Documentos de Académico
Documentos de Profesional
Documentos de Cultura
VANGUARDA Para Débora Diniz, CFM rompeu
Mônica Tarantino
Abortar, no Brasil, é um crime previsto no Código Penal Brasileiro, datado de 1940 e
em processo de reforma. O ato só é permitido em casos de gestação resultante de
estupro, gestação de anencéfalos e quando há risco de vida da mãe. Na semana
passada, o Conselho Federal de Medicina (CFM) deu um passo histórico para que o
País avance nas discussões sobre o tema. Em decisão inédita, a entidade, que
representa 400 mil médicos, anunciou na quinta-feira 21 que enviará à comissão
especial do Senado que analisa as reformas no Código Penal um parecer no qual
sugere a ampliação da lista de situações em que o aborto é permitido. O CFM
defende que o procedimento também possa ser feito sem nenhuma penalização até
a 12ª semana de gestação por vontade da mulher, se o feto tiver anomalias genéticas
que inviabilizem a vida fora do útero, quando houver risco à saúde da gestante ou se
a gravidez tiver sido produto do emprego não consentido de técnicas de reprodução
assistida (se ela não concordou com o uso de óvulos ou espermatozoides doados, por
exemplo).
VANGUARDA
Para Débora Diniz, CFM rompeu tabu ao se posicionar sobre a questão
A posição da entidade foi aprovada por presidentes dos 27 conselhos regionais de
medicina e pela maioria dos conselheiros federais. “Defendemos o caminho da
autonomia da mulher. Precisávamos dizer ao Senado a nossa posição”, disse o
médico Roberto D’Ávila, presidente da entidade. O parecer endossa o conteúdo de
um anteprojeto de texto para o novo Código Penal preparado por especialistas e
advogados e encaminhado ao Senado no ano passado. A entidade, porém, avançou
em pelo menos dois pontos: na sugestão do anteprojeto, a mulher teria permissão de
abortar até a 12a semana de gestação apenas se apresentasse um laudo atestando
falta de condições psicológicas para ter um lho. No parecer do CFM, a gestante pode
interromper a gravidez até a 12a semana sem precisar de justi cativa. O conselho
também entende que o procedimento deve ser liberado sempre que a gravidez
trouxer riscos à saúde da mulher, e não mais somente à sua vida. “Por exemplo, nos
casos em que a gestação pode agravar seriamente doenças cardíacas, diabetes ou
hipertensão”, explica o médico Cristião Rosas, da Federação Brasileira de Ginecologia
e coordenador do Global Doctors for Choice – rede mundial de médicos que defende
o acesso da mulher aos cuidados com a saúde reprodutiva.
Parte dos argumentos do CFM para justi car sua posição está baseada em uma
realidade inegável. Mulheres com mais recursos conseguem se submeter a abortos
sem tanto risco, enquanto as mais pobres quase sempre passam pelo procedimento
em condições precárias. “Esse é o retrato de uma grande hipocrisia social”, a rmou
D’Ávila. De fato, a situação brasileira no que diz respeito ao aborto é dramática. Além
de ser causa importante de mortalidade materna, é o terceiro motivo de internações
femininas no SUS. Elas são resultantes de sequelas do procedimento. “Há
complicações graves que podem deixar a mulher estéril”, diz o economista Marcelo
Medeiros, um dos autores da Pesquisa Nacional do Abortamento, estudo que trouxe
dados essenciais para dimensionar a extensão do problema no País (leia mais no
quadro).
Outro sério problema é o con ito entre as orientações existentes para o atendimento
às complicações do aborto provocado e o que acontece no dia a dia dos hospitais. Em
2010, o Ministério da Saúde reeditou uma norma determinando o socorro médico e o
oferecimento de serviços de planejamento reprodutivo às mulheres que chegam ao
hospital com sintomas como hemorragia.Também dispensa as mulheres de boletins
de ocorrência nos casos de gravidez resultante de estupro e diz que os médicos
devem seguir as determinações do Conselho Federal de Medicina quanto ao sigilo
médico. “O médico não deve denunciar à polícia a paciente que induziu o aborto”,
a rma Henrique Batista e Silva, secretário-geral do CFM. No entanto, não é o que
sempre acontece. “Há, por exemplo, mulheres que são denunciadas pelos
pro ssionais e acabam parando na polícia”, conta o médico Rosas. Uma pesquisa
recentemente publicada pelo Instituto de Estudos da Religião apurou que, apenas no
Rio de Janeiro, 334 mulheres foram indiciadas por aborto em um período de cinco
anos. “Normalmente, são as mais jovens, desempregadas, negras, com baixa
escolaridade, moradoras de áreas periféricas”, explica a advogada Beatriz Galli, uma
das autoras do levantamento.