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Pricologia Politica 14 (7), 2008 http://www fafich.ufmg_br/~psicopoliseer/ojsiviewarticle.php?id=1 58layoutshtml ‘&mode=preview ARTIGO POSSIBILIDADES MILITANTES NA LIQUIDEZ CONTEMPORANEA( ‘Thaiani Farias Vinadé2 Podrinho Arcides Guareschi3 Pontificia Universidade Catolica do Rio Grande do Sul Financiamento: CNPq RESUMO: Cada vez mais muiiplas organizagSes (movimentos sociais, coletivos, grupos, etc.) surgem na tentativa de lutar pelas mais diversas causas que envolvem a possibilidade de sere estar no mundo. Nessa esteira, este trabalho propSe problematizar a militancia na contemporaneidade através da compreensao da liquidez das instituipGes e das relagdes no contemporanea. Para isso, nos dedicamos a refletir sobre nossas atuais condigbes de existéncia nna fluidez social que vivemos, procurando pensar sobre as possibilidades de intersrelag5es nesse contexto. Em seguida, realizamos um resgate sécio- histérico da militéncia, tentando identificar as diferentes formas que ela assume ao longo da histéria através dos movimentos sociais. Finalmente, propomos debater as possibilidades militantes nessa liquidez, avaliando © questionando algumas estratégias-ativas. ~~ potencialmente —subversivas. na contemporansidade. Palavras-chave: militancia; sociedade liquida; movimentos sociais; psicologia social. ACTIVISM POSSIBILITIES IN CONTEMPORARY LIQUIDNESS Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea” Pricologia Politica 14 (7), 2008 ABSTRACT: Day by day, multiple organizations (social movements, collectivity. groups, etc.) are created in an attempt to fight, through different number of reasons, for possibilities of being in (and belonging to) this world. On this track, this study suggests to problematize activism in the contemporary world through the comprehension of the liquidness of institutions and relationships in present day experience. For that matter we dedicate ourselves at discussing our present conditions of existence diluted in this social fluidity in which we live, {trying to think on the possibilities of inter-relationships grounded in this context. After words, we do a socialhistorical rescue of activism, trying to identify the different forms it had undertaken throughout history. inside the social activity movements. Finally, we propose the debate about the activism possibilities in {his fluid, fast liquidness of contemporary world, evaluating and questioning some active and potentially subversive strategies in the contemporanety. Keywords: activism, liquid society, social movements, social psychology. Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente & ainda vai nos levar além. (Leminski, 2002) 1. Por que estudar a militéncia hoje? Um outro mundo cada vez mais parece imprescindivel. De Seattle para ca, muitos movimentos tém acordado para a necessidade de grandes transformag6es sociais. Em outros tempos, tempos mais precisos ¢ sdlides, as armas a guerrilha seriam a saida mais interessante no enfrentamento de um inimigo t80 poderoso quanto o que temos atualmente. Belicosos, atacariamos os responsdveis pela miséria, pela desigualdade, pela impunidade, pela fatta de justiga, de trabalho, pela exclusdo social... Hoje, entretanto, nos deparamos com um sentimento de nao ter para onde correr. Se a luta armada no Brasil foi importante num dado momento, hoje ndo serve mais. Durante um bom tempo 98 partidos. politicos foram o lugar para onde comiamos na busca de novas possibilidades, novas territérios a serem conquistados. Mas junto deles vieram os dogmas, a instituigao e seus instituldes, as durezas que se mostraram to Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea” Pricologia Politica 14 (7), 2008 frageis durante a atual crise politica que vive nosso pais. E agora? Como & contra o que lutar? Nosso objetivo € discutir a militancia, colocando em xeque esse conceito tio utilzado desde a década de 60. Evidentemente, néo temos a pretensdo de esgotar 0 assunto, pois tanto o espago desse artigo, como a complexidade do tema nos impediriam. Busearemos, contudo, contextualizar historica e teoricamente a militancia, compreendenda em que cendrios emerge o sujeito social chamado de militante. Entendendo © fendmeno da militancia come a percepco da opressdo © a conseqiente mobilizacio dos sujeitos sociais, procuramos compreender de que forma surge a figura do militante ao longo do