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Conselheiros suplentes
Alacir Villa Valle Cruces, Cássio Rogério
Dias Lemos Figueiredo, José Ricardo
Portela, Lilihan Martins da Silva, Luiz
Eduardo Valiengo Berni, Luiz Tadeu
Pessutto, Marília Capponi, Marly
Fernandes dos Santos, Rita de Cássia
Oliveira Assunção, Roberta Freitas
Lemos, Rosana Cathya Ragazzoni
Mangini.
Ficha Catalográfica
C744p
Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região (org).
Psicologia e o Direito à Memória e à Verdade. / Conselho Regional de
Psicologia da 6ª Região – São Paulo: CRPSP, 2012.
36f.; 23cm. (Caderno Temático 13).
Bibliografia
ISBN: 978-85-60405-20-6
Ficha Catalográfica
Elaborada por: Vera Lúcia R. dos Santos – Bibliotecária
CRB 8ª Região 6198
Cadernos Temáticos
do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre as
ações permanentes da gestão, a publicação da série CADERNOS TEMÁTICOS
do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho
em diversos campos de atuação da Psicologia.
Essa iniciativa atende a diversos objetivos. O primeiro deles é concretizar
um dos princípios que orienta as ações do CRP SP, o de produzir referências
para o exercício profissional de psicólogos (as); o segundo é o de identificar
áreas que merecem atenção prioritária, em função de seu reconhecimento
social ou da necessidade de sua consolidação; o terceiro é o de, efetivamente,
garantir voz à categoria, para que apresente suas posições e questionamentos
acerca da atuação profissional, garantindo, assim, a construção coletiva de
um projeto para a Psicologia que expresse a sua importância como ciência
e como profissão.
Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de maneira
a apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP
que contaram com a experiência de pesquisadores (as) e especialistas da
Psicologia para debater sobre áreas ou temáticas diversas da área. Reafir-
mamos o debate permanente como princípio fundamental do processo de
democratização, seja para consolidar diretrizes, seja para delinear ainda
mais os caminhos a serem trilhados no enfrentamento dos inúmeros desa-
fios presentes em nossa realidade, sempre compreendendo a constituição
da singularidade humana como fenômeno complexo, multideterminado e
historicamente produzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse
sentido, um convite à continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida
a psicólogos(as), bem como aos diretamente envolvidos com cada temática,
criando uma oportunidade para a profícua discussão, em diferentes lugares
e de diversas maneiras, sobre a prática profissional da Psicologia.
Este é o 13º Caderno da série. O seu tema é Psicologia e o Direito à Memó-
ria e à Verdade. Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto,
trazendo para o espaço coletivo, informações, críticas e proposições sobre
temas relevantes para a Psicologia e para a sociedade.
A divulgação deste material nas versões impressa e digital possibilita a
ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão sobre o compro-
misso social de nossa profissão, reflexão para a qual convidamos a todos (as).
Diretoria do CRP
Gestão 2010-2013
Cadernos já publicados, podem ser consultados em www.crpsp.org.br:
1 – Psicologia e preconceito racial
2 – Profissionais frente a situações de tortura
3 – A psicologia promovendo o ECA
4 – A inserção da Psicologia na Saúde Suplementar
5 – Cidadania ativa na prática
5 – Ciudadanía activa en la práctica
6 – Psicologia e Educação: contribuições para a atuação profissional
7 – Nasf – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
8 – Dislexia: subsídios para políticas públicas
9 – Ensino da Psicologia no Nível Médio
10 – Psicólogo judiciário nas questões de família
11 – Psicologia e Diversidade Sexual
12 – Políticas de Saúde Mental e juventude nas fronteiras psi-jurídicas
Sumário
Apresentação
Marilene Proença
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O Sistema Conselhos de Psicologia, por meio da a dignidade daqueles que tiveram que se calar e
Comissão Nacional de Direitos Humanos e das promover o reconhecimento social de outra versão
É com profunda honra que recebemos o convite nossos saberes, nossas práticas, criticar o que a
do Instituto de Psicologia da Universidade de São Psicologia historicamente tem realizado e também
Paulo para participar da organização de um evento considerar criticamente a nossa própria atuação
deste porte e com esta temática. é trabalhoso, muitas vezes doloroso e solitário, o
A Comissão de Direitos Humanos, não casual- que, comumente, procuramos evitar. Percebermo-
mente, é regimental: precisa existir em todos os -nos na contracorrente da vida atual, que convida
Conselhos de Psicologia, porque tem a função de ao desprezo pelo passado e ao não enfrentamento
insistentemente nos relembrar que o exercício da dos desafios, pode impelir-nos ao conformismo.
