Está en la página 1de 151

O MAMBEMBE

Artur Azevedo

Edição especial para distribuição gratuita pela Internet,

através da Virtualbooks.

A VirtualBooks gostaria também de receber suas


críticas e sugestões. Sua opinião é muito importante
para o aprimoramento de nossas edições:
Vbooks02@terra.com.br Estamos à espera do seu e-
mail.

Sobre os Direitos Autorais:

Fazemos o possível para certificarmo-nos de que os


materiais presentes no acervo são de

domínio público (70 anos após a morte do autor) ou de


autoria do titular. Caso contrário, só

publicamos material após a obtenção de autorização


dos proprietários dos direitos autorais.

Se alguém suspeitar que algum material do acervo não


obedeça a uma destas duas

condições, pedimos: por favor, avise-nos pelo e-mail:


vbooks03@terra.com.br para que

possamos providenciar a regularização ou a retirada


imediata do material do site.

www.terra.com.br/virtualbooks

Copyright© 2000/2002 Virtualbooks

Virtual Books Online M&M Editores Ltda.

Rua Benedito Valadares, 429 ʹ centro

35660-000 Pará de Minas - MG

Todos os direitos reservados. All rights reserved.


O MAMBEMBE VELHOTE Senhor Pedro Augusto

Artur Azevedo CHEFE DO TREM Senhor César

Burleta em três atos e doze quadros OS HABITANTES 5 N. N.

CAPITÃO IRINEU Senhor Machado

Música de Assis Pacheco CORONEL PANTALEÃO Senhor Peixoto

CARRAPATINI Senhor Leitão

Representada pela primeira vez no Teatro Apolo, do A BANDA N. N. 2 N. N.


Rio de Janeiro, no dia 7 de dezembro de 1904 e
reprisada no Teatro Municipal, no dia 12 de novembro BONIFÁCIO ARRUDA Senhor Leite
de 1959 e, em seguida, no Teatro Copacabana, durante
DONA BERTOLESA N. N.
cinco meses consecutivos.
SUAS FILHAS N. N.
PERSONAGENS ATORES
SUBDELEGADO Senhor Campos
* N.N = Não nominado.
CARREIRO Senhor Pedro Augusto
MALAQUIAS, MOLEQUE Senhor João de Deus
SOLDADOS N. N.
EDUARDO Senhor Rentini
ALFERES XANDICO Senhor Matos
DONA RITA Dona Balbina Maia
MAJOR ANASTÁCIO PINTO Senhor J. Teixeira
LAUDELINA Dona Cecília Porto
CAPITÃO JUCA TEIXEIRA Senhor Xavier
FRAZÃO Senhor Brandão
CORONEL CHICO INÁCIO Senhor Machado
MONTEIRO, NEGOCIANTE Senhor Campos
MADAMA Dona Vitória Cezana
GARÇOM N. N.*
UMA DOCEIRA N. N.
PRIMEIRO FREGUÊS Senhor Pedro Augusto
UMA VENDEDORA N. N.
SEGUNDO FREGUÊS Senhor Samuel Rosalvo
UM CAPOEIRA N. N.
FÁBIO, LITERATO Senhor Leitão
OUTRO CAPOEIRA N. N.
BROCHADO Senhor Machado
PRIMEIRA SENHORA N. N.
LOPES Senhor Leite
OS MENINOS N. N.
UM MENINO N. N.
UM CASAL N. N.
VILARES Senhor Brandão Sobrinho
SEGUNDA SENHORA N. N.
MARGARIDA Dona Maria Lino
PRIMEIRA MOÇA N. N.
FLORÊNCIO Senhor Cândido Teixeira
SEGUNDA MOÇA N. N.
ISAURA Dona Maria Layrot
O PADRE N. N.
COUTINHO Senhor Linhares
O SACRISTÃO N. N.
VIEIRA Senhor Marques
EUSTÁQUIO N. N.
VELHO ATOR Senhor Samuel Rosalvo
JOGADORES N. N.
CRIADO JOAQUIM Senhor Bastos
UM BÊBEDO N. N. Oitavo Quadro: Viva o Divino

OS VIOLEIROS N. N. Nono Quadro: Um duo amoroso

DONA MAFALDA Dona Pilar Décimo Quadro: Um drama no Pito Aceso

MAJOR CARNEIRO Senhor Galileu Décimo Primeiro Quadro: O Ubatatá

TENENTE GUEDES N. N. Décimo Segundo Quadro: A arte dramática

DONA CONSTANÇA N. N.

MANDUCA N. N.

TUDINHA N. N.

TOTÓ N. N.

CHIQUINHA N. N.

ZECA N. N.

NHÔ TEDO N. N.

NHÔ TICO N. N.

NHÁ MARIANA N. N.

UM ESPECTADOR N. N.

FIGURINOS N. N.

MAQUINISTA Senhor Augusto Coutinho

FOTOGRAFIAS N. N.

MAESTRO Senhor Luís Amabile

CONTRA-REGRA N. N.

ELETRICISTA N. N.

QUADROS

Primeiro Quadro: A primeira dama

Segundo Quadro: Quartel-general teatral

Terceiro Quadro: O Luís Fernandes de Catumbi

Quarto Quadro: Segue o Mambembe

Quinto Quadro: Cavando...

Sexto Quadro: Mambembeiros em apuros

Sétimo Quadro: Ao Pito Aceso


ATO PRIMEIRO EDUARDO Ͷ Vai dizer a dona Rita que eu quero falar
com ela.

Quadro 1
MALAQUIAS Ͷ Sim, sinhô. (Puxando conversa.) Seu
Eduardo
Sala de um plano só em casa de dona Rita. Ao fundo, onte tava bom memo!
duas

janelas pintadas. Porta à esquerda dando para a rua, e


porta à direita EDUARDO Ͷ Tu assististe ao espetáculo?

dando para o interior da casa.

MALAQUIAS Ͷ Ora, eu não falho! Siá dona Rita não me


leva,
CENA I
mas eu fujo e vou. Fico no fundo espiando só!

MALAQUIAS, moleque, depois EDUARDO


EDUARDO Ͷ Gostas do teatro, hein?

(Ao levantar o pano, a cena está vazia. Batem à porta


da MALAQUIAS Ͷ Quem é que não gosta do que é bão?
Que coisa
esquerda.)
bonita quando seu Eduardo fingia que morreu quase
no fim! Xi!
MALAQUIAS (Entrando da direita.) Ͷ Quem será tão Parecia que tava morrendo memo. Só se via o branco
cedo? do olho! E dona
Ainda não deu oito horas! ( Vai abrir a porta da Laudelina ajoelhada, abraçando seu Eduardo! Seu
esquerda.) Ah! é seu Eduardo tava
Eduardo! morrendo, mas tava gostando, não é, seu Eduardo?

EDUARDO (Entrando pela esquerda.) ͶAdeus, EDUARDO Ͷ Gostando, por quê? Cala-te!
Malaquias.

Quedê dona Rita? Já está levantada?


MALAQUIAS Ͷ Então Malaquia não sabe que seu
Eduardo gosta
MALAQUIAS Ͷ Tá lá dentro, sim, sinhô. de dona Laudelina?

EDUARDO Ͷ E dona Laudelina? EDUARDO Ͷ E ela?... Gosta de mim?

MALAQUIAS Ͷ Inda tá drumindo, sim, sínhô. MALAQUIAS Ͷ Eu acho que gosta... pelo meno não
gosta de
outro... eu sou fino; se ela tivesse outro namorado, eu madrugou!
via logo.

Aquele moço que mora ali no chalé azu, que diz que é
guarda-livro, EDUARDO Ͷ Diga antes: ͞O senhor não dormiu͟, que
diz a
outro dia quis se engraçá com ela e ela bateu coa jinela
na cara dele: verdade. Ah, dona Rita! Quem ama como eu amo não
dorme!
pá... eu gostei memo porque gosto de seu Eduardo, e
sei que seu

Eduardo gosta dela! DONA RITA Ͷ Pois o senhor deve estar moído! Olhe
que aquele

papel de Luís Fernandes não é graça! E o senhor


EDUARDO Ͷ Toma lá quinhentos réis. representa ele com

tanto calor!

MALAQUIAS Ͷ Ih! Obrigado, seu Eduardo. (Vai a sair


pela
EDUARDO Ͷ Porque o sinto, porque o vivo! O meu
direita. Entra dona Rita.) trabalho

seria outro, se outra fosse a morgadinha...

DONA RITA Ͷ Que ficaste fazendo aqui, moleque?

DONA RITA (Sorrindo.) Ͷ Acredito.

MALAQUIAS Ͷ Nada, não, senhora; fui abri a porta a


seu
EDUARDO Ͷ Mas a morgadinha é ela, é dona
Eduardo e ia dizê a vosmecê que ele tava ai. Laudelina, sua

afilhada, sua filha de criação, que ͞eu amo cada vez


mais com um
DONA RITA Ͷ Vai acabar de lavar a louça, mas vê lá se
me amor ardente, louco, dilacerante, ó Cristo, ó Deus!͟

quebras alguma coisa. (A Eduardo.) Não se passa um


dia que este
DONA RITA Ͷ Esse pedacinho é da peça.
capeta não me quebra um prato... um copo... uma
xícara... Vai!
EDUARDO Ͷ É da peça, mas adapta-se perfeitamente
à minha
MALAQUIAS Ͷ Sim, senhora. (Sai pela direita.)
situação! ͞Sempre, sempre esta visão fatal a perseguir-
me! No

CENA II sonho, na vigília, em toda a parte a vejo, a sigo, a


adoro! Como me

entrou no coração este amor, que não posso arrancar


EDUARDO, DONA RITA sem arrancar o

coração e a vida?͟ Tudo isto é da peça, mas vem ao


pintar da faneca.
DONA RITA Ͷ Bom-dia. (Aperta-lhe a mão.) O senhor
amadora: não é uma atriz, não se sabe poupar, como
bem disse ontem o Frazão.
Coplas 1

EDUARDO Ͷ Mas a senhora também representou a


Eu vivia feliz no meu cantinho, morgada, e aí está fresca e bem disposta.
Sem a mais leve preocupação,

Fazendo os meus galãs no teatrinho DONA RITA Ͷ Oh! O papel da morgada é um papel de
dizer... Eu faço ele com uma perna às costas... Ah, se o
Ou trabalhando na repartição;
senhor me visse na Nova Castro, quando meu marido
Minha vida serena deslizava, era vivo e eu tinha menos quinze anos!

Como barquinho em bonançoso mar;

Apesar de amador, eu não amava, EDUARDO Ͷ A senhora é uma das mais distintas
amadoras do Rio de Janeiro.
Eu não amava nem queria amar.

DONA RITA Ͷ Obrigada. O teatro foi sempre a minha


2 paixão... o teatro particular, bem entendido, porque
na nossa terra ainda há certa prevenção contra as
artistas.
Mas, de repente, vida tão serena, EDUARDO Ͷ O preconceito...
Buliçosa, agitada se tornou: DONA RITA Ͷ Como o senhor sabe, Laudelina é órfã de
pai e mãe... não tem parentes nem aderentes... veio
Eu comecei a amar fora de cena,
para a minha
E o mesmo homem de outrora já não sou.
companhia assinzinha, e fui eu que eduquei ela.
Foi dona Laudelina que esta chama Quando descobri

Veio aqui dentro um dia espevitar, que a pequena tinha tanta queda para o teatro, fiquei
contente, e
Mas, conquanto amadora, ela não me ama,
consenti, com muito prazer, que ela fizesse parte do
Ela não me ama nem me quer amar. Grêmio

Dramático Familiar de Catumbi, sob condição de só


entrar nas peças
DONA RITA Ͷ Acalme-se, seu Eduardo, o senhor não
está em si. Vamos, sente-se nesta cadeira e me diga em que também eu entrasse. Mas lhe confesso, seu
qual o motivo da sua visita à hora em que não costuma Eduardo, que
entrar nesta casa outro homem senão o do lixo.
(Sentam-se ambos.)

EDUARDO Ͷ Pois não adivinha o que aqui me trouxe?


O meu

amor! Se vim tão cedo, foi porque tinha a certeza de


que dona Laudelina ainda estava recolhida ao seu
quarto.

DONA RITA Ͷ Naturalmente; o papel da morgadinha


também é muito fatigante, e Laudelina é uma
tenho os meus receios de que ela pretenda seriamente DONA RITA Ͷ Sempre há de haver algum em que não
abraçar a haja.

carreira teatral... Verá então que, afastada desse divertimento, ela


olhará para o

senhor com outros olhos, porque, francamente, seu


EDUARDO Ͷ Sim... aquele fogo... aquele entusiasmo... Eduardo, eu bem
aquele
desejava que o senhor se casasse com ela.
talento inquietam...

EDUARDO Ͷ Ah!
DONA RITA Ͷ O senhor queixa-se de que ela não faz
caso do

senhor... DONA RITA Ͷ Onde poderá Laudelina encontrar


melhor

marido? O senhor, não é por estar em sua presença, é


EDUARDO Ͷ Não! Não é disso que me queixo; sim, um moço de
porque,
boa família, estima ela deveras e tem um bom
afinal, não posso dizer que ela não faça caso de mim... emprego.
Mas não é

franca, de modo que não sei se sou ou não


correspondido, e é esta EDUARDO Ͷ Obrigado, dona Rita! As suas palavras
enchem-me
incerteza que me acabrunha!
de esperança e alegria! Peço-lhe que advogue a minha
causa. Foi só
DONA RITA Ͷ É que Laudelina, por enquanto, só tem para fazer-lhe este pedido que vim à sua casa à hora do
um homem do
namorado: o teatro; só tem uma paixão: a arte lixo.
dramática. Ah! Mas

eu sei o que devo fazer...


DONA RITA Ͷ Já tenho falado a ela muitas vezes no
senhor.
EDUARDO Ͷ Que é? Não posso obrigar ela, mesmo porque já é maior... mas
prometo

empregar toda a minha autoridade de mãe adotiva


DONA RITA Ͷ Afastar-nos completamente do Grêmio
para convencê-la
Dramático Familiar de Catumbi. Se preciso for, mudar-
de que deve ser sua esposa. (Levanta-se.)
nos-emos para

outro bairro, e adeus teatrinho!


EDUARDO (Levantando-se.) Ͷ A senhora é o meu bom
anjo!
EDUARDO Ͷ Mas há teatrinho em todos os bairros!
Quero beijar-lhe as mãos, e de joelhos!... (Ajoelha-se
diante de dona

Rita.)
CENA III LAUDELINA Ͷ Com que entusiasmo batia palmas! Via-
se que

aquilo era sincero! Depois do quarto ato foi


OS MESMOS, LAUDELINA cumprimentar-me na

caixa! Deu-me um abraço, e disse-me: ͞Filha, tu não


tens o direito de
LAUDELINA (Entrando.) Ͷ ͞Um discípulo de Voltaire
ajoelhado não estar no teatro; cometes um estelionato, de que é
vítima a arte.͟
aos pés da cruz!͟

DONA RITA Ͷ O Frazão disse-te isso?


EDUARDO (Erguendo-se.) Ͷ ͞A cruz é o amparo dos
que

padecem...͟ LAUDELINA Ͷ Sim, senhora!

DONA RITA Ͷ Alto lá! ... Olhem que eu não sou cruz! DONA RITA Ͷ Pois se eu ouvisse, tinha lhe dado o
troco. (Outro

tom.) Mas que me dizem daquela minha fala? ͞Por que


LAUDELINA Ͷ ͞E padece? Por minha causa, não é
se envergonha
verdade? Fui
de chorar diante de mim? Sou mãe dela e não hei de
injusta, bem sei; nas frases que soltara ao vento,
saber o quanto
decerto por
custará perdê-la?͟
desfastio, quis ver uma ofensa. Era cruel, sinto-o agora.
Esqueçamos

isso, e sejamos amigos bons e leais, sim?͟ (Apertando- EDUARDO (Escondendo o rosto nas mãos.) Ͷ ͞Ah!
lhe a mão com quanto
uma risada e mudando de tom.) Como passou a noite, padeço!͟
seu Eduardo?

DONA RITA Ͷ ͞Ânimo, filho, então? Quando chegar ao


EDUARDO Ͷ Em claro, pensando no meu amor! ͞acaso͟

da vida͟...
LAUDELINA Ͷ Também eu pensando no meu triunfo!
Que bela
EDUARDO (Emendando.) Ͷ ͞Ocaso͟. A senhora
noite! Nunca me senti tão bem no papel de sempre diz
morgadinha! O efeito foi
͚acaso͛, mas é ͞ocaso͟.
estrondoso! Estava na platéia o ator Frazão...

DONA RITA Ͷ Ocaso? Que diabo é ocaso?


DONA RITA Ͷ Foi convidado pela diretoria.

EDUARDO Ͷ É o pôr do sol... O ocaso da vida quer


dizer o fim
da vida.

DONA RITA Ͷ No papel está ͞acaso͟.

LAUDELINA Ͷ Foi erro do copista, dindinha. Seu


Eduardo tem

razão.

DONA RITA Ͷ Enfim... (Representando.) ͞Quando


chegar ao,

acaso...͟

EDUARDO e LAUDELINA Ͷ Ocaso.

DONA RITA ͶJá estou viciada. (Representando.)


͞Quando

chegar ao ocaso da vida e, voltando os olhos para esta


quadra

tempestuosa, lhe disser a consciência que soube


cumprir um dever,
há de sentir uma consolação sublime, uma legítima esconder bem longe de Portugal o nosso flóreo ninho!͟
ufania!͟ (Outro (Eduardo vai

tom.) Muito sentimento, hein? cingi-la de acordo com a rubrica da peça, mas Frazão
que aos poucos

se tem aproximado dela enlevado, empurra Eduardo.)


LAUDELINA Ͷ E então eu? (Representando.) ͞A nada
mais se

atende, não é assim? Ela que se console com a idéia do FRAZÃO Ͷ Saia daí, seu arara! Eu já tenho
dever, das representado o

leis da sociedade, exatamente? quando acabava de papel de Luís Fernandes mais de cinqüenta vezes!
calcar essas leis, (Enlaçando

para voar, num ímpeto de abnegação, para quem de Laudelina.) ͞Ah! Caia sobre mim o desprezo do mundo,
joelhos lhe a maldição de

implorava amor?͟ Deus, persiga-me o remorso, espere-me o inferno, mas


agora é que

te juro que ninguém te arrancará dos meus braços!͟


EDUARDO (Idem) Ͷ ͞Ah, não me fale assim, se não (Outro tom.)
quer que
Bravos, bravos, filha! Tens muito talento! Quem to diz
eu perca a pouca razão que me resta! (Tomando as é o Frazão!
mãos de

Laudelina.) Não vês que te amo mais loucamente do


que nunca? Não CENA IV

vês que uma palavra tua me arroja de novo ao


abismo?͟
OS MESMOS, FRAZÃO

LAUDELINA (Idem.) Ͷ ͞Vejo que te importa͟... (Tem


uma FRAZÃO (Para Eduardo.) Ͷ Desculpe se o chamei
arara, meu
hesitação de memória.)
caro amador: foi sem querer; reconheço, pelo
contrário, que o senhor

DONA RITA (Sugerindo-lhe.) Ͷ ...͞se eu me arrojo͟... é um curioso de muita habilidade. Mas que esquisitice
é esta? A isto é

que se pode chamar amor da arte! Pois representaram


LAUDELINA Ͷ ͞Que te importa, se eu me arrojo a ele a peça ontem
contigo?
à noite, e hoje pela manhã já estão a ensaiá-la de
(Frazão aparece à porta da esquerda.) Amas-me e novo?
hesitas ainda?

Tudo mais que vale? Há aqui obstáculos que se opõem


ao nosso DONA RITA Ͷ Não, senhor, não era um ensaio... isto
veio
afeto? Receias a luta? As apreensões dos teus, os
desprezos dos naturalmente, na conversa; mas... a que devo a honra
de sua visita?
outros? Mas tens o meu amor e isso te basta! Fujamos
ambos; vamos
FRAZÃO Ͷ Preciso falar-lhe, minha senhora. Escolhi
esta hora

matinal porque tenho o dia todo ocupado, visto que


depois de

amanhã devo partir com a companhia que estou


organizando.

EDUARDO Ͷ Vejo que sou demais.

FRAZÃO Ͷ Não, demais não é; entretanto, o assunto


que aqui

me traz é muito reservado.


EDUARDO Ͷ Retiro-me, mesmo porque tenho que ir a
uma
FRAZÃO Ͷ Sentemo-nos. (Sentam-se os três.) O caso é
cobrança a mando do patrão. (Indo apertar a mão de este,
dona Rita.) Até
minha senhora... vou expor-lho em poucas palavras,
logo, dona Rita. (Baixo.) Desconfio desta visita... não porque não
caia!...
tenho tempo a perder. Os meus minutos estão
contados. Devo cavar

DONA RITA Ͷ Deixe estar. três contos de réis de hoje para amanhã. (Pausa.)
Como a senhora

sabe, a vida do ator no Rio de Janeiro é cheia de


EDUARDO (Subindo e indo cumprimentar Laudelina.) incertezas e
ͶAté
vicissitudes. Nenhuma garantia oferece. Por isso,
logo, resolvi fazer-me,
dona Laudelina. como antigamente, empresário de uma companhia
ambulante, ou,

para falar com toda a franqueza, de um mambembe.


LAUDELINA Ͷ Até logo, seu Eduardo.

AS DUAS Ͷ Mambembe?
EDUARDO Ͷ Passar bem, senhor Frazão.

FRAZÃO Ͷ Dar-se-á caso que não saibam o que é um


FRAZÃO Ͷ Adeus, jovem, e esqueça-se daquele arara...
Foi mambembe?
sem querer. Nunca leram o Romance cômico, de Scarron?

EDUARDO Ͷ Ora! (Sai.) AS DUAS Ͷ Não, senhor.

CENA V FRAZÃO Ͷ É pena, porque eu lhes diria que o


mambembe é o

romance cômico em ação e as senhoras ficariam


FRAZÃO, DONA RITA, LAUDELINA
sabendo o que é.

Mambembe é a companhia nômade, errante,


LAUDELINA Ͷ Também eu me retiro. vagabunda, organizada

com todos os elementos de que um empresário pobre


possa lançar
FRAZÃO Ͷ Não; a senhora pode ficar, porque a
conversa lhe mão num momento dado, e que vai, de cidade em
cidade, de vila em
diz respeito.
vila, de povoação em povoação, dando espetáculos
aqui e ali, onde

DONA RITA Ͷ Sentemo-nos. (À parte.) Pois sim!


encontre um teatro ou onde possa improvisá-lo. Aqui
está quem já

representou em cima de um bilhar!

LAUDELINA Ͷ Deve ser uma vida dolorosa!

FRAZÃO Ͷ Enganas-te, filha. O teatro antigo principiou


assim,

com Téspis, que viveu no século VI antes de Cristo, e o


teatro

moderno tem também o seu mambembeiro no divino,


no imortal

Molière, que o fundou. Basta isso para amenizar na


alma de um
artista inteligente quanto possa haver de doloroso boca e que não figura ainda em nenhum dicionário, o
nesse vagabundear que aliás não

constante. E, a par dos incômodos e contrariedades, há tardará muito tempo. Um dia disseram-me que, em
o prazer do língua

imprevisto, o esforço, a luta, a vitória! Se aqui o artista mandinga1, mambembe quer dizer pássaro. Como o
é mal pássaro é livre e

recebido, ali é carinhosamente acolhido. Se aqui não percorre o espaço como nós percorremos a terra, é
sabe como tirar possível que a

a mala de um hotel, empenhada para pagamento de origem seja essa, mas nunca o averigüei.
hospedagem,

mais adiante encontra todas as portas abertas diante


de si. Todos os CENA VI

artistas do mambembe, ligados entre si pelas mesmas


alegrias e pelo
OS MESMOS, MALAQUIAS
mesmo sofrimento, acabam por formar uma só família,
onde, embora
MALAQUIAS Ͷ A senhora quer que eu bote o armoço
às vezes não o pareça, todos se amam uns aos outros,
na mesa?
e vive-se,

bem ou mal, mas vive-se!


DONA RITA Ͷ Sim; o senhor Frazão almoçará
conosco...
LAUDELINA Ͷ E... a arte?

FRAZÃO Ͷ Agradecido, minha senhora; tenho muito


FRAZÃO Ͷ Tudo é relativo neste mundo, filha. O culto que fazer
da arte
e ainda é cedo para almoçar.
pode existir e existe mesmo num mambembe. Os
nossos primeiros
DONA RITA (A Malaquias, que em vez de se retirai ficou
artistas Ͷ João Caetano, Joaquim Augusto, Guilherme
parado
Aguiar, Xisto
a olhar para Frazão, e a rir-se.) Ͷ Vai-te embora,
Bahia Ͷ todos mambembaram, e nem por isso
moleque! Que
deixaram de ser
fazes aí parado?
grandes luzeiros do palco.

MALAQUIAS (Rindo, sem responder.) Ͷ Eh! eh! eh!


LAUDELINA Ͷ Mas de onde vem essa palavra,
mambembe? DONA RITA Ͷ Então?

MALAQUIAS Ͷ É seu Frazão... ele tava onte lá no


teatro... Que
FRAZÃO Ͷ Creio que foi inventada, mas ninguém sabe
quem a

inventou. É um vocábulo anônimo trazido pela tradição


de boca em
home engraçado! (Sai.)

CENA VII

FRAZÃO, DONA RITA, LAUDELINA

1 Língua Mandinga Ͷ Língua falada pela tribo dos


Mandingas, raça de negros cruzada

com elementos berbere-etiópicos que sofreram a


influência maometana, e que eram

tipos por grandes mágicos e feiticeiros (N.P.).


DONA RITA Ͷ Desculpe... este moleque é muito aqui fazer de Mefistófoles; não tento nem seduzo
confiado... ninguém. Principiei

mas eu ensino ele!... por pintar com toda a lealdade a nossa vida, com os
seus altos e

baixos, os seus prós e contras. Supus Ͷ desculpem-me


FRAZÃO Ͷ Deixe-o lá!... Isto é a popularidade, é a a franqueza e
glória em
não se ofendam com ela Ͷ supus que as senhoras
trocos miúdos, como disse o outro. estivessem em

más condições de fortuna (Olhando em volta de si.), e


lhes sorrisse a
DONA RITA Ͷ Agora diga o motivo da sua visita.
proposta de um empresário honesto e bem
intencionado... Quero
FRAZÃO Ͷ É muito simples, minha senhora. Vinha
apenas ouvir de seus lábios, minha senhora, um ͞sim͟
propor-lhe
ou um ͞não͟
contratar dona Laudelina para primeira-dama da
Juro-lhe que não insistirei.
minha companhia. A

minha primeira-dama, a Rosália, foi visitar, durante a


nossa última DONA RITA (Resolutamente.) Ͷ Não!
excursão, uma fazenda no Capivari, e lá ficou com o
fazendeiro. Já se
FRAZÃO (Erguendo-se.) Ͷ Bom! Vou tratar de procurar
casaram. Recebi há dias a participação do casamento. outra!

