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AULA 2
O QUE É CONSERVADORISMO
ARTIGO I
O que é conservadorismo?
Por Russell Kirk [*]
Uma amiga minha, a quem chamaremos Srta. Worth, teve uma conversa com uma vizinha –
digamos, Sra. Williams – que, um dia antes, havia vendido um velho imóvel, há muito tempo na
família, para que fosse demolido e virasse uma loja de carros usados. A Sra. Williams sentia uma
certa culpa; mas, disse ela resolutamente, “não se pode parar o progresso”. Ela espantou-se com
a resposta da Srta. Worth, que foi a seguinte: “geralmente não se pode, mas pode-se tentar”. A
Srta. Worth não acreditava que o Progresso, com P maiúsculo, fosse algo bom em si mesmo. O
progresso pode ser bom ou ruim, isso depende em que sentido se está progredindo. É bem
possível, e isso ocorre frequentemente, que se progrida em direção a um precipício. O
conservador inteligente, seja ele jovem ou velho, crê que todos nós devemos obedecer à lei
universal da mudança; ainda assim temos todos muitas vezes o poder de escolher quais
mudanças aceitar e quais mudanças rejeitar. O conservador é uma pessoa que se empenha em
conservar o que há de melhor em nossas tradições e instituições, conciliando esse melhor com as
mudanças inevitáveis que ocorrem com o passar do tempo. “Conservar” significa “guardar”. Veja
a maldição de Cupido:
Aqueles que trocam velhos amores por novos amores,
Queiram os deuses que troquem para algo pior.
Um conservador não é, por definição, alguém estúpido ou egoísta. Em vez disso, é alguém que
acredita que há em nossas vidas algo que vale a pena guardar. Na verdade, conservadorismo é
uma palavra com um significado antigo e honrado – mas um significado quase esquecido pelos
americanos até tempos recentes. Abrahan Lincoln queria ser reconhecido como um conservador.
“O que é conservadorismo?” ele disse. “Não é preferir o antigo e já provado ao novo e não
provado?” É isto sim; e é também um corpo de crenças éticas e sociais. Os liberais, por um bom
tempo, vêm perambulando pela esquerda, na direção de seus primos radicais, e o liberalismo, em
anos recentes, veio a denotar uma preferência pelo Estado centralizado e a impessoalidade
lúgubre do Admirável Mundo Novo de Huxley ou o 1984 de Orwell. Homens e mulheres que se
percebem como não sendo liberais[1] nem radicais começam a se perguntar em que afinal
acreditam, e como querem chamar a si mesmos. O sistema de ideias oposto ao liberalismo e ao
radicalismo é a filosofia política conservadora.
O que é conservadorismo?
O conservadorismo moderno ganhou forma nos primórdios da Revolução Francesa, quando
homens visionários na Europa e na América perceberam que, se a Humanidade deve conservar
os elementos da civilização que tornam a vida digna de ser vivida, algum corpo coerente de
ideias deveria resistir ao impulso destruidor de revolucionários fanáticos.[2] Na Inglaterra o
fundador do conservadorismo verdadeiro foi Edmund Burke, cujas Reflexões Sobre a Revolução
na França virou a maré da opinião britânica e teve uma influência incalculável sobre os líderes da
sociedade no Continente e na América. Nos recém-estabelecidos Estados Unidos os Pais da
República, conservadores por educação e por experiência prática, estavam decididos a criar
constituições que guiariam sua posteridade pelos difíceis caminhos da justiça e da liberdade.
Nossa Guerra da Independência Americana não foi uma revolução real, mas antes uma separação
da Inglaterra; os estadistas de Massachusetts e Virgínia não desejavam pôr a sociedade de cabeça
pra baixo. Nos escritos que deixaram, especialmente na obra de John Adams, Alexander
Hamilton e James Madison, encontramos um conservadorismo sóbrio, testado e aprovado,
fundamentado no entendimento da História e da natureza humana. A Constituição elaborada
pelos líderes daquela geração provou ser o dispositivo conservador mais bem sucedido da
História.
Os líderes conservadores, desde Burke e Adams, têm aderido a certas ideias gerais que podemos
descrever brevemente por meio de definições. Os conservadores desconfiam daquilo que Burke
chamou de “abstrações” – ou seja, dogmas políticos absolutos divorciados da experiência prática
e das circunstâncias particulares. Não obstante, creem eles na existência de certas verdades
permanentes que governam a conduta da sociedade humana. Talvez os principais postulados que
caracterizaram o pensamento conservador americano sejam estes:
1) Os homens e as nações são governados por leis morais; e essas leis têm origem numa
sabedoria mais que humana – na justiça divina. Os problemas políticos são, no fundo, problemas
religiosos e morais. O estadista sábio tenta apreender a lei moral e se conduz de acordo com ela.
Temos todos uma dívida moral com nossos antepassados, que nos confiaram a guarda da
civilização, e um dever moral para com as gerações que virão. Esta dívida nos foi ordenada por
Deus. Não temos, portanto, o direito de interferir despudoradamente na natureza humana ou no
delicado tecido de nossa ordem social civil.
2) As marcas de uma alta civilização são a variedade e a diversidade. Uniformidade e igualdade
absoluta são a morte de qualquer real vigor e liberdade na existência. Os conservadores resistem
com força resoluta à uniformidade de uma tirania ou oligarquia, e à uniformidade daquilo que
Tocqueville chamou o “despotismo democrático”.
3) “Justiça” significa que cada homem e cada mulher tem direito àquilo que lhe é próprio – às
coisas mais adequadas à sua natureza, à recompensa pela sua habilidade e integridade, à sua
propriedade e à sua personalidade. A sociedade civilizada demanda que todos os homens e
mulheres tenham direitos iguais perante a Lei, mas essa igualdade não deve se estender à
igualdade de condições: ou seja, a sociedade é uma grande parceria em que todos têm os mesmos
direitos – mas não as mesmas coisas. Uma sociedade justa requer lideranças sólidas,
remunerações diferentes para diferentes habilidades, e um senso de respeito e dever.
4) Propriedade e liberdade são inseparáveis; nivelamento econômico não é progresso econômico.
Os conservadores valorizam a propriedade como algo em si mesma, é claro; mas eles a
valorizam ainda mais pelo fato de que sem ela todos estariam à mercê de um governo onipotente.
5) O poder é cheio de perigos; assim, o bom Estado é aquele em que existem pesos e contrapesos
e é restringido por constituições e costumes sólidos. Tanto quanto possível, o poder político deve
se manter nas mãos de cidadãos comuns e instituições locais. A centralização é geralmente um
sinal de decadência social.
