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LOWY, Michael. Melaco DialsTicg ee ———— exfe! Par e Tera ; (938 | OBJETIVIDADE E PONTO DE VISTA DE CLASSE NAS CIENCIAS SOCIAIS DO MESMO AUTOR: — La Théorie de la Révolution chez le Jeune Marx — MASPERO 1970 — traduzido para o espanhol, italiano e japonés. 5 “A verdade & sempre revolucionéria”. Lucien Goldmann (em colaboragéo com S. Nair) — Editions SEGHERS — “Philosophes de tous les temps" — 1973. Antonio Gramsci Dialectique et Révolution, essais de sociologie et d'histoire du marxisme — Editions ANTHROPOS — 1873 — traduzido para 6 italiano ¢ 0 espanhol. | 4 E possivel a objetividade nas ciéncias soci — Les Marxistes et la Question Nationale (em colaboracao com |uma objetividade do mesmo tipo que a das ciéncias natural G. Haupt e C. Weill) — MASPERO — 1976. como afirmam os positivistas? Nao é a ciéncia social neces sariamente “engajada”, quer dizer, ligada 20 ponto de vista Pour une sociologie des intellectuels révolutionnaires;'Evolu- |de uma classe social?’ Como conciliar esse carater “oartida- lion Politique de Lukacs (1909 — 1929) — Press Universitaires rio” com 0 conhecimento objetivo da verdade? de France, 1976. Em tradugao parao portugués,espanhol, ita- | __ Essas questdes se encontram no centro do debate metodo- iano, inglés e grego. légico na sociologia, na histéria, na economia pt na at ropologia, na ciéncia politica e na epistemologia ha mais um século, Tentaremos mostrar porque somente 0 marxismo & ‘apaz de trazer uma solugao radical e coerente a esse proble- ma (mesmo se nos é necessario reconhecer, que nesse senti- do, 08 textos dos autores marxistas 56 nos oferecem os ele- mentos iniciais), solugao, cuja primeira condigao para que seja possivel, € a ruptura epistemolégica total com o positi- vismo. 1 — 0 positivismo A idéia central da corrente po: ‘a: nas ciéncias sociais, como nas ciéncias da t 9 natureza, 6 necessario afastar 03 preconceitos & as pressupo- sigdes, separar os julgamentos de fato dos julgamentos de va- lor, a ciéncia da ideologia. A finalidade do sociélogo ou do historiador deve ser a de atingir a mesma neutralidade serena, imparcial e objetiva do fisico, do quimico e do bidlogo. Deixe- mos a palavra com 0 “Grand Ancétre”, Augusto Comte: “Eu entendo por fisica social a ciéncia que tem por ob- jeto proprio 0 estudo dos fenémenos sociais, considerados den- tro do mesmo espirito que o dos fendmenos astronémicos, f- sicos, quimicos e fisiolégicos, quer dizer sujeitos a leis naturals aveis, cuja descoberta é a finalidade especial dessas pes- quisas” (1). “Sem admirar nem maldizer os fates pol vendo neles essencialmente, como em toda outra ciéncia, sim- ples sujeitos de observacéo, a fisica social considera cada fe- némeno sob o duplo ponto de vista elementar de sua harmo- nia com os fenémenos coexistentes e do seu encadeamento com 0 estado anterior...” (2) © positivism comtiano esta portanto fundamentado sobre duas premissas essencials, estreitamente ligadas 1) A sociedade pode ser epistemologicamente assimilada natureza (o que nés chamaremos de “naturalismo positivis- ta"); na vida social reina uma harmonia natural. 2) A sociedade € regida por leis naturais, quer dizer, leis Invaridveis, independentes da vontade e da ago humana. Por essas premissas se conclui que o método nas ciéncias sociais pode e deve ser o mesmo que o das ciéncias da natu- reza, com os mesmos métodos de pesquisa e sobretudo com 0 mesmo cardter de observacao “neutra”, objetiva e desligada dos fendmenos. As implicagdes ideolégicas conservadoras, reaciondrias contra-revoluciondrias dessa concepgao sao evidentes e aliés explicitamente formuladas por Comte, cuja franqueza ndo é um dos seus méritos menores: posto que as leis socials sao leis naturais, a sociedade no pode ser transformada; contra os sonhos revolucionarios ut6picos @ negatives, o positivismo enal- tece a aceitacdo passiva do stalus quo social: mo) tende profundamente. por sua natureza, a consolidar a ordem publica, pelo desenvolvimento de uma sé- bia resignacao (...) Evidentemente, no pode existir verda- “Considérations phi Auguste Com! losophie Pe yzonhiques sur la science et les savant =. Colin, Paris, p. 71 fe, Schleicher Fréres Ei 2. Cours de PI tomo WV, p. teurs, Paris, 1998, deira resignagao, quer dizer disposigao permanente para supor- tar com constancia, e sem nennuma esperanca de compensa- (40, quaisquer males inevitaveis a nao ser como consequéncia Ge um profundo sentimento das leis invariaveis que regem todos ‘08 diversos géneros dos fenémenos naturals. Portanto exclu- sivamente a filosofia positiva que se relaciona uma tal dispo- sigdo, a qualquer assunto que ela se aplique, e por conseguin- te, com relagao também aos males politicos”. (3) Esse trecho, verdadeira jdia do naturalismo positivista, € um dos raros momentos onde 0 discurso sociolégico burgués se manifesta em toda a sua pureza, por assim dizer em seu estado selvagem. Baseado nele, podemos apreender melhor o sentido verdadeiro da palavra “positivo", empregada por Comte para distinguir, ou melhor, opor sua doutrina as perigosas teo- fias negativas, criticas, destrutivas, dissolventes, subversivas, fem uma palavra, revolucionarias, da filosofia das Luzes, da Re- volugéo Francesa e do socialismo. (4) Durkheim, mais do que Comte, que se tornara o verda- deiro mestre da’ sociologia positivista moderna. Seu naturalis~ mo sociolégico ¢ de origem comtiana, como ele reconhece ex- famente nas Regras do Método Sociolégico: ‘‘a primeira como coisas. (...) Comte, é verdade, proclamou que os fend- menos sociais s4o fatos naturais submetidos a leis naturais. Devido a isso, ele reconheceu implicitamente seu carater de coisas; porque nao existem sendo coisas na natureza”. (5) Durkheim vai aplicar diversas vezes modelos de analogia naturalista para “explicar” os fendmenos sociais, modelos cujo papel ideoldgico é sempre conservador. Por exemplo, segundo Durkheim, a sociedade é, como o animal, “um sistema de or- gos diferentes onde cada um tem um papel especial”. Alguns Srgaos sociais tém “uma situagao particular e, se quisermos, privilegiada”; essa situacao é totalmente natural, funcional e inevitével: “ela 6 devida a natureza do papel que preenche ¢ nao a alguma causa estranha a essas fungdes” Esse privilégio 6 pois um fendmeno absolutamente normal que encontramos fm todo organismo vivo: “é assim que, no animal, a preemi- néncia do sistema nervoso sobre os outros sistemas se reduz 3. idem, p. 100. 