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INFANTIL
As idéias que serão apresentadas no decorrer desse artigo são resultantes de uma pesquisa
de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE da Universidade Federal de
Santa Maria, ainda em andamento. Esse trabalho tem por objetivo investigar a influência da
televisão no trabalho de professores de Educação Infantil de escolas de caráter público e privado
da cidade de Santa Maria, assim como de acadêmicas do curso de Pedagogia- Habilitação
Educação Pré-escolar da UFSM.
Estudar a influência da televisão em crianças de classes pré-escolares surgiu devido a uma
experiência vivenciada em uma turma de pré-escola, enquanto eu atuava como estagiária do
curso de Pedagogia – Habilitação Pré-escola, pela Universidade Federal de Santa Maria. Esse
estágio, com duração de seis meses levou-me à atuação como docente em uma escola da periferia
da cidade de Santa Maria, em uma classe composta de 24 alunos com idade entre cinco e seis
anos. Ao longo desse período de vivência docente, constatei que as crianças permaneciam um
tempo excessivamente longo diante à televisão (segundo o relato de alguns alunos esse tempo era
de, aproximadamente, oito horas diárias). Além desta constatação ressaltaram-se também as
situações onde percebia a influência que esse meio de comunicação estava exercendo sobre as
crianças, que começaram a apresentar um comportamento que apontava uma certa erotização
extremamente precoce para a faixa etária, assim como situações de comportamento
excessivamente agressivo e violento entre seus iguais. Mas talvez tenha sido a referência que elas
constantemente apresentavam ao definirem alguns conceitos sobre violência, por exemplo, que
mais se destacavam no quadro que estava configurando-se, ou seja, a constatação de como as
crianças estavam construindo suas noções da realidade, fazendo sempre referência ao programas
veiculados nos canais abertos da televisão, programas esses tanto destinados a faixa etária infantil
quanto aos adultos.
Em consonância a essas constatações, minhas primeiras inquietações teóricas surgiram no
sentido de compreender de que forma esse veículo de comunicação tão fortemente presente no
cotidiano de meus alunos influenciava na formação de seus conceitos e atitudes como violência,
erotização precoce, respeito e nas suas relações sociais entre iguais e entre os adultos.
Transformando-se então esse trabalho em uma pesquisa em nível de mestrado iniciou-se
um aprofundamento nas discussões referentes ao estudo da cultura infantil, da cultura
contemporânea e também da cultura midiática e, consequentemente, das relações de poder
exercidas por essa última no universo da infância.
a cultura tem assumindo uma função de importância sem igual no que diz respeito à
estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos processos de
desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos econômicos
e materiais. (HALL, 1997, p. 17).
Um exemplo dessa revolução nos espaços destinados à cultura tem sido o grande
crescimento e monopólio mundial das empresas ligadas a comunicação e entretenimento, como,
por exemplo, empresas ligadas à publicidade, cinema, música, televisão, informática, esportes,
telecomunicações, etc. Essas empresas acabam por ocupar o papel de grandes responsáveis pela
produção do capital mundial e acabam formando o que MOREIRA (2003, p. 1205) denomina de
“oligopólios midiáticos”. Ainda segundo MOREIRA (2003), a grande influência e o domínio
desses oligopólios midiáticos constituem o que o autor denomina de um “sistema midiático-
cultural” (p.1207), sistema esse que evoca transformações profundas às configurações culturais,
ou seja, a formação da chamada “cultura midiática”
Cultura midiática tem a ver com determinada visão de mundo, com valores e
comportamentos, com a absorção de padrões de gosto e de consumo, com a
internalização de “imagens de felicidade” e promessas de realização para o ser humano,
produzindo e disseminando no capitalismo avançado por intermédio dos conglomerados
empresariais da comunicação e do entretenimento, e principalmente por meio da
publicidade. (Moreira, 2003, p. 1208).
