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INTERCULTURALIDADE E DIREITO

INDÍGENA À EDUCAÇÃO - A
POLÍTICA PÚBLICA DE FORMAÇÃO
INTERCULTURAL DE PROFESSORES
INDÍGENAS NO BRASIL
Vanessa Corsetti Gonçalves Teixeira1
Eliana dos Santos Costa Lana2

Resumo
Neste artigo temos como objetivo discutir a
interculturalidade proposta na política pública de
formação intercultural de professores indígenas no Brasil.
Na primeira parte, analisamos os princípios consagrados
no sistema internacional dos direitos indígenas,
destacando a importância, para a consolidação do direito
indígena à educação: (I) da participação nas decisões;
(II) do respeito aos conhecimentos tradicionais e suas
modalidades de transmissão e (III) da autonomia das
populações indígenas no que respeita a seus objetivos
socioculturais e com relação a suas futuras gerações.
Na segunda parte, trazendo dados oiciais e entrevistas
com professores indígenas formados pelo programa de
educação intercultural da USP, analisamos o estado atual
desta dimensão do processo de consolidação do direito
dos povos indígenas à educação no Brasil. Concluímos
que, apesar de os conteúdos especíicos da legislação serem
adequados aos deveres assumidos no plano internacional,
não atendem atualmente aos elementos necessários
para tornarem efetivos os direitos dos povos indígenas

1
Doutoranda em Filosoia do Direito pela Universidade de São Paulo.
vanessacgteixeira@yahoo.com.br
2
Docente da Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, São Paulo.
elianaslana@hotmail.com
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
brasileiros no que respeita a uma das funções essenciais
Eliana dos Santos da educação deinida na CF-1988: a formação cidadã e a
Costa Lana
participação no espaço público interétnico.
Palavras-chave: formação de professores indígenas,
inclusão, interculturalidade.

INTRODUÇÃO

A interculturalidade pode ser entendida, em sentido


amplo, como uma proposta de consolidação democrática
nos Estados onde convivem diversas culturas (MONROE,
2009). Superando o paradigma multiculturalista anglo-
saxão como projeto ético universal para a convivência entre
as culturas e o tratamento ético da diversidade cultural, os
princípios da proposta intercultural vêm-se desenvolvendo
dentro de uma lógica bastante ampla. Existem noções de
caráter mais classiicatório que se limitam a descrever a
dinâmica da diversidade cultural nos contextos nacionais
especíicos; existem concepções estritamente metodológicas
da interculturalidade, entendida, por exemplo, como didática,
ou mais amplamente, pedagogia; e ainda, uma proposta
teórica que argumenta a favor da reconstrução dos direitos
humanos universais como projeto ético emancipador sob o
paradigma intercultural (SANTOS, 2006). É neste universo
tão diverso de posições teóricas que se estão construindo as
propostas interculturais para o tratamento da diversidade
cultural.
Há que se reconhecer, contudo, que entre a diversidade
de propostas teóricas e os paradigmas consagrados no sistema
internacional de promoção e proteção dos direitos humanos
– o mais próximo, na atualidade, a um tratamento universal
das questões ético-jurídicas – existe um descompasso
considerável.
Dessa forma, se é certo que se deiniu, tão cedo como
a própria aprovação da Carta das Nações Unidas, que a
Educ. foco,
Juiz de Fora, convivência pacíica e harmoniosa entre as diferentes culturas
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
120 era um objetivo fundamental da comunidade de Estados; e
que a diversidade cultural contém um valor intrínseco, não Interculturalidade
e direito indígena
se preocupou com a deinição jurídica de “cultura”, o que à educação - A
política pública
gera uma multiplicidade de acepções que se podem notar de formação
intercultural
nos diversos textos normativos e mecanismos de proteção de professores
indígenas no Brasil
internacionais.3 Por outro lado, se as agências especializadas
da Organização reconhecem o valor e a necessidade do
diálogo intercultural, carecem ainda dos critérios para a sua
utilização como método de decisão de conlitos e formulação
de leis. Além disso, no campo especíico dos direitos dos
povos indígenas, ao mesmo tempo que se consagra o direito
à autodeterminação e gestão do próprio futuro aos povos
indígenas, os textos internacionais não deinem parâmetros
participativos para além do mecanismo da consulta, o que
em última instância, implica na reprodução da hegemonia
monocultural: ou se aceita ou se recusa, mas não se participa
da formulação da pergunta fundamental sobre a qual se faz a
consulta.
Nesse sentido, a discussão da interculturalidade nos
direitos humanos – sistema dentro do qual se localizam os
direitos dos povos indígenas – é, ainda, um debate aberto.
Neste trabalho analisamos, sob a ótica da
interculturalidade, uma política pública cujo fundamento
é a necessidade de uma educação diferenciada, direcionada
aos nacionais indígenas, como parte do projeto estatal de
formação para a cidadania. Dessa maneira, a formação
intercultural dos professores indígenas será entendida aqui
como uma das estratégias utilizadas pelo governo brasileiro
para a consolidação de direitos e valores de cidadania e de um
espaço interétnico democrático através da educação formal

3
Para oferecer três exemplos de clara diferença estão: a noção de
interculturalidade e diversidade das expressões culturais (UNESCO); a noção
de cultura que subjaz aos princípios da Declaração das Nações Unidas sobre
os Povos Indígenas, onde a ideia de cultura está intrinsecamente relacionada
à da autoidentiicação étnica; e a noção de proteção dos sistemas culturais de
Educ. foco,
conhecimento tradicional, que se está desenvolvendo no grupo de trabalho Juiz de Fora,
responsável pela temática na Organização Internacional da Propriedade v. 17, n. 1, p. 119-150,
Intelectual. 121 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, obrigatória diferenciada (ver TEIXEIRA, 2010, y LANA,
Eliana dos Santos
Costa Lana 2009).4

1. DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS À EDUCAÇÃO E


INTERCULTURALIDADE

No processo de airmação do direito dos povos indígenas


à educação, consagrou-se a ideia de que essa educação não deve
ser a mesma oferecida pelo Estado aos demais nacionais, mas
que deve respeitar a condição de diferença cultural e linguística
e as formas tradicionais de conhecimento, além de procurar
oferecer igualdade de condições de acesso e qualidade do
serviço público com relação aos demais nacionais do Estado.
A isso se chamou educação diferenciada e, paulatinamente,
airmou-se que deveria ser intercultural, apesar de que não se
deine o que se quer dizer com o termo no texto normativo
internacional obrigatório mais relevante sobre a matéria: o
Convênio 169 da OIT, que se discute no seguinte ponto.

