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Artigo

RESUMO O RELATO DE CASOS


CLÕNICOS EM
No campo da investigaÁ„o
psicanalÌtica, o relato de
casos clÌnicos È entendido
como uma ferramenta para a
elaboraÁ„o teÛrica das
PSICAN£LISE: UM
experiÍncias psicanalÌticas.
Pretende-se, neste trabalho, ESTUDO
1
apresentar os fundamentos
teÛricos e discutir o uso do COMPARATIVO
relato de casos como um
mÈtodo de investigaÁ„o e
elaboraÁ„o psicanalÌtica a
partir de uma pesquisa na
qual foram comparados os
relatos de atendimentos
realizados em dois tipos de S andra A pa re c i da S erra Z anetti
dispositivos clÌnicos: o
atendimento institucional e o M aria Cristina M a c h a do K u pf e r
atendimento individual. A
partir das reflexıes deste
trabalho, conclui-se que os
relatos de caso s„o parte
integrante do prÛprio
atendimento, e podem
constituir, tanto nos
individuais como nos O Lugar do Relato de Caso na
institucionais, material para Pesquisa em Psican·lise
a apreens„o diagnÛstica do
caso, tendo em vista que em

F
ambos a transferÍncia, em
diferentes manifestaÁıes, est·
presente. reud sempre teve a preocupaÁ„o de atre-
Descritores: psican·lise-
instituiÁ„o; psicose infantil;
lar seu trabalho de construÁ„o teÛrica aos moldes
mÈtodos de pesquisa; da ciÍncia de seu tempo. Segundo Lowenkron
psican·lise-metodologia; (2004), Freud utilizava o mÈtodo de submeter o
psican·lise da crianÁa material da experiÍncia ‡s idÈias abstratas para bus-
car o entendimento dos fenÙmenos e para atender
ao rigor cientÌfico; as idÈias abstratas, a especulaÁ„o,
poderiam ser descartadas posteriormente ou n„o,
na medida em que se apresentavam como impor-
tantes ou ineficazes para a elaboraÁ„o da experiÍn-

Mestranda em Psicologia ClÌnica na Universidade


de S„o Paulo.
Professora Livre-Docente do Instituto de Psicologia da
Universidade de S„o Paulo.

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Artigo

cia. Pode-se acompanhar essa construÁ„o metodolÛgica em Os Ins-


tintos e suas Vicissitudes, em que Freud (1915/1974a) enuncia seu modo
de fazer pesquisa teÛrica.
A direÁ„o da pesquisa psicanalÌtica È dada pela experiÍncia
psicanalÌtica; desde os primeiros trabalhos de Freud, a clÌnica for-
neceu a base e o norte a partir dos quais se construÌram os eixos
fundamentais da elaboraÁ„o teÛrica em psican·lise (Lowenkron,
2004).
Se a experiÍncia fornece as bases da construÁ„o teÛrica, ent„o
o relato do caso ñ um caso ˙nico ñ, ou seja, os desdobramentos
de uma an·lise e seu acompanhamento pelo analista, s„o um instru-
mento na construÁ„o do mÈtodo e da pesquisa em psican·lise.
Mas j· s„o bem conhecidas as objeÁıes cientÌficas ao mÈtodo
psicanalÌtico: segundo Popper (1994), um de seus principais crÌti-
cos, o material clÌnico resultante n„o È padroniz·vel e as formula-
Áıes teÛricas daÌ resultantes n„o podem ser refutadas. De outro
lado, Figueiredo e Vieira (2002), sugerem que se Popper questio-
nasse Freud sobre como refut·-las, ele teria respondido com um
critÈrio de validaÁ„o diferente do da ciÍncia ìidealî: o de uma cons-
truÁ„o. Ou seja, apesar de os critÈrios de validaÁ„o da psican·lise
dificilmente serem defens·veis do ponto de vista dos moldes cien-
tÌficos atuais, ela tem algo a propor no que diz respeito ‡ quest„o
da refutaÁ„o. Para Freud (1937/1974b), ìa construÁ„o deve conju-
gar n„o somente alguns pontos da experiÍncia, mas algo que per-
mita incluir, na elaboraÁ„o do caso, uma espÈcie de ponto fixo, que
estaria no campo do vivido subjetivo do paciente e que, uma vez
incorporado ‡ teorizaÁ„o, permite que ela seja apropriada pelo su-
jeito com certeza inabal·velî (Freud, 1937/1974b, p. 291).
Esta È uma primeira indicaÁ„o, fornecida por Freud, a respei-
to da elaboraÁ„o de um caso: a construÁ„o permite a incorporaÁ„o
de um ponto fixo em torno do qual se faz uma teorizaÁ„o do caso.
O debate em torno do rigor do mÈtodo psicanalÌtico È longo,
mas alguns argumentos permitem a sua sustentaÁ„o e justificam o
uso do caso clÌnico como um de seus instrumentos.
Para Figueiredo e Vieira (2002) um sujeito vem ao psicanalista
porque se encontra diante de um impasse que, absolutamente sin-
gular, gera um sofrimento indizÌvel. O analista deve utilizar sua cons-
truÁ„o do caso para pÙr em cena n„o somente os contornos desse
sofrimento indizÌvel, mas tambÈm o prÛprio indizÌvel como vazio
interior.
Ao abordar o dualismo ìteoria e experiÍncia psicanalÌticaî,
Birman (1994) delimita o lugar epistemolÛgico ocupado pela teo-
ria em psican·lise e sua articulaÁ„o com as operaÁıes reguladoras
do ato psicanalÌtico e considera que os impasses do processo psi-