DONA RITA Ͷ Senhor Frazão, esta menina não se DONA RITA (Erguendo-se.) Ͷ Se eu quisesse que ela
destina ao fosse
teatro... atriz, não seria decerto num mambembe!

LAUDELINA Ͷ Por quê, dindinha? É uma profissão FRAZÃO Ͷ Pois deixe-me dizer, minha senhora, que o
como outra
mambembe tem a vantagem de exercitar o artista. A
qualquer! contingência em

que ele se acha de aceitar papéis de todos os gêneros e


estudá-los
DONA RITA Ͷ Cala-te! Pois eu havia de consentir que
fosses rapidamente produz um entraînement2 salutar e
contínuo, que não
por aí fora? Deus me livre!
pode senão aproveitar ao seu talento. Dona Laudelina
faria as suas
FRAZÃO Ͷ Dona Laudelina nasceu para o teatro, e é
primeiras armas lá fora e, quando se apresentasse ao
pena,
público desta
realmente, que não se faça atriz de profissão;
capital, seria uma atriz feita. Juro que dentro de um
entretanto, não vim
ano ela triunfaria
nos palcos do Rio de Janeiro, e eu teria a glória de
havê-la iniciado na

arte!...

DONA RITA Ͷ Procure outra, seu Frazão; não é, minha


filha?

LAUDELINA (Que se conservou sentada, muito


comovida, mal

podendo conter as lágrimas.) Ͷ Por meu gosto


aceitava. Que futuro

me espera fora do teatro? Ser costureira toda a vida?


Casar com seu

Eduardo, que não ganha o suficiente para viver


solteiro? Encher-me

de filhos e de cuidados? Se tenho realmente, como


dizem, algum

2 Trad.: treino, experiência, cancha.


jeito para o teatro, não seria melhor aproveitar a LAUDELINA Ͷ Amanhã procurá-lo-ei... Onde mora?
minha habilidade?...

FRAZÃO Ͷ Numa casa de pensão. (Dando-lhe um


(Chora. Nisto ouve-se à direita grande bulha de louça cartão.) Aí
quebrada.)
tem a minha residência. Mas veja o que vai fazer!

DONA RITA Ͷ Lá o moleque me quebrou mais louça!


Com LAUDELINA Ͷ Descanse. Levarei hoje todo o dia a
catequizar
licença! Vou ver o que foi. (Sai pela direita.)
dindinha. Ela acabará, como sempre, por me fazer a
vontade. E se

CENA VIII não fizer, adeus! Não quero sacrificar-me ao bem que
lhe devo!

FRAZÃO, LAUDELINA
FRAZÃO Ͷ Estás me assustando, filha! Não vá sua
madrinha
LAUDELINA (Erguendo-se e enxugando os olhos.) Ͷ dizer...
Senhor
LAUDELINA Ͷ Diga o que quiser! Não sou nenhuma
Frazão, quando tenciona partir com a sua companhia? criança!

Amanhã procurá-lo-ei, senhor Frazão. (Guarda o


cartão.)
FRAZÃO Ͷ Depois de amanhã, se até lá arranjar, como
espero, CENA IX
uma primeira-dama... e os três contos de réis.

FRAZÃO, LAUDELINA, DONA RITA, depois MALAQUIAS


LAUDELINA (Resoluta.) Ͷ Irei com o senhor.

DONA RITA Ͷ Que estás dizendo?


FRAZÃO Ͷ A senhora? Mas sua madrinha...

LAUDELINA Ͷ A verdade! Quero ser atriz!...


LAUDELINA Ͷ Tenho vinte e dois anos, sou maior, sou
senhora
FRAZÃO Ͷ Isso é uma coisa que se decidirá entre as
das minhas ações, posso dispor de mim como senhoras.
entender.
Lavo as mãos. E não digo mais nada! A minha
responsabilidade fica
FRAZÃO Ͷ Não! Não quero contrariar essa senhora salva! Minhas senhoras... (Cumprimenta e sai pela
que lhe tem esquerda.)
servido de mãe. E, deixe lá, no fundo ela não deixa ter
razão.
DONA RITA Ͷ Este homem veio te desencaminhar!...
LAUDELINA Ͷ Não, dindinha... Se não fosse ele, seria
outro

qualquer... seria o meu próprio instinto. Depois do


almoço

conversaremos... espero persuadi-la... o meu destino é


esse!...

DONA RITA Ͷ O teu destino é esse! Mas sabes o que te


espera?

LAUDELINA Ͷ Será o que Deus quiser.

DONA RITA Ͷ Pois olha, se fores para o tal


mambembe, irei

contigo! Não me separarei um momento de ti!

LAUDELINA Ͷ Terei com isso muito prazer.


DONA RITA Ͷ Que dia aziago! O moleque me quebrou
mais
MONTEIRO, o CAIXEIRO, LOPES, FÁBIO, PRIMEIRO
três pratos, e agora tu... ( Vendo entrar Malaquias.) Cá FREGUÊS,
está o
SEGUNDO FREGUÊS, FREGUESES
demônio! Devias ter levado uma coça!...

MALAQUIAS Ͷ Armoço tá na mesa.


(Ao levantar o pano, Monteiro, em mangas de camisa,
percorre

DONA RITA Ͷ Vamos almoçar. as mesas: é o dono da casa. Fábio sentado a uma mesa
à esquerda

escreve. Lopes sentado ao fundo lê um jornal. À


LAUDELINA Ͷ Oh, o teatro!... A arte!... O público!... O direita, o Primeiro e
imprevisto!... (Sai.)

o Segundo Fregueses bebem e conversam. Os outros


fregueses
DONA RITA Ͷ O diabo do tal Frazão veio pôr ela doida!
... (Sai fazem o mesmo. Durante o quadro entram e saem
fregueses no
pela direita.)
armazém ao fundo e são servidos pelo Caixeiro. Vêem-
se passar
MALAQUIAS (Só, arremedando Laudelina.) Ͷ Oh, o
transeuntes na rua.)
teatro!... A
Pequeno Coro
arte!... O público!... Moça tá assanhada. (Sai pela
direita. Mutação.)

Quer de noite, quer de dia


Quadro 2 Ͷ Quem já viu fortuna assim? Ͷ

Nunca falta freguesia


Botequim nos fundos de um armazém de bebidas. Ao Neste belo botequim!
fundo,

além de uma arcada, o armazém com balcão e


prateleiras e duas

portas largas dando para a rua. À esquerda, a entrada PRIMEIRO FREGUÊS Ͷ É Monteiro!
de um bilhar.
MONTEIRO (Aproximando-se.) Ͷ Que é?
À direita, parede com pipas e barris. Mesinhas
redondas, de PRIMEIRO FREGUÊS (Idem.) Ͷ Quem é aquele sujeito
que está
mármore. Bancos.

CENA I
escrevendo? (Aponta à esquerda.)
MONTEIRO Ͷ É o Fábio.

MONTEIRO ͶPode-se dizer que não tenho outra


freguesia. Isto
PRIMEIRO FREGUÊS Ͷ Que faz ele?
é uma espécie de quartel-general dos nossos atores.
Entre estas
MONTEIRO Ͷ Nada, que eu saiba. paredes discutem-se peças, arrasam-se empresários,
amaldiçoam-se

críticos, fazem-se e desfazem-se companhias.


SEGUNDO FREGUÊS Ͷ Não lhe disse? É um vadio.
Conheci-o

empregado no comércio. SEGUNDO FREGUÊS Ͷ Estão sempre a brigar uns com


os

outros.
MONTEIRO ͶSim, creio que foi... Depois fez-se poeta...
andou

a rabiscar nos jornais... MONTEIRO Ͷ Isso não quer dizer nada... Vocês vêem
dois

artistas dizerem-se horrores um do outro: parecem


PRIMEIRO FREGUÊS Ͷ Que está ele escrevendo ali?
inimigos

irreconciliáveis... mas a primeira desgraça que


MONTEIRO (Rindo.) Ͷ Aquilo é uma revista-de-ano em aconteça a um deles,
que há
abraçam-se e beijam-se. Boa gente, digo-lhes eu, boa
três anos trabalha. gente,

injustamente julgada.

SEGUNDO FREGUÊS Ͷ Faz da tua casa o seu gabinete?


PRIMEIRO FREGUÊS (Erguendo-se.) Ͷ Bom! são horas!

MONTEIRO Ͷ A esta hora é infalível àquela mesa...


Pede uma
SEGUNDO FREGUÊS (Idem.) Ͷ Ainda é cedo. Vem daí
garrafa de parati... Escreve durante duas horas... jogar
Quando se levanta,
uma partida de pauzinho.
tem a revista mais uma cena e ele está que não se
pode lamber!
MONTEIRO (Apontando para a esquerda.) Ͷ Ambos os
bilhares
SEGUNDO FREGUÊS Ͷ Coitado! Com semelhante
estão desocupados.
processo de

trabalho não poderá ir muito longe!


OS DOIS Ͷ Vamos lá! Quantas levas? (Saem pela
esquerda e
PRIMEIRO FREGUÊS Ͷ A tua casa é muito freqüentada
daí a pouco ouvem-se as bolas batendo umas nas
por
outras.)
gente de teatro.
CENA II

MONTEIRO, FÁBIO, LOPES, BROCHADO, o CAIXEIRO,


FREGUESES

MONTEIRO (Indo ao encontro de Brochado, que entra.)


Ͷ É s͛or

Brochado! De volta! Seja bem aparecido!

BROCHADO Ͷ É verdade, cheguei hoje... (Dando-lhe


uma

nota.) e trago-lhe estas cinqüentas por conta de maior


quantia.

Desculpe não pagar tudo.

MONTEIRO Ͷ É senhor, mais deva! Pague quando


puder!...
BROCHADO Ͷ Vou ver se faço um benefício... Ah, meu LOPES (Que deixa o seu jornal e se aproxima.) Ͷ Eu
amigo, estava lá.

aquilo lá por fora está pior que no Rio de Janeiro! Mal


por mal, antes
BROCHADO Ͷ Ah! tu estavas lá? É ou não é exato?
aqui... Sempre se encontra crédito.

LOPES Ͷ Eu sou franco. Todos os espectadores se


MONTEIRO Ͷ Pois olhe, aqui está uma desgraça. O levantaram
público
mas foi para ir-se embora.
espera pelas companhias estrangeiras.

BROCHADO Ͷ Porque estava terminada a poesia.


BROCHADO Ͷ E dizer que um artista do meu valor não
tem

trabalho na capital do seu país! Ah, meu caro LOPES Ͷ Faltavam ainda muitos versos. Tu és um bom
Monteiro, se eu não artista,

considerasse a arte como um sacerdócio, se lhe não mas tens o defeito de não estudares nada novo.
tivesse Desengana-te. Com

sacrificado toda a minha mocidade, toda a minha essas velharias não chegas lá! Eu sou franco!
existência, há muito

tempo teria abandonado o teatro!... Mas que quer?...


BROCHADO Ͷ Um ignorante é o que és! Sabes lá o que
Depois de ter
é bom
tido no teatro a posição que tive, não hei de ir puxar
e o que é mau! O que eu admiro é a tua audácia!
uma carroça!
Quem és tu?... que

tens feito no teatro?... E conheces-me por ventura? Já


MONTEIRO Ͷ Na realidade, não se compreende que o me viste no
senhor
Cabo Simão... na Pobre das ruínas? No Paralítico?...
não esteja empregado! (Lopes encolhe

os ombros e volta ao seu jornal.)

BROCHADO Ͷ Onde queria você que eu me


empregasse? Para
MONTEIRO Ͷ Bom! não briguem! (Afasta-se e vai ao
trabalhar com quem? Nem eles me querem, porque balcão.)
lhes faço sombra,
BROCHADO Ͷ Pretensioso!...
nem eu os quero, porque não me confundo. Dou ainda
FÁBIO (Que foi distraído pela discussão, levanta-se e
o meu recado.
vai a
Ainda há dias, em São Paulo, levantei a platéia com
uma simples

poesia, a ͞Cerração no Mar͟. Todos os espectadores


ficaram de pé. Brochado.) Ͷ Olá, Brochado, você por aqui! Fazia-o lá
pela terra dos
Andradas!

BROCHADO Ͷ Terminei a minha excursão.

FÁBIO Ͷ Em que companhia estava?

BROCHADO Ͷ Em que companhia? Ora essa! Que


companhia

acha você aí digna de mim? Ah não, eu não me


confundo, meu caro

poeta! Fiz a minha excursão sozinho.

FÁBIO Ͷ Sozinho?

BROCHADO Ͷ Antes só que mal acompanhado.

FÁBIO Ͷ E o repertório?

BROCHADO Ͷ Monólogos... poesias... cenas


dramáticas... Eu cá

me arranjo. Quer saber qual foi um dos meus grandes


sucessos? A

fala do Carnioli, da Dalila!


FÁBIO Ͷ ͞Chorava o arco͟? fosse buscar uma armadura? Mas arranjei uns
comparsas, que

fizeram de fantasmas... (Sentando-se.) Não gosto de


BROCHADO Ͷ Essa mesma. falar dos

mortos, mas olha que para causar na platéia um


entusiasmo
LOPES (Do seu lugar.) Ͷ O Furtado Coelho dizia-a
muito bem. indescritível, não precisei de uma cabeleira de arame,
como o defunto

Guilherme, que Deus perdoe.


BROCHADO Ͷ Cala-te! Não sejas tolo! O Furtado era
artificial...

faltava-lhe isto... (Bate no coração.) e para dizer aquilo LOPES Ͷ Deus te perdoe a ti, que tem mais que
como deve perdoar.
ser dito, é indispensável isto... (Idem.)

BROCHADO Ͷ Pode falar à vontade! Faço como o


público: não
LOPES Ͷ E isto! (Bate na testa.)
te tomo a sério. (À parte.) No Ribeirão Preto não houve
meio de
BROCHADO Ͷ Deixa estar que te hei de pedir umas
arranjar uma cabeleira de arame! (A Fábio, que se tem
lições. (A
sentado de
Fábio.) Idiota! O Furtado não passava de um amador
novo.) Que é isso?... Que está você a escrever?...
inteligente.
Versos?...
Daqui a nada aquela azêmola vai dizer que o Dias
Braga, o Eugênio e
FÁBIO Ͷ Não. Uma revista-de-ano.

o Ferreira valem mais do que eu! (Voltando-se para


Lopes.) Olha, BROCHADO Ͷ É o que dá. Como se intitula?
tenho pena que não me visses no tio Gaspar.

FÁBIO Ͷ O Trouxa.
LOPES Ͷ Quê! Você fez os Sinos de Corneville?

BROCHADO Ͷ O título não é mau. Para que teatro é?


BROCHADO Ͷ Apenas a cena do castelo... reduzida a

monólogo. FÁBIO Ͷ Sei lá! Está escrita há três anos, de modo que
de vez

em quando tenho que modificá-la... pôr-lhe umas


LOPES Ͷ Sem a armadura?
coisas... tirar-lhe

outras, por causa da atualidade. Estou sempre a bulir-


BROCHADO Ͷ Sim, sem a armadura. Onde queria você lhe!
que eu
BROCHADO Ͷ A sua revista é como o Teatro Lírico:
sempre em

obras.

FÁBIO Ͷ Dizem que o Ferraz vai organizar uma


companhia

para o Lucinda... talvez inaugure com o Trouxa. Venha


cá, sente-se

aqui... quero ler-lhe umas cenas... (Brochado vai


sentar-se à mesa de

Fábio.)

BROCHADO Ͷ Se você pudesse encaixar aí um


personagem

dramático, que só dissesse monólogos... e que


estivesse sempre

sozinho em cena...

FÁBIO Ͷ Esse personagem pode ser o Progresso, e


aparecer na

cena do eixo da Avenida Central... ou noutras, que eu


inventarei.

BROCHADO Ͷ Só assim eu poderia figurar numa


dessas tropas

fandangas.
FÁBIO Ͷ Ouça lá! (Gritando.) Ó menino, outra garrafa
de
MARGARIDA Ͷ Ele arranjaria a primeira-dama que
parati! (A Brochado.) Você toma outra coisa? procurava?

BROCHADO Ͷ Não; parati mesmo, que o do Monteiro LOPES Ͷ Duvido. Não há nenhuma disponível.
é bom.

MARGARIDA Ͷ A falar a verdade, não sei para que


FÁBIO Ͷ Traga outro cálice! (O Caixeiro, que estava no essa
balcão,
primeira-dama. Não estou eu na companhia?
traz uma garrafa de parati e um cálice, que põe sobre a
mesa de

Fábio, e leva a outra garrafa, depois de se certificar, LOPES Ͷ Tu? (Rindo-se) Pf... Que pilhéria!
contra a luz, que

ela está vazia. Fábio começa a ler a revista em voz


MARGARIDA Ͷ Pilhéria por quê?
baixa a Brochado,

que está de costas para o público.)


VILARES Ͷ Eu sou suspeito... mas a Margarida não
deixa de ter
LOPES (Vendo Monteiro.) Ͷ O Frazão marcou a
razão. Estou certo que daria conta do recado.
reunião para o

meio-dia em ponto, e já passa.


LOPES Ͷ É filho, pois seriamente entrou-te na cabeça
que a
MONTEIRO Ͷ Mais um quarto de hora, menos um
Margarida pode fazer primeiros papéis?
quarto de

hora, não quer dizer nada. Ele anda atrapalhando.


Ficaram de dar-lhe VILARES Ͷ Mas por que não?

o cobre às onze e meia; pode ser que tenha havido LOPES Ͷ Eu sou franco; ela...
qualquer demora.

O dinheiro nunca é pontual. Olhe, aí vem o Vilares e a


Margarida. MARGARIDA Ͷ Aqui no Rio de Janeiro não digo nada;
mas no
CENA III
interior...

OS MESMOS, VILARES, MARGARIDA, artistas


LOPES Ͷ Estás enganada: aqui no Rio de Janeiro é que
o
VILARES (A Lopes.) Ͷ Já chegou o homem? público engole tudo!

LOPES Ͷ Ainda não. MARGARIDA Ͷ Achas então que não sirvo para nada?
LOPES Ͷ Não disse isso... tens o teu lugar no teatro...
mas não

podes fazer primeiros papéis. Eu sou franco!


Tercetino

LOPES Ͷ Eu não nego que és bonita, LOPES Ͷ Não é isto ser atriz;

Que és simpática também; Mas tu dizes a verdade...

Nesse olhar de amor palpita,

Toda gente te quer bem;

Mas, menina, com franqueza: OS TRÊS Ͷ Sim, tu dizes a verdade...

Não te basta essa beleza. Sim, sim, sim, digo a verdade...

Tendo alguma habilidade,

Linda boca, olhos gentis, etc.

VILARES Ͷ Queres tu desanimá-la?

LOPES Ͷ É sempre o que se diz a quem verdade fala!

MARGARIDA Ͷ Deixa-o dizer o que quiser... LOPES Ͷ Contenta-te com o teu lugar.

VILARES Ͷ Não digo nada porque sou suspeito.

LOPES Ͷ Por que estás com ela? Então também eu


sou...
Pois, meu amigo, no teatro,
MARGARIDA Ͷ Ora essa! então tu estás comigo?
Quando é bonita uma mulher
LOPES Ͷ Não estou, mas já estive. E olha que nunca te
Pode fazer o diabo a quatro. enchi a

LOPES Ͷ Pode fazer, ninguém o nega,

cabeça de caraminholas!
Mas não é isto ser atriz!

VILARES Ͷ Deixe-a! não sejas mau colega!

LOPES Ͷ A quem verdade fala é sempre o que se diz!

MARGARIDA Ͷ Tendo alguma habilidade,

Linda boca, olhos gentis,

Cinturinha de deidade,

Pode a gente

Certamente,

Tanto aqui como em Paris

Ser no teatro um chamariz.


CENA IV de São Francisco o bonde da Praia Formosa.

MARGARIDA Ͷ Que iria lá fazer?

COUTINHO Ͷ Sei lá!

OS MESMOS, FLORÊNCIO, COUTINHO, ISAURA, outros FLORÊNCIO Ͷ Homem, se ele não aparecesse, não
artistas que seria a

vêm chegando aos poucos, depois VIEIRA, depois


FRAZÃO
primeira vez.

LOPES Ͷ Não seja má língua! O Frazão foi sempre


FLORÊNCIO Ͷ O Frazão já apareceu? homem de

VILARES Ͷ Não; mas não deve tardar.

ISAURA Ͷ Ele arranjou a primeira-dama? palavra!

LOPES Ͷ Não sei. FLORÊNCIO Ͷ Queres me dizer a mim quem é o


Frazão?
ISAURA Ͷ Se não arranjou, cá estou eu.
LOPES Ͷ Ele deve-te alguma coisa?
LOPES Ͷ Tu?!
FLORÊNCIO Ͷ Não.
ISAURA Ͷ Então?... à falta de outra...
LOPES Ͷ Eu sou franco. Devias ser-lhe agradecido.
LOPES (A rir.) Ͷ Pf! ... Eu sou franco: antes a Estás
Margarida.

ISAURA Ͷ Oh! a Margarida é uma principiante.


desempregado há dois anos, e ele lembrou-se agora de
MARGARIDA Ͷ E tu és uma acabante! ti.
LOPES Ͷ É filha, pois não vês que não podes dar senão FLORÊNCIO Ͷ Porque precisava.

LOPES Ͷ Querem ver que também te propões a


substituir a

caricatas?
primeira-dama? (Risadas.)
FLORÊNCIO (Consultando o relógio.) Ͷ Meio-dia e
meia hora... MARGARIDA Ͷ Quem sabe? Talvez esta demora seja
porque ele

aposto que ele não arranjou o arame.


anda atrás dela.
VILARES Ͷ Aí vem o pessimista!
ISAURA Ͷ Por que não manda um telegrama à Réjane?
FLORÊNCIO Ͷ Pessimista, não: filósofo; espero sempre
o pior. LOPES Ͷ Se a Réjane representasse em português, tu
dirias o
COUTINHO Ͷ Duvido que o Frazão venha.

TODOS Ͷ Por quê?


diabo dela! Eu sou franco. (Entra Vieira todo vestido de
COUTINHO Ͷ Era quase meio-dia quando ele tomou
preto, tipo
no largo
fúnebre, fisionomia triste.)
VIEIRA Ͷ Meus senhores, bom-dia.

MARGARIDA Ͷ Como o Vieira vem triste!


VIEIRA Ͷ Algum dia me viste mais alegre? mesmo tempo, uns a defender; outros a acusar a
Frazão.)
COUTINHO Ͷ Sim, mas hoje estás mais triste que de
costume.

VIEIRA Ͷ É, talvez, por causa desta viagem... vou MONTEIRO Ͷ Que bulha é esta? Calem-se! (Vai para a
deixar porta da

rua.)

família... os filhos... não posso estar longe deles. Já Coro


tenho um nó na

garganta.
UNS Ͷ Tenham todos paciência!

O Frazão não tardará!


FLORÊNCIO Ͷ E é que o Frazão não aparece! Pois
olhem, sem Sempre é muita impertinência

adiantamento eu não posso me mexer. Dizer que ele não virá.

OUTROS Ͷ Já me falta a paciência!

VILARES Ͷ Nem eu! O Frazão tardando está!

E demais tanta insolência!

COUTINHO Ͷ Nem eu. Vi uma casaca num belchior da Grosseria assim não há!
rua da

Carioca, que me assenta como uma luva. O defunto


MONTEIRO (Vindo a correr do fundo.)
tinha o meu

corpo. Mas estou com medo de não a encontrar mais...


Esta demora! Ͷ Supondes que o Frazão pregou-vos uma peça

Mudai de opinião,
PRIMEIRO FREGUÊS (Aparecendo à porta do bilhar; Porquanto a toda pressa
com um
Aí chega o Frazão!
taco na mão.) Ͷ Ó Monteiro, tens aí um pedaço de
giz? (Frazão aparece à porta, entra esbaforido e senta-se
num

banco que lhe oferecem.)


MONTEIRO Ͷ Lá vou. (Acode ao Primeiro Freguês.)

CORO Ͷ Viva o Frazão!


FLORÊNCIO Ͷ Mas, afinal, isto é um abuso! Nós não
somos

criados do senhor Frazão! Viva o Frazão!

LOPES Ͷ Esperem! (Começam todos os artistas a falar É de Palavra o maganão!


ao
FRAZÃO (Sentado.) Ͷ Quero tomar respiração. (As
mulheres

abanam-no com os seus leques.)

CORO Ͷ Toma, Frazão,

Respiração!
I que prometeram levar-me à casa logo às cinco horas,
com toda a

certeza. Se não vierem, estou frito!

FRAZÃO Ͷ Por causa do dinheiro


TODOS Ͷ Hão de vir!
Que neste embrulho está,

Andei o dia inteiro


FRAZÃO Ͷ Vamos a isto! (Dispõe ao centro da cena
De cá pra lá! uma mesa
Fui a São Diogo, e uma cadeira. Senta-se e tira do bolso um papel e um
lápis.)
A Andaraí,

A Botafogo
MARGARIDA (Durante esse movimento.) Ͷ Então? Já
E a Catumbi.
arranjou
CORO Ͷ Foi a São Diogo, etc.
a primeira-dama?
II

FRAZÃO Ͷ Andei toda a cidade,


FRAZÃO Ͷ Já.
Mexi, virei, corri!

Só apanhei metade
TODOSͶJá! Quem é? Quem é?...
Do que pedi!

Fui às Paineiras,
FRAZÃO Ͷ É uma surpresa. A seu tempo saberão.
Fui ao Caju, Vamos aos

Às Laranjeiras adiantamentos. (Chamando.) Lopes!

E ao Cabuçu!

CORO Ͷ Foi às Paineiras, etc. LOPES Ͷ Pronto!

FRAZÃO (Erguendo-se.) Ͷ É verdade! Vocês não FRAZÃO (Dando-lhe dinheiro.) Ͷ Aí tens. Confere.
imaginam

como os tempos andam bicudos!


LOPES Ͷ Está certo.

TODOS Ͷ Imaginamos.
FRAZÃO Ͷ Florêncio!

