esta
perestruturas ideológicas do é uma forma específica ou
Estado, se constituindo sobre método do poder político
as relações de produção que proletário. A legalidade socia-
formam a estrutura econômica lista significa estabilidade das
da sociedade. Ademais, pelo relações sociais, respeito às
fato de a cada estágio de de- regras de convivência social,
senvolvimento das forças pro- respeito e intangibilidade da
dutivas, corresponder uma propriedade social socialista,
forma determinada de comér- bem como observância estrita
cio e consumo, bem como de todas as normas postas
uma organização da sociedade pelo Poder Público.
civil correspondente, o orde- Outrossim, como posto
namento jurídico passa a inte- acima, o princípio da legalida-
grar o conjunto das relações de socialista significava que os
políticas da sociedade cidadãos e a administração
(VYSINSKIJ, 1964, pp. 259- soviética, na sua conduta, de-
260). viam se condicionar e obede-
Seguindo o raciocínio a- cer estritamente às normas
cima, Vysinskij (1964, pp. 263- positivas (DAVID; HA-
264, 276-277) defende que as ZARD, 1964, p. 202). Daí que
relações jurídicas no socialis- os órgãos do Estado encarre-
mo estão ligadas ao desenvol- gados da prestação jurisdicio-
vimento das forças produtivas nal, ao aplicarem as leis para a
e às relações de produção. Por solução de lides, deveriam
sua vez, as relações de produ- excluir qualquer decisão base-
ção devem exprimir-se em ada em eqüidade ou em algu-
relações políticas e jurídicas. ma consideração de ordem
Assim, as relações jurídicas e a não amparada estritamente no
forma do Estado só podem ordenamento positivo (DA-
ser entendidas nas relações VID, 2002, pp. 236-238).
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Para os soviéticos, o direi- Na União Soviética, o di-


to não tinha valor em si, sendo reito exprimia uma idéia de
apenas instrumento do Esta- justiça de classe, calcada no
do, criado por este, a serviço choque entre as diversas clas-
da classe dominante para a ses sociais e seus extratos,
consecução das finalidades da sendo as normas jurídicas
transição socialista: o advento condicionadas pelas contradi-
do comunismo, com a extin- ções no processo de produção
ção do Estado e do próprio de riquezas e seu reflexo no
direito (VISHINSKI, 1957, mundo das idéias e na supe-
pp. 14, 17). Nesta lógica, o restrutura ideológica da socie-
ordenamento jurídico soviéti- dade, refletindo os interesses
co tinha caráter provisório, da classe social detentora do
tendo por função principal a poder político.
organização das forças produ- De fato, o princípio da
tivas e a solidificação dos valo- legalidade elevava a lei escrita
res sociais e da nova consciên- como fonte suprema do direi-
cia social, só tendo autoridade to soviético, visto que o mar-
nos marcos de uma infra- xismo só considerava direito
estrutura em que os meios de aquelas regras contendo um
produção fossem socializados conjunto de proibições e per-
e explorados em benefício da missões, dotadas de força co-
sociedade. ercitiva e impostas pelo Esta-
O princípio da legalidade do; era justamente nos condi-
socialista era assegurado pelo cionantes históricos e materi-
conjunto das instituições sovi- ais em que a sociedade estava
éticas e pela população, sobre- inserida que se desenvolvia a
tudo pelo acordo dos interes- construção do direito socialis-
ses sociais e individuais asse- ta.
gurados pela socialização dos
meios de produção, pela alian-
ça da classe operária com o
campesinato na construção da
nova sociedade, bem como
pela prevalência da acumula-
ção coletiva da riqueza.
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 119

5. A DESCONSTRUÇÃO vai utilizar metáforas explíci-


DOS MECANISMOS DE tas, ora vai proceder com me-
PERSUASÃO PRESEN- táforas implícitas, estas ditas
TES NO PENSAMENTO “ad cida ”.
DE VYSINSKIJ, MEDI- Objetivando uma melhor
ANTE A APLICAÇÃO DA compreensão da temática,
RETÓRICA METÓDICA vale, brevemente, discorrer
aqui sobre a significação da
5.1. A utilização da me- metáfora.
táfora para a estruturação A metáfora é uma analo-
da realidade, objetivando gia condensada que expressa
unir dois elementos dife- certos elementos do que se
rentes, destacando uma quer provar ou do que serve
semelhança para provar algo (REBOUL,
2000, p. 187). Em outras pala-
Vysinskij, no afã de sus- vras, na metáfora, vai-se trans-
tentar a existência de uma ferir o significado de um ter-
teoria marxista do direito, mo comum para outro termo,
condensando os escritos de este estranho, diferente (PE-
Marx, Engels, Lênin e Stálin RELMAN; OLBRECHTS-
que servissem de base para a TYTECA, 2005, p. 453).
mesma, vai fazer variado em- Neste sentido, Vysinskij
prego da metáfora, ora para f n c x pl : “A vas-
afirmar suas teses, ora para tidão e completitude do gênio
desqualificar as teses adversá- de Marx se explicam porque
rias e os próprios adversários. ele produziu inegáveis obras
Neste sentido, Vysinkij de ciência nos vários campos
vai argumentar metaforica- do conhecimento, compreen-
mente vinte e sete vezes ao dida a ciência do direito e do
longo da sua obra em exame, E tad ”2. Aq i t “vas-
seja para realçar seus argu-
mentos à base das posições de 2 “La va tità c pl t zza d l genio
Marx, Lênin e Stálin, seja para di Marx spiega perchè egli abbia
contrapô-los em relação às creato immortali opere di cienza nei
vari campi dello scibile, compresa la
teorias de Pasukanis, Stucka e ci nza d l di itt d ll Stat ”
Reisner. Aqui, ora Vysinskij (VYSINSKIJ, 1964, p. 241).
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tidã ” t p bj tiv pa a a metáfora deriva da analogia,