profissão deve estar, a um só tempo, subsidiado A Comissão de Direitos Humanos nos relembra a
pelos direitos humanos e direcionado a eles. Isso necessidade de permanecermos no incômodo, na
não é simples, não é natural e tampouco óbvio. tensão entre aquilo que temos e aquilo que preci-
Podemos ter inúmeras intervenções psicológicas samos criar, de modo a comprometermo-nos, de
que, sem sequer refletirem sobre isso, contrariam fato e de direito, com serviços de qualidade para
os direitos humanos. Por isso sua presença contí- a população.
nua nas discussões sobre o exercício da Psicologia Relevante destacar ainda que memória e psi-
é fundamento ético-político, a fim de que pense- cologia mantêm uma relação antiga e profunda.
mos que Psicologia queremos e que prestação de Em tempos de discussão sobre o sentido que a
serviços devemos realizar para a população. Sem lembrança e o esquecimento podem ter para as
esses questionamentos, corremos o risco de termos pessoas e para a coletividade, é fundamental que
discussões e projetos corporativistas, ou seja, possamos entender o direito à memória como o
uma Psicologia orientada pelo pragmatismo, sem direito à dignidade de cada um(a) e de todos(as)
se reportar ao necessário tensionamento entre o nós. É por demais custoso exigir de cada uma das
que, atualmente, podemos oferecer como ciência pessoas envolvidas com a tortura cotidiana prati-
e profissão e as necessidades reais e concretas da cada pelos governos autoritários, que tivemos por
população. décadas no Brasil, que sustente solitária e heroi-
Nem sempre tendemos a fazer aquilo que, de camente a lembrança detalhada do sofrimento im-
fato, precisamos fazer. Até porque, não raro, são pingido. É necessário que ofereçamos uma rede so-
inúmeros os impeditivos para a realização das cial em que cada um (a) possa apoiar-se, de modo
necessidades e anseios da população. Transformar que lembrar não tenha o caráter revitimizante de
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É com grande satisfação que realizamos o Semi- torturados durante o regime militar. Neste país, as
nário Psicologia e Direitos Humanos: Direito violações aos direitos humanos que permearam a
à Memória e à Verdade, fruto da articulação do ditadura, vão para além desse período, existiram
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar antes dele e seguem até os dias atuais. Mas sem
e do Desenvolvimento Humano, do Instituto de dúvida nenhuma, a grande motivação da criação
Psicologia da Universidade de São Paulo, com o das Comissões da Verdade, das comissões de busca,
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. de reconstrução dessa história e dessa memória
Sabemos que a história dos países da América está na pauta central das nossas lutas e ações no
Latina tem sido marcada por muitos períodos de campo da Psicologia.
exceção, de violência do Estado, de retirada de Estar aqui representando um programa de
direitos civis e sociais de significativa parcela da Pós-Graduação em Psicologia Escolar do Desen-
população. Pensar a história e a memória latino- volvimento Humano, que tem dentro das suas
-americana, na perspectiva dos direitos humanos, linhas de pesquisa trabalhos ligados aos direitos
é tratar das formas de violação de direitos e da humanos de crianças, adolescentes e adultos, nos
necessidade de encontrar caminhos, e alternativas faz também zelar, cada vez mais, por um compro-
de enfrentamento das ações na direção de uma so- misso da universidade com a sociedade brasileira,
ciedade mais justa, menos desigual e democrática. buscando em suas pesquisas, na sua articulação
“As veias abertas da América Latina”, como nos no campo da extensão e da formação de psicólo-
apresenta Eduardo Galeano, expõem os proces- gos (as), a possibilidade de levarmos esses temas,
sos de expropriação que gerações vêm sofrendo e de estudarmos, aprofundarmos e termos cada vez
contra os quais vêm lutando e resistindo. mais consolidadas proposições, perspectivas e
Este Seminário se insere nessa discussão, concepções que nos ajudem a argumentar a favor
tendo como tema central a criação da Comissão da vida, da história e da memória.