1.1. O Convênio 169 da OIT e o Direito dos Povos


Indígenas à Educação Diferenciada

O Convênio 169 da OIT, aprovado em 19895, em seu


órgão plenário e ratiicado posteriormente pela grande maioria
4
Vale dizer algumas palavras iniciais sobre o direito indígena à educação no Brasil.
Quando se refere a esse direito, está-se discutindo essencialmente o dever do Estado
de oferecer, incentivar ou inanciar a educação formal (escolar) para os nacionais
indígenas. Especialmente está-se discutindo o dever de oferecer educação gratuita
diferenciada nos primeiros oito anos de formação, e de oferecer programas de
formação de quadros docentes e administrativos para os nacionais indígenas, como
resultado do dever assumido no Convênio 169 da OIT. A literatura especializada
acrescenta, ademais, o dever de levar em conta a especiicidade cultural dos povos
indígenas nos momentos de formular e aplicar a política pública. Como se vê em:
MARÉS (1998); GRUPIONI (2006); PACHECO (1987), entre outros.
5
O Convênio 169, dos mais relevantes instrumentos internacionais para o
tratamento da questão indígena, pode ser consultado na íntegra em diversos
Educ. foco, endereços na rede internet. No sitio oicial da OIT, o documento pode
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150, ser encontrado em PDF: http://www.oit.org.br/sites/default/iles/topic/
mar. / jun. 2012
122 international_labour_standards/pub/convencao%20169_2011_292.pdf
dos Estados Latino-Americanos, estabelece um rol de princípios Interculturalidade
e direito indígena
que exclui para os Estados signatários a possibilidade de ignorar à educação - A
política pública
a diferença cultural ou depreciá-la objetivando sua supressão. de formação
intercultural
É com a aprovação do Convênio e a consequente proibição de professores
indígenas no Brasil
da formulação de políticas integracionistas que se consagram
diversos deveres de prestação positiva do Estado com relação
ao respeito à cultura e modos de vida indígenas. O Convênio
coloca, entre suas considerações iniciais, as quais motivam a
revisão do Convênio precedente sobre a matéria6, que:

“(..) a evolução do direito internacional desde 1957 e as


mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas
e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que
seja aconselhável adotar novas normas internacionais
nesse assunto, a im de se eliminar a orientação para a
assimilação das normas anteriores (...) e reconhecendo
as aspirações desses povos a assumir o controle de
suas próprias instituições e formas de vida e seu
desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas
identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos
Estados onde moram

Com relação às políticas para a educação, especialmente


o parágrafo 2 do artigo 7°, dispõe:

“A melhoria das condições de vida e de trabalho e do


nível de saúde e educação dos povos interessados, com a
sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos
planos de desenvolvimento econômico global das regiões
onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento
para essas regiões também deverão ser elaborados de forma
a promoverem essa melhoria.”

Já em sua parte especíica, em seu artigo 27, o Convênio


relaciona os dois elementos centrais do direito indígena à
educação: os objetivos da educação diferenciada e a formação
de professores:
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
6
O 107, de 1957, que tratava da questão indígena. 123 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
“A autoridade competente deverá assegurar a formação
Eliana dos Santos de membros destes povos e a sua participação na
Costa Lana
formulação e execução de programas de educação, com
vistas a transferir progressivamente para esses povos
a responsabilidade de realização desses programas,
quando for adequado.”.

Podemos dizer, em linhas gerais, que o texto do Convênio


trabalha uma relação fundamental entre as questões do ensino
referentes à proteção da língua materna, conhecimentos
tradicionais e suas formas de transmissão e a livre-determinação
dos objetivos para o desenvolvimento dos povos interessados e
o que aqui denominamos educação diferenciada.7
Ademais, identiica-se no texto que a educação indígena
deverá também atender aos ins de: (I) passar conhecimentos
da língua nacional e informar sobre os direitos e obrigações
da sociedade nacional como um todo e (II) em contrapartida,
informar a população nacional não-indígena sobre as culturas
indígenas de modo a eliminar os preconceitos.
Nesse sentido, pode-se airmar que os Estados que
fazem parte do Convênio 169, aceitando-o como obrigatório,
subscrevem, com relação à educação, o dever de formular
política pública especíica nesse campo, em cooperação com os
povos interessados;

I. tendo em conta os seguintes princípios: (a) atenção a


suas necessidades particulares, (b) consideração de sua
história, conhecimentos e técnicas, sistemas de valores
e todas as demais aspirações sociais, econômicas e
culturais, e (c) garantir a formação de membros desses
povos e sua participação na formulação e execução de
programas de educação e
II. atendendo aos objetivos de: 1. transferir progressivamente
para esses povos a responsabilidade de realizar esses
programas; 2. reconhecer o direito desses povos a criar
suas próprias instituições e meios de educação; 3. ensino
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
7
O termo é utilizado pela literatura especializada para se referir à Educação
mar. / jun. 2012
124 Intercultural Bilíngue.
das crianças, incentivo ao uso, preservação e recuperação Interculturalidade
e direito indígena
da língua materna do povo indígena; 4. ministrar à educação - A
política pública
conhecimentos gerais e aptidões que permitam participar de formação
intercultural
plenamente e em condições de igualdade na vida de sua de professores
indígenas no Brasil
própria comunidade e na vida da comunidade nacional e
5. fazer conhecer os direitos e obrigações especialmente no
que se refere ao trabalho e às possibilidades econômicas,
às questões de educação e saúde, aos serviços sociais e aos
direitos que derivam do Convênio.

Não se pode olvidar que, entre os princípios gerais


do Convênio, garante-se ao sujeito de direito indígena
(o povo indígena) o direito de gerir seu próprio futuro,
determinando que os governos estabeleçam ações coordenadas
de desenvolvimento regional e global em acordo com os
povos interessados. Destaca-se, inalmente, a importância de
se tornarem disponíveis recursos por parte do Estado e de se
formularem programas de educação especíicos com o im de
se combater o preconceito contra os povos indígenas.8
Assim, podemos identiicar que a importância da
formação de professores indígenas e da oferta de um programa
especíico de formação de professores para cada povo diz
respeito tanto ao fundamento do direito à educação diferenciada
nos termos do Convênio 169, que é o de gerir o próprio futuro,
como aos princípios de participação e ao objetivo de transferir
aos povos interessados a responsabilidade pela realização dos
programas de educação.
Dessa forma, entende-se que a ideia de interculturalidade
deve ser mais profundamente desenvolvida no âmbito interno
dos Estados, na formulação e aplicação da política pública
sobre a que versa o dever internacional assumido pelos Estados.

8
Um exemplo de política que atende a esse objetivo, no caso brasileiro, foi a
aprovação e entrada em vigência da lei que determina a modiicação dos
conteúdos dos livros didáticos das disciplinas de história e geograia dos ensinos
médio e fundamental da educação não-diferenciada. Lei 11.645/2008, 10 de
Educ. foco,
março de 2008, que modiica a lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, obrigando a Juiz de Fora,
inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena no currículo oicial das v. 17, n. 1, p. 119-150,
redes de ensino pública e privada. 125 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, 1. 2. Direito dos Povos Indígenas à Educação no
Eliana dos Santos
Costa Lana Brasil

