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= CAPITULO 4# Leis, EXPLICAGOES E TEoRIAS CIENTIFICAS Neste capitulo apresentaremos a nogdo de lei cientifica, uma ferramenta intelectual im- prescindivel da pesquisa. Veremos também 0 papel que as leis desempenham na expli- cacao e previsao dos fendmenos, Por iiltimo, nos familiarizaremos com as teorias que res- paldam as leis e explicagdes. abe aqui também uma diferenga deinterpretagao flossfca:paraoepistemlogo realista, essa ordem é “encontrada por serinerente 4 Natureza ou @ sociedade) J paraosfidsofesidealistas ‘ou construtivisas tal ordem Ede algum modo introduzida pela consciéncia ea atividade bumanas. Lets, EXPLICAGOES £ TEORIAS CIENTIFICAS #67 4.1 AS LEIS CIENTIFICAS As cigncias factuais tém trés tarefas caracteristicas: descrever ¢ classificar os fatos que so objeto do seu dominio, explicé-los (vale dizer, dar razao de por que s4o assim e nao de outra mancira) ¢ predizer a sua ocorréncia, isto é, antecipar em quais circunstan- cias esses fatos iro se repetir. Estas trés tarefas podem sintetizar-se propria de um setor ou aspecto da realidade, A primeira tarefa, descrever ¢ classificar, pode ser descrita também como a da constituigao tedrica do dominio da respecti- va ciéncia, Essa constituigao ser melhor entendida no capitulo a seguir, em que trataremos dos denominados “paradigmas” cient ficos. Em todo caso, vale exemplificar dizendo que uma disciplina cientifica deve identificar de modo adequado, ou seja, apropria- do as outras duas tarefas acima mencionadas, o tipo de fatos com que ird se ocupar, ja se trate dos corpos em geral, dos seres vivos, do comportamento humano etc. Uma disciplina deve definir, de maneira rigorosa, 0 que entende, segundo os casos, por “reagao (quimica)’, “célula’, ‘planeta’ ou “sociedade tribal”. E deve poder classificar os seus conceitos de maneira a estabelecer as relacdes cexistentes entre as entidades do seu dominio (0 exemplo classico a classificagio das espécies vivas por Lineu) Ora, essas entidades com frequéncia se comportam de maneiras regulares. © sol “sai” e se “poe” diariamente; as estagdes se suce dem ¢ repetem; as plantas crescem, florescem, dio frutos e mur- 68 © Fiosorta DA Créncta cham; tais animais se alimentam de tais outros; os seres humanos ficam irritados ante tais ou quais condutas dos seus congéneres etc, A consciéncia dessas regularidades & produto da experiéncia ancestral da humanidade, As ciéncias as levam em consideracao, porém Ihes acrescentam outras, proprias da observacio siste- matica (por exemplo, o deslocamento dos astros ao longo do ano, ou a condugao da eletricidade por certos corpos, ou a repetisao de padroes culturais em diversas sociedades). 0 procedimento para conservar a came sem que la apodreca~ salgar a came e secé-la a0 sol ~ fol descoberto pela humanidade sem o auxilio > cde um experiment cientifico. A regularidade observada (acarme J assim tratada se conservava durante um periodo maior que o da carne * {ue nio passava por esse processo)contribuly seguramente para sua popularizagto, Na céncia as regularidades s4o descabertas com 0 Aaurilio da descriao e da classficacdo que se faz do objeto de estudo, A nogao de “lei cientifica” est4 vinculada, certamente, 4 experi- éncia daquele tipo de regularidades (denominadas “regularidades empiricas” na literatura filos6fica). No entanto, uma lei cientifica é algo diferente de uma mera regularidade constatada. Para comegar, as regularidades empiricas constituem meros fa- tos, faltando-lhes a correspondente explicagao (cientifica). Além do mais, uma lei, embora enuncie uma