tempo, problematizando as formas de organizagao e engajamento social. Para isso, iniciaremos com uma discusséo sobre a contemporaneidade e a diluicio da ordem modiema, na tentativa de iluminar o terreno que se toma fértil para a militancia. A militancia, contudo, nao estatica em relago ao tempo © espago. Por isso, propomos um resgate historico para, entdo, discutirmas como se da esse processo e 9 que é ser militante hoje. Na contramao dos imperatives do capital, pessoas ainda acreditam que seja possivel construir algo em um espaco de partilha e do companheirismo. Mais do que isso: algumas pessoas 56 encontram nesses espacos a possibilidade de ser quem sdo. Algumas pessoas os. chamam de “militantes”. Estudar a militancia hoje €, de certa forma, abrir espagos para a reflexdo acerca das possibilidades de mudanga, de transformagSes. O termo continua 0 mesmo, desde as décadas de 60 e 70: militante. Mas pensar que os chamados miltantes so 0s mesmos de outrora € incorrer num erro ingénuo. Nossas formas de nos relacionarmos com © mundo mudam numa velocidade incrivel: altemativas, novas linhas marginais surgem a cada momento, em cada esquina, em cada comunidade. A militancia também se transforma a cada momento, incitada pela velocidade das novidades do mundo capitalista globalizado: tude muda @ tempo todo ne mundo! 2. Sobre a liquidez da modernidade Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea” Pricologia Politica 14 (7), 2008 A discussao sobre 0 tema da modemidade e da pés-modemidade tem sido um dos mais vivos e importantes debates no campo da compreensao social. Muito se discute sobre a chamada pés-moderidade. Alguns autores acreditam que vivemos, ainda, tempos modernes, que nao nos libertamos de seus postulados. grossa modo, que ainda estariamos presos a idéias iluministas do século XVIII, onde 0 dominio da razo permifiria aos sujeitos 0 dominio de sua prépria vida, criando condigdes de conhecer sua realidade e intervir para transforma-la. Outros, como Lyotard (2002), postulam que estamos, definitivamente, na era pés-modema. Nessa concepeo, a critica ao iluminismo traria a descrenga nas metanarratives, colocando em xeque as nogies de raz&o e progresso, entre outras. Isso significari Outros autores ainda, como Heller e Féher (1998), compreendem que vivemos um periodo caracterizado por importantes criticas daqueles que questionam, interrogam © fazem um balango das conquistas & derrotas da modermidade. Para eles, entender os fenémenos sociais da contemporaneidade como Perlencentes 2 um movimento pés-moderno significa encarar 0 mundo como uma pluralidade de espagos ¢ temporalidades heterogéneos, marcados pela multiplicidade e incerteza. Nosso objetivo nao é esmiugar ou acalentar a polémica sobre a dicotomia entre modemidade ¢ pés-modernidade, mas esclarecer como tomamos a questéo do contemporaneo neste trabalho, para que nos sirva de suporte 4 compreensdo da militancia. Dessa forma, amparamos nossa nog&o de contemporaneidade em Zygmunt Bauman, através da utilizagdo do conceito de sociedade ou modemidade Tiquida (2001). Assim, tomamos a pés-modemidade como um ato reflexive da mente madema que, olhando para tras, critica © que vé procura novas formas de organizar-se socialmente. Entendendo que no superamas por completo a era modema, no pademos, entretanto, negar que muitas alteragdes se Processaram @ que vivemos neste espaco entre a modemidade © a pos- modemidade, 9 que talvez pudesse ser chamado de uma nova fase da modemidace. Os sélidos 840 dures, tém formas @ limites definidos. Nao sofrem fluxos, Fetomanda sempre @ sua forma original. Os tempos moderngs, como os s0lides, buscavam a solidez duradoura, as formas confiaveis e definidas, Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea” Pricologia Politica 14 (7), 2008 tomando o mundo previsivel e controlével. Previsibilidade segura, que nos trazia certa tranqoilidade. Ordem € progresso: 0 projete da modemidade se empenhou para alcangar © ta sonhado progresso. Classificar implica segregar, separar, criando entidades distintas e postulando as possibilidades de ser no mundo. O que se encontra fora da ordem € incdmodo, anormal e ameagador. O mundo modemo toma-se bipartido, restando apenas a ordem ou © cacs. A ambigiidade, dessa forma, é inimiga. Para que a ordem e a classificagao se solidificassem, tomouse necessdrio langar arfimanhas modemas de naturalizagio, 0 que, excluindo a dimensdo