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VICENTE ESTEVAM
Rio de Janeiro
OUTUBRO /2017
Vicente Estevam
A MÚSICA E A CRIAÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO: UMA
ANÁLISE RETÓRICA ARGUMENTATIVA ENTRE ORADORES E AUDITÓRIOS NA
CONTEMPORANEIDADE
A grande lei do universo e suas divindades celestiais pela força intrínseca em constante
movimento eterno que transformadas pelo espirito corporificado em argumentos evidenciam a
anima em logica-intuitiva expressiva verbal no formato de música, letras, argumentações e
teses pela própria instância vital e factual humana de criação de valores
Aos meus ascendentes ítalos-bolivianos e aos meus pais Joao Estevam, Maria do Carmo do
Nascimento, Teresa de Jesus Mestre (Madrastra) e Quitete (Padastro), como também minha
madrinha Maria Vacabarba Rosario, concomitante a meus descendentes pelo esforço em
sempre tentarem proporcionar-me as melhores noções concretas e confiáveis na vida
Aos meus amores e desamores, amigos e inimigos que de alguma forma me ensinaram a ser
forte em face das dificuldades contempladas e, que de, contribuíram com o peso certo para que
as noções fossem admitida em acordo preferíveis.
Aos meus mestres: Maestro, Compositor e Arranjador, Prof Nelson Macêdo, os violonistas;
prof. Othon G. Rocha Filho, prof. Juarez Carvalho, os prof. Dr. Paulo Pedrassoli, prof. Dr.
Adeilton Bairral, Prof Dr. José Nunes Fernandes, Vanda Bellard Freire, Renato Jose de Oliveira
e o Prof Nobuo Yanai de japonês que me ensinaram como obter a sabedoria dos conhecimentos
para conceber o caminho do meio em face da diversidade para reconhecer oradores e auditórios
particulares e invisíveis.
AGRADECIMENTOS
Aos meus mestres professores: Othon G. Rocha Filho, Juarez Carvalho, Hélio e Carlos
Delmiro, Antônio Adolfo, Hélvius Vilela, Sérgio Benevenuto, Maestro Nelson Macêdo. Aos
professores Dr. Paulo Pedrassoli, Dr. Adeilton Bairral, Prof. Dr. Jose Fernandes, Profº Dra.
Ana Ivenick, Prof º Drº, Vanda Bellard Freire Lima, Prof. Dr. Renato Jose de Oliveira que me
ensinaram como obter a sabedoria dos conhecimentos em face da diversidade de oradores e
auditórios;
A todos os professores das disciplinas eletivas e obrigatórias que compuseram o histórico deste
curso d pós-graduação para que eu pudesse obter o conhecimento necessário para o
desenvolvimento da elaboração da tese;
A Nossa querida Solange Rosa secretaria do programa de pós-graduação da UFRJ/FE por toda
atenção dispensada a mim, durante o período do referido curso supracitado, como também por
sempre ter um cafezinho pronto para suportar os momentos difíceis, extensivos a todos os
funcionários que contribuíram pela segurança e limpeza dessa instituicáo
Ao nosso Itamar da xerox por toda atenção e confiança em seu atendimento, no sentido de
oferecer várias opções de pagamento por seus serviços; a família Bittencourt de Niterói que
contribuíram para que o alcance do foco e ótica do olhar desse estudo não se desviassem nem
se perdessem.
Em face das novas demandas profissionais para o músico, a todos os mestres, peritos da polícia
federal, do curso de pós-graduação do Instituto de Pós-Graduação (IPOG) da primeira turma
do Rio de janeiro em pericia criminal e ciências forenses que me permitiu abranger a visão de
orador músico para auditórios diversos e distintos e formular estatutos estáveis para a esfera da
justiça federal ;
Ao meu mestre em perícia judicial da Escola de Administração Judiciária (ESAJ) Exmº Sr.
Desembargador Reinaldo Alberto Pinto que proporcionou a possibilidade e a noção concreta
dessa função de peito a categoria profissional de músico como orador e auditório na esfera
jurídica estadual;
Ao meu mestre do curso de pós-graduação da Peritos On Line, o Exmº perito Dr. Carlos Rubens
que me deu a chance de expandir e abranger a função de perito musico orador para a esfera da
justiça trabalhista.
Em tempo agradeço aos professores da banca que me deram em última instancia a possibilidade
de arrumar as ideias em que acredito defender.
Epigrafe
A vida humana é um processo de criação de valores e a educação deve nos orientar para esse fim
(TSUNESSABURO MAKIGUTI, 1999)
ESTEVAM, Vicente. A Música e a Criação De Valores Na Educação: Uma Análise
Retórica Argumentativa Entre Oradores E Auditórios Na Contemporaneidade. 2017. Tese
(Doutorado em Educação) -Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2017.
No contexto da educação musical novas formas de relação, por um lado, vivenciam
novas experiências espaço-temporais ligadas aos avanços, à multiplicação dos recursos
tecnológicos e à industrialização da cultura. Por outro lado, vivenciam a complexidade do
esvaziamento da música do seu papel sociocultural pela sua transformação em bem de consumo
ou em objeto isolado de suas relações socioculturais, bem como dos seus amplos significados
pela passividade e pela massificação dos ouvintes no que se refere à educação. Para o
desenvolvimento desta pesquisa, foram escolhidos como objetos de análise os Projetos Político
Pedagógicos Institucional (PPPI) do Conservatório Estadual de Leopoldina (CEL), na zona da
Mata de Minas Gerais, e da Escola de Música Villa-Lobos (EMVL), situada no município do
Rio de Janeiro. Os dois PPPIs permitem abrir problematizações referentes à educação musical,
na perspectiva de entender em que medida essas propostas pedagógicas privilegiam ou não a
construção de significados e valores culturais no momento histórico marcado pelas formas de
relação apontadas. A análise dos dois documentos foi conduzida com o aporte da Teoria da
Argumentação ou Nova Retórica elaborada por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca. A
esse referencial teórico-metodológico somaram-se contribuições de autores do campo da
educação, como Vanda Bellard Freire, e de pensadores que estudam a contemporaneidade,
como Gilles Lipovetsky e Michel Maffesoli, entre outros. A pesquisa documental realizada, de
caráter qualitativo, buscou, assim, trazer algumas respostas para questões como a
impossibilidade da quantificação do universo de significados, crenças, motivos, valores e
atitudes sobre a música no campo da educação na contemporaneidade. O estudo apontou que
os PPPs analisados apresentam lacunas e limitações em suas articulações com os pressupostos
válidos para a constituição de um novo olhar que busque superar conflitos e tensões notórias
advindas da modernidade. Isso compromete o nível de contribuição para a construção de uma
proposta que aponte para uma perspectiva social mais flexível no que diz respeito à arte e à
educação, a qual sustenta não haver fronteiras estabelecidas e sim uma outra avaliação de
espaço-tempo, tanto ética quanto moral, em suas expressivas sonoridades específicas, em seus
comportamentos, em suas reavaliações.
Cette these s’agit dans le cadre de nouvelles formes de relations d'éducation musicale, d'une
part, l'expérience de nouvelles expériences espace-temps liés aux progrès de la pléthore de
ressources technologiques et l'industrialisation de la culture a. Por D'autre part, l'expérience de
la complexité de la musique vidant leur rôle socio-culturel pour sa transformation en un bien
de consommation ou d'un objet isolé de leurs relations socio-culturelles, ainsi que son sens
large par la passivité et la masse des auditeurs par rapport à educação. Par le développement
de cette recherche, nous avons été choisis comme objets d'analyse des projets politiques
pédagogiques (PPP) du Conservatoire de Leopoldina (CEL) et de l'école de musique Villa-
Lobos (EMVL), situé à Rio de Janeiro. Les deux PPP permettent des problématisations
ouvertes sur l'éducation musicale en vue de comprendre dans quelle mesure ces propositions
pédagogiques favorisent ou non à la construction des significations et des valeurs culturelles
dans la période historique marquée par les formes de relation analysées. Ces deux documents
ont été analysés avec la théorie de la Argumentation ou Nouvelle Rhétorique de Chaïm
Perelman et Lucie Olbrechts-Tyteca. A ce cadre théorique se rapprochent les contributions des
auteurs dans le domaine de l'éducation, comme Vanda Bellard Freire et d’autres penseurs qui
étudient le monde contemporain, comme Gilles Lipovetsky et Michel Maffesol. L´étude a
cherché des réponses à des questions telles que l'impossibilité de quantifier l'univers des
significations, croyances, motivations, atitudes et valeurs sur la musique dans l'éducation
contemporaine. On a constaté que les PPP analysés montrent des restrictions dans leurs
articulations avec des hypothèses valides pour former un nouveau regard qui cherche à
surmonter les conflits et les tensions notoires résultant de manque de caractère moderne. On a
identifié que ces restrictions peuvent entraver la construction d’une proposition qui point vers
une perspective sociale plus souple en ce qui concerne l'art et l'éducation, car il ne supporte pas
les frontières mis en place, mais une autre évaluation de l'espace-temps, à la fois éthique et
moral dans leurs sons expressifs spécifiques dans leur comportement, dans leurs nouvelles
évaluations.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 12
1. A CONTRIBUIÇÃO DA NOVA RETÓRICA COMO CAMPO DE PENSAMENTO PARA AS
ANÁLISES SOBRE MUSICA E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO SOCIAL CONTEMPORÂNEO 32
1.1 Considerando as Contribuições da Nova Retórica ..................................................................... 32
1.1.1 A Música e a Criação de Valores pela Contribuição da Nova Retórica............................. 40
2 A INSEPARABILIDADE ENTRE MÚSICA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE ......... 49
2.1 Discutindo a Contemporaneidade ............................................................................................... 49
2.1.1 Discutindo a Música............................................................................................................ 55
3. A ESCOLHA DOS DADOS E A INTERPRETACÁO À LUZ DA TEORIA DA
ARGUMENTAÇÃO ............................................................................................................................. 73
3.1 Da Escolha dos Dados ................................................................................................................ 76
3.1.1 As Noções de Valores e Verdades dos Dados .................................................................... 80
4. ANÁLISE RETÓRICA DOS PPP ’s do C.E.L. e E.M.V.L ....................................................... 88
4.1 As Identidades Sociais ................................................................................................................ 89
4.1.1 Das Análises do CEL e da EMVL ..................................................................................... 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 110
Referências Bibliográficas .................................................................................................................. 118
ANEXO I ............................................................................................................................................ 126
Projeto Político Pedagógico do Conservatório Estadual e Leopoldina (CEL)................................ 12630
ANEXO II ................................................................................................. Erro! Indicador não definido.
Projeto Político Pedagógico da Escola de Música Villa-Lobos (EMVL)................................................150
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INTRODUÇÃO
Há, sem dúvida, uma mudança notória no mundo onde não mais se permitem que as
antigas premissas e pressupostos advindos de critérios a priori, ou seja, de conceitos baseados
na lógica matemática, apoiados em verdades absolutas, respondam e equilibrem as tensões e
conflitos apresentados pelo formato sócio-orgânico de caos, neste momento histórico, por um
contexto de fome, banalização da violência, destruição do meio ambiente, corrupção na esfera
política e banalização da cultura. (OLIVEIRA, 2015)
A presença deste contexto, somada à inovação de grandes avanços tecnológicos
determinados e determinantes pelos planos políticos, sociais, econômicos e filosóficos, faz com
que a música e a educação passem a exercer, nesses planos, duas representações que
contribuem no que diz respeito à possibilidade de amenizar contradições e incompatibilidades
em um campo de disputa por pensamentos hegemônicos no qual se constata uma fragilidade
epistemológica, como salienta Frigotto (2003).
Sob o rigor de estatutos como o do movimento do multiculturalismo, música e
educação são representantes culturais de todas as vozes envolvidas nesse campo de pensamento
e, assim, podem dialogar para discutirem juízos de valor em comum acordo, que expressam a
vontade em delinear novas diretrizes, estudos e atualizações sobre antigas noções e superar os
novos desafios que se aproximam e com isso amenizar conflitos e incompatibilidades.
Por assim dizer, na atualidade, música e educação, tomadas pelo prisma multicultural,
buscam evitar o reducionismo ou a guetização de certas formas culturais, por reconhecimento
de uma pluralidade, uma diversidade pelas quais se admite pensarmos esse momento histórico
como um campo de pensamento (CANEN, 2002 PENNA, 2005).
Pela lógica do campo de pensamento, outros olhares paralelamente mais abrangentes,
permitem esse mesmo reconhecimento por análises argumentativas, tanto no âmbito da música,
quanto no âmbito da educação da contemporaneidade admitidos pela concepção da ideia de
auditório e oradores com a ênfase na racionalidade em que o Logus profere-se por uma lógica
de considerações admitidas ou com preocupação voltada para a argumentação e não para as
técnicas utilizadas sobre o Ethos e o Pathos na antiga retórica (OLIVEIRA, 2016).
Buscamos, dessa forma, entender por quais noções filosóficas subjacentes os discursos
admitem acordos ou imposições políticas, pedagógicas, sociais e filosóficas, evitar
reducionismos, o que, por sua vez, sugere uma nova tomada de decisão ao desenvolver um
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ponto de partida de argumentações para que se possa propor e, a partir daí, estabelecer novos
acordos sobre outras premissas gerais e particulares. (PERELMAN, 2005)
Acordos como estes, ou sob admissão de juízos em comum, trazem à tona a
possibilidade de interligar concepções entre o que é constituído como real para alguns e sobre
o que é constituído como preferível para outros, fora ou dentro desse campo em que se
expressam por discursos retóricos de gênero epidíctico (aqueles que buscam realçar valores ou
a comunhão acerca de determinados valores) e por meio de propagandas apoiadas em noções
hierárquicas, factuais e seus lugares de verdade. (ALVARENGA, 2013).
Outros aspectos, ainda, dentro desse imenso campo de pensamento a serem
considerados por autores que trazem em seus argumentos a possibilidade de problematizações
e questionamentos para que se possam iniciar possíveis negociações de novos acordos comuns
a todos nesse momento histórico como apresentado mais acima.
Trazendo o que Oliveira (2016) apresenta as contribuições dos conceitos de Perelman
e Olbrechts-Tyteca (2005) admitimos que todo espaço, como campo de pensamento, torna-se
um campo de oradores e auditórios, onde há interação entre o ato e a pessoa, ou seja, os atos
que envolvem a música (ouvir, escutar, apreciar, criar, executar, criticar) podem modificar o
sujeito em sua expressividade. Também consideramos que o desenvolvimento pleno da pessoa
não ocorre somente para quem aprende música, mas também para quem ensina.
Nessa perspectiva, as considerações dos oradores Estevam e Jardim (2014) permitem
conceber o espaço de educação musical como um espaço mais abrangente, além de um campo
de transmissão de conhecimentos pelo docente, algo como um campo de argumentações e
negociações de distâncias das vozes docentes e discentes e de outros envolvidos.
Essas considerações acima coadunam com o que a oradora Penna (2010, p. 13)
compreende sobre a música, a qual é vista “como uma atividade essencialmente humana, de
criação de significações, e como uma linguagem culturalmente construída, de caráter
dinâmico”.
A esse respeito, o orador Carrilho (1994) salienta que uma forma de poder agir sobre
as incompatibilidades é o abandono da “lógica que as produziu; e, muito especialmente, das
concepções que fizeram da necessidade a trava mestra da compreensão e da universalidade a
norma suprema da compreensão do sujeito e da razão”. (CARRILHO, 1994, pág 09-10 )
Isso é corroborado, igualmente, pelo orador Agamben (2007) ao afirmar que, em um
mundo onde tudo é necessário, inevitável e sagrado, só nos resta abandonar as soluções que
nos foram apresentadas na modernidade.