FRAZÃO Ͷ Foi um verdadeiro trabalho de Hércules a


FLORÊNCIO Ͷ Pronto! (Todos os artistas, de costas
conquista
voltadas
destes miseráveis dois contos de réis! E ainda me falta
para
outro pacote
o público, formam um círculo em volta da mesa em bancos; elas sentam-se agradecendo com gestos e
que está Frazão sorrisos.) As

distribuindo o dinheiro. Entram do fundo, senhoras querem tomar alguma coisa?


timidamente, dona Rita e

Laudelina.)
AS DUAS Ͷ Muito obrigada.
CENA V

MONTEIRO (À parte.) Ͷ É bem boa...


OS MESMOS, DONA RITA, LAUDELINA

LAUDELINA Ͷ Tenha a bondade de me dizer: aquele


DONA RITA Ͷ É a primeira vez que entro nos fundos ator que
de uma
ali está vestido de preto não é o Vieira?
venda!

MONTEIRO Ͷ É, sim, senhora.


LAUDELINA Ͷ Tenha paciência, dindinha, é por amor
da arte...

(A Monteiro, que se aproxima, solícito) Tem a bondade DONA RITA Ͷ Quê!... aquele cômico tão engraçado...
de me dizer que faz

se é aqui o escritório da empresa Frazão? rir tanto!

MONTEIRO Ͷ Não, minha senhora... isto é o meu MONTEIRO Ͷ Em cena. Fora de cena, tem uma cara de
missa
estabelecimento, não é escritório de nenhuma
empresa. de sétimo dia. Está sempre triste. (Afastando-se à
parte.) Bem boa...

LAUDELINA Ͷ Desculpe.
LAUDELINA Ͷ Como o teatro engana!

MONTEIRO Ͷ Mas é aqui que o senhor Frazão trata


dos seus DONA RITA Ͷ Menina, eu acho melhor irmos para
casa. Uma
negócios.
carreira artística que começa nos fundos de uma venda
não pode dar

DONA RITA Ͷ Ele não está? bons resultados.

MONTEIRO Ͷ Está, sim, senhora. Está ali fazendo os LAUDELINA Ͷ Aí vem a senhora! Estamos
comprometidas...
adiantamentos aos artistas da companhia que hoje
segue para fora. Fomos ontem à casa do Frazão... já mandamos as
nossas bagagens
Se quiserem sentar-se e esperar um pouquinho? (Dá-
lhes dois
para a estrada de ferro... e ficamos de vir aqui hoje, à
uma hora,

para recebermos o adiantamento. Agora não podemos


recuar.

DONA RITA Ͷ Queira Deus que não te arrependas!

LAUDELINA Ͷ Nada me poderá suceder. Minha


madrinha está a

meu lado para proteger-me.

DONA RITA Ͷ Tua madrinha! E quem protege ela? Eu


também

sou uma fraca mulher...


FRAZÃO (Erguendo-se.) Ͷ Pronto, meus senhores! Já Tanta amabilidade!

receberam os adiantamentos e os bilhetes de


passagem. Tratem de

mandar as suas bagagens para a estação, e às seis


horas estejam a Coplas

postos. O trem parte às seis e meia.


I

TODOS Ͷ Sim... sim... Descanse... não haverá


novidade, etc.
Sou uma simples curiosa,
FRAZÃO Ͷ Até lá!
Que se quer fazer atriz;
TODOS Ͷ Até lá! (Dispõem-se todos a sair.)
Por não ser pretensiosa,
FRAZÃO (Vendo Laudelina.) Ͷ Ah, cá está ela!
Eu espero ser feliz.
TODOS Ͷ Quem?
Tudo ignoro por enquanto
FRAZÃO Ͷ A nossa primeira-dama!
Da bela arte de Talma,
TODOS Ͷ Ah!
Mas prometo estudar tanto,
FRAZÃO (Tomando Laudelina pela mão, apresentando-
Que o povinho enfim dirá:
a aos

Elle a quelque...
artistas.)
Quelque chose...

Elle a quelque chose là!3


Canto

Ͷ Meus senhores, aqui lhes apresento


CORO Ͷ Elle a queque, etc.
Uma nova colega de talento,

Que brilhante carreira principia


II
E faz parte da nossa companhia!

CORO Ͷ Receba, pois, o nosso cumprimento


3 Trad.: Ela tem alguma.../alguma coisa.../Ela tem
Esta nova colega de talento,
alguma coisa lá!
Que brilhante carreira principia

E faz parte da nova companhia.

LAUDELINA Ͷ Não sei como agradeça, na verdade


LAUDELINA Ͷ O que me alenta e consola

Na carreira que me atrai, MONTEIRO, CAIXEIRO, FÁBIO, BROCHADO, FRAZÃO,


DONA RITA,
É sair da mesma escola
LAUDELINA
De onde tanto artista sai.

Quanta moça analfabeta

Que não sabe o b, a Ͷ bá


FRAZÃO Ͷ Então? Prontas?...
Fez-se atriz, atriz completa

E do público ouviu já:


LAUDELINA Ͷ Prontas.
Elle a quelque... etc.

DONA RITA Ͷ Deixei a casa entregue a uma comadre


minha e
CORO Ͷ Elle a quelque... etc. despedi o moleque. As bagagens já foram para a
estação.

FRAZÃO Ͷ Bom. Agora deixem-me tratar com estas


senhoras. FRAZÃO Ͷ Aqui têm os bilhetes de passagem... e o
MARGARIDA (Saindo com Vilares.) Ͷ A primeira-dama, adiantamento... (Dá-lhes os bilhetes e o dinheiro.)
isto?

ISAURA (A um outro artista.) Ͷ É tão feia! Tão


desajeitada! LAUDELINA Ͷ O primeiro dinheiro ganho com o meu
trabalho
COUTINHO Ͷ Já tem a sua idade...
artístico! (Beija-o.)
LOPES (A dona Rita.) Ͷ E a senhora também é atriz?

DONA RITA Ͷ Não, senhor, sou sua madrinha e


acompanho DONA RITA Ͷ E ganho antes de trabalhar!

FRAZÃO Ͷ Está satisfeita?

ela.

LOPES Ͷ Ah! LAUDELINA Ͷ Estou. Só levo um aperto no coração.

VIEIRA (Saindo, a Frazão.) Ͷ Vou para casa derramar


algumas
FRAZÃO Ͷ Qual é?

lágrimas no seio da família. Estas ausências matam-


me! (Saem todos LAUDELINA Ͷ É seu Eduardo. Para que hei de mentir?
Ele gosta
os artistas da companhia Frazão.)
de mim... não sou ingrata...

CENA VI
FRAZÃO Ͷ Quem é seu Eduardo?

DONA RITA Ͷ É o Luís Fernandes.


FRAZÃO Ͷ Ah! o tal que eu chamei arara... FRAZÃO Ͷ É, sim, senhor! Não esteja a arregalar os
olhos, que

aquilo não se faz para os seus beiços!


LAUDELINA Ͷ Escrevi-lhe despedindo-me dele.

MONTEIRO Ͷ Nem para os seus.


DONA RITA Ͷ Coitado! (A Frazão.) Bom, então até o
trem!

FRAZÃO Ͷ Naturalmente. Serei um pai para ela. Sou


um
FRAZÃO Ͷ Até o trem!
empresário moralizado.

DONA RITA Ͷ Olhe que se minha afilhada for infeliz,


não lhe MONTEIRO Ͷ Com que, então, custou-lhe muito a
arranjar o

cobre, hein? Andou pelas Paineiras, pelo Cabuçu!...


perdôo, seu Frazão! Foi o senhor que desencabeçou
ela!

FRAZÃO Ͷ Não andei senão até à Prainha, mas suei o


topete! E
FRAZÃO Ͷ Há de ser muito feliz!
se o Madureira não me mandar o conto de réis que me
prometeu,
AS DUAS Ͷ Até logo! (Saem.) estou frito. Você bem me podia acudir...

FRAZÃO Ͷ Fiquei reduzido a dezoito mil-réis. MONTEIRO Ͷ É que...

CENA VII FRAZÃO Ͷ Sim, já sei que dessa mata não sai coelho.
Benza-o
OS MESMOS, menos DONA RITA e LAUDELINA
Deus! (Reparando em Brochado e Fábio, que
adormeceram defronte

um do outro.) Que é aquilo? O Brochado? Não sabia


MONTEIRO Ͷ Você é dos diabos! Onde foi que ele estivesse
desencantar aquela
de volta!
jóia?..

MONTEIRO Ͷ Chegou hoje.


FRAZÃO Ͷ Numa sociedade particular.

FRAZÃO Ͷ Já se cansou de impingir monólogos aos


MONTEIRO Ͷ É séria? paulistas?
MONTEIRO (Examinando contra a luz a garrafa de para
ti) Ͷ

Adormeceram ambos, depois de esvaziar uma garrafa


de parati!

(Sacudindo-os.) Eh! lá, acordem...

FRAZÃO Ͷ Bom! Vou tratar da vida! (Sai pelo fundo.)

BROCHADO (Sonhando.) Ͷ Chorava o arco... chorava o

madeiro... tudo chorava...

MONTEIRO Ͷ Acordem! (Erguem-se os dois


esfregando os

olhos.)

BROCHADO Ͷ Meu poeta, o seu Trouxa fez-me


dormir: não

presta!

FÁBIO (Cambaleando.) Ͷ Perdão: não foi o Trouxa, foi


o parati.

(Forte da orquestra. Mutação.)


Quadro 3

Piedade eu te mereço,

O corredor da casa de pensão em que mora Frazão. À Ó minha doce amada!

esquerda, a porta da rua, e, à direita, a cancela com Esta alma torturada


cordão de
Está por teu amor!
campainha.
As mágoas que eu padeço

São grandes, muito grandes,


CENA I
Porque nem Luís Fernandes

Amava assim Leonor.


EDUARDO, depois um CRIADO

EDUARDO (Entrando.) Ͷ É aqui! É aqui a casa de


pensão em II

que mora esse maldito empresário! Recebi uma carta


de Laudelina
Oh! não me bastam cartas!
em que me participava que parte hoje no noturno com
No teu caminho incerto
a companhia
De ti quero estar perto,
Frazão... Ainda me parece um sonho! Já pedi ao patrão
licença e um Ó minha linda flor!
adiantamento de dois a três meses... Hei de Aonde quer que partas,
acompanhá-la por toda a
Por onde quer que tu andes,
parte! Não a deixarei sozinha por montes e vales,
exposta sabe Deus O teu Luís Fernandes

a que perigos! Mas antes disso, quero entender-me Te seguirá, Leonor!...


com este homem,

que odeio, porque foi ele quem lhe meteu na cabeça


essa loucura!

Oh! eu!... (Vai a puxar o cordão da campainha e


arrepende-se.)

Tenhamos calma... Que vou dizer a esse empresário?...


com que

direito aqui venho?... É meu coração, meu pobre


coração!

Coplas

I
Coragem! (Toca a campainha.) Também eu quero fazer
parte

da companhia Frazão!...
EDUARDO Ͷ Sim, senhor! É o Luís Fernando, de
Catumbi, que

CRIADO (Abrindo a cancela.) Ͷ Quem é? vem perguntar: Frazão, que fizeste da morgadinha?

EDUARDO Ͷ Mora aqui o ator Frazão? FRAZÃO Ͷ A morgadinha parte esta noite comigo no
noturno:

está na minha companhia.


CRIADO Ͷ Sim, senhor.

EDUARDO (Furioso.) Ͷ Na sua companhia?


EDUARDO Ͷ Está em casa?

FRAZÃO Ͷ Dramática... Na minha companhia


CRIADO Ͷ Sim, senhor, e à sua espera! Vou chamá-lo! dramática... Nada
(Sai.)
de trocadilhos! Descanse: a morgada vai com ela.

CENA II
EDUARDO Ͷ A morgada não basta: é uma senhora. Eu,
que a
EDUARDO, depois FRAZÃO amo, que a adoro, que desejo que ela, só ela seja mãe
dos meus

futuros filhos, quero acompanhá-la também, e venho


EDUARDO (Só.) Ͷ À minha espera? Isso é que não! À
oferecer-me
espera
para galã da companhia!
de outro será!

FRAZÃO Ͷ Galã? Já tenho o Lopes e estou com a folha


FRAZÃO (Entrando a correr.) Ͷ Dê cá, meu amigo, dê
muito
cá!
sobrecarregada.
Estava pelos cabelos! Já passa das cinco! Dê cá!

EDUARDO Ͷ Mas eu não quero que o senhor me


EDUARDO Ͷ Dê cá o quê!
pague

ordenado.
FRAZÃO (Reparando-o.) Ͷ Desculpe... julguei que o
senhor
FRAZÃO Ͷ Ah! não quer? Por esse preço, convém-me.
fosse portador do conto de réis do Madureira! Um
Pode ir;
conto que espero
mas já distribuí todos os bilhetes de passagem.
com impaciência! Mas se não me engano é o Luís
Fernandes, de Catumbi!
EDUARDO Ͷ Também não quero que me pague a
passagem.

Peço

apenas para fazer parte do elenco.

FRAZÃO Ͷ Pois não! E se o senhor me pudesse


arranjar, pelo

mesmo preço, um pai nobre que me falta...

EDUARDO Ͷ Pelo preço contente-se com um galã. E


adeus!

Vou

preparar-me!
FRAZÃO Ͷ Adeus! Se encontrar pelo caminho um não fujo à tentação de andar com o meu mambembe
caixeiro, ou às costas,

coisa que o valha, com um conto de réis na mão, diga- afrontando o fado?... Perguntem às mariposas por que
lhe que venha se queimam

depressa! na luz... perguntem aos cães por que não fogem


quando avistam ao

longe a carrocinha da prefeitura, mas não perguntem a


EDUARDO Ͷ Bem. (À parte.) Vou com ela! (Sai.) um

empresário de teatro por que não é outra coisa senão


empresário de
CENA III
teatro... Isto é uma fatalidade a que nos condena o
nosso próprio
FRAZÃO, depois o CRIADO
temperamento. O jogador [é] infeliz porque joga? O
fraco bebedor,

FRAZÃO (Consultando o relógio.) Ͷ Cinco e vinte. Se se por que bebe?... Também isto é um vício, e um vício
terrível porque
demora mais dez minutos, já não apanho o trem senão
de tílburi! ninguém como tal o considera, e, portanto, é
confessável, não é uma
(Chamando) Ó Joaquim! Estou num formigueiro! Que
maldade a do vergonha, é uma profissão... uma profissão... uma
profissão que
Madureira! Prometer-me um conto de réis, e faltar à
última hora! (Ao absorve toda a atividade... toda a energia... todas as
forças, e para
Criado, que entra.) Ó Joaquim, vai ali na praça buscar
um tílburi! quê?... Qual o resultado de todo este afã? Chegar
desamparado e
Depressa!
paupérrimo a uma velhice cansada! Aí está o que é ser
empresário no

CRIADO Ͷ É já! (Sai.) Brasil! Mas este conto de réis que não chega!

FRAZÃO (Só.) Ͷ E levo esta vida há trinta anos! CRIADO (Entrando.) Ͷ O tílburi! Aí está!
pedindo hoje...

pagando amanhã... tornando a pedir... tomando a


pagar... sacando FRAZÃO Ͷ Falta apenas um quarto de hora para a
partida do
sobre o futuro... contando com o incerto... com a
hipótese do trem. Vou pôr o chapéu e tomar o tílburi! Entrego-me
à sorte, ao
ganho... com as alternativas da fortuna... sempre de
boa-fé, e deus-dará! (Sai pela direita.)

sempre receoso de que duvidem de mim, porque sou


cômico, e ser

cômico, vem condenado de longe... Mas por que


persisto?... por que
CENA IV VELHOTE (Só.) Ͷ O senhor Madureira faz mal.
Emprestar um

conto de réis a um cômico! Isto é gentinha a quem não


O CRIADO, um VELHOTE se deve fiar

nem um alfinete! Como sou amigo do senhor


Madureira, que é um
CRIADO (Só.) ͶCoitado do senhor Frazão! Parece que
lhe excelente patrão, demorei-me quanto pude no
caminho, a ver se o tal
roeram a corda! (Vai saindo.)
Frazão partia sem o dinheiro! Este há de o senhor
Madureira ver por
VELHOTE (Entrando muito devagar e falando muito
um óculo!
descansado.) Ͷ Psiu! Ó amigo!

FRAZÃO (Entrando de mala na mão e guarda-pó


CRIADO Ͷ Que é? debaixo do

braço.) Ͷ Então, o dinheiro?

VELHOTE Ͷ Mora aqui um cômico por nome Frazão?


VELHOTE Ͷ Cá está! (Tira um maço de notas.) Venha
primeiro
CRIADO Ͷ Mora, sim, senhor. É o senhor que lhe vem
trazer

um dinheiro? o recibo!

FRAZÃO ͶQue recibo, que nada! Mandá-lo-ei pelo


correio.
VELHOTE Ͷ Que tem você com isso?
(Toma o dinheiro e saí correndo.)

CRIADO Ͷ Ele está impaciente à sua espera! São quase


horas VELHOTE Ͷ Venha cá! Venha cá! Quero o recibo! (Sai
correndo.
do trem!
Mutação. Música na orquestra até o final do ato.)

VELHOTE Ͷ Ah! Tem pressa! Pois eu não tenho


nenhuma. Quadro 4

CRIADO Ͷ Vou chamá-lo. (Sai.) Na plataforma da Estação Central da Estrada de Ferro.

CENA V CENA I

O VELHOTE, depois FRAZÃO A COMPANHIA FRAZÃO, amigos, o CHEFE DO TREM,


depois FRAZÃO
(Ao erguer do pano, o trem que tem de levar a
companhia está
CENA I
prestes a sair. Alguns artistas espiam pelas portinholas,
inquietos por

não verem chegar Frazão.) DONA RITA, LAUDELINA, EDUARDO, VILARES,


MARGARIDA,

ARTISTAS Ͷ O Frazão? O Frazão?


FLORÊNCIO, COUTINHO, VIEIRA, artistas, pessoas do
VOZES Ͷ Não arranjou o dinheiro! povo

OUTROS Ͷ Que será de nós?

CHEFE DO TREM (Apitando.) Quem tem que embarcar (Ao levantar o pano, os artistas e as pessoas do povo
embarca! formam

dois grupos distintos; aqueles à esquerda, debaixo da


árvore, e estes

à direita, fundos. As bagagens da Companhia Frazão,


(Embarca. O trem põe-se em movimento. Entra Frazão caixões, malas,
a correr.)
sacos de viagem, pacotes etc., estão debaixo da árvore.
Os artistas
ARTISTAS Ͷ É ele! Pára! Pára! estão uns sentados nas malas, outros de pé e ainda
outros deitados,

parecendo todos fatigados por uma viagem penosa.


FRAZÃO Ͷ Pára! (Atira a mala para dentro do trem,
Dona Rita dorme
pendura-se
a sono solto, sentada numa das malas, e Vieira
no [tênder] do último carro dormitório. O trem
também sentado e
desaparece, levando
um pouco afastado dos companheiros, lê uma carta,
Frazão pendurado, enquanto as pessoas que se acham
sempre com o
na plataforma
seu ar fúnebre. As pessoas do povo examinam os
riem e aplaudem.)
artistas de longe,

curiosamente, mas como receosos de se aproximarem


[(Cai o pano.)] deles.)

ATO SEGUNDO Coro das pessoas do povo

Quadro 5 Aquela gente, de surpresa

Aqui na terra amanheceu!

Praça numa cidade do interior. À esquerda, grande


árvore e à

direita, um sobrado de duas janelas, onde mora o


coronel Pantaleão.
E ninguém sabe com certeza a pedrada!

Como foi que ela apareceu! MARGARIDA (A Eduardo.) Ͷ Tu, que és o nosso orador
oficial,
CORO Ͷ São ciganos!
vai ter com eles.
OUTROS Ͷ São artistas!

UNS Ͷ São ciganos!


EDUARDO Ͷ Dizes bem. Vou dirigir-lhes a palavra!
OUTROS Ͷ Não insistas!
(Encaminhando-se para as pessoas do povo.) Meus
UNS Ͷ São ciganos! senhores...
OUTROS Ͷ Não há tal! (Vendo Eduardo aproximar-se, as pessoas do povo
soltam um grito
Com certeza é pessoal
estridente, e fogem por todos os lados. Só ficam em
Teatral!
cena os artistas
CORO Ͷ Com certeza é pessoal
que, à exceção de Vieira, riem às gargalhadas.) Bonito!
Teatral! Fugiram to-

dos!

OS ARTISTAS (Entre si.)


VILARES Ͷ Estamos arranjadinhos... Aqui o público
foge dos
Ͷ Aquela gente não se aproxima...
artistas!
Falar deseja, mas não se anima.
COUTINHO Ͷ Eu bem disse que não viéssemos cá...
Está decerto desconfiada que era

De que nós somos ladrões de estrada, uma asneira!

E de que temos, talvez, vontade MARGARIDA Ͷ Mas que lembrança do Frazão! Vir a
uma cidade
De saquear-lhes toda a cidade!

Junção dos dois Coros


que ele não conhecia e onde não conhecia ninguém!

FLORÊNCIO Ͷ Sem trazer sequer uma carta de


Aquela gente, de surpresa etc. recomendação!
Aquela gente não se aproxima... etc. EDUARDO Ͷ Nem dinheiro!

LAUDELINA Ͷ Como estão desconfiados!

EDUARDO Ͷ Que olhares nos lançam!

FLORÊNCIO Ͷ Demo-nos a conhecer.

VILARES Ͷ Sim, porque do contrário são capazes de


nos correr
LAUDELINA (A Eduardo.) Ͷ Olhe, dindinha Que triste desilusão! Durante o primeiro mês a coisa
adormeceu... não foi mal, mas

daí por diante tem sido o diabo. Estavam-nos


reservadas todas as
EDUARDO Ͷ Pudera! Com esta viagem de três dias!
contrariedades.

LAUDELINA Ͷ Se ainda fosse em trem de ferro, mas


em carros VILARES Ͷ Todas? Falas assim porque és marinheiro
de
de boi!
primeira viagem. Pelo menos o nosso empresário até
hoje nos tem
VILARES Ͷ E em burros! pago em dia...

FLORÊNCIO (Olhando para dona Rita.) Ͷ Pudesse eu FLORÊNCIO Ͷ Pois sim, mas durante as viagens
fazer o suspende os
mesmo! Se apanho uma cama, há de me parecer um ordenados!
sonho! (Vieira

soluça forte.)
COUTINHO Ͷ E como levamos todo o tempo a viajar...

TODOS (Voltando-se.) Ͷ Que é isto?


VIEIRA (Fúnebre.) Ͷ É com dificuldade que se manda
algum
VILARES Ͷ É o Vieira, que chora! Recebeu há cinco dias socorro à família.
aquela

carta da família, e tantas vezes a tem lido que já deve


sabê-la de cor MARGARIDA Ͷ Outro que não fosse o Frazão já nos
teria
e salteada!
abandonado. Isso é que é verdade!

FLORÊNCIO Ͷ Assim decorasse ele os seus papéis!


VILARES Ͷ O caso é que temos vivido... e que ele
pouco deve.
VIEIRA (Como para si.) Ͷ Meus pobres filhos! O seu primeiro cuidado foi mandar pagar no Rio os três
contos que

pediu emprestados.
MARGARIDA Ͷ Estão doentes? (Aproxima-se dele)

COUTINHO Ͷ Fez mal em pagar tão depressa: ficou


VIEIRA Ͷ Não; mas estão longe, muito longe!
sem fundo

de reserva.
EDUARDO Ͷ Vê, dona Laudelina, em que deu a sua
loucura?
FLORÊNCIO Ͷ Qual ficou, qual nada! Pois vocês
acreditam que

o Frazão não tenha dinheiro?

TODOS (Protestando.) Ͷ Não! Isso não! Oh!...

FLORÊNCIO Ͷ Ora! Querem vocês conhecê-lo melhor


do que

eu! Aquele sabe viver!

MARGARIDA Ͷ És muito má língua! O que vale é que


ninguém

faz caso do que tu dizes.

FLORÊNCIO Ͷ Bem fez o Lopes: quando viu que a coisa

desandava, rodou, e por aqui é o caminho.

LAUDELINA Ͷ Perdão, senhor Florêncio, não foi por


isso que o

senhor Lopes se retirou.


EDUARDO Ͷ Foi porque ficou enciumado comigo, e suprimidos. O artigo 17 dos estatutos do Grêmio
disse que a Dramático Familiar

companhia não precisava de dois galãs dramáticos. de Catumbi diz o seguinte: ͞É proibido aos amadores
beijar as

amadoras em cena, a menos que para isso estejam


VILARES Ͷ Pudera! Se dona Laudelina não queria autorizados por
representar
quem de direito.͟
senão contigo!

EDUARDO Ͷ Mas o Frazão teve a habilidade de


LAUDELINA Ͷ Porque o senhor Lopes não era sério... convencê-la de
fazia
que a senhora devia substituir a Engrácia!
muito ao vivo os seus papéis...

FLORÊNCIO Ͷ Substituir é um modo de dizer, meu


COUTINHO Ͷ É um artista consciencioso. caro

amigo... uma amadora não substitui uma artista...


DONA RITA (Que abriu os olhos.) Ͷ Pois sim, mas não

precisava beijar ela quando a peça não mandava! DONA RITA Ͷ Ora quem sabe! Talvez o senhor se
(Risos.) julgue

insubst... insubst...
MARGARIDA Ͷ Ah, isso é costume antigo do Lopes. Foi
assim
TODOS Ͷ Insubstituível.
que começaram os nossos amores... e foi por isso que
o deixei,

porque, depois de estar comigo, entendeu que devia DONA RITA Ͷ Quem sabe? Pois agradeçam à
continuar a fazer Providência haver

à mão uma amadora, porque, se assim não fosse,


muitas peças
o mesmo com as outras... Todas as vezes que entrava
para a ficavam desmontadas!

companhia uma atriz nova e bonita, ele abusava dos


beijos!
VILARES Ͷ Tem razão, dona Rita: com peças
desmontadas não

LAUDELINA Ͷ E dos abraços! E dos apertos de mão! se faz fogo! (Risadas.)

DONA RITA (Erguendo-se.) Ͷ Eu cá é que nunca FLORÊNCIO Ͷ Mas o Frazão, o Frazão, que não volta!
imaginei

representar senão em sociedades particulares, onde os


beijos são COUTINHO Ͷ Há uma hora que foi procurar um
hotel... e
deixou-nos acampados aqui, como um bando de
ciganos.

FLORÊNCIO Ͷ Sabe Deus se não passou as palhetas!

TODOS (Protestando.) Ͷ Oh!

FLORÊNCIO Ͷ Vocês não o conhecem, como eu!

MARGARIDA Ͷ Cala a boca, má língua! Ali vem ele!

TODOS Ͷ Ah! (Erguem-se todos os artistas que


estavam

sentados ou deitados. Frazão entra do fundo, à direita,


com as mãos

nas algibeiras, o chapéu deitado para trás e fisionomia


contrariada.)

