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A CONSOLACAO DA FILOSOFIA Boécio PREEACIO DE. MARC FUMAROLL WHWAN UL Martins Fontes Seo Paria 1998 Prefacio A consolagao da filesofia poderia também inttular-se Ossiliimos dias de sim condenade a morte, como a famo- ss rapsGela bumanitria ce Vietor Hugo, Bas no se trata aqui de uma fiegao de advogado habil brineande com a sensibilidade de seus lekores. A Gonsolagdo fo eserta na pristo por um condenado a morte, A admiragio que es 2 obra latina do séeulo VI suscitou inieterruptamente ces de entio no deve nada, ou deve muito pouco, as cit cunstincias“isigicas” de sua composiglo. Trata-ve de uma ‘obra-prima da literatura e do pensamento europea ela basta, e teria © mesmo valor se ignorissemos tudo a res- peito daquele que a concebeu entre duas sessbes Ue tor ‘ura, 2 espera de sua execugio, Mas, dado que essa obra- prima nio € anbnima, ada perde por tet um autor € set situada em suas circunstincias; tomna.se também, assim, 0 testemunho da grandeza 2 qual um home pode eleva se pelo pensantento em face da drania © da mone. No entinto, a Jgrela no fer les crisedo umm met; no 0 eae nonizou. A diocese de Pavia adiantou-se e declarou Boé= Gio, morto dentro dos mures de sa capital, *boato". Na igreja de San Pietro in Cielo d'Oro (s6eulo XD podem ser vistos,superpostos, ox sursifagos de Boécio ¢ Santo Agos: Acoma da fs taho, exe na crlpta e aquele no pavimente do cov. Dan te, que eoloca Baécio no Paraiso, no Céu do Sol, junto aos teGlogos, evocs assint 0 “beat” e sum tum rset Faces del mente want “lc i lace, itr ele mie ld 78 dell tara com sete rims, er sedene qe bere dentro et goce Vaoiea sania, che # mondo fallace fu manifsio a cbt dt li bon ode, corpo onda fu caceteta wicce ius tn Claro, od esa da martivo (ea esilio soni a est pace (’Se de luz em luz colocus agora, segundo meus lox vores, 0 othar de teu espitito, deves i estar sedento por conver a oitaya, A visio de todo bem exiasia esta alma santa que mostra, & quem sabe bem compreendes, que © mundo é enganoso/O corpo do qual ela foi expulsa jaz sobre a terra em Cielo D'or, ¢ ela, do mantsio © do ext io, aleangou esta paz") Paraio, X, 121-129) Mas podemos compreender « reserva da Igreja Ro mana: a Consolasaa, que atesta 0 geaio de Boéelo bem como sua forca de espieit, nada deve & religiao crit suas tude & filosofia paga. Um Socrates da cntiguidlade dla, Anicio Manlio Severino BoSeio, flo de uma das mais soles fara suprema, nlo a fé recente que ele mesmo e 0s seus ha que suas peéprias obras tanto fizeram para incullr no cxstin. nismer as dourrinas de Patio © Aristteles, Fsse romano Ielenizado desde as suas raizes preferia morte um tem plo de estilo ico a monrer numa fetes modem. das era tum templo construdo pelo pensamento, aum cikcere, va prices reeurs0 Go natural para cle come a pedra da Sabedoria dos Salmos para uma outta aristocracia perseguida: I= rel. Fakise muito hoje em dia, e com estiema levianda- de, de "cultura", a cultura anime de Cicero. & Conso lagao de Boécio resabelece o sentido original e radical ‘que essa palavea canes: © de una razio de ser que po- de manter de pé, inflexivel ¢ fel, o homem golpeado pe- Tos carrascos. A tragédia de Boécio e seu heroismo, se no the va Jetam altares péstumos ¢ a palma do mattiio, deveriam 20 menos ter inspirado poetas © dramaturgos. Mas nada disso aconteceu, Heri, mas também pocta ¢ dramaturgo, ‘pensidor de seu proprio heroismo, Boécio desencorajou ‘os malores: até mesmo Shakespeare, cujo platonismo no fentanto es fregilentemente em consondicla profunda ‘coma Conolagay; até mesino Comeille, que no Polyeucte tratou, sob a mascara hagiogrifics, do “assunto” dle Boe do, consiruindo seu texto com empréstimos da Gonsola- edo. Z,além disso, sea Tgreja odiava Boécio por ele 1: fer testermunhado a seu favor, a literatura talvez nfo © pet ddoasse por ter preferid a filosofia. Com efeito, a Consa- Jagdo comeca como 0 relato de um sonho em que a Filosofia aparece como soberana, afastando desdenhioss- tente suas rivals, as Musas, 5545 “comediaates’, do prisio nero allio e que procurava seu socom Fssa preferéncia que Boécio assume (assim como ouitos autores da anti uidade tardis, como Paulino de Nola, Agostinho, Mar tismus Capella, sejam eles eristios ou pages) pelo menos The valeu o favor ininterrupto dos fildsofos e dos esue tos. No entanto, € espantoso saber que a rainia Isabel I, ceuja Feracidade era digna de um Teodorico, trachiziu em 1593 a Consolagae: esse luxo de eanrasco real sesia mals A connie do fsa = conveniente & sua vitima, Mat anos antes. ‘Tal como a Filesofla de Boécio nto & incompativel com a teologia cxstt, soa elogineia severa nil € incom atlvel com 2 poesia litien, Talvez sefa até essa maneira Singular de alcangar, além de tudo, 2 mais alta espicitua Jidade que um crstao possa pretender, ¢ 0 maior esplen- dor podtico e htesrio que possa reivindicas um “disefpu- Jo das Musas”, ewido isso insplrando-se apenas no Logos Filoséfico, que tenha ao mesmo tempo fascinaclo ¢ ater sotlaado a Igecja e a Litcratura em face da Consolagao. oéeio, esertor “além de cdo", ¢ fie a seus mestres Pla lo ¢ Aristeles. Mas tamisém esti entre os mais raros es caitores da antiguicace tarda: nao se contenta, como Mar- ‘dapuis Capella, em execotar em contraponto 0 dilogo em. rosa ¢ o hing versficao; sux prSpriaprosa latina, em soa legincia auster,nilo se priva do recurso dos chistes, dos cas, das alusdes refinads que ormavam, com a alegria de tempos mis felizes, 08 "ensaios* de Avlo Gélio em suis Notes dricas, Muitos desses ensalos cinham como ce: nario um navio, avancando pela noite serena do verao, sob as estrelas, num Mediterranco que a estagao deixava sem tempestaces ¢ o império Romano sex piratas, AS Nol zs de Boécio restringiram-se 3 escuridao de uma cela ‘Mas, jusiamente, a clegtaeia, que pemanceeu intacta apc sar das conturbagdes do tempo, torna-se na Consolagéo uma virtude Flos6fics 2 mais, wma prova da establidade a alma que 920 renvacia nem mesmo 2 caaga da vo2, cembors 0 peso do corpo entregue 208 totmentos tente arrasti-la em sua queda, Rise flésofo, poranto, simbée fo, atéo fim, um gran de aristocrata romano cafeeatendo uma época de fara Stuatt, executada sels Price Jie, Hle © foi pelo nascimento, pelo modo de vida, pelas amizades, a frente das quais o lustre Simaco CAurélio Me- riimio Slmaeo), “eabera” do Senado Romano e também cle um levado consumade: neto do Simaco que apare- ceu