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flutuação percebida anualmente naquela instituição pela escola de música da UFRJ), analisar
os argumentos apresentados nos PPP's do CEL e EMVL mais atuais.
Dessa forma, buscamos agora novos sentidos e significados em prol de uma
possibilidade de contemplar uma perspectiva da interdisciplinaridade nos PPP’s do CEL e da
EMVL, almejando que isso não se dê só no âmbito dos Conservatórios e na EMVL, mas como
possibilidade de contribuir para os debates no campo dos fundamentos para o ensino de música
em todos os níveis, bem como para a educação em geral.
O sistema educacional musical é perpassado, na contemporaneidade, por muitas
tensões entre os princípios e os critérios de valor ou ecos do paradigma moderno que
fundamentaram e embasaram toda a concepção da educação musical e dessa forma não
promovem maior amplitude de seus auditórios, que não são ouvidos.
Há um contraponto com os processos das transformações globais e os avanços
tecnológicos, bem como com a nova configuração em construção do alunado, o qual contempla
sujeitos de um mundo plural inserido em novas concepções espaço-temporais que contribuem
para a configuração das diferenças, da assimetria entre os diferentes. Esses diferentes
configuram o que chamamos de auditórios invisíveis, os quais, por meio do diálogo e não da
aquiescência passiva ao que é ditado por professores e/ou instituições, podem vir a assumir a
condição de oradores.
Face ao que comentamos até aqui, defendemos que o sistema educacional musical se
abra para novos olhares inquietos, mas inativos, não participativos ou invisíveis ou não
escutados, pelas posturas de interpretações científicas que Maffesoli (1998) aponta como uma
nova forma de organizar e compreender o mundo a partir de uma ruptura caracterizada pela
desautorização da razão na construção de possibilidades para a projeção do homem no futuro
por um homem que vive o presente. Tal ruptura, o próprio Maffesoli (2003, p.46) chama de
pós-moderna e caracteriza como “uma sucessão de agoras, uma concatenação de instantes
vividos com mais ou menos intensidade”.
Lipovetsky (2004), ao contrário, percebe tais concepções como uma inconsistência
sobre a temporalidade ou uma forma linear e pouco dialética da história. Pontua o rótulo “pós-
moderno” como um neologismo que serviu apenas para salientar uma mudança de direção ou
uma reorganização de sintomas socioculturais. Nesse contexto, diagnostica o pós-modernismo
como ultrapassado e aponta para o surgimento de uma nova modernidade, denominada de
hipermodernidade, alicerçada em três axiomas constitutivos da própria modernidade anterior:
o mercado, a eficiência técnica, o indivíduo.
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Por sua vez, Maffesoli (2012) concebe essa mudança como um estado de saturação
relacionada à infecundidade da matriz de pensamento da era moderna para com este novo
modelo de convergência entre o velho e o novo. Critica o modelo filosófico herdado da tradição
monoteísta, a qual afirma que só existe um verdadeiro Deus, imanente ao universo ou criador
de tudo que existe. Tal visão é própria da tradição semítica que não se adequa a uma forma
politeísta, a um modo de viver policultural caracterizado pela situação atual.
No que diz respeito à interação de opostos, a tradição, por sua vez, trata:
[...] de preservar, por medo, por dogmática, os valores que se elaboraram em um dado
momento (Séculos XVII e-XIX) em um dado lugar: Europa. Valores próprios ao
“contrato-social” e que se apresentam como sendo universais, aplicáveis sem
distinção, em todos os lugares e em todos os tempos. (MAFFESOLI, 2012, p.5)
Esboça-se neste panorama uma tensão conflitante que transcende a questão econômica
pela conquista de um projeto de futuro na concepção do aqui e agora e, assim, de novos valores,
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quais sejam, obter o que for possível no imediatismo do momento presente. Maffesoli (2012)
denomina esta tensão como uma crise “Societal”:
Maffesoli (2012) salienta ainda que essa crise societal estabelece as suas novas
interrelações como uma Proxemia:
Freire (1994) preconiza, ainda, que tratar de música dentro do pensamento pós-
moderno significa repensar alguns aspectos específicos fundamentais pelo fato de não se tratar
apenas de uma troca de rótulos e sim de rediscutir todos os limites e reducionismos. Nesse
sentido defende que haja:
Com base no que foi exposto, a investigação pretendeu desenvolver uma análise
crítica dos documentos estudados. Pretendeu-se gerar, também, subsídios para análise de outras
situações similares, ou seja, a partir dos estudos centrados no Conservatório de Leopoldina e
na Escola de Música Villa-Lobos, construir subsídios aplicáveis a outras instituições voltadas
para a educação musical.
Neste momento, apresentamos uma prévia a respeito dos capítulos deste trabalho. O
primeiro e o segundo capítulo corresponderam ao referencial teórico da pesquisa e ao diálogo
sobre a relação da música com a sua inseparabilidade sociocultural.
No primeiro capítulo, foi desenvolvida uma discussão sobre a contribuição da Nova
Retórica, apresentando suas categorias como base para as análises dos argumentos coletados
como dados.
No segundo capítulo, o estudo apresentou a discussão da Música na Educação da
contemporaneidade sob a ótica de uma visão mais abrangente, onde na inseparabilidade
sociocultural seja possível dialogar com vozes como oradoras ou auditoras até o momento não
consideradas como interlocutoras. Nesse sentido, trata-se de desenvolver a relação da música
com a educação e a sociedade, inseridas na concepção da interdisciplinaridade
No terceiro capítulo, foi discutida a escolha paradigmática metodológica no que se
refere a coleta de dados para a construção de conhecimento da pesquisa. Tratou-se de aplicar
um sistema de organização estrutural, analítico e interpretativo dentro de uma linha de
pensamento, bem como abrir possíveis diálogos interativos entre outras linhas de pensamento
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Para Meyer & Carrilho &Timmermanns (2001) a retórica de certa forma sempre esteve
presente desde a antiga Grécia voltada para análise contínua da comunicação ou da linguagem
entre duas propostas. Essa mesma presença percebe-se também nas inquietações de Nietzsche,
onde a existência dessas duas propostas embutidas subjetivamente em suas proposições
metafísicas, uma voltada para o mundo antigo da Grécia e outra voltada para o mundo moderno,
o que o traz à tona como primeiro pensador a tentar deslocar a ideia do pensamento da
passividade acrítica construída por uma proposta em relação a outra, o que evidencia uma
potência inerente para reflexões sobre a sua concretude como pensador.
A contemporaneidade que Fucks (1991) sugere como um campo diversificado de
sentidos representa-se pelo transitório, o efêmero e o passageiro em face das circunstâncias
históricas, ou seja, entre o limite do passado e do futuro. Apresenta em seu bojo uma
reaproximação com as questões espaciais e de temporalidade em: (a) Parmênides, pela noção
do Ser Perfeito; (b) Platão, pela dicotomia Aparência/Realidade ou Ilusão/Verdade; (c) Galileu,
pela decifração formal da perfeição do universo que deu ao mecanicismo um status científico
; (d) Descartes, pela prova racional e analítica que reaproxima a concepção da perfeição
mesclada com o formal lógico racional. Com os dois últimos, emerge a explicação do mundo
pelo mecanicismo tecnológico e científico pela divinização do cientificismo. (OLIVEIRA &
LEMGRUBER, 2011).
Cunha (2011), no que se refere a superar esses estágios supracitados em face de uma
nova era - expressa como um acordo entre os pressupostos da vertente de Maffesoli (1998,
2010, 2012) pós-moderna e a que Lipovetsky (2004, 2005, 2013) denomina de
hipermodernidade -, alerta sobre o perigo do mundo sem distorção da realidade na formulação
de saberes formais que, apesar de não estarem relacionados ao erro, à ilusão, ao logro, à
insegurança, apresentam-se por estratégias de persuasão como legitimação do poder. Tal
legitimação exibe algumas características: (a) há um conjunto de visões ressignificadas por
dicotomias antigas como racionalidade-irracionalidade, objetividade-subjetividade e certeza-
incerteza, com a possibilidade dessas visões exercitarem não só a legitimação do poder, mas a
dominação e o disciplinamento; (b) há o perigo de reflexos negativos que a legitimação do
poder de dominação e de disciplinamento desses conjuntos de visões formulam aos
conhecimentos produzidos pelas ciências e pela historiografia, no sentido de valida-los como
narrativas do senso comum e da religião em detrimento do saber sistematizado.
Por esse viés, há a possibilidade da Doxa (ou o saber que se dá pela relação imediata
com o objeto, no patamar das opiniões e do senso comum) substituir o Logos, no patamar do
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conhecimento mediatizado pela razão em detrimento das teorias, o que diminui o poder de
defender-se através de uma argumentação rigorosa.
Refletem-se, assim, na contemporaneidade do século XXI as afirmativas relacionadas
a concepções que sustentam a tese de autoridade científica no que diz respeito às formulações
de conhecimento pelo formal lógico que integra as concepções de verdade, Aparência/Ilusão e
a concepção da perfeição. Nesse patamar a retórica torna-se instrumento voltado para
pensadores que não se adaptam ou seguem os estatutos, parâmetros e paradigmas tradicionais.
(CUNHA, 2011).
Sob este prisma, pensar a contribuição da nova retórica na contemporaneidade,
significa trazer à tona sua renovação ou uma atitude de desvelar, reler e reintegrar a
possibilidade de libertação do pensamento integrado à Retórica em busca do verossímil, do
provável. Isso, por sua vez, significa romper com uma concepção que não privilegia a dialética
e não permite também a permanência argumentativa na retórica tradicional nos meandros das
discussões dialógicas da comunicação.
Meyer & Carrilho & Timmermanns (2001, p.211 e 212) mostram três grandes
momentos importantes nessa tentativa de reconstrução do pensamento, bem como trazem
contribuições na intenção de assinalar: (a) a derrocada dos Mythos, que transformaram
argumentos entre deuses e homens acerca de suas ações em poesias, analogias e metáforas, que
se constituíram em representações simbólica e logicamente formais elaboradas pelo logos
científico, (b) o humanismo do Renascimento ante a reformulação do logos na necessidade
absoluta de Deus, (c) a derrocada dos valores e referências do sujeito moderno.
O primeiro momento, a derrocada dos Mythos, tornou a retórica desacreditada na
passagem do século VI a.C. a partir de uma nova proposta para explicar ou responder sobre o
mundo e seus fenômenos e os homens através de conceitos e proposições formuladas pelos
Sophos e não mais pela metafísica, mas que permitiu a Aristóteles perceber seus pontos fracos
e reconstruir um esquema sistemático para a sua revalidação dialética.
O segundo momento, o humanismo, por sua vez, ante a reformulação do Logos a
partir de Descartes propõe uma nova forma de dialogar com base na busca pela verdade
certificada pela racionalidade da certeza cientifica amparada pela matemática. A retórica passa
a ser deslocada para um segundo plano e traz em si uma fragilidade em seus argumentos
comparados à Doxa. Porém as suas contradições permitiram a alguns autores mostrar novas
possibilidades dialéticas a serem reconstruídas.
O terceiro momento contribui no sentido em que se percebe o sujeito moderno passivo
e racionalizado pelas questões morais, éticas, políticas e socioculturais, voltando-se para as
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•A retórica é útil, porque, tendo o verdadeiro e o justo mais força natural que os seus
contrários, se os seus julgamentos não são proferidos como conviria, é
necessariamente por sua única culpa que os litigantes [cuja causa é justa] são
derrotados. Sua ignorância merece, portanto, censura;
•Ainda mais conquanto possuíssemos a ciência mais exata, há certos homens que
seria fácil persuadir fazendo nosso discurso aberrar-se apenas nessa fonte; o discurso
segundo a ciência pertence ao ensino, e é impossível emprega-lo aqui, onde as provas
e os discursos (logos) devem necessariamente passar pelas noções comuns, como
vimos em tópicos, a respeito das reuniões com um auditório popular;
•Ademais, é preciso ser capaz de persuadir dos prós e dos contras, como no silogismo
dialético. Não para pôr os prós e os contras em prática – pois não se deve corromper
pela persuasão! -, mas para saber claramente quais são os fatos e para, caso alguém
se valha de argumentos desonestos, estar em condições de refutá-lo (...)
•Além disso, se é vergonhoso não poder defender-se com o próprio corpo, seria
absurdo que não houvesse vergonha em não poder defender-se com a palavra, cujo
uso é mais próprio ao homem que o do corpo;
•Objetar-se-á que a retórica pode causar sérios danos pelo uso desonesto desse poder
ambíguo da palavra? Mas o mesmo se pode dizer de todos os bens, salvo da virtude
(...)
•Fica claro, pois, que, assim como a dialética, a retórica não pertence a um gênero
definido de objetos, mas é tão universal quanto aquela. Claro, por fim, que sua função
não é [somente] persuadir, mas ver o que cada caso comporta de persuasivo. O mesmo
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se diga de todas as outras artes, pois tampouco cabe à medicina dar saúde, porém,
fazer tudo o que for possível para curar o paciente. (REBOUL, 2000 p. 22-23)
Enfim, por essa perspectiva da retórica integrada a uma dinâmica interativa dialógica
e não a um sistema filosófico dos sofistas erísticos, busca-se não a legitimação do poder e de
dominação, mas uma forma de argumentação poderosa de defesa, associada ao jogo dialético
que Perelman amplia.
Abre-se, também, a possibilidade de questionamentos sobre contradições, conflitos e
tensões apreendidas em meio ao contexto das atuais discussões, bem como reformulações ao
confronto entre a episteme e as suas questões filosóficas. (PESSANHA, 1994).
Essa nova acepção dialética e dialógica reabilitada por Perelman (2005) pelo tratado
da argumentação ou a Nova Retórica mostra uma possibilidade na contemporaneidade de ser
utilizada como um instrumento que possa, nesse campo de pensamento, problematizar,
argumentar, refletir e analisar fenômenos sociais, bem como opor-se às grandes narrativas e
propor à filosofia contemporânea a função de validar os conhecimentos formulados pelas
ciências, a historiografia e as narrativas do senso comum e da religião, bem como a música e a
criação de valores na educação da contemporaneidade do século XXI. (CUNHA, 2011;
OLIVEIRA, 2011).
Como foi tratado no tópico anterior, a história do pensamento ocidental traz em seu
bojo inúmeras tentativas de poder mostrar a fragilidade do que se propõe como hegemônico e
formal. Percebe-se, também, que essas tentativas, pela mesma lógica de proclamar a verdade
passam a ser dogmáticas, e, dessa forma, sem o estatuto de superação desse estágio.
A nova retórica ou o tratado da argumentação de Chaïm Perelman (2004, 2005)
institui-se como uma contribuição importante no que se refere à revisão do conceito da razão,
bem como reconhecida na contemporaneidade por alguns autores no campo das ciências
humanas e sociais. Embora seja precária, ainda, no campo de pensamento dos intelectuais
brasileiros.
A base estrutural da nova retórica passa pela reformulação do pensamento matemático
em que Perelman percebe o seu sistema formal que, como uma entidade ideal, apresenta
questões paradoxais e limitações de linguagem interna a partir de contradições insustentáveis
pela própria matemática.
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Passa, também, pela reformulação da noção de razão eterna pela razão histórica pois,
conforme Pessanha (1994) preconiza, “não é fácil, sustentar, hoje, uma noção de razão única,
universal, uniforme e intemporal” em face de um novo espírito científico iniciado pela física
quântica, teorias de relatividade de Einstein e as geometrias não euclidianas, que Pessanha
(1994), apoiando-se em outros oradores de auditórios particulares entende como uma nova
cidade científica ou sociedade dos “trabalhadores da prova”: “uma objetividade que passa por
um processo de reforma da ilusão resultante da retificação racional-empírica, mas também
estaria sustentada pela intersubjetividade epistêmica” (PESSANHA, 1994)
O conceito de cidade científica de Bachelard (1972) equivale ao apontado por
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) como um auditório especializado. A nova retórica traz em
si duas possibilidades de abordagem: Por um lado dentro das discussões entre a linguagem
formal e natural. Por outro lado, a possibilidade de reformulação da retórica com a filosofia ou
da retórica com a episteme.