Em artigo publicado no ano de 2010 pela UPN,


TEIXEIRA discute a proposta brasileira do tratamento da
interculturalidade, a qual, conclui, está baseada em alguns
objetivos fundamentais que dirigem o direito à educação
para todos os cidadãos brasileiros, e outros que dão sentido
especíico à educação dirigida aos povos indígenas. Nesse
sentido, o direito dos povos indígenas à educação expressa a
busca pelo equilíbrio entre a igualdade de condições com os
demais cidadãos brasileiros e o direito à diferença.
O sentido desse direito à igualdade está essencialmente
relacionado à ampliação do acesso à educação de qualidade.
De outro lado, o direito à diferença encontra seu norte
na formulação de uma política especíica que permita a
reprodução cultural, ao mesmo tempo que prepara os alunos
dessa escola diferenciada para conviver em um espaço público
interétnico.
Não obstante, como nota a co-autora deste texto em seu
outro trabalho (LANA, 2009), a respeito deste espaço público
interétnico não se diz nada mais que a necessidade de fortalecer
a educação sobre os direitos humanos. Porém, o último plano
nacional sobre educação em direitos humanos não deine
objetivos mais detalhados que: o estímulo da relação democrática
entre escola e comunidade; a luta contra a discriminação e a
tolerância; o apoio às políticas dirigidas às populações indígenas;
a garantia de formação inicial e continuada sobre os direitos
humanos para os professores de ensino infantil e a melhora
das condições de trabalho dos professores indígenas. Ademais,
diversas questões especíicas como a leitura do Estatuto da
Criança e do Adolescente9 estão expressas no plano.
Não foram encontrados, contudo, estudos sobre
como as legislações especíicas de direitos humanos (idosos,
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
126 9
Lei especíica sobre os direitos da criança e do adolescente.
crianças e mulheres, por exemplo) estão sendo discutidas Interculturalidade
e direito indígena
com os professores indígenas e é provável que os programas à educação - A
política pública
de formação não se tenham dedicado especiicamente à de formação
intercultural
formação nessas temáticas, o que se deduz da ausência de de professores
indígenas no Brasil
referência especíica nos informes oiciais (TEIXEIRA,
2010).
Assim, de uma perspectiva principiológica, a
interculturalidade, na concepção consagrada nos textos
oiciais brasileiros, remete à ideia de uma convivência
harmoniosa entre as culturas indígenas e a nacional em um
espaço público democrático destinado a receber igualmente
todas essas culturas, onde as políticas de educação devem
servir para preparar as duas partes (alunos diferenciados
por seu pertencimento às culturas indígenas e alunos não
diferenciados, pertencentes aos demais setores sociedade
nacional) para essa convivência harmoniosa. O cerne dessa
proposta, jus-política, está na apropriação dos princípios de
direitos humanos, concretizada no fortalecimento das ações
especíicas de educação em direitos humanos. Isso poderia
ser deinido como o objetivo fundamental da educação na
proposta político-democrática da interculturalidade.
Sem embargo, existe também uma perspectiva
metodológica da interculturalidade, concretizada nas linhas
gerais e nas políticas especíicas dirigidas à educação indígena
que pretendem responder à pergunta, não menos complexa,
mas talvez mais objetiva: como respeitar às culturas indígenas
na educação formal?
O princípio guia para a resposta a esta indagação é a
garantia de que sejam respeitados os conhecimentos indígenas
e suas formas de produção e transmissão, com base nos
compromissos assumidos internacionalmente. Como se dá
a discussão da interculturalidade na educação indígena no
Brasil? No próximo ponto, discutimos os textos normativos e
as linhas fundamentais de debates sobre a questão na literatura
especializada. Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
127 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, 2. LEGISLAÇÃO E EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Eliana dos Santos
Costa Lana

Observa-se que no Brasil a legislação dirigida à


educação indígena tornou possível o desenvolvimento de
um projeto de ensino formal diferenciado (escolar) cuja
sistematização dos saberes deve ser culturalmente adequada
às reivindicações desses povos. É dizer onde os professores das
escolas, localizadas dentro das aldeias, e o calendário escolar
sejam adaptados às atividades próprias da comunidade
(GRUPIONI, 2001).
A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 209,
§ 2º 10 reconhece o direito dos povos indígenas a utilizar suas
línguas maternas na escola e a escolher os processos próprios
de aprendizagem, ou seja, de preservar suas práticas culturais,
línguas, crenças e tradições. É uma concepção relativamente
recente e que demonstra a ruptura com o paradigma
integracionista vigente até então.
A legislação também colocou os povos e comunidades
como protagonistas da escola indígena, resguardando-lhes o
direito a ter seus próprios membros indicados para tornarem-
se professores a partir de programas especíicos de formação e
titulação.
Assim, buscando cumprir com a obrigação assumida
constitucional e internacionalmente, o Estado brasileiro teve
como primeira tarefa a de providenciar um documento cuja
função é deinir parâmetros de uma política nacional para a
educação indígena que se pretendia que fosse “diferenciada”
da educação oferecida aos demais nacionais. Este documento,
redigido em 1993 – “Diretrizes para a Política Nacional de
Educação Escolar Indígena” – tem como objetivo principal
orientar a atuação dos responsáveis pela educação indígena
e estabelece princípios de uma prática pedagógica orientada

10
A Constituição brasileira de 1988 em seu artigo 209, §2º dispõe: “O ensino
Educ. foco, fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150, comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
mar. / jun. 2012
128 próprios de aprendizagem”.
para o respeito à diversidade cultural dos povos indígenas, Interculturalidade
e direito indígena
e para um modelo de formação próprio para os professores à educação - A
política pública
indígenas, para que possam assumir a docência e a gestão de de formação
intercultural
suas próprias escolas. de professores
indígenas no Brasil
Outra ação importante, resultado da formação de
professores indígenas, foi a publicação de materiais didático-
pedagógicos elaborados pelos próprios povos interessados.
Para dar continuidade aos avanços ocorridos até então, em
1998, criou-se o Referencial Curricular Nacional para Escolas
Indígenas (RCNEI).
De acordo com o MEC11 (2008), o documento apresenta
uma primeira parte em que se reúnem os fundamentos
históricos, políticos, legais, antropológicos e pedagógicos
que estruturam a proposta da escola indígena intercultural,
bilíngue e diferenciada. Na segunda parte, fazem-se sugestões
de trabalho, a partir das áreas de conhecimento, para a
construção dos currículos escolares indígenas especíicos a
cada realidade.
Esse documento orienta as novas práticas e apresenta
considerações gerais sobre a educação escolar indígena,
além de garantir a diversidade e multiplicidade das culturas
indígenas, em proposta pedagógica de ensino-aprendizagem
cujo objetivo é incentivar a educação intercultural e bilíngue.

2.1 Documentos que impulsionam a implementação


da educação indígena.

Este novo modelo de educação indígena substituiu a


escola formal como instituição que, desde o século XVI,
faz parte da vida dos povos indígenas, e que foi introduzida
pelos jesuítas da Companhia de Jesus ou, posteriormente,
pelos diversos missionários que se sucederam desde então
até a segunda metade do século XX, com o imperativo de

Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
11
Ministério da Educação do Brasil. 129 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, catequizar e integrar os povos indígenas à sociedade não
Eliana dos Santos
Costa Lana indígena.12
Grupioni (2009:37) argumenta que a escola que passa
a ser reivindicada pelos povos indígenas a partir da década de
1970 se deu, “em contraposição a uma escola que se constituía
pela imposição do ensino da língua portuguesa, pelo acesso à
cultura nacional e pela perspectiva da integração” e por esse
motivo:

[...] se molda outro modelo de como deveria ser a


nova escola indígena, caracterizada como uma escola
comunitária (na qual a comunidade indígena deveria ter
papel preponderante), diferenciada (das demais escolas
brasileiras), especíica (própria a cada grupo indígena
onde fosse instalada), intercultural (no estabelecimento
de um diálogo entre conhecimentos ditos universais e
indígenas) e bilíngue (com a consequente valorização
das línguas maternas e não só de acesso à língua
nacional) (GRUPIONI, 2009:37).