sécio-hist6rica das construgses humanas, limitava as possibilidades de atuacéo dos sujeitos sotiais: as coisas so assim porque assim devem ser ou porque sempre foram assim — tomar igual ou excluir! Nao é dificil imaginar, entao, que a tarefa da ciéncia seria a de ordenar 9 mundo, eliminando tudo que parecesse desagregade ou fora da ordem. Como se pode imaginar, tamanha solidez impunha restrigSes @ criagao © as iniciativas. Ao contrario dos sdlides, os liquides, assim como os gases, flue, escorregam por entre fendas, ocupando espagos inimagindveis. Tém a capacidade de deformar-se quando submetidos a uma tens&o, contornande os obstaculos. Assim, ndo podem ser contidos facilmente, misturando-se com outros elementos que estejam pelo caminho, encharcando e escorrendo por onde passam. Além disso, no mantém sua forma por muito tempo: trata-se de um momento, um instante, que, para ser descrito, precisa ser “otogratado”. Sao extremamente maveis @ inconstantes, 0 que Ihes confere o adjetivo de leves; Assim, tomamos a liquidez como metéfora desta nova fase da modemidade (Bauman, 2001). A maderidade liquida trata da diluig8o das forgas que mantinham a ordem na agenda politica da modemidade. Para Beck (citado por Bauman, 2001:12). a familia, a classe e 0 bairro sao bons exemplos para entendermos 0 que chama de “categorias zumbi", ou seja, 0 derretimento da solidez das instituigges que eram a base para a modemidade, mas que, de alguma forma, seguem como valores, mesmo que nostalgicos. A quebra das formas fez com que, cada vez mais, nos deparassemos, por exemplo, com constituigdes familiares das mais diversas nuangas. O que antes era fomecido de antemao, como modelo a Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea” Pricologia Politica 14 (7), 2008 seguir, hoje é construido cada dia, entrando em contradig6es © tendo que recriar, a cada momento, novas estratégias de sobrevivéncia. A queda da grande narrativa modema, a ruptura das verdades que foreciam consolo (apesar dos aprisionamentos) nos fora a repensar nossos velhos conceitos « hoje zumbis, mortos-vivos - marcando profundas mudangas na condic3o humana, nas formas de subjetivagdo. Ndo somos menos modemos que antes, mas modernos de forma diferente. © estude de Foucault (2004) sobre o projeto Pandptico de Jeremy Bentham mostra que a sociedade panéptica esteve a servico da modemidade: poucos controlando muitos, os limites fisicos impostos pelos muros, os movimentos impedidos sob a possibilidade da vigilancia cerada, a imobilizacao espacial e 0 controle do tempo. Os vigias exerciam a dominagao através da possibilidade de movimentacao que as instala¢Oes proporcionavam ¢ o dominio do tempo era 0 segredo dessa dominagao. Hoje, na era da modemidade liquida, 0 poder se tomou extrateritorial, sem 0 limite do espago: as ordens podem ser dadas através de um telefone celular, de qualquer lugar do mundo. Assim, proximo e distante se confundem, fundando a sociedade pés-pandptica, onde os guardas © administradores no precisam mais estar confinados as estruturas fisicas pelas quais eram, de certa forma, responséveis. Agora, nessa relago mais volatil, vemos o fim da era do engajamento miituo: as técnicas de poder centramse cada vez mais na possibilidade da fuga, do desvio, sem a necessidade de arcar com as responsabilidades de manter uma prisio Propriamente dita. Assim 6 a sociedade de controle de Deleuze (1992): a crise das disciplinas, a condenagde das instituices e as formas ultra-rapidas de controle ae ar livre. Enquanto os confinamentos da sociedade disciplinar de Foucault so moldes, os controles s4o modulages que se auto-deformam e mudam continuamente. “O controle é de curto prazo e de rotagao répida, mas também continuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duracSo, infinita e descontinua. 