4. of. Comte, Discours sur 5. Durkheim, Les régles de la méthode sociologique, P.UF., Paris, 1958, p. 15-19. ao direito, se pudermos falar assim, de receber um alimento ido e de apanhar sua parte antes dos outros”. (6) urkheim, observamos uma fusdo entre ta da "so- conegE ete: $0, nada entrava ou favorece nies que disputam as taretas, ¢ inevitav te os mats apios om cada tipo de atividade dbtennam outo.. Diremos que isso nao ¢ sempre o bastante para contentar os homens; que existem sempre aqueles cujos desejos ultrapas- sam suas possibilidades. € verdade; mas sdo casos excepcio- nais e, podemos dizer, mérbidos (sicl). Normalmente, 0 homem encontra felicidade realizando sua natureza; suas necessidades estao em relago com seus meios. € por isso que, no orga nismo, cada érgdo sé reclama_uma quantidade de’ alimentos proporcional a suas fungées". (7) ‘omo Comte, Durkheim estava conscient rater fun- damentaiments reaclonério de seu naluraliems secllogleo © proclama com orgulho pouco ingénuo no prefaécio das Regras do Método: “nosso método nao tem pois nada de revolucioné- rio (o menos que podemos dizer! M.L.), ele @ mesmo, num certo sentido, essencialmente conservador, pois considera os fatos sociais como coisas, tuja natureza, por mais fiexivel e maleavel nfo 6 enftanto modiicavel de ecordo com a nessa O discurso durkheimiano, como vimos, passa tranqlilamen- te da lel da seWva ag lols nelras da socledsde @ dessa aos organismos vivos, Essa espantosa oscilagao da démarche fundamentada sobre uma pressuposigao. metodolégica essen- I: a homogeneidade epistemolégica do territério percorrido, e conseqiientemente, das ciéncias que o esiudam. Pressupos 40 cujo corolario € a exigéncia central e decisiva de todas as Correntes positivistas: “que o socidlogo se coloque no estado de expire em que estéo 08 fisiees, quimicos, fisilogos, quan de se engajam numa regiéo ainda inerporada, de seu dominio. sop a9 alo Sienisia social se colocar no estado dg jo quimico se 0 objeto de seu estudo, também o obioto do um debate police encarnigado erie tow Durkheim, La division du travail soc idem, p. 369-70, Durkheim, Les régles de la méthode sociologique, Darin, Ls iologique, preticio, p. I, PUF., Paris, 1960, p. 157-58. cepgdes de mundo opostas? A resposta de Durkheim € de Uma ingenuidade desarmante, cheia de “boa vontade"’ po: ta: “a sociologia assim compreendida nao seré nem individua- ista, nem comunista, nem socialista, no sentido que se dé vul- garmente a essas palavras. Por principio, ela ignorara essas feorias as quais ela nao saberia reconhecer valor cientifico, pois tendem diretamente, ndo a exprimir os fatos, mas a reforma- os". Em outras palavras: 0 socidlogo deve “ignorar” os con- flitos ideoldgicos, “fazer calarem as paixdes @ 0s preconcel tos” e ““afastar sistematicamente todas as pré-nogées” (10). Durkheim, como bom positivista, cré que os “preconceitos e as “pré-nogdes” podem ser “afastados” como afastamos um éculos escuro para ver mais claro. Ele ndo compreende que fessas“pré-nogdes” (quer dizer, as ideologias) séo, como 0 estrabismo e 0 daltonismo, parte integrante do olhar, elemento Constitutivo do ponto de vista. Durkheim mesmo é alids @ prova viva que 2 "boa vontade” e 0 desejo ardente de ser objetivo ndo bastam pata se fazer calarem os “preconceitos” (em seu caso conservadores © contra-revolucionarios) © positivismo nao é absolutamente um fenémeno do sé- culo XIX. Correntes visivelmente neopositivistas exercem ain- da hoje uma influéncia decisiva, sendo hegemdnica, sobre as cléncias sociais universitarias, académicas, “oficiais” ¢ Institu- Cionalizadas, particularmente nos Estados Unidos. Evidentemen- te, as formas mudaram: o behaviorismo e 0 funcionalismo subs~ tituiram a metafisica caduca de Augusto Comte, ¢ 0 modelo cibernético substitu vantajosamente 0 organicismo biolégico de Durkheim, Mas o principio fundamental permanece 0 mesmo: George A. Lundberg, autor de um manual de sociologia mo- derna muito apreciado nos Estados Unidos, ndo hesitou em es- crever essas linhas que parecem diretamente extraidas do Dis curso de Filosofia Positiva: “‘considerando a sociologia, como tima ciéncia natural, estudaremos 0 comportamento social hu- mano com o mesmo espirito objetivo que um bidlogo estuda tm ninho de abelhas, uma colénia de térmitas, a organizagao 0 funcionamento de um organismo vivo”. (11) E necessario acrescentar que a tese positivista da separa~ dio entre os julgamentos de fato e os julgamentos de valor, da To. Wem, p. 140, 144, 31. (Sublinhado por nds ML). 11, G. Lundberg, C. Sch’ag, O, Larsen. Sociology, N. York, 1954, p. 5. cf teoduction to the Behavioral Science", in The N. York, 1963, p. 3: "A finalidade cle vaggee sobre 0 comportamento humane sustenta- Objetividade gragas @ eliminagao voluntéria das “pré-nogdes' infuenciou a sociologia muito ‘além dos limites da corrente po! sitivista no sentido estrito. Basta mencionar Max Weber, que dificilmente pode ser classificado como p blinhava a especificidade das “ciéncias da cultura” em relagao &s ciéncias naturais, e que, entretanto, acreditava que 2 ci social podia e devia ser,"'sem pressuposiges” © "nao valora iva” (Wertfrei. Segundo Weber, os conceltos das ciencias 60. ciais ndo devem ser "glddios para atacar adversarios” mas so- mente “‘relhas de arado para surribar o imenso campo do pen- samento contemplative", porque “cada vez que um homem de ciéncia faz intervir seu’ préprio julgamento de valor, nao ha mais compreensao integral dos fatos” (12). € verdade que, em Certos escritos metodolégicos, Weber reconhece que os valo- res do observador, nas ciéncias sociais, desempenham um pa- pel destacado na selegao do objeto da pesquisa cientifica, na determinagao da problematica das questées a sorem_postas. Mas ele assinala que as respostas fornecidas, a pesquisa mes. ma, © trabalho empirico do clentsta, devem estar qualquer valoragao, e seus resultados aceitos por to Como se a cacoiha das questées nao detorminsese, ow Gigg medida, as respostas mesmas! Lucien Goldmann assinala, com muita razao, o cardter contraditério da posicao de Weber que se situa a meio caminho entre o desconhecimento do determi nismo social do pensamento sociolégico nos positivistas e sua aceitagao integral pelos marxistas (14). das por evidencias emplvcas reunidas de forma impessoal © ob © tim stimmo & compreender,expicar prever 0 comportamen "m0 compo {que ests mals. proximo Ge nos, 0 comparlamen Mercado econémico'” Var lambérn esse Post ‘de bens © prego no lo @ obra de I, Kon ,Oer a i rs Sri 188 as ober, Lesovant et a poligue, ed. 10/1. Park 158. aD, 13. of. Max Weber, “Die Objet . her und Stil cher Erkennins” in Gesammahe Ault sur Wiseershanee a ‘Bingen, J.C.B. Mohr, 1962, p. 170, 184. sate {5 elementos escclidos ge: erminam_antecipadamente, isso & eviden- te. © resultado Go estuda, Os valores sendo... os ce uma ov outta classe’ social 0 a) ae er, 20 oF lesophie. Gon Goldmann sobre 0 problema da ob be 0 brobl ° nos parece uma das mais ccontemporinea, 4 © erro fundamental do pos! da especi go as ciéncias naturals, especi pais 3a ismo é pois a incompreensdo ncias socials com rela~ jade cujas causas princi- ‘A identidade parcial entre 0 sujelto e 0 objeto do co- nhecimento. . 