regularidade que pode ser observada, inclui amitide termos que se referem a objetos ou eventos nao observaveis (“forca’, “elétron’, ‘gene’, “érbita’, “instin- to”, “coesio social” etc.). Mais ainda: as leis podem estar enuncia- das exclusivamente mediante termos cujo referente nio é empi- rico (“A molécula de 4gua consta de dois dtomos de hidrogénio e um dtomo de oxigénio”), ou até mediante uma formula abstrata (p.ex::f = ma). Asleis pertencem a teorias (ow estao respaldadas por estas ditimas) ¢ desse modo explicam os eventos empiricos ¢ suas regularidades, e so explicadas pelas teorias (v.g,, alei da gravitagio universal, que faz parte da teoria newtoniana e explica Férmula do sia usoda para ‘aleular a forga. Fora igual ‘amassa mulipicada pela aceleragdo (segunda lei de Newton) ‘Aexpressao ‘nomolégico" fazreferéncia ao recursoa Luma eifnomas, em grego) abe esclarecer que Popper defendewo mesmo modelo, chamando-o de explicagao aus” (ver sua Logica da Pesquisa Cientifica, $12). Por isso, folase as vezes do “modelo Hempel-Popper' Lets, EXPLICAGOES E TEORIAS CIENTIFICAS + 69 inimeras regularidades empiricas, desde a queda dos corpos até o movimento das marés). As leis cientificas enunciam relagdes constantes entre varidveis consideradas fundamentais em um determinado dominio de obje- tos. Seu esquema geral seria: “todo A é B’, ou “se A, entéo B”. Mas ‘0 esquema pode ser mais complexo: “Se A e B, entdo C”; ou: “Se A, entao B ¢ C’; etc. No entanto, essas relacdes podem ter diverso grau de generalidade. A expresso “todo” na primeira formulacio pode ser ou nao literal, e na segunda, pode ou nao estar incluido “sempre” (“Sempre que A, entéo B”). No primeiro caso, temos as denominadas leis “exatas” ou “universais’. Quando nio é assim, temos leis probabilisticas ou tendenciais, vale dizer, regularidades que nem sempre se cumprem, embora ocorram em grande néme- ro de casos. A rigor, todas as leis expressam relagées que valem de forma aproximada, Os experiments que servem para testé-las sao, como vimos, situagées simplificadas ¢, podemos acrescentar, situ- ages em que a relacao que interessa esté artificialmente isolada de influéncias que normalmente sofre fora do laboratério, Contudo, quando alli tem escassas excegées (quando a sua probabilidade se aproxima de 1) é considerada “exata’ 4.2 AS EXPLICAGOES CIENTIFICAS As leis s4o importantes como fatores que permitem explicar os eventos do mundo (natural ¢ social), ou seja, dizer por que sio (ou foram) dessa maneira e nio de outra, O modelo mais famo- so de explicagao cientifica mediante leis (para muitos autores, 0 fundamental), é o formulado pelo filésofo Carl Hempel e conhe- cido como “modelo nomolégico-dedutivo”. Consiste em apontar 17 7 deGualou de quais leis pode inferir-se o enunciado que descreve ! evento que requer explicagao. Mais exatamente, 0 modelo con- | siste em analisar a explicagéo como um raciocinio dedutivo cujas | premissas sao: a) enunciados que descrevem circunstancias em | que ocorre (ou ocorreu) o evento a ser explicado (as denominadas | “condigées iniciais”); e b) o(s) enunciado(s) de certa(s) lei(s). 