Documentos de Académico
Documentos de Profesional
Documentos de Cultura
1
Encontro Nacional da Associação Brasileira de
Estudos de Defesa (7. : 2013 : Belém)
Acesso:
ISSN: 2358-8586
CDD 355.0330
2
Associação Brasileira de Estudos de Defesa
DEFESA DA
AMAZÔNIA
Belém, 04 a 08 de agosto de 2013
ARTIGOS COMPLETOS
3
Organizadores dos Anais:
Érica C. A. Winand
Lis Barreto
Matheus de Oliveira Pereira
Realização:
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - NAEA/Universidade Federal do Pará - UFPA
Diretoria da ABED
Presidente: Manuel Domingos Neto (UFF)
Vice-Presidente: Eliezer Rizzo de Oliveira (UNICAMP)
Secretaria Executiva: Adriana Marques (ECEME)
Secretaria Adjunta: Érica C. A. Winand (UFS)
Diretoria de Relações Institucionais: Héctor Saint-Pierre (UNESP)
Diretoria de Finanças: Marcio Rocha (UFF)
Diretoria Adjunta de Finanças: Sérgio Luiz Cruz Aguilar (UNESP)
Conselho Fiscal
Paulo Roberto Loyolla Kuhlmann (UEPB)
Durbens Martins Nascimento (UFPA)
4
Comissão Científica
Contra-Almirante Antônio Ruy de Almeida Silva
Prof. Dr. Celso Corrêa Pinto de Castro - FGV
Prof. Dr. Eduardo Siqueira Brick - UFF
Prof. Dr. Eliézer Rizzo de Oliveira - UNICAMP
Prof. Dr. Eurico de Lima Figueiredo - UFF
Prof. Dr. Hector Luis de Saint-Pierre - UNESP
Prof. Dr. João Roberto Martins Filho - UFSCar
Prof. Dr. José Carlos Albano do Amarante - UFF
Prof. Dr. Luiz Pedone - UFF
Prof. Dr. Manuel Domingos Neto - UFF
Profa. Dra. Maria Celina d´Araujo - PUC
Prof. Dr. Samuel Alves Soares - UNESP
Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto - UNICAMP
Prof. Dr. Waldimir Pirró e Longo - UFF
Prof. Dr. Wanderley Messias da Costa - USP
Prof. Dr. Williams da Silva Gonçalves - UERJ
Assessoria
Coronel Eduardo Migon (ECEME)
Prof. Dr. Luiz Rogério Franco Goldoni (UFF)
Msc. Camila Alves da Costa (Observatório das Nacionalidades – UECE)
5
Comissão Organizadora Local
Prof. Dr. Durbens Martins Nascimento (UFPA/NAEA)
MSc. Aurilene dos Santos Ferreira (NAEA/UFPA)
Augusto Cleybe Ribom (UFPA)
Bruna C. Castelo Branco Corrêa (NAEA/UFPA)
MSc. Bruna Brasil Santana (PPGCP/OBED/UFPA)
Ewerton Diego Bentes de Oliveira (UFPA)
Fabíola Soares Dias (UFPA)
Maria do Livramento Gomes (CEBN – UFPA)
Paulo Cruz (SIPAM) - Assessor de Comunicação
Rafaela Santos Carneiro (UFPA)
Silvana Silva do Nascimento (PROEX/UFPA)
MSc. Wando Dias Miranda (OBED/UFPA)
Wolf Endemann (ADESG-PA)
Apoio Técnico
Annelise Faustino da Costa (UNESP)
Rafaela Tamer Paladini (UNESP)
Cristiano Armando Diniz Guerra (UFS)
Flora Carvalho de Oliveira e Freitas Fonseca (UFS)
Matheus de Oliveira Pereira (UFS)
6
Sumário de artigos
Marcelo de Paiva
A atividade de inteligência no combate aos delitos transnacionais na fronteira
Brasil-Colômbia ...................................................................................................... 83
7
Fernando Velôzo Gomes Pedrosa
A defesa da Amazônia e a estratégia da resistência ........................................ 152
8
Flávio Rocha de Oliveira
Os Estados Unidos da América e o desenvolvimento de uma estratégia para o
espaço cibernético ............................................................................................... 304
Gills Lopes
Espectro da securitização militar no ciberespaço (ESMC): Uma nova
perspectiva sobre a defesa cibernética ......................................................... 318
9
Sandra Aparecida Cardozo e Aureo de Toledo Gomes
A construção do modelo brasileiro para resolução de conflitos .................... 444
Dennison de Oliveira
A reintegração social dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial numa
perspectiva comparada ....................................................................................... 458
10
St08 – Simulações e Métodos Prospectivos
11
Simpósio Temático 11: ―Defesa e Segurança Regional Comparada‖
Gills Lopes
O que dizem os processos de integração sul-americanos sobre a cooperação em
matéria de cooperação em defesa regional: comparando MERCOSUL e CAN
................................................................................................................................. 770
12
Claudio Esteves Ferreira
A História Institucional e o Ensino de História no Sistema Colégio Militar: uma
adequação necessária ......................................................................................... 864
13
Seminário Temático 15: ―Cooperação em Defesa na América do Sul: Desafios,
Avanços e Limites‖
Alexandre Fuccille
O Brasil e sua “liderança” na América do Sul: percepções a partir dos planos
nacional, regional e global ................................................................................ 1002
Aureliano da Ponte
Perspectivas y desafíos para la cooperación industrial en Defensa ............ 1020
Heleno Moreira
O primeiro curso avançado de Defesa Sul-americano (CAD-SUL): Reflexões
sobre a defesa da Amazônia ............................................................................. 1057
14
Simpósio Temático 17: Geopolítica e Geoeconomia de Defesa.
Aureliano da Ponte
EMBRAER: posicionamiento global y nuevos desafíos …………….……….. 1138
Jorge C. C. Guerra
Nova cavalaria e indústria militar brasileira, na perspectiva da Estratégia
Nacional de Defesa (END) – brigadas aeromóveis …………………………..… 1155
15
Simpósio Temático 20: Emprego de agentes QBRNE
16
Simpósio Temático 1
Ândrei Clauhs2
1 Introdução
17
Na Amazônia brasileira, as questões de fronteira foram resolvidas, no passado,
graças ao trabalho do Barão do Rio Branco, pacificando e consolidando as fronteiras
jurídicas. Apesar disso, existem problemas na fronteira, como os crimes
transfronteiriços, narcotráfico, descaminho, entre outros, provocando uma crescente
preocupação das questões de segurança naquela região, sempre subordinada à
compreensão das instituições acerca das percepções das ameaças latentes.
2 Referencial Teórico
2.1Amazônia
A Amazônia, pelas dimensões colossais que apresenta, com cerca de 3/5 do Brasil e
4/10 da América do Sul, tem encantado o mundo e despertado a cobiça por suas
riquezas ao longo do tempo (MATTOS, 1980).
18
(UNESCO), que gerou o Acordo de Iquitos (1948) (MATTOS, 1980, p. 123), mas que
não se concretizou.
19
de penetração territorial, mas em menor capacidade em burocracia e leis. Na Cor
MARROM, representa um grau muito pequeno desta duas dimensões estatais.
Assim, O´Donnell cita a Amazônia como um caso da cor marrom, mostrando que
apesar do muito que já foi feito na região, muito ainda precisa ser implementado.
Uma questão bastante controversa diz respeito à situação dos indígenas na região
amazônica, o qual, após a assinatura da Declaração dos Direitos dos Povos
Indígenas, passou a ter, além da população e terras, diversos direitos, pouco
faltando para terem sua nação reconhecida por algum órgão do sistema
internacional, podendo gerar intervenções humanitárias na região, a fim de preservar
a independência deste povo, criando, assim, um quisto em território nacional.
20
Povos Indígenas na América Latina e Caribe, de 1991, rechaçam esta ideia,
conforme seu terceiro parágrafo: ―a utilização do termo povos nesta Convenção
(169) não deverá ser interpretada como tendo qualquer implicação com respeito
aos direitos que se possa conferir a esse termo no direito internacional‖
(CUNHA, 1994, p. 129-130).
Destarte, afirma Cunha (1994) que, embora a Carta das Nações Unidas, em seu
Art 1.2, reconhecer a autodeterminação dos povos, ela não vê perigo à
integridade territorial brasileira, pois os conceitos de povos e autodeterminação
possuem entendimentos diversos. Desse modo, tais conceituações dão margem
a interpretações diversas, acrescidas das problemáticas das explorações das
riquezas minerais, hídricas e da biodiversidade, dentre outras. Por essa razão,
talvez, países como Estados Unidos e China não tenham assinado a declaração
dos povos indígenas.
21
possível unir o planejamento socioambiental ao desenvolvimento econômico.
(FERREIRA et al, 2005).
22
caráter nacionalista, apresentando a ameaça da internacionalização da Amazônia
por meio de ONG e outros grupos, além do perigo das ―novas ameaças‖
(biopirataria, narcotráfico e outros) (URT e PINHO, 2010).
23
Contudo, as demais questões amazônicas continuam a ser motivo de
preocupações nacionais.
24
longo prazo de preparação ‖invisível‖ e emprego de ―agentes de influência‖ das mais
variadas formas (CÔRTES, 2005).
Cada uma destas questões estão relacionadas com a fronteira metafísica institucional,
as quais não possuem uma linha nítida, mas são difíceis ou mesmo de impossível
detecção, sendo que o ‖agredido‖ só percebe a violação, após o fato estar consumado
(CÔRTES, 2005), levando as instituições nacionais, como Congresso Nacional,
Senado, FUNAI, IBAMA, entre outras, a tomarem decisões sem a percepção destas
ameaças silenciosas, pois ―ambientesculturais afetamnão só osincentivospara os
diferentestipos de comportamento estatais, mastambémo caráter básicodos Estados –
o que chamamos de identidade‖ (KATZENSTEIN, 1996, p. 9).
25
3 Referencial Metodológico
Este trabalho seguirá uma abordagem explicativa e descritiva, pois será possível
explicar as questões de dessecuritização da Amazônia e da fronteira metafísica,
descrevendo seus pontos essenciais.
Foi realizada uma pesquisa de campo, por meio de questionário estruturado com
catorze itens fechados, na primeira parte do questionário, sendo sete relacionados
com a dessecuritização da Amazônia e sete com a fronteira metafísica, com uma
pesquisa survey com cinco níveis de resposta na escala Likert. A amostra dessa
pesquisa foi de 216 (duzentos e dezesseis) respondentes habitantes de Manaus-
AM, composta por Oficiais e Sargentos do Exército de várias Organizações Militares.
Os questionários foram aplicados entre os meses de maio e junho de 2013 ao
término da Operação Ágata 7 do Ministério da Defesa.
Além disso, foi perguntado aos respondentes se a Amazônia Brasileira deveria ter sua
soberania compartilhada com outros países, na segunda parte do questionário, e que
os respondentes pudessem elencar quais, dentre esses sete quesitos, seriam um
problema para a soberania nacional, limitando-se a escolha de somente três itens.
O tratamento dos dados seguiu o método quantitativo, usando o SPSS 16.0 como
ferramenta de processamento, de forma a auxiliar uma Análise Fatorial e uma
Regressão Logística Binária, produzindo dados confiáveis.
26
4 Análise Dos Resultados
O processamento das pesquisas foi realizado com o SPSS 16.0 por meio de 216
(duzentos e dezesseis) verificando-se, inicialmente, o Alfa de Cronbach, para
determinar se as variáveis levantadas no construto ―fronteira metafísica‖ eram
suficientes para explicá-la, conforme orienta Hair et. al. (2005), onde valores
desejáveis são os acima de 0,7 e os abaixo de 0,5 invalidam a pesquisa. Nesta
pesquisa, o valor encontrado foi de 0,832 e, portanto, acima do recomendado.
Factor
Prj ,628
Rtq ,664
Pal ,732
Eam ,558
Aam ,697
Aai ,606
Pft ,659
27
No Fator 1 (fronteira metafísica) destacam-se três variáveis mais importantes:
pressão para assinatura de acordos lesivos ao interesse nacional (pal), ameaça
armada de movimentos subversivos (aam) e a reivindicações de terceiros sobre
questões nacionais internas (rtq) com valor de 0,732, 0,697 e 0,664,
respectivamente.
28
Tabela 02 – variáveis logísticas
95,0% C.I.forEXP(B)
a
Step1 rj 23,309 4,018E4 ,000 1 1,000 1,328E10 ,000 .
Pela análise da tabela 02, verifica-se que quem prioriza a escolha dos fatores
ameaça militar (23,355), reivindicação jurídica sobre os tratados de fronteira (23,309)
e porosidade das fronteiras (23,245), tende a achar, também, que a soberania sobre
a Amazônia dever ser compartilhada com outros países.
O modelo obtido foi capaz de prever corretamente 83,7% das respostas. Em termos
de totais, de 216 (duzentos e dezesseis) respostas válidas, o modelo apresentou
acerto em 175 (cento e setenta e cinco) vezes. Por esse motivo, pode-se dizer que o
modelo tem uma boa capacidade de previsão. Sendo assim, confirmou-se a
Hipótese H2 do estudo.
29
Em seguida, é possível estabelecer o grau de correlação entre as diversas variáveis,
conforme tabela 03, sendo evidente que o respondente que escolheu a variável
construção de estradas, também escolheu a demarcação de terras indígenas e a
atuação deficiente do Estado. Assim como, quem escolheu atuação deficiente do
Estado também escolheu a construção de estrada. Estas correlações mostram que
existe uma relação entre estas variáveis, há uma percepção entre os respondentes
que estes fatores possuem uma interligação entre si.
Por fim, foi estabelecido uma descrição estatística com a finalidade de verificar
os valores máximos e mínimos, a média e o desvio-padrão sobre as fronteiras
metafísicas, conforme tabela 04, e sobre a securitização da Amazônia,
conforme tabela 05:
30
Tabela 04 – descrição estatística
N Range Minimum Maximum Mean Std. Deviation Variance
31
Ao analisar os dados estatísticos relativos a fronteira metafísica, os quesitos de
maiores importância são a pressão para assinatura de acordos lesivos ao interesse
nacional (pal) com 0,732, ameaça armada de movimentos subversivos (aam) com
0,697 e a reivindicações de terceiros sobre questões nacionais internas (rtq) com
0,664. Estes dados evidenciam uma coerência com o argumento de Côrtes (2005), o
qual destaca a fronteira metafísica institucional como uma das mais graves, pela sua
subrepticialidade de seus atos e pelos danos que causam após a assinatura de
acordos lesivos ao Estado Brasileiro.
Neste contexto, mesmo não sendo interessante que haja uma relativização da
soberania brasileira sobre a região, verificou-se que a chance de quando os
respondentes escolhem como primeira prioridade a ameaça militar, a reivindicação
jurídica sobre os tratados de fronteira e a porosidade das fronteiras, amplia-se
consideravelmente as chances de que o respondente ache que a soberania sobre a
Amazônia Brasileira dever ser compartilhada com outros países.
32
Como resultado final, poderíamos ressaltar que para evitar que um respondente
acredite no compartilhamento da soberania sobre a Amazônia Brasileira, deve ser
priorizado, pelas autoridades, a adoção de políticas que evitem a ameaça militar nas
fronteiras amazônica, bem como a manutenção da regulação jurídica sobre os
tratados de fronteira e diminuir a porosidade das fronteiras amazônicas, conforme
Mattos (1980), Becker (2005) e Côrtes (2005).
5 Considerações Finais
33
aberto uma porta a ameaças militares no intuito de defender estas minorias, como
os indígenas, indo de encontro as regulações jurídicas sobre os tratados de
fronteira, aumentando, por conseguinte, a opinião que a soberania devesse ser
compartilhada com outros países.
Referências bibliográficas
BUZAN, Barry et alli, Security: a new framework for analysis. London: Lynne
Rienner publishers, 1998.
______ Barry. WAEVER, Ole. Regions and powers: the structure of international
security. Cambridge: University Press, 2003.
34
CUNHA, Manuela C. da. O Futuro da questão indígena. São Paulo: Revista de
Estudos Avançados, 1994. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n20/
v8n20a16.pdf. Acesso em 20 fev. 2013.
35
VIGILÂNCIA NAS FRONTEIRAS E MUROS VIRTUAIS: UM ESTUDO ANALÍTICO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SISTEMAS OPERACIONAIS DE PROTEÇÃO ÀS
INFRAESTRUTURAS ESTRATÉGICAS TERRESTRES
Luciana Wietchikoski5
1 Introdução
3
Bacharel em Relações Internacionais (Centro Universitário La Salle), mestranda em Ciência Política (UFRGS).
4
Bacharel em Relações Internacionais (Centro Universitário Curitiba), mestrando em Ciência Política (UFRGS).
5
Licenciada em História (Universidade de Passo Fundo), mestranda em Ciência Política (UFRGS).
36
cooperação securitária na fronteira amazônica e quais são os custos e
oportunidades que se apresentam para o Brasil.
6
Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, e Venezuela. Suriname, Guiana Inglesa e Francesa serão abordados
através dos documentos de segurança dos demais países.
37
estratégico do país, o tipo de agenda de segurança estabelecida (ameaças
prioritárias) que determinam as hipóteses de emprego de suas respectivas FFAA.
7
Como nos mostra CEPIK (2011, p. 1) (i) a maximização dos ganhos absolutos de desenvolvimento, (ii) a
minimização dos riscos relativos de segurança e (iii) o objetivo comum e solidário rumo à expansão da fronteira
do conhecimento humano. Constrangimentos sistêmicos, interações estratégicas repetidas com n participantes e
incompletude informacional endêmica tornam o balanceamento entre os três objetivos difíceis e os resultados de
cada esforço cooperativo sempre incerto.
38
para estudo, pois ainda há publicações de estudiosos estrangeiros criticando as
―porosas fronteiras da selva Amazônica do Brasil‖8 (NICOLL, 2011), cuja suposta
inaptidão de cuidar de seu território ocasiona os problemas mais variados que estão
ligados a uma agenda comum que se estabeleceu para os países Sul-Americanos
no pós-Guerra Fria9.
Brasil
Paralelamente, com o fim do conflito bipolar uma nova agenda de Segurança passa
a se institucionalizar no Hemisfério Americano expressando uma concepção ampla
de segurança incluindo os mais variados tipos de ameaça como prioritários (SAINT
PIERRE, 2012). Assim, temas como danos à biodiversidade, contenção de ilícitos
8
Tradução livre de “Brazil‟s porous jungle borders” em nota do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.
9
A ampla agenda de Segurança Hemisférica desenvolvida no seio da Organização dos Estados Americanos, cuja
evolução e análise mais detalhada se pretende incluir no estudo expandido.
10
Programa de Integração Nacional, o projeto de ocupação por meio da rodovia Transamazônica, a criação do
Banco da Amazônia e da Zona Franca de Manaus, o Projeto Grande Carajás, Iniciativa Polamazônia, entre
outros.
39
transnacionais, sejam estes materializados na figura do narcotráfico ou do tráfico de
armas e pessoas, passam a ser internalizados em documentos importantes como as
Políticas de Defesa Nacional (1996; 2005).
Bolívia
Não diferente de seus vizinhos, o Estado boliviano reconhece em seu Livro Branco
de Defesa de 2004 que a política internacional é permeada por interesses e que não
11
Até então Projeto.
12
Como os planos de renovação da frota marítma, o programa do Submarino Nuclear e o Sistema de
Gerenciamento da Amazônia Azul SisGAAz, os quais não serão tão discutidos, uma vez que o foco deste
trabalho é o estudo da cooperação e matéria de segurança na fronteira terrestre.
13
Operações BRABO, COBRA, PEBRA e VEBRA, cujo enforque varia entre exercícios conjuntos de contenção
de ilícitos transnacionais por parte das forças e pela partilha de informações e intercâmbio de serviços de
inteligência. Destaque-se também a importância do Brasil na implementação do SIVAM peruano.
40
há como abrir mão da prevenção contra uma intervenção militar de outro Estado.
Mas também apresenta uma ampla gama de ameaças não-convencionais que inclui
―fenômenos e consequências do narcotráfico, terrorismo, narcoterrorismo, pobreza,
instabilidade institucional, deterioração do meio ambiente, desastres naturais e
outros, como ameaças reais à estabilidade‖14 (BOLIVIA, 2004, p. 45). Uma
dificuldade particular que interfere na prevenção quanto a este tipo de problema é a
escassez de recursos, o que acaba vulnerabilizando as zonas fronteiriças.
Colômbia
14
Tradução livre do original em Espanhol.
15
Política Integral de Seguridad y Defensa para la Prosperidad (2013).
41
No contexto da Guerra Civil Colombiana a caracterização dos Grupos Armados à
Margem da Lei (GAML), é englobada no combate ao terrorismo e ao narcotráfico.
Segundo, as FARC tem intensificado o desenvolvimento de ações típicas da
guerrilha, fazendo alianças crescentes com os traficantes de drogas e fortalecendo
sua estrutura de milícias e redes de apoio, usando civis como ações terroristas de
camuflagem. O ELN se refugiou no narcotráfico e no terrorismo como fundamental
para criar enclaves de produção de drogas e exploração ilegal de recursos,
demonstrando esforços regionais diferenciados para garantir a sua sobrevivência
(COLÔMBIA, PISDP, 2013, p. 16).
O que se pode tomar como brecha no discurso que permita a aproximação entre
Brasil e Colômbia nas fronteiras amazônicas é a disposição para a criação de um
sistema integral de administração, controle e segurança fronteiriça para bloquear os
GAML e tomar a frente na luta contra crimes transnacionais. Ainda no documento há
a disposição para implementar estratégias de cooperação com países aliados,
similares à operação COBRA.
Venezuela
16
Atente-se para a ausência de detalhes no documento público sobre a especificidade do uso de forças terrestres
e marítimas e em relação a que ameaça esteja estruturada esta intenção de criar capacidades de dissuasão, se
Forças Armadas tradicionais ou grupos insurgentes.
42
Quanto a primeira questão, os dois países vêm desenvolvendo mecanismos de
cooperação bem como tem o aporte jurídico de instituições regionais, como o
MERCOSUL. Já no que se refere ao tráfico de drogas, a região de fronteira entre os
dois países, se tornou uma intensa rota de passagens desses ilícitos, que se
destinam na sua maioria aos mercados consumidores nos Estados Unidos países
europeus. Os dois países vêm realizando operações conjuntas para o combate dos
ilícitos como, por exemplo, as ações desenvolvidas na fronteira resultado das
Reuniões da Comissão mista de Drogas Brasil-Venezuela e reuniões de trocas de
informações o mesmo pode se dizer do tráfico de armas, o qual se destina a
compradores da região da Colômbia. O problema da mineração ilegal é identificado
como a exploração de minério venezuelano de forma ilícita por brasileiros. Nos
últimos anos os dois países vêm procurando desenvolver ações para a diminuição e
combate dessa prática, como aconteceu, por exemplo, nos grupos de trabalhos da
COBAN (CARDOSO, 2010).
Guiana
A Guiana é um pequeno país o qual faz fronteira com o Brasil ao Norte. Embora
membro da UNASUL, sua inserção é mais voltada para a região caribenha
(CARICOM) e seus principais parceiros são o Reino Unido, Canadá e os Estados
Unidos (VIZENTINI, 2008).
Historicamente as relações entre o Brasil e a Guiana são tranquilas, não havendo
registros de conflitos ou desentendimentos de relevância. Contudo, isso não quer
dizer um relacionamento bem sucedido, pois na verdade se observa inexistência de
uma agenda substantiva entre os dois países, sendo que a política externa de cada
país nunca considerou a outra parte como prioritária na sua inserção internacional.
Esse perfil reflete na própria agenda de cooperação entre os dois países, a qual se
restringe a poucas cooperações técnicas, principalmente focadas na área
43
energética, com a construção de hidrelétricas por empresas brasileiras na Guiana
(CARDOSO, 2010)
Equador
A inserção regional está voltada para os países andinos e em termos de defesa das
fronteiras, o Equador destaca a região Norte, divisa com a Colômbia, como a
principal situação de risco. Os problemas elencados são o deslocamento da
população, migração forçada, a destruição de áreas agrícolas e principalmente a
17
Libro Blanco del Ecuador (2013).
44
atividades ilegais, como o narcotráfico (LBE, 2006). Nessa ultima questão, destaca-
se o conflito colombiano e suas implicações, bem como a implementação do Plano
Colômbia com ativa presença dos Estados Unidos como o fator de instabilidade sub-
regional. Para combater esses problemas o Equador propõe uma estratégia para
melhorar a segurança de fronteira baseada na proteção se sua população,
ampliando a presença de instituições do Estado a fim de promover o
desenvolvimento sustentado da região bem como ter ações militares e estabelecer
diálogo cooperativo com o país vizinho (LBE, 2006).
Guiana Francesa
45
administrativas e militares francesas e brasileiras, utiliza entre 400 e 500 soldados
para lutar contra o garimpo ilegal de ouro na Guiana Francesa (SILVA; RÜCKERT,
2009; FERNANDES, 2012)
Peru
Em seu Livro Branco de Defesa (2005), o Peru elenca uma visão estratégica de
desenvolvimento e segurança, como um país de enorme potencial nas dimensões
marítima, Andina, Amazônica e uma projeção geoeconômica bi-oceânica, vinculados
a integração regional, bem como, ameaças que integram a região sul-americana
como um todo, sendo estes, a escassez de recursos naturais de grande valor
estratégico, o terrorismo, narcotráfico e crime internacional. Os países envolvidos
vêm realizando treinamento e operações combinadas, a fim de neutralizar estas
ameaças em comum, com base em acordos bilaterais e trilaterais.
46
Suriname
O Suriname faz fronteira terrestre com o Brasil, mas sempre teve uma inserção mais
voltada para a região do Caribe. Apesar de antigos laços históricos com a ex-
metrópole, estes são hoje menos intensos e contribuíram para que a antiga colônia
inglesa cultivasse referências mais européias do que junto ao entorno geográfico
sul-americano (VISENTINI, 2008).
O Brasil vem tentado estimular uma parceria bilateral com o Suriname, englobando
também um processo mais amplo de integração sul-americana através da UNASUL,
apoiando a modernização da estrutura de defesa, através de treinamento militar,
intercâmbio de conhecimentos, ação conjunta nas fronteiras e revitalização de
equipamentos militares (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2012a). Em 2008 os dois países
estabeleceram um grupo de trabalho bilateral em matéria de defesa, que pretendia
supervisionar e coordenar as atividades de cooperação de defesa entre os dois
países ao nível dos chefes de Estado, além de capacitar o Suriname para a análise
de imagens de satélite e mapeamento de seu território através do SIPAM
(MINISTÉRIO DA DEFESA, 2012b).
4 Considerações Finais
A partir desta breve exposição das principais ameaças que estão explicitadas em
documentos oficiais, acordos e pronunciamentos de autoridades dos países
estudados, é possível identificar uma agenda comum de combate às ameaças não-
tradicionais como um dos vetores que justificam a atuação nas áreas de fronteira,
seja por meio de estratégias de law-enforcement, Garantia da Lei e da Ordem ou por
meio da alocação de organizações militares. No entanto, é possível inferir apenas
com base nesta enumeração de ameaças similares como uma via de
aprofundamento da cooperação e transformação da América do Sul em um espaço
de interesses coesos?
18
Enumerados em Donadio (2012, p. 78).
47
financeiros das operações. Assim, seria a progressiva institucionalização do CDS o
caminho para a viabilização de uma indústria de Defesa Sul-Americana?
Neste sentido, pretende-se seguir o estudo aprimorando o perfil de cada país exposto
nos parágrafos acima e identificando seus alinhamentos recentes em matéria de
Política Externa. Assim, pretende-se concluir a análise identificando vetores de
convergência ou de discordância entre a Política Externa e a maneira como se aloca
esforços estatais para defender as fronteiras terrestres na América do Sul.
Referências Bibliográficas
48
___________. Segurança na América do Sul: traços estruturais e conjuntura.
Análise de Conjuntura OPSA. Rio de Janeiro: OPSA, 2005. Disponível em:
http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas. Acesso em: 06 jun. 2013.
MARTINS FILHO, João Roberto; ZIRKER, Daniel. Nationalism, National Security and
Amazonian: Military Perceptions and Attitudes in Contemporary Brazil. Armed
Forces & Society, nº 27, p. 105-129, 2000. Disponível em: http://afs.sagepub.com/
cgi/reprint/27/1/105. Acesso em: 12 jun. 2013.
49
MINISTÉRIO DA DEFESA. Brasil quer Guiana e Suriname envolvidos na
integração em defesa sul-americana. Brasília, 13 set. 2012a. Disponível em:
https://www.defesa.gov.br/index.php/ultimas-noticias/3866-13092012-defesa-brasil-
quer-guiana-e-suriname-envolvidos-na-integracao-em-defesa-sul-americana.
Acessado em:
PERÚ. Libro Blanco de la Defensa Nacional del Perú. Ministerio de La Defensa Del
Perú, 2005. Disponível em: http://www.mindef.gob.pe/vercontenido.php?archivo=
menu/libroblanco/index.htm. Acesso em: 20 nov. 2012.
50
A GEOPOLÍTICA DA AMAZÔNIA NO SÉCULO XXI:
O PENSAMENTO DE MÁRIO TRAVASSOS REVISITADO
1 Introdução
O Brasil foi um dos primeiros países a produzir estudos sobre geopolítica stricto
sensu, pois as teorias originárias de Ratzel e Kjéllen encontraram terreno fértil em
nosso país. Isto ficou evidenciado, devido à repercussão no Brasil, da célebre
Conferencia de Mackinder, intitulada The Geographical Pivot of History na Real
Sociedade Geográfica de Londres em 1904, complementado pelo artigo Democratic
Ideals and Reality, publicado no Foreign Affairs, em 1919. Assim, surgia no Brasil
um estudo preocupado com o papel da geografia na formulação da política nacional
através de Elyseo de Carvalho, denominado de Factor Geográfico na política
brasileira de 1921.
Além de Elyseo de Carvalho surgiram neste período outros autores como Everardo
Backheuser, Carlos Delgado de Carvalho, Mário Travassos e Francisco de Paula
Cidade, cujos trabalhos demonstraram a influência do pensamento de Ratzel.
19
UFF/INEST
51
Pela Unidade do Brasil , em 1925, iria continuar ao longo das três décadas que
se seguiram. Suas considerações versavam desde uma teoria sobre a possível
marcha da civilização e discussões teóricas sobre geopolítica e geografia política
até a mudança da Capital Federal.
Nos anos 50, com o advento da Escola Superior de Guerra no final da Segunda
Guerra Mundial, marcou uma nova etapa nos estudos geopolíticos com o surgimento
de uma nova geração de estudiosos a saber: Therezinha de Castro, Meira Mattos,
Golbery do Couto e Silva, João B. Magalhães, Waldyr Godolphim e Lyra Tavares.
20
MARIO TRAVASSOS: O jovem Capitão Mário Travassos publicou em 1931 o livros intitulado “Aspectos
Geográficos Sul Americanos”, o qual foi reeditado em 1947 com o título de “Projeção Continental”. Na década
de 40 publicou “Introdução à Geografia das Comunicações Brasileiras”. O primeiro foi prefaciado por Pandiá
Calógeras e o segundo, por Gilberto Freyre. A “Projeção Continental”, de acordo com Ronald de Carvalho,
lançou os fundamentos da Geopolítica brasileira para a primeira metade do século XX. Suas análises e
formulações políticas dominaram a mente de intelectuais patriotas e dos Oficiais formados pelas Escolas de
Estado Maior do Exército, Marinha e Aeronáutica até a década de 50. Suas ideias coincidiram com os propósitos
políticos de fortalecimento do Estado brasileiro oriundas dos Revolucionários de 1930. Cf. Centro de Estudo em
Políticas Estratégias Nacionais General Meira Mattos (2000).
52
geopolítica brasileira publicado em 1931. Trata-se dos Aspectos Geográficos Sul
Americanos21, reeditado em 1947 com o título de Projeção Continental do Brasil.22
21
Esta obra surgiu no momento em que ser processava a substituição da República oligárquica pelo Estado
Compromisso varguista, cujo contexto histórico caracterizava-se pelo aumento do peso relativo dos militares na
vida política brasileira, aureolado pela visão retrospectiva da Revolução vitoriosa e pela mística dos levantes
tenentistas. Assim, como a Revolução de 30 foi um divisor de águas na História do Brasil, a obra de Travassos,
tornou-se o marco do pensamento geopolítico brasileiro, do qual é considerado pai fundador. Cf. Mello (1997).
22
Esta obra é frequentemente mencionada, não muito por nacionais, pois poucos destes a leram, sobretudo nos
países vizinhos, que a denunciavam como a tentativa do papel hegemônico que o Brasil procura assumir na
região apoiado nessa teoria. Cf. Miyamoto (1981).
53
inversamente, quando uma potência dominar a boca de um caudal tenderá expandir-
se até as cabeceiras.
Fazendo a alusão a América do Sul, e sob o crivo dos fatos históricos, geográficos e
estratégicos do Império alemão, da Rússia, da Inglaterra23, nota que estes exemplos
permitem-nos estimar consequências mediatas e imediatas pela presença do
antagonismo entre os oceanos Pacíficos e o Atlântico. Eles também nos ajudam
diagnosticar a complexidade dos problemas oriundos das múltiplas regiões
hidrográficas da região, revelados desde a colonização e mantidos em estado
latente após a formação dos Estados sul americanos (TRAVASSOS, 1947). A
gravidade destas questões está relacionada ao fato de que cada uma das regiões
hidrográficas abriga mais de uma soberania, suscitando a possibilidade do
surgimento de conflitos que poderiam alterar o mapa político na América do Sul24.
Sendo assim, a obra ―Aspectos Geográficos Sul Americanos‖ deve ser entendida a
luz dos postulados acima, num ensaio em que são analisados os aspectos
geográficos e o peso dos mesmos como fenômenos condicionantes dos processos
políticos e econômicos de profunda repercussão continental (TRAVASSOS, 1947).
23
O autor baseia-se na experiência histórica do Império Alemão que aspirava às saídas ao Mar Báltico, na época
de Frederico Guilherme, O Grande Eleitor (1640-1688) e de Frederico, O Grande (1740-1786), que buscou saída
para dois mares diferentes, o Báltico e o Mar do Norte, tentou buscar alianças com Estados que permitissem
acessar um mar fundamentalmente diferente daqueles dois, o Mediterrâneo. Outro exemplo importante é o
comportamento da Rússia, que impedida de navegar no Oceano Ártico, sempre aspirou por saídas livres no
Pacífico, nas proximidades do Mar da Noruega e do Oceano Índico. Sobre as atuações políticas dos Estados ao
domínio da bacia hidrográfica, o autor cita a preocupação da Rússia em estender sua influência ao alto do curso
do Rio Amur e incorporar sob seu domínio os seus afluentes. Ainda na rede hidrográfica da Ásia, o autor aponta
a influência britânica ao instalar-se na desembocadura do rio mais extenso da Ásia: Iang-Tse- Kiang. Cf.
Travassos (1947).
24
[...] São tais as circunstâncias, apresentam tal gravidade, que há quem faça o prognóstico de profundas
modificações, ainda no mapa político da América do Sul principalmente pelo fato de cada uma de suas grandes
bacias encontrar-se sob a bandeira de mais de um Estado – a do Orinoco, repartida entre a Venezuela e a
Colômbia; a do Amazonas, com sua prodigiosa rede de afluentes, entre o Brasil, a Colômbia, o Equador, o Peru
e a Bolívia; a do Uruguai, entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai; a do Paraguai, entre o Brasil, a Bolívia, o
Paraguai e a Argentina; a do Paraná entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina. Cf. Travassos (1947).
54
na região em que aqueles antagonismos se encontram. Em outras palavras,
quaisquer considerações sobre os processos políticos e econômicos que se
desenrolam na América do Sul deve ter como premissa a constatação que se
enquadram entre dois grandes antagonismos geográficos: Atlântico x Pacífico e a
Bacia Amazonas x a Bacia do Prata25.
25
O primeiro antagonismo geográfico é caracterizado pela oposição entre os dois oceanos que envolvem a massa
sul americana, cortada na direção longitudinal pela espinha dorsal da Cordilheira dos Andes, cujo cume divide
desigualmente as vertentes continentais. O Atlântico desempenhava o papel de pólo dominante como eixo da
civilização ocidental, sendo a via de comunicação por excelência entre o Novo e o Velho Mundo. O Pacífico,
com seu litoral inóspito, era o "mar solitário" situado à margem dos grandes feixes de comunicações marítimas e
via de contato intermitente com a Ásia oriental. O segundo antagonismo resultava da oposição entre esses dois
grandes sistemas fluviais – Amazonas e o Prata – e que dada a proximidade dos Andes da costa pacífica e o
divortium aquarium formado pelo altiplano boliviano, corriam ambos para o leste, mas em direções opostas,
desaguando um ao norte e outro ao sul da vertente atlântica. Esse antagonismo se expressava no conflito entre
ambas as bacias, cujas desembocaduras controladas pelo Brasil e pela Argentina, buscavam conquistar a posição
de principal via de comunicação da vertente pacifica com a vertente atlântica, obtendo através dessa o acesso a
“civilização mundial”. NOTA: Divortium aquarium; Expressão latina utilizada por Mário Travassos para
designar a divisão ou dispersão de águas que se processa no centro do continente, mais precisamente na região
do altiplano boliviano, entre as duas grandes bacias hidrográficas da América do Sul: a amazônica e a platina.
Cf. Travassos (1947) e Mello (1997).
55
Inspirado pelas concepções de Mackinder sobre a Eurásia, como a teoria do
heartland e a teoria do poder terrestre, Travassos formulou que a chave para a
resolução dos dois grandes antagonismos, Atlântico x Pacífico e a Bacia Amazonas
x a Bacia do Prata , encontrava-se no planalto boliviano. Por sua localização
geográfica e estratégica no centro do continente, era considerado o heartland sul
americano, sendo este o ponto central e que constitui o cerne da sua teoria
geopolítica
Sendo assim, para conter o avanço da Argentina para o centro do continente, percebeu
que seria vital o controle do triangulo estratégico para a resolução dos antagonismos
entre a Bacia Amazônica e a Bacia do Prata a favor do Brasil.
Para enfrentar esta situação, Travassos encarava como imperativo geopolítico vital o
deslocamento do centro de gravidade do triangulo estratégico da cidade de
Cochabamba para a cidade de Santa Cruz de La Sierra. Como esta fazia divisa com
a fronteira com o Brasil, defendia a construção de uma ferrovia que ligasse a cidade
ao rios Madeira e Mamoré. Estes por sua vez, serviriam de conexão fluvial entre o
triangulo boliviano e a bacia amazônica.
[...] do exposto trata apenas de deslocar o centro de atração da região de Cochabamba para Santa
Cruz, porque atração exercida por Cochabamba é por assim dizer artificial, produto das facilidades de
comunicações de que tem desfrutado, ao passo que Santa Cruz representa realmente o verdadeiro
centro de gravidade da economia do planalto [...]
56
Uma vez assegurada as comunicações pelo Amazonas, o passo seguinte era
estabelecer a conexão da Bacia Amazônica com a Cordilheira dos Andes com o
objetivo de canalizar para o Atlântico a produção dos países andinos situados na
vertente oriental do continente sul americano. Esta conexão iria ocorrer pelos
nudos26, localizados em três países andinos: o de Pasto, na Colômbia; o de Loja, no
Equador e os de Pasco e Cusco, no Peru.
26
NUDOS: Zona de menor resistência cuja plataforma serve de ponto de travessia da gigantesca barreira
formada pela Cordilheira dos Andes. Cf. Mello (1997, p. 293).
57
sua oscilação diante das bacias que lhe corroem os flancos – a amazônica e a
platina [...]‖ (TRAVASSOS, 1947, p. 82).
58
no de Darien e na Ilha da Trindade [...]‖ (TRAVASSOS, 1947, p. 84) detecta-se uma
segunda instabilidade geográfica.
Ela ocorre devido ao fato de que essa extremidade do continente estar refém das
influências políticas e econômicas vindas do Mar das Antilhas e, do grande polo de
atração que representa o Canal do Panamá.
Analisando o mapa da América do Sul, Travassos (1947, p. 86) verificou que ―[…] o
conjunto da região é trabalhada simultaneamente por duas influencias marítimas
diferentes, senão opostas – a do Pacífico e a do Atlântico [...]‖.
Em síntese, a inquietação política que repercute nesta região ocorre por que está na
extremidade contígua a um dos mais intensos focos de influencias sobre o
continente sul americano: o Canal do Panamá.
59
Para Travassos (1947, p. 91):
Como afirmava Travassos (1947, p. 106), a ―[...] influencia mundial dos Estados
Unidos é realidade que não se discute [...]‖ e esta era o resultado da sua importância
no campo das relações financeiras e econômicas nas relações internacionais. E
afirmava (ou lamentava?) que ―[...] é servidão contra a qual inutilmente se debatem
os que contra ela se revoltam [...]‖.
Além desta constatação, o autor nota outro tipo de influência, até certo ponto
secundária, em que entende que há razões puramente geográficas, que por si só,
são capazes de explicar as manobras diplomáticas e as ações militares.
[…] as atrações desse singular mediterrâneo, [...] fizeram resvalar para o sul
as forças desencadeadas pelo progresso norte americano. Saltando a
península de Yucatan, amputaram a Colômbia, perfuraram o Canal do
Panamá e mantem o controle de todas as entidades fracionadas da América
Central e das Antilhas [...].
60
[…] De um lado está o ponto de vista fisiográfico, quer dizer as próprias
linhas de penetração, naturais à infiltração dos interesses econômicos. De
outro, determinadas circunstancias políticas que desaconselham algumas
direções ou regiões. Finalmente, o imperativo de certas contingências
industriais que exigem ir-se ao encontro de certos produtos onde quer que
eles se encontrem [...] (TRAVASSOS, 1947, p.114).
[...] embora não seja fácil prognosticar, tudo faz crer que os maiores
progressos da infiltração dos interesses norte-americanos em nosso
continente se farão pelas vias andinas e ao longo da costa do Pacífico.
Corroboram com o nosso prognóstico, além das facilidades fisiográficas, o
fracionamento político do território. Além disso é o meio mais seguro e o
caminho mais direto para ir das Antilhas ao planalto boliviano, verdadeiro
centro geográfico do continente do sul [...].
Ao fim e ao cabo, o autor adverte que ao Brasil caberá o papel de coordenador por
sua posição e características geográficas sobre tão complexas circunstancias
econômicas e políticas.
27
Os esforços de penetração dos Estados Unidos na América do Sul ignoraram as Guianas. Apesar de notarem
nela uma forma de trampolim para saltar na Amazônia, uma ação naquele espaço territorial acarretaria
difíceis questões políticas com a Europa e ademais, elas não apresentam as vantagens daqueles dois outros
eixos de penetração. Cf. Travassos (1947).
61
7 Século XXI - América do Sul: novo cenário & mesmas inquietações
Os conflitos presentes na América do Sul são na maioria das vezes, frutos das disputas
fronteiriças originárias do processo de descolonização oriundos das rivalidades
históricas, o que ajuda a compor um quadro de instabilidade nesta região.
Este cenário é apresentado por Hector Saint Pierre, segundo Medeiros, através do
que ele denominou de ―Arco de Estabilidade‖ e o ―Arco de Instabilidade‖. No primeiro
destacam-se os países do Cone Sul, os quais estão viabilizando o processo de
integração através do Mercosul. No segundo, encontram-se as zonas com maior
propensão aos conflitos situados na região noroeste da América do Sul, a saber: a
região do Maracaibo, entre a Colômbia e a Venezuela; a região do Essequibo, entre
a Venezuela e Guiana, e as fronteiras entre Chile, Peru e Bolívia (MEDEIROS
FILHO. 1998, p. 2, 3).
A instabilidade nesta região também é provocada por pressões externas que desde
a época da colonização, sob a gerencia de Portugal e Espanha, mantiveram-se
presentes até hoje. É o caso da Inglaterra, Holanda e França que lograram êxito ao
comporem os territórios da Guiana, Suriname e Guiana Francesa, localizadas ao
norte do subcontinente.
Nos dias atuais a influência externa de maior envergadura advém da presença militar
dos Estados Unidos que exerceu pressão sobre o Brasil, ―[...] para a livre navegação do
Rio Amazonas, [...] para permitir o acesso às riquezas da região e ao interior de outros
países da América do Sul [....]‖ (ANSELMO; TEIXEIRA, 2010 p. 65-66).
Esta postura intervencionista dos Estados Unidos é orientada por uma estratégia
geopolítica em que busca dominar a massa de recursos do hemisfério ocidental.
Desta forma, atuam na sua área de influência através do controle direto e indireto,
além do estabelecimento de bases militares e alianças (PADULA, 2011).
Neste aspecto, a presença dos Estados Unidos na Colômbia, torna-se o fato político-
estratégico mais importante a segurança regional sul americana o qual foi
estabelecido há mais de uma década quando da celebração do acordo militar entre
os dois países e o lançamento do Plano Colômbia. Este plano consiste em
investimentos maciços na aquisição de equipamento militar sofisticado,
62
treinamentos, atividades de inteligência, operações conjuntas a partir de instalações
militares ou núcleos de apoio (COSTA, 2011).
8 Considerações Finais
Isto posto, diante dos cenários geopolíticos atuais é possível afirmar, em princípio, que
as percepções de Travassos não estejam totalmente ultrapassadas pelas complexas
realidades que emergiram no mundo do século XXI.
28
SOUTH COM: Dentre suas tarefas incluem o combate ao narcotráfico; o relacionamento com as forças
armadas dos diversos países; o controle e a não- proliferação de armas; operações antiterrorismo; a assistência
humanitária; e operações de busca e salvamento. Cf. THE U.S. SOUTHERN COMMAND, s.d.
63
Referências Bibliográficas
ALSINA Jr., João P. O Poder militar como instrumento da política externa brasileira
contemporânea. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, 2009,
p.173-191.
64
NEVES, André L.V. Governo George Walker Bush (2001-2004): Uma análise
geopolítica das Guerras do Afeganistão e do Iraque. Tese (Doutorado em Ciência
Política)– FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo:
Universidade de São Paulo (USP), 2010.
65
INTEGRAÇÃO DA BASE INDUSTRIAL DE DEFESA SUL-AMERICANA:
CONVERGÊNCIAS ESTRATÉGICAS, IDENTIDADES DE DEFESA E
INTERDEPENDÊNCIA
1 Introdução
66
desenvolvimento na produção de material bélico, a integração das bases industriais
de defesa sul-americana é uma necessidade para a construção de uma maior
autonomia estratégica na região.
67
Cingapura, África do Sul, Coreia do Sul, Taiwan e Turquia; 3) Estados em
desenvolvimento com grandes indústrias, cuja base industrial é ampla, mas
possuem uma falta de pesquisa e desenvolvimento (P&D) independente, e com
capacidades de produção de armas convencionais sofisticadas (China e Índia). O
terceiro tier seria formado por aqueles estados que possuem uma capacidade
industrial muito limitada e uma produção de armas de baixa tecnologia, grupo de
países que incluiria o Egito, o México e a Nigéria.
68
preponderância na fabricação de sistemas convencionais avançados de armas.
Portanto, a quase dominância dos americanos no setor é um elemento que impõe
grandes constrangimentos a outros Estados. O aumento da dependência de
componentes29 americanos, vendas, mercados, inovação tecnológica para
modernização das indústrias, entre outros fatores, limitam a autonomia que outros
países possam ter no desenvolvimento de material de emprego militar.
29
Componentes são materiais importantes para a produção de determinado sistema de arma. Dentro dessa
categoria, podemos ilustrar esse tipo de material como motores, aviônica, antenas para radares, sistemas de
detecção para mísseis entre outros.
69
O principal imperativo estratégico para países em desenvolvimento reside na
importância de manter uma relativa soberania das indústrias e,
consequentemente, uma maior independência política nas suas ações. O ciclo
virtuoso de autoconfiança, segurança e sustentabilidade levam a uma maior
estabilidade e o reforço desse ciclo que acarreta uma maior soberania (ver
triângulo de ferro da soberania, acima). A soberania continua sendo uma meta a
ser atingida pelos países emergentes, principalmente devido à minimização de
possíveis embargos às transferências de armas que possam ocorrer 30.
1) Empregos: uma economia de defesa expansiva gera emprego tanto na indústria como
nas Forças Armadas sendo ambos setores trabalho-intensivas. Embora esse argumento
apresente algumas falhas (DAGNINO, 2010) devido ao caráter transformativo que a
guerra possui recentemente, a ideia que o setor de defesa emprega um alto número de
indivíduos encontra ressonância nos países emergentes;
30
Vários países como África do Sul, Israel, Suécia entre outros, construíram as suas indústrias de defesa após
terem sofrido embargos de armas de fornecedores. Para maiores detalhes ver: Bitzinger (2003).
70
que produzam bens de alto valor agregado. No entanto, esses tipos de produção
apenas beneficiam se o bem é produzido domesticamente (BLANTON, 1999).
71
operou em um contexto difícil para as Forças Armadas31. O documento estabelece
diretrizes (Oliveira, 2009) para a Defesa Nacional: 1) Estruturar o potencial
estratégico em torno de capacidades; 2) A (re)organização das Forças Armadas; 3)
Distribuição territorial dos contingentes militares; 4) Capacidades e habilidades
militares; 5) Missão do Brasil; 6) Hipótese de emprego das Forças Armadas e, por
último, 7) Cooperação militar e integração na América do Sul. O 7º tópico é que será
objeto da nossa análise a seguir.
O antigo Ministro da Defesa, José Viegas, destaca que o Brasil busca convergências
no setor da indústria de defesa. Nesse sentido ele argumenta que:
31
O momento difícil a que Oliveira (2009) se refere é a interferência do Presidente na crise dos controladores de
voo, em que houve um enfraquecimento do Ministro da Defesa Waldir Pires e ficou desacreditado entre os
militares.
32
A Política de Defesa Nacional foi publicada em 2005, no entanto, a Estratégia de Nacional de Defesa não faz
menção direta ao documento anterior.
72
ter presente o fato de que a integração de indústrias de defesa constitui
uma medida adicional de reforço de confiança mútua (OLIVEIRA, 2009).
73
da indústria bélica do Brasil. A reativação da indústria de armas com a importação
de tecnologias de ponta para a industrialização de helicópteros EC -725 (FIESP,
2011) e submarinos do tipo Scorpénne33 teria levado o Brasil a assinar uma aliança
estratégica com a França. Segundo o Governo do Brasil (Nelson Jobim), o Conselho
de Defesa Sul-Americano, cuja criação ocorreu no dia 9 de março de 2009, não será
uma Otan do Sul, mas sim um fórum conjunto para discutir as questões regionais e
sub-regionais no campo da defesa. Também promoverá a integração das bases
industriais de defesa, traçando políticas regionais na região sobre a indústria de
defesa, com integração até de empresas ou fazendo espécies de joint ventures,
evitando a concorrência predatória na região (CARMO, 2008). Daniel Flemes (2010)
coloca que o argumento mais convincente para a criação do CDS é, como principal
foco, excluir os Estados Unidos (e o México) dos assuntos de segurança da América
do Sul, substituindo os mecanismos de resolução de conflitos da Organização dos
Estados Americanos (OEA).
33
Para maiores detalhes ver Defesanet.
34
Contrapartidas.
74
Industriales de la Marina e em armas leves a FAMAE (Fábricas y Maestranzas del
Ejército) chilena podem ser incorporadas em projetos futuros. Brasil e Colômbia
também estudam o desenvolvimento de navios de patrulha e lanchas fluviais.
Essa última categoria de embarcação foi adquirida pelo Brasil (lote inicial de 4) da
empresa colombiana Cotecmar 35.
35
Para maiores detalhes ver a nota do Ministério da Defesa do Brasil(BRASIL..., 2012).
36
A íntegra do texto está disponível em: www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2008/01284.pdf. Acesso em 1 de
dezembro de 2012.
37
O documento foi aprovado em 11 de novembro de 2011.
75
indústria e tecnologia de defesa. De acordo com o Ministério da Defesa do Brasil 38,
todas as sugestões brasileiras foram aprovadas pela instituição consistem em:
Para que a integração das indústrias de defesa sul-americana tenha êxito, é crucial
levar em contauma abordagem de multiníveispara entender comoas redes
detecnologia eprodução de defesasão organizadas (SMIT, 2006.Esses tipos
deredessão necessárias paratraçar apolicy network (DAGNINO & FILHO, 2007,
p.32).Os atores envolvidos no processo (ou seja, os atores corporativosou coletivos,
em vez de indivíduos) são interdependentes sendo essesatores estão
ligadoslateralmente (ou horizontal) ao invés de verticalmente
(MARIN;MAYNTZapudSMIT, 2006). Estas redes, portanto, lidam comarranjosinter-
organizacionais e interações.As interaçõesnormalmente têmas características
38
Para maiores detalhes ver: PLANO..., 2012.
39
Veículo Aéreo não Tripulado, nota do autor.
40
Para maiores detalhes ver: MINISTÉRIO...,2012.
76
denegociação,dessa formanão existe um centrode decisão ou depoder central,mas
vários desses centros.Interações entre os atoressão caracterizadaspela troca
queCallon(apudSMIT,2006)tem caracterizado comintermediários, que incluem
dinheiro (recursos), artefatos, know-how,matérias-primas, informações,
questõesestratégicas militares,entre outros aspectos. Esses intermediáriossão
"recombinados" por atores da rede (policynetwork) de maneiras diferentesque são
típicas de, ou que realmente tipificaum ator.A principal característicade redessão:a
existência deum padrão relativamenteestável deinteraçõesentreatores-redes que
mostram resiliência (SMIT,2006).
4 Considerações Finais
77
divergências entre os vizinhos, o órgão atua como um elemento catalisador para a
integração da indústria de defesa na região.
41
Ciclo de desenvolvimento de produtos para o setor de defesa que envolve desde a concepção até sua entrada
em serviço nas Forças Armadas.
78
de cooperação multinacionais como o Eurofighter Typhoon, Joint Striker Fighter
(JSF), para mencionar apenas o setor aeroespacial, foram acompanhadas da
formação de grandes conglomerados de defesa como a EADS europeia para o caso
do primeiro e a consolidação da Lockheed Martin como principal ator no segundo42.
A realidade sul-americana é que apenas o Brasil possui uma base industrial, civil e
de defesa, consolidada em diversos segmentos como aeroespacial, automotiva e
naval (ABIMDE, 2012). O desafio é integrar os vizinhos criando interdependências,
ou seja, todos os atores do processo são igualmente importantes para o ciclo
CADMID do desenvolvimento militar. Os ganhos oriundos da cooperação precisam
ser perceptíveis a todos e a comunidade de material bélico pode ser um fator
relevante para ganhos em escalas no nível regional, quiçá internacional. A
cooperação tecnológica em matéria de defesa através de assistência oficial de
desenvolvimento é um passo notável para transferência de tecnologia que pode ser
dado por uma cooperação multinacional ou binacional (como no caso de Brasil e
Argentina). A assistência governamental para o desenvolvimento de tecnologias
adquire diversas formas, como a construção de centros de treinamento, provendo
assistência financeira e oferecendo serviços que lidam com tecnologia. Nessa última
questão o peso brasileiro para que a integração avance é fundamental.
Referências Bibliográficas
42
O projeto é capitaneado pela Lockheed Martin dos Estados Unidos, mas inclui a britânica BAE Systems, e as
americanas NorthropGrumman, Pratt& Whitney e a General Eletric/RollsRoyce (britânica).
79
BALL, Nicole. Defense and Development: A Critique of Benoit Study. Economic
Development and Cultural Change, Chicago, v. 31, n. 3, p. 507-524, abril, 1983.
80
EADS. 100,000 flying hours for Eurofighter Typhoon.Disponível em:
<http://www.eads.com/eads/int/en/news/press.20110125_ef_100000.html>.
Acessoem: 01 dez. 2012.
FLEMES, Daniel. Brazil: Strategic options in the changing world order. In: FLEMES,
Daniel (ed.). Regional Leadership in the Global Systems: Ideas, Interests and
Strategies of Regional Powers. Burlington: Ashgate, 2010.
KRAUSE, Keith. Arms and the State: Patterns of Military Production and Trade.
Cambridge: Cambridge University Press, 1995.
MATTHEWS, Ron; MAHARANI, Curie. The Defense Iron Triangle Revisited. In:
BITZINGER, Richard (Ed.). The Modern Defense Industry: Political, Economic and
Technological Issues. Santa Barbara: Praeger Security International, 2009.
81
PLANO de ação para 2013 mostra evolução do Conselho de Defesa Sul-
Americano, diz Amorim. Brasília: MD, 2012. Disponível em:
<https://www.defesa.gov.br/index.php/ ultimas-noticias/8536-04-12-2012-
defesa-plano-de-acao-para-2013-mostra-evolucao-do-conselho-de-defesa-sul-
americano-diz-amorim>. Acessoem: 04 dez. 2012.
SMIT, Wim. Military Technologies and Politics. In: GOODIN, Robert; TILLY, Charles
(Org.), Oxford Handbook of Contextual Political Analysis. Nova Iorque: Oxford
UniversityPress, 2006.
82
A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA INTERAGÊNCIAS NO COMBATE AOS
DELITOS TRANSNACIONAIS NA FRONTEIRA BRASIL-COLÔMBIA
Marcelo de Paiva43
1 Introdução
43
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
83
A consequência das medidas de Uribe foi a intensificação de diversos crimes
transnacionais na faixa de fronteira Brasil-Colômbia. No que se refere ao tráfico de
drogas, segundo o relatório mundial sobre drogas do United Nations Officer on
Drugs and Crimes (2010, p. 234), a maior parte da cocaína originária da Colômbia
sai do país para o Golfo do México e para o oceano Pacífico. O Brasil, contudo, atua
como país de trânsito e as mudanças na demanda do mercado indicam que os
riscos tendem a aumentar.
84
2 Sistema Interagências
85
palavras, a tentativa de um trabalho conjunto, baseada somente em razões técnicas,
provou ser pouco efetiva e contraproducente.
A complexidade das questões relativas às fronteiras, como exposto por Raza, leva a
ressaltar que existem missões similares correspondentes às Forças Armadas e à
Polícia Federal brasileira para o combate ao crime transnacional. O diálogo entre as
agências, portanto, é essencial para a realização dos trabalhos, além de diminuir o
custo operacional, caso haja coordenação de esforços.
Davis Júnior (2011, p. 8-10) cita seis princípios (seis Cs) baseados na
experiência norte-americana em operações complexas em todo o Globo: 1.
compreender, 2. coordenar, 3. cooperar, 4. fazer concessões, 5. buscar o
consenso e 6. comunicar-se.
86
Quanto à coordenação, é importante o trabalho em conjunto e com harmonia. Isso
não significa que os órgãos devam ficar fora do caminho dos demais, mas que todos
devem planejar suas ações de forma a maximizar o efeito de todas as outras ações
em andamento.
Fazer concessões pode ter uma conotação negativa na cultura militar. Mas o autor
menciona que se faz necessário ceder em alguns pontos para se chegar a uma
solução de compromisso, embora isso não signifique renunciar valores individuais
ou organizacionais.
Por fim, comunicar-se é importante para convencer que o que está sendo proposto
irá contribuir para a resolução de problemas. O autor ressalta que a posição militar
não é suficiente para convencer os representantes dos outros órgãos, havendo a
necessidade de estabelecer uma comunicação efetiva para persuadir um indivíduo.
87
A mais representativa delas é o Exército, a qual está ampliando seu dispositivo pela
instalação de diversas unidades de fronteira. É no Amazonas que está localizado o
Comando Militar da Amazônia (CMA), com um efetivo de aproximadamente 25 mil
homens. O CMA possui cinco Brigadas de Infantaria de Selva (Bda Inf Sv): a 1ª Bda
Inf Sv em Boa Vista-RR, a 2ª em São Gabriel da Cachoeira-AM, a 16ª em Tefé-AM,
a 17ª em Porto Velho-RO e a 23ª em Marabá-PA.
Por sua vez, a Força Aérea Brasileira (FAB) é representada pelo VII Comando Aéreo
Regional (COMAR), sediado em Manaus-AM, que é o órgão responsável pelas
atividades administrativas e logísticas. A fim de otimizar a atuação do espaço aéreo,
foram criadas três bases em Manaus-AM, Boa Vista-RR e Porto Velho-RO e três
Destacamentos de Aeronáutica em São Gabriel da Cachoeira-AM, Eirunepé-AM e
Vilhena-RO. Frisa-se que a FAB dispõe de tecnologia de ponta para a detecção de
alvos potenciais a grandes distâncias na faixa de fronteira Brasil-Colômbia.
A essas forças, somam-se outras que não serão tratadas neste artigo, além das
entidades da Colômbia. Essas, contudo, segundo o Ministro Clemente, possuem
resistência para mudar seu rumo no combate aos ilícitos, fortemente apoiada
pelo governo norte-americano. A Colômbia demonstrou desinteresse pela
experiência adquirida pelo Brasil com a implantação do Sistema de Vigilância da
Amazônia (SIVAM).
88
2.4 Interagências – o que deve ser superado para haver integração?
Por fim, o que se enfatiza é o objetivo comum a ser atingido, uma vez que conflitos
poderão surgir no âmbito interagências. Então, será necessário conviver com
desacordos e rupturas, reavaliando a metodologia tradicional. Nesse ponto, é
indispensável a liderança em todos os níveis, devendo desenvolver competências
necessárias ao trabalho interagências.
89
2.5 Integração: mecanismos que proporcionam o intercâmbio de informação
90
Em síntese, o SISFRON é um sistema de Comando, Controle, Comunicações,
Computação, Inteligência, Vigilância, Busca de Alvos e Reconhecimento que
possibilitará que o Exército monitore a faixa de fronteira. Esse sistema dispõe de
tecnologia capaz de realizar o compartilhamento de dados, de forma eficiente e
segura, com as demais Forças Armadas e outros organismos governamentais.
Cepik (2001, p. 25) faz uma diferenciação entre o conceito amplo de inteligência e o
restrito. Quanto ao primeiro, o estudioso afirma que inteligência é o mesmo que
44
Disponível em: <http://www.sipam.gov.br/content/view/13/43/>. Acesso em 13/02/2013.
91
informação analisada a fim de atender a demanda de um tomador de decisões.
Quanto ao segundo, acrescenta que inteligência possui duas dimensões: uma
operacional, que corresponde à coleta de informações sem consentimento,
cooperação ou conhecimento dos alvos, sendo sinônimo de informação secreta; e
outra analítica, em que a inteligência se diferencia da informação por sua
capacidade explicativa/ preditiva.
A inteligência deve ser desenvolvida desde o tempo de paz, pois ela que
possibilita superar as incertezas. É da sua vertente prospectiva que
procedem os melhores resultados, permitindo o delineamento dos cursos de
ação possíveis e os seus desdobramentos. A identificação das ameaças é o
primeiro resultado da atividade da inteligência militar (BRASIL, Presidência
da República, 2008).
92
externas ao Estado e à sociedade, sendo um importante instrumento para a
preservação das instituições e dos interesses nacionais.
O órgão central desse sistema é a ABIN, que possui, de acordo com a legislação
supracitada, as atribuições de: 1. planejar, executar, coordenar, supervisionar e
controlar as atividades de inteligência do país, 2. planejar e executar ações, inclusive
sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de
conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República, 3. planejar e
executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à
segurança do Estado e da sociedade, 4. avaliar as ameaças, internas e externas, à
ordem constitucional e 5. promover o desenvolvimento de recursos humanos e da
doutrina de inteligência, e realizar estudos e pesquisas para o exercício e
aprimoramento da atividade de inteligência.
93
mais efetivo no aperfeiçoamento da legislação e na fiscalização da atividade de
inteligência no Brasil. Para isso, haveria a necessidade de retomar a participação na
regulamentação e no controle das atividades de inteligência, resgatando-se o projeto
que insere o tema da inteligência na Constituição, bem como retomar a análise do
Projeto de Resolução do Congresso 2/08, que institui o regimento interno e
estabelece o funcionamento da Comissão Mista de Controle das Atividades de
Inteligência. A Política Nacional de Inteligência, documento que tem por finalidade
orientar as atividades de inteligência estratégica do país, está para ser aprovado
pela Presidenta Dilma Rousseff.
Por sua vez, o SINDE foi criado para aperfeiçoar a capacidade de C 2I dos órgãos
envolvidos na Defesa Nacional, constante na Política Nacional de Defesa (PND) e
otimizar os fluxos de dados e conhecimentos em matéria de defesa para a ABIN.
94
O planejamento de inteligência militar no nível estratégico é realizado pela Subchefia
de Inteligência Operacional (SC2), em coordenação com a Subchefia de Inteligência
Estratégica (SCIE).
Milano (2006, p. 17) aponta que o surgimento de outros atores, como o terrorismo, o
narcotráfico e o crime organizado, originou estudos em todos os níveis da estrutura
de governo. Determinados fatores ou atores de interesse motivam que esses
organismos ampliem o seu campo de ação na identificação de riscos para o Estado
para suportar integralmente o seu processo decisório.
45
Conforme o manual MD 30-M-01/Vol 3 (2011), como um subsistema do SINDE, o SIOP integra as ações de
planejamento e execução da atividade de inteligência operacional, com a finalidade de assessorar o processo
decisório no âmbito das Operações Conjuntas, desde o tempo de paz, bem como manter um banco de dados que
sirva de base para os Planejamentos Operacionais e para os Comandos Operacionais, quando ativados.
95
Um passo importante para a integração foi a autorização dada à ABIN para manter
representantes dos órgãos componentes do SISBIN permanentemente no
46
Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência , de acordo com
o Decreto nº 6.540, de 19/08/2008 (que altera e acresce dispositivos ao Decreto nº
4.376, de 13/09/2002). Esses representantes podem acessar, por meio eletrônico,
as bases de dados de seus órgãos de origem, respeitadas as normas e limites de
cada instituição e as normas legais pertinentes à segurança, ao sigilo profissional e
à salvaguarda de assuntos sigilosos.
Por sua vez, Lefebvre (2003, p. 535) considera que existe um temor de que a
inteligência trocada ou conhecimento adquirido, por relações de confiança, seja
passada para um terceiro sem o consentimento da fonte, sendo esse aspecto um
fator que limita qualquer acordo de ligação.
46
O Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência tem por atribuição coordenar a
articulação do fluxo de dados e informações oportunas e de interesse da atividade de Inteligência de Estado, com
a finalidade de subsidiar o Presidente da República em seu processo decisório.
47
De acordo com Cepik (2001, p. 104), a inteligência de segurança é aquela voltada às ameaças internas à ordem
existente, sendo conhecida também por inteligência interna ou doméstica.
96
Por outra parte, o sociólogo Sennett (2012, p. 24), ao abordar a questão da
confiança, destaca que ela pode se dar tanto de modo formal como informal.
Segundo ele, as experiências mais profundas de confiança são mais informais,
sendo que as pessoas aprendem em quem podem confiar ou com quem podem
contar ao receberem uma tarefa complexa. Para que esses laços sociais possam se
consolidar é necessário um longo tempo de relacionamento entre os indivíduos e
uma disposição de estabelecer compromisso mútuo. O senso de objetivo e a
obrigação formal são outras virtudes ressaltadas pelo autor como de longo prazo.
4 Conclusão
Além disso, diversos fatores facilitam essa integração, entre os quais serão
explicitados três, constatados a partir das entrevistas com os agentes. O primeiro é a
consciência acerca da necessidade de integração. Não se visualizam operações
sem que sejam precedidas de um trabalho de inteligência integrado. Contudo, a
integração entre agências civil e militar ainda carece de aperfeiçoamentos.
97
Sistema de Inteligência do Exército (SIEx), já que agências internas e externas ao SIEx
serão envolvidas na reunião e produção dos conhecimentos de inteligência.
98
Ademais, a cooperação depende da pré-disposição na troca de informações. Procura-
se atender às necessidades de determinada agência - partindo do princípio de que
certa informação seja de grande relevância - e, talvez, o órgão esteja encontrando
dificuldades para obter o dado empregando os próprios meios. O que impera, contudo,
é a falta de agilidade no compartilhamento dos dados, causando prejuízos para a
produção do conhecimento de inteligência. A ausência de um banco de dados comum a
todas as agências federais apresenta-se como outra deficiência do SISBIN.
Referências Bibliográficas
99
______. Decreto nº 4.872, de 6 de novembro de 2003. Dá nova redação aos arts.
4o, 8o e 9o do Decreto no 4.376, de 13 de setembro de 2002, instituído pela Lei nº
9.883, de 7 de setembro de 1999, e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4872.htm#art4>. Acesso em: 25
jan. 2013.
100
KIORSAK, Valentim V. Cooperação/ interação dos serviços de Inteligência. Revista
Brasileira de Inteligência, v.2, n.3, p. 71-82, set. 2006. Brasília: ABIN, 2006.
101
DA GEOPOLÍTICA ESTATAL À GEOPOLÍTICA ACADÊMICA:
REFLEXÕES SOBRE UM CONCEITO
1 Introdução
Nas últimas décadas, têm voltado à tona nos meios acadêmicos, resgatado por
estudiosos de diversas áreas, reflexões e pesquisas sobre temas que, no Brasil,
estavam centrados quase que exclusivamente nos ‗pensadores e estrategistas‘ a
serviço do poder estatal. Tratava-se de uma ‗geopolítica estatal‘, conforme assinala
Costa (1992, p.185).
Essa geopolítica que floresceu no Brasil, segundo Costa, foi ‗sustentada‘ utilizando-
se as ‗bases científicas‘ oriundas de autores clássicos como Ratzel e Mackinder,
ajustadas às fórmulas dos círculos conservadores do poder político nacional.
Diferente do que aconteceu na Alemanha e EUA, onde a geopolítica, com raras
exceções, desenvolveu-se em ambientes acadêmicos, no Brasil os estudos
geopolíticos tiveram a hegemonia do pensamento e instituições militares, o que
gerou uma carência de um pensamento geopolítico ou mesmo geográfico-político
engendrado num ambiente de reflexão acadêmico-universitária. Aliado a isso, ―[...]
boa parte da geopolítica brasileira, enquanto reflexo de suas congêneres
estrangeiras, destinou-se abertamente à promoção do que muitos analistas
denominaram de ―guerra interna‖, que não é em absoluto um exagero de linguagem,
a considerar a nossa particular história política, desde a colônia e especialmente
neste século [Século XX] de período republicano.‖ (COSTA, 1992, p.188).
48
ECEME/IMM/PPGCM
102
primeiras análises críticas sobre essa vertente do pensamento político brasileiro.
Dentre esses estudiosos, um destaque é dado a Shiguenoli Miyamoto e Leonel
Itaussu A. Mello. Na Geografia, de acordo com Costa (1992), algumas tentativas
de se recuperar uma geopolítica, agora acadêmico-universitária, têm sido feitas,
tendo em Bertha Becker uma proposta inovadora, quando convida a um resgate
da geopolítica. Para Bertha Becker (1988, p.100)
Nesse sentido, este artigo tem por objetivo tecer algumas considerações acerca
do que tem sido produzido/publicado na última década sob o rótulo de
geopolítica, se no sentido de ―manipulação de alguns conhecimentos ditos
‗geográficos‘ para a formulação de esquemas que interessam às políticas de
poder‖ (COSTA, 1992, p.185) ou se estão surgindo novas abordagens de
análise dos fenômenos geográficos e políticos, em ruptura com a geopolítica
clássica/militar.
103
2 Da geopolítica à geografia política ou dois lados da mesma moeda?
Conforme Moraes (apud GONZALES, 2003, p.26), ―O mundo é mais complexo que
as teorias‖. Inevitavelmente, qualquer categorização teórica circunscreve a realidade
sob um ou vários olhares, ângulos ou lados e traz, em seu âmago, ainda que
inconsciente, a visão daquele cenário focalizado, em detrimento do conjunto do
palco, acarretando um inevitável reducionismo na interpretação da complexidade do
mundo, um ―pecado original das ciências‖.
Nesse sentido, não pretendemos esgotar a temática neste pequeno artigo, mas
apresentar algumas definições auferidas à geopolítica que, conforme destaca Costa
(1992), sofre interferência, em seu desenvolvimento, das conjunturas e contextos
políticos e territoriais, o que expõe uma de suas contradições, além das dificuldades
de estabelecer um ―pensamento universal‖ ou ―leis gerais‖ em geografia política.
Costa (1992, p.17) considera que uma possível distinção seria pelo critério ―nível de
engajamento‖. Todavia, uma análise mais acurada poderia gerar dúvidas entre os
dois conceitos. Acrescenta o autor:
104
resgate principal das contribuições no que está auto-rotulado tanto de
geografia política como de geopolítica.
Diferente do que argumentam os autores acima, sobre a tênue linha que separa
a geopolítica da geografia política, alguns pensadores são mais incisivos na
pretensa diferenciação entre um conceito e outro. Miyamoto (1981, p.76) não
expõe a sua construção conceitual, mas terceiriza a definição do conceito ao
afirmar que ―a maior parte dos autores costuma fazer distinção entre geografia
política e geopolítica‖. Prossegue a descrição, listando as particularidades de
cada uma, de um ponto de vista estático e binário, alinhado com o contexto
histórico-político no qual foi engendrado:
105
acidentes geográficos. A geopolítica se preocupa com a aplicação desses
fatores na formulação de uma política visando principalmente fins estratégicos.
Concebida sob este prisma a geopolítica é uma teoria do poder e visa,
sobretudo, o preparo para a guerra. Nestas condições a geopolítica é
essencialmente dinâmica, fazendo parte não da geografia, mas sim da
ciência política (MIYAMOTO, 1981, p.76, grifos nossos).
Ainda que a obra primordial e que funda o conceito de geografia política foi
escrita por Ratzel, na Alemanha, em 1897 e a palavra geopolítica apresentada
em 1899 na Suécia, por Kjellén, muitos geopolíticos consideram a obra de Ratzel a
que funda, também, a geopolítica (COSTA, 1992, p.16).Isso posto, optamos por
discorrer somente acerca do conceito ‗geopolítica‘.
3 Da geopolítica
49
Vide o I Simpósio Internacional Geopolítica e Diplomacia, realizado no Departamento de Geografia da
Universidade de São Paulo, em abril de 2011 e o II Simpósio Internacional Geopolítica e Diplomacia, ocorrido
em Natal, RN, assim como a Associação Brasileira de Geopolítica, proposta por geógrafos acadêmicos.
106
apregoava a sua insatisfação em publicações de manuscritos, inclusive o que
aparece a palavra geopolítica, intitulado Inledningtill Sveriges Geografi.
Em uma analogia climática, Khanna (2008, p.22), afirma que geopolítica representa
a climatologia, a ciência profunda da evolução do mundo, e relações internacionais,
o sinônimo da meteorologia da atualidade. Nesse sentido, as análises geopolíticas
se assentariam em elementos mais concretos e estáveis e as relações
internacionais, em oscilações diárias e com menor previsibilidade. Considerando
que, tradicionalmente, a geopolítica se sustentou em análises dos ―[...] componentes
tangíveis do poder nacional, como é o caso dos aspectos econômicos, militares,
demográficos e culturais‖ (MELLO, 1999, p.143), quais seriam, então, os atuais
―elementos climáticos‖ no atual contexto mundial: complexo, global e interligado,
onde a velocidade e quantidade de informações, a fluidez e a instantaneidade das
comunicações, onde a agilidade das mudanças nos processos e acontecimentos
são marcas de um mundo menos estático que o do século XX, período onde
floresceu, no ocidente, as clássicas teorias geopolíticas.
Para alguns autores (Ó Tuathail, Dalby, Agnew, Santos etc.50), estamos na era da
geopolítica crítica, onde esta é vista como um ―conjunto complexo de discursos,
representações e práticas, em vez de uma ciência coerente, neutral e objectivista‖
50
Para um estudo mais completo sobre geopolítica crítica ou novas geopolíticas, vide: Ó Tuathail (1996,
1998),AGNEW (2003) e SANTOS (2007).
107
(SANTOS, 2007, p.1). Nesse sentido, ―desmonta os modos como as elites políticas
descreviam e representavam os locais no seu exercício do poder [além de que] os
Estados-Nação não são as únicas unidades legítimas de análise geopolítica‖.
(SANTOS, 2007).
Vesentini (2003, p 5), não nomina de nova geopolítica ou geopolítica crítica, mas
afirma que a partir dos anos 1980, essa ―configura-se cada vez mais como um
campo de estudos interdisciplinares, como um conjunto de temas estudados
isoladamente ou em equipe por geógrafos, cientistas políticos e sociólogos,
historiadores, juristas, economistas, militares e alguns poucos outros‖.
Após esse rápido preâmbulo conceitual, analisaremos como o rótulo ‗geopolítica‘ vem
sendo abordado no Brasil nos meios acadêmicos, na última década. Constata-se de
antemão um interesse crescente pela geopolítica, não somente na Ciência Política e
Geografia, mas em diversas áreas, tais como na História, Literatura, Psicologia etc.
108
Quadro 1
DO
DO
ME
2008
Movimentos partidos: geopolíticas da ―revolução‖
Sandra Rodrigues Braga UFU/Geografia
brasileira (1964-1985) DO
109
O fim da Guerra Fria e as perspectivas geopolíticas e
UFRJ/História
geoestratégicas para o Brasil frente à crise da Ricardo Pereira Cabral 2005
Comparada
segurança hemisférica (1991-2001)
ME
ME
USP/Geografia
Geopolítica na fronteira norte do Brasil: o papel das 2007
Humana
forças armadas nas transformações sócio-espaciais Altiva Barbosa da Silva
do estado de Roraima DO
USP/Geografia
A geopolítica da economia mafiocontemporânea Moacir Nunes e Silva 2009
Humana
DO
USP/Geografia
O grande cerrado do Brasil central: geopolítica e Bernardo Palhares Humana
2006
economia Campolina Diniz
DO
USP/Geografia
Geopolítica e Inovação Tecnológica: uma análise da
Humana
Subvenção Econômica e das Políticas de Inovação Pablo Ibañez 2012
para a saúde
DO
110
Governo George Walker Bush (2001-2004): uma USP/Ciência Política
análise geopolítica das guerras do Afeganistão e do André Luiz Varella Neves 2010
Iraque
DO
USP/Geografia
A Guerra da Água em Cochabamba, Bolívia:
Humana
desmistificando os conflitos por água à luz da Matheus Hoffmann Pfrimer 2010
geopolítica
DO
2012
Nova ordem sul-americana: reorganização geopolítica USP/Geografia
Antonio Marcos Roseira
do espaço mundial e projeção internacional do Brasil Humana
DO
2011
Geopolítica das igrejas e anarquia religiosa no Brasil. USP/Geografia
Alberto Pereira dos Santos
Por uma geoética de apoio mútuo. Humana
DO
USP/História
Martinho Camargo Milani 2011
Estado Livre do Congo: imperialismo, a roedura Econômica
geopolítica (1885-1908)
ME
2011
Marcos Antonio Favaro USP/Integração da
Mario Travassos e Carlos BadiaMalagrida: dois Martins América Latina
ME
modelos geopolíticos sobre a América do Sul
2013
Geopolítica clássica e geopolítica brasileira USP/Geografia
Ronaldo Gomes Carmona
contemporânea: Mahan, Mackinder e a "grande Humana
ME
USP/Geografia
Geopolítica brasileira na África subsaariana: Herbert Schutzer 2009
Humana
assertivas cooperativas e ou conflitivas dos governos
ME
de Geisel (1974-1979) e Lula (2003-2006). Um
estudo de geopolítica comparada
111
político nacional. Fato instigante é a busca cada vez mais significativa por temas
que, até pouco tempo (duas últimas décadas), foram quase expurgados das
pesquisas no meio acadêmico, particularmente na Geografia e História.
Ainda que algumas pesquisas sejam rotuladas de ―geopolítica crítica‖, são válidas e de
salutar importância para ampliar e compreensão das ―geopolíticas‖, extrapolando as
análises que contemplam apenas as relações entre estado, poder e território, já que,
conforme sinaliza Costa (1992, p.23) essas pesquisas ―apontam, em geral, para uma
evidente ‗desestatização‘ do objeto da geografia política, com as análises muito mais
centradas nos problemas relativos ao poder em geral e às suas formas de manifestação
e exercício do que exclusivamente no poder estatal, como no passado‖.
O autor conclui que, muitas vezes, o aumento de interesse se deu pelo alargamento
―bastante discutível‖ do seu objeto de estudo, mais do que pela
―descrição/interpretação/análise dos fenômenos geográficos-políticos com relevância
internacional‖.
Todavia, constata-se, pelo que vem sendo publicado no Brasil no meio acadêmico na
última década, que não houve uma completa ruptura com a geopolítica clássica, mas
concomitante ao surgimento de diversos novos temas, uma releitura das teorias clássicas.
5 Considerações finais
112
extremistas religiosos, universidades e mercenários compõem a paisagem
diplomática. Tecnologia e dinheiro, e não soberania, determinam quem tem
autoridade e dá ordens. Afirma o autor que o segredo do êxito, neste novo mundo de
megadiplomacia, está em juntar todos os protagonistas – governos, empresas e
organizações, em coalizões que mobilizem rapidamente recursos globais para
resolver problemas locais. Nesse sentido, torna-se cada vez mais necessário, além
de hard power, o soft power ou, resgatando o que propõe Brzezinski, poder militar,
poder econômico, tecnológico, político e cultural.
113
Referências bibliográficas
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo:
Edusp/HUCITEC, 1999.
114
SANTOS, Eduardo Silvestre dos.O conceito de geopolítica: uma aproximação
histórica e evolutiva (3ª parte).Jornal de Defesa e Relações Internacionais,
Lisboa, 2007. Disponível em:
<http://www.jornaldefesa.pt/1/arquivo_de_ensaios_427940.html>. Acesso em: 12
jun. 2013.
115
EL PROCESO DE SECURITIZACIÓN Y LAS ESTRATEGIAS DE LA
ORGANIZACIÓN DEL TRATADO DE COOPERACIÓN AMAZÓNICA54
1 Introdución
54
Este trabajo es parte de la tesis de Maestría “El proceso de securitización y las políticas de defensa de países de
la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica” (MATOS, 2013), defendida en 2013 por el autor,
teniendo al coautor como cotutor.
55
Magister en Relaciones Internacionales e Integración. Ejército de Brasil.
56
Doctorante en Ciencias Sociales. Magíster en Relaciones Internacionales. Ministerio de Relaciones Exteriores
de Brasil.
116
En esa región sudamericana, se sabe que las poblaciones amazónicas necesitan de
mejores condiciones de vida, lo que demanda acciones de sus Estados en estimular
el desarrollo. Con base en el institucionalismo como forma de buscar soluciones
para problemas de ese tipo, los países amazónicos se coadunaron en firmar un
marco multilateral en 1978, que se transformó en la Organización del Tratado de
Cooperación Amazónica (OTCA) en 2002.
Actualmente, la OTCA tiene como visión ser una organización reconocida a nivel
mundial y sudamericano en la cooperación regional, en la discusión y
posicionamiento en temas de la agenda internacional relativas a la Amazonía y en el
intercambio de experiencias, actuando en base a los principios de pleno ejercicio de
la soberanía de cada espacio amazónico, el respeto y armonía con la naturaleza, el
desarrollo sostenible y la reducción de asimetrías de los Estados de la Región.
¿Existe relación de influencia entre las estrategias de esa institución y la defensa de
sus países miembros?
2 Metodología
117
El trabajo tuvo cuatro fases: la construcción del marco teórico, la recopilación de
datos, el análisis de los datos, y la síntesis. En las fases de construcción del marco
teórico y de la recopilación de datos, las investigaciones bibliográficas y
documentales posibilitaron la reflexión sobre el conocimiento asociado a la temática.
El análisis documental se realizó en textos macro de Defensa de los dos países, así
como en discursos, actas, planes y agendas oficiales de la OTCA (ARTEAGA, 2006;
BOLIVIA, 2004; 2010; BRASIL, 2005; 2008; 2012; OTCA, 2004; 2006; 2010).
El estudio de los datos fue realizado por medio de análisis de contenido. Basado en
Bardin (1977), de forma cualitativa, el análisis de contenido buscó obtener
descripción de los documentos que fueron investigados, por medio de indicadores
que permitieron la inferencia de conocimientos relativos a las condiciones de
producción / recepción de los mensajes existentes.
Ese análisis se desarrolló en tres fases: la descripción del texto, o sea, los mensajes
de los ordenamientos, discursos y entrevistas; la inferencia, comprendida por las
primeras comparaciones con los aportes teóricos, ordenándose unidades de
contextos (citas), a partir de los indicadores; y las interpretaciones de los hechos.
La síntesis fue hecha por triangulación, conforme Adorno et al. (citados por SOUZA;
ZIONI, 2003), al buscar establecer interrelaciones entre los hechos y la teoría.
3 Aportes Teóricos
118
Sin embargo, esas teorías tuvieron que ser revisadas cuando el mundo pasó por puntos
históricos significativos, como el fin de la Guerra Fría y los Atentados del 11 de
septiembre de 2001 (DUQUE, 2009; RUDZIT, 2005). Además, esas teorías no son muy
bien aplicables para la Seguridad y Defensa de los países del Sur. ¿Por qué?
El concepto de securitización puede ser definido como el proceso por el cual una
cuestión recibe status de seguridad a partir del acto del discurso, lo que implica
tratamiento de acuerdo con las normas específicas y extrañas a un cuadro
institucional normal (ARAÚJO, 2006). Hay, por lo tanto, según Buzan et al. (1998),
una taxonomía teórica en su planteamiento: cualquier cuestión pública puede ser
ubicada en el espectro que varía del "no politizado", pasando por "politizado",
alcanzando el "securitizado".
Las unidades de análisis son objetos, agentes y actores funcionales. Los objetos son
las unidades que se encuentran amenazadas, demandando medidas para
protegerlas. Los agentes son los autores de las iniciativas de securitización, mientras
que los actores funcionales son aquellos que afectan la dinámica del sector,
influenciando las decisiones (BUZAN et al., 1998).
119
Para el análisis multisectorial, las Escuela de Copenhague definió cinco sectores:
militar, político, económico, societal57 y ambiental. Se valorizan, conforme Buzan
(1997), las enseñanzas de la escuela racionalista en los sectores político, militar y
económico, mientras se incorporan de hecho los sectores societal y ambiental.
57
Palabra de origen inglesa, que aparece en textos científicos en lengua española, a pesar de no ser aceptada por
la Real Academia Española. En inglés, Buzan et al. (1998) hace distinción entre la seguridad social y la societal.
Ellos afirman que “(…) societal security is not the same as social security. Social security is about individuals
and is largely economic. Societal security is about collectives and their identity (…) we use societal for
communities with which one identifies” (p. 120).Es, por lo tanto, una palabra eslabonada al concepto de
identidad. En un sentido común, seguridad social en Brasil, por ejemplo, significa un conjunto de políticas
sociales que buscan asistir al ciudadano en temas como empleo, salud o tercera edad. Es decir, configura un
sentido distinto al que Buzan et al. (1998) buscaron plantear.Por creer que lo mejor sentido al concepto que se
quiera discutir en este trabajo es dado por la palabra societal, término acepto en el medio académico, este texto la
adopta.
120
- El (narco)terrorismo (WINTER, 2012);
121
Los Estados de Bolivia y Brasil también consideran esos asuntos como
vulnerabilidades y amenazas a la seguridad en la región amazónica. Por tanto,
siguiendo los supuestos de la Escuela de Copenhague, se infiere que los dos países
priorizaron acciones para reducir los riesgos, en dinámicas internas convergentes al
concepto de securitización.
Cuadro 1
Poca presencia de las FF. AA. Conformar mecanismos ante Organismos Internacionales.
Vigilancia y
en zonas fronterizas.
combate a
Llenar vacíos institucionales bolivianos por medio de las
crímenes
Corrupción, delincuencia, FF. AA.
transfronte- crimen organizado, tráfico de
rizos armas, narcotráfico, Ubicar unidades militares en la región fronteriza.
(narco)terrorismo.
Promover el desarrollo y la salud en regiones fronterizas
Desmembramiento territorial con actuación de las FF.AA.
por invasión pacífica de
Construcción y mantenimiento de carreteras, aeropuertos
extranjeros.
y otras obras de infraestructura en las zonas fronterizas,
con notable actuación de la Ingeniería Militar.
58
La reforma estructural de la República de Bolivia para el Estado Plurinacional de Bolivia, ocurrida con la
promulgación de la nueva Constitución en 2009, también marcó nuevos paradigmas para el sector de Defensa.
Así, se publicó el libro de 2010. El análisis de esos dos documentos son relevantes debido al recorte temporal
elegido.
122
Bases para la Doctrina de Seguridad y Defensa de
2010
59
El Vivir Bien es un principio ancestral que “emerge de lo más profundo de la cultura y es un ideal referente que
denota el equilibrio que debe existir entre el hombre y la naturaleza […] en un proceso armónico a través del
cual se construye la felicidad desde una perspectiva integral. […] También significa vivir bien contigo y
conmigo, es un ámbito donde se garantiza el ejercicio libre de todos sus derechos y garantías individuales y
colectivos, donde uno se sienta orgulloso de su identidad que es diferente del vivir mejor, pues este es individual,
separado de los demás e inclusive a expensas de los otros y de igual forma separado de la naturaleza”
(BOLIVIA, 2010, p. 16-21). Actualmente, es visto como una forma de desarrollo alternativo.
123
Establecimiento de una Comisión Mixta con Perú para
combatir el narcotráfico y el crimen organizado en la
frontera.
124
industrias en reservas Bases para la Doctrina de Seguridad y Defensa de
naturales. 2010
Cuadro 2
60
Cabe resaltar que la Política y la Estrategia Nacional de Defensa fueron revisadas en 2012. Empero, se
utilizaron los textos de 2005 y 2008, respectivamente, para dar una comprensión histórica a la investigación,
dentro del tiempo estudiado.
125
Búsqueda del consenso, armonía política y convergencia
de acciones multilaterales.
126
Implementar una política indigenista adecuada.
Conflictos de carácter étnico.
Divulgar para la sociedad que la idea de desarrollo es
Exacerbación del inseparable de la Defensa, para fines de identificación
nacionalismo. nacional.
61
El gobierno brasileño articuló un programa con colaboración de civiles y militares para encadenar una red de
protección a la Amazonía, englobando la cuestión ambiental e ilícitos transnacionales – el SIPAM (Sistema de
Protección Amazónica). Es una organización sistémica de producción y trámite de informaciones técnicas,
formada por una compleja base tecnológica y una red institucional, encargada de integrar y generar
informaciones actualizadas para articulación, planeamiento y coordinación de acciones globales de gobierno en
127
En relación con el cuestionamiento central de este trabajo: ¿cómo las estrategias de
la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica se ven influenciadas por las
dinámicas de securitización de las políticas de defensa de sus países?, se notan
eslabones muy significativos.
Esas demandas son llevadas a las diversas instancias de la OTCA, que, a través de
la definición de sus estrategias, conforma varias dinámicas de securitización al
marco multilateral.
128
En la categoría ―Vigilancia y combate a crímenes transfronterizos‖, por ejemplo,
los documentos de defensa de los dos países apuntan a acciones como: ―Instalar
sistemas de vigilancia y control de carácter permanente‖, ―Modernizar los
sistemas tecnológicos de vigilancia y comunicaciones‖, ―Disponer y desarrollar
medios y capacidades de ejercer y mejorar la vigilancia, el control y la defensa‖,
―Integrar el SIPAM‖. Las unidades de contextos a continuación permiten inferir
influencias de esos indicadores:
129
puede ver en Matos (2013), se ven conformadas en la OTCA: la idea de vivificación
de fronteras y del incremento de las condiciones de vida; la búsqueda y promoción
del desarrollo sostenible, en sus diversas dimensiones; y la mejora de las
condiciones de infraestructura para sentar la soberanía.
5 Conclusión
130
En una visión optimista, una vez que la estrategia que contiene elementos de
dinámicas de securitización sea exitosa en el marco multilateral, se crea un ciclo
virtuoso, pues las acciones de la OTCA tienden a optimizar la protección del objeto
securitizado, facilitando la acción del Estado miembro en su tarea nacional de mitigar
vulnerabilidades y amenazas a la seguridad.
En una visión realista, la OTCA debe implementar metodologías más efectivas para
llevar a cabo sus planes y agendas estratégicas, pues poco se nota de beneficio real
en el desarrollo sostenible amazónico. Por ende, los reflejos para las sociedades y
economías locales son parcos. ¿Cuánto a la seguridad y defensa? Permanece la
visión de que ello es un tema sólo para militares.
Por oportuno, cabe destacar que, en su proceso evolutivo, la OTCA casi se tornó un foro
para la defensa propiamente dicha (ver ARTEAGA, 2006; OTCA, 2006). Los problemas
provocados por las vulnerabilidades y amenazas transnacionales se agravaron,
favoreciendo que la ubicación de ese foro para la defensa fuera transferido para la
UNASUR, por medio de su Consejo de Defensa. No obstante, en la OTCA, hay claras
influencias de las políticas y estrategias de defensa de sus países miembros.
Referências Bibliográficas
131
ARTEAGA, R. I Reunión Ministerial de Defensa y Seguridad Integral de la
Amazonía de los Países Miembros de la Organización del Tratado de
Cooperación Amazónica (OTCA). Bogotá, 2006. Discurso de bienvenida.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BARRETO, C. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Bibliex, 1995.
BOLIVIA. Bases para la discusión de la doctrina de seguridad y defensa del
Estado Plurinacional de Bolivia. La Paz: Ministerio de Defensa, 2010.
______. Libro Blanco de Defensa. La Paz: Ministerio de Defensa, 2004.
BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa, Brasília-DF, 2008.
______. Livro Branco de Defesa Nacional. Brasília-DF, 2012.
______. Presidência da República. Política de Defesa Nacional, Brasília-DF, 2005.
BRANCANTE, P.; REIS, R. A ―securitização da imigração‖. Lua Nova, São Paulo,
77, p. 73-104, 2009.
BUSTAMANTE, A. Integración y seguridad en la frontera colombo-venezolana. In:
Godoy et al. Construyendo lo global: aportes al debate de relaciones
internacionales. Barranquila: Universidad del Norte, 2011.
BUZAN, B. et. al.Security: a new framework for analysis. Boulder: Lynne Rienner
Publishers Inc, 1998.
______. Rethinking security after the Cold War.Cooperation and conflict, v. 32, n.
1, p. 5-28, 1997.
DUQUE, M. O papel síntese da Escola de Copenhague nos estudos de Segurança
Internacional. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 31, n. 3, setembro/
dezembro 2009. p. 459-501.
GAMBOA, F. Teorías de la democracia en pugna: una evaluación crítica del sistema
político en Bolivia. Kas contribuciones, Konrad Adenauer Stiftung, Oficina Bolivia, 1/2011.
GRUENBERGER, M. Crítica al Tratado de Cooperación Amazónica desde la
perspectiva del desarrollo sostenible de la región. 2007.Dissertação(Maestría en
Relaciones Económicas Internacionales e Integración)-Postgrado en Ciencias del
Desarrollo. Universidad Mayor de San Andrés. La Paz, 2007.
GUIMARÃES, A. A emergência das identidades étnicas na Bolívia contemporânea:
processos e atores. In: DOMINGUES, J. et al. (orgs.). A Bolívia no espelho do
futuro. Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 75-100.
MATOS, S. R. El proceso de securitización y las políticas de defensa de países
de la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica. 2013. 191f.
Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais e Integração)-Universidad Mayor
de San Andrés, La Paz, 2013.
132
MEIRA MATTOS, C. Uma Geopolítica Pan-Amazônica. In ______. Geopolítica II.
Rio de Janeiro: FGV, 2011.
MENDONÇA, A. Áreas de fricção política na América Latina. Rio de Janeiro:
ECEME, 1986.
O HOMEM da Amazônia. Veja Especial Amazônia, São Paulo, ano 42, n. 2130,
setembro de 2009, p. 20-31.
OROZCO, G. Securitización en tiempos de globalización: elementos para el análisis
en el área andina. In: GODOY et al. Construyendo lo global: aportes al debate de
relaciones internacionales. Barranquila: Universidad del Norte, 2011.
OTCA (Organización del Tratado de Cooperación Amazónica). Acta de la I Reunión
Ministerial de Defensa y Seguridad Integral de la Amazonía de los Países
Miembros de la Organización del Tratado de Cooperación Amazónica (OTCA).
Bogotá, 2006.
______. Agenda Estratégica de Cooperación Amazónica. Brasilia, DF, 2010.
______. Plano Estratégico de la Organización del Tratado de Cooperación
Amazónica (2004-2012).Brasilia, DF, 2004.
RUDZIT, G. O debate teórico em segurança internacional: mudanças frente ao
terrorismo? Civitas, Porto Alegre, v. 5, n. 2, jul.-dez. 2005, p. 297-323.
SAINT-PIERRE, H. Grandes tendências da segurança internacional contemporânea.
In JOBIM, N. et al. Segurança Internacional: Perspectivas brasileiras. Rio de
Janeiro: FGV, 2010, p. 31-48.
SÁNCHEZ C., F. Seguridad en Oriente Medio: efectos del 11-S y teorías de RRII. In:
GODOY et al. Construyendo lo global: aportes al debate de relaciones
internacionales. Barranquilla: Universidad del Norte, 2011.
SOUZA, D.; ZIONI, F. Novas perspectivas de análise em investigações sobre meio
ambiente: a teoria das Representações Sociais e a técnica qualitativa da
triangulação de dados. Saúde soc., São Paulo, v. 12, n. 2, Dec. 2003.
VISACRO, A. Guerra irregular: terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao
longo da história. São Paulo: Contexto, 2009a.
______. Os desafios do Exército Brasileiro na Amazônia Legal: a ascensão do
movimento indígena e suas implicações para a Política de Defesa Nacional. 2009.
Monografia (Especialização em Ciências Militares)– Escola de Comando e Estado-
Maior do Exército. Rio de Janeiro, 2009b.
WINTER, B. Brazil‘s ‗gringo‘ problems: its borders. Reuters, special report, April,
2012.
133
Simpósio Temático 2
1 Introdução
62
CAEM-ECEME
134
Diante do cenário atual, dadasas riquezas que existem na porção brasileira da Amazônia,
qual seria o atual papel da administração pública na defesa e segurança dessa região?
2 Referencial Teórico
Moura e Moreira (2001) defendem a visão de que a partir de 1980, esse processo de
ocupação não foi conduzido pelo Estado, mas seguiu a chamada ―lógica de
mercado‖. Por esse motivo, o aumento populacional que ocorreu não promovia mais
a integração entre as federações e cidades da Região Amazônica. Dessa forma, o
intercâmbio entre as localidades amazônicas ocorreu em menor grau, sendo
patrocinada por iniciativas dos governadores dos estados locais. Em consequência
135
disso, houve um isolamento da população rural, fazendo com que esta migrasse
para as cidades da região.
O aumento urbano citado por Moura e Moreira (2001) provocou problemas sociais,
envolvendo entre outros grupos, crianças e adolescentes, fenômeno registrado pela
investigação de Simões (1997). O referido autor menciona, entre outros males, a
prostituição infantil, a desnutrição, a gestação prematura, o baixo índice de escolaridade
e o uso quase que escravo da mão de obra infantil. Simões (1997) atribuiu a
responsabilidade desse cenário à falta de presença do Estado Brasileiro, que deixou de
proporcionar a infraestrutura de serviços sociais necessárias na região.
É importante observar que tanto Moura e Moreira (2001), como Simões (1997),
concordaram que é a ação coordenada e deliberada do Estado brasileiro, o caminho
para desenvolvimento e integração da região amazônica. Moura e Moreira (2001)
sustentam seus argumentos no crescimento significativo dos adensamentos
populacionais urbanos, ao mesmo tempo em que as localidades rurais decrescem.
Por sua vez, Simões (1997) apresenta que os pequenos avanços sociais existentes
na região, na área da educação, são frutos da iniciativa governamental que é,
segundo o autor, quem detém a capacidade de intervir com eficácia, na melhoria da
condição de vida da população.
Sobre a ótica da Defesa, é interessante observar que Moura e Moreira (2001) alerta
que o processo de desenvolvimento e ocupação da Amazônia deve ser realizado
sob o princípio do desenvolvimento sustentável, considerando as pressões
internacionais. Além da questão da sustentabilidade, segundo Moura e Moreira
(2001) é preciso vencer as pressões externas para que a Amazônia Brasileira
permaneça como a reserva intocável do mundo.
136
prejudicados na Amazônia, com a adoção do Brasil ao modelo da descentralização e
da não intervenção do Estado, a partir da abertura comercial proposta pelo
Consenso de Washington. Para Silva e Mesquita (2010) sem o amparo do governo,
o pequeno produtor teve dificuldades em manter sua produção, gerando tensões
regionais, advindas da redução do emprego e da segurança alimentar.
É interessante observar que Silva e Mesquita (2010) não negam que houve um maior
desenvolvimento econômico da Amazônia a partir do avanço da fronteira agrícola do
país que chegou na Região. A maior crítica dos autores está relacionada com o uso da
terra por grandes produtores em detrimento do pequeno produtor, fato esse que causou
diversas tensões sociais. A produção de soja e pecuária nos estados amazônicos,
segundo Silva e Mesquita (2010) não melhorou a condição de vida de pequenas
comunidades, prejudicando o adensamento populacional nos vazios demográficos.
Cabe ressaltar, que Silva e Possui (2012) consideram que durante o regime militar
houve uma forte centralização das políticas públicas para a Amazônia. Por outro
lado, Silva e Possui (2012) admitem que após esse período, houve a participação de
mais atores na formulação das políticas mas que isso não gerou avanços mais
concretos. A falta de consenso, o uso político de créditos e a incapacidade de se
efetuar planejamentos são apresentados como causas desse insucesso pelos
autores. Como consequência disso, segundo Silva e Possui (2012) há os problemas
de ―grilagem‖ de terra, principalmente no sul do Pará e as tensões sociais já
mencionados por Silva e Mesquita (2010).
137
de pequenos agricultores de forma pouco coordenada. É necessário haver uma
ação descentralizada do governo, viabilizando a inserção desse pequeno agricultor
no mercado. Dessa forma, segundo Silva e Possui (2012) a administração pública
local tem um papel relevante na solução eficaz para o desenvolvimento da
agricultura familiar na região.
No estudo de Quintlr, Bohrer e Irving (2011) foram analisados três políticas públicas
do governo federal na Amazônia, o Programa Áreas Protegidas da Amazônia
(ARPA), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano Amazônia
Sustentável (PAS). A análise dessas políticas públicas, segundo os autores,
demonstra a presença e as contradições das quatro correntes, já mencionadas,
anteriormente, acerca da forma de exploração da Amazônia.
138
instrumentos como o plebiscito. Quintlr, Bohrer e Irving (2011) também enfatizam
que há expressivo financiamento, envolvendo além do Estado, diversas
Organizações Não Governamentais (ONG).
Por outro lado, o PAC na Amazônia, como o próprio nome sugere, relaciona-se com
a corrente desenvolvimentista. Segundo Quintlr, Bohrer e Irving (2011), o PAC na
região pretende aprimorar três áreas, a logística (voltada principalmente para a
pavimentação de estradas com vista ao escoamento de commodities), a energética
(com a criação de usinas hidrelétricas e linhas de transmissão, incluindo gasodutos)
e a social/urbana (relacionadas com a melhoria do saneamento básico e a solução
do problema habitacional).
Por fim, Quintlr, Bohrer e Irving (2011) afirmam que o PAS se configura numa
política pública que tenta conciliar as correntes conflitantes. Essa conciliação, no
entanto, não buscou um ponto de equilíbrio, nas vertentes do PAS, mas privilegia
uma ou outra corrente, em determinada área. Como resultado disso, segundo os
autores, há posições contraditórias no escopo geral do PAS, além de poucas ações
efetivas descritas no documento. Dessa forma, o PAS foi relegado a uma política
secundária, tornando-se não uma política de consenso, mas apenas uma forma de
minimizar os impactos das ações públicas ligadas a corrente desenvolvimentista na
Amazônia.
Dentre as políticas públicas para a Amazônia, Superti (2011) afirma que o Sistema
de Proteção a Amazônia (SIPAM) e o Programa Calha Norte (PCN) transformaram-
se de uma perspectiva que abrangia apenas a segurança e a defesa para englobar,
também, a área de infraestrutura regional. Segundo a autora, graças a essa
139
mudança é que algumas localidades podem ser atendidas no financiamento de seus
projetos de desenvolvimento, haja vista que ocorre a complementação do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM), que, em alguns casos, era a principal fonte de
recursos na unidade administrativa.
Superti (2011) chama atenção para o fato de que o papel do SIPAM e do PCN tem
se mostrado mais relevante na Amazônia. Isto não ocorre, em maior parte, devido a
melhoria direta na defesa, mas principalmente devido a viabilização da melhoria na
área de transporte, comunicações e energia que são uma carência da região. Dessa
forma, o SIPAM e o PCN, segundo a autora, contribuem para a fixação do brasileiro
no espaço amazônico.
Franklin (2012) afirma que a ausência do Estado na Região Amazônica tem raízes
históricas, que remontam a época de formação dos países sul-americanos. Segundo
o autor, as coroas espanhola e portuguesa não deram maior importância a
Amazônia, devido a falta de uma atividade econômica que fosse suficientemente
rentável para os colonizadores. A única exceção seria o interesse, de Portugal e
Espanha, pelo controle da Foz do Rio Amazonas.
Junior e Nobre (2012) destacam que o Brasil passou recentemente a dar maior
importância a Região Amazônica. Nesse sentido, convergem para a visão de Monte
(2009), apontando o protagonismo do Exército Brasileiro (EB) tanto no tocante aos
aspectos de defesa, como aos relacionados à segurança. Como fator motivador para
essa postura, Junior e Nobre (2012) destacam que embora a América do Sul seja
considerada uma área pacífica, os últimos conflitos da região estão quase sempre
140
em áreas da Região Amazônica. Como exemplo disso, há o caso do combate as
Forças Armadas Revolucionárias Colombiana (FARC), na Colômbia e a ação do
Grupo Sendero Luminoso, no Peru.
Franklin (2012) afirma que a maior importância a Região Amazônica, defendida por
Junior e Nobre (2012) teria ocorrido a partir do Governo do Presidente Sarney.
Segundo Franklin (2012) é a partir desse período que há uma mudança da
importância estratégica para o Brasil, da Bacia do Prata para a Bacia Amazônica.
Isso teria ocorrido, entre outros fatores, devido a maior aproximação do Brasil com a
Argentina, diminuindo as tensões na Região do Prata.
A preocupação com a ingerência externa é outro motivo para que o Brasil passe a se
importar mais com a Região Amazônica. Segundo Franklin (2012), as intervenções de
atores externos, como os Estados Unidos da América (EUA) na Região, em ações
como o Plano Colômbia, trouxeram preocupações extras, no tocante à manutenção da
soberania brasileira na Amazônia. É importante nesse caso verificar, que o pretexto
para as ações externas foram às instabilidades ligadas a problemas de securitização,
tais como a insegurança da população, o narcotráfico e a guerrilha.
Segundo Monte (2009), o Exército Brasileiro (EB) na Região Amazônica acaba por
fazer a interface entre Defesa e Segurança. Isso ocorre porque, a missão principal
do EB está relacionada à Defesa, mas há a previsão constitucional de atuação em
missões subsidiárias. As missões subsidiárias são por sua natureza, ligadas a
questões de segurança, dessa forma tem-se o fenômeno na Amazônia de um
agente de Defesa que participa ativamente, como representante do Estado, em
ações de segurança. Entre as missões subsidiárias está, por exemplo, o apoio a
órgãos como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA).
141
Cabe ressaltar que Monte (2009) afirma que a própria visão do EB sobre Defesa na
Amazônia por si só favorece essa interface entre Defesa e Segurança na Amazônia.
Além das já mencionadas missões subsidiárias executadas pelos pelotões de
fronteira, o EB, segundo Monte (2009), na sua visão de Defesa, tem interesse na
preservação das florestas e na manutenção das formas de vida tradicionais.
Segundo o autor, a preservação favorece o combate em ambiente de selva, por
parte do EB. Em consequência disso, sob a ótica de Monte (2009), a Amazônia
Brasileira pode representar o fenômeno de interligação entre a alta e a baixa política,
nas relações internacionais, que é atinente, respectivamente, aos assuntos externos
e aos assuntos internos.
3 Referencial Metodológico
Este trabalho desenvolveu-se por meio de pesquisa descritiva e explicativa. Para tal,
além da fundamentação teórica utilizou-se de uma pesquisa de campo. Essa
pesquisa de campo foi executada por meio de questionário estruturado. A primeira
parte do questionário continha dez quesitos fechados, (cada um desses itens
relacionado com uma área de atuação da administração pública), com cinco níveis
de resposta na escala Likert. Na segunda parte do questionário, foi solicitado que os
respondentes pudessem elencar quais, dentre esses dez itens de atuação da
administração pública, seriam as maiores necessidades locais, limitando-se a
escolha a apenas três. Finalmente, foi perguntado aos respondentes se a Amazônia
seria ou não mais bem administrada pelos estrangeiros.
142
O tratamento dos dados seguiu o método quantitativo, com pesquisa survey. Dessa
forma, procedeu-se, inicialmente, a uma Análise Fatorial, seguindo-se adiante com
uma Regressão Logística Binária. Como ferramenta de processamento, utilizou-se o
programa SPSS 14.0.
143
Tabela 1- Estatística descritiva
Desvio
Variáveis N Mínimo Máximo Média
padrão
Sal 202 1 5 2,005 0,93307
Seg 202 1 5 2,1436 1,02902
Fir 202 1 4 2,3317 0,89991
Edu 201 1 4 1,806 0,85858
Sab 202 1 3 1,4505 0,65413
Trp 202 1 5 2,3663 1,03878
Mor 202 1 5 2,2277 0,98123
Tlc 202 1 5 2,0396 1,05492
Emp 202 1 5 2,8267 0,99485
Laz 202 1 5 2,4505 1,05568
Fonte: Elaboração própria
Factor
1 2
fir 0,727
laz 0,667
trp 0,65
emp 0,543
seg 0,478
sab 0,836
tlc 0,439
Fonte: Elaboração própria
144
O Fator 1 foi o mais relevante, explicando 28,372% da variância total, sendo
denominado Necessidades Pessoais. Por sua vez, o Fator 2, explicou 14,608% da
variância total, sendo denominado, Infraestrutura. Destacam-se nesse contexto, as
variáveis mais importantes de cada fator, sendo elas, o apoio ao produtor rural (fir) e
o saneamento básico (sab) com carga de, respectivamente, 0,727 e 0,836.
A última parte do tratamento dos dados teve como objetivo verificar qual a
relação existente entre as respostas sobre as prioridades das necessidades locais
de atuação da administração pública com a resposta ao quesito, que indagava se a
Amazônia seria mais bem administrada pelos estrangeiros. De um total de 202
(duzentos e duas) respostas válidas, 10 (dez) respondentes disseram que sim, a
Amazônia seria mais bem administrada pelos estrangeiros, enquanto 192 (cento e
noventa e dois) afirmaram que não. Dessa forma, foi executada uma regressão
logística, que avalia a chance de um determinado fenômeno ocorrer, no caso
específico, achar que a Amazônia seria mais bem administrada por estrangeiros.
O Omnibus Tests of Model Coefficients é usado para testar a hipótese nula de que a
inclusão das variáveis no modelo não aumenta a capacidade de predição, sendo
rejeitada quando a significância é superior a 0,01. Como, no modelo em questão, a
145
significância foi de 0,14, pode-se afirmar que as variáveis utilizadas aumentam a
capacidade de prever que a opinião de alguém seja de que a Amazônia seria mais
bem administrada por estrangeiros.
O modelo obtido foi capaz de prever corretamente 97% das respostas. Em termos
de totais, de 202(duzentas e duas) respostas válidas, o modelo apresentou acerto
em 196 (cento e noventa e seis) vezes. Por esse motivo, pode-se dizer que o
modelo tem uma boa capacidade de previsão. Sendo assim, confirmou-se a
Hipótese H2 do estudo.
146
4.2 Discussão dos Resultados
Por outro lado, o Emprego, o Lazer e o Transporte soam como carências menos
urgentes, com as maiores médias, que são respectivamente, 2,826; 2,450 e 2,366.
Isso não quer dizer que há uma satisfação com a administração pública nessas
áreas, sendo inegável, contudo, que representa os itens mais bem avaliados pela
população. Em se tratando da Amazônia, pode-se inclusive justificar essa visão,
quando se verifica que há a migração de outras regiões do Brasil, como o Nordeste,
por exemplo, devido às oportunidades de emprego existentes na Região Norte.
147
O Fator Necessidades Pessoais é composto, em ordem de prioridade pelo Apoio ao
Produtor Rural, pelo Lazer, pelo Transporte e pelo Emprego. Pode-se verificar nesse
contexto, que a área mais relevante envolve a problemática agrária, que é uma das
grandes questões de segurança e defesa da Amazônia, conforme já observado por
Silva e Mesquita (2010) e Silva e Possui (2012). Também avulta de importância o
Lazer, que, por vezes, é tido como sendo uma necessidade menor da população.
Por outro lado, o emprego é a variável menos significativa no fator, sinalizando, por
exemplo, que se deve conferir maior atenção ao transporte, ao invés de se tentar
novos postos de trabalho.
148
ocorre quando na segunda prioridade figuram a Educação, a Segurança e o
Emprego. Finalmente, na terceira opção, isto se verifica quando se seleciona o
Lazer, o Transporte e a Moradia.
Fruto dessa análise surge a visão de que se a administração pública tivesse que
priorizar apenas duas áreas, a fim de evitar a ingerência externa na Região
Amazônica, ela deveria ser a Educação e a Moradia. Isso se justifica pelo alto
coeficiente que elas apresentam na chance considerada. É lógico que isso não quer
dizer que devem ser desconsideradas as demais áreas. Aliás, a prioridade da
população, advinda da Estatística Descritiva elenca a Saúde, a Educação e o
Saneamento Básico, nessa ordem, como sendo as ações mais necessárias.
5 Considerações Finais
149
serviço público traz ganhos ambientais, sobretudo quando se pensa em questões
como o saneamento básico, por exemplo, ao mesmo tempo em que desenvolve a
região. É bem verdade que para tal, deve se ouvir a população, por meio de
pesquisas que levem em conta as necessidades locais que são peculiares.
Referências Bibliográficas
150
SILVA , Lidiane de Souza; POSSUI, Nírvia Ravena de Sousa. Políticas Públicas no
Cenário Amazônico: da padronização àdiferenciação. Contribuciones a lãs
Ciencias Sociales, n. 2012-06, 2012.
151
A DEFESA DA AMAZÔNIA E A ESTRATÉGIA DA RESISTÊNCIA
1 Percepção de Ameaça
63
Instituto Meira Mattos, Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
152
segurança devem incluir não só os Estados, mas também as pessoas‖ (ICISS, 2001,
p. 15).
Em 2001, o escritor francês Pascal Boniface publicou um livro intitulado Les Guerres
de Demain, no qual afirmava que:
153
das populações indígenas às suas terras ancestrais e à preservação de suas
culturas.
Para o Exército Brasileiro parecia evidente que se configurava uma nova ameaça à
soberania nacional sobre importante parcela do território nacional – parcela essa
que durante séculos fora mantida quase exclusivamente pela presença militar
(LÓPEZ, 1999; BITENCOURT, 2002). Se havia uma ameaça, mesmo que remota ou
improvável, a instituição sentia-se obrigada a propor uma resposta capaz de se
contrapor a ela. Estava lançado o desafio: o de como reagir a uma intervenção
militar na região amazônica por uma potência ou coalizão de potências cujo poder
militar fosse incontestavelmente superior a tudo que as Forças Armadas brasileiras
pudessem desdobrar em campanha.
64
De acordo com os principais dicionários brasileiros da língua Portuguesa, tem o sentido de prostração de
forças, cansaço, esgotamento, fadiga.
154
estratégia proposta. O desenvolvimento da doutrina, entretanto, iniciou-se no nível
tático, e jamais chegou a oferecer uma completa integração com os níveis
estratégico e político.
A guerra de resistência pode ser entendida como uma guerra de libertação nacional.
De acordo com João Carlos Gonçalves Caminha, o termo resistência, no seu sentido
amplo,significa a contestação ao controle político, exercido por um Poder em dada
região (CAMINHA, 1980). Segundo este entendimento, a resistência é o movimento
que surge naturalmente nas nações sob a ocupação de um inimigo vitorioso ou
sob regime colonial (CAMINHA, 1980, grifo nosso). Esse entendimento faz da
expressão guerra de resistência um sinônimo para guerra de libertação nacional.
155
A 3ª edição do Manual de Campanha C 124-1 Estratégia, publicado pelo Estado-
Maior do Exército em 2001, define guerra de resistência como
156
irregular. A guerra continuará sendo travada sob as limitações morais e legais de
uma guerra interestatal. Sintomaticamente, o próprio Manual C 124-1 Estratégia
recomenda uma postura ética e humanitária no trato com o oponente, e estabelece
como premissa que as ações devem ser conduzidas em território nacional (BRASIL,
2001), posturas típicas de um Estado que reconhece e submete-se às convenções
internacionais de guerra.
157
avaliada quanto a sua amplitude e duração. O seu Cap III prescrevia que o esforço
reativo inicia-se com a adoção de medidas de defesa contra as forças agressoras
antes de efetivarem a agressão militar ao território ou a bens nacionais (BRASIL.
2002a). Entretanto, opor-se a forças militares dotadas de modernas tecnologias e
apoiadas por considerável arcabouço logístico não é tarefa simples, como ficou
evidente na Guerra do Golfo Pérsico, em 1991, na Guerra do Iraque, em 2003, e na
Guerra do Kosovo, em 1999. Nos dois primeiros casos, as forças militares
iraquianas sequer tiveram como opor resistência às forças das coalizões
internacionais lideradas pelos EUA, desintegrando-se praticamente sem luta. No
caso do Kosovo, a campanha aérea movida pela OTAN forçou a Iugoslávia a
atender integralmente as exigências daquele organismo de segurança, sem que
fosse necessária sequer a intervenção de forças terrestres.
Deve-se enfatizar o quão importante será uma atitude ofensiva diante do agressor –
a despeito das perdas que possam resultar para as Forças Armadas brasileiras –, no
intuito de elevar o moral nacional e catalisar o sentimento de repulsa à agressão e o
desejo de resistir a qualquer custo, alicerces do esforço de resistência. As
consequências materiais dessa atitude serão a virtual destruição das forças militares
e suas estruturas de apoio.
158
um governo de ocupação ou um colaboracionista. Ainda que se encontrem
vantagens no primeiro dos casos, em ambos, a consequência para o esforço de
resistência será a mesma: havendo sido derrotado militarmente e aceitado um
compromisso com o agressor, o governo brasileiro estaria legalmente impedido de
agir em força contra o invasor. Tal compromisso implicaria na perda do respaldo do
Estado – ao menos de forma ostensiva – para que as Forças Armadas conduzam a
guerra de resistência.
A partir deste ponto, surge um dilema de lealdade que precisa ser resolvido por cada
soldado: havendo o Estado se submetido ou estando as novas lideranças políticas –
patrocinadas ou impostas pelo invasor – comprometidas com o ―status quo pós-
bellum‖, caberiam ações de resistência conduzidas, ainda que clandestinamente, por
suas instituições militares?
Este trabalho não se propõe a solucionar esse dilema. A qual Estado deve-se
fidelidade? Ao que se submeteu e assumiu compromissos com o agressor? Ou ao
que, em certo sentido, desapareceu com a ocupação, mas procura alternativas de
resistência? Poderão existir razões convincentes para uma boa defesa de ambas as
posições. A atitude a ser assumida pelos cidadãos e soldados parece ser decisão de
159
foro íntimo, subordinada ao juízo individual do conceito de lealdade ao Estado e,
principalmente, condicionada às circunstâncias do momento.
160
conformada em aceitar a servidão. Uma parcela menor dos franceses, porém
bastante significativa, foi ainda mais além, tornou-se cúmplice de seus algozes e
dispôs-se a colaborar ativamente com os alemães no esforço para debelar a
resistência.
Luta fratricida – Outro ponto com o qual as Forças Armadas têm dificuldade de
lidar, mas que precisa ser considerado, diz respeito à luta fratricida. Entre outras
motivações, será consequência do dilema de lealdade acima descrito, e pode-se
esperar que o invasor procure explorá-lo inteligentemente. Ao ocupar um país, as
forças invasoras absorvem as forças de segurança locais e suas estruturas de
defesa, inclusive as forças armadas. E, certamente, fará uso dessas forças para
combater a insurgência, com o beneplácito do governo local, seja ele um governo de
compromisso, seja ele um governo de ocupação. Esse fato verificou-se em todas as
lutas coloniais e de libertação ao longo do século XX e neste início do século XXI.
Nas lutas da Indochina, o governo colonial usou grande número de tropas locais
161
contra as forças da resistência vietminh de Ho Chi Minh (KEEGAN, 1979). A guerra
do Vietnã, por sua vez foi uma guerra civil travada entre facções políticas locais,
sendo uma delas apoiada pelos Estados Unidos. A guerra soviética no Afeganistão
foi, em grande parte, travada entre afegãos comunistas, apoiados por forças
soviéticas, e grupos rebeldes mujaheddins, defensores da cultura tradicional afegã,
que recebiam apoio financeiro e armas dos governos dos EUA, China, Egito, Israel e
Arábia Saudita (HAMMOND, 1987). As guerras de resistência mais recentes no
Iraque e no Afeganistão, contra as intervenções dos EUA e da OTAN, apresentam o
mesmo caráter de guerras fratricidas, nas quais as forças de ocupação, aliadas aos
governos locais, lançam mão de tropas autóctones para enfrentar os grupos
resistentes (RICKS, 2006).
4 Conclusões
162
latino-americanos encontravam-se divididos no que se refere ao pertencimento ao
Ocidente. No seu artigo original, cita o caso de um assessor de alto nível do
presidente mexicano Carlos Salinas de Gotari, que, ao ser perguntado se o que eles
pretendiam era transformar o México de um país latino-americano em um país norte-
americano, respondeu entusiasmado que era exatamente isto, mas que ele nunca
poderia dizer isso publicamente, deixando claro que o desejo de integrar-se ao norte
desenvolvido não era uma causa popular em seu país (HUNTINGTON, 1993).
163
sentir-se ameaçado pelas grandes potências mundiais. A existência de tensões
regionais na bacia da Prata, as duas guerras mundiais e a guerra fria fizeram com
que o Brasil se visse lado a lado com essas potências, participando de ambas as
guerras ao lado dos aliados ocidentais e colocando-se do lado do mundo livre
durante a Guerra Fria.
O arrefecimento das tensões no Cone Sul e o fim da Guerra Fria deixaram o País
sem uma ameaça visível. Havia que se buscar uma. O contínuo adiamento do
sonho de transformação em um país desenvolvido, que tem feito do Brasil o
eterno país de um futuro que nunca chega, nos levou a alimentar ressentimento
contra o mundo que faz seu caminho, sem esperar soluções de fora. As
intervenções promovidas pela ONU, ou por coalizões de países desenvolvidos,
em países que viviam graves crises humanitárias nos fizeram encontrar a ameaça
procurada: ela viria do mundo desenvolvido. Imediatamente nos colocamos no
lugar de países como a Somália, o Haiti, o Afeganistão, a Sérvia de Milosevic ou
o Iraque de Saddan Hussein, casos típicos de Estados fracassados ou cujos
governos se mantinham em aberta confrontação com a comunidade e o direito
internacionais. Evidentemente isso não é racional. O Brasil não é um pária
internacional. O Brasil é um país inquestionavelmente democrático, signatário de
todos os principais tratados internacionais, além de respeitado por suas posições
nas questões de política externa.
Escolhida a ameaça, foi-se em busca da resposta militar. É claro que ela não
existia, afinal nunca nos preparamos para enfrentar o mundo, nem seremos
capazes de fazê-lo, em face de nossas limitações econômicas. A escolha
equivocada da ameaça conduziu a uma solução absurda. Ela f oi encontrada na
forma da guerra de resistência. Ora, resistência não é apenas a guerra dos
fracos contra os fortes, é a guerra dos derrotados. Implica inicialmente na
derrota. Preparar-se para a guerra de resistência significa preparar-se para ser
derrotado. Isso é militarmente absurdo. É a opção pelo caos, pela luta
fratricida, pelo crime, pelo terrorismo, pela corrupção. Basta ver o histórico de
sofrimento e destruição no Iraque e no Afeganistão nos anos recentes, em
termos de destruição de infraestrutura, perdas econômicas, crime organizado
164
em ascensão e destruição do tecido social e das tentativas de organização
política. Por mais equivocada que tenha sido a decisão norte-americana de
invadir o Afeganistão e o Iraque, as consequências dessa guerra recai rão
sobre o povo iraquiano, na forma de pobreza, subdesenvolvimento, divisões
internas e dissolução política.
Por outro lado, considerar que o Brasil está ameaçado pelos países do mundo
ocidental desenvolvido não é razoável. Quando nos sentimos discriminados ao
sermos considerados excluídos da civilização ocidental, o fazemos por
reconhecer nos países e instituições que a constituem virtudes que admiramos
e são os fundamentos de nossas leis e instituições. Os países ocidentais
seguem políticas razoáveis e racionais. Seus êxitos econômicos e militares
têm sido resultado desse racionalismo e dos valores que compartilhamos e
admiramos: democracia, liberdade individual, respeito à dignidade humana,
livre iniciativa, império da lei.
165
ao nos empenharmos na gestão do patrimônio amazônico, tenhamos a
convicção de que não o fazemos para atender demandas alheias ou por
pressões internacionais. Fazemo-lo sim, acima de tudo, porque a Amazônia
nos pertence e somos os maiores interessados em sua preservação.
Referências Bibliográficas
BARRIONUEVO, Alexei. Whose Rain Forest Is This, Anyway? The New York
Times. May 18, 2008. Disponível em: www.nytimes.com/2008/05/18/
weekinreview/18barrionuevo.html. Acesso em 06 jun. 2013.
166
GALULA, David. Counterinsurgency Warfare: Theory and Practice. Foreword by
Robert R. Bowie.New York: Frederick A. Praeger, 1964.
KEEGAN, John. Dien Bien Phu: Derrota no Vietnã. Tradução de Edmond Jorge.
Rio de Janeiro: Renes, 1979.
167
A VISÃO BRASILEIRA DE DEFESA DA AMAZÔNIA
1 Introdução.
Este artigo procura mostrar alguns dos fatores que condicionaram as visões e
medidas de defesa da Amazônia brasileira até os dias atuais.
168
1616. Além dessa expedição, foram realizadas operações para submeter os
indígenas do Maranhão, impedindo-os de continuar apoiando os franceses
(CASTRO, 2009).
A região da foz do Amazonas, desde o atual Amapá até os rios Paru e Xingu, já era
explorada, desde fins do século XVI, por holandeses, ingleses e irlandeses, que ali
mantinham várias feitorias e fortes contando com a colaboração de diversas tribos
indígenas. Sua motivação consistia nas ―drogas do sertão‖ – especiarias e plantas
alimentícias, medicinais e aromáticas – que, com tabaco, algodão e madeiras,
alcançavam alto preço no mercado europeu e eram intensamente contrabandeadas.
Tais instalações foram atacadas pelos luso-brasileiros entre 1623 e 1646, período
em que, apesar da fundação de novos entrepostos por aqueles estrangeiros, todos
foram eliminados. Anos mais tarde, em 1697, por divergências sobre as extensões
dos domínios de Portugal e França, os franceses estabelecidos em Caiena atacaram
os fortes portugueses construídos em Macapá e na foz do Paru, ocupando o
primeiro, mas também sendo prontamente expulsos (VIANNA, 1980). Esses fortes
fizeram parte do processo luso-brasileiro de ocupação da região, que incluiu a
construção de vários outros em pontos estratégicos, a fim de evitar novas
penetrações e estabelecimentos de estrangeiros, e deram origem a várias cidades.
169
circunstância que terminaria no ano seguinte, com a restauração portuguesa
(CALMON, 1961).
Além e talvez mais relevantes que as iniciativas militares foram as ações dos
religiosos – jesuítas e mercedários entre eles, que a partir de 1617 fundaram
diversasmissões nos rios Amazonas, Negro, Tocantins e outros, catequizando os
índios e consolidando, nas mentes, os domínios da língua e da coroa portuguesa na
região.
Após a conquista da região, no século XVII, o domínio luso foi posto em cheque
algumas vezes na parte norte-central de, pelo menos, duas formas básicas, sempre
resultando em sangrentos conflitos. Uma forma consistiu na disputa de áreas de
influência entre portugueses e os holandeses estabelecidos na Guiana (atual
Suriname), em que indígenas de diversas nações eram empregados pelos dois
lados na busca da expansão das fronteiras ainda inexistentes, por meio de
cooptação religiosa ou política, valendo a afirmação de eram ―as muralhas dos
sertões‖. A outra forma consistiu nas revoltas promovidas por lideranças indígenas
por motivações próprias, contra os colonizadores.
Um caso emblemático foi a grande revolta dos manaós chefiados por Ajuricaba, que
durou de 1723 a 1727 e fez perigar a soberania portuguesa em vasta área,
ameaçando abrir caminho para uma invasão dos holandeses, de quem esse chefe
era aliado, ao vale do Rio Negro. Outro episódio notável foi o ―formidável motim de
1757‖, provocado por lideranças indígenas de vários povoados que, coordenadas,
quase reduziram ―a cinzas todas as colônias portuguesas do Rio Negro‖ (FARAGE,
1986 p. 95-98; SAMPAIO, 2011, p. 10-12).
A visão de defesa da Amazônia no período colonial foi, assim, formada por aspectos
bastante diretos, em que o poder militar era preponderante, consistindo em
conquistar e consolidar a soberania na região da foz do Amazonas; assegurar o
domínio da maior porção possível para Portugal em detrimento da Espanha; e
assegurar o controle político dos indígenas, inclusive como forma de impedir a o
posterior estabelecimento de estrangeiros.
170
3 A Defesa da Amazônia no Período do Império
Esse oficial de origem sulista, diretor do Observatório Naval entre 1844 e 1861,
acreditava, já em 1849, que as correntes marítimas tornavam o Rio Amazonas a
continuação natural do Mississipi, que os regimes de ventos faziam com que sua foz
estivesse mais à feição de ser controlado a partir dos EUA que do Rio de Janeiro
(STERNBERG, 1987), e que sua região continha não só grandes oportunidades
comerciais a ser exploradas com a abertura do rio, como também uma possibilidade de
dar melhores condições de desenvolvimento aos estados do Sul – subdesenvolvidos e
com elevada proporção de negros nas populações – colonizando o vasto e desabitado
vale amazônico com os brancos sulistas e seus escravos, que para lá poderiam ser
transferidos em grande número (HARRISON, 1955).
171
então recente Cabanagem, numa região vasta e difícil de controlar (PAZZINATTO et
al, 2013).
O governo brasileiro reagiu nesse mesmo ano firmando, também com o Peru, um
tratado de limites que também lhe abria a navegação do Amazonas, mas não
aosnorte-americanos, com base num princípio do Direito Internacional
(PAZZINATTO et al, 2013; PALM, 2009). Além disso, enviou missões diplomáticas
ao Equador, Nova Granada (Colômbia) e Venezuela com o propósito de convencer
governos e opinião pública do perigo da penetração imperialista, enquanto o
embaixador brasileiro em Washington rebatia os argumentos de Maury e instava
junto ao governo dos EUA que não se envolvesse em atentados à soberania do
Brasil (PAZZINATO etal, 2013).
172
Cabe ressaltar que a publicação em 1853 do relatório da expedição, de quatrocentas
páginas – submetido ao Congresso pelo próprio Presidente dos EUA – provocou um
súbito aumento de quase 100% no comércio Brasil-EUA pelo porto de Belém (ROSI,
2011), e que a campanha de Maury tinha grande penetração principalmente no Sul,
garantindo-lhe apoio no Congresso, para onde enviou, em 1854, um outro relatório,
onde imaginava a bacia amazônica ocupada por seiscentos milhões de pessoas
(PAZZINATTO et al, 2013).
173
americano John P. Harrison, ―provavelmente a mais extrema versão do Destino
Manifesto sugerido por uma autoridade pública‖(HARRISON, 1955).
O período republicano não conheceu tão fortes sensações de ameaça como durante o
Império, quando a integração nacional ainda exibia algumas vulnerabilidades políticas.
A questão mais importante foi a do Acre, iniciada em 1895 e fruto de uma situação
iniciada no período imperial – a fixação na área, então pertencente à Bolívia e grande
produtora de borracha, de grande contingente de nordestinos, emigrados em
consequência da terrível seca de 1877-1879 (SCHILLING, 2013; CALMÓN, 1961).
174
Esse era o status quo até que se tomou conhecimento no Rio de Janeiro, da
iniciativa do governo de La Paz que, pensando em solucionar o problema, havia
firmado contrato, em junho de 1901, com um consórcio anglo-americano, o
BolivianSindicateof New York, dando-lhe o monopólio sobre a zona acreana.
Tratava-se de um tipo de contrato de exploração de recursos muito praticado na
África nessa época (―CharteredCompanies‖), pelo qual a empresa contratada
assumiria os poderes fiscal e de polícia na área a ser explorada (CALMÓN, 1961).
175
Ocorreram posteriormente iniciativas pontuais de empresários dos EUA, mas sem o
potencial de ameaça das questões anteriores, embora despertassem preocupação
em parcelas da opinião pública.