3. O fato de que os problemas sociais suscitam a entrada em jogo do concepcées antagénicas das diferentes classes soci 4. As implicagées politico-ideolégicas da teoria social: 0 conhecimento da verdade pode ter conseqéncias diretas sobre a luta de classes. Essas razées (estreltamente ligadas entre si tazem com que 0 método das ciéncias sociais se distinga do cientifico- naturalista nao somente no nivel dos modelos tedricos, técr cas de pesquisa e processos de andlise, mas também e’princi- palmente no nivel da relaco com as classes sociais. As sdes do mundo, as ‘‘ideologias” (no sentido amplo de sistemas coerentes de idéias e de valores) das classes sociais modelam de maneira decisiva (direta ou indireta, consciente ou incons- | ciente) as cléncias sociais, colocando assim o problema de sua objetividade em termos totalmene distintos das ciéncias da na- tureza. A realidade social, como toda realidade,. € infinita. Toda ciéncia implica uma escolha, e nas ciéncias histéricas essa escolha ndo é um produto do acaso, mas esté em relagao or- Ganica com uma certa perspectiva global. As visées do mundo das classes sociais con nao somente a titima etapa da pesquisa cientifica social, a interpretagdo dos fatos, a formulagao das teorias, mas a escolha mesma do objeto de estudo, a definicao do que 6 essencial e do que acessério, 25 quest0es que colocamos a realidade, numa palavra, a pro- blemética da pesquisa. Por exemplo, a questéo que Durkheim coloca na Divisto do Trabalho Social — quais s40 0s fatores que entravam a ivre competi¢aio dos individuos na luta pela vida? — no de todo “inocente", mas esta marcada pela visao do mundo social- darwinista da burguesia na época do capitalism concorrencial. Independentemente da “resposta” encontrada por Durkheim, essa “questo” vai orientar sua teoria sociolégica numa certa 15 diregao, dando-the um cardter necessariamente “tendencioso”. Dito isso, 6 verdade que a distingao entre as ciénclas na turais @ sociais nao deve ser absolutizada: ela é histérica ¢ re- lativa. Historica, porque durante todo um perlodo, as ciéncias da natureza foram, elas também, o comego de um combate ideolé- gico. Do século XV ao XIX, as classes dominantes clérico-feu- dais resistiram as ciéncias da natureza que constituiam um de- safio a seu sistema ideolégico. A astronomia foi durante sé- culos campo de uma luta de classes encarnigada, ideolégica e as vezes mesmo politica, e os homens de ciéncia foram vitimas freqiientemente da represséo dos aparelhos do Estado (G. Bru- no, Galileu, etc,). & somente gracas a liquidagao do modo de produgao feudal © o desaparecimento (ou ‘modernizagao") de sua Ideologia, que a ciéncia natural se tornou, progressiva- mente, um terreno “neutro” do ponto de vista ideolégico. En- tretanto, mesmo no século XVI, a relagdo epistemolégica entre a ciéncia astronémica e as classes sociais nao era do mesmo tipo que a que encontramos nas ciéncias socials. Voltaremos alesse assunto, Relativa, porque o grau de “engajamento ideolégico” nao & © mesmo em todas as ciéncias sociais (nem o de “neutralidade ideolégica” nas ciéncias naturais) e, no interior de uma mes- ma ciéncia, alguns problemas sao muito mais “‘sensiveis” do que outros: a histéria da Revolugo Francesa desperta eviden- temente mais antagonismos com conteddo de classe do que a das guerras do Peloponeso. . Concluindo: os positivistas insistem muito na heterogenei- dade entre julgamentos de fato e julgamentos de valor, e a iecessidade légica de sua separacéo. Eles assinalam,, com razao alids, que néo podemos jamais deduzir um julgamento ‘alorativo de um julgamento factual. Segundo a célebre f6r- nula de Poincaré: as premissas no indicativo nao tém con- lusdo légiea no imperativo. Weber observa com ironia que \a0 poderemos jamais demonstrar cientificamente a exatidéo su 0 erro do Serméo da Montanha. Bem: isso é totalmente ‘erdadeiro e irrefutével; mas 0 que os senhores positivistas € Veber esquecem ¢ a relagdo Inversa entre a ciéncia e 0 nor- nativo: os valores que orientam, influenciam e condicionam 's julgamentos de fato. Relacdo que nao 6 légica mas so- ioldgica: 6 0 ponto de vista de classe (implicando elementos ‘ormativos) que define, em ampla me 6 bilidade dos fatos, o que uma teoria social “v8” e o que ela nao vé, suas sua luz e sua ce- gueira, sua mi ‘6es” @ seus “enganos’ e sua hipermetropia. ll — Attentaliva eclética de Mannheim Sob 0 impacto do marxismo, 0 mito po ciéncia social neutra e assexuada como os anjos da teologia medieval foi severamente abalado. O problema do condicio- namento social do conhecimento néo podia mais ser tao faci mente ignorado. Uma nova tentativa de resolver 0 problema, nem positivista, nem marxista, sera realizada por um trans- fuga do marxismo, Karl Mannheim, em sua brilhante obra Ideo- logia © Utopia (1929), que vai fundar um novo ramo da ciéncia soclal universitaria: a sociologia do conhecimento. Mannheim reconhece, como os marxistas, que a posi¢ao social do cientista, do observador, condiciona sua perspectiva, quer dizer, a maneira pela qual ele olha seu objeto, 0 que ele percebe nesse objeto e como o interpreta. Essa perspec- tiva esta, pois, em relagéo com as concepgdes do mundo (Wel- tanschaungen) das diferentes classes e grupos sociais em con- {lito no seio da sociedade. Essas diversas visies particulares 86 descobrem um aspecto do objeto, uma parte da realidade ial: elas sé necessariamente unilaterais e fragmentarias. Isso implica, segundo Mannheim, na possibilidade de:uma “'in- tegragao dos diferentes pontos de vista mutuamente comple- mentares num todo compreensi de uma ‘‘sintese das perspectivas”. ‘A questao central é evidentemente: quem vai realizar essa sintese? Qual é a classe ou grupo social que pode servir de base a essa ‘“mediacao dinamica” dos pontos de vista anta- génicos? Segundo Mannheim, hd um grupo que, por suas ca~ racteristicas especiais, 6 capaz de realizar essa tarefa del cada e alcangar assim um maximo de conhecimento completo € objetivo da realidade (ireisch- webende Intelligenz), que se encontra principalmente nas uni- versidades e nas instituigdes de ensino superior.. Ora, esses intelectuais que se acreditam “sem vinculos” ( que nao estao ligados a nenhuma das duas principais classes em conflito: a burguesia e 0 proletariado) nao sao precisamente os que estéo presos a classe da qual sdo na maioria origind- ” rios, e que é a mais proxima de sua situagdo social, a saber, a pequena burguesia? E sera que sua “sintese dindmica” pode ser outra coisa que ndo um meio termo eclético entre as gran- des concepgdes do mundo em contflito, meio termo estrutural mente homélogo & posicéo “‘intermediéria” de sua camada social? © género de “sintese” que Mannheim mesmo fabricou constitui uma resposta muito esclarecedora a essas questées: em seu livro Liberdade, Poder e Planificagéo Democratica ele glorifica um “terceiro caminho”, um sistema de reformas pa ficas e graduais tundamentado ‘na “planificagéo social”, siste- ma gracas ao qual ‘‘a sociedade capitalista contemporanea pode ainda ser equilibrada”, pela "concesséo suficiente de servigos e melhoramentos sociais a que essas tltimas estejam também © carater muito pouco — 0 debate no seio do marxismo Segundo Mannheim, o marxismo nao aplicou jamais a si mesmo os processos de “revelago ideolégica” empregados contra seus adversarios, e nao levantou jamais 0 problema da determinagao social de sua prépria posigao: tal "auto-revela- co” mostraria que 0 marxismo constitui, enquanto ideologia do proletariado, um ponto de vista t4o “partidario” quanto 0 das ideologias das outras classes (15). Na realidade, contrariamente 20 que pretende Mannheim {e também, num outro contexto Althusser) Marx nao escon- deu jamais @ perspectiva de classe que orienta seu pensamen- to. Ele no somente “revelou” o cardter burgués da obra de seus adversérios (economia politica cldssica e vulgar) mas afir- mou também, em alto e bom som, 0 carater proletario de seu proprio ponto de vista. Numa de suas primeiras obras econémicas ele ja escrevia: “assim como os