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MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO MARÇO

98

ANO 6 • N º 1 • MARÇO 1998 1


Tiragem: 35.000 exemplares

MUNDO
Geografia e Política Internacional

REVERSÃO DOS FLUXOS DE


CAPITAIS PROVOCA
PÂNICO GLOBAL
A passagem do primeiro milênio foi sacudida por terríveis pressá-
gios, profecias catastróficas que vaticinavam o fim dos tempos. Há pou-
cos meses, o desastre financeiro e monetário que varreu a Ásia inaugurou
a temporada de angústias de mais uma travessia milenar. Seriam as traves-
suras do capital globalizado sinais da ira dos deuses ?
Num plano mais terreno, a reversão dos fluxos de capitais, que des-
de o início da década irrigavam os Tigres e a sua prole crescente, abala
crenças consolidadas. Na Ásia do leste e sudeste, dizia-se, estava em curso
um experimento de “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. O mo-
delo de plataforma de exportação, inventado nas cidades-Estado de Hong
Kong e Cingapura e difundido para a Coréia do Sul e Taiwan, impregna-
va países mais populosos, como a Tailândia, a Malásia e a Indonésia. Tudo
que era por ele tocado, transformava-se em ouro. O século XXI seria,
certamente, o do Pacífico. O desmoronamento cataclísmico, que ainda
continua, conta uma outra história.
Leia a análise de Gilson Schwartz às págs. 6 e 7
© Koji/AP-AJB

E mais ... Sem Estado


Na Argélia, a dupla violência do terror islâmico e dos militares já vitimou 70
■ Mundo e Texto&Cultura lançam o Concurso de Redação. Participe ! mil, numa guerra sem sentido ou fim previsível. Mas a Argélia é apenas mais um
Pág. 2 dos territórios assolados pelo colapso das instituições políticas, fenômeno que se
■ O Editorial celebra a prova de Geografia da Fuvest, que ousou e acertou. difunde na África, Ásia e Bálcãs. A Argélia dos degolados está na pág. 4. O
Pág. 3 fenômeno das terras sem lei, na pág. 5.
■ Grécia e Turquia voltam a conversar sobre o futuro de Chipre. Atrás
das negociações, encontram-se a OTAN e a União Européia.
Pág. 3
■ Diário de Viagem: É possível percorrer o mundo todo sem sair de casa.
A fantasia e a imaginação geográfica substituem qualquer pacote
turístico.
Pág. 11
© Antonio Ribeiro/Gamma-Keystone

Nessa edição, Mundo inaugu-


ra uma nova seção. Brasil, E B R A SIL
D NO
500 Anos vai enfocar as do-
res, os mitos e os projetos bra-
S
NO

sileiros, quando se anunciam


UN
5 00 A

as comemorações do quinto
século do “Descobrimento”.
DO

A primeira matéria aborda o


desflorestamento da Amazô-
Com Deus
nia. Acompanhando-a, O No seu périplo cubano, João Paulo II distribuiu, em doses iguais, críticas ao
Meio e o Homem radiografa comunismo e ao neoliberalismo. Newton Carlos visualiza uma nova orientação
o Pacto Amazônico. da política mundial do Vaticano, no pós-Guerra Fria. Leia a análise, à pág. 8. A
Pág. 10 passagem do papa pela ilha de Fidel, fervilhando no compasso das reformas de
mercado, teve drama, emoção e sons caribenhos. Leia a reportagem, à pág. 9.
MARÇO
MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO • PANGEA • MUNDO
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2
Esta seção acolherá cartas de
alunos e professores contendo
O espírito do Senhor enviou-me
sem fronteiras opiniões e críticas não apenas a
respeito dos assuntos tratados no
para anunciar aos cativos a
boletim, mas também sugestões liberdade. Sim, livres ! Nessa
sobre sua forma e conteúdo.
Só serão aceitas cartas portando o
liberdade para a qual o Senhor nos
nome completo, endereço libertou.
telefone e identidade (RG) do (João Paulo II, em homilia na Praça da Revolução, em
remetente.
Havana, O Estado de S. Paulo, 26/1/1998, pág. A15)
A redação reserva-se o direito de
não publicar cartas, assim como o
de editá-las para sua eventual Improvisando sobre o Evangelho de São Lucas, o papa quase transformou seu último sermão em Cuba
publicação. num comício político, no lugar celebrizado pelas imensas demonstrações lideradas por Fidel Castro.
Entre as piadas que circulavam em Havana, uma dizia que o papa queria visitar Cuba para conhecer o
Somos o The World News Inc., um jornal ame-
inferno em primeira mão. Outra, inspirada numa declaração de Fidel, que se comparava a um santo
ricano editado em português, distribuído no Brasil,
defensor dos pobres, propunha ao papa que crucificasse o presidente cubano.
Orlando, Miami, Nova Iorque. Solicitamos a per-
missão para reproduzir matérias do Mundo em nos-
sas edições quinzenais. Nos comprometemos a di-
vulgar juntamente os créditos e fonte de pesquisa. Mundo e Texto&Cultura lançam Concurso de Redação !!!
Consideramos de vital importância colocar as infor- Agora só falta você...
mações contidas nestas páginas ao alcance de nossos
leitores residentes em várias comunidades brasilei- 1. Objetivo do concurso
ras. Não pertencemos a associações, partidos políti- A preocupação do concurso de Redação é estimular o hábito do contato com o texto e, assim, contribuir
cos ou entidade alguma que possa tolher nossa liber- para o processo de formação de massa crítica no Brasil. Para que o concurso se desenvolva bem, é essencial a
dade de informação. Esta neutralidade nos transfor- colaboração do professor, especialmente o da área de Comunicação e Expressão. Como veremos adiante, as
mou em um jornal cujo dever principal é o de infor- normas do concurso prevêem a participação ativa do mestre. Então, mãos à obra !!!
mar corretamente os brasileiros que vivem na Amé-
rica e também nossos assinantes no Brasil. 2. Tema da Dissertação
(Thereza Santo, Editora, Orlando, Fl.) Leia a coletânea abaixo, extraindo dela subsídios para a construção de um texto a respeito do seguinte tema:
“Brasil: 500 anos entre a floresta e a escola”.
Visite nosso site na Internet
1- “No ano 2000 o Brasil comemora, além da passagem do século e do milênio, quinhentos anos do seu descobrimen-
Se você é assinante dos boletins Mundo, to. (...) A sobrecarga de presságios desencadeada por uma tal conjunção combina bem com a psicologia de uma
Texto&Cultura ou Ulysses, temos uma boa notícia: nação falhada que encontra razões para envergonhar-se de um dia ter sido chamada de ‘país do futuro’. O Brasil é
você tem livre acesso a todos os serviços oferecidos o outro gigante da América, o outro melting pot de raças e culturas, o outro país prometido a imigrantes europeus
pelo nosso site na Internet. e asiáticos (...). O epíteto de “gigante adormecido’, aplicado aos Estados Unidos pelo almirante Yamamoto, será
À página Fato em Foco, você encontrará aná- tomado por qualquer brasileiro como referente ao Brasil, e confundido com o já considerado agourento ‘deitado
lises atualizadas de fatos importantes da conjuntura eternamente em berço esplêndido’ da letra do Hino Nacional.” (Caetano Veloso, no livro Verdade Tropical).
geopolítica e cultural internacional. Além disso, você
poderá consultar os nossos arquivos, com edições de 2- “...Acenda todas as velas ! Economia em regressão. As grandes empresas estão voltando à tração animal ! Estamos
anos anteriores. E mais ainda: você poderá expressar ficando um país modesto. De carroça e vela ! Também já hipotecamos tudo ao estrangeiro, até a paisagem ! Era o
suas dúvidas e opiniões através de nosso Fórum. Faça- país mais lindo do mundo. Não tem agora uma nuvem desonerada. (...) A Amé-ri-ca - é - um - blefe !!! Nós todos
nos uma visita! mudamos de continente para enriquecer. Só encontramos aqui escravidão e trabalho ! Sob as garras do imperialis-
O endereço: http://www.uol.com.br mo ! Hoje morremos de miséria e de vergonha ! Somos os recrutas da pobreza ! Milhões de falidos transatlânticos !
Clique na seção Jornais e depois na seção Mundo Para as nossas famílias, educadas na ilusão da Amé-ri-ca, só há a escolher a cadeia ou o rendez-vous ! Há o
suicídio também !” (Abelardo I, personagem da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade).

3- “Oswald através de uma simbologia rica nos mostra O Rei da Vela se mantendo na base da exploração (...), do
conchavo com a burguesia rural, com o imperialismo, com o operariado etc, para manter um pequeno privilégio
(não é o rei do petróleo, do aço, mas simplesmente o da mixuruca vela). Toda essa simbologia procura conhecer a
realidade de um país sem História, preso a determinados coágulos que não permitem que essa história possa fluir.”

MUNDO (Do diretor teatral Zé Celso Martinez Corrêa, sobre a peça).

4- “Cada vez mais o litoral encurrala o sertão, especializando-se em inépcia à medida que este se especializa em
miséria moral e ignorância. O beco é sem saída. A República, feita para uso e gozo de sua mediocridade rapinante,
E X P E D I E N T E não resolve problemas sociais. Digere. Joga pôquer. Percebe porcentagens. Não lhe sobram olhos (...).” (Monteiro
Lobato, escritor pré-modernista, em A onda verde).
MUNDO - Geografia e Política Internacional é uma publicação
de Pangea - Edição e Comercialização de Material Didático LTDA.
5- “Ao longo das praias brasileiras de 1500, se defrontavam, pasmos de se verem uns aos outros tal qual eram, a
selvageria e a civilização. (...) Nada é tão continuado, tampouco é tão permanente, ao longo desses cinco séculos, do
Redação: Demétrio Magnoli (Editor), Nelson Bacic Olic (Carto- que essa classe dirigente exógena e infiel a seu povo. (...) Tudo, nos séculos, transformou-se incessantemente. Só ela,
grafia), José Arbex Jr., Jayme Brener. a classe dirigente, permaneceu igual a si mesma, exercendo sua interminável hegemonia. Senhorios velhos se suce-
Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779) dem em senhorios novos (...), numa férrea união super-armada e a tudo predisposta para manter o povo gemendo
Revisão: Paulo César de Carvalho
Diretor Comercial: Cristina Carletti e produzindo.” (Darcy Ribeiro, antropólogo, na obra O Povo Brasileiro -A formação e o sentido do Brasil).
Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise
Endereço: Rua Romeu Ferro, 501, São Paulo - SP. 6- “O Brasil não tem vocação para a mediocridade.” (Lúcio Costa, urbanista).
CEP 05591-000. Fone: (011) 2104069 - Fax: (011) 8701658 -
E-mail: pangea@uol.com.br
Distribuidores:
3. Regulamento do concurso
Rio Grande do Sul: Euler de Oliveira. Fone: (051) 2468732 - Fax: As escolas conveniadas receberão um regulamento detalhado. Divulgamos, abaixo, os principais tópicos:
(051) 3434466. Bahia: Alitônio Carlos Moreira. Fone: (071) • Podem participar todos os alunos de 2º Grau das escolas que assinam Mundo ou T&C. Cada escola poderá
3713979 - Fax: (071) 3320277. Santa Catarina: Roberto Lima. enviar até três redações. Tomamos a liberdade de sugerir que as escolas realizem um concurso interno de
Fone: (048) 9726249. Mato Grosso do Sul: Gilda Falleiros. Fone e seleção. Só receberemos os trabalhos indicados pelas escolas. Serão aceitas as redações recebidas na sede de
Fax: (067) 3829456. Pará: José Milton Morais. Fone: (091)
2498184. Maranhão: João José Campos. Fone: (098) 2381842 - Pangea, em São Paulo (v. endereço no Expediente), até o prazo de 10 de julho de 1998.
Fax (098) 2381736. • As dissertações deverão ter até 40 linhas (atenção: o título é obrigatório). Cada escola receberá três formulári-
Colaboradores: Newton Carlos, J. B. Natali, Nicolau Sevcenko, os, para a transcrição dos textos escolhidos. Adequadamente preenchidos -com letra legível !-, deverão ser
Gilson Schwartz, Rabino Henry I. Sobel, Hassan El Emleh (Fed. remetidos à sede de Pangea. Este formato é obrigatório, inclusive para garantir o sigilo.
Palestina do Brasil) e as ONGs Anistia Internacional e Greenpeace.
Homepage: http://www.uol.com.br Link Mundo
• Os trabalhos serão avaliados por uma Comissão Julgadora integrada por professores de Comunicação e
Expressão de reconhecido saber e experiência no ensino médio. Sua composição será divulgada oportuna-
Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos assinaturas indivi- mente. Os autores das cinco melhores redações serão premiados por Pangea e empresas que patrocinam o
duais. Exemplares avulsos podem ser obtidos nos seguintes endere- concurso. Os prêmios serão divulgados brevemente.
ços, em SP: • A redação vencedora será publicada e comentada nas sextas edições de Texto & Cultura e Mundo (final de
• Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad) - Prédio do
Depto. de Geografia e História - USP outubro). Importante: todos os autores concedem a Pangea o direito de publicação das redações, sem remuneração
• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900. autoral, no próprio boletim ou sob outra forma. Os trabalhos enviados não serão devolvidos.
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E D I T O R I A L 3
HÁ DOIS ANOS, O EDITORIAL A FUVEST OUSOU. A SUA PROVA IUGOSLÁVIA DESPEDAÇADA. PAULISTA”. A USP, PRINCIPAL UNI-
DE MUNDO LASTIMAVA A PROVA DE DE 1998 É UMA DECLARAÇÃO DE AMOR MUNDO NÃO TEM MEDO DE FA- VERSIDADE DO PAÍS, DEFINE PARÂ-
GEOGRAFIA APRESENTADA PELO VES- À GEOGRAFIA. AS ABORDAGENS DA SO- ZER A CRÍTICA NO TOM QUE AS CIRCUNS- METROS QUE REPERCUTEM EM TO-
TIBULAR DA FUVEST DE 1996, CLAS- CIEDADE E DA NATUREZA ESTÃO INTE- TÂNCIAS EXIGEM. HÁ DOIS ANOS, ACU- DAS AS REGIÕES, INFLUENCIANDO O
SIFICANDO-A COMO CELEBRAÇÃO GRADAS E SE REFLETEM NO ESPELHO DA SAMOS A FUVEST DE “RELEGAR A GEO- ENSINO SUPERIOR E O ENSINO MÉ-
DOS “MANUAIS DE GEOGRAFIA DES- CARTOGRAFIA. A LENTE DA GEOGRAFIA GRAFIA À CONDIÇÃO DE DISCIPLINA DIO. COM ESSA PROVA COMOVENTE,
CRITIVA DO TEMPO DOS NOSSOS POLÍTICA FILTRA INFORMAÇÕES SÓCIO- DESCARTÁVEL” E DE “SABOTAR O ESFOR- A FUVEST ASSUMIU A SUA RESPON-
PAIS”.HÁ UM ANO, OUTRO EDITO- ECONÔMICAS E AMBIENTAIS. OS FENÔ- ÇO IMENSO DE RENOVAÇÃO DO ENSINO” SABILIDADE. ELA REFERENDOU A
RIAL AVALIAVA A PROVA DE 1997 MENOS DA GLOBALIZAÇÃO TRANSPARE- DA DISCIPLINA. AGORA, É DEVER DE JUS- PRÁTICA COTIDIANA DE MILHARES
COMO UM NOTÁVEL AVANÇO, MAS CEM NA DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRI- TIÇA CUMPRIMENTAR A MESMA FUVEST, DE PROFESSORES QUE, NAS SALAS DE
ASSINALAVA QUE, APESAR DISSO, CON- AL, NA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA, NOS QUE OFERECE UMA PROVA IRRETOCÁVEL AULA, FAZEM DA GEOGRAFIA UMA
TINUAVA DISTANTE DAS EXPECTATI- BLOCOS REGIONAIS, NO COMÉRCIO - UM MERECIDO PRESENTE DE FIM DE GRAMÁTICA DO MUNDO, UM INS-
VAS. NÓS DIZÍAMOS: “TODOS ESPE- MUNDIAL E NAS MIGRAÇÕES INTERNA- ANO AOS PROFESSORES DEDICADOS E TRUMENTO DE FORMAÇÃO DA CI-
RAM QUE A FUVEST OUSE. QUE ELA CIONAIS.E MAIS: A PROVA DA FUVEST, COMPETENTES, AOS ESTUDANTES CAPA- DADANIA. E REPROVOU SEM DÓ OS
PRODUZA PROVAS MELHORES E MAIS ANTENADA COM O MUNDO CONTEM- ZES DE INTERPRETAR O TEXTO IMPRESSO ARAUTOS DA “ GEOGRAFIA ” DE
CRIATIVAS QUE AS OUTRAS, DITAN- PORÂNEO, TRAZ A RÚSSIA PÓS-COMU- NO ESPAÇO GEOGRÁFICO. ALMANAQUE, SENTINELAS DE UMA
DO O RITMO DE RENOVAÇÃO DO NISTA, A INCORPORAÇÃO DE HONG OS EXAMES VESTIBULARES DA TRISTE TRADIÇÃO, AVESSA AO CON-
ENSINO DE GEOGRAFIA”. KONG PELA CHINA, AS FRONTEIRAS DA F UVEST NÃO SÃO UM “ ASSUNTO CEITO, À CURIOSIDADE E À CRÍTICA.