6) O passado é um grande repositório de sabedoria; como Burke disse, “o indivíduo é tolo, mas a
espécie é sábia”. Os conservadores acreditam que precisamos nos guiar pelas tradições morais,
pela experiência social e pelo grande e complexo corpo de conhecimento transmitido pelos
nossos antepassados. O conservador vai além das apressadas opiniões de momento e recorre ao
que Chesterton chamou “a democracia dos mortos” – ou seja, às opiniões abalizadas dos homens
e mulheres sábios que viveram antes de nós, à experiência da raça. Em resumo, os conservadores
sabem que não nascemos ontem.
7) A sociedade moderna necessita urgentemente ser uma comunidade verdadeira: e uma
comunidade verdadeira é um mundo inteiramente diferente do coletivismo. Comunidades reais
são governadas pelo amor e pela caridade, e não pela compulsão. Por meio de igrejas,
associações de voluntários, governos locais e uma variedade de instituições, os conservadores
buscam manter a comunidade sadia. Conservadores não são egoístas, mas sim dotados de
espírito público. Eles sabem que o coletivismo é o fim da comunidade real, pois esse substitui a
variedade pela uniformidade e a cooperação espontânea pela força.
8) Nas relações internacionais, os conservadores americanos sentem que seu país deve ser um
exemplo para o mundo, mas não deve tentar refazer o mundo à sua imagem. É uma lei, tanto da
política quanto da biologia, que todo ser vivo ama acima de tudo – mesmo acima da própria vida
– sua personalidade distinta, que o destaca de todas as outras coisas. Os conservadores não
aspiram à dominação mundial nem sentem prazer na ideia de um mundo reduzido a um único
padrão de governo e civilização.
9) Os conservadores sabem que os homens e mulheres não são perfectíveis, muito menos as
instituições políticas. Não podemos criar um paraíso na Terra, mas podemos torná-la um inferno.
Somos todos criaturas em que se misturam o bem e o mal; e, se as boas instituições são
negligenciadas e os antigos princípios morais ignorados, o mal em nós tende a predominar.
Sendo assim, os conservadores desconfiam de todos os esquemas utópicos. Eles não creem que
se possa resolver todos os problemas da humanidade pelo poder do direito positivo. Podemos
esperar tornar o mundo tolerável, mas não há como torná-lo perfeito. Se o progresso foi
alcançado, ele o foi por meio do prudente reconhecimento das limitações da natureza humana.
10) Os conservadores estão convencidos de que “mudança” e “melhoramento” não são
sinônimos: inovações morais e políticas podem ser tanto destrutivas como benéficas; e se tais
inovações são empreendidas num espírito de arrogância e entusiasmo, provavelmente será algo
desastroso. De tempos em tempos todas as instituições humanas alteram-se em certa medida, já
que a mudança lenta é o meio de se conservar a sociedade assim como é o meio de se renovar o
corpo humano. Mas os conservadores americanos buscam reconciliar o crescimento e as
alterações essenciais á nossa vida com a força de nossas tradições morais e sociais. Como Lord
Falkland, eles dizem: “Quando não é necessário mudar, é necessário não mudar”. Eles sabem que
homens e mulheres sentem mais contentamento quando vivem num mundo estável de valores
perenes.
O conservadorismo então não é simplesmente coisa de pessoas que têm dinheiro ou influência;
não é simplesmente defender status ou privilégios. A maioria dos conservadores não têm nem
dinheiro e nem poder. Mas todos, mesmo o mais humilde deles, obtém grandes benefícios de
nossa República. Eles possuem liberdade, segurança pessoal e para seus lares, igual proteção da
lei, direito aos frutos de seus empreendimentos, e a oportunidade fazer o melhor que são capazes
de fazer. Têm o direito à personalidade em vida, e o direito à consolação na morte. Os princípios
conservadores abrigam as esperanças de todos na sociedade. E o conservadorismo é um conceito
social importante para todos que desejam justiça equitativa, liberdade pessoal e todos os bons e
velhos hábitos da humanidade. O conservadorismo não é apenas uma defesa do “capitalismo”
(“capitalismo”, de fato, é uma palavra cunhada por Karl Marx, concebida desde o início para
insinuar que tudo que os conservadores defendem é a vasta acumulação de capital privado). Mas
os conservadores verdadeiros defendem sim a propriedade privada e uma economia livre, tanto
por elas mesmas quanto por serem meios para grandes fins.
Esses grandes fins são mais que econômicos e mais que políticos. Envolvem a dignidade
humana, a personalidade humana, a felicidade humana. Envolvem inclusive a relação entre Deus
e o Homem. Já o coletivismo radical de nossa época é violentamente hostil a qualquer outra
autoridade: o radicalismo moderno detesta a fé religiosa, a virtude pessoal, a personalidade
tradicional, e uma vida de satisfações simples. Tudo o que vale a pena conservar está ameaçado
em nossa geração. A mera oposição negativa e não raciocinada ao atual estado de coisas,
agarrando-se em desespero ao que ainda possuímos, não será suficiente nesta época. O
conservadorismo instintivo deve ser reforçado por um conservadorismo do pensamento e da
imaginação.
[*] Russell Kirk. “What is Conservatism?”. The Imaginative Conservative, 4 de Dezembro de
2013.
Tradução: Felipe Alves
Revisão: Cássia H.
[1] Na Europa e América do Norte, liberalism (em inglês) equivale às esquerdas, ao socialismo.
Designa os promotores de governos intervencionistas e limitantes, de mercados interditados, isto
é, limitados, e de propriedade coletiva ou estatal.
Em nossa América Latina, todavia, “liberalismo” pode significar exatamente o contrário,
sobretudo quando seguida do adjetivo “clássico”: designa os partidários de governos limitados a
umas poucas funções próprias muito específicas quanto ao livre mercado e à propriedade
privada.
Nos países anglo-saxões houve, não faz muito tempo, uma saudável resistência ao socialismo; e
por isso os socialistas evitavam se chamar pelo nome, e passaram a se autodenominar
“progressistas” (progressives), desde o século 19. Porém, no século 20 foram desmascarados, e
mudaram novamente para “liberais” (liberals). E como as esquerdas haviam se apropriado do
conceito de “liberalismo”, desde os anos 1950 Hayek recomendou aos verdadeiros liberais o uso
da expressão composta “liberalismo clássico” (classical liberalism).
Fonte: http://bit.ly/1SlTWQf
[2] É importante fazer a distinção entre conservadorismo, reacionarismo, imobilismo, e
progressismo (em sua forma aguda, que é o revolucionarismo, que quer destruir tudo e começar
do zero).