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canalÌtico sempre funcionaram como estÌmulos que levavam Freud
a questionar a consistÍncia da teoria psicanalÌtica, o que demandava
a produÁ„o de rupturas e avanÁos conceituais significativos.
Figueiredo e Vieira (2002) assinalam ainda que h· na psican·-
lise uma relaÁ„o indissoci·vel entre investigaÁ„o e tratamento e que,
portanto, a pesquisa em psican·lise sÛ pode se configurar e se sus-
tentar na produÁ„o de um saber possÌvel sobre as prÛprias sutile-
zas de tal relaÁ„o. Isto porque a psican·lise, segundo estes autores,
n„o se define apenas pelo exercÌcio da investigaÁ„o de conceitos, o
que resultaria em uma ìhipertrofia da especulaÁ„oî (Freud, 1933/
1976), nem tampouco pela pura terapÍutica sem nenhuma forma-
lizaÁ„o conceitual, ìo que nos levaria aos equÌvocos de uma pr·tica
intuitiva e pouco rigorosaî (Figueiredo & Vieira, 2002, p. 26).
Contudo, Figueiredo e Vieira (2002) concluem que os efeitos
de verdade passÌveis de serem produzidos a partir da aplicaÁ„o do
mÈtodo de pesquisa sÛ podem ser recolhidos por cada um no
particular de sua experiÍncia e, por outro lado, as condiÁıes e as
premissas para que tais efeitos ocorram devem fazer parte da prÛ-
pria estrutura do mÈtodo. ìConfirma-se, desse modo, uma das
premissas fundamentais da psican·lise: o universal que regula sua
pr·tica de investigaÁ„o e tratamento È ën„o-todoí, ainda que algo
de uma universalizaÁ„o do saber deva ser obtido visando ‡ trans-
miss„oî (Figueiredo & Viera, 2002, pp. 26-7).
… na passagem da experiÍncia psicanalÌtica para elaboraÁ„o
teÛrica que se pode localizar o mÈtodo do relato de casos clÌnicos.
O relato do caso È o primeiro passo e ao mesmo tempo o passo
fundamental para o encontro da experiÍncia psicanalÌtica com a
elaboraÁ„o teÛrica: ser· por meio de um relato que se ter· acesso
ao caso e a tudo o que ele puder suscitar em nÛs.

FundamentaÁıes TeÛricas do MÈtodo


do Relato ClÌnico

… no relato clÌnico que se fundamenta a construÁ„o teÛrica em


psican·lise, na medida em que o caso, ˙nico, permanece como
marca distintiva do mÈtodo psicanalÌtico. Para Figueiredo e Vieira
(2002), a partir do relato do caso temos um texto que j· faz o
recorte do analista, com as passagens escolhidas e privilegiadas em
determinado momento. ìO caso È o produto que se extrai da
histÛria, das intervenÁıes do analista na conduÁ„o do tratamento e
do que È decantado de seu relatoî (p. 28).
Rudelic-Fernandez (2002) admite que o texto de um caso È
como ìëpalavra plenaí na qual trabalha o inconsciente e na qual o

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sujeito È posto em relaÁ„o com a lin- intimamente imbricados, que a ob-


guagem do desejo, capaz de supor- servaÁ„o substitui o conceito e se tor-
tar a falta, a incompletude, em de- na met·fora dele. ìO sentido inicial
trimento da tentaÁ„o imagin·ria da de uma idÈia tornou-se, pouco a pou-
identidade e da finitude do sentidoî co, o prÛprio sentido do seu exem-
(p. 66). plo, a tal ponto que basta a simples
Para Jerusalinsky (2004), um caso menÁ„o do nome prÛprio do caso
È uma narrativa qualquer, uma nove- (Joey, irm„s Papin, Dominique etc.)
la, atÈ que alguÈm nos apresente um para fazer com que jorre instantane-
enigma, uma interrogaÁ„o. ìAlguÈm amente a significaÁ„o conceitualî
que vem nos contar sua vida n„o È (Nasio, 2001, p. 16).
um casoî (p. 16). E a formulaÁ„o AlÈm disso, o caso pode ultra-
desse enigma ou dessa interrogaÁ„o passar seu papel de ilustraÁ„o e de
È papel fundamental nosso. Para ele, met·fora emblem·tica, tornando-se,
o que justificaria ainda o nome de em si mesmo, gerador de conceitos:
clÌnico ou de analista È o fato de que ì¿s vezes, a fecundidade demons-
ìse possa lidar precisamente com este trativa de um exemplo clÌnico È t„o
buraco que, alÈm do mais, È o que frutÌfera, que vemos proliferarem
faz com que esse caso, que ali se trans- novas hipÛteses que enriquecem e
forma num caso, seja precisamente adensam a trama da teoriaî (Nasio,
neste ponto que se torna caso: onde 2001, p. 17).
bordejamos esse buraco de ignor‚n-
cia e nos decidimos a lidar com eleî
(Jerusalinsky, 2002, p. 16). Modos de ConstruÁ„o do
Para Nasio (2001), um caso exer- Relato
ce trÍs funÁıes: did·tica, metafÛrica
e heurÌstica. Ao apresentar um exem-
plo clÌnico que mostra os conceitos, A pesquisa em foco neste tra-
transforma o leitor num ator que, pela balho se baseou em trÍs metodolo-
encenaÁ„o improvisada de um papel, gias de relato de caso, que mantÍm
inicia-se na pr·tica e assimila a teoria. entre si uma relaÁ„o estreita por se
ì… essa a funÁ„o did·tica do caso: originarem na psican·lise ou por se
transmitir a psican·lise por intermÈ- basearem em uma concepÁ„o de lin-
dio da imagem, ou mais exatamente, guagem que se aproxima da psica-
por intermÈdio da disposiÁ„o em nalÌtica.
imagens de uma situaÁ„o clÌnica que A primeira metodologia refere-se ‡
favorece a empatia do leitor e o in- estrutura de construÁ„o de um texto
troduz sutilmente no universo abstra- teÛrico em sua articulaÁ„o com os
to dos conceitosî (Nasio, 2001, p.12). fatos, conte˙dos, histÛria e compre-
Pensando em casos cÈlebres da ens„o do caso clÌnico Foi proposta
psican·lise, Nasio (2001) tambÈm por Alfredo Jerusalinsky (2004) ba-
atribui a funÁ„o metafÛrica aos ca- seando-se na noÁ„o de tempo lÛgico
sos, nos quais a observaÁ„o clÌnica e apresentada por Lacan (1998) em seu
o conceito que ela ilustra est„o t„o texto O tempo lÛgico e a asserÁ„o de certe-