OTAN e UE tentam costurar


acordo para Chipre
“ Qualquer que seja o vencedor
dessas eleições, nada mudará para nós”.
CHIPRE E O
MEDITERRÂNEO
ORIENTAL
CHIPRE: A ILHA DIVIDIDA quadro de coope-
ração entre a Gré-
A adesão turca à UE tem sido
adiada há duas décadas. Os europeus
Essa foi a reação de Rauf Denktash, lí- MOLD. RÚSSIA
cia e a Turquia. enxergam a Turquia como parte do
der da auto-proclamada República ROMÊNIA O potenci- mundo muçulmano e criticam a repres-
Turca do Norte do Chipre, diante das IUGOSLÁVIA MAR
Nicósia al geopolítico da são à minoria curda. Mas o país funci-
NEGRO
eleições presidenciais de fevereiro no BULGÁRIA Grécia reside na ona como ponte insubstituível entre o
Chipre. Ela parece indicar que os tur- MAC.
1 sua dupla identi- Ocidente e o Oriente Médio, onde de-
ALB.
co-cipriotas insistirão na partição for- 2 Área de população
dade, européia e
República Turca do norte de Chipre
senvolve colaboração técnico-militar
GRÉCIA TURQUIA majoritariamente greco-cipriota (não reconhecida internacionalmente)

mal do país, frustrando as esperanças balcânica. Mas, com Israel, e tornou-se um poderoso
do Ocidente num acordo de paz. 1 durante a Guerra ESTREITO DE
BÓSFORO
ímã para as repúblicas ex-soviéticas da
SÍRIA
Chipre é uma pequena ilha, com 9.250 da Bósnia (1992- Ásia Central, ricas em petróleo, que
CHIPRE
km2 e cerca de 750 mil habitantes, lo- MAR MEDITERRÂNEO
LIBANO
2 95), ela funcio- ESTREITO DE
DARDANELOS
querem escapar à influência exclusiva
calizada no Mediterrâneo oriental (veja ISRAEL nou como obstá- da Rússia.
JORDÂNIA
o Mapa). Na sua aparente insignificân- 3 culo interposto Há um ano, a Grécia sugeriu
LÍBIA 3 CANAL DE
SUEZ
EGITO
cia, constitui fonte de aguda dor de ARÁBIA
SAUDITA
entre o Ocidente que a UE considerasse a candidatura
cabeça que atormenta Washington há e os Bálcãs. De de Chipre ao bloco. Era uma brilhante
24 anos: o estado de beligerância la- um lado, por bai- iniciativa diplomática, destinada a co-
tente entre a Grécia e a Turquia. pão, enquanto os turco-cipriotas pro- xo do pano, permitiu o trânsito de su- locar a Turquia na encruzilhada. Op-
Povoada por gregos, mas domi- clamavam um Estado autônomo, só primentos militares para a Sérvia. De tando por um acordo sobre Chipre, a
nada pelo Império Otomano entre reconhecido pela própria Turquia. outro, multiplicou atritos diplomáti- Turquia estaria abrindo caminho para
1570 e 1878, Chipre é habitado por O Mediterrâneo oriental apre- cos com a Albânia, a Macedônia e a o ingresso da ilha na UE e, talvez, para
78% de gregos étnicos, cristãos orto- senta tradicional interesse estratégico. Bulgária, países com significativa po- a sua própria e tão sonhada adesão.
doxos, e 18% de turcos étnicos, mu- Os petroleiros provenientes do Golfo pulação muçulmana. No fundo, a Gré- Optando pela discórdia, selaria o seu
çulmanos. Em 1974, a Grécia, sob re- Pérsico e do Canal de Suez o atraves- cia temia a expansão da influência tur- isolamento e ainda correria o risco de
gime militar, estimulou uma tentativa sam antes de chegar aos portos da Eu- ca na região. A política grega está mu- ver a porção greco-cipriota da ilha ser
de golpe em Chipre dos defensores da ropa Ocidental. A frota russa no Mar dando. Ela cortou laços com os sérvios, aceita no bloco. As eleições em Chipre
enosis - a reunião com a “mãe-pátria”. Negro o alcança depois de navegar pe- participou das forças da ONU que pa- são o prosseguimento dessa estratégia.
Foi o sinal para a intervenção militar los estreitos de Bósforo e Dardanelos, cificaram a Albânia, tornou-se o mai- Agora, de olhos postos na Turquia,
da Turquia, que ocupou o terço seten- controlados pela Turquia. Este país re- or investidor na Macedônia e na americanos e europeus esperam uma
trional da ilha. A mediação da OTAN, presentou o pilar principal do flanco Bulgária. E - grande surpresa ! - o seu postura flexível dos turco-cipriotas.
integrada tanto por gregos como por sul da OTAN durante a Guerra Fria. ministro do exterior defendeu recen- Afinal, a ilha minúscula é uma chave
turcos, evitou a guerra. Depois, forças Com o fim da Guerra Fria, tornou-se temente a candidatura da Turquia à da porta que separa o Ocidente do
da ONU estabeleceram uma zona-tam- ainda mais importante estabelecer um União Européia (UE). Oriente.
MARÇO
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4 Estados em decomposição, terras sem lei

Argélia, tempos de barbárie


É abrir os jornais e constatar. Não passa uma
semana sem que haja um massacre na Argélia. Cerca
Trinta milhões de argelinos são reféns
da guerra entre um governo ilegítimo e
de 70 mil pessoas já foram mortas, quase sempre extremistas muçulmanos, que já matou
degoladas barbaramente, desde 1992. A média é de 70 mil pessoas
40 mortes por dia. O discurso oficial põe a culpa nos
extremistas muçulmanos do Grupo Islâmico Arma-
do (GIA), hostil ao governo do presidente Liamine

© Benito/Gamma-Keystone
Zeroual. A verdade é que há no país uma guerra civil
entre um governo ilegítimo e facções islâmicas que
rejeitam qualquer diálogo - até com as principais for-
ças políticas representativas da população muçulma-
na. Os massacres são cometidos pelos dois lados. E
os 30 milhões de argelinos são reféns de vinganças
assassinas. Marginalizada, a FIS lançou uma campanha O banho de sangue gerou sua própria lógica.
A guerra explodiu em 1992, depois que o go- terrorista contra alvos do governo. Seus militantes Um comando do GIA escolhe uma aldeia em que
verno anulou eleições legislativas vencidas pela Frente vinham das camadas mais pobres da população, os vivem meia dúzia de militares. No ataque, eles, suas
Islâmica de Salvação (FIS). Os vencedores prometiam órfãos do modelo econômico. Formaram-se vários famílias, vizinhos e amigos são degolados para “dar o
abolir os partidos rivais e instalar um regime inspira- grupos guerrilheiros, entre eles o GIA. O grupo ob- exemplo”. Ou então o alvo é uma aldeia berbere (veja
do nas leis islâmicas. Mas houve um golpe de Estado teve o apoio do Irã e a adesão de centenas de antigos o Box), suspeita de colaborar com o governo. Dias
“preventivo”, tolerado pela União Européia - princi- voluntários argelinos, que cerraram fileiras com a guer- depois, é a vez do exército ou dos esquadrões da morte
palmente a França. Temia-se que um Estado islâmico rilha muçulmana contra os soviéticos, na guerra do paramilitares se vingarem. Em outubro de 1997, a
fundamentalista na Argélia, similar ao Irã dos aiato- Afeganistão, nos anos 80. Em junho de 1992, a guer- FIS anunciou a suspensão unilateral da luta armada,
lás, contaminasse outros países do Maghreb, como o rilha islâmica matou o presidente Mohammed depois de um ataque na região de Blida, aparente-
Marrocos e a Tunísia. Boudiaf. Foi o sinal para o início de uma intensa cam- mente cometido pelo GIA, que matou 200 civis. Os
Isso poderia ferir interesses econômicos. A panha repressiva contra a maioria muçulmana. O go- dirigentes do GIA acusaram a Frente Islâmica de “trair
França traz da Argélia um terço do gás que consome. verno armou mais de 150 mil civis, enquanto boa parte a revolução”. O governo do presidente Zeroual es-
Um gasoduto de 1.400 quilômetros, inaugurado em de seus 500 mil soldados dedicavam-se a proteger fregou as mãos de contentamento. Nada melhor do
1996, atravessa o deserto argelino levando combus- gasodutos, refinarias de petróleo e instalações de em- que a ameaça do “terror islâmico”, para justificar seu
tível à Espanha e Portugal. O governo francês temia presas estrangeiras no país. O serviço secreto argelino reinado.
também que a militância islâmica alcançasse as suas também tomou suas providências, infiltrando agentes
fronteiras. São quase 800 mil argelinos e descenden- no GIA e organizando massacres bárbaros, logo atri-
tes vivendo na França. buídos aos “terroristas muçulmanos”.

LUTA ANTICOLONIAL OS BERBERES


Um em cada cinco argelinos se diz tamazight,
ou berbere. Trata-se de uma população não-árabe, pos-
A luta pela independência da Argélia foi um dos capítulos mais sangrentos do processo de descolonização.
sivelmente de origem ariana, que vive em enclaves no
O comando do movimento era da Frente de Libertação Nacional (FLN), então muito influenciada pelo pan-
norte e no sul do país. Os colonizadores franceses trata-
arabismo e pelo pan-africanismo, correntes que buscavam unificar o mundo árabe e a África, contra o domí-
ram de aprofundar a divisão entre eles e a maioria ára-
nio político e econômico do Ocidente.
be. Em sua maioria, os berberes são muçulmanos sunitas
Em 1956, a FLN iniciou a luta armada contra a ocupação francesa. Além do exército da metrópole, os
(como o restante dos argelinos). Mas, desde a indepen-
nacionalistas enfrentavam também grupos paramilitares formados pelos pieds noirs (pés-negros), os colonos
dência, os berberes vêm fornecendo os maiores contin-
franceses. Só em 1962, quando mais de um milhão de pessoas haviam sido mortas, é que o governo da França
gentes para os partidos que lutam por um Estado laico,
reconheceu a independência da Argélia, que passou a ser presidida pelo líder da FLN, Ahmed Ben Bella.
onde política e religião funcionem em esferas diferen-
Socialista, Ben Bella propunha um Estado laico, onde convivessem vários partidos políticos, e próximo
tes. Até o golpe militar de 1992, eles mantinham um
ao bloco soviético. Mas sem vincular-se totalmente às diretrizes de Moscou. O novo regime chegou a receber
forte movimento que reivindicava o reconhecimento
brasileiros exilados pelo regime militar pós-1964, como o atual governador de Pernambuco, Miguel Arraes.
do tamazight como segundo idioma nacional.
Em 1965, o ministro da Defesa, Houari Boumedienne (1925-78), liderou um golpe militar que impri-
miu rumos mais autoritários ao Estado argelino. O regime ditatorial permitiu que a burocracia da FLN se
beneficiasse dos gordos contratos de exploração de gás e petróleo, assinados com empresas estrangeiras. Apesar
da amizade com Moscou, Boumedienne retomou contatos com a França. Hoje sabe-se que, até a morte do
presidente, a França manteve, em pleno deserto do Saara argelino, um campo de testes de armas químicas. SERVIÇO:
O descontentamento popular passou a ser canalizado pelos religiosos, espalhados pelas mesqui-
tas das casbahs (os bairros tradicionais) empobrecidas. A gritaria aumentou nos anos 80, quando sucessivos A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo,
planos de ajuste econômico, para deter a inflação, aumentaram o desemprego. O governo reagia às greves e Argélia/Itália, 1965. O filme, que se
passeatas com tiros e cacetadas. A Frente Islâmica de Salvação foi criada em 1989 e, rapidamente, transfor- tornou clássico, aborda um dos episódios
mou-se no pólo de aglutinação anti-regime. principais da Guerra da Argélia.
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Estados em decomposição, terras sem lei 5

Bandos armados assolam


territórios sem Estado
Q uem é o presidente do Brasil?
Qualquer cidadão brasileiro tem o dever
Na África, Ásia e Bálcãs, a falência das instituições ou ocolapso têm profunda influência. Já no Afega-
nistão, grupos muçulmanos lutam entre
do poder central geram guerras sem fim, cobrando tributo em
de saber a resposta, sem qualquer dúvida mortos e refugiados si desde que Moscou encerrou dez anos
ou ambigüidade. Mesmo aqueles que se de ocupação do país, em 1989. Na Ásia
situam politicamente no campo da opo- de acordo, o edifício político-institucional dada. Claro que há exceções importan- do Pacífico, é o Cambodja que enfrenta
sição ao governo federal serão obrigados jamais foi restabelecido. tes, como a África do Sul pós-apartheid, as maiores dificuldades para consolidar
a admitir que o presidente é Fernando Em outros contextos, vários paí- Egito, Tunísia, Líbia. Mesmo estes paí- um governo central. Tarefa quase impos-
Henrique Cardoso, pelo menos até a re- ses africanos passam por situações seme- ses, relativamente estáveis, não estão a sível, após uma sangrenta guerra civil que
alização de novas eleições. Isso tudo pode lhantes, ainda que talvez não tão extre- salvo de eventuais e sérias explosões soci- opôs o príncipe Norodom Sihanouk
parecer óbvio, algo como “chover no mas. São freqüentes os casos em que fac- ais e religiosas. O Egito, por exemplo, (hoje representado pelo filho Rannaridh),
molhado”. Mas não é. Ao contrário, em ções em luta assinam acordos de paz, re- enfrenta movimentos fundamentalistas a guerrilha do Khmer Vermelho
muitos países, atualmente, se você per- conhecendo a existência de um governo islâmicos de mesma natureza que os ve- (liderador por Pol Pot) e grupos arma-
guntar quem é o chefe de Estado, corre central apenas para retomar os combates rificados na Argélia (veja matéria à pág. dos pela China e Vietnã.
o risco de não receber resposta alguma, alguns meses depois. Na Libéria, país da 4). E mesmo a “próspera” África do Sul A fragmentação do poder centra-
ou várias respostas diferentes. África ocidental, a paz assinada em julho ainda tem um longo caminho a percor- lizado de Estado, ou a impossibilidade
É o caso, da Somália, no Chifre de 1993 parecia ter lançado as bases para rer até superar de vez as marcas da segre- de sua consolidação, adquirem um con-
da África. Formalmente, o país é uma um acordo entre as três maiores facções gação, acomodar a oposição zulu e neu- torno dramático neste final de século,
república, com governo central sediado em luta pelo poder (o governo interino tralizar o movimento neonazista branco. por se combinar com o processo de glo-
em Mogadíscio, a capital. Na prática, o de Amos Sawyer, a Frente Nacional Pa- Se a fragmentação do Estado apa- balização. Se a existência de economias
poder é disputado por vários grupos en- triótica, de Charles Taylor, e o Movimen- rece com força na África, o fenômeno nacionais fortes e fronteiras consolida-
volvidos em feroz guerra civil desde ja- to de Libertação Unido pela Democra- também se manifesta, em menor escala, das é uma premissa necessária para a in-
neiro de 1991, quando caiu o regime de cia). Na prática, houve apenas uma mo- na Europa e na Ásia. É exemplar, nesse serção de um Estado na economia glo-
Siyad Barré. Logo após a queda de Barré, mentânea diminuição da intensidade dos sentido, o caso da decomposição da an- bal, então a precariedade desses “Estados”
Ali Mahdi Mohamed anunciou que con- combates, até a sua retomada, com for- tiga Iugoslávia, ao mesmo tempo acele- em crise coloca novas indagações sobre
trolava o sul do país, autoproclamando- ça, em abril de 1996, situação que for- rada pela guerra civil na Bósnia e fator seu destino no cenário internacional. Até
se chefe de Estado. Passou a enfrentar a çou a assinatura de novos acordos, em de sua ampliação. A dissolução dos regi- que ponto eles serão capazes de ingressar
oposição armada de Mohamad Farah agosto daquele ano. mes socialistas autoritários, após a queda no mundo globalizado ? Mas a questão
Aidid, que em pouco tempo assumiu o Mas a África é uma exceção no do Muro de Berlim, a 9 de novembro de inversa também é verdadeira: a tendên-
controle de grande parte da capital e da cenário mundial. A fragilidade de boa 1989, permitiu a eclosão de forças étni- cia à fragmentação poderá desafiar a glo-
região sul. Ao norte, também em 1991, parte dos regimes africanos é uma decor- cas, religiosas e nacionalistas que desafi- balização ? Não tenha pressa para respon-
Abderrahman Ahmed Ali proclamou a rência direta da história do continente. am qualquer noção de poder central. O der. Pense, antes, que muitas vezes na
independência da “Somalilândia”, sendo As fronteiras de seus atuais Estados fo- Acordo de Dayton para a paz na Bósnia, história problemas “locais” conduziram
substituído no governo, em maio de ram traçadas arbitrariamente, na Confe- assinado no final de 1995, só se mantém a catástrofes de grandes proporções. Afi-
1993, por Mohamed Ibrahim Egal, ex- rência de Berlim de 1885, pelas potênci- às custas da presença permanente de tro- nal, a Primeira Guerra Mundial come-
primeiro ministro de Barré. Uma confe- as coloniais da época. Tribos inimigas fo- pas da ONU. Outros países do antigo çou na pequena Sarajevo, na Bósnia.
rência de paz patrocinada pelas Nações ram obrigadas a conviver dentro de um bloco socialista, como a Albânia e a
Unidas, em Adis Abeba, a capital da mesmo Estado, ao passo que nações fo- Romênia, cujas ditaduras eram particu-
Etiópia, em março de 1993, registrou a ram artificialmente separadas por fron- larmente violentas, são regidos por go-
presença de nada menos que 14 facções teiras que apenas refletiam os interesses vernos que se apóiam em um equilíbrio SERVIÇO:
em luta. das potências européias. Para piorar o político muito precário, freqüentemente
Tudo isso, é claro, cobrou um problema, a colonização dos países afri- sacudido por manifestações da oposição Antes da Chuva, de Milcho
altíssimo custo em vidas humanas, além canos seria encerrada apenas em meados que, invariavelmente, denuncia práticas Manchevski, França/Grã-
de expulsar centenas de milhares de pes- dos anos 70, com a Revolução dos Cra- de autoritarismo e corrupção. Bretanha/Macedônia, 1994.
soas de suas casas e regiões, forçando-as a vos em Portugal. Os novos países da era Na Ásia, a ação de grupos funda- Filme lindíssimo, articulado
viver em miseráveis campos de refugia- pós-colonial, formalmente livres e sobe- mentalistas islâmicos desafia a própria em torno de roteiro
dos nos países vizinhos (Etiópia, Quênia ranos, passaram a ser comandados, em noção de um poder político central, tal magistral, enfoca os conflitos
e Sudão). Essa situação forneceu aos Es- geral, por ditaduras militares que, no como definido nos tradicionais moldes étnicos entre cristãos
tados Unidos o pretexto para invadir o contexto da Guerra Fria, eram joguetes e democráticos ocidentais. Essa questão ortodoxos e muçulmanos na
país, sob o patrocínio formal da ONU, compradores de armas das superpotên- adquire potenciais francamente explosi- Macedônia recém-
em dezembro de 1992, com o objetivo cias. vos nas antigas repúblicas muçulmanas independente. A irrupção da
declarado de “restabelecer a ordem”. Mas, Nessas condições, extremamente soviéticas da Ásia Central, onde o violência cega, no cenário de
nos meses seguintes, soldados america- agravadas pela miséria econômica gene- fundamentalismo foi fortemente estimu- tradições multisseculares dos
nos perderam a vida em combate com as ralizada, boa parte dos Estados africanos lado pela revolução xiita no vizinho Irã, Bálcãs, ilumina dilemas e
tropas de Aidid, fazendo com que o pre- é muito mais uma ficção mantida pela em 1979. Talvez o país que mostre mais impasses universais da
sidente Bill Clinton retirasse suas forças força das armas do que expressão de uma claramente esse potencial seja o condição humana.
da Somália. Apesar de várias tentativas realidade político-institucional consoli- Tadjiquistão, onde os fundamentalistas
MARÇO
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MARÇO
98 98

6 7
CRISE ASIÁTICA,
CRISE GLOBAL ? Desastre financeiro abala crença no “Século do Pacífico”
Desde o início do século XVI, por mais de quatro séculos, o Ocidente ascendeu na economia-mundo. (...) Em 1950, depois de um século e meio de industrialização ocidental, a sua parte na riqueza atingia 56%, enquanto a sua parte da
população pairava em torno de 17%. A Ásia, com 66% da população global, controlava apenas 19% da riqueza, contra 58% em 1820. Em 1992, impulsionada por altas taxas de crescimento, a parcela asiática da riqueza tinha se elevado
Gilson Schwartz a 33%. Essa tendência histórica deve prosseguir e conduzirá à reemergência da Ásia (...) Em torno de 2025, a Ásia deve reassumir o seu lugar no centro da economia-mundo. Ela poderá abrigar então 55% a 60% da riqueza, com a parcela
Da Equipe de Colaboradores do Ocidente retrocedendo dos 45% de hoje para algo entre 20% e 30%.
(Steven Radelet e Jeffrey Sachs, “A Reemergência da Ásia”, Revista Foreign Affairs, novembro-dezembro 1997, p. 44-46)

Q uem não conhece o ditado. “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”?


