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Gordon H. Clark
Editora Monergismo
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil ─ CEP 70.842-970
Sítio: www.editoramonergismo.com.br
1ª edição, 2016
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Revisão: Fabrício Tavares de Moraes
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA
FONTE.
Essas três vias apresentadas por à Brakel são, respectivamente, a via negativa,
a via dos graus de perfeição e a via da causa eficiente, de Tomás de Aquino. Decerto,
nenhum apologista romanista ou arminiano competente afirmaria que a simples
exposição de evidências é capaz de “promover a fé”; na verdade, um dos mais
celebrados evidencialistas contemporâneos, William Lane Craig, sempre chama a
atenção de que seu intuito é apenas demonstrar a racionalidade ou razoabilidade da fé
cristã.
De semelhante modo, a tentativa de submeter a Palavra de Deus aos critérios da
razão autônoma humana é não somente idolatria, mas uma própria inversão do real. E é
disto que os evidencialistas, no mais das vezes, são injustamente acusados. Cremos,
entretanto, que há aqui um falso dilema, pois se o cristianismo é a própria verdade — o
que o diferencia de todas as doutrinas —, e se o Logos divino preside sobre toda a
realidade, segue-se que tudo que é ilógico está em oposição à verdade divina.
O marxismo, por exemplo, não somente é ilógico por não estar em
conformidade com a cosmovisão bíblica, mas também porque vários de seus elementos,
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especialmente a filosofia da história a ele subjacente, estão em desconformidade com a
própria estrutura do real. Basta perceber que nenhuma das noções distintamente
marcadas pelo sistema econômico capitalista deu lugar naturalmente — como apregoa
o socialismo científico — ao socialismo e, posteriormente, ao comunismo.
Desse modo, lamentavelmente, o pressuposicionalismo tem sido adotado por
inúmeros professores e estudantes de seminários não como uma ferramenta que, a
depender da situação, é a mais útil e efetiva; pelo contrário, partindo da infalibilidade
das Escrituras, muitos se entregaram a uma letargia intelectual mascarada de piedade e
submissão à verdade de Deus. Em sua incapacidade ou indisposição de analisar e
apontar os ilogismos e contradições internas dos sistemas heréticos, muitos
simplesmente, por meio de bravatas intelectuais e num modo caricaturalmente ex
cathedra, inibem ou suprimem de antemão qualquer discussão por meio da
proclamação da superioridade da cosmovisão bíblica.
Todo cristão genuíno sabe e reconhece essa superioridade. Todavia, a doutrina e
sistematização a qual hoje temos acesso é fruto de um empenho laborioso e contínuo,
repleto de revezes e controvérsias, além de diversos pontos sobre os quais ainda não há
o mínimo consenso. Sob a arquitetura harmoniosa das Institutas, da Suma Teológica ou
da Dogmática Reformada, de Herman Bavinck, por exemplo, há ruínas e detritos de
antigos sistemas, heterodoxias e mesmo imprecisões de teólogos ortodoxos que se
sedimentaram ao longo do tempo. De fato, todos os grandes pensadores cristãos foram
movidos pela certeza de que a fé que uma vez lhes fora confiada era superior a todos os
sistemas engendrados pela mente humana — isto, todavia, não anulou ou desestimulou
seus esforços para dissecar e refutar cada heresia, seja por meio das Escrituras ou da
simples análise lógica.
Portanto, aqueles que efetivamente buscam dar razão de sua fé não submetem a
verdade bíblica à razão autônoma humana; na verdade, qualquer razão que esteja em
oposição à revelação é inerentemente irracional ou está equivocada em algum de seus
elementos.
Posto que Calvino não poderia ter se dirigido explicitamente ao século XX, a
obrigação está ainda mais sobre nossos ombros. Sem dúvida, há muitos, mas há um
ataque imediato sobre a possibilidade de uma revelação racional que não deveria ser
ignorado.