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za antecipada. Ao deter-se naquilo que
Lacan chamou de ìtempo de com-
preenderî, Jerusalinsky observa que
compreender ìimplica arrancar o
significante de seu monosentido, ou
seja, devolver-lhe a polissemiaî (p.
19). Segundo esse autor, sem que-
brar o estreitamento da extens„o
simbÛlica n„o h· possibilidade de
compreender.
Esta metodologia foi formula-
da por Jerusalinsky (2004), tambÈm
a partir da an·lise da tese de douto-
rado de 1932 de Lacan, Da psicose pa-
ranÛica nas suas relaÁıes com a personali-
dade, que consiste em um estudo so-
bre a paranÛia a partir do caso de
AimÈe. Ao analisar esta estrutura de
construÁ„o, Jerusalinsky observa que
Lacan ìcomeÁa a contar o caso pelo
que constitui o fracasso na vida desta
mulher. Fracasso que provoca nela a
emergÍncia da impossibilidade de
simbolizaÁ„o substitutiva, reparado-
ra do que nela se perdeuî (2004, p. 23).
Jerusalinsky conclui que o relato
de caso apresentado na tese de La-
can n„o È objetivo, ou seja, n„o des-
creve a inf‚ncia da paciente, n„o faz
referÍncia a doenÁas ou a outros fa-
tos de modo ordenado; ele comeÁa
por um ponto intermedi·rio. ìLacan
comeÁou pela passagem ao atoî
(2004, p. 23). Porque, segundo Jeru-
salinsky, ele È nodal neste caso. ìA par-
tir dali, portanto, comeÁa a cerzir todo
o tecido disperso do significanteî (p.
23). Esse ponto gera para nÛs uma
quest„o, um enigma. ìEle se pergun-
ta por que AimÈe tentou mat·-la. A
partir daÌ o caso comeÁa a fazer sen-
tido ou perder o sentido atribuÌdo
originalmenteî (p. 24). ComeÁa tam-
bÈm a produzir outros sentidos que

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n„o estavam ali. Para Jerusalinsky (2004), este È o ponto fundamen-