da Verdade no Brasil. Nesse sentido, o evento se Estar aqui hoje, ao lado do Conselho Regional
propõe a conhecer mais sobre a natureza desta de Psicologia de São Paulo, representado por sua
Comissão, ouvir diversas vozes e experiências Presidenta Carla Biancha Angelucci, que também foi
latino-americanas com relação à constituição de aluna no Programa de Psicologia Escolar do Desen-
Comissões da Verdade, bem como conhecer as volvimento Humano, juntamente com Maria Ivonete
ações realizadas institucionalmente no Brasil para Tamboril, é um grande orgulho, porque vemos que os
a constituição dessa Comissão. Este é um tema que nossos egressos, nossos ex-alunos são grandes mili-
tem sido muito caro a todos nós, pois nos remete tantes dos Direitos Humanos e da Psicologia em uma
às questões principalmente do resgate da história perspectiva crítica neste país. Isso nos orgulha muito
daqueles que desapareceram, que foram mortos e como professores e como militantes dessa causa.
Pedro Paulo Bicalho 11
Coordenador da Comissão Nacional de
Quero colocar em discussão que este tema é de Estado, território, soberania e governabilidade.
fundamental para nossa atuação. É preciso que Pensar essa relação entre Estado e território é,
O que está em jogo é uma certa consolidação dores. É importante para pensarmos de que modo
do medo como política pública. E é preciso que o nosso medo e o nosso lixo contemporâneo são
pensemos, antes de mais nada, de onde vem essa entendidos, e de que modo as políticas públicas
produção do medo e para onde é dirigida sua existem para dar conta de tudo isso. Políticas
produção; que relações de alteridade são essas essas que não são naturais, mas que advêm de
que impõem a nós um sentimento de medo de uma história, de uma construção, e é preciso que
uns aos outros? E para que ele serve? Medo esse essa construção, ou melhor, que a lógica que faz
que, durante a ditadura militar, estava alocado na funcionar essa construção seja compreendida por
fisionomia daquele que era entendido como sub- todos nós, para que possamos entender o que de
versivo, mas que, na nossa contemporaneidade, fato estava em jogo naquele período histórico que
serve para entendermos quem são aqueles a quem hoje chamamos de ditadura, mas principalmente
devem ser dirigidas as políticas penais deste país. a lógica que está em jogo neste período histórico
Então, o direito à memória e à verdade é algo que que vivemos hoje.
diz respeito, fundamentalmente, às discussões Pensar o direito à memória e à verdade é pen-
que nós, psicólogos (as), trazemos na atualidade sar o tempo todo de que modo este tema, transver-
das nossas ações. salmente, atinge não somente uma concepção de
Talvez seja este o nosso grande desafio en- direitos humanos, mas também uma concepção
quanto profissionais da Psicologia: estranhar de Psicologia. Desse modo, pensar Psicologia e
essa produção de medo, que, apesar de ter um Direitos Humanos, atravessados pelo tema do
recorte histórico na ditadura militar, persiste nos Direito à Memória e à Verdade, é algo fundamen-
dias de hoje. Conhecer essas relações de força é tal. E, se é algo fundamental, precisamos fazer
conhecer o modo como elas foram construídas com que essa discussão atravesse não somente
historicamente. Pensar o resgate histórico da as nossas discussões, mas, principalmente, a
verdade não é algo que serve apenas aos historia- nossa formação.
Maria Ivonete Barbosa Tamboril 13
Pedagoga, doutora em Psicologia Escolar e do
Em nome da nossa ministra da Secretaria de Um marco histórico para a América Latina, já que
Direitos Humanos, Maria do Rosário, destaco o Brasil ainda precisa responder a vários pontos de
Realmente, estou muito agradecido pelo convite e das lutas dos povos. Ao mesmo tempo, essa as-
para dialogar sobre um tema tão importante. piração à verdade influiu de tal forma nos direitos
Pensei em uma frase de George Mead, pai do humanos e nas relações internacionais que fez
interacionismo simbólico, que diz: “O passado é com que o direito à verdade tomasse corpo como
o desmembramento do presente”. Um provérbio tal. Isso foi assinalado e mencionado na resolução
russo afirma: “Coloque-se no passado e você vai Sobre o Direito à Verdade das Nações Unidas, em
perder um olho. Esqueça o passado e você vai 1997, redigida por Theo Van Bowen.