Com base, então, no direito dos povos indígenas à


educação diferenciada, consagrado com a entrada em vigência
da Constituição de 1988, inicia-se um processo de reforma
na legislação secundária que acompanha as determinações
constitucionais. O espírito da Carta Maior brasileira está
presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBDEN),
de 1996 que, em seu artigo 32°, § 3º, dispõe: “O ensino
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,

12
Essa atitude “missionária” continua sendo preocupação dos povos indígenas em
regiões onde a política pública de educação diferenciada não foi posta em prática,
como airma Daniel Munduruku em seu artigo Entre a cruz e a espada: A presença
missionária em terra indígena e o Estado Laico. “E o que pode nos parecer mais
contraditório é justamente o fato de que a comprovação da destruição da alma
indígena não é suiciente para que o Estado, responsável direto pela assistência
aos indígenas, tome uma providência no sentido de fazer valer a lei máxima
que garante ser anticonstitucional a continuidade da presença missionária – sob
qualquer denominação – em terra indígena. A sentença é simples: se o Estado
é laico e os indígenas estão sob o cuidado dele, então não tem sentido manter
Educ. foco, instituições que fazem proselitismo religioso. Isso causa interferência direta na
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150, cultura destes povos sendo, portanto, um crime que pode virar etnocídio cultural e
mar. / jun. 2012
130 perda imediata da identidade étnica” www.danielmunduruku.com.br/artigos.html
Interculturalidade
assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas e direito indígena
à educação - A
maternas e processos próprios de aprendizagem”. política pública
Da mesma forma que na LBDEN, o Plano Nacional de de formação
intercultural
Educação de 2001 também apresenta um capítulo (parte II, de professores
indígenas no Brasil
capítulo 9)13 dedicado à educação escolar indígena, no qual
se estabelece como meta a oferta de programas educacionais
aos povos indígenas para todas as séries do Ensino
Fundamental e programas especíicos para atender às escolas
indígenas. Trata-se de documento que serve como guia para
a implantação da escola indígena, cujo objetivo é atribuir aos
Estados a responsabilidade legal pela educação indígena seja
diretamente, seja através de delegação de responsabilidades
a seus municípios, sob a coordenação geral e com o apoio
inanceiro do Ministério da Educação.
Não obstante os esforços e a especiicidade da legislação
especíica, o projeto de tornar efetiva a escola diferenciada entre
os indígenas ainda encontra diiculdades de ordem prática e
resistências das esferas pertinentes do Estado em absorver as
escolas indígenas.
Com relação à falta de autonomia da escola indígena e,
em consequência, de seus professores, destaca-se (GRUPIONI,
2009:212/213):

Os relatos de diiculdades, para verem aceito o que


estão propondo ou realizando no âmbito de suas
escolas, continuam frequentes por parte de professores
indígenas em encontros e reuniões, revelando a
consciência da situação de dependência face aos
sistemas de ensino nos quais estão inseridos [...] e se os
grupos indígenas continuarem presos ao que os sistemas

13
“Assegurar a autonomia das escolas indígenas, tanto no que se refere ao projeto
pedagógico quanto ao uso de recursos inanceiros públicos para a manutenção
do cotidiano escolar, garantindo a plena participação de cada comunidade
indígena nas decisões relativas ao funcionamento da escola. Estabelecer, dentro
de um ano, padrões mínimos mais lexíveis de infra-estrutura escolar para esses
estabelecimentos, que garantam a adaptação às condições climáticas da região e,
Educ. foco,
sempre que possível, as técnicas de ediicação próprias do grupo, de acordo com Juiz de Fora,
o uso social e concepções do espaço próprias de cada comunidade indígena, além v. 17, n. 1, p. 119-150,
de condições sanitárias e de higiene”. 131 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
de ensino determinam para a escola indígena, pouco
Eliana dos Santos será conquistado em termos da proposição de novos
Costa Lana
modelos de escola.

Outra questão relevante que inlui neste processo é a


diiculdade dos órgãos públicos responsáveis pela educação
indígena em entender a educação especíica e diferenciada,
e a forma através da qual os professores indígenas atuam
nas escolas. Desse modo, o que se vê são gestores públicos
impondo políticas que contrariam a realidade sociocultural dos
povos indígenas, prevalecendo, assim, os entraves burocráticos
do sistema de ensino indígena. Estes acontecimentos nos
levam a recorrer a GRUPIONI (2009:61) quando airma:
“com o passar dos anos, vê-se alargar a distância entre o que está
preconizado como proposta de uma educação diferenciada e os
meios administrativos postos em prática para efetivá-los”.

2.2. A importância da formação dos professores


indígenas

Juntamente aos problemas já citados, um dos principais


desaios para que se consolide a proposta da educação
escolar indígena é a formação dos professores indígenas,
de modo a que seja pautada pelos princípios de respeito
à diferença, GRUPIONI (2006). Além disso, não há
que se olvidar que parte do compromisso assumido
internacionalmente compreende, como garantia da
qualidade da escola indígena, a possibilidade de ter à
frente gestores e professores indígenas.

A formação especíica de professores indígenas não


é uma reivindicação somente dos professores, mas de toda
a comunidade, uma vez que até princípios do século XXI,
muitos professores não possuíam formação superior ou

Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
132
magistério e alguns nem sequer haviam concluído o ensino Interculturalidade
e direito indígena
básico.14 à educação - A
política pública
Atualmente, o processo de formação dos professores de formação
intercultural
indígenas é realizado por organizações não-governamentais de professores
indígenas no Brasil
(ONGs) e por órgãos públicos estatais e municipais, por
intermédio de suas secretarias de educação.
A temática da formação de professores indígenas ganha
cada vez mais força nas pautas de atuação do movimento
indígena do país, na medida em que se percebe sua importância
para a construção de escolas que se pretendam realmente
indígenas (GRUPIONI, 2006, p.55). Desse modo, o Estado
tenta responder a demanda de garantir aos povos indígenas
o tipo de escola que, ao ser apropriada por eles, adquira um
novo signiicado e corresponda ao modo de ser indígena (ou
aos modos de ser indígenas, no caso brasileiro, de reconhecida
multidiversidade).
Mas como essas propostas/projetos, uma vez postos em
marcha pelo governo, foram recebidos pelos povos indígenas?
Um exemplo relevante, pela amplitude das políticas realizadas
é o caso dos guaranis do Estado de São Paulo.15 A presença da
Instituição Escolar dentro da comunidade, segundo o Professor
Guarani Antonio Macena,16 foi recebida pelos indígenas, em
principio, com alguma desconiança. Isso se deveu, de acordo
com nossas entrevistas, ao fato de que as comunidades não
sabiam se a presença da escola modiicaria o seu cotidiano.

14
Os programas para o Magistério Indígena se destinam a formar um tipo de
professor que, em muitos casos, já atua na escola de sua comunidade e tem
muito pouca experiência de escolarização formal: sempre traz em sua “bagagem”
um amplo domínio dos conhecimentos acumulados por seu povo, mas seu
conhecimento sobre os saberes acadêmicos é restrito (Grupioni,2006, p.25).
15
Os povos guaranis são dos mais numerosos na América do Sul e no Brasil.
Para maiores informações sobre sua localização, etnograia e características
dos movimentos sociais acesse os sítios eletrônicos da Comissão Pró-Indio de
São Paulo; do Centro de Trabalho Indigenista e da FUNAI. Os dois primeiros
são organizações não-governamentais de longa e reconhecida relação com as
comunidades guaranis do Estado de São Paulo e do sul do Brasil, o último é o Educ. foco,
órgão indigenista nacional. Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
16
Terra Indígena Rio Silveira, em Bertioga, litoral norte do Estado de São Paulo. 133 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, Por isso, levou algum tempo para aceitarem a nova proposta
Eliana dos Santos
Costa Lana de educação, cujo primeiro passo foi a instalação da escola em
seu interior. A escola foi vista como algo alheio, e temia-se
que pudesse ser um instrumento de interferência na cultura
tradicional.
Nesse sentido, ainda hoje, alguns professores indígenas
a percebem sob essa perspectiva. A professora Guarany Cora
Martins, da escola da Terra Indígena Krukutu, no bairro
de Parelheiros, São Paulo, receia que a escola possa ser um
instrumento de interferência na cultura tradicional, e explica,
em entrevista de março de 2009:

“Tenho medo que a escola seja uma forma de assimilação


mais forte que a catequese, porque agora ela está dentro
da aldeia, apesar de ser uma reivindicação nossa. Às vezes
penso que continuam querendo que a gente perca nossa
língua e nossa cultura. Fomos nós que pedimos a escola,
para que as crianças não precisassem sair da aldeia para
aprender a língua portuguesa. O motivo principal foi o
choque cultural e linguístico que as crianças passavam
quando chegavam à escola branca. Nossos pais queriam
que aprendêssemos a língua portuguesa e por isso nos
mandavam à escola, mas alguns de nós nunca tínhamos
ouvido ou falado o português, e quando chegávamos à
escola levávamos um choque. Por isso, muitos de nós
não conseguimos terminar nem o ensino básico.”

