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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

Hart, H.L.A. (1983). American Jurisprudence through English Eyes: The Nightmare and the
Noble Dream. Em: Essays in Jurisprudence and Philosophy. Oxford University Press.

Ensaio 4

A Ciência do Direito Americano Através de Olhos Ingleses:


O Pesadelo e o Nobre Sonho

Tradutor: Carlos A. Pimparel - 016767


pimparel@hotmail.com

1º Manuscrito: 25-03-07
1ª Revisão: 09-05-07
2ª Revisão: 18-09-07

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

3ª Revisão: 15-12-07

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

Hart, H.L.A. (1983). American Jurisprudence through English Eyes: The Nightmare and the
Noble Dream. Em: Essays in Jurisprudence and Philosophy. Oxford University Press.

Ensaio 4

A Ciência do Direito Americano Através de Olhos Ingleses:


O Pesadelo e o Nobre Sonho

É como algum senso de atrevimento que arrisco a me dirigir a uma audiência


Americana sobre o tema da Ciência do Direito americano. Pode-se até pensar que justiça não
deve se realizar a um tema tão vasto, no confinamento de uma única palestra, e se for o caso
de ser realizado por um americano, ao invés de um inglês visitante. Eu confesso que não
tenho uma resposta muito convincente a essa objeção, exceto dizer que há detalhes
importantes de grandes montanhas que não podem ser vistas por aqueles que moram nas
mesmas, mas que facilmente são capturados por um simples olhar de longe.
É claro que reconheço que é necessário cuidado. No The American Scene, o maior
romancista de seu país, Henry James, observa ‘the seer of great cities is liable to easy error, I
know, when he finds this, that or the other caught glimpse the supremely significant one…’1 i
Isto é um aviso contra a apressada generalização e supersimplificação, e certamente o aviso é
válido, pois, como variada e vasta, a América tem muitas vezes atraído observadores
europeus, a fim de caracterizar parte da vida americana ou pensar em termos de um aspecto
saliente, apresentando um forte contraste com a Europa. E devo confessar que me encontro
fortemente inclinado a me render a esta tentação, de caracterizar a Ciência do Direito
americano, isto é, como o pensamento especulativo americano a respeito da natureza do
direito, por lhes dizer em termos inadequados, que é marcado pela concentração, quase a
ponto de obsessão, no processo judicial, isto é, como os tribunais fazem ou deveriam fazer,
como os juízes argumentam ou deveriam argumentar na decisão de casos particulares. E
poderia citar como apoio, os mais proeminentes juristasii americanos dos últimos 80 anos.
Deste modo, o juiz Oliver Wendell Holmes, em 1894, disse: ‘As profecias de que os tribunais
irão fazer de fato, e nada mais pretensioso, é o que eu quero dizer por Direito.’2 O grande
jurista formado em Harvard, John Chipman Gray, escreveu na virada do século que ‘O Direito
do Estado ou de qualquer corpo de homens organizados é composto de regras as quais os
tribunais – que são órgãos judiciais deste corpo – delineiam para a determinação dos direitos e
deveres legais.’3 Um jurista posterior, Karl Llewellyn, em 1930, disse: ‘O que estes oficiais
públicos [que são, principalmente os juízes] decidem a respeito de uma contestação é para a
minha mente o Direito em si mesmo.’4 Apenas há alguns anos atrás, o professor Jaffe de
Harvard disse, enquanto palestrava para nós em Oxford, que a questão, o que é a função do
judiciário em um Estado democrático, estava dividindo o elemento vital da capacidadeiii do
Direito americano.5 Mas as grandes áreas de pensamento não são avaliadas por meio de
aforismos extraídos de seu contexto; relembrando o aviso de Henry James, devo, na
dedicação da maior parte desta palestra, a concentração do pensamento americano sobre o

1
Henry James, The American Scene 99-100 (1907).
2
Holmes, ‘The Path of the Law’, em O.W. Holmes, Collected Legal Papers 173 (1920).
3
J.C. Gray, The Nature and Sources of the Law 84 (2ª ed. 1921).
4
K. Llewellyn, The Bramble Bush 3 (1930). Mas veja a retratação na 2ª edição, destas palavras como ‘infelizes’
e ‘e na melhor hipótese como declaração parcial da verdade por completa’, Ibid, na 9 (2ª ed, 1951).
5
L. Jaffe, English and American Judges as Law Makers 9 (1969).

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processo judicial, alegando que este é somente um aspecto da Ciência do Direito americano,
contrastando fortemente com o nosso próprio.
A simples explicação desta concentração é, sem dúvida, o papel absolutamente
extraordinário dos tribunais, e acima de qualquer um, a participação da Suprema Corte dos
Estados Unidos no governo americano. Nas famosas palavras de Tocqueville, ‘raramente
surge uma questão política nos Estados Unidos que não é resolvida, cedo ou tarde, em uma
questão judicial.’6 Um jurista inglês nota que duas coisas determinaram o papel e o status da
Suprema Corte, diferentemente de qualquer tribunal inglês e certamente de qualquer outro
lugar. A primeira foi naturalmente a própria decisão da Suprema Corte, de que esta teria o
poder de revisar e declarar inconstitucional qualquer lei e assim invalidar as leis do
Congresso, assim como as legislações estaduais.7 A segunda foi sua interpretação sobre da 5ª
Emenda,iv e posteriormente da 14ª Emenda,v provendo que nenhuma pessoa seria privada da
vida, liberdade e da propriedade sem o due process of law,vi referente não meramente à
matéria de forma ou de procedimento, mas também a de conteúdo da legislação; sendo assim,
para a perplexidade de um jurista inglês, até o estatuto do Congresso, com sua impecável
clareza, aprovado por uma opressiva maioria e conforme todos os requerimentos processuais
especificados na Constituição, ainda pode ser considerado inválido por causa de sua
interferência na liberdade individual, ou caso a propriedade não satisfaça o requerimento de
um vago e indefinido padrão de razoabilidade ou de ser desejável; esta doutrina veio a ser
chamada substantive due process.8 vii
Esta doutrina, uma vez adotada, assegura poderes de revisão de um vasto escopo e
coloca os tribunais americanos desgovernados num mar de causas de valores controversos, e
fica claro que, no exercício destes vastos poderes de monitorar, não somente a forma e as
formalidades da legislação, mas também o seu conteúdo, os tribunais estavam fazendo algo
bem diferente do que o pensamento legal convencional, onde todos os países concebem como
função padrão judicial: a imparcial aplicação de determinado conjunto de leis existentes na
resolução de conflitos. E o que os tribunais estavam fazendo parece a um jurista inglês, a
primeira vista, particularmente difícil de se justificar em uma democracia.
De fato, as mais famosas decisões da Suprema Corte têm sido de tal importância e tão
controversas em sua natureza, diferentemente dos tribunais comuns, que ordinariamente
decidem lides, que nenhuma Ciência do Direito ou Filosofia do Direito, sérias, poderiam se
esquivar de perguntar com qual concepção da Natureza do Direito, tais poderes judiciais são
compatíveis. Certamente, a Ciência do Direito americana não escapou desta questão, mas no
desenvolvimento de teorias para explicar, ou dar satisfação, a este extraordinário fenômeno
judicial tem oscilado entre dois extremos com várias paradas intermediárias. Por estas razões,

6
A. De Tocqueville, Democracy in America 280 (P. Bradley ed., 1945).
7
Veja McCulloch v. Maryland, 17 U.S. (4 Wheat.) 316 (1819); Maryland v. Madison, 5 U.S. (1 Cranch) 137
(1803).
8
Para o desenvolvimento desta doutrina veja Allgeyer v. Lousiana, 165 U.S. 578 (1897) (14ª Emenda ‘liberdade
de contrato’ proibi o estado de regular os proprietários de contratar seguro marinho com uma seguradora
estrangeira); Lochner v. New York, 198 U.S. 45 (1905) (14ª Emenda ‘liberdade de contrato’ proibi o estado de
regular o número máximo de horas trabalhadas por dia ou semana de um empregado de confeitaria); Adair v.
United States, 208 U.S. 161 (1908) (5ª Emenda ‘liberdade de contrato’ barra a proibição federal de contratação
de ‘yellow dog’ NT em ferrovias inter-estaduais); Coppage v. Kansas, 236 U.S. 1 (1915) (14ª Emenda ‘liberdade
de contrato’ barra a proibição estadual de contratação de ‘yellow dog’; Adkins v. Children’s Hosp., 261 U.S. 525
(1923) (5ª Emenda ‘liberdade de contrato’ proibi o Distrito de Columbia de prescrever o salário mínimo para
mulheres).
NT
: Yellow-dog contract. Forma de contrato entre empregado em empregador, onde o primeiro concorda com a
condição de contratação, seja a de não ser participante de sindicato. Tipo de contrato vastamente utilizado até a
década de 30 nos E.U.A. Wikipedia. Yellow-dog clause. Acessado em 23/02/07, no site da Wikipedia:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Yellow-dog_contract>.