O imobilismo [social ou político] é uma posição que não aceita qualquer espécie de mudança,
que pretende que a situação atual se mantenha sem qualquer modificação. As pessoas vítimas do
imobilismo negam o tempo — e reagem a qualquer mudança, mesmo para melhor, mesmo
inócua. Os imobilistas, por exemplo, recebem desfavoravelmente transformações perfeitamente
legítimas ou inovações benéficas.
O reacionarismo nega o tempo de maneira mais radical do que o imobilismo, pois pretende que
ele reflua. Condena as transformações ocorridas numa determinada época recente, como se a
História pudesse ser vítima de condenação, como se a História não fosse, pela própria condição
humana, essencialmente ambígua, isto é, havendo, sempre, bem e mal em todas as situações
históricas.
Opõe-se ao conservadorismo o espírito progressista, isto é, daqueles que acreditam, ao contrário,
que a História é sempre um campo em que se realiza, automaticamente, um progresso continuado
e onde, pois, o novo, é sempre bom, ao contrário dos imobilistas e reacionários que admitem que
o novo é sempre mau, e do verdadeiro conservador que acha que o novo poderá ser bom, se não
houver uma ruptura com a tradição.
O conservador reconhece o tempo — mas como sendo passado e futuro. Não nega o passado,
como o progressista — os tempos pretéritos não foram pavorosos nem ignorantes. Não nega o
futuro, como os reacionários: o dia de amanhã poderá trazer grandes alegrias se soubermos
trabalhar.
Fonte: TORRES, J. C. de O. Os construtores do Império. São Paulo: Ed. Nacional, 1968.
ARTIGO II
Notas
[1] Sobre o conservadorismo americano contemporâneo veja em particular Paul Gottfried, The
Conservative Moviment, ed. rev. (New York: Twayne Publishers, 1993); George H. Nash, The
Conservative Intellectual Movement in America (New York: Basic Books, 1976) Justin
Raimondo, Reclaiming the American Right: The Lost Legacy of the Conservative Movement
(Burlingame, Calif.: Center for Libertarian Studies, 1993); veja também adiante o cap. 11.
[2] Samuel T. Francis, “From Household to Nation: The Middle American populism of Pat
Buchanan,” Chronicles (March 1996): 12-16; veja também idem, Beautiful Losers:Essays on the
Failure of American Conservatism (Columbia: University of Missouri Press, 1993);
idem,Revolution from the Middle (Raleigh, N.C.: Middle American Press, 1997).
[3] Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics, Scholar’s Edition (Auburn,
Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1998), p. 67. “Príncipes e maiorias democráticas”, escreve
Mises, “são embriagadas com poder. Eles devem admitir relutantemente que estão submetidos às
leis da natureza. Mas eles rejeitam a própria noção de lei econômica. Não são eles os legisladores
supremos? Não possuem eles poder para esmagar qualquer oponente? Nenhum senhor da guerra
é propenso a reconhecer qualquer limite além daqueles impostos a ele por uma força armada
superior. Escritores servis estão sempre prontos para adotar tal complacência expondo as
doutrinas apropriadas. Eles chamam suas presunções confusas de “economia histórica.”
[4] Ludwig von Mises, Socialism: An Economic and Sociological Analysis (Indianapolis, md.:
Liberty Fund, 1981), pp. 43 1-32.
AULA 3
O QUE É SER CONSERVADOR
ARTIGO I
[1] B. Crick, "The Strange Quest for na American Conservatism", Review of Politics, XVII
(1955), 365, afirma com razão que "o americano normal que se intitula 'conservador' é na
verdade liberal". Parece que a relutância desses conservadores em recorrer a essa denominação,
mais adequada, só começou com o abuso do termo durante a época do "New Deal", quando o
termo [i]liberal[/i] foi desvirtuado e passou a significar "progressista".
[2] Ver Lord Hugh Cecil, Conservatism ("Home University Library" [Londres, 1912]), página 9:
"O conservadorismo natural [...] é uma atitude contrária à mudança, que decorre em parte de
certa desconfiança em relação ao desconhecido".
[3] Ver a reveladora descrição que o conservador K. Feilling faz de si mesmo em Sketches in
Nineteenth Century Biography (Londres, 1930), página 174: "A direita, como um todo, tem
horror a idéias, pois não é o homem prático, nas palavras de Disraeli, 'aquele que põe em uso os
erros de seus predecessores'? Por longos períodos de sua história, os direitistas
indiscriminadamente resistiram a todos os avanços e, ao reclamar o respeito pelos antepassados,
muitas vezes costumam reduzir a opinião ao preconceito individual do passado. Sua posição se
tornará ainda mais fácil de ser defendida, porém mais complexa, se acrescentarmos que esta
direita domina incessantemente a esquerda; que ela vive da constante inoculação de idéias
liberais e desta forma sofre as conseqüências de uma situação de compromisso que nunca chega
a ser definida."
[4] Espero que me desculpem por estar repetindo aqui as palavras com as quais, em outra
situação, defini uma importante questão: "O principal mérito do individualismo que [Adam
Smith] e seus contemporâneos defenderam é aquele de constituir um sistema no qual os homens
maus podem ocasionar um mínimo de prejuízo. Trata-se de um sistema social que não depende
para seu funcionamento de encontrarmos bons homens para dirigi-lo, nem de que todos os
homens se tornem melhores do que são, mas de um sistema que utiliza homens em toda a sua
variedade e complexidade, algumas vezes bons e algumas vezes maus, algumas vezes
inteligentes e muitas vezes imbecis" (Individualism and Economic Order [Londres e Chicago,
1948], página 11).
[5] J. R. Hicks falou com propriedade, quanto a esse assunto, da semelhança entre as "caricaturas
do jovem Disraeli, de Marx e de Goebbels" ("The Pursuit of Economic Freedom", What We
Defend, Ed. E. F. Jacob (Oxford [Oxford University Press, 1942], página 96). Sobre o papel dos
conservadores a esse respeito ver também a minha Introdução à obra Capitalism and the
Historians, por mim editada (Chicago: University of Chicago Press, 1954), páginas 19 e
seguintes.
[6] N.T. – Referência ao "movimento progressista", que se iniciou em 1910 e se cristalizou em
1911, com a fundação da Liga Nacional Republicana Progressista, base de sustentação da
candidatura do ex-presidente Theodore Roosevelt, dissidente republicano e líder dos
progressistas, à presidência dos Estados Unidos na campanha de 1912.
[7] J. W. Burgess, The Reconciliation of Government with Liberty (Nova Iorque, 1915), página
380.