nus Saturnaitias de Macrdbio, terse dele uma ed 0 do Camentério sobre o sonbo de Cipiao, outa obra de Macrdbio, Ele o fol, enfim, por sou casamento com a filha de Simaco, Kustciana, pela posigio © pelos encar- gos que ele e seus filhos assumiram em Roma e Ravens. A Teflia era entto crista; estava ocupad desde 493 pelo lexército e pelo rei dos godos, ‘Teodorico governava a Itilia de Ravena, que foi ame pliada sob seu Tongo reinade com edifcios suntnosos co- mo Sto Vil, Apolinivio © Novo e o Mausoléu do Rei, que ainda hoje admiramos. Mas nao havia mais o Império Ro- mano, 2 no ser no Orient, sob a autoridade dos Cesare sgregos de Constantinopla, Roma, no entanto, continuava ‘orgulhosa ¢, embora despoveada, submetida e parcialmen- te amuinads, eta ainda espléndida, Tinka seus papas, que jd podiam pretender impor sua autoridade sacerdotal douirinal a tudo o que havia sido © Tmpério © que ainda nao se chamava cristandade, A aristocracia ainda tinha ali, seu Senado, suas hoaras constlares, cujofantasma cont ‘nuava prestigioso, e multas tradigbes pagas, insepariveis do espisito do lugar, subsistiam tm melo 3 nova ordem rcligiom. A corte de Ravena aio podia passar semi os ser- vigos da velha arlstocracla romana: precisava. deka para estar de hem com a corte de Bizincio, mas tambxim para aadininistar a Ita, Teodorico, ietaado, mas criado em: Bi- ‘incio, era wm politico soficientemente sagaz para siber ‘que seus godos no tinham capacidade para isso. Man- teve-os altstados da costs, em seus feudos, em seus acam- A sma ae pamentos, com sua lingua ¢ seus costumes guenteltos. Por sutto lada, cercoxr-se de altos fincionsrios e ministos 1 manos, exfmios nas dsciplins co direto © preparacios pa 18 fazer funeionar a miquina do Estado, £ tanto malor foi seu mexico em empresg-los quaako ele padprio e seus go- dios pertenciam 3 Igrej arana: a aristoeracia romana, como, toda a Telia ocupada, ent cali ‘Teodotico € prudeate o suficiente para mater um 1e- aime do perfoita tolorancia entre as diss convissdes cri fs, Delva a Tere. romana tate ce seus prépees assunis, ssa tolerdneia politica e religioss (de que também os jus deus desfrutam durante seu reinado) permitie que homens ‘como Simaco ¢ Boécio contiawassers denos de seus imen= 0s bens fundilrios e conservassem rods as dignidades| tradicionais em suas familias, Aos olhas da populagto ita- liana, eles representam, soh o dominio dos gods, a iden ricade incaera © @ continuidade romanas. Fadoses da of. dem civil, sto chamados pelo rei pedo a “eolaboras" es. rreitamente com as tarefas do goxemna, Em 522, Bogcio toma-se em Ravend "mestre de oficios” de Teodorica, 0 jequivalente a um ministre do taverior Ate gua desgract xn 524, gozou, sob um rei bnbaro ¢ ariano, de ums "fe licidade? muito mais completa ¢ inintesrupta eho que a co nhecds, sob os imperadores remanos do século Claudio Nero, por um Sénect, que somos tentados a comparar 1 Bogeio por suas riquezas, sua posicia na corte © sta obra floss. Esse Bho de grande familia romana pode receber, porno, das melhores mestres pags ou exs- tos da’ época, 4 mais brilhante exineago filasofica ¢ Tite ria, digna de-um Cicero, seis séeulos antes. le pide, em Roma, em sa luxuose biblioteca, dediearsse por muito tempo e com toda trangiillidade 208 trubalhos eo espe Pfs - to que fariam parte de sva vocacao, mas que ele consi. derava também como vm dever Tigado 2 sua alta estispe. Em $22, no momento em ue é chamado a Ravena, seus dois jovens filhos receberem de Teodorico 0 tiulo, ape- ‘ras honorifico havia séculos, mas tanto mais glosioso, de consul ramanus. Fssa slteraaacia entre “vida contempla- tiva" e "vida ativa” na biografla de Bogcio € em si mesma tun tayo de Eidelidade as urdigdes de sua casta, ral co- mo Cicero as teorizon e explictou no séoulo 1 a.C: um rnobre romano, se deve ser lerade e inictado ma. filosolia agrega, deve também acupar os cargos civis que he ca Jhem e obiigar-se a exercer as virtudes proprias 3 vida pal Dlica, No Livro I da Consolacao, justficando numa espe cie de autobioggafia sua curreim 1a corte do rei bisbaro, Boécio lembra as ocasides que suas altas fungoes the afe= receram de impedir injustigas, prevenir ou reparar exa- ‘bcs, enfin, reservar © que losse possivel do direlto © da moral romanos sob 0 seinado de win barbaro. Mas tam= bei sugere que para ele foram sactficios que culmina sam, afinal, pa desgraca © condenagao a moste. Sua ver dadelra vocacio, i qual 6 veduz a solidao do carces o otiton studiosuim, a paz do estudo, que cle havia sabo- seado por longo tempo em sua bela bibliotecs romana, ‘oenada de paineis de marfim e de espellios. Ao dever de servir Roma peli ago politica e administativa, Boscio preferiv de longe um outro dever, o de manter, preservar be tihustrar” a lingua e a eulnura do Império ocupado pelos godos. Também nessa esfera sua obra é impressions Sua poesia se perdew quase toda, com excerao dos adm tiivels hings que escandem a Consulagao e que esta pre servou, Em compensacio, suas obrus de filésofo e as do cedlogo que cle nao hesitow ema ser na sua msioria ati ——— Aertel anf vessatam os sécules. Elas dlimeataram a reflextio euro- pia durante toda a Idade Média © a Renascenca. A esco lh dos assuntos tratados por Boécio parece seme ters do determinaca pelo seu amor a Roza, 2 lavinidade e pela preocupacio de se armar melhor para resistir 208 lem. os sombrios, Hil6sofo, ele retoma a obra, snterrompicls, ‘bu quase, desde Cicero, dle transpor pata o latim a Bio” solia greys. sea ainda conseguia, apesar da conversi0 _geral do Oriente prego ¢ do Ocidente latino ao cristianis- mo, manterse (ci. Seus dois centros principais eram Atenas © Alexandria, Nessas duas cidaces, uma sede da Academia, outta do Museu, os sabios intérpretes de Pla Ho e Aristicles tiveram sempre diseipulas e ouivintes. A lend@ncia ers entio, como voltaré a ser na Renascen¢a, buscar concordincius mais do que opesigties entre 0s dois sistemas de pensamenta e suas eespectivas tradigcs. Em vida de Boécio, ox doks principats cisefputas de Plutareo ‘de Atenus, mortos em 482, Siriano e Proclo, comentam fant 0 Timew de Platio como a Metafvica © a Légica de Aris- nxeles. Ein Alexandria, onde 0 ensino flosdfico persist {a despeito do Tinchamento em 15 da aeoplatonica Ht paicia por uma multidao de cxseos inciacos pelos mon: Re), 08 estudesarstolicos prevaleciar, euas em constan~ te didtogo com o pensamento de Piatto € seus exegetas, Piece Courcelle