perder dois olhos”. Isso também é muito sábio, Sem dúvida, aqui temos uma situação parado-
principalmente no campo dos direitos humanos, xal. A Comissão Interamericana de Direitos Hu-
do direito à verdade, para todos (as) aqueles (as) manos, no seu ditame nº 28, em 1992, estabelece
que tomam para si a tarefa social de ser empreen- que o governo argentino desse período violou a
dedores (as) da memória, usualmente com um alto Convenção Americana de Direitos Humanos com
custo social e pessoal. as leis da impunidade no país. Essa Comissão
Vou falar das diversas Comissões da Verdade
em uma espécie de quadro comparativo, retoman-
do alguns aspectos da discussão que talvez sejam
É curioso que a discussão
importantes. As Comissões da Verdade têm sido acadêmica sobre a memória colocou
propostas como instituições condicionadoras de sérias dúvidas sobre o conceito da
políticas da memória nos contextos pós-guerra e verdade como algo alcançável.
pós-ditadura. E, também, num pós-sistema de ex-
clusão e discriminação extrema como o apartheid,
na África do Sul, onde a atuação com alto perfil Interamericana reconhecia o direito à verdade e
público de uma Comissão é conhecida como uma estabeleceu o ditame que reconhecia o direito que
das experiências mais importantes no que se refere as vítimas têm de levar a juízo aqueles que consi-
a Comissões da Verdade. derarem que violentaram seus direitos humanos.
É curioso que a discussão acadêmica sobre a Foi assim que a Argentina se tornou o cenário, nos
memória colocou sérias dúvidas sobre o conceito anos 1990, do que se chamou Juízos pela Verdade,
da verdade como algo alcançável, como objetivo que se iniciaram em 1998 com o Juízo da Câmara
desejável para a tarefa da memória do sofrimento Federal da cidade de La Plata.
16 No que se refere às Comissões da Verdade, é Interessante é que na última parte do século
interessante saber como se formam as institui- 20, ainda diante de inúmeras dificuldades e obs-
ções da memória, como produtos de negociações táculos, a tarefa de buscar essas verdades tem
e correlações de forças. Para Zalaquett, jurista sido atribuída a diferentes atores em distintas
argentino1, se não conhecemos a verdade e se ocor- ocasiões. Instituições que, de uma maneira ou
reu alguma situação de repressão ou violação de outra, participam das negociações, em conjun-
direitos, corremos o risco de que medidas severas turas que têm permitido esse tipo de acordo. As
possam se tornar arbitrariedades ou vinganças, e primeiras experiências feitas por essas Comissões
medidas de clemência ou perdão se transformem da Verdade não se detiveram muito em discussões
em impunidade. A verdade, no que se refere às filosóficas e conceituais sobre a busca da verdade
violações graves de direitos, diz este mesmo autor, e suas características.
deve ser completa. Para ele, isso inclui a informa- Mas é muito importante observar que uma das
ção detalhada sobre o planejamento e a identidade mais recentes Comissões da Verdade, a instalada
no Peru em 2003, desenvolveu discussões con-
Os jogos de poder que exerceram ceituais interessantes a respeito da verdade e da
reconciliação, sendo influenciada por consultas
influência determinante no período
públicas, discussões e seminários sobre experi-
irregular em que esses atropelamentos
ências de Comissões anteriores. A experiência
foram cometidos, seguem funcionando peruana tenta definir o conceito de verdade. As
no presente. anteriores estavam preocupadas demais com o que
estava acontecendo e não entraram em nenhuma
de quem deu as ordens e de quem levou a cabo es- discussão conceitual.
sas tarefas de repressão. Estas informações devem Apresento a seguir uma definição sofisticada de
ser oficiais, ou seja, ter o apoio de instituições do verdade, elaborada pela comissão que funcionou
Estado e serem difundidas publicamente. Isso é no Peru:
muito importante para as vítimas e seus aliados, «A verdade seria o relato fidedigno, eticamente
que sempre souberam o que aconteceu. Mas o articulado, cientificamente respaldado, contras-
problema não é só das vítimas é, também, de toda tado intersubjetivamente, alinhavado em termos
a sociedade. narrativos, afetivamente perfeito, sobre o ocorrido
O panorama do qual Zalaquett fala é muito no país nos últimos 20 anos compreendidos pelo
complexo e difícil de conseguir porque, como mandato».3
comum, os jogos de poder que exerceram influ- Penso que há um sentido filosófico muito im-
ência determinante no período irregular em que portante para este debate porque destaca a elabo-
esses atropelamentos foram cometidos, seguem ração narrativa das memórias e também procura
funcionando no presente. É o que Theodor Adorno compreender razões e motivos, e não verdades
escreveu, num famoso artigo, sobre a memória na absolutas e definitivas. É importante entender o
Alemanha2. que estava em jogo no momento em que tudo ocor-
reu. A elaboração da memória tem que ser vista
1 Zalaquett, J. (1996) “El marco normativo para una política sobre de um ponto de vista ético, para que as tarefas e
las violaciones de Derechos Humanos ocurridas en el pasado”
Fundación Mirna Mack, Amnistía y reconciliación nacional:
encontrando el camino de la justicia, 87-108.
