Está en la página 1de 69
wl PAUL K. FEYERABEND DIALOGO SOBRE O METODO Este livro foi editado pela primeira vez em lingua italiana. No entanto, 0 texto o primero encortzo entre os dois interlocutores (0 dslogo ene A e B desenro ' Tourse em dois momentos) foi originslmente publicado na Holanda, em 1979, rum volume intulado Structure and Development of Science, organizado pot Radnitzky-Andersson, A voltar x publici-lo em uadugio. Halisna, Feyerabend ‘comsiderou oportuno screscemtar 0 texto de um segundo didlogo escrito propo- simadamente para essa edigio. t ‘© homem livre tem sempre tempo sua disposiglo pana conver- sar om paz 2 sua vontsde. Ele passa, como faremes 10 nosso mare 8 representagdo, Estas informagdes adicionais nio sio efectivamente rele- vantes ‘A. Mas supée que 0 autor produziu uma engenhosa burla.. B. que entende por burla? Escreveu uma comédia, nfo verdade? A comédia produziu efeitos, nio € verdede? Fez as pessoas pensar, ndo 6 verdade? ‘A. Fé-las pensar enganando-as. B. io foram enganadas, porque as suas reflexdes nfo eram sobre 0 autor. E se porventura as suas conviogdes fossem diferentes das das suas personagens, entio ainda 0 admirarfamos mais por ter sido capaz de transcender os estrcitos limites da sua vida privada, Parece que preferes um comediégrafo que faca de pregador.. A. Prefiro um comediégrafo em quem possa ter confianca. B. Porque nio queres pensar! Queres que ele assuma a responsabili- dade das suas ideias, de mancira que possas accité-les sem preocupa- (g0es ¢ sem ter de as examinar detalhadamente. Mas asseguro-te que a Sua honestidade nfo te ajudaria, Existem muitos idiotas honestos. A. Es contra a honestidade? B. Nao posso responder a uma pergumta como essa. A. Hé muita gente que pode. B. Mais uma vez. porque nio pensa, Nio sei 0 que significa «ser hhonesto» em todas as situagGes que poderio acontecer na minha vida. Que significa ser honesto com 0 meu co? Com uma criancinha que ainda nio sabe falar? Nio sei o que significa ter relagdes honestas ou fazer_pequenos-almogos honestamente... ‘A. Esses exemplos s8o ridiculos! B. Nem por isso! Algumas pessoas pretendem que se leve uma vida inteiramente honesta, o que significa supor que todos 05 seus aspectos esto impregnados de honestidade.. ‘Uma erianga € um ser humano... Mas € provavel que até um certo ponto do seu desenvotvimento seja menos perturbado que um cio por um tratamento cruel. ‘A. Todavia, um dia tomar-se-4 um homem, B. O mesmo aconteceré a um feto. Achas que se deve ser honesto com um feto? ‘A. (Procura com dificuldade manter-se cortés.) B. Nao fiques perturbado. Sabes que hé quem defenda que, se um feto ado € desejado, deve-se decidir pela sua morte e provocar um aborto? B A B. Em relagio a uma crianga pequenina? A B. 9 ‘A. Certas pessoas defendem 0 que quer que seja ou quase. B. Estis ao corrente das investigagSes relativas as sensagies das plantas? A. Sensagdes das plantas? B. Sim, as plantas podem sentir o humor das pessoas que as circun- dam, como o demonstram as mutagbes de certos processos eléctricos que tém lugar nas suas folhas. ‘A. Estis a fazer pouco de mim? B. Nao, Todas estas coisas sf0 simples © bem conhecidas. Ora, se as plantas sfo perturbadas pelas condigées emocionais do ambiente que 4s circunda, mesmo nao estando em contacto com ele, por maioria de razio um feto seré perturbado pelas emogdes do organismo de que faz parte, E assim a pergunta — achas que se deve ser honesto com um feto? — 6 absolutamente significante. A. Bem, aquilo que tenho a dizer € que uma coisa é ter a ideia de hhonestidade e outra completamente diferente é aplicé-la correctamente, B. Nao era esse o primeiro ponto em discussio, Recordas-te? Quando comegou a discussdo perguntaste-me se era contra a honestidade © eu respondi que ndo sabia B. Naturalmente queria saber se é contririo a fazer da ideia de hhonestidade um elemento importante do nosso comportamento e, por- tanto, da nossa educagao. A. Bem, se era essa a pergunta, a minha resposta 6 ébvia. Seria um elemento importante, desde que se diga que hé limites e sejam dadas instrugGes sobre 0 modo de comportar-se no ambito desses limites. A. Dirias 0 mesmo da verdade e da decéncia? B._Direi o mesmo de todas as ideias com a inicial maiiscula, como Verdade, Honestidade, Justiga, que toram as pessoas sentimentais e temas, especialmente no cérebro... ‘A. Assim, para ti, a educagdo € um modo de proteger as pessoas da educagéo. Precisamente. Conheces Bela Lugosi? Sim, claro, TInterpretou o papel de Drécula, Fé-lo muito bem. Diz-se que dormiu num caixéo. [Nao estamos a sair um pouco do nosso campo? Porque? A. vida tem mais para nos oferecer que a representagio de Drécula, B. Precisamente! E na vida existem mais coisas do que aquilo que & abrangido por um credo, filosofia, ponto de vista, forma de vida ou o >R> mp erp 10 que quisermos, de maneira que nunca se deveria ensinar quem quer due seja a dormir no caixfo de um conjunto particular de ideias, dia noite, € um autor que apresenta uma tese aos seus leitores e no everia ser miope a ponto de julgar que no existe mais nada a dizer. ‘A.A vida oferece mais do que a verdade, a honestidade... B. Santo Deus, quando deixarés de cantar essas estipidas camtigas que no tém qualquer contedido cognitive ¢ funcionam precisamente como as ordens acs cées: poem os figis num estado de pronta agressividade — exceptuando os seus cérebros, naturalmente. Dada tuma qualquer série de virudes, existe sempre uma outra virtude que poderd em certos casos colidir com ela. A caridade pode colidir com a justiga e a sinceridade, 0 amor com a justiga ea sinceridade, a Tronestidade com 0 desejo de salvar a vida a alguém e assim por diante, Além disso nunca conhecemos todas as virtudes que poderiam dar significado a nossa vida; ainda agora comegémos a reflectir sobre estes temas € pode acontecer que qualquer principio etemo que hoje desejemos defender seja muito provavelmente rejeitado amanhi, a ‘menos que uma lavagem 20 cérebro nos prive da nossa humanidade para nos tomar méquinas da verdade © computadores da honestidade. Existem, na verdade, muito mais coisas na vida que a verdade © hhonestidade, As pessoas devem estar em condigdes de ver esta riqueza, devern aprender como traté-la; isto significa que as pessoas devem receber uma educagio que vé para além dos. preceitos estéreis ou, exprimindo-me negativamente, as pessoas devem ser protegidas daque- Jes que as querem reduzir a cOpias fiéis da propria miséria mental. ‘A. De maneira que &5 de facto contra a educacio. B. Pelo contrério! Considero a educagio — o comecto tipo de edu- cago — como 0 contributo mais necessério & vida. Penso naquelas pobres criaturas que foram postas no mundo exactamente porque um homem e uma mulher se aborreciam juntos, sentiam-se s6s ¢ espera- ‘vam que a produgio de um pequeno e simptico animalzinho poderia melhorar as coisas; ou porque a miczinha se esqueceu de introduzir 0 dispositivo intra-uterino, ou porque a mama e © papé eram catélicos € no ousavam procurar o prazer sem ptocriar — penso que estas pobres criaturas tém necessidade de proteccao. Tiveram a vida sem a ter escolhido — e todavia desde 0 primeiro dia da sua existncia so inci- tados ¢ estimulados, so proibidos de fazer isto ou obrigados a fazer exerce-se sobre eles todas as pressdes imaginéveis, incluindo 0 condicionamento inumano que deriva da necessidade de amor e simpa- tia, Assim crescem e tomam-se «responséveisy, Ent as presses tor- nnam-se mais refinadas. Em vez do chicote temos a argumentacao, mais do que as ameagas dos progenitores, temos as pressées originadas por u ‘qualquer aniéo que os seus semelhantes olham como se se tratasse de um -eP Encerraste-a com a tua curiosidade. Mas. Mas hé um espago em cada ser humano que € necessério respeitar, je ndo se deve tentar penetrar, a ni ser que seja permitido.. ‘Admito-0 — mas trata-se de um caso muito especial Nao, dé uma olhada a este livro. Cobaias Humanas — do que fala? PEPE EPD>E>s 3 Fala de médicos que procuram a verdade, Bom, 0s médicos tém de encontrar o modo de curar os doentes, Avcusta dos doentes? De que outro modo podem melhorar a medicina? A fisica baseia-se nas experiéncias, nio é verdade? Sim, Os methores resultados so os obtidos em laboratério. Sim, Mas as estrelas so demasiado grandes ¢ estio demasiado longe para que se possam levar a efeito experiéncias em laboratétio. A. Mas 0s doentes estio disponiveis, pelo menos muitos deles. B. Claro que ndo esto. © corpo pertence a0 doente e nenhum mé- dico tem o direito de meter af as mios, apenas para satisfazer a sua curiosidade. ‘A. Ento como pensas que ele pode curar as doengas? B. Inventando um tipo de medicina que nao interfira com 0 organismo humano. A. Mas uma medicina assim & impossvel. B. Nao $6 no & impossivel, como existe. As chamadas escolas tempiricas de medicina reuniram informagées pormenorizadas sobre a5 ‘mudangas que podem ser observadas sem se interferir com 0 docnte, isto 6, mudangas nas cores dos olhos, no tecide e na cor da pele, no nivel muscular, na consisténcia das fezes, da urina, da saliva, no tecido ‘das mucosas € nos reflexos, ‘A. quase impossivel basear um diagnéstico © uma terapia nestes dados. B. que dizes mostra quo pouco sabes da medicina e da arte da cura. A medigdo do pulso € muito eficaz para encontrar ligeiros dis- {rbios do organismo que nfo se apreendem pelas andlises acientificas». E possvel diagnosticar doengas comuns sem as custosas maquinarias de que se serve @ medicina modema, os raios X tornam-se completamente dispenséveis e 0 mesmo acontece em relagio a outros nocivas procedi- mentos diagnésticos, A. Bom, 6 talvez possfvel encontrar correlagles, mas nfo se pode ertamente dizer que levem a compreender & doenca, B. Mas tal compreensio ndo é exigida a um médico, Ble deve cura. A. Mas deve também proceder de modo cientffico. B. Mas deve porqué? Pode-se de facto demonstrar faciimente que ‘owproceder de modo cientifico» com relative aumento de conteddo ¢ a habitual musica esté muitas vezes em conflito com a missi0 de curr. A. Que paradoxo estés arquitectando agora? E> ep wp wre 4 B. Nenhum paradoxo! Admites que os filésofos produziram muitas vvezes ideias consideradas tolices sem sentido pelas pessoas comuns? A. Admito-o. B. Por outro lado existem pessoas cujo comportamento nos parece loueo e que no entanto desempenham fungSes importantes em soci dades diferentes da nossa. ‘A. Em que estis a pensar? B. Os profetas, os xamanes. Hoje, um genuino profeta hebrew seria considerado louco pelos nova-iorquinos, mesmo que falasse com a melhor prontincia de Brooklyn. A._E justamente, jd que a situagdo mudou desde os tempos de Nabu- codonosor ou de Herodes. B. Nio nos precipitemos! Sabes que existem pessoas amadas pelos seus prOximos, que thes fuzem muita falia e os inspiram, ainda que o resto da aldeia ou da cidade prescinda deles de boa vontade? A. Nao conhego ninguém assim, mas posso facilmente imaginar uma situagdo semethante. B. Os velhos so hoje considerados pelos outros como problemas para a medicina, sio transferides para qualquer casa de saide ow para qualquer hospital geriatrico. A. Porque necessitam de cuidados, ndo podem tratar-se a si préprios. B. Nio, porque nfo podem fazer nada. Hoje, nos Estados Unidos, os Velhos sio refugos humanos e, naturalmente, comportam-se como tl Existem outras sociedades em que as responsabilidades aumentam com fade, onde aquilo 2 que hoje chamam gaguez. scnil & considerado digno de atengo, onde os jovens aprendem com a experigncia dos seus antepassados... ‘A. -..femos 0s historiadores para isso. | } } i B. E que fazem os historiadores? Obtém subsidios_para_undirem histdras orais, ou seja, hisGriag Felatadas por aqueles que sobrevive- fam 808 aontecimentos decortides 20 Tong do_tempo, Seria_melhor vir_estas_narragoes: di ‘© filtro de_um_ intelectual ‘que © comporta- _eG PR SOMA consderavelmente_4@-TonRO-dos ulos? Hoje somos muito sentimentais relativamente a te Tas apenas hé algum tempo atrés, a morte de uma crianga néo significaya mais do que a morte de um animalzinho doméstico, Até Rousseau, um homem muito sensivel noutros aspectos, escreve sem grande emogio que mandou os seus cinco filhos pars’ um orfanato. Leste sem Siviee 0 era ce owcault sobre + tansfomagio_dos ‘comportamentos. em felagdo 2 sade MeRGT,WPAGO, 0 crime~EM fe aS aberragoes™mentais~serem interprets corm — 15 fesultado de um pacto com o diabo, os docntes mentsis eram classifica dos juntamente com os pobres ou os que recusam o trabalho: hoje, a rmedicina substitui A. Senti todas essas coisas, ainda que s6 vagamente ¢ através de noticias. Mas diz-me, que tem tudo isso a ver com a tua promessa de. B. ..de demonstar que a medicina cientifica pode entrar em conflito com 0 desejo de curar? Bom, tal como as ideias de infancia, de morte, de loucura, de crime e de pris, e também a atitude perante os velhos, sio diferentes nas diversas sociedades, © até em partes diferentes da mesma sociedade, tal como estas concepees mudam de uma geragio para outra, assim muda também a ideia de saide. A. Sim, compreendo. E acrescento que devemos hoje virar-nos para a ciéncia a fim de termos uma definiglo apropriada de sade. B. Para ti, um médico & uma espécie de doutor Frankenstein. Depara ‘com um organismo, diz «néo est bem» e procura reconstru-to, até que coincida com a sua ideia de si consttuicdo. A. Bom, o paciente dificilmente sabe quando esti doente e quando ilo esté, excepto talvez nos casos extremos. B. Pode dar-se 0 caso de nio saber quando & que esté doente, no sentido que os cientistas atribuem ao termo, mas sabe seguramente que agénero de vida prefere e que género de vida detesta. A. Es um optimista, B. Suponhamos que o seja. Significa porventura que deveremos per- mitit a outra pessoa que decida por ele? A. Bom, obviamente, 5€ 0 doente nio sabe que o é, alguém deve tomar a deciséo, B. Essa no € 2 tnica possibilidade. ‘A. Em que estés a pensar? B. A educagio. A. As coisas equivalem-se: ensinamos uma pessoa a tomar as deci- 88¢8 que poderiam ser tomadas pelos outros especialistas naquelas w> we 19 ‘A. Isso nfo tem nada a ver com a astrologia, A astrologia diz respeito ‘0s aspectos da vida de cada homem, B. Nilo exclusivamente, Diz respeito aos animais, as nuvens, as tempestades, as plantas e a todo 0 género de conexdes entre 0 céu € a Terra. Mas nio era esse 0 teu argumento, Com base na tua segunda argumentacio, defendeste que a influéncia dos planetas seria dema- siado fraca para ter efeitos notéveis sobre a Terra. E esse argumento é refutado pela radioastrologia. ‘A. Nao penso que essa resposta seja completamente honesta. Natural- ‘mente que 0s planetas influenciam o Sol, influenciam-se mutuamente ©, por conseguinte, exercem também influéncia sobre certos fendmenos terestes, Influenciam também as pessoas — afinal de contas, pode ‘mos vé-los, falar deles, escrever poemas sobre eles. Mas nio é deste tipo de influéncias de que estou a falar agora. Refiro-me as influéncias de que no se tem um conhecimento directo que determinam as nossas egies de modo subliminal. Por exemplo, suponhamos que me quero casar, Pergunto-me se quero, porqué € com que objective. Por fim, caso-me © penso que estio claras as razBes por que 0 fago. Nao — ddizem os astrOlogos —, negligenciaste uma causa importante, 0 horés- copo do teu nascimento ou do dela, 0 do matriménio ¢ a data do vosso primeiro encontro. E esta asservio, a meu ver, € uma superstigdo imbecil. B. © que pensas da investigagdo sobre 0 cancro? ‘A. O que queres dizer? B. Bom, existem muitos institutos que se ocupam da investigagio sobre o cancro. Pensas que as fem que se baseiam as. suas investigagées so imbecis superstigdes? . Naturalmente. que no! E porque? Fizeram-se_progressos. Progress0s de que género? Novas intuigdes teéricas, E sobre a terapia do cancro? ._Existem as intervengtes, através da radioterapia, da quimio- terapia B. Como era tratado 0 cancro hé trinta anos? A. Com operagses, syponho, com a eliminagto cinirgica dos tecidos cancerosos. B. Foram descobertos novos métodos de tratamento? ‘A. Sim, como disse, as radiagdes. B. que significa pura e simplesmemte eliminar 0 tecido canceroso de um modo mais sofisticado. Mas trata-se igualmente de eliminaclo, A. Sim, Prep ep > 20 B. Hi outros métodos radicalmente diferentes? ‘A. Que eu saiba, no. B. Ora, os métodos de eliminagto existiam j4 antes de se ter iniciado 1a micro-investigagao e todas as belas teorias modemas sobre a estrutura celular. AL Sim, B. Podemos entéo dizer que estas teorias no Ievaram a qualquer progresso no tratamento. A. Se tio dizes. B. Nao s0u 86 eu que o digo, dizem-no muitos responsdveis pela investigacao. A. Quem, por exemplo? B. LE 0 relatério de Daniel Reenberg no volume IV (1974) de Science and Government Reports ou Krebsbekaempfing, Hoffnung und Realitaet' de H. Oeser. Greenberg € particularmente sincero. Ele diz que as declaragSes da Sociedade Americana contra o Cancro, fem que se afirma que € um mal curivel e que foram feitos pro: _ress0s, «recordam o optimismo sobre o Viemame antes do dilivio». No entanto, continuamos 2 defender a investigagio e a consideri-la cientifica A. Naturalmente. B. As proposigdes teGricas da investigagio sobre © cancro no so condenadas como imbecis superstigoes. A. Com certeza que niéo. B. E porque? A. Porque foram feitos progressos. B. Que género de progressos? ‘A. Agora sabemos muito mais acerca do que sucede em cada célula B. Mas sabemos como surge © cancro? A. Nao, mas estamos no bom caminho. Mas