0 | enunciado referente ao evento a ser explicado (denominado tec- nicamente explanandum, “o que deve ser explicado”) resulta, de- 70 + FiLosortA pa CrinctA, dutivamente, das premissas supracitadas. Em um exemplo vulgar: explicamos a queda de um livro que soltamos da nossa mao invo- cando a lei de gravitagao universal e subentendendo que 0 tama- nho do livro é infinitamente menor que o da Terra, que o livro foi deixado sem apoio, que a resisténcia do ar era comparativamen- te insignificante ete. (condigdes iniciais). Em fungao daquela lei ¢ dessas circunstncias, 0 resultado nao poderia ter sido diferen- le. As “condigoes iniciais” so vistas como “causas” € o resultado como “efeito” O proprio Hempel observou que as vezes nao dispomos de leis exatas para explicar um evento (ou tipo de eventos), mas apenas de leis probabilisticas. Se uma crianga contrai o sarampo depois de haver estado em contato com outra crianga que estava doen- te, a explicagao consiste em inferir (ndo como uma dedugao, mas como uma conclusio provavel) o enunciado que descreve o expla- nandum (“Paulinho pegou o sarampo”), dos enunciados gerais: "O sarampo é contagioso por contato’ e “A sua probabilidade de con- Ligio é x’, bem como do enunciado: “Paulinho esteve em contato com Jodozinho, doente de sarampo’, Além dos modelos nomol6gico-dedutivo e probabilistico, o fi- Isofo Ernest Nagel, em seu livro A Estrutura da Ciéncia (1960), ‘um clissico na literatura da filosofia da ciéncia, apresenta outros dois modelos. Em alguns casos, principalmente nas ciéncias biold- gicas e sociais, explicamos os eventos indicando qual éa fungao ou a finalidade que parecem ter (explicagio funcional ou teleolégica). Dessa maneira se explica, por exemplo, a existéncia dos érgios no corpo humano, A fungao dos pulmées (transportar o oxigénio do ar para o sangue, e por meio dele, para as diversas células do corpo, supondo a indispensabilidade do oxigénio para a combustao das substancias alimentares no organismo) explica a sua existéncia. De maneira andloga, da instituicao social (v.g., a religido) explica a sua existéncia, De maneira parecida, explicamos as ages de uma pessoa ou grupo umano pela finalidade que lhes atribuimos querer alcangar. Este Lipo de explicagao suscita as vezes objecdes, no sentido de que pa rece sugerir que um evento futuro (a finalidade, uma vez alean- sada) é a causa de um evento passado (a ago que tende aquela ce detectar ‘explicacio dentifica de alguns «elementos (como os pulmes) @ encontrada na fungio que determinado contexto (0 corpo hhumano,no caso). Atente para ‘entender as diferengas entre uma expliagéo ciemtfica que resulta de uma deducio, de ‘consideragio de probabilidade(s, daidentificagio de uma funcio €edareconstrugdo da génese dem objeto (essa que voce acompanharé aqui mais adiante) Este precisament, 0 tpo de enfoque conhecido como “tuncionalista’ em socologiae antropologia, Lets, EXPLICAGES & TeoRIAS CrENTIFICAS #71 finalidade). Por exemplo, explicar a invasio da Franca por Hitler pelo seu propésito de dominar a Europa; explicar a emigracdo eu- ropeia para América pelo propésito das pessoas de melhorarem de vida. Nagel esclarece, todavia, que nao se trata aqui de que eventos futuros estejam causando eventos passados, o que seria dificil de aceitar: 0 que se afirma é que o propésito presente nas mentes das pessoas causa as suas agdes futuras (Nagel, 1978, p. 35) © quarto tipo de modelo de explicacio apresentado por Nagel & 0 modelo genético, em que explicamos um evento descrevendo ‘como chegou a ser desse modo, ou seja, reconstruindo a sua gé- nese ou sua evolucao, £ uma forma de explicar bastante usada nas ciéncias biolégicas ¢ na Historia. Por exemplo, explicar mediante sua descrigao a evolugio dos mamiferos ou a extingao dos dinos- sauros, ou explicar determinada instituigo social descrevendo a sua origem ¢ a maneira como foi mudando. Hempel defendeu a importancia do seu modelo (chamado tam- bém As vezes modelo das “leis de cobertura’, covering laws) sus- tentando que os outros modelos de algum modo o implicam, no sentido de que para