economistas S40 os representantes cientificos da classe burguesa, assim tam- bém os socialistas e os comunistas S40 os tedricos da classe proletaria. (...) A ciéncia produzida pelo movimento histérico 45. Mannheim, K, Meotogie et Utopie, Marcel Fi Paris, 1986, p. 213 © se associando a ele em pleno conhecimento de causa, dei- xou de ser doutrinaria, ela se tornou revolucionéria” (16). Trata-se de uma obra de juventude (1847), de uma posicéo de Marx “antes da maturidade”? Na realidade, Marx vai reafir- itamente no postacio & segunda edi¢ao de O Capital ‘engajador” de sua critica da economia politica @ ‘sua insergéo num ponto de vista de classe: “na medida em que essa critica representa uma classe, ela ndo pode represen- tar sendo a classe cuja miso histérica é a subverso do modo de produgao capitalista e a aboligdo final das classes — o proletariado” (17), Por conseguinte, 0 método de Marx ndo 6 “neutr: ico-naturalista: esse método, que ele ‘intitula dialética racional é “um escandalo e uma abominacdo para a burguesia e seus porta-vozes doutrinarios, porque, na com- preensao positiva das coisas existentes, el posi- ele & essencialmente critico e revolucionério" (18). Numa palavra: Marx considerava sua ciéncia como revolu- clonéria e proletaria e, como tal, oposta (e superior) & ciéncia conservadora e burguesa dos economistas classicos. te” entre Marx e seus predecessores € para classe no interior da histéria da Esse ponto de vista era partilhado por Lenin que assina- lava em seu célebre texto sobre as fontes do marxismo: “numa sociedade fundamentada sobre a luta de classes ndo poderia haver ciéncia social “imparcial”. Toda ciéncia ofici eral defende, de uma forma ou de outra, a escravidéo salariada, en- quanto © marxismo declarou uma guerra implacdvel a essa es- cravidao”. (19) 18. Marx, K., Misdre de la Philosophie, ed. Sociales, Paris, 1948, p. 100. Ci. também Engels, F.z “o comunismo, na medida em que é uma teorla, 4 a expressio tedrica ‘da posirdo do proletariado na lula de classes..." ie Kommunisten und Kail Heinzen”, in Mare-Engels, Werke, Dietz, Band 4, p. 322. 7 Werke, 23, 0) Verlag, Berlin, 1958, p. 22. cf. Inaugurale ‘de ‘la 18. idem, p. 28, (sublinhado por nds. M. L) 19, Lenin, “Les trois sources et Is parties constitutives du marxis- me”, 1919, in Mare, Engel sme, Ed, em linguas estrangeiras, Moscou, p. 71. Segundo Lenin “exigir uma eléneia impateial numa socie- Recusando explicitamente toda separagio entre ciéncia e ideolagia revolucionaria, “julgamento de fato” e “julgamento de valor”, objetividade e ponto de vista de classe, Lenin apreende © marxismo em sua unidade dialética, enquanto ciéncia revo- luciondria do proletariado, enquanto doutrina que “associa o espirito revolucionario a um carater altamente cientitico (sendo a ultima palavra das ciéncias sociais), e ela néo o faz por acaso, nem somente porque o fundador dessa doutrina reuni em si mesmo as qualidades do sabio e do revolucionario: ela as associa na teoria mesma; intima e indissoluvelmente” (20). A tese do cardter proletério do marxismo é também afir- mada por Rosa Luxemburgo em sua polémica contra Berns- tein (21), por Lukacs, Korsch e Gramsci; quer dizer, pela cor- rente impropriamente denominada “esquerdista tedrica”, mas que constitui na realidade, com Lenin e Trotski, a importante corrente dialética revolucionaria do marxismo moderno. A con- tribuicdo de Lukécs & particularmente importante porque ¥: precisar 0 sentido do conceito “ponto de vista do proletaria- do”: ndo se trata da vivéncia imediata, da consciéneia empirica da classe operaria, mas do ponto de vista que corresponde ra- cionalmente a seus interesses histéricos objetivos. A relacdo epistemolégica entre 0 marxismo ¢ 0 proleta- riado seré em compensagao negada, sob formas diversas, mas todas as duas marcadas pel mo, pelos porta-vozes do revisionismo e da “ortodoxia" no seio da Il International: os ‘tréres ennemis” Bernstein e Kautsky. Bernstein exige a compartimentagao rigorosa, estanque € absoluta entre “os fatos” © entre a ciéncia pura (a la Comte) © a moral pura (a la Kant). Uma de suas as a Marx 6 j 1 confundido as duas, 0 que explica em sua opinido 0 cardter “tendencioso” de suas obras econdmicas, seu “utopismo” e seus “a priori dade fundada sobre a escravidio salariada, 6 ingenuidade to pueril quanto exigit aos fabricantes que se mosirem imparcials na questéo do saber se conveniente diminuir os lucros do capital para aumontat os salaries dos opt 20. Lenin, "Ces que sont les a or née M. L) 21. “Como 9 sociedade verdade! ages, con: "in idem, p. 102, (sublinhado ciéncia econémica para Bernstein deve estar acima dos contlitos de classe, empirica, nao partidaria, sem pressuposi ges, numa palavra, pos "minha maneira de pensar feria me predisposto mais certamente para a filosofia e para a so- ciologia positivistas”, declara ele num ensaio autobiogra- fico (22). Kautsky era, em principio, 0 defensor do “marxismo orto- doxo” contra Bernstein. Na realidade, sua posigéo sobre 0 problema da objetividade (entre outras) ndo estava tao afasta- da da de Bernstein: 6 necessario, segundo ele, distinguir ou dadosamente entre 0 “ideal so “o estudo cientifico das leis de evolugao do organismo social”. Como revela sua terminologia, a biologia evolucionista de Darwin era para Kautsky 0 modelo para a cléncla marxista, cuja finalidade seria “a descoberta das lels da evolugdo comuns as plantas, aos animais @ aos homens” (23). Kautsky vai na realidade fazer suas as premissas metodoldgicas positivistas de Bernstein resmo, em certa medida, as criticas revisionistas 20 carater ndencioso” dos escritos de Marx: “transparece mesmo algu- mas vezes em Marx, em sua pesquisa cientifica, a agdo de um ideal moral, Mas ele se esforgou sempre, com raz4o, para ex- pulsé-lo tanto quanto isso fosse possivel. Porque, na ciéncia, © ideal moral se torna uma fonte de erros, se se permitir Ihe prescrever seus fins”. (24) problema é relativamente confuso em Bernstein e Kauts- ky, porque s6 abordam a discusséo sobre 0 ponto de vista de classe por meio indireto da ética e do ideal moral. Mas trata-se da mesma questao: a ética ndo é sendo um aspecto da visdo do mundo que constitui o ponto de vista particular, a perspec- tiva de uma classe social, perspectiva que condiciona (em grau varidvel), por todo um sistema de mediacdes complexas, a “ten- déncia” de toda ciéncia social. Em seu iltimo grande escrito teérico A Concepgao Mate- Fialista da Histéria (1927) Kautsky & mais claro @ coerente, 23. Kautsky, K., Die Material 663. 