tudo isto tem alguma coisa a ver com a astrologia? B. Muitissimo! Apenas te falet da investigagio que demonstra como 1 posico dos planetas pode interferir na rocepgdo das ondas curtas na Terra, ‘A. Eu respondi que isso ndo toma a astrologia menos absurda, nem tum_pouquinho. B.Adiite que demonstra influcia planeta sobre of aontc ‘mentos terrestres, A. Sim, ms "Em alo ne cacao ovginal: A Luta contra © Canero, Experings © Resided W do Tit) 21 B. Os planetas niéo siio demasiado fracos para influenciar os aconte- cimentos terrestres. A. Mas ndo € 0 género de influéncia que estamos procurando. B._E precisamente 0 tipo de influéncia inconsciente que estés pro- curando ¢ tem a mesma ordem de importancia.. AL A sério? B. Sim, porque os potenciais através das drvores, por exemplo, depen- dem em larga medida das erupgdes Solares. Mal comegamos a indagar até que ponto se dio tais influéncias, encontramo-nos mais préximos ddos horéscopos do que a investigagdo sobre o cancro esté préxima da compreenséo do cancro, Esta ultima € considerada cientifica e é-lhe favorecida a continuasdo, apesar da distancia que ainda nos separa da ‘meta. Porque nfo usar a mesma contesia em relagio 20s assuntos fundamentais da astrologia? A. Porque no caso da astrologia no se trata apenas da distincia entre ‘5 resultados da investigagio... B. _..que, como disse, s80 bastante mais numerosos do que aqueles roduzidos até agora... A. no se trata apenas da distincia entre os resultados da investi- gagHo € as teses em questio, existem também objeogées... B.. ..como a objecgdo dos gémeos. A. Como a objecgio dos gémeos. B. Entio, para ti, uma argumentagio ou uma teoria exposta a objec- gees deve ser abotida ou carimbada como nio cientifica. ‘A. Uma argumentagio com objecgdes decisivas. B. Uma argumentaséo com objecges decisivas deveria ser abotida, Isso significaria o fim da investigagdo sobre 0 cancro, ‘A. Porque? B. Mais de trinta anos de investigagéo e nenhum progresso decisivo. Seria também o fim do electromagnetismo cléssico. A Porque? B. Porque 0 electromagnetismo cléssico — ou seja, a teoria funda- ‘mental — implica que nao haja nenhum magnetismo induzido. Na 6ptica cléssica, olhando uma imagem situada no foco de uma lente, dever-se-ia ver um buraco infinitamente profundo ¢ no entanto no se vvé nada do género, Na Jeoria quantica dos campos temos 0s infinitos. ‘A. .€ temos a renormalizagio... B. Chamada por alguns fisicos de «artificio grotesco». Quem quer ‘que olhe encontra teorias cereadas de dificuldades ainda maiores — ¢ ‘no entanto sio mantidas, porque os cientistas nutrem a pia f@ de que tum belo dia as dificuldades possam ser superadas. Entéo, porgué chamar a esta pia £€ um eptausivel assunto cientifico», quando falamos 2 da investigagdo sobre 0 cancro ov da teoria quantica dos campos, e tuma «imbecil © irtesponsével superstigior no caso da astrologia? ‘Admitamos portanto que a investigacao € muitas vezes conduzida por impressoes escassamente sufragadas pela evidéncia © apliquemos de igual modo esta. constatagdo a todos 0s argumentos, no apenas aque- Jes que os cientistas acidemtalmente preferem, por qualquer motivo religioso! A. Mas... B. Ainda no acabei! Nota bem que nfo teria nada a objectar se os adversérios da astrologia dissessem: no nos agrada a astrologia, des- prezamo-la, jamais Jeremos livros sobre esse assunto e seguramente nfo he daremos qualquer apoio. Isto & absolutamente legitimo, Nao se pode forgar as pessoas a gostar daquilo que odeiam, nao se pode de modo nenhum forgs-las — e ndo se deveria fazé-lo — a informasem-se sobre 0 assunto. Mas os nossos cientistas, racionalistas e amantes da ‘objectividade, ndo se limitam a exprimir 0s seus gostos, comportam-se ‘como se dispusessem de argumentos © usam a sua considerdvel autori- dade para dar forga &s suas antipatias. Mas os argumentos que utilizam apenas servem para evidenciar 0 seu piedoso analfabetismo.. ‘A. _Esté bem, esté bem, nfo deveria ter invocado © argumento. Sei muito pouco disso. BB, _..mmas comportaste-te como se soubesses muito, quando iniciémos a conversago. E 0 mesmo podemos dizer de todos os cientistas que Se pronunciam sobre matérias de que no tém a mais pélida ideia A. Duvido que existam muitos cientstas assim. B, Desagrada-ine desiludir-te. Da uma olhadela a esta publicagto. E 0 nlimero de Outubro/Novembro de 1975 da revista americana The Humanist (estranko titulo para algo que acaba por ser um esfarra- pado estandarte superchauvinista). Existe uma série de artigos mal eseritos © cheios de erros, que criticam a astrologia. Um destes autores diz: . Os construtores das instalagdes megaltticas tinham essas «nodes ‘ma- feméticas» que Ihe faltam, segundo ele proprio diz. Eles estavam melhor informados e, no entanto, ele e os seus colegas cientistas ndo s6 usaram ‘durante longo tempo a sua ignordncia, mas também os espagos mentais vazios por ela eriados para atribuirem baixas classificagées & «Mente na idade da pedra>. Muitos antropélogos, sendo ignorantes nos campos explorados pelas tribos «primitivas», projectaram sobre elas a sua Dropria ignordncia e inferiram delas uma «mentalidade primitivay, que Produzia «superstigdes», em vez de «resultados cientificos». Do mesmo ‘modo, muites médicos modernos, ignorando a medicina do Nei Ching’, fazem troga da acupunctura e procuram bani-la com meios legais. Ora continua a ler. ‘A. <£ importante que todos aqueles que nfo sio arqueGilogos com- Preendam até que ponto as implicages do trabalho de Thom incomo- dam os arquedloges...» Quem é Thom? B. Um dos investigadores que descobriu uma geometria megalitica mais complexs, uma metrologia ¢ uma astronomia que abrangem um certo conecimento até das nutagdes da érbita da Lua, A. Que € a nutagio? B.A trajectéria da Lua ¢ inclinada em relaglo a ectiptica cerca de cinco graus. Os pontos de intersecgao entre a Grbita da Lua e a eliptica, ‘05 chamados 16s, giram em tomo da eliptica durante cerca de cento © oitenta e seis anos. Ao longo deste periodo, 0 ngulo entre a ecliptica 2 0 Wei Ching € um texo medio chins, subsncilmentehaseado ne especulagdo laotsa, eribuito 2 antigudade mica, mas provavelmenteredigdo no ster iv aC W. do-it) 26 €-4 bia da Lua muda periodcamente a cag ua desas mun. a-se nutagéo. A sua amplitude € de cerca de nove minutos de feo e ino jer conecido pelos sstrnomos da Linde da Pea Oem rer compreenido bem a expicgdo) «08 agueio0s porque niko condiz com 0 modelo conceptual da Pré-histéria usado ialmente no n05s0 século...». Br 'Bom, eto muto.caamente: Atinon ex ih ean err 29 A solugdo € muito simples — que a gente faga aquilo que quer. © que queres dizer? Existem muitas formas de medicina no mundo, Queres dizer feitigarias © coisas semelhantes? Bom, as coisas no sio assim tio simples. Existem muitas formas de medicina desconhecidas para os cientistas, que procedem vulgar. mente, sio baseadas numa espécie de filosofia e foram postas em cireulago por algum tempo. A. Exemplos? B. Os exemplos vém da medicina hopi, da acupunctura, das vérias formas de tratamentos através de ervas que existem quer na Europa quer nos Estados Unidos, curas por sugestdo. ‘A. ..curas por sugestio? Nao estés a falar a sério. B. Que sabes tu disso? A. Bom, no muito.. B. Mas gritas contra, com toda a forga. Ouve um pouco, Existem doengas estruturais, classticadas como distirbios circulatorios pela medicina ocidental, que derivam de uma destocago dos meridianos de que fala a acupunctura. A posicéo dos meridianos pode ser identificada ‘lectricamente, uma vez. que a resistencia da pele ¢ inferior ao longo do meridiano. Descobriu-se que durante © processo de cura por suges- to os meridianos do curandeiro ficam deslocados exactamente como s do paciente — & como se 0 curandeiro transferisse a doenga para si, mas 0 seu corpo ¢ suficientemente forte para vencé-la e assim, no final, tanto ele como 0 doente ficam livres dela. Por outro lado, hi a hhomeopatia, hé hidroterapia e existem muitas outras formas de medi- cina, Todas tm uma coisa em comum: os seus métodos de diagnéstico nao interferem com o organismo € as respectivas terapias nunca sfo tio ‘risticas como as recomendadas pela medicina ocidental, Por isso € aconselhivel experimentar primeiro aquelas A. Ba sério que sugeres a um médico enviar um doente seu a0 bruxo? B._ Repara, caro A, como a tua terminologia mostra que por si 6 quio pouco sabes da histria da medicina e das varias escolas médicas tes. Nao sabes nada da medicina, sabes pouco da ciéncia, mas pensas que a medicina cientifica € que € justa. Estds-te nas tintas para 9 resto, de que aliés nada sabes, mas defendes que ndo é bom, que € Prejudicial ¢ cheio de superstigao, de maneira que the impinges 0 pior Rome que consegues encontrar ¢ falas de bruxos, 0 que — desagrada- -me diz8-lo — revela precisamente a twa ignorancia A. Se tivesses a leucemia, consultaria de facto um daqueles... — bom, no sei como queres chamar-Ihes — doutores, em vez de ires a0 Instituto Sloan Kettering? Prope 30 See S SSS SSS eee oS ee ee ee TSS ee Ee een ro ete pS eg Dedicam-se & investigagio sobre 0 cancro. : oe oreo A ate ub pa are ‘© comega a examinar o que tanto desprezas. Nao Se eae bane i bude ar canine See ae ms tee A. Pelo menos nao fazem investigagio cientifica. H En ee cr on ei, 9 as encore ta oan Pee Sec maa Sea oc pie te ie oreo aetg oe Se ee Pte ccetasam mer ariemae ete wanes snl ts i pos gt anges aeaet eae iacecet conhecidos, so tratados haar dogmas © eat = eee ans cae ect tes coe ce ere Me Sees acne tia cs emer a ‘0 que a moderna medicina cientfica fuz, nao sabemos se é 0 que de oe ate ict et be wt a ee ae a eats en Te ocean Sere Te ree ns par cage eer te wi Sel tt da Sai ts age cae a Sine tc peealee eae ee yeti nes co oe ‘banir qualquer tratamento que nio seja aprovado pelas Se Te eS Bal iret eh pee lidade de escolher o tratamento que querem ¢ ter a possibilidade de fazé-lo abertamente, sem serem obrigadas a entrar furtivamente pela A ern tomate ee anlage ne og re era timc oo wper>pee i g g “Bim alemio, na edigto orginal: «com 0 tm da mais profunda convigtor WN. do rw 3 {que tal confronto revelaria que @ medicina cientiica é uma gigantesca e ccustosa partida de mau gosto que os médicos pregam a si priprios © aos seus doentes, A. Mas quem protegeré os doentes do perigo de tratamentos nfo idéneos? B. Quem os protege agora? ‘A. Os conselhos de supervisio médica B. Os conselhos de supervisdo médica certificam-se de que 08 doen- {es so mutilados pelo modo oficialmente reconhecido, nio 0s protegem de certeza dos procedimentos oficiais. Ao que parece, pensa que quem ‘quer que se submeta a uma terapia ciemtifica é salvo, enquanto que todo aquele que se submeta & acupunctura arrisca a vida, Mas é 0 con- twario que € verdade, Os cultores da acupunctura, os herboristas, 05 curandeiros no usam os raios X, 0s produtos quimicos, as drogas, as biopsias, ndo praticam a cirurgia. A sua cura —e isto € sabido — pode ser ineficaz em certas situagdes, mas nunca faz mal. Néo mergulham s mos no corpo, no perturbam as suas fungGes naturais, Assim, as pro- babilidades de um mau tratamento sio bastante inferiores quando se trala de «bruxos», do que na medicina cientifica. Podes comparar as duas coisas com um banho t$pido © com a tentativa de retirar a sujidade superficial com fortes substincias quimicas, respectivamente. E além disso hd uma outra coisa: 03 doentes, actualmente, tém muitas vezes de escolher entre opinides médicas alternativas. Ento porque no alar- gar & sua escolha e optar entre sistemas médicos alternatives? Assumi- Fiam as consequéncias, € por outro lado ninguém nos garante que a medicina cientifica tenha dado a resposta justa, existem antes boas razies para ter medo das curas aconselhadas. Além disso, os sistemas médicos alterativos sfo muitas vezes componentes importantes. de ttadigSes completas, estdo relacionados com crengas religiosas ¢ dao significado a vida de quem pertence a essa tradigo, Uma sociedade livre € uma sociedade em que todas as tradigées gozam de direitos iguais, independentemente do que detas pensam as ourras tradicées. O respeito pelas opinides de outrem, a escotha do mal menor, a probabilidade de fazer progressos — todas estas coisas levam a que se permita que todos ‘os sistemas médicos entrem em livre e aberta concorréncia com a cigncia, E com isto respgndi & pergunta de que partimos: quem pode estabelecer 0 que significa estar doente e estar sio? Tu disseste: os médicos, os médicos de formacio cientfica, Eu direi que a saide ¢ a doenga devem ser determinadas pela tradigdo a que pertence a pessoa, ‘quer esteja doente ou sa e, além disso, pelo particular ideal de vida que, ‘no interior desta tradigao, 0 individuo estabeleceu para si proprio. Estas formas particulares de vide podem ser estudadas cientificamente s6 32 sido «compreendigas» © devem ser compreendidas are sc spend uma gua, partcpando nas actividades de ae 6 cons titulda, Aqui emergem muito claramente as vantagens do velho mé- ddico de familia, que conhecia os seus doentes, as suas idiossincasias teas suas convicgoes: sabia do que € que eles precisavam ¢ tinha apren- ‘ido a tomar as medidas necesstrias. Comparados com le, 0s tmodemos médices «cientificos» s80 como ditadores fasistas que im- ‘em as suas ideias de sade e de doenca com o pretexto de uma terapia ‘hue, na maior parte dos casos, é um exercicio de fullidade. V8 assim GGuanto € necessério, por todas estas razies, combinar 0 ensino, ou @ presentagdo de novas perspectivas, com expedientes protectors, Um dom professor nio s6 fard aceitar aos outros uma forma de vida, mas fomecer-Ihes-& também os meios para que. possam vé-la em pers- pectiva etaver até refud-ia, Procurard simultaneameate infuenciar © proteger. Nio faré apenas propaganda das suas ideias, mas acrescentaré tim ingrediente que as tome menos letais © que proteja as pessoas da véncia. ; Frepece € uma teria extremamente absurda — una impossibildade psicolégica! Queres introduzir novas ideias, viraste para um ambiente host, ponanto deves defender as tuas ra76es 0 mais energicamente possivel E no entanto queres acrescentar as munigGes que os teus jversérios jé possuem.. qhrentten Pence devem ser dessa! Admto qu © meu objectivo pode ser uma uiopia, Mas repara, nfo quero de modo rnenhum substituir os mantacos de uma espécie por maniacos de uma expécie diferente: os hebreus pelos erstios, os dogméticos pelos cépti- coe, 08 cientistas pelos bucistas. Quero pér fim a todos os fanatismos & f todos 08 comportamentos fhumanos que encorajam a Youcura e facili- tam osc do es ons ue comy 10 estés 3. Sto omporzmentes com que ine defonto constantements du- rante as minhas viagens ¢ as minhas ligbes. Digo As pessons que cerios todos de organizar a sociedade no estio de acordo com o bom senso 6 ave os arguentos a favor desta one a Ho wos. ngand-los & tua manera Nao Be sass ao tves por ees defends, usando argumentos aque eles compreendem, © demonstro que as teses nfo funcionam, precisamente a partir dos seus critri. E a pergunta que me diigem Sempre €: «Que fazemos agora?» A. Uma pergunta legtima, B. Entre gente adulta? ‘A. Nao estés a falar de estudantes? 33 we i pe =e EgSewrieerate ase States ion ener Professores, ou o que quiseres, em ces pastores. : Se oe A. Como aprender alguma coisa de outra maneira? : oma aa ee as enee ‘que sio tolerantes, nao impéem e Seman a0 os piores, gerrdagna ee A Soe Slew pt oan a B. Agora dispomos de métodos diferentes. fempon a Tot ap sat cae te ce oe conte ee Tamme aes eae ——= a ae Z modo que 0s téus professores modestos e simpéticos ha St i ng a Bara tudo © que seja ensinado, inclindo as chamadss virtudes PPE>e> o> wpe 34 A. Queres dizer que tens também objecgdes a fazer contra o ensino do mais elementar sentido cfvico? B. Claro que sim, se as tend&ncias humanitérias nto sio relativizadas fe se as pessoas no sio adequadamente protegidas, enquanto se dedicam & aprendizagem. ‘A. Bom, como pensas que se pode viver em conjunto, senfo confiando fem qualquer prinefpio fundamental? ‘Como fazem as pessoas para no chocarem na estrada? Existem as leis do c6digo da estrada. Por exemplo, guiar sempre & direita? Sim. E esti vinculadas « estas leis? Bom, & necessério respeité-las Quero dizer o seguinte: pensa-se muitas vezes que guiar & direita 0 tinico modo de proceder, que ¢ uma actividade essencialmente humana, enquanto guiar & esquerda € indecente, irracional, pecaminoso € injusto? ‘A. Naturalmente que nfo — ¢ agora virks dizer-me que também as ideias de honestidade, decéncia, verdade deveriam ser entendidas do ‘mesmo modo, como convengdes necessérias para prevenir contra 0s acidentes rodovidrios na sociedade de massas. B. Nao exactamente, Néo quero explicar apenas a fungo que desem- penham actualmente, quero também que se saiba qualquer coisa dos seus préstimos passados, quero que se saiba o que se obteve com a sua ajuda e 0 que se perdev quando estas nogoes foram introduzidas ¢ impostas. E necessétio conhecer-Ihes as vantagens e as desvantagens. ‘a fazet quando individuos. ov grupos pparticulares escolhem viver inteiramente em funcdo dessas nogdes, {quando escolhem ter como objectivo a verdade, estando-se nas tintas para o resto, Tém esse preciso diteito. Mas contesto que manias circunscritas se tomem instituigSes para a sociedade inteira, ‘A. Contestas 0 espirito humanitario? B. Oponho-me & iniciativa de tomar as tendéncias humanitérias parte integrante da ideologia social. De qualquer modo, deixamos que as pessoas oigam falar delas, que os pregadores