tal deste mÈtodo: ìo mÈtodo nos diz, do ponto de vista analÌtico,
por onde comeÁar, e nos diz que È imprescindÌvel que n„o saiba-
mos onde terminarî (p. 24).
A segunda metodologia nos dir· a respeito da construÁ„o liter·ria
do texto do relato.
Dana Rudelic-Fernandez (2002), em um volume do Jornal de
Psican·lise publicou um artigo intitulado ìLinguagem do Caso:
modelos e modalidadesî no qual apresenta quatro modelos para a
narrativa do caso clÌnico em psican·lise: cientÌfico, histÛrico, liter·rio
e hermenÍutico. Dentre esses modelos apresentados, foram desta-
cados nesta pesquisa o modelo liter·rio e o modelo hermenÍutico,
j· que, como aponta Frayze-Pereira (2004), esses modelos est„o de
acordo com a investigaÁ„o no campo da psican·lise.
Segundo Rudelic-Fernandez (2002), o modelo liter·rio se fun-
damenta em uma vis„o liter·ria da histÛria do caso, na qual a ima-
gem da realidade È amplamente determinada por caracterÌsticas
emprestadas ‡ realidade, tanto no plano do conte˙do quanto no
plano da forma. Assim, o relato do caso È neste modelo considera-
do principalmente como exercÌcio retÛrico. Ele ser· analisado atra-
vÈs de uma sÈrie de figuras retÛricas (met·foras, metonÌmia, sinÈ-
doque, paranom·sia, etc.) que remetem aos afetos e ‡s suas repre-
sentaÁıes. ìAs poÈticas cl·ssicas consideram toda obra de ficÁ„o
como obra liter·ria. Entretanto, o simples fato de narrar È ele mes-
mo gerador da ficÁ„oî (p. 62). O relato opera como met·fora,
afirmando a semelhanÁa, introduzindo um vÌnculo causal, cronolÛ-
gico e discursivo entre os acontecimentos esparsos, combinando-
os atravÈs das semelhanÁas percebidas. Isto pressupıe que os inci-
dentes percebidos como puramente contingentes sejam rejeitados,
pois s„o n„o assimil·veis ‡ trama da narrativa. Nesse mÈtodo, o
caso deve ser apresentado como um enigma, ‡ semelhanÁa do que
apontou Jerusalinsky (2004).
No modelo hermenÍutico, como no modelo liter·rio, o im-
pacto da linguagem sobre a realidade clÌnica È majorado. Nessa
perspectiva, a histÛria clÌnica È uma re-descriÁ„o, uma re-narra-
Á„o da aÁ„o que È o tratamento cuja histÛria mesma È modifica-
da pelo prÛprio fato de ser narrada. Nessa medida, o relato n„o
segue um esquema narrativo dado, n„o busca superpor a uma
verdade canÙnica uma verdade narrativa. Ele se torna passo a
passo uma leitura circunstanciada, pontual, descontÌnua, dese-
nhando o prÛprio espaÁo que ele investe. A particularidade da
vis„o hermenÍutica È a de ser ao mesmo tempo uma crÌtica,
uma leitura ìdesconstrutivaî e uma operaÁ„o de decifraÁ„o da
histÛria do caso.

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A terceira metodologia È aquela que 3. Atendimento institucional de
pode ser extraÌda da noÁ„o freudia- G., realizado e relatado por profis-
na de construÁ„o, j· mencionada no sionais da instituiÁ„o.
inÌcio deste trabalho. De fato, se a Os relatos de casos foram rea-
construÁ„o È, para Freud, a introdu- lizados utilizando a articulaÁ„o das
Á„o de um ponto fixo em torno do trÍs metodologias discutidas no inÌ-
qual se elabora o caso, pode-se pen- cio deste trabalho, o que È possÌvel
sar que a idÈia de enigma central a graÁas ao fato de que as trÍs podem
ser construÌdo pelo analista È um pro- ser consideradas freudianas ou man-
cedimento que j· se encontra de cer- tÍm com a psican·lise uma relaÁ„o
ta maneira no texto freudiano. Essa estreita.
indicaÁ„o foi igualmente considera- Para a realizaÁ„o do estudo, op-
da na elaboraÁ„o dos relatos de caso tou-se por utilizar dois tipos de procedi-
da pesquisa em foco. mento: num deles, a pesquisadora, di-
Assim, os casos foram relatados retamente em contato com um caso
tendo em vista: clÌnico (G.), atravÈs de sessıes indivi-
(a) A sua compreens„o atravÈs duais com uma crianÁa, tinha a pos-
da ìquebra do estreitamento da ex- sibilidade de comparar o relato de
tens„o simbÛlicaî. caso construÌdo a partir deste mate-
(b) A sua apresentaÁ„o usando o rial com o relato de um outro caso
enigma do caso como ponto nodal. clÌnico institucional (A.), tambÈm pro-
(c) Os modelos liter·rio e her- duzido pela pesquisadora; e no ou-
menÍutico de construÁ„o do texto; tro procedimento, a pesquisadora
(d) A noÁ„o freudiana de cons- teve a possibilidade de novamente
truÁ„o. comparar o relato de caso clÌnico in-
dividual (G.) com o da mesma crian-
Áa, mas com material proveniente do
A Pesquisa Propriamente Dita seu atendimento institucional, que fora
realizado, desta vez, por profissionais
da instituiÁ„o.
Tendo em vista a comparaÁ„o As trÍs situaÁıes acima referidas
de dois tipos diferentes de relato de foram criadas para tornar possÌvel a
caso, o primeiro realizado a partir do consideraÁ„o da influÍncia do pesqui-
atendimento individual e o segundo sador em relatos de casos nos quais
a partir do atendimento institucional, estava presente em diferentes posi-
a pesquisa em foco no presente tra- Áıes: ora como um dos agentes ins-
balho procedeu ‡ construÁ„o e ‡ titucionais, ao lado de outros, ora
comparaÁ„o de textos elaborados a como analista de uma crianÁa que
partir das seguintes situaÁıes clÌnicas: tambÈm era atendida institucional-
1. Atendimento institucional de mente.
A., realizado e relatado pela pesqui- Para a an·lise do material, foram
sadora. avaliadas as facilidades e dificuldades per-
2. Atendimento individual de G., cebidas nos processos de construÁ„o
realizado e relatado pela pesquisadora. dos relatos de casos pela pesquisa-