24, Kauteky, K. Ethique et conception mat Lucien Goldmann, Recherches Dislectiques, G: citado por ard, p. 284. mente cientifica, que, como tal, ndo esta absolutamente liga- da ao proletariado Um novo aspecto vai ser introduzido na problemética da relagéo entre ciéncia e ideologia pelo stalinismo, caricatura do ponte de vista do proletariado, que é na realidade o ponto de vista de uma outra camada social: a burocracia, Esse afas- tamento, essa distorsdo vo criar para o stalinismo a necessi- dade de uma ecultagao ideolégica: a burocracia deve esconder totalmente das massas (e as vezes a si mesmo, por um processo de automistificagao) a defasagem entre sua perspectiva ea do proletariado, Resulta dai uma instrumentalizacdo extrema da ciéncia, diretamente submetida &s necessidades politico-ideold- gicas da burocracia, instrumentalizagao cujo exemplo mais Classico e mals surpreendente é a célebre Histéria do Partido Comunista (b) da U.R.S.S., com suas numerosas reedicdes “re- vistas © corrigidas”, em funego das mudangas de linha da di Tecao do Parlido, € se caracterizando todas pela deformagao mais grosseira e mais vergonhosa dos fatos histéricos. Esse aspecto do stalinismo é suficientemente conhecido, © nao hd absolutamente necessidade d mos a esse tes peito; acrescentemos somente que a “‘faisificago” nao é um elemento acidental, arbitrdrio ou contingente do stalinismo, mas uma dimensdo organica © essencial, que decorre de seu ca- rater de ponto de vista da burocracia se apresentando sob a forma de ponto de vista do proletariado. Mas o mais interessante do ponto de vista epistemoléaico 6 que a instrumentalizacao da ciéncia alingiu mesmo as cién- jas da natureza, que foram submetidas a um proceso de ‘ideologizacao”, particularmente durante 0 periodo 1948-1953. Opunha-se de maneira esquemética, brutal © categdrica, a cién- cia proletéria & ciéncia burquesa no campo do estudo da natu- reza em geral @ da biologia em p: Tentava-se (em vio) demonstrar a superioridade da ciéncia soviética, da biolooia pretensamente “proletaria” de Lyssenko, sobre a ciéncia oci- dental representada pela biologia “reacionaria e burguesa” de Mendel-Wasserman; isso no somente na U.R.S.S. mas em todo © movimento comunista mundial. Na Franga, La Nouvelle Gri lique, revista dos intelectuais do P.C.F., organiza em 1950 um Grande coléquio dedicado ao tema “Ciéncia Burguesa e Cién- cia Proletéria” e publica uma série de artigos em homenagem ‘a Lyssenko, onde o mais notvel e saboroso 6 0 de um certo Francis Cohen. Lyssenko tinha escrito no tzvestia de 2 45/12/1949 que as descobettas dos bidlogos soviéticos s6 fo- ram possiveis gracas ao “ensinamento de Stalin sobre as trans- formagées quantitativas gtaduais ocultas, invisiveis, conduzin- do a uma rapida modificagdo quali lisa do ponto de vista da epistemologia staliniana das ciéncia: “Essa citagao pede alguns comentarios. Ela nos mostra primeiramente 0 processo mesmo de elaboragéo da ciéncia proletaria: 0 fato experimental na base, depois a interpreta- 40, ajudada pela teoria marxista-leninista, mais precisamente itulo IV da Historia do PC (b) (25). Vé-se pois como a Histéria do PC (b) essa_Summa Theologica staliniana se torna ndo somente a matriz de toda ciéncia politica, mas também a fonte do progresso nas ciéncias naturais. Contra aqueles que ousariam duvidar da pertinéncia dos escritos de Stalin sobre a ciéncia biolégica, sob pretexto de que se trataria de um “argumento de autoridade”, Francis Cohen proclama com indignacao: 7 Para um comunista, @ pelas razées que Desanti expos in & a mais alta autoridade cientifica do mundo... .) Essa 6 uma razio que esclarece singularmente a questéo dos “argumentos de autoridade”. Duvidar de uma afirmagao feita em tais circunstdncias, 6 duvidar contra a evidéncia, a eficd- io, engajado na construgdo do comunismo, a um sabio burgués isolado, privado de teoria diretora, irresponsével" (26). © extraordinario artigo de Francis Cohen, exemplo mara- vithoso da viséo do mundo staliniana, termina pela seguinte apéstrofe, que apaga euforicamente toda distingao epistemo- logica entre ideotogia politica e ciéncia natural ‘S6 pode haver compromisso ideolégico em matéria de ciéncia, em matéria de luta sindical ou de luta pela paz. @ 25. F. Cohen, “Mondo, Lyssonto ot Io 13 quo, n° 12 over 1850, p. 81. O cap tem um “Tesumo" dos prncipios do. mated idem, esan, na 8pace mera do P.C.F., tha escrito em La 7. Newvelle Cilla 1 "ae dezembro de 1949, um artigo intitulado “do qual el sigune.subttuos: "a ele" salniana ce " rn. muto.t rosa" Aerescanemos betel e homom co cidncia eminente que sed artigo fot goer "con 2 ajuda de ina comssdo criada especialmente nessa ocasito, pesiida Bor Vietor Joannbe, membro. do Com se conduz também nos laboraté- 6, em todos os ‘campos, mostrado elo pais da classe operdria no poder, seu Partido bolchevique @ Joseph Stalin, 0 guia dos trabalhadores e © malor homem de ciéncia de nosso tempo”. (p. 70) Num resumo da conferéncia de La Nouvelle Critique so- Proletéria", a redacdo da ita algumas das pressuposigdes dessa grosseira sociologizagao das — A ciéncia é “uma ideolog — “A pratica burguesa” © a “prética proletaria” se de- frontam e “definem duas ciéncias fundamental torias: a ciéncia burguesa e a ciéncia proletar _Trala-se das ciéncias sociais, da economia politica, da histéria? Nao, trata-se realmente da questao da ‘As descobertas mitchourianas e os trabalhos de Lyssenko dependem de tal ciéncia socialista, Colocar-se sobre suas po- sigées, fazendo seus esses critérios, a condigao de objet dade na discussao cientifica, na discussdo sobre 0 delalhe cientifico” (27). ___Trala-se, em certo sentido, de um positivism inverso. Como 0 positivismo, nao se reconhece todolégica fundamental entre as ciéncias social Enquanto o positivismo quer “naturalizar” as cléncias cas, 0 stalinismo-lyssenkismo tenta “ideologizar” as da natureza, Ele atinge assim 0 absurdo de uma biologia te @ cria as condigdes de possibilidade de uma quimica, de uma fabrica e de uma astronomia “proletérias” 0. problema da objetividade € resolvido pela prociamagao canonita:e dogmatica da lade papal do Guia dos Po- vos e Malor Homem de Giéncia de Nosso Tempo, mestre dos istoriadores, economistas, bidlogos e genéticos, solugdo que evidentemente tem a dupla vantagem da simplicidade e da coeréncia! Louis Althusser foi o herdeiro do grande festival da cién- cia proletaria dos anos 50. No come¢o dos anos 60, depois da morte de Stalin, 0 XX Congresso e a confissao, viéticos, da impostura de Lyssenko, ele recebeu, como escreve, um verdadeiro “‘choque”. 27. “La science, idéologie historiquement rel 8 15, abril de 1950, p. 46. five", in La Nouvelle Critique 24 te arrependido de seus pecados de juventude, procurando 0 caminho da verdade objetiva, Althusser fol tomado de um san- to horror diante do conceito de “ciéncia proletaria”, que ele vai tachar de anatema, ndo somente na esfera das cléncias da natureza (o que seria plenamente justificado) mas em todas as ciéncias, inclusive, 0 marxismo: ‘Em nossa meméria filoséfica esse tempo permanece ‘como 0 dos intelectuais armados... cortando © mundo com uma s6 lamina, artes, literaturas, filosofias e ciéncias, através do impiedoso corte das classes — tempo que caricaturalmen- te pode ser resumido numa palavra, lema existente no vazio: “ciéncia burguesa/ciéncia proletar irigentes, para defender contra o furor dos ataques bur- gueses um marxismo entdo perigosamente aventurado na “bio- logia” de Lyssenko, tinham relangado essa velha formula es- querdista, que ja tinha sido a palavra de ordem de Bogdanov © do Proletkult, Uma vez prociamada, ela domina tudo (...) faziam com que tratassemos a ciéncia, cujo titulo cobria as obras, mesmo de Marx, como a primeira ideologia vinda”. (28) ‘A posigdo que Althusser vai assumir € 0 avesso simétrico do Lyssenkismo, partilhando com ele o mesmo erro capital: 0 desconhecimento da diferenga (relativa mas essencial) entre dife- istoria © natureza, cléncia historica e ciéncia natural renca que explica porque ndo poderia haver taria", nem historia “acima das classes” (ou “nao partidaria”) da Revolugdo Russa... ‘Assim também, a aceitacdo do “espirito de partido” stali- niano no passado @ a recusa da ciéncia proletaria (no campo das ciéncias histéricas) atualmente, sao fundamentadas sobre (0 mesmo “erro”: a confusao entre 0 ponto de vista do prole- tariado e sua pobre caricatura burocratica: os dois eram ado- rados juntos no passado, queimados juntos atualmente. ‘Althusser val se situar conseqientemente numa posigao préxima, em certos pontos de vista, a0 positivismo. Aliés, ele nao esconde sua admiragao por A. Comte “dnico esp! ig- no de interesse” que a filosofia francesa produziu “nos 130 anos que se seguiram A Revolugao de 1789”. (29) 28, Alhusser, L., Pour Mare, Maspero, 1965, p. 32. 