EUROPA CENTRO-ORIENTAL E RÚSSIA
Em julho do ano passado, a lucros altos e retorno rápido. O risco de não ter retorno destruiu a fé no “milagre”
Olha aquele dinheiro todo, coloca a auréola no bolso e pergunta: é mesmo o caso de FLUXO DE INVESTIMENTOS PRIVADOS Tailândia começou a desvalorizar sua asiático. Percebeu-se que faltava informação, que havia muita corrupção e envolvimento
fazer o milagre que estão querendo ? PARA AS PRINCIPAIS ECONOMIAS 41,0
49,8 51,2 moeda, o baht. A taxa de câmbio é o pre- até de familiares dos ditadores asiáticos em “investimentos” que, na prática, eram apenas
36,1
Esse ditado funciona bem na Ásia. Durante muitos anos, ficaram falando de EMERGENTES DE 1995 A 1998 ço da moeda local, expresso em dólar. a compra de terrenos, a construção de palácios ou a compra de armas e bens de luxo.
“milagre asiático” (também já se falou muito em “milagre brasileiro”). No ano passado, (em bilhões de dólares) Como qualquer coisa no mercado, quan- Quando as coisas começaram a dar errado e o pânico se alastrou, ficou evidente
uma das maiores crises da história do capitalismo mostrou que o santo tinha pés de do as pessoas preferem ficar com dóla- que a euforia com o milagre criara a crença na acumulação de capital numa escala inviável,
1995 1996 1997 1998*
barro, o altar desmoronou e até agora se discute a razão da catástrofe. ÁSIA-PACÍFICO res, elas precisam se livrar da outra moe- irreal. E quando o milagre é demais, os capitalistas que são menos “santinhos” logo
O milagre era o seguinte: países pobres, sem tecnologia, que há 20 anos mal da (nesse caso, o baht), que passa a per- desconfiam. A fuga de capitais criou um rastilho de desvalorizações cambiais e o apare-
tinham recursos para alimentar suas populações, dominados por ditaduras sanguinárias 155,6 der valor. cimento súbito de montanhas de dívidas impagáveis.
e corruptas, de repente passaram a crescer muito. Da noite para o dia, setores industriais 130,6 Antes de julho, a pressão já esta-
novos foram construídos. Classes médias fortes, educadas, com emprego garantido, co- AMÉRICA LATINA va grande. O governo atendia à deman-
meçaram a fazer a festa. Empresas da Tailândia, Indonésia, Malásia fabricavam chips e 92,2 90,3 da, oferecendo dólares através do ban-
componentes dos computadores que começavam a ser vendidos aos milhões nos Esta- co central, tentando fazer os compra-
CAPITAIS
75,4
dos Unidos, na Europa e na América Latina. A Ásia, que era exemplo de círculo vicioso 45,5 dores acreditarem que o câmbio não ia FOGEM DAS
da pobreza, virava o pólo econômico e tecnológico mais importante do planeta. Símbo- 36,0 32,5 mudar. Mas as reservas de dólares esta-
lo do novo milagre, a China, ditadura comunista, entrou na onda e patrocinou um
fantástico programa de industrialização. Onde foi parar todo esse milagre ?
Capitalismo é uma coisa até simples. O capitalista tem um estoque de riqueza. 1995 1996 1997 1998* 1995 1996 1997 1998*
vam minguando e a procura ainda era
grande. Quando ficou claro que não
haveria dólares para todos os que dese-
“ECONOMIAS EMERGENTES”
Ele quer ver essa massa em movimento, retornando a ele maior. Ele quer acumular. javam se ver livres de bahts, veio a cor-
A crise significa o fim do desenvolvimento na Ásia ? Será que agora vai
Quanto mais cresce a diferença entre o preço e o custo, mais rápido ele acumula. Con- reria. O pânico se alastrou.
ocorrer um retorno ao estado de letargia semi-feudal anterior à industrialização
tratar trabalhadores que ganhem o menos possível ou investir em novas tecnologias que Mas, afinal, por que tanta pro-
* PREVISÃO acelerada ? E os governos, os bancos estatais, as grandes empresas criadas com
serão seu monopólio (vide Bill Gates), o objetivo é sempre acumular o mais rápido cura por dólar ? É que as empresas ja-
subsídios do governo, crédito externo fácil ? Vai tudo por água abaixo ?
possível. ponesas, coreanas, americanas, euro-
Para os mais otimistas, haverá um período de penitência. Os asiáticos
Na Europa e nos Estados Unidos, a competição por mais lucros, mais merca- Os capitais globalizados estão abandonando a Ásia. Em 1997, latino-americanos e europeus orientais já receberam mais investimentos que os asiáticos. péias e também as tailandesas que ti-
Em 1998, a reversão da tendência deve prosseguir, com maior intensidade ainda. Mas há um processo mais amplo em curso: a redução dos fluxos não são mais tão dignos de confiança, vão enfrentar uma fase sem crédito no
dos, mais consumidores e mais trabalhadores disciplinados e baratos durou séculos. nham construído fábricas na Tailân-
globais de investimentos privados. Em 1998, somadas, as “economias emergentes” receberão menos de US$ 160 bilhões, pouco mais de 55% dos quase mercado. O governo dos Estados Unidos e o FMI, com o apoio das potências
Surgiram grandes massas de consumidores. Jovens, enriquecendo e fazendo filhos. dia, precisavam pagar dívidas em dó-
US$ 290 bilhões de 1996. O dinheiro do mundo está “empoçado” nos países ricos, aplicado nos seguros e pouco lucrativos títulos governamentais. ocidentais, querem desmontar as barreiras à entrada que os asiáticos ergueram
Mas no século XX, depois de duas guerras, do envelhecimento das populações euro- lar. Remeter lucros em dólar. E pagar
para defenderem seus mercados. Afirmam que foi justamente o caráter fecha-
péias, da ocupação plena do território norte-americano e da conquista de um padrão em dólar por matérias-primas, peças
do, incestuoso e corrupto do capitalismo asiático que impediu a difusão de
de vida bastante razoável no chamado Primeiro Mundo, os capitalistas precisavam do Sul e, na seqüência, outros países que receberam o nome de “tigres” (exóticos, fortes, e tecnologia usadas para fazer a máquina asiática girar. Quando a desconfiança se
mais informação, levando a investimentos errados.
mais que nunca de outros consumidores jovens, enriquecendo e fazendo filhos. E os rápidos), foram considerados mercados prioritários no recebimento de ajuda financeira alastrou, todos queriam ter dólares na mão.
Querem um ajuste neoliberal, com redução do papel do Estado e elimi-
capitalistas precisavam fazer girar todo o capital acumulado ao longo da industrializa- do governo norte-americano. Para piorar, a desvalorização tornou as dívidas em dólares mais caras. Se as empre-
nação de direitos trabalhistas, exatamente como têm feito os paises da América
ção européia, para continuarem acumulando lucros. Santo capital. Populações que há pouco tinham saído de sociedades agrárias, com sas não podiam pagar, os bancos ficavam em má situação. A crise do câmbio, portanto,
Latina. Somente assim, podendo novamente acumular com rapidez e com lu-
A Ásia e a América Latina surgiram como as duas grandes áreas candidatas a baixos salários, passaram a produzir em grande escala. Os governos do Japão e, depois, virava uma crise das empresas e, numa reação em cadeia, uma crise dos bancos também.
cros elevados, os capitalistas poderão novamente confiar na Ásia.
receber esses capitais, tornando-se parte integrante da acumulação de capital em escala da Coréia do Sul, ditatoriais ou semi-ditatoriais, usaram o capital para criar capitalistas E aí ficou evidente que muitos dos capitais em busca de valorização tinham sido enterra-
Outro grupo de observadores acredita que haverá penitência, mas os
global. Seus países já tinham crescido, com centros urbanos desde a época da colônia locais. Criaram bancos e indústrias, direcionaram o crédito para setores industriais capa- dos em projetos inviáveis e na especulação imobiliária.
asiáticos não vão entregar os dedos, apenas os anéis. Dizem que a ajuda do
(quando exportavam produtos agrícolas, minerais, pedras preciosas ou madeira). O zes de produzir para os grandes e ricos mercados do Primeiro Mundo. No mercado financeiro mundial, olhando a corrida, quem tinha investido na
FMI, dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais não passa de obriga-
terreno parecia preparado para uma onda de expansão capaz de dar utilidade aos capi- Surgiu um círculo virtuoso: o capital externo permitia a acumulação de capitais Ásia colocou as barbas de molho. Não havia sequer informação suficiente sobre quem de
ção. Afinal, se esses governos e os credores ocidentais não tiverem solidariedade,
tais velhos e, o que é ainda melhor, com taxas de retorno rápidas e elevadas. localmente que, sob o controle direto ou indireto dos governos, investiam em mais fato tinha emprestado a quem, quanto e em quais condições. A Coréia do Sul já tinha
afundarão junto. Na Ásia, a resistência à perda de controle nacional é milenar,
Aliás, terminada a Segunda Guerra Mundial, o Japão e, depois, nos anos 50, a fábricas, na compra de tecnologias e na exploração de territórios da própria região. Japo- investido na Tailândia, assim como os japoneses, mas havia também muito dinheiro de
já tendo aliás atravessado várias fases de colonialismo e imperialismo.
Coréia do Sul surgiam para os Estados Unidos como anteparos militares e econômicos neses investiram na Coréia do Sul, na Tailândia, na Indonésia. O “milagre asiático” bancos chineses, que havia sido emprestado para bancos coreanos, que tinham empres-
Na visão pragmática, apesar de toda a corrupção, dos investimentos em
contra a ameaça dos comunistas russos e chineses. No seu planejamento de poder global, parecia não ter fim. A entrada da China, com custos de produção reduzidíssimos, lubri- tado para bancos tailandeses. Norte-americanos e europeus também estavam com di-
obras faraônicas, em pura especulação imobiliária ou em Bolsas da região, ape-
os Estados Unidos queriam evitar que aqueles territórios caíssem nas mãos dos comunis- ficou ainda mais o sistema. Começaram a falar do século XXI como o “Século do Pací- nheiro em risco.
sar de toda essa espuma de riqueza fictícia que é destruída pela crise, há uma
tas. Juntaram-se portanto a fome à vontade de comer. Primeiro o Japão, depois a Coréia fico Asiático”. O pânico foi total. O “santo” capital tinha pés de barro. Os investidores queriam
base produtiva e tecnológica na Ásia que, de fato, pertence ao século XXI.
A Ásia criou redes de produção e investimento, sistemas de transporte e
comunicações, métodos de gestão industrial e sistemas de pesquisa tecnológica
que são de última geração. E lembram, ainda, que mesmo depois da crise a
MUNDO no Vestibular capitais mundiais, especialmente os oriundos do Japão. a) Os locais especialmente preparados para atrair investimentos articulam-se aos interes- grande massa de trabalhadores e classe média - jovens, ambiciosos e disciplina-
IV - A liderança do Japão na região, após a Segunda Guerra Mundial, deve-se a fatores como ses das empresas transnacionais, cuja ação geográfica tem alcance mundial.
dos - continuará lá. Trabalhadores e consumidores suficientes para assegurar
os grandes investimentos dos Estados Unidos no país e ao papel do Ministério da In- b) Os conglomerados transnacionais, ao aproveitarem a geografia do mundo para sua
dústria e Comércio Internacional (MITI), que destinou recursos expressivos à educa- localização, criam uma estrutura espacial com pontos articulados entre si, a qual pode ser taxas de retorno menos milagrosas, mas suficientemente altas, se comparadas às
• (Vunesp-SP, adaptada) A economia dos “Tigres Asiáticos” cresceu muito rápido, mais de ção, ciência e tecnologia, resultando em significativo aumento de produtividade. chamada de rede espacial. taxas no velho Primeiro Mundo.
8% em média anual nas três últimas décadas. Porém, o aumento das exportações nos V - Os chamados Tigres Asiáticos - Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong - c) Os países querem receber novos investimentos mundiais, mas, para isso, é preciso que Os investidores globais olham toda a periferia do sistema capitalista como
últimos anos não tem apresentado o mesmo ritmo de crescimento, pois foi apenas de 5% destacaram-se pela ênfase no fortalecimento do mercado interno e pelo baixo grau de as transnacionais submetam-se às condições técnicas, à ordem jurídica e aos traços cultu- uma espécie de categoria à parte. Há alguns anos esses países eram chamados de
em 1996. Ao mesmo tempo, em quase todos eles o ritmo de aumento dos salários foi intervenção do Estado, criando economias fechadas. rais locais. “subdesenvolvidos” (anos 50 e 60). Depois surgiu a moda dos “países em desenvol-
superior ao da produtividade. a) I, II e V d) O enxugamento dos Estados, a redução das leis trabalhistas e a remoção de normas e vimento” (anos 70). Nos anos 80, eram chamados de modo mais objetivo: eram os
Com base nessas informações e em seus conhecimentos, responda: b) II, III e IV obstáculos de parcelas dos territórios estão dentro da lógica descrita no texto. “países endividados”. Já nos anos 90, pegou a onda dos “mercados emergentes”.
a) Quais foram os principais fatores que promoveram o vertiginoso crescimento de suas c) III, IV e V e) Para que a organização em rede espacial seja eficiente para uma empresa transnacional, Há três áreas emergentes: América Latina, Ásia do leste e sudeste e Europa
economias ? d) II, IV e V é preciso que o espaço que ela vai ocupar seja composto por tecnologia adequada de centro-oriental. Na hora do pânico, a contaminação passa por cima até mesmo da
b) Que relações podem ser estabelecidas entre o comportamento recente das exportações, e) I, III e IV comunicações.
informação disponível que, segundo os neoliberais, seria a melhor forma de ga-
o custo do trabalho e a produtividade desses países ?
• (PUC-SP) Leia com bastante atenção o texto seguinte: rantir decisões racionais. É como o estouro de uma boiada. A fuga de capitais
• (PUC-SP, adaptada) Sobre o conjunto econômico representado pelos países da Ásia “Se os capitalistas se tornam mais sensíveis às qualidades especialmente diferenciadas de que se ocorre de forma desenfreada (veja o mapa). O dinheiro global prefere refugiar-se
3. C
Oriental - Pacífico, assinale a alternativa que contém as afirmações corretas. compõe a geografia do mundo, é possível que as pessoas e forças que dominam esses espaços os no Primeiro Mundo, de preferência em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. O
2. E
I - Organizado sob a liderança do Japão, envolve países como Austrália e Nova Zelândia. alterem de um modo que as torne mais atraentes para o capital altamente móvel. As elites dirigen- de-obra obteve ganhos salariais, reduzindo a produtividade no setor industrial.
retorno é muito menor, em prazos muito mais longos. Mas é considerado seguro.
Esses dois países compõem uma área periférica privilegiada, com melhores condições tes locais podem, por exemplo, implementar estratégias de controle da mão-de-obra local, de portanto, perderam um pouco de sua competitividade. Uma das razões é que a mão- E as “economias emergentes”, sem capitais, mergulham na recessão.
sociais, desenvolvimento tecnológico promissor, potencial agropecuário e vastos re- melhoria de habilidades, de fornecimento da infra-estrutura, de política fiscal, de regulamenta- 1. b) Nos últimos anos, os produtos exportados pelos “Tigres” ficaram mais caros e, O Brasil é apenas mais um mercado emergente. Quando a confiança nos
cursos naturais. ção estatal etc, a fim de atrair o desenvolvimento para seu espaço particular (...). A produção mercado externo. mercados emergentes cai, os investidores olham com medo para o Brasil também.
II - A devolução de Hong Kong à China ocorreu sem conflitos, em virtude de aquela ativa de lugares dotados de qualidades especiais se torna um importante trunfo na competição mental. O modelo dos “Tigres” também direcionou sua produção industrial para o O medo é ainda maior quando, olhando os dados disponíveis, os pesquisadores
colônia não se constituir em lugar preparado para a competitividade mundial. Cha- espacial entre lugares, cidades, regiões e nações.” (David Harvey, A condição pós-moderna, São obra barata, forte presença do capital internacional e intervencionismo governa- que ganham para fazer isso percebem que essa também é uma terra de milagres.
ma a atenção, na ex-colônia britânica, o sucateamento dos sistemas educacional e de Paulo, Loyola, 1992). 1. a) Um deles foi a política de industrialização, baseada em incentivos fiscais, mão-de- Milagres movidos a enxurrada de capital estrangeiro, mas que, sabe-se lá, talvez
comunicações.
III - As Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), instituídas na China, são espaços preparados Assinale a alternativa que não corresponde à lógica sobre a competição espacial entre os também tenham seus santos de pés de barro. Ou seriam santos do pau oco ?
com regulamentação particular e tecnologia apropriada para atrair investimentos e lugares, presente no texto.
Respostas: (Gilson Schwartz)
MARÇO
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98
8 Uma cruz na Praça da Revolução

Vaticano opera guinada histórica


Newton Carlos Depois de combater o comunismo soviético, João Paulo II volta baterias contra o
Da Equipe de Colaboradores “capitalismo desregrado” e ecoa temas da Teologia da Libertação

