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de Gulliver sobre os ndendeulis (1971), faltam na literatura africanista Na vnd.illc-, (I ~,i~,I(·1I1.

1
dI' p;m:ntesco chope - tendo em conta as
tentativas de análise do parentesco não linhageiro, questionando a utili- proposicJ>t's d,l fI.IC,I I'I'ClfllIldidade genealógica, da maior ênfase nos
dade de conceitos como os de descendência ou patrilinearidade. A situa- parentes lalt'1ais do quI' 11m lineares (o que procurarei fundamentar
ção é irónica, porquanto os etnógrafos que trabalharam sobre a Nova neste capítulo) l' d;l I'X iSlt'ncia de múltiplas possibilidades para que al-
Guiné procuraram usar os modelos africanos (até certo ponto em vão) guns estatutos sejalll alclIH,:ados individualmente - parece oferecer ao
para dar sentido aos materiais com que lidavam (como Bames 1962 indivíduo ambicioso estruluras que permitem um amplo grau de mani-
demonstra incisivamente) e eu, pelo meu lado, verifiquei a utilidade de pulação. A maleabiliclacle deste sistema levou-me a recorrer a um outro
recorrer a modelos propostos pelos estudiosos das sociedades das Terras conceito utilizado par3 descrever o parentesco polinésio: a «plastici-
Altas da Nova Guiné como auxiliares na conceptualização da fluidez do dade» do parentesco, termo introduzido por Kaberry (1967, 105).
sistema de parentesco chope. Mesmo assim, em prol da verdade, não Dadas as dificuldades que se colocam àa'nálise e à conciliação das
posso deixar de sublinhar quão úteis foram os estudos feitos sobre a categorias emie que fazem parte do sistema ideológico dos chopes com
Afiica central para alinhavar os problemas que discutirei de seguida. os aspectos etie, como o processo de recrutamento p3ra os grupos
Muitas das sociedades das Terras Altas da Nova Guiné 1 parecem (Harris 1969, 575), proponho-me tratar primeiro a ideologia do paren-
apresentar características bastante semelhantes às da sociedade chope no tesco e depois concentrar-me então nas práticas de recrutamento para
que diz respeito à organização do parentesco - por exemplo, a ideolo- os grupos. Este capítulo trata da acção social efectiva através do paren-
gia patrilinear modificada pelo forte pendor pragmático (mesmo a nível tesco. Procuro analisar como as categorias emie são suficientemente
ideológico), a tendência para o parentesco cognático ou, na prática, não manipuláveis para resultarem em comportamentos etie divergentes. 1st?
linhageiro, ou ainda o facto de os membros dos grupos serem recruta- pode ser compreendido parcialmente à luz da distinção proposta po'r
dos em vários «reservatórios» distintos: o parentesco cognático, os ami- Bailey (1970) entre princípios «nonnativos» e «pragmáticos». Estes últi-
gos, os afins e os xarás. Uma das principais características é, em suma, a mos proporcionam os meios pelos qU3is os primeiros são contornados
discrepância notória entre a ideologia e a prática. ou traduzidos em acção efectiva.
Outra característica importante é que, mesmo dentro dos padmetros Uma análise detalhada da terminologia do parentesco (capítulo 8)
do parentesco, há sempre a possibilidade de manipulação. A memória demonstra que os chopes dão tanta importância aos parentes laterais
genealógica é extremamente curta para a maioria dos chopes - a amné- quanto aos lineares. Os grupos de descendência são pouco profundos e
sia surge geralmente a uma profundidade de duas a três gerações ascen- efémeros e as genealogias raramente vão além das três gerações. O facto
dentes. Mesmo neste universo relativamente pequeno verifica-se com de a amnésia genealógica ocorrer tão cedo é indicador da pouca pro-
frequência alguma confusão quanto ao estatuto de superioridade ou fundidade do sistema de descendência e dá origem à possibilidade de
subordinação de uns parentes por relação a outros, especialmente se os manipulação. Barnes (1967a, 39) apontou a distinção entre os escalões
protagonistas vierem de diferentes tinyumba (sing. l1yumba), que signifi- superiores e inferiores de uma genealogia. Os escalões superiores ten-
ca casas, ou seja, linhagens. Assim, é claramente aplicável aos chopes a dem a ser afirmações emie sobre quem foram os antepassados impor-
afinnação de Leach, justificavelmente muito citada, de que «em todos tantes, ao passo que os inferiores são ocupados por pessoas que ainda
os sistemas viáveis tem de haver uma área em que o indivíduo é livre de estão vivas e tendem a ser afirmações etie sobre quem segue quem, Entre
exercer a escolha, de modo a manipular o sistema em seu próprio bene- uns e outros há uma «zona de 3mbil:,'Uidade» (1967a, 39), na qual h<l
ficio» (1962, 133). dúvidas sobre quais são cfcctivamenle as ligações e onde se verifica al-
guma imprecisão em torno de in(OrIl13çÕeS importantes, como as que
dizem respeito à superioridade reLIIiva do estatuto (Peters 1960).
Entre os chopes, a «zona de alllhir,lIid:lde» começa logo duas ou três
I O artigo de PhyJlis K.1berry (1967) sobre a pbsticidade do parentesco na Nova gerações acima de ego, os escah-)(:s sllpl'liol'es são extremamente vagos e
Guiné influenciou grandemente este c"pítulo, tal como os trabalhm de B,]mes (I 962,
1967a, 1971), Meggitt (l965), LcpervJnche (l967), LlIlgness (l964) e Strathem (l969,
apenas um ou dois antep;lssados 1I0f;'IV('ispor 31gum feito, como o de
1972J). terem fundado uma vicinalidad(',\:)Cl IC'IIJ!)];lcios.Esta falta de profun-
As WII'l;.J,ias rio parenlesco chope

didade permite que o indivíduo corte alguns laços inconvenientes, ou


que afirme e reforce os desej;íveis, nu mesmo que forje ligações através
da negação de alguns laços ou J;l invenção de uma relação de descen- Nome de descendência mocblidade I(a)
dência com outros indivíduos. Apresentarei uma ilustração destes pro- Herança modalidade 3(a)
cessos adiante, neste capítulo, na secção sobre a plasticidade do paren- Sucess~o modalidade l(b)
tesco chope. Oogma da descendência modalidade l(a)
Residência modalidades I(a) e I(b) (no princípio da vida)
Há um consenso acerca do idioma do parentesco: a patrilinearidade. modalidades 4(a) e 4(/J) (no fim da vida)
Contudo, o etnógrafo deve questionar a validade de apresentar um
modelo da sociedade com base num princípio único. É claro que existe
um corpo considerável de literatura que defende o reconhecimento de A modificação que proponho é a seguinte: se (a) denotar a lineari-
várias funções relacionadas com a descendência (Lewis 1965; Leach dade, a modalidade 1(a), por exemplo, consiste na transmissão linear
1961a; Kabeny 1967; Pouwer 1964; Needham 1971a). Embora reco- pela via masculina, ou seja, de pai para filho, mas todas as modalidades
nheça a importância da ideologia do parentesco e a sua relevância como acima referidas poderão tabém ser modificadas para 1(b), 2(b), ete., se (b)
princípio organizador, julgo que seria errado afirmar que a est~tura so- denotar a lateralidade. Por exemplo, a modalidade 1(b) significaria que
cial chope se organiza unicamente em tomo da descendência patrili- os direitos são transmitidos lateralmente entre indivíduos do sexo mas-
near. O nosso modelo deverá ter em conta o princípio de descendên- culino, ou seja, adclficamente, de um irmão mais velho para um irmão
cia, as relações entre grupos de parentes, outras relações diádicas e a mais novo, ou de um primo para outro, ete. .
ideologia do sistema. Aspectos como a aquisição de um nome .de des- Os padrões de descendência dos chopes podem, assim, ser dcscntos
cendência, a herança, a residência e a pertença a um grupo, que geral. pela tabela apresentada no quadro 5.1. . . .
mente são tratados conjuntamente sob a categoria «descendência", Esta descrição, em vez de oferecer uma propOSIção umfactonal, ap!'e-
devem também ser analisados. Uma vez feito isto, julgo que devemos senta uma síndrome de dogma, normas, direitos e obrig;lções, reflectlll-
questionar seriamente a utilidade de termos-estandarte como «agna- do adequadamente as categorias que formam a ideologia da desc.en-
Iismo" ou «patrilinearidade».
dência entre os chopes. Poderíamos elaborar um complexo deste tlJlC)
Nccdh:lll1 (1971b), dando sequência a al!:,'um~ls sugestões que Leach para cobrir as categorias efectivas, tais como a composi~':io Sl\hstallljv~1
:lprescnta em Retbinkillg Anlbropology, distingue seis modalidades ele- dos grupos de descendên~ía. .
mentares de descendência, partindo do pressuposto básico de que há dois A próxima secção trata da ideologia do parentesco, pelo lllCIHJS al('
sexos através dos quais é definida a transmissão de direitos (1971 b, 10). ao ponto em que os informantes são consensuais sobre os v:írios princí·
O autor propõe que não deveríamos fazer uma caracterização holística da pios. Dados estes princípi<?s, julgo que se tornará evidente que [) .~iSICl,lI~1
sociedade (como quando dizemos que é patrilinear), mas antes reconhecer de parentesco dos chopes' é multifacetado, cOntendo aspectos (01'.11 a 1 I"
que direitos diferentes poderão ser transmitidos de maneiras diferentes. COS, bilineares e unilineares, bem cOmo uma incidência na lateralidaclc.
Três, ou mesmo quatro, das seis modalidades definidas por Needham Contudo, não hú dúvidas de que, acima de tudo, existe uma inclinação
são relevantes para analisar os chopes. A estas acrescentaria ainda um
para a patrilateralidade. . . .
f.1ctor de modificação: a diferença entre Iinearidade c lateraliclacle.
O nome de descendência (a que se chama chibollgo, que slg111fica
As quatro modalidades referidas são as seguintes:
«nome do clã») e o dogma da descendência são ambos patrilineares (ou,
melhor, patrifiliais), ou seja, são transmitidos de pai para filho - mod:l-
1. m-m (transmissão pela linha masculina: patrilinear);
lidade 1(a). A herança dos bens pessoais, como acontece no caso da
2. f-f (transmissão pela linha feminina: matrilinear);
m!Ji!f/ (xilofone) de alguém, também acontece de pai para filho - moda-
3. (m-m) + (f-f) (transmissão por ambas as linhas: bilinear);
lidade I (a) - e os bens pessoais valiosos das mulheres, como a joalharia
4. m/f-m/f (transmissão entre indivíduos de ambos os sexos: cogn;í-
(outros bens, como os seus utensílios de cozinha, são enterrados com
tica).
eb), passam para a filha mais velha - ou seja, moda!ic/;lde 3(a).
A sucessão nos cargos, como o de chefe de povoação, é adélfica, ou seja, três fases. Por este lllotivo, é importante analisar as categorias do paren-
segue a linha de irmãos, depois a dos filhos destes, pelo que por vezes tesco que os chopes possuem, as suas crenças e concepções sobre o que
são transmitidos entre primos paralelos patrilaterais. A sucessão é, em constitui o parentesco. Este nível ideacional corresponde à cultura
consequência, lateral. No princípio da vida a residência é patrilocal e «objectificada», que é um «dado adquirido» para os actores sociais, de-
logo após o casamento tende a ser neolocal, pelo que os homens têm vido à sua socialização. Nos termos de Barth, estes são alguns dos «cons-
grande margem para a escolha na decisão de onde irão viver. trangimentos e incentivos» que canalizam as escolhas. Mas o homem
Neste sentido, podemos afirmar que a inclusão de todas as compo- não é apenas produto do mundo social, é também seu produtor; na fase
nentes da descendência acima referidas sob um único termo, como, por da exteriorização pode ser manipulador e inovador.
exemplo, «patrilinearidade», distorceria a realidade não apenas ao nível A dicotomia tradicional entre os sistemas de ideias e as suas estru-
etie, mas também ao nível emie das noções das próprias pessoas. 2 turas, ete. (tal como existem para as populações estudadas e também
Devemos, em rigor, especializar os termos e dar conta das várias com- para o antropólogo), e, por outro lado, a organização social, em termos
ponentes, após o que podemos afirmar que, embora as características da dos padrões reais ou estatísticos que se encontram «no terreno», poderá,
bilinearidade e da descendência não linear, ou cognática, estejam pre- na minha opinião, ser conciliada através do modelo dialéctico. Bailey
sentes, existe uma inclinação geral para a patrilinearidade. Mas mesmo (1970) nota que as normas em que a estrutura se baseia são influencia-
esta afirmação só é parcialmente verdadeira porque, como o quadro 5.1 das pelo ambiente (ou seja, pelo contexto social) e que, na verdade,
demonstra, três das seis modalidades que formam o padrão de descen- estão ligadas às situações sociais concretas em que nascem, se definem
dência dos chopes são de carácter lateral, na verdade, e não linear. e cristalizam.
Dando seguimento à proposta de Barth (1966, 1), começo por apre- Consequentemente, proponho-me identificar o idioma do paren-
sentar a tabela ideológica que fundamenta o sistema de parentesco tesco dos chopes tal como o registei. Este corpo de informação é um
chope, e nela podemos observar alguns dos constrangimentos e incen- pré-requisito p<1raa compreensão cabal do sistema de parentesco e abre
tivos de natureza ideológica que influenciam as escolhas que os indiví- janelas para uma área da vida social e cultural que é frequentemente
duos podem fazer na esfera da actividade relacionada com o parentesco. negligenciada pelos estudiosos do parentesco.
Refiro também a quantidade de terra disponível porque acredito que
este é um parâmetro importante que deve ser considerado.
Julgo que é importante afirmar aqui brevemente como concebo a re- A ideologia do parentesco
lação entre os planos ideológico e sociológico. Berger e Luckman (1971)
criaram, com base nos trabalhos de Marx, Durkheim e G. H. Mead, um Devo grande parte do material que recolhi sobre o dogma do paren-
modelo dialéctico da sociedade que consiste num processo de três fases tesco aos esclarecimentos conjuntos de dois informantes, Musisi
que, no seu conjunto, forma a realidade social. A primeira fase é a da exte- Ntsambe e Sangatelo Nyakwaha, embora tenha coligido também infor-
n'orização e nela a sociedade é um produto humano; a segunda fase é a da mação relevante junto de outros informantes, geralmente sob a forma
objectificlIção, momento em que a sociedade (e a cultura) adquire uma rea- de provérbios e ditados a que se recorria para explicar situações concre-
lidade sui genen's; a terceira fase é a da inten'on'zação e nesta o homem é um tas que foram surgindo durante o trabalho d~ campo. Apresentarei os
produto da sociedade, dos seus processos de socialização e educação. mais curtos na língua local, com uma tradução. Para que não tomem
Uma análise que negligencie qualquer destas fases será desequilibra- demasiado espaço, cios r('lalm 11I;lislongos e mais prosaicos são apre-
da, tal como uma outra que incida demasiadamente numa única das sentadas apenas as tra<1l1~i)('s.
As ideias chopes 1l'/;\(jClII.llI.I." ((llll a concepção, a gravidez e o parto
proporcionam Ulll hCl11lI)()II") .1('11,111 ida, j;í que reflectem as crenças lo-
cais sobre os p;lpi'is <1("'('1111)("1 li Lld(J',I)("ICl progenitor e pela progenitora
2 Sei que muitos autores preferem a d"linição simples de descendência proposta por
Rivers (1924), segundo a qual esta denota ° recm,amento para um grupo unicamente e, por extensão, p('lo.', ',('11',1',IIl'III •.••. 1\" r('la~·(')Cs
sexuais são reconheci-
através do nascimento; Lcach (1962, \30) defende esta perspectiva, mas prefiro seguir das como sil/(' '/'''' J/(}J/ .1,1 1'1l11 11.1<,,I(l, 'CllIsiderando-se que a criança
Needham (1971b) a este respeito,
nasce da mistura do sémen com o sangue menstrual. É preciso que haja trilaterais são englobados pelo termo, o que mais uma vez indica a na-
mais do que um acto sexual, porque se acredita que a concepção ocorre tureza bilateral das suas concepções sobre a filiação e o parentesco. Não
n~ primeira relação, mas que são necessárias outras para «fortalecCr>'a existe um termo para denotar os parentes patrilineares, porque mesmo
cnança. a expressão mashahz 7ila lale 71"ftrlgU (parentes do meu pai) abrange os pa-
Assim, a criança é formada fisicamente pela junção do sémcn pater- rentes cognáticos do pai. Pelo contrário, a importância dos pa~e~tes
no (mbeyu) e do sangue matemo (noba) e acredita-se que, à medida que patrilaterais é inegável. A questão «quais são os seus pnrentes m?ls Im-
a criança se vai fortalecendo e crescendo no ventre da mãe, vai portantes?» suscitou invariavelmente a resposta «os do meu pai». Isto
adquirindo o seu espírito (moya), de que, geralmente, é invcstida pelos parece ser qualitativamente diferente da célebre distinção entre «paren-
:lsccndcntes paternos. No entanto, também os ascendentes matemos tesco» e «descendência».
poderão dar à cri:mça o seu moya. Acredita-se que a criança adquire o O conceito de linhagem não se encontra claramente definido.
\('\1 «sopro» ou espírito de um dos antepassados e deverá, preferencial- O mais próximo que se chega de uma tal noção é quando as pessoas se
IIH'ntc, ser-lhe dado o nome desse antepassado. Geralmente, consulta- referem a uma «casa» (nyumba) para designar um segmento clânico. Por
~;(.um adivinho para descobrir a identidade e, em consequência, o vezes são referidas ns «gentes do pni» (vatlJt( va lale 7iJOm'lfJeyll),mas, pnrn
11<1111C desse ascendente. Esta afinidade com as crianças recém-nascidas além disto, não há uma concepção autónoma da descendêncin patrili-
I"" Ie ocorrer também a uma pessoa ainda viva, o que é igualmente near. Na verdade, esta área bastante ópaca dá origem a provérbios que
JC'(()l1hecido pela instituição de dar o nome dessa pessoa à criança. são contraditórios e que exprimem a natureza plástica ou mesmo topo-
Qualquer antepassado, matrilateral ou patrilateral, pode «pedi!"»que lógica do grupo linhageiro. .
;1 criança tome o seu nome. Se um bebé chorar constantemente, con- O primeiro provérbio, fi ln7iJanana 1lJa nkoma in binganll Ia lemZ,wc (11 te-
sidera-se que lhe foi dndo o nome errndo, pelo que deve ser adivinhadn mlmentc, o filho do noss~ irmão é o limite dos campos), usa a metáfo-
:1 iucntidadc do antepassado certo. A atribuição do nome é, assim, um ra da agricultura: embora os cnmpos contíguos pareçnm pertencer a um
contrato com um determinado antepnssado (ou com alguém que ainda só homem, de facto são propriedade de dois homens diferentes. A mo-
vive, dependendo do referente escolhido qunndo se deu o nome à rnl contida no provérbio é que, apesnr de ser dada n dcsignnç:io 1J17I'i{{-
criança). nana (criança) ao filho do: irmão e este ser tratado como filho, n:io se
Procuram-se identificar as parecenças físicas da criança com o pai ou pode esperar que este se mantenha sempre próximo. I-Llaqui ail1~h a ill-
a mãe (por exemplo, quanto às linhas da mão ou a características faciais) dicação de que, apesar de dois irmãos e os seus descenckntes f:lzcrel11
como indicadoras da contribuição relativa de cada um dos lados. Tra- parte actualmente de um mesmo grupo de descendêncin, estes scr:io I\(>
tnndo-se de um bebé do sexo masculino, diz-se que o sémen paterno foi futuro O ponto de fissão> dando origem a dois novos grupos de de:;
mais forte do que o sangue matemo. Quando o bebé é do sexo femini- cendêncía.
no, diz-se que a mãe «venceu" (a dmlide) O pai. Acredita-se que os rapa- O segundo provérbio, e minhonga ya ni in bingamiJem: I.'({ 1/({ I/({ /I1·tll/l"
zes efeminados e as raparigas masculinas são influenciados pelo moya de (a árvore que está no limite não tem dono), é umn referência ao f:H'ln
um antepassado do sexo oposto. de cada homem estar ligado a todos os seus parentes. Os inf(lrllJ;lIIl<':;
Os informnntes foram consensuais na afirmação de que, embora seja deram-me ainda uma outra explicação: «a criançn pertence a todos os
mais frequente que o antepassado que influencia o moya seja um parente que são seus parentes». Assim, embora um indivíduo nasça num dado
do lado paterno, o espírito pode também certamente (e, na verdade, rüo grupo de descendência, os direitos e deveres recíprocos estendem-se a
é raro que assim seja) ser adquirido pelo lado matemo. Este parece ser um toda a sua pnrentela. A mobilidade entre parentes, ou a pronta aceitação
aspecto que, desde logo, indica a presença de um sistema cognático, Oll dn entrada de um parente para o grupo ou a vicinalidade, reflecte-sc
não linear, com um pendor patrilateral (a nível cognitivo). . neste provérbio. Os dois provérbios aqui citados são apenas exemplos
A palavra chope masbakA significa «parentes» e é interessante notar l'I1t re muitos outros que se referem aos mesmos temas.

quem são exactamente as pessoas classificadas nesta categoria. Os in- Em termos de acção social, expressões contraditórias como estas são
formantes sublinharam que tanto os parentes patrilaterais como os ma- sigllilicativas. O segundo provérbio abrange todos os parentes> o que in-
~
ti
,

"
'

4a

dica um idioma cognático, enquanto o primeiro provérbio indica um


princípio agnático, talvez mesmo linhageiro. É através de expressões
{~ Muitos dos indivíduos que poderiam ,reivindicar uma ligação
,
~

agn<Ílica nt'Ill s:io (';\paZl:S de o f.'1zer nem estão interessados nisso; ~


como estas que é possível reconhecer a plasticidade do sistema de paren- e) Os nomes dos all!cpass:ldos patrilineares mais remotos são esque-
tesco chope, porque elas permitem que os chopes afirmem que os seus
grupos são agnáticos (em momentos em que tal é considerado vantajoso),
cidos ou há lacunas entre os antepassados fundadores remotos e o
pni do pai dos in()I"lnantes; ""
embora noutros momentos possam dar a ideia de serem não lineares.
Esta contradição na ideologia tem a vantagem de permitir que o
grupo acredite na solidariedade que poderia ser alcançada por um grupo
j) O núcleo agn:ítico da comunidade raramente actua como uma
unidade relativamente aos membros não agn:iticos, se é que chega
a fazê-Io.
•••
agnático, embora ao mesmo tempo permita também que sejam recru-'
tados para o grupo alguns não-agnatas, o que significa que outros gru- Todas estas características podem ser aplicadas aos chopes sem adap- ••
pos estão a perder agnatas. Mais uma vez, o pragmatismo com que os
chopes encaram este processo inevitável está contido num provérbio,
tação, mas o mesmo não acontece com as duas seguintes: ••
k1/velekiwa solse/e/e e ku longo/aka, que significa «nascermos juntos (numa a) A mulher casada não mantém inteiramente asua filiação no grupo ••
mesma família) é (apenas) seguirmo-nos uns aos outros". Este ditado
tende a sublinhar a unidade do grupo básico de parentes, a família. Os
natal, mas também não é completamente transferida para o grupo
••
interesses e lealdades de vários dos membros de uma família podem, em
última análise, estar noutro lado: as raparigas casam fora e os rapazes
do marido; ,
b) Não existe um culto dos antepassados agnáticos ou este não pro-
porciona contextos para a reunião de agnatas não residentes.
••fi
podem mudar de residência. 3 Emergem aqui os temas da mobilidade e
das lealdades forjadas pessoalmente que podem alargar-se para lá do
grupo agnático local.
Em consequência, tal como acerca de muitas das sociedades das Terras
Entre os chopes, a mulher casada mantém uma forte ligação ao grupo
natal e existe um culto dos antepassados de pendor agnático, embora
,.
fi