29. idem, p. 18. cl. também Lénine et la Philosophie, Maspero, Paris. 1969, p. 13: A filosofia francesa "s6 pode ser salva clante de sua préoria his- fora pelos grandes espiritos sobre os quais ela so langou, como Comte fe Durkhoim Em compensagéo, ele critica severamente 0 “esquerdi mo teérico” de Lukécs e Korsch por terem proclamado que 0 marxismo 6 uma ciéncia proletéria e por té-lo oposto a cién- ia_burguesa: ‘‘a Interpretacao historicista-humanista. .. pro- clamava um retorno radical a Hegel (0 jovem Lukécs, Korsch), @ elaborava uma teoria que colocava a doutrina de Marx em relagdo de expressao direla com a classe operaria, € des: tempo que data a famosa oposicao entre “‘ciéncia burgues e “ciéncia proletéria’, onde triunfava uma interpretacéo idea- ista @ voluntarista do marxismo como expresséo e produto exclusivo da pratica proletéria” (90). Assinalamos en passant que se trata de uma interpretagao muito arbitréria das teses do jovem Lukacs, que néo fala do marxismo como expresséo feta” ou “produto exclusivo” da pratica proletaria, mas como ponto de vista que corresponde racionalmente aos inte- resses do proletariado — a célebre “‘consciéncia de classe atribuida” (Zugerechnetes Bewusstsein) thusser vai também criticar Gramsci e seus discipulos italianos, porque eles “definem como histéricas as condigées de todo conhecimento referente a um objetivo histérico” (31) Para ele, em compensacéo, a ciéncia (social ou natural) tem uma histéria propria, independente e separada da historia so- cial e politica, quer dizer, ela nao est condicionada pela luta de classes, e néo faz parle do “bloco hist6rico” (32), Tese que estd em oposi¢éo néo somente a Gramsci, esse esquerdista incorrigivel, mas também ao Lénin ortodoxo e cientifico de Materialismo © Empirocriticismo (do qual Althusser se recla- ma freqiientemente) que escrev ismo dialético de Marx @ Engels contém certamente 0 relativismo, mas nao pode ser reduzido ao relativismo, quer dizer, ele reconhece a relatividade de todo nosso conhecimento, nao no sentido de negar a verdade objetiva, mas no sentido de que os li aproximagao de nosso conhe camente condicionados”. (33). A irresistivel inclinagao de Althusser para o positivismo se manifesta também em sua insisténcia sobre a helerogeneidade radical, a ruptura total (0 célebre “corte epistemolégico”) en- 30. Althusser, L., Lit 31, Idem, p. 77. 32. idem, p. 93. 33. Lenin, Materialism and Emg 1967, p. 129-124, %6 le ci Maspero, Parle, 1968, p. 104, ism, Progress Publishers, Moscou, tre ciéncia o ideologia. A ideclogia &, segundo ele, “governada por interesses exteriores @ necessidade mesma do conheci- mento” (34), Dai resulta, implicitamente, que a ciéncia ndo ¢ governada sendo pela vontade de conhec ser, por conseguinte, 6 possivel uma ciéncia social e po " res”; ele supde, como Durkheim vistas, que esses interesses podem ser deixados no “exterior” da pesquisa cientifica, como deixamos as facas nos vestiarios no momento de entrarmos num saldo de bilhar ho- nesto, Ele supde também que a ciéncia de Marx mesmo nao era influenciada por nenhum desses interesses “exteriores' (equivalente althusseriano dos “julgamentos de valor” nos po- vistas), Para ele, Marx Inaugurou uma nova ciéncia, a cién- istéria, por um “corte” com a ideologia burguesa da economia classica. Mas ele néo explica de maneira alguma as condigdes sociais, politicas, histéricas que permitiram essa ruptura, Ja que nega todo lago epistemolégico entre a ciéncia marxisia e o proletariado, ele nao pode apresentar a cisdo en- tre Marx @ seus predecessores senéo como um fendmeno pu- ramente intelectual, que se passa na cabega de Marx, gracas a seu génio extraordindrio. (35). € por ignorar o carter socialmente condicionado das ciénclas sociais que Althusser nao distingue metodologicamen- te entre ciéncias da natureza e cléncias da historia, 0 que Ihe permite comparar constantemente Marx a Galileu e Lavoisier, assinalando a similitude, ou melhor, a identidade epistemol6: gica de suas descoberta: 7 7 “Para compreender Marx, dévemos traté-lo como um sé- bio entre outros, e aplicar & sua obra cientifica os mesmos conceltos epistemolégicos e histéricos que aplicamos a outras: no caso a Lavoisier. Marx aparece assim como um fundador de ciéncia, comparavel a Galileu e Lavoisier” (66). Ora, como tratar como “um sabio entre outros” esse Marx que escrevia em 1845: “os fildsofos at8 agora sé fizeram interpretar 0 mun- do, cabe agora transformé-lo”? A menos que consideremos essa XI tese sobre Feuerbach como 0 grito exaitado de um jo- 34, Althusser, L,, Lire le Capi 35. cf. a esse rospeito 0 oxct Marxism: and’ Exposition and Assessment I, Maspero, Paris, 1986, p. 105. reiro 1962. 96. Althusser, ¢, Lire le Capital. 11, Maspero, Paris, 1966, p. 119 (sublinhado por nés.'M. L. 2 vem “esquerdista teéri completa... (37). Ha uma passagem de Althusser na qual el - 298 assuntes que abordames aq J 01S parece se re ‘A ciéncia econémica esta particularmente pressdes da ideologia: as ciéncias Ga sociedade no tom se, Fenidade das ciéncias matematicas. Hobbes jd o dizia: a geo. mmetria une os homens, a ciéncia social os divide. A ‘ciéncia ndmica’ 6 a arena e a entrada ei in - bates politicos. da historia” (Q8), |" 99° 498 Grandes com ,Infelizmente, segundo 0 coniexto onde se encontr paragrafo, parece que a “precsio ideclogica’” So oulste para 98 economistas burgueses; Marx representa uma ciéneia libe- Fada das “pressées”, ascéptica, serena, que nao faz sendo re- tomar, num novo campo, as exigéncias metodolégicas “que ao impostas de longa data & pratica das ciéncias autonomas” quer dizer, das ciéncias exatas e das ciéncias da nalureza. O Gue nos conduz novamente & tendéncia imunizada do neopo- Althusser tem razdo em assinalar a especificidade da pré- tica cientifica, sua autonomia com relacao a estrutura soci as condicdes histdricas. Seu erro é absolutizar essa autonomia transformando-a numa independéncia, numa separagao, numa ruptura quase total, Para ele, a historia da ciéncia econémica & como a histéria da cléncia quimica, pontuada por uma des- coberta genial que instaura o “corte epistemologico” entre ciéncia @ ideologia, sem nenhuma relago com uma classe so- cial e seu ponto de vista, Althusser ndo parece suspeitar que © Iago entre Marx € 0 proletariado revolucionario nao era exa- tamente da mesma natureza que o laco entre Lavoisier @ a burguesia revolucionéria de 1789... n&o porque essa burgue- sia fez guilhotinar 0 ilustre sébio, mas porque a descoberta do oxigénio nao tinha nenhuma reiacao epistemolégica com as lutas, aspiragées e interesses do Terceiro Estado. Concluindo: 1) As teses de Althusser estéo em contradigao expli com Marx, que proclemava que sua critica da ecenemia pole tica representa © ponto de vista do proletariado, assim como que ainda nao atingiu a maturidade teri 37. cha inferessanteInrodugto de JM. Bro eM. Brahm a0 livia de Jakubousky, Les Superestructures Idéologiques dans la Concey ion tat if toire, E.D-1.. 