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

que espero que fiquem claras, devo chamar estes extremos, respectivamente, de Pesadelo e
Nobre Sonho.
O Pesadelo é este. Demandantes em casos legais consideram-se intitulados a ter, dos
juízes, a aplicação do direito corrente em seus litígios, e não de um novo direito construído
para o caso. E claro, é aceito que o direito existente não é necessário existir, e freqüentemente
isto não é óbvio, e a perícia de um jurista treinado pode ser necessária para extrair este das
devidas fontes. Mas para o pensamento convencional, a imagem do juiz – usando a frase de
um eminente juiz inglês, Lorde Radcliffe – é de ‘objetivo, imparcial, erudito, e experiente
declarante da lei’,9 não para ser confundida com a muito diferente imagem do legislador. O
Pesadelo é que esta imagem do juiz, distinguindo ele do legislador, é uma ilusão, e as
expectativas que despertam, estão condenadas ao desapontamento – num ponto de vista
extremo, sempre, ou moderado, freqüentemente. Certamente um escrutínio desobstruído do
progresso das decisões constitucionais americanas parece suportar a visão do Pesadelo das
coisas e sugere a um inglês uma interpretação cínica da observação de Tocqueville, que as
questões políticas nos Estados Unidos, cedo ou tarde, se tornarão questões judiciais.
‘Possivelmente elas assim o sejam’, um inglês pode dizer, ‘mas o fato de que elas são
decididas em tribunais americanos, por juízes, não significa que estas, lá, não são decididas
politicamente. Assim, se sua Constituição construiu o Direito, que em qualquer outro lugar,
seria político, o fez assim ao risco de politizar seus tribunais.’
Assim, um inglês habituado a uma atividade, menos espetacular, dos tribunais
ingleses, fica tentado a concordar com muitos juristas contemporâneos americanos que
acusam juízesviii de agir como uma terceira câmara legislativa, quando no primeiro período de
ativismo da Suprema Corte, entre a Guerra Civil e o New Deal,ix julgando
inconstitucionalmente, sob a due process clause,x legislações sociais e econômicas de bem-
estar de qualquer tipo, estatutos fixando horas máximas, salário-mínimo, controle de preços e
muito mais.10 Os juízes daquele período, de acordo com seus muitos críticos, estavam se
beneficiando dos mitos convencionais sobre o processo judicial, para passar suas doutrinas
pessoais, políticas e econômicas do laissez-faire, erguendo uma Magna Carta para os grandes
empresários americanos, como se isto fosse a aplicação imparcial de determinado dispositivo
legal, de alguma maneira já latente na frase due process e supostamente, acima do nível da
política ou meramente do julgamento político. Mas liberdades econômicas não eram as únicas
formas de liberdade e, em seu segundo período moderno de ativismo – em nossos próprios
dias – os tribunais usam de seus poderes de revisão para forçar grandes reformas legais, as
quais em outros países foram trazidas à tona, se mesmo trazidas, somente após amargas
batalhas parlamentares; tem provido uma série diferente de exemplos para suportar a visão do
Pesadelo a respeito do processo judicial, como mera cripto-legislação. Para um inglês, a mais
impressionante instância moderna é a decisão da Suprema Corte de 1973, eliminando
completamente a secular legislação contra o aborto em diversos estados-membros da União,
em um debate, onde muitas opiniões morais eram contra a reforma.11 Alcançando em um
único golpe judicial mais do que os últimos oito embates parlamentares asseguraram em um
período maior do que 50 anos, em meu país. E foi feito em nome do direito da privacidade da
mãe, a qual não é mencionada em nenhum lugar da Constituição, mas foi lida no due process
clause como uma liberdade fundamental. O Juiz Oliver Wendell Holmes, em uma famosa
opinião discorrida, protestou contra as decisões laissez-faire de seus dias, e que a 14ª Emenda
não legalizara, o Social Statics de Herbert Spencer, e sua filosofia laissez-faire.12 Caso ele

9
Radcliffe, The Path of the Law from 1967, 14 (1968).
10
Verificar nota 8.
11
Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973); Doe v. Bolton, 410 U.S. 179 (1973).
12
Lochnet v. New York, 198 U.S. 45, 75 (1905) (Holmes, J.).

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

tivesse sobrevivido até o período moderno, ele poderia ter protestado que a 14ª Emenda não
legalizou o ‘Sobre a Liberdade’, de John Stuart Mill.
Exposto este histórico, não é surpreendente que um ramo de pensamento
jurisprudencial americano deveria estar preocupado com a visão presente do Pesadelo, que
apesar de suas pretensões contrárias, juízes produzem Direito, que eles aplicam aos litigantes
e não são imparciais, declarantes intencionais do direito existente. Tudo isto é compreensivo
ao jurista inglês, após ele ter se inteirado com a história constitucional relevante. O que
remanesce, surpreendente, é que em algumas variações dessa teoria jurídicaxi da visão do
Pesadelo tenha sido apresentada por sérios juristas americanos, não meramente como um
aspecto de certos tipos de difícil adjunção – como no caso de decisão judicialxii constitucional
na qual imensas frases genéricas como ‘due process’ ou ‘equal protection of the laws’ foram
encaixadas em casos particulares – mas como se decisão judicial fosse essencialmente uma
forma de fazer direito, e nunca uma questão de declarar o direito existente, e com a sugestão
de que até a verdade a ser compreendida e os mitos convencionais, que a obscureceram,
tenham se dissipado, a Natureza do Direito não poderia ter sido entendida. Tenho dito que
juristas sérios escreveram como este fosse o caso, não que eles acreditassem nisto; pelo que
concordo com um historiador recente, que o que é chamado de Movimento Realista
Americano das décadas de 20 e 30, com a qual a visão do Pesadelo se identifica mais, que
muitos que aparentemente pregavam esta mensagem e encaminharam-na com audaciosos e
provocativos slogans, quase sempre queriam dizer algo bem menos extravagante que estes
slogans pareciam dizer.13 Isto é certamente verdadeiro a respeito da famosa observação de
Holmes de que, ‘As profecias de que os tribunais irão fazer de fato, e nada mais pretensioso,
são o que eu entendo por Direito.’14 E é também, sem dúvida verdadeiro, Karl Llewellyn: ‘O
que [os juízes] fazem a respeito dos litígios é... Direito’, ainda que seja escassamente possível
de retirar a mesma visão de Jerome Frank em Law and the Modern Mind,15 aclamado como
clássico na década de 1930, no qual a crença de que poderia haver regras legais restringindo
os juízes, a serem aplicadas e não produzidas por eles, em casos concretos é estigmatizada
como uma forma imatura de fetichismo ou uma fixação paterna chamando por uma terapia
analítica.
Holmes certamente nunca chegou a estes extremos. Ainda que ele tenha proclamado
que os juízes o fazem, e precisam legislar em certos pontos, ele admitiu que a vasta área do
direito positivadoxiii e muitas doutrinas firmemente estabelecidas do common law,xiv como os
requisitos de consideração para contratos, e as demandas de ajustar a frouxa teoria americana
comparativa de unir precedentes, foram suficientemente determinantes para fazer absurdo de
se representar o juiz com primariamente um law-maker. Assim, para Holmes, a função do juiz
de legislar era mais ‘intersticial’.16 A teoria de Holmes não era a filosofia do ‘todo vapor à
frente e para o inferno com os silogismos’.
Todavia, de uma maneira em que um jurista inglês acha enigmática e sem paralelo em
sua própria literatura, o impulso em direção à visão do Pesadelo, referente ao processo
judicial como um ato legal incontrolável de legislar tem, em tempos, figurado largamente na
teoria legal americana, ainda que os escritores apanhados dentro desta discussão têm
freqüentemente modificado esta conclusão em face de fatos recalcitrantes. Um exemplo bem
impressionante da influência dessa teoria nos juristas americanos é o The Nature and Sources
of the Law, de John Chipman Gray, que apareceu em primeiro lugar no ano de 1909. Este é
muito mais como um manual da Ciência do Direito, cobrindo vários tópicos diferentes, do que
qualquer outro livro americano, e o autor, um distinto graduado de Harvard, fora exposto e

13
Veja W. Twining, Karl Llewellyn and the Realist Movement 380 (1973).
14
Holmes, ‘The Path of the Law’, supra nº 2, em 173.
15
Veja J. Frank, ‘Law and the Modern Mind’ 175, 178, 193, 203, 244, 264 (1930).
16
Southern Pacific Co. v. Jensen, 244 U.S. 205, 221 (1917) (Holmes, Jr., descordando).