0 homem nao é mais 0 homem confinado, mas o homem endividado” (Deleuze, 1992: 224). Na contemporaneidade leve e liquefeita, a estratégia é mover-se, ser portatil, sem deixar-se levar pela possivel sedugao das coisas pesadas e, por isso, confidveis resistentes. © nomadismo reconquista seu espaco. O que era Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea” Pricologia Politica 14 (7), 2008 tomado pela sociedade modema como primitive ¢ atrasado, volta a ter crédito © poténcia. Os némades faziam pouco caso das conquistas territoriais, desrespeitande os esforgas de demarcagao de fronteiras e, por isso, tidos como agentes contrarios a0 progresso. A arte da fuga, por outro lado, aponta para a desintegracSo e o desengajamento social, que surgem como efeitos da nova leveza. O que estiver enraizado deve ser eliminado, dando espaco ao fluido e territorialmente desapegado. De uma forma ou de outra, a modemidade trazia certa seguranga que, atraves de sua monotonia e previsibilidade, garantia a estabilidade das relagSes entre 08 sujeitos e destes com o mundo: sabiamos como proceder, como nos comportar na grande maioria das situagdes. A liquidez nos forga a conviver com a incerteza e com a indecisao: a tnica certeza é a incerteza. Se por um lado, abandonar as rigidas normas é langar-se nas benesses da liberagao traz infinitas. possibilidades de ser no mundo, por outro, instala 0 medo e a inseguranga, bem como abre espago para a assungae de um Estado omisso. A forga centra-se, entdo, no individuo que, tendo atingido a liberdade com que sonhara (pelo menos a liberdade vinculada ao livre mercado) encontra-se, também, num estado inigualavel de impoténcia, pois “os anéis de uma serpente [controle] séo mais complicados que os buracos de uma toupeira [disciplina]" (Deleuze, 1992: 226). A elagdo com 0 binémio tempolespago tem se modificado de forma estonteante. O que ontem era valorizado como seguro (como 0 império de Rockefeller e suas estradas, prédios, fabricas, etc.) hoje € dito como ultrapassado. O que vale agora € a légica do envelhecimento, dos bens nao duraveis, do efémero © do transitério. Podemos até consumir tudo 0 quanto desejamos —na melhor das hipéteses - porém a satisfacao é sempre relegada a0 futuro, como algo sempre a ser alingido. Mas como reagimos a tantas mudangas? De que forma essa nova fase da modemidade influencia nossas formas de organizagao social? Podemos pensar que a destruigéo das certezas. a convivéncia entre elementos ambiguos, a aceleragao espago-temporal, a individualizagSo das vivéncias dos sujeitos, © capitalisma globalizado © a perda de referenciais estaticos impulsiona, inevitavelmente, a novas formas de organizagae social. Assim, a Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea” Pricologia Politica 14 (7), 2008 discussao sobre a contemporansidade: é importante na medida em que nos permite compreender a partir de qual contexto podemos pensar a militancia de hoje: "No ha sentide em comparar sofrimentos do passado e do presente, tentando descobrir qual deles & menos suportével Cada angistia fere e atormenta no seu proprio tempo” (Bauman, 2004: 68). 3. A militancia como processo sécio-histérico Entender a sociedade como um processo dinamico e resultante de uma construgéo a partir de suas relagSes sécio-histéricas, permite que compreendamos que é impossive! no agir. Indo ao encontro dessa viséo, Michel Lowy (2000, pg. 70) afirma que ‘no rio da histéria néo ha contempladores do ria: nés somos o rio’, ou séja, na construgao histérica de uma sociedade nao existem expectadores. Todos, agindo ativa ou Passivamente, contribuem para a construgao de um determinado acontecimento histérico. Guareschi (2004) diferencia os tipos de ago, baseado na qualidade da ado (positiva ou negativamente) no efeito final visivel da agao (algo acontece ou nada acontece). Assim, distingue quatro tipos de aga: aquela em que ajo para que algo acontega; aquela em que impego uma agao @ nada acontece, @ as coisas continuam como dantes; a em que pemmito que algo acontega, nao agindo para impedir que isso suceda; e, finalmente, a ago em que me omito, no ajo, © as coisas continuam acontecendo com suas conseqléncias. Se analisarmos com cuidado essa categorizaciio, damo-nos conta de que, coma membros @ participantes de uma sociedade entendida como uma rede de relagdes, é impossivel ‘ndo agir & que as possibilidades de ago de sujeitos & sociedades condicionam, de certa forma, sua capacidade de mudanga. Como conseqiéncia, podem ser identificades, ainda conforme Guareschi (2004) dois tipos de mudanga. Uma primeira concepgéo de mudanga, normaimente chamada de “reforma’, toma a sociedade a partir de um enfoque Positivista & funcionalista, no qual a Sociedade & 0 que esta al, ou séja, seu atual modo de organizagao. Neste sentido, podemos perceber que esta mudanga executa apSes e movimentos para que seja mantido o status quo. Vinaelé, TF. Guaresdh, A. "Postblidader Miltarte: no Liquele2 Contemporénea”

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