reconstruir a evolugao de alguma coisa for- ‘sosamente selecionamos determinados aspectos considerados re- levantes ¢ consideramos a mudanga dos mesmos como algo nao arbitrario, Portanto, subentendemos, segundo Hempel, leis ou hi- poteses de probabilidade, Algo andlogo ocorre, segundo ele, nas cexplicagbes funcionais. (O modelo hempeliano é importante também por outra razio: ele cesclarece logicamente a previsio cientifica. Quando conhecemos as leis que explicam a produgao de um evento, estamos em condi ‘goes de antecipar que, dadas as mesmas condigées iniciais, o evento ird se repetir, Certamente, o grau de certeza da previsio depende de alguns fatores, a comegar pelo tipo de lei a que apelamos. Previsoes baseadas em leis exatas favorecem previsdes também exatas, Previ- ses baseadas em um niimero maior de condicées iniciais tornam também mais segura a antecipacao do evento futuro. Por tltimo, ‘mas nio menos importante, 0 grau de isolamento do sistema con- siderado é também um fator que facilita a previsdo certa. Apesar de ser considerado importante, 0 modelo nomolégico dedutivo de explicagéo e sua versio probabilistica suscitaram di- 72 ¢ FiLosorta pa Crincia, versas objecdes, Mario Bunge, por exemplo, objetou que, na forma apresentada por Hempel, 0 modelo nao fornece a rigor uma ex- plicagao porque nao mostra 0 mecanismo de produgao do evento considerado, limitando-se a enunciar a forma légica da operasio mental que denominamos explicagao (Bunge, 1969, p. 584). Ou- tras objegdes tém a ver com a aplicabilidade desse modelo nas ciéncias humanas, um assunto ao qual voltaremos. A objegio de Bunge ¢ interessante, contudo, porque se situa na diresao da rela- ‘40 das explicagdes com as teorias cientificas 4.3 AS TEORIAS As teorias sio geralmente consideradas pelos fildsofos como elemento mais importante da ciéncia, pois é mediante clas, pro- priamente, que os eventos sao explicados (vimos que as leis se fun- damentam em teorias). Como entendem os fildsofos a natureza das teorias? Vejamos como descreve Hempel a invengio de uma teoria: .do um estudo prévio de uma Uma tearia é usualmente introduzida q) classe de fendmenos revelou um sistema de uniformnidades que podem ser expressas er forma de leis empiricas. A teoria procura entao explicar lessas reqularidades e, em geral, proporcionar uma compreenséo mais profunda e mais apurada dos fenémenos em questéo, Com este fir, interpreta os fendmenos como manifestagdes de entidades e de pro- cessos que estéo, por assim dizer, por governados por leis teéricas caractersticas, ou principios teéricos, que 18s ou por baixo deles e que sao petmitem explicar as uniformidades empiricas previamente descober- tas e, quase sempre, prever novas regularidades. (Hempel, 1974, p.92), Uma teoria, por conseguinte, nos fala de “stomos’, “eletricida- de’, “células’, “genes” e “érbitas’, ou de “adaptacao’, “conflito de in- teresses’, “classe social’, “inconsciente” etc, Todos esses conceitos denotam entidades ou processos nio observaveis, a0 menos di- retamente. Mas uma teoria cientifica nao pode consistir na mera suposigao de tais entidades ou processos, pois nao se diferencia ria em tal caso de uma teoria metafisica. E necessario especificar de que maneira aquelas entidades e processos se manifestam em eventos observiveis, Por exemplo, a passagem de uma corrente Tant0.0manaisme (materialismo istrico’) «como ateoria psicanaltica tém sido questionados quanto ‘sua centficidade, Nao entramos aqui nessa polémica Lets, EXPLICAGOES & TEORIAS CIENTIFICAS #73 létrica € detectada pelo movimento da agulha de um aparelho, ou pela luz de uma lampada que se acende; ou: as células que consti- tuem 0s tecidos dos seres vivos sao identificadas com as manchas € desenhos que se percebe ao olhar por um microscépio, ow ainda: a classe social é reconhecida em determinados comportamentos hu- ‘manos (incluida a forma de falar). 