a idéia de que a pessoa de o que é admitido pelo próprio
quem se fala, Marx, é prepara- Aristóteles (1998, p. 199)
da, com um grande acúmulo (2007, pp. 96-97).
teórico, o que justifica que ele, Vale ressaltar que a ana-
mesmo não sendo um jurista, logia constrói a realidade que
tenha tido competência para permite encontrar e provar
tratar de temas jurídicos. uma verdade por meio de uma
Segundo Aristóteles semelhança de relações, ou
(1998, pp. 196-197) (2007, pp. seja, por meio de comparações
96-101), a metáfora é compos- (REBOUL, 2000, p. 185).
ta por palavras agradáveis, Então, a analogia vai ligar um
com determinado significado, termo anterior, já aceito, com
que permitem ao homem co- um termo posterior, ainda não
nhecer o seu sentido apropri- aceito, mas que se quer evi-
ado, proporcionando também denciar. Para tanto, utilizar-se-
conhecimento, pela qual vai se á xp õ d tip “a i
deslocar o sentido de uma c ” “ta bé ” “c ”
palavra comum para uma pa- antecedendo a descrição
lavra estranha, de ornamenta- (SOUZA, 2008).
ção, alterada em sua forma. Neste sentido, Vysinskij
Em Aristóteles, essa transfe- (1964, p. 276), ao longo do
rência de sentido se dá da es- texto, emprega várias analogi-
pécie ao gênero, do gênero à as. Aqui, como exemplo, cita-
espécie, da espécie à espécie e se o seguinte trecho:
por analogia (BERISTAIN, No artigo Sobre a questão
1995, p. 311). É por isto que hebraica, Marx exprime ainda o
Perelman vai definir a metáfo- seu consenso como a defini-
ra como uma analogia con- ção hegeliana do Estado como
densada, na qual ocorre uma 'a realidade moral autoconsci-
niã nt “ q q ente do espírito', mas aqui
p va ” “ q v pa a Marx denuncia o direito bur-
p va ” PERELMAN; OL- guês como direito do proprie-
BRECHTS-TYTECA, 2005, tário privado, dizendo que 'a
p. 453). As formulações acima, utilização prática do direito do
conduzem à conclusão de que homem à liberdade é o direito
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 121

do homem à propriedade pri- logia, são fundamentais para a


vada', é o direito do egoísmo3. compreensão da questão me-
tafórica no texto de Vysinskij,
Na citação acima, embora pois, conforme já dito, a metá-
o referido jurista soviético fora condensa a analogia, mis-
utilize uma metáfora, o certo é t and “ q q p o-
que ele, citando Marx, vai fa- va ” “ q ve para pro-
zer também duas analogias. va ” t nand p c ptív l
Uma, reduzindo a definição termos muito diferentes, que
hegeliana do Estado a uma não se vinculam no dia-a-dia.
moral intrínseca ao homem, Por isto mesmo, a metáfora é
autoconsciente. Outra, redu- mais persuasiva que a analogia,
zindo o direito burguês ao pois além de ser redutora, ela
direito do proprietário, ten- transforma comparação em
tando provar que esse direito identidade, anulando as pró-
marginaliza as demais camadas prias diferenças entre os ter-
sociais. De certo, o objetivo mos, dentro, é claro, do con-
de Vysinskij é anular tudo o texto do discurso. Seguindo
que a relação exclui e reforçar este raciocínio, a metáfora vai
a sua própria tese de que, mo- utilizar outras expressões antes
dificando-se a natureza da de introduzir os termos, tais
acumulação da riqueza e da c “é” “t ” p
propriedade, modifica-se a com afirmações definitivas
natureza do direito. (REBOUL, 2000, p. 188).
De fato, essas importan- Assim, Vysinskij (1964, p.
tes considerações sobre a ana- 242) argumenta com a seguin-
te passagem:
As previsões de Lênin se
3 “N ll'a tic l Sulla questione ebraica confirmaram plenamente. A
Marx esprime ancora il suo consen-
so come la definizione hegeliana
época presente – a luminosa
dello Stato come 'la realità morale época staliniana do socialismo
autocosciente dello spirito', ma qui florescente – é a época de um
Marx denuncia il diritto borghese triunfo jamais visto das idéias
come diritto dell'uomo alla libertà è marxistas, da teoria marxista
il diritto dell'uomo alla proprietà
p ivata' è il di itt d ll' g i ” desenvolvida e erguida pelas
(VYSINSKIJ, 1964, p. 276).
122 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