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

reconheceu a influência de Betham e Austin. Como livro, ele examina um vasto espectro de
tópicos – direitos e deveres legais, normas,xv precedentes, equidade, direito e moral – mas
busca através destes tópicos um tema mais não-inglês possível: que o Direito consistente das
regras impostas pelos tribunais, usadas para decidir casos e tudo o mais; normas e incluindo
precedentes, são meramente fontes do Direito. Por esta teoria, as palavras do século XVIII de
Bishop Hoadly, são evocadas três vezes em auxílio: ‘Seja quem for que tiver a autoridade
absoluta para interpretar qualquer lei dita ou escrita, é ele quem é verdadeiramente o Law-
giver para todas as intenções e propósitos, e não a pessoa que primeiro escreveu ou enunciou
a lei’.17 É verdade que até mesmo no livro de Gray este tema radical é obscurecido por
inconsistências e concessões a meios ordinários de pensamento e expressão, como se o senso
comum irá se igualar em um trabalho de Ciência do Direito. Mas o fato de um extremamente
capaz jurista, de grande prática, assim como experiência acadêmica, ter se engajado tão
profundamente a este método de expressar visões gerais sobre a Natureza do Direito,
manifesta o forte suporte sobre a imaginação legal americana da visão do Pesadelo das coisas.
Entrelaçado com o Pesadelo, há outro tema persistente. Talvez a mais mal-utilizada
citação, de qualquer jurista americano, seja a observação de Holmes em 1884 de ‘a vida do
Direito não tem sido lógica: tem sido experiência’.18 Esta, em seu contexto, foi um protesto
contra a superstição racionalista (como Holmes pensava) de que o desenvolvimento histórico
do Direito nos tribunais poderia ser explicado como um desdobrar de conseqüências lógicas
contidas no Direito em suas fases anteriores.19 Mudança judicial e desenvolvimento do Direito
foram, insistiu Holmes, a expressão dos juízes, ‘preferências instintivas e convicções
inarticuladas’, em resposta, como ele disse, às ‘necessidades sentidas’20 de seu tempo. E seu
protesto foi feito para assegurar o reconhecimento consciente dos juristas, dos poderes
legislativos dos tribunais; assim, a mudança judicial e o reajuste do Direito deveriam ser
realizados após uma explícita ponderação, que ele chamou de ‘considerações de vantagem
social’.21 Mas para um filósofo-historiador americano, Professor Morton White, as
observações de Holmes sobre lógica têm sido pegas como um exemplo de um grande
movimento do pensamento americano, o qual ele classifica de ‘Revolta contra o Formalismo’,
e Holmes, junto com John Dewey na filosofia, Thorsten Veblen na economia, entre outros,
são pegos como um exemplo de uma grande reação contra a excessiva confiança em um
pensamento que é dedutivo, formal, abstrato ou dividido em disciplinas firmemente
separadas.22 A revolta nasceu de um desejo de cortar divisões estéreis, arbitrárias, acadêmicas
e de substituir pelo formalismo, uma vívida, realística atenção à experiência, vida,
crescimento, processo, contexto e função. Qualquer que seja a verdade, desta interessante
peça da história cultural americana, ataques à ‘lógica’ ou ao ‘uso excessivo’ da lógica feitos
por alguns juristas americanos, discutindo o raciocínio judicial, se tornaram de qualquer
modo, para o jurista inglês tentando entender o cenário americano, o mais confuso e
confundido tema. Assim, a interpretação laissez-faire do ‘due process clause’ da
Constituição, erigindo liberdade de contrato em um quase absoluto princípio e derrubando em
seu nome muito da progressiva legislação de bem-estar social, foi estigmatizada como um
exemplo dos vícios do formalismo, black letter law,NT e do uso excessivo da lógica ou do

17
J.C. Gray, supra n. 3, em 102, 125, 172.
18
O.W. Holmes, The Common Law 1 (1881).
19
Ibid, em 36.
20
Ibid, em 1.
21
Holmes, The Path of the Law, supra n.2; em 184.
22
Morton White, Social Thought in América: The Revolt Against Formalism (2ª ed. 1957).
NT
black letter law. Princípio do direito, o qual é vulgarmente conhecido e livre de dúvida ou discussão. Letric
Law Library Lexicon. Black Letter Law. Acessado em 10/03/03, no site da Letric Law Library
<http://www.lectlaw.com/def/b033.htm>.

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

‘caça-níqueis’ ou Ciência do Direito mecânica.23 Mas a lógica não dita, naturalmente, a


interpretação de leis ou de qualquer outra coisa, e a falta ou demasiada confiança nisto, por
outro lado, pode responder pela Suprema Corte, no período em questão, lendo na Constituição
as doutrinas laissez-faire. Mas o que os críticos estavam atacando desta maneira confusa era
na realidade, não o método pelos quais os tribunais chegaram às interpretações da
Constituição, mas sim o congelamento de qualquer interpretação de uma regra positivada em
uma premissa fixa, imune de revisão e para ser utilizada nos próximos casos aplicáveis.
Assim, denunciaram, agitando o estandarte do pragmatismo, uma pura e retrógrada maneira
de sentenciar, de acordo com decisões particulares, em casos particulares que deviam sua
justificação legal exclusivamente a sua relação com o significado predeterminado da regra
legal existente; e incitavam os juízes a uma forma avançada de sentenciar, de acordo com as
regras legais, sendo tratadas como presunções descartáveis ou hipóteses trabalháveis, a serem
modificadas ou rejeitadas se os resultados previsíveis de sua aplicação em um contexto social
de mudança se provassem insatisfatórias.24
Os temas que descrevi, apesar de se originarem antes, todos figuraram no movimento
chamado Realismo Legal de 1920 a 1930.25 Mas em que o realismo dos Realistas consiste?
Acho muito difícil dizer porque estes grupos ativos de juristas diferem tanto quanto se
assemelham. Todos, certamente, estavam preocupados em enfatizar as oportunidades
legislativas dos tribunais e de dissipar os mitos do pensamento convencional, os quais
acreditavam que os escureciam. Alguns acompanharam este pensamento com uma insistência
inflexível; que para entender o Direito, tudo o que importava era o que os tribunais realizavam
e a possibilidade de predizê-lo, não que as regras positivas diziam e nem as razões
apresentadas pelos juízes. Alguns alegavam que o conhecimento da personalidade do juiz,
hábitos da vida, visões políticas, sociais ou econômicas, até mesmo sua saúde, eram pelo
menos tão importantes, como base para uma previsão de sucesso de uma decisão, do que a
doutrina legal. Outros apreciavam a visão pé-no-chão, verdadeiramente científica, inspirada
pela crença que o único lucrativo ou até mesmo racional estudo da lei, eram as investigações,
usando os métodos das ciências naturais, no curso da decisão judicial e de seus efeitos no
comportamento humano.
O que tudo isto realizou? Visto de longe, parece a muitos juristas ingleses não ter se
avançado tanto na teoria legal ou não ter sido adicionado muito ao estoque de idéias
jurisprudenciais valiosas. Mas as virtudes e a benéfica influência do Movimento Realista jaz
em outro lugar. Para o jurista inglês, o melhor trabalho, dos menos extremistas realistas, não
foi encontrado em noções teóricas explícitas sobre a natureza do Direito e da sentença, mas
freqüentemente implícita em seus escritos em diversos temas do substantive law.xvi Isto teve
uma larga e ainda visível influência no estilo de sentenciar nos tribunais americanos e no
ensino do Direito, o que de qualquer forma, muitos juristas ingleses invejam. Seu efeito
principal foi de convencer muitos juízes e juristas, práticos e acadêmicos, de duas coisas:
primeiro, de que eles devem sempre suspeitar, embora não sempre rejeitar ao fim, qualquer
reivindicação de que as regras legais existentes ou precedentes seriam constrangimentos
fortes e completos o bastante para determinar que as decisões dos tribunais deveriam ser sem
outras considerações extra-legislativa; segundo, que os juízes não deveriam buscar se encerrar
silenciosamente no Direito, suas próprias concepções dos objetivos do Direito, ou justiça, ou

23
Veja, exemplo Pound, ‘Mechanical Jurisprudence’, 605, 609-10, 616 (1908).
24
Veja J. Dewey, Logical Method and Law, 10 Cornell L. Rev. 17 (1924).
25
A respeito de Realismo Legal veja W. Rumble, American Legal Realism (1968); G. Tarello, Il Realismo
Giuridico Americano (1962); W. Twining, Karl Llewellyn and the Realist Movement, supra n. 13, pág 70
(endossando o protesto de Llewellyn – veja Llewellyn, ‘Some Realism About Realism – Respondendo a Dean
Pound’, 44 Harv. L. Ver. 1222 (1930), reimpresso em K. Llewellyn, Jurisprudence, Realism in Theory and
Practice 42 (1962) – contra a alegada má interpretação de Pound e outros).