0 teste de uma teoria se faz com base em pressuposigdes acerca de modos regulares de conexio en- tre 0 ambito da observasio e 0 ambito tedrico (alguns filésofos de- nominaram essas pressuposicdes “princfpios de transposigao”). O cientista trabalha, assim, com dois tipos de termos: os tedricos e 0s observacionais. Veremos mais adiante que a distingao nao esta isenta de problemas. As teorias (ponhamos por caso, a teoria da evolucio dos seres vivos, de Darwin) tém diversas fungées. Uma teoria deve, certa- mente, explicar os fatos correspondentes a0 seu dominio. Ela o faz, como dissemos, ao fornecer um nogio do mecanismo de pro- dugao dos fatos. Comparando esta explicagao com a fornecida pelas leis, quando consideradas independentemente das teorias, a explicacéo tedrica aprofunda e amplia nossa compreensio do universo, Ela aprofunda nosso conhecimento ao fornecer uma nogio do mecanismo (em sentido amplo da palavra: como forma de funcionamento de algo) subjacente aos eventos a que a teoria corresponde. Além disso, a teoria unifica eventos que inicialmente pareciam nao ter relacio (a fisica newtoniana explica pelos mes- ‘mos principios os movimentos da Lua ¢ os dos cometas; a teoria marxista explica tanto a ocorréncia de revolugées como o papel social da religido; a psicandlise explica tanto os atos falhos como ‘0s sonhos; etc). Uma teoria mostra também, as vezes, que certas leis empiricas nao sao a rigor exatas e sem excegao. Vejamos uma ilustragio de Hempel: Assim & que a teoria de Newton mostra que as leis de Kepler 56 valern aproximadamente explica por que: 6rbita de ur planeta que se mo- vesse ern torno do Sol, sujeito apenas & infiuéncia gravitacional deste, seria de fato uma elipse, mas a trajetéria verdadea se afasta dessa elio- se rigorasa em virtude da at 180 exercida por outros planetas e de um 1974, p.9) modo que a teoria permite calcular com precisio (Hemp: 74 ¢ FiLosorta pa Crinc1a, Alem disso, as teorias permitem predizer fenémenos que nao exam conhecidos no momento de as teorias serem formuladas. A teoria geral da relatividade predisse o encurtamento de um raio de luz num campo gravitacional, ¢ a teoria de Maxwell predisse a existéncia das ondas eletromagnéticas, lembra Hempel (ibid). A capacidade preditiva de uma teoria nova é amitide um forte moti- vo para facilitar sua aceitagio, Para além dessas funcdes, uma te- oria pode também ter outras, tais como orientar a pesquisa (suge- rindo ou reformulando questées, ou sugerindo a coleta de certos dados). (Bunge, 1969, p. 417). Qual é a relagao das teorias com a realidade? Uma primeira resposta, intuitivamente convincente, é a de conceber as teorias como representagoes (aproximadas ¢ perfectiveis) da realidade. Essa é a interpretagio realista, conforme a qual as teorias aceitas pela comunidade cientifica so, por conseguinte, aproximadamen- te verdadeiras, e as entidades tedricas que essas teorias postulam (peex, campos magnéticos) supde-se que efetivamente existem. Esta é a posi¢ao defendida por filésofos como Mario Bunge ¢ Ri- chard Boyd. No entanto, a constatagio de que, ao longo da histé- ria, diversas teorias foram descartadas ao concluir-se que as enti- levou outros fildsofos a conceber as teorias como instrumentos ou ferramentas para lidar (cognitivamente) com a experiéncia, em particular, para fazer