E m novembro e dezembro do ano passado, an-


tes da viagem de João Paulo II a Cuba, o Vaticano
polacos ver ex-comunistas reassumirem o governo
pelo voto do povo, o da sua Polônia, politicamente
realizou o Sínodo das Américas. A essência das dis- rebelado contra o “capitalismo selvagem”. E cres-
cussões tratou da redefinição do papel crítico da ceu no papa a disposição de denuncia, com o que
Igreja na sociedade “sem os condicionamentos im- foi feito nos discursos e homilias em Cuba.
postos pelo medo do comunismo”. Foi sobretudo Bispos centro-americanos já haviam aprova-
esse medo que, em 1984, levou a Sagrada Congre- do documento de dura condenação do neolibera-
gação da Doutrina da Fé, ex-Santo Ofício, o da lismo. O pós-Cuba teve como fato imediato a di-
Inquisição, a condenar a Teologia da Libertação em vulgação do documento do Pontifício Conselho de
documento que significou o golpe final da ofensiva Justiça e Paz, sobre reforma agrária. Ele descreve o
contra a “esquerdização” de padres e féis, impulsio- processo de concentração da terra e suas conse-
nada pela conferência episcopal de Medellin (Co- qüências negativas, sublinhando as amarras
lômbia), em 1968. institucionais que impedem a reforma agrária. O
Medellin foi a “opção pelos pobres”, uma fator de impasse é a concentração e a solução exige
ruptura não simplesmente teológica, mas reflexiva, reforma. Quanto à ocupação de terras, é tratada
já que os debates deram ênfase especial à convicção como “sinal urgente para que se faça rapidamente
de que “a Igreja só será cristã sendo capaz de viver e reforma agrária eficiente”. Só assim, desaparecerão
entender sua tarefa a partir de uma perspectiva dos as “situações geradoras das ocupações”. Não se tra-
pobres e oprimidos”. Volta “às raízes evangélicas”, ta, como se vê, de apoio morno, burocrático, mas
segundo os teóricos de uma nova teologia saída de de tomada de posição que encara inclusive a ques-
Medellin, a da Libertação, que sobreviveu aos du- tão delicada das ocupações.
ros embates dos anos 70 e conseguiu reafirmar-se Virada, guinada ou o que seja do estilo, ten-
em Puebla (México), 11 anos depois, já no papado do a viagem a Cuba como marco histórico ? Leo-
de João Paulo II. Em Puebla, os bispos latino-ame- nardo Boff, apóstolo brasileiro da Teologia da Li-
Marco Dierchxs

ricanos denunciaram a “distância crescente entre os bertação, pensa que João Paulo II, “extremamente
muitos que têm pouco e os poucos que têm muito” sensível à dimensão da justiça e da ética social”,
e estabeleceram como prioritária a “opção pelas depois de ver o que significou o triunfo do neolibe-
vítimas de estruturas sociais injustas”. ralismo, afinal concordou com críticas da Teologia
Naquele ano, João Paulo II fez uma viagem à da Libertação, mostrando um “sistema perverso e
Polônia, a primeira como papa ao seu país natal, desumano”. A questão que se colocaria, a partir de
impregnada de anticomunismo. As idéias de cria- Letônia, que o marxismo “tem pitadas de verdade”. agora, é saber se é ou não possível mudar a “alma”
ção de uma “Igreja popular”, o surgimento de mo- A viagem a Cuba se realizou já sem os “condiciona- do sistema sem mudar o próprio sistema. Boff acre-
vimentos de “cristãos para o socialismo” e a presen- mentos” antes produzidos pelo medo ao comunis- dita que não e ainda vê ambigüidades nos discursos
ça de padres em guerrilhas acabariam se tornando mo. O Sínodo das Américas cuidou de exorcizar os de João Paulo II, embora ele tenha assumido, se-
insuportáveis para uma hierarquia preocupada com medos antigos, tarefa nada complicada, tendo em gundo o teólogo brasileiro (que foi uma das víti-
a quebra do sistema de poder vertical da Igreja. Ou vista o naufrágio do chamado “socialismo real”. A mas do ex-Santo Oficio), princípios fundamentais
com a própria sobrevivência da Igreja como insti- idéia de reprodução, no Caribe, dos acontecimen- da Teologia da Libertação: a opção pelos pobres deve
tuição. A Teologia da Libertação “navega com os tos de 1989 na Europa Oriental foi esfriada pelo ser de toda a Igreja, e não apenas dos teólogos, e a
ventos da dialética marxista e das lutas de classes próprio Vaticano. Fontes da Igreja em Roma passa- fé deve ter dimensão pública e política, não apenas
em suas preocupações com os pobres”, disparou o ram a jornalistas a informação de que o papa não mística e eclesiástica.
cardeal alemão Joseph Ratzinger, chefe do ex-San- quer que se repita em Cuba o que sucedeu no anti- Uma coisa é certa: João Paulo II é, provavel-
to Ofício. “Há mistura de verdades cristãs com op- go império soviético, “o advento de um capitalis- mente, o papa mais “político” e mais “intervencio-
ções fundamentalmente não cristãs e é inadmissí- mo selvagem, de máfias”. nista” deste século. Em seu papado, as representa-
vel o emprego da análise marxista, por parte dos Os discursos no Brasil, em outubro do ano ções diplomáticas no Vaticano já chegam a 165.
cristãos, na interpretação da realidade social e eco- passado, já tinham deixado clara a inconformidade Eram 87, há vinte anos. O livro Sua Santidade, de
nômica”, foi o arremate do golpe final. papal com os rumos do pós-comunismo. Na estei- Carl Bernstein e Marco Politi, mostra como o anti-
A Igreja, segundo Ratzinger, não podia ficar ra de ataques ao “capitalismo desregrado”, social- comunismo condicionou esse intervencionismo.
reduzida a uma parte do povo cristão, do qual “tam- mente “irresponsável”, João Paulo II afirmou que Um dos confidentes de João Paulo II foi Bill Casey,
bém fazem parte não pobres e não oprimidos”. Qual nenhum sistema econômico é completo sem justi- ex-diretor da CIA. O alvo agora seria o neolibera-
não foi a surpresa, portanto, quando há quatro anos ça social e é inaceitável o livre-mercado, que pro- lismo ? O próprio papa teria dito, segundo indis-
João Paulo II teve gesto de gentileza para com Karl move individualismo excessivo e compromete o crições de íntimos, que “acabado o comunismo, o
Marx. Admitiu em discurso em Riga, capital da papel da sociedade. Pesou, e muito, em seus brios alvo principal passa a ser o capitalismo”.
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Uma cruz na Praça da Revolução 9

Visita papal reduz isolamento de Cuba


Gilson Camargo Depois da visita, que reposicionou Igreja na cena política da ilha, Fidel liberta presos e
De Havana, Especial para Mundo Washington reavalia embargo econômico

A o desembarcar em Havana, a 21
de janeiro, João Paulo II criticou forte-
Ruiz Diaz, que tenta vender por 15 dó-
lares um casaco de peles. “Este vison es-
mente “o capitalismo selvagem, o tava em um armário da casa onde moro,
neoliberalismo, o consumo desenfreado que foi expropriada dos espanhóis pelo
no mundo e o embargo econômico” de- governo, na época da revolução. É uma
© Antonio Ribeiro/Gamma/Keystone

cretado pelo governo norte-americano. raridade”, argumenta o cubano, que se


Mas também lançou uma mensagem diz tenor, poliglota e pintor. A renda
sem precedentes em favor da unidade média de um trabalhador oscila entre oito
familiar, da liberdade de expressão e do e 40 dólares.
respeito dos direitos humanos. Isso, em O motorista de táxi pode ser um
uma terra na qual o aborto e o divórcio engenheiro que aumenta a renda com “la
são permitidos, a imprensa é controlada libre”, que é como os cubanos chamam
pelo Estado e onde, segundo a Anistia o trabalho por fora. Giovani, um adoles-
Internacional, haveria pelo menos 600 branco, montado quadro a quadro pela qualquer país do mundo capitalista. Des- cente que diz ganhar cerca de 80 dólares
presos políticos. revolução, que recebeu pinceladas com de tênis e jeans importados até eletrodo- por dia transportando turistas e jornalis-
Num clima de fortes emoções, as cores fosforescentes da economia de mésticos, é possível comprar de tudo para tas em seu triciclo - uma espécie de bici-
durante a missa celebrada para cerca de mercado. Fidel Castro, 72 anos, há 39 quem tem dólares (muitos dólares). As cleta transformada em riquixá - conta que
meio milhão de pessoas na Praça da Re- no poder, começou a implantar reformas Tiendas Panamericanas, supermercados tem permissão do governo para trabalhar,
volução, João Paulo II condenou “o ne- que, segundo o próprio líder, “incluem que abastecem os cubanos com suas desde que mantenha em dia o pagamen-
oliberalismo capitalista” e as “forças ce- inquestionáveis elementos do capitalis- libretas (a caderneta que dá acesso à cota to do imposto mensal de 15 dólares.
gas do mercado”. Numa referência à in- mo”. Os setores de telecomunicações, de alimentação e de produtos de higiene Para a igreja católica, a visita do
tervenção dos países ricos na economia turismo e exploração de petróleo foram a que cada trabalhador tem direito), tam- papa ajudou a tirar a religião do estreito
do Terceiro Mundo, Karol Wojtyla con- abertos a empresas estrangeiras, a partir bém vendem produtos mais caros, im- limite das sacristias, depois de décadas de
cluiu que “se assiste ao enriquecimento de 1995. Para se manter no poder, o di- portados do México ou da Espanha. repressão e equívocos. Na outra ponta do
exagerado de poucos à custa do empo- rigente cubano adotou o “modelo chi- Entre centros culturais e cinemas que acordo, a presença de João Paulo II em
brecimento crescente de muitos”. nês” de abertura de mercado, sem tocar ocupam prédios centenários, as Tiendas Cuba ajudou Fidel a sair do isolamento.
Formada por cristãos ibéricos e na estrutura de poder totalitário. dividem espaços com uma revendedora Por conta da visita, o mundo viu, ao vivo
negros africanos, Cuba é, como a Bahia, O dólar circula livremente, ao Fiat. No final do ano passado, foi inau- e, em alguns casos, sem edição, imagens
um terra de sincretismo religioso. Na Ilha, lado do peso cubano. A presença cada gurado o Shopping Center de Havana, de um país cercado de estigmas e atra-
predomina a santería, que equivale ao vez mais intensa de turistas contrabalan- onde uma roupa da Benetton equivale a vessado por contradições.
candomblé dos brasileiros. No entanto, ça golpes como a perda da safra de açú- dez vezes o salário da vendedora. O papa foi onde quis, disse o que
foi fundamental a participação de católi- car, no ano passado, e o comprometimen- Não é raro encontrar profissionais lhe convinha na sua missão de
cos na história cubana. Entre esses per- to da lavoura de fumo, em janeiro, em qualificados que, nas horas de folga, bus- arregimentar fiéis. Em suas duas apari-
sonagens, destacam-se o frade domini- virtude dos ciclones - as terríveis tormen- cam engordar um pouco a renda ven- ções na Praça da Revolução, e nas três
cano Bartolomé de las Casas (1474- tas do inverno caribenho que assolam a dendo charutos - todo trabalhador que missas que rezou fora da capital, o papa
1566), defensor dos índios, e o padre Ilha durante os primeiros meses do ano. não faltar ao trabalho tem direito a duas arrastou consigo uma multidão que mis-
Félix Varela (1788-1853) que, segundo Nem o turismo, nem as exportações, no caixas de “puros” por mês - ou ocupan- turou ritmos caribenhos a hinos religio-
uma expressão recorrente, foi quem “en- entanto, superam o volume de divisas que do-se da prestação de serviços para os es- sos ou adaptou palavras de ordem como
sinou os cubanos a pensar”. Fidel Castro ingressam no país através dos exilados. trangeiros. Motoristas de táxi, guias e aquela da Unidade Popular no Chile de
e seu irmão Raúl estudaram em colégios Entraram no país, em 1996, nada me- prostitutas são profissionais em franca Salvador Allende: “Se ouve, se sente. O
católicos. O levante contra o ditador nos que um bilhão de dólares, parte de- ascensão. Elas estão mais perto do dólar papa está presente”. Cuba não será a
Fulgêncio Batista, entre 1956 e 1959, que les na bagagem dos milhares de exilados dos visitantes. São pessoas como Ovídio mesma depois disso.
culminou com a tomada do poder pelos de Miami, que recebem autorização do
revolucionários liderados por Castro, regime castrista para visitar parentes na
contou com o apoio tácito de parte da Ilha. O ingresso de dólares está mudan- SERVIÇO:
igreja católica, tendo até um capelão, o do a fisionomia do país, pelo menos em Morango e Chocolate, de Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos
padre Guilherme Sardiñas, sido destaca- grandes centros como a capital. Tabío, Cuba/México/Espanha, 1993. Aclamado pela crítica, o
do pelos bispos para acompanhar os guer- Entre máximas revolucionárias, filme discute os impasses do regime castrista cubano, enfocando
rilheiros de Sierra Maestra. versos do poeta e líder da independência a complexa convivência entre um militante da Juventude
Caminhar pelas ruas de Havana, José Martí, e as figuras barbudas de Fidel Comunista e um intelectual homossexual. No elenco, está Jorge
nesses tempos de súbito fervor religioso, e Che Guevara, muros e fachadas exi- Perugorría, que acaba de protagonizar, ao lado de Vera Fischer, o
é como entrar em um filme em preto e bem painéis de publicidade como em filme “Navalha na Carne”, de Neville d'Almeida.
MARÇO
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10 B R A SIL Brasil, 500 anos
DE NO
S

NO

M
Amazônia: inferno verde,

UN
500 A

DO
paraíso em chamas
Foi anunciada recentemente a si- do Espírito Santo. senvolvidas, especialmente o extrativis- da mais a ocupação e o desmatamento.
tuação do desmatamento da Amazônia. Desde os anos 70, o desfloresta- mo vegetal (borracha, castanha), que cau- A estratégia de integração nacio-
Segundo o governo, em 1995 haviam mento tem se tornado mais intenso em savam danos epidérmicos ao meio natu- nal inverteu o eixo da colonização ama-
sido desmatados cerca de 29 mil km2, toda a Amazônia Legal. Em 1978, o ral. Nessa época praticamente só havia zônica. Da época colonial até meados do
área que diminuiu para 18 mil km2 no desmatamento atingia apenas 3,8% da uma forma de penetração na região, re- século XX, as correntes de povoamento
ano seguinte. Em 1997, as estimativas área florestada da região. Hoje, a cifra é presentada pela navegação fluvial, o que moviam-se no sentido leste-oeste, atra-
apontam para a cifra de 13 mil km2. superior a 10%. Os estados mais afeta- também contribuía para a preservação vés dos caminhos fluviais, estabelecendo
Os números do desmatamento dos foram os do Pará (34%), Mato Gros- das florestas. núcleos nas várzeas dos rios. Nas últimas
podem ser analisados de duas formas. so (23%) e Maranhão (19%). Esses três A estratégia governamental de décadas, os fluxos migratórios movem-
Uma delas, que aliás foi ressaltada pelo estados concentram cerca de três quar- integração da Amazônia mudou esse pa- se no sentido sul-norte, através das ro-
governo, mostra a diminuição de ritmo tos de toda a destruição florestal. Se con- norama. A transferência da capital fede- dovias que interligam o Centro-Sul à
do fenômeno. Comparando-se os dados siderarmos que os menores índices são ral para Brasília e a posterior construção Amazônia. Rasgando a floresta, a colo-
de 1995 com os de 1997, constata-se a os do Amapá e Roraima, pode-se con- de rodovias de integração, como a Belém- nização contemporânea exerce impacto
redução de mais de 50% no total das áreas cluir que o desmatamento tem sido mais Brasília, estimularam a expansão das ati- inédito sobre o ambiente natural.
desflorestadas. dramático nas porções orientais e meri- vidades primárias ao longo das estradas.
A outra forma, relacionando esse dionais da Amazônia. Essa concentração Em pouco mais de uma década, a popu-
conjunto de dados aos anteriores, mos- geográfica da destruição tem como ex- lação regional saltou de 100 mil para 2 30.000

tra uma realidade diferente. Nunca tan- plicação o processo de ocupação pelo qual milhões de pessoas. 25.000

tas árvores foram abatidas ou queimadas a região vem passando nas últimas déca- A partir de 1968, e ao longo dos
20.000
na Amazônia brasileira como em 1995, das. anos 70, novas rodovias - entre as quais a

Área desflorestada em km2


ano que detém o recorde histórico do fe- Até os anos 60, o fenômeno do Cuiabá-Porto Velho, a Cuiabá-Santarém 15.000

nômeno (veja o Gráfico). Se somarmos desmatamento era bem pouco expressi- e a Transamazônica - passaram a ser 10.000

a área desmatada em 1995 e 1996, tere- vo, não só em função da pequena popu- construídas. A descoberta de novas jazi- 5.000
mos uma superfície de pouco mais de lação radicada na região, mas também das minerais e o estímulo à colonização
47 mil km2, superior à área da Suíça ou pelo tipo de atividades econômicas de- das terras disponíveis impulsionaram ain- 0
88/89 89/90 90/91 91/92 92/94 94/95 95/96

Nelson Bacic Olic

projetos pan-amazônicos fossem leva-


Cooperação regional direciona dos adiante. Apenas nos anos 90 fo-
ram retomados, timidamente, os con-

ocupação amazônica tatos para implementação de planos


conjuntos.
A Amazônia continua desper-
O Meio e o Homem tando o interesse internacional, por vá-
rios motivos. Um deles é o potencial
territórios da Bolívia, Peru, Equador, Co- tivo começou a tomar forma com a cria- de recursos naturais da região. Outro,
lômbia, Venezuela e Guianas (veja a Ta- ção do Tratado de Cooperação Amazô- é o patrimônio ecológico, que se refle-
bela). nico ou Pacto Amazônico, assinado por te na circunstância de abrigar a maior
No limiar do século XXI, pou- A Amazônia Internacional exibe todos os Estados da região em 1978. Esse biodiversidade do planeta. Finalmen-
cas são as regiões do mundo que apre- fraco povoamento e pequena expressão pacto foi uma resposta a certos organis- te, a importância estratégica da região
sentam grandes espaços passíveis de econômica, com destaque para o setor mos internacionais e governos de alguns aumentou muito em função do avan-
ocupação. Entre elas, merece destaque primário, especialmente o extrativismo. países desenvolvidos que alegavam a ne- ço do narcotráfico.
a extensa e rica região da Amazônia. As condições demográficas e econômi- cessidade do monitoramento da explo-
Área localizada na porção setentrional cas induziram duas estratégias no senti- ração amazônica, devido à sua importân- Área e população de cada país no
da América do Sul, corresponde a um do da ocupação e valorização regional: cia ecológica para a “saúde” do planeta. conjunto da Amazônia
vasto domínio natural constituído em uma de caráter nacional e outra envol- Por isso, o pacto definia a ampla País Área (%) População (%)
sua maior parte por terras baixas Brasil 69,0 87,8
vendo o conjunto de Estados da região. soberania dos países signatários, no sen- Bolívia 9,2 4,4
florestadas equatoriais, drenadas pelo A primeira objetivava a integração das tido de explorar como bem lhes Peru 8,7 4,7
sistema fluvial do rio Amazonas. “amazônias” ao núcleo central da econo- aprouvesse os recursos de suas “amazô- Equador 1,9 0.6
Com quase 7 milhões de km2, mia de cada país. Já a segunda destinava-se nias”, mas também sugeria a necessida- Colômbia 8,8 2,3
cerca de 35% da superfície da Améri- ao estabelecimento de políticas para o de- de de levar em conta os impactos ambi- Venezuela 2,2 0,2
ca do Sul, a chamada Amazônia Inter- senvolvimento da região como um todo. entais decorrentes. A crise econômica dos Fonte: Carlos de Meira Mattos, Brasil - geopolítica e
destino, Rio de Janeiro, José Olympio Editora.
nacional se estende, além do Brasil, por A concretização do último obje- anos 80 de certa forma impediu que os
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11
Diário de Viagem Yanessa Granero, 25 anos, é psicóloga e articulista do
Jornal de Franca.