Também se enquadra nesse caso o Projeto Jari, implantado a partir de 1967 pelo
empresário estadunidense Daniel K. Ludwig, com foco principal na fabricação de
celulose, que também fracassou economicamente, além de provocar grande dano
ambiental e despertar preocupações em Brasília por sua envergadura, se situar na
Amazônia e em região considerada próxima à fronteira. O governo articulou sua
aquisição por um grupo industrial brasileiro em 1982 (TEIXEIRA, 2002).
Outro tipo de problema ocorreu em 1947, quando a recém criada UNESCO criou o
―Instituto Internacional da Hileia Amazônica‖, com sede em Manaus e idealizado
como um grande projeto focado em ciência pura e baseado em um convênio firmado
entre aquele órgão e o Brasil, mas que, visto por grupos nacionalistas como uma
cunha para a penetração estrangeira, desnacionalizando a Amazônia e entregando-
a a grupos internacionais, foi objeto de forte campanha e desativado (PINTO, 2001).
5 Aspectos Atuais
As ameaças recrudesceram nas últimas décadas com alguns temas que mobilizam a
opinião pública de importantes atores internacionais.
176
deveriam ser gerenciadas por órgãos internacionais, e não pelos Estados em cujos
territórios se situam.
Tal ideia tem sido propagada por importantes órgãos estatais e não-estatais,
inclusive organizações religiosas e governos de países do primeiro mundo, já tendo
constado de pronunciamentos de diversas autoridades e formadores de opinião.
Cabe notar que foram os indícios de possível intervenção dos EUA na América do
Sul, em virtude do narcotráfico, da guerrilha colombiana e do conflito Equador Peru
em 1995, que provocaram a reorientação brasileira no campo da defesa, resultando
na emissão da Política de Defesa Nacional de 1996 (PDN-1996) (CERVO, 2008).
177
possíveis ações políticas ou militares de um ator específico, mas sim,
possibilidades difusas colocadas pela governança global, como atualmente
concebida (SANTOS, 2006), que é comandada pelos países que ocupam o
extrato superior do sistema internacional.
178
História recente – havendo, inclusive, reflexos envolvendo seu departamento
sulamericano, como a recém construída ponte sobre o Rio Oiapoque, ligando-o ao
estado do Amapá (AMAZONASTUR, 2013).
Tal circunstância, como ressaltado na aula magna proferida pelo Ministro da Defesa
no INEST-UFF em 27/05/2013, faz com que a possibilidade de conflitos interestatais
não esteja, de modo algum, riscada do mapa das relações internacionais.
Este autor acrescenta que, além dos conflitos interestatais ainda estarem em pauta,
o fato de o Brasil ser tradicionalmente bom cumpridor das decisões da ONU pode
trazer problemas no atual momento histórico em face de essa Organização ser
sensível a atores poderosos da governança global onde, no caso específico da
Amazônia, vicejam correntes que agridem a soberania dos Estados.
179
A resposta a tal situação abrange as duas vertentes do relacionamento entre
Estados. A primeira é a da política externa e consiste em, tirando partido da recente
elevação do status político do País, atuar no nível mais alto do sistema internacional
em proveito dos interesses nacionais, como já vem sendo feito. A outra vertente
consiste no vetor dissuasório da política de defesa, mas esta ainda tem um longo
caminho a percorrer.
Este conceito está acima do previsto pela Lei 136/2010, que criou o ―Livro Branco‖ e
a revisão quadrienal da Defesa, que só prevê assuntos do nível de Política de
Defesa para baixo.
180
construir osfundamentos para ser uma potência crível em termos de armas
convencionais, sem dispor da necessária capacidade tecnológica própria (BERNAL-
MEZA,2002).
A percentagem do PIB em 2012 foi de 1,38% (SIPRI, 2013), o que representa uma
melhora em relação à de 2010 (1,34%), mas ainda não caracteriza uma tendência e
é um valor bem abaixo da média acima, o que traz preocupações e parece indicar
que o Governo, ainda que tenha conhecimento da elevação do status do País no
plano internacional, não está dando a ênfase adequada a suas implicações no
campo da defesa.
Assim, é necessário um grande esforço nacional para vencer o atraso, sendo que
um dos principais campos é o das mentes, pois, como sabemos, o Brasil é um país
pacífico e a importância da defesa nacional não é percebida pela maior parte das
lideranças políticas, predominantemente paroquiais, pois não é assunto que motive
campanhas eleitorais. Felizmente, vive-se uma época em que a sociedade – e a
Academia - está começando a voltar seus olhos para o tema, e o presente encontro
nacional da Associação Nacional de Estudos de Defesa é um exemplo.
7 Conclusão
Na visão brasileira, o País enfrenta ameaças à Amazônia desde que iniciou sua
ocupação, no século XVII. Como colônia de Portugal, teve posição de força sobre os
invasores estrangeiros derrotando-os militarmente, arrasando seus entrepostos que
poderiam criar raízes e originar colônias de outras potências, e consolidando suas
181
posições na região. No século XIX, como Estado independente, enfrentou as
pressões dos EUA usando os artifícios defensivos da Diplomacia e a capacidade
empresarial do Barão de Mauá para neutralizar as possíveis ameaças à integridade
territorial. No século XX não viveu ameaças importantes até as grandes mudanças
globais que se sucederam a partir dos anos 1980, e que continuam presentes.
Mas ainda estamos no início do percurso nesse segundo aspecto. Falta muito até
atingirmos o nível de dissuasão necessário, e a marcha exigirá o entendimento
nacional da importância dos investimentos – materiais e pessoais – na Defesa
Nacional, o que ainda é considerado supérfluo por grande parte da sociedade.
Referências Bibliográficas
182
BARRIONUEVO, Alexei. Whose Rain Forest Is This, Anyway? The New York
Times. May 18, 2008. Disponível em: www.nytimes.com/2008/05/18/
weekinreview/18barrionuevo.html. Acesso em 06 jun. 2013.
183
ICISS - International Commission on Intervention and State Sovereignty. The
Responsibility to Protect: Research, Bibliography, Background. Ottawa: The
International Development Research Centre, 2001.
KEEGAN, John. Dien Bien Phu: Derrota no Vietnã. Tradução de Edmond Jorge.
Rio de Janeiro: Renes, 1979.
184
O ESTADO DE GUERRA PERMANENTE:
1 Introdução
65
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília.
185
1898) ou mesmo de outros teóricos da geopolítica, tais como: Rudolf Kjellén (As
grandes potências, 1905); Golbery do Couto e Silva (Geopolítica e Poder, 1967)
et al. As preocupações deste comunicado não são os questionamentos da
geopolítica em si, mas, principalmente, de que modo a geopolítica é utilizada na
elaboração de construtos técnico-burocráticos, ou melhor, quais são os
pressupostos que constroem os projetos políticos-territoriais para a Amazônia. O
foco são as narrativas geopolíticas em torno de práticas burocráticas que servem
ao propósito de um governo estratégico da natureza. Assim, podemos indicar que
são as relações entre política – processos enunciados de governo (FOUCAULT
[1973] 2003; 2005) – e território – simbolização do espaço – que definem as
políticas estratégicas para a Amazônia.
186
políticas que podemos encontrar o engajamento teórico-prático de burocracias
especializadas em políticas estratégicas territoriais para a Amazônia.
187
CABREIRA, 1996). O processo de integração é intensificado na década de 1950,
quando o desenvolvimento constitui meta do governo federal. São emblemáticos os
governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck, que operando o aparato
estatal executam planos estratégicos de desenvolvimento como condição necessária
à segurança nacional em um ambiente institucional democrático (VERSIANI;
MENDONÇA DE BARROS, 1977). É fato que a preocupação em ocupar áreas
pouco povoadas para evitar a perda de território para nações estrangeiras não é
privilégio deste período específico, vimos que desde a Colônia e o Império já havia
uma preocupação com o progresso dos sertões brasileiros e em se efetivar uma
ocupação que daria direito ao uti-possidetis. Mas é nesse momento que as
preocupações se traduzem em institucionalização de ações mais efetivas. Por
exemplo, no ano de 1953 o presidente Getúlio Vargas sanciona a lei nº 1806 que
institui a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
(SPVEA) e o Fundo de Valorização Econômica da Amazônia.
188
Resumidamente, para os EUA a Amazônia esteve no foco das conquistas de novos
mercados durante a abertura da navegação (expansão norte-americana), passando
pelos esforços de guerra e as alianças estratégicas para o progresso (Segunda
Guerra e início da guerra fria), seguindo empreendimentos privados de bilionários
cidadãos norte-americanos (Ford e Ludwig). Mais recentemente se destacam as
convicções ambientalistas (KARNAL, 2007). Evidentemente que essas definições
temporais não fecham em si mesmas determinadas proposições político-
administrativas. Na verdade, há um constante ir e vir de convicções políticas que
fundamentam os projetos para a Amazônia desde os EUA.
189
próprio, a maioria dos documentos já desclassificados, além de disponibilizar
serviços on-line de acesso.
De acordo com Eva Horn e Sara Ogger (2003), o que diferencia o tipo de inteligência
produzida por servidores públicos militares e civis, entocados em seus gabinetes,
arquivos e repartições, do conhecimento construído em universidades, é sua
epistemologia do segredo (2003, p. 66). Isso cria, ainda segundo essas autoras, um
peculiar efeito de hipnose e paranoia. O segredo e a natureza fechada do serviço de
inteligência obstaculizam qualquer competição, desde instrumentos de correção até
mensurar os ganhos com os esforços empregados (medidas de eficiência e
eficácia). Os serviços de inteligências em cooperação com o aparato de guerra
projetam inúmeros cenários hipotéticos de guerra, catástrofes naturas, tudo em
que coloque à prova a capacidade das agências governamentais manterem a
segurança nacional, i.e., ratificar a aptidão de reproduzir o poder dos Estados
nacionais e de proteger os interesses dos que se vinculem a ele. A sanha da
máquina de guerra (DELEUZE; GUATTARI, 1992) se transforma no furor das
ações estratégicas que se projetam na premissa de uma guerra permanente
(LEIRNER, 2009). O consenso na literatura especializada é que coletar e
interpretar são o que caracterizam o trabalho de inteligência (KENT, 1945;
HILSMAN, 1958; BETTS, 1983; HEYMANN, 1985; LAQUEUR, 1985; HAMILTON,
1987; HERMAN, 1996; SHULSKY, 1992; WARNER. 2002; SCOTT; JACKSON,
2004). Coleta de dados ostensivos (públicos), manejo de fontes e produção de
informações em investigações próprias com agentes de campo são um lado da
moeda. O outro lado contém processamento, avaliação, interpretação e, o mais
importante, repasse da informação para decisão dos formuladores de políticas
públicas, os quais decidem agir com base nos diagnósticos apresentados (HORN;
OGGER, 2003). Esses dois lados de uma mesma moeda compõem o que a
literatura especializada denomina de trabalho de inteligência, mesmo que desde os
atentados de 11 de setembro de 2011 aos EUA, essa concepção venha recebendo
pesadas críticas e se reformulando, ainda é a fórmula empregada.
190
inteligência também são seus maiores formuladores. Por exemplo, Mark M.
Lowenthal, presidente do Intelligence & Security Academy (LLC) dos EUA e ex
membro da CIA, define inteligência como sendo algo que se refere a dados
reconhecidamente ou declaradamente necessários para informar policymakers e
que tenham sido coletados, processados e especificados para suprir tais demandas.
Nas próprias palavras do autor:
66
Em minha tese de doutorado, trato especificamente da categoria internacionalização da Amazônia (ver
Medeiros, 2012).
191
um lado, e segurança territorial e segurança interna, por outro. As instituições
brasileiras seguem a mesma doutrina, mas ainda com pouca publicação. No Brasil,
o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tem promovido, por meio da Secretaria
de Acompanhamento e Estudos Institucionais, seminários, congressos e publicações
na área. Há também nas universidades centros e institutos voltados para as
questões estratégicas e de inteligência, geralmente vinculados às pesquisas de
departamentos de Relações Internacionais, Ciência Política e História. Outra
instituição que converge para promover discussões e publicações nessa temática no
Brasil é a Associação Brasileira de Estudo de Defesa (ABED). Mesmo havendo uma
distinção entre temáticas e objetos de inteligência e política estratégica quando
comparamos Brasil e EUA, percebemos que em termos conceituais as publicações
brasileiras ainda acompanham a doutrina da segurança nacional norte-americana.
Desde a aprovação do National Security Act (1947), em acréscimo com outros atos
administrativos do executivo, que instituíram a Agência de Segurança Nacional
(National Security Agency), o Conselho Nacional de Segurança (National Security
Council) e a Agência Central de Inteligência (Central Intelligence Agency), a
inteligência nos EUA mudou bastante com os ataques de 11 de Setembro de 2001 e
a aprovação da lei 108-458 (Intelligence Reform and Terrorism Prevention Act, de
2004). As práticas de inteligência norte-americanas precisaram se reinventar porque
a ameaça à segurança nacional não era mais uma questão de guerra convencional
contra exércitos instituídos, mas contra insurgentes contra seus próprios governos
pró-EUA e militantes com convicções político-religiosas profundas. No início do
século XXI, há uma aproximação da inteligência estatal com atores não-estatais na
formulação de novas estratégias de produção de informação (LOWENTHAL, 2009).
Por sua vez, a inteligência brasileira foi reformulada pela lei nº 9.883, de 7 de
dezembro de 1999 e pelo Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002, que institui
o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)
e estabelece a integração das ações de planejamento e execução da atividade de
inteligência no Brasil. No período militar, o SNI servia internamente ao aparelho de
repressão política. A redemocratização do país requereu um novo modelo de
inteligência. De acordo com a lei 9.883,
192
[...] entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e
disseminação de conhecimento dentro e fora do território nacional sobre fatos e
situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação
governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.
193
ameaças de mudança climática quanto na ordem prática de estabelecimento de
ações territoriais efetivas para concretizar decisões políticas. Tudo isso edifica o
que este artigo denomina de geopolítica ambiental.
194
O Environmental Defense Fund (EDF), ONG norte-americana que atua na defesa de
direitos indígenas e na preservação da floresta amazônica em cooperação com
ONGs brasileiras, elaborou, no fim da década de 1990, para contrapor argumentos
de que os interesses norte-americanos em questões indígenas e ambientais tinham,
antes de quaisquer convicções humanitárias e ecológicas, um viés geopolítico para
conservar minerais potencialmente estratégicos. O Fundo consultou os anuários
produzidos pelo Bureau of Mines, órgão vinculado ao U.S. Department of the
Interior. Os documentos analisados pelo EDF foram: Mineral Commodity Summaries,
1995; ―Potentially Critical Materials (Bureau of Mines, OFR-28-88, Division of Policy
Analysis, March 1988). O Bureau of Mines produzia anualmente relatórios de
acompanhamento de mineras estratégicos no mundo. Com base nesses
documentos o EDF afirma que
195
vantajosos. Portanto, não é um mineral estratégico, na perspectiva do EDF.
Mesmo que fosse, a mudança tecnológica pode mudar esse quadro a qualquer
momento. O EDF diz:
O Brasil aparece, uma vez, como uma das cinco fontes principais de alumina (o
galium ocorre como subproduto da transformação da bauxita em alumina). O
Departamento de Minas fez essa listagem em 1988 e, depois, não fez mais. É difícil
acompanhar as mudanças tecnológicas, tanto em materiais novos para alta
tecnologia quanto em processos de produção.
196
Portanto, o relatório da EDF afirma que muito dos materiais estratégicos são
subprodutos do processamento de um ou mais metais comuns, demandando
processos mais qualificações de processamento. A Amazônia brasileira tem
reservas consideráveis de minerais ―não-estratégicos‖, como ferro, manganês e
bauxita, ―mas a oferta mundial é abundante e barata‖.
197
territoriais para a Amazônia, formulando o que denominamos neste artigo de
geopolítica ambiental.
5 Conclusão
198
democrático de direito plenamente operando. O fato é que o Estado brasileiro
precisa retomar o controle da região em todos os níveis, desmontando práticas
arcaicas e objetivando, antes de tudo, contemplar a regulamentação fundiária,
apoiar financeira e logisticamente arranjos econômicos locais em comunidades
extrativistas e ribeirinhas, entre outras ações dinamizadoras de uma economia local.
Os crimes ambientais de madeireiras, assassinatos de ativistas ambientais e
religiosos, poluição, grilagem de terra pública, desmatamentos não autorizados,
ocupações impróprias, miséria, descumprimento de direitos sociais, são produtos de
um Estado não equipado estrategicamente para enfrentar os desafios territoriais da
Amazônia. A geopolítica ambiental para a Amazônia é um desafio de gestão
territorial que implica no controle dos recursos, a fim de dinamizar novas tecnologias
que irão realizar as potencialidades socioeconômicas da floresta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BETTS, Richard. Analysis, War, and Decision: Why Intelligence Failures are
Inevitable. World Politics, 31 October, 1978. Reprinted in KNORR, Klaus (Ed.).
Power, Strategy, and Security. Princeton: Princeton University Press, 1983.
199
_______ A verdade e as formas jurídicas. Tradução Roberto Cabral Machado e
Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: NAUEditora, [1973] 2003.
HAMILTON, Lee. The Role of Intelligence in the Foreign Policy Process. Essays on
Strategy and Diplomacy. Claremont, CA: Claremont College, Keck Center for
International Strategic Studies, 1987.
HERMAN, Michael. Intelligence Power in Peace and War. New York: Cambridge
University Press, 1996.
_______ Environmental Scarcities and Violent Conflict: Evidences from the Cases.
International Security, v.19, n. 1, summer, p.5-40, 1994.
HORN, Eva & Sara Ogger. Knowing the Enemy: The Epistemology of Secret
Intelligence. The MIT press, 2003. Disponível em
<http://www.jstor.org/stable/1262623>. Acesso em: 11 mai. 2010.
IANNI, Octávio. A luta pela terra: história social da terra e da luta pela terra numa
área da Amazônia. Coleção Sociologia Brasileira. Volume 8. Petrópolis: Vozes,
1979.
200
KENT, Sherman. Strategic Intelligence for American Foreign Policy. Princeton:
Princeton University Press, 1945.
LAQUEUR, Walter. A World of Secrets: The Uses and Limits of Intelligence. New
York: Basic Books, 1985.
SCOTT, Len; JACKSON, Peter. The Study of Intelligence in Theory and Practice.
Intelligence and National Security, n. 19, p. 139-169, Summer 2004.
201
SILVA, Golbery do Couto. Conjuntura Política Nacional: o poder executivo e
geopolítica do Brasil. Coleção temas brasileiros. Volume 7. Brasília: UnB, [1967]
1981a .
WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: Max Weber. Coleção
Grandes Cientistas Sociais. Organizador e tradutor Gabriel Cohn. São Paulo:
Ática, 1979.
202
SEGURANÇA, DEFESA E JUSTA CAUSA NA AMAZÔNIA
1 Introdução
A justiça da causa, como legitimadora do emprego da força pelo Estado, é uma das
questões fundamentais e mais antigas do direito internacional público. Com a
evolução dos estudos de segurança e defesa 68, particularmente após a Segunda
Guerra Mundial, esse tema não perdeu sua importância e atualidade; pelo contrário,
teve seu escopo ampliado, uma vez que a legitimidade do uso da força deve ser
considerada tento no âmbito externo quanto no interno, em operações de guerra e
em ações em tempo de paz. O tema é vasto e possui inúmeros campos a serem
analisados, a partir de múltiplos problemas que podem ser propostos.
A inserção das forças armadas brasileiras dentro dos novos conceitos de segurança
e defesa ocorreu por intermédio da aprovação de dois marcos fundamentais: a
Estratégia Nacional de Defesa (END) e a Política Nacional de Defesa (PND). Diante
dos seculares conceitos da justiça da causa e dos modernos preceitos de segurança
e defesa, quando voltadas as atenções para a Amazônia brasileira, surge o
problema: qual seria a importância da justiça da causa para o sucesso das
operações militares de guerra e não guerra na segurança e na defesa da Amazônia
brasileira? Levanta-se, como hipótese inicial, que a causa justa é primordial para
esse sucesso, em função de diversos fatores, dentre os quais os direitos
internacional e nacional e a opinião pública, tanto dentro quanto fora da Amazônia e
do Brasil. Essa justiça não se relaciona apenas com o aspecto legal do emprego de
tropas federais; ela é ampla e abrange diversos outros fatores, como os políticos e
psicossociais, compreendendo tanto a legitimidade quanto a legalidade da causa.
203
propostos por Marc Bloch – observação, crítica e análise, e seus pressupostos
metodológicos. Para esta, utilizam-se os preceitos dos métodos de interpretação
doutrinária, literal, sistemática, histórica e teleológica. Quanto aos meios, a pesquisa
é documental, baseada em obras e artigos relacionados com o direito internacional,
constitucional e militar, com a teoria da guerra e com os relatos e análises do
emprego de forças armadas em situações diversas em que a justiça da causa
impactou o resultado das operações militares. Além disso, os mencionados marcos
regulatórios dos assuntos de defesa brasileiros apoiam a análise da justa causa
segundo os modernos preceitos de segurança e defesa.
O conceito de justa causa aplicada ao uso da força pelo Estado tem suas origens
nos princípios do direito internacional público. Os direitos grego e romano
estabeleciam a declaração formal de guerra como um dos pressupostos para a
legalidade da guerra, como ensina Cinelli (2011)69. Segundo esse autor:
69
O autor realizou ampla pesquisa documental, abordando o Direito Internacional dos Conflitos Armados, suas
relações com outras ciências sociais e com doutrina militar terrestre ae a problemática de sua aplicação pelos
comandantes militares.
204
Embora essa exigência não seja mais um pressuposto do estado de beligerância
entre as nações, o instituto ainda está presente na Constituição Brasileira de 1988
(artigo 84, inciso XIX), que estabelece que compete privativamente ao Presidente da
República, autorizado pelo Congresso Nacional, declarar guerra em caso de
agressão estrangeira.
Em 1625, foi publicada sua obra De Iuri Belli acPacis – ―Das leis da Paz e da
Guerra‖, que estruturou o direito da guerra em duas vertentes: o jus ad bellum, ou
direito preventivo da guerra, e o jus in bello, a regulação jurídica do estado de
guerra (CINELLI, 2011, p. 38-40) O jus ad bellum passou, então, a regular o
direito de mover a guerra, que pode ser ampliado, para fins de atender à presente
análise, para regular o direito de mover as forças militares ou as forças armadas
de um Estado.
205
No Brasil, Clovis Bevilaqua (1911, p. 260-261) tratou das duas vertentes do direito
de guerra nos seguintes termos:
206
*) Tais são as conferências amigáveis, tratados, transações, árbitros,
medianeiros etc.
**) Não podem justificar a guerra a glória militar, nem a conquista, nem
muito menos o nutrir caprichos e o orgulho dos governos. Só merece o
amor e a admiração de seus súditos o príncipe que, com talento e
prudência, dirige uma guerra justa e legitimada pela necessidade. (grifos
nossos)
70
Nessa citação, o autor faz referência a Klueber, § 237.
207
Bevilaqua (1911, p. 284) discorreu sobre o ―direito de mover a guerra‖, também
tratando especificamente do caso do aprisionamento do navio Marquês de Olinda:
71
A proclamação encontra-se dentro de sequência de Ordens do Dia do Comandante em Chefe do Exército, em
Santa Anna do Livramento, entre a Ordem do Dia 15, de 28 de agosto de 1851, e a Ordem do Dia 16, do dia 29
dos mesmos mês e ano. O documento encontra-se disponível no acervo do Arquivo Nacional, no Campo de
Santana, Rio de Janeiro (Coleção Caxias, código de fundo OP, caixa 811, pacote 2)
72
Demasiadamente, excessivamente.
208
tempo para que a ordem se restabeleça naquela República, a fim de que,
sob a égide de um governo justo, sejam ali religiosamente respeitados os
direitos, as propriedades e as vidas dos seus súditos.
Na primeira ordem do dia emitida pelo Barão de Porto Alegre, após deixar o
território brasileiro, em Corrientes, Argentina, quando se dirigia com sua o
Segundo Corpo de Exército para o teatro de guerra no Paraguai, em 20 de março
de 1866, este comandante se dirigiu aos soldados por intermédio da ordem do dia
no 73 (BRASIL. 1877, p. 171-172), motivando-os para o combate, lembrando e
reforçando a justiça da causa, do ponto de vista dos aliados, e recomendando o
―respeito aos direitos individuais e aos de propriedade‖ e a ―compaixão para com
a desgraça do inimigo vencido‖:
73
Com pressa, rapidamente.
209
Exército. Esse grande movimento de voluntários, que preencheu as lacunas
decorrentes do falho sistema de recrutamento brasileiro, foi descrito pelo então
Ministro da Guerra, Visconde de Caramurú, no relatório apresentado à Assembleia
Geral Legislativa, em 1865 (BRASIL, 1865):
A mobilização nacional brasileira que fez parte do esforço de guerra não se limitou à
grande apresentação de voluntários. O relatório do Ministro da Guerra de 1865
contém um documento - oferecimentos feitos ao governo – que descreve, em treze
páginas, as ofertas de cidadãos de vários estados: serviços diversos, partes do
soldo, transporte gratuito em vapores e trens e dinheiro, dentre muitas outras.
Segue, abaixo, foto da primeira página do documento.
210
Figura 1: Relação de oferecimentos feitos ao governo para as urgências da guerra.
211
Do exposto nesta seção, pode-se inferir, que o conceito da justiça da causa para o
emprego da força pelo Estado foi desenvolvido ao longo de séculos pelos
doutrinadores do direito internacional público. No Brasil, particularmente no século
XIX, esse fundamento foi estudado por doutrinadores e constantemente utilizado para
respaldar as ações militares do Império, inclusive pelos comandantes militares
brasileiros. A justa causa serviu, também, como motivador para a mobilização
nacional, no Brasil, para a Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai e para o envio
da Divisão Expedicionária Brasileira para a Itália, na Segunda Guerra Mundial.
Pode-se verificar o vasto campo de atuação das forças armadas brasileiras, com
uma agenda muito mais voltada à segurança e defesa em sentido amplo do que
especificamente à defesa externa. Esse amplo campo de missões e destinações
está em conformidade com os conceitos de segurança e defesa, que prescrevem a
212
preservação da soberania e integridade territorial, com a promoção dos interesses
nacionais, livres de pressões ou ameaças, e com a garantia aos cidadãos brasileiros
do exercício dos seus direitos e deveres constitucionais (segurança); e a adoção de
medidas e ações para a defesa do território, da soberania e dos interesses
nacionais, contra as ameaças externas (defesa) (BRASIL, 2012b, p. 2).
Como fonte complementar para a análise das missões constitucionais e legais das
forças armadas brasileiras na atualidade, pode ser utilizada a Política Nacional de
Defesa, que é ―o documento condicionante de mais alto nível do planejamento de
ações destinadas à defesa nacional coordenadas pelo Ministério da Defesa.‖
(BRASIL, 2012b p. 1) sendo voltado para a atuação contra ameaças externas. Para
implementar as ações decorrentes da PND, a Estratégia Nacional de Defesa
estabelece medidas de reorganização e reorientação, da organização da base
industrial e da composição dos efetivos das forças singulares (BRASIL. 2012a, p. 1).
Acontece que as medidas que poderão ser implementadas pelas forças armadas
para afastar ameaças, promover o desenvolvimento, garantir a lei e a ordem,
defender a soberania ou mesmo promover o desenvolvimento são inúmeras, e a lei
não será capaz de estabelecer exatamente quais são essas ações.
Nesse ponto, é preciso considerar o que é legal, o que é legítimo, o que é justo. É
preciso analisar a justiça da causa a ser defendida pelas forças armadas brasileiras
a cada missão que lhes é conferida.
213
federação seguido de decreto federal de intervenção para garantia da lei e da
ordem. Acreditamos que um dos pontos que determinou o sucesso dessas ações foi
que a causa defendida pelo governo brasileiro, por intermédio de suas forças
armadas, era justa, embora não fosse estritamente legal.
Fora do Brasil, no século XX, ocorreram exemplos em que houve a atuação fracassada
de forças armadas que, embora amparadas pelas normas e leis interna de seus países,
e com imensa superioridade de meios, não contavam com o respaldo internacional ou
passaram a carecer da causa justa em determinado momento, que se constituiu em
ponto de inflexão para a derrocada dessas campanhas. Assim aconteceu com as
Forças Armadas dos Estados Unidos no Vietnã, na década de 1960, que perdeu a
legitimidade, dentre outros fatores, pela violação aos seculares direitos dos não
combatentes, protegidos pelo direito internacional.
Pode-se concluir, parcialmente, que a justiça da causa, em seu amplo sentido, como
a qualidade do que é legal, legítimo, justo e atendedor dos anseios da Nação
214
brasileira, deve ser analisada como pressuposto para a ação do Estado e das forças
armadas. Na Amazônia brasileira, tanto as ações de defesa da soberania contra
ameaças externas e internas quanto as ações complementares e subsidiárias
devem ser pautadas por esse pressuposto. É o que passaremos a analisar.
215
Todas essas ações, em última análise, visam à manutenção da soberania e
integridade nacionais, à promoção dos interesses nacionais, livres de pressões ou
ameaças, e à garantia, aos cidadãos brasileiros, do exercício dos seus direitos e
deveres constitucionais, tudo em conformidade com a PND.
216
missões subsidiárias mas equipadas e preparadas para a guerra, podem trazer
consequências desastrosas para a justiça da causa para a qual foram empregadas e
para a imagem das forças.
Além disso, a ―guerra de resistência‖ a que faz referencia a END (BRASIL. 2012a, p
16) repousa essencialmente da necessidade de identificar toda a nação com justiça
da causa da defesa da Amazônia. Não será possível conduzir essa estratégia se
não houver essa identificação, de que a causa de resistir é justa, mesmo que haja
mortes, destruição, mesmo que os interesses individuais tenham que ser
suplantados pelos interesses da Nação como um todo.
5 Conclusão
217
legítimas, dentro dos interesses da Nação e de seus cidadãos – devem ser
primordiais condicionantes dessa atuação.
Assim, essa justa causa poderá ser atendida com o estudo dos pressupostos legais
de atuação das forças armadas; com a conscientização da população para a
necessidade de defender as riquezas, integridade e soberania brasileiras na
Amazônia; com o atendimento das formalidades legais para o emprego das forças
armadas em tempo de paz; com a ação integrada de outros órgãos e agências,
dentro das competências constitucionais e legais de cada um; com a atuação
legítima e correta de todos os integrantes das forças militares envolvidas, dentro
daquilo que a Nação espera dos militares de suas forças armadas – correção de
atitudes, honestidade, educação, patriotismo, desprendimento, rusticidade e espírito
do dever, dentre outros predicados.
Finalmente, o conceito da justa causa poderá servir como mais um guia da atuação
das forças armadas, na Amazônia e em todo o território nacional, na guerra e nas
missões complementares e subsidiárias da paz.
Referências Bibliográficas
218
Alegre. Ordens do Dia. Segundo Volume (Comprehendendo as de n. 50 a 103) 1866 a
1867. Reimpressa por ordem do Governo. Rio de Janeiro: Typ. De Francisco Alves de
Souza, 1877. Disponível em via impressa e digital no acervo do Arquivo Histórico do
Exército, situado no Palácio Duque de Caxias, 6o andar, Rio de Janeiro, RJ.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. Ed. São Paulo: USP, 2009.
GENTILI, Alberico. O Direito de Guerra. Trad. Ciro Mioranza. 2. Ed. Ijuí: Unijuí,
2006.
O‘ROURKE, Tracey. Just war and the case of the War in Afghanistan. Government
and Politics Review 2011. Ireland: University College Cork, 2011. Disponível
em:<http://www.ucc.ie/en/government/governmentandpoliticsreview/pastissues/volu
me2june2011/JustWarandthecaseoftheWarinAfghanistanTraceyORourke.pdf>.
Acesso em 30 jul. 2013.
PAIVA, Vicente Ferrer Neto. Elementos de Direito das Gentes. 3. Ed. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1850. Disponível em
<www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/ 1037.pdf>. Acesso em 13 abr. 2013.
219
Simpósio Temático 3
1 Introdução
74
Docente da Universidade da Força Aérea - UNIFA
220
Teorizando sobre este aspecto, sabemos que em 1949, Beauvoir escreveu o livro ―O
Segundo Sexo‖, e com ela surge a famosa frase ―não se nasce mulher, torna-se
mulher‖, destacando que qualquer determinação ―natural‖ da conduta feminina
refere-se à construção social do sexo anatômico, ou seja, há machos e fêmeas na
espécie humana, mas a maneira de ser homem e de ser mulher é mediada pela
cultura, não é uma contingência da anatomia de seus corpos. As maneiras como
homens e mulheres vivem em sociedade relaciona-se a um aprendizado
sociocultural que nos ensina a agir conforme as orientações de cada gênero e
segundo cada contexto social.
Assim também se constituem as relações de trabalho, pois longe de ser uma dimensão
isenta, nesta esfera se percebe a incisiva influência do gênero no ingresso no mercado
de trabalho ou a escolha da carreira profissional. A construção de uma carreira
profissional e a oferta de postos de trabalho e de profissões leva em conta aptidões
entendidas como ―naturais‖ aos homens e às mulheres independentemente da
escolaridade. Nas Forças Armadas, por exemplo, embora atualmente as fileiras estejam
se engrossando com a presença feminina, somente há poucas décadas vemos tal
inserção e mais ainda, somente há poucos anos pode-se admitir mulheres concorrendo a
posições antes destinadas somente aos homens. Deste modo, se quisermos contribuir
para uma sociedade mais justa em que haja equidade de gênero, que se possa visualizar
o fim da assimetria de gênero, precisamos estar atentos para as posições
desempenhadas por homens e mulheres em vários setores do tecido social.
221
constroem a realidade e são relacionados ao poder.Os discursos, sua circulação e a
maneira em que eles aparecem nos interessam, pois os entendemos como
construções pertencentes a determinada historicidade; nas palavras de Veyne
(2008, p.34): ―longe de serem ideologias enganadoras, os discursos cartografam
aquilo que as pessoas fazem e pensam realmente, e sem o saberem. Foucault
nunca estabeleceu uma relação de causa e efeito num sentido ou no outro entre os
discursos e o resto da realidade [...]‖. Com esta perspectiva consideramos a
linguagem em sua historicidade, ou melhor, na percepção da linguagem, em seu
uso, seu funcionamento histórico. No percurso da obra foucaultiana, o autor se
interessa pela linguagem e a percebe para além da distinção significante e
significado, e no desdobramento do conceito que envolve o plano discursivo, não é o
―ser da linguagem‖ que tem o foco.
2 Percurso da pesquisa
222
grupos de trabalho do evento, tendo em vista que não existe sistema de
busca por palavra-chave.
Deste modo, artigos sobre o papel feminino nas Forças Armadas foram recorrentes,
ampliando e reafirmando a preocupação com a inserção feminina nos quartéis
Poucos artigos contemplaram as questões de gênero relacionadas ao contexto
masculino, embora este aspecto fosse frequentemente citado nos artigos.
75
Dados obtidos nos sites dos eventos.
223
Nos últimos ENABED notamos a presença de temas oriundos do campo das
Relações Internacionais, com a menção da presença feminina em ações de
guerra e paz, por exemplo.
Gênero no ENABED
12
10
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Anos do Evento
a) Observar sob que perspectivas a temática ―gênero‖ vem sendo abordada nos
trabalhos apresentados nos últimos ENABED. Para em seguida, perceber:
b) De que forma os discursos sobre esta temática se articulam com os Estudos de Defesa
224
3 Gênero no contexto da ENABED: abordagens diferenciadas?
Nos trabalhos observados foi possível notar que as formações dos/as autores/as
bem como as abordagens efetuadas sobre a temática gênero recebiam perfis
diferenciados, pois em quase todos os trabalhos as conceituações acerca das
questões de gênero não apareciam de forma contundente, mas de maneira
pulverizada, quase como uma inferência ao contexto de pesquisa apresentado.
Os/as autores/as eram oriundos de campos variados como: Psicologia, História,
Sociologia, Educação, Antropologia, Psicologia Social, Relações Internacionais,
Política Social, História, Estudos de Gênero, Ciências Sociais, entre outros; tal
diversidade com certeza repercutiu nas abordagens oferecidas.
225
indivíduo. Assim, devemos sempre levar em conta instâncias como a família, o
trabalho, os meios de comunicação e o contexto cultural como lugares de circulação
e produção simbólica.
76
“A formação militar e a incorporação feminina: as dificuldades na ocupação de novos espaços” de Maria
Cecília de Oliveira Adão.
77
“Contexto político-institucional do processo decisório sobre a admissão da mulher militar”, de Mariza Ribas
d'Ávila de Almeida
226
[...]às mulheres militares foi negado o lugar e a formação em funções
de combate, justificando-se o seu lugar em funções auxiliares sob o
enfoque da construção cultural da diferença sexual e da interpretação
biológica socialmente construída do seu corpo. (ALMEIDA, 2008, p.5, grifo
nosso)
O fato que nos chama atenção foi que enquanto 12,5% das mulheres
consideraram a presença do sexo oposto como interferência negativa,
28,6% dos homens, ou seja, um número maior apresenta a mesma
consideração. As respostas mais listadas entre homens foram: a cobrança
tenderia a ficar amenizada pela presença das mulheres, haveria a
propensão dos instrutores homens em favorecer as alunas, o entendimento
de que as mulheres não teriam as mesmas capacidades/habilidades
que um homem e de que não mantém reservas sobre alguns assuntos. Já,
para as mulheres, a interferência negativa é com relação ao preconceito
que sofrem nas funções de comando, e que são subestimadas em sua
capacidade física e intelectual. (PASSOS et al., 2009, p.9, grifo nosso)
78
“Relações de gênero e a formação de grupos mistos na Escola de Administração do Exército(EsAEx)”, de
Carla Christina Passos, Ana Vera Falcão de Nantua e Selma Lúcia de Moura Gonzáles.
227
representadas. Assim, nos artigos analisados podemos perceber que mesmo em
contextos diferentes, evidencia-se o modo em que os estereótipos de gênero
interferem nas percepções dos sujeitos, possivelmente gerando desdobramentos
para a vida profissional dos/as mesmos/as.
79
“A inserção da mulher no moderno Exército Brasileiro” de Suellen Borges de Lannes
228
Mas o que levou ao ingresso das mulheres, o que fez com que o Almirante
Maximiano da Fonseca criasse, em 1981, o Corpo Auxiliar Feminino da
Reserva da Marinha (CAFRM), garantindo o pioneirismo dessa armada na
entrada da mulher nas instituições militares? O trabalho em questão levanta
três hipóteses que influenciaram nesse movimento: a atuação dos
movimentos feministas; a influência do exército norte-americano e o
baixo número do efetivo militar. (LANNES, 2008, p.8, grifo nosso)
Assim, pode-se dizer que a Aeronáutica foi pioneira entre as três forças,
em termos de formação acadêmica militar de mulheres em relação à
formação dos homens, ou seja, as mulheres passaram a receber uma
formação acadêmico-militar idêntica a dos homens em um curso de
formação de oficial de carreira e a possibilidade de atingir ao generalato.
(SANTOS, 2009, p.6/7, grifo nosso)
80
“A participação das mulheres nas Forças Armadas Brasileira”: um debate contemporâneo de Lauciana
Rodrigues dos Santos.
229
assinala que: ―Nos quadros de aviadores, intendentes, infantaria de aeronáutica, saúde
e engenheiros aeronáuticos, as mulheres na Força Aérea podem ascender ao posto
de oficial-general (Brigadeiro), concorrendo, para tal, em condições idênticas aos
oficiais do sexo masculino.‖ (MD, 2012, p. 152, grifo nosso)
230
Assim, se a inclusão/aceitação feminina nas Forças Armadas se fez possível
somente nos anos 1980, tal fato se deve a um terreno fértil de práticas, ações e
novamente discursos que oportunizaram o acontecimento.
5 Conclusão
Não nos cabe aqui, pelo recorte apresentado e diversidade de material pesquisado
oferecer prognósticos determinantes. A perspectiva adotada foi como já dito, foi a de
oferecer visibilidade a uma produção e desta forma mostrar um panorama do
assunto em suas muitas interfaces. No contexto dos Estudos de Defesa, buscamos
oferecer outras argumentações, trazendo um pouco da complexidade e das
demandas dos campos em questão.
231
Referências Bibliográficas
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova
Fronteira, 1980
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 13. ed. São Paulo, SP: Loyola, 2006.
232
MD (MINISTÉRIO DA DEFESA). Livro Branco de Defesa Nacional. 2012.
Disponível em:<https://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/oquee_livro
branco. php>. Acesso em: 13 jul. 2013.
PASSOS, C.C., NANTUA, A.V.F., GONZÁLEZ, S.L.M. Relações de gênero e a
formação de grupos mistos na Escola de Administração do Exército (EsAEx). In:
Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, – Londrina-
PR: III ENABED, 2009. Disponível em: http://www.abedef.org/2013-01-17-11-51-
56/encontrosnacionais2. Acesso em: 13 jul. 2013
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Recife: SOS
Corpo, 1995.
233
A PÓS-MODERNIDADE E O EXÉRCITO BRASILEIRO: CONSEQUÊNCIAS E
DESAFIOS
1 Introdução
Encontramos em FAUS (2005, p. 27) que: ―O mundo atual anda confuso. A verdade
e os valores estão ocultos aos olhos de muitos. Tudo parece difuso, impreciso,
discutível, sem contornos claros, [...] há valores morais transtornados que não
definem a fronteira entre o bem e o mal.‖. O Comando do Exército em sua diretriz
(BRASIL, 2011) afirma que ―o sistema internacional experimenta transformações
profundas e aceleradas. Há incertezas no horizonte imediato de uma nova ordem
que o Brasil almeja multipolar.‖. Assim sendo este artigo pretende esclarecer o leitor
o momento que vivemos, as transformações sociais e culturais, as desconstruções
de conceitos e a adoção de novos.
Para que haja uma pós-modernidade, parte-se do pressuposto de que houve uma
modernidade. Indagação surge: que reflexos essa realidade trouxe para a Força
Terrestre? Diante desse questionamento formulou-se o seguinte problema: Que
consequências podem advir e que desafios tem o Exército Brasileiro (EB) com o
fenômeno da pós-modernidade? Assim sendo levantou-se a seguinte hipótese de estudo:
O fenômeno sociocultural da pós-modernidade gerou no EB consequências e desafios.
81
IMM / ECEME
234
a família enfrenta as inserções de novos modelos de comportamento dos filhos
os quais em algum momento poderão ser incorporados (as) à Força e como irão
reagir à disciplina, hierarquia, ordens e deveres.
2 A Era da Modernidade
Ao aperfeiçoar o motor no século XVIII, James Watt, não imaginou a velocidade que
a humanidade alcançaria. Fabricar em série substituiu o artesanato e os critérios da
eficiência eram a qualidade e a quantidade da produção, sem respeito a satisfação
do trabalhador, citando McDavid e Harari (1980). A relação do capital/trabalho,
exigindo dos operários mais produção e mais ganho para os capitalistas, fez surgir
defensores dos primeiros, os pensadores iluministas, como Gournay, D'Alembert,
Rousseau, Diderot, Marx e outros, que desenvolveram conceitos e críticas às
relações trabalhistas, às instituições religiosas, à monarquia e a exploração do
homem pelo homem. Reivindicaram a individualidade do ser humano, que se
levantou contra Deus, proclamando a sua vontade de domínio e de transformação
das coisas (AYLLÓN 2013). Esta sociedade, diz Petrini (2003a, p.22), entusiasmada
pelos iluministas, na qual ―a razão iria dominar a natureza, em resolver problemas
práticos, […] passando pela negação de Deus e pelo ateísmo de alguns filósofos do
século XIX, até a proclamação da morte de Deus‖, fez com que o esforço em
dominar tudo ―conduzisse a razão a servir ao poder: econômico, militar, político e
ideológico‖(p.24).
235
Essa Era, ao aglutinar a política, a religião e o militarismo, gerou conflitos ao redor
do mundo nesses três últimos séculos, o que levou a grandes mobilizações das
Forças Armadas dos estados-nação. No Brasil, ocorreu a difícil mobilização para a
guerra da Tríplice Aliança, no século XIX, e para a II Guerra Mundial, no século XX.
Na interpretação de Bauman (2001), esse era o papel do estado-nação que, além da
face do Estado, era também a arma mais importante na luta pela soberania do
território e da sua população. Por esse conceito entende-se a presença do EB em
todo o território nacional.
A Era Moderna ocorria aqui como caixa de ressonância dos fatos europeus e dois
deles são emblemáticos: a Inconfidência Mineira e logo a seguir a transmigração da
família real Portuguesa para o Brasil, escapando das tropas francesas.
236
comportamento reto do homem para consigo mesmo, para com o próximo [...] e
sobretudo para com Deus‖. A responsabilidade ele afirma ser ―a base indispensável
da verdadeira vida moral, e, o caráter como o jeito de ser trazido de berço‖ (p.30).
Desses valores é o exemplo, aquele que espelha os demais, pois apresenta reflexo
imediato na conduta do militar, homem ou mulher, recruta ou de carreira, oficial ou
praça. Para entender o exemplo, Escrivá (1995, p. 227) contextualiza, ―és entre os
teus, a pedra caída no lago. Provoca com teu exemplo e com tua palavra, um
primeiro círculo; e este, outro... e outro, e outro... Cada vez mais largo.
Compreendes agora a grandeza da tua missão?‖. O marcante exemplo vem do lar,
dos pais que levam a sério a missão e que procuram formar os filhos com os valores
humanos essenciais e confirma-se a assertiva do historiador romano Vegècio (2006,
p. 34), ―os jovens a quem está confiada a defesa […], devem ter um comportamento
excelente e […] elevada moralidade‖.
237
3 A pós-modernidade
Citamos no início essa Era como fenômeno e entende-se que ela seja tudo que está
no mundo e como reagimos ou experimentamos. Ela é aceita por alguns e
contestada por outros como Moraes (2004, p.340), que diz em seu artigo que ―as
teorias que a compõem jamais expressaram um corpo conceitual coerente e
unificado‖. E, concordando, Petrini (2003, p. 31) afirma que os conceitos ―apontam
para uma realidade bastante clara: a falência das promessas ―modernas‖ de
liberdade e igualdade e de progresso acessíveis a todos‖. Lipovetsky (1983, p. 10)
afirma que nessa sociedade ―o individualismo hedonista e personalizado se tornou
legítimo; é a maneira de dizer que a era da esperança futurista, inseparável do
modernismo, terminou...‖, e diz ainda que nesta Era ―reina a indiferença de massa,
em que domina o sentimento de saciedade e de estagnação‖ e citando Faus (2005):
―esta é uma sociedade cada vez mais massificada, […] nos costumes, nos gostos e
vícios, até quase anular-lhes a personalidade, criando jovens consumistas […]
robotizando a juventude‖ (LIPOVETSKY, 1983, p.16). Após essa leitura cabe
questionar: como as famílias estão reagindo a tudo isso? Ressalta-se que dessa
mesma sociedade e famílias sairão os jovens que irão compor a Força Terrestre.
238
poderão se destinar a carreira das armas, procurando um serviço estável e salário
garantido. A realidade demonstrará que sem vocação será difícil a permanência
desses indivíduos na Instituição. Cabe ao Exército, incentivar a responsabilidade, a
lealdade, o companheirismo por meio de ativa instrução militar e o exemplo dos
comandantes em todos os níveis. Essas questões poderão impactar a formação
militar, mas o EB possui uma boa estrutura de ensino para a formação de seus
efetivos. O ingresso para o militar de carreira, de homens e mulheres, é por meio de
concurso público, avaliação física e psicológica. Para os efetivos temporários de
oficiais e praças a seleção é por meio de prova de títulos e especialidades, avaliação
física e psicológica. Os jovens alistados para o serviço militar inicial são
selecionados por uma Comissão de Seleção que segue parâmetros consagrados. O
serviço militar do Exército brasileiro procura adequar, o homem certo para o lugar
certo, e, é um trabalho sistematizado, informatizado e com metodologia própria há
mais de quarenta anos.
Para asociedade surge novos hábitos e costumes e sabemos que elas são
sistemas dinâmicos que se alteram com o passar do tempo, em um movimento
cíclico e que para atuar neste complexo mundo, a Força Terrestre tem de estar
preparada, pois sua finalidade é o combate. Missões subsidiárias, são anexas,
esporádicas, necessárias por vezes, mas não são um fim por si só. Iludem -se os
que pensam ser a missão do Exército só de paz, pois Vegécio (2006, p. 100) já
dizia: ―a guerra é doce para quem não a conhece‖. Por isso é tão necessário o
treinamento difícil, para que no combate o soldado tenha confiança em si mesmo,
nos seus companheiros, no seu equipamento e no seu armamento e em tudo o
que aprendeu.
239
complementa que conforme a ―família encontra dificuldades para cumprir
satisfatoriamente suas tarefas básicas de socialização primária e de amparo aos
seus membros, esta se criando situações de vulnerabilidade, fatores de risco que
podem tender a marginalização‖ (p.81).
240
O trabalho de seleção para ingresso na Força qualquer que seja a destinação e o
seu preparo por meio da instrução militar é fundamental. Receber jovens, que vivem
a pós-modernidade, para uma atividade nova e desafiante, requer dos quadros
permanentes dedicação, sensibilidade de observação e a força do exemplo. Em
Brasil (2001) encontramos que ―a palavra e a vida dos comandantes, em todos os
níveis, devem marchar de passo certo. A autoridade provém exatamente da
coerência entre uma e outra.‖
A Força Terrestre é empregada de acordo com sua doutrina militar, que dimensiona
e organiza a Força, tem seus valores e tradições e deve possuir também a
capacidade de enfrentar questões que emergem nesta Era. Na doutrina deve-se
perceber que neste cenário globalizado, o emprego do EB no jogo da dominação
não é mais jogado entre o maior e o menor mas, como diz Bauman (2001, p. 214),
―entre o mais rápido e o mais lento e dominam os que são capazes de acelerar além
da velocidade de seus opositores‖. Esse é o quadro que se configura perante a
Força e Bauman (2001, p. 19) resume que ―espertos mísseis auto dirigidos capazes
de seguir seus alvos, substituíram os avanços territoriais das tropas de infantaria‖.
Depreende-se que o terreno e as armas bases (Infantaria e Cavalaria),
desaparecem de importância no combate mas, não é bem assim, pois o mesmo
Bauman (2001, p.17-18) admite que ―não se pode prever o engajamento entre
exércitos em uma guerra, porém considera que as lutas irão continuar mais com
outra forma‖ de emprego pois, a conquista de um território em uma guerra é assumir
responsabilidade com tarefas complexas, custos financeiros elevados e limitação da
liberdade de ação.
241
se de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) (operação militar para imposição do
cumprimento e acatamento das disposições legais, assegurando a paz, tranquilidade
e normalidade na sociedade), assumindo os encargos e custos dessa empreitada.
242
6 Consequências e Desafios para a Força Terrestre.
De início valorizar a tradição, o culto aos heróis e a força dos valores éticos e morais
fundamentais da Força. Isso vai requerer instrutores (as) hábeis, criativos (as) e com
boa formação profissional e familiar para que, pelo exemplo, sejam um espelho para
os subordinados, moldando jovens em militares responsáveis, bem treinados,
instruídos na sua atuação específica para cumprir suas missões constitucionais. Em
seguida, o aperfeiçoamento dos quadros pela educação multicultural, modernização
de equipamentos, adoção de simuladores de vários tipos, a fim de que a Instrução
militar seja atraente e funcional. Finalmente, na seleção para o serviço militar inicial
e para os de carreira, é um desafio pesquisar novos processos seletivos e buscar
novas competências de interesse do EB.
Dentre os desafios que se apresentam, temos que a Força Terrestre, apoia a ONU,
desde 2004, como Força de manutenção de paz no Haiti e, caso tivesse meios
necessários, poderia ser empregado na modalidade de imposição da paz em outra
região do mundo (Capítulo VII da carta da ONU). A modalidade de emprego dita o
243
material e a tropa a ser utilizada, pois para o primeiro caso, tropas leves com
preponderância de armamento não letal e no segundo, tropas mais eficazes e pesadas
para impor a paz. Citando Serrano (2012, p. 82), ―O próprio EB demonstra ter
consciência desta constatação, tanto por ter equipado as tropas enviadas ao Haiti com
blindados leves, como pelo esforço de desenvolver uma nova família de blindados
sobre rodas‖, caracterizando esta configuração mais pesada para emprego em
ambiente mais belicoso. O dito acima se confirma nas Diretrizes para as atividades do
EB na área Internacional de 2013: ―a Força Terrestre deverá estar preparada para atuar
em todo o espectro das relações internacionais – de situação de paz até o extremo da
guerra – de Missões de Paz ou como Força Expedicionária‖.
7 Conclusão
244
Ao iniciar com a Era da Modernidade e as implicações sociais, viu-se em Petrini
(2003b, p. 35) que ―a razão de matriz iluminista empenhou-se, nestes últimos
séculos, em combater a religião, a metafísica, os valores da tradição‖.
A Pós-modernidade, com novos hábitos, fez com que Bauman (2001) denominasse
essa nova Era de ―modernidade líquida‖, entendida pela volatilidade nas relações
humanas, na inconsistência dos laços familiares, nas relações que se desmancham
ou que se formam por interesse, a apatia e a indiferença, notável principalmente nos
jovens. Ele considera que, nesta Era, tudo se torna espetaculoso, fantástico,
apolítico e nos jovens – fato visível em qualquer ambiente -, a insistente digitação
nos ―andróides‖ (qualquer plataforma de transmissão de dados), que relega a um
segundo plano, o essencial, o necessário e a convivência, priorizando o periférico, o
supérfluo e o egocentrismo. É esse jovem que vem para o EB.
Nesta nova Era deve-se repensar conceitos e ―praxis‖ no EB, sem descurarmos de
valores e crenças. Cabe à Força desenvolver estudos para introduzir nas escolas de
formação e de aperfeiçoamento novos currículos e disciplinas compatíveis com
estas novas exigências. Visualizar possíveis áreas de atuação e prospectar novas
hipóteses de emprego factíveis para os meios operacionais de que dispomos
mesmo sabendo que, em nossa posição de país emergente, restará ao EB missões
secundárias em apoio a ONU. Mesmo assim, devemos aproveitar as janelas de
oportunidades que se abrem no cenário globalizado, para a afirmação de nosso
Exército, e o Comandante da Força sinaliza o caminho a seguir: ―Ao Exército, nesse
contexto de mudanças, cabe transformar-se […] é urgente […] para isso, temos que
ousar nas ideias, gerando energia criativa em soluções inovadoras e factíveis
(BRASIL, 2011).
245
Finalizando, considera-se confirmada a hipótese formulada, de que o fenômeno da
pós-modernidade, gera no Exército Brasileiro consequências e desafios, aos quais
devemos estar atentos e perceber os sinais dos tempos. Para isso cabe à Força
terrestre, diante de um mundo de incertezas ter discernimento e diante de um
mundo dividido, em constante discórdia, levar o entendimento.
Referências Bibliográficas
246
LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio, Ensaio sobre o individualismo
contemporâneo- Tradução: Miguel S. Pereira e Ana Luísa Faria. Lisboa: Ed. Relógio
d'água, 1983.
PETRINI, João Carlos et al. Família XXI: entre pós-modernidade e cristianismo. São
Paulo: C.I. Ltda, 2003 (a).
247
AÇÃO DA PSICOLOGIA NOS DESASTRES AÉREOS: UMA LIÇÃO A SER
APRENDIDA COM O ACIDENTE OCORRIDO NA AMAZÔNIA EM 2006
1 Introdução
Muitas foram as ações de assistência aos familiares das vítimas neste acidente,
atendendo ao que prevê a legislação brasileira, e o Plano de Assistência às Vítimas
e Apoio aos Familiares da empresa aérea foi acionado.
82
Mestre em Educação pela UFRJ.
248
Ainda, é preciso competência e treinamento para lidar com situações tão singulares,
e é imperioso que o psicólogo, ainda que muitas vezes se voluntarie para colaborar
em situações de desastres e emergências, tenha consciência de que há um saber
específico e que este será requerido em situações de desastres aéreos. Boa
vontade, neste caso, não é o suficiente para associar o acolhimento da dor alheia ao
auxílio psicológico adequado.
Todas as 154 pessoas que estavam a bordo – 148 passageiros e seis tripulantes
– morreram no, até então, maior acidente da história da aviação brasileira.
Naquele instante, o Gol saía do espaço aéreo do Centro Amazônico e entrava no
do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo 1 (CINDACTA
1), localizado em Brasília.
83
O relato apresentado neste artigo tomou por base essencialmente as informações obtidas na obra de Sant‟Anna
(2011b), que trata o acidente de forma responsável, fundamentado em: laudos do Centro de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), inquéritos policiais, processos judiciais, sentenças, contatos
com parentes das vítimas, e consultas a peritos em desastres e a pilotos comerciais.
249
mensagem disponível anunciava transporder desligado. Às 15h:15min, quando o
plantão do controlador terminou, ele foi substituído por outro controlador, e nada
informou a respeito do Legacy. Com o transponder desligado, não só o
CINDACTA deixou de receber sinais do Legacy, mas também as aeronaves que
voavam nas proximidades.
Neste momento, começava a difícil missão de avisar aos parentes das pessoas a
bordo do Gol 1907 – passageiros e tripulantes – que o avião desaparecera. No
início da noite do dia 29 de setembro, uma sexta-feira, as emissoras começaram
a informar que um Boeing da Gol, na rota de Manaus para Brasília,
desaparecera. Os telefonemas – para a companhia, para o hotel onde a
tripulação costumava se hospedar, para os celulares dos passageiros –
começaram a ocorrer. No painel de chegada e no balcão da Gol em Brasília, a
informação disponível era que o voo se atrasara.
250
A passagem de sexta-feira para sábado seria uma longa noite para todos,
funcionários, parentes e amigos dos passageiros e tripulantes do Gol 1907. A
verdade vinha em conta-gotas, e só começaria a ser descoberta e revelada no dia
seguinte. Familiares das vítimas foram reunidos em um hotel em Brasília, onde
médicos e psicólogos contratados pela Gol atendiam as pessoas. Mas ainda não
havia nenhuma notícia concreta.
Nos dias seguintes, toda a região ao redor da clareira foi verificada, pois corpos das
vítimas e pedaços do Boeing estavam espalhados ao longo de uma área de cerca
de 20 quilômetros quadrados.
Vinte e três índios caiapós também foram ajudar no resgate dos corpos. A fazenda
Jarinã transformou-se em local de apoio para a equipe de resgate e pilotos dos
helicópteros. Os corpos eram enviados à Base Aérea de Cachimbo, e de lá ao
Instituto Médico Legal (IML) de Brasília. A identificação dos cadáveres era feita por
impressões digitais, exames de arcadas dentárias e testes de DNA.
251
O acidente foi considerado a pior tragédia da aviação comercial, superando em 17 o
número de vítimas fatais do choque de um Boeing 727 da Varig contra a Serra da
Aratanha, nas proximidades de Fortaleza, Ceará, ocorrido no dia 8 de junho de
1982. Posteriormente, o acidente da Gol seria superado pela tragédia com o avião
da TAM, ocorrido no dia 17 de julho de 2007, com 187 vítimas fatais.
A apuração do acidente pelo CENIPA confirmou que o Gol 1907 se chocou contra o
Legacy da Embraer, e apontou como causas: imperícia e negligência dos pilotos do
Legacy, imperícia e negligência dos controladores de voo e afobação do fabricante e
do operador da Embraer na hora de entregar o avião. Tais fatores combinados foram
responsáveis pela morte das 154 pessoas que viajavam no Boeing.
No site da Gol, em Memória Gol 2006 (2013), é possível ler a seguinte mensagem:
O acidente desencadeou uma crise que veio a atingir toda a aviação brasileira. Com
a investigação vieram à tona diversos pontos cegos no mapeamento das aeronaves
feito por intermédio dos radares das torres de controle, bem como o precário preparo
dos controladores de voo brasileiros.
No desastre ocorrido no dia 31 de outubro de 1996 com o voo 402 da ponte aérea
São Paulo – Rio de Janeiro, cuja aeronave caiu em um conjunto de casas da Vila
Santa Catarina, no bairro do Jabaquara, São Paulo, deixando um total de 99 mortos,
as famílias souberam quando ligaram a televisão ou o rádio – que divulgava o
número do voo, o nome do comandante e a lista de passageiros.
252
Aqueles que, após ouvirem nos meios de comunicação telefonaram para o gerente
local da TAM, escutaram dele que desconhecia o fato. Os jornais estamparam, no
dia seguinte ao acidente, fotos dos destroços do Fokker-100 e dos corpos
enfileirados na calçada. (SANT‘ANNA, 2011a)
253
Em Porto Alegre, muitos parentes das pessoas que tinham embarcado para São
Paulo em voos da TAM foram para o Aeroporto Salgado Filho. Somente na
madrugada de quarta-feira, dia 18 de julho, a TAM divulgou, por intermédio de uma
emissora de rádio, a primeira lista de passageiros e tripulantes do voo acidentado,
após familiares terem sido informados, por telefone ou pessoalmente.
O presidente da TAM, que estava fora do país, voltou imediatamente de Miami para
São Paulo. Os parentes dos mortos foram reunidos em um hotel em São Paulo e
foram montados postos de atendimento no próprio hotel e no IML. Foi contratado
pela empresa aérea um grupo especializado em atendimento psicológico em
emergência.
254
transporte aéreo público no Brasil elaborem o referido plano, nele estabelecendo
ações e responsabilidades para prover assistência, serviços e informações
imediatas aos familiares (BRASIL, 2000).
255
de 2005, intitulada Plano de Assistência às Vítimas de Acidente Aeronáutico e Apoio
a seus Familiares, herdada do DAC e ainda em vigor (BRASIL, 2005). Este
documento estabelece as ações básicas sob a responsabilidade das Empresas
Aéreas nacionais e estrangeiras para prover assistência às vítimas e apoio aos
familiares e gerenciar os serviços que devem se tornar imediatamente disponíveis às
vítimas e as medidas de apoio a seus familiares. A Instrução apresenta as ideias
básicas que deverão nortear o Plano de ação a ser elaborado pelas empresas
aéreas, e informa que tomou como base as orientações da Circular ICAO n° 285-
NA/66, Guidance on Assistance to Aircraft Accident Victims and Their Families,de
2001, visando padronizar os procedimentos a serem adotados no caso de acidente
aeronáutico (ICAO, 2001).
256
Constam ainda da Instrução a determinação de que a lista dos passageiros a bordo
somente poderá ser divulgada após a notificação aos familiares, podendo ser feita a
divulgação parcial, mediante o andamento das notificações. A empresa aérea
deverá acionar os Centros: de Gerenciamento de Crise, de Assistência Especial, de
Atendimento Telefônico, e de Assistência Familiar – esse último na cidade do
acidente ou mais próxima desta. Estabelece ainda a Instrução que as famílias
devem, preferencialmente, ser notificadas por equipe treinada, pessoalmente, e que
deve viabilizar o trabalho das equipes envolvidas com a assistência, providenciando
comunicação, transporte, acomodação e alimentação, bem como provisão de
acomodação, alimentação, segurança, assistência médica, psicológica e religiosa
aos familiares das vítimas e sobreviventes enquanto no Centro de Assistência
Familiar. A empresa também deve organizar visita ao local do acidente, caso
solicitado pelos familiares e desde que possível, preservando a segurança dos
interessados e mediante a coordenação com a autoridade local. As assistências se
encerram após a efetivação de todos os trâmites de atendimento às vítimas, fatais
ou não, do apoio aos seus familiares e a realização das cerimônias fúnebres
(BRASIL, 2005).
À ocasião do acidente com o voo 1907 da Gol, em 2006, a Gol Linhas Aéreas tinha
acabado de realizar, há poucos meses – assessorada pelo Instituto 4 Estações
(2013) – treinamento de seu pessoal envolvido com gerenciamento de crise e
revisado documentos relativos ao Plano de Assistência aos Familiares das Vítimas
de Desastre Aéreo. O treinamento envolveu inclusive as equipes de atendimento do
serviço de call center. O Instituto 4 Estações havia participado ativamente da
elaboração e revisão do Plano de Assistência a Vítimas de Acidentes Aéreos da
GOL Linhas Aéreas desde 2003.
257
acompanharam os oito familiares que estiveram na fazenda Jarinã, que desejaram
ver, in loco, o andamento do resgate dos corpos.
258
Franco (2013) identificou que 75% das pessoas expostas a situações traumáticas
precisam ser adequadamente avaliadas quanto a possibilidade de apresentar
distúrbios psíquicos e complicações associadas a ansiedade, depressão, fobia,
abuso de drogas e álcool, dentre outros. Acrescenta Franco (2013, p.1): ―a pessoa
enlutada em condições traumáticas está fragilizada e precisa de acolhimento‖.
259
O psicólogo que atua em intervenção psicológica em emergência precisa, além de
profundo conhecimento das técnicas a empregar, ter consciência de sua condição
pessoal para atuar, identificando necessidades de descanso e até mesmo de
afastamento da atividade. Segundo Franco (2005), este profissional é um ―indivíduo
em risco‖.
Franco (2012) destaca que quando o psicólogo efetua intervenção em crise, busca
resolver os problemas que exercem maior pressão, em um período reduzido e com
uso de intervenção direta e focalizada, para que o indivíduo desenvolva novas
estratégias adaptativas.
260
7 Os Familiares Diante da Morte Inesperada
Benyakar, citado por Thomé (2013), assinala que a perda de forma traumática, como
no caso dos desastres aeronáuticos, é um evento da realidade que surge com tal
violência que rompe as formas previsíveis de funcionamento mental da pessoa
enlutada. Refere-se a tal fenômeno introduzindo o conceito de fato disruptivo: trata-
se de um evento externo capaz de romper a estabilidade psíquica de uma pessoa de
forma avassaladora, desencadear reações emocionais negativas e até mesmo
adoecimento em uma pessoa saudável, sem histórico de doença mental.
261
inesperadas representam um risco especial para a saúde mental do enlutado,
mesmo na ausência de vulnerabilidade.
Hodgkinson e Stuart, citados por Torlai (2010), ressaltam que as perdas repentinas,
inesperadas ou fora de hora, acrescidas de muito sofrimento ou que ocorreram de
forma aterrorizante são as que representam maiores riscos para uma má resolução.
Distinguem, dentre elas: as perdas prematuras – de crianças e de jovens, por
provocarem uma inversão no ciclo vital, contrárias à natureza do que é esperado; as
mortes inesperadas, que ocorrem de forma repentina e imprevista; e as mortes
calamitosas, que acontecem de forma imprevisível, violenta, destrutiva e sem sentido.
Para Worden (2013), a morte repentina deixa nos familiares uma sensação de
irrealidade acerca da perda. Pesadelos e imagens intrusivas podem ocorrer, ainda
que a pessoa não estivesse presente na hora da morte. É possível ocorrer, também,
sentimento de culpa, expresso em frases que apresentam a construção: ―se pelo
262
menos ...‖. Por outro lado, pode aparecer também a necessidade de responsabilizar
alguém, como ocorre nos casos de acidentes aéreos.
Uma forma de ajuda aos familiares das vítimas é colaborar para que efetivem a
perda – nesse aspecto, ver o corpo pode facilitar o luto e a concretização da morte.
Thomé (2013, p. 2) complementa que ―quando não se pode enterrar o ente querido,
de alguma forma ele não morre‖, destacando a importância dos rituais de passagem.
8 Considerações Finais
263
Ainda que exista um consenso, corroborado pelos dispositivos legais, de que se faz
necessário assistir psicologicamente aos familiares das vítimas de acidentes aéreos,
não se deve considerar que qualquer ajuda voluntária seja bem-vinda. A situação é
delicada, envolve muitas vezes mortes coletivas e violentas e a existência de corpos
não identificados ou não localizados.
Referências Bibliográficas
BOWLBY, John. Perda: tristeza e depressão. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
264
BRASIL. Comando da Aeronáutica. Departamento de Aviação Civil. Portaria N°
19/DGAC, de 12 de janeiro de 2000. Aprova os procedimentos para a elaboração do
Plano de Assistência aos Familiares das Vítimas de Desastre Aéreo.Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 52, p. 7, 16 mar. 2000. Seção 1, pt. 1.
FRANCO, Maria Helena Pereira. Famílias das vítimas do acidente aéreo da Gol
recebem apoio psicológico especializado. Disponível em:
<http://www.bemparana.com.br/noticia/4206/familias-das-vitimas-do-acidente-aereo-
da-gol-recebem-apoio-psicologico-especializado>. Acesso em: 24 jul. 2013.
MAZORRA, Luciana. Voo 447: a dor de quem fica. Entrevista páginas amarelas.
Veja. 03 jun 2009.
PARKES, Colin Murray. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo:
Summus, 1998.
THOMÉ, José Toufic. Ter o corpo ajuda a encarar a perda. Disponível em:
http://www.josethome.med.br/joseTHOME/thomewpress/?paged=3. Acesso em: 24
jul. 2013.
265
TORLAI, Viviane Cristina. A vivência do luto em situações de desastres naturais.
Dissertação de Mestrado.Mestrado em Psicologia Clínica. São Paulo: PUC-SP,
2010.
266
A AGENDA DE GÊNERO NAS OPERAÇÕES DE PAZ: ASPECTOS NORMATIVOS
E OPERACIONAIS
1 Introdução
A partir dos anos 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a
requisitar – de forma enfática – a presença de mulheres nas atividades de campo,
bem como a inserir o termo ―gênero‖ nos mandatos das Operações de Paz (OpPaz)
e nos módulos de treinamento oferecidos aos soldados. De fato, o divisor de águas
para o tratamento destinado às questões de gênero nas missões de paz foi a
Resolução 1325 sobre Mulheres, Paz e Segurança, publicada em 2000 pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Dentre os pontos do
documento, destaca-se o fomento à participação feminina nas OpPaz e nos
processos de tomada de decisão; a proteção de mulheres em situação de conflito
armado e a inclusão de perspectivas de gênero nos treinamentos realizados pelos
países que contribuem com tropas.
84
Doutoranda em Relações Internacionais - Universidade de São Paulo (USP)
267
agências especializadas), o conteúdo ainda é marcado por passagens que
enfatizam a importância de mulheres nos espaços que os homens não podem ou
não querem ocupar. As OpPaz são historicamente o universo social de homens
fortes e viris, qualidades consideradas indispensáveis para enfrentar os desafios
relacionados a ambientes inóspitos e marcados por disputas internas. Essa
percepção tradicional, de que força física e agressividade são representativas do
soldado da ONU, tem sido contraposta pelas associações recentes entre a figura
feminina e a ideia de sucesso na promoção da paz. Conquanto os esforços para a
ampliação da presença de mulheres em campo sejam notáveis, a participação das
soldadas ainda é muito baixa.
268
Durante os primeiros anos de atuação da Comissão Sobre o Status da Mulher
(CSW)85, criada em 1946, alguns tópicos relativos à temática ―mulher e paz‖ foram
incluídos na pauta das reuniões. À época, contudo, assuntos como participação
política e desenvolvimento social recebiam mais projeção nos debates, ganhando
status de prioridade nas atividades da CSW (GIERCZ, 2001, p. 14). Quando o tema
finalmente entrava na ordem do dia, a discussão centrava na proteção especial para
a mulher durante situações de conflitos armados e de emergência, sem um
entendimento mais profundo acerca dos outros papéis desempenhados por elas
(combatentes, líderes, mediadoras e negociadoras, por exemplo).
85
A Comissão Sobre o Status da Mulher foi criada pelo Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC) em
1946. Trata-se de um organismo funcional destinado ao preparo de relatórios com sugestões para o progresso na
igualdade de gênero e a eliminação de obstáculos à participação das mulheres nas áreas política, econômica,
civil, social e educacional. contendo sugestões para o ECOSOC sobre a situação das mulheres. Mais informações
disponível no site da CSW: http://www.un.org/womenwatch/daw/csw/index.html#about. Acesso em 01 jul.
2014.
269
problemas identificados (ONU, 2000a). Em decorrência do evento, publicou-se o
Painel das Nações Unidas para Operações de Paz, que enfatizou a necessidade de
representação equitativa entre homens e mulheres para os cargos de liderança nas
atividades da ONU.
O ápice deste processo foi a publicação da Resolução 1325 (Res. 1325), em 2000,
posteriormente intitulada Resolução sobre ―Mulheres, Paz e Segurança‖ (Women,
Peace and Security, em inglês). O documento, aprovado pelo principal órgão no
campo da paz e segurança internacionais, tornou-se referência ao reconhecer, pela
primeira vez, os impactos diferenciados que conflitos violentos têm nas mulheres e
meninas, e ao reafirmar o papel importante desse grupo na prevenção e solução de
disputas. Ainda, o texto sustenta que a participação feminina deve ser plena, ou
seja, em um plano de igualdade com os homens e em todas as medidas
encaminhadas à manutenção e ao fomento da paz (ONU, 2000b). De forma inédita,
o CSNU discutiu e aprovou uma resolução que aborda de maneira conjunta as
consequências negativas dos conflitos armados, as dimensões de gênero e a
construção da paz, e realça a responsabilidade estatal na implementação das
diretrizes expostas no texto (TRYGGESTAD, 2009, p. 538).
270
e os Relatórios do Secretário-Geral. Os Planos de Ação têm como objetivo viabilizar
maior coerência e coordenação dos esforços dispendidos pelas entidades da
Organização, sendo uma ferramenta aos atores envolvidos no cumprimento das
metas da Res. 1325. Os Relatórios do Secretário-Geral, por sua vez, são estudos
detalhados acerca dos temas expostos superficialmente na Res. 1325. Tornou-se
prática costumeira a publicação de relatórios anuais pelo Secretário Geral em
serviço. Usualmente, o informe é apresentado em conformidade com uma
declaração anterior, emitida pela Presidência do Conselho de Segurança, na qual
constam os objetivos de investigação a serem cumpridos em período pré-
determinado.
86
Alguns Estados defendem que um plano nacional de ação específico é desnecessário e, assim, optam por
integrar os elementos da Res. 1325 em estruturas domésticas existentes. Por exemplo, nas Ilhas Fiji, as
obrigações governamentais em relação à implementação da Res. 1325 foram incorporadas ao existente Plano de
Ação para as Mulheres (Women‟s Plan of Action, em inglês). Em Israel, as diretrizes também foram integradas
às existentes leis nacionais. Em geral, os Estados-membros da ONU, com o apoio de organizações não-
governamentais, concordam que PNAs específicos são essenciais para a implementação das diretrizes da Res.
1325. Um estudo desenvolvido pelos governos do Canadá, Reino Unido e Holanda apresenta a conclusão de que
um plano nacional sobre o assunto aumenta as chances de a Res. 1325 ser implementada. A tendência crescente
tem sido no sentido de desenvolver PNAs específicos (FRITZ et al., 2011, p.12).
87
Durante o período de 2000 a agosto de 2012, trinta e sete países responderam ao CSNU com a adoção de
PNAs, sendo eles: Austrália, Áustria, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Burundi, Canadá, Chile, Costa do Marfim,
Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Filipinas, Finlândia, França, Geórgia, Guiné,
Guiné Bissau, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Libéria, Nepal, Noruega, Portugal, Reino Unido, República
Democrática do Congo, Ruanda, Senegal, Serra Leoa, Sérvia, Suécia, Suíça e Uganda. Disponível em:
http://www.peacewomen.org/pages/about-1325/national-action-plans-naps. Acesso em: 13 ago. 2012.
271
orientar equipes de campo – policiais e militares – em relação às questões de
gênero e como integrá-las nas atividades práticas. Em outubro de 2004, o
departamento publicou um material de treinamento intitulado Material sobre
Recursos de Gênero (Gender Resource Package, em inglês). Trata-se, em linhas
gerais, de um manual que explica terminologias complexas – Gênero, Integração de
Perspectivas de Gênero, Equilíbrio de Gênero – e associa tais expressões com
tópicos variados – Planejamento; Monitoramento; Código de Conduta; Treinamento;
Informação Pública e Mídia; AIDS; Segurança; Direitos Humanos; Assuntos Políticos
e Civis; Proteção de Crianças; Componentes Civil, Policial e Militar; DDR –
Desarmamento, Desmobilização e Reintegração; Observação Eleitoral; Assistência
Humanitária; e Reconstrução e Recuperação.
272
textos só serão cumpridos se o país contribuinte tomar medidas para que isso
ocorra. Caso contrário, elas serão apenas recomendações.
Entretanto, essa visão marginaliza do discurso os espaços que são ocupados por
elas e superestima suas habilidades para solucionar questões complexas das
OpPaz (abuso e exploração sexual cometidas por locais e soldados da paz, por
exemplo). A literatura feminista, predominantemente, aponta a recorrência de
argumentos estereotipados, que supervalorizam a inclusão feminina como solução
imediata e eficaz para a situação de vulnerabilidade das mulheres em situações de
conflito (COHN; KINSELLA; GIBBINGS, 2004; PRATT; RICHTER-DEVROE, 2011).
Os trabalhos realçam a necessidade de questionar a mera inclusão de mais
mulheres e de elaborar perguntas como: quem são essas mulheres? Que funções
desempenham? O que explica a presença majoritariamente de homens nos
processos de paz? E os homens que também são vítimas de violência sexual? Ao
silenciar essas questões, a abordagem instrumental dificulta o rompimento com
entendimentos tradicionais e enraizados sobre os papéis que devem ser
desempenhados por homens e mulheres nas operações de paz.
273
Tais desafios estão vinculados aos processos de formulação e articulação da
agenda ―Gênero nas Operações de Paz‖, etapas dependentes do aval dos Estados-
membros da Organização. Os citados textos possuem uma força produtiva para
moldar concepções de ―mulher‖ e ―gênero‖. As ideias difundidas de que a mulher
pode ocupar um espaço de relevância nos processos de paz e que sua participação
é elemento essencial para o sucesso das missões são avanços se comparados ao
momento anterior à aprovação da Res. 1325, no qual a ênfase dos debates políticos
era essencialmente na vitimização deste grupo.
Enquanto conceito social, Joan Scott (2005, p. 16) sugere que a igualdade se refere
a possuir atributos similares – porém, não necessariamente idênticos –, gozar dos
mesmos privilégios e direitos, e ―estar no mesmo nível em termos de posição,
dignidade, poder, habilidade, realização ou excelência‖. A documentação da ONU
está centrada em um parâmetro que privilegia a referência à igualdade em relação
aos indivíduos. Nesse sentido, parte-se do entendimento que os indivíduos devem
ser apreciados por eles mesmos, não por características atribuídas a membros de
um agrupamento homogêneo e polarizado – nesse caso, homens e mulheres. Trata-
se de um enfoque apresentado nos documentos de forma inquestionável e
legitimado, principalmente, pela Carta das Nações Unidas (1945).
274
condições, – nem melhores ou piores que seus semelhantes masculinos – porque
são indivíduos, seres humanos.
275
Secretariado, Estados, comunidade internacional) para avançar a agenda, ainda que
em processo de construção.
Sabe-se que em toda sociedade existem atitudes e valores que diferenciam o que é
ser ―homem‖ do que é ser ―mulher‖. Essas diferenças são construídas socialmente e
variam de acordo com fatores como idade, religião, classe social, entre outros.
Sendo assim, os indivíduos de diferentes nacionalidades – que compõem as
missões de paz ou que recebem no seu país uma força internacional da ONU –
pensam e agem de acordo com papéis, responsabilidades e privilégios previamente
definidos nos espaços (público e privado) de convivência social. As concepções
sobre as características adequadas a mulheres (mão, cuidadora e pacífica) e
homens (provedor, figura dominante e agressiva) geram relações de poder desiguais
e, geralmente, as mulheres ficam em situações de desvantagem se comparadas a
homens do mesmo nível econômico e social, e no que diz respeito ao acesso a
recursos materiais e a direitos individuais e sociais.
276
mulheres nos instrumentos de resolução de conflito. Especificamente sobre a
participação de policiais e militares femininas nas OpPaz, é possível encontrar
arquivos com relatos das experiências de mulheres88 em campo e imagens aludindo
positivamente às atividades realizadas – imagens nas quais elas aparecem
interagindo com a população local, principalmente mulheres e crianças89. Outra
medida é a divulgação de vídeos de curta duração com títulos chamativos, como:
―Por que gênero é importante para as missões de paz?‖ e ―Mulher nas Operações de
Paz: poder para emponderar‖.
88
Algumas entrevistas podem ser encontradas no site da UNPOL. Mais informações em:
<http://www.un.org/en/peacekeeping/sites/police/field/story_003.shtml>. Acesso em: 07 jan. 2013.
89
Imagens no site do DPKO. Disponível em:
<http://www.un.org/en/peacekeeping/issues/women/wps.shtml.>.Acesso em 07 jan. 2013.
90
Mais informações sobre a iniciativa Global Effort no site:
<http://www.un.org/en/peacekeeping/sites/police/recruitment.shtml>. Acesso em: 13 nov. 2012.
91
Dados sistematizados pelo Departamento das Nações Unidas para operações de Manutenção da Paz (DPKO)
277
O DPKO não disponibiliza detalhes sobre os cargos ocupados pelas mulheres nas
missões de paz. É de responsabilidade das instituições nacionais designar as
tarefas que a soldada desempenhará, de acordo com sua experiência prévia nas
forças armadas nacionais. Os esforços do DPKO são no sentido de fomentar junto a
Estados-membros o aumento no número de mulheres enviadas para implementar o
mandato estipulado pelo CSNU. Há o reconhecimento de que essa iniciativa é
limitada, visto que em última instância os países que contribuem com tropas são os
responsáveis por esta decisão. A ONU recomenda que a alocação das soldadas não
deve ser pautada por concepções estereotipadas, porém alguns estudos mostram
que as soldadas geralmente ocupam as posições que tradicionalmente encaixam
com o perfil de cuidadora e pacífica, como enfermeira, médica e intérprete
(BEILSTEIN, 1995; JENNINGS, 2008).
Outra frente de ação são os pontos focais de gênero nas missões de paz. Tratam-se
de unidades compostas por assessores de gênero92 enviados para auxiliar no
processo implementação das diretrizes da Res. 1325, principalmente por meio do
contato com mulheres locais e a difusão de informações sobre direitos e
procedimentos judiciais contra abusos e violência sexual. Uma crítica recorrente à
presença de assessores de gênero é a falta de comunicação com os demais
integrantes das operações de paz, ocasionando duplicidade de tarefas e reduzindo a
eficácia das atividades.
92
De acordo com o site do DPKO, oito assessores de gênero sênior estão em ação no momento de finalização do
artigo.
278
grupos vulneráveis e segurança do abrigo humanitário contra agressões externas
(milícias, rebeldes) e ameaças internas (atos de violência cometidos por soldados da
paz ou locais dentro destes espaços).
93
Informações obtidas com a palestra proferida pela chefe da UFP de Bangladesh no Haiti no seminário
Desafios Transversais nas Operações de Paz Complexas Contemporâneas, organizado pela Pearson
Peacekeeping Centre, Escola Nacional de Operações de Paz do Uruguai (ENOPU) e Rede de Segurança e Defesa
da América Latina (RESDAL) em Montevidéu, 2010.
279
estímulo para formação de unidades de polícia predominantemente femininas e
criação de pontos focais de gênero.
4 Considerações Finais
Conclui-se que a agenda ―Gênero nas Operações de Paz‖ ganha cada vez mais
atenção no campo da paz e segurança internacionais. A publicação de uma série de
280
resoluções, relatórios e diretrizes sobre o tema é reflexo disto. Em contrapartida, o
aumento no número de mulheres em campo não evolui conforme o esperado, e
questões como os espaços que elas ocupam nos instrumentos de paz continuam
sem a devida abordagem oficial, abrindo espaço para a reincidência de textos que
tenham outros propósitos que não o de contribuir para um pleno entendimento das
questões de gênero.
Referências Bibliográficas
CAREY, H. F. Women and Peace and Security: The Politics of Implementing Gender
Sensitivity Norms in peacekeeping. In: OLSSON, L.; TRYGGESTAD, T. L. Women
and international peacekeeping. London: Frank Cass, 2000.
COHN, C.; KINSELLA, H.; GIBBINGS, S. Women, Peace and Security: Resolution
1325, International Feminist Journal of Politics, 6(1), p. 130-40, 2004.
FRITZ, J. M.; DOERING, S; GUMRU F. B. Women, Peace, Security and the National
Action Plans, Journal of Applied Social Science, 2011.
GIERCZ, D. Women, Peace and the United Nations: Beyond Beijing. In:
SKJELSBµK, I. (Org.). Gender, Peace and Conflict. London: SAGE Publications
Inc., 2001.
GUMRU, B.; FRITZ, J. M. Women, Peace and Security: An Analysis of the National
Action Plans Developed in Response to UN Security Council Resolution 1325,
Societies Without Border 4(2), p. 209-225, 2009.
281
MAZURANA, D. International Peacekeeping Operations: To Neglect Gender is to
Risk Peacekeeping Failure. In: COCKBURN, C.; DUBRAVKA Z. (Org.). The Postwar
Moment: Militaries, Masculinities and International Peacekeeping. London: Lawrence
and Wishart, 2002.
_____. Beijing Declaration and Platform for Action. Fourth World Conference on
Women, 1995. Set. 1995 (ONU, 1995). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/publicacoes/declaracao_4_conferencia_mundial_mulher.pdf>. Acesso em: 15
jan. 2011.
_____. _____. Integrating a Gender Perspective into the Work of the United
Nations Military in Peacekeeping Operations. New York: DPKO/DFS, 2010.
282
Operations‟, 31/05/2000. ONU, 2000a. Disponível em:
<http://www.un.org/womenwatch/osagi/wps/windhoek_
283
Simpósio Temático 4
1 Introdução
94
Doutora em Relações Internacionais e Desenvolvimento Regional,Professora da Universidade Federal de
Roraima-UFRR
284
entendimentos comuns sobre a definição de cooperação e algumas hipóteses para
explicar quando esta ocorre. Para Keohane (1984), a cooperação ocorre ―when
actors adjust their behavior to the actual or anticipated preferences of others, through
a process of policy coordination‖95. Essa definição pressupõe que o comportamento
dos atores esteja direcionado por um objetivo, o que permite o ajustamento das
políticas dos atores. Sendo assim, os Estados, ao cooperarem, teriam melhores
resultados do que o contrário. A cooperação é, portanto, oposta ao conflito e à
competição, configurando um jogo de soma positiva e de ganhos absolutos.
285
over‖. As pesquisas dentro desse corpo teórico se concentraram no estudo da
cooperação europeia. Outros estudos se concentraram no funcionamento das
organizações internacionais e, em especial, sobre a forma da tomada de decisões
em seu interior.
96
Instituições sociais compostas por princípios acordados, normas, regras e procedimentos decisórios que se
destinam a governar, ou governar, a interação de atores em áreas de questão específicas. (Tradução nossa)
286
O conceito de regime internacional de biodiversidade é conhecido pelos
estudiosos dos temas ambientais globais. Geralmente o foco é nas relações
interestatais e no processo em torno da implementação das convenções
ambientais. Alguns estudos sobre a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) ressaltam seu potencial e avanços como um acordo amplo entre
países com interesses diversos (ALENCAR, 1995; SWANSON, 1997;
PRESTRE, 2001), mas não tratam os resultados concretos nacionais-locais.
Por outro lado, a literatura da área de biologia da conservação e
publicações de ONGs (IIED, Conservation Biology) fazem
avaliações/análises de projetos implementados localmente, restringindo o
foco da análise a iniciativas espalhadas pelo mundo. Contudo, poucos
esforços têm sido feitos para integrar os níveis global e local.
3 Governança Local
287
um Estado eficiente, deslocando-se do foco das implicações estritamente
econômicas da ação estatal para uma visão mais abrangente, envolvendo as
dimensões sociais e políticas da gestão pública. Num segundo momento, com o
fenômeno da globalização97 e considerando que o conceito não se restringe aos
aspectos meramente administrativos e operacionais, na gestão e na busca do
Estado eficiente, impulsionou a discussão sobre os novos meios e padrões de
articulação entre indivíduos, organizações, empresas e o próprio Estado, deixando
clara a importância da governança em todos os níveis 98.
288
A governança local surge com sua capacidade de gerenciamento e participação,
trazendo novas diretrizes e incorporando novas temáticas ao desenvolvimento. A
preocupação com o meio ambiente e com o bem-estar da sociedade é o ponto de
chegada destas iniciativas. Ao se inserir novas dinâmicas dentro da gestão pública,
amparados pela governança, criam-se oportunidades para melhoria da qualidade de
vida. A governança deve perceber as potencialidades, dificuldades e necessidades
dos locais, buscando recursos para solucionar seus problemas. E deve agir de modo
transparente, igualitário, com responsabilidade e prestação de contas para
conquistar novos integrantes.
99
Conferência ITTO/IUCN na Tailândia, em 2003. Mohamed Bakarr, o orador de abertura na conferência
ITTO/IUCN, sugeriu que poderia valer a pena adotar formalmente o termo “Área de Conservação
Transfronteiriça” (ACTF) para evitar restringir “iniciativas de conservação à apenas aquelas áreas onde áreas
protegidas são contíguas através de fronteiras internacionais”.
289
(2009). Essencialmente, a tipologia inclui quatro tipos que são propostos como um
quadro organizador para conservação transfronteiriça e iniciativas de
desenvolvimento. Esses quatro tipos principais são descritos a seguir.
Em 1988, 59 lugares foram identificados nos quais duas ou mais áreas protegidas
(incluindo todas as categorias de áreas protegidas da União Mundial de
Conservação [IUCN]101) se uniam através de fronteiras internacionais; até 1997,
segundo Zbicz (2001) e Green (1997), esse número tinha mais do que dobrado para
136 complexos de áreas protegidas internacionalmente contíguas, incluindo 488
áreas protegidas individuais. Zbicz (2001) afirma que, em 2001, o número de
complexos tinha aumentado para 169, com 666 áreas protegidas individuais, das
quais, 31 envolviam três países e uma envolvia quatro países. Análise mais recente
realizada pela IUCN, em 2005, indica um total de 188 complexos envolvendo 818
áreas protegidas em 112 países. Embora o aumento mais recente seja em parte
devido à inclusão de sítios menores que não foram incluídos nas versões anteriores,
o crescimento ainda é real e a tendência inequívoca. É evidente que o número de
100
De acordo com o Protocolo de Conservação da Vida Selvagem, Southern African Development Community –
SADC e a Lei de Execução, são definidas como “área ou componente de uma vasta região ecológica que
atravessa as fronteiras de dois ou mais países, englobando uma ou mais áreas protegidas bem como áreas de uso
múltiplos dos recursos”.
101
IUCN é na verdade acrônimo de International Union for Conservation of Nature (União Internacional para
Conservação da Natureza).
290
complexos de áreas protegidas transfronteiriças continua a crescer, e que há muitos
sítios em fase de planejamento.
Uma TFCA pode criar oportunidades sociais únicas, por exemplo, reunindo
comunidades dividas por fronteiras ou permitindo que populações móveis
atravessem seus territórios tradicionais de maneira mais fácil, como no caso
específico das populações que vivem na fronteira. TFCAs também acrescentam uma
dimensão política atraente à conservação, que é a capacidade de reduzir tensões ou
mesmo ajudar a resolver conflitos entre países, em particular aqueles que se
originam de disputas transfronteiriças. Também dá poderosa evidência para uma
das máximas centrais da conservação – que áreas protegidas não são necessárias
apenas para assegurar a integridade ecológica do planeta, mas, de forma mais
291
ampla, que elas são um componente essencial de qualquer sociedade sadia,
pacífica e produtiva. As subseções abaixo analisam em mais detalhes os muitos
benefícios que TFCAs podem proporcionar, além de benefícios biológicos óbvios
inerentes a qualquer área protegida bem gerenciada.
Benefícios Políticos
A atração das TFCAs se origina em grande parte de seus benefícios políticos regionais.
TFCAs podem ajudar a reduzir tensões entre países, podem ajudar a resolver disputas
de fronteira, ou podem ser usadas para construir ou reconstruir cooperação pacífica, na
resolução de disputas de fronteiras internacionais, trazendo paz e reconciliação para
regiões que têm vivenciado conflito violento. Um exemplo é o TFCA Kaza, que se
destacou por trazer reconciliação e renovação econômica ao sul de Angola, e na
construção de novos laços entre Angola e seus vizinhos.
Benefícios Sociais
292
buscando porto seguro onde possam acessar recursos de subsistência. No caso da
fronteira Brasil, Venezuela e Guiana o que nos chama a atenção é o recorrente
problema dos garimpos ilegais.
O caráter único de fronteira, portanto, cria condições especiais nas quais uma TFCA
pode se tornar uma oportunidade única – uma força estabilizadora possibilitando
restaurar a integridade social e ecológica da paisagem – ou um fator potencialmente
complicado, criando novas barreiras para comunidades locais. Qual destes é o caso
depende, em grande parte, da disposição daqueles que projetam a TFCA de
entender e abordar as complicações sociais da região na qual estão trabalhando.
293
Venezuela e Guiana, apenas do lado venezuelano a população indígena pode
explorar a atividade do turismo ecológico.
294
infraestrutura inferior. Todas essas questões devem ser levadas em consideração
em planejamentos de TFCAs.
Benefícios da Gestão
Um terceiro fator explicativo para o aumento das TFCAs tem a ver com as muitas
vantagens de gestão que se somam aos países com áreas protegidas adjacentes.
Incluem a maior eficiência – tanto financeira como em termos de recursos humanos
– de combinar esforços numa gama de desafios de gestão, desde espécies
invasoras e controle de pestes, a prevenção de incêndios, para pesquisar e resgatar
operações. Gestão coordenada também pode evitar duplicação dispendiosa de
esforços, tais como: programas de treinamento para funcionários de parques, e
materiais educacionais e de interpretação para visitantes – por exemplo, na fronteira
do Brasil com a Venezuela, mesmo não sendo ainda uma TFCA, existe um
programa bilateral de vacinação para os índios isolados na referida fronteira. E, é
claro, a coordenação cria mais um ambiente dinâmico de resolução de problemas,
aumentando a reserva de competências que pode ser aplicada a qualquer situação.
Um pouco desse entusiasmo deve ser moderado pelo fato de que enquanto projetos
de conservação transfronteiriça podem simplificar certos aspectos de gestão de
espaços protegidos, eles podem também acrescentar complexidade. Exigir consenso
de dois governos, quando antes a aprovação de apenas um era suficiente, pode frear
a tomada de decisão. Onde os dois espaços protegidos são de diferentes
classificações, geridos por diferentes agências administrativas – tais como um parque
nacional de um lado da fronteira e um refúgio da fauna de outro – ou ainda como na
fronteira do Brasil e Venezuela, ou seja, um parque nacional de um lado e Terra
Indígena do outro - com mandatos divergentes, podem complicar as tentativas de
cooperação. Diferenças no idioma através da fronteira pode também ser um fator
limitador, e recursos financeiros desproporcionais de um lado de uma fronteira podem
causar um desequilíbrio na distribuição de benefícios. E, como destacado acima,
áreas de fronteira são caracterizadas por própria série de desafios especiais – desde
crises de refugiados, a contrabando e militarização como resultado de tensões
295
políticas e conflito direto. Assim, pelo menos no curto prazo, espaços protegidos
transfronteiriças não podem simplificar gestão de forma notável.
5 Considerações Finais
296
de espaços protegidos, contemplando a institucionalização e a demarcação de
territórios com destinações e usos específicos, como a conservação e preservação
ambientais e as terras de usufruto indígena, a Guiana nesse sentido ainda não tem
ações consolidadas
297
Já do lado da Venezuela e Guiana, apenas o Exército está presente fisicamente em
grande parte dessa zona de fronteira. Contudo, na Venezuela existem alguns
projetos para a região no âmbito Primeiro Plano Socialista do Desenvolvimento
Econômico e Social da Nação - PPS (2007- 2013). O PPS propõe-se organizar o
território venezuelano em eixos de desenvolvimento e integração, dentre os quais o
―PlanCaura‖ que tem por área-programa o cinturão da franja direita do Orinoco,
destinado ao fortalecimento dos mecanismos e instrumentos de defesa nacional na
região sul e orientados a eliminar e controlar o garimpo ilegal nos espaços
protegidos da fronteira com o Brasil. Todavia, em relação aos direitos reivindicados
pelas populações indígenas dessa região, a saber, saúde, educação e cidadania
têm-se, ainda, investido pouco. Por isso há apenas a expectativa de que os
princípios até agora formulados no PPS sejam realmente efetivados.
Em termos gerais, mesmo diante dos desafios enfrentados pelos estados nacionais,
brasileiro, venezuelano e guianense, para consolidar a presença estatal na zona de
fronteira, somados aos problemas transfronteiriços decorrentes da demarcação de
espaços protegidos naquele espaço, as referidas faixas contíguas apresentam
vantagens comparativas para efetivar o fortalecimento regional, se tomadas em
conta as características políticas e seus propósitos comuns. No entanto, requer-se
de ambos os Estados Nacionais coordenação e formulação específica de políticas e
ações efetivas para os espaços protegidos fronteiriços.
298
indígenas e de segurança alimentar. Além disso, apresenta-se a questão da disputa
por territórios, tanto no sentido do estudo, quanto no sentido do território como
espaço socioeconômico, politicamente construído. Trata-se, portanto, de relações de
poder, onde os Estados nacionais da Venezuela, Guiana e Brasil exercem a
mediação dos conflitos existentes. Para tanto, criaram imenso arcabouço legal, que
tem demonstrado baixa eficácia, pois, exceto pela presença dos Exércitos, há um
claro vazio de poder estatal em termos de prestação de serviços públicos, seja de
segurança, na forma da presença de forças policiais e de fiscalização, de saúde e
educação, de logística e de promoção do desenvolvimento dessas comunidades.
299
garimpo ilegal, e por regiões onde as comunidades indígenas realizam assembleias
com lideranças indígenas brasileira, venezuelana e guianense, mas ainda com
pouca estruturação dos referidos estados nacionais para fortalecer essa relação
entre e com atores locais. Já o corredor entre as cidades de Pacaraima (BR) e Santa
Elena de Uairén (VE) e Bonfim (BR) e Lethen (GY) é o trecho da fronteira, ora
estudada, no qual se tem a relação comercial e social mais intensa e também com
maior incidência de casos de ilícitos. Outrossim, a proximidade dos indígenas
Yanomami,Ye‘kuana na fronteira Brasil e Venezuela e o distanciamento das cidades
demandam ações governamentais diferentes das demandadas pelos indígenas
Macuxi, Taurepang, e Pemón os quais estão mais distantes da referida fronteira e
mais próximos às cidades, a exceção dos Ingarikó. Essas diferentes realidades
demandam respostas políticas e formas de governança distintas.
Com isso, finalmente, conclui-se que essa fronteira é formada como que por um
grande mosaico, tanto pela geografia física como política, pois são espaços
protegidos com diferentes finalidades como Terras Indígenas, Parques Nacionais
entre outros. Adicionada a esse contexto, há a busca, pelas entidades
governamentais e não governamentais, de equilíbrio nas políticas nacionais para
tratar a questão da população indígena. Espera-se que estudos como este possam
contribuir, efetivamente, para que os governos brasileiro, guianense e venezuelano
desencadeiem um processo de ação-reflexão sobre o fazer nos planos federal,
estadual e local referente aos espaços protegidos fronteiriços nas áreas ambientais,
de segurança e indígena.
Referências Bibliográficas
300
DINIZ, Eli. Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da
Construção de uma Nova Ordem no Brasil dos Anos 90. Dados– Revista de
Ciências Sociais. Rio de Janeiro, volume 38, nº 3, 1995, p. 385-415.
301
ROSENAU, J.; CZEMPIEL, E. Governança sem governo: ordem e transformação
na política mundial. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.
SACK, R. Human Territoriality: its theory and history. Cambridge University Press,
1986.
302
VOGLER, J. Introduction: the environment in International Relations: legacies and
contentions. In: IMBER, M. F.; VOGLER, J. (ed.). The environment and
International Relations. Nova York: Routledge, 1996.
303
OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E O DESENVOLVIMENTO DE UMA
ESTRATÉGIA PARA O ESPAÇO CIBERNÉTICO
1 Introdução
Tal desenvolvimento não ficou restrito apenas aos EUA. Ainda que os
estadunidenses estejam na dianteira global nesse campo, o fato é que um
subproduto do próprio desenvolvimento tecnológico foi o barateamento e o acesso a
equipamentos, serviços e mão-de-obra especializada, o que permitiu que outros
países – em especial na Ásia e na Europa, mas não exclusivamente nesses
102
UNIFESP – Curso de Relações Internacionais.
304
continentes – terminassem desenvolvendo capacidades no campo das TIC. Com
esse avanço, vários estados desenvolveram capacidades relevantes na área, e
passaram a competir e cooperar entre si – e a competir e a cooperar com os
próprios norte-americanos.
305
EUA. Além da discussão de uma literatura específica, haverá uma análise de alguns
documentos oficiais. Ainda que se leve em consideração a questão mais ampla da
internet, o foco recairá sobre a segurança e defesa cibernética.
O que é importante na questão dos domínios da guerra é a divisão que existe entre
os quatro primeiros e o espaço cibernético: no primeiro caso, temos ambientes que
existem independentemente da ação humana, ainda que sejam fortemente
manipulados/aproveitados para as ações bélicas. Já no segundo caso, o
ciberespaço é uma criação inteiramente humana.
Obviamente, essa visão não é consensual105, o que pode ser explicado, em parte,
justamente pelo contraste com as outras dimensões. Alguns autores acham
exagerada a ideia de que o ciberespaço seja, por si só, uma dimensão análoga ao
mar, por exemplo. Ainda que possua uma capacidade multiplicadora quando
aplicados na utilização de carros de combate, caças e mísseis cruzadores
disparados de navios, os computadores operando em rede terminam por alavancar
(ou multiplicar) a destruição desejada pelos soldados nos domínios já existentes.
(RID, 2012; SINGER, 2012).
104
O autor aponta que o Reino Unido tem uma posição semelhante a americana, e, juntos, possuem uma visão
distinta da Europa Continental, que vê a internet como um meio majoritariamente civil.
105
No decorrer das pesquisas para a realização desse texto, fica-se com uma forte impressão de que os consensos
na questão terminológica são fortemente teorizados, mas que a parte empírica só recentemente começou a ser
operacionalizada de modo a tornar as definições mais claras.
306
Um outro problema em relação a questão dos domínios diz respeito a defesa setorial
por parte dos diferentes ramos das forças armadas estadunidenses. Joyner relata,
citando a revista The Economist, que o presidente Barack Obama declarou que a
infraestrutura digital estadunidense era um ativo de valor estratégico. Isso ocorreu
em 2010, quando ele indicou Howard Schmidt, antigo executivo do setor da
Microsoft, como o ―Czar‖ da cibersegurança governamental. Todavia, em 2005 a
Força Aérea declarou que o ciberespaço era o quinto domínio da guerra, e que
doravante a missão da USAF era ―tofly and fight in air, space, and cyberspace‖
(JOYNER, 2012, pos. 3649).
Segundo alguns autores, a Força Aérea acalentava a ideia de que ela seria a grande
responsável pela segurança cibernética norte-americana. A Marinha e o Exército
trataram de estruturar suas unidades especializadas de defesa cibernética, e o
mesmo fez o corpo de fuzileiros navais. (CLARKE; KNAKE, 2011).
307
conhecimento torna vários atores estatais e não-estatais como possíveis
concorrentes do governo estadunidense e dos interesses estatais e econômicos
desse país. Conforme discutido na seção anterior, isso aguça a percepção de que o
espaço cibernético é parte da segurança nacional, e que a adoção de salvaguardas
militares deve ser garantida – e implementada rapidamente.
Segundo Betz e Stevens, tal discurso tem uma função política do ponto de vista do
decisor, que é estimular um ―chamado a ação‖ e adicionar uma urgência através do
uso de metáforas. (BETZ; STEVENS, 2013) Analisando os diferentes discursos
usados no âmbito da cibersegurança, e a falta de consensus quanto ao conceito,
esses autores chamam a atenção para que o recurso discursivo em parte da
literatura especializada e dentro dos governos faz um constante uso de metáforas e
analogias espaciais/geopolíticas e biológicas. No primeiro caso, expressões como
Cyber Pearl Harbour, o ciberespaço como um domínio exclusivo (e separado dos
tradicionais terra, mar, ar e espaço) ou como uma esfera separada da sociedade
(mundo virtual x mundo real) são utilizadas para defender dispositivos de segurança
operados por governos e agentes especializados (públicos e privados). No segundo
caso, a situação fica ainda mais carregada de dramaticidade, pois termos como
―vírus‖, ―vermes‖, ―zumbis‖ e ―higiene digital‖ trazem a mente do público perigos
reais, como o de doenças, ou imaginários e amplificados pela literatura de ficção
científica e pelo cinema e pelas minisséries televisivas (zumbis). Um esforço gigante
308
por parte dos governos no sentido de eliminar vírus é colocado como uma
necessidade inescapável (LYNN JR III, 2008)106.
O que chamou a atenção foi a negativa do governo russo de que tenha empreendido
oficialmente os ataques cibernéticos. Nos dois casos, houve a ação de atores não
estatais que, pelo menos oficialmente, não eram ligados ao governo. Já ficava
explicitado algo que apareceria constantemente na literatura e em vários
documentos estadunidenses sobre o problema da segurança na internet: a
dificuldade de se localizar com precisão as fontes dos ataques, algo bem diferente
do que ocorre no âmbito das outras dimensões da guerra.
No ano de 2009, o governo Obama lança o Cyberspace Policy Review (CPR 2009).
Nesse documento, há a seguinte afirmação:
The architecture of the Nation‘s digital infrastructure, based largely upon the
Internet, is not secure or resilient. Without major advances in the security of
these systems or significant change in how they are constructed or
operated, it is doubtful that the United States can protect itself from the
growing threat of cybercrime and state-sponsored intrusions and operations
[…] (CPR 2009, i)
106
Ver, a esse respeito, o artigo de Lynn III, então subsecretário de Defesa, e que falava sobre a Operação
Buckshot Yankee, que demandou uma operação de erradicação a rede de computadores do Departamento de
Defesa e que durou meses.
309
Igualmente forte é a ênfase do documento no fato de que o governo deve assumir
um papel de liderança na construção de uma infraestrutura cibernética resiliente, de
modo a coordenar os esforços das diferentes agências públicas, militares e civis, e
do setor privado – que é o principal produtor de equipamentos e softwares que
fazem com que a internet efetivamente funcione.
O The National Military Strategy of the United States of America, também publicado
em 2011 (NMS, 2011), trabalha com essa ideia de bem público global. Ele cita como
exemplo a liberdade de uso do mar, que beneficia países com diferentes
capacidades econômicas e militares, ainda que a potência hegemônica do nosso
século, os próprios EUA, mantenham um poder naval não equiparado por outras
potências. Mesmo sendo a nação mais forte em termos marítimos, os Estados
Unidos não criam obstáculos ao comércio internacional ou ao uso das riquezas
oceânicas, ainda segundo o documento.
310
Com toda a capacidade naval, não é impossível que outros países empreendam ações
marítimas para negar aos EUA, ainda que temporariamente, o acesso a algumas
regiões. A mesma lógica é aplicada ao ciberespaço. Vários atores, estatais e não
estatais, estão desenvolvendo tecnologia e recursos humanos que podem atacar os
interesses estadunidenses e, ao mesmo tempo, negar o acesso a internet por parte do
governo e de vários grupos dos EUA que dependem da rede mundial de computadores.
311
civis, algo semelhante ao que os militares fazem quando, durante desastres naturais,
auxiliam as equipes civis do governo a resgatar/ajudar a população.
Dito de outro modo, a opção do uso de armas convencionais para afastar uma
ciberameaça está colocada na mesa – o que alguns autores irão chamar de
opção pelas armas cinéticas, em oposição, ou complementação, as armas
virtuais do ciberespaço.
4 Cibersegurança ou Ciberguerra
312
2010, e que inclui os componentes de todos os serviços militares que lidam com a
segurança cibernética. Não obstante,
despite these bureaucratic efforts in the White House and in the interagency
process, […] remains a lack of consensus in Washington, particularly within
the Department of Defense, on threat assessment in cyberspace and its
military implications. A stark intellectual rift between ―alarmists‖ and
―skeptics‖ still prevails. As a result, this elementary battle has led to
dysfunction in the institutional response to cyber-threats and jeopardizes the
implementation of an effective military posture in cyberspace. Consequently,
we need to reassess the relevance of cyberspace as a distinct military
domain (SAMAAN, 2011, p. 4).
313
[…] cybersecurity is the term used for a state‘s defensive (and sometimes offensive)
capabilities in cyberspace‖(VALERIANO; MANESS, 2012, posição 3177).
314
Uma segunda conclusão está presente no campo do uso do ciberespaço como meio
de guerra, mas associado as operações militares em tempo real. Boa parte da
literatura, e praticamente todos os documentos emitidos pelo DoD, apontam para
essa possibilidade. O Pentágono, inclusive, estabeleceu ambientes virtuais para o
treinamento de conflitos cibernéticos (LYNN, III, 2012). Mas pouco tem sido escrito,
por exemplo, sobre a utilização do ciberespaço em conjunto, por exemplo, com os
ataques efetuados pelos drones. A programação dessas armas, a operação a
distância e o seu projeto são, todos, permeados pelo espaço cibernético, e não é
raro que brote na imprensa especulações de que hackers podem invadir, em algum
momento, os sistemas de guiagem e operação dos VANTs.
315
sistema internacional, não é demais considerarmos que as políticas adotadas pelos
Estados Unidos afetarão outros países , que deverão segui-las ou enfrenta-las.
Referências Bibliográficas
BUZAN, Barry; WAEVER, Ole; De WILDE, Jaap. Security: A New Framework for
Analysis. London:LynneRienner Pub, 1997.
CLARKE, Richard A.; KNAKE, Robert.Cyber War: The Next Threat to National
Security and What To Do About It. New York, HarperCollins, 2011.
GLENNY, Misha. McMáfia. Crime Sem Fronteiras. São Paulo: Cia das Letras,
2008.
GLENNy, Misha. Mercado Sombrio: O Cibercrime e Você. São Paulo: Cia das
Letras, 2012.
316
Power in a Virtual World.Washington, Georgetown University Press, 2012, Kindle
Edition, chapter 10.
LYNN JR, III, William J. The Pentagon Cyberstrategy, one year later.Foreign Affairs,
September 28th, 2011. Disponívelem:
<http://www.foreignaffairs.com/articles/68305/william-j-lynn-iii/the-pentagons-
cyberstrategy-one-year-later>. Acessoem: 12 set. 2012.
NMS - The National Military Strategy of The United States of America. Redefining
America‟s Military Leadership. February 2011. Chairman of the Joint Chiefs of
Staff.Disponível em: <http://www.army.mil/info/references/docs/NMS%20FEB%
202011.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2012.
RID, Thomas. What War in the Fifth Domain?, August, 2012. Disponível em:
http://tiny.tw/3b73.Acessoem: 30mai. 2013.
RID, Thomas. Cyber War Will Not Take Place.Journal of Strategic Studies, v. 35,
n. 1, p. 5-32, 2012.
SAMAAN, Jean-Loup.Beyond the Rift in Cyber Strategy.A middle ground for the US
military posture in cyberspace.Strategic Insights, Spring 2011,v. 10, n. 1.
Disponívelem:<http://nato.academia.edu/jeanloupsamaan/Papers/843886/Beyond_th
e_Rift_ in_Cyber_Strategy>. Acessoem: 15mai.2012.
317
ESPECTRO DA SECURITIZAÇÃO MILITAR DO CIBERESPAÇO (ESMC): UMA
NOVA PERSPECTIVA SOBRE A DEFESA CIBERNÉTICA107
Gills Lopes108
1 Introdução
107
Este paper é uma versão resumida e adaptada de Lopes (2013), ao qual se incorporam quatro cases à análise
original e se atualiza o framework proposto. O autor agradece às observações dos professores: Elia Cia
(Economia-UFPE), Marcelo Medeiros (PPGCP-UFPE), Ricardo Borges (PPGCP-UFPE) e Eugenio Diniz (RI-
PUC Minas) – este último quando da apresentação deste trabalho no Workshop Doutoral do ENABRI 2013.
108
Doutorando em Ciência Política – UFPE. Graduando em Redes de Computadores, IFPB.
109
Pode-se ir mais além do que simplesmente analisar a politização de uma dada ameaça existencial num dado
setor (militar), contexto (ciberespaço), tempo (século XXI) e espaço (Estado). Por exemplo, com a ferramenta
aqui proposta, pode-se analisar – e, consequentemente, mensurar/classificar, questões “de segurança” – nos
outros quatro setores (ambiental, societário, político e econômico) e em diferentes contexto, corte temporal e
objeto securitizador. Deve-se esta observação a Rodrigo Albuquerque (UFPE).
110
Utiliza-se “defesa cibernética”, ao invés de “ciberespaço”, por este abranger áreas não ligadas ao setor militar.
111
Um esboço de quarto índice – quantitativo/orçamental – encontra-se em Lopes (2013, p. 118-119).
318
Como marco teórico, utiliza-se o processo de securitização, da Escola de
Copenhague, que consiste num espectro, constituído por três níveis de politização.
Grosso modo, uma questão pública – que se diz – de segurança é: (i) não politizada,
quando nem sequer está na pauta do Estado ou não se encontra nas esferas
públicas de discussão e decisão; (ii) politizada, quando é parte de política pública
(policy), requerendo decisão e alocação de recursos do governo – quando não há a
aprovação dessas medidas por parte de uma audiência relevante, diz-se que há
uma politização do tipo movimento securitizador –; e (iii) securitizada, quando a
questão é apresentada como uma ameaça existencial, exigindo, assim, medidas
emergenciais e justificando ações fora do escopo normal do processo político
(BUZAN et al., 1998, p. 23-24). O Esquema 1 demonstra graficamente os níveis
desse processo político.
Para testar a ferramenta proposta, utilizam-se sete casos (n = 7), representados por
sete Estados: Alemanha, Brasil, Canadá, Estados Unidos da América (EUA), França,
Países Baixos e Reino Unido. Dada a limitação textual deste trabalho, aprofunda-se
mais no case brasileiro, demonstrando, por meio dele, como os Índices são
operacionalizados e a posição dos Estados no ESMC112.
112
Para uma análise mais profunda acerca dos casos canadiano e estadunidense, vide Lopes (2013, p. 63-69, 78-
85); e, para análise documental e institucional de Alemanha, Países Baixos e França, cf. Lopes (2011).
319
Esquema 1 – Espectro da securitização, segundo a Escola de Copenhague
Propõe-se, então, o ESMC, que leva em conta tanto aspectos subjetivos quanto
objetivos, a fim de esboçar um panorama o mais imparcial possível sobre os
processos nacionais de securitização militar das ameaças ciberexistenciais.
Com isso, também não se perde de vista o fato de que a parte mais importante
numa análise sobre securitização consiste em explicar como ela ocorre, i.e., de que
forma um ator securitizador securitiza uma questão para uma audiência relevante.
Por outro lado, o simples fato de se coletar os dados, per se, não satisfaz aos
320
objetivos deste trabalho; é preciso assimilar também como e sob quais
circunstâncias eles foram parar lá.
Ademais, como observado por Buzan et al. (1998, p. 25, 30), a forma mais eficaz –
logo, não é a única – de se estudar securitização é por meio do discurso e de
abordagens não objetivas. Esse discurso se traduz, aqui, por meio de argumentos
de policymakers e de documentos oficiais.
Portanto, a amostra se compõe dos sítios virtuais (sites) oficiais militares – Forças
Armadas e Ministério da Defesa – dos cases, agrupados por ano e observadas suas
idiossincrasias113.
O método deste índice consiste em medir quantas vezes determinados termos 114
sobre defesa cibernética aparecem na amostra, no que pese os 12 primeiros anos
do séulo XXI.
113
Não se levam em conta sítios oficiais militares de recrutamento, nem de corpos de tropas de elite, guarda
costeira, gendarmaria e de logística, mesmo que sejam reconhecidos como força singular em seu respectivo país.
Para padronizar a análise, assume-se que cada Estado possui três Forças singulares básicas – Exército, Marinha e
Aeronáutica –, a quem, por exemplo, um Corpo de Fuzileiros Navais está ligado, em última instância, à Marinha.
Assim, acredita-se, não se duplicam dados.
114
Evitaram-se termos genéricos, como “ataques cibernéticos” e “ciberespaço”, que dizem respeito também à
segurança cibernética e que, portanto, poderiam prejudicar uma análise exclusiva sobre a defesa cibernética.
115
http://google.com/advanced_search.
321
Tabela 1 – URLs dos sítios virtuais militares dos sete cases
exercito.gov.br -- --
Brasil defesa.gov.br
mil.br
França defense.gouv.fr
A etapa seguinte faz com que todos esses requisitos se transformem em linhas de
comando SQL e resultem em dados quantitativos para alimentar o banco de dados.
Realiza-se a análise dos dados através do chamado teste t para dados pareados, o
qual busca falsear a seguinte hipótese nula ou de trabalho (H0): em média, os sítios
virtuais oficiais militares tendem a não alterar seu interesse pelas questões
cibernéticas, no século XXI. Por conseguinte, a hipótese alternativa (H1) é a de que:
com o passar do século XXI, a média do interesse da população em estudo
aumenta. Em termos estatísticos, tem-se que:
onde:
Tendo em vista que os dados a serem obtidos são agrupados em 11 intervalos que
correspondem aos 12 primeiros anos do século XXI, tem-se que a amostra
322
observada é: n = 12. Nesse sentido, é possível comparar se a média do interesse se
modifica a cada ano ou não, por Estado.
Com a diferença (D), é possível realizar a estatística do teste t para dados pareados
(Equação 1), que verifica se uma tendência pode ou não ser explicada apenas pela
casualidade (BARBETTA, 1994, p. 205).
̅ √
(1)
∑
̅ (2)
∑ ̅
√ (3)
Com a informação do teste t, parte-se para o último passo que é auferir P. Como n =
11, o grau de liberdade (gl) da amostra é 10 (pois ―gl = n – 1‖).
323
Utilizando-se a Tabela 2, projeta-se uma coordenada cartesiana, onde X representa
o valor do gl (10) e Y leva em conta o valor mais próximo do t encontrado. Como P,
para a presente amostra, é de aproximadamente 0,10, tem-se que ―α = 0,10 = 10%‖,
ou seja, o t tem que se aproximar de 1,372 pela esquerda. Portanto, 1,372 está na
coluna 0,10 da variável Área na cauda superior, que, em outras palavras,
corresponde ao P.
Portanto, pode-se concluir, com 90% de certeza, que, a partir dos dados analisados,
há evidências suficientes de que a hipótese nula (H0) é falsa, caso o Estado passe
neste teste. Em outras palavras, validando-se neste teste, assume-se a hipótese
alternativa (H1) como verdadeira, i.e., há, de facto, um aumento real na média do
interesse militar virtual detectado entre as duas mensurações (D) referentes aos 12
primeiros anos do século XXI.
324
documento oficial nacional de defesa que abarque, ainda que de maneira
geral, o tema em tela (2 pontos); possuir documento oficial nacional de defesa
cibernética que inclua medidas extraordinárias, como criação de instituições e
delegação de poder nessa área (3 pontos); e conter, no corpo textual de tal(is)
documento(s), referência a armas cibernéticas – como o Stuxnet – e a ataques
cibernéticos por parte de países estrangeiros, com o fito de potencializar a
dramatização (1 ponto).
O presente índice busca auferir uma resposta categórica binária – sim ou não – para
cada Ministério da Defesa ou órgão centralizador (0 ou 3 pontos) e força singular (0
ou 1 ponto). Nesse sentido, um Estado que tenha apenas um órgão centralizador
equivale a ter três singulares.
A pontuação vai de 0 a 6 pontos, sendo que a partir de 1 é possível apontar que há uma
securitização militar do ciberespaço do tipo institucionalizada, conforme Tabela 3.
Órgão
Exército Marinha Aeronáutica Total possível
centralizador
325
3 Aplicando-se os Índices de Politização da Defesa Cibernética no Caso
Brasileiro
a) IPvDC brasileiro
A Tabela 4 apresenta os resultados das buscas virtuais brasileiras para este índice.
2001-2002 2 1 -1
2002-2003 1 1 -
2003-2004 1 1 -
2004-2005 1 - -1
2005-2006 - 2 2
2006-2007 2 3 1
2007-2008 3 10 7
2008-2009 10 22 12
2009-2010 22 42 20
2010-2011 42 123 81
Com isso, é possível ter uma visão geral da variação do interesse militar brasileiro,
expressada em seus sítios virtuais, através do Gráfico 1.
326
Gráfico 1 – Variação do interesse virtual militar do Brasil (2001-2012)
400
350
300
250
200
150 BRA
100
50
0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Fonte: Elaboração própria.
327
b) IPdDC brasileiro
Para este índice, dois documentos são levados em conta: a Estratégia Nacional de
Defesa (END) e a Política Cibernética de Defesa (PCD), de 2008 e 2012,
respectivamente.
Pela primeira vez, um documento oficial brasileiro afirma que o País pode não só se
defender no ciberespaço, mas também contra-atacar (BRASIL, 2012b, p. 11). Ele
cita, ainda, que o País pode trabalhar na construção de suas próprias armas
cibernéticas, ao ―atuar no reconhecimento de artefatos e desenvolvimento de
ferramentas cibernéticas, em conjunto com a Presidência da República, contribuindo
para a proteção dos ativos de informação‖ da administração pública federal
(BRASIL, 2012b, p. 12, grifo nosso).
Assim, é possível preencher o IPdDC para o caso brasileiro, conforme a Tabela 6, infra.
328
Tabela 6 – IPdDC do Brasil (2001-2012)
0 2 3 5 Movimento securitizador
c) IPiDCbrasileiro
Tal órgão ainda não possui nome, mas sabe-se que será o órgão central do
SMDC, mantendo, assim, permanente diálogo com os órgãos centralizadores de
inteligência das Forças Armadas e ―responsável por propor as inovações e
atualizações de doutrina para o [...] [setor cibernético] no âmbito da Defesa‖
(BRASIL, 2012b, p. 12).
329
A partir dessas informações, é possível, portanto, preencher a Tabela 7.
a) IPvDC
330
b) IPdDC
Cyber Security
2011 2+1=3 movimentosecuritizador
Strategy for Germany
Alemanha
Canada‘s Cyber
Canadá 2010 2+1=3 movimentosecuritizador
Security Strategy
National Security
Strategy 2010
EUA 2+1+3=6 movimentosecuritizador
Strategy for Operating 2011
in Cyberspace
Information systems
França defence and security 2011 2 Politizado
France‘s strategy
Fonte: Elaboração própria, a partir de Carr (2012), França (2011) e Lopes (2011, 2013).
331
c) IPiDC
Alemanha 0 3 3 6
Brasil 1,514 5 1 7,514
Canadá 0 3 0 3
EUA 2,645 6 6 14,645
França 1,766 2 0 3,766
Países Baixos 0 3 0 3
Reino Unido 1,736 6 3 10,736
332
Esquema 2 – Espectro da Securitização Militar do Ciberespaço (ESMC)
Todavia, para qualquer assunto que abranja defesa nacional e ciberespaço, deve-se
ter sempre em mente as palavras do Vice-Secretário de Defesa dos EUA, William
116
Para uma análise objetiva da defesa cibernética, cf. o Cyber War Strenght, de Clarke e Knake (2012, 148-
149).
117
Daí que, para alguns, se se descartar o IPvDC, o ESMC pode tornar-se uma ferramenta de análise da
capacidade estratégico-operacional de uma nação, no ciberespaço.
118
Por exemplo, para o IPvDC, vislumbra-se a utilização de modelos econométricos acerca de séries temporais.
333
Lynn, de que no século XXI, bits e bytes são tão ameaçadores quanto balas e
bombas (LYNNIII, 2011,).
Referências
CEPAL. Economía digital para el cambio estructural y la igualdad. Santiago de Chile:
ONU, 2013. Disponível em:
<http://www.cepal.org/publicaciones/xml/5/49395/Economia_digital_para__cambio_e
stryigualdad.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2013.
CORERA, Gordon. Britain 'under attack' in cyberspace. BBC, News UK, 1 jul. 2013.
Disponível em: <http://www.bbc.com/news/uk-23098867>. Acesso em: 3 jul. 2013.
KEEGAN, John. Uma história da guerra. Tradução: Pedro Soares. São Paulo: Cia
das Letras, 2006.
MITNICK, Kevin D.; SIMON, William L. The art of deception: controlling the human
element of security. Indianapolis: Wiley Publishing, 2002.
334
ONCIX. Foreign spies stealing US economic secrets in cyberspace: report to
Congress on Foreign Economic Collection and Industrial Espionage (2009-2011).
Out. 2011. Disponível em: <http://brasilia.academia.edu/DanielOppermann>. Acesso
em: 9 jun. 2012.
OPPERMANN, Daniel. Virtual Attacks and the Problem of Responsibility: the Cases
of China and Russia. Academia, set. 2009. Disponível em:
<http://brasilia.academia.edu/DanielOppermann>. Acesso em: 3 maio 2013.
SANGER, David E. Confront and conceal: Obama‘s secret wars and surprising use
of American power. New York: Crown: 2012a.
______. Obama order sped up wave of cyberattacks against Iran. The New York
Times, New York, 1 Jun. 2012b. World. Disponível em: <http://nytimes.com/2012/
06/01/world/middleeast/obama-ordered-wave-of-cyberattacks-against-iran.html>.
Acesso em: 5 Jun. 2012.
ULBRICH, Henrique C.; DELLA VALLE, James. Universidade H4CK3R. 5. ed. São
Paulo: Digerati, 2004.
335
SEGURANÇA INTERNACIONAL E GUERRA CIBERNÉTICA119
1 Introdução
119
Em diversos aspectos, este trabalho é uma abordagem derivada de: GAMA NETO, R. B. VILAR LOPES,
Gills. Armas cibernéticas e segurança internacional. In: MEDEIROS FILHO, Oscar et al. (Org.). Segurança e
Defesa Cibernética: da fronteira física aos muros virtuais. Recife: Ed. UFPE, 2014. (Coleção Defesa & Muros
Virtuais). No prelo.
120
Professor adjunto III e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade
Federal de Pernambuco (PPGCP-UFPE).
121
Doutorando em Ciência Política pelo PPGCP-UFPE e Bolsista de Doutorado do Pró-Estratégia
(CAPES/SAE/UFPE).
122
Em combates aéreos, o dogfight é um conjunto de manobras em que um avião busca se aproximar
demasiadamente de outro para atingir ou escapar do enquadramento do seu oponente.
336
Aparentemente, aprecia-se uma espécie de pequena Guerra Fria cibernética, que
envolve os principais países do mundo (MCAFEE, 2009, p. 13). De acordo com a
literatura especializada de cyber warfare, Estados Unidos da América (EUA), China,
Rússia, Coreia do Norte, União Europeia e Israel são as nações ou grupos de países
mais ativos na guerra cibernética e nas diversas expressões correlatas como a
espionagem cibernética.
Nesse sentido, a fim de apresentar tal tema aos Estudos de Defesa, o presente
texto está divido da seguinte maneira: primeiramente, o conceito de guerra
cibernética é apresentado; logo em seguida, a questão da espionagem cibernética é
discutida, exemplificando-a com alguns cases.
O conceito político de guerra cibernética – cyber war ou, ainda, ciberguerra – surge
no início dos anos 1990, mas só é amplamente difundido na imprensa internacional
mais de uma década depois. Suas novidade e complexidade tornam tal definição de
difícil operacionalização, pois é quase sempre utilizada de forma confusa, indicando
qualquer ato de invasão ou ataque a redes de computadores, independente da
motivação. Além disso, outros conceitos – tais como ciberterrorismo, crime
cibernético (cybercrime)123 e hacktivismo – podem também ser confundidos com o
de guerra cibernética. Essa afirmação reside no fato de que esses conceitos não
apenas utilizam a mesma dimensão – o ciberespaço – e algumas técnicas
parecidas, mas também por que aqueles podem ser utilizados como instrumentos
governamentais para desviar responsabilidades e consequências de atos contra
outras entidades governamentais ou não.
Por outro lado, Segurança Internacional é um conceito clássico, que, grosso modo,
invoca a ideia da defesa dos territórios nacionais e está necessariamente atrelado
ao uso da força militar como instrumento de dissuasão. Com o fim da Guerra Fria, o
conceito perde sua centralidade no debate acadêmico, passando a disputar cada
vez mais espaço com as questões ambientais e econômicas de um mundo muito
123
Para um estudo sobre a aplicabilidade das leis brasileiras e da Convenção de Budapeste aos crimes
cibernéticos, ver Lopes e Pereira (2009).
337
mais imprevisível, conectado e multipolar. Havia-se a percepção crescente de que a
guerra interestatal estava desaparecendo. De certa forma, a perda da importância
desse valor conceitual está essencialmente vinculada à discussão da perda da
centralidade do conceito de Estado como ator internacional. Após o 11 de setembro
de 2001, e o uso da força militar pelos EUA e seus aliados, o conceito de segurança
internacional retoma sua importância124. Contudo, esee conceito já não pode ser
mais visto do prisma dicotômico clássico ―guerra vs paz‖ entre Estados. Tanto para
adeptos da corrente realista de Relações Internacionais como para a construtivistas,
o conceito guarda-chuva de segurança internacional retorna com novos desafios.
Por exemplo, no âmbito da Guerra ao Terror, o desafio-mor era o de lidar com o
terrorismo islâmico. Hodiernamente, o tema da segurança internacional passa por
novas provocações, que perpassam os conceitos clássicos político-militar de guerra
e paz e de disputas entre Estados, a saber: guerra cibernética, ciberespionagem,
ciberterrorismo etc.
124
Para uma crítica da perspectiva que vê o fim da Guerra Fria e o pós-11 de setembro de 2001 como marcos
epistemológicos reais, vide Saint-Pierre (2011).
125
Resumidamente, Segurança da Informação diz respeito a planejamento e execuções de políticas que visem
salvaguardar a autenticidade, confidencialidade, disponibilidade e integridade da informação.
338
No início dos anos 1980, a segurança das redes de computadores já era uma
preocupação, e pesquisadores demostravam experimentalmente a possibilidade de
softwares maliciosos – malwares – autorreplicantes. Do vírus de computador
Brian126, de 1983, ao verme de computador – worm – Stunext, descoberto em 2009,
estima-se que hoje existam mais de 1,5 milhão de malwares já identificados.
126
O primeiro do gênero, que danificava o setor de boot de discos de inicialização.
127
Busca de informações em redes de computadores, com o objetivo de identificar vulnerabilidades.
128
Há três técnicas de DoS: inundação, amplificação e exploração de protocolos.
339
tinha o objetivo de inutilizar a defesa antiaérea daquele país, tendo como cenário a
guerra declarada entre o governo de Sadam Hussein e o dos EUA e seus aliados.
340
4 Espionagem cibernética e tecnologia de defesa
Desde o final da Guerra Fria, a coleta de informações estratégicas dos governos, por
meio de seus serviços de inteligência, deixa de ser feita prioritariamente por pessoas
e passou a ser feita por interceptação de sinais de comunicações entre indivíduos
e/ou computadores129. Ao longo de muito tempo, a espionagem digital esteve
envolvida por uma lenda chamada Echelon, que já foi alvo até mesmo de uma
investigação no Parlamento Europeu. Trata-se de um sistema de coleta de
informações que intercepta sinais de telecomunicações em todo o mundo, liderado
pela National Security Agency (NSA) dos EUA e por serviços de informação de
Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido – os chamados Five Eyes –,
operando com centenas de satélites.
129
Respectivamente, Human Intelligence (HUMINT) e Signals intelligence (SIGINT). Sistemas SIGINT podem
ser subdivididos em Communications Intelligence (COMINT), Eletronic Intelligence (ELINT), Foreign
Instrumentation Intelligence (FISINT) e Images Intelligence (IMINT).
341
O principal objetivo da atividade de espionagem governamental ainda é a de
recolhimento de informações estratégicas sobre outros governos ou organizações,
que possam auxiliar na tomada de decisões. Contudo, a coleta de informações
econômicas por governos ou a troca desse tipo de informação com empresas
privadas é um ato ilícito. Governos estão cada vez mais preocupados com a
segurança não apenas das suas informações estratégicas, mas também com as de
empresas estratégicas. O diretor-chefe do Government Communications
Headquarter (GCHQ) da Grã-Bretanha, Sir Iain Lobban, em entrevista à BBC, foi
categórico ao observar que os segredos industriais ingleses estão sendo roubados
pela ação de crackers privados e governamentais estrangeiros.
We started a couple of years ago thinking this was going to be very much
about the defence sector but really it's any intellectual property that can be
harvested. Foreign intelligence services are behind many of these attacks.
[…] There are hostile foreign states out there who are interested in a
company's mergers and acquisitions activity, their joint venture intentions,
their strategic direction over the next few years and that information would
be valuable to that country's state owned enterprises. (Sir Iain Lobban apud
CORERA, 2013).
342
invasão realizadas pelas APT tinham como alvo setores de infraestruturas, e se
utilizavam de endereços IP (Internet Protocol) sediados em Xangai (MADIANT,
2013). De acordo com o relatório, a unidade especial do Exército Chinês espionou
141 empresas distribuídas por 20 áreas industriais – setores identificados como
estratégicos para a China –, sendo que 87% das companhias são sediadas em
países anglófonos.