defendeu a tese de que 0 joven Boécio tetla podido, a exemplo de eotros jovens romanos de sua ccasta e de seu tempo, estudar em Alexandria, onde um discipulo de Proclo, Amdnio (435/45-517/26), gozawa de grande presiigi. Seja como for, na pripia Roma, 0% en Atenas ou Alexandria, é evidente que Beécio foi muito ce- do aluno e lekor dos altimos ilésofos do helenismo pe Bio, Nto se contentou com a distincio que esses estuclos ~ Pri. superores de flosofia grega confesiam 20s herdeisos £0- manos de uma aristocracia cristanizada. Sentin a falta da tradicto peopriamente latina, brilhante no campo do i- feito, da moral, da hiswria, dt eloxiiéncla © da poesia, mas pouco dct & especukiglo metafisca e 2 sutileza dialeu- ca. Hle se empenhou portanto em prover a lingua latina de tecrados que actimatassem a metafisia platOnico-pit péirica, a Kigica de Aristételes & dos exsicos gregos. Com ‘tempo, tornow-se dessa forma um mediador entre as es colas geegas da antiguidade tardia, herdleieas de um he lenismo milena, ¢a Kade Média Latina. Temos dele um ‘ratado intulado Ariimeiica, dedicado a Simaco, que con sisce numa acaptaclo latina de um manual de Nicémaco era usado tanto em Atenas quanto cm Alexandria; un tmiado teérico de misiea, De fesiltuione musicae, onde discingue “mdsica eésmica”, “uiisica humana” c “md instrumental’, ¢ do qual sobreviveu somente a parte que trata da vercein especie. Casslodoro (que suceers Bos cio como “mesire de offcios” na corte de Raven) n08 in forma, nas suas Jnstitutiones, eseritas no fim de sua vida no retio de Squillace, que Boécio também redigira em latina tm traiado de astgonomia e outa de geometra, co brindo assim toda extensio do que o ensino superior medieval chamari de Quadrivtum, Essos dois altimos tx tacos se perderam quase por completo. No entanto suas obras de Kigiea forum conservadas: comentisios sobre as Isagogae de Porfirio, um comentatio dos Topica de Cice- 10, tradug3o latina do tratado Da interpretagao, dos Pri- metros analiteus, ¢ dos Tépicos de Aristeles, enfim, das cobras de ligica de Arsttteles as quals deve-se aexesce tar im comentia sobre as Categorias, Nao satisfeto com esse Aistovles Latins, Hodcio vedigiu uma série de mo - Accra de fis nogradas sobre quesies tenicas: “Sabre a divisio®, “So- bre 0 silogisime categsirico” © "Sobre 0 silogismo hipate- rico”. A uadicao intelectual propriamente latina encon- trava-se, afinal, gracis a ele, dotada de um equipamentor cconceital do qual pucleram aproveiar-se os te6logos me: dievais antes dos hhummanistas da Renascenca, Mas Bascio tina preocupagoes mals imediatas. Esses manuals lobtas de sintese, essastradugdes deviar servir para a ed- cagzo da elite latina, mesmo no caso, entio ameacador, dle as escolas helénicas sesem fechadas. Era proviso com- pletar a enciclopédia em lingua latina para que: a educa ‘940 de uma cite pucesse ser completa, permitindo the as- sumit seu papel num jogo temivef em que a superiordade dia cultura ainds era seu prlacipat tranio, A gindstica inte lectual dos dialéticos gregos era indipensavel para agu ‘ar 0 esphrito de jrisuns, de diplomanas, de homens de P+ fado ou de Igreja que, falta do poder elitr, em mis clas hrbatos, cram os Unicos capazes de nianter a wadigio romana, Bra tambéin um exercicio espisiual, uma técnt ‘ca de conhecimento e de contemplagao da adem racio- nal do muncio para aléi das vicissitudes e circunscneins Iistoricas: em siltima analise, ela cava aceaso aos arcanos do tages diving. © proprio Bode fez essa expreriéneia, Para un aistocrata de seu nivel, que se sentia respon ssivel pela heranga de Roma, aristocracia do universo, essa iniciagdo em latim 2 arte de pensar dos gre gos, que mise turava todas as escolas, complerava o acesio dass seus pat tes a mais uma aristocracia, a dos flésafos. A pari disso, lomarse indispensivel a0 rei godo © ser excelente nt adminisirigio € na diplomacia nao passavam de um jo «go. Tornava se entio possivel interir no campo de hate this mats confso e delicado que 2 “medesaidade” da épo- ‘ea havia aberto: a disputa que opunha tedlogos do Orin: le © do Ocidente sobee a definicio da Trindade e da na- tnreza de Cristo. © que esta em jogo na disputa ne po- dia deisar indiferente um aristocrata romano mesmo de Fania rocém-crstianizadas era pripro principio da val cade do Império que @ nova fé deveria cimentar e que ‘essas divisdes dourrinais abalavam ainda mais. A discipli- na I6giea em cue Bodcio se Aizera mestre, tanto em geeg0 como cm latin, permitivlhe tomarse um dos grandes ‘especialstas dla teologia de seu tempo, Romano, Boécio cert conseqientemente catdlico romano, em comunhio comm x nutorldade coutrinal universal postulada pela Sé de Sto Pedro. Isso equivalia a aderie a0 Simbolo de Ni cia, mas também a definigto da Trindade ¢ da natureza de Cristo, um em duas pessoas, reoria que fora adotada pelo Coneftio de Caleed6nia em 451 € que Roma susten- tara som reservas. Constantinopla era mais hesitante ou mais mazda, Os traadas de eologia de Bode, que S80 cinco, forneciam 3 teologia latina os melas conceituals de dlalogar com os teGlogos gregos de Bizincio e de elimi raralguns mal-entendidos de ordem téenica entre as das 6s rivas. Hles contribulram, u Toago prazo, para aprox inn 2 interpretago das fGemulas calcedOnicas de Roma € Bizancio, Talver a vontade de Boccia de trabalhar pela reunificacio cla Igreja erm toro do catolicismo roman se jaa outta face de um projeto mais propriamente politico: fo de reconstituir a unidade do Impeério com a ajuda de Bizncio, 6 que supunha a eliminagao do reino godo da luda. Nao teria sido esse projeto bruscamente interrorn: pido pla dessgrac de 524? in 524, em todo caso, 0 senador romano Albino & uma corespondé _ A secede - «la secre com o impecador ustino € conspina com Biri cio conn o rei gro, Bokelo, o Mesue de Ofiios, asst ame publicamente e dante do rei a defesa de seu Coleg no Senado: "Os acusidores de Albino so mentios0s", ‘eta cio, Bacrescentou também, de maneita sbi: "Mas, se Albino fez aquilo de que © acusan, eu mesino © odo © Senado fizemos 0 mesmo, ¥ iso &falso” sas palavras ousadas Levanta suspeilas, Os dela tores de Albino tomaram-nas como pretexto pars aeusar tampéim © podereso ministo de ter partcipado do coa- Jbio, de também ter, em suas carta, deplosado a perda da “iberdade romana’, de ter até se dedicaco a estudos de magia para scar os demdnios em favor de su causa Em 519, um cometa anavessira 0 ud lia, espalhan