[8] Cf. Learned Hand, The Spirit of Liberty, Ed I. Dilliard (Nova Iorque, 1923), página 190: "O
espírito da liberdade é aquele que não tem total convicção de estar certo". Ver também a famosa
frase de Oliver Cromwell em sua Letter to the Gerneral Assembly of the Church of Scotland, 3
de agosto de 1650: "Eu vos suplico, pelas entranhas de Cristo, pensai se não estaríeis errados". É
significativo que essa seja provavelmente a frase mais conhecida do único "ditador" da história
britânica!
[9] H. Hallam, Constitutional History, 1827 (ed. "Everyman"), III, 90. Segundo se afirma
frequentemente, o termo "liberal" deriva do nome do partido dos liberales espanhóis no início do
século XIX. No entanto, estou mais inclinado a acreditar que derive do termo utilizado por Adam
Smith, por exemplo, em A Riqueza das Nações, II, 41: "o sistema liberal de livre exportação e
livre importação" e página 216: "permitir que cada homem persiga seu interesse pessoal à sua
maneira, baseado na idéia liberal de igualdade, liberdade e justiça."
[10] Lord Acton em Letters to Mary Gladstone, página 44. Ver também sua opinião a respeito de
Tocqueville em Lectures on the French Revolution (Londres, 1910), página 357: "Tocqueville
era um Liberal da mais pura cepa — um liberal e nada mais, profundamente desconfiado da
democracia e seus congêneres, igualdade, centralização e utilitarismo". Também em Nineteenth
Century, XXXIII (1893), 885. A afirmação de H. J. Laski ocorre em "Alexis de Tocqueville and
Democracy", em The Social and Political Ideas of Some Representative Thinkers of the Victorian
Age, ed. F. J. C. Hearnshaw (Londres, 1933), página 100, onde ele diz: "Penso que é possível
entender sua posição (Tocqueville) e a de Lord Acton a respeito do poder total considerando que
eram os liberais mais autênticos do século XIX".
[11] Já no começo do século XVIII, um observador inglês afirmava: "Praticamente nunca vi um
estrangeiro vivendo na Inglaterra, fosse ele de origem holandesa, alemã, francesa, italiana ou
turca, que não se tornasse Whig em pouco tempo, depois de conviver conosco" (Citado por G. H.
Guttridge, English Wiggism and the American Revolution [Berkeley: University of California
Press, 1942], página 3).
[12] Nos Estados Unidos, no século XIX, o uso do termo Whig infelizmente apagou da memória
o fato de que este mesmo termo, no século XVIII, representava os princípios básicos que
pautaram a revolução, conquistaram a independência e moldaram a Constituição. Foi nas
sociedades Whig que o jovem James Madison e John Adams desenvolveram seus ideais
políticos. (cf. E. M. Burns, James Madison [New Brunswick, N. J.: Rutgers University Press,
1938], página 4); foram os princípios Whig que, como Jefferson diz, orientaram todos os juristas
que constituíam a grande maioria dos signatários da Declaração da Independência e dos
membros da Comissão Constitucional (ver Writings of Thomas Jefferson ["Memorial Ed."
(Washington, 1905)], XVI, 156). A defesa dos princípios Whig foi levada a tal ponto que mesmo
os soldados de Washington se vestiam com o tradicional "azul e ocre", as cores dos Whigs, assim
como os foxites (N. T.: seguidores de Charles James Fox [1749-1806], político britânico que se
tornou um dos mais destacados membros do grupo Whig, liderado por Edmund Burke) do
Parlamento britânico, que foram preservadas até nossos dias nas capas da Edinburgh Review. Se
uma geração socialista fez do whiguismo seu alvo principal, esta é mais uma razão para os
adversários do socialismo defenderem esta denominação, hoje a única que define corretamente
os princípios dos liberais gladstonianos, dos homens da geração de Maitland, Acton e Bryce, a
última geração cujo objetivo principal era a liberdade e não a igualdade ou a democracia.
[13] Lord Acton, Lectures on Modern History (Londres, 1906), página 218.
ARTIGO II
ARTIGO III
Voce nao Pode Amar o Governo e Odiar a Politica
Por SandFord Ikeda
A política é inseparável do governo. Na verdade, ela é o governo.
Oliver Stone, cineasta iconoclasta e ativista político, discursou na Conferência Internacional do
Estudantes pela Liberdade em fevereiro passado em Washington, D.C. O ponto comum entre
Stone e a maioria dos libertários é sua conhecida crítica ao militarismo norte-americano no
exterior, não somente da parte dos republicanos conservadores, como também da de democratas
de esquerda como o Presidente Obama.
Entretanto, onde os libertários diferem de Stone, e diferem profundamente, é o que me parece
mais interessante e instrutivo. Stone parece um homem desencantado com a política, todavia,
ainda apaixonado pelo governo. Assim, ele condena o intervencionismo no exterior, mas aprova
as intervenções violentas do regime de Chávez (agora, de Maduro) em seu próprio país. Ele
parece acreditar que a política, particularmente a política suja, pode ser separada do governo.
Mas intervir é o que um estado forte faz, interna e externamente.
Admiração, desencanto e traição
Stone era, como mencionei, duramente crítico ao presidente Obama. Stone disse que sentia que o
presidente estava recuando nas suas promessas de campanha. Ao mesmo tempo, Stone expressou
forte apoio ao atual regime na Venezuela e a violenta opressão governamental do Partido da
União Socialista aos manifestantes da oposição, referindo-se a eles como “de má índole” por
tentar derrubar o que ele considera um governo democraticamente eleito. (Contudo, veja essa
carta aberta a Oliver Stone, entregue durante a conferência).
Condenar a intervenção violenta do governo dos Estados Unidos nas relações exteriores e, ao
mesmo tempo, apoiar a intervenção violenta do governo da Venezuela em seus assuntos
domésticos é uma inconsistência óbvia para muitos libertários. O tamanho relativo do governo
dos Estados Unidos e sua autodenominada função como polícia do mundo comparado ao
tamanho modesto da Venezuela e seu papel limitado na América Latina podem ser parte da razão
pela qual Stone opõe-se a um enquanto aprova o outro.
No entanto, por trás do desgosto de Stone pelo presidente Obama, quem ele apoiou por duas
eleições, estava um sentimento de traição oriunda do desejo de que Obama/presidente deveria
viver em um mundo diferente do Obama/candidato.