obras de Lênin e de Stálin a to comum, mascarando as


uma altura sem precedentes4. diferenças entre eles. Esse
elemento comum é a edifica-
Na citação acima, obser- ção da sociedade socialista e
va-se que o jurista marxista os êxitos alcançados pela nova
estabelece relações no texto, sociedade. Agora, como
ligando os termos heterogê- Vysinskij aproxima termos
n “l in a” “ép ca” diferentes, ele acaba por criar
“ ciali ” “fl c nt ” um movimento nas próprias
“alt a” pa a p t ncializa metáforas, invocando, no fi-
efeitos persuasivos do seu nal t t “alt a”
discurso. O objetivo de aqui revelando que o desen-
Vysinskij é mostrar ao auditó- volvimento da sociedade soci-
rio que, considerando o cres- alista conduz a grandes elabo-
cimento da economia soviéti- rações teóricas e ao próprio
ca, as formulações de Lênin se aprimoramento do marxismo-
revelaram acertadas e que as leninismo. Veja que a fusão
idéias de Stálin não passam de dos termos se deu, aqui, pelos
continuação das concepções adj tiv “l in a” “fl o-
leninistas. Ademais, como as c nt ” a c alta
teses do autor se baseiam nes- Perelman, podia ser por ver-
te legado, isto acaba por refor- bos, identificações etc, pois o
çar as posições de Vysinskij. A que importa é que a fusão
argumentação metafórica des- operada pela metáfora se dê a
te jurista busca reduzir todos partir da analogia, esta envol-
os termos envolvidos, anteri- vendo relações associativas
ormente citados, a um elemen- entre expressões (PEREL-
MAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 2005, pp. 456-457).
4 “L p vi i ni di L nin i n
pienamente avverate. L'epoca pre-
Voltando a Aristóteles,
sente – la luminosa epoca staliana nos termos já postos, a metá-
del socialismo fiorente – è l'epoca di fora é um instrumento de co-
un trionfo mai visto delle idee mar- nhecimento, de natureza asso-
xiste, della teoria marxista sviluppata ciativa, que nasce do raciocí-
e sollevata dalle opere di Lenin e di
Stalin ad una altezza senza preceden- nio, mas que é empregado
ti” VYSINSKIJ, 1964, p. 242). conforme as necessidades da
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 123

retórica dos métodos e meto- humano, mas têm as suas raí-


dológica. Nestes termos, zes, ao contrário, nas relações
quando Vysinskij emprega a materiais de existência, o qual
metáfora, ele não pode seguir o conjunto vem abraçado por
fielmente as regras da lógica, Hegel, seguindo o exemplo
pois o jurista soviético vai dos ingleses e dos franceses
sempre produzir, com o ma- do século XVIII, sob o termo
nuseio das metáforas, uma de 'sociedade civil'; e [...] a
mudança de significado ou anatomia da sociedade civil
ntid dit “figu- está por investigar na econo-
ad ” na a g ntaçã m- mia política'. Para Marx, as
pregada, opondo-se ao signifi- relações jurídicas e, portanto,
cado literal, oferecendo um também o direito, têm as suas
sentido conotativo ao argu- raízes nas condições materiais
mento. da vida e não podem ser nem
Isto fica evidente na se- deduzidos, nem compreendi-
guinte passagem da obra de dos, em si, com referência à
Vysinskij (1964, p. 249): evolução geral do espírito
humano5.
Para Rejsner não existem
fenômenos jurídicos reais, 5 “P R j n n n i t n f no-
come fenômenos de mediação meni giuridici reali, come fenomeni
das relações sociais. Fonte do di mediazione dei rapporti sociali.
direito são, para Rejsner, não Fonte del diritto sono per Rejsner
as relações de produção, mas a non i rapporti di produzione, ma la
psiquique, o sentimento, as psiche, il sentimento, le emozioni, le
idee. Circa 80 anni fa nella prefazio-
emoções, as idéias. A cerca de ne a Per la critica dell'economia politica
80 anos, na prefaciação a Para Marx scrisse che 'tanto i rapporti
a crítica da economia política, giuridici quanto le forme dello Stato
Marx escreve que 'tanto as non possono essere compresi nè per
relações jurídicas quanto a se stessi, nè per la cosidetta evoluzi-
one generale dello spirito umano, ma
forma do Estado não podem hanno le loro radici, piuttosto, nei
ser compreendidas nem por si rapporti materiali dell'esistenza il cui
mesmas, nem pela, assim dita, complesso viene abbracciato da
evolução geral do espírito Hegel, seguendo l'esempio degli
inglesi e dei francesi del secolo
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Observa-se que Vysinskij t t a cial “anat ia da


procura amparar as suas posi- ci dad ” gid p l p o-
ções no pensamento de Karl cesso de produção de rique-
Ma x pa a q a “anat ia” zas, estando influenciados pela
da sociedade civil deve ser luta das classes sociais pela
procurada na economia políti- transformação das relações de
ca (MARX, 1978, pp. 112-113, produção.
118). Neste sentido, o jurista Ao que parece, Vysinskij
soviético, ao reempregar a se aproveita do fato de que a
palavra anatomia (VYSINS- maioria dos auditórios cons-
KIJ, 1964, p. 249), se vale, troem sua opinião tendo por
mais uma vez, da utilização da base imagens, muitas vezes
metáfora, objetivando unir nunca vistas, apenas imagina-
dois elementos diferentes (so- das para empregar metáforas,
ciedade civil e ser humano), com o intuito de clarear as
para destacar uma semelhança idéias e despertar emoções nos
(a idéia de base, fundamento). ouvintes (SKINNER, 1999,
Anatomia, nesse contexto, é pp. 251, 253-255). Entretanto,
empregada como ilação à idéia não é qualquer metáfora que
de que a economia política é a Vysinskij vai empregar. Ele vai
base da constituição da socie- utilizar metáforas que retratem
dade, tal qual a anatomia é a imagens claras, proporcionais
base da constituição do ser ao contexto do discurso, li-
humano. Desta forma, direito gando de forma arrojada ter-
e Estado são formas da supe- mos estranhos, de forma a
ampliar o efeito persuasivo do
seu discurso, o que as linhas
XVIII, sotto il termine di 'società citadas acima constituem um
civile'; e [...] l'anatomia della società exemplo.
civile è da cercare nell'economia
política'. Per Marx i rapporti giuridici
De certo, o fato de o Es-
e quindi anche il diritto hanno le tado burguês ter se consolida-
loro radici nelle condizioni materiali do ao longo do tempo, ter
della vita e non possono essere nè desenvolvido uma superestru-
dedotti nè compresi in sé com rife- tura ideológica e da ideologia
rimento alla evoluzione generale
d ll pitit an ” VYSINSKIJ, do capital ter se enraizado na
1964, p. 249). sociedade, além da insuficiên-
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 125