OS LUGARES QUE NÃO VISITEI


Estou deitada na sala, ouvindo um CD que é car até Casablanca para (quem sabe?) encontrar meu
uma curiosa seleção de músicas árabes e me vem uma Humphrey Bogart no Rick’s Café Americain. Sentar- GEOGRAFIAS IMAGINÁRIAS
vontade enorme de rodar o mundo, correr perigos, co- me numa praça e rascunhar num papel tudo o que vi e
nhecer lugares diferentes, ver outros povos, outros ca- senti, me lembrando das palavras que o “menino de
A imaginação geográfica contemporânea é
minhos, outros jeitos. Pensando na grandeza e nos mis- areia” encarnado no escritor Tahar Ben Jelloun me so-
uma curiosa síntese de informação científica, cul-
térios desse planeta azul, viajo em pensamentos e, ao prou: “Agora esta história vos habita. Ela ocupará vos-
tura pop e devaneio romântico. Cada época exer-
meu redor, vejo um deserto. Tuaregues avançam pelas sos dias e vossas noites (...) já não podereis mais escapar
cita a imaginação segundo critérios próprios. E, se
areias quentes. Uma brisa vinda de muito longe sopra a a ela. É uma história que vem de longe”.
hoje a imaginação é capaz de substituir a viagem,
ancestralidade. Desenhos paquistaneses nos sarongues de
no passado, incitou-a. Em parte, os Descobrimen-
toda a gente queimada de sol dão um colorido especial às
VOU COMER DOCES DE NOZES E AMÊNDOAS NUM CAFÉ tos foram deflagrados pela imaginação.
cenas. Cheiro de henna e calcário, ventos da Tunísia che-
MOURO QUALQUER E, SE PUDER, ESTICAR ATÉ Marco Pólo voltou a Veneza em 1295 e es-
gam em rodopios. No deserto, ausências, ausências. Chá
CASABLANCA PARA (QUEM SABE?) ENCONTRAR MEU creveu o Livro das Diversidades e Maravilhas, pri-
de menta na tenda nômade. Espelhos d’água no Estreito
HUMPHREY BOGART NO RICK’S CAFÉ AMERICAIN. meiro relato detalhado do Oriente que circulou
de Bahr. Não sei ao certo onde estou.
na Europa. Junto com informações minuciosas
sobre a China e a corte de Cublai-Cã, o viajante se
Com a boca seca por ter me demorado tanto em
NO DESERTO, AUSÊNCIAS, AUSÊNCIAS. CHÁ DE MENTA referiu a homens com “cabeças de cão e dentes e
terras marroquinas, cansada de tanta areia sem mar, vou
NA TENDA NÔMADE. ESPELHOS D’ÁGUA NO ESTREITO focinhos semelhantes aos de um grande mastim”
pegar umas ondas no Havaí. Em Honolulu, lei é o nome
DE BAHR. NÃO SEI AO CERTO ONDE ESTOU. que habitariam as ilhas Agama, e a outros, com
dado ao colar de flores. Estou cercada por ilhas vulcâni-
rabos compridos de mais de um palmo, do reino
cas, cravadas no Oceano Pacífico. Ventos alísios refres-
de Lambri. Marco Pólo fez referência também a
Atravesso o mapa e paro em Bangcoc. Quero é cam o calor do hula hula nos luaus. Pego carona num
um monarca fabuloso, o Preste João, patriarca da
ouvir o OM, infinito som do universo na Tailândia, barco que vai parar em Mauí, a ilha mais bela do arqui-
“Índia e Etiópia” e senhor de inesgotáveis tesou-
antigo Sião, aportando num pequenino ponto perdido pélago havaiano. Depois de muito sol, dança, surf e
ros. Essa figura mítica, um rei-sacerdote cristão
entre o turquesa do Oceano Índico e o mar do sul da bodyboarding eu preciso de um pouco de gelo. E vôo
do Oriente, povoava a imaginação européia há um
China. Flores de lótus e jasmins vêm me beijar e, num para o fim do mundo - a Terra do Fogo - para ver de
século, desde o fracasso da segunda e da terceira
ritual thai, eu procurarei a luz (daimako), que me virá perto as montanhas mágicas, as Torres del Paine na
cruzadas. No seu reino se encontraria a fonte da
em cachos, incensos, velas bonitas, pensamentos ilumi- Patagônia, sul do Chile. A paisagem da cordilheira mais
eterna juventude, versão cristã de tradições pagãs
nados. Quero conhecer a ilha Phukat, as impressionan- jovem do mundo, gerada pela explosão das profundezas
antiquíssimas.
tes ilhas Phi-Phi e, na vila de Thong ou Nonthaburi, da Terra, há 12 mil anos, compõe-se do que são hoje
Em Portugal, D. João II (1481-95) vislum-
reverenciar o Buda de tantos templos. Velejar pela costa vales e lagos que misturam tons de azul, púrpura e ver-
brou caminhos para alcançar o reino do Preste
de Bang Tao, jantar ao luar nesse mesmo veleiro, fazer de. De lá, estico até o Aconcágua, ainda na maior zona
João. Sob as suas ordens, em 1487, duas expedi-
uma festa aos sentidos e à paz. Sentir gosto de pimenta, desértica das Américas, situada no extremo sul da Ar-
ções partiram em busca das riquezas do patriarca
coco, amendoim e folhinhas de lima. gentina e Chile - a amostra viva das eras glaciais.
cristão do Oriente. Enquanto Bartolomeu Dias
Bem pra lá de Marrakesh, chego ao Marrocos e
zarpava rumo à viagem do périplo africano, a ex-
me deslumbro com sua paisagem contrastante: a neve DE LÁ, ESTICO ATÉ O ACONCÁGUA, AINDA NA MAIOR pedição terrestre de Pero de Covilhã atravessava o
nos picos das montanhas Atlas cortando o país e, aos ZONA DESÉRTICA DAS AMÉRICAS, A AMOSTRA VIVA DAS Egito e Áden, atingindo o litoral da Índia. Procu-
seus pés, os pequenos desertos que antecedem o Saara. ERAS GLACIAIS. rando o Preste João, os portugueses enviaram na-
Deste país árabe do noroeste africano vou guardar na
vios para a África oriental e o mar Vermelho, no
pele, nos ouvidos, na boca as maravilhas do Tânger, Fez Num breve retorno à minha sala, olho para a
início do século XVI. Nas décadas seguintes, inú-
e Rabat - as ex-capitais imperiais cercadas por muralhas parede e vejo uma lagartixa monstruosa. Apesar da cu-
meros viajantes contribuíram com relatos fantás-
medievais, com seus imensos palácios de sultões e califas riosidade, não vou para as ilhas Galápagos nem morta.
ticos sobre a corte do soberano oriental.
das dinastias nascidas dos beduínos. Sigo um rumo e tento sair do Chile e subir o continen-
Cada sociedade vê no mundo aquilo que a
Em Fez, fotografo nas retinas e escrevo no cora- te até chegar no Brasil. Já em Bonito, esqueço do meu
sua cultura e o seu tempo solicitam. Os relatos de
ção a arquitetura intrigante dos enormes palácios, ati- pânico, pavor, paúra a jacarés, iguanas, lagartos e simi-
viagem, assim como a cartografia histórica, são fru-
ro-me no conhecimento milenar guardado na mesqui- lares, fecho os olhos e mergulho nas águas cristalinas,
tos tanto da observação quanto da imaginação.
ta Qarawiyyin. Quero vislumbrar de cada um dos acaricio os peixes, desbravo as florestas e vejo uma das
Atualmente, a informação globalizada nos traz des-
minaretes e babs, grandes portões assentados nos mu- faces mais bonitas desse nosso país. De repente sinto
crições minuciosas dos múltiplos lugares e povos
ros da cidade, as ruelas das Mil e Uma Noites - serei, uma outra vontade. Quero agitar e gastar dinheiro em
do mundo. É possível viajar sem sair de casa, “ou-
sim, uma inebriante Sheherzade, perdida no Jardim de Nova York, dançar com os clubbers de Londres, prati-
vindo um CD-ROM que é uma curiosa seleção
Alá. car uns esportes radicais no Nepal, voar de asa delta
de músicas árabes...”. Nessa viagem contemporâ-
Passeando de camelo por Rabat, ando pelo mer- pelo Grand Canyon, tomar um pouco mais de sol nas
nea, mudam os mitos e expectativas, mas perma-
cado, por seus bazares, tudo cor de bronze e pastel - uns praias e vários banhos de lua nas noites calientes de Ibiza.
nece o conluio entre geografia e fantasia.
rubis salpicados ali e acolá. Vou comer doces de nozes e Mas essa vai ser uma outra viagem, porque agora, ami-
amêndoas num café mouro qualquer e, se puder, esti- gos, estou sem fôlego, cansada demais.
ANO 1 ■ Nº 1 ■ AGOSTO 1998 agosto 98
1
■ tecnologia ■ vocação ■ emprego ■

Que Fazer?
Em busca do emprego
Batente, trampo, lide, trabalho. Uma olhada no dicionário assusta. “Trabalho”
vem do latim “tripaliare” - martirizar com o “tripaliu”, um instrumento de tortura!
Mas a tortura hoje mudou de nome: ferrar-se agora é ficar desempregado, mal
empregado, vivendo de bico ou na dependência daquela graninha com que papai
ou mamãe comparecem, se puderem.
Vestibular: quantas vagas existem em escolas públicas? A maioria vai ter de
pagar pelos estudos. E se você pretende, na onda da globalização, estudar nos
Estados Unidos ou na Europa? Mais dinheiro.
Mas a questão “grana” e a batalha do vestibular são apenas uma parte do
problema. Ter de trabalhar no lugar errado e com as pessoas erradas ou aceitar um
emprego que paga mal porque você não se preparou o suficiente podem ser torturas
ainda mais insuportáveis.
Que fazer? É hora de começar a enfrentar essas questões. Trabalho, vocação,
independência, prazer e grana - numa época de revolução permanente nas tecnolo-
gias, ou seja, no “como fazer”.
Nesse campo, fazer uma boa viagem pela vida só é possível se não for preciso
apertar os cintos.

✔ Mapa do Futuro
Como organizar as idéias, planejar uma carreira, pesar os prós e os contras? Preparamos
um roteiro básico, passo a passo, com as 10 questões mais importantes na hora de
escolher o que fazer pelo resto da vida. Pág. 2

✔ CIEE X CIEE: qual a diferença?


Já existem empresas e organizações que ajudam na hora de escolher uma carreira,
procurar um estágio ou fazer viagens que enriqueçam a sua formação. Confira dois
gigantes nessa área. Pág. 3

✔ Altos e Baixos
O que está acontecendo nos mercados? Quais as carreiras mais procuradas para
estágios? Onde estão sendo contratados os executivos mais bem pagos do mundo?
Descubra em nossa seção de indicadores. Pág. 3

✔ Quanto Custa?
Na hora de pensar em carreiras, cursos e profissões, sonhar não tem limites. Mas é importan-
te não esquecer que a realização de qualquer projeto exige um bom planejamento. Pág. 3

✔ Família: afinal, quem decide?


Você precisa pensar no que vai fazer da vida, mas isso não é fácil quando seu mundo
interior talvez ainda seja um ilustre desconhecido. Quais são os desejos dos pais e quais
são os seus? Pág. 4
T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C MARÇO
98
ANO 6 ■ Nº 1 ■ MARÇO 1998 1
Tiragem: 6.000 exemplares

TEXTO CULTURA &


Roy Lichtenstein

■ INTERPRETAR ■ ESCREVER ■
CHEGA DE SAUDADE ?
C omo uma espécie de Michael J. Fox em aventuras como as do filme De
volta para o futuro, escolhemos duas datas para visitar nesta edição. A primeira
parada é o ano de 1958 -o ano que não devia terminar. Em seguida, a estação de
1968 -o ano que não terminou. Por estranho que pareça, uma viagem sem tirar os
pés do presente. Como se fôssemos um mergulhador que vive a encarnação do anfíbio
-na água, sem perder o ar; no passado, sem esquecer o presente; mãos na terra e
olhos no futuro. A principal bagagem que levamos conosco é a consciência do presente
de que partimos, os átomos da memória- os átomos do oxigênio que alimenta o
escafandrista.
Explicando em outros termos: é como andar no fusca do presidente Juscelino
Kubitschek, coqueluche de 58, depois de conhecer as arrojadas linhas das Ferrari,
nos sofisticados “salões do automóvel” de hoje. Como um garoto que alimenta suas
© Reprodução: AE

fantasias com os padrões estéticos à Sharon Stone e Cindy Crawford, vendo-se de


repente diante das coxas grossas e quadris largos de musas como Ilka Soares e Iris
Bruzzi, eleitas as fabulosas “Certinhas do Lalau”-lista das dez (de)mais de 58,
1958: voz e violão; uma nova batida, outra interpretação publicada pelo cronista Stanislaw Ponte Preta no jornal Última Hora- ? Dá para
comemorar a primeira Copa do Mundo ganha pelo Brasil, na Suécia, às vésperas
do penta, na França? A experiência, o conhecimento histórico, nos faz ver de forma
diferente. A Maria Ester Bueno de agora se chama Guga. Quem esperar a Garota
de Ipanema nas calçadas cariocas das esquinas do século XX corre o risco de ser
assaltado, seqüestrado.
Este mesmo choque de percepções ocorre quando olhamos para 1968: quantos
corações já foram transplantados, depois do pioneirismo do Dr. Zerbini? Estranho,
de certa forma, falar nos horrores da tortura e da censura, radicalizadas pelos militares
com a decretação do Ato Intitucional n.º 5 (o tenebroso AI-5), hoje que se vive, mal
ou bem, em uma “democracia” (com todas as aspas). As manifestações estudantis
que abalaram o mundo, seja nas barricadas do “Maio Francê” seja na “Primavera
de Praga”, seja na “Passeata dos Cem Mil” (no Rio de Janeiro), em nada lembram
a postura “alienada” (termo muito usado na época) dos jovens da chamada Generation
X (a mesma dos “caras-pintadas” que pediram o impeachment de Collor embalados
pelo seriado Anos Rebeldes, que mostrava exatamente a garotada de 68 em ação).
58 foi um ano de glamour, de frescor, leve como a brisa do mar no piano de
Johny Alf, um dos precursores da Bossa Nova. 58, aliás, foi o ano de lançamento
do disco Chega de Saudade, de João Gilberto, marco da Bossa. Um ano sem
fossa, cheio de graça, repleto de luz -por isso desperta tanta saudade, a ponto de se
© Reprodução: AE

dizer que é “o ano que não devia terminar”. 68 também tem seu charme, apesar da
falta de frescor da época, marcada pelo endurecimento das relações políticas, pelas
manifestações estudantis, pelas investidas guerrilheiras, por prisões, torturas e
Um banquete antropofágico: “Tropicália”, 1968 desaparecimentos de militantes talvez por isso é que se diga que é “o ano que não
terminou”. 68 foi o ano do lançamento do disco -e, com ele, do movimento homônimo-
Tropicália. Nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e os Mutantes (de
Rita Lee) procuravam fazer a mais perfeita tradução deste tempo tumultuado, dando
T&C e Mundo lançam seqüência à “linha evolutiva da música popular brasileira”, segundo Caetano
Concurso de Redação -1998 estagnada desde João Gilberto. Um movimento que dizia É proibido proibir
“Brasil: 500 anos entre a floresta e a escola” (composição de Caetano inspirada num slogan dos jovens do Maio francês de 68),
em nome da Alegria, alegria (canção do baiano classificada em 4.º lugar no III
(pág.02) Festival da Record, em 1967). Mas o que restou de tudo isso? Os jornalistas
Marcelo Rezende e Jayme Brener falam mais do tema nas páginas 04, 05 e 06.
Apertem os cintos...
MARÇO
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40 anos de Bossa Nova / 30anos de Tropicália

O BALANÇO DA BOSSA & OUTRAS BOSSAS


Marcelo Rezende A nova batida ganha o mundo
Equipe de colaboradores
Na década passada, a bossa nova, passou por