Auditório na concepção da nova retórica amplia-se e expande-se para além da visão
clássica, que considerava apenas o público reunido em locais abertos, passando a considerar
também os leitores de textos impressos. Dentro dessa mesma ótica o orador passa a ser o autor
que profere seu discurso oral ou escrito.
A noção de auditório expandida pela nova retórica apresenta alguns tipos de auditório:
particular, universal, especializado e heterogêneo e trata de problematizá-los fora da concepção
essencialista de conhecimento por não se encontrarem alheios à cultura e à história.
Nesse sentido, pelo exposto até aqui, nota-se que a nova retórica não apresenta apenas
uma reformulação da retórica antiga, mas sim inovações no campo da argumentação que
permitem ultrapassar limites determinados pela oralidade persuasiva e por preocupações
lógicas.
Desta forma, a possibilidade de problematização que a nova retórica propõe
fundamenta-se pela filosofia pluralista ou filosofia regressiva, que trata de debater conceitos e
princípios pela acepção de que nenhum sistema filosófico é fechado em si mesmo, ou seja, traz
repostas definitivas aos problemas examinados.
Segundo Oliveira & Lemgruber (2011, p. 34) a filosofia regressiva trabalha com a
característica de abertura dos processos dialógicos e baliza-se por quatro critérios:
•Integralidade: Prevê uma articulação solidária entre os fatos
analisados e as categorias que os devem explicar [...];
•Dualidade: Critica as noções de terminalidade e perfeição que os
adeptos da filosofia primeira atribuem aos seus sistemas;
39
2) TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS
Outro aspecto importante trazido por Jardim (1988, p.43), relaciona a inseparabilidade
da música com a sociedade: “é, e sempre foi, um produto relacionado com a sociedade” e está
associada às dimensões de infra (níveis de produções) e de superestrutura (níveis de
pensamentos) que não pode ser tomada mecanicamente ou separadamente.
Assim, a música deixa de ser vista parcialmente como arte, em um campo de
pensamento como conhecimento, definida por critérios, cânones e valores formais lógicos a
serem seguidos e se constrói por fatores de reconhecimento mecânico pelo senso comum das
massas.
Jardim (1988, p.43) esclarece que o conhecimento é constituído por diversos tipos de
saber, mas em uma caracterização genérica destacam-se três tipos: o saber orgânico, o saber
mítico e o saber filosófico. O nível referido acima em que a música é construída por opiniões,
entende-se como saber orgânico ou pelo saber que se dá pela relação mais imediata com seu
objeto, ou seja, as realizações da própria música no nível da doxa, no sentido unidirecional do
bom senso e do senso comum pelas opiniões, que corresponde ao nível da ação e do fazer.
Jardim (1988, p. 113 - 120), com respeito ao ensino de música, considera ainda que o
mesmo é compreendido e interligado à música na contemporaneidade pelo viés de uma
compreensão de organização complexa, construtora e detentora de uma espécie de verdade
(poder) e de um saber que produza um conhecimento que traz em si a formação do seu aluno
em um processo de produção, que constitui agentes e objetos de trabalho, é domesticadora e
separa a teoria da técnica e as reduzem a meros jogos de linguagem.
Assim, a música estabelecida ao nível da linguagem e por valores estabelecidos por
estatutos de verdade, em todos os seus respectivos segmentos, encontra-se inserida,
ideologicamente, hoje, no contexto cultural de massa, esvaziada de seus significados, porém
associada a discursos e a objetos de acordos formulados por seus oradores, na tentativa de obter
de seus diversos auditórios a aceitação de seus valores abstratos e concretos, lugares de
qualidade e quantidade e suas respectivas hierarquias ao longo da história.
Entre esses, apresentam-se argumentos proferidos no campo do real que transcendem
a particularidade cultural de cada auditório e trazem à tona fatos, verdades e presunções. Assim,
por exemplo, percebem-se diferentes acordos formulados no tocante a discursos que trazem
categorizações instituídas pelo senso comum como: Música religiosa versus profana; música
de entretenimento versus música de relaxamento; música mágica (de Cura) versus música não
mágica (que não cura) e música erudita versus música popular.
Há também os acordos formulados no campo do preferível, onde é possível perceber a
música associada a discursos que empregam valores abstratos (bem, Justo e Verdadeiro) e
43
também dissociações de noção tais como: Música boa versus música ruim; música de qualidade
versus música sem qualidade; música de sucesso (verdadeira) versus música não verdadeira
(STEWART, 1987; OLIVEIRA, 2011).
Pela grande importância que a virada da linguística trouxe por meio dos pensadores
defensores da retórica, a educação musical abre a possibilidade de estar incluída também nos
processos discursivos que englobam argumentos de ligação e dissociação, encontrados no que
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) explicitam como técnicas argumentativas. No primeiro,
os discursos sobre a música buscam aproximar as relações entre elementos que se encontram
separados. No segundo, dá-se o inverso deste processo.
Os discursos sobre a música podem apresentar, ainda, no âmbito dos processos de
argumentação de ligação, argumentos quase-lógicos baseados na estrutura do real e que
fundamentam a estrutura do real (que serão explicitados em capítulo respectiva seção sobre
este assunto); .
É possível perceber a linearidade e a unilateralidade no processo do argumento quase
lógico do senso comum, o qual, por sua vez, aparece também em alguns depoimentos discentes,
na contemporaneidade, sob a forma de definições como: “música é coisa divina para o ser
humano”; “quem tem dom para a música aproxima-se de Deus”; “aprender música é qualidade
de vida para o ser humano”.
No tocante aos argumentos baseados na estrutura do real, percebe-se a possibilidade
da música validar argumentos pelo vínculo causal como “sem música a vida seria impossível,
seria como não ter um Deus”, bem como outras possíveis categorias argumentativas existentes
como: a petição de princípio, os fins e os meios, argumentos do desperdício e da direção, a
pessoa e seus atos e suas possíveis interações, argumentos de autoridade, argumentos que ligam
a coexistência, o ato e a pessoa e argumentos que diferem o grau e a ordem.
A música possibilita, ainda, apresentar também nos argumentos de dissociação de
noções como “ Há música e músicas”, uma vez que ela está inserida na linguagem em todos os
seus respectivos segmentos. E, assim, apresentar argumentos no que se refere a rupturas que
trazem acordos formulados pelos argumentos ligação e dissociação, o par-aparência/realidade
e os pares filosóficos e suas justificações. (PERELMAN, 2005).
Enfim, no que compete a concepção da teoria da argumentação pela visão da nova
retórica a música e a criação de valores na educação da contemporaneidade ainda sustenta
estatutos de verdade, trazida pela tradição hegemônica da filosofia ocidental os quais
apresentam-se patenteados por diversos eventos científicos, séries de dificuldades, desafios e
problemáticas construídas pelas noções do racionalismo científico e do pensamento monista
44
Considero esforço necessário para que a educação tenha sentido, ou melhor, para
criarmos um sistema educacional que tenha sentido para o ser humano. A vida
humana é um processo de criação de valores e a educação deve nos orientar para esse
fim. As práticas educacionais incentivar a criação de valores. Isto é de suma
importância e, quanto mais refletimos sobre este ponto no contexto social, mais
necessário parece o esclarecimento conceitual.
o aluno como músico que argumenta e expõe suas teses pode ser considerado como quem cria
valores para si e para o outro que nesse momento é seu professor ou seus colegas e, mais tarde,
seu público.
A relação pode ser também transposta para o âmbito da música e da educação. Desta
forma, abre-se a possibilidade do aluno e/ou músico orador (compositor, cantor, intérprete,
arranjador, maestro) interagir com seu auditório (público, diletantes, experts, professores,
publicidade e mídia). Abre-se também a possibilidade do aluno-músico auditório interagir com
oradores como leis, livros, resoluções, discursos, didáticas e métodos.
Além disso, as próprias músicas em suas partituras legitimam-se como logos entre o
orador e o seu auditório, o que pode trazer uma problematização ou reflexão sobre a redução
poética e musical no parâmetro de arte, que na contemporaneidade está esvaziada ou
expropriada de seus significados.
Nesse sentido, autores como Sekeff (2007, p. 130) apresenta uma justificativa para a
presença da música nas escolas, a qual consideramos que também pode corroborar o ensino de
música em outros espaços:
[...] pontuar música na educação é assinalar a necessidade de sua prática nas escolas,
auxiliar o educando a concretizar sentimentos em formas expressivas, favorecer a
interpretação de sua posição no mundo, possibilitar a compreensão de suas vivências,
conferir sentido e significação à sua condição de indivíduo e cidadão. Como toda
comunicação envolve conflito, poder, ideologia e negociação, o educando precisa
aprender a lidar com esses valores com competência e autonomia, e aí emerge a
potencialidade da música como agente mediador, auxiliando-o na construção de um
diálogo com a realidade (SEKEFF; 2007, p. 130).
Santos (2011, p. 193) também apresenta uma visão que se aproxima de Sekeff (1988),
como vemos a seguir:
Não é na escola que a educação musical começa ou acaba, mas onde deve se fazer
com a participação de especialistas e em íntima conexão com ouros campos de
saberes e práticas. Música na escola contribui para o desenvolvimento de um
potencial de que todo sujeito é capaz.
mesmo rigor das filosofias primeiras que se baseiam em seus princípios cosmológicos,
ontológicos.
Não se trata, porém, de abandonar, negligenciar ou conflitar essas linhas de pensamento,
mas entendê-las em seu próprio campo de pensamento, de uma forma mais abrangente, que no
âmbito da música traz a noção da diversidade sociocultural, e, no âmbito da educação, uma
interação dialógica interdisciplinar, ou seja, ir além da dimensão de verdades absolutas, que
Fazenda (2002, p.15) distingue das disciplinas do currículo tradicional que em busca da
formação do homem culto “oferecem ao aluno apenas acúmulo de informações pouco ou nada
relevantes para sua vida profissional”.
Por essa ótica, estabelece-se a possibilidade de associação da perspectiva da
contemporaneidade que enquadra um campo a ser considerado em análise, com a teoria da
argumentação que analisa seus discursos e auditórios em negociação e a criação de valores que
permitem possibilidades dialógicas e interativas.
Por este viés, ao contrário do que se tem configurado pela unilateralidade nas
preocupações e inquietações de diversos eventos científicos, trata-se de conceber essas duas
linhas distintas como inseparáveis no sentido de estabelecer novos acordos para superar
conflitos e tensões, um caminho do meio, através de compartilhamentos, argumentações, nas
instâncias da música, da educação e da contemporaneidade, vistas por essa vertente de
equivalência como inseparáveis em seus valores e suas especificidades.
Nesta escala de acepção, outro aspecto importante é a criação de valores com o
balizamento da filosofia regressiva, já discutida anteriormente, que aponta a possibilidade de
tratar como inseparável a arte, a educação e a sociedade no sentido de rever seus acordos
preestabelecidos através de problematizações, questionamentos e reflexões, bem como
promover atitudes de interações dialógicas entre os seus domínios tratados inseparavelmente
dentro de um mesmo campo de pensamento sócio-histórico, político e cultural.
Trata-se, então, de entender que esta atitude de interação dialógica estabeleça o ato de
conceber para cada domínio o sentido de inseparável, ou seja, não admitir verdades absolutas
em suas definições de certezas para que se possa reformular acordos preestabelecidos entre o(s)
orador(es) e seu(s) auditório(s), bem como reformular valores aceitos como válidos e legítimos.
Fuks (1991) sugere a perspectiva da contemporaneidade distinta da concepção moderna
estabelecida entre fronteiras, como um campo diversificado de sentidos, que se representa pelo
transitório, o efêmero e o passageiro em face das circunstâncias históricas, ou seja, entre o
limite do passado e do futuro. Vale ressaltar que a transitoriedade ou efemeridade não significa
um modelo de superficialidade no processo referente aos seus questionamentos, reflexões ou
51
problematizações. Mas sim, a busca por noções confiáveis a partir desses processos em
interatividade dialética constante.
Dessa forma, a perspectiva de contemporaneidade valida a noção de que o transitório
não pode ser enquadrado em estado estático, em determinada época com fronteiras, bem como
a sua determinação promove a possibilidade de diálogos entre suas fronteiras.
Assim, cabe entender a contemporaneidade como uma concepção interativa entre
essas duas linhas de pensamento na música, na educação e sociedade pela leitura dos discursos
trazidos à tona pelas acepções de modernidade, hipermodernidade e pós-modernidade a partir
da redução dos significados da felicidade, do amor e da Liberdade como seus bens mais
nobilitantes dentro de uma linha interativa e dialógica sociológica, antropológica, psicológica,
entre outras noções possíveis.
Percebemos, em primeira instância, que as denominações de hipermodernidade ou
pós-modernidade resultam dessas duas linhas de pensamento discutidas acima, pelo projeto
sociocultural, econômico, político, histórico e cultural a partir do processo de continuidade ou
de ruptura com a sua etapa anterior denominada de modernidade. Esta, por sua vez, emerge no
mundo ocidental por meio da ruptura com etapas anteriores construídas pela concepção
racional da ética e da moral do dever fundamentado em Deus ou da formação do homem
teológico. A modernidade assume outra concepção da ética e da moral, cujo fundamento do
dever é a própria humanidade, as obrigações que cada indivíduo tem em relação ao conjunto
dos homens cultos e disciplinados, conforme se pode constatar na formulação da lei moral feita
por Kant (1997, p. 42): “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao
mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”.
Podemos dizer que a ética para as duas leituras de sociedade deixa de lado o modelo
racionalista centrado na dedução e o modelo empirista centrado na indução e assume o que
Perelman (1996) argumenta como um modelo jurídico que tem a possibilidade de promover a
interlocução entre essas duas linhas de sociedade, pela qual pode-se desenvolver pela
argumentação, através da ponderação e do exame do razoável.
Em primeira instância a modernidade, em que predomina a linha de pensamento
apoiada por uma hierarquia de valores que busca a verdade, traz à tona um termo de origem
latina, representado graficamente pelo vocábulo Modernus, que segundo Edgard (2016), em
seu trabalho publicado no blog divagando ligeiras, significa “Recentemente” e está apoiado
pelo sentido de períodos históricos, ou a passagem que se estabelece entre o passado e o
presente, que desde a antiguidade até os dias atuais vem sendo utilizado para tentar explicitar
um iminente estado de cultura percebido em sua contemporaneidade.
52
verdade do valor do dever dos direitos subjetivos consagrados pela concepção de uma ética
laica como princípio de reorganização democrática. Para Lipovetsky (2005), a
hipermodernidade se caracteriza por uma ética do pós-dever de reivindicar a felicidade e a
liberdade como processos que não implicam sacrifícios, como por exemplo o cumprimento
incondicional dos preceitos morais ditados pelas religiões cristãs ou pelo dever para com a
humanidade defendido por Kant. Assim, pode se dizer que:
Na era pós-moralista, o que campeia é a demanda social por justos limites, um senso
calculista do dever, algumas leis específicas para defender os direitos de cada um –
jamais, o espírito de fundamentalismo moral. Pleiteamos, claro, o respeito à ética,
contanto que isso não demande a imolação de nós mesmos ou um encargo de
execução árdua. (LIPOVETSKY, 2005, p. 27)
Ainda no que se refere a esse derretimento da solidez moderna, Bauman (2000) elenca
em destaque a emancipação, a individualização, individualidade, o tempo e o espaço, o trabalho
e a comunidade como elementos principais que na complexidade e na rigidez da era moderna
necessitaram de flexibilidade para evitar colapsos e desestabilizações no que se refere aos
propósitos desta sociedade.