cia no desenvolvimento das superestrutura ideológica do


novas relações de produção e Estado, buscando construir
leis econômicas, impedia uma mecanismos retóricos sufici-
transição direta do capitalismo entes para otimizar essa supe-
ao comunismo na Rússia e restrutura, universalizando a
colocava a questão da natureza ideologia dominante, neutrali-
do direito e do Estado na so- zando e eliminando a ideolo-
ciedade soviética centrada no gia burguesa. Aqui, o uso das
problema da transição no so- metáforas, alterando e distor-
cialismo. Neste sentido, o uso cendo significados, cumpria
do Estado como aparelho de grande papel persuasivo no
opressão de classe era necessá- discurso, pois permitia condu-
rio transitoriamente em fun- zir melhor a população na
ção dos resquícios subjetivos e consecução dos objetivos pos-
objetivos herdados do capita- tos pelo Estado na transição
lismo, seja para conter a pro- socialista rumo ao comunis-
gressão da burguesia rumo ao mo.
poder político, seja para elimi-
nar a ideologia burguesa re- 5.2. A prevalência de argu-
manescente, seja para viabili- mentos de autoridade pre-
zar a construção da nova soci- ponderantemente sobre as
edade, reproduzindo as rela- posições de Karl Marx,
ções sociais e auxiliando na Josef Stálin e Lênin
transição rumo ao comunismo
(STÁLIN, [ca.1986], p. 46-49). Como já dito, Vysinskij
De fato, era evidente que vai empregar ao longo de sua
o novo regime, ainda incipien- obra, aqui em exame, argu-
te, era carente de mecanismos mentos de autoridade para
retóricos suficientes capazes justificar suas principais teses:
de não só reproduzir a ideolo- 1) de que existe uma teoria
gia dominante como neutrali- marxista do direito, tendo por
zar e destruir os resquícios base os princípios fornecidos
ideológicos do velho regime. por Marx, Engels e Lênin; 2)
Desta forma, havia a pre- de que esta teoria se funda-
ocupação, sobretudo por parte menta na união indissolúvel
de Vysinskij, com a questão da entre direito e Estado, união
126 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

esta erigida sobre as relações tendo aprimorado a teoria


de produção e leis econômicas marxista, sobretudo em rela-
socialistas, materializando o ção à teoria do Estado, da
caráter proletário do direito e revolução e do partido, a tal
do Estado nas condições do ponto de ter praticamente
socialismo soviético; 3) de que refundado o marxismo, agora
a legalidade socialista não é marxismo-leninismo. Já no
apenas o princípio diretor do que concerne a Stálin, depois
direito soviético, mas também da morte de Lênin, em 1924,
integra a superestrutura ideo- aquele passou a ser considera-
lógica do Estado. do o principal sucessor deste,
De fato, Vysinkij vai em- tendo grande destaque na U-
pregar pelo menos setenta e nião Soviética frente às polê-
dois argumentos de autoridade micas acerca da planificação
ao longo do texto, estribando econômica, do papel do Esta-
praticamente todos os seus do, das nacionalidades e do
argumentos nas posições de centralismo democrático.
Marx, Lênin e Stálin. Aqui, ora Então, será com essas fi-
Vysinskij vai mencionar a idéia guras proeminentes do mar-
principal desses autores, ora xismo que Vysinskij construirá
vai proceder a citações ipis diversos argumentos de auto-
literis de trechos das obras ridade, reforçando não só as
desses autores. teses desses teóricos, mas
Outrossim, a escolha des- também as suas próprias teses.
sas pessoas por Vysinskij não De certo, o argumento de
se dá de forma aleatória. Em autoridade é calcado na pesso-
relação a Marx, este foi um a, mais precisamente na rela-
dos fundadores do marxismo, ção dos atos realizados, do
ao lado de Engels, sendo sua qual o texto aborda, com a
obra muito difundida nos qual aquela se refere. É um
meios operários da Europa, argumento de essência (RE-
principalmente depois da Pri- BOUL, 2000, p. 176). Assim,
meira Guerra Mundial. No no texto, Vysinskij (1964, p.
que diz respeito a Lênin, este 244) cita a seguinte passagem
era considerado o principal de Stálin:
discípulo de Marx e Engels,
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 127