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dora decorrentes da influÍncia do tipo tervenÁıes ou questionamentos. Che-


de dispositivo clÌnico (individual ou gam quase sempre como um fato
institucional), bem como a compreen- estagnado, como letra morta.
s„o que foi possÌvel extrair destes re- O relato de caso institucional
latos. Foi ainda avaliada a influÍncia do ganhou vida no momento em que foi
tipo de dispositivo clÌnico sobre a produ- posto em discuss„o em algumas ins-
Á„o do relato, levando-se em conta t‚ncias institucionais, tais como a reu-
o lugar da transferÍncia, da escuta e ni„o clÌnica e a reuni„o de estudos.
do discurso, bem como os recortes dos Quando a equipe se envolveu com o
textos produzidos pelos v·rios pro- pressuposto de Jerusalinsky (2004), o
fissionais da instituiÁ„o em contato de devolver a polissemia ao significante, ou
com o caso. seja, quando ele foi colocado nova-
mente dentro de um campo no qual
os significantes do caso passaram a
ConsideraÁıes sobre os circular, a produÁ„o do caso deixou
Resultados de se apresentar como um ërelatÛrio
de casoí.
O escritor que se propıe a es-
A experiÍncia de pesquisa aqui crever um caso a partir de um mate-
atravessada permitiu a produÁ„o de rial institucional precisar· estar dispos-
algumas reflexıes, dentre as quais to a capturar o enigma do caso, mui-
foram selecionadas algumas para tas vezes perdido entre as teorias es-
compor a discuss„o que se segue. tabelecidas sobre ele, descobrir e
A construÁ„o do relato de um construir os significantes que o com-
caso atendido em instituiÁ„o requer pıem, devolver-lhes a polissemia,
uma implicaÁ„o significativa daquele que proporcionar a extens„o da cadeia
se propÙs a produzi-lo; sem essa dis- simbÛlica do caso e dar-lhe vida du-
posiÁ„o e essa abertura para o caso, rante sua composiÁ„o.
n„o h· como tecer e desmembrar um J· na construÁ„o de um relato
texto ao seu redor. de caso de um atendimento indivi-
Essa implicaÁ„o poderia se tor- dual, o enigma do caso ñ diferente-
nar mais efetiva caso houvesse a lo- mente do atendimento institucional,
calizaÁ„o de um enigma. Como des- no qual ele precisava ser ëcaÁadoí ñ
crever, porÈm, em forma de enig- se apresentou de forma muito clara,
ma, um caso institucional? De fato, o ëpasseando ao nosso redorí e ënos atraves-
ponto de partida para essa constru- sandoí no momento da composiÁ„o.
Á„o s„o as premissas estabelecidas por Entretanto, È interessante acrescentar
outros, ou seja, as teorias, as interpre- que o processo de construÁ„o deste
taÁıes ìprontasî do caso. Em resu- relato n„o foi mais simples ou mais f·cil
mo, as leituras produzidas pelo Ou- que o institucional em decorrÍncia
tro institucional, que acabam por che- deste aspecto, porque possui as difi-
gar ‡quele que pretende descrever o culdades de uma construÁ„o solit·-
caso sob forma de algo estabeleci- ria, diferentemente da construÁ„o
do, com pouca possibilidade de in- quase coletiva do relato de caso ins-

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titucional. Ou seja, este È um tipo de processo de construÁ„o que
n„o demanda a desconstruÁ„o de um enigma, mas sua construÁ„o,
o encadeamento das idÈias, sentimentos e reflexıes a respeito do
caso, de forma que esteja compatÌvel com os padrıes teÛricos e
tÈcnicos de construÁ„o, de acordo com a fundamentaÁ„o teÛrica
em que se baseiam.
Foi possÌvel, ainda, perceber a influÍncia dos dois tipos de dispositivos
clÌnicos na construÁ„o dos relatos de caso. Naturalmente, o relato do
atendimento individual baseou-se em um contato mais individuali-
zado, particular com a crianÁa, enquanto o relato do atendimento
institucional apoiou-se principalmente no ìmundo exteriorî da crian-
Áa, em suas atividades nos grupos de atendimento, em seu modo
de se relacionar com as outras crianÁas etc.
Em um processo de construÁ„o de relato de caso institucio-
nal, h· muitas informaÁıes provindas de outros, o que pode con-
tribuir para que este relato n„o seja um relato de caso, mas um
relatÛrio do caso.
Essa observaÁ„o, por sua vez, sugere que, embora o tipo de
material utilizado para a construÁ„o do relato, individual ou institu-
cional, tenha uma interferÍncia no processo de elaboraÁ„o do caso,
deve-se introduzir um outro conceito para elucidar essa discuss„o.
… preciso abordar a transferÍncia, como um movimento dentro
ou fora do ‚mbito analÌtico, que sustenta a pr·tica da construÁ„o
de relato de caso e proporciona um saber para esse caso. … tam-
bÈm no ‚mbito da transferÍncia que deve ser discutida a possibili-
dade de construÁ„o do diagnÛstico do caso a partir dos relatos de
casos atendidos individual e institucionalmente.