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

política social, ou outro elemento extra-legal requerido pela decisão, mas deveriam
abertamente identificar e discuti-las.

II

Viro-me ao pólo oposto, o qual chamei de Nobre Sonho. Como sua antítese, o
Pesadelo, tem muitas variantes, mas todas as formas representam a crença, talvez a fé, de que
apesar das aparições superficiais para o contrário, e apesar de períodos completos de
aberrações e erros judiciais, ainda assim, uma explicação e uma justificação podem ser
proporcionadas para as expectativas comuns dos litigantes de que os juízes devem aplicar em
seus casos o direito existente e não produzir um novo para os mesmos, ainda que provisões

Este frase não me faz o menor sentido, tanto em


inglês como em português. Recomendo exclusão,
particulares do texto constitucional, estatutos, ou precedentes disponíveis aparentam oferecer
um guia não conclusivo. E com isto, concorre a crença na possibilidade de justificar muitas

pois não afeta o entendimento do parágrafo.


outras coisas, como a forma de argumentação dos juristas, a qual deve entreter as mesmas
expectativas, dirigidas nos tribunais aos juízes, como se este estivesse procurando por, e não
criando o direito; o fato de que, quando os tribunais revogam alguma decisão anterior, esta
última nova decisão é normalmente tratada como se exprimisse o que a lei sempre fora, é
como se um erro fosse corrigido, e lhe é dada uma operação retroativa; e finalmente, o fato de
que a linguagem da decisão do juiz não é tratada, como se fosse a linguagem de uma norma
positivada, como em um texto oficial canônico de um ato verbal de law-making.
É claro que a Declaração da Independência falou a linguagem dos direitos naturais
universais e de um jusnaturalismo universal.xvii E a concepção de que por trás ou acima do
direito positivo existe um direito natural universal que se pode descobrir pelo raciocínio
humano, sendo aplicável a todos os homens em qualquer tempo e lugar; tem de fato tido seu
lugar na Ciência do Direito americana, especialmente nos primeiros anos da República.
Embora, possa adicionar que sua importância não é fora de ter sido julgado julgada pelo fato
que o periódico que começou a vida, como o Natural Law Forum, e agora se chama
American Journal of Jurisprudence. Mas talvez, surpreendentemente, o Nobre Sonho, que até
mesmo quando uma provisão individual no direito positivo é indeterminadaindeterminado, ao
menos haverá uma lei existente em algum lugar, a qualque os juízes podem e devem aplicar
para resolver o caso, e nos trabalhos dos mais renomados juristas americanos, não toma a
forma de uma invocação do direito universal natural. O Nobre Sonho americano tem sido, de
um modo geral, algo não universal, mas especificamente relacionado com as preocupações e a
forma de um sistema legal individual, seus fins específicos, e os valores perseguidos através
daquela lei, em uma sociedade em particular.
Esta idéia particularista, de que a orientação para uma sociedade em particular deve,
como Llewellyn disse, ‘fincar seus pés’26 nesta sociedade e em suas práticas vigentes; é uma
característica comum a todas as formas do Nobre Sonho americano. Outra característica
comum é a rejeição à crença que tem sustentado a visão do Pesadelo de sentenciar. Esta
crença que, se uma regra particular legal se provar indeterminada em um dado caso, sendo
que o tribunal não seja capaz de justificar sua decisão, como uma conclusão estritamente
dedutiva de um silogismo, no qual aparece como uma premissa maior, então a decisão que o
tribunal der, só pode ser a escolha incontestável do juiz. Llewellyn ataca essa crença quando,
peticionando por uma decisão judicial em ‘grande estilo’, ele denunciou como um erro
ofuscante, a suposição de que o resultado de um litígio não é, como ele chamou, ‘condenado
em lógica’,27 sendo produto único da vontade incontestável do juiz. Então, um juiz em face de
uma indeterminação de uma regra legal, não tem como seu recurso único, o que Holmes

26
K. Llewellyn, Jurisprudence, Realism in Theory and Practice, supra n.25, em 114.
27
K. Llewellyn, The Common Law Tradition, Deciding Appeals 4 (1960).

7
A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

chamava de ‘prerrogativa soberana de escolha’.28 Ele não é, de uma só vez, forçado à posição
de ‘law-maker’, ou até mesmo intersticial ‘law-maker’. A ilusão de que ele é então forçado, é
decorrente de uma falha de dar o devido peso ao fato, pois o processo de decisão legal não
procede in vacuo, mas sempre se configura sob o pano de fundo de um sistema de regras,
princípios, critérios e valores relativamente bem estabelecidos. Por si própria, uma dada
provisão legal, em sua formulação, pode gerar uma direção não-confluente com o
ordenamento; mas em um sistema, como um todo, no qual dada provisão é parte, podendo ser
expressa ou implícita; provisão ou princípios, os quais são consistentemente aplicados
devendo gerar direção confluente.
Ambas as características as quais determinei – as quais podemos chamar
particularismo e holística – estas a serem encontradas, entre muitas outras, no trabalho de
Roscoe Pound, cuja extensa produção se estendendo através de 70 anos de pesquisa, culminou
na publicação, em 1959, quando o autor tinha 89 anos, de um trabalho de 3.000 páginas sobre
Ciência do Direito.29 Na década de 1920, Pound introduziu a noção, muito enfatizada e
desenvolvida por outros juristas, de que um sistema legal era muito estreitamente concebido,
e fora representado como contendo unicamente regras ligando conseqüências legais
estritamente definidas a estritamente definidas e detalhadas situações factuais, habilitando
decisões, a serem alcançadas e justificadas por uma simples subordinação dos casos
particulares a tais regras.30 Além de regras deste tipo, sistemas legais contêm princípios gerais
em ampla-escala: alguns destes são explicitamente reconhecidos ou até mesmo legalizados,
enquanto que outros têm de ser entendidos como as hipóteses mais plausíveis, explicando a
existência das regras claramente estabelecidas. Como princípios não servem meramente para
explicar as regras, nas quais elas se manifestam, mas constituem linhas-guia gerais para
decisão, quando as regras particulares parecem indeterminadas e/ou ambíguas, ou onde
nenhuma regra, explicitamente formulada, relevante e oficial, parece disponível. Os tribunais
não devem se considerar livres para legislar em tais casos, nem mesmo de acordo com sua
concepção de justiça ou bem social, mas devem procurar no sistema existente por um
princípio ou princípios, os quais singularmente ou coletivamente irão servir para explicar as
claras regras existentes e gerar um resultado determinado para o caso imediato.
Para um jurista inglês, essa receita sugerida para a eliminação da escolha judicial xviii
pode parecer demasiado, ou esperar demasiado de um muito admirado estilo de decisão
judicial, seguido por alguns grandes juízes ingleses de common law. No exemplo moderno
mais famoso, Lorde Atkin, na nossa Câmara de Lordes, encarou uma questão: se um
fabricante era responsável a um consumidor com o qual ele não teve nenhuma relação
contratual direta, por danos causados devido a um produto fabricado negligentemente. Neste
famoso caso inglês, Donoghue v. Stevenson,31 o produto era uma garrafa de cerveja de
gengibre contendo os restos tóxicos de uma lesma morta. Antes desta decisão, as situações em
que uma pessoa era responsável à outra por ferimentos causados por descuido eram matéria
de inúmeras de regras esparsas, especificando relacionamentos onde, o que um jurista inglês
chama ‘dever legal de cuidado’, era dito de existir. Tais regras especificavam, por exemplo, a
responsabilidade dos proprietários ou ocupantes de um imóvel às pessoas que vinham a estes;
das partes diante das relações contratuais; e de pessoas usando rodovias; mas não incluíam,
nem claramente excluíam a responsabilidade de um fabricante a um consumidor, com o qual
ele não tinha contrato. Nem havia um princípio explícito, e claro expondo em termos gerais, o
que era comum a todos estes casos, mostrando as considerações gerais que estabeleceriam se
ou não o relacionamento promovia um dever. Lorde Atkin, neste precedente, xix decidiu que o

28
Holmes, ‘Law in Science and Science in Law’, em O.W. Holmes, Collected Legal Papers, 239 (1920).
29
R. Pound, Jurisprudence (1959).
30
Veja Pound, ‘The Theory of Judicial Decision’, 36 Harv. L. Ver. 641 (1923).
31
[1932] A.C. 562.