E acrescenta: a escola diferenciada como está agora


estaria mais próxima à cultura não indígena do que à “cultura
indígena”17, já que a única coisa que afastaria uma cultura da
outra é o ensino da língua nativa. Relata que é professora de
português, guarani e matemática mas que o ensino da cultura
guarani não é realizada porque a estrutura física da escola não
é apropriada, é dizer, “não há como colocar a cultura indígena
dentro de um prédio como este, entre quatro paredes”.

Educ. foco, 17
Neste ponto destacamos, por questão de clareza, que quando os professores
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150, entrevistados falam da “cultura indígena” se referem mais propriamente a sua
mar. / jun. 2012
134 cultura, a cultura Guarany.
Ainda de acordo com essa professora, o formato da Interculturalidade
e direito indígena
escola não oferece condições para os conhecimentos do dia-a- à educação - A
política pública
dia do índio, do cotidiano de uma aldeia, de uma comunidade de formação
intercultural
indígena. São muitas as vezes nas quais as crianças se mostram de professores
indígenas no Brasil
entediados dentro da classe. “Nesses momentos é preciso tirá-
las de lá e levá-las para fazer algo diferente, como pescar, por
exemplo, que faz parte da cultura”.
A professora imagina a estrutura da escola dentro da
comunidade de forma muito distinta da existente, por exemplo:

“Se tivesse em minhas mãos, escolher a escola, ou melhor,


o espaço físico da escola, não seria assim como é. Seria
uma casa sem paredes, apenas o teto para a proteção
do sol e da chuva, em contato com a natureza, e assim
poderia falar da nossa cultura e passar os ensinamentos
para as crianças. Da maneira como está, não é possível.
Nós já falamos sobre isso com os órgãos oiciais, mas
não somos ouvidos. Tenho certeza de que os povos
indígenas têm condições de cuidar sozinhos de sua
escola. Mas não temos autonomia para isso, pois temos
que prestar contas o tempo todo, seja na questão da
avaliação dos alunos, com a qual eu não concordo, seja
com os documentos burocráticos que nos são exigidos o
tempo todo. Por mim, desmontava o prédio da escola,
porque acredito na educação pela convivência, na qual a
criança vê, ouve, observa e repete, e não é preciso dizer
“olha aqui, é assim que se faz”, ela simplesmente faz, no
início errado, mas aos poucos vai aprendendo.”

O discurso dessa professora indica que ainda que os


métodos, os conteúdos e os programas tenham sido adaptados
ao que se pretende como interculturalidade, é o mesmo projeto
de educação escolar como formação de crianças indígenas
o que resulta não totalmente convincente, a partir de sua
perspectiva. Por exemplo, a questão da formalidade das aulas
e a burocracia administrativa da escola são indicadas como
“contrárias à cultura”. A proposta da professora é bastante
clara, ademais: o aprendizado a partir da cultura guarani se Educ. foco,
Juiz de Fora,
faz pela participação direta e a observação dos adultos em suas 135
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, atividades, a formação na cultura, então, se faz no convívio
Eliana dos Santos
Costa Lana coletivo nos espaços comunais.
Nesse sentido, torna-se explícita a falta de participação
indígena na formulação dos próprios objetivos fundamentais
da educação escolar.

2.3 O papel do Professor Indígena

Nas palavras de Grupioni, o professor indígena tem duas


funções especíicas: ao mesmo tempo que prepara seus alunos
para conhecer seus direitos dentro da sociedade nacional, deve
garantir que esses continuem exercendo sua cidadania dentro
da comunidade: “os professores indígenas, em seu processo de
formação, têm que, o tempo todo, reletir criticamente sobre as
possíveis contradições embutidas nesse duplo objetivo, de modo
a encontrar soluções para os conlitos e tensões daí resultantes”
(GRUPIONI, 2006:24).
O professor indígena, assim, estaria encarregado tanto
da elaboração do calendário escolar, como da elaboração do
projeto político pedagógico de suas escolas. Não obstante,
para respeitar o Referencial Curricular, devem-se estabelecer
os objetivos educacionais, estruturar a grade curricular,
escolher o conteúdo das disciplinas e qual o melhor sistema de
avaliação, isso, também, parte das atribuições dos professores
indígenas.
Essa não é tarefa fácil já que os órgãos oiciais de ensino
dos Estados por vezes pressionam os professores no que se
refere ao cumprimento dos programas, sem compreender
que os princípios pedagógicos dos povos indígenas têm seu
fundamento em outras noções de aprendizagem, como se nota
na declaração da professora Cora Martins, já comentada.
Ainda sobre o modelo de educação indígena praticado
pelo Estado e suas instituições educacionais, podemos recorrer
a BRAND (2009: 9/10), que percebe alguns riscos que podem
Educ. foco, advir da presença do Estado como responsável por um tipo de
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
136 educação diferenciado da educação do sistema nacional.
mar. / jun. 2012
Existem, no entanto, alguns riscos a serem superados Interculturalidade
e direito indígena
ou evitados pelos professores índios em seu trabalho à educação - A
política pública
na escola. O primeiro e o mais grave risco resulta do de formação
processo de institucionalização da escola e da igura do intercultural
de professores
professor indígena, com as consequentes imposições indígenas no Brasil

da burocracia que rege e condiciona a ação dos órgãos


públicos. O reconhecimento legal da igura do professor
índio e sua transformação em funcionário público,
embora, certamente, uma reivindicação dos próprios
professores, traz embutido o risco de esvaziar a escola
e o trabalho do professor de sua dimensão de serviço
à comunidade, suas lutas pelo direito à terra e seus
projetos de desenvolvimento deinidos a partir de suas
pautas culturais especíicas, condicionando seu trabalho
a imposições advindas do órgão contratador de seu
trabalho, o Município ou o Estado.