predicGes, Trata-se da interpretacao instru- mentalista das teorias. Neste caso, as mesmas nao sao verdadeiras ou falsas, mas titeis ou intteis, fecundas ou infecundas. A questio da existéncia ou inexisténcia das entidades tedricas configura o de- bate conhecido como a discussio do “realismo cientifico” A rigor, as posigdes realistas admitem diversas modalidades, muito bem sistematizadas pelo professor Luiz Henrique Dutra em seu livro Introdugdo 4 Teoria da Ciéncia (1998). Alguns epistemé- logos consideram que, aceitando uma teoria, aceitamos também a existéncia das entidades tedricas, Mas outros autores, igualmente realistas, sio da opinido de que alguém pode ser realista com re- lacdo & existéncia de entidades tedricas (Atomos, ponhamos por caso), ¢ nao acreditar que nenhuma teoria possa descrever essas entidades de maneira adequada, muito menos completa, Recipro- O ter era uma (posta) substdnciaqueconstitla tumasorte de melo universal de propagacdo das ondas de energia,admitida até por Newton. J flogisto era outa supostasubstanciacontida pelos corpos inflame (pex, ‘amadeira), que eraeliminada quando oconia.a combust Lets, EXPLICAGOES £ TeORIAS CrENTIFICAS #75 camente, houve autores para os quais as teorias podem ser verda- deiras (ou falsas), sem que isso implique a existéncia das entidades, tedricas. Nagel comenta assim essa interpretagao: De acordo com esta posigéo, uma teorla é uma formulagio resumida, emboraeliptica, derelacées de dependéncia e des observavels, Ainda que nao se possa caracterizar adequadamer as afrmacées de uma teoria como verdadeiras ou falsas re eventos e proprieda- tornadas em seu significado literal, no entanto, pode-se caracterizar a teoria de tal modo [ou seja, verdadeira ou falsa] na medida em que seja traduzivel a enunciados acerca de questées de observacio. Os defenso res desta posicdo habitualmente sustentam, portanto, que, no sentido ‘em que uma teoria (como urna teoria atémica) pode ser chamada de verdadeira, os termas teéricos tals como «étorno» sao simplesmente mma natagao taquigréfica para um complexo de eventos e caract as observaveis, e nao designarn uma realidade fisica acessivel 8 obser- vacao (Nagel, 1979, p. 119), Dutra apresenta esta posigio como um realismo de teorias, po- rém nio de entidades. Nagel a separa das interpretagoes realistas (“descritivistas’, para ele), ¢ das interpretagdes instrumentalistas, ‘como uma categoria aparte que poderfamos denominar “nomina- lista’, £ interessante observar que, assim como a frequéncia com que entidades tedricas revelam-se ilusdrias é uma ameaga para a interpretacio realista plena (ou seja, a que afirma que ao aceitar ‘uma teoria como verdadeira aceitamos como existentes as entida- No entanta, caberessalvar que ‘hd uma importante discussao floséica acerca do que vernos ‘mediante insrumentos como ‘o microscépioeletrbnico eotelescépia isto seos Fenémenos queeles produzem ‘podem ser tomados como ‘manifesta da presenca deentidades até entéo ndo observives, des que ela postula), a possibilidade de perceber, mediante o avan. ‘¢0 da tecnologia, entidades inicialmente imperceptiveis (células, dtomos), conspira contra a plausibilidade das interpretagdes ins- Trumentalistas ¢ nominalistas das teorias, Por outra parte, é importante saber que, a rigor, nenhuma teo- ria é apoiada por todas as observagées relevantes em seu domi- nio ¢ que um mesmo conjunto de dados pode apoiar teorias ri- vais, situagdes que ilustram o que se denomina “subdeterminagio (underdetermination) das teorias pelos fatos”. Isso implica que, a principio, duas teorias, sustentadas por con- juntos