A partir dessas contribuições, pode-se entender que Lipovetsky (2004, 2005) preconiza
como conceito de hipermodernidade, uma sociedade que se apresenta como um processo de
individualização social que perpassa pelo sentido de ruptura, de liquidez, das demandas éticas
e morais da modernidade e, por fim, vai ao encontro do reajuste e da adequação de um novo
processo social de liberdade ou emancipação deste mesmo indivíduo integrado à libertação de
sua subjetividade, mas dentro dos mesmos espaços antes ocupados.
Lipovetsky (2004) reintegra esse indivíduo moderno à coletividade social, interligado
às noções da ética e da moral trazidas da modernidade com a do pós dever, própria da
hipermodernidade. Em vista disso, destaca as noções de liberdade, amor e felicidade situando-
as em prol da liberdade individual.
Dá-se, então, construção de um ethos concomitantemente voltado para a aquisição de
bens de consumo e para a emancipação em relação ao amor, à liberdade e à felicidade, ou seja,
tem-se o advento de uma sociedade sustentada pela noção de um indivíduo submisso à moda e
ao slogan e distante de seus discursos criativos. Esse aspecto paradoxal é a marca do indivíduo
hipermoderno:
Maffesoli (2010) situa outro tipo indivíduo, agora em evidência, atuando em meio aos
espaços percebidos, que para ele é denominado de pós-moderno ou o homo estheticus
configurado antes como o outro, negligenciado, marginalizado, agora transparente e em busca
de seus novos espaços oferecidos, que no âmbito social caracteriza-se por sua sensibilidade
emotiva de comunicação.
Somam-se a isto as crenças e seus valores de felicidade, liberdade e amor, por seu
emocional coletivo e suas possibilidades de interagir com grupos ou tribos, estabelecendo
assim uma ética-moral, chamada ética da estética (MAFFESOLI, 1996), própria de um
auditório que forja as suas próprias regras, mas também distante de discursos criativos.
Trata-se de um Homo Estheticus cavado das profundidades da moral da modernidade
para a superfície de uma nova maneira ética de agir e pensar uma sociedade do espetáculo. Em
outras palavras, trata-se de um novo modelo de convergência entre o velho e o novo, chamada
de estado societal, caracterizado como tensão ou crise “Societal”. O termo societal expressa a
natureza dos fenômenos sociais observados na pós-modernidade.
Designa, portanto, os fenômenos ligados à ocupação de novos territórios, a
emergência de novos valores que levam os indivíduos a eternizarem o instante, vivendo-o com
toda a intensidade possível. Enquanto a vida social se apega a projetos futuros (melhores
condições de trabalho, de saúde, de habitação, de alimentação, etc.).
A vida societal busca pelo que almeja no aqui e no agora. Tudo o que for projetado
para o depois não serve, pois o presente é o tempo de fazer, sentir e conquistar o que for
possível. (MAFFESOLI, 2012,). Como exemplos podem se citados os adeptos da filosofia
P.L.U.R. (Peace, Love, Unity and Respect) que pregam o respeito às diferenças e ao meio
ambiente, assim como os skinheads, que praticam atos de violência contra negros,
homossexuais, comunistas e ativistas de esquerda em geral.
Tem-se, também, a transparência das aparências do sentir comum e a experiência da
proxemia, que segundo Maffesoli (2012) é um conceito que expressa às novas relações que os
grupos comunitários ou tribos estabelecem com os espaços e ambientes nos quais circulam.
Tais relações podem ser de natureza integradora (convivência pacífica com outras tribos) ou
discriminatória, quando determinadas tribos buscam excluir os diferentes dos espaços que
frequentam.
55
Sarlo (2000) traz uma contribuição muito importante que se afina com Maffesoli
(2012) ao citar a contemporaneidade dentro de uma linha pós-moderna no limiar do marco
paradoxal de uma nação fraturada e empobrecida. Apresenta-se um novo modelo estético no
perfil da cidade, do mercado, dos jovens e dos Jogos.
Enfim, há duas leituras de sociedade que trazem em seus bojos sentidos e significados
de valorações da ética e da moral interligados às suas circunstâncias históricas e culturais, com
possibilidade de serem adaptadas ou reajustadas a momentos contemporâneos, ou seja, com
possibilidade dialógica de suas marcas transitórias dentro de um enquadramento inseparável,
podendo ser denominadas hipermodernidade ou pós-modernidade estabelecendo um acordo
entre o real e o preferível.
Inserida nesse panorama discutido até aqui com os ecos da modernidade em seus
modelos rígidos e definidos a partir da razão científica cartesiana, razão técnica e dualista, a
música apresenta uma complexidade, ao lado da educação e da sociedade no contexto
contemporâneo do século XXI.
Surgem as primeiras inquietações no que se refere à leitura da contemporaneidade em
suas duas concepções de sociedades, ou seja, conceber música (arte), educação e sociedade
como inseparáveis faz necessário entender que a sociedade, relacionada a um tipo de música e,
por sua vez a uma educação, pode trazer contribuições para enfrentar conflitos e contradições
através de novos acordos e acepção de valores que possam reconstruir a deformação formulada
pela estratégia de domínio pelos interesses financeiros. (NOGUEIRA, 2008;
LIPOVETSKY,2004; MAFFESOLI, 2012)
Em suas novas relações - culturais, sociais, políticas e econômicas, a música inserida
na leitura dessas duas sociedades poderá, dentro de novos acordos, referenciar a vida como um
benefício a ser atingido em contrapartida à balança de Kant que sugere como paradigma a
verdade que conduz ao bem e promove a beleza.
A contrapartida em questão é dada pelo paradigma Beleza-Benefício-Bondade, que
altera a balança kantiana no seguinte sentido: a verdade se coloca como aquilo “que identifica
as qualidades ou propriedades essenciais de um objeto, seja pela beleza entendida como a
satisfação à sensibilidade estética do indivíduo; o bem ou bondade (IKEDA, 2010, p. 25, 26;
MAKIGUTI, 1999)
56
A criação de valores em face dessa alteração segundo Ikeda (2010, p. 26) pode ser
considerada como um parâmetro que mede a relevância ou o impacto de algo (objeto ou evento)
sobre o indivíduo:
Nesse sentido, surgem auditórios que corroboram com a tese de “música séria, erudita,
elitizada” bem como os auditórios que concebem a música como “música de entretenimento,
de massa, descartável”, a vê como dissociada ou alienada ou distanciada das questões
socioculturais, ou seja, promove uma dissociação de noção do termo música.
Segundo Perelman (1996) procedimento como esses alteram noções para aspectos antes
não pensados, apropriando-se de valores universais e abstratos como o bem, o justo e o
verdadeiro para assim normatizar o sentido racional que se quer atribuir à música, hoje
desligada da poesia e apoiada pelas narrativas que reafirmam valores absolutos como verdades
livres de questionamentos.
Como ilustração, há alguns oradores de alguns auditórios particulares e não
participativos que concebem a música no século XXI como estando esvaziada em seus
significados o que permite perceber a diferença do público, ou seu auditório,
De qualquer forma, o orador Adorno (2011), em sua Introdução à sociologia musical,
comenta que esse público hoje se encontra dividido em expert, amateur, ouvinte de cultura ou
consumidor cultural e ouvinte emocional em face desse quadro tão heterogêneo que se coloca
em meio a uma cultura de massa que estabelece novos parâmetros e se desfaz pela efemeridade
do descarte, apresentando então sete tipos de comportamento musical:
(a) ouvinte ideal, a quem nada escapa e a quem o compositor considera como o único
que pode compreendê-lo perfeitamente, graças a uma audição totalmente adequada e
uma escuta estrutural; (b) o bom ouvinte, aquele também escuta algo mais que
fenômenos sonoros sucessivos, compreendendo, perfeitamente, o sentido da música,
embora, de forma pouco consciente, por não ser um técnico; (c) o consumidor de
cultura, tipo especificamente burguês, que tende, hoje, a substituir o bom ouvinte; (d)
o ouvinte emocional, ao qual a música serve, essencialmente, para liberar os instintos
habitualmente rejeitados ou reprimidos pelas normas sociais; (e) o ouvinte rancoroso,
que faz do tabu imposto ao sentimento a norma de seu comportamento musical, sendo
superficialmente não-conformista, refugia-se no passado, que ele imagina mais puro;
(f) o “expert” em Jazz, que não é necessariamente, um técnico, mas é, sempre, um
especialista; (g) o a-musical, indiferente ou hostil, que é aquele a quem a música e
totalmente inútil e incômoda.
Não há dúvida que, a partir do discutido acima, a música como arte é necessária no que
se refere a superar o processo de fetichismo que se dá com a redução de seus significados e o
esvaziamento de sua escuta apoiada pela imagética, bem como os conflitos sociopolíticos
configurados como históricos e culturais pela perda do seu valor tradicional necessário ao
equilíbrio e à dignidade do homem e do mundo.
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Isso significa torná-lo um, com o todo da realidade e, a natureza humana que anseia
integrar-se e absorver o mundo circundante e integrá-la a si, ser mais do que apenas ele mesmo,
um ser humano total e não um indivíduo separado, ou seja, alcançar a plenitude da vida,
fraudada pelo processo da individualização humana. (FISCHER, 1972).
Fischer (1972, p. 15) nos ajuda nessa questão ao informar que “a arte deve apoderar-se
da plateia não através da identificação passiva, mas através de um apelo à razão que requeira
ação e decisão” e aponta alguns passos da importância da arte como um fenômeno
surpreendente que viabiliza o contato do ser humano com a sua concretude sociocultural.
Entretanto, é necessário entender que, por outro viés, nos envolvemos com a arte como
se estivéssemos em fuga, como se quiséssemos escapar de uma insatisfação por não ter uma
existência mais rica. Assim, nos deixamos levar pelo entretenimento como se fôssemos
esquecer ou resolver problemas sem perceber que o contato com a arte nos coloca em contato
com o próprio mistério da infinita capacidade humana para a associação e circulação de
experiências e ideias.
É necessário, para isso, que a arte mostre em seu domínio estético de conteúdo e forma
a sua própria decadência pela alienação do tema e dos personagens, apresentando a realidade
social em seus mecanismos de aprisionamento em contradição com a arte mercadoria que busca
apenas intervir no processo cognitivo do indivíduo e reafirmar o conflito entre a música como
arte ou como mercadoria que apresenta um paradoxo entre a expressão da criatividade e a
impressão do espectador.
Esse paradoxo apresenta uma contradição trazida pelo conflito entre teorias estéticas e
teorias filosóficas a partir de noções nobilitantes e inconsistentes entre emoção, gosto, prazer,
forma, representatividade, imediaticidade e ilusão que se contradizem entre si e deslocam a
natureza da arte, que, tal qual a da ciência, tem a função de fazer com o que o espectador
conheça algo desconhecido por ele anteriormente. (LANGER, 2011)
Assim, em face da alienação promover a evasão para um mundo ilusório e de ficção
onde as condições se permitem alterar e suplantar-se na imaginação e não na realidade, o valor
que a arte expressa em si mesma é uma noção confiável, uma experiência, uma necessidade
que, embora não colocadas em prática apresentam-se como seus componentes mais essenciais
de revolução.
Esses componentes traduzem a possibilidade de uma preocupação social tornar-se uma
revolução de sua própria forma estética pela criação de valores para representar na forma de
realidade a sua função crítica no que diz respeito às questões interditas e reprimidas.
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A arte, em sua autonomia, é, portanto, o que permite refletir a ausência de liberdade dos
indivíduos na sociedade ou a negação de sua liberdade por trazer à tona a possibilidade de
reflexão. Caso contrário, expõe e reafirma um lugar fictício para solucionar os problemas do
mundo ou faz um convite ao entretenimento, sugerindo um apagar de problemas, ou seja, uma
fuga de si mesmo em contradição com a natureza humana.
A educação nessa concepção de inseparabilidade com a arte e a sociedade denomina-se
educação para uma vida criativa ou de criação de valores, ou seja, busca ter o seu objetivo nas
necessidades do dia a dia dos indivíduos, fazendo com que busquem ir além da felicidade
superficial do hedonismo, colocando uma preocupação além da satisfação imediata do
indivíduo, pois contribui para a gênese de uma consciência social para valores mais
aprofundados à vida.
A arte nessa profundidade não se permite superficial, como objeto utilitário, já que está
interligada à sociedade e à educação por transitar entre a doxa, o mito e a filosofia em âmbito
social, ou seja, constrói conhecimentos e promove a criação de valores.
Inseparáveis, a arte e a educação voltam-se para a criação de valores, tornando real a
possibilidade da natureza humana criativa e estabelecendo o que Makiguti (1999, p. 23) aponta:
“para que fins e no interesse de que valores, a criatividade humana deve ser direcionada”. Dessa
forma, a inseparabilidade entre a arte e a educação apoia-se na criatividade e o efeito esperado
é ter uma sociedade voltada para o bem de seus membros individualmente e para o bem comum.
Nesse âmbito, educação, música e sociedade constituem-se em importante instrumento
político inserido no processo de transformação dos homens com a missão social recíproca de
compartilharem entre si a compreensão do mundo. Alerta-se, então, para a necessidade de
assumir alguns pressupostos que permitam entender qual visão contribui melhor para esse foco,
bem como viabilizar acordos preestabelecidos e novos acordos a serem estabelecidos. Entre
eles, o de conscientização de formação do músico profissional e do professor de música sobre
sua responsabilidade social em atuar em prol da criação de valores na sociedade.
Percebemos que estas visões somam-se ao que Oliveira e Lemgruber (2011, p. 23)
expõem como o que “figura entre os principais objetivos do ensino fundamental, no Brasil, que
a escola desenvolva a capacidade argumentativa de seus alunos”.
Nesse sentido Oliveira (2013) aponta, entre muitos caminhos, revisitar estratégias de
ensino para o crescimento de pesquisas no cenário brasileiro e comenta sua própria trajetória
trilhada pelo viés humano social na relação professor/aluno.
Pensar um caminho estratégico significa, então, propor o desenvolvimento de
estratégias para um trabalho integrado no diálogo como confronto de argumentos entre a
postura do professor como orador que desperta em seu auditório discente expectativas e a
61
motivação da interatividade dialógica para reintegra-lo como orador nessa mesma perspectiva
argumentativa.
Dessa forma, contribuir ora como orador, ora como auditório para a superação de três
dificuldades, dentre muitas percebidas na contemporaneidade, que se apresentam na
pedagogia: (a) a não formação interativa dialógica interdisciplinar ; (b) o modelo da virtude
discente contemplada pela visão docente; (c) a valorização da monologia em detrimento ao
diálogo.
No primeiro caso, as disciplinas não conversam entre si, não compartilham saberes e
experiências; no segundo, cristalizam-se padrões de comportamento que muitas vezes se
chocam com as histórias de vida dos estudantes e, no terceiro, apenas o professor dita o que
considera o melhor, o mais correto e o mais útil à formação dos seus alunos, que acabam por
assumir posturas passivas e acríticas.
As preocupações político-pedagógicas na contemporaneidade, por sua vez, esbarram
nas lutas representadas por um forte movimento democratizador tanto político quanto social.
Sader (1988) afirma que esses movimentos como uma atitude de reconfiguração devem ser
valorizados como expressões de resistência, de autonomia e criatividade. Sader também os
percebe com uma atitude inovadora na medida em que o cotidiano passa a ser o locus para
reformulação de suas práticas de resistência.
Atualizados por suas próprias demandas inventadas ou reformuladas em seu próprio
espaço social, esses movimentos passam a constituir um modelo de atuação interativa e
dialógica de atores sociais que precisam formular acordos entre oradores e auditórios diversos
que enfraqueça a fragmentação dos movimentos ou o chamado corporativismo em suas
reivindicações pontuais.