CENA II

OS MESMOS, FRAZÃO
ARTISTAS Ͷ Então? Arranjou um hotel? (Frazão
passeia de um
FRAZÃO Ͷ Desculpem-na. Dona Rita não tem ainda
lado para outro, sem responder.) Então? Fale! bastante
Responda! (Mesmo
prática do ofício... não sabe guardar as conveniências.
jogo de cena.) Vamos! diga alguma coisa!

VIEIRA (Num tom fúnebre.) Ͷ A primeira figura da


FRAZÃO (Parando.) Ͷ Sebo! companhia,

OS ARTISTAS Ͷ Hein? modéstia à parte, e sem ofender os colegas, sou eu.

FRAZÃO Ͷ Sebo! Três vezes sebo! (Pausa. Ansiedade


geral.)
FRAZÃO Ͷ Tem razão, Vieira. Pelo menos, depois de
mim, és o

que mais agrada.

Há, nesta próspera e florescente cidade de Tocos, um


hotel... um
VIEIRA (No mesmo tom.) Ͷ Quando estou em cena, o
público

único... o Hotel dos Viajantes... torce-se de riso...

LAUDELINA Ͷ Então estamos bem. DONA RITA Ͷ Por isso, aquele crítico de Uberaba disse
que o

senhor tinha muita noz-vômica.


FRAZÃO Ͷ Bem mal. O dono do hotel diz que não tem
lugar

nem comida para tanta gente. FRAZÃO Ͷ Que noz-vômica! Vis comicas!4 (Risadas.)

DONA RITA Ͷ Mas ao menos eu e minha afilhada, que VILARES Ͷ Mas vamos ao que serve... o hotel?
somos Quantos

as principais figuras da companhia... cabemos lá?

VILARES Ͷ Protesto! FRAZÃO Ͷ Nenhum, porque o homem diz que não fia.

MARGARIDA Ͷ Olhem a velha!

(Ao mesmo tempo.) FLORÊNCIO Ͷ Aqui não há EDUARDO Ͷ Por quê?


primeiras

figuras!
FRAZÃO Ͷ A última companhia que aqui esteve
COUTINHO Ͷ Toleirona! pregou-lhe um

calo de quatrocentos e oitenta e sete mil, e duzentos


réis.
OUTROS ARTISTASͶIsso é que não! Alto lá!...
LAUDELINA Ͷ Como o senhor decorou a quantia!

FRAZÃO Ͷ Pelo hábito de decorar os papéis. Fiz-lhe


ver que

havia muita diferença entre um empresário da minha


categoria e o

Chico dos Tiros, que aqui esteve; mas todo o meu


talento, toda a

minha eloqüência, todos os meus esforços foram vãos!

TODOS Ͷ Oh!

4 Trad.: veia cômica, queda para fazer rir!


VILARES Ͷ Insiste-se. casa.

FRAZÃO Ͷ Não há que insistir. O dono do Hotel dos EDUARDO Ͷ Pois o senhor não viu que mal nos
Viajantes é apeamos dos

um antigo colega nosso. burros e as senhoras desceram dos carros, tudo voltou
para o

Tinguá?
TODOS Ͷ Sim? Um ator?

VILARES Ͷ Só ficou o carreiro para receber nestes três


FRAZÃO Ͷ Um ator muito ordinário. Veio há muitos dias os
anos para
duzentos mil-réis da condução.
esta cidade com um mambembe que aqui se dissolveu.
Diz ele que

conhece a classe. Respondi-lhe com uma FRAZÃOͶÉ isso, é (Com um repente, elevando a voz e
descompostura daquelas...
erguendo as mãos para o céu.) Manes de Téspis e de
vocês sabem!... e contive-me para não lhe quebrar a Molière! Alma
focinheira!
do defunto Cabral, o maior mambembeiro de que há
notícia nos

FLORÊNCIO Ͷ Que grande patife! Não saiamos daqui fastos da arte nacional, inspirai-me nesta situação
sem lhe tremenda!... (A

dar uma lição! Vilares, indicando-lhe uma rua.) Ó Vilares, vai tu com a
Margarida por

esta rua fora, e façam o possível por descobrir alguma


TODOS Ͷ Apoiado! coisa.

FRAZÃO (Levando o dedo polegar à testa.) Ͷ Tenho VILARES Ͷ Está dito! (A Margarida.) Nem que seja só
uma idéia! para nós.

TODOS Ͷ Uma idéia! Qual? FRAZÃO Ͷ O ponto de reunião é nesta praça, daqui a
uma

hora.
FRAZÃO Ͷ Onde dormimos nós esse três dias que
levamos do

Tinguá até aqui? MARGARIDA Ͷ Vamos cavar. (Sai com Vilares.)

LAUDELINA Ͷ Nos carros que nos trouxeram. FRAZÃO Ͷ Florêncio, vai com a Marcelina por esta
outra rua.

FRAZÃO Ͷ Pois bem, hospedemo-nos neles, até


acharmos FLORÊNCIO Ͷ Por que com a Marcelina?
FRAZÃO Ͷ Para parecer gente casada... Oh, eu sei o
que são

estes lugares!...

FLORÊNCIO Ͷ Vamos lá! (Sai com uma das coristas.)

FRAZÃO Ͷ Coutinho, embica por acolá, e leva contigo


a Josefina.

COUTINHO Ͷ Anda daí! Olha que vais passar por


minha

mulher! Vê lá como te portas! (Saem.)

FRAZÃO Ͷ Tu, Vieira...

VIEIRA Ͷ Deixa-me. Vou informar-me onde é o


cemitério e

passar lá uma hora... apraz-me o silêncio dos túmulos.


(Sai.)

FRAZÃO (Contemplando-o enquanto ele vai saindo.) Ͷ


Quem

será capaz de dizer que ali vai o rei da gargalhada?


(Distribuindo
outros atores e atrizes.) Vocês por aqui, vocês por ali... IRINEU (Entrando da direita alta, estacando diante das
(A um ator
bagagens.) Ͷ Que é isto? Ah! Já sei... é a bagagem da
velho.) Tu, meu velho, ficas tomando conta da companhia
bagagem. (Têm saído
dramática chegada hoje do Tinguá! (Ao Velho Ator.)
todos menos Frazão, dona Rita, Laudelina, Eduardo e o Não é? (Sinal
ator velho.)
afirmativo do Velho Ator.) Eu vinha justamente dar
Eu e dona Rita vamos por este lado. O Eduardo e a esta grande
Laudelina por
novidade ao coronel Pantaleão. (Indo bater à porta de
aquele... Pantaleão.)

Coronel! Coronel! Na sua qualidade de dramaturgo, ele


vai ficar
DONA RITA Ͷ Não. O melhor é seu Eduardo ir com o
senhor, e contentíssimo com a notícia!

eu com Laudelina.

PANTALEÃO (Aparecendo à janela do sobrado em


mangas de
LAUDELINA Ͷ Ó dindinha! É para parecermos todos
casados! camisa.) Ͷ Quem é? Ah! É você, capitão?

DONA RITA Ͷ Nesse caso, vai com seu Frazão e eu vou IRINEU Ͷ Em primeiro lugar, cumprimento a Vossa
com Senhoria

seu Eduardo. por ser hoje o dia do seu aniversário natalício, e colher
mais uma flor

no jardim da sua preciosa existência.


FRAZÃO Ͷ Como eu disse está bem! Que receia a
senhora?

Pois se não temos casa, quanto mais quartos! PANTALEÃO Ͷ Muito obrigado!

DONA RITA Ͷ Enfim... (Sai com Frazão.) IRINEU Ͷ Em segundo lugar, dou-lhe uma notícia, uma
grande

notícia que interessa a Vossa Senhoria, não só como


EDUARDO (Á parte.) Ͷ Passar por marido dela! Que ilustre
ironia da
presidente da Câmara Municipal de Tocos, mas
sorte! (Sai com Laudelina.) também, e

principalmente, como dramaturgo!


CENA III

PANTALEÃO Ͷ Ah, sim? Qual é?...


IRINEU, o VELHO ATOR, sentado numa das malas,
depois PANTALEÃO
IRINEU Ͷ Chegou esta manhã, há uma hora, uma
companhia
dramática!

PANTALEÃO Ͷ Uma companhia dramática! Que está


dizendo?

IRINEU Ͷ Para a prova aqui estão as bagagens. (Lendo


o

letreiro de uma caixa.) ͞Companhia Frazão.͟

PANTALEÃO Ͷ Frazão? Será o célebre, o popularíssimo


Frazão?

IRINEU Ͷ Deve ser. Não creio que haja dois Frazões.

PANTALEÃO Ͷ Vou vestir o rodaque e desço já!


(Saindo da

janela.) Ó dona Bertolesa!


IRINEU Ͷ Ficou entusiasmado! Já não quer saber de em cena como devia pôr.
outra

coisa! O teatro é a sua cachaça! Quem não deve gostar


é dona PANTALEÃO Ͷ Como não, se gastei perto de cinco
contos de
Bertolesa, que tem muitos ciúmes das cômicas.
réis? Foi o major Eufrásio que promoveu a pateada,
por fazer

PANTALEÃO (Saindo de casa a vestir o rodaque.) Ͷ Ora oposição à municipalidade! Mandou para o teatro toda
muito a sua gente!...

me diz! Uma companhia dramática! (Vai examinar as


bagagens e
IRINEU Ͷ E a coisa acabou num formidável
cumprimenta o Velho Ator.) O senhor é o célebre turumbamba! O
Frazão?
subdelegado suspendeu o espetáculo!

VELHO ATOR Ͷ Ai, não, senhor, quem me dera!


PANTALEÃO Ͷ E a representação não acabou! Ah, mas
o meu

PANTALEÃO Ͷ Mas é artista? drama há de ir à cena, quer queiram, quer não


queiram! Você já viu

VELHO ATOR Ͷ Sim, senhor, do pano do fundo... só


faço o Frazão?

pontas. IRINEU Ͷ Já... isto é, creio que foi ele que eu vi, no
Hotel dos

Viajantes, passando uma descompostura ao tenente


PANTALEÃO (A Irineu.) Ͷ Diz que só faz pontas. Esta Gaudêncio,

porque este não quis hospedar a companhia.


linguagem teatral é incompreensível!

PANTALEÃO Ͷ Gaudêncio está escabreado.


IRINEU Ͷ Já sei que Vossa Senhoria vai de novo fazer

representar o seu drama? CENA IV

PANTALEÃO Ͷ Não me fale! Um drama que me OS MESMOS, EDUARDO e LAUDELINA


obrigou a

estudos de história, de geografia, da mitologia e da


Bíblia, para afinal EDUARDO Ͷ E esta! Demos uma volta e, sem querer,
viemos
não ser compreendido por estes idiotas!...
ter à mesma praça de onde saíramos!

IRINEU Ͷ Ele foi pateado porque o Chico dos Tiros não


o pôs LAUDELINA Ͷ Estão ali dois sujeitos... pergunte-lhes...
EDUARDO (Dirigindo-se a Pantaleão e
cumprimentando-o com

muita cortesia.) Ͷ Bom-dia. O cavalheiro dá-me uma


informação?

PANTALEÃO Ͷ Pois não! Se puder... (Acotovela Irineu,

mostrando-lhe Laudelina com os olhos, que arregala.)

EDUARDO Ͷ Indica-me com quem se poderá, nesta


cidade,

contratar casa e comida para o pessoal da grande


Companhia

Dramática Frazão, do Teatro São Pedro de Alcântara,


da Capital

Federal, que vem dar aqui uma pequena série de


representações?
PANTALEÃO Ͷ Ah! Os senhores são artistas?

IRINEU Ͷ Às ordens de Vossa Senhoria. (Entra em casa


de
EDUARDO Ͷ Eu sou o galã e esta senhora é a primeira-
dama Pantaleão.)

da companhia.

EDUARDO (Alegre.) Ͷ Ah! O cavalheiro é o dono do


teatro?
PANTALEÃO Ͷ Minha senhora... (À parte.) É um
pancadão!

PANTALEÃO Ͷ Quase.

LAUDELINA Ͷ Meus senhores...

LAUDELINA Ͷ Como quase?

IRINEU Ͷ Excelentíssima!... (À parte.) Que tetéia!...

PANTALEÃO Ͷ O teatro é da municipalidade... e como


eu sou
EDUARDO Ͷ A companhia é dirigida pelo afamado e
ilustre ator presidente da Câmara Municipal...

Frazão e traz um escolhido repertório de dramas e


comédias.
EDUARDO e LAUDELINA Ͷ Ah!

PANTALEÃO Ͷ De dramas?... Representam dramas?...


Dramas PANTALEÃO Ͷ É como se fosse dono do teatro.

compridos, que levam muito tempo?


EDUARDO e LAUDELINA Ͷ É.

LAUDELINA Ͷ Compridos e curtos!


IRINEU (Saindo da casa de Pantaleão.) Ͷ Aqui está a
chave do
EDUARDO Ͷ De todos os tamanhos!
Templo das Musas. Vou abri-lo! (A Eduardo.) Quer vê-
lo?

PANTALEÃO (Subindo.) Ͷ Esta é a bagagem?

EDUARDO Ͷ Pois não! (Baixo a Laudelina.) Trate de


agradarlhe.
EDUARDO Ͷ Sim, senhor.
(Sai com Irineu. Ao sair, recomenda ao Velho Ator, por
um gesto,
PANTALEÃO Ͷ Não deve ficar na rua. Vou mandá-la que tenha olho em Laudelina. O Velho Ator, por outro
para o gesto, diz-lhe
teatro. (A Irineu.) Capitão Irineu, você fica encarregado que vá descansado.)
disso. A

chave do teatro está ali em casa. Peça-a a dona


Bertolesa. CENA V
PANTALEÃO, LAUDELINA, o VELHO ATOR

LAUDELINA (À parte.) Ͷ Agradar-lhe como?...

PANTALEÃO Ͷ Com que, então, a senhora é a


primeira-dama?

LAUDELINA Ͷ Sim, senhor.

PANTALEÃO Ͷ A sua graça é?...

LAUDELINA Ͷ Laudelina Pires, uma sua criada.


PANTALEÃO Ͷ Pois eu sou Pantaleão Praxedes Gomes,
coronel

comandante superior da Guarda Nacional, negociante,


venerável da PANTALEÃO Ͷ Não me refiro à companhia. (Outro
tom.)...͞a
Maçonaria, presidente da Câmara Municipal e autor do
drama em esse povo, e ainda sinto horror ao recordar-me da
crueldade dos
doze atos e vinte e um quadros A passagem do Mar
Amarelo. soldados e esbirros torturando essas vítimas
inocentes!͟

LAUDELINA Ͷ Ah! É dramaturgo?


LAUDELINA Ͷ Mas deixe-me dizer... O Mar Amarelo
fica entre a

PANTALEÃO (Modestamente.) Ͷ Sim... dramaturgo. China e o Japão, e o senhor fala em Moisés e Faraó.
Creio que se

enganou de cor: deve ser o Mar Vermelho.


LAUDELINA (À parte.) Ͷ Ai, o Frazão aqui! (Alto.) Por
que não

aproveita a nossa vinda e não pede ao empresário que PANTALEÃO Ͷ Vejo que a senhora sabe geografia.
leve a sua Ainda bem!

peça? Eu lhe explico: o assunto do drama é, realmente, a ida


do povo de

Moisés à terra da Promissão, mas se eu o fizesse sair ali


PANTALEÃO Ͷ Se ele quiser... O drama está da Palestina
montado... os
para levá-lo ao Egito, passando pelo Mar Vermelho,
cenários e vestuários estão no teatro. O papel da seria uma coisa à
primeira-dama é
toa! Quis dar mais peripécias ao drama. Fiz com que o
um papelão! povo desse

uma volta maior. Levei-o pela Sibéria, para haver uma


cena nos
LAUDELINA Ͷ Deveras?
gelos... De lá ele desce à Mandchúria, da Mandchúria à
Coréia, da
PANTALEÃO Ͷ Ouça esta fala: ͞Faraó é rigoroso nas
Coréia ao Japão, do Japão atravessam o Mar Amarelo.
suas
Fim do sexto
crenças e inimigo de Moisés, a quem hostilizou em
ato. No dia seguinte...
todos os terrenos,

tanto que, regressando da guerra, por um decreto real,


proibiu aos LAUDELINA Ͷ Como no dia seguinte?
habitantes de Mênfis dar casa e comida a esse povo...

PANTALEÃO Ͷ O meu drama leva dois dias a


representar-se.
LAUDELINA Ͷ Casa e comida? Mas olhe que não
somos hebreus! Então a senhora queria que eu fizesse toda essa
viagem numa noite
só? No dia seguinte, o povo de Moisés vem pela China,
Indostão,

Afeganistão, Beluquistão, Arábia, e então é que passa o


Mar

Vermelho! Fim do ato décimo-segundo!

LAUDELINA Ͷ Deve ser bonito!

Duetino

PANTALEÃO Ͷ Creia, senhora, que o meu drama

Não é de todo mau; talvez

Que ao dramaturgo desse fama,


Se fosse acaso ele francês; PANTALEÃO Ͷ Agradece-lhe tanta simpatia

Porém metido aqui na roça,

Sem um estímulo qualquer, O venerável da Maçonaria...

Autor não há que alçar-se possa, LAUDELINA Ͷ E coronel da Guarda Nacional!...

Tenha o talento que tiver! PANTALEÃO Ͷ E presidente...

LAUDELINA Ͷ Coronel, por que razão LAUDELINA Ͷ Perfeitamente...

Não aprende o francês e não vai para a AMBOS Ͷ Da Câmara Municipal! (Repetem quatro
vezes.)
França?

PANTALEÃO Ͷ Senhora, eu já não sou criança.


Municipal!
Não posso ter essa ambição,
LAUDELINA Ͷ Fale hoje mesmo ao Frazão, que não
De mais a mais eu sou casado e pai de filhos, tarda aí.
E tenho muitos outros empecilhos. PANTALEÃO Ͷ Logo mais, agora não tenho tempo:
estou pondo
LAUDELINA Ͷ Sim, já me disse Vossa Senhoria

Que é venerável da Maçonaria...


em ordem uns papéis da Câmara. Demais, faço hoje
PANTALEÃO Ͷ E coronel da Guarda Nacional...
anos, e é
LAUDELINA Ͷ E presidente...
provável que os amigos repitam, o que têm feito nos
PANTALEÃO Ͷ Perfeitamente... anos

AMBOS Ͷ Da Câmara Municipal. (Repetem três ou anteriores... um manifestação espontânea... Preciso


quatro mandar avisar

vezes.) alguns.

LAUDELINA Ͷ Tarda-me ver no programa

Da Companhia Frazão LAUDELINA Ͷ Avisá-los para quê? Se é espontânea...

Anunciando o seu drama PANTALEÃO Ͷ Sim, mas talvez não se lembrem. Aqui
não é
Que espero ser um dramão.
como no Rio de Janeiro, onde há jornais para anunciar
quem faz

PANTALEÃO Ͷ Um dramão?

LAUDELINA Ͷ Não quis dizer um dramalhão.

Hei de vê-lo fazendo furor,

E o povinho gritando Ͷ que belo! (Bis, pelos

dois.)

Bravos! Bravos! À cena o autor

Da Passagem do Mar Amarelo!


anos. O boticário é o promotor da manifestação. Pelo
menos o tem
PANTALEÃO (À parte.) Ͷ Solteira! (Entra em casa.)

sido nos outros anos.


LAUDELINA Ͷ E dizer que em toda a parte tem sido a
mesma

LAUDELINA Ͷ O boticário? coisa: não há pedaço de asno que não me faça


perguntinhas

impertinentes... Não! Noutro mambembe não me


PANTALEÃO Ͷ Sim, o capitão Irineu... aquele que apanham nem que
ainda há
me dourem!... Mas é preciso avisar o Frazão da
pouco saiu daqui com seu marido. existência

providencial deste dramaturgo de Tocos.


LAUDELINA Ͷ Meu marido, não.

CENA VI
PANTALEÃO Ͷ Ah! Não são casados?

LAUDELINA, o VELHO ATOR, EDUARDO, IRINEU e


carregadores
LAUDELINA Ͷ Nem casados nem outra coisa.

EDUARDO (A Laudelina, coçando as pernas.) Ͷ O


PANTALEÃO Ͷ Desculpe... mas como a vi ao lado
teatro não
dele...
presta para nada, mas em compensação tem muitas
pulgas.
LAUDELINA Ͷ Não quer dizer nada.

IRINEU (Que também se coça, aos carregadores.) Ͷ


PANTALEÃO Ͷ Seu marido é outro? Levem

tudo isto para o teatro! (Os carregadores obedecem,


ajudados por
LAUDELINA Ͷ Não, senhor. Eu sou solteira.
Eduardo e pelo Velho Ator.)

PANTALEÃO (Contente.) Ͷ Ah! é solteira?


LAUDELINA (A Irineu.) Ͷ Capitão, dá-me uma palavra?

LAUDELINA (À parte.) Ͷ Já tardava!


IRINEU Ͷ Ó minha senhora!... Duas, três, quantas
queira! (Á

PANTALEÃO Ͷ Bom... até logo... Vou ver os papéis da parte, coçando-se.) É uma tetéia!
Câmara!

LAUDELINA Ͷ É verdade que o senhor vai promover


LAUDELINA Ͷ Até logo, senhor coronel. uma
manifestação ao coronel presidente da Câmara?

IRINEU Ͷ Quem lhe disse?

LAUDELINA Ͷ Ele mesmo.

IRINEU Ͷ Ah! Está com a boca doce? Mas nessa não


caio eu!

Há já três anos que faço tal engrossamento e ainda não


sou

vereador. Só a música me tem custado setenta e cinco


mil-réis.

LAUDELINA Ͷ Por ano?

IRINEU Ͷ Ah, não! Vinte e cinco mil-réis de cada vez.


Fora os

foguetes!

LAUDELINA Ͷ Não é caro.


IRINEU Ͷ Ainda mesmo que este ano eu quisesse fazer E espero brevemente
a
Major ser, pois então!
manifestação, não podia, porque, segundo ouvi dizer, o
major E peço a Deus, na Igreja,

Eufrásio tratou a banda de música por quarenta mil- Pois sou devoto fiel,
réis, só para
Viver até que seja
meter ferro ao coronel Pantaleão.
Tenente-coronel!

LAUDELINA Ͷ Major... coronel... aqui todos os


senhores têm
(Terminada esta cena todas as bagagens devem ter

desaparecido. Irineu, Eduardo e o Velho Ator


postos...
acompanharam as
IRINEUͶ Todos! Até eu sou capitão!
últimas.)
LAUDELINA Ͷ Bem sei.

CENA VII
Coplas

LAUDELINA, FRAZÃO, DONA RITA, VILARES,


I MARGARIDA,

FLORÊNCIO, COUTINHO, artistas, depois EDUARDO,


depois VIEIRA,
IRINEU
depois IRINEU
Ͷ Aqui, não sendo a gente

Ou padre ou bacharel,
FRAZÃO Ͷ Sem nos combinarmos, fomos todos ter no
Apanha uma patente largo da

E chega a coronel. Matriz e aqui estamos juntos. Só falta o Vieira, que se


meteu no
Não há maior desgosto,
cemitério.
Nem mais profundo mal

Do que não ter um posto


VILARES Ͷ Foi ver se os defuntos lhe davam de
Na Guarda Nacional! almoçar!

II

Alferes e tenente,

Já fui; sou capitão,


DONA RITA Ͷ Estamos perdidos, seu Frazão! Vamos LAUDELINA Ͷ Primeira, que o senhor se comprometa
todos a

morrer de fome!... representar um drama que ele escreveu, de grande


espetáculo, em
FLORÊNCIO Ͷ Fogem de nós como se fôssemos a
peste!

FRAZÃO Ͷ Não desanimem!... Já lhes disse que do doze atos e vinte e um quadros!
Tinguá
FRAZÃO Ͷ Doze atos? Olha que são muitos atos!

LAUDELINA Ͷ A peça está montada... os cenários e as


telegrafei ao Madureira, pedindo-lhe que me tornasse
a emprestar o
vestimentas estão no teatro...

conto de réis que paguei. A todo o momento pode EDUARDO (Coçando-se.) Ͷ Por sinal que devem ter
chegar a resposta. muitas

EDUARDO (Entrando.) Ͷ As bagagens estão no teatro.

FRAZÃOͶAs bagagens? (Reparando.) É verdade! pulgas.

ARTISTAS (Idem.) Ͷ É verdade! FRAZÃO Ͷ E qual é a segunda coisa?

FRAZÃO Ͷ Como foi isso?!... LAUDELINA Ͷ Fazer ao mesmo coronel, venerável e

LAUDELINA Ͷ Alegrem-se! Travei conhecimento com o


coronel
dramaturgo, uma manifestação obrigada a banda de
música e

Pantaleão não sei de quê, venerável da Maçonaria e foguetes, pois que é hoje o dia dos seus anos!
presidente da
FRAZÃO Ͷ Sim... mas onde vamos buscar dinheiro
para os

Câmara Municipal de Tocos!... foguetes e a música? Nós estamos a nenhum!

EDUARDO Ͷ Foi ele quem mandou as bagagens para o EDUARDO Ͷ Vou dizer-lhes uma coisa pasmosa!
teatro. Preparem-se

LAUDELINA Ͷ Esse ilustre cidadão, que mora ali, dar-


nos-á
para pasmar!

TODOS Ͷ Que é?
casa e comida...
EDUARDO Ͷ Ainda me restam vinte e sete mil e
TODOS Ͷ Deveras?... (Entra Vieira, sempre muito quinhentos
triste.)

LAUDELINA Ͷ Mas para isso serão necessárias duas


réis dos ordenados que me adiantaram no Rio de
coisas...
Janeiro!
TODOS Ͷ Quais?
TODOS Ͷ Oh! ... Vinte e sete mil e quinhentos réis! ...
Oh!...
FRAZÃO (Passando o braço em volta do pescoço de
Eduardo.)

ͶMeus senhores, mirem-se neste exemplo! Dos meus


artistas é ele o

único que não ganha, e foi o único que economizou!

EDUARDO Ͷ Quanto custará essa música?

LAUDELINA Ͷ Vinte e cinco mil-réis, disse-me o


capitão

boticário. (A Eduardo.) Ainda ficam dois mil e


quinhentos réis.

FRAZÃO Ͷ Para os foguetes.

EDUARDO Ͷ Vocês limpam-me!


FRAZÃO Ͷ Dê cá o cobre. Eu me encarrego de tudo!

EDUARDO (A Irineu.) Ͷ O senhor é amigo do homem?