Iluda pelo bem da tarefa
Stone não está sozinho no seu desencanto pelo presidente Obama. O índice de aprovação do
presidente alcançou o seu menor nível, e os Democratas estão preocupados com relação à
influência desse fato nas eleições legislativas. O candidato iluminado e político valente perdeu
seu brilho, especialmente para aqueles que acreditaram na sua retórica progressista – não
somente na política externa, mas também na imigração, saúde e espionagem. Vamos ser justos:
quase todo presidente perde popularidade no seu segundo mandato. As pessoas eventualmente
percebem que a realidade não combina com a retórica. Mas é exatamente essa a questão: é mera
retórica. Ou, para ser mais preciso, retórica política.
O que é retórica política? É o discurso persuasivo que tem como foco a obtenção do controle do
uso da força. Foi Carl von Clausewitz quem disse que “a guerra é uma continuação da política
por outros meios”. Portanto, a guerra e a política são somente formas distintas de se alcançar o
controle físico. Enquanto a política normalmente não envolve violência aberta (pelo menos não
nos países mais ricos nas últimas décadas), a retórica a serviço da política inclui o uso da
mentira. Se a iniciação da força física é um meio aceitável – na verdade, o único meio – para que
se possa declarar uma guerra, a mentira e a distorção dos fatos são seus parceiros relativamente
pacíficos.
É por isso que o Estado é frequentemente definido como a agência que detém o monopólio
legítimo da agressão e da fraude. Assim como a violência física, algumas pessoas argumentam
que a mentira e a distorção dos fatos podem servir ao bem comum: por exemplo, dizendo às
pessoas: “se você gosta do seu plano de saúde, pode mantê-lo” de forma a obter a aprovação do
Obamacare. Platão afirmou que uma “nobre mentira” sobre as origens de uma nação, por
exemplo, pode ser necessária para manter a harmonia social. No entanto, tais mentiras – diz ele –
são mais eficazes junto às elites do que ao cidadão comum”.
Omitir a verdade de inimigos potenciais é tão importante quanto impedir seu acesso a armas. A
política, de acordo com o dicionário online Merriam-Webster, envolve “atividades que visam
influenciar as ações e políticas de um governo ou obter e manter o poder em um governo”. A
mentira e a fraude são essenciais à política e a política é inseparável do governo. Ou, como Jane
Jacobs escreveu em seu brilhante livro Systems of Survival, uma das regras básicas do governo é
“iludir pelo bem da tarefa”.
House of Cards
Quando o governo é limitado a algumas tarefas, a necessidade e o escopo da fraude também são
limitados. Por outro lado, quanto mais o governo faz, maior é o papel que a fraude tem nas
atividades diárias. Como o escândalo da NSA ilustra, o governo espiona seus cidadãos e depois
desmente. Embora o governo norte-americano ainda não tenha atingido o nível de planejamento
central coletivista que F. A. Hayek expôs no Caminho da Servidão, muito do que escreveu se
aplica a ele, mutatis mutandis.
Eu me recordo especialmente do seu famoso capítulo 10, “Por que os piores chegam ao poder”,
do qual o argumento central é que quanto mais detalhado o plano que o Estado pretende impor
aos seus cidadãos, mais desumanos e frios seus executores devem ser para que tenha sucesso. É
por isso que os mais desumanos e sem princípios tem vantagem na luta pelo poder político. O
que separa o presidente Obama, ou qualquer outro presidente recente dos Estados Unidos, de
alguém como o presidente Vladimir Putin da Rússia é uma questão de grau, não de tipo.
Parafraseando Lord Acton, não somente o poder tende a corromper, mas também o poder
absoluto tende a atrair os totalmente corruptos. Frank Underwood, protagonista do drama
televisivo House of Cards, é uma ilustração excelente, embora ficcional, de tal tendência.
A política é inseparável do governo, na verdade, ela é o governo. Quanto maior o governo, maior
o papel da política. Como dizem, a política é uma característica, não um erro.
ARTIGO III
AULA 4
O QUE É LIBERALISMO
Liberalismo é uma filosofia política ou ideologia fundada sobre ideais que pretendem ser da
liberdade individual e do igualitarismo. Os liberais defendem uma ampla gama de pontos de
vista, dependendo de sua compreensão desses princípios, mas em geral, apoiam ideias como
eleições democráticas, liberdade de expressão, direitos civis, liberdade de imprensa, liberdade
religiosa, livre-comércio, igualdade de gênero, estado laico, liberdade econômica e propriedade
privada.
O liberalismo transformou-se primeiramente em um movimento político durante o iluminismo,
quando se tornou popular entre filósofos e economistas no mundo ocidental. O liberalismo
rejeitou as normas sociais e políticas prevalecentes de privilégio hereditário, religião estatal,
monarquia absoluta e direito divino dos reis. O filósofo John Locke, do século XVII, é muitas
vezes creditado como fundador do liberalismo como uma tradição filosófica distinta. Locke
argumentou que cada homem tem um direito natural à vida, liberdade e propriedade,
acrescentando que os governos não devem violar esses direitos com base no contrato social. Os
liberais opuseram-se ao conservadorismo tradicional e procuraram substituir o absolutismo no
governo pela democracia representativa e pelo Estado de direito.
Prominentes revolucionários na Revolução Gloriosa, Revolução Americana e na Revolução
Francesa, usaram a filosofia liberal para justificar a derrubada armada do que eles viam como
tirania. O liberalismo começou a se espalhar rapidamente, especialmente depois da Revolução
Francesa. No século XIX, foram estabelecidos governos liberais em nações da Europa, América
do Sul e América do Norte. Nesse período, o opositor ideológico dominante do liberalismo
clássico foi o conservadorismo, mas o liberalismo sobreviveu aos grandes desafios ideológicos
de novos adversários, como o fascismo e o comunismo.
ARTIGO I
É óbvio, eles não obtiveram um sucesso completo. Dois séculos de guerras, crises econômicas,
emendas constitucionais despropositadas, usurpações feitas pelo executivo, rendição do
congresso, e imperialismo judicial suscitaram uma forma de governo que é exatamente o
contrário da imaginada pelos autores, e oposta ao liberalismo clássico. A habilidade do governo
federal, com o presidente como seu chefe principal, de taxar, regulamentar, controlar e dominar
completamente a vida nacional está praticamente sem limite nos dias atuais.
O Presidente Não-Liberal
Quando a constituição foi escrita, Washington, D.C, era um pantanoso pasto para vacas com
apenas algumas construções, e a sociedade americana era a mais livre do mundo. Hoje, a área
metropolitana de D.C é a mais rica da face da terra porque é a sede do maior governo do mundo.
O governo dos EUA tem mais pessoas, recursos e poder à sua disposição do que qualquer outro.
Ele regulamenta mais, e com maior fineza de detalhes, do que qualquer governo no planeta. Seu
império militar é o mais vasto e de maior presença internacional da história do mundo. Sua carga
tributária anual faz com que a produção total da velha União Soviética seja insignificante.