5 Considerações finais
Como mencionado no início deste texto, a guerra como fenômeno histórico reflete
diretamente o impacto da evolução na tecnologia. Nos últimos 40 anos, o
desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) e
toda a transformação que surgiu e evoluiu em torno delas tornaram o mundo
―menor‖, mais rápido, dinâmico, e, em diversos aspectos, melhor. Todavia, a
mesma tecnologia que melhora a qualidade de vida das sociedades é a mesma
que produz novas formas de intrusão, espionagem e destruição – e.g. vírus,
worms, cavalos de Tróia, invasão de sites etc). Porém, a utilização de técnicas de
guerra cibernética num contexto de conflito militar declarado entre dois ou mais
Estados nunca ocorreu.
343
Em termos acadêmicos, toda essa transformação traz novos questionamentos não
apenas sobre o conceito de segurança internacional, mas também quanto a sua
dinâmica e desenvolvimento.
Referências
CEPAL. Economía digital para el cambio estructural y la igualdad. Santiago de
Chile: ONU, 2013. Disponível em:
<http://www.cepal.org/publicaciones/xml/5/49395/Economia_digital_para__cambio_estr
yigualdad.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2013.
CHADE, Jamil. Guerra cibernética e espionagem são disseminadas, diz agências da
ONU. Estadão, São Paulo, 15 jul. 2013. Disponível em:
<http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,guerra-cibernetica-e-espionagem-
sao-disseminadas-diz-agencia-da-onu,1053701>. Acesso em: 16 jul. 2013.
CORERA, Gordon. Britain 'under attack' in cyberspace. BBC, News UK, 1 jul. 2013.
Disponível em: <http://www.bbc.com/news/uk-23098867>. Acesso em: 3 jul. 2013.
INTERNET WORLD STATS. Internet Usage Statistics, 2013. Disponível em:
<http://www.internetworldstats.com/stats.htm>. Acesso em: 3 jul. 2013.
KEEGAN, John. Uma história da guerra. Tradução: Pedro Soares. São Paulo: Cia
das Letras, 2006.
LOPES, Gills. A emergência do tema ciberguerra: contextualizando a criação do
Centro de Defesa Cibernética à Luz da Estratégia Nacional de Defesa. In:
Seminário do Livro Branco de Defesa Nacional, 2011. Disponível em:
<http://defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/ arquivos/apresentacao-
trabalhos/artigo-gills-lopes.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2013.
______; PEREIRA, Dalliana Vilar. A Convenção de Budapeste e as leis
brasileiras. 2009. Disponível em: <http://www.mpam.mp.br/centros-de-apoio-sp-
947110907/combate-ao-crime-organizado/doutrina/574-a-convencao-de-budapeste-
e-as-leis-brasileiras>. Acesso em: 2 maio 2013. 352
344
MANDIANT. APT1: Exposing One of China‟s Cyber Espionage Units. 2013.
Disponível em: <http://intelreport.mandiant.com/Mandiant_APT1_Report.pdf>.
Acesso em: 1 set. 2013.
MCAFEE. McAfee Virtual Criminology Report 2009. Disponível em:
<http://www.mcafee.com/us/resources/reports/rp-virtual-criminology-report-
2009.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2013.
MITNICK, Kevin D.; SIMON, William L. The art of deception: controlling the human
element of security. Indianapolis: Wiley Publishing, 2002.
ONCIX. Foreign spies stealing US economic secrets in cyberspace: report to
Congress on Foreign Economic Collection and Industrial Espionage (2009-2011).
Out. 2011. Disponível em: <http://brasilia.academia.edu/DanielOppermann>. Acesso
em: 9 jun. 2012.
OPPERMANN, Daniel. Virtual Attacks and the Problem of Responsibility: the Cases
of China and Russia. Academia, set. 2009. Disponível em:
<http://brasilia.academia.edu/DanielOppermann>. Acesso em: 3 maio 2013.
PARLAMENTO EUROPEU. Relatório sobre a existência de um sistema global
de interceptação de comunicações privadas e econômicas (sistema de
interceptação ‗ECHELON‘) (2001/2098 (INI)). 11 jul. 2001. Disponível em:
<http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-
//EP//NONSGML+REPORT+A5-2001-0264+0+DOC+PDF+V0//PT>. Acesso em: 15
abr. 2014.
SAINT-PIERRE, Hector. Defesa ou Segurança? Reflexões em torno dos conceitos e
ideologias. Contexto Internacional, v. 33, n. 2, p. 407-433, 2011.
SANGER, David E. Confront and conceal: Obama‘s secret wars and surprising use
of American power. New York: Crown: 2012a.
______. Obama order sped up wave of cyberattacks against Iran. The New York
Times, New York, 1 Jun. 2012b. World. Disponível em: <http://nytimes.com/2012/
06/01/world/middleeast/obama-ordered-wave-of-cyberattacks-against-iran.html>.
Acesso em: 5 Jun. 2012.
ULBRICH, Henrique C.; DELLA VALLE, James. Universidade H4CK3R. 5. ed. São
Paulo: Digerati, 2004.
345
Simpósio Temático 5
1 Introdução
346
simbolizadas não apenas no texto produzido pelas duas políticas públicas, como
também na realidade do significado.
No caso das Políticas de Defesa Nacional (PDNs), optou-se pela comparação das
Políticas de 1996 e 2005, o que é compatível com o método e a metodologia
propostos. Isto porque a perspectiva histórica e contextual decorrente da opção pela
metodologia de Análise de Discurso se adequa ao método comparativo de N
pequeno (apenas dois casos analisados). A variável comparativa, no caso, é a
América do Sul e a sua realidade percebida na estrutura do discurso brasileiro
presente nas duas políticas públicas referidas.
347
linguagem verbal, e a AD tem por intuito justamente explicitar este seu caráter
ideológico. E é neste ponto que se diferencia substancialmente da clássica Análise
de Conteúdo, para a qual o texto é o pretexto para demonstrar a realidade, ou seja,
o texto ilustra uma situação previamente constituída (ORLANDI, 2011).
348
Em contrapartida, a segunda Política de Defesa Nacional, elaborada no ano de
2005, utiliza-se do documento de 1996 como base para a sua redação, procurando
adaptá-lo melhor à realidade nacional, assim como à internacional, e também deixar
mais precisos alguns objetivos não tão claramente delineados na PDN anterior.
Avançou também a PDN 2005 ao ser disponibilizada publicamente à população
nacional via Decreto, publicado em Diário Oficial da União (Decreto 5.484, de 30 de
junho de 2005130) – a PDN 1996 foi disponibilizada pela Secretaria de Comunicação
Social da Presidência República, a qual fornecia cópias sempre que solicitado.
Na PDN 1996 estavam tais informações apenas no terceiro parágrafo, após breve
menção sobre as ―modalidades criativas‖ do pensamento estratégico, e sobre as
transformações internas, regionais e globais – demonstrando aqui uma constante da
Política Externa do governo Fernando Henrique Cardoso sobre a necessidade de
inserção regional do Brasil como etapa para a inserção internacional.
130
O Decreto encontra-se ainda vigente quando da elaboração deste artigo, pois a Política de Nacional de Defesa
de 2012 já foi aprovada no Senado Federal, no mesmo ano, em conjunto com a Estratégia Nacional de Defesa e
o Livro Branco de Defesa Nacional, mas ainda não foi votada em Plenário pela Câmara dos Deputados.
349
A diferença topográfica não é a única diferença no conteúdo e no discurso presente
nos documentos. Note-se que a PDN 1996 é voltada às ameaças externas, sequer
cogitando a possibilidade de ameaças internas ao Estado nacional – o que remonta
a uma visão estrita de segurança, no sentido de considerar ameaças ao Estado
apenas as ameaças provenientes de outros atores internacionais, mais
especificamente apenas o Estado como ator internacional por excelência. A PDN
2005, por sua vez, é voltada às ameaças preponderantemente externas, ou seja,
não necessariamente atores estatais externos, como demais atores, estatais ou não,
externos ou não, podendo ser considerados como ameaças ao Estado nacional.
Por fim, a PDN 2005 deixa clara a função da Política como o mais alto nível
condicionando do planejamento de defesa, abrindo espaço para mais tarde ser
desenvolvida e publicada a Estratégia Nacional de Defesa. Esta, criada apenas em
2008, tem por finalidade estabelecer os ―caminhos‖ a serem percorridos a fim de se
atingir os objetivos dispostos na Política.
350
A PDN 2005 avança, também, em relação à anterior, ao definir o que são
―segurança‖ e ―defesa nacional‖. ―Segurança‖, portanto, é a percepção de não
exposição a riscos ou ameaças que comprometam a existência do Estado; ―defesa
nacional‖ remete a conjunto de ações efetivas para a defesa do Estado, com ênfase
no emprego militar, contra ameaças reais ou potenciais. Sobre esses conceitos
essenciais, a PDN 1996 silencia, deixando apenas subentendida a defesa como
necessária em casos de ameaças reais externas, o que não seria necessariamente
utilizável pelo Brasil, em decorrência do ―verdadeiro anel de paz em torno do País‖
(BRASIL, 1996).
Aqui nota-se a forma como o entorno regional brasileiro é compreendido pela PDN
1996, como um local pacífico por excelência. Isto porque o Brasil teria conquistado tal
pacificidade em razão do não envolvimento em conflitos com vizinhos, e da maior
integração e aproximação regionais, o que, resultou, na maior credibilidade
internacional do país (BRASIL, 1996). Ademais, a PDN 1996 entende como região na
qual o Brasil está inserida não apenas a América do Sul, mas também o Atlântico Sul.
351
A PDN 2005 reconhece que a América do Sul possui relativa pacificidade – ao passo
que a PDN 1996 considera o local como pacífico, apesar de zonas de instabilidade
decorrentes de ação de ―bandos armados‖ e do ―crime organizado internacional‖.
352
Na parte referente aos objetivos da defesa nacional, a Política de Defesa Nacional
de 1996 relata que a conjuntura do entorno imediato brasileiro lhe é favorável, e
depois enumera sete objetivos específicos, todos com caráter preponderantemente
interno, salvo pelo item que menciona a ―projeção do Brasil no concerto das
nações‖, não havendo qualquer menção ou referência à América do Sul. Na Política
de 2005 houve diminuição de sete para seis objetivos, mas o quarto elencado faz
referência expressa à ―promoção da estabilidade regional‖, sendo que os interesses
nacionais devem ser compatibilizados com os interesses regionais. Nota-se,
portanto, na PDN 2005 a preocupação clara com a América do Sul, e reconhece-se
que os interesses nacionais nem sempre são os interesses regionais, mas que
ambos devem ser compatíveis entre si, a fim de garantir estabilidade regional.
353
mais condizente com a realidade nacional, ao fazer referência apenas ao efeito
dissuasório, ou seja, à manutenção de forças nacionais aptas e preparadas para o
emprego imediato (BRASIL, 2001). Percebe-se, aqui, a centralidade das potenciais
ameaças focada em Estados estrangeiros na PDN 1996, e o reconhecimento de que
as ameaças ao Brasil não são necessariamente estatais na PDN 2005.
354
amazônica, de cooperação na região fronteiriça, e de integração regional com
ênfase nas indústrias de defesa. Mas aqui o subcontinente aparece expresso uma
vez, no que se refere à necessidade de intensificação de intercambio com as Forças
Armadas das nações amigas, especialmente com as da América do Sul.
4 Conclusão
No entanto, a partir da leitura e da análise dos documentos, a hipótese não pode ser
confirmada, uma vez que a América do Sul é percebida de modo bastante diverso
nos dois documentos. Em que pese haja similitudes, as diferenças extrapolam as
semelhanças. Na PDN 1996 a América do Sul é pressuposta como área pacífica, e o
entorno regional brasileiro é compreendido de forma bastante mais ampla,
congregando América do Sul e Atlântico Sul. Desta forma, o aprofundamento e a
intensificação da relação do Brasil com os seus vizinhos seria importante apenas
como uma espécie de ponto de partida para a inserção brasileira no plano
internacional. Ademais, não se percebem ameaças regionais, apenas denota-se a
possibilidade de algumas situações se tornarem eventualmente ameaças. A postura
reativa brasileira é bastante clara e permeia todo o documento.
Na PDN 2005, por outro lado, a América do Sul é vista como o entorno regional
brasileiro. E tão somente a América do Sul. O Atlântico Sul tem importância na
busca de inserção afirmativa do Brasil, como forma de projeção de poder nacional. A
percepção e identificação de ameaças ao Estado brasileiro na América do Sul exige
que o Brasil aja de forma mais pró-ativa no subcontinente, e não apenas defensiva.
355
A valorização, mas não exclusividade, da ação diplomática na região é outro
diferencial do segundo documento.
Referências Bibliográficas
356
PAGLIARI, Graciela de Conti. O Brasil e a segurança na América do Sul. Curitiba:
Juruá, 2009.
PERISSINOTTO, Renato. Comparação e história na ciência social. InHEINZ, Flávio
(org). Poder, instituições e elites: sete ensaios de comparação e história. Porto
Alegre: Oikos, 2012, p. 13-32.
SARTORI, Giovanni. Comparación y método comparativo. In SARTORI, Gioovanni;
MORLINO, Leonardo (com.). La comparación em las ciências sociales. Madrid:
Alianza Editorial, 1994, p. 29-49.
VOESE, Ingo. Desafios para uma análise do discurso (e do ensino?). Linguagem
em (Dis)curso, Tubarão, v. 3, n. 1 , p. 187-210, jul./dez. 2002.
357
“RESEARCH GAP ON WAR” AND ITS CONSEQUENCES FOR
1 Introduction
This short essay has as topic the civilian disregard to the study of war in
contemporary democracies and its pervasive consequences for defense
policymaking. It intends to approach the problem by comparing two cases.
On one hand, the German case, where after an intensive institutional reform era
during 1960‘s and 1970‘s according to commitments to United States, NATO and
European Union, it registers a current constrained community of defense studies
imperiling the qualification of national defense issues. Although Germany presents a
more matured democracy, the ―research gap on war‖ is a raising concern (SCHMID,
2013). The actual German Ministry of Defense, Thomas de Maizière, publicly stated
that German universities provide no relevant contribution to German new role and
leadership in regional and international securities.
On another hand, an opposite case is Brazil, where the research on war never
existed until very recently, but expands continually, however not in the necessary
path to provide defense policymakers in the quantity and quality the country
demands. Although Brazilian political leadership and military personnel have
advanced in professionalism, there is a relevant barrier in the provision of defense
analysts, managers and economists by Brazilian universities to attend governmental
branches and demands.
Both countries, in spite of their political histories and strategic conditions, present
similar symptoms because the ―research gap on war‖. It happens because in
democracies a sustainable defense policymaking depends on a permanent
selection, education and training of specialized personnel by the governmental
358
agencies, as well as on progressive research programs by the academe on security
and defense studies. As important as the existence of these two sets of activities, it is
that they need to follow articulated between them. Otherwise, they both risk to loose
substance and adherence with society and, consequently, public utility.
Gordon Craig (1986) provides a compelling review of the literature that unfolds the
history of Great War from the perspective of the failure of European civilian political
leaderships on the conduct of war. He presents and compares the inability or
unwillingness of German, French and British political leaderships to exercise control
and reasonability upon the operational planning and decision-making processes of
their military establishments. As consequences, they watched the nearly or total
national debacles of their respective societies; which they held the ultimate
responsibility (CRAIG, 1986, p. 482).
In the case of Germany in Great War, the chancellor Theobald von Bethmann
Hollweg had to deal with a very active civil society ―desirous of the most ambitious
kind of territorial expansion and were sure that the war would make this possible‖,
and a military establishment of an unparallel public veneration. He had no share in
359
the planning of operations of war and did not question openly its basic assumptions,
though they seemed unrealistic and dangerous, such as: the massive enveloping
punch in France in six weeks, followed by an eastward turning against Russia, the
unlimited submarine warfare, and the disdain of any peace by negotiation. Despite of
his shortcomings and weakness, Craig recognizes:
The striking about his fall is not the way in which it was accomplished but
rather the fact no voice was raised in his behalf. It was not only the soldiers
and the business interests that brought Bethmann down. Such future leaders
of Weimar democracy as Matthias Erzberger and Gustav Stresemann
actively participated in the dirty maneuvers that effected his dismissal; the
Reichstag majority gave its approval, the Socialists were mute, and public
opinion in general greeted the event with satisfaction, apparently convinced
that Hindenburg and Ludendorff would bring them the total victory that they
craved.
[…]
In the case of United Kingdom, the assumptions of higher political sophistication and
stronger hand upon military authority were vain. The prime-minister H.H. Asquith was
a parliamentarian and party leader without any understanding of conduct of war,
therefore he was diffident to military decisions, which he followed without logic and
responsibility. Even after the defeat in the Dardanelles, he and the British Ministry
were not able to avoid the imperious military leadership of Douglas Haig and William
Robertson, which set strategic concepts ―that were very nearly fatal as in their results
as those of their German counterpart‖. The civil part resumed to the role of provider
of financial and human resources ruining millions of lives and the British Empire. His
successor, David Lloyd George, tried to bring reason to the direction of war effort, but
―suffered from the same fear of public disapproval or disavowal if he were to be
outspoken […]. With these thoughts in mind, and that of his own political future, Lloyd
George did not insist too much, and the killing went on‖ (CRAIG, 1986, p. 485–488).
360
Finally, France had historical issues that made greater the regular problems of
democracies at war. The military enjoyed centuries of prestige and the ‗sacred union‘
of the Republic could not be preemptively contested.
[T] he experience of French political leaders came close in the first years of
the Great War to duplicating that of their counterparts in Germany and
Britain, and in the critical year of 1917 France provided a quintessential
illustration of civilian diffidence and capitulation before military expert
opinion. In the last year of the war, however, the political leadership
reasserted its authority, and, as a result, France enjoyed a degree of
political-military collaboration in the direction of the war that was achieved in
neither Britain and Germany (CRAIG, 1986, p. 488).
―But France also had a revolutionary tradition and an expectation its generals would
be successful or would be replaced‖. And when none new Bonaparte raised that
made the difference. The bloodshed of Nivelle offensive in 1917 was more than
enough to move the public opinion against the military establishment and to give
room to Georges Clemenceau. His higher military expertise and French military
establishment‘s lower performance turned possible to put down the Supreme War
Council‘s insulation, to advance important reforms to extend French war effort, to
appoint Foch as Supreme Commander and to push the, inaugural, coordinated Allied
operations of July-November 1918.
Besides the lack of a charismatic military leader, the French distinction was grounded
on a more self-confident political leader because his better qualification on strategy
and tactics. That resulted in conviction and argumentation to defend his points of
view beyond just political wit, which is rarely sufficient in war decision-making.
Different from his pairs, Clemenceau ―acquired (largely from his military aide General
Mordaq) the kind of expertise necessary to enable him to speak with authority on
questions of strategical and tactical choice‖ (CRAIG, 1986, p. 490).
Clemenceau‘s success was the important exception to be rarely repeated. The Great
War introduced throughout the 20th century the permanent problem of the interplay
between civil and military leadership made by the efficiency and prestige if the
military establishment and the character and personality of the political leader than
the nature of political system and institutions. That means that the contemporary
361
democracies barely solved the matter of stable and effective institutions to provide
the maximum security with the maximum liberty.
In the United States, more than other democracies, it is well identified and addressed
the cyclic movements of civilian commitment to national defense issues, and their
negative consequences to United States defense policymaking and conduct of war
(PROENÇA JÚNIOR; DUARTE, 2007). The whole scholarship can be summarized
by its founding father: Edward Mead Earle (EARLE, 1940a, 1940b, 1943, see also
EKBLADH, 2011). He questioned it as a fundamental democratic question, part of
the preamble of the Constitution, which listed the "common defense", as one of the
basic functions of a government. The necessary subordination of the military to the
civilians went beyond the understanding that the war was too important to be left to
generals, the separation between military and civilians was not only artificial, it
contradicted the principles of democracy.
The public debate on strategy and the use of force was not just a matter of times of
war, but inherent to the government. The possibility of decision makers to have clear
alternatives of action depends on the University, the only body capable of collecting,
weighing and criticizing facts and alternatives, through research, education, and
advance of knowledge able to situate the military affairs as governmental.
Furthermore, he was the first one to identify the condemned omission of the
academy because the University has been the responsible for quality of content and
for the opportunity of its contribution in the public debate. The low quality of public
debate, the limited number of personnel, and unsatisfying solutions to the challenges
of defense policymaking became routine only because the study of war in the
University had become marginal, incidental and marked by military officers writing for
military officers instead of being a matter of citizens writing for citizens.
Thus, to think the problem of the civilian avoidance to the study of war is so important
as to think about how to solve it because the University‘s omission to it has been
repeated again and again, independently its negative consequences. For instance on
current times, in spite of their distinct political backgrounds and strategic conditions,
Germany and Brazil currently suffer from the malady of the ‗research gap on war‘.
362
3 German Case
That statement was striking if we take in glance the critical reforms German Ministry
of Defense has passed throughout 1990s. Germany struggled to review the Cold
War‘s legated structure which the Bundeswehr had no ―capability to exercise
operational command and control over joint national military operations of any size or
of any significant duration. This unusual condition was due to the anxieties of a
country suspicious of past militaristic cultural proclivities in German armies, combined
with the ‗influentional‘ presence of a very apprehensive group of new allies‖(YOUNG,
1996, p. 379). By ‗influentional‘, it means:
[I]t long has been assumed that wartime operational command and control of
most of the Bundeswehr would be exercised though the NATO integrated
command structure […]. Consequently, there is currently no pressing military
requirement to create a German wartime national operational command and
control structure (Young, 1996, p. 380).
In a first moment, the immediate need was to attend the other-than-war tasks, such
as humanitarian relief operations carried out it in Iran, Iraq and Turkey‖, which fell
outside NATO jurisdiction. Considering the sensitivities related to German civil-
military relations and the reunification, to review German Ministry of Defense‘s
apparatus has been a legal, political and organizational challenge.
That challenge got harder as the number of that kind of peace support operations
has grown substantially. Germany deployed soldiers in the Balkans and Somali, and
its involvement in Afghanistan cannot be addressed in that label and structure
anymore. Furthermore, since 2011, Germany approved a plan of structural reduction
of its armed forces: from 250,000 to 185,000 soldiers, 31 of the country's 328 largest
garrisons will be closed, while another 90 will be significantly reduced, the number of
363
command authorities has been reduced from 42 to 25, and most of weapon systems
are suffering cuts from 30 to 50%. Finally, the Ministry of Defense has to face with
the goal to support a 10,000 soldiers contingent in high readiness to respond quickly,
flexibly and for lengthy periods in multiple areas of crisis and conflict131.
Therefore, Maziére‘s statement was not soft. The immediate reaction by German
scholars was that the study of war in Germany would be very unpopular and
unfunded, resulting in no more than five professors or research groups on the
subject. The reactions to that statement were so relevant they were scrutinized.
Schimd (2013) identified three types of scientific community with regard to the
minister‘s statement: a) contradiction to content; b) normative rejection; and c)
resignative confirmation. The identified reactions stand to a certain degree in sharp
opposition to each other. Two out of three identified types of reaction indicate a
deficit in German scientific research on war and peace – indirectly (b.) and directly
(c.). The identified deficits are to be confirmed to a higher degree the more one
focuses not only on general peace- and security-related questions but on the
essence of war as a central object of scientific research and observation, particularly
with a profound theory of war in mind.
4 Brazilian Case
364
even several years after the end of military regime. Brazil struggles to escape this
heritage and its overall apparatus for defense - conceptual and institutional – need
deep reforms.
132
See: http://www.defesa.gov.br/index.php/publicacoes/politica-de-defesa-nacional.
365
like to have in such a high level statement, and that are not vetoed by another
agency. The whole of the document and each of its passages is written cooperatively
and it offers no prioritization or trade-offs among them. It offers statements of
principle, topics of concern, and lists of definitions, guidelines, and directives that are
general enough to allow each agency to find its own interpretation. Nonetheless, in
fact, it offers little and practical orientation on the use of force itself (PROENÇA
JÚNIOR; DINIZ, 2008, p. 319).
The first common ground of both cases is the great American influence as security
provider. Due to different reasons, Brazil and German have had a permanent
constrained on defense policymaking due to the lack the sense of insecurity by both
Brazilian and German societies since the Second World War. They also share, in
different degree, the weight of their military establishments on their political histories.
Finally, both countries have been pushed, and more recently induce as regional
leaders the commitments they took part. German in European Union and Brazil in
UNASUR are naturally evolving to the roles of provider of last resort of their
366
respective regional political architectures. Finally, they also have been asked to joint
peace and humanitarian operations in higher numbers and deeper involvement.
All those aspects are demanding and shall not fade away in the near future. Although
their armed forces may vary in size and structure, the quality of their defence policy
makings will have to improve. Returning to Craig‘s lucid exposition:
The situations when Brazil and Germany will have to take difficult decisions regarding
the use of force shall get larger in number and complexity. Indepedently the
expectations of a near multipolar future be or not accomplished, the relevance of
regional and inter-regional dinamycs tend to rise as well as the role of regional
leaders and the relationships among them. Therefore, one can propose that Brazil
and Germany should consider as a necessary contribution the technical cooperation
in defense studies. Both of them are federal republics and hold a substantital share
of their scholarship on public universities. German and Brazilian exchanges in
expertise, education and training of civilian defense analysts, managers and
economists is not just a cheap and relevant contribution in itself, but their fruits shall
enlarge the pool of experts to think and propose instances of cooperation between
their two regions, expanding the possibilities even beyond technical defense issues.
Bibliographical References
367
DUARTE, É. Uma Análise Logística da Estratégia Nacional de Defesa. V Encontro
Nacional da ABED. Fortaleza, 2011
____. National Defense and Political Science. Political Science Quarterly, v. 55, n.
4, p. 481, dez. 1940b.
EKBLADH, D. Present at the Creation: Edward Mead Earle and the Depression-Era
Origins of Security Studies. International Security, v. 36, n. 3, p. 107–141, 2011.
SCHMID, J. Forschungslücke Krieg – Risiko für den Frieden? Über die friedens- und
sicherheitspolitische Notwendigkeit einer wissenschaftlichen Befassung mit Krieg.
Zeitschrift für Außen- und Sicherheitspolitik, v. 6, n. 2, p. 227–248, 2013.
368
A ARTICULAÇÃO ENTRE A DEFESA E O ORÇAMENTO:
1 Introdução
Nilson Holanda aponta que as necessidades de uma Nação são amplas e variadas,
enquanto os recursos que ela produz, usualmente, são escassos e insuficientes para
atender a todas as demandas (HOLANDA, 1975, p. 35).
369
Para que o Estado tenha capacidade de prover Segurança é necessário que haja
articulação em nível de Estado, a qual deve ocorrer entre os três Poderes:
Executivo, Legislativo e Judiciário.
Por que a importância de se dar ênfase ao papel do Estado como ator relevante no
contexto da Defesa?
370
Segundo a teoria contratualista, de Hobbes e Rousseau, o Estado passou a existir
porque os homens, ancorados em pressupostos racionais, deixaram de impor
autonomamente sua própria vontade sobre os demais, repassando essa autoridade
para um terceiro ente, o Estado, capaz de impor juridicamente (Direito Positivo) a
sanção sobre aqueles que se recusassem a seguir as regras definidas por uma
determinada sociedade (REALE, 2002).
Todavia, o papel do Estado soberano tem sido bastante discutido, uma vez que outros
atores, mormente no mundo globalizado atual, tem-se inserido no cenário, interferindo na
capacidade de o Estado Nacional dar efetividade às Políticas Públicas.
Porém, mesmo com essa visão, por que o Estado continua a ser importante?
Alsina Jr. (2009, p. 34) enfatiza que ―Sem o controle sobre os meios de coerção
passíveis de serem utilizados para a imposição da autoridade legítima e a
manutenção da soberania sobre um determinado território, o Estado tende a
fragmentar-se‖.
371
Clausewitz identificou que as sanções de um Estado, aí incluídas as ações bélicas,
poderiam ser apenas os reflexos de sua política externa, ou seja, ―[...] a guerra é a
continuação da política por outros meios‖ (apud PARET, 2001, p. 271).
Seria esperado que as Políticas Externa e de Defesa estivessem com suas linhas
gerais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil, pois, nos
artigos 183 a 191, o documento trata das Políticas Urbana, Agrícola, Fundiária e da
Reforma Agrária.
Apesar de a Carta Magna tratar das Forças Armadas, de sua constituição e de seus
deveres (arts. 142 e 143), não tem a preocupação, em nenhum momento, com uma
Política Nacional de Defesa (BRASIL, 1988). O termo Segurança e seu conceito
estão relacionados somente com a preservação da ordem pública e para a
incolumidade das pessoas e do patrimônio público, cuja atuação é feita por
intermédio das polícias (federal, rodoviária federal, civil e militar) e corpo de
bombeiros (BRASIL, 1988).
372
Os dois termos são assim conceituados no documento:
Porém, Nelson Jobim destacou que ―os países precisam ter a capacidade de
dizer não, no contexto internacional, e ter a capacidade inclusive de defender
seus interesses econômicos, políticos e sociais com absoluta transparência‖.
Reforçou a ideia dizendo que ―[...] no mundo, só se faz se, e somente se,
tivermos a força da Defesa. É, portanto, a Defesa o escudo do Desenvolvimento
Nacional‖ (BRASIL, 2009a, p. 17).
373
decreto de aprovação quando declara que ―A estratégia nacional de defesa é
inseparável da estratégia nacional de desenvolvimento‖ (BRASIL, 2008, p. 2).
Clausewitz, em seu livro On War, enfatizou que ―[...] em sentido algum, a arte da
guerra pode ser considerada como preceptora da política, a qual só deve ser aqui
tratada como representante de todos os interesses da comunidade‖ (Livro 8,
Capítulo 6B, p. 606-607, apud PARET, 2001, p. 288).
Alsina Jr. (2009, p. 36) destaca esse aspecto ao realçar a importância entre a
política declaratória de um Estado e sua prática, cuja compatibilidade se revelaria
pela convergência entre o que o Estado expõe como sendo seus objetivos e a
postura no relacionamento com os demais Estados soberanos.
Postura que o Barão do Rio Branco possuía, pois para esse estadista era possível
conceber um projeto de política externa e de defesa que fossem capazes de
conciliar, de forma harmoniosa, direitos e poder. Na questão do Acre, por exemplo, o
Barão do Rio Branco foi capaz de manejar, com moderação, eficiência e
legitimidade, o poder que o Brasil, à época, possuía. Era conhecido, também, pelos
seus esforços para reequipar as Forças Armadas brasileiras desse período, o
Exército e a Marinha. (RICUPERO, 2002, p. 167).
374
Essa orientação, aliada à necessidade de proteger comunicações e dados durante
os dois eventos internacionais de 2013 e 2014, obrigou o Exército a ativar, em 2010,
o Núcleo do Centro de Defesa Cibernética (CDCiber). O Centro também trabalha em
cooperação com outros órgãos como a Presidência, o Serviço Federal de
Processamento de Dados (SERPRO), Ministérios, Polícia Federal, Agências
Reguladoras e até com empresas privadas.
À Marinha, por sua vez, coube proteger o mar territorial brasileiro e para assegurar o
objetivo de negação do mar, a Força deveria possuir ―[...] força naval de
envergadura, contando com submarinos de propulsão convencional e nuclear‖
(BRASIL, 2008, p. 13).
375
campo conceitual ao colocar como centro o DECEA, cuja competência está na
missão subsidiária da Aeronáutica (segurança da navegação aérea), ao invés do
COMDABRA, como define a END, detentor da missão constitucional (soberania no
espaço aéreo nacional).
De certa forma, esta é a perspectiva da Política Nacional de Defesa que define que
a segurança requer medidas de largo espectro, envolvendo não só a defesa externa,
como também questões da defesa civil, política econômica, segurança pública,
científico-tecnológica, ambiental, de saúde e industrial. Ou seja, áreas que implicam
ações que, em princípio, não estão ligadas com as Forças Armadas (BRASIL, 2005).
As orientações contidas na PND procuram abranger esse espectro, uma vez que
estabelecem que o ―[...] o Governo poderá determinar o emprego de todas as
Expressões do Poder Nacional, de diferentes formas, visando a preservar os
interesses nacionais‖ (BRASIL, 2005). Nesse contexto, a PND estabelece que a
376
ação diplomática soma-se à estratégia militar da dissuasão, demonstrando que a
ação diplomática deveria ser atuante no sentido de preservar os interesses
nacionais em outros países.
Enquanto o Brasil deixa de agir segundo sua política de defesa declarada, países
como os Estados Unidos (EUA) e a França agiram de acordo com suas políticas
declaratórias, atuando militarmente para defender seus interesses econômicos e
geopolíticos no Iraque e Mali. Os EUA, por exemplo, foram além, ao deixarem de
atender Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), quando
confrontados com o dilema de atender aos seus interesses ou pautar-se pelo
interesse coletivo.
Mas não é apenas na política externa que falta ao Estado brasileiro conciliar a prática
com sua política declaratória. Eventos internos também marcam esse divórcio.
377
A primeira questão que se apresenta é: o que é o orçamento?
A PND destaca que o Brasil deve ter Forças Armadas modernas e com crescente
profissionalização, devendo estar dotadas de pessoal e material compatíveis com os
planejamentos estratégicos e operacionais (BRASIL, 2005).
378
Dentre as causas da desatenção com a Defesa Nacional estariam: (a) a ausência de
benefícios político-eleitorais para os parlamentares (não dá voto); (b) inexistência de
riscos reais à defesa e a soberania nacional; (c) baixo perfil decisório e
complementar do Legislativo que teria função coadjuvante em face do Executivo; (d)
efeitos decorrentes do ciclo de intervenção militar na política, fazendo com a atual
elite no poder (e a própria oposição) relacione a questão da Defesa com repressão e
autoritarismo; e (e) o próprio despreparo da classe política com o tema, também
resultante das causas citadas anteriormente.
379
foram disponibilizados, na LOA de 2013, somente R$ 240 milhões. De acordo com
seus cálculos, no ritmo de liberação de recursos atual, o projeto pode levar mais de
50 anos para ser concluído (FERRAÇO, 2013). O SISFRON tem como um de
seusobjetivos o combate ao narcotráfico, justamente um dos elementos citados pelo
Professor GuoXuetang como elencado na vertente não tradicional da Defesa.
Borges (2013), destaca que o Exército (EB) pretenderia incluir seus projetos no
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) por acreditar que lá inclusos não
estariam sujeitos a contingenciamento. Todavia, Borges (2013) também destaca que
projetos do EB inseridos no ano anterior (2012), não teriam recebido os recursos
necessários e que, em 2013, não estariam mais constando do PAC. Demonstra a
falta de integração entreos vários documentos de planejamento, o abandono da
estrutura prevista na Constituição e das diretrizes e conceitos estipulados nas
Orientações Estratégicas delineadas para a Defesa no PPA 2004-2007.
380
A Marinha (MB) sofre os mesmos problemas das demais Forças Armadas,
principalmente com o projeto do submarino nuclear.
No Parecer nº 31, o Relator, Deputado Federal Rômulo Gouveia, destacou que ―[...]
dada a gravidade dos fatos e a cogência em estabelecer um futuro [...] em favor dos
projetos [...] estratégicos ao País, [...] tendo por pano de fundo resguardar tanto a
Defesa nacional, quanto a Soberania do Estado [...] que tais programas deveriam
estar protegidos por dispositivos legais que possam garantir-lhes sua sustentação
[...]‖ (BRASIL, 2010, p. 4).
[...]
[...]as despesas com segurança não têm, na maior parte dos países,
nenhuma relação com inimigos ou ameaças próximas, mas sim com
seus interesses de natureza política e econômica global. As despesas
militares dos Estados Unidos nada têm a ver com ameaças mexicanas ou
canadenses e as despesas da França nada têm a ver com a Espanha ou
com a Alemanha (grifo nosso).
381
Portanto, despesas com a Defesa não só atendem às necessidades de proteção dos
interesses nacionais, inclusive no exterior, como são investimentos que geram
emprego, renda e superávit comercial, fator que, nos dias atuais, o país tanto
necessita.
4 Conclusão
No campo externo, o país não age com a firmeza necessária para assegurar
proteção aos seus interesses no exterior, quando não se articula para proteger bens
e empresas nacionais estatizadas por países como a Bolívia e a Argentina.
382
A falta de integração incorpora, ainda, objetivos que transcendem as Forças
Armadas, quando, no campo interno, contingencia recursos destinados ao SISFRON
do Exército que contribui para o combate ao narcotráfico.
Como o TCU enfatizou em seu Acórdão (item 152)―[...] gastos militares podem ter
reflexos sociais positivos‖ (BRASIL, 2003).
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 28
abr. 2013.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Frente Parlamentar da Defesa Nacional:
discursos proferidos na ocasião do lançamento da Frente Parlamentar de Defesa.
Centro de Documentação e Histórico, Coordenação de Publicações, Brasília, 2009a.
BRASIL Câmara dos Deputados. Parecer nº 31 de 2011-CN. Comissão Mista de
Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=93791&tp=1>. Acesso
em 24 jun. 2013.
______. Escola Superior de Guerra. Fundamentos da Escola Superior de Guerra
(ESG). Elementos Fundamentais, Vol. I. Impresso na ESG, Rio de Janeiro, 2009b.
______. Decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2005. Aprova a Política de Defesa
Nacional.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Decreto/D6703.htm>. Acesso em 10. Jun. 2013.
______. Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia
Nacional de Defesa.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2008/Decreto/D6703.htm>. Acesso em 10. Jun. 2013.
______. Lei Complementar nº. 97, de 9 de junho de 1999. Dispõe sobre as normas
gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp97.htm >. Acesso em 13 de
maio de 2012.
______. Lei Complementar nº. 136, de 25 de agosto de 2010. Altera a Lei
Complementarnº.97, de 9 de junho de 1999, que ―dispõe sobre as normas gerais
para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas‖, para criar o
383
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e disciplinar as atribuições do Ministro
de Estado da Defesa‖. Disponível em:
<http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-complementares-1/leis-
complementares-1/2010#content>. Acesso em 13 mai. 2012.
______. Leinº. 10.933, de 11 de agosto de 2004. Plano Plurianual 2004-2007.
Anexo I. Disponível em:<http://www.planobrasil.gov.br/arquivos_down/lei_10933
anexoI.pdf>. Acesso em 23 jun. 2013.
______. Senado Federal. Parecer nº 51 de 2012-CN. Disponível
em:<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=121055&tp=1>.
Acesso em 10 jun 2013.
______. Senado Federal. Planos e Orçamentos Públicos: Conceitos, Elementos
Básicos e Resumo dos Projetos de Leis do Plano Plurianual 2002-2003 e do
Orçamento 2002. Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle (CONORF).
Gráfica do Senado Federal, 2002.
ALSINA JR., João Paulo Soares. Política Externa e Poder Militar no Brasil.Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2009.
384
em:<http://www.eceme.ensino.eb.br/ciclodeestudosestrategicos/index.php/CEE/
XICEE/paper/viewFile/25/49>. Acesso em 20 jun. 2013. Arquivo PDF.
______. Lições Preliminares de Direito. 27a ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
385
SEGURANÇA E DEFESA NOS BRICS: É POSSÍVEL UMA AGENDA COMUM? 133
1 Introdução135
Respostas para estas perguntas são condicionantes para a reflexão que ora se
propõe: analisar o possível estabelecimento de uma agenda comum em segurança e
defesa136 nos BRICS. Em seu discurso na ocasião, a suprema mandatária brasileira
também destacou que os países desse arranjo político-diplomático, mesmo em sua
diversidade, estão unidos pela capacidade de enfrentar grandes problemas
mundiais. Ao comentário da presidenta, acrescenta-se a ponderação do presidente
Jacob Zuma, anfitrião desta cúpula, de que os BRICS constituem um grupo crível e
construtivo que devem forjar um novo paradigma de relações globais e cooperação.
Fato é que um dos grandes problemas mundiais advém justamente das dinâmicas
conflituosas e/ou desestabilizadoras no campo da segurança internacional e do
133
Este artigo apresenta argumentos e opiniões pessoais do autor, que não devem ser interpretados como posições
da instituição à qual ele está vinculado.
134
Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República.
135
O autor agradece ao Primeiro-Secretário Henri Yves Pinal Carrières, que atualmente está servindo na Seção de
Política da Embaixada do Brasil em Nova Déli, por esclarecimentos e informações a respeito da Índia e da
China. Sua ajuda foi fundamental para escrever este artigo.
136
Adota-se, neste artigo, a definição de “segurança” e “defesa” presente na Política de Defesa Nacional de 2005,
que, em essência, é consonante com as definições presentes nos documentos dos outros BRICS.
386
esgotamento do paradigma intervencionista dos Estados Unidos e da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) nesse campo, em vigência desde o término da
Segunda Guerra Mundial.
387
países – especificamente daqueles já consolidados para os que estão em ascensão
– quanto entre eles e atores não estatais.
Eis que isso sintetiza o que os BRICS lograram construir ao longo dos
últimos anos, um fórum de que se valem os governos para se informar
acerca de seus respectivos interesses e posições, a fim de que, quando
lhes convier, possam seguir na mesma direção. Equivoca-se quem espera
desse agrupamento uma ação estratégica de longo prazo, na qual a
unidade de um possível bloco esteja acima dos interesses de suas partes.
Trata-se apenas de um espaço que convém a governos pragmáticos, os
quais habilmente permitem que outros lhe atribuam mais articulação interna
do que ele de fato possui no ambiente internacional.
137
Como exemplos, citam-se a ausência de um secretariado e de um fundo que financie as atividades do grupo.
388
Só ao final da década passada é que os BRICS passaram a se organizar política e
diplomaticamente, com a realização de cúpulas, reuniões ministeriais e demais
fóruns. Caso a vontade política das lideranças de cada país seja construir a
realidade na prática, aprofundando a cooperação no agrupamento e superando o
pragmatismo de seguir a mesma direção apenas por conveniência, então, torna-se
necessário olhar para frente. É preciso que os tomadores de decisão identifiquem
pontos convergentes, reflitam sobre como os BRICS responderão aos grandes
desafios globais – muitos deles desagregadores do próprio arranjo – e estabeleçam
uma agenda comum. A título de ilustração, um dos cenários futuros esboçados pelo
Global Trends 2025, intitulado ―BRICs‘ Bust-Up‖, versa sobre o acirramento das
disputas por recursos, com perspectivas de se desdobrarem em conflitos,
principalmente entre China e Índia (NIC, 2008).
Dois anos após a OTAN publicar seu novo Conceito Estratégico, prevendo atuar
globalmente à medida que os interesses de qualquer país da aliança estivessem
ameaçados, o governo norte-americano lançou o documento ―Sustaining U.S. global
leadership: priorities for 21st century defense‖. Nele, definiu que interesses
econômicos e de segurança do país estão ligados a desenvolvimentos que se
estendem do Pacífico Ocidental ao Leste da Ásia e do Oceano Índico ao Sul da
389
Ásia. Além disso, afirmou-se que, com o propósito de contribuir para a segurança
global, seria preciso um novo balanço na região Ásia-Pacífico. Isso traz implicações
para China, vista com suspicácias pelos Estados Unidos, e para Índia, com quem a
superpotência espera reforçar a cooperação. Mantendo a postura intervencionista,
no que se refere à contenção do terrorismo e da guerra irregular, previu-se esforços
que conjugassem ação direta e assistência a forças de segurança (USA, 2012, p. 2-
3). Novamente, essa postura pode se contrapor ao posicionamento e interesses dos
BRICS, individual e coletivamente.
390
65% e 56% (PERLO-FREEMAN et al., 2013). Em 2012, a soma dos gastos militares
dos países dos BRICS alcançou o montante de 340,4 bilhões de dólares, o que
correspondeu a 19,4% dos gastos militares mundiais, ao passo que essa soma entre
os países da OTAN – excetuando os EUA – atingiu 308,2 bilhões de dólares, o que
equivaleu a 17,6% dos gastos militares mundiais138.
138
Os dados foram coletados no SIPRI Military Expenditure Database.
391
desempenhará no mundo multipolar assimétrico e não necessariamente multilateral
do século XXI, se lidarão conjuntamente ou não com grandes desafios globais e que
contribuições darão à segurança internacional. As dinâmicas contemporâneas neste
campo demonstram que a arquitetura ―1 + 4‖ está caduca, mas uma nova ainda é
desconhecida. Fica a dúvida sobre como os BRICS atuarão à medida que as
estratégias norte-americana e da OTAN chocarem-se com interesses individuais ou
coletivos do grupo. É possível que se concretize uma das visões do estudo do
IMEMO (DYNKIN, 2011, p. 11), em que as relações entre grandes potências se
caracterizem pela cooperação na resolução de problemas de segurança globais,
mas pela rivalidade quanto aos modos de resolvê-los. Uma aproximação inicial, para
se pensar a respeito das posições que o agrupamento assumirá no futuro com
relação aos desafios da segurança internacional, é analisar a evolução de temas de
segurança e defesa em sua cúpulas e reuniões ministeriais sobre segurança
nacional, objetivo da próxima seção.
Em uma palavra, poderiam ser resumidas as declarações das Cúpulas dos BRICS e
as três reuniões ministeriais sobre segurança nacional: repetição. Uma repetição
que, ao mesmo tempo, parece cumprir dois propósitos. O primeiro deles, de
natureza objetiva, é demonstrar as preocupações comuns dos cinco países e deixar
claro qual a posição do agrupamento acerca de determinados temas de segurança
internacional. O segundo, subjetivo, é estabelecer os limites dessa coordenação de
posições. E isso, por sua vez, deixa lacunas que precisam ser superadas para
fortalecer a cooperação intra-grupo em matéria de segurança e defesa.
392
em contexto de crise e pela necessidade de reforma das principais instituições
financeiras internacionais – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial (BM). Outros temas, como desenvolvimento, combate à pobreza,
mudança climática, energia, etc., embora presentes na agenda, aparentam
catalisar poucos esforços dos cinco países – com exceção de agricultura e
saúde. Já questões de segurança internacional, por sua vez, parecem ter
adquirido maior relevância na pauta das cúpulas, porém, sem um tratamento
setorial no grupo à altura desse movimento.
Resta claro, nas declarações, que os BRICS primam pelos esforços políticos e
diplomáticos para resolução pacífica de controvérsias e refutam o uso da força e a
intervenção em assuntos internos. Essa é a postura assumida pelo agrupamento
acerca das tensões políticas e estratégicas que se avultam no Oriente Médio e no
Norte e Oeste da África. Na Declaração de Sanya, fruto da terceira cúpula, os
BRICS conclamaram o envolvimento das partes para solução pacífica da crise na
Líbia, com o apoio da ONU e das organizações regionais. As Declarações de Déli e
de eThekwini, que resultaram, respectivamente, da quarta e da quinta cúpulas,
concentraram-se na crise síria, no conflito árabe-israelense e no imbróglio nuclear
iraniano. Consonante à posição assumida no caso da Líbia, os BRICS defenderam a
393
condução do processo político pelos próprios sírios, claramente se opondo a
qualquer manobra intervencionista. Para por termo ao histórico litígio entre Israel e
Palestina, o grupo advogou em benefício da solução de dois Estados, do maior
envolvimento do Conselho de Segurança e das negociações diretas entre as partes.
E, finalmente, quanto ao Irã, os cinco países reiteraram o direito ao uso pacífico da
energia nuclear e condenaram ameaças de intervenção militar e sanções unilaterais.
Além das cúpulas, os BRICS organizaram três reuniões setoriais para tratar de
questões de segurança e defesa. A primeira delas foi realizada em Moscou, no dia
29 de maio de 2009; a segunda, em Brasília, no dia 15 de abril de 2010; e,
finalmente, a terceira, em Nova Déli, em 10 de janeiro de 2013. É interessante notar
que os representantes da Rússia e da China, respectivamente, general Nikolai
Patrushev, Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional, e embaixador Dai
Binggo, Conselheiro de Estado, estiveram nas três reuniões. O Assessor de
Segurança Nacional do Primeiro-Ministro da Índia, embaixador Shivshankar Menon,
esteve presente nas duas últimas reuniões e, em todas elas, o Brasil foi
representado pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República (SAE/PR)139. A África do Sul participou apenas da
reunião de 2013, representada por seu Ministro de Segurança Estatal, Siyabonga
Cyprian Cwele.
139
O Brasil teve um representante diferente em cada reunião. Na primeira, quem representou foi o ministro
Mangabeira Unger; na segunda, o ministro Samuel Pinheiro Guimarães Neto; e, na terceira, o ministro Moreira
Franco designou o Secretário de Ações Estratégicas da SAE/PR, Ricardo Paes de Barros, para representá-lo.
394
A primeira observação sobre essas reuniões é que os representantes dos BRICS
debateram muito mais questões estruturais das relações internacionais – crise
econômica internacional, reforma das instituições da governança global, etc. – do
que propriamentequestões de segurança e defesa, obliterando a destinação
precípua desses encontros. A segunda observação é que, diferente das reuniões,
por exemplo, dos ministros das Finanças e dos ministros da Agricultura, esta envolve
altos funcionários responsáveis por temas de segurança nacional e não produz um
documento final, seja uma declaração, seja um plano de ação. Trata-se de uma
oportunidade para cada país conhecer, mutuamente, os respectivos
posicionamentos dos demais membros quanto a determinados temas, que
transcendem segurança e defesa, e, minimamente, alinhar perspectivas de
cooperação para o futuro.
140
O autor teve acesso a documentos internos da SAE/PR e participou, como membro da delegação brasileira, da
III Reunião de Altos Representantes Responsáveis pela Segurança Nacional dos BRICS, em 2013.
395
Outra questão tão delicada quanto a anterior é a nuclear. Na primeira reunião, o
ministro Mangabeira Unger insistiu em colocar o tema do desarmamento nuclear
progressivo dos BRICS; os representantes de Rússia, China e Índia silenciaram. As
opiniões permaneceram divergentes no assunto na segunda reunião. O Assessor de
Segurança Nacional da Índia, embaixador Shivshankar Menon, ao invés do
desarmamento, tratou da não-proliferação e afirmou que o único propósito das
armas nucleares, na atualidade, é o seu caráter dissuasivo. A propósito, quanto a
essa reunião de Brasília, pouco se discutiu sobre temas de segurança e defesa, ao
passo que a terceira, em Nova Déli, seria mais específica, focada no seguinte
temário: a) segurança cibernética; b) terrorismo e pirataria; e c) a situação no Norte
da África e na Ásia Ocidental (esta apenas recebeu alguns comentários).
141
O país assinou este documento em 2001, porém, até agora, não procedeu com a sua ratificação.
396
4 Refletindo sobre segurança e defesa à luz dos documentos nacionais dos
BRICS142
Seguindo a ordem das letras do acrônimo, o Brasil avançou no campo da defesa nos
últimos anos e um dos traços característicos desse avanço é a proposição, revisão e
atualização de documentos estruturantes nessa matéria143. Em 2008, o país lançou
sua Estratégia Nacional de Defesa (END) e deixou claro quais as suas intenções na
área, partindo do mote de que a estratégia de defesa consistia na estratégia da
dissuasão. O documento se tornou o grande marco, quando comparado com a
Política de Defesa de 2005. Entre outros pontos, ele vincula a defesa ao
desenvolvimento, considera a indústria nacional de defesa como um de seus eixos
estruturantes, define os setores espacial, cibernético e nuclear como estratégicos,
trata da estruturação da defesa em torno de capacidades e se compromete com o
estímulo à integração sul-americana e o preparo das Forças Armadas para
desempenharem responsabilidades crescentes em missões de paz. Na END, o
governo brasileiro ainda reforça sua postura pacífica e renuncia a pretensões
hegemônicas – sobretudo, com a finalidade de superar desconfianças na América
do Sul (BRASIL, 2008).
142
Deu-se preferência às políticas, às estratégias e aos livros brancos de defesa, que são documentos
esclarecedores e orientadores da condução do tema por cada país. Na ausência deles, buscou-se um equivalente,
como no caso da Índia, que publica um relatório bienal sobre as principais atividades realizadas na área.
143
Trabalha-se, aqui, com a Estratégia Nacional de Defesa de 2008, uma vez que sua nova versão, assim como a
Política Nacional de Defesa, encontra-se em fase de aprovação na Câmara dos Deputados, após a aquiescência
do Senado Federal.
397
A Rússia, em comparação com os demais BRICS, é o país que apresenta uma
postura mais ofensiva em matéria de defesa. A Doutrina Militar da Federação Russa
de 2010 é o documento que apresenta visões oficiais do Estado no preparo da
defesa armada. Logo em seu início, na definição de conceitos fundamentais, nota-se
a diferenciação entre ―perigo militar‖ e ―ameaça militar‖: enquanto o primeiro é
caracterizado por fatores que, sob certas condições, podem incorrer em uma
ameaça militar, esta é caracterizada pela situação em que há a possibilidade de um
conflito militar. O governo russo é o único do agrupamento que explicita,
abertamente, quais são esses perigos – aqui, uma nova diferenciação entre
―externos‖ e ―internos‖ – e as ameaças que incidem contra o país. Entre os principais
perigos externos, chama a atenção o primeiro deles, qual seja o desejo da OTAN de
dotar suas forças de funções globais, à revelia de normas do direito internacional, e
de movimentar a infraestrutura militar para países próximos da Rússia. Um tema
sensível do documento é reiterar o caráter dissuasivo das armas nucleares, mas,
simultaneamente, prever a utilização de armas nucleares até mesmo em resposta a
um ataque convencional, mediante decisão presidencial. O maior envolvimento em
missões de paz e a melhoria qualitativa do complexo industrial de defesa também
foram tratados na doutrina (RUSSIAN FEDERATION, 2010).
144
Após consultar, por e-mail, um brigadeiro indiano da reserva, que atualmente está à frente de uma
consultoria, obteve-se a seguinte informação: “Unfortunately the Indian government does not issue any White
Papers on defence laying down the priorities and objectives. Thus one has to scan a number of documents to get
information about the same.”
398
suspicácia indiana com relação à China e a defesa da adoção de iniciativas de
construção da confiança para a Ásia-Pacífico. Os desafios de segurança interna
também preocupam o governo indiano, como o terrorismo, a guerra por procuração
em Kashmir e as atividades de milícia em alguns estados do nordeste
(GOVERNMENT OF INDIA, 2012).
399
engajamento em missões de paz no continente, o desenvolvimento de uma
abordagem comum de segurança no Sul da África e a adoção de medidas de
construção da confiança e da segurança – principalmente em nível regional. Um
ponto curioso é a indústria nacional de defesa, ao se prever a conversão de sua
produção para a indústria civil, sem perder, no entanto, o conhecimento tecno-
científico necessário à produção militar (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 1996).
O tema mais controverso dos BRICS é a questão nuclear. Nenhum dos países do
agrupamento discordaria de seu uso pacífico, notadamente explorando seu potencial
400
energético, todavia, eles se dividem com relação ao propósito dissuasório das armas
nucleares, repercutindo em questões de desarmamento e não-proliferação. De um
lado, Rússia, China e Índia, detentores de armas nucleares, enfatizam a não-
proliferação, enquanto, de outro, Brasil e África do Sul – esta renunciou ao seu
programa de desenvolvimento de armas nucleares no começo dos anos 1990 –
focam no desarmamento.
401
Ora, contrapor-se ao paradigma intervencionista EUA-OTAN no campo da
segurança internacional, ao tempo em que se propõe a reforma das instituições
multilaterais, no sentido de torná-las mais democráticas e representativas, é a
força motriz dos BRICS. Nos documentos declaratórios e nas reuniões
ministeriais sobre segurança e defesa, essa postura do grupo, não só ficou clara,
como foi insistentemente reiterada. Contrariamente, o grupo contribui, no campo
da segurança internacional, com o engajamento crescente em missões de paz,
tema comum a todos os documentos nacionais de seus países. De acordo com
os dados mais recentes do Departamento de Operações de Paz da ONU (online),
o contingente militar e policial dos cinco países nessas operações é de 13.275, o
que corresponde a 14,8% do contingente global, e a estimativa é que respondam
por 10,59% do financiamento delas em 2013. Todos os BRICS estão presentes
em duas missões: na UNMISS, no Sudão do Sul, e na MONUSCO, na República
Democrática do Congo 145. Na primeira, o contingente do grupo é de 2.451
militares e policiais – aproximadamente 18,5% do contingente total do grupo –; na
segunda, 5.524 (cerca de 41,6% do total).
402
Uma integração – ou pelo menos uma aproximação – das cadeias produtivas da
indústria de defesa é outro tema que não parece gerar controvérsias, porém, não
apareceu em nenhum momento nos documentos declaratórios nem foi debatido nas
reuniões de segurança e defesa. O fortalecimento desse setor produtivo é
preconizado nos documentos afetos à área de cada país do BRICS e pode se tornar
uma potencialidade a ser explorada. Por sinal, quando se pensa na aplicação dual
dos produtos e se vincula defesa ao desenvolvimento socioeconômico, tecnológico e
científico dos cinco países – tal como orientam seus documentos de defesa –, faz
sentido debater o assunto e considerá-lo diante da possibilidade de se estabelecer
uma agenda comum.
Enfim, à guisa de uma conclusão, se há uma resposta categórica para o título deste
artigo, ela seria sim. É possível uma agenda comum em segurança e defesa nos
BRICS. Fato é que isso depende de vários fatores, mas, sobretudo, de vontade
403
política e de visão de futuro. Por isso, este texto começou explorando cenários
prospectivos, o ambiente estratégico do século XXI e a projeção do grupo nele. Mas
a vontade política não basta. É preciso avaliar o quanto se avançou nesse temário
intra-grupo para se prospectar as possibilidades futuras, motivo que justifica a
segunda seção. Só que documentos declaratórios e reuniões ministeriais indicam
que em que temas, minimamente, há posições comuns e induzem ao
questionamento, se identificado outros nos quais poderiam haver concordância, da
ausência deles. Daí a necessidade de avaliar os documentos de segurança e defesa
de cada um desses países, o que se fez na terceira seção. Tudo isso abre caminhos
para discutir a elaboração de uma agenda comum nessas áreas, fortalecendo a
cooperação dos BRICS, tanto para superar as desconfianças internas, quanto para
lidar com grandes desafios da segurança internacional nesse século. Existem
oportunidades, resta fazer escolhas e tomar decisões.
Referências Bibliográficas
404
CHINESE GOVERNMENT. China‟s National Defense in 2010. State Council of the
People‘s Republic of China, 31 mar. 2011, online. Disponível em
<http://merln.ndu.edu/whitepapers/China_English2010.pdf>. Acesso em 4 mar. 2013.
NIC. Global Trends 2025: A Transformed World, nov. 2008. Disponível em:
http://www.dni.gov/nic/PDF_2025/2025_Global_Trends_Final_Report.pdf. Acesso
em 24 set. 2011.
______. Global trends 2030: alternative worlds. Dez. 2012. Disponível em:
<http://globaltrends2030.files.wordpress.com/2012/11/global-trends-2030-
november2012.pdf>. Acesso em 13 mar. 2013.
405
Sites consultados
http://www.brics5.co.za/
http://www.sipri.org/research/armaments/milex/milex_database/milex_database
http://www.un.org/en/peacekeeping/operations/
406
A RELAÇÃO DA DOUTRINA E DO PODER AÉREO CONTRA O TERRORISMO: A
GUERRA ENTRE ISRAEL E HEZBOLLAH NO LÍBANO EM 2006
1 Introdução
[...] for this Prime Minister Ehud Olmert was to blame, Defense Minister Amir
Peretz was to blame, the Israeli military was to blame, everybody was to
blame — and since the commission‘s members declined to name names,
nobody was to blame (...) Much of this criticism is well taken. The war was
indeed marked by a long series of failures. Failures in planning, failures in
intelligence and counterintelligence, failures in command, failures in
mobilization, failures in execution, failures in logistics, failures in properly
protecting the rear, and perhaps a failure to terminate hostilities earlier and
at the cost of fewer Israeli casualties.
146
Universidade Federal Fluminense
147
Comissão criada para investigar os problemas ocorridos durante a Operação Change of Direction.
(CREVELD, 2008)
407
desafios apresentados pela iniciativa do Hezbollah em transformar o confronto em
uma guerra assimétrica.
408
momentos iniciais, operação de guerra. À medida que a campanha se desenrolou,
as tarefas da IAF foram baseadas na seguinte ordem de importância:
O terceiro objetivo, com certeza, foi o mais evasivo, pois, ao longo de 34 dias de
intensos combates e uma grande ofensiva terrestre que só se realizou apenas 72
horas antes do cessar-fogo, ficou impossível atendê-lo (EILAND,2009).
O primeiro conceito a ser discutido será o de guerra assimétrica, que neste casoé a
opção estratégica de um dos integrantes do conflito. Porém, inicialmente
analisaremos o surgimento do ambiente de batalha atual e seus desdobramentos e,
a seguir, discutiremos o papel do Hezbollah nesse conflito.
409
A partir do final da Guerra Fria, as minorias étnicas passaram a questionar os
governos estabelecidos por não considerá-los legítimos e, aproveitando a fragilidade
de alguns Estados, os conflitos intraestatais voltaram a se proliferar.
Um dos meios de alguns grupos obterem o poder ou atingir suas metas é realizar
uma guerra assimétrica neste cenário ou contra um poder superior, que neste
estudo, é o conflito entre o Hezbollah e o Estado de Israel. Para analisar o conceito
de guerra assimétrica, é imperativo dizer que esta contém diversas ideias prévias e
específicas de (FRANÇA, 2007):
410
a) Guerra de guerrilha;
b) Espionagem;
c) Resistência violenta;
e) Sabotagem;
g) Terrorismo.
Diante desse quadro, um líder xiita que procurava questionar a sua participação no
governo libanês e procurava a criação do ―Mar Mediterrâneo islâmico‖, que cobriria a
partir do Teerã ao Mediterrâneo endossado pela parceria histórica do Hezbollah e o
Irã, Hassan Nasrallah, optou por criar situações-força contra seu principal inimigo:
Israel (ZISSER, 2009).
411
Uma das características levantadas por Roy (1995) ao tratar sobre o
fundamentalismo islâmico é que esta necessariamente seria uma construção
intelectual abstrata, limitada pela formação superficial religiosa de seus líderes, e
que se opõe a séculos de tradições e culturas locais em que, por meio da aplicação
da Sunna, da Sharia e do Corão como princípios normativos, tenta restaurar a
Umma, o que seria uma comunidade muçulmana que vai para além das diferenças
culturais e da tradição, e até mesmo, do nacionalismo.
A partir deste ponto, fica claro que a tentativa do Hezbollah de aumentar a sua
participação política do Líbano é uma tentativa de reislamizar a sociedade libanesa,
e isso só poderia ser alcançado por meio da democracia.
No entanto, os planos para criar uma situação-força com Israel não estavam
surtindo efeitos, até porque o governo israelense estava preocupado com as
ações da Al Aqsa na Palestina e os assuntos que mereciam atenção quando o
assunto era o Hezbollah estavam restritos a seu arsenal de foguetes de médio
alcance oriundos do Irã. Entretanto, o dia 12 de julho marcaria o que, segundo o
primeiro ministro de Israel, Ehud Olmert, afirmava ser o dia que Israel não seria
mais refém do Hezbollah (LAMBETH, 2011).
412
governo libanês o povo libanês repudiou as ações do Hezbollah durante o confronto
e atribuiu o doloroso processo de reconstrução como culpa da organização. E, por
último, a parceria Hezbollah e Irã também sofreu efeitos da guerra, pois o governo
iraniano passou a responsabilizar a redução dos arsenais e a perda de recursos
como consequências de uma ação precipitada.
O primeiro passo de nossa análise será guiado por meio de algumas observações
em relação ao comportamento do governo israelense diante de suas opções
políticas e militares durante o confronto.
413
de sobrevivência, o cenário doméstico do campo de batalha e a profundidade
estratégica provocada pela extensão do país (RID; HECKER, 2009).
A dissuasão, por meio da aplicação da doutrina Dahiya, serve para Israel como
modo de ―educar‖ seus oponentes todas as vezes que estes tentam alterar a ―regra
do jogo‖, isto é, um dos objetivos militares de Israel é mostrar que o preço por
desviar-se destas regras é muito alto e, caso seja feito, estes devem entender sobre
as consequências. Portanto, os acontecimentos de julho de 2006 são um modo de
mostrar a seus oponentes que as ―regras do jogo‖ foram modificadas e que o ataque
a Israel e a abdução de seus soldados não ficariam impunes (LAMBETH, 2011).
414
A partir deste raciocínio, podemos estabelecer os critérios da resposta israelense
aos desafios provocados pelo Hezbollah após o ataque de foguetes de médio e
curto alcance em direção ao Norte de Israel.
As medidas que devem ser empregadas pelo poder superior são inspiradas nas
que foram adotadas pelo teórico britânico Hart (1954) e aplicadas ao teatro de
guerra europeu.
415
Em uma guerra assimétrica, a parte inferior precisa evitar contato com a parte
superior, realizando ataques no lugar certo e na hora certa, preferencialmente nos
centros de gravidade vulneráveis do inimigo.
Em uma guerra como essa, o poder superior será confrontado com o fato de:
Percebe-se que, com todos os meios, o poder superior deve tentar transformar a
guerra assimétrica em uma guerra simétrica. Como anteriormente mencionado a IDF
enfrentou um dilema em toda guerra assimétrica: ou tomam o risco de sofrer baixas,
com o objetivo de evitá-las, ou utiliza-se de métodos que causam danos colaterais,
e, portanto, morte de civis inocentes. Resumindo, quanto menor suas perdas, maior
o dano colateral.
A aplicação do poder aéreo no caso israelense foi apoiada a partir de uma doutrina
voltada para impor maior dano às capacidades militares do oponente, que neste
caso seriam instalações de armazenamento de munição e treinamento, assim como
416
o complexo Dahiya de Comando e Controle do Hezbollah. O que de fato elevou a
condição da arma aérea para emprego estratégico foi a doutrina Dahiya148.
Por doutrina, entende-se o conceito desenvolvido por Poirier e Laurent (1987), que
será adotado nesta pesquisa. Os autores descrevem que
Como forma de responder aos desafios impostos pelo Hezbollah, a IDF decidiu
empregar nesta operação uma projeção de fogo nunca utilizada antes pelas forças
israelenses em áreas urbanas, com o objetivo de causar maior dano ao inimigo,
148
A Doutrina Dahiya foi criada pelo general Gadi Eizenkot a partir da observação da guerra assimétrica no
ambiente urbano. Para obter vantagens neste cenário, as forças armadas israelenses escolhem alvos do oponente
a fim de impor maior danos a estes por meio de um poder de fogo desproporcional para atingir este objetivo
(ELIAND, 2009).
417
seguindo um dos pressupostos de Hart descrito neste trabalho, e diminuir as baixas
de seus soldados. O esforço israelense foi ainda direcionado para dois objetivos:
dissuadir os terroristas por meio da aplicação do poder aéreo segundo as direções
das medidas contraforças e desencorajar o Hezbollah causando grandes prejuízos
às áreas de onde normalmente são disparados foguetes contra Israel.
A ação da IAF pode ser separada em três fases que sofrem interseções entre si e se
complementam, mas são distintas.
418
constante, uma capacidade de suma importância para o sucesso militar da
Operação Change of Direction (LAMBETH, 2011).
A segunda fase é caracterizada pelo início das atividades ofensivas das forças
israelenses, em que a IAF atacou diversos alvos dentro da Sul do Líbano. Os alvos
foram previamente selecionados e incluíam centros de comando, treinamento,
concentrações de forças, infraestrutura e até instituições do Hezbollah.
Todos os alvos foram atacados de forma intensa, continuada, mas todos com
bastante precisão. A partir da leitura de que o Hezbollah operava de forma mais
convencional, tornou-se previsível a destruição ou, ou pelo menos a obstrução de
sua cadeia de comando e linhas de suprimentos.
Para atingir seus alvos, a IAF tinha à disposição variada gama de aeronaves táticas
capazes de infringirem pesados danos a quaisquer tipo de instalações, inclusive
depósitos subterrâneos utilizados pelo Hezbollah. Suas principais aeronaves de
ataque foramas versões disponíveis de F-15 e F-16, operando quase sempre sob
monitoramento de aeronaves remotamente tripuladas, com seus alvos selecionados
e designados, por meio do laser, por estas mesmas aeronaves não tripuladas.
A terceira fase, embora distinta, teve início ao mesmo tempo que a segunda fase.
Devido a seus recursos aéreos, Israel tem uma ampla opção de poder aéreo
suficiente para atingir um nível de flexibilidade que os permite não apenas atacar e
destruir alvos pré-selecionados como também prover apoio aéreo aproximado e
interdição do campo de batalha de modo simultâneo.
419
forças do Hezbollah. Entretanto, algumas vezes, o apoio aéreo aproximado fora
negado devido à grande concentração de tropa. Talvez esta ação tenha sido
realizada para evitar fogo amigo.
Dentro dessa fase, a IDF obteve liberdade total para concentração de poder de fogo,
efetuando ataques a áreas inteiras de onde partiram ataques contra suas tropas,
pela simples suspeita de que ataques poderiam ser desfechados a partir daquela
área, ou de onde foram observados lançamentos de foguetes.
Devido ao alto número de armadilhas para tentar conter a IDF e à crescente utilização
de instalações subterrâneas, seja para armazenamento de foguetes, munições e outros
materiais de guerra, seja para facilitar dispersão de forças e até mesmo a captura de
soldados israelenses, o uso maciço de poder de fogo foi autorizado por autoridades
israelenses para alcançarem o máximo de eficácia militar, com o mínimo de baixas
israelenses possível, utilizando quaisquer meios disponíveis, tendo como ênfase o
poder aéreo devido à sua própria natureza operativa.
O tempo de reação das aeronaves atacantes, mediante o alarme dado por uma
aeronave não tripulada ao localizar um grupo do Hezbollah dando início à
preparação de foguetes para seu lançamento sobre território israelense, é
geralmente muito curto, possibilitando na maioria dos casos que esses grupos
fossem atacados antes que pudessem lançar seus foguetes149.
Desta forma, é bem razoável supor que um sistema de rodízio para as aeronaves
táticas fosse utilizado pela IAF, durante a terceira fase aérea, no qual as aeronaves
149
Cerca de 1 minuto (LAMBETH, 2011).
420
devidamente armadas teriam um determinado tempo de patrulha sobre um ponto pré-
selecionado no teatro de operações, a partir de onde cumpririam tarefas de apoio aéreo
aproximado ou de interdição conforme solicitada pelas tropas ou identificado via
monitoramento remoto e repassado ao piloto com seu alvo já assinalado.
Uma vez que uma aeronave atende a um chamado, outra decola e ocupa seu lugar,
enquanto a primeira retorna à base para reabastecimento e remuniciamento. O
indicativo em relação à maior intensidade e poder de fogo desta operação se dá no
número de aeronaves em patrulha a qualquer momento sobre os pontos pré-
selecionados de patrulha sobre Gaza.
Esse tipo de atividade aérea não é uma novidade israelense. Variações deste tipo
de rodízio são utilizadas em combate desde os estágios finais da Segunda Guerra
Mundial, quando aeronaves decolavam com plena carga de bombas à procura de
alvos de oportunidade ou em regiões onde poderiam ser contatadas por um
controlador aéreo avançado em terra ou aeronaves de observação, que tinha a
tarefa de assinalar alvos terrestres que pudessem ser atacados.
421
5 Conclusão
Paradoxalmente, a disponibilidade da IAF para levar a cabo estas tarefas foi para
compensar a grave insuficiência da força terrestre nesta área. De acordo com
Creveld (1991), os conflitos de baixa intensidade poderão substituir as bases
analíticas do modelo de guerra interestatal nas quais os exércitos do Ocidente
tradicionalmente treinaram para lutar. Talvez seja nesta ―nova forma de violência‖,
com a qual IDF se habituou a lutar, que reside o principal obstáculo que determinou
o seu desempenho na Operação Change of Direction. Desde setembro de 2000, a
IDF estava voltada para operações de menor intensidade contra a intifada palestina,
sob liderança da Al Aqsa; devido à redução de custos, seu treinamento ficou
comprometido. E, com isso, cerca de toda parte norte de Israel ficou sob ameaça do
lançamento dos Katyushas do Hezbollah, que eram prioritariamente alvos da IDF.
Segundo Luttwak (2009), o poder aéreo é situacional, ou seja, há uma dependência
muito grande do contexto que se desenvolve durante o conflito. Com a
transformação da estratégia do Hezbollah em passar gradualmente da guerrilha à
guerra de movimento e de posições, foi possível para a IAF identificar alvos e obter
sucesso na diminuição da vontade de lutar de seu inimigo.
O resultado da campanha aérea foi visto como positivo durante o confronto. É nas
palavras de Creveld (2008), retiradas do artigo citado no inicio desta análise, que
podemos avaliar os resultados atingidos por Israel:
150
Importante notar que o governo israelense tratou o episódio comparando-o com a Crise de Mísseis de Cuba,
em 1962, sendo que neste caso, o perigo vinha das armas adquiridas pelo Hezbollah e posicionadas no Sul
(RAMM: rocket, artillery, mortar, andmissile) (LAMBETH, 2009).
422
[...] by the time the guns fell silent, hundreds of Hezbollah fighters had been
killed. The organization had been thrown out of southern Lebanon, and to
make sure it would not return, a fairly robust United Nations peacekeeping
force was put into place. At least for the time being, Hezbollah appears to
have had the fight knocked out of it. For well over a year now, Israel‘s border
with Lebanon has been almost totally quiet — by far the longest period of
peace in four decades. This was something that neither Golda Meir, nor
Yitzhak Rabin in his two terms as prime minister, nor Menahem Begin, nor
Shimon Peres, nor Yitzhak Shamir, nor Benjamin Netanyahu, nor Ehud
Barak, nor even the formidable Ariel Sharon.
Referências Bibliográficas
________________. Israel´s war with Hezbollah was not a failure. The Jewish
Daily, 30 de fevereiro, 2008.
ELIAND, Giora. The Second Lebanon War: Lessons on the strategic level. Military
and Strategic Studies, v.01, 2009.
FRANÇA, Centre de doctrine d´emploi dês forces. Tactique générale. Paris, 2007.
HART, Liddell. Strategy: the indirect approach. London: Faber and Faber, 1954.
KALDOR, Mary. New and old war, organized violence in a global era. Stanford:
Stanford University Press, 2001.
423
METS, David R.Airpower and Technology: Smart and Unmanned Weapons. Santa
Barbara: Praeger, 2008.
POSEN, Barry R. The Sources of Military Doctrine .New York: Cornell University
Press, 1984
ZISSER, Eyal. Hizbullah: the battle over Libanon. Military and Strategic Studies,
v.01, 2009.
424
ATUAÇÃO ESTATAL E PROGRAMAS MILITARES AEROESPACIAIS: UM
ESTUDO DE FATORES QUE AFETARAM A IMPLEMENTAÇÃO DE
PROGRAMAS DA AERONÁUTICA
1 Introdução
151
Professora da Universidade da Força Aérea (UNIFA), Doutora em Ciências Aeroespaciais pela UNIFA,
Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ).
425
2 Atuação Estatal no Setor Aeroespacial Brasileiro
Para Pereira (1991), não apenas o setor aeroespacial, mas o setor de defesa como um
todo está estreitamente relacionado à atuação estatal. Segundo o autor, as três principais
empresas brasileiras de armamentos a Engesa, a Avibrás e a Embraer se desenvolveram
a partir de programas que contaram com a participação do Estado, ao criar incentivos,
conceder linhas de financiamento, participar em uma parte significativa da P&D e criar
uma política de exportações para a viabilização econômica do setor.
Com relação ao segmento aeroespacial, Costa Filho (2000) observa que o papel do
Estado nos programas é, em um primeiro momento, planejar, financiar e
desenvolver as atividades e, em um segundo momento, incentivar a transferência
dos resultados obtidos nessa área para outros segmentos da economia e da
sociedade. Segundo o autor, no caso do setor aeroespacial, o Estado torna-se a
figura central para estimular a capacitação tecnológica do país devido à natureza
dos programas aeroespaciais que, geralmente, são de extrema complexidade,
dispendiosos e de lenta maturação.
Segundo Meira Filho et. al. (1999), existe uma relação direta entre o orçamento
governamental e o nível de produção da indústria espacial de um país, sendo que,
no caso do Brasil, essa relação é ainda mais forte, pois o Estado brasileiro assume o
papel de principal usuário das aplicações espaciais de interesse para o país.
426
Considerando o segmento a aeronáutico, Miranda (2007) comenta que,
historicamente, esse setor conta com o apoio governamental e que, no Brasil, esse
apoio foi justificado pelos interesses militares, pois, no pós-guerra, o controle da
indústria aeronáutica representava mais autonomia quanto à segurança nacional.
Para a autora, na atualidade, ainda que essa preocupação possa influenciar
decisões políticas, leva-se em consideração o fato de que a indústria aeronáutica,
como fabricante de produtos de alto conteúdo e valor agregado, viabiliza a geração
de empregos qualificados, as exportações e dinamiza outros setores.
Miranda (2007) comenta ainda que no setor aeroespacial, por se tratar de empresas
cujas atividades envolvem elevados custos e riscos financeiros, os governos estão
mais dispostos a promover estímulos e compensações, chegando a assumir parte
desses custos e incertezas, por exemplo, quando financiam a P&D para projetos do
setor. Para a autora, o estreito vínculo com o governo é uma das características
marcantes desse segmento, especialmente via projetos para a aviação militar.
Neste mesmo sentido, Silva (2009) aponta que as compras realizadas pelo poder
público na área militar podem impulsionar o desenvolvimento tecnológico e interferir
positivamente no setor. Segundo o autor, para atender à demanda das Forças
Armadas de se manterem equipadas, os governos contratam pesquisas e atividades
de desenvolvimento, permitindo uma cadeia tecnológica com equipes
especializadas, capazes de produzir novos conhecimentos e de criar as condições
para a competição das empresas no setor privado.
427
Porém, a atuação estatal tanto pode alavancar como gerar o retraimento do setor, o
que pode ser visualizado nos resultados da Embraer ao final dos anos 80. A
empresa apresentou um quadro desfavorável, no qual uma das razões apontadas foi
o desenvolvimento de grandes projetos sem condições adequadas de
financiamento, associadas ao fim do regime militar e ao esgotamento do modelo de
substituição de importações. Segundo Miranda (2007), nessa época, as empresas
públicas que haviam sido criadas sob os moldes desenvolvimentistas sofreram a
redução do repasse de recursos, de acesso ao crédito, de financiamentos, de
compras governamentais e a suspensão de programas de isenção fiscal.
Ainda com relação aos projetos militares da Embraer, Drouvot (1994) e Miranda
(2007) citam o projeto AMX como um típico exemplo da atuação estatal, na
continuidade de uma política de reserva de mercado e de compras públicas para a
FAB. Outros projetos citados são: o avião Tucano, que passou por um processo de
modernização e voltou a ser comercializado na versão Super Tucano/ALX, a partir
de 1995; e o jato regional ERJ 145, adaptado para operar como uma aeronave de
vigilância e sensoriamento remoto no projeto SIVAM.
3 Metodologia
A seleção dos programas dos PPA´s a serem utilizados para a coleta de dados foi
realizada mediante a observação dos programas do Comando da Aeronáutica
428
(COMAER) que se mantiveram no período considerado, bem como da exclusão
daqueles que apresentaram ações não estrita ou tipicamente militares. Foram então
selecionados três programas: Reaparelhamento e Adequação da FAB, Preparo e
Emprego da Força Aérea e Tecnologia de Uso Aeroespacial, que representaram
54% do total investido em programas do COMAER, segundo os dados do PPA
2004-2007.
Médias % de
execução dos Despesas (em R$ milhões)**
ANO programas Aer Var. %
Fontes: Relatórios anuais de avaliação dos PPA‘s; SIPRI; SIAFI/Portal SOF, IPEADATA.
Obs.: *Var. % MD corresponde à variação anual do total de recursos destinados ao MD;
**Valores deflacionados com base no IGP-DI, ano base 2009.
429
Após a análise econométrica, foi realizado o estudo de caso do Projeto AMX, com o
objetivo de se levantar outras variáveis intervenientes na implementação de
programas da Aeronáutica, possivelmente omitidas do modelo econométrico.
430
Em termos teóricos, a regressão pela origem da relação entre execução física de
programas e gastos do MD também pode ser aceita, na medida em que é possível se
considerar que sem gastos não há execução, ou que, para que haja um mínimo de
execução física de programas, certo volume de recursos deva ser destinado ao MD.
431
execução física. Os resultados iniciais das análises ficaram aquém do esperado,
principalmente nas regressões em que foi considerada a presença de uma constante
na equação. As regressões pela origem apresentaram melhor ajustamento, com
coeficientes mais significativos.
Tabela 2: Síntese dos resultados das análises de regressão linear pela origem
tendo como variável dependente o grau de implementação de programas da
Aeronáutica.
Com exceção para a variável independente X2, cuja regressão foi descartada pela
baixa significância, as análises de regressão pela origem geraram resultados
semelhantes para as outras três variáveis independentes.
432
explicaria essa distorção entre os dados coletados e as posições assinaladas pelos
autores?
433
Conforme Mindlin (2003), a implementação de um plano é um fenômeno político,
refletindo a relação num dado sistema entre política e administração. Também
Cardoso (2003) faz essa relação entre o planejamento e a política, pois, para o
autor, a definição de planos (com seus objetivos e metas) envolve não apenas a
alocação de recursos, mas também de valores, na medida em que se definem como
esses objetivos são propostos e os recursos são distribuídos.
6 O Projeto AMX
O projeto AMX surgiu na década de 70, a partir um acordo conjunto assinado pelo
Brasil e pela Itália para o desenvolvimento de uma aeronave de ataque. O projeto foi
conduzido por um consórcio entre as companhias italianas Alenia Aerospazio,
Aermachi e a brasileira Embraer. Atualmente, o projeto faz parte do programa
Tecnologia de Uso Aeroespacial que prevê a modernização das aeronaves.
434
A partir de 1981, teve início o desenvolvimento do AMX. Sua apresentação oficial
ocorreu na Itália em 1985 e o primeiro protótipo construído no Brasil realizou seu voo
inicial em outubro desse mesmo ano. Com o cronograma atrasado, somente em
1988 as entregas começaram, com o primeiro exemplar entregue à Força Aérea
Italiana (CAVAGANARI FILHO, 1993). Em 1989 foi realizada a primeira entrega à
FAB, quando o AMX A-1 tornou-se operacional. Sua versão de treinamento, o AMX-
T, passaria a ser entregue em 1990, quando foi também declarada operacional.
Para o autor, o AMX teve um considerável peso nesse endividamento, uma vez que
a média dos investimentos em P&D, de 1983 a 1989, foi de 63% do total dos
investimentos da empresa, sendo que o AMX consumiu a maior parte. A justificativa
para esses investimentos seria a sua aceitação no mercado internacional, pois, de
acordo com uma pesquisa realizada pela coordenação do programa, o mercado
externo poderia absorver em torno de 2500 aeronaves desse tipo e, como o preço
do AMX era considerado bastante competitivo, haveria a possibilidade de se vender
cerca de 600 aeronaves em médio prazo (CAVAGNARI FILHO, 1993).
Frischtak (1992) aponta que embora as forças aéreas brasileira e italiana tenham
sido as clientes iniciais, o AMX foi projetado, desde seu início, com um custo
relativamente baixo, para atender aos mercados de exportação fora dos grandes
435
países desenvolvidos. Para o autor, o AMX provou ser uma aeronave eficiente,
confiável e de fácil manutenção. O principal problema enfrentado pelo projeto seria,
entretanto, as baixas taxas de produção ocasionadas pelas quedas nas
encomendas da Itália e do Brasil, devido à diminuição dos orçamentos de defesa.
Segundo Drouvot (1994), em 1988, após o governo brasileiro ter gasto US$ 170
milhões, reduziu os financiamentos ao projeto devido à sua política de redução do
déficit público. Taveira e Silva (1992) também mostram que o país enfrentou uma
série de dificuldades orçamentárias no desenvolvimento do projeto, reduzindo de 79
para 56 as aeronaves adquiridas no Brasil. Ainda devido aos diversos adiamentos
por questões orçamentárias e à falta de capacidade interna instalada, ―a parte de
competência brasileira na fabricação do motor foi introduzida gradualmente, sendo
que, somente a partir do final de 1991, é que foram criadas as condições para
produção no Brasil de todas as peças da parte que lhe coube‖ (TAVEIRA; SILVA,
1992, p. 21).
Na década de 90, na Itália, o AMX estaria sendo montado à taxa de dois por mês e,
no Brasil, em menos de um por mês. Para Frischtak (1992), ambos os países seriam
capazes de duplicar as suas taxas de produção. Em meados de 1991, os dois
primeiros lotes do AMX foram entregues à Força Aérea Italiana e, do primeiro lote de
30 aviões previsto para a FAB, apenas 10 haviam sido entregues.
436
Concorreu ainda para o insucesso comercial do AMX a retração no mercado bélico
na década de 90, marcada por modificações advindas do pós Guerra Fria. Segundo
Dagnino (2008), nos anos 90, o gasto militar mundial reduziu-se a um terço em
termos reais (entre 1989 e 1996), pois já não se demandavam grandes arsenais de
armas tradicionais e novas práticas comerciais passaram a ser utilizadas no
segmento militar.
Segundo Torres Filho (2007), o Brasil também enfrentou dificuldades para a exportação
do AMX a outro possível mercado consumidor: a Venezuela. Para o autor, parte destas
dificuldades ocorreu devido à interferência do governo norte americano, alegando-se a
existência, no AMX, de diversos componentes fabricados nos EUA.
437
Forjaz (2004) e Bernardes (2000) também apontam que alguns dos progressos
técnicos conseguidos com o AMX foram posteriormente empregados no projeto
ERJ-145, caracterizando a tendência permanente da Embraer de acumular o
aprendizado tecnológico empregado em diferentes e sucessivas ―famílias‖ de
aeronaves.
Para Frischtak (1992), o AMX teve grande significado para a Embraer, pois, com o
projeto, a empresa deixou o seu nicho de mercado tradicional, na tentativa, tanto de
desempenhar um papel importante no fornecimento para a FAB, como para competir
com americanos, franceses e russos. O autor considera que estes não são objetivos
triviais, dadas as descontinuidades tecnológicas envolvidas no projeto e a
diminuição dos orçamentos militares durante o período no qual o AMX foi lançado.
438
Com relação à participação do Estado no setor, Miranda (2007) considera que,
depois do AMX, não surgiu nenhum outro programa de vulto que se voltasse para
um planejamento estratégico com o objetivo de fortalecer as indústrias do setor, mas
apenas alguns mecanismos isolados de diferentes instâncias do governo.
439
120.000.000,00
100.000.000,00
R$ correntes
80.000.000,00
60.000.000,00
40.000.000,00
20.000.000,00
-
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
Previsto Realizado
7 Conclusões
440
para a presença de outras variáveis intervenientes e de maior dificuldade de
mensuração como fatores políticos relacionados à definição de prioridades e de
metas do PPA e a própria gestão interna dos recursos e dos programas.
Referências Bibliográficas
441
CARDOSO, F.H. Aspectos políticos do planejamento. In: MINDLIN, B.
Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2003.
PEREIRA, M.B. A crise da indústria bélica brasileira demonstra que o modelo que a
viabilizou está superado. Teoria e Debate, n. 14, abril/maio/junho de 1991.
Disponível em: <http://www2.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-
debate/edicoes-anteriores/>. Acesso em: 16 out. 2008.
442
SILVA, O. Capacidade de compra das Forças Armadas e sua contribuição para o
desenvolvimento econômico da nação. In: ROCHA, M. Política, Ciência e
Tecnologia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: UNIFA, 2009.
TAVEIRA, N.S. SILVA, A.A. Programa AMX – Uma reflexão. Revista Aeronáutica.
n. 188, p. 20-26. Set./Out. 1992.
443
A CONSTRUÇÃO DO MODELO BRASILEIRO PARA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS
1 Introdução
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de pesquisa cuja
meta é analisar as características principais do que vem sendo designado
modelo brasileiro para atuação em operações de paz e resolução de conflitos. A
opção feita neste trabalho é de averiguar como a ideia de um modelo brasileiro
para operações de paz cria uma nova identidade para o país no cenário
internacional, mas demanda igualmente uma atuação mais ativa do país em
questões de segurança e desenvolvimento, assim como uma reestruturação das
instituições governamentais para execução de tais tarefas. Nesse sentido, o
presente trabalho é dividido em duas seções: primeiro, o debate sobre as
operações de paz, com ênfase específica sobre como tais missões se propõem
resolver conflitos civis e o que a literatura de cunho crítico afirma ser alguma de
suas consequências; segundo, destacaremos o posicionamento e o papel
brasileiro frente ao papel das operações, enfatizando o que analistas afirmam ser
o modelo brasileiro de resolução de conflitos civis
444
pelas disputas estratégico-militares entre EUA e URSS, o grande teatro de
atuação das missões passaram a ser guerras civis, principalmente nos
continentes africano e asiático. Logo, dado o novo ordenamento internacional e
o caráter dos conflitos aos quais as missões eram enviadas, teríamos, segundo
Bellamy, Williams e Griffin (2004), uma tripla transformação na natureza das
operações de paz.
445
no sistema internacional devido majoritariamente ao beneplácito da
comunidade internacional, e ora na ausência de instituições políticas e
econômicas consideradas mais adequadas para o desenvolvimento político e
econômico154. Estas últimas explicações, proeminentessobretudo após os
atentados de 11 de setembro de 2001 enquadram as causas dos conflitos civis
em análises de cunho institucional: o argumento de fundo é a ideia de que boas
instituições incentivam bons comportamentos; más instituições promovem
maus comportamentos.
154
Para uma revisão do debate envolvendo Novas Guerras, Quase-Estados e Estados Falidos, sugerimos
Monteiro (2006). Por outro lado, uma boa revisão da literatura específica sobre guerras civis, em especial as
análises quantitativas, pode ser encontrada em Freire (2011), especialmente os capítulos 01 e 02.
446
lógica e operacional do argumento seria a instrumentalização das missões como
mecanismos para reforma e/ou reconstrução de países. Não à toa, já em 1992, o
então secretário-geral da ONU, Boutros-Boutros Ghali apresentou a seguinte
tipologia para as missões, pensada a partir de quais tarefas as missões deveriam
realizar em campo:
De acordo com Paris (2002), quatro seriam as maneiras privilegiadas por meio das
quais as operações de paz contribuiriam para a promoção de democracias liberais.
Primeiramente, ao formatarem os termos dos acordos de paz, e assim possibilitarem
a incorporação ao processo de elementos que conduziriam a democracia no país.
Em segundo lugar, mediante cooperação técnica, uma vez que em determinadas
155
São as ações empreendidas antes da erupção conflito armado e se caracterizam, na maioria das vezes, em
tentativas de se trazerem os contendores para a mesa de negociações.
156
Posteriormente, em 2000, Lakhdar Brahimi, ao avaliar a experiência das operações de paz durante a década
de 1990 irá apresentar uma nova tipologia. Peacemaking lida com conflitos em andamento, procurando criar
uma trégua por meio da diplomacia e mediação; Peacekeeping é a missão tradicional da ONU, envolvendo
meios militares para o monitoramento de cessar-fogos, mas que no decorrer de sua história incorporou outros
elementos, militares ou não, para criar paz após os conflitos civis; Peacebuilding são as estratégias
implementadas para construir uma paz que seja mais do que a mera ausência do conflito armado, envolvendo a
reintegração de ex-combatentes, treinamento de polícia local e até a construção de estruturas democráticas de
governo. Por fim, em 2008, a ONU publica o documento United Nations Peacekeeping Operations: Principles
and Guidelines, mais conhecido como Doutrina Capstone, cujo objetivo principal é fazer um balanço dos 60
anos da organização e de sua experiência com a construção da paz. Apesar de algumas mudanças, é possível
afirmar com algum segurança que a tipologia das missões mantém-se a mesma.
447
ocasiões as missões acabam por desempenhar papeis de destaque em questões
relativas ao processo de liberalização política e econômica, influenciando desde a
elaboração de políticas públicas, até o funcionamento da economia nacional e a
própria constituição dos países. Uma terceira maneira seria a imposição de
condicionalidades, em associação com organizações como o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial, exigindo que os Estados realizem reformas
políticas e econômicas em troca de ajuda econômica. Por fim, em dados momentos,
muitas das missões acabam por desempenhar tarefas governamentais,
principalmente durante o período em que os países em questão não tivessem
condições para tanto.
São muitas as críticas direcionadas à paz liberal, isto é, o nome dado à forma e ao
conteúdo das operações de paz que almejam construir Estados liberais
democráticos. De particular interesse para a compreensão do papel brasileiro junto
às missões de paz são aquelas que envidam esforços para questionar o conteúdo e
as consequências das missões; logo, num esforço de síntese, podemos dividi-las
entre as que avaliam o papel das operações de paz enquanto reprodutoras da
ordem internacional contemporânea e uma segunda linha que problematiza os
resultados dessas reconstruções.
448
Na primeira linha, estudos como os de Roland Paris (2002) argumentam que as
operações de paz no mundo pós-Guerra Fria podem ser compreendidas como
missões civilizatórias, tais como aquelas realizadas durante a época do imperialismo
europeu dos séculos XVIII e XIX, na medida em que teríamos a globalização de um
modelo de governança doméstica do centro para a periferia, criando assim mais
uma segmentação no sistema internacional: além das divisões entre países oriundas
de diferenças entre poderio bélico e econômico, teríamos também a criação de
divisões relativas à virtude política, dado que alguns países alcançaram o zênite em
termos de desenvolvimento político e econômico, enquanto outros ainda patinam
nessa mesma senda157.
Por sua vez, Michael Pugh (2005) destaca que as propostas de reforma propagadas
pelas missões são na maioria das vezes guiadas por ideias como redução do papel
do Estado, promoção de privatizações e outras recomendações liberais, que na
maioria das vezes perpetuariam uma situação de desigualdade entre centro e
periferia. Ainda segundo este autor, a implementação de políticas desse porte seria
muito facilitada pela representação das sociedades saídas de conflito como
congenitamente incapazes de se autogovernarem, o que proporcionaria as
condições para a criação de novas formas de tutela que inevitavelmente tenderiam a
refletir mais os interesses dos interventores do que da população local. Em suma, a
orientação geral desse tipo de abordagem seria problematizar o conteúdo liberal
embutido nas missões, além de questionar, por exemplo, se as causas dos conflitos
em questão não seriam intrínsecas ao funcionamento do sistema interestatal e do
capitalismo global, e de que forma as operações de paz contribuem para a
globalização de um estado de coisas que longe de encerrar uma situação de
desigualdade, apenas impediria que os problemas da periferia alcançassem as
principais potências do sistema internacional.
157
Apesar dos apontamentos pertinentes, Paris apresentou ao longo dos anos um posicionamento reformador
frente às operações de paz. Em outras palavras, a despeito de críticas relativas à atenção inadequada às condições
institucionais domésticas para o sucesso da democratização e das reformas pró-mercado, a falta de coordenação
entre os diversos atores internacionais envolvidos, a pouca vontade política dos interventores para completar as
tarefas, assim como os recursos exíguos para as missões e a baixa participação da população local nas principais
decisões relativas às reconstruções, dentre outras, Paris (2010) afirma que parece não haver alternativa ao
peacebuilding liberal e que tais missões podem e devem ser reformadas, mas dizer que as mesmas fizeram mais
mal do que bem seria uma acusação no mínimo exagerada.
449
A seguinte linha de crítica refere-se aos resultados da construção de Estados liberais
democráticos. De acordo com Mark Duffield (2009) a paz criada em situações pós-
conflito redundaria na figura do governancestate: um regime de financiamento ou
mecanismo para países dependentes crônicos de ajuda externa que proporcionaria
estabilidade na relação país doador-país receptor, dado que envolve o último na
formatação e distribuição dos recursos, mas dá ao primeiro o controle formal. Avaliação
semelhante é realizada por David Chandler (2006): segundo este autor, ao privilegiar a
construção de instituições políticas pela via externa, e guiadas pelas normas da boa
governança, as atuais operações deixariam pouco espaço para que estas mesmas
instituições desenvolvessem laços com as forças sociais dos países. Dito de outra
forma,fundamentada em práticas de boa governança, direitos humanos e eleições
democráticas, o formato das atuais reconstruções não deixaria espaço para a
autonomia e autodeterminação daqueles para os quais a democracia está sendo
exportada. Em última instância, estaríamos presenciando a constituição de Estados
Fantasmas (Phantom States), cujas instituições possuem financiamento externo, mas
carecem de legitimidade social e política.
É dentro dessa conjuntura de dita crise do modelo liberal para operações de paz e
resolução de conflitos que podemos situar o papel brasileiro. Assim, a pergunta que
merece reflexão é de que maneira o Brasil contribui - ou almeja contribuir - na
discussão sobre o engajamento em missões de paz e resolução de conflitos?
450
Ainda que o estudo tenha um recorte temporal que vai apenas até o começo da
década de 1990, Laura Neack (1995) argumentava que a tendência era que os
principais contribuidores com tropas para operações de paz são países que se
beneficiam do status quo internacional ou potências emergentes que almejam
ampliar sua influência regional e global. Ademais, segundo a autora, a participação
em operações de paz é interessante dado que tais missões apresentam menores
riscos para as Forças Armadas dos países do que guerras em grande escala,
possibilitam treinamento específico e incentivam a modernização do exército, além
de promover a cooperação militar entre os Estados participantes. Os resultados
encontrados por Neack, ao menos num primeiro momento, parecem se encaixar
com o perfil brasileiro de participação em operações de paz, sobretudo até o
governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002). De acordo com o banco de
dados produzido por Rezende (2010), a participação brasileira em operações de paz
da ONU é comparativamente baixa, com exceção da MINUSTAH, que representaria
uma inflexão no comportamento brasileiro, devido ao grande contingente enviado ao
país da América Central.
Tal inflexão é muito vezes analisada por meio das diretrizes da política externa
brasileira. A participação ativa na liderança do contingente militar da MINUSTAH é
tratada a partir dos interesses brasileiros em uma maior participação e efetividade
nas instituições multilaterais como membro rotativo e a aspiração a membro
permanente do Conselho de Segurança da ONU. O empenho dado a este último
elemento provém da interpretação de uma ordem internacional não mais como uma
―nova ordem mundial‖, como disseminada logo após o fim da Guerra Fria, mas do
reconhecimento das estruturas de poder pouco modificadas, aliada à dimensão de
um unilateralismo norte-americano. Este fator acionou no Governo Lula (2003-2010)
elementos tais como o universalismo, o multilateralismo e a autonomia na condução
da política internacional, elementos presentes em outros contextos de atuação
internacional do país e retomados como princípios. Em termos gerais, a perspectiva
de atuação engendrada pelo Governo Lula residiria na forma de atuação
diplomática, uma vez que muitos temas de política externa já faziam parte dos eixos
de atuação do governo anterior Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, os temas
prioritários foram os mesmos que do governo anterior: ampliação do Mercosul,
451
fortalecimento da América do Sul, relações com potências regionais, defesa da
reforma do Conselho de Segurança da ONU, manutenção de relações com Estados
Unidos e Europa e atuação econômica multilateral (LIMA, 2005).
452
(...) i) do ponto de vista da estratégia político-diplomática, a coexistência
entre, por um lado, a disposição de oferecer um apoio de natureza
humanista e, por outro, a busca pelos objetivos maiores de política externa -
elementos que, intuitivamente, parecem ser contraditórios, mas que
demonstram sua compatibilidade discursiva e prática; ii) do ponto de vista
da tática político-diplomática, o compartilhamento de passado comum e/ou
a proximidade geográfica têm sido os critérios de seleção das operações
em que o Brasil deseja ter um envolvimento mais ativo; e iii) do ponto de
vista do padrão de ação dos capacetes azuis brasileiros no terreno, a
transcendência das tarefas puramente militares para atuar sobre as causas
profundas do conflito, por meio da prestação de assistência humanitária,
promoção de direitos humanos, assistência à criação das condições para a
promoção do desenvolvimento e o apoio à construção de instituições
estatais democráticas.
Tamanha ambição, reconhecida inclusive pelas autoridades do país, não está isenta de
problemas e contradições. Hamann (2012) argumenta que, a despeito da disseminação
de uma modelo de atuação próprio que mesclaria iniciativas militares com programas
de desenvolvimento econômico e social, ainda há falta de diálogo entre a comunidade
de profissionais que trabalham com cooperação técnica para o desenvolvimento
internacional e aqueles empenhados com manutenção e consolidação da paz. À guisa
de exemplificação, a autora afirma que apesar do discurso oficial destacar a
operacionalização do modelo brasileiro que congrega segurança e desenvolvimento em
missões como as do Haiti e na Guiné-Bissau, na prática, contudo, encontramos apenas
10 civis brasileiros envolvidos nessas missões.
453
Ademais, a cooperação técnica prestada pelo país ainda é na maioria de iniciativa
bilateral, isto é, a originalidade brasileira que seria justamente o aporte da visão
desenvolvimentista para a resolução de conflitos depende mais de acordos bilaterais
entre Brasil e o país receptor, e menos do que uma estratégia política
paraconstrução da paz que traz consigo a necessidade da conexão entre segurança
e desenvolvimento. Não menos importante, há de se destacar que, a despeito das
afirmações celebrando o êxito do modelo brasileiro para a estabilização do Haiti,
trata-se de uma missão brasileira em campo, levando a questionamentos sobre a
possibilidade de aplicação dessa visão em circunstâncias distintas daquelas
encontradas até o presente momento. Assim sendo, inobstante as divergências
sobre a falência do modelo liberal e o potencial sobre um possível modelo brasileiro
de resolução de conflitos e construção da paz, salvo melhor juízo, as justificativas
até aqui arroladas são elementos nada desprezíveis para um estudo sobre o
engajamento brasileiro em operações de paz.
454
4 Conclusão
Referências Bibliográficas
DINIZ, Eugenio. Brazil: Peacekeeping and the evolution of foreign policy. In: FISHEL,
John; SAENZ, Andrés. Capacity Building for Peacekeeping: the case of Haiti.
Washington D.C: NDU press, 2007.
455
FREIRE, Danilo. Entre urnas e armas: a competitividade do poder executivo e
as guerras civis, 1976 – 2000. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), 2011.
HELMAN, Gerald; RATNER, Steven. Saving Failed States. Foreign Policy, n. 89,
1993, p. 3-18.
KALDOR, Mary. New and Old Wars: organized violence in a Global Era. Stanford:
Stanford University Press, 1999.
LIMA, Maria Regina Soares de. Política Externa e os Desafios da Cooperação Sul-
Sul. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, v. 48, n. 1, p. 24-59,
2005.
OWEN, John. How liberalism produces democratic peace. In: BROWN, Michael
(org.). Theories of war and peace. Cambridge: MIT Press, 2000.
456
____. Saving Liberal Peacebuilding. Review of International Studies, v. 36, 2010,
p. 337-365.
457
Simpósio Temático 06
Dennison de Oliveira158
O caso dos ex-combatentes das duas guerras mundiais foi objeto de extensa
produção e legou e tem legado vasta bibliografia. Neles o foco é no impacto da
reintegração dos ex-combatentes na cultura e na política do contexto pós-guerra,
com referência a diferentes cenários nacionais. Os casos da Primeira Guerra
Mundial, Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial e Guerra do Vietnã são
os que tem recebido dos pesquisadores maiores atenções.
158
História- UFPR
458
combatentes da Primeira Guerra Mundial também atraíram interesse pelo seu
impacto político, absolutamente sem paralelo. Seja em organizações de direita na
Itália, Alemanha, etc. ou de esquerda como na Rússia, os ex-combatentes estavam
no centro mesmo das transformações políticas de seu tempo, tanto como causa
quanto como consequência destas. Sobre esse último aspecto da questão a
literatura disponível é volumosíssima e parece crescer ainda mais a cada ano.
Uma das preocupações centrais dos pesquisadores tem sido compreender a relação
entre o contexto institucional interno a cada nação, o estatuto de cidadania vigente e
a relação que cada cultura nacional mantém com a história e a memória das
guerras. Este trabalho se dedica a examinar essas questões com referência a
literatura que se dedica a estudos de casos nacionais numa base comparativa,
englobando a experiência brasileira e a norte-americana.
459
Será enfatizado nesse texto esse último ponto. O autor nota a diferença na relação
de direitos e deveres que os cidadãos mantém com o Estado, base de toda
cidadania. No Brasil é enfatizada a experiência coletiva com a Guerra do Paraguai
contra a Tríplice Aliança de Brasil, Argentina e Uruguai. O processo de reintegração
social dos ex-combatentes foi em boa medida negligenciado pelo Estado, ocorrendo
simultaneamente uma intensa mobilização política e partidária dos quadros que
permaneceram no Exército, geralmente oficiais de carreira. Com a crescente
insatisfação dos militares com o regime o resultado foi o golpe militar de 15 de
novembro de 1889 que extinguiu a Monarquia e proclamou a República. Como
resultado, segundo o autor ―ficaram mais sublinhados o receio das autoridades pelo
protagonismo político dos combatentes do que o reconhecimento dos deveres da
sociedade e do Estado para com os veteranos de guerra‖ (FERRAZ, 2011, p. 42).
460
[...] a constatação de que a melhor forma de evitar a contaminação do país
pelo conflito social seria reconhecer que o Estado federal tinha o dever de
indenizar aqueles que fizeram o sacrifício de sangue pela pátria, mas de
forma a torná-los cidadãos produtivos, e não uma casta privilegiada ou
dependente das finanças públicas (FERRAZ, 2011, p. 44).
Teria sido essa, então, uma das principais bases de formulação do Servicemen‘s
Readjustment Act de 1944, também conhecido como GI Bill.
Foram escolhidas algumas obras publicadas no século XXI que sintetizam o atual
estagio dos debates entre os pesquisadores e acadêmicos norte-americanos que
estudam o processo de reintegração social dos veteranos de guerra. O foco desses
autores tem sido o estudo das origens e efeitos do GI Bill, como é conhecido o
Servicemen‘s Readjustment Act de 1944. O GI Bill é largamente reconhecido como
uma das mais importantes e bem sucedidas políticas públicas dos EUA na
contemporaneidade. Em sua origem ele previa seguro desemprego para os
veteranos; empréstimos subsidiados para aquisição de casa própria, negócios e
terras; e, o mais importante, amplos e generosos subsídios para financiamento à
educação. O fomento à educação era, de fato, o ponto mais importante dessa
política, na qual estavam previstos o financiamento do acesso dos ex-combatentes a
cursos tanto de nível superior quanto secundária, incluindo tanto os de perfil
profissionalizante quanto o treinamento em serviço. Os autores aqui examinados
discutem as origens do GI Bill, seus impactos e apontam perspectivas futuras de
estudos que podem ser úteis aos pesquisadores brasileiros.
461
Um primeiro grupo de obras examinadas se caracterizam por uma visão
extremamente positiva tanto dos efeitos GI Bill quanto do processo político que o
originou. Estas obras tendem a enfatizar o caráter de ―terra de oportunidades‖ que
tradicionalmente é associado aos EUA, insistindo na abrangência do efetivo
populacional atingido pela lei e no efeito positivo que legou na vida na grande
maioria das pessoas por elas atingida. Os números mais impressionantes são
aqueles das estatísticas educacionais, em particular as que se referem ao pessoal
de nível superior. Os números são de fato impressivos e fica fácil perceber como
essa política se transformou num autêntico ícone político norte-americano:
Uma característica comum a estas obras, bem como outras lançadas a partir daí
(GREENBERG, 1997) é o amplo recurso à fontes de história oral, seja sob a forma
de entrevistas, seja de questionários. Ouvir os ex-combatentes propiciou aos
pesquisadores formar um amplo painel das mudanças sociais e culturais que a
462
democratização do acesso à educação propiciou. Se tornaram frequentes nessas
obras a menção a pessoas que se tornaram as primeiras em suas famílias e
comunidades a ingressarem em uma Universidade. Destas, a maioria logrou
ascender socialmente, marcando uma enorme revolução no que diz respeito às
expectativas de vida da geração de seus genitores.
Na primeira década do século XXI o foco dos autores se voltou tanto para a
pesquisa das origens do GI Bill quanto de seus efeitos posteriores. Uma obra
recente (METTLER, 2005) discute o papel da administração Roosevelt na
criação dessa política, apontando suas ambiguidades. Embora tido usualmente
como assumindo um papel oposto ao de seu antecessor, Roosevelt também se
opôs à extensão dos benefícios para os ex-combatentes, fazendo o foco da
Política do New Deal os trabalhadores industriais urbanos, e não os veteranos
de guerras passadas. Para os veteranos da Segunda Guerra Mundial a
administração federal previa políticas muito mais restritas de fomento à
reintegração social do que a versão final do GI Bill previa. Foi no Congresso
Americano que o GI Bill ganhou afinal sua versão mais generosa, resultado de
uma estranha coalizão de liberais e conservadores.
463
graças ao GI Bill. Mas esses autores (ALTSCHULER; BLUMIN, 2009) chamam a
atenção para o fato de que uma parte substancial dos veteranos de Guerra jamais
demandaram qualquer auxílio por parte do Estado a que fariam jus segundo o GI
Bill: são três milhões de ex-combatentes. Notam também que cerca de outros seis
milhões de veteranos teriam apelado apenas duas ou três vezes aos benefícios a
que tinham direito conforme a lei.
O que se pode deduzir do exame dessa literatura mais recente que se dedica ao
estudo do processo de reintegração social dos ex-combatentes nos EUA após a
Segunda Guerra Mundial? Tratam-se de reavaliações importantes, que servem
para chamar a atenção dos pesquisadores para o conjunto mais amplo de fatores
que estão a influenciar todo processo e, portanto, são úteis a todos que se
dedicam a esses estudos.
Referências Bibliográficas
AGUILAR, Paloma. Agents of memory: Spanish Civil War veterans and disabled
soldiers. In: WINTER, J.; SIVAN, E. (Orgs.) War and remembrance in the
twentieth Century. Cambridge: University Press, 2000, p. 84-103.
ALTSCHULER, Glenn C.; BLUMIN, Stuart M. The GI Bill: a New Deal for veterans.
Oxford: Oxford University Press, 2009.
BALL, Simon. The bitter sea: the brutal world war II fight of the Mediterranean.
London; Harper Press, 2010.
BENNETT, Michael J. When Dreams Came True: the GI Bill and the making of
modern America. Montreal: Brassey, 1996.
______. Obra mostra brasileiros nas forças nazistas. Folha de São Paulo, Caderno
Ilustrada, seção livros, coluna Saiba Mais, p. E 6. São Paulo, 12 de abril de 2008.
464
BOSCHILIA, Roseli. O cotidiano de Curitiba durante a II Guerra Mundial. Curitiba,
Fundação Cultural de Curitiba, 1995. Boletim informativo da Casa Romário
Martins, v. 22, n. 107, out. 1995.
CAMARGO, Aspásia; GOES, Walder de. Diálogo com Cordeiro de Farias: Meio
Século de Combate. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
CARVALHO, José Murilo de. Forças armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro:
Zahar, 2005.
COSTA, Otavio. Trinta anos depois da volta: o Brasil na Segunda Guerra Mundial.
Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1976.
EDELE, Mark. Soviet Veterans of the Second World War: A Popular Movement in
an authoritarian society, 1941-1991. Oxfor: Oxford University Press, 2008.
465
FERRAZ, F. C.; LOCASTRE, A. V. O ceticismo da memória: considerações sobre
narrativas de dois veteranos da Força Expedicionária Brasileira. Militares e Política,
n.º 2 (jan-jun. 2008), p. 81-98.
HUMES, Edward. Over here: how the GI Bill transformed the American dream.
Orlando: Harcourt Books, 2006.
_____. A guerra que não acabou: a reintegração social dos veteranos da Força
Expedicionária Brasileira (1945–2000). Tese Doutorado História Social. São Paulo:
USP, 2002.
GREENBERG, Milton. The GI Bill: the law that changed America. Washington: Lickle
Pub Inc, 1997
HOBSBAWN, E. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
KRIGER, Norma J. Guerrilla veterans in post war Zimbabwe: symbolic and violent
politics (1980-1987). Disponível em http://catdir.loc.gov/catdir/samples/
cam033/2002031404.pdf. Acesso em 29 fev. 2012.
MAXIMIANO, César Campiani. Onde estão nossos heróis: uma breve história dos
brasileiros na 2ª. guerra. São Paulo, 1995.
METTLER, Suzanne. Soldiers to citizens: the GI Bill and the Making of the Greatest
Genereation. Oxford: OxforfdUniversity Press, 2005.
466
MOCELIN, K. D. Memórias de Guerra: trajetória da FEB na Segunda Guerra
Mundial. Monografia de Conclusão de Curso de História. Curitba: UTP, 2009.
MORRIS, Eric. Circles of hell: the war in Italy 1943-45. New York: Crown
Publishers, 1993.
______,Raça, ciência e a psiquiatria militar brasileira. In: Portugal - Brasil: uma visão
interdisciplinar do Século XX, 2003, Coimbra. Atas do Colóquio Portugal - Brasil:
uma visão interdisciplinar do Século XX. Coimbra,Quarteto, 2003. v. 1. p. 459-474.
______. Cultura e Poder nas das cerimônias militares das Forças Armadas
Brasileiras: o caso de Monte Castelo. Revista de Ciências Humanas, Curitiba, v. 9,
p. 31-56, 2000.
_____. Os sargentos alemães de Vargas: o caso de Max Wolff Filho. In: Dennison
de Oliveira. (Org.). Memória, Museu e História: Centenário de Max Wolff Filho e o
Museu do Expedicionário. 1ed. Rio de Janeiro: Centro de Estudos e Pesquisas de
História Militar do Exército, 2012, p. 45-51. Disponível em:
http://www.humanas.ufpr.br/portal/historia/files/2013/01/livro_memoria_museu_histori
a.pdf. Acesso em 29 fev. 2012.
ORTIZ, Stephen R. Beyond the bonus march and GI Bill: how veteran politcs
shaped New Deal Era. New York: New York University Press, 2010.
467
PINSKY, J.; PINSKY, C. B. (org.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2010.
PHILLIPS, Sarah D. "There Are No Invalids In The USSR!": A Missing Soviet Chapter
In The New Disability History. Disability Studies Quarterly, v. 29, n. 3, 2009.
PROST, A. The algerian war in french collective memory. In: WINTER, J.; SIVAN, E.
(orgs.) War and remembrance in the twentieth Century. Cambridge: Univesity
Press, 2000, p. 161-176.
468
The Vietnam War and Its Impact - American veterans. In: Encyclopedia of the New
American nation. Disponível em: http://www.americanforeignrelations.com/O-W/The-
Vietnam-War-and-Its-Impact-American-veterans.html#b. Acesso em 03 mar. 2012.
VAN HELS, Mark David. To hear only thunder again: America's World War II
veterans come home. Lexington Books, 2001.
469
OS MECÂNICOS DA FEB: EXPERIÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES
No caso da FEB, essa deficiência podia ser visível na formação de sua unidade que
seria responsável pela manutenção do equipamento utilizado: a Companhia de
Manutenção Leve (CMtL). Composta através da convocação de reservistas
previamente classificados por suas especialidades profissionais (civis), a unidade
teve, no entanto, problema devido a esse processo de registro dos reservistas, como
relata seu comandante, o capitão (cavalaria) Gilberto Pessanha:
159
Mestre em Estudos Estratégicos pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos, Segurança e
Defesa (PPGEST-UFF). Pesquisador no INEST – Universidade Federal Fluminense.
470
É interessante notar, no entanto, que os reservistas convocados como
mecânicos, visto assim estarem qualificados pelo serviço de recrutamento,
exerciam de fato, na vida civil, as funções mais diversas desde a de
empregado em casas de bicicleta de aluguel, montadores de fechaduras,
torneiros, repetidores de subestações telefônicas, técnicos de radio às de
mecânico de automóveis, propriamente, que era a capacidade que se
necessitava. (Pessanha, 1945, p. 1).
A unidade, portanto, viu-se com seu efetivo na mais básica capacitação para sua
tarefa (em alguns casos, nem mesmo o básico), no melhor caso. A necessidade em
levar esse efetivo para o teatro de operações com capacidade de cumprir suas
funções – reparo e manutenção de equipamentos, veículos e armas - com pelo
menos a mínima eficiência obrigou à busca de uma solução rápida.
Exceto poucos homens [...], todos os demais foram aproveitados quer por
meio de instrução e treinamento ministrado na própria companhia, quer por
meio de cursos realizados no Centro de Instrução Especializada. [...] Outra
parte difícil na organização da companhia foram a formação de mecânicos
de artilharia e de instrumentos. [...] transformou-se ferreiros e torneiros em
mecânicos de artilharia e relojoeiros em reparadores de instrumentos de
observação e de tiro. [...] Para formar os especialistas em instrumentos
óticos e de tiro, foram conseguidos 2 relojoeiros que, após um estagio no
arsenal do Rio e no Serviço Geográfico, ficaram em condições de
desempenhar tais funções (Pessanha, 1945, p. 2).
471
curso da Escola de Motomecanização, sendo destes somente 4 o curso de
mecânico.‖ (Pessanha, 1945, p. 3).
O Capitão Pessanha cita, ainda, que esse problema não era apenas devido à
formação da unidade para a FEB, mas uma questão da formação dos arsenais do
EB e suas localizações, que dificultavam já em tempo de paz o trabalho
especializado de reparo e manutenção dos equipamentos, realizado por equipes
civis a serviço de militares nessas localidades (Pessanha, 1945).
472
dois últimos escalões – foi realizada com sucesso. Entretanto, as funções
relacionadas ao primeiro escalão, formado pelos motoristas da FEB, não eram
cumpridas pelas unidades. Esse problema, segundo Pessanha, era devido
principalmente à precária formação dos motoristas brasileiros, e aumentou
consideravelmente o trabalho da CMtL durante a campanha.
O capitão ainda destaca alguns pontos interessantes a respeito dos danos nas
viaturas: as viaturas que mais quebravam ou ficavam em pior estado de
funcionamento eram as relacionadas aos comandos das unidades da FEB, devido
tanto ao seu constante uso quanto ao terreno extremamente difícil e tortuoso da
região Italiana, por onde elas circulavam.
473
normas básicas de conservação dos mesmos. Além dessa função, eles podiam
realizar pequenos reparos necessários e acelerar os processos de requisição de
peças e de conserto mais pesados, o que reduzia o trabalho no parque da CMtL.
Ao final da campanha, que durou 307 dias, a CMtL havia realizado 2781 reparos de
viaturas (excluindo dessa conta reparo em reboques e manutenção de
equipamentos fora da sua alçada, como fogões de campanha, geradores e outros
utensílios), e também de 3310 reparos de armamentos. Considerando o trabalho de
sua companhia um sucesso apesar dos problemas técnicos e de efetivo, o capitão
Pessanha ressaltou brevemente, ao final de seu relatório, o contato constante com
as unidades do exército estadunidense que os auxiliavam, além dos ensinamentos
obtidos com a experiência nos onze meses de campanha (Pessanha, 1945).
Nos anos seguintes, pôde-se perceber que a atuação da FEB trouxe ao Exército
uma nova necessidade: preparar sua força para a guerra mecanizada e
especializada que predomina até os dias atuais. A organização do EB sofreu nesse
período mudanças doutrinárias, saindo da influência da MMF e recebendo as
doutrinas militares estadunidenses, além de seu equipamento bélico.
474
Entre essas carreiras, o Quadro de Material Bélico, em especial, pode ser
considerado uma resposta às necessidades passadas pela CMtL durante a
campanha da FEB. Comparando com o exército dos EUA, temos o Ordnance
Corps160(cujas unidades atuaram estreitamente com a CMtL durante a campanha),
que cumpre funções nos EUA similares às que o QMB passou a exercer no Brasil.
Buscar a relação entre a formação dessa nova carreira no EB com a influência dos
EUA será o passo seguinte da pesquisa.
Referências Bibliográficas
160
O Ordnance Corps é um dos quadros de carreira mais antigo e tradicional do exército dos EUA, originado em
1812. Foi formado pela necessidade de se ter um corpo de oficiais especializados em pesquisa, aquisição e
manutenção de armas e demais equipamentos para o exército. Tornou-se um núcleo de incentivo a inovação
militar e à busca de tecnologias para o campo de batalha. Cresceu em importância e recursos durante a II Guerra
Mundial, e ainda é um dos grupos de oficiais mais técnicos das forças armadas dos EUA.
475
O PENSAMENTO MILITAR BRASILEIRO EM FACE DA BLITZKRIEG
1 Introdução
O Carro de Combate surgiu durante a Primeira Guerra Mundial, lançado aos campos
de batalha pelos britânicos em 1916 (Batalha do Somme), e as duas décadas
161
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança – UFF-INEST
476
seguintes seriam marcadas por um intenso debate entre militares de diversos países
a respeito do verdadeiro papel desta nova arma.
162
Caso de Ernest Swinton, um dos organizadores da força de carros de combate britânica, que imaginou
empregá-los ao longo de toda a frente alemã, logo em abril de 1916, de forma independente da infantaria. No
entanto, apesar de inovadora para aquele momento, sua ideia pressupunha um problema que dificultaria o avanço
dos carros: ele não abria mão de uma poderosa barragem de artilharia, o que dificultaria o avanço dos carros
(muito frágeis nesse primeiro estágio de emprego) pelos destroços resultantes do poderio destruidor das baterias
da Artilharia britânica.
477
No entanto, apesar da resistência da maioria dos oficiais das armas tradicionais a
esta nova ferramenta (sobretudo ofensiva), muitos entendiam que o Blindado
mudara para sempre a face da guerra, e que seu impacto seria irresistível. Havia
uma reflexão intensa entre os militares sobre o problema, e as mudanças
introduzidas por esta nova arma causariam tremendo impacto nas forças armadas,
por alterarem as doutrinas e a configuração dessas instituições.
478
3 Grã-Bretanha
4 França
O livro de De Gaulle foi amplamente lido pelos alemães, chegando a ser indicado por
Hitler para seus oficiais. ―Está fora de dúvida a influência exercida pelo livro de De
Gaulle sobre a organização do Panzerkorpsgermânico. Bem expressiva é, a esse
479
respeito, a extraordinária semelhança entre a ‗divisão blindada‘ proposta em 1933 por
De Gaulle e a ‗Panzerdivisionen‘ modelo 1935‖ (BERQUO, inGAULLE, 1996, p. 18).
A luta de De Gaulle por uma doutrina que entregasse aos blindados o papel de
―punho‖ na batalha foi infrutífera e a França pereceu em seis semanas diante da
invasão alemã de maio de 1940, mesmo detendo superioridade em número de
blindados (WILLIAMS 1974, p. 16-17).
5 Alemanha
480
Von Seeckt, apostou nos oficiais oriundos do Estado-Maior, instituição tradicional e
modelo de suas análogas pelo resto da Europa, em detrimento dos oficiais
veteranos de linha de frente – os ―heróis de guerra‖ –, e dos oficiais com conexões
às altas esferas do poder e da sociedade alemã. Essa orientação visava o preparo
intelectual dos oficiais que seriam os futuros líderes do Exército alemão. Estes
oficiais, capacitados para decidir em meio à ação, dentro da velha tradição do
Estado-Maior datada dos tempos de Möltke, estavam inseridos em um projeto cujo
objetivo era compor um quadro de oficiais capazes não apenas de cumprirem
ordens, mas de adaptá-las às condições legadas pela fricção inerente à batalha,
conforme expôs Clausewitz (2010). Ou, ainda, capazes de agir independente delas,
a fim de não perder oportunidades preciosas.
Desta forma, as ordens enviadas pelo comando superior deveriam ser cumpridas,
mas a forma de execução era de escolha pessoal do oficial que as recebia. Além
disso, havia abertura para discussão das ordens em qualquer esfera do comando, o
que estimulava a reflexão sobre as questões táticas, operacionais e até estratégicas
na mentalidade dos oficiais de todas as patentes.
Durante todo esse período, essa instituição conseguiu produzir muitas reflexões
profundas e técnicas sobre esses problemas, e desse cenário emergiram as
concepções que viriam a formatar a doutrina sobre guerra mecanizada forjadora das
Divisões Panzer, inspirada, também, em reflexões de observadores estrangeiros,
principalmente Liddell Hart, Fuller e De Gaulle. Tais reflexões, praticamente
ignoradas em seus respectivos países, foram muito lidas entre os alemães, e foi,
ironicamente, no processo de rearmamento alemão que suas idéias alcançaram a
481
práxis. Foram instituídos vários comitês para o estudo dessas questões, e os
resultados foram a assimilação de um entendimento aprofundado sobre os
problemas deixados pela Primeira Guerra Mundial e suas possíveis soluções.
Mais de uma década antes da ascensão nazista ao poder (que em muito favoreceria
o processo de desenvolvimento das Divisões Panzer), sob a vigência do Tratado de
Rapallo (1922), os alemães desenvolveram em cooperação com os russos tudo que
lhes era vetado pelo Tratado de Versalhes (1919), inclusive suas divisões blindadas
(LEACH, 1974). Como lhes era proibida a construção de armas pesadas, tais como
blindados e aviões de guerra, o treinamento das Divisões Panzer foi realizado com
veículos improvisados, como tratores. Apesar de não terem as armas, os alemães
desenvolveram nessas experiências asdoutrinas que lhes proporcionariam enormes
vantagens em 1939.
Assim, o Estado-Maior alemão desenvolveu as doutrinas de ataque que até hoje norteiam
as operações terrestres das forças militares convencionais. A ação conjunta entre as
forças em terra, lideradas pelas formações blindadas, e o poder aéreo, funcionando como
artilharia móvel avançada, em contato íntimo, via rádio, com os oficiais em terra,
caracteriza a essência da Blitzkrieg, e, quando a guerra começou, os alemães estavam
bastante adiantados no domínio desse novo modelo (CITINO, 2004).
6 União Soviética
163
As primeiras manobras desde o armistício de 1918.
482
mecanização na URSS em paridade com o que estava então sendo realizado na
Alemanha. O artigo se fundamenta em análises produzidas por observadores
franceses.
Nesta época, segundo Alves (1964: 205), a URSS possuía cerca de dez mil carros
de combate, que passaram a ser organizados em um grupamento por cada Divisão.
Muitos desses modelos eram mais pesados e bem armados que os seus
equivalentes alemães, destacando-se o T-34, que em 1941 já estaria à disposição
das unidades mecanizadas soviéticas e teria grande destaque na guerra, sendo, por
muitos, considerado o melhor Carro de Combate da Segunda Guerra Mundial.
483
As conseqüências da decisão de acabar com os Corpos Mecanizados só seriam
percebidas em 1940, durante o conflito com a Finlândia, que impôs ao Exército
Vermelho enorme humilhação diante do mundo, somente superada por meio do
emprego maciço de reforços contra o pequeno país. Só a partir daí, os Corpos
Mecanizados seriam novamente desenvolvidos, e encontrar-se-iam ainda em
estágio incipiente de desenvolvimento em 1941, quando o Exército Vermelho teve
de lutar para sobreviver diante da invasão alemã.
7 A Blitzkrieg
484
realizada com todos os meios disponíveis contra as posições de maior
vulnerabilidade do dispositivo inimigo, liderada por forças poderosas, como uma
unidade blindada. Por isso, se umataque lançado é rechaçado, as forças alemãs não
insistem e recuam, e não procuram forçar a passagem, para então se reagruparem e
atacarem onde for mais conveniente.
485
No entanto, apesar dessas constatações e reflexões sobre o despreparo militar
brasileiro frente às novações introduzidas pelas forças alemãs nos níveis tático e
operacional, há posicionamentos conservadores, defendendo as armas tradicionais
como líderes na ação segundo a ortodoxia legada pela guerra de trincheiras. É
particularmente esse o debate que nos é relevante aqui. Como em qualquer
instituição militar mundo afora, o Exército brasileiro também sediou um debate a
respeito dessas inovações.
As instituições militares têm como característica uma rigidez ainda maior que outras
instituições, visto que são baseadas primordialmente na hierarquia e disciplina.
Qualquer mudança que altere significativamente o aparato, a doutrina, em suma, o
seu funcionamento, deve passar por um caminho árduo até sua implantação. Como
mostrado anteriormente, somente na Alemanha a chefia política mostrou-se
especialmente interessada em alavancar o processo de inovação, caso raro e de
grande especificidade. Nos demais países somente a experiência foi capaz de
produzir a mudança.
A despeito de nossa modernização militar ter sido orientada pelos EUA a partir dos
anos 40 (notadamente, a partir de 1942), é preciso entender como pensavam
nossos militares nesse momento imediatamente anterior, quando as vitórias alemãs
agridem tudo que nos era caro em termos de doutrina tática e operacional. Entre o
primeiro ano da Segunda Guerra Mundial e a aliança com os EUA, há um período de
três anos que corresponde justamente ao auge das operações alemãs, e cujodebate
é o objetivo deste trabalho analisar.
486
Pessoa, que havia servido junto aos franceses durante o conflito, ficara bastante
impressionado com o advento do engenho blindado, que entrou em ação na
segunda metade da Guerra, e advogou pela compra de 23 carros Renault, de
fabricação francesa, para a formação da Primeira Companhia de Carros de Combate
do Exército brasileiro (ALVES, 1964, p. 392).
Nos anos 1935/36 teve início um debate nos meios políticos e militares brasileiros
sobre a modernização das Forças Armadas, cujo resultado, para o Exército, foi a
compra de alguns carros de combate italianos que haviam sido observados por
adidos militares brasileiros na campanha da Abissínia, em 1936 (1964: 393).
Assim, a situação do Brasil, bem como de grande parte do mundo, era, nos anos
imediatamente anteriores à Segunda Guerra Mundial, a seguinte: havia uma
preocupação incipiente com a aquisição de blindados sem, no entanto, maiores
esforços no sentido de dar preferência a eles, e tampouco havia reflexões
aprofundadas e novidadeiras acerca do uso operacional desta arma.
Um segundo artigo da mesma edição (nº 266, de Julho de 1936) traduz um trabalho
publicado em uma publicação do Exército francês sobre o problema da contra-
487
bateria (CAMARA, 1936), enfatizando o papel da artilharia ainda sob a vigência de
idéias forjadas na Grande Guerra, quando esta arma teve, provavelmente, o seu
auge no campo de batalha.
488
Infantaria ao invésdesubordinados a esta tradicional arma. O texto menciona o
emprego dos carros de combate pelos italianos na Abissínia e cita o General Fuller,
segundo o qual ―o aparecimento do carro de combate traduziu a mais segura reação
à guerra de trincheiras‖ (COELHO, 1936, p. 128).
Não obstante o fato do artigo citado acima ser de visão realmente novidadeira sobre
o problema da mecanização quando comparado ao que se vinha pensando a
respeito desse problema no Brasil, não restam dúvidas de que se trata de uma
exceção à regra. Como as fontes deixam claro, a orientação só muda de forma
estrutural a partir do começo da guerra, quando os estados-maiores do mundo,
sobretudo das grandes potências, passaram a estudar, de forma apreensiva, as
campanhas alemãs.
489
Em junho de 1940, enquanto o mundo observava atônito o esfacelamento do
Exército francês diante do implacável ataque alemão, A Defesa Nacional publicou
uma tradução de um artigo originalmente publicado na Revue de Questions de
DefenseNacionale sobre as operações alemãs na Polônia, com ênfase nas
operações das Divisões Panzer, com elevado grau de detalhamento (Neto, 1940:
551-572). Em agosto do mesmo ano, no artigo A Motomecanização e o espírito
da cavalaria, o então Tenente Moacyr Ribeiro Coelho expõe sua estupefação
diante da Blitzkrieg:
10 Conclusão
490
ou nenhuma atenção no Brasil. Não obstante, houve intensa reflexão sobre o
problema por parte da elite intelectual do Exército brasileiro.
A queda da Polônia, uma das potências militares européias, foi motivo de catarse
entre a inteligência militar mundial. Um ano depois, a queda da França marca um
episódio ainda mais decisivo para uma guinada nas concepções sobre Carros de
Combate então adotadas pelo Exército brasileiro, emuladas dos manuais franceses.
Até esses eventos, o Blindado havia sido introduzido no Exército brasileiro pensado
como instrumentação necessária à reanimação da Infantaria como força atacante.
Carros foram adquiridos em basicamente dois momentos, um imediatamente após a
Primeira Guerra e outro em 1936, após a campanha italiana na Abissínia. No
entanto, não foram adquiridos nem o suporte logístico necessário ao pleno
funcionamento e emprego dessas armas, tampouco foram pensadas ou assimiladas
as idéias mais ousadas e novidadeiras a respeito dessa inovação.
491
Referências Bibliográficas
492
GUDERIAN, Heinz. AchtungPanzer!. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2009.
____. Divisões Panzer – Os Punhos de Aço, Rio de Janeiro, Editora Renes, 1974.
WILLIAMS, John. França – 1940, a catástrofe. Rio de Janeiro: Editora Renes, 1974.
493
AS VISÕES DA IMPRENSA ESCRITA BRASILEIRA: “O ESTADO DE SÃO PAULO” E A
“FOLHA DE SÃO PAULO” NA COBERTURA DA GUERRA DO GOLFO (1990-1991)
1 Introdução
A Guerra do Golfo, para melhor ser compreendida, pode também ser analisada sob
a ótica da imprensa. Nos capítulos anteriores, estudou-se como a CNN, canal de
notícias televisivas, cobriu o aludido conflito. Foi a CNN como canal de notícias de
televisão que noticiou, ao vivo, as principais notícias e fatos da guerra.
Para tanto, ressalta-se que o jornal ―O Estado de São Paulo‖ possui uma posição
ideológica e política assumidamente de defesa dos princípios liberais. Já a ―Folha de
São Paulo‖, apesar de aparentar ora ser um jornal ligado mais às idéias da
esquerda, não tem uma posição oficialmente definida, mas os seus editoriais deixam
claro que talvez seja mais liberal do que ela possa querer demonstrar. Então, os
princípios liberais voltados para as relações internacionais, acabaram verificando-se
nos editoriais dos mencionados periódicos.