3 Comisión de entrega de la Comisión de la Verdad y Reconcilia-
2 Adorno, T. (1969) ¿Qué significa remover el pasado? Interven- ción (2004) Atún Willakuy. Versión abreviada del informe final
ciones. Nueve modelos de Crítica. Caracas: Monte Ávila, 117-136. de la Comisión de Verdad y Reconciliación. Lima, p.32.
as ações não sejam relativizadas, pressupondo a -ditatorial, fez uma opção: nem pela justiça, nem 17
impossibilidade de classificar ou qualificar o que pela verdade, nem pela reparação.
12 Popkin, M. (2001) “La búsqueda de la verdad y la justicia 14 Valdez,P. Valdéz, P. (2003) “Comisiones de la verdad: un ins-
después de las comisiones de la verdad en Centroamérica” trumento de las transiciones a la democracia” CAP Estudios.
en Méndez, J., Abregó, M, Mariezcurrena, J. Verdad y Justicia. Working Papers. P.6
Homenaje a Emilio F. Mignone. IIDH, CELS, 2001, 223-259.
15 Popkin. Popkin, M. (2001) “La búsqueda de la verdad y la justi-
13 Rellana, C.I. (2005) “Discurso oficial y reparación social” en cia después de las comisiones de la verdad en Centroamérica”
Portillo, N., Gaborit, M., Cruz, J.M. Psicología social en la pos- en Méndez, J., Abregó, M, Mariezcurrena, J. Verdad y Justicia.
guerra: teoría y aplicaciones desde El Salvador, 169-224. Homenaje a Emilio F. Mignone. IIDH, CELS, 2001, 223-259
bém até que ponto o público está envolvido. Até social trocam perspectivas. O foco maior desse 21
onde o processo da Comissão da Verdade envolve processo cognitivo e comunicativo não é o passa-
à Memória e à Verdade
Fui apresentado aqui como jornalista, presidente Precisamos citar nomes. Situar politicamente
do CONDEPE (Conselho Estadual de Defesa dos esta questão para entendermos o que estamos
Direitos da Pessoa Humana), diretor do Núcleo falando e, inclusive, entendermos o porquê dos
de Preservação da Memória Política e militante profissionais da Psicologia terem tanto a ver com
político na defesa dos direitos humanos desde esse difícil período brasileiro.
que recuperei a liberdade. Porém, hoje prefiro Primeiramente, a ditadura não foi simples-
ser apresentado como ex-preso político e ficar na mente um governo que enlouqueceu e começou
condição de militante e subversivo. a torturar e a matar. O que aconteceu em 1964
Por outro lado, sou uma pessoa que vive cer- foi um assalto ao poder, aos cofres públicos, e a
cada por profissionais da Psicologia. Sou casado implantação do terrorismo de Estado, detalhada-
com uma psicóloga, Cristiana Pradel; trabalho no mente exercido, não como uma coisa passageira
CONDEPE com o Aristeu Bertelli, que é psicólogo; ou superficial, afinal foram 21 anos nesse regime.
A ditadura no Brasil foi pesada. Há sempre uma
comparação com a da Argentina e do Chile, como
A ditadura não foi simplesmente um
se por aqui ela tivesse sido mais “tranquila”, a tal
governo que enlouqueceu e começou ponto que o jornal Folha de S. Paulo se sentiu no
a torturar e a matar. O que aconteceu direito de dizer que o Brasil viveu uma “Ditabran-
em 1964 foi um assalto ao poder. da”. Nos esquecemos de dar valor à nossa história,
aos nossos personagens, e ficamos com aquele
e tenho vários amigos e amigas que são profis- complexo de vira-lata achando que ditadura boa
sionais desta área. Quando se fala em ditadura, foi lá na Argentina. Não! Ditadura é ditadura. E
repressão e Psicologia, fica algo muito vago, como no Brasil a gente tem a necessidade imperiosa de
se os (as) psicólogos (as) tivessem a boa vontade resgatar tudo o que aconteceu.