A TransferÍncia no Relato de Caso

Segundo Bernardino (2004), Lacan, a partir da import‚ncia


do inconsciente e da transferÍncia nos tratamentos, define o diag-
nÛstico, em psican·lise, a partir da relaÁ„o transferencial que aÌ se
estabelece, da posiÁ„o em que o paciente se coloca e na qual coloca
o Outro, denominando este diagnÛstico de estrutural. Este Outro,
segundo Bernardino (2004), refere-se a um ìconceito que define
tanto a linguagem, a cultura, as leis, quanto o semelhante (pequeno
outro) da espÈcie, quando representa esta funÁ„o, ao introduzir o
sujeito neste campoî (p. 21).
Pode-se realizar um diagnÛstico estrutural de um paciente (e de
seus pais) cuja transferÍncia se estabelece com o Outro institucional?
Para levar adiante essa discuss„o, deve-se estabelecer uma dis-

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tinÁ„o entre o conceito de transferÍncia num ambiente de an·lise e


em um ambiente outro qualquer, fora do contexto de an·lise.
Segundo Laplanche e Pontalis (2004), o conceito de transfe-
rÍncia ìdesigna em psican·lise o processo pelo qual os desejos in-
conscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de
certo tipo de relaÁ„o estabelecida com eles e, eminentemente, no
quadro da relaÁ„o analÌtica. Trata-se aqui de uma repetiÁ„o de pro-
tÛtipos infantis vividos com um sentimento de atualidade acentua-
daî (p. 514).
Para Monteiro (2002), ìa noÁ„o de transferÍncia vem revelar a
complexidade do encontro entre dois sujeitos, pois nele o sujeito
atualiza a realidade de seu inconscienteî (p. 14). H· neste fenÙme-
no a revelaÁ„o de um sujeito marcado pela falta, quando este se
endereÁa a outro, pois ìsupıe neste outro o saber sobre seu desejo,
sobre isto que lhe faltaî (p. 14). No entanto, conforme aponta Nali
(2002), ìquando se trabalha em psican·lise num contexto outro, que
n„o o consultÛrio privado, algumas particularidades se fazem pre-
sentes, principalmente no que diz respeito ao fenÙmeno transferen-
cialî (pp. 32-3, grifos nossos).
Deste modo, para Dutra (2005), sÛ seria possÌvel uma apreens„o
diagnÛstica estrutural do caso, atravÈs da transferÍncia, no contexto de uma
an·lise. Isto porque, tal como aponta Laplanche e Pontalis (2004), ìa
transferÍncia È classicamente reconhecida como o terreno em que
se d· a problem·tica de um tratamento psicanalÌtico, pois s„o a sua
instalaÁ„o, as suas modalidades, a sua interpretaÁ„o e a sua resolu-
Á„o que caracterizam esteî (p. 514). O diagnÛstico psicanalÌtico,
para Dutra (2005), È um dos meios de orientar um tratamento e È
na transferÍncia, no desenrolar do tratamento, que este se constitui.
Principalmente quando se trata de uma an·lise de crianÁas, pois,
para estabelecer o diagnÛstico na clÌnica com crianÁas, os desdo-
bramentos do espaÁo e do tempo s„o fundamentais. Segundo esta
autora, assim como o inconsciente se revela na repetiÁ„o, o analista
tambÈm precisa dela para confirmar sua leitura. Deste modo, por-
tanto, para esta autora, a rigor, trata-se no diagnÛstico de poder
situar a posiÁ„o do sujeito na constituiÁ„o de sua fantasia funda-
mental. ìQualquer que seja sua temporalidade: pretÈrita, no caso
do adulto, ou ger˙ndia, no caso da crianÁaî (p. 7). Portanto, conclui
esta autora, È impreciso falar em diagnÛstico fora do contexto de
uma an·lise: ìum diagnÛstico no sentido usual n„o se d·, n„o se
sustenta nessa circunst‚nciaî (p. 7).
Da mesma maneira, poder-se-ia pensar que numa instituiÁ„o
as condiÁıes necess·rias para apreens„o diagnÛstica estrutural de
um caso n„o est„o presentes, pois este sÛ acontece numa relaÁ„o de
transferÍncia num processo de atendimento clÌnico.

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Outra autora, Nali (2002), tam-
bÈm est· de acordo com este pres-
suposto. Para ela, a teoria psicanalÌti-
ca possui um conjunto de conceitos
que s„o articulados entre si, formula-
dos por um ˙nico dispositivo: ìa si-
tuaÁ„o analÌtica, ou seja, um campo
privilegiado que possibilita a emer-
gÍncia das chamadas formaÁıes do in-
consciente do paciente diante do outro,
isto È, do sujeito suposto saber, atravÈs
do qual surge o seu enigmaî (p. 37).
Assim, n„o haveria como pen-
sar o diagnÛstico estrutural e a trans-
ferÍncia no ‚mbito institucional, o
que cria uma dificuldade em consi-
derar como psicanalÌtico o atendi-
mento ali realizado. Esse impasse
poder·, porÈm, ser ultrapassado
caso se admitam, com Filloux
(2002), diferentes modos de apre-
sentaÁ„o da transferÍncia. Segundo
essa autora, pode-se falar de laÁos
transferenciais, entendidos como fe-
nÙmenos que se manifestam fora do
ambiente analÌtico; por exemplo, na
relaÁ„o que se estabelece entre alu-
nos e professores. Nesses casos, a
autora se refere a fenÙmenos transferen-
ciais, diferentes do que se manifesta
na clÌnica psicanalÌtica, na qual o que
est· em jogo È a neurose de transferÍn-
cia que vem substituir a neurose clÌ-
nica (neurose infantil). Baseando-se
em Laplanche e Pontalis, Filloux
(2002) entende que os fenÙmenos
transferenciais se referem a equivalentes
simbÛlicos da repetiÁ„o de expe-
riÍncias do passado, e n„o a repetiÁıes
literais. O que quer dizer que ìn„o se
poderia ler, decifrar diretamente o
sentido dessas manifestaÁıes trans-
ferenciais porque n„o h· transparÍn-
ciaî (pp. 44-5).