Assim, em continuidade ao processo do pontapé inicial em prol de uma atitude ética
como contribuição para os desafios enfrentados pela educação musical na contemporaneidade,
a construção de um projeto pedagógico Interdisciplinar não deve ser tomado como a junção de
disciplinas, que, isoladamente, toma para si a tarefa de coordenar a constituição de um corpo
de saberes e, sim, ao que Fazenda (2013, p. 21) entende como: “uma atitude de ousadia e busca
frente ao conhecimento que cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se
formam professores”.
A interdisciplinaridade deve, portanto, ser construída pelas diversas disciplinas na
adequação de temas, assuntos, objetos comuns a elas. Isso significa que não se deve diferenciar
em cada disciplina os problemas teóricos metodológicos trazidos à tona por todas elas.
62
Tal concepção soma-se ao que Ikeda (2010) e Makiguti (1999) trazem como
contribuição para a educação em geral e, por isso, viável para a educação musical como
proposta inovadora, que se volta também para a constituição de conhecimentos confiáveis, a
partir da criação de valores éticos na potencialização de conteúdos didáticos, pedagógicos e
humanísticos e a possibilidade da interdisciplinaridade como uma ciência da educação que
entabule diálogos socioculturais.
Assim, pensar a perspectiva de uma educação humanística e dialógica relaciona-se com
a interdisciplinaridade ao conceber os conhecimentos confiáveis que permitam ao ser humano
constituir-se a partir do conhecimento apreendido à sua própria criatividade. Para tanto, se faz
necessária a distinção do que deve ser incluído e excluído como conhecimento, bem como a
diferenciação entre verdade e valor..
A verdade pode ser entendida, segundo Makiguti (1999), como “um trabalho de
descoberta [...] que implica isolar algumas características comuns ou qualidades gerais da
miríade de objetos do universo” e, o valor, no que “procura-se determinar a maneira particular
ou peculiarmente característica pela qual algum objeto difere dos outros em seu relacionamento
com a vida do indivíduo e da comunidade”.
Makiguti (1999) ainda sobre a verdade acrescenta:
As considerações desse autor se afinam com o que diz Perelman acerca do mesmo
problema:
É no esforço, sempre renovado, para fazer que as admitam pelo que consideramos,
em cada domínio, como a universalidade dos homens razoáveis, que são elaboradas,
precisadas e purificadas as verdades, que constituem apenas as nossas opiniões mais
seguras e provadas. (PERELMAN, 1997, p. 367)
Segundo Abbagnano (2007), o termo valor foi empregado, desde a mais remota
Antiguidade, para fazer referência ao preço ou à qualidade de objetos materiais. O uso
filosófico, que indica escolha ou preferência, teria surgido com os estóicos (século IV a. C.),
que introduziram a palavra no campo da ética, chamando de valores aos objetos relativos a
escolhas que privilegiassem o bem em detrimento do mal. Por bem entendiam o que se
mostrava conforme a natureza e, por mal, tudo o que a ela se opunha.
64
Tal visão exemplifica o que Vásquez (1983) chama de objetivismo axiológico, corrente
filosófica que concebe os valores como entes absolutos, imutáveis e incondicionados. Isso
significa que eles não se modificam com o passar do tempo histórico nem com as mudanças de
caráter econômico e social observadas nas sociedades humanas.
Em consequência disto, os bens a que pode aspirar o homem dependem totalmente do
valor que os condiciona: no caso da filosofia estóica, tudo o quanto não é necessário é
invariavelmente supérfluo, devendo ser abandonado, ontem ou hoje. Em contrapartida,
Vásquez (1983) defende que todo valor é um construto que depende das relações estabelecidas
entre o homem como ser social e o mundo que o cerca:
É o homem – como ser histórico-social e com a sua atividade prática – que cria os
valores e os bens nos quais se encarnam, independentemente dos quais só existem
como projetos ou objetos ideais. Os valores são, pois, criações humanas, e só existem
e se realizam no homem e pelo homem. (VÁSQUEZ, 1983, p. 126)
A partir de todos esses atributos, pensar a música na educação do século XXI, como
uma educação musical humanística, significa dar ao ser humano o reconhecimento de seu papel
criativo em meio às duas linhas de pensamento antes discutidas, as quais apontam para uma
leitura de duas possibilidades de sociedade.
Uma educação que contribua para que a música restabeleça a preparação dos laços
criativos, permitindo o exercício do pensamento intelectual fundamentado pelos fatores de
características de atributos pessoais, sociais e éticos-morais em seus significados de expressão
e linguagem artística, bem como pela sua própria força social.
E que também possa dignificar a formação do aluno artista conferindo-lhe
responsabilidade social com sua comunidade, com a sociedade e quiçá com o mundo que, hoje,
planetarizado pelo processo de globalização, admite reconsiderar acordos e renegocia-los sem
a imposição de verdades apoiadas no modelo clássico de verdade-bem-beleza. (ALENCAR &
VIRGOLIM, 1994)
A nível de ilustração Sloboda (1997) nos mostra que é possível pensar em várias
estratégia possíveis para se pensar uma linguagem expressiva verbal musical, a partir da
percepção ao deslocar-se da lógica que a produz, como:
(a) como o nível primordial, fonologia refere-se ao ordenamento melódico
apresentado de vários sons que a percepção cognitiva pode perceber por saltos ou
continuidades; (b) como segundo nível, a sintaxe refere-se à estrutura de ordenada
sonora construída, em suas informações soando combinações sequenciais em bloco
como, por exemplo a harmonia de sons emitidos em blocos e (c) como terceiro nível,
a semântica refere-se à possibilidade de sistematizar mapeamentos simbólicos para
identificar o que representa o desenho que cada som individual propõe dentro do
evento sonoro total e não apenas o desenho de um evento inteiro sem identificar a
proposta ou tipo de evento que está sendo proposto. (SLOBODA, 1997, P. )
Jardim (1988, p. 61) acrescenta que descrever e falar sobre a música como linguagem,
apresenta-se além da existência sonora temporal, material, implica e está implicada pelo
sentido de estabelecer, além da física, uma metafísica abrangente, como tudo aquilo que tem a
capacidade de articular signos e mediar uma relação intersubjetiva, sendo, portanto, uma
comunicação, uma relação com o contexto apreciativo entre valores socioculturais.
Portadora de sentido, a música como linguagem se configura como forma de saber em
relação com outras formas de saber: a música como doxa, a música como mito e a música como
filosofia. A partir da noção confiável de que a música estabelece sentido, a música como doxa
ultrapassa a superfície das noções orgânicas pelo imediatismo, de bom senso pela
direcionalidade espaço- temporal e de senso comum pela redução da realidade, porém a música
como linguagem articula sentidos e estabelece fatores constitutivos de critérios de escolha em
prol de sua não passividade orgânica, de bom senso e de senso comum.
66
uma formação profissional técnico com noções voltada também para o ensino superior no que
se refere a gestão dessa carreira pelo olhar interdisciplinar administrativo, jurídico e
psicológico como também, uma possível valorização da expressividade na leitura analítica da
arte musical .
Desta forma, novos auditórios e/ou oradores surgem pela possibilidade: (a) de se
tornarem participantes e ativos nas questões sobre a valorização da música, da educação e da
sociedade; (b) de contribuírem para aproximar a sociedade da música e da educação; (c) de
colocarem um novo olhar de juízo de valor musical e educacional no mercado musical e, assim,
refletir um mundo diferenciado, tanto musical, quanto educacional, questionado,
problematizado por olhares, agora também oradores e auditores participativos e não apenas um
simples estado de letargia e de entretenimento direcionado à passividade e ao esquecimento.
culturais musicais de mundos musicais diferentes como também dialogar e interagir entre si,
sem massificação e por uma escuta ampliada.
Demandas, estas, que se apresentam em constante desenvolvimento de expansão
devido ao processo de globalização e uma organicidade mais abrangente e transparente, antes
deslocada e invisível, como já visto e explicitado neste trabalho, que permite entender a figura
do outro, antes marginalizado.
Agora, esse ser, na concepção de Lipovetsky, Maffesoli e Balman denominado como
o outro, agora não marginalizado, por um lado, próximo, reintegrado pela sensibilidade de vida,
por tribos e acordos em comum, por uma outra ideia sócio-política, econômica, jurídica e
administrativa, com a tendência para a convivência com a sua sociedade em oposição à
sociedade da moda e do consumismo, ou o seu outro lado do espelho, um ser humano integrado,
que firma acordos de solidariedade, desenvolvendo um individualismo de natureza
responsável, como pontua Lipovetsky (2005).
Essa perspectiva contempla um novo modelo de sociologia musical em que
pessimismo, otimismo, descrença e dúvida no progresso resumem-se pela necessidade de um
olhar orientador e mais ávido pela questão da vida, de seu valor mais abrangente que é a
felicidade no agora e no presente, ou seja, uma perspectiva pela formação docente e discente
desse novo integrante, como também, uma educação que determine e seja determinada
culturalmente. (QUEIRÓS, 2004)
Swanwick (2003) chancela essas possibilidades ao admitir, como Makigutti (1999) e
Ikeda (2010), uma prática humanística diferenciada pelo diálogo docente-discente interativo a
ser exercida como um assunto essencial do discurso humano. Dessa forma, a educação ao
ampliar seus diferentes auditórios permite firmar acordo com o que Fernandes (2013)
argumenta como uma nova sociologia musical educacional.
No que se refere a este estudo, oradores como Cruvnel (2009) ao argumentar sua
contribuição sobre o ensino coletivo concorda e admite em primeira instancia que a música,
deve ser reconhecida e valorizada como conhecimento por todos os setores e segmentos,
necessita refletir e discutir sobre aspectos filosóficos, históricos e socioculturais em prol de
atividades musicais antes das questões didáticos-metodológicas.
Freire (2017) aproxima-se da importância dessas questões a partir da sua
contribuição com a formação docente pelo tripé ensino-pesquisa-extensão, no que diz respeito
às diversas relações de ensino-aprendizagem referentes ao ensino formal, não formal e
informal.
69
Trata-se de entender a educação não como uma panaceia, segundo Luckesi (1994)
estabelece em seus estudos, o que se acha também alinhado com o que defende Jardim (2007),
já que ambos concordam com a existência de três sentidos filosóficos que podem ser
atribuídos à educação, relacionando-os à sociedade e à cultura:
(a) Educação como redenção, que tem como objetivo a manutenção, a conservação
e a “cura” da sociedade;
(b) Educação como reprodução, que promoveria a adaptação dos indivíduos ao corpo
(todo) social, influenciados e condicionados por elementos históricos, políticos,
econômicos, sociais, entre outros;
(c) Educação como um instrumento de transformação da sociedade, que seria a
correção dos seus desvios, a fim de alcançar o ordenamento e o equilíbrio da
sociedade, pois esta seria analisar um organismo harmônico, naturalmente
formado por todos os seus elementos. (JARDIM, 2007, p.28-29)
Luckesi (1994) ainda sobre os sentidos filosóficos, analisa que o primeiro sentido
tem como objetivo o processo manutenção, como também da conservação e o d e panaceia
para a sociedade, o segundo visa reificação do indivíduo em relação à sociedade e o terceiro
sentido filosófico, apresenta-se mais alinhado a alcançar o ordenamento e o equilíbrio da
sociedade, pois: tende-se as ações de uma mediador de projeto social..
Sobre o mesmo ponto, a relação educação e sociedade, Saviani (1988) destaca a
importância do papel da teoria crítica na educação, como instrumento de luta das camadas
populares:
Do ponto de vista prático trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a
seletividade, discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares [...]
O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira
de luta, de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses
dominantes. (SAVIANI, 1988, p.42)
Concordamos com Penna (2005, p. 9; 2012) que essa visão envolve o desenvolvimento
de práticas sociais plurais, mas dentro de uma poética musical que viabiliza uma linguagem
artística mais confiável e valorizada em seu conteúdo e forma estética, ou seja, não se trata de
estabelecer qualquer prática sócio musical.
Penna (2012) a concebe, então, como uma prática que possa viabilizar
concomitantemente à educação projetos extras-escolares, ou seja, ampliar a proposta
pedagógica sociomusical com rigor e legitimidade em seus estatutos de uma linguagem mais
válida como fazer artístico.
71
Tal abordagem nos remete a valores que trazem, ainda, noções confiáveis
contempladas pela visão estética da sensibilidade artística, como também toda a possibilidade
de conceber acordos admitidos com a pluralidade ou com seus múltiplos oradores e auditórios
invisíveis.
Neste contexto, crenças e juízos de valor e, assim, ampliadas e estabelecidas como uma
sociologia musical possível pela educação, concomitantemente aos projetos extras-escolares e
aos seus projetos pedagógicos, muitas vezes separadas em detrimento de uma possível
valoração musical e educacional.
Admitimos, portanto, neste contexto, as contribuições de Swanwick (2003, p. 15), de
Perelman (2005) e de Penna (2005; 2012) para superação do paradoxo entre a expressividade
do artista (orador) e a impressão do público (auditório) trazida pelas questões da estética que
separa o discurso da arte e da subjetividade simbólica limitando-a em argumentações
superficiais.
Nesse sentido, Perelman (2005) destacou a figura da metáfora como construção
discursiva que pode funcionar como argumento. Swanick (2003, p. 23) salienta que ela pode
ser pensada como uma forma de trazer à tona uma argumentação a partir de quatro elementos:
(a) internamente, representamos ações e eventos para nós mesmos: nós imaginamos; (b)
reconhecemos e produzimos sobre estas imagens; (c) empregamos sistemas de sinais,
vocabulários compartilhados; (d) negociamos e trocamos nossos pensamentos com outros.
Freire (1992, 2011) apresenta também, em acordo com estas perspectivas apontadas
por Swanwick (2003), Penna (2005; 2012) e por Perelman (2005), uma grande contribuição
para a superação do paradoxo supracitado: os seus sete princípios voltados para o
desenvolvimento da expressividade verbal de auditores ou oradores que buscam defender suas
teses perante outros auditórios.
Para a melhoria da expressividade verbal musical apresentamos, a seguir, os sete
princípios de Freire (1992) em acordo com o que Swanwick (2003) relaciona com a
possibilidade do uso da metáfora e Perelaman (2004, 2005) com o uso da analogia:
A tarefa de escolher os dados permite apoiar e dar início à escolha dos dados que farão
parte da interpretação, que se afina e referencia-se como primeiro acordo deste estudo à luz da
teoria da argumentação de Chaïm Perelman & Olbrechts Tyteca (2004, 2005), como já foi
discutido no capítulo 1 no tocante aos seus conceitos principais de orador, auditório e
referencial que oferece os mecanismos primordiais para fundamentar toda a análise
argumentativa a ser realizada nos documentos objetivados neste estudo.
Podemos perceber o valor e a clareza desta tarefa com base no que Perelman (2005,
p. 132) argumenta:
A presença age de um modo direto sobre a nossa sensibilidade. É um dado
psicológico que, como mostra Piaget exerce uma ação no nível da percepção: por
ocasião do confronto de dois elementos, por exemplo: um padrão fixo e grandezas
variáveis com as quais ele é comparado, aquilo em que o olhar está centrado, o que é
visto de um modo melhor ou com mais frequência é, apenas por isso, mais
supervalorizado. (PERELMAN, 2005, P.132)
Makiguti (1999) acrescenta, ainda, que é fundamental entender a noção entre verdade
e valor: “O trabalho da descoberta da verdade implica em isolar certas características comuns
ou qualidades gerais da miríade de objetos do universo”, ou seja, o trabalho de descoberta da
verdade está fundamentado pelo olhar do cientista em realizar uma leitura controlada da
realidade observada cientificamente do universo natural ou das coisas da natureza.