Entendermos as relações de poder exercidas por essa cultura no cotidiano das relações
vivenciadas na sociedade atual torna-se um processo extremamente relevante no que diz respeito
ao processo de formação dos sujeitos. No nosso caso, interessa-nos compreender de que forma
essa cultura, através do veículo televisão, acaba influenciando e reestruturando a própria cultura
infantil, devido à existência de uma ampla programação televisiva destinada a essa faixa etária,
assim como um grande número de propagandas comerciais que, ou utilizam crianças como
vendedoras de produtos ou destinam-se as mesmas para agirem como consumidores em grande
potencial no mercado. Feilitzen (2002) destaca a questão da pouca visibilidade das crianças nos
espaços midiáticos, como forma de opressão cultural. Entretanto, enfatiza a grande utilização de
crianças em comerciais como meio de instigarem o consumo
Contudo, há uma exceção, em que as crianças são representadas com maior freqüência
no contexto da mídia – nos comerciais. O fato de as crianças serem mais comuns nos
comerciais do que no conteúdo da mídia em geral é um sinal de seu alto valor de
consumo econômico na sociedade – como consumidores atuais e futuros e como
conceitos de venda e estratégias de propaganda para produtos, valores e estilos de vida.
(FEILITZEN, 2002, p. 23)
3. Infância e Mídia
Poderíamos dizer que uma das principais diferenças entre um adulto e uma criança é que
o adulto conhece certas facetas da vida – seus mistérios, suas contradições, sua violência,
suas tragédias – cujo conhecimento não é considerado apropriado para as crianças e cuja
revelação indiscriminada é considerada vergonhosa. No mundo moderno, enquanto as
crianças se encaminham para a idade adulta, revelamos-lhes esses segredos de maneira
que acreditamos ser psicologicamente assimilável. Mas tal idéia é possível somente
numa cultura em que há uma diferença marcante entre o mundo adulto e o mundo
infantil, e onde há instituições que expressam esta diferença. O mundo medieval não faz
tal distinção e não tinha tais instituições. (POSTMAN, 1999, p. 29.)
A infância, como tentei mostrar, foi o fruto de um ambiente em que uma forma especial
de informação, exclusivamente controlada por adultos, tornou-se pouco a pouco
disponível para as crianças por meios considerados psicologicamente assimiláveis. A
subsistência da infância dependia dos princípios da informação controlada e da
aprendizagem seqüencial. Mas o telégrafo iniciou o processo de extorquir do lar e da
escola o controle da informação. Alterou o tipo de informação a que as crianças podiam
ter acesso, sua qualidade e quantidade, sua seqüência, e as circunstâncias em que seria
vivenciada”. (POSTMAN, 1999, p. 86)
Entretanto, não podemos atribuir somente ao telégrafo essa acusação. É que, a partir de
sua invenção, uma série de novas formas de comunicação foram descobertas, como por exemplo,
a máquina fotográfica, o telefone, o rádio, o cinema e a televisão.
É sobre a televisão que Postman (1999) debruça suas acusações. A televisão, a partir da
década de 50, iniciou uma revolução na forma como a informação passou a ser divulgada
mundialmente. A imagem sobrepõe-se então ao discurso e invade os espaços habitados tanto por
crianças quanto jovens, adultos e idosos. Torna-se o meio de comunicação com maior difusão
mundial e, de certa forma, monopoliza o acesso à informação, não por ser o único veículo difusor
de notícias, mas por ser o de maior acesso. Segundo o autor, a televisão cria esse monopólio por
não requisitar dos seus telespectadores nenhuma habilidade cognitiva mais avançada: “as pessoas
vêem televisão. Não a lêem. Não a escutam muito. Vêem. Isso acontece com adultos e crianças,
intelectuais e trabalhadores, tolos e sábios”. (Postman, 1999, p. 92).
O grande questionamento para Postamn (1999) pode ser estabelecido na relação entre a
criança e a televisão, pois essa se constitui enquanto um veículo de comunicação e
entretenimento que não distingue entre adultos e crianças. Não há formas de ocorrer essa
separação. Não existem restrições para se assistir televisão, todos conseguem entender as suas
imagens, pois ela não exige nenhuma forma de racionalidade elaborada para ser compreendida.