Do marxismo, Lênin dis- uma opinião comum (PERE-


se que a doutrina de Marx é LMAN; OLBRECHTS-
onipotente porque é verdadei- TYTECA, 2005, p. 350). Nes-
ra. É verdadeira porque é uma te sentido, Vysinskij (1964, p.
ciência autêntica, herdeira 283) cita, como argumento de
legítima daquilo que de me- autoridade, a doutrina marxis-
lhor criou a humanidade no ta: “O a xi n ina q
século XIX: a filosofia alemã, proletariado necessita do Es-
a economia política inglesa, o tado também para reprimir os
socialismo francês6. exploradores e para dirigir
enormes massas da população
Nas linhas citadas acima, no trabalho de organização da
o objetivo do jurista soviético economia socialista. Assim
é justificar a importância de se escrevia Lênin acerca do mar-
enfrentar as questões postas xi 1913”7.
no direito e no Estado a partir Observa-se que o argu-
das premissas formuladas por mento de autoridade busca a
Marx, o que o próprio título justificação de uma afirmação,
do texto deixa em evidência. idéia ou tese com base no
Outrossim, o argumento valor do seu autor. É por isto
de autoridade não se refere que Vysinskij (1964, pp. 242,
necessariamente a uma pessoa 249, 252) sempre introduz ou
física, podendo designar uma finaliza seus argumentos com:
autoridade abstratamente, “v p ntan a nt à
como, por exemplo, uma dou- memória as seguintes palavras
trina, um partido, um governo, d Ma x...” “c ntando este
uma ideologia, um coletivo, pa Lênin c v :...” “as-

6 “D l a xi L nin bb a di
che la dottrina di Marx à onnipos- 7 “Il a xi in gna ch il p le-
sente perché à vera. È vera, perch´é tariato ha bisogno dello Stato anche
à uma scienza autentica, erede legit- per reprimere gli sfruttatori e per
tima de quel che di meglio ha creato dirigere enormi masse della popola-
l'umanità nel secolo XIX: la filosofia zione nell'opera di organizzazione
tedesca, l'economia politica inglese, dell'economia socialista. Così
il ciali f anc ” VYSINSKIJ, scriveva Lênin do marxismo em
1964, p. 244). 1913” (VYSINSKIJ, 1964, p. 283).
128 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

sim escrevia Lênin do mar- natureza jurídica do direito e


xi 1913”8. do Estado soviético, tendo
Neste sentido, não se po- por pano de fundo a luta entre
de negar que as relações pre- a pequena-burguesia e o prole-
dominantes no argumento de tariado, ele não pode ser des-
autoridade envolvem juízos de cartado, uma vez que muitas
valor. Este juízo de valor é das questões levantadas por
auferido tendo por base o Vysinskij eram controversas e
alcance social do comporta- o remetimento ao pensamento
mento da pessoa e as manifes- fundamental de Marx, Lênin e
tações desta, permitindo que o Stálin era útil para a persuasão.
auditório construa uma idéia Ademais, considerando a im-
do caráter de quem se invoca portância que tem para a retó-
no discurso. Aqui, são os atos rica o ethos, o recurso ao ar-
que condicionam a concepção gumento de autoridade consti-
de que se faz de alguém. O tuía parte da estratégia de re-
prestígio maior ou menor da forço da própria autoridade do
autoridade citada será deter- retor.
minado neste contexto, crian- Seguramente, na tradição
do-se uma intenção favorável marxista soviética, e até mes-
ou desfavorável, por parte do mo na marxista de um modo
auditório, na interpretação dos geral, é abundante o uso de
atos debatidos no discurso argumentos de autoridade.
(SOUZA, 2008) (GIL, 2008). Seguem-se vários exemplos.
De fato, o argumento de Assim, Lênin (1987, p.
autoridade é uma técnica co- 53), em sua obra O Estado e a
mum da retórica. No quadro revolução, já no primeiro capítu-
dos intensos debates acerca da lo, adverte, referenciando-se
em Marx:
8 “V ng n p ntan a nt alla
memoria le seguenti parole di
Ma x...” VYSINSKIJ 1964 p. 249); Aconteceu com a doutri-
“c ntando questo passo
L nin c i :...” VYSINSKIJ 1964
na de Marx o que aconteceu
p. 252) “C ì c iv va Lênin d diversas vezes na história com
a xi 1913” VYSINSKIJ as doutrinas dos pensadores
1964, p. 242).
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 129

revolucionários e dos líderes funda de Marx, esquecida pe-


das classes oprimidas em sua los oportunistas: a insurreição
luta pela libertação. Durante a é uma arte, e a principal regra
vida dos revolucionários, as dessa arte é a ofensiva – uma
classes opressoras os subme- ofensiva de uma coragem a
tem a constantes perseguições, toda a prova e de uma inaba-
recebem suas doutrinas com a láv l fi za”.
raiva mais selvagem, com o Até mesmo os adversá-
ódio mais furioso, com a mais rios de Vysinskij, a exemplo
desenfreada campanha de de Pasukanis, utilizavam ar-
mentiras e calúnias. gumentos de autoridade no
debate acerca da natureza do
Também, Stálin (1979, p. direito na sociedade soviética:
16), em sua obra Materialismo “Ma x f la t aci cíni
dialético e materialismo histórico, de maneira ainda mais clara
utiliza argumento de autorida- em sua Introdução geral à crítica
de para discorrer sobre o mé- da economia política: ‘Fa t cht’
todo dialético: (o direito do mais forte) é
É por esta razão, diz En- ig al nt di it '” PA-
g l q a dialética “ b va SUKANIS, 1989, p. 109).
as coisas e o seu reflexo men- No mesmo sentido, segue
tal, principalmente nas suas outro adversário de Vysinskij,
relações recíprocas, no seu Stucka (1988, p. 28), em sua
encadeamento, no seu movi- obra Direito e luta de classes, na
mento, no seu aparecimento e qual se estriba na opinião de
desaparecimento. Marx para dar melhor efeito
persuasivo às suas teses:
Novamente Lênin
(1975b, p. 47), em seu artigo
intitulado Os ensinamentos da Como diz Marx, as rela-
insurreição de Moscovo, publicado ções de produção de cada
no jornal Proletari, agosto de sociedade formam um todo;
1906, levanta argumentos de daí resulta que a nossa defini-
a t idad : “D z b c n- ção de direito, que faz menção
firmou uma outra tese pro- ao sistema das relações sociais,
130 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