O que se percebe das declarações dos professores e


airmações dos estudiosos do assunto é a contradição presente
nas comunidades indígenas hoje: a reivindicação da política
pública não gera os efeitos esperados, o que dá espaço para
o aparecimento dos paradoxos que resultam da ausência de
interculturalidade e diálogo intercultural real nos momentos
anteriores à implementação da política. É exatamente por
esse motivo que o Professor Sergio Lira, da Escola da Terra
Indígena Uruity, na região do Vale do Ribeira, explica: cada
comunidade tem sua especiicidade e apresenta necessidades
distintas. Nesse caso, o currículo escolar deve ser pensado a
partir dessa realidade, é dizer, das especiicidades decorrentes
das contradições oriundas do contato das comunidades
indígenas com a sociedade do entorno.
Novamente, BRAND (2009) deine da seguinte forma
a importância da formação do professor indígena e de sua
atuação frente à educação diferenciada intercultural e bilíngue,
para a concretização de uma educação de qualidade para os
povos indígenas:

Restringir-me-ei, nessa breve abordagem, ao professor Educ. foco,


Juiz de Fora,
indígena, na perspectiva de uma escola diferenciada. 137
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
Essa opção não é, certamente, aleatória, mas parte da
Eliana dos Santos constatação de que ele é o personagem de quem depende
Costa Lana
efetivamente a implementação de uma escola indígena
de qualidade. Parte da convicção de que a melhor
contribuição que, neste momento, os órgãos públicos
e organizações de apoio podem dar às comunidades
indígenas no campo da educação é oferecer as melhores
condições para a formação desses professores. Há,
certamente, outras urgências no campo da educação
escolar indígena, mas todas elas dependem da presença,
em sala de aula, de professores com clareza sobre o papel
da escola e, portanto, de seu próprio papel, frente às
expectativas e demandas de suas comunidades.

A percepção com relação à não correspondência entre a


demanda indígena e a política pública se estende também ao
campo da descrença na efetividade das leis do ordenamento
como um todo. Como diz o professor Guarani Sergio Lira da
Aldeia Uruity:

O cumprimento das leis depende de muita gente, o que


torna difícil sua execução. Em algumas ocasiões somos
ouvidos, como determina a lei, o que não garante que as
coisas sejam feitas como o acordado, o que signiica que,
quando somos chamados para dar nossa opinião, é claro
que somos ouvidos, mas é somente uma formalidade, pois
no inal os órgãos governamentais decidem e nós temos
que obedecer, ou seja, nossa participação não muda nada.

As palavras desse professor indicam que a sensação


que ica das instâncias de participação é a de que não há real
participação. Algumas razões podem ser, hipoteticamente,
levantadas com relação à questão:

 não há real intenção de escutar os povos interessados;


 não há entendimento real das demandas desses povos

A partir de nossa perspectiva, apesar de considerar


Educ. foco,
Juiz de Fora, possível também a primeira hipótese, preferimos fazer aqui o
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
138 exercício de desenvolver a veracidade da segunda.
Nesse sentido, apesar do esforço, político e jurídico Interculturalidade
e direito indígena
em gerar instancias de participação, estas instâncias estariam à educação - A
política pública
carentes de efetividade inter-comunicativa, de forma que de formação
intercultural
não se estaria logrando “traduzir” as demandas na linguagem de professores
indígenas no Brasil
especíica das políticas. Denegando a possibilidade de diálogo
sobre a necessidade de determinados elementos da política
pública para a educação escolar, a instância participativa perde
seu sentido e impossibilita a apropriação, pelos professores
indígenas, do projeto político que subjaz à educação escolar.
Nessa perspectiva, muitos professores indígenas se
preocupam com as transformações ocorridas na comunidade
a partir da presença da escola nas aldeias. Destacam-se, não
obstante, pontos positivos também, apesar da interferência
nos costumes, como airma Sergio Lira, da aldeia Uruity, em
Miracatu. Para esse professor, o fato de as crianças estudarem
dentro de suas comunidades as protege contra a discriminação
que os alunos indígenas sofriam nas escolas não indígenas,
ou que ainda sofrem se pertencem a alguma das aldeias onde
ainda não há escola.
Dessa forma, a escola, para o professor guarani, seria
entendida como uma forma de aprender a língua portuguesa,
somente, não para o aprendizado da cultura da etnia. Essa, como
já se argumentou com as declarações dos professores indígenas,
não é possível dentro de um ambiente fechado como o prédio
da escola. Não obstante, a escola dentro da aldeia facilitaria o
aprendizado da língua nacional, porque as crianças se sentiriam
mais cômodas e estariam protegidas contra a discriminação.
Como pesquisadoras, nos ica a pergunta: seria um
dos objetivos da proposta da política de educação escolar o
ensino da cultura da etnia no sentido de substituição de outros
espaços formativos comunais? A legislação especíica parece
inclinar-se para o sentido oposto. Na nossa forma de ver, a
ideia de ensinar a cultura indígena na escola equivaleria a fazer
da escola o mais importante espaço formativo da comunidade,
centralizando os processos de ensino e aprendizagem. É dizer: Educ. foco,
Juiz de Fora,
se os professores estão preocupados porque não podem ensinar 139
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, a cultura indígena na escola não estaria isso relacionado a uma
Eliana dos Santos
Costa Lana carência no debate crítico sobre o papel da escola como espaço
de formação na comunidade?
Talvez as críticas de Cora Martins e Sergio Lira digam
respeito à seguinte problemática, constante também do Plano
de Educação em Direitos Humanos, como uma preocupação
central: a relação entre a comunidade e a escola. O professor
e administrador indígena têm clareza de seu papel? Ou, mais
que isso, a construção desses papéis na comunidade indígena
se dá de maneira tão marcada? Em outras palavras: opõe-se
neste processo escola e comunidade? Essas perguntas, de difícil
resposta, parecem-nos fundamentais no aparato de formação
dos professores da educação diferenciada.

2.4 – Formação dos Professores Indígenas no


Brasil: Alguns dados complementares

Em todas as regiões do Brasil surgiram, nos últimos anos,


diferentes experiências na construção de projetos educacionais
especíicos para a formação de professores indígenas. Além de
formar grupos de professores indígenas, como o COPIAM
(Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia), por
exemplo, localizado em Manaus, os professores indígenas
que trabalham nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste
e Sudeste participam de encontros como o estudo dos
Parâmetros em Ação de Educação Escolar Indígena, realizado
em 2002, objetivando o ensino e a aprendizagem, bem como a
relexão sobre a prática pedagógica nas escolas indígenas. Este
último projeto, inanciado pelo MEC.
Devido à heterogeneidade e diversidade dos povos
indígenas, de suas culturas e tradições, as soluções encontradas
também devem ser diversas, o que torna mais complexo o
processo.
O número de professores indígenas atualmente é muito
Educ. foco,
Juiz de Fora,
maior do que há 20 anos. Não obstante, ainda há professores que
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
140 não concluíram o Ensino Médio e poucos são os que cursaram
o magistério, ainda que o requisito básico para tornar efetiva Interculturalidade
e direito indígena
a Educação Diferenciada Intercultural e Bilíngue dependa à educação - A
política pública
fundamentalmente da formação dos professores indígenas. de formação
intercultural
Apesar dessa airmação, pode-se dizer que houve uma melhora de professores
indígenas no Brasil
signiicativa na formação dos professores indígenas desde que
essa função passou a ser obrigação do MEC. Hoje são 10.928
professores indígenas (MEC, 2006)18.
Nesse sentido, há diferenças relevantes entre as regiões
quanto ao número de professores e com relação ao nível de
escolaridade desses professores que variam razoavelmente de
região para região e em cada Estado. Cada situação exige uma
resposta distinta, de modo que o professor indígena complete
sua escolarização básica e se qualiique por meio de uma
formação especíica para a atuação no magistério indígena.
Ademais, hoje, com a nova legislação, exige-se dele, como dos
demais professores do país, a titulação em nível superior.
A Agência Brasil, em 2007, apresentou a seguinte
estatística oferecida pelo MEC: dos aproximadamente oito
mil professores que ensinam nas escolas indígenas, 64%
completaram o Ensino Médio e 13,2%, o Ensino Superior.
Não obstante, a pesquisa indica que 12,1% dos professores
somente têm completo o Ensino Fundamental e 9,9% nem
sequer concluíram esse nível de ensino.
De acordo com a pesquisa, o Norte e o Nordeste são as
regiões com número mais relevante de professores com menor
escolaridade. Em relação à média nacional, a porcentagem
de professores nesses estados com Ensino Fundamental
incompleto é mais determinante que nos demais.
De acordo com o MEC, duas das principais ações da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
– SECAD – do Ministério da Educação para garantir a oferta de
educação escolar de qualidade são as seguintes:
18
Apesar do crescimento no número de professores indígenas, segundo os dados do
MEC, existem inúmeras escolas indígenas cujos professores não são indígenas, o
Educ. foco,
que, em suma, quer dizer que subsiste o déicit. O número de professores indígenas Juiz de Fora,
formados não atende à demanda. Em algumas aldeias, os professores não formados v. 17, n. 1, p. 119-150,
não recebem por seu trabalho, apesar de que trabalham nas escolas. 141 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
 Formação Inicial e continuada de professores indígenas
Eliana dos Santos
Costa Lana
em nível médio (Magistério Indígena). Estes cursos têm,
em média, a duração de cinco anos e são compostos,
em sua grande parte, por etapas intensivas de ensino
presencial (quando os professores indígenas deixam suas
aldeias e, durante um mês, participam de atividades
conjuntas em um centro de formação) e etapas de
estudos autônomos, pesquisas e relexão sobre a prática
pedagógica nas aldeias. A SECAD/MEC oferece apoio
técnico e inanceiro para a realização dos cursos.
 Formação de Professores Indígenas em Nível Superior –
Licenciaturas Interculturais. O Ministério da Educação
abriu edital para viabilizar a implementação de Cursos
de Licenciatura Intercultural em Universidades públicas
federais e estaduais. O objetivo principal é garantir
educação escolar de qualidade e ampliar a oferta dos
quatro anos inais do Ensino Fundamental e implantar o
Ensino Médio nas terras indígenas.