Apenas exige as nossas emoções, para que possamos seguir sua lógica e nos mantermos de
acordo com suas premissas, que na maioria das situações são ditadas pela lógica do consumo.
No entanto, o ponto nevrálgico, para Postman (1999), da grande difusão da televisão na
sociedade contemporânea é a sua capacidade de destituir a linha divisória entre idade adulta e a
infância. A televisão, por não possuir restrições - e quando as simboliza faz no sentido de
provocar maiores olhares - acaba escancarando todos os segredos do mundo adulto, que desde o
século XVI lutaram para serem preservados das crianças. Cenas de violência, de sexo, mentira,
traição, corrupção, pedofilia, homossexualismo, enfim, questões do mundo adulto e privado
estão, a partir da televisão, presentes no cotidiano de crianças e adolescentes do mundo inteiro.
Não existem mais segredos a serem revelados: as crianças já os conhecem e passam a discuti-los
entre si e com adultos. A noção de vergonha, antes um marco para a distinção entre adultos e
crianças agora se destitui, e passamos a viver com crianças extremamente informadas e
conhecedoras de todas as situações existentes na sociedade.
Podemos questionar em certos momentos essa preservação da criança em relação ao
mundo adulto. Devemos mesmo afastastá-las dos acontecimentos que as rodeiam? Para Postman
(1999), o problema está na forma como essas informações chegam até a cultura infantil. A
televisão proporciona que, tanto adultos como crianças recebam as mesmas mensagens,
informem-se da mesma maneira. Interessante é a passagem em que Postman (1999) compara o
acesso da criança às questões sobre violência, por exemplo, através dos contos de fadas, onde,
pela doce voz de sua mãe a criança vai assimilando a existência do mal. “Mas a violência que é
mostrada atualmente na televisão não é mediada pela voz de uma mãe, não é nem um pouco
modificada para se adaptar à criança, não é orientada por nenhuma teoria do desenvolvimento
infantil”. (p. 108)
As contribuições de Bourdieu (1997) nesse sentido revelam as razões para a nossa
preocupação em relação ao domínio da televisão na produção e disseminação de informações
Se insisto nesse ponto, é que se sabe, por outro lado, que há uma proporção muito
importante de pessoas que não lêem nenhum jornal; que estão devotadas de corpo e alma
à televisão como fonte única de informações. A televisão tem uma espécie de monopólio
de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população.
(BOURDIEU, 1997, p. 23).
Se, para Bourdieu (1997), a televisão exerce uma espécie de “violência simbólica” (p. 22)
por utilizar o sensacionalismo, a futilidade, o espetáculo, a vida pública como via de maiores
audiências, essa violência simbólica constitui-se como forma mais eficiente para a infância, que,
ao ligar a televisão está sujeita a se deparar com uma visão do mundo editada e selecionada pelas
emissoras de televisão, que, na maioria dos casos acaba optando pelas cenas de exploração da
miséria, da fome, da violência e da doença como fonte de espetacularização da condição humana.
Nesse sentido é que Postman (1999) acredita ser a televisão a grande responsável pelo
desaparecimento da infância. Através da televisão, a criança percebe e aprende os acontecimentos
do mundo, sem muitas vezes a mediação de um adulto responsável ou por uma leitura crítica
dessas mídias pelo professor.
A televisão não só atua no sentido de apresentar o mundo para a criança, como também
atua como espaço de socialização da criança, que para Belloni (2001) “é o espaço privilegiado de
transmissão social dos sistemas de valores, dos modos de vida das crenças e das representações,
dos papéis sociais e dos modelos de comportamento” (p. 33).