do terres de fim de teinado. fn 22 Tecdotio petde- ra seu genro visigodo,Fularco, 0 dinico capaz de exercer vigorosamente a reyeaca em cxso de dessparecinculo do rei, Bin 523 um papa, Jodo T, cenit ao tr0n0 de $20 Pedro gracas no anit de Boéci: cle ra patidisio da ‘conxliagio com o panareado de Bizincio, Teodorico, que ‘Stava ficando velho, seve ento rites para ever ge a sitocracia romana extava comecundo a tale, Maadou prender Albino ¢ Boéclo, mompendo ass, bruscamente sua politica de tolerincia geral. albino, tansfetido para Yerona, lf foi, dover, imedistamente executado, Bogeio foi levado para Pavia; um processo suit, no qual ele rio fol ouvida, decidiu por sia condenacdo & pena capi tal, Por um refinamento de erueldade, seus julzes foram (0 propries senadotes romans, seus pares, de cjem se ‘Bzeraador em sua defesa de Albino. A sentenga nd fot aplicada imediatamente. Um grinde personager coma Boscio podia servir de ém no jogo que se desenrola- ‘ya carr Tavera e Constantinopla, Pett. Conforme as ascilagbes dessa “guerra fia”, a pristio de Boécio em Pavia teve que pasar por divensas fases, algunas amenizadas pelo ausilio de seu sogro Simaco, {que nio fora atingido; outras foram atrozes. Uma créni- ‘ca andnima de Ravena, confirmada pela 1At6ria secret de Procépio, descreve uma das torturas as quais ele fot submetido: uma correia de couro apertada em tomo do Cerliniofazia salar das Gras 0s globos de seus olhos. Nos intervalos desses softimentos, ou nos momentos er que seus guardas podiam ser subornades por Simaco, Boscio cconseguiu escrever a Gonsolacao da filasyfia eFezer com ‘que 0 mamuserito chegasse aos seus, Quando a noticia da ‘execugio fol conhecida, Simaeo no dissimulou sua dor «© sta indignagio: foi conduzide a Ravena € mono. O papa Joao 1, que Teodorico obrigars a encabegar wma embai- ‘sada a Constantinopla, morreu na volta, nao sem suspeitas de assassinato politico, © reinado pacilice de Teodorico, ‘que motrev em 30 de agosto de $26, terminou portanto.em terror. A ruptura entre o rel gnddo e seus seltos staianos: no péde ser reparada por scus herds, ila Am lasonta ¢ 0 neto Atalarico. O tetteno, portanto, estava pio picio para Constantinopls, que, sob o imperador Justin ho, conseguiu conquistar 1 Tilia vencendla os gexos. Proc6pio, em sua Guerra dos godos, rewata 08 dl mes elas de Teodotico, que s€ tornou um tran sanguie nnlo, com caracteristcas dignas de um Macbeth, Ele nos conta que o Velho rei, 2 quem seiviara durante um Dan jqnete um enorme peixe, acteditou reconhoeer mia cale= A stg do see do peixe a de Simaco, que 0 fxava com urn alhar ia Sustentivel. 0 rei reve de se retitas do banguete para dis- simular seu desvario, I-6 historiador bizantino, intéepre- te da opinizo pitblica romana e bizantina, atribui a esse remomso 0 nipido fim do tino arfano. ‘Nessa tragédia complexa, onde se entrelagam fos politicas ¢ religiosos no pano de funda de inteigas de conte, Rogelio e Simao, anto para a histérla quanto para a Jenda, aparecem no papel de berbis, Inscrevemn-se na- turaimente num longo desfile de maetives da “liberdade romana’, vilimas dt tirania: Cicero assuasinado por Mar p Anidnio, Sénecu obigudo por Nero u sulcidarse, ¢ro- das as alts figuras de senadotes esticos, celebrados por Ticito, que foram mariizadles por Tihéxio ¢ Caligula, Em- bom godo, Teadorica, por sit fexo2 “injusica’, represen tando 0 trano Iouco, entra tannbén na galeria dos sombios| "quads da ists” to caractericos da ernica romana, essa ver, no entanto, as protelagoes da ino deixaram & sua vitima 0 tempo necessivio para prepara a ais nan te derrota que o expfito pode ifligica forge uma obni-put- tet escrila ha psi, « Consulag ca files Apesar (lt ajuda e do alfvio que 0 prisionelra de Pa via pOde, por um empo, receher de Simaco, & bastante improviivel que ele tenba tide a sua disposigto, para es reve, algo além de tabuinbas € um estlese. Nenhuen le 10. Ort, a Consalaedo da filasofia, conforme demonstra 4 *Concindineia” estabelecila por Cooper (1928) entre a Consolagdo ¢ 08 cinco ttadas teoligicos de Hocio, bem ceomo 0 estuda de fon uber (1978, Kommentar zur Boesbius), € Vieralmente tecida de remissBcs a textos de « oxificos que, por si ss, Formariam ura be= Ta bibioteca. 1 isso 40 deve nos surpreender, fies. ‘Como todos os antigos letrados, Boéeio tinha 4 sua lispesicio ra meméria, treinada desde a inflinci, 0 textos sicos. Aprender a ler era, 20 mesmo tempo, “apreen- der" o testo ido, fixé-lo no espitito, abrigé-lo num com pastimento da memoria, organizada ¢ aumentada grachal- mente, como uma vasta biblioteca invisivel, mas nila si- lenclorae os textos lidos c aprendidos em voz alta podiam também ser evocados em vor alta ou por ume Y07 inte- soe que conseguia, i sua vontade, repet los, compari-los, moditi-los. No Livro % das Confisdes, Santo Agostinho cevoca de maneira arrebataclora os “entrepostos", 0s “pas clos" da meméria letrada em que ele pouco a pouco armazenara toca a enciclopédia das artes liberais ao lon- go de sua juventude aplicada e de seus estudos de adul- 1, Boéeio, orgtnizado segundo © mesmo modelo, era senhor em sua prisio de Pavia, nao somente desu enci- lopédia de que fala Santo Agostinho, mas também dos poetas latinas de que © Pade da Igreja se mutria, embo- ra mio dissesse uma palavra sobee iss0, por serem cles pu ies, cos poets eflésofes prepes, bem como de seus co mentadores, que Santo Agostinho s6 conhecia por seus inéeprctes latinos, Podemos alg afimar que, em corto sen- ido, situacae do prisioneiro era mais favoriivel do que ade que gozam por multo tempo come grande senhor ‘em sua tica biblioteca, Pois entio ele se entregara a te balbos de tdenico, que exigiam a consulta de volumina raras e a conlrontagao de passagens complicadas. Traba- Tara como fidlogo © eruetto tanto quanto come fkiso- fo, Na prigio, redurido a sua memoria, forgado a encom trar nela recursos expistuais para enftentar os sofriments, a solidio ea more, ele deixa de ser um tradutor, comen- tarists, erudto; ele se corna “auter’, ov dlifamos hoje, com Acomseg af uma palavea equivoca, “eriador’. f uma manelim de falar (que ceria desagakado tanto a Bogeio quanto a Santo Ags linho, que, nas Confisses, pela vontade cie um exercicio spiritual, colocuse numa skeagio analoga, 86, sem lie ‘ros, 8 mercé dle Deus, Entlo ele pede & sie memria que sefaga palavra, €€ sua palavra que se elevea Dous, que lhe bra camino até le. Boseio, por sua ver, joga com