Teorias da origem, natureza e propósito da linguagem têm sido recentemente
desenvolvidas para que impeçam Deus de falar a verdade do homem sob o fundamento
que a linguagem não pode transmitir uma verdade literal. Alguns escritores dizem que
toda linguagem é simbólica ou metafórica. Por exemplo, Wilbur Marshall Urban
(Language and Reality, pp. 383, 433) afirma que “não existem sentenças estritamente
literais… não existe tal coisa como verdade literal… qualquer expressão em linguagem
contém algum elemento simbólico”. Outros escritores fazem alegações mais restritas e
dizem apenas que toda linguagem religiosa é metafórica. De onde se segue que caso
Deus use linguagem, ele não pode nos contar a verdade literal, mas deve falar em
simbolismo ou mitologia.
Aqueles que defendem a Bíblia como uma revelação verdadeira devem insistir
que ela transmite verdade literal. Isso não significa que Deus não possa usar, por vezes,
simbolismo e metáfora. Certamente há simbolismo em Ezequiel, há parábolas nos
Evangelhos, e há metáforas espalhadas por toda a Bíblia. Deus poderia ter usado até
mesmo mitologia e fábula. Mas a menos que haja declarações literais juntamente com
essas figuras de linguagem, ou no mínimo, a menos que as figuras de linguagem possam
ser traduzidas em verdade literal, um livro não transmite nenhum significado definido.
Suponha que a cruz seja selecionada como um símbolo cristão, e suponha que
algum orador florido dissesse: “Vivamos à sombra cruz”. O que ele pode querer dizer?
O que a cruz simboliza? Simboliza o amor de Deus? Ou simboliza a ira de Deus?
Simboliza o sofrimento humano? Ou simboliza a influência da igreja? Se não existem
declarações literais para a informação sobre o que cruz simboliza, essas perguntas são
irrespondíveis.
Deixemos que uma pessoa diga que a cruz simboliza o amor de Deus. Contudo,
se toda linguagem ou toda linguagem religiosa é simbólica, a declaração que a cruz
simboliza o amor de Deus é em si mesma um símbolo. Um símbolo do que? Quando
essa última pergunta for respondida, veremos que a resposta é novamente um símbolo.
Então outro símbolo será necessário, e outro. E todo o processo se tornará sem sentido.
Essa teoria contemporânea da linguagem está aberta às mesmas objeções que
são levantadas contra a noção tomista de conhecimento analógico. A fim de ter
significado, uma analogia, uma metáfora, ou um símbolo deve ser apoiado por alguma
verdade literal. Se Sansão era tão forte como um touro, então um touro deve ser
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literalmente forte. Se Cristo é o leão da tribo de Judá, então algo deve ser literalmente
verdade sobre leões e sobre Cristo também. Não importa com que embelezamento
literário a comparação seja feita, deve haver uma declaração estritamente verdadeira
que deu origem a ela. E uma teoria que diz que toda linguagem é simbólica é uma teoria
que não pode ser tomada como literalmente verdadeira. Suas próprias declarações são
metafóricas, e sem significado.
Além disso, uma teoria de linguagem tem que ser tomada como parte de um
sistema filosófico mais geral. Embora alguns linguistas possam estudar uns poucos
detalhes minuciosos, uma teoria que concerne à origem, natureza e propósito da
linguagem pressupõe alguma visão global da natureza humana e do mundo no qual ela
existe. As teorias contemporâneas são frequentemente baseadas numa filosofia
evolucionária na qual se supõe que a linguagem humana tenha se originado de gritos e
grunhidos de animais. Essas teorias evolucionárias da linguagem, e algumas que não
são explicitamente evolucionárias, revelam sua conexão com a epistemologia ao tornar
as impressões sensoriais a fonte imediata da linguagem. As primeiras palavras uma vez
pronunciadas foram supostamente substantivos ou nomes produzidos ao imitar-se o som
produzido por um animal ou uma cachoeira; ou se o objeto não fazia nenhum ruído,
algum método mais arbitrário foi usado para atribuir um substantivo a ele.
Quando essa visão é aceita por tomistas, eles herdam o problema de passar de
uma linguagem baseada no sensorial para um modo apropriado de expressar
proposições teológicas. Os positivistas lógicos, por um lado, concluem com maior
demonstração de razão que isso não pode ser feito, e que linguagem teológica é um
disparate. Mas em todo caso, uma teoria da linguagem deve ser posta num sistema
completo de filosofia. Ela não pode ficar isolada.