está plenamente de acordo de autoridade para justificar


com a concepção de Marx. suas teses. Senão vejamos:
O companheiro Fidel fez
O próprio Marx (MARX, sérias críticas aos extremismos
2004, p. 111), em sua obra e às expressões, algumas bas-
Miséria da filosofia, utiliza argu- tantes conhecidas de todos
mentos de autoridade: vocês, como, por exemplo, 'a
Para provar-lhe o contrá- ORI é a candeia...', somos
rio citaremos apenas Ricardo e socialistas, em frente, em fren-
Lauderdale; Ricardo, o chefe te...' Todas aquelas coisas que
da escola que determina o Fidel criticou, e que vocês
valor pelo tempo de trabalho, conhecem bem, eram o refle-
Lauderdale um dos defensores xo do mal que atacava nossa
mais entusiasmados do valor revolução.
como determinado pela oferta
e pela procura. Todos os dois Outrossim, Enver Hoxha
desenvolveram a mesma tese. (1990, p. 162), outrora dirigen-
te do Partido do Trabalho da
Mais recentemente, Boris Albânia, utiliza argumentos de
Topornine (1981, p. 2), co- autoridade na polêmica entre
mentando a Constituição da os marxistas e os revisionistas.
União Soviética, lança mão de Assim, este dirigente afirma:
argumentos de autoridade: Esta era a via tipicamente
“Na a b a As lutas de classes social-democrata combatida
em França, Karl Marx assinalou com tanto ardor por Lênin e
que as Constituições dos Es- desbaratada pela Revolução de
tados sempre foram estabele- Outubro. Os pontos de vista
cidas depois da formação das kruschovistas, que haviam
novas relações de classe na sido extraídos do arsenal dos
ci dad ”. chefetes da II Internacional
Igualmente, Ernesto Che suscitavam perigosas ilusões e
Guevara (1987, pp. 31-32), em desacreditavam a própria idéia
seu texto O que deve ser um jovem da revolução.
comunista, emprega argumentos
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 131

Do mesmo modo, Kim il Um dos líderes do Parti-


Sung (1993, p. 459), dirigente do Comunista do Vietnã, Vo
falecido do Partido do Traba- Nguyen Giap ([1975?], p. 146),
lho da República Democrática analisando a guerra revolucio-
Popular da Coréia (Coréia do nária empreendida contra o
Norte), ao criticar a teoria da Japão e a França no Vietnã,
revolução permanente, utiliza também utiliza argumentos de
os seguintes argumentos de autoridade. Senão, veja-se:
autoridade: Lênin afirmou: 'uma clas-
se oprimida que não se esfor-
Em sua análise das causas çasse por aprender a manejar
do fracasso da Comuna de armas e por possuir armas, só
Paris, Marx apontou que se os merecia ser tratada como es-
comuneiros não atacaram crava'. O povo vietnamita
Versalhes, foi porque conside- aprendeu a manejar armas,
raram equivocadamente como organizou as suas forças ar-
um ato de antipatriótico pro- madas, foi por isso que a cau-
vocar a guerra civil no mo- sa da sua libertação nacional
mento em que a capital estava triunfou em metade do país.
assediada pelo exército prussi-
ano, inimigo estrangeiro; e Logo, dentro da tradição
Lênin qualificou de traição à marxista, e, como as citações
causa socialista o que, ao de- levam a entender, não só na
sencadear-se a Primeira Guer- União Soviética, o argumento
ra Mundial, os revisionistas da de autoridade era um requisito
II Internacional se uniram à indispensável, era um recurso
burguesia, em seus respectivos de argumentação, uma estraté-
países sob o lema da 'defesa da gia retórica. Em princípio,
pátria', violando os princípios portanto, a citação de um au-
revolucionários da classe ope- tor não significava necessari-
rária. amente adesão às suas idéias,
mas principalmente, reforço
da autoridade do próprio re-
tor.
132 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

