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Vi com agrado que o professor Haddock-Lobo coloca a questão da “ loso a no Brasil” (algo
diferente de “ loso a brasileira”, termo muito mais comprometedor). Com base em seu texto,
imagino que ele desconhece a discussão em curso, já há algum tempo, sobre esse tema. Dou no
nal deste artigo algumas referências de textos meus e de outros autores que poderiam
alimentar a discussão sobre a questão da situação da loso a no Brasil, sem ter de começá-la
novamente de zero.
A minha tese central é que a não ocorrência de um losofar autoral no Brasil vem produzida
pela própria lógica interna da produção losó ca brasileira. O obstáculo não é externo, mas
interno. Creio haver uma profunda contradição endêmica entre a reclamação por um losofar
próprio que nunca chega, e a adoção de um paradigma de produção losó ca que,
precisamente, bloqueia esse losofar. A ideia de que um conhecimento sólido da loso a
europeia é condição necessária (e, para muitos, su ciente) para um losofar autoral, ideia que
discuto demoradamente em meus textos, está incutida na mente dos membros da comunidade
losó ca brasileira. Eu penso que uma dessas duas coisas terá que ser abandonada para
desmanchar a contradição. Parece-me que a comunidade mostra uma tendência a abrir mão da
autoralidade em benefício do bom funcionamento do sistema; pelo contrário, eu creio que algo
deve mudar profundamente no próprio sistema para favorecer a autoralidade. (No artigo
“Europeu não signi ca universal, brasileiro não signi ca nacional” (2015), chamo de “Acervo T” o
conjunto de convicções inabaláveis da comunidade losó ca brasileira que, segundo penso,
bloqueiam o surgimento de um losofar autoral).
Quem der uma olhada no Índice da segunda edição do meu “Diário de um lósofo no Brasil”
(2014), já encontrará uma discussão sobre o termo “Filoso a” que me parece crucial para evitar
pensar que haverá loso a no Brasil quando encontrarmos um Kant no sertão ou um Heidegger
na Patagônia. Esta pergunta tem que ser formulada de maneira apropriada para evitar falsas
expectativas. A questão de “haver” ou “não haver” loso a no Brasil não é uma questão
ontológica objetiva, mas – para usar um termo de Safatle – uma “construção cultural”. Tento
também combater a visão “futurista” da loso a desde América Latina, como algo que ainda
deveria surgir, tentando mostrar que essa loso a já existe, mas para ser visualizada devem ser
removidos os obstáculos que impedem vê-la. Também apresento nesse livro uma longa análise
do rico passado losó co brasileiro, totalmente apagado à luz da noção atualmente vigente do
que seja “ loso a”. Na última parte, trato, entre outras coisas, da possível contribuição de
Oswald de Andrade para um losofar desde Brasil, um dos temas bem lembrados por Haddock-
Lobo.
http://anpof.org/portal/index.php/en/comunidade/coluna-anpof/1032-filosofar-desde-brasil-alem-de-uma-mera-questao-nacional-acerca-de-um-texto-de-haddock-
Tanto
31/03/2018 no texto
ANPOFdo professor
- FILOSOFAR quanto
DESDE naALÉM
BRASIL: réplica deMERA
DE UMA Safatle, a discussão
QUESTÃO ameaça
“NACIONAL” (ACERCA em todo
DE UM momento
TEXTO DE HADDOC…
cair nas armadilhas da questão do “nacional”, identi cando a pergunta por um losofar
historicamente circunstanciado com uma indagação sobre “nacionalidades”. Em minha re exão
sobre o assunto, tenho tentado substituir a questão do “nacional” pelo que chamo “procedência
re exiva”, uma categoria mais histórico-existencial do que geográ ca. Como o professor
Haddock o coloca, a questão da colonização cultural de América Latina é fundamental nessa
re exão, e, em meus próprios termos, ela constitui o primeiro passo para formular um
“ losofar-desde” historicamente circunstanciado, que pouco ou nada tem a ver com
“nacionalidades”. Esta perspectiva deveria recuperar re exivamente o nosso passado de
invasão, conquista e colonização cultural, em lugar de continuar pensando a partir de
circunstâncias alheias, tentando oferecer alguma “contribuição” signi cativa para a cultura do
dominador, contribuição que ninguém espera. Em meus escritos já respondo as réplicas sempre
monotonamente repetidas, de que não podemos pensar sem Europa, de que já somos
europeus, etc. (Veja-se “Europeu não signi ca universal...”, p. 18-21).