Há noções que excluem completamente certas características e qualidades
imprescindíveis de serem consideradas importantes como a noção do tempo cronológico ou
74
moderna no tocante a sua relação com o tempo presente como se efeito das causas do passado,
em meio a uma flexibilidade efêmera.
Agambem (2007) avalia e reobserva que toda a construção da sociedade moderna ou
pós-moderna traz à tona também, além da noção da natureza do tempo, a questão de um mundo
excluído, profano, ingênuo, em paródia, em que as crianças, também excluídas, deixam de lado
sua autenticidade, a fantasia de um mundo mágico que se origina com a sua imaginação sua
criatividade e vivem as margens das noções verdadeiras, absolutas e irrefutáveis como anciões
sábios.
Agambem (2007; 2014) explicita que se pode perceber a noção de verdade absoluta
na ordem da música relacionada à educação e a sociedade no que se refere à concepção de um
gênio musical, personagem selecionado, referenciado como herói a ser imitado e não como
exemplo a ser seguido.
No tocante à música nos estatutos filosóficos dos gregos da antiguidade homérica, há
a noção do genius como divindade musical a ser manifestada pela sociedade e seus seres, pelas
suas festas em conformidade a uma educação sociocultural vivida por seres humanos que
abrangem em suas formas físicas e espirituais o contato com seus deuses genius.
Em Sócrates, o ser humano destituído do deus genius deve conhecer-se a si mesmo.
Em Platão, a noção de Genius torna-se sua concepção da alma pela essência ideal do aspecto
espiritual e, que, por sua vez, podem se manifestar pelo ser humano a partir da possibilidade
de sua intelecção que se apresenta pela legitimação de sua obra de arte como uma organização
inferior ou superior e não como concepção criativa do conhecimento. (AGAMBEM, 2007;
2014).
Agambem (2007, 2014) esclarece, entretanto, que alguns filósofos remetem a noção
de Genius à transparência de sua etimologia desde a origem da língua latina até a atual italiana
que significa o deus que se entrega em tutela na hora do nascimento de todo ser de gênero
masculino. No tocante ao nascimento do ser feminino entrega-se em tutela o deus Juno.
Observa-se que valores como esse fragmentados e destituídos de suas características principais
embasam esta escolha em detrimento da própria sociedade.
Nesse sentido, uma grande parte do auditório especializado da educação musical
reconhece que não há como deixar de lado ou impugnar certas características em face da
problemática da diversidade e a pluralidade sócio cultural. Essa admite-se em acordo com o
que a oradora Cruvnel (2009), conforme abordado na última seção do capítulo anterior, diz
sobre o auditório especializado.
82
estando mais atentos em seus valores artísticos, estéticos e técnicos no âmbito de uma
sociologia musical formulada pelo auditório especializado da educação musical por acordos
admitidos em comum.
Assim, a interpretação da escolha de dados faz-se importante nesse momento pela
investigação de todos os argumentos colocados em pauta pelas novas demandas sobre as
práticas sociais e que incidem, com obrigatoriedade ou não, sobre o ensino de música (pelos
novos projetos de lei em andamento) e também configurados em projetos políticos pedagógicos
das redes básicas e fundamentais dos estados e municípios do território nacional.
Argumentos, estes, imprescindíveis e, que, implicam noções em não refugar nada do
que se expressa, mas sim, tentar entender quais são as naturezas dos juízos de valores e das
verdades que se possa admitir em acordo com noções confiáveis para uma melhor
interatividade entre a música, a educação e a sociedade na contemporaneidade.
A leitura retórica (...) não objetiva dizer que o texto tem razão ou deixa de tê-la. Nem
por isso é neutra, pois não hesita em fazer juízos de valor, em mostrar que tal
argumento é forte ou fraco, que tal conclusão é legítima ou errônea. Critica e pondera,
sem se abster de admirar, tendo como postulado que o texto, tanto em sua força
quanto em suas fraquezas, pode ensinar alguma coisa. A leitura retórica é um diálogo.
87
Enfim, para uma interpretação que se habilite a trazer uma análise bem realizada, o
analisador deve estar atento a todos estes aspectos apresentados acima, bem como às ciladas
proporcionadas pelas figuras de retórica que ainda persistem em persuadir seus auditórios pela
expropriação de certas características, ora desqualificadas em seus juízos de valor, ora
classificadas como verdades absolutas e irrefutáveis dentro de uma concepção de raciocínio
lógico-formal. (PERELMAN, 2004; 2005).
88
uma análise dos documentos elencados para logo após interpretar, sintetizar as informações e
determinar tendências percebidas e possíveis inferências realizadas pelas discussões que os
dados e o tema trazem no texto do documento.
Dentro desse contexto, a forma de desenvolvimento da análise dos documentos pode
basear-se na unidade de registro que seleciona segmentos específicos do conteúdo a ser
escolhido. Ou pela unidade de texto que explora o contexto em que nessa determinada unidade
ocorre para buscar categoriza-los mediante a homogeneidade ou heterogeneidade de suas
características internas.
A pesquisa documental como pesquisa qualitativa busca trazer respostas às questões
particulares em relação à impossibilidade de quantificação do universo de significados,
crenças, motivos, de valores e atitudes sobre música no campo da educação da
contemporaneidade. Trata-se, por sua vez de uma análise crítica, reflexiva e criativa da
realidade com a capacidade de intervenção no campo de pensamento contemplado.
Buscar-se-á construir, a partir da percepção de contradições e conflitos, revelados pelas vozes
ouvidas, um conhecimento sobre a questão, propiciando a criação de subsídios que possam
contribuir para superar as tendências de: cristalização, homogeneização e hierarquização no
âmbito pedagógico.
Alguns conceitos adotados embasarão esses procedimentos, como o conceito de
música, entendido não como um significado abstrato, mas como elemento atuante na
construção da sociedade.
Com base no que foi exposto, a investigação pretende desenvolver uma análise retórica
do caso estudado nos documentos apresentados em anexo. Pretende gerar, também, subsídios
para análise de outras situações similares, ou seja, a partir dos estudos centrados no
Conservatório de Leopoldina e na Escola de Música Villa Lobos, construir subsídios aplicáveis
a outras instituições voltadas para a educação musical.
auditórios, por um lado fundamentados pelo real que se encontra demonstrado por fatos
ahistóricos e hierárquicos, de valores padronizados e homogeneizados em seus lugares de
ordem, de qualidade e, de quantidade.
Identidades estas que, muitas vezes, definem-se, ainda, por meio de presunções e
deslocam-se em detrimento de suas crenças, concretude e consciência existencial em um plano
secundário de ordem preferível e, ainda, descaracterizadas ou homogeneizadas por outros
acordos distantes de sua noção preferível.
Nesse sentido, esta análise em curso estabelece-se por um foco de acordos mais
abrangentes do que a representação social apresentada, ou seja, a possibilidade de um olhar
sócio-musical mais abrangente conforme o auditório especializado assinala com Fernandes
(2013) e Queirós (2004) e permite contextualizar interdisciplinarmente todas as noções
instituídas por obsoletos ou antigos acordos.
No que diz respeito ao CEL e ao EMVL surgem alguns aspectos a serem considerados
como: a análise deve perceber todas as noções socioculturais de seus participantes em seus
documentos e tentar trazer à tona em que medida suas noções estão sendo ou não contempladas
nestas instituições?
Por este viés, a análise deve entender até que ponto essas noções são vislumbradas,
deslocadas, discutidas ou distanciadas; como também inferir se há diálogo ou debate possíveis
para dirimir suas respectivas questões. Nesse caso, admite-se em acordo com Queirós (2004) e
Penna (2005/ 20102) que apesar de se ter um olhar mais abrangente e ampliado necessita-se
ter atenção as suas questões trazidas sobre a utilização da unilateralidade de suas funções
essencialistas ou contextualistas.
Em suma, as duas instituições trazem em si, em primeira instância, embora apresentem
iniciativas para mudanças, uma tendência para empregar argumentos de autoridade, que podem
ser interpretados como os que afirmam determinadas estruturas de poder e, dessa forma, não
privilegiam os debates, os diálogos e o confronto de argumentos entre os oradores e seus
auditórios, que de certa forma são as identidades sociais de suas regiões específicas, como
também espaços para proposições dialéticas Inter e-socioculturais.
O CEL, polo de formação musical profissional representativo da zona da mata do estado
de Minas Gerais, institui-se como uma peça fundamental entre os doze palcos que compõem
uma parte de sua geografia pelo lado leste desse estado, para se entender suas sócioidentidades
ou produzir uma sociologia abrangente com seus próprios oradores e auditórios.
(FERNANDES)
A EMVL, por sua vez, apresenta-se com a mesma possibilidade formulada, desta
91
maneira, pelos auditórios especializados, particulares e não ativos ou invisíveis aos olhares de
auditórios universais, como um relevante polo sócio cultural de formação técnica da rede
estadual de ensino básico, fundamental e médio do estado do Rio de Janeiro. Nessa perspectiva,
em diálogo com o CEL, segundo Fazenda (1994) e Freire (2011), permite trazer a possibilidade
de compor uma interdisciplinaridade interativa dialógica entre os seus sotaques argumentativos
e musicais, como também aproximar a sociedade da música na questão de demandas
administrativas, jurídicas e empresarias referentes aos cursos de extensão para docentes e
discentes do nível superior de ensino.
À guisa de exemplo, citamos então a possibilidade para a formação de um músico
com noções confiáveis pela abertura de uma interdisciplinaridade dialógica com o direito, a
comunicação, a administração, a gestão empresarial, a partir das noções confiáveis de Freire
(1992, 2011), Jardim & Estevam (2014) e Swanwick (2013) com a produção da um campo de
argumentação pelo seus próprios oradores e auditórios através da produção de metáforas, e
analogias dentro de sete princípios e balizado e fundamentado em seus estatutos pela filosofia
regressiva Oliveira & Lemgruber (2011) e Oliveira (2016) denominadas por Penna (2005,
2012) de noções contextualista.
O documento ou orador referido na epígrafe desta seção entregue em mãos pela Il.
Diretora deste Egrégio Estabelecimento juntamente com sua assinatura em uma declaração e
devidamente anexado na última parte deste estudo, reúne um total de dezenove páginas,
divididos por dez seções, dispostas a saber:
Nesta primeira tomada para análise, é possível dizer que o documento está dividido em
três partes, sendo que a primeira etapa configura do tópico 1 ao 6 a discussão sobre as
características de sua identidade institucional, suas metas e seus objetivos a serem atingidos.
Na segunda parte configura-se a partir do tópico 7 o discurso sobre a organização do
processo didático pedagógico curricular formal e regular, como também do currículo, em
ensino básico, fundamental e médio.
A terceira parte do documento refere-se a partir do tópico 7.5 às questões de
organização do tempo para cuidar da “enturmação” (grifo nosso), das avaliações docentes,
institucionais, da direção e da coordenadoria e institucionais.
Observamos que o documento faz referência à LDB 9. 394 art. 24, IV e d) em seu
tópico 7.9.1 denominado Aproveitamento de Estudos na Educação Musical e Ensino
Profissionalizante. Podemos dizer que, historicamente, este Conservatório baseia-se no modelo
francês de ensino e institui-se pela lei nº 1.123 de 03 de novembro de 1954 e instala-se em um
prédio do governo do estado de Minas Gerais no qual se divide em dois pavimentos desde 23
de janeiro de 1956, sendo o primeiro a escola estadual “Professor Botelho Reis” e o segundo
pelo CEM ou CEL, ou seja, sempre esteve interligado aos momentos históricos de mudanças
sobre as leis, resoluções e portarias referentes à educação musical.
[...] Temos como missão enriquecer e divulgar a música em todos os seus aspectos
proporcionando uma educação de qualidade” [...] “proporcionando o
desenvolvimento da capacidade de observação, reflexão, percepção, comunicação,
convívio, cooperação, decisão e ação, sensibilidade, conhecimentos musicais,
artísticos, de acordo com a potencialidade, habilidade, experiência e vivência de cada
um [...] (CEL, 2013, p. 2).
modo que se possa promover um pluralismo de ideias e mais reflexões, resultando em uma
convivência mais afetiva do que autoritária, baseada no diálogo entre diferentes razões e não
em um consenso formulado de cima para baixo, ou seja, trazer à tona acordos que se
reconhecem pela representatividade desta instituição (QUEIRÓZ, 2004).
Ainda cabe argumentar, nesse momento, que essas características principais como a
de obrigação institucional colocam todo o projeto pedagógico em um lugar comum na medida
em que têm por suporte noções morais abstratas e noções éticas também confusas, conflituosas
e indefinidas, que não demonstram nenhuma articulação voltada para uma conscientização
sociopolítica e cidadã em sua concretude.
Nota-se, também, com isso, que há acordos que parecem válidos e legitimados somente
para alguns auditórios e, concomitantemente, promovem distâncias em função da hierarquia de
valores proposta e outros valores que poderiam ser elencados como preferíveis de outros
auditórios. Tais acordos estabeleceriam o que Fernandes (2013) admite como desafio e
possibilidade para a ampliação de uma sociologia musical, ou seja, que possa aproximar a
sociedade da música, integrando os auditórios não participantes.
Observa-se, a partir dessas inferências, que os termos: “Garantir”, “Desenvolver”,
“Oferecer” mencionados no tópico 6 (Objetivos), se configuram em valores confusos, pois se
estabelece a todo momento o cruzamento entre noções abstratas e concretas como suporte para
os mesmos. (CEL, 2013; p. 2-3)
A seguir, percebe-se que a noção de cidadania se promove por um tratamento de
noções abstratas que envolvem situações distintas, ou seja, implicitamente aplica-se o mesmo
valor considerado unívoco que naturaliza valores distintos. É o que parece indicar a expressão
“A formação profissional de músicos abrange as funções de criação, execução, e produção
própria da arte musical”, como explicitado no tópico 7.1 (Currículo).
Notamos ainda que, apesar do documento não viabilizar os acordos, abre a
possibilidade de ampliar a sua sociologia ao colocar como objetivo de cidadania a aproximação
da sociedade em relação à música, já que estabelece o nível de uma formação voltada para a
produção de arte musical alinhavada com criação e execução.. (QUEIROZ, 2005; PENNA
2005)
Observamos, nesse contexto, que desde os primeiros tópicos a noção concreta de
normatização passa a caracterizar, concomitante, uma naturalização e uma ambiguidade de
noções distintas, ou seja, há no documento a aplicação de dois tipos de noções, as abstratas e
as concretas. Percebe-se isso nas expressões dos tópicos 3, 4 e 5 da primeira parte: “garantir a
equidade de tratamento e de oportunidades de todos os alunos”; “Liberdade de aprender,
96
ensinar, pesquisar”. Tais expressões são empregadas sem que tenha sido feita a articulação com
a noção de cidadania que se quer como propósito formativo. (OLIVEIRA, 2011)
O documento do PPP deixa clara também a ligação do termo “criação” com as artes
cênicas e não com a música. Há, ainda, o emprego de expressões de natureza definitória, tais
como: “História da Arte”; “Canto Coral”; “Folklore e Música Popular”; “Produção Cultural e
Empreendedorismo”; “Instrumento”; “Prática de Conjunto”; “oficina de multimeios
(Computação Musical); Prática de Ensino e noções de Educação Musical; “Artes Cênicas”,
(CEL, 2013. P. 4-5).