humanitérios procurem convencer que esse € 0 Unico credo digno de consideragio. A. Bom, que outro existe? B. 0 temor de Deus, por exemplo, ou a harmonia com a natureza, isto €, com todos os seres vivos, no apenas com 0 homem. Um espirito humanitirio esti imediatamente pronto a maltratar 0s animais, 2 fim de encontrar remédios terapeuticos para si préprio, enquanto que uma pessoa que respeite todo o reino da natureza nega que o homem Spor e>e 35 EEE See Eee ee Se oC ESSE Cee Pence eee tenha o dircito de submeter as outras espécies aos seus caprichos, ainda que isso nfo the seja favordvel. ‘A. Mas se nko se ensinam as virtudes, como & possivel que as pessoas Vivam em conjunto sem se matarem umas 2s outras? B. Nao disse que as virtudes nio deviam ser ensinadas, disse que everiam ser ensinadas tal como as regras de trinsto ‘A. Isso significa desejar que as pessoas ajam como se fossem virtwo- sas sem no entanto 0 serem. B. 0 que € 0 suficiente para que uma sociedade funcione harmonio- samente. ‘A. Por exemplo, nio queres ensinar 0 respeito pela vida humana, contentas-le que nao se matem uns aos outros. B. Poderia ser um exemplo. A. Queres uma sociedade composta por impostores ¢ comediantes. B. Se as pessoas desejam mentir em sectores no regulados pela lei, Por exemplo quando néo so testemunhas perante um tribunal de justia, isso € com eles. Além disso, o que recomendo nio induz automatica ‘mente & mentira. Se a lei impede de matar — e esta seria uma espécie de regra de transito, como disse — € necessério apenas que se obedega 4 lei, sem cuidar das razdes por que tal se faz. Uns podem mentir em relago aos préprios motivos, outros podem admitir que thes agradaria ‘matar a todos, mas que niio sabem por onde comegar, outros ainda podem confessar que nutrem rancor em relacio a alguém que muito gos- tariam de matar, mas nfo o fazem por detestarem a prisio. ‘A. Mas como poderia funcionar uma sociedade scmelhante? B._Os crimes seriam punidos e um forte corpo policial garamtiria o respeito pelas leis. ‘A. De modo que o teu aparente liberalismo revela-se circunscrito &s ideas. Na sociedade de massas a repressio seria t8o violenta como antes. B. O césigo da estrada € repressivo? AL Nao, mas... B. Eno entanto deve set respeitado e alguém se deve encarregar dos transpressores. Tu quetes transformar todos em «zombies» de virtude. Nio te apercebes de que se por acaso a educaglo obtivesse esse efeito seria 0 instrumento mais opressivo do mundo? Acabaria com todas as componentes do ser humano que no se conciliam com a virtude, trans- formando uma pessoa capuz de escolher entre Deus ¢ o Diabo num computador que faz sempre a coisa certa. Significaria matar as pessoas coneretas ¢ substituf-las por ideias personificadas, Nenhum tipo de educagio conbecido hoje produz.tais efeitos e esse € 0 motivo por que temos tide sempre necessidade da policia, A educagio em que pensas eliminaria as restrigdes extemas que controlam 0 comportamento, mas 36 deixam as mente esas da lavagem a0 ceo, que domina toss a8 stagonenes dx pesonaidae-£ fill ver que procedimeno € mas i iberdade eeu que mandamentossram nroduzios na tus sociedad? By Nao cabot mim dete, di espa pessoas ue ivem ma focitade Ean proposts mudaia com 4 evlugso da siuasdo tan Sea necesito aoptar ompromison, tera dese achat © justo equilibrio. ae econ base em que cries chamaras & um equilfro 0 justo» equilforio? Bi Nao sere ov a defini asim, a tart dita respito aos ineres- saidos que o definiriam como «justo» com base em critérios inventados fazer frente & situagdo contingente. fa a ea a ae lg ‘mas mal alguém te dirige uma pergunta mais precisa, respondes que nfo é da tua conta fazer propostas. BO wouto entendimente, plo contrério — erefiro-me at a0 tus amigos imelectuais — € 0 de desenvolver teorias, sistemas éticos, filosofias humanitéras e tudo © mais que tendes na gaveta e impd-los ‘tos outros sob a méscara da © «objectivo» para deserever 0 modo como as coisas te apareciam, nio como eram efectivamente: Disseste que o tom cinzento percebido subjectivamente te «surgia como uma superficie fisica, como um cfu numa clara noite de Vero», nao obstante estarmos de acordo que essa superficie nio existe de facto, Pensas que as tuas sensagées de célera poderiam mudar de modo semelhante? ‘A. Estou certo que sim. No fim de contas, digamos que alguém estava «edominado pela célera> ou «perturbado pela angistian, isto indica que a experiéncia da célera ¢ da angistia deve ter sido num certo momento mais decisivamente «objectiva» do que hoje parece. B. Surpreender-te-ias se te dissesse que 0s Gregos viviam a célera e (0s sonhos guardando deles a mem@ria de acontecimentos objectiva- mente ocorridos, talvez contra a sua propria vontade? ‘A. Nao me surpreende absolutamente nada. B. Entio, demos mais um passo em frente. Antes, quando observaste pelo microscopio, tinhas ideia do que podias ver? A. Certamente, Tinha lido livros de biologia ilustrados com imagens formidéveis representando toda a especie de fantésticas criaturas B. _E, embora essas imagens fossem muito nitidas, quando olhaste a0 microseépio no viste nada que fosse, mesmo que vagamente, seme- Thante ‘A. Sim, para grande desilusio minha. B._ Mas ensinaram-te e as tuas impresses mudaram até se tomarem estiveis € objectivas, A. Sim - B. _E se tivesses sido educado com 0 microse6pio nos olhos, a5 tuas impressdes teriam sido estaveis desde o inicio, pelo menos desde 0 primeiro momento que consegues recordar. A. De acordo, B. _Entio, pensemos nos deuses de Homero. Sio descrites ou represen tados em algum lado? 66 A. Sim, a Mada © a Odisseia estéo cheias de descrigies ¢ cxistem representagdes ¢ estétuas nos nossos museus. B. As descrigfes e as representagées si claras © bem definidas? A. Siio estranhas, mas de facto clarissimas e bem definidas. B._E no entanto no temos a experiéncia de nada que seja, mesmo que vagamente, semelhante. A. Creio que sim: os deuses nio existert B. Nada de precipitagdes, meu amigo, nada de precipitagses! Recorda que por enquanto estamos a falar de fendmenos, nB0 da «realidade> E lembra-te também da tua propria descriefo da percepglo subjectiva do cinzento: «surgia como uma superiice fisica», apesar do facto de 1s pessoas fechadas num quarto eseuro nfo estarem circundadas por uma superficie desse tipo. Entio repito: temas descrigdes claras e distin- tas dos deuses, mas nio existe nada na nossa experiéncia que se asse- melhe, ainda que vagamente, aos objectos dessa descriglo. Por conse guinte, podemos aprender a ver 0 mundo em conformidade com as descrigdes. A. E agora estés a querer convencer-me de que com a instrugdo se pode adquirir a capacidade para experimentar fenémenos divinos? B, Precisamente, Mas, mais uma vez: a situacio ndo é nada simples. Recorda a minha adverténcia acerca da danga da chuva: as ceriménias 86 funcionam se antes se do as circunsténcias apropriadas. Devem existir associagdes tribsis do tipo certo, acompanhadas pela atitude certa. O mesmo se aplica a este caso, Pode ser difictlimo, ¢ talvez impossivel, que tm vejas os deuses ou experimentes 0 seu poder. Os ‘0 position paper foi pudicado como primeira pare de Progress and Rationality in ‘Science. oganizato por G. Radnitaky e G. Andersson Boston Studies inthe Philosophy ‘of Science, wo. 58), D. Reidel, Dordrecht, 1579 lad. it de F. Votaggio, Progreso © rationale dela scienca, Armando, Roms, 1984. O poston paper de que s ela conte a intervengin de suns episembloges da London School of Beonomics, que ilstram a ‘caractristicas salentes da posigio defendida pola escola que perencem. (N. dT.) 8 nos nossos hospitas ainda se morrer, so pouguissimos os cas0s em que se morre sem diagndstico»: o conhecimento avanca, ox conteidos ftumentam ¢ os doentes morrem porque os médicos de formagio cienifica e os seus desinformados defensores, os fil6sofos da ciéncia, preferem ser «cientificos» a ser humanos. E esta é uma das razdes por (que sugiro tirar os problemas fundamentais, incluindo os episte- Imoldgicas ¢ metodoldgicos, das mics dos especialistas (médicos, {ildsofes da ciéncia, etc, ec) e remeter para os cidadaos a responsa- bilidade da sua solugdo. Aes especilistas estaré reservada uma fung3o ‘consultiva, serio interpelados, mas nfo terfo a tihima palavra.fniciativa dos cidadéos mais do que epistemologia — € 0 meu slogan. A. Queres dizer que os profanos deverko decidir sobre assuntos cientficos? B. Presume-se que os profanos possam decidir sobre o que diz respeito a0 que os envolve, ¢ sobre o qual os cientistastém opinides, que seriam seguidas por tudo aquilo que seria conforme aos seus desejos. A. 0 que nfo deixaria de criar um caos B. Isso 6 0 que voces dizem porque querem conservar 0 vosso poder sobre as cabegas e sobre as carteiras que