Creio que a saída para o impasse deveria começar por um alargamento da matriz histórica da
loso a, abrangendo pensamentos de muitas outras partes do planeta e não apenas de cinco
ou seis países hegemônicos. Pelo lado latino-americano, clássicos como José Martí, José Enrique
Rodó, Domingo Sarmiento, Juan B. Alberdi, Andrés Bello, Juan Carlos Mariátegui, Tobias Barreto,
Carlos Vaz Ferreira, José Vasconcelos, Salazar Bondy e Leopoldo Zea deveriam ser conhecidos
pelo estudante brasileiro de loso a, e obras como “Facundo”, de Sarmiento, “Visión de los
vencidos”, de León Portilla, “Sobre o homem, o mundo e a história”, de Vicente Ferreira Da Silva,
“Existe uma loso a de nuestra América?”, de Salazar Bondy, “La loso a latino-americana como
loso a sin más”, de Leopoldo Zea, “Los condenados de la tierra”, de Frantz Fanon e “1492. El
encubrimiento del outro”, de Enrique Dussel, entre muitas outras fontes fundamentais.
Encontrei algumas destas ideias, sobre as que venho debatendo há algum tempo, no
estimulante texto do professor Haddock-Lobo, por exemplo quando ele a rma: “O pensamento
ocidental consiste apenas em um aspecto da nossa tradição, sendo nossa experiência muito
mais ampla do que aquilo que a loso a ocidental pode dar conta”. E também: “O mito da
origem única é uma grande invenção do ocidente e que a experiência de pensamento pode
apontar para mais de uma perspectiva (...)”. Só posso assinar embaixo destes textos vigorosos.
Resta apenas cuidar de não migrar de uma exegética eurocêntrica para outra latino-americana.
II
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hoje vigente
31/03/2018 – curioso
ANPOF universalismo
- FILOSOFAR europeu
DESDE BRASIL: ALÉM – MERA
DE UMA tem QUESTÃO
pleno sentido uma
“NACIONAL” vez DE
(ACERCA queUMnos livrarmos
TEXTO DE HADDOC…
das redes enganosas de um “ losofar nacional”, que tem todos os problemas que Safatle
aponta.
Safatle é consciente disso quando reconhece haver na questão de Haddock-Lobo uma questão
real que merece escrutínio e atento estudo, e não apenas deboche ou indiferença. Os polos do
perigo parecem ser o universalismo abstrato, que pensa que a loso a surge diretamente das
raízes mesmas da razão (creio que é esta a visão vigente hoje no Brasil) e um nacionalismo ultra-
concreto que pensa que a loso a surge de territórios assinalados. Mas trata-se de
circunstâncias re exivas, não de nacionalidades. É, pois, perfeitamente legítimo colocar a
questão de Haddok-Lobo e a minha (e de uma boa parte de pensadores hispano-americanos
quase desconhecidos no Brasil, como Martí, Rodó, ou Salazar Bondy) de um “ losofar desde o
Brasil” (e desde América Latina) a partir desses embaralhamentos territoriais, onde a noção de
nacionalidade se dilui em benefício de uma perspectiva pensante construída histórico-
existencialmente, e não territorialmente.