Altas da Nova Guiné estudadas por Bames (1962), não devemos precipi-
tar a conclusão de que os chopes podem ser colocados sob a etiqueta
muitos antepassados matrilaterais estejam presentes, na medida em que
são nomeados e referidos como antepassadospessonis importantes. ••
simplista da «patrilinearidade». Bames (1962, 6) apela a que sejamos cau-
~
telosos e avança oito características das sociedades não estritamente patri-
lineares. Se tomarmos a vicinalidade como uma con;unidade compará-
vel à unidade residencial referida por B'lmes, verificamos que há seis Coloca-se aqui o problema da diferença entre agnatismo e patrifi-
r
~
categorias que são idênticas, mas há duas que não são. liação. Os dogmas da descendência, que, de acordo com os trabalhos
AI, seis características idênticas são (parafraseando Bames) as seguintes:

a) Em muitos casos os não-agnatas são numerosos na comunidade


de Peters (1960) e Bames (1971, 9), têm de ser vistos como afim1ações,
emie, são pela sua própria natureza modelos estáticos e «populares» da )
sociedade. É a este nível que é possível afirmar que os chopes têm um'
C
local e alguns deles são poderosos; pendor agnático, no sentido cm quc, basicamente, possuem um dogma
b) Frequentemente é dificil detectar a diferença de estatuto entre os de descendência agnático (cmhora Illalltenham alguns outros dogmas
agnatas e os não-agnatas; contraditórios com este).
c) O homem jovem tem alguma margem de escolha quanto à adesão Por outro lado, os processos C<1I1líllllOSela sobrevivência do grupo e
ao grupo local do pai, podendo optar por aderir a outro grupo do recrutamento obrigalll :\ 11111.\ ;\Iülise em termos de um modelo
com o qual tem uma ligação não agnática; dinâmico. É aqui quc () Ill(Hlrlo l'i'II('Lllivll t~e Barth, que representa o
indivíduo a {~zcr as suas (''o(,,111.1'"illllu(,lltiadas por constrangimentos
e incentivos, par('('(' sn d,1 1I1.li"l IIIi1id.u\(· p:l[;\ descrever a situação. As
3 As explicações destes provérbios nilo são da minha autoria, foram·me oferecidas
pelos infonnantes,
situações con('/cLls illq 11 H'III .1"1"1111111.1< I.IS ('Xig(~nciasaos indivíduos, de
modo que têm de ser feitas escolhas quanto à vantagem relativa de con- longo de várias gerações. Devemos notar que, embora o esquema ou a
ferir maior importância a uma ou outra relaç~o. Est:lS decisões, influ<:ll- ideologia da descendência tendam a ser agnáticos, os padr.ões. ~e d~s-
ciadas pela demografia, pela pressjo f1.lndiária, pela ideologia do p:lIl'n- cendência efectivos têm origem nas escolhas e transacções mdlVlduals,
tesco, pelo número e tipo de parentes envolvidos e por uma stril' til' que na maior parte dos casos serjo patrifiliaís, mas que muitas vezes
outros f.1ctores, podem conduzir muitas vezes a que o indivíduo sej;l re- recorrem a outras estruturas.
crutado com base noutras considerações que não as dos bços agnáticos. O modelo utilizado aqui concentra-se no indivíduo: cada laço palticular
A extrema importância da ecologia deve aqui ser sublinhada. Referi que ele fo~a pode ser visto como uma transacção, por exemplo, entre um
atrás que há terra em abundância. Este facto, assim como os padrões de homem e um outro que ajuda o primeiro a trabalhar as suas terras ou, ()
posse da terra, que permitem que qualquer homem tenha acesso a ter- que é ainda mais pertinente, entre um homem e o seu patrono. A rclaçjo
renos virgens ou a terras de outros que não estão a ser utilizadas (contra de troca que isto implica pode acabar se assim se desejar, ou pode ser re·
o pagamento de uma quantia simbólica), f.worecem a elevada mobilidade forçada e mantida. No penúltimo capítulo tratarei dos conjuntos de acçjo,
geográfica. Isto tem t:lmbém o efeito de diminuir o poder que o pai, os em que se toma evidente a natureza transaccional dos laços, bem como a
anciãos ou o chefe de povoação poderiam deter sobre os homens mais flexibilidade dos princípios de recrutamento para esses conjuntos.
jovens. Noutros povos da Amca austral, por exemplo, o controlo do aces- Para voltar ao problema mais específico do recrutamento, parece
so às terras é uma das últimas fontes de poder à disposição d:ls lideranças haver dois aspectos que devem ser analisados: em primeiro lugar, o re-
tr:ldicionais, reforçando a sua autoridade e o conservadorismo. Na terra crutamento p'1ra o próprio grupo de parentesco; em segundo lugar, o
dos chopes, este recurso de poder tem pouca relevância, pelo que os grau de utiliz:lção do parentesco como princípio de ~ecrutamento p~~a
homens se encontram libertos desse constrangimento e podem ver para outros grupos. O grupo básico de parentesco é, obViamente, a fa~:,h:l
lá das estreitas limitações do seu grupo local de descendência. Podem nuclear, relativamente à qual a única forma possível de adqumr a
mud:lr de residência e activar as relações que considerarem ;lpropri;l(IaS pertenç:l é o nascimento 110seu seio. A f.1mília alarg:lcb é já um probl~-
lJuando se estabelecem numa nova zona. Isto dever,\, necessariamente, ter ma de outra ordem, pois, embora a aquisiç~o de novos membros seja
o ef~ito de enfraquecer os agrupamentos agnáticos. ainda predominantemente ditada pelo nascimento, há [;lclores que vêm
Em consequência, o modelo aqui proposto representa o indivíduo, complexificar o quadro, como o dos X;\rásque se tort1:lm pais de criaç;jo
perante determinados constrangimentos, a decidir entre vias de acção e a permissão ocasional para que algumas mulheres idosas sem qU:llq\,el'
alternativas, cada uma das quais implicaria a mobilização de uma de- apoio familiar passem a pertencer à casa. Em ambos os C1SOSse vel'\f 1(';\
terminada relação estrutural, seja o parentesco (agnático ou matrilate- uma relação de quase-parentesco com os membros da f;\lnília I1UC!t-:ll'.
ral), a afinidade, o quase-parentesco ou a amizade. Espero conseguir Acima da fàmília alargada, o agrupamento imediatamente mais alllplo
demonstrar por meio da informação etnográfica que, no processo de re- é o da vicinalidade em estado embrionário; trata-se, geralmCllte, ele unI P('
crutamento para a vicinalidade, os chopes· mobilizam efectivamente queno grupo de irmãos (e do pai, se ainda viver) que residcl\1 t'lll
com frequência estruturas que não passam pelo princípio agnático. Na domicílios adjacentes. Isto represent3 a fase inicial da formaç:io de IlIn;1
verdade, qu::mdo se considera o grau relativamente elevado de mobili- nova vicinalidade, sendo esta frequentemente composta, como descrevi
dade, ou a tendência para a neolocalidade (devida :1 mobilidade) após no capítulo anterior, por muitos indivíduos sem laços agn;1ticos ou mes·
alguns anos de casamento, surge a tentação de categorizar o recruta- mo sem laços de parentesco que se reúnem em tomo de um núcleo agn;\-
mento para o grupo como sendo um processo de patrifi!i:1Çjo CUll1UL1- tico. O recrutamento para esse núcleo agnático é, por definiçjo, agnático
tiva (Barnes 1962, 6) e não de agnatismo. (ou, para sem10S mais rigorosos, dá-se através da patrifiliaçjo), mas uma
Um homem que deseje juntar-se a um grupo procura um parcnte ou vicinalielade de sucesso inclui, invariavelmente, alguns não-agnatas.
amigo que seja membro do grupo e pede-lhe que seja o seu patrollO. 1\ vicinalidade é o agrup3mento mais amplo entre os que se baseiam
Como será demonstrado pela inform3ção etnográfica apresenl:td.1 Illl p;lI'(~ntesco- o núcleo de agn3tas (quando existe) poc!er;\, no máxi-
adiante, a grande maioria dos homens de cada geração filia-se no gruJlo Jllll, ser consider3do um fragmento de um c1j (é frequentemente com-
patemo. Isto proporciona ao grupo uma continuidade agn,ítica ao pmlo por membros de mais de uma linhagem, pelo que seria inade-
quado chamar-lhe "segmento de linhagem»). Os não-agnatas de uma gundo nome ;lpn·selll.\(I()) demonstram como estes são variados:
vicinalidade são referidos pelo "homem grande» como os seus vanana Handelane l!OIIlU, Saullyalle Homu, Sangatelo Nyakwaha, Musisi
(sing. mwanana), que significa filhos, conferindo-Ihes assim um estatu- Ntsambe, TOIl1wal1l:Nls;l1l1hee Pedra Nkome. Havia muitas outras pre-
to de quase-parentesco (sem dúvida como maneira de Ihes impor os im- senças «ocasionais» no rancho de trabalho e não consegui registá-Ias
perativos morais do parentesco - o "altruísmo prescritivo" exigido pelo todas, mas os que acima referi são os que me disseram serem membros
parentesco e o estatuto de inferioridade e reciprocidade inscrito na re- nucleares e, como era de esperar, todos apareceram para o didÍlme;a.
lação entre pai e filho). Assim, quando observamos a çomposição de O rancho ele trabalho tem um núcleo que inclui seis amigos, dois afins,
uma vicinalidade, toma-se bastante claro que o parentesco patrilateral um parente matrilateral e três agnatas. Claramente, o parentesco agnáti-
tem um papel importante, mas não reina sobre os outros tipos de rela- co desempenha aqui um papel relativamente pequeno.
ção. No capítulo anterior demonstrei que outros tipos de parentes, afins Os conjuntos de acção são orientados para um ego, já que cada um
e não-parentes são membros importantes das vicinalidades. O recrut:j- elos membros esl;í presente devido ú sua rebção individual com aquele.
mento pode, neste sentido, ser visto como "plástico», ou seja, susceptí- A maneira mais adequada de descrever este modelo dos padrões de
vel ele manipulação, e dele resultam muitas combinações e permutas acção social é, por conseguinte, falar de um indivíduo que escolhe quais
diferentes de parentes e não-parentes. elas estruturas alternativas pretende activar para formar um grupo de
QIJnto ao uso do parentesco como princípio de recrutamento para pessoas que realizem determinado trabalho ou tarefa. O indivíduo tem
outros tipos de grupos, em especial os grupos 0U conjuntos de acção, um laço transaccional com os outros indivíduos que recruta. Acontece
como seria de esperar, a situação apresenta-se mais fluida do que no re- que os agnatas são as pessoas mais fáceis de recrutar, quer porque o in-
crutamento para os grupos estritamente de parentesco. Mais uma vez, divíduo tem, em geral, vários deles a residir perto de si, quer porque há
verifica-se que há uma preferência pela utilização das estruturas do paren- entre eles fortes obrigações morais de reciprocidade; contudo, há
tesco patrilateral, mas que os não-agnatas aparecem frequentemente na muitos factares, como o local de residência, que contribuem para deter-
composição destes conjuntos. Deixarei para o penúltimo capítulo o estu- minar par quem é composto o reservatório de apoio de um dado indi-
do detalhado da formação dos conjuntos; bastará notar por enquanto que víduo.
os amigos de um dado indivíduo, tanto quanto os seus afins e parentes Resumindo, o parentesco (agnático ou não) é usado como princípio
matrilaterais, poderão ter um papel de relevo na constituição de conjun- de recrutamento para grupos ad boc apenas na medida em que o indiví-
tos de acção do género dos ranchos de trabalho comunitários. duo escolhe fazê-lo e a conveniência da situação é determinada pelo
contexto social e cultural, que fornece o universo efectivo de possíveis
• Caso 6 - ConjuJlto de acção: o randJo de trabaOJo de Antônio Nyangumbe apoios, bem como as bases morais e transaccionais par meio das quais
Para ilustrar o tipo de recrutamento que se verifica nos conjuntos de esse apoio pode ser activado e mantido.
acção, que recorre a vários universos, apresento aqui o caso de um ran-
cho de trabalho (didiJmfJa) convocado por António Nyangumbe.
António tem um núcleo de pessoas a quem pede ajuda todos os anos e Parentes agnáticos
a quem presta reciprocamente o mesmo tipo de apoio. São eles:
Utilizo o termo "agn;ítico» para designar os parentes com os quais
- Agnatas: o pai, um irmão, um irmão classificatório e as respectivas ego consegue reconstituir ullla relação por via do pai e dos seus ascen-
mulheres; dentes patrilineares pelo IllCllOSdurante duas gerações. Acrescento esta
Parentes matrilaterais: Makause Ussake (irmão da mãe c1assifi- última especificação porque pretendo transmitir a diferença entre agna-,
catório); tismo e patrifiliação, rl'Í('rilldose esta apenas à ligação entre filho e pai;
- Parentes por afinidade: a innã da sua mulher e o respectivo marido. falo de apenas duas geLll,ill's porque, para !<í dessa profundidade ge-
nealógica, em vez de <temi\< 1[", rigorosas da composição linhageira,
Os restantes membros deste núcleo são amigos, com os quais Antó-
passa a haver alinll;I(,"< l(", 1'1I/11 (I,· (I1L\(lros que não ref1ectem neces-
nio não tem laços de parentesco especiais. Os seus nomes de clã (o se-
sari:Jmente:J realid:Jde e que são m:Jneiras de a peSS03 se iJelltific;lr conl caminho a determinadas linhas de acção e essas podem variar grande-
um antepassado cujo nome tomou. mente; a ideologia veiculada pelo esquema é suficientemente elástica ou
Tem havido quem defenda que a pressão da falta de terras pocier;í ler pode ser suficientemente manipulada para integrar qualquer contingên-
o efeito de reforçar a tendência pam o agnatismo, Correndo o risco de cia.
urna simplificação excessiva, Meggitt (1965) defende que, quando h;í Este argumento foi av:mçado inicialmente por Barnes, que afirmou
abundância de terras, a mobilidade é relativamente fácil e que o indiví- que "é pela proliferação de laços a nível individual, mais do que a nível
duo pode recorrer nesse caso a uma multiplicidade de laços para garan- do grupo, que a Nova Guiné parece distinguir-se da África» (1962, 7).
tir a pertença :J um grupo. Pelo contrário, quando :J terra escasseia, :J Disto resulta que, numa sociedade africana fortemente aglütica, o indi-
política de "p0rtas abertas» para a pertença ao glUpo dá lugar à tendên- víduo se toma influente porque pertence ;10 grupo dominante, en-
cia para tomar o grupo exclusivo. Uma forma de proceder a esta mu- quanto num s'istema mais fluido, onde o agnatismo tem um pap<:1
dança é aplicar normas de recrutamento estritas, como a de exigir que menos importante, o grupo local se tom;l dominante devido à influên-
todos os novos membros sejam agnatas. Bames contestou esta linha de cia do seu "homem grande». Os modelos africanos de Barncs baseavam-
raciocínio, argumentando que, quando os homens têm falta de terras -se nos nueres, nos tives e nos ta[ensis, e Bames reconhece que esta
no seu grupo, procuram geralmente ir buscar terras a outros grupos amostra não é representativa. Bames sugere que «talvez valha a pena
(1962; 1971, 10). procurar outras sociedades em África que possam constituir paralelos
A etnografia chope parece sus~entar a tese de Meggitt. Durante o meu mais próximos» (1962, 9). Julgo que a sociedade chope é uma de!Js.
trabalho de campo no grupo de povoações Nyakwaha tomou-se evi-
dente que havia abundância de terras e também um amplo grau de mo-
bilidade (em comparação com a maioria dos povos da África austra!) e, Os agrupamentos de parentesco chopes
simultânea e consequentemente, um grau considerável de margem para
a escolha na decisão sobre o lugar de residência a adaptar, assim como A forma básica do agrupamento de parentesco é a f.1mília monog;lmi·
na determinação da relação com base na qual será reivindicado o direi- ca, composta pelo marido, pela mulher e por um ou mais clescencjenlcs
to à pertença. Um sistema agnático «forte» tende a minimizar as opções solteiros. Quando a família monogâmica coincide com a consliluic;;io
da pessoa e o estatuto no interior do grupo agnútico tende mais fre- do domicílio, estamos perante a forma mais simples de grupo donll~sli-
quentemente a ser atribuído do que alcançado. Por seu lado, um princí- co. Na povoação de Nyatsiku há 21 famílias deste tipo, que cont'sl)t»1
pio :lh'TIático "fraco» oferece a possibilidade da fili:lçào múltipla, e 6 es- dem a 48% da amostra. O termo local inti refere-se ao grupo dI' P;I!I'11
tatuto, adquirido por meio da liderança, tende a ser mais frequentemente tesco que coabita num mesmo domicílio. A mesma pabvra (' IP;"d.1
;llcançado; efectivamente, a posição de liderança de um grupo e o esta- com frequência para designar o próprio domicílio.
tuto que lhe está associado são avaliados, no caso dos chopes, pelo Muitas famílias elementares têm consigo residentes que não s;io ;\1'.11;1
número de seguidores que o «homem grande') consegue adquirir. Sugiro tas e, simultaneamente, nem todas as crianças nascidas num dOlllicílio
que o "desfasamento» que se verifica entre a ideologia agn;\ric;l e as si- que normalmente residiriam ainda com os pais estão prcscnles. lslo
tuações concretas, que podem ir da forte patrilinearidade Ú CjU;lSC n;io- deve-se ao f:1cto de serem escolhidos xarás, ou seja, de Se poder dar ;'1
-linearidade, pode ser resultado da interacção da pressijo dcmogr;ÍfÍc;l criança o nome tanto de um antepassado como de uma pessoa ainlL~
com a quantidade de terra disponível. Aparentemente, o dogma da des- viva com a qual se pretende estabelecer uma ligação especial. Dita o cos-
cendência pode ser usado estrategicamente tanto para fechar COIllO P;lI;l tume que as pessoas "chamem" o seu xará para viver consigo, tornando-
abrir as possibilidades de recrutamento de novos membros para os grll- -se lIll1a espécie de pais de criação. Isto tem como efeito a dispersão de
pos, através da exigência de que haja laços agnáticos ou da n<:glii~t·!I<i.1 ;t1gIIlIS dos filhos, de maneira que em cinco crianças, por exemplo, duas
deste f.1ctor (assim, o desfasamento pode ser maior ou menor, (,(»I)<) 11( ,dn;io estar ausentes, mas duas outras poderão facilmente tomar o seu
acontece nos casos dos chopes e dos xhosas, respectivamente). ])i,o de 1"1',;11, 11;1 qualidade de vanyadine do marido ou da mulher do domicílio
outro modo, há determinados constrangimentos fisicos que abre'lIl (v_ <.Ipílulo 7).
· Os restantes tipos de famílias incluem as famílias polígamas, que cons- Os membros não nucleares dos domicílios relacionam-se com os
utuem 26% do total, as famílias compostas, 12%, e as famílias desfeitas, membros do domicílio de várias maneiras. A maioria é constituída por
14%. As famílias compostas são frequentemente famílias alargadas ou o xarás - 53% dos domicílios têm pelo menos um xará residente - e 47%
que re~ta delas. Uma família aJargada seria, por exemplo, constituída por dos domicílios tem como residente um parente não nuclear ou um
um pai, uma mãe, os filhos e netos solteiros otl casados. Ql1ando o pai amigo. Esta última categoria é também variada, pois inclui indivíduos
morre, os irmãos casados, com as respectivas mulheres e filhos, bem como os filhos do irmão da mãe de um homem, uma viúva sem qual-
como os irmãos solteiros, poderão manter-se juntos num domicílio com- quer relação de parentesco, os dois acólitos de um médium, ou um
posto subdividido em vários grupos domésticos. A família composta é amigo especial e a respectiva mulher, para referir apenas alguns. Alguns
um grupo de tipo instável e transitório, pois é raro que os imlãos ger- domicílios têm, simultaneamente, xarás e outros estranhos.
manos mantenham entre si relações de tal forma boas que vivam toda a
vida uns com os outros. As mulheres divorciadas que regressam (por
vezes trazendo os filhos) para junto de um irmão, formando assim uma A linhagem
família composta, geralmente voltam a casar e mudam de residência.
O ciclo de desenvolvimento da família pode ser representado como Os chopes desconhecem o conceito de linhagem. O termo que mais
se segue: se aproxima do significado que a linhJgem veicula é nyumba, que signi-
fica, no seu uso corrente, palhota ou casa. Mas este termo não tem
- Fase 1: marido e mulher; como referente um grupo de parentes com quem ego possa reconstituir
- Fase 2: marido, mulher e filhos, incluindo filhos de criação (f.lmília uma ligação de parentesco directa, tem mais que ver com um aspecto
elementar); de uma segmentação antiga que terá sido, sem dúvida, uma cisão <<1inhJ-
- Fase 3: família residual, cujos filhos saíram para casar e formar o seu geira» que a memória viva não reteve. É um esquema para descrever
próprio domicílio, ficando a mulher que já não está em idade de uma c1ivagem existente dentro de um clã ou de um segmento de um
clã. O mais próximo da concepção de linhagem que se encontrJ é uma
procriar (o divórcio e a morte também dão origem a famílias resi-
frase descritiva: vaJUlIla va lale 1fJOm1I!Jeyll(filhos de um pai), mas mesmo
duais);
- Fase 4: famílias rejuvenescidas, quando o marido casa com uma mu- este conjunto de pessoas não interage de modo corpóreo, como acon-
lher mais nova que pode ainda procriar, seja numa situação poligíni- teceria se estivessem em bloco nos julgamentos ou nos ranchos de tra-
balho, ete. :
ca, seja após a morte da primeira mulher (o recrutamento de parentes
Durante o meu trabalho de campo coligi 70 «genealogias», a grande
jovens, como um xará ou um neto, tem um efeito semelhante). 4
maioria das quais tinha uma profundidade de três gerações, engloban-
do, geralmente, o informJnte e duas gerações de ascendentes (excluo os
Sugeri anteriormente que O facto de os chopes estarem tão dispostos
descendentes do informante).
a tolerar e até a encorajar a imigração de não-agnatas, e por vezes de não-
Designei essas reconstituições como pedi/;,J7"CeSJ e não como genealogias
-parentes, para as vicinalidades reflecte a plasticidade da sua organização
(de acordo com Bames 1967b), porque se trata das versões não verificadas
social. Uma análise circunstanciada da composição da família e do
das relações de parentesco que me foram descritas pelos informantes.
domicílio em Nyatsiku oferece um indicador ainda mais convincente
Tentei em vão reconstituir as g('llc;l!ogi:lsgerais, porque a maioria dos pedi-
da plasticidade do parentesco, pois há uma diferença qualitativa entre
grees eram constmçôcs itiiossilln;'lticas c a f:llta de profundidade tomava
permitir que estranhos passem a pertencer à própria vizinhança e aceitar
dificil o cruzamento tlns (Lu1m. Mcsmo quando dispunha das versões de
que passem a viver na própria casa. A figura 3,3 demonstra que, numa
dois irmãos germlllns, (";1.1',dil;',i;1I1l (i-cquentemente quanto ao lugar
família média de cinco elementos, pelo menos um dos residentes (de
ocupado pelas v;Írías I ll"S';Il.I',IlIlS 11 ívcis acima do dos seus avós. Esta
facto, 23% do total da amostra) não pertence à família elementar.
amnésia genealógic,l .1 1'0111.1', l:,.,.\f.l)f·~;p;tn:cclI-me ser geral, mas tinha a
sua utilidade para m 11(11111"11','111I"' <111'1 ll"1
i,111l
<'ntTesi c que assim podiam
A sucessão é lateral e pode atravessaras divisões linhageiras. A posição
genealógica do indivíduo é, teoricamente, o que lhe garante a sucessão,
I'roflmdid"de gorJeio,,"1 mas de facto há muitos outros factores a influenciar este processo.
5 gerações
Hammond-Tooke (1968, 34) elabora uma distinção entre duas formas
2 3
4 gerações 9 12 de fissão da linhagem, a geométrica e a contingente. A primeira refere-
3 gerações 45 65 -se a uma fissão crónica que é inerente à estrutura do grupo, ao passo
2 gerações 14 20 que a segunda tem que ver com o af:1stamento de partes da linhagem.
1 geraç50 Entre os chopes, a maioria dos casos de fissão linhageira é aparente-
mente de tipo contingente, havendo uma ampla mobilidade dos mem-
bros que impede a linhagem de crescer. Se quiséssemos localizar a linha
beneficiar da manipulação do pedigree (de f:1ctO,registei o caso de um de fissão geométrica a partir das genealogias e de um inquérito sobre
chefe, de povoação ~ue consel:,'Uiureforçar a sua rr.ivindicação do cargo quem são os antepassados considerados importantes para fins rituais,
atraves de uma mampulação desse tipo). 5 esta seria aparentemente três gerações acima de ego.
O qua9ro 5.2 .:n0stra que 65% dos pedigrees coligidos englobavam Para os nueres e os mpondomises, a fissão geométrica dá origem a
apena_s tres ger~çoes (v. o «corte a duas gerações» para que chamo a um paradigma triangular, ou piramidal, de um grupo de pessoas que se
ate~çao no cap~tulo 8). A categoria mais numerosa que se segue é a dos estende, entre os últimos, até seis gerações (Hammond-Tooke 1968, 35).
~vos: 20% dos ~nformantes não conseguiam lembrar-se dos parentes da Hammond-Tooke sugere que esta profundidade de seis gerações é o re-
IIl1ha~e~ a maIS de duas gerações de distância. As razões para esta su- sultado (pragmático) de cada homem ter conhecimento pessoal de três
~erfiCIaltdade da memória social, que faz com que Imis de 85% dos in- gerações: a sua própria, a do seu pai e a do pai do seu pai. É de esperar
fo:mantes :ó co~seguissem lembrar-se dos nomes dos parentes até à ter- que o pai do pai tenha conhecido pessoalmente o seu avô, o que terá
ceIra geraçao aCIma deles mesmos, não podem passar de conjecturas. como consequência uma profundidade de cinco a seis gerações.
Ocor;em-me duas hipóteses possíveis. A primeira é de ordem histórica. Os chopes, pelo contrário, têm uma profundidade de apenas três ge-
No seculo XIX, ? ~~deste de Moçambique foi devastado pelas incursões
rações.
angones, que dIVIdIram regulados e dispersaram as f.1míli:ts. Poderia ar- Adaptando a hipótese de Hammond-Tooke, podemos postular que
gumentar-se que o presente fenómeno é um resultado destes aconteci- um homem conhece o seu avô, mas, devido à mobilidade espacial cios
l,llentos, c.omo as Ii~hagens truncadas parecem demonstrar. A segunda indivíduos, pode não ter muito contacto pessoal com ele. No entanto,
(' que o sI.ste~a SOCIaldos chopes é relativamente pouco profundo, e poderá ouvir o pai f:1lardo seu próprio avô (isto é, ~ bisavô do prim('i
scmpre fo~aSSIm,e que o sistema de aliança, as normas de sucessão, etc., ro), três gerações acima da sua. Se representássemo~ b par;]digma chop('
rdlectem IS:Omesmo. Na verdade, o sistema social parece ser razoavel- num diagrama, a pirâmide seria curta, mas teria uma bas(' muito larg;1.
mente consIstente e coerente no seu todo. Isto não se adequa ao caso dos mpondomises nem aos nueres, sobre os
. Este sistema s?cial po~~o profu~do é complementado pela f.1It:tde quais Evans-Pritchard afirma que «a profundidade de uma dada linha-
ltn~a.gens forma~s ou pratICas; ~ lmhagem não tem qualquer função gem (... ] é sempre proporcional à sua largura» (cit. em Hammond-
pohtlca ou corporea, ao contrano do exemplo clássico dos nueres. A li-
-Tooke 1968, 35). Se os chopes não encaixam neste modelo, isto expli-
nhagem não é uma unidade detentora de terras, embora ess;] unidade 0
ca-se pelo facto de reconhecerem parentes até ao 5. grau, mesmo que,
po~sa ser constituída por um segmento de linhagem. Mas, mesmo prov;]velmente, não consigam reconstituir as ligações específicas.
aSSIm, a terra não escasseia, pelo que esse privilégio não é valorizado.
A relação é pensada através dos parentes comuns, e não necessaria-
mente de um antepassado no cume da pirâmide.
5 V; 1 . J este caso no capltulo,final.
,
Na figura 5.1 o triângulo delimita os parentes patrilaterais de que o
dotareI Deve notar-se que os informantes nJO estavalll
d e acordo quant~ ao estatuto_ rela~lvo dos homens ainda vivos, apesar de serem filhos infellll1ante, Tenyane, conseguiu lembrar-se. Os indivíduos representa-
edum mesm~ paI (mas de maes dIferentes). A verdadeira "zona de ambiguidJde» COIl dos com as letras A e B representam agnatas com os quais Tenyane não
tu o, parece sItuar-se três gerações acima de ego. "
P8rece prov;ível, por isso, que os parentes designados como A2 na figu-
ra 5.8 sejam o filho c ;IS filhas do HBS de Tenyane (isto é,filho de um tio-
-avô paterno), ou seja, seus primos paralelos patrilaterais, porque tanto ego
como eles s:io filhos de primos paralelos patrilatcrais. Poderão também ser
primos em 5.° grau: limitei-me a calcular o conjunto ITÚnimo de ligações.
É também provável que os parentes aqui designados com a letra B
sejam descendentes de um;} mulher ;}gn;}ta, um;} vez que parece est;}r
presente o «enviesamento» de gerações próprio do tipo omaha, o que
.r-1 ~'. implica que estej;}m envolvidos no processo germanos de sexo oposto.
Vamos então partir do princípio de que os «bisnetos ••em caus;} têm par;}
com ego a posição de DSS (isto é, neto da filha):