Quanto ao sistema federal, trata-se mais de um slogan do que de uma realidade. De tempos em
tempos, ouvimos algo sobre retornar o poder aos estados ou banir ordens judiciárias infundadas.
Bob Dole[1] diz carregar em seu bolso uma cópia da décima emenda[2]. Mas não leve sua
retórica muito a sério. Os estados são meros anexos do poder nacional, em virtude dos mandados
aos quais são submetidos, das propinas que aceitam, e dos programas que gerenciam.
O indivíduo, a família, e a comunidade — as unidades essenciais da sociedade na era pré-
estatista — não só foram reduzidos a servos federais, tendo apenas a liberdade que o governo os
permite ter, como também foram obrigados a agir como parte de uma ordem nacional coletivista
que está por toda parte. Nenhuma grande figura política nacional propõe mudar isso.
Descontentamento Público
A realidade, no entanto, é que as pessoas não estão satisfeitas com esse arranjo. Durante a Guerra
Fria, o público foi persuadido a ceder uma quantidade surpreendente de sua liberdade pelo bem
da missão maior de afastar o comunismo. Antes disso, foi a Segunda Guerra Mundial, e antes foi
a Depressão, e antes a Primeira Guerra Mundial. Pela — e apenas — segunda vez nesse século,
vivemos na ausência de qualquer crise que o governo possa usar para suprimir os direitos que os
autores quiseram garantir [3].
Como resultado, a opinião pública hoje é esmagadoramente a favor de reduções no poder
governamental. Praticamente todo político desse país que vence uma eleição promete fazer algo
a respeito. Isso vale para os dois maiores partidos. Este ano, tanto Clinton quanto Dole irão
concorrer com programas que prometem, de um jeito ou de outro, reduzir o tamanho e o alcance
do poder federal.
Se relembrarmos novembro de 1994, ouvimos naquela época uma das mais radicais retóricas
anti-Washington vinda dos políticos desde 1776. Diferentemente da mídia, achei que isso foi
uma coisa maravilhosa. Os resultados, no entanto, foram menos do que impressivos. Impostos e
gastos estão maiores desde que os Republicanos conquistaram a maioria no Congresso. O
orçamento para ajudas ao exterior está maior. O estado regulador está mais invasivo do que
nunca. As peças centrais da agenda legislativa republicana — incluindo os projetos de lei para a
agricultura, adoção e áreas médicas — expandem o tamanho do governo, ao invés de encolhê-lo.
Existem muitas razões para isso, sendo as principais a duplicidade da liderança do Congresso e o
talento de seus aliados na imprensa conservadora, que dá a eles uma cobertura ideológica. Não
obstante, os novatos que foram eleitos — a quem a mídia descreve como agitadores políticos e
ativistas ideológicos -- merecem parte da culpa, pois careceram de uma lógica filosófica
consistente para se opor ao monstro que encontraram.
Considere por exemplo a questão do equilíbrio orçamentário. Todo político alega que quer um.
Todos os novatos prometeram que votariam por um. Mas eles foram imediatamente ludibriados
pela classe política. Quando eles quiseram cortar impostos, as elites se atiraram sobre eles
dizendo que isso iria aumentar o déficit. Imediatamente, eles foram confrontados com um
problema: como conciliar seu conservadorismo fiscal com seu desejo por menos impostos?
Essa confusão resulta de um erro intelectual. A prioridade é encolher o governo. Isso significa
que os impostos devem ser cortados em todo e qualquer lugar. E liberais clássicos bem escolados
sabem que os governos podem usar o embuste do equilíbrio orçamentário para se manter
inchados e em expansão contínua. Sabemos que impostos maiores tipicamente não diminuem o
déficit, e, mesmo que o fizessem, essa não seria uma maneira honrosa de proceder. O orçamento
federal não é um orçamento doméstico em maior escala; ele é uma gigantesca extorsão
redistributivista.
Esse fato suscita uma compreensão central da tradição intelectual liberal-clássica. O governo não
tem nenhum poder ou recurso que antes não tenha tomado das pessoas. Ao contrário das
empresas privadas, ele não pode produzir nada. O que quer que ele tenha, ele deve extrair da
iniciativa privada. Embora isso tenha sido bem compreendido no século XVIII, bem como em
grande parte do século XIX, tudo foi quase que totalmente esquecido no século do socialismo e
do estatismo, do Nazismo, do Comunismo, do New Deal, do assistencialismo, e das guerras.
Lições Aprendidas
À medida que nos aproximamos do século XXI, quais as lições que aprendemos do século que
fica? A mais importante refutação do socialismo veio de Ludwig von Mises, em 1922. Seu
tratado chamado Socialismo afastou pessoas boas de doutrinas ruins, e jamais foi refutado por
qualquer um dos milhares de marxistas e estatistas que o atacaram. Por causa desse livro, hoje
ele é reverenciado como um profeta, mesmo por social-democratas vitalícios que passaram anos
atacando e difamando-o.
Bem menos conhecido é um outro tratado que surgiu três anos depois. Era seu grande livro
Liberalismo. Tendo já atacado por completo o estatismo, ele viu ser necessário explicar
detalhadamente a alternativa. Foi o primeiro renascimento maciço do programa liberal-clássico
em muitas décadas, dessa vez vindo do principal economista político do continente.
Em sua introdução, Mises observava que a versão do liberalismo dos séculos XVIII e XIX havia
cometido um erro. Ela havia tentado falar não apenas de coisas materiais, mas também de
assuntos espirituais. Tipicamente, os liberais haviam se posicionado contra a igreja, o que teve o
desastroso efeito de influenciar e jogar a igreja contra o livre mercado e o livre comércio.
Para tentar evitar esse efeito polarizador, Mises deixou claro que o liberalismo "é uma doutrina
que se dirige inteiramente ao comportamento dos homens nesse mundo. Ela não tem nada mais
em vista que não a promoção do bem-estar material deles, e não se preocupa com suas
necessidades interiores, espirituais e metafísicas".
É claro que a vida dos homens é mais importante do que comer, beber e obter avanços materiais.
É por isso que o liberalismo não pretende ser uma teoria completamente desenvolvida sobre a
vida. Assim, a teoria liberal não pode ser repreendida por teólogos e conservadores como sendo
uma teoria puramente secular. Ela é secular apenas no sentido em que ela lida com assuntos que
são próprios do mundo político, e nada mais. Não há nada no liberalismo de Mises que alguma
pessoa religiosa deva contestar, desde que ela concorde que o avanço material da sociedade não é
moralmente censurável.