diferentes de dados, podem permitir predigdes corretas (uma virtude fundamental das teorias, como vimos). Se esse é 0 76 + FiLosorta pa CrinctA, caso, argumentam outros filésofos, as teorias nao precisam ser adequadas a uma suposta realidade transempirica (ou seja, que esta além da experiéncia): basta que elas sejam adequadas (e assim, verdadciras) com relagao aos dados empiricos. Para os instrumentalistas, basta que elas “salvem (ou justifiquem) os fend- menos’, uma férmula que vem da Antiguidade ¢ que serviu para descrever, em particular, a ciéncia astronémica. As discusses em torno do realismo cientifico destacam a im- portincia da linguagem cientifica, Obviamente, as teorias sao for muladas, ¢ nessa medida, sio ou envolvem praticas linguisticas Foi por isso que na tradigao analitica em filosofia da ciéncia, as teorias foram vistas como sistemas de enunciados em que, a partir dos enunciados primeiros ou basicos (principios ou axiomas), os outros enunciados podiam ser deduzidos logicamente. Esta ma- neira de conceber as teorias é denominada “sintética” ou “axiomé- tica’, A palavra “sintética” aponta para o carter formal (estrutura) das teorias: elas esto constituidas por relagdes entre enunciados. A denominagao “axiomatica” faz referéncia nao sé as bases das te- orias, mas ao fato de que as teorias podem ser vistas como sistemas de enunciados ao serem axiomatizadas ou formalizadas, isto 6 a0 proceder-se 4 sua reconstrugao ldgica. Uma teoria axiomatizada consiste na exibicéo de que seus diversos enunciados sobre leis po- dem ser demonstrados (como teoremas) a partir de enunciados basicos ou primitivos: os axiomas. A nogao ¢ a pratica da axioma- tizagao se reportam a geometria de Euclides, considerada como 0 primeiro exemplo dessa reconstrugao de uma teoria, No entanto, outros filésofos, como Patrick Suppes (1922- ) € Rom Harré (1927- ), defendem uma concepeao diferente, em que os modelos, e nio o sistema de enunciados, constituem a esséncia, por assim dizer, de uma teoria cientifica. Esta concep¢ao é denominada “semintica’ Vejamos como se refere aos modelos um comentador: Um modelo tedrico ¢ urn conjunto de pressupostos sobre urn objeto ou sisterna (.) Sao exemplos 0 modelo de bola de bilhar (particula esfé- rica) de um gas (groposto inicialmente pelo fisico escocés John James \Waterston, umn eximio jogador de bilhar), o madelo corpuscular da luz er particulas em movimento) eo mode- (segundo o qual a luzcons lo helicoldal da molécula de DNA de Watson-Crick, Um modelo teérico "Basta que a teorias sejam adequadas (e asim verdadeiras) comrelagio 20s dados empiricos" 6 por exemplo,a posigio do clemtsta Bas Van Fraassen (1941). Ver seulivro A Imagem Cientifica Arig, 0 conceito de modelo ds lésofos que defendem ‘enfoque semantco éum pouco diferente doconceto de ‘modelo usado pelos cientisas, porque conjugao sentido légico-matemético de “modelo” (como férmula que tem a0 ‘menos uma interpretago.em (que seria verdadeiraoufalsa)e sentido cientfco de “modelo” como conjuntode supsigbes teferentes estruturaeao «omportamento-padrio de um tipode objets (v Dutra, 1998, cop.2, $25). Lets, EXPLICAGOxS & TeoRIAS CrENTIFICAS #77 pode expressar-se na forma de equagdes mateméticas, mas deve ser distinguido de quaisquer ciagramas, cdesenhos ou construgées fisicas usadas para ilustré-o, Assimn, 0 medelo tedrico de Watson-Crick é dis- Linto dos modelos representacionais que os dois clentistas construlram no decurse de realizagio do primelto. Um modelo teérico ribul a0 objeto ou sisterna que descreve uma estrutura ou mecanismo interno que é responsavel por certas