roubaram a0 péblico com falsas pretens6es e falsas promessas. A. Falsas pretensdes? B. Lembrate da astrologia. A. Nao recomecemos. B. Nio, a astrologia € um excelente exemplo, é uma ameaga & autoridade da profissio cientifica. O que fazem esses doutos senores? Examinam a matéria? Nao, Péem em prética uma «investigacdo objec tives? Nao, Censuram 0 assunto sem 0 ter estudado. Tu receias talvez a distorges que a entrega do conhecimento as decisGes politicas pode provocar — mas ele jé foi distorcido pelos guardives do conhecimento @ chegou o momento de estes guards serem mantidos sob 0 controlo do piiblico, Por ovtro lado, hd 0 caso da medicina. As organizagbes médicas, como a AMA nos Estados Unidos, esforgam-se espasmodica- mente por encaminhar o dinheiro para si prépeas, fam assim seguras de que as priticas médicas altemativas nfo s6 so mantidas em pouca estima, mas so ainda proibidas por lei. ‘A. Mas as pessoas tém de ser proteridas! B. Id 0 disseste hé pouco. E eu respondi que devem também ser protegidas da medicina cientifica. De facto, a protecgio por este tipo de pritica & ainda mais necesséria, uma vez que & muito mais perigosa do ‘Que qualquer outra altemativa. Os seus métodos de diagnéstico sto perigosos, as curas — ou chamadas curas — sto muitas vezes drésticas, & percentagem de incidentes nos hospitais € mais alta do que em qual- 9 {quer outro sector industrial, exceptuando apenas as minas © a5 cons- trugbes de altura elevada. «Com uma tal supremacia no seu activon, ‘escreve a este propésito Ivan Illich, «um oficial militar seria afastado do comando e um restaurante ou um lugar de diversio seriam fechados pela policia.r Além disso, 0s médicos, em muitos casos, exprimem pareceres diferentes, de modo a que a responsabilidade da decisio recaia sobre 0s doentes ou sobre os seus familiares. Nao cometerio penosos erros? Sim, naturalmente cometerdo, mas 0s seus erros nao sio mais graves do que 0s dos especialistas, como demonstram todos 0s processos em que esté presente um jiri popular. Presungosos especi listas vo testemunhar; so interrogedos por um advogado, que € um ‘rofano, e acontece muitas vezes que nao sabem 0 que dizem. O pro- ‘eesso que faz uso do jri popular é uma insttuigo que decide um caso com @ colaboragio dos especialistas, mas sem deixar a estes a ultima palavra, A mesma precaugo poderia ser aplicada & sociedade em geral pelos motivos que acabémos de ver € por outros ainda. As pessoas tém 6 direito de viverem no mundo que consideram oportuno, © que sig~ nifiea que a todas as tradigGes presentes numa sociedade devem ser da- dos iguais direitos ¢ iguais oportunidades para acederem a0s centros de poder da propria sociedade. As tradigdes nao impticam apenas regras Gticas e religiosas, mas também uma cosmologia, habitos medicinais, ‘um ponto de vista sobre a natureza do homem, etc. Dever-se-ia entio pemmitir a qualquer tradigio praticar a sua medicina, deduzir dos impostos as despesas médicas suportadss, instruir os jovens com os seus mitos fundamentais. Como jé disse, trata-se de um direito elemen- tar que deveria ser tornado efectivo. Secundariamente, as condigdes de vida que se verificam noutras tradigBes fomeceriam informagdes absolutamente necessérias sobre a eficécia da ciéncia, Disse antes que para verificar a eficécia da medicina modema sio necessérios grupos de controlo. AA dificuldade consiste no facto de nio se poder obrigar as pessoas a abandonarem uma modalidade terapéutica considerada importante. Mas, se a todas as tradigGes fossem concedidos iguais direitos, muitas pessoas escolheriam de vontade espontinea formas altemativas de medicina, de psicologia, de sociologia, etc, facultando por conseguinte o material sobre que efectuar 0 confronto. Além disso, ‘5 especialistas no integfeririam mais nos cidadios ¢ nos maiores problemas sociais. Problemas tais como a construgdo de pontes, 0 uso do nuclear ¢ © méiodo para verificar as inclinagdes dos presos seriam resolvidos pelos proprios cidadios. A filosofia da ciéncia tomar-se-ia supérflua. Els nao é itil as ciéncias, deturpa os seus processos, enfrenta problemas que s6 foram levantados por causa de uma aproximagio equivoca, engana seriamente as pessoas ¢ esbanja mithies de dinheiro 80 pablico. © privilégio do racionalismo crtico na Alemanha, com a conse- quente estagnacdo da investigacdo, consttui também um bom exemplo. Os grandes problemas nio sio resolvidos pelas Grandes Teorias confor- mes aos Grandes Modelos das Grandes Partes, so resolvidos demo- craticamente, informando os interessados, organizando iniciativas de cidadios e procedendo de acordo com 0 resultado do voto. ‘A. Isso levaria seguramente uma grande quantidade de estépidos debates com consequéncias ridiculas, B. _Estou de acordo. Mas haveria ainda uma diferenga importante. Os debates envolveriam as partes em causa ¢ as consequéncias ridiculas seriam produzidas e compreendidas pelos participants, no pelos pou- ‘cos especialistas que falam entre si numa linguagem incompreensivel para o$ outros. De facto, nao devemos pensar nem por um instante que as chamadas consequéncias produzidas pelos chamados especialistas $80 menos ridiculas. Basta assistir a uma conferéncia de filosofia ou de filosofia da ciéncia: € dificil acreditar que hoje a nossa elite intelec- tual» produza certas coisas absurdas, ¢ & custa dos contribuintes, além do mais, Na verdade, 6 dificil acreditar nas coisas absurdas que 08 ‘grandes homens de todas as épocas produziram ¢ 6 dificil darmo-nos conta do quanto 0 piblico € geralmente ingéauo. ‘A. Nao parece teres muito respeito pelos guias do género humane, 1B. Ni tenho muito respeito por aqueles que querem passar por guias cow permitem a formagao de escolas susceptiveis de produzir tais «eguias». Pelo contrério, penso que os chamados «educadores» do gé- nero humano so apenas criminosos sedentos de poder que, insatisfeitas nna sua personalidade mesquinha, querem reinar sobre as mentes dos ‘outros ¢ fazem tudo 0 que podem para aumentar 0 nimero de eseravos. Em vez de reforgarem a capacidade que tém os seres humanos para ‘encontrarem por si préprios © caminho, usm a sua fragueza, o seu desejo de aprender, a sua confianga, para reduzi-los a manifestagdes ‘em came e 0380 das suas insipidas fantasies. O primeiro dever de um mestre € avisar quem o ouve de que conta uma histéria que the agrada © que soa bem, mas pela qual os seus auditores nio devem ficar fascinados. © primeiro dever de um mestre é dizer a quem 0 escuta: +s sabcis muito mais do que eu, mas achais talvez que o que vos conto indo é enfadonho, Ou pode recorter ao humour para diminuir o impacte intelectual que a histéria pode provocar, uma vez. que € certamente ‘melhor ver pessoas que riem do que estar perante um grupo de macacos de boca aberta. ‘A. Verifico que nao tens muito respeito pelo préximo. B. Pelo contrério, admiro e respeito muitas pessoas, enquanto que apenas pougu{ssimos intelectuais me merecem respeito. Admiro Mar- 81 Jene Dietrich, que atravessou com estilo a sua longa vida ¢ ensinou algumas coisas a muitos de nés. Admiro Emst Bloch, porque fala ‘com a Tinguagem das pessoas comuns ¢ valorizou 0s. sugestivos testemunhos de vida oferecidos pela gente € pelos seus poetas Admiro Paracelso, porque sabia que 0 conhecimento sem coragio € uma coisa vazia, Admiro Lessing pela sua independéncia e pela sua propensio para mudar de ideias, admiro-o também pela sua hones- tidade, uma vez que € uma daquelas rarissimas pessoas que sabem ser simultaneamente honestas e espirituosas, que fazem da hones tidade 0 principio que guia a sua vida privada e no a usam como bbastio para levar as pessoas a submissio, nem como exibigio especta- ‘cular para divert a assisténcia. Admiro-o pelo seu estilo livre, claro, vvivaz, verdadeiramente diferente da consciente e, de qualquer modo, Jif petrificada simplicidade e literariedade do conhecimento objectivo, apenas para dar um exemplo. Admiro-o porque era um pensador sem doutrinas © um estudioso sem escola — todo 0 problema, todo 0 fenémeno de que se aproximou era para ele uma situagio tinica que devia ser explicada e esclarecida de modo ‘nico. Nio existiam fronteiras para a sua curiosidade © nenhum scrtérioy limitava 0 seu ensamento: permitia que pensamento © emogSes, f€ e conheci- mento colaborassem em cada investigagio particular. Admiro-o Porque no estava satisfeito com a iluséria clareza, mas percebeu que a compreensfo era muitas vezes obtida através de um ofuscamento das coisas, através de um processo em que p>y 85 A. Neste caso, certamente que tratarei de discutir isso com o meu amigo — a amizade nio é algo a que se deva renunciar com ligeireza. B. Estou de acordo. Entéo falarias com ele. Mas chegarias sempre a ‘uma conclusio aceitivel para