EDUARDO (Dando-lhe o dinheiro.) Ͷ Mas o senhor não


sabe
IRINEU Ͷ Que homem? O Carrapatini?
onde se trata a música!

EDUARDO Ͷ Não; o coronel.


FRAZÃO Ͷ Quem tem boca vai a Roma! (Entra Irineu.)

IRINEU Ͷ Amicíssimo.
LAUDELINA Ͷ Cá está quem sabe. (A Irineu.) Capitão,
onde se

contrata a música? EDUARDO Ͷ Nesse caso, tenha a bondade de convidar


outros

amigos para aderirem à manifestação que nós


IRINEU Ͷ É perto. Quem é que vai? queremos fazer ao

eminente dramaturgo de Tocos... Como é mesmo que


ele se chama?
FRAZÃO Ͷ Eu.

IRINEU Ͷ Coronel Pantaleão Praxedes Gomes.


IRINEU ( Tomando-o pelo braço e levando-o ao
bastidor.) Ͷ

Não tem que saber. O senhor vai por esta rua... vai EDUARDO Ͷ ... Praxedes Gomes!
indo... vai indo...

quebra a segunda esquina... e pergunta onde mora o


mestre IRINEU Ͷ Não é preciso. Basta mandar tocar a música,
soltar
Carrapatini... um sapateiro italiano... é logo ali.
foguetes e dar umas voltas pela cidade gritando ͞Viva
o coronel

FRAZÃO Ͷ Sapateiro? Pantaleão͟, para que o povo acuda.

IRINEU Ͷ Sim, sapateiro e mestre da banda. Creio até VILARES Ͷ É então muito popular esse homem?
que eles

estão ensaiando. Os músicos estão reunidos.


IRINEU Ͷ Não... quase toda a gente embirra com Sua

Senhoria... mas como se sabe que em casa dele há


FRAZÃO Ͷ Não é preciso mais nada. (Sai a correr.) comida e bebida

em penca... (Os artistas descem e aproximam-se.)

CENA VIII

DONA RITA Ͷ Comida!

OS MESMOS, menos FRAZÃO


VILARES Ͷ Bebida!

MARGARIDA Ͷ Em penca!

TODOS Ͷ Em penca! Comida! Bebida! Não é um


sonho? Oh,

que bom! (Dançam à volta de Irineu.)

IRINEU (Espantado.) Ͷ Sim! Comida e bebida! Leitão!


Arroz de

forno! Peru recheado! Fritada de palmito!

TODOS Ͷ Leitão! Peru! Arroz de forno! Palmito!...


(Dançam e

abraçam Irineu. Ouve-se ao longe a banda de música,


que pouco a

pouco se vem aproximando.)


EDUARDO Ͷ Aí vem a música! FRAZÃO Ͷ Viva o coronel Pantaleão!

TODOS Ͷ Viva!

TODOS Ͷ Sim, aí vem, aí vem a música! PANTALEÃO (Aparecendo à janela com a família.) Ͷ
Muito

IRINEU Ͷ Pois olhe, não supus que ele arranjasse a


banda. O

Carrapatini disse-me que o major Eufrásio já a tinha obrigado! Muito obrigado! (Quer fazer um discurso
tratado por mas não pode

quarenta mil-réis.

falar por causa do barulho da música. Bate palmas.)

EDUARDO Ͷ Quem sabe? Vem talvez por conta desse


major
TODOS Ͷ Psiu! Psiu! Pára! Pára! (A banda deixa de
Eufrásio. tocar.)

FLORÊNCIO (Olhando para fora.) Ͷ Não, porque o PANTALEÃO Ͷ Meus senhores, eu...
Frazão vem

à frente!
IRINEU (Aproximando-se da janela e interrompendo-o.)
Ͷ

MARGARIDA Ͷ Sim, é o Frazão, que dá os vivas! Coronel! Coronel!

A VOZ DE FRAZÃO Ͷ Viva o coronel Pantaleão! PANTALEÃO Ͷ Que é, capitão?

VOZES Ͷ Viva!... (A banda de música, cujos sons se IRINEU Ͷ Ainda não é hora. Precisamos reunir mais
têm gente.

aproximado aos poucos, entra em cena trazendo à


frente Carrapatini
PANTALEÃO Ͷ Ah, sim, eu espero. Saia da janela, dona
a reger, e Frazão entusiasmado a dar vivas. Vêm atrás
dela algumas Bertolesa... saiam meninas!... (Saem da janela.)

pessoas do povo.)
IRINEU (A Frazão.) Ͷ Vamos dar uma volta pela cidade
para
CENA IX
arrebanhar mais povo.

OS MESMOS, FRAZÃO, CARRAPATINI, músicos, povo,


depois FRAZÃO Ͷ Mas é que a fome é muita.

PANTALEÃO à janela
IRINEU Ͷ Não faz mal: eu já almocei. (A Carrapatini.)
Então a

banda não estava tratada pelo major Eufrásio?

CARRAPATINI Ͷ Si, per cuarenta, ma il signore Frazone


trató

por xinquanta.5

5 Trad. (italiano macarrônico): Sim, por quarenta, mas


o senhor Frazão tratou por

cinqüenta.
EDUARDO Ͷ Por cinqüenta? Carneiro! Façam o favor! (A música da banda vem
agora mais perto.)

Ó seu tenente Guedes! Dona Constança! (Entram.) Xi!


CARRAPATINI Ͷ Ha dato vinte e xinque per conta6. Agora, sim!

Agora vem muito povo! (Chamando.) Dona


Bertolesa!... Meninas!...
FRAZÃO Ͷ E ficate devendo altri vinte e xinque... Siga a
banda. Venham!... (A família vem para a janela e bem assim
algumas visitas.
Viva o coronel Pantaleão!
Outras vêm à porta da rua. As janelas das outras casas
abrem-se de
TODOS Ͷ Viva! ... (Saem todos à frente da banda. Os
gente.) Vou fazer o meu discurso, que é o mesmo do
sons
ano passado.
desta e os vivas de Frazão perdem-se ao longe. Sai por
(Ouvem-se foguetes. Entra Frazão à frente da banda,
último Vieira,
que toca
sempre muito triste.)
acompanhada por todos os personagens do quadro e
considerável

CENA X massa de povo. A cena deve ficar cheia. Quadro


animado.)

PANTALEÃO, depois visitas, depois todos os


personagens do quadro FRAZÃO Ͷ Viva o coronel Pantaleão!

PANTALEÃO (Aparecendo à janela.) Ͷ Decididamente TODOS Ͷ Viva! (Mutação.)


o capitão

Irineu é um bom amigo! Esta é a quarta manifestação


Quadro 6
com que me

engrossa! O homem precisa ser vereador! Quem se vai


ralar é o Sala de aparência modesta completamente vazia. Porta
ao
major Eufrásio, e dona Bertolesa também, porque
temos que dar de fundo e laterais.
comer a muita gente! Não faz mal. Há aí comida para
um exército! (A
CENA I
um tipo, que entra.) Ó seu alferes Xandico! Vá
entrando! (Xandico

entra na casa.) Ó seu major Anastácio Pinto, vá DONA RITA, LAUDELINA


subindo! Esta casa é

sua! (A outro.) Ó seu capitão Juca Teixeira! Entre!


(Entram ambos 6 1960 Ͷ Trad.: Deu vinte e cinco por conta.

depois de trocar cerimônias à porta.) Ó siá dona


Mafalda! Seu major
DONA RITA (Entrando da esquerda acompanhada de não quer saber de teatro. O coronel Pantaleão nos
Laudelina.) garantiu nesta

Ͷ Deixa-me! Deixa-me! Quero estar só! casa até o dia dezoito... mas o dia dezoito é hoje... A tal
dona

Gertrudes, a dona da casa, já me preveniu...


LAUDELINA Ͷ Mas por que está zangada comigo?

LAUDELINA Ͷ Como se, na situação em que nos


DONA RITA Ͷ Se não fosses tu, não passaríamos por achamos,
tantas
precisássemos de folhinha. A senhora que lhe disse?
vergonhas! Não sei como sair desta maldita cidade!... A
passagem do

Mar Amarelo, em vez de salvar a situação, agravou ela! DONA RITA Ͷ Que se entendesse com o Frazão. Mas o
... Mas que Frazão

peça! ... Que peça bem pregada! não pode fazer milagres! Pois se nem ao menos pagou
os vinte e

cinco mil-réis que ficou a dever ao mestre da banda! E


LAUDELINA Ͷ Não conseguiu ser representada na o italiano não
segunda
nos deixa a porta! (Imitando Carrapatini) Vinte e
noite. xinque mila ré!

Vinte e xinque mila ré!7


DONA RITA Ͷ Pois se nem na primeira acabou! Que
pateada!...
LAUDELINA Ͷ O que mais me aborrece é o tal coronel
não
LAUDELINA Ͷ Parecia vir o mundo abaixo! querer pagar a nossa ida para o Rio de Janeiro!

DONA RITA Ͷ Mas que borracheira! Bem diz o ditado: DONA RITA Ͷ Ele anda se enfeitando para ti, e eu
͞Se não estou vendo
houvesse mau gosto, não se gastava o amarelo!͟ E
amarelo é
o momento em que seu Eduardo faz alguma! ... É o
desespero! Estou desesperada! diabo, é o diabo!

Estou desesperada! Deixe-me! Quero estar só! Vou


meter-me no meu
LAUDELINA Ͷ E eu.
quarto e trancar-me por dentro!... (Sai furiosa pela
esquerda.)
DONA RITA Ͷ Tu? Tu tens o que mereces! Os amigos
LAUDELINA Ͷ Dindinha! Dindinha! ... (Acompanha-a
do Frazão
até à
não respondem às cartas nem aos telegramas. A renda
porta, mas dona Rita fecha-se por dentro.)
dos

espetáculos não chegou para pagar o que temos


comido. O público CENA II
LAUDELINA, depois EDUARDO

LAUDELINA (Só, voltando à cena.) Ͷ Ela tem razão. A


culpada

sou eu. Pensava que a coisa era uma... e a coisa é


outra. Que seria

de mim se dindinha e seu Eduardo não me houvessem

acompanhado? A quantos perigos estaria exposta? Fui


eu a culpada...

logo, compete-me salvar a situação... e é o que vou


fazer... Só há um

7 Trad.: Vinte e cinco mil-réis!


meio, um meio que me repugna, mas não tenho LAUDELINA Ͷ Pois não foi o senhor mesmo que me
outro... é embelezar
recomendou que agradasse ao coronel?
esse ridículo coronel, até que ele se explique... Mas
com que olhos

seu Eduardo verá o meu procedimento?... Que juízo EDUARDO Ͷ Sim, agradasse, mas não tanto...
fará de mim?...

LAUDELINA Ͷ Tanto... como?


EDUARDO (Entrando do fundo.) Ͷ Bom-dia.

EDUARDO Ͷ Consentindo, por exemplo, que lhe pegue


LAUDELINA Ͷ Bom-dia. Já tão cedo na rua? na mão,

assim... (Pega-lhe na mão.) que a beije... ( Vai beijar-lhe


a mão.)
EDUARDO Ͷ Fui ver se tinha carta no correio. Escrevi
ao assim...

Trancoso, aquele vinagre da rua do Sacramento, o tal


que recebeu os
LAUDELINA (Retirando a mão.) Ͷ Alto lá! Ele nunca me
meus ordenados... mas o miserável fez ouvidos de beijou
mercador!
a mão! Pegou nela, isso pegou... e disse-me umas
bobagens... mas

LAUDELINA Ͷ Também o senhor deve estar se eu me zangasse, não teríamos o que comer.
desesperado. Francamente: era

preciso dar-lhe esperanças...

EDUARDO Ͷ A tudo me resignaria se a senhora me


dirigisse ao
EDUARDO Ͷ Essas esperanças são indignas da
menos uma palavra de consolação... se correspondesse senhora! Se
a este afeto
fosse a Margarida, eu não diria nada...
insensato... Mas, em vez disso, faz-me ter ciúmes... de
quem?...
LAUDELINA Ͷ Olhe, seu Eduardo, vou confessar-lhe
Desse pateta, desse coronel Pantaleão, homem velho e
uma coisa
casado!
pela primeira vez: eu gosto do senhor.

LAUDELINA Ͷ Os seus ciúmes, além de serem


absurdos, são EDUARDO Ͷ Ah, repita! Diga que me ama!...
injuriosos!

LAUDELINA Ͷ Não! Eu não disse que o amava; disse


que
EDUARDO Ͷ Se são injuriosos, perdoe. Absurdos não
podem gostava do senhor... O verbo amar só se emprega no
teatro e no
ser. Não há ciúmes absurdos.
romance... Eu gosto do senhor; vem a dar na mesma.
EDUARDO Ͷ Gosta de mim!

LAUDELINA Ͷ Gosto. Agora, diga: é pelo seu dinheiro?

EDUARDO Ͷ Não. Estou sem vintém...

LAUDELINA Ͷ É pela sua posição na sociedade?

EDUARDO Ͷ Também não.

LAUDELINA Ͷ É pelo seu espírito? Pelo seu talento?


(Eduardo

não responde.) Também não. É pela sua beleza?

EDUARDO Ͷ Não há homens bonitos.

LAUDELINA Ͷ Na opinião dos feios. Pois bem; no


entanto eu

gosto do senhor. Gosto porque gosto, e hei de ser sua


mulher...

EDUARDO Ͷ Que felicidade!


LAUDELINA Ͷ Espere. Hei de ser sua mulher, mas sob LAUDELINA Ͷ Sim, mas se acaso fizer cenas,
uma
E se ciúmes tolos tiver,
condição...
Não terei pena das suas penas,

Não serei nunca sua mulher!


EDUARDO Ͷ Qual?

LAUDELINA Ͷ Não terei pena das suas penas,


LAUDELINA Ͷ Enquanto estivermos no mambembe...
enquanto AMBOS Ͷ Não serei nunca sua mulher!

durar esta excursão, faça de conta que não tem direito EDUARDO Ͷ Não terá pena das minhas
algum sobre
penas,
mim, nem me peça conta dos meus atos, porque a
Não será nunca minha
nossa vida aqui é
mulher!
toda anormal e fictícia. Só me considere sua noiva
quando chegarmos

ao Rio de Janeiro. EDUARDO Ͷ Prometo que farei o que meu bem


quiser!

LAUDELINA Ͷ Não creio nessas


EDUARDO Ͷ De Maxambomba para lá?
Vagas promessas.

EDUARDO Ͷ Que mais quer de mim?


LAUDELINA Ͷ De Belém mesmo, se quiser... ou da
Barra do Quer que eu jure?
Piraí. Até lá, prometo... juro não praticar ato algum que LAUDELINA Ͷ Sim!
me torne

indigna de ser sua esposa.


I

EDUARDO Ͷ Ó Laudelina!
LAUDELINA Ͷ Jura que só chegando ao Rio

Dueto
Se lembrará que é o meu futuro?

EDUARDO Ͷ Juro!
EDUARDO Ͷ Depois do que te ouvi, anjo querido,
LAUDELINA Ͷ Não me lançar olhar sombrio

Pode a sorte fazer de mim o que quiser,


Quando agradar alguém procuro?

EDUARDO Ͷ Juro!
Contanto que algum dia eu seja teu marido,
LAUDELINA Ͷ Não lhe passar pela cabeça

E tu minha mulher!
Que o meu amor não seja puro?

EDUARDO Ͷ Juro! A VOZ DE DONA RITA Ͷ Laudelina!

LAUDELINA Ͷ Ciúmes não ter quando aconteça

Eu com alguém ficar no escuro? LAUDELINA Ͷ Lá está dindinha a chamar-me! Ela disse
que ia
EDUARDO Ͷ Ju... Perdão! Isso não juro!
trancar-se no quarto, mas não pode passar meia hora
LAUDELINA Ͷ Se não jura, eu lhe asseguro: sem me ver.
Não serei sua mulher! Descanse: estou bem guardada. (Sai pela esquerda.)
EDUARDO Ͷ Juro, juro, juro, juro!

Juro tudo que quiser! CENA III


EDUARDO Ͷ Juro, juro, juro, juro!

AMBOS Ͷ Juro tudo que quiser! EDUARDO, depois BONIFÁCIO


LAUDELINA ͶJura, jura, jura, jura,

Jura tudo que eu quiser! EDUARDO (Só) Ͷ Parece-me que fiz juramentos que
não devia
II
ter feito. Mas que poderei recear? Laudelina é
LAUDELINA Ͷ Jura deixar que pra viagem
honesta... Se não o
Eu tente ao menos achar furo?
fosse, que necessidade teria de dizer que gosta de mim
EDUARDO Ͷ Juro! e há de ser

LAUDELINA Ͷ Não se zangar co͛uma bobagem minha mulher?

Que por necessidade aturo?

EDUARDO ͶJuro!

LAUDELINA Ͷ Jura deixar que ponha tonto

Um coronel tolo e maduro?

EDUARDO Ͷ Juro!

LAUDELINA Ͷ E mesmo lhe apanhar um conto,

Seja isto muito duro?

EDUARDO Ͷ Ju... Perdão! Isso não juro!

LAUDELINA Ͷ Se não jura, etc. (Como acima.)

LAUDELINA Ͷ Bom! eu precisava desses juramentos...


porque

vou, talvez, parecer o que não sou... Ao contrário não


sairemos de

Tocos!...
BONIFÁCIO (Da porta.) Ͷ Dá licença, nhô? BONIFÁCIO Ͷ Homessa! Então dona Gertrude é seu
Frazão?

EDUARDO Ͷ Entre. Que deseja?


EDUARDO Ͷ Não, dona Gertrudes é a dona da casa em
que
BONIFÁCIO (Entrando e apertando a mão de Eduardo) está hospedada a companhia. Com quem o senhor
Não quer falar: com
cortando seu bão prepósito: é aqui que é a casa de siá dona Gertrudes ou com o senhor Frazão?
dona

Gertrude?
BONIFÁCIO Ͷ Com quem é que vancê qué que eu fale?

EDUARDO Ͷ Sim, senhor.


EDUARDO Ͷ Sei lá! Com quem você quiser!

BONIFÁCIO Ͷ Vancê é empregado da casa?


BONIFÁCIO Ͷ Então vancê chame seu Frazão. Tenho
um
EDUARDO Ͷ Não, senhor. (À parte) Quem será este negoço co͛ele. (Eduardo sai)
animal?

CENA IV
BONIFÁCIO Ͷ Vancê tá assistino aqui?

BONIFÁCIO, só
EDUARDO Ͷ Está o quê?

BONIFÁCIO Ͷ Tô coas perna qui não posso, e aqui não


BONIFÁCIO Ͷ Pregunto se vancê tá assistino aqui ... tem
sim, se é
uma cadeira pra gente descansá! Seis légua no pangaré
ospe dela? em quatro

hora é da gente se matá! E óiem que eu fui tropero! Já


gramei aquela
EDUARDO Ͷ Hospedela? Sou.
serra de Santo co meu trote de burro, um bandão de
veis. Era uma
BONIFÁCIO Ͷ Nó vê que eu queria falá co ela pro
vidinha de cachorro que se passava, mais assim às veis,
morde a
dá um poco
cumpanhia de treato qui tá qui.. ou com seu Frazão...
da sodade. A gente tomava o seu cafezinho da
priminha bem cedo,

EDUARDO (À parte) Ͷ É o credor dos carros! (Alta) arreava as mula e tocava inté notro poso. Quando eu
Bom; via as bruaca

espere aí que vou chamar o senhor Frazão. tudo alinhada, as mula tudo amarrado na estaca, mar
comparando
(Gesto.), tá e quá o jeito de vancêis, óie era bonito
memo. A

madrinha era uma mula turdia ferrada dos quatro péis


qu͛era um

gambelo de gorda. Quando ela ia na frente (Imita


chocalho.) gue...

leim... gue... leim... eu atrás co meu tupa, pendurado


no ombro, era

só! E baju! Tá cumeno capim da cangaia diau!...


(Assobia.) Orta

mula!... De repente alguma mula desguaritava nalguma


incruziada

qu͛era um inferno: ͞Nhô Bonifácio, cerque essa


mardiçoada !͞ E eu se

galopeava atráis da tinhosa, pracatá, pracatá! Que nem


um inferno!

De uma feita a mulinha pangaré que levava o cargueiro


tropicô num
toco, cortô a retranca, esparramô a carga da cangáia e BONIFÁCIO Ͷ Não faz má. Nhô Chico Inácio paga.
abriu-se pro

campo afora, veiaquiano, dando coice de céu in terra!


Home, dessa FRAZÃO Ͷ Nhô Chico Inácio paga?

feita perdi a cabeça, passei mão na guerrucha e tin...


(Imita tiro.)
BONIFÁCIO Ͷ Ele me deu orde, conforme a sua
Sortei um panázio nela, que͛ela viu o diabo resposta, de
escangaiado. (Outro
tratá e pagá.
tom.) Homessa! Mas o tar nhô Frazão não virá?
(Mesmo tom que
FRAZÃO Ͷ Então foi Nhô Chico Inácio quem fez a
acima.) E ota bestinha boa que era ela! Eu queria bem
gentileza?...
ela que nem

qui fosse minha irmã!


BONIFÁCIO (Sem entender.) Quem fez o quê?

CENA V
FRAZÃO Ͷ A gentileza?

BONIFÁCIO, FRAZÃO
BONIFÁCIO Ͷ Não sei se ele fez isso... o que eu sei é
que ele
FRAZÃO (Da direita.) Ͷ Como passou, seu?...

paga.
BONIFÁCIO Ͷ Beimecê.

FRAZÃO Ͷ Paga? Belíssimo! Esplêndido! Estou livre


FRAZÃO Ͷ Olhe que por enquanto não é possível. Não dos carros!
fizemos
Olhe, diga a nhô Chico Inácio que escreva um drama.
nada.

BONIFÁCIO Ͷ Ele escreveu, sim, sinhô.


BONIFÁCIO Ͷ Ahn?

FRAZÃO Ͷ Escreveu? Então que o mande! Eu


FRAZÃO Ͷ Não é possível! represento!

BONIFÁCIO Ͷ Como não é possive? BONIFÁCIO Ͷ O que ele escreveu foi esta carta. (Dá-
lhe uma

carta.)
FRAZÃO Ͷ Tenha paciência. Não posso agora pagar os
seus

carros. FRAZÃO Ͷ Ah! Temos uma carta?


BONIFÁCIO Ͷ Vancê leia! (Frazão vai abrir a carta e é

interrompido por Vilares, que entra da direita.)

CENA VI

OS MESMOS, VILARES, depois PANTALEÃO

VILARES (A Frazão em mangas de camisa, com um


leque de

doze cartas na mão.) Ͷ Ó filho, vê se nos livras


daquele italiano!

FRAZÃO Ͷ Que italiano?


VILARES Ͷ O tal Carrapatini, o mestre da banda. Está BONIFÁCIO Ͷ Antão inté logo. (Aperta a mão ao
nos coronel e a

amolando! Não nos deixa jogar o solo! Entrou pelos Frazão, e sai.)
fundos da casa e

quer porque quer os seus vinte e cinco mil-réis! Cara


banda! CENA VII

FRAZÃO Ͷ De cara à banda estou eu, que não tenho FRAZÃO, PANTALEÃO
com que

pagar.
PANTALEÃO Ͷ Ora muito bom-dia, caríssimo artista!...

VILARES Ͷ Conversa com ele.


FRAZÃO Ͷ Cumprimento o ilustre autor de Passagem
do Mar

FRAZÃO Ͷ Mas conversar como, se estou na disga! (A Amarelo.

Bonifácio.)

Você sabe o que é disga? PANTALEÃO Ͷ Não me fale nisso. (Procura onde se
possa

sentar.)
BONIFÁCIO Ͷ Não, sinhô.

FRAZÃO Ͷ Por que não? (À parte.) É preciso engrossar


FRAZÃO Ͷ Homem feliz. (A Vilares.) Dize ao esta
Carrapatini que
besta! (Alto.) Um drama que só não foi aplaudido
venha ter comigo! Esse italiano, por causa dos vinte e como devia ser por
cinco mil-réis,
causa dos inimigos do autor! Que procura Vossa
é capaz de arranjar uma questão de protocolo! Senhoria?

VILARES Ͷ Cá o terás. (Sai pela direita.) PANTALEÃO Ͷ Uma cadeira.

BONIFÁCIO Ͷ Vancê leia a carta! FRAZÃO Ͷ Não há. Dona Gertrudes tinha muito
poucas, e

distribuiu-as pelos quartos dos artistas; mas quer...


FRAZÃO Ͷ É agora! (Vai abrir a carta e suspende-se (Menção de sair.)
vendo o

coronel, que entra.) Oh! O coronel! (Guardando a


carta.) Leio depois. PANTALEÃO Ͷ (Detendo-o.) Não, não se incomode!
Estou bem
(A Bonifácio.) Vá esperar a resposta sentado na porta
da rua. de pé. Acha, então, que o meu drama?...
FRAZÃO Ͷ Foram os sequazes do major Eufrásio que

sufocaram os aplausos. Maldita politicagem! Mas deixe


estar, coronel!

Vou representar o seu drama no Rio de Janeiro, no


meu teatro e no

Teatro São Pedro de Alcântara! Vai ver o sucesso! É


peça para

centenário! O que é preciso é pô-la em cena a valer!


Forneça-me

Vossa Senhoria os recursos necessários... nós partimos


para o Rio

amanhã ou depois...

PANTALEÃO Ͷ Não! Já estou desenganado! Desisto de


ser

dramaturgo! Vou queimar a Passagem do Mar


Amarelo!
FRAZÃO Ͷ Queimá-lo? Não pode! Não pode! Aquele
trabalho
FRAZÃO Ͷ Senhor Carrapatini, neste momento não
não lhe pertence! posso

satisfazer esse importante débito.

PANTALEÃOͶComo?

CARRAPATINI Ͷ Ma per Dio! Vengo qui tutti i dia, tuttii


dia, e
FRAZÃO Ͷ Pertence à literatura brasileira! Faz parte
do lei dixe sempre hogi, manhana, hogi manhana.10

patrimônio nacional! Não deve ser representado só em


Tocos!
PANTALEÃO (Baixo, a Frazão.) Ͷ Diga-me cá: foi o
senhor que

PANTALEÃO Ͷ Representado é coisa que nunca foi. A pagou a música?

representação dura duas noites, e ainda não conseguiu


ir até ao fim
FRAZÃO Ͷ Que paguei é um modo de dizer... que
da primeira! devia

pagar... Paguei apenas metade.

FRAZÃO Ͷ Por causa de quem? Do major Eufrásio!

PANTALEÃO Ͷ Nesse caso, a festa foi sua?

CENA VIII

FRAZÃO Ͷ Eu não queria dizer, mas este Carrapato me


obriga
OS MESMOS, CARRAPATINI
a confessar que sim.