A1 ~~
l~Lc40 _ __ __ ~go. >:.
B2 - termo: mwane, ou seja,
DSS de Ó toma-se ZSS
FDSS
FZSS
FFDSS
bisneto
(inversão
(inversão
(inversão
(inversão
da
da
da
da
regra
regra
regra
regra
do
do
do
do
enviesamento)
meio-irmão)
enviesamento)
meio-irmão)
NU - Devemos notar que esta é uma genealogia. c não a representação de uma linhagem, FFZSS (inversão da regra do envies;}mento)
Depois de passar em revista os parentes de Tenyane com quem tem relações directas, coloquei·
-lhe a qucst:io: -Tem outros parentes com quem intcf;]ja mas de quem JlrH.b não me tenh.]
falado?- E foi assim que surgiram os pJrentes representados do lado esquerdo deste diagrama Neste caso, parece provável que, através da cadeia de parentesco mí-
(A e fi). Coloquei esta queSlão sistematicamente no meu inquérito. nima, m vamwane de Tenyane sejam os filhos da sua FFZ, ou seja, seus
primos cruzados patrilaterais em 2.0 grau (para uma exposição detalha-
consegue restabelecer uma relação directa, mas com quem interage e da das regras de transformação, v. capítulo 8). •
que considera pertencerem ao seu conjunto de parentes. É possível, Tomando esta geneaJogi;} como exemplo (e CIa foi escolhida por ser
recorrendo às regras de transformação para os sistemas de parentesco do bastante típica), podemos considerar que é pouco profunda mas tem
tipo omaha criadas por Lounsbury (1969 [1964]), tentar reconstruir a uma base relativamente alargada, já que incorpora parentes agnáticos
cadeia de parentes que liga Tenyane a esses indivíduos (v. capítulo 8). laterais com os quais ego não consegue reconstituir a ligação, mas que
Ele chama a AI lale (pai) e para A2 usa os termos nkoma (irmão mais são incluídos porque interage com eles frequentemente e consegue atri-
velho), para o homem, e ndiye (irmã), para as mulheres. Chama a Bl buir-lhes os termos apropriados do parentesco. Os parentes matrilaterais
nl"k"/,, (neto) e a B2 mwane (bisneto). também não atingem grande profundidade em termos de gerações,
Através de uma inversão das normas de redução de Lounsbury, que sendo a ênfase colocada nos parentes laterais e ainda vivos. Esta genea-
passam assim a ser normas de «expansão", podemos imaginar que as logia, tal como a maioria das outras, caracteriza-se, pois, pela extensão
cadeias de parentesco necessárias para ligar Tenyane a estes parentes são, lateral, mais do que peb profundidade linear.
na sua forma mínima, as seguintes: Hammond-Tooke (1968, 40) nota, referindo-se ao caso dos mpon-
domises, que a linhagem telll duas funções principais: trata-se de um
A2 - termo: nkomalndiyc, ou seja, irmão/im1à grupo que detém a propril't!;lt!l' c Illecanismos para a resolução de disp~-
B de Ô torna-se FS (inversão da regra do meio-irmão) tas, por um lado, e que f<lIIl1a IIIlla unidade ritual, por outro. O eqUI-
--- FBS (inversão da regra da fusão) valente chope do prinll'iltl ,';('"í ;1 vj(·jmlichde, que constitui a unidade de-
--- FFSS (inversão da regra do meio-irmão) tentora de terras t' p.llnc· 5(" sl'llldlt;lntc aos grupos de hospitalidade
--- FFBSS (inversão da regra da fusão) angones do Cabo (I 1:11I1111'llld 'f(I()icl' 1963). Não há muitos mais bens
valiosos que possam Ser herdados. Qpanto ao aspecto ritual, os domicílim
possuem, na sua maioria, os seus próprios altares dos antepassados pc.~- Enquanto nome, é uma espécie de «emble~a» que.ofe;ece aos estra~hos
soais, destinados aos rituais familiares (v. capítulo 9). Numa escala mais uma certa informação à partida no que diZ respeito .a z.ona de ongem
ampla, propicia-se em certos momentos (idealmente todos os ;lno.~) lIlll (quando dois indivíduos se conhecem,apresent~~-se 1l1dICando o no~e
antepassado importante (geralmente o pai de um homem que tenha sido do clã e a região; dirão, por exemplo, «sou Mus~sl Ntsambe de Guvem»)
«homem grande»). EsS;l ocasião é conhecida como chidilo e vêm parentes e mesmo à tribo original (Ntsambe, embora seja um nome comum na
de perto e de longe para o acontecimento. É o mais próximo que h;Í ele terra dos d10pes, é, na verdad~, um n?me t~n~a. de Inhamb;lne; nesse
uma linhagem a agir de forma coesa. No entanto, há muitos não-parentes sentido é indicador de determmada ongem hlstonca). .
que também participam no ritual, especialmente os que são vizinhos ou O o~tro aspecto positivo importante ?o n.o~e do clã é que permite
membros da mesma vicinalidade. Assim, em rigor, esta congregação tem saber quem é e quem não é um potenCIal conJuge. As norr::as de ~xo-
ent:e os seus membros indivíduos que não pertencem à linhagem. gamia entre os chopes proscrevem o casame.nt~ dentro do cla ~o pa.1 ou
E forçoso concluirmos que a linhagem não é muito importante. Se da mãe; trata-se, assim, de um grupo exogamlCO. Como exp~lca:el no
quisermos ser rigorosos, não se trata de uma unidade detentora de ter- próximo capítulo, estas normas de exogamia têm por.consequenCla que
ras, não é uma instância de tomada de decisões (embora por vezes al- as alianças se estendem amplamente atr;lvés da SOCiedade,. sem a res-
guns segmentos o sejam). Em caso de conflito, pode contar-se com o trição normativa da escolha matrimonial pressuposta pelos sistemas que
apoio de muitos membros da mesma linhagem, mas também de outros prescrevem casamentos preferenciais.
que não lhe pertencem. A fraqueza da linhagem deve-se também à dis-
persão geográfica dos seus membros. Mesmo no chidilo, em que todos
os presentes lembram os seus antepassados, essa invocação refere-se a Os parentes matrilaterais
um conjunto de antepassados que não recua além das duas ou três gera-
ções, todos eles ligados a indivíduos específicos por relações pessoais. Est;l categoria de parentes constitui uma das «estr~tur;ls alternativas»
Mais uma vez, a ênfase é colocada na ampla base lateral, mais do que a que me refiro ao longo desta obra (~sto é, alt,ernatlVas ao p~re.ntesco
110 eixo de um triângulo com profundidade linear. A falta de profundi- agnático, que é ideologicamente dommante). E uma categon~ JInpor-
dade da linhagem facilita a manipulação das relações e cria margem de tante para identificar as pessoas eos parentes com q.u.e~n ego lllterage,
rn:ll1obra para que surjam laços de parentesco flcrícios (v. adiante a bem como para perceber a potencial utilização da mmllllrl de parcntesco
secç;io sobre a "plasticidade»). A impressão geral com que se flca é a de que é devida aos parentes matemos, classificados com? 1I/f/S(Jrlkll (11;, ..
que a lateralidade se sobrepõe à linearidade, sendo atribuída maior im- rentes), termo que é aplicado também aos ~are.ntes patnlater:II~.
portância aos parentes vivos concretos. A importância que uma dada cultura atnb~1 a uma cate:gom de 1';\
rentes revela-se em várias zonas da acção SOCIal: no recmt:t11Jcnlo P;\(;~
as vicinalidades ou para os conjuntos de acção, bem como, o que (.
talvez mais importante, no :grau de presença dessa categona no culto
dos antepassados. Em Nyatsiku, embora supostamente o pare.n~csc~)
o clã não tem praticamente qualquer importância; encontra-se dis- matrilateral tenha um papel reduzido, o recrutamento para a victnalJ-
perso, não tem um líder reconhecido (excepto, obviamente, no caso do dade foi feito por esta via em 7% dos casos.. ..
clã do chefe), não é localizado e não detém propriedade. Uma ve:-;. es- Uma vez que a residência tende para a neolocalid;lde a ~l1elo d~ Vida
tabelecidos todos os aspectos negativos, podemos enumerar tarnbt"lll ;d- adulta do indivíduo, existe a possibilidade de o homem se Il1stalar Junto
guns dos positivos. O clã não existe enquanto grupo corpóreo, mas /('UI dos seus parentes matrilaterais. Esta possibilidade ref?rça-~e se, com?
efectivamente um nome, o dJibongo (trata··se de um nome de louvor, tal :lcol1le:ce frequentemente, a !sua mãe se mudar, ou se dlvorcrar do ~a,n-
como o isibongo angone), que é transmitido peja via patrilinear. De: alO! til l e r('gressar à caS;l dos pais com os filhos pequen?s (a taxa de, ?Ivor-
do com ;l proposta de Firth (1963), trata-se de um sistem;l patrinomird. ( jo 11;\I1linha amostra é de 51,7%). Nestes casos, a cnanç;l constrOl um;l
I('LI~·;io (órte com os pais da mãe e outros parentes, como o irmão da
mãe. De todos os modos, é frequente que as crianças pequenas vivam são n/w/wti c ;ISsuas lllul ileres preferenciais classif1catórias são chamadas
com os avós durante um período das suas vidas. Estes factores poderão {amu. Ao longo do telllpo h;í tendência para dispensar a formalidade,
ser um incentivo para a decisão de permanecer junto destes parentes até ao ponto de o homem c a sua mulher quase se confundirem como
quando chega a altura de constituir uma casa própria. identidades sociais; l1eSS;laltura, o homem trata os afins pelos mesmos
Factores contingentes, como a disponibilidade e a proximidade, aca- termos que são usados pela mulher.
bam por afectar o número de parentes matrilaterais que são recrutados A aliança formada pelo casamento é um processo de trocas em curso.
para os conjuntos de acção. Assim, se um indivíduo convoca um rancho Há um provérbio chope que afirma que «o preço da noiva não tem
de trabalho, espera contar com a presença dos parentes que vivem perto fim". Espera-se que o genro preste auxilio ao pai da mulher quando este
de si. Se os parentes da sua mãe viverem por perto, estarão presentes, mas o solicita e, quando regressa das minas como 7fJugayesa, o marido tem
se viverem a alguma distância, este será um factor de inibição. de oferecer um presente, geralmente roupas, ao sogro.
É interessante notar que o irmão da mãe não é um parente tão im- Os afIns predominam na composição das vicinalidades e dos con-
portante para os d10pes como entre os vizinhos tsongas, a respeito dos juntos de acção. Em Nyatsiku verifiquei que 33% do total eram indiví-
quais R-A. Junod (1927) registou a existência de relações jocosas (insti- duos cuja entrada na vicinalidade fora patrocinada por um afim.
tuição inexistente entre os chopes). Isto reflecte-se no termo de paren- Factores contingentes, como a contiguidade, influenciam, tambtm
tesco por que o im1ão da mãe é designado, koko, que é também o ter- aqui, o número efectivo de afins que estão presentes nos conjuntos ele
mo para «avÔ».A relação é tratada como sendo do mesmo tipo da que acção, mas não há dúvidas de que, em princípio, são membros bem-vin-
existe entre os avós e os netos, caracterizada pela familiaridade e pela in- dos a esses agrupamentos.
dulgência, bem como pela ocorrência de piadas moderadas de carácter Há uma ligação extremamente forte entre os irmãos germanos, COJllO
sexual entre os indivíduos de sexo oposto. As raZÕeSpor que o irmão se prova pelo facto de os irmãos serem circuncidados juntos, e não em
da mãe é «elevado» à geração dos avós serão analisadas no capítulo grupos da mesma idade. O irmão e a irmã nutrem grande afeição um
sobre a terminologia do parentesco. pelo outro e o irmão mais novo (que deverá beneficiar com os paga-
O ritual é um indicador útil de quem são os parentes importantes mentos do preço da noiva quando a irmã se casa) zela empenhada-
tanto a nível da ideologia como da prática. Num inquérito sobre quais mente pelo bem-estar da irmã. É com este irmão que são negociados
eram os antepassados considerados relevantes, os resultados revelaram todos os assuntos que afectam o casamento a longo prazo, como o di-
que mais de um quarto dos antepassados pessoais nomeados a quem vórcio ou a compensação da dívida do preço da noiva, etc.
eram feitos sacrificios eram membros da matrilinhagem de ego. Esse in- Pelo seu lado, a mulher mantém o nome do seu clã e a sua posição no
quérito mostrou também que, em média, cada informante tinha pelo grupo de descendência. Na verdade, quando o casamento é tão instável
menos um antepassado matrilateral a quem sacrificava. como acontece entre os chopes, é muito provávd que ela recorra aos seus
próprios parentes numa ou noutra ocasião. Os ~ntepassados da mulher
mantêm por ela um interesse activo e, quando a I11Ulherestá doente, é aos
Os parentes por afinidade seus antepassados que, atraVtS de um agnata do sexo masculino, deve
pedir ajuda. Os antepassados da mulher interessam-se também pelos seus
As relações entre um homem e os seus afins são tratadas em maior descendentes e, geralmente, são considerados benevolentes.
detalhe no próximo capítulo, mas é importante esclarecer aqui o tipo de
laços que existem entre eles. Em comparação com os vizinhos tsongas,
os chopes têm uma relação muito mais descontraída com os parentes Os quase-parentes
por afinidade, caracterizada por um ciclo de desenvolvimento no uso
dos termos de parentesco por parte do marido. Apresento aqui esl;l (";\1('):1ÚI, apesar de lhe dedicar um capítulo
Pouco depois do casamento, o marido trata os seus afins segundo adiante. Os quase-parl'llll's •.di·J(·Ill-sc ;1categoria dos pais de criação,
categorias quase indifereneiadas: todas as mulheres de estatuto superior que surge a parlir do I'mlllllll' dI' (Li •. aos filhos o nome de um amigo,
parente, patrono ou antepassado. Trata-se efectivamente do reforço do Contudo, o que torna o parentesco mais expost~ à manípulaçã? ~ a
Jaço existente entre os pais e a pessoa que tinha o nome originalmente, falta de clareza que geralmente envolve o .conheClm~nto genealoglco
mas uma das potenciais ramificações é que esta última pode, depois de por parte do indivíduo. A pouca profundIdade d? sIst~ma de ~aren-
a criança ser desmamada, solicitar que a criança sua xará deixe a casa dos tescO faz com que mesmo dois homens com relaçoes proxlmas nao te-
pais e venha viver consigo. A criança poderá permanecer nesta situação nham a certeza de qual é exactamente a re!açiio de parentesco que os
até que saia do domicílio para Gls.lr. une, especialmente se essa relação obrigar ~ recon~tituição ?e .!aços_a
Assim, uma aliança simbólica fo~ada entre dois adultos pode ter duas ou três gerações acima deles. Nesse sentIdo, quao vulneravels serao
como resultado uma ligação mais permanente e concreta entre um adul- as genealogias perante um indivíduo que consegue pre,:,er alguma van-
to e a criança, que o tem como uma espécie de pai ou mãe de criação. tagem na sua falsificação? O parentesco t?rna-se aSSIm u;n recurso
É claro que a criança que passou grande parte do seu período de for- político para os chopes, de uma forma mUlto semt;~hante ~ que Va~
mação com um xad (que pode viver a alguma distância dos pais) terá Velsen encontrou entre os tongas: «[ ... ] não f:1z mthto sentvlo conSI-
um maior leque de opções quando chegar a altura de decidir onde de- derá-Ia [o parentesco tanga] em abstracto, porque A:
relações genealó-
ver<Í instalar a sua residência e, a partir de então, nas escolhas .sobre gicas adquirem relevância e são manipuladas em funçao de mteresses ou
quem serão os membros potenciais dos seus conjuntos de acção. situações específicos» (1964, 183). . .
Entre os chopes, a manipulação das genealoglas P?de assum~r ?uas
formas diferentes: a primeira verifica-se por um efeIto «te\cscoplcO»,
Conclusão: a plasticidade do parentesco chope pelo qual o indivíduo reivindica a descendê~cia directa ~u próxin~a ~e
um antepassado importante; a segunda, mais comum, e ~ da omIssao
É talvez chegado o momento de nos debruçarmos sobre a natureza de pessoas da genealogia, especialmente riva~s que poderIam ter um.a
flexível do parentesco chope. Não tenho a veleidade de pretender que posição vantajosa relativamente ao protagonIsta. O caso que a seglllr
tsla seja uma característica unicamente dos chopes, pois vúrios outros apresento esclarece alguns dos aspectos aqui notados.
tstudos demonstraram a presença de sistemas de parentesco ma!eáveis
Iloutras sociedades africanas. Penso especialmente nos trabalhos de Van • Caso 7 - A Jkxibilidruk do parentesco; fi /I1rl1lipu!l/çt7odi/S .~('lIl'ftl().~ii/s
Vdsen sobre os tongas do lago (1964) ou de Peters sobre os beduínos Este caso gira em tomo de três protagonistas que disP:IUL111l :) Cllp,O
(1960). No entanto, embora todos os sistemas de parentesco se prestem de chefe de povo:lção em Nyatsiku.A povoação de Nyatsd(lJ (01 111Il/LIILI
;', manipulação, o parentesco chope parece ser particularmente vul- há cento e cinquenta ou duzentos nnos por um homem do cl:t NY;lkw.lh.l
nerável e o ambiente político existente f.1z com que os homens ambi- a quem, devido à idade avançnda e saúde fdgil, foi ~lad() (j Ilon\(' <I,·
ciosos tenham na distorção das normas um importante recurso para a Nyatsiku. É muito dificil obter jn~ormaç~o sobre a Iml;;) c:l' succs';:1l I
acção. A flexibilidade do sistema de parentesco deriva de vários factores. desde então, devido ao padrão adélfi.co venficado e tambCIl1 ;) ()fus(;\~'ao
Um deles, atrás analisado, consiste no facto de não haver um dogma deliberada que é cometida por indivíduos que têm interesses adquiridos
forte da descendência. Há provérbios chopes que podem ser usados a defender ou a esperar. O último chefe foi Kalid1ani, cuja morte, cerca
para racionalizar a acção em termos de um princípio de descendência de 1960, provocou os inevitáveis rancores e uma disputa prolongada em
agnática, mas há outros tantos a fundamentar a acção em termos de tomo da sucessão. .
princípios não agnáticos. Também o acesso de estranhos a grupos basea- Surgiram três candidatos: Sangatelo, Germani e Chime1c (todos eles,
dos no parentesco pode conseguir-se através de uma certa engenharia, e obviamente, do clã Nyakwaha). Dos três, Sangatelo parecia ser o que
ocorre frequentemente que os laços de amizade sejam cimentados por tinha menos direito ao cargo na opinião de muitas pessoas, que, em
meio de um casamento, ou pelo uso de termos do parentesco, apliclIl- gnal, não consideravam as suas credenciais genealógicas tão fort~s
do aos amigos a designação de nJowelll (que significa «im1ão .•), por <j1l;1I1tOas cios outros dois: Em termos genealógicos, ~ermani pare~Ia
exemplo. Embora o parentesco assim criado seja claramente uma ficção, Sl'l' () que tinha argumentos mais fortes, seguido de Chlmele, o terceIro
isto tende a ser esquecido ao fim de um certo tempo. (<lll ("()1Tl'1l
te. Este último tinha
, contra si o facto de ser meio-irmão de
Germani e mais novo do que este (era filho do mesmo pai, mas de uma figura 5.3, que apresenta a genealogia geral), mas, ~ssente este ponto~ há
segunda mulher, com estatuto inferior). Um factor que veio ainda com- muito pouco consenso quanto a quem vem depOISde quem. C? pedlgr~e
plicar a situação foi que, na altura em que morreu Kalichani, Germani de Sangatelo estabelece cuidadosamente as relações que lhe danam o d!-
encontrava-se a trabalhar fora por um período longo, de modo que não reito de suceder ao falecido Kalichani (n.o 17 na figura 5.3), o qual, a
podia defender activa e directamente a sua posição. As principais dispu- acreditar no pedigree de Sangatelo, teria, na verdade, uma posiç~o Jn~e-
tas políticas foram, por isso, protagonizadas por Chimele e Sangatelo, rior a este, e meticulosamente omite até a existência dos seus dOls nvals.
o
enquanto uma facção de apoio a Germani defendia a sua pretensão e Efectivamente, Sangatdo afirma que Tihinguvani (n. 2 na figura 5.3,
tentava prolongar o processo, aguardando o seu regresso de Lourenço seu trisavô classificatório) não teve filhos, embora Germani afirme ser
Marques. Sangatelo, entretanto, aproveitou este período para tomar seu neto.
como mulher a viúva de Kalichani, segundo o costume da herança da O próprio Germani reconhece um pedigree muito reduzido, em qu.e
viúva. Isto fez com que, efectivamente, Sangatelo passasse a apresentar- não menciona sequer a existência de Chimele, seu meio-irmão maIS
-se como um parente chegado (era um «irmão» classificatório) do chefe novo. Claramente procedeu tam~ém a uma «telescopia» das geraç~es
falecido e reforçou a legitimidade da sua pretensão ao cargo. entre si próprio e o antepassado fundador, talvez na esperança de r~f~r-
Este não será o lugar adequado para analisar em detalhe a mecânica da çar os seus direitos ao cargo. É interessante notar que mesmo os dOls Ir-
disputa da sucessão, mas é necessário indicar brevemente como tudo mãos não conseguem (ou não querem) chegar a acordo sobre os seus
acabou. Germani regressou de Lourenço Marques para disputar a sucessão, pedigrccs. São consensuais no que diz respeito ao pai de ambos, mas
mas estivera fora demasiado tempo e a sua rede social não era suficiente- pouco mais. Nenhum deles reconhece a existência de S~ngatelo nem
mente vasta nem suficientemente forte para vencer o desafio. Chimele, o consegue demonstrar qualquer relação com o chefe antenor. .
irmão mais novo, procurou empenhadamente defender a sua própria pre- Os pedigrees apresentados na figura 5.2 são pouco representativos em
tensão ao cargo, mas a combinação da sua personalidade impopular com alguns aspectos: pertencem a homens de um clã no interior do qual é
a posição mais forte de Germani fez com que esta tentativa fracassasse. transmitido o cargo de chefe e que por esse motivo recordam geral-
Sangatelo) em consequência, conseguiu ser o candidato vencedor. Tinha mente as ligações em maior profundidade e detalhe do que é co.mum
ganho a lealdade das vicinalidades mais poderosas na povoação, e isto, jun- nos chopes; para além disso, têm um maior incentivo para mal11pular
tamente com a herança da viúva, estrategicamente benéfica, e com a sua os seus pedigrees. No entanto, a falta de profundidade e o carácter vago
notável capacidade de liderança, pôs fim ao problema. das genealogias caracterizam a sociedade chope e isto pode ser usado
Esta longa introdução permite-nos abordar agora a questão principal: negativa ou positivamente. O sentido negativo é o que atrás demons-
em causa estava aqui uma disputa política e tinha principalmente que trei, quando são omitidos alguns indivíduos no pedigree. Mas esta falta
ver com o número de seguidores que cada homem conseguia ter do seu de rigor pode ser usada também pela positiva, criando ligaç.ões fortes
lado. Cada um dos concorrentes apresentou argumentos em defesa da entre indivíduos que talvez tivessem apenas uma relação distante ou
legitimidade da sua pretensão e fê-Io através da divulgação do seu não tivessem qualquer relação de parentesco entre si.
próprio pedigree e da desvalorização dos argumentos genealógicos dos Contudo, em última análise, os laços de parentesco que compõem o
adversários. Assim, notoriamente, as disputas giravam em tomo da cre- pedigree ou a genealogia são uma mistura ?e re~ações efectiv~s, de :sque-
dibilidade das genealogias, ou pedigrees, quando, na realidade, se tratava ma mitológico e, por fim, de reflexão, raClonahzação e mal11pulaçao ?as
de angariar apoios, o que significava invocar obrigações políticas, relações. É da política do parentesco num sentido muito real que aqUI se
económicas e de parentesco. O homem que conseguisse reunir m;lior trata. Cada um dos três protagonistas apresento\.! o seu jJt'dzr;rct' como jus-
número de apoiantes fazia assim com que fossem aceites as suas afir- tificação do seu direito ao cargo de chefe. A maioria das pessoas da
mações quando à autenticidade do seu pedigree. A figura 5.2 mostra os povoaçiío aceitou o de Sangatelo. Isto niío significa que acreditasse.m que
pedigrees dos três concorrentes. esse pedigree fosse mais honesto ou rigoroso do que os dos seus nvals:. a
Note-se que cada um dos três concorrentes estabelecia uma ligação aceitação foi política e a racionalização e a legitimaçiío vieram depOIS.
entre si e O antepassado fundador (Nyatsiku Nyakwaha, com o n.o 1 na Alguns anos mais tarde, Sangatelo foi calmamente deposto e substituído
Nyakwaha
(Nyatsiku)