Desse modo, o presente artigo tratará, de forma geral como os editoriais dos jornais
―O Estado de São Paulo‖ e ―Folha de São Paulo‖, observaram e verificaram a Crise
e a Guerra do Golfo, entre os meses de julho de 1990 e março de 1991. Tal temática
é oriunda da dissertação de mestrado, que foi realizada, na Universidade Estadual
de Maringá (UEM), sobre a Guerra do Golfo cujo tema foi ―Tempestade no Iraque: a
Guerra do Golfo, a Política Externa dos Estados Unidos, a Historiografia Militar e a
164
Doutorando em História Social, Universidade de São Paulo - USP
165
Doutorado em História Social, Universidade de São Paulo - USP
494
Imprensa Escrita Brasileira (1991)‖, defendida em 2008. Ressalta-se que a cobertura
realizada pelos jornais ―Folha de São Paulo‖ e ―O Estado de São Paulo‖ na Guerra
do Iraque, em 2003, ainda não será abordada nesse trabalho, pois a pesquisa ainda
está sendo feita no âmbito do desenvolvimento do Curso de Doutorado em História
Social, da Universidade de São Paulo (USP), desde o ano de 2012.
Dia 2 de agosto de 1990, era ainda madrugada nas areias do deserto onde se
localizava a fronteira entre Iraque e Kuwait, quando as tropas iraquianas cruzaram-
na e invadiram o pequeno território do Kuwait.
Mais de cinco meses depois, no dia 17 de janeiro de 1991, já era noite em Bagdá,
quando os primeiros mísseis estadunidenses cruzaram os céus da cidade das mil e
uma noites. Começava, então, a Guerra do Golfo, com o bombardeio maciço dos
aviões aliados sobre as principais cidades iraquianas e sobre o Kuwait ocupado
pelas tropas do Iraque.
O mundo todo através da CNN (canal exclusivo de notícias dos Estados Unidos) viu
em tempo real, instantaneamente, a guerra, as bombas ―inteligentes‖, os
bombardeios cirúrgicos e todo o incrível aparato tecnológico estadunidense e seus
aliados. Uma guerra que ficou conhecida muito mais pelas imagens que pareciam
ser de computador, do que pelas vítimas, destruição e mortes.
495
todo 20 editoriais relativos à crise e à Guerra do Golfo, entre os dias 9 de agosto de
1990 e 10 de março de 1991.
Notou-se, em linhas gerais que ao todo seis temáticas que perpassam os editoriais
dos jornais ―O Estado de São Paulo‖ e ―Folha de São Paulo‖: o petróleo, as armas
sofisticadas, a guerra como irracionalidade e a sua necessidade, os interesses dos
Estados Unidos e a visão sobre Saddam Hussein, a atuação das Nações Unidas e a
censura à imprensa.
496
Percebe-se que as armas foram alçadas à condição de protagonistas da guerra,
desconsiderando, de certa forma, a dimensão humana que a guerra possui. O
Editorial da ―Folha de São Paulo‖ segue essa linha de pensamento:
Dos escombros da Antiga Ordem Mundial (Guerra Fria), nasceu uma profunda
insegurança nas relações internacionais, em que o dançar histórico era muito mais
rápido do que as pessoas, nações e intelectuais podiam acompanhar e entender.
Percebe-se, uma valorosa crença do grupo Folhas na atuação das Nações Unidas e
no comportamento, por consequência, dos Estados Unidos no conflito. Contudo, tal
percepção foi se diluindo com o tempo devido ao desenrolar da guerra:
497
Conforme Cuéllar, o Conselho é informado das ações militares apenas
depois de realizadas; não há envolvimento algum da ONU, nem por meio da
coordenação das forças anti-Iraque, nem pela intervenção direta. Inexistem,
portanto, garantias de que certos requisitos estejam sendo efetivamente
respeitados; há dúvidas se os ataques maciços a cidades iraquianas são
mesmo para libertar o Kuwait – objetivo teórico da guerra. (EDITORIAL, 13
fev. 1990, p. A-2).
O que se viu no conflito foi que a Organização das Nações Unidas não teve o
comando das ações militares, controladas pelos Estados Unidos. Nesse sentido, o
jornal ―O Estado de São Paulo‖ apontou as deficiências da ONU:
O que se verificou na Guerra do Golfo é que mais uma vez as Nações Unidas foram
utilizadas, de certa forma, para atender aos interesses das grandes potências,
principalmente os Estados Unidos. O jornal ―O Estado de São Paulo‖ esboçou uma
análise mais crítica e mais aprofundada das razões da ineficiência das Nações
Unidas do que a ―Folha de São Paulo‖, em seu editorial.
Insensatez maior ainda foi a ausência de qualquer esforço sério para livrar o
mundo da dependência energética – 70% das reservas conhecidas do
petróleo consumido na Terra estão situadas lá – do Oriente Médio, uma
região explosiva e instável politicamente [...]. (EDITORIAL, 15 jan. 1991).
498
Já a ―Folha de São Paulo‖, insistiu várias vezes com a questão do petróleo. No
entanto, diferentemente do ―Jornal da Tarde‖, dedicou alguns editoriais para
expressar sua preocupação com um eventual novo choque do petróleo e o seu
impacto sobre o Brasil. Porém, em nenhum momento procurou analisar a real
dimensão do petróleo para o Iraque e para os Estados Unidos. O Editorial de nove
de agosto de 1990 noticia:
Como se sabe o tão temido choque do petróleo acabou não ocorrendo. Os preços
do barril permaneceram ligeiramente estáveis durante a Guerra do Golfo.
499
Não é de hoje que os mais atentos observadores da guerra sustentam a
idéia de que a primeira vítima de um conflito bélico é sempre a verdade.
Especialmente nestes nossos tempos em que a tecnologia e a eletrônica
passaram a ser o oxigênio vital dos exércitos e construir a ‗nossa‘ verdade,
ou pelo menos a que mais nos interessa, no coração e nas mentes do
inimigo é essencial para a vitória. A exclusividade de transmissão ao vivo,
docemente oferecida pelos iraquianos a um tipo específico de rede de
televisão norte-americana, a CNN, merece atenção. Durante toda a
primeira madrugada a guerra foi transformada em um fantástico espetáculo
de um dono só. A novidade foi outorgada por Bagdá a um único
privilegiado.[...] (EDITORIAL, 23 fev. 1991, p. 3).
O véu de censura que encobre a guerra no golfo Pérsico como que tornou a
opinião pública mundial refém das conveniências fardadas de Washington,
Bagdá e dos demais países envolvidos no conflito. O único front cujos
canais seguem abertos é o dos porta-vozes militares, que despejam
informes de conteúdo sempre mais contraditório e inexpressivo.
Destaca-se o paradoxo: embora a imprensa hoje disponha de instrumentos
avançadíssimos, malgrado a televisão realize uma cobertura intermitente,
sabe-se menos sobre esta guerra do que acerca das anteriores; o imenso
aparato tecnológico da comunicação, com censura, acaba servindo para
generalizar a desinformação. (EDITORIAL, 30 jan. 1991, p. A-2).
166
Reportagem das agências internacionais republicada pela Folha de São Paulo com o título “Bombardeio mata
centenas em abrigo de Bagdá", São Paulo, 14 fev. 1991, p. A-10.
500
Hoje, é a vontade política de Bush e de Saddam que se impõe ao desejo de
retardar a ação de parte do Estado-Maior Combinado norte-americano.
Como a guerra fundamentalmente, é um fato político com um objetivo
político, é de temer que a opinião dos profissionais, que sabem o que
significa a guerra, não seja acatada.[...] (EDITORIAL, 15 jan. 1991, p. 3).
O jornal ―Folha de São Paulo‖ defendeu, por sua vez, o embargo econômico ao
invés da solução da guerra:
A sexta e última temática é a relativa aos interesses dos Estados Unidos na guerra e
a imagem de Saddam Hussein. Enquanto a imprensa e o próprio governo
estadunidense representavam o líder iraquiano como sendo um déspota, guiado por
uma lógica alucinada e até mesmo ―louco‖ e a reencarnação do ―mal‖, pouco se
discutia nos editoriais as implícitas razões que levaram os Estados Unidos a
participarem da guerra. Como se sabe o petróleo e a retirada de Saddam do poder
eram alguns dos objetivos. Saddam Hussein e o Iraque foram integralmente
responsabilizados pela ocorrência da guerra. Já os Estados Unidos de George Bush
aparecem como baluartes do sistema internacional, defensores do direito
internacional e das Nações Unidas. O Iraque, não se pode esquecer, foi armado
pelo próprio Ocidente. O editorial da ―Folha de São Paulo‖:
501
O jornal ―O Estado de São Paulo‖ compara de certa forma, Bush a Franklin Delano
Roosevelt e a Winston Churchill, e condena o Iraque como o grande causador da
guerra em seu editorial do dia18 de janeiro de 1991:
Então, de acordo com os editoriais citados, a imagem que ficou da guerra foi o
governo dos Estados Unidos, na época presidido pelo presidente George Bush, do
Partido Republicano, que passou e defendeu que a Guerra do Golfo foi um conflito
com bombardeios cirúrgicos, feitos com armas inteligentes, em que as mortes
seriam em quantidade mínima. Como se sabe, não foi bem assim que aconteceu.
Nesse sentido, a pesquisa do mestrado em questão objetiva mostrar como a
imprensa escrita brasileira, no caso os jornais ―Folha de São Paulo‖ e ―O Estado de
São Paulo‖, seguiram tal discurso, sem discuti-lo de forma profunda.
Nesse sentido, de que a imprensa teve uma grande participação na guerra, pois de
acordo com José Arbex Júnior, em sua obra Showrnalismo: a notícia como
espetáculo, a Guerra do Golfo pode ser considerada como um grande divisor de
águas, porque a imprensa enfatizou muito mais as armas, o show de imagens, as
batalhas noturnas que pareciam de vídeo game, os bombardeios cirúrgicos, as
armas inteligentes e a tecnologia do que o horror, o homem, a vida, as vítimas e a
destruição. Arbex afirma:
502
provocadas pela destruição, mas a tecnologia, as armas ‗inteligentes‘, as
operações ‗cirúrgicas‘ [...] (ARBEX JÚNIOR, 2001, p. 30-31).
Vale lembrar que para Arbex, a Guerra do Golfo chegou a ser vista como um
―choque civilizatório‖. Na verdade, ocorreu uma construção de uma retórica e uma
metáfora interpretativa entre os Estados Unidos da América, representante da
civilização ocidental – detentor de valores cristãos, democráticos, capitalistas, do
livre mercado e pluralista – e o Iraque, representante da civilização muçulmana –
portador de intolerância, atraso, avesso à democracia e ao livre mercado.
Por outro lado, o jornalista José Arbex tem razão quando fala que houve uma
construção metafórica, retórica teórica por parte da imprensa ao apresentar o Iraque
e o mundo árabe-muçulmano como sendo um conceito ameaçador e ruim ao
Ocidente, por parte da imprensa e dos países envolvidos, principalmente pelos
governos dos Estados Unidos e do Reino Unido. Vale ressaltar que o próprio José
Arbex Junior foi correspondente na Guerra do Golfo, tendo permanecido no Kuwait
para cobrir a guerra para o jornal ―Folha de São Paulo‖.
503
Assim, pode-se refletir sobre a validade de Armand Mattelart ao afirmar:
A obra de Arbex vai ao encontro com essa linha de pensamento, pois esteve no
aludido conflito, a serviço do jornal ―Folha de São Paulo‖, no qual trabalhou no
período de 1990-1991.
504
3 Considerações Finais
Percebe-se, pelo que foi discutido, que a imprensa escrita brasileira, leiam-se os
jornais ―Folha de São Paulo‖ e ―O Estado de São Paulo‖, fizeram algumas críticas e
análises em seus editoriais, mas reproduziram na sua maior parte a versão de que
Saddam Hussein era um sanguinário, os Estados Unidos estavam lutando em prol
do cumprimento do direito internacional, a guerra foi tecnológica e com armas
inteligentes, e a imprensa foi censurada e comprometida em sua cobertura.
505
como nossa imprensa depende e reproduz muitas notícias e visões sobre
questões internacionais, por depender de agências como a Reuters, Associated
Press e France Press. Seriam interessante países como o Brasil, por meio de
sua imprensa, construir mecanismos que possam garantir também a produção
de notícias e de material sobre questões internacionais.
Referências
ARBEX JÚNIOR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa
Amarela, 2001.
AZÉMA, Jean-Pierre. A guerra. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história
política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ: Ed. FGV, 1996.
506
DORNELES, Carlos. Deus é inocente: a imprensa, não. São Paulo: Globo, 2003.
EDITORIAL/OPINIÃO. Guerra sem ONU. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A-2,
13 fev. 1990.
FONTENELLE, Paula. Iraque: a guerra pelas mentes. São Paulo: Ed. Sapienza,
2004.
507
HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Tradução Beno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. (Coleção Biblioteca Tempo Universitário, Série
Estudos Alemães).
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução
Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
KEEGAN, John. Uma história da guerra. Tradução Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
LITTLE, Douglas. American orientalism: the United States and the Middle East
since 1945. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2004.
LUKACS, John. Uma Nova República: história dos Estados Unidos no Século XX.
Tradução Vera Galante. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
MUNHOZ, Sidnei José. Guerra Fria: um debate interpretativo. In: SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da (Coord.). O Século Sombrio: uma história geral do Século XX.
Rio de Janeiro: Ed. Campus Elsevier, 2004. p. 261-281.
SILVA, Aline Cáceres Dutra da. A hegemonia da informação: estudo sobre ética
em jornalismo internacional com base na cobertura americana e brasileira da Guerra
ao Terror. 2003. Trabalho de Conclusão de Curso (Disciplina Projetos Experimentais
em Jornalismo) - Departamento de Comunicação do Centro de Educação
Comunicação e Artes, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2003.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Powell (Doutrina). In: SILVA, Francisco Carlos
Teixeira da et al. (Coord.) Enciclopédia de guerras e revoluções do Século XX:
as grandes transformações do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004. p. 703-704.
508
ZARPELÃO, Sandro Heleno Morais. A crise no Oriente Médio: a Guerra do Golfo,
as Discussões Historiográficas e as Relações Internacionais (1990-1991). 2006.
Monografia (Especialização em História Social e Ensino de História) - Departamento
de História do Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Londrina, Londrina, 2006.
509
Simpósio Temático 07
1 INTRODUÇÃO
167
Relações Internacionais/UFGD
168
Relações Internacionais/UFGD
510
2 MARCO TEÓRICO: IDEIAS CENTRAIS DA "ESCOLA DE COPENHAGEN"
169
O compilado apresentado pela pesquisadora Grace Tanno (2003) elucida que é somente em 1998 que Ole
Weaver demarca sua oposição diante da abordagem positivista das duas obras referenciais de Barry Buzan:
“People, States and Fear: the National Security Problem in International Relations”, 1983; “People, States and
Fear: An Agenda for International Security Studies in the Post-Cold War Era”, 1991.
511
globais e regionais170 da segurança internacional. Tal ponderação se expressa na
definição de segurança como ausência de ameaças existenciais objetivamente
consideradas, formuladas a partir de seu caráter intersubjetivo. Ou seja, é o discurso
formulado (speech-act) em torno do objeto referente que constitui as ameaças. Nessa
perspectiva admite-se que a realidade é construída socialmente. Portanto, o dado
bruto (empírico) pouco diz sobre si mesmo se descolado de suas mediações espaço-
temporais (ADLER, 1999). O desafio analítico está na compreensão das práticas
sociais, nas redes de interação que se materializam a partir do campo ideacional
(instituições, processos, interesses e identidades) compartilhado entre os agentes.
170
Nossa categorização parte de uma extensão dos argumentos apresentados por WENDT acerca das quatro
sociologias do meio internacional (1999), e da leitura dessa sistematização realizada pelo analista Sodupe
(2003).
512
indígena no Brasil, com ênfase na Amazônia. Isso, pois, de acordo com o referencial
teórico adotado, ―cabe ao pesquisador [...] identificar quando uma questão está
sendo apresentada como pertencente à área de segurança [e] posicionar-se
politicamente de forma mais explícita, denunciando tentativas de securitização
consideradas ilegítimas‖ (TANNO, 2003, p.58).
513
a diversidade bibliográfica que seria recomendável como parte das formulações
estratégicas que pautam o pensamento de Defesa no País.
171
Há que mencionar que a Estratégia Nacional de Defesa, aprovada no Decreto Nº 6.703, de 18 de dezembro
de 2008, menciona que “Nada substitui o envolvimento do povo brasileiro no debate e na construção de sua
própria defesa”. O que demonstra um hiato entre norma e prática de diálogo e conduta.
514
marítimos), bacia hidrográfica navegável e próxima ao Atlântico norte. Além disso, a
Amazônia possui, segundo o autor, bens atuais e potenciais suficientes para
qualquer potência ―sustentar-se como potência hegemônica absoluta do século XXI‖.
O autor afirma categoricamente que ―a Amazônia corre um risco concreto de ser
internacionalizada, em razão do forte interesse estratégico que desperta nos países
desenvolvidos e por se encontrar numa zona geopolítica de forte influência norte-
americana‖ (LOURENÇÃO, 2009, p. 251-253).
515
independentes para serem imediatamente apoiadas (2010, p. 201). Também nesse
caso, lamentavelmente, o autor serve-se de escassas fontes bibliográficas e
nenhuma fonte documental.
O autor afirma que muitas ONGs na Amazônia têm objetivos espúrios, diferentes dos
declarados, ou trabalham a serviço de governos estrangeiros ou sob sua manipulação.
O objetivo seria manter o governo brasileiro ausente da região amazônica. A atuação
das ONGs criaria uma ―‗artificial e extremada necessidade de preservação‘ da cultura
de minorias indígenas, que se sobrepõe às carências de
desenvolvimentosocioeconômico da maioria da população‖. As ONGs preconizam ―a
criação de ‗Nações Indígenas‘, principalmente na faixa de fronteira e a desmilitarização
das terras indígenas‖. Outras pretendem que seja ―exigida a autonomia de nações
tribais dentro do próprio território nacional‖. Por fim, Lourenção declara que, ―sob a
perspectiva militar, a demarcação de imensas áreas junto à fronteira traz claras
ameaças à soberania nacional‖ (LOURENÇÃO, 2009, p. 255-257).
172
Na realidade, a terra yanomami está situada na fronteira com a Venezuela, entre o noroeste de Roraima e o
norte do Amazonas.
516
organizado pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) 173 em julho de
2013. No material para debate, ―Amazônia – Desafios e Soluções‖, apresentado pelo
General Div.Eduardo Dias da Costa Villas Boas,Subchefe de Estratégia do Estado
Maior do Exército, o texto emprega a retórica da percepção de novos problemas e
agendas da Segurança Internacional. No entanto, adota um olhar tradicional sobre
eles, centrado em uma ontologia materialista e individualizante. Mecanismos antes
empregados para tratar questões clássicas, como a sobrevivência estatal, são os
mesmos empregados para a resolução dos novos problemas, que envolvem a
intersecção dos setores econômico, societal, cultural e ambiental.
173
O Centro de Estudos Estratégicos do Exército, responsável pelo diálogo entre esse braço das Forças Armadas
e a sociedade civil, tem por objetivo: avaliar conjunturas; realizar prospecções, aconselhamentos e iniciativas em
momentos de crise; além de formular políticas que extrapolem o âmbito instrumental. Informações Disponíveis
em: <http://www.eme.eb.mil.br/ceeex/missao-ceeex>. Acesso em julho de 2013.
517
inevitabilidade da inserção dos indígenas na cadeia produtiva. Eis a saída para
manter a sobrevivência do Estado. Não se discutem os modelos de desenvolvimento
em disputa ou as cosmovisões envolvidas. A defesa da soberania nacional estaria
nas antípodas da autonomia indígena. Esse não é o nosso entendimento, como
passamos a demonstrar no item abaixo.
Não obstante, pode ocorrer que uma intervenção militar com justificativas
humanitárias seja levada adiante mesmo sem a plena legalidade que lhe outorgaria
518
a autorização do Conselho de Segurança da ONU ou de outro órgão multilateral
regularmente constituído. Admite-se também o risco de que sejam implementadas
operações mascaradas de intervenções humanitárias, mas que avançam ambições
imperiais ou motivos exteriores ao fim declarado (JONES, 2006). Ou, como
acrescenta Fonseca Jr. (2010, p. 191-192):
519
Somália contra diversas etnias em 1992; Ruanda contra os tutsi, em 1993; entre
outros (FONSECA Jr., 2010, p. 181-186).
Além disso, o poderio militar e não-militar do Brasil, que o coloca entre as grandes
potências do mundo contemporâneo (VIOLA et alli, 2013, indica que qualquer
operação militar não consentida em solo brasileiro provocaria uma resistência armada
e um conflito de dimensões superiores ao atual conflito entre povos indígenas e
sociedade envolvente, de maneira que os custos da operação seriam imensos e
injustificáveis. Além disso, a violação da soberania territorial do Brasil por potências
extra-hemisféricas provavelmente provocaria reação de apoio da maioria dos países
latino-americanos, que possuem situações étnicas semelhantes e um histórico coeso
de alianças defensivas (TIAR) e organizações interestatais fundadas no princípio da
não-intervenção (OEA, OTCA, etc.). Provavelmente, reação semelhante ocorreria em
caso de uma intervenção norte-americana, o que implicaria para os agressores aceitar
o risco de se envolverem numa guerra de grandes proporções no subcontinente sul-
americano e um arranjo de paz extremamente difícil.
O risco de o Brasil sofrer uma ofensiva militar com fins humanitários é semelhante
ao risco de sofrer uma agressão militar por qualquer outra motivação. Se existe
cobiça pelos recursos presentes na Amazônia, evidentemente o país deve estar
preparado para rechaçar agressões à sua soberania. É o que promete a estratégia
nacional, com as hipóteses de guerra assimétrica, contra eventual agressão dos
Estados Unidos ou de uma coalizão de grandes potências e a previsão da estratégia
520
de resistência dissuasória, que deve ser fortalecida. Mas nada leva a crer que, caso
tal hipótese venha a se concretizar, a questão indígena possa ser invocada como
fundamento de legitimidade. À medida que o Brasil logra evitar a continuação das
violações aos direitos dos povos indígenas em seu território, o risco de agressão
estrangeira com fundamentos humanitários torna-se cada vez menos provável.
521
Segundo Niezen (2003), a preocupação de que os povos indígenas empreguem a
palavra "nação" como meio de fundamentar processos separatistas tem se
esvanecido no meio internacional. Segundo esse autor, tem aumentado o número de
Estados que reconhecem os direitos indígenas à autodeterminação, ao mesmo
tempo em que tem diminuído a resistência a compartilhar o poder político com os
povos indígenas, "especialmente quando [esse compartilhamento] é desenvolvido
por meio de arranjos construtivos com os estados-nação" (NIEZEN, 2003, p. 219).
522
realizados na colonização. A resistência indígena envolve, então, a percepção de
que o assimilacionismo significou em regra a relegação a uma posição desvantajosa
dentro do Estado (PERRY, 1996, p. 244). Não se pretende de forma alguma manter
os índios em um "estado primitivo"; primeiro, porque não se entende que sejam em
nenhum sentido primitivos, essa é uma concepção superada; segundo, porque não
se admite a possibilidade de manter qualquer povo protegido contra a mudança
cultural, as culturas são todas dinâmicas e se processam por intermináveis trocas e
seleções sociais; terceiro, porque se entende que os índios são os protagonistas de
suas próprias histórias, e a escolha por maior ou menor envolvimento com as
sociedades ditas modernas cabe exclusivamente a eles.
523
versão própria de ―patriotismo constitucional‖, tal como o que anima as ideias pós-
nacionais na União Europeia (DIECKHOFF; JAFFRELOT, 1998, p. 71), uma proposta
que desvincula as noções de cidadania e de nacionalidade. Reclamam assim a
possibilidade de estar ao mesmo tempo culturalmente fora da Nação e politicamente
dentro do Estado, proposta essa que é compatível com o que Kymlicka chama de
multiculturalismo liberal. Tal corrente entende que "reconhecer e acomodar minorias
etnoculturais é consistente com os princípios básicos da teoria liberal-democrática, e
talvez até seu requisito obrigatório" (KYMLICKA, 2010, p. 378).
Como exposto acima, a Amazônia desde os anos 1970 tem lugar cativo no debate
geopolítico brasileiro acerca da soberania do país. Transpostos os muros da
bipolaridade, novas ameaças foram construídas mantendo o objeto referente
tradicional do setor militar: a integridade territorial (WAEVER et alli, 1998). Em tal
movimento, as Forças Armadas brasileiras situaram os povos indígenas como uma
ameaça à integração nacional e à soberania. Seja por questões internas (debilidade
do Estado e vácuo de poder nas zonas de fronteira) ou pressões externas (opinião
pública internacional, interesses das potências e instrumentalidade das ONGs),
operou-se a disseminação de atos de fala que sinalizam a necessidade urgente de
violar os direitos desses povos para garantir a Defesa Nacional.
524
se configure uma plataforma de dessecuritização do tema. Como apresentado
anteriormente, a soberania estatal não é ameaçada pela autonomia indígena.
525
conflitualidade do mundo pós-Guerra Fria podem ser interpretadas, em um
sentido mais abrangente, como modificaçõesmicrossociológocas ligadas à crise
do modelo Westphaliano – dos padrões modernos de solidariedade, exclusão e
identidade (BIGO, 2004).
Quando o general Villas Boas (2013, p. 13, grifos nossos) interpela a academia -
―não teriam as ciências sociais desenvolvido alguma metodologiacapaz de
proporcionar àquelas populações [indígenas] um nível mínimo de hábitos, que lhes
permitam evoluir[sic] em sua qualidade de vida sem que necessariamente ocorra a
perda da identidade cultural?‖ - não se dá conta do caráter enviesado, monolítico e
nada dialógico de seu questionamento. O excesso de determinismo, evolucionismo,
apego ao progresso e crença no desenvolvimento econômico universal são
características de um discurso moderno centrado na violência e no apagamento do
Outro. Não contribuem para uma tessitura cooperativa da segurança do povo
brasileiro e das relações interétnicas que o constituem.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
526
povos indígenas como potencial ameaça à soberania brasileira. O principal
argumento identificado foi aquele que caracteriza a presença indígena como ameaça
porque abriria margem para intervenções estrangeiras na Amazônia. Com o estudo
da doutrina internacional sobre a Responsabilidade de Proteger, argumentou-se que
tal ameaça não é real. Ainda que interesses estrangeiros possam motivar aventuras
militares contra o território brasileiro na Amazônia, é improvável que as justificativas
humanitárias – especificamente da defesa dos direitos humanos dos povos
indígenas – fossem invocadas nesse caso. Argumentou-se também que a
autonomia indígena, prevista em normas constitucionais e infraconstitucionais
brasileiras, é compatível com a soberania nacional, além de ser uma imposição
estruturante do regime democrático no país. Por fim, argumentou-se que seria útil
resgatar o debate sobre as relações entre índios e sociedade envolvente do modo
securitário e trazê-lo de volta para o modo normal da política democrática, a fim de
que se evite a tomada de medidas excepcionais que caracterizam a política de
segurança e defesa. Com a dessecuritização, tais questões poderão retornar ao
debate político normal, para que a soberania nacional prevaleça em harmonia com o
Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
527
de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade; LACED Museu
Nacional, 2006.
COUTO, Mia. Discurso proferido nas Conferências do Estoril, 2011. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=jACccaTogxE>. Acesso em junho de 2013.
HOBSBAWM, Eric. Nations and Nationalism since 1780: programme, myth, reality.
Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
KYMLICKA, Will. Minority Rights in Political Philosophy and International Law. In:
Samantha Besson& John Tasioulas (eds.) The Philosophy of International Law,
Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 377-96.
NIEZEN, Ronald. The Origins of Indigenism: Human Rights and the Politics of
Identity, Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 2003.
528
SOUZA FILHO, Carlos F. Marés de. O renascer dos povos indígenas para o
Direito. Curitiba: Juruá, 2009.
URT, João Nackle. Povos indígenas como atores das relações internacionais. In: A.
G. Brito, J. Eremites de Oliveira e S. Becker (orgs.), Estudos de Antropologia
Jurídica na América Latina indígena, Curitiba: Editora CRV, 2012.
529
ÍNDIOS TERENA: TERRITORIALIDADE E RELAÇÕES COM O ESTADO
BRASILEIRO
1 Introdução
O estado do Mato Grosso do Sul tem inúmeros conflitos fundiários resultantes dessa
situação. É a segunda unidade da federação com maior população indígena. E os
índios Terena formam a segunda etnia mais numerosa do estado. Estão divididos
em 13 Terras Indígenas em diversos municípios e também dispersos em vários
bairros de cidades do interior e da capital. Algumas das áreas ocupadas (ou
reivindicadas) pelos Terena estão em processo litigioso com proprietários rurais e
encontram-se em diferentes fases de regularização e/ou ampliação.
174
Doutoranda em História – UFGD, docente da UCDB
530
Os índios Terena estão em áreas superlotadas nas quais não há condições
econômicas de sobrevivência para todas as famílias, obrigando muitas delas a
migrarem para as áreas urbanas. As disputas por escassos recursos da fauna, da
flora, espaço para plantio e criação de animais também torna a situação sociopolítica
bastante tensa nas aldeias. O reduzido espaço disponível para cada tronco175
familiar, além de insuficiente do ponto de vista econômico, prejudica a autonomia
das famílias e seu modo de vida tradicional.
175
“Um grupo de parentes está articulado em torno da figura de um líder, geralmente um velho, um ancião
identificado como um tronco. O mais comum, entretanto, é que a referência seja não apenas o homem, mas o
casal de velhos.” (EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003, p. 135). Cada tronco reúne em torno de si um
número de famílias, que ocupa determinado espaço para habitação, prática da agricultura, etc.; e tem total
autonomia na condução das demandas políticas internas.
176
O Mato Grosso foi dividido em 1977, dando origem ao estado do Mato Grosso do Sul.
531
foi a dificuldade de estabelecer um padrão para culturas indígenas diferentes entre
si, com formas diversas de recepção desse novo modelo imposto pelo Império.
Muitos Terena prestavam serviços aos regionais. Esse também era um dos objetivos
do Império: empregar a mão de obra indígena de forma a beneficiar os não índios.
O intento era justificado pelo discurso paternalista que previa proteção aos indígenas
e por meio da catequese retirá-los da ―vida vagabunda e depredadora a que estão
acostumados‖, segundo as palavras de Leverger (1853).
A Lei de Terras (lei n. 601 de 18/09/1850), também contribuiu com o espólio das terras
dos índios. Com a nova lei a posse passou a ser legalizada somente por meio da compra.
Passaram a existir as terras de domínio privado e as terras devolutas (de domínio
público). O regulamento não era claro no tocante às terras indígenas, mas delegava ao
Estado a obrigação de reservar parte das terras devolutas para o aldeamento dos índios.
Na prática, a parte reservada era muito pequena e liberava grande parte do território
ocupado pelos índios para as novas propriedades (MOREIRA, 2002).
532
Conforme relatório de Almeida Serra (1803), nos arredores de presídios, fortes e
vilas, os Terena (assim como outras etnias do grupo Guaná), forneciam para os não
índios diversos itens indispensáveis à sua manutenção: produtos agrícolas, porcos,
galinhas, além detecerem panos e redes.
533
ao fato de que as terras ocupadas por estas estavam em território litigioso, como é o
caso dos Terena.
A postura destes indígenas não foi passiva. Eles não aguardaram simplesmente as
determinações das autoridades militares. De acordo com Taunay (1948) no final de
1864, ocorreu a invasão paraguaia do Mato Grosso sob o comando do coronel
Resquin. Na vila de Miranda, a agitação era geral, inclusive militares fugiam.
Todavia, os indígenas propuseram a defesa do território, mas não possuíam armas,
por isso pediram às autoridades de Miranda o arsenal do depósito da vila, no que
não foram atendidos:
534
Leverger expressou sua opinião a respeito da resistência organizada pelos índios,
em relatório de 1865:
Recebeu logo o 17º. batalhão ordem de ir, além do ponto atingido pelo 21º.
Realizar um reconhecimento, sob a direção do guia Lopes e em companhia
de um grupo de índios Terenas e Guaicurus, que desde algum tempo se
apresentara ao Coronel. A 10 de abril, realizou-se a partida, bandeiras
desfraldadas e música à testa, espetáculo sempre imponente em vésperas
de combate. Graças ao comandante apresentava-se o grupo em pé de
disciplina, que em qualquer ponto o tornaria notado (TAUNAY, 2005. p. 64).
535
A participação na Guerra ficou presente na memória coletiva da etnia Terena, como
demonstra esta fala sobre o conflito:
É, a nossa geração, os nossos tronco, tem uma história pra nós que... Tinha
um perparo na frecha, paraguaio tava do lado de lá da aroeira, então... faz
de conta que isso aí é uma aroeira. Então, paraguaio escondeu de lá. Ele
mete uma frechada daqui, ele parte essa aroeira e pega o paraguaio. É uma
coisa que... eles falaram isso aí, pode ser que acontece. [trecho no idioma].
A gente fica pensando... (Armando Gabriel, índio Terena, 85 anos, 2003).
536
abastecendo de carne as moradias dos Morros. Certos indígenas especializaram-se
nesta tarefa, angariando por vez, até oito ou dez cabeças de gado bravio, sem,
contudo, esquecer de apagar as pegadas. Apesar das precauções, ocorreram
embates entre os índios e os paraguaios em 1866 nas imediações da Serra de
Maracaju, quando as forças imperiais ainda estavam distantes, no Coxim.
A guerra acabou, mas a luta dos Terena estava apenas começando. O conflito alterou a
configuração territorial dos índios no sul de Mato Grosso, pois com o seu término, novos
ocupantes chegaram à região. A despeito das contribuições indígenas, o Império julgou
necessário incentivar a colonização não indígena na região sul do Mato Grosso. Mais
propriedades particulares avançaram sobre as terras dos índios, apesar das
reivindicações dos Terena para tentarem manter seu espaço.
A transição do século XIX para o século XX, não teve mudanças significativas na
postura do Estado brasileiro em relação aos povos indígenas. A nova república
manteve o incentivo às ondas migratórias que tinham o objetivo de ocupar supostos
―espaços vazios‖, negligenciando a presença das populações nativas.
A constituição das atuais Terras Indígenas terena ocorreu nessa conjuntura, entre as
décadas de 1920 e 1940, deixando de fora grande parte das terras tradicionalmente
ocupadas por eles. O Estado também negligenciou as expulsões que os Terena
sofreram de diversas áreas, posteriormente convertidas em fazendas.
537
Esses indígenas continuaram contribuindo com diversos serviços para os regionais,
auxiliando na abertura de estradas, na construção da Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil, na instalação das linhas telegráficas e no fornecimento de produtos
alimentícios. Foram mão de obra explorada nas fazendas, onde permaneciam
muitas vezes de forma compulsória, como apontam diversas obras (OLIVEIRA,
1976; EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2003; VARGAS, 2003; dentre outros).
Em 1967 o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Porém as
mudanças mais significativas vieram com as alterações na legislação. A Lei
6.001/1973 em seu artigo 65° estabeleceu: ―o Poder Executivo fará, no prazo de
cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas‖.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens.
538
só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas
as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.
A partir da década de 1990, com campo mais propício para suas reivindicações, os
Terena passaram a protagonizar um movimento denominado por eles de Retomada,
com objetivo de cobrar do Estado brasileiro a demarcação de suas terras tradicionais.
Resultado disso, em 1999 a FUNAI, por meio da Portaria 533/99, estabelece o GT –
Grupo Técnico – para os estudos preliminares de identificação e revisão de três terras
terena Cachoeirinha, Taunay-Ipegue e Buriti. A partir disso, diversas áreas entraram em
processo de regularização e ampliação, ainda inconclusos.
4 Considerações finais
539
brasileiro em diversas situações. Mas também reivindicando, questionando e
resistindo às imposições e arbitrariedades.
Referências Bibliográficas
CHAVEAU, A.; TÉTARD, Ph. (org.). Questões para a história do presente. Trad.
Ilka S. Cohen. Bauru: Edusp, 1999.
540
Terra Indígena Buriti, municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, Mato
Grosso do Sul, Brasil. Autos nº 2001.60.00.003866-3, 3ª vara da 1ª subseção
judiciária de Mato Grosso do Sul, 2003.
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Terras indígenas do Espírito Santo sob o Regime
Territorial de 1850. Revista Brasileira de História, v. 22, n. 43, p.153-169, São
Paulo, 2002.
Documentos oficiais
541
DIÁLOGOS (POSSÍVEIS) ENTRE A ANTROPOLOGIA DO DIREITO E O
DIREITO NO SUL DO MATO GROSSO DO SUL
Simone Becker177
1 Introdução
Este trabalho é parte de quatro projetos, dois de extensão e dois de pesquisa. São
eles: ―Educando para os Direitos Humanos‖ desenvolvido em 2008, com fomento da
PROEX/UFGD; Convênio com a Defensoria Pública Federal (DPU) e a FADIR –
Faculdade de Direito e Relações Internacionais desenvolvido de 2008 a 2010;
―Mapeamento e análise quanto ao acesso à justiça de indígenas da região da
grande dourados‖ desenvolvido de 2009 a 2011; ―Maiorias que são minorias,
invisíveis que (não) são dizíveis: análise etnográfica sobre os sujeitos à margem dos
discursos dominantes‖ de 2011 a 2015 e ―NPAJ/FADIR/UFGD: Centro de Excelência
em Direitos Humanos‖, com fomento do Ministério da Educação (MEC) junto ao
PROEXT, ao longo de 2013179.
177
FADIR/PPGAnt/UFGD
178
FADIR/UFGD
179
Todas estas ações de pesquisa e de extensão foram desenvolvidas a partir da Universidade Federal da Grande
Dourados, e quatro deles, excetuando o primeiro acima mencionado, foram e são coordenados por uma das
autoras do presente trabalho – Simone Becker.
542
segunda maior em solos brasileiros, (sobre)vivendo em espaços reservados e
diminutos sob um processo histórico social que atualmente se equipara a uma
―panela de pressão‖ (BECKER et al, 2013).
À luz destas considerações, destaca(ra)m-se como objetivos dos projetos nos quais
estivemos e estamos envolvidos: (1) o levantamento de demandas indígenas; (2) o
desenvolvimento de ―capacitação‖ junto aos discentes do NPAJ em relação aos
direitos indígenas e às especificidades que cercam a diversidade cultural e étnica,
(3) a compreensão de outras formas de resolução de conflitos entre os indígenas da
Grande Dourados que não necessariamente a busca pelo Poder Judiciário e, (4) o
convênio da Faculdade de Direito com a Defensoria Pública Geral da União, através
do qual coube à primeira dar assistência e continuidade aos processos ajuizados
pela DPU de indígenas que pleiteiam do Judiciário, benefícios voltados à previdência
social, quando em Dourados ainda não havia a DPU.
Neste sentido, a efetivação dos direitos dos povos indígenas passa também pelo
obstáculo da falta de preparo advinda tanto dos magistrados como de outros
profissionais do direito, frente à diversidade. Em outras palavras, há uma dificuldade
dos operadores do direito quanto ao tratamento da diferença cultural face ao
543
princípio da igualdade, pois no final das contas o que ainda impera é a visão restrita
de cultura e dos valores ocidentais europeus, ou ainda, um dado etnocentrismo.
Muito embora, a Constituição Federal, promulgada e vigente desde 1988 traga em
seu texto uma série de dispositivos que reconheçam tais diferenças. Como bem
coloca Oscar Vilhena Vieira sobre a ―ciência do Direito‖, suas ―doutrinas‖ e o
envolvimento de seus profissionais junto à pesquisa:
544
Federal Marcelo Beckhausen de uma decisão do Supremo Tribunal Federal:
545
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
180
O Decreto 5051 de 19 de abril de 2004 promulga a Convenção 169 da OIT em solos brasileiros, embora,
Flavia Piovesan repute que o mesmo já era autoaplicável face ao disposto na Constituição Federal Brasileira.
181
A título de informação, no projeto PROEXT coordenado pela autora Simone Becker, na parte da pesquisa que
se desenvolve dentro do NPAJ/FADIR/UFGD – lócus onde a mesma já foi docente orientadora, mais
precisamente com as fichas de triagem dos “assistidos”, isto é, sujeitos que procuram o Núcleo, observa-se em
um primeiro momento como quiçá não há a escuta dos graduandos formandos de Direito, nem talvez a apreensão
546
Como novamente remarca Oscar Vilhena Vieira (2005, p.124):
Sob tal perspectiva, este tipo de formação cria profissionais insensíveis para atuar
da forma que se exige em uma sociedade com grandes problemas sociais como a
brasileira, em especial quando se leva em consideração que contamos com uma
população indígena que extrapola às oitocentas e noventa mil pessoas, segundo o
Censo Demográfico do IBGE do ano de 2010. Pontua José Renato Nalini que:
de que esta escuta quando se trata de um assistido indígena mais aguçada ainda. Isto porque, a lógica que
permeia o cotidiano de um Kaiowá, por exemplo, não é a mesma que permeia aquele pretenso bacharel. A
começar pela noção de tempo, de propriedade privada, dentre outros. Assim, esta percepção se dá inicialmente
na própria forma como é preenchida a ficha de triagem, com, por exemplo, uma ou duas linhas do que o
estagiário anotou em vários minutos de escuta, que pode ou não ter existido. Portanto, se cabe ao estagiário que
atende pela primeira vez um assistido no NPAJ anotar com letra legível e da forma mais detalhada possível o que
o assistido falou, e isto não necessariamente ocorre, como o outro estagiário ou ele próprio pode produzir o
documento chamado de “petição inicial” para demandar o que angustia aquele sujeito que nos procurou no
NPAJ?
547
Nesta mesma linhade raciocínio, a cientista política Maria Tereza Sadek em
seu artigo ―Poder Judiciário: Perspectivas de Reforma‖ aponta que à tenra idade
dos bacharéis ingressantes na magistratura soma-se à proliferação de tais cursos na
década de 1970, sem que suas qualidades tenham acompanhado o mesmo
movimento. Quanto à juventude e inexperiência dos recém-ingressos na carreira da
magistratura, acrescidas à qualidade do curso de Direito, pode-se dizer que as
pontuações de Sadek convergem para àquelas de Nalini, uma vez que a visão
acrítica dos graduados em Direito em relação a problemas sociais, nos dão pistas
para a falta de sensibilidade desenvolvida no futuro profissional ao longo de seu
curso. Mas o que podemos entender por sensibilidade?
548
interpretam as leis em um dado momento do tempo. Tais formas, não prescindiram
das ciências sociais e humanas em seu início, pois o direito moderno também travou
contato com a germinal antropologia e sociologia de finais do século XIX, tecendo
verdadeiras ―trocas interdisciplinares‖. Porém, ocorre que aquele aparato teórico
servia muito bem às várias manifestações de dominação colonial próprias da época,
o que já não mais se apresenta com tamanha visibilidade.
Nesta clave, o antropólogo André Gondim do Rego, citando Laura Nader (p.33),
observa que a história dessas ―trocas interdisciplinares‖
549
Seguindo os padrões deterministas próprios daquele momento histórico, a
criminologia e, por conseguinte as normas de direito penal, influenciaram-se
fortemente pelo trabalho do cientista Cesare Lombroso, que ―argumentava ser a
criminalidade um fenômeno físico e hereditário‖ (Idem, p.49), o que
consequentemente relegava a certas características fenotípicas comuns em dadas
etnias, o condão de serem causas necessárias de uma suposta incapacidade
mental, ou mesmo de uma propensão para certas condutas criminosas. Eis a
produção de uma sociedade atual, cujo imaginário se pauta na segregação
camuflada para não se caracterizar como racista.
Destarte, importa recapitular o que pontua Gondim do Rego (2007, p. 30) sobre as
reflexões de Nader acerca da interação das duas ciências. Neste sentido, se é
verdade que, em um dado momento, as ditas ―trocas interdisciplinares‖ serviram
para instruir uma engenharia social feita pelo direito, meio coercitivo por excelência,
550
de subjugação de sociedades inteiras pelas elites brancas; também é verdade,
observa Rego, que ―o direito como um mecanismo de mudança seguiu e pode seguir
várias orientações‖, e continua o autor:
182
Aqui cabe fazermos remissão ao analisado por Roberto Cardoso de Oliveira (2006), em sua obra clássica, O
trabalho do antropólogo, em meio ao qual explorará o ouvir, o ver e o escrever, inspirado em Claude Lévi-
Strauss.
551
instituições, enfim seu modo de vida e, não apenas aqueles impostos pelas
legislações nacionais.
Para além das legislações nacionais e dos ordenamentos sociais por elas incitadas,
as comunidades étnicas produzem formas próprias de regulação e ordenamento. No
que diz respeito às instituições próprias dos povos indígenas, o magistrado
Fernando da Costa Tourinho Neto faz referência à antropóloga Alcida Rita Ramos,
que analisa instituições penais específicas desses povos em exemplos claros de
situações em que os indígenas resolvem seus conflitos sem procurar o Judiciário.
Pontua ela que:
A citação acima traz um exemplo claro do que é uma visão ampla de acesso à
justiça, isto é, não restrita à procura do judiciário como única forma de resolução de
conflitos, pois parte do pressuposto de que os indígenas apresentam maneiras de
dar cabo às suas pendengas que não passam pelo Poder Judiciário à la
Montesquieu.
Ainda quanto ao acesso à justiça, convém abordar a questão do acesso à justiça aos
indígenas fazendo uma conexão com a experiência que tivemos, por exemplo, com
relação ao projeto ―Educando para os Direitos Humanos‖. A citada referência é fruto
do convênio estabelecido entre a faculdade de direito da UFGD e a DPU. Neste
convênio coube à Defensoria Pública da União iniciar os pedidos de benefícios
552
previdenciários de alguns indígenas da região da Grande Dourados, que se
transformaram em processos judiciais. Assim, a continuidade de todos os outros
atos nesses processos coube de 2008 a 2010 à Faculdade de Direito, isto é, a
princípio alguns professores e discentes que participavam dos projetos de extensão
e pesquisa (MÜLLER et al, 2012). Dentre os docentes, mencionamos Simone
Becker e Cíntia B Muller, e dentre os discentes, Luiza G O Meyer e Anderson
Rezende de Almeida. Mencionamos abaixo, resguardado o anonimato das partes
envolvidas, uma das decisões proferidas por um dos atores jurídicos atuantes em
um dos processos.
Pelo fato de ser a parte autora indígena, a norma a ser aplicada do bem da
vida pleiteado não é a norma protetiva estabelecida no Estatuto do Índio,
mas sim a norma que regula o Regime Geral da Previdência Social, a qual
isonomicamente trata os seus segurados e dependentes do sistema.
553
língua que originalmente não é a dela. Desta forma, não se estende ao indígena
apenas, mas a uma gama de outros sujeitos.
O autor da decisão despreza ainda que pelo fato da demandante ser indígena, sua
condição é diversa culturalmente, socialmente e historicamente da pessoa não-
indígena, portanto não há que se falar em isonomia, pois assim incorre-se em
situação que perpetua injustiças. As posições não são as mesmas, a começar pela
história dos povos indígenas na região de Dourados/MS, que vinham de uma
situação de exploração do trabalho pela Cia Mate Laranjeiras há mais de 100 anos,
passaram por expropriação de territórios tradicionais e consequente confinamento
em áreas exíguas, como estudado por Antônio Brand (1997).
Percebe-se que o ator jurídico comete outro equívoco em seu texto ao citar
dispositivo do Estatuto do Índio de 1973, em parte, a nosso ver, não recepcionada
pela Constituição Federal de 1988, responsável por desfazer a perspectiva legal do
indígena como sujeito incapaz (ou tutelado). Além de contrário ao texto
constitucional, o Estatuto também colide com a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho. Interessa reproduzirmos o art. 3, Parte 1 da citada
Convenção
554
boa parte dos operadores do Direito tende a fazer julgamentos baseados na lógica
da aplicação da lei ao caso concreto, produzindo-se equívocos quanto às normas a
serem aplicadas, e isso se deve a não percepção da realidade do outro. Acerca do
acesso à justiça e da importância da criação de uma sensibilidade pelo diálogo do
Direito com outros saberes científicos, o sociólogo e jurista italiano, Mauro
Cappelletti pontua que:
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, importa que se faça uma reflexão sobre a atuação dos profissionais do
Direito e o tipo de sociedade almejada pelos brasileiros. Faz-se necessário
perguntar se continuaremos a reproduzir um modelo excludente que despreza o
respeito à diversidade em favor de uma visão etnocêntrica e desligada dos reais
problemas sociais brasileiros. Como visto ao longo deste trabalho, o que se pratica
no judiciário tem conexão com esse modelo e com implicação, em especial, dos
egressos das faculdades de direito. As negligências pautadas por uma lógica jurídica
positivista são cometidas reiteradas vezes pelos atores jurídicos em processos
envolvendo integrantes de grupos, que por condições históricas, se encontram
vulneráveis frente às instituições da sociedade envolvente. Um dos argumentos
utilizados neste artigo foi que grande parte dos problemas do acesso à justiça está
ligado intrinsecamente ao tipo de formação a que está submetido o aluno do curso
de Direito. Afinal, um curso com disciplinas herméticas, pois geralmente não
dialogam com outros saberes que se primam pela compreensão do outro, como a
Antropologia, só pode formar profissionais insensíveis frente às realidades que não
compreendem, ou que propositadamente perpetuam a lógica foucaultiana do ―vigiar
e punir‖ sobre àqueles que conscientemente devem ser os excluídos.
555
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 64476 MG, voto proferido pelo Min. Carlos
Madeira. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listar
Jurisprudencia.asp?s1=indio%20aculturado&base=baseAcordaos. Acesso em: 23
mar. 2009.
NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008.
PASTORE, Ana Lúcia. Debates. In: NOBRE, Marcos et al (Orgs). o que é pesquisa
em Direito? São Paulo: QuartierLatin, 2005.
556
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças. São Paulo: Cia das Letras, 1993.
557
Simpósio Temático 08
1 Introdução
O Brasil iniciou o novo milênio como importante ator global, despontando como forte
liderança na agenda multilateral. Esse protagonismo reflete em maiores
responsabilidades a serem assumidas pelo país. A fim de respaldar o atual status
nacional, o país precisa de Forças Armadas que estejam em condições de enfrentar
os desafios que a globalização e a complexidade exigem.
Nesse contexto, o preparo das Forças Armadas está cada vez mais especializado,
na busca de um maior nível de adestramento de seus quadros. Após a Guerra das
Malvinas, uma das lições aprendidas incluídas no relatório do Estado-Maior do
Exército foi a necessidade de maior integração entre as Forças Armadas e
adestramento em operações conjuntas (BRASIL, 1982). No entanto, em virtudeda
cultura autonomista das três Forças Armadas, pouco foi feito neste período
(CAMPOS, 2011).
184 Política Nacional de Defesa é o documento condicionante de mais alto nível do planejamento de
defesa e tem por finalidade estabelecer objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da
capacitação nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas as esferas do Poder
Nacional. O Ministério da Defesa coordena as ações necessárias à Defesa Nacional.
558
balanceadas, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no
território nacional, em condições de pronto emprego‖.
Entretanto, para que o emprego conjunto seja bem sucedido, torna-se necessário
maior interdisciplinaridade na fase do preparo, sob risco de ocorrerem graves
deficiências na execução real por falta de integração. A busca constante por esse
objetivo tem como aliada a evolução científica e tecnológica. Uma das maneiras
mais eficientes de realizar o preparo adequado e de alta qualidade é a utilização de
simuladores de combate (Tolks 2012), objeto de estudo do presente trabalho.
O preparo para sua atividade-fim sempre foi o maior desafio para as Forças Armadas
de um país, tanto em tempo de paz como na guerra (NEYLAND, 1997). Uma vez
definidos os meios com os quais vão atuar, é necessário que as forças recebam um
treinamento adequado para fazer frente às ameaças definidas pelo Estado.
Com relação ao preparo das Forças Armadas, a Lei Complementar número 97, de 9
de junho de 1999, alterada pela Lei Complementar número 117, de 2 de setembro de 2004,
no seu artigo 13, regula que:
Essa mesma Lei orienta que as atividades de preparo devem ser focadas na
permanente eficiência operacional singular e nas diferentes modalidades de
emprego interdependentes, além de buscar de forma contínua a nacionalização de
seus meios, a fim de fortalecer a indústria nacional.
559
adestramentos são realizados na fase do preparo, enquanto as operações militares
reais caracterizam o emprego. Assim, o principal objetivo do preparo é condicionar a
tropa para o emprego eficiente e eficaz.
3 Modelagem e simulação
560
representação de toda ou parte das propriedades de um sistema, equipamento, ou
objeto (SOKOLOWSKI; BANKS, 2009).
186 O Coronel Mauro Guedes Ferreira Mosqueira Gomes pertence ao quadro de Engenheiros
Militares. Durante muito tempo aplicou-se aos estudos de modelagem e simulação. Foi o oficial de
ligação do Exército Brasileiro no (TRADOC) nos anos de 2010 e 2011. Atualmente, é o Instrutor Chefe
do Curso de Política e Altos Estudos Estratégicos do Exército.
187 Este manual foi um importante marco na sistematização, padronização e difusão dos
conhecimentos sobre simulação de combate. Antes de sua difusão, os assuntos pertinentes só eram
encontrados em fontes especializadas e com abordagens diversas. No documento são esclarecidas
finalidades, objetivos, classificações, procedimentos, métodos de treinamento, entre outras
informações e suas padronizações são seguidas por diversos autores.
561
armamentos, equipamentos, aeronaves, viaturas, dentre outros. Essa modalidade
faz intenso uso de simuladores para avaliar os resultados dos combates
(SOKOLOWSKI; BANKS, 2009).
Esta atividade deve ser realizada no terreno, e conta com apoio de sensores,
dispositivos apontadores laser e outros instrumentos que possibilitem acompanhar o
militar e simular os efeitos dos engajamentos (NEYLAND, 1997). Para facilitar o
entendimento, um exercício de combate entre aeronaves reais, mas que utilizam
algum sistema de simulação para avaliar os engajamentos e danos ao oponente é
um exemplo de simulação viva. Assim, esse é o tipo de simulação que mais se
aproxima da realidade do combate. Por outro lado, também é a que consome maior
quantidade de recursos (SOKOLOWOSKI; BANKS, 2009) e a que possui maiores
riscos (TOLKS, 2012).
562
aptidão para o combate; o terreno; os efeitos dos armamentos sobre os diversos
tipos de alvos; os movimentos conforme a mobilidade das viaturas e a sua
integração com o terreno; as condições meteorológicas; e a vegetação; chegando-se
mesmo à representação do campo visual de cada elemento.
188 A Arquitetura de Alto Nível (High Level Architecture) para simulações é uma abrangente
iniciativa do Departamento de Defesa dos Estados Unidos para prover uma arquitetura de programas
de computador para apoiar a interoperabilidade e reutilização de simulações. Permite que
simuladores mais modernos reutilizem modelos de cenários e dados de simulações de outros
simuladores.
563
4 Evolução histórica dos jogos de guerra
A arte de imitar a guerra é tão antiga quanto a própria guerra. Tão logo líderes tribais
concluíram que poderiam ter melhor desempenho nas guerras se tivessem uma
classe de guerreiros treinados, o sistema de preparo adotou o combate simulado
como forma de treinamento.
Quase um século emeio depois, surgiu o jogo considerado precursor dos jogos de
guerras modernos: o Kriegsspiel, inventado pelo Barão Von Reisswitz em 1811, e
posteriormente, aperfeiçoado pelo seu filho (TOLKS, 2012). O jogo consistia de um
tabuleiro de madeira com a representação de um campo de batalha em miniatura,
numa escala de 1:2373. Peças de madeira representavam as unidades militares. Os
jogadores tomavam as decisões que eram informadas ao juiz, que atualizava o
tabuleiro. Um dado era empregado com a finalidade de representar a
imprevisibilidade do combate. Alguns anos depois, o jogo foi aperfeiçoado para ser
jogado em cartas militares, na escala 1:8000, e foi introduzido como ferramenta de
treinamento do exército prussiano.
564
O grande sucesso da Prússia nas guerras travadas na segunda metade do século
XIX é, em parte, atribuído ao emprego do Kriegsspiel pelos militares prussianos
(SOKOLOWSKI; BANKS, 2009). Além disso, na virada do século, com um grande
número de adaptações, o Kriegsspiel, frequentemente referido como ―xadrez de
guerra‖, foi empregado por alguns dos exércitos da Europa como um método formal
de preparação para a guerra (PERLA, 1996).
Em 1929, foi desenvolvido o Link Trainer, primeiro simulador de voo, com tecnologia
ainda não computadorizada. Esse simulador contribuiu de forma significativa para o
desenvolvimento da aviação ao criar meios de treinar os pilotos, ainda em solo, em
condições bem realísticas e com maior segurança. O Link Trainer trouxe grande
redução de custos além de diminuir o tempo de formação dos pilotos e os acidentes
durante os treinamentos (SOKOLOWSKI; BANKS, 2009).
565
Mas foi a partir da década de 1970 que a simulação passou a ter forte impacto no
treinamento, desenvolvimento e planejamento de operações militares. A primeira
percepção concreta do valor da simulação de combate ocorreu na guerra do Vietnã.
O desempenho significativamente superior dos pilotos da Marinha norte-americana
em relação aos pilotos da Força Aérea, operando por vezes o mesmo equipamento,
chamou a atenção. A causa era um melhor treinamento pré-combate dos pilotos da
aviação naval da Top Gun Figther Weapons School, baseado em simulação viva
(NEYLAND, 1997).
As lições aprendidas pela Escola Top Gun foram logo aplicadas pelas outras forças,
com a criação de Combat Training Center (Centros de Treinamento de Combate).
Além do adestramento de forças militares, esses centros passaram a realizar
experimentos doutrinários, e a fornecerem dados estatísticos de emprego de tropa
para o desenvolvimento de modelos para simulação construtiva.
566
5 Sistema de simulação de combate da Defesa
567
Na modalidade construtiva, os principais simuladores são: O sistema Tático de
Brigada, o Sistema de Adestramento de Batalhões e Regimentos, o Sistema
Simulador de Guerra Naval e o Marte (Sistema de Jogos de Guerra da Força Aérea).
Esses simuladores realizam o adestramento de estados-maiores nos níveis Unidade
e Grande Unidade das três Forças Armadas, ou seja, no nível tático.
568
computador que emprega um sistema de simulação construtiva para dar os
resultados. Assim, os efeitos dos sistemas de armas são calculados e gerados para
aplicação sobre essas tropas.
569
Simulação de Combate computadorizado realizado no EB foi denominado Jogo de
Guerra, aplicado em 1990 na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME),
sendo que somente um número reduzido de alunos teve acesso ao programa. Ainda na
década de 1990, este exercício de simulação de combate passou a ser chamado de
AZUVER, e é aplicado até os dias atuais nos oficiais-alunos da ECEME, da EGN e da
Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR) (ROCHA, 2011).
Recentemente foi adquirido o sistema COMBATER. Este sistema tem por finalidade
realizar o adestramento desde o nível Força Terrestre Componente até o nível
unidade. Para isso, emprega cartas em terceira dimensão, banco de dados
baseados nos quadros de dotação de material e no quadro de cargos, possibilitando
a integração com outros simuladores e o que é mais importante, permitindo a
integração com o Sistema de Comando e Controle utilizado pela Força Terrestre
(MONTEIRO, 2013).
570
Atualmente, o EB realiza transformações importantes na estrutura do sistema de
simulação de combate. Em Brasília, será construído o Centro de Adestramento
Simulado e Pesquisa Operacional, que coordenará as simulações construtivas
executadas pelas grandes unidades da Força Terrestre. Em Santa Maria, Campinas,
Manaus e Rio de Janeiro existe a previsão da criação de Centros de Adestramentos
Simulados de Posto de Comando. Assim, os Centros de Adestramento têm como
principais objetivos fornecer, de forma permanente, a estrutura necessária para a
aplicação da simulação construtiva; permitir constante treinamento e aprimoramento
aos participantes dessa atividade; e, racionalizar o emprego dos meios disponíveis
para a realização dos Exercícios de Simulação de Combate (MONTEIRO, 2013).
A ECEMAR utiliza o Sistema Marte, que tem por objetivo simular os diferentes
tipos de ações da Guerra aérea para seus alunos, no nível de Força Aérea
Componente. Esta escola também participa de exercícios de simulação de
combate construtiva em conjunto com militares das outras Forças Armadas, como
é o caso do exercício AZUVER, realizado anualmente na ECEME, e do exercício
ARARIBÓIA, realizado na EGN.
571
A FAB também tem procurado participar de exercícios que envolvam diversas
nações. O exercício CRUZEX tem como grande objetivo criar um ambiente de
coalizão, no qual várias Forças Aéreas atuam em conjunto. Os países que
participaram da edição 2010 foram: Argentina, Chile, Estados Unidos, França e
Uruguai, além das unidades da FAB. Nessa atividade, a direção do exercício
coordena ataques inimigos, planeja missões inesperadas e ainda introduz no cenário
simulado variáveis de crises reais, como bombas que atingiram alvos civis, protestos
de moradores e até propaganda política inimiga, entre outras ações possíveis.
A simulação de combate também pode ser identificada nos combates simulados ar-
ar, sendo a ferramenta que permite identificar, durante um treinamento que emprega
aeronaves reais, os engajamentos e danos que ocorreriam numa situação de
combate real. De acordo com o Tenente-Brigadeiro do Ar Gilberto Antonio Saboya
Burnier (2010), o então Comandante do Comando Geral de Operações Aéreas, na
entrevista concedida para a revista Aerovisão, ao falar sobre o exercício Red Flag
realizado pela Força Aérea dos EUA:
572
Da mesma forma, as atividades que empregam simulação de combate passam por
grande evolução na FAB. A instituição já possui a simulação de combate em suas
três vertentes, com prioridade para a modalidade virtual. No entanto, na literatura
pesquisada, não foram identificadas iniciativas da FAB em integrar seus simuladores
de combate com o de outras Forças Armadas, a fim de se buscar um campo de
batalha sintético, onde os diversos vetores da guerra estejam presentes.
573
operacionais, de adestramento e o incremento da interoperabilidade; e os
simuladores que venham a ser obtidos (desenvolvidos ou comprados) deverão
utilizar arquitetura High Level Architecturee atender às normas do Institute of
Electrical and Electronic Engineers 1516.X. Assim, a adoção desta tecnologia como
padrão é um passo fundamental no processo de integração dos simuladores do
Sistema de simulação de combate da Defesa.
10 Conclusão
574
estabelecimento dos requisitos operacionais, quanto as aquisições, sejam realizadas
de forma conjunta, com reflexos significativos nos menores custos e maior
interoperabilidade entre os subsistemas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARANTE, José Carlos Albano do. O alvorecer do século xxi e a ciência e tecnologia
nas forças armadas. Military Review, Fort Leavenworth, p. 2-18, 1. trim. 2003.
BANKS, Jerry. Handbook of Simulation. New Jersey: John Wiley & Sons, 1998.
________. Lei Complementar número 97, de 9 de junho de 1999, alterada pela Lei
Complementar número 117, de 2 de setembro de 2004.
575
comandante-do-comgar/ > Acesso em 15 de maio de 2013.
PAGE E.H. and SMITH R. Introduction to military training simulation: a guide for
discrete event simulationists. In: Proceedings of the 1998 Winter Simulation
Conference, Washington, DC. New Jersey: IEEE Press, 1998.
576
CENARIZAÇÃO: A FERRAMENTA ESSENCIAL PARA UMA ESTRATÉGIA
EFETIVA
1 INTRODUÇÃO
O planejamento estratégico baseado em cenários surge para diminuir essa lacuna, pois
lida bem com problemas não estruturados onde a incerteza, a decorrente complexidade
e as mudanças são fatores constantes e, cada vez mais, intensos e acelerados.
189
Escola de Guerra Naval
577
capacidade de antecipação dos eventos futuros. Além disso, oferece a possibilidade
de moldá-los a seu favor.
3 POLÍTICA
O termo é derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que
se refere à cidade e, conseqüentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo
sociável e social (BOBBIO, 1998).
578
a Política não tem fins perpetuamente estabelecidos e, muito menos, um que
englobe a todos e que possa ser considerado como o seu verdadeiro objetivo: os
fins da Política são tantos quantos forem as metas que um grupo organizado se
propuser, de acordo com os tempos e circunstâncias. O fim na Política tende a ser o
bem comum (BOBBIO, 1998).
4 ESTRATÉGIA
A etimologia do termo estratégia tem sua origem na palavra grega stratos, cujo
significado é ―o exército que acampa‖. Stratos associado aagein, cuja acepção é
―conduzir adiante, avançar‖ sugere que estratégia é a arte de movimentar os
exércitos, o que permite inferir que a estratégia não é estática, mas dinâmica, ligada
ao movimento (COUTAU-BÉGARIE, 2006, p. 43).
579
Stratos associado aago (comandar)gerastrategos que significa o general, aquele que
comanda o exército que acampa ou, em uma interpretação mais holística, aquele
que inspira.
Na Primeira Guerra Mundial as esperanças de que seria uma guerra breve foram
frustradas por operações militares que se eternizaram. A mobilização econômica 191
tornou-se uma das preocupações primordiais dos beligerantes, assim como a
propaganda, as quais foram organizadas de maneira sistemática. Esta evolução
190
O engajamento é uma subdivisão do combate e consiste em um único ato isolado, completo em si mesmo,
podendo ser entendido como equivalente a uma batalha.
191
Na I Guerra Mundial, as principais nações chegaram a gastar quase 50% de seus PIB no conflito (BLAINEY,
2008).
580
favoreceu o reconhecimento das dimensões não-militares da estratégia no período
entre as duas guerras (COUTAU-BÉGARIE, 2006, p. 51-52).
Depois da Segunda Guerra Mundial, assiste-se a uma última evolução que vai fazer
com que a estratégia saia da esfera estatal e bélica, passando a ser aplicada a
qualquer atividade social.
A política cria e dirige a guerra. A atividade que se esforça diretamente para atingir
as metas políticas, seja na paz ou na guerra, é a estratégia (LIDDEL HART, 1967).
192
Nada mais são do que as “Regras de Engajamento” (ROE), as quais preconizam o que pode e o que não pode
ser feito por meio das atividades militares.
581
Diferentemente da vitória apregoada como fim na estratégia militar, a estratégia
empresarial tem como objetivo/fim o lucro, a sobrevivência ou uma fatia do mercado.
O conflito no ambiente empresarial traduz-se em competição ou concorrência, sem a
manifestação da força ou violência.
5 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
582
a intuição e a criatividade de modo a permitir uma perspectiva integrada e maior
amplitude de opções ao processo decisório.
583
5.1 Inconsistência do Planejamento Estratégico tradicional
6 CENÁRIOS
193
O acróstico da língua inglesa: Strenght (Força) – Weakness (Fraqueza) – Opportunity (Oportunidade) –
Threat (Ameaça).
584
informações. Assim, emergiram as técnicas quantitativas de gerenciamento de risco
(BERNSTEIN, 1997).
De acordo com Bernstein, o domínio do risco foi uma idéia revolucionária que
permitiu aos homens pensar de forma diferente sobre o futuro. Até os homens
descobrirem este marco divisório, o futuro era um espelho do passado, ou o domínio
obscuro dos oráculos e adivinhos que detinham o monopólio sobre o conhecimento
dos eventos a ocorrer. A partir de então, os homens deixam de ter uma postura
passiva em relação ao futuro.
7 O FUTURO
A única certeza sobre o futuro é que ele é desconhecido. O tempo do porvir pode ser
imaginado, mas não conhecido com certeza (VALDÉS apud ÓRTEGON, 2006).
Os fundamentos para indicar os futuros vêm dos rastros do passado e dos dados
oriundos do comportamento do presente, assim como da consulta das imagens
mentais ou representações dos atores sociais acerca do que pode acontecer. O
585
futuro surge do movimento permanente, da interação de continuidades (tendências e
fatos portadores de futuro) e descontinuidades (fatores de ruptura e crises) na
História (ÓRTEGON, 2006, p. 152).
8 A INCERTEZA
Nas condições dinâmicas, influenciar o futuro não é somente tomar decisões mais
rápidas. O que se busca é a habilidade de reduzir a incerteza e minimizar os
impactos sobre o futuro (CHOI, 1993).
586
9 A MUDANÇA
Em uma escala global, parece haver um acordo compartilhado por todos que a
sociedade está experimentando um período de mudanças sem precedentes. Há
maior simultaneidade de ocorrências, interpenetração mais acelerada e
realimentação incrementada de uma série de mudanças sobre as outras (MCHALE,
1974, p. 13).
- é frequentemente progressiva;
587
10 A ORIGEM DO TERMO “CENÁRIO” E SUAS DEFINIÇÕES
O termo cenário foi atribuído às estórias escritas por pessoas supostamente vivendo
no futuro, visando a técnica de ―pensamento do futuro‖ 194 desenvolvida por Hermann
Kahn, funcionário da RAND Corporation195, produzidas por meio de detalhada
análise e imaginação. Coube ao escritor Leo Rosten dar o nome de ―cenário‖ a
essas estórias, baseado na terminologia de Hollywood, tendo em vista que, à época,
o termo já estava em desuso, sendo substituído por ―roteiro‖. Hermann Kahn adotou
o termo porque ele gostou da ênfase dada à criação de uma estória ou mito e não
tanto na previsão de fatos (RINGLAND, 2006, p. 13-14).
Como afirma Buarque (2003), existe um grande consenso em torno dos conceitos e
das metodologias para a elaboração de cenários, o que pode ser constatado na
tabela a seguir.
194
Do inglês “future-now” thinking.
195
Primeira instituição norte-americana criada no pós-guerra para realizarpesquisas objetivas e de alta qualidade
sobre segurança nacionaldecorrente do desejo inicial dos líderes da recém-criada Força Aérea Norte-Americana
de elaborar programas e objetivos para o seu novo serviço militar. A fim de assegurar que a instituição de
pesquisa a ser criada não fosse apenas um reflexo do pensamento burocrático, ela foi estabelecida o mais longe
possível de Washington. Para maiores detalhes, ver <www.rand.org>.
588
Tabela 4 - Conceitos diversos de cenários
CENÁRIOS
decisório
processo
incerteza
hipótese
Futuro
Autores Conceito
s
Configurações de imagens futuras condicionadas e
GODET apud fundamentadas em jogos coerentes de hipóteses sobre os
x x
BUARQUE, 2003 prováveis comportamentos das variáveis determinantes do
x
objeto de planejamento.
589
Para perscrutar os possíveis futuros, é necessário ampliar e estruturar o
conhecimento de modo a reduzir a incerteza e ter julgamentos bem embasados. Os
julgamentos, formas de pensamento onde se tenta reduzir a incerteza, são mais
bem expressos quando combinados, hipotetizados e encadeados no formato de
eventos futuros.
196
O valor da opinião depende da maior ou menor probabilidade das razões que fundamentam a
afirmação (JOLIVET, 2001, p. 63).
197
Neurocientistas afirmam que os nossos olhos absorvem e passam para o cérebro mais de dez
milhões de sinais a cada segundo. Os outros quatro sentidos também contribuem extensivamente.
Mas a nossa mente consciente pode processar tão somente quarenta peças de informação a cada
segundo..isto é uma pequena parte do que se torna disponível para nós. Realmente, é estimado que
para cada um milhão de “bites” percebido pelos sentidos, somente um “bite” de informação entra
no espectro da atenção consciente. (THIELE, 2006, p. 190).
590
Os filtros de relevância possuem várias dimensões198, sendo um deles o fator tempo.
O conceito de tempo cronológico (Kronos)199 medido em dias, horas e segundos –
entendido como algo linear, mensurável, irreversível e predizível – e o conceito
tradicional de espaço – entendido como contigüidade e continuidade – vêem-se
transformados pelas tecnologias que facilitam a comunicação em tempo real.
198
Van der Heijden (2003) enumera ainda outros dois filtros de relevância. Um primeiro sendo a
proximidade aos limites do sistema. Ele afirma que nós tendemos a nos interessar mais pelos
acontecimentos cujos impactos são importantes para o nosso bem-estar do que pelos eventos
distantes que parecem não nos dizer respeito. Enfim, um sentido mais imediatista. O segundo filtro
de relevância enumerado é a intensidade do sinal. Sinais fortes são retidos, sinais fracos tendem a
ser facilmente descartados, desconsiderados.
199
O tempo Kronos é o tempo do relógio, um tempo-coisa com delimitações estanques e escalas
numéricas. É o tempo medido, contado, estabelecido por regras estanques.
200
Essa palavra grega refere-se ao personagem mitológico que simboliza o movimento circular,
espiralado, não-linear. Kairós é um tempo não-consensual, vivido e oportuno. Esse tempo pertence
ao ser que se encontra na ação, no movimento de passagem, na mudança, no fluxo.
591
resultados de cada alternativa e realiza a escolha (decisão) baseado no critério da
máxima utilidade esperada e custos mínimos (SIMON, 1965, p. 99-104).
201
Denominadas de heurísticas de decisão.
202
Modelos mentais são pressupostos profundamente arraigados, generalizações ou mesmo imagens que
influenciam nossa forma de ver o mundo (SENGE, 2005, p. 42). A essência do raciocínio estaria na habilidade
de testar as hipóteses a partir desses modelos. Logo, ao alargar os modelos, os raciocínios seriam mais bem
elaborados e, portanto, ter-se-iam melhores decisões.
592
Em suma, os modelos mentais utilizam princípios heurísticos para simplificar a
tomada de decisão. Estas heurísticas podem até fazer com que a tomada de
decisão seja mais rápida, mas elas podem incorrer em erros crassos.
Essa capacidade relatada faz com que as imagens de futuro (virtuais) fiquem
armazenadas no cérebro na forma de planos e ações seqüenciais (memórias 204 do
futuro): se isso acontecer, faça isso; caso contrário faça aquilo outro. Caso uma das
imagens visualizadas aconteça realmente, será mais fácil ter a percepção de seus
sinais, reconhecer a situação e agir de acordo com o que foi então imaginado.
(SCHWARTZ, 2006).
A capacidade acima descrita revela uma forma de alargamento dos modelos mentais
em voga e significa uma aprendizagem. Os mecanismos de memórias (histórias) do
futuro disponíveis para a organização são os cenários. Memórias do futuro são, de certa
forma, casos históricos vistos sob a ótica de uma perspectiva futura. Elas explicam
como o mundo se desdobra em direção a uma situação futura imaginada, por uma trilha
causal de eventos, ligando esta imagem de futuro ao presente conhecido. Ao se colocar
203
Cf. De Geus (1999), o neurobiologista sueco David Ingvar, em artigo de 1985 intitulado“The Memoryofthe
Future” descreveu o trabalho que o cérebro realiza ao lidar com um meio-ambiente complexo para garantir um
melhor preparo individual para os acontecimentos futuros. De acordo com ele, uma parte do cérebro humano
está constantemente ocupada em fazer planos e programas voltados para o futuro, prevendo trilhas temporais
alternativas ou possíveis contingências para enfrentamento. Esta memória do futuro nos ajuda a estabelecer a
correspondência entre a informação recebida e um dos caminhos alternativos temporais armazenados,
percebendo o seu significado e impacto. Ela também permite filtrar qualquer informação irrelevante que não
tenha significado para quaisquer das opções de futuro resultantes (DE GEUS, 1999, p.77). Fica implícito que
uma pessoa ou organização não consegue perceber e discernir os sinais relevantes e ruídos no ambiente se não há
registro daquela experiência em sua memória.
204
Memória é a faculdade de conservar e de evocar os estados de consciência anteriormente experimentados.Esta
definição se aplica propriamente ao que se chama memória sensível, ou memória propriamente dita (JOLIVET,
2001, p. 113).
593
no futuro, as sombras do presente se iluminam; as narrativas futuras, em forma de
histórias, criam ordem no caos (HEIJDEN, 2005, p. 134).
594
11.8 A instrumentalidade dos cenários
Qualquer processo estratégico, seja qual for sua denominação, necessita antecipar
o(s) futuro(s) para tomar as decisões bem baseadas, isto é, geradas a partir de
razões práticas, que lidam com a indeterminação do futuro e que se baseiam na
busca apropriada de dados empíricos relevantes.
- Primeiramente, por uma razão tautológica, pois seus objetivos e metas são
futuros;
O uso de cenários fornece o contexto para poder pensar com clareza a respeito da
complexa gama de fatores que afetam qualquer decisão. Fornece uma linguagem
comum para conversar sobre esses fatores, iniciando uma série de histórias do tipo
―e se isso acontecer...‖, com um nome diferente. Então, encorajam-se os
participantes a pensar sobre cada uma delas como se já tivesse acontecido
(SCHWARTZ, 2006, p. 12).
205
Uma tendência é válida até que surja uma descontinuidade e ela se rompa.
595
Quanto mais extraordinário ou atípico for o evento 206, mais ele se qualifica como um
cenário-surpresa207 porque ele perturba as expectativas. Este caráter de
inconformidade é bem ilustrado pelo escritor libanês radicado nos EUA,
NassimTaleb, por sua analogia ao ―cisne negro‖, em livro do mesmo nome (TALEB,
2007). Baseado na clássica percepção de que ―todos os cisnes são brancos‖, Taleb
sugere que as pessoas ficam obstruídas em sua visão periférica pelos ―cisnes
negros‖, precisamente porque tal evento vai contra a norma e seus modelos
mentais208. De certa forma, pode-se afirmar que os cenários-surpresas são
semelhantes aos ―cisnes negros‖.
13.1 A essência
206
Como foi o caso da queda do muro de Berlim ou o ataque terrorista às Torres Gêmeas nos EUA.
207
“Wild Card” em inglês.
208
O que aflige é a incerteza incalculável. Em verdade, não há uma ordem eterna, embora seja lícito aceitar
algumas regularidades da natureza e reconhecer que o mundo é cheio de surpresas. Para aprofundar a temática,
ver artigo intitulado “Índice do medo”, de autoria de Eliana Cardoso, no jornal “Valor Econômico”, publicado
em 30 de outubro de 2008.
596
13.2 O segredo
13.4 O poder
209
Particularmente Michel Godet, Peter Schwartz, Kees Van Der Heijden e Michael Porter.
597
conhecimento científico para lidar com eventos e processos e para construir
tendências lógicas e consistentes (BUARQUE, 2003, p. 22).
No entanto, Kuhn ressalta ―que um bom problema de pesquisa, assim como um bom
quebra-cabeça não é aquele cujo resultado é intrinsecamente importante, mas
aquele dotado de uma solução possível‖ (KUHN, 2007, p. 59), e acrescenta, ―para
ser classificado como quebra-cabeça, não basta a um problema possuir uma
solução assegurada, deve obedecer a regras que limitam tanto a natureza das
soluções aceitáveis como os passos necessários para obtê-las‖ (KUHN, 2007, p.
61). Os cenários se enquadram perfeitamente nesta conformação e, portanto,
podem ser considerados uma atividade científica.
14 CONCLUSÕES E SUGESTÕES
Para tanto, foi necessária uma abordagem do construto teórico maior, aquele que
circunscreve o contexto dos cenários. Nesta incursão teórica foi possível depreender
as conexões e imbricações das categorias e conceitos de―política‖, ―estratégia‖ e
―planejamento estratégico‖ com o objeto do estudo, a ―cenarização‖.
- o futuro é uma construção social e está por ser feito pela vontade e ação
humana;
598
- os cenários lidam com as incertezas e mudanças;
599
Cabe agora estabelecer conclusões sintéticas e sugestões elaboradas a partir do
presente trabalho. Entre as principais conclusões, enumeram-se as seguintes:
600
- geração de uma vultosa economia de recursos na apropriação dos meios
para gerar os objetivos e metas de cada instância decisória, além de significar uma
total redefinição das instituições e processos, atualmente em vigência;
REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS
BLAINEY, Geoffrey. Uma Breve História do Século XX. São Paulo: Editora
Fundamento Educacional, 1ª Ed., 2008
601
BOON, HooTiang; PHUA, Joanna.A Brief Look at the “Wild” Side.COGNITIO,
Centre of Excellence for National Security. Singapura, 2008. Disponível em
<www.rsis.edu.sg/cens/publications/COG/COG0108.pdf>. Acesso: 14 jan. 2008.
GODET, Michel; ROUBELAT, Fabrice.Creating the Future: The use and misuse of
scenarios.Long RangePlanning.vol. 29, no 2, p.164-171, 1996.
HEIDJEN, Kees van Der. Scenarios: The art of strategic conversation. 2. ed.
England: John Wiley&Sons, 2005.
JOLIVET, Régis. Curso de Filosofia. 20a ed. Rio de Janeiro: Agyr, 2001.
602
MOTTA, Paulo Roberto. Transformação Organizacional. A teoria e a Prática de
Inovar. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.
SCHOEMAKER, Paul J. H.. Scenario Planning: a tool for strategic thinking. Sloan
Management Review, Massachusetts, 1995, v. 36, n. 2, p.25-40.
TALEB, Nassim N. The black swan: the impact of highly improbable. New York:
RandomHousePublishingGroup, 2007.
TZU, Sun. A Arte da Guerra. Tradução de James Clavell. Rio de Janeiro: Record,
2004.
603
Simpósio Temático 09
1 INTRODUÇÃO
A política externa brasileira tem entre seus objetivos o estreitamento das relações
cooperativas com os demais estados da América do Sul, não apenas em temas
tradicionais como comércio regional, imigração, defesa e segurança. A cooperação
internacional preconizada em termos políticos, por vezes emolduradas em tratados
internacionais, deve ser resultado da integração da mesma temática debatida à
agenda política e jurídica no âmbito interno, ou seja, não há como se avançar na
cooperação internacional sem integrar física, política e juridicamente a agenda
temática no plano interno, como se diz popularmente, sem cuidar da "lição de casa".
211UNISANTOS
604
da Amazônia, sob qualquer ponto de vista (i.e. geopolítico, jurídico, econômico,
socioambiental) vai além de seus limites geográficos, das questões mais conhecidas
sobre clima e biodiversidade. É um espaço importante de exercício de poder.
Esse espaço é compartilhado por oito países - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador,
Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - tornando a cooperação um exercício político
e jurídico inafastável, como bem exemplificado pelo Tratado de Cooperação
Amazônica e sua Organização. E no plano interno brasileiro?
Para que o Direito Internacional cumpra uma de seus principais atributos que é a
tornar as ações dos atores que com ele se comprometem, previsíveis, é míster que
haja não somente a cooperação entre si, nas relações Estatais, mas que exista
normatização interna que torne o tratado eficaz a nível interno ou seja dentro de si.
Conflitos de interesses são comuns nas relações sociais e no caso da Amazônia, os
interesses existentes são tão diversos quanto o número de atores que vivem na
605
região ou dela, desde grupos locais a atores de direito internacional, e no caso da
Amazônia como centro de interesses estratégicos tanto locais quanto internacionais,
ao lado da Antártida já partilhada entre as potências, e dos fundos marinhos,
juridicamente ainda nao regulamentados é a única a estar sob soberanias nacionais.
606
brevemente questões culturais e ambientais e seus impactos, uma breve caminhada
pelos projetos nacionais que perifericamente focam o desenvolvimento em plano
interno será necessária.
Em seguida focalizaremos o olhar para uma breve análise no quadro legal para a
integração amazônica, quais os tratados internacionais que a deram base e quais os
regionais, qual foi a contribuição dos primeiros nos últimos.
2 INTEGRAÇÃO DA AMAZÔNIA
607
seguidos por desenvolvimento de repúblicas frágeis perante os grandes centros
desenvolvidos do mundo, a integração do complexo estrutural regional da região
torna a ser o meio para o desenvolvimento mútuo.
Vargas buscava tornar a política para a região um palco multilateral regional não
qual os Estados amazônicos pudessem dispor de entendimentos mútuos para o
desenvolvimento da região.
Já sob governo Médici em 1970, foi lançado o Plano de Integração Nacional (PIN),
no qual lançava a campanha para a construção de 15mil quilômetros de rodovias na
região amazônica, sendo que 3.300 pertenceriam a rodovia Transamazônica, com o
objetivo de deslocar a fronteira econômica e agrícola para as margens do rio
Amazonas, integrar a estratégia de ocupação econômica da Amazônia e a estratégia
608
de desenvolvimento do Nordeste, criar as condições para a incorporação à
economia de mercado de amplas faixas de população antes dissolvidas na
economia de subsistência.
O lema utilizado era "integrar para não entregar" e "uma terra sem homens para
homens sem terra".
Nesse planejamento foi definido o Sistema Rodoviário Federal, composto por 5 tipos
de rodovias radiais, longitudinais, transversais, diagonais e de ligação, que juntas
cortariam o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste, acessando as áreas mais
remotas e fronteiriças com os nossos vizinhos Amazônicos.
609
―Institucionalização do processo político regional amazônico― com cópia a todos os
citados dizia :
Dizia ainda
610
Segue abaixo quadro do estudo feito pela da Antaq sobre a utilização econômica
das hidrovias brasileiras :
PARAGUAI 592 3
PARANÁ-TIETÊ 1.495 7
SOLIMÕES-AMAZONAS 16.797 80
514 2
SUL
982 5
TOCANTINS
20.956 100
TOTAL
611
navegáveis é de vital importância para o desenvolvimento regional devido sua
posição estratégica.
A Usina Hidroelétrica Belo Monte está sendo construída no rio Xingu, a altura do
município de Belo Monte próximo a Altamira, ela foi planejada para gerar no pico
cerca de 11 mil MW e como energia firme, média, cerca de 4mil MW. Este é o
arranjo de engenharia possível para Belo Monte gerar energia de forma constante
com baixo impacto socioambiental e com a menor área alagada possível.
Rio Purus, sua extensão navegável é de cerca de 2550 km, desde a sua Foz no
Solimões até a boca do Acre.
Rio Acre, com cerca de 200 km de extensão navegável desde a sua foz no rio Purus
até as cidades de Brasiléia, no Brasil e Cojiba, na Bolívia.
612
Hodiernamente,pós redemocratização, ajustados em políticas neoliberais de
comércio, ambientais e sociais, verificamos que o Projeto de Integração da
Amazônia não perdeu o seu foco principal durante essas quase quatro décadas, ao
contrário, os ajustes feitos ao longo deste tempos aos temas o tornaram mais
acessível às comunidades, pois, os projetos atuais são feitos em com estudos mais
acurados no sentido com a participação tanto dos municípios quanto da sociedade
civil em conjunto com as Agências do governo Federal.
O Plano mais Brasil, dirigido pelo Ministério do Planejamento, sem seu Plano
Plurianual 2012-2015, dedicou à Sudam a execução de objetivos que visam
fortalecer as instituições científicas e tecnológicas da Amazônia para desconcentrar
613
a produção científica e tecnológica do país, no Macrodesafio de Consolidar a
Ciência, a Tecnologia e a Informação, formular e implementar os marcos legais das
Políticas Nacionais de Desenvolvimento Regional e de Ordenamento Territorial ,
contribuindo para a redução das desigualdades regionais e a ocupação racional do
território,através do fortalecimento da governança do processo de desenvolvimento
regional através da Implementação de infraestrutura logística voltada para inclusão
na cadeia produtiva .
614
A partir do ano de 2011, a Iniciativa IIRSA se incorporou ao Conselho Sul-americano
de Infraestrutura e Planejamento da Unasul como seu foro técnico para temas
relacionados à planificação da integração física regional sul-americana, inaugurando
uma nova etapa de trabalho.
Moldura Internacional
615
Segue abaixo portanto a base legal internacional que moldura a Integração da
Amazônia, devido à limitação de espaço nesse estudo nos reservamos a citar
apenas algumas as quais consideramos contribuir de forma mais relevante,
notaremos que no sistema Internacional a Onu parece ser a fonte de onde emana o
Direito Internacional. Na Carta doAtlântico – 14/08/1941, primeiro documento
precedente a Organização das Nações Unidas, resultado do encontro do Presidente
dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, com o Primeiro Ministro Britânico
Winston Churcill, em agosto de 1941, aprovada pelos Estadistas e aderida em seus
princípios pelo Brasil em 1943, julgaram conveniente tornar conhecidos certos
princípios comuns da política nacional dos seus respectivos países, nos quais se
baseiam as suas esperanças de conseguir um porvir mais auspicioso para o mundo,
sendo o quinto princípio do que deveria ser promovido, no campo da economia, a
mais ampla colaboração entre todas as nações, com o fim de conseguir, para todos,
melhores condições de trabalho, prosperidade econômica e segurança social.
616
A Declaração Universal dos direitos Humanos (DUDH) idealizada como norma
comum a ser alcançada por todos os povos e nações, estabelece, a proteção
universal dos direitos humanos, em conjunto com Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
formam a Carta Internacional dos Direitos Humanos, em seu artigo 22 diz, que Todo
o homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a
organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade,
assim os Estados devem cooperar para si e entre si para o bem estar em geral.
617
Entendendo que o direito humano ao desenvolvimento é um direito inalienável, e
que a oportunidade para o desenvolvimento é prerrogativa tanto das nações quanto
dos indivíduos que as compõem a Assembleia , nessa mesma resolução, proclamou
em seu artigo 2, §2, que os Estados têm o direito e o dever de formular políticas
nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante
aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com
base em sua participação ativa, livre e significativa, e no desenvolvimento e na
distribuição equitativa dos benefícios daí resultantes.
Para que este direito se realize é necessário que sejam dirigidos esforços para a
defesa dos seus interesses em comum, pois as relações entre Estados, conforme
notado, no caso da Amazônia possuem alto grau de interdependência partilhando
todos os povos envolvidos dos resultados dos esforços e benefícios da Integração
para o desenvolvimento.
618
dados de atividade e/ou modelos locais que reflitam as condições socioeconômicas
de cada Estado, além da criação de programas nacionais e, conforme o caso,
regionais, que contenham medidas para mitigar a mudança do clima bem como
medidas para facilitar uma adaptação adequada a mudança do clima. Para a
Integração da Amazônia é importante que medidas sejam tomas de forma articulada,
pois a Integração da Infraestrutura, tem grau de interferência relevante no meio
ambiente.
619
que sejam debatidas e atendidas de forma mais fluida a ferramenta adequada para
tal feito é a do processo de integração sub-regional e regional. A Própria OEA
reconhece que esses processos contribuem para a estabilidade e a segurança no
Hemisfério.
620
A Unasul busca promover o desenvolvimento sustentável da região através da
integração sul-americana, unindo assim os avanços obtidos pelo Mercosul e pela
Can aliadas as experiências de Chile, Guina e Suriname.
Entre o Brasil e a Colômbia, em 1907, foi celebrado o Tratado de Limites entre Brasil
e a Colômbia, usando como base de demarcação a linha Tabatinga- Apapóris, em
1972 é assinado o Acordo Básico de cooperação Técnica Brasil e Colômbia, em
2008 são assinados Protocolos e ajustes de cooperação econômica e comercial
dentre projetos como o de ―Intercambio de Experiências Sobre Gestão
Ambiental Urbana‖
621
amazônica do qual farão parte Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru,
Suriname e Venezuela.
Peru, em suas relações bilaterais com o Brasil tem já em 1826 , sob Governo de
Simon Bolívar o seu primeiro encarregado de Negócios no Rio de Janeiro, em 1841
são negociados em Lima por Duarte da Ponte Ribeiro os dois primeiros tratados
bilaterais: de paz, amizade, comercio e navegação; e de limites e extradição. ( não
ratificados pelo império ), entretanto em 1851 é assinada a Convenção Especial de
Comércio, Navegação e Limites com o Peru, que define a fronteira pelo rio Javari e
pela linha Tabatinga-Apapóris, com base no uti possidetis, concedendo ao Peru a
livre navegação pelo Amazonas. Em 2003 é assinado o acordo de complementação
econômica Mercosul-Peru.
Entre Brasil e Venezuela foram celebrados vários Tratados, sendo que o primeiro foi
o Tratado de Limites e navegação Fluvial de 1859 e desde então tem acumulado
uma série de acordos desde a regulação de transportes marítimos até o de sanidade
animal nas áreas fronteiriças.
622
ela além de orientar o processo de cooperação regional entre os mesmos. Nele é
buscado o desenvolvimento harmônico da Amazônia gerando benefícios entre as
partes contratantes e incorporar os seus territórios amazônicos às economias nacionais.
623
Amazônia, esses indicadores poderão ser usados para a formulação depolíticas
públicas facilitando a prevenção, proteção, adaptação e mitigação em casos
provenientes das mudanças climáticas e outros que afetem a saúde humana, como
danos ambientais e contaminação. O projeto é realizado pela Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) com o apoio financeiro do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Cooperação Técnica da OPS-OMS,
FIOCRUZ, UNAMAZ, IEC e outros.
O Programa foi elaborado a partir do Plano Estratégico 2004 – 2012 da OTCA, que
representa o principal instrumento de orientação das ações da OTCA e que foi
aprovado na reunião dos Ministros de Relações Exteriores dos Estados Membros
da OTCA em Manaus em Setembro de 2004.
624
melhoria da qualidade de vida de seus habitantes , portanto o biocomércio tem um
valor social, ecológico e econômico, ele engloba a coleta, a produção e comercialização de
bens e serviços da biodiversidade, de acordo com os critérios de sustentabilidade ambiental,
social e econômica.
Equador - Colômbia
Colômbia – Peru
625
de Relações Exteriores de ambos os países assinaram um comunicado conjunto,
mediante o qual adotaram um programa de ação concentrado no tema da
cooperação amazônica. Seu primeiro passo consistiu na convocação da Comissão
Mista de Cooperação Amazônica, que foi encarregada de preparar o Plano para o
Desenvolvimento Integral da Bacia do Rio Putumayo. O plano cobre uma superfície
2
de 160.500 km , em partes praticamente iguais entre os dois países, com uma
população de 96.300 habitantes, que representa uma densidade demográfica de 0,6
2
habitante pôr km . A população indígena é de aproximadamente 22.600 habitantes.
A área colombiana corresponde às bacias hidrográficas dos rios Putumayo (margem
esquerda) e Caquetá (margem direita), além da zona do trapézio amazônico, e se
localiza nos Departamentos de Putumayo e Amazonas. No Peru, abrange a faixa
compreendida entre os rios Napo e Amazonas (margens esquerdas) e o rio
Putumayo (margem direita), até a localidade de Estirón no rio Javarf, localizando - se
ao extremo norte da região de Loreto (ex - Amazonas) e compreendendo parte das
províncias de Maynas e Ramón Castilia
Brasil – Colômbia
2
2
A área abrangida pelo plano é de cerca de 28.285 km , dos quais 9.635 km
2
correspondem à parte colombiana e 18.650 km ao Brasil. A área colombiana está
situada no extremo sul oriental do país, no trapézio amazônico, e pertence aos
Departamentos de Amazónia e Vaupés. A área brasileira pertence ao Estado do
Amazonas.
626
A zona do plano tinha em 1990 uma população de 23.700 habitantes na parte
brasileira e 21.800 na parte colombiana. Leticia (Colômbia) e Tabatinga (Brasil)
compõem uma área urbana única e constituem o centro demográfico e económico
da região. A população indígena representa 40% do total, ou seja, 18.200
habitantes.
Peru – Brasil
2
O total da área compreendida neste programa é de 10.320 km , dos quais 3.900
2 2
km correspondem ao Brasil e 6.420 km ao Peru. A área brasileira corresponde
a toda a extensão do Município de Assis Brasil (Sudeste do Estado do Acre). A
área peruana está localizada na região Inka, Departamento de Madre de Dios,
Província de Tahuamanu (ver Mapa 5). A população totaliza 10.200 habitantes
(estimativa de 1990), com uma distribuição aproximadamente igual em ambos
os territórios. A população é predominantemente rural, com presença conspícua
das comunidades indígenas.
Bolívia – Brasil
627
questão ambiental da região amazônica. Aprovou - se um Programa de Ação
Conjunta, mediante o qual se resolve iniciar a execução de planos modelos
binacionais de desenvolvimento integrado de comunidades vizinhas, no âmbito da
Subcomissão de Cooperação Fronteiriça da Comissão Mista Permanente de
Coordenação. Para tanto, determinaram o início desses planos nas seguintes
microrregiões: Brasiléia - Cobija; Guajaramirím - Guayaramerín; e Costa - Marques -
Triângulo San Joaquín, San Ramón e Magdalena, todas na Amazónia
Este Projeto Binacional tem por objetivo contribuir com a gestão coordenada de
recursos de flora e fauna silvestre em zonas de alto interesse sociocultural e
ambiental na área fronteiriça Ucayali /Peru– Acre/Brasil através dos comitês
nacionais de coordenação e dos grupos técnicos de apoio, pelo qual será possível
melhora o manejo e a conservação dos recursos naturais. O projeto conta com a
participação ativa de Organizações Não Governamentais e de indígenas e prevê o
estabelecimento de comissões técnicas e de reuniões. O projeto conta com o apoio
financeiro do Programa Regional Amazônia – PRA, da Fundação Peruana para a
Conservação da Natureza ―ProNatureza‖ e da ONG SOS Amazônia. As duas
Chancelarias proporcionam o acompanhamento institucional deste projeto.
Entre Colômbia-Peru-Equador
628
Este projeto foi implementado para contribuir com a consolidação do Corredor de
Gestão La Paya-Güeppi-Cuyabeno, como modelo de conservação e de
desenvolvimento sustentável regional de áreas protegidas, por meio da gerência
conjunta e do manejo coordenado entre Colômbia, Peru e Equador. O projeto
também prevê o desenvolvimento de processos de planejamento conjunto, que inclui
planos específicos de manejo de recursos e de ordenamento do uso das zonas de
amortecimento.
5 CONCLUSÃO
629
Conforme verificado nos planos supra citados, e considerando o histórico de
cooperação e busca pela integração entre os estados Amazônicos, verificamos que
os interesses internacionais, regionais, e nacionais apesar de nem sempre estarem
em sintonia, parecem se convergir quando o assunto é meio ambiente, clima,
desenvolvimento e direitos humanos.
Entretanto na prática é necessário que haja muita atenção quanto a efetividade dos
planos principalmente quando existem impactos ambientais e sociais, devendo não
somente os Governos, Estados e Municípios se mobilizem, mas também a
sociedade civil.
630
politico-institucional, a convergência normativa, o aumento do valor agregado de
produção além da coordenação público privada.
Entretanto a cooperação não deve ser somente externa, cabe ao Estado, ao poder
legislativo e ao jurista normatizar internamente essas políticas para que elas venham
a dar frutos, e venham a ser suficientes para amparar os desejos de todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
631
BECKER, B. K. A Amazônia e a Política Ambiental Brasileira. Geografia (Rio
Claro), Niterói, v. 6, n.11, p. 7-20, 2004.
____. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n.53, p. 71-
86, 2005. Citações:14|25
MRE. www.mre.gov.br
ONU. www.onu.br
OTCA. www.otca.info.portal
PAC. www.pac.gov.br
632
A UNIÃO EUROPEIA E O DIREITO COMUNITÁRIO: UMA MANIFESTAÇÃO
REGIONAL DO DIREITO INTERNACIONAL
1 Introdução
Influenciado por teorias liberais que emergiram no contexto do pós- Segunda Guerra
Mundial, o projeto europeu, capitaneado por Robert Schuman e Jean Monnet, tinha
212
Professor de Direito Internacional do Curso de Graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da
UFRJ. Mestre e Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ.
213
Assim descreve o processo histórico o Professor Franklin Trein: “Se a geografia da Europa não tem critérios
claramente definidos para estabelecer suas fronteiras, sua história é objeto de interpretações e argumentos
muitas vezes mais ricos e complexos. Contudo, isto não impediu, ao longo da História, que se tenha cogitado,
com frequência, a construção de uma unidade dos Estados europeus. Contrariando alguns estudiosos, os
séculos XVIII e XIX não foram o berço original dos ideais de uma Europa integrada, ainda que seja possível
encontrar naquele período alguns de seus mais entusiasmados defensores. Muito antes, ainda nos séculos XIII,
XIV e XV, poetas, filósofos e políticos já construíam argumentos em favor de uma Europa unida. O que nem
sempre era dito é que, desse modo, se sonhava recuperar a herança histórica e as grandezas do Império
Romano. Entre os muitos autores daquele período, alguns nomes merecem ser citados: Pierre Dubois (1250-
1312) da França, Tomasso Campanela (1568-1639), da Itália, Georg von Podiebrad (1420-1471), rei da
Boêmia. Mais tarde, no século XIX, dois homens ilustres merecem ser lembrados por suas idéias em favor de
uma união da Europa: Victor Hugo (1802-1885) e Conrad Friedrich von Schmidt-Phiseldek (1770-1832). Este
último elaborou, exaustivamente, a tese de uma “União Européia”, o que a tornou, talvez, a mais expressiva de
todas as contribuições recolhidas ao longo de séculos.” (TREIN, 2009, p. 136-137).
214
Unificação monetária alemã, bem-sucedida, atingida com a integração territorial e política, marcada pela
criação do Reichsbank, em 1876. União Monetária Latina, formada em 1866, por França, Suíça, Bélgica e
Grécia. União Monetária Escandinava, constituída em 1872, por Suécia, Dinamarca e Noruega.
633
forte inspiração no funcionalismo. Construto teórico, cujo maior expoente foi
David Mitrany 215, que enfatizava a via econômica como o cunho prioritário para
diminuição das discrepâncias comerciais entre os membros, harmonizando as
economias nacionais e expandindo a prosperidade local. Estas visões liberais
ou idealistas entediam que os grandes conflitos do século XX haviam ocorrido
em função das rivalidades e das desigualdades econômicas, da não cooperação
política e da intransigente postura soberana dos Estados na defesa de seus
interesses, sobretudo, comerciais. Estas percepções foram modificando -se até
se alcançar o neofuncionalismo 216, que advoga a cooperação econômica pela
via comercial pode espraiar seus efeitos positivos para outras áreas e pode
levar a integração a estágios considerados avançados, como no caminho para
se atingir a união política (federalismo), por meio da complexificação da
integração e da transferência de competências soberanas do Estado (que não
era confiável para gerar estabilidade isoladamente, tendo em vista sua política
interna e suas rivalidades históricas) à uma organização internacional. Uma
solução duradoura para o alcance da paz perpétua seria a interdependência
econômica, cujo êxito seria responsável por espalhar os benefícios a outras
áreas, expandindo e setorizando a cooperação, o que é chamado de efeito
spillover. Logo, a integração seria vista como um processo composto por etapas
evolutivas. A mais desenvolvida, após se iniciar com uma área de preferências
tarifárias, área de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união
econômica, seria uma união política.
215
O romeno naturalizado britânico nasceu em 1888 e faleceu em 1975. Sua obra, escrita no período entre-
guerras, foi pioneira dentro da tradição liberal idealista na construção e teorização sobre os modelos de
integração regional. Identificava que o sistema westfaliano de Estados gerava fortes tensões na defesa de cada
país por seu interesse nacional. A tentativa de reverter o contexto de rivalidades históricas que acirravam as
disputas durante os anos dourados do imperialismo europeu no século XIX e início do XX deveria ser
comandada pela inter-relação econômica dos países, transferindo as competências a órgãos neutros e
instrumentais, acima da política egoísta dos Estados. Em meio à interdependência econômica, ou seja, na
coletivização dos interesses econômicos seria possível estabelecer um panorama de estabilidade e paz, próximo à
paz perpétua kantiana pela federalização dos Estados. Para os autores desta matriz de pensamento, o período
entre-guerras ilustrava como as rivalidades e a defesa irrestrita do interesse nacional podem ser danosas à
humanidade. Para mais ver Mitrany, 1990.
216
Corrente que além da defesa da cooperação regional voltada ao institucionalismo supranacional e o
compartilhamento de competências soberanas, enfatizava a via comercial como principal responsável por irradiar
efeitos positivos para outras áreas.
634
Analistas, entusiastas desta dinâmica217,veriam na centralidade econômica,
irradiadora de efeitos prósperos para outras áreas, a razão do alegado estágio
avançado da União Europeia, o qual serviria de inspiração para as iniciativas de
cooperação menos desenvolvidas, ideia que ganhou ainda mais relevo após a
guinada europeia ao neoliberalismo, concretizada pelo Tratado de Maastricht.
217
Análises, como a de Elena Lazarou e dos autores que a inspiram, consideram esta peculiaridade como marca
do estágio avançado europeu, como se o processo de integração (e o que chama de compartilhamento de
competências) fosse evolutivo e gerasse efeitos positivos em todas as áreas (LAZAROU, 2013, p. 107): “O que
torna a União Europeia única é a fusão econômica, política, social e, possivelmente, ideacional da maioria das
políticas dos Estados-membros. É, certamente, o único caso de integração regional funcional envolvendo
governança supranacional, competências compartilhadas e uma partilha de soberania (Keohane e Hoffmann,
1991). Enquanto mercados comuns e uniões aduaneiras são menos incomuns, a UE evoluiu desse nível para
uma comunidade política com instituições próprias, um sistema legal, políticas, valores e princípios. O processo
de spillover, por meio do qual isso ocorreu, é, talvez, a chave para a singularidade do modelo.”
218
O regionalismo é fechado em relação ao comércio internacional. Nas iniciativas de integração pautadas pela
lógica cepalina, como a ALALC e a ALADI, no continente americano, por exemplo, antes de partir ao mercado
internacional é preciso que as indústrias locais se fortaleçam por meio de medidas protecionistas para que
possam obter melhores condições de competitividade.
219
O regionalismo aberto tenta reverter a lógica cepalina, incutindo as ideias neoliberais de abertura dos
mercados e economias nacionais, sem quaisquer medidas de transição, à competição internacional, a qual será,
em teoria, a responsável por obrigar as indústrias nacionais a se modernizarem, se fortalecerem e se tornarem
competitivas.
635
internacionais220 que o direito internacional alcançaria sua efetividade máxima e a
paz e a estabilidade internacionais seriam garantidas. O conceito de
supranacional221 emerge nesta época e ganha prestígio a partir do espraiamento do
ideário da globalização. Os defensores do direito cosmopolita222 viam no direito
comunitário sua maior expressão, dadas a operacionalidade e a dinamicidade
atribuídas ao direito secundário da União Europeia, o qual não precisa passar pelo
procedimento de incorporação interna dos Estados para vincular os destinatários da
norma nos territórios nacionais, ou seja, possui efeito direto, o que motivou doutrina
e jurisprudência comunitárias a desenvolver ainda mais teorizações sobre seu
direito. Seu elevado grau de desenvolvimento normativo e regulatório, quando
analisado pela via purista do Direito e liberal das Relações Internacionais, é
superestimado, chegando ao ponto de gerar confusões conceituais ao ser classificar
o direito comunitário como um direito supranacional, ou seja, funcionaria
independentemente da vontade soberana do Estado-nação, lógica que deveria servir
de exemplo para outras iniciativas de cooperação regional.
220
Foros neutros, em teoria, nos quais a vontade comum é derivada da transferência de competências estatais,
mas própria e não se coincide, necessariamente, com a de um Estado específico (TRINDADE, 2003).
221
Ana Paula Tostes comenta a crise do Estado nação e as novas mudanças acarretadas pela globalização,
caracterizando o conceito de supranacionalidade: “A União Europeia (UE) tem enfrentado dificuldades de
várias naturezas ao inaugurar um modelo de ação política que é fruto de uma nova engenharia institucional,
bem mais complexa do que a estatal. A ação política “comunitária” fundamenta-se em um princípio de interesse
supranacional: o “interesse comunitário” dos Estados europeus. Esta novidade política estruturada por
instituições que também não se comprometem a realizar os interesses intergovernamentais ou interestatais, mas
apenas o “interesse comunitário”, exige esforços teóricos e analíticos em favor de modos alternativos (ao
estatal) de constituição de legitimidade da ação política, de justificação do poder e de identidade coletiva.”
(TOSTES, 2001, p. 36-37).
222
O direito cosmopolita tem em Jürgen Habermas e Ulrich Beck seus defensores mais conhecidos.
223
A Guerra dos Trinta Anos envolveu conflitos de cunho político e religioso que devastaram os reinos
germânicos da parte central da Europa e que envolveram as grandes potências da época, ao final, foram
marcados pela vitória dos países protestantes e pelo enfraquecimento da Igreja Católica. Os tratados que
celebraram a paz, em 1648, firmados em Osnabrück e em Münster, duas cidades da região de Westfália,
expressaram os valores que passariam a nortear a ordem jurídica interestatal (PELLET, 2003).
224
Difundida pela publicação do livro Os Seis Livros da República, de Jean Bodin, em 1576.
636
detivesse o monopólio do uso da força, a conhecida anarquia sistêmica. De acordo
com este sistema, os Estados seriam os principais detentores de direitos e de
deveres, cujas fontes seriam oriunda do direito positivo (tratados internacionais) e do
direito natural (costumes e princípios gerais de direito), devendo ter sua integridade
respeitada por seus pares (não intervenção), a não ser em caso de conflito, no qual
a guerra poderia ser considerada um meio legítimo de solução de controvérsias.
Desta forma, para a compreensão deste raciocínio, este trabalho será divido em
uma primeira parte que contextualizará histórica e politicamente a formação e
desenvolvimento da organização internacional europeia; em um segundo trecho que
abordará as peculiaridades e o desenvolvimento do direito comunitário, bem como
sua caracterização como supranacional; em uma terceira e última seção, que
discutirá a estrutura do direito internacional westfaliano e concluirá a pesquisa com
as observações sobre o direito comunitário enquanto um regional do direito
internacional westfaliano.
O atual estágio alcançado pela Europa em seu processo de integração regional pode
ser explicado a partir de uma análise crítica, que situa o processo como resultado, não
exclusivo, mas considerável, das transformações internas e do sistema internacional.
Construída pela interação de fatores internos (pacificação e recuperação econômica) e
externos (projeção autônoma e contenção da influência soviética), o projeto
225
A premissa central do pensamento realista é o sistema de Estados, no qual cada ente quer impor seu interesse
nacional, com o intuito de maximizar seu poder perante os outros (ZOLO, 1999; FIORI, 2007).
637
integracionista foi desenvolvido a partir dos vetores de prevalência do capital e do
desenvolvimento socioeconômico, com forte apoio e considerável complacência do
poder hegemônico (TAVARES; BELLUZZO, 2004)226. Hodiernamente, acumula mais de
60 anos de experiência e um grau considerável de interdependência entre seus
membros, além de uma vasta gama de instituições regionais, com foco em diversas
áreas, o que não significa que todos os envolvidos são beneficiados227.
226
Apoiado na concepção difundida pelos autores é possível ilustrar a parte teórica com alguns exemplos
práticos. A chancela hegemônica ao projeto de integração europeu é manifestada desde o Plano Marshall, a
criação da OECE e da União Europeia de Pagamentos, passando pela criação da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), instituição responsável pela defesa militar na região, até na constituição da Alemanha
(desenvolvida a convite) como polo de liderança econômica regional. Sem este apoio fundamental, não teria esta
iniciativa certamente prosperado da forma como conhecemos. Para mais ver: TAVARES; BELLUZZO, 2004.
227
De acordo com José Manuel Pureza, crítico da integração europeia pela via dos capitais e que pontua a
celebrada e relativa paz e estabilidades por ela geradas: (PUREZA, 2012): “A simples existência da UE como
estrutura de integração econômica e política não é suficiente para explicar a paz prolongada na Europa. A paz
pela integração dos mercados e pela abdicação de soberania é uma tese frágil. Porque só funciona para
explicar a calmaria de quem ganha com a integração e de quem não é demasiado lesado com a perda de
soberania. Quem perde não quer essa paz que o esmaga. E é claro que esses são sempre processos com
ganhadores e perdedores. Mais ainda: os ganhadores de hoje podem rapidamente tornar-se os perdedores de
amanhã”.
228
Para este artigo o sistema interestatal capitalista emergiu no que Fernand Braudel cunhou ser o longo século
XVI e permanece até os dias atuais, intensificado, como ressalta Fiori ao destacar o papel dos Estados
protagonistas (FIORI, 2008, p. 31-32): “Desde o início do sistema mundial moderno, o expansionismo dos
Estados líderes teve um papel decisivo no desenvolvimento de suas economias nacionais, e vice-versa. O
impulso conquistador desses Estados impediu que seus mercados locais se fechassem sobre si mesmos e alargou
suas fronteiras, com a inclusão de outras economias no seu território econômico supranacional, ao mesmo
tempo, que foi criando oportunidades monopólicas para a realização dos lucros extraordinários que movem o
capitalismo. Neste novo sistema interestatal manteve-se- num patamar muito mais elevado- a mesma relação
virtuosa que já existia na Europa no século XIII e XIV, entre acumulação do poder, as guerras, o aumento
contínuo da produtividade e do excedente econômico; e entre as guerras, as dívidas públicas, os sistemas de
crédito e a multiplicação do capital financeiro”.
638
Desde a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, preparada pela
Carta do Atlântico229, em 1941, na qual a Grã-Bretanha reconheceu a hegemonia
americana, os Aliados já começaram a pensar na reorganização mundial após o final
do conflito230. A iminência da vitória aliada levou os países capitalistas a discutir o
gerenciamento econômico internacional sob a égide da hegemonia
estadunidense231. A ordem monetária foi instalada pelos Estados Unidos, como
forma de organizar a configuração mundial do pós-guerra, sempre de acordo com
seus interesses nacionais. O dólar foi alçado à condição de moeda internacional,
única a ser conversível em ouro, enquanto as outras somente tinham o recurso de
converterem-se em dólar. Ademais, criou-se o Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento, BIRD, conhecido posteriormente como Banco
Mundial, e o Fundo Monetário Internacional, o FMI, responsável pela correção do
desequilíbrio na balança de pagamentos dos países. Desta reorganização mundial
deriva ainda a Organização das Nações Unidas232, que ratificou a força política e
diplomática dos americanos, com o apoio dos europeus. A estes não cabiam uma
opção de enfrentamento, mas de consentimento com o poderio americano, devido
às condições internas de cada país.
229
Carta do Atlântico é a denominação para o acordo de cavalheiros assinado por Winston Churchill e Franklin
Roosevelt, cada qual representando sua respectiva nação, Grã-Bretanha e Estados Unidos, no qual se estabelecia
os termos para o suporte estadunidense para os aliados na Guerra contra o Eixo. Esse documento foi assinado a
bordo de um navio no Oceano Atlântico e não tinha o caráter jurídico de tratado internacional, mas seria
legitimado pela moral do compromisso e duraria enquanto seus signatários ocupassem seus cargos de chefia do
Estado. Esse acordo proporcionou aos aliados um fôlego extra no combate, uma vez que incluía condições
facilitadas de empréstimo e de aquisição de material bélico, bem como suporte logístico.
230
Diversas conferências importantes foram realizadas de 1941 até 1945, com destaque para a ocorrida na
pequena cidade norte-americana de Bretton Woods, em julho de 1944.
231
Essa percepção de hegemonia passa pela noção difundida por Antônio Gramsci (MORTON, 2006, p.95): “It
has been established that the moment of hegemony involves both the consensual diffusion of a particular cultural
and moral view throughout society and its interconnection with coercive functions of power; or there is
corresponding equilibrium between ethico-political ideas and prevailing socio-economic conditions fortified by
coercion (…) To sum up, hegemony is marked by the decisive passage from the structure to the sphere of the
complex superstructures.”
232
Criada pela Conferência de São Francisco, em julho de 1945, como sucessora da combalida Sociedade das
Nações
233
Fiori (2004, p. 88) esclarece: “Na verdade, a posição ultraliberal dos financistas só foi quebrada
transitoriamente pela crise de escassez de dólares na Europa em 1947; pela ameaça de vitória política-eleitoral
dos comunistas na França e na Itália, nas eleições de 1948; e pelo colapso da economia japonesa. Suas ideias
predominaram de 1945 e 1947, mas acabaram sendo revertidas pelonovo quadro internacional e pela
639
A questão interna gravitava em torno da situação econômica catastrófica, sendo
necessário encontrar uma solução para sua reconstrução e pacificação, mantendo a
remuneração satisfatória das elites liberais e impedindo a ascensão dos partidos
socialistas internos. Os países europeus encontravam-se numa encruzilhada,
desgastados pelo conflito, com perdas humanas, deterioração social e grande parte
de sua cadeia produtiva e de sua infraestrutura comprometidas e, muitos, ainda,
ocupados por potências estrangeiras, no Ocidente, pelos Estados Unidos, e no
Oriente, pela União Soviética. O factível crescimento das ideias socialistas em meio
à crise e a escassez de divisas motivaram o pragmatismo das elites capitalistas dos
países ocidentais que aceitaram a ajuda financeira estadunidense e por meio dela
criar um ambiente seguro e estável para a reconstrução econômica e social pela
proliferação do capital, o qual foi obrigado a compor com os interesses do trabalho,
articulando o Estado de bem-estar social e promovendo a cooperação entre as
economias regionais, tanto no viés comercial quanto no aspecto socioeconômico.
imposição de prioridades estratégicas da nova Doutrina da Guerra Fria. É neste contexto que se explica o
Plano Marshall, assim como todas demais concessões feitas pelos Estados Unidos, com relação ao
protecionismo dos europeus, em particular com a retomada dos velhos caminhos heterodoxos das economias
alemã e japonesa.”
234
Expressão consagrada pela literatura especializada que ganhou maior relevo após a unificação da Alemanha
como Estado nacional no final do século XIX, gerando grande desequilíbrio na balança europeia de poder.
235
Henry Morgenthau foi Secretário do Tesouro Americano à época que não se confunde com seu
contemporâneo, o realista acadêmico Hans Morgenthau, autor do clássico livro”A Política das Nações”.
236
Expressão consagrada pela literatura especializada em desenvolvimento comparado para explicar os
investimentos financeiros, intenso fluxo comercial e a tolerância monetária que os Estados Unidos tiveram em
relação a Alemanha e Japão.
640
outrora inimigos de guerra237. Assim, mesclando os motivos internos e externos, a
integração europeia passou a ser construída a partir da Alemanha Ocidental como o
polo irradiador do crescimento econômico regional, em uma estratégia hegemônica
de europeizar os interesses alemães238.
237
Problemática geopolítica acirrada com a unificação e formação da Alemanha enquanto Estado nação, que
esteve, direta ou indiretamente, presente nas causas das duas guerras mundiais.
238
Fiori (2004, p.89) sintetiza a estratégia estadunidense quanto aos países derrotados: “Esta mudança da
posição americana com relação à estratégia de desenvolvimento dos países derrotados, em particular o Japão,
a Alemanha e a Itália, se transformou na pedra angular da engenharia econômico-financeira do pós- II Guerra
Mundial, em particular depois da década de 1950, quando estes países se transformaram nos grandes
“milagres” econômicos da economia capitalista. (...) Em outras palavras, viraram “protetorados militares” e
“convidados econômicos” dos Estados Unidos, e no caso da Alemanha e do Japão, foram transformados em
“pivôs” regionais de uma máquina global de acumulação de capital e riqueza que funcionou de forma
absolutamente virtuosa entre as Grandes Potências e em algumas economias periféricas até a crise da década
de 1970.”.
239
Em meio a uma sequência de crises, interna e externa, acompanhada de questionamentos sobre o declínio da
hegemonia estadunidense, antes do fim do governo Carter, ainda em 1979, Paul Volker assume a cadeira do
Federal Reserve, dando nova guinada às pretensões imperiais estadunidenses, com o Choque de Juros. Na
manobra, as taxas de juros foram elevadas unilateralmente e atingiram níveis estratosféricos, acompanhadas por
um discurso de fomento às inovações financeiras e à desregulamentação, que predominaria na década de 1980. A
valorização inesperada do dólar, como manobra para sair do contexto de questionamentos, que suscitavam o
questionamento à hegemonia americana, conduziu a economia mundial à recessão. Os EUA, em sua estratégia
de restauração liberal-conservadora, retomam progressivamente o controle do sistema monetário-financeiro
internacional.
240
Conceito cunhado por Franklin Serrano para explicar o novo regime monetário internacional (SERRANO,
2004). A particularidade desse novo padrão reside no fim de duas limitações que tanto o padrão ouro-libra,
quanto o ouro-dólar impunham aos países que emitiam a moeda chave, a necessidade de manter o câmbio fixo,
para que se evitasse a fuga para o ouro e os consequentes déficits na conta corrente, e a possibilidade de incorrer
em déficits globais na balança de pagamentos e financiá-los com ativos denominados em sua própria moeda
como nos outros padrões anteriormente citados. Ademais, a ausência de conversibilidade em ouro garante ao
641
Estado de bem-estar social, propondo uma reforma neoliberal241 às funções estatais.
Este novo panorama arrefeceu o ímpeto comercial alemão e restringiu sua área de
influência ao continente europeu, além de minar as bases do Estado de bem-estar
social do pós-guerra, como bem sintetiza Carlos Medeiros242.
dólar a liberdade de variar por sua iniciativa unilateral a paridade em relação às moedas dos outros países
conforme sua conveniência, por meio de mudanças nas taxas de juros americanas.
241
O ideário neoliberal inspirado nas ideias ultraliberais de economistas como Friedrich Hayek e Milton
Friedman atribuía à iniciativa privada o papel regulamentador e fomentador da economia, relegando ao Estado
funções meramente logística que proporcionassem à lógica mercadológica a máxima eficiência. Entre as
medidas desejáveis haveria a redução da intervenção estatal, restrita a fatos episódicos e excepcionais, por meio,
sobretudo, das privatizações dos serviços públicos, abertura do mercado interno ao capital estrangeiro e um
dracioniano corte de gastos públicos, tendo a economia nacional a preocupação primordial de garantir a
estabilidade de preços e os picos inflacionários.
242
O pensamento de Medeiros (2004, p.139-140) é resumido: “A retomada da política hegemônica do dólar no
início dos anos 80 interrompeu as possibilidades de se construir em colaboração com os principais países
industrializados, alternativas monetárias a um dólar enfraquecido. A estratégia de enquadramento dos aliados e
das moedas rivais se deu como reação ao extraordinário sucesso industrial e exportador da Alemanha e do
Japão e da contestação do dólar enquanto moeda internacional que caracterizaram a economia mundial no
final dos anos 70. A iniciativa norte-americana de retomada da hegemonia econômica e ideológica nas relações
internacionais afirmou-se, também, como uma ampla ofensiva interna liderada pelos EUA e Inglaterra contra
os sindicatos, o Estado de Bem-Estar, o excesso de democracia, interrompendo o crescimento compartilhado
típico do keynesianismo social que caracterizou o capitalismo industrial no pós-guerra.”
243
Pureza resume a guinada ao neoliberalismo, abandonando o viés do desenvolvimento socioeconômico e
priorizando exclusivamente o do fomento ao capital (PUREZA, 2012): “Sucede todavia que desde 1992 que a
Europa abandonou esse modo de ser um projeto de paz. Passou a dar primazia inequívoca à competitividade em
detrimento da coesão. Passou a dar primazia ao ser mercado em detrimento do ser união. A arquitetura da
União Económica e Monetária, expressão da hegemonia do pensamento neoliberal, repudia o modelo social e a
democracia inclusiva em escala europeia em que a paz se alicerçou.”
642
zona comunitária. A integração europeia mostrava adaptabilidade ante a conjuntura
internacional e, baseada na lógica neoliberal do regionalismo aberto, viria a servir de
parâmetro para outras iniciativas de integração econômica no sistema mundial.
643
jurisprudência245 europeia exerce papel bem além daquele esclarecedor de
controvérsias dentro deste ordenamento, pois é conformador do ordenamento
jurídico, bem como consagrador de princípios246, os quais possuem, de acordo com
a doutrina (ESPADA et ali, 2012), precedência hierárquica, com status jurídico
semelhante ao do direito primário.
245
A jurisprudência, de acordo com o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, é um meio auxiliar
ou fonte secundária do direito internacional, logo, não tem valor jurídico em princípio, não obriga
necessariamente as partes, somente terá efeitos vinculantes na omissão de uma fonte primária que trate do
assunto.
246
O Caso Stauder (processo n° 29/69) confirmou a aplicação de princípios no direito comunitário, atribuindo
relevo aos princípios gerais de direito e os princípios e garantias fundamentais. Com os Protocolos aos Tratados
de Lisboa, foi incorporada a Carta de Direitos Fundamentais, positivando os direitos humanos no sistema
jurídico regional.
247
O Tratado Internacional é um exemplo, de acordo com o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de
Justiça, de fonte primária ou material do direito internacional público, é um instrumento legal que possui valor
jurídico, ou seja, os compromissos neles pactuados vinculam as partes a seu cumprimento, sob pena de sanções.
248
Neste artigo não foi feita, mas a doutrina especializada (ESPADA et alli, 2012) realiza uma distinção entre os
tratados internacionais, afirmando que há os tratados constitutivos (Tratados de Paris, de Roma e de Maastricht),
tratados de reforma (Ato Único Europeu, Tratado de Amsterdã, de Nice e de Lisboa) e os tratados de adesão de
novos membros.
249
Órgão que proporcionou a administração multilateral das matérias-primas básicas e estratégicas da indústria,
selando o acordo político para a estabilização do continente celebrado por França e Alemanha, iniciou-se a
constituição de um espaço comum a algumas economias europeias como forma de garantir a paz e a segurança
por meio do entrelaçamento econômico.
644
Econômica Europeia e a EURATOM; o Tratado de Maastricht251, de 1992; o Tratado
de Amsterdã252, de 1997; o Tratado de Nice253, de 2001; e os Tratados de Lisboa254,
de 2007. Para que as normas oriundas destes documentos vinculem os Estados
signatários é necessário que estes sejam incorporados pelo direito interno estatal,
no qual cada Estado determina seu procedimento (a maioria prescinde do crivo
parlamentar). O direito primário255 europeu é bem complexo em seu nível de
cooperação entre Estados, visto que, além de regras conjuntas, é responsável por
criar órgãos que regerão a institucionalidade comunitária. A estas instituições serão
atribuídas competências pelos Estados signatários, as quais poderão ser exclusivas,
compartilhadas e de coordenação. Em seu funcionamento emitirão documentos, os
quais poderão ter valor jurídico.
645
todos seus elementos); e, por fim, pareceres e recomendações (manifestações
consultivas que não são vinculantes, que só terão valor jurídico para colmatar as
lacunas das normas obrigatórias).
646
à revelia da vontade dos governos nacionais. Seu funcionamento e operacionalidade
não poderiam ser afetados por questões políticas internas. Pelo mesmo raciocínio os
órgãos que elaboram as normas jurídicas secundárias seriam classificados como
supranacionais, com uma vontade própria que não se confunde com a dos Estados.
Este distanciamento das instâncias técnicas comunitárias em relação à política
interna de cada membro é vista pelas teorias liberais neofuncionalistas 262 como um
fator positivo e de elevado grau de desenvolvimento dentro das escalas evolutivas
de um processo de integração pela via comercial. Em contrapartida do avanço da
supranacionalidade, a intergovernabilidade é vista como um modelo atrasado e
pouco eficiente. O direito supranacional manifesta a cooperação estatal na área
jurídica, de maneira próxima à de um Estado federal, ou seja, é hierarquizado,
efetivo (com efeito e aplicação diretos, em princípio), mas não conta com um ente
central soberano, dotado, em última instância do monopólio do poder de coerção.
262
Para Ernst Haas, maior exponente do neofuncionalismo, partindo do êxito do pilar econômico, articulado pela
interdependência das economias nacionais, seria possível multilateralizar sua administração para que não haja
interferência de questões políticas internas e, assim, com o fomento da parte comercial, conseguir espalhar os
efeitos positivos para outras áreas, como a política e a social. Este efeito aumentaria as transações comerciais,
atenuaria as rivalidades locais e proporcionaria acordos políticos para a transferência de competências soberanas
dos Estados a órgãos supranacionais, teoricamente neutros da política governamental, o que incrementaria a rede
institucional, viabilizando uma tecnocracia. O aprofundamento do processo alcançaria uma união federal
política, e, consequentemente, a paz. Para mais ver: Machado (2000), Hass (1964) e Calegari (2009).
263
Assim explica o professor Daniel Sarmento (SARMENTO, 2006, p. 53-54): “As relações entre direito
comunitário europeu e direito nacional se articularam sobre dois pilares que se assemelham àqueles que
presidem o funcionamento de um sistema jurídico federal: os princípios de primazia e efeito direto. O primeiro
estabelece a supremacia do direito comunitário europeu sobre o direito nacional em caso de conflito, tornando
inaplicável a norma do direito nacional. Por vezes, tal conflito pode chegar a resultar não apenas
inaplicabilidade, como também anulação da norma interna. Quanto ao princípio do efeito direto, através dele
garante-se que se possa recorrer a tribunais ordinários, isto é, nacionais, para tratar de normas do direito
comunitário europeu. Assim, quando as normas do direito comunitário europeu outorgarem direitos a
indivíduos, estes poderão esgrimir tais direitos na sede judiciária nacional, como se se tratasse de um direito de
criação garantido por lei nacional.”.
264
Dente os quais merece destaque Jürgen Habermas, o responsável por difundir, adaptar e radicalizar
pensamento kantiano ao longo da década de 1990.
265
Soraya Nour (2003, p. 21) sintetiza o pensamento kantiano sobre o direito: “O direito, até Kant, tinha duas
dimensões: o direito estatal, isto é, o direito interno de cada Estado, e o direito das gentes, isto é, o direito das
relações dos Estados entre si e dos indivíduos de um Estado com os do outro. Em uma nota de rodapé na Paz
Perpétua (Kant,1795:347-349), Kant acrescenta uma terceira dimensão: o direito cosmopolita, direito dos
cidadãos do mundo, que considera cada indivíduo não como membro de seu Estado, mas como membro, ao lado
de cada Estado, de uma sociedade cosmopolita. A relação deste direito com os dois anteriores segue a tabela
647
dos fatores principais para a promoção da paz perpétua entre os Estados, que
deixariam as prerrogativas soberanas para tornarem-se uma grande federação que
compartilhasse valores comuns266.
das categorias da Crítica da Razão Pura: um único Estado corresponde à categoria da unidade;vários Estados,
no direito das gentes, à da pluralidade; todos osseres humanos e os Estados, no direito cosmopolita, à da
totalidadesistemática, que une os dois estados anteriores (Kant, 1781:93;Brandt, 1995:142).”
266
Rafael de Agapito Serrano (2009, p. 109) explica: “La paz, para Kant, es un estado de dominio de las
relaciones jurídicas entre los pueblos; o bien, es un estado de razón de los pueblos”.
267
Para Habermas (1995, p. 98): “Globalização significa transgressão, a remoção das fronteiras, e portanto
representa uma ameaça para aquele Estado-nação que vigia quase neuroticamente suas fronteiras. Anthony
Giddens definiu "globalização" como "a intensificação das relações mundiais que ligam localidades distantes,
de tal maneira que os acontecimentos locais são moldados por eventos que estão a muitos quilômetros de
distância, e vice-versa". A comunicação global ocorre tanto por meio de linguagens naturais (na maioria das
vezes através de meios eletrônicos) como por códigos especiais (são os casos, sobretudo, do dinheiro e do
direito).”
268
De acordo com Habermas (1995, p. 100): “Uma das maneiras de escapar ao impasse, tal como descrito
acima, é indicada pela emergência de regimes supranacionais com o formato da União Europeia. Precisamos
tentar salvar a herança republicana, mesmo que seja transcendendo os limites do Estado-nação.”.
269
É necessário recorrer a elementos históricos para compreender esta peculiaridade jurídica westfaliana. Alain
Pellet aponta a Reforma Protestante como movimento precursor destas ideias (PELLET e alli, 2003): “O vínculo
648
influência da Igreja nas monarquias. Em meio à lógica feudal, desenvolvia-se o
poder da burguesia, cujos interesses se contrapunham àqueles dos proprietários de
terras. A concepção católica de mundo, que embasava o modo de produção feudal,
já não atendia plenamente aos interesses comerciais da classe ascendente. Com
isso, os Estados modernos foram sendo constituídos a partir da visão jurídica de
mundo da burguesia, que secularizava a perspectiva teológica, libertando a
monarquia da tutela do Papa270.
religioso quebrado pela Reforma é substituída por uma nova comunidade internacional alargada, fundada no
humanismo do Renascimento.”.
270
Engels e Kautsky (2012) explicam: “O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a
Igreja pelo Estado. As relações econômicas e sociais, anteriormente representadas como criações do dogma e
da Igreja, porque esta as sancionava, agora se representam fundadas no direito e criadas pelo Estado.”.
271
Conflitos de cunho político e religioso que devastaram os reinos germânicos da parte central da Europa e que
envolveram as grandes potências da época, ao final, foram marcados pela vitória dos países protestantes e pelo
enfraquecimento da Igreja Católica. Os tratados que celebraram a paz, em 1648, firmados em Osnabrück e em
Münster, duas cidades da região de Westfália, expressaram os valores que passariam a nortear a ordem jurídica
interestatal.
272
Logo, os Estados deveriam ter sua integridade respeitada por seus pares (não intervenção), a não ser em caso
de conflito, no qual a guerra poderia ser considerada um meio legítimo de solução de controvérsias.
273
Não há como pensar a sociedade internacional fora de um sistema de equilíbrio de poder, que coordena o
ambiente anárquico (sem um poder hierarquicamente superior) dos Estados. Essa aparente “ordenação” não
segue a semântica convencional. Não há ordem na acepção clássica do termo, mas uma disposição dos Estados,
ao mesmo tempo rígida e precária, que necessita da desordem, para que continue se fortalecendo e se
perpetuando.