ambos’ Ser-se estranho um para o outro significa incapacidade de compreensio profunda e assim a i poderia ndo servir para nada e poderia mesmo ser penosa... ‘A. Nao ficaria certamente por af. B. Bom, nio poderiam continuar infinitamente; a uma certa altura teriam de admitir que no tinham mais nada a dizer um ao outro; entio, ‘© mais razoével seria acabar e cada um seguir 0 seu caminho, A. (silencioso) B, Percebo, deixei-te nervoso... ‘A. Bem, so coisas que sucedem. Mas o que € que isso tem a ver com ‘nossa questio? Com a tua recusa em manteres uma posigio coerente? B. Dirte-ei dentro de momentos. Pensa num amigo que se tenha Ientamente tomado um estranho. Encontra-lo todos os dias, conversas ‘com ele ou com ela, mas s30 cada vez menos as coisas que podem discutir em conjunto, os interesses que partilhavam desvanecem-se lentamente, aborreces-te ¢ vés sinais de aborrecimento da outra parte, 0 teu comportamento muda, ¢ muda também o que dizes aos outros do teu amigo... ‘A. Estou de acordo em que isso acontece; mas quando sucede, é necessério procurar descobrir 03 motivos. B. Os motivos nio tém importincia — estou a falar exclusivamente do processo, Pode acontecer que 0 tet amigo tenha tido ocasido de conhe- cer gente nova, que tenha mudado ligeiramente o seu modo de ver, 0 seu 0 seu rosto, independentemente do facto de alguém o olhar ot n&o. A. Sim, B._ Mas sabes sem diivida que o mesmo resto, inserido em historias diferentes, pode ser lido de manciras diferentes, ‘A. O que € que queres dizer? B. Suponhamos que temos & disposigo © desenho de um rosto sorridente. Agora inseramo-lo num texto que diz «.. Por fim, segurava 2 criatura nos bragos — seu filho, © seu tnico filho! Othava-o tema- mente ¢ sorria..» — bem, o leitor interpretaré a ilustragio como a imagem de uma pessoa cujo rosto exprime um temo sortiso. A. E entio? B. Depois aproxima o mesmo desenho do seguinte texto: «.. por fim (© seu inimigo tinha-se prostrado a seus pés, pedindo humildemente piedade. Inclinou-se para ele com um sorriso crucl ¢ disse...» — neste ‘caso «exactamente o mesmo» desenho seri lido com expresso de um sorriso cruel. Um rosto, afin, pode ser lido de maneiras muito diferen- tes, segundo a situacao... AL Mas B. Um momento. Deixa que te dé ainda outro exemplo! H& muito tempo spaixonei-me loucamente por uma senhora jugostava, uma ex-camped olimpic: A. Owvi falar das tuas aventura 87 OL B. Bisbilhotices maldosas, de certeza! Bem, quando a histéria come- {gou, eu tinha vinte © oito anos € ela quarenta, Ficémos juntos cerca de um ano e depois deiximo-nos. Fui para Inglaterra e depois para ‘05 Estados Unidos. Quando ela tinha cerca de sessenta anos, fui pro- ccuré-la, Toquei & campainha, a porta abriu-se © no interior havia uma equena senhora gorducha e grisalha. «Ah», disse para mim préprio, ‘arranjou uma empregade> — afinal era ela e, mal me apercebi disso, ‘0 seu rosto mudou ¢ toma-se rosto mais jovem de que tenho memé ria, Um outro exemplo: nos Estados Unidos casei com uma mulher muito mais jovem do que eu € muito atraente. O casamento no foi bem sucedido, ‘A. Certamente que a culpa foi tua! B. No penso que tenha sido culpa de alguém, ainda que admita que sou uma pessoa com quem é dificil viver. Seja como for, apés algum tempo, jd nio me parecia to bela. Um dia fui a biblioteca espreitar na secgao dos jomais e H4, & distincia, vi uma senhora muito atraente, Naturalmente que me aproximei, mas era precisamente a minha mulher no momento em que me dei conta, ela mudou e 0 seu rosto torna-se apenas uma cara como qualquer outra. ‘A. Como dom Juan e dona Elvira. B. Exacto! E uma excelente comparagio! Um terceiro exemplo. Al- guns anos airds, dirigia-me na direc¢io de uma parede, quando vi um tipo pouco recomendavel avangar na minha direcgo, «Quem seré aguele vagabundo?» interroguei-me — depois descobri que a parede era na realidade um espelho € que eu me estava a olhar @ mim proprio. Imediatamente 0 vagabundo se transformou num tipo de aspecto ele- gante ¢ inteligente, De maneira que, como vés, nio se pode falar do Sorriso «abjectivo» de uma pessoa e, como as relagbes humanas slo compostas de sorrisos, gestos e sensagdes, a amizade «objectivay € uma ‘nogdo tao impossivel como a de grandeza intrinseca: as coisas so grandes ou pequenas relativamente a outras coisas, nfo em si mesmas, Um sorriso 6 um sorriso para um observador, no em si e por si. A. Mas as relagdes podem ser objectivas, a teoria da relatividade demonstra que... B. Ni, se os elementos entre os quais se instaura a relagio estio implicados num processo histérico que produz novos acontecimentos! Neste caso podemos descrever uma fase particular da relagio; nto podemos generalizar, uma vez que nfo existe qualquer substrato Permanente que contenha caracterfsticas permanentes e objectivéveis. Considera por exemplo a histéria da retratistica no Ocidente, da Grécia arcaica até, suponhamos, Picasso, Kokoschka e os fot6grafos modernos, E ndo cometer 0 erro de supor que estas imagens revelam aquilo que as 88 pessoas viam, quando olhavam para os outros — as poucas historias que te contei mostram de modo evidente, pelo menos para mim, que jamais saberei como me vés tu, como eu priprio me vejo e, por conseguinte, jamais saberei como sou «realmente» ou, do mesmo modo, quem scealmente» 6 outra pessoa qualquer. No que me diz respeito, todas as tentativas de auto-identificagio tiveram apenas como resultado cristali- Zar um certo aspecto, mas nio revelar uma «realidade» independente desse aspecto, Pirandello fala muitas vezes destas coisas, por exemplo no seu Enrico IV: «Ai de v6s se vos afundastes como eu a con cesta coisa horrivel, que leva verdadeiramente & loucura: que estais a0 Jado de alguém, e'0 olhais nos olhos — como eu olhet um dia certos olhos; podeis representar-vos como um mendigo diante de una porta em que jamais poder entrar: quem af entra no sois vs, com 0 vosso mundo dentro, como 0 védes ¢ 0 tocais; mas um desconhecido para v¥6s, como um outro no seu mundo impenetrével nos vé € nos toca»! Assim, tudo 0 que sc pode fazer ¢ relatar as. prOprias impres- s6es, contomar estas narragGes com alguns comentérios e esperar 0 melhor. ‘A. Mas isso 6 absurdo, B. Naturalmente que sim! Vivemos num mundo absurdo! ‘A. Espera um momento! Espera um momento! Estamos a falar destas coisas e vamos ao Gmago da questdo, Pensa num actor — parece-me que 08 actores te agradam, B. Eevidente. Criam ilusbes e sabem-no, enquanto que 0 teu fildsofo ‘médio, mesmo conhecendo bastante pouco da arte da simulagdo — uma simulagdo intelectual, neste caso — é levado pela ilusio de ter encon- trado «a verdade> ‘A. Bom, obviamente no estou de acordo contigo, mas no quero iscutir isso, O que quero dizer € que a tua observagio refuta a presumivel coisa absurda que afirmaste. Como tu dizes, um actor era tuma ilusio. Como procede? Parte de uma ideia geral da personagem ‘que se dispée a representar, pensa nos vérios pormenores como os gestos, 0 modo caracteristico como a personagem caminha € fala; utiliza a simulagio com grande cuidado para obter 0 aspecto adequado. Ele tem um objectivo, um procedimento ¢ uma medida para julgar os resultados. Juizes, advogados, queixosos ¢ acusados fazem aquilo que fazem e dizem aquilo que dizem porque saber discemir 0 que esté & suceder; tu respondes-me de uma certa maneira porque pensas confun- ). O imperador do centro era conhecido como Hun-t'un {caos]. Uma vez os imperadores do Sul e do 92 Udade -— frum 4 stad satisftsrios (7 gh Norte decidiram visitar os territérios de Hun-t'un, onde o encontraram, Hun-t'un recebeu-os cordialmente, Shu e Hu trocaram impresses acerca da melhor maneira de mostrar asua gratidao. Disseram: «Todos os homens tém sete aberturas — 0s olhos, as orelhas, a boca ¢ 0 nariz — através das quais ver, sentem, comem ¢ respiram. O pobre Hun-t’un, 0 contririo dos outros, € completamente compacto, sem nenhuma abertura, Deve achar isso muito incémodo ¢ embaragante. Por isso, em sinal de gratidio, trataremos de fazer-lhe alguns Duracos.» Assim, fizeram-Ihe em cada um dos dias seguintes um novo buraco e no sétimo dia Hun-’un morreu. ‘No ¢ esta uma excelente metéfora da colonizagio e do «desen- volvimento» — com a diferenga de neste caso a motivagio ndo ser a ‘gratiddo, mas antes a presungio © a avidez? ‘A. Nao vejo de modo nenhum a ligagao. B. Bom, nem todos reagem do mesmo modo a uma narrativa. No que me diz respeito reagi vigorosamente e vi imediatamente a ligagio. ‘A. Isso significa que tem a ver com impresses subjectivas ¢ no com © conhecimento! B. Chamalhe 0 que quiseres — trata-se de um procedimento que desempenha uma fungao importante também nas ciéncias A. Nao creio! B. Nunca ouviste falar das supercordas e da chamada «Teoria de todas as coisas»? ‘A. If ouvi falar desses termos, mas no fago ideia a que teoria dizem respeito, B. Bom, 6 uma tentativa —e segundo alguns urna tenativa muito ‘conseguida — de fazer derivar as propriedades do espaco, do tempo € ‘da matéria de uma tinica teoria fundamental. A teoria no é completa, uma vez que, por exemplo, nada tem a dizer com as particulas elemien- tares; no entanto deu resultados muito interessantes. Segundo a opiniio de muitos fisicos, 6 s6 questio de tempo, antes de virem 3 superficie também os pormenores. Pelo contrério, outros fisicos definem a teoria como «extravagante e orientada na direc errada», Richard Feynman, ‘numa entrevista & BBC, que foi depois publicada num pequeno volume muito interessante, declara 0 seguinte: «Nao me agrada que no fagam céleulos, Nio me agrada que no submetam a controlo as suas ideias. [Nao me agrada que, sempre que as experiéncias no concordam com as teorias, se invente uma explicagéo, um remédio, de modo a dizer-se “Bem, pode ainda ser verdadeira..”»