Tíhinguvan;,
=0=0=0 Chiburwc Mangane !;, Tlhingm'a ni
Changamwe Bing'l\',me

Changamc
cl6=0
I Muchini lavan; Changame

l=o=o=o=O (5 L 1, A=o=o=o
Ma\'llle Tengamuch

o"m"'1 I ó ~~~ \
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I .
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Nglasse L,GamiChi Nsumbunuku
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Nyakwaha

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Tlhing"van;'
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Za\'ani I
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por Germani. Todos os informantes o justificaram afirmando que Ger- grande parte das quais é de curta duração. O ritmo de sociação (con-
mani era o homem «certo", que as suas credenciais genealógicas eram ceito útil usado por B. Sansom 1972,210 e segs.) é acelerado. Um indi-
melhores do que as de Sangatelo e que ele deveria ter sido nomeado chefe víduo ambicioso, como demonstrarei no capítulo final, é capaz de ma-
desde o início. É claro que a decisão foi política: Sangatelo não satisfazia nipular a plasticidade do seu sistema de parentesco a fim de alcançar o
como d1efe e foi substituído. Mas foi deposto com base no mesmo tipo máximo de beneficias que lhe seja possível.
de argumento de legitimação que o levou ao poder: o de que uma Resta, pois, tentar dar conta da diferença entre os dogmas de des-
posição genealógica era mais forte do que a outra. cendência patrilinear entre os chopes e a forma sobranceira como pare-
Apesar da ideologia agnática dos chopes, procurei demonstrar que, em cem muitas vezes esquecê-Ias. Talvez, como dizia Lepervanche, devamos
rigor, não se trata de uma sociedade puramente patrilinear. Na verdade, concluir que, para os chopes, a descendência é uma construção ideal que
defendi que fosse abandonado esse tipo de termos-estandartes, que ten- . «constitui uma maneira de falar sobre grupos» (1968, 181). É um meio
dem a ocultar, mais do que revelam. O problema reside em conceitos que permite formular, ordenar e classificar um universo de pessoas im-
como o de "descendência», que, até há não muito tempo, eram geral- portantes e é também um meio de exprimir a solidariedade do grupo pe-
mente objecto de explicações unifactoriais. No entanto, quando se co- rante outros grupos. O recrutamento para os grupos não requer pedigrees
meça a «desenredar>. as várias funções que são habitualmente abrangidas vastos como condição sine qua non para a entrada: os grupos acolhem de
por este tipo de noções, o assunto toma-se mais complexo. Uma forma bom grado os imigrantes. A transmissão da propriedade e da riqueza não
possível de contornar o problema é dispensar esse «d1apéu» geral e tratar requer um sistema cuidadosamente ordenado, pois nem uma nem outra
cada função separadamente em rubricas como a ideologia do sistema existem em grandes quantidades. Estes parecem ser alguns dos factores
(dogmas de descendência) ou o recrutamento para os grupos. Deveríamos que conduzem a um desfasamento, entre a ideologia e a acção.
também especificar as diferentes modalidades da descendência e, como Talvez o domínio onde a plasticidade do parentesco e da organiza-
procurei fazer, notar se essas modalidades são lineares ou laterais. ção social é mais nitidamente visível seja o das origens e método de re-
Procurei mostrar que há um pendor cultural para os parentes agnáti- crutamento dos imigrantes. É certo que entre os chopes há muita gente
cos (como ilustra a ideologia), mas mesmo neste âmbito há espaço de que vem, ou cujos antepassados vieram, de outros povos vizinhos. Esta
manobra, uma vez que as linhagens são inexistentes e as memórias ge- tendência era já notada em 1927, data em queH.-P. Junod manifestou
nealógicas são curtas. Para compensar a pouca quantidade de parentes a sua frustração por não conseguir encontrar clãs que pudessem provar
agnáticos que o indivíduo teria ;\ sua disposição numa sociedade como serem os habitantes originais da terra dos chopes. O meu próprio tra-
a dos nueres, os chopes enfatizam os parentes laterais, o que implica a balho de campo veio confirmar a experiência de Junod, que notou que
incorporação de parentes matrilaterais e afins em áreas da vida social a maioria dos clãs se dizem imigrantes na terra dos chopes, alguns deles
que os povos menos fluidos da África austral tenderiam a excluir ou a desde há muito pouco tempo.
manter a um nível mínimo. Este processo torna-se possível devido à facilidade com que o sistema
De todos os modos, os chopes recorrem também a tipos estruturais social dos chopes é capaz de incorporar novos membros. O parentesco
alternativos aos parentes agnáticos quando recrutam membros para os tem aqui um papel importante, mas um imigrante sem qualquer pa-
grupos e para os conjuntos de acção. Para além dos tipos de parentesco rente que o patrocine pode ainda assim instalar-se num dado local
alternativos, a matrilateralidade e a afinidade, existe ainda a estrutura de como «amigo" do seu patrono. Após algum tempo, contudo, o paren-
quase-parentesco da instituição do xará, bem como a instituição da tesco pode ser chamado a intervir através dos laços de afinidade. Como
amizade especial ou mesmo da amizade comum. Todos estes são tipos notei na secção sobre a vicinalidade, é muitas vezes difícil saber qual é
estruturais que encerram direitos e deveres recíprocos e que podem ser a natureza da ligação original entre alguns membros, porque acontece
usados em complementaridade ou concorrencialmente com a estrutura que os laços de «amizade» são muitas vezes reforçados por um casa-
culturalmente favorecida. mento entre os dois grupos envolvidos. O líder da vicinalidade, como
Uma das consequências desta situação é que se desenvolveu um sis- também notei, é designado como "pai» dos sc!us seguidores, e perante
tema social que gera a necessidade de o indiví<1uo criar muitas lealdades, os estranhos o imigrante é tratado como se fosse efectivamente filho elo
1tJabombe, sendo as normas de, parentesco aplicadas a esse imigrante,
com o, «ho~em grande» a servIr de ponto de referência "paterna»,
A sItuaçao faz lembrar a que se verifica entre os nueres. Como
mostrou o debate recente sO,bre a composição dos grupos agnáticos
entre os nueres, se a pessoa vive numa sociedade e interage de acordo
com as suas normas, pode considerar-se para todos os efeitos que per-
tence a essa sociedade (Gliekman 1972a, 590), No caso dos nueres um Capítulo 6
~os principais mecanismos pelos quais a flexibilidade é alcançada 'con-
SlSt~no tra~amento dos antepassados femininos como se fossem mas-
Casamento, aliança, instabilidade
culmos (GIlckman 1972b). Os chopes empregam vários mecanismos al-
gu~~ dos q~ais, como a afinidade, já mencionei. Ainda uma o~tra
pratica conSlS:e na tradu.çã~ de um nome de clã para a língua chope,
e sucessao -
m~ntendo assim o seu significado, que é muitas vezes o nome de um
anImal, . de um .utensílio ou de um modo de estar (por exemplo, Este capítulo, o segundo de quatro dedicados a vários aspectos do
Nkumbl _refere-se. ao <<velho», Ntsambe significa «simpático», etc.). parentesco, centra-se nos padrões de casamento dos chopes, na insta-
A traduçao permIte que a pessoa se identifique com o clã chope do bilidade crónica da instituição e nos p3drães de sucessão e her3nça.
mesmo nome, no caso de este existir. Uma d3s características mais import3ntes do sistema é a extensão lateral
Contudo, e,:n última análise, estes processos não são essenciais, por- das 3lianças 1 3tr3vés de toda a sociedade, que deriva (13 interacção das
que ':. fo~maçao dos grupos é tão fluida que o recrutamento é uma normas exogâmicas (que proscrevem o caS3mento com mulheres dos
questao sImples. O aspecto mais importante da flexibilidade do paren- clãs p3terno e materno) com o incitamento a que se «case fora» da área·
tesco n~o é t3~to o recrut:Imento de estranhos como as possibilid3des local. As pressões que este sistema impõe ao casamento são realçad3s
de maI1lpulaçao dentro do clã e dos próprios grupos de descendência, pela alta taxa de divórcio. Outra instituição que parece ter um papel n:l
propor,C1?nadas pela pouca profundidade das linhagens e pela amnésia matriz sociocultuf31 que dá origem ao que poderíamos designar como
genealoglca ao fim de pouco tempo. um princípio de lateralid~de é o sistema de sucessão e heranç3. A pas-
A [lIta de profundid~de e. a flexibilidade do sistema de parentesco sagem lateral dos cargos políticos, em particular, gera uma competição
chope,. com.o argumentei, denvam da interacção complexa de vários fac- política que engloba vários potenciais herdeiros e contribui para a
tor~s: mclumd~ a. ecologia, os padrões de posse da terra e o ambiente emergência do individualismo, Na verdade, a sociedade chope é carac-
polItlCo. ,No proxImo capítulo serão tratadas outras características desta terizada por 'uma incidênba egocêntrica, mais do que sociocêntrica, o
mesma smdrome: as nonnas de aliança, os seus padrões, a instabilidade que é pouco comum na África austral.
do casamento cho~e, os p~drões de herança. Só através da separação Assim, este capítulo divide-se em três secções princip:lÍs, que tr3tam
dos fios da complIcada tela que é formada por todos estes factores do casamento e da afinidade, do divórcio, das formas de sucessão. Mais
poderemos compreender a sociedade chope. uma vez, são abordados ;1través da análise desses três aspectos da vida
social os temas que sobressaem em toda a monografia: a horizontali-
dade do sistema social, que contraria as suas características verticais, o
ritmo acelerado de sociação (que incorpora a ideia de que as relações so-
ciais e as alianças são constituídas e destruídas com alguma regulari-

I Uso aqui o termo "aliança;' 110 scnlitlo proposto por RadclitTc-Browll, mas adianle
neste capítulo utilizo-o no sClltído que Ihc deu Lévi-StrJuss lU SU:1 I-luxiey Mcmorial
Lecturc de 1965 (Lévi-Strauss 1,966).
dade) e, é claro, a oportunidade criada por este sistema para a manipu-
lação por parte dos indivíduos mais ambiciosos.
Mulheres «"Jdas Mulheres casadas
por I00 homens casados por 100 homens poligínicos

Casamento, afinidade e aliança


Pretendo desenvolver esta secção em dois grandes segmentos: o pri-
meiro relaciona~se com a demografia do casamento e com os paga- quanto ao casamento. Em geral, as alianças constituídas através do casa-
~entos e negociações que este implica (ou seja, o casamento enquanto mento parecem ser tendencialmente aleatórias, isto é, não manifestam
nto de passagem, com alguma análise dos aspectos simbólicos); o se- uma intenção estratégica óbvia; mais precisamente, considera-se sufi-
gundo, na minha opinião o mais importante, trata do casamento como cientc tcr casado e assim ter alargado a rede de aliados. No entanto, há
aliança, sendo analisadas as implicações estruturais das normas exo- um ou dois casos que foram claramente motivados por uma estratégia
gâmicas e dos padrões matrimoniais. e sobre um destes deter-me-ei brevemente.
Durante as minhas estadas no terreno pude assistir apenas a quatro O ideal chope do casamento é a poliginia (embora, aparentemente, esta
cerimónias .de casamento, mas julgo que foram suficientes para que esteja a tomar-se menos praticada do que no passado). De acordo com a
pudesse verificar a emergência de vários padrões. Complementei estes proposta de Clígnet (1970, 18), apresento no quadro 6.1 afiequência e a
casos observados com numerosas entrevistas com informantes, nas intensidade com que ocorre a poliginia. A primeira é calculada pela pro-
quais discutimos algumas versões idealizadas do modo como acontece jecção do número de mulheres casadas para cada 100 homens casados, a
o namoro e dos costumes relacionados com o casamento. Embora os segunda pela contagem do número de mulheres casadas para cada 100
casos concretos a que assisti tenham umas. vezes omitido alguns dos homcns poiigínicos. As minhas estatísticas baseiam-se numa amostra total
procedimentos «ideais» e outras incluído aspectos diferentes, acredito de duas povoações, Nyatsiku e Mangane, onde havia 98 famílias não des-
que o que observei foi suficientemente representativo dos costumes feitas (isto é, homens casados). Tratarei os 98 casos como correspondentes
chopes relativos ao casamento, em geral. ao número mais redondo de 100, já que a distorção não será suficiente-
Há duas vias principais para se obter uma mulher: a primeira é a da mente grande para ser significativa; I