Perelman (1996, p.239), ao comentar sobre o uso das definições, declara que elas
exercem a possibilidade de estabelecer controle de indicar qual é o sentido válido em um dado
contexto. Isso nos remete a pensar que, por um lado, há uma leve tendência para estabelecer e
propor novos acordos, como também buscar integrar o conceito de arte à contemporaneidade,
ou seja, aproximar a sociedade da música, mas, por outro, não há explicitada nenhuma forma
de como se pode estabelecer esses novos acordos ou integra-los, dialogicamente, ao contexto
da educação musical. Acerca desta integração, o documento ainda salienta que:
I – Conjunto Instrumental Lia Salgado: Inserido na disciplina prática de conjunto é
um dos principais representantes da escola na comunidade; II. Pintando o 7: grupo de
cenografia, sonoplastia e produção de eventos. Realiza toda a demanda de criação e
arte dentro da escola” ou no item III Conjunto Instrumental “fazendo Arte”, este
último destinado a “modalidade infantil com o objetivo de estimular e incentivar o
gosto e o estudo da música e também a socialização. Meio utilizado para divulgar na
comunidade o fazer musical”; V- “ Orquestra de Flautas Som do Sopro”; VI-
Aquarela -Camerata de violões mirim Aquarela nasceu ... trabalha com um repertório
diversificado numa linguagem mais contemporânea” e “VII -Coral Planeta Coração
e Sabiá da Mat,
É possível observar aí uma leve tendência para estabelecer novos acordos, mas não há
inserida nessa perspectiva a promoção de diálogo com auditórios mais particulares, nem com
os que ainda são invisíveis. Esses olhares entre as propostas de cursos técnicos para seus alunos
com noções legais, administrativas, seus ritmos e bases próprios da região propõe aproximação
da sociedade para com a música.
Entre os auditórios particulares, ou seja, oradores inseridos neste campo de
pensamentos do CEL estão dispostos na sociedade novos alunos ou docentes que se manifestam
pela sonoridade musical da serenata, da folia, da moda de viola e seus desdobramentos.
Oradoes estes que trazem suas influências indígenas, como o cateretê, influencias indígenas e
afro como o batuque de viola como o pagode de viola, e das festas portuguesas e europeias
como a polca, cururu, e também com os desdobramentos oriundos da influência da cultura
somente africana a partir do samba de roda no estado da Bahia e de expressões musicais como
o jongo e as chulas provenientes do samba de roda.
Cabe lembrar, ainda, que toda esta pesquisa trouxe uma noção de autenticidade para
98
a construção da identidade musical brasileira naquele momento histórico em que havia uma
preocupação em formular essa identidade artística, sendo relevante trazê-los não como uma
linguagem apenas clássica ou erudita, mas sim com a importância de construção da histórica
da música brasileira.
Nos tópicos seguintes da segunda parte, como na página 7, seção 7.3 – Formas De
Organização Do Trabalho Escolar - percebe-se que há uma consistência em articular as mesmas
noções em seu todo, cabendo destacar algumas referências como: “A abordagem dos
conteúdos, nos seis primeiros anos dos ciclos inicial e intermediário, deve ser interativa e
contextualizada“ “O plano curricular e sua implantação no cotidiano do trabalho escolar devem
guardar coerência com as orientações e normas definidas pelo sistema escolar” (CEL, 2013; p.
7).
Embora se perceba que tais referências mantenham a dicotomia entre noções
abstratas e noções concretas, vale aqui ressaltar que é afirmado que “A abordagem dos
conteúdos [...] deve ser interativa com as funções essencialistas contextualizada”. Isso leva a
crer que, mesmo dentro desse contexto ahistorico, pode haver espaço para abertura e busca de
respostas para questões controversas. (FREIRE, 1992)
Nota-se, assim, que essa abertura permite que haja problematizações por parte dos
auditórios envolvidos, visando ao desenvolvimento de relações cooperativistas, de
solidariedade (BRASIL 1998), voltadas para a construção de respeito mútuo e não somente do
respeito unilateral. De todo modo, ainda falta no documento maior coerência com os acordos
admitidos e consistência para articular esses acordos com noções concretas.
Na seção da metodologia, tópico 7.4 (páginas 8 e 9), percebe-se ainda a presença
de noções abstratas e concretas imbricadas, o que pressupõe a mesma tendência discursiva, isto
é, uma argumentação voltada para um só tipo de auditório, sem que haja interatividade
dialógica com outros auditórios particulares percebidos pelas demandas socioculturais
existentes nessa região da zona da mata mineira.
As expressões das diretrizes orientadoras da metodologia deixam claro este
aspecto:
No curso de educação musical do 1ºao 9º anos programas visam promover um ensino
atualizado, de qualidade, e adequado ao contexto de nossos discentes, seguindo a
orientação de diferentes propostas”[...] “No ensino profissionalizante os conteúdos
curriculares são desenvolvidos através de aulas individuais e em grupos, trabalhos de
pesquisa, horas de estudo prático” [...] “no ciclo inicial a proposta será o resgate da
identidade cultural do aluno por intermédio do cancioneiro nacional (CEL, 2013,
P;8-9)
caráter pluralista, não enfatiza a possibilidade de diálogo em cada período de estudo, como se
percebe na página 9, nas expressões abaixo destacadas, do Ciclo Inicial: “Os instrumentos,
piano, violão, flauta-doce, flauta transversal, violino, saxofone e canto devem trabalhar com a
mesma metodologia”, “ Aprendizado por imitação, improvisação e criação, “ludicidade através
dos jogos pedagógicos musicais”.
Fica claro que há a persuasão do orador deste auditório que defende o emprego da
mesma metodologia de ensino, não dando abertura ao desenvolvimento de possíveis
metodologias alternativas. Parece haver absoluta confiança nessa forma de ensinar, já que ainda
dentro do ciclo inicial é afirmado que “A metodologia atual vem sendo aplicada com o objetivo
de renovar o ensino, com materiais pedagógicos já existentes para o trabalho de educação
musical e materiais criados pelos professores”.
Há, portanto, incompatibilidade entre uma atividade pedagógica que é desenvolvida
“com o objetivo de renovar o ensino”, mas faz uso de “materiais já existentes”. Tal
incompatibilidade poderia ser removida se ficassem claras as articulações que se busca
promover, as quais o documento não menciona.
Conforme apresentado nos acordos admitidos (seção 2.1111) pelo auditório
especializado, Bates (2016), Penna (2005, 2012), Swanwick (2003), Freire (1992; 1997, 1999,
2011), Freire (2017), Jardim & Estevam (2014) propõem para uma educação humanística
alguns requisitos necessários a uma metodologia que dialogue com mais abrangência com
todos os auditórios percebidos como particulares e os que não são ainda percebidos.
Mais adiante no ciclo complementar, página 10, do mesmo tópico, também se percebe
outra incompatibilidade, conforme atestam as expressões: “Trabalhar a Interdisciplinaridade”,
“Repertório abrangendo todo o período da História da Música e “O aluno deverá tocar uma
obra de cada período da história da música”.
Neste caso, reitera-se como incompatibilidade o já discutido anteriormente, ou seja, a
falta de articulações de significados existentes entre a História da Música e o Folclore versus
um sentido, que Oliveita e Mazzotti (2002, p. 77) denominam como resultado de
interdisciplinaridade fraca, pois contribui para fragilizar a consistência e a coerência das
propostas disciplinares no documento.
No ensino profissionalizante percebe-se também a falta de coerência e de consistência,
já que é mencionada a importância de “Nortear diferentes direções que o aluno poderá seguir
após o término do curso”. Nortear de que forma? Com base em que acordos? Transparece,
somente, o que Perelman (2005) aponta como ligação causal entre o fim e o meio, ou seja, a
seção da metodologia também apresenta a mesma tendência da primeira parte em que se
100
observa uma linearidade sequencial entre o que se configura como meio e o que se toma como
fim desejável. Predominam, também, as noções abstratas sobre as concretas, de modo que o
caráter ahistórico da educação musical proposto sobressai em relação ao caráter sociohistórico
e dialógico.
Por esta ótica, a interdisciplinaridade, segundo o que apresentam Fazenda (1991,
1994, 2013) e Mazotti & Oliveira (2002), traz à tona a possibilidade de construir o que Fazenda
(1994) propõe um caminho para a educação superior e que pode ser admitido também para o
ensino médio: abrir cursos que dialoguem com outras ciências visando implementar extensões
pedagógicas, metodológicas e curriculares a fim de aproximar a sociedade da música,
envolvendo instituições tais como a Faculdade de Direito e a Faculdade de Administração e
Licenciatura já existentes na cidade de Leopoldina.
e a evasão escolar, o que pode ser ilustrado com uma observação feita por Esperidião (2002),
a qual diz respeito a essas mesmas questões no ensino tradicional dos conservatórios.
Esperidião (2001) assinala que só a partir do apoio legal da lei 5.962/71 os docentes
deixaram de estar à margem do sistema educacional, ficando qualificados a ministrar um ensino
técnico profissionalizante, de acordo com a concepção curricular tecnicista vigente à época. O
referido autor ainda discorre sobre as práticas pedagógicas e esclarece que o modelo da
organização do tempo do Conservatórios inspira-se no paradigma da pedagogia tradicional,
com base no pressuposto de que um aluno desenvolve melhor suas habilidades como sujeito
passivo.
Esperidião (2001) termina abordando que esses princípios norteadores estão
embasados nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível
Técnico, apontando que esta é uma tendência do mundo contemporâneo nas diversas áreas,
inclusive a área de artes, sendo observada também no caso específico da música.
Bates (2016) nos mostra na prática que é possível unir e dialogar com auditórios e
oradores distintos por acordos admitidos em comum ou juízos de valores que convergem em
aproximação oradores e auditórios com os mesmos olhares abrangentes.
Com base nessas pontuações, percebe-se que o orador direciona seu discurso para um
auditório de caráter mais universal, valendo-se de noções abstratas, pois embora proponha uma
abertura, não articula em nenhum momento a proposta pedagógica com os auditórios
particulares, criando, assim, situações que impedem que as incompatibilidades possam ser
discutidas e, possivelmente, superadas.
Começa a ficar clara, no documento, a predileção do orador pelo emprego de
expressões como: “a matrícula no Curso de educação musical atende, o aluno, prioritariamente,
a clientela de 6 a 14 anos” (CEL, 2013, p. 12) e “A matrícula é realizada após a divulgação do
calendário unificado pela S.E.E” (CEL,2013, p.11). Nota-se que entre as duas expressões há
uma incompatibilidade, ou seja, uma assertiva se opõe a outra: por um lado, é dito que a
matrícula prioriza o atendimento ao aluno; por outro, é dito que a mesma só é feita após a
divulgação do calendário oficial.
Mas é importante frisar que as incompatibilidades percebidas no documento, nas
questões pedagógicas, da segunda parte analisada, abrem algumas possibilidades para a
abertura de diálogo e de admissão de novos acordos com a terceira parte, desde que haja
diálogos entre a SEE e os auditórios particulares, de modo a realçar a inclusão de noções
concretas que reflitam suas demandas, ativando, assim, a formação de uma autonomia discente.
Reitera-se que a possibilidade de novos acordos, de certa forma, traria mais
103
motivação aos alunos, além de diminuir as distâncias entre suas vozes e a voz do documento,
buscando estabelecer normatizações embasadas por noções concretas que permitam conferir
significado social às noções de Liberdade, Justiça, Ética, Moral e Igualdade para a formação
de um aluno ativo e consciente em suas reflexões e direitos civis.
A outra etapa da terceira parte trata a questão do tempo com referência à questão da
avaliação institucional, docente e discente, que por sua vez é também abordada com linguagem
objetiva, impessoal e normativa relacionada aos cânones legais, como na passagem da página
13, tópico 7.7, “As formas e os procedimentos de avaliação da aprendizagem tem como base
as orientações gerais da Secretaria de Estado de Educação”. Ressalta-se, no que concerne a
esta etapa que, em alguns momentos, há explicitações voltadas para a implementação de
avaliações especificadas mais detalhadamente, como destaca a seguinte expressão, da página
13, tópico 7.7: “A verificação do rendimento do aluno é através de atividades diárias na sala
de aula, apresentações e avaliações sendo de forma contínua, cumulativa e diagnóstica,
utilizando vários recursos e procedimentos avaliativos”.
A incompatibilidade entre avaliar conforme o que dispõe a SEE e avaliar de maneira
diagnóstica pode suscitar a abertura de diálogos e novos acordos e com isso trazer a
oportunidade do alunado participar dessas avaliações de forma ativa, orgânica, e não
meramente passiva.
Em linhas gerais, a terceira etapa trata de organizar os dados de espaço/tempo escolar,
logística e infraestrutura dentro dos mesmos aportes de noção abstrata, que se destacam em
expressões, como: “a convivência diária dos alunos é com total liberdade. A disciplina, o
respeito e a conduta ética são vivenciadas tanto pelos alunos, quanto pelos professores e outros
segmentos”. Novamente cabe salientar que as noções de liberdade, ética, respeito, disciplina,
como nas duas partes anteriores, possuem o mesmo caráter abstrato anteriormente apontado, o
qual embasa a relação discente e docente no que se refere à questão do espaço/tempo pelo
recurso à padronização da característica do quadro funcional (tópico 8.1), que gera uma
expectativa quantitativa em detrimento de uma expectativa qualitativa.
A relação entre espaço escolar docente e espaço escolar discente passa a limitar a
noção de liberdade e qualidade, tanto na questão funcional quanto na questão da distribuição
de turmas. Trata-se de pôr o auditório especializado em acordo com o que assinala Bates
(2016), que argumenta em defesa de uma educação que possa interagir com a pobreza e a
carência social, e com o que Queiroz (2005) admite: abertura de um olhar educacional para as
esferas sociomusicais, o que por sua vez está em acordo com o que Fernandes (2013) propõe
para uma educação humanística, ou seja, a produção de uma sociologia musical mais
104
abrangente.
Nota-se que isso gera um esquadrinhamento do tempo e, assim, uma relação menos
ativa entre discentes e docentes. Expressões como a do tópico 8.2, página 16, ilustram tal
perspectiva: “ É de responsabilidade da direção da escola, apoiada pela equipe pedagógica de
coordenar o processo de distribuição das turmas e aulas entre os professores, considerando a
característica das turmas e dos professores, de modo a favorecer o bom desempenho da escola”.
A expressão acima revela a distância que existe em relação ao auditório particular,
não havendo nenhuma iniciativa de ouvir as vozes discentes, mesmo que seja por meio de seus
pais e de suas famílias, não valorizando, desse modo, suas prerrogativas e seu direito de
escolha, que não são colocados em debate. Já a expressão do tópico 9.1, página 17, permite
inferir que a noção de cidadania se acha balizada pela noção de dever: “O relacionamento do
Conservatório Estadual de Música “Lia Salgado” e a comunidade deve ser perfeitamente
harmônico”. O que seria um relacionamento perfeitamente harmônico? Há como pretender que
as relações humano-sociais se desenvolvam de um modo harmonioso quando falta o diálogo?
Em que momento haveria negociação entre os diferentes interesses dos envolvidos?
Ainda no tópico 9.1 é afirmado que: “A comunidade está sempre presente nas
apresentações, tanto internas, quanto externas do Conservatório. Participa de desfiles, festas e
comemorações, eventos e palestras”. Por um lado, observamos que não há nenhum vínculo
dessa comunidade com a educação proposta e sim aproximação da música com a comunidade
ou a sociedade, ou seja, há uma tendência unilateral contextualista em voga no que diz respeito
à sociedade.
Podemos dizer, por outro lado, que tais experiências somente contextualistas buscam
implementar os meios nos fins e assim naturalizar a presença passiva dessas vozes. Por fim,
cabe salientar que os três últimos tópicos estão todos permeados por esta forma de conceber a
representatividade, o que leva a concluir que o PPP do CEL traz, em seu bojo, noções abstratas
muito mais ressaltadas do que as noções concretas. A partir deste olhar, percebe-se que há uma
desatualização em relação ao estado de cultura na contemporaneidade. (FERNANDES, 2013)
Os argumentos elencados pelo orador mostram-se, então, mais evidentes e
relevantes para um auditório universal, quando na contemporaneidade a presença de auditórios
particulares se faz notar com expressividade pelos conflitos, confusões e incompatibilidades
em relação ao que é regulado e controlado por noções de ética e de moral de caráter abstrato,
sem a devida contextualização sociohistórica.