° ¢ assim por diante. > P. GW. Daviesd. Brown (orgs), Superstings, Cambridge University Press, Combe, 1988, pg. 194, 8 eS ee SS SS Se ST SS SS EEE EEE EEE eee eMPEeE eee ere eee ere eee ere eee eee eee eer eee eee A. Ponqué, no & uma critica vatida? B._ Sime nfo! Jamais uma teoria esté completa; qualquer tcoria, como qualquer narrativa, € susceptivel de melhoramento. Além disso, nas primeiras fases uma teoria encontra muitos factos contrétios e, repara bem, estas «primeiras fases» podem durar meses, anos e até séculos. A. Séoulos? Podes dar um exemplo ou estés a exagerar como de ‘costume? B. _ Nao, tenho precisamente cm mente um exemplo: 0 comportamento de Jupiter e Saturno parecia escapar ao alcance da teoria newtoniana, até que Laplace encontrou a solugdo. Newton sabia da discrepéncia uusava-a como argumento a favor da interferéncia divina. Posso acres- centar um exemplo ainda melhor: a teoria atémica foi concebida na Antiguidade, no século V a. C., ¢ foi refutada por Aristételes... A. Aristteles refutou 0 atomismo? B. Tinh argumentagSes excelentes contra esta doutrina, retiradas em pparte do senso comum e em parte da fisica da época. E ele no foi certamente 0 éltimo a levantar objeeg6es contra o atomismo; os cientis- {as argumentaram contra 0 atomismo até ao século XIX. Ainda hoje ‘existem pessoas, ¢ pessoas muito inteligentes, que continuam a trabalhar neste sentido. A. Acontece que o atomismo teve sucesso. B. Sim, em certa medida; mas © mesmo aconteceu as suas alternati- ‘vas. Por outro lado, 0 atomismo era atacado por muitas dificuldades de natureza quer empitica quer formal. Assim, os cientistas que escolheram © atomismo agiram de modo completamente irracional e foram contudo recompensados — 0 que demonstra que ser irracional compensa. Ou ento foram persuadidos por argumentagdes de um tipo diferente do empirico ou formal, em suma, foram persuadidos pelo que muitos cchamam consideragées metafisicas. Em ambos 0s casos tiveram a contribuigdo de histérias de fantasia, na verdade ciemtistas diferentes "usam como suporte historias diferentes: se so airracionais», escothem 4 histéria que preferem e seguem as suas indicagdes. Se pelo contrétio querem raciocinar, escolhem igualmente uma histéria e extraem dela uma ligZo que € incompreensivel para os outros. Para Yukawa, {que previu © mesio pi, @ histéria que contei antes era uma mara- vilhosa analogia da situagio que se verifica a nivel das particulas elementares, ‘A. Penso que tiraste uma conclusio errada de factos Gbvios. Os Gientistas t@m de comer, porque a alimentagao tem uma fungi na investigagio. De qualquet modo, néo vou dizer que isso tem a ver com 4 investigacio ov que é um elemento da investigagdo. Do mesmo modo, 4 tua histéria pode exercer uma fungo na investigagdo cientifica 4 B. Espera um momento, foma atengio — ao esforgares-te por salva- guardar a racionalidade da ciéncia, toma-la mais iracional. A. O que queres dizer? B, Falei de natrativas, porque se compem de palavras e nés argumen- tamos através de palavras. Pondo as narrativas a que me refiro no mesmo plano da alimentagio ou do sono, teré de concluir que importan- tes decisdes cientificas e vastos sectores da investigagio esto para além do alcance da argumentagio ou, para usar a tua invectiva preferida, implicitamente afirmas que séo imracionais. ‘A. No te estou a seguir. B, Lembrate, estamos a falar de uma situagio em que um cientista escolhe entre duas teorias empiricamente inadequadas ¢ formalmente insuficientes ou prefere uma conjectura empiricamente inadequada e formalmente insuficiente para uma teoria boa e bem confirmada. Numa situago do género podemos dizer que a escolha € irracional ou que € rmotivada, ainda que as razBes nfo sejam nem empiricas nem formais — ou ecientificas» como alguns costumam diver. Agora, € a tua vex de fazer valer as tuas razBes. Queres porventura defender que os cientistas, cuja escolha tem lugar num contexto anélogo, ndo tém motivagbes, mas apenas vio ao sabor de um capricho? ‘A. Seria bom poder demonstrar que t#m motivos. B. Mas de que género seriam esses motives? As frmulas sio defei- tuosas, a evidéncia ¢ hostl, os cientistas sabem-no, no entanto espe- ram obter sucesso, Isto significa a) que dispoem de uma opiniao que difere quer das suas f6rmulas quer da ligdo da experiéncia e 6) que tém um pressentimento relative 8 histérla dessa opinio, Além disso tém necessidade c) de qualguer ideia sobre 0 modo como examinar 2 propria opinido, tém por exemplo necessidade de saber mais ou menos quanta conflituatidade com a evidéncia e ‘quanta incoeréncia interna esto dispostos a tolerar. Noutras pala ras, tém uma metafisica, um pressagio e um estilo de investigagao, Ora, pode-se muito bem dissertar sobre as profecias, sobre’ as teses metafisicas e sobre os estilos — mas os argumentos no slo vinculativos. Feynman quer que a investigago seja controlada de um modo mais estrto pelos factos © pela matematica. Este € um estilo, baseado numa metafisica. Os defensores das supercordas esto dispos- tos a vagabundear no longinquo azul do céu e esperam encontrar 14. um tesouro — este ¢ um outro estilo, baseado numa outra metafisica, Eo que acontece com histsrias diferente, destinadas a serem compreendi das por pessoas diferentes ea fomecer-Ihes argumentos para fins diferentes. A. Quetes dizer que as hist6rias so incomensuraveis? 95 i B. De modo nenhum. Ainda que actualmente falte uma explicago que tome as historias compreensiveis, concedendo tempo aos opasitores, & bastante provavel que consigam explicar-se mutuamente, Isto vem tudo ‘a propésito e € 0 que efectivamente sucede nas ciéncias, em politica © ‘que, de facto, acontece em todo o lado. A. No entanto, nio estou satisfeito com a historieta de Chuangise. Procuro compreender 0 que poderia significar, supondo que consiga. ‘Suponhamos que vejo af verdadeiramente uma relagio com a questo do desenvolvimento, Direi ainda que a narrativa espalha a névoa das cemogies sobre toda a situagao. B, Oh Senhor, protege-nos da retérica racionalista! Pode ser que a histéria espalhe emogies sobre toda a situagdo, mas isso esclarcoe ‘propria situagao, no a cobre de névoa, As emoydes e as historias de impacte emotivo so poderosos instrumentos para criar uma nova ¢ clara perspectiva. Quem se dedica a0 desenvolvimento até pensa que faz o bem; 1é aquela hist6ria e imediatamente as coisas the surgem de ‘uma maneira diferente. Recordas-te do caso do microse6pio sobre o qual discutimos ha mais de dez anos? A. Néo me lembro bem. B. Bem, eu disse, e tuestiveste de acordo, que quando um principiante ‘olha no microscépio nio vé nada de definido, mas apenas um caos de festruturas € de movimentos. Fle leu os manuais, viu. maravithosos desenhos de criaturas interessantes, mas niio encontra estas criaturas em ‘nenhuma parte do seu campo visual. Tem de aprender a ver as coisas de ‘uma nova maneira. Na altura disse também que a inicial relutincia em aceitar as observagées telescdpicas de Galiteu pode ser explicada, pelo menos em parte, com o mesmo fenémeno. Ora, no campo social — que inclui a comunicagio cientifica — nao temos telescépios ov micros- ‘cépios, temos apenas os nossos instintos, as nossas convicgbes, © nosso presumivel conhecimento as nossas percepodes. Fortes emogdes podem mudé-las ¢ fazer-nos ver as coisas de uma perspectiva diferente (© que quero dizer & que a histéria de Chuangtse pode ter a mesma fun- fo que as instrugdes para 0 uso do microscépio. Os sociélogos, na sua impaciéneia de imitar © que consideram ser 0 auténtico procedimento cientifico, afastam todos estes meios de instrugdo «subjectivos» ¢ desse ‘modo cegam;se a si préprios ¢ aos outros em relagio a importantes aspectos do mundo; procurando ser

También podría gustarte