8
A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

fabricante era responsável, sob o amplo princípio de quem quer que empreenda qualquer
atividade que possa previsivelmente ser perigosa aos que são passíveis de serem afetados
pelas mesmas, deve ter um cuidado razoável para evitar infligir tal dano previsível nos que
serão seus consumidores, assim entendido. Ainda que esmiuçado e restringido em casos
subseqüentes, este amplo princípio, primeiramente enunciado por Lorde Atkin, serviu tanto
para definir as relações, e assim explicar as claras regras estabelecidas, como para prover uma
resposta no caso imediato não-resolvido.
Este estilo de decisão é característico da aproximação holística geral instigada por
Pound e por outros juristas posteriores, os quais, as teorias de decisão judicial ao menos se
aproximam do Nobre Sonho, e são suficientes para refutar as teorias superficiais, de que
quando uma regra legal particular se prova indeterminada, o juiz só pode empurrar de lado os
livros de Direito e proceder legislando. Mas claramente, somente adotar este estilo de decisão
não é suficiente em si mesmo para banir o Pesadelo. Muitas questões se levantam. Não pode o
sistema legal conter princípios conflitantes? Não pode uma dada regra ou conjunto de regras
específicas serem igualmente explicadas por um número diferente de hipóteses alternativas?
Se sim, não haveria a necessidade de escolha nos altos níveis judiciais, em caso afirmativo, a
decisão judicial ainda não seria suficiente para atingir o Nobre Sonho, desde que tal escolha
seria um ato de law-making, e não uma adicional descoberta na lei existente? Pound, em sua
longa vida, dirigiu-se intermitentemente a tais questões, e uma de suas respostas parece ter
sido, que ainda nos altos níveis do sistema legal, acima dos princípios, existem os valores
recebidos ou ideais do sistema, de novo, explicitamente reconhecidos ou dedutíveis de suas
regras e princípios estabelecidos, e o auxílio a estes já seria suficiente para determinar quais
de um número de conflitantes ou princípios alternativos deveriam prevalecer. Mas é claro que
as mesmas questões podem ser levadas adiante. Os mesmos conflitos ou alternativas não se
apresentariam neste mais alto nível de valores recebidos e ideais? Quais são as bases de
pensamento de que lá, deva haver alguma resolução específica de tais conflitos esperando sua
Descoberta pelo juiz e não a utilização de suas escolhas? Para ser justo com Pound, deve ser
dito que ele provavelmente concebeu a idéia de que um sistema como um todo, com seus
princípios e valores recebidos, deveria prover uma determinada e específica resposta quando
as regras legais particulares se esgotam, não como uma verdade literal sobre os sistemas
legais, mas sim como um ideal regulador para os juízes perseguirem; este processo iria ditar
um estilo benéfico de decisão judicial e operar como um poderoso constrangimento sobre a
escolha judicial, sem eliminar por completo a necessidade de tal escolha. Esta relativamente
modesta versão do Nobre Sonho, como um constrangimento sobre, ao invés do sempre
disponível substituto para a escolha judicial é, penso, no fim, também a mensagem pregada
por Karl Llewellyn, em sua rica e turbulenta defesa do que ele chamou de grande estilo de
decisão judicial. Esta mensagem está presente não em termos teóricos gerais, pelo qual ele
tinha um grande dissabor, mas na terminologia de um artesão. O juiz, em casos onde regras
particulares – regras de papel, como são às vezes depreciativamente chamadas – se provam
indeterminadas, deve ‘esculpir’ sua decisão com a ‘cunha’ no sistema, como em um todo, 32 xx
isto é, em acordo com os amplos princípios e valores estabelecidos. De face com as
indeterminações da lei positivada, o juiz não tem de simplesmente decidir, sem ulterior
atenção ao sistema, como ele pensar melhor. Este é o constrangimento mais importante sobre
a escolha judicial e o que conta em grande medida de previsibilidade na escolha judicial em
casos recursórios.xxi Confesso que há muito no trabalho escrito de Llewellyn sobre o assunto,
o qual não entendo por completo, apesar da paciência, lucidez e exaustiva examinação desta,

32
Veja K. Llewellyn, The Common Law Tradition, supra n. 27, em 222, onde escrevendo em ‘Appeliate Judging
as a Craft of Law’, Llewellyn declara que, ‘Eu tenho tentado alcançar a idéia em termos de trabalhar com do que
obliquamente ou contra o ‘grain’. ... ‘to carve with the grain’ ... revelar o latente invés de impor nova forma,
muito menos de obstruir uma vontade externa.’

9
A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

pelo compassivo interprete inglês, Professor Twining.33 Penso, porém, que na versão de
Llewellyn do Nobre Sonho, é suficiente que quando os juízes escolham como eles devem ter,
de nos mais altos níveis de princípios ou valores recebidos, as alternativas a eles apresentadas
neste nível; irão todas ter apoio de grandes áreas do sistema legal compreendido sob elas, e
então, qualquer alternativa escolhida, terá seus pés firmemente plantados no sistema existente
e pode ser classificada como decisão garantida, porque é controlada pela lei.
A versão contemporânea do Nobre Sonho, de Professor Ronald Dworkin,34 não faz tal
compromisso nestes pontos, e ele é, caso ele e Shakespeare me permitissem dizer, o mais
nobre sonhador de todos, com uma ampla e mais versada base filosófica que seus
predecessores, concentrando poderes formidáveis de argumentação na defesa de sua teoria.
Sua teoria de decisão judicial é marcada pela força em muitas novas distinções, tal como
argumentos de princípio sobre a existência de títulos xxii ou direitos, o qual pensa que é o
próprio negócio dos juízes usar em suporte das decisões, contrastando com argumentos de
política sobre bem-estar agregado ou objetivos coletivos, que não são o negócio do juiz, mas
sim do legislador. Todavia, sua teoria nos moldes que já expliquei, é holística e particularista.
Como Pound, ele rejeita a idéia que um sistema legal consiste somente em sua regras
autoritárias, explícitas e enfatiza a importância dos princípios implícitos não-formulados; e
como Llewellyn, ele rejeita a idéia, a qual ele atribui à Ciência do Direito positivista, de que o
juiz deve, quando as regras explícitas se provam indeterminadas, por de lado seu livros de
Direito, e começar a legislar de acordo com sua moral pessoal ou concepções de bem-social
ou justiça.
Assim, para Dworkin, até mesmo nos casos mais difíceis, onde cada uma de duas
interpretações alternativas em um ordenamento, ou de dois princípios conflitantes parecem se
encaixar bem na clara lei estabelecida, o juiz nunca deve produzir Direito. Deste modo, Oliver
Wendell Holmes estava, na visão de Dworkin, errado em defender que em determinados
pontos o juiz deve exercer o que ele chamava de ‘a prerrogativa soberana de escolha’35 e deve
legislar, ainda que somente ‘intersticialmente’. De acordo com a nova teoria, o juiz, por mais
que o caso seja difícil, nunca deve determinar o que o Direito deve ser; ele é confinado a dizer
o que acredita ser o Direito antes de sua decisão, porém, é claro, ele pode estar errado. Isto
significa que ele deve sempre supor que para todo caso concebível há alguma solução, que já
seja o Direito antes de ele decidir e que espera sua descoberta. Ele não deve supor que o
Direito seja sempre incompleto, inconsistente, ou indeterminado; se ele aparecer assim, a
falha não é nele, mas nos limitados e humanos poderes do juiz de discernimento; assim, não
há espaço para um juiz produzir o Direito pela escolha entre alternativas como o que deveria
ser o Direito.
É claro que nesta visão o juiz tem de apresentar argumentos para o que ele acredita ser
o Direito. Muito freqüentemente seu raciocínio irá tomar justamente a forma que ilustrei do
grande caso inglês sobre responsabilidades dos produtos. Isto é, ele tem de construir um
princípio geral, o qual irá justificar e explicar o curso da decisão prévia em relação a este
assunto-substância e também produzir uma resposta definitiva para o novo caso. Mas é claro
que é só o início de seu questionamento, pois poderá haver uma pluralidade de tais princípios
que se ajustam igualmente bem ao Direito existente, mas produzindo soluções diferentes para
o caso imediato. Essa posição foi atingida nos tribunais ingleses, quando o princípio geral
anunciado por Lorde Atkins em relação à negligência chegou a ser aplicado a casos de
declarações negligentes, nas quais pessoas agiram em seu detrimento.36 Professor Dworkin
reconhece que em qualquer nível de inquérito, dentro do sistema e aos princípios gerais, que
33
Veja W. Twining, supra n. 13.
34
Veja Dworkin, ‘Hard Cases’, 88 Harv. L. Ver. 0157 (1975), reimpresso em R. Dworkin, Taking Rights
Seriously 81 (1977).
35
Holmes, ‘Law in Science and Science in Law’, supra n. 28, em 239.
36
Mutual Life & Citizens Assurance Co. v. Evatt, [1971] A.C. 793.