Por isso é que não deveríamos falar em “ loso a brasileira” (nem tampouco em “ loso a
francesa”, é claro), mas de um losofar desde o Brasil (ou desde a França), perspectiva que pode
abranger muitas nacionalidades e territórios, mas que ainda assim será peculiar. Safatle tenta
isso quando escreve, se referindo à realidade das loso as francesa, alemão, anglo-saxã (com
seus enganosos rótulos nacionais): “Pois ela tal vez não descreva um ‘estilo’ ou o espaço de
produção de singularidades de pensamento. Talvez ela descreva simplesmente um ‘campo’”. E
no seguinte parágrafo, ele tenta conferir nova legitimidade à questão de um losofar desde
Brasil, perguntando “(...) por que não conseguimos dentre aqueles que fazem loso a no Brasil,
nos organizar como campo?”. Este tipo de encaminhamento mostra aos indiferentes ou mesmo
hostis a este tipo de pergunta pela loso a no Brasil, que a questão pode preservar plenamente
seu sentido mesmo quando a questão do “nacional” tenha sido rebatida e deixada de lado.
Meus desacordos com Safatle são mais de atitudes ou de expectativas do que de substância.
Eles aparecem quando ele concebe estes “campos” de pensamento em termos de “...um
conjunto de instituições, de meios de difusão, de regimes de adesão e exclusão, de promessas
de benefícios simbólicos e materiais, de debates que levam aos mais novos a repetirem práticas
dos mais antigos...”. Aqui eu mantenho meu ceticismo a respeito do papel das instituições na
produção de um losofar autoral. O que tem sido visto, e a isso também Safatle se refere no
nal de seu texto, é precisamente o contrário: em lugar da criação de genuínos campos
re exivos, abrem-se instituições, meios de difusão, regimes de adesão e exclusão, promessas de
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benefícios ANPOF
31/03/2018 (e de- FILOSOFAR
punições!), visando
DESDE manter
BRASIL: ALÉM a MERA
DE UMA losoQUESTÃO
a dentro dos regimes
“NACIONAL” domesticados
(ACERCA DE da
UM TEXTO DE HADDOC…
Se for verdade que loso as como a francesa, a alemã, a norte-americana, etc, são “construções
culturais” de países hegemônicos e não coisas objetivas, o nosso natural movimento insurgente
não deveria tentar encontrar “características nacionais” para nossos pensamentos, mas tentar
erguer construções culturais alternativas e insurgentes desde América Latina. Ainda será
legítimo lutar pelas nossas próprias construções culturais desde as nossas próprias perspectivas
pensantes. Sendo que essas construções culturais hegemônicas (a “ilusão de continuidade entre
Mestre Eckhart e Hegel”) apontam para centros de poder económico, cultural e losó co, uma
tarefa de nós, pensadores periféricos, seria tentar descentralizar essa criação assimétrica e
autoritária de “tradições”. A “desquali cação de tradições” que podemos fazer desde América
Latina constitui um movimento político pleno de sentido, em lugar de dedicar todos nossos
esforços em apenas servir de maneira devota “tradições” impostas e naturalizadas. Algumas
referências para o debate:
Beorlegui Carlos. História del pensamento losó co latino-americano. Universidad del Deusto,
Bilbao, 2006.
Cabrera Julio. Diário de um lósofo no Brasil. Editora Unijuí, 2010 (2ª edição, 2013).
Cabrera Julio. “Europeu não signi ca universal, brasileiro não signi ca nacional (Acerca da
expressão ‘ losofar-desde’)” Revista Nabuco, Ano I, número 2, janeiro de 2015. Disponível em:
http://repositorio.unb.br/handle/10482/18028 (http://repositorio.unb.br/handle/10482/18028)).
Cabrera Julio. “Comment peut-on être um philosophe français au Brésil”. Cahiers critiques de
Philosophie, número 16, Paris, 2016.
De Souza José Crisóstomo (Org). A loso a entre nós. Editora Unijuí, 2005.
2013.
20 de Dezembro de 2016.
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