Outra mudança que Mises fez na tradicional doutrina liberal foi vinculá-la diretamente à ordem
econômica capitalista. Com bastante freqüência o liberalismo mais antigo oferecia uma
magnífica defesa da liberdade de expressão e de imprensa, mas negligenciava a dimensão
econômica, que é de total importância.
Esse vínculo direto que Mises fez entre o liberalismo e o capitalismo também ajudou a separar a
posição liberal das outras formas fraudulentas que estavam emergindo na Europa e nas Américas.
Esse falso liberalismo alegava que havia uma maneira de favorecer tanto a liberdade civil quanto
o socialismo, assim como a ACLU[4] dizia ontem e hoje.
Mas como Mises argumentava, a liberdade é uma peça única. Se o governo é grande e poderoso
o suficiente para aniquilar a liberdade de comércio, para inflacionar a moeda, ou para financiar
serviços públicos maciços, não se precisa de muito mais para também se controlar a imprensa e
todas as formas de expressão, e para se envolver em aventuras militares no estrangeiro.
Propriedade
Daí surge a mais famosa frase de Mises deste livro, a frase que alarmou e inspirou intelectuais
por todo o mundo: "O programa do liberalismo", se "condensado em uma única palavra, seria:
propriedade." Por propriedade, Mises se referia não apenas à propriedade privada em todos os
níveis da sociedade, mas também ao controle da mesma por seus próprios proprietários.
Com essa única demanda, que a propriedade e seu controle sejam mantidos em mãos privadas,
podemos ver como o estado deve necessariamente ser radicalmente limitado. Se o governo pode
somente trabalhar com os recursos que ele toma de outros, e se todos os recursos pertencem e são
controlados por entidades privadas, o governo está restringido.
Se a propriedade privada está segura, podemos contar com todos os outros aspectos da sociedade
para sermos livres e prósperos. A sociedade não pode se administrar a si própria a menos que
seus membros sejam donos da sua propriedade e controlem-na; inversamente, se a propriedade
está nas mãos do estado, ele vai controlar a sociedade originando os resultados catastróficos que
conhecemos tão bem.
Se os direitos de propriedades são estritamente protegidos, o estado não pode usar crises sociais
para obter vantagens e, consequentemente, poder — como fez durante guerras, depressões e
desastres naturais. Os limites sobre o governo se aplicam, independentemente de ocorrências.
Não há exceções. Assim, uma sociedade liberal-clássica não teria construído uma TVA[5], não
salvaria — utilizando dinheiro do contribuinte — fazendeiros texanos durante uma seca, não
mandaria homens em missões espaciais, e não teria taxado os americanos em seis trilhões de
dólares e despejado tudo em uma fracassada guerra contra a pobreza.
Liberdade
O segundo pilar de uma sociedade liberal, Mises dizia, é a liberdade. Isso significa que as
pessoas não são escravas umas das outras, e nem do governo; mas, sim, donas de si próprias,
sendo livres para perseguirem livremente seus interesses, contanto que não violem os direitos de
propriedades de outros. Mais importante, todos os trabalhadores são livres para trabalhar na
profissão de sua escolha, estabelecendo contratos livres e voluntários com seus empregadores, ou
se tornando empregadores eles próprios.
A combinação de liberdade e propriedade torna as pessoas capazes de exercitar o
importantíssimo direito da exclusão. Eu posso manter você fora da minha propriedade. Você
pode me manter fora da sua. Você não tem que comerciar comigo. Eu não tenho que comerciar
com você. O direito a exclusão, juntamente com o direito de comerciar largamente, é a chave de
uma sociedade pacífica. Se não podemos escolher a forma e o estilo das nossas associações,
então não somos livres em qualquer sentido.
O colapso da liberdade de associação, especialmente na forma de leis anti-discriminação, é uma
das principais razões de a acrimônia social ter aumentado tanto em nossa época. Apesar de serem
raramente questionadas, as leis anti-discriminação não podem se harmonizar com uma visão
liberal-clássica da sociedade. Uma associação que é forçada jamais pode ser boa para as partes
envolvidas, e nem para a sociedade em geral.
Qualquer discussão sobre esse assunto invariavelmente levanta a questão da igualdade. E aqui
encontramos outro aperfeiçoamento que Mises fez sobre modelos anteriores de liberalismo. Eles
estavam excessivamente apaixonados pela idéia de igualdade: não apenas como uma construção
legítima, mas também como algo a ser atingido pela criação de uma sociedade sem classes, o que
é totalmente ilógico.
Como Mises disse, "todo o poder humano seria insuficiente para tornar todos os homens iguais.
Os homens são e para sempre permanecerão desiguais". Ele argumentava que às pessoas não
poderia ser dada uma quantidade igual de riqueza ou mesmo oportunidades iguais para se
tornarem ricas. O melhor que a sociedade pode fazer para seus membros é estabelecer regras que
se apliquem a todos, de todas as classes. Essas regras não isentariam ninguém, incluindo os
regentes que estão no governo.
Os muito ricos estarão sempre com a gente, ainda bem, assim como também estarão os muito
pobres. Esses conceitos estão estreitamente ligados a sociedades e arranjos particulares, é claro,
mas do ponto de vista da política, é melhor que sejam ignorados. É função da caridade particular,
e não do governo, cuidar dos pobres, e protegê-los de serem arrastados para campanhas políticas
demagógicas que ameacem as liberdades essenciais.
Em uma sociedade liberal o governo não protege os indivíduos contra eles mesmos, não luta por
algum tipo de distribuição de riqueza, não promove uma região em particular, ou uma tecnologia,
ou um grupo, e não determina a distinção entre vícios pacíficos e virtudes. O governo central não
controla a sociedade ou a economia sob qualquer aspecto.
Paz
O terceiro pilar do liberalismo clássico é a paz. Isso significa que não pode haver amor à guerra,
e, quando ela ocorrer, não pode ser vista como algo heróico, mas apenas como uma tragédia para
todos. Ainda assim, continuamos a ouvir que guerras são boas para a economia, mesmo que elas,
sempre e em todo lugar, desviem recursos, alocando-os mal e destruindo-os. Mesmo o vitorioso,
Mises mostrou, perde. A guerra, disse Randolph Bourne, "é o alimento do estado".
O mesmo vale para o império. Os americanos se opuseram a uma presença hostil soviética em
nosso hemisfério. Entretanto, nunca consideramos como as pessoas no Japão, para ficar com
apenas um exemplo, podem se sentir a respeito do grande número de tropas americanas em seu
país. De longe, a maior causa de ocorrências criminais em Okinawa e no resto do Japão são as
tropas americanas. Mas será que as nossas tropas, nossos aviões, nossos navios e armas nucleares
"defendem" o Japão? Contra quem? Não, continuamos a ocupar o país 51 anos após o fim da
Segunda Guerra Mundial com o propósito único de controlar.