A Bossa Nova é um movimento musical que


se caracteriza pela mistura – não é, como querem al-
de Francisco Alves e Orlando Silva, respectivamente
“O Rei da Voz” e “O Cantor das Multidões”), quase
Esse desejo de modernidade, de colocar musical-
mente o novo no lugar do velho tinha, para ele, três ele-
mundo e a realidade oferecida pelos pais. E tinham ago-
ra um momento histórico lhes dando razão e motivos: se
os Beatles queriam apenas “pegar na mão da garota” e
sonhar com “campos de morango e céu de marmelada”
um processo de redescobrimento. O mais estranho é
que aconteceu em Londres – e não no Rio de Janeiro.
Depois de ter corrido o mundo em sua fase de maior
guns, uma degeneração. Se é verdade que se pauta pela assustadoras, ligadas irremediavelmente ao samba (do mentos a herança da música erudita (notadamente tudo indicava felicidade e esperança, por que continuar (era assim que as pessoas os imaginavam, ao menos no sucesso, quando foi praticamente adotada na França,
aceitação do ritmo alheio, é fato que pinta – como samba de Noel Rosa ao samba-canção). Sem falar no Chopin), o jazz da terra distante e o samba do morro. E a cantar que o barracão é de zinco ou que a cabrocha não início), por outro, Bob Dylan colocava o seu folk a servindo de trilha para um dos maiores sucessos do
num quadro – o céu, o ar e uma esperança com cores samba lírico de Cartola, no samba de quintal da Ve- o que fez Jobim? Segundo ele mesmo, nada. Quem faria veio? Foram anos de sucesso após terem sido vencidas as serviço dos injustiçados. cinema do país, o filme “Um Homem, Uma Mulher”,
bem locais. Para conferir, basta tocar o disco “Chega lha Guarda da Portela, do samba de breque de Moreira seria o João Gilberto, que havia deixado a Bahia e rapi- resistências iniciais. A bossa nova passa pelo curioso fe- Neste contexto, surge uma geração capaz de ven- de Claude Lelouch, e influenciado a banda The Doors
de Saudade”, lançado por João Gilberto em 1958, um da Silva etc. Essa era a tradição, ou ao menos o que damente tinha se integrado ao grupo da bossa nova. Ele nômeno de influenciar aqueles que, pouco tempo antes, cer a resistência e oferecer ao público uma síntese entre nos EUA em uma ou duas composições (o tecladista
marco do movimento. Passados 40 anos, sobre este mais se parecia com uma, cultivada durante os longos havia pego todas as notas e os ritmos de uma bateria no haviam sido sua influência, quando músicos norte-ame- passado e presente, entre nacional e estrangeiro. Trata- do grupo amava jazz ), tornou-se uma espécie de sím-
gênero musical que se transformou em moda pelo anos do governo nacionalista de Getúlio Vargas (a carnaval e reduzido ao elemento mínimo (finalmente, o ricanos a descobrem – o frescor para o jazz. se dos tropicalistas. Caetano Veloso e Gilberto Gil per- bolo de sofisticação.
mundo (e fator de identidade nacional), vale ainda uma Rádio Nacional, que passa a pertencer ao Estado, em “saneamento”) a batida da bossa nova. A década de 50 havia sido a da felicidade, da abun- ceberam rapidamente que no país da Semana de Arte Do pianista Michel Legrand, compositor de
definição dada por Tom Jobim: “Uma ação purificadora 1940, cumpria o papel de porta-voz deste). As reações, de início, foram assustadoras. As dância material e da placidez. A seguinte anunciava as de 1922 e da antropofagia de Oswald de Andrade o parte das trilhas sonoras de outro movimento renova-
na música brasileira”. Jobim estava, ao lado de outros jovens de classe músicas e letras que falavam de temas tão comuns (o transformações tecnológicas e começaria a moldar o que valia era a mistura. Assim souberam misturar, por dor, dessa vez no cinema, e francês, a chamada
Mas de que limpeza falava Jobim, o autor de média do Rio de Janeiro, atento às mudanças culturais barco, o violão, a montanha e a tarde) foram atacadas mundo à maneira que hoje o conhecemos. A paz, e a exemplo, Jobim e Beatles a Roberto Carlos. Nasceu, Nouvelle Vague (nova onda), ao trompetista Chet
“Chega de Saudade” e “Garota de Ipanema” (em 1990, ocorridas depois do fim da Segunda Guerra Mundial por terem “mexido” no samba, tanto em seus temas esperança por ela, havia trombado nos constantes e pú- então, uma música internacionalista mas em tudo bra- Baker na ensolarada costa da Califórnia, todos tinham
esta última era a quinta canção mais executada no (1939-1945) e esperançoso com o processo que o país quanto em sua forma, além de sofrerem a influência blicos conflitos gerados pela Guerra Fria, que opunha o sileira. Uma atitude mais radical do que a bossa nova, adotado a bossa como um símbolo de sofisticação,
mundo – à frente de Tom, só os Beatles). Basicamen- atravessava – a furiosa passagem do agrário para o urba- indevida da música norte-americana. Outra suposta “vi- modelo capitalista norte-americano ao comunista da porque não apenas criou uma nova música nacional, tanto musical quanto comportamental. Isso significa
te a do samba, que foi – para os protagonistas dessa his- no, com a crescente industrialização da nação nos anos olência” cometida vem direto de João Gilberto, que pôs então URSS. Parte dos bossanovistas continuou na mes- como também colocou o país ao lado de outras van- que havia não apenas uma canção, mas também rou-
tória – o início de tudo. À época, havia ainda os gran- 50. O pianista tinha estudado com o maestro austríaco fim à necessidade da grande voz para se tornar cantor. ma trilha, e outros (Nara Leão, entre os exemplos) se guardas musicais, como o psicodelismo norte-ameri- pas, sapatos e até mesmo uma arrojado modelo de
des nomes da Era do Rádio (nomes celebrizados pelos Hans-Joachim Koellreutter e o compositor Heitor Villa- Para os “tradicionalistas”, preocupados com a engajaram em canções políticas, em que as letras e inten- cano e o pop de Londres. geladeira que poderiam ser “bossa nova”.
programas da Rádio Nacional e da Rádio Mayrink Lobos, experiência que lhe deu sofisticação formal. O “internacionalização da cultura”, aquilo que os jovens ções pudessem ser revolucionárias, esclarecendo aos ou- O capítulo escrito pela tropicália foi o de montar O inglês Paul Weller, que abandonou uma ban-
Veiga, como “A Voz Deliciosa” de Dalva de Oliveira e trabalho nos bares da cariocas, sempre pela madrugada, faziam não era mais samba, e sim “samba para america- vintes que eles eram explorados política e economica- uma contracultura nacional. Podíamos ser hippies, e tam- da de punk – The Jam – para fundar o seu Style
“O Caboclinho Querido” Sílvio Caldas). lhe concedeu o jazz e amizade com fãs de Frank Sinatra no”. O que está em disputa então são modelos. Políticos, mente. bém passistas e comunistas. Porque com o gênero tudo Council, um dos principais grupos da “new bossa”
Isso significava ao menos duas gerações de gran- – afinal, o novo Brasil era também um pouco mais nor- sociais e também geracionais – em relação a tudo o que Ganhava a cena uma oposição, ou ao menos será aceito. Tudo no Brasil, a partir de 68, é de certa (nova bossa) ao lado do Matt Bianco e da cantora Basia
des talentos e vozes fortes (como atestam os apelidos te-americano. se fez até o momento, a bossa nova é ideologicamente uma aparente oposição, entre engajados e alienados, forma Tropicália. Uma solução, e também uma espécie – que dedicava seus discos para Astrud Gilberto, ex-
uma ruptura e esteticamente uma continuação. Sua von- como exemplifica o atrito entre os herdeiros da bossa de prisão de onde não conseguimos, ao menos até agora, mulher de João – sabia o que procurava. A batida da
tade é instituir uma música nova para um Brasil novo, nova e os rapazes que amavam mais rock que causas so- nos libertar. bossa nova, usada em nome do rock e do pop britâni-
tarefa que realiza recolhendo e polindo os valorosos ele- ciais – a Jovem Guarda de Roberto Carlos, entendida no cos, servia de signo para a renovação musical que acon-
© Reprodução: AE

mentos do passado. período como inocente e inútil. De certa forma, um tecia por lá no período.
Como sempre, os filhos estavam recusando o reflexo do que acontecia no mundo. Se, por um lado, Marcelo Rezende é jornalista da Folha de S.Paulo. (M.R.)

Outras manhãs tropicais se iniciam


Paulo César de Carvalho
Editor de T&C

Os Mutantes: humor elétrico arrombando a festa A Tropicália significou, de acordo com Caetano Veloso, a retomada da linha evolutiva da música popular brasileira,
estagnada desde a bossa nova de João Gilberto. Aliás, foi um movimento que procurou utilizar as informações da modernidade
-não só musical- para recriar, renovar, a canção tupiniquim. Nas palavras de Caetano, para “dar um passo à frente da música
popular, na medida em que João Gilberto fez”.
Esta procura pelo novo, contudo, jamais implicou o desprezo pelo passado. Ao contrário, é exatamente o conheci-
mento da tradição que legitima os experimentalismos, como base de partida para a superação de modelos já esgotados. A
Bossa não negou o samba -mesclou nossas raízes às modernas manifestações da música americana. Pariu o novo aceitando
e incorporando a influência do jazz. A Tropicália aprendeu a lição, como bem exemplifica a regravação da seresta “Coração
Materno”, do boêmio Vicente Celestino. Deu à luz o novo com outra bossa, batendo no liquidificador ingredientes vários
e distintos, como o tupi e o inglês, o samba e o rock, o berimbau e a guitarra, o coqueiro e o arranha-céu.
Como a bossa frutificou na tropicália, esta também espalhou (espalha) suas sementes, na seqüência da “linha evolutiva”
© Antônio Andrade / Abril Imagens

da MPB. As influências tropicalistas podem ser notadas em diversas manifestações: no final da década de 70, em São Paulo,
no teatro Lira Paulistana, surgiu uma geração de músicos e compositores herdeiros dos “antropofágicos” artistas. A idéia de
João Gilberto: um banquinho e um violão associação entre o erudito e o popular, por exemplo, foi encarnada por Arrigo Barnabé, músico de formação clássica. Ele foi
para esta geração, guardadas as devidas proporções, uma espécie de Rogério Duprat, o maestro e arranjador dos tropicalistas.
Itamar Assumpção conferiu à letra o estatuto de poesia, exatamente como Caetano -a canção ganha espaço no “pedestal” da
arte, valorizada como forma artística (em um sentido mais elevado). Grupos como Língua de Trapo e Premeditando o
Breque, recheados de humor, arrombaram a festa, inaugurando outros carnavais, bem na linha dos Mutantes de Rita Lee.
Na década de 90 o movimento Mangue Beat, liderado pelo genial e saudoso Chico Science e sua Nação Zumbi, foi
a mais perfeita tradução tropicalista. Além da rica mistura rítmica que promoveram, com elementos do maracatu, do
samba e do rock, o símbolo que elegeram já fala por si só: uma antena parabólica fincada no mangue, representando de
certa forma a “floresta” e a “escola”, o primitivo e o civilizado -os Brasis que convivem no Brasil. Sem falar na nova leva de
músicos e compositores, como Lenine (para Caetano, “a maior surpresa da MPB atual”) e Zeca Baleiro (convidado por Gal
© Cristiano Mascaro / Abril Imagens

Costa para seu acústico). Além de Chico César (que tem uma pinta tanto de Caetano quanto de Gil), Carlinhos Brown (que
tocou várias vezes “com os velhos” baianos) etc.
Nem tudo são flores, entretanto, a se observar o “Som Brasil” em comemoração aos 30 anos da Tropicália. Os
Geraldo Vandré, ícone da
“música de protesto”
grandes sucessos do final da década de 60 ganharam em fins de 90 novas “interpretações”, nas vozes de Daniela Mercury e
Banda Eva. Como disse um jornalista, o evento foi “macumba pré-carnavalesca para turistas e desavisados”, “a definitiva
fossilização do tropicalismo”. Seria esta a linha “involutiva” da MPB?
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COM BRASILEIRO, NÃO HÁ QUEM POSSA...
Em 1958 o Brasil vivia a euforia
1958 do crescimento econômico e da 1968
“o ano que não devia terminar” vitória na Copa do Mundo “o ano que não terminou”
© Reprodução: AE

© Paulo Salomão / Abril Imagens


O assalto ao céu
Em 1968, todas as rebeldias do mundo pareciam
unir-se em um grito de liberdade

O ano de 1968 funcionou como uma verdadeira


catarse, uma explosão mundial que unificou todas as rebel-
dias. Desde os negros norte-americanos que lutavam pelos
direitos civis, dispostos a não mais se sentarem na parte de
trás dos ônibus no sul do país, até os universitários brasilei-
ros que saíam às ruas contra uma ditadura militar que pare-
Tom e Vinícius: a trilha musical do cia empenhada em banir qualquer manifestação de inteli- Caetano Veloso e Beat Boys: “Alegria, Alegria”,
desenvolvimentismo da Era JK gência. rompendo convenções no Festival da Record
Na França, protestos por melhores condições de en-
sino de repente se transformavam em rebelião, com os estu-

“ A Copa do Mundo é nossa/Com brasi-


leiro/Não há quem possa”. Essa marchinha ani-
mou a festa pela conquista de nosso primeiro
título mundial de futebol, em 1958, na Suécia.
dantes erguendo barricadas, enfrentando a polícia e discu-
tindo quem seria o guia genial do futuro mundo socialista.
Marx, Lênin, Leon Trotski, Mao Testung? Os tiros da polí-
cia cobriam o chão de cadáveres dos garotos que, na praça
Mas o símbolo máximo do desenvolvimen-
tismo de JK era a inauguração de Brasília, marcada
para 1960. Imagine só, uma capital novinha em fo-
lha, em pleno cerrado. Ninguém segurava esse país.
Tlatelolco, no centro da Cidade do México, protestavam
Foi um show. Também, não era para menos. Na área cultural, então, nem se fale. A
contra um sistema político que mantinha no poder, há seis
Olhe só o ataque do escrete (um sinônimo de bossa nova encantava mocinhos e mocinhas de
décadas, o mesmo grupinho político.
equipe, então muito utilizado) canarinho: A bela capital Tchecoslovaca, Praga era destruída pelos São Paulo e do Rio. Nos botequins, os intelec-
Garrincha, Vavá, Pelé e Zagalo. tanques do Pacto de Varsóvia, a aliança militar que a URSS tuais se dividiam entre a arte “engajada”, peças
Não foi só o futebol que fez de 1958 um comandava. Os dinossauros de Moscou tentavam, a todo como Eles não usam black tie, de Gianfrancesco
ano de ouro para o Brasil. Enquanto a França custo, evitar que se espalhasse pelo bloco socialista a experi- Guarnieri, e a crítica de costumes (em 1958,
enfrentava um conflito interminável na Argélia ência libertária da Primavera de Praga. Um jovem (sempre Nélson Rodrigues estreava a peça Os sete gati-
e a guerra do Vietnã pegava fogo, n sso país pa- eles...), Jan Palach, se imolava, ateando fogo às roupas na nhos). A TV brasileira dava seus primeiros pas-
recia ter-se transformado em ilha de tranqüili- praça Venceslau, bem no centro da cidade, em protesto con- sos com programas bem-educados: peças de pri-
dade. O presidente Juscelino Kubitschek, com tra a invasão soviética. meira, seriados estrangeiros. Violência? Sexo?
A gritaria contra a URSS, contra os EUA, contra os
seu jeito bonachão de mineiro malandro, Nem pensar. Naquela época em que, em casa e
militares brasileiros, fazia coro com o movimento hippie,
driblava as tentativas de golpe militar que, há nas escolas, ensinava-se que sexo antes do casa-
então no auge. Faça amor, não faça a guerra. As flores contra
anos, setores de extrema-direita vinham traman- o canhão. Paz, sexo livre, roupas confortáveis e drogas libe- mento não era coisa de gente de família, o baiano
do. Domava a linha dura e depois terminava radas. Tudo isso contra os podres poderes que mandavam os Jorge Amado botava as manguinhas de fora. Ele
anistiando os golpistas; o estilo caipira cativava garotos norte-americanos apodrecerem nos pântanos do lançava em 1958 seu apimentado romance
todos. Vietnã, lutando uma guerra que não era a sua. Queimando Gabriela, cravo e canela.
Juscelino, na verdade, estava engajado em vivas milhares de pessoas, em defesa da “democracia”, con- O brasileiro vibrava com as conquistas amo-
um novo projeto econômico, destinado a subs- tra o “perigo comunista”. rosas do playboy carioca Jorginho Guinle, que se
tituir o estatismo, os pesados investimentos que James Taylor, Bob Dylan, Joan Baez, cantavam a paz. orgulhava de jamais ter trabalhado e, ao anunciar
o Estado fizera em infraestrutura – siderúrgicas, Jimmi Hendrix e Janis Joplin morriam, tão jovens, de overdose. o namoro com mais uma estrela de cinema de
Com a morte, confirmavam uma frase típica daqueles tem-
exploração de petróleo – durante os governos Hollywood, parecia marcar outro gol verde-ama-
pos: “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”.
de Getúlio Vargas (1930/46 e 1950/54). Para relo. A tenista Maria Esther Bueno fazia furor nos
Passaram-se 30 anos. Os hippies, hoje carecas,
JK, o segredo do crescimento econômico barrigudinhos e barrigudinhas, tiveram que voltar à socieda- circuitos internacionais, mostrando que o brasilei-
ininterrupto estava na associação entre o Esta- de de consumo, arrumando emprego para segurar a família. ro era bom com bolas de qualquer dimensão.
do, as grandes empresas estrangeiras e o capital Alguns poucos resignaram-se à eterna marginalidade. Hoje E o sonho da juventude era comprar uma
nacional. O exemplo do encontro entre essas três se sabe que Mao Tsetung, um dos ídolos de 1968, foi um lambreta. Talvez levar na garupa uma das certi-
fontes de investimentos deu-se com a instalação tirano sanguinário, responsável pela morte de milhões de nhas do Lalau, modelos escolhidas pelo brilhan-
da indústria automobilística. O governo inves- inocentes. Mas 1968 não acabou. Muitos de seus protago- te humorista Sérgio Porto, que usava o pseudô-
tiu na geração de energia, serviços de água, es- nistas estão aí, talvez não lutando mais para tomar o céu de nimo Stanislaw Ponte Preta. Carmen Verônica,
tradas e portos modernos. Grandes multinaci- assalto, mas preocupados com a defesa da democracia, dos Neide Aparecida... Todas meio rechonchudas,
direitos humanos, do meio-ambiente. Bob Dylan, Joan Báez,
onais européias (a Simca e a Renault, da França, segundo os padrões de hoje. Todas demonstran-
Chico Buarque, continuam compondo. E há, é claro, a he-
a Volkswagen alemã) ou norte-americanas (Ford, do uma robusta saúde. Como a que o Brasil pa-
rança dos hippies. Graças a eles, o terno e gravata, as roupas
GM) montaram fábricas por aqui, usando má- femininas sisudas, já não são tão obrigatórios. O sexo, mes- recia exibir em 1958.
quinas de sgunda mão. E o capital nacional ocu- mo “seguro”, devido à ameaça da Aids, já não é um tabu tão
pou espaço implantando fábricas de peças para grande. Paz e amor, bicho.
veículos. (J.B.)
Jayme Brener
Editor de Ulysses
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Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Lucília Maria Sousa Romão 7
Redação no Vestibular • Redação no Vestibular • Redação no Vestibular •
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jogo rá
pido

O exercício aqui proposto envolve


criatividade e percepção visual. É o
momento de experimentar o traço, © Museu de Arte de São Paulo, SP

degustar a tela, sentindo cada pincelada

© Salaber-Liaison / Gamma-RBA
na ponta da língua escrita. A ordem
agora é transformar o que se vê em um
texto com estrutura livre.

m ão n “Enterro na Rede”, de Cândido Portinari. “Epopéia do Povo Mexicano - O México Pré-Hispânico - O Antigo Mundo
a m as sa Índígena”, 1929, de Diego Rivera.

TEMA 1) Com base no tema explícito no texto abaixo, escreva uma dissertação de mais • “ O Brasil reprova por ano 5 milhões de crianças no ensino fundamental. Somando-as
ou menos 30 linhas. Mostre qual é a sua posição sobre o Novo Código de às que abandonam a escola durante o ano, um em cada três não conclui a série em que
Trânsito e fundamente o que você pensa, usando provas sólidas. se matricula. Esse é um dos principais problemas do ensino brasileiro (...). O proble-
ma é que na rede pública brasileira a reprovação de alunos é a regra - a ponto de os
“O Código de Trânsito Brasileiro é um apanhado de boas idéias e punições severas que especialistas da área terem cunhado a expressão ‘pedagogia da repetência’ para descre-
pode combater a barbárie das ruas, desde que realmente aplicado (...). Esperamos um ver essa tradição.”
choque de cidadania no brasileiro, que deve perceber que todos ganham com um trân-
sito seguro.” (Folha de S.Paulo, 22/01/98) • “ Proliferam no país medidas como ciclos, a aprovação automática, classes de acelera-
ção e recuperação nas férias, que visam solucionar o problema do progresso na
TEMA 2) Ler e dissertar são partes do mesmo processo. Por conta disso, a coletânea a escolarização” - Matérias especiais publicadas pela Folha de S.Paulo- fevereiro/98.
seguir tem a função de lançar algumas luzes sobre o debate. São informações
e argumentos que devem ser usados pelo aluno na confecção da sua disserta-
ção. Mínimo de 30 linhas. Tema: A Educação no Brasil do Real.

