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Conferência feita por Michel Foucault na Universidade de Berkeley,
12 de abril de 1983
A conferência inicia com Foucault contando a conversa entre Hermótimo e Licinus. Quando
Licinus encontra Hermótimo murmurando na rua e pergunta ao seu amigo o motivo de seu
murmúrio. Hermótimo responde que ele tenta se lembrar do que falará ao seu mestre. Acabamos
sabendo que Hermótimo gastou quase todas as suas economias pagando por aulas caras em 20
anos de estudo; e que; provavelmente, demorará mais 20 anos para que Hermótimo possa se
formar. As lições do mestre de Hermótimo consistem em ensinar como tomar conta de si mesmo.
O nome que era dado a esses mestres era de ‘filósofos’.
Antes que se possa explicar melhor o tema da ‘cultura de si’, no seu aspecto filosófico e
histórico, Foucault recorre ao texto de Kant de 1784 chamado Was ist Aufklärung ( O que é o
Iluminismo). Tornase necessário a esse tipo de interrogação filosófica sobre o próprio presente,
o sentido histórico e filosófico do presente. De acordo com Foucault, a maioria das interrogações
sobre uma questão do presente se encontra entre um limiar de um objeto em declínio ou em
progresso ou a proximidade de uma nova era. No texto de Kant, a questão é posta em termos de
realizações na história geral da razão ou mais precisamente na história geral que fazemos da
nossa razão. Esse texto introduziu no campo da reflexão filosófica um novo gênero de questão, a
questão da natureza, do sentido, da significação histórica e filosófica do momento preciso no
qual a filolósofo vive. Foucault acredita que Kant oferece uma análise da atualidade a qual ele
pertence ao assinalar como objetivo desempenhar um papel na história natural da razão. Neste
artigo, Kant destaca uma série de questões que são características da filosofia moderna.E são
essas as questões: O que é a nossa atualidade enquanto figura histórica? O que somos e nos
tornamos ao fazer parte dessa atualidade? Por quê é necessário filosofar e qual é a tarefa
específica da filosofia em relação com a nossa atualidade.
Essas foram as questões de Nietzsche, Max Weber e Husserl, ao menos da Krisis. Essas questões
se tornaram um aspecto importante da atividade filosófica há dois séculos. Foucault sugere uma
cisão na filosofia ocidental após Kant, não somente da questão da Crítica, mas por consequência
da questão históricocrítica. Essas questões tratam do que Foucault chama de ontologia histórica
de nós mesmos ou a história crítica do pensamento.
Nesse quadro, Foucault observa que as questões sobre loucura ou medicina, crime e punição ou
sobre a sexualidade tratam sobre nossa ontologia histórica. Em resumo, como podemos analisar
o modo pelo qual somos formados através da história do pensamento. E por pensamento,
Foucault não entende apenas o pensamento teórico ou o conhecimento científico, mas investigar
o que elas pensam quando fazem o que fazem. Compreender o sentido das condutas em suas
estratégias gerais, integrando as racionalidades, as práticas e as instituições.
Para analisar essas técnicas de si, Foucault vai usar a noção grega de epimeleia heautou ou em
epimeleia heautou
sua forma latina cura sui. A forma verbal de signifca se ocupar de si mesmo,
se preocupar consigo, um dos princípios éticos maiores para gregos e romanos. Na
contemporaneidade, a noção de preocupação de si é turvada e obscura. Essa noção parece ter
gnôthi seauton
sido recoberta pelo princípio socrático , ou pelos princípios cristãos de acetismo
que implicam a renúncia de si, a tal ponto. O que Foucault destaca que o princípio de cuidar de si
mesmo foi recoberto pelo princípio de conhecete a ti mesmo, geralmente, associado ao como
um meio de preocupar consigo.