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Artigo

Qual poderia ser, ent„o, o tipo nal de referÍncia, ser· possÌvel locali-
de transferÍncia que se estabelece zar a emergÍncia de fenÙmenos trans-
num ‚mbito institucional? Nali ferenciais dirigidos ‡ figura do pro-
(2002) assegura que ìh· transferÍn- fissional de referÍncia, a partir dos
cia do paciente em relaÁ„o a algum quais uma hipÛtese diagnÛstica ser·
membro da equipe (ou v·rios) na construÌda.
medida em que retomarmos a idÈia
de suposto saber, pois havendo em al-
gum lugar o sujeito suposto saber, h· Supervis„o e NarraÁ„ o
transferÍnciaî (p. 38). Ou seja, a au-
tora se refere aqui ao fenÙmeno Pode-se ainda propor uma ou-
transferencial que ocorre fora de um tra discuss„o a partir da pesquisa em
contexto de an·lise. E, deste modo, foco. Trata-se de refletir sobre o lu-
continua a autora: ìevidentemente, gar da supervis„o e da narraÁ„o no rela-
temos que considerar que a transfe- to de um caso clÌnico.
rÍncia com um membro da equipe Em relaÁ„o a aquilo que a su-
se diferencia da transferÍncia da si- pervis„o pode fazer pelo ìtreinandoî,
tuaÁ„o analÌtica, uma vez que esta Carvalho (2004) destaca: (a) agir de
tem aÌ um estatuto prÛprioî (p. 38). forma que o paciente consiga explo-
Justamente, existe, em algumas rar o prÛprio comportamento e com-
instituiÁıes que abordam a psicose ñ preender suas motivaÁıes; (b) adqui-
e a instituiÁ„o na qual se realizou esta rir a competÍncia de avaliar a tendÍn-
pesquisa È uma delas ñ um profissio- cia do paciente de utilizar soluÁıes
nal que estabelece uma relaÁ„o mais autom·ticas ante situaÁıes conflituo-
prÛxima e sistem·tica com o caso, sas; (c) buscar o passado do paciente
responsabilizando-se por ele. Trata- sem utilizar question·rios; (d) man-
se do ìprofissional de referÍncia do ter-se na postura de ìneutralidade
casoî. Este profissional escuta regu- tÈcnicaî; e (e) ensejar que o paciente
larmente os pais da crianÁa, e algu- alcance qualidade e abrangÍncia na
mas vezes na presenÁa da crianÁa. compreens„o interna (insight).
Pode-se afirmar que o tipo de trans- Estes aspectos, que podem ser
ferÍncia que se estabelece com este chamados de tÈcnicos de uma super-
profissional aproxima-se daquele que vis„o, orientam o ìtreinandoî em re-
se instala em um atendimento indivi- laÁ„o ‡ postura que deve adotar di-
dual, embora n„o se trate da neurose ante de seu paciente. No presente tra-
de transferÍncia classicamente descrita balho, considerou-se, contudo, outro
por Freud (1912/1974c). S„o fenÙ- aspecto, tambÈm referente ao pro-
menos transferenciais, nas palavras de cesso de supervis„o; ao narrar um
Filloux (2002). caso, o analista relata ao supervisor
Nesse contexto, pode haver, en- aquilo que o paciente fez, suscitou,
t„o, manejos de uma transferÍncia que provocou nele, numa relaÁ„o de trans-
efetivamente se instala. Portanto, se ferÍncia que pretende, atravÈs da nar-
um relato de caso institucional esti- raÁ„o, debruÁar-se nos enigmas que
ver baseado na relaÁ„o do profissio- compıem o caso e gerar uma com-