10
A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

podem ser ditos que são imanentes no Direito existente, podem existir questões não resolvidas
deste tipo. Para lidar com elas, o juiz deve, idealmente, de qualquer modo, abrir um
questionamento amplo de justiça e moralidade política. Nas palavras do Professor Dworkin:
Deve desenvolver uma teoria da Constituição, no formato de um conjunto complexo de princípios e
políticas que justificam aquele esquema de governo. (...) Deve desenvolver esta teoria referindo-se
alternadamente a filosofia política e ao detalhe institucional. Deve gerar teorias possíveis justificando
aspectos diferentes do esquema e testar as teorias contra a instituição principal.37

Quando o poder descriminante deste teste é exaurido, deve ‘elaborar o conceito contestado
que a teoria bem sucedida emprega’.38 O juiz, deste modo, deve decidir qual concepção dos
valores fundamentais protegida pelo sistema, tal como a liberdade, ou dignidade pessoal, ou
igualdade, é superior. Claramente esta é uma tarefa hercúlea e o Professor Dworkin
corretamente, chama o juiz, o qual ele imagina que embarcou na construção de tal teoria,
Hércules. Ele admite que diferentes juízes, vindos de diferentes formações, podem construir
diferentes e conflitantes teorias hercúleas e, quando acontece, não pode ser demonstrado que
uma destas é a única correta e as outras erradas. De fato, todas podem estar erradas. Todavia,
para tirar sentido do que eles fazem, os juízes devem acreditar que exista alguma teoria única,
porém complexa, e alguma única solução para o caso imediato derivado disto, o qual é
unicamente correto.
A teoria do Professor Dworkin irá, estou certo, despertar e estimular em muito tanto os
juízes, como os filósofos, por muito tempo, em ambos os lados do Atlântico. E de fato já
adicionou muito ao estoque de valiosas idéias jurisprudenciais. Mas se posso aventurar uma
profecia, penso que a principal crítica que irá atrair será sua insistência, mesmo que não haja
caminho de demonstrar qual das duas soluções conflitantes − sendo ambas igualmente
amparadas pelo Direito existente − ser correta ainda que deva sempre existir uma única
resposta correta esperando ser descoberta. Juristas podem pensar que se um juiz adequou-se a
todos estes constrangimentos, antes de decidir, os quais distinguem ‘law-making judicial de
‘law-making’ por um legislador, acima de tudo se considerou conscientemente e
imparcialmente o que Professor Dworkin bem chama de ‘força gravitacional’39 do Direito,
claramente estabelecida, e chegou à conclusão de qual das alternativas abertas a ele é a mais
imparcial ou justa, nenhum propósito é servido pela insistência que se um juiz irmão chega,
após o mesmo processo consciente, à conclusão diferente, pois há uma única resposta correta,
a qual deveria mostrar qual dos dois juízes, se algum está certo; porém esta resposta está
armazenada no santuário dos juristas, e ninguém pode demonstrar qual é.
Similarmente, filósofos podem disputar a reivindicação como uma matéria de lógica
coerente, qualquer um que tentar responder a uma questão de valor, quer seja ela a questão da
qual duas respostas legais a uma reivindicação de um litigante são mais justas ou imparciais,
ou qual de dois competidores em uma competição de beleza é mais belo, ou qual das
comédias de Shakespeare é a mais engraçada, precisa, em ordem de dar senso a tais questões,
assumir que há uma única e objetiva resposta correta em todos estes casos. O corolário, no
caso da lei, é que os litigantes são sempre intitulados a ter do juiz a resposta correta (embora
não haja maneira de demonstrar qual é esta), justo como eles deveriam ser intitulados a ter
uma resposta correta à questão, qual de dois construtores é o mais alto, onde é claro que a
veracidade da resposta pode ser demonstrada por um teste público objetivo. Talvez, tanto
filósofos como juristas possam concordar com Professor Kent Greenawalt de Columbia Law
School, que após uma paciente examine do ataque de Professor Dworkin à idéia de que juízes
têm a discrição em casos difíceis, conclui que ‘discrição existe somente enquanto não há um
37
Dworkin, ‘Hard Cases’, supra n. 34, em 1085; Taking Rights Seriously em 107.
38
Ibid.
39
Ibid, em 1089, Taking Rights Seriously em 111.

11
A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

procedimento prático para determinar se o resultado é correto; juristas informados discordam


sobre o resultado particular, e uma decisão do juiz em qualquer direção, não irá ser
amplamente considerada como uma falha de praticar suas responsabilidades judiciais’.40
A versão do Professor Dworkin dos desafios do Nobre Sonho, em dois pontos cruciais,
dois temas os quais dominaram a Ciência do Direito inglesa desde Jeremy Bentham, no ano
da Independência Americana, quando este publicou seu primeiro livro, dispõe suas
fundações.41 O primeiro tema se refere à questão discutida. É a insistência que, ainda que o
Direito pode ser em determinados pontos incompleto ou indeterminado, enquanto for
determinado, existem meios de demonstrar o que é através de referência ao critério do sistema
legal de validade ou de suas provisões básicas concernentes as fontes do Direito. Todas as
variantes do positivismo inglês consentem com esta visão. O segundo tema que tanto domina
a Ciência do Direito inglesa, é o conceito utilitarista que tanto os juízes como legisladores,
considerando o que a lei deveria ser, podem e de fato precisam, em muitos pontos, tomar em
consideração a utilidade geral e qual mais irá avançar o bem-estar geral. Até mesmo um juiz,
ainda que objeto de muitos constrangimentos, aos quais a legislação é livre, pode,
apropriadamente permitir sua decisão entre respostas concorrentes, cada uma suportada por
uma lei existente, sendo influenciada por tal consideração utilitarista. Isto é, ele não está
confinado a perguntar qual é o mais imparcial ou o mais justo de acordo com princípios
distributivos de justiça. Mas para o Professor Dworkin, um juiz que pisa na área, a qual ele
chama de políticas públicas, como distinção de princípios que determinam direitos
individuais, está caminhando em terreno proibido, reservado à legislatura eleita. Isto é assim
porque para ele, não somente a lei é um sistema sem lapsos, como também um sistema de
direitos e deveres sem lapsos, determinando o que as pessoas são intituladas de ter como
matéria da justiça distributiva, não o que eles deveriam ter, porque é vantajoso que eles o
tenham. Esta exclusão das ‘considerações políticas’ irá, penso, novamente correr contrária às
convicções de muitos juristas, que é perfeitamente próprio e de fato necessário, em
determinados momentos, para os juízes, levar em consideração o impacto de suas decisões no
bem-estar geral da comunidade.42
A exclusão, de Professor Dworkin, a tais considerações da competência do juiz é parte
da hostilidade geral ao utilitarismo que caracteriza seu trabalho, e este ponto me leva de volta
ao meu tema principal. Parece que para o observador inglês, nos Estados Unidos, o
utilitarismo está atualmente na defensiva, em face não somente do trabalho do Professor
Dworkin, mas também de duas, muito importantes, contribuições à filosofia política feita pelo
Professor Rawl em Theory of Justice43 e em Anarchy, State, and Utopia,44 do Professor
Nozcik. Estes trabalhos têm muita afinidade com as doutrinas, do século XVIII, de direitos
inalienáveis do homem. Em qualquer caso, utilitarismo como uma crítica do Direito e da
sociedade tem geralmente sido encoberta na América pelas doutrinas dos direitos individuais.
Ainda que, tenha penetrado, porém não muito longe, nas teorias americanas de processo
judicial. Isto tem sido realizado principalmente sob uma forma que conduz facilmente à
economia de bem-estar, onde a utilidade agregada a ser maximizada é definida não em termos
de satisfação, como no utilitarismo clássico, mas em termos de satisfação de desejos
expressos ou preferências reveladas. Desta forma, é para ser encontrada em dicas dispersas,
expostas por Oliver Wendell Holmes, que juízes podem ter ao seu dispor para guiá-los em
suas necessárias tarefas de law-making, na Ciência do Direito, a qual irá ‘determinar, até onde
40
Greenwalt, ‘Discretion and Judicial Decision: The Elusive Quest for the Fetters that Bind judges’, 75 Collum.
L. Rev.359, 386 (1975).
41
J. Bentham, A Fragment on Government (1776).
42
Outros chegaram a mesma conclusão. Veja Greenawalt, supra n.40, em 391; John Umana, ‘Dworkin’s “Rights
Thesis” ’, 74 Mich. L. Rev 1167, 1179-83 (1976)..
43
J. Rawls, A Theory of Justice (1971).
44
R. Nozick, Anarchy, State, and Utopia (1974).