649
Estados (FIORI, 2007). Com o passar do tempo, as mudanças sistêmicas
determinaram uma maior complexidade da relação entre Estados, abrindo espaço para
o surgimento de organizações internacionais e para a relativização do conceito absoluto
de soberania, o qual foi adaptado às novas necessidades e aos novos temas da
agenda global, valorizando a cooperação interestatal (KOSKENIEMMI, 2004).
A primeira e mais óbvia reside no fato da União Europeia não ser um Estado federal,
mas uma organização internacional, como todas as outras que existem no direito
internacional. Isto significa que pela definição doutrinária (TRINDADE, 2003;
PELLET et alli, 2003) a UE é composta por uma união de vontades dos Estados
(soberanos), a qual lhe garante uma personalidade jurídica derivada (originária é a
dos Estados) e própria (com a dos Estados não se confunde necessariamente),
constituída por tratado internacionais (constitutivos) e instrumentalizada a um fim
específico (econômico). Estas entidades são regidas pelos princípios da
especialidade e da subsidiariedade. Em outras palavras, suas competências serão
delegadas pelos Estados para que elas possam atingir seus objetivos. Ocorre que a
distribuição de competências na União Europeia é bem complexa, envolvendo
diversas áreas, ainda que, em sua maioria, voltadas a questões comerciais e
econômicas, sem tocar na maior parte das prerrogativas soberanas do Estado 274. O
274
Enquanto prerrogativas soberanas são as áreas que denotam explicitamente o poder estatal, como a atrofia das
iniciativas voltadas a uma comunidade política, a uma integração vinculada à defesa regional, a qual é praticada
650
argentino Félix Peña rechaça a ideia evolucionista do processo de integração, ainda
que dentro de uma visão funcionalista, situando-o como uma plataforma de
efetivação do interesse nacional por meio da potencialização do interesse regional,
em um sistema de ganhos recíprocos, o que o legitima teoricamente perante a
sociedade.
por uma organização internacional que é liderada por países de outro continente, a OTAN, a uma política externa
comum e à questão tributária e à fiscal (apesar de a monetária ser o exemplo de prerrogativa soberana
compartilhada, ainda que por nem todos os membros). Maurizio Bach alarga a análise, sustentando que o avanço
normativo é referente à liberdade de bens, serviço e capital, não toca a questão da liberdade de trabalho e nem a
institucionalização do conflito entre capital e trabalho, deixando os assuntos a cargo das regulações nacionais
(BACH, 2006).
275
Este viés da cooperação não foi incorporado pela lógica comunitária nem deverá sê-lo. Procura-se apenas
elaborar diretrizes que podem ou não ser seguidas pelos Estados membros, caso estes estejam dispostas a praticar
uma política externa e de segurança comuns.
276
Órgãos como a Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia, o Parlamento Europeu, o Tribunal de
Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu, o Tribunal de Contas Europeu, o Banco Europeu de
Investimento, dentre outros.
277
Dentro das reformas mais substanciais, destaca-se a criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu,
competente para convocar as reuniões extraordinárias e administrar o funcionamento do órgão, cujo mandato é
de dois anos e meio prorrogável uma vez por igual período; sua inter-relação com o ocupante de outro cargo
recém-criado, o do Alto Representante para Assuntos Exteriores e de Segurança, que participa de suas reuniões;
seus atos compõem o direito comunitário e, por isso, são passíveis de controle de comunitariedade pelo Tribunal
de Justiça Europeu (ESPADA et ali, 2012); seu quórum de votação manteve-se no consenso, salvo para questões
pontuais determinadas pelo Tratado de Lisboa, nas quais poderá adotar a unanimidade ou a maioria qualificada
651
contrassenso celebrar a supranacionalidade da União Europeia, quando seu órgão
norteador de rumos políticos segue ainda a lógica intergovernamental, o que só
revela que a vontade dos governos influencia diretamente nas questões regionais.
(como na eleição de seu Presidente); e reunir-se-á semestralmente, sendo pelo menos uma vez ao ano em
Bruxelas.
278
O alemão Maurizio Bach (2006, p. 161) assim também entende: “A União Europeia é, portanto, constituída,
fundamentalmente, através dos atos jurídicos que se baseiam na livre celebração de acordos pelos governos
soberanos participantes. Neste sentido, o sistema europeu de soberania supranacional constitui-se dentro dos
limites do espaço jurídico estipulado pelos membros associados.”.
279
O próprio Daniel Sarmento (2006, p. 61) admite: “Assim, o tribunal constitucional nacional estará
convocado a forçar, até o limite de suas possibilidades, a leitura da Constituição nacional com o objetivo de
torna-la compatível com o direito comunitário europeu. Quando esta interpretação se revelar impossível, o
conflito deverá ser resolvido favoravelmente à Constituição nacional.”.
652
do Estado. O que há é um direito internacional regional 280, o qual respeita os
ditames da soberania, ainda que se diferencie de outras manifestações jurídicas
regionais. A noção de que o direito comunitário supera a soberania do Estado é
datada e conveniente para suas elites controladoras e antidemocráticas 281, cujo
intuito é a imposição da ideologia neoliberal que foi institucionalizada na União
Europeia após o Tratado de Maastricht.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
280
A professora Ana Cristina Paulo Pereira ratifica esta lógica: “Em geral, todo o direito comunitário encontra-se
permeado dos princípios de direitos humanos e das normas jus cogens do direito internacional, que servem,
portanto, de orientação para sua aplicação.” (PEREIRA, 2006, p. 204). Lógica esta que é aprofundada pela visão
intergovermentalista de Jacques Ziller: “The EU is based upon international agreements (i.e., treaties) that are
binding upon sovereign states; as long as the treaties do not specifylegal rules and principles applicable to the
functioning of the EU,the international law of treaties is applicable – a set of principles andrules which has been
to a large extent codified by the United NationsConvention on the Law of the Treaties of 1969. One of the
fundamentalprinciples of international law is the principle of specialty,according to which organizations or
bodies set up by a treaty have only the powers which they have been provided by the treaty; on thecontrary, a
state, in international law, has no limitation to its powers,other than the limitations they have voluntarily
accepted by agreeingto international treaties. The principle of specialty is also known asthe “principle of
conferral, and has always been applicable to the European Communities.” (ZILLER, 2012: p. 118).
281
Maurizio Bach (2006, p. 161) sustenta que: “A legitimidade da União Europeia baseia-se, em primeiro lugar,
na crença na legalidade do sistema normativo estatuído por elites funcionais pouco sujeitas a controles, e apoiado
por códigos correspondentes de procedimentos, que regulam a formação da opinião e a tomada de decisões por
parte dos órgãos da União Europeia.”
653
BODIN, Jean. Os Seis Livros da República. Livro Primeiro. Tradução de José Carlos
Orsi Morel. Coleção Fundamentos do Direito. 1° edição. São Paulo: Ícone Editora, 2011.
CALEGARI, Daniela. Neofuncionalismo ou Intergovernamentalismo: preponderância
ou coexistência na União Europeia?. Revista Eletrônica de Direito Internacional
do CEDIN, vol.5, 2009, p. 91-131. Disponível em:
http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume5/. Acesso em 18 jun. 2013.
ESPADA, Cesário Gutiérrez; HORTAL, María José Cervell; LÓPEZ, Juan Jorge
Piernas; GARMENDIA, Rosana Garciandía. La Unión Europea y su derecho.
Madri: Editorial Trotta, 2012.
FIORI, José Luis. A Europa está cada vez mais dividida. Entrevista. Revista Caros
Amigos, a. XIV, n. 161, Agosto de 2010. p. 32-34.
_____. O sistema interestatal capitalista no início do século XXI. In: FIORI, José
Luis; MEDEIROS, Carlos de Aguiar; SERRANO, Franklin. O Mito do Colapso do
Poder Americano. Rio de Janeiro: Record, 2008.
_____. O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2007.
654
FRANKENBERG, Günther; MOREIRA, Luiz (orgs.) Jürgen Habermas, 80 anos:
Direito e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 239-278.
NAVES, Márcio Bilharinho. Prefácio ao livro O Socialismo Jurídico. In: ENGELS, Friedrich;
KAUTSKY, Karl. O Socialismo Jurídico. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 9-16.
655
PUREZA, José Manuel. O Nobel da Guerra. Disponível em:
<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21417>.
Acesso em: 18 jun. 2013.
TREIN, Franklin. Uma Europa Mais Transparente. In: MOSCARDO, J.; CARDIM, C.
(orgs.). III Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional.
Brasília: FUNAG, 2009.
656
Simpósio Temático 10
1 Introdução
Além disso, o fato de, nos últimos anos, o Brasil desfrutar de uma posição de
destaque no plano internacional exige uma nova postura no campo da defesa, a qual
deve ser consolidada, avaliada e continuamente aperfeiçoada.
282
Universidade Federal Fluminense
657
Tellis (2000) restringe a abrangência desta apenas ao segmento industrial ligado à
defesa, embora ele inclua as instituições de pesquisa e de apoio entre os recursos
estratégicos.
Assim, Brick (2011) apresenta uma abordagem de BLD voltada especificamente para o
processo de construção ou aparelhamento do poder e a define como o conjunto de
instituições, que tem como finalidade dotar as Forças Armadas dos meios necessários
para cumprir com as suas respectivas missões e para desenvolver e sustentar a
expressão militar do poder, profundamente envolvido no desenvolvimento da
capacidade e da competitividade industrial do país como um todo.
658
2 A Base Logística de Defesa
Segundo Brick (2011), a Logística de Defesa (LD) tem o propósito de dotar um país
dos meios necessários à defesa nacional. Uma parte importante desses meios,
definidos como produtos de defesa, é constituída por sistemas, equipamentos e
itens, tais como navios, aeronaves, armas, munições e sensores, com emprego
específico em operações militares.
Nesse sentido, uma estratégia de defesa é o instrumento adequado a este fim. Ela
define, em linhas gerais, um caminho para alcançar os objetivos definidos pela
política e representa um comprometimento com o mesmo. A sua formulação
depende de avaliações muito amplas sobre a situação atual do país como um todo,
e da mesma situação para os demais atores políticos no sistema. Essas avaliações
659
devem permitir identificar pontos fortes e fracos nas diversas expressões próprias do
poder e possíveis parceiros e ameaças no cenário internacional.
Para o mesmo autor, cada vez mais uma estratégia de defesa é influenciada pela
perspectiva da evolução futura das tecnologias com aplicação em defesa. Assim, a
infraestrutura de inteligência tecnológica da BLD desempenha um papel fundamental
na formulação da estratégia de defesa, ao identificar ameaças e oportunidades
tecnológicas.
660
O MD e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) tem realizado um
levantamento completo da BID com o objetivo de diagnosticar as capacidades e
potencialidades deste importante setor da economia nacional. Este trabalho é de
fundamental importância para o estabelecimento de políticas de incentivo à indústria
nacional.
Para alcançar esta meta, o MD tem elaborado marcos regulatórios consonantes com
o interesse público e as demandas de fomento da BID. A Política Nacional da
Indústria de Defesa (PNID), a Lei nº 12.598/2012 e a Política Nacional de
Exportações de Produtos de Defesa (PNEPRODE) são exemplos de iniciativa de
inclusão de um Programa de Apoio às Exportações.
661
Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) e as Federações das
Indústrias.
662
não somente na execução de projetos integrados ou de interesse comum, mas
também na exploração de novas oportunidades na área de ciência e tecnologia.
663
esforços e iniciativas nos trabalhos dos institutos de pesquisa militares, civis,
universidades e centros tecnológicos, resultando no fortalecimento de toda a BID.
664
6 Plano Brasil Maior
665
Revisão da Política Nacional da Indústria de Defesa (PNID);
666
c) Fomento à capacitação da indústria nacional no desenvolvimento e produção
de equipamentos e subsistemas de satélites geoestacionários:
667
Contratação do desenvolvimento do novo propelente;
Cabe ressaltar que as medidas em curso devem ser aprofundadas, buscando maior
inserção em áreas tecnológicas avançadas, o que envolve estratégias de
diversificação de empresas domésticas e criação de novas. A Estratégia Nacional de
Ciência, Tecnologia e Inovação constituirá a base dos estímulos à inovação do
Plano Brasil Maior no setor da indústria de defesa.
7 Conclusão
Uma indústria de defesa dinâmica gera empregos, eleva o nível dos trabalhadores e
tem a capacidade de desenvolver produtos de aplicação dual em diversos setores
da sociedade. Assim, a existência de uma BID tecnologicamente atualizada,
competitiva, inovadora e diversificada, além de atender à maior parte das
necessidades das Forças Armadas, permite o desenvolvimento de produtos de
defesa capazes de competir no mercado internacional, gerando divisas para o país.
668
O fator essencial a ser perseguido é o estabelecimento de uma BLD sustentável,
economicamente viável e tecnologicamente atualizada, não só para a capacitação
da expressão militar nacional, mas também para o progresso e para a
independência estratégica do país.
Referências Bibliográficas
669
_______. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO
EXTERIOR. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI. Estudos
Setoriais de Inovação, Base Industrial de Defesa. Brasília, 2010.
_______. Plano Brasil Maior. Agendas Estratégicas Setoriais. Brasília, abril 2013.
TELLIS, J.A., et al. Measuring National Power in the Postindustrial Age. RAND
MR-1110-A. Santa Monica, California: RAND, 2000.
670
ANÁLISE DA AQUISIÇÃO DOS VEÍCULOS BLINDADOS LEOPARD1A5 COMO
MODELO PARA PROCESSOS FUTUROS.
1 INTRODUÇÃO
Sendo assim, dado os volumes de recursos necessários para este, parece lógico
que se tente analisar casos recentes de processos de aquisição de defesa à luz de
uma abordagem teórica, visando identificar os caminhos que tragam os melhores
resultados, ou pelo menos os resultados esperados. Este tipo de revisão torna-se
283
Proença Jr apresenta uma análise sobre esta relativa indiferença da sociedade brasileira em relação às questões
de defesa, apontando esta tendência como consequência da dificuldade de se identificar as perspectivas de uso
das Forças Armadas, resultante de circunstâncias como o fato de que o Brasil seria mais “forte” que qualquer um
dos seus vizinhos (com os quais, aliás, nenhuma das fronteiras apresenta contencioso) e pela atuação constante
dos Estados Unidos no sentido de evitar incursões extra-regionais no continente (PROENÇA Jr., 2011).
671
ainda mais pertinente quando consideramos as demais urgentes demandas
evidenciadas pela sociedade brasileira, que, além disso, tende a identificar as
necessidades de defesa como de menor prioridade, ou mesmo com desconfiança.
Uma vez que ―do ponto de vista da Teoria da Guerra, é a sociedade, por meios de
suas instituições políticas, que determina qual, quanto e como dos recursos de uma
sociedade serão convertidos e empregados‖ (DUARTE, 2011, p. 5) (neste caso, em
―logística‖284) é necessário que a sociedade esteja bem informada e de acordo com
os objetivos e meios dos investimentos do dinheiro público.
2 AQUISIÇÃO X COMPRA
284
O conceito aqui é utilizado de acordo com Proença e Duarte (2005) e será detalhado posteriormente.
672
em si‖, considerações quanto ao ―Custo de Ciclo de Vida‖ (―Life-CycleCosts‖ ou
LCC) docomponente em questão, ou seja, pesquisa, desenvolvimento, produção,
manutenção, melhorias e destinação final (SORENSON 2009, p. 1).
Dito isto, fica claro que a principal preocupação aqui é ressaltar a importância de
todos os elementos por trás da compra em si, e seus reflexos na sociedade
285
Conceito trabalhado a seguir ainda neste trabalho.
673
brasileira. Para melhor definir este universo, utiliza-se o conceito de Proença e
Duarte, em que, a partir da obra de Clausewitz, se entende ―logística‖ como sendo
―tudo aquilo necessário para que uma força combatente seja tida como dada‖
(PROENÇA; DUARTE, 2005).
Sendo assim, a precisão do conceito recai neste caso a segundo plano. Importa é
ter consciência de que os processos de aquisição de defesa não constituem fatos
isolados e que deles desdobram-se uma serie de cadeias que impactam na
sociedade como um todo, seja através da constituição/atividade da Base Industrial
de Defesa (BID), através da destinação de grandes quantias de dinheiro público,
seja, em última análise, através da obtenção ou não de sistemas que garantam a
segurança e a soberania nacional por parte das forças armadas.
Importa destacar, entretanto, que o maior interesse no caso brasileiro atual, tanto no
que tange as aquisições de defesaquanto no que tange a construção de uma BID
contundente, é o ganho de capacidade estratégica e de soberania, sendo os benefícios
econômicos e sociais controversos em termos de volume. Renato Dagnino faz uma
revisão bibliográfica bastante coerente quanto a este ponto relativizando inclusive as
questões pertinentes a ocorrência dos diferentes conceitos que tratam dos efeitos do
―spin-off‖, lembrando inclusive a obra de J. Alic e outros de 1992. Estes autores
destacam o chamado ―paradigma do spin-off‖,‖ como o fato de que
674
questionando a sua aplicabilidade de maneira generalizada. Embora Dagnino trate
mais especificamente sobre a questão dos reflexos da BID, a argumentação pode
ser extrapolada sem prejuízo para o caso específico do debate sobre aquisição,
objetivo final da BID.
Isto é dito aqui para indicar que, quando se defende a construção de uma Base
Logística de Defesa mais robusta, é primordialmente para garantir a autonomia e
soberania nacional em campos de caráter estratégico. Em outras palavras, esta
ressalva cabe aqui, pois os processos de aquisição de defesa são o que sustenta e
da razão a BLD e, de forma mais específica, a BID, descrita por Jacques Gansler
como um fator mor de ―deterrence‖ (GANSLER, 1982, p. 9).
Mais uma vez podemos aprender com a experiência norte americana, guardadas as
especificidades tanto locais quanto temporais. De certa forma, os dois principais
pontos aqui destacados, quais sejam, a prioridade do conceito de ―aquisição‖
(lembrar LCC) sobre o de ―compra‖, e a ―subordinação‖ da logística à estratégia; são
de alguma forma levados em conta (mesmo que com importantes alterações ao
675
longo do tempo) no processo de aquisição de defesa nos EUA desde a passagem
de Robert McNamara pelo DoD (1961-68). No entanto, algumas característica da
sociedade em que McNamara estava inserido que possibilitaram as contribuições
feitas por ele são radicalmente distintas da realidade brasileira. Uma das principais
diferenças era o fato de que o primeiro aspecto a ser considerado na disputa entre
diferentes sistemas concorrentes era o ganho de capacidades em detrimento do
preço, ainda que este jamais fosse desconsiderado. McNamara entendeu que a
escolha das armas começa com a estratégia (SORENSON, 2009, p. 18) e que a
compra dos produtos de defesa não podia ser tomada de forma isolada das demais
etapas envolvidas (desenvolvimento e produção, por exemplo)(SORENSON, 2009,
p. 18-20), porém pôde implantar as medidas que julgou necessárias a partir deste
entendimento em função da tradição e da expectativa do uso das forças armadas, e
de um custo de oportunidade possivelmente menor, pelo menos aparentemente, do
que o atual caso da sociedade brasileira e todas as suas carências.
676
principais razões que levam à exportação apontadas por Soreson em 4 pontos
capitais: a) influenciar na relação entre os países e no tratamento à ameaças
comuns; b) descarte de equipamentos sobressalentes ou desnecessários; c)
aumentar o lucro da empresa produtora e melhorar a situação da balança comercial
nacional e, d) reduzir o custo dos sistemas para a compra do próprio país produtor
através do ganho de escala (SORENSON, 2009, p. 127). A principal desvantagem
da exportação de materiais de defesa, ainda segundo este último autor, seria a
possível falta de domínio sobre sistemas tão contundentes após a venda, lembrando
que o país de análise de Sorenson são os Estados Unidos. No caso de um país
como o Brasil, com orçamento limitado para a defesa, torna-se quase imprescindível
para a Base Industrial de Defesa lançar mão das exportações em função do
aumento da competitividade oriunda do ganho de escala e da fonte extra de
recursos quando o governo do próprio país estiver contendo despesas. Contudo o
governo deve criar um ambiente, e por vezes investir diretamente em uma operação
economicamente menos vantajosa do que a compra internacional, para que as
empresas não saiam de atividade levando consigo uma importante capacidade
estratégica nacional (MORAES, 2012). As vantagens da exportação também são
apontadas por Patrice Franko como um elemento de convencimento do contribuinte
e mesmo de entidades como o congresso nacional, uma vez que tende a reduzir o
investimento público e atenuar o custo de oportunidade de não se sanar outras
urgências que poderiam ter impacto mais direto em grande parte da sociedade
(FRANKO JONES, 1986).
No entanto, para o país importador, parece haver quatro razões principais para tais
compras: a) obtenção de capacidades, cujo país não tem condições de produzir de
forma independente; b) obtenção de capacidades produtivas/tecnológicas ainda não
dominadas; c) influenciar no relacionamento entre os países, e d) possível
ocorrência de ―Offsets‖, ou seja, tipos de compensação comercial, industrial e/ou
tecnológica por parte do país vendedor, como, por exemplo, compra de outros tipos
de produtos286. As principais desvantagens parecem ser o desestímulo para a
produção local e a dependência de um país estrangeiro em um setor estratégico,
286
Uma descrição breve, porém elucidativa, a respeito dos “Offsets” pode ser encontrada em SORENSON, 2009
nas páginas 135 e 136.
677
além da suscetibilidade a manobras de cerceamento tecnológico, bem esclarecidas
por Longo e Moreira (2010)287. Retomaremos estas questões mais adiante.
Vale lembrar que em um passado não muito remoto a indústria de defesa brasileira
teve um elemento exportador bastante consolidado, sendo que o Brasil chegou a ser
o quinto maior exportador de armas convencionais no mundo (FRANKO JONES,
1986). De forma até mesmo irônica, o caso de importação visitado neste artigo trata
de veículos blindados, sendo que uma empresa brasileira chegou a ser a maior
produtora deste mesmo tipo de produto, a Engesa (FRANKO JONES, 1986), e que
até hoje se questiona qual o tamanho do impacto da dependência do mercado
internacional e de dinâmicas e peculiaridades no processo que findou com a
derrocada da empresa (MORAES, 2012).
678
e autonomia de uma BID consistente, não há como negar que ganhos pontuais
podem muito bem ter origem na produção estrangeira.
288
Trata-se de um país a partir do qual o Brasil adquiriu diferentes equipamentos militares na última década. Para
uma lista detalhada consultar o Stockholm Peace Research Institute.
289
Viatura Blindada Carro de Combate.
290
Pontua-se aqui uma dificuldade em encontrar informações coerentes e concatenadas a este respeito.
679
que o veículo em questão é de fato superior ao seu predecessor. Além disso,
segundo entrevista com o Tenente-Coronel Ribeiro291, à época comandante do
Centro de Instrução de Blindados General Walter Pires292, localizado em Santa
Maria-RS, um ganho muito significativo foi em termos de know-how logístico, uma
vez que o exército teve que se adaptar ao manuseio de unidades de maior
complexidade operacional e gestão logística293. Este caso, por tanto, teve grande
feito em termos de adestramento, provendo experiências facilmente adaptáveis à
utilização de futuros modelos, como já está ocorrendo no caso do Guarani, e
mantendo o pessoal em boas condições de adestramento294.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
291
Entrevista realizada em loco no Centro de Instrução de Blindados em Santa Maria no dia 11/09/2013.
Registra-se o agradecimento ao Tenente-Coronel Marcelo Ribeiro pela disponibilidade em contribuir para
pesquisa.
292
Cargo atualmente exercido pelo Tenente Coronel Alex Alexandre de Mesquita.
293
Este, contudo não veio sem custos, uma vez que, como mencionado anteriormente que poderia ocorrer,
aspectos onerosos relativos a manutenção foram identificados apenas quando do inicio do convívio com o
veículo.
294
Há também disponível artigo publicado pelo Ten-Cel Ribeiro sobre o assunto em no site especializado
Defesanet em: http://www.defesanet.com.br/leo/noticia/5981/Um-Projeto-de-Forca---Aquisicao-dos-CC-
Leopard-1A5Br.
295
Quanto a este ponto, não é incomum lembrar que pesou na decisão brasileira por este veículo o fato de que o
sistema logístico do Leopard é aberto, o que quer dizer que caso alguma empresa brasileira capacita-se para
produzir algum de seus componentes, poderia comercializá-lo com os demais países que também utilizam o
Leopard. Contudo não foram encontrados indícios que sugiram como a empresa detentora da tecnologia
auxiliaria neste processo, que não ao certificar os componentes produzidos por indústrias nacionais.
680
estes por vezes capazes de inviabilizar processos futuros. Tendencialmente, quando
se pensa estritamente sob o viés da ―compra em si‖ (―procurement‖), os reflexos em
termos de adestramento296, doutrina, infraestrutura e organização evidenciam-se
após a compra, dificultando a previsão de gastos. Já quando pensamos em termos
de ―aquisição‖ (―acquisition‖) há a possibilidade de um planejamento mais coerente e
realista. O fato de que as primeiras unidades do veículo em questão chegaram ao
Brasil em fins de 2009 e que a previsão da conclusão da fábrica que prestará
manutenção e que poderia prover futuras modernizações tem previsão de conclusão
apenas para fins de 2014 é um indicativo de que este processoestaria mais próximo
da primeira opção do que da segunda297. Ainda neste sentido o Exército Brasileiro
apenas entrou em contato com o produto a partir da etapa da compra, lembrando
ainda que, segundo entrevista realizada com outro oficial do exército sediado no Rio
Grande do Sul, não há até o momento previsão de modernização/atualização destes
equipamentos, assim como ainda não se sabe de planejamento de destinação final
destas unidades.
296
Em um caso relativo a utilização de blindados este fator é particularmente importante uma vez que segundo
Richard E. Simpkin o tipo de soldado envolvido nestas operações demanda um treinamento capaz de prover uma
intimidade tão intensiva com o equipamento quanto a cooperação com seus companheiros (SIMPKIN, 1980,
p.53).
297
Importa ressaltar que o planejamento teve de ser atrasado em quase 1 ano em razão de dificuldades
burocráticas na liberação da licença ambiental por parte do governo estadual sendo que a fábrica apenas
começou a ser erguida de fato em 13/01/2014. Espera-se ainda que no mesmo local instale-se uma linha capaz de
fabricar novos veículos destinados prioritariamente a países sul americanos, constituindo uma segunda fase do
projeto da KMW no Brasil. Foi realizada entrevista em loco junto ao escritório da empresa em Santa Maria em
setembro de 2013, contudo, dadas as incertezas existentes a época em função de tais dificuldades, não se pôde
obter maiores detalhes quanto ao desenvolvimento dos projetos da empresa no Brasil.
681
blindados, ventilada pela própria Krauss-Maffei298. Contudo esta possibilidade ainda
parece estar em estágio seminal, sem detalhamento de sua operacionalização e
tendo, desta forma, sua concretude ainda bastante questionável. Não há indicações
de que instrumentos de estímulo pela busca pelo ganho de autonomia produtiva e
tecnológica tenham estado entre os objetivos decisivos deste acordo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
298
Matéria publicada pelo periódico especializado Tecnologia e Defesa, disponível em:
http://www.tecnodefesa.com.br/materia.php?materia=238
682
DAGNINO, Renato. A Indústria de Defesa no Governo Lula. São Paulo:
Expressão Popular, 2010.
FRANKO JONES, Patrice Marie. The Brazilian Defense Industry: A Case Study of
Public-Private Collaboration. PhD Diss. University of Notre Dame, 1986.
GANSLER, Jacques. The Defense Industry. Cambridge: The MIT Press, 1982.
PROENÇA Jr. Domício. Forças armadas para quê? Para isso. In. Contexto
Internacional. vol. 33, n. 2, Rio de Janeiro, julho/dezembro 2011.
PROENÇA Jr, Domício; Diniz, Eugenio. Política de Defesa no Brasil: uma Análise
Crítica. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1998.
PROENÇA Jr, Domício; DUARTE, Érico. The Concept of Logistics derived from
Clausewitz: All That is Required so That the Fighting Force Can Be Taken as a
Given. Journal of Strategic Studies, v. 28, n. 4, p. 645-677, 2005.
683
UNASUL. Estatuto do Conselho de Defesa Sul-Americano da Unasul. Santiago,
2008. Disponível em http://www.unasurcds.org/index.php?option=com_content&
view=article&id=343%3Aestatuto-do-conselho-de-defesa-sul-americano-da-unasul&
catid=59%3Aportugues&Itemid=189&lang=pt. Acesso em: 15 jul. 2013.
684
A QUARTA FORÇA: UMA DECORRÊNCIA DA
1 Introdução
299
Pós Graduação em Engenharia de Produção, UFF
685
das capacidades militar e industrial. Outras dimensões, tais como a econômica, a
territorial, a populacional, a cultural e, principalmente, a tecnológica, são também
importantes componentes do poder.
Mas poder potencial não é suficiente para decidir questões conflituosas no Sistema
Internacional. É preciso possuir poder efetivo.
Existem muitos modelos propostos para mensurar poder efetivo. Um dos mais
recentes e abrangentes foi desenvolvido pela RAND Corporation dos EUA em 2000
(TELLYS et all, 2000). Essa metodologia utiliza informações quantitativas e
qualitativas e considera três grandes áreas de avaliação, denominadas recursos
nacionais, desempenho nacional e capacidade militar.
686
Três componentes distintos compõem os recursos estratégicos:
a) Orçamentos de defesa;
b) Instalações, efetivos militares (quantidade e qualidade), meios de combate e
de apoio logístico (ou seja, as FFAA);
c) Instituições de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e teste e avaliação (T&A)
de combate e a base industrial de defesa.
Assim, atualmente, não é suficiente dispor de FFAA para uma defesa efetiva. A
LOGÍSTICA DE DEFESA, que se refere ao provimento de meios para compor as
Forças Armadas e sustentar suas operações em quaisquer situações em que elas
tenham que ser empregadas é tão importante para a defesa quanto as FFAA
(BRICK, 2011). Essa função engloba praticamente tudo o que não se refere à
estratégia e tática (O combate propriamente dito).
300
BASE LOGÍSTICA DE DEFESA (BLD) é o agregado de capacitações, tecnológicas, materiais e humanas,
necessárias para desenvolver e sustentar a expressão militar do poder, mas também profundamente envolvidas no
desenvolvimento da capacidade e competitividade industrial do país como um todo (BRICK, 2011).
687
Há de se chamar atenção para oito componentes da BLD, que apresentam aspectos
distintos, mas que interagem com grande intensidade (BRICK, 2011):
Todos esses componentes da BLD são essenciais para que a sua finalidade seja
alcançada. Entretanto, os componentes industriais e de CT&I constituem o ―núcleo
duro‖ desse complexo. O funcionamento do todo depende muito da interação entre
688
esses dois componentes. Essa interação pode ser explicada com o uso de alguns
conceitos básicos que serão expostos a seguir: produto, insumo, ciência, tecnologia,
bem de capital e capacidade industrial.
c) Além de uso militar, tem alto impacto para a competitividade industrial do país em
produtos de alto valor agregado para uso civil.
689
viaturas, radares, transmissores e receptores, munições, etc..). A maior
vulnerabilidade do país reside na grande dependência externa para obtenção dos
insumos críticos usados na fabricação desses produtos.
Tecnologia, por outro lado, é conhecimento para realizar alguma coisa desejada
e/ou necessária (knowhow). Nesse sentido, saber realizar algo, seguindo uma
prescrição documentada, pode ser considerado tecnologia (Por exemplo, fazer
uma manutenção planejada seguindo instruções documentadas, fabricar um
objeto seguindo um plano de fabricação, ou executar uma manobra constante de
um manual de emprego de uma arma). Entretanto, a tecnologia que se deseja é
aquela que tem base científica. Ou seja, aquela que inclui o conhecimento das
razões pelas quais se deve fazer algo daquela maneira (knowwhy). Isso porque
só quem conhece o ―por que‖ (knowwhy) pode inovar e alterar a forma de fazer,
quando a situação assim o exige.
A figura 1 ilustra a relação que existe entre ciência, tecnologia, produto de defesa,
insumo, bem de capital e capacidade industrial.
690
Figura 1: Capacidade Industrial
301
O recurso à exportação é importante para auxiliar na sustentação da BLD e aumentar os lucros das empresas,
mas não é condição necessária. Ver por exemplo o caso do Japão que possui forte BLD, mas não exporta por
decisão política.
691
Estado não pode fazer nada que não esteja previsto expressamente em leis, o
arcabouço regulatório é essencial para a sustentação da BLD.
Na seção seguinte serão examinados os casos da França, que é um país com alto
desenvolvimento tecnológico e industrial, mas de porte econômico similar ao do
Brasil e dos países que constituem a IBAS, junto com o Brasil: Índia e África do Sul.
Esses últimos apresentam muitas características econômicas, sociais e tecnológicas
similares às do Brasil. Assim, espera-se que as soluções adotadas por esses países
para suas BLD possam trazer algum ensinamento útil para o caso brasileiro.
Modelo Francês
692
d) Definição do formato do conjunto das Forças e sua coerência operacional;
e) Preparação e aprestamento das Forças. Define os objetivos paara sua
preparação e controla sua aptidão para realizar as missões;
f) Manutenção das Forças, fixando a organização geral e objetivos;
g) Inteligência de interesse militar;
h) Relações internacionais militares.
693
está explicitamente considerada. Além disso, toda responsabilidade pela
concepção, aquisição e avaliação de produtos de defesa está com a DGA. As
FFAA se limitam às funções operacionais.
Modelo Indiano
694
As decisões desse conselho são implementadas pelos seguintes ―boards‖:
(i) Aquisição para Defesa (Defence Procurement Board), presidido pelo Ministro da
Defesa (Defence Secretary);
(ii) Produção para Defesa (Defence Production Board), presidido pelo Secretário de
Produção para a Defesa (Defence Production);
(iii) P&D para Defesa (Defence Research & Development Board), presidido pelo
Secretário de Pesquisa e Desenvolvimento para a Defesa (Defence Research &
Development).
b) Bharat Electronics Ltd- Eletrônica para defesa (69ª maior indústria de defesa
em 2012 segundo o SIPRI).
695
Modelo Sul Africano
696
Os programas de Reaparelhamento da SANDF constituem a maior parte do portfólio
de trabalhos da ARMSCOR. Cerca de 30 % do orçamento de defesa tem sido
dedicado à aquisição, garantindo a sobrevivência da BLD Sul Africana.
A reorganização da Base Logística de Defesa está sendo feita atendendo o que foi
estabelecido no Livro Branco das Indústrias Relacionadas à Defesa da África do Sul
(ÁFRICA DO SUL, 1999). Apesar de antigo, esse documento continua a ser a
referência para essa reorganização, juntamente com a Estratégia para a Indústria de
Defesa (ÁFRICA DO SUL, 2013).
Para apoiar a BLD Sul Africana, ARMSCOR abriga a SADESO (South African Defence
Export Support Organisation), para promover exportações, a DMDA (Defence Matériel
Disposal Agency), que tem como missão vender ativos desativados, uma divisão para
gerir acordos de compensação comercial (offsets) e uma unidade para facilitar a
introdução de pequenas empresas na Base Logística de Defesa.
697
Modelo Brasileiro
Ora, é sabido que nenhum sistema voltado para obter algum resultado pode funcionar
corretamente se não existe uma clara definição de responsabilidade, com as
consequentes atribuições de autoridade e imputabilidade pelas ações e resultados.
Essa estrutura atual para a gestão da BLD brasileira é claramente não funcional.
Mas esse não é o único problema. Apesar das FFAA estarem subordinadas ao
EMCFA e, portanto, sem autoridade sobre a SG e o SEPROD, grande parte dos
componentes da BLD brasileira está subordinada às FFAA. Todos os institutos de
CT&I militares e algumas empresas estão nesse caso. Diferentemente dos demais
países, o setor operativo tem autonomia e autoridade direta sobre significativa
parcela da BLD nacional. Ora, as atividades de operações militares e aparelhamento
são muito distintas, como também o são as qualificações exigidas das pessoas que
se dedicam a cada uma delas. Como resultado as culturas institucionais em
698
organizações que desenvolvem essas atividades também devem ser distintas. As
decisões são muito dependentes da cultura institucional, assim, em função dessa
característica da governança da BLD brasileira, tem havido um claro desequilíbrio
histórico entre as prioridades dadas ao fortalecimento e sustentação da BLD e o
provimento de meios para as FFAA.
Embora existam diferenças entre as abordagens das três FFAA302, o resultado final é
que a BLD brasileira tem sido negligenciada. A prática tem sido a importação de
produtos de defesa, o que é extremamente deletério para a construção da
capacidade industrial e tecnológica nacional. Como na era pós-industrial a BLD é um
instrumento de defesa, tão ao mais importante do que as próprias FFAA, essa
situação não favoreceu a construção do poder efetivo nacional.
302
A Força Aérea parece que tem uma visão sobre a BLD mais alinhada com o conceito aqui utilizado, pois
investiu na construção do complexo DCTA e Embraer e as suas prioridades expressas no PAED (Plano de
Articulação e Equipamentos de Defesa), contemplam tanto a BLD quanto a renovação de meios, diferentemente
das abordagens da Marinha e do Exército, onde a ênfase do PAED é toda na aquisição de meios.
699
Quase cinco anos após a promulgação da Estratégia Nacional de Defesa (END)
ainda não existe nenhuma empresa que tenha sida classificada como fornecedora
de PRODE.
Isso diz tudo sobre a eficácia da estrutura atual responsável pela BLD brasileira.
O Brasil dispõe de FFAA desde a sua fundação. Entretanto, sua BLD não tem sido
capaz de supri-las com suas necessidades mais básicas.
Para vencer esse desafio será preciso inovar na forma de atuação do Estado
brasileiro.
700
Essa talvez seja a mudança mais difícil: dar ao desenvolvimento e sustentação da
BLD a mesma importância que tem sido dada, historicamente, ao aparelhamento
das FFAA. Na prática isso significa reduzir drasticamente a aquisição de meios no
exterior, priorizando seu fornecimento pela BLD. Para isso será necessário que o
Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED), que atualmente é apenas
uma lista de compras definidas pelas FFAA, se transforme em um Plano Integrado
de Aparelhamento e Capacitação Industrial e Tecnológica, condicionando o
aparelhamento das FFAA ao concomitante desenvolvimento da capacidade
industrial e tecnológica necessária ao fornecimento dos meios previstos.
303
Dados de 2011, extraídos do SIPRI e Banco Mundial, mostram que 63 % dos países que possuem um PIB -
Produto Interno Bruto superior a 200 bilhões de dólares investem em defesa um percentual do PIB superior ao
do Brasil.
701
5 A Quarta Força: uma Consequência Natural da END?
Um aspecto pouco comentado dessas políticas é o de que o custo para país é muito
inferior ao de outras políticas de reserva de mercado para conteúdo nacional. No
caso da defesa, além de não existir alternativa, em face da realidade internacional
de cerceamento ao acesso a produtos e tecnologias críticas, o custo para o país
está totalmente dimensionado e encapsulado no orçamento da defesa.
O desafio colocado pela END cria um novo paradigma para a BLD. Os objetivos de
obtenção de autonomia tecnológica e capacidade para fornecer os meios que as
Forças necessitam não poderão ser alcançados fazendo ―mais do mesmo‖, pois a
estrutura de governança atual é claramente disfuncional, ineficiente e ineficaz.
Por todos esses motivos a BLD, como já ocorre com as FFAA, deve ter um comando
único.
702
É essa a forma adotada pela grande maioria dos países que possuem BLD relevante
e, também, grande capacidade industrial em produtos de alta tecnologia e valor
agregado. Essa também é a forma preconizada pelas boas práticas de gestão
voltadas à obtenção de resultados. Para cada problema é fundamental haver um
responsável único, dotado dos atributos de responsabilidade, autoridade e
imputabilidade (Accountability).
Assim, a criação de órgão com responsabilidade total pela BLD (SLD - Secretaria de
Logística de Defesa?), subordinado diretamente ao Ministro da Defesa, no mesmo
nível dos demais órgãos de segundo escalão (SG e EMCFA), é uma necessidade. A
esse órgão deveriam ser subordinados todas as empresas, Institutos de Ciência e
Tecnologia (ICT) e Institutos de Ensino Superior (IES) de engenharias, computação,
matemática e ciências básicas, atualmente subordinados às FFAA. A ele também
caberia a organização e sustentação do setor industrial de defesa, propondo um
marco regulatório que garanta um controle sobre as empresas privadas que atuem
no setor e as tecnologias estratégicas de interesse nacional.
703
serviço. O fundamental é que os que atuem em logística de defesa, tanto os de
origem civil, quanto os de origem militar, tenham uma carreira própria.
Essa não seria uma experiência nova no Brasil. No século passado essa foi
exatamente a solução adotada com a criação da Força Aérea Brasileira. Seus
primeiros componentes foram todos oriundos dos quadros da Marinha e do Exército.
Referências Bibliográficas
AFRICA DO SUL, Department of Defence. White Paper on the South African defence
related industries. 1999. Disponível em: <http://www.dod.mil.za/documents/
WhitePaperonDef/white%20paper%20on%20the%20SA%20defence%20related%20indu
stries1999.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2013.
704
INDIA. Portal do Ministério da Defesa. Disponível em:
<http://mod.nic.in/index.html>. Acesso em: 02 jul. 2013.
705
O DESENVOLVIMENTO DA BLD NAVAL E A AUTONOMIA
DA MARINHA DO BRASIL
1 Introdução
706
internas e externas. Entretanto, o que se observou no Brasil foi que a grande
autonomia administrativa que a Marinha (as Forças Armadas, em geral) alcançou na
década de 1960 a tornou importante definidora de seus meios e de sua BLD.
A influência do passado
Desde os tempos mais remotos, o homem interage com o mar. À proporção que
avançou em conhecimento, as ações relacionadas ao emprego do mar também
avançaram. São exemplos de atividades desenvolvidas pelo homem no mar: a
pesca; o transporte; mais recentemente, a exploração dos recursos minerais; e,
desde muito tempo, quando os governos perceberam o valor militar do uso do mar, a
aplicação das marinhas para o exercício de sua vontade política.
707
recompensa foi o grande império colonial. Seguiram-lhe os demais Estados
europeus. No Século XVII, a Inglaterra, ao estabelecer o Ato de Navegação de 1651,
restringiu os direitos dos outros países em favor da marinha mercante inglesa. Após
a sequência de guerras travadas com a Holanda, principal prejudicada, tornou-se a
maior potência marítima do mundo.
Politicamente, o uso do mar atendeu aos anseios imperialistas dos Estados, que
tinham comogrande estratégia de governo a expansão de seus domínios. Para
isso criaram suas esquadras, suas frotas mercantes e espalharam suas bases
nas terras conquistadas. Militarmente, a estratégia que se desenvolveu, desde a
antiguidade, foi a busca pelo Domínio do Mar, ou seja, o impedimento do uso do
mar pelo inimigo, ao mesmo tempo, que se garantia o uso em proveito próprio.
Para alcançar aquele intento, perseguia-se a aniquilação da força oponente por
uma batalha naval decisiva.
708
do século XX e reavaliaram as possibilidades de navios menores, em grande
número, rápidos e bem armados promoverem operações secundárias, o corso e o
desgaste e, assim, estabelecerem o domínio do mar em áreas restritas. Seja pelo
domínio do mar, ou pela negação de uso pelo oponente, estas estratégias serviram
como referências para a construção do poder naval dos Estados e estabeleceram
dois modelos de concepção de defesa: o modelo anglo-saxão, que busca a
supremacia; ou o francês, que volta-se para a dissuasão.
709
privilegiava a ―aquisição‖ e o ―como utilizar‖ em detrimento do ―como fazer‖,
determinando um perfil muito menos orientado à produção do que o encontrado nas
outras Forças. Isso não quer dizer que a Marinha não tivesse se preocupado com a
produção local, mas o fez menos intensamente que o Exército e a Força Aérea.
Do final do século XIX ao início do XX, Estados Unidos, Japão, Inglaterra, França,
Alemanha, Itália e Rússia passaram a compartilhar da política do neocolonialismo,
que baseava-se na conquista e expansão territorial. Para o exercício daquela
política, ampliou-se o investimento no poder naval. A estratégia naval redundou em
esquadras com navios cada vez mais poderosos, como o encouraçado inglês
Dreadnought, lançado ao mar em 1906. Aqueles navios representavam competente
instrumento de dissuasão, e por isso, cobiçados por qualquer Estado desejoso de
afirmar sua reputação internacional. Assim se passou ao Brasil.
710
Guerra. A ―Esquadra Branca 306‖ de 1910representava a consciência do valor do
poder naval para apoio à política do país, mas não priorizava a capacidade de
fazer, apenas a de possuir. Os conflitos mundiais logo demonstraram que a
estratégia de obter meios prontos constituía-se apenas numa ―aparência de
poder‖ (VIDIGAL, 1985).
306
A esquadra brasileira recebida em 1910 recebeu essa alcunha por influência da “Great White Fleet”, da
Marinha dos Estados Unidos, que circunavegou o planeta em 1907, tendo visitado o porto do Rio de Janeiro.
711
5 A autonomia estratégica brasileira
O intervalo que vai de 1964 a 1985, compreendido pelo regime militar, representou
uma ainda maior intervenção da elite militar na política e na economia. O projeto
militar era a transformação do Brasil em potência bélica, contribuindo para a
industrialização do país de modo geral. Duas estratégias políticas reformistas
existiram. Inicialmente, aprofundou-se uma estratégia militar anticomunista, que
considerava a defesa dos valores do Ocidente a questão nacional mais importante
do ponto de vista de política interna e externa. A partir da percepção de que o perigo
do comunismo internacional e de rebelião interna tinham sido superestimados, e que
o eixo principal de confrontação não era o Leste-Oeste, mas o Norte-Sul, passou a
prevalecer a versão nacionalista da visão estratégico militar. Nesta versão, apesar
de manter-se a tradicional amizade com os EUA, julgava-se que esta solidariedade
não se traduzia no suprimento adequado de material bélico para o Brasil, de acordo
com os requisitos tecnológicos e as quantidades que as Forças Armadas brasileiras
requeriam.
712
ênfase na guerra antissubmarino que predominou na fase anterior, buscando uma
concepção mais ampla nos outros ambientes de guerra. Observa-se que o preparo
do poder naval era moldado considerando mais provável uma guerra global, que um
conflito regional, que seria mais coerente com a condição de país periférico. É dessa
época o lançamento do ―Programa de Renovação e Ampliação de Meios Flutuantes
da Marinha‖ que permitiu à MB adquirir seis fragatas 308 na Inglaterra,das quais duas
foram construídas no AMRJ. É importante frisar que, antes de se tratar de uma
deliberada tentativa de se adquirir a tecnologia de construção daqueles navios, tal
circunstância ocorreu por motivações da VOSPER, estaleiro construtor, que não
desejava comprometer toda a sua capacidade industrial com um único cliente por
tanto tempo, uma vez que atendia compradores em todo o mundo (VIDIGAL, 2002,
p. 15). Todavia as fragatas aqui construídas ―romperam uma tradição de atraso e
despertaram a vontade de planejar, projetar, construir, operar e manter nossos
navios com crescente competência.‖ (FREITAS, 2006, p.74). Quando, em 1977, o
Presidente Geisel denunciou o Acordo militar de 1952, a MB já estava se orientando
por uma estratégia mais independente dos EUA.
308
Apesar de a Marinha iniciar uma estratégia mais independente da influência norte-americana, quatro
fragatas eram antissubmarino e apenas duas de emprego geral.
713
gestão se assinou o contrato de obtenção dos submarinos de origem alemã IKL
1400 que permitiu a construção de submarinos no país.
714
militares, chegando à discussão quanto à mudança no papel das Forças Armadas nos
países periféricos para o combate ao narcotráfico; a ênfase na tecnologia dos
armamentos e; a percepção da inviabilidade de manter, individualmente, uma indústria
doméstica capaz de oferecer os requisitos tecnológicos e escalas de produção
requeridas. A política do governo rompia com a estratégia desenvolvimentista
construída desde os anos 1930 e, a autonomia administrativa que a Marinha detinha
ainda a permitia estabelecer como deveria ser seu preparo e emprego.
309
A Estratégia Nacional de Defesa, de 2008, centralizou no MD a formulação e a execução da política de
compras de produtos de defesa. Mas foi apenas em 2010, com as publicações da Lei Complementar nº 136, de 25
de agosto de 2010 e do Decreto nº 7.276, de 25 de agosto de 2010 que foi estabelecido o arcabouço legal para
uma subordinação completa das Forças ao Ministro da Defesa, o que ficou conhecido como a “Nova Defesa”.
310
Seja para a aquisição, quanto para a manutenção do meio.
715
foi lançada a END, com uma intenção clara de recuperar a Base Industrial de
Defesa. Certamente, o momento tornou-se favorável às Forças e a sua base
logística, porque o tema entrou na pauta do debate político, econômico e acadêmico,
gerando a oportunidade de definições de metas e recursos continuados e o retorno a
uma estratégia positiva ao desenvolvimento da BLD naval.
A memória repassada, geração após geração, nas ordens do dia dos Chefes navais,
durante as cerimônias alusivas aos envolvimentos da Marinha nas guerras do
Paraguai e Mundiais, sempre fazem referência a entrada despreparada da Força,
naqueles conflitos, em termos de meios adequados, treinamento e doutrina. A
expressão ―Esquadras não se improvisam312‖- é sempre lembrada. Todavia, a
lembrança daqueles fatos bem demonstra a preocupação reinante: estar sempre
preparado e para isso, é necessário contar com meios, desde já, pois a Marinha não
se improvisa. A velocidade dos conflitos atuais reforçam o mote.
311
Notas de aula proferidas pelo Prof. Eduardo Brick para o curso de Mestrado em Estudos Estratégico da
UFF.
312
A frase de Ruy Barbosa (1896, p.162) é “[…] esquadras de guerra não se evocam de improviso […]”.
716
Retorna-se à afirmativa do Almirante Flores, já mencionada anteriormente, as
―estratégias que influenciam o preparo e emprego do poder naval assentam seus
alicerces nos quadros políticos-estratégicos e tecnológicos dos períodos que lhes
serviram de lastro histórico e da época em que elas foram efetivamente
formalizadas‖. Os estrategistas atuais fazem suas formulações com base na
experiência passada. A atual aceleração tecnológica ainda impõe dificuldades de
projetar cenários prospectivos confiáveis, reforçando os Chefes navais a investirem
os vultosos recursos necessários à construção do poder naval de maneira
conservadora. Apesar do processo de controle do poder militar sobre o civil estar
bastante adiantado, é natural que muitas definições estratégicas de como deve ser a
Armada ainda permanecem nas mãos da Força, até porque não há um corpo de
civis na carreira de defesa para fazer esse papel.
8 O Pessoal
717
seus homens e que o melhor parâmetro para se avaliar a eficiência de uma Força
Armada era a qualidade do adestramento313 de seus integrantes.
718
fases anteriores, devido a perdas no adestramento ou, por necessidade de
manutenção, na capacidade operacional. Além disso, o meio poderá ter que deixar
de compor a Força Pronta, caso esteja cumprindo alguma operação distante das
águas sob jurisdição brasileira. A idade avançada e as restrições orçamentárias
prejudicam o nível de disponibilidade atual.
Para fazer frente a uma gama de possíveis tarefas em tempo de paz, a MB atribui a
si mesma a necessidade de manter em condições operacionais uma fração de seus
meios vocacionados a cumprirem determinadas capacidades. Nesse sentido, deve-
se ter uma quantidade de meios com capacidade anfíbia, com capacidade de
operações aéreas, antissubmarinas, submarinas, etc, a fim de permitir ao país dar
uma pronta resposta às ameaças sob responsabilidade da MB que eventualmente
surjam. A esse conjunto de meios navais a MB chama de Força Pronta.
719
efetiva nas suas áreas de atribuição sugere a necessidade daqueles órgãos
disporem de meios flutuantes e pessoal qualificado. Dotar cada Ministério com os
meios necessários à execução das diversas atividades fiscalizadoras representa,
não somente uma pulverização de recursos, como também uma superposição
indesejada do emprego, uma vez que uma embarcação fiscalizando uma infração
sanitária poderá autuar, simultaneamente, um ilícito fiscal. Na medida de suas
possibilidades, a MB cooperou e vem cooperando, por convênios ou acordos, com
os diversos órgãos responsáveis sem condições próprias de atuação.
Vidigal afirma que, em teoria, a guarda costeira faz todo o sentido, pois assumindo
atribuições que não são especificamente militares, como o combate ao contrabando
e descaminho no mar, o socorro marítimo na costa, a repressão à pirataria e à pesca
ilegal na ZEE, entre outras tantas, permitiria a MB focar-se em tarefa que somente
ela pode realizar, a defesa no mar. Atualmente, a MB mantém Forças Distritais, com
navios, aeronaves e forças de Fuzileiros Navais, inclusive em regiões onde não há
315
O livro não foi impresso por editora, mas é disponível para venda no SDM.
720
mar, seja na Amazônia, como no Pantanal, realizando atividades de patrulha,
fiscalização, socorro e salvamento, que são próprias de GC. Diversos Estados, de
marinhas maiores e menores que a brasileira, instituíram suas GC. Entretanto,
Vidigal preocupa-se ao estimar que os parcos recursos distribuídos à MB tivessem
que ser repartidos com a GC, cujos ―serviços prestados afetariam de forma imediata
e mais visível os interesses da sociedade e dos compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil‖, com desvantagem nítida para a Marinha.
11 Considerações finais
Para Brick (2012), a defesa nacional de países do porte do Brasil depende de dois
instrumentos principais e igualmente importantes: as suas Forças Armadas e a BLD.
As Forças,são sustentadas pelo Estado. A BLD, em razão do mercado onde atuam
ter característica monopsônica316 e o Estado ser muitas vezes o único comprador,
deve também receber deste o suporte para a sobrevivência. O investimento na BLD
é uma consideração estratégica.
316
Forma de mercado com apenas um comprador.
721
torna-se indesejável, sendo mais importante investir na capacitação científico-
tecnológica e inovativa da Força.
Para que o Brasil alcance a desejada altivez estabelecida na END, de se poder dizer
não, quando se tiver que dizer não, é fundamental que a grande estratégia política
do governo rompa com o ciclo de baixos investimentos nas Forças e,
particularmente, em CT&I. Só assim será possível atinjir a independência
tecnológica no suprimento militar. Também é preciso sopesar a autonomia
administrativa da Força naval, investir num corpo de civis para a carreira de defesa,
repensar a estratégia naval, de modo que se priorize as atividades diretamente
relacionadas ao combate e, finalmente, ofereça-se um orçamento e tarefas
adequados à conservação de uma balanceada Força Pronta a ser mantida pela
Marinha, para o conveniente adestramento e motivação da tropa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
722
FONSECA, Maximiano Eduardo da Silva. 5 Anos na Pasta da Marinha. 2 ed. . [S.l.:
s.n], [1988?].
BARBOSA, Ruy. Cartas de Inglaterra. Rio de Janeiro : Typ. Leuzinger, 1896. 410p.
723
Simpósio Temático 11
1 INTRODUÇÃO
O sistema político internacional é marcado por uma hierarquização dos Estados, nas
Relações Internacionais busca-se entender o lugar que as unidades ocupam dentro
desse sistema e o relacionamento que há entre estas, além das implicações deste
posicionamento para as políticas externa e de defesa. A pergunta que norteia a
reflexão, ainda que inicial, proposta nesse artigo é: no século XXI, é possível
detectar mudanças na percepção sobre o lugar do Brasil no sistema internacional?
Para além das capacidades materiais, cuja importância não pode ser negada,
entende-se que o discurso sobre a ascensão e a construção da imagem do Brasil
como uma potência emergente também contam na determinação do posicionamento
do país no cenário internacional. No espaço que cabe a este artigo será tratada
principalmente a percepção de setores especializados em relações internacionais e
em política externa e de defesa, no entanto, é importante deixar claro que este é
apenas um dos muitos aspectos que podem ser analisados.
317
Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), doutoranda em Ciência
Política na Universidade Federal de São Carlos sendo membro do grupo de pesquisas Forças Armadas e Política
sob orientação do Prof. Dr. João Roberto Martins Filho.
724
emergente, é difícil precisar o momento de seu surgimento. Como referência ao
Brasil essa ideia começa a ser usada a partir dos anos 1970. Perry e Kern (1978)
atribuem a ideia de potência emergente àqueles países que passam a ser
competidores cada vez mais acreditados no ambiente internacional318, ou que
estejam emergindo para algum status de maior poder, como um ator internacional
significativo.
Para Buzan e Wæver (2008) o sistema internacional só pode ser compreendido se,
além dos critérios objetivos de determinação do status de uma potência, sejam feitas
considerações acerca da identidade desta. A percepção, tanto dos demais atores
como do próprio Estado são elementos a serem considerados. Portanto, a
perspectiva teórica que nos ajudará a pensar a problemática deste artigo se alinha ao
debate proposto por Barry Buzan (2004a) de conciliação da Escola Inglesa com o
neorrealismo e o construtivismo wendtiano. Assim, para entender as mudanças no
sistema internacional e as consequências destas não se deve olhar apenas para a
distribuição internacional de poder, mas também para a estrutura normativa da
sociedade internacional e como esta estrutura influencia na construção dos papéis a
serem desempenhados pelos Estados. As análises que partem de critérios
mensuráveis de poder são importantes, mas têm limites, pois retiram da discussão dois
elementos relevantes. Primeiro o contexto, que nos leva a entender um quadro mais
complexo de atuação das unidades no sistema internacional e também os motivos e
valores que intervêm na discussão sobre poder e influência.
318
“[…] increasingly credible power contender in the international environment” (p. 55).
725
o significado e o peso das ideias têm relevância na determinação da agenda
internacional (VIGEVANI et al., 2011).
726
Acredita-se que o status de potência emergente foi atribuído ao Brasil, pela primeira
vez, pelo próprio Perry, dois anos antes, em 1976, quando publica o livro
Contemporary brazilian foreign policy: the international strategy of an emerging
power, este é um marco fundamental da construção da percepção do Brasil como
potência emergente. No mesmo ano, Ronald Schneider publica Brazil: foreign
policy of a future world power. Análises que vinham reforçar outras, como a de
Riordan Roett ―Brazil ascendant: international relations and geopolitics in the late
20th century‖ que saiu no Journal of International Affairs em 1975 e a ainda
anterior, de 1973, do livro de Donald Emmet Worcester, Brazil, from colony to
world power que mesmo que não usassem tão claramente o termo potência
emergente para se referirem ao Brasil, esta ideia já estava presente. Não só em
língua inglesa é possível encontrar publicações que destacavam a potencialidade
brasileira, Demain Le Brésil? Militarisme et Technocratie, livro de Michel
Schooyans, que foi editado pela primeira vez em 1977 é um exemplo disso. Há
ainda documentos como o Memorandum of Understanding Concerning
Consultations on Matters of Mutual Interest assinado por Henry A. Kissinger e
Antonio F. Azeredo da Silveira em 1976, que demonstram o reconhecimento do
Brasil como ator significativo no cenário internacional.
Por outro lado, esse destaque dado a ascensão do Brasil, principalmente no campo
econômico vinha contrabalanceado por uma visão bastante negativa relativa ao
desrespeito aos direitos humanos, especialmente quanto ao emprego da tortura, à
ausência de democracia e à grave desigualdade social. Esses aspectos apareceram
em livros que tiveram grande repercussão internacionalmente como Estratégia do
terror: a face oculta e repressiva do Brasil, de Ettore Biocca publicado em Lisboa,
em 1974 e ―Pau de Arara‖ – La violence militaire au Brésil, nunca publicado em
português, escrito por Bernardo Kucinski e Italo Tronca, de 1971. No Chile, Rodrigo
Alarcon lança, também em 1971, Brasil: repressión y tortura.
727
Esses são exemplos de como o Brasil, nos anos 70, era internacionalmente
percebido a partir de dois marcos: a pujança econômica e o retrocesso político
representado pela ditadura militar.
Diferentemente o que se via nos anos 70, o desenho atual é diverso. O Brasil tem
aparecido, com frequência, tanto na literatura de relações internacionais quanto na
mídia internacional como uma potência em ascensão, sendo reconhecido como um
ator global emergente. O discurso e a percepção sobre o Brasil se assentam, hoje,
em basicamente quatro fatores: o crescimento e a estabilidade econômica, o regime
democrático, a redução da desigualdade social e a autossuficiência energética. Além
disso, a potencialidade do Brasil como exportador, a forte presença nas instituições
multilaterais e as relações com outros países em desenvolvimento, são
frequentemente destacadas.
728
(OLIVEIRA, 2005). É marcante também todo o processo desencadeado pela crise
mundial de 2008, menos pela crise em si, mas principalmente pelo fato do Brasil ter
sofrido menos do que os analistas esperavam em comparação com outros países.
―In recent years, Brazil has generated a level of international interest and excitement
that was wholly unexpected and unpredictable as little as 10 years ago‖
(KINGSTONE, 2009).
319
De acordo com o Journal Citation Reports Social Sciences Edition, 2011, a Revista Foreign Affairs ocupa a
sexta colocação segundo o Impact Factor.
729
Brasil, e destaca que o B dos BRICs tem vantagens em relação aos outros Estados.
Diferentemente da China, o Brasil é uma democracia e diferentemente da Índia não
sofre com conflitos étnicos, religiosos ou com a hostilidade de seus vizinhos e ao
contrário da Rússia, tem uma pauta diversificada de exportações que vai além do
petróleo e das armas, conferindo ainda maior respeito aos investidores320. O artigo
―From poverty to power: how good governance made Brazil as a model nation‖ do
Spiegel Online em outubro de 2012 (FOLLATH; GLUESING, 2012) e ainda, em
fevereiro de 2013, a capa da Financial Times Magazine com Here comes Brazil e
artigos como: ―Brazil: the first big ‗soft‘power‖ e ―A place at the top of the tree‖ são
demonstrações de como a imprensa, mesmo em veículos considerados
conservadores estava atenta ao papel desempenhado pelo Brasil.
320
Além da reportagem de capa a revista dispensa 15 páginas para a publicação de artigos como “Condemned to
Prosperity” e “A better today”.
730
ascensão no sistema internacional. A segunda conta com 125 páginas e nela vemos
referências como: ―[...] a significant power and presence on the world stage‖ (p. 3);
―And Brazil must adjust to its new role as a global power‖ (p. 5); ‗[…] now be counted
among the world‘s pivotal powers. Brazil‖ (p. 7); ―[…] a new potential hegemon with
its sights set on global power‖ (p. 54); ―[...] Brazil‘s emerging role as a global power‖
(p. 80). Isso sinaliza que a posição dos Estados Unidos em relação ao Brasil
pode ter sido alterada, que pode haver uma mudança na percepção do lugar do
Brasil na política externa norte-americana.
321
Com exceção apenas do primeiro documento com apenas 7 páginas, os outros têm entre 98 e 160 páginas, ou
seja, são relativamente extensos.
731
uma listagem exaustiva da produção internacional sobre o Brasil, algun s títulos
merecem ser destacados. O embaixador americano Lincoln Gordon publica em
2001 Brazil's Second Chance: En Route Toward the First World. Depois de 2008,
há um número significativo de publicações, o que se supõe seja um efeito
também do enfrentamento do Brasil à crise. Em 2009, é editado o livro Brazil
under Lula: Economy, Politics, and Society under the Worker-President dos
professores da Universidade de Illinois, Joseph L. Love e Werner Baer e também
Brazil as an Economic Superpower?: Understanding Brazil's Changing Role in the
Global Economy de Lael Brainard e Leonardo Martinez-Diaz ambos funcionários
do Departamento do Tesouro do governo Barack Obama. Riordan Roett que já
havia escrito sobre o Brasil nos anos 70 volta ao tema com The New Brazil, em
2011. Brazil on the Rise: The Story of a Country Transformed é lançado em 2012
por Larry Rohter que foi correspondente do New York Times no Brasil.
732
Tabela 1: Revistas acadêmicas sobre relações internacionais a serem pesquisadas ordenadas segundo o fator de impacto
Artigos:
Artigos
Colocação/ País/ termo de
Revista Ano de publicação dos artigos (número de artigos) (2001 a
impact factor idioma busca -
2013)
Brazil
1957, 1969, 1984, 1986(2), 1987, 1993, 1994,1995, 1996, 2000,
1/3,025 World Politics EUA/ing. 17 6
2003(2), 2007, 2010(2), 2012
1962, 963, 1965, 1971, 1975, 1978(2), 1982, 1986, 1989, 1992,
6/2,034 Foreign Affairs EUA/ing. 43 1994, 1995, 1996(2), 1997, 1999(8), 2000(5), 2003, 2004, 2006, 14
2007, 2008 (2), 2009, 2010(6), 2011
1982, 1995, 2002, 2004(2), 2007(2), 2008(2), 2010(2), 2011, 2012,
9/1,865 Marine Policy Ing./ing. 14 12
2013
11/1,352 European Journal of International Relations Ing./ing. 1 2010 1
12/1,314 European Journal of International Law EUA/ing. 1 2011 1
14/1,265 International Studies Quarterly EUA/ing. 2 1996, 2002 1
1958(2), 1962, 1964, 1965, 1968(2), 1969(3), 1970(5), 1971(4),
1972(2), 1977(2), 1978(2), 1979(2), 1980(4), 1982(2), 1983(2),
15/1,256 International Affairs Ing./ing. 73 1984, 1987(2), 1988, 1989(2), 1990, 1991, 1994, 1995, 1996, 1997, 21
1998(2), 1999(2), 2000(2), 2001, 2002(2), 2003(2), 2005, 2006(3),
2008(4), 2009, 2010(3), 2011(3), 2012
18/1,095 International Journal of Transitional Justice Ing./ing. 1 2010 1
19/1,079 World Trade Review Ing./ing. 4 2009(2), 2010, 2011 4
21/1,039 Review of International Political Economy Ing./ing. 5 2002, 2006(2), 2009, 2011 5
22/1,038 New Political Economy EUA/ing. 2 2006, 2012 2
23/1,034 Pacific Review Ing./ing. 2 2007, 2010 2
24/1,032 Security Dialogue Nor/ing. 2 1996, 2009 1
25/0,953 Emerging Markets Finance and Trade EUA/ing. 6 2005, 2006, 2009(2), 2011(2) 6
27/0,915 Terrorism and Political Violence Ing./ing. 1 2007 1
29/0,864 Security Studies Ing./ing. 2 2011, 2012 2
30/0,857 Stanford Journal of International Law EUA/ing. 1 2003 1
32/0,778 Review of World Economics Ale/ing. 3 2003, 2007, 2008 3
33/0,775 Wasington Quarterly EUA/ing. 3 1995, 1998, 2001 1
35/0,74 International Studies Review EUA/ing. 2 2008, 2010 2
37/0,691 Millennium - Journal of International Studies Ing./ing. 5 1986, 1987, 1991, 2001 (2) 2
38/0,688 World Economy Ing./ing. 9 1987, 1988, 2004, 2005, 2007, 2010, 2011(2), 2012 7
1975, 1976, 1979, 1981, 1982, 1983, 1986(5), 1989, 1991, 1992(2),
39/0,65 Studies in Comparative International Development EUA/ing. 45 1993(2), 1994(3), 1995, 1996(2), 1998, 1999, 2000(2), 2001(2), 18
2002(3), 2004(3), 2005, 2006, 2007, 2009, 2010, 2011(3), 2012(2)
41/0,613 Survival Ing./ing. 4 2004, 2009, 2010(2) 4
42/0,585 International Peacekeeping Ing./ing. 4 2009, 2010(3) 4
44/0,559 International Journal of Conflict and Violence Ale/ing. 3 2011(3) 3
48/0,533 International Relations Ing./ing. 3 2008(2), 2012 3
49/0,529 International Studies Perspectives EUA/ing. 1 2008 1
50/0,5 Space Policy Ing./ing. 13 1995(2), 1996, 1997, 1999, 2001, 2003, 2005(3), 2008, 2011, 2012 8
52/0,469 Cornell International Law Journal EUA/ing. 1 2008 1
53/0,435 Global Governance EUA/ing. 3 2000, 2011(2) 2
53/0,435 Bulletin of the Atomic Scientists EUA/ing. 9 1976, 1977, 1991, 1992, 1996, 2001, 2003, 2010(2) 4
2001(5), 2002(6), 2003(4), 2004(6), 2005(7), 2006(5), 2007(5),
57/0,417 Latin American Politics and Society EUA/ing. 75 75
2008(6), 2009(11), 2010(6), 2011(10), 2012(4)
59/0,404 Journal of the Japanese and International Economies EUA/ing. 3 2006, 2010, 2012 3
61/0,361 Journal of World Trade Hol/ing. 7 1990, 1999, 2009, 2010(4) 5
Coreia do
62/0,360 Korea Observer 1 2010 1
Sul/ing.
63/0,345 Cambridge Review of International Affairs Ing./ing. 2 2012(2) 2
64/0,343 International Relations of the Asia-Pacific Ing./ing. 1 2007 1
66/0,308 Journal of Human Rights Ing./ing. 1 2011 1
Noruega/vá
68/0,247 Internasjonal Politikk 10 1999, 2004, 2006, 2011(7) 9
rios
70/0,233 Columbia Journal of Transnational Law EUA/ing. 6 1984, 1995, 2000, 2001, 2006, 2007 3
1957, 1960, 1961, 1962, 1963, 1964(2), 1965(2), 1966(2), 1967,
1969, 1972(3), 1973(2), 1974(2), 1976, 1977, 1978, 1980, 1981(3),
76/0,151 Current History EUA/ing. 50 9
1982(2), 1985, 1986, 1987, 1989, 1990(3), 1991, 1992, 1993, 1998,
1999, 2003, 2006, 2007, 2008, 2010(3), 2011, 2012
Turquia/
78/0,128 Uluslararasi Iliskiler - International Relations 2 2009, 2010 2
turco ing.
79/0,106 World Policy Journal EUA/ing. 6 1987, 1988, 1991, 1994, 1999, 2010 1
80/0.053 Asia Europe Journal Ale/ing.. 1 2012 1
81/0,00* Internationale Politik Ale/ale ing 3 2000, 2005, 2012 2
733
superpower, rising power, emerging power e global player. No entanto, em 4 (Foreign
Affairs, Marine Policy, European Journal of International Relations e International
Affairs) existem 18 artigos com esse tipo de referência entre 2001 e 2013.
O Brasil é um país por demais importante e muitas vezes não fomos mais
importantes porque, muitas vezes, não nos demos importância. O governo tem
a decisão política de fazer com que o país utilize todo o seu potencial de
ousadia, todo o seu potencial de política externa, para inserir o Brasil no
mundo como um país grande, um país que gosta de respeitar e, ao mesmo
tempo, um país que quer ser respeitado (LULA DA SILVA, 2003, p. 3).
Como outros países emergentes, o Brasil tem sido, até agora, menos
afetado pela crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de
resistência não é ilimitada. Queremos – e podemos – ajudar, enquanto há
tempo, os países onde a crise já é aguda (ROUSSEFF, 2011).
734
Americanos (OEA). A própria disponibilidade do Brasil de colocar candidatos
nesse tipo de disputa é significativa do tipo de inserção nos foros internacionais
pretendida pelo Brasil.
Não se pode negar que há e deve haver uma forte articulação entre a política externa e
a política de defesa nacional. O lugar do Brasil no sistema político internacional é
fundamental para a definição de ambas as políticas, assim como elas são fatores de
determinação do posicionamento brasileiro nesse cenário, apesar disto depender de
diversos outros fatores, com destaque para a projeção econômica o país.
735
decisórios internacionais‖ e destaca que ―não é prudente conceber um país sem
capacidade de defesa compatível com sua estatura e aspirações políticas‖ (BRASIL,
2005). Desta forma, está entre as orientações estratégicas da Política de Defesa
Nacional, a ampliação da projeção do Brasil no sistema internacional, pela via das
ações humanitárias e das missões de paz, como podemos ver no item 6.17 da
política ―Para ampliar a projeção do País no concerto mundial e reafirmar seu
compromisso com a defesa da paz e com a cooperação entre os povos, o Brasil
deverá intensificar sua participação em ações humanitárias e em missões de paz
sob a égide de organismos multilaterais‖, o que é reforçado no item 7 que trata das
diretrizes da Política de Defesa Nacional que prevê que o Brasil deve ―participar
crescentemente dos processos internacionais relevantes de tomada de decisão,
aprimorando e aumentando a capacidade de negociação do Brasil‖ (BRASIL, 2005).
Segundo Martins Filho a participação do Brasil na Missão das Nações Unidas para a
Estabilização do Haiti (MINUSTAH) tinha como propósito ―fortalecer a imagem
externa dos militares brasileiros, no quadro da orientação mais geral da política
externa brasileira‖ (2010, p. 302). Correa (2012) faz constatações no mesmo sentido
ao destacar que ―no governo Lula intensificou-se a busca de um papel de destaque
nas relações internacionais regionais, na qual a participação militar e civil na
reconstrução do Haiti se inclui‖ (p. 37).
736
forte de desenvolvimento‖. As Forças Armadas desejam ter capacidade para a
―projeção de poder nas áreas de interesse estratégico‖ (2008). Esses elementos da
Estratégia Nacional de Defesa demonstram claramente que a inserção do Brasil no
mundo é relevante para o tema da defesa.
Nesse mesmo sentido, uma das hipóteses de emprego das Forças Armadas trazida
pela END é a de ―participação do Brasil em operações de paz e humanitárias,
regidas por organismos internacionais‖, além de ações para a manutenção da
estabilidade regional e para a cooperação nas áreas de fronteira a serem
desenvolvidas pelo Ministério da Defesa em conjunto com o Ministério das Relações
Exteriores. Além disso, os dois ministérios somar-se-iam às Forças Armadas para
―contribuir ativamente para o fortalecimento, a expansão e a consolidação da
integração regional, com ênfase na pesquisa e desenvolvimento de projetos comuns
de produtos de defesa‖ (2008).
Esse perfil é destacado por Eliezér Rizzo de Oliveira quando cita trecho da
Exposição de Motivos Interministerial redigida por Nelson Jobim então Ministro da
Defesa e Mangabeira Unger, ora Secretário de Assuntos Estratégicos:
Vê-se, portanto, que a política de defesa vem a ser mais um elemento a somar-se à
percepção do Brasil como potência emergente que se constrói desde o início do
século XXI, percepção esta que não é inédita, mas que aparece bastante forte nos
últimos anos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
737
perspectiva teórica da Escola Inglesa que, aliada ao neorrealismo e ao
construtivismo norteia a pesquisa para elementos que vão além da capacidade
material dos Estados. Dessa forma, a proposta foi avaliar como o Brasil tem sido
percebido principalmente por setores especializados da academia e da imprensa
internacional.
Isto posto, sobram mais perguntas que respostas. Existem recursos disponíveis para
sustentar um posicionamento do Brasil no rol das potências? Estamos diante de um
cenário duradouro ou apenas de mais um ciclo de percepção positiva sobre o lugar
do Brasil no sistema internacional? A disposição do Brasil em assumira tal papel
realmente conta ou estamos diante de uma construção sistêmica?
738
REFERÊNCIAS
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado; Brasília, DF: Ed. Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais, 2002.
BRAZIL joins front rank of new economic powers. The Wall Street Journal, 13 maio
2008. Disponível em: <http://online.wsj.com/article/SB121063846832986909.html>.
Acesso em: 13 mar. 2013.
____. From international to world society? English School Theory and the
social structure of globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2004a.
____. The United States and the great powers: world politics in the Twenty-First
Century. Cambridge: Polity Press, 2004b.
____; WÆVER, Ole. Regions and powers: the structure of international security.
Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
739
<http://seer.bce.unb.br/index.php/MED/article/view/6253/5485>. Acesso em: 20 jun.
2013.
____. Task Force Report: Global Brazil and U.S.-Brazil Relations. 2011. Disponível
em: <http://www.cfr.org/brazil/global-brazil-us-brazil-relations/p25407. Acesso em: 20
mar. 2013.
DE ONIS, Juan. Brazil's Big Moment-A South American Giant Wakes Up. Foreign
Affairs, v. 87, p. 110-123, 2008. Disponível em:
<http://www.jstor.org/discover/10.2307/20699375?uid=2129&uid=2&uid=70&uid=4&s
id=21102447460661>. Acesso em: 13 mar. 2013.
ECONOMY Fuels Brazil‘s Ambitions Beyond South America. The Wall Street
Journal, 6 fev. 2009. Disponível em: <http://online.wsj.com/article/
SB123397388345159609.html>. Acesso em: 13 mar. 2013.
FOLLATH, Erich; GLUESING, Jens. From poverty to power: how good governance
made Brazil as a model nation. Spiegel Online, 8 out. 2012. Disponível em:
<http://www.spiegel.de/international/world/good-governance-series-how-brazil-
became-a-model-nation-a-843591.html>. Acesso em: 14 fev. 2013.
GORDON, Lincoln. Brazil's second chance: en route toward the first world.
Washington, DC: Brookings Institution, 2001.
HURRELL, Andrew. Lula‘s Brazil: a rising power but going where? Current History,
v. 107, n. 706, p. 51-57, 2008. Disponível em: <http://www.giga-
hamburg.de/dl/download.php?d=/english/content/rpn/pdf/current_history_hurrell.pdf>.
Acesso em: 2 fev. 2013.
740
HURRELL, Andrew. Brazil: what kind of rising state in what kind of institutional order.
In: ALEXANDROFF, Alan S.; COOPER, Andrew F. (Org.). Rising states, rising
institutions: challenges for global governance. Baltimore: [s.n.], 2010a. p. 128-150.
____. Brazil and the new global order. Current History, v. 109, n. 724, p. 60-68,
2010b. Disponível em: <http://rrii.flacso.org.ar/web/web/wp-content/uploads/2010/09/
Hurrell-Brazil-and-the-New-Global-Order1.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2013.
KINGSTONE, Peter. Brazil: the sleeping giant awakens?. World Politics Review, 12
jan. 2009. Disponível em: <http://www.worldpoliticsreview.com/articles/3145/brazil-
the-sleeping-giantawakens>. Acesso em: 28 fev. 2013.
LOVE, Joseph L.; BAER, Werner. Brazil under Lula: economy, politics, and society
under the Worker-President. New York: Palgrave Macmillan, 2009.
____. Global Trends 2015: a Dialogue about the Future with Nongovernment
experts, dez. 2000. Disponível em: <http://www.dni.gov/files/documents/Global%20
Trends_2015%20Report.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2013.
741
____. Global Trends 2020: Mapping the Global Future, dez. 2004. Disponível em:
http://www.dni.gov/files/documents/Global%20Trends_Mapping%20the%20Global%
20Future%202020%20Project.pdf. Acesso em: 23/03/2013.
____. Global Trends 2025: a Transformed World, nov. 2008. Disponível em:
<http://www.dni.gov/files/documents/Newsroom/Reports%20and%20Pubs/2025_Glo
bal_Trends_Final_Report.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2013.
____. Global Trends 2030: Alternative World, dez. 2012. Disponível em:
<http://www.dni.gov/files/documents/GlobalTrends_2030.pdf>. Acesso em: 23 mar.
2013.
O'NEILL, Jim. Building better global economic BRICs. Goldman Sachs, 2001.
Disponível em: <http://www.goldmansachs.com/our-thinking/archive/building-
better.html>. Acesso em: 22 jan. 2013.
PERRY, William; KERN, Sheila. The Brazilian nuclear program in a foreign policy
context. Comparative Strategy, v. 1, n. 1/2, p. 53-70, 1978.
ROETT, Riordan. Brazil ascendant: international relations and geopolitics in the late
20th century. Journal of International Affairs, v. 29, n. 2, 1975. Disponível em:
<http://connection.ebscohost.com/c/articles/5299026/brazil-ascendant-international-
relations-geopolitics-late-20th-century>. Acesso em: 20 jun. 2013.
ROETT, Riordan. The New Brazil. Washington, DC: Brookings Institution, 2011.
ROHTER, Larry. Brazil on the Rise: the story of a country transformed. New York:
Palgrave Macmillan, 2012.
742
SCHNEIDER, Ronald M. Brazil: Foreign policy of a future world power. Boulder,
Co.: Western Press, 1976.
WORCESTER, Donald Emmet. Brazil, from colony to world power. [S.l.]: Scribner,
1973. v. 73.
743
BRASIL, CHINA E A INDÚSTRIA DO NIÓBIO SOB A ÓTICA DE SEGURANÇA
NACIONAL
1 Considerações Iniciais
A busca por metais raros e o domínio de reservas dos mesmos é ponto de disputa
entre Estados, Impérios e governos há séculos. Dominar recursos estratégicos
significa deter matéria-prima para a indústria, seja ela para consumo próprio ou
abastecimento de mercado consumidor.
Dessa forma, controlar reservas dá ao seu detentor cada vez mais poder de
barganha em negociações com não detentores de fontes de matéria-prima, por
exemplo. Seja o materiais, desde minérios, petróleo, ou até mesmo água, a lista de
reservas estratégicas que fizeram, fazem ou farão diferença em algum espaço
temporal e que podem levar a uma constante reconfiguração de poder global, a
depender do que está em disputa e de quem controla mais reservas.
Como sempre deve ser dito ao falar de Terras Raras, é importante frisar que tais
minerais não são terras nem são raros, porém a sua extração requer um domínio
tecnológico que poucos países no mundo detém, além de todo um processo de
manufaturamento que requer altos investimentos.
Apesar de a exploração em larga escala das terras raras ter sido iniciada
após a Segunda Guerra Mundial, a sua descoberta se deu no século XVIII,
322
Graduado em Relações Internacionais e Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
744
mais precisamente em 1787, quando Karl Axel Arrhenius (1757-1824), um
tenente do exército sueco, fez a extração dos primeiros minerais originários
de uma mina de feldspato e quartzo localizada em Ytterby, Suécia (ROCIO
et al., 2012 apud MELO; CRESPO; DIAS, 2012).
É importante frisar que estamos falando de taxas de reserva e não de produção final da
indústria, com a qual a China ultrapassa todos os demais, de igual forma e em uma taxa
bem superior bem como os ganhos com isso. A título de ilustração, em edição da Folha
de São Paulo de 24 de abril de 2011, foi noticiado que apenas em 2008 a variação do
preço foi de 4000%, rendendo ao maior produtor mundial, a China, ganhos de mais de 3
bilhões de dólares com a venda de 120 mil toneladas de Terras Raras, claramente um
recurso nacional estratégico. Os chamados recursos naturais estratégicos são os que
correspondem àqueles recursos naturais escassos que de fato ou potencialmente são
vitais para o desenvolvimento da atividade econômica e/ou para a manutenção da
qualidade de vida de um país (GERALDO, 2012).
323
Estatal estadunidense responsável por serviços de mineralogia, mapeamento geológico, análises de risco,
dentre outros.
745
Além desse, destacam-se os principais resquícios de Mata Atlântica
preservados nas áreas em que estão vigentes manifestos de mina, em
Minas Gerais, a mineração de bauxita em Poços de Caldas (MG), a
mineração de nióbio em Araxá (MG), a mina de bauxita de Saraca-Taquera
(PA), entre outros exemplos de convivência de mineração em áreas
especialmente reservadas (BRASIL, 2010)
Em se falando do Alto Rio Grande, de acordo com artigo pela Agência para o
Desenvolvimento Tecnológico da Indústria brasileira, o Brasil enviou uma missão até
a plataforma profunda do Atlântico Sul, a mais que o dobro de distância da costa do
que os campos do pré-sal e foi chefiada pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM).
Assim, observa-se que o Brasil também visa exploração no âmbito do Atlântico Sul,
em se falando de minerais que incluem Terras Raras no grupo, em um processo
chamado por Manoel Barreto de a próxima fronteira, no que se refere a tentativa de
aumentar os direitos de exploração e soberania para regiões do Atlântico Sul.
3 O PNM 2030
746
monitorados, ou seja, definir os nortes que serão tomados pelo Estado no que tange
os minerais nacionais.
747
Desenvolvendo-se uma análise documental do PNM 2030, pode-se observar que os
metais raros, em especial o Nióbio, visto que depois do Brasil, o Canadá é o maior
detentor de reservas consideráveis de Nióbio.
4 O Nióbio
Cerca de 98% das reservas da Terra estão no Brasil. Delas, pois, depende
o consumo mundial do nióbio. A produção, cresceu de 25,8 mil tons. em
1997 para 44,5 mil tons., em 2006. Chegou a quase 82 mil tons. em 2007,
caindo para 60,7 mil tons., em 2008, com a depressão econômica (dados do
Departamento Nacional de Produção Mineral). Estima-se atualmente 70 mil
toneladas/ano. Mas a estatística oficial das exportações brasileiras aponta
apenas 515 toneladas do minério bruto, incluindo "nióbio, tântalo ou vanádio
e seus concentrados"! (BENAYON, 2011)
O Brasil, apesar de ser detentor de 90% das reservas mundiais, só produz Nióbio
subfaturado, ou seja, mesmo detendo quase todas as reservas de um produto
fundamental para a indústria moderna, não valoriza a importância devida a tal.
748
de nióbio, com 2,9 bilhões de toneladas de minérios, o que, por si só, corresponderia
a nada menos do que 14 vezes as atuais reservas existentes no planeta Terra,
incluindo aquelas já conhecidas no subsolo do país.
O fato é que mesmo com todo esse controle de reservas, não é o Brasil que
determina o preço final do produto. Por incrível que pareça, o preço global é cotado
pela Bolsa de Metais de Londres, ainda que o Brasil pudesse usar esse poder para
fazer do Nióbio um objeto de barganha para transferência de tecnologia por parte
dos principais consumidores globais.
749
Em 2010, a receita com vendas externas de nióbio foi de US$ 1,5 bilhão.
Foi o terceiro item da pauta de exportações minerais, atrás de minério de
ferro e ouro. As duas empresas que atuam no setor no Brasil são a
Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, do grupo Moreira Sales e
dona da mina de Araxá (MG), e a Anglo American, proprietária da mina de
Catalão (GO.) (TOWNES, 2011, p. 1).
Freitas (2011) diz que siderúrgicas chinesas que se uniram para adquirir a fatia na
CBMM são: Baosteel Group Corporation (a maior do país), Citic Group, Anshan Iron
& Steel Group Corporation, Shougang Corporation e Taiyuan Iron & Steel Group. A
China é a maior importadora de nióbio do mundo. A questão e hipótese abordada por
este artigo se sustenta no fato de ações do governo chinês terem apontado para um
direcionamento de suas políticas minerais na exploração no Nióbio brasileiro em se
falando do desenvolvimento de estratégias de compra e controle de áreas e empresas
750
da área. De acordo com Benayon (2011) o nióbio é tão indispensável quanto o petróleo
para as economias avançadas e provavelmente ainda mais do que ele.
Além disso, do lado da oferta, é como se o Brasil pesasse mais do que todos os
países da OPEP juntos, pois alguns importantes produtores não fazem parte dela. O
diretor de assuntos minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Marcelo
Ribeiro Tunes, citado por Danielle Nogueira, disse que ―boa parte do potencial de
expansão de nossas exportações de nióbio está na China, nos diz Townes (2011).
6 Conclusão
751
grande presença internacional em se falando do controle ou participação das
principais empresas mineradoras de Terras Raras, em especial do Nióbio, no Brasil.
A questão é que as Terras Raras podem ser usadas como mecanismo de barganha
junto aos Estados interessados em nossos minérios no sentido do interesse em
efetivar uma transferência de tecnologias e conhecimentos entre as partes.
Todas essas observações iniciais da pesquisa nos leva a constatar uma real
necessidade de expansão e implementação dos investimentos previstos na área de
mineração no Brasil, considerando nesse caso os metais estratégicos visto que sua
aplicação envolve toda uma cadeia industrial de produção que vai de aço a mísseis,
ou seja, englobando um leque de utilidades que desperta o interesse de países por
todo globo, ainda mais quando se destaca a concentração quase que na totalidade
do Nióbio no Brasil.
Referências Bibliográficas
BÄCHTOLD, Felipe (2011). Terras raras podem ser novo filão brasileiro.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1025752-terras-raras-podem-
ser-novo-filao-brasileiro.shtml. Acesso em 03 de março de 2013.
752
BENAYON, Adriano. Nióbio, metal estratégico. Disponível em:
http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/12781-niobio-metal-
estrategico.html. Acesso em 01 mar. 2013.
753
LEI DO ABATE COMO MEIO DISSUASÓRIO DO SIVAM E AS POSSIBILIDADES
DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA
1 INTRODUÇÃO
Não obstante, tais pressões levaram a uma maior preocupação com a fronteira norte
por parte do governo brasileiro, como argumenta Pagliari (2009), a despeito de o
Brasil ter procurado manter-se afastado da Guerra às Drogas na região andina não
324
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos – UFRGS
325
Securitização neste trabalho se refere à teoria desenvolvida por Barry Buzan, OleWaever e Jaap de Wilde no
livro, Security: a new framework for analysis, em tal livro os autores descrevem securitização como o uso da
retórica da ameaça existencial com o objetivo de levar um assunto para fora das condições da política normal,
justificando assim a adoção de medidas de emergência, de procedimentos políticos extraordinários e
eventualmente o uso da força (BUZAN; WAEVER; WILDE, 1998, p. 24-25).
754
tem desconsiderado a implementação de ações de cunho militar, como aumento das
forças armadas na região amazônica, especialmente o exército, também promove
outras ações muitas vezes conjuntas com outros órgãos estatais, como o Programa
Calha Norte, o Sistema de Proteção e de Vigilância da Amazônia (SIPAM/SIVAM),
bem como a Lei do Abate.
Contudo, apesar do SIVAM ser dotado de um braço armado, os aviões ALX, este
sistema não dispunha de uma ferramenta jurídica para a sua efetivação, lacuna esta
que veio a ser preenchida com a Lei do Abate.
Assim, este estudo tem como objetivo analisar como a Lei do Abate levou a um
incremento na efetividade do SIVAM, dotando este de meios coercitivos na vigilância
da Amazônia, convertendo-se em um elemento dissuasório para as atividades
ilícitas na Amazônia, bem como buscar entender, se concebido dessa forma, quais
seriam as possibilidades de articulação entre as políticas brasileiras para a
Amazônia e dos países amazônicos que possuem políticas similares de detecção e
interdição de aeronaves: Peru e Colômbia. Dessa forma, pretende-se desenvolver
uma análise comparada dos dispositivos de detecção e interdição desses países
com o sistema brasileiro, buscando avaliar os mecanismos já existentes de
cooperação e as demais possibilidades de interação entre estes.
Para tal, serão utilizadas fontes primárias como documentos e declarações oficiais
dos países analisados acerca de suas políticas de defesa e políticas para Amazônia,
bem como fontes secundárias, artigos, livros, teses de doutorado e dissertações de
mestrado versando sobre as políticas de defesa para a Amazônia e a segurança
regional, assim como literatura sobre aspectos conceituais e estruturais da
segurança internacional.
755
Este artigo se estrutura da seguinte forma, para seguir uma coerência cronológica,
primeiramente serão analisados os sistemas de detecção e interdição de aeronaves,
peruano e colombiano, em seguida se discutirá o SIVAM e a Lei do Abate, e com
base neste na análise destes sistemas serão avaliadas as ações já existentes e as
demais possibilidades de cooperação, e por fim serão auferidas algumas
considerações finais.
Tal programa teve início em 1995, o objetivo do ABDP era interceptar aeronaves
suspeitas de envolvimento no tráfico de drogas, obrigando-lhes o pouso e se
necessário o uso de força letal. Durante os primeiros anos de operação o programa
era considerado pelas autoridades estadunidenses um grande sucesso na Guerra às
Drogas. Entretanto, o programa foi suspenso em 2001, após um incidente
envolvendo cidadãos norte-americanos.
756
Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e do Sendero Luminoso como
ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos (FEITOSA; PINHEIRO, 2011).
No Peru o ABDP operava no leste dos Andes em uma área designada pelo governo
peruano como uma zona especial de identificação para a defesa aérea.
Contudo, há que se observar que a Força Aérea Peruana (FAP) não dispunha dos
meios necessários para a execução do sistema de interdição. Os caças peruanos
não contavam com radares ou tecnologia infravermelho, dessa forma, só era
possível o posicionamento de alvos a partir da visualização destes. Ademais, a FAP
não possuía os equipamentos necessários para realizar a comunicação com os
comandos e bases apropriadas. Os elementos-chave da contribuição norte-
americana para o programa eram assistência de aviões de sensoriamento
equipados com radares apropriados e provisão de equipamentos que permitiam a
comunicação efetiva entre os aviões norte-americanos e os peruanos e seus
respectivos comandos. Além de recursos significativos para estabelecer e manter a
infraestrutura e operações da Força Aérea Peruana (CIA REPORT, 2008).
757
De acordo com o relatório da CIA de 1997, o programa tinha alcançado grandes
avanços no combate às drogas, com uma ampla redução do cultivo de coca no
Peru e elemento central do rompimento da exportação de narcóticos (CIA
REPORT, 2008).
Esta série de irregularidades nas operações do ABDP peruano levou a tragédia que
levou ao seu fim, após seis anos de atividade. No dia 20 de abril de 2001, a Força
Aérea Peruana abateu uma aeronave tripulada por um grupo de missionários norte-
americanos, duas pessoas morreram Veronica Bowers e sua filha Charity e o piloto
Kevin Donaldson ficou ferido. O marido e o filho de Veronica não se feriram e
sobreviveram ao acidente. Após essa tragédia o programa foi finalizado (CIA
REPORT, 2008). Ademais, foi realizada uma ampla investigação sobre as causas do
758
incidente e apuração de todas as interdições ocorridas no decorrer do programa pelo
governo norte-americano.
759
forças terrestres por ar e terra no sudeste colombiano, operações aéreas ilegais a
partir da Cabeça do Cachorro diminuíram significativamente. Por outro lado,
operações aéreas ilegais no norte da Colômbia cresceram, com muitos aviões
cruzando a fronteira e pousando em pistas ilegais nos departamentos de Cesar e
Norte de Santander no nordeste da Colômbia.
Tal projeto teve seu início de execução no governo Itamar Franco (1992-1994),
cercado de grandes controvérsias, a comunidade cientifica brasileira se opôs a
concepção do projeto, argumentando que a importação da tecnologia privaria o país
de uma oportunidade significativa para o desenvolvimento de tecnologia autóctone e
anos de investimento em pesquisa e desenvolvimento na Amazônia. Além de
escândalos que cercaram o processo de licitação e contratação da Raytheon para o
fornecimento da tecnologia do sistema.
760
energia elétrica. Assim configura-se como uma grande base de dados, na qual é
possível o compartilhamento de dados e conhecimento entre todos os órgãos
envolvidos no Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) (LOURENÇÃO, 2004).
761
Desde sua implantação, o SIVAM já rastreou uma série de pequenas aeronaves que
transportam ilícitos, em especial drogas provenientes da Bolívia, da Colômbia e do
Peru. Esse tipo de ilícito entra no Brasil e posteriormente é enviado para Estados
Unidos e Europa, seu destino final, somente uma pequena parte deste total
permanece em território nacional para consumo interno (SANTANA, 2010).
Devido à natureza de tal lei, a tramitação desta, gerou ampla polêmica, focadas,
principalmente em torno de três dinâmicas: a primeira atribuía a concepção da Lei do
Abate aos EUA e criticava amplamente o modelo de Guerra às Drogas com todas as
suas consequências; a segunda atacava os vícios jurídicos da autorização para
derrubar aeronaves civis e, finalmente, a terceira ressaltava a importância da lei para a
defesa da soberania nacional e para o combate ao narcotráfico (FEITOSA; PINHEIRO,
2012). Dessa forma, a Lei nª 9.614, de 05 de março de 1998, entrou em vigor, somente,
em 14 de outubro de 2004, através do Decreto nº. 05. 144, de julho de 2004.
762
subordinavam o reinício do Air Bridge Denial Program na Colômbia à negociação de
procedimentos de segurança cuja execução dependia da participação direta de
militares estadunidenses (FEITOSA; PINHEIRO, 2012).
328
Em 1984, lançou-se a diretiva presidencial para segurança nacional nº 138 (NSDD138) contemplando um
pacote de leis destinado a combater os ataques às aeronaves civis, evitar e reprimir o sequestro e uso de reféns,
recompensar informações sobre terroristas e proibir treinamento e suporte às organizações terroristas. Nesse
ambiente, nasceu o Aircraft Sabotage Act, lei diretamente aplicável às situações de derrubada de aeronaves civis
(FEITOSA; PINHEIRO, 2012; 70).
329
As medidas coercitivas estipuladas pela Lei do Abate são: reconhecimento à distância; confirmação da
matrícula; interrogação na freqüência prevista para a área; interrogação na freqüência internacional de
emergência; realização de sinais visuais; mudança de rota; pouso obrigatório; tiro de advertência, com munição
traçante, lateralmente à aeronave suspeita, de forma visível e sem atingi-la. Caso a aeronave não responda a
nenhum dos procedimentos coercitivos citados, ela será considerada hostil e está sujeita à medida de destruição
(FORÇA AÉREA BRASILEIRA, 2007, apud. MARQUES, 2007).
763
Somente Brasil e Colômbia contam com programas de interdição aérea certificado
pelos Estados Unidos.
764
Operação COLBRA) e com o Peru (a Operação PERBRA). Ademais, são realizadas,
também, operações aéreas conjuntas entre o Peru e Colômbia.
765
um memorando para que as informações captadas pelo SIVAM, em Tabatinga,
fronteira com o Peru, fossem partilhada com o país vizinho, criando assim, o Sistema
de Proteção da Amazônia Nacional Peruana e Sistema de ProteccionAmazonico y
Nacional (SIPAM-SIVAM Peru).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista a atual estrutura do SIVAM podemos notar que este converteu-se
em um sistema estritamente militar, pois este foi totalmente separado das atividades
civis operadas pelo SIPAM. Dessa forma, discutir cooperação por meio do SIVAM é
discutir cooperação entre Forças Aéreas.
766
Desta forma, podemos argumentar que no tange as características do programa de
interdição aérea brasileiro notamos que no que concerne aos procedimentos
adotados nas operações são harmônicos com o programa colombiano, pois este
também baseia-se em normas internacionais sobre a derrubada de aviões civis.
Não obstante, é importante ressaltar que tais iniciativas são de especial importância
para o Peru, pois este não possui um programa independente de interdição aérea
desde a tragédia que levou ao fim do ABDP peruano.
767
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
768
PAGLIARI, Graciela de Conti. O Brasil e a Segurança na América do Sul.Curitiba:
Juruá, 2009.
PARRILA, Ezequiel. Air Bridge Denial: An International and Interagency Success
Story. Montgomery: Air and Space Power Journal, 2010. 784
PÉREZ, David Fernando Fonseca. Balance de las Operaciones de Interdiccíon
Aérea Contra el Narcotráfico entre Brasil y Colombia Durante la Administración
Uribe I. Monografia. Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Colégio
Maior de Nossa Senhora do Rosário. Bogotá, 2009.
ROSSI, Isabel Cristina. SIVAM: um caso de dependência tecnológica 1990-1996.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade
Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, 2003.
_______. Tecnologia e Sociedade: o caso SIVAM. Tese de Doutorado. Programa
de Pós-Graduação em Ciência Política, Centro de Educação e Ciências Humanas
da Universidade Federal de São Carlos: UFSCAR, 2011.
SANTANA, Bruna Brasil. A Aeronáutica na Amazônia: A Lei do Tiro de Destruição.
In. III Seminário de Estudos: Poder Aeroespacial e Estudos de Defesa do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais – UNIFA, 2010.
SANTOS, Jean Carlo da Silva. Gestão Estratégica da Informação como Fator
Condicionante para a Definição e Implementação de Políticas de Defesa e
Segurança Nacional no Contexto da Amazônia Legal: o Caso SIPAM/SIVAM.
Dissertação de Mestrado. Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. Rio de Janeiro, 2007.
SVARTMAN, Eduardo. Pontos de Contato ou de Atrito? Documentos de Defesa
Nacional do Brasil e dos Estados Unidos. Porto Alegre: Conjuntura Austral, vol. 3,
n º. 11, abr. mai, 2012.
769
O QUE DIZEM OS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANOS SOBRE
A COOPERAÇÃO EM MATÉRIA DE COOPERAÇÃO EM DEFESA REGIONAL:
COMPARANDO MERCOUL E CAN330.
1 Introdução
A América do Sul se apresenta aos estudos de segurança e defesa sob dois vieses
maniqueístas. No primeiro, que diz respeito ao âmbito das ameaças interestatais, ela
é, majoritariamente, considerada uma região de poucos conflitos internacionais
(MEDEIROS FILHO, 2010, p. 12) e relativamente pacífica (BRASIL, 2012), embora –
como salientam Mares (2008), Alsina Júnior (2008, p. 241) e Buzan e Wæver (2003,
p. 304-339) – perdurem ainda disputas historicamente latentes, como as questões
das Ilhas Malvinas/Falklands, de Essequibo e de outras pendências territoriais. No
segundo viés e adentrando na esfera interna, seus Estados enfrentam graves
dificuldades em combater as chamadas ―ameaças assimétricas‖ – como o
narcotráfico e a biopirataria. Assim sendo, nada mais lógico do que fomentar a
cooperação intrabloco, por meio de mecanismos pós-westfalianos, inibindo a
ocorrência de conflitos. Mas, aparentemente, não é o que se vê na região.
Tal dicotomia impõe aos Estados, pelo menos, três dilemas: (i) modernizar as forças
armadas em face das ameaças assimétricas (COVARRUBIAS, 1999, p. 3),
configurando-se, assim, uma não separação ontológica entre segurança pública e
defesa nacional, tão temida aos estudiosos dos assuntos sobre a defesa
(ASSOCIAÇÃO..., 2011); (ii) priorizar uma consolidação democrática – nos níveis
nacional e regional – sem dar a devida atenção à defesa nacional, principalmente
nos tempos de (relativa) paz; e (iii) fomentar a cooperação em matéria de segurança
regional, em meio a culturas de segurança nacional tão díspares.
330
O presente trabalho é uma adaptação de Lopes (2013).
331
Doutorando em Ciência Política (UFPE)
770
Assim, no quesito possibilidades de inferências complexas e tendo as questões de
defesa como variável interveniente, pode-se dizer que o cenário sul-americano é
assaz pertinente para tal exercício investigatório; esse desafio é o que motiva o
presente texto. Mais especificamente, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a
Comunidade Andina de Nações (CAN ou simplesmente Comunidade Andina) são
selecionados pelo fato de as relações políticos e militares entre seus Estados-
membros produzirem certos protótipos identificáveis ao longo do tempo e do espaço,
possibilitando alocá-los num determinado padrão comportamental. Ademais, o
MERCOSUL ―constitui uma das principais vertentes da estratégia brasileira de
inserção econômica internacional na atualidade‖ (ALMEIDA, 2005, p. 10).
771
2 Os modelos westfaliano e pós-westfaliano
772
explains the continuing force of anarchy and the persistence of the balance of power,
concerts and impermanent alliances as regulators of interstate conflict‖ (KIRCHNER;
SPERLING, 2010, p. 2).
Vale salientar, ainda, que essa tentativa de categorizar o Estado, tomando como
base as características por trás do sistema engendrado a partir de 1648, também é
adotada por outros autores. Buzan e Wæver (2003, p. 22), por exemplo, modelam
três tipos ideais que buscam designar o espectro estatal entre fracos e fortes, a
saber: pré-moderno, moderno e pós-moderno. Ademais, este também é a
engenharia por trás do conceito de complexos regionais de segurança (CRS), da
Escola de Copenhague. Embora os CRS sejam mais bem detalhados nas obras de
Buzan e Wæver (2003, p. 60-89) e de Medeiros Filho (2010, p. 52-58), vale frisar
que suas tipologias (formação de conflito, regime de segurança e comunidade de
segurança) permitem relacioná-los aos modelos westfaliano e pós-westfaliano
quanto a uma maior ou menor propensão ao conflito, por parte dos países sul-
americanos. Para Buzan e Wæver, os subcomplexos regionais de segurança do
Cone Sul e dos Andes ocupam posições diferentes quanto à propensão ao conflito,
i.e., possuem políticas/instituições/culturas de resolução de conflito e de cooperação
distintas (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 340). Segundo eles, o Cone Sul é uma sub-
região que está transmigrando de um regime de segurança para uma comunidade
de segurança. Já na porção andina da América do Sul, o combate ao narcotráfico,
com grande suporte dos Estados Unidos da América (EUA), mantém vida a latente e
tradicional questão da segurança das fronteiras (FRANÇA, 2011, p. 71), inserindo,
assim, os países da CAN na tipologia ―formação de conflito‖, i.e., mais inclinados ao
conflito (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 340). Ressalva-se também que essa última
topologia copenhagueana mostra-se mais propensa aos Estados do tipo westfaliano.
773
predominavam nas relações internacionais: governos deveras robustos e
centralizadores, buscando controlar suas sociedades; postura independente e
autossuficiente; soberania intocável; fronteiras geográficas que delimitavam
visivelmente suas culturas, economia e políticas; forte tendência a securitizar em
ameaças que estão dentro/fora dos seus territórios (BUZAN; WÆVER, 2003, p. 22-
23). Portanto, em termos comparativos, o modelo moderno de Estado, utilizado por
esses dois autores, assemelha-se ao westfaliano ora em estudo.
774
iniciados no interior de um Estado, com ajuda da diluição das barreiras físicas e da
revolução proporcionada pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC),
podem tomar proporções gigantescas em outro, principalmente se este for um
Estado de modelo pós-westfaliano. Dessarte, é bem mais provável que Estados pós-
westfalianos estejam dispostos a substituir seus objetivos particulares de segurança
nacional por objetivos mais amplos e coletivos – como é o caso da União Europeia
(KIRCHNER; SPERLING, 2010, p. 4). O modelo pós-westfaliano também corrobora
com o modelo pós-moderno, de Buzan e Wæver, sobretudo no que tange à cessão
voluntária sobre suas fronteiras, inclinando-se, assim, para uma maior cooperação
multilateral a fim de superar os desafios emergidos com ela.
Sob a luz das reflexões supra, este momento do texto é dedicado a examinar mais
de perto os dois objetos selecionados para análise: a CAN e o MERCOSUL. Não se
775
pretende, aqui, trazer marcos legais ou dados mais profundos sobre ambos, e sim
demonstrar o porquê da escolha, através das oportunidades e dos desafios para as
questões de segurança nacional e regional que eles abarcam.
776
outras palavras, a lógica administrativa da CAN parece seguir um modelo
westfaliano de governança, embora haja iniciativas regionais bem avançadas de
desenvolvimento social e de programas cooperativos na área de saúde – típicos de
Estados pós-westfalianos.
777
externa brasileira (PEB) (LAFER, 2004, passim) praticamente dá o tom das
percepções de ameaças estatais ao bloco na fase pré-Venezuela.
Quanto às questões de defesa, no âmbito dos dois blocos regionais ora em tela,
praticamente inexistem fóruns ou políticas que gerem ou facilitem uma cultura de
segurança regional ou, mesmo, que faça a prevenção ou a análise ex-ante nessa
área; veem-se, sim, documentos relacionados a problemas pontuais ex-post, mas
que, amiúde, não passam pelo crivo e/ou assessoria militar, e sim pela seara política
e/ou administrativa. Talvez, uma crítica que pode ser feita a esta assertiva advém
dos dados disponibilizados por Dabène acerca das decisões tomadas pelos dois
blocos: das suas 707 decisões tomadas entre 1969-2008, a CAN destinou 34%
delas para a área de política (instituições, relações exteriores, direitos humanos e
segurança), tendo o comércio a quantia de 45%; já o MERCOSUL, das 526 decisões
entre 1991 e 2007, metade delas foram para a área de política (idem) (DABÈNE,
2009, p. 122-127). Todavia, olhando atentamente para os números, é possível
perceber que no caso do MERCOSUL, por exemplo, as decisões relacionadas
estritamente às questões de segurança – e que, portanto, podem incluir questões de
defesa – somaram apenas 16, ou seja, 3% do total (DABÈNE, 2009, p. 126); já no
caso da CAN é ainda mais confuso, pois ―segurança‖ é uma subcategoria da grande
área ―política‖, mas, em contrapartida, há outra subcategoria em ―social‖ que
engloba ―política antidrogas‖ (menos de 5% do total geral) (DABÈNE, 2009, p. 123).
Mesmo buscando separar questões de defesa de questões de segurança,
especificamente para a região andina, essa separação tanto inexiste, como também
faz parte da própria cultura de segurança nacional de países como a Colômbia. Isso
demonstra dois fatos: o primeiro diz respeito à precisão das informações obtidas na
fonte, no sentido de que as subcategorias deveriam ser mais bem detalhadas
quantitativamente; e, o segundo, a negligência com que os temas de segurança
nacional/regional são tratados por parte dos dois organismos analisados. Como
lembra a professora de RI da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Tereza
Cristina França, ―As características dos conflitos estão atreladas às sociedades‖,
assim, ―o raio de alcance do conflito pode crescer ou se manter estático, sair de um
Estado como também penetrá-lo‖ (FRANÇA, 2011, p. 70). Seguindo essa lógica, os
conflitos podem ser analisados/categorizados conforme os seguintes raios de
778
alcance: local-nacional-internacional-transnacional-global. O Esquema 1 demonstra
o proposto por ela. Retomando atenção à CAN, trata-se de uma área com um
histórico de conflitos cujos raios de alcance variam do local ao transnacional e não é
por menos que o próprio Dabène reconhece que ―securityis a complex issue‖
naquela região (DABÈNE, 2009, p. 185).
779
Parte-se incialmente do entendimento sobre o conflito enquanto output político,
elegendo-se a metodologia aplicada pelo Heidelberg Institute for International
Conflict Research (HIIK) sobre conflitos intra e interestatais. De acordo com o HIIK, o
conflito político surge da diferença de posição em relação a valores relevantes de
uma sociedade – itens do conflito – entre, pelo menos, dois atores determinantes e
diretamente envolvidos, que emerge de observáveis e interligados meios
conflituosos, os quais estão além daqueles estabelecidos, ameaçando uma função
central de Estado ou a ordem do direito internacional, ou que mantém a
probabilidade de fazê-lo (HIIK, 2012a). Nesse sentido, cinco níveis de intensidade
podem ser auferidos da definição acima: conflito latente, conflito manifesto, crise,
guerra limitada e guerra (o HIIK tem modificado as categorias, nos últimos anos,
para adequar-se às suas metodologias). O Mapa 1 mostra a ocorrência de conflitos
violentos em todo o mundo, no ano de 2011, cuja variação de cor corresponde à
intensidade do conflito: quanto mais escura a cor, maior a intensidade.
Mapa 1 – Conflitos violentos no nível nacional, em 2011, segundo HIIK (2012b, com
adaptações).
Pelo Mapa 1, é possível perceber que boa parte do Cone Sul não apresenta conflitos
violentos, enquanto que a região andina mostra-se mais escura. Assim, segundo o
HIIK, os conflitos mais importantes ocorridos em 2011 na América do Sul,
envolvendo Estados-membros dos dois blocos regionais aqui analisados, são postos
na Tabela 1 abaixo.
780
TABELA 1 – Conflitos interestatais na América do Sul (2011)
Notas: * Como lembra Tereza Cristina N. França, ao longo dos outros anos, a Guerra
das Malvinas ocupou todos os níveis de intensidade (FRANÇA, 2011, p. 74).
Como se vê, dos oito conflitos ocorridos no ano de 2011, sete têm participação de,
pelo menos, um Estado-membro da CAN e apenas um possui, pelo menos, um
Membro-Pleno do MERCOSUL envolvido. Vale frisar que os conflitos violentos de
intensidades maiores (de 3 a 5, na escala proposta pelo HIIK) ficaram de fora da
tabela, por serem analisados apenas no nível subnacional, ou seja, com fulcro em
episódios cujos itens de conflitos giram em torno de questões conexas
principalmente ao narcotráfico e a movimentos internos, como os de secessão e
781
reforma agrária. Caso eles fossem acrescentados à Tabela 1, a CAN teria bem mais
citações, sobretudo, por causa do prolongado conflito entre Colômbia e as Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Os dados acima apresentados
corroboram a ―tese dos arcos‖, do professor de RI da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Héctor Saint-Pierre, melhor desenvolvida a seguir.
Medeiros Filho nota que os PIR – os quais figuram com mais frequência nas
agendas de Estados pós-westfalianos – dão uma nova face à geopolítica sul-
americana, especialmente às dos extremos norte (Andes) e sul (Cone Sul) da
região. Para ele, esse tipo de política é uma manifesta superação do paradigma
realista clássico – frequente nos modelos westfalianos – no subcontinente. O papel
dos PIR para com a geopolítica da América do Sul configura-se como uma variável
independente, cuja manipulação pode explicar como as políticas e culturas de
segurança nacional tomam forma tanto no representante do Cone Sul
(MERCOSUL), quanto no dos Andes (CAN). Para ajudá-lo em sua empreitada
analítica, ele recorre a uma tipologia criada por Saint-Pierre, na qual este divide o
subcontinente em duas regiões, formando, assim, duas faixas em forma de arcos: o
―Arco da Estabilidade‖ e o ―Arco da Instabilidade‖ (MEDEIROS FILHO, 2010, p. 65).
Essas duas tipologias casam, como já precitado, justamente com a análise acima: o
primeiro arco perpassa por todos os países mercosulinos, sem áreas de potenciais
conflitos armados; já o segundo arco delimita aquelas zonas – Amazônia e Andes –
onde o conflito é mais possível de ocorrer.
782
O Mapa 2 pode ser encarado de diversas formas. Uma delas é a culminância gráfica
do histórico de conflitos interestatais, sobretudo entre os países da região andina.
Parece que, naquela região, seus Estados buscaram, por décadas, a resolução dos
seus conflitos mediante o uso da força. Os mecanismos hemisféricos mostram-se
praticamente ineficazes, principalmente quando a intensidade do conflito atinge
índices mais elevados. O exemplo-mor disso é auferido na Guerra das Malvinas, em
1982, quando a Organização dos Estados Americanos (OEA) nada fez e onde o
território sul-americano foi palco para o desembarque de tropas extracontinentais. A
análise final de Medeiros Filho sobre os níveis de ―integração geopolítica‖ sul-
americanos é a de que eles ―parecem obedecer a uma linha de gradação crescente
entre a vertente atlântica (maior nível de integração/estabilidade) e a vertente
pacífica (integração comprometida e instabilidade regional)‖ (MEDEIROS FILHO,
2010, p. 65). Assim, do seu raciocínio, pode-se depreender que o que ele chama de
―integração geopolítica‖ sul-americana, nada mais é que a constatação de que os
blocos regionais das respectivas sub-regiões não dão conta de superar os conflitos
interestatais entre seus membros, de forma orquestrada e sem o prolongamento dos
mesmos. Um exemplo disso é a guerra entre Peru e Equador, em 1995, quando
essa praticamente empaca o PIR andino (DABÈNE, 2009, p. 93). A Tabela 2 busca
resumir os principais argumentos dos autores utilizados nesta seção, no que tange
aos aspectos conflituosos entre CAN e MERCOSUL.
783
Em última instância, países entram em conflito, muitas vezes, por não terem canais
de comunicação entre si ou meios minimamente institucionalizados que solidifiquem
uma confiança mútua – primeiro passo para o desabrochar de uma cultura de
segurança regional. Parece ser esse o caso tanto do MERCOSUL quanto da CAN.
Sob essa perspectiva, não há uma governança de segurança regional, neste caso,
sub-regional e ligada a um PIR, nos moldes propostos por Kirchner e Sperling,
justamente porque, igualmente, não há subsídios teóricos e/ou, muito menos,
empíricos, significativos sobre os quatro domínios de tal governança e elencados na
seção primária deste trabalho. Por outro lado, há duas justificativas que podem
servir de norte para compreender tal vácuo. A primeira delas diz respeito às
competências iniciais e atuais dos dois PIR discutidos aqui. O MERCOSUL, por
exemplo, foi engendrado para ser, como seu próprio nome sugere, um mercado
comum, ou seja, uma zona de privilégios precipuamente econômicos entre seus
membros, embora, hoje, constitua-se uma união aduaneira imperfeita (KUME; PIANI,
2005). Já a CAN, por seu turno, elege as preocupações sociais como sua bandeira
inicial; prova disso é a criação da atuante Organização Andina de Saúde (ORAS)
(DABÈNE, 2009, p. 181). Porém, por trás dessas justificativas, residem outras duas
contra-argumentações para cada um dos dois blocos, tendo o tema da defesa como
elo. A primeira delas, sobre o MERCOSUL, é no sentido de atestar o que o
neofuncionalista Ernst B. Haas cunha spill-over; e a segunda, direcionada à CAN,
remonta ao já mencionado conceito de PIR, fornecido por Dabène.
784
Com esse alerta em mente, segue-se com o conceito de spill-over, cujo nascituro é o
período pós-Segunda Guerra Mundial e cuja defesa está atrelada à visão de que,
para prover a segurança e o desenvolvimento da Europa então devastada, era
imperioso haver uma integração entre seus Estados. A forma pela qual tal
integração iria ser abraçada é um dos pontos principais das discussões entre
políticos e acadêmicos integracionistas daquela época. Na seara dos que defendem
um PIR europeu profundo e gradativo, está Haas, que, dentre outros, parte do
pressuposto de que (i) a integração regional naquele continente era inevitável e
deveria ficar a cargo de órgãos supranacionais que centralizariam as decisões sobre
os setores estratégicos – como a produção do carvão e do aço, matérias-primas que
alimentaram a indústria bélica da Segunda Guerra Mundial – para a manutenção da
paz europeia e (ii) que a integração num setor levaria necessariamente a pressões
técnicas para outros setores. É neste último pressuposto que reside a ideia do efeito
spill-over – na literatura nacional sobre PIR, o termo é mantido intacto em seu idioma
original; em outros casos, é geralmente traduzido como ―transbordamento‖ ou
―contaminação‖. Nas palavras do professor de Ciência Política da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), Marcelo de Almeida Medeiros, ―este mecanismo
constitui-se no punctumsaliens do neofuncionalismo que, inspirado no funcionalismo,
prescreve um método de cooperação não coercitiva‖ (MEDEIROS, 2010, p. 284).À
tal ferramenta, podem ser imputados os anseios primários dos governantes
brasileiro e argentino. Ao final dos anos 1970 e início dos 1980 e na falta de canais
de comunicação e instituições de cooperação mútua entre os dois Estados, seus
respectivos projetos nucleares acendiam, em ambos, as aspirações defensivo-
ofensivas originadas pelo dilema de segurança. Quando do recrudescimento de
suas relações, ainda à sombra da ―cortina de ferro‖, seus Presidentes buscaram
aumentar a confiança mútua, elegendo o setor econômico como aquele que
cimentaria a primeira camada no PIR do Cone Sul. Essa ideia, de que pressões do
setor de segurança nacional causaram um output econômico, pode ser uma
variação do efeito formulado por Haas. Medeiros, sobre o sentido originário do spill-
over, ainda assevera que tal mecanismo é ―um vetor de contaminação progressiva
[...] que debuta em um setor específico e, paulatinamente, se propaga a setores
adjacentes e interdependentes‖, favorecendo, assim, ―o desenvolvimento e a
consolidação da supranacionalidade‖ (MEDEIROS, 2010, p. 284). Como já
785
mencionado, o MERCOSUL não segue a lógica supranacional, e sim a
intergovernamental, o que pode explicar, em certa medida, o fato de as questões de
segurança nacional não terem sido ―contaminadas‖ pelo setor econômico, uma vez
que, para a lógica intergovernamental, os Estado membros de um organismo regional
ou internacional não cedem parte de sua soberania – princípio supranacional – com
medo de perder capacidades em termos de poder. Logo, uma cultura de segurança
regional deve ficar apenas nas ideias pré-mercosulinas, no que cunha-se, aqui, de
―efeito spill-over imperfeito‖, já que os objetivos inicias foram alcançadas (confiança e
cooperação mútua entre os dois países, afastando qualquer tipo de inimizade), mas
não se culminou com o transbordamento/contaminação originário e informal
(segurança regional), e, sim, se permaneceu no primeiro setor (economia),
avançando-se, em graus diferentes, para outros (como cultura e educação).
786
todavia, negligenciá-los por completo, dependendo da conjuntura que o envolve,
pode significar um erro de cálculo vital.
intergovernamentalismo intergovernamentalismo
Tipo de governança
(realista) (liberal)
Pelo fato de este trabalho não se situar no âmbito normativo, mas sim no
investigativo, entende-se que quaisquer tipos de recomendações não se fazem
necessárias, haja vista que a maior delas seria em direção ao que o Conselho de
Defesa Sul-Americano (CDS), sob a égide da União de Nações Sul-Americanas
(UNASUL), já vem materializando: fechar todas as brechas; em outras palavras,
atuar na sensível e complexa área que é a segurança sub-regional. O CDS não está
nos mesmos moldes que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que
é uma aliança militar, nem mesmo pode ser encaixado na tão desejada Comunidade
de Defesa Europeia, não aprovada em 1954; ele pode, sim, ser considerado uma
787
resposta à falta de iniciativas por parte dos PIR sul-americanos em matéria de
defesa e segurança regionais. É nesse tom que Saint-Pierre assevera sobre a
importância do CDS, decretando a falência de outros tipos de organismos
internacionais existentes no continente americano:
4 Considerações finais
Conforme o breve levantamento exposto até aqui, conclui-se que, pelo menos, no
último quartel, a história e a política demonstram que não há uma ligação significativa
entre PIR e construção da paz (DABÈNE, 2009, p. 7). Ao contrário da União Europeia,
que teve na segurança seu leitmotiv para promover sua integração, ainda sob os
escombros deixados pela Segunda Guerra Mundial, a América do Sul parece não ter
uma bússola-mor para lhe guiar, levantando, assim, a bandeira de várias causas para
seus PIR. Isso, a priori, não constitui um erro, mas pode significar o engessamento
institucional a posteriori, como já exemplificado na terceira parte deste texto.
Este trabalho extrapola a aplicação dos conceitos formulados por Kirchner e Sperling
com o fito de compreender se há ou não culturas de segurança regionais no
MERCOSUL e na CAN. Porém, o presente trabalho não encontra subsídios
significativos para afirmar a existência de um modelo puramente pós-westfaliano nos
processos de integração regional sul-americanos, conquanto processos que visem a
superar, em algum nível, certos desafios impostos pelo modelo westfaliano sejam
evidenciados. Conclui-se, ainda, que o MERCOSUL, dos dois blocos, pode ser
considerado um ―bloco regional westfaliano‖, e que a CAN, embora possua algumas
credenciais típicas do modelo pós-westfaliano, possui outras de cunho westfalianos
– apontadas nas Tabelas 2 e 3 – que superam, em muito, aquelas.
788
Com certeza, a criação do CDS vem para tapar a maioria dos vácuos que
MERCOSUL e CAN têm deixado em relação à cooperação em matéria de defesa,
elementos tão essenciais que credenciariam ambos os PIR como pós-westfalianos,
em matéria de cultura de segurança regional.
Referências
BUZAN, Barry; WÆVER, Ole. Regions and powers: the structure of international
security. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
789
______. Downloads. 2012b. Disponível em: <http://hiik.de/en/downloads/
data/maps_2011/WORLD_NATIONAL.jpg>. Acesso em: 7 maio 2013.
KIRCHNER, Emil J.; SPERLING, James (Ed.). National security cultures: patterns
of global governance. London: Routledge, 2010.
KUME, Honorio; PIANI, Guida. Mercosul: o dilema entre união aduaneira e área de
livre-comércio. Revista de Economia Política, v. 25, n. 4, p. 370-390, 2005.
790
O DESENVOLVIMENTO DE UMA TEORIA REALISTA OFENSIVA PARA
COOPERAÇÃO EM DEFESA
1 Introdução
O tema da cooperação talvez seja um dos mais estudados na área das Relações
Internacionais. As abordagens institucionalistas neoliberais, por exemplo,
debruçam-se em larga medida em entender o que leva e como se institucionaliza a
cooperação internacional. (AXELROD, 1984; AXELROD; KEOHANE, 1985; HAAS,
1990; KEOHANE, 2005; KEOHANE; MARTIN, 1995; KRASNER, 1982; LIPSON,
1984; MILNER, 1992; SNIDAL, 1991, URPELAINEN, 2012). Realistas também
discutem o tema, em especial via estudos das alianças, ainda que com
expectativas mais reduzidas. (GRIECO, 1990; HERZ, 1950; HYDE-PRICE, 2007;
JERVIS, 1978, 1985 e 1999; LAYNE, 2006; MATTES, 2012; MEARSHEIMER 1994,
1995 e 2001; MONTEIRO, 2011/12; MORGENTHAU, 1959, 2003; PAPE, 2005;
REITER, 1994; SCHROEDER, 1976; SCHWELLER, 1994, 1997; SINGER; SMALL,
1966; SNIDAL, 1991; SNYDER, 1991; WALT, 1987, 1999, 2005; WALTZ, 1959,
1979; WILKINS, 2008, 2012; WOHLFORTH, 1999). Autores construtivistas também
trabalham expectativas para a cooperação, sugerindo novas formas de
socialização. (BUZAN; LITTLE, 2001; BUZAN; WÆVER, 2003; HOPF, 1998;
KARACAZULU; UZGÖREN, 2007; NINCIC, 2005, 2010; ONUF, 1989; RUGGIE,
1995; WENDT, 1992). Todas essas correntes, de modo geral, buscam localizar o
elemento da cooperação, como princípio geral, nas relações internacionais. Alguns
autores foram mais específicos no tema da cooperação em defesa e segurança
internacional, e buscaram criar modelos teóricos que explicassem post hoc essa
cooperação em algumas regiões específicas. (COTTEY; FORSTER, 2004;
DYSON, 2010; MORONEY et al 2007, 2009; MUTHANNA, 2006; POSEN, 2006;
RESENDE-SANTOS, 2007; TUCKER, 1991).
332
Doutorando em Ciência Política (UFRGS), Professor de Relações Internacionais (FACAMP), pesquisador da
Rede Interinstitucional de Pesquisa em Política Externa e Regimes Políticos (RIPPERP).
791
Ainda que tenham produzido avanços importantes, há limites significativos para se
entender a cooperação em defesa que não são aprofundados pela literatura.
Enquanto as teorias de Relações Internacionais são muito amplas, localizando as
condições mais ou menos propícias para a cooperação, aqueles que buscaram
especificamente tratar do elemento da cooperação em defesa e segurança
internacional são específicos demais. Sendo, em geral, construídos para descrever as
dinâmicas de relacionamentos específicos, esses modelos não são possíveis de
serem replicados em outras regiões. Desenvolver uma nova teoria que busque não
apenas localizar quando a cooperação será mais incentivada, mas também como ela
deve se dar, é uma tentativa de superar esses limites apresentados pela literatura.
792
expectativas teóricas do realismo ofensivo e das dinâmicas estruturais da
unipolaridade que nos propomos desenvolver um modelo teórico que identifique
as motivações dos Estados para se engajarem na cooperação nas áreas de
defesa e segurança internacional.
Em primeiro lugar, é preciso definir o que cooperação quer dizer nessa área. Ações
em defesa são voltadas para os Estados Nacionais, como modo de preservação da
integridade soberana. Segurança internacional é voltada para uma perspectiva mais
sistêmica, como forma de impedir o surgimento de conflitos internacionais, qualquer
que seja sua forma ou origem. Muthanna (2006) difere mais substancialmente os
conceitos. Segundo o autor, cooperação em segurança é um termo mais geral, pois
envolve todas as formas relacionadas à segurança internacional, indo desde relações
bi a multilaterais e envolvendo tanto civis quanto militares. Ela envolve: cooperação
político-militar, o que inclui atuações multilaterais como as operações de paz da ONU;
cooperação civil em segurança; e cooperação em defesa, que inclui os ministérios de
defesa, agências associadas e as forças armadas de diferentes Estados, incluindo,
mais especificamente, a questão da cooperação militar. Essa definição inclui outras
formas de descrição dos alinhamentos militares do pós-Guerra Fria, como a
Diplomacia de Defesa de Cottey e Forster (2004). Adotaremos o conceito de
cooperação em defesa no desenvolvimento de nossa teoria, uma vez que objetivamos
entender o conceito específico de cooperação envolvendo forças armadas.
793
poder globais. (BUZAN; WÆVER, 2003). Quanto mais próxima for uma região da
área de interesse estratégico vital da potência unipolar, portanto, menor será a
probabilidade de que as dinâmicas de segurança dessa região sigam contra os
interesses do único polo do sistema. Esse elemento vai ao encontro da
expectativa de Monteiro (2011/12) sobre os dois primeiros tipos de conflitos
esperados na unipolaridade - tanto a dominação ofensiva quanto a defensiva
levam a conflitos entre a potência unipolar e um outro Estado. Isso significa que,
quanto maior o interesse da potência unipolar em uma região, mais limitados em
sua capacidade ofensiva serão os Estados - uma vez que qualquer ação que vá
contra o interesse do polo global possa ser retaliada. O terceiro elemento de
Monteiro (2011/12), do desengajamento, levaria a conflitos entre outros Estados
que não a potência unipolar, em consonância com nossas expectativas de
aumento da importância das balanças de poder regionais. E, mesmo nesses
casos, sempre há a possibilidade do polo global atuar ainda como balanceador
offshore. Esse motivador da cooperação em defesa é explicado pelo realismo
ofensivo pelo caráter calculado da agressão.
Segundo Proença Jr. (2003, p. 2), "[c]ada sociedade, em cada tempo, configura
de uma maneira particular a conversão de seus recursos em forças", o que não
torna incompatível que, para maximizar o seu poder e aumentar sua segurança,
devido ao novo caráter das ameaças pós-1991, os Estados se vejam compelidos
a cooperar em defesa.
794
3 O Dilema da Segurança e a Cooperação em Defesa
Por que cooperar em defesa? Tradicionalmente, a não ser que motivados pelo
surgimento de um Estado revisionista, as teorias realistas afirmam que cooperar
em defesa é diminuir a capacidade de sobrevivência do Estado. Há, segundo
Mearsheimer (2001), dois tipos de poder: real e latente - composto por elementos
que podem ser transformados em poder real. Cooperar em defesa, por essa lógica,
é, nos termos de Urpelainen (2012), diminuir as opções externas dos Estados
justamente na área onde ele é mais sensível, no poder real, responsável imediato
pela garantia de sua sobrevivência. A premissa básica do realismo ofensivo é o
dilema da segurança, como elemento que leva à auto-ajuda e dificulta a
cooperação internacional.
(2) O realismo ofensivo afirma também que aliados influenciam nos gastos e tipos de
investimento em defesa. Quanto mais ricos forem os aliados, menos gastos precisa-
se fazer em defesa. Levando em consideração a discussão sobre a mudança do
perfil das alianças pós-1991 feita por Wilkins (2012), e reconhecendo que o atual
795
padrão de aproximação dos Estados é o de um alinhamento, o comportamento
maximizador dos Estados, orientados pelo realismo ofensivo sob a unipolaridade,
tem sido direcionado para as parcerias estratégicas (COTTEY & FORSTER, 2004;
DYSON, 2010; US CONGRESS - OTA, 1990). Nesse sentido, cooperar em defesa
pode servir para melhorar a posição estratégica dos Estados de segunda linha frente
à potência unipolar sem terem que gastar tanto.
(3) Uma vez atingido o status de hegêmona regional333, Mearsheimer (2001) afirma
que esse ator vai trabalhar para que não surjam hegemonias regionais em outras
partes do mundo. Preferencialmente, diz a teoria, o hegêmona vai deixar que as
balanças de poder regionais atuem, optando por agir como balanceador offshore
caso as dinâmicas regionais não sejam suficientes para conter o surgimento de um
novo candidato a hegêmona regional. Essa expectativa está em acordo com a
estratégia de desengajamento, tal qual descrita por Monteiro (2011/12), que levaria a
um aumento da importância das balanças de poder regionais na unipolaridade e a
conflitos envolvendo outros Estados que não o polo global. Já para Wohlforth (1999),
a fim de evitar atrasos ou falhas na contenção de Estados revisionistas, a presença
da potência unipolar será mais frequente nas demais balanças de poder, indo ao
encontro das estratégias de dominância ofensiva e defensiva de Monteiro (2011/12),
o que favorece mais, em termos de pressão estrutural, a emergência de conflitos
entre a potência unipolar e outro Estado.
333
Ainda que tenhamos optado por fazer uso do termo potência unipolar, nesse ponto faz-se necessário
recapitular a discussão de hegemonia regional de Mearsheimer (2001).
796
Qualquer que seja a expectativa de comportamento a ser seguida, pelas duas
possibilidades acima descritas, é de interesse do polo evitar o surgimento de
Estados revisionistas nas balanças de poder regionais. Nesse sentido, a cooperação
em defesa nas balanças de poder regionais, mesmo naquelas sem a presença da
potência unipolar, funciona como instrumento em favor do polo global, uma vez que
serve para conter eventuais candidatos a hegêmonas regionais.
334
Itálico nosso.
797
Diferentemente, portanto, do que a literatura realista em geral aponta, a cooperação
em defesa na unipolaridade é não apenas incentivada para a manutenção do status
privilegiado da potência unipolar, mas também para os demais Estados do sistema.
Por ser mais difícil de ser atingida do que outras formas de cooperação, uma vez
que lida diretamente com o poder real dos Estados, a cooperação em defesa pode,
também, servir como um elemento desencadeador de outras formas de cooperação.