Se você quer descobrir o verdadeiro caráter de um homem, esqueça o que ele diz sobre si
mesmo, e veja como ele lida com outras pessoas. O mesmo se aplica ao governo. Podemos
esquecer suas afirmações; simplesmente observe como ele trata os outros. O estado liberal-
clássico é aquele que protege os direitos dos cidadãos comercializarem com povos estrangeiros.
Ele não anseia por conflitos externos de qualquer tipo. Ele não demanda, por exemplo, que
outros países comprem produtos produzidos por indústrias americanas influentes, da maneira que
a Kodak está exigindo, apoiada pelo poderio militar americano, que o Japão compre seus filmes.
Tampouco uma sociedade verdadeiramente liberal envia ajuda governamental para países
estrangeiros, suborna, prende ou mata seus regentes, diz a outros governos que tipo de país eles
devem ter, ou se envolve em esquemas globais para impor direitos assistencialistas sobre o
mundo. Entretanto, essas são atitudes que os EUA têm empreendido como sua política padrão
desde os anos 1930. Nossos dirigentes parecem pensar que eles sempre têm que estar subornando
alguém, bombardeando alguém, ou ambos. De outra maneira, corremos o risco de cairmos no
temível "isolacionismo".
Jonathan Kwitney[6] ilustrou a política externa americana da seguinte maneira: imaginemos que,
em intervalos mensais regulares, damos uma volta pelo quarteirão, batendo de porta em porta.
Em uma casa, anunciamos para nosso vizinho: "Eu gosto de você, eu aprovo você, aqui estão
$1.000". Na próxima casa, fazemos a mesma coisa. Mas na terceira casa, dizemos: "Eu não gosto
de você, eu não aprovo você". Então levamos a mão para baixo do casaco, sacamos uma
espingarda serrada calibre 12, e o trucidamos, junto com toda sua família.
E assim vamos nós, andando pelo quarteirão, de tempos em tempos, dando dinheiro para alguns,
matando outros, e tomando decisões baseadas em interesses que temos naquele momento, sem
regras claras.
Meu palpite é que não seríamos muito populares. Pense nisso na próxima vez que vir um
comício "anti-EUA" na televisão. Essas pessoas podem estar recebendo nossa ajuda externa, mas
elas também podem estar pensando que serão o próximo Iraque, Haiti, Somália, ou Panamá.
Uma política externa liberal-clássica não é política externa alguma, exceto, como George
Washington disse, se for para comercializar com todos e não ser beligerante com ninguém.
Restauração
Esses três elementos — propriedade, liberdade, e paz — são a base do programa liberal. Eles são
o âmago de uma filosofia que pode restaurar nossa prosperidade perdida e nossa estabilidade
social. Contudo, apenas comecei a arranhar a superfície do programa liberal. Ainda há muito a
ser dito sobre política monetária, tratados de comércio, esquemas de seguridade social, e muito
mais. No entanto, se nossa classe política pudesse entender esse núcleo de liberdade,
propriedade, e paz, estaríamos muito melhores, e eu me sentiria mais confiante de que a próxima
leva de novatos que mandarmos para Washington iria ficar de olho no prêmio, que não é a
redistribuição ou a concessão de direitos especiais, mas a liberdade.
"O liberalismo", escreveu Mises, "procura dar aos homens apenas uma coisa: o desenvolvimento
pacífico e imperturbável do bem-estar material para todos, para que, por meio disso, possa
protegê-los das causas externas de dor e sofrimento, desde que essas causas estejam apenas em
poder de instituições sociais, e não do estado. Diminuir o sofrimento, aumentar a felicidade: esse
é o objetivo".
O liberalismo clássico funcionaria nos dias de hoje? Pense nas questões litigiosas da sociedade
atual. Cada uma certamente envolve uma área que está relacionada com alguma forma de
intervenção governamental. Os conflitos atuais giram em torno do desejo de apoderar-se da
propriedade de terceiros usando para esse fim o aparato político de coerção que é o estado. A
nossa sociedade seria mais pacífica e próspera se tivesse seguido o programa liberal? A pergunta
carrega sua própria resposta.
Agora, de volta ao meu devaneio. Eu não conheço e nem me preocupo em conhecer as políticas
presidenciais porque elas não importam de maneira alguma. Minha liberdade e propriedade estão
tão asseguradas que, francamente, não faz diferença quem vença as eleições. Mas, para atingir
esse objetivo, nenhum de nós pode abster-se das batalhas políticas e intelectuais de nossa época.
Mesmo quando a visão liberal-clássica tiver sido restaurada nesse país, como acredito que pode e
será, não podemos nos dar ao luxo de descansar.
O Prometeus, de Goethe, brada:
Por acaso imaginaste, num delírio,
que eu iria odiar a vida e retirar-me para o ermo
por alguns dos meus sonhos se haverem
frustrado?
E Fausto responde com sua "última palavra de sabedoria":
Só merece a liberdade e a vida
aquele que tem de conquistá-las todos os dias.
ARTIGO II
ARTIGO III
AULA 7
ARTIGO I
AULA 8
ARTIGO I
ARTIGO II
GC: um debate crucial foca na questão de se Ayn Rand continua ou rompe com a tradição do
liberalismo clássico, notavelmente representado por autores como David Hume, Adam Smith ou
Jean-Baptiste Say. Qual sua opinião nessa questão?
SH: o liberalismo de Rand é poderoso e sistemático, e aprendi muito com ele. Contudo, não
acredito que ela tenha sido particularmente original em economia política. Se fôssemos listar,
digamos, 100 políticas defendidas por liberais clássicos, Rand estaria de acordo com a maioria
delas.
A tese distinta de Rand [em economia política] é a sua insistência de que a melhor defesa do
liberalismo é filosófica – isto é, na defesa da metafísica, epistemologia e, especialmente, ética
corretas. Errar nelas prejudica o caso em prol de uma sociedade livre. Em filosofia, as conclusões
de Rand frequentemente conflitam com as de Smith (em especial, na psicologia moral) e com as
de Hume (em especial, na epistemologia).
Curiosamente, Rand tem menos em comum filosoficamente com os liberais do Iluminismo
Escocês (por exemplo, Hume e Smith) e mais em comum com os liberais do Iluminismo Inglês
(por exemplo, Locke e Mill).
Embora haja pontos comuns entre Rand e Locke/Mill, o liberalismo de Rand é baseado no
egoísmo racional, e isso a distingue na tradição do liberalismo clássico.