1972. ae 92. Althusser, L, Lire le Capit 28 com Lenin, que assinalava 0 cardter “de classe” de toda cién- cia social 2) Althusser & reconhecia duas possi — A ciéncia social como pratica independente com rela~ co as Iutas socials e liberada de qualquer ligagéo de classe (lese que ele defende — A ciéncia social como expressao imediata ¢ exclusiva do proletariado (tese injustamente atribuida aos “esquerdistas te6ricos”), Ele esquece uma terceira variante, que, em nossa opiniéo, é precisamente a dnica correta: a ciéncia historica que se si- tua necessariamente do ponto de vista de uma classe, mas que é relativamente auténoma em sua esfera de atividade propria. 3) Como reacao contra 0 zdanov-lyssenkismo dos anos 50, Althusser vai jogar no esgoto do “esquerdismo” ao mesmo tempo o bebé marxista e a Agua suja staliniana, para se situar num campo tedrico minado pelo positivismo. Uma "‘sociologia do althusserianismo” descobriria prova- velmente atras de suas teses a resisténcia (muito compreens vel) de algumas camadas intelectuais do P.C.F. contra sua submisséo aos imperatives politicos cambiantes do Partido, reconhecimento da independéncia e da dignidade do tra~ \capazes de distinguirem a pers- do de sua caricatura burocratica pectiva histérica do prolet staliniana, eles transformam seu desejo de emanc relagao ao aparelho do Partido em teoria da isen¢ao da a com relagdo ao proletariado, cia man — Concluséo: © ponto de vista do prolets Se admitirmos a tese do marxismo revoluciondrio segun- do a qual toda ciéncia social é, conscientemente ou nao, dire- etamente, “‘engajada”, orientada, “tendenciosa”, ‘partid igada Aviso do mundo, 20 ponto de vista de uma classe ‘social, necessério encontrar uma saida para evi tar 0 desvio do felativismo. Para o relativismo conseaiiente no ha verdade objetiva, ha varias verdades: a do proletariado, a da burguesia, 2 dos ‘conservadores, a dos revolucionarios, cada uma igualmente verdadeira ou falsa. Caimos assim na célebre noite relativista onde todos os gatos sdo pardos, & acabamos por negar a possibilidade de um conhecimento objetivo, Por exemplo, nao haveria uma histéria verdadeira @ objetiva da Revolucdo Francesa, mas diferentes histérias, todas 29 Validas: historia contra-revolucionaria, jacobina, historia socialista. A és Joseph de Maistre, explican- do 1789 pelo castigo divino dos franceses culpados de peca- dos abominaveis, seria to boa (ou tao ma) quanto a de Jau- rs, interpretando os acontecimentos em termos de luta de classe... Ja que tal posigao agnéstica é estéril e manifestadamente absurda, 6 forgado reconhecer que alguns pontos de vista s30 relativamente mais verdadeiros que outros, ou, para ser mais Preciso, que algumas perspectivas permitem uma aproximagao relativamente maior da verdade objetiva, Ora, qual 6 a visso do mundo epistemologicamente privilegiada, qual é 0 ponto de vista mais favorével ao conhecimento do real? A primeira resposta que podemos antecipar — resposta Correta mesmo se insuficiente — 6 a seguinte: o ponto de vista da classe revolucionaria é, em cada periodo histérico, superior a0 das classes conservadoras, porque 6 0 Unico capaz de re- conhecer e de proclamar 0 processo de mudanga social — a burguesia revolucionaria até o século XVIII, 0 proletariado a partir do século XIX. Com efeito, € somente do ponto de vista do proletariado, como classe revolucionéria, que a historicidade do capitalismo @ de suas leis econémicas se torna visivel. Como assinalava Rosa Luxemburgo: "'é Unica e precisamente porque Marx con- siderava a economia capitalista primeiramente como socialista, quer dizer do ponto de vista histérico, que. ele pode decifrar seus hierdglifos. ..” (39), Para os economistas burgueses, as leis capitalistas séio leis “naturais” da produgéo em geral, da producdo como tal. O método de Marx, em compensagao — Hescandalo @ abominagdo para a burguesia” — apreende cada forma “por seu lado transitério", histérico, perecivel, porque ele se situa na perspectiva da classe portadora do projeto re- volucionario (no 6 um acaso se-Althusser, que nega que a encia marxista se situa do ponto de vista do proletariado, quer também negar que © historicismo seja a distingao meto- dologica capital entre Marx e a economia politica burguesa). Numa passagem bem conhecida da Miséria da Filosofia, Marx constata que a burguesia tinha proclamado com razao que as instituicdes da feudalidade eram historicas, ultrapassa- das, arcaicas; enquanto essa mesma burguesia se obstina em apresentar as instituicées da ordem capitalista como natur 39. Luxemburgo R., Rétorme ou Révotution, p. 65. 40 ee eee € eternas. “Assim, houve histéria, mas no hé mais”, acrescen- ta ironicamente Marx. A burguesia revolucionéria tinha perce- bido e denunciado o cardter histérico e transitério do sistema feudal; ¢ somente o proletariado que & capaz de perceber e denunciar a historicidade do sistema burgués. Podemos pois concluir com Adam Schaff, que resume a tese antecipada pela maior parte dos autores marxistas que se dedicaram ao problema das condigées de possibilidade da su- vamente em situagao revolucionéria, cujos interesses col e individuais coincidem com as tendéncias de desenvolvimen- to da sociedade, escapam a acdo dos freios psiquicos que in- tervém na apreensao cognitiva da realidade social; pelo con- trario, seus interesses concorrem para a acuidade da percep¢ao dos processos de desenvolvimento, dos sintomas de decompo- sigdo da ordem antiga e dos sinais precursores da ordem nova da qual esperam a chegada. (. ..) N4o afirmamos absolutamen- te por esse fato que esse caminho conduza & verdade absoluta pretendemos unicamente que as referidas posigdes sejam um melhor ponto de partida e uma melhor perspectiva na busca da verdade objetiva, certamente relativa, mas bastante integral, bastante completa com relagéo ao meno do saber humano.” (40). Essa tese, que afirma pois a superioridade geral do ponto de vista de toda classe revolucionéria, parecé-nos parcialmen- te correta, mas suscita um certo nimero de dificuldades. Sa- be-se que no passado a classe conservadora tinha as vezes in- tuigdes parciais mais “verdadeiras” ou mais “re: classe ascendente: como negar, por exemplo, a verdade relati va do contra-revolucionério inglés Burke em sua critica do ca- rater abstrato, a-histérico e arbitrério da ideologia burguesa revoluciondria’ dos “direitos naturais"? E por essa razéo que Mannheim sustenta a “sintese das ” das diferentes classes, cada uma tendo sua ver- na medida em que fala das clas- ular, 6 obrigado a fazer concessdes 4 Mannheim ¢ aceitar, com reservas, a tese da “multiplicagao das perspectivas” para "obler uma vistio do objeto mais