reciprocidade amorosa, a segunda consiste no casamento concertado, Seria arriscado generalizar estes números ao universo do povo chope,
em que os futuros cônjuges têm pouco ou nenhum contacto prévio. pois não tenho forma de saber quão representativos são estes valores.
Este tipo de casamento pode ser acordado pelos pais de ambos ou ainda Mesmo o número apresentado para a intensidade da po!iginia é de
por um potencial marido que pede a um amigo ou parente que lhe en- algum modo uma estimativa, pois havia apenas 18 homens poligínicos
contre uma noiva adequada - e o último caso parece ser mais comum na minha amostra. Seria mais rigoroso afirmar· que os homens poligíni-
do que o acordo entre os pais. No meu questionário não perguntei aos cos da minha amostra tinham, em média, 2,33 inulheres. A taxa de poJi-
informantes que tipo de casamento haviam tido, pelo que não dispo- ginia seria mais elevada se optasse por incluir todos os casamentos
nho de informação estatística sobre este aspecto. Dos quatro casamen- poligínicos que ocorreram ao longo da vida dos informantes mas que,
tos a que assisti, dois foram ditados pelo amor recíproco e outros dois fosse por morte das esposas ou por divórcio, já não são múltiplos. Dos
foram «arranjados» a pedido do marido. A informação oral coligida ten- informantes adultos, 36% haviam tido a dada altura um casamento
dia a salientar a atracção mútua e o processo do namoro. poligínico, enquanto apenas 21% de todos os casamentos existentes
O método de selecção de uma mulher é pouco importante para o (durante as minhas estadas no terreno) eram deste tipo.
que aqui nos ocupa, a saber, descobrir os padrões relativos ao casamen- Os chopes praticam também a herança da viúva e o sororato, embo-
to e a SUa relevância estrutural. De todos os modos, O método da es- ra hoje em dia estas instituições sejam mais ideais do que efectivas; en-
colha do parceiro está sujeito aos constrangimentos impostos pelas nor- contrei apenas dois casos de sororato e três de herança da viúva. A exis-
mas exogâmicas, que geram algumas possibilidades e impossibilidades tência destas instituições pode explicar-se 'pela interacção de três
factores: em primeiro lugar, se o grupo da mulher tivesse de devolver o Negociações e cerimónias matrimoniais
preço da noiva, ver-se-ia investido de um fardo económico insustentá-
vel; em segundo lugar, há problemas rituais relacionados com as ceri- Não pretendo deter-me sobre os detalhes d~s cerimónias. de cas~-
mónias que assinabm a ruptura de um casamento e da aliança; por fim, mento, Il1:1S há alguns aspectos que são relevantes par: a mm?~ t.ese.
o casamento é uma aliança entre dois grupos, mais do que entre dois in- Usarei dois casos para ilustrar essas questões, que poderao ser d.lvl~l~as
divíduos, e a morte de um dos esposos poderia significar a quebra dessa em duas partes, a saber, as negociações do casamento e as cenm~mas
aliança. que efectivamente constituem os ritos de passagem. Estes casos dizem
Associada a estes costumes surge ainda a instituição do casamento se- respeito a dois casamentos .distintos, porque em cada .um deles pude
cundário preferencial, segundo a qual o homem tem direito de preferên- observar em maior profundidade um dos aspectos refendos.
cia para casar com as irmãs mais novas ou com as filhas do irmão da sua
mulher. Esta norma tem implicações estruturais importantes e influen- • Caso 8 - As negociaçõesdo casamento de Marinyela J(1iJ~mbe
cia o sistema classificatório do parentesco. No entanto, esta forma de MarinyeIa é um homem que vive no grupo de povo~çoes de Ussak~,
casamento, que permite também que o homem pague um preço da ~ cerca de 16 quilómetros a nordeste de Nyatsiku. Regr~ssar.a haVIa
noiva reduzido pela segunda mulher, não é frequente na prática: só en- pouco de uma viagem de trabalho migratório e,po.upara dmhetro sufi-
contrei dois casos. ciente para poder casar. Tomwane, q~e é, e~e.propno, casado com uma
É consensual que o preço da noiva deveria ser de 25 tipondo(sendo mulher Nkome, dirigiu-se ao seu amIgo e vlzmh~ Bokiswe Nkome para
pondo a antiga libra sul-africana, mas que se refere hoje à nota de 100 es- saber da disponibilidade da filha deste, Clementme. Boluswe m?strou-
cudos moçambicanos, mais ou menos equivalente a 3 rands).t.· O valor -se de acordo e foi combinado um encontro para que. os nOIVOSse
que é efectivamente pago varia ligeiramente para mais ou para menos conhecessem. Marinye1a gostou do aspecto de Clementme, que. tam-
das 25 «libras" estipuladas, em função da beleza da mulher e do estatu- bém o julgou atraente, e BÇlkisweaprovo~ o n:~ro casamento. FOl mar-
to do seu pai. A virgindade não tem valor especial e o preço da noiva a cada uma data para as negociações matnmomals.
pagar por uma mulher divorciada é semelhante ao de qualquer outra No dia prey-isto, as duas partes encontraram-se. Tomwane era o nyan-
mulher. Na verdade, um homem que estava prestes a casar com uma k7iJame do futuro genro (njJankwame significa, literalmente: «homem da
mulher divorciada e com três filhos pequenos afirmou não considerar bolsa", ou seja, «o que puxa os cordões à bolsa»;.nbvame e o nome que
que isso fosse um inconveniente, porque, como explicou, kadiya kukan- se dá a um pequeno antílope de cuja pc1e são feItas as .bolsas p:tra o di-
cE;1I/1f)a, o que significa «a panela Vá foi testada e) não verte". Dito de
nheiro e deste termo deriva também o nome alternativo de nya~save).
outro modo, ele sabia. que a mulher era fértil. O nyankwame, ou ncgo:iador, do lado de Bokiswe er:1 ~e~den~ane~
Em termos da moeda sul-africana, o preço da noiva é assim de CerGl filho do irmão do primeIro, um homem reputado pela lectlc\.lO eVlden
de 75 rands, uma quantia extremamente grande para um país onde há ciada nas negociações. .
tanta pobreza. No regresso de uma temporada (de onze a dezasseis MarinyeIa trouxe consigo sete pessoas para o apOlar~m: Tom~ane
meses) nas minas de ouro da Africa do Sul, o trabalhador migrante con- 'rm-ao da mãe) um outro MB, o segundo mando da mae, o
(seu MB , I ' , . '\
segue, em geral, poupar pouco mais de 100 rands e, destes, a maior parte seu FZSS (neto da irmã do pai), a sua mãe, uma MZD (pn:na rr;a:n :1-
desaparece imediatamente com o pagamento de tributos, obrigações de teral) e um amigo. Estes constituíam. a .sua parenteI~ maIs proXIma.
parentesco, etc. Estes números verificavam-se na altura em que fiz o O grupo de apoiantes de Bokiswe era hgetramente malor (uma vez ue :t
meu trabalho de campo. Nos últimos anos, os salários subiram. as negociações se davam' na sua casa) e representa,,:a. os .seus amigos
próximos e parentes, abrangendo a maio: parte da vlclOaltdade. O seu
grupo incluía Senderiyan,e (seu BS, sobnnho pat~rn~), um out:o BS,
um B, o seu ZH (maridó da irmã), o seu ZHB (Irmao do mando da
irmã), a mulher deste, unia BD (filha do irmão), duas mulheres de BS e
• Valores referentes ~ primeira metade da década de 70, antes da desvalorizaç:io do
rand nos anos 80. (N. do E.) três amigos.
o grupo de Marinyela chegou ao domicílio onde as negociações de- trato acordado, escrevendo-o num papel e registando os nomes das
veriam começar e foi recebido à entrada pela mulher do irmão de testemunhas (tifakazt) presentes.
Bokiswe (em lugar da avó da futura noiva), que solicitou o pagamento Nesta altura, a noiva, as suas irmãs e irmãs classificatórias (as suas
de 10 escudos para que o grupo pudesse entrar. Depois de paga esta FB5D, netas do tio paterno) sentaram-se junto do noivo, assumindo o
quantia, o grupo avançou para um alpendre, onde, mais uma vez, a en- estatuto de suas valamu, ou seja, mulheres secundárias preferenciais.
trada estava vedada, desta vez pela mãe de Clementine, a quem foram Tomwane, como se quisesse mostrar a Marinyela como deveriJ agir
pagos mais 10 escudos para que o grupo pudesse abrigar-se do sol. naquela situação, dirigiu-se a uma lamu de 8 anos, dizendo "waranda
Geralmente, as negociações são conduzidas numa palhota, mantida às kani?», o que significa «queres ser minha amante? •• (o marido e as suas
escuras, e o futuro marido tem de pagar ainda mais 10 escudos para que valA/nu mantêm uma relação jocosa bastante obscena). Ao longo da
haja iluminação. Mais 10 escudos foram pagos para «abrir as conver- refeição, Bokiswe levou o genro junto de todos os seus parentes,. apre-
sações», após o que foi entregue uma galinha ao grupo do noivo, em sentando-os e indicando os termos de parentesco adequados. Mannyela
sinal de que o pai da noiva aceitava começar as negociações. apresentou depois o seu próprio grupo. Acabada a refeição, o grupo do
Todas estas transacções foram efectuadas pelo nyank:wame do noivo e marido foi-se embora.
a galinha foi-lhe dada pelo nyallk1eJame do pai da noiva. Ao longo das
negociações coube a estes homens fazer todo o regateio e discussão, en- Análise
quanto os futuros marido e mulher se encontravam sentados em cantos Marinyela era um homem que podia pagar em dinheiro o preç? da
opostos da sala, mantendo os olhos baixos e ladeados por amigos ou noiva requerido. A razão por que pediu a Tomwane que lhe arranjasse
parentes próximos. O pai da rapariga observava atentamente, mas tam- uma noiva a cerca de 16 quilómetros da sua casa não é evidente, em-
bém não podia falar, a não ser para chamar o seu nyank:wame e com ele bora haja entre os chopes, efectivamente, a noção de que se deve casar
discutir a táctica a seguir. fora do próprio local de residência. Este sentimento reflecte-se no
Os dois negociadores passaram à discussão da quantia que seria provérbio loko u nga tsulz~u na teM ndiyako: "Se não viajares, casarás com
apropriada para esta noiva. Tomwane retirou algumas notas dobradas de a tua irmã." Tendo decidido casar e fazê-Ia com uma mulher de uma
um bolso e colocou 22 pondo no chão, debaixo de uma bengala. Opi- zona distante, Marinyela optou por dirigir-se a Tomwane, que é seu
nou que se tratava de um grande valor. Senderiyane respondeu, indig- irmão da mãe classificatório. Dito de outro modo, decidiu recorrer a um
nado, que se sentia ofendido por se pensar sequer numa soma tão baixa membro bastante afastado da sua parentela, neste caso um irmão da
para uma rapariga tão bonita. Os dois homens foram discutindo, em mãe, com o qual a relação se caracteriza por um entendimento descont
representação do pai e do genro, e Tomwane foi cedendo, até que foi traído e amigável. "-
atingida a quantia de 25 "libras». Durantc a negociação foram proferi- Os papéis dcsempenhados pelos ll.YfW!l711(/II/C são intcrcssantcs (e aquI
dos insultos - a dada altura, Tomwanc comparou o «sogro» a um "fosso o termo "pape!» é bastante adequado), pois ambos os homens agem
de lixo, que engole tudo». No entanto, Uma vez chegados a acordo como substitutos: representam o antagonismo entre os dois lados, cada
quanto ao valor de 2500 escudos, o antagonismo cessou e começaram um deles sendo tão veemente quanto se atreva a sê-Ia na negociação,
a combinar as duas celebrações, uma em casa do pai da mulher, a outra proferindo muitas vezes as palavras e os insultos que cada um dos lados
em casa do marido, com a qual o casamento ficaria consumado. Cle- deverá estar a pensar. A actuação destes homens é alegórica, represen-
mentine, de joelhos, retirou o dinheiro que se encontrava debaixo da tando e tomando explícita a hostilidade que existe entre os afins; toda-
bengala e deu-o a Bokiswe, dizendo: "Aqui está o seu dinheiro, pai.» via, como o fazem em representação de terceiros e estão conscientes de
A galinha que fora oferecida ao grupo do genro para «abrip, as negocia- que se trata, afinal, de uma mayembana, uma "brincadeira», não. há m.o-
ções foi então morta pelos dois II)'ank:wame e distribuída igualitaria- tivo para a ruptura que se verificaria caso s~ tratasse de uma dlsc~ssao
mente pelos dois lados. Algumas partes especiais foram dadas ao genro, entre as personagens «reais», As forças centrífugas dos laços de afil1ldadc
que recebeu o nati (o pescoço e o papo da galinha), e ao sogro, a quem são assim reconhecidas, mas as tendências centrípetas vitais não são
coube a cabeça. Durante a refeição, os dois 1!ytl11!m!(ll1lf redigirJm o can- postas em causa.
partir. É a mãe dcla, a pessoa que mais sentirá a sua per?a, que repre-
Durante toda a «actuação» dos dois nyank7fJame, as pessoas que eles senta o grupo. Q1ando a mãe está a porta da morada fiSlca, repre~enta
representam estão sentadas em silêncio, com o olhar distante ou com também, simbolicamente, a «casa» (ou seja, a linhagem) que ela cnou.
os olhos baix~s. Cedem temporariamente o seu «ser» social ao repre- Por fim o facto de comerem a galinha juntos tem conotações sim-
sentant~> '1..uee quem comanda a cena. Terminada a actuação, quando bólicas ób~ias: trata-se, desde logo e sobretudo, de uma comunhão, pois
a negoClaçao chega ao fim, o marido, a mulher e o sogro emergem de não há nada que simbolize melhor a unidade do que uma f..1míliasenta-
~0.v0 como entidades sociais e é-Ihes então permitido comer, falar e par- da para partilhar uma refeição; é a expressão por excelência da paz e da
tIcipar no acontecimento social. harmonia. A galinha é dividida em porções iguais, o que assinala a Igual-
A charada ~ue caracteriza a primeira parte das negociações, quando dade dos grupos que participam no seu consumo. Também nesta altur~
o lado do nOlv~ t:m. de «~omprap> a entrada no domicílio, depois na o genro recebe, pela primeira vez, a parte da carne que lhe cabe: o natl,
casa: a luz, etc.~ e sl~I1lficatlva. Como notou Sahlins (1963), uma análise que é a mocla e o papo (3 parte mais dura e desvalorizada da ave, no que
do tipO de reciprocidade (ou das transacções) que ocorre entre indiví- constitui uma afinnação simbólica agoirenta; a parte nati correspondente
duos ou g:u?os. é muito esclarecedora da qualidade da relação que os na c3bra é a parte do estômago a que se dá o nome de retículo, incluin-
une. A eXlgencla de pagamento por coisas tão triviais é afin31 um3 do o seu conteúdo em d~composição e igualmente pouco apetecível).
3finn3ção simbólica de que o grupo é à chegada compietame~te es- O sogro, em contra partida, recebe a c3beça, tradicionalmente dada a
tranho, se ~ão mesmo hostil, que não merece confiança e que deve, em homens idosos, que exigem, e obtêm, um tratamento respeitoso. Refira-
contr3partlda, comprar tO?OS os privilé~os que espera poder adquirir. -se ainda que {\galinha é o animal mais frequentemente usado para propi-
No entanto, quando termmam as negoCIações, o marido e os restantes
ciar os antepassados, embora aqui não seja usada nesse contexto.
mem~ros do seu grupo são tratados como amigos, sem que haja. lugar É interessante notar também o simbolismo das partes oferecidas ao
a qUaIsquer outras trans3cções «negativas». genro: a mocla e o papo da galinha ou uma parte do estôm3go da cabra
Jd:a!~ente, é a avó materna da mulher quem barra o 3cesso ao (retículo). Uns e outro cumprem a função de receber as matérias estr3-
domlcdlo nesta ch3r3d.a :: é a mãe da mulher quem guarda a porta de nhas (a comida) na sua forma original e prep3rá-las para 3 digestão, p3ra
:ntrada na casa. As poslçoes destas duas mulheres na estrutura social são a sua aceitação pelo animal. Este simbolismo adequa-se certamente ,\
mt~ressantes. A avó (que, geralmente, recebe 200 escudos do preço da
vida soci3!, já que o grupo precisa de estranhos para que se alargue e
nOIva) ?uar~a a entrada do domicílio porque, segundo os informantes, cresça e os genros e as noras são os estranhos sem os quais o grupo de-
a rapanga e «do seu s:ll1gue». Isto significa o reconhecimento de três
sapareceria. O carácter quase incomestívcl da mocla e do retículo incli-
co~sas: em primeiro lugar, dos aspectos do casamento que dizem res-
ca a ambivalência de que,são investidas as relações com os afins.
peito as mulheres, porque ela pertence 30 grupo da noiv3 e tem muito
qU,ever com a forma como esta foi educada; em segundo lugar, do con-
• Caso 9 - As celc!Jmeões matrimoniais de UtsCO Nyak7tJ(/!Ja
teu,do matnlateral do parentesco, já que ela é parente matrilateral da Vasco e o grupo dos seus apoiantes (que incluía parentes e amigos)
nOIva, por via materna; em terceiro lugar, ela corpor3liza o truísmo de
chegaram a casa do irmão da noiva para a primeira celebração do seu
que o casa~en,t~ é um ass.unto que diz respeito aos grupos, e não mera-
casamento com Zulumeri Masit3 (as negociações havi3m terminado
mente,305 mdl.".lduos, pOISela representa a rede mais vasta de p3rentes
uma semana antes) à hora de almoço. Vasco, ladeado por dois amigos,
par,a Ia da famllta elementar. A avó está para o domicílio como a mãe
afastou o olhar e manteve-se em silêncio. Os homens e as mulheres do
esta 'para a casa. As características não lineares do parentesco chope
grupo estavam separado,s, encontrando-se as mulheres dispostas em
mamfestam-se neste aspecto.
mantas sob 3 sombra de uma árvore e os homens sentados numa palho-
A mãe, que bloqueia a porta de entrada em casa, afirma simbolica-
ta que lhes foi oferecida para o efeito. Os parentes da noiva estlv3111
mente que está relutante em afastar-se da filha; ela é a guardiã dos resi-
igu3lmente divididos por sexo e sentados um pouco afastados. Havia,
dentes que são importantes naquela casa e que dela nasceram - os fi-
assim, quatro grupos, scp~raclos ele 3cordo com o sexo e com o lado dos
lhos. Isto deve também ser visto, obviamente, como parte dos ritos de
passagem, em que o grupo da r3p3riga se mostr,l relutante em deix,í-!a cônjuges que representavam.
Os 'ifi:kazi (testemunhas) que acompanharam Vasco à celebração Q,Jando a comida foi servida, o marido e a mulher com as suas irmãs
e~am mal~ ou ~~nos os mesmos que haviam testemunhado as negocia- c1assificatárias, a quem o marido chama /amu, foram postos à parte.
çoes matnmonlalS. Este grupo era constituído por: Wilsen Nyangumbe, Estes partilharam a comida, dedicando-se o marido e a mulher a cortar
seu. FZS (filho da irmã do pai); Nyangalume Masakula (bom amigo e os alimentos a meio e a ajudar o outro a comer a respectiva metade.
melo-agnata),2 que era o seu nyankwame; Germani Nyakwaha, seu FB Quando f9i servido o chá, por exemplo, a mulher segurou o recipiente,
(irmão do pai); Sangatelo, seu FB e MH (marido da mãe, pois tomou a enquanto o marido bebeu metade, e vice-versa. A primeira mulher de
mulher do pai de Vasco em levirato quando aquele morreu); Chi- Vasco partilhou também uma chávena de chá com a noiva.
panyelo Ntsambe, seu MB (tio matemo) classificatório; Raphaele Nko- Já perto do fim da cerimónia, quando se tomava o chá, o irmão da
me, um amigo; Hembiyani Ntsambe, sua FMBD (filha do irmão da mulher (enquanto representante de estatuto superior do seu grupo) jun-
mãe do pai); Ameli Nkumbi, sua FFZD (filha da irmã do avô paterno); tou-se aos homens do grupo do marido «para estabelecer uma relação
a sua mãe, Chamabnyane Mbonati; a sua primeira mulher, Clara amigável». Ao mesmo tempo a mãe do noivo foi para junto das mu-
Ndevene. Os 'ifakazi da noiva de Vasco eram: o irmão (o pai tinha já lheres que representavam a noiva - também para se conhecerem. Pouco
falecido); um FB (que tinha a função de n),ankwame); a mãe; as irmãs; depois foi redigido um contrato onde se afirmava que fora levada a cabo
? marido de uma destas; um BS (filho do irmão); uma BD (filha do uma cerimánia para assinalar o casamento de Vasco e Zulumeri.
Irmão); um BWB (irmão da mulher doirmão); um FMSS (neto da mãe Isto pôs fim ao acontecimento e os convidados do noivo regressar3m
do pai); uma FMSD (neta da mãe do pai); três filhos de um FMSS (neto a C3sa, a cerca de 6 ou 7 quilómetros. Vasco teve de ficar para trás com
da mãe do pai).
a sua nova mulher, isolado com ela numa palhota, onde durante o dia
Os dois negociadores mataram então um cabrito (macho) oferecido seriam constantemente acompanhados pelo nyankwame dele. Ao fim de
pelo lado do noivo e cortaram-no em partes para que as mulheres oco. três dias, Vasco saiu da palhota durante o dia para trabalhar no
zinhassem. Outros alimentos, como mandioca, massa de milho, arroz, domicílio: construiu um celeiro e fez outros trabalhos comuns.
açúcar e chá, foram divididos equitativamente entre os quatro grupos. Aparentemente, poderia ter sido chamado para construir uma nova pa-
O nyankwame do noivo foi constantemente consultado quanto à divi- lhota, mas isso não aconteceu.
são correcta da comida e foi tratado com muita deferência. Na verdade, Ao fim de dez dias, na data marcada para a celebração em casa de
todos os membros do grupo do noivo foram alvo de um tratamento Vasco, as mulheres da casa da noiva começaram os preparativos para a
bastante respeitoso.
mudança da sua «filha» para a casa do marido (bobelekela mTfJa!uma
A carne do cabrito, depois de cozinhada, foi dividida em quatro wukall). Um grupo de mulheres cantou e dançou em volta de um diltl-
partes, uma para cada grupo, e as partes especiais foram postas de lado di (um recipiente de madeira onde os cereais são moídos com um longo
para as várias categorias de parentes e outros a quem se destinavam. pilão), enquanto duas mulheres produziam um determinado ritmo com
A paI1e da frente do peito, chamada chilila, foi oferecida aos criadores os pilões (a que se chama nlsl). As mulheres revezavam-se. no pilão, en-
do gado; o retículo, na'l~foi oferecido a Vasco, por ser o genro (alguns quanto as outras cantavam canções relativas ao casamento e à cópula e
pedaços foram dados a outros homens do seu lado); a parte de cima dos davam /aYJl (lei) ao casal.
quartos traseiros, a que se chama dikondo, foi oferecida aos valu!<.u!lI fi- Os grãos que eram moídos desta forma seriam usados como base de
lhos das irmãs e netos classificatórios. O sangue do cabrito, recolhido um prato que simboliza a fertilidade e se destina apenas aos recém-casa-
quando se lhe cortou a garganta, foi cozinhado com as paredes do es. dos. É feito de massa de milho moído numa farinha fina, mel e água;
tômago para fazer um prato a que se chama dJOSO ni madola e que foi depois de torrada esta mistura, são feitos pequenos bolos, a que se
oferecido aos homens idosos de ambos os lados. chama dJigwama, com açúcar e água. Mais tarde, já nas cerimónias em
casa de Vasco, o casal comeu esses bolos, depois de terem sido partidos
a meio, ficando uma metade para cada um deles.
2 Meio-agnata porque os clãs a que um e outro pertencem resultam de uma divisão, O grupo da noiva trouxe uma cabra (fêmea) e porções de arroz, açúi
ocomda algumas gerações antes, do que crn tempos foi um único clã. car, leite condensado, chá e uma galinha (fêmea) como contribuiçã."
para a festa em casa do marido. Qyando chegou a casa do pai do mari- Análise . , .
do, o grupo da mulher mostrou relutância em entrar e teve de ser inci· A primeira e mais óbvia característica destas cenmOl1las de casam.en-
tado a isso pelo pagamento de 10 escudos. Os presentes foramen- to é o seu significado enquanto ritos de passagem. Pretendo dedIcar
tregues e os dois nyan!mJame dirigiram a matança da cabra e a sua algum espaço à análise deste aspecto.· .'
preparação. Nesta altura, mais uma vez, as pessoas estavam separadas de A separação que existe entre os dO.lsg~pos envol~ldos na altança que
acordo com o sexo, mas todos os homens de ambos os lados se mistu- o casamento constitui é salientada lmedlatament~ a. d1:gada de Vasco
ravam à vontade entre si, assim como as mulheres. com o seu grupo: estes sentam-se a uma certa dlstanCJ:l dos acompa-
Na manhã seguinte, .um grupo misto (de homens e mulheres, tanto nhantes da noiva. Também há uma separação dos sexos, pelo qu~ se for-
do lado do noivo como do lado da noiva) saíram para limpar e cavar os mam qUJtro grupos, o que parece exprimir as diferenças seXUaiSentre
campos que passariam a ser da mulher. As restantes mulheres dividiram Vasco e a sua noiva. .
as suas atenções entre ir buscar água e aplicar adobe nas paredes da nova Vasco entrou no domicílio com o olhar distante e ladeado por amI-
palhota da mulher. A maior parte dos homens saíram para caçar, voltan- gos. As negociações sobre a matança da cabra e as preparações da co-
do mais tarde com três pequenos animais que tinham conseguido mida foram conduzidas em seu nOme pelo seu nyan!arJame. Ao mesmo
matar. O grupo que estivera a cavar os campos foi chamado para re- tempo, a noiva, Zulumeri, encontrava-se ladead.a por mulheres do seu
gressar ao domicílio, mas recusou-se a voltar até que a mãe da noiva grupo e sentJdJ, com uma CJra séria e olhJr d~stante. Este comportJ-
recebeu 10 escudos para parar de trabalhar. Os convidados da noiva mento tinha, sem dúvida, o significado daqu~lo a que van Ge~nep
foram então apanhar lenha e pouco depois havia-se formado uma chamou ritos de separação: o casal retirava-se SimbolIcamente da Ill~e-
grande pilha. Mais uma vez, foi necessário pagar 10 escudos para que racção social, e ao mesmo tempo era necessário que as duas partes nao
os trabalhadores aceitassem terminar a actividade. comunicassem, pelo que os dois nyankwame acabavam por actuar como
As cabras e a caça foram cozinhadas e começou a festa, pontuada por mediadores de um e outro lado.
cantos e danças. Na verdade, ao longo do trabalho as mulheres en- Uma vez preparada a c9mida, o marido e .a mulher são postos pela
toaram canções que davam "lei» ao casal e nesta altura foram cantadas primcira vez na companhia um do outro, partilhando u~~ palhota, com
sobretudo pelo grupo da mulher. As canções eram bastante indecentes as va!amll do homem (mulheres secundárias preferenCIaIS, ou .sep., as
e continham elementos de relações jocosas: numa delas afirmava-se que irmãs c1assificatórias da mulher) e os vaf01iJet1l, que sã.o os mandos de
Vasco iria agora ser ensinado pela primeira vez pela nova mulher a lavar- quaisquer irmãs casadas da noiva. Est~ :eparaçã? fiSlca dos restant~s
-se convenientemente; numa outra fazia-se uma brincadeira a lembrar convidados marca parte da fase de translçao dos ntos de passagem. D~"1-
que ele ainda não tinha pago totalmente o lobolo (preço da noiva); numa -se então a Vasco a oportunidade de conhecer um pouco melhor nao
terceira repetia-se várias vezes a palavra duma, que tem dois significados, apenas a sua noiva, mas também as meninas e as mu!h~;es que pode-
já que denota, em primeiro lugar, o suor (talvez devido ao suor do leito riam potenciJlmente tomar-se suas mulher~s. Quar:to as J:l ~asJ?Js, t:ffi
matrimoniJI) e, em segundo lugar, um Jnimal não castrado (ou seja, po- também oportunidade de as conhecer (POISpoderao um (lia dlvorcl<U-
tente). Durante todo este tempo, o casal permaneceu isolado numa pa- -se), Jssim como aos seus maridos, que partilham com Vasco o estatuto
Ihota. Só saiu quando foi feito um sacrifkio aos antepassados de Vasco. de mwane, genro, do domicílio. . .
Pouco ;lntes do fim da festa, o padrasto de Vasco (com quem este par- NJS três fases das negociações e celebrações do ca,samento fOI sa-
tilha o domicílio) pegou numJ galinha e, com todos os presentes em crificado um animal: uma galinha, depois de tcrmmadas JS nego-
festa a Jgirem como se fossem uma congregação, sacrificou-a ritual mente, ciações; um cabrito (macho), na celebração que decorrcu em casa da
invocando os seus antepassados para que assistissem ao casamento e noiva; uma cabra (fêmea), na celebração que decorreu .em ca~a do
aceitassem a recém-chegada no seu domicílio. Isto marcou o fim da ceri- noivo. Em cada um destes momentos as porções de IIrIlI (o retlculo)
mánia e os pJrticípantcs começaram a dispersar, havendo indivíduos de foram dadas ao genro, a cabeça aos homens idosos (e sobret~do_ ao
ambos os grupos a tratarem-se por ndoni (termo que denota uma sogro) e a parte dos vatllkll!1I foi distribuída pelos filhos das lfmas e
amizade especial), numa confirmação verbal da aliança recém-formada. netos.
As celebrações são claramente mais do que a reunião de dois grupos este período vivem juntos e espera-se que o noivo demonstre ser um
para um casamento. Todos os homens idosos comem a cabeça e todos bom genro (e também que reconheça o seu estatuto inferior), realizan-
os vatukulu e vamwane do anfitrião (o pai ou o irmão da mulher no do tarefas em tomo do domicílio do sogro. Espera-se que manifeste um
primeiro momento, depois o pai do marido) participam no reconheci- imenso respeito para com a sogra e o irmão mais novo da mulher (que
mento ritual do estatuto. Neste sentido, a celebração matrimonial pode supostamente beneficiará com o pagamento do lobolo, ou preço da
ser vista como uma dramatização dos estatutos respectivos de todos os noiva, devido por quem casar com a sua irmã). Tanto o marido como a
participantes relevantes e das alianças que o chefe do domicílio contraiu mulher se comportam comedidamente um com o outro e são deixados
ao longo do tempo. sós sempre que possível, o que salienta o aspecto de segregação que
Os laços da aliança entre os dois grupos presentes num casamento geralmente está associado aos ritos de transição. O servilismo do mari-
são inicialmente hesitantes e são feitas tentativas para os fortalecer à me- do fá-Io assumir a inferioridade do seu estatuto e o seu carácter devedor
dida que o processo decorre. A princípio há uma separação rígida, mas ao longo da vida de casado.
perto do fim da primeira celebração o pai da noiva e a mãe do noivo A conexão entre o marido e a mulher é dramatizada na preparação
juntam-se aos grupos opostos com a intenção expressa de se conhe- dos dJlgwama, comida «especial" que só pode ser ingerida pelos recém-
cerem. Também nesta altura o grupo da mulher encena toda uma actua- -casados e que se espera seja propiciadora de fertilidade. As canções en-
ção em tomo do facto de estar relutante em deixar de a ter sob a sua toadas são francas e instrutivas e relacionam-se principalmente com o
alçada. Têm de ser «incitados» (pelo pagamento de uma pequena quan- acto sexual. A segregação dos noivos também assegura que eles se aper-
tia) a entrar no domicílio do marido e trabalham para a mulher até Ihes cebam da mudança do seu estatuto. A partilha de uma mesma chávena
pagarem para parar. Isto parece simbolizar a perda económica que sen- de chá entre a primeira mulher de Vasco e a nova mulher, acto que é
tirão quando ela deixar de cuidar dos seus campos ou de ir buscar água iniciado por aquela, tem o significado simbólico óbvio da aceitação da
e apanhar lenha. segunda como outra mulher do mesmo marido.
No entanto, a conjunção nunca é completa, como é demonstrado Os ritos de passagem são encerrados quando o pai do noivo oferece
pela tensão manifestada na segunda cclebrJção, em que uns e outros em sacrificio aos seus antepassados urna galinha, ledindo-Ihes que
dirigem cJnções insultuosas (mas jocosas) ao grupo oposto. Contudo, aceitem uma nova nora (lI/wfam7iJane) no domicílio. significativo que
os dois grupos vão realizando cada vez mais taref:1sem conjunto (as mu- ele lhes peça que aceitem a mulher como afim e como pertencente
lheres vão cavar os campos, enquanto os homens vão à caça juntos), até doravante ao domicílio, e não;] linhagem, porque a mulher não pres-
que, por fim, se separam, tratando-se uns aos outros por ndoni, termo cinde dos laços com o seu próprio grupo. Manterá o seu nome de clã
que é reservado apenas para duas pessoas que partilham uma amizade e, se estiver doente, é aos antepassados do seu pai que deve ser pedida
muito especial. ajuda.
A ênfase que é colocada no aspecto do casamento como aliança ao São estes os ritos de incorporação, pelos quais o casal entra na so-
longo dos acontecimentos é impressionante. As canções entoadas in- ciedade como marido e mulher, com a sanção dos antepassados. Na
cluem frequentemente alusões aos laços que se formaram e às trocas verdade, os ritos de incorporação atravessam todo o processo matrimo-
contínuas que são esperadas; o facto de se esperar que os genros do . nial: logo de início, o marido encontra-se com o grupo da mulher para
chefe do domicílio estejam presentes e de se lhes dar o direito de con- o conhecer; depois das negociações fazem uma refeição juntos; noutros
sumir determinadas porções rituais prova que um dado casamento momentos partilham refeições, chá ou uma bebida alcoólica em co-
comemora também todas as outras alianças existentes. Da mesma munhão; depois, talvez o mais importante, começa uma série de trocas
forma, os vatukulu são também incorporados no ritual, e esta categoria de dádivas entre os indivíduos e os grupos. Esta inicia-se com o grupo
dos filhos da irmã engloba os descendentes que resultam das alianças do marido a oferecer um cabrito macho para a celebração do pai da
noiva (não será necess;írio determo-nos no simbolismo presente) e con-
anteriormente constituídas.
Após J primeira celebração, passa um período de cerca ele dez dias tinua depois (sobretudo por parte do genro para com O pai ela lllulh<:r)
at~ que o casamento acal);l, por morte ou divórcio.
até a noiva abandonar a sua casa para ir viver na do lmrido. Durantl:
f"\.
~a d ro 62. - Nu' mero e tipo dos apoiantes . nucleares
. .
Por fim, a composição dos grupos de tifakazi, ou testemunhas, é reve- em quatro celebrações matnmomats
bdora. Os tifa/wzi são indivíduos que se considera terem uma relação
próxima com os noivos e os pais destes. Não incluem outras pessoas
--------------~N;-;ú-m-cr-=o---;;I':::er~cc:n::ta:ge:m~
Relação com o marido ou a mulher
que casualmente participam nas celebrações, As testemunhas podem ser
Al;natas
convidadas formalmente a assistir às negociações e à celebração que Parentes matribterais
acontece "fora» de casa, ou a sua relação com um dos protagonistas é Afins
tão próxima que nem se coloca a hipótese de não participarem. Poderia Amigos
pensar-se, por esse motivo, que, se os chopes tivessem grupos de des-
cendência significativos, o casamento seria uma situação social em que
as lealdades dos participantes seriam salientadas e as fronteiras dos gru-
pos de descendência seriam claramente definidas. Analisemos, pois, a estão representados mais ou menos igualmente e a t~nica ,categoria. d~
composição dos grupos de apoiantes no caso do casamento de Vasco e não- arentes a dos «amigos», perfaz 13% do total. E, assl:U, raz~ave
dos outros três casame~tos a que assisti e sobre os quais pude recolher ~es~mir u; estas pessoas eram os indivíduos com os quals ego tm!l.a
informação quanto à composição dos grupos de tifakazi. p I q, ro'x'lmos Se a sociedade chope fosse fortemente patnh-
os aços maIs p. ... de
Uma breve observação do grupo de tifakazi de Vasco mostra que in- near, seria de esperar que houvesse uma .~U1tO maior proporça~l%
clui muito mais do que parentes agnáticos "purOS)', para já não falar das agnatas representados, mas os dados empmcos dem~nstr:lln que t '
rronteiras mais restritas dos parentes uniJineares. Os apoiantes de Vasco l
dos a oiantes nucleares pertencem ao grupo dos nao-agnatas. s ~ e
incluíam apenas dois agnatas, sendo os restantes dois amigos, três afins indic~ivo de um princípio agnático bastante fraco ~ d~ presença a:tlva
e três parentes matrilaterais.3 As testemunhas da mulher de Vasco in- " . loque da OrIgem ao caracter
de princípios alternatIvos no campo s.oCla, .
cluíam sete agnatas, seis parentes matrilaterais e dois afins. Para que se flexível do parentesco e daorgamzaçao social.. . ,
possa ter uma visão um pouco mais alargada (embora eu esteja cons· A conclusão que devemos retirar dos casos aquI .aprc:enta~os e que
ciente de que a minha amostra não é adequada) apresento no quadro a descendência unilinear entre os chopes, se é que eXIste,e relatva~e?te
6.2 o número e tipos de parentes que cumpriram a função de tifa/<tIzi ouco import:.mte, pois não hú linhagens e os agrupamentos ocals t~~)
nos quatro casamentos a que assisti. p. .,' d ecrutamento Mesmo em «conjuntos de acç,lO
O quadro, relativo a três casamentos na povoação de Nyatsiku e um
c1tversos prInCIpiaS e r· , r
fundamentais 4 como os acima referidos, onde se forpl1: a .Iança~ e
em Seven Jack em 1969, mostra claramente a pluralidade do núcleo de , . t" ção de dois grupos de descendencla, venn-
onde se espera na a par IClpa ,- d
testemunhas presentes. Este era composto pelos indivíduos que tinham C3ctO os grulJOSenvolvidos são pluraiS, c l1ao grupos c
ca-se que, de l~ " "~ I em
uma relação especialmente próxima com o C1S;1];não consegui rcgistar arentesco exclusivos. Neste sentido, as altanças assim ormac as, ~
os nomes e o tipo de relação, se é que havia alguma, das muitas pessoas bora sejam formuladas, eni geral, em termos de parent<:sco (como a~~n
que por acaso participaram nas festividades do casamento - eram de- tece com a norma da exogamia clâ~ica), são, ~a .realtdadc,. c,ontral a~
masiadas e, de todos os modos, não creio que sejam tão importantes 6
entre dois grupos que se párecem mais com coaltzoes de ll1dlvldud~s ~r
como os tifakazi. macias a partir de várias categorias do que com grupos .de ~e.scen enCla~
A divisão em tipos demonstra que os agnatas constituem a categoria Na verdade, as referências aos grupos durante as c~nm_ol1las?O ~~sa
mais vasta, com 39% de todos os tifakazi, mas ainda assim estão longe mento de Vasco eram feitas com base na sua localtzaçao terntona , e
de formar uma maioria absoluta. Os afins e os parentes matrilaterais
não pelo nome do clã.