os dis sentcios ta patavra mnemGria: um pessivo, assocado & metiforn do recepticulo; outro arivo, ussocado & mie tifora da viagem e mesmo da vole da alma a sew ugar natal, A Filosofia, nterlocutora de Bogco nesse “sonho” que é mais um despertar, rectimina © prisioneieo, que ela educou em sua infincia e adolescencia, por ter detxado seu ensinainento calr na memdra-recepkacul, ande nao. fora mais que letra modtas sua pasprlt apariglo, desper- tando Boéeto, recoloca-o no camino da anamnese; com ela todas as palaveas, as aogees, os encadleamentes apeen= dlidos ¢ que se havam “deposicado” na meméirit torn se novamente polavra de vida, veiculo em movimento que afista a lima da tristeza, da fraqueza, da dvida para condurila a um porto seguro, No entanto, naa se deve cexagerar s antitese entre memdr-recepliculo © memé la-movimento, memeriadepésito ¢ memézia-veiculo, Se a ascensiio de Boécio & passivel, 6 também porque cle clispunhs de cecursos interiones prontos pani sevem 18a os. Nos apreademos, com Montaigne, que “saber de cor nto ¢ suber’, Mas aprendesnos isso com waa letrado mo derno, confortvelmente instalaco om sua torre-ibliote= cc, cereado de fiveos impresses que ele folheta ¢ relé a vontade. Para ele € Ficil darse comp exemplo de um es pita vivo e livre, passando levianamente sobre a "wébua rasa” de um génio allviado dos pesos livrescos,'Trara-se em cacti " seinde paste de wa gio lsonjeira. Hla & caracterstica das iisbesa que deu crigem o liso impresso, que fer parecer supérfiua « are antiga e medioval da meméda De fato, naa substiut os textos clisicos aprendidos de cor muito cedo. Hes viverto em nés durante toda a nossa existncia, despertindo para seu sentido, de inicio ador secido, & medida que nossa expesiincia de adult ¢ cx- paz de rconhect-s,E entlo que eles esto prontos para nos apolar nas provagées ¢, se somos eseiotes, a prefi- ura ea sustentar nossos prépeos desafis ao sllénco, © progresso tgenico em nada mada a leis da bologla lic teria, flos6fca, esprtual. O que BoSio nos ensin, com tanta autoridade hoje como no século VI, € que a dna cultura fet, oral ou escrita, & a que trazemos intimamen- te em nbs, so 0s textos cists inesgottvesinseminados sa meméria c cus palavas tomann-se Fontes vias, 8 pro- sa da tristeza, do sofimento, da morte. 0 resto, de fto, iterate’. Pata est recurso aos mestres de vi, ct vs fo gra vada hi muito tempo mas que es ruidos do mundo en- ‘obeiram, Boéeio escolheu uma forma clissica: ser sua ‘arinte pestoa! do diflogo platénico. Os intertoewrores: 2 Filosofia (a Diosima de Plato, a Beatriz de Dante), 0 ropeio Boécio, eduzido a humidade e ardente condi {20 de um discipulo em buses da verdade e da saivagio. ‘A encenacao do dilogo ¢ dos pocimas que dao ritmo 20 dlesenmoar hema deve algo sont obraprinn da ant uidade tarda, muito lida chante toda a Wade Media © Renasconga: as Nipclas de Merci eda Flctgta, do Ma- ano Capella. Faw autor era um romano da Afi do Nos. fe, como Santo Agostinho ¢ Apuleo, Fle eompds se lisro cm Cantago, sob a dominagio dos vindalos, ene 440-¢ — A comalo pa 470, Letrado de ako nivel, escsevendo pata a instrucio de seu filho, resumiu, “sob 6 olhae dos harbaros”, a cultura ‘ureco-romana em lingusgem alegérica. As Nsipcias 0 jd ‘um sonho que despena, Vé-se alla Viger Filologia, 3b a conduta da Subedoria, deixaneo suas primeiras mest, as Musas, e pereorrendo a ordem das esferas celestes, para ceafim receber a homenagem dus Sete Artes (Gramatica, Dialética © RetScica, o Thetem medieval; © em seguida a Geomettia, a Aritmética, a Asttonomia ea Harmonia Mu- sical, 0 futuro Quadrivtem). Ble se eleva assim, gradual- mente, ao conhecimento e a contemplagio da orden di vin do mundo. Como em Platt, a ascensio do conhe: cer em Marciano Capella & inseparivel do entusiasmo poético, ea prosa dlulogada desse grande sonho de liber tagso di luge segularmente a mérica, Tal como Boécio, Mateiano Capella nto faz alustio ap exstianismao, A salva- ‘920 da alma imortal, nesses dois autores eontemporineos ddos tempos biutvares, € uma promessa que 0 helentsimo fol o primeiro a fazer e 0 primeira 4 saber manter. A Ro» ta do Sombo de Cipido ji tinha sido convestida muitos sé ‘culos antes de aderie ficiatmente ao crisianismo, Nascida de uma tayésla, a Consolacao de Bosco & muito mais tensa que as Npcias. Também tem uma esti- lo mats nervoso, suenos barroco. Assim que a situagao € criada (0 sonho, a entrads em cena da Filosofia, seu 2e- trato, a expulsao das Musas), tudo se resume a van di Jogo severo e currudlo (entremenda de admiriveis vos podticos) entre ela € & prisioncien, ersfignrado ex dix: ipolo, Hii Bo poueo enernecimento quanto aos Pensa mentas de Pascal: a urgéncia & muito peemente, A dire- (fo de consciéncia da Hlosofa ¢ proporcional ao que fm jogo: muito dura no inicio, sempre fitme, munca fa. fis —— la comesa por obrigar seu discipulo a tornarse vealmen ‘um disefpulo, Isso supoe que ele expulse de si mesmo ‘a dor de homem politico e de cottestio eaido em deswra- i, a revolta contra a injustiga, a angéstia de prisioneio separado dos seus, privado de seus bens e que logo es- ‘ari privado também da vida. Essa expulsto do passive Diogrifico di lugar a um belo echo de Memorias, que ‘ocupa 0 capitulo 4 do Livro I. Texto germinal, em que se deve ver 0 “incuntbulo” de um g@nio litertio worudo, apés ‘uma incubagio de dez s€culos, a uma espantosa floraca0 zna Frangs, de Commynes a Retz, de teaubriand, ssa operaglo pungativa culmina num poesna inspira do diretamente nos Corus dos Tidigicos wregos e de Seneca, Boscio conchui dle sou destino pessoal a questio geral & central que val, 2 partir de entio, servirihe de viitico: bi amet lege som “Lingus propriae stations opus Nada, 6 Deus, escapa 2 orden de tua ante Nada deixa de realizar 0 ofieio que fate Omnia coro fine gubernans Heminusn sles resputs actus ‘Mero rectarcobtbare modo, “Govemnando todas as coisas segundo um fim que lhe € conheeido, (Os ans 96 dos homens, ‘Ta nto os obvigas embors © poss de pena dieito” Por que esse contraste entre a orcem do mundo ¢ a desordem que su prépria liberal Introduz entre os ho- mens, entte a justiga do of € as injustigas que triunfam sas a fsa - na tetra? A esse problema, jf levantado por Sofocles, Boe co, ainda amargo © abutido, 66 pode responder no mo- ‘mento por uma stip Rapido metorcomprtners tis Braue cau rg omonson rma abe fee res. ‘ater do unten, rtm ocesimesto des torent rebels # con eb fa plo eno pets eset owe real 0 move do iene ce £ entio que comeca verdacieiramente a maieurien da Filosofia. 