propriedades desse objeto ou sistema exernplo, o modelo corpuscular da luz atribul urna estrutura particulada ’ luz. As propriedades explicadas pelo modelo podem ser macroscépk «a5, como no caso do modelo do gas, ou microscépicas, como no caso ddo modelo atémico de Bohr. O mecenismo ou estrutura que o modelo propée também pode ser microscépico, como nos modelos atdmico ou do gs, ou macroscépicos, como nos modelos astrondmmicos da ori «gem do universo (Knell, 1980, p. 139-140, qrifado do autor. A mengao Naterston era jogador de bilhar le de que ra que &s vezes tearias sto sugeridas por objetos vulgares corn que o cientstaestéfamiliarizado). £ importante observar, todavia, que a concepcio das teorias como conjuntos de modelos nao esté necessariamente unida & posicao realista. Vale dizer, nem todos os autores que assim en. tendem as teorias sustentam que os modelos se referem a estru- turas transempiricas efetivamente existentes, por relagio as quais as teorias seriam verdadeiras. A prova é 0 caso do fildsofo con temporanco Bas Van Fraassen, jf mencionado, representante desta corrente epistemolégica, porém defensor do que denomina “em- pirismo construtivo” Para ele, os modelos referem-se (mediante o que denomina as “subestruturas empiricas” dos mesmos) apenas a fendmenos, ou seja, objetos e eventos observaveis, A essa “adequa- ‘¢40 empirica’ reduz-se, para Van Fraassen, a verdade das teorias, ‘e nao & sua pretensa correspondéncia com a realidade, num sen- Rom Harré, ou o proprio Bunge). Por iiltimo, cabe mencionar que a indole e o papel das teorias sdo matéria de discussdo no que diz respeito as ciéncias humanas. Nestas disciplinas, segundo alguns fildsofos, a descrigéo é mais importante do que nas ciéncias naturais, quase que substituindo as teorias para dar razao dos eventos humanos (histéricos, psiqui- cos, sociais etc). Isso porque, para diversos tedricos neste campo, 78 # FiLosorta pa Crincta, as ciéncias humanas devem antes compreender que explicar os seus objetos de pesquisa, Voltaremos a este assunto no capitulo 8. LEITURAS RECOMENDADAS O capitulo 6 de La Investigacién Cientifica, de Mario Bunge, é ‘uma boa introdugao ao tema das leis cientificas. A sua visio das teorias esta exposta nos capitulos 7 ¢ 8 (cabe advertir que 0 vo- cabulario é bastante técnico). Mais acessivel é seu artigo “;Qué significa «ley cientificay?”, no seu livro La ciéncia. Su método y su filosofia. O artigo de Hempel, “Explicagio cientifica’, na coletinea Filosofia da Ciéncia, de S. Morgenbesser, expe de maneira aces- sivel 0 modelo nomoligico-dedutivo. © capitulo 6 de Filosofia da Ciéncia Natural, de Hempel, trata das teorias em sua visio tradi- ional, prévia & concepgao seméntica, O capitulo Il de La Estruc- tura de la Ciencia, de E. Nagel, contém dez,excelentes exemplos de variadas explicagées cientificas, reduzidos depois a quatro mode- los fundamentais. J& mencionei o livro de L. H. Dutra, Introdugdo 4 Teoria da Ciéncia. Vale a pena ler os capitulos 2 (sobre a natureza das teorias) e 5 (sobre explicac4o). O capitulo 6 do livro A ciéncia como atividade humana, de Kneller, traz. uma apresentagao bem didatica das leis teorias, REFLITA SOBRE + Que vem a ser uma lei cientifica? + De que modo as explicagées cientificas se servem de leis? + Quais so as diversas formas de explicagio cientifica? + Qual é 0 papel das teorias? + Como é entendida a natureza das teorias por diferentes filésofos? + Que significa a afirmagio de que uma teoria esta “subdeter- minada pelos fatos”? + Em que consiste um modelo cientifico?

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