A primeira elaboração filosófica do princípio do dever se preocupar consigo mesmo encontrase
no diálogo escrito por Platão, Alcebíades.O tema de todo o diálogo é a noção de epimeleia
heatou. No diálogo, Sócrates tenta convencer Alcebíades que ele deve tomar conta de si mesmo.
E Foucault deseja ressaltar três ou quatro pontos nesse diálogo. O primeiro ponto é por quê
Alcebíades deve tomar conta de si mesmo? Alcebíades ao reconhecer sua ignorância e a
carência de educação que lhe foi dedicada fica desesperado, Sócrates responde que como
Alcebíades ainda é muito jovem, é o momento de episteleishtai heautou, tomar conta de si, assim
a ideia de tomar conta de si mesmo está intimamente ligado à idade jovem, a ideia de governo da
polis e a uma pedagogia defeituosa.
Entretanto, a cultura de si que aparece na cultura grecoromana nos dois primeiros séculos da
nossa era é profundamente diferente daquela encontrada em Alcebíades. Essa cultura de si nova
implica quatro condições: 1) uma relação permanente consigo, e não uma preparação para se
tornar um bom governante; 2) implica uma relação crítica consigo, e não um complemento de
uma pedagogia defeituosa; 3) ela implica uma relação de autoridade com o mestre; 4) ela implica
um conjunto de práticas, de práticas ascéticas muito diferentes da pura contemplação.
Mas a cultura de si tem também uma função de luta. A prática de si é concebida como uma luta
permanente, não se trata simplesmente de formar um homem de valor, mas de fornecer as armas
e a coragem para que ele possa combater durante toda a sua vida. Duas metáforas frequentes na
cultura de si: a luta altética no qual devemos vencer os adversários sucessivos; e a metáfora da
guerra, no qual devemos estar organizados como um exército que pode ser atacado a qualquer
momento por um inimigo. O grande tema cristão do combate da alma, da luta espiritual da alma,
é um princípio fundamental da cultura de si durante a época do paganismo.
Entretanto, a cultura de si possui uma função terapêutica e curativa. Ela é mais próxima do
modelo medicinal do que o modelo pedagógico. Tornase necessário lembrar que a cultura grega
apresenta as noções de pathos que significa a paixão da alma e também a doença do corpo. De
acordo com os epicuristas, cínicos e estóicos a função principal da filosofia é curar as doenças da
alma. Segundo, Foucault, para compreender a história da subjetividade no Ocidente é importante
conhecer as ligações entre a experiência de si e as práticas medicais em que medida a prática
médica e a experiência íntima de si estão ligadas.
E o último ponto a ser destacado por Foucault é que a cultura de si não consiste apenas em
conselhos abstratos dados por filósofos ou técnicos, a cultura de si não é apenas uma cultura
moral, mas é uma prática plena de atividades, técnicas e ferramentas variadas. Supomos que a
relação de si com a escrita é uma descoberta moderna (uma inovação do século XVI ou da
Reforma). Na verdade, a relação de si com a escrita tem uma longa tradição no Ocidente. E é
possível observar esse deslocamento da cultura da memória (dominante na atividade socrática)
em direção a prática da escrita e da tomada de notas do período grecoromano. A cultura de si
desse período implicava o uso de cadernetas pessoais chamadas hupomnêmata.
Para concluir, Foucault questiona como essa cultura de si ligada à cultura clássica grega
desapareceu tendo voltado na modernidade. Assim, Foucault levanta três hipóteses, o primeiro é
o paradoxo ético do ascetismo cristão, no qual a preocupação de si deve ser tomada como um
sacrifício, uma renúncia de si em prol do trabalho maior que devemos realizar. A segunda
hipótese é que as técnicas de preocupação de si foram integradas as técnicas educacionais ou
pedagógicas sendo, posteriormente, substituídas pelas mídias que atua com um papel formador
de nossa atitude sobre nós mesmos. A terceira hipótese encontrase que as ciências humanas que
a relação maior de preocupação de si deve ser, essencialmente, uma relação de conhecimento.