0 tempo urge. Fmbora Boécio no se Inquiete com o desprenclimento do grande seahor, com 2 realila- de de sua situacio, um simbolo informa indietamente 0 leitor, Sobre as vestes da Filosofia, tecidlas com suns pro prias mics, ta como o peplos de Atena na Mada, mas que foram rasgados, podem-se ver, bordadas ox pintadas, ‘oma sobre a outra, as das letras gregas Pie "Theta, liga das pelos degraus de uma eseada, Commo most Feary Chadiwiecks, 0 Theta era entio a marca infamaate impres- sa im caine das condenaddos 2 mone, para distinguislos dos outros prisioneiros, Boécio sofret: essa qucimadura Nosimbolo que oma as vestes nspadas da Vistante, como no ver a igagao entre 2 condenagio & monte e 4 ascen- sto espirintal de que ela & © porto de patida? Com ele, fem sus prisio da alia, agora simplesmente paso, somen- leresta a Boécio a Filoseiz para partslhar a prova spre ima ¢ para camegar com ele o Theta infaamaate com que todos os homens esto snureados som saber, © equiv lente filossfico da Crvz, Na *Paixdo” de Boécio, a alta _gora da Hlosofia toma o lupar das “mulheres santas’, EO so pops. soeorre que ela veio Ihe trazer & 0 da conversdo que an- tecipa, prepara a morte ¢ Jhe di um sentido liberador. A “conversi”, para nés, ¢ um aio que repentinamente alas- ca dos ens do mundo e revela a realidade de Deus, “ca inho, verdade e vids", A Consolagdo de Boécio nos torna testomunhas de urna conversio menos misteriosa, embora igualmente completa. Aquila que, na rapide in iuttiva das conversbes religiosas, fica Implicto, alusivo, indizivel, é nesta conversio flositica, metodicamente re velado, ponte por ponto, em plena luz da ruzao, Nada que 1 Filosofia ensina a Boécio é novidade para ele. Forma do desde a adolescéncia pela escola dle fldxofos greg todos os argumentos que 4 Visitante opde 2 trsieza do ccondertado & mom Ihe slo familiares hii muito tempo, ‘Bram até entio eaciocinios armazenados na meméria, Na pris as vésperas de sua execucio, Beécio, pela vor da Tilosofia, ouve despertar em si todo esse encadeamento cesquecido de razbes, e agora estas se toma eficares, pro- ‘yocam enfim a transformacto do clhar interior e de todo ser que pasulavam desde 0 inicio, mas apenas em teo~ fia, “Tu vejo, eu sci, eu creio, eu sou dessbusada’, excla mari a Pauline de Comeille sob 0 efeito precipitado da {griga erst, A Consolacdo de Bofcio ¢ uma vasta ampli licagio desse slexandrino que resume admiravelmente to da conversdo, Mas ¢ uma amplificagao que se atém aos recursos da flosofia, ela thes atrbut o mesmo poder de ilu- rlaeae que a graga teolgiea. Se Boécio, respondendo a0 desafio da condenagi0 capital, deve tornar-se flésofo, € porque havia cessado de sé-lo, ou melhor, porque sempre o fora apenas como: doutor cm flosofia, Ao longo de sua camelta de homem de corte ede Fsado, mesmo que esta renha sido irepreen- Sivel, deixou crescer em si uma persona iluséxia, cuja Gp soot A gi ee fe - ca sobre os seres e sobre as coisas sopetou © ensinamen= (ode seus mestres: € e552 mseara, que deforma a real- de, que foi remewida fisicamente pelo infortinio. f ela que a Visitante deve antes de tudo fazer cais: a Teodort co, 86 deixars isso, Nao nos esqueramos de que a sua maiéutiea age no interior de um sonho. E esse sonho ja ¢ 0 inicio de uma cconversacao, Kle supe, com efeito, que @ alma de Boe cio ff Seia capaz, de se desligar do lugar empitico em que © homem de Estado fot encerrado, de reconhecer nele a ietafora da caverna platOnica, de se peeparat para a via- em da reminiscénca, a verdadetza patel. O sono inate _gua essa compleu mudanga de dpties & a Pilosofis apa Fece para completar seu movimento, Nessa inversio da adesto do tlusério ao real, & todo wn pensamento clés sico e helenistico que se resume ¢ se mohiliza, mas nie ima situagao tal que essa *eepeligio", que tem o sentido do ensaio part o ator de teatro, deixa de ser um discur- So escolar e se arma ato regenctaclor ¢ ltberrador. Vemos Boéclo, sonhanclo na sua pristo, clevarse, de degrau em tdegrau, 2 mesma liberdade que Pelieveto fa sua, ¢ @ lei tor francés nio reré nenuma difeuldace em eeconbecer essa espiral zscensional ern ditegio ao Sumo Bem 0 10 dela das eélebres BWAncias do ato IV cena 3: Saintes duces du Cet, ative ies, aus remiss on coeur qual vous pout recor De vos sacris ata as mes posses Ne camgotvent plus vier cut kes puisse mover Vous promette: beaucoup e dens davantage, Sas Bons ne sou pote inconstents, Ex Vevouc nips ie fatendls sxvut pew. ree ros sm ue ten don passage Pour nous intradusre au parge (Qu ous rma a jamais contents “santas doguras do Oy, admisiveis tdci, \és preenchels am coragio que vor pode reeeir, De vesses silos atativos 25 alms poswutdas Nao eoncebeam mais nada que as possa comover. Prometeis mut e das ain sas \Vorsas hens ndo so inconstantes, Ea felie mone que espero Vos serve apenas como doce passagem Para nos iottodazeD pala ‘Que nos comes contents para sempre: © sist Te 0 inicio do tiveo IL da Consokagé des exevem com efeito como um cosncio pode se esvaziar de tudo 0 que 0 ocupava indevidasnente, ‘yezes “desea lelicidade garaida, sem medida e sem fin ‘Acima da inveja eacima do destino”, de que Polieucto des- reve para Pauline 2 forca de atragto vitoriost no Ato TW, con 4 ca tragédia de Come, Hlosoia se empe- haem ctr, recoorendo 2 uma estratégia espinal de Origem estbica, 0 sentimento da infelicidade que peswa no eoragio de Doécio antes de ela aparccet. BoE pet dew as riquezas, as honrss, 0 pode, 0s praveres, que cons- nintem 2 Felicade dos homens? O que sio esses Bens qe, se posstiem o “bro do video", também cna sua "igi Tidade’? Bens perubacores e perurhades, parcais, fue gazes, mais ihusGes do que bens. Sua pers, longe des tama desgraga, é antes a maior oportunidade que pode sor dacaa un alm pata ques rena evi A coral de fey. dladeima inelinagdo, sua vocagao tiltima no se linha coma cesss“felicidades” que comprazem apenas as paixoes do compo, crganilo-o quanto 2 sua ireaidade, Mesmo a arnt zade, 0 sumo bem conhecide pelo homem antigo, nto de- ve padecer essa desprags, que isolou as verdadeiros ami: 05, ra70s, da multidao dos amigos interesseiras. Ao Hint tlessa etic impiediosa, Bosco, qe perdeu mdo, comven- cew-se de que nio perdeu nada que valha lamentar, véu de dlusbes em que acabara vivendo dissipousse du- plamente: sob os golpes cla desgraga e da condenagao & moite, € depols sob 0 aguilhto da Vistante, que expul- sur até a timas formas de fascinagio pelos bens tee restres pordidos, dor e luto. Boécio esti nu, mancado para amoite, # € nesse estado que ele pode, enfim, nascer, A essa fase negativa, 2 qual se entregaram o¢ mais proian- dos e mais graves dos modetnos (pensemos em Samic! ‘Beckest),siced-se, na Comsolagdo, um hino de Uibeeagso, A outra fase da conversa0 comecs, ¢ ela € inaugueada por ‘um grancle hino de celebragio de orciem divin 0-qut perpetua munctem rationeguchernas “Orn que govemas o unlecw seuindo uma orn tema Nao € Boécio que o entos, mas. Vistante, que, com esse poema, escancara-lhe a porta gue leva 4 harmonia ‘cera, 0 clita ilasico muda: da prctréptica moral de tt po esidico, apropriada & cunt pessoal e afetiva, passamos ‘um cegistro aparentemente mais abstato, o da todiéin de inspicagio platénica. No entaato, de um registro a ot two, a mest € seu discipmla nao cessum de recorres, et suv atdeate conversclo, a0 rigor dialética comurn 8 Aca demia, 20 Liceu, a0 Pértico, Por mais exalada que esteja pela visto da prin divina ¢ pelo desejo da verdaceira fe licidade, a alma de Boecio insiste em nfo deixar sua sa ‘ao insatisfeta, e em eliminar toctas as sombras que 0 impecam ainda de se abandonar a esse anseio de Devs. © prisioneiro, voltando a tornar-se fil6sofo, jd se bertou dda opressto gubjetiva da infelicidade que pesaya sobre seus sentides ¢ seu comgio. E preciso agora libertar-se do peso de uina divida, de gravidade diferente, que ator- -menta sua razio: 0 problema da desgraca émerecisa, em toda a sua generalidade, independente de qualquer apl- cacto pessoul e hiogrifica, Fé respondendo a essa ques- tio que a Filosofia vai comegar verdadeiramente a fazer ‘alls interior de Bogcio mudar de namo, a demove-lo da mistura das aparéncias e da realidade que confunde a propria mazao neste mundo sublunar, x ensind-io a reco- rnhever a verdade de Deus. Como pode Deus, a prdpria Bondade, a ldéa do Bem, permirem alguna parte de seu universo uma desordem tal que os inocentes sejam opti- mids ¢ 0s criminavos recompensados? 4 pergunta que Boécio ji fazia no fim de sua ‘autobiogmafia", mas desta ver enta de qualquer marca subjetiva e particulas, A ssa objewio dt avo, a Visitante responde levando 30 fexiremno @ inversio das aparéncias iniciada no Livso 1. A despraca fertesire dos Inocentes € na realidade a prova dle sua inocéncia € da sua inclusto na ordem eterna que preside 20 univers, © ulunfo dos maus #2 imagem des tes, “talhada no tecido dos sonhas”, do nao-Ser, consa- sgracio ilyséria de erro a que os levou a escolha do mal, (60 sefa, do nada. ‘Vendo as coisas de pont de vista de Deus, essas apa- renies desordens e injustiqas slo os paradoxes seianti cos resullantes, na tera, do entrelagamento da ordem de- sejsda por Dews e da Hberdade humana, absindo sem cae soos Aono da lta. ‘minho na materia sujeita 2 geraglo e & cormupgao. Eases paruloxos teniveis, a0 mesmo tempo que respeitam a I berdacle huowana, nfo afetam em nach a anguitetura @ a iisica do universo, nem seu principio divino. Na luz do Ser eterno e incomuptivel, o hem sobre a tesa € recom pensado apenas pelo fino de ser hem, pariclpande da Bondade de Deus. O mal é eastigado apenas pelo fato de ser mal, privando-se voluntartamente da bondade de Deus, , quanto mais og maus exereem viteriosamente 0 sal, mais 0 poder de que acreditam usufulr a8 mengultia na imiséria e sebabxa suas aims ao horror dos animais selva gens. A prOptia impunidace, na visto humana, da qual imaginam prevatecer, € 6 pior dos castlgos que Ihes sto reservaclos: sua ato e sta pera os aliviariain de parte dle seus crimes e hes oferevetiam ua eportunidade para espertarem para sua verdadeira condigio. Para ver des ss forma, a0 conttitio das aparéneias e da interpretag30, que « himanidade, itudida, dela nos di, € preciso terse Clevaclo finpemente ao ponto de vista sob 0 ql nae ha Ser, mio bi realidade a mito ser em Deus, ¢ no Bem que faz do universo um cosmos, F preciso tet abandonado 0 pponto de vista limitaclo que, abrargendo apenas 0 teatto terestre, pervehe nele apenas o imperio da Fortuna, cujos Nluxo © retlaxa, paiéicos ¢ absurdos, desfiam a fostiga eterna que ordena todo 0 universo. E preciso ter deixado dle estar ccgo 3 luz do Ser, que ubandone a maldade a0, honor invisvel, veriginoso, do Nao Ser. Numa férmala de sacmitivel densidade, a Filosofia declara: salem post bitatom non esse potentiam: a capacidade de fazer © mal ddeiada ans muus ado € uim poder. Hla no se enraiza na tinea realidade viva, que € 9 Bem, que é Deus, que € a ‘ordem deseftda por Dews. Ha no pode aterta contra alma humana, que, vinda de Deus, carninha part Dews. Carrase sox — prety —— (os € vitimas 96 0 S20 num feat de sombras que & preci £0 ver do outeo lado: entio, 0s catrascos 6 So de si pro Dios ¢ as vitimas sio os vencedores do grande jogo oésmi co, A luz divi os cavolve. E a Vistante trac pata Bosco lum retrato, ou melhor, uma ridiograia divina clos tanos, ‘que deveria bastar para curio de todo ressentiinento con- tea Teodoro: Quins vides sedere coos sol eulmine res ‘Purpura clans nitente soaps triste rinis (Ore lone commiantes rable cordis antos Det sigs nape rant regina cits Ja vibe tus ata dominos fore cara. Esse ris altves que ws assentidos no alta ex seus tronos. Ballance de pina, cercados de severos homens de amas Proferinda ameseas com @ semblante wv, sitando no Tfrenest de Seu coenca0, Sess sobre on eopojados desu esplentor Deixario aparcer, estes senhores, ab conentes que los prendem que eles trzem dentro de si Mas resta inca uma objeclo a ser eliminada para que ‘4 desrubada das apartncias se realize «a 12230 acabe por se render, Neste teatro do mundo, como conciliar liber: dade humana e a onipoténcia providencial de Deus? Os dois limos liveos da Consolagao sao dedicados a deser= redar essa cificuldade. A Filosofia faz Boécio reconhecer quea preseiéncia divina nao € um determinism, mas que, or isso mesmo, cla nao abandona a alma que escolheu © Bem a0s caprichos cegos da Fortuna, O ato livre nto & ‘uma ilusao, mesmo que 2 escolha do mal busque para si Albis na Fortuna e na Fatalidade, A escotha do Bem, em Sxl Acoma de font compensagiio, supeninde 0 peso do corpo ev horizonte ilusczio do cempo, € 0 proprio cxercicio da lberdade, 2 pparticipagto do homem na orem divina, seu concurs para a hatmonla irunsceaclente do universo. Sobre esta ter ra de ilusdes