Resende-Santos (2007, p. 9) afirma que os Estados copiam as práticas bem-
sucedidas dos outros não apenas em questões militares, mas também em "práticas
econômicas, regulatórias, administrativas e, até mesmo, constitucionais". Há,
portanto, uma utilidade normativa importante para se entender as razões e
condições para a cooperação em defesa na unipolaridade, uma vez que pode servir
para uma ampliação da agenda política dos Estados envolvidos - desde que respeite
a premissa básica do realismo ofensivo, de maximizar o poder do Estado para
melhor garantir a sua sobrevivência.
798
indicarão a cooperação em defesa dentro do modelo tradicional das alianças, tal
qual descrito pela teoria clássica da balança de poder.
Urpelainen (2012) ainda afirma que as incertezas sobre o campo externo vão
afetar a cooperação profunda em duas situações: (a) quando a frequência d e
Estados com poucos recursos (chamados por ele de Estados vulneráveis) for alta
e (b) quando a cooperação profunda assimétrica de fato diminui as posições de
barganha desses Estados. Isso significa que sistemas com muitos Estados
vulneráveis não conseguirão incentivar a cooperação em defesa, uma vez que
não terão condições elementares para levarem adiante tal cooperação.
Poderíamos, para evitar confusões com as dinâmicas da multipolaridade
equilibrada, chamar esses casos de nulidade polar.
Tal qual na balança de poder global, os sistemas que mais estimulam a cooperação
em defesa nas balanças de poder regionais são a bipolaridade, uma vez que forma
dois grandes blocos de alianças, e a unipolaridade, que, tal qual no sistema global,
leva os demais atores a se alinharem naturalmente com o polo regional - já que não
há a possibilidade de uma aliança balanceadora.
799
Há uma diferença marcante da cooperação nas balanças de poder regionais e a
global. Ao tratarmos das dinâmicas regionais sob a unipolaridade, a configuração
regional multipolar equilibrada pode também incentivar a cooperação em defesa.
Essa distribuição de poder pode servir para: (i) conter o surgimento de um candidato
a hegêmona regional; (ii) aumentar o grau da capacidade estatal geral das unidades
envolvidas.
(2) O tipo de cooperação. Urpelainen (2012) mostra-nos que a cooperação pode ser
rasa ou profunda. Quanto mais perto da profunda, mais serão necessários
ajustamentos políticos difíceis de serem revertidos, o que aumenta a dependência
dos atores de uma cooperação contínua, reduzindo, portanto, as opções externas
dos envolvidos. Se o objetivo dos Estados no realismo ofensivo é maximizar a sua
segurança, situações onde a cooperação profunda contínua em defesa possam
levar a uma diminuição, e não a um aumento, da sua segurança devem ser evitadas.
A cooperação profunda pode representar um aumento desproporcional de
dependência, o que enfraquecerá a capacidade do Estado de agir sozinho quando
necessário. Cooperar em defesa, nesses casos, seria trabalhar contra o princípio
realista ofensivo de maximização da sobrevivência. Mattes (2012) também afirma
que a expectativa de oportunismo nas alianças também incidirá sobre o tipo de
cooperação. Nesse sentido, modelos de alinhamento onde a possibilidade de
oportunismo seja grande, e que tal oportunismo possa representar uma mudança
brusca da balança de poder regional em favor de um ator específico devem ser
evitados na cooperação de defesa, uma vez que seriam sinônimo de perda, e não
da maximização da segurança do Estado. O tipo de cooperação em defesa deve ser
guiado pelo princípio do Dilema da Segurança: deve ter elementos distributivos tais
que possibilite o aumento conjunto dos recursos dos envolvidos, sem privilegiar
nenhuma unidade em detrimento das demais. Tal privilégio pode levar a um
desequilíbrio da balança de poder regional, desencadeando um movimento
balanceador local ou, até mesmo, global, pelo envolvimento da potência unipolar.
800
Estado estará agindo contra as expectativas do realismo ofensivo, uma vez que
voluntariamente estará abrindo mão do seu desejo de sobrevivência.
As instituições vão contribuir para a cooperação em defesa, nesse sentido, se: (i)
aumentarem os ganhos da cooperação mútua e/ou diminuição dos custos caso um
Estado coopere e outro não; (ii) diminuir os incentivos para defecção através da
diminuição dos ganhos da trapaça e/ou do aumento dos custos da não-cooperação;
(iii) fizerem qualquer coisa que aumentem a expectativa do outro cooperar (JERVIS,
1978); (iv) houver uma conexão do desenho institucional com a balança de poder
regional e a global. Quanto maiores as pressões do dilema da segurança, maior a
possibilidade que a cooperação em defesa leve a instituições mais formais, calcadas
na lógica das alianças. Essas instituições, contudo, têm um incentivo a não se
manterem sob o mesmo desenho institucional caso as pressões sistêmicas mudem
(WILKINS, 2012).
801
Tal velocidade de cópia depende tanto de fatores sistêmicos, como o nível de
ameaça que os Estados se deparam (RESENDE-SANTOS, 2007), quanto fatores
internos, como o grau de vulnerabilidade externa de um Estado. (DYSON, 2010;
POSEN, 2006; HYDE-PRICE, 2007). A emulação dos casos bem sucedidos deverá
ser uma condição a ser buscada apenas se as demais variáveis também forem
espelháveis ao caso em questão. A emulação de casos bem sucedidos de
cooperação em defesa que desconsidere as demais variáveis apresentadas, ou
mesmo as emule de maneira equivocada, poderá levar a uma diminuição da
maximização do poder do Estado, operando, dessa forma, contra os princípios do
realismo ofensivo. A emulação só deve ser perseguida caso todas as variáveis
acima descritas sejam análogas.
335
Temos ciência que não são apenas essas duas variáveis que podem influenciar, pelo caráter doméstico, o
fortalecimento da capacidade estatal via cooperação em defesa. Apresentar variáveis domésticas em um modelo
estrutural é uma armadinha ontológica, pelo problema da baixa capacidade explicativa associado às teorias
reducionistas. (WALTZ, 1979). Fôssemos fazer uma lista das variáveis domésticas possíveis de influenciar nesse
caso, nunca chegaríamos a uma lista final, haja vista a infinidade de possibilidades e de casos excepcionais.
Contudo, essas duas variáveis parecem-nos importantes como princípio geral, por isso sua inclusão aqui como
sugestão de investigação futura.
802
em maior segurança; (b) o grau de vulnerabilidade externa, medido pelas variáveis
domésticas de constituição de poder, que depende de elementos como: "[(1)]
tamanho do território e da população, [(2)] posição geográfica, [(3)] capacidade
produtiva" (DYSON, 2010, posição 2640), além dos elementos trazidos pelo realismo
neoclássico, como o que Dyson (2010) chama de autonomia executiva.
5 Conclusão
803
sem, contudo, aumentar as pressões do dilema da segurança. Esse suposto
reafirma o princípio egoísta dos Estados, de buscarem maximizar o seu poder para
melhor garantir a sua sobrevivência, mas mostrando que novos tempos exigem
novas formas de maximização de poder.
Referências Bibliográficas
AXELROD, Robert. The Evolution of Cooperation. New York: Basic Books, 1984.
BUZAN, Barry; WÆVER, Ole. Regions and Powers. The Structure of International
Security. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
804
DOYLE, Michael W.; SAMBANIS, Nicholas. United Nations Peace Operations:
Making War and Building Peace. Princeton: Princeton University Press, 2006.
HERZ, John H. Idealist Internationalism and the Security Dilemma. World Politics, v.
2, n. 2, Jan. 1950, p. 157-80.
JERVIS, Robert. Cooperation Under the Security Dilemma. World Politics, v. 30, n.
2, Jan. 1978, p. 167-214.
KRASNER, Stephen D. American Policy and Global Economic Satability. In: AVERY,
William P.; RAPKIN, David P. (Orgs.). America in a Changing World Political
Economy. New York: Longman, 1982.
805
LAKE, David A. Hierarchy in International Relations. Ithaca: Cornell University
Press, 2009.
LAYNE, Christopher. The Unipolar Illusion Revisited: the Coming End of the United
States' Unipolar Moment. International Security, v. 31, n. 2, 2006, p. 7-41.
_____. The Tragedy of Great Power Politics. New York: W.W. Norton & Company,
2001.
_____; WALT, Stephen M. Leaving Theory Behind: Why Hypothesis Testing Has
Become Bad for IR. Faculty Research Working Paper Series, Harvard Kennedy
School, January 2013.
_____. A Política entre as Nações. A luta pelo poder e pela paz. São Paulo e
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2003.
806
MORONEY, Jennifer D. P.; GRISSOM, Adam; MARQUIS, Jefferson P. A
Capabilities Based Strategy for Army Security Cooperation. Arroyo Center:
RAND Corporation, 2007.
ONUF, Nicholas. World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and
International Relations. Columbia: University of South Carolina Press, 1989.
PAPE, Robert. Soft Balancing Against the United States. International Security, v.
30, n. 1, 2005, p. 7-45.
POSEN, Barry R. The European Security and Defence Policy: Response to Uni-
Polarity. Security Studies, v. 15, n. 2, 2006, p. 149-86.
REITER, Dan. Learning, Realism, and Alliances. The Weight of the Shadow of the
Past. World Politics, v. 46, n. 4, Jul. 1994, p. 490-526.
RUGGIE, John Gerard. The False Premise of Realism. International Security, v. 20,
n. 1, Summer 1995, p. 62-70.
807
SCHROEDER, Paul. Alliances, 1815–1945: Weapons of Power and Tools of
Management. In: KNORR, K. (org.). Historical Dimensions of National Security
Problems. Lawrence: Allen Press, 1976, p. 227–62.
_____. Deadly Imbalances: Tripolarity and Hitler's Strategy of World Conquest. New
York: Columbia University Press, 1998.
SNYDER, Glenn H. Alliance Theory: A Neorealist First Cut. In: ROTHSTEIN, Robert
L. The Evolution of Theory in International Relations. Columbia: University of
South Carolina, 1991.
WALT, Stephen M. The Origin of Alliances. Ithaca: Cornell University Press, 1987.
808
_____. Taming American Power: the Global Response to US Primacy. New York:
Norton, 2005.
WALTZ, Kenneth N. Man, the State and War. A Theoretical Analysis. New York;
Columbia University Press, 1959.
WENDT, Alexander. Anarchy is what States Make of it: The Social Construction of
Power Politics. International Organization, v. 46, n. 2, Spring, 1992, p. 391-425.
809
OS LIMITES DA PLATAFORMA CONTINENTAL
BRASILEIRA NO CONE DO AMAZONAS:
A CONVENÇÃO DE DIREITO DO MAR E A DEFINIÇÃO DO PÉ DO TALUDE 336.
1 Introdução
Diante do sucesso parcial do pleito brasileiro, desde julho de 2008 está sendo
preparada a revisão da proposta brasileira ou uma nova proposta, conforme permite
o artigo 8 do Anexo II da CNUDM.
336
O autor agradece os comentários da Capitão de Mar e Guerra (RM-1) Luiz Carlos Torres, da Capitão de
Fragata Isabel King Jeck e da Capitão-de-Fragata Ana Angélica Ligiero Alberoni Tavares, do LEPLAC. No
entanto, erros e omissões são responsabilidade somente do autor.
337
Curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito, Universidade Católica de Santos
338
Os incisos V e VI do artigo 20, da Constituição Federal elenca entre os bens da União “os recursos naturais
da plataforma continental e da zona econômica exclusiva” e “o mar territorial”. Contudo, a Constituição guarda
competência do Congresso Nacional para, com sanção do Presidente da República, dispor sobre “os limites do
território nacional, espaço aéreo, marítimo e bens de domínio da União” (inciso V, do artigo 48), norma
constitucional que serve de fundamento para a Lei nº 8.617/1.993, que Dispõe sobre o mar territorial, a zona
contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências. Como “[o]
limite exterior da plataforma continental será fixado de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 76 da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, em 10 de dezembro de
1982” (Parágrafo único do artigo 11 da Lei nº 8.617/1.993 c/c artigo 76 da referida Convenção), tem-se que a
plataforma continental, não apenas por definição legal, mas também jurisprudencial internacional refletida nas
Diretrizes da Comissão de Limites da Plataforma Continental (Caso North Sea Continental Shelf,
INTERNATIONAL COURT, 1969; UN, CLCS/11/Add 1., 1999), é a continuação natural do território do Estado
costeiro, portanto, parte do território nacional brasileiro.
339
A consulta a essas áreas e a outros mapas sobre zonas costeiras e oceânicas do Brasil podem ser realizada no
Atlas Geográfico de Zonas Costeiras e Oceânicas do Brasil (IBGE, 2013).
810
Tanto na submissão da Proposta original quanto da revisão ou nova proposta, a
orientação técnica e jurídica para Estados costeiros seguem o disposto no artigo 76
da CNUDM e no documento intitulado "Scientific and Technical Guidelines of the
Commission on the Limits of the Continental Shelf", referida como ―CLCS/11",
adotado pela CLPC em 13/05/1999, traduzidas neste estudo como ―Diretrizes‖.
Sob o ponto de vista jurídico, Kunoy, Heinesen e Mørk (2010, p. 359-361), Serdy
(2011, p. 364), Subedi (2011, p. 421) e Kunoy (2012, p. 116) apresentam críticas
muito pertinentes à CLPC no que se refere a dois pontos: o exercício ilegítimo pela
CLPC da função de interpretação da CNUDM, que Serdy (2011) denomina ―função
legislativa‖ e sobre a natureza jurídica das Diretrizes, que reputa como não
vinculantes (―not legally binding‖). Como artigos científicos de autores em comum, o
trecho a seguir Kunoy (2012, p. 116) reflete bem o fundamento comum das críticas
jurídicas sobre os trabalhos da CLPC nesse aspecto:
The Commission has not been vested with powers to adopt legal
instruments that would be binding upon states parties to the Convention and
the Scientific and Technical Guidelines44 (‗the Guidelines‘) are, per se, not
legally binding on states parties. It is true that subsequent agreements may
‗have a bearing on the juridical situation of the parties and on the rights that
each one of [the states parties] could properly claim‘. Yet, only agreements
‗between the parties‘ may constitute subsequent agreements within the
meaning of Article 31(3)(a) of the Vienna Convention on the Law of Treaties
(‗the Vienna Convention‘).
Sob o ponto de vista técnico, que não se afasta do jurídico por que neste tem seus
fundamentos de validade e eficácia, a CLPC tem enfrentado críticas sobre a
intepretação das Diretrizes. Por exemplo, no caso da Proposta da Austrália, os
questionamentos estão relacionados à intepretação sobre a aplicação do critério
restritivo da isóbata de 2.500 metros (KUNOY; HEINESEN; MØRK, 2010, p. 358;
UN, Commission Australia, 2008). No caso do Brasil, que teve quatro áreas não
recomendadas pela CLPC, entre elas o cone do Amazonas, a crítica está
811
relacionada à interpretação dada pela CLCS aos dados batimétricos, geológicos e
sísmicos apresentados pelo Brasil para determinação da base do talude. Note-se
que são 106 as propostas perante a CLPC: 61 propostas completas entregues e
outras 45 preliminares.
812
pelas Diretrizes: a CLPC não coleta dados, mas analisa dados e materiais
fornecidos pelos Estados proponentes .
No exame dos dados brasileiros, a análise da Subcomissão foi que a base do talude
deveria ser definida no local de maior variação regional do gradiente, em profundidades
aproximadas de 2.600m e 3.400m, coincidindo com a mudança regional no padrão de
deposição (de sedimentos), mais semelhantes a uma elevação continental. A diferença
de profundidades aproximadas da base do talude dá o tom das divergências entre o
Brasil e a CLPC, que exploraremos
Figura 2. Divisão do cone do Amazonas (DAMUTH,
adiante.
813
Em suma, apoiado na interdisciplinaridade, este estudo pretende apresentar os
principais aspectos da controvérsia sobre o cone do Amazonas, limitado à análise do
sumário das Recomendações sobre a Proposta brasileira pelo acesso a informações
públicas da CLPC340, já que as Recomendações recebidas pelo Brasil são
confidenciais.
340
O sumário executivo das Propostas e o sumário das Recomendações estão publicados pela Division for th
Ocean Affairs and the Law of the Sea (DOALOS). Disponível em:
<http://www.un.org/depts/los/clcs_new/commission_submissions.htm>. Acesso em: 25 jul. 2013.
341
Art. 76, 3 da CNUDM: A margem continental compreende o prolongamento submerso da massa terrestre do
Estado costeiro e é constituída pelo leito e subsolo da plataforma continental, pelo talude e pela elevação
814
Se o Estado costeiro conseguir demonstrar à CLPC que o prolongamento natural de
seu território em direção ao bordo exterior da margem continental se estende além
da distância de 200 milhas marítimas das linhas de base (artigo 76, 4, ―a‖), a
plataforma continental pode se estender além desse limite, respeitando critérios
geológicos fixados nos parágrafos 4 a 6 do artigo 76 da CNUDM, segundo quatro
critérios: dois alternativos e dois restritivos. Essa demonstração é denominada nas
Diretrizes por ―test of appurtenance‖ (―teste de pertencimento‖342, §2.2), que não
encontra fundamento na CNUDM nem em seu Anexo II.
continental. Não compreende nem os grandes fundos oceânicos, com as suas cristas oceânicas, nem o seu
subsolo (BRASIL, 1995).
342
É uma tradução livre do autor. O sentido jurídico de “appurtenance” aplicável à plataforma continental é de
agregar uma parte de território que se identifica como extensão natural do território principal do Estado costeiro,
ou como se diz na teoria do Direito, com a devida vênia: o acessório que segue o principal. A definição do
Black‟s Law Dictionary é “That which belongs to something else; an adjunct; an appendage; something annexed
to another thing more worthy as principal, and which passes as incident to it, as a right of way or other
easement to land; an out-house, barn, garden, or orchard, to a house or messuage. Meek v. Breckenridge, 29
Ohio St. 042; Harris v. Elliott, 10 Pet. 54, 9 L. Ed. 333; Humphreys v. McKissock, 140 U. S. 304, 11 Sup. Ct.
779, 35 L. Ed. 473; Farmer v. Water Co., 50 Cal. 11. Appurtenances of a ship include whatever is on board a
ship for the objects of the voyage and adventure in which she Is engaged, belonging to her owner. Appurtenant is
substantially the same in meaning as accessory, but it is more technically used in relation to property, and is the
more appropriate word for a conveyance.” (BLACK‟s, 2013).
815
Os critérios restritivos aplicam-se conforme os parágrafos 5 e 6 do artigo 76 da
CNUDM, definindo os pontos fixos que constituem a linha do limite exterior da
plataforma continental no leito do mar não podem:
exceder a 350 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se
mede a largura do mar territorial; ou
ultrapassar as 100 milhas marítimas da isóbata de 2.500 metros, que é uma
linha que une profundidades de 2.500 metros.
[...] prover orientação aos Estados costeiros que pretendam submeter dado
e outro material referente aos limites exteriores da plataforma continental
em áreas nas quais tais limites se estendam além das 200 milhas náuticas
das linhas de base a partir das quais o mar territorial é medido. As Diretrizes
focam no esclarecimento do escopo e profundidade da prova técnica e
científica admissível a ser examinada pela Comissão durante a
consideração sobre cada submissão com o propósito de fazer
recomendações.
No caso do pé do talude, além dos critérios alternativos do artigo 76, 4, ―a‖, i e ii, o
parágrafo 4, ―b‖ do mesmo artigo prevê um segundo regime de ―prova em contrário‖
(―evidence of the contrary‖): ―Salvo prova em contrário, o pé do talude continental
deve ser determinado como ponto de variação máxima do gradiente na sua base‖.
Esse é o fundamento principal da irresignação brasileira a respeito da
Recomendação da CLPC, como veremos adiante.
816
A submissão de propostas à CLPC estabelece um vínculo de jurisdição entre o
Estado proponente e a CLPC fundado na adesão voluntária a uma regra contida na
CNUDM de que a extensão da plataforma continental além das 200 milhas
marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial
só é juridicamente legítima no direito internacional convencional se submetida e,
então, recomendada pela CLPC. Assim, o Secretário Geral da ONU não deve
aceitar o depósito de limites delineados conforme o artigo 76 da CNUDM sem que
respeitem às Recomendações da CLPC (KUNOY, 2012, p. 114).
343
Os Estados Unidos enviaram carta ao subsecretário Geral da ONU responsável por assuntos legais
questionando o Sumário da Proposta brasileira, que havia dado publicidade a todos os membros da ONU. Na
carta, datada de 30/04/2004, os Estados Unidos requereram atenção da CLPC sobre dados de espessura de
sedimentos e a cadeia de Vitória-Trindade. Retransmitida pelo Secretário Geral e recebida a carta na CLPC, o
presidente solicitou aos demais membros da Comissão que desconsiderassem o conteúdo da carta dos Estados
Unidos, lembrando que tanto o Anexo II quanto os Procedimentos da CLPC admitem uma única hipótese para a
comunicação por terceiros Estados na análise de propostas: em casos de disputa entre Estados com costas
opostas ou adjacentes ou em casos de territórios em litígio ou disputas marítimas (UN, CLCS/42, 2004, §§16/17;
UN, CLCS/40/Rev.1, 2008, artigo 46,1).
344
Alguns países como Irlanda e França optaram pela submissão de propostas parciais apenas sobre partes
incontroversas, reservando-se o debate futuro: “The partial OCS submission strategy adopted by some coastal
States has seen submissions based on staggered partial claims, uncontested partial claims with future identified
claims reserved, and uncontested partial claims with future unidentified claims reserved. The „staggered claims‟
approach is best reflected in the strategies adopted to date by Ireland and France.” (ROTHWELL, 2008, p.
204).
817
Anexo II, com base numa representação geográfica equitativa. A Comissão
fará recomendações aos Estados costeiros sobre questões relacionadas
com o estabelecimento dos limites exteriores da sua plataforma continental.
Os limites da plataforma continental estabelecidas pelo Estado costeiro com
base nessas recomendações serão definitivos e obrigatórios.
345
Artigo 8. No caso de o Estado costeiro discordar das recomendações da Comissão, deve apresentar à
Comissão dentro de um prazo razoável uma proposta revisada ou uma nova proposta.
346
Do original: “When a proposal has been adopted or rejected, it may not be reconsidered unless the
Commission, by a two-thirds majority of the members present and voting, so decides. Permission to speak on a
motion to reconsider shall be accorded only to two speakers opposing reconsideration, after which the motion
shall be immediately put to the vote.” (UN, CLCS/40/Rev.1, 2008)
818
Por hora, basta considerar que a possibilidade de novas propostas ou de
propostas revisadas pode ser considerada uma válvula de escape para aplicação
futura de novas tecnologias, técnicas e teses científicas, já que é princípio no
direito internacional do meio ambiente, por exemplo, o estabelecimento da
verdade científica com base na melhor tecnologia disponível 347, deixando-se
abertas as portas para a evolução do conhecimento. Contudo, isso só é viável se
a intepretação das Diretrizes sobre as propostas seguir o mesmo princípio,
inclusive sob a ótica da uniformização.
1.4. A Comissão elaborou essas Diretrizes com vista a garantir uma prática
estatal uniforme e ampla durante o processo de preparação das provas
técnicas e científicas submetidas pelos Estados costeiros. A Comissão está
ciente de que há outras metodologias científicas e técnicas usadas pelos
Estados na implementação das provisões do artigo 76 para a preparação da
submissão, não cobertas pelo presente documento. Essas Diretrizes não
pretendem exaurir todo campo de possibilidades metodológicas
contempladas pelos Estados. Considerando que muitos caminhos
científicos e tecnológicos estão disponíveis para o desenvolvimento de um
corpo de prova que possa igualmente conformar com todas as provisões
relevantes contidas na Convenção, a Comissão se empenhou em enfatizar
aquelas que possam minimizar custos e resultarem na otimização dos
recursos e das informações existentes.
1.6. [...] Essas Diretrizes não focam na descrição em detalhes das teorias e
metodologias técnicas específicas envolvida em cada disciplina.
347
O conceito de melhor tecnologia disponível (“best available technology”) é próprio do direito ambiental e, na
relação com o direito do mar, encontra fundamento na proteção do meio ambiente marinho. O conceito é
expressamente mencionado na Convenção para Proteção do Meio Ambiente Marinho no Nordeste do Atlântico
(CONVENÇÃO..., 1992).
819
Se a CNUDM representa um regime jurídico do mar, se o Anexo II da CNUDM
estabelece um procedimento jurisdicional voluntário com efeitos erga omnes e se as
Diretrizes da CLPC defendem uma uniformidade dos processos de submissão, o
procedimento das Recomendações deve ser alterado para contemplar a
uniformização defendida no direito internacional e esperada pelos Estados
proponentes como medida de segurança jurídica e política. Nesse sentido, a
principal alteração deve ocorrer nas propostas de revisão, cuja reanálise não deve
ser feita pela subcomissão original, mas por uma subcomissão distinta, talvez um
órgão uniformização348.
348
De acordo com o artigo 6 (2) do Anexo II da CNUDM, a aprovação de uma Recomendação exige dois terços
dos membros presentes e votantes, significa que 14 dos 21 membros devem aprova-la. Contudo, 7 membros da
CLCS formaram a Subcomissão que analisou o pleito brasileiro e 1 membro está impedido por ser brasileiro
(almirante Jair Alberto Ribas Marques). Considerando que todos os 21 membros estejam presentes, os votantes
serão apenas 20. Considerando, ainda em tese, que os 7 membros da Subcomissão avaliadora manterão seus
votos, é matematicamente impossível atingir-se os dois terços (14 votos) necessários para aprovação ou mesmo
admissibilidade de uma nova proposta ou proposta revisada, já que restarão apenas 13 membros, ainda que
votem unanimemente. A constatação eventual de membros ausentes apenas reforça essa evidência.
820
do mesmo artigo (350 milhas náuticas da linha de base que mede a largura do mar
territorial), além de respeitar a fronteira marítima entre Brasil e a Guiana Francesa,
fixada no Tratado de Paris, de 1981.
349
A Proposta brasileira é sigilosa por força do Anexo II dos Procedimentos da CLPC, razão pela qual
recorremos apenas aos documentos públicos disponíveis no sistema de documentos da ONU que apenas dão
notícia através de sumários dos argumentos brasileiros e dos argumentos usados pela Subcomissão e CLPC nas
Recomendações. Confira, tradução livre do autor (UN, Commission Brasil, 2011, §§33/34): “The Brazilian
submission considers the Upper and Middle Fan as analogous to a continental slope and the lower fan
analogous to a continental rise, therefore placing the base of the continental slope at the Distal end of the
Middle Fan, coinciding with the lobe deposition of the Channel levee systems. “This understanding is based on:
the similarities between erosive and depositional processes; the continuous slope downwards without a regional
break; and the continuous channel levee systems down to the boundary with the Lower Fan.” “the continuous
slope of the Amazonas Fan can not be compared to the normal passive margin described by Heezen et al.
(1959); “it is difficult to identify the region of the base of the continental slope and place of the FOS in
continuous slope of a unique feature such as the Amazonas Fan;” “in order to provide an analogy with a normal
continental slope and rise, it considered carefully the physiography and the geological processes of erosion and
deposition in the Amazonas Fan.”
821
distante do cone Médio, coincidindo com o lóbulo de deposição do sistema
de canais de diques marginais [vide Fig.2]
O Brasil propôs que o pé do talude está entre os cones Médio (―Middle Fan‖) e
Inferior (―Lower Fan‖) do Amazonas (Fig.2), em profundidades entre 3.600m e
4.100m, nas quais ocorre uma pequena variação do gradiente (Summary, 2011,
§29). De outro lado, a Subcomissão identificou a base do talude na região de
ocorrência da maior variação regional do gradiente, segundo sua interpretação, em
profundidades aproximadas de 2.600m e 3.400m, coincidindo com a mudança
regional no padrão de deposição (de sedimentos), com características de uma
elevação continental:
[...]
822
cones superior, médio e inferior como equivalentes a uma elevação
continental numa situação geográfica diferente. A Subcomissão considera o
cone superior do Amazonas análogo a um talude continental (embora com
um gradiente menor), e os cones médio e inferior como análogos a uma
elevação continental baseada em todos os dados morfológicos e dados
suplementares geológicos e geofísicos contidos na Submissão e na
informação científica disponível na literatura científica internacional.
823
63. A Comissão recomenda ao Brasil que considere as conclusões e as
implicações delineadas acima com relação aos pontos de espessura dos
sedimentos numa nova proposta ou revisada, e às preocupações
levantadas em relação aos temas da velocidade de análise e interpretação
sísmica na parte norte do Norte e região do cone do Amazonas.
Numa interpretação restritiva, seja revista seja nova, a proposta deve ter como
escopo a delimitação de limites sobre a mesma área já analisada pela CLPC. A
350
Do original: “When a proposal has been adopted or rejected, it may not be reconsidered unless the
Commission, by a two-thirds majority of the members present and voting, so decides. Permission to speak on a
motion to reconsider shall be accorded only to two speakers opposing reconsideration, after which the motion
shall be immediately put to the vote.” (UN, CLCS/40/Rev.1, 2008).
824
diferença de natureza entre uma proposta nova e revisada não está clara sob a ótica
jurídica, senão sob o aspecto procedimental: uma proposta nova entra no fim de
uma longa fila de 61 propostas definitivas e outras 45 preliminares; uma revisada,
não. Essa falta de clareza, ou talvez uma interpretação mais extensiva daquele
artigo 8 tomando-se em conta toda a CNUDM e não somente o particular restritivo
da CLPC e suas normas de procedimento (UN, CLCS/40/Rev.1, 2008), foi
evidenciada no procedimento de análise da proposta brasileira, estabeleceu-se o
princípio de se permitir o complemento e mesmo a retificação de material, pois
segundo Subsecretário Geral para Assuntos Legais da ONU Nicholas Michel (2005),
não há nada na CNUDM que preclua o direito do Estado de submeter dados revistos
no curso de uma avaliação351. Mas e após as recomendações?
351
Do original: “Additional material and information relating to the limits of the continental shelf or substantial
part thereof, provided by a coastal State to the Commission in response to its requests for additional data,
information or clarification in the course of the examination by the Commission of the submission of that coastal
State, is expected to support, integrate and clarify the particulars of the limits of the continental shelf contained
in the submission. However, there is nothing in the Convention that precludes a coastal State from submitting to
the Commission, in the course of the examination by it of the submission of that State, revised particulars of the
limits of its continental shelf if the State concerned reaches a conclusion, while reassessing in good faith the
data contained in its submission, that some of the particulars of the limits of the continental shelf in the original
submission should be adjusted, or if it discovers errors or miscalculations in the submission that need to be
rectified.” (UN, CLCS/46, 2005, p. 12-13).
825
apenas em seu caráter formal relacionado a regras procedimentais: o local na ―fila‖.
O ―prazo razoável‖ para uma ou outra proposta em face da discordância sobre uma
Recomendação parece-nos ser o mesmo de submissão: 10 anos.
826
O reforço do impacto negativo do elemento subjetivo na revisão de decisões por um
mesmo órgão é reforçada pelo princípio do duplo grau de jurisdição (em inglês, ―two-
tier trial system‖). Fere princípios de direito admitir que a CLPC possa fazer
recomendações sem um procedimento de revisão em duplo grau. Não existe no
sistema das Nações Unidas outro órgão decisório, nos mesmos moldes da CLPC,
sem duplo grau de jurisdição. E a CLPC, apesar de não ser composta por juristas, é
um órgão de moldura jurídica que não se aparta do sistema jurídico da ONU, onde o
duplo grau é regra.
6 Reflexões finais
827
exploração minerária que, por definição legal da própria CNUDM, deixam de ser
afetos ao regime jurídico de exploração dos fundos marinhos, que inclui a Área
(artigo 136 a 155), as competências e atuação da Autoridade Internacional dos
Fundos Marinhos e a Empresa (artigo 156 a 171), o Anexo III (Condições
Básicas para a Prospecção, Exploração e Aproveitamento) e o Anexo IV
(Estatuto da Empresa).
Em breve, como se tem notícia, o Brasil deve apresentar uma nova proposta ou uma
proposta revisada sobre as quatro áreas não conclusivas, segundo a CLPC, entre as
quais o cone do Amazonas, objeto deste sucinto estudo.
REFERÊNCIAS
828
Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 jun.
1995.
CONVENÇÃO para Proteção do Meio Ambiente Marinho no Nordeste do Atlântico:
Assinada em Paris, em 22 set. 1992. Disponível em:
<http://www.ospar.org/html_documents/ospar/html/ospar_convention_e_updated_tex
t_2007.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2013.
DAMUTH, John E.; FLOOD, Roger D. Quantitative characteristics of sinuous
distributary channels on th Amazon Deep-Sea Fan. Geological Society of America
Bulletin, v. 98, p. 728-738, jun. 1987. Disponível em:
<http://www.ig.utexas.edu/people/staff/damuth/reprints/amazon_quantitative.pdf>.
Acesso em: 9 jul. 2013.
IBGE. Atlas Geográfico de Zonas Costeiras e Oceânicas do Brasil. 2011.
Disponível em: <https://www.mar.mil.br/secirm/p-atlas.html>. Acesso em: 3 jun.
2013.
INTERNATIONAL Court of Justice. North Sea Continental Shelf Cases. Pleadings,
oral arguments and documents. 1969, p. 6. Disponível em: <http://www.icj-845
829
A LONGA GUERRA DO GOLFO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA SOB A ÓTICA
DAS DOUTRINAS POWELL E BUSH (1991-2003)
1 Introdução
Vale ressaltar que a política externa dos Estados Unidos da América do Norte pode
ser enquadrada no paradigma da longa duração, pois desde o século XIX, poucas
mudanças e rupturas ocorreram ao longo da história. Ao longo da segunda metade
do século XIX e até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ocorreram importantes
embates na sua política externa, entre os chamados isolacionistas e os
internacionalistas.
Para tanto, será necessário trabalhar rapidamente com a Doutrina Carter, erigida
durante o governo do presidente Jimmy Carter (1977-1981), que defendia uma
política de intervenção militar dos Estados Unidos no Oriente Médio, em defesa dos
352
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Política e dos Movimentos Sociais – Universidade
Estadual de Maringá.
353
Programa de Pós-Graduação em História Social – Universidade Estadual de Maringá.
830
interesses petrolíferos estadunidenses. Ressalta-se, que as Doutrinas Powell e Bush
foram muito influenciadas pela Doutrina Carter.
Em 1980, o então presidente dos Estados Unidos da América, James Earl Carter
(1977-1981), mais conhecido como Jimmy Carter, revelou ao país e ao mundo que o
Oriente Médio, mais especificamente o Golfo Pérsico, era uma área importantíssima
para os interesses estadunidenses, principalmente na questão de fornecimento de
petróleo.
831
Sendo assim, o democrata Jimmy Carter ao proferir o discurso anual ―O Estado da
União‖354 (―The State of the Union‖), em 23 de janeiro de 1980, demonstrou que a
região do Golfo Pérsico era vital para a geopolítica da Casa Branca. Carter salientou
que se fosse necessário empregar até meios militares para que os objetivos dos
Estados Unidos fossem protegidos, ele o faria (FUSER, 2005, p. 168-169).
354
A cada ano que se inicia, todo presidente dos Estados Unidos deve, geralmente em janeiro, apresentar ao
Congresso os princípios e regras que irão ditar os rumos de seu governo, seja no aspecto interno bem como no
aspecto externo. É o chamado discurso “O Estado da União”.
355
Crise Internacional do Petróleo: devido ao embargo do petróleo feito pela OPEP contra os países ocidentais,
ocorreu um aumento considerável no preço do barril de petróleo, passando de aproximadamente US$ 2,00 para
US$ 12,00, provocado pela OPEP. Vale ressaltar que esta última utilizou o petróleo como “arma política” para
tentar pressionar os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental a pressionarem Israel, para que este
devolvesse os territórios ocupados na já mencionada Guerra dos Seis Dias.
356
Guerra do YomKippur (1973): conflito ocorrido entre Israel contra Egito e Síria, sendo que estes dois últimos
realizaram um ataque surpresa no dia do YomKippur, ou dia do “perdão”, data sagrada para a religião do
judaísmo. Conseqüência direta da Guerra dos Seis Dias (1967), vencida por Israel. O efeito direto foi a
manutenção dos territórios ocupados e reivindicados por jordanianos, egípcios, palestinos e sírios, no caso a
Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Colinas do Golan sob o domínio israelense. Outro efeito foi a
1a Crise Internacional do Petróleo.
832
fornecimento do ―ouro negro‖ para os mercados ocidentais. O quarto fato ocorreu em
novembro de 1979, quando um grupo de muçulmanos radicais atacou a grande
mesquita localizada em Meca, colocando em risco a estabilidade política do governo
saudita e o apoio dos Estados Unidos para Riad (SCHUBERT; KRAUS, 1998, p. 52-
53). Por fim, o quinto e último fato histórico relevante foi a Invasão do Afeganistão
pela União Soviética, em dezembro de 1979.
De acordo com Igor Fuser os Estados Unidos, com a Doutrina Carter, aumentaram
sua presença diplomática e política no Oriente Médio, pois existia um duplo
obstáculo: ―[...] 1) assegurar o controle das reservas de petróleo do Golfo Pérsico, e
2) reagir à intervenção da URSS no Afeganistão, interpretada, ao menos
publicamente, como uma ameaça‖ (FUSER, 2005, p. 169).
Brzezinski entendia que o Oriente Médio, a Europa Ocidental e a Ásia Central eram
fundamentais em suas análises, pois se os Estados Unidos controlarem essas
regiões, de acordo com ele, que aprimorou os pensamentos dos pensadores
Mackinder e Spykman, poderá controlar a Eurásia e, por conseguinte, o mundo.
Para Brzezinski a luta pelo poder mundial entre os Estados Unidos e a União
Soviética, na Guerra Fria, tinha como grande palco as três regiões estratégicas da
Rimland, defendidas pelo teórico Nicholas Spykman: o Leste da Ásia (Península
833
Coreana e Vietnã), a Europa Ocidental (principalmente as duas Alemanhas) e o
Sudoeste da Ásia (Golfo Pérsico e Afeganistão) (MELLO, 1998).
O Sudoeste da Ásia, mais conhecido como Oriente Médio, só apareceu como uma
importante região na disputa pelo poder mundial, quando as outras duas regiões
supracitadas estavam estabilizadas em termos políticos, ao mesmo tempo em que, o
fornecimento de petróleo associado a uma forte instabilidade no Oriente Médio
ameaçavam os interesses geopolíticos e econômicos dos Estados Unidos. O que
estava em jogo era o petróleo.
Entretanto, além da ameaça soviética, havia outra preocupação que se revelou logo
após a realização do discurso de Carter, pelo então secretário de Defesa, Harold
Brown: a instabilidade no ―Terceiro Mundo‖, principalmente nos países do Oriente
Médio. Assim, os Estados Unidos trataram de proteger, como parte de seu ―interesse
vital‖ o fluxo de petróleo que saia do Oriente Médio para abastecer o Ocidente.
Então, foi necessária a construção de bases militares em países do Oriente Médio,
negociações do direito e de acordos para o tráfego aéreo militar e uso de aeroportos
em países como Egito e Marrocos e a renovação do direito de instalação da base
naval estadunidense no Bahrein (BACEVICH, 2005, p. 192).
834
A Guerra do Golfo ocorreu exatamente em uma época de transição nas relações
internacionais, de agonia da Guerra Fria e do surgimento da Doutrina Powell.
Destaca-se que ela foi concebida a partir da experiência negativa dos Estados
Unidos na Guerra do Vietnã, com a questão dos conscritos. Assim, ao final do citado
conflito, o Exército dos Estados Unidos sofrerá uma profissionalização a partir de
1973. A mudança ocorreu em grande parte devido à traumática experiência
envolvendo os conscritos que lutaram nas Forças Armadas Estadunidenses durante
a Guerra do Vietnã (1965-1975) (SILVA, C., 2004, p. 409-412).
Por consequência, foram criadas condições ideais para que se elaborasse uma nova
doutrina militar pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Pentágono.
Era a Doutrina Powell (SILVA, F., 2004, 703-704) que defendia a idéia de guerra
limpa, com bombardeios cirúrgicos e estratégias que poupariam vidas dos aliados na
guerra. Era a guerra de videogame. A idéia de zero killed(morte zero) era muito forte
e importante como princípio inserido em tal doutrina.
835
terrorismo em escala internacional, principalmente no Oriente Médio e o
fundamentalismo islâmico.
Vale ressaltar que tal embate bélico ocorreu durante o governo do presidente
republicano, George Walker Bush, em 2001.
836
setembro, para uma política externa conservadora, bastante focalizada nos
interesses estadunidenses em detrimento do mundo.
Então, tal política externa unilateral, defensora árdua dos interesses estadunidenses,
foi chamada pelo Departamento de Estado de ―multilateralismo à la carte‖.
Washington se reservou o direito de analisar e agir pontualmente cada questão
internacional, de acordo com os seus interesses, mesmo que fosse necessário
infringirem tratados ou o próprio direito internacional.
Vale lembrar que a nova doutrina se tornou mais explícita a partir de 2002, quando
Condoleeza Rice afirmou que, diferentemente da Guerra Fria, não bastava possuir
grande quantidade de armas de destruição em massa para convencer o inimigo de
não atacar, pois as forças inimigas se apresentariam dispersas e múltiplas, isto é,
sem alvos a proteger. Então o território deveria ser redefinido para efeito de
estratégia de guerra. As idéias de Condoleeza Rice foram amplamente aceitas por
Bush, em seu discurso realizado no dia 30 de janeiro de 2002, ao afirmar na época
que os Estados Unidos detinham o direito de realizar ataques preventivos contra
837
países que estivessem desenvolvendo armas que ameaçassem a sua segurança.
Seria o caso do Iraque.
3 Considerações finais
Percebe-se, então, de acordo com o que foi discutido, quatro questões são
fundamentais na política externa dos Estados Unidos e que estiveram presentes na
Guerra do Golfo, de 1991, e na Guerra do Iraque, de 2003, por ocasião da aplicação
das Doutrinas Powell e Bush.
838
A segunda foi garantir uma ingerência militar com o menor número de mortes de
soldados estadunidenses, através do uso de aviação e tecnologia, com o apoio da
imprensa interna e externa, resultado da síndrome do Vietnã. Trata-se de uma
preocupação da Doutrina Powell e da Doutrina Bush também.
Assim, como quarta e última questão, deve-se lembrar que a Guerra do Golfo, de
1991, foi de certa forma, uma continuação com a Guerra do Iraque, em 2003. Então,
os princípios embasadores de ambas as doutrinas estiveram presentes nos
mencionados conflitos demonstrando que as duas guerras são parte de uma longa
guerra no golfo, por estarem interligados.
Referências
BACEVICH, Andrew J. The new american militarism: how americans are seduced
by war. Oxford: Oxford University Press, 2005.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução
Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LITTLE, Douglas. American orientalism: the United States and the Middle East
since 1945. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1994.
839
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica?. São Paulo:
Edusp: Hucitec, 1998.
MUNHOZ, Sidnei José. Guerra Fria: um debate interpretativo. In: SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da (Coord.). O Século sombrio: uma história geral do Século XX.
Rio de Janeiro: Ed. Campus: Elsevier, 2004. p. 261-281.
SILVA, Carlos Leonardo Bahienseda. Guerra do Vietnã. In: SILVA, Francisco Carlos
Teixeira da et al. (Coord.). Enciclopédia de guerras e revoluções do Século XX:
as grandes transformações do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004. p. 409-412.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Powell (Doutrina). In: SILVA, Francisco Carlos
Teixeira da et al. (Coord.). Enciclopédia de guerras e revoluções do Século XX:
as grandes transformações do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004. p. 703-704.
840
Simpósio Temático 12
1 Introdução
357
Bolsista de doutorado em Ciência Política pela UFRGS.
358
História, UPF
359
Ciência Política, UFRGS.
841
2 Contexto das Relações
842
italianas, 0,6% alemãs, 4,8% inglesas e 86,7% dos Estados Unidos (INCAER, 1991,
v3, p. 90,119).
3 EUA e a FAB
Deve-se levar em conta que, o Brasil para os Estados Unidos tinha ainda outra
importância. A fonte de matéria-prima estratégica, tal como metais nobres, ferro,
bauxita, etc. A perda desta fonte, não que inexistisse concorrentes para suprir o
mercado norte-americano, mas com os acordos de favorecimento e exclusividade de
fornecimento deles do Brasil aos estadunidenses, o custo por estes materiais seria
maior, sendo mais vantajosa a manutenção das fontes destes recursos com uma
nação aliada. Assim a atuação dos Estados Unidos em meio ao reerguimento do
comércio mundial pós-crise de 1929 e seu envolvimento nos esforços de guerra,
visavam à consolidação desta política internacional.
360
The influence of sea Power upon history, 1660-1783, nesta obra Mahan apresenta o papel do mar na projeção
internacional das potencias, afirmando que este seria o caminho para o desenvolvimento estadunidense, sendo
absorvido como uma política para aquele governo.
843
de quebrar tal atitude da Argentina. No âmbito interno, o Brasil buscava se
reestruturar da crise de 1929, pois sua economia estava construída entorno do
comércio internacional do café, e tinha sido o que puxou para o vermelho a
economia brasileira; e a luta por modernizar o país com inúmeros desafios, tal como
melhorar a educação, saneamento básico, industrialização, ligação entre as regiões
e administração pública. Por isso o contexto em que o Brasil se inseriu na conjuntura
internacional do final da década de 1930 e a barganha que fez entre os Estados
Unidos e a Alemanha visava conquistar os objetivos estratégicos brasileiros,
arrumando a base do comércio e a estrutura político-social nacional.
A parceria que o Brasil fechou com os Estados Unidos, no que tange as atribuições
do Ministério da Aeronáutica, visava adequar às estruturas, meios e capacidade
operacional. Para os Estados Unidos, este vínculo era temporário, visando a
consolidação da sua atuação global. Logo era necessário, para os Estados Unidos,
para a segurança do continente e a presença na Europa, que o Brasil não fizesse
oposição e auxiliasse na conquista dos seus interesses. Como parte da sua busca
pela posição global, num primeiro momento, os Estados Unidos buscaram a
hegemonia das rotas aéreas comerciais brasileiras, que, juntamente com o governo
brasileiro, por meio de incentivos, como a construção de aeroportos e fornecimento
facilitado de aeronaves, buscaram ocupar o espaço antes ocupado pela Alemanha.
O mais importe sobre a relação do Brasil com os Estados Unidos, sobre questões
aeronáuticas, é a mudança no paradigma da aviação. No caso da FAB, observando
as aeronaves e seus sistemas de navegação, este alinhamento do Brasil com os
EUA resultou na mudança, no jargão da aviação, do voo ―arco-e-flecha‖361, para uma
navegação aérea moderna, com auxílios em terra e a introdução da navegação por
instrumentos.
361
Arco e flecha é o voo onde a navegação é estimada e utiliza principalmente dos recursos visuais presentes no
solo, como estradas, rios e outros marcos. Uma vez que se tem uma referencia no solo visualizada pela aeronave,
o piloto, pelo tempo de voo, estima aonde é sua localização.
844
necessidade da instalação de auxílios para maior segurança na operação daquelas
rotas pelas empresas aéreas.
362
Panair do Brasil, subsidiaria da Pan-American.
845
obrigava que as tripulações em voos nacionais fossem somente feitas por cidadãos
brasileiros natos. Na verdade, todos os cursos de piloto, obrigatórios para a
obtenção dos breves, só poderia ser feito por brasileiros natos.
As companhias aéreas alemãs, quando ainda operavam sem restrições nas linhas
brasileiras, em muitos casos, os pilotos das aeronaves que faziam as rotas que
ligavam o Brasil a Europa, eram oficiais da Lufthwaffe, em esquema de rodízio, com
o objetivo de se adaptarem e conhecerem os trajetos no continente americano. Da
mesma forma, a LATI aproveitava seus voos pra contrabandear materiais
estratégicos leves, como diamantes industriais, além de ser o meio de transporte
entre a América do Sul e a Europa para oficiais e autoridades do Eixo (MCCANN,
1995, p.177), até ser apropriada pelo governo brasileiro e consequentemente,
encerrada sua rota.
846
beligerantes. O translado de aeronaves era feito por outra subsidiária da Pan-
American, uma empresa ―fria‖, a Atlantic Airways (MCCANN, 1995, p.191).
O pensamento sobre o emprego de poder aéreo passa não só pela aplicação dele
em sua atividade final, tal como o bombardeio ou a interdição do espaço aéreo em
si, mas pela estrutura que sustenta e garante a capacidade de realização do seu
objetivo proposto. O profissional militar, sendo ele de terra, mar ou ar, está
condicionado à natureza e as condições que o ambiente em que opera lhe impõe
(SANTOS, 1991, p.24).
Tendo sido criado e estruturado o novo ministério, em meio à guerra, fez com que
sua organização operacional demanda-se revisão devido à nova forma de guerra
aérea. Os resquícios da Missão Francesa passaram a ser descartados a favor de
uma nova doutrina de emprego de poder aéreo. Durante a Segunda Guerra Mundial,
a FAB, apoiando os esforços dos aliados, abriu as portas para a entrada do modus
operandi norte-americano, seguindo o modelo do exército daquele país. Esta
entrada se deu em toda estrutura, como o treinamento de pessoal, materiais e bases
e em parte no pensamento.
364
Observando os principais modelos empregados pelos EUA e o ano em que começaram a ser concebidos e
desenvolvidos.
847
compras de materiais, depois denominada Comissão Aeronáutica Brasileira em
Washington, organizada em setembro de 1941, foram enviados delegados
representantes para a negociação junto com as empresas aeronáuticas
estadunidenses o fornecimento de material aeronautico ao Brasil (BRASIL, 1945,
p.607). A principal forma de troca de solicitações entre os Estados Unidos e o
Brasil, no que diz respeito a demandas militares e de defesa, foi a JBUSDC –
Comissão Conjunta de Defesa Brasil-Estados Unidos, criada em maio de 1942
(MOURA, 1991, p.27).
848
Uma vez que os acordos políticos foram acertados, vinculando o Brasil na órbita de
influencia dos Estados Unidos, o governo brasileiro, buscou-se adequar a forma com
que a economia norte-americana operava. Para isso, buscou, ao conhecer o modelo
de exportação dos estadunidenses, preparar um regulamento para que o
recebimento dos diversos materiais solicitados a eles fosse atendido de forma
correta, observando o modelo de notas trimestrais, para que os pedidos chegassem
no devido tempo (BRASIL, 1942, p.816).
6 Bases
Das atuais 17 bases aéreas (sem contar os centros de pesquisa, escolas e outras
instalações que não são operacionais ou os destacamentos), cerca de 29,5% delas
tiveram intervenção dos Estados Unidos via ADP e mais outras foram utilizadas
como base de operações por norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial.
849
para a vitória‖ que permitiu um permanente fluxo de homens, aeronaves
e equipamentos para a frente de batalha (MCCANN, 1995, p.181).
Uma das cláusulas do contrato da ADP, lembrando que ele era desenvolvido pela
Pan-American Airways e que esta possuía uma subsidiária no Brasil, visava a
operação por aquela empresa em um determinado tempo, para recuperar o
investimento feito. Por mais que eles tivessem construído e melhorado vários
aeroportos pelo país, esta não foi uma ação de caridade, nem só pelo contexto da
guerra, mas garantia a continuidade das operações da Pan-American no Brasil por
mais algumas décadas.
A presença da ADP deixou muitas marcas no país, podendo ser observada até hoje
na arquitetura similar das bases aéreas de Salvador, Natal, Fortaleza, Belém e parte
de Recife. Um fato a ser observado é que em Parnamirim – Natal – a pista principal
tinha capacidade para operar bombardeiros pesados. Logo, teve que ser construída
com tal intenção, já que o peso deste tipo de aeronave é superior ao das comerciais
operadas na época.
850
ZA, dentre outras instalações de apoio, como hangar e depósitos de
combustível (BRASIL, 1941, p.857).
Por vários anos a Panair foi uma das empresas aéreas mais importantes do país,
sendo ela uma das fundadoras da ponte-aérea Rio-São Paulo. Ainda, a instalação
de auxílios de navegação, estações de rádio e meteorológicas haviam sido
montadas e operadas pelo pessoal da Pan-American e Panair. Até hoje, parte da
infraestrutura construída por estas empresas ainda é utilizada, principalmente as
construídas nas décadas de 1950 e 1960.
7 Equipagens
Como as aeronaves herdadas das antigas aviações não atendiam aos novos
requisitos, quase toda a frota da FAB teve que ser adquirida, para atender as
851
demandas de defesa nacional e do continente, e elas foram fornecidas pelos norte-
americanos. O avião de tempos em tempos deve passar por revisão, mas os
motores, partes móveis, hidráulicas e elétricas, além dos instrumentos de bordo,
devem ser substituídos com uma frequência maior. Tanto que, em 1941 a Bendix
Co., empresa de fornecimento de materiais aeronáuticos e sobressalentes, por meio
da representação da firma Luiz F. Braga e Filhos, solicita a instalação de uma
unidade para estoque de peças aqui no Brasil, de modo a atender aos pedidos da
FAB (BRASIL, 1941, p.694).
Com a lei de Lend & Lease, que facilitava a aquisição de materiais e equipamentos
bélicos, a FAB conseguiu modernizar sua frota. Há que se observar que esta
modernização não foi só percebida pelos brasileiros, mas de uma maneira geral,
colocou a FAB em contato com o que havia de mais moderno na época.
Uma das provas desta transferência direta dos Estados Unidos para a FAB é a
transferência de 4 canhões antiaéreos, que defendiam Nova York, diretamente para
o Brasil (CONN; FAIRCHILD, 2000, p.381). Isso vem a corroborar com a tese de que
não foi fornecida sucata para a FAB. A principal questão da transferência de
materiais e equipamentos para o Brasil era a capacidade industrial dos Estados
Unidos em suprir as demandas. Com as tropas norte-americanas envolvidas em
ações por toda a Europa e parte do Pacifico, uma grande quantidade de suprimentos
e materiais era demandada por suas tropas, acarretando atrasos nos repasses para
os aliados e até mesmo o não fornecimento.
Até para as próprias tropas eram negados alguns equipamentos. Num oficio
expediente da representação norte-americana no Rio de Janeiro, de 17 de julho de
1942, é solicitado um avião para apoiar as atividades do departamento de
852
inteligência365. A resposta vem em setembro daquele mesmo ano, que a aeronave
(um Lockheed Lordestar) estava sendo emprega em apoio às atividades do Exército
norte-americano em outra região366.
Não que, a isso, não tenha somado o interesse do governo norte-americano em nos
fornecer itens de segunda mão ou mesmo com vida útil reduzida, mas que a
incapacidade de suprir as múltiplas demandas é algo que precisa ser observado em
primeiro plano, observando o desenrolar da guerra.
Com o fim da guerra surgiu uma nova era da aviação, a do jato. Ainda durante os
combates da Segunda Guerra Mundial, alemães, britânicos e japoneses testara
máquinas impulsionadas a motor a jato, elevando exponencialmente a velocidade
das aeronaves. Logo após a guerra os Estados Unidos e Rússia também passaram
365
Carta-oficio enviada pelo então Major de Infantaria James R. Hughes ao Chefe do Serviço de Inteligencia, do
Departamento de Guerra – Washington-DC. Escrita em 8 de julho de 1942 e enviada em 17 de julho de 1942.
NARA, nº 745073, desclassificado.
366
Carta-oficio respondendo a solicitação de 17 de julho de 1942. Enviada pelo Coronel Claude M. Adams,
representante militar no Rio de Janeiro, escrita e enviada em 1 de setembro de 1942. NARA, nº 745073,
desclassificado.
853
a desenvolver tal tipo de motor. Mas junto com o motor, havia o refinamento das
técnicas de construção e aerodinâmica.
Estas aquisições diretamente dos Estados Unidos, e somente deles, pela Lei de
Lend & Lease, foi num ritmo e volume tão grandes que o Ministério da Aeronáutica
elaborou uma portaria, a 197, de julho de 1945, a fim de padronizar os pedidos de
materiais daquele país (BRASIL, 1945, p.550). Sem contar que, ainda sobre
materiais, os Estados Unidos doaram a FAB os uniformes e vestimentas de frio para
o pessoal que estava treinando lá e os que estavam envolvidos nas operações de
guerra na Itália (BRASIL, 1945, p.98). Além, tornou-se padrão, como arma individual,
as pistolas Colt e revólveres Smith & Weasson, ambos de calibre .45‖ e de
procedência norte-americana.
854
O último ponto sobre a questão material é a dos recursos financeiros e capacidade
de pagamento. A FAB, quando escolheu o P-47 foi, não só pela capacidade de
sobrevivência, mas também pelo baixo custo operacional, de aquisição e mecânica
simples. A falta de recursos financeiros nos impedia de comprar itens com maior
capacidade tal como o P-51. O mesmo ocorreu com o Gloster Meteor que possuía a
melhor relação custo-benefício e menor valor operacional e de aquisição frente aos
concorrentes norte-americanos.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e consequentemente o Lend & Lease, a FAB
ficou sem uma canal de obtenção de material. Com a mudança dos interesses
norte-americanos, visando logo após a guerra, a contenção da ameaça soviética, os
Estados Unidos criaram, entre 1946 e 1955, o MAP (Military Assistence Program).
Por este canal A FAB buscou se adequar as novas tecnologias que estavam
despontando no pós-guerra, no caso, o motor a jato e os primeiro misseis e
foguetes. As dificuldades impostas pelo congresso norte-americano, já que a região
latino-americana já não possuía prioridade em relação a segurança, fez com que a
FAB buscasse outras opções, vindo a comprar o Gloster Meteor, mas, já
extrapolando o espaço temporal deste estudo, o MAP viria a ser o mecanismo de
compra de material estadunidense, como o caça F-5, o cargueiro C-46 e o
helicóptero Bell47.
8 Pessoal
Outro ponto que deve ser observado é a questão do treinamento de pessoal, oficiais,
subalternos, tripulantes e técnicos. Os pilotos e tripulantes (nem todos eram oficiais,
havia sargentos e cabos pilotos) já haviam se brevetado antes da criação do
Ministério da Aeronáutica, mas com a grande demanda de pilotos, e também a
qualificação para o voo nas novas e modernas aeronaves, a grande maioria dos
pilotos teve que ir aos EUA, para terem contato com uma aviação que para a época
era referência.
855
Por exemplo, a formação dos integrantes do 1ºGAvCa que foi a Itália, realizou-se em
Aguadulce Air Field – Panamá, e na Army Air Force School of Applied Tactics – EUA
(BRASIL, 1947, p.145). Já os futuros pilotos, nesta situação, somente oficiais
reservistas, fizeram toda a escola, desde o aprendizado de voo e adaptação, nos
EUA e conforme a guerra evoluía, foi sendo transferida esta instrução para o Brasil.
Em 1943, a FAB e a USNAVY criaram a USBATU (United States Brazilian Training
Unit) para formar o pessoal que fora designado para atuar na defesa da costa
nordestina (INCAER, 1991, p.479), principalmente os que iriam operar a aeronave
PV-1. Mas como a demanda de pilotos era muito superior à formada, os reservistas
oriundos dos também recém-criados CPORAer, assim que eram aprovados nos
cursos, já eram incorporados à ativa.
Salgado Filho, em viagem aos EUA, conheceu os métodos de treinamento privado das
escolas de formação de pessoal técnico da aviação do exército norte-americano,
contatando o reitor de uma das escolas, que logo em seguida, assinaram um contrato,
vindo a se instalar em São Paulo, como Escola Técnica de Aviação. Esta instituição foi,
com a fusão da antiga escola do Galeão, a base para o que hoje é a Escola de
Especialistas da Aeronáutica, em Guaratinguetá-SP. Até os moldes de como era o
treinamento no período da guerra são similares aos de hoje.
Com o fim da guerra, o fluxo de pessoal enviado aos EUA a fim de estudo foi sendo
reduzido. O envio era de tal forma que a FAB criou regulamentos de envio de
bagagem de pessoal aos EUA. Em 1947 a Escola Técnica de Aviação foi desfeita,
dando prosseguimento à formação de técnicos exclusivamente pela Escola de
Especialistas da Aeronáutica e por um quadro de instrutores totalmente brasileiro.
856
A questão financeira também influenciou neste ponto. Da mesma forma que ao
abordar a relação material, na de pessoal, as poucas escolas de formação de
pessoal, tanto de subalternos técnicos, quanto de oficiais nas diversas modalidades,
foi afetada pela quantidade de centros de formação e a duração dos cursos
(subalternos – 2 anos; oficiais – 4 anos mais especialização). Enquanto nos EUA a
formação era feita em diversas escolas, cada uma com uma especialidade e
finalidade e seguiam uma padronização, no Brasil era concentrado em poucas
(técnicas-3 e de oficiais-1) e seguiam diferentes métodos de ensino.
Como a demanda por pessoal era muito grande, já que as aeronaves operadas
eram as dezenas e a manutenção de cada uma demandava vários especialistas, a
capacidade em operar tais aeronaves era afetada. O ritmo de manutenção era
crescente, fazendo com que as aeronaves disponíveis para as operações
diminuíssem. Tanto que, durante as operações do 1º GAvCa na Itália, não houve
recompletamento de pessoal, nem dos mortos ou feridos, nem para troca de pessoal
para descanso dos que estavam lá. Esta é outra questão pela qual não se podiam
operar equipamentos de mecânica complexa, sendo preferíveis equipamentos
simples, mas com relação custo-benefício grande.
857
Dentro do Ministério havia pessoal norte-americano, dando suporte à estruturação
da nova pasta. Ainda em 1944, o EMAer publicou uma portaria a fim de regularizar
tal presença em sua estrutura367.
9 Pensamento
Quando foi criado o Ministério da Aeronáutica o que se buscou foi romper com o
antigo pensamento e modus operandi que a Missão Francesa nos impôs. O maior
problema é que esta ruptura de paradigma veio em meio a uma crise internacional, a
Segunda Guerra Mundial. Com o alinhamento junto aos norte-americanos, a
introdução do modelo de emprego e pensamento deles foi inevitável. Mas já
começou a se pensar num modelo de pensamento sobre Poder Aéreo próprio, de
modo que melhor atendesse aos interesses nacionais.
367
Estado-Maior da Aeronautica. Boletim Reservado Nº4. Permanencia de Militares Extrangeiros na Força
Aérea Brasileira – Transcrição De Aviso. Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1944 (desclassificado pela SPADS-
EMAER em 20-04-2012).
858
Por isso a responsabilidade pela proteção marítima e defesa do litoral recaiu mais
sobre a FAB. Com a presença de Ingram gerenciando a estruturação da defesa
brasileira, coube as Forças Armadas do Brasil seguirem o modelo norte-americano.
Se observarmos nosso enquadramento em relação à guerra, podemos ter dois tipos
de atuação, uma estratégica e outra tática. Motta (2001, p.18) afirma que durante os
anos 1940, a FAB foi intrinsicamente tática. Isto se dá pela forma com que foram
empregadas as forças, subordinada aos norte-americanos em um teatro de
operações de menor escopo.
859
(BRASIL, 1946, p.1399). A ECEMAR só seria criada em dezembro de 1947, mas
regulamentada em abril de 1948 (BRASIL, 1948a, p.248).
Enquanto o Poder Aéreo era somente visto como emprego militar em muitos países,
tal como Mitchell pregava, o pessoal que antes da guerra voava nas linhas do CAN,
passaram a desenvolver a ideia de um poder aéreo focado para a defesa, mas
também para a integração nacional. Parte das aeronaves que foram utilizadas na
proteção do litoral, que possuíam grande autonomia de voo, foram adaptadas para
operarem na região amazônica após a guerra. Logo a FAB passou a desenvolver
um poder aéreo não convencional, ficando as unidades de combate na defesa da
região sul, sudeste e nordeste e as unidades de ―assistência‖ nas regiões centro-
oeste e norte. Está ligação foi de tal importância que o CAN não ligava somente o
860
país, mas também o continente, com voos para, além dos Estados Unidos, Bolívia,
Guianas e Paraguai (BRASIL, 1946, p.1200).
Por mais que hoje, o CAN seja uma atividade secundaria na doutrina da FAB, na
década de 1940, foi uma artífice de integração, sendo observado em alguns
momentos uma atenção maior a está função do que a reestruturação da força de
defesa, com a manutenção de caças já antiquados a tal função, cuja modernização
só viria a ser feita em meados da década de 1950.
10 Considerações Finais
A relação entre a FAB e os Estados Unidos, entre 1941, anos da criação do Ministério
da Aeronáutica e 1948, ano da publicação do primeiro esboço de doutrina daquela força
se deu de diversas maneiras. Relação, no sentido de que a FAB teve contato com um
considerado volume de informações, saberes e modus operandi norte-americanos,
absorvendo, incorporando ou assimilando de diversas formas.
Entre 1930 e 1945 os Estados Unidos procurou estreitar suas relações com os
países da América do Sul, através de uma política de diálogo cordial. Esta política foi
recebida de maneira diferente entre as principais nações do continente sul-
americano. O Brasil passou buscar alavancar seu desenvolvimento econômico e um
melhor posicionamento no cenário internacional, e para isto era necessário o
alinhamento e a aproximação com uma das potências da época. Após pressão
internacional e vantagens econômicas ofertadas, optou-se pelo alinhamento com os
Estados Unidos, mesmo sob certas condições.
861
Durante o período da guerra o Brasil ficou condicionado as vontades e
capacidade produtiva dos Estados Unidos, uma vez que o Brasil era
imprescindível para a defesa do continente e dos territórios estadunidenses.
Enquanto havia o interesse na parceria com o Brasil, os Estados Unidos
incentivaram as relações entre os dois países, mas, com a mudança de foco nas
relações internacionais, o Brasil passou para o segundo plano, uma vez que o
foco passou a ser a Guerra Fria e a defesa da Europa.
Estes reflexos podem ser vistos pela forma com que a arma aérea se estruturou
e forjou seu pensamento, incorporando no princípio de sua origem, o
pensamento de uma nação que surgia como referência em termos de material e
pensamento. Ainda hoje, os princípios que norteiam a doutrina de emprego da
FAB são muito similares aos da Força Aérea dos Estados Unidos. Identificando
as raízes do nosso pensamento, podemos ver a forma de nossa evolução e o
caminhar ao longo dos anos.
Referencias Bibliográficas
_____, _____. Caderno de Boletins do ano de 1942. Rio de Janeiro: MAER, 1942.
_____, _____. Caderno de Boletins do ano de 1943. Rio de Janeiro: MAER, 1943.
_____, _____. Caderno de Boletins do ano de 1944. Rio de Janeiro: MAER, 1944.
_____, _____. Caderno de Boletins do ano de 1945. Rio de Janeiro: MAER, 1945.
_____, _____. Caderno de Boletins do ano de 1946. Rio de Janeiro: MAER, 1946.
_____, _____. Caderno de Boletins do ano de 1947. Rio de Janeiro: MAER, 1947.
862
CONN, Stetson; FAIRCHILD, Byron. A estrutura de defesa do hemisfério
ocidental. Rio de Janeiro: Bibliex: 2000.
863
COLÉGIO MILITAR: UMA ADEQUAÇÃO NECESSÁRIA.
Nikita Kruchtchev.
864
Segundo Guibernau há uma nítida relação entre altos níveis de alfabetização e o
surgimento de um nacionalismo promovido pelo Estado. Constata-se que onde
houve um bem sucedido sistema de instrução promovido pelo Estado, houve o
desenvolvimento de um forte senso de comunidade. Onde o Estado teve sucesso na
imposição de uma cultura e de uma língua, desenvolveu-se um sentimento de
patriotismo entre os seus cidadãos e estabeleceu-se uma combinação de várias
espécies de relações econômicas, territoriais, religiosas, linguísticas e culturais que
foi bem além da simples conexão política..
Para Marc Ferro, a imagem que temos de nós próprios ou de outros povos está
associada à história que nos foi contada na infância e suas principais lições
perduram ao longo de nossas vidas. Em um sentido amplo, através da análise da
história que se conta às crianças e aos adultos, Ferro acredita ser possível conhecer
a identidade de uma sociedade e de sua trajetória ao longo do tempo e que, apesar
865
das inevitáveis mudanças, se pode distinguir uma matriz da história de cada país
que permanece ao longo das gerações, marcando a consciência coletiva de cada
sociedade. Portanto, torna-se relevante conhecer os elementos constitutivos dessa
matriz para delinear uma representação ampla, tão fiel quanto possível, de cada
coletividade ou nação. É dessa visão de conjunto que se origina a nossa
representação dos outros e a nossa representação de nós mesmos373. Ferro
considera essencial o estudo da identidade que existe em cada história nacional
para que se torne possível distinguir as visões que cada cultura nacional possui de
seu próprio passado, e do passado das demais sociedades.
373 Edward Said em Cultura e Imperialismo constatou que “ uma das mais difíceis verdades que descobri
trabalhando neste livro é que pouquíssimos, dentre os artistas ingleses ou franceses que admiro, questionaram a
noção de raça “submissa” ou “inferior”, tão dominante entre funcionários que colocavam essas ideias em prática,
como coisa evidente, ao aceitarem governarem a Índia ou a Argélia. Eram noções amplamente aceitas, e
ajudaram a propelir a aquisição imperial de territórios na África ao longo de todo o século XIX” (SAID, 2011, p.
12-13).
374 Segundo Cesare Segre, os fundamentos conceituais da narração encontram-se claramente delineados na
Poética de Aristóteles. A ação de narrar pode ser descrita como “a realização linguística mediata que tem por
finalidade comunicar a um ou mais interlocutores ume série de acontecimentos, de modo a fazê-lo(s) tomar parte
no conhecimento deles, alargando assim o seu contexto programático.” (SEGRE,1989, p. 58).
866
Esteja ela a serviço do Estado, da Igreja, do Islão ou do Partido, essa história
institucional é um discurso ativo sobre a história que se está fazendo; e, como
a história, esse discurso necessariamente evolui, mudando com constância
seu sistema de referências, sofrendo toda espécie de metamorfoses,
aceitando modos diferentes de escrever. De forma que, conforme a natureza
dessa missão, conforme a época, o historiador adotou determinado conjunto
de fontes, escolheu um outro método; mudou de fontes ou métodos como um
combatente muda de arma e de tática quando as que utilizava até o momento
perdem a sua eficácia (FERRO, 1989, p. 23).
É portanto perfeitamente possível, a partir do que foi exposto acima, concluir que a
legitimidade histórica de uma instituição depende, também, de sua capacidade de
produzir narrativas históricas institucionais que, associadas a ações políticas
concretas, sejam capazes de responder às questões postas pelos sucessivos
presentes, preservando assim o status da instituição no contexto social de cada
período histórico. Não só é absolutamente compreensível, como previsível, e até
desejável, que o Exército, como instituição a serviço do Estado no Brasil queira
produzir, e produza, uma versão institucional de sua história e da história do Brasil.
867
A História será estudada como conhecimento fundamental para a formação
do cidadão culto. Para tanto, não é necessário ―reescrever a História‖, como
alguns têm feito nos últimos anos, procurando denegrir nossos vultos
maiores e estabelecer versões ideológicas ou ―descobrindo‖ outras que
nunca encontraram apoio nos fatos.
O livro destinado ao primeiro ano do ensino médio, em sua edição de 2010, contém
apenas em duas únicas páginas a fundamentação teórica-metodológica de todo o
livro. Lá, não se observaqualquer menção ao papel do narrador na seleção dos
eventos apresentados e principalmente aos condicionantes de toda ordem que
atuam sobre o historiador durante a sua contrução da narrativa. Para os autores do
livro e da instrução acima citada parece haver apenas uma única e verdadeira
versão da História, a deles. As poucas e truncadas referências a outros autores,
Marc Bloch, Toynbee (não se menciona nem o seu primeiro nome) e Edward H. Carr,
todos da década de trinta do século passado,não citam de qual a obra foram
extraídas e muito menos qual a página que as contém. Contudo, o mais grave, sem
dúvida, é a total ausência de uma reflexão sobre a crucial questão da relação
sujeito-objeto na produção do conhecimento histórico.
868
Como exemplo do tratamento dado à História pelos autores do livro, buscar-se-á
analisar o evento que adquiriu, no âmbito da instituição militar o status de um mito375
- a Insurreição Pernambucana.
375 Segundo Jose Ferrater Mora, denomina-se mito a uma narrativa de algo fabuloso que tenha ocorrido em uma
época distante e pouco definida. Ele podem estar relacionado a demonstrações de heroísmo e é frequentemente
visto como marco fundador da história de uma sociedade ou do gênero humano em geral. O mito torna-se um
modo de ser, a forma de uma consciência. A consciência mítica pode ser investigada mediante uma análise
epistemológica que visa compreender a função do mito na consciência e na cultura. “A formação dos mitos
obedece a uma espécie de necessidade: a necessidade da consciência cultural. Os mitos podem ser considerados
como supostos culturais” (MORA, 1982, p.266).
376O que flexibilizava substancialmente o suposto monopólio comercial de Lisboa.
377Ver: “A luta global com os holandeses (1600-1663)” da obra clássica de Charles Ralph Boxer, O império
colonial português (1415-1825) que, inexplicavelmente, não é citada como referência no livro didático.
869
destruídos durante a invasão, estes proprietários organizaram-se para expulsá-los
da colônia.
Com base nesta citação, os autores do livro concluem que aí residiria as origens do
sentimento patriótico brasileiro. No entanto, uma leitura atenta mostra a intrínseca
tibieza desta proposição. O documento citado é claro quando explicita o objetivo de
restaurar a pátria. Ora só se restaura algo que já existe, no caso a pátria portuguesa
e não uma primordial pátria brasileira como pretendem os autores da obra em
questão. Além dessa incongruência, cabe uma indagação final: Se, havia de fato
naquele momento, um suposto sentimento de pátria brasileira, por que o movimento
insurrecional não desdobrou em uma luta pela independência colonial ? Ao contrário,
após a expulsão dos holandeses, os líderes do movimento voltaram-se docilmente
para o domínio de Lisboa.
Além dos problemas de natureza acadêmica, a adoção imposta dessa coleção didática
tem trazido severos contrangimentos a imagem pública do Exército. O segundo volume
da coleção destinada ao ensino fundamental foi retirado de circulação por decisão
870
judicial que atendeu a uma representação do Ministério Público que apontava as
interpretações profundamente ideológicas contidas em seu texto378.
No mês de julho, uma professora doutora do Colégio Militar de Porto Alegre foi
afastada de suas turmas em razão das críticas que fez ao livro. Ela foi reconduzida a
sala de aula por decisão judicial que acatou a sua represntação contra o Colégio por
assédio moral.
378 Para uma contundente análise crítica e técnica produzida na Academia sobre este volume da
coleção,ver http://www.anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=1864. Apesar do teor principal das
críticas estar voltado para o fato da coleção deturpar o conhecimento histórico disponível ao público sobre os
acontecimentos que levaram à deposição do presidente João Goulart, há neste documento uma preciosa análise
técnica do volume destinado ao ensino fundamental. Essas críticas são muito pertinentes e precisam ser lidas
com muita atenção.
871
histórico. Torna-se, portanto, absolutamente vital à liderança de uma instituição
perceber quando contextos até então vividos como presentes começaram a fazer
parte da história. O fim da Guerra Fria (1991) foi um acontecimento tão dramático que
quase ninguém deixou de perceber e a perspectiva aterradora da aniquilação nuclear
mútua, uma das marcas registradas do período, desapareceu e virou História.
Contudo, o fim de outros ciclos históricos nem sempre foram tão evidentes e sua
percepção requer um espírito crítico mais arguto que apenas o do homem comum.
O difícil momento que Exército enfrenta na sua relação com a sociedade civil deriva,
em grande parte, da incapacidade desta instituição de interpretar o fim de um ciclo
histórico, do qual foi o principal protagonista. A polarização ideológica oriunda dessa
época não mais existe, e sua existência no passado precisa ser reinterpretada
historicamente, e posta no lugar onde de fato ela está, no passado histórico. A
Guerra Fria acabou. A doutrina da Segurança Nacional tal como formulada durante
aquele período histórico deixou de fazer qualquer sentido. Não há mais ―comunistas
e nem um hipotético movimento comunista internacional infiltrado nas sociedades
que visa subverter os ideais da democracia, da liberdade e nos levar ao
totalitarismo‖ (sic).
379 Talvez não haja exemplo mais emblemático de um “ajuste de contas com a história” do que o contido
no documento "Memória e Reconciliação: a Igreja e as Culpas do Passado", divulgado na quaresma do ano
de2000. Neste documento, o Papa João Paulo II, em nome da Igreja católica, pede o perdão divino para os
crimes que a instituição e os seus seguidores cometeram ao longo de sua história.
872
do mundo. O discurso institucional do Exército brasileiro sobre suas ações no passado
histórico precisa ser assentado em novas bases. É importante também que, nesse
processo, a instituição adeque o seu discurso aos discursos institucionais dominantes,
integrando-se às demais elites brasileiras no processo de construção de uma identidade
nacionalmais adequada para o novo lugar que o Brasil diz pretender ocupar no sistema
e na ordem internacional do século XXI.
Tal como ocorreu na formação das identidades nacionais dos Estados europeus, no
final do século XIX, quando palavras e propagandas, não foram suficientes para
legitimar a existência das instituições controladas pelas suas respectivas elites
nacionais, no Brasil, deste início de novo século, torna-se absolutamente indispensável
que as elites do Exército tomem decisões políticas definitivas e que expressem a
disposição desta instituição, de se adaptar aos novos tempos históricos380. Esta
disposição possibilitaria relegar os incômodos episódios do passado ao próprio
passado, livrando, de uma vez por todas, a instituição dos estigmas, dos fantasmas e
esqueletos que esse passado ainda mantém presentes e vivos, nos dias de hoje.
Referências Bibliográficas
380Ver os artigos de Desmond Tutu e Renato Lessa sobre, respectivamente, o processo de reconciliation na
Africa do Sul, e a Comissão da Verdade no Brasil. Ambos foram publicados no Estado de São Paulo, em 22 de
maio de 2012: aliás, J5.
873
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara
Koogan Ltda, 1989.
GUIBERNAU, Montserrat .Nacionalismos: o estado nacional e o nacionalismo
no século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
HADDOCK, Bruce A. Uma introdução ao pensamento histórico. Lisboa: Gradiva
Publicações Ltda, 1989.
HOBSBAWN, Eric J. Industria e imperio: una historia económica de Gran
Bretaña desde 1750. Barcelona: Editorial Ariel, 1977.
_____. Nações e nacionalismo desde 1870; programa mito e realidade. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.
_____; RANGER, Terence. A invenção das tradições. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 2006.
JOLL, James. The origins of the First World War. London: Longman, 1988.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: Editora da Universidade
Estadual de Campinas, 1992.
MAYER, Arno J. A Força da Tradição: a persistência do antigo regime. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987.
_____ Political Origins of the New Diplomacy 1917-1918. New Haven: Yale
University Press, 1959.
SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda, 2011.
SEGRE, Cesare. ―Narração‖, in: Enciclopédia Einaudi vol. 17, Literatura e Texto.
Porto: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1989: 57-69.
Internet
http://www.anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=1864
Períodicos
O Estado de S. Paulo, 22 de maio de 2012.
874
A GÊNESE DO ENSINO DOS SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES E INTELIGÊNCIA
NO BRASIL: A ESCOLA NACIONAL DE INFORMAÇÕES
Nós éramos amadores. Então tínhamos que ter uma escola que formasse
agentes de informações. Esse foi o objetivo principal da [EsNI] [...]. Era uma
escola completa, com tudo de bom que as outras tinham. [...] Foi muito
bem-feita, muito bem construída, e foi muito elogiada por chefes de serviços
de informações estrangeiros que a visitaram como uma das melhores do
mundo (D‘ARAÚJO, 1994, p. 71).
381
Mestre do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP – Campus de Franca
875
Desde que surgiu o SNI, oriundo do antigo SFICI, a cada dia vinha se
acentuando a necessidade de articular os órgãos de Informações,
estabelecendo entre eles a necessária coordenação e hierarquia técnica.
Sentia-se falta de consolidação de fluxos adequados de entendimento,
representados por canais fidedignos e por uma linguagem comum.
O general Ênio dos Santos Pinheiro relata o momento em que foi responsabilizado
pela criação da EsNI:
876
a criação da EsNI. Perante a ausência de especialização do quadro de funcionários,
essa iniciativa deveria estar voltada também, à capacitação dos agentes pois
Primeiro, a Escola deveria ser em Brasília. E também tinha que ser eclética,
fazer a integração entre civis e militares. Então, fomos buscar
especialização nos lugares em que havia militar e civil juntos. Por exemplo,
eu fui para os Estados Unidos. O serviço de informações dos Estados
Unidos, a CIA, é civil, o FBI é civil. Mas eles não trabalham sozinhos, de
jeito nenhum. As Forças Armadas têm um grupo separado para trabalhar
com esses dois órgãos: são os adidos militares. O chefe da CIA nunca
comandou. Só o adido militar. Veio ao Brasil, foi ao mundo inteiro. Era um
especialista. Porque é preciso aproveitar o indivíduo (D‘ARAÚJO, 1994, p.
133).
877
Entretanto, o que mais aproximava a comunidade de informações à realidade
brasileira foram escritos da Escola Superior de Guerra, principalmente ao que se
relaciona com a Doutrina de Segurança Nacional, e informações herdadas do antigo
Serviço Federal de Informações e Contra-informações (SFICI) (FIGUEIREDO, 2005).
Desta forma, fazia-se urgente a formulação de uma doutrina única e empregada por
todos os órgãos do SISNI, tendo como prerrogativa inicial, de acordo com o Plano
Nacional de Informações, a criação de uma Escola. O desenvolvimento posterior do
sistema, baseado na produção doutrinária, levaria em conta uma base comum
teórica e metodológica, além de contar com um treinamento prático, possibilitado
pelos cursos fornecidos pela EsNI. Tais cursos deveriam seguir os procedimentos
exigidos pelos Planos Gerais de Ensino (PGE), anuais, continuados, que regulavam
as atividades de ensino e de doutrina a partir do funcionamento da EsNI.
878
Oliveira apresenta um dos aspectos tratados pelo Manual, que ressalta a finalidade
da atividade de informações, tal como extraído do M-07:
A partir deste momento, a EsNI implantou uma política de capacitação dos recursos
humanos, tendo por base um trabalho técnico de definição de perfil profissiográficos
que seriam encaminhados para as funções de Analista de Informações e para fazer
parte das operações. Este processo teve o ápice de seu desenvolvimento com o
general Otávio Aguiar de Medeiros, diretor da EsNI entre 1975 e 1978 e só pôde ser
alcançado satisfatoriamente a partir do suporte técnico de um quadro de
psicológicos que integravam a Divisão de Psicologia do Departamento de Doutrina e
Pesquisa da Escola (OLIVEIRA, 1999).
879
indicada para tanto. Ademais, era necessária, também, a centralização das
principais atividades do governo na nova capital.
A Escola recaiu na última opção, por diversas razões como segurança física,
desimpedimento da área e acessibilidade. Sendo assim, a EsNI estabeleceu-se em
um conjunto arquitetônico harmonioso, que atendia às propostas de beleza,
funcionalidade, adequando-se aos princípios da atividade de inteligência.
Inicialmente, pensou-se em edificar a Escola em um prédio único com vários
pavimentos, porém, por questões de segurança e de confiabilidade, a obra foi feita
em vários blocos separados, obedecendo ao quesito básico da inteligência: a
compartimentação de informações. Desta forma, as atividades desenvolvidas em
determinada estrutura não seriam de conhecimento de outras estruturas. Destarte,
além de atender às demandas do ensino regular e de formação e capacitação dos
futuros agentes de inteligência, permitia uma certa flexibilidade para estender sua
capacidade e utilizar novas formas de atuação dentro do campo do ensino.
O general Ênio dos Santos Pinheiro, ao relatar a sua inserção na criação da EsNI,
explicita como foi iniciado seu processo de elaboração:
880
Houve dificuldades, porque a Novacap teve que penetrar, conhecer, para
saber o que ia fazer. E tínhamos um stand de tiro subterrâneo, uma porção
de coisas. Foi um pouco complicado (D‘ARAÚJO, 1994, p. 131).
382 A notoriedade do curso de idiomas da EsNI foi tão grande que seu laboratório de idiomas foi considerado o
melhor da América Latina e significativamente pareado com os de outros serviços de informações dos países
desenvolvidos.
383 A montagem desse estande de tiros foi a maior dificuldade encontrada pela empresa responsável pela
construção, a Novacap.
881
A estrutura funcional da EsNI, basicamente compreendia a Direção e o
Departamento de Ensino, responsável pela organização e execução dos cursos
básicos (A, B e C) e dos estágios, variáveis em cada ano, para atendimento de
informações circunstanciais. Este departamento possuía também uma Divisão de
Pedagogia, com encargos de planejamento do ensino e seu devido controle
882
doutrina. A preferência na escolha da equipe de instrutores da Escola era por
pessoas que tinham experiência na área de informações, embora o general Ênio dos
Santos Pinheiro demonstrasse a intenção de mesclar militares e civis dentro do
quadro de funcionários.
Fomos pegando as pessoas que tinham função de informação, que já
possuíam vivência nesse assunto [...] Desde o princípio tivemos a
preocupação de colocar alguns civis, além do pessoal do Exército, da
Marinha e da FAB. Esse era o núcleo central da Escola [...].
Alfred Stepan indica as principais diferenças entre a EsNI e ESG, no tocante à sua
estruturação, quadro de funcionários, entre outros:
385
Segundo tradição oral, Montares remete à jovens oficiais. Entretanto, dicionários consultados não apresentam
o verbete, embora tenha sido empregado na tese de doutorado de Joanisval Brito Golçalves, fonte relevante para
esta etapa da pesquisa.
883
vinculada a um órgão operacional, enquanto a ESG tendia a formular
doutrinas abstratas e não mantinha vínculos operacionais. A EsNI era uma
escola profissional, de quatro graus, que tinha por incumbência o
treinamento de todos os candidatos ao Sistema Nacional de Informações, a
aplicação de testes e o ensino de inglês, espanhol, russo, alemão, francês e
italiano e, eventualmente, árabe, ao passo que a ESG [...] era um misto de
curso de orientação e curso de extensão universitária. Dentro da arena
intra-estatal a EsNI estava, claramente, acumulando recursos poderosos.
(STEPAN, 1996, p. 29).
884
nas Forças Armadas, o posto de segundos-tenentes. Posteriormente, havia uma
rigorosa seleção que incluía investigação social, exames médicos na Policlínica da
Aeronáutica e psicotécnico. Após aprovados, Lucas Figueiredo indica que os
candidatos eram convidados a abandonar seus postos nas Forças Armadas e cursar
a Escola, entretanto, o curso de informação na EsNI não garantia efetivamente um
emprego no SISNI ou no SNI. Além dessas características o futuro analista ―deve
possuir raciocínio lógico apreciável, percepção e objetividade, assim como
conhecimentos concernentes às atividades de Informações, e às necessidades de
Informações dos Órgãos Governamentais, a fim de capacitá-lo a realizar essas
atividades mentais com sucesso‖ (EsNI, 1972).
A EsNI foi incumbida da formação de civis que integrariam o SISNI e o SNI, afinal
este era um órgão modaldo na CIA, e portanto, de caráter civil. Desta forma, a
grande maioria dos alunos que integrou o quadro discente da EsNI eram civis,
selecionados entre os funcionários dos ministérios, preferencialmente jovens,
empresas públicas e autarquias, que se interessassem ou tivessem aptidão para
trilhar a carreira na área de informações e inteligência.
885
superior completo ou incompleto e integrariam o quadro de funcionários do SNI da
década de 1980 até 1990. Não obstante, os postos chaves ocupados na ABIN 386
provinham destes analistas de carreiras, os oficiais R-2, salvo, raras vezes, os
concursados.
386 Márcio Paulo Buzanelli, Diretor-Geral da ABIN entre os anos 2005 e 2007, fazia parte dos oficiais R2.
387Tanto o Curso da ESG quanto o do CEP, ao serem transferidos para a Escola Nacional de Informações,
foram desativados em suas escolas de origem.
886
detentores de postos de capitão e major, e civis com curso universitário completo
(OLIVEIRA, 1999).
388 Posteriormente, serão discutidas com maior precisão as matérias e temas debatidos nos referidos cursos.
389 Os cursos categoria “A”, “B” e “C” foram regulados pelo primeiro Regulamento da EsNI, baixado em 1972,
diploma que também contemplava os demais programas de ensino, denominados Estágios.
887
No caso dos adidos militares, e também das pessoas que, embora no exterior,
tivesse contato com informações, a EsNI também oferecia um curso, contendo,
inclusive, programas de total imersão idiomática.
Destinado aos Ministros de Estado, outro programa especial contou com uma carga horária
de 48 horas. Segundo o general Ênio Pinheiro, todos os ministros deveriam fazer esse
curso, embora separados, para lhes ensinar o que era informação, como usar essas
informações que lhes eram repassados, sua utilidade e importância.
888
Pedagogia para a organização do Curso de Analistas do Campo Econômico390, o
primeiro e único Curso de Aperfeiçoamento de Analistas realizado pela EsNI.
A Divisão de Pedagogia da EsNI, por sua vez, elaborou uma pesquisa pedagógica,
consultando, tanto em esfera nacional quanto internacional, os prováveis
conhecimentos que deveria ser portador um analista de estratégia para o
cumprimento adequado de suas incumbências e funções.
889
É possível entrever indícios, ainda que obscuros e não declarados, de que a
modificação do objetivo principal, tal como ocorreu com o SNI, também se apresenta
na EsNI. Quando o órgão se torna um parâmetro para Costa e Silva, seu objetivo
deixa de abarcar somente a coleta e a análise de informações bem como seu
fornecimento ao presidente da República e passa a ser possuidor de um papel de
assessoria, de formulador de ideologias e opiniões à presidência da República e à
vários recônditos da sociedade. Desta forma, pode-se entender o EsNI não como
um mera formadora que indicaria os caminho para a produção de informações que
subsidiariam as decisões do presidente, mas como uma formuladora dentro de um
sistema de informações.
Referências Bibliográficas
ANTUNES, Priscila. SNI e ABIN: uma leitura da atuação dos serviços secretos
brasileiros ao longo do século XX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002.
D‘ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. Os anos de
chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
890
GONÇALVES, Joanisval Brito. SED QUIS CUSTODIET IPSO CUSTODES? O
Controle da atividade de inteligência em regimes democráticos: os casos de Brasil e
Canadá. Tese de Doutorado. Brasília, 2008.
891
A ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DA AERONÁUTICA:
REPOSITÓRIO DO PENSAMENTO DO PODER MILITAR AEROESPACIAL
BRASILEIRO
1 Introdução
―Nem cora o livro de ombrear com o sabre, nem cora o sabre de chamá-lo irmão‖.
Em tal contexto, o presente trabalho tem por objetivo identificar de que maneira a
ECEMAR tem sido, desde sua criação, um verdadeiro repositório do pensamento do
Poder Militar Aeroespacial brasileiro.
391
Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica.
892
2 Metodologia
893
Estado-Maior for insuficiente para as necessidades do E.M. da Aeronáutica, poderão
ser utilizados nestas funções oficiais de reconhecida capacidade profissional‖
(BRASIL, 2005).
894
elevou a ECEMAR a uma situação de destacado prestígio‖ (LAVANÈRE-
WANDERELY, 1975). O primeiro Chefe (―Subdiretor‖) de Ensino da Escola foi o
Coronel-Aviador Nélson Freire Lavanère-Wanderley, cuja atuação na ECEMAR será
objeto de análise, em capítulo adiante.
895
O Tenente-Brigadeiro do Ar Nélson Freire Lavanère-Wanderley, carioca de
nascimento, foi declarado Aspirante-a-Oficial na antiga Escola Militar do Realengo,
em 1930. Destacou-se ainda como jovem tenente na ocasião em que, juntamente
com o então Tenente Casimiro Montenegro Filho, fez o primeiro voo do, à época,
Correio Aéreo Militar (mais tarde Correio Aéreo Nacional – CAN), a 12 de junho de
1931. Durante a Segunda Guerra Mundial, já no posto de Tenente-Coronel,
desempenhou a função de Oficial de Ligação da Força Aérea Brasileira junto ao
Comando das Forças Aéreas Aliadas no Teatro de Operações do Mediterrâneo.
Nessa função, pôde participar das atividades do 1º Grupo de Aviação de Caça da
FAB, na Itália, tendo voado em 19 missões de guerra.
896
da glória de Alberto Santos-Dumont, à época considerado ―Patrono da Força Aérea
Brasileira‖. Esta obra é de grande valia para a compreensão acerca da formação e
da consolidação do Poder Aéreo, uma vez que, nos dizeres de Eduardo Gomes, à
época Ministro da Aeronáutica,
897
Escola, que a ECEMAR foi escolhida para, após seu falecimento, receber sua
memorabilia, composta de condecorações, distintivos, brevês, citações e outros
documentos, dispostos em memorial em sua homenagem.
Foi autor de vasta obra, de caráter histórico e também doutrinário. Destacam -se
os livros ―Caminhada com Eduardo Gomes‖, escrito em 1984, no qual relata
significativa parte de sua carreira sob o comando do líder Marechal-do-Ar
Eduardo Gomes, quer nas linhas do Correio Aéreo Nacional, desbravando os
rincões brasileiros, ainda no tempo da aviação ―arco e flecha‖, quer no Nordeste
brasileiro, participando do esforço de guerra contra o Eixo, na Segunda Guerra,
executando missões de patrulha antissubmarino e auxiliando Eduardo Gomes a
implantar as bases e unidades aéreas da recém-ativada Força Aérea Brasileira,
em meio ao conflito.
Sua outra obra, ―Fronteiras‖, de 1986, apresenta um caráter mais doutrinário. Nele,
Deoclécio relata, após extenso trabalho de pesquisa histórica, não apenas suas
experiências nas missões de patrulha antissubmarino, na guerra, mas trata de todos
os aspectos da luta contra aquela ameaça, incluindo as estratégias e táticas da
guerra submarina e, por outro lado, o preparo e emprego das forças brasileiras e
norte-americanas que combatiam os submarinos do Eixo, nas porções Norte e Sul
do Oceano Atlântico.
898
Todos os ataques dos submarinos do Eixo, quer alemães ou italianos, levados a
efeito na costa brasileira, são relatados de forma pormenorizada, com recurso a
fontes históricas primárias.
899
O importante, porém, é o objetivo que a referida unidade se propunha
alcançar. No capítulo anterior, ficou clara a necessidade de uma evolução no
sentido de atualizar os conhecimentos dos aviadores da FAB, a fim de
capacitá-los a uma luta mais eficiente contra os submarinos inimigos, pois o
avanço da tecnologia não comporta mais a improvisação do arco e flecha
(SIQUEIRA, 1986, p. 105).
900
Murillo Santos escreveu, em 1989, uma obra de caráter doutrinário, denominada
―Evolução do Poder Aéreo‖, a qual se inicia com as conceituações básicas acerca
desse poder. Estabelece que o Poder Aéreo (ou Aeroespacial), é composto por três
elementos,
901
condições de impedir o voo do inimigo, ao mesmo tempo em que se garante esta
faculdade para nós mesmos‖ (SANTOS, 1989).
A par de Douhet, Murillo Santos relata as ideias do General William ―Billy‖ Mitchell,
do Exército dos Estados Unidos da América (EUA), ―defensor tenaz da organização
autônoma da Força Aérea‖ (SANTOS, 1989). Mitchell, contemporâneo de Douhet,
partilhava muitas de suas teorias, em especial aquelas relacionadas ao emprego
estratégico da aviação; conforme Santos,
902
Murillo Santos, ainda na sua obra fundamental, ―Evolução do Poder Aéreo‖, traça
uma visão geral da Aviação entre as duas grandes guerras. A princípio, relata a
experiência britânica com a criação da Real Força Aérea (Royal Air Force – RAF),
em 1918, e de seu principal propugnador, líder e organizador: o Marechal-do-Ar Sir
Hugh Trenchard. Oficial oriundo da Infantaria do Exército britânico, Trenchard
aprendeu a pilotar em 1912, com 39 anos de idade, já na patente de Major.
Participou da Primeira Guerra Mundial como aviador, tendo sido promovido a
general ainda durante a guerra. Sua brilhante participação no conflito levou as
autoridades militares britânicas a designá-lo para chefiar o processo de organização
da nova força armada.
903
O Terceiro Reich tinha construído bombardeiros que eram belas
máquinas voadoras, às quais se incorporavam os últimos
conhecimentos aerodinâmicos. Eram de excelente construção e
admiravelmente adequados à eficácia do piloto. Mas não possuíam o
alcance, a necessária capacidade de carga de bombas, a blindagem,
ou a potência de fogo, que os habilitasse a bombardear os objetivos,
nas verdadeiras condições de conflito aéreo (SEVERSKYapud
SANTOS, 1989, p. 79).
904
para temas ligados diretamente aos aspectos relacionados ao preparo e emprego
do Poder Militar Aeroespacial brasileiro.
905
Da simples visualização da tabela acima, é possível depreender-se que, dentre um
universo de 776 trabalhos científicos confeccionados pelos Oficiais-Alunos do
CCEM, em período de cinco anos, 431 deles tiveram por tema assuntos diretamente
relacionados com o preparo e emprego do Poder Militar Aeroespacial, perfazendo
assim 55,24%, ou seja, a maioria dentre o total de trabalhos. Destarte, tais números
validam a afirmação acima, confirmando ter a ECEMAR, efetivamente, significativo
papel na formulação do pensamento do Poder Militar Aeroespacial brasileiro.
5 Conclusão
No presente trabalho, foi investigado de que maneira a ECEMAR tem sido, desde
sua criação, um verdadeiro repositório do pensamento do Poder Militar Aeroespacial
brasileiro. No primeiro capítulo, discorreu-se brevemente acerca da metodologia a
ser empregada, nesta pesquisa. A seguir, osaspectos históricos da criação da
ECEMAR foram relatados, de forma a contextualizar a missão da Escola, no tocante
à produção de conhecimentos.
Face aos resultados obtidos, quer qualitativos, quer quantitativos, fica plenamente
demonstrado que a ECEMAR vem a er um efetivo repositório do pensamento do
Poder Militar Aeroespacial brasileiro, quer através da produção de conhecimento
científico por seus Instrutores, quer pelos escritos de seus Oficiais-Alunos.
906
Referências Bibliográficas
SANTOS, Murilo. Evolução do Poder Aéreo. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 1989.
907
Simpósio Temático 13
1 Introdução
392
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ) e analista do Centro de
Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra.
908
utilizada para se chegar aos resultados; a terceira parte tratará das variáveis
escolhidas para analisar os periódicos; a quarte parte fará uma análise dos
resultados face as variáveis descritas na parte anterior. As considerações finais
fecham o texto destacando erros e acertos e possíveis caminhos a serem trilhados
tendo em vista a contribuição dos periódicos editados pelas instituições militares
para a consolidação campo acadêmico-científico da defesa nacional no Brasil.
Bourdieu define campo como o ―[...] locus onde se trava uma luta concorrencial entre
os atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão‖
(ORTIZ, 1983, p.19). É o espaço onde se manifestam as relações de poder, o que
implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de um quantum
social, que determina a posição que um agente específico ocupa em seu seio. Bourdieu
denomina este quantum de ―capital social‖ (ORTIZ, 1983, p.21). O campo pode ser
considerado tanto um ‗campo de forças‘, pois constrange os agentes nele inseridos,
909
quanto um ‗campo de lutas‘, no qual os agentes atuam conforme suas posições,
mantendo ou modificando sua estrutura (BOURDIEU, 1996).
3 Metodologia
910
defesa. Este recorte inicial da pesquisa foi realizado investigando o papel das
instituições militares como editores científicos, cujos resultados encontram-se
descritos nesta comunicação.
Editor
911
comunicação na ciência. A maior parte das decisões a respeito do conteúdo dos
periódicos científicos é tomada pelos editores, e muito se têm indagado a respeito
do seu papel. Um dos papéis mais discutidos é o de gatekeeper da ciência. Esse
papel, segundo Crane, é aquele que se traduz pela função intermediária
desempenhada pelo editor entre autores e leitores no que concerne à seleção do
que o público vai ler. O papel de gatekeeper é mais difícil de desempenhar nas
ciências sociais, em que as decisões e as normas são mais subjetivas. É difícil
decidir o que é qualidade e o que não é. Para Munters, qualidade não é apenas
uma questão de exatidão. Eles funcionam não apenas como intermediários entre
autores e o público alvo, mas, principalmente, como integradores de interesses
diversos: de autores, do público, do publicador, da gráfica, do periódico, da
disciplina científica e dele mesmo.
Neste processo, editores são igualmente assessorados por seus pares enquanto
membros do corpo editorial na forma de referees ou de outras posições que
complementem o papel do editor. Nesse sentido, o editor não é um livre
empreendedor.
QUALIS Periódicos
912
indireta, seguindo critérios pré-estabelecidos. A classificação de periódicos é
realizada pelas áreas de avaliação e passa por processo anual de atualização.
Assim, os periódicos são enquadrados em estratos indicativos da qualidade, sendo o
A1, o mais elevado, seguindo-se os demais estratos (A2; B1; B2; B3; B4; B5) até o
C, com peso zero. É interessante observar que um mesmo periódico, ao ser
classificado em duas ou mais áreas distintas, pode receber diferentes avaliações.
Isto não constitui inconsistência, mas expressa o valor atribuído, em cada área, à
pertinência do conteúdo veiculado. (CAPES, 2013)
Área indexada
Periodicidade
913
Sistema OJS
1ª edição
914
idioma ou suporte físico utilizado (impresso, .online, CD-ROM e demais mídias). O
ISSN é composto por oito dígitos distribuídos em dois grupos de quatro dígitos cada,
ligados por hífen e precedido sempre por um espaço e a sigla ISSN. A aplicação do
ISSN apoia o controle bibliográfico universal e auxilia na produção editorial do país,
promove a identificação de títulos, a recuperação e transmissão de dados (IBICT,
2013).
Uma notícia veiculada pela Folha de São Paulo, em julho de 2013, informa a
suspensão de quatro revistas brasileiras pela Thomson Reuters, empresa que
organiza a lista do JCR. A notícia afirma que as revistas brasileiras usaram um
915
truque conhecido como "stacking" para inflar o fator de impacto. A prática é uma
espécie de citação cruzada. Uma revista A cita a revista B, enquanto a B cita a
revista A. Assim, a média de citações é inflada. O editor de uma das revistas
suspensas393, afirmou que pode estar havendo uma diferença de tratamento com os
brasileiros: "Os editores das revistas científicas do Brasil não são profissionais como
os da Europa e dos EUA. Nós somos autores" (MIRANDA, 2013).
Este fato reflete uma realidade no que se refere ao papel dos editores no Brasil. Se
os editores de revistas científicas do Brasil ainda pecam em quesitos como os
citados anteriormente, o que se dirá em relação aos editores de instituições militares
que ainda não desconhecem muitos fatores relacionados as práticas
institucionalizadas das atividades dos editores?
393
Bruno Caramelli, editor da revista da AMB.
916
dois periódicos: A Defesa Nacional e a Revista do Exército Brasileiro), elas se
encontram disponibilizadas em acessos eletrônicos diversos, mas nem sempre pelo
sistema OJS. O fato é que o uso da OJS é um dos requisitos para um periódico ser
aceito pelo portal Scielo, por exemplo, já que permite a interoperabilidade entre
acervos digitais.
917
Militares da ECEME, aprovando e recomendando a sua implantação, com a
avaliação ―Conceito 3‖ (CURSO..., 2013). Na Marinha, duas revistas estão
vinculadas à formação acadêmica: a Revista da EGN, editada pela Escola de Guerra
Naval, está diretamente relacionada à educação superior de pós-graduação em
Ciências Navais ministrada por aquela Escola; e a Revista de Villegagnon, editada
pelo Escola Naval, órgão de formação com graduação em Ciências Navais, ambas
reconhecidos pela Lei de Ensino da Marinha (BRASIL, 2006).
6 Considerações finais
918
Os resultados desta pesquisa revelam que a preocupação constante das instituições
militares em comunicarem os resultados de suas pesquisas remonta ao século XIX,
com a criação do primeiro periódico cientifico. Entretanto cabe ressaltar que a
inexistência da área do conhecimento Defesa nas agências governamentais como a
CAPES e o CNPQ faz com que os periódicos sejam classificados em outras áreas
interdisciplinares do conhecimento como Ciência Política e Relações Internacionais,
História, Engenharias, pulverizando os resultados das pesquisas nesta área de
conhecimento e dificultando a consolidação da área de Defesa como campo de
conhecimento.
Referências Bibliográficas
919
CAMPOS, Elson. Aeronáutica e Ciência: EEAR mantém Revista Científica.
Disponível em: http://www.jornalolince.com.br/2010/ago/pages/agora-reta.php.
Acesso em 26 mar. 2013.
COLEÇÃO MEIRA MATOS. Instituto Meira Matos. Rio de Janeiro, 1999. Disponível
em: http://www.eceme.ensino.eb.br/meiramattos/index.php/RMM. Acesso em 03
jul.2013.
JATM. Journal of Aerospace Technology and Management. DCTA. São José dos
Campos, 2009. Disponível em: http://www.jatm.com.br/. Acesso em 27 mar.2013.
920
MIRANDA, Giuliana. Quatro revistas brasileiras são suspensas de índice
internacional. Folha de São Paulo, 3. Jul. 2013. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/ fsp/saudeciencia/117034-quatro-revistas-brasileiras-
sao-suspensas-de-indice-internacional.shtml Acesso em: 03 jul. 2013
921
Simpósio Temático 14
Adriano Lauro394
1 Introdução
394
Escola de Guerra Naval
395
Escola de Guerra Naval
396
Conforme estipulado no Art. 3º da Constituição Federal: “Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento
nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”
922
Teoria Geral da Administração (TGA). Também são aproveitadas as palestras
ministradas no CPEM-2012.
Foi estabelecido como escopo o Ministério da Defesa que é visto como um sistema,
considerando-se as Teorias Sistêmicas da Administração e a Teoria da
Contingência.
Aqui será apresentado o referencial teórico para estruturação do trabalho. Para tal,
haverá uma explanação sobre como a estratégia pode ser elaborada e como ela
pode ser avaliada. Também, alguns conceitos básicos a respeito das teorias da
administração visando dar sustentabilidade teórica às avaliações que serão
realizadas no decorrer do trabalho.
a) Estratégia
São vários os autores que definem métodos para a construção de uma estratégia.
Utilizar-se-á o enfoque de Michel Godet por considerar que ele enfatiza a
prospectiva na construção da estratégia e, no entendimento deste autor, ser esse
um dos aspectos de diferenciação relevantes entre as diversas formas de se
construir a estratégia.
923
tempo necessário para a ―elaboração e avaliação das opções estratégicas possíveis
para a organização preparar as mudanças esperadas (préatividade) e provocar as
mudanças desejáveis (proatividade).‖
924
b) Abordagem Sistêmica da Administração e Teoria da Contingência
A teleologia explica que a causa é uma condição necessária, mas nem sempre
suficiente para que surja o efeito, dando à relação causa-efeito um tratamento
probabilístico, não determinístico, como antes. Dessa abordagem, resulta a máxima
de que o todo é diferente da soma de suas partes.
925
as empresas enfrentarem as condições externas, tecnológicas e de mercado são a
diferenciação e a integração. Na diferenciação, a organização divide seu trabalho em
departamentos, cada qual desempenhando uma tarefa especializada dentro de um
contexto ambiental, também especializado. Essa diferenciação no ambiente da tarefa
provoca diferenciação na estrutura dos departamentos. Já a integração é gerada por
pressões vindas do ambiente da organização no sentido de obter coordenação e
unidade de esforços entre os vários departamentos (CHIAVENATO, 2004, p. 396).
Quanto melhor for a estruturação da organização para aproveitar as relações intra e
interdepartamentais, melhor será a sua sinergia e, consequentemente, sua eficiência.
Quanto maior o foco da direção da organização para as relações com o ambiente em
que se insere, bem como a sua capacidade de alinhar seus departamentos com esse
foco, melhor será a sua eficácia.
Podemos afirmar que a aplicação dos tópicos acima expostos permite ao sistema
crescer e se sustentar em um determinado ambiente. A estratégia define os objetivos;
trata o processo de construção de um futuro desejado, em termos de sistema; e,
procura aumentar as relações entre os subsistemas componentes e ajustar seu
comportamento, com sua adequação ao ambiente. Em síntese, ao alinhar uma
organização e todos os seus setores em torno de objetivos estratégicos, aumenta-se a
sinergia desse sistema e consequentemente sua eficiência.
926
Daí a importância de, sem se perder o foco do preparo para a guerra, poder utilizar-
se de conceitos e de princípios de administração para o preparo dos recursos
disponíveis, objetivando a defesa do Estado.
O sistema Militar está inserido no sistema Brasil, que pode ser traduzido pelas
expressões do poder nacional397.
397
As expressões do Poder Nacional estão definidas no Manual Básico: assuntos específicos, vol. 2. Escola
Superior de Guerra: expressão política, econômica, psicossocial, militar, científico e tecnológica.
927
Observa-se que os subsistemas de pessoal, material, finanças representam o
conceito de diferenciação, referido, anteriormente, na Teoria da Contingência,
enquanto os sistemas de comando e operativos exigem a integração de todos os
demais subsistemas para funcionar. Tal afirmação se torna mais clara quando se
percebe que os Órgãos de Direção Setorial (ODS), focando em suas áreas de
atuação, onde possuem relações mais intensas, preparam a Força para ser
empregada e tem nos Comandos Operativos o seu fim.
928
Ao tratar de análise de ambiente, a SPEM explica que é necessário delimitar o
contexto de planejamento, de ambientes, realizar sua análise e definir os principais
aspectos a serem considerados, bem como as relações funcionais entre eles.
Ao delimitar seus documentos constituintes, fica claro que em cada um dos níveis
considerados (o nacional, setorial e subsetorial), deverá existir um documento
estabelecendo a política e, outro, a estratégia, forçando a cada um dos níveis tratar
o planejamento conforme as orientações definidas.
Onde é detalhada a sistemática propriamente dita, observa-se que são tratadas três
fases: concepção estratégica e configuração das forças; planejamento do preparo; e
planejamento do emprego operacional. A primeira e a segunda são objetos do
estudo. A fase de concepção estratégica é subdividida em quatro subfases que
passaremos a tratar separadamente:
929
subfase, se corretamente implementada, pode assegurar a aplicação correta tanto dos
conceitos inerentes à estratégia como a dos atinentes a TGA.
930
formula o conceito estratégico da Força, limitado por essa visão, abre-se mão,
prematuramente, da integração fundamental no setor operativo. Condena-se à
operação isolada a Força que deveria operar conjuntamente, ou, no mínimo, cria-se
dificuldades para a posterior integração das Forças no setor operativo, visto que
essa integração foi deixada de lado prematuramente.
Cabe ressaltar que não se visa a tirar de quem tem a expertise de avaliação do
cenário específico a possibilidade de analisar suas especificidades e formular seu
conceito estratégico, mas sim de forçar, antes que essa avaliação ocorra, o
pensamento de como seriam tratados conjuntamente os cenários específicos,
delimitando-se os principais recursos para atender àquele cenário e, após ter-se
definido o conceito estratégico conjunto, partir para o conceito estratégico da Força e
a posterior delimitação das Forças para atender ao cenário que já foi pensado
conjuntamente. Essa proposta visa a manter a integração (Teoria da Contingencia)
do MD no Comando (Direção da Organização) e nos meios operativos, permitindo
que cada Força formule o seu próprio conceito estratégico, derivado de um conceito
estratégico do MD e, posteriormente, elabore a sua configuração de força.
931
FIGURA 3 - Esquema de atual Concepção
Estratégica e Configuração de Forças da
SPEM.
932
As 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª etapas de Godet: análise do problema e delimitação do sistema;
análise da empresa; identificação de variáveis-chave da empresa e do ambiente; e
estudo da dinâmica retrospectiva da empresa, fatores de força e fraqueza – não são
abordadas pela SPEM, visto que a fase ―Concepção Estratégica e Configuração de
Forças‖ atenta apenas para o ambiente, ―Conjunturas Nacional e Internacional‖, não
existindo qualquer análise para o Sistema Militar.
As etapas cinco, seis, sete e oito de Godet: redução da incerteza sobre questões-
chave levantadas; levantamento das opções estratégicas e cenários prováveis;
avaliação das opções estratégicas levantadas; e realização das escolhas
estratégicas e priorização dos objetivos – são atendidas pelas subfases: construção
de cenários prospectivos e avaliação dos cenários e formulação dos conceitos
estratégicos de emprego. No entanto, essas subfases não são detalhadas e por isso
faltam definições de metodologias e responsabilidades.
933
fase corresponde a um item do documento), nas quais consta, em cada uma delas,
a composição do Grupo de Trabalho (GT) que irá conduzir as atividades e o
cronograma a ser cumprido. O documento é encerrado com o Item 12,
considerações finais.
Fonte: SISPED, p. 7
934
quando, por meio da análise do sistema Militar e de seu ambiente, procura
estabelecer metas, diretrizes e sequência de ações para que o MD contribua, com o
restante do Estado, para atingir os Objetivos Nacionais permanentes, definidos na
Constituição Federal.
FIGURA 6 – SISPED
935
A 1ª. etapa da metodologia de Godet (analisar o problema em questão e delimitar o
sistema estudado) é atendida pela 1ª. fase do SISPED. A 2ª. etapa de Godet
(análise da organização) é abordada pela metodologia proposta por meio do
diagnóstico do ambiente interno, previsto na 1ª. fase do SISPED.
936
relação entre os subsistemas componentes do MD e do MD com seu ambiente.
Durante todo o planejamento, o SISPED estabelece que a construção das ideias deve
ser realizada com a participação de todas as Forças e setores do MD, reforçando a
necessidade de troca de conhecimentos para a construção da base dos documentos a
serem elaborados. Ao fazer isso, prioriza a integração à diferenciação, ou seja,
considera mais importante o planejamento integrado do que valorizar as
especificidades de cada Força no alto escalão. Cabe alertar que o planejamento
integrado não quer dizer um planejamento ―misturado‖, mas, sim, um planejamento que
dos mais altos escalões aos mais baixos está preocupado com a interoperabilidade
entre as Forças e a consequente aplicação do Poder Militar de forma integrada.
937
futuro desejado, utilizando com eficiência e eficácia os escassos meios alocados
para o cumprimento de suas tarefas constitucionais.
No trato dos níveis de planejamento, tanto a SPEM como o SISPED definem três
níveis: nacional, setorial e subsetorial; mas possuem divergência entre os
documentos tratados e produzidos, a saber:
938
Cabe ressaltar que o Ministério da Defesa é um ministério no nível dos demais e
deverá contribuir para a ―construção‖ de uma PDN como órgão
orientador/coordenador.
939
QUADRO 1 - Quadro comparativo Godet, SPEM, SISPED
7 Conclusão
940
De acordo com as abordagens da TGA, o sistema Militar deve incrementar de forma
eficiente as relações tanto de seus subsistemas componentes, o MD e as três
Forças, como com os sistemas componentes do Sistema Nacional para que possa
atingir com efetividade seus objetivos. A falta de relações entre os sistemas
conduzem à sua degradação. Ao se analisar e comparar as sistemáticas que
regulam esse planejamento, a SPEM e a SISPED, ressaltam-se, abaixo, alguns
pontos divergentes que podem levar a uma dissipação de esforços.
Referências Bibliográficas
941
______. Decreto no 6.703 de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia
Nacional de Defesa e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 de dezembro de 2008.
______. Escola Superior de Guerra. Manual Básico: assuntos específicos, v. II.
Reimpr. Rio de Janeiro, 2009.
______; ______. MD51-M-01: Sistemática de Planejamento Estratégico Militar
(SPEM). Brasília, DF, 2005.
______; ______. Sistema de Planejamento Estratégico de Defesa (SISPED).
Brasília, DF, 2012.
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração: uma visão
abrangente da moderna visão das organizações. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro.
Elsevier, 2004 – 7ª reimpressão.
GODET, Michel, et. al. Caderno do CEPES: a ―caixa de ferramentas‖ da prospectiva
estratégica. Lisboa: CEPES – Centro de Estudos de Prospectiva e Estratégia.
KILIAN JUNIOR, Rudibert. Planejamento Estratégico. Rio de Janeiro: Escola de
Guerra Naval, 2012 (Apresentações de Power Point. Notas de aula).
LAWRENCE, Paul R.; LORSCH, Jay W. As Empresas e o Ambiente:
Diferenciação e Integração administrativas. Petrópolis: Vozes, 1973.
942
GUERRA, GUERRILHA E TERRORISMO: UMA PROPOSTA DE SEPARAÇÃO
ANALÍTICA A PARTIR DA TEORIA DA GUERRA DE CLAUSEWITZ
Carl Von Clausewitz, em sua obra magna Da Guerra (CLAUSEWITZ, 1993), foi o
primeiro a dar tratamento verdadeiramente científico ao fenômeno da guerra,
rompendo com a tradição de elaboração de manuais de conduta na guerra e de
regras para a vitória400. Clausewitz se propunha a entender a guerra em sua
integralidade e complexidade, identificando seus elementos definidores e o
relacionamento entre eles. Para tanto, Clausewitz partiu de uma concepção abstrata
de guerra, que captasse a sua essência. Para Clausewitz, essa essência é a luta, o
embate físico entre duas partes, uma tentando submeter a outra e deixá-la incapaz
de resistir. Nasceu um conceito aparentemente simples, mas em cujos
desdobramentos reside a gênese da ciência do bélico: ―[a] guerra é, portanto, um ato
398
Professor Adjunto do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, possui
mestrado em Estudos Estratégicos pela Coppe/UFRJ e doutorado em Relações Internacionais pelo IRI/USP.
399
Esta parte é um sumário da discussão feita em Mendes (2012).
400
A respeito de Jomini, contemporâneo de Clausewitz e seu principal rival intelectual, pertencente ainda à
tradição prescritiva de princípios e regras para o sucesso na guerra, ver Brinton, Craig e Gilbert (1943); Shy
(1986) e Proença Jr., Diniz e Raza (1998). A respeito de outros autores importantes, antes e depois de
Clausewitz, que também se propuseram a identificar princípios e regras para a vitória na guerra, ver Earle (1943)
e Paret (1986).
943
de força para compelir nosso oponente401 a fazer a nossa vontade‖. (CLAUSEWITZ,
1993, p. 83) Os termos centrais do conceito clausewitziano de guerra são ―ato de
força‖, ―compelir‖ e ―nossa vontade‖. (PROENÇA JR. e DINIZ, 2006) O ―ato de força‖
delimita o fenômeno em termos de seus meios – a força -, separando-o de outras
manifestações em que meios exclusivamente não-violentos sejam empregados.
―Compelir‖ indica a necessidade de dobrar o oponente, obrigá-lo a algo a que ele
naturalmente se opõe. E ―nossa vontade‖ diz respeito ao objeto de toda a ação, o
motivo que levou ao emprego do meio força e que causou a oposição do outro, que
por isso mesmo se tornou um oponente.
(i) Não há limite lógico ao emprego da força e aos esforços para destruir
o oponente. Diante disso, se um lado moderar deliberadamente seus
esforços e o outro não, o primeiro se veria em desvantagem e correria o
risco de sofrer uma derrota (CLAUSEWITZ, 1993, p. 83-5);
401
Uma observação é necessária. Empregou-se o termo “oponente” no lugar de “inimigo” (enemy), utilizado por
Paret e Howard em sua tradução para o inglês do Da Guerra (On War, 1993), da qual serão extraídos e
traduzidos os trechos citados neste artigo. Acreditamos que o termo “inimigo” é inadequado e a razão para esse
julgamento é a distinção feita por Clausewitz entre intenção hostile sentimento hostil. Enquanto a intenção hostil
está necessariamente ligada à guerra, implícita no emprego de força contra o outro, o sentimento hostil não
pertence intrinsecamente ao fenômeno, podendo ou não estar presente em casos particulares. Por essa razão,
optou-se pela neutralidade do termo “oponente”, que traduz unicamente a idéia de oposição. Essa observação
vale para todo o texto. Cumpre ressaltar ainda que todas as citações são traduções nossas para o português a
partir de On War (1993).
944
Das ―três interações‖, desdobradas logicamente do conceito de guerra como um ato
de força para obrigar o outro a fazer a nossa vontade, deriva o tipo de guerra
conceitual, ou ―guerra no papel‖, que Clausewitz caracteriza como uma guerra
absoluta. A guerra seria absoluta porque se daria num gigantesco espasmo de
violência, um choque único de todo o montante de energia e recursos mobilizáveis
pelos contendores. Não poderia ser diferente se somente as dinâmicas e interações
previstas pelo conceito estivessem em jogo.
A relação estreita de Clausewitz com a ciência tem origem no terceiro passo de sua
construção, quando o autor vira os olhos para a realidade e se propõe a analisar a
história das guerras. A honestidade com que Clausewitz empreendeu seu estudo
não lhe permitia deixar escapar uma conclusão muito clara: as guerras reais diferiam
e muito da forma absoluta prevista conceitualmente. Três diferenças marcantes se
impunham: (i) a guerra na realidade nunca é um ato isolado, à parte do contexto
político que envolve os dois lados em conflito; (ii) a guerra na realidade não consiste
num único choque instantâneo, em que toda a parada é decidida; e (iii) os resultados
das guerras reais nunca são finais. (CLAUSEWITZ, 1993, p. 87-9)
402
O entendimento a respeito da resposta final de Clausewitz para a anomalia das guerras reais, que caracteriza o
estágio mais maduro de seu pensamento, é devido à pesquisa seminal de Diniz (2002).
945
Explicado teoricamente o fato de que as guerras reais ocorrem de forma
sequenciada, com períodos alternados de ação e de inação, é importante salientar
as implicações disso para as considerações e decisões na guerra. Na medida em
que as guerras consistem numa série de combates, surgem naturalmente
considerações e decisões sobre como travar cada combate individual e sobre o valor
e a importância de cada combate à luz do que se busca na guerra. Ao primeiro
grupo de considerações e decisões Clausewitz dá o nome de tática, ou o uso da
força no combate; ao segundo Clausewitz dá o nome de estratégia, ou o uso dos
combates (ou de seus resultados) para a consecução do propósito da guerra.
(PROENÇA JR; DINIZ, 2006, p. 8) Perceba-se que a diferença entre tática e
estratégia só faz sentido porque as guerras não são decididas em um único embate,
como na guerra absoluta. Nesse caso, só estariam presentes considerações e
decisões táticas, ou sobre o emprego das forças no combate.
403
Para uma concepção de logística – condições materiais de possibilidade das forças combatentes, abrangendo
sua criação, deslocamento e sustentação - derivada de Clausewitz e defendida como um quarto grupo de
considerações e decisões que permeiam a guerra, ao lado de tática, estratégia e política, ver Proença Jr. e Duarte
(2005).
946
fenômeno em toda a sua extensão: ―[v]emos, portanto, que a guerra não é
meramente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma
continuação do intercurso político, realizado com outros meios‖. (CLAUSEWITZ,
1993, p. 99)
947
o caráter nacional deve ser adequado para esse tipo de guerra; (v) e o país deve ser
difícil e inacessível, em razão de montanhas, florestas, pântanos, ou dos métodos
locais de cultivo‖ (CLAUSEWITZ, 1993, p. 579).
948
linhas de comunicação, tropas essas subtraídas das forças regulares principais para
enfrentamentos futuros.
949
maneira específica: oterror” (DINIZ, 2004, p. 6). Enquanto o emprego – potencial ou
concreto – da força é um pré-requisito para causar terror – ou seja, o terror advém do real
ou potencial dano material à vida e aos objetos das pessoas -, o terror é essencial e
analiticamente distinto da força em si. Num atentado terrorista, a força é utilizada (ou
ameaçada) contra alvos indiscriminados e a destruição, se ocorrer, não importa em si
mesma. Em outras palavras, enquanto a destruição causada por um ataque numa guerra
regular ou numa guerrilha tem importância em si mesma, na medida de seu impacto sobre a
correlação de força entre os contendores, a destruição causada em um atentado terrorista
(por exemplo, num shopping center ou numa discoteca, para ficarmos nos exemplos
utilizados por Diniz), em si mesma, é irrelevante para a correlação material de força. “É seu
efeito psicológico que importa” (DINIZ, 2004, p. 5). É a geração de medo e pânico – terror -
que constitui o meio das ações terroristas404.
Com relação aos fins, Diniz se mantém fielmente no universo clausewitziano ao considerar o
terrorismo como um fenômeno político. Assim, qualquer grupo terrorista tem como fim
último a alteração de determinada situação política. Porém, considerar simplesmente o fim
político colocaria o uso do terror pela Al-Qaida, por exemplo, ao lado do bombardeio
indiscriminado de cidades japonesas pela Força Aérea Aliada na Segunda Guerra Mundial.
Em ambos os casos tem-se o uso do terror para buscar um fim político, apesar de serem
fenômenos claramente distintos. No primeiro caso, tem-se o que Diniz achou por bem
chamar de emprego político terrorista do terror (ou o que queremos entender de maneira
geral como terrorismo), e no segundo caso tem-se o que Diniz denominou emprego político
não-terrorista do terror. Como diferenciar os dois? Para Diniz, a diferença se encontra na
vinculação entre o ato e o objetivo político final. Retornando mais uma vez ao edifício
clausewitziano, a diferença se encontra na ponte entre decisões táticas e o resultado político
– ou seja, na estratégia. No caso do emprego político não-terrorista do terror, o lado que
emprega o terror busca influenciar diretamente o comportamento da vítima, forçando-a a
mudá-lo. No caso do emprego político terrorista do terror (terrorismo), a vinculação é
indireta. Não se pretende – porque não se pode - atingir o objetivo político diretamente pela
404
É interessante notar, como faz Diniz, que o meio terror não circunscreve a natureza do perpetrador. Forças
Armadas que se utilizem de ataques indiscriminados à população de seu oponente com o propósito de causar dor
e pânico – como no caso do bombardeio estratégico à laDouhet – se utilizam do terror tanto quanto organizações
terroristas não governamentais. Daí a distinção que Diniz julga útil fazer entre o uso terrorista e o uso não-
terrorista do terror, como se verá logo abaixo.
950
ação terrorista. O ato de terror é intermediário e busca alterar no futuro a correlação de
força em favor do grupo terrorista, a partir da divulgação de sua causa, de sua apresentação
como alternativa de luta política, da exposição de vulnerabilidades do oponente, entre
outros aspectos (mas, normalmente, a partir da combinação de todos esses fatores) (DINIZ,
2004, p. 12). Daí a conclusão de Diniz de que o terrorismo é, na realidade, um estratagema,
que se propõe a ser uma ponte entre o presente e uma situação futura mais propícia à
consecução do objetivo político do grupo terrorista. Diniz propõe, por fim, a sua definição:
951
irregular mínimo possa ser constituído, talvez reste apenas o terrorismo como estratagema
para que, quiçá no futuro, alcance-se uma correlação de força mais favorável para perseguir
o objetivo político desejado.
Referências Bibliográficas
BRINTON, Crane; CRAIG, Gordon A.; GILBERT, Felix. Jomini. In: EARLE, Edward
M (Ed.). (1943). Makers of Modern Strategy: Military Thought from Machiavelli to
Hitler. 2a. Ed. Princeton: Princeton University Press, 1943, p. 77-92.
CLAUSEWITZ, Carl von. On War.1a. Ed. New York: Alfred A. Knopf, 1993.
DINIZ, Eugenio. Clausewitz, o Balanço Ataque-Defesa e a Teoria das Relações
Internacionais. Tese de Doutoramento. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002, mimeo.
DINIZ, Eugenio. Compreendendo o Fenômeno do Terrorismo. In: BRIGADÃO, C.;
PROENÇA JR, D. Paz e Terrorismo. São Paulo: Ed. Hucitec, 2004, p. 197 a 222.
EARLE, Edward M (Ed.). Makers of Modern Strategy: Military Thought from
Machiavelli to Hitler. 2a. Ed. Princeton: Princeton University Press, 1943.
MENDES, Flávio P.. Clausewitz, o Realismo Estrutural e a Paz Democrática:
uma Abordagem Crítica. Contexto Internacional, v. 34, 2012, p. 79-111.
PARET, Peter (Ed). Makers of Modern Strategy: from Machiavelli to the Nuclear
Age.1a. Ed. New Jersey: Princeton University Press, 1986.
PROENÇA Jr., Domício; DINIZ, Eugenio; RAZA, Salvador Guelfi. Guia de Estudos
de Estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
_____; DUARTE, Érico E. The Concept of Logistics Derived from Clausewitz: All that
is Required so that the Fighting Force can be Taken as a Given. The Journal of
Strategic Studies, v. 28, n. 4, August, 2005, p. 645-677.
_____; DINIZ, Eugenio. O Fenômeno Guerra. Rio de Janeiro: Grupo de Estudos
Estratégicos, Coppe/UFRJ, 2006, manuscrito inédito.
SHY, John. Jomini. In: PARET, Peter (Ed). Makers of Modern Strategy: from
Machiavelli to the Nuclear Age. 1a. Ed. New Jersey: Princeton University Press,
1986, p. 143-185.
952
O ORÇAMENTO DE DEFESA DOS EUA: RACIONALIDADE X PRESSÕES
DOMÉSTICAS
1 Introdução
953
construídas as preferências nesses processos decisórios, que são extremamente
complexos406.
É importante, porém, esclarecer que este artigo propõe duas adaptações aos
modelos de Allison (ALLISON; ZELIKOW, 1999). A primeira é tratar os três modelos
como parte de um continuum de distribuição de poder entre os agentes do processo
decisório, sendo que o modelo I está no primeiro extremo desse continuum, em que
o poder é concentrado nas mãos de um só agente e o modelo III está no extremo
contrário, em que o poder de decisão está amplamente dividido entre agentes que
406
As teorias sistêmicas/estruturais pressupõem que os Estados são atores racionais, que formulam suas decisões
a partir de cálculos custo/benefício que maximizam seus ganhos e minimizam suas perdas, com o objetivo de
atingir o interesse nacional.
407
Waltz (2002) tendem a maximizar seus gastos militares em ambientes menos estáveis. Como o autor entende
que o sistema mais estável é o bipolar, o fim da Guerra Fria levaria a uma tendência de aumento dos gastos com
armamentos. Esse aumento, porém, não ocorreu (CENTER FOR DEFENSE INFORMATION, 1996).
408
Strange (1999) defende que o aumento das ameaças percebidas levaria a um aumento dos gastos com
armamentos. Este artigo pressupõe, portanto, que o final da Guerra Fria, que decorreu do declínio do principal
adversário dos EUA, permitiria que os estadunidenses reduzissem seu orçamento de defesa. A hipótese de
Strange se comprova parcialmente, pois apesar de haver um aumento dos gastos em situações de conflito armado
por que passaram os EUA, não há uma redução considerável desses gastos quando as ameaças são minimizadas
(CENTER FOR DEFENSE INFORMATION, 1996).
954
buscam influenciar o processo decisório e os tomadores de decisão do governo. A
aplicação desse continuumà análise do orçamento de defesa dos EUA permite a
associação entre os modelos, pois as decisões orçamentárias, extremamente
complexas e com características que variam ao longo dos anos, podem se
aproximar mais de um ou de outro extremo do continuum409.
Para que seja possível compreender as relações dos agentes com as estruturas de
que fazem parte, essas quatro faces precisam estar contempladas na análise.
Importante salientar que nenhuma delas pode ser isoladamente relacionada
somente com as estruturas ou com os agentes que participam de uma decisão. Elas
são constituintes de ambos, o que torna necessária a análise conjunta da estrutura e
do papel dos agentes que participam dos processos decisórios de elaboração do
orçamento de defesa dos EUA. Por critérios didáticos, porém, analisar-se-á,
409
Essa aplicação de diferentes modelos para explicar os processos decisórios de forma concomitante está de
acordo com a própria visão de Allison acerca da aplicação dos modelos (ALLISON, 1969, p. 716).
410
A primeira face tem natureza material, marcada pelos recursos ou atributos físicos das unidades em interação,
que são determinados, em parte, por suas características individuais e, em parte, pelas estruturas em que atuam; a
segunda face é denominada de ações inter-intra-subjetivas, marcada pelas regras, normas, crenças e instituições
que constituem a vida social; a terceira face se refere às relações sociais, que determinam a composição da
estrutura e o próprio posicionamento dos agentes que atuam no nível estrutural; a última face é a da
subjetividade do agente.
955
primeiramente, o papel dos agentes que participam da elaboração do orçamento de
defesa e, a partir daí, a discussão será aprofundada pela observação das variáveis
agenciais e estruturais que caracterizam o processo decisório.
Wight propõe que o conceito de agente deve ser compreendido a partir do que o
autor denomina de três níveis de agência411.
411
“Se nós chamarmos o nível de agência que se relaciona à „liberdade de subjetividade‟ de agência1, o segundo
nível, agência2, refere-se à forma pela qual a agência1 se torna um agente de algo e esse algo se refere ao
sistema sócio-cultural em que as pessoas nascem e se desenvolvem [...] Todavia, apesar de que „nossas‟ pessoas
nascem em um sistema sócio-cultural, elas não são agências de todas as partes dele. Então, elas se tornam
agentes de grupos ou coletividades com as quais se identificam. [...] A agência3 se refere aos „lugares de práticas
posicionadas‟ que os agentes1 habitam [...] Uma forma de pensar sobre isso é que a agência3 se refere aos
„papéis‟ que os agentes1 desempenham para a agência2” (WIGHT, 2006, p. 213).