12
A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

puder, o valor relativo dos nossos diferentes fins sociais’,45 ou, como ele mesmo expôs, irá
estabelecer postulados do Direito sobre ‘desejos sociais pontualmente medidos’,46 e isto
acabaria por substituir os inarticulados e intuitivos métodos atuais de law-making judiciais.
Neste contexto, Holmes fala do homem do futuro como o homem das estatísticas e o mestre
da economia.47
Uma concepção similar da ciência aplicada ao Direito parece estar subordinada a
Ciência do Direito sociológica de Pound e sua tentativa de analisar conflitos, os quais o
Direito é chamado para resolver em termos de interesses subordinados, isto é, em termos de
vontades ou desejos expressos como reivindicações ao reconhecimento legal e sua
execução.xxiii Muitas das páginas deste prolífico escritor são dedicadas à classificação de tais
interesses como individual, social e público.48 Mas associada a esta análise está a concepção
de uma ciência de engenharia social, a qual mostraria como conflitos de interesses deveriam
ser ordenados, com o que Pound chama de o mínimo de fricção ou desperdício, ou com o
mínimo de sacrifício do esquema total de interesses como um todo. 49 Para fazer isto, Pound
reconhece que precisa existir algum método de pesar ou valorar os itens conflitantes, e então
alguma forma de quantificar, mas sua (de Pound) discussão não a providencia.
Se estes dois flertes com a idéia de ciência do law-making, tanto pelo legislador como
pelo juiz se abriga em qualquer filosofia coerente, é no utilitarismo. Mas o utilitarismo é bem
explicitamente reconhecido como inspiração da contemporânea Escola nascida em Chicago
da análise econômica do Direito,50 que atualmente tem grande influência sobre os
ensinamentos americanos do Direito Civil. Esta escola de pensamento reivindica ter exposto
um profundo relacionamento entre Direito e a ordem econômica. Como teoria explicativa,
tem a alegação de que grandes áreas do common law podem ser claramente vistas como
imitando o mercado econômico, pois muitas regras legais estabelecidas são consistentes com
a concepção de Direito como um sistema de incentivos, usados para garantir que recursos
econômicos sejam alocados para usos, os quais são economicamente mais eficientes, onde
eficiência é definida como maximização do agregado desejo-satisfação. Isto é dito como
sendo a lógica econômica implícita do Direito. Mas em seu lado crítico ou normativo, a teoria
alega prover um racional, imparcial e objetivo critério para a determinação de disputas legais,
onde a questão deve ser, quem é que deve carregar o peso da perda. Assim, utilizando seu
mais simples exemplo, nesta teoria, o ponto de imposição das responsabilidades legais por
negligência causadora de dano a outrem, é prover um incentivo de aceitação economicamente
justificada, precauções maximizadoras de utilidade, contra a causa de tal dano, isto é,
precauções de custo, que é menor que a perda causada pela sua negligência, descontada a
probabilidade de sua ocorrência. Esta teoria de incentivos corre fortemente contra não
somente a teoria de Professor Dworkin, que o juiz não deve se preocupar com considerações
de utilidade geral, mas também com a idéia convencional, que a responsabilidade na
negligência é ao menos, algumas vezes, imposta como meio de justiça entre as partes, ao pé
que a vítima da negligência de outro tem o direito moral de ter suas perdas reparadas pela
parte negligente, até então, a compensação monetária pode fazê-lo. Para a questão, se porque
o Direito está somente preocupado com a provisão de incentivos, isto não deveria ser
realizada através de multas pagas ao Estado, em contrapartida aos danos pagos, em litígios

45
Holmes, ‘Law in Science and Science in Law’, supra n.28, em 242.
46
Ibid, em 226.
47
Holmes, ‘The Path of Law’, supra n.2, em 187.
48
3 R. Pound, Jurisprudence 16-324 (1959).
49
1 R. Pound, Jurisprudence 545 (1959); 3 R. Pound, Jurisprudence 330-1; R. Pound, Justice According to Law
3 (1951); R. Pound, Social Control Through Law 64-5 (1942).
50
Veja R. Posner, Economic Analysis of Law (1972). O Professor Posner tem desde então distinguido sua teoria
do utilitarismo nas bases de que ela não requer a maximização da utilidade agregada, mas da maximização da
riqueza. Veja ‘Utilitarianism, Economics and Legal Theory’ em 8 J. Legal Study 104 (1979).

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A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

privados às vítimas, a teoria responde, talvez mais ingenuamente que convincente, que o
posterior (danos pagos às vítimas), em seu lugar, é um incentivo as mesmas a trazer casos de
negligência a público, e que o resultado irá ser bem mais efetivo em detrimento do qual
poderia se prover a partir de qualquer tipo de agência central de controle criminal,
inspecionando conduta negligente e estipulando multas.51
Ninguém que tenha lido o elaborado e refinado trabalho de Professor Posner, e a larga
literatura que cresceu a partir dela, designada para estabelecer estas bases utilitaristas do
Direito, podem falhar a lucrar. Isto não é, penso, por causa de seu sucesso em seu ostensivo
propósito, mas por causa de sua detalhada ingenuidade, admiravelmente, força alguém a
pensar sobre o que é mais preciso, além de uma teoria de utilidade para uma satisfatória,
explicadora e crítica, teoria de decisões legais. Torna-se claro que, em geral, o que é
necessário é a teoria de direitos morais individuais e seu relacionamento com outros valores
perseguidos pelo Direito, uma teoria de muito maior compreensão e detalhada articulação que
as providas até agora.
Concluindo, permita-me dizer isto: Retratei a Ciência do Direito americana como
cercada por dois extremos, o Pesadelo e o Nobre Sonho, a visão que os juízes sempre
produzem e nunca descobrem o Direito, que impõem aos litigantes, e a visão oposta, onde
eles nunca o produzem. Como qualquer outro pesadelo e qualquer outro sonho, estes dois são,
em minha visão, ilusões, ainda que elas tenham muito valor a ensinar ao jurista em suas horas
de vigília. A verdade, talvez não tão excitante, é que às vezes os juízes seguem uma e às vezes
a outra. É claro que não é objeto de indiferença, mas de enorme importância qual eles
seguem, quando e como eles a seguem. Isto é tópico para outra ocasião.