e provus, 0 hers eo santo, previstos mas nto predeterminados por Deus, fazem pressentir por su. i Ipersade a pleniucl fli, total, defintiva da order cosmi- ca, de quem cles forim iljadlos e westemunas no interior do tempo terest, Superata tels/Sidena conan & cerca superada/D& as cestrelas, Resta compreencer ainda essa dermbada das aparén- iss nela mesma, a possibilidade da comvemo, que re0- rlenta o dlesejo para a verdadeint felicidad, o conhecimen= to apenas para a realidade, a Wberdacle para sua verdadei- ra fonte ¢ seu inico fim. A Fils, nas kins piginas x Consotagao,desvelaa hierarqula das moxios do conhec rent: um mesto fato, aqul na terra, pode ser compreen: dido pelo dco ¢ pelo avesso, O conhecimenio pelos sen- tidos e pela imaginacio $6 mostrou os fatos em sua sin gularidade, peivados de seu sentido universal, promtos a fazer com que se conchia que a injustica se abate sobre 19 inocentes ¢ que 0 determinismo escamece das vont des humanas, © conhecimento racionl, superando esas vindes distoreidas pelo corpo e pelos meios terrestres, € capaz de se elevar 4 visio do universal e de compreen- cer a ordem cosmica ¥eladia. © conhecimemto prisionel- +10 do tempo, engansda pela sucesso fragmentad do pas- sado, do presente ¢ do foturo imedisto, & de uma ordem inferior e duséria; ha um outro conhecimento que adora sw 2 Prt sobre 0 tempo © ponto de vista da exernidade, ¢ substint a fragmentacio dos insantes por uma visio espactal e unk Fieaviora, em que tudo se junta para encontrar a plenitude de seu sentido, Nesse grat, to, partthando de ante- inilo a visio diving, pode contemplar a unidude do Bem conde se acumulavam os paradoxos da inoe2acia oprimida, dda makdade taunfante, da Iiberdade escrava do detera nism. Bogcio segue assim Tans de Balanco (Oye, D0 Os modos do tempo ¢ dos cospos 86 tem realidad pura ‘nossos sentidas fies ¢ fugidias, mas nis mesmes 9 s1- Demos por nossos pensumentos € nossos sentimentos, Quando a cegueira me ensinava as maravilbas do mundo fem que no temos muis necessidade dos semtidos para conheces, eu compreendia como, para a inteligéncia i- bertada dos Grgaos, o passado, 0 presente € 0 futuro S80 ‘contemporaincos: ass, finalmente, comeqava ase levan- tar diante de mim a cortina brilhante dos seres, dos ele- smentos, da natureza vaniada e infinita em sua admirivet wvariedade, ssa conversaco ardente e abstrata ¢ 20 mesmo tem- po conversio ¢ teodictia, Pl termina bruscamente, sez conclusto. O silencio sabito € 2 maneiea mais cleganre ude despedir as testemunhas; todos se separam, © homem: Boscia se retia para se entregar a una aco indeceate © muito pessoal: seu dliimo suplicio; a alma de Boscia 130 tem mais necessidade de palavras para entrar na pasa gem eselse que 0 didlogo sonhado com a Filosofia the abr € entregou; cumpre aos letores meditar esses dois conteciments, invisveis por motives bem diferentes, Es- se pudor, que contrasta com expressiio da agonia 8 qual a are religiosa desde entio cedeu com tanta frequgaia, faz-nos compreender uma das regras da tragédia clissica _ eames ds feta, = frances: evitar mostrar a morte, violenta ou nido, em ce- na, Fle nos fv compreender umém por que o maior pine tor francés, o mais clissica de tedos, evita pintar, nto quanto possivel, as ascensoes das alimas a0 Céu. O de saste fisiol6gico da mone est aquém da arte felicidad a alma, Hlosofics ou religiosa, eset akém. A Consolagdo de Boscio indica e respeita os limites no interior ios quais a lingnagem pode sustenlar © seguir © fhomem em face dos seus ttmnos fs. ‘A consolacdo da Plosofia é urn dos grandes clissicas aque muttiram o pensamento e a litertura europeus, LE Ja € ouvir umta vor familiar que obsas-primas mais rece ‘ws trouxenum até nds, J6 ckel Come, €precso também citar Shakespeare, o de Medida por medida e de Ricardo 4. Ua dos textos fundadores da Renascenca, 0 De reme- diss trtusiue forsinae de Petsatca, listo de cabeceira dos hunnanistas dos séculos XV = XVI, é wma parifrase da Consalagdo, Mas como deixar de citar @ Pascal dos Pen samenns, qe retorts # antbigio floséfica de Boscio sem ccontudo poder leviclt a termo: confundir a razdlo humma- nia por seus proptios poderes ¢ fazé-la voltar a Deus? & ‘9 métado, € a propria vor de Boscio que reconhecemos estas famosas Tins “en verdads, nio estareis nos pra- zeres peastilemtos, nem a glGria nem nas delicias, may caso nao tericis outros? Digo-vos que ganhareis com eso nest vida e que, a cada passo que derdes neste cami- iho, vereis tanta certeza do ganho, ¢ nto do nacla que arriscais, que sabereis no final que apestustes por uma coisa certs, infinita, pela qual nao destes nada.” Ler Boe: ‘io tandem relera obra-prima da lingua francesa, as Me rir le alim-tinado, Sabo ven de Maia que 0 Ercan tador estende, suas paisagens quadros hisiéricos, Seus swt Profits c1ratos ¢ seus didlogos, & 0 mesino aparato da alma des- vvencithada da tera, jf luminada, mas ainda pres, €que se divige & patria divina que, sozinha, intoduz amor, ver- dade e beleza no fluxo ilus6rio do tempo. Que dizer da “atualidade” de Boécio no nosso séeulo, em que: a fero- dade dos trans, os sofimentos dos nines estio mais, espalhados e so mais insolentes ainda que no século ¥ de Teodlorico? © softimento dos inacentes, selo de cruckdade dos smaus, & mais “visivel” do que eno, mais obsedante em ceerios sentids, mas também mais “hanalizado”. Porém, ‘entre as quateo pasedes cle wm univers sem pano de fundo, ele nto coloca mats as questbes da justiga divina fou da lberdade humana. Ele nos eoloca diante de nos- sas scatimentos de vingnnca impotenie, de nossa boa von- tade limitads, de nosso hedonismo privado de alegria, de noses alibis idcolégicos. As ohms mais importantes deste meio século, Beckett, Giacomett, Sljenitsyn pos ins= tam a levar essa frouxa consciéncia pesada 2 consciéncia ngica, Bodin, com toda a tradigio que traz consigo, nos cconvida a fazer dessa consciéncia trigica 0 inicio de uma ccomverso, Se continuamos senda prisioneinos da caver- ri, se 0 pano de fundo do espeticulo no mudou, ape. sar de unta cuforia de encomenca, o eaminho de conhe- Cimento e da libertagio mio continua sendo o mesmo? cesirunho que a historia da flosofia, das sociedades, das tecnicas, que fizeram tudo “evolu”, deixern-nos anda ler 14 Gonsolagdo, depois de quatorae séculos, como se ela Fosse dirgida a nés, como se hoje ela fosse até de uma Mare Pumarcis

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