Além dessas ações, existe a Comissão Nacional de


Educação Escolar Indígena – CNEEI, instância de participação,
proposição e deliberação com relação às políticas de educação
escolar indígena desenvolvida pelo MEC. Essa Comissão está
formada por quinze representantes indígenas indicados por
organizações indígenas de todas as regiões do País.

CONCLUSÕES

A interculturalidade pode ser entendida como uma


proposta de consolidação democrática, mas a diversidade
de entendimentos teóricos sobre esse paradigma ainda não
se encontra reletida no direito internacional dos direitos
humanos. Especiicamente, da perspectiva ético-jurídica, as
fórmulas bastantes abstratas assumidas nos textos normativos
internacionais deixam um espaço discricionário aos Estados,
Educ. foco,
que deve se integrar através de propostas jus-políticas de
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
caráter especíico interno.
mar. / jun. 2012
142
No caso brasileiro, a análise dos documentos oiciais e Interculturalidade
e direito indígena
textos normativos indicam a ideia de interculturalidade como à educação - A
política pública
princípio para a convivência harmoniosa entre as diversas de formação
intercultural
culturas indígenas e a cultura hegemônica nacional em um de professores
indígenas no Brasil
espaço público democrático interétnico. A participação da
educação nesta proposta jus-política (a participação, portanto,
da educação na interculturalidade) remete à ideia de preparar
os cidadãos, indígenas ou não-indígenas, para essa convivência
harmoniosa. A educação em direitos humanos é considerada
central nesta proposta, mas, atualmente, mostra-se uma
lacuna de pesquisas sobre a aplicação de ações de educação em
direitos humanos nos programas de formação dos professores
indígenas. Isso indica a necessidade de pesquisa nessa área.
É necessário destacar que, da perspectiva dos direitos
humanos e dos direitos dos povos indígenas, não se deine
especiicamente o que se quer dizer com educação intercultural
ou interculturalidade na educação no plano internacional, de
forma que também se anuncia um espaço discricionário para
a ação Estatal. No caso brasileiro, o princípio que fundamenta
o paradigma intercultural na educação é o respeito à cultura
e às formas tradicionais de produção e transmissão do
conhecimento. Esta poderia ser deinida como uma perspectiva
mais metodológica da interculturalidade, no sentido de que
pretende responder à pergunta: como respeitar a cultura na
educação formal?
O direito à educação diferenciada para os povos indígenas
surge dentro do contexto da rediscussão dos paradigmas sobre os
direitos dos povos indígenas. Da ideia de integração e superação
da condição diferenciada que regravam a relação entre o Estado
e seus povos indígenas, passa-se ao respeito à diferença e aos
objetivos daqueles para seu futuro e desenvolvimento.
Como se viu, a formação dos professores indígenas
corresponde a um dos mais importantes pontos da política
pública no que respeita à efetividade do direito dos povos
indígenas à educação, já que se relaciona diretamente com Educ. foco,
Juiz de Fora,
o direito à participação dos povos interessados nas políticas 143
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, públicas e ao dever de transferir a responsabilidade pela
Eliana dos Santos
Costa Lana educação às comunidades interessadas.
A existência de um corpo docente preparado para
ministrar aulas atento ao equilíbrio entre os conteúdos que
contribuem para a participação da sociedade nacional e,
ao mesmo tempo, a reprodução cultural – reairmando ou
redeinindo os objetivos internos de cada comunidade ou
etnia – corresponde, na realidade, à própria possibilidade de
optar pelo futuro e inserção digna na sociedade, respeitado,
dessa forma, seu direito à própria cultura.
No que respeita à formação de professores, a política
pública tem como um de seus pontos cruciais o equilíbrio
entre o ensino bilíngue e o uso das técnicas tradicionais de
transmissão do conhecimento. O ensino da língua materna
é um dos elementos diferenciados da educação escolar
indígena, de modo que é imprescindível que o professor seja
de comunidade e tenha formação apropriada nas duas línguas
(o português e a língua indígena). Não obstante, uma das
principais reivindicações do povo guarani, que analisamos,
é que a educação diferenciada não seja somente o ensino da
língua materna, mas que inclua a forma de viver de cada povo.
Esse, argumentamos, é parte de seu entendimento da ideia da
interculturalidade e do bilinguismo.
O censo escolar do INEP/MEC de 2005 indica que a
oferta de educação escolar indígena cresceu, especialmente
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Há que se
perguntar, não obstante, se as taxas de matrícula indicam
igualmente, um crescimento signiicativo em termos de
recursos destinados à educação escolar indígena. Esses
números, ao que parece, servem somente para enfeitar as
estatísticas oiciais, encobrindo com cores festivas uma
realidade perversa (Bonin, 2006)19.
Há que se comentar, ainda, que o processo de expansão
da oferta do Ensino Fundamental, que incluiu as comunidades
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
19
Iara Tatiana Bonin. Membro do CIMI e Doutoranda do Programa de Pós-
mar. / jun. 2012
144 graduação em Educação da UFRGS, 2006.
indígenas e que se deu a partir da lei 9394/96 (LDBN) e do Interculturalidade
e direito indígena
Plano Nacional de Educação de 2001, apresenta uma grande à educação - A
política pública
lacuna que carece de integração: a extensão da oferta de ensino de formação
intercultural
médio e superior. de professores
indígenas no Brasil
Os avanços obtidos nos últimos anos de oferta
da educação escolar para os povos indígenas se devem
especialmente à mobilização desses povos e das políticas
de universalização do ensino básico no país. Outro ponto
a ser destacado é o que diz respeito aos materiais didáticos
especíicos e as metodologias inovadoras que vêm ganhando
espaço nas escolas indígenas de todo o país. Esse avanço
deveria permitir que os povos indígenas pudessem escolher
seus projetos pedagógicos e defender seus direitos e interesses.
Não obstante, para Berrantes (2007), o avanço
quantitativo não foi acompanhado pela qualidade da escola
indígena. De acordo com os dados preliminares levantados
pela coordenação das organizações indígenas da Amazônia
brasileira (COIAB), a grande parte das escolas indígenas na
região Amazônica continua com antigos problemas, que vão
desde a carência de alimentos e material escolar até a carência
de prédios e professores qualiicados. Isso demonstra que
existem problemas na gestão das políticas da educação escolar
indígena.
Para Gersem Baniwa20, conselheiro na Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,
a solução para a questão passa por dois caminhos: o
desenvolvimento de mecanismos para o cumprimento da
legislação vigente e de formas de participação e controle social,
que respeitem, sobretudo, as formas próprias de organização
dos povos indígenas, como encontros, assembleias, congressos,
mobilizações, que podem combinar-se com formas mais
institucionalizadas como conselhos e comissões.