Além disso, como se ob- nosso partido esta sua superi-


serva dos trechos citados, os oridade? Ao fato que ele é um
mesmos autores, ou as mes- partido marxista, um partido
mas práticas, eram usados leninista. O deve ao fato que
para justificar políticas radi- ele se inspira, no seu trabalho,
calmente distintas, a exemplo à doutrina de Marx, de Engels
das polêmicas entre Vysinskij, e de Lênin. Não podemos ter
Pasukanis e Stucka. dúvida de sorte que, a fim de
Vysinskij quando utiliza o ficarmos fiéis a esta doutrina,
argumento de autoridade o faz a fim de possuirmos esta bús-
apoiando argumentação sua. sola, registreremos sempre
Ele não levanta argumentos de sucessos no nosso trabalho'.
autoridade aleatoriamente, Assim disse o companheiro
mas sempre buscando ofuscar Stálin, definindo nestas breves
a tese adversária e reafirmar a palavras, mas extraordinaria-
sua própria tese, dando caráter mente profundas, o valor his-
persuasivo a esta. O seguinte tórico do marxismo-leninismo
trecho da obra em exame de como base dos sucessos da
Vysinskij (1964, p. 244) evi- revolução socialista e da causa
dencia isto: do socialismo na União Sovié-
Esta é a lei fundamental tica9.
do desenvolvimento da socie-
dade capitalista formulada por
Marx e Engels, mais de no- 9 “È q ta la l gg f nda ntal di
venta anos antes; uma lei que sviluppo della società capitalistica
nenhuma força histórica está formulata da Marx ed Engels più di
em condições de abolí-la ou novannta anni fa, uma legge che
mudá-la. A negação que desta nessuna forza storica è in grado nè
lei fazem os cretinos fascistas di abolire nè di mutare. La negazione
che di questa legge fanno i cretini
não tem nenhum valor. O fascisti non há alcun valore. Il capi-
capitalismo e o seu setor mais talismo e il suo reparto più reaziona-
reacionário – o fascismo – rio – il fascismo – vivono senza
vivem sem perspectiva, cegos. prospettive, da ciechi. <Soltanto il
'Apenas o nosso partido sabe nostro partito sa dove vuol andare e
marcia avanti com sucesso. A che
aonde quer ir e marcha adiante cosa deve il nostro partito questa
com sucesso. A que deve o superiorità? Al fatto che esso à un
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 133

No caso acima, os argu- no processo de produção,


mentos de autoridade só seri- classes sociais e interesses
am inadequados se fossem antagônicos e inconciliáveis
supérfluos, empregados ao entre estas, torna idéias como
acaso e sem confirmação da justiça, manutenção da ordem
autoridade, conforme sustenta social, pacificação e legitima-
Perelman (PERELMAN; ção relativas e controversas,
OLBRECHTS-TYTECA, que não podem ser dissocia-
2005, pp. 349, 351), o que das de uma tradição jurídica,
parece não ser o caso. social e política para serem
Por fim, de certo, o ar- melhor entendidas.
gumento de autoridade é uma
técnica, como outra qualquer, 6. ANDREJ VYSINSKIJ E
sendo muitas vezes, como A FUNÇÃO DO DIREITO
mostra o texto de Vysinskij, NA SOCIEDADE DE
indispensável, não tendo nada PARADIGMA MARXISTA
de dogmático (REBOUL,
2000, p. 177), sobretudo O juízo do marxismo a-
quando se considera que a cerca da realidade jurídica
divisão do trabalho e da pro- envolve todo o fenômeno
dução, ao gerar contradições jurídico. Sua crítica pretende a
emancipação do homem do
direito, como forma social
partito marxista, un partido leninista. opressora e manipulada. A
Lo deve al fatto ch'esso si ispira nel
suo lavoro alla dottrina di Marx, di verdadeira emancipação hu-
Engels, di Lenin. Non ci può esser mana se daria numa sociedade
dubbio di sorta che finché rimarre- sem classes.
mo fedeli a questa dottrina, finché A concepção marxista do
possederemo questa bussola, regis- direito, defendida por Vysins-
treremo sempre dei sucessi nel nos-
tro lavoro'. Così há detto il compag-
kij, repousa numa relação in-
no Stalin, definendo in queste parole dissolúvel entre o conheci-
brevi ma straordinariamente pro- mento do Estado e do direito,
fonde il valore storico del marxismo- vendo esses como fatores de
leninismo come base dei sucessi coação social.
della rivoluzione socialista e della
ca a d l ciali n ll'URSS” Segundo o jurista soviéti-
(VYSINSKIJ, 1964, p. 244). co, o proletariado ao conquis-
134 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

tar o poder político, transfor- to da ciência jurídica. Foi nas


mando os meios de produção relações de produção e leis
em propriedade do Estado, econômicas socialistas que ele
para generalizar seu interesse, buscou os princípios que guia-
determinaria o conteúdo do ram os instrumentos jurídicos
direito, dando a este caráter soviéticos.
socialista. Neste sentido, Vysinskij,
Ademais, a extinção do fazendo uso de mecanismos
Estado seria feita progressi- retóricos suficientes para oti-
vamente, elevando-se a pro- mizar seus argumentos, ten-
priedade à condição de pro- tando universalizar suas idéias
priedade social. Entretanto, o e neutralizar todas as concep-
uso do Estado é necessário ções adversárias, tidas como
transitoriamente em função da resquícios da ideologia bur-
herança do capitalismo. guesa, defendia que o direito
O direito pressupõe sem- deveria ser usado para a trans-
pre a força organizada a servi- formação da sociedade sobre a
ço da classe dominante. A base socialista. O direito tinha
extinção do direito equivale a a função de reproduzir a ideo-
uma afirmação prévia à praxis logia do proletariado na socie-
da libertação da superestrutura dade, institucionalizar seu
jurídica, só possível com o poder político, regular e de-
comunismo. senvolver as relações sociais
De fato, como já dito, socialistas. O direito, então,
Marx, Engels e Lênin teceram constituía um meio de contro-
idéias fundamentais acerca do le sobre a medida do trabalho
direito, cabendo aos juristas e do consumo por parte da
soviéticos, sob a liderança de classe dominante na socieda-
Vysinskij, o desenvolvimento de. Nesta condição, era utopia
da teoria marxista do direito. pensar em fazer pouco uso do
Aqui, a principal preocupação direito no socialismo, pois o
de Vysinskij foi buscar uma direito ainda era necessário,
teoria do direito baseada em sendo, porém, diferente em
princípios e obrigatória, de forma do direito burguês. As-
forma que pudesse servir de sim, para Vysinskij, nas condi-
direção para o desenvolvimen- ções da União Soviética, o
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 135