Tanto o evolucionista naturalista como o cristão evangélico têm seus princípios
norteadores. O primeiro não tem escolha, senão desenvolver a linguagem a partir de
gritos de animais — não importa quais dificuldades possam existir, e elas são
insuperáveis. O último, em razão da doutrina da criação, deve manter que a linguagem é
adequada para todas as religiões e para a expressão teológica — não importa quais
dificuldades possam existir, e elas não são grandes. A possibilidade da comunicação
racional entre Deus e o homem é facilmente explicada sob pressuposições teístas.
Se Deus criou o homem à sua própria imagem racional e o capacitou com o
poder de discurso, então um propósito da linguagem, na verdade, o propósito principal
da linguagem, seria naturalmente a revelação da verdade ao homem e as orações do
homem a Deus. Numa filosofia teísta, não se deveria dizer, como um tomista
recentemente disse, que toda linguagem foi concebida para descrever e discutir os
objetos finitos de nossa experiência sensorial (E. L. Mascall, Words and Images, p.
101). Pelo contrário, a linguagem foi concebida por Deus, isto é, Deus criou o homem
racional para o propósito de expressão teológica. A linguagem é, certamente, adaptável
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à descrição sensorial e à rotina diária da vida, mas é desnecessário inventar o
problema de como expressões sensoriais podem ser transmutadas num método
apropriado de se falar sobre Deus.
Isso derruba imediatamente a objeção à inspiração verbal que é baseada na
alegada finitude e imperfeições da linguagem. Se a razão, i.e., a lógica, que torna o
discurso possível, é uma faculdade dada por Deus, ela deve ser adequada para sua
tarefa divinamente designada. E sua tarefa é a recepção de informação divinamente
revelada e a sistematização dessas proposições em teologia dogmática.
Resumindo: a linguagem é capaz de transmitir verdades literais porque as leis
da lógica são necessárias. Não existem substitutos para elas. Filósofos que as negam
reduzem sua própria negação a sílabas sem sentido. Mesmo onde a necessidade da
lógica é negada, se a razão é usada em algum outro sentido como uma fonte de verdade,
o resultado tem sido ceticismo. Portanto, a revelação não é apenas racional, mas é a
única esperança de manter a racionalidade. E isso é corroborado pela consistência real
que descobrimos quando examinamos a revelação verbalmente inspirada chamada a
Bíblia.
Loraine Boettner, The Inspiration of the Scriptures. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1937.
John Calvin, A Instituição da religião cristã. Tomo 1 e 2. São Paulo: UNESP, 2008.
Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos homens e do mundo. Brasília: Monergismo,
2013.
____________, De Tales a Dewey. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
Paul K. Jewett, Emil Brunner’s Concept of Revelation. London: James Clarke &
Company, 1954.
O dr. Gordon Haddon Clark (1902-1985) foi um brilhante filósofo, teólogo calvinista,
educador renomado internacionalmente e criador de extensa obra (escreveu mais de 40
livros). Foi presidente do Departamento de Filosofia da Universidade Butler por 28
anos, além de ter ensinado por mais de 60 anos em dezenas de faculdades e seminários.
Profundo conhecedor de filosofia antiga e contemporânea, defendeu a revelação
proposicional contra o empirismo e o racionalismo. Foi chamado por muitos de “um
dos maiores pensadores do século XX”.
[1] Rousas John Rushdoony, em The Mythology of Science (Nutley, NJ: Craig Press, 1968, p. 96), diz o seguinte
acerca do conceito moderno de Natureza: “Não há na Bíblia um termo como ‘Natureza’. E, na verdade, as Escrituras
não reconhecem a Natureza como a fonte e causa dos fenômenos naturais; pelo contrário, elas veem Deus em
operação direta e absoluta em todos os fenômenos naturais. Não há lei inerente à ‘Natureza’, mas, sim, uma lei sobre
a ‘Natureza’. Destarte, o termo ‘Natureza’ é um coletivo para uma realidade não coletivizada, e com isto queremos
dizer que a ‘Natureza’ não possui unidade em e de si mesma que faça dela uma ordem unificada. Afirmar a existência
da unidade na e como ‘Natureza’ é advogar um princípio hierárquico no tocante ao universo e suas esferas”.