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preens„o que auxilie na direÁ„o do dirigida ao supervisor que os profis-
tratamento. Ou seja, faz o mesmo sionais puderam desvencilhar-se des-
que um relato de caso propıe. sa captura.
Assim, foi possÌvel perceber que Pode-se afirmar que a maior
nestes dois processos, o de supervi- contribuiÁ„o deste trabalho relacio-
s„o e o de construÁ„o de relato de na-se ‡ reflex„o em torno do atendi-
caso, h· algo que permeia ambos e mento clÌnico institucional e suas pos-
os torna semelhantes: h· um endere- sibilidades comparadas ‡s de um
Áamento do discurso, em forma de atendimento individual. A partir das
narraÁ„o, a um outro/Outro, em reflexıes deste trabalho, conclui-se
quem se supıe um saber sobre o que caber· aos profissionais de uma
caso, gerado pelo ìsimplesî proces- instituiÁ„o cuidar para que o acom-
so de narrar. Ambas s„o pr·ticas que panhamento de um caso institucio-
se baseiam na palavra, na linguagem, nal seja t„o sistem·tico quanto o
e s„o com isso parceiras do prÛprio acompanhamento particular de um
processo analÌtico. atendimento individual. O trabalho
Disto, ainda se pode deduzir a institucional exige um compromisso
import‚ncia de narrar um caso para a destes profissionais com o caso de
conduÁ„o de um tratamento e, assim, tal modo que este profissional n„o
identificar a narraÁ„o deste caso como parte se perca nos significantes do caso, n„o
integrante e essencial do tratamento. Isto seja capturado pelo sintoma do pa-
porque, diferentemente, por exemplo, ciente, e esteja a certa dist‚ncia que a
de uma pr·tica mÈdica de relatar um supervis„o e a narraÁ„o permitem
caso a um outro mÈdico, esta È parte manter para tornar possÌvel a deci-
integrante do processo porque pro- fraÁ„o do enigma do caso. Em ou-
duz efeitos: È necess·rio que o analista tras palavras, conclui-se que o estudo
narre um caso, seja a um supervisor e o relato de um caso atendido insti-
ou escrevendo um relato de caso, para tucionalmente podem se realizar e
que ele possa voltar ao caso e ouvi-lo de um produzir efeitos semelhantes a aque-
outro lugar. Caso contr·rio, ele poder· les que se alcanÁam quando se relata
ficar preso nos enlaces do sintoma, um caso acompanhado em um aten-
principalmente quando se trata da psi- dimento individual.
cose, repetindo um posicionamento Finalmente, este trabalho tambÈm
provocado por esta captura e pouco possibilitou o acesso a questıes rele-
poder· fazer pelo paciente. Laznik- vantes relacionadas ‡ import‚ncia da
Penot (1989) relata, por exemplo, o transferÍncia no campo da pesquisa
ocorrido em uma instituiÁ„o de aten- em psican·lise e no trabalho institu-
dimento de crianÁas psicÛticas: o sta- cional para a construÁ„o de relatos de
tus e o diploma n„o tiveram o poder caso, discuss„o que se buscou em cer-
de impedir que seus profissionais se ta medida desenvolver, mas que po-
livrassem das malhas da repetiÁ„o que der· ser tambÈm um ponto de parti-
uma crianÁa psicÛtica pode induzir em da para futuros trabalhos.
seus cuidadores. Foi somente por meio
da discuss„o em equipe e da narraÁ„o

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Artigo

ABSTRACT
THE REPORT OF CLINICAL CASES IN
PSYCHOANALYSIS: A COMPARATIVE
STUDY
In the field of psychoanalytical investigation, the
report of clinical cases is understood as a tool for
theoretical elaboration of psychoanalytical experi-
ences. In this work we intend to present the theoreti-
cal basis and to discuss the use of case reports as a
method of psychoanalytical investigation and elabo-
ration based on a research in which
reports of sessions in two kinds of clinical devices
were compared: the institutional session and the in-
dividual session. From reflections on this work we
conclude that case reports are an integrating part of
the session and can become substance for the diag-
nostic apprehension of the case both in the individu-
al and in the institutional session, for in both trans-
ference, in different manifestations, is present.
Index terms: psychoanalysis-institution; infant
psychosis; research methods; psychoanalysis-
methodology; child psychoanalysis

RESUMEN
EL RELATO DE CASOS CLÕNICOS EN
PSICOAN£LISIS: UN ESTUDIO
COMPARATIVO
En el campo de la investigaciÛn psicoanalÌtica, el
relato de casos clÌnicos puede ser una importante
herramienta para la elaboraciÛn teÛrica de las expe-
riÍncias psicoanalÌticas. En este escrito se presen-
tan los fundamentos teÛricos que permiten discutir
la utilizaciÛn del relato de casos como um mÈtodo de
investigaciÛn y elaboraciÛn psicoanalÌtica. Eso se
plantea desde una investigaciÛn en la que se compa-
raron los relatos de atendimientos realizados en dos
clases de dispositivos clÌnicos: individual e instituci-
onal. Se concluye que los relatos de caso forman
parte del tratamiento, y aportan, tanto en los indivi-
duales como en los institucionales, material para la
construcciÛn del diagnÛstico del caso, ya que en los
dos dispositivos la transferÈncia est· presente.

Palabras clave: psicoan·lisis-instituciÛn;


psicosis infantil; mÈtodos de investigaciÛn;
psicoan·lisis-metodologÌa; psicoan·lisis de niÒos

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71, dez. 2002.

NOTAS

1 O estudo focalizado neste artigo È o resul-

tado de uma pesquisa de IniciaÁ„o CientÌfi-


ca, desenvolvida por Sandra Aparecida Serra
Zanetti com a orientaÁ„o da Prof™. Maria
Cristina M. Kupfer e apoiada pela FAPESP.
2 O presente trabalho est· atrelado ao Sub-
Projeto 2 do Projeto Tem·tico Fapesp: ìEfei-
tos do Tratamento PsicanalÌtico Institucio-
nal sobre a circulaÁ„o social de crianÁas e
adolescentes psicÛticosî, que est· sendo rea-
lizado na InstituiÁ„o ìPrÈ-Escola TerapÍuti-
ca Lugar de Vidaî, do IPUSP.

sandraf@pos.ucb.br
mckupfer@usp.com.br

Recebido em agosto/2006.
Aceito em outubro/2006.

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