de se preocupar com esse assunto apenas por ser Não é de hoje que precisamos disso. Apren-
interessante ou curioso, como se nada tivessem a demos nos bancos escolares que Tiradentes era
ver com ele. Não é bem assim. parte de um movimento chamado Inconfidência
24 Mineira. Aprendemos que ele foi julgado (como negro com índio, não contava muito. Também
se aquele julgamento fosse legítimo), enforcado nesse levante, todos foram presos e torturados.
e esquartejado. Os outros envolvidos no levan- Felipe dos Santos foi esquartejado por quatro
te teriam tido uma vida mansa porque foram, cavalos, que despedaçaram seu corpo. Com tudo
apenas, degredados. Quando lemos os Autos da isso, até os dias de hoje ouvimos uma história do
Devassa, percebemos, primeiramente, que todo Brasil como sendo uma terra de gente pacífica e
esse processo foi extremamente violento e que ordeira, que para tudo consegue dar “um jeitinho”.
todos foram torturados. O poeta Cláudio Manoel Obviamente que isso é uma mentira grosseira.
da Costa, que na versão oficial cometeu suicídio, Obviamente que isso é para fazer com que tenha-
foi, na verdade, assassinado em tortura. O laudo mos vergonha de sermos brasileiros. Bom mesmo
de necrópsia feito na época, e que está nos Autos foi a ditadura argentina; bom mesmo foram os
da Devassa, mostra que ele morreu durante um libertadores da América Latina, esquecendo que
processo de violentíssima tortura. aqui também tivemos lutadores que engrossam
Tiradentes foi julgado e esquartejado, os ou- esse time.
tros, degredados, ou seja, foram colocados em Temos uma situação curiosa que, até pouco
uma caravela e, próximo à costa da África, jogados tempo, o Brasil parecia fazer fronteira apenas
ao mar para que tentassem nadar e chegar à terra. com os Estados Unidos. Argentina e Uruguai não
existiam para nós; Chile, menos ainda; Costa Rica,
então, nem se sabe ao certo onde fica. Só Estados
Temos que pensar em nossa história
Unidos, que pareciam ficar aqui ao lado. Nós ape-
para falarmos em memória; pensar nas comercializávamos, e principalmente, obede-
em nosso país como o nosso país e cíamos ao nosso irmão maior, os Estados Unidos.
não como qualquer lugar. Temos que pensar em nossa história para fa-
larmos em memória; pensar em nosso país como
Alguns até chegaram, mas quase todos foram de- o nosso país e não como qualquer lugar. O golpe
vorados por animais ou atingidos por doenças; um de 64 não foi uma mudança de comportamento de
ou outro conseguiu viver um bom tempo por lá. um governo, foi um assalto ao poder. Significou a
Se procurarmos no dicionário veremos que a implantação de um Estado terrorista que assaltou
palavra “inconfidente” quer dizer traidor, aquele os cofres públicos. Mas houve muita luta contra
em que não se confia. E nós repetimos essa besteira esse regime. Como houve muita luta e mobilização,
de inconfidentes por causa de nossa não história, de negros e brancos, para que a escravidão no
não memória, não culto aos nossos personagens. Brasil fosse abolida.
Os revoltosos de Vila Rica na realidade foram E quando falamos de ditadura, precisamos
revolucionários e não inconfidentes. Não eram lembrar que, 19 anos antes do golpe de 1964,
confiáveis ao inimigo, à corte portuguesa, porque houve outro regime dessa natureza que termi-
eram nossos heróis, nossos mártires. Cruelmente, nou em 1945, com um processo que levou a uma
Tiradentes é patrono da Polícia Militar. Que saca- Constituição absolutamente democrática, a de
nagem com a nossa história! 1946. Esse período curto de democracia tem uma
Esquecemos também que antes da Inconfi- característica tristemente curiosa. Ao sairmos da
dência Mineira, lá mesmo em Vila Rica, algumas ditadura do Estado Novo, a esquerda, notadamen-
décadas antes, houve outra revolta, liderada por te o Partido Comunista, não cobrou pelos crimes
Felipe dos Santos. Mas como ele era mestiço de cometidos pelo Estado Novo. A famosa cena de
Luís Carlos Prestes saindo da cadeia e indo para neste evento, precisa saber que durante a ditadu- 25
um comício juntamente com Getúlio Vargas, não ra muitas pessoas foram internadas em clínicas