[2] Dizer que o khaos (termo grego que significa cesura, fenda ou abismo) é eterno implica na atribuição de um
atributo da divindade. Não gratuitamente, pois, que o poeta grego Hesíodo, em sua Teogonia, coloca Khaos como o
deus primordial. Rousas John Rushdoony, em O ateísmo da Igreja primitiva, trata das consequências políticas e
mesmo estéticas dessa visão: se o mundo procede do caos, pensa o revolucionário e o subversivo, se a ordem provém
da total desordem, basta, a fim de criar uma nova ordem, instaurar novamente o caos. Portanto, o homem, sendo
incapaz de criar a partir do nada, adota, ainda que inconscientemente, os pressupostos helênicos para que possa agir
como um demiurgo na instauração de uma nova realidade. De semelhante modo, ainda segundo o pensamento de
Rushdoony, o conceito de criação artística como expressão do inconsciente (em especial no movimento surrealista com
a técnica da escrita automática) compreende que o id humano, na sua massa indistinta e informe de pulsões e
recalques, é uma espécie de caos primordial, prenhe de potencialidades, que anseia pela forma do deus-artista para vir
à tona na criação artística.
[3] Editora Monergismo, versão Kindle.
[4] Embora se julgue herdeiro do pensamento e apologética de Calvino, Van Til adota precisamente a posição
antípoda do reformador de Genebra. Em suas Institutas, capítulo 11, 15 é-nos dito: “Se considerarmos que a única
fonte da verdade seja o Espírito de Deus, nem repeliremos nem desprezaremos a própria verdade, onde quer que
apareça, a não ser que queiramos injuriar o Espírito de Deus. Com efeito, os dons do Espírito não são vilipendiados
sem o desprezo e o opróbrio do Espírito. O que, então? Negamos que brilhasse a verdade dos antigos legisladores, que
com tanta equidade revelaram a ordem civil e a disciplina? Dizemos que estivessem cegos os filósofos na elegante
contemplação da natureza e em sua descrição artística? Dizemos que tenha faltado discernimento aos que, pela
constituição da arte da discordância, ensinaram-nos a falar com razão? Dizemos que fossem insensatos os que,
construindo a medicina, dedicaram a nós seu trabalho? O que dizer de toda a matemática? Não a reputaríamos delírios
de dementes? Pelo contrário, certamente não sem enorme admiração, poderíamos ler os escritos antigos sobre todas
essas coisas. Ora, admiramos porque fomos impelidos a reconhecer o quão são notáveis. Além disso, declaramos que
seja louvável ou notável algo que não reconheçamos ser proveniente de Deus? Envergonhe-nos tamanha ingratidão, na
qual não incorreram os poetas pagãos, que confessaram ter sido descobertas dos deuses tanto a filosofia como as leis
e todas as boas artes. Portanto, como é patente que esses homens, a quem a Escritura chama ψυχικουϖ, sempre
foram argutos e perspicazes na investigação das coisas inferiores, aprendamos por tais exemplos quantos bens o
Senhor deixou para a natureza humana depois que foi espoliada do verdadeiro bem”.
[5] Alguns romanistas tomam o argumento cosmológico, não como logicamente demonstrativo, mas como um método
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de direcionar a atenção para certas características de seres finitos a partir das quais a existência de Deus pode ser
vista sem um processo discursivo. Cf. E. L. Mascall, Words and Images, p. 84. Julgo, porém, que esse não é o
tomismo padrão.
[6] Atualidade, no sentido aristotélico, provém da supracitada divisão entre potência e ato, entre aquilo que se
encontra no campo inerente de possibilidades de um ente e o ato, isto é, a concretização de uma dessas
potencialidades, respectivamente. Há inerentemente ao gato, por exemplo, a potência de saltar; o salto, em si, é o ato,
a atualização dessa potência. [N. do R.]
[7] O exemplo no original é “Quando se diz que playboys levam vidas rápidas (fast), enquanto ascetas jejuam (fast)”,
impossível de ser vertido para o português. [N. do T.]
[8] Para uma análise cuidadosa do pensamento de Brunner, veja o excelente volume, Brunner’s Concept of
Revelation, de Paul King Jewett.