412
Na tese do autor (CORTINHAS, 2012), foi considerada a média dos legisladores na mensuração da ideologia
do Congresso. A medida sobre a ideologia dos membros das Casas e dos Presidentes analisados foi realizada
com base nos números fornecidos pelo thinktank “Americans for Democratic Action” e na metodologia proposta
por McCormick e Wittkopf (1990, p. 1083). Neste artigo, por outro lado, não foram feitas observações muito
abrangentes sobre a ideologia dos legisladores. Deve-se destacar, apenas, que na Administração Reagan a
ideologia do Congresso, principalmente nos dois primeiros anos de mandato, era bastante conservadora, ou seja,
muito próxima da ideologia do Presidente. Já nos dois últimos anos de Reagan e nos quatro anos de Bush, havia
maior discrepância entre a ideologia do Presidente e do Legislativo, sendo mais difícil a articulação da aprovação
das preferências do Chefe do Executivo pelo Congresso.
956
reduzidos. A representatividade eleitoral se relaciona com o fato de que tomadores
de decisão que são originários de distritos eleitorais com grande intensidade de
investimentos em defesa tendem a apoiar maiores gastos.
Por fim, outro agente importante no processo decisório são os grupos de interesse.
No sistema político estadunidense, esses grupos tem uma intensidade
(GOLDSTEIN, 1999) e uma capacidade organizacional (OLSON, 1999; SMITH,
1996; DOMKE, 1984) muito grandes e, por isso, a análise de seu papel nos
processos decisórios é fundamental, apesar de não ser o foco deste artigo.
957
A análise das normas que regulam a construção do orçamento de defesa dos EUA
demonstra que há uma extensa divisão de funções na sua elaboração. O Executivo
tem o poder de agenda, o que lhe dá uma grande vantagem (BARRETT;
ESHBAUGH-SOHA, 2007, ALLISON; ZELIKOW, 1999, BERNSTEIN, 2000), pois
tem condições de moldar as discussões no Legislativo, criando padrões e
estabelecendo os programas que os congressistas irão debater. Os legisladores,
contudo, têm o poder de decisão final sobre o orçamento.
413
Essa prevalência foi decorrente de vários eventos internacionais e domésticos, como a má gestão da Guerra
do Vietnã, a primeira crise do petróleo e a crise política decorrente do escândalo de Watergate. Percebendo a
possibilidade de aumentar o seu controle sobre o orçamento, o Congresso aprovou a Lei de 1974, que criou
várias ferramentas para que o Legislativo pudesse se impor sobre o Presidente, como a exigência da elaboração
de um orçamento próprio do Congresso.
958
- Divisão partidária do governo – sem um amplo apoio do Congresso, um Presidente
não tem condições de aprovar as políticas de seu interesse ou de promover grandes
alterações orçamentárias414. Essa variável está relacionada com a anterior, pois,
como observa Mayhew (1991, p. 195-196), em situações de grandes ameaças
externas, a divisão partidáriadiminui, já que passa a existir uma grande tendência de
apoio ao Presidente.
414
As análises que tratam do apoio bipartidário às demandas presidenciais nos EUA identificam que, quando o
Presidente se posiciona claramente com relação a um tema, a diferença de apoio, no Congresso, de membros do
seu e do outro partido varia em cerca de 25% (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 298-300).
959
BAUM, 2002)415. Ao contrário, crises econômicas aumentam a pressão popular pelo
corte de gastos militares.
415
Em momentos de ameaças evidentes, a popularidade do Presidente tende a bater recordes, como ocorreu com
George Bush depois da Guerra do Golfo, em 1991 (EDWARDS III; WAYNE, 1994; THRALL; CRAMER,
2009).
416
O primeiro é o Presidente ativo e positivo, que exige de seus assessores um padrão de qualidade elevado em
suas respostas, enquanto busca construir um ambiente produtivo e positivo de trabalho. George Bush se encaixa
nesse tipo presidencial. A segunda categoria é o Presidente ativo e negativo, que tem, também, uma grande
capacidade de trabalho, mas não sente prazer no exercício da função. O terceiro tipo, em que Barber encaixa
Reagan, é o Presidente passivo-positivo, que busca criar consensos entre os membros de sua equipe, mas se sente
pessimista com relação a si mesmo e deixa a construção de novas políticas a cargo de seus assessores. Por fim, o
Presidente passivo-negativo tende a ter problemas no cumprimento de sua função e dificuldades, até mesmo, nas
relações com seus assessores.
960
Presidente que se posicione claramente acerca de um tema e seja popular
(EDWARDS III; WAYNE, 1994; ANDRADE; YOUNG, 1996; PAGE et al., 1987).
961
que mesmo uma decisão tomada em um desses ―cenários ideais‖ não pode ser
totalmente associada a um dos modelos do autor417:
Presidente
417
“Os modelos ideais nunca são encontrados em situações reais de processos decisórios, que, muitas vezes,
são definidos com base em variáveis que não são captadas por modelos que visam à simplificação teórica,
como fatores emocionais, a preferência por uma burocracia em detrimento de outra, o simples hábito e outras
(CRABB; HOLT, 1989, p. 8).
962
Gráfico I – Continuum da Concentração de Poder Decisório
MAIOR
APROXIMAÇÃO DO
PROCESSO
CONCENTRAÇÃO DE PODER DOMÉSTICO
DECISÓRIO COM O
MODELO I DE
ALLISON
963
dos gastos militares, respondendo ao aumento excessivo dos déficits orçamentários,
que passaram a pressionar os congressistas.
Uma das consequências mais perversas dessa ampla elevação dos custos foi
decorrente da concentração de gastos nas contas de ―Pesquisa e Desenvolvimento‖
e ―Aquisição de Novos Equipamentos‖. Devido a esse formato, o buildup de Reagan
não gerou prejuízos somente durante sua gestão, mas também deixou marcas
negativas no longo prazo. O aumento dos gastos nessas contas ocasionou os
chamados efeitos de ―onda de popa‖ e de ―onda de proa‖420, o que diminuiu, nos
418
Sobre a questão, é relevante a análise de Bartels (1991), para quem, percentualmente, o amplo apoio da
opinião pública foi mais importante que outras variáveis, como a filiação partidária e a inclinação ideológica,
para o buildup de Reagan. Apesar das colocações do autor, porém, o modelo deste artigo pressupõe que a
importância da opinião pública não é fixa, mas se altera de acordo com outras variáveis estruturais. Se Bartels
(1991) estivesse totalmente correto com relação ao crescimento dos gastos durante o mandato de Reagan, a
opinião pública teria a mesma importância em outros processos orçamentários, o que não ocorreu. Ao final do
primeiro mandato de Reagan, por exemplo, o público deixou de apoiar o aumento dos gastos e, mesmo assim, o
Presidente continuou solicitando mais recursos para a defesa (STUBBING; MENDEL, 1986).
419
O bipartidarismo foi bastante evidente nos primeiros anos da gestão Reagan, que conseguiu o apoio quase
irrestrito de Representantes Democratas do sul do país, os chamados Bow Weevils, ligados a uma área mais
conservadora do Partido. A existência desses democratas, de início, permitiu a Reagan a construção de um
consenso bipartidário em torno do aumento dos gastos com defesa. Tal aliança, porém, durou poucos anos e
desde o início dos anos 80 já havia alguns sinais de quebra do consenso bipartidário entre os Poderes
(LINDSAY; RIPLEY, 1992).
420
O primeiro se refere ao fato de que os compromissos com a pesquisa de novas tecnologias geram custos em
diversos orçamentos posteriores, pois os recursos para pesquisa se traduzem em várias fases, sendo que o
964
anos seguintes, a capacidade de preparação do aparato de defesa dos EUA, pois o
aumento nessas contas foi compensado pela redução nos gastos em ―Manutenção‖
e ―Treinamento de tropas‖ (ADAMS; CAIN, 1989; STEINBRUNER, 1988, p. 147). Em
resumo, Reagan passou a concentrar os gastos militares em pesquisa e
desenvolvimento e em aquisições, minimizando a capacidade de preparação e
treinamento.
dinheiro irá ser amarrado durante muitos anos para que a pesquisa não fique estagnada. O segundo efeito pode se
tornar ainda mais prejudicial, pois quando é encerrada a fase de pesquisa e desenvolvimento e o equipamento
está pronto para ser produzido, a “onda de proa” significa que um valor muito elevado de recursos será
comprometido, independentemente de o gasto prever que o programa tenha poucos ou muitos equipamentos
contratados. Esse fato advém de dois problemas: primeiramente, relaciona-se com a previsão subestimada dos
custos do equipamento no início de sua pesquisa e desenvolvimento, uma prática muito comum nos EUA; em
segundo lugar, com a lógica de que quanto menos unidades de um equipamento forem produzidas, maior será
seu custo unitário, o que eleva o custo total de um programa mesmo que o número de armamentos produzido
seja reduzido.
421
O gasto com defesa já estava sendo reduzido, em menor medida, desde 1985, mas o Secretário de Defesa de
Bush, Dick Cheney, decidiu acelerar os cortes em seus pedidos orçamentários ao Congresso em cerca de US$
180 bilhões de dólares de 1989 a 1994 (KORB, 1989). Entre os programas mais importantes que Cheney decidiu
cortar estavam o caça F-14D e a aeronave de rotor giratório V-22 Osprey, mas essas tentativas de corte do
Executivo pararam no Congresso, que não aceitou colocar em risco os lucros das empresas contratantes e,
consequentemente, os empregos em seus distritos eleitorais.
965
Além de estar embasada na opinião de analistas que haviam feito parte da gestão
Reagan422, a decisão do Executivo parecia ser bem fundamentada: poupar recursos
na defesa, em um cenário internacional de diminuição das ameaças, permitiria
aplicá-los no aprimoramento do desempenho macroeconômico do país, o Presidente
não conseguiu convencer o Congresso de que os empregos perdidos na indústria de
defesa seriam compensados, com sobras, em outras áreas423.
Dessa forma, a redução dos gastos com defesa, que deveria ser natural (na visão
das teorias sistêmicas), não ocorreu, devido às características estruturais
enfrentadas pela Administração Bush e pelas preferências naturais dos agentes que
participam do processo decisório.
Como se percebe pela observação geral das diferenças estruturais e agenciais entre
as gestões Reagan e Bush, os cenários internacional e doméstico enfrentados pelos
presidentes eram bastante diferentes, o que afetou suas capacidades de conduzirem
o Congresso de modo a obterem a aprovação de suas propostas orçamentárias.
Enquanto Reagan obteve, devido a uma conjuntura extremamente favorável, um
amplo apoio do Congresso para seu buildup de defesa, Bush foi incapaz de obter a
aprovação de suas propostas. A comparação entre os dois momentos pode ser
realizada, mesmo que de modo breve, de três diferentes formas, que podem
demonstrar que os processos decisórios dessas gestões se aproximam de extremos
opostos do continuum de distribuição de poder proposto neste artigo, como será
discutido a seguir. Por questões meramente didáticas, serão analisadas,
primeiramente, as discussões orçamentárias da Administração Reagan, que
posteriormente serão comparadas com os dados da gestão Bush.
422
Um desses analistas era Lawrence Korb, que passou a defender, desde então, o corte nos gastos: “Com
esforços apropriados, nossos líderes políticos poderiam cortar dezenas de bilhões nos gastos do Pentágono,
liberando um dinheiro significativo para usos verdadeiramente importantes e para as pessoas que os apoiam. Mas
aí aparecem as más notícias. A liderança política para essa tarefa não se materializou, apesar da clara
necessidade de que a América aperte o cinto fiscal e aumente nossa segurança em muitas áreas” (KORB, 2005).
423
Quando Bush assumiu, em 1989, o número de empregados relacionados com a indústria de defesa era muito
maior do que o existente em 1980, quando Reagan chegou ao poder. De 1976 a 1986, esse número dobrou
(GHOLZ; SAPOLSKY, 1999-2000), o que foi decisivo para que as mudanças pretendidas por Bush, que
significariam perdas nesse setor, fossem emperradas pelos congressistas.
966
Tabela 1 – Percentual de Aprovação dos Pedidos Orçamentários de Reagan
para Apropriações com Defesa (Valores Totais424):
Fonte: tabela elaborada com base nos dados contidos no Congressional Quarterly (1982, p. 321;
1983, p. 278; 1984, p. 481; 1985, p. 400).
A análise precisa ser aprofundada por meio de uma segunda comparação entre os
orçamentos propostos pelo Presidente e os aprovados pelo Legislativo, a
observação das discussões orçamentárias realizadas anualmente durante a gestão.
Essa análise, realizada em Cortinhas (2012, p. 236-250), demonstrou que os
orçamentos aprovados em 1981 e 1982 foram amplamente favoráveis às propostas
do Executivo, tanto em termos financeiros, como já demonstrado, como nos
programas aprovados. Todos os programas concebidos pelas Forças Armadas e
defendidos por Reagan foram aceitos pelo Legislativo nesses anos.
424
Em milhares de dólares.
967
Nos dois últimos anos da gestão, porém, a situação foi levemente alterada. O apoio
da opinião pública ao Presidente caiu, principalmente pelo aumento dos déficits
orçamentários e pela piora de diversos índices macroeconômicos. A conseqüência
dessas alterações foi sentida na eleição de meio-termo de 1982, quando o Partido
Republicano perdeu muito espaço no Legislativo. A partir de então, as negociações
orçamentárias passaram a ser muito mais difíceis para Reagan, que, mesmo assim,
continuou obtendo ampla margem de aprovação para seu projeto de buildup militar.
Mesmo no quarto ano de gestão, nenhum programa de armamento foi encerrado
pelos legisladores.
Por fim, uma última forma de comparar os níveis de aprovação das propostas de
Reagan pelo Congresso é a observação das discussões sobre alguns dos principais
programas de armamentos propostos pelo Executivo nos quatro anos da
Administração. Três programas de armamentos geraram bastante polêmicas entre
Executivo e Legislativo no período e, assim mesmo, receberam investimentos
vultosos: os mísseis MX (programa de mísseis estratégicos bastante controverso,
pois confrontava os esforços de desarmamento), o bombardeiro B-1 (que objetivava
a substituição do B-52) e o programa da Marinha de 600 Navios. A análise
aprofundada desses programas (CORTINHAS, 2012, p. 250-260) demonstra que,
apesar de terem sofrido alguns cortes em anos específicos, foram amplamente
aprovados pelo Congresso.
968
se correr o risco de pressupor que os níveis de aprovação do Legislativo aos
pedidos de Bush foram extremamente altos, se comparados aos de Reagan, como
se pode observar pela tabela abaixo:
426
FY1990 223.516,2 226.048,3 223.369,2 302.963,7 100%
Fonte: tabela elaborada com base nos dados contidos no Congressional Quarterly Almanac (1990, p.
452; 1991, p. 813; 1992, p. 622; 1993, p. 599)
O nível de apoio que a tabela ilustra é maior que o de Reagan em seu primeiro
mandato. Novamente, porém, os dados devem ser qualificados, a partir da
observação das discussões orçamentárias específicas.
425
Em milhões de dólares.
426
O valor utilizado na tabela leva a crer que a totalidade do pedido orçamentário de Bush foi aprovado pelo
Congresso. Deve-se levar em consideração, porém, que, quando as Casas se reuniram para discutir as propostas
do Presidente conjuntamente, os legisladores decidiram aumentar, em grande medida, o pedido orçamentário de
Bush. O valor aprovado é, em verdade, 35,5% maior que o pedido do Presidente. Esse aumento, como se observa
pela análise mais específica das contas em que o aumento se concentrou, relacionava-se com gastos com pessoal
terceirizado, para os quais Bush não havia solicitado quaisquer valores, prevendo incluí-los em outra conta
orçamentária. Além disso, o acréscimo também é composto por um aumento de mais de US$ 6 bilhões na conta
de pesquisa e desenvolvimento, relativo a programas que o Presidente pretendia cortar e que foram mantidos
pelo Legislativo.
969
debates, os congressistas garantiram a manutenção dos programas politicamente
importantes, mesmo diante das propostas de corte ou encerramento enviadas por
Bush e Cheney. Nos anos seguintes, o trabalho do Congresso foi somente no
sentido de continuar apropriando os valores requeridos pelo Presidente em sua
totalidade, além de incluir valores que o Executivo pretendia eliminar.
Entre os programas mais custosos que foram discutidos durante a gestão Bush,
analisados em Cortinhas (2012, p. 314-320), estavam o bombardeiro B-2 Stealth, o
programa de reaparelhamento da Marinha e o programa de mísseis M-X. Bush
propôs uma ampla redução nos investimentos dos três, pois entendia que nenhum
deles era essencial para a defesa dos EUA. O único dos três programas que foi
encerrado, apesar da forte contrariedade dos legisladores, foi o MX. Essa decisão
não estava relacionada com as preferências dos legisladores, mas decorreu da
assinatura dos acordos START entre EUA e URSS, que decretaram o fim dos
970
investimentos nos mísseis.
Motivar politicamente as decisões do orçamento de defesa não era uma prática nova,
mas a importância dela aumentou muito a partir dos anos 1990. Nesse período, o
Triângulo de Ferro da defesa passou a dominar as discussões orçamentárias
(LINDSAY, 1991). A ascensão do Congresso tornou a elaboração e a especificação dos
gastos em defesa uma decisão muito mais complexa, que passou a estar mais próxima
da lógica do modelo III (política governamental) de Allison.
4 Conclusões
O artigo procurou, por meio de uma associação entre teses sistêmicas, os modelos
conceituais de Graham Allison e os conceitos do debate agente-estrutura, analisar
os processos orçamentários de duas gestões que apresentaram características
muito distintas.
O objetivo da análise foi somente tatear algumas questões principais e, por isso,
entende-se que o grau de complexidade das discussões do orçamento de defesa
estadunidense não foi captado adequadamente por esse artigo. Uma análise mais
profunda do tema foi realizada pelo autor em sua tese doutoral, mas as observações
971
deste estudo podem demonstrar que o Executivo, durante os primeiros anos da
Administração Reagan, tinha prevalência no processo decisório, o que levou à
tendência de aprovação de suas demandas pelo Legislativo e à criação de políticas
que se aproximaram mais do modelo I de Allison, apesar de que o conceito de
racionalidade do autor não se encaixa perfeitamente na explicação desses
processos decisórios..
O atual Presidente daquele país, Barack Obama, vem tendo sérias dificuldades
em seus esforços de reduzir o orçamento de defesa. A conjuntura atual é muito
semelhante à enfrentada por Bush e, apesar de que essa afirmação carece de
comprovação empírica, pode-se pressupor que muito dificilmente os corte nos
gastos de defesa que vem sendo observados produzam efeitos de longo prazo.
972
Referências Bibliográficas
ALLISON, G. T. Conceptual Models and the Cuban Missile Crisis. The American
Political Science Review, v. 63, n. 3, p. 689-718, 1969.
973
_______. 98th Congress.1st Session, 1983. v. XXXIX. Washington: Congressional
Quarterly Inc., 1984.
COX, M.; STOKES, D. U.S. Foreign Policy. Oxford University Press.EUA, 2008.
DOMKE, W. K. Waste, Weapons, and Resolve: defense posture and politics in the
defense budget. Policy Sciences, v. 16, n. 4, p. 371-390, 1984.
KORB, L. Americans: cut Pentagon spending. San Diego Union Tribune, 18 mar.
2005. Disponível em: <http://www.cdi.org/friendlyversion/printversion.cfm
974
______. How to Reduce Military Spending. New York Times, 21 Nov. 1989.
Disponível em: <http://www.nytimes.com/1989/11/21/opinion/how-to-reduce-military-
spending.html?scp=23&sq=V-22+Osprey&st=nyt>. Acesso em: 11 jan. 2010.
ONEAL, J. R.; BRYAN, A. L. The Rally ‗Round the Flag Effect in U.S. Foreign Policy
Crises, 1950-1985. Political Behavior, v. 17, n. 4, 1995.
PAGE, B. I.; SHAPIRO, R. Y.; DEMPSEY, G. R. What Moves Public Opinion. The
American Political Science Review, v. 81, n. 1, p. 23-44, 1987.
SMITH, H. The Power Game: How Washington Works. EUA: Ballantine Books,
1996.
975
STEINBRUNER, J. D. Restructuring American foreign policy. EUA: Brookings
Institution., 1988.
THRALL, A. T.; J. K. CRAMER. American Foreign Policy and the Politics of Fear:
threat inflation since 9/11. New York: Routledge, 2009.
WITTKOPF, E.; MCCORMICK, J. M. Congress, the President, and the End of the
Cold War: has anything changed? The Journal of Conflict Resolution, v. 42, n. 4,
p. 440-466, 1998.
976
LESTER, R. H.; HILLMAN, A.; ZARDKOOHI, A.; CANNELLA JR., A. A former
government officials as outside directors: the role of human and social capital.
Academy of Management Journal, v. 51, n. 5, p. 999–1013, 2008.
LYNN JR., L. E. Gestão Pública. In: PETERS, B. Guy; PIERRE, Jon. Administração
Pública: coletânea. Brasília: ENAP, 2010, p.33-52.
977
PRÁTICAS E PROPOSIÇÕES DA CARREIRA CIVIL EM DEFESA
Adriana Marques428
1 Introdução
427
Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares. Instituto Meira Mattos/Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército.
428
Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares Instituto Meira Mattos/Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército.
978
foi aprovado Projeto de Lei da Câmara PLC 38/12, que prevê a criação da carreira
de especialista civil em Defesa, conforme proposto na Estratégia Nacional de
Defesa. A criação de tais cargos visa a estruturação do Ministério da Defesa para
fazer frente aos futuros desafios nacionais.
2 Referencial Teórico
979
No cotidiano, a prática de gestão das pessoas é costumeiramente chamada de
administração/ gestão de recursos humanos. Entende-se que pessoas são recursos,
assim como os demais. Entretanto, a característica diferenciadora deste recurso em
relação aos demais faz com que a sua gestão seja elemento crítico no planejamento
estratégico. A gestão estratégica de recursos humanos visa conectar os níveis
macro (das abordagens de recursos) e micro (psicologia) para articular como os
recursos humanos são relacionados com a efetividade (PLOYHART; WEEKLEY;
RAMSEY, 2009).
980
e, nas ações e resultados da administração pública (CÂMARA, 2009). Tal contexto
pode ser interpretado de duas perspectivas, em que ora é entendido pela busca por
competências distintas daquelas que as organizações públicas possuem e ora
podem ser visto como uma incapacidade da sua administração de prover os cargos
de direção com pessoal interno.
Um dos meios para superar dificuldades da gestão pública está em inovar. Mais
especificamente, a gestão da inovação consiste na invenção e implementação de
práticas de gestão, processos, estruturas ou técnicas que sejam novas para aquilo
que se espera em relação aos objetivos organizacionais (BIRKINSHAW; HAMEL;
MOL, 2008).
Carreira, de acordo com Feldman (2003), pode ter tanto a conotação da capacitação
como do investimento de longo prazo. Dutra (2011) descreve carreira como um
termo para definir a mobilidade ocupacional e a estabilidade do indivíduo na
organização – tal como a carreira militar – ou, ainda como uma sequência de
estágios e transições originadas a partir do ambiente, que engloba a relação
organização-indivíduo, conciliando expectativas de ambas as partes. Trata-se de um
processo de longo prazo, prioritariamente caracterizado pela evolução, de modo que
visa contribuir para o desenvolvimento e alcance de expectativas do indivíduo e da
organização. A relevância da administração de carreiras está no fato de que esse
processo visa selecionar, avaliar, dar atribuições e desenvolver os indivíduos para,
coletivamente atender às suas necessidades futuras (HALL, 1996). Tradicionalmente
o desenvolvimento da carreira aplica-se aos cargos mais altos das organizações,
porém sendo uma tendência mutante à medida que as organizações se reestruturam
para enfatizar competências e contribuições de pessoas dos diferentes níveis
hierárquicos – destaca Milkovich (2000).
981
movimentação eficaz e eficiente envolve o domínio das informações essenciais para
a ocupação de determinadas posições. A identificação do perfil necessário refere-se
ao atendimento de necessidades atuais e futuras da organização.
Campbell, Coff e Kryscynski (2012) destacam que o capital humano pode ainda ser
caracterizado pela sua especificidade para manter o diferencial sustentável. No caso
de organizações da administração pública, o capital humano pode ajudar para a
melhor prestação de serviços à sociedade, utilizando-se de menos recursos
financeiros e materiais conciliados com a melhor qualidade do serviço prestado.
982
Na Administração Pública, Lima (2005) propõe que a gestão por competências, visa
alinhar esforços para que competências humanas possam gerar e sustentar as
organizacionais necessárias à consecução de objetivos estratégicos. A distinção
entre ideal e prática está na formação de um quadro de servidores adequado, que
se fundamente na contratação de funcionários com o domínio de conhecimentos
técnicos sobre matérias específicas, aliados a um conjunto de habilidades e atitudes
compatíveis com suas futuras atribuições. A competência organizacional depende
do desenvolvimento inter-relacionado e equilibrado de uma série de fatores, que
dependem do equilíbrio de competências (SANCHEZ, 2004).
Lima (2005) adiciona que, uma vez adotada a prática de gestão de carreiras
conciliada com a estratégia de gestão por competências, a adequação de perfil para
o posto e a carreira passa a ser uma variável-chave. Práticas distintas podem
propiciar a avaliação de competências individuais, tais como concursos, cursos
preparatórios e períodos probatórios. O autor ressalta ainda que concursos
possibilitam a avaliação das competências requeridas pelas áreas a serem supridas,
alinhadas com as competências estratégicas definidas pela organização. Contudo,
com o intuito de viabilizar a identificação das competências interpessoais,
estratégicas e gerenciais, cuja observação não seria possível - pela aplicação de
instrumentos e provas –, outras práticas podem ser adotadas. Concilia-se assim
capacidade intelectual e adequação de perfil.
e) Defesa no Brasil
983
Ciência e Tecnologia.
A criação da Política de Defesa teve como mérito principal ser o primeiro documento
oficial elaborado pelo governo brasileiro a respeito do tema. Com sua promulgação,
o governo brasileiro assumiu, pela primeira vez, como sua a responsabilidade de
estabelecer as diretrizes que devem orientar a formulação das concepções
estratégicas brasileiras e apresentar de forma coordenada a política externa e a
política de defesa do país. Outro ponto relevante da Política de Defesa foi o
reconhecimento de que seria necessário aprimorar o nível de integração entre as
três Forças em seu preparo e emprego (BRASIL, 1996).
984
gerais, pode-se afirmar que, no concernente às relações entre civis e militares, foram
registrados avanços e retrocessos no bojo da estrutura ministerial. Os principais
retrocessos no plano das relações entre civis e militares estão contidos no Decreto
4.735 de 2003, que modificou algumas normas e competências, notadamente no
tocante às normas para o preenchimento de cargos determinando que os cargos de
Secretários e de Diretores de Departamento só podem ser ocupados por Oficiais-
Generais da ativa.
f) Competências em Defesa
985
(desenvolvimento e transferência); o desenvolvimento de setores industriais; o papel
sócio-econômico (qualificação de mão-de-obra, infra-estrutura, ações de defesa
civil); e projeção e respeito no campo internacional.
Ao descrever a profissão militar, Caforio (2007) aponta que ela está incluída entre
aquelas incorporadas em uma organização e fortemente dependentes dessa, no
qual o Estado é seu único cliente. A ocupação do profissional está definida como um
exemplo de fusão entre profissão e organização onde aspectos estritos profissionais
e burocráticos estão presentes simultaneamente. Ao analisar as qualidades
essenciais da profissão militar, o autor destaca como as principais – dentre 18 – a
habilidade para liderar, a especialização profissional, a disciplina, o senso de
responsabilidade, a determinação e o patriotismo. No segundo nível estão a abertura
mental, o espírito de sacrifício, a iniciativa e a aparência física.
3 Procedimentos Metodológicos
No que tange aos fins, a pesquisa caracteriza-se por ser descritiva e explicativa. O
caráter descritivo teve por finalidade expor características da carreira civil e suas
características em diferentes Estados. A análise consistiu da avaliação de elementos
inerentes à carreira em Ministérios de Defesa, de países cujas peculiaridades
destacam-se como modelos favoráveis à comparação. O estudo em tela parte,
portanto, da compreensão de elementos que interferem na composição da carreira
do especialista civil em Defesa.
986
A análise de dados visou à descrição e explicação das abordagens e possibilidades
de carreira de profissionais civis, na área de Defesa. Portanto, se buscou identificar
elementos distintivos na inserção de civis na carreira de Defesa na Argentina, Chile,
Espanha e Estados Unidos. No segundo momento, buscou-se com a avaliação do
estado-da-arte das práticas e potencialidades para a criação da carreira de civis em
Defesa no Brasil.
4 Resultados da Pesquisa
a) Argentina
987
Esse contexto resultou do entendimento do governo argentino de que a reforma da
educação em Defesa nacional deveria compreender o desenvolvimento de civis e
militares. Por isso analisou a experiência de outros países e formou equipes
multidisciplinares.
988
Da mesma forma, as ações educativas de sensibilização para o público geral
abarcaram cursos, jornadas e seminários. Dentre os cursos é importante destacar
que esses viriam a abranger desde cursos introdutórios e de graduação, como
cursos de especialização e mestrado.
b) Chile
A inserção de civis no Ministério vem ocorrendo ao longo das últimas duas décadas,
representando um trabalho gradativo de adaptação cultural e convencimento da
relevância de aproximação para o trabalho conjunto. Em termos de constituição, o
intuito é de compor de profissionais técnicos e administrativos, civis e militares. São
princípios básicos para a atuação dos indivíduos a ética no serviço público, valores
de disciplina, prudência e patriotismo. O civil vem a cumprir um papel diferente do
989
militar que é de capacitação técnica, especialmente na área de planejamento
estratégico, de projetos e áreas que precisem de um outro olhar. A atual estrutura do
Ministério, destacando a Subsecretaria da Defesa - que tem o papel primário e
secundário de tratar de questões estratégicas e político-estratégicos – vêm
incorporando civis.
990
Dentre as competências destacam-se: 1. a necessidade de perfil profissiográfico,
relativo ao cargo que será desempenhado e suas devidas especializações; 2.
flexibilidade para incorporar os conhecimentos à área militar; 3. possuir os
conhecimentos militares para executar o trabalho (que podem ser adquiridos
posteriormente a inserção do civil no MD). Portanto, há necessidade da formação
básica do profissional, sendo complementado ao conhecimento específico da área
militar. Assim, o profissional inserido pode ter uma perspectiva técnica, porém
adaptada à realidade (e cultura) militar.
991
como o ensino por competências, os trabalhos são delineados de acordo com as
competências esperadas nas respectivas áreas, que são utilizadas como parâmetros
para contratação e desenvolvimento do profissional – um mapa funcional.
c) Espanha
992
engenheiro técnico, arquiteto técnico ou equivalentes.
O grupo profissional 3 é composto por trabalhadores que realizam funções com alto
grau de especialização e que integram, coordenam e supervisionam a execução de
tarefas homogêneas ou funções especializadas. A formação desejada é de título de
nível superior ou equivalente.
993
espanhol é que atualmente civis também podem participar dos cursos de Estado-
Maior – como jornalistas da área de defesa, membros de ONG -, a intenção é de
permitir que os profissionais compreendam especificidades da área como ofensiva,
defensiva, missões de paz, Direito Internacional dos Conflitos Armados. Assim,
amplia-se o conceito de que a defesa não é uma questão exclusiva dos militares.
d) Estados Unidos
994
Secretário Adjunto – para quem é delegado poder e autoridade para todos os
assuntos dos quais o secretário autorizar. Atualmente, o DOD é composto por 1, 4
milhões de militares – das distintas forças - e 718.000 civis – representando o maior
empregador daquele país. Dentre os programas de acesso estão o estágio
remunerado para estudantes, carreiras para recém-graduados, constando de
treinamentos, orientação e oportunidades de desenvolvimento de carreira no serviço
Federal.
995
O governo americano possui ainda programas específicos para pessoas com
necessidades especiais, veteranos destas condições são considerados em
programas específicos. Para tanto, são avaliados aspectos como a existência de
deficiência específica e a capacidade para o trabalho.
996
O exercício das atividades em defesa, por civis, abrange uma diversidade de
oportunidades que envolvem o quadro fixo, quadro temporário, terceirização e
posições políticas. Dessa forma, constata-se que: 1. o quadro fixo refere-se ao
atendimento das demandas constantes do Ministério, ocupados por profissionais de
formação específica para os cargos e com capacitação posterior à contratação; 2. o
quadro temporário costuma ser composto por profissionais de contratos anuais ou
bianuais, para sanar necessidades temporárias; 3. a terceirização é uma opção para
inserir profissionais com maior nível de especialização, para sanar necessidades
temporárias e bastante específicas, das quais a capacitação em defesa – após a
contratação - não é um pressuposto. 4. posições políticas são uma realidade que,
para a sua adequação à área, demandam capacitação específica – inclusive para
refletir em reconhecimento por parte dos militares. Característica única do ambiente
de defesa é a possibilidade de aproveitamento de militares da reserva para a
condução de atividades que demandem o conhecimento técnico/militar, sem, porém
prejudicar o andamento das Forças.
Por fim, verifica-se que, de modo geral, o trabalho de aproximação cultural entre
profissionais militares e civis é resultado do esforço cotidiano de compreensão das
distinções e similaridades entre ambas as realidades. A aproximação entre as partes
é um dos elementos mais visíveis do processo de democratização, notadamente da
defesa.
5 Considerações Finais
997
Defesa Nacional. Essa decisão reflete a necessidade de adaptação a um contexto, o
qual o Brasil - dentre as países estudados – surge com o comportamento reativo.
Uma explicação para essa posição pode ser explicada pelo fato de ser o Ministério
da Defesa o mais recente em fundação - há pouco mais de uma década.
Com a criação de tal carreira, o MD pode assumir a posição de gestor das decisões
e atos que concernem a área, de modo que possa ser entendido como uma espécie
de holding de Defesa - nas quais estão subordinados a Marinha, a Aeronáutica e o
Exército. A juventude do MD surge como oportunidade para inovar, inclusive com a
possibilidade de ofertar novas práticas para a administração pública brasileira.
Dentre as principais atividades destacam-se a possibilidade de coordenar e otimizar
a Defesa; centralizar políticas de recursos humanos; gerar reflexos positivos nas
Forças; aperfeiçoar a gestão; otimizar processos e o uso de recursos. A diferença
entre as Forças e o MD está nas atividades de preparo e emprego.
998
adequação dos quadros do MD às necessidade de Defesa Nacional. Por fim, é
importante ressaltar que o presente trabalho não tem por intenção esgotar as
discussões sobre o assunto, especialmente em função de suas limitações de
amostra e abrangência do tema.
Referências Bibliográficas
999
CAFORIO, G. Trends and evolution in the military profession . In: CAFORIO,
Giuseppe (Ed.) Social Sciences and the Military: An interdisciplinary overview.
London: Routledge, 2007, p. 217-237.
1000
HITT, M. Comportamento organizacional: uma abordagem estratégica. Rio de
Janeiro: LTC, 2007.
LYNN JR., L. E. Gestão Pública. In: PETERS, B. Guy; PIERRE, Jon. Administração
Pública: coletânea. Brasília: ENAP, 2010, p.33-52.
1001
Simpósio Temático 15
Alexandre Fuccille
1 Introdução
Posto isso, o propósito deste artigo é procurar avaliar desde uma perspectiva
brasileira a dinâmica, os avanços e os desafios nas amplas áreas de segurança e
Doutor em Ciência Política pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é professor da Universidade
Estadual Paulista/UNESP e membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional/GEDES.
1002
defesa no subcontinente no presente século, cotejados com movimentos como o
giro à esquerda e centro-esquerda nos governos da região, o novo protagonismo
externo brasileiro neste espaço geográfico, os avanços na integração regional e
seus impactos (UNASUL, Conselho de Defesa Sul-Americano etc), culminando na
constituição do que tem sido chamado por alguns analistas de um vigoroso
Complexo Regional de Segurança (CRS).
2 A “primavera sul-americana”
1003
abririam as portas – em princípio – a novas possibilidades e formas de cooperação
neste inédito contexto.
Poucas não foram as ocasiões em que as disputas no plano sub-regional, seja por
intermédio da Comunidade Andina de Nações (CAN), do Mercado Comum do Sul
(Mercosul) ou ainda da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), fizeram
dissipar energia que poderia ser canalizada conjuntamente e explicitaram as
pesadas contendas de bastidores que orientam as chancelarias nacionais.429
Por outro lado, a antiga antipatia que muitos dos novos presidentes do
subcontinente nutriam por Washington combinada à forma pouco habilidosa com
429
Apenas para ilustrar, isso pode ser facilmente verificado nos embates envolvendo a “diplomacia dos
biocombustíveis” (Lula) versus a “diplomacia do petróleo” (Chávez).
1004
que os interesses estadunidenses foram conduzidos por estas paragens, acabaram
evidenciando a decrepitude crescente de instituições e mecanismos como a OEA, a
Junta Interamericana de Defesa (JID), o TIAR, entre outros, dando sinais
inequívocos de esgotamento do sistema de segurança hemisférico estruturado a
partir das décadas de 1930-40.
De toda sorte, o fato para o qual estamos querendo aqui chamar a atenção é que, a
despeito de disputas (pontuais ou não) entre os diferentes Estados sul-americanos
no processo de construção e condução da integração regional, parece haver um fio
condutor comum (excetuado a Colômbia) com respeito à temática segurança e
defesa que é a aspiração por parte das lideranças políticas do fim da heteronomia e
ingerência norte-americana na região. Neste particular, a América do Sul
concretamente parece vivenciar uma nova realidade, com o florescimento inclusive
de novas institucionalidades como o CDS e outros mecanismos, não obstante uma
430
Recentemente o secretário de Estado do governo Barack Obama, John Kerry, em discurso ante o Comitê de
Assuntos Exteriores da Câmara de Representantes, classificou a América Latina como “quintal” dos Estados
Unidos.Ver John Kerry (2013) e Colombo e Frechero (2012).
1005
crescente aproximação militar entre Paraguai e Estados Unidos, notadamente após
a suspensão do primeiro do Mercosul e da UNASUL em meados de 2012.431
431
Antes disso, exercícios militares por parte do Exército brasileiro na fronteira com o Paraguai em fins de 2008,
em uma espécie de desagravo informal aos “brasiguaios” (principais produtores agrícolas naquele país) que
sofriam pressão dos sem-terra local, mobilizou um efetivo de milhares de homens trazendo tensão e desconforto
à região. Para piorar, desde 2010 a guerrilha também passou a ser uma nova triste realidade neste sofrido país,
por intermédio do Exército do Povo Paraguaio (EPP).
432
Nesse mesmo ano teve lugar no Brasil, pela primeira vez na história, a “1ª Reunião de Ministros da Defesa da
América do Sul”. A Política Externa Brasileira ao longo do governo Lula (2003-2010) é motivo de muita
controvérsia entre os analistas. Com respeito às questões de segurança e o tratamento diferenciado que estas
receberam ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, sugerimos Villa e Viana (2010).
1006
centrada na expansão de bases militares no subcontinente, reativação da IV Frota
Naval e combate ao terrorismo e às drogas). A pactuação desta agenda comum
permitiria, em tese, a criação até mesmo de uma comunidade de segurança, dada a
centralidade da territorialidade na dinâmica dos estudos de segurança. Contudo,
seja no nível regional ou ainda no sub-regional, obstáculos têm aparecido.
433
São mais de 500 projetos a um custo estimado de cerca de US$ 120 bilhões. Para áreas de ação, projetos,
planejamento e documentos da IIRSA, ver <http://www.iirsa.org/index.asp?CodIdioma=ESP>. Acesso em: 15
mar. 2013.
434
Para uma cronologia da criação do CDS e as disputas envolvendo sua instituição, ver Medeiros Filho (2010),
Carvalho (2009) e Teixeira (2011). Para um balanço mais amplo, cf. Pagliari (2009).
1007
do CDS em dezembro de 2008, diversas foram as articulações para superar as
diferenças de forma e conteúdo entre seus 12 membros, bem como sepultar a ideia
de que tal instrumento visava consolidar a hegemonia brasileira na região.435 Entre
uma Colômbia que se enxergava insulada, cercada de governos esquerdistas (para
não falarmos dos estreitos vínculos político-ideológicos com Washington e a
colaboração na área castrense via Plan Colombia), a uma Venezuela histriônica que
defendia a criação de um instrumento militar operacional comum chamado
Organização do Tratado do Atlântico Sul (OTAS, nos moldes da Organização do
Tratado do Atlântico Norte/OTAN),436 acabou vingando a proposta de
implementação de uma estrutura suavizada – subordinada a um bloco regional
multipropósito como a UNASUL –, de concertação entre seus integrantes, capaz de
fomentar o intercâmbio nos campos da segurança e defesa, cujas decisões só têm
validade se acordadas por consenso e com previsão de ao menos um encontro
anual ordinário entre seus ministros da Defesa.437
Para alguns atores deste processo, a acelerar a conformação deste arranjo estavam
1) a possibilidade de transbordamento de ―novas ameaças‖ a outros países, como o
narcotráfico colombiano para o Brasil e a contenda envolvendo Colômbia, Equador e
Venezuela pela morte de Raúl Reyes (número dois na hierarquia das Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo/FARC-EP); 2) os conflitos
sub-regionais como os contenciosos envolvendo Perú e Equador, Bolívia e Chile,
entre outros; 3) os movimentos autóctones difundindo um sentimento separatista,
como ilustram Bolívia e Paraguai; 4) frear os ímpetos bolivarianos na região,
sobretudo via isolamento da Venezuela e/ou dos países integrantes da ALBA; 5)
evitar uma corrida armamentista na região, com a adoção cresceste de medidas de
confiança mútua (CBMs, do original Confidence Building Measures); 6) solidificar o
Atlântico Sul como um área de paz, livre de armas nucleares e vital de projeção de
435
Um interessante panorama de como a inserção brasileira foi pensada desde a década de 1950 até os dias
atuais, pode ser conferido em Vigevani e Ramanzini Júnior (2010). A propósito da discussão em torno da ideia
de liderança brasileira, vale a pena considerar Danese (2009).
436
Antes desta oportunidade, a última vez que a criação de um mecanismo semelhante foi aventada deu-se
nos anos 1980, no início do governo Ronald Reagan (1981-1989), onde Argentina e África do Sul eram
entusiastas de tal proposta norte-americana. O Brasil e outros países africanos – notadamente os da chamada
África ocidental – procuraram obstaculizar tal iniciativa. Já em meados de 1982, com a eclosão da Guerra das
Malvinas, tal devaneio esboroava-se.
437
Acerca das suas funções e outras atribuições, ver o site <http://www.cdsunasur.org/>. Acesso em: 27 mar.
2013.
1008
poder ao Brasil, não permitindo a presença de potências extra-regionais (como o
caso do Reino Unido e a questão Malvinas/Falklands); 7) impedir a materialização
de uma política estratégica de segurança hemisférica definida a partir dos Estados
Unidos para o subcontinente; e, último mas não menos importante, 8) concretizar os
objetivos estratégicos da Política Externa Brasileira de consolidação de um processo
de integração sul-americano.438
Ao mesmo tempo, como frisa bem Alsina Jr. (2009, p. 181), ―a satisfação territorial e
a não securitização de ameaças emanadas dos países lindeiros permitem que o
País [Brasil] priorize a dimensão do desenvolvimento em detrimento da dimensão
estratégico-militar‖. Todavia, se historicamente foi assim, um país com mais de
15.000 quilômetros de fronteiras secas, cerca de 8.000 quilômetros de litoral e um
imenso espaço aéreo,440 que reivindica um assento permanente em uma possível
reconfiguração do Conselho de Segurança da ONU e pretende-se avalista da
concórdia em seu entorno, não pode prescindir de uma estrutura militar crível e
descurar de seus meios de defesa. Ao mesmo tempo, tarefa complexa e difícil esta
438
Notas pessoais a partir de conversas off the record com membros do Ministério das Relações Exteriores
(Itamaraty) e Ministério da Defesa brasileiros.
439
Para tanto é fato que ao lado do tradicional soft power há inúmeros desafios colocados a fim de que o Brasil
aumente seu hard power. Por exemplo, uma importante limitação advém do fato deste país ser o único membro
do acrônimo BRIC desnuclearizado. Cf. Bertonha (2010) e Flores (2009-2010).
440
Corroborando estes elementos, a lembrança de que várias nações sul-americanas são menores geograficamente
do que muitos Entes Federados brasileiros (e.g., se o Estado do Amazonas fosse um país seria o 3º maior da
América do Sul – depois de Brasil e Argentina), menos populosos (e.g., o Estado de Minas Gerais tem um
população maior que Bolívia, Paraguai e Uruguai somados), de menor peso econômico (e.g., se o Estado de São
Paulo fosse um país seria a 2º maior economia do subcontinente, só perdendo para o próprio Brasil), entre outros
pontos, não podem deixar de causar mal-estar entre seus vizinhos.
1009
sem que se incorra na clássica armadilha do ―dilema da segurança‖, conforme
proposto por Herz há mais de meio século.441
Em várias circunstâncias o Brasil não tem sido feliz, para dizer o mínimo, em erigir
um discurso coerente e que pareça crível aos demais parceiros regionais, tendo
como consequência um perfil identitário ainda não claramente delineado. Ao falar
sobre o subcontinente e a relação do Brasil para com este, enquanto o presidente
FHC destacava que ―só teremos êxito se formos capazes de ser companheiros dos
outros países. Não podemos sufocar, tirar vantagem desnecessária. A vantagem é
estratégica, não é para o dia de amanhã‖, por vezes temos afirmações como a do
presidente Lula de que ―é impressionante como todos esses países estão quase a
exigir que o Brasil lidere a América do Sul‖ (PARA AMERICA..., 2008). Em que pese
os esforços envidados por Lula da Silva para que a integração regional saísse do
papel e a ação que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) passou a jogar para concretizar a IIRSA e como um dos braços da política
externa brasileira, em larga medida há um sentimento generalizado do Brasil como
um hegêmona, gigante e subimperialista, permeando corações e mentes de boa
parte dos vizinhos sul-americanos.442 Para que tal percepção se esvaia, é preciso
que se avance, reduzindo efetivamente as importantes assimetrias que ainda
caracterizam os países da região e apostando na integração regional para valer (e
não apenas como mecanismo de salvaguarda a ameaças externas comuns de
diferentes tipos e/ou um tipo de soft balancing). Não só os vizinhos menores, mas
também o Brasil seria enorme beneficiário se tal processo ocorresse, dissipando
definitivamente a imagem de um ―gigante egoísta‖ – na feliz expressão de Andres
Oppenheimer.
441
Desta perspectiva, na ausência de autoridade centralizada e em um sistema internacional anárquico, o fato de
um Estado tornar-se mais seguro reduz a segurança de outro Estado, com os riscos daí decorrentes de uma
interminável corrida armamentista e da misperception (HERZ, 1950, p. 157 et seq.).
442
Em uma rápida busca pela internet isto é facilmente visualizável. Apenas para aclarar, ver “Dossiê
Imperialismo Brasileiro”, Le Monde Diplomatique Brasil, fev. 2009; “O imperialismo brasileiro preocupa a
região”, O Estado de S. Paulo, 23 out. 2008; “El imperialismo brasileño seguirá intacto con el gobierno de
Dilma”, ABC Color, disponível em: <http://www.abc.com.py/articulos/el-imperialismo-brasileno-seguira-
intacto-con-el-gobierno-de-dilma-178977.html>, acesso em: 27 fev. 2013; Samuel de Jesus. “„Imperialismo
Brasileiro‟: visões jornalísticas sobre a atuação brasileira na América do Sul e no mundo”, disponível em:
<http://mundorama.net/2012/09/25/imperialismo-brasileiro-visoes-jornalisticas-sobre-a-atuacao-brasileira-na-
america-do-sul-e-no-mundo-por-samuel-de-jesus/>, acesso em: 26 fev. 2013). Para um contraponto a estas
leituras, cf. Curado (2011).
1010
A dificuldade da presidente Dilma atualmente reside em um resiliente quadro
internacional de crise, que impacta diretamente os planos doméstico, regional e
global, limitando a capacidade de ação do Estado brasileiro no sistema
internacional. Por outro lado, a crescente probabilidade de convulsão da
Argentina que se avizinha, somado a uma Venezuela fragilizada tanto econômica
quanto politicamente, abrem novas portas para o Brasil transformar esta crise em
oportunidade.
443
Com isto não estamos querendo – em absoluto – negar as diferentes tensões em torno das imagens geradas e
percebidas por diferentes coletividades sobre a presença brasileira no subcontinente, a saber, o estereótipo
hegemônico, o perfil de liderança e a alteridade hispânica. Para detalhes, ver Galvão (2009), p. 72 et seq.
1011
As considerações anteriores e a discussão em torno de uma nova cultura
estratégica, necessariamente nos leva a algumas questões: houve alteração
importante na distribuição global de poder no sistema internacional nos últimos
anos?; como essa repartição de poder afeta as opções sul-americanas e, em
particular, as brasileiras?; temos instituições regionais fortes?; o mundo político/civil
dirige o mundo das armas/militar? Estas e outras questões impactam centralmente a
reflexão que aqui estamos desenvolvendo.
444
Em plena “crise”, os Estados Unidos da América, que concentram menos de 5% da população mundial, em
2012 continuavam responsáveis por 43% dos gastos militares e de defesa do planeta. Ver
<http://www.sipri.org/databases/milex>. Acesso em: 12 jul. 2013.
1012
processos e instituições, que precisam ser fortalecidos, maturados e sedimentados.
As céleres, e constantes, alterações e regressões de pontos anteriormente
acordados entre os países do subcontinente pouco contribui para o fortalecimento
das instituições regionais – condição necessária ainda que insuficiente – e de esteio
para o aprofundamento das relações de segurança interestatais, que é o ponto que
aqui mais de perto nos interessa. O exemplo mais dramático talvez seja dado pelo
Mercosul, proposta de Mercado Comum, atualmente na fase de União Aduaneira
(mais que imperfeita!), que tem levado importantes setores das sociedades de
diferentes Estados membros integrantes deste bloco a defenderem que este arranjo
retroaja a uma Área de Livre Comércio. Os reflexos de tal instabilidade podem ser
sentidos, e.g., na não concretização de uma Agência de Segurança e Defesa do
Mercosul, como previsto há mais de uma década e cuja sede situar-se-ia em
Montevidéu (a exemplo do Parlasul), dificultando a passagem e avanço do nível do
diálogo bilateral para o diálogo subregional.445
445
Documentos pessoais da fase em que trabalhei na Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais
do Ministério da Defesa no Brasil, de 2003 a 2005.
1013
acerca do que desafia seu cenário de segurança. Isto causa impacto nas
possibilidades multilaterais. (DONADIO, 2011, p. 115).
Uma nova cultura estratégica não surge da noite para o dia. De forma um tanto
sumarizada e pensando em termos de região e acúmulo no tema em tela, vale listar a
criação de mecanismos como o ―Tratado Americano de Soluções Pacíficas‖/Pacto de
Bogotá (1948), a ―Zona Livre de Armas Nucleares na América Latina‖/Tratado de
Tlatelolco (1967), a ―Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul‖ (1986), o ―Acordo de
Mendoza‖ entre Argentina, Brasil e Chile (1991) proibindo a proliferação, a posse e o
uso de armas químicas e biológicas, a ―Zona de Paz Sul-Americana‖/Comunicado de
Brasília (2000), a inauguração das ―Reuniões de Ministros da Defesa da América do
Sul‖ (a primeira ocorrendo no Rio de Janeiro em 2003), além do crescente
adensamento das relações bilaterais entre Brasil e Argentina desde a década de 1980
na área nuclear com a abdicação da fabricação e emprego por ambos de armas
atômicas, a instituição da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de
Materiais Nucleares/ABACC (única organização binacional de salvaguardas nucleares
do mundo), culminando no ―Acordo Bilateral de Cooperação em Matéria de Defesa‖
firmado em 2007.446 Enfim, um expressivo acervo e uma não desprezível tradição de
se procurar distensionar o ambiente de segurança e defesa regional.
A partir de 2009, com o início efetivo de suas atividades, o Conselho de Defesa Sul-
Americano tem aparecido como um importante espaço de concertação onde, a
446
A esses poderíamos somar as iniciativas brasileiras dos Acordos Bilaterais-Quadro com Bolívia, Chile,
Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai, além dos Acordos-Quadro de segurança regional assinados pelo
Mercosul com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela – todas deste século.
1014
despeito das idiossincrasias regionais/ideológicas entre a CAN, o Mercosul, ou ainda
a ALBA, importantes avanços têm sido registrados, como a definição de Planos de
Ação comuns na temática de segurança e defesa, o estabelecimento de medidas de
confiança mútua, a criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) na
cidade de Buenos Aires, a construção de uma metodologia comum de medição dos
gastos em defesa, um importante intercâmbio em matéria de formação e
capacitação militar, entre outros pontos igualmente meritórios. Não obstante,
desafios permanecem.
5 Considerações finais
1015
alicerçada muitas vezes em bases frágeis, como uma forte retórica nacionalista,
defesa da soberania e não-intervenção.
1016
aprofundamento e criação de novas institucionalidades nos planos econômico,
social, cultural, entre outros. Nesse sentido, esta contribuição, longe de
pretender esgotar o tema em tela, propõe-se a ser uma reflexão em uma área
ainda pouco explorada no subcontinente, somando-se às demais tentativas de
interpretação do Brasil e da América do Sul contemporâneos e os papéis que
estes almejam no presente século.
REFERÊNCIAS
1017
DUPAS, G.; OLIVEIRA, M. F. de. A União Sul-Americana de Nações. In: AYERBE,
L. F. (Org.). Novas lideranças políticas e alternativas de governo na América do
Sul. São Paulo: Ed. UNESP: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da UNESP, Unicamp e PUC-SP, 2008.
EL IMPERIALISMO brasileño seguirá intacto con el gobierno de Dilma. ABC Color,
1 nov. 2010. Disponível em: <http://www.abc.com.py/articulos/el-imperialismo-
brasileno-seguira-intacto-con-el-gobierno-de-dilma-178977.html>. Acesso em: 27
fev. 2013.
FLORES, Mario Cesar. Segurança Internacional na América do Sul (e o Brasil nela).
Política Externa, v. 18, n. 3, p. 61-71, 2009-2010.
GALVÃO, Thiago Gehre. América do Sul: construção pela reinvenção (200-2008).
Revista Brasileira de Política Internacional, v. 52, n. 2, p. 63-80, 2009.
HERZ, J. H. Idealist internationalism and the security dilemma. World Politics, v. 2, n.
2, p. 157-180, Jan. 1950.
INICIATIVA PARA A INTEGRAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA REGIONAL SUL-
AMERICANA (IIRSA). Disponível em:
<http://www.iirsa.org/index.asp?CodIdioma=ESP>. Acesso em: 15 mar. 2013.
JESUS, S. de. ‗Imperialismo brasileiro‟: visões jornalísticas sobre a atuação
brasileira na América do Sul e no mundo. 2012. Disponível em:
<http://mundorama.net/2012/09/25/imperialismo-brasileiro-visoes-jornalisticas-sobre-
a-atuacao-brasileira-na-america-do-sul-e-no-mundo-por-samuel-de-jesus/>. Acesso
em: 26 fev. 2013.
KERRY, J. Secretary of State: ‗Latin America Is Our Back Yard‘. In: PRAVDA. 2013.
Disponível em: <http://english.pravda.ru/world/americas/23-04-2013/124377-
latam_backyard-0/>. Acesso em: 4 maio 2013.
MEDEIROS FILHO, O. Conselho de Defesa Sul-Americano: demandas e agendas.
2010. Disponível em:
<http://www.brasa.org/_sitemason/files/fLdvB6/Oscar%20Medeiros%20Filho.pdf>.
Acesso em: 12 maio 2011.
O IMPERIALISMO brasileiro preocupa a região. O Estado de S. Paulo, 23 out.
2008.
PAGLIARI, G. de C. O Brasil e a segurança na América do Sul. Curitiba: Juruá,
2009.
PARA América do Sul, liderança brasileira ainda é promessa. 2008. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080303_ams_abre1_di
plomacia.shtml>. Acesso em: 27 mar. 2013.
SOARES, S. A. Contendores apaziguados ou partícipes da cooperação? As
percepções sobre ameaças e cooperação nas políticas de defesa de Argentina,
Brasil e Chile na década de 1990. In: OLIVEIRA, M. A. G. de (Org.). Comparando a
Defesa Sul-Americana. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011.
1018
STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE (SIPRI).
Disponível em: <http://www.sipri.org/databases/milex>. Acesso em: 12 jul. 2013.
TEIXEIRA, A. O Conselho de Defesa Sul-Americano da UNASUL. In: OLIVEIRA, M.
A. G. de (Org.). Comparando a Defesa Sul-Americana. Recife: Ed. Universitária da
UFPE, 2011.
VIGEVANI, T.; RAMANZINI JÚNIOR, H. Pensamento brasileiro e integração
regional. Contexto Internacional, v. 32, n. 2, p. 437-487, 2010.
VILLA, R. A. D.; VIANA, M. T. Security issues during Lula's administration: from the
reactive to the assertive approach. Revista Brasileira de Política Internacional, v.
53, p. 91-114, 2010. Special edition.
1019
PERSPECTIVAS Y DESAFÍOS PARA LA COOPERACIÓN INDUSTRIAL EN
DEFENSA
Aureliano da Ponte447
1 Introducción
447
Escuela Superior de Guerra
448
La Directiva dice: “MINISTERIO DE DEFENSA deberá continuar con el proceso de fortalecimiento y
profundización del desarrollo de la Industria de Producción para la Defensa […] Deberán promoverse los
cambios necesarios a efectos de lograr un sistema científico y tecnológico de la Defensa efectivamente
coordinado y funcional” (DPDN, 2009).
449
Argentina adoptó la metodología de planeamiento por capacidades en el año 2007. En relación al
Planeamiento, se define como el “proceso esencial e insustituible del Sistema de Defensa Nacional en lo que
refiere a la definición de todos los subsistemas del Instrumento Militar: recursos humanos, infraestructura,
logística, material, información, adiestramiento, organización y doctrina” (Decreto 1729/07)
1020
vinculación con la política de defensa, ya sea en la dimensión autónoma o en la
cooperativa, ha permanecido en un lugar relegado de la agenda académica.450
450
Este trabajo define a la tecnología “como el conjunto ordenado de conocimientos utilizados en la producción
y comercialización de bienes y servicios” (SÁBATO, 1975; LONGO, 2007). Lógicamente, son de particular
interés aquellas con potencial aplicación en el campo de la Defensa Nacional.
451
Amarante (2011) define que “a obtenção da tecnologia militar passa a ser o alvo das bases de defesa de C&T,
de P&D, de Infraestrutura, de Produção e de Logística. A integração funcional dessas cinco bases compõe a
espinha dorsal para a capacitação tecnológica militar de um país, sinteticamente cognominada por Base
Industrial de Defesa (BID). O sucesso da BID decorre do trabalho conjunto e harmônico do setor produtivo,
normalmente realizado pela gestão privada, e do setor de desenvolvimento, usualmente a cargo da gestão
pública”. Otro autor, Brick (2011) propone utilizar el concepto más amplio de Base Logística de Defensa
(BLD) ya que considera que incluye la “participação de diversas instituições nacionais no que concerne à
pesquisa e desenvolvimento (CT&I), produção, manutenção, inteligência tecnológica, financiamento e
mobilização de material de defesa [...]”.
1021
con el poder en el sistema internacional. Sobre estas bases, procura una
aproximación que ayude a dilucidar las complejidades intrínsecas y los múltiples
aspectos que deben tenerse en cuenta como referencia para elaborar una política
industrial y tecnológica en defensa, tanto autónoma como cooperativa. Concluye con
los principales desafíos para la dimensión nacional como para la cooperación
regional.
Así las cosas, es pertinente preguntarse hasta qué punto puede desarrollarse la ITD
separadamente de la estructura productiva y qué enseñanzas pueden obtenerse del
desarrollo aislado que exhibieron algunas experiencias en la Argentina.453 En tal
virtud, la elección del enfoque sabatiano como herramienta de diagnóstico e
intervención para la formulación de la política industrial y tecnológica de la defensa
resulta el más apropiado.454
452
Guimarães (2003) señala que la ciencia y la tecnología, así como la educación de calidad son factores que
influencian de forma decisiva el desarrollo económico de los Estados.
453
Para un estudio general de las experiencias del sector de industrias de defensa puede verse da Ponte (2010a).
Sobre la trayectoria particular de la Fábrica Militar de Aviones y la industria aeronáutica argentina puede
consultarse da Ponte (2010b).
454
Se concibe al desarrollo científico-tecnológico e industrial como “una acción [planificada y] coordinada entre
tres elementos fundamentales: Gobierno, Infraestructura Científico–Tecnológica y Estructura Productiva” (el
agregado es mío, Sábato, 1968).
1022
Con esta perspectiva, “Gobierno” (G), comprende al conjunto de instituciones
responsables de: garantizar la defensa de los intereses nacionales; formular la
política nacional en industria y tecnología de defensa (así como la de cooperación
regional e internacional) y disponer la correspondiente movilización de recursos;
articular la política del sector defensa con la infraestructura científica-tecnológica
nacional y con la estructura productiva; generar y sustentar la demanda y promover
las exportaciones; invertir en infraestructura; financiar tanto la producción como la
demanda (en especial de las PYMES); relacionarse con otros Estados para la
apertura de mercados; garantizar las actividades de Investigación y Desarrollo a
través del aporte de una parte sustancial de los recursos económicos utilizados para
estas actividades; diseñar instrumentos e implementar mecanismos de fomento; y
mejorar la arquitectura jurídica para generar condiciones que favorezcan el
surgimiento y/o fortalecimiento, según el caso, de las empresas de defensa
(públicas, mixtas o privadas). La “Estructura Productiva‖ (EP) está conformada por el
conjunto de todos los sectores productivos, que proveen los bienes y servicios que
demanda este sector y que deben aportar la otra parte del capital necesario (Base
Industrial). La “Infraestructura científico–tecnológica” (ICT) se compone del sistema
de educación, laboratorios, institutos y centros donde se realiza I+D, tanto estatales
como privados (Base Científico-tecnológica).
455
El regionalismo es conceptualizado como la política y el proyecto en el cual tanto los Estados como actores no
estatales cooperan o coordinan estrategias dentro de una determina región. El objetivo es perseguir y promover
metas comunes en una o más áreas, pudiendo operar tanto en el nivel estatal como en el de otros actores sociales,
aunque Soderbaum (2008) apunta que, generalmente, el concepto está asociado a un programa formal
(conducido por el Estado).
1023
diversos modelos (Farrell, 2005).456 De este modo, es esencial la interacción entre
regionalismo y regionalización, en tanto puede impulsar la formación de redes
regionales que busquen profundizar los niveles de cooperación, así como la
emergencia de actores regionales y/o organizaciones.
En este sentido, cualquier consideración sobre la ITD demanda que se realice partir
de su doble carácter, político-estratégico (militar y científico-tecnológico) y
económico-industrial. Esto a su vez supone apuntar dos cuestiones potencialmente
problemáticas, una específica y otra mucho más general que la contiene. La primera,
se relaciona a ciertas tendencias economicistas que subordinan su carácter
estratégico a criterios económicos. La segunda, se refiere a aquellos países en los
cuales la política industrial y tecnológica de defensa se concibe desligada de la
Estrategia Nacional de Desarrollo (END).457
456
La regionalización hace referencia, en su significado más básico, al proceso de concentración de actividades a
nivel regional (por caso comercio, ideas e incluso conflictos). Igualmente, en un plano de mayor abstracción
implica cooperación, integración, cohesión y lo que podría referirse como la creación de una identidad regional
(SODERBAUM, 2008).
457
Adoptamos la definición de Bresser Pereira que dice: “[…] é um conjunto de valores e normas que tem como
critério fundamental defender o trabalho, o conhecimento e o capital nacionais, seja protegendo-os da
competição internacional seja definindo políticas para torná-los mais capazes de competir” (2006, 215-216).
1024
las naciones a su Defensa Nacional. Igualmente, disponer de una ITD es el
resultado de la elección de un país sustentada en los intereses nacionales y
objetivos contribuyentes en la que influyen la apreciación del escenario internacional
de defensa, la política externa y la evaluación de costos/beneficios de las opciones
producción versus importación (make or buy). En consecuencia, no puede
concebirse en abstracto, sino en función de objetivos determinados por la política y/o
estrategia de defensa. El planeamiento estratégico debe ser la guía que oriente el
tipo de producción. De hecho, las necesidades se definen con arreglo a la estrategia
militar propia y al consecuente diseño del instrumento militar, así como el tipo de
conflicto bélico que (se estima) podría eventualmente enfrentarse.
En las últimas décadas hay investigaciones que compararon programas de I&D con
contenidos y características formales análogas demostrando que ha sido mayor el
impacto de los programas civiles en términos de avance del conocimiento.
Enfocados en estas cuestiones, algunos autores han demostrado la tendencia,
presente en los países avanzados, de que innovaciones originadas en el sector civil,
después de convenientemente testeadas, son aplicadas con éxito en el sector militar
(spin-in) (REPPY, 2003; JAMES, 2004).459 En todo caso, el punto central no pasa
tanto por cuál sector es el que genera la tecnología, sino cómo aprovechar y
458
Puede definirse Spin-off básicamente como la transferencia de tecnología desarrollada en el sector militar al
civil. Surgió después de la II Guerra Mundial en función de la transferencia real para el sector civil del conjunto
de innovaciones desarrolladas intensivamente en la esfera militar.
459
En caso de que se acepte como verdadera la idea de spin-off se manifieste en los países avanzados, cabe
igualmente un análisis específico para la realidad de los países periféricos, dotados de una capacitación
científico-tecnológica e industrial y de recursos públicos para invertir en el sector mucho menor (DAGNINO,
2010).
1025
fomentar la interrelación entre la estructura productiva y la infraestructura científico-
tecnológica general con la ITD.
1026
4 La industria de defensa y el contexto internacional
Si bien las primeras décadas del siglo XXI se caracterizan por la especulación
financiera y una crisis económica aún en curso, la industria sigue siendo el motor del
desarrollo económico y de las capacidades científico-tecnológicas de los países. Ello
se observa en la base de sustentación y configura, a la vez, la fuente central de su
poder militar (GARCÍA VARGAS, 2011; SANJURJO JUL, 2011). Esto se refleja en el
volumen de recursos destinado a Defensa en promedio del PBI: Estados Unidos
(4,7%), Francia (2,5%), China (2,1%), Rusia (4,3%), Reino Unido (2,7%), así como
en la masa de dinero utilizada para la adquisición de armamentos (SIPRI, 2010).460
Por otro lado, entre las principales tendencias de las últimas décadas se destaca
una relativa internacionalización de las industrias de defensa. Este fenómeno,
originado durante la Guerra Fría, sufrió transformaciones cualitativas luego de la
misma (DER GHOUGASSIAN, 2010).461 No obstante, si bien efectivamente se ha
desarrollado una dinámica propensa a la internacionalización de las grandes
empresas de armamentos, analizarla como un dato de la realidad sin tener en
cuenta ciertas variables puede derivar en conclusiones inadecuadas. Hay dos
aspectos fundamentales que no pueden soslayarse. Primero, el hecho de que cada
potencia se ha reservado el control de determinados sectores y/o tecnologías para sí
misma. Al respecto, es oportuno insistir con que el tipo de bien/producto es de
carácter estratégico y tiene implicancias en términos de poder en el sistema
internacional (FRACALOSSI DE MORAES, 2012).462Segundo, las experiencias
revelan que son los Estados (y sus intereses) los que están detrás de las empresas,
lo cual contradice aquellas posturas que pretenden aplicar a la ITD las reglas de libre
mercado (SANJURJO JUL, 2011).463 Evidentemente, en el escenario internacional
los procesos no son unidireccionales.
460
Evidentemente, en cada caso debe considerarse que los respectivos porcentajes de PBI suelen diferir
considerablemente de acuerdo al tamaño de los países. Sin embargo, estos indicadores demuestran el grado de
importancia relativa que esas sociedades le otorgan a la “cuestión tecnológica”.
461
Khatchik Der Ghougassian (2010, p. 12-13) dice “las empresas de producción armamentista tuvieron que
acomodarse a la lógica de la competencia que impuso el mercado global. Las grandes fusiones de las industrias
europeas y norteamericanas en la década de 1990 reflejan la exitosa adaptación de estas empresas a la lógica
de la globalización”.
462
Por mencionar uno de tantos ejemplos, Francia explicita en su Libro Blanco de Defensa (2008) que el tema
del armamento nuclear queda bajo la órbita exclusiva de las decisiones propias.
463
En palabras de José M. Sanjurjo Jul (2011, p. 40-41) “los economistas liberales sostenían hasta muy
recientemente que las que competían en el campo internacional eran las compañías no las naciones, sin
embargo la experiencia más reciente contradice –o al menos modifica– esta afirmación, porque a lo que
1027
Así las cosas, en lo que parece haber una suerte de acuerdo implícito entre las
economías industrializadas es en mantener el statu quo diferencial entre ellas y los
países emergentes, sobre todo en la esfera de ITD. Ello se evidencia a través de
acciones coercitivas que prohíben que ciertas tecnologías estén disponibles, incluso
por medio de la transferencia tecnológica. Según Dagnino (2010), existen
numerosos ejemplos recientes que muestran cuan subordinadas están las iniciativas
nacionales, relacionadas a las tecnologías sensibles, a los intereses de las potencias
y a las disposiciones internacionalmente aceptadas.464 Como se observa, son los
intereses geopolíticos los que imponen ciertas lógicas en el campo de la ITD. En
todo caso, es central tener presente que el fondo de la cuestión es de orden político-
estratégico y no de capacidades técnicas.
Otro punto a destacar se refiere a lo que este trabajo identifica como el paradigma
de la ―hiper sofisticación tecnológica‖ de los asuntos militares465 cuyo origen data de
los años setenta. En aquella década comenzó a desarrollarse en los países
industrializados, aunque fundamentalmente en Estados Unidos, una propensión a la
fabricación de sistemas de armas que pese a su costo creciente (en I&D y
producción), exhibían soluciones tecnológicas poco efectivas e inclusive
desventajosas en los escenarios de operación. Por caso, tiempos y costos de
mantenimiento excesivamente altos, demanda de calificación para su operación
incompatible con el entrenamiento militar, entre otras. Acompañando este proceso,
los intereses corporativos del llamado ―complejo militar-industrial‖ inflaron
artificialmente los costos (DAGNINO, 2010). Como sustento intelectual para dar
justificación académica, surgió en la literatura el concepto de Revolución de los
Asuntos Militares (RAM), la cual coloca a la tecnología militar como la variable
estamos asistiendo es que, cada vez mas naciones actúan con estrategias competitivas globales e integradas
gobierno-industria”
464
Luiz Pedone (2009) ha escrito sobre estos mecanismos a los que define como cercenamiento tecnológico, y
consisten en “el conjunto de acciones practicadas por Estados, grupos de Estados, organismos internacionales o
empresas y consorcios de empresas para bloquear, denegar, restringir o dificultar el acceso a bienes y
tecnologías sensibles, por parte de instituciones, centros de investigación o empresas de otros países”.
465
Dagnino (2010, p. 157). dice sobre esto que “Expresiones como “arsenal barroco”, acuñado por Mary
Kaldor, sirvieron para marcar la constatación de que la introducción en los armamentos de sofisticaciones
tecnológicas excesivas terminaba por tener un efecto criticable.”
1028
determinante (BITZINGER, 2008). Esto pone el énfasis en una lógica que ―impone‖
la necesidad de contar con los sistemas ―último modelo‖ y, cuando ello no sucede,
entonces la derrota posiblemente esté asegurada (―tener el segundo mejor caza-
bombardero implica la muerte y la derrota‖, Scheetz 2011: 48). Al respecto, es
elocuente la sentencia que afirma que ―hay una tentación de usar equipo de
segunda calidad. Esto puede ser bueno en tiempo de paz pero no en la guerra‖
(KIRKPATRICK, 1997).
Un intento de diagnóstico
1029
(universidades e institutos de investigación) con la producción tecnológica de las
empresas públicas, mixtas o privadas. Tercero, la falta de conexión entre la mano
de obra capacitada para I&D formada por las universidades y las empresas. Por
lo general, muchos de esos profesionales altamente calificados trabajan en
instituciones del gobierno, o lo que es más común, en universidades. Cuarto, el
sector privado posee una conducta en materia de I&D e innovación contraria a la
creación de las condiciones que podrían permitir la absorción de tecnologías
generadas en el país. Esto es el resultado de una racionalidad caracterizada por
un patrón de consumo imitativo de los países avanzados, lo cual perjudica la
realización de I&D local.
Esta situación se agravó durante los años noventa cuando el paradigma predominante
promovió que las funciones del Estado debían reducirse a la mínima expresión. Este
abandono tuvo como principal síntoma la inexistencia de planeamiento de largo plazo y
una fuerte presión acerca de las características que ―debía‖ tener la ―inserción
competitiva‖ en la globalización por parte de los países de la región. En el trasfondo de
estos argumentos subyacía que ―Difícilmente se podrían alcanzar niveles de eficiencia
semejantes a los de las tecnologías más modernas utilizadas por esas empresas para
producir bienes adecuados a los mercados que ellas controlan” lo cual según esta
1030
visión ―volvía prohibitivo o irracional el desarrollo de variantes tecnológicas propias‖
(DAGNINO, 2010, p. 196).
466
En línea con la propuesta de Sábato y Mackenzie se adopta como unidad de análisis de la tecnología al
paquete tecnológico, definido como “[…] un paquete de conocimientos organizados de distintas clases
(científico, técnico, empírico, etc.) provenientes de diversas fuentes (descubrimientos científicos, otras
tecnologías, libros, manuales, patentes, etc.) a través de métodos diferentes (investigación, desarrollo,
adaptación, copia, espionaje, expertos, etc.)” (1980, 24).
467
La noción de autonomía tecnológica, es entendida como “la capacidad de decisión propia de un país para
elegir, proyectar, programar, instrumentar y realizar su política científica. […] no se mide por la mejor o peor
manera en que haya sabido formular verbalmente su política, sino por la capacidad real de alcanzar los
objetivos propuestos” (SÁBATO, 1968, p. 12).
1031
La ITD sólo logra sostenerse si forman parte de una política de desarrollo industrial
integral que genere un ambiente de competitividad sistémica favorable en el cual las
empresas (públicas, mixtas y/o privadas) y los centros de I&D de defensa cooperen
y/o se asocien con otros sectores industriales y con centros de investigación
nacionales. En ese marco debe diseñarse una política de cooperación. Es decir, a
las pregunta formuladas (sobre qué bases y para qué un país coopera), se agrega
en qué términos y condiciones se inserta un país emergente en la llamada
―globalización‖. Ahí es donde se inscribe la cooperación regional, lo que no significa
restarle importancia en lo absoluto, sino que ubica el eje en la confluencia entre
regionalismo (en tanto proyecto o política) y la noción de regionalización,
contemplando las motivaciones de los diversos actores.
1032
Asimismo, otra cuestión fundamental es que debe situarse en el centro del análisis la
relación de la ITD con el desarrollo y con las capacidades de la Defensa Nacional.
Ello implica partir de su doble carácter, político-estratégico (militar y científico-
tecnológico) y económico-industrial. Como es evidente, pensar en las posibilidades
de avanzar en la cooperación entre los países de la región en esta área puede
parecer, a priori, un objetivo de difícil concreción. Por ello, la base de una Estrategia
Suramericana en Ciencia, Tecnología e Industria de Defensa debe constituirse a
partir de la coordinación y complementación entre diferentes políticas nacionales en
la esfera industrial y tecnológica de la defensa.
En clave suramericana, para que cada país pueda obtener resultados positivos para
sí mismo pero también para su/sus contraparte/s, la cooperación debe ser
sustentada por las capacidades propias. En todo caso, así como la ITD no debe
concebirse por fuera de la estrategia de desarrollo, los objetivos de un proceso de
cooperación, en tanto proyecto político, tampoco. Estos deben contribuir a mejorar la
situación de cada actor involucrado. Lo importante es que para que su impacto se
transforme en capacidades nacionales (y eventualmente regionales), su orientación
debe buscar generar y/o fortalecer los cimientos sobre los cuales se asiente no
únicamente en el plano teórico. Es decir, el propósito debe tender a robustecer la
base científica, tecnológica e industrial de cada país.
6 Conclusión
1033
analítico que contribuya a enmarcar un debate necesario sobre cuestiones
insuficientemente estudiadas.
1034
ejemplo, los estudios revelan diversas motivaciones para la cooperación industrial en
defensa en el caso de los países de Europa, que abarcan desde la disminución de
costos de I&D y producción y/o la generación de economías de escala por aumento
de demanda, hasta el desarrollo de equipamiento común que favorezca la
interoperabilidad, entre otros (ISS, 2008). Mientras que las primeras pueden
identificarse como económicas, la segunda como estratégica y geopolítica.
Refrências Bibliográficas
BITZINGER, Richard A. The Revolution in Military Affairs and the Global Defence
Industry: Reactions and Interactions. Security Challenges, Australia, Vol. 4 núm. 4,
p. 1-12, 2008.
1035
____. Industrias estratégicas y ciclos de desarrollo: las trayectorias de la Fábrica
Militar de Aviones (FMA) y de la Empresa Brasileña de Aeronáutica (EMBRAER).
Disertación de maestría, Escuela Superior de Guerra ―Tte. Gral. Luis M. Campos‖,
Buenos Aires, Argentina, 2010b.
1036
KEOHANE, Daniel y VAUCOBEIL, Sophie. Education and training for European
defence equipment programmes. European Union: Institute for Security Studies,
2008.
1037
Estratégicos, Cuadernos de Estrategia N° 154, Ministerio de Defensa del Reino de
España, 2011, p. 24-66.
Documentos
1038
DIRECTIVA DE POLÍTICA DE DEFENSA NACIONAL (2009). Disponible en:
http://www.mindef.gob.ar/institucional/marco_legal/decreto-1714-2009.html (Acceso
10/04/2013)
1039
CONFORMAÇÃO E TRATAMENTO DA QUESTÃO DAS DROGAS ILÍCITAS
NA REGIÃO SUL-AMERICANA
Este trabalho intenta se debruçar sobre a questão do tráfico de drogas na região sul-
americana como um problema cuja complexidade exige medidas coordenadas que
seriam mais bem implementadas a partir de uma agenda regional. Considerando a
mudança na realidade de segurança nas últimas décadas, o tráfico de drogas tem
sido apontado como uma das principais questões que afetam a segurança dos
Estados e indivíduos. O presente trabalho faz parte de um projeto mais amplo de
pesquisa acerca de dinâmicas de segurança na região sul-americana as quais
interligam os temas tradicionais da agenda de segurança e questões ―novas‖ que
despontaram com muita força nos últimos anos. As considerações aqui
apresentadas representam reflexões iniciais e ainda incipientes sobre o narcotráfico
como ilícito transnacional e produtor de insegurança regional, possibilidades de
cooperação multilateral e o papel do Brasil nesse contexto.
468
Professora de Relações Internacionais
1040
da ONU, o controle das drogas ilícitas passa a se dar sob seus auspícios a partir de
um regime internacional baseado em políticas de repressão, sanção e punição469.
Como resultado, as únicas finalidades para a utilização de drogas ilícitas não
classificadas como crime são o seu emprego em fins medicinais e de pesquisa.
Assim, os povos que têm historicamente utilizado a coca em suas culturas – como os
indígenas peruanos e bolivianos – não têm essas formas reconhecidas como lícitas470.
É com base nessas regras multilaterais que se estabelece a cooperação entre
Estados nos demais planos regionais e sub-regionais bem como são as referências
nas quais se baseiam as políticas nacionais de combate às drogas ilícitas.
O Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime – UNODC, reconhece uma
série de consequências negativas inesperadas decorrentes das convenções como a
criação de um mercado paralelo lucrativo e violento, controlado pelo crime
organizado. A repressão não produziu diminuição da oferta pois os cultivos são
transferidos para outras regiões, bem como coibir um tipo de substância provoca o
deslocamento do consumo para outras substâncias. A transnacionalização mais
vigorosa do narcotráfico a partir das últimas décadas do século passado provocou
mais violência urbana471 e para que a teia de produção, processamento e
distribuição funcione, se estabelecem outros ilícitos como corrupção, lavagem de
dinheiro, tráfico de armas e precursores químicos472.
A região sul-americana tem sido diretamente afetada por essa situação pois abriga
países produtores de coca e, considerando a política internacional que tem sido
aplicada à questão, a área vem sofrendo os efeitos nefastos de uma política que
469
Convenções sob os auspícious da ONU para controle das drogas ilícitas: Convenção Única de Estupefacientes
(1961, estruturou o regime internacional de controle de drogas estabelecendo o ópio, a cocaine e a maconha a
serem fiscalizadas); Convenção Sobre Substâncias Psicotrópicas (1971, medidas contra anfetaminas e
estimulantes); Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (ou Convenção
de Viena, 1988, trata do tráfico de drogas e lavagem de dinheiro).
470
Em 2011 o governo boliviano propôs emendar o artigo 49 da Convenção de 1961 que trata da abolição do
hábito de mastigar coca. Os Estados-Partes rejeitaram a proposta o que levou a Bolívia a denunciar a Convenção,
cuja denúncia entrou em vigor em 2012. Mas o governo do país fez uma nova adesão ao tratado em janeiro deste
ano, com reservas a proibição ao consumo tradicional da folha de coca (Relatório da Junta Internacional de
Fiscalização de Entorpecentes, JIFE, 2011).
471
O número de homicídios é extremamente alto especialmente em alguns países da região como Brasil (51,6
homicídios/mil habitantes) e Colômbia que historicamente lideraram esse indicador, com o determinante mais
visível para o tráfico de drogas. Também El Salvador, Guatemala e Venezuela apresentam dados preocupantes a
partir da década de 1990, colocando a América Latina como a líder mundial na taxa de homicídios. Relatório
“Mapa da Violência: os jovens da América Latina” (2008).
472
Tais questões provocam efeitos ainda mais nefastos na região sul-americana à medida que encontram
debilidades e vulnerabilidades internas que são agravadas a partir dos efeitos desses ilícitos.
1041
privilegia o combate à oferta. Por ser uma questão transnacional o problema não
pode ser resolvido apenas por um país, no entanto para que seja possível buscar
soluções ou propor alternativas em termos multilaterais precisa-se considerar como
parâmetro definidor pelos Estados que esse é um problema a ser combatido e
também precisa-se definir a condição – prioritária ou não - que os diferentes Estados
atribuem ao mesmo.
1042
armas e a corrupção; milhares de jovens e policiais são vítimas fatais das guerras
internas travadas pelo controle deste comércio ou nos combates com as forças do
Estado; problemas de deslocamento da população rural (mais de dois milhões de
deslocados internamente e milhares de refugiados colombianos); o estigma sobre o
cultivo da coca, tradicional nas culturas de Bolívia e Peru; problemas ambientais
causados pela fumigação dos cultivos, ainda que não tenham sido completamente
dimensionados.
Esta questão enseja preocupações para os países da região não apenas quanto à
escalada da violência interna e enfraquecimento das instituições, mas também em
relação à defesa (resguardo das fronteiras, não-ingerência e respeito à soberania
nacional), visto que as políticas de repressão indiscriminada securitizaram o
problema das drogas e militarizaram o seu combate. Porém, tal como as outras
novas ameaças, no que se refere às drogas ilícitas, é difícil delimitar as questões
domésticas do fenômeno e as externas. A transnacionalidade do fenômeno imbrica
o interno e o externo de forma que não se pode estabelecer o limite da questão
apenas na segurança estatal, mas é possível buscar a implementação de uma
política de longo prazo adequada ao problema de modo a não tornar os resultados
mais preocupantes do que as suas causas iniciais.
1043
Considerando-se os setores de análise de segurança que o referencial citado
considera, inicia-se a análise tomando-se como referência o setor militar. Deste setor
se pode inferir que a dinâmica a ser considerada leva em conta que o tema
apresenta-se securitizado nas últimas décadas e, muito embora seja uma situação
que normalmente não envolve o aspecto militar cabendo ser tratado como uma
questão de polícia, ele está colocado na agenda de segurança e como tal vem
sendo tratado por meio da militarização das suas respostas. Se, como bem
apregoam Buzan, Waever e Wilde (1998) em assuntos militares os Estados são
mais preocupados com os vizinhos do que com potências distantes, a securitização
desse tema por alguns Estados, gera uma situação de instabilidade regional. Como
os Estados são preocupados em manter-se no sistema internacional, uma região
instável pode ser ameaçadora à manutenção do seu status quo regional.
Instabilidade essa que vai decorrer de uma invocação para além das regras normais
do jogo – ou da politização dos assuntos – das respostas produzidas. Assim, tem-se
o emprego das forças armadas, respostas que tendem a agendas bilaterais ao invés
de políticas multilaterais, pouco espaço para a atuação da polícia, overlay da
superpotência em relação à região andina e ao tratamento do tema em detrimento
da construção de uma agenda regional. Se a região sul-americana apresenta menos
dinâmicas securitizadas com o fim da Guerra Fria, uma menos intensa atuação da
superpotência de modo direto, apresenta, por outro lado, algumas disputas regionais
tradicionais que podem ser securitizadas e o uso da força não é descartado nessas
disputas, muito embora a possibilidade de conflitos interestatais na região é
considerada baixa.
A soberania dos Estados, ligada ao setor político e cara aos Estados da região,
busca ser preservada pelas ações políticas dos atores regionais. O Brasil, por sua
vez, prima pela manutenção desta e afastamento de situações ameaçadoras. Assim,
elegeu a região amazônica como uma das prioridades de sua política de defesa. A
região está diretamente relacionada com a questão das drogas que atinge o arco
amazônico e nossa fronteira norte, assim, muito embora não se configure uma
situação na qual um Estado ameace a soberania do outro, o que se apresenta é um
temor, especialmente por parte das forças armadas brasileiras, do resultado da
baixa atuação ou pouca presença do Estado naquela região.
1044
Um temor é o de que a área norte da América do Sul seja abarcada pelas dinâmicas
de segurança do complexo de segurança da América do Norte tendo em vista que
os Estados Unidos consideram que os problemas que afetam essa zona são de fácil
fluidez, se espalham rapidamente e podem afetar o território americano. A
consequência desse entendimento político e abordagem norte-americana seria a de
considerar a região andino/amazônica como vinculada às dinâmicas de segurança
da América do Norte e não mais do complexo de segurança da América do Sul.
Cope (2006) refere a importância da região andina/amazônica para a segurança
norte-americana ao destacar que o norte da América Latina é prioritário nas
decisões de segurança norte-americanas, considerando-se os desafios decorrentes
das ameaças assimétricas pós-11 de setembro, quando tais eventos demonstraram
que os Estados Unidos devem confrontar os adversários não-estatais que ameaçam
o país e seus interesses.
Assim, o entorno sul a ser considerado como parte vital para a defesa norte-
americana deve compreender México, Caribe, América Central e a parte norte da
América do Sul, porque todos os problemas que ameaçam esses países - como
democracias relativamente fracas, violência, forças públicas que são incapazes de
exercer completamente o seu poder de polícia sobre seu território, fronteiras
porosas, além de sérios problemas transnacionais - também se tornam ameaça aos
Estados Unidos. A estratégia, portanto, em relação ao flanco sul da defesa norte-
americana, cujo centro gravitacional permanece sendo as drogas da Colômbia, deve
considerar que há uma correlação direta entre combater o fortalecimento das redes
do tráfico e das redes de contrabando e outras formas de crime transnacional e o
combate ao terrorismo.
Do ponto de vista deste trabalho entende-se que o setor societal pode ser tanto mais
afetado quanto for atacada a segurança humana por meio dos deslocamentos forçados
em função sobretudo das fumigações (Colômbia). Se as identidades de alguns grupos
de deslocados forem afetadas enquanto grupos de indivíduos não estar-se-á falando
somente em deslocamentos mas na ameaça à sobrevivência do grupo em si, afetando
claramente a vertente da segurança humana. A segurança humana pode estar
ameaçada na medida em que o Estado pode se mostrar não somente como um
garantidor da segurança mas também como um gerador de ameaça. Ao promover uma
1045
política puramente repressiva de combate às drogas e desconsiderar as questões
culturais envolvidas (cultivos tradicionais de folha de coca) bem como de saúde e de
polícia interna, o Estado desconsidera algumas vertentes importantes da questão
atentando apenas ao mote de securitização da mesma.
O setor ambiental, por sua vez, também pode ter objetos de referência ameaçados
na medida em que os efeitos das aspersões químicas, especialmente as aéreas,
afeta o solo, os rios, as plantações e mesmo as populações que, por vezes, são
obrigadas a se deslocarem em face dos riscos produzidos por essa prática. Modus
operandi esse que não é novidade no país colombiano mas que ressurge a partir da
implementação do Plano Colômbia.
1046
seu poder a ponto de causar a sobreposição (fenômeno chamado overlay) sobre as
demais dinâmicas desta região.
1047
possibilidades e formas de cooperação internacional em âmbito bilateral e regional
(PROCÓPIO; VAZ, 1997).
A Colômbia, nas últimas décadas, tem sido o país mais afetado pelo problema das
drogas na América do Sul. Encontraram ali um cenário ideal para prosperar: um
conflito armado interno em curso, a escassa presença do Estado em algumas áreas
e problemas de governabilidade. O conflito armado, que tem sido o maior problema
de segurança colombiano, assumiu uma nova perspectiva em consequência do
narcotráfico. Também os governos colombianos internalizaram o discurso norte-
americano de combate às drogas, de modo que se estabeleceu uma agenda sub-
regional, na qual, no entanto, os demais países da região não estão integrados.
A ―guerra contra as drogas‖ a partir do final dos anos 1980 estimulou Colômbia, Peru
e Bolívia a erradicar, apreender e reprimir o tráfico, o que foi feito mediante o
emprego de meios militares. Segundo Tokatlian (1994), essa estratégia da política
antinarcóticos caracterizada como ―cocainization‖, ―Andeanization‖ e ―militarization‖
provocou a exacerbação de problemas sociais, econômicos, políticos, diplomáticos,
ecológicos, militares e de saúde, anteriormente existentes e que foram
potencializados pela relação com o tráfico de drogas. Por meio da Iniciativa
Andina473, os Estados Unidos se dispuseram a mobilizar auxílio econômico para que
os países pudessem substituir os cultivos de coca e fomentar o desenvolvimento
alternativo.
1048
que para a economia, também decorreu uma deteriorização dos direitos humanos na
região; o conflito foi securitizado, provocando mais tensão do que aumento nos
graus de cooperação multilateral.
Com a retomada nas erradicações químicas dos cultivos ilícitos, a fumigação aérea
passou a ser empregada com produtos químicos mais potentes e também a área
coberta pela mesma foi ampliada. A área bruta envolvida na produção de cocaína na
Colômbia é muito maior do que as áreas de Bolívia e Peru, e a diferença entre esta
e a área líquida colombiana demonstram, conforme o relatório UNODC (2012, p. 60),
1049
―que uma grande parte da superfície do cultivo do arbusto de coca segue estando
sob pressão por parte das autoridades encarregadas de aplicar a legislação
antidroga‖.
474
O governo Santos e as FARC travam um diálogo para conversações de paz desde outubro de 2012 em Havana
e Oslo.
475
No ranking dos Estados falidos a Colômbia (caracterizada como em situação crítica) aparece em 52 o lugar em
2012; 44o em 2011; 46o em 2010; 41o em 2009. Disponível em:
<http://www.foreignpolicy.com/failed_states_index_ 2012_interactive>.
1050
colocavam a democracia colombiana de joelhos foram desmantelados, somente
restando as FARC que está cada dia mais enfraquecida. Para Santos, em entrevista
ao ‗The Observer‘, é importante discutir novas abordagens ao problema das drogas
uma vez que ainda se está pensando como há 40 anos.
Embora para a Colômbia o problema das drogas seja uma questão de segurança
nacional, ele considera que a questão deva ser repensanda globalmente, colocando,
inclusive como opção, a possibilidade de legalização de substâncias com menor
potencial ofensivo. Considera, ainda, a necessidade dos países grandes
consumidores – como os Estados Unidos – terem de agir mais intensamente para
reduzir a demanda.
A resposta deveria ser uma política que privilegia a redução dos danos para as
pessoas, sociedades e instituições. A política empreendida nas últimas décadas
fracassou e o problema das drogas que atinge o continente como um todo, deve ser
tratado de forma coletiva, pois políticas unilaterais ou bilaterais continuarão sendo
ineficazes para atacar uma questão transnacional, que inclui lavagem de dinheiro,
corrupção da justiça, aumento da criminalidade (RUSSEL; TOKATLIAN, 2008, p. 20-
21).
O problema das drogas, que não foi minimizado com o emprego de uma política que
militarizou o combate, vai além da questão do tráfico de ilícitos, por isso, a repressão
476
O presidente Santos, falando acerca dos resultados do Plano Colômbia, considerou a vitória contra as drogas
como uma vitória pírrica (MULHOLLAND, 2011).
477
A Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia criada pelos ex-presidentes Fernando Henrique
Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México) e integrada por um número maior de
personalidades internacionais, produziu um relatório intitulado: “Drogas e Democracia: rumo a uma mudança de
paradigma”. Nesse documento a Comissão avaliou o impacto das políticas da guerra às drogas – considerando-os
como falhos – e propôs uma mudança profunda para o enfrentamento do problema passando, inclusive, por uma
política de legalização.
1051
– que deve existir, obviamente – não basta, são necessárias políticas públicas com
ênfase em programas alternativos que gerem renda e emprego. Estes programas
precisam ser direcionados para as áreas mais afetadas, além disso, para que os
projetos sociais e econômicos alternativos se constituam em opções de longo prazo,
os problemas sociais precisam ser considerados no todo (desplazados, retomada
das terras, cultivos alternativos viáveis). Como o International Crisis Group (2008b,
p. 20, tradução nossa) inferiu:
Assim sendo, na construção das respostas precisa-se levar em conta que a resposta
do Estado, enquanto garantidor da segurança de seu território e de seus cidadãos,
não pode desconsiderar a promoção da segurança humana que é ameaçada. Da
mesma maneira, os governos se omitem em estabelecer respostas alternativas a
questões, como a das drogas, que se aprofundam em face das debilidades
estruturais dos Estados.
478
Na Colômbia, em torno de 4 milhões de pessoas foram deslocadas em face do conflito armado nessas últimas
décadas.
1052
vem ressaltar o descaso com relação à segurança humana e o resultado negativo de
tais políticas com relação aos indivíduos.
Por isso o Brasil, como uma das principais rotas do tráfico de drogas internacional,
trabalha para fortalecer ações de prevenção, de redução da demanda, conciliando
com métodos de repressão. Visa que as ações se desenvolvam por meio das
polícias, contando com suporte das forças armadas (exemplo é o acordo assinado
com o governo da Bolívia de uma estratégia regional contra as drogas para ações
1053
conjuntas de polícias, com o suporte das forças armadas, para localizar e destruir
laboratórios e pistas de pouso clandestinas e trocar informações acerca do tráfico).
4 Considerações finais
Por isso, embora para o UNODC, de todos os problemas que a região enfrenta
aquele que melhor pode ser administrado por meio de ações coletivas é o tráfico de
1054
drogas - por ser um fenômeno que afeta a todos os países, seja por serem lugar de
trânsito ou produtores, ainda a região carece de alternativas multilaterais.
De outro modo, o interesse dos Estados Unidos na região andina em termos de sua
própria defesa nacional e segurança faz com que se considere a condição de
avançar o complexo de segurança da América do Norte para a aquela área,
incluindo-a nas dinâmicas de segurança norte-americanas. Isso significa dizer que,
nos cálculos dos atores regionais acerca de possíveis ações de cooperação, deve-
se levar em conta a intensidade da participação dos Estados Unidos na região ou
como importante ator externo interessado naquelas dinâmicas de segurança ou
como overlay na sub-região andina.
Referências bibliográficas
BUZAN, Barry; WÆVER, Ole; WILDE, Jaap de. Security: a new framework for
analysis. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1998.
COPE, John A. A prescription for protecting the Southern approach. Joint Forces
Quarterly, Washington DC, v. 42, p. 17-21, 3rd Quarter 2006.
1055
MATHIEU, Hans. Paz para Colombia? Algunos avances en un camino sinuoso.
Revista Nueva Sociedad, n. 242, nov.-dic. 2012.
MULHOLLAND, John. Juan Manuel Santos: ‗It is time to think again about the war on
drugs. The Observer, 12 nov. 2011. Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/
world/2011/nov/13/colombia-juan-santos-war-on-drugs>. Acesso em: 01 mai. 2013.
TOKATLIAN, Juan Gabriel. Latin American reaction to U.S. policies on drugs and
terrorism. In: SCHOULTZ, Lars; SMITH, William; VARAS, Augusto (Ed.). Security,
democracy, and development in the US: Latin American relations. Boulder: North-
South Center Press, 1994, p. 115-136.
UNODC United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report. Oxford:
University Press, 2010-20012. Anual.
1056
O PRIMEIRO CURSO AVANÇADO DE DEFESA SUL-AMERICANO (CAD-SUL):
REFLEXÕES SOBRE A DEFESA DA AMAZÔNIA
Heleno Moreira479
1 Introdução
1. Políticas de Defesa
4. Formação e Capacitação
479
Escola Superior de Guerra.
1057
O terceiro plano, elaborado para o ano de 2012, foi aprovado na Reunião
Extraordinária do CDS, na cidade de Lima, no Peru, nos dias 10 e 11 de novembro
de 2011, com 27 iniciativas. Dentre estas, o Brasil propôs a atividade 4.a: ―Realizar
um Curso Avançado de Defesa na Escola Superior de Guerra do Brasil, destinado
aos Altos Funcionários de Defesa dos países sul-americanos, civis e militares,
durante o ano de 2012‖.
1058
O corpo discente contou com a participação de representantes de 11 países –
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname,
Uruguai e Venezuela. O curso foi construído também buscando propiciar uma
salutar troca de experiências e de conhecimento entre futuros líderes na área de
defesa e eventos importantes para o aprofundamento da cooperação, além do
fortalecimento da confiança entre os países integrantes do citado bloco regional.
480
Escola Naval (Rio de Janeiro – RJ), Academia Militar das Agulhas Negras (Resende – RJ) e Academia da
Força Aérea (Pirassununga – SP)
481
Instituto de Pesquisas da Marinha e Centro Tecnológico do Exército, ambos situados na cidade do Rio de
Janeiro – RJ. E o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (São José dos Campos – SP).
1059
situados na capital carioca, além da EMBRAER (São José dos Campos – SP) e do
Comando de Aviação do Exército em Taubaté, São Paulo.
3 Lições aprendidas
A América do Sul foi considerada, por muito tempo, como um continente distante,
separado; hoje se projeta internacionalmente pela autossuficiência em energia, por
extensos reservatórios de água doce e a exuberante biodiversidade. Portanto, um
patrimônio que merece ser preservado e defendido.
As aulas no referido curso eram dadas, na sua grande maioria, no idioma português,
fato este que, no início, dificultou de forma considerável, pois a maioria dos
discentes era de língua espanhola. A Guiana usa o idioma inglês e o Suriname, o
holandês. Este último foi atenuado, uma vez que seus representantes entendiam e
falavam português e espanhol. Após cerca de trinta dias, a comunicação tornou-se
mais fácil, pois o português começou a ficar mais fácil de ser entendido.
1060
A avaliação do ensino, realizada por intermédio de pesquisas realizadas ao fim de
cada disciplina, foi fundamental para o aprimoramento e aperfeiçoamento do curso,
que terá sua segunda edição no ano de 2013. Após planejado, a execução foi
criticada, sendo levantados os pontos positivos e as necessidades de melhoria.
Outra crítica negativa é que num curso sul-americano, a maioria dos docentes foi de
brasileiros, que apesar de orientados a falar sobre a América do Sul, tendiam a
transmitir conhecimentos, em maior quantidade do Brasil. Para atenuar essa
situação, para o próximo curso foram convidados palestrantes de seis países
estrangeiros – Argentina, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela.
De acordo com Pinto (2012), construir uma hidrovia não é caro - cerca de R$ 30
milhões de reais. Há muitas bacias fluviais, com destaque para as do Araguaia, do
Tocantins, do Amazonas e do Prata. Mas os óbices são muitos: questões ambientais
e indígenas e, principalmente, falta de vontade política, além de excessivos
procedimentos administrativos e burocráticos, que acabam propiciando, em várias
oportunidades, a divergência entre leis federais, estaduais e municipais, contribuindo
para a insegurança jurídica.
1061
Para um projeto de integração e de defesa da Amazônia, há necessidade de se
aplicar medidas para tornar fácil o acesso físico e cultural. A região é considerada
despovoada e tem escassez de conexão nos setores de energia, transporte e
comunicações, apesar das grandes potencialidades que até hoje não foram
aproveitadas.
Silva (2012) aponta que: 1) na América do Sul deve haver clareza das esferas
políticas e estratégicas dos conceitos de ―Defesa‖ e de ―Segurança‖. Existe uma
enorme dificuldade em distinguir esses dois conceitos; 2) a Amazônia, com seus
recursos e soberania, é uma área vulnerável brasileira, sendo assim também para a
América do Sul;e 3) a estratégia brasileira decorre de algumas constatações; dentre
elas o desenvolvimento da Amazônia. E, portanto, a necessidade de se desenvolver
toda a região, e não somente a parte situada em território nacional.
Conforme aponta Silva (2010, p.65), as questões capazes de gerar crises e impor
situações de insegurança para a comunidade das nações centram-se, agora,
largamente em ações intraestatais (ecologia, direitos humanos) e transfronteiriços
(máfias variadas)... ].A disciplina, ministrada durante o curso, ―Segurança e
Defesa‖ ressaltou a importância da integração sul-americana, uma vez que esse
importante tema entrou na agenda das relações internacionais, exigindo novos
estudos, análises e debates, com o surgimento de novos atores e, como
conseqüência, novas ameaças.
1062
Lima (2012) mostrou que não se vislumbra uma ameaça comum. As dificuldades
são os problemas logísticos, financeiros e das legislações de cada país, indicando
necessidade deintercâmbio de estudos e de pessoal; manutenção e, se possível,
ampliação dos exercícios militares entre os países; e integração da logística militar
(pesquisa, desenvolvimento e produção).
Para este estudo deve-se ressaltar que a Política de Defesa Nacional (PDN) do
Brasil (BRASIL, 2005) é o documento condicionante de mais alto nível do
planejamento de defesa do país, o qual define uma política de Estado voltada para
ameaças externas quefixa os objetivos nessa direção e orienta o preparo e o
emprego da capacitação nacional. Esse Decreto Presidencial explica os conceitos
de segurança e defesa adotados no Brasil, estabelecendo a diferença entre ambos,
conforme adotado abaixo que:
1063
de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do
exercício dos direitos e deveres constitucionais;
A Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008) trouxe esse debate para a agenda
nacional. Mas é uma tarefa de difícil execução, pois como envolver a sociedade de
um país pacífico como o Brasil, que tem carências de várias ordens, em assuntos
como o desenvolvimento do território brasileiro?
De acordo com Neves Neto (2011, p.19), a grande bacia fluvial do Amazonas possui
1/5 da disponibilidade mundial de água doce. Os rios são as verdadeiras ―estradas
líquidas‖ que alimentam a vida da região. A maioria dos povoados, vilas e cidades
está situada ao longo dos cursos de água.
Smith (2011, p. 80) cita: ―Está na moda dizer que a água é o ―petróleo do futuro‖,
pelo qual o mundo estaria disposto a entrar em guerra no século XXI‖.
1064
Não me canso de dizer: ser país pacífico não é sinônimo de estar desarmado.
A dissuasão é a estratégia primária da política de defesa brasileira. E defesa,
volto a repetir, não se delega. Seu objetivo é evitar, por meio da posse de
adequadas capacidades militares, agressões ao patrimônio brasileiro ou
ações que afetem, ainda que indiretamente, interesses nacionais. (AMORIM,
2012, p. 8).
Segundo Santos (2004, p.17),―A questão energética é muito séria, pois sem energia
a nação não pode produzir ou desenvolver-se. Uma nação dependente em seu
próprio território, naquilo que lhe é mais estratégico, não tem condições de manter
sua soberania. Tende sim, a ser colonizada ou controlada por nações mais
poderosas‖.
Essas idéias iniciais mostram que não há inimigos declarados, mas há riquezas,
patrimônios nacionais que necessitam de defesa.
De acordo com Neves Neto (2011, p.12), a END, estabelecendo a Amazônia como
área prioritária para a defesa, busca conciliar exploração e preservação, permitindo
visualizar a necessidade de um maior comprometimento da classe política na
manutenção, desenvolvimento e povoamento da área. Ou seja, só corrobora a
noção de que a melhor defesa é o desenvolvimento do país.
A região amazônica, com sua flora, fauna, minerais e biodiversidade, por exemplo,
torna-se uma das regiões mais ricas do planeta, e de acordo com Neves Neto (2011,
p. 9), os óbices que dificultam a conquista desse objetivo podem ser listados como
crimes transnacionais, narcotráfico, corrupção, depredações do meioambiente, em
cerca de 11.000 Km de fronteiras, caracterizando-se assim as ―Novas Ameaças‖.
482
Desenvolvimento é o processo global de aperfeiçoamento do homem e o aprimoramento dos sistemas sociais
(ESG, v 1, p. 53).
1065
nacional483, notando-se a falta das outras quatro expressões, já que esse poder é
uno e indivisível. Assim, há um desequilíbrio que necessita ser corrigido.
483
Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto de Homens e Meios que constituem a Nação para alcançar
e manter os Objetivos Nacionais, em conformidade com a Vontade Nacional (ESG, 2013, v 1, p. 31). Para fins
didáticos é dividido em 5 expressões: política, econômica, psicossocial, militar e científica-tecnológica.
484
Há um estudo feito sobre as ONG e seus países patrocinadores; entretanto, esse assunto seria tema de outro
artigo.
1066
Derrubar árvores é crime, mas também o é negar atendimento às necessidades
básicas de seres humanos.
Cabe ressaltar que a história mostra que esses mesmos países não resolveram
situações parecidas. Mataram seus indígenas e destruíram seus ambientes naturais.
Villas Bôas (2013) aponta que a fraca presença do estado agrava a situação, uma
vez que há muita regulamentação e pouca fiscalização por parte dos órgãos
governamentais, especialmente nas questões indígenas e ambientais, exceto em
algumas ações fracionadas, não havendo qualquer tipo de integração; potencializa
outros problemas, uma vez que não há fiscalização constante. Nas poucas
oportunidades em que o estado se faz presente, as ações são fracionadas, não
havendo qualquer tipo de integração. E, sendo assim, todas as providências
públicas em relação à Amazônia acabam tendo um viés repressivo, o que,
consequentemente, impulsionam as pessoas, naturalmente, para o ilícito.
Entretanto, há alguns programas e projetos para aquela região, com objetivos de
atender essa demanda. Como exemplo, pode-se citar o Programa Calha
Norte (BRASIL, 2013 a) e o Projeto Rondon (BRASIL, 2013 b).
1067
As decisões são tomadas em uma esfera que parece desconsiderar as reais
necessidades dos brasileiros daquela região. É o caso, por exemplo, da sede da
Secretaria da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA, 1978)
está localizada em Brasília, Capital Federal, quando o mais correto seria estar
situada em Manaus para vivenciar a realidade e o espírito amazônico.
1068
A Amazônia é uma das regiões mais ricas do planeta, com a maioria do seu território
no Brasil, mas também com mais sete países signatários da OTCA. Por isso, é
fundamental sua defesa. Essa floresta toda defendida, irá trazer benefícios não só
ao Brasil, mas para toda a América do Sul. Assim, a integração regional deve ser
considerada primordial para a defesa do continente, e em consequência, para a
Amazônia, não se podendo deixar de mencionar aqui a valiosa contribuição do CAD-
SUL para esta integração, cujo objetivo principal se concentra no desenvolvimento
de um pensamento sul-americano de defesa.
5 Conclusão
1069
Referências Bibliográficas
1070
MATTOS, Carlos de Meira. Geopolítica e Modernidade. Rio de Janeiro: Escola
Superior de Guerra, 2007.
1071
SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Integração regional sul-americana e a questão da
defesa. Conferência para o Curso Avançado de Defesa Sul-Americano.
Apresentação...Rio de Janeiro: ESG, 13 set. 2012.
VIEIRA, Ima Célia Guimarães; SILVA, José Maria Cardoso da; TOLEDO, Peter
Mann. Estratégias para evitar a perda de biodiversidade na Amazônia. Estudos
avançados, v.19, n. 54, p. 153-164, 2005. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v19n54/08.pdf>. Acesso em 29 abr. 2013.
1072
TRASCENDENCIA DE LA INTEGRACIÓN REGIONAL EN DEFENSA Y
SEGURIDAD PARA LA DEFENSA DE LOS PAÍSES SURAMERICANOS. ¿MÁS
ALLÁ DE LA SEGURIDAD COOPERATIVA?
Entre los países que sí las integran, se cuenta Estados Unidos de América, quien
además de constituir la base fundamental de la NATO-OTAN, posee alianzas
militares bilaterales formales con países como Japón, Corea del Sur y Filipinas,
mantiene su entendimiento estratégico con Israel, persiste en el TIAR, es parte del
Tratado sobre Seguridad con Australia y Nueva Zelandia y en su secreto tratado
sobre inteligencia de señales con el Reino Unido, Canadá, Australia y Nueva
Zelandia; entre otras relaciones, coalitions of the willing, etc.
485
Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires.
1073
El Reino Unido, además de laNATO-OTAN y de los acuerdos con países del
Commonwealth, participa de los Arreglos de Defensa de los Cinco Poderes, con
Australia y Nueva Zelandia, Malasia y Singapur. También entre las alianzas, cabe
recordar laFuerza de Escudo Peninsular, dependiente del Consejo de Cooperación
del Golfo, que integra a Arabia Saudita, Emiratos Árabes Unidos, Quatar, Kuwait,
Omar y Bahrain. Aún en Latinoamérica, elTratado Marco de Seguridad
Centroamericana integrado por Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras,
Nicaragua y Panamá, prevé la defensa colectiva y solidaria en caso de agresión
armada por parte de otro Estado ajeno a la región. Etc. Estamos en un mundo en el
que las guerras interestatales convencionales han disminuido pero no desaparecido.
Por ello, bien puede afirmarse que los Estados, y especialmente aquellos que tienen
un importante patrimonio en recursos naturales y humanos tienen ante sí dos
posibilidades, recíprocamente no excluyentes: organizar una defensa eficaz y
eficiente si ello les es posible, o bien, aliarse con importantes potencias o integrar
organizaciones de seguridad colectiva. Los Estados suramericanos no parecen
decidirse por ninguna de las dos posturas.
Cabe destacar que los países latinoamericanos están en su gran mayoría vinculados
a Estados Unidos de América por elTratado Interamericano de Asistencia Recíproca
(TIAR) tratado de alianza militar que ha sido objeto de críticas, especialmente con
motivo del Conflicto Malvinas.
1074
Dicha alianza tuvo en el pasado como objetivos, desde la preservación del
continente de un hipotético ataque del régimen nazi, hasta la salvaguarda de la
presunta integridad política e ideológica de Latinoamérica ante la ideología
comunista.
Cabe recordar que laJID fue oficialmente establecida el 30 de Marzo de 1942, con la
finalidad de preparar la defensa del hemisferio […] actuar como órgano de
preparación para la legítima defensa colectivas contra la agresión... (Novena
Conferencia Internacional Americana, Bogotá, 1948 […] preparar y mantener al día
el planeamiento militar de la defensa común (Cuarta Reunión de consulta de
Ministros de Relaciones Exteriores de las Repúblicas Americanas, Washington,
1951) (Garrié Faget, 1968). Un aspecto elocuente relativo a sus características era
que su presidente, secretario general, jefe del Estado Mayor multinacional y director
del Colegio Interamericano de Defensa debían pertenecer al país sede, es decir, a
Estados Unidos de América. Carecía de órganos de control político.
1075
educativo sobre temas relacionados con asuntos militares y de defensa en el
Hemisferio […] teniendo en cuenta […] las necesidades de los Estados más
pequeños, cuyo grado de vulnerabilidad es mayor frente a las amenazas
tradicionales y las nuevas amenazas, preocupaciones y otros desafíos[…].
El sustento del cambio era la idea, expresada por McNamara (1968, p.44) de que los
países latinoamericanos tenían una baja posibilidad de recibir ataques externos al
hemisferio, por lo que no necesitaban grandes fuerzas armadas convencionales, y
que era preciso concentrar las energías de tales países en la lucha contra la
insurgencia armada, que se asumía inspirada por la ideología comunista, y en el
desarrollo económico para contrarrestarla.
486
Si bien la carta de la OEA tiene una cláusula de seguridad colectiva (arts. 28 y 29) éste mecanismo está sujeto
a cuestionamientos en cuanto a su eficacia similares a los del TIAR.
487
Con relación a este aspecto y entre múltiples fuentes, V. DE MINELLO, Nelson, El Sistema Interamericano
de Defensa, y de Horacio Veneroni, El empleo de la fuerza armada en el continente americano, en Cavalla
Rojas (1979) y de Veneroni (1971).
1076
seguridad estuvo centrado, particularmente a partir de la Tercera Cumbre de las
Américas (Quebec, 2001) y de la Declaración de Bridgetown (4 de junio de 2002), en
las necesidades de seguridad de los Estados insulares del Caribe, que incluían
aspectos económicos, sociales y de seguridad pública. Dicha tendencia se acentuó
a partir de los atentados del 11 de septiembre de 2001.
488
Sobre los conceptos de defensa y seguridad en América Latina ampliar en UGARTE (2005).
1077
Multidimensional (SSM) bajo cuya dependencia funcionan la Secretaría Ejecutiva de
la Comisión Interamericana para el Control del Abuso de Drogas (CICAD), y el
Secretariado del Comité Interamericano Contra el Terrorismo (CICTE), así como el
Departamento de Seguridad Interna, creado en el año 2006 con el objeto de
promover, fortalecer y profesionalizar políticas públicas de seguridad ciudadana de
largo plazo, actuando como secretaría ejecutiva de las Reuniones de Ministros de
Seguridad Pública (MISPA) del Hemisferio.
1078
materia de seguridad pública, aprobándose también un documento relativo a Gestión
de la Policía. También debe destacarse la creación del Observatorio de Seguridad
Pública de las Américas.
Esta cooperación, como sucediera con la Unión Europea […] nació de dos
necesidades fundamentales: las derivadas de los problemas de seguridad
pública que surgieron del incremento en la facilidad de transporte de bienes y
personas –traducidos en un fuerte incremento del comercio intrazona- y el
surgimiento del terrorismo internacional en la región, derivado de los atentados
experimentados por la Embajada de Israel y la Asociación Mutual Israelí
Argentina (AMIA) (UGARTE, 2004).
1079
Quedó de ese modo constituido un ámbito institucionalizado de cooperación
subregionalen materia de seguridad pública, comprendiendo secciones nacionales
por cada país integrante del bloque, conformadas por los órganos competentes en
seguridad pública y los funcionarios especializados de cada país integrantes de la
Comisión Técnica -entre otros órganos- que actuaban como órgano de trabajo.
Entre las medidas adoptadas en dicho ámbito, cabe señalar la conformación del
Sistema de Intercambio de Información de Seguridad del MERCOSUR (SISME)
dispuesto originariamente por el Acuerdo 1/98, perfeccionado por posteriores acuerdos.
489
Actualmente se rige por la Decisión del Consejo del Mercado Común (MERCOSUR) Nº 36/2004,
complementada por el Reglamento aprobado en la Reunión de Ministros del Interior (MERCOSUR) Nº 03/2007.
1080
ratificación, su sucesor Acuerdo Marco sobre Cooperación en Materia de Seguridad
Regional.490
490
Hoy la totalidad de los países suramericanos, excepción hecha de las Guayanas.
1081
En lo relativo a la cooperación en materia de defensa en el MERCOSUR, cabe señalar
que no trascendió de medidas de fomento de la confianza y la seguridad –entre las que
se destaca la Declaración Política del MERCOSUR, Bolivia y Chile como zona de paz-
491
importantes y ejercicios combinados, mecanismos institucionalizados de reuniones
periódicas entre ministros y altos funcionarios entre diversos países de la subregión, la
participación coordinada de los países integrantes en la MINUSTAH (a partir de 2004),
etc. También -iniciativas binacionales- la creación de la Fuerza de Paz Binacional
Combinada Cruz del Sur entre Argentina y Chile y la Compañía Binacional Combinada
de Ingenieros Militares ―Libertador General San Martín‖ para operaciones de paz, entre
Argentina y Perú.
491
Efectuada en Ushuaia, el 24 de julio de 1999.
1082
También cabe destacar laDecisión N° 552 (24 y 25-6-2003) Plan Andino para la
Prevención, Combate y Erradicación del Tráfico Ilícito de Armas Pequeñas y Ligeras
en todos sus aspectos (24 y 25-6-2003).
1083
bajo la conducción de órganos de relaciones exteriores y defensa, tanto aspectos de
defensa como de seguridad pública-
5 Cooperación en UNASUR.
492
CAN,Declaración de San Francisco de Quito,
1084
independientes de América del Sur, constituyó una novedad significativa en el marco
de la integración suramericana.
Sus objetivos, modestos, no son por ello menos trascendentes. Se trata de [...]
Consolidar a América del Sur como una zona de paz [...] Construir una identidad
suramericana en materia de defensa […] y […] Generar consensos para fortalecer la
cooperación regional en materia de defensa. (UNASUR, 2008, articulo 4).
Cabe señalar que elCDS es la primera oportunidad en que los países suramericanos
–sin la presencia de Estados Unidos de América- se sientan a hablar acerca de su
defensa. El accionar delCDS ha tenido lugar en el marco de sus sucesivos Planes
de Acción: 2009-2010, 2010-2011, 2012, y 2013 sobre cuatro ejes fundamentales:
Políticas de Defensa, Cooperación militar y acciones humanitarias, Industria y
tecnología para la defensa, y Formación y capacitación.
Transcurridos casi cinco años, cabe destacar tanto la modestia y lentitud de los
avances, como la creciente pérdida de relevancia de los asuntos tratados, y las
demoras en la concreción de los asuntos en curso.
1085
que coadyuve a la coordinación y la armonización en materia de políticas de
Defensa en Suramérica (UNASUL, 2010).
En otros aspectos, elCDS exhibe líneas de acción que se han mantenido a lo largo
de los años, con realizaciones parciales, tales como la transparencia en la
información sobre gastos e indicadores de defensa, la definición de enfoques
conceptuales de la defensa, y la identificación de los factores de riesgo y amenaza.
Cabe destacar que la realización de ejercicios combinados, sobre desastres
naturales u operaciones de paz, ha tenido lugar exclusivamente sobre la carta,
circunstancia que evidencia el limitado compromiso de medios y .gastos. Una
propuesta de interés, consistente en el establecimiento de un mecanismo de
consulta, información y evaluación inmediata ante situaciones de riesgo para la paz
de nuestras naciones… contenida en el Plan 2010-2011, se reiteró en el Plan 2012,
para desaparecer en el 2013, sin concreción.
493
Cabe destacar especialmente los informes relativos a los conceptos en defensa y seguridad en Suramérica y al
Crimen Organizado Trasnacional, que pueden obtenerse en su website http://www.ceedcds.org.ar/Espanol/05-
DocInf/05-01-Docs.html (acc. 10 jun 2013).
1086
Tal parece el caso de Colombia, que suscribió con la NATO-OTAN un Acuerdo sobre
Seguridad de la Información (25 de junio de 2013) para explorar futuras consultas y
cooperación relativas a la seguridad, Según informó la NATO, el acuerdo […]
constituye un primer paso hacia la cooperación en el ámbito de la seguridade
(NATO, 2013)
6 Conclusiones
Si bien tal factor puede influir, a nuestro juicio la principal dificultad debe buscarse
en la falta de auténtica voluntad política por parte de los protagonistas,
especialmente después que varios de los principales impulsores dejaron la
escena presidencial.
Aunque el CDS no fue concebido como una alianza militar, ni sus bases fueron las de
una alianza operativa, parece evidente que su creación y evolución debían
razonablemente derivar en una intensa cooperación, particularmente en los terrenos de
494
Realizada en la III Reunión de la Instancia Ejecutiva del referido Consejo, en Lima, 20 y 21 de mayo de 2013.
1087
la industria y tecnología de la defensa, y en manifestaciones más avanzadas de
coordinación, como la constitución de un órgano colectivo de seguimiento de la
situación internacional y prevención y alerta ante crisis, y la creación de un cuerpo
combinado para operaciones de paz entre otras posibilidades..
1088
para la observación y análisis –con la cooperación de los organismos de inteligencia
estratégica de los participantes- de la situación internacional determinando riesgos,
amenazas y oportunidades y brindando alerta temprana.
En definitiva, han pasado más de dos décadas desde la conclusión del conflicto
Este-Oeste y casi un período similar desde la democratización de los países
latinoamericanos. Dentro de ellos, UNASUR y elCDS representan la aspiración de
los países suramericanos de construir una integración económica con contenido
político y una cooperación en defensa; pero en este último aspecto, el avance se
muestra dificultoso por la diversidad de orientaciones políticas e intereses
estratégicos de los participantes. Para superar esta situación, estas líneas procuran
explorar posibilidades.
Referências Bibliográficas
1089
GARRIÉ FAGET, Rodolfo. Organismos Militares Interamericanos. Buenos Aires:
Ediciones Depalma, 1968.
MCNAMARA, Robert. A essência da segurança. São Paulo: Ibrasa, 1968.
MERCOSUR. Informes. Comisión Técnica, Acta 3/2012, Anexos 13 y 16.
MIJARES, Víctor M. Consejo de Defensa Suramericano: Obstáculos para una
alianza operativa. Politeia, v. 34, n. 46, enero-junio 2011, págs. 1-46. Universidad
Central de Venezuela, Caracas, 2011. Disponible en: www.redalyc.org/articulo.oa?
id=1700223 001. Aceso en: 10 jun. 2013.
NATO. NATO and Colombia open channel for future cooperation. Disponible en:
http://www.nato.int/cps/en/natolive/news_101634.htm?selectedLocale=en. Aceso
em: 16 jul. 2013.
OEA. Resolución AG/RES. 1 (XXXII-E/06), 15 de marzo de 2006. Disponible en:
www.oas.org/consejo/sp/AG/Documentos/AGE1-320 20espa ol.doc. Aceso en: 10
jun. 2013.
UGARTE, José Manuel. La coordinación en seguridad pública en el MERCOSUR:
Orígenes, perspectivas, dificultades y lecciones, Revista de Derecho Público, n.
2004-2, Rubinzal-Culzoni, Buenos Aires, 2004.
____. Los conceptos jurídicos y políticos de la Seguridad y la Defensa. Plus
Ultra-Librerías Yenni, 2005.
____. Integración Subregional y Defensa, ¿Más allá de la seguridad cooperativa?
Ponencia presentada al VII Encuentro de Estudios Estratégicos, Escuela de
Defensa Nacional, Buenos Aires, 2004. Disponible en:
http://www1.hcdn.gov.ar/dependencias/ ieeri/ennee/vii/masalladelaseguridad.htm.
Aceso en: 10 jun.2013.
UNASUR.Tratado Constitutivo de la Unión de Naciones Suramericanas del 23
de mayo de 2008.
__________Decisión para la Creación del Consejo de Defensa Suramericano en
UNASUR, adoptada en la Cumbre Extraordinaria de UNASUR en Costa do Sauípe,
16 de diciembre de 2008.
__________Motivación del Estatuto del CEED-CDS de UNASUR, aprobado en la
II Reunión Ordinaria del Consejo de Defensa Suramericano. Guayaquil, 6 y 7 de
mayo de 2010.
___________UNASUR/CJEG/DECISIÓN/Nº14/2012. Lima, 29 de noviembre de
2012.
VENERONI, Horacio. Fuerza militar interamericana. Buenos Aires: Periferia, 1971.
1090
COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DE MATERIAL
DE DEFESA NA AMÉRICA DO SUL: UMA ANÁLISE SOBRE O PAPEL DO
CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO
1 Introdução
495
Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional - GEDES–Unesp.
1091
Unasul, frente às demais iniciativas de integração na América do Sul, é a
descentralização das suas instâncias deliberativas, com ênfase nos conselhos
ministeriais voltados para o desenvolvimento, energia, educação, cultura,
economia,finanças e defesa. Na estrutura da Unasul, com destacada atuação do
governo brasileiro, foi criado em 2009 o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS)
(UNASUR, 2008b, online, tradução nossa), segundo o seu Estatuto ―[...] uma
instância de consulta, cooperação e coordenação em matéria de defesa [...].‖
1092
natural da correlação de forças em regimes democráticos, não se compara a
implementação de tais mecanismos no interior de organismos multilaterais,
constituídos por distintas vozes e visões.
1093
Plano de Ação (PA) define um cronograma de trabalho e o país responsável e os
corresponsáveis, se for caso, no desenvolvimento das ações propostas. O
primeiro PA foi divulgado em março de 2009, no Chile, durante a reunião dos
ministros da defesa do CDS (CONSEJO DE DEFENSA SURAMERICANO DE LA
UNASUR, 2009, online).
Em 2012, o CDS deliberou pela primeira vez, sobre projetos de cooperação regional
com objetivo de produzir material de defesa. O primeiro projeto tem por objetivo
segundo a Unasur (2012a, p. 3, tradução nossa) ―3.d Criar um grupo de
especialistas que, em um prazo de seis meses, apresentará um relatório de
viabilidade com vistas ao desenho, desenvolvimento e produção regional de um
1094
avião de treinamento básico [...].‖ No segundo projeto, foi decidido segundo a
Unasur (2013, p. 4, tradução nossa) ―3.b elaborar um estudo de viabilidade para o
desenho, desenvolvimento e produção regional de um sistema de aviões não
tripulados [...].‖ A Argentina foi escolhida como responsável pelo projeto do avião de
treinamento e Chile, Equador, Peru, Brasil e Venezuela, corresponsáveis. No
segundo, o desenvolvimento de um sistema de veículos aéreos não tripulados
(VANTs), o Brasil, que propôs o projeto, tornou-se o único responsável.
1095
Outra deliberação do CDS é o projeto para o desenvolvimento de um sistema
regional de veículos aéreos não tripulados (VANTs), parte de um programa sul-
americano de monitoramento, que utilizará a estrutura do Centro de Gestão e
Operações do Sistema de Proteção da Amazônia (Cesipan), sediado em Brasília
(UNASUL..., 2012, online).
1096
tempo, abre o horizonte para desenvolver uma cooperação em diversos setores da
indústria de defesa.
3 Cooperação e Assimetrias
1097
No contexto da Unasul e do CDS, o Brasil, por dispor de um polo da indústria de
defesa, têm importância fundamental para o sucesso das iniciativas do organismo
multilateral, fortalecendo a cooperação interregional e dissipando as desconfianças
sobre um pretenso projeto hegemônico do país em relação a América do Sul.
1098
Segundo Dagnino (2010, p.52) ―Com pessoal, as FA gastaram, em 2005, 74% do seu
orçamento [...] do gasto com pessoal, 63% se destina ao pagamento de inativos e
pensionistas [...]‖. Os gastos das forças armadas brasileiras com pessoal são
superiores a média sul-americana, de 58,7% no período entre 2006 e 2010, segundo
o Registro Sul Americano de Gastos de Defesa, produzido pelo Centro de Estudos
Estratégicos de Defesa (CEED) do CDS (UNASUR, 2012b, p. 11).
Não obstante o valor representativo dos gastos totais em defesa por parte dos
países membros do CDS, o dispêndio na aquisição (importação) de material de
defesa é ainda reduzido frente ao mercado internacional. Segundo Dagnino (2005)
em 2004 ―[...] o mercado sul-americano de material de defesa representava 2% do
total mundial‖. Em 2012, os principais importadores de material de defesa da
América do Sul, levando em conta o conceito utilizado pelo Sipri de sistemas de
armas496, segundo o qual, armas de fogo e munições não são contabilizadas, foram:
Venezuela US$ 643 milhões; Brasil US$ 410 milhões; Colômbia US$ 279 milhões e
Equador US$ 108 milhões. Ainda de acordo com os dados de 2012, os menores
gastos na região foram registrados por: Chile US$ 56 milhões; Argentina US$ 34
milhões; Peru US$ 9 milhões; Paraguai US$ 7 milhões e Bolívia US$ 5 milhões. O
relatório informa que não houve gastos por parte do Uruguai (SIPRI, online).
496
O conceito de sistemas de armas (weapon systems) utilizado pelo Sipri para contabilizar os gastos com defesa,
abrange a comercialização de: aeronaves, armas anti submarino, material de artilharia, mísseis, motores, navios,
satélites, sistemas de defesa aérea, sensores e veículos blindados.
1099
Entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Nações
Unidas, considerando o ano de 2011, a Rússia, é a maior fornecedora de material de
defesa para a América do Sul, com vendas totais de US$ 378 milhões, seguida dos
Estados Unidos US$ 237 milhões; Grã-Bretanha US$ 89 milhões; França US$ 62
milhões e China US$ 43 milhões. Os dados demonstram grande participação de
países europeus nas vendas para a América do Sul: Holanda US$ 253 milhões,
Espanha US$ 251 milhões e Alemanha US$ 216 milhões. As vendas do Brasil aos
países membros do CDS em 2011 totalizaram US$ 38 milhões, direcionadas ao
Equador, Uruguai e Bolívia pela ordem. Não há qualquer venda contabilizada pelo
Sipri, originária de outro país sul-americano (SIPRI, 2012b).
1100
Duas considerações são necessárias após a análise dos gastos em defesa,
exportação e importação de sistemas de armas. A primeira, diz respeito ao potencial
existente para o desenvolvimento de uma indústria de defesa na América do Sul. O
dispêndio anual com a importação de sistemas de armas no subcontinente, US$ 1,5
bilhões em 2012, apesar de reduzido em relação ao total mundial, não é desprezível
em termos regionais, pelo contrário, representa um valor pouco superior a metade
do PIB da Guiana, que segundo o Banco Mundial alcançou US$ 2.85 bilhões em
2012. Robustecer o papel do CDS da Unasul ao garantir o cumprimento do
cronograma dos projetos em andamento: avião de treinamento e VANTs, produzirá
um efeito multiplicador com influência no processo de cooperação. A outra
consideração é sobre o papel do Brasil como polo indutor da cooperação na
indústria de defesa. Em períodos de crise financeira como a que o mundo enfrenta
desde de 2008, em que os estímulos econômicos dos países desenvolvidos para
debelar a crise, produziram efeitos indesejáveis entre as nações em
desenvolvimento como o Brasil, a integração produtiva sob os auspícios de
organismos multilaterais como a Unasul, sem as características hegemonistas de
outros blocos, pode contribuir para diversificar as atividades econômicas, agregar
valor aos produtos e ampliar o desenvolvimento conjunto dos países. A avalanche
de dólares provenientes de investidores dos países desenvolvidos, em busca de
remuneração por juros acima da média mundial, proporcionou uma excessiva
valorização da moeda brasileira, encarecendo o custo da produção. Se há setores
resistentes a integração, a racionalidade econômica aponta, em período de aumento
dos custos internos derivados da valorização cambial, para a necessidade do setor
produtivo brasileiro ampliar o número de parcerias e fornecedores. Isso vale para a
indústria brasileira de defesa. O apoio governamental as empresas privadas
brasileiras, em busca de parcerias com congêneres sul-americanas, fortalece a
cooperação no âmbito do CDS, a medida que multiplica os empreendimentos e
possibilita o desenvolvimento de projetos que exigem apuro técnico-cientifico.
Destarte a necessidade do apoio político a integração sul-americana, não há
cooperação sem que a nação com maior disponibilidade financeira, no caso o Brasil,
desenvolva linhas de crédito mediante financiamento em moldes semelhantes aos
da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), com alcance regional e objetivo de
financiar projetos da indústria de defesa. Os projetos do treinador básico Unasul I e
1101
do sistema de VANTs, deliberados pelo CDS são exemplos de iniciativas que
disseminam o conhecimento. No caso do treinador básico, por sua característica de
projeto multinacional, exigirá a produção de partes e componentes em diversos
países da região e abre a perspectiva para criar uma rede regional de fornecedores
de material de defesa.
A primeira vista, a reação imediata ao se defrontar com o valor das importações sul-
americanas de sistemas de armas, é acreditar que redirecionar parte dos recursos
destinados á compra no exterior para substituir importações e estimular as bases
industriais dos países dos subcontinente, é uma tarefa que demanda apenas
vontade. Entretanto há outros condicionantes que merecem uma análise qualitativa.
Um exemplo da situação descrita é a indústria de defesa brasileira, que alcançou
importância entre os exportadores de sistemas de armas na metade da década de
1980, mas desde então, pouco alterou seu portfolio de produtos. Em 2012 o valor
das vendas externas de sistemas de armas por parte da indústria brasileira de
defesa, alcançou apenas a décima parte do que o país comercializou em meados da
década de 1980, e o Sistema Astros II, desenvolvido no período do conflito Irã-
Iraque, ainda é um dos principais itens da pauta de exportações. A indústria
brasileira de defesa padece segundo Dagnino (2010) ―de não substituibilidade
tecnológica‖, determinada pela incapacidade do país em gerar inovação tecnológica,
impossibilitando à indústria nacional produzir internamente parte considerável do
material de defesa que é importado (DAGNINO, 2010).
1102
gastos em pesquisa e desenvolvimento. Não obstante, há setores da indústria de
defesa de baixa intensidade tecnológica, como a produção de veículos blindados,
que torna a cooperação possível para vários países membros do CDS.