direito era entendido como o condicionando o indivíduo a


direito de um Estado socialista considerar os fenômenos e
operário-camponês. ações dos homens e aos ho-
Segundo, Vysinskij o mens mesmos do ponto de
princípio da legalidade socia- vista dos interesses do Estado
lista adquiria uma função im- socialista e da edificação da
portante, pois na União Sovié- sociedade socialista; 3) a fun-
tica não havia a separação de ção moral, objetivando a esta-
poderes, sendo o poder estatal belecer uma moral socialista,
concentrado em um único traduzindo a idéia de justiça
órgão, o Soviete Supremo da do proletariado, suas represen-
URSS, que distribuía suas fun- tações sobre o bem e o mal,
ções entre órgãos seus, não refletindo a infra-estrutura
estando vinculado a princípios socialista (MAIA, 2005).
que repartissem a sua compe- Desta forma, Vysinskij
tência entre diversos órgãos (1964, pp. 253-255) colocava a
iguais (DAVID; HAZARD, idéia da legalidade como uma
1964, pp. 197, 202, 253, 274). forma específica ou método
Assim, o princípio da le- do poder político. Então, as
galidade guiava as três funções funções do direito na União
do direito soviético: 1) a fun- Soviética estavam consubstan-
ção econômica, visando a re- ciadas na legalidade socialista,
gular o modo de produção pois esta significava estabili-
socialista e a sua transição dade das relações sociais, res-
rumo ao comunismo, ade- peito às regras de convivência
quando a sociedade às metas social, respeito e intangibilida-
da planificação; 2) a função de da propriedade social socia-
educadora, procurando repro- lista, bem como observância
duzir e disseminar a ideologia estrita de todas as normas
socialista no seio da popula- postas pelo Poder Público.
ção, institucionalizando todos Vale salientar que o pen-
os mecanismos de reprodução samento de Vysinskij punha o
da ideologia dominante na princípio da legalidade socia-
sociedade, combatendo, ao lista não como uma afirmação
mesmo tempo, os desvios metafísica da lei, mas como
ideológicos de toda espécie, uma regra de conduta, organi-
136 | Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan.-dez. 2010.

zação e disciplina da socieda- kij, deve ter correspondido à


de, regida pela classe domi- realidade, visto que o evidente
nante. fracasso da experiência sovié-
Certamente, esta posição tica aponta para óbvias insufi-
contribuiu para a apatia das ciências e contradições na
massas, estimulando uma vi- construção socialista daquele
são acrítica diante dos exces- país que, provavelmente, de-
sos e falhas do regime sovié- vem ter se refletido na sua
tico, inclusive no próprio seio estrutura jurídica.
do Partido Comunista da Uni- Entretanto, não se deve
ão Soviética. De fato, é notó- relevar a contribuição de An-
rio que durante determinado drej Vysinskij para a história
período do desenvolvimento do direito socialista, pois foi
da sociedade soviética, o pen- graças às suas concepções que
samento de Vysinskij passou a o pensamento de Marx, En-
não corresponder obrigatori- gels e Lênin, quanto ao direito,
amente às tarefas da transição foi sistematizado e aprimora-
socialista rumo ao comunismo do a tal ponto de se considerar
(que passava também pela Vysinskij como o fundador da
disseminação da ideologia teoria marxista do direito.
marxista no seio do povo,
preparando-o para a ação so- REFERÊNCIAS
cialista, bem como combaten-
do os desvios ideológicos de ACADEMIA DE CIÊNCIAS
quaisquer matizes porventura DA URSS. Manual de eco-
existentes, com o estímulo à nomia política da Academia
crítica e à autocrítica não só de Ciências da URSS. Rio de
no seio da aliança operário- Janeiro: Vitória, 1961.
camponesa, mas também en-
tre os membros do próprio ADEODATO, João Maurício.
Partido Comunista). A retórica constitucional
Assim, deve-se ter o cui- (sobre tolerância, direitos hu-
dado de entender que não manos e outros fundamentos
necessariamente a função do éticos do direito positivo). São
direito da União Soviética, tal Paulo: Saraiva, 2009.
como concebida por Vysins-
Revista Duc In Altum - Caderno de Direito, vol. 2, nº 2, jan-dez. 2010. | 137

_______. O silogismo retóri- BLUMENBERG, H. Una


co (entimema) na argumenta- aproximación antropológica a
ção judicial. In: ADEODA- la actualidad de la retórica. In:
TO, João Maurício. Ética e BLUMENBERG, H. Las
retórica: para uma teoria da realidades en que vivimos.
dogmática jurídica. 2. ed. São Barcelona: Paidós, 1999, pp.
Paulo: Saraiva , 2006, pp. 293- 115-142.
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