105
Nas expressões acima, do artigo 5º, verifica-se que há uma tentativa de reforçar com os
argumentos acima elencados o embasamento referente à estrutura do real, utilizando-se de
termos que realçam melhor a realidade e, que segundo Perelman (2005) formula uma ligação
com o mundo real, com a realidade.
No item I - “Entre o mundo do trabalho”, “capacitando jovens e adultos”, “conhecimentos
e habilidades gerais e específicas [...]”, essas expressões deixam claras que o artigo tenta
reforçar a existência de uma dicotomia entre duas possibilidades de mundos de trabalho, um
que a educação imbuída com a questão sócio-política apoia, capacita e aperfeiçoa e outro sem
esse abertura de oportunidade pela da chancela política da educação que se percebe quando
complementados com o tem II - a “formação de profissionais”, com escolaridade
correspondente ao nível médio e superior”, ressalta que para esse mundo de trabalho existente”,
como também com o item III “ Capacitar, aperfeiçoar, especializar e atualizar em todos os
108
níveis escolares.
Enfim, o documento em sua apresentação total deixa clara, por um lado, a insuficiência
em poder estabelecer e admitir juízos antigos em forma de acordos atuais entre os auditórios
especializados e particulares que se apresentam na contemporaneidade ou mesmo negociar suas
premissas, assim como abrir diálogos para entender quais noções precisam ser valorizadas
neste momento atual e quais deixaram de ser imprescindíveis.
Noções importantes que geram a legitimação de quais valores podem ser aproveitados e
outros que precisam ser ajustados, reformulados o que ativos em sua concretude no tocante ao
que diz respeito a inseparabilidade da Arte, educação e sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
solidariedade, modismo, consumo avaliados por valores éticos e morais abstratos. Por outro
lado, uma associação de músicos de teatros, cassinos, cinemas, e cabarés, organizados por
Francisco Braga, ou seja, o primeiro modelo de sindicato profissional com o cargo de seu
primeiro presidente, trazendo á tona a noção de uma formação de conhecimento ou erudição
proveniente de instrumentistas de orquestra e da prática de leitura de partituras.
A convivência dessas duas sociedades faz ressurgir, assim, não só a figura do
violonista antes marginalizado, mas sim a necessidade de um olhar mais abrangente para a
educação musical, que cria um desafio ainda maior ao concebê-lo como integrante de uma
concepção pluralista. Concepção esta, que segundo amplia sua visão para a noção de música
permeada por uma ética-moral voltada para a criação de valores ligada para o mercado da
moda, ao do consumo e ao da promoção da solidariedade e da sensibilidade humana.
(LIPOVETSKY 2004, 2005, 2013; MAFFESOLI, 1998, 2010, 2012)
Optamos, assim, pelo desenvolvimento de uma investigação documental, que
diferente da pesquisa bibliográfica, propõe um vasto campo de pensamento e a possibilidade
de validação da filosofia regressiva e da referência teórica da nova retórica ou da teoria da
argumentação.
Amplia-se, desta forma, a visão para uma sociologia denominada de grande auditório,
que se apóia na concepção de uma tendência universal em detrimento de auditórios
particulares, inativos e invisíveis. Esse grande auditório admite vários acordos firmados por
noções nobilitantes abstratas, mas também notamos a presença de auditórios participativos,
embora inativos, e alguns não participativos ou invisíveis para ele.
Dentro desta ótica, este estudo buscou, ainda, entender em que medida o estado de
cultura atual da sociedade permite a criação de valores da música em suas diferentes formas
socioculturais, orientada pela noção da interdisciplinaridade em prol da formulação de uma
educação democrática e humanística.
O presente trabalho, portanto, tratou de investigar e analisar todos os dados que
mereceram destaque nos dois documentos denominados de projetos políticos pedagógicos
(PPP’s) de duas egrégias instituições. A primeira, do ensino regular estadual do estado de
Minas Gerais e, a segunda, do estado do Rio de Janeiro, contemplando, assim, dois relevantes
polos regionais de cultura.
As discussões apresentadas por diferentes oradores (metafísicos, historicistas e
sociológicos) trataram de colocar em prática a legitimidade da filosofia regressiva ao validar
acordos entre essas concepções antes separadas ou universalmente agregadas em noções de
verdade absoluta em detrimento de juízos de valores preferíveis ou razoáveis para oradores de
112
auditórios especializados.
A análise documental passou por esses caminhos apontados acima, que não se definem
como certezas ou direções definitivas, mas perspectivas que podem contribuir para o
desenvolvimento de uma educação musical de caráter mais dialógico. A primeira é que a
música ainda permanece nos mesmos lugares em que a arte deposita seus valores como
verdades, empregando argumentos considerados inquestionáveis. São eles: lugares de ordem
ou de autoridade, lugares comuns ou de massificação popular, lugares oratórios ou de
religiosidade, lugares de qualidade ou de erudição e de quantidade ou de valor de mercado em
detrimento do valor artístico.
À guisa de exemplo, os lugares de ordem perpassam pelas questões legais, marciais
militares e disciplinares em tempo e espaço; o lugar comum pelas questões de referência
melódica, rítmica e harmônica sem coerência e consistência em suas articulações consonantes
sem apresentações de contrastes, dissonâncias e tensões que viabilizam expressões musicais
mais ativas; os lugares oratórios são interligadas às cerimônias religiosas com seus mantras e
orações cantadas e por fim os lugares de quantidade e de qualidade resumem todos os outros
lugares em si como coisificação da arte como mercadoria.
A segunda perspectiva é que a música ainda se constitui como expressão sensorial,
perceptível e agregadora sociocultural, como sempre esteve por toda antiguidade, idade média,
modernidade e contemporaneidade. Sempre sendo parte integrante das organizações intuitivas
ou racionais, harmônicas, rítmicas e melódicas em seus timbres, intensidades, frequências
instrumentais e vocais, ora por noções e valores abstratos, ora por noções e valores concretos
à realidade em todos os setores e segmentos das sociedades, sejam estas de características
urbanas ou rurais.
Dentro desta perspectiva há outra questão que podemos entender que surge com a
quebra da cientificidade do conhecimento: uma educação mais interligada à transmissão de
saberes em detrimento de uma orientação pela empiria da música até a contemporaneidade.
Entramos então em acordo com o imenso auditório abordado que admite a
formulação de uma educação humanística na contemporaneidade no sentido de ampliar as
escutas, interagir mais dialogicamente com a sociedade, com a música, e não somente a música
com a sociedade.
A terceira perspectiva permite entender que a força expressiva de toda produção
musical atual estabelece-se tendo ainda, como matéria prima, o som, em seus processos
artesanais, manufaturados e industriais e para um campo ideal de novas organizações.
Um novo olhar tanto pelas questões materiais-produtivas relacionadas ao lado
113
inovador de seu produto, de seu suporte patente, o seu modelo de utilidade, sua marca, quanto
para o lado ideal da criação das palavras que se tornam versos com estatutos fundamentados,
como também a palavra, no que diz respeito às questões administrativas, empreendedoras,
legais, socioculturais, educativas e psicológicas.
Entramos em acordo também com os sete princípios apontados por Freire (1992), os
quais, por sua vez, permitem tornar oradores ou utilizar o lado intuitivo lógico racional de
músicos para descrever suas paixões sensoriais, ou seja, materializar pela argumentação a
subjetividade.
Percebemos, nestas três perspectivas suscitadas, duas concepções musicais instituídas
pela argumentação historicamente. Por um lado, uma concepção organizadora lógica e intuitiva
puramente sonora, como parte integrante na formação das medidas simbólicas, qualificativas e
que refuta as características verbais por estarem organizadas em torno de uma teoria apriorística
e engessada dentro de um paradoxo entre a expressão do artista e a banalização do público.
Nessa perspectiva, há o favorecimento de uma concepção de música ética e
esteticamente superficial por parte da sociedade com respeito à forma e ao conteúdo, ou seja,
em acordo com noções inerentes a uma concepção de arte banalizada e vulgarizada como
mercadoria.
A segunda concepção dá-se a partir dos acordos trazidos por este estudo, como
organizadora de uma lógica intuitiva que se manifesta por expressões ou expressiva, que se
valem de muitas figuras de linguagem, analogias e metáforas para dar sentido às suas noções,
aos valores éticos, morais e estéticos, presentes nas leituras racionais-intuitivas expressas pelas
sócio-relações atuais.
. Compreendemos, neste caso a importância da expressividade dos espíritos como
criadores de um potencial expressivo verbal, visando à difusão de seus valores e hierarquias de
valores para além dos sons, por meio de palavras concretas, situando-se como oradores e
auditórios conscientes em busca de possíveis acordos que os situem em sintonia com as novas
demandas profissionais atuais, na contemporaneidade que se estende aos setores jurídicos e
administrativos.
Como ilustração, cabe aqui salientar toda a manifestação expressiva musical do canto
de trabalho escravo organizado pelo sentimento de dor concomitante ao lado racional que o
conduz a superar sua própria dificuldade e se tornar mais forte, a partir do domínio espiritual
poético e melódico presente em si mesmo. Cabe acrescentar dentro da mesma perspectiva os
outros ritmos afros como o jongo, a capoeira, o lundu, a chula e o próprio samba de roda.
Dessa maneira, observamos que a partir do conceito de orador e auditório de
114
abrangente em suas práticas sociais, como também uma abertura para questões sobre novas
demandas que podem permitir a aproximação, bem como uma revalorização da sociedade para
com a música em todos os sentidos.
O presente estudo buscou entender, então, como a expressividade musical ou a criação
de valores, a organização sociocultural, o tempo, a inseparabilidade da arte (música), educação
e sociedade e a interdisciplinaridade mostraram-se coerentes e consistentes aos estatutos
revisitados, considerando as contribuições de autores que se embasam dentro da mesma linha
de pensamento.
A partir das três perspectivas que formam uma concepção de música fundamentada
por uma noção humanística, concreta, histórica e sociocultural, percebemos que a mesma
começa a tomar sentido como noção legitimada para a arte na contemporaneidade. Em vista
disso, os PPPs analisados não se mostraram em sintonia com os pressupostos firmados pelos
acordos com o auditório especializado para a constituição de um novo olhar que busque superar
conflitos e tensões notórias advindas da modernidade.
Há, por sua vez, na contemporaneidade, uma proposta que se coloca para além disso,
ou seja, que aponta para uma perspectiva social mais flexível no que diz respeito à arte e à
educação, já que não sustenta haver fronteiras estabelecidas e sim uma outra avaliação de
espaço-tempo, tanto ética quanto moral, em suas expressivas sonoridades específicas, em seus
comportamentos, em suas reavaliações.
Percebemos entãp que a música (arte), a educação e a sociedade não pertencem a
domínios hegemônicos que, historicamente, ainda se aproveitam das transformações sociais da
cultura popular para criar sua cultura sem suas características ou toda a possibilidade dialógica
com a expressão popular, uma noção de arte ou de cultura que cria valores ao estabelecer a
vida como superior a verdade.
Percebemos que a perda supracitada como perda expressiva denota o que os acordos,
neste estudo, apresentam como prioridade para a formulação de uma educação humanística.
Com isso, motivaríamos a sociedade para cursos técnicos musicais a partir de disciplinas, que
tratem da expressão humana como conhecimento legal com valor artístico insubstituível da
música
Entendemos o exposto acima como uma estratégia contributiva no que se refere à
superação do paradoxo entre a expressão do orador e a impressão do auditório. Ocorre o
desencontro entre impressão e expressão, onde os oradores e os auditórios deveriam estabelecer
acordos a partir da criação e não somente a partir de uma unilateralidade particular sobre o
gosto e sobre o que é definido como belo. Isso pode ser superado com a percepção de que
116
de um saber orgânico permeado pelo bom senso ou senso-comum; (b) pelo mitológico, que é
muito discutido em estudos antropológicos e que está comprometido com um tempo
primordial; (c) pelo filosófico – devido à ordem de criar que parte da admiração e do espanto.
Por fim, nossa visão é que a música tenha em seu bojo todos os principais elementos
para a concepção de uma construção interdisciplinar lógico-intuitiva expressiva, com a
possibilidade de uma linguagem expressiva verbal que contribua para a formação de auditórios
participativos ou invisíveis, com olhar mais abrangente, oradores conscientes, criativos e
ativos.
Torna-se possível, por esta perspectiva, uma proposição interdisciplinar educacional na
formação de oradores e auditórios, de natureza flexível. Apoiada por noções confiáveis, que
passem a promover reconversões e não apenas ajustes passivos das habilidades e técnicas sobre
a matéria prima do som.
Com isso, é possível habilitar a condição do ser músico autor ou um profissional da
música reconvertido, antes invisível aos olhos das práticas sociais da educação. Entendemos
ser preciso investir na possibilidade de que esse profissional se apoie em noções concretas que
o afastem da lógica neoliberal da industrialização, promovendo a valorização de sua própria
lógica expressiva.
Em outras palavras, estas teses trazem em si os acordos admitidos nesse imenso campo
de pensamento que compreendemos como um imenso auditório cheio de possíveis oradores.
Esta concepção faz com que esses auditores e oradores atuem ora como orador, ora como
auditório, para poder enfrentar dialogicamente outros desafios que sempre se renovam em sua
contemporaneidade no que diz respeito à valorização da arte a partir de uma sociologia musical
interativa, participativa, ancorada em acordos mais conscientes em suas noções e em seus
juízos de valor.
118
Referências Bibliográficas
ALENCAR, Eunice Soriano de. Condições Favoráveis À Criação Nas Ciências E Nas
Artes. In: Criatividade: Expressão E Desenvolvimento”, Angela M.R. Virgolim, e Eunice
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BAUMAN, Zygmunt. O Mal Estar da Pós-Modernidade. Tradução: Mauro Gama. Cláudia
Martinelli Gama. Revisão Técnica: Luis Carlos Fridman; Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1998
__________________. Modernidade Liquida. Rio de Janeiro, Ed. Zahar. 2000.
BACHELARD. Gaston. A Chama de Uma Vela. Trad.: Glória de Carvalho Lins. Rio de
Janeiro, Glória. Ed. Bert and Brasil S. A.1989.
119
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Retórica Desenvolvida Em Ambientes Diferenciados De Ensino. Comunicação
Apresentada na Anped – Sudeste, 2014.
FERNANDES, José Nunes. Educação Musical: Temas Selecionados. Curitiba: CRV, 2013.
FREIRE, Vanda Lima Bellard.. Musica E Sociedade : Uma Perspectiva Histórica E Uma
Reflexão Aplicada Ao Ensino Superior De Música Doutorado em educação. Tese de
Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992.
JARDIM, Antônio José de. Música: Uma Outra Densidade Do Real. Para Uma Filosofia
De Uma Linguagem Subjetiva. Dissertação de Mestrado pelo Centro de Pós-Graduação,
Pesquisa e Extensão do Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro: 1988.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Irene Ferreira, Bernado Leitão e Suzana
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SLOBODA, John A. Music As A Language. In: Music and child Development (Frank R. &
Roermann Franz (Eds.), St. Louis, MO. Music, 1997.
ANEXO I
Projeto Político Pedagógico do Conservatórios Estadual e Leopoldina
(PPPs CEL)
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
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139
140
141
142
143
144
145
146
147
ANEXOS II
Projeto Político Pedagógico do Escola de Musica Villa-Lobos
(PPPs EMVL)
148
Professor Vicente,
Segue o projeto político pedagógico da escola
Atenciosamente,
Glaucia Sundin
Assessora - Direção
glaucia.emvl@gmail.com
Escola de Música Villa-Lobos - FUNARJ
Rua Ramalho Ortigão, 9 - Centro, Rio de Janeiro
2232-6405 - 2332-9159
--
Atenciosamente,