CARRAPATINI Ͷ Buon giorno... signor colonello... buon


giorno, CARRAPATINI Ͷ Carrapatini.

signor Frazone.8

PANTALEÃO Ͷ E eu que não lhe agradeci! O capitão


Irineu
FRAZÃO Ͷ Senhor Carrapato, buon giorno!
tinha-me dado a entender que o promotor da
manifestação foi ele,
CARRAPATINI Ͷ Signor Frazone, sono qui per ricever mas deixa estar que há de ser vereador quando eu for
vinte e bispo! (Baixo,
xinque mila ré della manifestazione ao colanello.9 a Carrapatini) Quanto lhe deve o senhor Frazão?

PANTALEÃO (À parte.) Ͷ Da manifestação? Então não CARRAPATINI Ͷ Há tratato la banda per xinquenta...
foi o ha dato
Irineu? vinte e xinque, manca ancora vinte e xinque...11
8 Trad. (italiano macarrônico): Bom-dia... senhor
coronel... bom-dia, senhor Frazão.

9 Trad. (italiano macarrônico): Senhor Frazão, estou cá


para receber os vinte e cinco mil

réis da manifestação do coronel.

10 Trad.: Pelo amor de Deus! Venho cá todos os dias,


todos os dias, e o senhor diz

sempre hoje, amanhã, hoje, amanhã.

11 Trad.: Tratou a banda por cinqüenta... deu vinte e


cinco, faltam agora outros vinte e

cinco...
PANTALEÃO Ͷ Eu também estou lhe devendo o muito dinheiro. Já chega. Senhor Frazão, vim aqui de
conserto deste propósito para

avisá-lo de que de amanhã em diante não me


responsabilizo mais
par de botinas. Quanto é mesmo?
pelas despesas que os senhores fizerem aqui em casa
CARRAPATINI Ͷ Xinque mila ré. E uno remonte.12 de dona
PANTALEÃO (Pagando.) Bom. Tome lá trinta mil-réis e Gertrudes.
deixe

FRAZÃO Ͷ Coronel, tente ainda mais uma cartada!


Consinta
nos em paz. que representemos o seu drama na Capital Federal.
Quando Vossa
CARRAPATINI Ͷ Grazie tanta, Signor Colonello!...
Signor Senhoria vir o São Pedro repleto de espectadores, a
platéia cheia de
Frazone13
cavalheiros encasacados, os camarotes assim (Gesto.)
de senhoras
FRAZÃO Ͷ Vai para o diabo, Carrapato!
decotadas, com magníficas toaletes... a imprensa toda
CARRAPATINI Ͷ Carrapatini. (Sai pelo fundo.) a postos...

Quando acabar o primeiro ato: à cena o autor! À cena


o autor!... E as

pipocas!
CENA IX

PANTALEÃO Ͷ Pipocas?
FRAZÃO, PANTALEÃO
FRAZÃO Ͷ Sim, as palmas!

PANTALEÃO Ͷ Esta linguagem teatral é


FRAZÃO Ͷ Não sei como hei de pagar Vossa incompreensível.
Senhoria...
FRAZÃO Ͷ E Vossa Senhoria em cena só assim... (Faz
PANTALEÃO Ͷ Não sabe como me há de pagar? Com mesuras
dinheiro!

FRAZÃO Ͷ Não! Não é isso! (À parte.) Que bruto!


(Alto.) Não
e abaixa-se como para apanhar alguma coisa.)
agradecendo e
sei como lhe hei de pagar tanta generosidade! Ah,
juro-lhe: o seu

drama será representado no Rio de Janeiro! apanhando as flores. E os jornais falando da peça
quatro dias depois!

PANTALEÃO Ͷ Quatro dias?


PANTALEÃO Ͷ Muito obrigado. O meu drama tem-me
custado FRAZÃO Ͷ Sim, porque leva duas noites a ser
representada. Só
no quarto dia a crítica se pronunciará!

PANTALEÃO (Entusiasmado.) Ͷ Parece-lhe então


que?...

FRAZÃO Ͷ Se me parece? Tenho quase quarenta anos


de

tarimba! Não! Lá no Rio de Janeiro não há majores


Eufrásios que

12 Trad.: Cinco mil réis. E um remonte [do sapato].

13 Trad.: Muito obrigado, senhor coronel!... Senhor


Frazão!
sufoquem as aclamações populares! Lá ninguém fará PANTALEÃO Ͷ Não, senhor... dou-lhe a peça, os
politicagem à cenários, as

vestimentas e dispenso os direitos de autor. Não faço


pouco!...
custa do seu drama! O triunfo é certo!

PANTALEÃO (Radiante.) Ͷ Pois bem! Consinto!...


FRAZÃO (Desesperado.) Ͷ Ó terra desgraçada! Ó
FRAZÃO (À parte.) Apre! Custou!... (Limpa o suor.) Tocos do
PANTALEÃO Ͷ Consinto que represente o drama. diabo, que eu não conhecia! Quem mandou aqui vir?...
Uma peste de
FRAZÃO Ͷ Podemos então contar com Vossa
Senhoria? cidade em que nem ao menos se pode passar um
benefício! (Vendo
PANTALEÃO Ͷ Como contar?
Laudelina e indo a ela, baixo.) Ó filha! Só tu nos podes
FRAZÃO Ͷ Sim... contar com as despesas da nossa ida
salvar! Deixate
para o
de luxos e arranca daquele bruto o dinheiro das
Rio?
passagens! (Sai
PANTALEÃO Ͷ Com as despesas podem contar...
pela direita.)
(Frazão

alegra
CENA X

PANTALEÃO, LAUDELINA, depois EDUARDO


se) mas não comigo: não dou vintém!

FRAZÃO Ͷ Como?
Terceto
PANTALEÃO Ͷ Não dou vintém! (Laudelina aparece à
esquerda.

LAUDELINA Ͷ Meu caro coronel...


Toma o fundo da cena e aos poucos desce à direita PANTALEÃO Ͷ É ela! é ela!...
ouvindo o
͚Stá cada vez mais bela!

diálogo.)

FRAZÃO Ͷ Ora bolas! Então como quer Vossa Senhoria


que LAUDELINA Ͷ Meu caro coronel...

saiamos daqui? PANTALEÃO Ͷ Coronel, não!

PANTALEÃO Ͷ Sei lá! Não tenho nada com isso! Chama-me antes Leão,

FRAZÃO Ͷ Não me empresta, ao menos, o dinheiro Diminutivo de Pantaleão!


preciso

para mover a companhia?


LAUDELINA Ͷ Meu caro Leãozinho...
PANTALEÃO Ͷ Leãozinho! Se você me quiser bem,

Que meiguice! Que carinho! ( Toma-lhe a Vai-se embora a companhia

mão. Eduardo aparece à esquerda.) E eu com você vou também...

EDUARDO (À parte.)

EDUARDO (À parte)

Ͷ Ela com ele! Ó desgraçada!

(Queravançar mas contém-se.) Mas eu jurei que não Ͷ


faria nada!
Ele com ela! Ó desgraçada! (Como acima.)
LAUDELINA Ͷ
Mas eu jurei que não faria nada!
Leãozinho, tenha pena,
LAUDELINA Ͷ Dê-lhe as passagens, coitado!
Tenha pena do Frazão!
Dê-lhas! Quem pede sou eu...
Uma soma tão pequena

Não recuse, coração!


PANTALEÃO

Ͷ Como és linda!

PANTALEÃO
EDUARDO (À parte.) Ͷ Estou danado!
Ͷ De você, meu bem, depende

Meu sangue todo ferveu!


Que eu socorra a esse ator.

PANTALEÃO
LAUDELINA
Ͷ Menina, se na viagem
Ͷ Como assim?
Pertinho de ti não vou,

Eu posso dar-lhe [a] Passagem,


PANTALEÃO
Mas as passagens não dou.
Ͷ Você me entende...

LAUDELINA
LAUDELINA Ͷ
Ͷ Não entendo, não, senhor.
Leãozinho, tenha pena,

Tenha pena do Frazão!


PANTALEÃO Ͷ
Uma soma tão pequena
Se você ficar macia,
Não recuse, coração!
PANTALEÃO Ͷ

Se você tem pena,

OS TRÊS Tenho pena do Frazão;

Mas se você me condena,

Eu pena não tenho não!

EDUARDO (À parte) Ͷ Laudelina não tem pena

Deste amor, desta paixão!

Não suporto aquela cena!

Espatifo o paspalhão!

PANTALEÃO Ͷ Então?... Que dizes?... Sê boazinha para


mim!

LAUDELINA Ͷ Se dona Bertolesa o visse...


PANTALEÃO Ͷ Não me fales em minha mulher...
Aquilo é uma
CENA XI
fúria!... Vamos... sê boa, e serás feliz! Sou rico, muito
rico!
OS MESMOS, FRAZÃO, os artistas, o SUBDELEGADO,
dois soldados,
LAUDELINA Ͷ Para mim não peço nada... mas para os
meus pessoas do povo

companheiros, que se acham numa situação


desesperadora.
CORO Ͷ Que foi? Que foi? Que sucedeu?

PANTALEÃO Ͷ Os teus companheiros pouco me


Que aconteceu? Que aconteceu?
importam! Só

tu me interessas! (Agarrando-a.) Olha, dá-me um


beijo... um Levou pancada e trambolhão
beijinho!... Um só!...

O coronel Pantaleão!
LAUDELINA Ͷ Largue-me!

Ah! ah! ah! ah! ah! ah!


PANTALEÃO (Tentando beijá-la.) Ͷ Uma boquinha!...
Uma
Pobre coronel Pantaleão!
beijoca!

LAUDELINA Ͷ Desculpar queira Vossa Senhoria


LAUDELINA Ͷ Eu grito!

Um venerável da Maçonaria
PANTALEÃO Ͷ Não grites! Uma beijoca! (Quando vai a
beija-la,

Eduardo corre para ele, separa-o dela, e dá-lhe um Que é coronel da Guarda Nacional,
murro.) Que é

isto?!
E presidente...

LAUDELINA Ͷ Seu Eduardo! ... (Pantaleão tira um apito


do CORO Ͷ Perfeitamente.

bolso e apita.)
LAUDELINA Ͷ Da Câmara (Repete três ou quatro
vezes.)
EDUARDO Ͷ Ah! Tu apitas. (Atraca-se com ele e dá-lhe
um Municipal!...

trambolhão. Pantaleão, mesmo no chão, apita.)


CORO Ͷ Da Câmara (Repete três ou quatro vezes.)

Municipal!...

OS ARTISTAS Ͷ Mas que foi? Que foi?...

LAUDELINA Ͷ Seu Eduardo bateu no coronel!

O SUBDELEGADO Ͷ Prendam aquele indivíduo! (Os


soldados

prendem Eduardo. A Pantaleão, dando-lhe a mão para


levantar-se.)

Levante-se Vossa Senhoria.

FRAZÃO (Ao Subdelegado.) Atenda, senhor... Quem é


mesmo o

senhor?

SUBDELEGADO Ͷ Eu sou o subdelegado! A nada


atendo!...
PANTALEÃO (Baixo, ao Subdelegado.) Ͷ Atenda,
atenda, para
MARGARIDA Ͷ Vamos todos! Não podemos
evitar o escândalo! abandonar o

colega!...

SUBDELEGADO Ͷ Desculpe, coronel, já disse, nada


atendo! Há
ARTISTAS Ͷ Decerto! Vamos! Vamos todos!... (Saem
dois anos que sou subdelegado e ainda não consegui em
prender
confusão
ninguém em flagrante... E hoje foi por acaso... eu ia
passando com a pelo fundo todos, menos Frazão.)

ronda... se passasse um pouco antes ou um pouco


depois, teria
CENA XII
perdido a ocasião. (Satisfeito.) Enfim! O meu primeiro
flagrante!...
DONA RITA, FRAZÃO, e depois o CARREIRO
Vou arrumar-lhe o 303; ofender fisicamente alguém ou
lhe causar

alguma dor. (A Pantaleão.) Doeu? DONA RITA (Entrando.) Ͷ Que foi isto?

PANTALEÃO Ͷ Doeu. FRAZÃO Ͷ A senhora não viu?

SUBDELEGADO Ͷ Doeu? Parágrafo 2º. (Aos soldados.) DONA RITA Ͷ Estava dormindo. Acordei agora.
Sigam

com o preso para o xadrez! Vamos, coronel, Vossa


Senhoria é a FRAZÃO Ͷ O Eduardo foi preso, por ter enchido o
coronel
vítima!
Pantaleão!

PANTALEÃO (Baixo.) Ͷ Mas eu não quero ser vítima. E


dona DONA RITA Ͷ Eu já esperava por isso! E o senhor não o

Bertolesa, se sabe... acompanhou?

SUBDELEGADO Ͷ A nada atendo! Vai a corpo de FRAZÃO Ͷ Não! Mas lá foi toda a companhia.
delito. (A

Laudelina.) A senhora também vai.


DONA RITA Ͷ Mas o senhor... como empresário...

LAUDELINA Ͷ Eu?
FRAZÃO Ͷ Por isso mesmo. Aquilo é negócio de fiança
e, como

SUBDELEGADO Ͷ É testemunha. Sigam! Sigam!


empresário, eu faria uma figura muito ridícula não
tendo com que

pagá-la.

CARREIRO (Entrando.) Ͷ Louvado Suscristo! Vancê dá


licença?

DONA RITA Ͷ Olhe, aí está o Carreiro que nos trouxe


do Tin

guá.

CARREIRO Ͷ É verdade.

FRAZÃO Ͷ Como vai, seu?...

CARREIRO Ͷ Como Deus é servido. Eu vim por morde


aquilo?...
FRAZÃO (Sem entender.) Ͷ Morde quê? duzentos que lhe devíamos. Temos, com certeza,
crédito para esta
CARREIRO Ͷ Vancê não disse que passando três dia da
nossa nova viagem.

DONA RITA (Idem.) Ͷ O diabo é seu Eduardo preso...

chegada eu vinhesse arrecebê os duzento da


condução?
FRAZÃO (Idem.) Ͷ Dão-se lá uns espetáculos e manda-
se o

FRAZÃO Ͷ E nhô Chico Inácio? dinheiro para a fiança. (Ao Carreiro.) Você quer nos
levar para o Pito

Aceso?
CARREIRO Ͷ Eu achei mió vortá pro Tinguá, e como
tinha de í

cos meus carro pra levá quem quisé i na Festa do CARREIRO Ͷ Sim, sinhô.
Divino, que vai

havê no Pito Aceso...


FRAZÃO (A dona Rita.) Ͷ Não dizia? (Ao Carreiro.) E
quanto

FRAZÃO Ͷ Onde é esse Pito Aceso? quer por esse serviço?

CARREIRO Ͷ É uma cidade que tem seis légua daqui. A CARREIRO Ͷ Outro duzento...
gente

sobe a Serra da Mantiqueira, depois desce um tico...


FRAZÃO Ͷ Pois está fechado nas mesmas condições.

FRAZÃO Ͷ Vai haver lá uma festa?


CARREIRO (Desconfiado.) Ͷ Como nas mesma
condição?

CARREIRO Ͷ Um festão! Vai um mundo de povo desta


vinte
FRAZÃO Ͷ Você recebe o dinheiro três dias depois da
légua em redó! chegada.

FRAZÃO (A dona Rita, baixo.) Ͷ Se nós lá fôssemos? CARREIRO Ͷ Mas esses três dia quanto dia demora?

DONA RITA (Idem.) Ͷ Eu não digo nada! DONA RITA Ͷ Ora essa!...

FRAZÃO (Idem.) Ͷ Este homem já recebeu do tal Chico CARREIRO Ͷ Sim, porque a viage do Tinguá, que vancê
Inácio tinha

os de pagá, já passa mais de vinte e eu ainda não


arrecebi!
FRAZÃO Ͷ Então não falou com nhô Chico Inácio?

CARREIRO Ͷ Que nhô Chico Inácio?

FRAZÃO Ͷ Ora! Nhô Chico Inácio. Não conhece?

CARREIRO Ͷ Não!

FRAZÃO Ͷ Nem eu: mas o seu companheiro disse que


ele

pagava.

CARREIRO Ͷ Meu companheiro?

FRAZÃO Ͷ Sim, que por sinal me deu esta carta que


ainda não

li. Olhe! Ele aqui está! (Aponta para Bonifácio, que


aparece ao fundo.)

CENA XIII

OS MESMOS, BONIFÁCIO
CARREIRO Ͷ Este é que é o tá de Chico Inácio? leva ordem para adiantar dinheiro para a viagem. De
Vossa Senhoria,

etc... Francisco Inácio.͟ (Declamando) Não há a menor


FRAZÃO Ͷ Não; este é o que supus seu companheiro, dúvida!
mas vejo
Vamos! (A dona Rita.) Não é?
que não é. (A Bonifácio.) Então, que embrulhada é
esta? Nhô Chico

Inácio não pagou os carros de boi? DONA RITA Ͷ Isso não se pergunta!

BONIFÁCIO Ͷ Não pagou, mas paga. FRAZÃO (Ao Carreiro.) Ͷ Você tem aí os carros e os
animais?
CARREIRO Ͷ Sei lá quem é nhô Chico Inácio!

BONIFÁCIO Ͷ É meu patrão! O chefe do Pito Aceso!


CARREIRO Ͷ Tenho, mas não levo vancê sem arrecebê
CARREIRO Ͷ Seja lá o que ele fô, mas o que eu quero é meu
os
dinheiro!

BONIFÁCIO (Ao Carreiro.) Ͷ Ó home, vancê pensa que


meu duzento mi réis. tou

enganando vancê? Dinheiro tá qui! (Mostra um maço


de notas.)
FRAZÃO Ͷ Que trapalhada!

FRAZÃO (Tomando o braço de dona Rita para não


BONIFÁCIO Ͷ Quem tá fazendo trapaiada é vancê.
desmaiar.) Ͷ
Vancê já leu
Dinheiro!
a carta?

DONA RITA Ͷ Dinheiro!


FRAZÃO Ͷ Ah! É verdade. Estou com a cabeça a
juros!... (Abre

a carta e lê.) ͞Senhor Frazão. O portador é o meu FRAZÃO Ͷ Comecemos por pagar a fiança do Eduardo!
empregado

Bonifácio
CENA XIV
Arruda, que vai, em meu nome, propor a vinda de sua
companhia

para OS MESMOS, LAUDELINA, EDUARDO, os artistas

dar aqui três espetáculos. Como Vossa Senhoria sabe,


há agora aqui
LAUDELINA (Entrando.) Ͷ Não tem que pagar nada!
uma festa do Espírito Santo, e eu sou o Imperador. O
dito Bonifácio
EDUARDO Ͷ Estou solto!...
TODOS Ͷ Está solto!

FRAZÃO Ͷ Solto! Mas como?

LAUDELINA Ͷ Ameacei o coronel Pantaleão de ir à sua


casa

dizer a dona Bertolesa que tudo foi por ele ter-me


querido dar um

beijo. Tanto bastou para que se abafasse a questão.


FRAZÃO Ͷ Tudo foi, não por isso, mas por ter eu coisa em que hei de pensar é na organização de outro
conservado mambembe!...

uma carta na algibeira, sem a ler. Meus senhores,


vamos ao Pito
CENA XV
Aceso dar três espetáculos!

FRAZÃO, PANTALEÃO
TODOS Ͷ Pito Aceso? Onde é?...

PANTALEÃO Ͷ Meu caro artista, estou inquieto... Se


FRAZÃO Ͷ Daqui a seis léguas. Fomos contratados. dona
Este
Laudelina cumpre a sua ameaça, e vai dizer à minha
homem trouxe-nos dinheiro para a condução! mulher que eu...

O senhor não conhece a dona Bertolesa! É uma fúria!...

TODOS Ͷ Dinheiro! Dinheiro! ... (Dançam.)

FRAZÃO Ͷ Tranqüilize-se: nós vamos todos daqui a


pouco para
FRAZÃO Ͷ Tratem de se preparar! Vamos! Vamos!
Saiamos,

quanto antes, destes malditos Tocos! o Pito Aceso. Só o tempo de preparar as malas. Antes
disso, Vossa

Senhoria será pago dos vinte e cinco mil réis que lhe
TODOS Ͷ Vamos! Vamos! ... (Saem todos.) devo. (Sai à

esquerda.)
FRAZÃO (Ao Carreiro.) Ͷ Vá buscar os carros e os PANTALEÃO (Só.) Ͷ Querem ver que os homens foram
animais.
contratados para dar espetáculos no Pito Aceso? Não é
outra coisa! É
CARREIRO Ͷ Sim, sinhô! (Sai.) a época da famosa festa do Espírito Santo, em que se
reúnem mais

de dez mil pessoas. E o meu drama pode ser


FRAZÃO (A Bonifácio.) Ͷ E você arranje uns
representado lá! ...
carregadores para
Sim... aqui não pode ser, mas lá... O sucesso! O
as bagagens.
aplauso! As pipocas!

À cena o autor!... À cena o autor! ... (Agradece e faz


BONIFÁCIO Ͷ Sim, sinhô! (Sai.) menção de

apanhar flores.) E depois, a Laudelina lá... Dona


Bertolesa aqui...
FRAZÃO (Só.) Ͷ E dizer que, quando eu chegar ao Rio
de Está decidido! Vou ao Pito Aceso! ... (Sai pelo fundo.
Mutação.)
Janeiro para descansar de tantas consumições e
fadigas, a primeira
Quadro 7
Na Mantiqueira, em pleno sol. Os artistas formam
grupos nos

carros de bois. Frazão monta um burro. Todos


admiram a paisagem.
[CENA I] leiloeiros Frazão e Margarida. A cena está cheia de
povo. Há diversos

jaburus, rodeados por jogadores. Aqui e ali vêem-se


LAUDELINA, FRAZÃO pretas sentadas

com tabuleiros de doces. Da capela saem de vez em


quando devotos
LAUDELINA (Do alto de um carro.) Ͷ Como o Brasil é
belo! e devotas, anjos com cartuchos de doces etc.
Nada

lhe falta! CENA I

FRAZÃO Ͷ Só lhe falta um teatro... FRAZÃO, MARGARIDA no coreto do leilão ou império,

[(Cai o pano.)] CARRAPATINI e os músicos no coreto da música,


VILARES,

ATO TERCEIRO
COUTINHO, FLORÊNCIO, ISAURA, foliões, povo,
jogadores,
Quadro 8

vendedores de doces, depois CHICO INÁCIO e a


Uma praça no arraial. Ao fundo, à esquerda, capela, e MADAMA
ao lado

desta, ao fundo, à direita, um coreto onde se acha a


Coro Geral
banda de

Carrapatini com este em evidência. Os três primeiros


planos da Que bonita festa
esquerda são ocupados pelo barracão onde se Do Espírito Santo!
improvisou o teatro. À
Tudo causa encanto!
porta desse barracão cartaz com o seguinte letreiro em
caracteres Tudo faz viver!

graúdos: ͞Teatro, hoje! segundo espetáculo da grande


Companhia

Dramática Frazão, da Capital Federal. Representação


da sublime peça

em cinco atos O Poder do Ouro, do festejado escritor


Eduardo

Garrido. O papel de Joaquim Carpinteiro será


representado pelo

popularíssimo ator Frazão. ͞À direita baixa, coreto do


leilão, sendo
Sim, ninguém contesta: Este casal imperial

Não nos falta nada Que tem um trono refulgente

Nesta patuscada Do Pito Aceso no arraial!

Que nos dá prazer! CORO Ͷ Que toda a gente, etc.

II

(Vendo Chico Inácio, que sai da capela, trazendo a MADAMA


Madama
Ͷ O imperador do Divino
pela mão.)
Ninguém poderá dizer

Que tenha o mesmo destino


Sai da capela seu Chico Inácio,
Do imperador a valer...
Acompanhado pela Madama!

Provou seu Chico não ser pascácio:


CHICO INÁCIO
A sua festa deixará fama. (Declamando.)
Ͷ Mais parece o presidente.
Viva o imperador Chico Inácio! Viva a
Porque o presidente sai...
Madama!
E pro lugar inda quente

Outro presidente vai!

(Chico Inácio e a Madama chegam ao proscênio


agradecendo AMBOS Ͷ Que toda a gente

Cumprimente, etc.

por gestos.) CORO Ͷ Que toda a gente, etc.

Coplas

CHICO INÁCIO Ͷ Estou muito satisfeito!

MADAMA Ͷ Considero-me feliz!

CHICO INÁCIO Ͷ Imperador estou feito!

MADAMA Ͷ Estou feita Imperatriz!

Em plena democracia...

CHICO INÁCIO Ͷ Tem ali o seu sabor...

MADAMA Ͷ Ser imperatriz um dia!

CHICO INÁCIO Ͷ Ser um dia imperador!

AMBOS Ͷ Que toda a gente

Cumprimente
FRAZÃO (No império, apregoando.) Ͷ Agora, a última
prenda,

meus senhores!
sapeva...14 (A música toca um pequeno motivo. Frazão
e Margarida

MARGARIDA (Idem.) Ͷ Um frango assado! descem do coreto, onde imediatamente começam a


armar o império.)

FRAZÃO Ͷ Quanto dão por este perfumado frango?


Quanto? CHICO INÁCIO Ͷ Ó minha senhora! Meu caro Frazão!
Não sei
Tenho um cruzado...
como agradecer-lhes o terem aceitado os lugares de
leiloeiros do
VILARES Ͷ Dois cruzados! Divino.

FRAZÃO (Idem.) Ͷ Dois cruzados! Dois... FRAZÃO Ͷ Não tem que agradecer, seu Chico Inácio. A

Companhia Frazão é que está penhorada pela maneira


por que foi
MARGARIDA (Idem.) Ͷ Quem mais lança?
recebida pelo chefe político do Pito Aceso.

FRAZÃO (Vendo que ninguém mais lança.) ͶDou-lhe


uma. CHICO INÁCIO Ͷ A Companhia Frazão mostrou-se na
altura
Dou-lhe duas. Dou-lhe três... É seu o frango.
dos seus créditos. O primeiro espetáculo, anteontem,
foi um sucesso
VOZES DO POVO Ͷ Venha um verso!
sem precedentes. O segundo anuncia-se para hoje com
outro sucesso

FRAZÃO (Enquanto Vilares recebe o frango e paga.) igualmente sem precedentes.

Ͷ MADAMA Ͷ Estou satisfeita porque fui eu que tive a


idéia de
Todo sujeito casado
mandar contratar a companhia.
Deve ter um pau no canto

Para benzer a mulher


OS TRÊS (Que ouviram, aproximando-se da Madama)
Quando estiver de quebranto. Ͷ Ah! Foi

TODOS (Rindo.) Ͷ Bravo! Bravo! a Madama?