1103
cooperação técnico-cientifica. Brasil e Argentina possuem importantes centros de
pesquisa e desenvolvimento no setor, como a Dirección de Investigación Desarollo y
Producción del Ejército (DIDPE) do Exército argentino ou o CTEx do Exército
brasileiro. Sem a capacitação de técnicos e engenheiros, essenciais para o sucesso
do projeto do treinador básico Unasul I, países como Bolívia ou Paraguai, que
dispõe de recursos financeiros e técnicos limitados, não poderão contribuir com o
programa. O governo brasileiro, neste quesito, tem papel fundamental: 1.
possibilitando a formação técnico-acadêmica de civis e militares indicados por seus
países ao CDS para ingressar em instituições como o Instituto Tecnológico de
Aeronáutica (ITA) ou o Instituto Militar de Engenharia; 2. contribuindo para a
especialização de técnicos e engenheiros em centros de excelência como o CTEx e
o Centro Técnico Aerospacial (CTA).
4 Considerações Finais
1104
mecanismos de integração são importantes iniciativas para assegurar a
institucionalização dos compromissos firmados pelos Estados.
Referências Bibliográficas
ANDINA. Primer avión militar diseñado por Unasur estará listo em el 2016.
Lima, may 2013. Disponível em: <http://www.andina.com.pe/Espanol/noticia-primer-
avion-militar-disenado-unasur-estara-listo-el-2016-458892.aspx#.UfUjc9JkyW0>.
Acesso em: 20 jul. 2013
1105
CONSEJO DE DEFENSA SURAMERICANO DE LA UNASUR. Crónica de
sugestación. Chile, 2009. Disponível em: <http://www.resdal.org/csd/gestacion-del-
csd-libro-chile.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013.
1106
UNASUR. Estatuto del Consejo de Defensa Suramericano de La UNASUR.
Lima, Peru, 11 dic. 2008b. Disponível em: <http://www.unasurcds.org/ index.php?
view=article&catid=40%3Aestatuto-cds&id=78%3Aestatuto-cds&format=pdf&option=
com_content&Itemid=188&lang=pt>. Acesso em: 15 jul. 2012.
1107
O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NUCLEAR BRASIL-ARGENTINA: UM
CAMINHO PARA O DIÁLOGO
1 Introdução
497
Mestranda do Programa de pós-Graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa
Catarina.
1108
processo de cooperação e integração nuclear entre ambos, analisando os fatores
que influenciaram a mudança de postura desses Estados e que culminou com a
criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais
Nucleares, a ABACC.
A área da Bacia Platina foi foco de tensão durante muito tempo. Na época
colonial, ela foi palco dos interesses geopolíticos adversos entre portugueses e
espanhóis. A questão mal resolvida da divisão das bacias hidrográficas entre
Portugal e Espanha, mesmo com o estabelecimento dos Tratados de Madri 498
(1750) e Idelfonso 499 (1777), levaram Brasil e Argentina a herdar essa disputa.
Essas querelas se acirraram com as respectivas independências e com o
antagonismo entre o Império Brasileiro e a Confederação Argentina, núcleo dos
conflitos platinos do século XIX.
Na visão argentina, desde muito ocorreu a percepção do Brasil como ameaça. ―Ao
não romper com o sistema monárquico, contrastando com um hemisfério
republicano, o Brasil foi percebido como herdeiro da aspiração hegemônica e
intervencionista portuguesa no Prata‖ (CANDEAS, 2010, p. 147) . Para o Brasil, a
Argentina também consistia em uma intimidação, uma vez que era o país com o qual
dividia fronteiras estratégicas.
No que tange a isso, Spykman (1944) afirma que a Bacia do Prata é o cerne da
rivalidade brasileiro-argentina:
498
Esse acordo entre Portugal e a Espanha, conduziu à alteração de linha meridiana definida no Tratado de
Tordesilhas. Seus objetivos principais eram o de eliminar as discórdias acerca das possessões de cada reino na
América Meridional, além de resolver as desavenças entre as partes(LAURENZANO, 2008, p.25).
499
A partir desse, modificava-se a linha de limites estabelecida pelo tratado de 1750: a Espanha devolve a Ilha
de Santa Catarina e Portugal cede a Colônia do Sacramento a as Missões à Espanha, e um ponto crucial, a
navegação do Prata ficava exclusiva à Espanha (LAURENZANO, 2008, p.30).
1109
Mais importante entretanto para o futuro da América do Sul é a luta de poder
entabulada na zona de conflito do continente meridional: a bacia do rio da
Prata. Aqui os protagonistas são os dois Estados mais poderosos da América
Latina e a recompensa seria a liderança e o império do continente sul.
(SPYKMAN, 1944, p. 337).
Essa tradição conflituosa, mesmo que na maioria das circunstancias não foi levado
aos fins de fato, se prolongou para além do século XIX. No século XX, verificam-se
alguns fatores, como os próprios momentos históricos, que corroboraram tanto para
a manutenção das tensões, como para a mudança do caráter do relacionamento
entre ambos os países.
500
O Brasil pretendia o aproveitamento do Rio Paraná. Elaborou uma manobra diplomática junto ao Paraguai de
1962 até 1966, que era acompanhada pelo governo argentino com bastante preocupação. Qualquer
aproveitamento hidrelétrico exigiria a construção de uma barragem no Rio Paraná, que diminuiria o volume de
água à jusante. Assim, AA fim de amarrar o Brasil a compromissos jurídicos, limitando suas ações na Bacia do
Prata, o presidente Arturo Illia (1963-1966) propõe aos países platinos a criação de vínculos para a integração
física da Bacia do Prata e o aproveitamento de seus recursos naturais, “sob o pretexto de um desenvolvimento
regional harmonioso” (BANDEIRA, 2003, p. 411). “As preocupações argentinas eram causadas pelo impacto
que ocasionariam à sua política e economia regionais os projetos hidrelétricos brasileiros e pela inquietude em
torno das mudanças que poderiam causar nas suas relações com o Paraguai” (RAPOPORT; MADRID, 1998, p.
282)
1110
conjuntura externa favorável, promoveu a modernização, em termos tangíveis no
momento, da infra-estrutura industrial do país com o "milagre econômico".
A relação entre Brasil e Argentina provem de uma tensão histórica, motivadas por
elementos distintos, mas que possuem muitos aspectos congruentes. Ambos, antes
mesmo dos episódios de Hiroshima e Nagasaki já faziam estudos acerca das
temáticas nucleares. Contudo, é após esses acontecimentos que suas percepções
em relação à questão atômica ganham maior vulto.
A produção científica e de materiais atômicos por estes países, eram vistas com
desconfiança de um para com outro. Portanto, o sigilo de algumas informações foi
mantido por anos e, alguns elementos históricos importantes encontram-se
resguardados até o momento.
1111
Até 1945, os interesses da Argentina pelos minérios de urânio limitaram-se à
aspectos científicos. Uma reavaliação sobre o assunto ocorreu após as explosões
atômicas de Hiroshima e Nagasaki, em que a Direção Nacional de Energia Atômica
(DNAE) tornou-se responsável pelos trabalhos de exploração (OLIVEIRA, 1996, p.
86). A partir desse momento, instalaram-se laboratórios, escolas técnicas e permitiu-
se a participação privada nos empreendimentos. Notadamente, verificou-se que a
Argentina, dentre os países da América Latina, era um dos mais bem dotados de
jazidas de urânio.
1112
Atômica (CNEA) atingiu níveis nunca vistos em toda sua história‖ (FÜLLGRAF, 1988,
p. 127).
Para concepção dos propósitos do PLAN argentino, o ponto alto do projeto dos
militares foi o de comprometer cinquenta por cento do orçamento do país com a
compra e fabricação de armas nucleares (FÜLLGRAF, 1988, p. 128). Seus esforços
caminhavam no sentido de possuir o domínio completo do ciclo do combustível
nuclear, desenvolvimento das tecnologias de enriquecimento do urânio e avançar
em direção às demais tecnologias envoltas na area nuclear.
501
“Entendemos que se torna imprescindível estabelecer o quanto antes um programa completo e integrado
no setor da energia atômica em nosso país, abrangendo desde a pesquisa e prospecção do minério,
industrialização dos produtos da lavra, criação do corpo técnico capaz, até a instalação e operação de reatores
atômicos industriais”- Conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o problema dos minérios
atômicos. In: Mirow (1979).
1113
institucionalizar a pesquisa cientifica no Brasil, era necessário reorganizar as
relações entre os grupos sociais, em especial ―o conflito entre os professores das
antigas disciplinas – Direito, Medicina – de um lado e os professores das disciplinas
em progresso e os novos líderes intelectuais, formados nas universidades
americanas e européias, do outro lado‖.
Assim, em janeiro de 1951, alguns dias após Getúlio Vargas retornar à presidência,
é criado o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Consoante a Brandão (2008), o
CNPq passou a ser a principal agência brasileira para o desenvolvimento nuclear,
pois cabia à instituição todas as atribuições no campo nuclear.
1114
brasileiros, foi bastante decisivo para muitas das políticas. Alguns estavam
totalmente alinhados, como é o caso de Café Filho (1954), que foi precedido por JK
que adotou medidas de cunho mais autônomo e nacional, que foram aprofundadas
com a Política Externa Independente de Janio Quadros. Esse fato pode ser visto
com a proposta de Jânio Quadros, ao sustentar que o reator das futuras usinas
nucleares que aqui se instalariam, deveria ter ―80% de seus componentes
construídos no Brasil‖ (OLIVEIRA, 1999, p. 131). De igual modo, João Goulart era
enfático em relação à uma política de independência e máxima participação da
indústria nacional na construção das centrais nucleares (MOREL, 1979).
502
No governo de Costa e Silva, decidiu-se implantar a primeira usina nuclear do país, um projeto pioneiro que
poderia gerar condições para o desenvolvimento de alta tecnologia no Brasil. Porém, ao decidir implantar a
usina, o presidente optou pela opção antinacionalista, qual seja: utilização de reatores a água leve e urânio
enriquecido, sendo que o pretexto inicial baseava-se no urânio natural e água pesada, a qual país já vinha
produzindo pesquisas.
1115
João Baptista de Oliveira Figueiredo resolveu implementar o Programa Autônomo de
Tecnologia Nuclear (PATN)503, conhecido como Programa Paralelo. As articulações
iniciais contaram com a participação da CNEN e projetos distintos das três Forças
Singulares, porém com objetivos convergentes, em que o principal era o domínio do
ciclo de enriquecimento nuclear. De tal modo, apenas anos depois, em setembro de
1987, já em processo de democratização, com o presidente civil José Sarney é que
o segredo do programa nuclear das Forças Armadas é quebrado. Na presença de
ministros e cientistas, em cerimônia realizada em Brasília, o atual presidente anuncia
que o Brasil havia passado a dominar a tecnologia de enriquecimento de urânio por
meio da ultracentrifugação (ACIDENTES..., 2013).
503
Algumas personalidades da época afirmaram que a ideia do Programa Paralelo já havia sido instituída no
governo Geisel. Todavia, a liberação da primeira verba especifica direcionada ao programa veio apenas em
1981.
504
Programa de Cooperação para Prospecção de Recursos Minerais (1940); Acordo Relativo ao Fornecimento
Recíproco de Materiais de Defesa e Informações sobre Defesa (1942); Assinatura do considerado Primeiro
Acordo Atômico (1945); Segundo Acordo Atômico (1952); Acordo de Assistência Militar (1952); Terceiro Acordo
Atômico (também chamado de Acordo do Trigo, 1954); Programa Átomos para a Paz (1955); Acordo de
Cooperação para o Desenvolvimento da Energia Atômica com Finalidades Pacíficas e o Programa Conjunto para
o Reconhecimento e Investigação do Urânio no Brasil (1955); Quarto Acordo Atômico (1956); Acordo de
Cooperação referente aos Usos Civis da Energia Atômica (1965); Acordo de Cooperação para Usos Pacíficos da
Energia Nuclear (1972)
505
Considerado “Acordo do Século”, devido a sua magnitude em termos monetários. “Após um ano de
negociações secretas, nas quais a opinião da comunidade científica nacional não foi levada em consideração,
Brasil e Alemanha firmaram, em 27 de junho de 1975, o Acordo de Cooperação para Usos Pacíficos da Energia
Nuclear” (MEDEIROS, 2005, p.71).
1116
devido as limitações impostas pela livre operação do Poder Nacional dos outros
países. Além disso,
Essa percepção de perda vs. ganho, esteve latente entre ambos os países
analisados durante alguns anos. Porém, apesar da antiga rivalidade, a aproximação
na área científica ocorreu de maneira gradativa, uma vez que os países possuíam
uma série de coincidências em seus caminhos, principalmente nas políticas
nucleares (MALLEA, 2012).
1117
retomar o crescimento econômico, seriamente comprometido pela crise da dívida
externa e pela instabilidade econômica associada com altas taxas de inflação.
506
De acordo com CARVALHO e MARINS (2009) o “novo regionalismo” é datado a partir dos anos 1980,
justamente com o relaxamento das tensões Leste x Oeste. Segundo os mesmos, o “velho regionalismo” tem que
ser compreendido no contexto histórico muito particular dominado pelos constrangimentos da bipolaridade que
marcou o período da Guerra Fria.
1118
Dando continuidade ao acordo de cooperação, é assinada em 1985, pelo presidente
José Sarney e Raúl Alfonsín, a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear Os dois
primeiros foram a Declaração do Iguaçu e a Declaração Conjunta Sobre Política
Nuclear. Assinada respectivamente junto à Declaração do Iguaçu, em que os
presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín ―expressaram sua convicção de que a
ciência e a tecnologia nucleares desempenhavam um papel de fundamental
importância no desenvolvimento econômico e social‖ (ABACC, 2013). Assim, os
presidentes decidiram criar um grupo de trabalho conjunto para a promoção do
desenvolvimento tecnológico-nuclear para fins exclusivamente pacíficos. A partir de
então o processo de colaboração, não apenas em matéria nuclear, se intensificou e
outras Declarações foram assinadas507.
Seguindo essa conjuntura favorável, foi formalizado em 1991 o Acordo para Uso
Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, com duração de tempo indeterminado,
estabelecendo o uso pacífico do material e instalações nucleares nas jurisdições de
ambos os países. Tal acordo serviu de base para fomentar a criação da Agência
Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle (ABACC), nesse mesmo ano.
Através dessa agência a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) iria
inspecionar as instalações e tecnologias argentinas, do mesmo modo que a
Comissão Nacional de Energia Atômica (CNEA) da Argentina iria proceder para com
o Brasil. Um sistema de vizinho olhando vizinho (KUTCHESFAHANI, 2010)
507
Declaração de Brasília em 1986, Declaração de Viedma em 1986, Declaração de Iperó em 1988, Declaração
de Ezeiza em 1988, Declaração de fiscalização Mútua em 1990.
1119
como um sistema robusto e confiável, ele passa a ser um avalista das
finalidades pacíficas das atividades nucleares dos dois países, frente à
508
comunidade internacional.
Desse modo, ―do ponto de vista histórico, a cooperação entre Brasil e Argentina na
área nuclear foi extremamente relevante para a diplomacia brasileira, por
representar a aproximação com um de seus mais influentes e desenvolvidos
vizinhos neste setor‖ (CASTRO, 2006, p. 106). Ademais, serviu como base para
estabilidade e fortalecimento da região
Contudo, os dois países não haviam ratificado o Tratado de Tlatelolco nem o TNP.
Só vieram a fazê-lo alguns anos depois. Em 1994, ambos os países assinaram o
Tratado de Tlatelolco e em 1995 a Argentina adere ao TNP e em 1998 o Brasil
segue o mesmo curso. O embaixador VARGAS (1997, p.44) explica essa
circunstância: ―A posição histórica dos dois países em matéria de não-proliferação
nuclear decorria de uma opção autonomista quanto à utilização e desenvolvimento
da energia atômica‖
Deve-se salientar que o contexto mundial era outro. Houve uma mudança na agenda
de segurança que pautava as relações internacionais durante a Guerra Fria. Com o
fim dessa, a percepção da iminência de um ataque nuclear também se dissipou. As
questões relativas a segurança não sumiram, apenas a preponderância antes
existente cedeu espaço para os novos temas.
Nessa nova conjuntura a separação entre high politics e low politics foi mitigada
e novos tópicos passaram a ocupar lugar de destaque como meio ambiente, as
novas bases da competitividade econômica internacional, direitos humanos,
conflitos étnico-religiosos, ameaças transnacionais, entre outros. De fato, as
questões relativas à segurança passaram a ser vistas de modo cada vez mais
integrado a esses novos temas da agenda internacional e ganham p roporções
de preocupação regional.
508
Entrevista concedida à autora em janeiro de 2013.
1120
segurança contemporâneas. Acreditamos que isso seja verdade ainda que
utilizemos um entendimento de segurança mais amplo do que aquela visão
mais tradicional, militarizada. (BUZAN; WÆVER, 2003, p.10, tradução nossa)
Além disso, partindo dessas perspectivas, o papel do Estado é reavaliado para dar
lugar a associações entre governos, processos de cooperação e de integração
regional. Ainda é um ator preponderante, mas conta com outras conjunções. Nesse
sentido, os organismos internacionais passam a ter uma significância cada vez mais
expressiva para a comunidade internacional, inclusive quando se ―propõem a tratar
de um assunto antes exclusivo do Estado, como o era a questão de segurança‖
(CAMPANA, 2011, p. 13).
5 Considerações Finais
A região do Cone Sul passou por muitos momentos distintos durante muitos anos. A
principal configuração durante décadas foi a de conflito e hostilidades provenientes
precipuamente dos dois principais países da região: Brasil e Argentina.
Diversos fatores intervêm nas relações Brasil-Argentina, nenhum dos quais sendo
determinante de forma isolada: a rivalidade estratégica, a geografia, a economia, as
burocracias de Estado, a política interna, disputa entre modelos de desenvolvimento
e tecnologias. E, portanto, o impacto desses fatores em distintos momentos da
história, que se deu de maneira diferenciada em cada um países, explica a
incongruência bilateral sentida por ambos.
1121
Essa realidade só encontra mudança a partir do relaxamento do conflito bipolar, em
âmbito externo, e concomitante aos abrandamentos dos regimes ditatoriais e
redemocratização, em âmbito interno.
Com a transição para governos civis nos anos 80, a busca pela integração entre eles
teve grande progresso e foi basilar para acelerar o ritmo de colaboração. Essa nova
configuração política, teve o incentivo, a partir da tomada de consciência por parte
dos países sul-americanos de que a cooperação seria um caminho possível evitar a
marginalização.
1122
Referências Bibliográficas
1123
CNPq. Mensagem do Presidente Dutra ao Congresso Nacional, 12 de maio de
1949. Relatório do CNPq, 1951.
DIAZ, Carla Maria da Silva; BRAGA, Paula Lou'Ane Matos. Rivalidade entre Brasil e
Argentina: construção de uma cooperação pacifico-nuclear. Revista de Ciências
Humanas, Florianópolis, EDUFSC, n. 40, p. 491-508, Outubro de 2006.
GIROTTI, Carlos Alberto. Estado Nuclear no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense,
1984.
MOREL, Regina Lúcia Moraes. Ciência e Estado: a política científica no Brasil. São
Paulo: T.A. Queiroz, 1979.
1124
ORSOLINI, Mário H. O plano nuclear argentino: um modelo de ação estratégica.
Política e Estratégia. São Paulo, v.2, n.4, 1984.
SPYKMAN, Nicholas John. The Geography of the Peace. New York: Harcourt
Brace, 1944.
1125
Simpósio Temático 16
1 Introdução
A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) foi criada
em 2004 depois de uma grave crise interna que resultou na queda do presidente da
república. Seu primeiro objetivo foi garantir a segurança para, em seguida, auxiliar o
governo haitiano na implementação de uma serie de políticas públicas como forma
de desenvolver o país, melhorar as condições de vida de sua população e dar
estabilidade às suas instituições implantando, dessa forma, o estado democrático de
direito. Dentre as políticas estava a reforma da Policia Nacional Haitiana (PNH).
509
UNESP – Campus de Marília/SP
1126
2 As operações de construção da paz
Uma das atividades críticas diz respeito à reforma do setor de segurança - Security
Sector Reform (SSR) com a reestruturação, reforma e treinamento das forças
armadas e policiais, a reforma do sistema legal e judicial, o apoio ao
desenvolvimento de uma legislação essencial e, por vezes, reorganização do
sistema prisional (UN, 2008). A questão chave nas atividades de SSR é como
reconciliar uma sociedade fragmentada com a criação de forças armadas e policiais
como instituições neutras. A questão se torna ainda mais complicada quando há o
1127
componente étnico nos conflitos intraestatais onde grupos formam milícias para
proteger suas comunidades.
3 A MINUSTAH
1128
Decorrente do mandato estabelecido pelo CS, a MINUSTAH foi considerada uma
missão multidimensional e integrada, com uma força militar e componentes políticos
e de direitos humanos. De acordo com o mandato, os aspectos que orientaram as
ações da Missão eram a manutenção da ordem e da segurança, o incentivo ao
diálogo político, e a promoção do desenvolvimento econômico e social. Para isso,
numa primeira fase, a prioridade foi o uso da força para garantir a segurança e a
ordem no país face ao descontrole institucional e a onda de violência que se instalou
com a desestruturação do governo de Aristide.
1129
assim como questões de igualdade de gênero, crianças em conflitos armados e
direitos humanos.
Nos regimes haitianos anteriores o judiciário era subordinado aos militares e todos
cometiam abusos contra a população (CENTRE, 2009a). Os juízes eram nomeados
1130
por períodos fixos pelo Presidente a partir de uma lista preparada pelo Senado ou
pelas assembléias departamentais ou populares. A continuidade no cargo dependia
de um processo político. Promotores eram colocados como agentes do executivo e
os juízes ganhavam menos que os policiais. Logo, eram extremamente vulneráveis à
corrupção (MENDESLSON-FORMAN, 2006). Além disso, o Haiti tem como línguas
oficiais o francês e o créole. Como a maior parte da população fala créole e os
membros do judiciário usam o francês, há dificuldade de acesso à justiça pela maior
parte dos haitianos, agravado pela falta de delegacias de polícia e de cortes em
várias partes do país (CENTRE, 2009a).
1131
representantes de antigos soldados. No bojo das políticas a serem adotadas nessa
área estavam: compensação por pagamentos atrasados, fundo de pensão para
membros da antiga força militar, dissolvida por Aristide e um dos focos da violência
de 2004, reorganização dessa força, qualificação de antigos militares para
reinserção na sociedade (UN. S/2005/124, 2005).
A força policial haitiana era de cerca de 3mil homens, insuficiente para uma
adequada segurança do país, e diversas delegacias de polícia foram destruídas e
saqueadas durante a crise de 2004. Além do reparo das instalações, foi estabelecido
um programa de reforma, reestruturação, desenvolvimento e profissionalização da
PNH que incluiu o recrutamento e treinamento de novos policiais conduzido segundo
padrões internacionais de policiamento e de direitos humanos.
Como o comercio ilícito operado por traficantes de drogas era um dos principais
problemas de segurança do Haiti, a ONU determinou como prioritário, em 2009, o
controle de fronteiras (CENTRE, 2010). Os 1 800 km de costa desprotegidos e a
fronteira com a República Dominicana facilitam o tráfico de armas, drogas e pessoas
(STIMSON CENTER, 2012). A OIM e a Força Tarefa Canadense de Estabilização e
Reconstrução recuperou 14 postos na fronteira com a República Dominicana e
treinou funcionários de imigração (CENTRE, 2010).
1132
sistema prisional (2007 – 2012) previu o desenvolvimento da infra-estrutura,
aquisição de equipamentos, treinamento de pessoal e reabilitação e melhora do
tratamento de detentos (CENTRE, 2009a). Foi formado um Grupo de Trabalho em
Prisões liderado pelo Canadá com a presença da MINUSTAH, EUA e Noruega para
apoiar o governo do Haiti em atingir os objetivos do plano (CENTRE, 2009b).
Como baixos salários eram sempre citados como justificativa para a corrupção, o
governo interino adotou, em 2005, medidas para aumentar os salários de policiais e
membros do judiciário em mais de 50% (CENTRE, 2009b).
1133
Aproximadamente 80% do setor de justiça foi afetado. Cerca de 49 prédios foram
danificados, arquivos foram destruídos. O Ministério da Justiça foi completamente
destruído e o ministro teve que ser resgatado dos escombros. Vários juízes
morreram em suas casas (FORTIN, 2011).
Em torno de 300 mil ficaram feridas (RELIEF WEB, 2010), cerca de 105 mil casas
foram totalmente destruídas e mais de 208 mil ficaram danificadas. Os danos e
prejuízos foram estimados em US $ 7,9 bilhões (pouco mais 120% do PIB do país
de 2009) (GOVERNMENT, 2010b, p. 7).
Dessa forma, o terremoto destruiu parte dos avanços que haviam sido obtidos desde
o estabelecimento da operação de paz em 2004 e fez com que a ONU atribuísse
missões humanitárias a MINUSTAH para auxiliar no socorro e, posteriormente, na
reconstrução da área afetada no Haiti.
5 Conclusão
1134
policiais, bem como dos sistemas judiciário e prisional, fazem parte desse processo.
A reforma do setor de segurança é desenvolvida com a ideia central de quea polícia
éum serviço, não uma força, com o foco principalna segurançado indivíduoe não do
Estado, que responda às necessidades dosindivíduos e que seja responsávelpor
suas ações (BAYLEY, 2001).
Mas, apesar dos avanços obtidos a partir de 2004, os diversos desastres naturais
prejudicaram e, no caso do terremoto de 2010, destruíram parte do que havia sido
construído no país. Além disso, o Haiti continua a enfrentar significativos desafios
humanitários, com um grande número de pessoas internamente deslocadas ainda
dependentes de assistência para sobrevivência. A epidemia de cólera ocorrida no
final de 2010 mostrou que, além das calamidades provocadas por desastres
naturais, o país possui uma extrema vulnerabilidade a calamidades em outras áreas
como a da saúde. O governo carece de capacidade em razão de vários fatores
estruturais e institucionais.
1135
Referências bibliográficas
AGUILAR, Sergio Luiz Cruz (Ed.). Brasil em Missões de Paz. São Paulo: Usina do
Livro, 2005.
BAYLEY, David H. Democratizing the Police Abroad: What to do and how to do it.
Washington: US Department of Justice, 2001. Disponível em: <https://www.ncjrs.gov/
pdffiles1/nij/188742.pdf>.Acesso em 23 jan. 2012.
FORTIN, Isabelle. Security Sector Reform in Haiti – One year after earthquake. SSR
Issue papers, n. 1. Waterloo: CIGI, march 2011.
RELIEF WEB. Haiti: six months on from disaster, 2 July 2010. Disponível em
http://www.reliefweb.int/rw/rwb.nsf/db900SID/MINE-877QDU?OpenDocument&
RSS20=02-P. Acesso em 15 jan. 2012.
1136
_____. Peacekeeping Operations Principles and Guidelines. New York:
Department of Peacekeeping Operations/ Department of Field Support, 2008.
1137
Simpósio Temático 17
Aureliano da Ponte510
1 Introducción
510
Escuela Superior de Guerra
1138
De todas maneras, parece adecuado precisar que esta perspectiva comprende la idea
de participación de los actores nacionales relevantes y el entramado de apoyos
concretos para desarrollar un determinado sector industrial estratégico. No obstante, no
aborda las características que debe reunir laestrategia de producción, ni tampoco
hace referencia a una estrategia empresarial particular, lo cual no es un detalle menor.
La primera es una variable central y condicionante, aunque no exclusiva, que configura
un tipo de Modelo Industrial de Desarrollo. De ahí que su adopción no sea indiferente
para la generación y/o consolidación de capacidades nacionales en la estructura
productiva y en la infraestructura científico-técnica. La segunda, ligada a la noción de
Modelo de Negocios, pone el foco en los indicadores de competitividad (económicos,
comerciales, financieros, entre otros). Evidentemente, en las últimas décadas se ha
profundizado la interrelación de ambos, por lo cual es muy importante que sean
concebidos de forma articulada y complementaria. Sin embargo, no debe soslayarse
que responden a lógicas distintas.
2 De la crisis a la adaptación
Cuando Embraer pasó a manos privadas a fines de 1994, comenzó una etapa
distinta en su trayectoria. Mientras la empresa fue estatal, el criterio orientador de
la gestión había sido engineering driven, en el cual pueden identificarse como
objetivos, más o menos centrales, el aprendizaje selectivo en el manejo de
―tecnologías llave‖ y el desarrollo de algunas capacidades productivas locales (al
margen de los resultados efectivamente alcanzados en cada uno). Por el
contrario, la nueva gestión alineó a la organización con ―las señales del mercado‖
bajo el criterio market driven. Naturalmente, cada uno deriva tanto en valores y
objetivos como en estrategias productivas y empresariales diferentes. La
empresa, gestada bajo una ―lógica tecnológica‖, fue redireccionada hacia una
―lógica económico-financiera‖.
1139
Igualmente, este período fue extremadamente complejo, por lo que en este artículo
es imposible tratarlo en profundidad. En todo caso, nos abocaremos a plantear
algunas consideraciones para entender cómo Embraer pasó de superar una crisis
casi terminal, hasta generar las condiciones para ascender y posicionarse entre las
primeras del mundo en la producción de aviones comerciales. Ello es relevante si
tenemos presente que fue una de las pocas sobrevivientes de los años noventa
junto con Bombardier (Canadá) y ATR (Francia/Italia), al menos en la producción de
Jets regionales.
Por eso, este nuevo período es interesante para conocer los cambios que la nueva
conducción promovió en la empresa a fin de encarar las transformaciones producidas
en la industria aeronáutica mundial a partir de la última década del siglo XX.
3 Crisis y privatización
A comienzos de 1990, el sector aeroespacial sufrió una crisis que provocó, desde
la desaparición de algunas empresas, hasta la fusión de otras. Para tomar
dimensión del impacto de este escenario sobre la empresa brasileña, hay que
tener presente que en 1994 las pérdidas ascendieron a 310 millones de dólares
contra ventas por valor de 177 millones, recortándose 6.500 puestos de trabajo
entre 1990-1992 y cayendo al puesto 38º (ocupaba el 3º lugar) entre los grandes
exportadores de Brasil. A pesar de que buena parte de las líneas de producción
quedaron ociosas, se llevaron adelante medidas para restringir los efectos
negativos sobre la situación financiera. El objetivo era mantenerse en el mercado,
por lo que se fabricaron piezas para la industria automotriz y para ventiladores,
materiales compuestos, servicios de ingeniería de calidad y ensayos, llegando
incluso a producirse bicicletas en fibra de carbono. Este cuadro se agravó como
consecuencia de algunas acciones que el gobierno de Collor de Melo implementó
entre las que se destacan la prohibición de financiar las exportaciones (una
necesidad determinante para esta industria). Para entonces, los estudios sobre
competitividad de la industria aeronáutica en Brasil eran muy poco auspiciosos.
De hecho, prácticamente todas las empresas nacionales abastecedoras
desaparecieron.
1140
Así las cosas, se decidió avanzar hacia la privatización. El proceso demoró varios
años debido a la oposición que tuvo por parte del Ministerio de Aeronáutica y de la
Fuerza Aérea Brasileña, de los trabajadores y de la población de San José Dos
Campos. Los nuevos socios mayoritarios, pasaron a ser grupos empresarios
brasileños y fondos de pensión con el 40% de las acciones y el derecho a voto, un
10% reservado a los trabajadores y funcionarios y el 6,8% en manos del Estado
(más la acción de oro o ―golden share‖). La privatización incluyó la planta de San
José Dos Campos, Embraer Aircraft Corporation (EEUU), Embraer Aviatione
International (Francia) y Aeronáutica Neiva, fábrica que construía aviones livianos y
había sido adquirida en los años ochenta. El valor de venta fue de R$ 265 millones y
su deuda (antes de un programa de saneamiento que realizó el Estado en el que se
hizo cargo de US$ 700 millones) ascendía a US$ 1000 millones de dólares.
1141
organizaron dos áreas de mercado distintas (diferenciadas por el tipo de cliente y el
foco de actuación de cada una). El área civil comercial (explica el 80% de ventas de
la empresa), atiende el mercado mundial de aviación de transporte regional; y el
área militar comercial (representa el 20% de la facturación de la empresa). Esto fue
acompañado por inversiones para mejorar las líneas de producción, modernización
de equipos y máquinas, a fin de aumentar la productividad. Se crearon centros de
apoyo en otros países por lo que ciertas pruebas pasaron a realizarse en el
extranjero, aunque parte de la I+D fue derivada al CTA. Se destinaron recursos en
tecnologías de la información para mejorar los métodos y procesos. En definitiva,
todo esto produjo un importante incremento de la eficiencia y una disminución de los
plazos para la fabricación de los modelos.
Por otra parte, en julio de 1999 se incorporaron como accionistas grupos industriales
europeos. A partir de la nueva composición accionaria, el valor de la empresa
aumentó a alrededor de los U$S 1000 millones. Ello derivó en dos situaciones. Por
un lado, la construcción de una planta destinada a las pruebas de aeronavegabilidad
de aviones militares de alta velocidad, con la finalidad de evitar que deban ser
enviados al exterior, ubicada en la Gavião Peixoto, situada a unos 280 kilómetros al
noroeste de San Pablo. Por el otro, en la creación en abril del año 2000 del Mirage
2000 BR Consortium, cuyo propósito era comerciar en América Latina el avión
Mirage 2000 BR (versión modernizada del Mirage 2000 fabricado por Dassault
Aviation). El acuerdo dispuso que el análisis, desarrollo y prueba del aparato se
1142
realice en forma conjunta, llevándose a cabo el montaje final en las instalaciones
brasileñas.
5 Recuperación y adaptación
1143
adquisición de 67 ERJ-145, más las piezas de reposición y asistencia técnica por
parte de American Eagle, subsidiaria para vuelos regionales de American Airlines. El
volumen del contrato fue de US$ 1 billón por los aparatos más US$ 1,6 billones por
los otros servicios.
Al igual que en el pasado, el BNDES continuó siendo, dentro del sector público,
uno de los actores fundamentales que contribuyó de forma concreta con el
financiamiento tanto de la producción como de las exportaciones. Así, cumplió
con el objetivo de apoyar a la empresa con herramientas que abarcaron desde
préstamos y aportes de capital, hasta líneas de crédito para la comercialización.
Además, la Agencia Especial de Financiamiento de la Industria como agente
financiero del sistema BNDES instrumentó el Programa de Financiamiento a la
Exportación de Máquinas y Equipamientos (FINAMEX, actualmente BNDES-
Exim), gracias al cual es factible costear hasta el 100% de las exportaciones de
bienes de capital. Otra ha sido la Financiadora de Estudios y Proyectos (FINEP),
una empresa pública vinculada al Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación
que coordina el Programa de Apoyo al Desarrollo Tecnológico de la Empresa
nacional (ADTEN). Asimismo, el Programa de Desarrollo Tecnológico Industrial
(PDTI), que ofrece recursos nuevos y exime de impuestos a las empresas
innovadoras tuvo a Embraer como uno de los destinatarios más beneficiados.
1144
Otro de los instrumentos ha sido el Programa de Estímulo a las Exportacion es
(PROEX), gerenciado por el Banco do Brasil, el Ministerio de Hacienda y el
Ministerio de Industria, Comercio y Turismo.
Desde que inició su recuperación (la elección del año 1998 cuando dejó de
trabajar a pérdida parece adecuada como punto de partida) hasta que se
posicionó como una de las líderes en el segmento de jets regionales pasaron sólo
6 años (2003). En términos cuantitativos, en el período 2000-2010 se observa un
notable crecimiento. Sus ingresos oscilaron entre unos R$ 5,100 millones en el
año 2000 a un pico de R$ 11,700 millones en 2008. En relación al lucro neto, con
información hasta el 31 de marzo de 2012, el total asciende a R$ 8,900 millones
(EMBRAER, 2012). De igual modo, tuvo lugar una significativa expansión
geográfica a través de asociaciones de riesgo y/o la adquisición de subsidiarias
integrales o de servicio de posventa.
Embraer terminó la década del noventa con la asociación estratégica con el grupo
europeo EADS, Dassault, Thales y Snecma, incorporados a la estructura societaria.
A partir del éxito alcanzado por la familia ERJ-145, la empresa comenzó a cotizar en
la bolsa de Nueva York (NYSE) y de San Pablo (BOVESPA), lo cual le facilitó el
acceso al mercado de capitales a menores tasas de interés. Por otro lado, se dio un
doble proceso de expansión. Por una parte, como resultado de su estrategia de
acuerdos y asociaciones de riesgo pasó a conformar un conjunto de compañías. Por
la otra, estableció oficinas en aquellos países claves en su proyección comercial. En
tal sentido, en el 2000 abrió sus primeras oficinas en China para comercializar sus
aviones y brindar servicios de posventa (Beijing y Harbin). Luego en Singapur,
considerado un centro de distribución de vuelos muy importante en Asia y el
Pacífico. En 2002, inauguró una unidad de servicios de mantenimiento en Nashville
(EEUU) que amplió en 2005 y 2006, conformándose la subsidiaria Embraer Aircraft
1145
Maintenance Services, Inc. (EAMS) para atender a las flotas de jets 170/190. En
este país, además, inauguró en 2011 la primera planta para ensamblaje final del jet
ejecutivo Phenom 100 en el aeropuerto de Melbourne (Florida). Asimismo, se
establecieron diversos centros ya sea de servicios, lo que incluye mantenimiento y
entrenamiento, como de producción en Portugal, la República Checa, nuevas
instalaciones en Francia (Villepinte) y en el propio Brasil (Faria Lima, Eugenio de
Melo, Gaviao Peixoto, Taubaté). En definitiva, actualmente tiene presencia global.
b) Competitividad y producción
1146
de fabricación. Esto redujo los costos financieros y de los materiales, posibilitando la
expansión en el mercado.
La primera tendencia forma parte de un proceso mucho más amplio que se ha ido
desarrollando al compás de la internacionalización económica que, desde
1147
comienzos de los noventa, comenzó a acelerarse (lo que se expresa en la
―globalización de la cadena productiva‖). Sin embargo, han emergido circunstancias
que van a contramano que deben subrayarse. La cuestión es la siguiente. La
empresa efectivamente se ha sumado a esta lógica y, de hecho, ha estructurado su
modelo de negocios subordinando su estrategia productiva. Sirve de ejemplo que la
política para la industria aeronáutica no ha apuntado a gravar los productos
importados con aranceles altos ni a imponer exigencias en materia de contenido
local. A la vez, han comenzado a aparecer elementos que evidencian la intención de
incrementar el índice de nacionalización de sus aviones.
Ahora bien, lo que no aparece tan claro es a quién atribuir la causa. A la presión de
los gobiernos brasileños desde 2003 hasta la fecha o a la empresa basándose en
las mejores condiciones en que se encuentra actualmente. Así las cosas, este
crecimiento de la participación nacional no debe ser exagerado ya que por ahora es
bastante reducido. Sea como fuere, desde la privatización sus programas se han
desarrollado de forma desconectada de la estructura económica.
1148
d) Embraer Defensa y Seguridad
Por otro lado, se han fabricado versiones militarizadas del ERJ-145 (EMB-145
AEW&C, Alerta Temprana y Control; EMB-145 MULTI INTEL de vigilancia aérea; y
EMB-145 MP de patrullaje marítimo y misiones antisubmarinas). La FAB adquirió
unidades y otras fueron exportadas. El primer modelo, en términos comparativos, es
uno de los más avanzados y con menores costos de adquisición. Tiene dispositivos
de autoprotección y sistemas de apoyo para misiones militares de vigilancia
territorial. Otra de las acciones llevadas adelante desde 2007 ha sido la
modernización (upgrade) de los cazas AMX (un proyecto con empresas italianas de
1149
principio de los años 1980) con el objetivo de mantener activa una flota de 53
aparatos por otros 20 años.
8 Conclusión
Este artículo ha realizado un recorrido sintético sobre algunos de los hechos más
destacados del período iniciado a principios de los años noventa, caracterizado por
la crisis de la industria aeronáutica que afectó a la mayoría de las empresas del
sector. Lógicamente, Embraer sufrió el impacto de este contexto. Sin embargo, en
pocos años logró recuperarse, reposicionándose entre las primeras del mundo. La
recuperación implicó una adaptación. En la etapa posterior a la privatización, la
nueva estrategia comercial estuvo destinada a asegurar que las competencias
básicas de la empresa se alinearan con las señales del mercado. Para los nuevos
dueños, el ideal de desarrollo industrial y tecnológico nacional no era una
preocupación relevante. En este sentido, la orientación market driven que se le
imprimió a la gestión fue clara y, por cierto, muy exitosa. De todas maneras, si bien
puede sostenerse que la estrategia empresarial fue competitiva como revelan los
balances e indicadores de la empresa, ello parece más relativo en términos de
fortalecimiento de la base industrial y científico-tecnológica de Brasil. La
concentración en una serie de capacidades y competencias, muchas de las cuales
1150
habían sido originadas en la etapa estatal (concepción, desarrollo, integración y
soporte posventa) posibilitó su sobrevivencia y crecimiento. No obstante, los índices
de nacionalización de piezas y aeropartes que anteriormente se producían en el país
prácticamente fueron reducidos a una mínima expresión. Por eso, es que hemos
afirmado que la producción de los aviones está desanclada de la estructura
productiva del país.
1151
primero a señalar es que los lazos entre Embraer y la cadena productiva local son
muy limitados y a la vez, la cadena es muy dependiente de la empresa. Lo segundo
es que la literatura califica como exitoso su modelo de negocios justamente desde
una perspectiva económico-financiera sin prestar demasiada atención (tampoco se
lo proponen) a la fuerte dependencia de ésta de los socios extranjeros en las
dimensiones tecnológica y productiva. En todo caso, es válido preguntarse es hasta
qué punto las PYMES aeronáuticas nacionales, podrán resurgir y/o absorber
capacidades contribuyendo al desarrollo del país o si, como ha venido sucediendo
permanecerán sólo concentradas en Embraer. Este es el desafío central de los
próximos tiempos.
En suma, analizar esta trayectoria invita a reflexionar sobre el carácter del desarrollo
de las economías emergentes, ¿Es posible el desarrollo industrial y científico-
tecnológico autónomo (que no es lo mismo que autárquico desde ya)? ¿Qué rol
debe desempeñar el Estado en ese proceso? ¿Sobre qué bases debe encararse la
―inserción internacional‖ del país para que sea efectivamente funcional al desarrollo?
Con todo, este artículo se propuso un primer acercamiento a estas cuestiones a
partir de un caso concreto. El objetivo ha sido proponer el concepto de Proyecto de
estado de carácter estratégico como categoría analítica de la economía política
estableciendo su anclaje empírico.
Referências Bibliográficas
ALÉM, Ana Claudia. BNDES: Papel, Desempenho e Desafios para o Futuro. Texto
para Discussão, n. 62, Brasília, 1997.
BERNARDES, Roberto. Embraer. Elos entre Estado e mercado. São Paulo: Hucitec,
2000.
1152
BRYAN TORO, José Manuel. La industria aeroespacial de Brasil. Revista de
Aeronáutica y Astronáutica, n. 615. España, 1992, p 719-724.
HIRA, Anil y DE OLIVEIRA Luiz. Take off and crash: Lessons from the diverging
fates of the brazilian and argentine industries. Competition & Change, v. 11, n. 4,
Manchester, Reino Unido, 2007, p. 329-347.
1153
PORTELLA BERTAZZO, Roberto. A crise da indústria aeronáutica: 1945-1968.
Universidade Federal de Juiz de Fora, Rio de Janeiro, 2003.
1154
NOVA CAVALARIA E INDÚSTRIA MILITAR BRASILEIRA, NA PERSPECTIVA DA
ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA (END) – BRIGADAS AEROMÓVEIS.
1 Introdução
O primeiro filme mostra uma carga de cavalaria, no caso os Light Horse, lendária
brigada da cavalaria australiana, contra os turcos na Palestina em 1918 na Primeira
Guerra Mundial. Na batalha de Beersheba os Ligth Horse, fazem uma carga frontal
contra as defesas otomanas entrincheiradas, comartilharia e uma pequena aviação
no começo de seu uso militar. Diferente de uma brigada tradicional de cavalaria, os
Ligth Horse eram uma infantaria montada. Ao chegar ao seu objetivo, os soldados
desmontavam e lutavam a pé. A vitória dos australianos nesta batalha é registrada
como um marco importante da história militar da Austrália.
511
UTFPR
512
Ver http://www.youtube.com/watch?v=p7dm_nbjNjE
513
Ver http://www.youtube.com/watch?v=INeo1oO4EbU título americano We Were Soldiers
514
Esta divisão foi criada em Julho de 1965 para integrar helicópteros (Huey UH-1, entre outros) nas operações
de uma divisão completa. Organizada com efetivo de 16.000 soldados e 400 helicópteros podia transportar
simultaneamente três dos oito batalhões.
1155
Ao compararmos as duas batalhas, mesmo em épocas diferentes identificam-se as
características básicas da Cavalaria. Segundo o Manual de Emprego da Cavalaria
(1999) do EB são estas: o poder de choque, a capacidade de romper, flanquear ou
cortar linhas inimigas, tomar e manter posições até a chegada de outras tropas, mas
principalmente a mobilidade e velocidade da tropa.
Usa-se neste artigo o termo ―Nova Cavalaria‖ para tipificar esta Arma tradicional
impactada pelas novas tecnologias e modificações significativas da tecnologia e da
forma de fazer a Guerra515.
515
Conflitos de alta ou baixa intensidade ofensiva ou defensiva em áreas geográficas restritas, envolvendo tropas
profissionais, onde se procura ganhar ou manter posições estratégicas para dar suporte a
negociaçõesdiplomáticas.
516
No site da Brigada Paraquedista do EB, está clara sua finalidade “A elite de combate contra forças
irregulares”, portanto não configurada como unidade de choque contra forças regulares
http://www.bdainfpqdt.eb.mil.br/
517
Os Fuzileiros Navais e o Exército Americano, mantém pelo menos 10.000 soldados de Cavalaria cada,
completamente equipados, com artilharia pesada e helicópteros de transporte simultâneo de pelo menos 1/3 do
efetivo, além de helicópteros e aviões de carga e ataque – prontos para entrar em ação em 48 horas. A França
mantém cerca de 3.000 legionários mais 3.000 soldados da Cavalaria do Exército nestas condições.
1156
4. Desenvolver, lastreado na capacidade de monitorar/controlar, a
capacidade de responder prontamente a qualquer ameaça ou agressão: a
mobilidade estratégica.A mobilidade estratégica - entendida como a aptidão
para se chegarrapidamente ao teatro de operações – reforçada pela
mobilidade tática – entendida como a aptidão para se mover dentro daquele
teatro - é o complemento prioritário do monitoramento/controle e uma das
bases do poder de combate, exigindo das Forças armadas ação que, mais
do que conjunta, seja unificada. O imperativo de mobilidade ganha
importância decisiva, dada a vastidão do espaço a defender e a escassez
dos meios para defendê-lo. O esforço de presença, sobretudo ao longo das
fronteiras terrestres e nas partes mais estratégicas do litoral, tem limitações
intrínsecas. É a mobilidade que permitirá superar o efeito prejudicial de tais
limitações (BRASIL, 2008, p.4).
O artigo simula o atendimento pela BID brasileira, das demandas de duas brigadas
de Cavalaria Aeromóveis, composta por 3.500 soldados cada, devidamente
equipadas e prontas para agirem, o máximo possível de forma autônoma. Os
modelos comparativos de equipamentos, armas e meios aeromóveis são da
Cavalaria Aerotransportada e Fuzileiros Americanos, bem como da Brigada de
Cavalaria da Legião Estrangeira Francesa. O cenário da simulação é com
superioridade aérea (aviação de caça apta a neutralizar qualquer ameaça aérea). Na
simulação a Cavalaria Aeromóvel é independente da Brigada Paraquedista do EB.
Neste contexto, a dissertação de Duarte (2003), sobre forças de deslocamento
rápido dos USA tem contribuição significativa,
A afirmação da END que todo EB ―deve ser uma vanguarda‖, é bem distante da
realidade de orçamento restrito (muitas vezes não empenhada) e dispersão de
recursos convivendo com o grande efetivo da Força. Uma das formas de lidar com
1157
isto é constituir brigadas de elite, dando prioridade orçamentária a isto. Neste
contexto, as duas Brigadas de Cavalaria Aeromóvel é um importante passo.
Lange (2009) em seu artigo foca os problemas na relação do Exército Brasileiro (EB)
e Base Industrial de Defesa (BID) como: de comunicação, lentidão decisória, bem
como a baixa velocidade e volume das encomendas, o que representa muitas vezes,
um alto risco empresarial. Lange (2009) coloca ―A inércia, a aparente demora em
decisões ou na firme expressão de posições históricas do Exército Brasileiro e da
Indústria de Defesa em prol da Soberania Nacional poderá significar a derrota por
envolvimento ou a morte lenta no ambiente veladamente hostil da atualidade‖. Na
opinião do autor, a letargia nos condena a morte e derrota num conflito mediano ou
grande, pois temos fracacapacidade de C & T e produtiva à curto prazo, o que
contribuí para fraqueza do EB.
1158
A perspectiva da BID para o EB em 2030 é mostrado por Freitas (2013), num estudo
prospectivo, envolvendo cerca de 2000 pessoas ―das mais diversas áreas da
sociedade‖. No cenário mais provável no âmbito militar, não se vê conflitos na
América do Sul em 2030, neste contexto o Governo continua investindo
modestamente em Defesa, mas haverá consolidação da pesquisa e uso de
ciência/tecnologia (C & T) no setor - que o leva a concluir num fraco desempenho
econômico/financeiro da BID neste futuro. Porém o mesmo trabalho, no aspecto
político, indica uma participação cada vez maior do Brasil em missões militares da
ONU, por sua ascensão ao Conselho de Segurança – isto demanda forças de rápida
intervenção e equipamentos no ―estado da arte‖.
Estas diretrizes potencializam a não compra de ―caixas pretas‖, tão normais nas
negociações de materiais e equipamentos militares pelo Brasil.
518
Avião C-130 (Lockheed) transporta 64 paraquedistas, 92 soldados ou 45t de carga com alcance de 7.500 km.
O C-105 Amazonas (EADS CASA) transporta 48 paraquedistas, 78 soldados ou 9,5 t de carga com alcance de
4.165 km. Os 32 helicópteros Pantera (Helibras) passam por retrofit, transporta até 12 soldados e 1.600 t de
carga, velocidade máxima 296 km/h e autonomia 650 km. Os 33 aparelhos Esquilo também passam por retrofit,
transporta até6 soldados e 1.000 t de carga, velocidade máxima 287 km/h e autonomia de 652 km. O EB tem
8CougarAS332 transportando 20 soldados ou capacidade de carga no gancho externo de 4,5 t. O obuseiro 105
mm rebocado do EB (fabricantes diversos), peso 1.700 Kg, alcance 11 km (carga simples) e 17 km (carga
inteligente). Míssil IGLA (KB Machinostroyenia) peso 12 Kg (com lançador), altitude operacional de 10 m a
3.000 m e alcance de 6 km.
519
O Ministério da Defesa comprou 50 helicópteros EC-725 Caracal a US $ 55 milhões/cada.
1159
Segundo Barbieri e Sarti (2011),há perspectiva de investimentos em equipamentos
de Defesa de US $ 60 bilhões de 2011 a 2020. Deste total US $23,7 bilhões é para o
EB (Radar Saber, fuzis de assalto, VBTT Guarani, SISFRON - Sistema de Vigilância
das Fronteiras), veículos leves de combate, modernização de helicópteros, mísseis
MSS 1.2 e lança foguetes ALAC. Também é computado mais US $ 10,5 bilhões de
investimentos da Força Aérea Brasileira, que tem conexão direta com atividades
aeromóveis do EB (aviões EMBRAER KC-390, Helicópteros EC-725 (HELIBRAS),
Blackhawke AH-2, compra de aviões de reabastecimento KC-X2, VANTs e
transportes CASA C-295).
A situação dos materiais e equipamentos do EB é bem descrita por Lange (2009, p. 84):
O Exército, por sua vez, vem enfrentando uma longa e pesada crise na
reposição de Materiais de Emprego Militar (MEM), para a Força Terrestre
Brasileira (FTB), nos últimos quatorze anos. A falta de investimentos
governamentais no EB, especialmente na área de Ciência e Tecnologia (C
& T) e Pesquisa e Desenvolvimento (P & D), Logística e no
reaparelhamento mínimo de seu equipamento provocou o sucateamento de
seu material bélico. Hoje, a FTB se ressente da falta de veículos blindados,
material de artilharia de campanha, fuzis leves de assalto modernos,
mísseis anti-carro (AC), material de comunicações (estratégicas e táticas) e,
principalmente, demolição. No caso desta última, não existe o controle do
ciclo completo de produção nacional de algumas munições de maior calibre,
fundamentais, na ocorrência de um conflito armado. Além disso, o Exército
carece do desenvolvimento de armas estratégicas, capazes de provocar a
Dissuasão no âmbito internacional, estratégia prioritária definida na Política
de Defesa Nacional (PDN) editada em 2005.
520
Varias das mais importantes empresas de equipamentos e materiais militares estão presentes no Brasil. Ver
http://www.abimde.org.br/?on=associados
521
Ver http://www.youtube.com/watch?v=9fCY1gT4lF0
1160
o mais respeitado estudo sobre este assunto. Em 2011, o Brasil foi o 4º maior
exportador mundial de armas leves, atrás apenas dos Estados Unidos, Itália e
Alemanha. O Setor vai bem principalmente, por não dependerexclusivamente de
encomendas das Forças Armadas Brasileiras.
a) Combatente e pelotão.
O Brasil não fabrica óculos militares de visão noturna, mesmo que a END indique que
todo soldado deveria possuí-lo. O combatente da Cavalaria Aeromóvel deve ter o seu,
dando-lhe igualdade ou vantagem no campo de batalha. O CTEX tem estudos
avançados nesta área, fornecendo suporte à BID para sua fabricação no Brasil.
522
Fuzil de assalto israelense calibre 5,56 X 45mm, peso 3,7 Kg (mira, munição, etc.) alcance efetivo 500m. A
TAURUS tem licença para sua fabricação no Brasil.
523
Na Guerra em Rede, as comunicações entre as tropas e equipamentos no Teatro de Operações das forças
amigas estão interligadas e integradas a todos os níveis de comando, devidamente criptografadas. Isto inclui
interferir e espionar as comunicações das forças inimigas.
1161
Francês. Já foram testados no deserto e na selva da Guiana Francesa. É um
sistema centrado no homem, para o campo de batalha centrado em redes. As
brigadas de Cavalaria Aeromóvel oportunizam uma avaliação real e posterior
fabricação no Brasil do COBRA (Combatente Brasileiro) do sistema. Sugere-se a
compra do FELIN (adaptado ao EB) para as brigadas – prevê-se 3.500
conjuntos/brigada.
A BID brasileira, não fabrica metralhadoras pesadas como a FNMAG calibre 7,52 X
51mm com alcance de 1.000 m sem apoio e 1.500 apoiada/fixa. Prevê-se 500
peças/brigada. A fabricação no Brasil pode ser viabilizada através de alianças com
fornecedores estrangeiros. Para a defesa do pelotão 6ALAC83mm (GESPI
Aeronáutica)/pelotão – míssil descartável com alcance de 300 m a 500 m .
b) Artilharia
Como peça de artilharia de curto alcance é indicado o canhão sem recuo Carl
Gustav M3 (Bofors) 83 mm com munição antiblindados e contra fortificações, que
atingi alvos móveis a 400 m e estacionários a 700 m – sugere-se 200 peças/brigada.
1162
por fornecedores estrangeiros. Bastos (2007) também sugere adaptação do morteiro
a blindado Urutu modernizado – o qual pode ser substituído pelo VTB Guarani. A
adaptação do morteiro ao Agrale Maruá AM 23 CC/ AM 23 CDCC 524 ou similar,
numa versão auto-rebocada mais reboque de munição. Prevê-se 40
unidades/Brigada.
1163
capacidade para munições modernas, interligação a radar, etc) – alcance 5 km, de
canhões antiaéreos Bofors40mm/L60 (EB possuí mais de 100 peças – usar as
melhores para 20 conjuntos/brigada). Mais mísseis RBS 70 (suecos), alcance de 8
km e altitude de 250 m a 5.000m – prevê-se 100 unidades/brigada. Todo sistema
integrado ao radar nacional SABER 60 (200 kg) - 40 alvos simultaneamente, alcance
de 60 km e altitude de 5.000m – 6 unidades/brigada + 1/quarteis. Para defesa dos
quartéis das brigadas 2 unidades PantsirS1(KBP russa)/quartel – alcance até 20 Km
e altitude de 200 m a 15.000 m mais 3 unidades Gepard/quartel – alcance 15 Km e
altitude até 5.500 m. A KMW fabricante do Gepard instalada em Santa Maria (RGS),
poderia adaptar mísseis nacionais ar-ar de curto alcance ao Gepard. A utilização
estacionária/rebocada das torres do PansirS1 ou Gepard com mísseis, reduziria o
peso (facilitando transporte), fornecendo boa proteção às bases e TO das Brigadas -
prevê-se 18 sistemas/brigada.
1164
Como opção aos EC 725, sugere-se estudar a compra de 25 Boing NH-47
(capacidade de abastecimento em voo) CHINOOK, com retrofit a ser executado no
Brasil526, com no mínimo 50% de nacionalização. Este helicóptero pode transportar
35 soldados equipados, capacidade de carga externa de 12.700 Kg, alcance 740 Km
(sem reabastecimento), velocidade 240 Km/h, altitude máxima 5.640 m. Armado com
três MinigunM134. Ou FN–GAU 12,7 X 99 mm. Estes helicópteros também seriam
utilizados para o transporte de carga. Somar um simulador para treinamento no
equipamento escolhido/brigada.
526
Estima-se em torno de US $ 40 milhões/unidade.
527
O fabricante Bell Helicopter deverá fazer o retrofitde 20 equipamentos no Brasil, com pelo menos 50% de
fornecimento nacional. Ver detalhes em http://www.bellhelicopter.com/Military/AH-
1Z/1291148375494.html#/?tab=highlights-tab
528
Multidireção e alcance de 12 Km. Recomenda-se o estudo do Pyton5 (20 km/multisensores de alvo).
529
United 40 Block5 dos Emirados Árabes Unidos. Os equipamentos são desenvolvidos por uma empresa do
país asiático, a ADCOM Systems. Informações divulgadas no site da companhia revelam que este tipo de
aeronave foi projetada para voar em altitudes de até sete mil metros, podendo permanecer no ar por mais de 100
horas sem reabastecimento.
1165
Devido a complexidade do assunto, o transporte de tropas e cargas, atualmente
realizados pelos C-130, C-295 e Bandeirantes modernizados da Aeronáutica, bem
como aviões de reabastecimento em voo e monitoramento/comando TO(EMBRAER
R99), merecem tratamento em artigo específico.
530
Biposto para um piloto e um operador de armas (artilheiro).
531
Ver detalhes http://pt.wikipedia.org/wiki/Embraer_EMB-314_Super_Tucano
1166
- Estudo de fabricação (nacional) e colocação orgânica, de radar para
acompanhamento de alvos simultâneos em terra e no ar (mínimo 40 km), interligado
ao sistema de armas;
O A-29B além de boa opção militar, pode ser uma ótima opção econômica, pois
custaria no máximo US $ 23 milhões, contra € 50 milhões do Tiger (Eurocopter) e
US $ 40 milhões do AH-1ZViper (Boing). Sugere-se investimento do EB de R$ 150
milhões, para desenvolver um A-29 B para Cavalaria Aeromóvel. Prevê-se a
fabricação de 40 A-29 B Versão Cavalaria(20/brigada), criando renda e empregos
principalmente no Brasil. O A 29 B tem seu custo/hora de operação em 2013 inferior
a US $ 1.100,00/h, que é barato comparado aos helicópteros de ataque sugeridos.
Prever também a compra um simulador de voo do A 29 B modificado/Brigada.
4 Considerações Finais
532
Ver http://pt.wikipedia.org/wiki/AGM-65_Maverick
1167
motivação, devido a inconstância e/ou falta de pedidos do Ministério da Defesa
(MD)/EB. A BID no EB tem problemas de fornecimento em: munição assistida,
metralhadoras pesadas, obuses de 105/155mm, mísseis antiaéreos/antiblindados de
longo alcance, helicópteros de transporte de carga e ataque, radares de
contrabateria e alta altitude . Além de lucratividade para sobreviver , a BID necessita
de pedidos do país onde está instalada. Se o Brasil não compra, fica difícil vender à
outros países.
Sugere-se que o EB tenha sob seu comando todos os meios (inclusive os aéreos de
reabastecimento em voo, transporte de tropas/carga e monitoramento/comando
EMBRAER R-99), para aperfeiçoamento constante das Brigadas de Cavalaria
Aeromóvel. O avião CASA 295 mais suas variantes, fabricados no Brasil atenderia EB.
533
Tempo para começo de preparação das brigadas com os meios disponíveis (helicópteros Panteras , Esquilos
modernizados e Cougar, fuzis IA-2 , lançadores ALAC, obuses 105 mm, morteiros 120 mm, mísseis MSS1.2,
Radar SABER, mísseis IGLA, aviões A 29 B da FAB, etc.). A grande dificuldade do EB,é optar em dispersar
ou concentrar parte de seu orçamento no período de três anos.
1168
Referências Bibliográficas
1169
Simpósio Temático 18
Alberto Teixeira534
1 Introdução
As forças armadas são o esteio da soberania de uma nação. A seu encargo está a
defesa do território do país e dos interesses de seu povo. Também é sua atribuição
a defesa da Constituição e da ordem por ela estabelecida, contra rebeliões internas
e movimentos subversivos. Elas são constituídas pelo Exército Brasileiro, a Marinha
do Brasil e o Ministério da Aeronáutica, sendo este objeto de estudo deste trabalho a
partir da atuação do 7° Grupo de Aviação da Base Aérea de Belém.
Entre as principais funções que estão entre o legado que permite o exercício da ação
militar no espaço aéreo brasileiro estão a defesa do meio ambiente, das comunidades
534
Professor do curso de Ciências Sociais da UFPA.
535
Graduanda do curso de Ciências Sociais da UFPA
1170
indígenas e de populações carentes, além da examinação constante das organizações
não-governamentais (ONGs) instaladas pelo mundo afora, sobretudo na Amazônia,
algumas com sinceros objetivos humanitários e de proteção ambiental, outras com
atividades subordinadas aos interesses dos seus países de origem, que financiam os
projetos e por tal motivo necessitam da fiscalização das forças armadas brasileiras
sobre suas atividades em território alheio.
1171
FIGURA 1: Amazônia Legal – Povoamento e Macrorregiões Econômicas
1172
profissionais em relação ao histórico do seu próprio esquadrão regional na Base
Aérea de Belém, o desenvolvimento das atividades e a sua atuação na região
amazônica e às demais que o competem, além de enfatizar a relação dos mesmos
com a sua estrutura de trabalho ressaltando seus principais equipamentos e
instrumentos específicos utilizados em suas atividades. Esse confronto da
realidade é que motiva a investigação desse trabalho e eleva sua pertinência ás
Ciências Sociais diante a proposta de relacionar as atividades desenvolvidas por
esses militares com as suas expectativas profissionais, ou seja, levantar
informações que indiquem se eles estão aptos à sua funcionalidade dentro da
corporação militar, sobretudo na questão que resulta em considerá-los como
importantes atores sociais ao desenvolvimento local a partir de ação que
caracteriza proteção ao patrimônio nacional sob o aspecto da garantia da
soberania nacional no espaço aéreo, contribuindo como colaborador fundamental
para auxiliar a atuação da Marinha do Brasil em áreas litorâneas que são de sua
responsabilidade proteger e garantir segurança. Para o levantamento de
referencial teórico utilizou-se pesquisas de artigos científicos relevantes ao tema,
além de documentos (considerando que a maioria deles são sigilosos), contudo
liberados de forma parcial com os próprios componentes do 3º Esquadrão
deliberados superiores, sob a comprovação de tema pertinente à pesquisa
acadêmica a partir de encaminhamento da Universidade Federal do Pará (UFPA)
através da Faculdade de Ciências Sociais (FACS) e do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (IFCH). Para o estudo selecionou-se a equipe de trabalho que
compõe o Esquadrão Netuno abrigado na Base Aérea de Belém, localizada
próxima ao Aeroporto Internacional de Belém por via da Rodovia Arthur Bernardes
no sentido que segue até a Avenida Júlio César. A principal finalidade no
desenvolvimento deste trabalho foi de obter informações pertinentes ao cotidiano
desses militares. Desse modo, a pesquisa buscou através deste trabalho analisar
aspectos do universo destes militares envolvidos com a garantia de seguridade à
pátria e identificar o comprometimento destes atores quanto ao desempenho de
suas funções enquanto ―guardiães‖ do espaço aéreo nacional, especificamente a
Amazônia com a finalidade de contribuir à proposta de apresentar o cotidiano dos
profissionais que optam por esta carreira, como se pode observar no tópico a
seguir.
1173
2 Metodologia
1174
informações pertinentes quanto aos militares entrevistados, além da própria
elaboração deste artigo a partir das informações coletas no decorrer desta pesquisa
em campo.
3 Resultados e discussão
OFICIAIS AVIADORES/SARGENTOS 20
SUBOFICIAIS/SARGENTOS GRADUADOS 35
1175
A formação destes militares ocorre por seleção, onde a partir do resultado final são
encaminhados às escolas formadoras da Aeronáutica Brasileira em Guaratinguetá e
Pirassununga, ambas em São Paulo, sendo que os Oficiais Aviadores cursam 4
anos de curso na Academia da Força Aérea em Pirassununga, e os graduados
cursam 2 anos de curso na Escola de Especialistas de Aeronáutica em
Guaratinguetá. No caso doscabos e soldados, esses prestam exame e cursam em
Belém mesmo, embora os soldados sejam jovens de 18 anos que ingressam na
carreira militar podendo ficar até 4 anos servindo a força aérea.
1176
militar). Estes são locados de uma forma em que cada tripulante possa ter uma
cadeira onde melhor realize sua função a bordo. A cada missão sempre existem dois
pilotos e um mecânico de vôo. E dependendo da função da missão pode ter um
fotógrafo, quatro observadores para vôos de busca e salvamento.
4 Conclusões
Nesse sentido, realizando uma análise geral do que foi observado no decorrer da
elaboração deste trabalho, foi possível identificar a dimensão da atuação das
atividades militares na Amazônia e como ela é responsável pela garantia de
proteção e soberania que nem sempre está presente na consciência coletiva da
sociedade, além de não existir o conhecimento a fundo de aspectos importantes
desta seguridade, como: Histórico destes grupos, sua atuação, seus instrumentos de
trabalho e equipamentos, como são desenvolvidas suas atividades, informações
quanto a formação desses militares, entre outros.
Referencias Bibliográficas
1177
BRASÍLIA. Documento Guia para I Simpósio “Amazônia e Desenvolvimento
Nacional. Brasília: Câmara dos Deputados, 19 de nov. 2007.
CASTRO, M H M. Amazônia – Soberania e Desenvolvimento Sustentável.
Brasília: CONFEA, 2007.
EGLER, C. A. G. Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento – Impactos
Ambientais. Brasília: Ed. CREA, 1999.
LESSA, C. Texto apresentado no Seminário CEE/ESG-BNDS, 2001.
PARANAGUÁ, P. Belém Sustentável. Belém: Imazon, 2003.
1178
SEGURANÇA AMBIENTAL GLOBAL: A IMPORTÂNCIA DA COOPERAÇÃO
1 Introdução
536
Centro Universitário de Brasília. Colégio Militar de Brasília.
1179
disseminado o conceito de Desenvolvimento Sustentável (desenvolvido pela Comissão
de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas durante a
década de 1980), também tratou da questão da segurança ambiental internacional.
Esse conceito remete ao fato de que a conservação dos recursos naturais é
fundamental para a manutenção da paz, e sua escassez passa a se transformar em
potencial elemento motivador de conflitos internacionais, bem como no âmbito interno
dos próprios Estados nacionais.
1180
(COSTA, 2008, p. 18), importando significativamente o conteúdo de tais territórios
em termos de população e recursos (naturais ou produzidos).
Polarizando com o realismo político, a teoria liberal também pode ser caracterizada
como um dos paradigmas dominantes no estudo científico das relações
internacionais. Herdeira do Iluminismo, está voltada fundamentalmente para as
preocupações com a liberdade do indivíduo, asseverando que os seres humanos
são capazes, por meio do uso da razão, de definir seu destino de maneira
autônoma, sendo dotados da capacidade de decidir o que é bom e justo como
membros de uma comunidade (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).
1181
tona a preocupação com o desenvolvimento desigual e as estruturas de dominação
que decorrem do capitalismo global. Assim como nas teorias da dependência, tal
preocupação manifesta-se na teoria do sistema-mundo de Immanuel Wallerstein, na
qual as oscilações na distribuição do poder entre os Estados no sistema
internacional ocorrem em função da dinâmica do capital em nível global, sendo que
―os Estados desenvolvem sua ação política sob os condicionamentos do mercado
mundial e segundo a posição que ocupam na divisão internacional do trabalho‖
(NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 124). Para além do campo da economia e das
relações internacionais, essa abordagem ainda influencia o pensamento crítico nas
ciências sociais, embora outras correntes de pensamento, especialmente as de
cunho neoliberal lhe confiram um caráter anacrônico. Na Geografia, por exemplo, ao
definir o espaço-tempo no atual processo de globalização como um meio técnico-
científico-informacional, a obra de Milton Santos revela uma clara preocupação com
a perda de soberania dos Estados nacionais e das unidades políticas subnacionais
diante do poder de atores hegemônicos em nível internacional, particularmente as
grandes empresas transnacionais. Para Santos (1997), a dinâmica dos espaços da
globalização demanda uma permanente adaptação da formas e das normas, onde o
estabelecimento e a aplicação de normas jurídicas, financeiras e técnicas, tendem
cada vez mais a estarem condicionadas às necessidades do mercado. Embora tais
normas possam ser criadas em diferentes escalas geográficas e políticas,
organismos supranacionais e o mercado induzem o estabelecimento de normas
globais que tendem a configurar as demais.
a busca de mais valia ao nível global faz com que a sede primeira do
impulso produtivo seja apátrida, extraterritorial, indiferente às realidades
locais e também às realidades ambientais. Certamente por isso a chamada
crise ambiental se produz neste período histórico, onde o poder das forças
desencadeadas num lugar ultrapassa a capacidade local de controlá-las,
nas condições atuais de mundialidade e de suas repercussões nacionais
(SANTOS, 1997, p. 202).
Santos chama a atenção para o fato de que há uma perda de poder dos atores
locais frente aos imperativos das forças de mercado, que se repercute em escalas
mais amplas, como a região ou o Estado ―na medida e que os atores recém-
1182
chegados tragam consigo condições para impor perturbações, o acontecer em uma
dada fração do território passa a obedecer a uma lógica extra-local, com uma quebra
às vezes profunda dos nexos locais‖ (SANTOS, 1997, p. 202).
Nesse sentido, a horizontalidade das decisões nacionais encontra-se cada vez mais
ameaçada pela verticalidade das relações de poder que no contexto da globalização
caracterizam-se por uma interdependência que põe em questão a autonomia relativa
dos lugares.
Já no final dos anos 1960 o conceito de paz positiva como integração foi repensada
nos estudos de Galtung sobre violência estrutural que envolvia ―uma visão mais
conflituosa do mundo, do que o conceito de paz como integração e inaugurava a
incorporação de uma gama de assuntos relacionados à desigualdade econômica e
as diferenças entre o Norte e o Sul‖ (GALTUNG apud BUZAN; HANSEN, 2012,
p.197). Embora houvesse alguma inspiração no pensamento marxista, a violência
estrutural também estabelecia pontes com a pesquisa liberal-idealista clássica, ao
opor-se à violência que a teoria radical procurava legitimar como resposta à
opressão e à exploração.
Dessa forma, a violência estrutural ―se referia não somente às injustiças manifestas
com consequências materiais físicas, como mortes relacionadas à fome no Terceiro
Mundo, mas também a fenômenos com impacto corporal menos imediato, como o
analfabetismo‖ (GALTUNG apud BUZAN; HANSEN, 2012, p.197-198). Essa
violência encontra amparo nas já citadas teorias do sistema-mundo e da
dependência, em que o subdesenvolvimento decorreria então de uma condição
estruturalmente determinada pelo capitalismo global, onde os países do Terceiro
1183
Mundo caracterizavam-se como fornecedores de matérias-primas e commodities às
grandes empresas de países desenvolvidos.
1184
enfatiza as questões ligadas à pobreza e à saúde como parte dos estudos de
segurança global. Quanto ao meio ambiente, de acordo com Buzan e Hansen (2012)
inicialmente estas não eram consideradas de forma explícita nos estudos sobre
segurança, mas as preocupações com a extração predatória de recursos no Terceiro
Mundo e os impactos de políticas estatais sobre o meio ambiente e as sociedades
gradativamente começaram a colocar o meio ambiente de forma clara na agenda de
segurança global. Assim, houve uma reorientação da agenda de estudos de segurança
internacional, que passou a incorporar o meio ambiente como referência, dado que uma
parte dos problemas ambientais maiores caracterizam-se como uma ameaça a toda a
civilização humana. Nesse contexto, processos de institucionalização como a criação
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) ―também serviram
para posicionar a segurança ambiental como uma das primeiras expansões setoriais de
segurança nacional para além do militar‖ (BUZAN; HANSEN, 2012, p. 205).
A região amazônica, que além do Brasil se estende pelos territórios da Bolívia, Peru,
Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa
1185
(Departamento Ultramarino da França) ocupa uma área estimada em 5,5 milhões de
Km2 e abriga não só a maior bacia hidrográfica, como também o maior ecossistema
florestal do mundo. Além de uma das mais importantes reservas de água doce,
destaca-se também pela maior biodiversidade do planeta, o que lhe confere uma
vital dinâmica de serviços ambientais.
A dinâmica dos serviços ambientais tem como resultado a produção de bens que
circulam no planeta, tais como os fluxos de água na atmosfera e o provimento
natural de gases que compõem o ar atmosférico, que remetem à idéia de bens
1186
comuns ou coletivos. Entretanto, consideramos que é preciso cuidado com
possíveis ambiguidades que podem ser desencadeadas pelas definições correntes
de bens comuns. No campo da gestão ambiental, Bursztyn e Burztyn (2013)
preferem utilizar a expressão ―bem coletivo‖, definindo-ocomo
Le Prestre (2000) afirma que numerosos bens, renováveis ou não, podem ser
considerados comuns uma vez que é difícil limitar o acesso a eles. Além disso, seu
consumo é concorrencial, ou seja, o consumo de um determinado bem por um ator
pode afetar o nível de consumo dos demais. O autor busca citar exemplos tais como
campos petrolíferos situados em áreas transfronteiriças, as regiões polares, o
espaço, os oceanos e os recursos haliêuticos e cinegéticos, todos sujeitos a
explorações excessivas por atores que detêm o acesso a esses bens comunais
antes que os demais atores o façam, o que ameaça sua conservação ou acelera sua
finitude. Assim,
1187
A citação anterior remete ao conceito econômico de externalidade negativa, onde os
impactos de uma determinada atividade econômica não são contabilizados nos
preços de custo, uma vez que os custos negativos são impostos à sociedade como
um todo. Diversas medidas no âmbito nacional têm buscado a internalização de tais
custos, principalmente a imposição de cargas fiscais ou regulamentação. Essas
medidas, entretanto, ainda encontram resistências tanto no âmbito nacional como no
internacional. No âmbito nacional frequentemente há dificuldades dos Estados
(principalmente os países em desenvolvimento) quanto ao processo de gestão. No
âmbito internacional, apesar de avanços conquistados por diversos acordos, a
ausência de uma autoridade supranacional também dificulta o controle das ações e
a obediência às regulamentações. Nesse sentido, se no nível nacional há maiores
possibilidades do Estado impor o respeito às regras, no nível internacional a
ausência de uma autoridade central torna difícil a cooperação, ainda que no
interesse de todos (LE PRESTRE, 2000).
Nos últimos anos, diversos conflitos com emprego de força bélica, principalmente na
África e no Oriente Médio, têm se tornado o principal foco de atenção para os que
acompanham a geopolítica mundial. Embora tais conflitos estejam ligados a uma
série de fatores, parece claro que o temor da escassez de recursos naturais devido
ao aumento do consumo ou esgotamento de reservas, especialmente as de
combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural, tem resultado na mobilização
de enormes recursos econômicos e militares pelas grandes potências para garantir o
controle de áreas consideradas estratégicas.
1188
armas para defender ou assegurar a posse de alimentos, água e estoques de
energia, em que a estabilidade global estaria seriamente ameaçada.
1189
do desenvolvimento e propunham a sua substituição pelo mercado, ao mesmo
tempo em que também defendiam o fim da regulação e do planejamento
governamental (GUIMARÃES, 1997), o conceito de desenvolvimento sustentável
tornou-se o foco das discussões ambientais a partir da Conferência Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento. Um dos documentos resultantes dessa
Conferência foi a Agenda 21 que enfatiza sobre a necessidade de integração entre
meio ambiente e desenvolvimento na tomada de decisões.
1190
O alerta do autor é bastante pertinente, pois apesar de todos os acordos e discursos
em relação às causas ambientais, o resultado prático da grande maioria das
políticas governamentais, especialmente nos países pobres e emergentes, tem sido
a continuidade da adoção e implantação de modelos de desenvolvimento ―de cima
para baixo‖ (top-down), que não raro resultam em perversas externalidades
negativas, traduzidas por elevados passivos ambientais e sociais.
No caso brasileiro, mesmo que tenha ocorrido nos últimos anos uma considerável
evolução no arcabouço institucional e o surgimento de importantes movimentos
voltados para a conservação ambiental bem como para as causas sociais, as
necessidades de crescimento econômico do país continuam a ser impostas por
variados grupos de interesses, que muitas vezes colocam a questão da
sustentabilidade socioambiental como entrave ao desenvolvimento, classificando
pejorativamente a atuação (ainda que precária) dos organismos que se voltam para
essa causa como parte do ―politicamente correto‖ em contraposição ao que deveria
ser considerado como eticamente positivo.
1191
sustentabilidade e ao mesmo tempo estabelecer formas cooperativas com países
mais desenvolvidos.
5 Considerações finais
Ainda que também já existam iniciativas em curso, tais como o Fundo Amazônia e
projetos para redução de emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e
degradação, deve-se considerar que os interesses de seus financiadores nem
sempre são revelados de forma explícita.
1192
É preciso que os países amazônicos tomem plena consciência sobre os processos
naturais que ocorrem em seus respectivos territórios, os quais são em grande parte
responsáveis pela sustentabilidade planetária. Somente a partir dessa consciência
poderão buscar mais formas cooperativas para desenvolverem alternativas de
desenvolvimento que garantam a conservação de seus recursos.
Referências Bibliográficas
1193
Política do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: 1997, p.
13-44.
LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica internacional. São Paulo: Editora Senac,
2000.
MILLENIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT. Millennium Ecosystem Assessment:
Ecosystems and Human Well-being – A framework for assessment. Washington
DC: World Ressource Institute Publication, 2003.
MINGST, Karen A. Princípios de relações internacionais. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais:
Correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
NYE JR., Joseph S. Cooperação e conflito nas relações internacionais. São
Paulo: Gente Editora, 2009.
OLIVEIRA, Ariana Bazzano de. O fim da Guerra Fria e os estudos de segurança
internacional: o conceito de segurança humana. Aurora, a. III, n. 5. Marília, dez
2009, p. 68–79.
RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto,
2001.
ROCHA, Antonio Jorge Ramalho da. Relações internacionais: Teorias e agendas.
Brasília: IBRI, 2002.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço - Técnica e Tempo Razão e Emoção. São
Paulo: Hucitec, 1997.
VESENTINI, José William. Novas Geopolíticas. São Paulo: Contexto, 2000.
VILLA, Rafael Duarte. Segurança internacional: Novos atores e ampliação da
agenda. Lua Nova, no 34. São Paulo, 1994, p. 71–86.
UNDP/MDG. Millennium Development Goals – Based National Development
Goals. Glossary: Section3. UNDP, 2000.
ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice Barros.
Desenvolvimento, Sustentabilidade e Conflitos Socioambientais. In:
ZHOURI,Andréa; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice Barros (Orgs.). A
insustentável leveza da política ambiental – Desenvolvimento e conflitos
socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p. 11 – 24.
1194
GOVERNANÇA CLIMÁTICA: UM ESTUDO DO MECANISMO DE
DESENVOLVIMENTO LIMPO COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA.
1 Introdução
É com grande estima que escrevo sobre governança climática na sub área de
políticas públicas dentro da grande área que é a ciência política. Escolhi tal temática
por ter sido tema de minha dissertação de mestrado e a construção desse artigo
contribuiu para dar continuidade aos pensamentos tecidos durante a disciplina de
Política Internacional, Política Publica na Amazônia e Política Publica e o Meio
Ambiente. Nesse sentido, é interessante tratar de temas como aquecimento global,
Mercado de Carbono no Brasil, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo num país
que mesmo não pertencendo ao grupo dos países compromissados em diminuir a
emissão de gases poluentes e ter uma matriz energética limpa, se compromete por
meio de estratégias políticos e econômicos para contribuir com a diminuição da
poluição no planeta e mundo mais saudável para todos.
537
Universidade Federal do Pará , mestre em Ciência Política.
1195
emissões muito distante do comportamento efetivo dos agentes econômicos nas
suas respectivas sociedades.
Para Viola (2005), as questões ambientais globais somente adquiriram densidade com
a descoberta do buraco na camada de ozônio sobre a Antártida. Entre os principais
problemas ligados à atmosfera terrestre encontram-se o aumento da concentração de
Gases do Efeito Estufa (GEE) e a consequente mudança climática, representada por
grandes aumentos na temperatura na terra. Esse aquecimento tem provocado
alterações na natureza tais como o derretimento das calotas polares, e o consequente
aumento do nível dos oceanos, alterações na salinidade do mar, mudanças na
dinâmica dos ventos e chuvas, intensificação de ciclones tropicais, exacerbação de
secas e enchentes, redução da biodiversidade terrestre, aumento da desertificação.
Além da grande preocupação com os efeitos sociais causados pelo impacto na
agricultura, decorrente das perdas de produção de alimentos resultantes dessas
alterações. Entre estas implicações encontram-se maior risco de fome, inanição,
doenças, insegurança alimentar. Há de se considerar, ainda, a possibilidade de
deslocamento de populações residentes em áreas baixas e costeiras, temendo a
inundação de seus territórios (ANDRADE, 2007).
1196
nestes países, e a contribuição para que os países do Anexo I cumpram suas
reduções de emissão.
O Conselho Executivo (CE) do MDL numerou 15 setores onde projetos MDL podem
ser desenvolvidos e estão ligados a mais de um setor: Setor 1. Geração de energia
(renovável e não renovável); Setor 2. Distribuição de energia; Setor 3. Demanda de
energia (projetos de eficiência e conservação de energia); Setor 4. Indústrias de
produção; Setor 5. Indústrias químicas; Setor 6. Construção; Setor 7. Transporte;
Setor 8. Mineração e produção de minerais; Setor 9. Produção de metais; Setor 10.
Emissões de gases fugitivos de combustíveis; Setor 11. Emissões de gases fugitivos
na produção e consumo de halocarbonos e hexafluorido de enxofre; Setor 12. Uso
de solventes; Setor 13. Gestão e tratamento de resíduos; Setor 14. Reflorestamento
e florestamento; Setor 15. Agricultura.
Tomando por base essa constatação, que a Ciência Política indaga: Qual a
contribuição das políticas publicas no desenvolvimento dos Projetos de MDL no
1197
Brasil? Quais são os principais conflitos de interesses existentes em um caso desse
tipo? Quais fatores econômicos institucionais o Mecanismo Desenvolvimento Limpo
utilizam no processo de Governança Climática Global para que haja a
reciprocidades entre os países compromissados? Como se vê, muitas são as
indagações possíveis.
1198
graduação e realizado a pós-graduação em Educação Ambiental, inevitavelmente
traz-se um novo olhar para a questão ambiental. Nesse sentido, vê-se a
necessidade de analisar o MDL como instrumento de políticas públicas e seus
fatores econômicos institucionais nesse atual contexto de governança climática
global. Chega-se as premissas básicas que nortearam esse artigo que foi baseado
em minha dissertação de mestrado:
1199
principais temas envolvidos, englobando documentos científicos, artigos publicados
pela mídia virtual e impressa, e documentos institucionais.
1200
conhecimento desenvolvido por Held será muito um dos principais construtores do
pensamento da governança climática juntamente com Viola (2008) ao analisar que
essa governança baseia-se na adaptação de fortes custos materiais e humanos para
os países do anexo I. Contudo, para a Amazônia, pelo fato do Brasil não está sujeito
a metas quantitativas de redução de suas emissões no primeiro período de
compromisso do protocolo de Quioto (2008 - 2012) funciona oportunidades de
negócios dos recursos naturais e futura preocupação com os acordos pós -2012.
Para Held (2002) a globalização contemporânea está associada aos novos limite s
para a política e a fragmentação do poder do Estado, promovendo uma crescente
variedade de áreas problemáticas que exige do Estado o surgimento de redes
institucionais para solucioná-los, vigiá-los e tomar decisões por meio das
atividades políticas reguladoras e transfronteiriças. Um exemplo prático dessas
novas políticas internacionais seria a zona tri nacional de Acre, Pando e Madre de
Dios compartilhada entre Brasil, Bolívia e Peru que possuem estradas e pontes
que vinculam os três países e devido esses aspectos há vários movimentos
sociais de cooperação ambiental com o objetivo de resolver os problemas de
desenvolvimento regional e assim criaram a Iniciativa Cidadã do MAP (Madre
Dios, Acre e Pando).
Partindo desse ponto, foram criados alguns regimes e tratados internacionais para a
construção e crescimento de uma legislação ambiental que estabeleceram regras de
preservação e conservação ambiental.
1201
uma agenda multilateral que determinou as ações para as décadas seguintes a fim
de solucionar os problemas ambientais vigentes: a proteção da fauna silvestre, a
contaminação e o tratamento das águas, a contaminação do ar, a eliminação e
tratamento dos resíduos sólidos.
Nessa mudança, esse fenômeno tem minado a ideia de um destino comum para
toda a humanidade, o que foi motivo de circulação no Rio em 92. O atentado
terrorista de setembro de 2005 precipitou uma crise que acabou por colocar
questões além de imediatas e críticas também situadas em um cenário central do
sistema internacional em longo prazo. Os ambientalistas não conseguem entender
como esse período tecnológico tem afetado os países emergentes e algumas
sociedades ocidentais, é claro que essa visão ingênua por parte da democracia tem
prevalecido entre os ambientalistas.
538
Vale mencionar aqui a definição do termo feito pela OECD, Segundo qual a Governança é “the use of
political authority and exercise of control in society in relation to the management of its resources for social and
economic development” (OECD, 1993, p. 191).
1202
Os últimos anos do século XX indicam o surgimento de uma nova lógica global a
qual elevou muitíssimo o grau de complexidade da agenda internacional
contemporânea. Os antigos padrões teóricos utilizados para pensar e explicar o
mundo passou a conviver então com estas novas abordagens. Esta a razão pela
qual a ideia de governança e suas aplicações neste ambiente de características
multidimensionais se mostra inevitável.
1203
O problema é em relação à natureza da governança, enquanto alguns atuam ao lado
de cientistas, militantes e autoridades do sistema ONU usam o termo ―global‖ para
marcar a dimensão da totalidade do problema em si, já as autoridades e diplomatas
afirmam que o correto seria ―internacional‖ já que a agenda é basicamente
interestatal. O que se analisa prioritariamente é o papel de Estados e Organizações
dentro e fora da ONU.
Rosenau (2000) em seu livro ―Governança sem Governo‖ explica que governo e
governança são coisas totalmente diferentes, por exemplo, quanto pelo governo,
que se baseia no poder jurídico e defende os direitos políticos devidamente
instituídos, já o termo governança refere-se as atividades comuns apoiadas em
objetivos comuns que não precisam necessariamente do poder ou da autoridade da
policia para que sejam aceitas e executadas, ou seja, governo é um termo menos
abrangente que governança, pois ela apesar de incluir instituições governamentais,
obriga também mecanismos informais de caráter não governamental, que faz com
que as pessoas e as organizações tenham dentro da área envolvida uma
determinada conduta que satisfaça suas necessidades e resolva seus problemas.
Isto é, a governança é um sistema que depende de sentidos intersubjetivos que
também são constituições, estatutos formalmente instituídos, ou seja, a governança
só funciona se for aceito pela maioria (ou pelo poder representativo dentro do seu
universo) enquanto que o governo pode funcionar mesmo que a maioria seja contra.
1204
deixar de existir, podendo-se dizer que são fracos ou se pode falar em governança
sem governo, sem mecanismos que o regulem numa esfera que funcione nas suas
atividades mesmo sem o endosso de uma atividade formal.
Ainda, conceituando governança, para alguns autores como Born (2007) refere-se
ao conjunto de iniciativas, regras, instâncias e processos que permitem às pessoas,
por meio de suas comunidades e organizações civis, a exercer o controle social,
público e transparente, das estruturas estatais e das políticas públicas, por um lado,
e da dinâmica e das instituições do mercado, por outro, visando atingir objetivos
comuns. Assim, governança abrange tanto mecanismos governamentais como
1205
informais e/ou não estatais. Significa a capacidade social (os sistemas, seus
instrumentos e instituições) de dar rumo, ou seja, orientar condutas dos estados, das
empresas, das pessoas em torno de certos valores e objetivos de longo prazo para a
sociedade (BORN, 2007).
Barros (2007) demonstra que a governança climática depende cada vez mais da
cooperação de atores não governamentais nos países desenvolvidos em geral e no
1206
Brasil, em particular em pathways informais, ou seja fora dos processos decisórios e
das reuniões oficiais.
O Brasil, em junho de 1997, fez uma proposta a ONU com a criação Fundo de
Desenvolvimento Limpo (FDL) que recebeu apoio dos países emergentes e pobres e
critica dos países desenvolvidos. Contudo os Estados Unidos, em outubro do
mesmo ano, articulou com o Brasil uma alteração no Fundo Desenvolvimento Limpo
e surgiu o Mecanismo Desenvolvimento Limpo (MDL) que foi considerado uma das
novidades do Protocolo de Quioto. (VIOLA, 2002).
O MDL é um dos quatro mecanismos para redução das emissões que foram
adotados pelo Protocolo de Quioto. Os outros três só podem ser utilizados entre
países industrializados, são a implementação conjunta (Protocolo de Quioto, artigo
6º); o comércio de emissões (Protocolo de Quioto, artigo 17) e o uso das ―bolhas de
emissões‖ (GOLDEMBERG, 2005).
1207
de Governança Climática e o próprio MDL como instrumento dessa política
instaurada.
No início dos anos 50, nos Estados Unidos, começou a ser estudado o campo das
políticas públicas pelos cientistas políticos sob o rótulo ―policy science‖, ao passo
que na Europa esta corrente havia tomado força a partir do início dos anos 70 e no
Brasil passa a ter uma centralidade a partir da década de 80 com o fim da ditadura
militar e o começo do processo de abertura.
As políticas públicas são frutos da ação humana e todo seu processo se desenvolve
através de um sistema de representações sociais. Segundo Abric (1989 apud
AZEVEDO, 2001), a representação social resulta da trajetória do sujeito, do sistema
social e ideológico no qual ele está inserido e dos vínculos que ele mantém com
esse sistema social:
Segundo esta ótica, as políticas públicas são ações que guardam intrínseca
conexão com o universo cultural e simbólico ou, melhor dizendo, com o
sistema de significações que é próprio de uma realidade social. As
representações sociais predominantes fornecem os valores, normas e
símbolos que estruturam as relações sociais e, como tal, fazem-se
presentes no sistema de dominação, atribuindo significados à definição
social da realidade que vai orientar os processos de decisão, formulação e
implementação das políticas (AZEVEDO, 2001, p.xiv).
Por sua vez, Ruas (1998) define políticas públicas como um conjunto de
procedimentos formais e informais, que expressam relação de poder, mas tais
procedimentos destinam-se tanto à resolução pacífica de conflitos quanto aos bens
públicos e possuem caráter imperativo, resultando em decisões investidas de
autoridade do poder público. O que dá origem às políticas públicas são as
demandas (inputs) e o suporte (with inputs). As demandas são as reivindicações da
sociedade por acesso a um bem de serviço, proveniente de diversos sistemas (local,
nacional, internacional) e seus subsistemas políticos, econômicos e sociais. O
suporte é o arcabouço institucional e financeiro que permite a formulação e
implementação das políticas. No conceito de políticas públicas estão incluídos as
leis e regulamentos, os atos de participação política, a implementação de programas
governamentais ou ainda participação em manifestações públicas.
1208
De maneira bastante simplificada, podemos considerar que grande parte
da atividade política dos governos se destina à tentativa de satisfazer as
demandas que lhes são dirigidas pelos atores sociais ou aquelas
formuladas pelos próprios agentes do sistema político, ao mesmo tempo
em que articulam os apoios necessários... É na tentativa de processar as
demandas que se desenvolvem aqueles ―procedimentos formais e
informais de resolução pacífica de conflitos‖ que caracterizam a política
(RUAS, 1998).
As políticas públicas são geridas pelas instituições. De um modo geral, instituições são
conjuntos de formas e de estruturas sociais instituídas pela lei ou pelo costume que
vigoram num determinado Estado ou povo, regulamentando suas atividades em função
de interesses sociais e coletivos. Existe independente de quem são as pessoas e são
dotadas de uma finalidade que as identifica e as distingue. Instituições públicas são
espaços de atuação de trabalho com regras e procedimentos administrativos, cuja
função principal é organizar e implementar as decisões de governo. Para Fábio
Wanderley Reis (2000), o interesse das Políticas Públicas, está vinculado
respectivamente ao lado do inputs e outputs do processo político.
1209
da vida pública para garantir os direitos dos cidadãos, pois as políticas publicas se
caracterizam enquanto um conjunto de ações no que diz respeito a ―policy analysis‖
coordenadas com o objetivo público dentro de uma análise custo benefício.
Entretanto, por ser a empiria e a prática política sua área de interesse para as
políticas governamentais (―polity‖) devido a falta de teorização e cientificidade (Klaus
Frey apud Wolmann, 1985, p.74).
1210
privilegiam a iniciativa local. Partindo desse ponto, a agenda 21 brasileira foi lançada
em julho de 2002 com o objetivo de solucionar o problema entre o ambiental e o
urbano, e para isso, busca orientar as políticas ambientais nas três esferas:
nacional, estadual e municipal por meio de planos e regulamentos que para Cordani
(1997) a solução seria o uso da Agenda 21 local.
1211
6 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo como Instrumento de Políticas
Públicas.
1212
Varela (2001), ainda explicita que:
1213
diretamente na negociação entre as usinas que vendem eletricidade e as
concessionárias que compram a energia excedente.
Para Seiffert (2009) todo o processo de emissão das RCEs apresenta uma similaridade
com a certificação de Sistemas de Gestão segundo o modelo normativo da International
Organization for Standardization (ISO), assim diferentes agentes estão de forma direta e
indireta, envolvidos com a aprovação do projeto, a fim de manter toda a credibilidade do
processo de certificação de créditos de carbono.
1214
b) Barreiras políticos-institucionais: Constrangimentos que envolvem a relação
político-institucional das empresas com stakeholders no âmbito do mercado de
energia e outras instituições como as concessionárias de energia, governos,
investidores, instituições financeiras, serviços ambientais prestados pelos
agricultores familiares para a conservação e preservação das florestas, etc.
7 Considerações Finais
539
É qualquer pessoa ou organização que tenha interesse, ou seja, afetado pelo projeto. Exemplo: gestores
públicos, empresários e sociedade.
1215
Climática que associa a problemática ambiental aos mecanismos que o governo
distribui a fim de encontrar solução econômica e política para as questões ambientais
como a mitigação de GEE na atmosfera em prol de um planeta mais sustentável e de
melhores condições de vida na terra, mas também, na comercialização dos créditos de
carbono advindo como comercio de reduções de GEE.
Ao longo desse estudo, foi feito inicialmente uma analise conceitual de Governança
Climática e suas transformações no sistema globalizante segundo alguns autores
como David Held (2002), James Roseneau (2000), Eduardo Viola (2005) para se
compreender as mudanças ocorridas no mundo e no que elas influenciam no meio
ambiente e na vida das pessoas e quais as formas de manifestação e como o
governo por meios regulatórios reage a essas questões e como se posiciona os
atores nessa sociedade global.
O que se pode concluir por meio desse estudo é que as mudanças climáticas têm
influencia na estabilidade do planeta e requer ações de governança para se
conquistar cada vez mais pautas nas agendas internacionais, mas com
implementações locais por meio de políticas domesticas, mas que venham contribuir
com a sustentabilidade do planeta.
1216
Referências
1217
FLORES, Luiz Felipe Baêta Neves. Região e nação: novas fronteiras. In: ZARUR,
George de Cerqueira Leite (org.). Região e Nação na América latina. Brasília:
Universidade de Brasília. São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 2000.
FREY, KLAUS. Políticas Públicas: Um debate Conceitual e Reflexões referentes à
prática da análise de políticas públicas no Brasil, 1997.
GOLDEMBERG, J. O Caminho até Joanesburgo. In: TRIGUEIRO, André (Coord.).
Meio ambiente no século 21. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
GONÇALVES, Alcindo. O Conceito de Governança. São Paulo: USP, 2003.
HELD, David; MCGREW, Anthony; GOLDBLATT, David; PERRATON, Jonathan.
Transformaciones Globales: Política, economía y cultura. Oxford: Oxford
University Press, 2002.
IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change. The Physical Science Basis.
Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the IPCC.
Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2007.
LE PRESTRE, Philippe; MARTIMORT-ASSO, Benoit. A reforma na Governança
Internacional do meio ambiente: os elementos do debate. In: VARELLA, Marcelo
Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (orgs.). Proteção Internacional do meio
ambiente. Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009.
MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia. Segundo Inventário Brasileiro de missões
e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa. Relatório de Referência.
Brasília, 2010.
MMA (Ministério do Meio Ambiente). Transversalidade no Governo. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br>. Acesso em 23 set. 2009.
MONOSOWSKI, E. Políticas ambientais e desenvolvimento no Brasil. Cadernos
FUNDAP, São Paulo, ano 9, n.16, p. 15-24, 1989.
OECD. Development Assistance Committee. Orientations on Participatory
development and Good Governance. Paris: OECD/GD, 1993.
O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO. Guia de Orientação 2009. Rio
de Janeiro: Império Novo Milênio/FIDES. 2009
REIS, F. W. Mercado e Utopia: Teoria Política e Sociedade Brasileira. São Paulo:
USP, 2000.
ROSENAU, James N.; CZEMPEIL, Ernst-Otto (orgs.) Governança sem governo:
ordem e transformação na política mundial. Trad. Sergio Bath. Brasília: UNB, 2000.
RUAS, Maria das Graças. Políticas públicas e políticas públicas no Brasil: conceitos
básicos e achados empíricos. In: RUAS, Maria das Graças; CARVALHO, Maria
Isabel. Estudo da política: temas selecionados. Brasília: Ed. Paralelo 15, 1998.
1218
SCHUBERT, Klaus. Polítical d‟analyse. EineEinführung. Opladen: Leske, Budrich,
1991.
SEIFFERT, M. E. B. Mercado de Carbono e Protocolo de Quioto: Oportunidades
de Negócio na Busca da Sustentabilidade. São Paulo: Atlas, 2009.
STERN, N. The Economics of Climate Change: The Stern Review. Cambridge,
UK: Cambridge University Press, 2007.
TEIXEIRA. Débora Targino. Mudança Climática, Segurança Global e a
Cooperação Internacional. Monografia apresentada ao curso de pós-graduação
latu sensu em Relações Internacionais. Brasília: UNB, 2009.
TELESFORO, A. C.; LOIOLA, E. Contribuição das Políticas Públicas Ambientais
Brasileiras como Incentivadora de Projetos de Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL) na Área de Energia no Brasil. In: Encontro Nacional e I Encontro
Internacional de Gestão Empresarial e Meio Ambiente. Fortaleza, 2009. Anais
eletrônicos Disponível:<
http://www.unifor.br/docs/engema/apresentacao_oral/ENGEMA2009_ 153.pdf>.
Acesso em: 27 nov. 2011.
VARELA, C.A. Instrumentos de Políticas Ambientais, casos de aplicação e seus
impactos. Relatório de Pesquisa. n 62. Núcleo de pesquisas e publicações, 2001.
VIOLA, Eduardo J. et al. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios
para as Ciências Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez; Florianópolis, SC: UFSC, 1998.
____; LEIS, H. R. Governabilidade Global Pós-Utópica, Meio Ambiente e
Mudança Climática. Paper preparado para o seminário: De Rio a Johannesburgo.
La Transición hacia el Desarrollo Sustentable: Perspectivas de América Latina y el
Caribe. - PNUMA/INE-SEMARNAT/Universidad Autónoma Metropolitana. Ed.
universitaria México, 6-8 de Mayo de 2002.
____. As Complexas Negociações Internacionais para Atenuar as Mudanças
Climáticas. In: TRIGUEIRO, A. (Coord.). Meio Ambiente no Século XXI. 4ª ed.
Campinas: Armazém do Ipê Autores Associados, 2005.
____. Perspectivas da Governança e Segurança Climática Global. Penarium, v. 5,
p.178-196, out., 2008.
1219
Simpósio Temático 19
1 Introdução
1220
operações do Comando Conjunto das Forças Armadas e às instalações de Bases
Contraterroristas. Essas ações do governo fazem parte do Plano VRAEM (2012),
cujo propósito é fortalecer a presença do Estado através de quatro eixos de
intervenção: a luta contra o terrorismo e o tráfico ilícito de drogas, contra as
organizações criminosas, contra a pobreza e contra a desigualdade.
Pretende-se com este artigo discutir algumas questões acerca do conflito na região
do VRAE em três momentos. No primeiro momento abordar-se-á a emergência do
Sendero Luminoso, o percurso histórico do Partido Comunista do Peru-Sendero
Luminoso e os pontos críticos da sua guerra contra o Estado peruano,
compreendendo suas raízes partidárias e ideológicas, sua organização e táticas
insurgentes, bem como suas diferentes fases, perpassando os momentos do seu
auge, do seu declínio e do seu ressurgimento anos depois da prisão de seu mentor
Abimael Guzmán. A seguir, será debatido o ressurgimento do Sendero luminoso e
sua metamorfose ideológica, as suas relações com o narcotráfico e a transição do
maoismo ao narcocapitalismo. O emprego das forças armadas e da polícia nacional
para combater o ―narcoterrorismo‖ e o SL receberá enfoque no último momento,
bem como a militarização da região dos Vales dos rios Apurímac e Ene através da
execução dos Planos VRAE.
1221
como objetivo derrubar o governo peruano através da luta armada para instaurar um
regime comunista campesino.
1222
De acordo com Lewis Taylor (1988), a emergência do Sendero Luminoso pode ser
divida em três fases. A primeira fase que abarca o período de 1970 a 1977, deu
início ao aparelhamento e ao desenvolvimento da ideologia do partido cujo êxito
foi imediato no meio estudantil. O radicalismo dos membros do SL foi visto com
menosprezo por parte da esquerda revolucionária, que os viam como dogmáticos.
Os senderistas, por sua vez, criticavam ferozmente os outros partidos de
esquerda, principalmente no que tange à postura destes perante o governo de
Velasco que era considerado ―fascista‖ pelo Sendero, ―contra o qual a única
estratégia viável era a luta armada, originada no campo e que finalmente cercaria
as cidades‖ (TAYLOR, 1988, p. 44). Todavia, nesse período, o SL restringia suas
atividades ao âmbito educacional e não participava das manifestações dos
setores trabalhistas na década de 1970.
A segunda fase que abrange os anos de 1977 até meados de 1980, foi
caracterizada pela ―reconstrução do partido‖ que visava torná-lo um aparelho
político-militar capaz de impor uma luta armada o que levaria a um
redimensionamento das ações do SL. Com o aumento de sua influência nos
segmentos estudantis e na região dos Andes Centrais e em Lima, muitos estudantes
e ativistas não estudantes das áreas urbanas foram enviados para o interior do Peru,
onde foram instalados campos de treinamento rurais. No decorrer desse período,
foram atraídos membros de outros partidos da esquerda, de grupos revolucionários
e pequenas organizações que foram incorporados ao SL, o que permitiu a sua
reconstrução e preparação para a luta armada.
1223
Segundo José Luis Rénique (2009), nos primeiros anos da década de 1980, no
começo da guerra contra o Estado peruano 542, o PCP-SL tinha pouco mais de
quinhentos membros que atuavam dentro da estratégia insurgente da guerra de
guerrilha prolongada que, segundo Taylor (1988, p.55), estava organizada da
seguinte forma: ―I) agitação e propaganda; II) sabotagem contra o sistema
socioeconômico; III) generalização da violência e desenvolvimento da guerra de
guerrilha; IV) conquista e expansão de bases de apoio; V) o cerco das cidades
levando ao colapso total do Estado‖.
542
Em maio de 1980, os senderistas queimaram as urnas eleitorais da pequena cidade Chuschi situada no
departamento de Ayacucho, cuja ação foi uma declaração de guerra contra o Estado peruano.
543
De acordo com a Comisión de La Verdad y Reconciliación do Peru (CVR), o número de vítimas causadas
pelo conflito armado interno entre os anos de 1980 e 2000, abrangendo mortos e desaparecidos, chegou a marca
de 69.280 pessoas, o PCP-Sendero Luminoso foram responsáveis por 46% (31.331) do total de vítimas fatais. O
departamento de Ayacucho foi o mais afetado. Para mais detalhes consulte o anexo II “¿Cuántos peruanos
murieron?” do Informe Final do CVR: http:// www.cverdad.org.pe/ifinal/pdf/ Tomo%20-
%20ANEXOS/ANEXO%202.pdf.
1224
―cerca de 2.600 militantes, com uma ‗força principal‘ de cerca de 1.450 efetivos e
uma ‗força local‘ de 4.500 equipados com armas artesanais‖. As políticas de Fujimori
em conjunto com as ações repressivas das forças armadas e da polícia levaram à
captura de integrantes do alto escalão do SL que culminou na prisão de Abimael
Guzmán, conhecido como ―Presidente Gonzalo‖ ou ―Camarada Gonzalo‖, em 12 de
setembro de 1992, colocando fim ao que seria o ―velho‖ Sendero luminoso.
Conforme as análises empreendidas por Barnett S. Koven (2010, p. 27), são três
fatores principais que contribuíram para o reaparecimento do ―novo Sendero
Luminoso‖. O primeiro seria a mudança ideológica em que o maoismo se converteu
em ―narcocapitalismo‖ o que possibilitou ao SL arrecadar grandes quantias
pecuniárias para financiar suas operações e se aliar aos narcotraficantes. O
segundo está relacionado à mudança de atitude para com os camponeses e a
condenação das práticas do ―velho SL‖ – como o sequestro de jovens para
recrutamento forçado para causa da guerrilha – para conseguir cooptar o
campesinato pela participação voluntária. O terceiro é a aliança feita com setores do
movimento cocaleiro contra programas de erradicação da coca impostos por países
e organizações externas, isso permitiu estreitar as relações entre ambos,
proporcionando ao SL endossar o recrutamento de novos membros, aumentar o
financiamento para aquisição de armamentos mais modernos e aprimorar a sua
capacidade organizacional.
1225
Após o colapso em 1992, o SL realizou um estudo de cinco anos sobre o que
motivou o fracasso do grupo e concluíram que a violência indiscriminada contra a
população foi a principal causa da derrocada do movimento revolucionário. E esta
constatação os levou a abandonar a maioria dessas práticas que seriam modificadas
para ações comunitárias que tinham como objetivo conseguir conquistar novamente
o apoio popular (BURGOYNE, 2010). Em uma declaração feita em 14 de Abril de
2009 ao Jornada, um diário local da região de Ayacucho, Víctor Quispe Palomino,
conhecido como ―Camarada José‖, o líder da célula do Sendero Luminoso no Vale
dos rios Apurímac e Ene (VRAE), afirmou que não teria como alvo nenhuma
organização não governamental e nem empresa transnacional, mas apenas ―as
forças armadas, policiais e todos os recalcitrantes que se camuflam com eles na
chamada luta contra o terrorismo e o narcotráfico‖544.
544
Para ler mais trechos das declarações do Camarada José consulte Sendero (2009).
545
A insurgência utilizam táticas de guerrilhas e terrorismo através do conflito assimétrico atuando nas margens
sociais e legais, provoca problemas no âmbito político e influenciam, positiva ou negativamente, os processos de
decisão na esfera nacional e internacional.
1226
San Vicente (2005), o conceito de narcocapitalismo além de se diferenciar da ideia
de narcotráfico devido a sua amplitude, abrange não somente as redes ilegais da
produção e comércio internacional das drogas, mas também indústrias formais,
redes bancárias e o próprio aparato estatal:
546
As firmas são grupos de narcotraficantes que produzem e comercializam ilegalmente a cocaína (mas não
cultivam a folha de coca) que estão organizados hierarquicamente por divisões de tarefas e responsabilidades e
ligados por tradições e normas de condutas. As firmas buscam ampliar a sua rede de influência através de
acordos com grupos não governamentais, governamentais, outras organizações criminosos transnacionais e
insurgentes. Essas organizações criminosas são compostas por chefes “El Patrón”, grupos de proteção armada,
pilotos, químicos, mulas, coletores de pasta, assessores legais e “lavadores” de dinheiro (DEYFRUS, 1999).
1227
Que en la actualidad los grupos supérstites de SL que operan en el VRAE y
en el valle del Huallaga sirvan de brazo armado al narcotráfico es un hecho
en esencia contingente, ya que este mismo rol lo podrían asumir bandas de
delincuentes comunes sin pasado político o, peor aún, licenciados de los
institutos armados que, tras recibiren trenamiento durante el servicio militar,
y ante la falta de oportunidades de desarrollo personal, se pongan a
disposición de las firmas del narcotráfico (ARCE, 2008, p. 18).
1228
nacional reforçassem suas ações no combate aos ―terroristas‖. E em fevereiro de 2007
foi lançado pelo presidente Alan García Pérez o Plano VRAE, em referência ao ―Plano
Colômbia‖, que tinha por objetivo garantir a paz, combater o narcotráfico e o Sendero
Luminoso e promover o desenvolvimento socioeconômico na região.
O Plano VRAE está fundamentado em três pilares principais: ―ações militares, para
combater os remanescentes do Sendero Luminoso; ações policiais, para combater o
narcotráfico; e ações civis, para promover o desenvolvimento social (...), a
infraestrutura (...) e o desenvolvimento econômico‖ (SANTOS, 2011, p.21). Os
primeiros anos da execução do Plano VRAE não trouxeram os resultados
esperados. As estratégias contrainsurgentes mal delineadas somadas ao mau
preparo das tropas e aos equipamentos bélicos ultrapassados fizeram com que as
operações fracassassem e suas ações não fossem suficientes para conseguir
combater o SL. Os senderistas além de conhecerem muito bem o terreno, contam
com armamentos modernos adquiridos com o dinheiro do tráfico, agem com táticas
diversificadas e atuam em diferentes locais e regiões (Sinaycocha, Santo Domingo
de Acobamba, Junín).
No ano de 2012, foi lançado o Plano VRAEM, programa de intervenção nos Vales do
Apurímac, Ene e agora estendendo até a região de Mantaro, foi lançado por Ollanta
548
O jornal El Comércio, Peru, de 16 de abril de 2012, apontou os altos gastos na consecução dos dois primeiros
planos para o VRAE que alcançou a cifra de 400 milhões de soles apenas com operações militares. Para maiores
informações sobre os gastos acesse: http:// elcomercio.pe/politica/1402445/noticia-que-plan-vrae-que-no-
funciona
1229
Humala para ampliar a presença estatal nessa região, orientado por quatro frentes
de ação: 1) luta contra a pobreza; 2) luta contra a desigualdade; 3) luta contra o
tráfico ilícito de drogas e as organizações criminosas; 4) luta contra o terrorismo
(PRESIDENCIA, 2012). Algumas mudanças ocorreram no Plano VRAEM 2012,
como a participação de todos os ministérios, expansão da luta contra o terrorismo e
o narcotráfico para a região do vale do rio Mantoro e construção de escolas e
implementação de programas sociais, entretanto, há muitas críticas sobre esse novo
plano e a principal delas é que ele continua cometendo os mesmos erros das duas
versões anteriores, por exemplo, o não envolvimento das populações camponesas
nas elaborações das políticas públicas de desenvolvimento e de segurança.
As consecuções dos Planos VRAE 2007/2009 e do Plano VRAEM 2012 (que ainda
está em curso) trouxeram à tona as limitações logísticas, estratégicas e táticas das
forças armadas peruanas no combate ao narcotráfico armado, como a utilização da
guerra fixa contra a guerra fluída dos senderistas, o desconhecimento do território e
a ausência de diálogos e interação social com a comunidade local.
1230
em todos os Estados, de alguma forma, há o que o Direito Público das
repúblicas gregas conhecia por declaração de polemios e o Direito Público
romano por declaração de hostis, ou seja, tipos de desterro, de ostracismo,
de proscrição, de banimento, de colocação horslaloi, em suma, tipos de
declaração de inimigos intra-estatal, podendo ser estes tipos mais rigorosos
ou mais suaves, supervenientes, ipso facto ou com efeito jurídico em virtude
de leis especiais, explícitos ou encobertos por meio de circunscrições
genéricas (SCHMITT, 2008, p. 49).
A militarização sistemática dos Vales dos Rios Apurímac, Ene e Mantaro para
combater o narcotráfico armado como inimigo interno vem ocorrendo desde 2003 e
em 18 de janeiro de 2007 foi decretado o estado de emergência por sessenta dias
pelo Decreto Supremo Nº003-2007-DEconferindo às Forças Armadas a
responsabilidade de manter a ordem pública para alcançar a pacificação total da
região (DEFENSA Y REFORMA MILITAR, 2007). Os Planos VRAE
(2007/2009/2012) e a construção de dez bases militares549 na região intensificaram
a presença das forças armadas e também da polícia nacional peruana na região
para combater os remanescentes senderistas e os narcotraficantes, colocando a
região num estado de sítio permanente onde o conflito armado contra um inimigo
intraestatal faz da exceção a regra.
5 Considerações finais
549
De acordo com o jornal La Razón de 16 de Outubro de 2012, o governo peruano anunciou no mesmo mês a
instalação de dez bases militares na região cocaleira do VRAE com o objetivo de lutar contra o tráfico de drogas.
1231
O narcotráfico armado é uma das redes do narcocapitalismo que garante acesso ao
dinheiro, armamentos sofisticados e novos recrutas ao passo que amplia a sua
disseminação no meio rural e urbano, e o tamanho e a influência da indústria ilícita
do tráfico de drogas no Peru transbordou afetando os países vizinhos, sobretudo os
pertencentes ao subcomplexo regional de segurança andino. A forte presença do SL
na região do Vale dos rios Apurímac e Ene, associada ao narcotráfico, levou os
diferentes governos peruanos da última década a intensificar a presença estatal
através do emprego das forças armadas e policiais para conter o avanço da
―narcoguerrilha‖. No entanto, para executar essa tarefa, no ano de 2007 foi lançado
o primeiro Plano VRAE, que tinha como objetivo aumentar a presença estatal com
ações militares, combater os narcoterroristas e promover o desenvolvimento
socioeconômico, entretanto, não alcançou o sucesso desejado. No de 2009 foi
lançado o segundo Plano VRAE, o qual também não obteve o êxito esperado. Já em
2012, foi relançado o Plano VRAEM, abrangendo agora o vale do rio Mantaro, com o
propósito de lutar contra a pobreza, a desigualdade, o tráfico ilícito de drogas e
combater os terroristas. Todavia, os Planos VRAE fracassaram e agora o novo
programa para o VRAEM não está conseguindo atingir os seus objetivos, pois ao
invés mudar o panorama da pobreza local, fez com que o governo militarizasse a
região para combater os seus inimigos internos.
Referências bibliográficas
1232
http://revistas.pucp.edu.pe/index.php/coyuntura/article/view/5967 Acesso em: 30 jun.
2013.
DREYFUS, P. When the evil come together: cocaine, corruption, and Shining Path in
Peru´s Upper Huallaga Valley, 1980 to 1995. Journal of Contemporary Criminal
Justice, v. 15, n. 4, November 1999, p. 370-396. Disponível em:
http://www.comunidadesegura.com.br/files/whenalltheevilcometogether.pdf. Acesso
em: 26 jul. 2013.
1233
PRESIDENCIA Del Consejo de Ministros. Programa de Intervención VRAEM 2012.
24 de Janeiro de 2013. Disponível em: http://www.pcm.gob.pe/general/programa-de-
intervencion-vraem-2012/ Acessado em: 20 de Julho de 2013.
SENDERO Luminoso asume ataque del jueves contra Ejercito que dejo 14 muertos.
El Comercio, 14 April 2009. Disponível em:
http://elcomercio.pe/politica/273052/noticia-sendero-luminoso-asume-ataque-jueves-
contra-ejercito-que-dejo-14-muertos Acesso em: 27 jul. 2013.
1234
DENARDIN, A. A. Economia Ecológica. Pelotas: UFPEL, 2001.
ESTY, D.C; WINSTON, A.S. Green to gold: how smart companies use
environmental strategy to innovate, create value, and build competitive advantage.
London: Yale University Press, 2006.
FLORES, Luiz Felipe Baêta Neves. Região e nação: novas fronteiras. In: ZARUR,
George de Cerqueira Leite (org.). Região e Nação na América latina. Brasília:
Universidade de Brasília. São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 2000.
1235
MONOSOWSKI, E. Políticas ambientais e desenvolvimento no Brasil. Cadernos
FUNDAP, São Paulo, ano 9, n.16, p. 15-24, 1989.
RUAS, Maria das Graças. Políticas públicas e políticas públicas no Brasil: conceitos
básicos e achados empíricos. In: RUAS, Maria das Graças; CARVALHO, Maria
Isabel. Estudo da política: temas selecionados. Brasília: Ed. Paralelo 15, 1998.
1236
VIOLA, Eduardo J. et al. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios
para as Ciências Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez; Florianópolis, SC: UFSC, 1998.
1237
Simpósio Temático 20
1 Introdução
550
1ª Base Logística – Exército Brasileiro
1238
Um aspecto que não deve ser negligenciado, especialmente em um país
considerado celeiro do planeta, é a ameaça do agroterrorismo. A destruição
econômica de plantações e rebanhos com finalidades militares já foi empregada
em diversos contextos bélicos, sendo um risco real na atualidade e suas
conseqüências mais nefastas são as econômicas e sociais, especialmente a
fome e o desemprego (YEH et al, 2012). Destruir rebanhos bovinos com a
introdução do vírus da Febre Aftosa em um país, assim como dizimar planteis
de aves com a gripe aviária ou plantações de soja com a ferrugem, são formas
indiretas de enfraquecer e fragilizar uma nação, sem o disparo de um único tiro,
sem detonar uma única bomba e sem mesmo caracterizar quem perpetrou o
ataque. Deve-se lembrar, ainda, que algumas destas pragas podem sofrer
mutações e atingir humanos, como a ameaça real e emergente da influenza
altamente patogênica originária de suínos e aves (FRIEND, 2006).
1239
pandemias ou de bioterrorismo. As redes sentinelas de bio vigilância para biodefesa
interna ou desdobramento em operações militares são bem articuladas dos EUA
(Laboratory Response Network) e na França (Bioforce) e integram laboratórios
públicos e privados, especializados no emprego militar, na segurança de alimentos,
nas investigações do campo da veterinária, na defesa sanitária vegetal, e na saúde
pública (BROKOOP et al, 2006; BOUTIN et al, 2000).
1240
revelam a importância do contexto ambiental como desafio à saúde dos militares em
combate ou integrando missões de paz. Na experiência militar brasileira, merece
destaque o enfrentamento de surtos de malária na missão de paz das Nações
Unidas em Angola, na década de 1990, com registro de três óbitos (SANCHEZ et al,
2000) e no Haiti, especialmente após o terremoto de 2010 (ANDRADE-LIMA;
BATISTA, 2010)
3 Aspectos metodológicos
1241
se a revisão da literatura, centrada nas principais bases de indexação do campo da
saúde (LILACS, BIREME, PUBMED, SCIELO, SIENCEDIRECT, entre outras),
buscando-se relatos recentes sobre desenvolvimento e emprego de laboratórios
móveis e portáteis. Buscou-se, ainda, em sites comerciais os principais
equipamentos disponíveis no mercado par uso em segurança de alimentos, meio
ambiente e detecção DQBRN.
1242
Figura 1 - Equipamento Completo de Inspeção Veterinária e Controle Sanitário –
Mod. 2007
1243
Quadro 1 – Módulos do protótipo de Equipamento BioELPEC-Brasil
Módulo - Área de
Itens principais Análises principais Fabricante
emprego
Físico-química e
- ADVANCED Portable Water
Sanidade Ambiental microbiologia de água de Wagtech
Quality Testing Laboratory
consumo e bruta
Diversas
análisesqueincluemagentes ResearchInter
DQBRN - Analisador RAPTOR™
biológicos,toxinas,explosivo national, Inc.
s,eprodutos químicos
1244
As Placas Petrifilm™ são sistemas prontos de meio de cultura que contém
diferentes tipos de nutrientes, géis hidrossolúveis a frio, corantes e indicadores,
adequados à recuperação de cada tipo de microorganismos pesquisados. Esses
componentes são impregnados nas camadas internas de dois filmes, o superior
em polipropileno e o inferior em polietileno. A análise microbiológica fica reduzida
a três etapas simples e rápidas, reduzindo as chances de erros, e elevando
economia de tempo. O conjunto é compacto e possibilita a leitura rápida e
informatizada das placas (3M BRASIL, 2013).
Fonte: o autor
1245
Os containeres que abrigarão os equipamentos e facilitaram seu transporte e
emprego nas operações deve ser construído em chapa de aço de 2 mm, com
reforço nas cantoneiras e instalação de rodas e alças. O design e processamento
dos containeres deverá ser feito após a aquisição dos equipamentos básicos
(componentes do BioELPEC-Brasil), para dimensionamento preciso e definição se
serão aproveitados os ―cases‖ que já abrigam alguns componentes individualmente.
1246
Referências Bibliográficas
ALOCILJA, E. C.; RADKE, S. M., Market analysis of biosensors for food safety, Biosensors
and Bioelectronics, 18, p. 841-/846, 2003.
BAIRD, C.; COLBURN, H.; SEINER, D.; STRAUB, T.; OZANICH, R.; BRUCKNER-
LEA, C.; BARTHOLOMEW, R. Biodetection Technologies for First Responders,
Washington: Department of Homeland Security Science and Technology
Directorate, 2012.
CUTLER, S. J.; FOOKS, A. R.; VAN DER POEL, W. H. M. Public Health Threat of
New, Reemerging, and Neglected Zoonoses in the Industrialized World. Emerging
Infectious Diseases, v. 16, n. 1, p. 1-7, January 2010.
1247
231-272, 2006. Disponível em: http://www.nwhc.usgs.gov/publications/
disease_emergence. Acesso em 22 fev. 2013.
MCCOWN, M.; GRZESZAK, B., Public Health Foodborne Illness Case Study During
a Special Operations Forces Deployment to South America, Journal of Special
Operations Medicine, v. 10, n. 4, p. 45-47, 2010.
SANCHEZ, J. L.; BENDET, I.; GROGL, M.; LIMA, J. B.; PANG, L. W.; GUIMARAES,
M. F.; GUEDES, C. M.; MILHOUS, W. K.; GREEN, M. D.; TODD, G. D. Malaria in
Brazilian Military Personnel Deployed to Angola. Journal of Travel Medicine, v. 7, n.
5, p. 275–282, 2000.
YEH, J. Y.; PARK, J. Y.; CHO, Y. S.; CHO, I.S. Animal Biowarfare Research:
Historical Perspective and Potential Future Attacks. Zoonoses Public Health, v. 59,
n. 8, p. 536- 44, 2012.
1248
ATAQUE DE ANTHRAX E O MANEJO DE CADÁVERES: SOB A ÓTICA DA
BIOSSEGURANÇA
1 Introdução
551
Fundação Oswaldo Cruz
552
Universidade de Coimbra e Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, Portugal
1249
morbimortalidade baixas, o potencial de uma arma biológica permanece todavia
elevado. Nas últimas décadas, o avanço biotecnológico vem permitindo o progresso da
genética, com o desvendamento do genoma, motivando a discussão de seu uso para o
campo político estratégico, no âmbito de uma potencial nova geração de armas
biológicas. Em face do exposto, afigura-se óbvio que sistema de saúde pública
nacionais e os profissionais de saúde devam assim estar preparados para lidar com os
mais diversos tipos de agentes biológicos, incluindo os exóticos ao seu país (KHAN et
al., 2000; NOJI, 2001).
Os esporos do anthrax têm sido considerados como uma das melhores opções em
termos de armas para a guerra biológica, já que podem ser produzidos facilmente e
serem armazenados a seco, permanecendo de forma viável durante décadas. São
dispersados pelo ar com facilidade e podem ser inalados por tropas não protegidas,
permanecendo no solo durante muitos anos (CLIFFORDl et al., 2011; MORENO et
al., 2010). E enquanto uma bomba atômica de 12.5 Kt poderá ocasionar cerca de
80.000 mortes, a verdade é que apenas 100 g. de esporos de antrax poderão matar
entre 1 a 3 milhões de pessoas (ARORA et al., 2010; CARUS, 1998).
Este trabalho tem como objetivo discutir os riscos que os cadáveres contaminados
com B.anthracis podem representar para a saúde pública e para os profissionais de
primeiro atendimento. Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica, conduzido de
acordo com os preceitos metodológicos da estatística descritiva, cujo objetivo é a
leitura, seleção e registro de tópicos de interesse para a pesquisa.
1250
2 Bacillusanthracis
Anthrax é uma doença causada pelo Bacillusanthracis. São bacilos gram positivos,
imóveis, aeróbicos e esporogênicos.Os esporos medem de 1 a 1,5 µm de largura por 3
a 10 µm de comprimento, e são resistentes à desidratação, calor, radiação ultravioleta,
bem como a muitos desinfectantes normalmente utilizados nos serviços de saúde.
Apresentam-se, na Tabela 3, as principais características deste agente.
Dose
Possível
Resistên-
Antecedent dissemi- Infec-
Reserva- cia no Período de Diagnós-
e histórico nação em tante na Suspeita Quadro clínico
tório meio incubação tico
de uso dual bioterro- forma
ambiente
rismo inala-
tória
Inalatório (é Inalatório: 2-
esperado em 23 dias
0
BT), cutâneo
Acidente N elevado
8.000 a (natural), Cutâneo: 1- Clínico +
em 1979 na Aerossold de casos
Solo Décadas 50.000 gastrointes- 5 dias cultivo ou
URSS com e esporos vias
esporos tinal PCR
66 mortos respiratórias Gastroin-
(alimentar) e
meningite testinal: 1-7
(complicação) dias
Trans-
Mortalidad Trata- Trata- Profilaxia
Mortalidade missão
e com mento mento com
sem pessoa Vacinação Importância Obs.
tratamento suspeita de
tratamento a
adequado (1a opção) (2a opção) exposição
pessoa
Disponível
Somen- Ciproflo- mas possui
te a xacina (500 baixa duração Difícil
20 a 90% 1 a 50% Cipro- Doxici- Rápida
forma mg/12h) ou de imunização iniciar
conforme conforme floxacina4 clina evolução,
cutânea Doxicicli-na trata-
quadro quadro 00mgIV/12 100mgIV/1 com alta
por (100 Nova vacina mento a
clínico clínico h 2h mortalida-de
contato mg/12h) 14 com Ag tempo
direto dias via oral recombinante
sendo testada
Fonte: CLIFFORD et al., 2011; MORENO et al., 2010; KMAN e NELSON, 2008; WILGIS, 2008;
BOSSI et al., 2004; KAHAN et al., 2003; SPOTTS et al., 2003; CDC, 2002; 2001a; 2001b; 2001c;
FRANZ et al., 1997; FRIEDLANDER et al., 1993.
1251
A doença desenvolve-se de forma natural nos animais selvagens ou em herbívoros
domésticos, bem como nos homens, após contato com animais infectados, produtos
animais contaminados ou contato direto com o agente. A pele dos animais e o couro
podem também conter esporos durante anos. Os seres humanos e os animais
carnívoros são hospedeiros acidentais. É uma doença endêmica em áreas agrícolas
ao redor do mundo (MARTIN; FRIEDLANDER, 2010).
1252
c) Afetação gastro-intestinal: ocorre após ingestão do esporo decorrente do
consumo de alimentos contaminados crus ou mal cozidos. Após 1 a 7 dias de
incubação, surgem os sintomas iniciais, semelhantes a uma intoxicação alimentar,
com febre náuseas, vômitos, perda de apetite, dor abdominal e diarréia. Evolui
rapidamente com hematemese, diarreia grave, abdomem agudo, choque e morte,
em 2 a 5 dias após o início dos sintomas. O diagnóstico precoce é difícil. A taxa de
nmortalidade situa-se em redor de 50% dos casos (MORENO et al., 2010; BOSS et
al., 2004; CHRISTOPHER et al., 2001).
1253
infectividade residual, persistência no meio ambiente, patogenicidade,
prevenção e potencial terapêutico, via de exposição até identificação de
atividades terroristas consistentes (NOAH et al., 1998; CDC, 2006).
1254
A administração de vacinas só é recomendada para os profissionaisem ocupações
de risco, sendo sua disponibilidade muito restrita. Nas forças armadas, como parte
de uma preparação para o bioterrorismo, a vacinação pode estar indicada.
1255
de calça e blusão de mangas compridas ou macacão confeccionado em
polietileno, e uso de sapatos fechados. Máscaras descartáveis com filtração
(N95) e luvas deverão também ser utilizadas. Óculos de segurança ou protetores
faciais completos deverão ser utilizados para proteção das mucosas e olhos
contra impactos de partículas volantes, respingos de produtos químicos e
espirros de sangue e fluidos corpóreos.
5 Conclusão
A análise dos artigos e casos levantados (n:269), permitiu constatar que mais de
metade eram relativos a ameaças de anthrax e que a maioria envolvia a utilização
de esporos em aerossol. A gestão do ataque de 2001 demonstrou falta de
preparação do pessoal envolvido, motivando múltiplos erros ao lidar com situações
envolvendo o bioterrorismo.
Uma boa preparação para um possível ataque bioterrorista deve se concentrar, além
do suporte, num bom sistema de comunicação, numa rede de vigilância
epidemiológica eficaz, treinamento adequado das equipes de cuidados primários e
recursos materiais básicos de emergência, regionalização dos recursos e
infraestruturas, apoio da rede de laboratórios de saúde pública e na criação de
unidades assistenciais de saúde de referência.
1256
A rentabilidade deste esforço será dupla, já que estes recursos são os mesmos que
são necessários para a assistência, controle e monitoramento das doenças
infecciosas emergentes e reemergentes.
Referências Bibliográficas
BOSSI, P. et al.
Bichat guidelines for the clinical management of anthrax and
bioterrorism-related anthrax. Euro Surveill, v.9, n.12, p.E3-4, 2004.
BUITRAGO, M.J.S. et al. Biodefense: a new challenge for microbiology and public
health. EnfermInfeccMicrobiolClin., v.25, n.3, p.190-198, 2007.
CARUS, W.S. Bioterrorism and Biocrimes.The illicit use of biological agents since
1900.Center for Counterproliferation Research. Washington: National Defense
University, 1998.
1257
CLIFFORD, H.L.; FAUCI, A.S. Microbial Bioterrorism. In: LONGO, D. et al. (Eds).
Harrison‟s Principles of Internal Medicine de Medicina Interna, Singapore:
McGraw-Hill; 2011, p. 1768-1778.
JONES, J.; TERNDRUP, T.E.; FRANZ, D.R.; EITZEN, E.M. Future challenges in pre-
paring for and responding to bioterrorism events. Emerg Med Clin North Am., v. 20,
n. 2, p. 501-524, 2002.
KAHAN, E.; FOGELMAN, Y.; KITAI, E.; VINKER, S. Patient and family physician
preferences for care and communication in the eventuality of anthrax terrorism.
FamPract., v. 20, n. 4, p. 441-442, 2003.
NOAH, D.L.; SOBEL, A.L.; OSTROFF, S.M.; KILDEW, J.A. Biological warfare trai-
ning: infectious disease outbreak differentiation criteria. Mil Med.,
v. 163, n. 4,
p.198-201, 1998.
NOJI, E.K. Bioterrorism: a ‗new‘global environmental health threat. Global Change &
Human Health, v.2, n.1, p. 2-10, 2001.
ROTZ, L.D. et al. Public Health Assessment of Potential Biological Terrorism Agents.
Emerg Infect Dis.,v. 8, n. 2, p. 225–230, 2002.
1258
p.437-455, 2002.
TREADWELL, A.T.; KOO, D.; KUKER, K.; KHAN, A.S. Epidemiologic clues to
bioterrorism. Public Health Rep., v. 118, n. 2, p. 92–98, 2003.
1259