REFUTAÇÃO
A finalidade é experimentar a argumentação em alto e bom som -o aluno Trata-se de uma série de recursos e procedimentos com a mesma finalidade:
deve contradizer a tese enunciada por certa personalidade. Para tal, espera-se que ele convencer o leitor, fazendo-o crer que tal tese é confiável, merecedora de crédito e
use procedimentos capazes de convencer o leitor. respeito. Por conta das provas, argumentos, dados concretos, o leitor é persuadido
Prove, então, que o bem-humorado Barão de Itararé estava errado quando afir- racionalmente.
mou: “No Brasil a vida pública é, muitas vezes, a continuação da privada.”. Para refutar Portanto, fica claro que o bom argumento deve ter a intenção de fortalecer a
essa declaração, use exemplos, fatos históricos, estatísticas e referências sólidas. tese, seduzir o leitor, fazê-lo comungar do mesmo pensamento do autor. Mesmo que
por um momento apenas. Para melhor enfrentar esta batalha de idéias, é necessário
que se tenha um repertório cultural mínimo -exemplos históricos, cifras precisas,
ARGUMENTOS DIÁRIOS depoimentos de autoridades no assunto debatido etc. Não se contente com as miga-
lhas do lugar-comum.
Vale criar um “mix” em que a descrição e a narração por vezes se misturem
O jovem, saindo do cinema, afirma que não gostou do filme. Insiste que
numa só trança. Interação que pode ser frutífera no caso de uma discussão sobre o
houve excesso de cenas violentas, um enredo pobre, atores fracos, além de uma
sistema penitenciário brasileiro hoje. Deve-se traçar um perfil da situação, fornecen-
conotação racista no desfecho.
do por exemplo características dos presídios, além de dar pistas sobre as leis e as
O adulto apresenta sua escolha política: tal candidato é o mais preparado.
punições aplicadas. Para completar, é possível citar exemplos, como o Carandiru,
Com uma bagagem acadêmica expressiva, ele tem experiência no Senado e sabe for-
explicando e narrando como os fatos se desenrolaram.
talecer a imagem do país no exterior com visitas internacionais, discursos inteligen-
Na tentativa de aprimorar esse potencial de argumentação, cabe ao aluno
tes e uma convincente postura diplomática.
investigar os porquês de suas idéias, gostos, desgostos. Sustentar essas teses nossas de
O apartamento que a imobiliária está anunciando é ótimo: a localização é das
cada dia é o nosso trabalho daqui para a frente. Ensaiando os primeiros movimentos,
melhores. Há boa infra-estrutura de lazer e recreação na área externa. Três quartos
escreva um parecer sobre determinado filme a que assitiu. Depois, dê argumentos
bem iluminados, duas vagas na garagem, acabamento de primeira: tudo isso com
que confirmem sua opinião. Faça o mesmo com : o país que você gostaria de conhe-
financiamento direto da construtora.
cer, certa personalidade política, o plano real. Esse tipo de exercício deve ser feito no
Esses exemplos tão cotidianos são, grosso modo, o embrião de um processo a ser
cotidiano: pulsação quente a ser testada.
muito explorado no texto dissertativo: a argumentação. Essência básica nos debates e
discussões de idéias. Complemento necessário ao raciocínio. Indispensável ferramenta.
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2 B R A SIL
DE NO
S

NO
Concurso de Redação - 1998

M
UN
5 00 A

T&C e Mundo

DO
6 ANOS DE MUNDO
NO BRASIL 1. Objetivo do concurso

A preocupação central do concurso é estimular o hábito do contato com o texto e, assim, contribuir para o
processo de formação de massa crítica no Brasil. Esta, aliás, foi a nossa grande ambição ao decidirmos lançar
o boletim T&C - um pequeno e modesto passo face às necessidades do país, onde o conceito de cidadania
nunca foi construído.
Para que o concurso se desenvolva bem, é essencial a colaboração do professor, especialmente o da área de
Comunicação e Expressão. Como veremos adiante, as normas do concurso prevêem a participação ativa do
mestre. Então, mãos à obra!!!

2. Tema da Dissertação

Leia a coletânea abaixo, extraindo dela subsídios para a construção de um texto a respeito do seguinte tema:
“Brasil: 500 anos entre a floresta e a escola”.

1- “No ano 2000 o Brasil comemora, além da passagem do século e do milênio, quinhentos anos do seu descobri-
mento.(...) A sobrecarga de presságios desencadeada por uma tal conjunção combina bem com a psicologia de
uma nação falhada que encontra razões para envergonhar-se de um dia ter sido chamada de ‘país do futuro’. O
Brasil é o outro gigante da América, o outro melting pot de raças e culturas, o outro país prometido a imigrantes
europeus e asiáticos(...). O epíteto de “gigante adormecido’, aplicado aos Estados Unidos pelo almirante Yamamoto,
© Museu Nacional de Belas Artes, RJ

será tomado por qualquer brasileiro como referente ao Brasil, e confundido com o já considerado agourento
‘deitado eternamente em berço esplêndido’ da letra do Hino Nacional.”(Caetano Veloso, no livro Verdade
Tropical -1997)

2- “...Acenda todas as velas! Economia em regressão. As grandes empresas estão voltando à tração animal! Estamos
ficando um país modesto. De carroça e vela! Também já hipotecamos tudo ao estrangeiro, até a paisagem! Era o
país mais lindo do mundo. Não tem agora uma nuvem desonerada. (...) A Amé-ri-ca - é - um - blefe!!! Nós todos
mudamos de continente para enriquecer. Só encontramos aqui escravidão e trabalho! Sob as garras do imperia-
“Primeira Missa”, de Víctor Meirelles
lismo! Hoje morremos de miséria e de vergonha! Somos os recrutas da pobreza! Milhões de falidos transatlânticos!
Para as nossas famílias, educadas na ilusão da Amé-ri-ca, só há a escolher a cadeia ou o rendez-vous! Há o
suicídio também!” (Abelardo I, personagem da peça O Rei da Vela, 1937, de Oswald de Andrade)
Estamos na Internet 3- “Cada vez mais o litoral encurrala o sertão, especializando-se em inépcia à medida que este se especializa em
Converse com os editores e consulte o miséria moral e ignorância. O beco é sem saída. A República, feita para uso e gozo de sua mediocridade
arquivo do Ulysses e das outras publicações rapinante, não resolve problemas sociais. Digere. Joga pôquer. Percebe porcentagens. Não lhe sobram olhos (...).”
da editora Pangea (Mundo e Texto & (Monteiro Lobato, escritor pré-modernista, em A onda verde -1921)
Cultura) na home page:
www.uol.com.br/mundo 4- “Somos herdeiros de uma província vasta e privilegiada, onde se multiplicou um povo ativo, sedento de progres-
so e de prosperidade. Temos tudo o que se pode pedir para nos fazermos uma das mais prósperas nações da Terra.”
(Darcy Ribeiro, antropólogo, na obra O Brasil como problema -1995)

5- “Brasil, mostra a tua cara!/ Quero ver quem paga/ Pra gente ficar assim/ Brasil, Qual é o teu negócio/ O nome
do teu sócio/ Confia em mim/ (...)Grande pátria desimportante/ Em nenhum instante/ Eu vou te trair” (Cazuza,
E X P E D I E N T E Brasil -do disco Ideologia, de 1988)

Texto & Cultura - Interpretar ■ Escrever é uma 6- “ O Brasil não tem vocação para a mediocridade.” (Lúcio Costa, urbanista)
publicação de Pangea - Edição e
Comercialização de Material Didático LTDA.
3. Regulamento do concurso
Redação: Paulo César de Carvalho (Editor); José Arbex Jr.;
Lucília M. S. Romão (assessora pedagógica). As escolas conveniadas receberão um regulamento detalhado. Divulgamos, abaixo, os principais tópicos:
Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779) • Quem poderá participar? Todos os alunos de 2º Grau das escolas que assinam Mundo ou T&C.
Revisão: Paulo César de Carvalho
Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise • Qual a forma de participação? Cada escola poderá enviar até três redações. Tomamos a liberdade de sugerir que
Endereço: Rua Romeu Ferro, 501, São Paulo - SP. as escolas realizem um concurso interno de seleção. Importante: poderão participar todos os leitores do
CEP 05591-000. Fone: (011) 2104069 - Fax: (011) 8701658 - boletim, mas apenas mediante a intermediação das escolas. Até por razões técnicas, não podemos receber, ler e
E-mail: pangea@uol.com.br julgar milhares de redações. Isso significa que só receberemos os trabalhos indicados pelas escolas.
Distribuidores:
Rio Grande do Sul: Euler de Oliveira. Fone: (051) 2468732 -
• Qual o prazo para o envio das redações? Serão aceitas as redações recebidas na sede de Pangea, em São Paulo
Fax: (051) 3434466. Bahia: Alitônio Carlos Moreira. Fone: (071) (v. endereço no Expediente), até o prazo de 10 de julho de 1998.
3713979 - Fax: (071) 3320277. Santa Catarina: Roberto Lima. • Quais as características das dissertações? As dissertações deverão ter até 40 linhas (atenção: o título é obriga-
Fone: (048) 9726249. Mato Grosso do Sul: Gilda Falleiros. Fone tório). Cada escola receberá três formulários pautados e numerados, para a transcrição dos textos escolhi-
e Fax: (067) 3829456. Pará: José Milton Morais. Fone: (091) dos. Adequadamente preenchidos -com letra legível!-, deverão ser remetidos à sede de Pangea. Este forma-
2498184. Maranhão: João José Campos. Fone: (098) 2381842 -
to é obrigatório, inclusive para garantir o sigilo (a Comissão Julgadora não terá acesso aos nomes dos
Fax (098) 2381736.
Colaboradores: Antonio Medina Rodrigues, Nicolau autores ou das respectivas escolas).
Sevcenko, Emília Amaral, Aguinaldo J. Gonçalves, José de • Quem julgará os trabalhos? Os trabalhos serão avaliados por uma Comissão Julgadora integrada por profes-
Paula Ramos Jr., José Emílio M. Neto, Clenir B. de Oliveira e sores de Comunicação e Expressão de reconhecido saber e experiência no ensino médio. Sua composição
Marcelo Rezende. será divulgada oportunamente.
Homepage: http://www.uol.com.br Link Mundo
• Haverá prêmios para os trabalhos vencedores? Sim. Os autores das cinco melhores redações serão premiados
A Redação não se responsabiliza pela opinião ou
por Pangea e empresas que patrocinam o concurso. Outras redações poderão receber prêmios de Menção
informação veiculadas em matérias assinadas.
Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos assinaturas indi-
Honrosa. Os prêmios serão divulgados oportunamente.
viduais. Exemplares avulsos podem ser obtidos nos seguintes en- • As redações serão publicadas? A redação vencedora será publicada e comentada na sexta edição de Texto &
dereços, em SP: Cultura (final de outubro). As demais poderão ou não ser publicadas. Importante: os autores concedem a
• Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad) - Prédio T&C o direito de publicá-las, sem remuneração autoral, no próprio boletim ou sob outra forma. Os trabalhos
do Depto. de Geografia e História - USP enviados não serão devolvidos.
• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900.
T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C • PANGEA • T&C MARÇO
98

E D I T O R I A L 3
TEXTO & CULTURA É UMA PU- ARTE MODERNA. DE VILLA-LOBOS A MEIRO ENCONTRO ENTRE “A SELVAGERIA E A DOS ASSASSINATOS DE MENORES
BLICAÇÃO QUE PROCURA ENTENDER, ADONIRAM BARBOSA, DE TARSILA A TOM CIVILIZAÇÃO”. OBSERVANDO EVENTOS COMO ABANDONADOS, DAS TORTURAS DE
DESDE 1995, DIVERSOS ASPECTOS DA JOBIM, INSISTIMOS EM COLABORAR PARA CANUDOS E O CONTESTADO, O ESCRITOR PRÉ- DETENTOS, DOS GENOCÍDIOS DE ÍN-
COMPLEXA FORMAÇÃO DO BRASIL. A QUE SE DECIFRE O ENIGMA... MODERNISTA MONTEIRO LOBATO CRITICAVA DIOS. COMO DIZ CAETANO, DAN-
BUSCA NÃO É NOVA, MAS NEM POR ISSO NESTE MOMENTO, SOBRETUDO, UM BRASIL QUE VIVIA ENTRE “O SERTÃO E O ÇAMOS COM UMA GRAÇA CUJO SE-
MENOS OUSADA - TRATA-SE DA AINDA EM QUE TANTO SE FALA DOS 500 ANOS DO LITORAL”. NA MESMA LINHA, O MODERNISTA GREDO SE DESCONHECE, “ENTRE A
DIFÍCIL TAREFA DE “DESVELAMENTO DO BRASIL, T&C SENTE-SE MAIS ATUAL DO OSWALD DE ANDRADE ENFATIZAVA QUE NOS- DELÍCIA E A DESGRAÇA, ENTRE O
MISTÉRIO DA ILHA BRASIL”. QUE NUNCA, TÃO PRESENTE QUANTO OS SA IDENTIDADE RESIDE ENTRE “A FLORESTA E A MONSTRUOSO E O SUBLIME”.
MOVIDOS POR TAL ÂNIMO É QUE VERSOS DO HINO NACIONAL DE DRUM- ESCOLA ”. C OMO RESUMIU O CINEASTA “O BRAZIL NÃO CONHECE
DISCUTIMOS TEMAS COMO A PRESENÇA MOND - “NOSSO BRASIL É NO OUTRO GLAUBER ROCHA NO TÍTULO DE UM FILME O BRASIL/ (...) O BRAZIL NÃO ME-
DO NEGRO NA LITERATURA NACIONAL, A MUNDO. ESTE NÃO É O BRASIL./ NENHUM SEU, SOMOS DEUS E O DIABO NA TERRA DO RECE O BRASIL/ O BRAZIL TÁ MA-
ASSIMILAÇÃO DO ÍNDIO NO IMAGINÁRIO BRASIL EXISTE. E ACASO EXISTIRÃO OS BRA- SOL. O BRASIL PARECE SER UM PAÍS REGIDO TANDO O B RASIL / D O B RASIL ,
TUPINIQUIM, A PARTICIPAÇÃO DO ITALI- SILEIROS?”. MAIS UMA VEZ, VOLTA À TONA PELO SIGNO DA AMBIGÜIDADE. S.O.S AO BRASIL”. PENSANDO NES-
ANO NO PORTUGUÊS “MACARRÔNICO” A VELHA MAS SEMPRE NOVA MÁXIMA DE UM BRASIL PLURAL NO TABULEIRO: TAS QUERELAS DO BRASIL (COMPO-
FALADO EM SÃO PAULO. ASSIM É QUE, SHAKESPEARE, EQUAÇÃO ATEMPORAL E “REI” INDUSTRIAL, “CAVALOS” LATIFUNDIÁRI- SIÇÃO DE M AURÍCIO T APAJÓS E
DA CARTA DE ACHAMENTO DO BRASIL AOS UNIVERSAL, DESDE SEMPRE DIFÍCIL - TO BE OS E MUITOS “PEÕES”. BICHO DE MUITAS CA- ALDIR BLANC), T&C ENGROSSA O
DIAS DE HOJE, DO QUINHENTISMO À PRO- OR NOT TO BE: THAT’S THE QUESTION! O BEÇAS, TEMPLO DE DEUSES VÁRIOS, “BABEL” CORO DAS COMEMORAÇÕES DOS
DUÇÃO CONTEMPORÂNEA, DE PERO VAZ QUE É ESTE COLOSSO ENIGMÁTICO QUE DE REGIONALISMOS: O BRASIL DO NORTE E O 500 ANOS LANÇANDO O TEMA DO
A GIL, DE VIEIRA A JORGE AMADO, DE RESPONDE PELO NOME BRASIL? QUEM SÃO DO SUL; O BRASIL CIVILIZADO E O CAIPIRA; O CONCURSO DE REDAÇÃO DE 1998 -
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA A GUIMA- OS FILHOS DESTA PÁTRIA-MÃE MISTERIO- BRASIL NEGRO E O ÍNDIO; O BRASIL URBANO E “BRASIL: 500 ANOS ENTRE A FLO-
RÃES ROSA, PERSEGUIMOS O ECLETISMO SA? SER OU NÃO SER, DESDE 1500, AINDA O RURAL; O BRASIL SAMBISTA E O ROQUEIRO; RESTA E A ESCOLA”.
DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA. NÃO FOI É A QUESTÃO. O BRASIL ACARAJÉ E O BIG-MAC. FLORESTA E AGORA É COM VOCÊ! MÃOS
À TOA QUE CAMINHAMOS DOS 300 ANOS JÁ NO ENCONTRO INICIAL, AS VI- ESCOLA; SELVAGERIA E CIVILIZAÇÃO; DEUS E À OBRA!!!
DE ZUMBI AOS 30 ANOS DA TROPICÁLIA; SÕES DE MUNDO DIFERENTES E OPOSTAS DIABO. O BRASIL ETECÉTERA. NA MESMA RE-
DOS 150 ANOS DE NASCIMENTO DE CAS- SE CHOCARAM CRUAMENTE -PARA O AN- LUZENTE “TERRA DO SOL”, DO FUTEBOL, DO
TRO ALVES AOS 75 ANOS DA SEMANA DE TROPÓLOGO DARCY RIBEIRO, FOI O PRI- CARNAVAL, CONVIVEM OS MATIZES CINZENTOS

des
c ‘‘O ESTILO É O QUE FAZ COM QUE O AUTOR DE UMA CARTA ANÔNIMA SEJA
ub

RECONHECIDO” - DIZIA O POETA MODERNISTA MANUEL BANDEIRA: O


a VERDADEIRO AUTOR IMPRIME SUA MARCA EM TUDO O QUE ESCREVE. A
r

oa MANEIRA DE ESCREVER É SUA ASSINATURA E IDENTIDADE. NESTE ESPAÇO,


utor
TRABALHAREMOS COM FRAGMENTOS DA VIDA (DEPOIMENTOS, FATOS,
CURIOSIDADES ETC) E DA OBRA (EIXO TEMÁTICO, VISÃO DE MUNDO,
CARACTERÍSTICAS ESTÉTICAS ETC) DE PERSONALIDADES EXPRESSIVAS DO CENÁRIO
CULTURAL. CABERÁ A VOCÊ JUNTAR AS PEÇAS E CHEGAR AO AUTOR (NA
PRÓXIMA EDIÇÃO VOCÊ DESCOBRE SE SUAS ANTENAS CAPTARAM O SINAL).