3 Considerei matrilaterais parentes como a till;a tio rMB, apes~r de esta ser p~renrc
pelo lado do pai de ego; da mesma forma, incluí o FZS nos alins, uma vez que ele per-
4 V. o capítulo 9 para uma análise mais detalhada dos conjuntos de acção.
tence ao clã do marido da foZ.
o casamento ColUo aliança: o sistema de classificação do parentesco chope é do tipo omaha.5
alguns aspectos estruturais No capítulo 8 analisarei as categorias do parentesco mais detalhada-
mente, mas julgo adequado examinar neste ponto algumas das impli-
A combinação das normas chopes exogâmicas e do seu sistema de c;lções estruturais que são concomitantes do sistema. A este respeito, o
classificação do parentesco gera uma síndrome estrutural que contribui sistema social chope não parece .sustentar a tese de Radcliffe- Brown
p~ra as características gerais da organização social analisadas até aqui, ou (1952) de que as características que são específicas dos sistemas
seja, a expansão lateral das relações através da sociedade, que, como pre- crow/omaha podem resumir-se dizendo que o princípio linhageiro se
tendo discutir adiante, é um factor que contribui para o carácter pro- sobrepõe ao princípio genealógico. Como atrás argumentei, os chopes
visório de muitas alianças. A extensão horizontal das ligações (contra- não têm linhagens, embora seja concebível que as tenham tido no pas-
riamente ao sistema em que, por exemplo, a aliança assimétrica é sado. Por esse motivo, a tese de que o sistema de parentesco omaha
praticada através do casamento preferencial entre primos cruzados ma- tende a surgir em sociedades com um forte princípio linhageiro não se
trilaterais, havendo três grupos em relação vertical uns com os outros) verifica, pelo que proponho uma modificação da hipótese formulada.
implica que os homens tenham de procurar mulheres a alguma distân- Como todos os sistemas do tipo omaha, o sistema de classificação do
cia da zona ,onde vivem e, como mostrou Ackerman (1963), a falta de parentesco chope caracteriza-se pelo facto de ego tratar os seus MB5 e
coincidência das redes sociais dos cônjuges aumenta grandemente a MBD pelos termos usados para designar o MB e a M, respectivamente
probabilidade do divórcio. (/wko e mame; nesta variação particular do sistema, o MB é tratado pelo
O casamento implica uma reestruturação dos papéis, um reali- mesmo termo que o MF). Para além disso, todos os descendentes do
nhamento da estrutura social. Esta afirmação aplica-se muito ade- sexo masculino do MB de ego são tratados por um mesmo termo e
quadamente aos chopes, pois, como demonstrarei, cada casamento con- chama-se mame a todas as suas filhas. Este facto Justificou que Radcliffe-
traído deve, necessariamente, ser uma mudança radical relativamente -Brown (1952) e Eggan (1950) postulassem a hipótese da solidariedade
aos antecedentes (no grupo de descendência) e impõe restrições aos linhageira.
seguintes. Este é o resultado lógico das normas exogâmicas dos chopes, Pretendo defender no capítulo sobre a termillOlogia que o facto de
que excluem a possibilidade de casamento dentro dos clãs do pai e da ego tratar todos os descendentes do MB do sexo masculino por um
mãe. Associada às regras da exogamia, encontrei a noção de que se deve mesmo termo lhe dá a oportunidade de manter a aliança criada pelo seu
«casar fora» da própria área de origem. Há um ditado chope, kll telw hú pai. Isto verifica-se apesar de não ser permitido a ego casar no clã da mãe
filhi a nga Junga, que significa «casar (perto) não é bom" e exprime esses e, em consequência, lhe ser vedada a possibilidade de renovar desse
sentimentos; há vários outros provérbios que sublinham a necessidade modo a aliança criada pelo casamento do pai. Neste sentido, as catego-
de mobilidade e aquisição de alianças extensas. rias do parentesco têm o efeito positivo de pem1itir a ego que continue
No capítulo anterior defendi que o indivíduo não pode contar com a sua relação com os descendentes lineares do grupo com o qual o seu
muitos parentes de várias gerações da mesma linhagem; as genealogias pai contraiu uma aliança quando se casou. Perante isto, temos indi-
chopes e, portanto, os conjuntos de parentes (cujos elementos cons- cações de que existem linhagens, mas é significativo que o próprio filho
tituem o «reservatório" do potencial apoio baseado no parentesco) são de ego não herde do pai essa aliança. Dito de outro modo, em termos
pouco profundos. O indivíduo consegue ultrapassar essa limitação de do próprio grupo de descendência de ego, as alianças matrimoniais só
três modos: usando toda a flexibilidade do sistema de parentesco; in- são mantidas durante uma geração após o casamento, pelo que são de
corporando não-parentes, como xarás e amigos; ou através das alianças algum modo temporárias. O modelo relativo a esta situação seria o
geradas pelo casamento. Neste campo fluido, cada homem tem de as- seguinte: A cria uma aliança com o clã X através do casamento; B, seu
sumir uma série de lealdades: para que possa ser bem sucedido social- filho, herda a aliança através da identificação dos termos de parentesco
mente deve tentar criar uma rede de apoiantes tão ampla quanto lhe seja
possível, formando, por recurso a todos os princípios estruturais de que
possa dispor, uma coalizão de apoio.
Figura 6.1 - Padrões de herança das alianças ao longo de três gerações
lona Mayer (1965) e Hammond-Tooke (1968) sugeriram que o paren-
tesco tende a ter uma profundidade de seis gerações, mas o caso chope
é consideravelmente menos profundo. As categorias do parentesco re-
flectem isso mesmo: há um ponto de corte a duas gerações acima de
ego, para lá do qual todos os parentes sijo tratados como Im/w, termo
rrequentemente usado relativamente aos antepassados. Um dos [;1ctores
responsáveis por esta superficialidade parece ser o facto de as alianças
para lá das ligações do avô terem pouca relevância para ego.
O casamento é, portanto, encarado pelos chopes como um meio para
estabelecer ligações de parentesco novas e importantes. O casamento
alarga O conjunto de parentes do indivíduo e, quanto mais influentes
essas pessoas forem, melhor. A noção de que se deve «casar fora)' da ;írea
onde se reside estende grandemente os laços do indivíduo e dá-lhe aceso
so a outras povoações. Um dos informantes explicitou esta questão por
recurso à analogia com um pântano (há terrenos pantanosos em grande
parte da terra dos chopes): «Damos por nós a afundar-nos na lama. Se
nos mantivermos direitos, de pé, afundamo-nos muito depressa, mas, se
nos deitarmos e nos estendermos, não vamos ao n.ll1do. O mesmo
acontece com o casamento: quanto mais longe os nossos parentes
casarem, maior segurança teremos em momentos dificeis.»
Lévi-Strauss tratou com algum detalhe as implicações estruturais das
terminologias crow/omaha no seu ensaio sobre O FU/llm dos Estudos rle
Parentesco (1966). Um aspecto intrigante para que chama a atenção é a
semelhança estmtural (e o contraste) que existe entre as nonnas exo-
e da matrifiJiação, mas tem de criar ele ' gâmicas associadas aos sistemas do tipo omaha e os sistemas assi-
monial com o clã y. o seu filho C' ;-mehsmdo, uma ?ova a1Jança matri- métricos de casamento. Há muitas ligações históricas e semelhanças so-
1- X ' , , nao er a as ahanças de A ciais entre os chopes e os lovedos e vendas do Nordeste do Transval
°
~e~a 'd~~fa~:~~~:ç~~I~çoopsacroemntclã Y .através da matrifiliação e ~~~is~
esco e cna a sua pró . l' ,
(H.-A. Junod 1927; Krige e Krige 1965; Stayt 1968 [1931]). Contudo,
do casamento no ct Z pna a lança por meIO ambos esses povos praticam o casamento assimétrico entre primos cru-
~ , como mostra a figura 6,1.
zados, ao passo que os d10pes estão expressamente impedidos de o
Se procurarmos Identificar um padrão de ar '
s?mos forçados a reconhecer que há poucos se ~anças ~este sIstema, fazerem.
tlVOSrecorrentes O modelo m' .(I ' que ha alguns, mo- A semelhança reside no facto de as normas e proibições de cada um
de acção» de Ke~sin (1970 aIs u I parece ser algo como o «modelo dos sistemas dizerem respeito aos mesmos dois grupos de descendência:
indivíduo é livre (de~tro d ), ~u~ per:mlte uma abordagem existencial: o o de ego e o da mãe do pai de ego, No caso lovedo, a escolha do par-
de casar noutro grupo q ~s ImItes Impolstos pejas normas exogâmicas) ceiro para casar é, idealmentc, ditada pela indicação positiva de que se
lh d' ua quer e com e e formar alianças' a sua esc deve casar com a filha do irmão da mãe. Por outras palavras, como afir-
_a po er~ depender de considerações estraté icas " ' . 0-
nao se venfica necessariamente Herd~ ~s j' g dOU tactlcas, mas ISSO ma Lévi-Strauss, o homem deveria «casar com uma mulher que per-
• . .".. a lanças o pai mas ,- d tencesse a um clã no qual outros homens do seu próprio clã tivessem
avo o que maIs uma vez' d' . , ' nao as o
, m Ica que o sIstema soc I I '
mais pela lateralidade do que pela linearidade. Ia c lope se caractenza casado no âmbito da memória viva» (1966, 19). Os chopes, por outro
lado, são uma imagem invertida deste contexto: têm uma indicação
negativa (uma proibição) com respeito precisamente às mesmas identi-
dades estruturais (ou seja, o grupo de descendência). Entre os chopes, a
prescrição é a de que o homem niio deverá casar com uma mulher per-
tencente a um clã no qual outro homem do seu clã casou no âmbito da
memória viva.
Embora sejam implicadas as mesmas unidades estruturais nos dois
tipos de sistema de parentesco, há diferenças radicais que emergem das
prescrições e proibições. Para citar Lévi-Strauss, o caso omaha (e chope)
corresponde ao princípio de que, "quando há uma linha de des-
cendência que é escolhida para fornecer um parceiro, todos os indiví-
duos pertencentes a essa linha são excluídos do leque de potenciais par-
ceiros para a primeira linhagem» (1966, 19). Lévi-Strauss afirma que
uma tal estrutura se encontra "imersa num fluxo de acontecimentos
probabilísticos» (1966, 19) - a natureza «existencial» do sistema a que 4 - (B) 7 - M"""1t (bisneto/bisneto)
l-MllI"r(M) NfU1II(11I
aludi acima. Lévi-Strauss afirma ainda que este sistema é «em grande 2 -K"",, (MF) 5 - M1""".m(/ (S/D) K - D,,' (1')
3 - Ndiyc (Z) 6 - N/II""I" ("cto/nela) 9 - /1"",,,1<' (FZ)
medida o inverso da regularidade de funcionamento e da periodicidade
dos regressos que correspondem ao modo ideal do sistema de casa-
mento assimétrico» (1966, 19). 6'1"O'\sU mor/o, «neto»). Estes dois grupos de pessoas pertencem a diferentes
O sistema lovedo tem como efeito assegurar que as alianças matri- , grupos de descendência relativamente a ego e ao seu pai. O lado que ~
moniais (com a MBD) se mantêm no universo de parentes, ao passo enviesado «para cima» é um grupo fornecedor de mulheres para o pai
que o sistema chope inviabiliza essa possibilidade. Lévi-Strauss formu- de ego, tal como o grupo que é enviesado «p'ara baixo» constitui um
la-o explicitamente: «Assim, um sistema assimétrico consegue transfor- grupo receptor de mulheres para o pai de ego. Sugiro que este «envle-
mar os parentes em afins, enquanto o sistema crow/omaha tem o efeito samento» reflecte em parte a falta de equilíbrio da troca em que o casa-
contrário, transformando os afins em parentes» (I966, 19). mento se inclui e que, no caso chope, o genro se encontra numa
As normas de aliança dos chopes dão origem a um sistema em que posição de inferioridade. '
há um elevado grau de possibilidade de escolha dos parceiros e uma É signifiêativo que os termos envolvidos neste desequilíbrio sejam os
falta de continuidade nas alianças de uma geração para outra. Estamos de «avô" e «neto». Estas categorias caracterizam-se por um compolta-
perante um modelo de sociedade que tem implicações semelhantes ao mento amigável e tolerante entre os implicados, sendo possível também
caso do casamento entre primos cruzados patrilaterais, ou seja, em vez que haja uma relação levemente jocosa. Isto contrasta com a posição do
de um conjunto de relações estáveis entre grupos, o propósito do sis- pai de ego em relação aos dois grupos. Como genro do primeiro, p~a-
tema parece ser o de desequilibrar as relações de tal forma que os gru- tica uma atitude de respeito, ou mesmo de extrema deferência. A diS-
pos que fornecem os «homens grandes» nesta geração poderão ter crepância entre os papéis do pai e do filho deve-se, parcialmente, à na~
menos hipóteses na próxima, o que faz com que o estatuto de "homem tu reza transitória da aliança matrimonial. A aliança foi criada pelo pai
grande» vá circulando e seja efémero, havendo, no caso dos chopes, um de ego; ego não pode renová-Ia ele próprio. Se fosse prescrito o casa-
grau elevado de m:mipulação e realização pessoal. mento entre primos cruzados matribterais, ego est:uia também numa
Mais uma vez, as categorias do parentesco indicam a natureza do sis- posição de inferioridade, exigindo ser tratado com respeito nas relações
tema. Os termos de parentesco apresentados na figura 6.2 mostram as interpessoais. Mas não é este o caso, pelo que é apropriado o uso de um
categorias dos parentes do lado da mãe de ego, sendo que ego trata o termo de parentesco conotado com uma relação mais descontraída.
irmão da mãe e os filhos desse homem por koko (que significa, grosso A grande quantidade de opções possíveis no sistema de parentesco
modo, «avô») e trata os filhos da irmã do pai por n/llkll/II (que significa, do tipo omaha foi analisada por computador, a pedido de Lévi-Strauss.
ficam no plano Jos ideais mlie, pelo que se aplicam ao indivíduo em re-
Este afirma ter verificado assim que num sistema em que o homem se
vê impedido de casá[ em dois clãs, o do pai e o da mãe, e onde a socie- lação ao clã. •
Apesar de as alianças se estenderem am?lament~ e oe, como em
dade engloba trinta clãs há 297 423 855 tipos possíveis de casamento.
breve demonstrarei, serem de natureza efemera, ha um. aspecto do
Isto parece ser calculado com base nas combinações e permutações
processo matrimonial que tende ~ mitigar essas características: o facto
geradas a partir de casamentos hipotéticos do pai de ego no clã B, C, D,
de a quantia total do preço da nOIva raramente ser paga durante as ne-
etc., havendo em cada caso 28 outras possibilidades à disposição de ego.
gociações do casamento. Relativamente aos quatro casamentos a que.as-
No caso dos chopes, as possibilidades são muito mais numerosas, pois
sisti só num deles foi pago o valor total e mesmo neste caso o nOIvo
há muito mais de trinta clãs na terra dos chopes. O alargamento das
tev: de pedir emprestada uma parte do d~nheiro aos seus parentes.
alianças não é, contudo, uma mera hipótese. Na verdade, na povoação
Noutros casos foi entregue uma certa quantia, com o acord~ de o res-
de Nyatsiku, em que há elementos do sexo masculino de onze clãs, des-
tante ser pago a mais longo prazo, quando o genro consegUIsse Jtmtar
cobri que os homens desses clãs (incluí nos dados os divorciados) ha-
esse dinheiro e pagar as suas dívidas através do q~~ ganhasse com~ tra-
viam casado com mulheres de nada menos que 62 clãs diferentes, dos
balhador migrante. Num dos casos, o genro adqumra a mulher fugmdo
quais apenas três eram originários de Nyatsiku.
com ela quando esta abandonou o marido. Pagou ao sogro 100, es~u-
Assim, estes casamentos chopes, que não resultam de um amor
dos, em sinal das suas intenções honrosas, e durante as negocl;lçoes
recíproco (c, baseando-me nas minhas impressões, diria que o mesmo
foram usadas bagas, em vez de notas de 100 escudos, até que se chegou
acontece com a maioria), podem ser comparados com um jogo de es-
tratégia. Talvez a analogia mais apropriada seja a de um jogo de xadrez, a acordo sobre o valor e foi redigido um contrato.
O efeito desses pagamentos a longo prazo é que o genro permanece
onde o movimento de apenas uma peça altera totalmente o estado do
em dívida para com o sogro não apenas por ter tomado aquela mulher,
jogo e todas as outras peças têm de ser estruturalmente redefinidas em
mas também em resultado da falta de pagamento, que aumenta a sua
~nção dessa jogada. O jogo de xadrez é, assim, existencial, já que cada
Jogada abre as possibilidades subsequentes, mas também as restringe, As dívida. Para além disso, quando um homem tem de pedir dinheiro em-
normas de casamento entre os chopes têm o mesmo efeito: cada casa- prestado aos seus parentes ~ara pagar p~~e do pr;ço ~a noiva, vê,os .se~s
laços de parentesco intenslficaremcse, jJ que da maIOr lm,P0rtanCl? as
mento limita as escolhas e abre, ao mesmo tempo, alternativas para os
obrigações que tem para com eles devido ao apoio financel,ro recebido.
membros de um dado grupo de descendência.
Numa viagem de trabalho migratório, como atrás refen, o homem
Deve notar-se que, embora as normas exogâmicas digam respeito a
todos os clãs, os grupos implicados são, geralmente, grupos de des- consegue poupar cerca de 30 pondo (cerca de 100 rands). No regresso,
uma grande parte desse valor é imediatamente distr~bllída pcl?s paren-
cendência locais. Efectivamente, um homem pertencente a um frag-
tes a quem deve dinheiro e por aqueles que preCIsam de ajuda, por
me~to de uma linhagem casa com uma mulher de um agrupamento
eqUIvalente, mas, para o filho deles, ambos os clãs, ou seja, quaisquer exemplo, para pagar impostos. Assim, é impossível pagar tod~ o p;e:;:o
da noiva com o produto de uma única viagem de trabalho mlgratono.
mulheres que tenham o nome cio grupo do pai ou do grupo UJ núe,
estão fora das suas possibilidades de casamento. Encontrando-se os clãs De todos os modos, fiquei com a impressão de que as pessoas não estão
dispersas por toda a nação, é claro que em diferentes zonas as normas interessadas no pagamento imediato do valor total. Os sogros não exer-
exogâmicas são transgredidas pelos membros do clã, que não podem ter cem grande pressão para que seja paga a dívida remanescente.
conhecimento dos casamentos contraídos por todos os outros mem- Em termos do sistema geral, em que as alianças, mesmo as do casa-
bros. Esta discrepância pode ser explicada através da dicotomiaentre mento, são temporárias, esta negligência na cobrança das dívidas tem a
emie e elie. O grupo de descendência local é uma representaç50 efie do função de fortalecer a solidariedade no seio do grupo de pare.ntes a?ná-
clã emie, sendo este uma entidade dispersa e não corpórea, de modo ticos do marido, entre os quais a dívida foi partilhada; ela II1tenslfica
que, do ponto de vista de um filho, o casamento do pai constituiu uma também a inferioridade do estatuto do genro, ao ~ur:nentar a sua dívida
aliança com um grupo bastante pequeno do clã da mãe, do qual tem e reforçar, simultaneamente, a aliança; do pontcjJ de vista do sogro, a
uma concepção emie mais vasta. As normas exogâmicas também se veri- situação é vantajosa porque, se o casamento não 'Jurar (e é rrovável que
isso aconteça), não terá de devolver ao marido após o divórcio uma o divórcio e a instabilidade do casamento
quantia muito avultada. QJando o divórcio ocorre após o pagamento
da totalidade do preço da noiva, pode inverter o sentido da dívida, con- Os chopes têm, geralmente, uma perspectiva pouco auspiciosa quan-
vertendo o ex-sogro em devedor relativamente ao ex-marido, que exige to ao futuro de qualquer casamento e poucos homens acreditam que
a devolução do preço da noiva. Raramente, se é que alguma vez acon- irão passar a sua vida com apenas uma mulher. ~á um provérbio chope:
tece, este valor é disponibilizado em dinheiro pronto a usar. wa kJ}atalaku tekana, chi {ekano a behulw, que diZ que «o casame~to e
Os chopes reconhecem as possibilidades de manipulação que exis- lento, o divórcio é rápido». Cada homem terá,. provavelmente, d~ls ou
tem nas alianças matrimoniais. Num casamento não ditado pelo amor três casamentos ao longo da vida e divorcia-se quase o mesmo numero
recíproco há frequentemente factores econômicos e políticos que de vezes. Julgo que as causas para a instabilidade do casamento devem
poderão influenciar a escolha da mulher. Encontrei um caso sobre o ser procuradas na estrutura do parcntesc~ (como d~fendeu Gluckn,)a~
qual muito se especulava na povoação. Neste caso, o chefe de Nyatsiku 1953 e 1971) e também no contexto do sistema SOCialglobal. Este ul:l-
morreu e Sangatelo, que era o filho do irmão do pai do homem que mo aspecto revela-se importante quando se consi.dera o facto de o SIS-
morrera (v. caso 5, no capítulo 5), reclamou a mulher com base no sis- tema social ser caracterizado pela falta de profundidade temporal e peb
tema de herança da viúva. Embora pudesse ter-se tratado de um caso de primazia das lealdades individuais. O indivíduo tem ao seu disp.or um
amor, os informantes rapidamente notaram que isto tinha como conse- vasto leque de alianças potenciais e efectivas.; para .queso?rcvlva ou
quência o reforço considerável da sua posição de candidato ao cargo consiga alcançar objectivos socialmente aprova~os ve-se obngado a es-
agora vago, cargo que Sangatelo acabou por conseguir, apesar de os ou- tabelecer (e por vezes a desfazer) muitas dessas ahan~as: T~I co.m~ Esther
tros dois concorrentes terem melhores posições. Parece ser certo que um Goody (1962, 14), eu diria que, para os chopes, o divorCIo nao e neces-
dos factores que pesaram na sua decisão de reclamar a mulher com base sariamente um «mal social" e o' casamento é apenas uma fase tem-
no exercício do seu direito de herança da viúva (hoje em dia pouco pra- porária na vida de algumas pessoas, não um «laço indiss~lúvej,:- .
ticada) foi a melhoria da sua situação como candidato ao cargo de chefe Aquando do casamento, a mulher deixa a casa dos pais ou mnao.s .c
e, assim, em parte, tratou-se de um meio para alcançar o fim em vista. junta-se ao marido numa residência virilocal, que é por vezes pa.tnv.I-
Resumindo, vimos que os termos c1assificatôrios do parentesco entre riloca!. Isto significa, geralmente, que ela se afasta para alguma distanCia
os chopes e as suas normas exogâmicas se combinam, formando um sis- dos seus próprios parentes devido à tendência para «casar fora" da área
tema que tem por efeito o alargamento dos laços horizontal e transver- onde se reside. Este parece ser um factor significativo enquanto causa
salmente a toda a sociedade. As alianças são impermanentes e não de instabilidade; voltarei a esta questão adiante.
seguem padrões reconhecidos porque, citando Lévi-Strauss, «para cada Os direitos in genetricem pertencem ao marido. Se ele pagou o preço
geração, as escolhas matrimoniais são uma função das que foram reali- da noiva, qualquer criança nascida da sua mulher se.rá legalmente ~eu
zadas na geração anteriop> (1966, 20). Disto resulta a produção de uma filho ou sua filha, ainda que seja resultado de adulténo e que o mando
sociedade bastante igualitária, em que a maioria das posições presti- possa rejeitá-Ia. Em caso de divórcio ou separação, ~s crianças ~eq~enas
giantes podem ser alcançadas pelo indivíduo, podendo os mais ambi- partem com a mãe e ficam com ela até que ~econsldere que te~ Idade
ciosos aproveitar esta flexibilidade, maximizando as suas alianças. Na suficiente para serem independentes. A partlf dessa ~Itura, o. pai tem o
medida em que as alianças matrimoniais são efémeras, a falta de con- direito de as reclamar. Se não foi pago o preço da nOiva, as cnanças per-
tinuidade de uma geração para a seguinte assegura que não haja um tencem ao grupo da mulher. Em caso de divórcio, a existência de filho.s
grupo único a monopolizar o poder e o estatuto; o sistema toma pos- tende a minimizar a dívida que o sogro passa a ter para com O ex-man-
sível um ritmo acelerado de substituição dos «homens grandes», garan- do - já não terá de devolver o valor total que recebeu como preço da
tindo um equilíbrio de poder flutuante. nOlva.
Os direitos in uxorem, por seu lado, cobrem os serviços econômicos,
sexuais e domésticos que o casamento encerra.' O homem pode exigir o
controlo exclusivo desses três domínios e considera-se que, se a mulher
negligenciar qualquer dos três aspectos, haverá causa suficiente para
o divórcio. No entanto, devemos notar que raramente o divórcio . , ' Nestes casos, a mulher junta o valor do
podem com~rar o seu dlvo,rClo. a ou eralmente indo trabalhar como
se deve unicamente :1 uma transgressão, como, por exemplo, o
preço da nOiva q~e ,o mand~ p, g (gLourenço Marques) e entrega-o
adultério, a menos que essa seja demasiado evidente e flagrante para ser migrante numa fabnca de caJu ou em t te agnático de maior estatu-
ignorada. ' , o seu represen an ,
depOIS ao homem que e . h ' 'do e assim a mulher asse-
No casamento, o marido detém os direitos In /(xorcm acima referidos, d 'o dm eIra ao man , '
to, que, por sua vez, aRra, . , o casos destes perfazendo 11% de
mas não pode interferir nas lealdades da mulher para com o seu grupo gura a sua liberdade, eglstel cmc "k '
de origem. Os antepassados da mulher mantêm a Sua influência sobre d' , ' d ovoaç'lo de Nyatsl u, (
todos os IvorClOS a p, ~ b dllr"'ç~lo do casamento ou
ela, a ponto de o pai da noiva poder executar um ritual em que ' lI' fi maçao so re a ".
Não consegUi reco ler 111o,r ',' 'I't' C'I'I 011 '\ falta de pl:eocLlpaçiio
«abençoa» um cabrito que se tomará uma espécie de altar ambulante e cl vida) devlc l o a I 1 era, ,. 1
a sua esperança e, , fi rmantes manifestavam. Em a _
que a acompanha até à sua nova morada, Esse cabrito não pode ser do tempo que os mo, , , '
morto sob nenhum pretexto. com a passagem conseguIa, bt er datas
, , precisas deVIdo a com-
guns casos, menos comuns, d d' , 'o com algum acontecimen-
A mulher casada também mantém o seu nome de di, o que indica ' Id amento ou o !VorCl
cidêncla casua ocas, 'c. ~10 foram suficieiltes para
a Sua autonomia. O marido, quando se refere a mulheres anteriores, de- ' d t pude venncar, mas n" ,
to importante cu]a a a d ~ C t do baseando-me nas ml-
signa-as pelo nome do clã, e não peJos nomes próprios. Há um provér- ' d J um pa rao, on u, ,
que pudesse retIrar e ~s . fi os casamentos parecem ser
bio que é emblemático da atitude dos chopes relativamente ao casa- . - oalS posso a Irmar que d
nhas lmpressoes pess , " "anos especialmente antes e
mento: 7i1fllekaimirlt: nga insungll, lnsllngllya vaya!u, Significa: «É com o ' I 'velS nos pnmelras , ,
partIcularmente vu ner~ d ralon ar o casamento, que
corpo que casamos, e não com a cabeça. A cabeça é nossa,» Dito de haver filhos. A existênCIa de fil~os ten e a p ste G~'O A diílculdJde cio
outro modo, o grupo da mulher afirma assim que ela pertence fisica- Parece durar cerca d e dez a qUll1zed'anos, ne ,. 1
' " to ao lVorClO , ' fiol' ai'nda
, , exacerbada pe J
mente ao marido, mas que continua a dever-lhe a Sua lealdade,
cálculo de estatlstlcas quan , b I 'ar e por vezes mesmo es-
O casamento pode terminar de diversas formas: pela morte de um ' d 'fi tes para su va onz, ,
tendênCIa os 111orman ") tos dos quais não resultaram
dos cônjuges, pelo divórcio, peJa separação, pela fuga com um amante, quecer (ou pelo menos omItIr, os casamen
O divórcio é o último reconhecimento lega! do fim de um casamento
e é geralmente precedido de um período de separação, seja porque a descendente~., e eia-idade geralmente, voltam a casar,
As divorCIadas Jovens e dd m , rt .' terregno o mesmo estatuto
mulher fugiu Com outro homem ou porque voltou para junto dos seus ' 'd ' fim e um cu o 111 , ,
readqulfIn o aSSim, ~o _ I filh de cada um dos mandos, o
parentes (geralmente o pai ou um irmão). O marido também pode exi- " 5 - fi' t I terao a guns I os, ,
e papels, e sao er e S" d d' orcl'am e VlO vIver para
gir que a mulher abandone o seu domicílio. A separação dos cônjuges, q ' ' ue quan o se IV, ,
ue tem por consequenCla q " , Deste processo resulta que
se for prolongada, toma-se um divórcio de facto, mesmo que o preço d ' I 5 filhos com o pal,
outra lugar, elxam a gun "-os maternos Isto significa que o
da noiva não seja devolvido. A devoluçiio do preço da noiv:l, ali de lIIn.l d' ersos d e melOS-Irma . ,
surgem grupos lSp , "!> meio!>-irmiíos e vános quase-
parte desse valor se houver fl/hos nascidos dessa união, marca o fim do ' j' '1 '1Velmente tera V:lfi o, '. d' '
casamento. O marido não pode recusá-lo. mc
'- IVI(Lia, prov.,s quals tem uma' I'Igaçao
'- d e p,arentesco através a propna ,
Tendo assistido a seis julgamentos de casos relacionados com o di- -Irmaos
- com o rtencem a c 1-as d'fi lere ntes . Estes parentes, aos . quals I se
mae, mas
fi . , que pe ,
do os termos para lrmao o _ u irmã (sem que haja qua
b quer
vórcio, posso afirmar que o comportamento aceite como justificativo I