completa, mais global” (41). © que, em nossa opinido, esté perigosamente proximo do ecle- mo @ ndo resolve nada: qual € o critério que permitiria fazer ‘sintese"? A tese defendida por Schaff subestima a especificidade do ponto de vista do proletariado com relagio ao das classes revo- luciondrias do passado (essencialmente a burguesia ascen- tal revolucionéria tinha interesses particula- rentes do interesse geral das massas popu- lares: ela queria a0 mesmo tempo a revolucdo antifeudal e sua dominacao como classe exploradora; 0 que torna necessaria a ocultagao ideolégica (consciente ou néo) de seus verdadel- 108 fins © do verdadeiro sentido do processo historic. © proletariado, em compensacao, classe universal cujo in- teresse coincide com o da grande maioria e cuja finalidade é a aboligdo de toda dominagao de classe, no é obrigado a ocul- tar 0 contetido histérico de sua luta; ele 6, por conseguinto, a primeira classe revolucionéria cuja ideologia tem a possibili- dade objetiva de ser transparente. Nao 6 pois absolutamente um acaso se o proletarlado — 20 contrario da burguesia revolucionaria — apresenta aberta- mente sua revolucao como sendo realizada, nao em nome de Pretensos “direitos naturais” ou de supostos “‘principios eter- nos da Liberdade © da Justia”, mas em nome de seus inte- esses de classe. Uma comparagao entre 0 Manifesto Comu- nista e a Declaragao dos Direitos do Homem de 1789 6 alta- mente instrutiva a esse respeito! 2, _A burguesia péde alcangar o poder sem uma com- Preensdo clara do processo histérico, sem uma consciéncia Precisa do sentido dos acontecimentos, levada pela “asticia da razdo” do desenvolvimento econémico-social. O conheci- mento cientifico do movimento de liberagdo no era uma con- digdo de sua vitéria, e a automistificagdo ideolégica carac- ferizou em geral seu comportamento como classe revolucio- ria, © proletariado, em compensagéo, s6 pode tomar 0 poder @ transformar a sociedade por um ato deliberado @ consciente. © conhecimento objetivo da realidade, da estrutura social, da Conjuntura politica, 6 por conseguinte ‘uma condic&o necess4- fla _de sua pratica revoluciondria: ele corresponde pois a seu 2 interesse de classe. O socialismo seré sera! (42) Por consegu‘ate, a superioridade epistemolégica da pes- quisa proletéria 10 & somente a das classes revolucionérias em geral, mas tem um cardter particular, qualitativamente dife- rente das outras classes, especifico do’ proletariado como il- tima classe revolucionaria e como classe de quem a revolu- ¢40 inaugura o “‘reino da liberdade”, quer dizer a dominago Conscienie e racional dos homens sobre sua vida social. Nesse sentido a ciéncia proletéria é uma forma de transigaéo para a ciéncia comunista, a ciéncia da sociedade sem classes, que poderd atingir um grau muito maior de objetividade, porque o conhecimento da sociedade deixaré de ser a entrada em jogo de uma luta pol As limitagdes que existem no ponto de vista do proletariado, no marxismo, $6 se tornaréo Visiveis nesse momento; toda tentativa para “ultrapassé-lo” antes desse periodo, antes do advento da sociedade comunista mundial, ndo poderao ser sendo recaidas, retrocessos, para 0 ponto de vista de outras classes mais das que 0 prole- tariado. Nesse sentido, efetivamente, 0 marxismo & 0 horizonte cientifico de nossa época (Sartre dixit). Isso significa que ndo ha possibilidade de erro para aque- les que se situam dentro da perspectiva proletéria? O princi pio epistemolégico segundo 0 qual o ponto de vista do prole- tariado é 0 que oferece a melhor possibilidade. objetiva de um conhecimento da verdade nao significa absolutamente que basta se colocar nese ponto de vista para conhecer a ver- dade. Uma grande montanha permite uma melhor viséo da paisagem do que uma pequena colina, mas um miope situado no cume da montanha nao verd muito... por outro lado, 0 pon to de vista das outras classes, mesmo sendo inferior, no pro- duz somente mentiras, inverdades e erros. Numa palavra: existe uma autonomia relativa da ciéncia social, uma continuidade relativa no interior da histéria dessa (Marx continua — critica — ultrapassa Ricardo), uma ica interna da pesquisa cientifica, uma especialidade da ciéncia enquanto pratica visando a descoberta da verdade. Essa “auto-nomia” — no sentido etimolégico grego: “regida por suas préprias leis” — é relativa mas real. £ ela que ex- plica no somente os erros que puderam cometer pensadores Lukles, G., Geschichte und Klassenbewusstein, Luch- 99. 42, Vor a esse respe! ferand, 1988, p. 248, 243, 3 marxistas, @ mesmo Marx ou Engels (p. ex. a previsa: néncia de uma revolugao preletaria na Amann ems Yoso-eo) nas também 0s conhecimentos verdadeiros que pode produ: 0 interior de suas uma ciéncia histérica se 165 (p. eX. as analises de 3@ do Estado moderno). cise a len2l2 do proletariado demonstra sua superioridede pre- ‘amente por sua capacidade em incorporar essas verdedes Barciais produzidas pelas ciéncias "burquesas” ultrapascan. ‘o-as dialeticamente (Authebung), criticando/negando suse mitagdes de classe. A atitude contréria, que prociama a infa. {bilidade @ priori de toda ciéncia sitvada na perspectiva pro: Iptaria, 80 erro absoluto @ necessario de toda pesquisa fun: damentada sobre um outro ponto de vista, é na realideds dog. ica e reducionista, porque ignora a autonomia relativa oa Producao cientifica com relagdo as classes socials, Concuindo: 0 ponto de vista do prok é condigéo suficente para o conhocimedto da verdade objenea mas @ 0 que ofersce maior possibilidade de acesso a essa ver” dade. Isso porque a verdade é para o proletariado um meio uma arma indispensavel para a revolugdo. Ae classes peas aoe EM OS burocratas, num outro ade de mentiras para man © proletariado revolucionario tem necessicade de verdade WEBER E MARX: NOTAS CRITICAS SOBRE UM DIALOGO IMPLICITO. Diz-se habitualmente que A Elica Protestante e o Espi- rito do Capitalismo de Weber 6 um didlogo com o fantasma de Marx, isto é, em certo sentido, uma refutagao do materia- lismo histérico. As posigdes de Marx e de Weber sao freqien- temente resumidas nos seguintes termos: para Marx, toda ten- tativa de explicar 0 racionalismo ocidental deveré admitir a portancia fundamental da economia; e levar em considera- 80, antes de tudo, condigSes econémicas; para Weber, em Compensagao, 0 espirito do capitalismo so seria o resultado de algumas influéncias da Reforma (© problema é claro, e as diferengas entre as duas teses so evidentes; mas ha um pequeno fato que destréi a bela har- monia desse quadro claro e evidente: o que apresentamos acima como 0 “resumo” da concepgao de Marx é uma citagdo literal de... Max Weber! Em sua introdugdo 20 Gesammelte Aufsatze jonssoziologie (1220) — cujo primeiro volume inclui A Elica Protestante... — Weber escreve: “tratar-se-& pois, para comegar, de reconhecer os tragos distintivos do racionalismo ocidental, depois, de reconhecer sua origem. Toda tentativa de explicagao dessa ordem deverd adi portancia funda- mental da economia e levar em consideragao, antes de tudo (vor allen) condigées econdmicas” (1). E isso nfo ¢ tudo: o F, Lethique protestante 4964, p. 28. Cl. Max Wober, Gesamime logie, Tubinge, J. C. M, Mohr, 1920, p. 12.

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