V iveu procurando a estrela da


manhã, muitas vezes sem encontrá-la, a
morte de pessoas amadas, o dinheiro
escasso, o amor adiado. “Sou bem nas-
não ser no seu mágico mundo interior, cido. Menino, / Fui, como os demais,
nas esquinas solitárias de sua poesia, nas feliz/ Depois veio o mau destino/ E fez
andorinhas de esperança que via nos fios de mim o que quis”.
elétricos do Rio de Janeiro. Vindo de Tuberculoso, abandonou suas

© Reprodução: AE
Recife, foi o grande orientador de uma atividades e iniciou uma caminhada do-
gestação poética embrionada na simpli- lorosa, da qual ainda conseguiu tirar
cidade, no verso resumido, na fala coti- versos e ironia. Passou diversas tempo-
diana. Dizia : “ o poema, no sonho, te radas em Campanha, Teresópolis,
persegue/ e , servo, ao acordar ele te se- Uruquê, Quixeramobim. Por fim em-
gue”. E soube como ninguém fazer ver- barcou para a Europa, a fim de se tratar ou o que quer que me pudesse acontecer Com os problemas de saúde
sos a partir de vasos de rosas, pêssegos no sanatório de Clavadel na Suiça. Lá não me preocupava, porque eu sabia que agravados, o poeta deixou o seu apar-
na fruteira, gatos ao sol, casas e pensões conheceu Paul Éluard e Salvador Dali, pondo a minha mão na sua, nada haveria tamento e foi morar com Maria de
onde habitavam seres humanos tão entre outros. Voltou ao Rio e enterrou que eu não tivesse a coragem de enfrentar. Lourdes, sua companheira dos últi-
iguais a nós. Tão dentro de nós. sua mãe, sua irmã e seu pai, tendo uma Sem ele, eu me sentia definitivamente só. mos anos: “ Ouço o tempo, segun-
Ele pedia: “Criancice? Deus me perda afetiva a cada dois anos. E era só que teria que enfrentar a pobreza e do por segundo/ Urdir a lenta eter-
conserve as minhas criancices!”. No que Ferido pela presença da morte, a a morte”. nidade...”. Morreu no dia 13 de ou-
foi prontamente atendido, pois a mes- solidão se consumou e o poeta come- Os amores foram poucos, porém tubro de 1968 . Foi embora para
ma chama de inocente generosidade foi çou um período amargo em que che- densos e cheios de significados, resguarda- uma terra onde ele é amigo do rei.
sua companheira até a morte. E foram gou a preparar chá para os seus fantas- dos dos olhos curiosos. Raras vezes chegou
tantos tropeços: a saúde debilitada, a mas. “Quando meu pai era vivo, a morte a apresentar uma paixão.
agosto 98
2
Mapa do T udo ao mesmo tempo agora, diz a canção dos
Titãs. Mas navegar é preciso e a sua viagem é pelo
Futuro tempo. Reserve um tempo, agora, para começar a
imaginar o futuro. A seguir, um roteiro para você
desenhar o seu próprio Mapa do Futuro(*):

1 Imagine uma carreira. Pense sobre o que gosta de fa-


zer e procure informações sobre tipos de treinamento, 6 Selecione as escolas ou programas de treinamento que
oferecem acesso à carreira escolhida, mas não esque-
formação e habilidades necessárias para chegar ao ça de avaliar os custos financeiros e o tempo que será
topo dessa carreira. necessário, caso precise fazer um empréstimo ou fazer
uma poupança prévia, para cobrir as despesas.

2 Seja honesto consigo mesmo! Tente avaliar suas pró-


prias habilidades e interesses. De que atividades e Procure informações sobre fundos financeiros, crédito
coisas você mais gosta? No que você acha que é bom? 7 educativo, bolsas de estudo e capacidade financeira
Qual o seu tipo de personalidade? Quais os seus va- de sua familia para criar uma estratégia compatível
lores éticos, políticos, estéticos e religiosos? com os seus objetivos na carreira.

Pesquise sobre profissões. Tente descobrir, falando com Ainda não acabou... Comece desde já a se informar
3 pessoas da família ou pais de amigos, como se de- 8 sobre as dicas de obtenção de empregos na área que
senvolve uma carreira na prática. Não se deixe levar você escolheu. Qual o salário médio de um estagiário?
pelas belas descrições formais, burocráticas, que são Quais as exigências mais recentes de seleção e treina-
oferecidas em programas de faculdades e alguns ser- mento?
viços de orientação vocacional. Não esqueça de per-
guntar sobre salários e perspectivas de evolução pro- Aprenda a preparar um currículo pessoal. Se você pre-
fissional. 9 tende trabalhar durante o segundo grau ou desde o
início da faculdade, procure informações sobre como
Depois de selecionar algumas carreiras, compare suas enfrentar uma entrevista em processos de seleção de
4 habilidades e interesses com as exigidas pelas carrei- estagiários ou profissionais.
ras que você escolheu.

Mas isso ainda não basta. Escolha um objetivo dentro 10 Seja ousado... ou cara de pau! Tente visitar empresas
e técnicos da sua área de interesse. Mande um e-mail
5 da carreira. Você quer chegar ao topo? Quanto tempo para um profissional. Entre em contato direto com o
e dinheiro são necessários para atingir o objetivo que tipo de trabalho que te interessa.
você escolheu?

Fazer uma escolha profissional adequada depende de


“Vire-se!”: auto-avaliação (inclusive de suas condições financeiras), in-
a nova regra do formação sobre as carreiras e contatos diretos.
mundo do trabalho
(*) adaptado de www.mapping-your-future.org

Antigamente, bastava entrar


numa boa faculdade e sair em- depoimento
pregado. Conseguir emprego
era como pegar um trem que Porta da Felicidade
chegava na hora certa e tinha
Sugestões de atividades:
destino certo. Mas o mundo Explosão. Correria. Todos em casa esperando o desfecho da histó-
mudou. Para alguns especialis- ria. Ouvem-se tiros. Dois mortos. Pânico. A cor cinza do local fica ainda
1. Reúna um grupo de ami- tas, conseguir emprego hoje é mais azeda. Cheiro de sangue. Tocam a campainha. Era só mais um
gos com interesses comuns algo mais parecido com um per- pesadelo.
e monte uma equipe de pes- curso numa prova de esporte ra- 
quisa. Divida o trabalho de dical, off-road: vale tudo e nem A história resume o que é escolher aos 17, 18 anos a carreira a
entrar em contato com pro- todos chegam à linha final. Veja seguir por toda uma vida. Sonho ou pesadelo (a conquista da vaga no
fissionais, procurar informa- as dicas para se dar bem nesse ensino superior)? Muitas vozes entram na cabeça de quem escolhe o seu
ções sobre a profissão e pla- terrível mundo novo, publicadas destino.
nejar carreiras. A influência começa com os pais, que querem uma profissão de
pela revista The Futurist:
destaque para os filhos, e vai até os professores, que desejam ver seu
trabalho recompensado. Pressionado, o estudante pára, reflete e demora
2. Sua escola pode ajudar: 1. Seja flexível a encontrar o próprio caminho. Mas está motivado.É preciso então colo-
trazendo especialistas para
car todos os desejos de vida no papel e ver quais deles serão possíveis
discutir casos, organizando 2. Nunca pare de com cada opção. Fazer isso com a pouca experiência natural da idade
palestras sobre a escolha de estudar não é algo fácil, mas é inevitável. De outro lado, escolher a carreira ainda
profissões e até convidando jovem tem lados muito positivos. Há tempo para se aperfeiçoar na profis-
técnicos em finanças para 3. Melhore suas são, fazer cursos extra-curriculares e projetar uma carreira de sucesso.
planejar a poupança neces- habilidades em Saber línguas é útil na hora de procurar emprego. Quem entra cedo na
sária aos estudos. comunicação e faculdade também pode, caso se arrependa, voltar atrás e tentar outra, o
expressão que já é comum. Escolher bem não é obrigação e sim desafio: transformar
3. Dica para quem assina um sonho em realidade.
TV a cabo: a TV Futura exi- 4. Tente, sempre, Ricardo Manini, 18 anos,
be nos finais de semana desenvolver quer ser jornalista.
uma série de filmes habilidades novas
enfocando profissões.
agosto 98
3

CIEE X CIEE: qual a diferença?


A diferença começa pelo endereço na um cadastro disponível no site. O CIEE
Internet: um fica em http:// anunciou também o reinício (apenas na
www.ciee.org, o outro fica em http:// sede de São Paulo) do seu Programa de
www.ciee.org.br. Orientação Vocacional e Profissional de
Os dois sites tratam do mesmo assun- 1998, destinado a jovens de 8ª série e 2º
to: orientação para quem está começando grau. O programa inclui 6 encontros de 2
a pensar no mundo do trabalho. Mas não horas (durante a semana) ou 3 encontros
fica nisso: os dois oferecem também opor- de 4 horas aos sábados.
tunidades de estágio e várias formas de O Centro brasileiro oferece ainda vi-
apoio. sitas a empresas e cursos gratuitos em te-
O primeiro é o Council on mas como inteligência emocional, proces-
International Educational Exchange sos seletivos nas empresas, criatividade,
(Conselho de Intercâmbio Educacional In- desenvolvimento de perfil profissional e de
ternacional). Além de oportunidades de empreendedores, redação e interpretação
trabalho nos EUA para norte-americanos, de textos. Ou seja, além de ajudar os estu-
oferece vagas para estrangeiros. dantes na busca de emprego, o CIEE bra-
Mas nem tudo é trabalho neste site. sileiro oferece oportunidades para quem
As empresas reconhecem cada vez mais, deseja apenas pensar melhor no tipo de
como parte da formação de uma pessoa, carreira que deseja seguir.
sua experiência em outros países, seus con-
tatos com outras culturas e, claro, conheci- Procura por estágios
mento de línguas. Acompanhando essa ten- gio no Brasil ganha em média R$ 300 por no CIEE
dência, o CIEE dá apoio também na orga- mês. Em áreas ligadas à informática, o
nização de viagens para estudantes. estágio nos EUA pode chegar a R$ 2.000. 2º semestre 1997
O outro CIEE é um site brasileiro, Mas dinheiro não é tudo. O CIEE
americano, por exemplo, tem dezenas de • Direito ............................... 16%
mantido pelo Centro de Integração
ofertas de estágios sem remuneração al- • Processamento de Dados ... 30%
Empresa-Escola, um dos mais antigos
guma. É isso mesmo, além de pagar as • Administração ................... 24%
serviços de apoio à contratação de estagi-
despesas de viagem, você iria para os EUA • Contabilidade ...................... 9%
ários no Brasil (criado há 34 anos).
trabalhar de graça por um período limita- • Publicidade e Propaganda ... 7%
Na prática, os dois ajudam a arran-
do. Afinal, o objetivo do estágio nem sem- • Computação ........................ 1%
jar empregos e estágios. São sites comple-
pre é financeiro. Começar a trabalhar pode • Eletrônica ............................ 8%
mentares, pois a área internacional do
ser considerado um investimento: em con- • Secretariado ........................ 2%
Centro de Integração Empresa-Escola ain-
tatos, língua e, claro, na profissão que você • Adm. Comércio Exterior ....... 1%
da está engatinhando.
planeja seguir. • Psicologia ............................ 1%
As diferenças nos salários oferecidos
No caso dos estágios internacionais • Magistério ........................... 1%
para os iniciantes, no Brasil e nos EUA,
são impressionantes. Quem faz um está- do CIEE brasileiro, você precisa preencher Fonte: Banco de Dados/CIEE/SP Dezembro de 1997

Altos e Baixos
■ A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) calcula que existam
800 milhões de desempregados no
mundo, o patamar mais elevado
desde a década de 30.
■ O governo brasileiro gasta menos de
R$ 315 por aluno/ano. Nos Estados
Unidos, o gasto médio já é 20 vezes
Quanto custa?
maior que isso: US$ 6.000 por
aluno/ano. Na hora de pensar em carreiras, cursos e profissões, sonhar não tem limites. Mas é
■ Segundo o Instituto Brasileiro de importante não esquecer que a realização de qualquer projeto tem um custo.
Geografia e Estatística (IBGE), no ano Uma boa conversa com os pais é essencial. A família tem condições de poupar o
passado 45% dos desempregados necessário? Como compatibilizar os planos de irmãos de várias idades? Na maioria
brasileiros tinham entre 15 e 24 anos. dos casos, o que parece caro demais torna-se viável quando a família começa a pou-
■ As mulheres estão na frente: pesquisas par bem cedo. A palavra-chave é planejamento e diálogo, tentando enxergar 5, 10 e
nos países ricos mostram que entre os 15 anos à frente.
jovens é maior o número de mulheres Mas é importante procurar também uma assessoria financeira. O BankBoston, por
que chegam à universidade: as exemplo, lançou um produto voltado ao planejamento educacional de longo prazo (“Boston
maiores diferenças em favor das Futuro Programado”). Com juros de 12% ao ano, um curso de 5 anos de duração com
meninas aparecem na França, na mensalidades na faixa de R$ 700 exigirá uma poupança mensal, ao longo de 4 anos, de
Espanha e nos Estados Unidos. R$ 570. Se você começar antes, poupando ao longo de 6 anos, a reserva mensal cai para
R$ 335. Os mais previdentes, que iniciarem sua poupança na 1a. série do primeiro grau,
a poupança mensal necessária cai para R$ 130. Ou seja, quanto antes começar o plane-
jamento, mais fácil será pagar pelos estudos, até mesmo no exterior. A Caixa Econômica
Federal também oferece linhas de crédito educativo. Os estágios e bolsas de estudo tam-
bém são uma opção, mas nesse caso a renda pode ser temporária e insuficiente.
Na prática, a solução mais comum é combinar trabalhos temporários, ajuda fami-
liar, bolsas de estudo e empréstimos voltados para a educação.
agosto 98
4 Mas, nos três casos, há um
problema: um dia, se diz ao jo- B I B L I O T E C A

Família: vem (ou ele mesmo sente) que é


hora de tomar decisões por si
mesmo. Mas ele não só não foi
“alfabetizado” para escolher
Você prefere o sofá à tela do
micro? Tente essas leituras:

■ Qual a cor de seu pára-

afinal, com a própria cabeça, como


não desenvolveu a autoconfian-
ça necessária para fazer gran-
quedas?, Como conseguir
um emprego e descobrir a
profissão de seus sonhos,
Richard Nelson Bolles,

quem des opções.


Seu mundo interior pode ser
ainda um ilustre desconhecido
Salamandra, 1998.

■ Seu diploma, sua prancha.


Como escolher a profissão e
decide? que não lhe permite nem sequer
discriminar quais são os desejos
dos pais e quais são os dele pró-
surfar no mercado de
trabalho, Roberto Macedo,
Saraiva, 1998.

N ão são os filhos que fa- perdas, não estará sendo trei-


prio. E o problema não é menor
quando foi vítima da educação
zem suas primeiras escolhas, a nada para fazer as “grandes” omissa, pois a tomada de deci-
começar pela definição do escolhas: namoro, casamento, sões é exercitada e fortalecida nal”, pais e mães tentam reafir-
nome próprio pelo qual serão religião, preferências sexuais, pelo confronto e pela manifesta- mar a crença de que as coisas
identificados durante toda a profissão. Há três tipos de edu- ção respeitosa das diferenças. mudam de uma geração a ou-
vida. Assim será também com cação que impedem esse “ trei- Resultado: a escolha se tor- tra, mas “nem tanto”, e que por
as roupas, os alimentos e a es- no”: a repressora, a superprote- na um tiro no escuro. isso eles ainda têm muito a di-
cola. Os pais escolhem por eles. tora e a omissa. Mas por que muitas vezes zer aos filhos. Isso pode ser ego-
Aliás, é de se esperar que pais e mães não apenas adiam ísta: há pais que geram e
façam isso, mesmo quando os Educação repressora: esse “treino” para as escolhas, “usam” a indefinição do filho
filhos já deixaram de ser tão ab- o seu mal está na dor que o jo- mas ainda insistem em fazê-las para se convencerem de que
solutamente dependentes como vem sente quando seus pais li- pelo filho mesmo quando já che- não envelheceram tanto assim.
quando eram bebês. A Psicolo- mitam demais suas iniciativas. gou o momento em que cabe
gia mostra o quanto a formação Na prática, isso já antecipa mui- somente a ele decidir? Então, o que fazer?
da identidade está relacionada tos outros limites que serão co- Insistir em decidir pelo fi-
também à segurança com que locados pela própria sociedade, lho é muitas vezes um jeito que Talvez aqui caiba, melhor
os pais dirigem os primeiros mesmo quando os pais não esti- os pais encontram para evitar do que em muitas outras situa-
passos da criança na vida fami- verem por perto para dizer “não frustrações com más escolhas. ções, o dito popular de que às
liar e social e à qualidade dos pode”. Ou seja: “tenho agora a maturi- vezes o melhor jeito de ajudar
afetos presentes nessas escolhas. Educação superprote- dade para saber o que é bom e é não atrapalhar. Mas isso pode
Mas há o risco de acomo- tora: a intenção é boa, mas posso ajudá-lo”. não resolver os dilemas daque-
damento a esta situação. O que provoca um aborrecimento no O grande engano, nesse les pais que não sabem quando
no início era uma assistência jovem que sente quando pai ou caso, é acreditar que, sem par- estão atrapalhando.
absolutamente necessária pode mãe ficam sempre se apresen- ticipar das próprias escolhas, o Tanto quanto dores de bar-
se tornar algo prejudicial, de- tando para fazer as coisas “me- filho terá condições de ser fe- riga ou de cabeça precisam de
pendendo do ambiente familiar. lhor” do que ele. liz. Na verdade, ele será infe- pediatras que diagnostiquem
Se já muito cedo a crian- Educação omissa: nes- liz se não puder andar com as suas causas, os sintomas que
ça não for estimulada a fazer se caso o erro está no sentimen- próprias pernas. apontam para dificuldades de
pequenas escolhas e a respon- to de ter sido precocemente Em outros casos, quando autoconhecimento (e por isso di-
der pelos acertos e eventuais abandonado à própria sorte. insistem em dar a “palavra fi- ficultam as escolhas) podem ser
examinados por especialistas
Para o professor (psicólogos, especialistas em ori-
entação vocacional e coordena-
dores pedagógicos nas escolas).
Por que fazer Que Fazer? Por fim, é importante que
o jovem busque olhar para sua
A proposta da Editora Pangea, com apoio do BankBoston, é história de vida e avalie o quan-
reunir informação e análises sobre os desafios que o estudante no to já pôde se exercitar no alfa-
Ensino Médio enfrenta na escolha de profissões e na procura por beto das escolhas e no jogo de
trabalho. ganhos e perdas.
O projeto é multidisciplinar, com a colaboração de economis-
tas, jornalistas, psicólogos e pedagogos.
Serão combinados três eixos temáticos: orientação vocacional,
avaliação de tendências no mercado de trabalho sob o impacto de
novas tecnologias e, crucial, estratégias financeiras para “chegar lá”.

Expediente
Supervisão Editorial: Gilson Schwartz
Consultor pedagógico: Luiz Paulo Labriola
Pesquisa: Knowware Consultoria
Projeto gráfico: Wladimir Senise

e-mail: schwartz@uol.com.br

Que fazer?
■tecnologia ■ vocação ■ emprego ■
é um suplemento dos boletins
Mundo
Geografia e Política Internacional e
Texto & Cultura
■ interpretar ■ escrever ■
Não pode ser vendido ou distribuído
separadamente.

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