do divórcio é o abandono do marido pela mulher. Após algum tempo, re enra usan '~
distinção entre os Irmaos ge;manos e os meios-irm~'os),
. serão astante
o marido exige o Seu regresso ou a devolução do preço da noiva que , ' otencialmente L1tels, I
pagou aos seus afins, Num dos seis casos, no entanto, a mulher aban- proxlmos e p " I' orciam raramente voltam a casar, pe o
As mulheres Idosas q~Je se~accli~nad'oscom o estatuto de esposa, esp,e-
don:lra o marido e depois iniciara o processo de divórcio (através do
que abandonam os papels r ectos econámicos ou sexuaIS,
irmão dela). Talvez este fosse um caso excepcional, porém, já que ela ' t' 1 que ver com os asp fi
cJalmente os que en '. deus arentes e aí se for su I-
queria casar-se pela igreja com o novo companheiro, Um fcnómeno in- A mulher tenderá a voltar para Junto os s . p, , ' I' , To No
teressante que p:lrece ser cada vez mais frequente é que as mulheres '
cientemente mdepen ente, po
u clef'Í montar o seu propno ( OI11ICIJ .
'11 fi c no domicílio de um irmão
en t an,to e, mais
' , comum que a mu ler lqU
Quadro 6.3 - Três tipos de rácio de divórcio calculados
ou de um filho, o que significa, no primeiro caso, que os grupos de ir-
para os chopes de Nyatsiku
mãos que se dispersaram quando casaram voltam a reunir-se já idosos.
O estatuto das mulheres muda quando envelhecem. Há, obvia-
Forma de dkulo
mente, o respeito que é devido a todos os idosos nas sociedades de pe-
quenas dimensões, mas não se trata apenas disso. A mulher idosa deixa Divórcios
todos os casamentos
de praticar a maioria das actividades que estão associadas à feminilidade,
especialmente as sexuais. Na verdade, depois da menopausa, as mu- Divórcios
morte + divórcio
lheres lenta e progressivamente vão assumindo o estatuto de «anciãs»,
cuja opinião é valorizada na resolução de disputas e em questões rituais. Divórcios x 100
lodos os casamentos - morte
A irmã do pai (lJabane) é uma pessoa importante no universo do paren-
tesco, mas só adquire o m;Íximo do estatuto que lhe está reservado
quando já é muito idosa, divorciada ou viúva e vive com os seus paren- c) O número de casamentos que acabaram em divórcio é express?
tes agnáticos. Se a ba/}{lI1e for a última de uma linha de irmãos germanos, como percentagem do total de casamentos, excepto os que tCrIm-
toma-se a dirigente ritual do grupo de parentesco localizado: é ela quem naram por morte.
faz os sacrificios aos antepassados e quem dirige os rituais relacionados
com momentos críticos da vida. Alcança um estatuto masculino e nes- Estes números baseiam-se na experiência marital acumulada e Bames
sas situações é muitas vezes tratada por lale (<<pai»).É significativo que sugere que «o rácio C é muito menos afectado pela mortalidade do que
as mulheres idosas percam também a sua sexualidade «social", já que o o A e provavelmente o C é o mais satisfatório destes índices para as
termo para avó é ko/w, o mesmo que para avô, e os antepassados im- comparações da frequência do divórcio nas sociedades simples» (1967b,
portantes podem ser homens ou mulheres. 62). Bames continua ainda dizendo que, para fazer comparações
Cheguei a estes números sobre a elevada taxa de divórcio entre os «poderá ser desejável calcular B c C e publicar os dois» (l96?b, 62).
chopes a partir da recolha de genealogias. Embora esteja bastante seguro É inegável que os rácios apresentados no quadro 6.3 expnmem uma
de que os números estão correçtos, se houver erros, estes pendem para o taxa de divórcio muito alta, especialmente para um povo que é su-
lado da conservação do casamento, pois tomou-se evidente que alguns postamente «patrilineap>. As taxas equivalentes dos angones e dos lan:-
matrimónios que haviam terminado em divórcio ao fim de pouco tempo bas da Zâmbia (usando o rácio C) são de 36,9% e de 41,8%, respectI-
nem sequer eram lembrados. Incluí apenas informantes vivos do sexo mas- vamente (Bames 1967b, 63), enquanto a taxa entre os ndembus é de
culino, já que há problemas óbvios na reunião de informação rigorosa 61,4% (Tumer 1957, 62).
sobre os antecedentes (devido, sobretudo, ao carácter pouco profundo da Não pretendo envolver-me na controvérsia sobre a estabilidade do
memória genealógica dos chopes) e porque, desta forma, posso eliminar a casamento (Gluckman 1953; Leach 1957; Fallers 1957), mas julgo ser
distorção causada por homens e mulheres que haviam sido casados uns necessário reflectir um pouco sobre o assunto. De f:1ctO,há aspectos
com os outros e que dariam origem a testemunhos duplicados. atractivos na reformulação que Gluckrnan apresenta da sua hipótese i~~-
Bames (1967b, 61) propôs um método estandardizado para chegar cial, com a ênfase na necessidade de procurar as razões para a estabIlI-
aos rácios simples de divórcio, que inclui três formas de cálculo pos- dade e a instabilidade do casamento no sistema das relações de paren-
síveis: tesco (1971, 242). A análise das razões para o divórcio apontadas pelos
informantes não revela qualquer padrão; o àdultério e a violência são
a) O número de casamentos que acabaram em divórcio é expresso referidos com alguma frequência, mas parece tratar-se de causas «~nais»,
como percentagem do total de casamentos da amostra; e não «eficientes». Os dados estatísticos sugerem uma causa maIS fim-
b) O número de casamentos que acabaram em divórcio é expresso damental, talvez estrutural.
como percentagem do total de casamentos da amostra que tem1i- Entre os factores que contribuem para a díndrome da fragilidade do
naram por morte ou divórcio; casamento chope, o principal parece ser o facto de a mulher não ser in-
ruptura; na esfera política, por outro lado, é frequente que o aspirante
corporada no grupo do marido. Ela mantém o seu nome dc clã; os an-
a «homem grande» procure atrair tantos seguidores quantos ~he seja
tepassados do seu grupo de descendência continuam a ter que vcr com
possível, e estes poderão incluir as suas irmãs, que pode tentar Influen-
ela; por morte domari.do ela volta geralmente para junto dos seus pa-
rentes, a menos que sep reclamada, com base no princípio da IH:r;1I1c.;a ciar para que se af:\stcm dos respectivos maridos.
Fica ainda por explicar a anomalia do valor elevado, para os paóme-
da viúva, por um membro do grupo do marido. Deste modo, a mulher
tros locais, que é exigido como preço da noiva, na sua conjunção com
nunca abandona o seu interesse no próprio grupo de desccndência.
a alta taxa de divórcio. A «anomalia» aparente perde força quando colo-
Gluckman, cit:ll1do Ackerman, sugere que onde existe «verdadeiro levi-
camos o problema nos termos de um paradoxo que explicitarei melhor
rato» ,ou sororato. é ~e ~sperar uma taxa de divórcio baixa. Os chopes
na análise das categorias do parentesco, abordadas adiante. Numa for-
mantem as duas 1I1stltUlções ao nível ideal, embora a pdtica sej;) a da
mulação sumária, o paradoxo reside no facto de os chopes atribuírem
herança da viúva, mais do que a do levirato (porque os filhos nascidos
grande importância à criação e manutenção de alianças de vários ti~os
dessa união pertencem ao «novo» marido, e não ao homem falecido).
quando, simultaneamente, o sistema social no s~u todo se caract~r:za
Gluckman defende que tende a existir uma taxa de divórcio mais alta
pela natureza efémera desses laços, O ~robl:m~ ~ amphado por, v.anos
nos sistemas e~n que há a prática da .sucessão adélfica do que naqueles
ideais e normas sociais, como a competIção mdlvldual pelo prestlglo, as
em que se venfica a sucessão filial. E certo que o padrão adélfico dos
normas exogâmicas, a superficialidade das genealogias e a dispersão das
chopes se ~dequa a esta hipótese, pois a herança dos cargos importantes
e da ~ropnedade não;se situa na díade mãe/filho, mas ;1I1tes na ligação linhagens, ete.
Surgindo neste contexto, o facto de o preço da noiva ser elevado tem
entre Irmãos ou mesmo entre primos.
o efeito de forçar o genro a ficar em dívida; muito poucos homens con-
~utro f~ctor.que parece exacerbar a instabilidade do casamcnto chope
seguem reunir a soma total do preço da noiva e a mJioria tem de pedir
reSide na eltspandade do meio envo]vente d;l maioria dos esposos. Como
a parentes e amigos que emprestem o suficiente para pag~r uma parte
a~á: refe~i, o casame~to com um parente não é permitido, pelo que o
do vJlor global; a dívida mantém-se em muitos casos pela VIda fo~a, s~m
conJuge e procurado a alguma dist;lncia da própria residência. Fallers su-
chegar a ser paga na totalidade. Se acontece a dívida ser paga 111telra-
gere ~ue «~ pertença a um mesmo grupo corpóreo tende a reforçar o [aço
mente, quando ocorre um divórcio o sogro tem de devolver o preço da
matnmoOlal, [ao passo que] a pertença a grupos corpóreos diferentes o
noiva, total ou parcialmente (dependendo da existência de filhos da
enfi-aquece» (1957, 121). Esta afirmação é corroborada por Ackerman
união). Em ambos os casos é claro que, apesar de o casamento em SI
(196.3), que alarga os critérios para lá dos grupos corpóreos. Em termos
mesmo ter acabado, as obrigações criadas e mantidas pela dívida per-
geraIs, Ackerman defende que, quanto mais homogéneos forem os meios
manecem, perpetuando assim um laço efémero. A ligação poderá ter
envolventes dos cônjuges, em especial as suas redes sociais, maiores são as
deixado de ser de afinidade e dívida para passar ai ser apenas de dívida,
hipóteses de haver estabilidade, enquanto nos sistemas em que cada um
mas continua a tratar-se de um laço e este podf" ser usado como ala-
d?s cônjuges conseIVaa sua «pertença a diferentes colectivos» (ou seja, a
vanca para mobilizar apoios, se isso se revelar necessáriu.
dlfere~tes grupos de parentes) haverá maior «disjunçãol>, com a conse-
quênCla de o laço matrimonial ser frágil.
Resumindo, entre os principais factores que afectam a estabilidade do
casa~ent~ dos chopes e que actuam como forças centrífugas no laço Herança e sucessão.
matnmonlal contam-se os seguintes: o f.1ctO de a mulher manter os seuS
Devemos distinguir entre herança e sucessão, já que a primeira diz
laços de parentesco originais após o casamento; a falta de um «entre-
respeito à transmissão de propriedade e a segunda à passagem de cargos.
laçamento» ou sobreposição das redes; a sucessão adélfica, que implica
Os chopes praticam diferentes tipos de cada uma delas c há ainda varia-
que a mulher não se toma o foco da herança para os seus filhos. A situa-
ções segundo o tipo de propriedade que é herdada. Em geral, contudo,
ção é agravada por dois factores mais ou menos exteriores: o sistema de
a via mais comum para a transmissão dos cargos e dos bens relevantes
trabalho migratório, que faz com que os homens estejam ausentes du-
rante longos períodos, encoraja a infidelidade e, portanto, a potencial é a lateralidadc.
A herança da propriedade pode assumir duas formas: pode ser linear,
de pais para filhos, ou ao longo de uma linha ele irmãos e/ou primos.
A forma que acaba por tomar depende da propriedade que tem de ser
transmitida. QJando alguém morre, os seus bens pessoais de uso quo-
tidiano (como, por exemplo, uma manta, uma panela, as colheres, etc.)
são destruídos e colocados na sepultura com o corpo. Outros elemen-
tos de maior valor, como a arma (se a tiver) ou a mbila pertencente ao
homem, são entregues pela primeira mulher ao filho mais velho. Os
bens valiosos da mulher são herdados pela filha mais velha. Dito de
outro modo, a herança da propriedade adquirida pelo esforço do indi-
víduo tende a ser linear e a verificar-se dentro da família, através de um
processo de devolução linear homogénea, para usar a expressão de Jack
Goody (1970), em que os homens herdam dos homens e as mulheres
herdam das mulheres. sagem lateral do cargo do que à vertical. Quando há um casamento
Por outro lado, a propriedade que pertence em última instância ao po!igínico, as mulheres são classificadas por ord.em cronológica do casa-
grupo, mas que está à guarda de um membro individual, como é o caso mento, o que implica que, no domicílio, os filhos da primeira mulher
da terra, por exemplo, é transmitida lateralmente. Esta herança colateral sucedem uns aos outros, depois passa-se aos fi.lhos da segunda mulher,
depende da primogenitura numa linha de irmãos e segue o mesmo e assim por diante.,
padrão que a sucessão nos cargos; está relacionada com a forma como Aparentemente, embora a sucessão adélficà seja comum em África
a propriedade foi adquirida e com quem detém os direitos sobre ela. O, Goody 1970), as normas chopes enfatizam ainda mais a lateralidade
A terra é geralmente controlada por uma vicinalidade ou por um grupo do que a maioria dos casos estudados. Na figura 6.3 podemos ver que
de descendência local, sendo delegados os direitos sobre as parcelas em a sucessão não só segue uma linha de irmãos, como também passa para
membros individuais e respectivas famílias; embora o pai possa dar al- os primos paralelos patrilaterais; quando se atinge a terceira geração,
gumas dessas parcelas aos filhos, se por algum motivo não restar ne- teoricamente, a sucessão pode ser feita entre primos em 3.° grau. Isto dá
nhum à morte do primeiro, a terra passará para o mais próximo dos seus origem a uma imensa dificuldade no cálculo de quem tem maiores di-
parentes colaterais do sexo masculino. reitos quando se disputa a sucessão, pois, se um indivíduo reclama que
A sucessão nos cargos é adélfica, quer se trate da liderança de uma o pJi do seu pai era mais velho do que o pai dd pai do seu rival, é difI-
vicinalidade estabelecida ou dos escalões mais elevados da hierarquia cil confirmar ou inflrmar a sua pretensão; a pessoa de quem fala en-
dos chefes, cabos e mesmo régulos. A variação chope deste tipo coJa- contra-se já na «zona de ambiguidade», muito próxima da categoria de
teral de sucessão faz com que, ideal mente, a sucessão dependa da pri- parentes que depressa se fundem ~m antepassados indiferenciados, ou
mogenitura dentro de um conjunto de irmãos. Esgotada esta linha, o seja, da área em que a amnésia genealógica se ii'istala. (Devemos recor-
cargo será assumido pelo filho mais velho do irmão mais velho da linha dar que os próprios candidatos já terão uma idade avançada, pelo que
inicial, e depois pelos seus irmãos, por ordem de nascimento. Esgotada haverá poucas pessoas com um conhecimento rigoroso dos factos que
também esta linha, a sucessão passa para os filhos do segundo irmão do lhes permita emitir um juízo sobre as reivindicações feitas, e os poucos
conjunto inicial, depois para os filhos do terceiro mais velho, e assim que ainda vivem serão encorajados a apoiar llm ou outro dos can-
sucessivamente. A figura 6.3 representa esquematicamente esta forma didatos.)
de sucessão algo complicada. Esta forma de sucessão colateral tem como resultado que, após pou-
Embora a sucessão e a herança tenham muitas vezes sido considera- cas gerações, as reivindicações dos potenciais sucessores invocam um
das fenómenos intergeracionais (verticais), entre os chopes, como se .passado que é suficientemente vago para permitir uma forte com-
deduz do que atrás explicitei, claramente é dada maior ênf:Jse à pas- petição. Obviamente, isto ocorre dentro dos lill1ites impostos pelo pa-
Casamento, aliança" instabilidade e Sllcesstio
,l

