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1 Mestre e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará; Keywords: Norbert Elias. Philippe Aries.
Professor na Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará e
Pesquisador associado ao Núcleo de Estudos em Religião, Cultura e Política loneliness of the dying. death. Social
da Universidade Federal do Ceará Science and Medicine.
Época Medieval, a morte era menos oculta um moribundo passou a ser “contagioso”,
e mais familiar: portanto, só resta afastar-se para não
se contaminar. Assim, a separação
A vida na sociedade medieval era involuntária ou não, a que os moribundos
mais curta; os perigos, menos são submetidos, provoca neles a sensação
controláveis; a morte, muitas vezes de não pertença e de exclusão.
mais dolorosa; o sentido da culpa e o
medo da punição depois da morte, a Este afastamento silencioso,
doutrina oÞcial. Porém, em todos os semiconsciente ou não, dos vivos em
casos, a participação dos outros na relação aos moribundos perdura mesmo
morte de um indivíduo era muito mais após a morte. As tarefas e objetos para
comum. 5(p. 23) os funerais são deixados a cargo de
empresas especializadas, quando outrora
A morte, portanto, era mais pública em eram atividades executadas pela própria
épocas antigas, não existindo uma censura família. A memória do morto pode continuar
social, como ocorre hoje. A interdição permeando o ambiente familiar, mas os
da morte no contexto social afasta os corpos mortos e as sepulturas foram
moribundos do convívio comunitário e destituídos dos sentidos que em épocas
familiar, para morrerem em conÞnamentos passadas lhes eram conferidos9.
dos hospitais, em condições mais
higiênicas, mas em profunda solidão. Elias destaca o papel da memória
dos mortos para os vivos presentes ou
O sentimento vigente em nossos dias, futuros. Muitos vivos, querendo deixar
que exclui a morte e os moribundos da vida uma marca de sua existência para ser
social, desnuda a falência dos velhos rituais lembrada pelas gerações futuras, se
de pesar e suas convenções padronizadas, debruçam de forma incansável em criar e
as quais favoreciam o enfrentamento das realizar. Isso nem sempre é uma atividade
condições emocionais de luto. Os novos consciente, porém desvenda o medo da
rituais, na presente etapa civilizatória, morte, da Þnidade do esquecimento. As
manifestam a incapacidade de muitas gerações futuras julgarão o que deve ou
pessoas expressarem seus sentimentos não ser lembrado das épocas anteriores,
e emoções na vida pública e até mesmo pois “quando a cadeia da recordação
privada. Portanto os rituais religiosos de é rompida, quando a continuidade de
morte aliviam as angústias dos crentes, uma sociedade particular ou da própria
pois estes sentem que outras pessoas sociedade humana termina, então o
estão preocupadas com eles. Já os rituais sentido de tudo que seu povo fez durante
seculares, aludidos anteriormente, foram milênios e de tudo o que era signiÞcativo
destituídos de sentido, quando interditavam para ele também se extingue”5(p.41). Assim,
veladamente as excessivas demonstrações há mútua dependência entre as gerações,
de sentimento. cuja compreensão atual é obstaculizada
pela recusa na aceitação da Þnitude da
No atual estádio civilizatório, como vida individual.
ensina Elias, as pessoas quando estão
próximas aos moribundos são incapazes Elias ainda indica que a consciência
de demonstrar afeição e carinho, mediante da Þnitude do homem é muito antiga,
um toque de ternura. Tocar e acariciar8 mas a forma de encobri-la mudou com o