MARGARIDA (A Carrapatini.) Ͷ Toca a música, seu


Carrapatini!
MADAMA (Cumprimentando-os, muito satisfeita.) Ͷ
CARRAPATINI (A Margarida.) Ͷ No bisogna prevenire! Fui eu.
Giá lo
CHICO INÁCIO Ͷ Foi ela. Aqui para nós, que ninguém
nos

ouve: (Chama-os por gestos para um segreda) A


Madama é uma

antiga colega dos senhores.

ATORES Ͷ Uma antiga colega?

CHICO INÁCIO Ͷ É verdade! Em 1879, quando eu fui


ao Rio de

Janeiro pela última vez, vi Madama representar numa


companhia

francesa que trabalhava no Cassino Franco-Brésilien.

MARGARIDA Ͷ Onde era isso?

FRAZÃO Ͷ Onde é hoje o Santana. Tu ainda não eras


gente.

CHICO INÁCIO Ͷ Representava-se Les Brigands.

14 Trad. (italiano macarrônico): Não precisa cobrar! Já


o sabia...
MADAMA (Cantando) Ͷ C͛est Fiorella la blonde,15 etc. o teu Pito.

MADAMA Ͷ Aceso.

CHICO INÁCIO Ͷ É isso... Ela fazia uma das pequenas FRAZÃO Ͷ Isto é uma coisa de que nem todos se
que se podem gabar.

deixam roubar pelos salteadores. Uma noite, depois do MARGARIDA Ͷ É muito difícil encontrar um Pito,
espetáculo, mesmo

eu fiz como Falsacapa: apoderei-me dela; fomos cear apagado.


no Bragança...

MADAMA Ͷ O que eu sinto é que não estejam bem


MADAMA Ͷ E nunca mais entrei no teatro. acomodados.

MARGARIDA (Dando um pequeno tapa na pança de


Chico.) Ͷ
VILARES Ͷ Não diga isso. Deram-nos os melhores
Gostou, hein? quartos da

casa.

CHICO INÁCIO ͶGostei. Gostei tanto que a trouxe


comigo para
FLORÊNCIO Ͷ E a casa é um casão.

o Pito Aceso, e dois anos depois estávamos ligados


pelos indissolúveis COUTINHO Ͷ Mais gente houvesse que ainda chegava.

laços do himeneu. Entretanto, impus uma condição...


ISAURA Ͷ Ainda não moramos num hotel que tivesse
tantas
MADAMA Ͷ E eu aceitei-a avec plaisir.16
comodidades.

CHICO INÁCIO Ͷ Se algum dia me aparecer minha


filha... Uma COUTINHO Ͷ Nem tão barato!

filhinha que eu... justamente em 1879... mas isto são

particularidades que não os interessa. (Outro tom) Já UM JOGADOR Ͷ Jaburu! Olha o joguinho do caipira!
vêem que é Quem mais

uma antiga colega. bota mais tira! (A Bonifácio, que está no Jaburu.)

FRAZÃO (A Madama.) Ͷ Filha, dá cá um abraço. CHICO INÁCIO Ͷ Ó Bonifácio!


(Abraça-a.)

Tiveste a fortuna de encontrar o teu Pato...


BONIFÁCIO (Vindo.) Ͷ Às ordes.
(Emendando) quero dizer

CHICO INÁCIO Ͷ Esse cateretê ficou pronto?


FRAZÃO Ͷ Olá! Temos cateretê?

BONIFÁCIO Ͷ É uma festinha que a gente fumo fazê


em casa

da Rosinha da Ponte. Eu inda tou vestido de arfere da


bandeira. A

coisa ficô bem ensaiada. Se mêceis quê uma nota, eu


chamo os

folião.

TODOS Ͷ Sim... queremos... chame...

BONIFÁCIO (Chamando.) Ͷ Eh! Ó Manduca! Entra aqui


no

cateretê prestes, home vê! Ó Tudinha! (Chama. Entra


Tudinha.) Ó

Totó! Bamo co isso! Ó Chiquinha! Ó Zeca! Nhô Tedo!


Nhô Tico! Nhá

15 Trad.: É Fiorela, a loura.

16 Trad.: com prazer.


Mariana! Venha tudo! (As pessoas chamadas TODOS (Aplaudem.) ͶBravo! Bravo! (Os foliões
aproximam-se e formam dispersam-se à

uma roda. Bonifácio, ao ver formada a roda.) Ó mundo vontade.)


aberto sem

portera!
CHICO INÁCIO Ͷ Bem, os senhores hão de me dar
licença.

Cateretê Tenho que me vestir de imperador para sair no bando.

I FRAZÃO Ͷ O senhor vestido de imperador? Pois não é


um
BONIFÁCIOFOLIÕES
menino?
CORO GERAL

Ͷ Vancê me chamou de feio;


CHICO INÁCIO Ͷ Não. A moda daqui é à antiga. Sou eu
Eu não sou tão feio assim. mesmo
Foi depois que vancê veio que vou vestido.
Que pegô feio ne mim.

Ͷ Neste mato tem um passarinho, ai, MARGARIDA (Olhando para dentro.) Ͷ Olhem quem
ali vem. O
Passarinho chamado andorinha, ai,
Coronel Pantaleão.
Andorinha avoou agorinha, ai,

Deixou os ovo chocando no ninho.


FRAZÃO Ͷ O coronel Pantaleão?
Ͷ Neste mato tem um passarinho, ai, etc.

II
TODOS Ͷ Sim. É ele! É ele!
BONIFÁCIO

OS FOLIÕES
ISAURA (À parte.) Ͷ Veio atrás da Laudelina. Dá Deus
CORO GERAL
nozes...
Ͷ Não quero mais namorá

A filha do barrigudo.
CENA II
Não quero que o povo diga

Que eu tenho cara pra tudo.


OS MESMOS e CORONEL PANTALEÃO
Ͷ Neste mato, etc.

Ͷ Neste mato, etc.


(Entra o coronel Pantaleão montado num burro e
desce ao

BONIFÁCIO Ͷ Pronto. Tá í. proscênio. Os circunstantes aglomeram-se em


semicírculo.)
Coro PANTALEÃO (Apeando-se.) Ͷ Seu Chico Inácio!
Madama! Meus

É ele! É ele! É o genuíno!


senhores!
É o coronel Pantaleão,
CHICO INÁCIO Ͷ O senhor por aqui. Grande honra.
Quem vem à festa do Divino
PANTALEÃO Ͷ Vim ver a sua festa. (A Frazão.) Preciso
Por ser de sua devoção! falar

Rondó lhe.

FRAZÃO Ͷ Recebeu os vinte e cinco mil réis?


PANTALEÃO (Montado no burro.) PANTALEÃO Ͷ Recebi. Não se trata disso.

CHICO INÁCIO (A Bonifácio.) Ͷ Ó Bonifácio! Recolhe o


burro do
Ͷ Eu, por chapadas e atoleiros,

Aqui vim ter, e dez cargueiros


coronel.
Com os acessórios, vestuários,
PANTALEÃO (Voltando-se.) Ͷ Como?
E maquinismos e cenários
CHICO INÁCIO Ͷ Estou mandando recolher o seu
Do meu encaiporado drama,
animal,
Que uma desforra enfim reclama,

Porque, por infelicidade,


porque sei que o amigo vai para nossa casa.
Não passou nunca da metade.
BONIFÁCIO (Saindo com o burro.) Ͷ Bamo, patrício.
Um meio autor eu sou apenas! (Sai.)

Para aplacar as minhas penas, MADAMA Ͷ Para onde havia de ir?

Eu por chapadas e atoleiros, PANTALEÃO Ͷ Mas é que vieram comigo mais dez
cargueiros
Aqui vim ter com dez cargueiros!

CORO Ͷ Com dez cargueiros! Dez cargueiros!...


que estão ali do outro lado da ponte. São os cenários
É ele! É ele! É o genuíno! do meu drama.

É o coronel Pantaleão, ATORES Ͷ Quê! Pois trouxe?

Quem vem à festa do Divino

Por ser de sua devoção!

CHICO INÁCIO Ͷ Ó meu caro coronel Pantaleão


Praxedes

Gomes! Apeie-se.
PANTALEÃO Ͷ Não quero perder a vasa. (sic)

VILARES Ͷ Livra! Não venha ele trazer-nos a caipora.


Por
CHICO INÁCIO Ͷ Providencia-se já! (A um do povo.)
Eustáquio! enquanto vamos tão bem!

Vá doutro lado da ponte e diga ao arrieiro que


descarregue os
MARGARIDA Ͷ É verdade! Fomos de uma felicidade
cargueiros na casa da Câmara. Se a chave não estiver inaudita.
na porta, está

em casa da Chiquinha Varre-Saia. (O homem do povo


sai correndo.) FLORÊNCIO Ͷ Há muito tempo que não víamos tanta
gente no

teatro.
PANTALEÃO Ͷ É muita amabilidade.

VILARES Ͷ Nem tanto dinheiro!


CHICO INÁCIO Ͷ Vamos até à casa, seu coronel.

COUTINHO Ͷ E que entusiasmo!


MADAMA Ͷ Vou mostrar-lhe o seu quarto.

FRAZÃO Ͷ Teatro é um modo de dizer. Olhem para


CHICO INÁCIO Ͷ Eu tenho que me vestir de imperador. aquela
(Aos
fachada. (Aponta o barracão.)
artistas.) Até logo.

VILARES Ͷ E o palco?
PANTALEÃO (Saindo, a Frazão.) Ͷ Preciso falar-lhe. (Sai
com

Chico Inácio e Madama.) FRAZÃO Ͷ Não subo nele sem recear a todo o
momento que as

barricas venham abaixo.


CENA III

MARGARIDA Ͷ E a repetição do primeiro ato?


FRAZÃO, VILARES, MARGARIDA, FLORÊNCIO, ISAURA,
COUTINHO,

depois VIEIRA FRAZÃO Ͷ É verdade! Fomos obrigados a repetir todo


o

primeiro ato, porque Chico Inácio só apareceu depois


FRAZÃO Ͷ Pois não se meteu em cabeça este idiota de de cair o pano.
fazer

montar aqui a tal bagaceira...


VILARES Ͷ Não foi por gosto dele...

ISAURA Ͷ O que ele quer montar sei eu...


FRAZÃO Ͷ Não foi por gosto dele, mas o povo todo
começou a

gritar: Repita, repita o ato que seu Chico Inácio não viu,
e não houve

outro remédio senão repetir! Confesso que é a


primeira vez que me

acontece uma destas. (Entra Vieira.)

VIEIRA (Entrando fúnebre como sempre.) Ͷ Venho do


correio.

Nem uma carta da família... Como é dolorosa esta


ausência... Em

compensação mandei-lhes cem mil-réis...

VILARES Ͷ E eu, cinqüenta para o Monteiro.

FRAZÃO Ͷ Coragem, Vieira. Em breve estaremos no


nosso Rio

de Janeiro.
VIEIRA Ͷ Mas até lá!...

DONA RITA (Contemplando o Vieira, que não os vê.) Ͷ


Pobre
MARGARIDA Ͷ Até lá é esperar. Descansa, que não
haverá homem! Mire-se naquele espelho, Laudelina. Como o
teatro é
novidade em tua casa.
mentiroso! (Vieira sai.)

VIEIRA (A Frazão.) Ͷ Você já viu o cemitério daqui?


LAUDELINA Ͷ Mentiroso, mas cheio de surpresas e
sensações.
FRAZÃO Ͷ Não. Anteontem estávamos desanimadas, tendo perdido
quase a

esperança de poder voltar à nossa casa e ainda agora,


VIEIRA Ͷ Uma coisinha à-toa: ali atrás da igreja. Nem
ajoelhadas e
parece
de mãos postas, naquela igreja, agradecemos a Deus a
cemitério.
reviravolta

que houve na nossa situação. Para isso bastou um


FRAZÃO Ͷ Esta noite depois do espetáculo, se Deus espetáculo...
não

mandar
DONA RITA Ͷ E que felicidade a de termos encontrado
esta

o contrário, vou fazer uma fezinha... gente que nos hospedou. Que francesa amável!

ARTISTAS (Interessados.) Ͷ Onde? Onde?

FRAZÃO Ͷ Cá, em certo lugar. Já fui convidado por um LAUDELINA Ͷ E o senhor Chico Inácio! Que homem
simpático!
alabama, mas não consinto que vocês joguem! Jogarei
por todos!

VILARES Ͷ Por falar nisso, se fôssemos para casa cair DONA RITA Ͷ Não nos esqueçamos de que estamos
num convidadas

para comer canjica com eles depois do espetáculo.

sete-e-meio até a hora do jantar?

MARGARIDA Ͷ Bem lembrado! EDUARDO ͶO diabo é ter eu que decorar este papel
para
TODOS Ͷ Valeu! Valeu! Vamos! (Saem!)
depois de amanhã. Que lembrança do Frazão em fazer
VIEIRA Ͷ Vou sempre dar um giro até o tal cemitério. representar
(Sai.)
um dramalhão de capa e espada, quando há tanta peça
moderna.

CENA IV

LAUDELINA Ͷ Console-se comigo, que fui obrigada a


estudar o
LAUDELINA, DONA RITA e EDUARDO, saindo da igreja
papel de Dona Urraca.

DONA RITA Ͷ E eu o de Dona Branca... uma ingênua!


Eu a

fazer ingênua! Nesta idade e com este corpanzil...

EDUARDO Ͷ A necessidade tem cara de herege... A


peça exige

quatro ingênuas. Quatro irmãs. (Ouve-se a música de


Carrapatini vir

se aproximando.)

LAUDELINA Ͷ Lá vem a banda do Carrapatini.


EDUARDO Ͷ Naturalmente vem tocar outra vez no transformado em império, depois que o leilão
coreto. terminou. Cessa a

música.)

DONA RITA Ͷ Não. Foi buscar o Chico Inácio para


assistir ao
CHICO INÁCIO (Sentado no trono do lado da Madama.)
sorteio do imperador do ano que vem. Ͷ Meus

senhores, atenção!

VOZES (Dentro.) Ͷ Viva o imperador Chico Inácio!


Viva! ...
MADAMA Ͷ Attention! Attention!17

CENA V
CHICO INÁCIO Ͷ Agradeço aos bons moradores deste
arraial a

OS MESMOS, CHICO INÁCIO, MADAMA, CARRAPATINI, ajuda que me deram para eu levar até o fim a festa do
dois Divino. Ao

mordomos, um Anjo, irmãos do Espírito Santo, vigário dos Tocos, de vir fazer a festa. Ao seu Frazão, o
músicos, povo [e ter trazido a

sua companhia dramática. Ao senhor Carrapatini, a sua


banda.
RODOPIANO]

CARRAPATINI Ͷ Grazie tanti.18


(Soltam foguetes, repicam os sinos. A irmandade do
Espírito

Santo sai da igreja e vai receber Chico Inácio, que entra CHICO INÁCIO Ͷ Agora vai-se fazer o sorteio do
com toda a imperador do

solenidade dando a mão à Madama. Chico Inácio, que ano que vem. Neste chapéu... (Procurando.) Quedê o
vem vestido de chapéu?

casaca de veludo verde, manto escarlate, calção, meias


de seda,
ANJO (Dando.) Ͷ Tá qui.
sapatos afivelados, com coroa e cetro, tendo ao peito
refulgente

emblema do Espírito Santo, vem debaixo de um pálio CHICO INÁCIO (Tomando o chapéu.) Ͷ Neste chapéu
cujas varas são estão os

encarnadas. Dois mordomos de casaca, chapéu de nomes das pessoas mais no caso de serem festeiras.
pasta, espadim e (Ao Anjo.) Tire

calção, suspendem-lhe o manto. Seguem-lhe um papel, Bibi. (O Anjo tira. Abre e lê.) Rodopiano
Carrapatini à frente da Nhonhô de Pau-a-

música, soldados em linha e povo. Dão todos uma volta Pique.


pela praça.

Chico Inácio, a Madama e o Anjo sobem para o


MADAMA Ͷ O meu palpite!
palanque, que foi
RODOPIANO Ͷ Eu, o festeiro? Vou para casa esperar a

bandeira! (Sai correndo.)

CHICO INÁCIO (Erguendo-se.) Ͷ Vamos entregar a


bandeira.

Toque a banda. Viva o imperador Pau-a-Pique!

17 Trad.: Atenção! Atenção!

18 Trad.: muitíssimo obrigado.


TODOS Ͷ Viva! Viva! (Forma-se a marcha. Toca a paixão despertou. Era um leão que dormia dentro de
música e um Pantaleão! É

saem todos a dar vivas. Mutação.) impossível que ela não se dobre aos argumentos (Faz
sinal de

dinheiro.) que encontrará aqui... O poder do ouro! A


Quadro 9 festa não me

sairá barata, mas é um capricho, e mais vale um gosto


que quatro
Varanda em casa de Chico Inácio. Ao fundo, pátio
iluminado por vinténs. Espero que desta vez ela não se faça de manto
de seda, e
um luar intenso que clareia a cena. A direita, passagem
para o ceda. Se não cedeu em Tocos, foi por causa do tal galã
empatavasas.
interior da casa. À esquerda, primeiro plano, porta
para o quarto de Estava cai, não cai, quando ele surgiu e fez todo aquele
Pantaleão. No segundo plano, uma passagem que vai escândalo. Laudelina ficou, mais a velha, conversando
ter aos com a família
aposentos de Chico Inácio. do Chico Inácio, que as convidou para comer canjica.
Ah! Elas aí vêm.

Por que meios conseguirei fazer chegar esta carta às


CENA I
mãos da minha

bela?
PANTALEÃO, só

CENA II
PANTALEÃO (Saindo do seu quarto em mangas de
camisa.) Ͷ Que
O MESMO, LAUDELINA e DONA RITA, entrando pela
maçada! Estou às escuras! Acabou-se o toco de vela
direita alta
que havia no

meu castiçal, e não tenho outro. Não sei a quem pedir


luz... Não DONA RITA (Entrando.) Ͷ Decididamente, são muito
amáveis.
quero chamar: seria um abuso. Aqui está claro, graças
ao luar, mas

lá no quarto está escuro que nem um prego... Ainda se


tivesse

vidraças, mas as folhas das janelas são de pau... Gastei


toda a vela

porque estive a escrever esta carta... É uma carta para


Laudelina...

Francamente, eu não vim cá por causa dela... vim por


causa do meu

drama... mas ontem quando a vi no Poder do Ouro,


toda a minha
LAUDELINA Ͷ Não há dúvida. Procuram todos os LAUDELINA Ͷ Sim, dindinha, apalermada é o termo.
meios de

agradar.
DONA RITA Ͷ Por quê?

PANTALEÃO (Adiantando-se.) Ͷ Minhas senhoras.


LAUDELINA Ͷ Pois não é que esse velho sem-
vergonha, que já

DONA RITA Ͷ Ah! É o coronel? Que estava fazendo devia estar bem ensinado, aproveitou o ensejo de me
aqui? entregar o

lenço para me entregar também uma carta?

PANTALEÃO Ͷ Saí do quarto para apreciar o luar desta

varanda. Está admirável, não acham? DONA RITA Ͷ Uma carta?

LAUDELINA (Secamente.) Ͷ Esplêndido. (Deixa cair o LAUDELINA Ͷ Sim, aqui está. (Mostra a carta, que tira
lenço.) de

dentro do lenço.)

PANTALEÃO (À parte.) Ͷ Uh! Que bela ocasião!


(Apanha o
DONA RITA Ͷ Que desaforo!
lenço e [o] restitui depois de meter nele a carta.)

LAUDELINA Ͷ Vou dá-la a seu Eduardo. (Dá um passo


LAUDELINA Ͷ Obrigada. para a

direita.)

PANTALEÃO (Baixinho, a Laudelina.) Ͷ Leva recheio!

(Disfarçando.) Hum, hum! (Alto.) Boa-noite, minhas DONA RITA (Detendo-a.) Ͷ Estás doida! Queres
senhoras. provocar novo

escândalo?

DONA RITA Ͷ Boa-noite, seu Coronel.

LAUDELINA Ͷ Tem razão, mas que devo fazer?

PANTALEÃO (À parte.) Ͷ É minha! (Entra no seu


quarto.)
DONA RITA Ͷ Restituir a carta a esse patife, sem abrir
ela. Dá

DONA RITA Ͷ Então, menina, vamos para o quarto. cá, eu me encarrego disso.
(Vendo que

Laudelina fica imóvel, sem lhe responder.) Que tens?


Estás assim a LAUDELINA Ͷ Mas ele há de ficar impune? (Vendo
entrar
modo que apalermada!
Frazão.) Ah! Cá está quem vai decidir.
CENA III

AS MESMAS e FRAZÃO

FRAZÃO Ͷ Que é isso? Ainda acordadas? É quase


meia-noite.

DONA RITA Ͷ Estivemos com a família do Chico Inácio.

FRAZÃO Ͷ Eu fui fazer uma fezinha no lasca... Quem


não

arrisca não petisca... Entrei no jogo com um medo dos


diabos... Vi os

turunas cheios de pelegas de cem, de duzentos e


quinhentos... Mas

Deus é grande! ... Quando peguei no baralho, comecei


por dois
doublés de cara... Não capei... dei a terceira sorte...
Depois veio um
FRAZÃO (Tomando a carta.) Ͷ Uma carta?

sete de cabeça para baixo... o sete de cabeça para


baixo não falha! DONA RITA Ͷ Não acha o senhor que deve ser
devolvida sem

ser aberta?
LAUDELINA Ͷ Não falhou?

FRAZÃO Ͷ Era o que faltava! Vejamos primeiramente


FRAZÃO Ͷ Qual falhou, qual nada! Oito sortes o que ela
seguidas! Um
diz. (Abrindo resolutamente a carta.) O luar é
chorrilho! Acabei dando lambujas fantásticas!... E magnífico, mas leio
justamente quando
com dificuldade. (Dando a Laudelina uma caixa de
veio o azar, foi que ninguém lhe pegou! Enfim, fósforos.) Faça o
(Batendo na algibeira
favor de ir riscando enquanto leio. (Dona Rita, sem
da calça.) foi como se o Madureira houvesse dizer nada, tira
respondido três vezes ao
também uma caixa de fósforos e ambas, enquanto
meu telegrama! Agora sim, agora estamos garantidos Frazão lê, vão
contra a miséria.
riscando fósforos e alumiando uma de um lado e outra
do outro.

Lendo.) ͞Minha adorada Laudelina (Passando os olhos.)


Hum...hum...
DONA RITA Ͷ Bravo!
(Fala.) Tudo isto são bobagens. Ah! (Lendo.) Tenho
aqui no meu
LAUDELINA Ͷ Também eu tenho que lhe contar uma quarto a quantia de dois contos de réis a tua
coisa. disposição, sob a

condição de vires buscá-la quando der meia-noite no


relógio da
FRAZÃO Ͷ Que é?
capela. A essa hora todos estarão dormindo. Deste que
te adora
LAUDELINA Ͷ Quando entramos inda agora, estava
loucamente Ͷ Leãozinho.͟ Que grande bandalho!
aqui o

coronel Pantaleão.
DONA RITA Ͷ Que devemos fazer?

FRAZÃO Ͷ Meus pêsames.


FRAZÃO Ͷ Homessa! Não há duas opiniões a respeito:
apanhar
LAUDELINA Ͷ Sabe que fez ele? Apanhou este lenço,
os dois contos de réis.
que por

acaso deixei cair, e ao entregar-me, meteu-me esta


carta na mão. LAUDELINA Ͷ Quê! Pois o senhor acha que eu?...
FRAZÃO Ͷ A senhora? Quem falou aqui da senhora?
Vão ambas

para o quarto e durmam sossegadas. Eu encarrego-me


de tudo. Era o

que faltava... Esse dinheiro compensará os prejuízos


que aquele tipo

nos causou, pois foi, não há dúvida, o seu drama que


em Tocos

escabriou o público e desmoralizou a companhia...

LAUDELINA Ͷ Mas será uma extorsão!...

FRAZÃO Ͷ Pode ser, mas eu não quero um vintém


para mim.

Será tudo distribuído pelos artistas, a título de receita


eventual.

DONA RITA Ͷ Mas qual é o seu plano?


FRAZÃO Ͷ Depois saberão... Basta dizer-lhes que disto
não
LAUDELINA Ͷ Queira Deus! (Saem pela direita.)
lhes resultará mal algum. Só lhe peço uma coisa,
Laudelina:

empreste-me esse xale. CENA IV

LAUDELINA (Hesitando.) Ͷ Meu xale? CHICO INÁCIO, MADAMA e BONIFÁCIO

FRAZÃO Ͷ Sim, dê cá. (Toma-lho.) Bom, vão dormir (Entram os três cautelosamente em camisola de
com Deus. dormir.

(Sai pela direita.) Bonifácio vem à frente trazendo um lampião.)

DONA RITA Ͷ É dos diabos este Frazão! Canto

LAUDELINA Ͷ Mas que irá ele fazer? OS TRÊS Ͷ

Nós, sem primeiramente

DONA RITA Ͷ Naturalmente mandar a Margarida, ou a A casa revistar,

Josefina, ou a Isaura, em teu lugar ao quarto do Não vamos nos deitar.


Leãozinho.
Este costume, a gente

Não pode mais largar.


LAUDELINA Ͷ Isso não. Esse homem vai julgar que sou
Pisando de mansinho
eu.
Pra não incomodar,

Cantinho por cantinho


DONA RITA Ͷ Apenas à primeira vista, por causa do
xale Nós vamos revistar. (Saem.)
vermelho, mas depois...

LAUDELINA Ͷ Eu achava melhor acordar seu Eduardo. CENA V

DONA RITA Ͷ Qual seu Eduardo, qual nada!... Seu PANTALEÃO, depois FRAZÃO
Eduardo é

um estabanado! Quer logo deitar o mundo abaixo!


Deixa lá o Frazão: PANTALEÃO (Saindo do quarto.) Ͷ Eu podia ter pedido
um toco
ele sabe como essas coisas se fazem e não será capaz
de te de vela a Dona Rita: não me lembrei. Decididamente,
fico no escuro.
comprometer. Vamos dormir.
Ora, o amor mesmo às escuras tem graça... Talvez seja
melhor

assim: Laudelina não terá vergonha e portanto se


entregará com
mais facilidade. Mas como são as mulheres! Aquela
história do lenço
FRAZÃO (Idem.) Ͷ Dê cá.
não acudiria a um homem viajado! Ela percebeu que
eu tinha uma

carta engatilhada e deixou cair o lenço... Falta pouco! PANTALEÃO Ͷ Vou buscá-lo. (À parte.) Quer
Que ansiedade! adiantado! Fiemse

Que ansiedade!... (Volta para o quarto.) lá nestas ingênuas.