homem que ocupa o cargo rejeita os direitos do ~utro e enfrenta o se~


rentesco, ou seja, todos os que disputam o cargo deverão pertencer a um
adversário em tribunal, ou, se os argumentos para defender a sua POSI-
mesmo clã. O grau elevado de mobilidade dos chopes implica também
ção forem fracos, abandona o lugar tranquilamente, em vez de ficar
que a disputa será protagonizada, geralmente, apenas por elementos do
ainda mais mal visto no litígio que se seguiria. Qyando o homem que
clã que vivem razoavelmente próximo da povoação. Apesar destes cons-
desafia O ocupante do cargo tem bons argumentos a seu f.wor (por
trangimentos, contudo, a competição é quase igualitária, verificando-se
exemplo, através de provas genealógicas irrefutáveis), mas ~ segundo de-
que há vários indivíduos que têm fortes razões para reclamar o cargo.
tém grande popularidade, geralmente, acaba por determmar-se que o
Nestes casos, a disputa pode ser resolvida por vários factores: O carisma
lugar deve ser mantido por este e que o sucessor legal só ocupará o cargo
do candidato, a força da influência que consegue reunir, a qualidade das
credenciais genealógicas que pode invocar. A sua influência depende do quando o actual detentor morrer. .
A natureza prolongada destas situações pode ser exempllficada pela
número de pessoas que apoiarão a sua pretensão: os seus vaw1Iyi (segui-
competição pelo cargo de nyadibanzi (subchefe) de Guveni após a morte
dores), os seus parentes próximos, amigos e outros que de algum modo
do titular em Junho de 1969. Em Janeiro de 1973 o problema de quem
têm obrigações para consigo, podendo estas ser convertidas em capital
seria o sucessor ainda não estava resolvido, embora o chefe se inclinasse
político, e ainda os que 'têm preferência pela sua candidatura por razões
a f.worecer os argumentos de um dos três concorrentes. O carácter
diferentes e menos óbvias.
pouco definitivo dos tipos de provas considerados relevantes é evi~len-
Neste sentido, se se p~rtencer ao clã certo, é possível alcançar a suces-
ciado pelo entusiasmo dos homens de uma das facções perante a mmha
são no cargo, que não ~ de todo atribuída. O caso de Sang3telo, 3trás
referido a propósito da ',her3nç3 da viúva, é esclarecedor deste aspecto, visita para registar a sua versão da história. Diziam que a passagem à es-
O facto de ter reivindicado a mulher do seu irmão classificatório com crita dos seus argumentos teria o efeito de legitimar as suas pretensões
base no princípio de herança da viúva reforçou, sem dúvida, a sua pre- (isto estará, sem dÍ'tvida, re1aóonado com o f.1ctO de os nomes dos
chefes de povoaç:io, cabos e régulos recém-nomeados serem reglstac\os
tensão ao cargo ele chefe de pOVOJção, pois gerou a imagem de que seria
um parente mais próximo do que era na realidade, o que conferiu à sua pelo gabinete da administração). :
A sucessão dos régulos era, tradicionalmente, também adélfica e, teon-
aspiração umJ aparência de maior legitimidade.
camente, continua a sê-Ia. No entanto, a indigitação cios régulos tem fi-
~ando se trata de ocupar um cargo como o de chefe de povoação,
cado ao critério do administrador, que procura não alterar a linha de
surgem geralmente vários potenciais sucessores e, a menos que a situa-
ção seja muito clara, segue-se um período prolongado em que os indi- sucessão adequada (ou seja, a vontade do povo), mas que preferiria ver
víduos concorrem pelo poder. Durante este período, alguns apercebem- no cargo homens de cdnduta discreta, instruídos e prefe~encialme.nte
-se de que notoriamente não têm apoios suficientes, abandonam a cristãos. Há uma tendência para a nomeação de homens Jovens e ms-
corrida e, geralmente, aliam-se ao sobrevivente que melhor possa repre- truídos, o que significa que se perdeu o padrão tradicional de um ritmo
sentar os seus direitos adquiridos. Este processo decorre até que restam acelerado de substituição de idosos no cargo, em que estes o detinham
apenas dois ou três candidatos ao lugar. A legitimidade é reconhecida por períodos relativam~nte curtos. Assim, a posição de régul? tende n
pelo ocupante do cargo político imediatamente acima na hierarquia mudar de mãos muito menos frequentemente do que nconteCla no pas-
- por exemplo, é o régulo que reconhece o cabo - e baseia-se numa es- sado e os seus ocupantes geralmente não pnrecem merecer o mesmo
pécie de consenso. A autoridade mais elevada afirma que são as próprias grau de confiança do povo. A rápida suce~são de régulos é d:monstrn~
pessoas que melhor sabem decidir quem deveria suceder; são elas que da pelo caso do régulo Samusson Nkumbl, o qual, como atras re,fen, e
terão de indicar quem as representará. A autoridade superior procura o sétimo homem a ocupar a posição desde a morte do seu P:ll. Isto
perceber quem reúne o consenso e age de acordo com ele. Se a decisão significa que ao longo da sua vida de cerca de 70 anos houve oito régu-
for contestada, poderá ser levada a tribunal e as linhas de separação ga- Ias no regulado Nkumbi, se não mais.
nham então contomos mais nítidos. O movimento bterál de sucessão tem implicações interessantes no
QJando um lugar já ocupado é contestado por um indivíduo que campo da tensão social, especialmente entre parentes. Num sistema de
julga ter maior direito ao cargo, há duas linhas de acção possíveis: ou o devolução vertical, em que o filho herdn do pai, a tensão é interger;l-
cional. Entre os chopes, a tensão é intrageracionaI. Como nota linear, mas, por outro lado, devido ao valor dos cargos e dos bens, criar
J. Goody, «a transferência horizontal ou lateral (da propriedade ou dos tensões em torno do herdeiro principal e do seu sucessor que se desen-
cargos) coloca o peso do conflito sobre os membros de uma mesma volvem horizontalmente, e não entre gerações.
geração, geralmente sobre irmãos» (1970, 628). Este argumento é sus-
tentado pelo f.1Ctode, embora as crenças na feitiçaria sejam fortes entre ,
)
os chopes, eles raramente acusarem um indivíduo específico. No en-
Até aqui tivemos ocasião de analisar os sistemas e as categorias de;
tanto, a maioria dos poucos casos de que tenho registo em que alguém
parentesco e o casamento, e logo a instabilidade das alianças e os pa-
foi acusado deu-se entre irmãos (isto verificou-se em dois dos três casos,
drões de sucessão, factores que originam a bteralidade do sistema social
sendo o terceiro entre primos).
dos chopes. No entanto, a falta de profundidade do sistema dc paren-
A ênfase horizontal dos sistemas de herança e sucessão vem comple-
tesco acentua vários problemas, especialmcnte qu:mdo os indivíduos
mentar a Iateralidade geral do sistema social. Do ponto de vista do indi-
procuram recrutar grupos dc pessoas par~ldiferentes fins, como p;1fa for-
víduo, é necessário saber tanto quanto possível sobre os parentes cola-
mar ranchos de trabalho. Este tipo de problemas é mitigado pela pre-
terais, que são os seus potenciais amigos e aliados, mas também os seus
sença de duas instituições que, pelo menos em parte, preenchcm as la-
potenciais rivais. Por outro lado, o indivíduo ganha em ter um pcdigree
cunas deixadas pelo sistema de parentesco. A primeira consiste no
vago, pois, mesmo que a pertença confirmáve1 a uma determinada linha
costume de dar aos filhos o nome próprio ÇIeoutros adultos, criando,
seja vantajosa no presente, se alguém de outra linha conseguir obter o
no processo, uma espécie de aliança. A segúi1da é uma forma de ami-
lugar, o facto de a sua linha ser demonstráve1 poderá tornar-se uma
zade «especial» institucionalizada, na qual se"investe tanto afecto como
desvantagem.
nas principais relações de parentesco. A sociedade chope caracteriza-se
]. Goody (1973a) sugeriu que, à medida que as sociedades desenvolvem
por atribuir grande ênfase JS coalizões cgocêntricas de pessoas, e não a
uma consciência de classe, haverá tendência para a modalidade lateral da
grupos. Estas instituições, a que chamei de quase-parentesco e às quais
herança e da sucessão ser substituída por um sistema linear. Isto acontece
dedico o próximo capítulo, reforçam esta C:lfacterística.
porque o homem que conseguiu prosperar à própria custa, se tem filhos
para com os quais tem obrigações, terá relutância em transmitir os bene-
ficias a um irmão ou, mais ainda, a um primo. Podemos observar esta
tendência entre os chopes, j:í que os bens pessoais importantes passam
realmente de pai para filho e de mãe para filha. Um régulo que conheci
queria à viva força que fosse o filho a suceder no cargo, e não o seu irmão
germano, que tradicionalmente teria direito à sucessão.
Resumindo, a plasticidade e a lateralidade que são evidentes no siste-
ma de parentesco dos chopes são complementadas e sustentadas pela
modalidade horizontal de transmissão dos cargos e da propriedade do
grupo. Disto resulta que a atenção incide sobre os parentes co!aterais do
indivíduo. Os parentes laterais são mais relevantes neste contexto do
que os lineares. A luz desta informação empirica, talvez Leach (1961b)
tenha razão ao atribuir maior importância aos factores políticos e eco-
nómicos (neste caso à propriedade e aos cargos) como variáveis inde-
pendentes, enquanto o parentesco seria uma variável dependente.
A modalidade de transmissão lateral tem o efeito paradoxal de gerar no
grupo de irmãos germanos e seus parentes colaterais da mesma geração
uma espécie de solidariedade corpórea em detrimento da solidariedade

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