20
Gersem é professor Baniwa, que lê, escreve e fala as línguas indígenas Baniwa
Educ. foco,
e Nheengatué. Natural do Estado de Amazonas, e originário da etnia Baniwa, Juiz de Fora,
Gersem é graduado em Filosoia pela Universidade Federal do Amazonas e v. 17, n. 1, p. 119-150,
mestre em Antropologia pela Universidade de Brasília. 145 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, Atualmente, não existe um modelo institucional
Eliana dos Santos
Costa Lana que garanta a participação efetiva dos líderes indígenas no
processo de formulação das políticas de educação escolar
indígena. Os instrumentos desenvolvidos até o momento se
mostram insuicientes, já que não existe espaço real para que
as comunidades expressem suas demandas, que tomem parte
da formulação dos programas e acompanhem as ações políticas
que lhes dizem respeito, ainda que esse acompanhamento
esteja garantido pelo Estado brasileiro no marco do Convênio
169 da OIT.
Há que criar-se condições para que os povos indígenas
possam elaborar suas diretrizes curriculares; repensar o
modelo físico da escola, para que estas respeitem a realidade,
conhecimentos e a cultura de cada comunidade; a produção
do material didático e especíico para as escolas indígenas
deve ser de autoria dos próprios indígenas e, por im, deve-
se garantir, na legislação, formas de participação e controle
social nas políticas de educação escolar indígena, uma
vez que o que se constata é que não se criaram órgãos ou
modelos institucionais capazes de tornar efetivos os direitos
educacionais indígenas.
É dever do governo federal brasileiro, por intermédio
do MEC, dar o primeiro passo, instituindo o Conselho
Nacional de Educação Escolar Indígena, como órgão
regulamentar da política nacional de educação escolar
indígena. É imprescindível, não obstante, que esse ato se
realize com ampla participação de professores indígenas
e outros atores relevantes na oferta da educação escolar
indígena, de modo a propiciar a articulação mais efetiva dos
sistemas de ensino, as universidades e as organizações de
sociedade civil.
Os temas aqui levantados têm o objetivo de alimentar
o debate, de forma que não se pretende que sejam exaustivos,
mas que, ao contrário, indiquem áreas onde, no caso brasileiro,
Educ. foco, precisamos consolidar e construir conceitos. Ademais,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
146
identiicamos pelo menos duas pautas de pesquisa que podem Interculturalidade
e direito indígena
ser expressas nas seguintes perguntas: à educação - A
política pública
de formação
intercultural
 A educação na interculturalidade: qual está sendo o papel de professores
indígenas no Brasil
das políticas educacionais na formação e consolidação do
pretendido espaço público interétnico democrático?
 A interculturalidade na Educação: como está sendo
visto o papel das escolas nas comunidades a partir de sua
função formativa nas culturas tradicionais?

A discussão e tentativa de resolver essas indagações


podem revelar um cenário mais amplo e participativo para a
interculturalidade no Brasil.

BIBLIOGRAFIA
BANIWA, G. Acampamento deine estratégias do movimento
nesta quarta-feira. (18/04/2007). Disponível em: http://www.
socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2442. Acessado em 2009.
BARRANTES, D. Brasil - Educação escolar indígena está em
evidência / Educación escolar indígena está en evidencia. Disponível
em linha: http://www.latinoamerica-online.info/2007/indigeni07_
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BRAND, A. J. Formação de professores – um estudo de caso.
Universidade Católica Dom Bosco. Disponível em: www.anped.
org.br/reunioes/25/antoniojacobrandt21.rtf. Acessado em: maio de
2009.
BONIN, I. T. Educação Escolar e Pedagogia da Indiferença
para os Povos Indígenas. ALAI, América Latina en Movimiento
Disponível em: http://alainet.org/active/10930&lang=es
_. Formação de Professores Indígenas: repensando
trajetórias. Brasília: Ministério da educação continuada, alfabetização
e diversidade, 2006.
_.Olhar longe, porque o futuro é longe: Cultura, escola e Educ. foco,
Juiz de Fora,
professores indígenas no Brasil. Tese de Doutorado apresentada 147
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira,
ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social do
Eliana dos Santos
Costa Lana
Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosoia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009.
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Entrevistas:
Antonio Macena – Professor da etnia Guarani, da Aldeia Rio Silveira,
Bertioga, litoral de São Paulo. Março de 2008
Cora Augusto Martim – Professora da etnia Guarani, da Aldeia
Krukutu, Parelheiros, São Paulo. Março de 2009.
Sergio Lira – Professor da etnia Guarani, da Aldeia Uruity, Miracatu,
São Paulo. Abril de 2009
Sites Relacionados:
Estatísticas sobre Educação Escolar Indígena no Brasil.
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/04/19/
materia.2007-04-19.8689037092/view
http://portal.mec.gov.br/secad/index.php?option=content&task=vi
ew&id=37&Itemid=164

Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
149 mar. / jun. 2012
Vanessa Corsetti
Gonçalves Teixeira, INTERCULTURALITY AND THE INDIFENOUS RIGHT OF
Eliana dos Santos
Costa Lana EDUCATION - THE PUBLIC POLICY OF INTERCULTURAL
FORMATION OF INDIGENOUS TEACHERS IN BRAZIL

Abstract
In this essay we have as our goal to discuss the interculturality
proposed on the public policy of intercultural formation of
indigenous teachers in Brazil. In the irst part, we analyze
the undisputed principals on the international system of
indigenous rights, highlighting the importance to the
consolidation of the indigenous right to education: (I) on
the participating on decisions; (II) on respect to traditional
knowledge and their means of transmission and (III) on
indigenous populations’ autonomy in respect to their social
and cultural goals and regarding their future generations. In
the second part, bringing oicial data and interviews with
indigenous teachers trained by the intercultural education
program at USP, we analyze the current state of this
dimension in the process of consolidating the indigenous
peoples’ right to education in Brazil. We conclude that
despite the fact that speciic contents of the legislation are
suitable to the duties assumed on the international level,
they do not currently cater to the necessary elements to
make efective the Brazilian indigenous peoples’ rights in
regards to one of the core functions of education deined on
CF-1988: citizenship formation and participation on the
inter-ethnic public space.
Key words: indigenous teacher formation; inclusion;
interculturality.

Data de recebimento: março 2011


Data de aceite: junho 2011

Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
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