FRAZÃO (Entrando da direita vestido de mulher e com FRAZÃO Ͷ Dê cá.


a cabeça

envolvida no xale de Laudelina.) Ͷ Arranjei um vestido


PANTALEÃO Ͷ Dar-to-ei logo que entres no meu
da Josefina,
quarto.
que me ficou ao pintar. Eu já fiz um papel em que havia
Vamos, vamos, meu amor, porque aqui podemos ser
uma situação
surpreendidos.
parecida com esta. Mas era no teatro: não sei se na
(Puxa Frazão para o quarto.)
vida real a coisa

se passará do mesmo modo. O que eu quero são os


dois contos de FRAZÃO Ͷ Não, meu Deus! (Cobre o rosto com as
mãos.)
réis na mão. (Dá meia-noite.) Meia-noite! Está na hora.
(Vendo

Pantaleão sair de um quarto.) Lá vem o Leãozinho. PANTALEÃO Ͷ Deixa-te de luxos. Agora, que deste o
primeiro

passo, não podes recuar.


PANTALEÃO (Vendo Frazão, à parte.) Ͷ É ela! Eu não
disse?

Não há nada como o poder do ouro! (Baixo.) És tu, FRAZÃO Ͷ Que vai pensar de mim?
Laudelina?

PANTALEÃO Ͷ O mesmo que a outra perguntou a


FRAZÃO (Baixo.) Ͷ Sim! Pedro I.

Vamos.
PANTALEÃO (Aproximando-se.) Ͷ Como és boa!
(Toma-lhe a
FRAZÃO Ͷ Meu Deus! (Pantaleão puxa-o. Entram
mão. À parte.) Com que força aperta a mão. Ai! Que ambos no
delícia! Que
quarto.)
mãozinha de cetim!

CENA VI
FRAZÃO (Baixinho.) Ͷ Que é do dinheiro?

CHICO INÁCIO, MADAMA, BONIFÁCIO, depois FRAZÃO


PANTALEÃO (Idem.) Ͷ Está ali.
Canto

OS TRÊS Ͷ Nós, sem primeiramente, etc.

(Terminado o canto, abre-se a porta do quarto de


Pantaleão e

sai Frazão a correr derrubando na passagem Chico


Inácio,. a Madama

e Bonifácio, que gritam.)

CENA VI
CHICO INÁCIO, BONIFÁCIO, MADAMA, depois E estendido no chão, a correr, me deixou!
PANTALEÃO, depois

DONA RITA, LAUDELINA, EDUARDO, VILARES,


MARGARIDA, ISAURA, CORO Ͷ Um audaz ratoneiro, um bandido qualquer,

O seu quarto invadiu, disfarçado em mulher,

E dois contos de réis o ladrão lhe levou

FLORÊNCIO, COUTINHO, VIEIRA, depois FRAZÃO E estendido no chão, a correr, o deixou!

CHICO INÁCIO e BONIFÁCIO (No chão.) Ͷ Ai! Ai! LAUDELINA Ͷ Sei o que foi, vou dizê-lo:

MADAMA Ͷ Au sécours!19 O coronel teve um sonho,

PANTALEÃO (Saindo do quarto a gritar.) Ͷ Pega Ou antes um pesadelo,


ladrão! Pega
Um pesadelo medonho.

ladrão! (Saem todos os artistas, sobressaltados, em


camisolões de
CHICO, MADAMA e BONIFÁCIO Ͷ Eu tinha a casa
dormir trazendo castiçais com velas acesas.)
revistado,

Ninguém aqui de fora entrou.


CORO Ͷ Ai, quanta bulha, que alarido!
EDUARDO Ͷ Se estava o quarto bem fechado,
Que foi, que foi que se passou?
Como o ladrão lá penetrou?
Foi o meu sono interrompido:
MARGARIDA Ͷ Por que motivo, disfarçado,

O malfeitor no quarto entrou?

FRAZÃO Ͷ Eu também estou capacitado


Ͷ Pega ladrão! alguém gritou.
De que o Pantaleão sonhou.
PANTALEÃO Ͷ Sim, eu gritei: pega ladrão!

TODOS Ͷ É o coronel Pantaleão,


TODOS Ͷ
Pantaleão, Pantaleão.
Sei o que foi: basta vê-lo!
FRAZÃO (Entrando de camisola e castiçal.)
O coronel teve um sonho,

Ou antes um pesadelo,

Um pesadelo medonho.
Ͷ Que foi, meu caro amigo?

PANTALEÃO Ͷ Eu lhe digo... Eu lhe digo...

Um audaz ratoneiro, um bandido qualquer,


PANTALEÃO (Consigo.) Ͷ Sem os dois contos fico:
O meu quarto invadiu, disfarçado em mulher,
Não posso me explicar,
E dois contos de réis o ladrão me levou
19 Trad.: Socorro!
Porque se eu abro o bico, levantado sobre barricas. O pano está arriado: é uma
colcha, O lugar
Se toda a coisa explico,
da orquestra é separado da platéia por uma grade de
Pancada hei de apanhar. pau tosca. Toda
(Alto.) Foi, foi, um sonho! a cena é tomada pela platéia, cheia de longos bancos
longitudinais. À

direita, a entrada do público. Á esquerda, uma porta


CORO Ͷ
que dá para o
Sim, foi um sonho,
quintal de Chico Inácio, e pela qual passam os artistas.
Um pesadelo medonho! O teatro não

tem camarotes. Ao levantar o pano, Bonifácio tem


acabado de varrer

PANTALEÃO Ͷ Desculpem tê-los


o teatro e está arrumando os bancos.
Incomodado, senhores meus.
CENA I
Boa-noite, e que desses pesadelos

BONIFÁCIO, depois CHICO INÁCIO, MADAMA, depois


um

Os livre Deus ESPECTADOR

Boa-noite!

TODOS Ͷ Boa-noite! BONIFÁCIO (Só, arrumando os bancos.) Ͷ Tá tudo


pronto.

Agora só farta acendê as irendela. O drama de hoje


parece que é bão
(Todos, à exceção de Pantaleão, se retiram lentamente memo! Seu Frazão faz de velho...
cantando o boa-noite.)

CHICO INÁCIO
PANTALEÃO (Só.) Ͷ Sim, senhor, dois contos de réis! (Entrando com a Madama da esquerda baixa.)
Caro me

custou a lição! Ah! Laudelina, Laudelina! Vais obrigar-


me a ir ao Rio Ͷ Então, o teatro ainda está às escuras?

de Janeiro! É lá que te quero apanhar! (Entra no MADAMA Ͷ Fora o gasista!


quarto. Mutação.)
BONIFÁCIO Ͷ Isto é um instantinho! (Começa a
acender os

Quadro 10 candeeiros, que são de petróleo.)

A cena representa um teatrinho improvisado. Ao CHICO INÁCIO Ͷ As nossas cadeiras estão no lugar?...
fundo, o palco
(Examinando a primeira fila, onde se acham duas
cadeiras.) Estão.
MADAMA Ͷ Devíamos ter mandado pôr também uma II
cadeira

para o coronel Pantaleão.


Correspondi ao teu bondoso afeto

Com toda a força do meu coração,


CHICO INÁCIO Ͷ Ora, o coronel Pantaleão que vá para
o diabo! E à sombra amiga do teu doce teto

Não lhe perdôo o ter-se engraçado... Então com Achei sossego, achei consolação.
quem?... Com a
O meu passado é triste, mas perdoa,
Laudelina, uma rapariga honesta, ajuizada...
Porque, ao ser tua, ao conhecer-te bem,

Eu nunca mais pensei noutra pessoa,


MADAMA Ͷ Que simpatia você lhe tem!
Eu nunca mais amei a mais ninguém!
CHICO INÁCIO Ͷ Eu sou assim... quando simpatizo com

alguém, simpatizo mesmo!

MADAMA Ͷ Eu que o diga! Lembras-te? (Apóia-se no


CHICO INÁCIO Ͷ Pois sim, mas escusas de falar-me do
ombro de
passado...

Também eu tenho culpas no cartório...


Chico Inácio.)

CHICO INÁCIO (Sorrindo.) Ͷ De quê?


MADAMA Ͷ Bem sei... tua filha...
MADAMA ͶDe 1879?
CHICO INÁCIO Ͷ Falemos de coisas mais alegres.
CHICO INÁCIO Ͷ Olha o Bonifácio.
MADAMA Ͷ Avec plaisir.20

ESPECTADOR (Entrando.) Ͷ Parece que cheguei cedo.


Coplas
CHICO INÁCIO Ͷ Que deseja?

20 Trad.: Com prazer.


MADAMA Ͷ Naquele belo, venturoso dia,

Em que te vi pela primeira vez,

Houve entre nós tamanha simpatia

Que outra maior não haverá talvez!

De outra mulher gostavas, mas, em suma,

Desde que tu me conheceste bem,

Tu nunca mais pensaste em mais nenhuma,

Tu nunca mais amaste a mais ninguém!


ESPECTADOR Ͷ Vancê mi dá dous mi réis de teatro?

OS MESMOS, DONA RITA, VILARES, VIEIRA

CHICO INÁCIO Ͷ A bilheteria é lá fora, mas é cedo para


entrar.
(Todos três vestidos a caráter. Vieira traz o vestuário
Agora é que se estão acendendo as luzes, não vê? dos
(Empurrando-o
lacaios do teatro clássico francês.)
para fora.) Entre quando entrar a música. Nem o
porteiro está no

lugar. DONA RITA (Da porta da esquerda.) Ͷ Ainda não está

ESPECTADOR Ͷ Então até logo, seu Chico Inácio. A sua ninguém?


festa
CHICO INÁCIO Ͷ Não. Pode passar.
tem estado de primeira!
DONA RITA (Atravessando a cena a correr.) Ͷ Eu! Eu a
CHICO INÁCIO Ͷ É... tem estado de primeira, mas vá- fazer
se

ingênuas! (Desaparece ao fundo.)


embora. (Espectador sai.)
VILARES (Atravessando a cena.) Ͷ E eu ser obrigado a
BONIFÁCIO (Que tem acabado de acender as luzes.) Ͷ amar
Pronto!
esta matrona! Isto só no Pito Aceso! (Desaparece ao
FRAZÃO (Caracterizado de velho, com cabeleira e fundo.)
barbas
BONIFÁCIO (Vendo Vieira e rindo-se a perder.) Ͷ Ah!
ah! ah!

brancas, aparecendo por trás da colcha.) Ͷ Ó seu Sim, senhor! Isto é que é um diabo jocoso!...
Bonifácio!

BONIFÁCIO Ͷ Que é?
VIEIRA (Sempre muito triste.) Ͷ Felizmente é o último
FRAZÃO Ͷ Diga a seu Vilares, a seu Vieira e a dona Rita
espetáculo... Vou breve abraçar a família... (Atravessa a
que
cena e

desaparece ao fundo, como os demais.)


são horas. Eles estão esperando para passar, que a
platéia fique
CHICO INÁCIO Ͷ Este Vieira acaba suicidando-se!

MADAMA Ͷ Vamos para os nossos lugares?


cheia de espectadores.
CHICO INÁCIO Ͷ Espera. Temos tempo.
MADAMA Ͷ Aí vêm eles!

FRAZÃO Ͷ Bom! (Desaparece.)

CENA III
CENA II
[OS MESMOS], CARRAPATINI, músicos

CARRAPATINI (Aos músicos.) Ͷ É molto cedo.


CHICO INÁCIO Ͷ Não é muito cedo, não. músicos afinam os instrumentos, os espectadores
conversam uns

com os outros. Quadro animado, cujo resultado os


CARRAPATINI (Cumprimentando.) Ͷ Oh! Signor Chico autores confiam à
Inácio...
inteligência do ensaiador. Os atores que não figuram
Madama... mais na peça

podem, caracterizados, fazer número entre os


espectadores, para que
CHICO INÁCIO Ͷ Ó maestro, veja se hoje você varia um
pouco a cena não fique entregue exclusivamente à
comparsaria, da qual não

é possível esperar coisa com jeito. É preciso que todos


o repertório... Você tem nos impingido todas as noites
concorram
as mesmas
com a sua boa vontade para que este quadro, de uma
músicas!
execução
CARRAPATINI Ͷ Si... no há molta varietá ! ... ma no se
difícil, dê um resultado satisfatório.)
puó dire que

non sia un repertório de primo cartelo! Habiamo tutte


le novità CENA IV
musicali!21

MADAMA Ͷ Pois sim! (Carrapatini vai com os músicos CHICO INÁCIO, MADAMA, PANTALEÃO, BONIFÁCIO,
para a CARRAPATINI,
orquestra e começa a afinar os instrumentos.) músicos, espectadores, FRAZÃO

CHICO INÁCIO Ͷ Vá para a porta, Bonifácio, e veja lá! FRAZÃO (Deitando a cabeça fora do pano.) Ͷ Ó seu
Não Chico
deixe ninguém entrar sem bilhete!... Inácio!

BONIFÁCIO Ͷ Povo tudo já tá esperando. ESPECTADORES (Rindo.) Ͷ Ah! ah! ah! Bravos, ó
Frazão!...

(Vai para a porta. Desde esse momento em diante vão


CHICO INÁCIO Ͷ Que é?
entrando espectadores, isolados ou por família.
Grande rumor. Cena

muda. Aos poucos, o teatrinho enche-se FRAZÃO Ͷ Não é nada. Apenas queria saber se o
completamente, e todos os senhor estava
lugares ficam ocupados. Pantaleão entra e vai, com aí, para não nos acontecer o mesmo que o outro dia,
Chico Inácio e em que tivemos
Madama, tomar lugar na primeira fila. Durante este de repetir o primeiro ato. (Risadas dos espectadores.)
tempo, os Ó Carrapato,

vamos com isto!


CARRAPATINI Ͷ Carrapato, non: Carrapatini! (Nova
risada dos

espectadores. Frazão desaparece. A sala está de bom


humor A

música toca uma peça a que o público dá pouca


atenção. Continuam

a entrar alguns espectadores retardatários. Bonifácio, à


porta, de vez

21 Trad.: Sim... não há muita variedade!... mas não se


pode dizer que não seja um

repertório de primeira categoria. Temos todas as


novidades musicais!
em quando tem uma pequena discussão. Afinal, cessa devem conhecer os segredos dos patrões...
a música e

restabelece-se o silêncio. Pausa. Ouve-se um apito.


Depois outro. BONIFÁCIO Ͷ Ah, ladrão!...

Sobe o pano.)
ALGUNS ESPECTADORES Ͷ Psiu! Psiu!...

CENA V
VIEIRA Ͷ A carta está mal fechada... Que tentação!...

OS MESMOS, VIEIRA, depois VILARES


VILARES (Que tem entrado sem ser pressentido, dando
um
(A cena do teatro representa uma praça. Vieira está em
cena grande pontapé em Vieira.) ͶPatife! (Grande risada do
público.)
com uma carta na mão. Representa o baixo cômico de
um modo

muito exagerado.) BONIFÁCIO Ͷ Bem feito!...

VIEIRA Ͷ Coitado do meu amo, o senhor Lisardo!... Por VIEIRA (Sem olhar para trás.) Ͷ É ele, é o senhor
causa Lisardo!... O

destes amores o pobrezinho não dorme, não come, meu posterior está tão familiarizado com aquele pé
não bebe, não... que não há meio

hum... hum... (Gargalhada do público.) de o confundir com outro!

BONIFÁCIO (Da porta.) Ͷ Ah, danado! VILARES Ͷ Ó tratante! Pois não te voltas! (Dá-lhe
outro

pontapé. Risadas.)
VIEIRA Ͷ Está desesperado, coitadinho, e quando ele
está

desesperado quem paga sou eu, que logo me VIEIRA (Sem se voltar.) Ͷ Outro! Este foi mais taludo
transforma em caixa de que o

pontapés!... (Risadas do público.) Se ele me pagasse os primeiro! Pôs-me as tripas em revolução! (Risadas.)
salários com

a mesma facilidade com que me dá pontapés, eu seria


VILARES Ͷ Se não te voltas, apanhas outro!
o mais feliz

dos lacaios!... Ah, mas desta vez outro galo cantará,


porque tenho VIEIRA (Voltando-se.) Ͷ Não vos incomodeis, senhor
meu
aqui uma cartinha que lhe dirige a formosa Urraca!
(Examinando se a amo: bastam dois.
carta está bem fechada.) Se eu pudesse ler antes
dele... Os criados
VILARES Ͷ Olha, se queres outro, não faças
cerimônias...

(Risadas)

VIEIRA Ͷ Sei que sois muito liberal.., sei que sois um


mãoslargas...

quero dizer um pés-largos, e não me despeço do favor,


mas

por ora falta-me o apetite! (Risadas.)

BONIFÁCIO Ͷ Apetite de pontapé! Que ladrão!...

VILARES Ͷ Anda! Dá-me essa carta!...


VIEIRA Ͷ Aqui a tendes. É da formosa Urraca! CENA VI

VILARES Ͷ Dela?! E fazias-me esperar, maldito! (Toma-


lhe a
OS MESMOS, DONA RITA, depois FRAZÃO e depois
carta das mãos. Lendo-a.) Que vejo! Urraca dá-me uma VIEIRA
entrevista

nesta praça!...
DONA RITA (Entrando, saltitante.) Ͷ Lisardo!

VIEIRA Ͷ Ela espera apenas que eu lhe faça um sinal.


VILARES Ͷ Urraca! (Enlaça-a com dificuldade.)

VILARES Ͷ Falaste-lhe?
DONA RITA Ͷ Ó meu belo cavalheiro! Não calculas
como

VIEIRA Ͷ Falei-lhe, sim, senhor. tardava ao meu coração este momento ditoso! Sabeis?
Meu pai quer

meter-me no convento das Ursulinas...


VILARES Ͷ Que te disse ela?

VILARES Ͷ Que ouço?


VIEIRA (Imitando voz de mulher.): ͞Tareco, meu
Tarequinho,

dize a teu amo que o amo, e que me espere na praça. BONIFÁCIO Ͷ Coitada!
Lá irei a um

sinal teu!͟ (Risadas dos espectadores. Roda de


palmas.) DONA RITA Ͷ É absolutamente preciso que me rapteis
hoje

mesmo...
VILARES Ͷ Então, faze-lhe o sinal.

VILARES Ͷ À primeira pancada da meia-noite estarei


VIEIRA (Depois de fazer sinais para fora.) Ͷ Ela aí vem! debaixo

da vossa janela com uma escada de seda e dois fogosos


corcéis que
VILARES Ͷ Ó suprema dita!... Retira-te, mas não vás
para nos transportarão longe, bem longe daqui!

muito longe. (Vieira sai, resguardando o assento para


não levar outro
DONA RITA Ͷ Sim, meu belo cavalheiro! Até à meia-
pontapé. noite!...

Risadas.) Sou vossa!...

BONIFÁCIO Ͷ Tá co medo do pé do patrão! FRAZÃO (Entrando.) Ͷ Maldição!... Maldição!... Filha


desnaturada!...

DONA RITA (Com um grito.) Ͷ Ah! (Foge. Frazão vai


perseguila.

Vilares toma-lhe a passagem.)

VILARES Ͷ Senhor conde!...

FRAZÃO Ͷ Deixa-me passar, vilão ruim!

VILARES Ͷ Não passareis!

FRAZÃO (Desembainhando a espada.) Ͷ Abrirei com a


minha

espada um caminho de sangue!...


VILARES (Desembainhando a espada.) Ͷ Encontrareis O teatro foi abaixo!
ferro
Que terrível confusão! (Mutação.)
contra ferro! Em guarda!...

FRAZÃO Ͷ Encomenda a tua alma a Deus! ... (Batem-


se em Quadro 11

duelo. O público aplaude com entusiasmo.)


A mesma cena do Quadro 9, mas de dia

VIEIRA (Entrando.) Meu amo bate-se? Devo salvá-lo.


Vou
CENA I
empregar o seu processo!... (Dá pontapé em Frazão
que se volta.
PANTALEÃO, só
Vilares foge.)

PANTALEÃO (Saindo do seu quarto.) Ͷ A companhia


FRAZÃO Ͷ Quem foi o miserável? (Agarrando Vieira.)
está se
Vou
aprontando para partir... Também eu parto! Vou a
matar-te como se mata um cão!
Tocos, ponho em

ordem os meus negócios, e de lá sigo para o Rio de


VIEIRA (Gritando.) Ͷ Desculpai! ... Julguei que fosse Janeiro. Não
meu
descansarei enquanto Laudelina não me pertencer! O
primo! que me está

aborrecendo é o material da Passagem do Mar


Amarelo, que tem que
FRAZÃO Ͷ Infame! (Outro tom.) As barricas estão
dando de si! voltar comigo para Tocos. Também que lembrança a
minha! O meu
O palco vai abaixo! (Cai o palco com Frazão e Vieira,
que gritam. drama poderia ser lá representado num teatro
daqueles! ... Um teatro
Todos os espectadores se levantam assustados.
Grande confusão.) que cai!...

CORO Ͷ CENA II

O teatro foi abaixo!

Que terrível confusão! OS MESMOS, LAUDELINA, DONA RITA, EDUARDO, vêm


todos três
Coitadinho do Vieira!
prontos para a viagem [depois CHICO INÁCIO e
Pobrezinho do Frazão! MADAMA]

Apanharam ambos eles

Um tremendo trambolhão!
EDUARDO Ͷ Senhor coronel, estas senhoras e eu Madama também vai.
andávamos à

procura.
MADAMA Ͷ Avec plaisir.

PANTALEÃO Ͷ Ah! Já sei, resolveram entrar em acordo


comigo CHICO INÁCIO Ͷ Dona Laudelina, creia sinceramente
que deixa
para a aquisição do material do meu drama.
aqui um verdadeiro amigo. Vou dar à sua madrinha
este cartão com o

LAUDELINA Ͷ Não, senhor, não é isso! meu nome, para que em qualquer circunstância da
vida não se

esqueçam de mim. Recorram ao Chico Inácio como se


EDUARDO Ͷ A Companhia Frazão resolveu o fizessem a
unanimemente
um parente
restituir-lhe estes dois contos de réis, que lhe foram
subtraídos por rico.

brincadeira... (Dá-lhe o dinheiro.)

DONA RITA (Que toma o cartão, lendo-o com um


grito.) Ͷ Que
PANTALEÃO (Contente.) Ͷ Ah! Foi brincadeira?
é isto?!

DONA RITA Ͷ Nós três fomos incumbidos de lhe fazer


esta TODOS Ͷ Que é?

restituição.

DONA RITA Ͷ O senhor chama-se Ubatatá?

PANTALEÃO Ͷ Muito obrigado. Já lhes tinha chorado


por alma.
CHICO INÁCIO Ͷ Francisco Inácio Ubatatá. Mas que
(Entram Chico Inácio e a Madama, também prontos tem isso?
para sair. Ele de

botas e rebenque, ela de amazona.)


DONA RITA Ͷ Dar-se-á caso que... O senhor esteve no
Rio de

CHICO INÁCIO (Entrando.) Ͷ Estão prontos? Tomaram Janeiro em 1879?


todos o

café?
MADAMA Ͷ Esteve. Foi quando me conheceu.

DONA RITA Ͷ Com bolo de milho.


DONA RITA Ͷ E quando conheceu a Florentina
Gaioso...

CHICO INÁCIO Ͷ Vou acompanhá-los até fora da Lembra-se?...


povoação. A
CHICO INÁCIO Ͷ A Florentina Gaioso... sim!... Pois a
senhora

sabe?

DONA RITA Ͷ Sei tudo!

CHICO INÁCIO Ͷ Onde está ela?

DONA RITA Ͷ No céu!

MADAMA (À parte.) Ͷ Tant mieux!22

CHICO INÁCIO Ͷ E... minha filha? Que fim levou minha


filha?

DONA RITA Ͷ Que fim levou? (Solenemente, a


Laudelina.) Ͷ

Laudelina, abrace seu pai!...

TODOS Ͷ Seu pai!...

22 Trad.: tanto melhor!


CHICO INÁCIO Ͷ Ela!... EDUARDO Ͷ Perdão, não sou ator, sou empregado no
comércio

do Rio de Janeiro. Estou com licença dos patrões.


LAUDELINA Ͷ Meu pai!...

CHICO INÁCIO Ͷ Pois peça uma prorrogação da


DONA RITA Ͷ Sim, esta é a filha da pobre Florentina, licença, porque
que
desejo que o casamento se realize aqui. Mandarei vir
morreu nos meus braços, abandonada pelo Ubatatá! os papéis.

CHICO INÁCIO (Dramático.) Ͷ Oh! Cale-se!... CENA III

DONA RITA Ͷ Agradeça-me! Fui eu que a eduquei. OS MESMOS, FRAZÃO

CHICO INÁCIO Ͷ Minha filha! (Abraçando Laudelina.) FRAZÃO (Entrando, preparado para a viagem.) Ͷ Os
Havia não nossos
sei o quê que me dizia ao coração que eu era teu pai! companheiros estão todos na praça à nossa espera.
Vamos!

PANTALEÃO Ͷ A voz do sangue!


LAUDELINA Ͷ Sabe, senhor Frazão? Encontrei meu pai.

(Apontando para Chico Inácio.) É ele!...


CHICO INÁCIO Ͷ Desta vez não sairás da minha
companhia...

A Madama consente... EDUARDO Ͷ Ele!

MADAMA Ͷ Avec plaisir. DONA RITA Ͷ Ele!

CHICO INÁCIO Ͷ Foi mesmo uma condição do nosso MADAMA Ͷ Ele!


casamento.

PANTALEÃO Ͷ Ele!
LAUDELINA Ͷ Perdão, meu pai, mas eu sou noiva de
seu
CHICO INÁCIO Ͷ Eu!
Eduardo... (Vai tomar Eduardo pela mão.)

FRAZÃO Ͷ O senhor é que era o Ubatatá?


CHICO INÁCIO Ͷ De um ator...

CHICO INÁCIO Ͷ Era e sou!


FRAZÃO Ͷ Pois, senhores, para alguma coisa serviu tê-
la

trazido no mambembe.

PANTALEÃO (À parte.) Ͷ Perdi-lhe as esperanças...

LAUDELINA (Triste.) Ͷ Mas devo deixar o teatro...

FRAZÃO Ͷ Não te entristeças por isso, filha: o nosso


teatro, no

estado em que presentemente se acha, não deve


seduzir ninguém.

Espera pelo Teatro Municipal.

TODOS Ͷ Quando?

FRAZÃO Ͷ O edifício já temos... Ei-lo!... Falta o resto...


(Aponta

para o fundo. Mutação.)

Quadro 12

O futuro Teatro Municipal

[(Cai o pano)]

También podría gustarte