Podemos entender melhor a relevância dessa “função” que a televisão assume para o
universo da criança observando o que nos diz de Belloni (2001)
Parece-me inequívoco que os diversos meios de comunicação exercem hoje uma função
pedagógica básica, a de socializar os indivíduos e de transmitir-lhes os códigos de
funcionamento do mundo. Sem dúvida instituições como a família, a escola e a religião
continuam sendo, em graus variados, as fontes primárias da educação e da formação
moral das crianças. Mas a influência da mídia está presente também por meio delas. A
televisão, por exemplo, ocupa uma fatia considerável do tempo das crianças, sobretudo
em meios sociais carentes de fontes alternativas de ocupação e lazer. (MOREIRA, 2003,
p. 1216)
Nossas preocupações referem-se às formas como esse contato com as mídias eletrônicas
será incorporado na história da cultura da infância e nas conseqüências que essa interação
produzirá nessa geração inserida em uma sociedade midiatizada e que, cada vez mais utiliza-se
dessas mídias para o seu entretenimento, sua comunicação com outras pessoas, para constituir
suas brincadeiras, para se informar, para consumir, para se constituir enquanto sujeito incluído
nesta sociedade.
Dessa forma constituímos como objetivo de nosso trabalho analisarmos de que forma
docentes em formação e em atuação com crianças em idade pré-escolar incorporam em suas
práticas pedagógicas e sem suas concepções educativas o trabalho em relação a uma educação
para as mídias. Com isso ressaltamos nossa crença, assim como MOREIRA (2001) na
importância da escola e dos docentes como instituições e sujeitos primários no trabalho de
socialização da criança com o mundo e, principalmente, proporcionando uma releitura das
mensagens simbólicas veiculadas pelos sistemas midiáticos, principalmente pela televisão, que
atuam diretamente na constituição da identidade e subjetividade da cultura infantil. Autores como
Neil Postman caminham na direção afirmativa de que a televisão contribui não só na constituição
das identidades e subjetividades da infância, como também para o seu fim enquanto idade distinta
tanto cronologicamente quanto em necessidades dos adultos. No entanto, a utilização de suas
percepções nesse trabalho contribuem no sentido de entendermos o atual quadro da cultura
infantil nessa sociedade, uma infância que vive inteiramente a influência dessa cultura da mídia.
Em relação ao seu desaparecimento, essa é uma questão que não nos compete analisar, embora as
evidências levantadas pelo autor sejam extremamente pertinentes.
Outra cultura existente nas instituições escolares e que, segundo a definição de Gómez (2001)
constitui um dos elementos principais na formação cultura escolar é a chamada “cultura docente”,
definida como
O conjunto de crenças, valores, hábitos e normas dominantes que determinam o que este
grupo social considera valioso em seu contexto profissional, assim como os modos
politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e se relacionar entre si. (GÓMEZ, 2001, p.
164)
5. Considerações finais
Salientamos, na conclusão desse artigo nossas constantes inquietações diante das questões
levantadas nesse espaço de reflexão. Estudos teóricos acompanham nossa caminhada de
produção e elaboração da pesquisa, assim como observações nas escolas públicas e
particulares em classes de Educação Infantil. Ainda acompanhamos uma representação de
alunas estagiárias do curso de Pedagogia Habilitação Pré-escola da UFSM, que estão
atualmente finalizando suas práticas em instituições de Educação Infantil na cidade de Santa
Maria, exercendo um trabalho em turmas de pré-escola durante um período de seis meses.
No entanto, devido ao andamento dessa pesquisa, ainda não contamos com resultados
diagnosticados pelo trabalho de campo. Dessa forma, tentamos, para a elaboração desse artigo
compartilhar algumas das discussões teóricas realizadas desde o período em que a pesquisa
teve seu início, no início do ano de 2005. Mas, como nos permite a perspectiva dos Estudos
Culturais, continuamos caminhando e tramitando entre várias teorias, na busca de respostas a
inúmeras indagações.
Referências:
FISCHER, R. M. B. Televisão & Educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica,
2001.
GIROUX, H. A. Praticando Estudos Culturais nas Faculdades de Educação. In.: SILVA, T.T. da S.
(org.). Alienígenas na sala de aula. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
GÓMEZ, A.I. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ARTMED Editora,
2001.