51
Veja Posner, ‘A Theory of negligence’, 1 J. Legal Stud. 29, 48 (1972).

14
A CIÊNCIA DO DIREITO AMERICANO ATRAVÉS DE OLHOS INGLESES

15
i
‘O observador de grandes cidades é passível de um simples erro, sei, que quando encontra este, aquele ou outro,
vislumbra o erro supremo e significante...’ (NT)
ii
lawyer s.advogado, jurista, jurisconsulto m. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho.
Lisboa.
iii
faculty s. 1. faculdade f.: a) poder de fazer, b) direito, c) capacidade, habilidade, d) potência moral. e) talento, aptidão,
f) qualidade natural, disposição, g) permissão, h) liberdade, privilégio, (for para, de), (E.U.A.) competência... 3.
(E.U.A.) classe profissional. Pietzschke, Fritz. (1979). Novo Michaelis – Dicionário Ilustrado. 25ª ed. Edições
Melhoramentos, São Paulo.
iv
U.S. Constitution - Amendment 5 - Trial and Punishment, Compensation for Takings
No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or
indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual
service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in
jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be
deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public
use, without just compensation. Estados Unidos, 5ª Emenda Constitucional de 1791.
Disponível em <http://www.usconstitution.net/xconst_Am5.html>. Acesso em 03/03/07.
v
U.S. Constitution - Amendment 14 - Citizenship Rights
1. All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of
the United States and of the State wherein they reside. No State shall make or enforce any law which shall
abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any State deprive any person of
life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal
protection of the laws.
2. Representatives shall be apportioned among the several States according to their respective numbers,
counting the whole number of persons in each State, excluding Indians not taxed. But when the right to vote at
any election for the choice of electors for President and Vice-President of the United States, Representatives in
Congress, the Executive and Judicial officers of a State, or the members of the Legislature thereof, is denied to
any of the male inhabitants of such State, being twenty-one years of age, and citizens of the United States, or in
any way abridged, except for participation in rebellion, or other crime, the basis of representation therein
shall be reduced in the proportion which the number of such male citizens shall bear to the whole number of
male citizens twenty-one years of age in such State.
3. No person shall be a Senator or Representative in Congress, or elector of President and Vice-President, or
hold any office, civil or military, under the United States, or under any State, who, having previously taken an
oath, as a member of Congress, or as an officer of the United States, or as a member of any State legislature,
or as an executive or judicial officer of any State, to support the Constitution of the United States, shall have
engaged in insurrection or rebellion against the same, or given aid or comfort to the enemies thereof. But
Congress may by a vote of two-thirds of each House, remove such disability.
4. The validity of the public debt of the United States, authorized by law, including debts incurred for payment
of pensions and bounties for services in suppressing insurrection or rebellion, shall not be questioned. But
neither the United States nor any State shall assume or pay any debt or obligation incurred in aid of
insurrection or rebellion against the United States, or any claim for the loss or emancipation of any slave; but
all such debts, obligations and claims shall be held illegal and void.
5. The Congress shall have power to enforce, by appropriate legislation, the provisions of this article. Estados
Unidos, 14ª Emenda Constitucional de 1868.
Disponível em <http://www.usconstitution.net/xconst_Am14.html>. Acesso em 03/03/07.
vi
Due Process of Law. Processo legal justo. Expressão que não tem sentido fixo, determinado, mas que introduzida
pela Emenda Constitucional nº 5 à Constituição norte-americana, visando disciplinar a ação do Governo Federal e
posteriormente, através da Emenda nº 14, estendida à ação dos Governos Estaduais, transformou-se na mais generosa
fonte de jurisprudência constitucional-sociológica norte-americana. Protege os direitos individuais de estrangeiros e
nativos, garantido-lhes a prestação de uma verdadeira justiça, não somente amparando-os em juízo, mas protegendo-os
desde o momento da elaboração das leis. O conteúdo da cláusula se biparte, portanto, nos sentidos substantivo e
processual. No primeiro caso ela constitui um limite ao próprio Poder Legislativo americano, impondo que as leis, que
federais quer estaduais, sejam elaboradas com justiça e racionalidade, e que a ação estatal, ao procurar atender aos
interesses públicos, restrinja ao máximo possíveis lesões de interesses privados. Procura, assim, intentar que as leis se
revistam de caráter justo, sob pena de serem declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte americana. No seu
sentido processual ela garante ao indivíduo um procedimento judicial justo, com direito de acesso aos mais amplos
meios de defesa. A clausula, que se inspirou na expressão inglesa Law of the Land (Direito da terra, em oposição ao
Direito Romano), usada pela primeira vez na Magna Charta, tem sido invocada para amparar, entre outros, o direito ao
defensor público, a liberdade de expressão, a privacidade, ou reprimir a discriminação de raça e sexo. de Mello, Maria.
(1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho. Lisboa.
vii
Substantive Due Process. Direito substantivo justo. A outra face da cláusula constitucional norte-americana do Due
Process of Law – processo legal justo –, e que visa garantir a promulgação e leis justas, impondo que tanto as leis
federais como as estaduais sejam elaboradas em obediência aos padrões e racionalidade consagrados pelo povo; e que a
ação estatal, ao procurar atender ao interesse público, restrinja, ao máximo, possíveis lesões do interesse privado, sob
pena de serem declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed.
Editora Pergaminho. Lisboa.
viii
Justice. v. Fazer justiça; provocar a prestação da justiça. Justice1. Ministro do tribunal; juiz. Justice2. Justiça. de
Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho. Lisboa.
ix
Período que começa em 1861-1867 e acaba em 1933-37. New Deal: Série de planos econômicos do Presidente
Franklin D. Roosevelt, baseados em argumentos keynesianos, com objetivo de suplantar a Grande Depressão. (NT)
x
Due Process Clause. Cláusula constitucional norte-americana que garante a prestação de um processo legal justo. de
Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho. Lisboa.
xi
Jurisprudence. Ciência Jurídica; jurisprudência. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora
Pergaminho. Lisboa.
xii
Adjudication. Decisão Judicial; decisão administrativa; sentença. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª
ed. Editora Pergaminho. Lisboa.
xiii
Statutory. Legislado; escrito; positivo. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho.
Lisboa.
xiv
Common Law. 1: Direito Comum, em oposição aos direitos especiais; 2: Direito Consuetudinário, não escrito ou
costumeiro (em oposição ao direito legislado, é o antigo direito nacional inglês que nasceu e se desenvolveu na
Inglaterra, estendendo-se aos demais povos do tronco anglo-saxão e cuja a eficácia deriva dos usos e costumes
imemoriais e não de formas emanadas do Legislativo); 3: Direito Costumeiro (a parte do direito positivo de qualquer
país que deriva dos usos e costumes); 4: Direito Estrito, em oposição ao segundo ordenamento jurídico inglês, a
Equidade; 5: Direito Secular, em oposição ao Direito Canônico. A Common Law forma o fundo do direito civil norte-
americano e compreende a parte do direito inglês transplantada para as colônias e que não foi ab-rogada após a
independência, incorporando-se a todos os estados-membros, à exceção do estado de Louisiana que, antiga colônia
francesa, conservou o Civil Law originário do Direito Romano. Na sua feição moderna o Common Law apresenta-se
quase totalmente codificado nos Estados Unidos, conservando o seu caráter de lei não escrita quase apenas no que toca
aos atos ilícitos, e na Inglaterra compreende também milhares de “statutes”. Nos dois sistemas ele também abrange a
Equity, onde os juízes têm competência para decidir segundo o Common Law e segundo a Equidade. de Mello,
Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho. Lisboa.
xv
Statute. Lei (emanada do Legislativo); lei escrita; ato legislativo; norma legal legislada; lei legislada. de Mello,
Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho. Lisboa.
xvi
Substantive Law. Direito Substantivo. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho.
Lisboa.
xvii
Aqui para distinguir ‘universal natural rights’, onde o ‘rights’ é em contra-ponto a deveres, e o ‘universal natural
law’, onde preferi chamar o segundo de jusnaturalismo em vez de simplesmente direito natural, a fim de evitar
confusão. (NT)
xviii
Judicial Choice. Decisão Judicial, mas em um sinônimo mas para a escolha, em relação a uma livre utilização de
parâmetros. (NT)
xix
Leading case. Caso que cria jurisprudência. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora
Pergaminho. Lisboa.
xx
‘to carve with the grain’ (texto retirado da nota 32) é um termo de carpintaria. Porém sem conhecimento sobre a área,
traduzi como: ‘gravar’ com a ‘cunha’, em um sentido de imprimir sua marca, utilizando-se de seus instrumentos. (NT)
xxi
Appellate. Adj. Recursório(a). de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora Pergaminho. Lisboa.
xxii
Entitlement. Título (fundamento de um direito). de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora
Pergaminho. Lisboa.
xxiii
Enforcement. Execução; cumprimento; desempenho. de Mello, Maria. (1994). Dicionário Jurídico. 6ª ed. Editora
Pergaminho. Lisboa.

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